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1.ª Secção (Cível)
|
<b><font> </font></b><font><br>
<p><b><font>Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça:</font></b>
</p><p><font>AA intentou acção, com processo ordinário, contra BB e sua mulher CC, pedindo a sua condenação no pagamento da quantia ainda em dívida para com “DD, Limitada”, no montante que tem vindo a ser descontado (175,00 euros e 180,00 euros mensais) no vencimento do Autor, respectivamente desde Fevereiro de 2004 e Abril de 2005, até que os Réus paguem o total de 2880,27 euros; no pagamento de juros vencidos e vincendos; no pagamento do remanescente em dívida para com aquela sociedade; no pagamento de quantia não inferior a 1000,00 euros, a título de danos não patrimoniais.</font>
</p><p><font>Os Réus, excepcionaram a nulidade do contrato, invocado como causa de pedir, e o abuso de direito. No mais, defenderam-se por impugnação referindo, também, que a Ré mulher não participou no acordo.</font>
</p><p><font>No Circulo Judicial de Portimão – e após despacho saneador que julgou improcedente a nulidade mas absolveu a Ré do pedido – a acção foi julgada parcialmente procedente e o Réu condenado a pagar ao Autor todas as quantias já penhoradas e descontadas no seu vencimento, e assim como as que lhe vierem a ser descontadas na execução que lhe foi movida pela sociedade “DD – Indústria de Tintas e Revestimentos, Limitada”, até ao montante de 25.834,97 euros, em juros devidos na execução, os juros de mora legais vencidos e vincendos dos montantes descontados mensalmente até integral pagamento.</font>
</p><p><font>O Réu apelou para a Relação de Évora que negou provimento ao recurso, excepto na parte referente à condenação em custas na primeira instância que passaram a ser suportadas por Autor e Réu nas proporções respectivas de 14/27 e 13/27.</font>
</p><p><font>Inconformado pede o Réu revista.</font>
</p><p><font>Assim conclui a sua alegação:</font>
</p><p><font>- Requer a nulidade da decisão proferida, nos termos do artigo 668.º, n.º 1, alíneas c) e d) do CPC.</font>
</p><p><font>- Existiu omissão de pronúncia quando foram pedidos (no Req. de Prova do Réu de 9.11.2005 que reiterou o pedido já feito na Contestação) todos os elementos contabilísticos da EE em poder do Autor, por serem elementos de prova relevantes e com interesse para a decisão da causa, sobre a qual não houve qualquer pronúncia, cfr. omissão no Despacho de Fls. 226, sendo que os elementos contabilísticos de uma sociedade, como o Balanço e o Balancete, a Relação do activo e o passivo, o Livros de “escrituração comercial” como previsto no art. 44 do Cód. Comercial, são elementos do conhecimento geral e reiterada e amplamente dita a sua relevância na Contestação, entre outras quando se alegou que as dívidas existentes se deviam ao comportamento do Autor e que não pagava aos fornecedores e se apropriava dos dinheiros da sociedade, quando o Autor ocultava as dívidas e as despesas efectuadas, e acima de tudo quando foi alegado e quesitado matéria controvertida relativa ao stock de tintas e existências da EE e que era de valor suficiente para pagar a Execução movida contra o Autor e que fundam pedido do Autor, e ainda por o Recorrente ter pedido que tal fosse tomado em consideração como Compensação, a par do pagamento do empréstimo pessoal (quesito 10), elementos que versam sobre compensação por créditos que o Réu tem sobre o Autor. </font>
</p><p><font>- Por outro lado, como permitido e nos termos do disposto no artigo 729º, nº. 2 e 3 do C.P.C., a matéria de facto deste quesito nº 10 deve ser alterada para provada como exposto por os fundamentos do Acórdão assim o imporem nomeadamente quanto à análise do testemunho de FF, e consequentemente deve ser revogada a decisão recorrida e substituída por outra que considere como Provado o quesito 10 da B.I., e em conformidade considerar procedente o pedido de compensação invocado pelo Réu marido, se não mais no mínimo quanto ao valor aí referido de 2.287,49 €. </font>
</p><p><font>- No mínimo, a decisão a proferir no caso subjudice deve necessariamente considerar a Compensação, nos termos do artigo 847º do C.C. e ss., atendendo aos valores que o Réu tem a haver e dar como compensados face ao Autor, subtraindo-se estes valores da quantia a pagar pelo Réu ao Autor, revogando a decisão recorrida. </font>
</p><p><font>- A não pronúncia e posterior não aceitação sobre aqueles elementos de prova essenciais, constitui violação entre outros do artigo 660° do Código de Processo Civil e motivo para a nulidade da Decisão, conforme letra e espírito do Artigo 668 nº 1 al. c) e d) do Código de Processo Civil.</font>
</p><p><font>- A nulidade prevista na al. d) do art.º 668º do CPC (omissão de pronúncia) é a sanção correspondente à violação do comando previsto no art.º 660º, n.º 2 do Cód. Proc. Civil. </font>
</p><p><font>- Deve ser alterado o D) dos Assentes/ 4 dos factos provados passando a constar o “A. e R. marido assinaram um acordo para pagamento das quantias que a sociedade ainda tinha em dívida”, como alegado pelo Autor em 9º da P.I. e aceite pelo Réu sob pena de violação do artigo 659º nº 3 do CPC que ocorreu, passando esta a ser esta redacção que se fixará ao ponto 4. da matéria de facto provada no Acórdão. </font>
</p><p><font>- O tribunal fez errada aplicação da lei quanto à relação entre os sócios que são Autor e Réu nesta acção, com expressa violação do previsto nos artigos 992º, nº. 1, 993º e 994º do art. 1016º, nº 2 do Código Civil, sendo que os referidos normativos não permitem outra solução de direito, como é a perfilhada pelo Tribunal, para além da violação dos arts. 595º e ss. do Código Civil e ainda por violação dos artigos 22º, 56º c) e d) e 58º do Código das Sociedades Comerciais, sendo por conseguinte o “Acordo para Pagamento da Dívida” nulo por contrário às disposições legais imperativas – que deverá ser decretada na presente acção, pois mesmo a liberdade contratual está sempre sujeita ao que a lei permite e estar “dentro dos limites da lei”, cfr. art. 405 do Código Civil. </font>
</p><p><font>- Para além de que houve violação das regras sobre prova, nomeadamente das prevista nos arts. 364º, 369º e 371º do Código Civil, em que Documentos Autênticos, as duas Certidões referidas – a comercial da matrícula da sociedade e Judicial da Execução – não fizeram prova dos factos nele contidos e foram postergados por documentos particulares, havendo ainda a violação do principio da boa fé e do critério do homem médio comum ou declaratário normal perante o conteúdo do Acordo entre a partes. </font>
</p><p><font>- Porquanto, a Execução da DD contra o Autor foi interposta a 21.03.2002, cfr. Documento Autêntico junto pelo A. – Certidão judicial da Execução Proc. nº 298/2002 – 1.ª Vara Mista do Tribunal Judicial de Vila Nova de Gaia, e o Acordo de 3 de Julho de 2002 entre A. e R. para divisão das dívidas entre os sócios é posterior àquela Execução contra o Autor, pelo que, segundo o entendimento do homem médio comum e de um declaratário normal colocado perante as circunstâncias e factos, é que já estando a correr a Execução contra o Autor, e ao não ser incluída no Acordo qualquer referência à Execução e às letras que fundam a Execução, é porque o Autor não as quis incluir no Acordo e se o Autor se queria desonerar da responsabilidade de pagar as Letras e a Execução à DD (um terceiro) e atribuí-la ao Réu marido (como vem fazer na Acção ora em recurso) tinha que a referir e expressamente prever no “Acordo para pagamento de Dívida”, no texto do Doc. nº 2 da P.J. e o ponto 4 da matéria provada. </font>
</p><p><font>- Pelo que há clara violação do artigo 762º do Código Civil, do principio geral da Boa Fé no cumprimento e no exercício do direito, violado o disposto no nº 2 deste artigo que prevê expressamente que as partes devem proceder de boa fé, quer no cumprimento de uma obrigação quer no exercício do direito. </font>
</p><p><font>- O Supremo Tribunal de Justiça nos termos dos arts. 722º nº 2 e 729, 2 e 3 CPC pode conhecer e conhecerá da violação ou da necessidade de ampliação da matéria de facto ou da existência de contradições que inviabilizem a decisão jurídica do pleito, o que pelo presente se requer. </font>
</p><p><font>- O recorrente aponta expressamente a ofensa de disposição expressa de lei – os arts. 371º e 372º do C.C. – que exija certa espécie de prova ou que fixe a força de determinado meio de prova que tornaria sindicável a nulidade ou invalidade do Acordo e a consequente alteração da decisão do facto. </font>
</p><p><font>- Assim o Douto Acórdão ao não acolher o recurso de apelação e os fundamentos aí avocados, e pelas razões e nos termos ora expostos violou os artigos supra referidos e deve ser revogada e substituída por outra em que se faça a Justiça pedida e declarado a nulidade do Acordo celebrado entre as partes com a consequente absolvição do Réu </font>
</p><p><font>- Ou outra onde se dê provimento por provada a Compensação, sendo subtraído os valor apurados à quantia a pagar pelo Réu ao Autor ou caso assim não se entenda, que se dignem ordenar novo Julgamento com vista à ampliação da matéria de facto, que seja mandado repetir e/ou reenviado para novo julgamento com todos os factos articulados pelas partes (em especial do Réu) e que se mostrem controvertidos, de forma a que sobre eles seja efectuado Julgamento e proferida decisão.</font>
</p><p><font>Não foram oferecidas contra-alegações.</font>
</p><p><font> A Relação, em derradeira pronúncia sobre as arguidas nulidades referiu inexistirem, mas que, de todo o modo, se reportariam à decisão da 1ª Instância, que não ao Acórdão recorrido.</font>
</p><p><font> O Acórdão recorrido deu por definitivamente assente a seguinte </font><b><font>matéria de facto</font></b><font>:</font>
</p><p><font>1. O A. e o R. marido foram os únicos sócios e gerentes da sociedade EE – COMÉRCIO DE TINTAS, LDA, a qual esteve matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Lagoa sob o n.°1176/110997 – al. A) dos factos assentes. </font>
</p><p><font>2. A sociedade tinha por objecto o comércio de tintas, sua aplicação e venda de materiais conexos com o comércio de tintas – al. B) dos factos assentes. </font>
</p><p><font>3. A determinada altura da existência e actividade da sociedade começara a avultar-se as dívidas a fornecedores e a situação económica começou a ficar débil – al. C) dos factos assentes (alterado infra no sentido de se considerar assente que a determinada altura da existência e actividade da sociedade, esta começou a apresentar várias dívidas a fornecedores). </font>
</p><p><font>4. O A. e R. marido assinaram o acordo de fls. 17/18, datado de 03.07.200 e intitulado acordo para pagamento de dívida, onde constam o A. com primeiro outorgante e o R. marido como segundo outorgante, estipulando-se que entre eles é estabelecido o seguinte acordo:</font>
</p><p><font>1° Os dois contraentes são os únicos sócios e gerentes da sociedade EE. LDA (…)</font>
</p><p><font>2° Da actividade desta sociedade resultaram as seguintes dívidas conhecidas: </font>
</p><p><font>a) à Sociedade JDF Sucrs, Lda </font>
</p><p><font>b) à DD - Ind. de Tintas e Revestimentos Lda </font>
</p><p><font>c) às Finanças (IVA e IRS) e à Segurança Social </font>
</p><p><font>3° Pelo presente e tendo em conta a cessação da actividade da referida sociedade e futura liquidação da mesma, acordam os contraentes estabelecer entre si a responsabilidade pelo pagamento das referidas dívidas da sociedade, independentemente da responsabilidade solidária perante terceiros. </font>
</p><p><font>4º. Assim, o primeiro será responsável em exclusivo pelo pagamento da divida à sociedade referida na alínea a) da clausula segunda deste acordo, sendo o segundo o responsável, em exclusivo, pelo pagamento das dívidas referidas em b) e c) da mesma clausula. </font>
</p><p><font>(…) </font>
</p><p><font>6°. Caso as dívidas da responsabilidade ora atribuída a um dos contraentes não venham a ser por ele pagas e venham a resultar em execução contra o outro contraente, desde já fica definido e aceite que aquele que era o responsável nos termos do presente acordo, se constitui devedor perante o outro e se obriga a ressarci-lo de todas as quantias pagas e danos que para este resultarem – al. D) dos factos assentes. </font>
</p><p><font>5. Pela sociedade “DD – Ind. de Tintas e Revestimentos, Lda” foi instaurada acção executiva contra o A., por o seu nome constar como titular de letras emitidas mas não pagas – al. E) dos factos assentes. </font>
</p><p><font>6. Em 17 de Setembro de 2004, o A. requereu notificação avulsa do R. marido, nos termos de fls. 51 e ss., tendo o R. marido sido notificado em 04.12.04 – al. F) dos factos assentes. </font>
</p><p><font>7. Os gerentes da EE, Lda começaram a usar como forma de pagamento, pelo menos, à DD Lda, letras de câmbio em seu nome próprio – resposta ao quesito 1º. </font>
</p><p><font>8. A. e R., porque a empresa tinha dificuldades económicas, decidiram garantir dessa forma o pagamento das quantias em dívida à DD e cessar a actividade da empresa – resposta ao quesito 2º. </font>
</p><p><font>9. A acção executiva referida em E) (supra nº5) visa cobrar o valor de 25.834,97 euros, acrescido de juros vincendos até integral pagamento – resposta ao quesito 3º. </font>
</p><p><font>10. A quantia em dívida refere-se a onze letras de câmbio subscritas pelo A., mas emitidas para pagamento de bens fornecidos pela “DD, Lda” à “EE, Lda”, entre 1999 e 2001 – resposta ao quesito 4º. </font>
</p><p><font>11. Como resultado dessa execução foi penhorada uma parte do vencimento mensal do A., correspondente a cerca de 175 euros por mês, desde Fevereiro de 2004, e desde Abril de 2005 à quantia mensal de 180 euros, para pagamento da quantia em dívida – resposta ao quesito 5º. </font>
</p><p><font>Foram colhidos os vistos.</font>
</p><p><font> Conhecendo</font>
</p><p><font> 1- Poderes do Supremo Tribunal de Justiça quanto à matéria de facto.</font>
</p><p><font> 2 - Nulidade da decisão.</font>
</p><p><font> 3 - Despacho saneador – caso julgado.</font>
</p><p><font> 4 - Conclusões</font>
</p><p><b><font>1. Poderes do Supremo Tribunal de Justiça quanto à matéria de facto.</font></b>
</p><p><font>1.1. Movemo-nos no âmbito do recurso de revista.</font>
</p><p><font>A intervenção do Supremo Tribunal de Justiça, quanto à matéria de facto, é muitíssimo limitada, apenas podendo averiguar da observância das regras de direito probatório material, artigo 722º nº2, ou mandar ampliar a decisão sobre a matéria de facto, artigo 729º, nº 3 (Acórdão do STJ de 17 de Março de 2005 - 0SB2682 - onde ainda se decidiu caber às “instâncias apurar a factualidade relevante, sendo que na definição da matéria factica necessária para a solução do litigio, cabe à Relação a última palavra. Só à Relação compete censurar as respostas ao questionário ou anular a decisão proferida na 1.ª instância, através do exercício dos poderes conferidos pelos nºs 1 e 4 do artigo 712º- entre muitos outros, os Acórdãos de 18 de Abril de 2006 – 06 A871 e de 18 de Maio de 2006 – 06 A1248 – desta conferência).</font>
</p><p><font>É que, salvo as situações de excepção previstas na lei, o Supremo Tribunal de Justiça conhece apenas matéria de direito, “ex vi” do artigo 26.º da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais, aprovada pela Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro.</font>
</p><p><font>A regra é o Supremo Tribunal de Justiça limitar se a aplicar ao factos definitivamente fixados pelo tribunal “a quo” o regime jurídico pertinente. </font>
</p><p><font>As situações de excepção (artigos 722º nº 2 e 729º n.º 2 do Código de Processo Civil) ocorrem quando houver ofensa de disposição expressa da lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou fixe a força probatória de determinado meio de prova, isto é, o sindicar do modo como a Relação fixou os factos materiais só pode ocorrer, no âmbito do recurso de revista, se aquele Tribunal deu por provado um facto sem produção do tipo de prova que a lei exige como não dispensável para demonstrar a sua existência ou tiver incumprido os preceitos reguladores da força probatória de certos meios de prova (cf. Cons. Cardona Ferreira ‘Guia de Recursos em Processo Civil’, 103 – ‘E há que ter, sempre presente, que o STJ, como se disse não julga matéria de facto (v.g. artº 729º). Esta orientação não é alargada pelo artigo 727º (que ressalva os artigos 722º nº 2 e 729º nº2) porque, como não é demais sublinhar, o que pode estar em causa no STJ, é saber se se respeitou a lei quanto ao valor ou relevância dos meios de prova; e, no concernente á prova documental, na medida em que, mormente a parte interessada pode não ter podido dispor de certo documento até ao momento de se iniciar a fase de julgamento na 2ª instância, ou não ser previsível á sua pertinência...’). </font>
</p><p><font>1.2 - Aqui chegados resta verificar se a Relação, ao fixar a matéria de facto, incumpriu a segunda parte do nº 2 do artigo 722º do diploma adjectivo, isto é; se deu como provado um facto sem produção de prova legalmente indispensável para a sua existência ou se foram infringidas as normas reguladoras da força probatória de determinado meio de prova. </font>
</p><p><font>Parece evidente que não ocorreu nenhuma dessas situações de excepção, que, aliás, nem o recorrente identifica de forma apodíctica. </font>
</p><p><font>Vale, assim, a regra do nº 2 do artigo 729º do Código de Processo Civil, quedando intocada a factualidade provada, pois que o eventual erro na apreciação das provas, isto é, a decisão da matéria de facto baseada nos meios de prova produzidos e de livre apreciação do julgador, não cabe no âmbito do recurso de revista. </font>
</p><p><font>Para isso, a censura sobre a forma como a Relação exerceu os seus poderes quanto ao julgamento da matéria de facto pela 1.ª instância, está fora do âmbito de cognição deste Supremo Tribunal. </font>
</p><p><font>Excepcionalmente, e como ensina o Cons. Amâncio Ferreira, “o Supremo pode ex officio exercer tacitamente censura sobre o não uso por parte da Relação dos poderes de alteração ou anulação da decisão de facto, sempre que entenda dever esta decisão ser ampliada, em ordem a constituir base suficiente para a decisão de direito, ou que ocorrem contradições na decisão sobre a matéria de facto que inviabilizam a decisão jurídica do pleito, ante o estatuído no nº 3 do artigo 729º (apud, “Manual dos Recursos em Processo Civil”, 6ª ed., 226).</font>
</p><p><font>Trata-se de, e no essencial, consagrar o princípio acima referido (do artigo 26º da LOFTJ) que limita à matéria de direito a matéria de competência jurisdicional do Supremo Tribunal.</font>
</p><p><font>1.3. “In casu” não se perfilam razões para que este Supremo Tribunal use da faculdade do nº 3 do artigo 729º do Código de Processo Civil – determinar a ampliação da matéria de facto.</font>
</p><p><font> Como se decidiu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 31 de Outubro de 2006 – 06A2900 – também desta conferência, “há que distinguir dois momentos: o do julgamento da matéria de facto e o da prolação da sentença ou acórdão finais. </font>
</p><p><font>Ali, vale o nº 2 do artigo 653º do Código de Processo Civil com uma análise critica das provas em termos de precisar quais as determinantes (e em que medida) para a convicção do julgador quanto à matéria de facto. </font>
</p><p><font>Já o nº 3 do artigo 659º do mesmo diploma impõe o ‘exame critico das provas’ que, na fase da decisão final, é licito conhecer, em termos de apurar da compatibilidade do que foi assente na decisão sobre a matéria de facto com o nº4 do artigo 646º. </font>
</p><p><font>Outrossim, quando a Relação reaprecia a prova ao abrigo do nº 2 do artigo 712º do Código de Processo Civil, fá-lo-á nos precisos termos do nº 2 do artigo 653º. </font>
</p><p><font>O recorrente não assaca o incumprimento deste preceito mas, e apenas, o nº 3 do artigo 659º, o que, é patente, não ocorrer, inexistindo, também, qualquer contradição por, inconsideração de alguns dos documentos.</font>
</p><p><font>O nº 3 do artigo 729º – dos poderes do Supremo Tribunal de Justiça – tem como preceito homólogo – para a Relação – o nº 4 do artigo 712º, também do Código de Processo Civil.</font>
</p><p><font> A Relação não entendeu necessário dele lançar mão, sendo que esse segmento decisório só seria sindicável na medida em que este Supremo Tribunal o fizesse ao abrigo do citado nº 3 do artigo 729º do diploma adjectivo.</font>
</p><p><font> Mas, perante os factos alegados, e os levados à base instrutória, tal não se afigura necessário.</font>
</p><p><font> Vejamos.</font>
</p><p><font> O recorrente vem insistindo, sem êxito – desde o momento a que se refere o nº 2 do artigo 511º do CPC – pelo aditamento à base instrutória da matéria que articulou sob os n.ºs 6, 7, 8, 9, 11 e 12 da contestação, ou seja:</font>
</p><p><font>“As dívidas a fornecedores e a situação económica débil da sociedade EE deveu-se única e exclusivamente ao sócio AA, ora Autor, que tinha todos os assuntos financeiros à sua responsabilidade e tinha como função específica efectuar os pagamentos aos fornecedores?” </font>
</p><p><font>“O Réu deixou cheques emitidos e/ou dinheiro para saldar dívidas da EE ou pagar a fornecedores e à contabilidade, e o Autor não os entregava nem pagava aos fornecedores? </font>
</p><p><font>“Não os devolveu à EE e fez suas tais quantias apropriando-se indevidamente das mesmas?” </font>
</p><p><font>“Só o Autor tinha dados relativos às contas correntes, facturas e cobranças do fornecedores, aos elementos administrativos e outros num computador que só ele utilizava e tinha protegido com passwords pessoais que só ele sabia e nunca deu ao Réu? </font>
</p><p><font>“O Autor evitou e/ou impediu o acesso do Réu a esses dados? </font>
</p><p><font>- “Só o Autor tinha acesso a esses dados e antes da empresa terminar, o Autor levou o computador que nunca esteve ou ficou disponível para o Réu?” </font>
</p><p><font>Porém, considerando a causa de pedir, a impugnação da matéria do primeiro articulado e a versão trazida aos autos na contestação, não resulta que aqueles factos sejam essenciais – ou sequer dotados de instrumentalidade relevante – para a decisão, em termos de a sua inclusão na base instrutória importar para a decisão de direito.</font>
</p><p><font>Ou seja, ainda que aqueles factos (após a controversia) viessem a ser dados como provados, não influíram na sorte do demandado.</font>
</p><p><font>O uso da faculdade do n.º 3 do artigo 729.º do Código de Processo Civil conecta-se intimamente com a bondade da selecção da matéria de facto, a que se refere o n.º 1 do artigo 511.º.</font>
</p><p><font>Aqui, busca-se joeirar os factos, deixando apenas passar os pertinentes ou necessários (relevantes) para a decisão da causa; ali, procede-se à reabertura da fase de condensação para incluir nos factos probandos aqueles que – embora relevantes – escaparam pelo crivo e deixaram de constar da base instrutória onde deviam ter sido elencados, desde que, obviamente, alegados pelas partes.</font>
</p><p><font>Como explica o Cons. Rodrigues Bastos (in “Notas ao Código de Processo Civil”, III, 3.ª ed., 286) a faculdade daquele n.º 3 “é para ser exercida quando as instâncias seleccionarem imperfeitamente a matéria da prova, amputando-o, assim, de elementos que consideram dispensáveis mas que se verifica serem indispensáveis para o Supremo definir o direito.”</font>
</p><p><font>Porém, mau grado esta faculdade, não é admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça contra a selecção da matéria de facto incluída na base instrutória ou dada por assente tal e, como acima se acentuou, das decisões da Relação quanto à matéria de facto.</font>
</p><p><font>Finalmente, e ao contrário do que afirma o recorrente não se está perante a situação de incumprimento pela Relação de normas reguladoras da força probatória da prova documental, situação que a ter ocorrido seria permissiva da revista, tal como se disse, nos termos do n.º 2 do artigo 722.º da lei processual (hoje n.º 3, mas na redacção do Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto, só aplicável às acções intentadas após 1 de Janeiro de 2008).</font>
</p><p><b><font>2- Nulidade da decisão</font></b>
</p><p><font>O recorrente argui as nulidades das alíneas c) e d) do artigo 668.º do Código de Processo Civil, respectivamente, contradição entre os fundamentos e a decisão e omissão de pronúncia.</font>
</p><p><font>2.1- A primeira terá de consistir em incoerência lógica entre o afirmado nas permissas e a conclusão alcançada.</font>
</p><p><font>Trata-se de um vício de raciocínio do julgador que decide ao arrepio do que tudo apontava em termos discursivos gerando uma incoerência a resultar directamente da leitura do arrazoado.</font>
</p><p><font>Há uma contradição real (que não apenas meramente aparente ou discursiva, então sujeita a aclaração, ou resultantes de erro material), traduzida num autêntico vício de raciocínio do julgador (que, em linguagem coloquial, sinalizou a manobra para um sentido e seguiu a via oposta).</font>
</p><p><font>Terá de percorrer-se um processo lógico e racional e não obter uma decisão ilógica e arbitrária, violadora das regras da dialéctica e da experiência comum.</font>
</p><p><font>Ora, nada nos autos, nem da argumentação recursória, permite que se conclua pela ilogicidade do silogismo judiciário, isto é, que da premissa maior – a lei – e da menor – os factos – os julgadores tenham extraído uma conclusão com “contraditio in terminis”.</font>
</p><p><font>Não se perfila, pois, qualquer vício de raciocínio lógico-silogistico ou colisão do decidido com as permissas em que assentou. (cf., v.g., os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 21 de Outubro de 1988 – BMJ 380-444, e de 30 de Março de 1989 – BMJ 387-456).</font>
</p><p><font>2.2. Quanto à omissão de pronúncia há, salvo o merecido respeito, alguma confusão do recorrente.</font>
</p><p><font>Trata-se de um vício de limite integrador de “error in judicio” consistente no silenciar uma questão que o tribunal deva conhecer, “ex vi” do n.º 2 do artigo 660.º do Código de Processo Civil.</font>
</p><p><font>Como vem julgando este Supremo Tribunal de Justiça “a omissão de pronúncia supõe a omissão de conhecimento de questão que o Tribunal deva conhecer por força do n.º 2 do artigo 660.º (que não o, de forma detalhada, abordar todos os argumentos, considerações, ou até juízos de valor, produzidos pelas partes) silenciando-as em absoluto.” – Acórdão de 20 de Junho de 2006 – 06 A1443. (cf. ainda, o Acórdão de 6 de Julho de 2006 – 06 A1838, entre outros: “A omissão de conhecimento, como causa de nulidade da decisão, implica o silenciar de qualquer das questões a que se refere o n.º 2 do artigo 660.º do Código de Processo Civil. Se a questão é abordado mas existe uma divergência entre o afirmado e a verdade jurídica ou fáctica, há erro de julgamento, que não “errore in procendo”).</font>
</p><p><font>Mas, não resulta que a Relação – e é do Acórdão desta Instância que se recorre – tivesse deixado de conhecer qualquer questão submetido à sua apreciação pelo que não se vê que tivesse omitido conhecimento.</font>
</p><p><font>Certo, porém, que o recorrente imputa à 1.ª instância, o se não ter pronunciado sobre o seu requerimento (de fls. 214) em que pedia a notificação do Autor para que juntasse todos os elementos da “EE, Limitada” que tivesse em seu poder.</font>
</p><p><font>Antes, e no mesmo requerimento, pedira a entrega pelo Autor do disco rígido e do computador “com todos os dados e todos os demais elementos contabilísticos que tenha da ‘EE, Limitada’, por serem elementos relevantes e com interesse para a causa.”</font>
</p><p><font>O M.º Juiz indeferiu o requerimento, reportando-se, apenas ao “computador por, para além de só num sentido amplo se poder equipará-lo a um documento, não vir justificado o seu valor probatório…”</font>
</p><p><font>Nada disse quanto aos elementos contabilísticos.</font>
</p><p><font>O Réu recorreu do despacho de indeferimento, que não foi admitido sendo que não reclamou da não admissão, ao abrigo do artigo 688.º do Código de Processo Civil.</font>
</p><p><font>Quanto ao silêncio sobre a segunda parte do requerimento nada disse, então.</font>
</p><p><font>Só que esse silêncio integraria (sim, e ao contrário do afirmado pela Relação) uma omissão de pronúncia.</font>
</p><p><font>Como interpôs recurso do despacho, não podia arguir esse vício de limite, a não ser no recurso (face ao preceituado no n.º 3 do artigo 668.º) que não perante o Tribunal “a quo” (hoje n.º 4 – na redacção do Decreto-Lei n.º 303/2007, não aplicável nesta lide).</font>
</p><p><font>Este preceito reporta-se, contudo, às situações em que a sentença ou despacho admitem “recurso ordinário”.</font>
</p><p><font>Ora, como se viu, a decisão não era recorrível, tanto assim que o recurso não foi admitido e a parte nem reagiu a esse indeferimento vestibular.</font>
</p><p><font>Por isso, devia a nulidade da alínea d) do n.º 1 do artigo 668.º do Código de Processo Civil ter sido arguida logo na 1.ª instância.</font>
</p><p><font>Não o tendo sido, ficou indiscutivelmente sanada.</font>
</p><p><font>De qualquer modo, o recorrente suscitou-a na apelação, sendo que o Acórdão em crise a desconsiderou.</font>
</p><p><font>Ora, tratando-se de “error in judicando” praticado na 1.ª instância e estando, aqui, a escrutinar-se o Acórdão da Relação só releva a decisão deste sobre a nulidade arguida, que não a nulidade em si mesma, por não cometida no aresto impugnado.</font>
</p><p><font>Os eventuais vícios de limite apenas importam, como tal, se imputadas à decisão recorrida.</font>
</p><p><font>Se cometidos em decisão já escrutinada por esta, não valem como nulidades do artigo 668.º do Código de Processo Civil por estar, agora, e apenas em causa o mérito do Acórdão que este Supremo Tribunal sindica.</font>
</p><p><font>É que, a Relação ou a julga procedente e substitui o Tribunal recorrido conhecendo o objecto do recurso – artigo 715.º do Código de Processo Civil – ou a julga improcedente, e é esse segmento, e respectivos fundamentos (que não a nulidade por si não cometida) que se conhece na revista.</font>
</p><p><font>Do exposto resulta a não razão do recorrente e a manutenção, nesta parte (embora com diverso fundamento) do Acórdão recorrido.</font>
</p><p><b><font>3- Despacho saneador; caso julgado</font></b><font>.</font>
</p><p><font>O recorrente insiste em que o acordo constitutivo da “causa petendi” é nulo por violar o disposto no conjugado dos artigos 595 ss., 992.º, n.º1, 993.º, 994.º e 1016.º, n.º 2 do Código Civil e 22.º, 56.º c) e d) e 58.º do Código das Sociedades Comerciais.</font>
</p><p><font>A questão fora levantada na sua contestação como excepção peremptória inominada.</font>
</p><p><font>No despacho saneador julgou-se “infundada” esta excepção.</font>
</p><p><font>E analisou-se o n.º 3 do artigo 22 do Código das Sociedades Comerciais para concluir que aí se prescreve a nulidade da cláusula que isente um sócio de participar nas perdas da sociedade.</font>
</p><p><font>E refere que a previsão legal (e remissão para o disposto no artigo 56.º, alíneas c) e d) e 58.º daquele diploma) tem em vista cláusulas estatutárias e não acordos celebrados entre os sócios; que, de qualquer modo o acordo em causa não visa isentar um dos sócios mas apenas distribuir por eles o pagamento de dívidas da sociedade; que, de todo o modo, aquela previsão legal apenas se aplica às sociedades por quotas.</font>
</p><p><font>Concluiu assim nada impedir que, num plano interno, nada obsta a que os sócios dividam entre si a responsabilidade pelas dívidas sociais e que não ocorre a nulidade invocada, a título de excepção.</font>
</p><p><font>O despacho saneador conheceu, assim, da improcedência de uma excepção peremptória, sendo que o Réu dele não recorreu como podia – artigos 691.º (na redacção aqui aplicável ao n.º 2) e 511.º, n.º 4 (“a contrario”).</font>
</p><p><font>Formou-se, assim, neste ponto, caso julgado material.</font>
</p><p><font>Esta afirmação tem em conta os limites objectivos do caso julgado.</font>
</p><p><font>Vejamos.</font>
</p><p><font>Os Autores invocaram como causa de pedir um acordo de divisão do passivo de uma sociedade em que participavam com os Réus.</font>
</p><p><font>Estes, para além da impugnação dos factos (designadamente dívidas, vencimentos e montantes) excepcionaram a nulidade do acordo.</font>
</p><p><font>A “sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga” (artigo 673.º do Código de Processo Civil), sendo que, de acordo com o n.º 2 do artigo 659.º, na sua conjugação com o n.º 2 do artigo 713.º, o caso julgado abrange a parte decisória, isto é, a conclusão extraída das permissas do si
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1.ª Secção (Cível)
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<b><font> </font></b><font><br>
<br>
<font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font><br>
<br>
<font> 1. - Por sentença de 21-12-05, foi declarada a falência de “Á.. P... R... & F..., Lda.” e abriu-se concurso de credores. </font><br>
<font>Fixou-se a data de falência em 26-09-05.</font><br>
<font>O processo deu entrada no Tribunal Judicial da Covilhã, como processo especial de recuperação de empresa no dia 19 de Dezembro de 2003.</font><br>
<font>Reclamaram créditos, entre outros, o Centro Distrital de Segurança Social, a Fazenda Nacional, o banco “B..., S.A.” e, por dívidas laborais, cinquenta e quatro trabalhadores.</font><br>
<font>O crédito reclamado pela “B..., S.A.”, no montante de € 35 039,14, foi garantido por hipoteca voluntária registada na Conservatória do Registo Predial da Covilhã na ficha n.º 01360, pela apresentação 13/15122000.</font><br>
<font> Os contratos de trabalho cessaram em Setembro de 2005, por decisão do liquidatário judicial.</font><br>
<font>Todos os créditos reclamados foram reconhecidos, gozando o do Banco “B...” da referida garantia hipotecária e os dos trabalhadores de privilégio imobiliário especial sobre os imóveis da falida em que prestaram a sua actividade.</font><br>
<font> Foram, então, graduados para serem pagos pelo produto da venda dos bens imóveis, nos termos seguintes: </font><br>
<font>1. o crédito destinado ao pagamento ao gestor judicial;</font><br>
<font>2. os créditos dos trabalhadores; </font><br>
<font>3. os créditos hipotecários de acordo com a prioridade do registo;</font><br>
<font>4. os restantes créditos, como comuns. </font><br>
<br>
<font>Apelaram os credores CDSS e “B..., S.A.”, mas a Relação manteve a graduação efectuada na sentença.</font><br>
<br>
<font>A “B..., S.A.” pede ainda revista para insistir na graduação do seu crédito hipotecário com preferência sobre os créditos reclamados pelos trabalhadores da falida que hajam de ser pagos pelo produto do mesmo imóvel.</font><br>
<br>
<font>Para tanto, vêm formuladas as seguintes conclusões:</font><br>
<font>1. A constituição e registo da garantia hipotecária de que goza o crédito do recorrente datam do início de 2001 – muito antes da entrada em vigor do actual Código do Trabalho, da constituição dos actuais créditos salariais dos trabalhadores da Falida, e mesmo dos demais créditos hipotecários, constituídos ou concedidos com referência ao mesmo bem imóvel. </font><br>
<font>2. O actual Código do Trabalho, ao atribuir o privilégio imobiliário especial a que alude a al. b) do n° 1 do seu art. 377°, visou expressamente por cobro, de alguma forma, à vasta polémica doutrinária e jurisprudencial que se vinha arrastando a propósito da prevalência relativa, da eficácia perante terceiros com direitos reais de garantia conflituantes, e da própria licitude constitucional, do privilégio creditório imobiliário, geral, que era atribuído aos créditos dos trabalhadores, nos anteriores quadros legais (Leis n° 17/86 e n° 96/2001). </font><br>
<font>3. Trata-se de uma alteração/</font><i><font>clarificação</font></i><font> legal – que origina uma fase transitória entre dois quadros legais – o que obriga a que os concretos interesses conflituantes das partes directamente afectadas pelas normas jurídicas pertinentes sejam necessariamente acautelados pela fonte de Direito que é a jurisprudência, ou seja, por via da interpretação e da integração da Lei que terá de ser feita pelos Tribunais .</font><br>
<font>4. O entendimento das instâncias sobre a aplicação, ao caso concreto, das regras ínsitas no art. 12° do Código Civil, não é o correcto, porque contraria – em prejuízo e ofensa da certeza e da segurança jurídicas, subjacentes ao principio da confiança, que merece consagração constitucional, e é defendido na lei civil, como um dos pilares essenciais do nosso ordenamento jurídico – os interesses de terceiros, necessariamente conflituantes com os dos titulares do dito privilégio creditório imobiliário. </font><br>
<font>5. Cumprindo chamar aqui à colação os princípios gerais contidos nos artigos 12°, nos. 1 e 2, l.ª parte, 9°, n° 1, e 10°, n° 3, do Código Civil, para fazer a melhor justiça ao caso concreto – em salvaguarda das regras essenciais da não retroactividade das leis, da ponderação e salvaguarda da unidade do sistema jurídico, e da análise das circunstâncias em que a lei a aplicar foi elaborada e das condições específicas do tempo em que é aplicada. </font><br>
<font>6. Vinha sendo entendimento da nossa jurisprudência dominante dos últimos anos que a hipoteca prevalece, em sede de graduação de créditos, sobre os vários privilégios creditórios imobiliários gerais, estatuídos em legislação avulsa. </font><br>
<font>7. E isto quer por via do disposto no art. 749° do Código Civil, como em função de um juízo de inconstitucionalidade sobre a interpretação contrária das várias normas avulsas instituidoras dos privilégios creditórios de que beneficiam, nomeadamente, créditos da Segurança Social, e da Fazenda Nacional, assente na constatação da violação do princípio da confiança, ínsito no princípio do Estado de Direito democrático, consagrado no art. 2° da CR.. </font><br>
<font>8. Tais juízos de inconstitucionalidade assentam na justa consideração, aqui também aplicável, de que entendimento contrário constituiria inadmissível lesão da certeza e segurança jurídicas com que o credor hipotecário deverá legitimamente contar para a concessão de crédito que faça a terceiros – em função dos princípios gerais de direito e das regras do registo. </font><br>
<font>9. A não ser assim, o apoio creditício de médio-longo prazo, associado à constituição de garantias hipotecárias, geralmente concedido por instituições bancárias a particulares e empresas – no exercício de uma actividade própria lucrativa, mas socialmente útil, estruturante da economia, e potenciadora da criação de postos de trabalho – passaria a contar com uma álea de risco, e potencial sacrifício pecuniário, que é incompatível com a certeza do direito, e com o princípio da confiança que deve tutelar as relações jurídicas estabelecidas entre credor e devedor . </font><br>
<font>10. É esse mesmo princípio da confiança que, no caso “sub judice”, resulta ainda mais ostensivamente ofendido, em fazendo carreira o entendimento que está subjacente às decisões das instâncias.</font><br>
<font>11. Deve aplicar-se à situação dos autos o n° 1 e a primeira parte do n° 2 do art. 12° do Código Civil – pois a instituição do novo privilégio creditório imobiliário especial (o instituído pelo art. 377° do Código do Trabalho) só vale para o futuro, </font><br>
<font>12. Pois estamos perante um caso em que a lei nova “dispõe sobre as condições de validade substancial ou formal de quaisquer factos ou sobre os seus efeitos” – motivo pelo qual, se dúvidas houvesse, sempre se terá de entender que a norma “só visa os factos novos”. </font><br>
<font>I 13. Se é certo que o art. 377° do Código do Trabalho tem aplicação imediata – a interpretação e integração daquela norma terá que fazer-se, relativamente ao caso concreto, por forma a que fiquem “ressalvados os efeitos já produzidos pelos factos que a lei se destina a regular”, o que se presume como vontade do legislador (art. 12º, n.° 1, do Código Civil). </font><br>
<font>14. Neste caso concreto, esses efeitos a ressalvar são a confiança, a certeza e segurança jurídicas – materializadas na estabilidade do quadro normativo existente - com que contava o credor hipotecário no momento em que contratou com a falida, para concessão de créditos a esta, e nesse quadro normativo pré-existente não estava estatuído qualquer privilégio creditório imobiliário especial, que pudesse onerar, no presente ou no futuro então previsível, o imóvel dado em garantia do crédito a conceder. </font><br>
<font>15. Logo, o disposto no art. 377° do Código do Trabalho não pode ser interpretado por forma a fazer prevalecer o privilégio creditório aí previsto sobre garantia real de hipoteca, constituída e registada em data muito anterior ao início de vigência dessa mesma norma. </font><br>
<font>16. De resto, a interpretação e integração de todas as normas do nosso ordenamento jurídico atinentes à tipificação dos diversos tipos de garantias especiais das obrigações terá sempre de ser feita – </font><i><font>por</font></i><font> </font><i><font>definição</font></i><font> - em concreta ponderação dos interesses e direitos que estão em causa em cada situação da vida, </font><br>
<font>17. Pois cada garantia real – como garantia especial das obrigações de uma determinada pessoa jurídica, em favor de um concreto credor, consequentemente em desfavor dos demais – encontrará sempre e necessariamente a sua </font><u><font>caracterização</font></u><font> e </font><u><font>eficácia</font></u><font> últimas numa </font><u><font>lógica</font></u><font> </font><u><font>de </font></u><i><u><font>graduação</font></u></i><font> desse mesmo crédito. </font><br>
<font>18. Não pode assim ser legitima qualquer interpretação do disposto no art. 377° do Código do Trabalho que possa objectivamente conferir eficácia retroactiva a essa disposição – como acontecerá em fazendo-se prevalecer o privilégio creditório imobiliário especial em causa sobre garantia real de hipoteca constituída e registada antes da entrada em vigor daquela norma,</font><br>
<font> 19. Pois essa interpretação – para além de contrária ao disposto, sobre a aplicação das leis no tempo, no art. 12° do Código Civil – sempre estará ferida de inconstitucionalidade, por ofensa ao princípio da confiança e da certeza e segurança jurídicas, plasmados no artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa.</font><br>
<font>20. Por todo o exposto, é patente a violação dos arts. 9°, 12°, 686°, n.° 1, 749°, n.° 1, e 751°, todos do Código Civil, </font><br>
<font>21. E isto por via de uma errada interpretação – ferida de inconstitucionalidade, por ofensa aos princípios ínsitos no art. 2° da Constituição da República - do disposto no art. 377° do Código do Trabalho.</font><br>
<br>
<font> Respondeu apenas o credor reconhecido e graduado AA, reclamante/trabalhador.</font><br>
<br>
<font> 2. - A </font><b><font>questão</font></b><font> que se coloca é, no essencial, como a define a Recorrente, a de saber se o privilégio imobiliário especial de que gozam os trabalhadores da falida, fundado no art. 377º do Código do Trabalho, prevalece sobre hipoteca voluntária constituída e registada anteriormente à entrada em vigor daquela disposição legal.</font><br>
<br>
<font>3. - Os </font><b><font>factos</font></b><font> relevantes para o conhecimento do objecto do recurso constam já do relatório esta peça.</font><br>
<br>
<font>Dão-se aqui por reproduzidos.</font><br>
<font> </font><br>
<font> 4. - Mérito do recurso.</font><br>
<br>
<font> 4. 1. - Na decisão impugnada, confirmando a da 1ª Instância, considerou-se que:</font><br>
<font> Os créditos dos trabalhadores, gozam do privilégio imobiliário especial criado pelo art. 377º-1-b) do Código do Trabalho;</font><br>
<font> As normas desse art. 377º são de aplicação imediata; e,</font><br>
<font> Por isso, afectam as hipotecas anteriormente constituídas e registadas, com preferência sobre as respectivas garantias.</font><br>
<br>
<font> A Recorrente, diversamente, vem sustentar que as normas daquele art. 377º, embora de aplicação imediata, só dispõem para o futuro, devendo ser “ressalvados os efeitos já produzidos pelos factos que a lei se destina a regular”, no caso os da hipoteca anteriormente constituída na vigência de um quadro normativo que não previa o privilégio creditório, sob pena de se conferir eficácia retroactiva à lei, então ferida de inconstitucionalidade por ofensa ao princípio da confiança e da certeza e segurança jurídicas.</font><br>
<br>
<font> Não se questiona que, reportando-se a situação falimentar a Setembro de 2005, data em que se venceram os créditos laborais reclamados e reconhecidos, e a sentença que a decretou a 21 de Dezembro desse ano, há muito vigorava o Código do Trabalho aprovado pela Lei n.º 99/2003, de 27/8, bem como a Lei Regulamentar n. 35/2004, de 29/7.</font><br>
<br>
<font> O art. 377º do referido diploma cujo n.º 1, al. b) estabelece que “Os créditos emergentes do contrato de trabalho e da sua violação ou cessação, pertencentes ao trabalhador, gozam (…) de privilégio imobiliário especial sobre os bens imóveis do empregador nos quais o trabalhador preste a sua actividade”, créditos que, segundo o a al. b) do seu n.º 2 são graduados antes dos créditos referidos no art. 748º do C. Civil e ainda dos créditos de contribuições devidas à Segurança Social.</font><br>
<font> O art. 751º C. Civil, por sua vez, estabelece que “Os privilégios imobiliários especiais são oponíveis a terceiros que adquiram o prédio ou um direito real sobre ele, e preferem à consignação de rendimentos, à hipoteca ou ao direito de retenção, ainda que as garantias sejam anteriores”. </font><br>
<br>
<font> Como do art. 686º-1 C. Civil e do transcrito art. 751º resulta a garantia real e preferência de pagamento do crédito que a hipoteca confere só cede perante privilégio especial ou idêntica garantia com prioridade de registo.</font><br>
<br>
<font> Diferentemente dos privilégios gerais, que são só mobiliários e se constituem apenas no momento da apreensão dos bens, que não pressupõem uma relação entre o crédito e a coisa e não são oponíveis a direitos reais, que se lhes não encontram especificamente afectos, os privilégios especiais, que os imobiliários são sempre, baseando-se numa relação entre o crédito e a coisa que o garante, constituem-se no momento da formação do crédito garantido e são direitos reais de garantia oponíveis a outros direitos reais (cfr. arts. 749º, 750º, 751º e 735º-3 C. Civ.).</font><br>
<br>
<font> 4. 2. - Embora o não afirme expressamente, na medida em que defende a aplicabilidade no art. 377º C.T. apenas para futuro, nos termos do n.º 1 do art. 12º C. C., ressalvando os efeitos produzidos pelos factos que a lei vem regular, a Recorrente parece sustentar que o privilégio imobiliário só poderá ser oposto a hipotecas constituídas após a entrada em vigor daquele primeiro preceito.</font><br>
<font> </font><br>
<font> Aquele n.º 1 do art. 12º estatui que “A lei só dispõe para o futuro; ainda que lhe seja eficácia retroactiva, presume-se que ficam ressalvados os efeitos já produzidos pelos factos que a lei se destina a regular”, sendo que no n.º 2, 2ª parte se estabelece que “quando (a lei) dispuser directamente sobre o conteúdo de certas relações jurídicas, abstraindo do factos que lhe deram origem, entender-se-á que a lei abrange as próprias relações já constituídas que subsistam à data da sua entrada em vigor”.</font><br>
<br>
<font> Antes de mais, importa notar que a lei nova, o art. 377º do C.T., não introduziu qualquer modificação ao instituto da hipoteca e seus efeitos.</font><br>
<font> Na verdade, deixou completamente intocados os preceitos do C. Civil que regulam as preferências de pagamento de que goza o credor hipotecário e a sua posição relativamente aos privilégios imobiliários especiais, nomeadamente os já convocados arts. 686º e 751º.</font><br>
<font> O art. 377º limitou-se a criar um privilégio imobiliário especial, que substituiu ao preexistente privilégio imobiliário geral que, para os mesmos créditos, vigorava ao abrigo da Leis n.º 17/86, de 14/6 e n.º 96/2001, de 20/8 (art. 4º-1 deste último diploma).</font><br>
<font> </font><br>
<font>Consequentemente, a lei nova não veio regular quaisquer efeitos jurídicos da hipoteca já produzidos. A garantia existente manteve-se embora, em abstracto, tivesse ficado enfraquecida com a transformação operada pela lei do privilégio geral previsto ao tempo da constituição da hipoteca em privilégio especial.</font><br>
<font> E disse-se apenas em abstracto, desde logo porque não era uniforme o entendimento sobre o enquadramento deste privilégio imobiliário geral, surgindo nas decisões judiciais, ora (maioritariamente) submetido à aplicação do art. 749º C. Civil, ora ao regime do art. 751º, como, sem discussão, resulta agora do C. Trabalho.</font><br>
<br>
<font> Ora, como escreveu o Prof. BAPTISTA MACHADO “</font><i><font>Sobre a aplicação no tempo do novo Código Civil”</font></i><font>, pg. 18, “a lei nova relativa ao conteúdo (ou efeitos) duma relação jurídica só não abstrai dos factos que a essa relação deram origem quando define ou modela intrinsecamente esse conteúdo em função de tais factos, isto é, quando os efeitos ou consequências jurídicas que ela determina são o produto da </font><i><font>valoração</font></i><font> legal de tais factos e variam consoante essa valoração, de tal modo que se possa dizer que a aplicação da lei nova aos efeitos duma relação constituída com base num facto representaria uma </font><i><font>nova valoração</font></i><font> desse facto passado e, consequentemente, teria carácter retroactivo”.</font><br>
<font> </font><br>
<font> Sem dúvida que as normas do art. 377º se referem aos efeitos da cessação os contratos de trabalho subsistentes à data da falência, ao conteúdo daquela relação jurídica, existentes ou não ao tempo da constituição da hipoteca, mas, justamente porque prescindem de qualquer definição do seu conteúdo, operando nova valoração determinante de variação desses efeitos, deverá entender-se que </font><i><font>abstraem</font></i><font> </font><i><font>dos factos</font></i><font> (as concretas relações laborais)</font><i><font> que lhes deram origem</font></i><font>.</font><br>
<font> Porque indiferente o facto que deu origem ao crédito laboral, desde que resultante da violação ou cessação do respectivo contrato, a lei que criou o privilégio é imediatamente aplicável, desinteressando saber como e quando se formou o direito de que crédito beneficiário é efeito, pois que este é apenas um efeito indirecto.</font><br>
<font> Aplicável será, assim, o n.º 2 do art. 12º</font><br>
<font> </font><br>
<font> Pronunciando-se concretamente sobre a questão, o mesmo Professor, na obra citada (pgs. 27/28), referindo-se aos privilégios creditórios, subscreve o entendimento segundo o qual as leis a eles relativas “quer estabeleçam novos privilégios, quer suprimam os anteriormente existentes, são sempre de aplicação imediata”, incluindo-se no grupo de normas que, novamente nas suas palavras, «não definem, rigorosamente, o conteúdo (os efeitos) verdadeiro e próprio da relação ou situação jurídica constituída com base nesses factos, mas tão-somente determinam consequências laterais ou extrínsecas dessa relação jurídica, isto é, consequências que apenas incidem sobre o todo de efectivação dos direitos das partes. Essas normas, como não afectam esses direitos em si mesmos, como não podem envolver o não reconhecimento duma situação jurídica anteriormente constituída nem, muito menos, implicar uma nova valoração dos factos passados – e como, por outro lado, visam estabelecer a boa ordem da sociedade civil e reflectem, por isso mesmo, interesses gerais da comunidade – são de aplicação imediata».</font><br>
<br>
<font> No mesmo sentido foi o ac. deste Supremo de 29/5/80 (</font><i><font>BMJ</font></i><font> 297º-278) citado e com o apoio de P. DE LIMA e A. VARELA no “</font><i><font>Código Civil, Anotado</font></i><font>”, I, 4ª ed., 62).</font><br>
<br>
<font> A norma do art. 377º-1-b) aplica-se, então, de futuro, mas com eficácia imediata – abrangendo, nessa medida, efeitos actuais de factos passados - , ou seja, aos créditos gerados pela violação ou cessação de contratos de trabalho subsistentes à data da sua entrada em vigor. </font><br>
<br>
<font> 4. 3. 1. - Afirma a Recorrente que o entendimento que se deixou proposto não é legítimo, pois que confere eficácia retroactiva ao disposto no art. 377º C. Trabalho e padece de inconstitucionalidade.</font><br>
<br>
<font> Como é sabido, a Constituição da República não acolheu, como princípio, a irretroactividade das leis em geral, reservando a proibição de retroactividade apenas às leis restritivas de direitos, liberdades e garantias; às leis criminais, quanto a penas e medidas de segurança; e, às fiscais, quanto à obrigação de pagamento de impostos (arts. 18º-3, 29º-1 e 4 e 103º-3).</font><br>
<font> </font><br>
<font> A aplicação do n.º 2, 2ª parte, do art. 12º, norma que, tal como a do seu n.º 1, estabelece um princípio sobre aplicação das leis no tempo, não representa uma verdadeira retroactividade, pois que, uma tal «retroactividade de grau mínimo», inerente ao facto de se estar perante uma situação jurídica com “conteúdo susceptível de ir repercutindo efeitos ao longo do tempo, (…) resulta justamente da circunstância de se não reconhecer eficácia, de futuro, à SJ ou à cláusula negocial preexistente, apesar de nenhuma objecção ser feita, por parte da LN, aos efeitos do tipo daqueles que elas produzem” (A. e </font><i><font>ob. cit., pg.52</font></i><font>).</font><br>
<font> Estar-se-á perante norma retrospectiva, ou, insiste-se, perante um caso da também denominada «retroactividade inautêntica». De norma que “prevê consequências jurídicas para situações que se constituíram antes da sua entrada em vigor, mas que se mantêm nessa data”, mas já não para situações anteriores (ac. TC. n.º 38/2004, de 14/01/004, </font><i><font>DR, II, n.º 73, 6041</font></i><font>).</font><br>
<font> </font><br>
<font> Como se escreveu no citado acórdão do Tribunal Constitucional, uma lei </font><i><font>retrospectiva </font></i><font>não levanta o problema da retroactividade da lei. </font><br>
<font> O que ela pode suscitar é uma questão de eventual violação do princípio da protecção da confiança e da segurança jurídica, ínsito no princípio do Estado de direito democrático consagrado no art. 2º C.R..</font><br>
<br>
<font> Continuando a seguir de perto aquele Acórdão e a jurisprudência que nele se convoca, também aqui se afirma que a violação daquele princípio só resulta violado quando ocorra «uma retroactividade intolerável, que afecte de forma inadmissível e arbitrária os direitos e expectativas legitimamente fundados dos cidadãos», sendo que a “«ideia geral de inadmissibilidade» deverá ser aferida pelo recurso a dois critérios:</font><br>
<font>a) afectação de expectativas, em sentido desfavorável, será inadmissível, quando constitua uma mutação da ordem jurídica que, razoavelmente, os destinatários das normas não possam contar; e ainda</font><br>
<font>b) quando não for ditada pela necessidade de salvaguardar direitos ou interesses constitucionalmente protegidos que devam considerar-se prevalentes (deve recorrer-se, aqui, ao princípio da proporcionalidade, explicitamente consagrado, a propósito dos direitos liberdades e garantias, no n.º 2 do art. 18º da Constituição).</font><br>
<font>Pelo primeiro critério, a afectação de expectativas será extraordinariamente onerosa. Pelo segundo, que deve acrescer ao primeiro, essa onerosidade torna-se excessiva, inadmissível ou intolerável, porque injustificada ou arbitrária”.</font><br>
<font> Referindo ainda a jurisprudência do TC, faz-se notar que o princípio da confiança não pode haver-se por intoleravelmente ofendido quando “a confiança (do cidadão) no reconhecimento da situação jurídica ou das suas consequências se revele materialmente “injustificada”, sempre que a situação jurídica “não era clara ou inequívoca”, de tal modo que o cidadão poderia e deveria contar com a eventualidade do seu posterior esclarecimento num ou noutro sentido, ou, de uma maneira geral, quando razões imperiosas de interesse público – e, nomeadamente, nas palavras de Gomes Canotilho, a adopção de medidas positivas de conformação social – se sobrepõem visivelmente à tutela dos valores de segurança e de certeza jurídicas”.</font><br>
<br>
<font> Consequentemente, apenas uma retroactividade intolerável, aferida pelo critério descrito, violará o princípio da confiança e segurança jurídica que fundamenta a desaplicação, por inconstitucionalidade, do art. 377º do Código do Trabalho, como arguido pela Recorrente.</font><br>
<br>
<font>4. 3. 2. - O princípio da confiança, implicando a protecção de um mínimo de certeza e segurança nos direitos dos cidadãos e nas expectativas jurídicas que lhes foram criadas resultará violado e deverá actuar quando, face à liberdade “constitutiva e conformadora” do legislador, a mudança operada pela lei nova vá “implicar, nas relações e situações jurídicas já antecedentemente constituídas uma alteração inadmissível, intolerável, arbitrária, demasiado onerosa e inconsistente, alteração com a qual os cidadãos e a comunidade não poderiam contar, expectantes que estavam, razoável e fundadamente, na manutenção do ordenamento jurídico que regia a constituição daquelas relações e situações (…). Como reverso, resulta que, sempre que as expectativas não sejam materialmente fundadas, se mostrem de tal modo enfraquecidas que a sua cedência, quanto a outros valores, não signifique sacrifício incomportável (cfr. ac. n.º 365/91, </font><i><font>DR</font></i><font>, 2ª Série, de 27 de Agosto de 1991), ou se não perspectivem como consistentes, não se justifica a cabida protecção em nome do primado do Estado de direito democrático”.</font><br>
<br>
<font>4. 3. 3. - Aqui chegados, e à luz dos enunciados critérios, é altura de responder à questão, agora de saber: - por um lado, se a Recorrente podia formar uma legítima expectativa quer da manutenção da modalidade de privilégio imobiliário (geral) estabelecido pelas Leis n.ºs 17/86 e 96/2001 quer na interpretação dessas normas no sentido (apesar de maioritariamente acolhido) de que a hipoteca voluntária preferiria ao privilégio imobiliário geral; por outro lado, se, havendo tal expectativa, a mesma é desfavoravelmente afectada de forma inadmissível, intolerável, injustificada ou excessivamente onerosa pelo art. 377º C. T..</font><br>
<br>
<font>Funda a Recorrente as expectativas que considera frustradas no já aludido “entendimento da nossa jurisprudência dos últimos anos que a hipoteca prevalece, em sede de graduação de créditos, sobre os vários privilégios imobiliários gerais, estatuídos em legislação avulsa”.</font><br>
<br>
<font>Como se adiantou já, grande parte da jurisprudência vinha decidindo no sentido indicado, mas, como também já aludido, muitas decisões, quer das Instâncias, quer do Supremo Tribunal de Justiça, se pronunciavam em sentido contrário. Entre estas últimas e as mais recentes podem ver-se, por exemplo, os acórdãos de 03/04/2001, 25/6/2002, 27/6/2002 (voto de vencido) e 14/12/2006, </font><i><font>i n Sumários, CJ-</font></i><font>X</font><i><font>-</font></i><font>135 e </font><i><font>ITIJ </font></i><font>[procs. 02B1809 e 06A1984].</font><br>
<br>
<font>Assim, a resposta à indagação sobre o concurso do duplo pressuposto que enforma o critério de violação do princípio da confiança e da certeza e segurança tem de ser negativa.</font><br>
<br>
<font>Não pode, na verdade, desde logo, face ao controvertido entendimento sobre o enquadramento do anterior privilégio imobiliário geral na previsão do art. 749º ou do art. 751º, sustentar-se que a Recorrente, enquanto credora hipotecária, pudesse e devesse confiar no reconhecimento da qualidade credora com preferência de pagamento sobre os créditos laborais em causa, antes – perante a natureza controvertida da questão, nomeadamente em sede de constitucionalidade – pudesse e devesse “contar com a eventualidade do seu posterior esclarecimento num ou noutro sentido” dadas as razões de interesse público, mesmo a nível dos direitos fundamentais que vinham sendo invocadas. O risco já existia desde a Lei de 86, bem anterior à constituição da hipoteca.</font><br>
<font>Mas, mais que isso, e seguramente, não pode afirmar-se que, mesmo que tais legítimas expectativas se perfilhassem, as mesmas teriam resultado injustificada, arbitrária e intoleravelmente arredadas, perante a salvaguarda do direito à retribuição salarial - direito fundamental de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias e, como tal, direito constitucionalmente protegido a considerar prevalente sobre um direito de conteúdo e natureza exclusivamente patrimonial -, a que se alude no art. 59º-1-a) e 3 CR, este último número concretizando mesmo que “os salários gozam de garantias </font><u><font>especiais</font></u><font>, nos termos da lei”.</font><br>
<br>
<font>4. 4. - A questão da restrição à tutela da confiança do credor hipotecário na prioridade da satisfação do seu crédito encontrar justificação constitucionalmente adequada na circunstância de o direito dos trabalhadores à remuneração e á indemnização por despedimento se configurar como expressão de um direito fundamental, susceptível de legitimar a compressão do direito concedido pela garantia hipotecária foi já apreciada pelo T. Constitucional.</font><br>
<br>
<font>Mereceu, então, a decisão de conformidade à Constituição da “norma constante da al. b) do n.º 1 do art. 12º da Lei n.º 17/86, na interpretação segundo a qual o privilégio imobiliário geral nela conferido aos créditos emergentes do contrato individual de trabalho prefere à hipoteca, nos termos do art. 751º do Código Civil” – ac. n.º 498/2003, de 22/10/03, </font><i><font>DR</font></i><font> , II, 03/01/004, pg. 40.</font><br>
<br>
<font>Porque o ali decidido e respectiva fundamentação valem, até por maioria de razão, para a situação ajuizada, transcrevem-se, por inteiramente pertinentes e transponíveis, os seguintes excertos:</font><br>
<br>
<font>“(…) O princípio da segurança jurídica e o princípio da confiança que decorrem do princípio do Estado de direito democrático constante do art. 2º da Constituição da República credenciam a prevalência registral (…). Do outro lado, porém, encontra-se um direito constitucionalmente incluído entre os direitos fundamentais dos trabalhadores, o direito à retribuição do trabalho, que visa «garantir uma existência condigna», conforme preceitua o art. 59º,n.º 1, al. a) da Constituição, e que o Tribunal Constitucional já considerou como direito de natureza análoga aos direitos liberdades e garantias (…). </font><br>
<font>O caso dos autos coloca-nos assim perante uma situação de conflito entre um direito de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias, o direito dos trabalhadores à retribuição do trabalho, e o princípio geral da segurança jurídica e da confiança no direito”. </font><br>
<br>
<font>Ponderadas as exigências do princípio da proporcionalidade, perante a natureza dos direitos conflituantes, concluiu-se “dever entender-se que a restrição do princípio da confiança operada pela norma impugnada não encontra obstáculo constitucional”.</font><br>
<br>
<font>4. 5. - Concordantemente com o entendimento adoptado nos doutos arestos que se seguiram, também aqui se conclui que não está ferida de inconstitucionalidade a norma do al. b) do n.º 1 do art. 377º do Código do Trabalho na interpretação segundo a qual o privilégio imobiliário especial nela conferido - sobre os imóveis do empregador nos quais o trabalhador preste a sua actividade - aos créditos emergentes do contrato de trabalho e da sua violação ou cessação, gerados após a entrada em vigor da referida norma, prefere à hipoteca voluntária, independentemente da data de constituição e registo desta.</font><br>
<br>
<font>Assim, improcedem as conclusões da Recorrente e, com elas, o recurso. </font><br>
<br>
<font>5. – Decisão.</font><br>
<br>
<font>Pelo exposto, decide-se:</font><br>
<font>- Negar a revista;</font><br>
<font>- Confirmar o acórdão impugnado; e,</font><br>
<font>- Condenar a Recorrente (Banco) nas custas.</font><br>
<br>
<font> </font><br>
<font>Lisboa, 5 de Junho de 2007 </font><br>
<br>
<font>Alves Velho (Relator)</font><br>
<font>Moreira Camilo</font><br>
<font>Urbano Dias</font><br>
<font> </font></font>
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YzLMu4YBgYBz1XKvrD5J
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1.ª Secção (Cível)
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<b><font> </font></b><font><br>
<font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font><br>
<br>
<font>“C... – Construções e Reparações, Limitada” intentou, na Comarca da Moita, acção, com processo ordinário, contra “F... Imobiliária, SA”, pedindo a sua condenação a pagar-lhe a quantia de 115.053158$00 acrescida de juros.</font><br>
<br>
<font>A ré deduziu pedido reconvencional para que a autora seja condenada a pagar-lhe 60.574,85 euros, pelo incumprimento do contrato.</font><br>
<br>
<font>A 1ª instância julgou a acção parcialmente procedente e condenou a ré a pagar á autora 92 104,69 euros, acrescidos de juros moratórios á taxa legal e improcedente o pedido reconvencional.</font><br>
<br>
<font>Apelaram a autora e a ré tendo a Relação de Lisboa confirmado o julgado.</font><br>
<br>
<font>Pedem, ambas, revista.</font><br>
<br>
<font>A autora assim conclui as suas alegações:</font><br>
<br>
<font>- Vem o presente recurso interposto da decisão recorrida que negou à ora recorrente a indemnização pelos lucros cessante decorrentes do incumprimento e resolução do contrato celebrado com a ré, recorrida, com o fundamento de estes danos estarem excluídas da indemnização pelo interesse contratual negativo.</font><br>
<br>
<font>- O objecto do direito de indemnização recorrente, salvo o devido respeito, não tem sido correctamente enquadrado, confundindo-se a classificação dos danos em positivos e negativos com a classificação dos danos em danos emergentes e lucros cessantes. Nada impede, pelo contrário, impõem-no os artigos 801º nº2 e 564º do CC, que a indemnização pelos danos negativos, que deve colocar o lesado na posição que estaria se o contrato não tivesse sido celebrado, há de abranger não só os danos emergentes como também os lucros cessantes.</font><br>
<br>
<font>- A recorrente não põe em causa que a orientação pelo interesse contratual negativo, atento o facto de ter havido resolução do contrato, seja “ a mais criteriosa”. Não se pode é conformar com este entendimento restritivo dos danos abrangidos na indemnização pelo interesse contratual negativo, no sentido de contemplar apenas os danos emergentes, afastando-se, sem qualquer ponderação, todo e qualquer lucro cessante.</font><br>
<br>
<font>- As citações que serviram ao tribunal recorrido para fundamentar a sua decisão determinariam que se decidisse de forma diferente. Desde logo, o Prof. Antunes Varela, afirma expressamente que: “Este interesse contratual negativo (tal como o contratual positivo) pode compreender tanto o dano emergente como o lucro cessante (o proveito que o credor teria obtido, se não fora o contrato que efectuou).</font><br>
<br>
<font>- Almeida Costa ensina que “o interesse contratual negativo, do mesmo modo que o interesse contratual positivo, abrange, em princípio, tanto os danos emergentes como os lucros cessantes.”</font><br>
<br>
<font>- Também Pedro Romano Martinez afirma “ (…) Além disso, a resolução não impede que sejam pedidos lucros cessantes.</font><br>
<br>
<font>- E ainda, entre outros, Menezes Leitão, expondo de forma sintética, clara e actual o que efectivamente está em causa na distinção entre as duas teorias em confronto nesta matéria, conclui que “parece seguro que a indemnização terá que ser limitada ao interesse contratual negativo, na medida em que não pode abranger os danos resultantes da frustração das utilidades proporcionadas pela própria prestação. Tal não significa, porém, que não possa ocorrer uma indemnização por lucros cessantes (…)”.</font><br>
<br>
<font>- Também a jurisprudência do STJ e da RL encontrada sobre esta matéria e supra citada também é no sentido da ressarcibilidade dos lucros cessantes em caso de resolução (incluindo um dos acórdãos citados e transcritos pelo tribunal recorrido).</font><br>
<br>
<font>- Afastar a ressarcibilidade dos lucros cessantes seria aplicar o regime previsto no artigo 1227º do CC, para o caso do contrato de empreitada terminar por causa não imputável a qualquer das partes, o que, perante os factos dados como provados, não aconteceu no caso sub judice.</font><br>
<br>
<font>Manter o sentido da decisão será, pois, premiar o prevaricador.</font><br>
<br>
<font>- Quanto á medida dos lucros cessantes, e aplicando o critério supra citado do Tribunal da Relação de Lisboa, “correspondem aos lucros que teria se idêntico contrato tivesse prosseguido até final”, e segundo critérios de verosimilhança ou de probabilidade” como refere o Prof. A. Varela.</font><br>
<br>
<font>- Tratando-se a autora, ora recorrente, de uma sociedade comercial cujo objecto é a construção civil, se não tivesse estado a executar a obra da ré, ora recorrida, durante aqueles meses, teria utilizado os seus meios para negociar e executar uma outra obra e, assim, realizar o seu objectivo último: lucro.</font><br>
<br>
<font>- A margem de lucro que a recorrente obteria em contrato idêntico seria, pelo menos, de montante igual ao que ficou provado nos presentes autos, entre 5 e 8% do valor total do contrato, ou seja, entre €55.592,53 e €88.948,05.</font><br>
<br>
<font>- Em conclusão, o Acórdão recorrido interpretou mal o artigo 801º nº2 do CC, devendo ser revogado na parte que julgou pela irressarcibilidade dos lucros cessantes e, consequentemente, deverá a ré recorrida, ser condenada no pagamento de, pelo menos, €55.592,53.</font><br>
<br>
<font>- O tribunal recorrido não conheceu nem se pronunciou acerca do pedido da recorrente de reapreciação da decisão do tribunal de primeira instância que, de forma incompreensível, determinou que os juros se devem contar desde a data da citação, relativamente a facturas e retenções, e desde a data do transito em julgado em relação aos danos emergentes.</font><br>
<br>
<font>- A não apreciação da questão determina a nulidade do acórdão prevista nos termos do artigo 668º nº1 d) do CPC, pelo que deve o pedido da recorrente ser apreciado e a sentença ser alterada, condenando a ré recorrida, no pagamento de juros de mora contados desde a data da citação, como impõe uma correcta aplicação do disposto nos artigos 805º nº1 e 806º do CC, porquanto nenhuma razão existe para que os juros de mora relativos às facturas e retenções não sejam contados desde a data da interpelação extrajudicial para pagamento, ou seja, 2 de Abril de 2001, e os juros de mora relativos à indemnização não o sejam desde a data da citação.</font><br>
<br>
<font>Por sua vez, a ré, assim conclui:</font><br>
<br>
<font>- Os Meritíssimos Juízes a quo, ao decidirem como decidiram, não decidiram bem, uma vez que os autos, no entender da F..., contem dados suficientes para absolver a F... da totalidade dos pedidos formulados pela C... e para condenar esta última do pedido reconvencional e como litigante de má fé, com as inerentes consequências.</font><br>
<br>
<font>- A alegada falta de conhecimento, por parte da C..., da inexistência de todas as licenças necessárias à execução das obras na Quinta da Fonte da Prata, à data da celebração do Contrato de Subempreitada, não corresponde à verdade.</font><br>
<br>
<font>- As obras da Quinta da Fonte da Prata, por não se encontrarem ainda formalmente licenciadas à data da celebração do Contrato de Subempreitada com a C..., não ostentavam qualquer aviso relativo ao respectivo alvará.</font><br>
<br>
<font>- A C... sempre soube da falta de licenciamento das obras em questão, nunca se tendo oposto a essa situação, assumindo os riscos inerentes a essa condição.</font><br>
<br>
<font>- A C... “aproveitou-se” da circunstância (que até então nunca fora posta em causa pela C...) de não existência do adequado licenciamento formal, para pôr fim ao Contrato de Subempreitada que havia celebrado com a F..., pretendendo, então, ser indemnizada por um facto do qual tinha perfeito conhecimento.</font><br>
<br>
<font>- Sabendo a C..., desde o inicio, acerca da falta de licenciamento formal por parte da CM da Moita das obras a serem executadas na Quinta da Fonte da Prata, não existiu, por este fundamento, qualquer alteração anormal nas circunstâncias em que a F... e/ou a C... fundaram as respectivas vontades em contratar, pelo que esta última não podia, nos termos e para o efeito do artigo 437º do CC, operar a resolução unilateral do Contrato do Subempreitada que havia celebrado com a F....</font><br>
<br>
<font>- A F... não pretendia “ocultar” da C... a falta de licenciamento da obra, falta essa que já era patente e notória antes da celebração do mencionado Contrato de Subempreitada, pelo simples facto de não se encontrar afixado qualquer aviso publicitando o número de alvará da obra em causa.</font><br>
<br>
<font>- Ainda que oficialmente não licenciadas, as obras da Quinta da Fonte da Prata estavam devidamente “autorizadas” pela CM da Moita, como aliás não poderia deixar de acontecer tendo em consideração a envergadura e a importância que a urbanização da Quinta da Fonte da Prata tem para o concelho da Moita.</font><br>
<br>
<font>- Os Meritíssimos Juízes a quo não decidiram bem ao considerar que, em virtude da falta de licenciamento formal por parte da CM da Moita das obras a serem executadas na Quinta da Fonte da Prata, falta essa que era do conhecimento da C..., a mesma podia proceder à resolução do contrato que havia celebrado com a F... por alteração das circunstâncias em que fundou a sua decisão de contratar, tendo violado, claramente, o disposto no artigo 437º CC.</font><br>
<br>
<font>- A C..., aquando da celebração do Contrato de Subempreitada com a F..., por um lado, possuía todas as condições necessárias para tomar conhecimento das reais condições do local da execução das obras e para calcular, evidentemente com alguma margem de risco, o valor das obras contratadas e o preço que cobraria pelo execução das mesmas à F... e, por outro lado, as condições em que fundou a sua vontade de contratar não se alteraram.</font><br>
<br>
<font>- A C..., por sua incúria, não calculou correctamente todos os encargos que iria ter com a execução das obras em questão, subvalorizando os seus custos, ao contrário do que fizeram os restantes subempreiteiros a trabalhar nas obras da Quinta da Fonte da Prata.</font><br>
<br>
<font>- O nível freático existente nos lotes 1 e 4 não influenciava o andamento das obras.</font><br>
<br>
<font>- A existência de água no solo da Quinta da Fonte da Prata não podia ser considerada como um facto de que a C... não tinha conhecimento à data da celebração do Contrato de Subempreitada com a F..., uma vez que o Rio Tejo se encontra a, apenas, cerca de 300 metros do local das obras e os terrenos são inconfundivelmente arenosos e, consequentemente, permeáveis às águas do rio.</font><br>
<br>
<font>- Em consequência, não se verificou qualquer alteração superveniente nas circunstâncias que levaram a C... a celebrar o contrato de subempreitada com a F... que pudesse conduzir à resolução do mesmo contrato com base nesse fundamento.</font><br>
<br>
<font>- A incorrecta previsão dos custos inerentes á execução das obras nos lotes 1 e 4 da Quinta da Fonte da Prata ficou-se, exclusivamente, a dever á incúria da C... que não tomou em consideração, como os restantes subempreiteiros das obras da Quinta da Fonte da Prata, as reais condições dos solos da mesma.</font><br>
<br>
<font>- Não existiu, consequentemente, qualquer alteração ou agravamento dos custos no decurso das obras, antes uma previsão errada por parte da C..., anterior á celebração do contrato de subempreitada, desses custos.</font><br>
<br>
<font>- O nível freático encontrado nos terrenos da Quinta da Fonte da Prata, mais concretamente, no lote 4, era normal, não se registando qualquer situação anómala.</font><br>
<br>
<font>- Se os cálculos elaborados pela C... para as obras da Quinta da Fonte da Prata se vieram a revelar desajustados, esta situação não pode ser imputada à F..., porquanto, em concreto, desde a celebração do contrato de subempreitada até á resolução do mesmo pela C..., não houve qualquer facto, superveniente à data da referida celebração, que alterasse anormalmente as circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar.</font><br>
<br>
<font>- A resolução do contrato de subempreitada operada pela C..., com base no argumento de falta de conhecimento das condições em que a obra se iria realizar e das características dos solos, foi totalmente infundada.</font><br>
<br>
<font>- Também quanto a esta matéria, os Meritíssimos Juízes a quo não decidiram bem ao considerar que existiu uma alteração anormal das circunstâncias que levaram a C... a celebrar um contrato de subempreitada com a F... em Agosto de 2000, e ao considerar que à mesma assistia, nos termos do nº1 do artigo 437º do CC, o direito a resolver o contrato em questão, tendo, também nesta situação, violado o disposto na indicada disposição legal.</font><br>
<br>
<font>- Considerando que a C... procedeu á resolução do contrato que havia celebrado com a F... sem fundamento para tal, esta última entende ter direito a ser indemnizada pela C... pelos prejuízos resultantes daquela resolução antecipada e sem fundamento do contrato de subempreitada celebrado entre ambas.</font><br>
<br>
<font>- Os Meritíssimos Juízes a quo deveriam ter condenado a C... a pagar á F... a quantia de €60.574,85, a titulo de prejuízos sofridos por esta última em virtude da resolução sem fundamento operada pela C... do contrato de subempreitada que havia celebrado com a F..., prejuízos esses provados nestes autos, pelo que, ao não fazê-lo, violaram o disposto, designadamente, no artigo 483º do CC.</font><br>
<br>
<font>- A C... deduziu uma pretensão a que claramente sabia não ter direito, fazendo afirmações que também sabia serem totalmente inveridicas.</font><br>
<br>
<font>- A C..., nos termos e para os efeitos do artigo 456º do CPC, deveria ter sido condenada como litigante de má-fé, em multa e numa indemnização á F....</font><br>
<br>
<font>- Assim, de todo o exposto e salvo melhor opinião, o acórdão recorrido violou, designadamente, os artigos 437º, 483º e 562º, do Código Civil, e o artigo 456º do CPC.</font><br>
<br>
<font>Contra alegou a recorrida.</font><br>
<br>
<font>As instâncias deram por assente a seguinte </font><font>matéria de facto:</font><br>
<br>
<font>1- A autora é uma sociedade comercial por quotas que tem por objecto social a execução de empreitadas e fornecimentos de obras públicas, construção civil e reparações em geral, titular do Certificado de Classificação de Industrial de Construção Civil nº 19524 – ICC e do Certificado de Classificação de Empreiteiros de Obras Públicas nº 19543, emitidos pelo IMOPPI – Instituto de Mercados de Obras Públicas e Particulares e do Imobiliário.</font><br>
<br>
<font>2- A ré, é empreiteira de obras de urbanização e das obras de construção do empreendimento denominado “Quinta da Fonte da Prata”, localizado junto á Moita.</font><br>
<br>
<font>3- Em 22 de Agosto de 2000, a autora e ré celebraram o contrato cuja cópia se encontra a fls.50 a 56 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido, o qual denominaram de “contrato de empreitada”.</font><br>
<br>
<font>4- Nos termos da cláusula 1ª do referido contrato, a ré F..., adjudicou à autora a execução dos trabalhos das fundações e estrutura dos edifícios dos lotes 1 e 4 da Urbanização da Quinta da Fonte da Prata – Moita, bem como todos os trabalhos inerentes e complementares, em regime de empreitada por preços unitários e pelo preço total estimado de 222.906.048$00.</font><br>
<br>
<font>5- O pagamento do preço, nos termos da cláusula 3ª, era efectuado do seguinte modo: a autora elaborava mensalmente autos de medição do trabalho realizado, que enviava à ré e após daqueles autos pela ré, a autora emitia as correspondentes facturas, devendo a ré pagar 50% do respectivo montante de imediato e os restantes 50% por cheque com vencimento a 90 dias a contar do dia 5 do mês seguinte à aprovação do auto de medição.</font><br>
<br>
<font>6- O início da execução da empreitada estava previsto para 21 de Agosto de 2000 e a conclusão prevista para 15 de Junho de 2001, devendo os trabalhos ser realizados de acordo com os prazos estabelecidos na calendarização constantes do plano de obra anexo ao contrato.</font><br>
<br>
<font>7- Nos termos da cláusula 4ª do contrato, a ré reservava-se no direito de proceder à alteração das datas referidas no contrato, sempre que tal alteração fosse do interesse da boa execução das obras, sem que dessa alteração resultasse qualquer direito para a autora a ser indemnizada ou a resolver o contrato.</font><br>
<br>
<font>8- Nos termos da cláusula 4ª do contrato, qualquer alteração dos prazos e datas para a realização dos trabalhos devia ser notificada pela ré á autora com aviso prévio de 15 dias relativamente à nova data.</font><br>
<br>
<font>9- Nos termos da cláusula 9ª do contracto, as alterações aos projectos só poderiam ser efectuadas por mútuo acordo entre a ré e a autora, prévio à execução dos trabalhos respectivos e deveriam constar da adenda ao contrato.</font><br>
<br>
<font>10- Nos termos da cláusula 13ª a ré estava obrigada a fornecer à autora energia eléctrica, água, betão e ferro necessários á execução das obras objecto do contrato.</font><br>
<br>
<font>11- Nos termos da cláusula 5ª a ré poderia efectuar a retenção do valor correspondente a 5% sobre o montante de cada factura, devendo ser devolvida metade com a recepção provisória e a outra metade com a recepção definitiva.</font><br>
<br>
<font>12- Nos termos da referida cláusula 1ª, a realização dos referidos trabalhos dever-se-iam ajustar ás especificações do Projecto das Obras, Memoria Descritiva e Caderno de Condições, assim como do Plano da Obra, ali se consignando que a empreiteira (a ora autora) tinha conhecimento do teor dos mencionados documentos.</font><br>
<br>
<font>13- De acordo com o plano de trabalhos a obra do lote 4 teria inicio em Setembro de 2000 e a conclusão em Abril de 2001, devendo os trabalhos de execução da cota “0” estar concluídos em Outubro de 2000.</font><br>
<br>
<font>14- E o inicio da obra de construção do edifício do lote 1 estava previsto para o mês de Outubro de 2000 e a conclusão para Abril de 2001, devendo os trabalhos de execução da cota “0” estar concluídos em Novembro de 2000.</font><br>
<br>
<font>15- Em 11/8/00, a autora solicitou à ré via fax, a alteração de algumas cláusulas da minuta do contrato, nomeadamente das cláusulas 1º e 4º, alegando que a ré não lhe havia entregue ou dado a conhecer os projectos de obras dos edifícios dos lotes 1 e 4.</font><br>
<br>
<font>16- Em resposta e no mesmo dia, a ré recusou a alteração da cláusula 2ª, informando que os projectos e toda a documentação seriam entregues quando fizessem falta.</font><br>
<br>
<font>17- Em 14 de Agosto a autora chamou a atenção para a necessidade dos projectos e para o facto de a ré ainda não ter informado de quando faria a sua entrega.</font><br>
<br>
<font>18- No dia 18 de Agosto de 2000 a autora pediu com urgência á ré os projectos dos lotes 1 e 4 e restante documentação.</font><br>
<br>
<font>19- A ré enviou à autora apenas parte do projecto do lote 4 no final do mês de Agosto de 2000, onde vinham definidas a implantação da edificação e as cotas altimétricas.</font><br>
<br>
<font>20- À data em que os responsáveis da autora foram visitar o local da obra, em 22 de Agosto de 2000, não se constatou a existência de água no local de implantação dos lotes 1 e 4, encontrando-se em execução os trabalhos de escavação neste último.</font><br>
<br>
<font>21- A autora procedeu à montagem de uma grua que se destinava à obra do lote 4 e auxiliar a obra do lote 1, no início de Setembro de 2000.</font><br>
<br>
<font>22- A autora procedeu á montagem de uma grua que se destinava à obra do lote 1, no início do mês de Novembro de 2000.</font><br>
<br>
<font>23- A escavação do terreno para o início da execução das obras do lote 4 foi concluída pela ré no dia 25 de Agosto de 2000.</font><br>
<br>
<font>24- Em visita realizada no dia 28 de Agosto de 2000, os responsáveis da autora, juntamente com o técnico da Montgru, para verificar as condições da montagem da 1ª grua, verificou-se a existência de um lençol de água no local.</font><br>
<br>
<font>25- A autora iniciou a execução da obra do lote 4, no dia 4 de Setembro de 2000.</font><br>
<br>
<font>26- No dia 19 de Setembro de 2000 ficou concluída a montagem da 1ª grua e constatou-se que a corrente eléctrica era insuficiente.</font><br>
<br>
<font>27- No mesmo dia e porque a quantidade de água existente continuava a aumentar e dificultava a execução dos trabalhos, foi necessário à autora comprar uma bomba submersível, no que se despendeu 184.275$00.</font><br>
<br>
<font>28- A autora, por fax de 20 de Setembro de 2000 deu conhecimento dos problemas com a electricidade e com a água à ré, que respondeu assumindo a responsabilidade pela questão da energia eléctrica e negando qualquer obrigação quanto à bomba.</font><br>
<br>
<font>29- Uma vez que os problemas com o nível freático continuavam, não deixando de aparecer água e face ás insistências da autora, em 19/10/01 a ré concordou em suportar o custo de aquisição de uma segunda bomba submersível para retirar aquela água.</font><br>
<br>
<font>30- Por fax de 12/01/01 a autora chama a atenção da ré para os problemas derivados do nível freático e dos atrasos nas operações de betonagem.</font><br>
<br>
<font>31- No dia 24 de Janeiro de 2001, pelas 06.30 horas, os responsáveis pela ré comunicaram à autora que a obra estaria encerrada, invocando então que tal se devia ao falecimento de um responsável da ré.</font><br>
<br>
<font>32- Pelas 21.46 horas do dia 24/01/01 a ré enviou um fax à autora comunicando a suspensão da obra até nova ordem e marca uma reunião para as 10.00 horas do dia seguinte.</font><br>
<br>
<font>33- Na reunião efectuada no dia 25/01/01, os responsáveis da ré comunicaram que a suspensão foi imposta pela CM da Moita.</font><br>
<br>
<font>34- No dia 26 de Janeiro de 2001 a ré enviou um fax dizendo que as obras se iniciariam no dia 29.</font><br>
<br>
<font>35- A 29 de Janeiro de 2001, efectuou-se uma reunião entre a autora e S... D..., responsável da ré, na qual este informou que se mantinha a ordem da CM da Moita e que só seria possível efectuar trabalhos de descofragem e limpeza na cave.</font><br>
<br>
<font>36- Em 31 de Janeiro de 2001 a ré informou a autora, por fax, que a CM da Moita havia obrigado a parar a obra e que seria possível recomeçar os trabalhos no dia 5 de Fevereiro seguinte, mas apenas até á cota “0”.</font><br>
<br>
<font>37- No dia 2 de Fevereiro de 2001 a ré informou que já não seria possível começar no dia 5 por “razões burocráticas”.</font><br>
<br>
<font>38- No dia 6 de Fevereiro de 2001 reiniciaram-se os trabalhos com a betonagem da laje da cota “0” no bloco 2 que se encontrava pronta para betonar desde o dia 24 de Janeiro de 2001.</font><br>
<br>
<font>39- Em 6 de Fevereiro de 2001 o local do lote 1 já se encontrava inundado com água com cerca de 80 cm de altura.</font><br>
<br>
<font>40- Em 19/2/01 as medidas adoptadas pela ré para retirar a água do lote 1, como por exemplo a abertura de uma vala para o Rio Tejo, não produziram qualquer efeito, mantendo-se o local completamente inundado.</font><br>
<br>
<font>41- Por carta datada de 22/2/01 e recebida em mão a 23, a autora propôs à ré a alteração dos preços inicialmente fixados no contrato.</font><br>
<br>
<font>42- A autora enviou um fax à ré no dia 5/3/01, solicitando uma resposta à proposta de alteração dos preços e chamando a atenção para o problema da água no lote 1 e para o subaproveitamento da mão de obra e dos equipamentos.</font><br>
<br>
<font>43- No mesmo dia a ré respondeu, via fax, recusando a modificação dos preços, porque o contrato não contemplava tal possibilidade, não obstante reconhecer que a subida dos preços seria ajustada e ameaçando não pagar as facturas do mês de Fevereiro.</font><br>
<br>
<font>44- No dia 6 de Março de 2001 a autora e porque a ré não a informara dos motivos da suspensão, obteve a informação junto da CM da Moita que a suspensão se devia ao facto de as obras de construção dos lotes 1 e 4 ainda não terem sido licenciadas, nem emitido o alvará de licença de construção respectivo.</font><br>
<br>
<font>45- No dia 8 de Março de 2003 a autora enviou á ré uma carta na qual procedeu à resolução do contrato, pondo termo ao mesmo, invocando o disposto nas cláusulas 8ª e 4ª do contrato e como fundamento da resolução a alteração anormal das circunstâncias em que fundara a sua vontade negocial e a absoluta impossibilidade de cumprimento do contrato por causa que não lhe era imputável, conforme carta cuja cópia consta a fls. 258 a 260.</font><br>
<br>
<font>46- A autora manteve no local da obra uma equipa de pessoal até ao final do mês de Março de 2001 apenas para a conclusão dos trabalhos de descofragem e limpeza no lote 4.</font><br>
<br>
<font>47- Em 2 de Abril de 2001 a autora solicitou à ré a recepção das obras e pagamento das quantias retidas.</font><br>
<br>
<font>48- Por carta de 14 de Abril de 2001 a ré, declarando não haver fundamento para a resolução do contrato, declarou não aceitar a modificação do contrato, recusando a recepção das obras efectuadas pela autora, deferindo-as para aquando da conclusão por terceira entidade e fez depender o pagamento das facturas pendentes da declaração escrita da autora de nada mais ter a receber da ré “seja a que titulo for”, conforme carta cuja cópia se encontra a fls. 264 a 266.</font><br>
<br>
<font>49- Em 23/3/01 a autora emitiu: a factura nº 3922, no valor de 1.063.765$00; a factura nº 3923, no valor de 122.653$00; a nota de lançamento nº 472, no valor de 29.975$00; a nota de lançamento nº 473, no valor de 122.653$00, as quais não foram pagas.</font><br>
<br>
<font>50- A autora facturou à ré, pela realização das obras executadas entre 22 de Agosto de 2000 e 8 de Março de 2001, um total de 68.483.000$00.</font><br>
<br>
<font>51- A ré efectuou a retenção de 3.424.177$00, correspondente a 5% sobre o valor total do montante facturado.</font><br>
<br>
<font>Da base instrutória:</font><br>
<br>
<font>52- A autora desenvolve grande parte da sua actividade em Espanha e nos anos de 1999 e 2000, mais precisamente em Agosto de 2000, não tinha qualquer obra ou trabalho em curso em Portugal.</font><br>
<br>
<font>53- Pelo que não tinha pessoal contratado, nem materiais, equipamentos ou máquinas adquiridos ou alugados para a execução das obras de construção civil em Portugal.</font><br>
<br>
<font>54- Foi conferido à ré a edificação dos lotes da Urbanização da Quinta Fonte da Prata na cidade Moita.</font><br>
<br>
<font>55- A ré forneceu à autora documentação suficiente ao início da execução dos trabalhos para construção dos edifícios respeitantes aos lotes 1 e 4 da indicada urbanização.</font><br>
<br>
<font>56- A autora celebrou o acordo para execução das obras com base nos elementos documentais fornecidos pela ré.</font><br>
<br>
<font>57- A autora preparou a execução dos trabalhos a seu cargo e contratou pessoal, encomendou, adquiriu e alugou material, equipamentos e máquinas e celebrou contratos de seguros com base nos elementos fornecidos pela ré e exclusivamente para a obra objecto do contrato referido na alínea c) dos factos assentes.</font><br>
<br>
<font>58- A autora foi contratando pessoal conforme as necessidades da execução da obra.</font><br>
<br>
<font>59- Para esse pessoal celebrou contrato de seguro de acidentes de trabalho, tendo pago prémios entre Setembro de 2000 e Março de 2001 no valor total de 2.386.720$00.</font><br>
<br>
<font>60- Celebrou um contrato de seguro de responsabilidade civil pela execução das obras, com referência ao valor do contrato e ao prazo de duração da obra definido no contrato, tendo pago um prémio no valor de 316.100$00.</font><br>
<br>
<font>61- Celebrou também contratos de seguro por roubo e por incêndio do estaleiro, dormitórios e refeitório, tendo pago prémios no valor de 43.600$00 e 76.698$00 respectivamente.</font><br>
<br>
<font>62- A autora encomendou um Plano de Segurança e Saúde especifico para a execução das obras dos dois lotes referidos a uma empresa especializada, a “S... Ld.”, pelo qual pagou a quantia de 175.500$00.</font><br>
<br>
<font>63- Por contrato de aluguer, celebrado em 22 de Agosto de 2000 com a firma V..., a autora alugou os contentores e módulos para o dormitório, refeitório, cozinha, balneário, sanitários, armazém e escritório, necessários e suficientes para acomodar o pessoal contratado e apoiar a execução da obra desde 30 de Agosto de 2000 a 13/3/01, tendo despendido com as rendas e com as despesas de montagem e desmontagem dos mesmos o valor total de 4.889.430$00 (com IVA incluído).</font><br>
<br>
<font>64- Para o dormitório, refeitório e cozinha a autora comprou equipamentos, tais como mesas, loiça, frigorifico, congelador, camas, colchões e armários, no valor de 1.134.795$00.</font><br>
<br>
<font>65- De acordo com a dimensão da obra e com as indicações da ré, em 1 de Setembro de 2000, a autora contratou o aluguer das gruas referidas nas alíneas u) e v) da matéria de facto assente, pela renda mensal de 393.120$00 cada uma e com despesas de montagem e transporte de 550.000$00 (sem o IVA incluído), cada uma.</font><br>
<br>
<font>66- A autora adquiriu dois baldes para as referidas gruas e equipamento conexo no valor de 706.940$00.</font><br>
<br>
<font>67- A autora celebrou contratos de responsabilidade civil para as duas gruas, cujo prémio foi de 252.226$00 cada.</font><br>
<br>
<font>68- A autora comprou equipamentos de trabalho e segurança para os seus trabalhadores, tais como capacetes, botas, luvas, protectores auriculares, óculos e fatos oleados, tendo despendido 794.508$00.</font><br>
<br>
<font>69- A autora alugou em 28/8/00 um empilhador “M... MT9-28” por um período de 9 meses e pela renda mensal de 386.100$00.</font><br>
<br>
<font>70- Para os trabalhos de cofragem a autora celebrou contratos de aluguer de painéis de cofragem com três empresas com equipamento distinto, a Ferca, a Hunnebeck Portugal e a Sumda, no que despendeu 5.722.195$00.</font><br>
<br>
<font>71- Parte desse material poderia ser reaproveitado na construção do lote 1.</font><br>
<br>
<font>72- Para os trabalhos de escoramento a autora alugou à sociedade S.E – S... de E... Lda. o material e equipamento necessários, nomeadamente extensores.</font><br>
<br>
<font>73- A autora comprou vários equipamentos especialmente adaptados para a obra em questão e para a utilização exclusiva nela, tais como martelos demolidores e perfuradores, rebarbadores, serras de bancada, vibrador eléctrico, agulhas de vibrador e berbequins, no valor global de 1.540.490$00.</font><br>
<br>
<font>74- Também para a utilização exclusiva e necessária da obra em causa, a autora teve de adquirir painéis tricapa no valor de 2.705.625$00.</font><br>
<br>
<font>75- A autora comprou madeiras, também de propósito e em exclusivo para a execução das obras nos lotes 1 e 4, para aplicações diversas no valor de 1.928.965$00.</font><br>
<br>
<font>76- Os problemas com a energia eléctrica dificultaram o normal funcionamento das gruas, tendo sido solucionado pela ré, dias após a comunicação da autora de 20/9/00.</font><br>
<br>
<font>77- Durante a execução da obra de construção do lote 4 a autora teve conhecimento da alteração da cota altimétrica desse lote para menos 40 centímetros, o que suscitou alteração da cota de tosco da respectiva laje.</font><br>
<br>
<font>78- Este facto implicou uma alteração ao projecto, inclusive no pé direito da cave que passou a ter menos 40 cm.</font><br>
<br>
<font>79- Devido à alteração das cotas e dimensões dos pés-direitos, houve necessidade de proceder à revisão de todo aquele material e equipamento, em especial para a execução dos muros perimetrais e das caixas de ascensor e escoramento.</font><br>
<br>
<font>80- Ocorreram dificuldades nos trabalhos de betonagem, suscitando nessa operação, um gasto de horas superior ao previsto, sendo parte da laje betonada com auxílio de grua e balde.</font><br>
<br>
<font>81- Ocorreram dificuldades dos camiões transportadores de betão chegarem ao local de aplicação da betonagem, devido ao estado dos acessos, suscitando demora no desenvolvimento dessa operação.</font><br>
<br>
<font>82- A autora em 11/1/01, tinha no local da obra material e equipamento (comprado ou alugado), necessário para a execução das lajes superiores (lote 4), acima da cota “0”.</font><br>
<br>
<font>83- A autora em 6/2/01, decidiu reduzir o número de trabalhadores.</font><br>
<br>
<font>84- Com o pessoal contratado especialmente para a execução das obras dos dois lotes, a autora suportou o total de 30.913.426$00 que inclui remunerações no valor de 31.293.258$00, as prestações da Segurança Social no montante
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1.ª Secção (Cível)
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<b><font> </font></b><font><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font><br>
<br>
<font>"Empresa-A, Limitada" intentou na Comarca de Braga, acção com processo ordinário contra "Empresa-B, SA" e "Empresa-C, SA", pedindo a sua condenação solidária no pagamento da quantia 140 606,49 euros, a titulo de indemnização, pelos danos sofridos na sequência de explosão pela 1ª Ré.</font><br>
<br>
<font>A acção foi contestada, quanto à causalidade e montante dos danos.</font><br>
<br>
<font>A Ré-seguradora foi absolvida do pedido na fase de saneamento.</font><br>
<br>
<font>Na 1ª Instância, a acção foi julgada procedente e a Ré condenada a pagar à Autora a quantia de 140 023,72 euros acrescida de juros desde a citação (15 de Julho de 2002) sendo os vencidos (até 30 de Abril de 2003) à taxa anual de 7% e depois à taxa de 4% até integral pagamento.</font><br>
<br>
<font>A Relação de Guimarães confirmou a sentença.</font><br>
<br>
<font>A Ré pede revista concluindo, no essencial, as suas alegações:</font><br>
<br>
<font>- Dedica-se à produção de "emulsões" (composto de nitrato de amónio, água e óleo emulsionador) que, só por si, não podem gerar explosões, já que para tal é necessário um detonador;</font><br>
<br>
<font>- Os resíduos de "emulsão" queimados no campo de queima da Ré não podiam explodir por si só;</font><br>
<br>
<font>- Tal só pode ter acontecido pelo lançamento de detonadores por alguém que quisesse prejudicar a Ré; ou,</font><br>
<br>
<font>- Pela intervenção de forças estranhas de natureza absolutamente imprevisíveis (raios de sol com especial incidência, raio de trovoada, etc.);</font><br>
<br>
<font>- Como resulta do relatório de Policia de Segurança Pública - Departamento de Armas e Explosivos (Delegação do Porto), junto, "Os especialistas da ETI (Canadiana), continuam a manter a queima a céu aberto e os procedimentos que estavam a ser utilizados, como a melhor solução para a destruição deste tipo de resíduos, admitindo como mínima a probabilidade da combustão se transformar em detonação."</font><br>
<br>
<font>- Também não foi devidamente esclarecido pelas instâncias se os danos verificados nas instalações da Autora, são exclusivamente imputáveis à referida explosão.</font><br>
<br>
<font>- Ou se decorreram, também, pelo facto das obras que estavam a ser feitas naquelas instalações, não obedeceram ás necessárias regras de segurança.</font><br>
<br>
<font>- A distância entre o campo de queima da Ré, onde se verificou a explosão e as instalações da Autora, é cerca de 1 km.</font><br>
<br>
<font>- No raio aproximado do foco de queima verificaram-se danos pouco significativos.</font><br>
<br>
<font>- A média das indemnizações peticionadas pelos diversos lesados é de €667,00.</font><br>
<br>
<font>- Enquanto a Autora reclama a astronómica importância de €140.606,29.</font><br>
<br>
<font>- E junto às instalações da Autora há diversos pavilhões, que não sofreram qualquer dano.</font><br>
<br>
<font>- Acresce que as instâncias não valoraram o Relatório/Parecer do Prof. Engenheiro de Minas Henrique Sérgio Botelho de Miranda, da Universidade do Porto.</font><br>
<br>
<font>- O qual foi peremptório em afirmar que os 75kgs de resíduos de explosivo à distância de 1km produziriam uma onde de choque idêntica a um simples sopro de vento.</font><br>
<br>
<font>- E, fazendo raciocínio inverso, para a produção dos danos sofridos pela Autora, considerando a distância de cerca de 1km do local da explosão, seria necessário uma carga explosiva de alguns milhares de kgs, o que não é o caso dos autos.</font><br>
<br>
<font>- O Acórdão recorrido violou os artigos 483º, 487º, 509º nº2, 510º e 570º do Código Civil.</font><br>
<br>
<font>Contra alegou a Autora para defender a manutenção do Acórdão sob revista.</font><br>
<br>
<font>As instâncias deram por provada a seguinte matéria de facto da qual se transcreve apenas o que releva para a decisão:</font><br>
<br>
<font>- A Autora é uma sociedade comercial, que tem por objecto entre outros aspectos, promover o ensino, nomeadamente, o superior no concelho e na região onde está sediada - Póvoa de Lanhoso - instituir escolas superiores, politécnicas e universidades ou outras onde o objectivo seja o ensino em todas as suas vertentes, constituir, organizar e gerir o funcionamento de estabelecimentos de ensino superior.</font><br>
<br>
<font>- A primeira Ré dedica-se ao desenvolvimento de indústria de pirotecnia e explosivos nas suas oficinas, localizadas no Lugar de Simães, da freguesia da Fonte Arcada da Póvoa de Lanhoso.</font><br>
<br>
<font>- A Autora solicitou à Ré que diligenciasse no sentido de mandar peritar os danos com a máxima urgência.</font><br>
<br>
<font>- Urgência que se prendia com a necessidade da Autora concluir as obras de forma a poder dar inicio à sua actividade, o que a Ré conhecia, pois labora dentro do mesmo concelho.</font><br>
<br>
<font>- Foi feita uma peritagem pela Empresa-D, Lda, quanto aos danos alegadamente sofridos pela Autora.</font><br>
<br>
<font>- No dia 28 de Janeiro de 2002, por volta das 18.00 horas, ocorreu no campo de queima junto às oficinas da primeira Ré, e, por isso, integrado no complexo industrial da primeira Ré, uma explosão.</font><br>
<br>
<font>- À Autora foi cedido por escrito particular datado de 13 de Julho de 2001, pela Sociedade Comercial Empresa-E, Lda, o uso e fruição dos edifícios, sitos no Parque Industrial de Fonte Arcada, freguesia do mesmo nome.</font><br>
<br>
<font>- Desde 1 de Outubro de 2001, que a Autora se encontra no uso e fruição daqueles edifícios, mediante o pagamento de uma renda mensal de 15.583.333$00 equivalente a €77.729, 34, tendo tal contrato termo em 30 de Setembro de 2006.</font><br>
<br>
<font>- Ficou acordado que os edifícios se destinavam à instalação das actividades de ensino superior da Autora e actividades conexas.</font><br>
<br>
<font>- Os edifícios foram entregues à Autora em fase final de construção, já fechados, mas com os interiores em espaço aberto, apenas com a estrutura montada.</font><br>
<br>
<font>- Acordado ficou que quando a Autora houver de restitui-los à proprietária, o deve fazer entregando-os em bom estado de conservação.</font><br>
<br>
<font>- A Autora ficou com a faculdade de, à sua conta, efectuar todas as obras de adaptação necessárias ao desenvolvimento da sua actividade estatutária, designadamente: aquecimento e climatização, execução e revestimento do chão, tectos, divisórias, piscinas, auditórios, bibliotecas e as demais que entenderem, por autorização expressa da proprietária dos edifícios a referida "Empresa-E, Lda".</font><br>
<br>
<font>- Foi com a anuência e consentimento da proprietária que a Autora, após tomar conta dos edifícios, neles realizou e custeou diversas obras.</font><br>
<br>
<font>- Em 28 de Janeiro de 2002 as referidas obras já se encontravam executadas pela Autora.</font><br>
<br>
<font>- A explosão referida na matéria de facto assente ocorreu no decorrer de queima de resíduos explosivos.</font><br>
<br>
<font>- A intensidade da explosão foi tão elevada que provocou vários danos materiais nos imóveis das redondezas, num raio de cerca de 750 metros.</font><br>
<br>
<font>- Nomeadamente, danos avultados nos edifícios supra referidos de que a Autora detém o uso e fruição.</font><br>
<br>
<font>- Em consequência directa e necessária da explosão supra referida e da consequente subpressão causada pela "onda de choque", os tectos falsos dos edifícios ruíram devido à rotura dos elementos metálicos horizontais de ligação das placas de gesso.</font><br>
<br>
<font>- A ruína dos tectos falsos provocou, por sua vez, como consequência directa e necessária, a danificação dos elementos eléctricos encastrados no tecto.</font><br>
<br>
<font>- Ficaram ainda danificadas as armaduras de iluminação de emergência, os apliques detectores de fumos e incêndios sinalizadores.</font><br>
<br>
<font>- Também ficaram danificados os cabos de alimentação.</font><br>
<br>
<font>- A ruína dos tectos provocou, igualmente, a danificação dos sistemas de ventilação e aquecimento, que se encontravam instalados sobre os referidos tectos, com especial incidência em "plenuns" difusores e bocas.</font><br>
<br>
<font>- Nos "WC s " foram também provocados danos, nomeadamente, nas sanitas e nos acessórios.</font><br>
<br>
<font>- A ruína dos tectos provocou ainda, a danificação de 1 cilindro de água quente, que a Autora, teve de substituir por outro.</font><br>
<br>
<font>- A ruína dos tectos provocou, igualmente, danos nas paredes que tiveram de ser pintadas.</font><br>
<br>
<font>- Danos nas portas, que tiveram - algumas delas - de ser substituídas.</font><br>
<br>
<font>- Também nos pavimentos ocorreram danos.</font><br>
<br>
<font>- A onda de choque que supra se referiu provocou danos no exterior dos edifícios, em especial nos vidros laminados das montras e nos vidros duplos de caixilharia.</font><br>
<br>
<font>- Provocou, ainda, danos ao nível do ar condicionado.</font><br>
<br>
<font>- Finalmente, tendo a Autora já adquirido e colocado nas suas instalações diverso equipamento, nomeadamente, mais de 200 cadeiras, a ruína dos tectos acabou por causar danos em pelo menos 50 cadeiras, "MOD AX" com palmatória e estofadas a tecido preto mesclado, danos verificados numa ao nível da própria estrutura, noutras a nível dos estofos, noutras nas palmatórias, noutras nos apoios para braços.</font><br>
<br>
<font>- A Autora teve de mandar proceder à reparação dos danos provocados nas suas instalações, em consequência directa e necessária do evento referido e descrito na PI, porquanto está na fase de instalação dos cursos a ministrar no âmbito da sua actividade estatutária.</font><br>
<br>
<font>- O custo da reparação de tecto, execução e colocação de tectos e reparação de paredes ascendeu a €43.276,27.</font><br>
<br>
<font>- As pinturas subsequentes às referidas reparações importaram em €4.588,97.</font><br>
<br>
<font>- Em trabalhos de carpintaria, que abrangeram o fornecimento e montagem de 9 portas em "tola", rodapé e baguetes, necessárias à reparação dos danos sofridos pelo edifício nos termos supra - descritos, a Autora terá de gastar - €3.680,93.</font><br>
<br>
<font>- A substituição de 1 cilindro e respectivos acessórios, mão de obra para colocação de tampas de sanitas, tanques e demais acessórios importou num custos de €790,35.</font><br>
<br>
<font>- A reparação do sistema de ar condicionado, importa globalmente em €8.943,68.</font><br>
<br>
<font>- A reparação dos danos provocados na instalação eléctrica ascende a €23.446,20 em material e mão de obra, pois, tiveram de ser substituídas armaduras de embutir, armaduras energy, "armaduras eléctricas", kits de emergência, apliques, lâmpadas TL18 com 84, "quadro de alvos", um detector óptico de fumos, base universal detector de incêndio, sinalizador de acção, cabos e acessórios.</font><br>
<br>
<font>- A limpeza geral da obra e a aplicação de 2 mãos de cera em toda a área da obra importa em €14.097,70.</font><br>
<br>
<font>- O custo da substituição de diversos vidros laminados, e de vidros duplos "incolor" importa em €4.516,54.</font><br>
<br>
<font>- Em custos de mão-de-obra, equipamento, viatura e outros custos não especificados necessários para a reparação de todos os danos alegados, a </font><br>
<br>
<font>Autora tem de despender €13.876,87.</font><br>
<br>
<font>- Como consequência directa e necessária da ruína dos tectos, as referidas 50 cadeiras sofreram danos nos estofos, nos braços de apoio e palmatórias e até ao nível da estrutura.</font><br>
<br>
<font>- Cadeiras, que a Autora se viu, assim, obrigada a mandar reparar, no que despendeu €1117,66.</font><br>
<br>
<font>- A Autora, de imediato, deu conta dos danos sofridos à 1ª Ré, que os pôde observar e, por fax, de 4 de Fevereiro p.p., enviou à mesma o valor da estimativa de custos para as reparações dos mesmos.</font><br>
<br>
<font>- A explosão referida na matéria de facto assente ocorreu por deficiente manuseamento dos materiais normalmente utilizados pela Ré.</font><br>
<br>
<font>- Tal operação efectuou-se dentro de um fosso com 2,5 metros de profundidade.</font><br>
<br>
<font>- No qual são depositados os resíduos e ai são consumidos de forma lenta.</font><br>
<br>
<font>- O tecto falso das instalações da Autora estava, como está, suportado por varão de aço roscado de 5mm, cuja capacidade de carga é de 150 kg.</font><br>
<br>
<font>- O tecto falso em referencia pesa 6kg/m2, a carga actuante no varão era, e é, de 10kg, logo 15 vezes abaixo da carga admissível para a suspensão em causa.</font><br>
<br>
<font>Foram colhidos os vistos.</font><br>
<br>
<font>Conhecendo, </font><br>
<br>
<font>1- Matéria de facto.</font><br>
<font>2- Responsabilidade Civil.</font><br>
<font>3- Conclusões.</font><br>
<br>
<font>1- Matéria de facto.</font><br>
<br>
<font>A recorrente põe essencialmente em causa a matéria de facto fixada pela Relação, discutindo, ainda nesse âmbito, os pressupostos da responsabilidade extra contratual (culpa, danos e nexo causal) com cuja verificação não se conforma.</font><br>
<font>Quanto ao questionar dos factos - em si - nunca é demais repetir que o Supremo Tribunal de Justiça, como Tribunal de revista, que é, só conhece matéria de direito, "ex vi" do artigo 26º da LOFTJ (Lei nº 3/99, de 13 de Janeiro).</font><br>
<font>A fixação dos factos materiais da causa, baseados na prova livremente apreciada pelo julgador, não cabe no âmbito do recurso de revista.</font><br>
<font>Em consequência, este Supremo Tribunal limita-se a encontrar o regime jurídico adequado aplicando-o aos factos que, definitivamente, foram fixados pelo tribunal recorrido (artigo 729º nº 1 do CPC).</font><br>
<font>São situações de excepção - violação de lei expressa que exija certo tipo de prova para a existência de determinado facto ou de norma reguladora da força probatória de algum meio de prova - apenas as constantes do nº2 do artigo 722º do Código de Processo Civil.</font><br>
<font>Só a Relação pode censurar as respostas ao questionário ou anular a decisão proferida pela 1ª Instância, no uso dos poderes conferidos pelos nºs 1 a 4 do artigo 712º daquele diploma.</font><br>
<font>Mas se, na fase de conhecimento do mérito, o STJ deparar com insuficiente matéria de facto para decidir de direito ou o acervo factual contiver contradições inviabilizadoras dessa decisão deverá devolver o processo ao tribunal recorrido para ampliar a decisão de facto, sempre nos limites da matéria alegada.</font><br>
<font>A esta faculdade se refere o Cons. Amâncio Ferreira ao apodá-la do poder oficioso "de exercer tacitamente censura sobre o não uso por parte da Relação dos poderes de alteração ou anulação da decisão de facto, sempre que entenda dever esta decisão ser ampliada, em ordem a constituir base suficiente para a decisão de direito, ou que ocorrem contradições na decisão sobre a matéria de facto que inviabilizam a decisão jurídica do pleito, ante o estatuído no nº3 do artigo 729º" (apud "Manual dos Recursos em Processo Civil", 6ª Ed., 226).</font><br>
<font>"In casu", não ocorre nenhuma situação permissiva de intervenção deste Supremo Tribunal na matéria de facto apurada, por não haver qualquer preterição de normas reguladoras do direito probatório, nem os factos elencados se revelarem insuficientes ou em contradição.</font><br>
<br>
<font>A recorrente acena com a inconsideração de um parecer de um Ilustre Académico de Engenharia e de um relatório elaborado pela P.S.P.</font><br>
<font>Apesar de irrelevarem essas discordâncias face ao que se expôs sobre a sindicância da matéria de facto, sempre se dirá, "ex abundantia", que o relatório da PSP foi cirurgicamente citado na alegação da recorrente, que não em todas as partes relevantes, surgindo não contextualizado.</font><br>
<font>Ainda assim, valem quanto a ele os princípios da liberdade de convicção do juiz.</font><br>
<font>O parecer junto é também de livre apreciação já que, em nada vincula o julgador por ter apenas um valor técnico-opinativo e não constituir sequer prova por arbitramento, na modalidade de prova pericial.</font><br>
<font>Trata-se, apenas, de mais um elemento para fundar a convicção - sempre livre - do julgador.</font><br>
<font>Nesta parte improcedem as conclusões da alegação.</font><br>
<br>
<font>2- Responsabilidade Civil.</font><br>
<br>
<font>Na subsunção dos factos provados, dúvidas não ficam de estarem perfilados os pressupostos da responsabilidade aquiliana.</font><br>
<font>Assim, ocorreu o evento lesivo (caracterizado pela explosão violenta), a culpa (aqui presumida, nos termos do nº2 do artigo 493º do Código Civil, cumprindo, em consequência, ao Réu ilidi-la, de acordo com o nº 1 do artigo 344º, o que não fez), o dano (que, notoriamente, resulta dos factos elencados) e o nexo causal (encontrado com o critérios do artigo 563º e os princípios da causalidade adequada).</font><br>
<font>Mantendo intocado o acervo factual, outra não podia ser a solução, senão a do Acórdão recorrido.</font><br>
<br>
<font>3- Conclusões.</font><br>
<br>
<font>De concluir que:</font><br>
<br>
<font>a) Ressalvadas as situações de excepção do nº2 do artigo 722º do CPC, o Supremo Tribunal de Justiça conhece apenas matéria de direito, só podendo reenviar o processo ao tribunal recorrido se deparar com insuficiente acervo de facto - mau grado mais alegado pelas partes - ou o de factos apurados revelar contradições que inviabilizam a decisão de direito.</font><br>
<br>
<font>b) Um parecer junto aos autos tem apenas um valor técnico-opinativo não mais sendo de que um elemento para fundar a, sempre livre, convicção do julgador.</font><br>
<br>
<font>Nos termos expostos, acordam negar a revista.</font><br>
<br>
<font>Custas pela recorrente.</font><br>
<br>
<font>Lisboa, 7 de Novembro de 2006</font><br>
<br>
<font>Sebastião Póvoas (Relator)</font><br>
<font>Moreira Alves</font><br>
<font>Alves Velho</font></font>
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YzLRu4YBgYBz1XKvEEIr
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1.ª Secção (Cível)
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<b><font> </font></b><font><br>
<b><u><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça </font></u></b><br>
<br>
<font> I – Na comarca de Trancoso, a Empresa-A, Ldª demandou:</font><br>
<br>
<font>- </font><font>a JUNTA DE FREGUESIA DE ……….;</font><br>
<font>- </font><font>AA; </font><br>
<font>- </font><font>BB e mulher CC e</font><br>
<font>- </font><font>incertos</font><br>
<br>
<font>alegando que, para além de a ter adquirido por usucapião, tem registada a seu favor a aquisição da denominada Quinta do Ferro, com a área total de mais de 600 ha, que é composta por vários prédios rústicos, entre os quais, e como destacadamente o maior, o descrito no art. 3º da p. i., o qual foi em tempos atravessado por um passadouro de gado, utilizado para a transumância de animais, e que fazia parte de um extenso atravessadouro, que encurtava a distância entre o rio Douro e a Local-C.</font><br>
<br>
<font> Em 1956 foi acordado entre o proprietário da referida Quinta, a Ré Junta e o povo de Vila Novinha, por acta então elaborada, a troca do referido passadouro por uma área de terreno de 3,52 ha, da aludida Quinta, que delimitaram, tendo esse acordo sido respeitado até 1975, já que, nesta data, os moradores de Vila Novinha destruíram um muro e esboçaram tentativas de recuperação do indicado passadouro, e, entre 1976 e 1994, tentaram, com os seus rebanhos, pastorear no referido local.</font><br>
<br>
<font> Entre Janeiro e Março de 1996, rebanhos pertencentes aos RR AA, BB e outros destruíram uma parte importante de uma plantação efectuada pela A no local do antigo passadouro, relativamente à qual o povo de Vila Novinha argumentava estar a ser implantada em zona de baldio pertencente à povoação. </font><br>
<br>
<font> Perante os factos descritos, a A peticionou que os RR sejam condenados a reconhecer:</font><br>
<br>
<font>- </font><font>que é dona e legítima possuidora da Quinta do Ferro, da qual faz parte o prédio rústico descrito no art. 3º da p. i., com a área de 504,8507 ha, inscrito na matriz de Rio de Mel sob o art. 2223, com os limites ou extremas definidos na carta, planta e auto que constituem os docs. nºs. 4, 6 e 5, juntos com a p.i.;</font><br>
<font>- </font><font>que nem a 1ª Ré, nem o povo de Vila Novinha, nem qualquer outra entidade pública ou privada, têm qualquer direito de propriedade, posse ou uso daquele prédio, com os limites referidos;</font><br>
<font>- </font><font>que o atravessadouro para a passagem de gado, assinalado por uma linha tracejada, com o sentido nordeste – sul, na carta que integra o doc. n.º 4, se acha extinto por força do disposto no art. 1383º do CC;</font><br>
<font>- </font><font>que qualquer introdução dentro dos limites da Quinta do Ferro é ilícita;</font><br>
<font>e</font><br>
<font>- </font><font>devendo os RR absterem-se da prática de quaisquer actos perturbadores do direito de propriedade da A.</font><br>
<br>
<font>Nas contestações que apresentaram, os RR vieram dizer que o qualificado pela A como passadouro de gado é, na realidade, um baldio, por ter estado, desde sempre, e sem interrupção, destinado à apascentação de rebanhos, extracção de pedra, matos, pinhas e resina, pelos moradores do lugar de Vila Novinha, no convencimento, por parte destes, que actuam no exercício de um direito comunitário do povo, baldio esse que tem sido objecto de administração pela Ré Junta, através da cobrança da </font><br>
<br>
<font>resina, da limpeza das cruzes dos marcos delimitadores e de outros actos, incluindo a troca de correspondência a tal respeito com os donos da Quinta do Ferro.</font><br>
<br>
<font> Por outro lado, e uma vez que nunca existiu a invocada troca de terrenos com a A, de tal decorre a oposição do povo de Vila Novinha ao plantio no prédio em questão. </font><br>
<br>
<font> Os RR AA, BB e mulher impugnaram, por seu turno, os danos que lhe são imputados na plantação da A.</font><br>
<br>
<font> Reconvencionalmente, a Ré Junta veio peticionar a condenação da A a reconhecer, nos limites do seu prédio, a existência de um terreno baldio, com a configuração e limites que enuncia, e área aproximada de 16 ha, devendo ser ordenada a rectificação da descrição predial do prédio da reconvinda, de modo a ser excluído daquela tal terreno.</font><br>
<br>
<font> Na réplica que apresentou, a A veio excepcionar a legitimidade da reconvinte e impugnar os demais factos em oposição com os por si antecedentemente alegados no articulado inicial.</font><br>
<br>
<font> No despacho saneador foi julgada improcedente a excepção da ilegitimidade invocada pela A, enunciada a matéria de facto assente e organizada a base instrutória, a qual foi alterada em sede de audiência de julgamento, na sequência de reclamação apresentada por parte daquela e dos RR. </font><br>
<br>
<font> Proferida sentença, foi declarado que a A é dona e legítima possuidora da Quinta do Ferro, da qual faz parte o prédio descrito no art. 3º da p. i., e declarado ser baldio o terreno, com a área de 13,52 ha, cujos pontos de referência, confrontações e medições foram devidamente especificados.</font><br>
<br>
<font> Da referida decisão, a A apelou, tendo a Relação de Coimbra, na sequência da procedência parcial do recurso interposto, declarado que o prédio da A tem uma área exactamente não apurada, confirmando, no mais, a sentença proferida. </font><br>
<br>
<font> Do aludido Acórdão vem, agora, a A pedir revista, tendo, nas conclusões com que rematou as alegações apresentadas, suscitado as seguintes questões:</font><br>
<br>
<font>- </font><font>requisitos da posse relativa a baldios; e</font><br>
<font>- </font><font>aditamento de matéria de facto pela Relação.</font><br>
<br>
<font>Na resposta apresentada, a Ré Junta pronunciou-se pela confirmação do Acórdão impugnado. </font><br>
<br>
<font> Colhidos os vistos, cumpre decidir.</font><br>
<div><font>+ + + + + + </font></div><br>
<font> II – No que respeita à matéria de facto, a recorrente vem sustentar a inatendibilidade dos factos aditados pela Relação, uma vez que, sob pena de violação do disposto no art. 684º, n.º 4 do CPC, tal só pode ter lugar no caso de interposição de recurso pela parte a quem a referida factualidade aproveita.</font><br>
<br>
<font> Não assiste, porém, razão à A.</font><br>
<br>
<font> Com efeito, o estatuído na al. b) do n.º 1 do art. 712º do CPC é de aplicação oficiosa, em caso de recurso, não se mostrando, inclusive, vedado a este Supremo lançar mão de factos, que, não tendo sido considerados pela Relação, se mostrem adquiridos desde a 1º instância – vide arts. 659º, n.º 3 e 713º, n.º 2 do CPC e </font><i><font>Estudos</font></i><font> do Prof. Teixeira de Sousa, págs. 415 e 427.</font><br>
<br>
<font>Por outro lado, pode adjuntar-se, que o preceituado no n.º 4 do art. 684º da codificação processual se reporta aos segmentos da decisão de direito que haja sido proferida, e não ao conteúdo da matéria de facto que haja sido considerada pelo tribunal, já que, a pela recorrente invocada proibiç</font><font>ão da </font><i><font>reformatio in peius</font></i><font>, apenas se mostra susceptível de aplicação, no que respeita à referida factualidade, na situação em que, da sua reapreciação, resulte a alteração da decisão de direito proferida, sem que esta haja sido objecto de qualquer impugnação pela parte prejudicada.</font><br>
<br>
<font> Assim, e dado que, na situação em análise, a factualidade aditada pela Relação – arts. 25º e 26º das contestações dos RR – se relaciona, directa e intrinsecamente, com a impugnação aduzida pela A na apelação, quanto à ocorrência da prática de actos de gestão de um baldio – conclusão 7.14 -, nada há a sindicar relativamente à mesma.</font><br>
<br>
<font>Atento o que vem de explanar-se, e nos termos do preceituado nos arts. 713º, n.º 6 e 726º do CPC, remete-se para a matéria de facto que a Relação teve por assente, havendo, porém, a salientar, da mesma, a que passa a enumerar-se:</font><br>
<br>
<i><font>“.............................................................................................................................. </font></i><br>
<i><font>y) - Moradores de Vila Novinha desde sempre apanharam matos, lenha e pinhos produzidos dentro do perímetro de terreno referido nas als. cc) a hh).</font></i><br>
<i><font>aa) – Os moradores de Vila Novinha praticaram tais actos na convicção de que exerciam direito legítimo, em terrenos da comunidade e sem exclusão de uns vizinhos a favor de outros, com excepção do pinhal referido na resposta ao quesito 18º.</font></i><br>
<i><font>z) – À Junta de Freguesia de ….. foi pago dinheiro pela recolha da resina de pinheiros situados no perímetro do terreno referido nas als. cc) a hh), designadamente na parte situada antes da Ponte Nova, atento o sentido descendente ali enunciado, com exclusão do pinhal referido na resposta ao quesito 18º.</font></i><br>
<i><font>cc) – O terreno tem início, atenta a estrada nacional Trancoso – Viseu e seguindo esse mesmo sentido, num prédio situado depois da curva à saída do povo de Vila Novinha e do lado direito da mesma, a aproximadamente 30 m dela, </font></i><br>
<br>
<i><font>denominado S. Lourenço (de DD), em duas massas de granito com cruzes nelas inscritas.</font></i><br>
<i><font>bb) – O terreno referido nas als. cc) a hh) tem a área de 13,52 ha.</font></i><br>
<i><font>II ) – Todos os actos da Ré Junta de Freguesia, como os relacionados com a cobrança da resina, com a limpeza, uma vez por outra, das cruzes dos marcos, ou com a passagem dos da serra para o Douro, o que não sucede há mais de 25 anos, sempre foram considerados pelos moradores e vizinhos como actos de simples administração.</font></i><br>
<i><font>JJ) – Em 09/01/1995, a mesma Ré enviou aos proprietários da Quinta do Ferro a carta junta a fls. 71, onde invocava o alarme da população de Vila Novinha pelo corte de matos pelos encarregados da Quinta na área do alegado baldio e solicitava explicações sobre os propósitos daqueles proprietários, na sua qualidade de administradora desse terreno.</font></i><br>
<i><font>....................................................................................................................................... ”</font></i><font> </font><br>
<div><font>+ + + + + + </font><br>
</div><br>
<font> III – Questiona, por outro lado, a recorrente, a inverificação dos comuns requisitos da posse, em seu entender, igualmente aplicáveis relativamente aos baldios, na parte respeitante à materialidade, exclusividade e não oposição de terceiros, bem como a inexistência da prova de quaisquer actos que signifiquem, de per si, actos de gestão. </font><br>
<br>
<font> Ora, para além dos fundamentos aduzidos no Acórdão impugnado sob as epígrafes 3ª Questão e 4ª Questão – fls. 639 a 643 -, para os quais nos termos dos arts. 713º, n.º 5 e 726º do CPC desde já se remete, há ainda a acrescentar o que passa, de seguida, a enunciar-se.</font><br>
<br>
<font> Com efeito, os baldios são terrenos, insusceptíveis de apropriação individual, possuídos e geridos, desde tempos imemoriais, pelos moradores de uma ou mais freguesias como logradouro comum, para apascentação de gados, recolha de lenhas ou de matos e fruição de quaisquer culturas ou utilidades de natureza agrícola, silvícola, silvo - pastoril ou apícola – arts. 1º, 3º e 4º da Lei n.º 68/93, de 04/09. </font><br>
<br>
<font> Assim, e dada a inadmissibilidade do aludido apossamento individual, a posse sobre os mesmos exercida não se enquadra no âmbito do estatuído no art. 1251º do CC, configurando-se, outrossim, como uma posse interdictal – vide </font><i><font>A Posse</font></i><font> do Prof. Meneses Cordeiro, pág. 86 -, a qual não confere aos respectivos titulares a plenitude dos efeitos possessórios, mas apenas, e no caso dos baldios, a faculdade do seu uso e fruição pelo universo dos respectivos compartes – art. 5º da Lei n.º 68/93 e 82º, n.º 4, al. b) da CRP.</font><br>
<br>
<font> Cai, portanto, pela base a impugnação da recorrente relativamente à exigência do </font><i><font>animus</font></i><font>, da exclusividade da posse e da não oposição de terceiros ao seu respectivo exercício, requisitos estes directa e exclusivamente correlacionados com a posse civil, cuja regulamentação legal decorre do Título I do Livro III do Código Civil.</font><br>
<br>
<font> E, quanto à inexistência de actos de gestão, remete-se para o conteúdo das als. II) e JJ) enunciadas no item II da presente peça.</font><br>
<div><font>+ + + + + + </font></div><br>
<font> IV – Perante o que vem de expor-se, vai negada a revista, sendo as custas da responsabilidade da recorrente.</font><br>
<div><font>+ + + + + + </font></div><br>
<font>Lisboa, 3 de Outubro de 2006</font><br>
<br>
<font>Sousa Leite</font><br>
<font>Salreta Pereira</font><br>
<font>João Camilo</font><br>
<br>
<font> </font></font>
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jTK-u4YBgYBz1XKv-jvS
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1.ª Secção (Cível)
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<b><font> </font></b><font><br>
<font> </font><b><i><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça</font></i></b><font> </font><br>
<br>
<b><font>I. Relatório</font></b><br>
<br>
<font>A </font><b><font>AA de Sever do Vouga</font></b><font> instaurou execução contra:</font><br>
<font>a) </font><b><font>BB e esposa </font></b><font>CC;</font><br>
<font>b)</font><b><font>DD e EE,</font></b><font> </font><br>
<font>apresentando, entre outros, os documentos seguintes:</font><br>
<font>i) uma Livrança subscrita pelos primeiros e avalizada pelos segundos, que fora entregue em branco pelos Executados, mas que a Exequente preencheu colocando nela, designadamente, os dizeres seguintes:</font><br>
<font>i. Local e data de emissão: Sever do Vouga 96.03.20;</font><br>
<font>ii. Vencimento: 96.06.20;</font><br>
<font>iii. Importância: 28.727.493$00</font><br>
<font>iv. Relação subjacente: Para titulação do processo n.º 7765.500038</font><br>
<font>ii) uma Declaração, em papel timbrado da Exequente, datada de 1995.09.20, com o seguinte teor:</font><br>
<i><font> “Em garantia do cumprimento das obrigações ou responsabilidades assumidas no contrato de crédito n.º .............. de 95/09/19 e/ou dele emergentes, junto remetemos uma livrança por nós subscrita, em branco, a favor de: AA de Sever do Vouga (ou a favor de quem este designar), ficando V. Exc.ªas autorizados a preenchê-la, quando e como entenderem, fixando-lhe a data, o vencimento, que poderá ser o mesmo à vista, o montante do capital mutuado, respectivos juros contratuais e quaisquer outras despesas, sempre que deixemos de cumprir qualquer das obrigações emergentes deste contrato.</font></i><br>
<i><font>O(s) avalista(s) da livrança de caução acima identificado(s) dão o seu acordo às estipulações deste contrato, pelo que, em confirmação, assinam também a presente carta contrato.”</font></i><br>
<font>Esta declaração vinha assinada quer pelos mutuários quer pelos avalistas.</font><br>
<font>Entretanto vieram a falecer DD e a esposa EE, e apresentadas como insolventes as Heranças Ilíquidas e Indivisas por óbito destes. </font><br>
<font>Na lista de credores reconhecidos pelo o Exm.º Administrador, veio este a indicar entre outros, o crédito total de € 165.359,12, sendo de 143.292,13 relativos a capital e 22.068,99 atinente a juros, invocando como fundamento ou proveniência o saldo de empréstimo da CCAM de Albergaria e Sever a BB e esposa, com avales de DD e esposa, sendo a taxa de juro calculada a 19,25% (15,255 + 4%) de mora + juros de 19,5% sobre 149.639,36 desde 97.01.07 até 2006.01.27 (declaração de insolvência.) </font><br>
<font>Esse crédito reportava-se a um empréstimo de 30.000.000$00 feito pela CCAM de Albergaria e Sever a BB e CC, e para o qual fora entregue como garantia uma Livrança em branco, subscrita pelos já referidos DD e EE na qualidade de Avalistas dos Mutuários, acompanhada da Declaração de Autorização de Preenchimento a que já acima se aludiu e transcreveu.</font><br>
<font>O crédito atinente ao capital ainda em débito não foi posto em causa, mas foi impugnada a parte atinente aos juros de mora pela congénere Caixa de Crédito Agrícola de Oliveira de Azeméis, que sustentou deverem serem estes calculados, no tocante aos avalistas, à taxa legal para as livranças desde a data do vencimento desta até à declaração de insolvência, e não à taxa indicada como relativa ao empréstimo.</font><br>
<br>
<font>A sentença de verificação e graduação de créditos veio a dar razão à impugnante, reconhecendo como crédito apenas a quantia referente ao capital [28.727.493$00 (€ 143.292,13 )], acrescida apenas de juros de mora à taxa legal sucessivamente em vigor para os juros civis contados desde data aposta como sendo a do preenchimento - Março de 1996 - (e não à taxa de juro contratual para o empréstimo).</font><br>
<br>
<font>A Caixa de Crédito Agrícola de Albergaria-a-Velha e Sever do Vouga recorreu da sentença nessa parte, mas a Relação do Porto, por Acórdão de 2007.03.15, veio a negar-lhe razão, excepto na parte atinente ao termo “a quo” para a contagem de juros civis, que se deveria reportar apenas à data do vencimento da livrança (e não à data do seu preenchimento).</font><br>
<br>
<font>Inconformada voltou a recorrer, desta vez para este Tribunal, tendo concluído as suas alegações pela forma seguinte:</font><br>
<font>“1. Não foi à toa que o legislador no art. 4.º do DL n.º 262/83 (aplicável após publicação do Assento n.º 4/92 de 13/07) ali fez constar que o portador de uma livrança …, quando em mora, pode (e não deve) exigir que a indemnização consista nos juros legais. Ou seja, deixou na disponibilidade das partes a possibilidade de estas acordarem de forma diversa quanto à indemnização a que os devedores ficariam sujeitos em caso de incumprimento, o que aliás decorre de um dos princípios gerais do Direito – o da liberdade contratual – segundo o qual as partes podem livremente acordar o conteúdo dos contratos – art. 405.º do CC.</font><br>
<font>2. No caso dos autos, os Avalistas aceitaram responsabilizar-se perante a reclamante nos mesmíssimos termos que o haviam feito os mutuários, o que decorre dos documentos anexos à Reclamação de Créditos, relativos ao processo de empréstimo a que foi atribuído o n.º 7765.500038;</font><br>
<font>3. Estipula-se no Contrato de Empréstimo/Proposta de Crédito, a descrição da aplicação, o valor mutuado, a taxa de juros contratual, a penalização pela mora, a forma de pagamento, o número do contrato, a indicação dos avalistas, e tudo o mais que naqueles documentos se encontra manuscrito, e consta da Declaração de Autorização de Preenchimento o n.º do contrato a que se reporta, a data da emissão da declaração e as assinaturas dos mutuários e avalistas;</font><br>
<font>4. Na declaração de Autorização de Preenchimento consta a identificação desse preciso contrato, onde, para além do mais, os avalistas DD e EE declararam expressa e inequivocamente que “Em garantia do cumprimento das obrigações ou responsabilidades assumidas no contrato de crédito n.º ........ de 19/09/95 e/ou dele emergentes, junto remetemos uma livrança por nós subscrita, em branco, a favor de </font><i><font>“Caixa de Crédito Agrícola de Sever do Vouga (ou a favor de quem esta designar), ficando V. Exc.ªs autorizados a preenchê-la, quando e como entenderem, fixando-lhe a data, o vencimento, que poderá ser o mesmo à vista, o montante do capital mutuado, respectivos juros contratuais e quaisquer outras despesas, sempre que deixemos de cumprir qualquer das obrigações emergentes deste contrato; O(s) Avalista(s) da Livrança de Caução acima identificado(s) dão o seu acordo às estipulações deste contrato, pelo que, em confirmação, assinam também a presente carta contrato”;</font></i><br>
<font>5. De onde que, nenhuma outra conclusão há a tirar senão a de que os avalistas DD e EE, na data em que subscreveram a Livrança e a Declaração de Autorização de Preenchimento, tomaram integral conhecimento de todas as condições do contrato, que reconheceram, assumiram, e aceitaram expressamente, e, por isso, assim o declararam ( o que decorre de nos mesmos ali terem aposto as suas respectivas assinaturas);</font><br>
<font>6.A Livrança em apreço nos autos (na qual também consta expressamente que a mesma se destina a titular o processo n.º ..........), subscrita pelos Avalistas, com declaração de autorização de preenchimento, também subscrita por estes, destinaram-se a titular o contrato de empréstimo que se regula pelos termos da Proposta de Crédito com o n.º ............, ali junta como doc. N.º 1, e nos termos desta Proposta de Crédito, o empréstimo seria concedido mediante o pagamento da taxa de juro contratual de 15,25%, que seria agravada com uma taxa suplementar de 4% em caso de mora (cfr. Cláusula 10.9 da Proposta de Crédito);</font><br>
<font>7. A subscrição daquela Declaração de Autorização de Preenchimento, atendendo aos moldes em que está redigida, determina que os avalistas, ao subscreverem aqueles documentos (Livrança e Declaração), assumiram e aceitaram as condições contratuais, incluindo os juros convencionais e pela mora contratualmente acordados e previstos, bem como aceitaram responsabilizar-se perante a CCAM de Albergaria e Sever nos mesmos termos em que o haviam feito os Mutuários – e é incontroverso que estes aceitaram as taxas de juro estipulados (de 15,25% de juro contratual e de 4% - suplementar- em caso de mora);</font><br>
<font>8. Quando os Avalistas subscreveram a Declaração, nada mais queriam dizer que não fosse que aceitavam que as obrigações a que estivessem obrigados os Mutuários também lhes poderiam ser a eles, Avalistas, exigíveis, sendo óbvio que os Avalistas nunca se opuseram que lhes fosse aplicadas as mesmas taxas de juro que as que foram (iriam) ser aplicadas aos Mutuários;</font><br>
<font>9. Sendo essa a interpretação lógica e correcta a fazer-se daquela Declaração, conjugada com os demais elementos dos autos, interpretação essa que encontra guarida no disposto no art. 234.º do CC. (Cfr. Também o Ac. do STJ de 3003.05.08, in Rev. N.º 1037/703-7.ª, Sumários, Maio de 2003);</font><br>
<font>10. E, nestes termos, é inequívoco que um declaratário medianamente instruído e diligente ( e não um especializado em conhecimentos técnicos, jurídicos e financeiros), perante uma declaração na qual expressamente o declaratário menciona dar o seu acordo às estipulações deste contrato (ou seja, o contrato de crédito n.º .............. de 1995/09/19) e na qual declara que é por força de dar o seu acordo a esse contrato (veja-se a expressão </font><i><font>“pelo que, em confirmação”,</font></i><font> nele inscrita) que assina a referida declaração e envia a livrança que está na base da Reclamação de Créditos que originou o presente processo, não deixaria de considerar que a referida Livrança e Aval nela inscrita se destinaria a garantir todo o capital mutuado nas condições resultantes do contrato de mútuo, condições essas nas quais se inclui, naturalmente, a taxa de juro;</font><br>
<font>11. Não nos parece fazer grande sentido vir aceitar que a referida Livrança ( e Aval nela aposto) possa ser preenchida tomando em consideração os juros de mora contratualizados (à taxa de 19,25%) até à data do preenchimento da Livrança, e depois dessa data defender-se que a Livrança nada tinha a ver com o contrato celebrado e que as partes não assumiram as obrigações dele decorrentes;</font><br>
<font>12. Pese embora o Acórdão recorrido fale em declaratário normal, a verdade é que toda a argumentação desenvolvida se prende com questões eminentemente técnico-jurídicas (nomeadamente a diferenciação entre os institutos do Aval e da Fiança) questões essas que dificilmente se poderão considerar quando o critério de aferição do sentido da declaração se prende com o conhecimento de um declaratário normal, a quem tais questões são completamente estranhas e desconhecidas;</font><br>
<font>13. Sem prescindir, mesmo partilhando-se, por mero raciocínio dialéctico, o entendimento defendido, quer pelo Tribunal de 1.ª Instância, quer pelo Tribunal da Relação do Porto (o que não acontece, pois não se aceita), sempre teríamos que os juros contratualizados deviam ser atendidos até à data do vencimento da Livrança, ou seja, até 20 de Junho de 1996, e não até à data da emissão da mesma (20 de Março de 1996), como erradamente acabou por decidir o Tribunal de 1.ª Instância;</font><br>
<font>14. Ao decidir nos termos constantes da douta decisão em recurso o Tribunal “a quo” violou o disposto nos arts. 4.º do DL n.º 262/83, de 16 de Junho, 234.º, 236.º, 405.º e 559.º do Código Civil e ainda o Assento 4/92 de 13 de Julho, dos quais fez uma errada interpretação/aplicação.</font><br>
<font>Nestes termos (…) revogando o douto Acórdão em recurso, substituindo-o por outro que reconheça à ora Recorrente o direito a juros à taxa contratual de 19,25% (15,25 % + 4 %) quanto ao financiamento n.º ..........., nos termos e com os fundamentos expostos, (…) </font><br>
<font>Justiça”</font><br>
<br>
<b><font>II. Âmbito do recurso</font></b><br>
<br>
<font>Atendendo às conclusões apresentadas nas alegações de recurso já acima reproduzidas, e tendo em conta o disposto nos arts. 684.º-3 e 690.º-1 do CPC, vem a concluir-se que o âmbito do presente recurso consiste em determinar a que taxa de juro devem estar submetidos os avalistas da livrança e simultaneamente signatários da declaração em que autorizam a entidade mutuante a preenchê-la e a fixar nela o montante do capital mutuado, respectivos juros contratuais e quaisquer outras despesas:</font><br>
<font>Deverão as heranças ilíquidas e indivisas de DD e de sua esposa EE estar sujeitas aos juros decorrentes da relação jurídica cambiária após a data de vencimento aposta na livrança, ou, pelo contrário, aos da relação jurídica subjacente?</font><br>
<font>É esta questão que teremos de apreciar.</font><br>
<br>
<font> </font><b><font>III. Fundamentação</font></b><br>
<br>
<b><font>III-A) Os factos</font></b><br>
<br>
<font>Foram considerados documentalmente provados na Relação, designadamente, os factos seguintes:</font><br>
<br>
<font>- BB e mulher CC subscreveram em 1995.09.19 uma proposta de crédito (fls. 23), a que foi atribuído o n.º ..............., no montante de 30.000.000$00;</font><br>
<font>- Nessa proposta, para além do montante, descreve-se a aplicação, a taxa de juro contratual, a penalização pela mora, a forma de pagamento e indicam-se como garantias uma hipoteca e o aval de DD e EE;</font><br>
<font>- A CCAM de Sever do Vouga aceitou a proposta nos termos e condições formuladas (fls. 25)</font><br>
<font>- Os mutuários subscreveram a livrança de fls. 26 que foi avalizada no verso por DD e mulher EE;</font><br>
<font>- Os mutuários e referidos avalistas subscreveram, nessas indicadas qualidades, a declaração de fls. 27, em papel timbrado da CCAM de Sever do Vouga, com o teor já indicado na parte do Relatório deste Acórdão, e que aqui se volta a dar como reproduzido.</font><br>
<br>
<font>Os demais factos constantes do Relatório resultam documentalmente do processo, pelo que terão de ser tidos em conta na apreciação jurídica em causa.</font><br>
<b><font>III-B) O Direito</font></b><br>
<font>A questão colocada foi exemplarmente tratada no Acórdão recorrido.</font><br>
<font>Com ele se conforma este Tribunal inteiramente, e por isso para essa decisão se remete com a devida vénia, negando provimento ao recurso, nos termos dos arts.713.º/5 e 726.º do CPC.</font><br>
<font>A nível de complemento sempre se dirá mais o seguinte:</font><br>
<font>Como vem referido no art. 1.º do CIRE, </font><i><font>“o processo de insolvência é um processo de execução universal que tem como finalidade a liquidação do património de um devedor insolvente e a repartição do produto obtido pelos credores, ou a satisfação destes pela forma prevista num plano de insolvência, que nomeadamente se baseie na recuperação da empresa compreendida na massa insolvente.”</font></i><br>
<font>Como processo de execução universal, tem como pressuposto a existência de dívidas do insolvente e de créditos de terceiros sobre ele.</font><br>
<font>Neste tipo de processos tem papel determinante o Administrador que apresenta na secretaria uma lista de todos os credores por si reconhecidos e uma lista dos não reconhecidos (art. 129.º /1 do CIRE)</font><br>
<font>E, de acordo com o n.º 2 desse mesmo artigo, da lista dos credores reconhecidos consta a identificação de cada credor, a natureza do crédito, o montante do capital e juros à data do termo do prazo das reclamações, as garantias pessoais e reais, os privilégios, a taxa de juros moratórios aplicável, e as eventuais condições suspensivas ou resolutivas.</font><br>
<font>O art. 130.º permite a qualquer interessado impugnar a lista de credores reconhecidos com fundamento na indevida inclusão ou exclusão de créditos, ou na incorrecção do montante ou da qualificação dos créditos reconhecidos.</font><br>
<font>O montante de crédito apresentado como reconhecido pelo Administrador foi de € 165.359,12 (€ 143.292,13 de dívida de capital + € 22.066,99 de juros moratórios à taxa de 19,25%, juros estes que haviam sido os contratualizados para o empréstimo de que foram beneficiários BB e esposa CC, mas após a impugnação, o próprio Administrador tem dúvidas se os juros indicados deveriam ser os que indicou.</font><br>
<font>Pois bem:</font><br>
<font>Quer a primeira instância quer a Relação tiveram o cuidado de referir, e bem, que uma coisa é a relação jurídica cambiária, e outra, distinta desta, é a relação jurídica subjacente: </font><br>
<font>A relação jurídica cambiária é a que decorre da Livrança e a relação jurídica subjacente é a constituída pelo negócio jurídico de base, que serve de fundamento à outra, isto é, in casu, o contrato de empréstimo.</font><br>
<font>Na relação jurídica cambiária entre sujeitos nacionais, os juros de mora são os correspondentes aos juros civis, sobre o capital em dívida, a cada momento.- arts. 4.º do DL n.º 262/83, de 16/06, 48.º/2 da LULL, 559.º do CC. e Assento do STJ n.º 4/92, de 13/07, este publicado in DR-I-A, de 1992.12.17.</font><br>
<font>No negócio jurídico subjacente, os juros de mora são os convencionados contratualmente.- art. 405.º e 806.º/2 do CC.</font><br>
<font>Como muito bem referido no Acórdão recorrido, a interpretação da declaração negocial deve fazer-se com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele.- art. 236.º do CC.- sendo certo que, tratando-se de negócios formais, não pode a declaração valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto, ainda que imperfeitamente expresso – art.º 238.º/1 do CC.</font><br>
<font>Ora, os termos do empréstimo tinham como condição a prestação de avales em livrança, não se referindo a quaisquer outras obrigações adicionais sobre os avalistas.</font><br>
<font>Tendo em conta este enquadramento, verificamos que os avalistas das livranças, através da “Declaração” que emitiram – fls. 26 -, apenas declararam conformar-se com os termos do negócio subjacente no que a eles respeitava e que estavam previstas no contrato, isto é, o de autorizaram o preenchimento da livrança pelo montante em débito e juros de mora contratualizados </font><i><u><font>até ao vencimento da livrança</font></u></i><font>.</font><br>
<font> A partir daí, tudo se passa e passará no restrito campo da obrigação cambiária.</font><br>
<font> Não é demais repetir que os avalistas na livrança não intervieram no contrato de empréstimo e que a figura de “avalista” só existe nos títulos cambiários, pelo que é forçar a letra da declaração levar a admitir que se quiseram assumir como mais obrigados do que nos termos previstos no contrato de empréstimo como condição para a aceitação da Proposta.</font><br>
<font>Assim, ao assinarem a “Declaração” na qualidade de avalistas em papel timbrado da entidade mutuante, só pode entender-se o aí escrito como tendo querido significar que estavam dispostos a aceitar que a entidade mutuante procedesse ao preenchimento da livrança e que a sua vinculação às garantias de pagamento se fazia no âmbito e com os limites da relação cambiária.</font><br>
<font> É ilegítimo concluir, portanto, face aos elementos disponíveis, que também se quisessem vincular às obrigações alargadas que o negócio jurídico subjacente lhes poderia acarretar se tivessem intervido como fiadores ou assumptores da dívida na parte não abrangida por aquela garantia, ou seja também, pelos juros de mora à taxa contratualizada no empréstimo, após o vencimento da livrança. </font><br>
<font>Assim, no que toca aos avalistas ( repete-se, </font><u><font>não intervenientes no contrato de empréstimo</font></u><font>) os juros de mora exigíveis após a data do vencimento da Livrança, são apenas os juros de mora legais, no que aos títulos cambiários respeita, </font><i><u><font>qualidade em que assinaram os termos da polemizada “Declaração”.</font></u></i><u><font>- veja-se a parte final do documento de fls. 26</font></u><br>
<font> </font><br>
<font>Assim, nega-se a revista e confirma-se o douto Acórdão recorrido.</font><br>
<font>Custas pela recorrente.</font><br>
<br>
<i><font>Lisboa, 23 de Outubro de 2007</font></i><br>
<font>Mário Cruz (Relator)</font><br>
<br>
<font>Faria Antunes</font><br>
<font>Moreira Alves</font><br>
</font>
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1.ª Secção (Cível)
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<b><font> </font></b><font><br>
<b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font></b><br>
<br>
<br>
<b><font>I – AA, </font></b><font>entretanto falecido, propôs, no Tribunal da Comarca de Almada, acção declarativa de reivindicação, com processo comum, sob a forma ordinária, contra</font><b><font> BB, </font></b><font>pedindo o reconhecimento do seu direito de propriedade sobre um imóvel e a condenação da ré a reconhecer tal direito, a restituir-lhe o seu andar e arrecadação e a pagar-lhe uma indemnização</font><b><font>.</font></b><br>
<br>
<font>Para tanto alegou, sumariamente:</font><br>
<br>
<font>Em 30.01.1975 a ré ocupou o 2.º andar direito e a arrecadação de um prédio de que é o titular inscrito e o possuidor, na sequência do que, em 26.11.1976, lhe foi ordenado, pelo Presidente da Comissão Administrativa da Câmara Municipal de Almada, a celebração imediata de contrato de arrendamento para habitação, ao abrigo do art. 1.º do DL n.º 198-A/75, de 14 de Abril, o qual veio a ser outorgado a 07.12.1976, pela dita Câmara Municipal em sua substituição.</font><br>
<font>Interpôs recurso contencioso do despacho em causa, que veio a ser anulado. </font><br>
<font>Apesar disso, a ré recusa-se a entregar-lhe os imóveis, dando origem a despesas que terá de suportar para defesa dos seus direitos, que computa em 2.000.000$00.</font><br>
<br>
<font>Regularmente citada para os termos da acção, contestou a ré, por excepção e impugnação e deduziu reconvenção.</font><br>
<br>
<font>Excepcionou a incompetência absoluta do tribunal em razão da matéria, por considerar que o meio próprio para o autor reaver os imóveis é o recurso à execução da sentença anulatória do acto administrativo em causa, junto dos tribunais administrativos.</font><br>
<font>Invocou ainda a excepção de ilegitimidade passiva, por a presente acção, que tem por objecto a casa de morada de família, não ter também sido intentada contra o seu marido. </font><br>
<br>
<font>Mais alegou que constitui abuso de direito a reivindicação dos imóveis após 11 anos, contados sobre a data da referida sentença de anulação, já que durante todo esse tempo não deu o A. qualquer sinal de querer reivindicar o prédio, criando na ré a convicção de que o arrendamento se mantinha válido e eficaz. Esta postura de silêncio do autor representa um consentimento e autorização tácita da ocupação ao longo destes anos. Por esse motivo também não existe qualquer dever de indemnizar</font><br>
<br>
<font>Em reconvenção, a ré alegou que procedeu a obras nos imóveis, pedindo, por isso, o reembolso dos valores que despendeu para o efeito.</font><br>
<br>
<font>O autor replicou, pugnando pela improcedência das excepções, e requereu a intervenção principal do marido da ré, por forma a sanar a ilegitimidade passiva, o que foi admitido.</font><br>
<br>
<font>Regularmente citado, o chamado veio fazer seus os articulados da ré.</font><br>
<br>
<font>Entretanto, em face do falecimento deste réu e do autor, procedeu-se à habilitação dos seus herdeiros, tendo sido habilitados como herdeiros do A. CC e DD e como herdeiros do réu, a ré, EE FF e GG.</font><br>
<br>
<font>Realizou-se tentativa de conciliação, que se frustrou.</font><br>
<br>
<font>Foi então proferido saneador-sentença no qual se decidiu:</font><br>
<br>
<font> – reconhecer o direito de propriedade do primitivo autor sobre o 2.º andar direito e o rés-..................., n.º . a .... Cova da Piedade, descrito na 2.ª Conservatória do Registo Predial de Almada, sob o n.º 1256, a fls. 33 do Livro B-4 e inscrito na respectiva matriz predial urbana, sob o artigo 86.</font><br>
<font>– condenar os réus a restituirem às autoras/habilitadas o imóvel supra descrito, livre de pessoas e bens;</font><br>
<font>– absolver os réus do pedido de indemnização contra eles formulado e</font><br>
<font>– absolver as autoras/habilitadas do pedido reconvencional deduzido, com custas pelas autoras e pelos réus, na proporção do decaimento.</font><br>
<font>Dessa decisão, inconformada, apelou a R. BB. </font><br>
<br>
<font>A Relação de Lisboa veio a proferir acórdão a julgar improcedente o recurso e a confirmar a sentença recorrida. </font><br>
<br>
<font>Interpôs, então, a mesma R., recurso de revista, recurso que foi admitido.</font><br>
<br>
<font>A R. apresentou as suas alegações, que rematou com as seguintes conclusões:</font><br>
<br>
<font>1.Os tribunais civis são incompetentes em razão da matéria para julgarem o presente litígio; </font><br>
<font>2. Por sentença de 31 de Março de 1989, do Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa, o contrato de arrendamento celebrado entre a Câmara Municipal de Almada (em substituição do senhorio) e a recorrente foi anulado;</font><br>
<font>3. Face à decisão do Tribunal Administrativo deveriam as Autoras fazer prosseguir os autos nesse tribunal, fazendo uso do processo executivo nos termos do artigo 6º do Decreto Lei 256-A/77 de 17 de Junho, seguindo-se o previsto nos artigos 7º a 9º do mesmo Decreto Lei;</font><br>
<font>4. As Autoras e aqui recorridas deixaram precludir todos os prazos que lhes permitiriam recorrer ao Tribunal Administrativo;</font><br>
<font>5. 11 anos após a sentença administrativa vêm interpor a presente acção de reivindicação;</font><br>
<font>6. Salvo o devido respeito, entende a Recorrente que cabia aos tribunais administrativos conhecer dos pedidos derivados da execução dos seus julgados, nos termos do artigo 51º do ETAF.</font><br>
<font>7. A acção de reivindicação baseou-se na inexistência do contrato de arrendamento por ter sido anulado, conforme decisão de 31 de Março de 1989 do Tribunal Administrativo do Circulo de Lisboa, pelo que os tribunais civis não têm competência para apreciar a causa.</font><br>
<font>8. Entende a recorrente que face aos articulados apresentados pelas partes, o Tribunal de 1ª instância deveria ter submetido estes autos a julgamento, por haver matéria controvertida que necessariamente teria de ser sujeita a prova;</font><br>
<font>9. A Recorrente alegou que após a decisão de anulação do Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa, o Autor não exerceu o seu direito durante 11 anos;</font><br>
<font>10. A Recorrente alegou que sempre depositou a renda a favor do proprietário;</font><br>
<font>11. E que o Autor não impugnou os depósitos das rendas;</font><br>
<font>12. Nem por qualquer meio demonstrou não aceitar que a recorrente lá habitasse nem a interpelou para que entregasse o locado;</font><br>
<font>13. As Autoras criaram, assim, legitimas expectativas na recorrente de que o contrato de arrendamento estava, por elas, tacitamente aceite;</font><br>
<font>14. Assim, deveriam os factos alegados pela Recorrente nos seus artigos 35º a 40º da contestação serem levados à base instrutória para posterior prova em audiência de discussão e julgamento;</font><br>
<font>15. A recorrente alegou a execução de benfeitorias pelo que requereu ser indemnizada no valor dispendido com as mesmas;</font><br>
<font>16. Enumerou as benfeitorias mandadas executar por si e o seu custo;</font><br>
<font>17. O Tribunal “a quo” julgou improcedente o pedido por não terem sido alegados os motivos que originaram essas obras;</font><br>
<font>18. Ora, atentas as obras enunciadas, cabia à recorrente, através da prova testemunhal demonstrar que as obras foram efectuadas, qual o custo e principalmente a urgência que as motivaram;</font><br>
<font>19. Entende a Recorrente que a prova em julgamento supriria a não alegação expressa dos motivos que a levaram a executar as obras enunciadas.</font><br>
<br>
<font>Houve contralegações.</font><br>
<br>
<font>Colhidos os vistos cumpre apreciar e decidir. </font><br>
<br>
<b><font>II – </font></b><font>Na 1.ª instância foi dada como provada a seguinte factualidade, que a Relação manteve intocada:</font><br>
<font>.. a ..., Cova da Piedade, encontra-se descrito na 2.ª Conservatória do Registo Predial de Almada sob o n.º 1256, a fls. 33 do Livro B-4 e inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o artigo 86. </font><br>
<font>2. Em 24 de Outubro de 1959, o primitivo autor adquiriu, por escritura pública, metade do prédio descrito em 1., supra, tendo adquirido a outra metade em 03 de Dezembro de 1963, igualmente por escritura pública.</font><br>
<font>3. O prédio descrito em 1., supra, foi inscrito a favor de primitivo autor AA através da inscrição G 29, a fls. 1295, nº 24.501.</font><br>
<font>4. O primitivo autor pagou as contribuições autárquicas do prédio descrito em 1., supra e relativas aos anos de 1996, 1997 e 1998.</font><br>
<font>5. O primitivo autor apresentou junto da Câmara Municipal de Almada um processo com vista à demolição do imóvel descrito em 1., supra, e um projecto de nova construção, bem como vários outros requerimentos.</font><br>
<font>6. O primitivo autor recebeu as rendas de inquilinos do prédio descrito em 1., supra, e praticou actos com vista à conservação desse imóvel. </font><br>
<font>7. A ré ocupa, desde 1975, o 2.º andar direito e o rés-do-chão, arrecadação, do prédio descrito em 1., supra. </font><br>
<font>8. O Presidente da Comissão Administrativa da Câmara Municipal de Almada, por despacho de 26.11.1976, ordenou a celebração imediata de contrato de arrendamento para habitação do 2.º andar direito do prédio descrito em 1., supra, ao abrigo do art. 1.º do DL n.º 198-A/75, de 14 de Abril. </font><br>
<font>9. Em 07.12.1976, a Câmara Municipal de Almada, em substituição do primitivo autor, celebrou com a ré um contrato de arrendamento do 2.º andar direito do prédio descrito em 1., supra. </font><br>
<font>10. O primitivo autor interpôs contra o Presidente da Câmara Municipal de Almada e contra a ré recurso contencioso do mencionado despacho, tendo a 2.ª secção do Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa, por sentença proferida a 31.03.1989 e transitada em julgado, decidido anular tal despacho.</font><br>
<font>11. Entre os anos de 1977 e 2000, a ré depositou mensalmente na Caixa Geral de Depósitos determinadas quantias, invocando a consignação de rendas relativas aos imóveis referidos no ponto 7, supra.</font><br>
<br>
<b><font>III –</font></b><font> Como resulta dos artigos 684.º, n.º 4 e 690.º do Código de Processo Civil as conclusões das alegações delimitam o âmbito do recurso.</font><br>
<br>
<font>As questões suscitadas são as seguintes:</font><br>
<br>
<font>A – Incompetência material dos tribunais cíveis;</font><br>
<font>B – Direito à restituição dos imóveis;</font><br>
<font>C – Abuso de Direito</font><br>
<font>D – Direito à indemnização por benfeitorias.</font><br>
<br>
<b><font>III.1. </font></b><font>Sobre a questão da competência dir-se-à, em primeiro lugar, que dela se terá de conhecer, nesta fase processual, ao abrigo do disposto no artigo 102.º, n.º 1, do Código de Processo Civil (doravante referido abreviadamente por CPC).</font><br>
<br>
<font>Conforme dispõe o art.º 209.º da Constituição da República Portuguesa, CRP, existem diversas ordens ou categorias de tribunais (Cf. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, Constituição da República Anotada, 3.ª ed., p. 805), uma das quais a dos tribunais judiciais, que são, nos termos do artigo 211.º da lei fundamental, os «comuns em matéria cível e criminal e exercem jurisdição em todas as áreas não atribuídas a outras ordens judiciais».</font><br>
<br>
<font>A competência residual dos tribunais judiciais resulta também do art.º 18.º, n.º 1, da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais, a Lei n.º 3/99, de 13.01 e do art.º 66.º do CPC, com a redacção dada pelo DL nº 329-A/95, de 12.12, ao referir que são da competência dos tribunais judiciais as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional.</font><br>
<br>
<font>Outra ordem ou categoria é a dos tribunais administrativos e fiscais, aos quais, de acordo com o preceituado no art.º 212.º, n.º 3, da Constituição, compete o julgamento das acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais.</font><br>
<br>
<font>A competência dessa jurisdição encontrava-se ainda prevista e regulada nos art.os 815.º e ss. do C. Administrativo e Lei Orgânica do STA (As auditorias foram transformadas em tribunais administrativos de círculo pelo artigo 109.º do Decreto-Lei 129/84, de 27/04 – ETAF–, sendo relevante o que dispõe o artigo 8.º deste diploma).</font><br>
<br>
<font>Aos tribunais administrativos incumbe assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos, reprimir a violação da legalidade e dirimir conflitos de interesses públicos e privados no âmbito das relações jurídicas administrativas, competindo-lhes, nomeadamente, conhecer das acções sobre responsabilidade civil dos entes públicos e dos titulares dos seus órgãos ou agentes por prejuízos decorrentes de actos de gestão pública, incluindo acções de regresso, do mesmo passo que lhes é retirada competência para conhecimento de acções que tenham por objecto questões de direito privado, ainda que qualquer das partes seja pessoa de direito público (arts. 212.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa e art.os 815 e 816.º do C. Administrativo).</font><br>
<br>
<font>A atribuição da competência em razão da matéria será daquele tribunal que estiver melhor vocacionado para apreciar a questão colocada pelo autor, projectando um critério de eficiência que só poderá ser aferido em função do pedido deduzido e da causa de pedir, donde, portanto, a necessidade de verificar se existe norma que atribua a competência a um tribunal especial e, não havendo, caberá ela, subsidiária e residualmente, aos designados “tribunais comuns” (cf. Acs. STJ de 27.05.03, Proc. n.º 03A1376 e de 11.12.03, Proc. n.º 03B3845, disponível em </font><i><u><font>www.dgsi.pt</font></u></i><font>). </font><br>
<br>
<font>Os tribunais administrativos têm competência para julgar litígios emergentes de relações jurídicas administrativas.</font><br>
<br>
<font>Ora, a presente é uma acção de reivindicação </font><br>
<br>
<font>Funda-se a mesma na ausência de qualquer fundamento legal para a não entrega de dois imóveis propriedade do autor e está em questão uma relação estritamente privada. Discute-se o direito de propriedade do A., a ausência de título para a posse que vem sendo exercida pelos RR. e o consequente direito do A. à restituição.</font><br>
<br>
<font>A circunstância de ter sido anulado o contrato de arrendamento, celebrado entre a Câmara Municipal de Almada, em substituição do autor, e a ré, constitui um mero facto instrumental desta acção, só relevando na medida em que invalidou o contrato de arrendamento.</font><br>
<br>
<font>Entendem os réus que o autor deveria ter executado a decisão que anulou a sentença junto dos tribunais administrativos, estando impedido de recorrer à acção de reivindicação de propriedade junto dos tribunais comuns.</font><br>
<br>
<font>Ora, como se disse na decisão recorrida é altamente improvável que uma decisão meramente anulatória de um acto administrativo, com reflexos apenas na esfera privada, pudesse ser objecto de execução (vide o que sobre a execução das decisões se estabeleceu no Decreto-Lei 256-A/77, de 17 de Junho, designadamente nos seus artigos 5.º a 10.º e o que se dispõe no CPTA –. Decreto-Lei 267/85, de 16 de Julho – nos seus artigos 95.º e 96.º</font><br>
<br>
<font>De todo o modo, ainda que não fosse assim, não se vê obstáculo legal a que se recorra a uma acção de reivindicação, sendo certo que, como se disse, para se obter a restituição, não basta alegar a posse abusiva. É ainda necessário demonstrar o direito de propriedade e de posse sobre os imóveis reivindicados.</font><br>
<br>
<font>Nada, por isso, a contrapor ao decidido sobre a competência material.</font><br>
<br>
<b><font>III.2. </font></b><font>Para obstar à peticionada restituição dos imóveis os réus invocam que o primitivo autor consentiu e autorizou tacitamente a ocupação do andar e a arrecadação em causa nos autos, uma vez que nada fez, após a decisão anulatória do despacho do Presidente da Comissão Administrativa da Câmara Municipal de Almada, que havia ordenado ao primitivo autor a celebração imediata de contrato de arrendamento para habitação da ré. </font><br>
<br>
<font>Esta posição implica o reconhecimento de que os réus não têm qualquer título para ocupar os imóveis.</font><br>
<br>
<font>Ora, o não exercício de um direito releva apenas para efeitos de prescrição ou caducidade ou, por via da aquisição, por outrem, de um direito incompatível com o primeiro. </font><br>
<br>
<font>O direito de propriedade não se perde por caducidade ou prescrição podendo, no entanto, perder-se pelo facto do seu não exercício, se um terceiro demonstrar a posse do imóvel, mantida durante certo lapso de tempo, conduzindo à aquisição do direito de propriedade por usucapião – cfr. art. 1287.º do Código Civil (doravante referido abreviadamente por CC). </font><br>
<br>
<font>Posse é o poder que se manifesta quando alguém actua por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de outro direito real – cf. 1251.º do citado código.</font><br>
<br>
<font>No caso vertente, a ré actuou sempre como arrendatária dos imóveis, designadamente, porque procedeu ao pagamento de uma “renda” por depósito bancário.</font><br>
<br>
<font>Os AA. desde o início do arrendamento compulsivo, recusaram o recebimento de qualquer renda, tendo sido proposta acção de anulação a que se fez referência, que lhes deu razão.</font><br>
<br>
<font>De qualquer modo, como vem sendo comummente aceite pela generalidade da doutrina e jurisprudência, o direito de arrendamento não é um direito real, pelo que não confere à ré o direito de usucapir na propriedade. </font><br>
<br>
<font>Por outro lado, o proprietário não tem o dever jurídico de reivindicar os seus bens de terceiro, constituindo o recurso à acção de reivindicação, tão--somente, um ónus do proprietário que queira reaver os seus bens.</font><br>
<font> </font><br>
<font>Quanto ao exercício pleno do direito de propriedade (que abrange a detenção e posse da coisa), importa realçar que o seu titular pode renunciar a esse exercício (temporária ou definitivamente), uma vez que não se trate de direito indisponível, isto é, subtraído à vontade das partes.</font><br>
<br>
<font>Pelo exposto, entendo que não existe qualquer fundamento jurídico para a invocada qualidade de arrendatária decorrente da situação de facto originada pela não reivindicação dos imóveis durante 11 anos, ou seja, a ré não adquiriu qualquer direito em virtude da situação de facto existente.</font><br>
<br>
<b><font>III.3.</font></b><font>Também não parece que o recurso à acção de reivindicação, após o decurso de 11 anos, sobre a anulação do contrato de arrendamento, só por si, possa constituir abuso de direito.</font><br>
<br>
<font>Dispõe o art.º 334.º do CC que é ilegítimo o exercício de um direito quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, bons costumes ou pelo fim social desse direito.</font><br>
<br>
<font>O abuso de direito (art. 334.º CC), como excepção peremptória inominada, que se traduz, segundo CASTANHEIRA NEVES (</font><i><font>Questão de Facto e Questão de Direito</font></i><font>, 1967, p. 528), “num problema metodológico-normativo de realização (ou de aplicação) concreta do direito…; o abuso é um modo de ser jurídico que se coloca no trajecto entre a norma e a solução concreta”.</font><br>
<br>
<font>Ocorre esta figura jurídica quando o direito legítimo – e portanto razoável, em princípio – é exercido, em determinado caso, de maneira a constituir clamorosa ofensa do sentimento jurídico socialmente dominante, ou seja, longe do interesse social e por forma a exceder manifestamente os limites resultantes da boa fé, dos bons costumes ou do fim económico-social do direito, tornando-se, assim, escandalosa e intoleravelmente ofensiva do nosso comum sentimento de justiça, que repouse em bases éticas aceitáveis. </font><br>
<br>
<font>O instituto do abuso do direito, bem como os princípios da boa-fé e da lealdade negocial, são meios de que, os tribunais, devem lançar mão para obtemperar a situações em que alguém, a coberto da invocação duma norma tuteladora dos seus direitos, ou do exercício da acção, o faz de uma maneira que – objectivamente – e atenta a especificidade do caso, conduz a um resultado que viola o sentimento de Justiça, prevalecente na comunidade, que, por isso, repudia tal procedimento, que apenas formalmente respeita o Direito, mas que, em concreto, o atraiçoa. </font><br>
<br>
<font>Como se afirmou no acórdão deste Tribunal, de 10 de Outubro de 1991, in </font><i><font>BMJ</font></i><font>, n.º 412, p. 460:</font><br>
<br>
<font>“Nos termos do artigo 334.º do Código Civil há abuso de direito e é portanto ilegítimo o seu exercício quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.</font><br>
<font>Agir de boa fé tanto no contexto deste artigo como no do artigo 762.º, n.º 2, é “agir com diligência, zelo e lealdade correspondente aos legítimos interesses da contraparte, é ter uma conduta honesta e conscienciosa, uma linha de correcção e probidade a fim de não prejudicar os legítimos interesses da contraparte e não proceder de modo a alcançar resultados opostos aos que uma consciência razoável poderia tolerar”.</font><br>
<font>Os bons costumes entendem-se por seu turno como um “conjunto de regras de convivência que num dado ambiente e em certo momento as pessoas honestas e correctas aceitam comummente contrários a laivos ou conotações, imoralidade ou indecoro social”. </font><br>
<font>Finalmente, o fim social ou económico do direito, no âmbito dos direitos de crédito – o conteúdo da obrigação desdobra-se no direito à prestação e no dever de prestar – consiste precisamente na satisfação do interesse do credor mediante a realização da prestação por banda do devedor (artigo 397.º do Código Civil)...”.</font><br>
<br>
<font>O art. 334.º do Código Civil, acolhe uma concepção objectiva do abuso do direito, segundo a qual não é necessário que o titular do direito actue com consciência de que excede os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim económico ou social do direito ou com «</font><i><font>animus nocendi</font></i><font>» do direito da contraparte, bastando pois que tais limites sejam e se mostrem ostensiva e objectivamente excedidos (PIRES DE LIMA E ANTUNES VARELA, </font><i><font>Código Civil Anotado</font></i><font>, vol. I, 4.ª edição, p. 298, em anotação ao artigo em questão e ANTUNES VARELA, (</font><i><font>Das Obrigações em Geral</font></i><font>, 7ª edição, p. 536).</font><br>
<br>
<font>Para MANUEL DE ANDRADE (</font><i><font>Teoria Geral das Obrigações</font></i><font>, p. 63) ocorre tal excesso se os direitos forem “exercidos em termos clamorosamente ofensivos da justiça”, o que VAZ SERRA (“Abuso do direito”, </font><i><font>BMJ</font></i><font> n.º 85, p. 253) apelida de “clamorosa ofensa do sentimento jurídico socialmente dominante”(cf. neste sentido, entre outros, os Acs. do STJ, de 7.1.93, in </font><i><font>BMJ</font></i><font>, n.º 423, p.539 e de 21.9.93, in </font><i><font>CJSTJ</font></i><font>, 1993, III, p.19).</font><br>
<br>
<font>O abuso do direito – “como válvula de escape”, que deve ser, só deve funcionar em situações de emergência, para evitar violações clamorosas do direito. Deve, por isso, ser invocado com ponderação e equilíbrio, sem que constitua panaceia fácil para toda a situação de excessivo exercício; é que pode o respectivo excesso não ser manifesto e ilegítimo ou só se apresentar assim na aparência (cf. ac. do STJ, </font><i><font>BMJ</font></i><font> n.º 407, p. 557).</font><br>
<br>
<font>O que leva os acima citados anotadores do Código a acrescentar que para determinar os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes há que atender de modo especial às concepções ético-jurídicas dominantes na colectividade.</font><br>
<br>
<font>Entre as hipóteses de aplicação relevante do abuso de direito, identificam-se uma série de situações típicas que o caracterizam, avultando, nestas, o </font><i><font>venire contra factum proprium</font></i><font> [sobre estas v. MENEZES CORDEIRO, </font><i><font>Da Boa Fé no Direito Civil</font></i><font>, Almedina, 2001, especialmente pp. 719 e ss.]. </font><br>
<br>
<font>Quanto ao </font><i><font>venire contra factum proprium,</font></i><font> enquanto modalidade do abuso de direito, a lei não tutela a mera confiança que os particulares depositem em situações de facto, a não ser nos pressupostos apertados de certos institutos.</font><br>
<br>
<font>De acordo com a lição de BAPTISTA MACHADO [</font><i><font>Obra Dispersa</font></i><font>, Braga 1991, vol. 1, pp. 416 e ss.], constituem requisitos do «</font><i><font>venire contra factum proprium</font></i><font>»: i) a verificação de uma situação objectiva de confiança, supondo a conduta de alguém que possa ser entendida como vinculante em relação a uma situação futura, ii) o investimento na confiança e irreversibilidade desse "investimento" [que a outra parte, com base na situação criada, organize planos de vida de que lhe surgirão danos se a sua confiança legítima lhe vier a ser frustrada] e iii) boa fé da contraparte que confiou e que esta tenha agido com cuidado e precauções usuais no tráfico jurídico.</font><br>
<br>
<font>Ou, como se diz no acórdão do STJ de 5.2.98 (</font><i><font>BMJ</font></i><font>, n.º 474, pp. 431 e ss.) os pressupostos da relevância do «</font><i><font>venire</font></i><font>» são “a) Situação de confiança, justificada pela boa fé, que levam uma pessoa a acreditar, estavelmente, em conduta alheia – no </font><i><font>factum proprium</font></i><font> – determinante de aquisição de posição jurídica; b) Investimento nessa confiança, com orientação de vida, desenvolvendo actividade na crença do </font><i><font>factum proprium</font></i><font>, actividade que se vê agora destruída pelo </font><i><font>venire</font></i><font>, com o correlativo injusto regresso à situação anterior: c) Imputação da situação criada à outra parte, por esta ter culposamente contribuído para a inobservância de forma prescrita pela lei ou ter-se assistido à execução do contrato através de situações que se arrastaram no tempo e pacificamente”</font><br>
<font>No mesmo sentido pode citar-se ALMEIDA COSTA (</font><i><font>RLJ</font></i><font>, Ano 129.º, pp. 61 e 62), quando escreve que além da criação da confiança é necessário, para este efeito, que se verifique o investimento na mesma, através de um comportamento do destinatário do “</font><i><font>factum proprium</font></i><font>” que evidencie a expectativa nele criada e revele os danos que advirão da falta de tutela eficaz para ele.</font><br>
<br>
<font>Ora, o facto de o primitivo autor só ter intentado a acção de reivindicação, decorridos 11 anos sobre a data da sentença que anulou o acto administrativo que determinou a celebração de contrato de arrendamento com a ré, bem como o eventual facto de não ter pedido à ré que desocupasse os imóveis durante o referido lapso de tempo, pode ter sido originado por inúmeros factores, designadamente pessoais, que se desconhecem.</font><br>
<br>
<font>Ainda que tal tenha ocorrido por puro desleixo do primitivo autor, não se vê que a nova postura, evidenciada com a proposição da acção, possa entender-se como violadora dos limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social e económico do direito de propriedade.</font><br>
<br>
<font>Bem pelo contrário, esse facto possibilitou à ré o uso dos imóveis durante esse lapso de tempo, bem sabendo esta, que deixou de existir qualquer contrato de arrendamento em virtude de decisão judicial promovida pelo primitivo autor. </font><br>
<br>
<font>Por outro lado, não há nenhum facto dado como provado que demonstre que os AA. reconheceram ou aceitaram, de forma expressa ou tácita, a legitimidade da posse das fracções pela Ré, pelo que se não mostra fundada a invocada convicção ou “confiança” de que o arrendamento se mantinha válido e eficaz, uma vez que o primitivo autor impugnou desde o início o arrendamento imposto e desde 1977 que não aceitou as rendas que a ré, em face dessa recusa, depositou numa instituição bancária.</font><br>
<br>
<font>Assim sendo e, em face da falta de alegação de quaisquer outros factos donde se possa extrair que o primitivo autor criou a alegada convicção de que o arrendamento se mantinha válido, importa concluir que a mesma não tem qualquer suporte fáctico relevante ou qualquer suporte jurídico.</font><br>
<br>
<b><font>III.4. </font></b><font>A ré pede, em reconvenção, a condenação no pagamento da quantia de 2.000.000$00, a título de reembolso de despesas com obras que alegadamente efectuou nos imóveis dos autos.</font><br>
<br>
<font>Nos termos do art. 216.º, n.º 1, do CC, são benfeitorias todas as despesas feitas para conservar ou melhorar a coisa.</font><br>
<br>
<font>A jurisprudência precisou esta noção legal, considerando que não são benfeitorias as despesas que não se incorporam na coisa e que, por isso, podem ser levantadas. </font><br>
<br>
<font>As benfeitorias podem ser necessárias, úteis ou voluptuárias (n.º 2 do citado artigo).</font><br>
<br>
<font>São benfeitorias necessárias as que têm por fim evitar a perda, destruição ou deterioração da coisa; úteis as que, não sendo indispensáveis para a sua conservação, lhe aumentam, todavia, o valor; voluptuárias as que, não sendo indispensáveis para a sua conservação nem lhe aumentando o valor, servem apenas para recreio do benfeitorizante – art. 216.º, n.º 3.</font><br>
<br>
<font>O regime jurídico das benfeitorias consta das normas próprias de cada instituto. Assim, entre outros, regem quanto à locação, o art. 1046.º, n.º 1; quanto ao comodato, o art. 1138.º; quanto à posse, os arts. 1273.º a 1275.º; quanto à compropriedade e na venda de bens alheios, o art. 901.º. </font><br>
<br>
<font>No caso dos autos, interessa considerar fundamentalmente as benfeitorias relativas à posse, uma vez que nem sequer se invocou que as benfeitorias foram efectuadas durante o período em que contrato de arrendamento foi tido por válido.</font><br>
<br>
<font>De qualquer modo, dispõe o art. 1046.º, n.º 1, que o locatário é equiparado ao possuidor de má fé quanto a benfeitorias que haja feito na coisa locada, o que nos remete para os citados artigos 1273.º a 1275.º.</font><br>
<br>
<font>As benfeitorias necessárias conferem ao possuidor (quer de boa, quer de má fé) o direito a ser indemnizado pelo seu valor. As úteis, quando não possam ser levantadas sem detrimento da coisa, devem ser pagas ao possuidor (de boa ou má fé), segundo as regras do enriquecimento sem causa. –. art. 1273.º, n.os 1 e 2, do Cód. Civil. </font><br>
<br>
<font>Dispõe ainda o art. 1275.º, do citado código, que «o possuidor de boa fé tem direito a levantar as benfeitorias voluptuárias, não se dando o detrimento da coisa; no caso contrário, não pode levantá-las nem haver o valor delas» (n.º 1); o possuidor de má fé perde-as, em qualquer caso (n.º 2). </font><br>
<br>
<font>Disse-se na decisão de 1.ª instância que:</font><br>
<br>
<font>“Atento este enquadramento em termos de direito substantivo, importa considerar que, em termos processuais «Em face do disposto no n.º 3 do 216.º e da parte final do n.º 2 do artigo 1273.º do C.C., é indispensável alegar, como fundamento da indemnização por benfeitorias necessárias e benfeitorias úteis, quais as obras correspondentes a cada uma das suas espécies e, ainda, quanto às necessárias, que elas se destinaram a evitar a perda, destruição ou deterioração da coisa e, quanto às úteis, que a valorizaram, que o levantamento a deterioraria e qual o respectivo custo e o actual valor» – cf. Ac. do STJ, de 03-04-1984, Bol. 336, p. 420.”</font><br>
<br>
<font>Para que as obras feitas pudessem ser consideradas como benfeitorias necessárias, teria de ser alegado e provado que elas foram efectuadas em circunstâncias integradoras dos apontados riscos de perda, destruição ou deterioração do prédio em causa – v. Ac. do S.T.J. de 03.04.1984, </font><i><font>BMJ</font></i><font> n.º 336, p. 420.</font><br>
<br>
<font>Por outro lado, as benfeitorias úteis só seriam indemnizáveis se a Ré, tivesse alegado a impossibilidade do seu levantamento e tivesse concretizado a medida da sua repercussão no aumento do valor da coisa beneficiada – art. 216.º, n.º 3, citado.</font><br>
<br>
<font>Ora, sobre tudo isto a Ré nada disse, apesar de sobre ela recair esse ónus de alegação e prova — art. 342.º, n.º 1.</font><br>
<br>
<font>Na reconvenção, a ré limitou-se a discriminar as obras que diz ter levado a cabo e indicar a quantia global que
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hDK0u4YBgYBz1XKvdTPw
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1.ª Secção (Cível)
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<b><font> </font></b><font><br>
<br>
<br>
<br>
<b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font></b><br>
<br>
<br>
<b><font>I.</font></b><font> </font><b><font>AA, BB, CC e Cooperativa de Habitação DD CRL </font></b><font>intentaram,</font><b><font> </font></b><font>na 14.ª Vara Cível de Lisboa, acção declarativa de condenação sob a forma comum, com processo ordinário contra</font><b><font> Parque Expo 98 SA. </font></b><font>e</font><b><font> Vodafone/Telecel, Comunicações Pessoais SA, </font></b><font>pedindo a condenação destas a demolirem a frontaria e os aspectos do edifício sede da Vodafone que contrariam o plano de pormenor originário e a pagar uma indemnização por danos patrimoniais e morais, que, até à propositura da acção, liquidam em € 14.964.</font><br>
<br>
<font>Para tanto alegam, em síntese:</font><br>
<br>
<font>A primeira Ré, enquanto vendedora do terreno em que edificaram e habitam o edifício Gil Eanes, comprometeu-se a respeitar o enquadramento urbanístico definido no plano de urbanização do local, sendo que veio a permitir a construção, nas imediações do seu edifício, do edifício sede da segunda Ré, o qual desrespeita as directrizes do referido plano de urbanização – facto conhecido e querido também pela segunda Ré –, causando-lhes a desvalorização do edifício e stress, desgosto e desilusão pela frustração das expectativas de usufruírem do enquadramento urbanístico planeado.</font><br>
<br>
<font>Foi chamado a intervir como parte principal </font><b><font>BPI Pensões, Sociedade Gestora de Fundo de Pensões SA,</font></b><font> enquanto proprietária do terreno onde estava a ser erigido o edifício de que a segunda Ré era promotora e promitente arrendatária.</font><br>
<br>
<font>Regularmente citadas, contestaram as Rés</font><font> </font><font>e a chamada, por excepção, invocando a ineptidão da petição inicial, a ininteligibilidade do pedido, a incompetência absoluta do tribunal, a ilegitimidade activa e passiva e ilegal coligação de autores e por impugnação.</font><br>
<br>
<font>No despacho saneador foram desatendidas as excepções invocadas, com excepção da ininteligibilidade do pedido quanto à demolição dos aspectos da frontaria do edifício, com a consequente absolvição (nessa parte) da instância.</font><br>
<br>
<font>Inconformados, agravaram os AA. daquela absolvição da instância e a chamada recorreu, subordinadamente, da mesma.</font><br>
<br>
<font>Foi elaborada base instrutória, da qual os AA. reclamaram sem sucesso.</font><br>
<br>
<font>No decorrer da audiência de julgamento foi proferido despacho de não admissão de depoimento de uma testemunha a determinados quesitos.</font><br>
<br>
<font>Posteriormente foi proferido despacho a ordenar o desentranhamento de documentos.</font><br>
<br>
<font>Inconformados, agravaram os AA. de ambos.</font><br>
<br>
<font>A final, foi proferida sentença que, considerando indemonstrada qualquer desconformidade entre as características do edifício Vodafone e aquilo a que se havia comprometido a 1.ª Ré, julgou improcedente a acção, absolvendo as RR. e a interveniente do pedido.</font><br>
<br>
<font>Inconformados, apelaram os AA, concluindo, em síntese, por errónea elaboração da base instrutória, erro na decisão da matéria de facto e erro de julgamento.</font><br>
<br>
<font>Houve contra-alegações, onde se propugnou pela improcedência da apelação.</font><br>
<br>
<font>A Cooperativa de Habitação DD CRL. veio, entretanto, desistir do pedido, desistência essa que, limitada aos interesses da desistente, foi homologada por sentença que transitou em julgado.</font><br>
<br>
<font>A Relação de Lisboa negou provimento aos agravos interpostos, com excepção do agravo do despacho que não admitiu o depoimento de testemunha, tendo sido ordenada a repetição do julgamento "por forma a poder ser inquirida a testemunha em causa aos factos que a parte indicar"; e não conheceu, por prejudicada, da apelação.</font><br>
<br>
<font>Voltados os autos à 1.ª instância e, tendo sido designado dia para a inquirição da referida testemunha, recebeu-se notícia de que a mesma havia falecido. Tal facto foi comunicado ao mandatário dos AA.</font><br>
<br>
<font>Por comunicação electrónica de 3 de Abril de 2007 vieram os AA requerer a substituição da testemunha, a qual foi indeferida, com fundamento em extemporaneidade, decretando-se a subida dos autos à Relação, para conhecimento da apelação.</font><br>
<br>
<font>Mais uma vez inconformados, agravaram os AA, concluindo, em síntese, pela admissibilidade da substituição da testemunha e pela inexistência de apelação a ser conhecida pela Relação.</font><br>
<br>
<font>Contra-alegou a chamada, propugnando pela improcedência do agravo.</font><br>
<br>
<font>A Relação veio a proferir novo acórdão</font><font> </font><font>a negar provimento ao agravo, a confirmar a absolvição do pedido da Vodafone/Telecel e BPI Pensões, a condenar a Parque Expo a pagar ao A. AA a quantia de € 15.000, ao A. BB a quantia de € 22.500 e ao A. CC, a quantia de € 15.000 e a condenar em custas, em conformidade (as do agravo pelos agravantes, as da acção, na proporção de 1/2 para [todos] os AA, 3/8 para a Parque Expo e 1/8 para a A. Cooperativa e as da apelação, pela Parque Expo).</font><br>
<br>
<font>Desta decisão recorre a Ré Parque Expo, de revista, para este STJ, recurso que foi admitido.</font><br>
<br>
<font>A Ré conclui as suas alegações do seguinte modo:</font><br>
<br>
<font>1. Vem o presente recurso interposto do Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa que, revogando a decisão proferida em primeira instância que havia absolvido a totalidade dos Réus, decidiu condenar a R. (então Recorrida e ora Recorrente) PARQUE EXPO’98 S.A. a (i) pagar ao A. AA a quantia de € 15.000, (ii) ao A. BB a quantia de € 22.500 e ao A. CC a quantia de € 15.000.</font><br>
<font>2. Conforme consta a fls. ___ a Autora Cooperativa de Habitação DD desistiu do pedido e a citada desistência foi homologada por sentença que transitou em julgado.</font><br>
<font>3. A configuração da causa de pedir foi baseada pelos Autores na responsabilidade contratual e do acervo da matéria da dada como provada se conclui que nenhum compromisso foi estabelecido directamente pela R. Parque Expo ora Recorrida com os AA. AA, BB e CC.</font><br>
<font>4. O Tribunal </font><i><font>a quo</font></i><font> entende, mesmo assim, responsabilizar a Recorrente pelo facto de os cooperantes terem autorizado a Cooperativa de Habitação DD a celebrar o contrato dentro de uma determinada perspectiva, dentro de determinados pressupostos (cfr. quesito 4º, conforme alteração efectuada pelo Tribunal da Relação de Lisboa).</font><br>
<font>5. Não ficou demonstrado que a Parque Expo conhecesse ou tivesse obrigação de conhecer as circunstâncias em que os cooperantes contrataram com a Cooperativa.</font><br>
<font>6. A questão talvez não se colocasse se a Cooperativa se mantivesse nos autos, dado que a responsabilidade da Parque Expo poderia ser configurada (embora de outro modo, e sempre segundo a tese do Acórdão com a qual se não concorda) por relação directa com a Cooperativa. Mas não é isto que se passa.</font><br>
<font>7. Sendo o contrato celebrado entre a Parque Expo 98 e a Cooperativa esse dever não se estende, também, aos que adquiriam da Cooperativa fracções do edifício entretanto construído.</font><br>
<font>8. As regras dos artigos 217º [crê-se que o Tribunal queria referir-se ao art.º 227º] e 762º do Código Civil e a obrigação que (independentemente do constante nas cláusulas contratuais) sempre resultaria da lei que determina que tanto nos preliminares, como na formação ou na execução dos contratos se deve proceder segundo as regras da boa-fé diz respeito, como a própria frase indica, à formação e execução dos contratos.</font><br>
<font>9. O que a Ré se questiona é se a conclusão do Acórdão recorrido seria a mesma se a Cooperativa ainda estivesse no processo. </font><br>
<font>10. A decisão tomada é, neste particular, completamente </font><i><font>contra legem</font></i><font>, violando a autonomia das cooperativas estabelecida no art.º 2º, n.º 1, da Lei n.º 51/96 de 7 de Setembro, o princípio de que estas podem realizar operações com terceiros (mesmo artigo n.º 2), o 4º princípio cooperativo (conforme definido no art.º 3º do mesmo diploma) que estabelece a autonomia e independência das cooperativas e a limitação de responsabilidade dos cooperadores (que decorre dos art.ºs 35º e 17.º n.º 1), viola igualmente o princípio regra da relatividade dos contratos (art.º 406º, n.º 2, do Código Civil), pedra basilar do princípio da autonomia privada sendo que o nosso direito não admite o efeito externo das obrigações.</font><br>
<font>11. O Tribunal convolou, afinal, uma responsabilidade contratual que os AA., desde início, pretenderam efectivar (mas que não provaram) para uma verdadeira responsabilidade aquiliana o que consubstancia verdadeiro erro de julgamento (vicio de conteúdo ou "error in judicando") – Cfr. Acórdão do STJ de 17.10.2006, Relatado pelo Juiz Conselheiro Sebastião Povoas, no processo 06A3250, disponível em </font><i><u><font>www.dgsi.pt</font></u></i><font>).</font><br>
<font>12. O Tribunal da Relação de Lisboa alterou os quesitos 5 a 7, passando a dizer-se, em especial no quesito 5 que a Parque Expo era entidade instrutora do processo e “sem cuja aprovação o mesmo não seria remetido à autarquia para licenciamento, aprovou o projecto de arquitectura do edifício Vodafone”. </font><br>
<font>13. Ora, à data da aprovação do projecto estava em vigor o Decreto-Lei n.º 445/91, de 20 de Novembro, como alterado pelo Decreto-Lei n.º 250/94, de 15 de Outubro, sendo que nos termos desse diploma a instrução do processo feita pela ora Recorrente se reconduzia a um parecer preliminar sobre a documentação junta e apreciação acerca do cumprimento de regras que, de nenhum modo limitava a entidade que continuava a deter a competência exclusiva para o saneamento, aprovação de projecto de arquitectura e de especialidades e licenciamento final, que era a Câmara Municipal de Lisboa, nos termos expressos e claros do art. 16.º, n.º 1, art. 17.º, n.º 2, art. 17.º-A e art. 20.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 445/91, de 20 de Novembro (com as especificidades dos arts. 31.º e segs. do mesmo diploma por se tratar de zona dotada de planos urbanísticos em vigor), preceitos violados pela decisão recorrida.</font><br>
<font>14. Porque a participação da Parque Expo se fazia ao abrigo de um princípio de colaboração de entidades, com as entidades licenciadoras, o seu parecer nem sequer era obrigatório ou vinculativo, com o que a sua ausência ou não pronúncia nunca condicionavam a decisão final (cfr. designadamente art.º 32º do citado Decreto-Lei n.º 445/91, de 20 de Novembro) nem tinham a virtualidade de impedirem o avanço do procedimento de licenciamento e sua apreciação pelos serviços da Câmara Municipal.</font><br>
<font>15. As competências de licenciamento e de fiscalização eram, pois, exclusivas da Câmara Municipal, conforme resulta do art. 20.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 445/91, de 20 de Novembro, na sua versão de 1994. Quanto a competências de fiscalização, as mesmas também são exclusivas da Câmara Municipal de Lisboa, como indica expressamente o art. 51.º do mesmo diploma, preceitos de natureza substantiva que foram violados pela decisão recorrida.</font><br>
<font>16. As indicações da Parque Expo não têm carácter vinculativo, pois são informações prestadas entre entidades privadas, e para essas, a menos que as informações escritas contratuais sejam dolosas – o que nunca se colocou – não se gera responsabilidade (art. 485.º, n.º 2, do CC), contrariamente ao que sucederia se a Parque Expo estivesse dotada de poderes públicos no domínio do licenciamento, o que, manifestamente, não sucedeu, nem era legalmente possível (vide, art. 7.º, n.º 2, do CPA) – preceitos violados pela decisão recorrida.</font><br>
<font>17. Não resulta do Acórdão nenhum elemento de facto ou de direito que permita retirar que a suposta garantia dada pela Recorrente à Cooperativa quanto à configuração dos lotes nas redondezas seria transmissível a terceiros, problema, aliás que já tivemos ocasião de analisar e que remete para a total improcedência do pedido formulado pelos AA.</font><br>
<font>18. O art. 712.º, n.º 6, do CPC, não exclui a possibilidade de o Supremo exercer censura sobre o mau uso que a Relação faça dos poderes que lhe são conferidos. </font><br>
<font>19. Entendeu o Tribunal a quo modificar os quesitos 4, 5 a 7 e 8, operando uma verdadeira “revolução” no que à matéria de facto diz respeito. Fê-lo alterando por completo o que havia sido o enfoque preferencial do Tribunal de 1.ª Instância, aditando a cada um dos quesitos, nos quais alterou a respectiva resposta, matéria factual nova, decorrente de uma particular interpretação do que havia sido alegado pelos Autores nos artigos 1 a 4 e 23-D a 23-F da petição inicial e em função da prova produzida a respeito de diferente (em alguns casos completamente diferente) matéria factual.</font><br>
<font>20. De tal sorte que os factos submetidos a instrução e julgamento já não tem nada a ver com aqueles que resultam da apreciação efectuada pelo Tribunal a quo.</font><br>
<font>21. O Tribunal </font><i><font>a quo</font></i><font> limitou-se a considerar como relevantes as negociações mantidas entre a Ré Parque Expo e a Cooperativa DD, quando a alegação dos AA. vertida para o quesito 4 se referia a um compromisso da Parque Expo com todos os Autores, no que concerne à altura do edifício (o que, em abstracto poderia justificar a responsabilidade contratual da ora Recorrente), estabelecendo um nexo de causalidade entre a vontade dos cooperantes e a autorização dada à Cooperativa de Habitação DD para a celebração do contrato.</font><br>
<font>22. Como é bom de ver não estamos perante uma deficiência pontual sobre uma parcela ou segmento da decisão mas sobre algo de mais amplo e abrangente, uma vez que o Tribunal de 1ª instância não fez qualquer referência àqueles pontos de facto, não permitindo às partes, em rigor, impugnar a decisão com fundamento em aquele facto ter sido julgado provado ou não provado – justamente porque nada se declarou sobre tal.</font><br>
<font>23. Ao pronunciar-se sobre tais matérias, o Tribunal não reapreciou ou a reexaminou a decisão, antes se pronunciou, pela primeira vez, sobre aquelas concretas matérias. É um novo julgamento com perspectivas diferentes consideradas relevantes para a decisão final a proferir!</font><br>
<font>24. Neste circunstancialismo, se o Tribunal entendia que deveriam ser colmatadas deficiências no que à matéria de facto concerne, deveria ter anulado o julgamento, a fim de serem colmatadas as deficiências apontadas no que concerne à indicação da matéria de facto sobre a qual a decisão não se pronunciou. </font><br>
<font>25. Idêntica conclusão se aplica aliás, a outros pontos de julgamento da matéria de facto que serão analisados em seguida (cfr. Neste sentido designadamente Ac. da Relação de Lisboa de 08-11-2007, proferido no processo 6628/2007 </font><font>– </font><font>2, Relatora Maria José Mouro, disponível em www.dgsi.pt).</font><br>
<font>26. O Tribunal a quo ignorou por completo o nexo de causalidade existente no quesito 6 entre a alteração do projecto de arquitectura do edifício Vodafone/Telecel e as vistas dos AA. sobre a frente do rio (ignorou, aliás, a própria alteração) limitando-se a tecer considerações de natureza factual sobre a actual configuração do edifício Vodafone/Telecel, isto não obstante o quesito 16º.</font><br>
<font>27. Do exposto resulta que o Tribunal a quo violou os poderes que lhe são conferidos pelo art.º 712º na apreciação da matéria de facto. Os poderes cognitivos do Tribunal da Relação, de qualquer Tribunal de Relação, estão bem delimitados no art. 712º. Nos seus nºs 1 e 2 se mencionam as condições em que podem ser aqui reapreciados, julgados de novo, os factos fixados na primeira instância, podendo ser, se verificados esses concretos pressupostos, alterados, quer no sentido da ampliação, quer no sentido da redução, pela via da alteração das respostas dadas aos quesitos, quer pela reapreciação de factos confessados, admitidos por acordo ou passíveis de retirar-se de documento novo superveniente. Mas é só isto que o Tribunal pode fazer. Pelos motivos indicados se refere que o Tribunal a quo violou o art.º 712º, n.ºs 1, a) e b), n.º 2, 3 e 4.</font><br>
<font>28. O Tribunal </font><i><font>a quo</font></i><font> entendeu, baseado num Acórdão deste Supremo Tribunal, de 3 de Fevereiro de 2004, que era claramente apreensível a invocação “da intencionalidade dos AA”, considerando que em relação aos articulados (que traduzem mera declaração de vontade e não de ciência e, como tal, sujeitos às regras de interpretação) se poderia fazer um esforço de hermenêutica interpretativa. O citado Acórdão, porém, não faz um esforço de interpretação (e adaptação) em relação aos factos alegados, pois que eles são o que foram alegados pelas partes, limitando-se a presumir um determinado sentido de direito que se extrai do articulado e da forma como a base instrutória foi elaborada. E fá-lo de forma correcta, por se conter nos limites do art.º 664º</font><br>
<font>29. O Tribunal a quo, tendo procedido a adaptações factuais, criando quesitos completamente novos em relação aos que haviam sido formulados e levados a instrução e julgamento, adaptando, por completo, em novo julgamento, a tese apresentada (?!) pelos Autores na sua petição inicial em manifesta violação do princípio do dispositivo (art.º 264º) e do art.º 664º do CPC.</font><br>
<font>30. O Tribunal entende que a factualidade subjacente a tais alegações deveria ter sido levada à base instrutória (e, acrescenta a Recorrente sujeita a prova específica sobre os mesmos, coisa de somenos importância decerto...), porém, ponderando determinadas circunstâncias (algumas alheias à Recorrente, como o seja o tempo de pendência da acção e a necessidade de se afastar em absoluto a possibilidade de decretar mais uma anulação do julgamento) acha conveniente não o fazer...</font><br>
<font>31. A decisão violou, assim, o art.º 264º e o art.º 664º do Código de Processo Civil e o (já mencionado) art.º 712º, n.º 4, fazendo recair sobre a Recorrente (e em seu prejuízo) factos que lhe são completamente alheios.</font><br>
<font>32. Por último (e no limite), refira-se que os danos considerados pelo Tribunal a quo não merecem a tutela do direito, não havendo, para além do mais, suporte factual suficiente de onde se possa retirar um juízo de adequação em relação aos montantes fixados (ou outros).</font><br>
<font>33. Não foram, por outro lado, tidos em conta “os critérios jurisprudencialmente utilizados na fixação de montantes indemnizatórios” como avulta de toda a jurisprudência citada (cfr. Ac. do STJ de 04-03-2004 </font><font>–</font><font> Revista n.º 4439/03 </font><font>–</font><font> 2.ª Secção, Ac. do STJ de 13-05-2004 </font><font>–</font><font> Revista n.º 1845/03 </font><font>–</font><font> 2.ªSecção, Acórdão de 03-06-2004 </font><font>–</font><font> Revista n.º 3527/03 </font><font>–</font><font> 2.ª Secção, Acórdão do STJ de 06-07-2004 </font><font>–</font><font> Revista n.º 1674/04 </font><font>–</font><font> 1.ª Secção, Acórdão de 01-07-2004 </font><font>–</font><font> Revista n.º 296/04 </font><font>–</font><font> 7.ª Secção, Acórdão de 25-11-2004 </font><font>–</font><font> Revista n.º 3295/04 </font><font>–</font><font> 2.ªSecção).</font><br>
<font>34. Os exemplos apontados não deixam de surpreender, considerando as indemnizações fixadas (sem qualquer suporte factual), pelo chamado “direito à vida” por este Supremo Tribunal: Adulto de 20 anos: 2.000.000$00 (Ac. de 9.6.93, proc. n.º 43202); adulto de 35 anos: 3.000.00$00 (Ac. de 20.4.94, proc. n.º 45917); adulto: 2.000.000$00 (Ac. de 4.12.96, proc. n.º 199/96); adulto de 44 anos: 5.000.000$00 (Ac. 4.3.97, proc. n.º 669/96); criança: 2.500.000$00 (Ac. 3.2.99 proc. n.º 1260/98); adulto de 22 anos: 3.500.000$00 (Ac. 10.2.98, proc. n.º 847/97); criança de 12 anos: 10.000.000$00 (Ac. de 26.3.98, proc. n.º 104/98); adulto de 35 anos: 6.000.000$00 (Ac. de 23.4.98, proc. n.º 204/98); adulto de 26 anos: 4.000.000$00 (Ac. de 12.11.98, proc. n.º 735/98); adulto de 17 anos: 10.000.000$00 (Ac. de 9.3.00, proc. n.º 5/2000); adulto: 8.000.000$00 (Ac. de 10.5.00, proc. nº 955); adulto de 29 anos: 7.500.000$00 (Ac. de 29.3.00, proc. n.º 552); adulto de 19 anos: 8.000.000$00 (Ac. de 14.6.00, proc. n.º 1078); adulto de 60 anos, 4.000.000$00 (Ac. de 18.1.01, proc. n.º 2531/00-3); adulto, 27 anos, 3.000.000$00 (Ac. de 30.11.00, proc. n.º 2359/00-5); adulto de 19 anos, 8.000.000$00 (Ac. de 14.6.00, proc. 1978); adulto de 29 anos, 7.500.000$00 (ac. de 29.3.00, proc. n.º 552); adulto de 54 anos, 8.000.000$00 (Ac. de 10.5.00, proc. n.º 955); e jovem de 17 anos, 10.000.000$00 (Ac. de 9.3.00, proc. 5/00); adulto, 6.000.000$00 (Ac. de 9.5.01, proc. n.º 772/01).</font><br>
<font>35. É assim manifesto que a decisão em causa violou os artigos 496, n.º 1 e 3, art.º 494 (nenhum facto apurado sobre o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso...), ambos do Código Civil.</font><br>
<br>
<font>Não houve contralegações.</font><br>
<br>
<font>Colhidos os vistos, cabe apreciar e decidir.</font><br>
<br>
<b><font>II.</font></b><font> Fundamentação</font><br>
<br>
<font>De Facto</font><br>
<br>
<b><font>II.A.</font></b><font> São os seguintes os factos dados como provados, face ao oportunamente especificado e ao resultado do julgamento, com as alterações introduzidas na Relação: </font><br>
<br>
<font>1. Por escritura pública lavrada no 3.º Cartório Notarial de Lisboa, em 97.07.30, a A. Cooperativa DD e a R. Parque Expo declararam e aceitaram a compra e venda do lote de terreno para construção, designado por 1.13.03, situado na zona de intervenção da Expo 98, ficando-lhe anexo o documento complementar, cuja cl. 1/2 diz: o referido lote de terreno destina-se à construção urbana de acordo com o enquadramento urbanístico composto pelo plano de urbanização da zona de intervenção da Expo 98, planta de síntese e RPP1,... licenciamentos de projectos e obras nas zonas de intervenção... [os quais] se encontram arquivados no 3º Cartório Notarial de Lisboa com o número 113 [etc.] do maço de documentos arquivados a pedido das partes, e [pelos] projectos de reparcelamento com as respectivas alterações e projecto de emparcelamento, que ficam em anexo a este documento complementar, do qual fazem parte integrante...</font><br>
<font>2. A R. Parque Expo vendeu e a interveniente "BPI </font><font>–</font><font> Pensões </font><font>–</font><font> Sociedade Gestora de Fundos Pensões, S.A." comprou o prédio urbano designado por parcela 1.04 da Zona de Intervenção da Expo 98, onde foi erigido o edifício denominado Vodafone/Telecel.</font><br>
<font>3. A interveniente "BPI </font><font>–</font><font> Pensões </font><font>–</font><font> Sociedade Gestora de Fundos Pensões, S.A." incumbiu a R. Vodafone da promoção da construção do edifício Vodafone/Telecel, podendo esta praticar todos os actos com vista à construção daquele, reconhecendo-lhe a qualidade de promitente arrendatária do mesmo.</font><br>
<font>4. Na escritura de compra e venda do terreno em que veio a ser construído o Edifício Gil Eanes, cfr. certidão a fls. 8 e ss., em que intervieram como vendedora a R. "Parque Expo 98, S.A." e enquanto compradora a A. "Cooperativa DD, CRL." consta que a escritura se rege pelas cláusulas e termos constantes do documento complementar, que está a fls. 14 e ss., e em que assinaladamente se lê que o lote de terreno em causa se destina à construção urbana, de acordo com o enquadramento urbanístico composto pelo Plano de Urbanização da Zona de Intervenção da Expo 98, Planta síntese e Regulamento do Plano de Pormenor 1, Regulamento do estaleiro, Licenciamentos de Projectos e Obras na Zona de Intervenção (...) que a compradora se compromete a observar.</font><br>
<font>5. Nas negociações preliminares ocorridas entre a Parque Expo e a Cooperativa de Habitação DD com vista à aquisição do lote 1.13.03, sempre a Parque Expo configurou a urbanização em que o lote se inseria nos termos constantes da planta de fls. 41, nas projecções tridimensionais de fls. 598-600 e no vídeo promocional apenso aos autos, em que nos lotes fronteiros eram configurados edifícios de 9/7/3 pisos acima do embasamento, dispostos de forma descontínua, assumindo uma postura de rigor no acompanhamento da execução da mesma, tendo sido nessa perspectiva que os cooperantes autorizaram a Cooperativa de Habitação DD a celebrar o contrato.</font><br>
<font>6. A Parque Expo, enquanto entidade instrutora do processo e sem cuja aprovação o mesmo não seria remetido à autarquia para licenciamento, aprovou o projecto de arquitectura do edifício Vodafone, a construir na parcela 1.04.</font><br>
<font>7. 0 edifício Vodafone é composto por dois grandes corpos paralelos, perpendiculares à Av. D. João II, a menos de uma dezena de metros da estrema do lote, no meio dos quais se desenvolve um grande pátio aberto do lado nascente, onde se encontram, a diferentes níveis, espelhos de água, espaços ajardinados, e uma grande plataforma com vista sobre o Pavilhão de Portugal e o rio. Estes dois volumes, que assentam sobre um espaço de cave comum, estão interligados à cota 34.80, por um corpo com dois pisos 'suspenso' sobre o grande pátio central, e no lado poente por um sistema de rampas de circulação. O edifício fica quase completamente solto ao nível do rés-do-chão. O alçado poente, virado para a Av. D. João II é uma lâmina de betão branco à vista, com 39,25 de cércea, que funciona como uma enorme moldura à volta de um vão por onde se vêem algumas das rampas de comunicação. Os alçados norte, sul e nascente apresentam uma composição muito abstracta onde se misturam vãos com painéis de alumínio móveis e painéis de alumínio fixos com volumetrias salientes. Nos alçados virados para o interior do pátio apostou-se no contraste entre grandes faixas horizontais revestidas a alumínio e as grandes superfícies envidraçadas das galerias de circulação. O alçado poente fica situado no enfiamento da fachada do corpo mais a norte do edifício Gil Eanes, que apresenta um alinhamento SE-NW, obstruindo completamente, até à sua altura, as vistas sobre a frente do rio.</font><br>
<font>8. 0 edifício da Vodafone não foi construído até ao limite previsto do lado direito de quem olha para o rio em 9 metros e em dois metros em altura, tendo a vista para a frente do Edifício Gil Eanes aumentado nessa conformidade</font><br>
<font>9. O edifício Vodafone/Telecel é composto por 9 pisos.</font><br>
<font>10. Os AA. AA e CC têm vista aberta para o rio, mesmo com o edifício Vodafone à sua frente, estando a uma cota superior à do topo do edifício Vodafone.</font><br>
<font>11. A construção do edifício Vodafone gorou as expectativas dos AA. em que o projecto de urbanização se desenvolvesse de acordo com as projecções referidas no ponto 5 supra.</font><br>
<font>12. 0 edifício Vodafone constitui um pólo de atracção do público.</font><br>
<font>13. Em 24-5-2002, AA declarou comprar, para habitação, e a Cooperativa DD declarou vender a fracção "DC", correspondente ao piso 10-habitação 10-I-,do edifício descrito na 8.ª C.R.Predial de Lisboa sob o n.º 2958, denominado edifício Gil Eanes (doc de fls. 557 a 560).</font><br>
<font>14. BB declarou comprar, para sua habitação própria permanente, e a Cooperativa DD declarou vender a fracção "BR",correspondente ao piso 6, habitação 6 H do edifício descrito na 8.ª C.R.Predial de Lisboa sob o n.º 2958, denominado edifício Gil Eanes (doc. de fls. 579 a 584).</font><br>
<font>15. CC declarou comprar, para sua habitação própria permanente, e a Cooperativa DD declarou vender a fracção “DL”, correspondente ao piso 11, habitação onze-I- do edifício descrito na 8.ª C.R.Predial de Lisboa sob o n.º 2958, denominado edifício Gil Eanes (doc. de fls. 563 a 568).</font><br>
<br>
<b><font>II.B.</font></b><font> De Direito</font><br>
<br>
<br>
<b><font>II.B.1.</font></b><font> Como se sabe, o âmbito do objecto do recurso é definido pelas conclusões dos recorrentes (art.º 684.º, n.º 3, e 690.º, n.os 1 e 3, do Código de Processo Civil, doravante CPC), importando ainda decidir as questões nela colocadas e bem assim, as que forem de conhecimento oficioso, exceptuadas aquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras – art.º 660.º, n.º 2, também do CPC. </font><br>
<br>
<font>São apenas objecto de apreciação as seguintes questões suscitadas no recurso de revista da Ré:</font><br>
<br>
<font>– Incorrecta apreciação pela Relação da matéria de facto e indevida alteração da mesma ao abrigo do artigo 712.º, n.º 1 do CPC; </font><br>
<font>– Violação dos artigos 664.º e 264.º do CPC; </font><br>
<font>– Ausência de responsabilidade contratual;</font><br>
<font>– Não indemnizabilidade dos danos;</font><br>
<font>– Excessivo valor das indemnizações arbitradas.</font><br>
<br>
<b><font>II.B.1.</font></b><font> </font><b><font>Incorrecta apreciação pela Relação da matéria de facto e indevida alteração da mesma, ao abrigo do artigo 712.º, n.º 1, do CPC.</font></b><br>
<br>
<font>A publicação do Dec.-Lei n.º 39/95, de 15 de Fevereiro, que regulou o registo da prova nos processos civis, veio permitir uma real impugnação da decisão da matéria de facto, nos recursos de apelação.</font><br>
<br>
<font>O artigo 690.º-A do Código de Processo Civil, introduzido pela citada lei, estabelecia os requisitos de que dependia tal impugnação, impondo ao recorrente proceder à transcrição das passagens da gravação em que se funda, quando tiver invocado resultarem da gravação da prova meios probatórios que impunham diversa decisão da matéria de facto.</font><br>
<br>
<font>Este dispositivo, veio a ser alterado pelo Dec-Lei n.º 183/2000, de 10 de Agosto, sendo a redacção resultante deste que está hoje em vigor.</font><br>
<br>
<font>Segundo o n.º 1 deste art. 690.º-A, quando se impugne a decisão da matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:</font><br>
<font>a) quais os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; </font><br>
<font>b) quais os concretos meios de prova constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada que imponham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.</font><br>
<br>
<font>E o seu n.º 2 prescreve que, no caso da al. b) do número anterior, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ainda ao recorrente, sob pena de rejeição do recurso, indicar os depoimentos em que se funda, por referência ao assinalado na acta, nos termos do disposto no n.º 2 do art. 522.º-C.</font><br>
<br>
<font>Por seu lado, este n.º 2 do citado artigo 522.º-C refere que quando haja registo áudio ou vídeo, deve ser assinalado na acta o início e o termo da gravação de cada depoimento, informação ou esclarecimento.</font><br>
<br>
<font>Disse-se no acórdão recorrido:</font><br>
<br>
<font>“Os AA, na apelação, impugnaram a decisão da matéria de facto consubstanciada em tais respostas, impugnação essa que as RR. consideram inadmissível porquanto não terá sido cumprido o ónus do artº 690º-A do CPC e não constarem dos autos todos os elementos de prova.</font><br>
<br>
<font>Em nosso modo de ver o direito ao recurso em matéria de facto integra o núcleo essencial do direito de acesso à justiça consagrado no artº 20º da Constituição da República e, consequentemente, a interpretação da regulamentação desse direito por banda do legislador tem de respeitar o carácter fundamental de tal direito. O artº 690º-A do CPC tem de ser entendido como estabelecendo ónus de concretização, colaboração e lealdade processual, prevenindo a utilização de tal direito como mera manobra dilatória; uma visão do normativo em causa como estabelecendo estrito e rigoroso ónus de indicação de pontos de facto e da prova produzida (limitando-se a mais das vezes a afirmar o incumprimento desse ónus sem indicar a forma como o mesmo devia ter sido satisfeito), com o fito principal de impedir a possibilidade do conhecimento do recurso é de rejeitar, por incompatível com o constitucionalmente prescrito.</font><br>
<br>
<font>Nesta perspectiva, o que o artº 690º-A do CPC determina é que não basta a simples afirmação de discordância relativamente à decisão da matéria de facto, impondo-se, antes, uma concretização não só de quais os pontos da matéria de facto sobre que recai a discordância, mas também das provas produzidas que
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1.ª Secção (Cível)
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<b><font> </font></b><font><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font><br>
<br>
<br>
<font>"Empresa-A" instaurou execução ordinária, para pagamento de quantia certa contra "Empresa-B", AA e BB.</font><br>
<br>
<font>Os executados deduziram oposição por embargos que a 11ª Vara Cível de Lisboa julgou improcedentes.</font><br>
<br>
<font>A Relação de Lisboa negou provimento à ulterior apelação, confirmando a sentença recorrida.</font><br>
<br>
<font>Pedem, agora, revista concluindo nuclearmente:</font><br>
<br>
<font>- O Acórdão recorrido é nulo, por omissão de pronúncia, já que não se pronunciou sobre a impugnação da matéria de facto, com o argumento de os recorrentes não terem transcrito as passagens da gravação tidas por pertinentes - nº2 do artigo 690 A e nº 2 do artigo 522 C do CPC;</font><br>
<br>
<font>- Não tinham de proceder a essa transcrição face ao Decreto-Lei nº 183/2000, já em vigor aquando da propositura da acção, sendo que indicaram os depoimentos que puseram em crise;</font><br>
<br>
<font>- A sentença e o Acórdão são nulos por a execução ter sido intentada antes do vencimento da última prestação do titulo - livrança - e não foi alegada a forma de preenchimento, tratando-se de livrança em branco;</font><br>
<br>
<font>- A livrança teve na sua origem um contrato de empréstimo para aquisição de um automóvel pela "Empresa-B", nunca tendo o exequente facultado os documentos para o veiculo circular, o que traduz incumprimento que se excepciona;</font><br>
<br>
<font>- Os pedidos de indemnização devem proceder por tal resultar dos depoimentos prestados.</font><br>
<br>
<font>Não foram produzidas contra-ordenações.</font><br>
<br>
<font>A Relação pronunciou-se pela ausência de nulidades.</font><br>
<br>
<font>Foram colhidos os vistos.</font><br>
<br>
<font>Conhecendo, </font><br>
<br>
<font>1- Omissão de pronúncia.</font><br>
<font>2- Alteração da decisão de facto.</font><br>
<font>3- Aperfeiçoamento.</font><br>
<font>4- Conclusões.</font><br>
<br>
<br>
<font>1- Omissão de pronúncia.</font><br>
<br>
<font>Cumpre, antes do mais, abordar o primeiro ponto das conclusões da alegação.</font><br>
<br>
<font>Referem os recorrentes que a Relação não se pronunciou sobre a matéria de facto impugnado e que tal integra uma omissão de pronúncia geradora de nulidade.</font><br>
<br>
<font>Mas, e na perspectiva em que a coloca a questão, não lhe assiste razão.</font><br>
<br>
<font>O vício do nº1, alínea d) do artigo 668º do Código de Processo Civil, tem ínsito o incumprimento do nº2 do artigo 660º, caracterizado pelo absoluto silenciar de pronúncia sobre uma questão que a parte submeteu.</font><br>
<br>
<font>Trata-se de um mero vício formal, que não deve ser confundido com o erro de julgamento.</font><br>
<br>
<font>Este é um vício de conteúdo - "errare in judicando" - caracterizado por uma divergência entre o afirmado e a verdade fáctica ou jurídica.</font><br>
<br>
<font>O vício de limite não é um erro judicial incidente no mérito.</font><br>
<br>
<font>Trata-se, tão somente, de "errores in procedendo".</font><br>
<br>
<font>Na omissão de conhecimento, a decisão embora esteja estruturada de forma regular e todas as suas afirmações sejam porventura juridicamente exactas e factualmente verdadeiras, não contém tudo o que devia conter por o julgador ignorar, ou esquecer, o tratamento de alguma questão que devia apreciar e decidir.</font><br>
<br>
<font>Claro que tal não implica que tenha de emitir juízo sobre todos os argumentos das partes mas, apenas, ao que cabe no nº 2 do artigo 660º.</font><br>
<br>
<font>Ora a Relação abordou a questão que lhe foi posta mas decidiu não a conhecer por entender existirem motivos legais de tal impeditivos.</font><br>
<br>
<font>Não há, em consequência, omissão de pronúncia.</font><br>
<br>
<font>Mas haverá erro de julgamento?</font><br>
<br>
<font>2- Alteração da decisão de facto.</font><br>
<br>
<font>Disse-se no Acórdão "sub judicio":</font><br>
<br>
<font>"Também já decorre do exposto que a pretendida alteração da decisão de facto se acoberta na previsão da alínea a) do nº1 do artigo 712º do CPC, ou seja, a decisão da 1ª instância pode ser alterada pelo Tribunal da relação "se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do Artigo 690º A, a decisão com base neles proferida."</font><br>
<br>
<font>Mas neste caso e igualmente com a cominação de rejeição do recurso, a lei impõe ao recorrente um ónus adicional, mais precisamente aquele que decorre do preceituado no nº2 do citado artigo 690º A.</font><br>
<br>
<font>No regime actual, introduzido pelo DL nº 183/00, de 10/8, esse ónus cinge-se à mera indicação dos depoimentos em que se funda o reparo, "... por referência ao assinalado na acta, nos termos do disposto no nº2 do artigo 522º C". (...) "Sucede que a recorrente não procedeu a qualquer transcrição, limitando-se a fazer uma sumária analise critica dos depoimentos das testemunhas, censurando a valorização que destes foi feita pelo tribunal e opinando no sentido de que afinal este ou aquele depoimento lhe parece mais valorativo em relação aos demais.</font><br>
<br>
<font>Assim sendo, não tendo sido feita a transcrição dos respectivos depoimentos, é processualmente impossível sindicar a prova testemunhal recolhida e, logo, a decisão factual assente nesse meio probatório."</font><br>
<br>
<font>2.1- É patente a sem razão.</font><br>
<br>
<font>A lide foi intentada em 6 de Novembro de 2002.</font><br>
<br>
<font>É-lhe aplicável a redacção do artigo 690º A do Código de Processo Civil, introduzida pelo Decreto-Lei nº 183/2000, de 18 de Agosto (artigo 8º).</font><br>
<br>
<font>Na redacção anterior (Decreto-Lei nº 329-A/95 de 12 de Dezembro) o nº 2 exigia ao recorrente, "sob pena de rejeição do recurso, proceder à transcrição, mediante escrito dactilografado, das passagens da gravação em que se funda".</font><br>
<br>
<font>Actualmente, cumpre, apenas, ao recorrente "indicar os depoimentos em que se funda, por referência ao assinalado na acta, ao abrigo do disposto no nº 2 do artigo 522º C".</font><br>
<br>
<font>E o nº5 do mesmo preceito impõe à Relação a audição ou visualização dos depoimentos indicados, "excepto se o juiz relator considerar necessária a sua transcrição, a qual será realizada por entidades externas, para tanto contratadas pelo tribunal."</font><br>
<br>
<font>Os recorrentes referem, nas suas alegações de apelação a "cassete 1, lado B, 1886 a 2535 e cassete 2, lado A, 0000 a 590, Dr.ª CC, testemunha do Banco", remetendo para a acta da audiência, tal como "testemunha DD, cassete 1, lado A, 0000 a 1289", DD, "cassete 1, lado A, 2095 a 2535 e cassete 1, lado B, 0000 a 0560, EE"; "cassete 1, lado B, 0561 a 1239 e FF, cassete 1, lado B, 1240 a 1885".</font><br>
<br>
<font>Estas indicações surgem, respectivamente, nos pontos 3, 6, 9 e 10 das conclusões.</font><br>
<br>
<font>Foi, assim, claramente preenchido o ónus do nº1, alínea b) e nº2 do citado artigo 690º A.</font><br>
<br>
<font>2.2- Mas também incumbe ao impugnante da matéria de facto indicar os "concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados".</font><br>
<br>
<font>O nº1 do artigo 712º do diploma adjectivo dispõe a possibilidade de alteração, pela Relação, da decisão da 1ª Instância sobre a matéria de facto, se do processo constarem todos os elementos que serviram de base à decisão ou se, tendo ocorrido a gravação, tiver havido impugnação de acordo com o citado artigo 690º A.</font><br>
<br>
<font>Como refere o Acórdão deste Supremo Tribunal, de 15 de Novembro de 2005 (Pº 3153/05 - 1ª) "foi intenção do legislador, aliás expressamente confessada no relatório do Decreto-Lei nº 39/95, criar um duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto, embora temperada pelo ónus imposto ao recorrente de delimitação concreta do objecto do recurso e da respectiva fundamentação, a fim de evitar a impugnação genérica da decisão de facto no seu todo."</font><br>
<br>
<font>E assim é porque - embora a Relação forme a sua própria convicção dentro do principio da livre apreciação das provas nos mesmos termos do Tribunal "a quo" - a ausência da imediação do contacto directo com a prova, a não suficiência, para percepção de detalhes e características idiossincráticas das testemunhas (o que releva para estribar convicções), de sistemas de gravação, não permitem uma perfeita documentação do ocorrido na 1ª instância.</font><br>
<br>
<font>Será uma actividade difícil e penosa, passar várias horas a ouvir gravações, tentando identificar e reconhecer vozes dos depoentes e de outros intervenientes, relacioná-las com o que consta da acta e cotejá-las com as motivações, tantas vezes sem o necessário apuro técnico.</font><br>
<br>
<font>Por isso é que o 2º grau de jurisdição em matéria de facto deve ser visto com cautela buscando interpretações rigorosas - embora não necessariamente restritivas - dos preceitos que o regulamentam.</font><br>
<br>
<font>A exigência da alínea a) do nº 1 do artigo 690º A do Código de Processo Civil - e deixemos a da alínea b), por já acima abordada - destina-se precisamente a balizar a área de reapreciação, evitando uma reprodução integral de toda a prova, com as escolhas atrás acenadas.</font><br>
<br>
<font>A importância dessa especificação é tal que o legislador fulmina a sua ausência com a rejeição do recurso.</font><br>
<br>
<font>2.2.1- Os recorrentes não cumpriram, com rigor, esse ónus, não tendo indicado, com precisão, os pontos de facto que pretendiam ver reapreciados pela Relação.</font><br>
<br>
<font>Limitaram-se a - aqui, com cumprimento da alínea b) do nº1 do artigo 690º A - a elencar os meios probatórios concretos e os registos de gravação - mas sem os reportarem a quesitos concretos, antes a pontos de argumentação ("relação triangulada", "falta de documentos", "prejuízos referidos" e "aluguer da viatura").</font><br>
<br>
<font>Aqui chegados, resta decidir se essa omissão será causa da rejeição imediata do segmento do recurso ou se deveria ter havido convite ao aperfeiçoamento das conclusões, em termos de serem indicados os pontos de facto concretos a escrutinar.</font><br>
<br>
<font>3- Aperfeiçoamento.</font><br>
<br>
<font>Quando o recorrente não refere com rigor os meios probatórios, o Supremo Tribunal de Justiça tem decidido no sentido da imediata rejeição do recurso (cf v.g. Acórdãos de 20 de Outubro de 2005- 05B2407- de 12 de Outubro de 2004- P 2774/04 1ª- e de 25 de Novembro de 2004- P. 3450/04 2ª).</font><br>
<br>
<font>Mas quando se trata apenas de indicar os pontos de facto controvertidos, a parte deve ser convidada a apresentar novas conclusões onde os concretize, desde que na sua alegação seja perceptível a matéria de facto que pretende impugnar.</font><br>
<br>
<font>Só este entendimento permitirá garantir o recorrente contra uma decisão surpresa (artigo 3º do CPC) que seria uma rejeição, ainda que parcial, do recurso quando até os elementos de prova foram elencados e estará em sintonia com o disposto nos artigos 701º, nº1 e 704º do Código de Processo Civil (cf. Acórdão de 12 de Janeiro de 1999; cf., no sentido do convite a aperfeiçoar, os Acórdãos de 1 de Outubro de 1998 - BMJ 480-438, e de 27 de Janeiro de 2005 - 04B4257. Em sentido contrário, o Cons. Amâncio Ferreira "... fosse essa a intenção do legislador, e tê-lo-ia declarado como o fez, para situações diversas, nos artigos 690º nº4 e 75º A nº5, este da LTC. Compreende-se a rejeição imediata do recurso na situação que analisamos por os ónus impostos ao recorrente visarem o corpo da alegação, insusceptível de ser corrigido ou completado no nosso ordenamento processual, pela via do convite. (apud "Manual dos Recursos em Processo Civil", 6ª ed., 171).</font><br>
<br>
<font>Não se vê esta opção a contrariar os princípios gerais.</font><br>
<br>
<font>O despacho de aperfeiçoamento nunca é definitivo e é sempre seguido de outro que ponha termo a esse ponto controvertido.</font><br>
<font>Acentua o princípio da cooperação que, hoje, é basilar no processo civil - artigos 266º, 519º, 519-A.1, 535º, 569º nº1 a), 569º.2, 612º.1, 645º.1, v.g.). A omissão desse dever é sancionada (artigo 456º, nº2, c)).</font><br>
<br>
<font>Tem por objectivo a justa composição do litígio, de forma eficaz e célere.</font><br>
<br>
<font>Por isso a lei processual admite, e incentiva, o aperfeiçoamento de articulados (sem qualquer "distinguo" entre o corpo e a parte conclusiva, que sempre existe, até para formular o pedido - artigo 508º nºs 2 e 3; artigo 812º nº4).</font><br>
<br>
<font>Aliás, o nº2 do artigo 265º do Código citado contém uma regra geral que conduz à consagração do convite ao aperfeiçoamento. </font><br>
<br>
<font>É certo que, no tocante às alegações de recurso, o nº4 do artigo 690º apenas refere as conclusões que, por deficientes, obscuras ou prolixas, podem ser sujeitas a essa sugestão-convite.</font><br>
<br>
<font>Mas tal é consequência de serem as mesmas delimitadoras do objecto do recurso (nº3 do artigo 684º) e ser obrigatória a formulação dessas proposições sintéticas a resumirem o explanado no corpo das alegações.</font><br>
<br>
<font>No caso em apreço, os recorrentes levaram às conclusões os pontos da alínea b) do nº1 do artigo 690ºA e foram inequívocos no propósito de questionarem certos factos assentes.</font><br>
<br>
<font>Seria, pois, caso da Relação os convidar à inserção dos pontos concretos, nos termos da alínea a) do nº1 do mesmo artigo 690º A.</font><br>
<br>
<font>Só se tal fosse incumprido, ou deficientemente acatado, é que poderia seguir-se a rejeição do segmento do recurso.</font><br>
<br>
<font>4- Conclusões.</font><br>
<br>
<font>De concluir que:</font><br>
<br>
<font>a) A omissão de conhecimento, como causa de nulidade da decisão, implica o silenciar de qualquer das questões a que se refere o nº2 do artigo 660º do Código de Processo Civil.</font><br>
<font>Se a questão é abordada mas existe uma divergência entre o afirmado e a verdade jurídica ou factica, erro de julgamento, que não "errore in procedendo".</font><br>
<br>
<font>b) A redacção do artigo 690ºA do CPC introduzida pelo Decreto-Lei nº 183/2000 de 18 de Agosto, é de aplicação imediata, dispensando o recorrente, que impugna a matéria de facto, de proceder à transcrição das passagens da gravação em que se funda.</font><br>
<br>
<font>c) A indicação dos pontos concretos da matéria de facto que considera incorrectamente julgada deve constar da alegação, nos termos do nº1, alínea a) do artigo 690º A do CPC.</font><br>
<br>
<font>d) Se o recorrente elenca os depoimentos em que se funda, por referencia aos assinalados na acta com indicação da gravação, cumpre o ónus da alínea b) do nº1 daquele preceito e, discordando dos ilações tiradas, é inequívoco pretender impugnar a matéria de facto a que esses depoimentos se reportam.</font><br>
<font>e) O convite ao aperfeiçoamento das peças processuais recuperáveis, é resultado principio geral da cooperação, constante do nº do artigo 265º, conjugado com o artigo 266º, e é aplicável quando é incumprido o ónus da alínea a) do nº1 do artigo 690º A da lei adjectiva.</font><br>
<br>
<font>Nos termos expostos, </font><font>acordam conceder revista </font><font>e, revogando o Acórdão recorrido, determinam a remessa do processo ao Tribunal da Relação para que, se cumprido o convite a aperfeiçoar as suas conclusões, nos termos expostos, proceder a novo julgamento, com reapreciação da prova em relação aos pontos indicadas.</font><br>
<br>
<font>Custas a final.</font><br>
<br>
<font>Lisboa, 6 de Julho de 2006</font><br>
<font>Sebastião Póvoas</font><br>
<font>Moreira Alves</font><br>
<font>Alves Velho</font></font>
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hjK-u4YBgYBz1XKv8zuu
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1.ª Secção (Cível)
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<b><font> </font></b><font><br>
<br>
<font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font><br>
<br>
<font> 1. - AA e BB propuseram contra “S...– Construções Lda” e CCe mulher, DD, acção declarativa, em que pediram que lhes fosse reconhecido o direito de propriedade sobre o lote de terreno para construção urbana inscrito na matriz sob o artigo 8.616 e descrito na Conservatória do registo Predial de Faro sob o n.º .../950306, que fosse declarada nula a venda feita pelos 2.ºs RR. à Ré Sociedade, a caducidade do registo a favor desta e a validade do registo requerido pelos AA., podendo ser convertido em definitivo.</font><br>
<font> Alegaram, para tanto, e em síntese, que na acção declarativa n.º 145/95, do 1.º juízo do Tribunal de Círculo de Coimbra, o A. e os segundos RR. lavraram termo de transacção no qual estes declararam vender àquele o aludido lote de terreno, pelo preço de 3.000.000$00, transacção que foi homologada por sentença de 15.7.1997, tendo o A. efectuado o pagamento do importo de sisa e, posteriormente, pago a respectiva contribuição autárquica. Por escritura pública lavrada a 8 de Julho de 1998 os segundos Réus venderam o mesmo lote de terreno à Ré “S...”, assim alienando coisa alheia, encontrando-se efectuados como provisórios por dúvidas os registos de propriedade requeridos por ambas as Partes.</font><br>
<br>
<font>Contestou a Ré “S..., Lda.” Para sustentar que a venda efectuada ao autor é nula, por não ter sido celebrada por escritura pública, pelo que a propriedade do lote de terreno não se transferiu.</font><br>
<br>
<font> No despacho saneador a acção foi julgada improcedente, decisão que a Relação confirmou.</font><br>
<br>
<br>
<font> Os AA. pedem agora revista, insistindo na pretensão de lhes ser reconhecido o direito de propriedade sobre o lote de terreno, como consequência da validade da respectiva venda e nulidade da celebrada entre os Réus.</font><br>
<font> Para tanto, argumentam, em síntese:</font><br>
<font> - O Termo de Transacção Judicial, feito por dois advogados e devidamente homologado por um Juiz de Direito, tem força de sentença é titulo superior á escritura pública, e bastante para operar a transferência de direitos, inclusive o de propriedade, não sendo necessária qualquer outra formalidade. </font><br>
<font>- Caso fosse necessário escritura pública para a Transacção Judicial, no artigo 1250º do Código Civil, não restringiria esta exigência apenas para a transacção preventiva ou extrajudicial, mas sim para todas as Transacções inclusive a judicial.</font><br>
<font>- Nos termos do artigo 408 e 1317 al. a ) do C. Civil, “ A constituição ou transferência de direitos reais sobre coisa determinada, dá-se por mero efeito do contrato ». </font>
<p><font>- No n.º 1 do artigo 408 do Cód. Civil consagra-se o Princípio da Consensualidade isto significa que os contratos que implicam a constituição ou transmissão de direitos reais sobre coisas certas e determinadas produzem, em regra, de per si, essa consequência – quer dizer, pelo exclusivo resultado do consenso das partes legitimamente manifestado e no próprio instante da celebração – sem necessidade de qualquer acto posterior</font>
</p><p><font>- Ficou muito claro, no termo de transacção que os agora segundos Réus declararam vender aos autores (ora recorrentes) o lote de construção urbana em causa. </font>
</p><p><font>- A lei não exige que o juiz, ao homologar uma transacção, repita os termos em que esta foi feita, bastando que por remissão, condene nos respectivos termos;</font>
</p><p><font>- “A transacção sobre o objecto de uma causa é um contrato processual, sendo a intervenção do juiz, quando a homologa, de fiscalização da legalidade do objecto desse contrato e da qualidade das pessoas que contrataram.”</font>
</p><p><font>- Quando a lei não concretize, directa ou indirectamente, o documento necessário, para a prova do facto a registar, resta ao conservador apreciar livremente a suficiência dos documentos que lhe sejam apresentados para instruir o processo de registo.</font>
</p><p><font>- Ora, no caso concreto, o Título dos ora recorrentes não sofre de qualquer nulidade material ou formal. </font>
</p><p><font>- Tanto assim é que o Sr. Conservador do Registo Predial nunca pôs em causa a validade material ou formal do Título (Termo de Transacção devidamente homologado) apresentado pelos ora Recorrentes.</font>
</p><p><font>- Os recorrentes, desde a data de homologação do termo de transacção, para além de terem inscrito o prédio em seu nome na respectiva repartição de finanças, e pago o respectivo imposto de sisa, todos os anos pagam a respectiva contribuição autárquica. </font>
</p><p><font>- Assim, deve ser declarada inválida a segunda venda, por se tratar de venda de coisa alheia, nula por força do artigo 892 do C.Civil .</font>
</p><p><font>- Deve o termo de transacção homologado ser considerado documento válido e suficiente para permitir a transferência da propriedade pata os recorrentes.</font>
</p><p>
</p><p><font>Não foi apresentada qualquer resposta.</font>
</p></font><p><font><br>
<font> 2. - A </font><b><font>questão</font></b><font> que se coloca é, no essencial, a de saber se é válido o acordo de compra e venda celebrado entre os AA. e os segundos Réus, consubstanciado no “termo de transacção” homologado por sentença transitada em julgado, constituindo título bastante de transmissão da propriedade do imóvel.</font><br>
<br>
<font> 3. - Vêm definitivamente provados os seguintes factos:</font><br>
<br>
<font>1. No âmbito da acção ordinária n.º 145/95 que correu termos no 1º juízo do Tribunal de Circulo de Coimbra em que eram autores AA e EE e réus CC e mulher DD, as partes efectuaram transacção na qual os aí réus declararam vender aos aí autores o lote de terreno para construção urbana, com a área de 300 m2, sito na Urbanização Monte Branco, freguesia de S. Pedro, concelho de Faro, designado por lote 35, inscrito na respectiva matriz sob o artigo 8.616, com o valor patrimonial de 2.520.000$00, descrito na Conservatória do Registo Predial de Faro sob o n.º .../950306, pelo preço de 3.000.000$00, que os aí autores declararam ter recebido tal montante de que deram quitação;</font><br>
<font>2. Na sequência desse termo de transacção, no mesmo processo foi proferido o seguinte despacho: “ </font><i><font>Através do termo lavrado a fls. 63 vieram os autores AA e EE representados no acto pelo seu ilustre mandatário, Dr. A...H..., munido de procuração com poderes especiais para o efeito, e os réus CCe sua mulher DD, por termo ao presente litígio mediante os termos da transacção ali inscrita. Desse modo, atendendo à natureza disponível dos direitos em causa e à qualidade das pessoas que nela intervêm declaro válida a transacção e consequentemente condeno as partes que nela intervieram, ou seja, os autores e os réus atrás identificados a observá-la nos seus precisos termos (cfr artigos 293º, n.º 2, 294º e 300º, todos na versão anterior do cpc</font></i><font>”;</font><br>
<font>3. Por escritura Pública lavrada a 8 de Julho de 1998 no 2º Cartório Notarial de Faro J...M...L..., na qualidade de procurador de CCe DD declarou vender à sociedade “S...– Construções Lda.”, pelo preço de 5.500.000$00, o lote de terreno para construção urbana com a área de 300 m2, designado por Lote 35, sito na Urbanização Monte Branco, na Freguesia de S. Pedro, concelho de Faro, inscrito na matriz sob o artigo 8616º, e descrito na Conservatória do Registo Predial de Faro sob o n.º .../950306.;</font><br>
<font>4. Pela apresentação n.º 27 de 5.8.1998, a ré “S...– Construções Lda” requereu o registo da propriedade do aludido lote n.º 35, referido no ponto 3 supra, a seu favor, por compra a CCe mulher DD;</font><br>
<font>5. Tal registo ficou provisório por dúvidas;</font><br>
<font>6. Pela apresentação n.º 5, de 9.9.1998, os aqui autores requereram o registo da propriedade do aludido lote n.º 35, referido no ponto 2 supra, com base em transacção judicial celebrada com CCe mulher DD.</font><br>
<font> </font><br>
<font> 4. - Mérito do recurso.</font><br>
<font> </font><br>
<font>4. 1. - Nas Instâncias respondeu-se negativamente à questão enunciada com fundamento em que a compra e venda de imóveis está sujeita a escritura pública, consistindo a exigência estabelecida no art. 875º C. Civil uma formalidade </font><i><font>ad substantiam</font></i><font>, donde a nulidade do contrato, nulidade que a homologação por sentença, por não se pronunciar sobre a relação substancial, não sanou.</font><br>
<br>
<font>4. 2. - As Partes no processo outorgaram no termo de transacção onde fizeram declarações negociais típicas de um contrato de compra e venda dum imóvel, pondo termo a uma acção e dando “sem efeito o arresto e o respectivo embargo”.</font><br>
<font> Sobre a transacção foi proferida sentença homologatória, de natureza tabelar, que a declarou válida e condenou “as partes que nela intervieram a observá-la nos seus precisos termos”.</font><br>
<br>
<font> Transacção é, na definição legal, o contrato pelo qual as partes previnem ou terminam um litígio mediante recíprocas concessões, as quais podem envolver a constituição, modificação ou extinção de direitos diversos do controvertido – art. 1248º C. Civil.</font><br>
<font> Como contrato que é, a transacção está sujeita ao respectivo regime geral e, mais amplamente, ao regime geral dos negócio jurídicos estabelecido no art. 217º e ss. do C. Civil, onde se incluem, naturalmente, as exigências de forma e consequências da respectiva inobservância (arts. 219º e 220º).</font><br>
<font> No caso, o conteúdo da transacção – os elementos do autos não permitem conhecer os exactos contornos e objecto do litígio a que se pôs termo – apresenta-se como da espécie denominada “novativa”, incidindo sobre direitos diversos do direito controvertido.</font><br>
<br>
<font>Celebrada, como foi, na pendência da lide, à forma da transacção é aplicável o art. 300º-1 do CPC a dispor que, tal como a confissão ou desistência «podem fazer-se por documento autêntico ou particular, sem prejuízo das exigências de forma da lei substantiva, ou por termo no processo”.</font><br>
<font> Lavrado o termo ou junto o documento, o juiz condenará ou absolverá nos termos acordados pelas partes se, examinado o documento em causa, a transacção se mostrar válida, pelo seu objecto e pela qualidade das pessoas (n.º 2 do mesmo preceito).</font><br>
<br>
<br>
<font> 4. 3. - No caso, é, como dito, indiscutível que as declarações que as Partes fizeram constar do “termo de transacção” são declarações negociais que integram um contrato de compra e venda de bem imóvel para as quais a lei substantiva coloca como condição de validade constarem de escritura pública (art. 875º C. Civil; no mesmo sentido o art. 80º-1 C. Notariado).</font><br>
<br>
<font> O efeito translativo da propriedade, por mero efeito do contrato, ou princípio da consensualidade, a que os Recorrentes fazem apelo, que, como regra, o art. 408º-1 C. Civil consagra e no contrato compra e venda, em especial, o art. 879º-a) reafirma, nada tem que ver com a questão, que se prende tão somente com a validade e eficácia das declarações negociais que integram o contrato e, por isso, se situa a montante, isto é, de existir ou não um contrato por efeito do qual se possa transmitir o direito, matéria que encontra resposta nos já referidos arts. 219º e 220º, ou seja, agora subtraída, por excepcionada da regra da “consensualidade” ou da liberdade de forma prevista no primeiro segmento daquele art. 219º.</font><br>
<br>
<font> Exige, pois, a lei substantiva, como formalidade </font><i><font>ad substantiam</font></i><font>, de validade das declarações negociais do contrato de compra e venda, a escritura pública, sob pena de nulidade por vício de forma.</font><br>
<font> Como contrato que é, por aplicabilidade das regras gerais já referidas, a transacção não escapa á referida exigência e respectivos efeitos.</font><br>
<br>
<font> É isso mesmo que a lei corrobora ao dispor sobre a forma exigível para a validade da transacção preventiva ou extrajudicial, fazendo-a depender da forma exigida pela lei substantiva – art. 1250º C. Civil.</font><br>
<br>
<font> 4. 4. - Porém, quando celebrada na pendência da lide, a lei alude a dois meios de formalização: - documento autêntico ou particular, em correspondência com o que a lei substantiva exigir; - ou termo no processo, a tomar pela secretaria.</font><br>
<font> </font><br>
<font>No primeiro caso, a lei equipara, em termos formais, a transacção em lide pendente à transacção extrajudicial; se as partes fazem juntar ao processo documento não elaborado por funcionário judicial, a forma depende da que a lei substantiva estabelecer para o negócio.</font><br>
<font> Mas, se celebrada a transacção por termo no processo, a lei já não faz idêntica exigência; neste caso, certamente por se tratar de acto processual, praticado por oficial público, no exercício das suas competências (arts. 300º-2 e 161º e ss. CPC), a lei dispensa a intervenção notarial, desde que, judicialmente verificada a validade das cláusulas do contrato “pelo seu objecto e pela qualidade das pessoas”, as partes sejam condenadas ao seu cumprimento. </font><br>
<font> Certo que, seja como for, a lei distingue nitidamente os casos em que o documento que formaliza a transacção é formado fora da Secretaria judicial e junto ao processo daquele em que o oficial de justiça intervém, como documentador, na sua formação.</font><br>
<br>
<font> A sentença homologatória incorpora, então, as cláusulas do contrato de transacção, como que delas se apropriando, e nessa medida impondo às partes a vinculação ao respectivo cumprimento.</font><br>
<font> </font><br>
<font> Como se escreveu no ac. deste Supremo de 25/3/2004 (Proc. 03B4074 </font><i><font>ITIJ</font></i><font>), a sentença homologatória, “que inicialmente arranca da transacção lavrada no processo (…), acaba assim por ganhar ou adquirir, pelo princípio da absorção, valência </font><i><font>a se</font></i><font>. </font><br>
<font> Tal sentença não conhece do mérito da causa, mas chama necessariamente a si a solução de mérito para que aponta o contrato de transacção, acabando por dar, ela própria, mas sempre em concordância com a vontade das partes, a solução do litígio. E, uma vez transitada em julgado, como que corta, e definitivamente, o cordão umbilical que a ligava à transacção de que nascera”.</font><br>
<br>
<br>
<font> 4. 5. - No caso, não vem arguido qualquer vício do contrato de transacção que não seja a insuficiência de forma, nem posta em causa a validade e efeitos da sentença homologatória transitada em julgado. </font><br>
<br>
<font>Assim sendo, como proposto, entende-se que a transacção e a sentença homologatória sobre ela proferida constituem título válido e suficiente para a transmissão da propriedade do lote de terreno em causa.</font><br>
<br>
<br>
<font> 4. 6. - Daqui decorre ser de coisa alheia, porque propriedade dos Autores, a venda do lote efectuada pelos segundos Réus à Ré Sociedade, titulada pela escritura pública de oito de Julho de 1998, e, como tal, nula – art. 892º C. Civil.</font><br>
<br>
<font> 4. 7. - Não se mostra estar em vigor qualquer inscrição registal do prédio a favor das Partes, razão por que nenhuma declaração cabe emitir sobre a respectiva validade ou caducidade, pretensão também abandonada no recurso</font><br>
<br>
<font> 5. - Decisão.</font><br>
<br>
<font> Em conformidade com o expendido, decide-se:</font><br>
<font> - Conceder a revista;</font><br>
<font> - Revogar o acórdão impugnado;</font><br>
<font> - Julgar procedentes os pedidos formulados em a) e b) da acção e, consequentemente:</font><br>
<font> - Reconhecer os Autores como titulares do direito de propriedade plena sobre o lote de terreno identificado no artigo 3.º da petição inicial; e, </font><br>
<font> - declarar nula a venda dos segundos Réus à primeira Ré Sociedade “S..., Lda”, titulada pela escritura pública celebrada em 8 de Julho de 1998 no 2.º Cartório Notarial de Faro; e,</font><br>
<font> - Condenar os Recorridos nas custas.</font><br>
<font> </font><br>
<br>
<font>Lisboa, 23 Outubro 2007 </font><br>
<font>Alves Velho (Relator)</font><br>
<font>Moreira Camilo</font><br>
<font>Urbano Dias</font></font></p>
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1.ª Secção (Cível)
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<b><font> </font></b><font><br>
<br>
<font>ACORDAM OS JUÍZES QUE CONSTITUEM O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:</font><br>
<br>
<br>
<font>“AA Leasing, SA”, anteriormente, denominada “BB -Sociedade de Locação Financeira, SA”, propôs a presente acção declarativa, sob a forma de processo ordinário, contra CC, residente em Benavente,</font><b><font> </font></b><font>pedindo que, na sua procedência, seja reconhecida, judicialmente, a legalidade, validade e eficácia da resolução do contrato de locação financeira, operada pelo autor, por incumprimento contratual do réu, e este condenado a restituir-lhe os equipamentos objecto do contrato de locação financeira, bem assim como no pagamento da cláusula penal, prevista no artigo 18º das condições gerais do contrato, equitativamente, reduzida, nos termos do disposto pelo artigo 812º, do Código Civil, do montante previsto, contratualmente, em €123.508,24, atento o tempo, entretanto, decorrido, para a quantia de €50.000,00, até à respectiva restituição, alegando, para tanto, e, em síntese, que celebrou com o réu um contrato de locação financeira, que teve por objecto uma máquina «Uniloader Case», modelo 1840UL, que resolveu, com fundamento em incumprimento daquele, o qual, não obstante ter pago as quantias em dívida, não procedeu à restituição do equipamento locado, encontrando-se em mora, há cento e trinta e sete meses.</font><br>
<font>Regularmente citado, com a advertência de que a não contestação importaria a confissão dos factos articulados pelo autor, o réu não apresentou qualquer defesa.</font><br>
<font>A sentença julgou a acção improcedente, absolvendo o réu do pedido.</font><br>
<font>Desta sentença, o autor interpôs recurso, tendo o Tribunal da Relação julgado improcedente a respectiva apelação, confirmando a decisão impugnada.</font><br>
<font>Do acórdão da Relação de Lisboa, o mesmo autor interpôs recurso de agravo, posteriormente, convolado para revista, por decisão do relator deste acórdão, terminando as alegações com a formulação das seguintes conclusões, que se transcrevem:</font><br>
<font>1ª – O acórdão de que se recorre está frontalmente em oposição com o acórdão nº 84/2006 da 1a Secção (Cível) do Tribunal da Relação de Lisboa, datado de 21 de Fevereiro de 2006.</font><br>
<font>2ª - Por sentença datada de 22. de Janeiro de 2008, a fls. 64 a 79 dos autos, proferida pelo Tribunal a quo,</font><i><font> </font></i><font>foi julgada improcedente a acção declarativa.</font><br>
<font>3ª - A mencionada acção declarativa foi proposta em 29 de Março de 2006.</font><br>
<font>4ª - O Contrato de Locação Financeira celebrado entre a locadora, ora apelante, e o locatário, ora apelado, foi resolvido por aquela por carta registada com aviso de recepção datada de 12 de Setembro de 1994 e junta a fls. 17.</font><br>
<font>5ª - Nunca tendo o locatário procedido à devolução do equipamento locado.</font><br>
<font>6ª - O Tribunal a quo entendeu que a carta de resolução enviada pela apelante ao locatário não continha a fundamentação bastante para se proceder à resolução uma vez que não indicava quais os motivos concretos da resolução e quais as rendas em dívida e respectivos montantes.</font><br>
<font>7ª - A apelante concorda que na carta de resolução devem constar os fundamentos da resolução.</font><br>
<font>8ª - Mas na carta de resolução junta a fls. 17 encontram-se todos os fundamentos para a resolução, uma vez que o locatário tem conhecimento das cláusulas contratuais e das rendas que se encontram em atraso na data da resolução uma vez que estas são pagas por transferência bancária e é do conhecimento do locatário quais os débitos feitos na sua conta.</font><br>
<font>9ª - Para além disso o locatário tem conhecimento da fórmula</font><b><font> </font></b><font>de cálculo do valor de resolução o que por simples leitura das Cláusulas das Condições Gerais do Contrato de Locação Financeira e da carta de resolução lhe possibilita o conhecimento dos montantes das rendas vencidas e não pagas.</font><br>
<font>10ª - E tanto que entendeu o conteúdo da carta de resolução e sabia quais eram os montantes em dívida que o locatário, posteriormente, procedeu ao pagamento de tais valores.</font><br>
<font>11ª - Sempre se tendo recusado a restituir o equipamento locado.</font><br>
<font>12ª - E, como consequência de tal recusa, deverá ser condenado a pagar uma cláusula penal de quantia igual à última renda por cada mês ou fracção de mês que a mora na devolução do equipamento perdure, ou assim não se entendendo, num valor nunca inferior a 50.000,00 €.</font><br>
<font>13ª - E a restituir o equipamento locado.</font><br>
<font>14ª - A agravante é uma sociedade anónima que tem por objecto o exercício da actividade de locação financeira, nos termos da legislação que regula esta actividade.</font><br>
<font>15ª - A locação financeira é o contrato através do qual uma das partes se obriga, mediante retribuição a ceder à outra o gozo temporário de uma coisa, móvel ou imóvel, adquirida ou construída por indicação desta, e que o locatário poderá comprar, decorrido o período acordado por um preço nele determinado ou determinável mediante simples aplicação dos critérios nele fixados.</font><br>
<font>16ª - Como ensina o Professor Leite de Campos, "A locação financeira é um contrato a médio ou longo prazo dirigido a "financiar" alguém não através de uma quantia em dinheiro mas através do uso de um bem. Está-lhe subjacente a intenção de proporcionar</font><b><font> </font></b><font>ao "locatário" não tanto a propriedade de determinados bens, mas a sua posse e utilização para um determinado fim (in BFDUC, vol. LXIII, 1987, pág. 10).</font><br>
<font>17ª - A zona nuclear do contrato é porém constituída pela relação locador-locatário na qual se integram os direitos e os deveres que a caracterizam: a obrigação do locador de ceder o equipamento ao locatário para que este o use e o correspondente direito do locatário; o dever do locatário de pagar a renda e o correspectivo direito do locador; o direito do locatário de comprar o equipamento no fim do contrato.</font><br>
<font>18ª - O art° 26° do Dec-Lei n</font><b><font>° </font></b><font>171/79, de 06.06 consigna que "O contrato de locação financeira pode ser resolvido por qualquer das partes, nos termos gerais com fundamento no incumprimento das obrigações da outra parte não sendo aplicáveis as normas especiais constantes de lei civil relativas à locação.</font><br>
<font>19ª - Foi exactamente esse o procedimento da agravante.</font><br>
<font>20ª - Deverá ser judicialmente reconhecida a legalidade, validade e eficácia da resolução do contrato de locação financeira operada pela autora, por incumprimento contratual da parte do réu; e, ainda, ser o réu condenado à restituição do equipamento objecto do contrato de locação financeira, bem como no pagamento da cláusula penal prevista no artigo 18° das "Condições Gerais" do contrato.</font><br>
<font>21ª - A cláusula penal, não sendo indeterminável, é válida.</font><br>
<font>22ª - Não pode confundir-se o valor da cláusula penal com o valor residual estabelecido no contrato.</font><br>
<font>23ª - O locatário deixou de pagar as rendas a partir da renda n° 10 até à 17, vencidas de 23.01.1994 a 23.08.1994.</font><br>
<font>24ª - Não podia, pois, ter a expectativa de aquisição do equipamento, pois não cumpriu o acordado, não liquidou as rendas todas.</font><br>
<font>25ª - Não podia exercer qualquer opção de compra do bem locado, pois incumpriu</font><b><font> </font></b><font>o contrato.</font><br>
<font>26ª - Ao invés, resolvido o contrato, o locatário fica obrigado a restituir o equipamento, não podendo, no caso em apreço, adquiri-lo.</font><br>
<font>27ª - Assim, é legítimo à autora pedir uma indemnização pela não entrega do bem locado, decorridos tantos meses após a comunicação da resolução do contrato.</font><br>
<font>28ª - O locatário liquidou os valores em dívida (calculados, pressupondo a</font><b><font> </font></b><font>retoma do bem) mas nunca restituiu o equipamento conforme estava obrigado por força da resolução contratual operada, caso, pretendesse adquirir o bem, os valores a</font><b><font> </font></b><font>liquidar seriam outros.</font><br>
<font>29ª - As "cláusulas" ou "condições" contratuais do contrato em apreço obedecem às características essenciais da definição legal de cláusulas contratuais legais</font><i><font> </font></i><font>constante do art. 1º, nº 1 do Decreto-lei nº 446/85, de 25 de Outubro (e sucessivas alterações, designadamente pelo Decreto-lei n°220/95 de 31 de Agosto), quais sejam, a pré-elaboração (predisposição unilateral), rigidez (inalterabilidade), e indeterminação (generalidade).</font><br>
<font>30ª - Isto significa, no essencial, que estas convenções contratuais não resultam de negociação prévia entre as partes.</font><br>
<font>31ª - E esta estrutura jurídica é pois característica da locação financeira, como contrato nominado misto que é, pelo menos, na face da relação locadora/locatário.</font><br>
<font>32ª - Por outro lado, nos termos do art. 3o do Decreto-lei n°149/95 de 24 de Junho os contratos de locação financeira podem ser celebrados por escrito, sendo suficiente um documento particular, quando em causa estejam bens móveis não sujeitos a registo. Não constando daquele normativo que o documento ali referido é urna formalidade</font><b><font> </font></b><font>ad probationem,</font><i><font> </font></i><font>tem de se entender que aquela exigência legal de documento constitui elemento do contrato, isto é, formalidade ad substantiam</font><b><i><font> </font></i></b><font>(cfr. art. 364°, n°1 do CC).</font><br>
<font>33ª - O contrato de locação financeira é, pois, um negócio jurídico formal e sinalagmático.</font><br>
<font>34ª - Assim, da interpretação das declarações das partes vertidas no documento em apreço, resulta inequívoco, por verificação dos respectivos elementos típicos, que a autora, na qualidade de locadora e o réu, na qualidade de locatário, celebraram entre si, um contrato de locação financeira que se mostra válido e eficaz por que celebrado de acordo com o regime legal que lhe é aplicável.</font><br>
<font>35ª - Assim, as cláusulas que surgem intituladas como Condições Especiais e Condições Gerais do Contrato são perfeitamente válidas.</font><br>
<font>Não foram apresentadas contra-alegações.</font><br>
<font>Considerando que a sentença proferida pelo Tribunal de 1ª instância declarou “excluídas do contrato celebrado entre autora e réu as cláusulas gerais, mantendo-se, no entanto, o restante contrato”, não tendo este segmento da decisão sido objecto do recurso de apelação, considerando ainda a alteração à matéria de facto introduzida pelo acórdão do Tribunal da Relação, este Supremo Tribunal de Justiça entende que se devem declarar como demonstrados os seguintes factos, nos termos das disposições combinadas dos artigos 722º, nº 2 e 729º, nº 2, do Código de Processo Civil (CPC):</font><br>
<font>1 - “BB - Sociedade de Locação Financeira, SA”, e o réu</font><br>
<font>subscreveram, em 16 de Abril de 1993, o escrito de que existe cópia, a fls. 8 e</font><br>
<font>ss., intitulado «contrato de locação financeira nº 8668», através do qual a 1ª</font><br>
<font>cedeu ao </font><i><font>2° </font></i><font>o gozo temporário de uma máquina «Uniloader Case», modelo</font><br>
<font>1840UL, mediante o pagamento de 36 rendas mensais, a 1ª, no valor de Esc.</font><br>
<font>1.006.000$00 (€ 5.017,90), e as restantes, no valor unitário de Esc.155.809$00</font><br>
<font>(€ 777,17), tendo sido acordado o valor residual de Esc.100.600$00 (€</font><br>
<font>501,79), valores esses acrescidos de IVA.</font><br>
<font>2 (7) – “BB - Sociedade de Locação Financeira, SA”, alterou a sua denominação para “AA Leasing, SA”, em Março de 2003.</font><br>
<font>3 (8) - O réu apenas pagou da 1ª à 9ª rendas, vencidas entre 99.04.23 e 93.12.23.</font><br>
<font>4 (9) – O autor enviou ao réu, para a morada constante do contrato, a carta de que existe cópia, a fls. 15, do teor seguinte:</font><br>
<i><font>«N/Ref.; contrato 8668</font></i><br>
<i><font>Exmos Senhores</font></i><br>
<i><font>Após algumas diligências feitas directamente pela minha cliente para cobrança das rendas/seguros referentes ao contrato em epígrafe, que V. Exa(s) deixou(aram) de pagar, e sem que as mesmas tenham obtido qualquer resposta de V. Exa., serve a presente para vos informar que se no prazo de 8 (oito dias) não for efectuado contacto com o intuito de regularizar a situação recorrerei de imediato, às vias judiciais competentes.»</font></i><br>
<font>5 (10) – O autor enviou ao réu, para a morada constante do contrato, a carta de que existe cópia, a fls. 17, do teor seguinte:</font><br>
<i><font>«Assunto: Contrato de locação financeira nº 8668</font></i><br>
<i><font>Exmos Senhores,</font></i><br>
<i><font>Relativamente ao assunto em epígrafe, vimos peia presente informar V. Exas. que, nos termos dos artigos 21º e 22º das condições gerais do contrato, procedemos nesta data à resolução do contrato em epígrafe.</font></i><br>
<i><font>São-nos V. Exas., desta forma, devedoras da quantia de Esc. 2.230.137$00 por força da resolução contratual efectuada.</font></i><br>
<i><font>Deve aquela quantia, ainda de acordo com o artigo 21º acima referido, ser liquidada no prazo de dez dias, findo o qual o vosso contrato transitará definitivamente para cobrança judicial.».</font></i><br>
<font>6 (11) - A carta referida no artigo anterior foi devolvida com a indicação </font><i><font>«não reclamado», </font></i><font>constando da mesma a expressão manuscrita A/V/14/9/94.</font><br>
<font>7 (12) – O autor enviou ao réu, mediante correio simples, a carta datada de 04.09.23, de que existe cópia, a fls. 19, do teor seguinte:</font><br>
<i><font>«Assunto: Contrato de locação financeira nº 8668 Objecto do contrato: Máquina Universal Case Uniloaders 1840 L, chassis nº 000000)</font></i><br>
<i><font> Exmo. Senhor,</font></i><br>
<font>R</font><i><font>elativamente ao contrato mencionado em epígrafe, incumbiu-me a minha constituinte AA Leasing, S.A., (anteriormente denominada BB - Sociedade de Locação Financeira, S.A.) de entrar em contacto com V. Exa. a fim de ser regularizada a situação referente ao bem mencionado em epígrafe.</font></i><br>
<i><font>Com efeito, como V. Exa. bem sabe, o contrato foi, em 94.09.12, resolvido contenciosamente, nos termos dos artigos 21º e 22º das condições gerais, pressupondo a entrega do bem locado.</font></i><br>
<i><font>Entrega essa que, até à presente data, ainda não se verificou, apesar de entretanto ter sido a dívida liquidada.</font></i><br>
<i><font>Cumpre-me, pois diligenciar junto de V. Exa. no sentido de ser regularizada a situação, disponibilizando-me para a marcação de uma reunião, se V. Exa. assim o entender, com vista a podermos acordar a data de entrega do referido bem, sem o que serei forçada a interpor, para o efeito, contra V. Exa. a respectiva acção judicial.».</font></i><br>
<font>8 (13) - Após o envio ao réu das cartas indicadas, nos pontos 9, 10 e 12, aquele procedeu ao pagamento da dívida, mas não restituiu o equipamento.</font><br>
<font>9 (14) - O equipamento locado foi adquirido, por Esc. 5.834.800$00 (€29.103,86), em Abril de 1993, sendo o capital financeiro em dívida, à data de 94.09.12, de Esc. 3.550.726$00 (€ 17.719,95).</font><br>
<font>10 (15) - Segundo a cotação de compra da Eurotax, o equipamento em causa valerá, no 1º ano de uso, 75%, no 2° ano de uso, 60%, no 3º ano de uso, 50%, no 4º</font><i><font> </font></i><font>ano de uso, 40%, e, no 5º ano de uso, 30% do seu valor inicial.</font><br>
<br>
<br>
<font>Tudo visto e analisado, ponderadas as provas existentes, atento o Direito aplicável, cumpre, finalmente, decidir.</font><br>
<font>A única questão a decidir, na presente revista, em função da qual se fixa o objecto do recurso, considerando que o «thema decidendum» do mesmo é estabelecido pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, com base no preceituado pelas disposições conjugadas dos artigos 660º, nº 2, 661º, 664º, 684º, nº 3, 690º e 726º, todos do CPC, consiste na determinação do fundamento legal da resolução do contrato de locação financeira operada pelo autor e suas consequências.</font><br>
<br>
<font> DO FUNDAMENTO LEGAL DA RESOLUÇÃO. CONSEQUÊNCIAS</font><br>
<br>
<font>O núcleo essencial das alegações do autor consiste em sustentar que, através da interpretação das declarações das partes, vertidas no documento que titula o acordo celebrado entre as mesmas, resulta inequívoco, por verificação dos respectivos elementos típicos, que o autor, na qualidade de locador, e o réu, na qualidade de locatário, celebraram entre si um contrato de locação financeira, que se mostra válido e eficaz, porque conforme ao regime legal que lhe é aplicável, e que o autor resolveu, com fundamento bastante, mas sem que o réu tenha procedido à devolução do equipamento locado, a que deve ser condenado, em sede de recurso de revista, bem assim como no pagamento da cláusula penal convencionada.</font><br>
<font>Efectuando uma síntese do essencial da factualidade que ficou consagrada, no que interessa à apreciação e decisão do objecto da revista, importa reter que, em 16 de Abril de 1993, o autor e o réu subscreveram um documento, intitulado «contrato de locação financeira nº 8668», através do qual o primeiro cedeu ao segundo</font><i><font> </font></i><font>o gozo temporário de uma máquina «Uniloader Case», modelo 1840UL, mediante o pagamento de trinta e seis rendas mensais, sendo a primeira, no valor 1.006.000$00 (€5.017,90), e as restantes, no valor unitário de 155.809$00 (€777,17), tendo ainda sido acordado o valor residual de 100.600$00 (€501,79), todos eles acrescidos de IVA.</font><br>
<font>Tendo o réu apenas pago ao autor as primeiras nove rendas, vencidas entre 23 de Dezembro de 1993 e 23 de Abril de 1999, este enviou-lhe, para a morada constante do contrato, uma carta, recebida a 30 de Agosto de 1994, em que lhe comunicava que, por ter deixado de pagar as aludidas rendas, e não ter respondido às diligências por si empreendidas, recorreria, de imediato, às vias judiciais competentes, se, no prazo oito dias, não fosse efectuado contacto com o intuito de regularizar a situação.</font><br>
<font>Posteriormente, com data de 12 de Setembro de 1994, o autor enviou ao réu, para a morada constante do contrato, uma carta, em que o informava de que, nos termos dos artigos 21º e 22º das condições gerais do contrato, procedia, nessa mesma data, à resolução do contrato, acrescentando que, por força da resolução contratual efectuada, o réu era devedor da quantia de 2.230.137$00.</font><br>
<font>Após o envio desta última carta, o réu procedeu ao pagamento da dívida, mas não restituiu o equipamento ao autor.</font><br>
<font>Vem qualificado pelas instâncias, com a concordância do autor, o negócio jurídico celebrado pelas partes como um contrato de locação financeira.</font><br>
<font>O contrato de locação financeira é um contrato, a médio ou a longo prazo, destinado a «financiar» alguém, não através da prestação de uma quantia em dinheiro, mas mediante o uso de um bem, tendo subjacente a intenção de proporcionar ao «locatário», não tanto a propriedade de determinados bens, mas antes a sua posse e utilização, para certos fins</font><font> (1)</font><font>.</font><br>
<font>Na figura do contrato de locação financeira com amortização integral [o full-pay-out leasing], que a ordem jurídica nacional institucionalizou, e a que se reportam os autos, prevêem-se pagamentos do utente, calculados de modo a cobrir a totalidade dos desembolsos do locador, bem como a margem de lucro deste, contendo ainda, ou uma cláusula de devolução do bem ao locador, terminado o contrato, ou a faculdade de prorrogação da compra ou da compra do bem, em benefício do locatário, neste caso, mediante o pagamento de um preço residual, mais ou menos simbólico</font><font> (2)</font><font>.</font><br>
<font>São elementos, essencialmente, constitutivos do contrato de locação financeira, como decorre da conceitualização estabelecida pelo artigo 1º,do DL nº 149/95, de 24 de Junho</font><font>(3).</font><font>, a cedência, pelo locador, do gozo temporário de uma coisa, a aquisição ou construção dessa coisa, por indicação do locatário, a retribuição correspondente, a possibilidade de compra, total ou parcial, por parte deste, o estabelecimento de prazo convencionado e a determinação ou determinabilidade do preço de cedência, nos termos fixados no contrato.</font><br>
<br>
<br>
<font>Sustenta o autor que a correcta apreciação dos factos provados, integrantes do comportamento das partes, deve conduzir à validação da resolução do contrato, por si operada, com fundamento bastante assente no não pagamento das rendas em dívida pelo réu.</font><br>
<font>O não cumprimento da obrigação vem a ser a situação objectiva que consiste na falta de realização da prestação debitória, com a consequente insatisfação do interesse do credor, independentemente da causa de onde essa omissão procede</font><font> (4).</font><font>.</font><br>
<font>Por seu turno, no âmbito da responsabilidade contratual, em que se situa a causa de pedir da acção, o devedor cumpre a obrigação quando realiza a prestação a que está vinculado, tornando-se responsável pelo prejuízo que causa ao credor, desde que falte, culposamente, ao seu cumprimento, nos termos das disposições combinadas dos artigos 762º, nº 1 e 798º, do Código Civil (CC).</font><br>
<font>Existem três modalidades de não cumprimento das obrigações, quanto ao efeito ou resultado produzido, ou seja, a falta de cumprimento ou incumprimento definitivo, a mora e o cumprimento defeituoso ou imperfeito.</font><br>
<font>Afastada que está, de todo, face à prova produzida, a hipótese do cumprimento defeituoso, porquanto a prestação debitória, a cargo do réu, à data da declaração resolutória, continuava em falta, resta considerar os termos da alternativa subsistente, isto é, o incumprimento definitivo ou a mora, sendo certo que, uma vez definida a modalidade do não cumprimento das obrigações, aplicável ao caso, importa ainda averiguar se o devedor, ou seja, o réu locatário, actuou com culpa, o que significa fixar a causa da falta da respectiva prestação.</font><br>
<font>A mora do devedor não permite, por via de regra, com ressalva da existência de convenção em contrário, a imediata resolução do contrato, a menos que se transforme em incumprimento definitivo, que tem lugar, tão-só, em três situações tipificadas, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 801º, 802º e 808º, nº 1, todos do CC, ou seja, se lhe sobrevier a impossibilidade da prestação, se o credor perder o interesse na mesma, ou, finalmente, em consequência da inobservância de prazo suplementar e peremptório que o credor fixe, razoavelmente, ao devedor relapso.</font><br>
<font>A primeira situação é, liminarmente, de rejeitar, porquanto o pagamento das rendas vencidas, em dívida, traduzia-se, como é óbvio, numa prestação, material e objectivamente, possível, a ponto de, após a declaração resolutória do autor, o réu ter procedido à satisfação dessa prestação devida.</font><br>
<font>Relativamente à segunda situação, a perda do interesse para o credor na prestação em mora pelo devedor, é apreciada, objectivamente, em conformidade com o disposto pelo artigo 808º, nº 2, do CC, porquanto se afere em função da utilidade que a prestação para ele teria, embora atendendo a elementos susceptíveis de valoração pela generalidade da comunidade, justificada por um critério de razoabilidade própria do comum das pessoas</font><font> (5)</font><font>.</font><br>
<font>Efectivamente, constituem realidades distintas a perda absoluta, completa, do interesse na prestação, e a mera diminuição ou redução de tal interesse, traduzida, por via de regra, no desaparecimento da necessidade que a prestação se destina a atingir.</font><br>
<font>A perda do interesse do credor significa que, para este, o fim da obrigação já se não traduz em obter a prestação do devedor moroso, em troca da sua contraprestação, ou do complemento da mesma, não bastando uma perda subjectiva de interesse na prestação, mas antes o desaparecimento objectivo da necessidade que a mesma visa satisfazer</font><font> </font><font>(6).</font><br>
<font>Porém, no comum das obrigações pecuniárias, que é a hipótese que aqui interessa considerar, a prestação devida, não obstante a mora do devedor, continua a revestir todo o interesse para o credor</font><font> (7)</font><font>.</font><br>
<font>A isto acresce que o autor não alegou, na petição inicial, e, consequentemente, não se demonstrou, que a observância do prazo fixado no contrato lhe era essencial e que, portanto, já não tinha interesse na respectiva prestação retardada.</font><br>
<font>Efectivamente, há casos em que, não sendo a prestação efectuada, dentro de certo prazo, seja qual for a razão do não cumprimento, a obrigação se considera, definitivamente, não cumprida, o que acontece, em geral, quando a demora no cumprimento faz desaparecer o interesse do credor na prestação, designadamente, nas situações em que, expressa ou tacitamente, neste caso, através da finalidade atribuída à prestação, as partes fixaram um termo essencial para o cumprimento, findo o qual o credor não se considera vinculado a aceitar a prestação, com o fundamento em que esta já lhe não interessa</font><font> (8). </font><font>.</font><br>
<font>Porém, só é relevante a perda do interesse pelo credor quando esta constitui uma consequência directa da mora, conforme a exigência que resulta do disposto pelo artigo 808º, nº 1, do CC.</font><br>
<font>Portanto, o mero desinteresse subjectivo do autor em não manter a validade do contrato de locação financeira celebrado, devido à inobservância pelo réu do prazo acordado, não integra um caso de perda de interesse, para efeitos do disciplinado pelo artigo 808º, citado, não podendo, sem mais, dar lugar à resolução do contrato.</font><br>
<font>Não obstante as partes terem fixado um termo para o cumprimento, o mesmo não pode ser considerado essencial ou peremptório, quer, expressamente, uma vez que nada estipularam, nesse sentido, no respectivo contrato, nem sequer o autor alegou essa factualidade, no articulado inicial, quer, tacitamente, porquanto tal não se infere, manifestamente, da finalidade que as partes atribuíram à contra-prestação convencionada.</font><br>
<font>Trata-se, com efeito, não de um negócio de prazo, absolutamente fixo, ou de um negócio fixo, impróprio ou absoluto, em que a obrigação deve ser, necessariamente, cumprida, no prazo fixado, e não mais tarde, e em que a impossibilidade temporária do cumprimento, na data estabelecida, vale como impossibilidade definitiva, determinante da extinção da obrigação, mas antes de um negócio de prazo, geralmente fixo, em que a determinação do prazo, apenas tem o alcance de se convencionar a sua perfeita observância, de modo a que a prestação posterior ainda seja possível, e no qual a falta da prestação debitória não equivale ao não cumprimento definitivo, nem a respectiva impossibilidade transitória, no tempo fixado, extingue a obrigação, se não for cumprida nesse prazo</font><font> (9) </font><font>.</font><br>
<font>Revertendo ao caso em análise, tendo o réu já efectuado o pagamento de nove das trinta e seis rendas vencidas de sua responsabilidade, restavam por cumprir vinte e sete, aquando da declaração resolutória do contrato, o que não constitui expressão de uma situação de perda do interesse do credor, porquanto o autor, na sequência dessa declaração, recebeu do réu a totalidade das aludidas rendas em dívida, que este, de imediato, acabou por satisfazer.</font><br>
<font>Finalmente, a terceira situação tipificada que permite converter a mora do devedor em incumprimento definitivo e, assim, na falta de convenção em contrário, viabilizar a imediata resolução do contrato, verifica-se, em consequência da inobservância do prazo, suplementar e peremptório, que o credor fixe, razoavelmente, ao devedor inadimplente.</font><br>
<font>Esta situação contende com o regime da interpelação admonitória, quando o autor entende que ao réu ainda é lícito o cumprimento da prestação, intimando-a, para o efeito, nos termos do estipulado pelo artigo 808, nºs 1 e 2, do CC.</font><br>
<font>No caso em exame, obrigando-se o réu ao pagamento de trinta e seis rendas mensais, a título de contra-prestação pela cedência da máquina, em locação financeira, e tendo pago apenas ao autor as primeiras nove rendas, vencidas entre 23 de Dezembro de 1993 e 23 de Abril de 1999, este enviou-lhe uma carta a comunicar que, por “deixar de pagar as aludidas rendas, e não ter respondido às diligências por si empreendidas, recorreria, de imediato, às vias judiciais competentes, se, no prazo oito dias, não fosse efectuado contacto com o intuito de regularizar a situação”, acabando, cerca de dez dias depois, por o informar de que procedia, nessa mesma data, à resolução do contrato.</font><br>
<font>A interpelação admonitória deve conter uma intimação formal dirigida ao devedor moroso para que cumpra a sua obrigação, dentro de certo prazo peremptório determinado, sob pena de se considerar o seu incumprimento como definitivo</font><font> (10). </font><font>.</font><br>
<font>Face à prova produzida, neste particular, atendendo a que o autor enviou ao réu uma carta em que lhe comunicava que, “por deixar de pagar as aludidas rendas, e não ter respondido às diligências por si empreendidas, recorreria, de imediato, às vias judiciais competentes, se, no prazo oito dias, não fosse efectuado contacto com o intuito de regularizar a situação”, sem nada dizer quanto a considerar a obrigação por, definitivamente, não cumprida, não observou a finalidade prevista para a interpelação admonitória, de modo a poder qualificar a mora do réu como determinante de inadimplemento definitivo</font><font>(11)</font><font>.</font><br>
<font>Por isso, não se está, no caso «sub judice», perante uma situação de impossibilidade da prestação ou de incumprimento definitivo, em qualquer uma das três modalidades tipificadas, mas antes face a uma hipótese de retardamento da prestação ou de «mora debitoris», com base no estipulado pelos artigos 801º e 804º, sendo certo que o réu não demonstrou, como lhe competia, atento o disposto pelos artigos 342º, nº 2 e 799º, todos do CC, a ausência de culpa.</font><br>
<font>Efectivamente, era ao réu a quem competia demonstrar o motivo do impedimento do pagamento das aludidas prestações, por força do preceituado pelo artigo 342º, nº 2, o que não fez, até porque não apresentou contestação, ou seja, provar que a falta de cumprimento dessa obrigação não procedia de culpa sua, recaindo, consequentemente, sobre si a presunção de culpa no incumprimento, estabelecida pelo artigo 799º, nº 1, ambos do CC.</font><br>
<font>Verificam-se, pois, todos os requisitos consagrados pelo artigo 804º, do CC, para a existência da mora, ou seja, o retardamento ou atraso da prestação, por causa imputável ao devedor, que a não cumpriu, no tempo devido, sendo ainda possível, por continuar, no essencial, a corresponder ao interesse do credor, subsistindo a possibilidade futura da mesma.</font><br>
<font>Assim sendo, não se demonstrando qualquer causa imputável ao autor pela falta do pagamento das rendas vencidas, por parte do réu, também, não se provou que o regime pactuado pelas partes conferisse aquele o direito à resolução do respectivo contrato, ou seja, que tivessem consagrado uma cláusula comissória ou de caducidade, modalidade especial da resolução convencional, admitida pelo artigo 432º, nº 1, do CC.</font><br>
<font>Com efeito, a factualidade que poderia integrar esta cláusula comissória ou de caducidade, que, também, se denomina cláusula resolutiva expressa, e que consiste na convenção pela qual uma das partes reserva para si o direito de resolver o contrato se a outra parte não cumprir ou não cumprir, em tempo, as obrigações decorrentes do mesmo, não consta da matéria elencada como consagrada, porquanto transitou em julgado, como já se disse, o segmento da sentença proferida em primeira instância, que declarou “excluídas do contrato celebrado entre autora e réu as cláusulas gerais”, nomeadamente, a cláusula nº 21, onde aquela faculdade estava contemplada.</font><br>
<font>Porém, a exclusão desta cláusula resolutiva expressa não afasta a existência da chamada cláusula ou condição resolutiva tácita ou direito legal de resolução, por não cumprimento ou mora, desde que o respectivo condicionalismo fáctico se verifique, com a única diferença de que, enquanto este está estabelecido na lei, aquel
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1.ª Secção (Cível)
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<b><font> </font></b><font><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font><br>
<br>
<br>
<font>I - </font><br>
<br>
<font>Empresa-A, SA.. intentou, no tribunal judicial da Covilhã, acção ordinária contra</font><br>
<font>Empresa-B, e AA, pedindo a condenação dos RR. a :</font><br>
<font>- Reconhecerem-na como dona e legítima proprietária do prédio urbano, constituído por uma casa de alvenaria e betão armado, destinado à indústria têxtil, composto de rés-do-chão, 1° e 2° andares e logradouro, sito na Estrada Nacional 230, lugar da Califórnia, freguesia da Conceição, concelho da Covilhã, descrito na Conservatória do registo Predial da Covilhã sob o n° 34632, a fls. 88 do Livro B-91 e inscrito na matriz predial urbana sob o art. 1341º e condenados a entregá-lo completamente livre e devoluto de pessoas e bens;</font><br>
<font>- Pagarem-lhe, em regime de solidariedade e a título de indemnização pelos danos causados, a importância de 42.893.832 $00, calculada até 30.06.2000 e, ainda, a contar desta data, na importância correspondente à remuneração do capital investido na aquisição, às taxas por ela praticadas nos empréstimos para habitação própria, até à efectiva entrega do imóvel e a liquidar em execução de sentença, e à taxa de juro legal a contar da entrega do imóvel, sobre o montante indemnizatório fixado, até efectivo pagamento; ou</font><br>
<font>- A pagarem-lhe, em regime de solidariedade a título de indemnização pelos danos causados, a importância de 35.894.222$00, calculada até 30.06.2000, e, ainda, a contar desta última data, no montante mensal de 414.117$00, correspondente ao valor da última renda fixada, até à entrega efectiva do imóvel, com actualizações anuais às taxas fixadas legalmente para as rendas livres, a liquidar em execução de sentença, e à taxa de juro legal sobre o montante total da indemnização até ao efectivo pagamento; ou </font><br>
<font>- A pagarem-lhe, em regime de solidariedade a título de indemnização, a importância de 39.165.164$00, correspondente aos juros calculados à taxa legal sobre a importância aplicada na aquisição do imóvel, contados desde a data da aquisição até 30.06.2000, e juros vincendos à mesma taxa até integral pagamento.</font><br>
<br>
<font>Em síntese, alegou que </font><br>
<font> - Tendo adquirido o imóvel por arrematação em hasta pública, em 25.3.92, num processo executivo por ela movido contra os seus proprietários, tentou entrar na sua posse, não o conseguindo dado que o mesmo estar ocupado pelos RR.;</font><br>
<font>- O imóvel foi arrendado pelos anteriores proprietários a BB, tendo este sublocado uma parte a CC e DD; </font><br>
<font>- Mais tarde, BB trespassou a CC o estabelecimento de fotografia e com tal negócio passou este a ocupar todo o imóvel (cfr. art. 32º da petição) e este, por sua vez, trespassou o estabelecimento comercial à 2ª R.;</font><br>
<font>- O 1º R. ocupa parte da 2ª cave do prédio por alegadamente lhe ter sido sublocada por BB (cfr. art. 33º da petição).</font><br>
<font>- O 1º arrendamento é nulo, quer por vício de forma, falta de escritura pública, quer por ter sido celebrado para uma finalidade diversa daquela para que estava o prédio licenciado, quer por ser um negócio simulado, em termos absolutos, quer com base no abuso de direito, pois estando o imóvel hipotecado a seu favor, a desproporção da renda acordada para o valor objectivo do arrendamento, atenta contra os seus direitos, sendo certo que os proprietários em momento algum referiram que existia qualquer contrato sobre o prédio, </font><br>
<font>- O contrato celebrado por escritura pública, que repristina a data do início até à daquele celebrado por escrito particular, é ineficaz em relação si, por celebrado depois do registo da penhora a seu favor, para além de ser, igualmente, nulo, por abuso de direito, pela mesma razão, ligada à desproporção da renda contratada e da resultante do mercado real e objectivo, sendo, em consequência, igualmente, ineficazes e nulos, todos os contratos decorrentes deste, incluindo aqueles celebrados com os RR., sendo por isso, estes obrigados a indemniza-la pelo prejuízo derivado, das ocupações abusivas do imóvel.</font><br>
<br>
<font>Ambos os RR. contestaram, por impugnação e por excepção, defendendo a improcedência da acção.</font><br>
<br>
<font>Na réplica, a A. contrariou a defesa excepcional dos RR.</font><br>
<br>
<font>Seguiu-se a fase de saneamento, com transferência para final do conhecimento da excepção da prescrição, e de selecção de factos provados e a provar.</font><br>
<br>
<font>Após julgamento, o Mº juiz de Círculo da Covilhã proferiu sentença, julgando a acção parcialmente procedente e, como consequência, condenou os RR. a reconhecerem a A. como dona e legítima proprietária do prédio reivindicado e condenou os RR. a entregarem o mesmo àquela, completamente livre e devoluto de pessoas e bens, absolvendo-os do mais peticionado.</font><br>
<br>
<font>Com esta decisão não se conformaram ambos os RR. que apelaram para o Tribunal da Relação de Coimbra, mas este confirmou o julgado.</font><br>
<br>
<font>Novamente inconformados, ambos recorreram para este Supremo Tribunal, pedindo revista, tendo, para o efeito, produzido as respectivas alegações que remataram do seguinte modo:</font><br>
<br>
<font>a) Recorrente Curto</font><br>
<p><font>1- Atenta a causa de pedir e os pedidos formulados nos autos pela Recorrida, não pode proceder a condenação proferida nos autos, ou seja, entrega por parte do recorrente do locado face à caducidade do contrato de subarrendamento, já que tal condenação extravasa de forma manifesta os pedidos solicitados pela recorrida, existindo assim uma clara e manifesta violação do principio do dispositivo e da estabilidade da instância inserta nos artigos 264, 268 e 460 contidos no C.P.C, sendo assim a sentença proferida na 1ª instância e na sua sequência o Acórdão recorrido - que confirma tal sentença - nula nos termos do disposto no art. 668 n°1, al. e) do C.P.C. </font>
</p><p><font>SEM PRESCINDIR</font>
</p><p><font>2- Tal conforme resulta da matéria factual dada como provada, a recorrida que era credora hipotecária, adquiriu o prédio por meio de arrematação em hasta publica, adquirindo assim o direito de propriedade sobre o prédio hipotecado.</font>
</p><p><font>3- Tal facto não determina a caducidade dos contratos de arrendamento que tinham sido celebrados validamente e pelo anterior proprietários, bem como a autorização da recorrida, que estava em vigor à data da referida hasta publica.</font>
</p><p><font>4- Tais contratos de arrendamento apesar de terem sido celebrados em data posterior ao registo da hipoteca e com a autorização da recorrida, contudo produziram efeitos, em data anterior ao registo da penhora efectuada pela recorrida e na sequência da acção executiva que interpôs contra o anterior proprietário do prédio.</font>
</p><p><font>5- Tal facto, não determina a caducidade dos contratos de arrendamento celebrados validamente pelo anterior proprietário e com a autorização da recorrida, e que estavam em vigor à data da referida hasta publica, já que sendo os contratos de arrendamento de natureza obrigacional não caduca nos termos do artigo 824 n°2 do C.P.C, sendo certo que a caducidade do contrato de arrendamento apenas se verifica nos casos em que a própria lei o prevê (artigo 1051 C. Civil) sendo certo que e face ao disposto no art. 1057º do C.C. é estabelecido o regime de transmissão, razão pela qual e com a venda judicial a posição assumida pelo anterior proprietário nos contratos de arrendamento é transmitida para a recorrida, razão pela qual não tem acolhimento a posição defendida pelo Exm° Juiz a quo.</font>
</p><p><font>6- Por outro lado e contrariamente ao indicado no acórdão recorrido, que aliás reconhece que a situação sub iudice é controversa, os contratos de arrendamento também não caducam em virtude de a penhora ter sido registada em data anterior à celebração dos contratos de arrendamento, já que e para além dos contratos de arrendamento, já estarem em vigor à data do registo da penhora, também é certo que os arrendatários eram terceiros no preferido processo executivo.</font>
</p><p><font>7- Ora a penhora do prédio arrendado não ofende o seu gozo pelo arrendatário, não afectando a validade dos actos praticados em relação a terceiros, não sendo assim frustrada a expectativa dos credores, nomeadamente da recorrida, que aliás tinha conhecimento da existência dos arrendatários do prédio, pelo que os contratos de arrendamento não caducaram com a venda do prédio na acção executiva, pelo que e por tal motivo não merece assim acolhimento a posição defendida no Acórdão recorrido.</font>
</p><p><font>SEM PRESCINDIR</font>
</p><p><font>8- Na eventualidade de se considerar que os contratos de arrendamento caducaram por força da venda judicial do prédio - o que se contesta pelas razões supra mencionadas - também se dirá e contrariamente ao indicado no Acórdão recorrido, que os contratos de arrendamento foram renovados nos termos do disposto no art. 1056º do CC, em virtude de a recorrida ter de forma clara e expressa reconhecido os arrendatários do prédio, nomeadamente o ora recorrente, já que e durante pelo menos 8 anos recebeu as rendas e não se opôs que o recorrente estivesse a exercer a sua actividade comercial no locado, situação esta que aliás ainda hoje ocorre, razão pela qual e por tal motivo ainda estão em vigor os mencionados contratos de arrendamento nomeadamente o celebrado com o recorrente.</font>
</p><p><font>SEM PRESCINDIR </font>
</p><p><font>9- Diga-se por fim e contrariamente ao indicado na sentença da 1ª instância, bem como no Acórdão recorrido, e atento aos factos dados como provados, é manifestamente ABUSIVA a pretensão deduzida nos autos pela recorrida, pois o pedido deduzido nos autos e relativo à entrega do locado por parte nomeadamente do recorrente, excede manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes e pelo fim social ou económico do direito, já que tinha pelo menos desde 1992 conhecimento da existência dos arrendamentos, conformando-se que os arrendatários exercem suas actividades comerciais, recebendo as rendas, bem como tendo inclusive aquando da arrematação em hasta publica do prédio proposto um preço de forma que os arrendatários e atento ao seu valor, não pudessem exercer os seus direitos de preferência na sequência de informação que para o efeitos receberam da Repartição de Finanças do concelho da Covilhã, razão pela qual a pretensão de recorrida deve assim ser apreciada nos termos do disposto no art. 334º do CC, com as consequências daí decorrentes.</font>
</p><p><font>10- Do exposto resulta ainda que, decidindo como se decidiu, ou seja na condenação do recorrente na desocupação e entrega do locado na sentença proferida pelo Juiz da 1ª instância e tendo o acórdão recorrido mantido tal decisão, certo resulta que o Acórdão recorrido realizou uma errada interpretação e aplicação da lei e do direito substantivo e adjectivo, com clara violação ao disposto nos artigos 8º, 9º, 10º, 334º, 824º n°2, 1022º, 1023º, 1051º, 1054º e 1056º todos do CC e artigos 264º, 265º, 268º, 467º, nº 1 al. d) e e), 660º, 661º e 668º do CPC, devendo assim ser dado provimento à presente REVISTA, revogando-se o Acórdão recorrido e a sentença da 1ª instância, substituindo-se por outro que absolva a recorrente do pedido.</font>
</p><p><font>B) - Recorrente Empresa-B</font><br>
<font>1 - É nula a sentença na parte em que condena os R.R. a verem reconhecida a caducidade dos contratos de arrendamento e, por via disso, na desocupação e entrega do prédio à A., quando esta não alegou nem pediu a condenação dos R.R. no reconhecimento da caducidade dos contratos. </font><br>
<font>2 - O princípio dispositivo e os limites da condenação por lei impostos obstam a que o Tribunal conheça da eventual caducidade dos contratos de arrendamento decorrente da aquisição do direito de propriedade sobre o prédio pela credora hipotecária celebrados em data posterior ao registo da hipoteca e anterior à venda do prédio em hasta pública, quando esta, na qualidade de A., não alega a caducidade dos contratos nem pede a condenação dos R.R. no reconhecimento da caducidade pelos indicados motivos. </font><br>
<font>3 - Para que o Tribunal possa conhecer do mérito da causa e condenar os R.R. na desocupação do prédio e consequente entrega do mesmo à A., quando está reconhecida a existência e validade de contratos de arrendamento sobre o prédio e a qualidade de arrendatários dos R.R. à data da respectiva venda por arrematação em hasta pública, é necessário que a A. alegue, prove e peça o reconhecimento da caducidade dos contratos. </font><br>
<font>4 - O direito ao arrendamento resulta do contrato de arrendamento, tal contrato tem natureza obrigacional, embora possa ter efeitos de natureza real, como por exemplo, os atinentes ao gozo e à defesa da posse, é um contrato típico e encontra-se regulado nos arts. 1022° e ss do CC e no RAU. É um contrato fortemente vinculístico, o que tem especial incidência sobre a estabilidade do arrendatário (prorrogação automática do contrato, estabilidade da renda, limitação dos casos de denúncia e de resolução pelo locador e fixação dos casos de caducidade). As causas de caducidade do arrendamento são as taxativamente previstas no art. 1051° do CC, e nelas não se inclui a venda judicial do prédio em processo executivo. Mas, ainda, que se considere que as causas de caducidade do art. 1051° do CC não são taxativas, não há razão para aplicar por analogia ao arrendamento a disposição do art. 824° n° 2 do CC, prevista para a realização coactiva da prestação. </font><br>
<font>5 - Quando ocorre transmissão da posição do locador, o adquirente do direito com base no qual foi celebrado o contrato sucede nos direitos e obrigações do locador, sem prejuízo das regras do registo (art. 1057° do C.C.), o que significa que o arrendamento não caduca. </font>
</p><p><font>6 - A disposição do art. 824° nº 2 do CC diz quais são as consequências da venda em execução, não diz que o direito ao arrendamento do prédio penhorado caduca pela sua venda em processo executivo, mesmo que o adquirente seja o exequente, garantido por hipoteca registada antes do arrendamento. </font>
</p><p><font>7 - A inoponibilidade do arrendamento à execução só existe se ele foi constituído depois da penhora (art. 819° do CC), não foi caso nos presentes autos, e não quando foi constituído depois da hipoteca mas antes da penhora, como foi aqui o caso.</font>
</p><p><font> 8 - Não obstante a caducidade do arrendamento, se o locatário se mantiver no gozo da coisa pelo lapso de um ano sem oposição do locador, o contrato considera-se renovado nas condições do art. 1054° do CC, pelo que, in casu, ainda que resistisse a tese da caducidade, ficou provado que os RR. se mantiveram no gozo do locado, não tendo a A. alegado nem provado - como lhe competia - que deduziu oposição aos contratos no ano subsequente à verificação da causa da eventual caducidade, pelo que se consideram renovados os contratos. </font>
</p><p><font>9 - Constitui abuso do direito a pretensão deduzida judicialmente pela A. em 2000, no sentido da condenação dos R.R. na desocupação e entrega do prédio, quando teve conhecimento da existência dos arrendamentos pelo menos em 1992, conformando-se com a prática dos actos dos arrendatários inerentes à normal exploração dos estabelecimentos instalados no edifício (fotografia, laboratório, discoteca e decoração), aí depositando mercadorias, recebendo clientes e fornecedores, pagando renda que é depositada em agência da AA..</font>
</p><p><font>10 - A A. incorre em abuso de direito e é portanto ilegítimo o seu exercício porquanto excede manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes e pelo fim social ou económico desse direito, já que não agiu com a diligência, zelo e lealdade correspondentes aos legítimos interesses da contraparte, não teve uma conduta diligente e conscienciosa, que obstasse à criação de legítimas expectativas por parte dos R.R. e ao prejuízo que advêm da inércia que se prolongou por mais de oito anos.</font>
</p><p><font>11 - Não obstante não ter sido suscitado o abuso de direito em 1ª instância pela Recorrente, este pode ser apreciado em sede de recurso, pois é de conhecimento oficioso quando está em causa um princípio de interesse e de ordem pública.</font>
</p><p><font>12 - Decidindo como decidiu - ou seja, confirmando a sentença recorrida e julgando improcedente a Apelação - o Tribunal a quo fez errada interpretação e aplicação da lei e do direito substantivo e adjectivo, violando o disposto nos artigos 8°, 9°, 10°, 334°, 824°, n° 2, 1022°, 1023°, 1051°, 1054° e 1056° do CC e artigos 264°, 265°, 268°, 467°, n° l, als. d) e e), 660°, 661° e 668° do CPC, devendo ser dado provimento ao recurso e tal decisão recorrida ser revogada, substituindo-se por outra que absolva a R. do pedido (na parte em que ainda o não foi).</font>
</p><p><font>Contra-alegou a recorrida em defesa da manutenção do acórdão impugnado.</font>
</p><p><font>II - </font><br>
<br>
<font>As instâncias deram como provada a seguinte factualidade:</font><br>
<br>
<font>1. A A. é proprietária do prédio urbano, constituído por uma casa de alvenaria e betão armado, composta de rés-do-chão, primeiro e segundo andares e logradouro, sito na Estrada Nacional número 230, no lugar da Califórnia, freguesia da Conceição, desta cidade, descrito na Conservatória do Registo Predial da Covilhã sob o número 34632, fls. 88 Livro H-91, inscrito na matriz predial urbana sob o art. 1.341.</font><br>
<font>2. Na Conservatória do Registo Predial o prédio encontra-se destinado à industria têxtil.</font><br>
<font>3. Tal prédio foi adquirido em arrematação em hasta pública por 40.500.000$00, no dia 25 de Março de 1992, no âmbito da Carta Precatória número 35/91, extraída do processo de execução fiscal número 4897/83, do antigo 7° Juízo do Tribunal Tributário de 1ª instância das Contribuições e Impostos de Lisboa em que foi exequente a A. e executados EE e mulher.</font><br>
<font>4. Para garantia de um empréstimo de 6.800.000$00, respectivos juros e despesas, os antigos proprietários do imóvel referido, constituíram sobre o mesmo uma hipoteca a favor da A. registada pela inscrição 10.041, do Livro C-17.</font><br>
<font>5. A A. intentou contra EE e mulher a acção executiva que correu antigo 7° juízo do Tribunal Tributário de 1ª instância de Lisboa, onde teve o n.° 4897/83.</font><br>
<font>6. Para citação dos executados, penhora e venda da garantia do empréstimo foi expedida para a Repartição de Finanças da Covilhã a Carta Precatória n° 35/91.</font><br>
<font>7. Como os executados não pagaram a dívida exequenda, a Repartição de Finanças da Covilhã procedeu à penhora do dito imóvel, em 20 de Março de 1984.</font>
</p><p><font>8. A penhora foi registada na Conservatória do Registo Predial da Covilhã em 26 de Março de 1984, através da inscrição 17.346 do Livro F-21.</font>
</p><p><font>9. O aludido BB e os antigos proprietários assinaram um documento particular que intitularam "contrato de arrendamento comercial", onde, no que aqui interessa, ficou consignado: </font>
</p><p><font>a) O arrendamento foi feito por 5 anos, com início em 1 de Março de 1984, com renovações sucessivas por iguais períodos; </font>
</p><p><font>b) A renda mensal foi de 20.000$00; </font>
</p><p><font>c) Foi paga, naquela data, adiantadamente as rendas de 5 anos;</font>
</p><p><font>d) Foi autorizada a sublocação da totalidade ou parte do edifício, com aviso prévio aos senhorios; </font>
</p><p><font>e) O arrendamento destinava-se a todos os ramos de negócio, designadamente a Laboratórios de Fotografia, Discoteca Pub, confecções e oficinas de máquina, à excepção de agência funerária.</font><br>
<font>10. Fizeram constar ainda que a data da celebração do contrato foi o dia 25 de Fevereiro de 1984.</font><br>
<font>11. Em 24 de Novembro de 1986, os antigos proprietários e o identificado BB celebraram um contrato de arrendamento, por escritura pública, no Cartório Notarial de Almeida, onde ficaram convencionadas, entre outras, as seguintes condições: </font><br>
<font>a) O prazo foi de cinco anos, com início em 1 de Março de 1984, supondo-se sucessivamente renovado por iguais períodos; </font><br>
<font>b) A renda mensal foi de 20.000$00 mês; </font><br>
<font>c) Foi dada quitação das rendas vincendas até 20 de Fevereiro de 1989;</font><br>
<font>d) Foi autorizada a sublocação total ou parcial do imóvel;</font><br>
<font>e) Foi autorizado que o arrendatário cobrasse do sublocatário valores superiores ao da renda, afastando, assim, o regime previsto no art. 1062° do CC;</font><br>
<font>f) O destino do locado ficou a ser o de fins fabris.</font><br>
<font>12. Por escritura outorgada no dia 21 de Janeiro de 1987, também no Cartório Notarial de Almeida, o BB fez um contrato de sublocação com CC e DD, ambos solteiros, maiores, em que se clausulou: </font><br>
<font>a) objecto da sublocação: 3° pavimento, correspondente ao rés-do-chão do imóvel descrito em A);</font><br>
<font>b) fim - fabris; </font><br>
<font>c) o valor da renda foi de 30.000$00 mensais, com efeitos a partir de 1 de Janeiro de 1987.</font><br>
<font>13. Na mesma escritura ficou igualmente consignado que a renda passaria para 100.000$00 logo que o espaço sublocado fosse trespassado.</font><br>
<font>14. Por escritura outorgada em 24 de Janeiro de 1989, no 14º Cartório Notarial de Lisboa, o identificado BB trespassou, pelo valor de 3.000.000$00, a CC o estabelecimento "constituído por laboratório de fotografia", instalado no prédio urbano aludido em A).</font><br>
<font>15. Após o aludido trespasse o CC passou a ocupar todo o prédio, já que o trespassante era também arrendatário de todo ele, porém, parte do imóvel mencionado, mais propriamente a 2ª cave, era ocupada pelo R. AA.</font><br>
<font>16. Por transacção judicial no processo de posse judicial avulsa que correu termos neste Tribunal com o nº 164/89, o referido AA e o BB acordaram que o objecto da sublocação era o piso inferior (23 cave) e o montante da renda mensal era de 30.000$00.</font><br>
<font>17. Por escritura celebrada no 17° Cartório Notarial de Lisboa, o CC Alves trespassou à 1ª R. o estabelecimento constituído por laboratório de fotografia instalado no prédio reivindicado, sendo a 1ª R. representada nessa escritura pelo antigo proprietário, o EE.</font><br>
<font>18. São actualmente ocupantes do prédio aludido, os ora RR., facto que o A. conhecia na data da arrematação aludida.</font><br>
<font>19. Os RR. foram notificados pela Repartição de Finanças da Covilhã, para o exercício do seu direito de preferência aquando da venda judicial por meio de propostas em carta fechada, na qual estiveram presentes. </font><br>
<font>20. Em Fevereiro de 1984, a renda, de mercado, mensal do prédio aludido em A) dos factos assentes, seria o equivalente a € 600.00.</font><br>
<font>21. Em Novembro de 1986, a renda, de mercado, mensal do prédio aludido em A) dos factos assentes, seria o equivalente a € 765.00.</font>
</p></font><p><font><font>22. Em 18 de Setembro de 1987, o antigo proprietário EE enviou à A. a carta junta a fls. 77 e 78 e na qual lhe propôs "a dação em pagamento" do imóvel aludido, bem como do descrito sob o n° 35.626.</font><br>
<font>23. Por contrato verbal o R. AA celebrou, em 1982, com o aludido EE um subarrendamento do 2° pavimento correspondente à 1.B cave, para o exercício de actividade de armazém.</font><br>
<font>24. O referido BB celebrou com o R. AA, no ano de 1987, um contrato de subarrendamento relativo ao 3° pavimento do prédio aludido em A), correspondente à 2.B cave, para o exercício da actividade de armazém, produzindo efeitos no dia 02.05, por um prazo de um ano, renovável por iguais períodos de tempo.</font><br>
<font>25. Tendo ainda acordado que o R. AA ocuparia uma pequena parte do 2° pavimento, correspondente à cave e pelo período de 6 meses.</font><br>
<font>26. O anterior proprietário autorizou o exercício de outros ramos de actividade no prédio aludido.</font><br>
<font>27. Aí tendo sido instalados, efectivamente, estabelecimentos de fotografia, laboratório, discoteca e decoração que aí têm desenvolvido a sua actividade desde há mais de 15 anos e até ao presente.</font><br>
<font>28. No qual deposita suas mercadorias relacionadas com a sua actividade comercial.</font><br>
<font>29. Aí recebendo clientes e fornecedores.</font><br>
<font>30. Pagando uma renda pelo facto de estar a ocupar tal pavimento na qualidade de subarrendatário.</font><br>
<font>31. A qual inclusive está a ser depositada na Empresa-A, agência da Covilhã.</font><br>
<font>32. No registo da hipoteca constituída a favor da A. e sobre o prédio supra referido consta como data da sua conversão em definitiva a data de 1 de Agosto de 1980.</font><br>
<font>III - </font><br>
<font>Quid iuris?</font><br>
<font>Delimitado o objecto dos recursos pelas respectivas conclusões (arts. 284º, nº 3 e 291º, nº 1 do CPC), eis-nos confrontados com as seguintes questões:</font><br>
<br>
<font>1ª - Da nulidade do acórdão.</font><br>
<br>
<font>O recorrente AA defendeu que o acórdão é nulo na medida em que confirmou a sentença da 1ª instância, sendo que esta não a podia ter condenado na entrega do locado por a mesma condenação extravasar os pedidos formulados pela A.-recorrida. E convocou, em apoio de tal posição, o preceituado na al. e) do nº 1 do art. 668º do CPC.</font><br>
<br>
<font>Segundo este preceito legal, a decisão é nula quando condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido (preceito aplicável aos acórdãos por força do nº1 do art. 716º do CPC).</font><br>
<br>
<font>Também a recorrente Empresa-B invocou a nulidade do acórdão, dizendo que "a sentença é nula na parte em que condena os RR. a verem reconhecida a caducidade dos contratos de arrendamento e, por via disso, na desocupação e entrega do prédio" (conclusões 1ª, 2º e 3ª, coincidentes com as 8ª, 6ª e 7ª apresentadas na apelação).</font><br>
<br>
<font>A argumentação de um e outra recorrentes é, ao cabo e ao resto, a mesma. E foi objecto de apreciação no acórdão recorrido.</font><br>
<font>Neste, porém, entendeu-se que a crítica dirigida ao julgado na 1ª instância se baseava na al. d) - e não na al. e), como defendeu o recorrente AA - do nº 1 do art. 668º do CPC.</font><br>
<font>Ora, o acórdão recorrido refutou a crítica, dizendo que o pedido de entrega do prédio livre e devoluto e que, atentos os factos dados como provados, outra solução não poderia ser tomada que não fosse a consagrada.</font><br>
<font>E não deixou de notar que a qualificação jurídica dos factos dados como provados é tarefa do Tribunal, como claramente resulta do art. 664º do CPC.</font><br>
<font>Que dizer de tudo isto?</font><br>
<font>Apenas e só que a razão não está do lado dos recorrentes. Entendemos que a decisão é a correcta.</font><br>
<font>Senão, vejamos.</font><br>
<font>Não houve qualquer condenação que a Empresa-A não tivesse pedido.</font><br>
<font>Esta pediu claramente a entrega do prédio reivindicado. Para tanto invocou várias razões: várias nulidades tornavam, a seu ver, insubsistente e ilegítima a ocupação do mesmo por parte dos RR.. </font><br>
<font>Só que as instâncias chegaram à conclusão que o pedido era o adequado face aos factos dados como provados através de uma argumentação diferente da que aquela apresentou. A ocupação dos RR. é injustificada por ter caducado o contrato de arrendamento celebrado entre os anteriores proprietários e BB por mor da compra do referido e por parte da A., em sede de venda executiva. Como consequência, todos os demais contratos realizados e apoiados naquele contrato deixaram de ter suporte legal. </font><br>
<font>Será isto motivo de nulidade de decisão?</font><br>
<font>Evidentemente que não.</font><br>
<font>Desde logo, o art. 664º do CPC textua que "o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito; mas só o pode servir-se dos factos articulados pelas partes, sem prejuízo do disposto no artigo 264º".</font><br>
<font>Como bem observa Lebre de Freitas, o "conhecimento oficioso da norma jurídica está dependente da introdução na causa dos factos aos quais o tribunal a aplica, devendo sempre distinguir-se o plano dos factos, em que vigora, mesmo em matéria de direito processual, o princípio dispositivo, e o plano do direito, em que a soberania pertence ao juiz, sem prejuízo ainda, no que ao direito material se refere, de o conhecimento oficioso se circunscrever ao domínio definido pelo objecto do processo" (in Código de Processo Civil Anotado, Volume 2º, pág. 658 e 659).</font><br>
<font>Perante os factos dados como provados - trazidos à acção pelas partes nos respectivos articulados -, o tribunal (ambas as instâncias, no caso) não teve dúvidas de, seguindo um iter diferente do apontado, chegar à conclusão que à A. assistia o direito de obter a entrega do prédio reivindicado.</font><br>
<font>Com efeito, a A. apresentou-se em juízo dizendo-se proprietária do prédio reivindicado e pediu a sua entrega com fundamento na falta de título justificativo dos RR. para a sua ocupação.</font><br>
<font>Justificou a ilicitude desta ocupação com vários argumentos: desde a nulidade do contrato, por falta de forma, celebrado entre os antigos proprietários do prédio e BB, como ainda por violação de lei imperativa no que tange ao fim dado ao prédio, até ao abuso de direito, como a ineficácia de contrato de arrendamento comercial por o mesmo ter sido celebrado posteriormente ao registo de penhora.</font><br>
<font>As instâncias, mui embora com argumentação não totalmente coincidente de uma em relação à outra, acabaram por concluir pela caducidade do contrato de arrendamento celebrado entre os anteriores proprietários e BB, na base do qual estavam os outros que suportavam a posição dos RR., e isto por virtude de este ter sido celebrado em data posterior à penhora e à hipoteca.</font><br>
<font>Ou seja, as instâncias, perante a factualidade dada como provada, acabaram por concluir pela ilegitimidade dos RR. na ocupação do prédio reivindicado, servindo-se, para tanto de uma argumentação jurídica bem diferente da que a A. apresentou na sua petição.</font><br>
<font>Acabaram, portanto, por concluir que tal ocupação não se justificava e basearam tal conclusão em argumentação jurídica diferente da que foi aprestada pela A.</font><br>
<font>Mas fizeram-no no uso dos seus poderes próprios de cognição: nenhuma nulidade foi cometida.</font><br>
<font>Isto mesmo está perfeitamente claro no aresto recorrido: "...não nos podemos esquecer de que o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito, embora apenas se podendo restringir aos factos articulados, como resulta do art. 664º do CPC, sendo manifesto que nem sequer os Recorrentes põem em causa o estrito respeito pelos factos alegados e que resultaram da discussão da causa como provados".</font><br>
<br>
<font>Saber se a decisão está certa ou não diz respeito à apreciação do fundo da causa.</font><br>
<font>É o que passaremos a fazer, à luz das críticas dirigidas ao acórdão impugnado.</font><br>
<br>
<font>2ª Questão - Da caducidade do contrato de arrendamento celebrado pelos anteriores proprietários.</font><br>
<font> </font><br>
<font>Como já tivemos oportunidade de dizer, as instâncias concluíram, com vista a darem à A. o beneplácito à pretensão de entrega do prédio, pela caducidade do contrato de arrendamento que os anteriores proprietários celebraram com BB.</font><br>
<font>Caduco este contrato, todos os outros que foram celebrados na sua sequência deixaram de ter subsistência.</font><br>
<font>Para o Mº juiz de Círculo da Covilhã, "todas as posições contratuais dos réus, baseadas em contratos de arrendamento, que têm por objecto o imóvel, todos eles, posteriores ao momento da conversão em definitivo do registo da hipoteca do imóvel, 1.8.1980, caducaram com a venda no processo de execução, a favor da autora, pelo que não tendo nenhum dos réus título válido que lhes permita estar na posse do imóvel, estão obrigados a entregá-lo à autora".</font><br>
<font>E isto porque, na sua óptica, de acordo com o art. 824º, nº 2 do CC e actual art. 888º do CPC, correspondente ao antigo 907º, um contrato de arrendamento válido celebrado caduca após a venda em processo executivo.</font><br>
<font>Já a Relação de Coimbra não aceitou de forma tão sossegada semelhante argumentação, mui embora se tenha, ab initio, inclinado para a solução encontrada.</font><br>
<font>Porém, entendeu seguir por outros caminhos para chegar à conclusão
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1.ª Secção (Cível)
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<b><font> </font></b><font><br>
<font> </font>
<p><font>ACORDAM OS JUÍZES QUE CONSTITUEM O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA</font><font>:</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>AA, residente na Rua …, Condomínio ..., casa B, ..., Gouveia, propôs a presente acção declarativa, com processo comum, sob a forma ordinária, contra BB, residente na Avª ..., …, …, Gouveia, pedindo que, na sua procedência, seja proferida sentença que, por força da execução específica do contrato-promessa ajuizado, declare a autora e condene o réu a reconhecê-la como dona e legítima possuidora do imóvel identificado, condenando-se ainda o réu a pagar à autora a quantia que se vier a apurar ser suficiente para cancelar, junto da Caixa Geral de Depósitos, SA, a hipoteca que incide sobre esse prédio.</font>
</p><p><font>A título subsidiário, a autora pede a condenação do réu no pagamento da quantia de €146.646,58, correspondente ao dobro do sinal ou preço que recebeu com a retenção em seu poder das comissões devidas à autora, ou, para a hipótese de se considerar nulo o contrato-promessa, a condenação do réu no pagamento da quantia de €73.323,29 e juros, à taxa de 4%, desde 30 de Setembro de 2003, acrescidos de €18.335,81, referentes ao valor de comissões não pagas, nem imputadas no preço do contrato-promessa, conferindo-se à autora o direito de retenção sobre imóvel, enquanto essa quantia não for, integralmente, liquidada.</font>
</p><p><font>Alegou a autora, em síntese, com vista a alcançar a finalidade pretendida com a acção, que, por contrato escrito, datado de 30 de Junho de 2002, o réu prometeu vender à autora, que, por seu turno, prometeu comprar aquele, a fracção … de um prédio urbano, integrada em parte da área de um condomínio, não tendo as assinaturas apostas pelos signatários desse contrato sido reconhecidas, presencialmente, porque o réu prescindiu dessa formalidade, invocando não haver necessidade do seu cumprimento, sendo certo, também, que não foi feita menção à licença de utilização, na medida em que o réu ainda a não tinha conseguido obter, acordando-se, porém, que a escritura definitiva deveria ter lugar, até 30 de Agosto de 2003, mas sem se estipular a qual dos dois outorgantes caberia a sua marcação.</font>
</p><p><font>O réu, uns dias antes do final de Agosto de 2003, veio dizer que não faria a escritura, pelo que a autora lhe fixou um prazo admonitório ou suplementar de 30 dias, para o efeito, comunicando-lhe que a tinha marcado para 30 de Setembro de 2003, não obstante aquele não ter comparecido, nem haver justificado a ausência, assim incumprindo, culposamente, o contrato, no qual se havia consignado que a venda seria feita, livre de ónus ou encargos.</font>
</p><p><font>Por outro lado, continua a autora, no contrato-promessa, não foi fixado qualquer sinal, a pagar pela autora, uma vez que o réu tinha consigo 50% das comissões àquela devidas, no âmbito de um contrato de agência que haviam celebrado, pois que este contratou a autora como promotora de vendas das moradias construídas no condomínio, tendo a mesma direito a uma comissão de 5% ou de 2,5%, consoante a venda fosse feita, através da autora ou por outras agências, e ainda a metade da diferença entre o preço pretendido pelo réu e o preço efectivo da venda ao cliente, com excepção da moradia prometida à autora e de uma outra prometida a uma filha do réu, tendo a autora angariado compradores para as restantes moradias, pelo que, a título de comissões e de «overprice», o réu teria de lhe pagar €115.746,05, sendo certo que apenas efectuou entregas que totalizaram €24.086,95.</font>
</p><p><font>Conclui a autora que, a considerar-se que o montante retido pelo réu constitui sinal do contrato-promessa, compete a este dobrar a quantia correspondente ao preço de venda acordado, perfazendo €146.646,58, e a considerar-se nulo o contrato-promessa, por omissão de formalidades imputáveis à autora, esta tem o direito à restituição do que prestou, isto é, ao montante das comissões e a outros valores, até perfazer o preço da venda prometida realizar, acrescido de juros, desde a data do incumprimento definitivo.</font>
</p><p><font>Na contestação, o réu alega que não fala, não lê, nem escreve português, tendo assinado todos os contratos sem nunca os ler, desconhecendo as exigências legais, tais como o reconhecimento presencial das assinaturas e a certificação notarial da existência de licença de utilização, e ainda que a autora não está, legalmente, habilitada a exercer a mediação imobiliária, elaborar contratos-promessa e preparar escrituras de compra e venda, sendo certo que, por outro lado, esta concordou em receber uma comissão de 5% ou 2,5%, consoante fizesse a venda ou a mesma fosse realizada por terceiros, sobre o preço da tabela, e ainda em não receber qualquer comissão nas vendas efectuadas, exclusivamente, pelo réu, não constando do contrato esta última condição, porque a autora disse ao réu que tal era desnecessário, tendo, igualmente, acordado que os preços de tabela de venda seriam revistos, à medida que as casas fossem construídas, sendo as comissões calculadas em relação a esses preços e deduzidas no «overprice».</font>
</p><p><font>A isto acresce, conforme ficou, contratualmente, estipulado, que o réu reteve, a título de sinal, metade das comissões que acordou pagar à autora, pelo que só esse valor poderia ser considerado como sinal, impugnando, também, a alegada recusa em efectuar a escritura, em Setembro de 2003, o que apenas aconteceu, em virtude de ainda se encontrar em falta parte do preço da venda, e que pagou à autora €26.132,37, sendo certo que, até àquela data, esta apenas tinha direito a comissões, no montante de €46.687,63.</font>
</p><p><font>O réu pediu ainda a condenação da autora, em multa e indemnização, como litigante de má-fé, e, em sede reconvencional, solicitou a declaração de nulidade dos contratos, mencionados nos artigos 1º e 29º, da petição inicial [a], ou, a considerarem-se os mesmos válidos, a condenação da autora a reconhecer que o valor do sinal prestado equivale a metade das comissões apuradas, com referência à actividade por si prestada, até 30 de Setembro de 2003 [b], a condenação da autora pelo incumprimento culposo do contrato-promessa, com a consequente perda do sinal [c], mas, em qualquer caso, a condenação da autora em indemnização, pela ocupação e utilização que fez da casa objecto do contrato prometido, desde 30 de Junho de 2002 e até efectiva desocupação e entrega ao réu, computada em €250,00, por cada mês de ocupação, somando, até à data, a quantia de €9 500,00 [d].</font>
</p><p><font>Na réplica, a autora alega que o réu entende tudo o que lhe dizem e que discute, pormenorizadamente, qualquer cláusula, acordo ou negócio que lhe proponham, que nunca se recusou a celebrar a escritura, que nada deve ao réu e sempre ocupou a casa, sem oposição ou pedido de desocupação da mesma, impugnando a restante matéria de facto alegada pelo réu, referindo ainda que este confessou, extrajudicialmente, que já recebeu o preço do imóvel prometido vender, dando ainda o consentimento à sua ocupação, e concluiu pela improcedência deste pedido de desocupação, solicitando a condenação do réu como litigante de má-fé.</font>
</p><p><font>Na tréplica, o réu alega que não assinou a declaração de quitação que constitui a confissão invocada pela autora, mantendo o alegado na contestação e conclui pela impugnação da genuinidade e autenticidade do documento.</font>
</p><p><font>Foi admitida a ampliação do pedido descrito na alínea c), para o montante de €86.713,29, acrescido das restantes quantias aí referidas.</font>
</p><p><font>O réu foi, entretanto, declarado insolvente, por sentença transitada em julgado, vindo o respectivo administrador a intervir no processo, e passando a figurar, na qualidade de ré, a massa insolvente de BB.</font>
</p><p><font>A sentença indeferiu o pedido de extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide [I] e, na total improcedência da acção, absolveu a ré massa insolvente de BB de todos os pedidos formulados pela autora AA [II].</font>
</p><p><font>Por seu turno, na parcial procedência da reconvenção, a sentença declarou a nulidade do contrato de mediação imobiliária outorgado entre a autora AA e o insolvente BB, condenando a autora a restituir à ré massa insolvente de BB a quantia de €26132,00 (vinte e seis mil cento e trinta dois euros) [III. i.], e condenando a autora a desocupar o imóvel que vem ocupando [III. ii.], mas absolveu a autora dos restantes pedidos deduzidos pela ré [IV] e julgou não verificada a litigância de má-fé da autora e ré [V].</font>
</p><p><font>Desta sentença, a autora interpôs recurso, pedindo, na parte final das alegações, que, alterando-se a decisão recorrida, no sentido de ser concedido o direito de execução específica ou, subsidiariamente, ser considerado que tem carácter de sinal a quantia entregue ou retida, a título de comissão, e, deste modo, ser a autora ainda absolvida do pedido reconvencional, tendo o Tribunal da Relação julgado, parcialmente, procedente a apelação, e, em consequência, revogou a sentença recorrida, na parte em que esta condena a autora «a restituir à ré massa insolvente de BB a quantia de €26.132,00», mantendo, porém, a douta decisão recorrida, em toda a sua parte restante.</font>
</p><p><font>Do acórdão da Relação de Coimbra, a autora interpôs agora recurso de revista, terminando as alegações com o pedido da sua alteração, no sentido de ser decretada a nulidade de acórdão, conhecendo-se das questões em recurso, e de ser concedido o direito de execução específica, formulando as seguintes conclusões, que se transcrevem, na totalidade:</font>
</p><p><font>1ª – Os efeitos da resolução imprópria, que opera ispo iure,</font><b><font> </font></b><font>sem necessidade de qualquer declaração.</font>
</p><p><font>2ª - Não havendo que decretar resolução relativa a contrato promessa, também a intimação da carta admonitória não tem que conter os elementos a que se refere o Acórdão da Relação.</font>
</p><p><font>3ª - Existe nulidade de acórdão, que conheceu de objecto diverso, pronunciando-se sobre a existência de questão que não havia sido recorrida na 1ª instância, que decidira que o incumprimento era do insolvente.</font>
</p><p><font>4ª - Declarado judicialmente o incumprimento culposo do promitente vendedor já não pode o administrador da massa declarar que não quer cumprir, dado que o incumprimento gerou imediatamente os efeitos da resolução imprópria, limitando-se o tribunal a concretizar os efeitos que decorrem da lei - no caso substituir apenas a declaração do faltoso.</font>
</p><p><font>5ª - A norma do artigo 106º do CIRE apenas visa regular as situações em que ainda não há esse incumprimento definitivo culposo, onde também ainda se pode recorrer à execução específica (sendo que o STJ, Ac. 21.01.2003, ao contrário de Calvão da Silva, admite essa mesmo em caso de mora).</font>
</p><p><font>6ª - Ou seja, deve ler-se tal norma apenas para os casos em que ainda não procedeu resolução, própria ou imprópria, e essencialmente onde ainda não decorreu uma situação de incumprimento culposo definitivo.</font>
</p><p><font>7ª - A alteração legislativa enunciada no preâmbulo do CIRE (“Poucas são as soluções que se mantiveram inalteradas neste domínio” e “deverá tratar-se de contrato em que, à data da declaração de insolvência, não haja ainda total cumprimento tanto pelo insolvente como pela outra parte”) dão-nos a exegese interpretativa de tal preceito.</font>
</p><p><font>8ª - Tal interpretação está de acordo com a potestividade da entrega do imóvel, que é afinal aquilo que se exige na acção de execução específica, adequando-se ao direito de retenção.</font>
</p><p><font>9ª - Deste modo, deve alterar-se a douta decisão no sentido de conceder o direito de execução específica do contrato.</font>
</p><p><font>10ª - Deve improceder a condenação na entrega da casa, que nem sequer foi peticionada na reconvenção, constituindo tal conhecimento nulidade da douta sentença (artigo 668 n° 1 al. d) do CPC).</font>
</p><p><font>11ª - Foram violadas as disposições dos artigos 106 do CIRE, 755 n° 1 alínea f do CC.</font>
</p><p><font>Não foram apresentadas contra-alegações.</font>
</p><p><font>O Tribunal da Relação entendeu que se devem considerar demonstrados os seguintes factos, que este Supremo Tribunal de Justiça aceita, nos termos das disposições combinadas dos artigos 722º, nº 2 e 729º, nº 2, do Código de Processo Civil (CPC), mas reproduz, acrescentando-se, porém, um novo facto, sob o nº 38, com base no teor de documentos e bem assim como no disposto pelos artigos 369º, nº 1 e 372º, do Código Civil, 659º, nº 3, 713º, nº 2 e 726º, do CPC:</font>
</p><p><font>1. Por acordo reduzido a escrito, celebrado em 30 de Junho de 2002 (e não 30 de Junho de 2001 como consta do mesmo), BB prometeu vender à autora, “livre de quaisquer ónus ou encargos”, e esta prometeu comprar-lhe o prédio formado por “fracção B composta de rés-do-chão e 1º andar com arrumos, aos quais foi atribuído o nº 2, destinado à habitação, constituída por sala, dois quartos, três casas de banho e cozinha equipada” [alínea A)].</font>
</p><p><font>2. Refere-se na cláusula 1ª do contrato, que a aludida fracção faz parte de um condomínio resultante de uma operação urbanística a que foram sujeitos os prédios descritos na Conservatória do Registo Predial de Gouveia, sob os nºs … e … [alínea B)].</font>
</p><p><font>3. Os aludidos prédios, que pertenciam a BB, e que se situam na freguesia de ..., foram anexados e deram lugar ao prédio misto descrito sob o nº … [alínea C)].</font>
</p><p><font>4. Através da apresentação 02/171201, foi depois desanexado dessa descrição o prédio descrito sob o nº …, onde, por sua vez, foi reconstruído um edifício, constituído por seis moradias, integrado pelas fracções autónomas “A”, “B”, “C”, “D”, “E” e “F” [alínea D)].</font>
</p><p><font>5. Consta da cláusula 3ª do acordo, aludido em 1, que «o pagamento será efectuado pela já retenção de 50% do total das comissões em dívida à segunda outorgante da 1ª fase já concluída em Maio de 2002 e 50% do total das comissões em poder do primeiro outorgante, no acto das escrituras das primeiras oito fracções da segunda fase do projecto» [alínea E)].</font>
</p><p><font>6. Acordaram as partes que a autora não tinha de entregar a BB qualquer quantia, a título de sinal, dado que este já tinha consigo 50% das comissões devidas à autora, no âmbito de um denominado contrato de agência que haviam celebrado [alínea F)].</font>
</p><p><font>7. O preço acordado pela autora e BB foi de PTE 14.700.000$00/€73.323,29 [alínea G)].</font>
</p><p><font>8. Acordaram as partes que a escritura se realizaria, até 30 de Agosto de 2003 [alínea H)].</font>
</p><p><font>9. A autora remeteu a BB, em 30 de Agosto de 2003, uma carta registada com a comunicação de que tinha acabado de marcar a escritura, no Cartório Notarial de Gouveia, para 30 de Setembro de 2003 [alínea I)].</font>
</p><p><font>10. BB não compareceu, no Cartório Notarial de Gouveia, no dia 30 de Setembro, encontrando-se no aludido Cartório alguma documentação para a realização da escritura de compra e venda marcada [alínea J)].</font>
</p><p><font>11. Encontra-se registada hipoteca, a favor da “Caixa Geral de Depósitos, S.A.”, sobre o imóvel objecto do contrato-promessa [alínea K)].</font>
</p><p><font>12. BB contratou a autora como “promotora de vendas” de todas as moradias construídas no aludido Condomínio da Estrela, por contrato celebrado por escrito, em 26 de Outubro de 2000 [alínea L)].</font>
</p><p><font>13. Ficou acordado que a autora receberia uma comissão de 5% sobre o valor fixado por BB para cada moradia, caso a venda fosse feita através da autora, uma comissão de 2,5% se essa venda se efectuasse através de outras agências, e metade da diferença entre o preço pretendido por BB e o preço efectivo da venda ao cliente (o chamado overprice) [alínea M)].</font>
</p><p><font>14. Para além de outras moradias projectadas, BB reconstruiu seis e edificou outras oito de raiz [alínea N)].</font>
</p><p><font>15. As seis moradias de raiz baptizou-as de A… (3 delas), C… (2 delas), C…, C… e E…, e as restantes (as reconstruídas) numerou de 1 a 5 e chamou W… a uma outra [alínea O)].</font>
</p><p><font>16. Por conta das aludidas comissões, BB fez entregas à autora, entre 19 de Novembro de 2000 e 1 de Junho de 2002, que totalizam, pelo menos, PTE 4.829.000$00/€ 24.086,95 [alínea P)].</font>
</p><p><font>17. A diferença até ao pagamento integral do preço do acordo, referido em 1, seria satisfeita pela retenção, por parte de BB, de outras comissões devidas à autora pela sua mediação imobiliária numa segunda fase do projecto que aquele desenvolvera [1º].</font>
</p><p><font>18. As assinaturas que as partes colocaram no aludido acordo não foram reconhecidas, presencialmente [2º].</font>
</p><p><font>19. Não foi feita menção à licença de utilização do prédio, porque BB ainda não tinha conseguido obtê-la [3º].</font>
</p><p><font>20. Em virtude de BB não querer celebrar a escritura pública, até ao dia estipulado no acordo (30 de Agosto de 2003), a autora fixou-lhe um prazo de mais 30 dias [5º].</font>
</p><p><font>21. Os preços mínimos que BB queria receber, por cada um dos imóveis aludidos em 15, eram os seguintes: i. A... 1 (hoje, conhecido por lote 4.5) – PTE 21.000.000$00; ii. A... 2 (hoje, conhecido por lote 4.4) – PTE 21.000.000$00; iii. A... 3 (hoje, conhecido por lote 4.3) – PTE 21.000.000$00; iv. C... 1 (hoje, conhecido por lote 4.2) – PTE 21.500.000$00; v. C... 2 (hoje, conhecido por lote 4.1) – PTE 21.500.000$00; vi. C... (hoje, conhecido por lote 3.3) – PTE 16.500.000$00; vii. C... (hoje, conhecido por lote 3.2) – PTE 14.000.000$00; viii. E... (hoje, conhecido por lote 3.1) – PTE 14.000.000$00; ix. Moradia 1 – PTE 16.000.000$00; x. Moradia 2 – PTE 14.700.000$00; xi. Moradia 3 – PTE 20.500.000$00; xii. Moradia 4 – PTE 14.500.000$00; xiii. Moradia 5 – PTE 17.500.000$00; e xiv. W… ou A… – PTE 16.000 000$00 [7º].</font>
</p><p><font>22. As moradias, aludidas em 15, foram vendidas pelos preços seguintes: i. A... 1 – PTE 22.000.000$00; ii. A... 2 – PTE 25.000.000$00; iii. C... 1 – PTE 25.000.000$00; iv. C... 2 – PTE 24.000.000$00; v. C... – PTE 17.500.000$00; vi. C... – PTE 16.000.000$00; vii. E... – PTE 14.500.000$00 [8º].</font>
</p><p><font>23. À excepção de duas moradias, uma prometida à autora, a moradia 2, e a outra a uma filha de BB (uma das denominadas A...), a autora arranjou compradores para as moradias, referidas em 22, pelo que, considerando as comissões devidas e o «overprice»</font><i><font> </font></i><font>conseguido, BB deveria pagar à autora €105.059,120 de capital (a que acrescem €7.003,94 de juros) [9º].</font>
</p><p><font>24. BB fala, apenas, algumas palavras em português, língua que nem lê, nem escreve [10º].</font>
</p><p><font>25. A autora, por vezes, traduzia, oralmente, para BB alguns documentos que lhe dava para assinar [11º].</font>
</p><p><font>26. BB assinou os contratos-promessa de venda das suas casas, como o aludido contrato, redigidos em língua portuguesa, língua que não lê [12º].</font>
</p><p><font>27. A autora não era agente imobiliária, legalmente, habilitada para exercer mediação imobiliária, fazer contratos-promessa e preparar escrituras de compra e venda (confissão), e BB aceitou remunerar a sua actividade, através de comissões e partilha do chamado «overprice» [14º].</font>
</p><p><font>28. Por contrato escrito, datado de 26 de Outubro de 2000, a autora e BB declararam: «Entre BB, proprietário do condomínio fechado, Vistas da …, e AA, promotora de vendas do mesmo, celebrou-se o seguinte acordo: </font>
</p><p><font>- Toda a construção é dada, para venda, em exclusivo, a AA;</font>
</p><p><font>- Sempre que se realize uma venda, através da promotora, esta recebe 5%. No caso da venda se efectuar, através de outras agências, a promotora receberá, apenas, 2,5%;</font>
</p><p><font>- No caso de existir overprice, esse valor será dividido pelo construtor e pela promotora, na percentagem de 50% para cada um, depois de retirados os 5% do valor inicial; (sublinhado corresponde à inscrição manuscrita);</font>
</p><p><font>- Sempre que o construtor alterar os preços tem de comunicar à promotora e esta fará o mesmo, no caso de venda;</font>
</p><p><font>- É por conta da promotora toda a divulgação, publicidade e acompanhamento dos clientes ao local do condomínio» [15º].</font>
</p><p><font>29. A 8ª casa da tabela (E...) foi a primeira a ser vendida, pelo preço de PTE 14.500.000$00 [27º].</font>
</p><p><font>30. As comissões devidas por BB resultaram dos seguintes negócios: i. Em 27 de Outubro de 2000, BB prometeu vender a CC a casa designada por E... – bungalow, pelo preço de PTE 14.500.000$00/€ 72.326,00; ii. Em 17 de Março de 2001, BB prometeu vender a DD a casa designada por C..., pelo preço de PTE 17.500.000$00/€ 87.290,00; iii. Em 10 de Abril de 2001, BB prometeu vender a EE a casa designada pelo nº 12, pelo preço de PTE 18.000.000$00/€ 89.784,00; iv. Em 30 de Abril de 2001, BB prometeu vender a FF a casa designada por C... – bungalow, pelo preço de PTE 16.000.000$00/€ 79.808,00; v. Em 10 de Maio de 2001, BB prometeu vender a GG a casa designada por Apartamento 1, pelo preço de PTE 18.500.000$00/€ 92.278,00; vi. Em 30 de Junho de 2001, BB prometeu vender a HH a casa designada por Apartamento 6, pelo preço de PTE 18.000.000$00/€ 89.784,00; vii. Em 18 de Julho de 2001, BB prometeu vender a II a casa designada por 3.1, pelo preço de PTE 23.500.000$00/€ 117.218,00; viii. Em 11 de Julho de 2001, BB prometeu vender a JJ a casa designada por A..., pelo preço de PTE 22.000.000$00/€ 109.736,00; ix. Em 23 de Julho de 2001, BB prometeu vender a KK a casa designada por C..., pelo preço de PTE 24.000.000$00/€119.711,00; x. Em 3 de Setembro de 2001, BB prometeu vender a LL... a casa designada por 1.2, pelo preço de PTE 22.000.000$00/€ 109.736,00; xi. Em 15 de Fevereiro de 2002, BB prometeu vender a MM a casa designada por C... nº 5, pelo preço de €124.700,00 [36º].</font>
</p><p><font>31. A autora recebeu, até Setembro de 2003, a quantia de, aproximadamente, €26.132,00 [40º].</font>
</p><p><font>32. No dia 30 de Setembro de 2003, às 17 horas, a autora e BB foram juntos para uma reunião, na Câmara Municipal de Gouveia [41º].</font>
</p><p><font>33. A autora utiliza a casa objecto do aludido acordo, desde Junho de 2002 [42º].</font>
</p><p><font>34. A autora reclamou, na insolvência de BB, a quantia de €112.063,04, correspondente a €105.059,10 de capital e €7.003,94 de juros, referentes a comissões de vendas (folhas 656 a 661).</font>
</p><p><font>35. Tal crédito foi integrado na relação de créditos reclamados, a que se refere o n.º 1, do artigo 129º, do CIRE, apresentada pelo Administrador da Insolvência (folhas 658), tendo sido reconhecido e graduado, na sentença proferida pelo Tribunal de Gouveia, em 28 de Julho de 2008 (folhas 672 dos autos).</font>
</p><p><font>36. A ora recorrente, já depois de reconhecido o seu crédito e de expirado o prazo de reclamações, requereu, no processo de insolvência, o reconhecimento do seu alegado direito de retenção sobre a casa em discussão nestes autos, tendo sido determinado o desentranhamento do referido requerimento (folhas 664), decisão confirmada por esta Relação (folhas 676) e pelo STJ (folhas 686).</font>
</p><p><font>37. A presente acção deu entrada em juízo, no dia 9 de Junho de 2005, o réu foi citado para os seus termos, no dia 14 de Junho de 2005 e a sentença que declarou a insolvência do réu BB foi proferida, a 8 de Janeiro de 2008, tendo transitado em julgado – Documentos de folhas 2, 41 e 415, respectivamente.</font>
</p><p>
</p><p><font>Tudo visto e analisado, ponderadas as provas existentes, atento o Direito aplicável, cumpre, finalmente, decidir.</font>
</p><p><font>As questões a decidir, na presente revista, em função das quais se fixa o objecto do recurso, considerando que o «thema decidendum» do mesmo é estabelecido pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, com base no preceituado pelas disposições conjugadas dos artigos 660º, nº 2, 661º, 664º, 684º, nº 3, 690º e 726º, todos do CPC, são as seguintes:</font>
</p><p><font>I – A questão da dupla nulidade do acórdão.</font>
</p><p><font>II – A questão do direito à execução específica do contrato-promessa de compra e venda de imóvel, no caso de declaração de insolvência do promitente vendedor.</font>
</p><p><font> </font><br>
<font> I. DA NULIDADE DO ACÓRDÃO</font><br>
<font> </font>
</p><p><font>I. 1. Sustenta, desde logo, a autora que o acórdão é nulo, por ter conhecido de objecto diverso do pedido, pronunciando-se sobre a existência de questão que não havia sido recorrida na 1ª instância, ou seja, ao decidir que o incumprimento era do insolvente, mas, também, que é nulo, por ter confirmado a sentença, na parte em que esta, sem tal ter sido peticionado pelo réu, em sede reconvencional, decidiu condená-la na entrega da casa.</font>
</p><p><font>A sentença, conforme consta do antecedente relatório, absolveu a ré massa insolvente de BB de todos os pedidos formulados pela autora, mas, na parcial procedência da reconvenção, condenou a autora a desocupar o imóvel que vem ocupando.</font>
</p><p><font>Conhecendo do segmento da reconvenção em que o réu pedia a condenação da autora pelo incumprimento culposo do contrato promessa, com a consequente perda desse mesmo sinal, a sentença, considerando, por um lado, que, em virtude de a autora ter remetido ao insolvente uma carta registada com a comunicação de que tinha acabado de marcar a escritura, no Cartório Notarial de Gouveia, para 30 de Setembro de 2003, não tendo, contudo, este comparecido, e que, por outro, havia sido acordada a venda do imóvel, livre de quaisquer ónus ou encargos, quando sobre o mesmo impendia uma hipoteca, entendeu que ambas as situações consubstanciam um incumprimento culposo imputável ao insolvente.</font>
</p><p><font>Porém, o acórdão recorrido, sem que a autora tenha questionado a tese da sentença sobre o incumprimento culposo do contrato promessa imputável ao insolvente, ou o réu, que dela nem sequer apelou, entendeu, não obstante, que a autora “não logrou provar a conversão do incumprimento temporário (mora) em incumprimento definitivo”, confirmando o decidido pelo Tribunal de 1ª instância, quanto à condenação da autora a restituir ao réu a fracção objecto da promessa.</font>
</p><p><font>Dispõe o artigo 668º, nº 1, d), aplicável aos acórdãos da Relação, por força do preceituado no artigo 716º, nº 1, ambos do CPC, que “é nula a sentença quando o juiz…conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.</font>
</p><p><font>Efectivamente, existe uma situação de pronúncia indevida quando o Tribunal se ocupa de uma questão que as partes não tenham suscitado, a menos que a lei o permita ou imponha o conhecimento oficioso, na sequência do estipulado pelo artigo 660º, nº 2, parte final, do CPC.</font>
</p><p><font>Porém, não se verifica a nulidade proveniente de pronúncia indevida quando o tribunal conhece de questão indispensável para a solução do litígio, ainda que não levantada pelas partes</font><a><u><sup><font>[1]</font></sup></u></a><font>.</font>
</p><p><font>Na hipótese em apreço, o acórdão recorrido não conheceu de questão que não podia apreciar, tendo-se limitado a confirmar o decidido pela sentença, quanto à condenação da autora a restituir ao réu a fracção objecto da promessa, muito embora com base em fundamentação jurídica distinta da adoptada pela 1ª instância, mas que não implicou qualquer alteração da causa de pedir.</font>
</p><p><font>Na verdade, não se encontrando o Tribunal sujeito às alegações das partes, no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito, por força do princípio do «iura novit curia», consagrado pelo artigo 664º, do CPC, as premissas da decisão não adquirem, por via de regra, força de caso julgado, quando não constituem antecedente lógico, necessário e imprescindível, da decisão final, como acontece quando a mesma decisão que condena a autora a restituir ao réu a fracção objecto da promessa se fundamenta não em incumprimento culposo imputável a este último, mas antes em incumprimento temporário ou mora do mesmo réu, o que não contende, manifestamente, com o núcleo essencial dos factos constitutivos ou das ocorrências da vida real constitutivas do direito do réu-reconvinte.</font>
</p><p><font>Consistindo o pedido principal formulado na acção, na execução específica do contrato-promessa, com fundamento no incumprimento culposo, e podendo este revestir as modalidades de incumprimento definitivo, da mora e do cumprimento defeituoso ou imperfeito, o dispositivo de ambas as decisões operou com o mesmo pedido e idêntica causa de pedir, apenas, em cada uma delas, se tendo adoptado uma fundamentação distinta. </font>
</p><p><font>Assim sendo, não ocorre a nulidade do acórdão, por pronúncia indevida.</font>
</p><p><font>I. 2. Alega, igualmente, a autora que o acórdão é nulo, por ter confirmado a sentença, na parte em que esta, sem tal ter sido peticionado pelo réu, em sede reconvencional, decidiu condená-la na entrega da casa.</font>
</p><p><font>O réu, em sede de reconvenção, pediu, além do mais, a condenação da autora-reconvinda no pagamento de uma indemnização pela ocupação e utilização que fez da casa objecto do contrato prometido, desde 30 de Junho de 2002 até efectiva desocupação e entrega ao réu, computada em €250,00, por cada mês de ocupação, somando, até à data, a quantia de €9 500,00.</font>
</p><p><font>Assim sendo, o réu não pediu a desocupação e entrega do prédio e bem assim como o pagamento de uma indemnização pela ocupação e utilização que a autora fez da casa objecto do contrato prometido, desde 30 de Junho de 2002 e até efectiva desocupação e entrega ao réu, mas, tão-só, repita-se, o pagamento de uma indemnização pela ocupação e utilização que a autora fez da casa objecto do contrato prometido, desde 30 de Junho de 2002 e até efectiva desocupação e entrega ao réu, computada em €250,00, por cada mês de ocupação.</font>
</p><p><font>Porém, a sentença, bem assim como o acórdão recorrido que, nesta parte, a confirmou, na parcial procedência da reconvenção, condenaram a autora a desocupar o imóvel que vem ocupando.</font>
</p><p><font>Ora, se o reconhecimento do direito de propriedade pode ser considerado como um pedido implícito, face ao pedido de restituição ou entrega da coisa</font><a><u><sup><font>[2]</font></sup></u></a><font>, tal já não acontece com o pedido de desocupação e entrega do prédio, face ao pedido de pagamento de indemnização pela ocupação e utilização da coisa, até efectiva desocupação e entrega da mesma ao réu.</font>
</p><p><font> Com efeito, não é admissível considerar subentendido o pedido de restituição que, por sua natureza, deve ser explícito, com base na formulação do pedido de pagamento da indemnização pela ocupação e utilização da coisa, até efectiva desocupação e entrega da mesma à respectiva parte reclamante</font><a><u><sup><font>[3]</font></sup></u></a><font>.</font>
</p><p><font> Como elemento identificador da acção, o pedido consiste, segundo a definição dada pelo artigo 498º, nº 3, na concretização do efeito jurídico que se pretende obter com a mesma, conforme se prevê nas várias alíneas do nº 2, do artigo 4º, em função do qual se fixam os limites da condenação, porquanto a sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objecto diverso do que se pedir, nos termos do estipulado pelo artigo 668º, nº 1, e), todos do CPC, representando, portanto, o pedido o círculo fechado dentro do qual o Tribunal se tem de mover para definir a solução do conflito de interesses que é chamado a dirimir.</font>
</p><p><font> Não pode, por isso, o Tribunal ultrapassar a tutela jurisdicional pretendida pela parte, até porque existem diversos tipos de acções, consoante o direito invocado e a providência jurisdicional requerida</font><a><u><sup><font>[4]</font></sup></u></a><font>, sob pena de exceder o limite imposto por lei ao seu dever de condenar, com infracção do princípio do dispositivo, que impõe à parte circunscrever a questão a decidir.</font>
</p><p><font> De todo o modo, inexistindo pedido explícito do réu quanto à restituição da fracção pred
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azLAu4YBgYBz1XKvJTzr
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1.ª Secção (Cível)
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<b><font> </font></b><font><br>
<br>
<font> Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font><br>
<br>
<font>1. - AA intentou acção declarativa contra BB pedindo a condenação deste a pagar-lhe a indemnização de € 25.000,00, acrescida de juros desde a data da citação.</font><br>
<font>Fundamentando a pretensão, a A. alegou, resumidamente, ter recorrido aos serviços médicos, de obstetrícia, do R., que veio a assisti-la num parto em que a placenta não saiu totalmente, facto de que o R. se apercebeu e alertou a A.. Posteriormente, tendo a A. sofrido uma hemorragia, o R. fez internar a A., efectuou uma raspagem e deu-lhe alta de seguida, sem qualquer medicação. No dia seguinte, a A. teve nova hemorragia e recorreu a um Hospital onde lhe foi diagnosticada anemia e grave infecção no útero, que teve de ser eliminada antes de efectuar nova raspagem, com novo internamento. Sofreu a A. doença por 73 dias e perigo para a vida, por o R. ter omitido o “dever efectuar todas as diligências necessárias para averiguar se existiam ou não, restos de placenta no útero da A.”, despesas, temor dos internamentos e afectação psicológica, que valoriza no quantitativo peticionado. </font><br>
<br>
<font>Contestando, o R. alegou ter a A. uma placenta </font><i><font>acreta</font></i><font>, que impõe que se aguarde a sua expulsão ou, quanto necessária a realização de curetagem, como o R. fez. Após esta intervenção, a A. nem sequer o contactou, sendo certo que tinha apenas uma ligeira anemia, sem qualquer infecção</font><br>
<br>
<font>Foi requerida e admitida, como acessória, a intervenção principal da Seguradora “Axa, S.A.”, que fez sua a contestação do seu Segurado.</font><br>
<br>
<font>A final a acção improcedeu, decisão que a Relação revogou para, na parcial procedência da acção, “condenar os réus, solidariamente, a pagar à autora a quantia de €12.854,27” acrescida de juros de mora, á taxa legal, desde a data da citação.</font><br>
<br>
<br>
<font>Pedem revista o R. e a Interveniente, pugnando pela improcedência total da acção.</font><br>
<font> </font><br>
<font> As conclusões de ambas as revistas podem resumir-se assim:</font><br>
<font> - A Autora teria de provar que no diagnóstico, no tratamento ou na intervenção cirúrgica foram omitidos actos médicos que, a serem praticados, teriam levado à cura ou atenuado a doença;</font><br>
<font> - A conduta do Réu para com a Autora no diagnóstico, tratamento e intervenções realizadas foi a correcta e necessária;</font><br>
<font>- Não há culpa efectiva ou presumida do R., que logrou ilidir a presunção de culpa;</font><br>
<font>- Não existe nexo de causalidade normativa entre a conduta do R. e os danos reclamados;</font><br>
<font>- Foi a própria A. quem deu causa aos danos patrimoniais ao recorrer aos serviços de outro médico</font><br>
<br>
<font> A A. respondeu, em defesa do julgado.</font><br>
<br>
<font> 2. - Em causa, como questão única, embora complexa, está, pois, essencialmente, saber se concorrem os pressupostos da responsabilidade civil e obrigação de indemnizar, nomeadamente os seus requisitos ilicitude, culpa e nexo de causalidade. </font><br>
<br>
<font> 3. – A factualidade provada.</font><br>
<br>
<font>1. O R., em 1998, era médico da PSP, em Lisboa (A). </font><br>
<font>2. Por sua vez a A. era casada com um agente da PSP, com direito aos serviços médicos da Corporação (B). </font><br>
<font>3. Para o que tinha a qualidade de beneficiária, com o número ... (C). </font><br>
<font>4. Por essa razão, a A., solicitou em princípios de 1997 os serviços médicos do R., tendo sido o R. que posteriormente acompanhou a sua gravidez a partir de Setembro de 1997 (D). </font><br>
<font>5. Para esse efeito, a A. ia mensalmente, ao consultório do R., por determinação deste (E). </font><br>
<font>6. Estas consultas mensais verificaram-se até à data do parto (F). </font><br>
<font>7. Na última consulta, ocorrida em 14 de Maio de 1998, o R. informou a A. de que o parto teria que ser provocado (G). </font><br>
<font>8. Para o que o próprio R. designou a data de 16 desse mesmo mês de Maio (H). </font><br>
<font>9. Do mesmo passo, o R. aconselhou à A. a Clínica de S. Gabriel, para o efeito (I). </font><br>
<font>10. Conselho que a A. seguiu, ficando internada na dita Clínica, no dia 15 do dito mês de Maio (1). </font><br>
<font>11. No dia seguinte, 16 de Maio, o R. provocou efectivamente o parto da A., ao qual prestou a necessária assistência clínica (K). </font><br>
<font>12. Tendo nascido uma criança de sexo feminino (L). </font><br>
<font>13. Após o parto a placenta não saiu integralmente (1°). </font><br>
<font>14. Após o parto, o R. apercebeu-se que a placenta não saíra e tentou retirá-la (M). </font><br>
<font>15. O R. alertou a A. para a possibilidade de terem ficado no útero restos de placenta (N). </font><br>
<font>16. A placenta da A. era uma placenta </font><i><font>acreta</font></i><font>, o que não é vulgar acontecer, nem sequer é previsível ou susceptível de ser evitada (35°). </font><br>
<font>17. Uma placenta é </font><i><font>acreta</font></i><font> quando está inserida de forma anómala no útero e, como não há um plano de clivagem entre a placenta e o útero, é difícil, se não mesmo impossível, retirar a placenta na sua totalidade, ou constatar se a mesma saiu totalmente (36°). </font><br>
<font>18. Nestes casos de placenta </font><i><font>acreta</font></i><font>, nada há a fazer se não aguardar pelo desenrolar do processo de expulsão natural ou provocado (37°). </font><br>
<font>19. Casos há em que é necessário proceder-se a uma curetagem, ou seja, a uma raspagem do útero se, como foi o caso da A., vierem a surgir hemorragias (38°). </font><br>
<font>20. Em 22 de Maio, a A. voltou ao consultório do R. para retirar os pontos da sutura efectuada na sequência do parto (O). </font><br>
<font>21. Quando o R. tirou os pontos à A., em 22 de Maio, nada referiu relativamente a restos de placenta (4°). </font><br>
<font>22. Por volta de 5/6 de Julho seguinte, a A. teve uma grande hemorragia uterina, precedida de dores intensas (5°). </font><br>
<font>23. Em 6 de Julho, a A. contactou o R. queixando-se de dores e hemorragia, pelo que o R. lhe disse para ir ao seu consultório no dia seguinte, ou seja, em 7 de Julho, o que a A. fez (P). </font><br>
<font>24. Submetida, então, a exame o R. revelou, efectivamente, terem sido os restos de placenta que originaram a hemorragia (Q). </font><br>
<font>25. O R. aconselhou, por isso, a A., a ir, no dia seguinte (8 de Julho) ao Hospital S. Francisco de Xavier (R). </font><br>
<font>26. Onde ele R. estaria, então de serviço e a poderia examinar (S). </font><br>
<font>27. Tendo, efectivamente, comparecido no dia 8 de Julho, no Hospital de S. Francisco de Xavier, a A. ficou internada, durante 6 (seis) horas, para ser examinada (T). </font><br>
<font>28. Para esse exame e eventual tratamento, foi a A. submetida a anestesia geral (U). </font><br>
<font>29. Durante a qual lhe foi feita uma raspagem ao útero, para extracção dos restos de placenta que ainda lá se encontravam no útero (V).</font><br>
<font>30. Logo de seguida, nesse mesmo dia, foi dada alta à A. (W) </font><br>
<font>31. Sem que lhe tivesse sido receitado qualquer medicamento (X). </font><br>
<font>32. Tendo-lhe, até, sido dito não ser necessário tomar antibióticos (Y). </font><br>
<font>33. No regresso a casa, a A. sentiu muitas dores, tendo desmaiado já em casa (7º). </font><br>
<font>34. E no dia seguinte - 9 de Julho - a A., além das dores, teve de novo uma hemorragia (8º). </font><br>
<font>35. Alarmada, a A., por iniciativa própria, recorreu, em 10 de Julho, à urgência do Hospital Particular de Lisboa (9°). </font><br>
<font>36. Neste hospital, a A. foi de imediato submetida a análises e ecografias (10°). </font><br>
<font>37. As análises ao sangue eram compatíveis com uma ligeira anemia e uma infecção (11º). </font><br>
<font>38. A ecografia revelou existência de imagens heterogéneas intra-uterinas compatíveis com restos placentários (12°). </font><br>
<font>39. As análises ao sangue revelaram uma velocidade de sedimentação de 54 mm/hora, o que é compatível com a existência de uma infecção (13°). </font><br>
<font>40. Para combater a infecção foi receitado à A., pelo médico que a assistiu, Dr.L...A...M..., uma medicação com antibióticos, para debelar a infecção (15°). </font><br>
<font>41. Foi submetida a uma ecografia em 13 de Julho que revelou a existência de imagens heterogéneas intra-uterinas compatíveis com restos placentários (18°). </font><br>
<font>42. Em 14/07/1998, a A. foi consultada pelo Sr. Dr. A...M... (19°). </font><br>
<font>43. No dia 16 de Julho, a A. foi ao Hospital Particular e fez novas análises que revelaram uma velocidade de sedimentação de 25 mm/hora (20°). </font><br>
<font>44. Por indicação do Dr. L...A...M..., a A., no dia 18 de Julho, foi á maternidade Alfredo da Costa, onde ficou internada (21°). </font><br>
<font>45. Aí foi submetida a exames médicos (22°). </font><br>
<font>46. Tendo sido submetida a A., nesse mesmo dia - 18 de Julho - a uma cirurgia com anestesia geral para lhe serem retirados os restos de placenta que ainda se encontravam no útero (23º). </font><br>
<font>47. A intervenção a que a A. foi submetida em 18 de Julho foi exactamente a mesma que o Réu fez e que se chama curetagem ou raspagem do útero e que, em menos de 24 horas, a doente tem alta (39°). </font><br>
<font>48. Dessa curetagem saíram fragmentos de diâmetro inferiores a 2 cm com peso total de 8 gramas (40°). </font><br>
<font>49. A placenta tem um peso de cerca de 500 gramas (41°). </font><br>
<font>50. Era possível que aquela quantidade de restos de placenta viesse a ser expulsa na menstruação seguinte (42°). </font><br>
<font>51. Do sucedido não resultou, em concreto, perigo para a vida da A. (43°). </font><br>
<font>52. A A. teve alta da MAC em 19 de Julho de 1998 (24°). </font><br>
<font>53. Em 31/07/98 fez novas análises ao sangue que revelaram eritrócitos, hemoglobina e hematócritos com valores um pouco abaixo dos mínimos, e uma velocidade de sedimentação de 21 mm/hora; e em 30/07/98 fez ecografia, com resultados normais (27°). </font><br>
<font>54. Em consultas e exames a A. despendeu, pelo menos, 354,27 € (71.025$00) (32°). </font><br>
<font>55. Além de ter sentido medo dos internamentos, a A. ficou psicologicamente afectada com os riscos que pensou que corria e com a impossibilidade de prestar assistência à sua filha recém nascida (34°). </font><br>
<font>56. O R. transferiu a sua responsabilidade civil profissional para a AXA PORTUGAL, C.ª de Seguros, S. A., através da Apólice n.º 05-84-930766, com início em 1 de Janeiro de 1993, com o capital global de 329.206,61 € (Z). </font><br>
<br>
<font>4. - Mérito do recurso.</font><br>
<br>
<font>4. 1. - Os Recorrentes não põem em causa, ao menos em termos de manifestação de discordância, pois que o admitem como pressuposto, que a relação estabelecida entre A. e R. é susceptível de ser juridicamente qualificada como um contrato de prestação de serviços médico-cirúrgicos, com previsão no art. 1154º C. Civil, mas não especialmente regulado. </font><br>
<br>
<font>Porque inteiramente compatível com a factualidade alegada e provada, tem-se por adquirido que a responsabilidade actuada decorrerá da violação das prestações contratuais inerentes e próprias do cumprimento desse contrato, o que vale por dizer, como também vem admitido, que nos movemos no âmbito da responsabilidade contratual.</font><br>
<br>
<font>Situamo-nos, nesta modalidade de responsabilidade, no domínio do cumprimento das obrigações contratuais, ou seja, da responsabilidade contratual pelo incumprimento.</font><br>
<font> </font><br>
<font> Quando haja incumprimento ou quando a prestação seja defeituosamente cumprida, o devedor, cuja culpa se presume, responde pelo prejuízo causado ao credor, nomeadamente, no caso, pelos efeitos danosos da privação da coisa cujo gozo se encontrava vinculado a facultar – arts. 798º e 799º-1 C. Civil.</font><br>
<font> Em caso de incumprimento da respectiva prestação, a lei impõe ao devedor a prova de que o mesmo não procede de culpa sua.</font><br>
<br>
<font> Ainda quanto a este ponto – da natureza contratual da responsabilidade e consequente presunção de culpa do devedor -, as Partes admitem o acerto da decisão impugnada, que não se afasta da jurisprudência e doutrina claramente dominantes. </font><br>
<br>
<font> Damos, pois, por assente, que a responsabilidade é de natureza contratual e sobre o R., médico, incide a presunção de culpa a que alude o dito art. 799º-1.</font><br>
<br>
<font> 4. 2. - A inexecução da prestação contratual, como violação do contrato, é um acto ilícito, elemento integrante da responsabilidade contratual.</font><br>
<br>
<font> No domínio desta responsabilidade, presume-se, como se disse, a culpa, mas, na falta de norma que o permita, o mesmo não acontece relativamente aos restantes requisitos da responsabilidade civil.</font><br>
<br>
<font> Assim, há-de ser sobre quem invoca a prestação inexacta da outra parte como fonte da responsabilidade que há-de recair o ónus de demonstrar os factos que integram esse incumprimento (facto ilícito), os nexos de imputação e de causalidade, bem como os prejuízos dele decorrentes (dano), ou seja os pressupostos obrigação de indemnizar, com excepção da culpa, cuja demonstração de inexistência impende sobre o demandado – art. 342º-1 C. Civil.</font><br>
<br>
<font> Tem-se, então, por certo que quem invoca o cumprimento defeituoso tem de provar a existência do defeito, ou seja, que o devedor, apesar de realizar a prestação, não o fez em termos integralmente correspondentes ao exacto conteúdo da obrigação a que estava vinculado, satisfazendo o interesse do credor.</font><br>
<br>
<font> A ilicitude resulta sempre da violação de um dever jurídico, em regra, no caso de cumprimento defeituoso, no âmbito dos deveres secundários ou acessórios de conduta que acompanham o cumprimento adequado da prestação principal.</font><br>
<font> Como violação de um dever que tem ínsito um juízo de reprovação – por se ter omitido, podendo fazer-se, o que era devido -, a ilicitude do acto pressupõe, necessariamente, a existência desse dever e uma actuação voluntária diferente da que o dever impõe.</font><br>
<br>
<font> A execução defeituosa, ou ilicitude, objectivamente considerada, consiste, então, numa omissão do comportamento devido, consubstanciado na prática de actos diferentes daqueles a que se estava obrigado (cfr. PESSOA JORGE, “</font><i><font>Ensaio Sobre os Pressupostos da Responsabilidade Civil</font></i><font>”, 69).</font><br>
<font> </font><br>
<font> À ilicitude, enquanto negação de valores tutelados pela ordem jurídica, considerada objectivamente, acresce a culpa, considerando os aspectos circunstanciais que interessam à censurabilidade da conduta, culpa que se refere ao acto ilícito e não ao dano, sendo que uma coisa é o aspecto da conduta irregular do agente, outra o da sua conduta faltosa (A. VARELA, “</font><i><font>Das Obrigações em Geral</font></i><font>”, 9ª ed., 607/8).</font><br>
<font> Esta, em sede de culpa, presume-se, aquela, no plano da ilicitude, não.</font><br>
<br>
<font>4. 3. - Convocando agora as especificidades do caso, vem sendo entendimento corrente que a obrigação a que o médico se vincula perante o paciente – ressalvados, naturalmente, os casos em que garante a obtenção de determinado resultado -, consiste em lhe proporcionar os melhores e mais adequados cuidados ao seu alcance, de acordo com a sua aptidão profissional e “em conformidade com as </font><i><font>leges artes</font></i><font> e os conhecimentos científicos actualizados e comprovados” ao tempo da prestação (ac. STJ, de 11/7/06, proc. 06A1503 </font><i><font>ITIJ</font></i><font>).</font><br>
<br>
<font>Estar-se-á, pois, perante a denominada obrigação de meios, pois que o médico não responde pela obtenção de um determinado resultado, mas pela omissão ou pela inadequação dos meios utilizados aos fins correspondentes à prestação devida em função do serviço que se propôs prestar.</font><br>
<br>
<font>Não estando em causa a prestação de um resultado, não será suficiente alegar e demonstrar a não obtenção de um certo resultado ou a verificação de um resultado diferente do esperado para que exista incumprimento ou cumprimento defeituoso, pois que a violação da obrigação reside sempre na prática deficiente/defeituosa do acto ou na abstenção da prática de actos exigidos pela situação clínica do doente. O que se exige, sob pena de violação do dever jurídico que enforma a sua prestação, é que o médico actue em conformidade com essas regras e actue com diligência normal.</font><br>
<br>
<font>Consequentemente, quando se invoque tratamento defeituoso para efeito de obrigação de indemnizar fundada em responsabilidade contratual é necessário provar “a desconformidade (objectiva) entre os actos praticados e as </font><i><font>leges artes</font></i><font>, bem como o nexo de causalidade entre defeito e dano” (CARLOS FERREIRA DE ALMEIDA, “</font><i><font>Os Contratos Civis de Prestação de Serviço Médico, in “Direito da Saúde e Bioética”, </font></i><font>AAFDL, 1996, pg. 117).</font><br>
<font>Feita essa prova, então sim, funciona a presunção de culpa, a impor ao R., como condição de libertação da responsabilidade, que prove que a desconformidade (com os meios que deveriam ter sido usados) não se deveu a culpa sua (por ter utilizado as técnicas e regras de arte adequadas ou por não ter podido empregar os meios adequados), mas já não, por exemplo, que o evento danoso se produziu por causa estranha à sua actuação e/ou qual tenha sido essa causa.</font><br>
<br>
<font> Numa palavra, presume-se a culpa do cumprimento defeituoso, mas não o cumprimento defeituoso, ele mesmo.</font><br>
<br>
<font>Depois, já em sede de culpa, como se escreveu no acórdão de 22/5/03 (proc. 03P912, </font><i><font>ITIJ</font></i><font>), “o ponto de partida essencial para qualquer acção de responsabilidade médica é a desconformidade da concreta actuação do agente no confronto com aquele padrão de conduta profissional que um médico medianamente competente, prudente e sensato, com os mesmos graus académicos e profissionais, teria tido em circunstâncias semelhantes na altura”, enfim, uma conduta deficiente, merecedora de reprovação à luz dum correcto e adequado do desempenho profissional, nas concretas circunstâncias.</font><br>
<br>
<font>É esta conformidade de actuação entre a conduta exigível e a conduta efectivamente observada que, provada a desconformidade objectiva, o médico tem de provar, quando confrontado com esta última, enquanto acto ilícito. </font><br>
<br>
<font>Finalmente, em sede de nexo de causalidade, dir-se-á que obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que provavelmente não teriam ocorrido se não fosse a lesão – art. 563º C. Civ..</font><br>
<font> É pacífico que o nosso sistema jurídico acolheu a doutrina da causalidade adequada, que não pressupõe a exclusividade de uma causa ou condição, no sentido de que esta tenha só por si determinado o dano.</font><br>
<font> Por outro lado, o nexo de causalidade que se exige apresenta-se, a um tempo, como pressuposto da responsabilidade e como medida da obrigação de indemnizar e “não se refere ao facto e ao dano isoladamente considerados, mas ao processo factual que, em concreto, conduziu ao dano” no âmbito da aptidão geral ou abstracta desse facto para produzir o dano (vd. A. VARELA, </font><i><font>“Das Obrigações em Geral”, </font></i><font>I, 9ª ed., 925).</font><br>
<br>
<font> Serão sempre as circunstâncias a definir a adequação da causa, mas sem perder de vista que para a produção do dano pode ter havido a colaboração de outros factos, contemporâneos ou não, e que a causalidade não tem de ser necessariamente directa e imediata, bastando que a acção condicionante desencadeie outra condição que, directamente, suscite o dano – causalidade indirecta.</font><br>
<font> Aqui cabem, naturalmente, os casos em que a condição directamente operante é um facto do próprio lesado ou de terceiro, designadamente aqueles em que a uma omissão se segue o acto danoso.</font><br>
<br>
<font>Assim entendido o nexo de causalidade, restará, por referência a um juízo de "prognose posterior objectivo" formulado a partir das enunciadas circunstância efectivamente conhecidas e cognoscíveis de um observador experimentado, retirar a pertinente conclusão.</font><br>
<font> </font><br>
<font>Na responsabilidade em análise, tem de ser provado pelo paciente que certo tratamento ou intervenção foram omitidos ou que os meios utilizados foram deficientes ou errados – determinação dos actos que deviam ter sido praticados e não foram, do conteúdo do dever de prestar - e, por tal ter acontecido, em qualquer fase do processo, se produziu o dano, ou seja, foi produzido um resultado que se não verificaria se outro fosse o acto médico efectivamente praticado ou omitido.</font><br>
<br>
<font>4. 4. - Passando ao caso concreto, temos, na síntese factual utilizada no acórdão impugnado, o seguinte quadro:</font><br>
<font>A A. contratou os serviços médicos do R., que a assistiu na gravidez e realizou o parto.</font><br>
<font>Após o parto, o R. constatou que a placenta não saíra totalmente, por ser </font><i><font>acreta</font></i><font>, a alertou a A. para a possibilidade de terem ficado no útero restos de placenta, caso em que, não sendo expulsos naturalmente, há que provocar a sua saída, fazendo uma raspagem ao útero, se surgirem hemorragias.</font><br>
<font>Tal veio efectivamente a ocorrer, pelo que o R. constatou a necessidade da curetagem (raspagem), com a finalidade de retirar os restos da placenta que eram causa de dores e hemorragias.</font><br>
<font>A curetagem, com essa finalidade, foi realizada e, no próprio dia, o R. deu «alta» à A..</font><br>
<font>Aconteceu, porém, que, ainda no mesmo no dia, de regresso a casa, a A. sentiu muitas dores e, no dia seguinte, teve de novo uma hemorragia. </font><br>
<font>No dia imediato recorreu a outro médico e a outro hospital, onde se submeteu a exames, apresentando anemia e infecção, a que foi tratada, e realizou, depois, nova curetagem.</font><br>
<font>Desta curetagem saíram fragmentos de diâmetro inferior a 2cm, com o peso total de 8 gramas, que era possível que viessem a ser expulsos ma menstruação seguinte.</font><br>
<br>
<font>Ora, percorrida a matéria alegada como fundamento da pretensão da A., limitando-se ela, como limita, a remeter para “o dever do R., como profissional de saúde, de efectuar toadas as diligências necessárias para averiguar se existiam ou não restos de placenta no útero, o que não fez, podo em perigo a vida da A.” – arts. 64º e 65º da p.i. -, atribui, se bem interpretamos, a deficiência de actuação do R. à omissão de actos posteriores à curetagem por este realizada, eventualmente, presume-se, exame por ecografia, que seria, admite-se, uma das diligências a que se refere, necessárias para averiguar se existiam ainda restos de placenta.</font><br>
<br>
<font>Seja como for, certo é que nada se alegou relativamente à necessidade de tais diligências não identificadas, como nenhuma desconformidade, deficiência, inadequação ou má execução se provou, ou, tão pouco se alegou, relativamente a toda a sequência de actos praticados pelo Réu, desde a assistência e intervenção no parto até à realização da curetagem.</font><br>
<font>Sabe-se, é certo, que esta se destinava a retirar os restos da placenta que se sabia subsistirem no útero e que, apesar disso, ali permaneceram ainda fragmentos que, pesando 8 gramas, poderiam ser naturalmente expulsos.</font><br>
<font>Como se sabe que, dois dias após a raspagem feita pelo R., a A. apresentava ligeira anemia e infecção.</font><br>
<font>Porém, uma vez mais, nenhuma relação se estabelece entre a estas constatações e os actos praticados pelo R. ou por ele omitidos.</font><br>
<br>
<font>Em vão se procura, na verdade, uma desconformidade entre a actuação do R. e as </font><i><font>leges artes</font></i><font>, seja por ter praticado a curetagem de forma deficiente - o que, de resto não lhe é imputado, mas apenas omissão de diligências para averiguação da existência de restos de placenta -, seja por ter omitido actos necessários e adequados à atenuação ou superação do estado da Autora, designadamente perante a circunstância de ser portadora de placenta </font><i><font>acreta</font></i><font> – actos que também, em concreto, não se referem.</font><br>
<br>
<font>Se se alegasse e provasse, por exemplo, que a manutenção dos fragmentos de placenta se deveu a incumprimento das </font><i><font>leges artes</font></i><font> e que a anemia e infecção detectadas foram dele consequência adequada, então sim, estaria demonstrado o cumprimento defeituoso, funcionando, de pleno, a presunção de culpa.</font><br>
<br>
<font>Diversamente, indemonstrado o incumprimento objectivo dos deveres do médico – a ilicitude-, a questão da prova, por este, da utilização das técnicas adequadas, ou da impossibilidade de as utilizar, em sede de ilisão de culpa, já nem sequer se coloca.</font><br>
<br>
<font>A terminar, resta notar que não há que convocar aqui qualquer dever de vigilância subsequente à prática da curetagem pelo R., tendo em vista reduzir ou afastar o risco de ocorrências anómalas passíveis prejudicarem a saúde do paciente.</font><br>
<font>Sem prejuízo de se entender que existe um dever de vigilância no período pós intervenção que se funda naquele dever acessório de superar riscos possíveis, certo é que, qualquer que seja o conteúdo, extensão ou densidade desse dever, decerto a determinar casuisticamente, a Autora, confrontada, ainda no mesmo dia, com dores, e, no dia seguinte com a hemorragia, optou por procurar outro médico e outros serviços, inviabilizando, ela mesma, o cumprimento dum tal dever e interrompendo o desenvolvimento do vínculo com o R. no complexo das respectivas obrigações (contratuais). </font><br>
<br>
<font>Surge, a este propósito, um corte do nexo de causalidade, a reflectir-se, não só na responsabilidade, nas se ainda fosse necessário invocá-lo, na obrigação de indemnizar e respectiva medida. </font><br>
<br>
<font>4. 5. - Em conclusão, não concorrem os pressupostos da responsabilidade civil e da obrigação de indemnizar, desde logo a prática de facto ilícito imputável ao Réu.</font><br>
<br>
<font> Por isso, a decisão impugnada não pode subsistir, devendo, antes, repor-se o sentenciado na 1ª Instância.</font><br>
<font> </font><br>
<font>5. - Decisão.</font><br>
<br>
<font>Em conformidade com o exposto, decide-se:</font><br>
<font>- Conceder as revistas pedidas pelo Réu e pela interveniente “Axa Portugal, S.A.”;</font><br>
<font>- Revogar o acórdão recorrido;</font><br>
<font>- Repor em vigor a sentença proferida na 1.ª Instância; e,</font><br>
<font>- Condenar a Recorrente nas custas.</font><br>
<br>
<font> Lisboa, 18 Setembro 2007 </font><br>
<br>
<font>Alves Velho (relator)</font><br>
<font>Moreira Camilo</font><br>
<font>Urbano Dias</font></font>
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[0 0 0 ... 0 0 0]
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yjKcu4YBgYBz1XKvLyJQ
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1.ª Secção (Cível)
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<b><font> </font></b><font><font> </font>
<p><font>ACORDAM OS JUÍZES QUE CONSTITUEM O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA</font><a><u><sup><font>[1]</font></sup></u></a><font>:</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>AA propôs a presente acção, com processo especial de divisão de coisa comum, contra BB ambos, suficientemente, identificados nos autos, pedindo que, na sua procedência, se decida pela indivisibilidade do imóvel, infradiscriminado, efectuando-se a sua adjudicação ou venda [a] e se realize a divisão, em substância, dos móveis [b], alegando, para o efeito, em suma, que, no decurso da união de facto que manteve com a ré, adquiriram, em compropriedade, uma fração autónoma destinada à habitação, onde passaram a viver, fazendo desta a casa de morada de família, apesar de, na altura, a ré ter outorgado como compradora a respectiva escritura, sozinha, não obstante, em 13 de Setembro de 2007, ambos haverem celebrado uma escritura pública de venda de metade do referido imóvel, passando, assim, os dois a ser comproprietários do mesmo, em partes iguais, mas sendo este, igualmente, indivisível, por lei e por natureza, enquanto que os bens móveis constituintes do recheio da habitação foram adquiridos por ambos e no decorrer da vida em comum. </font>
</p><p><font>Na contestação, a ré alega, em síntese, que o apartamento foi comprado, unicamente, por ela, à sua custa e com o recurso ao crédito bancário para habitação, pois que o autor nunca contribuiu com qualquer quantia em dinheiro para pagamento de metade do apartamento, tendo o contrato de compra e venda invocado pelo autor com vista à presente acção de divisão de coisa comum, sido simulado, para enganar os filhos da ré, e que esta assinou, sob coação do autor, com medo e receio de que o mesmo a abandonasse.</font>
</p><p><font>Por seu turno, continua a ré, os eletrodomésticos da cozinha foram por si comprados, pelo preço de €100.000,00, e bem assim como todos os móveis, com excepção de alguns candeeiros e algumas peças.</font>
</p><p><font>Conclui pela improcedência da acção e, em reconvenção, pede que se declare a nulidade da escritura de compra e venda celebrada entre ambos [I], se declare que a ré é dona e legitima possuidora do apartamento, designado pela fracção “J” do prédio, sito na ............, .....º, ...., dtº, Vila do Conde, descrito na Conservatória do Registo Predial, sob o nº 0000 [II], e se ordene o cancelamento da inscrição no registo predial, a favor do autor [III].</font>
</p><p><font>Na réplica, o autor conclui pela improcedência das excepções de simulação e de coação, e, na tréplica, a ré finaliza como na contestação-reconvenção.</font>
</p><p><font>A sentença julgou a acção, parcialmente, procedente, e improcedente a reconvenção e, em consequência, </font><i><font>“Declarou a indivisibilidade dos bens móveis supra descritos e do bem imóvel supra descrito, devendo proceder-se à respetiva adjudicação ou à venda nos termos do art. 1056º/2 do Código de Processo Civil [I], absolvendo quanto ao mais a Ré do pedido e o A dos pedidos deduzidos pela ré na reconvenção [II]”.</font></i>
</p><p><font>Desta sentença, a ré interpôs recurso, tendo o Tribunal da Relação julgado procedente a apelação, alterando a sentença recorrida e julgando, parcialmente, procedente a contestação/reconvenção, declarando anulada a compra e venda, celebrada pela escritura pública de 13.09.2007, de metade indivisa da fração autónoma designada pela letra J, correspondente ao terceiro andar, no Bloco B, com entrada pela Avenida Infante ......, para habitação, do tipo T-Dois, com duas varandas, uma na frente e outra nas traseiras e com um aparcamento (…) do prédio urbano, em regime de propriedade horizontal, sito na Rua ............, lugar da .........., desta cidade de Vila do Conde, descrito na Conservatória do Registo Predial deste concelho, sob o número zero mil quinhentos e oitenta da freguesia de Vila do Conde, declarou ainda que a referida fração autónoma é exclusiva propriedade da ré/reconvinte e ordenou o cancelamento da inscrição no registo predial da aquisição de ½ dessa fração, a favor do autor, determinando o prosseguimento da presente acção de divisão de coisa comum, nos termos ordenados na sentença recorrida, apenas relativamente aos bens móveis.</font>
</p><p><font>Do acórdão da Relação do Porto, o autor interpôs agora recurso de revista, terminando as alegações com o pedido da sua revogação, formulando as seguintes conclusões, que, integralmente, se transcrevem:</font>
</p><p><font>1ª - O Recurso de apelação interposto pela ora Recorrida foi admitido pelo douto despacho do Senhor Desembargador Relator de 28 de Setembro, como fundamento de que o facto da parte final das alegações ter sofrido um atraso de menos de cinquenta minutos não obsta a que se considere que a apresentação da alegação foi tempestiva.</font>
</p><p><font>2ª - O Recorrente não se conforma com esta decisão, entendendo que a mesma é violadora da lei do processo, nomeadamente o Art. 684°-B, 685° e 685°-A do CPC.</font>
</p><p><font>3ª - A ora Recorrida apresentou, em 21 de Maio, último dia do respectivo prazo de interposição do recurso de apelação, um requerimento, acompanhado de uma peça incompleta de alegações, incompleta de conclusões, sem que nestas conclusões sejam indicadas quais as normas jurídicas violadas pela decisão apelada e sem formular qualquer pedido<br>
final, nomeadamente de alteração ou anulação da decisão recorrida e desacompanhado de qualquer DUC e comprovante de liquidação da taxa de justiça devida (v. Ref. CITIUS 1212765).</font>
</p><p><font>4ª - Estabelece a Lei que os recursos são interpostos através do requerimento previsto no Art. 684-B do CPC, que tem de incluir a alegação do recorrente e esta alegação, por sua vez, tem de estar acompanhada das respectivas conclusões (com a indicação expressa das normas jurídicas violadas pela decisão recorrida) e do pedido de alteração ou anulação da decisão recorrida (Art. 685°-A do CPC), e este requerimento tem de ser<br>
apresentado no processo no prazo de 30 dias, acrescido de 10 quando o recurso tiver por objecto a reapreciação de prova gravada (Art. 685°).</font>
</p><p><font>5ª - O prazo de apresentação do requerimento de interposição de recurso é um prazo peremptório e o seu decurso extingue o direito a praticar o acto e a lei não estabelece nenhuma dilação ou extensão de tal prazo, nomeadamente de "menos de cinquenta minutos".</font>
</p><p><font>6ª - A ora Recorrida não apresentou nenhum requerimento de recurso competente, já que a peça de 21 de Maio não cumpre o "ónus de concluir", nem o ónus de indicação das normas violadas pela decisão de 1</font><sup><font>a</font></sup><font> instância, nem tão pouco formula qualquer pedido de alteração ou anulação da decisão recorrida, impostos pelo Art. 685°-A do CPC, pelo que o recurso de apelação não devia ter sido recebido e o douto despacho de 28 de Setembro terá de ser revogado, proferindo-se douta decisão de rejeição daquela apelação, com todas as consequências legais.</font>
</p><p><font>7ª - Decidiu a Veneranda Relação alterar a decisão da matéria de facto, alterando as respostas dadas pelo tribunal de 1</font><sup><font>a</font></sup><font> instância aos quesitos 8</font><sup><font>o</font></sup><font> e 10°, no sentido de ser dada por provada a respectiva matéria de facto.</font>
</p><p><font>8ª - Entende o ora Recorrente que tal decisão foi tomada em total violação do disposto no Art. 712° do CPC, sendo esta violação também fundamento do presente recurso, nos termos e para os efeitos do disposto no Art. 722°, n° 1, al. b) do CPC.</font>
</p><p><font>9ª - A Meritíssima Juiz de 1</font><sup><font>a</font></sup><font> Instância julgou o quesito 8° não provado e deu resposta restritiva ao quesito 10° e diz ter formado a sua convicção no conjunto das provas produzidas, nomeadamente no depoimento da autora e das testemunhas inquiridas e nos documentos, tendo verificado a existência<br>
de contradições entre os depoimentos e que as testemunhas não tinham conhecimento directo das ameaças do Recorrente à Recorrida, concluindo que esta outorgou a escritura de forma livre e voluntária, até porque seaconselhou previamente com advogado.</font>
</p><p><font>10ª - A Veneranda Relação, reconhecendo que nenhuma testemunha tinha conhecimento pessoal e directo da ameaça do Recorrente sobre a Recorrida e que a gravação do depoimento de várias testemunhas apresenta deficiências que impedem a sua percepção parcial, fundamenta a sua decisão de alterar as respostas àqueles quesitos em inferências, meios de persuação, presunções baseadas em regras da experiência e nestas mesmas regras de experiência.</font>
</p><p><font>11ª - Estipula a norma do n° 1 do Art. 712° do CPC e é jurisprudência firme e constante de todas as instâncias superiores que não é lícito à Relação alterar um quesito, especialmente o que tiver sido dado por não provado ou provado de forma restrita, se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão e se os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas, já que no processo civil vigoram os princípios da oralidade e da imediação, bem como o princípio da livre apreciação da prova pelo julgador.</font>
</p><p><font>12ª - A Relação não pode modificar a decisão da matéria de facto se não dispuser, desde logo, da totalidade da prova gravada, como é reconhecidamente o caso dos autos.</font>
</p><p><font>13ª - E, por outro lado, é necessário também que as provas constantes dos autos não permitam - de forma categórica, absoluta - a resposta dada pela 1</font><sup><font>a</font></sup><font> instância e que esta resposta configure uma manifesta desconformidade ou violação grosseira entre a prova efectivamente produzida e a decisão.</font>
</p><p><font>14ª - O Tribunal da Relação, reconhecendo expressamente que não há testemunhas que tenham presenciado as alegadas ameaças e que a prova gravada apresenta deficiências que impedem a sua percepção completa, recorre a meras inferências, ilações, meios de persuasão, presunções e de alegadas regras de experiência para pretender assim fundamentar a sua decisão de dar por provados os quesitos 8° e 10°.</font>
</p><p><font>15ª - À Relação incumbia fundamentar a sua decisão de alterar as respostas aos quesitos, com o argumento de que os elementos de prova constantes dos autos não permitiam, de forma clara, obrigatória e evidente, as respostas dadas pela 1</font><sup><font>a</font></sup><font> Instância e não o faz.</font>
</p><p><font>16ª - Isto é, o Tribunal formou uma convicção própria, contrária à da 1</font><sup><font>a</font></sup><font> Instância, sem afirmar que esta é errada e violadora do mais elementar sentido comum em matéria de apreciação das provas ou que houve nesta apreciação um erro grosseiro da Julgadora.</font>
</p><p><font>17ª - Acresce ainda que a Relação apreciou e valorou o documento de fls. 101, concluindo que do mesmo se infere a ameaça do Recorrente sobre a Recorrida.</font>
</p><p><font>18ª - Este documento, que foi impugnado pelo Recorrente, que não foi sequer levado à B. I. e foi totalmente desvalorizado pelo tribunal de 1</font><sup><font>a</font></sup><font> Instância, que não é totalmente manuscrito, que não está assinado pelo Recorrente nem por ninguém, não contém nenhuma palavra, ou expressão, explícita ou implícita, susceptível de provar que este tivesse cortado relações com a Recorrida ou que lhe tivesse dito que ou ela outorgava a escritura ou ele a deixava ou que esta não quisesse outorgar tal escritura.</font>
</p><p><font>19ª - Conforme é jurisprudência esclarecida, a Relação não pode dar como provados factos com base em documentos particulares (Ac. STJ de 5 de Julho de 2007).</font>
</p><p><font>20ª - Deve por isso, o Douto Acórdão, nesta parte ser revogado por violação da norma do Art. 712° do CPC, mantendo-se a decisão da matéria de facto tal como foi proferida pela Meritíssima Juiz da 1</font><sup><font>a</font></sup><font> Instância, com todas as consequências legais.</font>
</p><p><font>21ª - Decidiu a Veneranda Relação alterar a sentença de 1</font><sup><font>a</font></sup><font> instância, julgando parcialmente procedente a contestação/reconvenção e, consequentemente, declarar anulada a compra e venda celebrada na escritura de 13 de Setembro de 2007 com fundamento de se verificarem </font><i><font>in casu </font></i><font>os requisitos legais da coação moral, que terá sido exercida pelo ora Recorrente sobre a Recorrida, a fim de conseguir desta a declaração negocial expressa naquela escritura notarial.</font>
</p><p><font>22ª - A coacção moral não se verifica e a Veneranda Relação, com a sua decisão, viola directa e necessariamente a lei substantiva do Art. 253° do Código Civil, tendo interpretado e aplicado erradamente esta norma ao caso, sendo este outro fundamento do presente recurso nos termos e para os efeitos do disposto no Art. 722°, n° 1, al. a) do CPC.</font>
</p><p><font>23ª - Para se verificar coacção moral é desde logo necessário que a ameaça seja ilícita, visando causar um mal à pessoa, honra ou fazenda do coagido.</font>
</p><p><font>24ª - A ameaça que o Recorrente alegadamente terá dirigido à Recorrida - e que consistiu em dizer-lhe que a deixava, pondo fim à união de facto - é matéria que foi dada por não provada (resposta ao quesito 8</font><sup><font>o</font></sup><font>).</font>
</p><p><font>25ª - Mesmo considerando a alteração da resposta a este quesito operada ilegitimamente pela Veneranda Relação, este mesmo Tribunal começa por reconhecer expressamente que o Recorrente tem o direito a terminar unilateralmente e sem qualquer justificação a relação que mantinha com a Ré, não havendo por isso qualquer ilicitude objectiva.</font>
</p><p><font>26ª - Diz a Relação que a ilicitude da ameaça provém da finalidade visada pelo Recorrente, de obter um enriquecimento ilegítimo à custa do empobrecimento da Ré, já que não se provou que o preço da venda do apartamento não foi pago.</font>
</p><p><font>27ª - Esta conclusão não corresponde à verdade e à matéria de facto fixada na douta sentença de 1</font><sup><font>a</font></sup><font> Instância: nesta deu-se por não provado que o autor tenha entregue à Ré o preço referido na escritura, o que não significa que o A. não tenha pago a sua parte do preço de aquisição do imóvel: significa apenas e tão só que não entregou esse preço à Ré e há<br>
elementos probatórios nos autos, nomeadamente o contrato promessa de fls. 400 e ss e a escritura de fls. 21, que demonstram ter havido pagamentos por conta do preço feitos anteriormente directamente ao vendedor do imóvel.</font>
</p><p><font>28ª - Por conseguinte, não há ilicitude da "ameaça", mesmo<br>
considerando a finalidade da mesma, já que não existiu qualquer enriquecimento do Recorrente à custa da Recorrida.</font>
</p><p><font>29ª - Para além da ilicitude da ameaça, para que se possa considerar ter havido coacção moral, é necessário que, simultaneamente, a declarante, com receio ou medo de que a ameaça ilícita se concretize - num atentado à sua pessoa, honra ou fazenda - reaja positivamente à vontade do autor da ameaça.</font>
</p><p><font>30ª - É a própria Recorrida quem diz - e a Veneranda Relação reconhece-o expressamente no douto Acórdão - que se recusou a outorgar a escritura, que faltou à mesma e foi aconselhar-se com um advogado, pelo que a sua decisão em outorgar a escritura não foi tomada "num momento", "a quente", "sob pressão", pelo contrário, foi uma decisão tomada depois de muita ponderação, discussão e com o aconselhamento legal prévios.</font>
</p><p><font>31ª - Esta atitude da Recorrida não revela uma pessoa com medo, com a vontade perturbada, mas sim uma pessoa que trata de se informar sobre o assunto, no sentido de saber se deve ou não outorgar a escritura e que termina por decidir-se, livremente, a comparecer perante um notário, em data previamente combinada e marcada, para participar e outorgar numa escritura pública.</font>
</p><p><font>32ª - Por último, exige a norma que a conduta do agente revele uma actuação intimidatória, que este agente actue com o intuito de provocar uma situação de temor da declarante, de criar um clima de intimidação desta, que a levasse a outorgar a escritura.</font>
</p><p><font>33ª - Nenhuma prova foi produzida quanto à intenção do Recorrente ao alegadamente dizer à Recorrida que a deixava caso ela não outorgasse a escritura e esta não é pessoa que, pelo seu carácter e personalidade, se deixasse intimidar por tal suposta ameaça.</font>
</p><p><font>34ª - A tese da coacção moral resulta totalmente descabida e infundada, se se atentar que a Recorrida, passados anos sobre a sua separação do Recorrente, nunca tomou qualquer iniciativa para anular o negócio supostamente celebrado sob coacção e apenas em sede de reconvenção à acção deduzida pelo Recorrente veio alegar a dita coação e esta nem sequer<br>
foi o seu argumento ou fundamento primário.</font>
</p><p><font>35ª - Primeiro, a Recorrida estribou-se numa alegada simulação desse mesmo negócio com o intuito de enganar os seus próprios filhos!!! Isto é, antes de alegar ter sido coagida a outorgar a escritura, a Recorrida admitiu que esta mesma escritura foi um conluio voluntário e consciente com o Recorrente para enganar terceiros.</font>
</p><p><font>36ª - Não é legítimo e é altamente revelador da falta de fundamento sério da Recorrida, alegar-se primeiro uma situação e, depois, para o caso desta não servir ou improceder, alegar-se uma segunda situação absolutamente incompatível e contraditória com a anterior.</font>
</p><p><font>37ª - Não ocorreu por isso, qualquer coação moral do Recorrente sobre a Recorrida, não se verificando </font><i><font>in casu </font></i><font>os elementos constitutivos desta causa de anulação dos negócios jurídicos e a decisão ora em revista é por isso errada, carecida de fundamento legal e violadora da lei substantiva vertida no Art. 253° do Código Civil, pelo que terá de ser revogada e o recurso merecer provimento, com todas as consequências legais.</font>
</p><p><font>Nas suas contra-alegações, a ré conclui no sentido de que deve ser mantido o acórdão proferido pelo tribunal recorrido.</font>
</p><p><font> Tudo visto e analisado, ponderadas as provas existentes, atento o Direito aplicável, cumpre, finalmente, decidir.</font>
</p><p><font>As questões a decidir, na presente revista, em função das quais se fixa o objecto do recurso, considerando que o «thema decidendum» do mesmo é estabelecido pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, com base no preceituado pelas disposições conjugadas dos artigos 660º, nº 2, 661º, 664º, 684º, nº 3, 690º e 726º, todos do Código de Processo Civil (CPC), são as seguintes:</font>
</p><p><font>I – A questão da admissão do recurso de apelação. </font>
</p><p><font>II – A questão da alteração da decisão sobre a matéria de facto.</font>
</p><p><font>III – A questão da coacção moral. </font><br>
<font> </font><br>
<font> I. DA ADMISSÃO DA APELAÇÃO</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Defende, desde logo, o autor que a apelação interposta pela ré foi apresentada, para além do prazo peremptório que a lei consagra, e sem conclusões com a indicação das normas jurídicas violadas, tendo sido admitida pelo douto despacho do Senhor Desembargador Relator, mas sem fundamento legal.</font>
</p><p><font>Dispõe o artigo 700º, nº 3, do CPC, que “salvo o disposto no </font><a><u><font>artigo 688º</font></u></a><font>, quando a parte se considere prejudicada por qualquer despacho do relator, que não seja de mero expediente, pode requerer que sobre a matéria do despacho recaia um acórdão; o relator deve submeter o caso à conferência, depois de ouvida a parte contrária”, acrescentando o respectivo nº 4 que “a reclamação deduzida é decidida no acórdão que julga o recurso, salvo quando a natureza das questões suscitadas impuser decisão imediata;…”, concluindo o seu nº 5 que “do acórdão da conferência pode a parte que se considere prejudicada recorrer nos termos previstos na segunda parte do nº 4 do artigo 721º”.</font>
</p><p><font>A reclamação para a conferência é um instrumento processual, através do qual a parte que se considere prejudicada pela decisão do relator, pode conseguir que, sobre a matéria em discussão, se pronunciem os juízes que hão-de proferir a decisão final, recaindo sobre ela um acórdão pronunciado pela conferência e obtendo, ao mesmo tempo, uma decisão recorrível, de modo a que a decisão do relator possa e deva ser controlada pela conferência, ou seja, pelo órgão colegial que é o titular originário do poder judicial, sendo o relator, com excepção da situação do julgamento sumário do objecto do recurso, apenas o gestor dos poderes judiciais residuais que a lei lhe confere.</font>
</p><p><font>Reconhece-se, assim, às partes o direito ou a garantia da apreciação da questão suscitada, por um colectivo formado por três juízes, e a da sua decisão, por um mínimo de dois votos conformes, o que acontece, aliás, desde a vigência do Código de Processo Civil de 1939, onde, no seu artigo 700°, e respectivo parágrafo único, se dispunha, no essencial, da mesma forma.</font>
</p><p><font>Assim sendo, o despacho singular em apreço não foi objecto de apreciação e decisão colegial, pelo Colectivo dos senhores Desembargadores da conferência onde se integra o Exº Relator, pelo que, consequentemente, não pode ser objecto de recurso de revista, que não conhece de decisões singulares, mas, tão-só, de decisões colegiais.</font><br>
<font>Não ocorre, pois, a implícita nulidade invocada.</font><br>
<font> </font><br>
<font> II. DA ALTERAÇÃO DA DECISÃO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO</font><br>
<font> </font>
</p><p><font>Sustenta, igualmente, o autor que deve ser mantida a decisão sobre a matéria de facto proferida pela 1ª instância, em virtude de a Relação ter violado a norma do artigo 712º, do CPC, porquanto não pode modificar a matéria de facto se não dispuser da totalidade da prova gravada, e, de forma categórica e absoluta, tendo antes recorrido a inferências, ilações, meios de persuasão, presunções e regras de experiência para fundamentar a decisão de dar como provados os quesitos 8º e 10º, servindo-se, também, sem base legal, do documento de folhas 101.</font>
</p><p><font>O Supremo Tribunal de Justiça aplica, definitivamente, o regime jurídico que julgue adequado aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido, não podendo ser objecto de recurso de revista a alteração da decisão por este proferida quanto à matéria de facto, ainda que exista erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova, quando o STJ entenda que a decisão de facto pode e deve ser ampliada, em ordem a constituir base suficiente para a decisão de direito, ou, finalmente, quando considere que ocorrem contradições na decisão sobre a matéria de facto que inviabilizem a decisão jurídica do pleito, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 729º, nºs 1, 2 e 3 e 722º, nº 2, do CPC.</font>
</p><p><font>Com efeito, só à Relação compete, em princípio, modificar a decisão sobre a matéria de facto, podendo alterar as respostas aos pontos da base instrutória, a partir da prova testemunhal extratada nos autos e dos demais elementos que sirvam de base à respectiva decisão, desde que dos mesmos constem todos os dados probatórios, necessários e suficientes, para o efeito, dentro do quadro normativo e, através do exercício dos poderes conferidos pelo artigo 712º, do CPC.</font><br>
<font>Assim sendo e, em síntese, compete às instâncias apurar a factualidade relevante, sendo, a este título, residual a intervenção do STJ, destinada a averiguar a observância das regras de direito probatório material, a determinar a ampliação da matéria de facto ou o suprimento de contradições sobre a mesma existentes</font><a><u><sup><font>[2]</font></sup></u></a><font>.</font>
</p><p><font>Por outro lado, tendo a Relação reapreciado, no acórdão recorrido, as provas em que assentou a parte impugnada da decisão proferida, em primeira instância, não cabe do mesmo recurso para o STJ, nos termos do preceituado pelo artigo 712º, nºs 1, a), 2 e 6, do CPC.</font>
</p><p><font>Efectivamente, o acórdão recorrido decidiu a causa, dando como provados ou como não demonstrados certos factos e, para reapreciar as provas em que assentou a parte impugnada da decisão, como é pressuposto de um segundo julgamento da matéria de facto, a Relação procedeu à audição da prova pessoal gravada e à análise do teor dos documentos existentes nos autos, examinando as provas e motivando a decisão, adquirindo os elementos de convicção probatória, de acordo com o princípio da convicção racional, consagrado pelo artigo 655º, nºs 1 e 2, do CPC, que combina o sistema da livre apreciação ou do íntimo convencimento com o sistema da prova positiva ou legal.</font>
</p><p><font>O documento de folhas 101, que constitui um escrito não assinado, mas cuja autoria o ora recorrente não impugnou, foi por este elaborado e manuscrito, conforme se declarou ter sido provado pelo acórdão recorrido, nos termos do disposto pelo artigo 374º, nº1, e, não obstante ser um documento de natureza particular, constitui, nas relações entre as partes, que não em relação a terceiros, um elemento de prova plena quanto às declarações atribuídas ao seu autor, sem prejuízo da arguição e prova da sua falsidade, atento o estipulado pelos artigos 376º, nºs 1 e 2 e 358º, nºs 1 e 2, todos do Código Civil (CC)</font><a><u><sup><font>[3]</font></sup></u></a><font>.</font>
</p><p><font>A prova testemunhal, tal como acontece com a prova indiciária de qualquer outra natureza, pode e deve ser objecto de formulação de deduções e induções, as quais, partindo da inteligência, hão-de basear-se na correcção de raciocínio, mediante a utilização das regras de experiência [o id quod plerumque accidit] e de conhecimentos científicos.</font>
</p><p><font>Na transição de um facto conhecido para a aquisição ou para a prova de um facto desconhecido, têm de intervir as presunções naturais, como juízos de avaliação, através de procedimentos lógicos e intelectuais, que permitam, fundadamente, afirmar, segundo as regras da experiência, que determinado facto, não, anteriormente, conhecido, nem, directamente, provado, é a natural consequência ou resulta, com toda a probabilidade próxima da certeza, ou para além de toda a dúvida razoável, de um facto conhecido</font><a><u><sup><font>[4]</font></sup></u></a><font>.</font>
</p><p><font>E, se a credibilidade, em concreto, de cada meio de prova tem subjacente a aplicação de máximas de experiência comum que devem enformar a opção do julgador e cuja validade se exige, dentro de um determinado contexto histórico e jurídico, a sua avaliação está, porém, fora de qualquer controlo, por parte deste STJ, que se encontra impedido de criticar a escolha da valoração da credibilidade de um determinado meio de prova, em detrimento doutro, muito embora a legalidade daquela regra de experiência, como norma geral e abstracta, possa, eventualmente, ser questionada, na hipótese de carecer de razoabilidade, demonstrando-se que um determinado meio de prova prestado, em si mesmo considerado, permite concluir que a versão que apresenta é objectivável, ou seja, é compatível com o sentido comum, o que acontece desde qualquer pessoa aceite como bom o raciocínio explanado.</font>
</p><p><font>O uso, pelas instâncias, em processo civil, de regras de experiência comum, é um critério de julgamento, aplicável na resolução de questões de facto, mas não na interpretação e aplicação de normas legais</font><a><u><sup><font>[5]</font></sup></u></a><font>, que fortalece o princípio da livre apreciação da prova, como meio de descoberta da verdade, apenas subordinado à razão e à lógica que, consequentemente, não pode ser sindicado pelo STJ, a menos que, excepcionalmente, através da necessária objectivação e motivação, se alcance, inequivocamente, que foi usado para além do que é consentido pelas regras da experiência comum de vida, fundando, assim, uma conclusão inaceitável.</font>
</p><p><font>E, não tendo sido arguidas pelo autor quaisquer dessas circunstâncias excepcionais que permitem ao STJ a alteração da decisão sobre a matéria de facto emitida pelas instâncias, importa considerar demonstrados os seguintes factos consagrados pelo Tribunal da Relação, nos termos das disposições combinadas dos artigos 722º, nº 2 e 729º, nº 2, do CPC, que se reproduzem:</font>
</p><p><font>1. Autor e ré viveram juntos, como marido e mulher, durante 23 anos, sendo conhecidos como casal e convivendo com as respetivas famílias, até se separarem, em Setembro de 2008 (A).</font>
</p><p><font>2. Ali CC, em representação da sociedade “Construtora EE”, BB e DD outorgaram, por escritura pública de 30.12.1993, contrato de compra e venda e mútuo com hipoteca, com o seguinte teor: «(…) O primeiro outorgante declarou: Que em nome da sociedade EE, Limitada, sua representada e pelo preço de onze milhões de escudos que da segunda outorgante BB já recebeu, a esta vende a fração autónoma designada pela letra J – correspondente ao terceiro andar, no Bloco B, com entrada pela Avenida .........., destinada a habitação do tipo T- Dois (…) e um aparcamento (…) do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, sito na Avenida .......... e Rua ............, lugar da .........., desta cidade de Vila do Conde, descrito na Conservatória do Registo Predial deste concelho sob o número zero mil quinhentos e oitenta da freguesia de Vila do Conde (…). Declarou depois a segunda outorgante: Que aceita este contrato nos termos exarados e que a fração autónoma por ela adquirida se destina à sua habitação permanente. Declararam, de seguida, a segunda outorgante, adiante designada por parte devedora, e o terceiro outorgante, em nome da sua representada: Que entre ela segunda outorgante e a representada do terceiro outorgante é celebrado o presente contrato de empréstimo nos termos do documento complementar anexo, que expressamente declaram conhecer e aceitar e que faz parte integrante da presente escritura, e ainda das seguintes cláusulas: (…)». (B).</font>
</p><p><font>3. BB e AA outorgaram, por escritura pública de 13.09.2007, contrato de compra e venda com o seguinte teor: «A primeira outorgante declarou: Que, pela presente escritura, e pelo preço de trinta mil euros vende ao segundo outorgante, AA, metade indivisa da fração autónoma designada pela letra J, correspondente ao terceiro andar, no Bloco B, com entrada pela Avenida .........., para habitação do tipo T- Dois, com duas varandas, uma na frente e outra nas traseiras e com um aparcamento (…) do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, sito na Rua ............, lugar da .........., desta cidade de Vila do Conde, descrito na Conservatória do Registo Predial deste concelho sob o número zero mil quinhentos e oitenta da freguesia de Vila do Conde (…). E que já recebeu do comprador o citado preço. Declarou depois o segundo outorgante: Que aceita este contrato nos termos exarados». (C).</font>
</p><p><font>4. Pela Ap. 35 de 1993/12/15, foi registada, a favor da ré, a aquisição do prédio, identificado em 2. e 3., descrito na Conservatória do Registo Predial, sob o n.º0000000000000. (D).</font>
</p><p><font>5. Pela Ap. 5 de 2007/09/24 foi registada, a favor do autor, a aquisição de ½ do prédio, identificado em 2 e 3, descrito na Conservatória do Registo Predial, sob o n.º0000000000000. (E).</font>
</p><p><font>6. No período, referido em A (n.º1), autor e ré adquiriram, pelo menos, os seguintes bens:</font>
</p><p><font>- um fogão;</font>
</p><p><font>- um frigorífico;</font>
</p><p><font>- uma máquina de lavar louça;</font>
</p><p><font>- um exaustor;</font>
</p><p><font>- uma máquina de lavar roupa;</font>
</p><p><font>- uma mesa de jantar e oito cadeiras;</font>
</p><p><font>- um móvel estante de vidro;</font>
</p><p><font>- uma mesa de sala de estar;</font>
</p><p><font>- um sofá em pele;</font>
</p><p><font>- um recuperador de calor de fogão de sala;</font>
</p><p><font>- duas televisões Sony;</font>
</p><p><font>- um leitor de DVD;</font>
</p><p><font>-
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tTKyu4YBgYBz1XKvTzE8
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1.ª Secção (Cível)
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<b><font> </font></b><font><br>
<b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font></b><br>
<p><font> AA intentou acção tutelar cível para adopção plena da menor BB.</font>
</p><p><font>Alegou, nuclearmente, que a adoptanda nasceu em 7 de Março de 1999 e que, por sentença do mesmo Tribunal Judicial da Comarca de Ponte de Lima, foi decretada a sua adopção plena por CC, mulher do requerente; que, embora tenha idade superior a 68 anos, vem coabitado com a menor, que o trata como pai, existindo condições afectivas idênticas à filiação natural.</font>
</p><p><font>A adopção foi decretada.</font>
</p><p><font>O Ministério Público interpôs recurso “per saltum” para este Supremo Tribunal da sentença que decretou a adopção.</font>
</p><p><font>E assim concluiu as suas alegações:</font>
</p><p><i><font>- O instituto da adopção deverá surgir como forma de proporcionar à criança a integração numa verdadeira família.</font></i>
</p><p><i><font> - É inegável que entre o requerente e a BB já se encontra estabelecido um vínculo efectivo, porém existem </font></i><i><u><font>fundadas dúvidas</font></u></i><i><font> que tal vínculo seja semelhante ao da filiação.</font></i>
</p><p><font> </font><i><font>- Efectivamente, entre a BB e o adoptante existirá, maxime, um vínculo semelhante ao de uma neta e um avô, o que é de aplaudir, todavia, não foi essa a intenção do legislador.</font></i>
</p><p><i><font> - Não podemos escamotear a facto de existir um fosso geracional entre adoptante e adoptanda, que neste caso se reconduz a 63 anos de idade.</font></i>
</p><p><font> </font><i><font>- Estipula o artigo 1979.º, n.º 1, do Código Civil que “Podem adoptar plenamente duas pessoas casadas há mais de quatro anos e não separadas judicialmente de pessoas e bens ou de facto, se ambas tiverem mais de 25 anos”, sendo certo que, nos termos do nº 3 “Só pode adoptar plenamente quem não tiver mais de 60 anos à data em que o menor lhe tenha sido confiado, mediante confiança administrativa, confiança judicial ou medida de promoção e protecção de confiança a pessoa seleccionada para a adopção, sendo que a partir dos 50 anos a diferença de idades entre o adoptante e o adoptando não poderá ser superior a 50 anos.</font></i>
</p><p><font> </font><i><font>- Urge salientar que o motivo pelo qual o requerente não adoptou plenamente, com a sua mulher, a BB, foi precisamente porque, nessa data, já tinha 68 anos.</font></i>
</p><p><font> </font><i><font>- O artigo 1979.º, nº 5, do CC dispõe que o preceituado no nº 3 do mesmo artigo não se aplica quando o adoptando for filho do cônjuge.</font></i>
</p><p><i><font> - Porém, é nosso entendimento que este preceito apenas se aplica aos filhos biológicos do cônjuge do adoptante, deixando de fora os filhos adoptivos.</font></i>
</p><p><font> </font><i><font>- Como se pode verificar, segundo o entendimento de que o nº 5 do artigo 1979.º do CC se aplica, quer a filhos biológicos, quer adoptados, leva ao ridículo de que as pessoas intentem acções sucessivas, para obstar a uma proibição legal, conseguindo assim, através de uma artimanha jurídica, um resultando que nunca seria possível se tivessem peticionado a adopção conjuntamente.</font></i>
</p><p><i><font> - Actualmente, o requerente tem 73 anos o que constitui um óbice legal à possibilidade de adoptar plenamente. Foi intenção do legislador que não se verificasse uma acentuada diferença de idades entre o adoptando e o adoptado, de modo a que fosse criada uma verdadeira relação filial entre adoptando e adoptante, e não uma relação entre neta e avô.</font></i>
</p><p><font> </font><i><font>- Qualquer outro entendimento constitui uma flagrante fraude à lei permitindo-se, agora, o que anteriormente estava vedado ao requerente.</font></i>
</p><p><font> </font><i><font>- Não estão, assim, reunidos todos os requisitos legais para a constituição do vínculo da adopção, pelo que a decisão deve ser revogada, por violação do disposto nos artigos 1974.º, n.º 1, 1979.º, n.º 3 e n.º 5 do CC.</font></i>
</p><p><font> </font><i><font>- O Ministério Público requer, ao abrigo do disposto no artigo 725.º, n.º 1 do CPC, que o presente recurso suba directamente para o Supremo Tribunal de Justiça, uma vez que se recorre de uma decisão de 1ª instância que põe termo ao processo, o valor da causa é superior à alçada da Relação, bem como o valor da sucumbência, apenas foram suscitadas questões de direito e não se impugnam quaisquer decisões interlocutórias.</font></i>
</p><p><font>O recorrido ofereceu contra-alegações para, em defesa do julgado, concluir que:</font>
</p><p><i><font>- Não assiste qualquer razão ao recorrente, uma vez que, a douta sentença proferida não viola as normas invocadas e, por conseguinte, não tem o Digno Procurador Adjunto, qualquer razão.</font></i>
</p><p><i><font>- Aliás, a idade do aqui adoptante, não constitui, no caso sub judice, obstáculo à adopção, em virtude do n.º 5 do art.º 1979.º, afastar a regra do nº 3 do mesmo preceito legal.</font></i>
</p><p><i><font>- Logo, andou, em nosso entendimento, bem o Meritíssimo Juiz a quo ao decretar a adopção plena da menor a favor do aqui recorrido.</font></i>
</p><p><font>Releva para a decisão a seguinte </font><b><font>matéria de facto</font></b><font>:</font>
</p><p><i><font> - AA nasceu o dia 20 de Agosto de 1935;</font></i>
</p><p><i><font> - CC nasceu no dia 23 de Outubro de 1963;</font></i>
</p><p><font> </font><i><font>- Casaram de 22 de Fevereiro de 2001;</font></i>
</p><p><i><font> - Do casamento não existem filhos;</font></i>
</p><p><i><font> - Por sentença de 10 de Julho de 2008 foi decretada a adopção plena de BB pela CC;</font></i>
</p><p><font> </font><i><font>- Por sentença de 26 de Maio de 2009 foi decretado a adopção plena da BB pelo AA;</font></i>
</p><p><i><font> - A BB nasceu no dia 7 de Março de 1999;</font></i>
</p><p><i><font> - O casal recebeu a menor em sua casa no dia 18 de Fevereiro de 2007;</font></i>
</p><p><i><font> - A BB está integrada no seio do casal com o qual tem uma relação de proximidade e afecto.</font></i>
</p><p><font>Foram colhidos os vistos.</font>
</p><p><font>Conhecendo, </font><br>
<font>1- Adopção.</font><br>
<font>2- Idade do adoptante.</font>
</p><p><font>3- Fraude à lei.</font><br>
<font>4- Conclusões.</font><br>
<b><font>1- Adopção</font></b>
</p><p><font>Dispõe o n.º 1 do artigo 1974.º do Código Civil (na redacção da Lei n.º 31/2003, de 22 de Agosto) que “a adopção visa realizar o superior interesse da criança e será decretada quando apresente reais vantagens para o adoptando, se funde em motivos legítimos, não envolva sacrifício injusto para os outros filhos do adoptante e seja razoável supor que entre o adoptante e o adoptando se estabelecerá um vinculo semelhante ao da filiação.”</font>
</p><p><font>Uma vez decretada a adopção, sempre por sentença judicial (n.º 1 do artigo 1973.º do Código Civil) gera um vínculo “à semelhança da filiação natural, mas independentemente dos laços de sangue” (artigo 1586.º do Código Civil), não sendo lícito – nos casos de adopção plena – fazer qualquer “distinguo” entre o filho natural (com consanguinidade familiar) e o adoptivo, já que a adopção é fonte de relações jurídico familiares, paralelamente com o casamento, o parentesco e a afinidade.</font>
</p><p><font>A Convenção sobre a Protecção de Menores e a Cooperação Internacional em Matéria de Adopção, assinada na Haia em 29 de Maio de 1993 – ratificada por Portugal (Decreto do Presidente da República n.º 6/2003, de 25 de Fevereiro de 2003 e aprovada para ratificação pela Assembleia da República – Resolução n.º 8/2003 de 19 de Dezembro de 2002 – dispõe, no artigo 26.º, que o reconhecimento da adopção implica um vínculo de filiação entre o adoptado e os pais adoptivos, a plena responsabilidade destes para com aquele e o termo da preexistente relação de filiação.</font>
</p><p><font>Também a Convenção Europeia em Matéria de Adopção de Crianças (Aprovada para ratificação pela Resolução da Assembleia da República n.º 4/90 – Diário da República, I Série, de 31 de Janeiro e ratificada por Decreto do Presidente da República n.º 7/90 – Diário da República, I Série, de 20 de Fevereiro de 1990), refere, no seu artigo 10.º que o adoptado tem relativamente ao adoptante “os direitos e obrigações de qualquer natureza de um filho legítimo relativamente ao seu pai e à sua mãe.”</font>
</p><p><font>Daí que não se ponha a questão de distinguir, em termos de direitos – antes lhes conferindo plena igualdade – o filho natural do filho adoptado.</font>
</p><p><font>O modo como a questão é posta pelo Digno Magistrado do Ministério Público, em via principal, é, e salvo o muito respeito, deslocado por, a ser acolhido, se traduz numa discriminação entre filhos, a decorrer da origem da filiação o que contenderia com a lei civil, com os instrumentos internacionais e com a Constituição da República, “maxime” os seus artigos 69.º, n.º 1 e 13.º, n.º 2.</font>
</p><p><b><font>2- Idade do Adoptante</font></b>
</p><p><font>2.1- A questão fulcral prende-se, tão-somente, com a interpretação do n.º 5 do artigo 1979.º do Código Civil (na redacção da Lei n.º 31/2003, de 22 de Agosto).</font>
</p><p><font>Este preceito (antes, por na redacção do Decreto-Lei n.º 185/93, de 22 de Maio, genéricamente constante do então n.º 3, “in fine” daquele artigo) vem excepcionar a regra do seu n.º 3.</font>
</p><p><font>Dispõe este que “só pode adoptar plenamente quem não tiver mais de 60 anos à data em que o menor lhe tenha sido confiado, mediante confiança administrativa, confiança judicial ou medida de promoção e protecção de confiança a pessoa seleccionada para a adopção sendo que, a partir dos 50 anos a diferença de idades entre o adoptante e o adoptado não poderá ser superior a 50 anos.”</font>
</p><p><font>O n.º 5 daquele artigo 1979.º estabelece que o n.º 3 “não se aplica quando o adoptando for filho do cônjuge do adoptante.”</font>
</p><p><font>Vejamos, então.</font>
</p><p><font>2.2- Na perspectiva do “superior interesse da criança” e da busca das suas “reais vantagens” pretende-se que, com a adopção, aquela venha a beneficiar de uma família estável, estruturada que lhe propicie uma educação tranquila, preparando-a para o futuro, com realismo, e lhe dê um ambiente de carinho, afecto e equilíbrio psicológico.</font>
</p><p><font>Estes factores, entre outros (já que não se pode ser exaustivo no preenchimento de um conceito tão amplo) pouco ou nada têm a ver com a eventualidade de maior acervo de bens da ulterior herança dos adoptantes, factor só residualmente ponderável sob pena de se concluir que os carenciados (ou menos desafogados económicamente) seriam preteridos numa candidatura à adopção em favor dos mais abonados (ou detentores de património mais sólido).</font>
</p><p><font>E, ao impor limites de idade mínimos para os adoptantes (n.º 1), o legislador ficcionou uma maior maturidade, em princípio garantia de maior estabilidade.</font>
</p><p><font>Isto, embora como notam os Profs. Pires de Lima e Antunes. Varela (in “Código Civil Anotado”, 1995 – V, 520) haver “gente que nasce insensata e acaba por morrer tão infantil como quando veio ao mundo, porque a idade e a experiência nada acrescentaram ao seu bom senso. Mas não é essa a regra. A normalidade é daqueles para quem a idade e a experiência da vida são mestres de ensinamentos.”</font>
</p><p><font>Já a fixação do limite máximo – de 60 anos – e da inexistência de uma diferencia etária não superior a meio século, destina-se a garantir (com a falibilidade e insondabilidade da vida humana) que o adoptado não se veja órfão muito cedo, assim anulando muitas das vantagens da adopção, ou tenha uma educação desfasada da época em que vive, com referências culturais desactualizadas e, enfim, receba um “avô” (ou uma “avó”) em vez de um “pai” (ou uma “mãe”), sabido que as diferentes gerações propiciam formação e educação muito diferentes.</font>
</p><p><font>Assim sendo, a excepção do n.º 5 do preceito que vimos analisando (permitir, em qualquer idade, a adopção do filho do cônjuge do adoptante) só pode ter uma leitura: o legislador sacrificou aqueles princípios à constituição de uma unidade familiar, inserindo na nova célula um grupo pré constituído.</font>
</p><p><font>Ou seja, a excepção destina-se a permitir ao que se casa com alguém com filhos – obviamente que existentes antes do casamento – integrar no novo núcleo familiar todo aquele agregado (a ideia retira-se, também, dos Profs. Pires de Lima e A. Varela – ob. vol. cit., 523: “… ressalvando-se apenas o caso em que o adoptando seja filho do cônjuge do adoptante e passe, assim, de enteado a filho legítimo deste último.”).</font>
</p><p><font>Isto é coerente com a “mens legislatoris” e com os princípios da lei que só excepcionou idades, “gap” etários e, até, situações conjugais, quando pretendeu garantir uma unidade familiar em situações pré-constituídas (cf., também, o n.º 2 do mesmo artigo 1979.º, destinado a colmatar uma situação monoparental.</font><br>
<b><font>3- Fraude à lei</font></b>
</p><p><font>3.1- “In casu”, e ainda que assim não fosse entendido, perfilar-se-ia a criação de um artifício para defraudar a lei.</font>
</p><p><font>Casados há mais de sete anos – e sem filhos – adoptaram sucessivamente (e não em conjunto, como seria normal e é corrente) antes o fazendo primeiro a mulher, então com 44 anos de idade, e vindo, depois, o marido, já com 73 anos de idade, requerer a adopção que apenas poderia alcançar se o adoptando fosse filho do seu cônjuge (não só por ultrapassar o limite de idade, como por exceder, em muito, a diferença etária entre si e a menor).</font>
</p><p><font>Provocou, assim, uma situação que o legislador não previu, nem quis, já que a excepção só relevaria se a mulher “trouxesse” a filha para o casamento e não a “adquirisse” no decurso deste.</font>
</p><p><font>Pode, em consequência, dizer-se que defraudou a lei.</font>
</p><p><font>3.2- O legislador não delineou genericamente a figura da fraude à lei, que apenas tratou em sede de direito internacional privado e no âmbito da aplicação das normas de conflitos (cf. o artigo 21.º do Código Civil ao dispor que “na aplicação das normas de conflito são irrelevantes as situações de facto ou de direito criadas com o intuito fraudulento de evitar a aplicabilidade da lei que, noutras circunstâncias, seria competente.”) - cf., Prof. Rui de Alarcão – “Breve motivação do anteprojecto sobre o negócio jurídico na parte relativa ao erro, dolo, coacção, representação, condição e objecto negocial.” – BMJ – 138-120.</font>
</p><p><font>Trata-se de impedir a utilização da norma de conflitos com o fim de iludir a lei imperativa aplicável (Fernandez Rozas e Sixto Lorenzo – “Derecho Internacional Privado”, 3.ª ed., 135, Madrid 2004).</font>
</p><p><font>Certo, porém, que esta figura pode – e deve – estender-se para além do direito internacional privado.</font>
</p><p><font>Assim, existirá fraude à lei quando se lança mão de uma norma de cobertura para lograr ultrapassar – ou incumprir – a norma defraudada, ou seja a que seria a aplicável à relação jurídica.</font>
</p><p><font>Trata-se de, por via indirecta, por através da prática de um ou vários actos lícitos (já com propósito de defraudar, numa concepção subjectivista; ou mesmo sem tal propósito, se aderindo a uma concepção objectiva) obter um resultado que a lei proíbe.</font>
</p><p><font>Ensinava o Prof. Manuel de Andrade (in “Teoria Geral da Relação Jurídica”, 1992, II, 337) serem fraudulentos os actos que tenham por escopo “contornar ou circunvir uma disposição legal, tentando chegar ao mesmo resultado por caminhos diversos dos que a lei designadamente previu e proibiu – aqueles que, por essa forma, pretendem burlar a lei.”</font>
</p><p><font>Nesta perspectiva, a fraude mais não é do que uma insidiosa violação da lei, a aferir, casuisticamente, aquando da interpretação do negócio jurídico, tal como acontece com a má fé ou com o abuso de direito.</font>
</p><p><font>O Prof. Menezes Cordeiro, reconhecendo a não autonomia jurídica da fraude à lei, reconduz a figura ao princípio geral de a proibição do resultado dever implicar a proibição dos meios indirectos para o alcançar, já que a mera proibição de um meio arrisca deixar aberta a porta a outros meios não proibidos para alcançar o fim. (in “Tratado de Direito Civil Português”, I – Parte Geral, Tomo I – “Introdução. Doutrina Geral. Negócio Jurídico”, 1999, 423 ss).</font>
</p><p><font>Adere-se à doutrina do Prof. Castro Mendes (in “Teoria Geral do Direito Civil”, II, 1979, 334 ss) ao explicar lapidarmente que para haver fraude à lei é necessário um nexo entre o acto ou actos em si lícitos e o resultado proibido. E o nexo pode ser subjectivo (intenção dos agentes) ou objectivo (criação de uma situação jurídica tal que, pelo seu desenvolvimento normal, leve ao resultado proibido).</font>
</p><p><font>Mas não há fraude sem nexo, ou seja, sem que o acto lícito em si não esteja ligado ao resultado proibido.</font>
</p><p><font>De aceitar esta conceptualização mas pondo a tónica da prescindibilidade do elemento subjectivo – “animus fraudandi” – por valer um conceito ético e objectivo de boa fé, como o que, quanto ao abuso de direito, enuncia o artigo 334.º do Código Civil, concepção acolhida para este instituto no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 15 de Maio de 2007 – 07 A1180 – desta Conferência, onde, além do mais se disse que “não se exige que o titular do direito tenha consciência de que o seu procedimento é abusivo, não sendo necessário que tenha a consciência de que, ao exercer o direito está a exceder os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes e pelo seu fim social ou económico, basta que na realidade (objectivamente) esses limites tenham sido excedidos de forma nítida e clara assim se acolhendo concepção objectiva do abuso de direito (cf., por todos, Profs. Pires de Lima e Antunes Varela – “Código Civil Anotado”, vol. I, 1967, p. 217).”</font>
</p><p><font>Esta concepção objectivista da fraude à lei foi também adoptado no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25 de Janeiro de 2005 – 04 A3915 –( “… decisivo para afirmar a ilicitude e consequente nulidade do negócio em fraude à lei é o resultado com ela obtido e não a intenção das partes.”).</font>
</p><p><font>Aqui chegados, podemos afirmar que a adopção feita pelo recorrido o foi em fraude à lei, sendo que a norma contornada é imperativa e geradora da nulidade do acto, o que o Tribunal pode declarar mesmo “ex officio” – artigos 280.º e 286.º do Código Civil.</font><br>
<b><font>4- Conclusões</font></b>
</p><p><font>Pode, enfim, concluir-se que:</font><br>
<font>a) A filiação natural e a filiação resultante de adopção plena são fontes de iguais relações jurídico- familiares, não podendo fazer-se qualquer “distinguo”, em sede de direitos, entre o filho natural e o filho adoptado.</font><br>
<font>b) Este princípio resulta não só dos artigos 1586.º e 1986.º do Código Civil, 69.º, n.º 1 e 13.º, n.º 2 da Constituição da República, como da Convenção sobre a Protecção de Menores e a Cooperação Internacional em Matéria de Adopção (Haia – 29/5/93), ratificada pelo Decreto do PR n.º 6/2003) e da Convenção Europeia em Matéria de Adopção de Crianças, ratificada por Decreto do PR n.º 7/90.</font><br>
<font>c) Na perspectiva do superior interesse da criança e da busca das suas reais vantagens, pretende-se que o adoptando venha a beneficiar de uma família estável, estruturada, que lhe propicie uma educação tranquila, preparando-o para o futuro com realismo, em ambiente de carinho, afecto e equilíbrio psicológico.</font><br>
<font>d) Ao impor limite de idade máximo para o adoptante, e a inexistência de uma diferença etária não superior a 50 anos, a lei quer, por um lado, a garantir (com a falibilidade e insondabilidade da vida humana) que o adoptando não se veja órfão muito cedo e, por outro, que não receba uma educação desfasada da época em que vive, com referências culturais desactualizadas.</font><br>
<font>e) A excepção do n.º 5 do artigo 1979.º do Código Civil tem por objectivo integrar plenamente uma família pré-constituída, no caso dos cônjuges chegarem ao casamento com filhos de relacionamentos anteriores.</font><br>
<font>f) Embora o legislador não tenha tratado genericamente a figura de fraude à lei apenas consagrada para as normas de conflitos (direito internacional privado) a mesma pode e deve estender-se a todo o negócio jurídico, desde que se lance mão de uma norma de cobertura para ultrapassar – ou incumprir- outra norma (a defraudada).</font><br>
<font>g) Assim, por via indirecta, através da prática de um ou vários actos lícitos, logra obter-se um resultado que a lei previu e proibiu.</font><br>
<font>h) É necessário um nexo entre o(s) acto(s) lícitos e o resultado proibido, não sendo essencial a intenção das partes em defraudar a lei, aderindo-se assim a uma concepção objectivista.</font><br>
<font>i) O negócio jurídico celebrado com fraude à lei é nulo.</font>
</p><p><font>Do exposto resulta que </font><b><font>acordam conceder a revista, revogando a sentença recorrida</font></b><font>.</font>
</p><p><font> Sem custas –artigo 3º ,nº1 a) CCJ.</font>
</p><p><font>Lisboa, 20 de Outubro de 2009</font>
</p><p><font>Sebastião Póvoas (Relator)</font>
</p><p><font>Moreira Alves</font>
</p></font><p><font><font>Alves Velho</font></font></p>
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1.ª Secção (Cível)
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<b><font> </font></b><font><br>
<br>
<font>No Tribunal Judicial da Comarca de Sesimbra,</font><br>
<br>
<font>AA – </font><u><font>Sociedade Promotora de Tempos Livres S.A..</font></u><br>
<font>intentou a presente acção declarativa de condenação, com processo ordinário, contra</font><br>
<font>1 – </font><u><font>BB,</font></u><br>
<font>2 – </font><font>CC e </font><br>
<font>3 – </font><u><font>DD.</font></u><div></div><font>Pediu a condenação dos R.R. BB e CC a pagarem à A. a quantia de 14.854.20 €, bem como uma indemnização por danos patrimoniais que computa em 10.000€, tudo acrescido dos juros de mora, vencidos e vincendos,</font><div><font>ou,</font></div><font>para o caso de se entender não serem os 1º e 2º RR. responsáveis perante a A., pede a condenação do R. DD a pagar-lhe a quantia de 14.854.20€ (2.978.000$00).</font><div></div><font>Em fundamento, alegou em resumo:</font><br>
<font>- Por acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 13/12/2000, foi a A. condenada a pagar á accionista EE, a título de indemnização pessoal, a quantia de 14.854.20 €, para além da quantia que viesse a apurar-se em sede de execução de sentença.</font><br>
<font>- Os 1º e 2º RR eram, à data, os administradores da A.;</font><br>
<font>- na sequência da condenação da A. nos termos referidos, socorrendo-se do número da conta bancária de que eram titulares o 3º R e a accionista EE, o 1º R., em articulação de meios e com conhecimento e anuência do 2º R., efectuou o depósito da indemnização aludida na conta referida (conta nº 008102 1258600 da C.G.D.), sem que tivesse sido dado conhecimento prévio à titular do direito à indemnização;</font><br>
<font>- Com tal procedimento pretendia o 1º R., ainda que em nome da sociedade A., da qual era o Presidente da Administração, libertar-se, por um lado, da obrigação emergente da condenação, e ao mesmo tempo evitar que a titular da indemnização beneficiasse dessa quantia;</font><br>
<font>- De facto o 1º R., com o conhecimento e anuência do 2º; acordou com o 3º R depositar aquela quantia na referida conta, de modo a que o 3º R. pudesse dispor, como dispôs, daquele montante para os fins que entendesse;</font><br>
<font>- Assim, no dia 11/1/2001, o 1º R. fez o aludido depósito na C.G.D., e nesse mesmo dia e hora, embora em agência diferente, o 3ºR deu ordem ao banco para que utilizasse aquele montante para amortizar um financiamento concedido àquele 3ºR;</font><br>
<font>- Uma vez que a EE nada recebeu, acabou por intentar uma acção executiva contra a A., sendo que, entretanto, a administração da A. decidiu pagar a dita quantia à EE.</font><br>
<font>- Consequentemente, a A. pagou duas vezes a mesma quantia, ficando, portanto, prejudicada;</font><br>
<font>- As obrigações pecuniárias devem efectuar-se, à falta de estipulação expressa em sentido diferente, no lugar do domicílio que o credor tiver ao tempo do cumprimento;</font><br>
<font>- E não havia razão para consignar em depósito tal quantia:</font><br>
<font>- Os 1º e 2º RR não agiram de boa-fé, actuando com preterição dos deveres legais e em prejuízo dos interesses e da imagem da A. que representavam.</font><br>
<font>- Além de que violaram, com a sua actuação, as obrigações determinadas no pacto social, bem como o dever genérico previsto no art.º 64 do C.P.C.</font><div><br>
</div><br>
<font>Citados, contestaram os RR., arguindo uma série de excepções, além de terem impugnado a factualidade essencial alegada pela A. em fundamento dos seus pedidos.</font><br>
<font>Peticionaram a condenação da A. como litigante de má-fé.</font><div></div><font>A A. replicou.</font><div></div><font>Elaborou-se despacho saneador que definitivamente julgou procedente a excepção de ilegitimidade do 3º R, que, por isso, o absolveu da instância, julgando improcedentes as demais excepções.</font><div></div><font>Fixaram-se os factos assentes e organizou-se a base instrutória.</font><div></div><font>Procedeu-se a julgamento e, lida a decisão de facto, foi proferida sentença final que, considerando não se ter provado que os 1º e 2º RR tenham praticado qualquer acto ilícito, os absolveu do pedido.</font><div></div><font>Recorreu a A. e com êxito, visto que a Relação, apreciando a apelação a julgou parcialmente procedente e, em consequência, revogou a sentença recorrida e condenou o 1º R (BB) a pagar à A. a quantia de 24.854.20€ (14.854.20+10.000.00€), acrescida dos juros de mora desde a citação até integral pagamento, absolvendo, porém, o 2ºR.</font><div><br>
<br>
</div><br>
<font>É deste acórdão que recorre o 1º R., recurso que foi admitido como de revista.</font><div><br>
<br>
</div><br>
<u><font>Conclusões</font></u><font>.</font><div><br>
</div><br>
<font>Apresentadas tempestivas alegações, formulou o recorrente as seguintes conclusões:</font><br>
<br>
<br>
<font> 1. O Tribunal da Relação de Lisboa ao arrepio do disposto nos art. 660° CPC não se limitou a apreciar a questão colocada no recurso de apelação, outrossim, e após considerar improcedente o vício invocado pela apelante, ocupou-se de uma questão que não foi directamente invocada, o erro de direito.</font><br>
<font> 2. O único vício apontado pela apelante foi julgado improcedente pelo acórdão recorrido pelo que não podia a Relação ocupar-se da questão de erro de direito, uma vez que nesse recurso não foi invocado tal vício;</font><br>
<font> 3. Conheceu de questão que não era objecto de recurso, infringindo o disposto no artigo 716° n° 1 e na segunda parte da alínea d) do n° 1 do artigo 668°, 660°n.° 2, segunda parte, todos do Código de Processo Civil, pelo que é nulo o acórdão por excesso de pronúncia.</font><br>
<font> 4. Mais, o Tribunal da Relação errou na interpretação do art. 158° do CC ao considerar que a fundamentação da Douta Sentença foi muito sucinta, na justa medida em que a Douta Sentença expôs as razões de facto e de direito que levaram à improcedência da acção, não existindo qualquer razão para censura da Douta Sentença.</font><br>
<font> 5. A responsabilidade dos administradores perante a sociedade é uma responsabilidade subjectiva, conforme o próprio acórdão recorrido refere, e é baseada na culpa, atento o disposto na parte final do n.° 1 do art. 72° do CSC, apurada com base nos pressupostos da responsabilidade civil, art. 483° C.C.</font><br>
<font> 6. A Autora sustentou a obrigação de indemnização por parte do recorrente, com base em dois factores os quais foram transcritos para a base instrutória e deram origem à matéria constante dos seus art. 3° e 4° da mesma, contudo, tal factualidade que não ficou provada, pelo que </font><br>
<font>7. De acordo com a prova produzida, não podia o Tribunal da Relação considerar demonstrado qualquer comportamento ilícito e culposo por parte do recorrente, nem tão pouco considerar que existe responsabilidade civil do recorrente, pois tal não existe nem à luz das regras gerais do direito civil, nem à luz das normas do CSC, em especial do art. 64° e 72° do CSC;</font><br>
<font>8. Apreciando os factos tendo em conta o disposto no art. 72° do CSC, e não se tendo provado que o recorrente incumpriu qualquer preterição legal ou contratual, nunca se poderia aceitar que a conduta do recorrente de proceder ao depósito na conta bancária da EE seja qualificada como um facto ilícito;</font><br>
<font>9. O recorrente não violou qualquer norma legal ou contratual, pese embora a Relação considere que tal conduta violou o disposto no art. 774° do C.C., entendimento com o qual não se pode concordar, porquanto erro na interpretação dos factos e do direito,</font><br>
<font>10. O art. 64° do CSC, não contém em si mesmo um dever autónomo susceptível de ser violado, pelo que ao considerar que o recorrente violou esta norma errou o Tribunal da Relação de Lisboa na interpretação dos elementos de factos e de Direito,</font><br>
<font>11. Não logrou a autora provar que o recorrente praticou um facto ilícito e culposo, nem tão pouco o nexo de causalidade, ao contrário, do entendimento do acórdão ora recorrido, pelo que</font><br>
<font>12. A Relação de Lisboa ao considerar demonstrados tais pressupostos violou o disposto nos art,. 483° do CC e art. 64° e 72° do CSC, </font><br>
<font>13. A Relação violou ainda o disposto no art. 342° do C.C. na justa medida em que não tendo a autora logrado provar os factos constitutivos do direito por si invocado, não poderia recair sobre o réu o ónus de prova da ausência de culpa, pois tal só é exigível após a demonstração da ilicitude o que não aconteceu;</font><br>
<font>14. Mais errou na interpretação do art. 5ó3° do CC ao considerar existir nexo causal entre a actuação do recorrente e o dano sofrido pela autora, a sociedade, pois não existe qualquer nexo entre facto próprio do recorrente e o dano da sociedade.</font><br>
<font>15. Ficou provado que o recorrente pagou a indemnização por depósito bancário a EE, em virtude de decisão judicial e na conta bancária que a sociedade tinha conhecimento de que EE era titular, e em acto contínuo, deu conhecimento ao mandatário daquela,</font><br>
<font>16. O recorrente agiu em cumprimento de uma decisão judicial, pugnando pela protecção dos interesses da sociedade, pelo que não pode o mesmo ser responsabilizado por actos que a si são alheios.</font><br>
<font>17. Nestes termos deve o Douto Acórdão ser revogado e consequentemente ser o réu absolvido do pedido.</font><div></div><font>Contra-alegou a A. pugnando pela confirmação do acórdão recorrido.</font><div><br>
</div><br>
<u><font>Os Factos</font></u><br>
<br>
<font> </font><br>
<font>As instâncias fixaram a seguinte matéria de facto:</font><br>
<div></div><br>
<font> 1- Por Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa proferido a 13 de Dezembro de 2000 foi a Autora condenada a pagar à accionista EE a quantia de esc: 2.978.000$00, correspondente a €14.854,20 (alínea A) dos factos assentes).</font><br>
<font> 2- Em 13 de Dezembro de 2000 os Réus eram administradores da sociedade ora Autora, sendo o Réu BB Presidente de Administração e Director do Parque (alínea B) dos factos assentes).</font><br>
<font> 3- Na sequência da condenação referida em A) o 1 ° Réu efectuou no dia 11 de Janeiro de 2001 depósito em numerário de esc: 2.978.000$00 na conta n° 0080000000000 da Caixa Geral de Depósitos, da qual era titular EE e DD (alínea C) dos factos assentes).</font><br>
<font> 4- No dia 11 de Janeiro de 2001 DD deu ordem à Caixa Geral de Depósitos relativa à sua conta n° 008000000000 para utilizar o montante de esc: 2.978.000$00 (€14.854,20) para amortizar o financiamento no 005000000000009 (alínea D) dos factos assentes).</font><br>
<font> 5- EE intentou a 23 de Março de 2001, acção executiva contra a aqui Autora por não ter recebido a quantia referida em A), tendo sido penhorado o único bem imóvel da sociedade (alínea E) dos factos assentes).</font><br>
<font> 6- Em 14 de Janeiro de 2003 a Autora procedeu ao pagamento da quantia em apreço de €14.854,20 a EE, pondo-se fim ao processo de execução (alínea F) dos factos assentes).</font><br>
<font> 7- Os Réus procederam a esse depósito sem dar prévio conhecimento a EE (resposta ao artigo 2º da base instrutória).</font><br>
<font> 8- A conta bancária referida na alínea C) dos factos assentes era uma das contas que a administração da sociedade ora Autora tinha conhecimento por ser aquela em que EE e marido, por vezes, pagavam o condomínio do Parque de Campismo AA, pertença da Autora (resposta ao artigo 50 da base instrutória).</font><br>
<font> 9- Efectuado o depósito foi tal comunicado por volta do dia 12/13 de Janeiro de 2001 ao mandatário de EE (resposta ao artigo 6º da base instrutória).</font><br>
<font> 10- No dia 11 de Janeiro de 2001 DD encontrava-se ocasionalmente no banco (resposta ao artigo 7o da base instrutória).</font><br>
<font> 11- A ordem de transferência referida em D) destinou-se a um empréstimo de habitação da casa de morada de família da qual DD era, à data, co-proprietário conjuntamente com EE (resposta ao artigo 8º da base instrutória).</font><br>
<font> 12- Em Julho de 2001 foi decretado o divórcio de DD e EE, tendo sido atribuída a casa de morada de família àquele (resposta ao artigo 90 da base instrutória).</font><br>
<font> 13- A Autora despendeu a quantia de €10.000 com o pagamento de honorários a advogados, custas judiciais e deslocações de administradores ao processo que culminou com o Acórdão da Relação referido em A) (resposta ao artigo 100 da base instrutória).</font><div></div><font> Da discussão da causa não resultaram provados os seguintes factos;</font><br>
<font> - O 1.- Réu agiu com o conhecimento e anuência do 2º Réu quando transferiu a quantia referida em C) (artigo 10 da base instrutória).</font><br>
<font> - Os Réus acordaram com DD depositar, nesse dia, tal quantia na conta em apreço para que este pudesse dispor do referido montante (artigo 30 da base instrutória).</font><div></div><font> </font><br>
<u><font>Fundamentação</font></u><div></div><font>Como se vê das conclusões são essencialmente duas as questões colocadas na revista do 1º R.</font><br>
<u><font>A primeira </font></u><font>tem a ver com a arguida nulidade do acórdão recorrido, por se ter pronunciado sobre questão que não lhe foi colocada na apelação.</font><br>
<u><font>A segunda,</font></u><font> de carácter substantivo, traduz-se em saber se o 1º R, ao proceder ao pagamento da indemnização arbitrada à sua accionista EE, através de depósito numa conta bancária titulada não só por ela mas também pelo então marido (o aqui 3º R.), incorreu ou não em conduta ilícita geradora de responsabilidade para com a A. nos termos do Art.º 62 e 72 do C.S.C.</font><div><br>
<u><font>1ª Questão</font></u><br>
<br>
<u><font>Nulidade.</font></u></div><font>Como resulta da p. inicial é complexa a causa de pedir que sustenta os pedidos formulados.</font><br>
<font>Na verdade, para além da responsabilidade delitual imputada aos 1º e 2º RR, na medida em que, conluídas com o 3º R, teriam tido o propósito de, não só se livrarem (em nome da A.) da obrigação decorrente da condenação da A., mas também de evitarem que a titular do direito à indemnização beneficiasse da quantia que lhe era pessoalmente devida, que assim ficaria, como ficou, na total disponibilidade do 3º R,. Alega-se igualmente, em fundamento do pedido, a violação genérica do dever de diligência que a lei comercial exige aos gerentes e administradores (Art.º 64 do C.S.C.), na medida em que o pagamento da aludida indemnização não foi efectuado directamente à credora, mas depositado em conta em que havia outro titular com possibilidade de a movimentar, (como de facto movimentou) tudo sem previamente se ter informado a credora da intenção de fazer o referido depósito.</font><br>
<font>Designadamente, imputa-se-lhes a violação do disposto no Art.º 774 do C.C., já que se efectuou o pagamento da obrigação em local diferente do determinado supletivamente por lei, sem que existisse estipulação em contrário e não se justificava a consignação em depósito.</font><br>
<font>Daí a responsabilidade civil dos 1º e 2º RR. para com a A., que a sentença final devia ter analisado e não analisou.</font><br>
<font>Na verdade, perante a falência da prova, no que respeita ao alegado concluio, a sentença partiu logo do princípio que nenhuma conduta ilícita e culposa podia ser imputada aos 1º e 2º RR, sem, todavia, considerar os demais fundamentos em que a A. assentou a responsabilidade que imputou àqueles RR.</font><br>
<font>Por isso, face ao assim decidido, veio a A. arguir a nulidade da sentença porquanto não teria conhecido de todas as questões que lhe foram suscitadas.</font><div></div><font>O acórdão recorrido entendeu que a julgadora abordou na sentença a problemática referente à responsabilidade assacada aos 1º e 2º RR, fazendo-o apenas na perspectiva da responsabilidade, civil delitual, tendo ignorado as especificidades inerentes à posição de administradores que os RR. tinham na empresa.</font><br>
<font>Tal, porém, não poderia ser visto como nulidade da sentença por omissão de pronúncia, mas antes deve ser apreciado em sede de recurso como </font><u><font>erro de direito.</font></u><br>
<font>Passou, assim, o acórdão recorrido a analisar a factualidade disponível à luz da referida perspectiva, acabando por condenar apenas o 1º R. a indemnizar a A. por todos os prejuízos que a sua conduta negligente (ilícita e culposa) lhe causou.</font><div></div><font>Vem agora a 1ª R. arguir, igualmente, a nulidade do acórdão recorrido por se ter pronunciado sobre a questão do erro de direito, que não podia conhecer, dado ter sido julgada improcedente a nulidade, único vício que a A. apontou à sentença recorrida no seu recurso de apelação.</font><div></div><font>É manifesta a falta de razão do recorrente.</font><br>
<font>Como resulta óbvio das alegações da apelação da A. o que ela pretendeu foi que o Tribunal de recurso apreciasse a responsabilidade civil dos 1º e 2º RR., enquanto administradores da A. e a sua eventual violação dos deveres de diligência genérica com que deviam agir, em representação da A., de modo a não causar prejuízos na sua esfera jurídica, pois que, na sua óptica, o facto de não se ter provado o concluio entre os 1º e 2º RR. e o 3º R., no sentido de prejudicar a titular da indemnização, não impedia que lhes fosse imputada responsabilidade civil decorrente da violação dos aludidos deveres genéricos de diligência, desde logo traduzidos na violação do disposto no Art.º 774 do C.C.</font><div></div><font>E foi exactamente o que fez a Relação.</font><br>
<font>O facto de a A. ter qualificado o vício da sentença como nulidade por falta de pronúncia e a circunstância de a Relação ter entendido não se verificar tal vício, é evidente que não impedia a 2ª instância de apreciar o erro de direito que julgou verificar-se, e que até foi expressamente alegado e equacionado pela recorrente, embora numa perspectiva que foi julgada incorrecta.</font><div><br>
</div><br>
<font>Não se verifica, por isso, qualquer nulidade, designadamente por excesso de pronúncia, como quer o recorrente.</font><div></div><font>A Relação limitou-se a qualificar diferentemente o vício apontado e equacionado na apelação e, portanto, devia conhecer da questão suscitada embora numa perspectiva diferente da que fora colocada, por se tratar de questão de direito, em relação à qual o tribunal não está limitado ou condicionado pela alegação da parte.</font><div><br>
<br>
<u><font>2ª Questão.</font></u><br>
</div><br>
<font>Mas será que o 1º R. foi bem condenado a indemnizar a A.?</font><br>
<font>Será que, na verdade, violou algum dever de conduta capaz de o responsabilizar perante a A.?</font><div></div><font>Pensamos que face ao quadro factual em presença, e só esse interessa aqui considerar, a resposta não poderá deixar de ser positiva.</font><br>
<font>De resto, a questão foi tratada pelo acórdão recorrido de forma correcta e com a pertinente fundamentação, pelo que para ele se remete nos termos do Art.º 713º nº5 do C.P.C.</font><div></div><font>Sem embargo julga-se oportuno deixar algumas considerações complementares.</font><div></div><font>Sabemos que a A. é uma sociedade anónima dotada de Conselho de Administração e que os </font><u><font>administradores, </font></u><font>tal como os gerentes ou directores de qualquer sociedade </font><u><font>devem actuar com a diligência de um gestor criterioso e ordenado </font></u><font>(cof. Art.º 64 do C.S.C., na redacção em vigor à data dos factos).</font><div></div><font>Notar-se-à, no entanto, que, como refere, Raul Ventura (Sociedades por Quotas – III-149) “a diligência do gerente não é apreciada como a culpa em concreto, em função do comportamento normal do próprio gerente.</font><br>
<font>Há um padrão objectivo, que não é o do simples bom pai de família mas sim o de um gestor dotado de certas qualidades”, diremos nós, mais exigentes.</font><br>
<font>“Do carácter objectivo do grau de diligência do gerente decorre a indiferença das circunstâncias pessoais deste, designadamente a sua incapacidade ou incompetência para gerir empresas e especialmente aquela considerada”.</font><br>
<font>Quer dizer, não chega que o gerente actue como o faria qualquer homem médio já que a diligência exigida ao gerente ou ao administrador tem de ser a de um profissional qualificado de modo que a sua responsabilidade só poderá ser afastada por falta de culpa, quando o administrador actue como o faria um gestor medianamente criterioso e ordenado, como refere o preceito.</font><br>
<font>E, é claro, como observa Pereira de Almeida (Sociedades Comerciais-4ª ed. – 242) não interessará considerar o mérito da decisão, mas a observância dos deveres fundamentais no processo de decisão, designadamente o dever de informação necessária a evitar condutas que causem prejuízos à sociedade por cujo interesse lhe compete velar.</font><br>
<font>Por outro lado o administrador responde para com a sociedade pelos danos que a esta advenham em consequência dos actos ou omissões praticados com preterição dos deveres legais ou contratuais, salvo provando que procedeu sem culpa (Art.º 72º do C.S.C.).</font><br>
<font>Presume-se, pois, a culpa, tal como no domínio da responsabilidade obrigacional (Art.º 799 nº1 do C.C.), que, de resto, é o domínio em que se deve colocar a questão de a responsabilidade do administrador ou do gerente no quadro do Art.º 72 do C.S.C., como se refere no acórdão recorrido, sem prejuízo de poder ocorrer condutas dos administradores ou gerentes, configurando delitos civis a tratar segundo as regras da responsabilidade aquiliana.</font><div></div><font>Posto isto, sabemos que, tendo a A. sido condenada a pagar à sua accionista, EE a indemnização de 2.978.000$00 (14.854.20€), o 1º R depositou essa quantia na conta nº 008000000000 da C.G.D. da qual eram titulares quer a referida EE, quer o seu então marido, DD (que foi aqui o 3º R), como era do conhecimento do 1º R., já que se tratava de uma conta que qualquer desses titulares usava, por vezes, para pagar o condomínio do parque de Campismo, proprietário da A.</font><br>
<font>(Segundo a acusação penal deduzida contra o 3º R – doc. a fls 371 e seg. – tratava-se de uma conta de D.O., da qual o DD era, até o 1º titular e a esposa a 2ª titular, apenas por ele movimentada…).</font><div></div><font>Ora a indemnização atribuída à EE era uma indemnização pessoal, incomunicável, portanto, (cf. Art.º 1733 d), aplicável, também ao regime da comunhão de adquiridos – v. A. Varela – Direito de Família, nota nº2, pag. 441 -), situação que o 1º R não podia ignorar, até porque conhecia, naturalmente, a decisão condenatória atributiva da citada indemnização, assim como não podia ignorar que, depositado o montante devido numa conta bancária que qualquer dos dois titulares podia, por si só, movimentar, sempre haveria o perigo, muito concreto, de o dinheiro vir a ser movimentado e utilizado pelo titular da conta que a ele não tinha qualquer direito.</font><div></div><font>E foi exactamente o que veio a acontecer no próprio dia do depósito, já que, como se provou, o DD (3ºR.) logo transferiu o dinheiro depositado para amortizar um financiamento que lhe fora concedido pelo banco, assim privando a verdadeira credora da prestação que só a ela era devida.</font><br>
<font>Desta forma, o 1º R, em representação da A. pagou o que esta devia pagar mas a maneira grosseiramente negligente e descuidada como efectuou esse pagamento veio a permitir que a prestação acabasse na disponibilidade de 3º, isto é, de pessoa diferente da credora, e isto sem que a esta possa imputar-se qualquer parcela de responsabilidade na situação criada.</font><br>
<font>No fundo estamos perante uma situação equiparável à do pagamento a terceiro à revelia da real credora, o que, como se sabe, não desonera o devedor, que continua vinculado á prestação, já que não pode opor à credora tal pagamento, até porque não está provada qualquer das situações concretas previstas no Art.º 770 do C.C., que extinguiriam a obrigação apesar do pagamento a terceiro.</font><br>
<font>Na verdade “quem paga mal paga duas vezes” como a A. veio a reconhecer.</font><div></div><font>De facto a referida EE, porque nada recebeu da indemnização a que pessoalmente tinha direito, veio executar a A., na sequência do que foi penhorado o seu único bem imóvel, razão por que a A. para evitar a respectiva venda em hasta pública, acabou por deliberar pagar à credora a indemnização que o 1º R. pagou mal, assim ficando prejudicada.</font><div></div><font>Portanto, ao depositar o montante da indemnização da forma que o fez, o 1º R. agiu com manifesta e grosseira negligência, imprevidência e descuido, se mais não fosse, porque não se informou como devia proceder ao pagamento da indemnização devida com a necessária segurança.</font><div></div><font>Aliás, a sua negligência sai ainda reforçada (é ainda mais censurável) pelo facto de ter procedido ao aludido depósito sem previamente ter informado a credora de que o iria fazer e sem lhe pedir instruções sobre a melhor forma de liquidar a prestação devida.</font><br>
<font>Acresce que, não havendo notícia de qualquer estipulação em contrário, o 1º R estava legalmente obrigado a proceder ao pagamento no domicílio da credora à data do cumprimento, como determina o disposto no Art.º 774 do C.C., nada justificando o pagamento por via de depósito, muito menos numa conta bancária que podia ser movimentada (como foi) por quem não era credor, já que não se verifica o condicionalismo legal que lhe permitisse socorrer-se da consignação em depósito (Art.º 841 do C.C.).</font><div><br>
</div><br>
<font> É, pois, evidente que o 1º R. agindo em representação da A., na qualidade de seu administrador, procedeu ao pagamento da indemnização em que a A. fora condenada com violação das regras legais que regem o cumprimento das obrigações pecuniárias, colocando a A. na difícil situação de não poder opor à credora tal pagamento, que não foi liberatório.</font><br>
<font>A sua conduta foi, portanto, manifestamente ilícita e ao mesmo tempo grosseiramente negligente (por isso culposa – culpa que, de resto se presumiria-), incompatível com a diligência exigível a um gestor criterioso e ordenado, com o que provocou à A. prejuízos consideráveis, na medida em que se viu obrigada a repetir o pagamento da indemnização devida, além de outras despesas que teve de efectuar em razão da referida conduta.</font><div></div><font>Por outro lado, a conduta do 1º R foi adequada ao prejuízo que se produziu, visto que, apesar de se ter verificado uma concorrência de causas (o depósito descuidado feito pelo R. e a transferência do dinheiro pelo 3º R) ambas cooperaram para a verificação do resultado danoso, já que entre eles existe uma relação de condicionalidade, bem como uma relação de adequação.</font><br>
<font>Mas, mesmo que se considerasse que entre os dois factos existia plena independência teríamos de convir que o 1º facto favoreceu a eficácia causal do 2º facto, daí que a eficácia causal do 1º não tenha sido virtual mas real. Trata-se de um caso de concorrência efectiva de causas pelo que não pode ter-se por interrompido o nexo causal entre o 1º e o 2º facto, apesar da intervenção do 3º R. </font><div></div><font>Como observa Pereira Coelho (O Problema da causa virtual na Responsabilidade Civil) “ A doutrina empenha-se… em esclarecer, que não há «interrupção» em todos os casos em que a 1ª série causal, em curso na direcção do efeito, encontrou um 2º facto que o provocou… Na verdade, é princípio bem assente que o facto constitutivo da responsabilidade não carece de ser a única causa do dano. Tal como não se discute que o dano bem pode ser causado só mediatamente pelo facto…”</font><div></div><font>Deve, pois, o 1º R. indemnizar a A. como resulta de tudo quanto se disse e foi decidido pelo acórdão recorrido.</font><div></div><font>Improcedem todas as conclusões do recurso.</font><div></div><u><font>Decisão</font></u><font>.</font><div></div><font>Termos em que acordam neste S.T.J. em negar revista, confirmando-se o acórdão recorrido.</font><br>
<br>
<font>Custas pelo recorrente.</font><br>
<br>
<br>
<font>Lisboa, 28 de Abril de 2009</font><br>
<br>
<font>Moreira Alves (relator)</font><br>
<font> Alves Velho</font><br>
<font>Moreira Camilo</font><br>
</font>
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hzK1u4YBgYBz1XKvwDRB
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1.ª Secção (Cível)
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<b><font> </font></b><font><br>
<b><font>AA</font></b><font>, nascido no dia 17 de Dezembro de 1955, foi julgado em processo comum (Pº 109/05.4GAVRS) perante tribunal colectivo, no Tribunal Judicial da Comarca de Vila Real de Santo António, a 26/7/2007, que decidiu:</font><br>
<font>a) Condená-lo como autor material de um crime de homicídio na forma tentada, previsto e punível pelas disposições conjugadas dos artigos 22°, 23°, 131° e 73° do Código Penal, na pena de 2 anos e 10 meses de prisão, e como autor material de um crime de detenção ilegal de arma, previsto e punível pelo artigo 6º da Lei n° 22/97, de 27 de Junho, na pena de 4 meses de prisão. Em cúmulo jurídico das penas aplicadas foi condenado na pena única de 3 anos de prisão;</font><br>
<font>b) Mais decidiu suspender, na sua execução, a aludida pena única de prisão pelo período de quatro anos, sob condição de o mesmo, no prazo de 6 meses, proceder ao depósito à ordem dos presentes a quantia arbitrada a título de indemnização civil, que foi de 3.750 €, ao abrigo do artº 50°, n° 1 e 51°, n° 1, alínea a) do C. P..</font><br>
<font> </font><br>
<br>
<font>É da condenação crime que o Mº Pº veio interpor recurso para este S.T.J..</font><br>
<br>
<br>
<font>A – DECISÃO RECORRIDA. MATÉRIA DE FACTO</font><br>
<br>
<font>É a seguinte a matéria de facto dada por provada:</font><br>
<br>
<font>“Discutida a causa, mostram-se provados os seguintes factos: Da acusação</font><br>
<font>1. No mês de Maio de 2005, o arguido residia na Urbanização M... F..., lote 32, Io andar, em M... G..., nesta comarca de Vila Real de Santo António;</font><br>
<font>2. No 1º andar do lote 31 dessa urbanização, vivia o ora assistente BB;</font><br>
<font>3. Nessa altura, o arguido e assistente desentenderam-se por razões que não foi possível apurar;</font><br>
<font>4. No dia 27 de Maio de 2005, cerca das 19.00 horas, nesse lugar, o arguido viu que BB conversava com a sua filha CC (que tinha ido visitar o pai), no passeio à porta de sua casa;</font><br>
<font>5. Nessa altura, o arguido aproximou-se do assistente e deu-lhe dois socos, fazendo com que este caísse ao chão;</font><br>
<font>6. Em acto contínuo, o arguido e assistente iniciaram uma luta, durante a qual o assistente deu uma cabeçada ao arguido, fazendo com que este caísse ao chão;</font><br>
<font>7. Depois, e enquanto o arguido ainda estava deitado no chão, o assistente colocou-se em cima do arguido e desferiu-lhe vários socos na boca, provocando-lhe sangramento e dores;</font><br>
<font>8. A luta entre arguido e assistente só terminou com a intervenção de CC, que ordenou a seu pai que parasse;</font><br>
<font>9. Então, o arguido foi em direcção a sua casa e, pouco depois, voltou com uma pistola em riste;</font><br>
<font>10. Tratava-se de uma pistola de alarme de marca «FN», modelo e número de série desconhecidos, fabricada para deflagrar apenas munições de alarme mas alvo de uma transformação que a tornou apta a deflagrar balas, com o calibre 6,35 mm (ou 25Auto), de dimensões desconhecidas, com o carregador introduzido e carregado com pelo menos seis munições de calibre 6.35 mm;</font><br>
<font>11. Com a pistola em riste, o arguido caminhou em direcção ao assistente e efectuou um disparo na direcção de CC, que correu a esconder-se atrás do veículo de matrícula ...-...-..., da marca Nissan, modelo Micra, pertencente à sua filha, e que aí se encontrava estacionado, passando o arguido e assistente a contornar o referido veículo, sendo que o assistente fugia e escondia-se ao mesmo tempo que o arguido procurava atingi-lo com tiros de pistola, disparando a pistola com a mão direita elevando a mesma por cima do carro;</font><br>
<font>12. Desta forma, o arguido efectuou pelo menos três disparos a uma distância não superior a quatro metros, com a intenção de acertar no corpo do assistente;</font><br>
<font>13. O arguido só deixou de disparar porque a pistola se encravou e de haver perdido as duas munições restantes, ao manipulá-la para a desencravar;</font><br>
<font>14. Dois dos referidos disparos acertaram no veículo com a matrícula ...-...-... e outro dos disparos atingiu o assistente na zona dorsal, do lado esquerdo;</font><br>
<font>15. De seguida, o arguido foi para casa, trocou de roupa e foi-se embora da urbanização no veículo de matrícula ...-...-..., de sua propriedade;</font><br>
<font>16.O disparo atingiu o assistente causou neste ferida inciso contusa com cerca de 4 cm, na região dorsal esquerda, a 1/3 da base do hemitorax posterior e, como consequência directa e necessária dores, e 15 dias de doença;</font><br>
<font>17. A pistola utilizada pelo arguido não se encontrava registada nem manifestada na Direcção Nacional da Polícia de Segurança Pública;</font><br>
<font>18.0 arguido não era titular de licença de uso e porte de arma de defesa;</font><br>
<font>19.0 arguido sabia que efectuava quatro disparos com uma pistola contra outra pessoa, a cerca de quatro metros de distância, querendo causar-lhe a morte;</font><br>
<font>20. Sabia igualmente que detinha e usava uma pistola de calibre 6,35 mm, não registada nem manifestada a seu favor na polícia e sem que fosse titular de licença de uso e porte desse tipo de arma;</font><br>
<font>21. Agiu deliberada, livre e conscientemente, sabendo a sua conduta proibida;</font><br>
<br>
<font>Do pedido de indemnização civil</font><br>
<font> </font><br>
<font>22. Aquando do descrito supra sob os n° 11 a 14, o assistente pensou que poderia vir a ser atingido pelos disparos de pistola, julgando que ia morrer;</font><br>
<font>23. Durante quinze dias, o assistente continuou a sofrer fortes dores em todo o corpo, principalmente na zona dorsal atingida pelo tiro;</font><br>
<font>24. Outros factos resultantes da discussão</font><br>
<font>25.0 arguido vivenciou uma dinâmica familiar isenta de referências significativas;</font><br>
<font>26. Ao terminar a 4a classe começou a trabalhar num café, permanecendo junto da família de origem, na Figueira da Foz, até aos quinze anos;</font><br>
<font>27. Nessa altura foi viver com um irmão mais velho, emigrando para França, onde permaneceu durante sete anos. Todavia, porque nunca se sentiu verdadeiramente adaptado e aceite como imigrante, regressou a Portugal;</font><br>
<font>28. Iniciou então um percurso de profissional como camionista de longo curso, sempre activo, área relativamente à qual expressa grande investimento e realização pessoal. Nos últimos anos trabalhou para empresas espanholas;</font><br>
<font>29. Ainda em França casou, tendo nascido dois filhos de tal casamento, actualmente com 28 e 30 anos, ambos residentes em Portugal e com os quais mantém um relacionamento distante;</font><br>
<font>30. Há dez anos, na sequência do divórcio, fixou-se no Algarve, altura em que inicia relação afectiva com uma companheira, relacionamento que já terminou, sendo certo que o arguido continua a ter o apoio e amizade de tal companheira;</font><br>
<font>31. Actualmente, o arguido vive hoje sozinho, embora mantenha relacionamento próximo com a antiga companheira, apoiando-a em termos materiais e afectivos, surgindo esta aliás como única referência afectiva próxima quando se procura a existência de elementos de identificação no meio;</font><br>
<font>32. Apesar do relativo isolamento social em que vive, o arguido expressa com facilidade bem-estar e vontade de continuidade na região, associando-a à única referência segura após os períodos em que passa em trabalho em Espanha;</font><br>
<font>33. Desde há cinco anos que trabalha para a empresa espanhola T..., S.L., com a categoria profissional de condutor mecânico, auferindo um vencimento líquido mensal próximo dos dois mil euros, o que lhe permite usufruir de uma situação económica estável e relativamente desafogada;</font><br>
<font>34. Neste momento, sentindo-se condicionado pelas medidas de coação em curso, faz viagens mais curtas, com ausências máximas do País por dois dias;</font><br>
<font>35. A detenção do arguido, ainda que transitória, teve cumulativamente um impacto muito significativo, pela noção de privação de liberdade e pela realidade quotidiana da vivência em estabelecimento prisional;</font><br>
<font>36.0 arguido assume com facilidade uma postura de censura/relativamente aos excessos em causa, elevando o valor da vida humana e a sua não sujeição a querelas particulares;</font><br>
<font>37.0 arguido está arrependido;</font><br>
<font>38. Ao arguido não são conhecidos antecedentes criminais.”</font><br>
<font> </font><br>
<font>Quanto aos factos não provados:</font><br>
<font> </font><br>
<font>“Concretamente, não se provaram os seguintes factos:</font><br>
<font>I. Nas circunstâncias de tempo e lugar referidas na matéria de facto julgada provada, o arguido e assistente se desentenderam por razões relacionadas com o volume do som que o arguido usava quando ouvia música em casa;</font><br>
<font>II.O arguido, quando se aproximou do assistente, se lhe tenha dirigido dizendo «Cabrão, tu não mandas baixar a música...»;</font><br>
<font>III.A expressão referida no número anterior foi proferida pelo arguido apenas porque uma só vez o demandante ter-lhe-à pedido para baixar a música pois aquele após a meia noite tinha quase sempre quando se encontrava em casa a música em alto som, incomodativo não permitindo o descanso deste e sua família;</font><br>
<font>IV.O arguido tenha ido buscar a pistola a casa e que a pistola estivesse municiada com seis munições;</font><br>
<font>V.A CC tenha agarrado o arguido, procurando imobilizá-lo;</font><br>
<font>VI.O arguido, não obstante ter sido agarrado pela CC, tenha conseguido puxar a culatra da pistola atrás;</font><br>
<font>VII.O arguido tenha admitindo atingir o assistente e feri-lo em órgãos vitais e causar-lhe a morte, tendo aceite tal resultado, já que o que, a este propósito, se demonstrou em juízo foi o que está descrito na matéria de facto julgada provada e nos termos ali descritos;</font><br>
<font>VIII. No dia 27 de Maio de 2005 o assistente tenha acompanhado a filha até ao carro;</font><br>
<font>IX. Depois de o demandante se ter levantado foi novamente agredido e que, após ter tentado empurrar o arguido (em sua defesa), o assistente foi novamente agredido, caindo ambos ao chão, tendo-se provado apenas o que consta da matéria de facto julgada provada nos termos aí descritos;</font><br>
<font>X Mal o assistente se conseguiu levantar, cheio de dores, o arguido passado pouco tempo, surgiu-lhe com uma pistola que lhe apontou, tendo-se apenas provado o que consta da matéria de facto julgada provada;</font><br>
<font>XI.O arguido se tenha ausentado da urbanização ouvindo os gritos e a aflição em que se encontrava o assistente e a sua filha;</font><br>
<font>XII.O assistente sofre agora de muito mais dores do que sofria antes dos factos;”</font><br>
<br>
<br>
<br>
<font>B – RECURSO</font><br>
<br>
<font>No seu recurso, o Mº Pº formulou as seguintes conclusões:</font><br>
<br>
<font>“a) o arguido foi condenado, pela prática de um crime de homicídio tentado e de um crime de detenção ilegal de arma, p. e p. nos arts. 131 e 22 do CP, e art. 6 da Lei 22/97, nas penas de 2 anos e 10 meses de prisão e de 4 meses de prisão; em cúmulo, foi condenado na pena de 3 anos de prisão suspensa;</font><br>
<font>b) quanto á medida da pena do crime de homicídio tentado diz o próprio acórdão recorrido que "o grau de ilicitude dos factos é elevado", tal como "as exigências de prevenção geral são</font><br>
<font>elevadas ... sendo justificadamente grande o alarme social provocado por este tipo de condutas" ;</font><br>
<font>c) por outro lado, o arguido agiu com dolo directo e a culpa não se mostra atenuada;</font><br>
<font>d) como tal, atento o disposto no art. 71 do CP, a pena aplicada ao arguido pela prática do crime de homicídio tentado é desadequada;</font><br>
<font>e) pelo que o acórdão recorrido violou, por erro de interpretação, o citado art. 71 do CP;</font><br>
<font>f) a pena justa e adequada para o referido crime de homicídio tentado, face ao descrito e á norma referida, é a de 4 anos de prisão;</font><br>
<font>g) em cúmulo - mantendo-se a pena fixada no acórdão pelo crime de detenção ilegal de arma - deverá o arguido ser condenado na pena de 4 anos e 2 meses de prisão;</font><br>
<font>h) consequentemente, o acórdão recorrido deverá ser revogado nesta parte, condenando-se o arguido na pena de 4 anos de prisão pelo crime de homicídio tentado e, em cúmulo, na pena de 4 anos e 2 meses de prisão;</font><br>
<font>i) na decisão sobre a suspensão da pena são considerações de prevenção especial (de socialização) que têm papel central, constituindo as considerações de prevenção geral positiva um limite á eventual aplicação da suspensão da pena;</font><br>
<font>j) no caso em apreço a comunidade exige e necessita que a decisão do Tribunal considere grave e penalize efectivamente quem, nas circunstâncias descritas no acórdão, tentou matar outrem;</font><br>
<font>1) pois uma pena não-efectiva não fortalece a consciência jurídica da comunidade, não estabiliza as suas expectativas e é insuficiente para a defesa da ordem jurídica;</font><br>
<font>m) decidindo em contrário tornando irrelevante para a decisão sobre a suspensão da pena considerações de prevenção geral positiva e não julgando verificadas circunstâncias que obstavam a tal suspensão - o acórdão recorrido violou, por erro de interpretação, os arts. 50, n°:l e 40, n°: 1 do CP;</font><br>
<font>n) consequentemente, a decisão recorrida deverá ser revogada na parte em que suspende a pena de prisão aplicada, condenando-se o arguido na pena efectiva de prisão que lhe foi fixada.”</font><br>
<br>
<font>A resposta do arguido terminou com as conclusões que se seguem:</font><br>
<br>
<font>A) O douto Acórdão recorrido fez um interpretação correcta do disposto no artigo 71°, do Código Penal.</font><br>
<font>B) Ainda que o grau de ilicitude seja elevado, "Do ponto de vista da vontade, a culpa não se revela tão intensa como à primeira vista possa parecer, já que a decisão do arguido em adoptar o comportamento pelo qual responde foi tomada nas referidas circunstâncias de facto e fortemente motivadas por ela."</font><br>
<font>C) Atesta o douto Acórdão recorrido, por logrado provado, que o crime de homicídio, na forma tentada, foi cometido em circunstâncias especiais, pois, "foi cometido após o arguido ter sido agredido pela sua vítima, agressão que o deixou a sangrar. O comportamento posterior do arguido foi uma reacção a comportamento daquele que lhe bateu e foi tomada em acto quase imediato a essa agressão. Tal circunstância, se bem que, pelas razões apontadas, não justifica o seu comportamento, não pode deixar de ser ponderado pelo Tribunal como um factor que atenua a culpa do arguido."</font><br>
<font>D) Na exposição desenvolvida conducente à incorrecta apreciação da culpa, de que a mesma não deveria resultar atenuada, o Ministério Público apela às circunstâncias que terão, na óptica do Digno Magistrado, obstado ao ora Recorrido a concretizar os seus intentos de matar o assistente - "O arguido só deixou de disparar porque a pistola se encravou e haver perdido as duas munições restantes, ao manipulá-la para a desencravar" -, as quais não resultam provadas, mas, antes, "15. De seguida, o arguido foi para casa, trocou de roupa e foi-se embora da urbanização no veiculo de matrícula ...-...-..., de sua propriedade";</font><br>
<font>E) Ao mesmo passo que, enuncia e expande um juízo de prognose contra o então Arguido e ora Recorrido, em si, violador de um principio constitucional superior, in dúbio pro reo, consagrado no n.°2, do artigo 32°, da nossa Lei Fundamental.</font><br>
<font>F) O explanado pelo Ministério Público, com vista a uma eventual errada interpretação do disposto no artigo 71°, do Código Penal, falece pela insuficiente, descontextualizada e parcial apreciação e consideração do cotejo de factos dados por provados no douto Acórdão recorrido.</font><br>
<font>G) Resulta, pois, incontornável, a intocável, por boa e correcta, apreciação d conjunto de circunstâncias, in casu, lavrada no douto Acórdão, mostrando-se adequada, suficiente e justa a pena de 2 anos e 10 meses de prisão aplicada ao ora Recorrido, pela condenação do mesmo como autor material pela prática do crime de homicídio, na forma tentada.</font><br>
<font>H) Pelo que deve ser negado provimento à condenação do ora Recorrido na pena de 4 anos de prisão, mantendo-se a condenação do ora Recorrido na pena de 2 anos e 10 meses de prisão pelo crime de homicídio tentado.</font><br>
<font>I) Caso Vossas Excelências assim não entendam, o que só por mera exigência de exaustão de patrocínio se cogita, concluindo pela manifesta insuficiência e desadequação da pena de 2 anos e 10 meses de prisão, considerando, por consequência, que a pena justa e adequada é a ora reclamada pelo Ministério Público - 4 anos de prisão efectiva -, requer o ora Recorrido que a pena de prisão que venha a ser aplicada, em medida superior à doutamente aplicada ao ora Recorrido, seja suspensa na sua execução, na medida em que os requisitos exigidos pelo n.° 1, do artigo 50°, do Código Penal - a personalidade do agente, as condições da sua vida, a sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste -, logrados provados no douto Acórdão Recorrido - e não impugnados no presente Recurso -, se mostram preenchidos, resultando, em conformidade, que a "censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição".</font><br>
<font>J) Por cautela, alega, ainda, o Ministério Público que no caso em apreço, Acórdão recorrido, ao não atender a considerações de prevenção geral positiva que constituem um limite à eventual aplicação da suspensão da pena de prisão, viola, por erro de interpretação, os artigos 50°, n.° 1 e 40°, n.°1, ambos do Código Penal.</font><br>
<font>K) Considerar-se, como considera o Ministério Público no presente recurso, que ao condenar-se o ora Recorrido numa pena de 2 anos e 10 meses de prisão, este não foi efectivamente punido, resulta, claro, do pensamento do Digno Magistrado que, e por estar em causa um crime contra a vida - crime de homicídio simples, na forma tentada -, o ora Recorrido só poderia ser efectivamente sancionado se, e independentemente do quantum, lhe tivesse sido aplicada uma pena de prisão efectiva.</font><br>
<font>L) O ministrado pelo Ministério Público, redunda na ilegal e inconstitucional conclusão que, estando em causa um crime contra a vida, e ainda que na forma tentada, independentemente de uma apreciação cuidada, adequada e casuística das circunstâncias subjacentes, a pena a aplicar pelas instâncias jurisdicionais será, inquestionavelmente, a pena de prisão efectiva.</font><br>
<font>M) Ora, e como bem decide o douto Acórdão recorrido, "na nossa lei penal não resulta (e bem) que a determinado tipo de crimes não possa corresponder uma pena de prisão suspensa na sua execução", ainda que, e sublinhe-se, esteja em causa um crime contra a vida. A decisão sim, e antes, ponderar o escopo da pena de substituição, nos termos que o Tribunal a quo logro irrepreensivelmente alcançar.</font><br>
<font>N) Aliás, se se quisesse reclamar do Estado, por via do poder punitivo de que os Tribunais se encontram investidos, a realização de juízos de valor social, servindo o homem - in casu, o então Arguido e ora Recorrido - como "um meio ao serviço de fins sociais", violar-se-ia, indesejavelmente, e de modo grave, a dignidade da pessoa humana, proclamada no 1o artigo da nossa Lei Fundamental, e, bem assim, o princípio constitucional da necessidade da pena (artigo 18°, n.° 2, da Constituição da República Portuguesa).</font><br>
<font>O) Resultando provado e doutamente ponderado e decidido, conforme vertido no douto Acórdão, que o ora Recorrido não carece de socialização, é pois defensável, ou melhor, imperativo que a pena a aplicar desça até perto do limite da moldura de prevenção - prevenção geral positiva - ou mesmo com ela coincida, assegurando-se, de modo pleno, a defesa do ordenamento jurídico, redundando na suspensão da execução da pena de prisão aplicada.</font><br>
<font>P) Porque a culpa não é fundamento da pena, mas constitui seu limite inultrapassável (de prevenção), resultando a culpa do ora Recorrido atenuada, nos termos sobejamente dissecados nas presentes contra-alegações, a mesma constitui um óbice ao excesso da pena a aplicar, entenda-se, à pena de prisão efectiva reclamada pelo Ministério Público.</font><br>
<font>Q) Resultando a culpa diminuída, por força de todo o circunstancialismo considerado na douta Decisão recorrida e por cuja idêntica apreciação, in totum, se reclama a Vossas Excelências, é expectável, aceitável, sem necessidade de considerações de cariz intimidatório, de todo indesejável, que a comunidade não proteste por punição mais gravosa da aplicada ao ora Recorrido, por, a mesma não afectar as exigências de tutela dos bens jurídicos e de estabilização das normas.</font><br>
<font>R) Em face de todo o exposto, entende o ora Recorrido não assistir razão ao alegado pelo Ministério Público, fazendo o douto Acórdão recorrido uma interpretação correcta do disposto no artigo 50°, n.° 1 e no artigo 40°, n.° 1, ambos do Código Penal, devendo a Decisão recorrida ser mantida nos seus precisos termos, designadamente, na parte em que suspende a pena de prisão aplicada, negando-se provimento à requerida condenação do então Arguido e ora Recorrido na pena efectiva de prisão que lhe foi fixada.</font><br>
<font>Nestes termos e nos mais de Direito que Vossas Excelências doutamente suprirão, se requer que:</font><br>
<font>a. a douta Decisão recorrida seja mantida nos seus precisos termos, por não ter sido violado nenhuma das disposições legais indicadas pelo Recorrente - artigos 71°, 50°, n.°1 e 40°, n.°, todos do Código Penal;</font><br>
<font>Ou, caso assim não se entenda,</font><br>
<font>b. concluindo-se pela manifesta insuficiência e desadequação da pena de 2 anos e 10 meses de prisão, considerando, por consequência, que a pena justa e adequada é em medida superior à doutamente aplicada ao ora Recorrido, seja a mesma suspensa na sua execução, na medida em que os requisitos exigidos pelo n.° 1, do artigo 50°, do Código Penal se mostram preenchidos.</font><br>
<font>Assim se fazendo a consueta JUSTIÇA!”</font><br>
<br>
<font>Já neste S.T.J., o Digno Magistrado do Mº Pº produziu parecer, em que concluiu que deveria ser dado parcial provimento ao recurso, fixando-se a pena pelo crime de homicídio tentado em quatro anos de prisão, e aplicando-se em cúmulo a pena de quatro anos e dois meses de prisão, suspensa pelo período de quatro anos, e sob a condição fixada no acórdão recorrido. Se assim se não entendesse, haveria que alterar o período de suspensão da pena aplicada, em conformidade com a nova redacção do nº 5 do artº 50º do C.P.. </font><br>
<br>
<font>Colhidos os vistos os autos foram presentes a conferência.</font><br>
<br>
<font>C – APRECIAÇÃO</font><br>
<br>
<font>As duas questões a apreciar são a da medida da pena, e a da eventual aplicação da pena de substituição, de suspensão de execução da pena de prisão. Vejamos pois.</font><br>
<br>
<b><font>I – Medida da pena</font></b><br>
<br>
<font>Quanto à apreciação da medida da pena aplicada, temos perfilhado noutros arestos o entendimento que mantemos, caro a Figueiredo Dias, no termos do qual é possível a sindicância da escolha feita da medida da pena, como matéria de direito que é, “quanto à correcção das operações de determinação ou do procedimento, à indicação dos factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis, à falta de indicação de factores relevantes, ao desconhecimento pelo tribunal ou à errada aplicação dos princípios gerais de determinação, quer quanto à questão do limite da moldura da culpa, bem como a forma de actuação dos fins das penas no quadro da prevenção, mas já não a determinação, dentro daqueles parâmetros, do </font><i><font>quantum </font></i><font>exacto da pena, salvo perante a violação das regras da experiência, ou a sua desproporção da quantificação efectuada” (in “Direito penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime”, pag. 197).</font><br>
<font>Isto dito, assinale-se que o ponto de partida e enquadramento geral da tarefa a realizar, na sindicância das penas aplicadas, não pode deixar de se prender com o disposto no artº 40º do C. P., nos termos do qual toda a pena tem como finalidade “a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade”. Em matéria de culpabilidade, diz-nos o nº 2 do preceito que “Em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa”.</font><br>
<font> Com este preceito, fica-nos a indicação de que a pena assume agora, e entre nós, um cariz utilitário, no sentido de eminentemente preventivo, não lhe cabendo, como finalidade, a retribuição </font><i><font>qua tale </font></i><font>da culpa.</font>
<p><font> Do mesmo modo, a chamada “expiação da culpa” ficará remetida para a condição de consequência positiva, caso venha a ter lugar, mas não de finalidade primária da pena. No pressuposto de que por expiação se entende uma interiorização do desvalor da ilicitude, e a aceitação da pena que o condenado tem para cumprir, com o que tal significa enquanto consequente reconciliação voluntária com a sociedade.</font>
</p><p><font> Assim, a ponderação da culpa do agente serve propósitos que são fundamentalmente garantísticos e portanto do interesse do arguido. Com este entendimento tem-se visto, aliás, uma consonância com o imperativo constitucional do nº 2 do artº 18º da Constituição da República, de acordo com o qual “A lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos.” Sendo certo que se não divisa, no texto fundamental, a eleição dum imperativo ético-penal da retribuição ou expiação da culpa, como interesse e muito menos como direito protegido constitucionalmente.</font>
</p><p><font>Quando pois o artº 71º do C. P. nos vem dizer, no seu nº 1, que “A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção”, não o podemos dissociar daquele artº 40º. Por um lado, a expressão “em função da culpa do agente” não pode ser vista como um “piscar de olho à retribuição”. Por outro, fica aberta a porta a que a doutrina possa defender que, se as finalidades da aplicação de uma pena residem primordialmente na tutela dos bens jurídicos, e, na medida do possível, na reinserção do agente na comunidade, então, o processo de determinação da pena concreta a aplicar reflectirá, de um modo geral, a seguinte lógica:</font>
</p><p><font>A partir da moldura penal abstracta procurar-se-á encontrar uma “sub-moldura” para o caso concreto, que terá como limite superior a medida óptima de tutela dos bens jurídicos e das expectativas comunitárias, e, como limite inferior, o “quantum” abaixo do qual “já não é comunitariamente suportável a fixação da pena sem pôr irremediavelmente em causa a sua função tutelar.” (Cf., sobretudo, F. Dias, in “Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime”, Coimbra Editora, 2005, pags. 227 e segs.).</font>
</p><p><font>Ora, será dentro dos limites consentidos pela prevenção geral positiva que deverão actuar os pontos de vista da reinserção social. Quanto à culpa, para além de suporte axiológico- normativo de toda e qualquer repressão penal, compete-lhe, como se viu já, estabelecer o limite inultrapassável da medida da pena a aplicar.</font>
</p><p><font>Duas notas a acrescentar: “a defesa de bens jurídicos”, mencionada no referido artº 40º, deve ser entendida, em sede de fins das penas, restritivamente, como prevenção geral positiva ou de integração. Na verdade, a defesa de bens jurídico-penais é, ela mesma, em geral, o desiderato de todo o sistema penal globalmente considerado, e não um fim que se possa considerar privativo das penas.</font>
</p><p><font> Na linha de Günther Jakobs, entender-se-á a prevenção geral positiva como fim de “estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias na validade e vigência da norma infringida”, e, portanto, como “modelo de orientação para os contactos sociais”. Ou ainda como “réplica perante a infracção da norma, executada à custa do seu infractor” (In “Derecho Penal. Parte General, Madrid, Marcial Pons, pág. 8 e segs.). No fundo, a pena surgirá, nesta perspectiva, como motivação para todos, em geral, no sentido de serem fiéis ao direito, como factor de reforço da confiança da população, no funcionamento do sistema repressivo penal, e, em última instância como instrumento de política social ao serviço da pacificação. Em relação à tradicional prevenção geral negativa, como intimidação dos potenciais criminosos, sobreleva agora a vertente positiva da prevenção geral, enquanto tranquilização das potenciais vítimas. </font>
</p><p><font>Quanto à prevenção especial, sabe-se como pode ela operar através da “neutralização-afastamento” do delinquente para que fique impedido fisicamente de cometer mais crimes, como intimidação do autor do crime para que não reincida, e, sobretudo, para que sejam fornecidos ao arguido os meios de modificação de uma personalidade revelada desviada, assim este queira colaborar em tal tarefa (Vide, a propósito, v.g. Roxin in “Derecho Penal-Parte Especial”, Tomo I, Madrid, Civitas, 1997, pág.86).</font>
</p><p><font>A jurisprudência deste Supremo Tribunal tem-se orientado quase unanimemente num sentido igual ao que acaba de se referir. </font>
</p><p><font>O nº 2 do artº 71º do C. P. manda atender, na determinação concreta da pena, “ a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele”.</font>
</p><p><font> Enumera a seguir, a título exemplificativo, circunstâncias referentes à ilicitude do facto, à culpa do agente, à sua personalidade, ao meio em que se insere, ao comportamento anterior e posterior ao crime.</font>
</p><p><font>A culpa do agente quanto ao crime de homicídio situa-se, no caso, num patamar alto, porque a acção foi desenvolvida com dolo directo e a intenção de matar exteriorizou-se, entre o mais, na insistência revelada com o número de disparos efectuado. O grau de ilicitude do crime cometido é o inerente à forma tentada, mas de um crime que sendo de homicídio, e voluntário, atinge o bem mais valioso da nossa ordem jurídico-penal, em perfeita congruência, aliás, com a ordem de valores constitucional. </font>
</p><p><font>Do circunstancialismo do cometimento do crime ressalta, à partida, uma explicação para o mesmo (que não justificação), derivada de desentendimento e agressões mútuas, de facto ocorridas entre arguido e assistente, o que deixa legitimamente presumir que o arguido cometeu os crimes dos autos sob um estado grande de exaltação. </font>
</p><p><font>Mas, não pode ser escamoteado a realidade de, face à matéria dada por provada, a contenda do dia 27/5/2005 ter começado com os socos que o arguido deu no assistente. Depois de ter sido o arguido a iniciar a altercação, envolveram-se ambos em luta, a qual veio a terminar por intervenção da filha do assistente (ponto 8 da matéria de facto dada por provada). Não se nos afigura muito relevante que a cena tenha acabado devido a tal intervenção, certo que a factualidade apurada não aponta, minimamente, no sentido de ter sido para acabar com a agressão que o arguido foi a casa buscar a arma. </font>
</p><p><font>Inexistindo, pois, qualquer sinal de propósito seu defensivo, somos confrontados, simplesmente, com o intuito de o arguido querer matar o assistente. Disparou para tanto, pelo menos três tiros, um dos quais atingiu o ofendido, embora sem grandes consequências, e só não disparou mais porque a arma encravou caindo as munições que nela restavam, quando pretendia pô-la outra vez a funcionar. Após o crime, o arguido foi a casa, vestiu outra roupa, e afastou-se do local no seu automóvel. </font>
</p><p><font>O arguido mostrou-se arrependido pelo seu comportamento, e não tinha qualquer passado criminal registado. Cometeu o crime na sequência de uma altercação com a vítima. É tendo em conta estas circunstâncias que se entende, dever a pena situar-se abaixo do meio da moldura (1 ano 7 meses e 6 dias a 10 anos e 8 meses de prisão), mas não, como se decidiu no acórdão recorrido, perto do limite mínimo. Considera-se justa a aplicação da pena de quatro anos de prisão por este crime. </font>
</p><p><font>O arguido foi ainda condenado pelo crime de detenção de arma proibida do artº 6º da Lei 22/97 de 27 d
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8jKlu4YBgYBz1XKvgyZg
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1.ª Secção (Cível)
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<b><font> </font></b><font><br>
<font> </font><br>
<font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font><br>
<font> </font><br>
<font>Relatório</font><br>
<b><font>I –</font></b><b><font>AA</font></b><font> propôs, no dia 20 de Maio de 2010, acção declarativa, sob a forma de processo ordinário, contra a </font><b><font>Caixa Geral de Aposentações</font></b><font>, pedindo que seja declarada herdeira de BB para efeitos de atribuição de pensão de sobrevivência e a condenação da Ré a pagar-lhe tal pensão.</font>
<p><font>Para tanto, invocou, em síntese, que viveu em união de facto com o BB de Maio de 2006 até 10 de Junho de 2009, data do óbito daquele beneficiário da CGA, falecido no estado de divorciado, e que tem necessidade de alimentos, não os podendo obter da herança daquele nem dos seus familiares.</font>
</p><p><font>A Caixa Geral de Aposentações contestou, dizendo não saber, nem a isso ser obrigada, da veracidade dos factos alegados pela Autora, e pugnou pela improcedência da acção ou pelo seu julgamento de acordo com a prova produzida.</font>
</p><p><font>A Autora, convidada a indicar os bens do acervo hereditário do falecido BB, os seus rendimentos, despesas médias mensais e diversos outros elementos tendentes a demonstrar que carecia de alimentos e não os podia obter da herança daquele nem de qualquer uma das pessoas referidas nas alíneas a) a d), do artigo 2009º do Código Civil, veio informar que não estava em condições de satisfazer o solicitado.</font>
</p><p><font>Proferido saneador, conheceu-se de imediato de mérito, julgando a acção improcedente e absolvendo a Ré do pedido, por não ter a Autora alegado factos suficientes para provar a carência de alimentos e considerar inaplicável ao caso a Lei n.º 23/2010, de 30 de Agosto, em virtude do óbito do BB ser anterior a tal diploma.</font>
</p><p><font>A Autora apelou, mas a Relação de Lisboa confirmou, por unanimidade, essa decisão e, de novo inconformada, interpôs recurso de revista excepcional, admitida pelo acórdão de fls. 160 a 166, da formação prevista no nº 3 do art.º 721º-A do Cód. de Proc. Civil. </font><br>
<font>A Recorrente finalizou a sua alegação, com as seguintes conclusões:</font><br>
<i><font>1ª – O art.º 6º, nº 1 da Lei nº 7/2001, na redacção anterior à alteração introduzida pela Lei nº 23/2010, ao dispor que beneficia dos direitos estipulados nas alíneas e), f) e g) do artº. 3º, no caso das uniões de facto previstas na presente lei, quem reunir as condições constantes do art.º 2020º do Cód. Civil, apenas está a exigir a prova da situação de união de facto – comunhão de vida por mais de dois anos entre duas pessoas em condições análogas às dos cônjuges - e a prova relativa ao estado civil do beneficiário falecido.</font></i><br>
<i><font>2ª – Não exige a lei, para o acesso à pensão de sobrevivência do companheiro sobrevivo que viveu em união de facto com o beneficiário da segurança social, a prova da sua carência de alimentos e de que estes não podem ser prestados pela herança do falecido ou pelas pessoas a quem legalmente podem ser exigidos.</font></i><br>
<i><font>3ª – A previsão da norma constante do art.º 2020º, nº 1, do Cód. Civil, na referência feita pelo art.º 6º, nº 1 da Lei nº 7/2001, deve ser interpretada restritivamente, como reportando-se apenas aos requisitos da união de facto.</font></i><br>
<i><font>4ª – Este entendimento veio a ser consagrado expressamente com a última alteração introduzida à Lei nº 7/2001 pela Lei nº 23/2010, ao estabelecer agora no referido art.º 6º, nº 1 que o membro sobrevivo da união de facto beneficia dos direitos previstos nas alíneas e), f) e g) do artº. 3º, independentemente da necessidade de alimentos. </font></i><br>
<i><font>5ª – A nova redacção do aludido art.º 6º, nº 1 deve ser entendida como interpretativa, já que o legislador não podia ignorar a questão que esta norma suscitava quanto à sua interpretação e optou por aquela que é mais favorável aos que vivem em união de facto no sentido de os equiparar aos unidos pelo casamento.</font></i><br>
<i><font>6ª - Assim, o caso em questão tem de ser apreciado e decidido de acordo com a nova Lei nº 23/2010 que veio estabelecer um regime mais favorável ao unido de facto, permitindo-lhe a obtenção da pensão de sobrevivência em moldes menos exigentes do que os que anteriormente vigoravam, por aplicação do disposto no art.º 12º, nº 2, 2ª parte do Cód. Civil. </font></i><br>
<i><font>7ª – A entender-se de modo diferente como o fez o douto acórdão recorrido, estar-se-ia a violar o princípio da equidade social consagrada pelo diploma que aprovou as bases gerais da segurança social e que preconiza um tratamento igual para situações iguais e o tratamento diferenciado de situações desiguais.</font></i><br>
<i><font>8ª – Enquanto o direito a alimentos resulta de relações familiares ou para-familiares e visa fazer face a uma situação de necessidade do seu titular, o direito à pensão de sobrevivência tem por base os descontos obrigatoriamente feitos, ao longo da vida profissional, pelo funcionário público, entretanto falecido e, portanto, do aforro que este obrigatoriamente foi forçado a realizar, estando o montante dessa pensão relacionado com os descontos efectuados e com o período em que decorreram.</font></i>
</p><p><i><font>9ª - É inconstitucional, por violação ao princípio da proporcionalidade, como resulta dos art.ºs 18º, nº 2, 36º, nº 1, e 63º, nºs 1 e 3 da Constituição da República Portuguesa, os art.ºs 40º, nº 1e 41º, nº 2, do Estatuto das Pensões de Sobrevivência no Funcionalismo Público, quando interpretados no sentido de que a atribuição da pensão de sobrevivência por morte de beneficiário da Caixa Geral das Aposentações, a quem com ele convivia depende também da prova do direito do companheiro vivo a receber alimentos da herança do companheiro falecido, com o reconhecimento da impossibilidade da sua obtenção da herança do falecido ou das pessoas a quem legalmente podiam ser exigidos.</font></i>
</p><p><i><font>10ª – O douto acórdão recorrido não fez correcta interpretação das normas aplicáveis, mostrando-se incorrectamente interpretadas e aplicadas as disposições constantes dos art.ºs 2º, 18º, nº 2, 36º, nºs 1 e 3, 67º da CRP, e 6º, nº 1 da Lei nº 7/2001, na redacção da Lei nº 23/2010</font></i><font>. </font>
</p><p><font>Pede, em consequência, a revogação do acórdão recorrido e a subsequente condenação da Ré no pedido.</font><br>
<font>Colhidos os vistos, cumpre, agora, apreciar e decidir.</font>
</p><p><b><font>II - Fundamentação de facto</font></b>
</p><p><font>As instâncias não deram como provado qualquer facto.</font><br>
<b><font>III – Fundamentação de direito</font></b>
</p><p><font>A apreciação e decisão do presente recurso, delimitado, como se sabe, pelas conclusões da alegação da Recorrente (art.ºs 684º, n.º 3 e 690º, n.º 1 do Cód. Proc. Civil</font><a><u><sup><font>[1]</font></sup></u></a><font>) passariam, em princípio, pela análise e resolução da única questão jurídica por ela colocada a este tribunal e que consiste em saber se o direito do sobrevivo às prestações por morte, na hipótese de união de facto, quando o óbito do beneficiário tenha ocorrido antes da entrada em vigor da Lei nº 23/2010, de 30 de Agosto, depende apenas do estado civil desse beneficiário à data do seu óbito e da existência nessa altura de união de facto por mais de dois anos com o unido sobrevivo, ou se, pelo contrário, é também de exigir a alegação e prova por este dos demais requisitos constantes dos art.ºs 2009º e 2020º, n.º 1, do Cód. Civil, e, se na hipótese de tais alegação e prova também serem exigidas, deixam de o ser ao momento em que aquela lei tenha começado a produzir efeitos.</font>
</p><p><font>Contudo, ponderando que nem a 1ª instância, nem a Relação tiveram o cuidado de indicar os factos que consideram assentes, obviando, assim, à imediata definição do regime jurídico adequado, na medida em que nem sequer a alegada união de facto foi dada como provada, o que impossibilita, desde logo, decidir se ao caso é aplicável a Lei n.º 23/2010, de 30 de Agosto, como quase unanimemente vem decidindo este Tribunal</font><a><u><sup><font>[2]</font></sup></u></a><font>, importa, previamente, trazer à colação os poderes reservados ao Supremo Tribunal de Justiça, neste âmbito.</font>
</p><p><font>Como se sabe, radica nas instâncias a competência para apurar a matéria de facto relevante para a solução do litígio e cabe ao Supremo Tribunal de Justiça, salvo situações de excepção legalmente previstas, conhecer apenas da matéria de direito, sendo que tendo a Relação a última palavra relativamente à fixação da matéria de facto, compete-lhe, em regra, censurar, através do exercício dos poderes que lhe são conferidos pelos n.ºs 1 e 4 do artº 712.º do Cód. de Proc. Civil, a decisão proferida nesse particular pela 1.ª instância. O Supremo Tribunal de Justiça, no exercício da sua função de tribunal de revista, limita-se a definir e aplicar o regime ou enquadramento jurídico adequado aos factos já anterior e definitivamente fixados (cfr. art.º 26.º da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais – aprovada pela Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro, art.º 33º da Nova Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais – aprovada pela Lei n.º 52/2008, de 28 de Agosto, e art.ºs 729º, n.ºs 1 e 2, do Cód. de Proc. Civil), podendo, no limite, mandar ampliar a decisão sobre a matéria de facto (art.º 729.º, n.º 3, do Cód. de Proc. Civil).</font>
</p><p><font>Cremos que se impõe fazer uso dos poderes aí conferidos (no n.º 3 do art.º 729.º do Cód. de Proc. Civil) em ordem a superar a deficiência detectada e que não pode ser suprida pelo Supremo em sede de revista, cuja função própria e normal é, reafirme-se, restabelecer o império da lei, corrigindo os eventuais erros de interpretação e aplicação das normas jurídicas realizadas pela Relação ou pela 1.ª instância. Sem o apuramento dos factos materiais alegados (especialmente os caracterizadores da invocada união de facto da Autora com o falecido BB), função que incumbe exclusivamente às instâncias, o Supremo está impedido de definir e aplicar o regime jurídico que julgue adequado (art.º 729.º, n.º 1, do Cód. de Proc. Civil) e, perante essa inviabilidade, há que ordenar o reenvio do processo às instâncias, nos termos do art.º 730º, n.º 2, do Cód. de Proc. Civil, com vista a permitir que, em primeiro lugar, se constitua base factual relevante minimamente suficiente, tendo em consideração as várias soluções jurídicas plausíveis, para, só depois, ser definido o correcto regime jurídico do pleito, definição que, saliente-se, de novo, se torna impossível de efectuar, de imediato, atenta a total falta de indicação de quaisquer factos provados. De qualquer modo, adiantamos já que, a provar-se a alegada união de facto, deverá ser aplicada a Lei n.º 23/2010, de 30 de Agosto, como quase unanimemente vem decidindo este Tribunal, orientação perfilhada nos acórdãos citados em nota e rodapé e que aqui também se adopta.</font><br>
<font>Pode, assim, concluir-se que:</font><br>
<font>a) Embora não inseridas no objecto do recurso, o Supremo Tribunal de Justiça pode conhecer excepcionalmente de questões, ainda que adjectivas, se estiverem intimamente ligadas ao mérito, como sucede nas previstas no n.º 3 do art.º 729.º Cód. de Proc. Civil.</font><br>
<font>b) Cumpre às instâncias apurar a matéria de facto relevante para a solução do litígio e, salvo as situações de excepção legalmente previstas, o Supremo Tribunal de Justiça só conhece matéria de direito.</font><br>
<font>c) Contudo, no âmbito do recurso de revista, se as instâncias omitirem totalmente a indicação dos factos provados, impõe-se fazer uso dos poderes excepcionais conferidos ao Supremo pelo art.º 729.º, n.º 3, do Cód. de Proc. Civil, e, mostrando-se inviável a definição imediata do regime jurídico adequado, ordenar o reenvio do processo, nos termos do art.º 730º, n.º 2, do Cód. de Proc. Civil.</font>
</p><p><b><font>IV - Decisão</font></b>
</p><p><font>Nos termos expostos, anula-se o acórdão recorrido e determina-se o reenvio do processo ao Tribunal da Relação de Lisboa para ser apurada a matéria de facto relevante ou a sua baixa à 1ª instância, se tal não lhe for possível. </font>
</p><p><font>Custas pela parte vencida a final.</font></p><div><br>
<font>*</font>
<p><font>Lisboa, 28 de Fevereiro de 2012.</font></p></div>
<ul>
<ul>
<ul><font> </font>
<p>
</p><p><font>António Joaquim Piçarra (Relator)</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Sebastião Póvoas</font>
</p><p>
</p><p><font>Moreira Alves</font>
</p><p><b><font> </font></b></p></ul>
</ul>
</ul>
<font>_______________________________</font><br>
<a><u><sup><font>[1]</font></sup></u></a><font> Na versão introduzida pelo DL n.º 303/2007, de 24 de Agosto, uma vez que o processo foi instaurado depois de 01 de Janeiro de 2008, data em que entrou em vigor tal diploma legal (cfr. os seus art.ºs 11º, n.º 1, e 12º, n.º 1).</font><br>
<a><u><sup><font>[2]</font></sup></u></a><font> cfr. no sentido da imediata aplicação da Lei n.º 23/2010, de 30 de Agosto, os acórdãos seguintes:</font><br>
<font>- ac. de 7-6-2011, proferido no processo n.° 1877/08.7TBSTR.E1.S1 (relator: Cons.º Salazar Casanova da 6ª Secção), acessível através de </font><a><u><font>www.dgsi.pt</font></u></a><font>.</font><br>
<font>- ac. de 16-6-2011, proferido no processo n.° 1038/08.5TBAVR.C2.S1 (relator: Cons.º Sérgio Poças da 7ª Secção), acessível através de </font><a><u><font>www.dgsi.pt</font></u></a><font>.</font><br>
<font>- ac. de 6-7-2011, proferido no processo n.º 53/10.3TBSRP.E1.S1 (relator: Cons.º Salreta Pereira da 6ª Secção).</font><br>
<font>- ac. de 6-7-2011, proferido no Processo n.° 23/07.9TBSTB.E1.S1 </font><font>(relator: Cons.º Pires da Rosa da 7ª Secção), acessível através de </font><a><u><font>www.dgsi.pt</font></u></a><font>. e CJSTJ, tomo II.</font><br>
<font>- ac. de 12-7-2011, proferido no processo n.º 125/09.7TBSRP.E1.S1 (relator: Cons.º Moreira Alves da 1ª Secção, acessível através de </font><a><u><font>www.dgsi.pt</font></u></a><font>.</font><br>
<font>- ac. de 6-9-2011, proferido no processo n.º 322/09.5TBMNC.G1.S1 (relator: Cons.º Azevedo Ramos da 6ª Secção), acessível através de </font><a><u><font>www.dgsi.pt</font></u></a><font>..</font><br>
<font>- ac. de 13-9-2011, proferido no processo n.º 1029/10.6T2AVR.S1 (relator: Cons.º Hélder Roque da 1ª Secção), acessível através de </font><a><u><font>www.dgsi.pt</font></u></a><font>.</font><br>
<font>- ac. de 22-9-2011, proferido no processo n.º 1711/09.0TBVNG.P1.S1 (relator : Cons.º Silva Gonçalves da 7ª Secção), acessível através de </font><a><u><font>www.dgsi.pt</font></u></a><font>.</font><br>
<font>- ac. de 4-10-2011, proferido no processo n.º 93/09.5TVLSB.L1.S1 (relator: Cons.º João Camilo da 6ª Secção).</font><br>
<font>- ac. de 27-10-2011, proferido no processo n.º 4401/08.8TBCSC.L1.S1 (relator: Cons.º João Bernardo da 2ª Secção, acessível através de </font><a><u><font>www.dgsi.pt</font></u></a><font>.</font><br>
<font>- ac. de 23-11-2011, proferido no processo n.º 382/10.6/BSTS.S1 (relator: Cons.º Tavares de Paiva da 2ª Secção, acessível através de </font><a><u><font>www.dgsi.pt</font></u></a><font>.</font><br>
<font>- ac de 10-1-2012, proferido no processo n.º 1938/08.2TBCTB.C1.S1 (relator: Cons.º Moreira Alves da 1ª Secção), acessível através de </font><a><u><font>www.dgsi.pt</font></u></a><font>.</font><br>
<font>- ac. de 31-1-2012, proferido no processo n.º 6014/09.8TBVLSB.L1.S1 (relator: Cons.º Távora Víctor da 7ª Secção).</font><br>
<font> Dissonantes dessa orientação, conhecem-se apenas os acórdãos de 24-2-2011 e de 19-1-2012, proferidos nos processos n.ºs 7116/06.8TBMAI.P1.SI e 1047/10TBFAR.E1.S1, respectivamente, ambos relatados pelo Cons.º Granja da Fonseca da 7ª Secção), o primeiro acessível através de www.dgsi.pt e CJSTJ, tomo I e o segundo apenas através de </font><a><u><font>www.dgsi.pt</font></u></a><font>.</font><br>
<font> </font><font><br>
</font></font>
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8jLBu4YBgYBz1XKv1jz-
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1.ª Secção (Cível)
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<b><font> </font></b><font><br>
<font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font><br>
<br>
<br>
<font>AA intentou, no Circulo Judicial de Barcelos, acção, com processo ordinário, contra o “Fundo de Garantia Automóvel”, “DD, SA” e BB, pedindo a sua condenação solidária a pagarem-lhe a quantia de 2.812.749$00, acrescida de juros, para ressarcimento de danos sofridos em acidente de viação.</font><br>
<br>
<font>Ulteriormente foi requerida e admitida a intervenção principal da “Companhia de Seguros CC, SA”.</font><br>
<br>
<font>O Autor desistiu dos pedidos formulados contra todos os Réus, excepto a esta.</font><br>
<br>
<font>A 1ª Instância julgou a acção procedente e condenou a Ré a pagar ao Autor 5.000,00 euros a titulo de danos morais, acrescidos de juros à taxa de 4% e 26.063,86 euros, pelos danos patrimoniais com juros, à taxa de 7%, desde a citação, e à taxa de 4% desde a sentença.</font><br>
<br>
<font>Apelou a Ré tendo a Relação de Guimarães confirmado o julgado.</font><br>
<br>
<font>Pede agora revista assim concluindo a sua alegação:</font><br>
<br>
<font>- O Tribunal recorrido não valorizou, como devia e estava obrigado, os seguintes factos constantes e evidentes nos autos, como sejam: </font><br>
<font>- O acidente ocorreu num cruzamento. </font><br>
<font>- O local do acidente é uma localidade com casas de um e de outro lado da via, local onde, de resto, existe uma paragem de autocarros de passageiros, sendo certo que o Tribunal deu crédito ao depoimento de uma testemunha, amigo do condutor do CZ, que ali esperava o transporte. </font><br>
<font>- O CZ antes do embate deixou una rasto de travagem com 39 metros de comprimento. </font><br>
<font>- Tal rasto de travagem inicia-se na hemi-faixa de rodagem por onde circulava o CZ e, em diagonal, ultrapassa a linha divisória da via, entra na hemi-faixa de rodagem contrária até cerca de 2,40 metros da berma do lado direita da via contrária. </font><br>
<font>- Foi neste local, já na hemi-faixa de rodagem contrária àquela por onde circulava, mais próximo da berma do que do eixo da via, que ocorreu o embale entre ambos os veículos. </font><br>
<font>E devia ter ponderado que: </font><br>
<font>- O rasto de travagem continuaria até não se sabe quantos metros, não fora o obstáculo contra o qual embateu. </font><br>
<font>- O condutor deste veículo estava obrigado a avistar o LI, como o condutor deste o CZ. </font><br>
<font>- Mesmo que o acidente houvesse ocorrido por culpa do condutor do CZ, nunca os valores achados seriam devidos, uma vez que: </font><br>
<font>1- Durante o tempo em que esteve doente e incapaz para o trabalho o veículo nenhuma falta lhe fez. </font><br>
<font>2– A indemnização achada para indemnizar o Autor pelos danos patrimoniais futuros é exagerada, porquanto o Tribunal recorrido não teve em consideração: </font><br>
<font>3– O recebimento de só vez de determinado capital gera determinado rendimento, que ele nunca teria não fora o evento. </font><br>
<font>4– A taxa de juro vem aumentando e a tendência é para continuar no futuro. </font><br>
<font>5– O cálculo deve incidir não sobre 14, mas sobre 11 meses no ano, porque o esforço acrescido, que justifica a indemnização ocorre em 11 e não em 14 meses. </font><br>
<font>6- Segundo os cálculos a que habitualmente os Tribunais recorrem, as chamadas tabelas financeiras, nunca tal valor ultrapassaria os 10.000,00 Euros. </font><br>
<font>7- A sentença recorrida violou o disposto nos art°s 30, n° 1 do Código da Estrada, 483°, 493º, 494º e 496°do Código Civil e art°s 659° do CPC e é nula ao abrigo do disposto no art° 668°, n° 1 al) d) do mesmo Código. </font><br>
<br>
<font>Contra alegou o recorrido, concluindo:</font><br>
<font> </font><br>
<font>O recorrente apenas evoca alegados erros na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa, o que, com o devido respeito, e nos termos do n. ° 2 do art. 722° do Cód. Proc. Civil, não pode ser objecto de recurso de revista. </font><br>
<font>Qualquer outro nexo de causalidade, para além do existente entre o facto de o LI não ter parado no sinal STOP existente no entroncamento e o acidente, não foi provado. </font><br>
<font>Não logrou o aqui recorrente provar que houve qualquer nexo de causalidade entre o acidente e a velocidade (mesmo que acima ou abaixo do limite máximo permitido no local) a que circulava o CZ, ou com o facto de este ter guinado à esquerda. </font><br>
<font>Os factos que o recorrente elenca no ponto C das suas conclusões como não devidamente considerados pelos Tribunais a quo, não foram colocados pelas partes à sua apreciação, uma vez que não foram alegados nos respectivos articulados pelo que o Tribunal não tinha que se pronunciar sobre eles. </font><br>
<font>O Tribunal a quo usou de critérios profusamente utilizados pela nossa jurisprudência na determinação da quantia arbitrada a título de indemnização por danos futuros emergentes da diminuição da capacidade de ganho do recorrido. </font><br>
<br>
<font>As instâncias deram por assentes os seguintes factos:</font><br>
<font> </font><br>
<font>1. No dia 15.07.2000 pelas 13h15m, na E.N. n° 13, ao Km 45,320 ocorreu um embate entre o veículo ligeiro de passageiros com a matrícula 00-00-CZ (doravante CZ), marca Honda, modelo Civic, conduzido pelo autor AA e o veículo ligeiro de mercadorias LI; </font><br>
<font>2. O LI era conduzido por BB; </font><br>
<font>3. Nas circunstâncias de tempo e lugar referidos no ponto 1. O autor tripulava o CZ, pela mencionada E.N. nº 13, no sentido Porto/Viana do Castelo, pela metade direita da faixa de rodagem; </font><br>
<font>4 - A velocidade não excedente a 50 Km/hora;</font><br>
<font>5- O LI circulava no sentido nascente/poente, pela Rua da ...; </font><br>
<font>6- Essa rua entronca na EN n° 13 do lado direito, conforme o sentido Porto/Viana do Castelo, em cuja concordância existe um sinal de STOP; </font><br>
<font>7- Ao aproximar-se desse sinal, o condutor do LI não diminuiu a velocidade que imprimia ao seu veículo e não parou no mencionado sinal de STOP; </font><br>
<font>8. Em consequência, uma vez que pretendia circular no sentido Viana do Castelo/Porto, iniciou a travessia da E.N. n° 13, da direita para a esquerda, atento o sentido Porto/Viana do Castelo, sem o auxílio de quem quer que fosse, em diagonal em direcção ao eixo da via, para a esquerda, sem dar a esquerda ao centro de intersecção das duas vias; </font><br>
<font>9. O condutor do LI não verificou se na E.N. 13, no sentido Porto/Viana do Castelo circulava e se aproximava qualquer veículo; </font><br>
<font>10. O condutor do LI iniciou a travessia da EN n° 13 quando o CZ tinha acabado de desfazer a curva que, à sua frente, se lhe apresentara para a </font><br>
<font>direita e iniciava a recta que antecede imediatamente o entroncamento aludido; </font><br>
<font>11. Numa altura em que o CZ se encontrava a 40 m de distância do referido sinal STOP; </font><br>
<font>12. O autor, ao deparar com o ligeiro de mercadorias, travou, guinou o volante para a esquerda, a fim de conduzir o veículo para a faixa de rodagem contrária, onde não circulavam quaisquer veículos; </font><br>
<font>13. Tendo embatido com a parte da frente na parte lateral esquerda frontal do LI; </font><br>
<font>14. Em consequência do acidente, o autor sofreu traumatismo facial com fractura dos ossos próprios do nariz; </font><br>
<font>15. O autor foi transportado numa ambulância do local do acidente para o hospital de Esposende e daí para o Hospital de S. marcos, sito na cidade de Braga; </font><br>
<font>16. Nesse hospital, o autor foi submetido a uma intervenção para correcção cirúrgica, com anestesia local, tamponamento bilateral e colocação de adesivos de construção; </font><br>
<font>17. O autor foi transportado numa ambulância do Hospital de S. Marcos para o Hospital S. João de Deus, sito na Freguesia de Fão, Concelho de Esposende; </font><br>
<font>18. Nesse hospital, o autor esteve internado desde 15.07.2000 a 22.07.2000; </font><br>
<font>19. Após alta hospitalar, o autor regressou a casa, onde se manteve em repouso durante 10 dias; </font><br>
<font>20. As lesões sofridas em consequência do acidente e os tratamentos a que foi submetido provocaram ao autor dores físicas; </font><br>
<font>21. O recurso a analgésicos não aliviava as dores físicas de que o autor padecia; </font><br>
<font>22. O autor ficou angustiado: por ser submetido a uma intervenção cirúrgica, com anestesia local para sutura, com possibilidade de ficar desfigurado; por ter que suportar durante vários dias os adesivos de construção e correcção colocados no nariz; pelo incómodo resultante das constantes deslocações ao Hospital e às consultas do seu médico assistente, quer para receber tratamentos, quer para retirar os adesivos; </font><br>
<font>23. O autor, à data do embate, era uma pessoa saudável; </font><br>
<font>24. À data do acidente, o autor trabalhava para a FMAC — Empresa Têxtil, SA., onde exercia a profissão de transportador; </font><br>
<font>25. Pelo exercício dessa actividade, o autor auferia um vencimento mensal de esc.112.030$00 (cento e doze mil e trinta escudos), incluindo o salário e o subsídio de alimentação; </font><br>
<font>26. O autor, em virtude do acidente, deixou de trabalhar durante 16 dias; </font><br>
<font>27. Em virtude do acidente o autor gastou a quantia de esc. 124.344$00 em diária de internamento, medicamentos, material e honorários de otorrinolaringologista; </font><br>
<font>28. A reparação do CZ importou a substituição de peças; </font><br>
<font>29. A reparação do CZ importou o montante de esc.1.360.389$00, incluindo NA; </font><br>
<font>30. O CZ era a única viatura de que o autor dispunha, a qual utilizava na sua profissão, para se deslocar de casa para o trabalho e daí para casa, nos momentos de lazer e com a sua família; </font><br>
<font>31. Por causa do acidente o autor esteve privado do uso do CZ durante 206 dias, uma vez que nenhum dos réus assumiu a responsabilidade do acidente, nem diligenciou pela reparação do veículo ligeiro de passageiros do autor; </font><br>
<font>32. Por outro lado, o autor não dispunha do montante necessário para mandar efectuar a sua reparação, cujo prévio pagamento era-lhe imposto pela firma Auto Chapinhas, que elaborara o orçamento; </font><br>
<font>33. Durante o período referido no ponto 31. O autor teve de recorrer a transportes públicos e de familiares e amigos; 34. Nesse período o autor teve de mudar os seus hábitos de vida, alterar os horários de se levantar, sair de casa para o trabalho, de regresso a casa e de se deitar;</font><br>
<font>35. Durante 206 dias, o CZ ficou depositado na oficina da firma Auto Chapinhas, em Fão, a aguardar arranjo, não podendo o Autor deixá-lo na via pública, sob pena de se deteriorar ou serem furtadas peças daquele;</font><br>
<font>36. O veículo com a matrícula 00-00-CZ é do ano de 1993;</font><br>
<font>37. O embate ocorreu na metade esquerda da via considerando o sentido do Autor (Sul/Norte) a 2,40 m da berma esquerda;</font><br>
<font>38. No local do embate, a via mede 8,5m de largura;</font><br>
<font>39. Em consequência do embate, a que alude o ponto 1, o autor ficou com uma incapacidade geral permanente de 8%;</font><br>
<font>40. O Autor nasceu no dia 29 de Novembro de 1971.</font><br>
<br>
<font>Foram colhidos os vistos.</font><br>
<br>
<font>Conhecendo, </font><br>
<br>
<font>1- Evento e culpa.</font><br>
<font>2- Danos.</font><br>
<font>3- Conclusões.</font><br>
<br>
<font>1- Evento e culpa</font><font>.</font><br>
<br>
<font>A matéria de facto dada por assente – insindicável nesta sede por não se perfilar nenhuma das situações excepcionais do artigo 722º do Código de Processo Civil – permite alcançar a mesma conclusão das instâncias quanto à dinâmica do evento e sua imputação ao segurado da Ré.</font><br>
<font>Este circulava por uma via que entronca na Estrada Nacional nº 13, sendo que no entroncamento existe um sinal de paragem obrigatória – “stop” – que retira a prioridade aos veículos que pretendem entrar na estrada principal.</font><br>
<font>E o condutor do veículo LI pretendia fazê-lo, cruzando o sentido de marcha Porto – Viana do Castelo, que lhe surgia à sua esquerda para seguir no sentido Viana do Castelo – Porto.</font><br>
<font>Não se deteve, nem sequer diminuiu a velocidade que o animava, antes de entrar na EN 13, mau grado a sinalização que tal lhe impunha, cortando a linha de transito do veiculo 00-00-CZ, tripulado pelo Autor, que seguia pelo lado direito da faixa de rodagem – ponderando o sentido Porto – Viana do Castelo – a velocidade que não excedia os 50 km/hora.</font><br>
<font>No momento, o Autor estava a uma distância de 40 m e, na iminência do embate, guinou para a sua esquerda cuja faixa de rodagem estava livre e desimpedida, aí ocorrendo a colisão.</font><br>
<font>Nítida pois a conduta inconsiderada, leviana e contraordenacional do condutor do LI que foi o único causador do acidente, sem que o mesmo possa, ainda que concorrencialmente, ser imputado ao autor, que aliás nunca poderia contar com a inconsideração do outro utente da via.</font><br>
<font>Efectivamente viu cortada a sua linha de marcha, a curta distância, ponderando a velocidade instantânea de que ia animado a qual, por sua vez, não resultou provado fosse excessiva, no cotejo das condições da via, da intensidade do tráfego, das características do veiculo, da idiossincrasia do condutor ou, finalmente, da existência de qualquer sinalização impositiva.</font><br>
<font>Incensurável, pois, e nesta parte, a deliberação sob revista.</font><br>
<br>
<font>2- Danos.</font><br>
<br>
<font>A recorrente insurge-se contra o “quantum” indemnizatório fixado, mas em apenas duas parcelas: privação do uso do veículo e danos patrimoniais futuros.</font><br>
<br>
<br>
<font>2.1- Sobre o dano de privação do uso do veículo limitar-nos-emos a reproduzir as considerações feitas no Acórdão do STJ (desta mesma conferência) de 8 de Junho de 2006 – 06 A1497 – que são de manter:</font><br>
<font>“Entendemos que a responsabilidade civil não tem uma função punitivo – preventiva mas um escopo meramente reparador.</font><br>
<font>Daí que pressuponha a existência de um dano (artigo 562º do Código Civil) que está presente em toda a seriação de pressupostos a que a doutrina procede, embora ordenado diversamente de autor para autor.</font><br>
<font>Assim, o Prof. Gomes da Silva (in “Conceito e Estrutura da Obrigação”, 1943, 247) considera o dano; a violação de um direito causador do dano; o facto ou omissão que origina a violação; o nexo de causalidade; o nexo de imputação. O Prof. Manuel de Andrade (“Teoria Geral da Relação Jurídica”, 1960, I, 338) e o Prof. Pereira Coelho (“O nexo de causalidade na responsabilidade civil”, BFDUC, IX, 1951, 124) atendem ao facto, nexo de imputação, dano e nexo de causalidade. O Prof. Galvão Telles elenca o “prejuízo” como terceiro pressuposto (“Direito das Obrigações”, 187). O Prof. Vaz Serra, como o quarto (“Requisitos da Responsabilidade Civil”, BMJ 92-39), tal como o Prof. A. Varela (“Direito das Obrigações”, 1968, 347). Finalmente, o Prof. Pessoa Jorge prefere o conceito de prejuízo reparável (“Ensaio sobre os pressupostos da responsabilidade civil”, 1972, 55).</font><br>
<font>O ilícito deve ser causa adequada do dano (artigo 563º do Código Civil).</font><br>
<font>Tratando-se de dano patrimonial – imediato ou mediato – o escopo da responsabilidade civil é reconstituir a situação que, hipoteticamente, existiria não fora o facto ilícito (evento que deu origem à alteração).</font><br>
<font>Essa reconstituição, quando não naturalmente possível, tem como medida a diferença entre a situação mais actual que o Tribunal puder considerar e a que teria, nessa mesma data, caso o dano não tivesse ocorrido e é computada em dinheiro.</font><br>
<font>A privação do uso do veículo implica, desde logo, a impossibilidade do proprietário usar, fruir e dispor do que lhe pertence, direitos conferidos pelo artigo 1305º do Código Civil.</font><br>
<font>Tudo está em saber se essa mera privação, desacompanhada de alegação e prova de danos dela decorrentes, constitui, só por si, um dano indemnizável.</font><br>
<font>O Acórdão do STJ de 29 de Novembro de 2005 (C:J./STJ XIII, 111 205-151) concluiu pela afirmativa, aliás na esteira dos Acórdãos de 17/11/98 (“ a simples impossibilidade de dispor do veiculo constitui para o lesado um dano não patrimonial”) de 9/5/02 – Pº 935/02 1º (“ o simples uso de uma viatura constitui uma vantagem susceptível de avaliação pecuniária, pelo que a sua privação constitui um dano patrimonial”), sempre na linha do </font><br>
<br>
<br>
<font>Acórdão de 19 de Maio de 2005 –Pº 990/05 7º – onde se decidiu que “a privação ilícita do uso de qualquer bem constitui um dano de que o lesado deve ser compensado”.</font><br>
<font>E o primeiro dos arestos citados quando colocado perante a dificuldade de computar o dano, faz apelo à equidade. (cf. ainda o Acórdão de 11 de Abril de 2004 – 04B2959).</font><br>
<font>Diga-se, desde já, que o recurso à equidade, nos termos do nº 3 do artigo 566º do Código Civil, tem ínsita a impossibilidade de apuramento do exacto valor do dano e é inaplicável quando o dano não foi alegado nem provado (cf., a propósito, o Acórdão do STJ de 12/11/03 - 03B3997 – e a declaração de voto do Cons. Salvador da Costa no citado Acórdão de 29/11/05 “… os juízos de equidade não suprem a inexistência de factos reveladores do dano ou prejuízo reparável derivado do facto ilícito lato sensu, porque o referido suprimento só ocorre em relação ao cálculo do respectivo valor em dinheiro”).</font><br>
<font>Assim, concedendo, embora, que a privação do veiculo constitui um ilícito, por impedir o proprietário do exercício dos direitos inerentes à propriedade (cf.v.g. Dr. Júlio Gomes in “O dano da privação do veiculo”, apud RDE, XII, 1986, 209) o certo é que é necessário que tal seja causal de um dano, isto é, se repercuta em termos negativos na situação patrimonial do lesado.”</font><br>
<br>
<font>2.1.1- Ora, não resultou provado que o Autor tivesse tido qualquer prejuízo (como ter tido de alugar um veiculo de substituição; ter necessidade diária do veiculo para se deslocar e aos seus dependentes, tendo gasto quantias extra; sofrido incómodos com a utilização de outros transportes) isto é, um dano especifico, quer emergente, quer na modalidade de lucro cessante, não bastando a simples prova de ter tido de recorrer a transportes públicos e de familiares e amigos, já que este Supremo Tribunal não pode daí retirar qualquer conclusão, apenas possível em sede de presunção judicial que é exclusiva das instâncias.</font><br>
<font>Daí que não exista obrigação de indemnizar na perspectiva da responsabilidade aquiliana procedendo este segmento de alegações da recorrente.</font><br>
<br>
<font>2.2- Resta finalmente apreciar a indemnização atribuída pelo dano patrimonial mediato.</font><br>
<font>Como julgou o Acórdão deste STJ de 7 de Fevereiro de 2002 – Pº 3985/01-2ª – “na incapacidade funcional ou fisiológica vulgarmente designada por handicap, a repercussão negativa da respectiva IPP centra-se precisamente na diminuição da condição física, resistência e capacidade de esforços, por parte do lesado, o que se traduz numa deficiente ou imperfeita capacidade de utilização do corpo, no desenvolvimento das actividades pessoais, em geral, e numa consequente e, igualmente, previsível maior penosidade, dispêndio e desgaste físico na execução de tarefas que, no antecedente, vinha desempenhando com regularidade.”</font><br>
<font>Tal vai traduzir-se na perda efectiva de rendimentos resultante na diminuição da capacidade para os angariar.</font><br>
<font>Esse corte no orçamento pessoal não pode transformar-se numa quantia correspondente à mensalmente perdida multiplicada pelo número de anos de vida (activa) do lesado.</font><br>
<font>Tal seria irrealista já que a quantia encontrada iria assegurar a percepção de um rendimento muitíssimo superior ao efectivamente perdido.</font><br>
<font>É muito diferente receber uma quantia mensal do que receber um “quantum” total, pois este traduz-se numa antecipação de rendimentos que só seriam acumulados ao fim de anos.</font><br>
<font>Ora, somando o juro que seria susceptível de produzir, o capital poderia exceder em muito o dano efectivo.</font><br>
<font>A indemnização não deve representar mais do que um capital que se extinga ao fim da vida do lesado e susceptível de garantir prestações periódicas durante esta.</font><br>
<font>O apelo a critérios financeiros, fórmulas matemáticas ou fiscais deve constituir uma mera base de raciocínio, ponto de partida conducente a uma medida que traduza uma situação de equilíbrio patrimonial do lesado.</font><br>
<font>A Relação ponderou esses critérios, que não são de censurar aqui, pelo que se mantém a indemnização constante do Acórdão recorrido.</font><br>
<br>
<font>3- Conclusões.</font><br>
<br>
<font>Resta concluir que:</font><br>
<br>
<font>a) No exercício da condução, o tripulante não é obrigado a contar com a inconsideração de outros utentes da via, sendo exclusiva a culpa do condutor que, não se detendo num cruzamento sinalizado com perda de prioridade – “stop” – invade a via por onde circula o lesado, cortando-lhe a linha de marcha a escassos 40 m, circulando este a não mais de 50 km/hora e não demonstrando que esta velocidade fosse excessiva no cotejo das condições da via, da intensidade do tráfego, das características do veiculo, da idiossincrasia do condutor ou da existência de sinalização limitativa inferior.</font><br>
<font>b) A privação do uso do veículo automóvel não basta para fundar a obrigação de indemnizar se não se alegarem e provarem danos por ela causados.</font><br>
<font>c) A indemnização pelo dano patrimonial mediato – perda ou diminuição da capacidade de angariar rendimentos – deve ser calculada na ponderação de critérios financeiros, fórmulas matemáticas ou fiscais, mas apenas como elementos de mera orientação geral, sempre tendo em conta que deve representar um capital que se extinga no fim da vida (activa) do lesado e susceptível de, durante esta, garantir prestações periódicas.</font><br>
<br>
<br>
<font>Nos termos expostos, </font><u><font>acordam conceder parcialmente a revista</font></u><font> revogando o Acórdão recorrido apenas na parte indemnizatória do dano de privação do veiculo de 2.060,00 euros, mantendo-o no mais.</font><br>
<br>
<font>Custas na proporção do vencido.</font><br>
<br>
<br>
<font>Lisboa, 5 de Julho de 2007</font><br>
<br>
<br>
<font>Sebastião Póvoas (relator)</font><br>
<font>Moreira Alves</font><br>
<font>Alves Velho</font><br>
<br>
</font>
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[0 0 0 ... 0 0 0]
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8jLsu4YBgYBz1XKv0lne
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1.ª Secção (Cível)
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<b><font> </font></b><font><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font><br>
<br>
<br>
<font>"AA" intentou acção ordinária contra BB e mulher CC, o Centro Regional de Segurança Social de Setúbal, a Caixa Geral de Depósitos e os Credores desconhecidos dos primeiros Réus, representados pelo Ministério Público, pedindo que se declare o incumprimento definitivo, em Janeiro de 1986, do contrato-promessa celebrado entre a demandante e os primeiros demandados, e que, em consequência, estes sejam condenados a pagar-lhe 4.000.000$00 acrescidos dos juros moratórios à taxa legal desde a citação até integral pagamento e, caso assim não seja entendido, que seja declarado esse contrato-promessa como não cumprido pelos 1ºs RR à data da propositura da acção e que estes sejam condenados a pagar-lhe a quantia de 4.060.000$00 acrescida dos juros de mora à taxa legal desde a citação até integral pagamento, peticionando ainda que os restantes Réus sejam condenados a reconhecer a existência e exigibilidade do crédito do A. sobre os 1ºs Réus, bem como a reconhecer o direito de retenção daquela sobre a fracção autónoma identificada no art. 1º da p. i., pelo pagamento do impetrado crédito de capital e juros de mora.</font><br>
<br>
<font>Alegou para tanto, substancialmente, que prometeu comprara aos primeiros Réus, que lhe prometeram vender, uma determinada fracção autónoma e que, apesar das insistências dela, estes nada fizeram para que se celebrasse o contrato prometido alegando que estavam a negociar as dívidas que mantinham para com os restantes réus, e acrescentou que habita a dita fracção desde 1979 com autorização dos primeiros demandados, e que tal fracção em 1986 valia no mínimo 4.000.000$00.</font><br>
<font>No regular processamento dos autos, após a contestação da Caixa Geral de Depósitos, foi a final proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente, condenando os Réus BB e mulher CC, a pagar à Autora a indemnização de 2.560.000$00 acrescida de juros de mora à taxa legal desde a data da sua citação edital para a acção e até integral pagamento, absolvendo-os do restante peticionado e declarando que a demandante tem o direito de retenção sobre a fracção a que se reportam os autos, mas apenas para garantia dos apontados 2.560.000$00, condenando o Centro Regional de Segurança Social de Setúbal e a Caixa Geral de Depósitos a reconhecerem tal direito de retenção.</font><br>
<font>Tendo o Mmº Juiz, destarte, decidido que o direito de retenção da Autora não abrangia os juros de mora pedidos na peça inicial e constantes da condenação proferida na sentença, com o fundamento de (que) estes resultarem apenas da indemnização pela mora art.s 804º e 806º do C. Civil), apelou a Autora para a Relação de Lisboa que, por acórdão de 7.3.02, deu provimento ao recurso, revogando a sentença recorrida na parte em que excluiu a indemnização moratória da garantia do direito de retenção sobre a fracção predial em causa, declarando tal Tribunal ad quem que a referida garantia abrange os juros moratórios fixados na sentença.</font><br>
<font>Inconformada com o assim decidido, recorreu a Caixa Geral de Depósitos de revista, tirando as seguintes:</font><br>
<div><font>CONCLUSÕES:</font><br>
<font> </font></div><font>1) Entendeu-se no acórdão que o facto de na regulamentação do direito de retenção não figurarem normas sobre incumprimento implicava a remissão para os princípios legais em matéria de incumprimento, não se aplicando assim as restrições colocadas pela lei no caso de outras garantias reais como o penhor ou a hipoteca;</font><br>
<font>2) No entanto, o direito de retenção tem como finalidade não tanto a de sujeitar dada parcela de um património, de terceiro ou do próprio devedor, a uma especial vinculação, antes a de criar um meio de coacção relativamente ao cumprimento por parte do devedor;</font><br>
<font>3) Outrossim o direito de retenção foi construído tendo em vista quantias de reduzido valor;</font><br>
<font>4) Sendo assim, não pode alargar-se a garantia do direito de retenção pata além dos valores que apertis verbis, estão previstos na alínea f) do nº 1 do artigo 755º do Código Civil;</font><br>
<font>5) Ao entender-se diferentemente, cria-se como que uma super-hipoteca, à margem das regras da publicidade e do seu registo;</font><br>
<font>6) E é assim, porque, enquanto a hipoteca só garante juros de três anos, na interpretação feita o direito de retenção alarga a protecção indefinidamente, como sucede in casu em que o direito de retenção acaba por garantir juros de 12 anos;</font><br>
<font>7) Ao decidir em contrário o acórdão violou os art.s 11º e 755º, nº1, f) do Código Civil,</font><br>
<br>
<font>Devendo ser revogado para ficar a substituir a sentença da 1ª instância.</font><br>
<font>Sem contra-alegações, mas com os vistos legais, cumpre-nos agora apreciar e decidir.</font><br>
<font>Assim, e em primeiro lugar, nos termos do art. 713º, nº 6, ex vi art. 726º do Código de Processo Civil, remete-se para a matéria de facto dada como provada pela Relação de Lisboa, constante de fls. 286 e 287.</font><br>
<font>As instâncias decidiram, com trânsito, que a Autora goza do direito de retenção da fracção autónoma em referência, questionando-se apenas se o crédito garantido por tal garantia real abrange também os juros moratórios que os 1ºs Réus foram condenados a pagar à Autora, e não apenas a indemnização de 2.560.000$00.</font><br>
<font>A 1ª instância pronunciou-se no sentido de que o direito de retenção não abrange os juros moratórios visto estes resultarem apenas da indemnização pela mora.</font><br>
<font>A Relação de Lisboa adoptou a solução inversa, expendendo para tanto o seguinte:</font><br>
<font>«...as normas que estabelecem o direito de retenção... não se reportam à problemática dos juros, matéria que é prevista em normatividade específica.</font><br>
<font>No quadro dessa normatividade específica, prevê a lei expressamente limites de garantia quanto a juros remuneratórios relativos ao direito de hipoteca e aos privilégios creditórios, mas não quanto ao direito de retenção (artigos 693º e 734º do Código Civil).</font><br>
<br>
<font>Dir-se-à, considerando o disposto no nº 2 do art. 442º e na alínea f) do nº 1 do artigo 755º, ambos do Código Civil, que o direito de crédito do promitente comprador tradiciário garantido pelo direito de retenção corresponde ao valor da fracção predial prometida vender à data do incumprimento, abatido do valor convencionado para a compra e venda e acrescido do valor do sinal passado, isto é, sem abrangência dos juros moratórios.</font><br>
<font>Mas o direito geral de indemnização moratória está intrinsecamente conexionado com a omissão de cumprimento atempado da obrigação de indemnização derivada do incumprimento do contrato promessa e que, de algum modo, constitui o prolongamento deste último incumprimento (artigo 804º do Código Civil).</font><br>
<font>Na determinação do sentido e alcance do disposto na alínea f) do nº 1 do artigo 755º do Código Civil não é de presumir em termos de exclusão da referida indemnização moratória e o consequente prejuízo para o credor em hipóteses de omissão de pagamento por longo período de tempo (artigo 9º, nº 3 do Código Civil).</font><br>
<font>Na realidade, o limite da previsão da alínea f) do nº 1 do artigo 755º do Código Civil cinge-se à particularidade de se tratar do incumprimento pelo promitente vendedor face ao promitente comprador que daquele recebeu a coisa objecto mediato do contrato prometido...».</font><br>
<font>Esta argumentação foi rebatida na minuta da revista, nos termos constantes das já transcritas conclusões recursórias.</font><br>
<br>
<font>Vejamos para que lado devemos propender.</font><br>
<font>Deflui do art. 755º, nº 1, f), do Código Civil, que goza do direito de retenção o beneficiário da promessa de transmissão de direito real que obteve a tradição da coisa a que se refere o contrato prometido, sobre essa coisa, pelo </font><b><u><font>crédito resultante do não cumprimento</font></u></b><u><font> imputável à outra parte, </font></u><b><u><font>nos termos do art. 442º </font></u></b><font>(negrito, itálico e sublinhado da nossa lavra).</font><br>
<font>Pese embora o facto de o direito de retenção ter uma dupla função - de garantia e coercitiva - e a circunstância de lhe presidir uma ideia moral, de justiça e de equidade (v. g. o Ac. deste Supremo, de 24.2.99, sumariado no Boletim de Circulação Interna, Edição Anual de 1999, pág. 60, e Calvão da Silva, Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória, 1995, pag. 345 a 350), afigura-se-nos que tal direito não abrange os aludidos juros moratórios.</font><br>
<font>A retenção só é legítima na medida justificada pelo crédito apontado naquele normativo, crédito esse que constitui a única justa causa daquela garantia real de cumprimento.</font><br>
<font>Como salienta o Professor Calvão da Silva (in Sinal e Contrato-Promessa, 8ª Edição Revista e Aumentada, pág. 164), aquele direito existe para garantia do crédito resultante do não cumprimento imputável à parte que promete transmitir ou constituir um direito real, estando em causa o </font><u><font>crédito (dobro do sinal, </font></u><b><u><font>valor da coisa</font></u></b><u><font>, indemnização convencionada nos termos do nº 4 do art. 442º) derivado do incumprimento definitivo</font></u><font> (são nossos o negrito e o sublinhado).</font><br>
<font>Tal crédito traduz uma </font><b><font>indemnização compensatória </font></b><font>devida em caso de resolução por incumprimento definitivo imputável ao promitente vendedor (mesmo Autor, ibidem, pág. 112).</font><br>
<br>
<font>Ora, os juros constantes da condenação proferida nos autos consubstanciam a indemnização pela mora, assentando, consequentemente, numa matriz diferente (art.s 804º, nº1 e 806º, nº 1 da lei substantiva).</font><br>
<font>O incumprimento definitivo do contrato-promessa e a mora resultante da não liquidação tempestiva da respectiva indemnização compensatória legalmente prevista constituem ilícitos distintos.</font><br>
<font>O direito de retenção visa tão só a </font><b><font>tutela compensatória</font></b><font> por aquele incumprimento definitivo, prescrita pelos artºs 755º, nº1, alínea f) e 442º.</font><br>
<font>O art. 755º, nº 1, alínea f) não envolve a tutela moratória a que se reportam os art.s 405º nº 1 e 406º nº 1.</font><br>
<font>A lei individualizou o critério para a fixação do crédito do tradiciário, coberto pelo manto benéfico do direito de retenção.</font><br>
<font>Estabelecidas as fronteiras pela lei, o direito de retenção previsto na alínea f) do nº 1 do art. 755º, apenas garante o crédito nos precisos termos do art. 442º (como parece resultar dos sumários dos Arestos deste Supremo, de 10.05.01 e de 17.5.01, publicados no Boletim de Circulação Interna, Edição Anual - 2001, pág. 182 e 183).</font><br>
<font>E, anteriormente, este Supremo Tribunal já se pronunciou no sentido de que, salvo estipulação das partes em contrário, não há lugar, pelo não cumprimento do contrato-promessa, a qualquer outra indemnização nos casos de perda de sinal ou de pagamento do dobro deste ou do valor da coisa ao tempo do incumprimento (Ac. de 17.06.87, relatado pelo Cons.Pinheiro Farinha, sumariado em www.dgsi.pt).</font><br>
<br>
<font>Naturalmente que a A. faz jus a receber os juros moratórios referidos na parte decisória da sentença, porque assim ficou decidido com trânsito.</font><br>
<font>Sem embargo, o direito de retenção, de que é titular não os abrange.</font><br>
<font>Se o legislador quisesse que os juros moratórios, contados a partir da citação na acção e até integral pagamento, ficassem sempre abrangidos pela garantia em causa, tê-lo-ia consignado expressamente, de forma geral e abstracta, ou seja, em forma de lei.</font><br>
<font>É o que sucede com a hipoteca que, além de garantir o crédito, garante também os acessórios do mesmo, bem como os juros dos últimos três anos (os remuneratórios e os moratórios, ut Almeida Costa, Obrigações, 3ª Edição, pág. 675, nota 6), desde que no registo se tenha feito menção a todos estes aspectos.</font><br>
<font>Para que a hipoteca assegurasse os acessórios do crédito - entre eles os juros, aliás só dos últimos três anos - foi necessário que o art. 693º, nºs 1 e 2 do Código Civil o viesse consignar expressamente, exigindo o respectivo registo prévio.</font><br>
<font>E relativamente ao penhor, só garante os juros desde que isso se encontre previsto no contrato ("se os houver", diz o artº 666º, nº1 do Cód. Civil - cfr. Romano Martinez e Fuzeta da Ponte, Garantias de Cumprimento, pág. 67), pelo que também por força de tal disposição legal, ex vi art. 759º, nº 3, os juros constantes da condenação proferida nestes autos não estão englobados na garantia do direito de retenção.</font><br>
<br>
<font>Na verdade, a A. e os RR. nada convencionaram a respeito dos falados juros de mora e o art. 442º, nº 4 do Código Civil, para que remete o art. 755º, nº 1, f), ibidem, vai mesmo ao ponto de comandar que na ausência de estipulação em contrário não há lugar, pelo incumprimento do contrato, a qualquer outra indemnização nos casos de... aumento do valor da coisa à data do não cumprimento.</font><br>
<font>O que se compreende, por esse aumento do valor a coisa já traduzir, aos olhos do legislador, uma suficientemente forte penalização.</font><br>
<font>A decisão do Aresto em crise é "amiga do consumidor".</font><br>
<font>Todavia, a ideia da protecção do consumidor - ínsita na al. f) do nº 1 do art. 755º, objecto de crítica de autorizadas vozes, face, designadamente, à preferência estabelecida no nº 2 do art. 759º (v.g. Antunes Varela, Sobre o Contrato-Promessa, 2ª Edição, pág. 154 e segs) - não foi adoptada pelo legislador com tamanha amplitude, a qual, a nosso ver, não tem o mínimo de afloramento necessário no texto da lei. </font><br>
<font>E nem se diga que a abrangência dos juros de mora não alteraria qualitativamente a indemnização, não representaria mais do que uma actualização da verba de 2.560 contos fixada com referência ao ano em que ocorreu o incumprimento definitivo do contrato-promessa, porquanto com a aplicação dos juros legais se ultrapassa, pelo menos em alguns anos pretéritos, o quantum que resultaria de uma mera função actualizadora levada a cabo com estrita observância dos dados fornecidos pelo Instituto Nacional de Estatística.</font><br>
<br>
<font>Termos em que acordam em conceder a revista, revogando o acórdão recorrido para ficar a valer a sentença da 1ª instância, com as custas deste recurso a cargo da recorrida Autora, que no recurso decaiu.</font><br>
<br>
<font>Lisboa, 8 de Outubro de 2002.</font><br>
<br>
<font>Faria Antunes (Relator)</font><br>
<br>
<font>Lopes Pinto</font><br>
<br>
<font>Ribeiro Coelho</font></font>
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1.ª Secção (Cível)
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<b><font> </font></b><font><br>
<br>
<b><font>I ─ </font></b><font>No Tribunal Judicial da Comarca de Penafiel</font><b><font>, AA </font></b><font>e sua mulher</font><b><font> BB </font></b><font>intentaram acção declarativa de condenação, com processo ordinário, contra</font><b><font> CC, SA </font></b><font>e </font><b><font>DD, SA, </font></b><font>pedindo a condenação das Rés a pagar aos Autores a quantia total de € 16.128,95 de indemnização pelos prejuízos por eles sofridos com a reparação dos danos causados pela escavadora referida na petição inicial, pertencente à primeira Ré.</font><b><font> </font></b><br>
<br>
<font>A Ré CC apresentou contestação, pedindo a improcedência da acção e a sua absolvição do pedido. </font><br>
<br>
<font>A Ré DD, SA contestou, por excepção e por impugnação, pedindo a sua absolvição do pedido ou, assim não se entendendo, a parcial procedência da acção. </font><br>
<br>
<font>Os Autores replicaram, concluindo como na petição inicial. </font><br>
<br>
<font>Proferido o despacho saneador, seleccionaram-se os factos assentes e organizou--se a base instrutória. </font><br>
<br>
<font>Procedeu-se ao julgamento com observância do legal formalismo e gravação da prova.</font><br>
<br>
<font>Foi proferida, a final, sentença, que, considerando verificados os pressupostos da responsabilidade civil por factos ilícitos, julgou a acção parcialmente procedente, condenando a primeira Ré (comitente) a pagar aos Autores a quantia de € 812,58 e a segunda Ré (por força do contrato de seguro realizado entre ambas), a pagar aos Autores a quantia de € 7.313,24; custas pelas Rés, na proporção de 1/10 para a 1ª e 9/10 para a 2.ª.</font><br>
<br>
<font>Inconformada, a Ré DD, SA apelou para a Relação que, a final, julgou procedente a apelação, revogando a sentença recorrida, na parte impugnada e absolvendo a Ré DD, SA do pedido, com custas, na primeira instância, pelos Autores e pela primeira Ré, na proporção do vencido.</font><br>
<br>
<font>De tal acórdão veio a Ré CC interpor recurso de revista, recurso que foi admitido.</font><br>
<br>
<font>A recorrente apresentou as suas alegações, formulando, em síntese, as seguintes conclusões:</font><br>
<br>
<font>I – O acidente dos autos deu-se durante e por via da laboração da máquina da recorrente;</font><br>
<font>II – Pelo que está abrangida no âmbito do seguro que esta celebrou com a recorrida;</font><br>
<font>III – Competia à Seguradora alegar e provar que os danos tinham sido causados por veículo obrigado a seguro obrigatório;</font><br>
<font>IV – A Seguradora não o fez e dos factos provados tal não se pode concluir;</font><br>
<font>V – Competia também à Seguradora provar que o acidente era de viação, para que fosse aplicável a cláusula de exclusão de responsabilidade constante do contrato de seguro; </font><br>
<font>VI – A interpretação desta cláusula de exclusão de responsabilidade deve ser feita nos termos dos artigos 236.º e ss. do Código Civil;</font><br>
<font>VII – Daqui decorre que tal exclusão só opera se o acidente decorrer da especial perigosidade da circulação rodoviária;</font><br>
<font>VIII – No caso concreto o acidente deu-se pelo perigo inerente ao funcionamento da máquina que, quando trabalha, também circula;</font><br>
<font>IX – Ao decidir em contrário o douto acórdão fez errada interpretação das cláusulas do contrato de seguro, violando o disposto no artigo 236.º do Código Civil e errada interpretação da lei (Portaria 387/99 de 26 de Maio, art.º 131.º, n.º 1, do Código da Estrada e 30.º, n.º 2, do DL 522/85, de 31/12) em violação do disposto no artigo 9.º do Código Civil e 659.º, n.º 2, do Código de Processo Civil.</font><br>
<br>
<font>Pede que se revogue o acórdão recorrido e que, nos termos decretados na primeira instância, se condene a seguradora no pagamento dos prejuízos de 7.313,24 Euros causados ao A.</font><br>
<br>
<font>Não houve contralegações.</font><br>
<br>
<font>Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir. </font><br>
<br>
<br>
<b><font>II – Fundamentação</font></b><br>
<br>
<b><font>II.A.</font></b><font> De Facto</font><br>
<br>
<font>Da discussão da causa nas instâncias resultaram provados os seguintes factos:</font><br>
<font>1) Os Autores são donos e legítimos possuidores do prédio misto, constituído por casa de habitação com quinteiro e campo do cabo e pomar, sito no lugar do ….., da freguesia de ……, inscrito na respectiva matriz sob os art.os ….. urbano e … e … rústicos, descrito na Conservatória do Registo Predial, sob o n.º …., da freguesia de Novelas; </font><br>
<font>2) O prédio referido em 1) confronta com a Rua da ……, que liga os lugares de ……, e que tem cerca de cinco metros de largura, descrevendo uma descida acentuada desde a estrada nacional n.º 106, onde entronca; </font><br>
<font>3) No dia 23 de Julho de 2002, cerca das 15h, circulava pela Rua da ...... no sentido descendente, em direcção a Ranha, a máquina escavadora de marca 902-Liebherr, a qual era conduzida por um funcionário da primeira Ré; </font><br>
<font>4) Ao passar pelo prédio referido em 1), a retroescavadora caiu sobre a cobertura do alpendre do mesmo, cuja estrutura cedeu sob o peso da escavadora, ruindo numa extensão de 40 m2, sobre a embarcação de recreio marca "……" e do respectivo reboque que ali se encontravam, bem como sobre um tanque metálico de combustível da referida embarcação, do tractor corta relva marca "………….", de cor encarnada, de uma mesa de jardim e de outros utensílios; </font><br>
<font>5) Em consequência do referido em 4), o pavimento do logradouro ficou manchado pelo óleo libertado pela escavadora, a madeira aplicada na construção do alpendre quebrou e estilhaçaram-se grande parte das telhas que constituíam a cobertura; </font><br>
<font>6) Na data referida em 3), a 1.ª Ré havia celebrado com a 2.ª Ré um acordo escrito consubstanciado na apólice n.º ………., mediante o qual a segunda assumiu a responsabilidade extracontratual pelos danos causados a terceiros, até ao limite de € 49.979,79 e sujeito a franquia contratual de 10% no mínimo de € 174,58, durante e por via da laboração – actividade especifica – da máquina, excluindo-se do respectivo âmbito de cobertura os "danos decorrentes de acidente de viação provocados por veículos que, nos termos da legislação em vigor, estejam obrigados a seguro";</font><br>
<font>7) A retroescavadora referida em 3) pertence à primeira Ré; </font><br>
<font>8) Imediatamente antes do referido em 4), o condutor da retroescavadora perdeu o seu controlo;</font><br>
<font>9) A retroescavadora encostou-se ao muro em pedra que ladeia o prédio referido em 1), que desabou;</font><br>
<font>10) A reparação dos estragos sofridos pela embarcação foi orçamentada em € 3.554,02;</font><br>
<font>11) O corta relva ficou com o volante, molas, casquilhos e cavilha estragados;</font><br>
<font>12) A sua reparação foi orçamentada em € 71,80;</font><br>
<font>13) Para remover o entulho, reconstruir o muro e limpar o pavimento os AA tinham de despender a quantia de cerca de € 1750,00, já com IVA incluído;</font><br>
<font>14) Para reconstruir o alpendre, os Autores teriam de despender a quantia de cerca de € 2.250,00, já com IVA incluído;</font><br>
<font>15) Para repor a vegetação, a mesa de jardim e o tanque metálico os AA terão de despender a quantia de € 500;</font><br>
<font>16) O condutor da retroescavadora conduzia-a no exercício das suas funções, no interesse e sob as ordens e direcção da 1.ª Ré;</font><br>
<font>17) A máquina referida em 3) tem de ser transportada para o local onde trabalha por veículos automóveis pesados;</font><br>
<font>18) E só se movimenta no local onde labora;</font><br>
<font>19) No dia referido em 3), a referida máquina encontrava-se a efectuar obra de limpeza de ambas as margens do Rio Sousa;</font><br>
<font>20) Obra essa que havia sido adjudicada à 1.ª Ré;</font><br>
<font>21) Imediatamente antes do referido em 4), a máquina havia concluído a limpeza de uma das margens;</font><br>
<font>22) E foi quando se dirigia para efectuar a limpeza da outra margem do Rio que sucedeu o referido em 4);</font><br>
<font>23) Para efectuar a limpeza da outra margem, a máquina tinha de usar a Rua referida em 2) para a ela aceder;</font><br>
<font>24) No dia e hora referidos em 3) a máquina retroescavadora dirigia-se para a margem direita do Rio Sousa a fim de a limpar;</font><br>
<font>25) Para aceder à referida margem a máquina circulou por caminhos e ruas estreitos da freguesia de Novelas;</font><br>
<font>26) Até atingir a Estrada Nacional 320;</font><br>
<font>27) Onde percorreu cerca de 100 metros até entrar na Rua referida em 2);</font><br>
<font>28) A máquina encostou-se ao muro do prédio referido em 1);</font><br>
<font>29) Que se desmoronou.</font><br>
<br>
<br>
<b><font>II.B.</font></b><font> De Direito</font><br>
<br>
<b><font>II.B.1.</font></b><font> Como se sabe, o âmbito do objecto do recurso é definido pelas conclusões do recorrente (art.º 684.º. n.º 3, e 690.º, n.os 1 e 3, do CPC), importando ainda decidir as questões nela colocadas e bem assim, as que forem de conhecimento oficioso, exceptuadas aquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras – art.º 660.º, n.º 2, também do CPC.</font><br>
<br>
<font>Assim, a única questão a analisar é se foi interpretado erradamente o contrato de seguro e violadas as disposições legais referidas no recurso.</font><br>
<br>
<br>
<b><font>II.B.2.</font></b><font> </font><br>
<br>
<font>Na sentença recorrida, entendeu-se que os danos patrimoniais sofridos pelos Autores foram causados durante e por via da laboração da máquina escavadora, propriedade da 1.ª Ré, pelo que a 2.ª Ré é responsável, nos termos do contrato de seguro celebrado entre ambas, pela respectiva indemnização, descontado o valor da franquia acordada. </font><br>
<br>
<font>Decidiu diversamente a Relação que, no caso, os danos foram causados fora da actividade específica da máquina, pelo que considera excluída a responsabilidade da seguradora. </font><br>
<br>
<font>A questão que se coloca, no presente recurso, é, assim, a de averiguar se os danos descritos, que foram causados pela máquina escavadora pertencente à 1.ª Ré, estão incluídos no âmbito da cobertura (responsabilidade civil) do mencionado contrato de seguro.</font><br>
<br>
<font>O contrato de seguro é formal, devendo ser reduzido a escrito, num instrumento que constituirá a apólice (cf. art. 426.º do Código Comercial). O Estado impõe ás seguradoras e segurados determinadas condições gerais que devem constar da apólice. Tais condições integram-se no respectivo contrato de seguro e vinculam, consequentemente, a seguradora, o segurado e quem quer que adira ao contrato (artigos 405.º, n.º 1, 406.º, n.º 1 do Código Civil e 406.º do Código Comercial).</font><br>
<br>
<font>O Dec. Lei n.º 94-B/98, de 17 de Abril</font><font> </font><font>(1)estabelece o regime de acesso e exercício da actividade seguradora, tipificando nos seus artigos 123.º e 124.º, todos os ramos de seguros (“Vida” e Não Vida”), compreendendo cada ramo diversas modalidades e incluindo nos seus artigos 176.º a 178.º disposições sobre os contratos de seguro “Não Vida”.</font><br>
<br>
<font>Quanto à interpretação das suas cláusulas, vale o regime geral do Código Civil (art. 236.º e ss.), com as especificidades decorrentes dos artigos 7.º, 10.º e 11.º do DL n.º 446/85, de 25 de Outubro, Lei das Cláusulas Gerais (LCCG)</font><font> (2) </font><font>, a que acresce o disposto nos artigos 8.º e 9.º do DL n.º 176/95, de 26 de Julho</font><font> </font><font>(3), sobre regras de transparência para a actividade seguradora</font><font>(4</font><font>)</font><br>
<font>Da apólice junta aos autos resulta o seguinte:</font><br>
<br>
<font>a) Nas Condições Particulares: </font><br>
<font>Ramo: Bens em leasing. </font><br>
<font>Tomador do seguro: CC Lda. Local do Risco: Portugal Continental (Locais de Trabalho). </font><br>
<font>Descrição do objecto seguro: 1 Máquina Giratória, marca ….. …. Outras coberturas: Responsabilidade Civil Extracontratual (Laboração).</font><br>
<font>b) Nas Condições Gerais: </font><br>
<font>Exclusões Específicas para Responsabilidade Civil (art. 2, C) Excluem-se do âmbito desta cobertura: </font><br>
<font>1., al. e): </font><br>
<font>"Danos decorrentes de acidentes de viação provocados por veículos que, nos termos da legislação em vigor, sejam obrigados a seguro". </font><br>
<br>
<font>Por outro lado, se nos reportarmos à factualidade dada como provada parece claro que a retroescavadora não se encontrava no momento do sinistro, na sua função específica de escavação. Para que se pudesse afirmar que a circulação não se reveste de especificidade bastante para descaracterizar a função, seria necessário que aquela estivesse indissoluvelmente relacionada com a escavação. Ou seja, que a circulação seja uma das operações implicadas pela escavação (posicionamento inicial ou subsequente) e a remoção dos materiais escavados.</font><br>
<br>
<font>Ora, a referida máquina transitava pela via pública (ainda que, de um local de trabalho para outro local de trabalho, de uma margem para a outra do Rio Sousa, a fim de prosseguir os trabalhos de limpeza que acabara de concluir numa delas e tivesse de passar pela Rua, onde ocorreu o sinistro, para aceder à outra margem), enquanto veículo circulante, com os riscos inerentes ao comum dos veículos terrestres a motor, sobretudo, os derivados da sua circulação. </font><br>
<br>
<font>A situação (continuação de um determinado trabalho em local diverso do inicial) não se distingue de outra em que se termina um trabalho e se circula, pela via pública, até ao local onde se vai dar início a um novo trabalho ou se vai estacionar a máquina.</font><br>
<br>
<font>O acidente em causa (ao circular pela via pública, a máquina encostou-se ao muro, que se desmoronou, do prédio dos Autores, causando os danos acima relatados) não teve a ver com os riscos próprios do funcionamento da retroescavadora, como máquina industrial, mas sim com os riscos da retroescavadora, na sua função de veículo circulante.</font><br>
<br>
<font>Caracterizado o acidente "sub judice", como acidente de viação, como se fez na Relação não merece qualquer censura a solução a que se chegou.</font><br>
<br>
<font>Como máquina industrial, a retroescavadora da 1.ª Ré estaria sujeita a autorização da Direcção Geral de Viação (nos termos dos artigos 12.º ou 14.º da Portaria n.º 387/99, de 26 de Maio</font><font> (5)</font><font> e a seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel, dado o disposto no artigo 131.º (cf. também os artigos 135.º n.º 3, al. b), 145.º, n.os 1 e 2 e 147.º n.os 2 e 3) do Cód. da Estrada</font><font> (6)</font><font> e os artigos 1.º, n.º 1 e 30.º, n.º 1 do DL n.º 522/85, de 31 de Dezembro</font><font> (7)</font><font> para poder circular. </font><br>
<br>
<font>Se a referida máquina industrial estava, efectivamente, autorizada pela DGV a transitar na via pública, nada foi dito (embora o teor dos n.os 17 e 18 da matéria de facto provada pareça sugerir que o não estava). </font><br>
<br>
<font>O ponto poderia revestir-se de interesse, face à cláusula de exclusão de responsabilidade civil estipulada na acima citada al. e) do art. 2 C, das Condições Gerais da apólice de seguro. </font><br>
<br>
<font>O veículo em causa era uma máquina industrial, na definição do artigo 109.º, n.º 2 do Código da Estrada: "Máquina industrial é o veículo com motor de propulsão, de dois ou mais eixos destinado à execução de obras ou trabalhos industriais e que só eventualmente transita na via pública, sendo pesado ou ligeiro consoante a sua tara exceda ou não 3500kg".</font><br>
<br>
<font>Defendendo-se que as máquinas industriais só estarão sujeitas a seguro obrigatório se autorizadas a transitar na via pública, impendia, portanto, sobre a R. seguradora o ónus de alegação e prova da matéria factual dos factos impeditivos ou extintivos do direito invocado pela A., nos termos do artigo 342.º, n.º 2 do Código Civil.</font><br>
<br>
<font>Daí que, não o tendo logrado fazer, sofreria a consequência dessa falta de prova. </font><br>
<br>
<font>No entanto, caracterizado o acidente "sub judice", como verdadeiro acidente de viação, ocorrido na via pública e causado pela retroescavadora da 1.ª Ré na sua função de veículo circulante, só abrangendo o seguro realizado contratado “os riscos próprios da referida máquina industrial, “durante e por via da laboração – actividade especifica – da máquina”, estipulando-se como local do risco os "locais de trabalho", tal é suficiente para concluirmos que os danos provocados pela referida retroescavadora não se encontravam cobertos pela garantia desse contrato de seguro, que não é de responsabilidade civil do ramo automóvel. </font><br>
<br>
<font>Neste sentido vejam-se os Acórdãos do STJ de 11 de Janeiro de 1990, </font><i><font>BMJ</font></i><font> n.º 393, p. 469; de 9 de Dezembro de 1992, </font><i><font>BMJ</font></i><font> n.º 422, p. 97 e de 3 de Maio de 2001, </font><i><font>CJSTJ</font></i><font>, Ano IX, Tomo 11, p. 43 bem como os Acs. da RP, de 12 de Dezembro de 1996, </font><i><font>CJ</font></i><font>, Ano XXI, Tomo V, p. 139 e da RC de 1I de Janeiro de 2000, </font><i><font>CJ</font></i><font>, Ano XXV, Tomo I, p. 12.</font><br>
<br>
<br>
<font>Termos em que se acorda em julgar improcedente o recurso de revista interposto.</font><br>
<br>
<font>Custas pela recorrente.</font><br>
<br>
<font>Lisboa, 07 de Novembro de 2006</font><br>
<br>
<font>Relator: Paulo Sá</font><br>
<font>Adjuntos: Borges Soeiro </font><br>
<font> Pinto Monteiro</font><div></div><font>________________________________</font><br>
<font> 1-Rectificado pela DR n.º 11-D/98, de 30 de Junho e alterado pelos Decretos-Lei n.º 8-C/2002, de 11 de Janeiro, n.º 169/2002, de 25 de Julho, n.º 70-A/2003, de 14 de Abril, n.º 90/2003, de 30 de Abril, n.º 211/2003, de 14 de Outubro, n.º 76-A/2006, de 29 de Março e n.º 145/2006, de 31 de Julho.</font><br>
<font> 2- Alterado pelos Decretos-Lei n.º 220/95, de 31de Agosto, n.º 224-A/96, de 26 de Novembro, n.º 249/99, de 7 de Julho e n.º 323/2001, de 17 de Dezembro. </font><br>
<font>3- Rectificado pela DR n.º 118/95, de 29 de Setembro e alterado pelo Decreto-Lei n.º 60/2004, de 22 de Março.</font><br>
<font> 4-Sobre a interpretação do contrato de seguro, v., entre outros, JOSÉ VASQUES, </font><i><font>Contrato de Seguro</font></i><font>, Coimbra Editora, 1999, pp. 346 e ss. PEDRO ROMANO MARTINEZ, “Conteúdo do Contrato de Seguro e Interpretação das Respectivas Cláusulas”, Congresso Nacional de Direito dos Seguros, </font><i><font>Memórias</font></i><font>, p. 57 e ss.; MOITINHO DE ALMEIDA, </font><i><font>O Contrato de Seguro no Direito Português e Comparado</font></i><font>, Livraria Sá da Costa Editora, Lisboa, 1971, pp. 31 e 32.</font><br>
<font> 5- Alterada pela Portaria n.º 808/99, de 21 de Setembro.</font><br>
<font> 6-7Decreto-lei n.º 44/2005, de 23 de Fevereiro, alterado pelo Decreto-Lei n.º 74-A/2005, de 24 de Março.</font><br>
<font> 7-Alterado pelos Decretos-Lei n.º 122-A/86, de 30 de Maio, n.º 122/92, de 2 de Julho, n.º 358/93, de 14 de Outubro, n.º 130/94, de 19 de Maio, n.º 3/96, de 25 de Janeiro, n.º 224-A/96, de 26 de Novembro, n.º 68/97, de 3 de Abril, n.º 368/97, de 23 de Dezembro, n.º 301/2001, de 23 de Novembro, n.º 72-A/2003, de 14 de Abril, n.º 44/2005, de 23 de Fevereiro, n.º 122/2005, de 29de Julho e n.º 83/2006, de 3 de Maio. </font></font>
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1.ª Secção (Cível)
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<b><font> </font></b><font><br>
<b><font>Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça:</font></b><br>
<p><font>“AA – Equipamento de Escritório e Comunicação, Limitada”, intentou acção, com processo ordinário, contra “BB – Prestação de Serviços Administrativos e de Secretariado, Unipessoal, Limitada” pedindo a sua condenação a pagar-lhe 18.025,00 euros, acrescidos de juros, à taxa de 12% desde a citação.</font><br>
</p><p><font>Alegou, nuclearmente, ter vendido à Ré material informático, sendo que esta era devedora, em 29 de Janeiro de 2003, da quantia de 58.751,37 euros; que, no arresto apenso, as partes chegaram a acordo quanto à devolução de uma fotocopiadora fixando a dívida em 18.025,00 euros, a pagar em duas prestações; que o não pagamento da primeira implicaria o vencimento imediato da segunda; que a Ré não pagou a quantia acordada.</font><br>
</p><p><font>A Ré contestou alegando, em síntese, o incumprimento do negócio inicial – que seria um contrato de empreitada – pela Autora; que lhe assiste o direito à resolução do mesmo; que já sofreu danos no valor de 5.718,46 euros quantia que, em conjunto com danos futuros ilíquidos, reclama em reconvenção.</font><br>
</p><p><font>No 1.º Juízo Cível da Comarca de Leiria a acção foi julgada procedente, sendo improcedente a reconvenção.</font><br>
</p><p><font>Apelou, a Ré, para a Relação de Coimbra, que confirmou o julgado.</font><br>
</p><p><font>Por inconformada, pede, agora, revista.</font><br>
</p><p><font>E assim conclui as suas alegações, no que releva:</font>
</p><p><font>-Na matéria factual elencada pela decisão recorrida fica demonstrada a conduta inadimplente da recorrida. </font>
</p><p><font>-Continua a não entender como foi possível apresentar o aludido ‘acordo’ no arresto como uma transacção que pôs fim definitivo ao litígio, quando tal matéria de facto dada como provada já constava da elaboração do saneador e da base instrutória e, não obstante tal, o processo seguiu o seu curso a efectuou-se audiência de julgamento. </font>
</p><p><font>-Afigurando-se assim que era relevante apurar a demais matéria de facto vertida na base instrutória e dá-la como provada ou como não provada. </font>
</p><p><font>-Pese embora o acórdão recorrido referir que ‘na sequência deste acordo (...) intentou a Autora a presente acção contra a Ré...’, certo é que tal jamais poderia corresponder à realidade. </font>
</p><p><font>-Se semelhante ‘acordo’ valesse enquanto tal, como é definido no Código Civil, então a ora recorrida teria, forçosamente – e nos termos da lei processual civil – que utilizar a acção executiva para obter o pagamento da quantia que entendia devida. </font>
</p><p><font>-Manifestamente não o fez, tendo optado pela via da acção declarativa de condenação. </font>
</p><p><font>-Acresce que, se tal acção declarativa tivesse sido intentada com base no ‘acordo’, então nunca aquela podia ter sido instaurada requerendo-se a apensação do procedimento cautelar em causa ‘à acção ora proposta, nos termos do artº 383 nº 2 do CPC’. </font>
</p><p><font>-O conceito de transacção não acarreta – nem isso resulta da lei – que se possa considerar, no caso </font><i><font>sub judice</font></i><font>, que as partes declararam, reciprocamente, nada mais ter a exigir da outra, a que título fosse: uma vez </font><b><font>tal nunca foi declarado</font></b><font>, nem se pode considerar resultar do texto do ‘acordo’, ou da interpretação do mesmo. </font>
</p><p><font>-Resulta ainda incontraditável do ‘acordo’ em análise (e o Acórdão recorrido continua a não verificar tal evidência) que à então R. lhe assistiria, sempre, o direito de invocar as razões do não pagamento do montante de 18.025 €, ou mesmo de obter a condenação da então A. face aos prejuízos que o inadimplemento ou cumprimento defeituoso desta causaram àquela.</font>
</p><p><font>-E à mesma conclusão se chega quando se pretende interpretar de acordo com a posição de um declaratário normal nessas circunstâncias. </font>
</p><p><font>-Precisamente porque resulta que a quantia reduzida pela recorrida teve por base a restituição de um equipamento, o qual também resulta dos autos – e da matéria provada – que não era o mesmo que estava descrito na factura emitida pela recorrida. </font>
</p><p><font>-Pelo que, sempre quanto a este equipamento a ora recorrida conseguiria obter a anulação da referida venda. </font>
</p><p><font>-Jamais se aceite, pois, que um declaratário normal, colocado na posição da recorrida – a qual se demonstrou, saber que tinha facturado equipamento diverso do que entregara à recorrente, saber que tinha falhado em obrigações diversas perante a recorrente nomeadamente quanto a reparações e a assistência – entendesse que o ‘acordo’ vertido no auto de arresto, no preciso dia em que o mesmo ia ser executado, equivalia à renúncia, pela ora recorrente, de todos os demais direitos que tinha – e tem – contra a ora recorrida. </font>
</p><p><font>-Resulta, assim, que este ‘acordo’ não demonstra, de </font><i><font>per </font></i><font>si, tudo o que havia sido transaccionado entre as partes, dado que padece de uma </font><b><font>falha grave</font></b><font>: a omissão ao facto de ser diverso o equipamento restituído pela recorrente à recorrida daquele que esta facturara àquela. </font>
</p><p><font>-Resulta logo evidente que o dito ‘acordo’ em sede de aresto jamais poderá considerar abranger todos os direitos e deveres das partes e renuncia ao que demais qualquer das partes pudesse exigir da outra.</font>
</p><p><font>-Tal ‘acordo’ apenas se baseia no que consta das facturas e, ficou determinado que um dos equipamentos facturado não foi, realmente, vendido e entregue pela recorrida à recorrente (e sim outro, de outro modelo). </font>
</p><p><font>-Modelo este entregue à recorrente que – tal como provado – já tinha sido retirado do mercado há mais de um ano uma vez que dava problemas! </font>
</p><p><font>-Existem, pois, nos autos diversos elementos que permitem extrair conclusões diversas da interpretação que um declaratário normal teria do teor de semelhante ‘acordo’. </font>
</p><p><font>-O ‘acordo’ lavrado no auto de arresto não pôs termo definitivo ao litígio que existia entre as partes, nem equivaleu a renúncia pela ora recorrente dos seus demais direitos contra a ora recorrida. </font>
</p><p><font>-É, ainda, evidente que a recorrente nunca poderia acordar pôr termo ao litígio, de forma definitiva, quando tinha por resolver com o ......toda a questão do projecto, do fornecedor dos equipamentos, o qual devia concomitantemente instalá-los, colocá-los em funcionamento, dar assistência e formação quanto à sua utilização. </font>
</p><p><font>-Para a renúncia do credor aos seus direitos – o que é o caso da recorrente – sempre a lei determina a obrigatoriedade de tal ficar reduzido a escrito – cfr. arts. 809º, 731.º, n.º 1 do C.C.. </font>
</p><p><font>-Do teor do “acordo” nada a recorrente declarou, nem nada as partes acordaram no que concerne às razões daquela contra a recorrida, aos seus direitos face ao incumprimento ou cumprimento defeituoso por parte da recorrida das obrigações a que se tinha vinculado. </font>
</p><p><font>-Pelo supra exposto e pelas razões aludidas, violou o Acórdão recorrido o disposto nos arts. 1248.º e 809.º do C.C., com a interpretação que supra deveria ter sido feita quanto ao que foi declarado pelas partes de fls. 32 a 34 do apenso A ao presente pleito.</font>
</p><p><font>Não foram oferecidas contra-alegações.</font>
</p><p><font>As instâncias deram por assente a seguinte </font><u><font>matéria de facto</font></u><font>:</font>
</p><p><font>I – A Autora dedica-se ao comércio de material para equipamento de escritório, nomeadamente, material informático – hardware e software, fotocopiadoras, máquinas de calcular, consumíveis de informática e consumíveis de escritório – A dos Factos Assentes. </font>
</p><p><font>II – A Ré dedica-se ao comércio de prestação de serviços administrativos e de secretariado – B dos Factos Assentes. </font>
</p><p><font>III – No exercício da sua actividade comercial, a Autora forneceu à Ré vário material informático e outro equipamento de escritório – C dos Factos Assentes. </font>
</p><p><font>IV – Para garantia do pagamento do alegado débito da Ré à Autora em consequência do fornecimento de tal material, a Autora, em 29.01.2003, deu entrada neste Tribunal de um pedido de arresto de bens da Ré, processo agora apenso a estes autos – D dos Factos Assentes. </font>
</p><p><font>V – No dia da realização do arresto ordenado, e conforme consta do respectivo Auto, para além dos bens arrestados, as partes chegaram a acordo quanto à devolução de uma fotocopiadora, cujo valor foi creditado à Requerida, e foi fixada a dívida no montante de € 18.025,00 a ser paga em duas prestações de € 9.012,50 cada uma – E dos Factos Assentes </font>
</p><p><font>VI – Para garantia do pagamento da quantia em dívida assim fixada, foram entregues à Autora na data do arresto dois cheques preenchidos e assinados pelo Sr. CC, datados de 28.02.2003 e 31.03.2003 e com o valor de € 9.012,50 cada, cheques estes que seriam substituídos por outros da Ré e de igual valor e para as mesmas datas – F dos Factos Assentes. </font>
</p><p><font>VII – Ficou também acordado que o não pagamento da primeira prestação implicava o vencimento imediato da segunda – G dos Factos Assentes. </font>
</p><p><font>VIII – A Ré não substituiu os cheques entregues pelo Sr. CC, tendo a Autora apresentado a pagamento o cheque datado de 28.02.2003 de que era portadora, o qual foi devolvido por falta de provisão, verificada em 5.03.2003, no serviço de compensação do Banco de Portugal – H dos Factos Assentes. </font>
</p><p><font>IX – Nas negociações havidas entre Autora e Ré com vista à celebração do negócio em apreço nos autos, o sócio da Autora chegou a sugerir à Ré fornecer-lhe – uma vez que se detectou que esta olvidara semelhante equipamento na sua proposta junto do ......... um programa anti-vírus, uma gaveta de dinheiro e uma impressora de talões – I dos Factos Assentes. </font>
</p><p><font>X – Na sequência, a Autora forneceu à Ré uma impressora de talões de caixa e uma gaveta de dinheiro – J dos Factos Assentes. </font>
</p><p><font>XI – Após a instalação de tal equipamento, deveria o mesmo permitir que, após o fecho de uma venda a dinheiro, a impressora imprimisse o talão e a gaveta de dinheiro abrisse automaticamente, mas tal não aconteceu, motivo pelo qual a Ré teve de solicitar a presença e assistência da Autora – K dos Factos Assentes. </font>
</p><p><font>XII – A Autora enviou então um técnico para configurar o equipamento, o qual não conseguiu solucionar o problema, tendo aquele informado que não havia compatibilidade entre os sistemas, sendo necessário substituir a drive, e depois a Autora informou a Ré que iria resolver o problema mas, até à data, aquele subsiste tendo a Ré que utilizar a chave cada vez que necessita de aceder à gaveta de dinheiro – L dos Factos Assentes. </font>
</p><p><font>XIII – A actual sócia da Ré apresentou a sua candidatura junto do ......em Junho de 2000, vindo o respectivo contrato de concessão de incentivos financeiros a ser outorgado entre a Ré e o ......, em 21.01.2002 – M dos Factos Assentes. </font>
</p><p><font>XIV – Ainda em Março de 2002, a Autora instalou nos computadores (portátil e outro), referidos na factura n.º 102/2002, um programa anti-vírus (PC Cilin 2000 – à data já obsoleto), tendo aquela referido à Ré que semelhante programa era meramente provisório (motivo pelo qual não se encontra facturado) e que instalaria posteriormente um programa anti-vírus capaz – N dos Factos Assentes. </font>
</p><p><font>XV – Não obstante as diversas insistências da Ré junto da Autora para que fornecesse e instalasse um programa anti-vírus actualizado e capaz – tendo em consideração a vulnerabilidade do sistema em rede ligado à internet e o serviço prestado pela Ré aos clientes no posto público de internet –, nunca a Ré o fez – O dos Factos Assentes. </font>
</p><p><font>XVI – Em finais de Março de 2002, a Ré encomendou, verbalmente, à Autora o segundo lote de material e equipamento o qual, na sua generalidade, incluía o que consta da factura n.º 164/2002 datada de 02.05.2002 - P dos Factos Assentes. </font>
</p><p><font>XVII – Somente em 2 1.05.2002, a Autora entregou nas instalações da Ré o equipamento e material descrito na guia de transporte n.º 25/2002 – Q dos Factos Assentes. </font>
</p><p><font>XVIII – Foi o Sr. DD da empresa ......, Lda, importadora da marca Infotec quem, por ordem da Autora, colocou no estabelecimento da Ré, a fotocopiadora a cores – R dos Factos Assentes. </font>
</p><p><font>XIX – Tal indivíduo referiu à Ré que o equipamento em causa tinha que ser instalado em rede uma vez que, enquanto tal não sucedesse, aquela só o podia utilizar enquanto mera fotocopiadora, dado que as funções de impressora e de scanner não funcionavam sem isso – S dos Factos Assentes. </font>
</p><p><font>XX – Aquando da entrega nas instalações da Ré da multifunções – fotocopiadora a cores, a Autora referiu à Ré que o equipamento em causa era topo de gama e que havia acabado de ser lançado no mercado, o que foi corroborado na ocasião pela firma importadora ....... Lda. – T dos Factos Assentes. </font>
</p><p><font>XXI – Por outro lado referiu ainda que a multifunções/fotocopiadora a preto e branco também carecia de ligação em rede, por forma a que as suas potencialidades pudessem ser todas utilizadas, ou seja, da forma como a multifunções/fotocopiadora a preto e branco havia sido instalada pela Autora, aquele equipamento só utilizava as funções de scanner e de impressora num único PC, sendo certo que não se conseguia colocar em operacionalidade o módulo de fax da máquina em causa carecendo também tal equipamento de ligação em rede – U dos Factos Assentes. </font>
</p><p><font>XXII – Por volta do mês de Junho ou Julho de 2002 a multifunções – fotocopiadora a cores fornecida pela Autora à Ré esteve sem funcionar durante uma semana – dentro do seu prazo de garantia –, porquanto carecia da colocação de uma peça (unidade fusora) que verificava ser deficiente (a qual permitia que a imagem passasse para o papel) – V dos Factos Assentes. </font>
</p><p><font>XXIII – A fotocopiadora a preto e branco fornecida era um equipamento multifuncional, abarcando a função de fotocopiadora digital, com sistema de fax de alta velocidade, com módulo de scanner de grande resolução de imagem, com kit de furação de folhas (para dois furos) – W dos Factos Assentes. </font>
</p><p><font>XXIV – Tal equipamento tem também a função de impressora com capacidade para 45 impressões por minuto, tendo também a capacidade de enviar fax directamente de livro colocado na máquina, tudo isto conforme consta da informação e especificações técnicas fornecidas pela marca Infotec e do que a Ré viu na demonstração que a Autora efectuou do equipamento – X dos Factos Assentes. </font>
</p><p><font>XXV – A Autora entregou à Ré as guias de transporte juntas aos autos a fls. 83 a 90, uma declaração emitida por aquela respeitante à garantia dos equipamentos de fotocopiadoras, um documento de condições de garantia da empresa ......, Lda. (respeitante a algum material informático que teria sido pela Autora fornecido), bem como um documento indicando os preços unitários de algum equipamento e material, documentos estes juntos a fls. 100 a 102 – Y dos Factos Assentes. </font>
</p><p><font>XXVI – O disco com a referência 13.0140. constante da guia de transporte n.º 22, não consta das guias de transporte nºs 21 e 25 – Z dos Factos Assentes. </font>
</p><p><font>XXVII – No exercício da sua actividade comercial, a Autora vendeu e entregou à Ré, a pedido desta, o material e os equipamentos descritos na factura n. 102/2002, cuja data de emissão é 8.03.2002, no valor total de € 24.676,22, com IVA incluído, e cuja cópia faz fls. 23 a 25. </font>
</p><p><font>A Autora vendeu e entregou à Ré, também a pedido desta, ainda o material e equipamento descrito na factura n.º 164/2002, cuja data de emissão é 2.05.2002, junta a fls.26 a 28 dos autos, com excepção do fotocopiador ali descrito sob o código 10.01.7513 (fotocopiador cores Infotec modelo 7513 e demais componentes do mesmo); o material vendido pela Autora à Ré, a pedido desta, descrito na factura n.º 164/2002, tinha o preço total de € 9.876,44, com IVA incluído. </font>
</p><p><font>A Autora entregou à Ré uma fotocopiadora a cores Infotec modelo 7410E, a qual tinha valor concretamente não apurado – resposta ao quesito 1º. </font>
</p><p><font>XXVIII – Previamente à constituição da Ré, a sua actual sócia-gerente candidatou-se ao programa de estímulo à oferta de emprego junto do Instituto do Emprego e Formação Profissional, para efeitos de desenvolvimento e criação de um projecto de emprego – resposta ao quesito 2º. </font>
</p><p><font>XXIX – Para serem aprovados os incentivos ao investimento a conceder, teve a mesma de apresentar ao ......vários orçamentos de fornecedores do diverso material e equipamento a adquirir – resposta ao quesito 3º. </font>
</p><p><font>XXX – A actual sócia da Ré escolheu então um orçamento que lhe foi fornecido pela FF, Lda., em data não apurada, o ......veio a aprovar o projecto apresentado pela actual sócia da Ré – resposta ao quesito 4º. </font>
</p><p><font>XXXI – Mais tarde a sócia-gerente da Ré requereu ao ......que autorizasse a substituição de tal fornecedor, a que tal organismo acedeu – resposta ao quesito 5º. </font>
</p><p><font>XXXII – No início de 2002, a Ré reuniu com a Autora e expôs-lhe que a proposta de fornecimento da Autora tinha que respeitar o que fora proposto por FF, Lda., devendo os equipamentos a fornecer ter qualidade pelo menos equivalente aos da proposta da FF, Lda. do que a Autora ficou ciente – resposta ao quesito 6º. </font>
</p><p><font>XXXIII – O gerente da Autora, EE, afirmou que ia cumprir com as especificações exigidas pela Ré referidas na resposta ao quesito 6.º. e que conseguiria preços mais baixos do que os apresentados pela FF, Lda. – resposta ao quesito 10º. </font>
</p><p><font>XXXIV – A dado momento, antes do fornecimento, ficou acordado entre Autora e Ré que a Autora concedia à Ré um prazo de 120 dias para pagamento do preço constante de cada factura relativa ao fornecimento dos materiais e equipamentos supra referidos – resposta ao quesito 11.º </font>
</p><p><font>XXXV – Ficou acordado entre Autora e Ré que a Autora se encarregava de transportar, para o estabelecimento da Ré, o equipamento a fornecer pela Autora à Ré (o constante do projecto aprovado pelo ......e o outro a que se alude na al. I) dos Factos Assentes), procedendo à sua instalação e colocação em funcionamento, interligando os equipamentos que de tal careciam, bem como se encarregava de prestar formação quanto à utilização dos equipamentos fornecidos – resposta ao quesito 12.º </font>
</p><p><font>XXXVI – E que das facturas a emitir pela Autora, teriam que constar todos os materiais e equipamentos fornecidos, com especificação unitária de todos os preços – resposta ao quesito 14º. </font>
</p><p><font>XXXVII – A Ré veio a abrir o seu estabelecimento ao público em 01.04.2002, não obstante aquele ainda não se encontrar totalmente dotado de todos os equipamentos e com todas as potencialidades dos mesmos a funcionar em pleno – resposta ao quesito 17.º. </font>
</p><p><font>XXX VIII – A Ré solicitou à Autora a entrega do primeiro lote de equipamento, o qual incluía o material e equipamento que constam da factura de 102/2002 datada de 08.03.2002 – resposta ao quesito 18.º. </font>
</p><p><font>XXXIX – Tal material apenas foi entregue nas instalações da Ré conforme guias de transporte n.ºs 21 e 22 em 13.03.2002 e em 26.03.2002. conforme guia de transporte n.º 20, e entregue e instalado o software de gestão que consta da guia de transporte n.º 23, em 31.03.2002 – Domingo de Páscoa – resposta aos quesitos 19.º e 20º. </font>
</p><p><font>XL – Em 9.05.2002. a Autora entregou nas instalações da Ré os equipamentos e material que se encontram descritos na guia de transporte nº 24/2002 – resposta o quesito 22º. </font>
</p><p><font>XLI – Não obstante a cablagem. o servidor ou computador principal que “orienta” todos os demais ligados em rede, e o UPS terem sido entregues nas instalações da Ré em 21.05.2002, aqueles não foram integralmente instalados nessa data, visto que, pelo facto de à data não estar realizado o trabalho de cablagem estruturada, o servidor não pôde ser instalado e os restantes equipamentos não puderam ficar em rede – resposta aos quesitos 23.º e 24º. </font>
</p><p><font>XLII – Pelo que a Ré não pode desde logo aferir e utilizar todas as funcionalidades e potencialidades dos mesmos – resposta ao quesito 25º. </font>
</p><p><font>XLIII – Por vezes, a Ré solicitou à Autora assistência nos equipamentos e suas funcionalidades, e o gerente da Autora – EE – apenas aparecia cerca de uma semana após ter sido pedida a sua comparência – resposta ao quesito 27º. </font>
</p><p><font>XLIV – Por vezes, compareceu no estabelecimento da Ré o filho de EE, de cerca de 15 anos de idade – resposta ao quesito 28.º. </font>
</p><p><font>XLV – Dessas vezes, o filho de EE prestou ajuda nomeadamente na edição de imagem – resposta ao quesito 29.º. </font>
</p><p><font>XLVI – Em consequência de durante algum tempo os equipamentos não estarem ligados em rede, a Ré não aceitou certos trabalhos de clientes por não ter capacidade de resposta atempada e, consequentemente, não auferiu as receitas respectivas – resposta ao quesito 30.º. </font>
</p><p><font>XLVII – Existindo uma real diferença – de qualidade e de preço – entre, por exemplo, uma fotocópia a cores e uma impressão digitalizada a cores – resposta ao quesito 31.º. </font>
</p><p><font>XLVIII – Quando a peça a que se alude na al. V) dos Factos Assentes foi colocada n referido equipamento, verificou-se que tal multifunções/fotocopiadora a cores continuava sem funcionar correctamente, e de acordo com as suas potencialidades, porque encravava frequentemente o papel – resposta aos quesitos 32.º e 33º. </font>
</p><p><font>XLIX – Posteriormente, e dado que a multifunções a cores continuava a encravar papel, o gerente da Autora retirou, em 12.11.1002, a aludida peça e levou-a consigo para ser analisada – resposta ao quesito 34º. </font>
</p><p><font>L – No dia seguinte, o gerente da Autora regressou com a aludida peça, que colocou na multifunções a cores, após o que a retirou novamente e levou-a consigo – resposta ao quesito 37.º. </font>
</p><p><font>LI – Em 18.11.2002. a Ré enviou à Autora a comunicação junta a fls. 91- 92, cujo teor se dá aqui por reproduzido, via fax, que a Autora recebeu nesse mesmo dia. A Autora não mais devolveu a unidade fusora, encontrando-se a multifunções sem poder funcionar desde então – resposta ao quesito 39°. </font>
</p><p><font>LII – Relativamente ao módulo de fax, o mesmo não foi programado pela Autora por forma a que, quando fossem enviadas várias telecópias em sequência, sem que o documento respectivo permanecesse colocado (esperando que a linha telefónica ficasse livre), fosse impressa uma folha de onde constasse o tempo de transmissão de cada telecópia, ou que tal duração ficasse gravada digitalmente. Sem tal elemento (duração do envio), a Ré tinha dificuldade em calcular o custo da operação para fixação do preço a cobrar ao cliente respectivo — atendendo a que um dos serviços prestados pela Ré incluir o «posto público de fax» – resposta ao quesito 41º. </font>
</p><p><font>LIII – A Ré enviou à Autora um fax, em 19.07.2002, cujo teor consta a fls. 97-92 no qual reclama da falta de assistência técnica ao material fornecido e solicita documentos comprovativos relativos às datas de fornecimento, de garantia; calendário de formação, preços de assistência técnica e preços para matéria que identifica. – resposta ao quesito 43º. </font>
</p><p><font>LIV – De acordo com a ......, Lda. uma motherboard fornecida à Autora, e que esta teria fornecido à Ré, tem a referência 06.0181, encontrando-se tal código na guia de transporte n.º 22 mas já não na guia de transporte n.º 25 – resposta ao quesito 44º. </font>
</p><p><font>LV – A placa gráfica com a referência 07.0063 não consta das guias de transporte n.º 22 e n.º 25; o </font><i><font>dimm</font></i><font> com a referência 03.0030 consta da guia de transporte n.º 22, não constando tal referência na factura nº 102/2002 – resposta ao quesito 45º. </font>
</p><p><font>LVI – A caixa (medio tower). com a referência 05.0077, consta da guia de transporte nº 22, mas já não consta da guia de transporte nº 25 e a drive, com a referência 04.0002 – não consta das guias de transporte nºs 22 e 25 – resposta ao quesito 46.º. </font>
</p><p><font>LVII – A dada altura, antes de 11.12.2002, foi o sistema informático das instalações da Ré infectado por um vírus, razão pela qual não se conseguia proceder à acentuação das palavras que eram escritas no processador de texto; além disso, e em consequência, sempre que se ligavam os computadores eram activadas as impressoras que começavam a debitar papel no qual apareciam escritas cerca de três linhas em cada folha – resposta ao quesito 47º. </font>
</p><p><font>LVIII – Desta situação deu a Ré conhecimento à Autora para que fosse solucionar o problema – resposta ao quesito 48º. </font>
</p><p><font>LIX – A Autora não solucionou o problema – resposta ao quesito 49.º. </font>
</p><p><font>LX – A dado momento, a Ré contactou outro representante da marca Infotec, Sr. GG, que disse que o equipamento multifunções a cores que a Ré tinha não conseguia ter a mesma prestação que o equipamento desse tipo que constava da proposta da FF, Lda., pois tinha menos de metade de capacidade de resposta. O Sr. GG disse ainda que o equipamento multifunções a cores instalado na Ré já tinha sido retirado do mercado há mais de um ano, sobre aquela data, e que tal sucedera porque dava problemas. A Ré reparou então que a multifunções a cores que ali fora instalada pela Autora era diferente da que constava da factura respectiva, emitida pela Autora em nome da Ré (factura n.º 164/2002), pois o equipamento instalado pela Autora era o modelo ........, e o facturado era o modelo ...... – resposta aos quesitos 50.º a 54º. </font>
</p><p><font>LXI – O equipamento de modelo ........... tem uma velocidade anunciada de impressão a preto e branco de 40 pág./min. em A4 e de 20 pág./min. em A3, e tem uma velocidade de impressão a cores de 10 pág/min. em A4 e de 5,2 pág./min. em A3 – resposta ao quesito 55º. </font>
</p><p><font>LXII – A multifunções de modelo .... tem software incorporado, tem uma memória de 256 Mb, tem uma velocidade anunciada de impressão a preto e branco de 51 pág/min. em A4 e de 22,5 pág./min. em A3, e tem uma velocidade de impressão a cores de 13 pág/min. em A4 e de 6,5 pág./min. em A3 - resposta ao quesito 56º. </font>
</p><p><font>LXIII – A Ré enviou à Autora, em 22 de Novembro de 2002, o fax fls. 116, o qual foi recebido pela Autora em 22 de Novembro de 2002, e onde informa Autora da desconformidade da facturação efectuada em relação ao fotocopiador Infotec Modelo .... quando o que lhes foi fornecido foi o Infotec Modelo ....., cujo preço será bastante inferior, pedindo à Autora o esclarecimento da situação. – resposta ao quesito 57.º. </font>
</p><p><font>LXIV – A Autora enviou à Ré o fax cuja cópia faz fls. 122, em que explica a diferença de facturação do material, justificando-a. – resposta ao quesito 58º. </font>
</p><p><font>LXV – Tendo a Autora procedido à ligação de todo o sistema existente nas instalações da Ré, em rede, bem como à instalação do programa de gestão comercial, sendo que este teria que ser multi-posto, a Autora ligou-o em mono-posto, ou seja, todo o trabalho a realizar com esse programa de gestão somente podia ser realizado no único PC onde o programa havia sido instalado – resposta ao quesito 59º. </font>
</p><p><font>LXVI – Cerca de Dezembro de 2002, a Ré verificou que a memória disponível dos computadores era reduzida, o que impedia que se trabalhasse em tratamento de imagem porquanto o sistema demorava muito a responder. Por tal razão, a Ré recorreu a outra empresa por forma a que se procedesse à formatação dos discos dos discos e fosse instalado um anti-vírus, mas tal trabalho não pode ser completado, uma vez que a ré não tinha em seu poder alguns cd’s de instalação e outros suportes – resposta aos quesitos 60.º e 61.º. </font>
</p><p><font>LXVII – A Autora não havia entregue à Ré a chave de acesso (password) do servidor resposta ao quesito 62.º. </font>
</p><p><font>LXVIII – Por tal razão, o servidor ainda não pôde ser formatado; as multifunções, após a infecção pelo vírus informático, não puderam ser instaladas por falta de CD/disquete de instalação; e a impressora de talões também ficou sem funcionar, por falta de disquete/CD de instalação do programa PHC – resposta ao quesito 63.º. </font>
</p><p><font>LXIX – Antes de decorrido o prazo de 120 dias sobre a data de emissão de uma das facturas, a esposa do gerente da Autora exigiu o pagamento da mesma – resposta ao quesito 64º. </font>
</p><p><font>LXX – Em 21 de Outubro de 2002, a Ré encomendou à Autora diversos toners para as multifunções, bem como óleo para a multifunções a cores, tendo reiterado o pedido em 21 de Novembro de 2002, sem que a Autora lhe fornecesse tais produtos – resposta ao quesito 65.º. </font>
</p><p><font>LXXI – Em 28 de Novembro de 2002, a Ré enviou à Autora o fax junto a fls. 132, que a Autora recebeu nesse dia – resposta aos quesitos 66.º e 67º. </font>
</p><p><font>LXXII – A Ré pagou à Autora, mediante cheque com o n.º 000000000000, sacado sobre o BPI, emitido em 3 1 de Maio de 2002, a quantia de 326,55 relativa à factura n.º ..../2002, cuja cópia constitui fls. 103 – resposta ao quesito 68.º. </font>
</p><p><font>LXXIII – A Ré pagou à Autora, mediante cheque com o n.º ................, sacado sobre o BPI, emitido em 6 de Junho de 2002, a quantia de € 3.000,00, com referência aos equipamentos fornecidos pela Autora à Ré – resposta ao quesito 69.º. </font>
</p><p><font>LXXIV – A Ré entregou à Autora, mediante o cheque nº ............, emitido sobre o Sotto Mayor, em 31 de Outubro de 2002, a quantia de € 6.182,06 – resposta ao quesito 70º. </font>
</p><p><font>LXXV – A Ré entregou à Autora, mediante transferência bancária realizada em 6 de Dezembro de 2002, a quantia de € 7.000,00 – resposta ao quesito 71.º. </font>
</p><p><font>LXXVI – Além dos acima referidos, a Autora não forneceu outros computadores à Ré – resposta ao quesito 72.º. </font>
</p><p><font>LXXVII – Por causa do supra descrito, e para honrar os compromissos que estabelecera com clientes, a Ré recorreu a empresas da concorrência para fazer cópias e impressões a cores, no que despendeu € 892,11 – resposta ao quesito 73.º. </font>
</p><p><font>LXXVIII – Pelas mesmas razões, a Ré perdeu pelo menos um cliente e recusou clientes novos – resposta ao quesito 74.º. </font>
</p><p><font>LXXIX – A Ré recorreu a outras empresas para lhe fornecer toners, um programa antivírus, e para resolverem problemas relativos aos equipamentos fornecidos pela Autora, pelo que pagou pelo menos € 2.651,77 – resposta ao quesito 75º. </font>
</p><p><font>LXXX – Perante a deficiência da multifunções a cores, teve a Ré de adquirir uma impressora HP a cores, a qual custou € 709,31, tendo esta um custo de cópia mais elevado, e não fazendo cópias de formato A3 – resposta ao quesito 76.º. </font>
</p><p><font>LXXXI – A Ré entrou em situação de incumprimento para com o projecto financiado pelo ......., podendo tal facto levar à resolução contratual por parte do ......— resposta ao quesito 77.º. </font>
</p><p><font>LXXXII – As facturas foram emitidas antes do fornecimento do equipamento, com vista ao adiantamento do processo no ......– resposta ao quesito 79º. </font>
</p><p><font>LXXXIII – As instalações da Autora situam-se próximo das instalações da Ré; o filho do gerente da Autora era estudante e era frequente estar na Autora quando não tinha aulas – resposta ao quesito 81.º. </font>
</p><p><font>LXXX1V – A fotocopiadora tem autocolantes informativos — resposta ao quesito 84.º. </font>
</p><p><font>LXXXV – Efectivamente, a Autora instalou uma máquina fotocopiadora modelo .... MF da marca Infotec – resposta ao quesito 86.º. </font>
</p><p><font>LXXXVI – As facturas da Autora foram emitidas antes da entrega do material – resposta ao quesito 90.°. </font>
</p><p><font>LXXXVII – Com vista a que a Ré recebesse do ......um adiantamento do financiamento, a Ré necessitava do recibo referente à factura n.º 102/2002, pelo que a Autora lhe passou o respectivo recibo para esse efeito – resposta ao quesito 91.º. </font>
</p><p><font>
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OjLPu4YBgYBz1XKv60EL
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1.ª Secção (Cível)
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<b><font> </font></b><font><br>
<br>
<font> Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font><br>
<br>
<font> 1. - AA demandou BBs e mulher, CC, para que estes fossem condenados a restituírem-lhe a quantia de € 29 228,04, com juros vencidos desde Agosto de 2002, no montante de € 3 601,95, e juros vincendos.</font><br>
<br>
<font>Fundamentando a sua pretensão, os AA. alegaram, no essencial, que, em 1996/97, A. e R. acordaram na criação de uma “sociedade”, destinada à comercialização de imóveis, desenvolvendo actividade até Junho de 1999, data em que deixaram de ser parceiros nos negócios. Liquidadas as contas, o A., por lapso, não comunicou a cessação de uma ordem de transferência bancária mensal de uma conta sua para conta do R., a qual se manteve até Agosto de 2002, atingindo o montante peticionado, e que, desde então reclamada dos RR., estes recusam devolver.</font><br>
<br>
<font> Os RR. contestaram impugnando, excepcionando a prescrição e deduzindo reconvenção.</font><br>
<font> Alegaram, em síntese, que prescreveu o direito à restituição das quantias transferidas nos três anos anteriores à data da propositura da acção e que não se referem aos negócios aludidos pelo A., mas à amortização de empréstimos, feitos em Maio e Agosto de 1 999, de € 24 933,84 e 13 467,54, de que apenas liquidou € 29 228,04, faltando pagar € 9 173,34, que o A. deve ser condenado a pagar, com juros desde Agosto de 2002. </font><br>
<br>
<font> O Autor negou ter obtido qualquer empréstimo dos RR. e manteve só ter sabido das transferências indevidas em Agosto de 2002.</font><br>
<br>
<font> No despacho saneador foi rejeitada a reconvenção e julgada improcedente a excepção peremptória da prescrição.</font><br>
<br>
<font> A final, na procedência da acção, os RR. foram condenados no pedido, decisão que a Relação confirmou.</font><br>
<br>
<font> Os RR. pedem ainda revista, pedindo a revogação do acórdão.</font><br>
<font> Do que submeteram à epígrafe “conclusões” – art. 690º-1 CPC -, pode extrair-se, em termos úteis, a seguinte síntese conclusiva:</font><br>
<br>
<font> 1. a). - A sentença especifica os factos alegadamente provados, mas carece, em absoluto, de qualquer exame crítico quanto à forma como se provaram os factos, não se refere às provas documentais ou testemunhais em que assenta, não as confronta, não as valora, em suma, não faz o exame crítico que é indispensável para a apreensão da motivação do julgador;</font><br>
<font> 1. b). - O art. 653º-2 CPC obriga a que o julgador fundamente as respostas aos factos não provados, não bastando especificar os fundamentos;</font><br>
<font> 1. c). - E, nessa perspectiva, a sentença é nula, nos termos da aplicação conjugada dos arts. 659º-3 e 668º-1-b) CPC e está afectada de inconstitucionalidade por exigência do art. 205º-1 CRP.</font><br>
<br>
<font> 2. a). - Não ficou provado que os RR. tivessem conhecimento da falta de causa do enriquecimento ou que tivesse havido interpelação do A. aos RR. no sentido da restituição do indevido;</font><br>
<font> 2. b). - Por isso, a sentença apenas poderia condenar no pagamento de juros após a citação, nos termos da al. a) do art. 480º C. Civil.</font><br>
<br>
<font> 3. a). - A prescrição é uma excepção de conhecimento oficioso;</font><br>
<font> 3. b). - A acção foi instaurada em 30/3/2004, não constando dos factos provados que o A. tenha tido conhecimento do facto em data não compatível com o não decurso do prazo de prescrição;</font><br>
<font> 3. c). - Assim sendo, as prestações anteriores à data de 30 de Março de 2004 (sic; ter-se-á querido dizer 2001?) não são susceptíveis de restituição em virtude da prescrição do respectivo direito.</font><br>
<br>
<font> O Recorrido apresentou resposta, pugnando pela manutenção de todo o julgado.</font><br>
<br>
<font> 2. - Vem, assim, proposta, a resolução de três </font><b><font>questões</font></b><font>, a saber:</font><br>
<br>
<font> - Nulidade da sentença, por falta de fundamentação;</font><br>
<font> - Termo inicial da condenação no pagamento de juros; e,</font><br>
<font>- Extinção, por prescrição, do direito à restituição.</font><br>
<br>
<font>3. - De entre os elementos de facto que vêm fixados pelas Instâncias, interessa aqui convocar os seguintes:</font><br>
<br>
<font> - Em 1997, o R. contraiu junto do “M... G...”, um empréstimo de 30 mil contos, para liquidar o preço de aquisição de um prédio, a pagar em 60 prestações mensais, no valor de esc. 651 076$00, cada;</font><br>
<font> - O A. comprometeu-se a pagar metade desse empréstimo e, para cumprimento desse compromisso, deu ordens ao “M... G...” para transferir mensalmente a quantia de esc. 325 538$00 para a conta dos RR.;</font><br>
<font> - Em 26 de Abril de 1999, A. e R. acordaram em cessar a parceria que mantinham e, nessa ocasião, o R. aceitou assumir sozinho o pagamento do empréstimo referido;</font><br>
<font> - Desde Julho de 1999 até Agosto de 2002 foram efectuadas 18 transferências, no valor de esc. 325 538$00 cada, da conta do A. para a dos RR..</font><br>
<br>
<font> 4. - Mérito do recurso.</font><br>
<br>
<font> 4. 1. - A nulidade.</font><br>
<br>
<font>Os Recorrentes continuam a insistir na nulidade da sentença proferida na 1ª Instância, acusando-a de falta de fundamentação e arguindo a respectiva nulidade – art. 668º-1-b) CPC.</font><br>
<br>
<font> Ora, a decisão recorrida é, agora, o acórdão da Relação e não a sentença.</font><br>
<font> Os vícios formais desta última peça, a existirem, estarão cobertos pela decisão que foi chamada a sobre ela exercer censura, encontrando-se necessariamente sanados, desde logo por via da regra da substituição que o art. 715º CPC contempla.</font><br>
<font> Reflectindo-o, o acórdão impugnado, depois de apreciar a arguição, efectuada nos mesmos termos em que agora é feita perante este Tribunal Supremo, julgou, não só inverificada a nulidade de falta de fundamentação, como «improcedente a apelação, confirmando a decisão recorrida».</font><br>
<br>
<font> Quer isto dizer que, como é lógico e óbvio, se vícios formais há, da previsão do art. 668º, passíveis de serem arguidos perante o STJ – seja ao abrigo do art. 722º-1, seja do art. 755º-1 –, só poderão ser os do acórdão da Relação.</font><br>
<font> No caso, concretiza-se exemplificando, haveria de se arguir de nulo o acórdão por, ele mesmo, por exemplo, omitir os fundamentos de facto ou de direito em que assentou a decisão confirmatória.</font><br>
<br>
<font> Consequentemente, o recurso carece, nesta parte, de objecto.</font><br>
<br>
<font> De qualquer modo, sempre se deixa dito que os Recorrentes fazem incidir as suas queixas de falta de fundamentação essencialmente na valoração da matéria de facto, ou seja, na apreciação das provas e dos meios de prova, enquanto instrumentos de formação da convicção do julgador, movendo-se no campo da livre apreciação das provas, numa palavra, no julgamento da matéria de facto, como previsto e regulado no art. 653º CPC.</font><br>
<br>
<font> Ora, assim sendo, salta à vista que os Recorrentes confundem nulidades da sentença, que são vícios da peça decisória prevista no art. 659º, onde a falta de fundamentação de facto só pode consistir na omissão de enunciação dos factos que o julgador considera provados, e a omissão de motivação referida no n.º 2 do art. 653º, que cabe ao julgador da matéria de facto (tribunal singular ou colectivo), no despacho com as respostas aos pontos da base, e a que os n.ºs 2 e 3 daquele preceito também se referem, impondo a sua discriminação.</font><br>
<font> Trata-se, porém, de peças processuais diferentes, proferidas em momentos sucessivos, eventualmente por diferentes julgadores.</font><br>
<font> Diversas também, como da simples leitura dos citados preceitos resulta, as consequências da omissão da fundamentação: - No caso da decisão da matéria de facto, o remédio está na reclamação e, depois, sendo caso disso, no suprimento previsto o art. 712º-5; no caso da sentença, há-de ser reconhecida e comissão da nulidade, a suprir pelo Tribunal que a praticou ou em sede de recurso (arts. 668º - 3 e 4 e 715º-1 CPC).</font><br>
<br>
<font> Precludida, pois, há muito, e também vedada – art. 754º-2 CPC (decisão não final em matéria de natureza processual) - a possibilidade de apreciação suscitada. </font><br>
<font> </font><br>
<font> 4. 2. - Juros.</font><br>
<br>
<font> Os Recorrentes foram condenados no pagamento de € 3 601,95 de juros vencidos, que o recorrido liquidara na petição inicial. </font><br>
<font> Tal liquidação nunca foi directamente impugnada, tendo-se os RR. limitado a dizer que lhes eram devidas as quantias que foram recebendo por corresponderem à amortização do empréstimo e não ao erro procedimental invocado pelo Autor.</font><br>
<font> Haveria, pois, segundo os Réus uma causa para a apropriação das prestações que era o pagamento das importâncias mutuadas.</font><br>
<br>
<font> As Instâncias entenderam que, sendo conhecida dos RR. a existência das transferências e não tendo eles provado haver causa para as mesmas, como lhes competia, os juros são devidos desde a data do enriquecimento.</font><br>
<br>
<font> O art. 480º C. Civil estabelece que o enriquecido passa a responder pelos juros legais das quantias a que o empobrecido tiver direito: - a) depois de citado judicialmente para a acção; ou, - b) depois de ter conhecimento da falta de causa do seu enriquecimento ou da falta do efeito que se pretendia obter com a prestação.</font><br>
<br>
<font> É certo que os RR. alegaram a existência de uma causa para o recebimento das prestações, que seria a amortização do empréstimo, confessando, assim, terem conhecimento da prestação, mas não logrando demonstrar a existência da causa, matéria levada à base instrutória.</font><br>
<font> Da resposta negativa a esse ponto de facto, não pode ter-se por demonstrado o seu contrário, ou seja, que os RR. conheciam a falta de causa ou que com as prestações não se pretendia obter o efeito de cumprimento obrigacional por eles alegado, nem, a nosso ver, se pode retirar ilação nesse sentido.</font><br>
<font> De resto, as Instâncias também não retiraram essa ilação, ou pelos menos, não lhe fizeram alusão como presunção judicial, a tratar como matéria de facto (arts. 349º e 351º C. Civil)</font><br>
<font> </font><br>
<font> Consequentemente, improvada a verificação de qualquer das circunstâncias previstas na referida al. b), cuja demonstração impenderia sobre o Autor (art. 342º-1 C. Civil), que nem sequer alegou factos relativos à existência desse conhecimento, tem de considerar-se apenas a data da citação, por aplicação da norma da al. a) do preceito.</font><br>
<font> </font><br>
<font> Os juros serão, pois, devidos à taxa legal de 4% ao ano, como vem fixado, desde 05/4/2004, data da citação dos Réus.</font><br>
<br>
<font> 4. 3. - Prescrição.</font><br>
<br>
<font> Como aludido supra, a excepção da prescrição do direito foi apreciada e decidida, sem impugnação, no despacho saneador. </font><br>
<br>
<font> Essa decisão transitou em julgado, faz caso julgado material e, por isso, tornou-se definitiva e obrigatória no processo e entre as Partes.</font><br>
<br>
<font> Vedada, pois, em sede de recurso ordinário, a sua reapreciação – arts. 677º, 676º-1, 671º-1 e 673º, todos do CPC – com a inerente impossibilidade de conhecimento do objecto do recurso.</font><br>
<br>
<br>
<font> 5. - Decisão.</font><br>
<br>
<font> Pelo exposto, decide-se:</font><br>
<font>- Conceder parcialmente a revista;</font><br>
<font> - Revogar, também parcialmente, o acórdão impugnado e absolver os RR-recorrentes do pedido de pagamento de juros contados anteriormente à data da citação, os quais são devidos apenas a partir desta data (da citação) à taxa legal de 4% ao ano; e,</font><br>
<font> - Condenar nas custas Recorrentes e Recorrido, na proporção do respectivo vencimento.</font><br>
<br>
<br>
<font>Lisboa, 14 de Novembro de 2006</font><br>
<br>
<font>Alves Velho (relator)</font><br>
<font>Moreira Camilo</font><br>
<font>Urbano Dias</font></font>
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OjLQu4YBgYBz1XKv50LO
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1.ª Secção (Cível)
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<b><font> </font></b><font><font>A</font><font>cordam no Supremo Tribunal de Justiça: </font><br>
<br>
<font> </font><font>I</font><font> – </font><br>
<font> AA Lª intentou, no Tribunal Cível da comarca de Lisboa, acção ordinária contra BB Lª, pedindo a condenação desta no pagamento de 3.250.161$00, para além do que se vier a apurar em liquidação.</font><br>
<font> Em suma, alegou danos sofridos em consequência de deficiências das obras realizadas pela R. no cumprimento de um contrato de empreitada e realizadas numa sua loja.</font><br>
<font> A R. contestou, impugnando parte substancial do alegado pela A. e, concomitantemente, pediu, em reconvenção, a condenação daquela no pagamento de 4.302.290$00 a título de trabalhos não pagos e relativos ao aludido contrato de empreitada (956.090$00) e de trabalhos extra (3.346.200$00).</font><br>
<font> A A. contestou o alegado na reconvenção e pediu a sua improcedência.</font><br>
<font> Houve, ainda, tréplica.</font><br>
<font> De seguida, foi o processo saneado, elaborou-se a especificação e organizou-se o questionário.</font><br>
<font> Após julgamento, a sentença julgou totalmente improcedente a acção e parcialmente procedente a reconvenção, tendo sido, por via disso, a A. condenada a pagar à R. 14.265,62 € mais IVA e juros.</font><br>
<font> A A. não se conformou com a decisão proferida e apelou para o Tribunal da Relação de Lisboa, pedindo a revogação da mesma com condenação da R. no pedido por si formulado e a sua total absolvição do pedido reconvencional.</font><br>
<font> O Tribunal da Relação de Lisboa, por acórdão de 09 de Março do corrente ano, deu parcial provimento à pretensão da apelante e, na sequência, condenou a R. a pagar à A. 1.971,42 € e “quanto aos demais danos quanto ao material danificado e provindos do encerramento da loja” “no que se liquidar em execução de sentença”.</font><br>
<font> Foi a vez da R. manifestar o seu desacordo com o decidido e recorrer para este STJ, pedindo revista do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação e consequente absolvição.</font><br>
<font> Para o efeito, apresentou as competentes alegações que rematou da seguinte forma:</font><br>
<font>A</font><font> – O acórdão do qual ora se recorre encontra-se em manifesta contradição com o estatuído nos arts. 659° n° 3 e 661° ambos do CPC; </font><br>
<font>B</font><font> – Não foi peticionado pela A. o cumprimento defeituoso do contrato, nem tão pouco foi alegado qual a causa que originou a cedência do painel -multi-réguas;</font><br>
<font>C</font><font> – A presente decisão viola o preceituado nos arts. 1221°, 1222° e 1223° todos do CC pelo que deverá ser revogado o acórdão em crise no que tange à condenação da R. no pagamento da indemnização à A., mantendo-se a decisão proferida em 1a Instância.</font><br>
<font>A A.-recorrida, por sua vez, contra-alegou em defesa da manutenção do aresto censurado.</font><br>
<font>II</font><font> –</font><font> </font><br>
<font> As instâncias deram como provados os seguintes factos:</font>
<p><font>1</font><font>. A A. é uma sociedade por quotas que se dedica à comercialização, ao público, de material eléctrico, electrodoméstico, de som e de imagem.</font>
</p><p><b><font> </font></b><font>2</font><font>. A A. contratou a R. para que efectuar a remodelação da sua loja sita na Avenida ....., bloco ...., loja .....-A, em Lisboa.</font>
</p><p><font>3</font><font>. Nos termos do acordo celebrado, junto a fls. 23 a 26, a R. obrigou-se, além do mais que aí consta, a efectuar os seguintes trabalhos, no valor total de 17.550.000$00:</font>
</p><p><font> a) Revestimentos com o nosso sistema Multirégua, levando perfis intermédios em alumínio à cor natural e de remate em alumínio lacado, nos locais indicados na planta, totalizando as áreas de:</font>
</p><p><font>Linha Castanha = 39m2.</font>
</p><p><font>Linha Branca ligeira/peq. domésticos = 21m2.</font>
</p><p><font>Linha Branca pesada = 29m2.</font>
</p><p><font>(Não inclui acessórios); </font>
</p><p><font>b) Conjunto de atendimento composto por balcões do nosso sistema Multirégua, modelo BMT-20, nas dimensões de 0,90x1,25x0,55;</font>
</p><p><font> c) 4 Vitrinas expositoras com sancas superiores e intermédias construídas em aglomerado de madeira revestido a fórmica, munidas de l projector BV, levando ilhargas, portas de abrir e prateleiras em vidro, nas dimensões de 2,20x0,55x0,55;</font>
</p><p><font>d) 3 Sancas construídas em aglomerado de madeira revestido a fórmica, munidas de 2 projectores BV cada, nas dimensões de 0,20xl,25x 0,55; </font>
</p><p><font>e) Gôndolas expositoras construídas com o nosso sistema Multirégua, com estrados em aglomerado de madeira revestido a fórmica, nas quantidades e dimensões de 9 com 1,20x1,30x1,20;</font>
</p><p><font> f) Estrados para linha branca construídos em aglomerado de madeira revestido a fórmica, nas quantidades e dimensões de 2 com 0,10x1,20x1,20; </font>
</p><p><font>g) Conjunto de estrados para zona do Multirégua, construídos em aglomerado de madeira revestido a fórmica com encabeço frontal em alumínio lacado, nas quantidades e dimensões de:</font>
</p><p><font>19 c/ 0,10x1,25x0,62.</font>
</p><p><font>02 c/ 0,10x1,60x0,62.</font>
</p><p><font>02 c/ 0,10x0,60x0,62.</font>
</p><p><font>01 c/ 0,10x1,00x0,62; </font>
</p><p><font>h) Vitrinas expositoras, com sancas intermédias e superiores construídas em aglomerado de madeira revestido a fórmica, munidas de projectores BV, levando ilhargas, portas de abrir e prateleiras em vidro, nas quantidades e dimensões de 2 com 2,20x0,80x0,40; </font>
</p><p><font>i) Criação de expositores nas montras, incluindo a execução dos seguintes trabalhos; </font>
</p><p><font>j) Enchimento da zona inferior dos muretes até à face dos pilares com posterior revestimento com material igual ao dos pilares, num total de 10 m2;</font>
</p><p><font>k) Tampos em aglomerado de madeira revestido a fórmica a cobrir as bases superiores dos muretes, num total de 5 m2; </font>
</p><p><font>l) Conjunto de sancas para iluminação e fixação dos cabos de aço, construídas em aglomerado de madeira revestido a fórmica, nas quantidades e dimensões de:</font>
</p><p><font>1 c/0,10x3,80x0,30. - </font>
</p><p><font> 2 c/ 0,10x3,10x0,30.</font>
</p><p><font>2 c/ 0,10x2,70x0,30; </font>
</p><p><font>m) Conjunto de pendurais em cabos de aço com respectivas ferragens e prateleiras em vidro claro de 8m/m. (3 por conjunto), nas quantidades e dimensões de:</font>
</p><p><font>24 Jogos de cabos c/ 1,80.</font>
</p><p><font>54 Prateleiras c/ 0,50x0,25.</font>
</p><p><font>03 Prateleiras c/ 0,40x0,25.</font>
</p><p><font>12 Prateleiras c/ 0,50x0,18. </font>
</p><p><font>03 Prateleiras c/ 0,40x0,18;</font>
</p><p><font> n) Fecho de 5 vãos de montra através de portas em vidro de abrir com fechaduras, nas dimensões totais de: </font>
</p><p><font>l c/ 1,72x3,00.</font>
</p><p><font> l c/ l ,72x2,60. </font>
</p><p><font>l c/ 1,72x2.70. </font>
</p><p><font>l c/ 1,72x3,80. </font>
</p><p><font>l c/ l .72x3,10; </font>
</p><p><font>o) ELECTRIFICAÇÃO/ILUMINAÇÃO: Reformulação geral da instalação existente, incluindo o redimensionamento do quadro geral de forma a garantir o bom funcionamento dos circuitos de alimentação dos equipamentos que a seguir descriminamos:</font>
</p><p><font>36 Armaduras circulares munidas de 2x26W fluorescentes compactas;</font>
</p><p><font>11 Projectores munidos de lâmpadas de iodetos metálicos de 75 W;</font>
</p><p><font>01 Armadura de 2x36W fluorescente com difusor em alumínio; </font>
</p><p><font>p) Montagem de sanca com iluminação fluorescente, levando toda a área revestida a Multirégua, num total de 32,50m lineares; </font>
</p><p><font>q) Instalação do circuito de tomadas de sinal para TV no Multirégua;</font>
</p><p><font> r) Instalação de tomadas de corrente no Multirégua e zona de atendimento, assim como tomadas para T.L.P. e multibanco (não inclui tomadas de sinal de antena);</font>
</p><p><font>Fornecimento de l tapete apoio, nas dimensões de 1,30x0,70.</font>
</p><p><font>Montagem de 2 unidades de ar condicionado (aparelhos a fornecer por V. Exas.);</font>
</p><p><font>s) Substituição dos vidros em 3 vãos de montra, levando vidros lamilux;</font>
</p><p><font>t) Fornecimento e montagem de portas de enrolar, construídas em tubo de aço electrozincado com acabamento termolacado, munidas de fechaduras e comandadas electricamente, nas quantidades e dimensões de: </font>
</p><p><font>l c/ 3,10x1,32 </font>
</p><p><font>l c/ 2,42x3,85</font>
</p><p><font>l c/ 2,42x3,17</font>
</p><p><font>l c/ 2,42x3,12</font>
</p><p><font>l c/ 2,42x2,75</font>
</p><p><font>l C/ 2,42x2,62;</font>
</p><p>
</p><p><font>4</font><font>. No que concerne às "prateleiras da montra", incluiu-se, na remodelação dos autos, a instalação de diversos conjuntos de prateleiras de vidro, com dimensões de 0,80x0,40 metros, suspensas em quatro pontos, por cabos de aço.</font>
</p><p><font>5</font><font>. Estes cabos estariam apoiados ao fundo do tecto falso, por intermédio de ripas de madeira, perpendiculares à montra; e na parte inferior da montra os mesmos cabos de aço ficariam amarrados à placa de granito que se encontra no já referido plano inferior, da, mesma montra.</font>
</p><p><font>6</font><font>. O painel multi-réguas é constituído por uma série de réguas de aglomerado de madeira que são assentes, na posição horizontal, por encaixe em perfis de alumínio, fixados a uma estrutura resistente.</font>
</p><p><font>7. Este painel foi previsto para nele serem colocadas poleias de ferro, com 50 centímetros de comprimento e 10 centímetros de altura máxima, em número de 2 poleias, para cada televisor a suportar, já que o material a expor seria, maioritariamente, constituído por aparelhos de T. </font>
</p><p><font>8</font><font>. Estas poleias foram encaixadas nos perfis de alumínio, e trabalham à face das réguas de aglomerado, pressionando-as, e fraccionando os elementos de fixação dos perfis.</font>
</p><p><font>9</font><font>. Até 07.12.95, o painel multi-réguas consistia num conjunto de ripas de madeira de pinho, com uma secção de 50x25mm que estavam afastadas e fixadas, na vertical, contra a parede de alvenaria.</font>
</p><p><font>10</font><font>. A R. bem sabia a que fim se destinava a obra que ia efectuar, não só por lhe ter sido dito, directamente; mas, e também, porque a R. foi mostrar, à A., obra semelhante que andava a executar, para terceiro, do mesmo sector de actividade. </font>
</p><p><font>11</font><font>. Em 95/04/04, a A. aceitou o orçamento da R. com a referência VM/95175 para a execução de um alpendre metálico, no valor de 2.860.000$00, sujeito a IVA à taxa de 17% no prazo de 30 dias.</font>
</p><p><font>12</font><font>. A R. remeteu à A. a carta datada de 12.10.95, cuja cópia se mostra junta a fls. 92, solicitando o pagamento de 40% do valor do preço supra referido.</font>
</p><p><font>13</font><font>. A A. recebeu a carta referida,</font>
</p><p><font>14</font><font>. Por conta do preço referido, a A. nada pagou à R..</font>
</p><p><font>15</font><font>. A R. emitiu em nome da A. a factura n°4825, datada de 25.05.96, no valor de 956.090$00, relativa a trabalhos efectuados na loja da A. sita no Areeiro.</font>
</p><p><font>16</font><font>. A A. remeteu à R. as cartas, cujas cópias se mostram juntas a fls. 102 a 104 e 106, datadas, respectivamente, de 10.10.95 e de 18.10.95.</font>
</p><p><font>17</font><font>. No dia 07.12.95 cedeu parcialmente a estrutura de revestimento multi-régua.</font>
</p><p><font>18</font><font>. (...) quando a loja referida estava aberta ao público e com várias pessoas no seu interior. </font>
</p><p><font>19</font><font>. A cedência daquela estrutura provocou a queda e estragos num aparelho de TV Panasonic, </font>
</p><p><font>20</font><font>. (...) cuja reparação importa em 40.000$00.</font>
</p><p><font>21</font><font>. (...) um aparelho de TV Sony KV-M-1440,</font>
</p><p><font>22</font><font>.(...) cuja reparação importa em 21.680$00.</font>
</p><p><font>23</font><font>.(...) um aparelho de TV Grundig P-27-649/12,</font>
</p><p><font>24</font><font>.(...) cuja reparação importa em 64.337$00.</font>
</p><p><font>25</font><font>.(...) um aparelho de TV Sony KV-X2183 e que ficou destruído </font>
</p><p><font>26</font><font>. (...) no valor de 154.400$00; e </font>
</p><p><font>27</font><font>.(...) um aparelho de TV Sony KV-X2583,</font>
</p><p><font>28</font><font>. (...) cuja reparação importa em 35.709$00. </font>
</p><p><font>29</font><font>. (...) um sistema de som Kenwood Uü-503;</font>
</p><p><font>30</font><font>. (...) um sistema de som JVC CA-S700R. </font>
</p><p><font>31</font><font>. (...) um amplificador Technícs SU-C2000.</font>
</p><p><font>32</font><font>. (...) um sistema de som Grundig TD1.</font>
</p><p><font>33</font><font>. (...) um sistema de som Technics 5C-CH730</font>
</p><p><font>34</font><font>. (...) um sistema de som JVC UX-C7BK </font><br>
<font>35</font><font>. (...) um panoramizador Sony HVR-500 </font><br>
<font>36</font><font>. (...) um sistema de som Sony b-1 </font><br>
<font>37</font><font>. (...) um micro-ondas Moulinex A-745 AGS </font><br>
<font>38</font><font>. (...) que foi vendido com um prejuízo de 14.458$00 </font><br>
<font>39</font><font>. (...) um aparelho de TV Sony KV-M1440 que ficou destruído.</font><br>
<font>40</font><font>. (...) no valor de 40.000$00 acrescido de IVA;</font>
</p><p><font>41</font><font>. (...) um aparelho de TV Sony KV-16WT1.</font>
</p><p><font>42</font><font>. (...) cuja reparação importa em 24.651$00.</font>
</p><p><font>43</font><font>. A queda deste material provocou lesão num cliente da A. que aí se encontrava.</font>
</p><p><font>44</font><font>. Em consequência de ter cedido parcialmente a estrutura de revestimento multi-régua, a A. encerrou a sua loja nos dias 8 a 14.12.95.</font>
</p><p><font>45</font><b><font>.</font></b><font> Os vidros das vitrinas estão encostados ângulo com ângulo.</font>
</p><p><font>46</font><font>. (...) Encaixados apenas em ranhuras nos seus topos horizontais superior e inferior.</font>
</p><p><font>47</font><font>. O vidro aplicado tem 8 mm de espessura. </font>
</p><p><font>48</font><font>. O tecto falso aplicado pela R. está desalinhado. </font>
</p><p><font>49</font><font>. (...) e apresenta deformações.</font>
</p><p><font>50</font><font>.(...) por não ter rigidez suficiente para suportar o peso do material exposto nas prateleiras nele fixas através dos cabos de aço referidos. </font>
</p><p><font> </font><font>51</font><font>. Como precaução, a A. retirou todo o material exposto naquelas prateleiras.</font>
</p><p><font>52</font><font>. As prateleiras referidas têm 80 cm de comprimento e 40 cm de largura.</font>
</p><p><font>53</font><font>.(...) E destinavam-se a expor micro-ondas.</font>
</p><p><font>54</font><font>. (...) Cujo peso unitário é de cerca de 15 kg.</font>
</p><p><font>55.</font><font> A R. tinha conhecimento de que as prateleiras têm 80 cm de comprimento e 40 cm de largura.</font>
</p><p><font>56</font><font>.</font><font> A R. aplicou vidro de 8 mm de espessura.</font>
</p><p><font>57</font><font>. A R. amarrou os cabos de aço referidos ao tecto falso.</font>
</p><p><font>58.</font><font> Os painéis envidraçados de resguardo da montra têm área superior a l m2.</font>
</p><p><font>59</font><b><font>.</font></b><font> O preço do vidro de 6 mm de espessura é inferior ao de 8 mm de espessura. </font>
</p><p><font>60.</font><font> A R. só aplicou um parafuso por cada ligação dos perfis de alumínio às ripas de madeira referidos.</font><br>
<font>61.</font><font> Todas as 05 ripas de pinho referidas que suportavam os perfis de alumínio, apresentavam muitos cortes. </font>
</p><p><font>62</font><b><font>.</font></b><font> Os cortes apresentados nas ripas destinavam-se a conduzir os cabos eléctricos da loja por detrás do painel multi-réguas.</font>
</p><p><font>63.</font><font> Em consequência de ter cedido parcialmente a estrutura de revestimento multi-régua, a A. recorreu aos serviços de terceiro para desmontagem e remontagem de 3 painéis de multi-réguas </font>
</p><p><font>64</font><font>.</font><font> (...) No que despendeu 1.506.285$00.</font>
</p><p><font>65.</font><font> </font><font>A A. pediu a avaliação da obra efectuada pela R..</font>
</p><p><font>66</font><b><font>.</font></b><font> (...) No que despendeu a quantia de 210.600$00. </font>
</p><p><font>67</font><font>. Na última semana de Novembro de 1995, a A. realizou um volume de vendas no valor de 3.600.000$00. </font>
</p><p><font>68</font><font>. No período compreendido entre 15 e 24.12.95, a A. vendeu 11.000.000$00 de material. </font>
</p><p><font>69</font><font>. No período em que a loja da A. esteve encerrada era previsível um volume de vendas no valor de 7.000.000$00.</font>
</p><p><font>7</font><font>0</font><font>.</font><font> A A. tem quatro empregados na loja referida.</font>
</p><p><font>7</font><font>1</font><font>.</font><font> Durante o período em que a loja esteve encerrada pagou-lhes em salários a quantia de 60.000$00. </font>
</p><p><font>72</font><font>.</font><font> A A. paga a renda mensal de 425.210$00 pelo arrendamento da loja em causa.</font>
</p><p><font>73</font><font>.</font><font> A A. deu conhecimento à R. do sinistro ocorrido.</font>
</p><p><font>74</font><font>.</font><font> O alpendre metálico referido foi construído. </font>
</p><p><font>75</font><font>.</font><font> (...) O qual está pronto a entregar. </font>
</p><p><font>76</font><font>.</font><font>(...) Aguardando a R. indicação da A. para proceder à sua montagem.</font>
</p><p><font>77</font><font>.</font><font> No dia 8 de Dezembro, sexta-feira, feriado, uma equipa de pessoal da R. dirigiu-se à loja da A. para a reparação do que houvesse. </font>
</p><p><font>78.</font><font> As prateleiras, devido à cedência referida inclinaram e fizeram cair televisores que estavam expostos.</font>
</p><p><font>79.</font><font> A R. iniciou mesmo a reparação, tendo sido, quase de imediato, impedida pela D. Maria José de continuar os trabalhos. </font>
</p><p><font>80.</font><font> Aquela reparação, segundo os cálculos feitos, não iria durar mais de quatro horas. </font>
</p><p><font>81.</font><font> Na carta de 12.12.95 dirigida à A. a R. manifestou a intenção de terminar os trabalhos de reparação, iniciados no dia 08.12.95, bem como assumir o prejuízo dos televisores danificados. </font>
</p><p><font> </font><font>82.</font><font> Não caiu nenhum painel, mas danificaram-se aparelhos de TV os quais danificaram por sua vez outros materiais na sua queda.</font>
</p><p><font> </font><font>III</font><font> –</font><font> </font>
</p><p><i><font>Quid iuris?</font></i>
</p></font><p><font><font>A recorrente começou por dirigir a sua crítica ao acórdão da Relação de Lisboa pelo facto de, na sua opinião, não ter o mesmo respeitado o que foi alegado pelas partes, mais concretamente pela A..</font><br>
<font> Assim e desde logo aponta como norma violada o nº 3 do art. 659º do CPC.</font><br>
<font> E, em abono de tal posição, apontou o dedo acusador ao facto de o Tribunal recorrido ter chegado à conclusão de que “esta cedência se ficou a dever ao facto da estrutura multi-régua não ter conseguido suportar o peso do material exposto, o que significa, …, um cumprimento defeituoso da prestação da ré”, sendo que tal facto nem sequer foi alegado pela A..</font><br>
<font> Para o Tribunal recorrido todos os danos alegados pela A. tiveram origem na má construção da estrutura multi-régua e daí a responsabilização da R. nos prejuízos por aquela alegados.</font><br>
<font> Simplesmente, acrescenta a recorrente, nada foi alegado a respeito da cedência da estrutura multi-régua como causadora dos danos invocados por via de não ter conseguido suportar o peso do material exposto.</font><br>
<font> E conclui, dizendo que a cedência em função do peso foi alegado pela A. para as prateleiras suspensas que nada têm a ver com o painel multi-régua, sendo que em nenhum artigo tal foi alegado por ela, nem tão-pouco algo se provou a este respeito.</font><br>
<font> Será justa esta crítica da recorrente?</font><br>
<font> Vejamos.</font><br>
<font> O Mº juiz da 11ª Vara Cível, na sua douta sentença, sublinhou o facto de ter sido “no revestimento multirégua usado para toda a loja, no qual estavam fixos determinados expositores por intermédio de poleias” que se deu a cedência.</font><br>
<font> Mas rematou, logo de seguida, que não conseguiu vislumbrar a razão de tal ruptura.</font><br>
<font> Isto é, para o juiz da 1ª instância, não ficou provada a razão de tal cedência (terá sido por causa do revestimento da multirégua estar mal instalado?; por terem sido indevidamente colocadas algumas prateleiras?; por ter sido colocado peso a mais nessas mesmas prateleiras?; por defeito de fabrico e fadiga de material? – perguntou ele).</font><br>
<font> O mesmo é dizer que para os danos alegados, o Mº juiz não encontrou qualquer nexo causal entre a cedência e a construção da multirégua.</font><br>
<font> Daí que tivesse ilibado a R. da responsabilidade que lhe foi imputada pela A..</font><br>
<font> Este entendimento não teve acolhimento no Tribunal da Relação, pelo que já ficou dito.</font><br>
<font> Mas, com o sempre devido respeito, devemos, desde já, dizer que o fez sem qualquer apoio fáctico.</font><br>
<font> Na verdade, lendo e relendo o que foi levado à base instrutória sobre as causas últimas e determinantes dos danos alegados pela A., só podemos concluir que nada a este respeito ficou provado.</font><br>
<font> Com efeito, depois de quase todas as perguntas incluídas naquela peça processual relativas aos alegados defeitos das obras executadas pela R. terem recebido respostas negativas, no que à causalidade directa dos danos interessa, foi concretamente perguntado se tal “enfraqueceu a sua resistência” (quesito 69º), ou “determinou a sua ruptura” (quesito 70º) e “o desabamento dos painéis e material neles expostos referido nos quesitos 1º e 3º a 34º” (quesitos 71º) e as respostas obtidas foram também negativas.</font><br>
<font> Por isso mesmo, não era lícito que o Tribunal da Relação de Lisboa tirasse a conclusão que tirou a respeito da relação de causalidade directa e necessária dos danos alegados pela A..</font><br>
<font> Ao fazê-lo, permitiu-se chegar a uma conclusão despida de factos provados e, como tal, em nítida transgressão ao estatuído no nº 3 do art. 659º do CPC.</font><br>
<font> Mesmo que se pretenda defender a posição da Relação a partir das chamadas presunções judiciais, o certo é que tal posição é insustentável em face do pouco que ficou provado e, sobretudo, do que não ficou provado.</font><br>
<font> Ao concluir, como concluiu, pela responsabilidade da R. baseada em factos que não foram dados como provados, a Relação acabou por fazer uma construção jurídica errada que, como tal, não pode merecer a nossa concordância.</font><br>
<font> Se no que tange ao ponto supra referido não podemos deixar de dar razão à recorrente, o mesmo não acontece no que tange à 2ª crítica que dirigiu ao acórdão sob censura.</font><br>
<font> Com efeito, a recorrente acusa a Relação de ter também violado o art. 661º do CPC, na medida em que “atentos os factos alegados na p.i. e os factos provados, nunca poderia resultar decisão diferente da proferida em 1ª instância”.</font><br>
<font> Mas esta crítica não merece a nossa anuência.</font><br>
<font> Uma coisa é a recorrente estar em desacordo com o julgado – e, pelos vistos, com inteira razão – outra é dizer que o mesmo ultrapassou o pedido.</font><br>
<font> A A. pediu a condenação da R. no pagamento de uma indemnização de 3.250.161$00 e juros em consequência das alegadas deficiências de reparação levadas a cabo pela R., enquanto empreiteira encarregue por ela de as efectuar.</font><br>
<font> A Relação, revogando a decisão absolutória da 1ª instância, e baseada nas razões já afloradas, acabou por condenar a R. a pagar à A. a quantia já liquidada de 1.971,42 € e, ainda, no que se liquidar relativamente aos danos do material danificado e os provindos do encerramento da loja.</font><br>
<font> Em face do que foi peticionado, não se pode dizer, bem pelo contrário, que a Relação foi para além do pedido.</font><br>
<font> Neste ponto concreto, não assiste a mínima razão à recorrente.</font><br>
<font> Ponto curioso é saber se a Relação chegou pelas vias correctas ao resultado obtido e independentemente de sabermos já que o fez sem apoio fáctico bastante.</font><br>
<font> A nossa questão prende-se, ora, sobre o </font><i><font>iter</font></i><font> seguido pela Relação para obter o resultado condenatório a que chegou e, como facilmente se intuirá, com as restantes críticas da recorrida, ou seja, saber se foram ou não violados os arts. 1221º, 1222º e 1223º, todos do CC e, ainda, se foi ou não invocado pela A. o cumprimento defeituoso do contrato.</font><br>
<font> Comecemos por aqui.</font><br>
<font> Temos de reconhecer que, em última análise, a A. invocou o incumprimento defeituoso do contrato de empreitada celebrado com a R. para fazer valer os direitos indemnizatórios invocados.</font><br>
<font> Disso não temos dúvidas: foi a partir de tal base de trabalho que a A. dirigiu ao tribunal o seu pedido de condenação da R..</font><br>
<font> Não invocou, porém, em abono de tal pedido, qualquer razão de direito.</font><br>
<font> E podia (e devia) tê-lo feito, em homenagem ao preceituado na al. d) do nº 1 do art. 467º do CPC.</font><br>
<font> O Mº juiz da 1ª instância teve, em parte, particular perspicácia na resolução do problema à míngua de material fáctico: colocou o acento tónico da pretensão da A. na chamada responsabilidade delitual e concluiu que a A. não logrou fazer a prova da responsabilidade da R. pelo facto danoso.</font><br>
<font> Mas não se espraiou por mais considerações.</font><br>
<font> Já a Relação de Lisboa derivou a responsabilidade da R. para a violação do contrato de empreitada celebrado com a A. e daí partiu para a verificação dos seus pressupostos.</font><br>
<font> Ora, como é sabido, na chamada responsabilidade contratual cabe ao devedor ilidir a presunção de culpa (</font><i><font>cfr</font></i><font>. art. 799º do CC), mas já incumbe ao credor a prova do nexo de causalidade entre os factos e os danos.</font><br>
<font> Não tendo ficado provado o chamado nexo causal, a Relação não tinha outra via que não fosse a da confirmação do sentenciado na 1ª instância. </font><br>
<font> A Relação, contudo, não foi por aí, como já ficou assinalado, tendo antes concluído que houve cumprimento defeituoso por parte da R. e responsabilizado a A. pelos prejuízos por esta sofridos, já que em causa estava “a indemnização como sucedâneo”.</font><br>
<font> Ora, o art. 1223º do CC. prescreve que “o exercício dos direitos conferidos nos artigos antecedentes não exclui o direito de ser indemnizado nos termos gerais”.</font><br>
<font> O legislador pensou (e bem) que, ao lado da indemnização pelo interesse contratual negativo pode surgir a indemnização pelo interesse contratual positivo.</font><br>
<font> Esta ocorrerá sempre nos casos em que os defeitos não sejam eliminados, nos casos de desconformidade entre o combinado e o realizado, salvaguardados os prazos de denúncia, e surge como residual, o que significa que o dono da obra só tem direito a ser indemnizado relativamente aos prejuízos que não obtiveram reparação pelo exercício dos direitos contemplados nos arts. 1121º e 1122º do CC.</font><br>
<font> Aquela terá lugar independentemente destes prazos e contemplará todos os danos emergentes e lucros cessantes provocados pela celebração do contrato. Caberão aqui todas as despesas efectuadas pelo dono da obra por mor do contrato celebrado, bem como todos os benefícios que deixou de auferir por ter celebrado o mesmo.</font><br>
<font> </font><i><font>In casu</font></i><font>, a obra foi entregue à A. e os danos só se verificaram um tempo após tal ter acontecido.</font><br>
<font> Não houve, pois, resolução do contrato, pelo que não se pode falar no direito à indemnização pelo chamado interesse contratual negativo.</font><br>
<font> Logo, a A. só teria direito a ser indemnizada pelo chamado interesse contratual positivo.</font><br>
<font> Mas, para tanto, necessário seria a prova de ter percorrido o </font><i><font>iter</font></i><font> indicado pelo legislador nos arts. 1221º e 1222º já referido.</font><br>
<font> Ora, como o próprio acórdão reconhece, a R. prontificou-se, de imediato, a reparar o que houvesse a reparar, mas foi impedida pela A. de o fazer (mais precisamente, foi a Dª Maria José a impedir a A. de executar a reparação – </font><i><font>cfr</font></i><font>. resposta ao quesito 94º).</font><br>
<font> Se mais nada houvesse – e há, pelo que ficou dito –, isso seria motivo de absolvição da R.: daqui a conclusão de que a Relação não seguiu o caminho certo e revogou injustamente o julgado pelo Mº juiz da 1ª instância.</font><br>
<font> Na crítica que a recorrente dirigiu ao acórdão, apontando a violação dos artigos do CC atinentes ao contrato de empreitada, sem dúvida que a razão está do seu lado.</font><br>
<font> Em suma:</font><br>
<font>- Não ficou provada a causa dos danos alegados pela A., melhor dito a relação de causalidade entre eventuais defeitos de reparação e aqueles.</font><br>
<font>- Independentemente disso, não foi percorrida a via legal exigida para que a A. pudesse ter direito a uma indemnização.</font><br>
<font> Razões de sobra para determinar a absolvição da R. do pedido formulado pela A..</font><br>
<font> Apenas mais uma palavra e para justificar a adjectivação que fizemos à solução encontrada pelo Mº juiz da 1ª instância.</font><br>
<font> A A. alegou que todos os danos por si sofridos foram consequência da queda do painel multi-régua (</font><i><font>cfr</font></i><font>. art. 131º da petição).</font><br>
<font> Utilizando a distinção tão cara a Romano Martinez – entre danos </font><i><font>extra rem</font></i><font> e danos </font><i><font>circa rem </font></i><font>(</font><i><font>vide</font></i><font> Cumprimento Defeituoso em especial na Compra e Venda e na Empreitada, pág. 260 e ss., e Contrato de Empreitada, pág. 194 e ss.) –, diremos que quase todos os danos invocados se encaixam nos primeiros, o que significa que a A. convocou a responsabilidade delitual para apoio da sua tese: daí que em relação a eles seja exacta a afirmação produzida pelo Mº juiz da 1ª instância e relativa ao ónus da prova por parte da A..</font><br>
<font> A lógica da responsabilidade contratual só acabaria por funcionar em relação aos </font><i><font>circa rem</font></i><font> (apenas os referenciados no art. 94º - 1.506.285$00).</font><br>
<font> Contudo, tanto em relação a uns como aos outros, impunha-se a prova do nexo causal já referido.</font><br>
<font> Na falta de tal prova, a acção necessariamente tinha de improceder.</font><br>
<font> </font><font>IV</font><font> – </font><br>
<font> Em conformidade com o exposto e sem necessidade de qualquer outra consideração, decide-se conceder a revista e revogar o acórdão da Relação de Lisboa para ficar a imperar a decisão proferida pelo Mº juiz da 11ª Vara Cível de Lisboa.</font><br>
<font> Custas aqui e nas instâncias pela A.-recorrida.</font><br>
<font>Lisboa, 9 de Outubro de 2006</font><br>
<font>Urbano Dias</font><br>
<font>Paulo Sá</font><br>
<font>Borges Soeiro</font></font></p>
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ojFbu4YBgYBz1XKv1frc
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1.ª Secção (Cível)
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<b><font> </font></b><font><div><br>
<font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça </font></div><br>
<br>
<font> </font><br>
<div><br>
<font>I - RELATÓRIO </font></div><br>
<br>
<font>1. As Autoras - TRIUNFO ZELOSO, S.A., com sede na Avenida Almirante Gago Coutinho, n.º 126, 1749-042 Lisboa e AMAZING FALCON CONSTRUÇÕES LDA., com sede na Avenida Almirante Gago Coutinho, n.º 126, 1749-042 Lisboa – instauraram contra a </font><font>Ré - VLP - ENGENHARIA E CONSTRUÇÃO, LDA., com sede na Rua Manuel Boaventura, n.º 23, 4740-305 - acção declarativa de condenação, com forma de processo comum, pedindo a condenação da ré no pagamento de 3 878 800,00 € à autora Triunfo Zeloso, S. A. e de 2.650 000,00 € à autora Amazing Falcon, Lda., quantias acrescidas de juros de mora vencidos e vincendos, à taxa de juro prevista para as transacções comerciais, desde a data da citação até integral pagamento.</font><br>
<p><font> </font><br>
</p><p><font>2. A Ré VLP - ENGENHARIA E CONSTRUÇÃO, LDA foi citada para os termos da acção por carta expedida em 27 de Janeiro de 2021 e recebida na morada indicada como sede da ré em 28 de Janeiro de 2021 (cf. aviso de recepção junto aos autos em 1 de Fevereiro de 2021, com a Ref. Elect. ...43 dos autos principais).</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font>3. Em 14 de Maio de 2021, a ré procedeu à junção aos autos de procuração forense e apresentou a sua contestação (cf. Ref. Elect. ...38 e ...64 dos autos principais).</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font>4. Em 23 de Junho de 2021 foi aberta conclusão com a seguinte informação: “de que a contestação foi entregue fora de prazo, uma vez que o prazo terminou em 10 de Maio, se fosse usada a faculdade de mais três dias com multa (o que não foi invocado, nem qualquer multa paga) terminaria a 13 de Maio e a contestação apenas foi entregue em 14 de Maio” (cf. Ref. Elect. ...95 dos autos principais).</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font>5. Por despacho de 24 de Junho de 2021 decidiu-se:</font><br>
</p><p><font> “Vista a informação que antecede, verifica-se que, de facto, a contestação deu entrada no dia 14.05.2021.</font><br>
</p><p><font>A ré foi citada, por carta registada com aviso de receção, expedida no dia 27.01.2021, e recebida no dia 28.01.2021, conforme data e assinatura apostas no AR.</font><br>
</p><p><font>O prazo para contestar é de 30 dias, acrescido de uma dilação de 5 dias.</font><br>
</p><p><font>Nos termos do disposto no art.º 6ºB nº1 da Lei n.º1-A/2020 de 19 de março, introduzido pela Lei nº 4-B/2021 de 1 de fevereiro, foram suspensos os prazos processuais entre o dia 22 de janeiro de 2021 (art.º 4º da Lei nº 4-B/2021), e o dia 5 de abril de 2021, (art.º6º e art.º7º da Lei n.º 13-B/2021 de 5 de abril).</font><br>
</p><p><font>Atenta a data de citação, o prazo para contestar iniciou-se no dia 6 de abril de 2020, pelo que terminou em 10 de maio de 2021.</font><br>
</p><p><font>Dado o exposto, é notório que a contestação entrou em juízo quando havia já decorrido tal prazo, bem como o prazo previsto no nº5 do art.º 139º do CPC.</font><br>
</p><p><font>Conclui-se, portanto, que a contestação é extemporânea, determinando-se o respetivo desentranhamento. Notifique.”</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font>6. A Ré interpôs recurso de apelação, em cujas alegações concluiu:</font><br>
</p><p><font>Na contagem ou cômputo do prazo para a contestação não se inclui o dia em que ocorreu o evento a partir do qual o prazo começa a correr, ou seja, não se inclui o dia 06.04.2021 (cf. artigos 296.º e 279.º do CC);</font><br>
</p><p><font>Atenta a data de citação da Recorrente no dia 28 de janeiro de 2021, em que os prazos processuais se encontravam suspensos — por força do disposto no art. 6º-B, n.º 1, da Lei n.º1-A/2020 de 19.03, introduzido pela Lei nº 4-B/2021, de 01.02, que suspendeu a contagem dos prazos processuais entre o dia 22 de janeiro de 2021 (art.º 4º da Lei nº 4-B/2021), e o dia 5 de abril de 2021, (art.º6º e art.º7º da Lei n.º 13-B/2021 de 5 de abril) — o prazo para contestar iniciou-se no dia 6 de abril de 2021, pelo que o prazo de 30 + 5 dias terminou em 11 de maio de 2021;</font><br>
</p><p><font>No dia 14 de maio de 2021, data da contestação, a Recorrente estava em tempo, nos termos previstos do art. 139.º, n.º 5, do CPC, que autoriza a prática do ato em causa dentro dos três primeiros dias úteis subsequentes ao dia 11 de maio de 2021, ou seja, nos dias 12, 13 e 14 de maio de 2021, o que sucedeu no dia 14 de maio de 2021;</font><br>
</p><p><font>Tendo a contestação da Recorrente dado entrada no dia 14 de maio de 2021, não pode nem deverá subsistir qualquer dúvida quanto ao cumprimento do prazo para a contestação, nos termos dos artigos 296.º e 279.º do CC, e dos artigos 569.º e 139.º, n.º 5, do CPC.</font><br>
</p><p><font>O despacho sub iudicio errou no julgamento de direito quanto ao cômputo do prazo e subsequente quanto ao cumprimento do prazo da contestação, em violação dos citados preceitos legais.</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font>As autoras/recorridas contra-alegaram pugnando pela manutenção da decisão recorrida. </font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font>7. – A Relação, por acórdão de 25 Janeiro de 2022, julgou improcedente a apelação, e confirmou, sem voto de vencido, a decisão recorrida.</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font>8. – Inconformada a Ré VLP - ENGENHARIA E CONSTRUÇÃO, LDA interpôs recurso de revista excepcional, com fundamento no art.672 nº1 a) e b) CPC, alegando, em resumo:</font><br>
</p><p><font>No dia em que a carta contendo o ato de citação dirigido à Recorrente, os prazos processuais dos processos não urgentes, se encontravam suspensos, nos termos do disposto no art.º 6º-B, n.º 1, da Lei n.º1-A/2020 de 19 de março, introduzido pela Lei nº 4-B/2021 de 1 de fevereiro. A suspensão dos prazos processuais manteve-se até ao dia 5 de abril de 2021 (art. 6.º e art. 7.º, da Lei n.º 13-B/2021 de 5 de abril).</font><br>
</p><p><font>O Tribunal “a quo”, apesar da suspensão dos prazos processuais, considera que a Recorrente deve considerar-se citada em 28 de janeiro de 2021, data em que recebeu a referida carta.</font><br>
</p><p><font>Contudo, com o devido respeito, o computo do prazo na sequência da receção da carta pela Recorrente destinada a dar-lhe conhecimento da ação contra si instaurada, por força da suspensão dos prazos processuais, só poderia produzir os seus efeitos no dia 6 de abril de 2021 (e não no dia em que ocorreu, uma vez que então os prazos processuais se encontravam suspensos por força da supra indicada norma excecional).</font><br>
</p><p><font>Por força da supra mencionada suspensão legal, considerando que o ato de citação é, por natureza um ato processual, os efeitos produzidos com a receção da carta dar conhecimento à Recorrente da ação instaurada contra si só ocorrerem sobre a Recorrente em 6 de abril de 2021, data em que começam a contar os prazos processuais dos processos não urgente, iniciando-se o prazo para apresentar a sua contestação conforme o previsto no art. 279.º, alínea b) do Código Civil.</font><br>
</p><p><font>Trata-se de questão nova, que à partida se revela suscetível de provocar divergências por forca da sua novidade e originalidade, que obrigam a operações exegéticas de grau de dificuldade, suscetíveis de conduzir a decisões contraditórias. Ou seja, está em causa, uma questão cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito, tal como o previsto no art. 672º nº 1 alínea a) do C.P.C.</font><br>
</p><p><font>Acresce que, a aplicação do preceito em apreço a que os factos estão subsumidos, pode interferir com a tranquilidade, a segurança e a paz social, existindo a possibilidade de descredibilizar as instituições ou a aplicação do direito.</font><br>
</p><p><font>Pelo que, estão, também, em causa interesses de particular relevância social, cumprindo-se também o disposto no art. 672º nº 1 alínea b) do C.P.C.</font><br>
</p><p><font>E formulou as seguintes conclusões:</font><br>
</p><p><font>1) A Recorrente recebeu a carta a dar-lhe conhecimento da ação instaurada contra si na sua sede, no dia 28 de janeiro de 2021, data em que estava em vigor a suspensão dos prazos processuais, decorrente da redação do art.º 6º-B da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, aditado pela Lei n.º 4-B/2021, de 1 de fevereiro, com entrada em vigor em 2 de fevereiro desse ano, que estabeleceu um regime de suspensão de prazos processuais e procedimentais decorrente das medidas adotadas no âmbito da pandemia da doença COVID -19;</font><br>
</p><p><font>2) A Lei n.º 4-B/2021, de 1 de fevereiro aditou um novo art.º 6º-B à Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, em que nomeadamente os n.ºs 1 e 5, nos termos do art.º 4º da Lei n.º 4-B/2021 produziam efeitos a 22 de janeiro de 2021, pelo que à data em que a Recorrente teve conhecimento da ação em causa nos autos, mediante comunicação recebida em 28 de janeiro de 2021, vigorava a norma que estabelecia a suspensão de todos os prazos para a prática de atos processuais;</font><br>
</p><p><font>3) O regime de suspensão de prazos processuais e procedimentais aprovado pela Lei n.º 4-B/2021, de 1 de fevereiro, visou a suspensão da prática de todas as diligências e todos os prazos para a prática de atos processuais, não obstando, à tramitação dos processos não urgentes, nomeadamente pelas secretarias judiciais, tal como ressalvado na alínea b) do n.º 5 do art.º 6º-B da Lei n.º 1-A/2020, na redação da referida Lei 4-B/2021;</font><br>
</p><p><font>4) Todavia de tal não se pode concluir, pois ali não está previsto que, excluído da suspensão estavam os atos das secretarias judiciais dirigidos às partes ou a terceiros, ou seja, que a tramitação — que significa processo pelo qual tem de passar um ato ou documento para chegar à entidade competente —, incluía atos que se destinavam a produzir eficácia para além das secretarias judiciais e magistrados judiciais envolvidos nos processos judiciais em curso;</font><br>
</p><p><font>5) Em consequência, os efeitos da comunicação à Recorrente da ação instaurada contra si, só devem considerar-se no 6 de abril de 2021, ou seja, apenas no dia 6 de abril de 2021 é que se pode considerar a citação da Recorrente e não antes por força do supra referido regime excecional de suspensão dos prazos processuais;</font><br>
</p><p><font>6) A situação pandémica mundial causada pelo coronavírus SARS-CoV-2, obrigou o Estado Português a aprovar, promulgar e referendar Leis contendo medidas excecionais e temporárias de resposta à situação epidemiológica, as quais tinham como objetivo tentar controlar a pandemia, por efeito da imposição de comportamentos a todos os cidadãos, que obstasse ao seu relacionamento social em recintos fechados, bem como regras de afastamento, e, sobretudo, a obrigatoriedade de confinamento em casa e a proibição de mobilidade, em geral;</font><br>
</p><p><img><font>7) Quanto às regras suspensivas da atividade dos tribunais, determinavam as medidas excecionais de 2021, isto é, o n.º 1 do art.º 6-B, da Lei n.º 4-B/2021, de 1/2, conjugado com o art.º 4.º do mesmo diploma, enquanto norma interpretativa sobre epígrafe “Produção de efeitos”, que os efeitos daquele mesmo n.º 1 do art.º 6º., retroagem a 22 de janeiro de 2021, que se prolongaram, pelo menos, até 5 de abril de 2021;</font><br>
</p><p><font>8) Em consequência do acima exposto e tendo em consideração o art. 296.º do Código Civil, sob a epígrafe “contagem dos prazos” e o art. 279.º alínea b) do mesmo diploma legal, com a epígrafe “cômputo do termo”, já supra citados, na contagem do prazo aqui em causa, não se pode incluir o dia 06.04.2021, porquanto este dia corresponde ao dia em que se produziu o evento a partir do qual o prazo para a contestação começou a contar, como, aliás, expressamente está reconhecido pelo Tribunal “a quo”;</font><br>
</p><p><font>9) O cômputo do prazo de trinta dias acrescido de cinco dias de dilação terminou, assim, no dia 11 de maio de 2021, não se contando para este efeito o dia 6 de abril de 2021, pelas razões supra expostas, sendo que, por sua vez, nos termos do art. 139.º, n.º 5, do CPC, a Recorrente, nas condições previstas neste último preceito, podia apresentar a sua contestação dentro dos três primeiros dias úteis subsequentes ao dia 11 de maio de 202, ou seja, nos dias 12, 13 e 14 de maio de 2021, o que fez no dia 14 de maio de 2021;</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font>9. As Autoras contra-alegaram no sentido de não estarem preenchidos os pressupostos do art. 672 nº1 a) e b) CPC.</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font>10. O Relator, por despacho de 13 de Maio de 2022, considerando ser inadmissível a revista, notificou as partes nos termos e para os efeitos do art. 655 nº1, por remissão do art. 679 CPC.</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font>11. A Ré pronunciou-se no sentido da admissibilidade, com a alegação do art. 672 não decorre que o recurso de revista excepcional tenha de conter ainda como requisito de admissibilidade os previstos no art.671 nº1 CPC.</font><br>
</p><p><font>As Autoras alegaram que a revista excepcional não é uma nova e autónoma espécie de recurso. </font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font>12. Por </font><b><font>decisão singular do Relator de 1/6/2022, foi indeferido liminarmente o requerimento de interposição de recurso de revista excepcional.</font></b><br>
</p><p><b><font> </font></b><br>
</p><p><font>13. A Ré - VLP - ENGENHARIA E CONSTRUÇÃO, LDA. </font><b><font>reclamou para a conferência</font></b><font>, alegando, em síntese:</font><br>
</p><p><font>1) A Recorrente interpôs o presente recurso invocando a sua admissibilidade nos termos do disposto nas alíneas a) e b) do art. 672º do Código de Processo Civil. </font><br>
</p><p><font>2) Não decorre de citado preceito (art. 672.º) que o recurso de revista excecional tenha de conter ainda como requisitos de admissibilidade, os previstos no n.º 1 do art. 671., do C.P.C. </font><br>
</p><p><font>3) A admissibilidade do recurso de revista excecional depende, apenas, da verificação dos requisitos gerais e dos requisitos estabelecidos no art. 672.º, do C.P.C., cuja relevância, das razões que subjazem a este normativo, justificam a possibilidade da revista excecional, estando para além e são independentes dos pressupostos do n.º 1 do art. 671.º, do C.P.C. </font><br>
</p><p><font>4) Este é o entendimento que a Recorrente entende como interpretação conforme à letra e ao espírito da norma em causa, pois se o legislador pretendesse fazer depender o recurso de revista excecional dos pressupostos exigidos para o recurso de revista previsto no artigo 671.º, tê-lo-ia expressado diretamente, pelo que se impõe uma interpretação coerente do sistema jurídico, considerando, em especial, que a revista excecional encontra justificação, para além da salvaguarda da boa aplicação do direito, na proteção da segurança jurídica e da estabilidade social, na medida em que se pretende assegurar uma maior confiança dos indivíduos nas decisões judiciais, não só por garantir uma boa aplicação do direito, mas, também, para proteger interesses de relevância social e, ainda, porque é fortemente vocacionado para uniformizar jurisprudência, com todas as vantagens que tal uniformização acarreta. </font><br>
</p><p><font>Pediu que a decisão singular seja revogada, e subsequentemente os autos prosseguirem os seus termos, remetendo-se os mesmos à formação, para os efeitos previstos no art. 672º nº 3 do Código de Processo Civil.</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font>14. As Autoras responderam no sentido da inadmissibilidade da revista expcepcional, devendo manter-se a decisão reclamada.</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><div><br>
<font>II – FUNDAMENTAÇÃO </font></div><br>
<br>
<font>2.1.- </font><b><font>A decisão singular contem a seguinte fundamentação: </font></b><br>
<p><font>“Conforme orientação uniforme do Supremo Tribunal, revista excepcional, por não ser um recurso autónomo, exige a verificação dos pressupostos gerais, ou seja, desde que verificados os pressupostos gerais do art. 629 nº1 CPC e o acórdão recorrido for um dos referidos no art. 671 nº1 CPC e do pressuposto específico enunciado no art.672 CPC, cuja apreciação compete ao STJ (a cargo da Formação).</font><br>
</p><p><font>Portanto, só é admissível recurso de revista excepcional caso se verifiquem todos os pressupostos gerais de admissibilidade, significando que a admissão da revista terá que ter o apoio dos arts. 629 nº2 a), b), c), d) e art. 671 CPC ( cf., por ex., Ac STJ de 22/2/2018 ( proc nº 2219/13) Ac STJ de 23/11/2021 ( proc nº 6300/19 ), disponíveis em www dgsi.pt )</font><br>
</p><p><font>Neste sentido, salienta o Cons Abrantes Geraldes que “a revista excepcional está prevista para as situações de dupla conforme, nos termos em que está delimitada pelo nº3 do art. 671, desde que se verifique também os pressupostos gerais de acesso ao terceiro grau de jurisdição, ao abrigo do seu nº1 “ ( Recursos em Processo Civil, 6ª ed., pág. 431).</font><br>
</p><p><font>Não estamos aqui perante uma situação em que “é sempre admissível recurso”, nos termos do art. 629 nº2 a), b), c), d) CPC., nem ocorre a hipótese do art. 671 nº 2 a) e b) CPC.</font><br>
</p><p><font>Resta apurar da pertinência do art. 671 nº1 CPC, ou seja, se a admissibilidade da revista é justificada por esta norma que estatui o seguinte - “Cabe revista para o Supremo Tribunal</font><b><font> </font></b><font>de Justiça do acórdão da Relação, proferido sobre decisão da 1.ª instância, que conheça</font><b><font> </font></b><font>do mérito da causa ou que ponha termo ao processo, absolvendo da instância o réu ou</font><b><font> </font></b><font>algum dos réus quanto a pedido ou reconvenção deduzidos”.</font><br>
</p><p><font>Retomando o art. 671 nº1 CPC a solução do anterior art.721 CPC/1961, antes da reforma de 2007, o que releva para a admissibilidade da revista é o acórdão da Relação e já não o que tenha sido decidido pela 1ª instância.</font><br>
</p><p><font>O acórdão da Relação de 25/1/2022 não conheceu do mérito da causa, nem pôs termo ao processo, pelo que não é admissível recurso de revista e a revista excepcional não tem aptidão para dispensar os pressupostos gerais de admissibilidade do recurso para o STJ.</font><br>
</p><p><font>Compete ao Relator, ao abrigo do art. 652 nº1 b) CPC, verificar se existe alguma circunstância que obste ao conhecimento do recurso e em caso afirmativo proferir despacho de inadmissibilidade, ficando-lhe vedado a remessa à Formação, prevista no art. 672 nº 3 CPC ( cf., por ex., Ac STJ de 10/3/2022 ( proc. nº 3782/15), em www dgsi.pt </font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font>Pelo exposto, decide-se não conhecer do objecto do recurso, dado que não é legalmente admissível”.</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font>2.2. – A Reclamante não traz uma argumentação capaz de infirmar a fundamentação aduzida, que está em consonância com a orientação jurisprudencial uniforme do Supremo Tribunal de Justiça.</font><br>
</p><p><font>Com efeito, limita-se a alegar que o recurso de revista excecional depende, apenas, da verificação dos requisitos gerais e dos requisitos estabelecidos no art. 672 CPC, cuja relevância, das razões que subjazem a este normativo, justificam a possibilidade da revista excecional, estando para além e são independentes dos pressupostos do n.º 1 do art. 671 CPC. </font><br>
</p><p><font>Ora, este entendimento parte, desde logo, de uma premissa errada, que é o de conceber a revista excepcional como um recurso autónomo de revista. Todavia, é consensual a opinião de que não há duas espécies de revista, mas uma só. A revista excepcional insere-se no recurso ordinário de revista, embora condicionada à verificação de determinados pressupostos específicos.</font><br>
</p><p><font>Por isso, a revista excepcional exige os pressupostos gerais de admissibilidade, como se justificou na decisão reclamada, e daí que se o recurso de revista nos termos gerais não for admissível, tendo em conta os critérios gerais de recorribilidade, a espécie da decisão recorrida, e o elenco das hipóteses enunciadas no art. 671 CPC, a revista excecional, porque pressupõe que seja a dupla conforme o único obstáculo à admissão do recurso nos termos gerais, também o não poderá ser.</font><br>
</p><p><font>Sendo esta a orientação que continua a vigorar no Supremo Tribunal de Justiça ( cf.,, por ex., Ac STJ de 5/5/2022 ( proc nº 36839/20), em www dgsi.pt ), é manifesta a falta de razão da Reclamante.</font><br>
</p><p><font>Neste contexto, e considerando a fundamentação aduzida na decisão impugnada, improcede a Reclamação.</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font>2.3. – </font><b><font>Síntese conclusiva</font></b><font> </font><br>
</p><p><font>a).- A revista excepcional, por não ser um recurso autónomo, exige a verificação dos pressupostos gerais de amissibilidade da revista e do pressuposto específico enunciado no art. 672 CPC.</font><br>
</p><p><font>b) Portanto, só é admissível recurso de revista excepcional caso se verifiquem todos os pressupostos gerais de admissibilidade da revista.</font><br>
</p><p><font>c) Na revista excepcional compete ao Relator a quem o processo foi distribuído aferir dos pressupostos gerais de admissibilidade do recurso. Ao Colectivo da Formação cabe apreciar dos fundamentos específicos enunciados no art. 672 nº1 CPC.</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><div><br>
<font>III - DECISÃO </font></div><br>
<br>
<font>Pelo exposto, decidem</font><br>
<div><br>
<font>1)</font></div><br>
<br>
<font>Julgar improcedente a Reclamação e confirmar a decisão singular reclamada.</font><br>
<div><br>
<font>2)</font></div><br>
<br>
<font>Condenar a Reclamante nas custas.</font><br>
<p><br>
</p><p><font>Lisboa, Supremo Tribunal de Justiça, 14 de Julho de 2022.</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font>Os Juízes Conselheiros </font><br>
</p><p><font>Jorge Arcanjo (Relator)</font><br>
</p><p><font>Isaías Pádua</font><br>
</p></font><p><font><font>Freitas Neto</font></font></p>
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[0 0 0 ... 0 0 0]
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XDKmu4YBgYBz1XKvESc6
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1.ª Secção (Cível)
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<b><font> </font></b><font><font>ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:</font>
<p><font> </font>
</p><p><font>I.</font>
</p><p><font>AA e BB intentaram a presente acção declarativa de condenação contra CC-C... L..., Filhos e Genro, Ldª e DD, formulando, em regime de cumulação, pedidos, a titulo principal, de correcção de defeitos que descriminaram e de conclusão do imóvel e, a título subsidiário, de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais, estes “em valor a determinar pelo sábio e prudente arbítrio deste Tribunal”.</font>
</p><p><font>Alegaram para tanto ser proprietários da moradia composta por rés-do-chão e dois andares que adquiriram à 1ª Ré, pelo preço de 25 000 000$00 (vinte e cinco milhões de escudos), por escritura pública de compra e venda, celebrada no dia 4 de Dezembro de 1997, que aquela edificou em propriedade que já era sua; a 2ª Ré foi a autora do respectivo projecto de arquitectura e declarou-se ainda responsável pela execução daquela moradia, tendo declarado assumir a responsabilidade pela execução e direcção da obra de construção do mesmo edifício; sucede que alguns dos trabalhos ainda não estão concluídos e em inícios de 2000 tornaram-se visíveis vários defeitos, nomeadamente tijoleiras partidas, humidade num quarto e a tinta exterior a lascar; a partir de Dezembro de 2000 tornaram-se visíveis defeitos graves de construção, tais como fissuração em elementos resistentes e em outros que descriminam; desde Janeiro de 2000 que os AA. não podem utilizar um dos quartos, onde a cortina ficou destruída, andam sempre com receio que a casa caia e apesar de a 1.ª Ré já ter sido notificada para reparar os defeitos, não o fez. </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>A 1ª Ré contestou, invocando factos integradores da caducidade do direito dos AA., alegou ainda, a ilegitimidade da 2ª R. e impugnou a matéria alegada pelos AA. </font>
</p><p><font>Houve réplica, após o que processo foi saneado e condensado. </font>
</p><p><font>Em articulado superveniente as RR alegaram que tomaram conhecimento de que os AA., em Novembro de 2005, haviam alienado o imóvel em causa, pedindo a absolvição da instância por ilegitimidade dos AA. .</font>
</p><p><font>Os AA. responderam, admitindo a venda, mas sustentando que continuam a ter interesse na acção.</font>
</p><p><font>O referido articulado, porém, não foi admitido, por intempestivo.</font>
</p><p><font>Procedeu-se ao julgamento e veio a ser proferida sentença que julgou extinta a instância por impossibilidade superveniente da lide quanto a alguns dos pedidos formulados e improcedentes os demais.</font>
</p><p><font>Inconformados, dela interpuseram recurso os AA. e a Relação do Porto, por acórdão, julgou a apelação parcialmente procedente e alterou a sentença, condenando, apenas, a Ré CC, Filho e Genro, Lda a pagar aos AA., a quantia de dez mil euros (€ 10 000,00), a título de indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos, sobre os quais incidirão juros de mora à taxa legal, desde o trânsito em julgado do mesmo acórdão.</font>
</p><p><font>Desta feita, foi a vez de a Ré, inconformada, recorrer de revista para este Supremo Tribunal e, no termo de sua alegação, enuncia as conclusões seguintes:</font>
</p><p><i><font>1) O douto acórdão ora recorrido viola o disposto nos artigos 496° do CC, bem como o disposto no art. 471°, n° 1 do CPC em conjugação com o art. 569° do CC;</font></i>
</p><p><i><font>2) De facto, apesar de não ser exigível pela conjugação de tais disposições legais a indicação do valor dos danos, não deixa de ser exigível a alegação dos factos que revelem a existência e extensão dos mesmos;</font></i>
</p><p><i><font>3) Dos factos dados como provados apenas consta na alínea 18 que "os AA se sentiram receosos e inquietos com toda a situação descrita";</font></i>
</p><p><i><font>4) Facto que adveio do quesitado no art. 28° da Base Instrutória;</font></i>
</p><p><i><font>5) Este quesito resultou do alegado na PI nos artigos 43° e 44°;</font></i>
</p><p><i><font>6) Os alegados danos morais invocados pelos AA. apenas se circunscrevem ao medo, receio e inquietação de que uma das partes do prédio caia;</font></i>
</p><p><i><font>7) Facto que não foi dado como provado e constante dos quesitos 22 a 27 da Base Instrutória;</font></i>
</p><p><i><font>8) Não há qualquer outra referência a danos morais sofridos pelos AA. quer na PI, quer nos factos provados resultantes da discussão da matéria de facto;</font></i>
</p><p><i><font>9) É assim insuficiente a matéria alegada e provada relativa aos danos morais sofridos pelos AA para permitir a condenação agora colocada em crise;</font></i>
</p><p><i><font>10) Sendo àquele que invoca um direito que cabe o ónus de alegar os factos constitutivos desse mesmo direito, não podendo ser o Tribunal a substituir-se às partes nessa matéria;</font></i>
</p><p><i><font>11) Em relação às considerações do TRP cumpre dizer que em relação à impossibilidade de utilização do quarto, os AA. apenas alegam factos atinentes ao ressarcimento de danos patrimoniais e constantes do pedido formulado sob a alínea F;</font></i>
</p><p><i><font>12) Nada do restante foi alegado pelos AA como susceptível de lhes ter causado danos morais;</font></i>
</p><p><i><font>13) E atento o alegado na PI e quesitado sob o art. 28°, não podemos concordar que o pedido dos AA sob a al. H tenha a ver com danos advenientes de toda a situação verificada na casa, porquanto em relação a esta apenas alegam factos atinentes ao ressarcimento de danos patrimoniais;</font></i>
</p><p><i><font>14) De facto, como já exposto é bem patente que a situação de medo, receio e inquietação dos A A advinha dos factos dados como não provados e quesitados sob os art°s 22° a 27° da Base Instrutória;</font></i>
</p><p><i><font>15) E em relação a danos não alegados não podem os RR ser condenados.</font></i>
</p><p><i><font>Sem prescindir,</font></i>
</p><p><i><font>16) O montante fixado a título indemnizatório é manifestamente exagerado.</font></i>
</p><p><i><font>17) A indemnização a fixar com base em juízo de equidade do Tribunal deverá ter em conta a situação sócio económica do lesado e do agente, o grau de culpa deste e as demais circunstâncias do caso.</font></i>
</p><p><i><font>18) Ora, não existem elementos em todo o processado que permitam sustentar o valor fixado pelo tribunal "a quo", tendo a mesma sido arbitrada em clara violação do disposto no art. 496° do CC.</font></i>
</p><p><i><font>19) De facto, os AA adquiriram o prédio em 1997 pelo preço, declarado na escritura pública que se junta como Doc. 1 e já constante dos autos como Doc. 3 junto com a PI, de treze milhões de escudos, o equivalente a sessenta e quatro mil oitocentos e quarenta e três euros e setenta e três cêntimos.</font></i>
</p><p><i><font>20) Venderam o imóvel em 2005 pelo preço, declarado na escritura pública que se junta como doc.2 e já junto aos autos com o requerimento dos AA de resposta ao articulado superveniente dos AA, de cento e vinte e quatro mil e setecentos euros.</font></i>
</p><p><i><font>21) Tendo obtido ganho significativo com a referida transacção.</font></i>
</p><p><i><font>22) Ganho significativo ainda que se considere que a aquisição do prédio foi por valor superior ao declarado na escritura porquanto, sendo esse o caso, obtiveram os AA. proveito pelo não pagamento dos impostos devidos e não pagos referentes à diferença do preço declarado e o preço efectivo.</font></i>
</p><p><i><font>23) A situação financeira da R. não foi tida em conta, sendo facto notório a crise financeira que ocorre actualmente nas empresas que se dedicam à construção civil.</font></i>
</p><p><i><font>24) Assim, ainda que se entenda que deverá ser fixada indemnização a favor dos AA, deverá a mesma ser reduzida para um valor menor que não deverá ultrapassar os mil euros, atendendo ao ora exposto.</font></i>
</p><p><i><font>Nestes termos e nos melhores de direito deve ser concedido total provimento ao e, em consequência revogar-se o Acórdão proferido pelo Tribunal da relação do Porto, mantendo-se a decisão proferida em primeira instância.</font></i>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Na sua contra-alegação os AA. pugnam pela manutenção do decidido no acórdão recorrido. </font>
</p><p><font>Foram colhidos os vistos legais e, ora, cumpre decidir.</font>
</p><p><font>O objecto da revista versa a questão da subsistência da condenação da Ré no pagamento aos AA de indemnização de €10.000,00, a título de danos não patrimoniais.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>II.</font>
</p><p><font>A - Deram as instâncias por provados os seguintes factos:</font>
</p><p><font>1) - Os AA. são os únicos e exclusivos proprietários de uma moradia composta por rés-do-chão e dois andares com a superfície coberta de 87, 50 m2; s.d. 143, 50 m2, situada no lugar de C..., da freguesia de D..., concelho de Tarouca, a confrontar do norte com caminho, sul com EE, nascente com lote ... e poente com lote ..., descrito na CRP de Tarouca, sob o art.º ..., com o valor patrimonial de 4.860.00$00;</font>
</p><p><font>2) - O imóvel identificado no número anterior foi adquirido à 1ª Ré, pelo preço de 25 000 000$00 (vinte e cinco milhões de escudos) através de escritura pública de compra e venda, celebrada no passado dia quatro de Dezembro de mil novecentos e noventa e sete, no Cartório Notarial, exarada de fls. oitenta e oito a folhas oitenta e nove do livro de notas para escrituras diversas numero sessenta e dois B do mesmo Cartório;</font>
</p><p><font>3) - Por sua vez, a anterior propriedade da 1ª Ré resultou da circunstância de ter sido a mesma que apresentou o projecto na Câmara Municipal de Tarouca, com recursos materiais e humanos da própria 1ª Ré edificou a moradia tal como se encontra hoje, em propriedade que já era da mesma, pelo facto de a ter adquirido a EE e mulher;</font>
</p><p><font>4) - A 2ª Ré foi a autora do respectivo projecto de arquitectura tendo declarado para os efeitos do disposto no n.º 1 do art.º 6º do Dec. Lei n.º 250/94, de 15 de Outubro que o projecto de arquitectura relativo ao prédio dos autores, observa as normas técnicas gerais e específicas de construção, bem como as disposições legais e regulamentares aplicáveis a cada um dos projectos apresentados, nos termos do n.º4 do art.º 14 designadamente do P.D.M.; </font>
</p><p><font>5) - A 2ª Ré declarou-se ainda responsável pela execução daquela moradia, tendo declarado assumir a responsabilidade pela execução e direcção da obra de construção do mesmo edifício;</font>
</p><p><font>6) - Uma inexistente ventilação das quatro casas de banho da moradia (uma no armazém, uma no 1º andar e duas no 2º andar) a existência de paredes exteriores com fortes condensações, também prejudicam a utilização normal da habitação; </font>
</p><p><font>7) - Nenhuma das instalações sanitárias apresenta qualquer tipo de ventilação, ao contrário do que consta das peças desempenhadas no projecto; </font>
</p><p><font>8 ) - Aquando da propositura da acção, na obra em causa:</font>
</p><p><font> - A parede por baixo da escada que liga o caminho público ao 1º andar da moradia não se encontrava rebocado em cerca de 1,5m2 e pintado em cerca de 9m2; </font>
</p><p><font> - Não existia qualquer forno nem churrasqueira nas traseiras da vivenda; </font>
</p><p><font> - Existiam duas garrafas de gás próximas de um quadro eléctrico; </font>
</p><p><font> - A drenagem das águas residuais domésticas era feita para uma fossa localizada num terreno nas traseiras do loteamento. </font>
</p><p><font>9) - Em data não concretamente apurada, mas posteriormente à data referida em 2), no imóvel em causa:</font>
</p><p><font> - Nos dois quartos do alçado principal existia forte humidade por força da entrada de água através da fissuração existente na envolvente exterior e ao nível daquele piso; </font>
</p><p><font> - Num quarto do alçado posterior existia alguma humidade junto do peitoril da janela; </font>
</p><p><font> - O aro da porta do mesmo despregou do cimento e não permitia que a porta fechasse; </font>
</p><p><font> - Interiormente a pintura num quarto situado no 2º andar e nas zonas fissuras e com humidade, encontrava-se a lascar; </font>
</p><p><font> - Exteriormente existia um descasque de tinta, com maior incidência na zona de uns dos quartos virados para o alçado principal e algum descasque no alçado posterior ao nível da parede da cozinha; </font>
</p><p><font> - Existem duas fissuras longitudinais no pavimento da sala e uma no pavimento do hall e ao longo destas fissuras a tijoleira encontra-se partida; </font>
</p><p><font> - Existe fissuração em paredes e pavimentos; </font>
</p><p><font> - Nas lajes de pavimento, constituídas por vigotas pré-esforçadas e lâmina de compressão, verifica-se a existência de fissuração longitudinal entre a vigota e o bloco de enchimento (tijoleira) na parte inferior do mesmo e ao nível do reboco e ainda fissuração longitudinal na zona superior (chão da sala e hall de entrada) ao nível da camada de enchimento (zona não resistente);</font>
</p><p><font>10) - A moradia apresenta fissuração com algum significado em rebocos e paredes, causadores de infiltrações de água da chuva no interior da mesma; </font>
</p><p><font>11) - A fissuração existente compromete a durabilidade do prédio por força da entrada de água da envolvente exterior danificando rebocos e pinturas;</font>
</p><p><font>12) - É também visível uma fissuração exterior, a toda a altura, na parede das traseiras da moradia; </font>
</p><p><font>13) - A fissuração excessiva em elementos não resistentes encontra-se dispersa com grande intensidade ao longo das paredes interiores, bem como nas alvenarias exteriores da varanda do 1º piso; </font>
</p><p><font>14) - Em consequência das humidades, os AA não utilizaram, pelo menos, um dos quartos; </font>
</p><p><font>15) - A deformação da laje é responsável, em grande medida, pelo aparecimento de fissuração entre a laje e a parede divisória da laje contínua ao lanço de escadas que estabelece a comunicação entre o 1º e 2º andar; </font>
</p><p><font>16) - A deformação da laje é responsável, em grande medida, pelo aparecimento de fissuração na parede divisória situada por baixo do lanço de escadas que estabelece a comunicação entre o 1º e 2º andar;</font>
</p><p><font>17) - A moradia dos AA. apresentava as condições de habitabilidade e conforto comprometidas; </font>
</p><p><font>18) - Os AA. sentiram-se receosos e inquietos com toda a situação descrita; </font>
</p><p><font>19) - Existe alguma deficiência nos revestimentos de alguns mosaicos do chão das escadas que dão acesso do caminho público para o 1º andar e que num dos espelhos dos degraus da escada exterior de acesso existem escorrências; </font>
</p><p><font>20) - O chão da garagem, próximo da entrada de veículos, apresenta alguma irregularidade que permite uma deficiência na drenagem o que sucede igualmente com o pavimento das traseiras da vivenda, próximo de uma caixa de recepção de águas pluviais.</font>
</p><p><font>21) - O que consta do teor dos documentos de fls. 30 e 31 (doc.5) e fls. 33 (doc. 6), cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos;</font>
</p><p><font>22) - A 1ª Ré, em data não concretamente apurada, se dispôs a efectuar nova pintura; </font>
</p><p><font>23) - Da planta não consta a existência de qualquer WC na garagem, as apenas lavandaria; </font>
</p><p><font>24) - Foi construído um quarto de banho na garagem;</font>
</p><p><font>25) -Se a fissuração for a nível de reboco a reparação é facilmente executada;</font>
</p><p><font>26) - Os AA. utilizam a garagem como armazém de secagem de fumeiros e aí instalaram câmaras frigoríficas para armazenar tais artigos e queijos; </font>
</p><p><font>27) - Para aceder à garagem os AA. chegaram a utilizar veículos pesados para fazer carregamentos ou descarregamentos; </font>
</p><p><font>28) - A 1ª Ré voltou a pintar o exterior das vivendas à excepção da dos AA., que a tal se opuseram. </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>B – Como no breve relatório que encima o aresto se refere, vicissitude surpreendente ocorreu na fase crucial do percurso da acção que lhe alterou o figurino e baralhou a solução dos múltiplos pedidos conexos que nela haviam sido formulados pelos AA. Na verdade, com a venda do imóvel em litígio a terceiros por banda daqueles e sem a habilitação de seus actuais proprietários, desde logo a apreciação dos pedidos principais foi inviabilizada e por arrastamento ou por falta de prova vieram a ser esvaziados, nas instâncias, os pedidos subsidiários daqueles.</font>
</p><p><font>Restou apenas o pedido relativo aos danos não patrimoniais que o tribunal recorrido considerou pertinente, fixando tais danos na quantia de €10.000,00 (dez mil euros).</font>
</p><p><font>Na revista, a sua autora aceita, na segunda das conclusões que enuncia, a formulação genérica de tal pedido (daí que se não entenda a inclusão nas normas violadas dos artº471º do CPC e 569º do CC…), mas questiona a verificação de matéria de facto provada que lhe sirva de suporte e, em ultima análise, o seu montante que considera exagerado.</font>
</p><p><font>Vejamos:</font>
</p><p><font>Deu-se guarida, no acórdão recorrido, à orientação segundo a qual o princípio da ressarcibilidade dos danos não patrimoniais do artº496º do CC, se não limita à responsabilidade extracontratual, antes se estende, também, ao domínio da responsabilidade contratual. </font>
</p><p><font>Nada a opor, pois, salvo o devido respeito, são de natureza meramente formal os argumentos que sustentam o contrário, filiados, ora, em razões de ordem sistemática pela colocação daquele normativo no Código, ora em factores de insegurança que se introduziriam no comércio jurídico ( cfr A. Varela, Das Obrigações em Geral, II, 2ª ed, 102, Código Civil Anotado, II, 4º ed, 53 e Ac STJ de 30.09.1997, CJ (STJ), ano V, t 3, 37 e ss).</font>
</p><p><font>Na verdade, como já antes do actual Código Civil, maioritariamente, se entendia, a aplicação analógica à responsabilidade contratual daquele princípio expresso no capítulo da responsabilidade extracontratual há-de justificar-se pela necessidade de proteger de forma igual os contraentes que forem vítimas da inexecução contratual, igualmente, carecidos de tutela quando as consequências resultantes dessa inexecução assumirem gravidade bastante.</font>
</p><p><font>Como escreveu Vaz Serra “ se o direito não deve tutelar somente os interesses económicos, mas, também, os espirituais , dos homens, é razoável que o dano não patrimonial, derivado da inexecução de uma obrigação, seja susceptível de satisfação, tal como o dano patrimonial que dela, eventualmente, resulte” (BMJ, 83º, 102 e ss). </font>
</p><p><font>Esta conclusão resulta, aliás, na opinião da maioria, da leitura dos artº798º e 804º,1 do CC que, ao aludirem à </font><i><font>reparação do prejuízo</font></i><font> e à </font><i><font>ressarcibilidade dos danos causados ao credor</font></i><font>, não fazem qualquer distinção entre uma e outra categoria de danos ou a restringem aos danos patrimoniais (cfr., além da Vaz Serra, Galvão Telles, Direito das Obrigações, 3ª ed, 339 e ss. e A. Pinto Monteiro, Cláusula Penal e Indemnização, nota 77 da pág 31 e na jurisprudência deste Tribunal, entre outros os Acórdãos de 30.01.1981, BMJ, 303º, 216 e 2 17, 9.12.1993, CJ (STJ)1993, t 3, 174, 25.11.1997, CJ (STJ) 1997, t 3, 140 de 20.01.2008, pº07A4154, desta secção e de 21.05.2009, pº 08B1356, in base de dados do ITIJ).</font>
</p><p><font>Relevante e decisivo, portanto, segundo esta última orientação, seria adoptar critério “assente na apreciação da gravidade dos danos não patrimoniais …o travão mais indicado para se combater o perigo da extensão da obrigação de indemnização e para atenuar o inconveniente da perturbação do comércio jurídico” ( cfr A. Pinto Monteiro, na supra citada nota, pág 34).</font>
</p><p><font>A responsabilidade contratual que fundamentará a indemnização por danos deste tipo supõe o incumprimento da obrigação, a culpa, o prejuízo e o nexo causal.</font>
</p><p><font>Qualificaram as instâncias com acerto o contrato, celebrado entre os AA. e a 1.ª Ré, mediante o qual aqueles adquiriram a esta o prédio identificado nos autos, como um contrato de compra e venda respeitante a um imóvel de longa duração, sendo o vendedor o construtor do mesmo. Consideraram verificados, por outro lado, vícios de construção e defeitos da responsabilidade do construtor. </font>
</p><p><font>Este cumprimento defeituoso da obrigação implica responsabilidade contratual com consequências variadas que, pela queda dos pedidos a que se fez referência, não importam, ora, para aqui, e, além delas, o dever de indemnizar todos os danos que aquela prestação defeituosa tenha causado (artº798º do CC).</font>
</p><p><font>Sendo de presumir, também, e face ao disposto no artº799º,1 do CC que a Ré agiu com culpa, constata-se que, entre incumprimento e o dano apurado, subsiste ainda o necessário nexo de causalidade. </font>
</p><p><font>Sem prejuízo, no entanto, não se pode falar em responsabilidade civil</font>
</p><p><font>É corrente afirmar-se que os prejuízos não patrimoniais são aqueles que se verificam em relação a interesses insusceptíveis de avaliação pecuniária, interesses de ordem espiritual (Pessoa Jorge, Ensaio sobre os Pressupostos da Responsabilidade Civil, 373 e ss).</font>
</p><p><font>Por outro lado, o dano que releva, segundo o já referenciado artº496º, é aquele que, pela sua gravidade, merece a tutela do direito e o montante ressarcitório que lhe há-de corresponder deve ser encontrado por recurso a critérios de equidade, nos termos do nº3 deste último dispositivo, entrando-se em linha de conta com a gravidade do dano, o grau de culpa do agente, a situação económica de lesante e lesado, bem como outras circunstâncias que forem pertinentes – cfr o artº494º do mesmo Código – o que segundo alguns atesta o cariz punitivo de tais danos, estabelecido no interesse da vítima – cfr Menezes Leitão, Direito das Obrigações, I, 299.</font>
</p><p><font>A apreciação da gravidade dos danos desta natureza reclama o recurso a “um critério o mais objectivo possível e em que o juiz se possa desprender da atribuição de reparações a casos em que o sofrimento ou a dor dependam, exclusivamente, de sensibilidades particularmente requintadas, portanto, anormais” (cfr Ribeiro de Faria, Direito das Obrigações, I,491). </font>
</p><p><font>Como se escreveu no Acórdão deste Tribunal e secção, de 25.05.2007, pº nº07A1187 ( base de dados do ITIJ), “dano grave não terá que ser considerado apenas aquele que é “exorbitante ou excepcional”, mas também aquele que “sai da mediania que ultrapassa as fronteiras da banalidade. Um dano considerável que, no seu mínimo, espelha a intensidade de uma dor, duma angústia, dum desgosto, dum sofrimento moral que, segundo as regras da experiência e do bom senso, se torna </font><i><font>inexigível</font></i><font> em termos de resignação” – ac. de 5/6/79, CJ IV, 3, 892</font>
</p><p><font>De relevante, nesta matéria, segundo a Recorrente, provou-se que os </font><i><font>AA. sentiram-se receosos e inquietos com toda a situação descrita </font></i><font>e deste facto residual que teria por referência apenas o medo dos AA de que a casa caísse, retira ela uma primeira conclusão de que essa matéria seria insuficiente para justificar a indemnização. </font>
</p><p><font>Sabe-se que, quanto à extensão do dano, por integrar pura matéria de facto, ela é de exclusiva competência das instâncias; já o seu apuramento e fixação da respectiva compensação cabe nos poderes deste Supremo Tribunal pois se situa no campo da questão de direito.</font>
</p><p><font>Ora - e citando o acórdão recorrido - “tendo comprado uma habitação nova, os AA. viram a mesma invadida pelas humidades, fissurada nas paredes e pavimentos, o aro de uma porta descolado, não permitindo que a mesma fechasse, pintura a lascar, interior e exteriormente, infiltrações de água da chuva, comprometimento da durabilidade do prédio por via da fissuração, impossibilidade de utilização de um quarto, condições de habitabilidade e conforto comprometidas, sofreram de um sentimento de inquietação e receio por toda a situação verificada no prédio…” – não será necessário sequer o recurso à presunção natural para se afirmar que a situação descrita tem contornos de melindre e incomodidade que qualificam a gravidade do dano sofrido e obrigam à sua ressarcibilidade.</font>
</p><p><font>Tendo por referência o acórdão deste Supremo Tribunal de 21.05.2009, pº08A1356, 7ª secção(in base de dados do ITIJ), com contornos muito próximos do caso em análise, fixou-se, no acórdão sob recurso, em €10.000 a respectiva indemnização, ponderando-se, como ali se fizera, além do tempo decorrido, desde a denúncia dos defeitos e a inutilização de parte da residência, a circunstância de a Ré se não ter prestado a corrigir defeitos que reconhecera.</font>
</p><p><font>Desconsidera a Recorrente aquele montante, mas limita-se a alegar que a situação de crise económica que assola o sector da construção justifica a sua diminuição. Esta é matéria que não está demonstrada, pelo menos quanto aos seus reflexos sobre a condição da Recorrente, e devia-o estar, pois, não se afigura que a natureza da reparação dos danos não patrimoniais (</font><i><font>compensatio</font></i><font>) ou o critério de sua atribuição (a equidade), de algum modo, se ajuste à possibilidade de serem os lesados a sofrer as consequência das “crises de sectores”.</font>
</p><p><font>Em suma, crê-se ser razoável, face aos factores que a influenciaram (de que se salienta os oito anos de conflito e padecimento moral que os autos atestam), a indemnização fixada no acórdão recorrido, improcedendo, em consequência, a crítica de que foi alvo, na revista.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>III.</font>
</p><p><font>Nestes termos, em conformidade com o exposto, nega-se provimento à revista, devendo manter-se, integralmente, o acórdão recorrido.</font>
</p><p><font>Custas a cargo da Recorrente.</font>
</p><p>
</p><p><font>Lisboa, 24 de Janeiro de 2012.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Martins de Sousa (Relator) </font>
</p><p><br>
<font>Gabriel Catarino</font><br>
<br>
<br>
<font>Sebastião Póvoas</font><br>
</p></font><p><font><font> </font></font></p>
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[0 0 0 ... 0 0 0]
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TzK2u4YBgYBz1XKvsDWX
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1.ª Secção (Cível)
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<b><font> </font></b><font><br>
<br>
<font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font><br>
<font> </font><br>
<font> </font><b><font>I- Relatório</font></b><font>:</font><br>
<font> 1-1- Nas Varas Cíveis de Lisboa, o </font><b><font>Banco AA, S.A.</font></b><font>, com sede na Avenida 24 de Julho, n.º 98, em Lisboa, propôs a presente acção com processo ordinário contra BB, residente na Estrada de ....., Nacional 398, n.º 75, R/C Dto., em Olhão,</font><i><font> pedindo</font></i><font> a condenação desta no pagamento da importância (a título de capital) de € 21.225,82, acrescida de €4.398,56 de juros vencidos, de €175,94 de imposto de selo calculado sobre esses juros (à taxa de 4%), e ainda dos juros que sobre a aludida importância em dívida se vencerem (calculados à taxa anual de 20,01%), desde a propositura da acção até efectivo e integral pagamento, bem como o quantitativo respeitante a imposto de selo que, à taxa de 4%, sobre os mesmos recair.</font><br>
<font> Fundamenta este pedido, em síntese, alegando que, no exercício da sua actividade comercial, em 9/01/2004, celebrou com a R. o acordo escrito junto a fls. 10 a 12 (contrato de mútuo n.º 672739), acordo esse que tinha por objecto a aquisição por esta última, de um veículo automóvel da marca Mitsubishi, modelo L200 2.5 Strakar, com a matrícula 00-00-PA. Nos termos do acordo, a A. entregou à R. a importância de €17.445,91, comprometendo-se, esta última, ao pagamento de 72 rendas mensais e sucessivas, no valor de € 433,18 (cada), aí se integrando capital e juros, vencendo-se a primeira no dia 10 de Fevereiro de 2004, e as seguintes nos dias 10 dos meses subsequentes. O indicado valor das prestações deveria ser pago, na respectiva data de vencimento, mediante transferência bancária, para a conta à ordem titulada pela autora na Caixa de Crédito Agrícola Mútuo n.º 400000000, sendo que a falta de pagamento de qualquer uma das prestações implicaria o vencimento imediato das demais. Sucede que a R., das prestações referidas, não pagou a 22ª e seguintes, com vencimento em 10 de Novembro de 2005, nem as subsequentes, com excepção das 23ª e 30ª. Sobre os montantes omitidos recaem juros de mora à taxa de juro acordada de 16,01%, acrescida de 4%, a título de cláusula penal, sendo ainda devido o pagamento de imposto de selo, à taxa de 4% ao ano, sobre o montante dos juros vencidos e vincendos. Pretende o pagamento das aludidas importâncias, que calcula, à data da propositura da acção (23/11/2006), em €25.800,32 (vinte e cinco mil e oitocentos euros e trinta e dois cêntimos).</font><br>
<font> A R. não contestou, tendo-se, por isso, dado cumprimento ao disposto no artigo 484º, n.º 2 do CPC, nada tendo sido alegado por qualquer das partes.</font><br>
<font> Remeteram-se após os autos para o </font><u><font>Tribunal Judicial de Olhão</font></u><font>, por se entender ser o territorialmente competente para a apreciação do presente litígio.</font><br>
<font> Foi então proferida sentença, em que julgou a acção parcialmente procedente e, em consequência, condenou-se a R. BB a pagar ao A., Banco AA S.A, a quantia a liquidar ulteriormente correspondente às quarenta e nove prestações de capital, sobre a qual incidirá, a título de cláusula penal, a taxa de 20,01% ao ano, desde 10 de Novembro de 2005, até efectivo e integral pagamento, e ainda no pagamento dos custos atinentes ao imposto de selo, sobre esta incidente, à taxa legal de 4%.</font><br>
<font> Não se conformando com esta decisão, dela recorreu A., Banco AA, de apelação para o Tribunal da Relação de Évora, tendo-se aí, por acórdão de 15-5-2008, julgado improcedente o recurso, confirmando-se a sentença recorrida.</font><br>
<font> 1-2- Irresignado com este acórdão, dele recorreu o A. para este Supremo Tribunal, recurso que foi admitido como revista e com efeito devolutivo.</font><br>
<font> O recorrente alegou, tendo dessas alegações retirado as seguintes conclusões:</font><br>
<font> 1ª- É errado o “entendimento” perfilhado no acórdão recorrido no sentido de que o vencimento de todas as prestações do contrato de mútuo dos autos pela falta de pagamento de uma delas (quer nos termos do disposto no artigo 781º do Código Civil que nos termos do contrato dos autos) apenas abrange a divida de capital e não também o juros remuneratórios ou outras quantias que estavam já incluídas em cada prestação, pelo que o A. apenas teria direito a peticionar e receber o montante do capital acrescido de juros moratórios mas não já o montante correspondente a todas as prestações não pagas, por nela se incluírem os juros remuneratórios acordados</font><br>
<font> 2ª- Na verdade, e salvo o devido respeito, é desde logo errado e infundado o “entendimento” de que o vencimento antecipado das prestações de um contrato de mútuo oneroso por via do artigo 781º do Código Civil, apenas importa o vencimento das fracções da divida de capital e não dos respectivos juros remuneratórios, porquanto o referido preceito legal não faz, nem permite fazer, qualquer distinção entre o vencimento de fracções de capital ou o vencimento de fracções de juros, ou aliás do que quer que seja, bem como não diz ou sequer indicia, por exemplo, que apenas se aplica aos mútuos gratuitos (em que não há juros), e não aos mútuos onerosos (em que há juros), ou vice-versa.</font><br>
<font> 3ª- Mas antes fala, pura e simplesmente, o referido preceito legal em “obrigação”, “prestações” e no “vencimento” de todas as prestações mediante a falta de realização de uma delas, e aplica-se, para além do mais, a todos os tipos de mútuo, excepto se for afastada pelas partes, já que se trata de norma supletiva, pelo que não se vê, nem há, pois, qualquer fundamento para se entender que o disposto no artigo 781º do Código Civil distingue entre fracções de capital ou fracções de juros, e menos ainda, que apenas se aplica a fracções de capital ou apenas a fracções de juros. Aliás, muito pelo contrário até.</font><br>
<font> 4ª- Com efeito, qual é a “obrigação” do mutuário para com o mutuante num mútuo oneroso? Será apenas a restituição da quantia ou da coisa mutuada? NÃO, obviamente que não. Isso é a obrigação do mutuário num mútuo gratuito.</font><br>
<font> 5ª- Num mútuo oneroso a “obrigação” do mutuário para com o mutuante é precisamente a restituição da quantia ou da coisa mutuada, mais a retribuição do empréstimo que as partes acordaram, ou seja, habitualmente, os juros (que tanto podem ser constituídos por dinheiro como por qualquer outra coisa fungível), mas não só, pois que a retribuição pode incluir, para além dos juros, outras facetas como os prémios, sendo que não é sequer obrigatória a correspondência entre a coisa mutuada e os juros. Ou seja, a obrigação do mutuário num mútuo oneroso é, desde logo, aliás, a restituição da quantia ou da coisa mutuada e a respectiva retribuição acordada, precisamente pela cedência do dinheiro ou da coisa posta à disposição do mutuário, enquanto que, a obrigação do mutuário num mútuo gratuito é, apenas, a restituição da quantia ou da coisa mutuada cedida ou posta à disposição do mutuário.</font><br>
<font> 6ª- Assim, no caso de mútuo oneroso liquidável em prestações, é a obrigação do mutuário (restituição da coisa mutuada + retribuição do mútuo acordada) que é repartida por tantas fracções (prestações) quantas as partes acordarem, e que, senão “ad initio” (como o recorrente entende que é), pelo menos em caso de incumprimento de uma delas se vencem na totalidade.</font><br>
<font> 7ª- Pelo que, num contrato de mútuo oneroso em que as partes acordaram no cumprimento da obrigação do mutuário (restituição da quantia ou coisa mutuada + retribuição do mútuo) em prestações, é manifestamente errado e contra a própria natureza jurídica do mútuo oneroso, querer proceder-se a qualquer distinção entre “capital” e “juros”, ou melhor, entre restituição da quantia ou coisa mutuada e a respectiva remuneração do mútuo acordada, tanto mais que, pela sua própria natureza a obrigação do mutuário num mútuo oneroso é só UMA! - (restituição da quantia ou coisa mutuada + retribuição do mútuo)</font><br>
<font> 8ª- Aliás, ao fazer-se tal distinção está-se, errada, indevida e artificialmente, a equiparar as consequências do incumprimento de um mútuo oneroso com as de um mútuo gratuito, porquanto, se o incumprimento, pelo mutuário, de um mútuo gratuito, dá, por lei (cfr. n.º 2 do artigo 1145º do Código Civil), lugar a mora e ao pagamento de juros moratórios ao mutuante a incidir sobre a quantia ou a coisa mutuada, o “entendimento” de que o incumprimento, pelo mutuário, de um mútuo oneroso, obriga a distinguir entre “capital” e “juros”, ou melhor, entre restituição da quantia ou coisa mutuada e a respectiva remuneração acordada do mútuo (remuneração que, assim, deixa de existir), e que os juros moratórios apenas irão incidir sobre a restituição da quantia mutuada, está-se, errada, infundada e artificialmente a transformar as consequências do incumprimento do mútuo gratuito às consequências do incumprimento do mútuo oneroso, o que por si só, vai claramente contra a natureza jurídica e objectivo de uns e de outros, que são manifestamente distintos. Não pode ser!!!</font><br>
<font> 9ª- Mais…. de acordo com aquele “entendimento” bastará ao mutuário incumprir um contrato de mútuo como o dos autos, para que esse mesmo mútuo se transforme, de facto e automaticamente, num mútuo gratuito, passando o mutuário a ter apenas de pagar então os juros moratórios sobre o capital em divida, e isto enquanto quiser, ou seja, enquanto durar a mora.</font><br>
<font> 10ª- E pior! Ao perfilhar-se aquele “entendimento”, está-se a incentivar e premiar o incumprimento do contrato de mútuo por parte do mutuário, que, assim, e por causa do seu próprio incumprimento, deixa de ter de pagar a remuneração do mútuo em que as partes acordaram, para passar a ter apenas de restituir a quantia ou coisa mutuada (o que é um perfeito contra-senso jurídico), e tudo isto meramente por via do incumprimento do contrato de mútuo por parte do mutuário. (o que além de ser um gritante contra-senso jurídico, é uma perfeita e inconcebível aberração jurídica) É, de facto, e salvo o devido respeito, um perfeito absurdo!!!</font><br>
<font> 11ª- Assim, e de acordo com o “entendimento” perfilhado no acórdão recorrido, qualquer mutuário de um contrato de mútuo oneroso pode, em qualquer momento, não só, unilateralmente, desvincular-se da sua obrigação (restituição da quantia ou coisa mutuada + remuneração) para com o mutuante, como pode, simultaneamente, “transformar” o mutuo oneroso que celebrou num mutuo gratuito, e tudo isto por via apenas do seu próprio incumprimento!!!</font><br>
<font> 12ª- É incentivar e premiar o incumprimento dos contratos de mútuo por parte dos mutuários, já que lhe é muito menos oneroso deixar pura e simplesmente de cumprir o contrato do que cumpri-lo e honrar o seu compromisso. E é incentivar e premiar o incumprimento favorecendo quem incumpre, não só relativamente à outra parte no contrato (o mutuante) que cumpriu já com a sua obrigação, como, também, relativamente àqueles outros que estando na mesma posição que ele (ou seja, os outros mutuários de mútuos onerosos) cumprem e honram as suas obrigações. Não pode ser!!!</font><br>
<font> 13ª- E como é que fica o mutuante credor que já cumpriu com a sua obrigação? Fica à mercê do mutuário incumpridor, que há muito dispôs já da quantia mutuada e viu cumprida a obrigação do mutuante, e dos Tribunais que no fim de um longo processo judicial no qual o mutuário incumpridor continua sem cumprir, vêem decidir que este afinal, por via do seu próprio incumprimento, transformou o mútuo oneroso em mútuo gratuito pelo que apenas tem de devolver o capital em divida e os respectivos juros moratórios? Repete-se…Não pode ser!!! É claramente uma situação de flagrante negação da mais elementar justiça, já para não falar de uma intolerável subversão da Lei do Direito. É um “entendimento” manifestamente antijurídico.</font><br>
<font> 14ª- Mas mais, ainda…... A aplicar-se o referido “entendimento” perfilhado no acórdão recorrido, deixariam então de fazer sequer sentido, e de existir, os próprios mútuos onerosos, porquanto se qualquer pessoa que celebre um contrato de mútuo oneroso como o dos autos para financiar a aquisição do que quer que seja, apenas tem de restituir a quantia mutuada (mas já não a remuneração do mútuo acordada) em caso de incumprimento por ele do contrato de mútuo, é por demais evidente que, assim que um contrato de mútuo oneroso é celebrado e a quantia mutuada é posta pelo mutuante à disposição do mutuário (o que, tal como no caso dos autos, sempre sucede), que a utiliza no que bem entender, basta ao mutuário incumprir desde logo (e quanto antes melhor) o contrato de mútuo (o que, nesse caso até será impelido a fazer) para que o mesmo passe a ser gratuito, deixando, por isso, de fazer sequer sentido que existam contratos de mútuo onerosos. Não é, nem pode ser, manifestamente, isso que a Lei prevê ou sequer permite.</font><br>
<font> 15ª- Muito pelo contrário até, a Lei não só prevê e regula expressamente (distinguindo-os) a gratuitidade ou onerosidade do mútuo (cfr. artigo 1145º do Código Civil), como expressamente prevê no artigo 1147º do referido Código Civil que “No mútuo oneroso o prazo presume-se estipulado a favor de ambas as partes, mas o mutuário pode antecipar o pagamento, desde que satisfaça os juros por inteiro.”</font><br>
<font> 16ª- Ora, se a própria lei expressamente prevê que no mútuo oneroso, o mutuário terá de pagar os juros por inteiro caso queira antecipar o cumprimento (e está-se a falar de cumprir o contrato por inteiro e antecipadamente), é manifestamente errado e despropositado, pretender ou permitir que no caso de o mutuário incumprir o contrato não tem já que pagar os mesmos juros por inteiro. É, uma vez mais, um evidente contra-senso jurídico sem qualquer fundamento, pelo que sai, portanto, ainda mais reforçada a ideia de que o referido “entendimento” para além de errado e juridicamente absurdo, é um verdadeiro incentivo e um prémio ao incumprimento favorecendo quem incumpre e desfavorecendo quem cumpre, o que, por si só, é intolerável. É, pois, manifestamente errado aquele “entendimento” relativo ao artigo 781º do Código Civil, bem como as consequências que o mesmo produz, devendo este Supremo Tribunal de Justiça declará-lo.</font><br>
<font> 17ª- Mas tudo aquilo que até agora se referiu e concluiu no sentido de que é errado e manifestamente injusto e até antijurídico aquele “entendimento”, fundamenta-se apenas nas regras do mútuo oneroso civil e, como tal, tratado no Código Civil, porquanto se se tiver em consideração que o que nos autos está em causa é um mútuo oneroso comercial ou, mais precisamente, bancário, e se se atentar naquilo que foi expressamente acordado pelas partes no contrato de mútuo dos autos e que, aliás, está dado como provado nos autos, então é ainda mais errado (se é que tal é possível face ao que já se explicitou) aquele dito “entendimento”.</font><br>
<font> 18ª- Com efeito, não está aqui sequer em causa a mera aplicação do artigo 781º do Código Civil.</font><br>
<font> 19ª- Na verdade, o vencimento imediato de todas as prestações do contrato de mútuo dos autos, mediante o não pagamento de uma delas na data do respectivo vencimento, dá-se não sequer, ou apenas, por via do referido artigo 781º do Código Civil, mas sim por via do expressamente acordado entre as partes na clausula 9ª, alínea b) do contrato de mútuo dos autos. E lembre-se, aliás, que o disposto no artigo 781º do Código Civil não constitui norma imperativa, podendo, por isso, as partes livremente estipularem diferentemente.</font><br>
<font> 20ª- Pelo que, mesmo que se entendesse que o disposto no dito artigo 781º do Código Civil distingue entre capital e juros e apenas implica o vencimento do montante do empréstimo e não da respectiva remuneração acordada (o que manifestamente não distingue e é um erro, como se procurou já explicitar), o certo é que, atento o expressamente acordado no contrato de mútuo dos autos, dúvidas não restam de que vencida uma prestação todas as outras prestações se vencem imediatamente sem qualquer distinção entre capital e juros ou montante do empréstimo e remuneração do empréstimo ou que mais se queira inventar.</font><br>
<font> 21ª- Mas é ainda mais errado o referido “entendimento” constante da sentença dos autos e confirmado pelo acórdão recorrido, do que já se procurou explicitar, quando se atenta e analisa o contrato de mútuo dos autos como um todo.</font><br>
<font> 22ª- Com efeito, perante aquilo que está expressamente acordado no contrato de mútuo dos autos, e designadamente, para este efeito o “Número de prestações: Montante de cada prestação:; Valor total das prestações:;” e nas clausulas 4ª, alíneas a) e c), 7ª, alíneas a) e b), e 8ª, alíneas a), b) e c), (que aqui se dão por reproduzidas), dúvidas não restam, de que (como aliás melhor se explicitou em sede de alegações) a falta de pagamento de uma prestação, na data do respectivo vencimento, implica o imediato vencimento de todas as restantes sendo que no valor dessas prestações estão incluídos, para além do demais acordado, o capital e os juros remuneratórios do empréstimo.</font><br>
<font> 23ª- Aliás, o próprio Decreto-lei n.º 359/91, de 21 de Setembro, que regula os contratos de crédito ao consumo como o dos autos, prevê e estabelece o calculo do “custo total do crédito” que engloba precisamente o montante do empréstimo, os juros acordados e as restantes despesas ou encargos a cargo do mutuário, sendo que é esse montante global, desde logo achado e calculado, que é repartido em prestações uniformes que o mutuário se obriga a pagar. (cfr. artigos 2º, alínea d) e e), e artigo 4º do referido Decreto-lei n.º 359/91, de 21 de Setembro), sendo que tal apenas reforça, ainda mais, aquilo que já antes se explicitou, ou seja, que tal como no mutuo oneroso meramente civil, a obrigação do mutuário fraccionada em prestações engloba o capital e a respectiva remuneração. É essa a obrigação do mutuário “ad initio”.</font><br>
<font> 24ª- É pois manifestante errado o referido “entendimento” expendido na sentença da 1ª instância e perfilhado no acórdão recorrido, pois que se já o era errado à luz apenas das regras do mútuo civil (como se procurou explicitar) ainda mais errado é à luz daquilo que foi expressamente acordado no contrato de mútuo dos autos e à própria natureza comercial do contrato em causa, sendo que, para além do mais, tal “entendimento” constitui uma evidente violação do principio da liberdade contratual prevista no artigo 405º do Código Civil.</font><br>
<font> 25ª- Saliente-se que se está perante um mútuo comercial, bancário, de elevado risco para o mutuante, pelo que, se como já se explicitou, o dito “entendimento” é errado e injusto num mútuo oneroso civil, ainda mais o é num caso como o dos autos.</font><br>
<font> 26ª- Acresce, ainda que, como está provado nos presentes autos, o A., ora recorrente, é uma instituição de crédito, nos termos e de harmonia com o disposto no artigo 3º, alínea (i), do Regime Geral das Instituições de Créditos e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de Dezembro, pelo que, conforme amplamente explicitado em sede de alegações, pode proceder à capitalização de juros, sendo inequívoco que o A., ora recorrente, como Banco que é, pode capitalizar juros. Pode - como o fez - pedir juros moratórios sobre o valor total das prestações em débito, apesar de em tal total estarem já incluídos juros remuneratórios. E é nisso, precisamente, que consiste a capitalização de juros.</font><br>
<font> 27ª- Sendo que, aliás, no caso dos autos tal capitalização acontece desde logo, desde a celebração do contrato de mútuo, razão pela qual o referido Decreto-Lei n.º 359/91, de 21 de Setembro, manda calcular desde o início e fazer constar do contrato o chamado “custo total do crédito”.</font><br>
<font> 28ª- E nem se diga, como se diz na sentença dos autos, com o apoio de um acórdão, que não há capitalização de juros remuneratórios porque estes não se venceram ainda, pois que tal não é manifestamente assim, porquanto, como procurou explicitar, não só os ditos “juros” remuneratórios, ou melhor dizendo, a remuneração do mútuo acordada entre as partes, se venceram desde logo, “ad inito”, (pois que a obrigação do mutuário num qualquer mútuo oneroso é, sempre, constituída pela quantia mutuada e pela remuneração do mútuo e, mais ainda, num mútuo oneroso concedido por uma instituição de crédito, onde tal obrigação do mutuário, corresponde ao chamado “custo total do empréstimo” que é depois fraccionado em prestações iguais e sucessivas que o mutuário se obriga a pagar, a que acresce ainda o facto de, pela sua própria natureza estas instituições poderem desde capitalizar os “juros remuneratórios”), como, mesmo que porventura assim não se entendesse (como deve entender), sempre o dito vencimento ocorreria, como ocorre, por via do incumprimento pelo mutuário da sua obrigação de pagar atempadamente as prestações acordadas.</font><br>
<font> 29ª- Não se pode, pois, seriamente pretender que não há capitalização de juros remuneratórios, porque estes não se venceram, uma vez que os mesmos estão, de uma forma ou de outra, vencidos. Todos vencidos!!! Pelo que, todas as prestações (cujo montante inclui também o valor do correspondente aos juros remuneratórios já capitalizados e ao seguro contratado, sendo, por isso, um valor único e unitário, de capital) do contrato dos autos estão há muito vencidas, não havendo, nunca, que distinguir não só entre capital e juros (tudo é já capital, por força da capitalização), como entre valores vencidos e vincendos, pois que tudo está já vencido.</font><br>
<font> 30. É, pois, inteiramente válido, legitimo e legal o pedido dos autos, sendo que é errada a decisão proferida no acórdão, acórdão que ao decidir como o fez e ao confirmar a decisão proferida na sentença de 1ª instancia, interpretou e aplicou erradamente, o disposto nos artigos 405º, 560º, 781º, 1145º e 1147º do Código Civil, artigo 2º, alínea d) e e), artigo 4º e 9º, n.ºs 1 e 3 do referido Decreto-Lei n.º 359/91, de 21 de Setembro, bem como os artigos 5º, 6º e 7º, do Decreto-Lei 344/78, de 17 de Novembro, com a redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei 83/86, de 6 de Maio, o artigo 1º do Decreto-Lei 32/89, de 25 de Janeiro, o artigo 2º do Decreto-Lei 49/89, de 22 de Fevereiro, os artigos 1º e 2º do Decreto-Lei 206/95, de 14 de Agosto, e o artigo 3º, alínea I, do Decreto-Lei 298/92, de 31de Dezembro, que assim violou.</font><br>
<font> Termos em que deve ser dado inteiro provimento ao presente recurso de Revista, e, por via dele, revogar-se o acórdão recorrido, substituindo-o por acórdão que, decida contra aquele “entendimento” e julgue a acção inteiramente procedente a provada, condenando a R. na totalidade do pedido formulado nos autos.</font><br>
<font> Não houve contra-alegações.</font><br>
<font> Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir:</font><br>
<font> </font><b><font>II- Fundamentação:</font></b><br>
<font> 2-1- Uma vez que o âmbito objectivo dos recursos é balizado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes, apreciaremos apenas as questões que ali foram enunciadas (arts. 690º nº1 e 684º nº 3, ex vi do disposto no art. 726º do C.P.Civil).</font><br>
<font> Nesta conformidade e não obstante as muitas conclusões exaradas (na realidade, as apelidadas conclusões no geral não o são, constituindo, antes mera argumentação), será a seguinte a (única) questão a apreciar e decidir:</font><br>
<font> - Num contrato de mútuo, vencidas todas as prestações do contrato em razão de falta de pagamento de uma delas, são devidos, além do capital ainda em dívida, os juros remuneratórios que estavam incluídos nas mesmas prestações, respeitantes ao prazo que ainda não tinha decorrido no momento do vencimento antecipado.</font><br>
<font> 2-2- Das instâncias, vem fixada a seguinte matéria de facto:</font><br>
<font> 1- A A. é uma instituição de crédito, compreendendo-se no seu objecto negocial a celebração de contratos de mútuo.</font><br>
<font> 2- A A., no exercício da sua actividade profissional, e com destino, segundo informação prestada pela Ré, à aquisição de um veículo automóvel, de marca Mitsubishi, modelo Strakar 2.5 TD, com a matrícula 00-00-PA, por contrato constante de título particular datado de 9 de Janeiro de 2004, titulado de contrato de mútuo nº 60000000.</font><br>
<font> 3- No âmbito do referido contrato, a A. entregou à R., para o aludido efeito, a importância global de €17.445,91;</font><br>
<font> 4- Comprometendo-se a R. a reembolsar aquele valor, acrescido de juros convencionados à taxa de 16,01%, em 72 prestações mensais e sucessivas, no montante cada de € 433,18, a primeira das quais com vencimento em 10/02/2004, e as seguintes em idêntico dia dos meses subsequentes, mediante transferência bancária a efectuar, na respectiva data de vencimento, para a conta DO n.º 4000000000000 titulada pela A. junto da Caixa de Crédito Agrícola Mútuo;</font><br>
<font> 5- A A. não efectuou o pagamento da 22.ª prestação, com vencimento em 10/11/2005, ou das que lhe seguiram, com excepção das 23.ª e 30.ª prestações, com vencimento, respectivamente, em 10/12/2005 e 10/07/2006, as quais se encontram liquidadas;</font><br>
<font> 6- De harmonia com o acordado entre as partes no clausulado (condições gerais) aposto ao contrato mencionado em 1), sob a cláusula 8ª o seguinte: “a) O mutuário ficará constituído em mora no caso de não efectuar, aquando do respectivo vencimento, o pagamento de qualquer prestação; b) A falta de pagamento de uma prestação na data do respectivo vencimento implica o imediato vencimento de todas as restantes; c) Em caso de mora, e sem prejuízo do disposto no número anterior, incidirá sobre o montante em débito, e durante o tempo da mora, a título de cláusula penal, uma indemnização correspondente à taxa de juro contratual acrescida de quatro pontos percentuais, bem como outras despesas decorrentes do incumprimento, nomeadamente uma comissão de gestão por cada prestação em mora”; </font><br>
<font> 7- Foi acordado entre as partes, na cláusula 11ª das condições gerais do contrato o seguinte: “Sem prejuízo de outros casos previstos na lei ou neste contrato, o Banco AA poderá considerar o presente contrato rescindido, sendo consideradas então imediatamente vencidas todas as obrigações decorrentes para o mutuário do mesmo, exigindo o cumprimento imediato de todos os valores em dívida sempre que se verifique alguma das seguintes situações: a) falta de pagamento pontual de qualquer prestação de capital, juros ou outros encargos previstos neste contrato; (…)”.--------------------------------------------------------</font><br>
<font> 2-3- A questão que se debate nos autos tem sido controvertida nos nossos tribunais e também neste Supremo Tribunal. Segundo uns arestos, num contrato de mútuo oneroso em que a obrigação do mutuário é liquidável em prestações, o vencimento antecipado de prestações não pagas, abrange o pagamento de todas essas prestações, incluindo os juros remuneratórios nelas incorporados. É esta a tese do banco recorrente (neste sentido Acórdão deste Tribunal de 22-2-2005, relator Cons. Pinto Monteiro </font><i><font>in </font></i><font>dgsi.pt/jstj.nsf) Segundo outros, entendimento que é sufragado maioritariamente neste Supremo Tribunal. Esta posição tende até a ser uniforme, pois ultimamente, não obstante este Supremo Tribunal ter sido a ser chamado várias vezes a decidir a questão, não se conhece qualquer acórdão em contrário., num contrato de mútuo oneroso liquidável em prestações, o vencimento antecipado de prestações não pagas, implica o pagamento de todas essas prestações, mas não abrange a obrigação de pagamento dos juros remuneratórios nelas incorporados (neste sentido entre muitos outros Acórdãos, de 7-3-2006 relator Cons. João Camilo, 12-9-2006 relator Cons. Sebastião Póvoas, de 14-11-2006 relator Cons. Moreira Camilo, de 14-11-2006 relator Cons. Bettencourt Faria, de 6-2-2007 relator Cons. Alves Velho, de 24-5-2007 relator Cons. Silva Salazar, de 10-7-2007 relator Cons. Alves Velho, de 6-3-2008 relator Cons. Oliveira Vasconcelos e de 23-9-2008 relator Cons. Maria dos Prazeres Beleza, todos acessíveis </font><i><font>in </font></i><font>dgsi.pt/jstj.nsf).</font><br>
<font> Estamos perante um contrato de crédito ao consumo, sob a forma de mútuo, através do qual o banco, ora recorrente, no exercício da sua actividade comercial, concedeu à recorrida um empréstimo de 17.445,91 €, com a finalidade de aquisição de uma viatura automóvel.</font><br>
<font> Como se vê do próprio contrato junto aos autos a fls. 10 e segs., trata-se de um contrato de adesão (contem um conjunto de cláusulas gerais – “Condições Gerais”- pré-elaboradas e destinadas a ser propostas a destinatários indeterminados que as deverão subscrever em bloco, sem possibilidade de introduzir nelas alterações e as “Condições Específicas” que poderão já ser objecto de alguma negociação mas em que, dada a patente superioridade da instituição de crédito, esse ajuste terá que ser muito limitado) e de cláusulas contratuais gerais (já que a mutuária se limitou a aceitar as cláusulas previamente elaboradas pela entidade bancária sem prévia negociação individual (art. 1º do Dec-Lei 446/85 de 25/10).</font><br>
<font> Quanto este aspecto jurídico não se levanta qualquer dúvida.</font><br>
<font> Nos termos do nº 4 alínea a) das “Condições Gerais” do contrato, o empréstimo será reembolsado em prestações mensais e sucessivas cujo número valor e datas de vencimento, se encontram estabelecidas nas “Condições Específicas”. Ainda no mesmo número mas na alínea c) menciona-se que no valor das prestações estão incluídos o capital, os juros do empréstimo, o valor dos impostos devidos, bem como os prémios das apólices de seguro.</font><br>
<font> Consta ainda do nº 8 alínea b) das ditas “Condições Gerais” que a falta de pagamento de uma prestação na data do respectivo vencimento, implica o imediato vencimento de todas as restantes.</font><br>
<font> Em paralelo com esta cláusula estabelece o art. 781º do C.Civil que “</font><i><font>se a obrigação puder ser liquidada em duas ou mais prestações, a falta de realização de uma delas importa o vencimento de todas</font></i><font>”.</font><br>
<font> Claro que existindo aquela cláusula, formada através da vontade das partes ainda que com a anuência da demandada a um contrato de adesão, deve aplicar-se primordialmente à situação essa estipulação, face ao princípio da liberdade contratual a que alude o art. 405º do C.Civil.</font><br>
<font> O conteúdo da cláusula, cuja validade não é questionável, leva a que se deva ter como assente que a falta de pagamento da 22.ª prestação, com vencimento em 10/11/2005, implicou o vencimento das restantes (como o A. pretendeu).</font><br>
<font> Até aqui não se coloca qualquer problema. A questão levanta-se em relação à interpretação da dita cláusula no sentido de se saber se esse vencimento das restantes prestações, nelas se devem incluir os juros remuneratórios convencionados, ou se apenas deve abranger a dívida de capital.</font><br>
<font> Como já se disse, a jurisprudência maioritária deste Supremo Tribunal, unânime a mais recente, tem vindo a optar por esta posição.</font><br>
<font> Como referem os Profs. Pires de Lima e Antunes Varela no C.Civil Anotado (4ª edição, pág. 567) “</font><i><font>os juros são frutos civis …constituídos por coisas fungíveis que o credor aufere como rendimento de uma obrigação de capital e que variam em proporção do valor desse capital, do tempo durante o qual de mantém a privação deste e da taxa de remuneração</font></i><font>”. No mesmo sentido e precisando o conceito, refere o Prof. Antunes Varela (</font><i><font>in </font></i><font>Das Obrigações em Geral, 1º Vol. 9ª edição, pág. 898) que os juros são “</font><i><font>a compensação que o obrigado deve pela utilização temporária de certo capital, sendo o seu montante em regra previamente determinado como uma fracção do capital correspondente ao tempo de utilização</font></i><font>”.</font><br>
<font> Poder-se-á, assim, dizer que os juros têm a natureza de rendimento do capital. É este que gera os juros. Nesta conformidade a obrigação de juros será intrinsecamente dependente de uma obrigação de capital. Sem este não pode aquela obrigação constituir-se. A obrigação de juros é definida em função do tempo e da taxa de remuneração. É uma obrigação, pela sua própria natureza, temporária que vai nascendo à medida do decurso do tempo. </font><br>
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TzK4u4YBgYBz1XKv-Dc8
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1.ª Secção (Cível)
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<b><font> </font></b><font><br>
<br>
<br>
<br>
<u><font>Relatório</font></u><font>.</font><div></div><br>
<font>No Tribunal Judicial da Comarca de Sesimbra,</font><br>
<u><font>AA</font></u><br>
<font>intentou a presente acção declarativa de condenação, com processo ordinário, contra</font><br>
<u><font>BB, pedindo</font></u><br>
<font>- que o R. seja condenado a proceder á regularização da situação jurídica dos lotes prometidos vender ao A., </font><u><font>ou</font></u><br>
<font>- não sendo tal possível, pagar ao A. a quantia decorrente das benfeitorias realizadas pelo A. nos referidos lotes, acrescida dos juros à taxa de 10% ao ano, desde a citação até integral pagamento.</font><div></div><font>Resumidamente, alegou em fundamento:</font><br>
<font>- Entre o A. e o R. foi celebrado, em </font><u><font>17/4/79</font></u><font>, um contrato promessa de compra e venda, mediante o qual o R. prometeu vender ao A. 4 dos 15 lotes de terreno que havia, por sua vez, prometido comprar a AL, mediante o preço global de 380.000$00, tendo o </font><u><font>A. entregue ao R</font></u><font>, </font><u><font>logo nessa data,</font></u><font> a </font><u><font>quantia de 300.000$00, a título de sinal</font></u><font> e princípio de pagamento.</font><br>
<font>- </font><u><font>O R. deu, desde logo, ao A., a posse dos referidos lotes,</font></u><font> </font><u><font>para que este dispusesse deles como bem entendesse, nomeadamente, para neles construir, como era sua intenção </font></u><font>e veio a acontecer.</font><br>
<font>- Na verdade, o A. construiu num dos lotes a casa onde habita com sua esposa e destinou os outros à construção da casa das suas filhas, tendo despendido nessas construções uma quantia de cerca de 80.000.000$00 (valor actual), mas cujo exacto montante deverá ser calculado em execução de sentença.</font><br>
<font>- Apesar das várias insistências do A. para que o R regularizasse a situação, designadamente, efectuando a escritura com o titular dos lotes em causa (o referido António. Xavier de Lima), o R. nada fez, protelando a situação que, no entanto, não pode continuar.</font><br>
<font>- Daí que ou o R. regulariza a situação de modo a poder celebrar com o A. a escritura de venda dos aludidos 4 lotes, ou, caso isso não seja possível, deva indemnizar o A.. das benfeitorias que realizou nos ditos lotes, sob pena de manifesto enriquecimento do património do R. à custa do A.</font><div></div><u><font>Contestou o R.</font></u><font> , invocando as excepções da incompetência territorial, da ilegitimidade do R. e do próprio A., bem como a nulidade consistente na ineptidão da petição inicial.</font><div></div><u><font>Deduziu</font></u><font>, </font><u><font>ainda</font></u><font> </font><u><font>Reconvenção</font></u><font> alegando que, caso o contrato seja resolvido, terá o A. que indemnizar o R. pela abusiva utilização que vem fazendo das parcelas de terreno, com isso privando o R. do respectivo uso.</font><br>
<font>Portanto, teria o A. que pagar ao R. uma indemnização, sob a forma de renda mensal, desde a data que ocupou as parcelas de terreno – 17/10/79 – até que efectivamente as desocupe, indemnização cujo montante relega para execução de sentença.</font><div></div><u><font>Deduziu o R., por último, o chamamento</font></u><font> de AL para intervir como auxiliar na sua defesa (intervenção acessória provocada), alegando que, caso venha a ser condenado, terá direito de regresso contra o chamado, que foi quem deu causa a toda esta situação.</font><div></div><u><font>Replicou o A.</font></u><font> concluindo pela improcedência das excepções deduzidas pelo R., bem como pela improcedência do pedido reconvencional.</font><div></div><font>Foi </font><u><font>proferido despacho </font></u><font>que, </font><u><font>julgando o Tribunal de Sesimbra incompetente em razão do território,</font></u><font> </font><u><font>ordenou a remessa dos autos às Varas Cíveis de Lisboa,</font></u><font> onde foi distribuído à 13ª Vara Cível.</font><br>
<u><font>Admitida a intervenção acessória provocada de AL, </font></u><font>veio este </font><u><font>contestar,</font></u><font> a sua própria legitimidade e concluindo pela nulidade da promessa unilateral por si assinada.</font><div></div><u><font>Requereu o R. a intervenção principal provocada </font></u><font>de </font><u><font>MF, </font></u><font>esposa do chamado AL.</font><br>
<u><font>Admitiu-se a intervenção, </font></u><font>mas a chamada não contestou.</font><div></div><font>Entretanto, </font><u><font>tendo falecido o A.</font></u><font>, foram </font><u><font>julgadas habilitadas, </font></u><font>como suas sucessoras, a </font><u><font>esposa</font></u><font> e as </font><u><font>suas duas filhas.</font></u><div></div><font>Proferiu-se </font><u><font>despacho saneador, </font></u><font>no âmbito do qual se decidiu:</font><br>
<font>- julgar </font><u><font>improcedentes</font></u><font> as excepções de ineptidão da petição inicial e as excepções de ilegitimidade activa e passiva, deduzidos pelo R.</font><br>
<font>- julgar </font><u><font>procedentes </font></u><font>as excepções de ilegitimidade dos chamados ALe esposa, que, por isso, foram absolvidos da instância.</font><br>
<font>- </font><u><font>julgar inadmissível o pedido reconvencional.</font></u><div></div><font>No âmbito do mesmo despacho, fixaram-se factos assentes e organizando-se a base instrutória.</font><div></div><font>Inconformado, o </font><u><font>R. intentou recurso</font></u><font> </font><u><font>de agravo</font></u><font> </font><u><font>do despacho saneador</font></u><font>, na parte em que não admitiu o pedido reconvencional e em que julgou improcedente a arguida ineptidão da petição petição inicial e procedente a excepção de ilegitimidade dos chamados.</font><div></div><font>Na fase da instrução, foi proferido despacho indeferindo o requerimento dos AA. em que pediam se procedesse a uma perícia.</font><div></div><font>Inconformados recorreram de tal despacho.</font><div></div><font>Quer o recurso da R. quer o das AA. foram admitidos como de agravo a subir diferidamente.</font><div><br>
</div><br>
<font>Realizado o julgamento e lida a decisão sobre a matéria de facto, </font><u><font>proferiu-se</font></u><font> </font><u><font>sentença final</font></u><font> que, julgando a </font><u><font>acção parcialmente procedente</font></u><font>, decidiu:</font><br>
<font>- absolver o R. do pedido principal e</font><br>
<font>- </font><u><font>condená-lo</font></u><font> a </font><u><font>pagar ao A.,</font></u><font> representado pelas suas sucessoras habilitadas, </font><u><font>quantia a liquidar em execução de sentença,</font></u><font> </font><u><font>referente ao valor actual dos lotes nº 2136,2137,2124 e 2125,</font></u><font> </font><u><font>sitos na Quinta do Conde 2, Sesimbra,</font></u><font> </font><u><font>incluindo as construções nele implantados</font></u><font>, </font><u><font>deduzido o valor de 1.496.39€ - 300.000$00 </font></u><font>– (sinal passado).</font><div></div><u><font>Inconformado</font></u><font>, </font><u><font>recorreu o R. </font></u><font>, recurso que foi admitido como de apelação.</font><div></div><font>Conhecendo da apelação e do agravo do R. que com ela subiu, a </font><u><font>Relação negou provimento ao agravo,</font></u><font> mantendo o despacho agravado, </font><u><font>mas deu parcial provimento à apelação</font></u><font>, decidiu:</font><br>
<font>- declarar nula a sentença apelada;</font><br>
<font>- </font><u><font>julgar procedente a acção</font></u><font>; e consequentemente, </font><u><font>considerar</font></u><font> </font><u><font>resolvido o contrato promessa de compra e venda celebrado entre o A., AA e o R. </font></u><font>devendo os sucessores do A. restituir ao R. os quatro lotes a que se refere o aludido contrato, e </font><u><font>devendo o R. indemnizar as AA. do custo da construção neles implantada, a liquidar posteriormente,</font></u><font> e restituir-lhes o montante do sinal (300.000$00), </font><u><font>um</font></u><font> e </font><u><font>outro valor actualizado em função da depreciação monetária que entretanto tenha ocorrido.</font></u><div><br>
</div><br>
<font>É deste acórdão, que, novamente inconformado, volta a recorrer o R., agora de revista e para este S.T.J.</font><div><br>
</div><br>
<font>Apresentadas tempestivas alegações, formulou o recorrente as seguintes conclusões:</font><br>
<u><font>Conclusões da Revista dos Réus</font></u><br>
<br>
<font>A) O Douto Acórdão recorrido é nulo na parte em que condenou o Réu a entregar o valor do sinal actualizado em função da depreciação que o valor da moeda entretanto tenha sofrido;</font><br>
<font>B) Com efeito, o Autor, em alternativa à regularização, peticionou "a quantia decorrente das benfeitorias realizadas por este nos referidos lotes (...)'}</font><br>
<font>C) O Acórdão sob recurso condenou, pois, o Réu em quantidade superior e em objecto diverso do pedido;</font><br>
<font>D) Ao condenar o Réu no cumprimento dessa obrigação, o Acórdão é nulo por violação dos art.°s 661/1 e 668/1 al. e) do CPC (ex vi do art.° 721.º/2);</font><br>
<font>E) Em segundo lugar, o Venerando Tribunal "a quo" fez uma errada interpretação da lei processual ao confirmar a decisão de julgar inadmissível o pedido reconvencional,</font><br>
<font>deduzido pelo ora Recorrente, a reclamar do Autor o pagamento de uma indemnização, sob a forma de renda mensal, desde este ocupou as parcelas de terreno — 17 de Abril de 1979 — até à efectiva desocupação, com liquidação relegada para a execução da sentença;</font><br>
<font>F) O pedido do Réu não é mais do que uma consequência dos factos que serviram de base à própria acção do Autor;</font><br>
<font>G) Aliás, seguindo a tese do Douto Acórdão recorrido, o Réu seria obrigado a intentar uma outra acção para reclamar um direito com base nos factos discutidos e assentes na presente acção;</font><br>
<font>H) Ao julgar inadmissível o pedido reconvencional, o Acórdão recorrido violou o art.° 274.º n.º 2 alínea a) do CPC;</font><br>
<font>I) Da matéria dada como provada, resulta efectivamente que o Autor utilizou as parcelas de terreno que prometeu comprar, aí fixando a sua residência e retirando delas um benefício análogo à de um proprietário;</font><br>
<font>U) Não existe, pois, fundamento legal para condenar o Réu a pagar indemnização alguma pela construção em causa;</font><br>
<font>V) Mas mesmo que assim não se entendesse, tal compensação teria que ser determinada pelo valor de mercado da edificação à data de hoje, tendo precisamente como limite máximo o custo incorrido na sua construção (actualizado em função da depreciação do valor da moeda), sendo certo que este custo, mesmo em caso de improcedência do pedido reconvencional, deveria ser ainda amortizado pelo valor da utilização que o Autor fez dessa construção;</font><br>
<font>W) Com efeito, estando em causa o art.° 479.° do CC (e não o art.° 442.°), o critério é o enriquecimento, sendo que o valor deste tem que ser aferido à data em que se efectiva (ou seja, tomando em linha de conta a deterioração entretanto sofrida);</font><br>
<font>X) O respectivo custo deveria funcionar sim como um limite suplementar a essa compensação, por força do art.° 479.°/l do CC;</font><br>
<font> Y) Por outro lado, mesmo que se considerasse improcedente o pedido reconvencional formulado pelo Réu, sempre teria que ser considerado o valor dessa utilização na determinação da compensação devida ao Autor, já que só assim poderia ser apurada a medida do seu empobrecimento;</font><br>
<font>Z) Ao condenar o Réu, por um lado, ao pagamento de uma benfeitoria e, por outro lado, ao fazê-la corresponder ao custo da construção actualizado em função da depreciação do valor da moeda, o Douto Acórdão violou ainda os art.°s 479,° e 1273.° do CC.</font><br>
<br>
<font>Nestes termos e nos demais de direito, que V. Ex.ªs doutamente suprirão, deve ser dado provimento ao presente recurso interposto, revogando-se o acórdão recorrido e substituindo-se por outro que absolva o recorrido, com o que farão V, Ex.ªs a costumada</font><br>
<font>JUSTIÇA.</font><div><br>
<u><font>Os Factos</font></u><br>
<br>
</div><br>
<font>1. Com data de 17/04/1979, o Autor AA e o Réu BB subscreveram o acordo constante do instrumento de fls. 7-8 denominado "contrato promessa de compra e venda", cujo teor aqui se tem por integralmente reproduzido, do qual consta, além do mais, o seguinte:</font><br>
<font>"Entre BB (...), como promitente-vendedor, e adiante designado por 1º outorgante e AA (...), como promitente-comprador e adiante designado por 2º outorgante, é celebrado o presente contrato-promessa de compra e venda que se regerá pelas cláusulas seguintes:</font><div><br>
<font>1º</font></div><font>O 1º outorgante celebrou cerca de Abril de 1972 um contrato-promessa de compra e venda com o Sr. AL relativo a 15 lotes de terreno sitos na Quinta do Conde 2, Concelho de Sesimbra, pelo qual ele, 1º outorgante, prometeu comprar os referidos 15 lotes.</font><div><font>2º</font></div><font>Por não ter consigo tal contrato-promessa, não o pode o 1º outorgante exibir neste momento, comprometendo-se, porém, a remeter uma fotocópia do mesmo ao 2o outorgante dentro do prazo de dez dias após o seu regresso a França que se verificará na próxima segunda-feira, dia 23 do corrente mês de Abril.</font><div><font>3º</font></div><font>Pelo presente contrato o 1º outorgante promete vender ao 2º outorgante quatro daqueles quinze lotes, identificados pelos nos. 2136, 2137, 2124 e 2125 e ele 2o outorgante, concomitantemente promete comprar os mesmos lotes.</font><div><font>4º</font></div><font>Esta venda é feita pelo preço global de Esc. 380.000S00 (...), preço este, portanto, referente aos quatro lotes.</font><div><font>5º</font></div><font> Importância por que lhe prometi vender 15 (...) parcelas de terreno não aprovadas, sitas na Quinta do Conde Sesimbra n° 3 lotes pequenos, com as áreas de 315 m2 (...), 315 m2 (...), 315 m2 (...), 325,50 m2 (...), 325,50 m2 (...), 325,50 m2 (...), 325,50 m2 (...), 325,50 m2 (...), 325,50 m2 (...), 325,50 m2 (...), 315 m2 (...), 315 m2 (...), 315 m2 (...) e 315 m2 (...) totalizando 4.798,50 m2 (...) e designados pelos números 2122 (...), 2123 (...), 2124 (...), 2125 (...), 2126 (...), 2127 (...), 2128 (...), 2128 (...), 2129 (...), 2133 (...), 2134 (...), 2135 (...), 2136 (...), 2137 (...), 2138 (...) e 2139 (...) duma planta particular levantada a esta propriedade, esta venda é livre de ónus ou encargos para o comprador, sendo de sua conta, as despesas de sisa que lhe forem devidas, registo, avaliação e escritura. Fica estabelecido que o comprador aceita 12 (...) letras de 22.500$00 (...) cada, a pagar mensalmente, com início em 22 de Junho de 1972, fazendo a escritura quando completa liquidação do seu débito" (alínea C) dos Factos Assentes).</font><br>
<font>4. Com data de 04/01/2001, o Réu remeteu a AL a comunicação constante do instrumento de fls. 42-43, cujo teor aqui se tem por integralmente reproduzido, do qual consta, além do mais, o seguinte:</font><br>
<font>"Por diversas vezes, mais recentemente através de cartas de 07/12/99 e 14/01/2000, tentei sensibilizar V. Exa. para a necessidade de marcar as escrituras públicas de compra e venda referentes aos quinze lotes de terreno que foram objecto de uma "declaração de promessa de venda" assinada por V. Exª, em Maio de 1972.</font><br>
<font>Sendo certo que o preço dos referidos lotes de terreno foi por mim integralmente liquidado, importa que, na ausência de estipulação contratual relativamente à data certa para a celebração da escritura, seja designado dia, hora e local para a sua realização.</font><br>
<font>Nesta medida, solicito que me informe quando pretende realizar a' competente escritura pública de compra e venda, aguardando que a mesma seja marcada no prazo de 30 dias a contar da recepção da presente carta, sob pena de, não o fazendo, instaurar a competente acção judicial" (alínea D) dos Factos Assentes).</font><br>
<font>5.Com data de 02/02/2001, AL remeteu ao Réu a comunicação constante do instrumento de fls. 44, cujo teor aqui se tem por integralmente reproduzido, do qual consta, além do mais, o seguinte:</font><br>
<font> </font><u><font>Fundamentação</font></u><font>.</font><div></div><font>Como está absolutamente assente na jurisprudência deste Tribunal, é pelas conclusões do recurso que se determina e fixa o seu objecto, não podendo o tribunal “ad quem” conhecer de quaisquer outras questões (a menos que sejam do conhecimento oficioso) para além dos limites definidos pelo recorrente.</font><div></div><font>No caso concreto, o Tribunal da Relação, </font><u><font>decidiu</font></u><font> </font><u><font>pela resolução do contrato</font></u><font> – </font><u><font>promessa de compra e venda celebrado entre o primitivo A. e o aqui R.</font></u><br>
<font>Ora, como se vê das conclusões da revista, em parte alguma se põe em causa tal decisão.</font><br>
<font>Portanto, </font><u><font>não há aqui e agora que apreciar se foi bem ou mal decidida tal resolução,</font></u><font> </font><u><font>a qual,</font></u><font> </font><u><font>por transitada em julgado,</font></u><font> </font><u><font>há que acatar.</font></u><div></div><font> Está, pois, definitivamente resolvido o contrato em causa nestes autos.</font><div><br>
</div><br>
<font> Feita esta prévia observação, verifica-se que as questões efectivamente suscitadas pelo R. recorrente são três:</font><br>
<font>1 – Nulidade do acórdão, porquanto condenou a R. a entregar às A.A. o sinal actualizado em função da depreciação que o valor da moeda entretanto tenha sofrido.</font><br>
<font>Ora, o A. apenas pedira, a título subsidiário (e só este pedido foi atendido) “ a quantia decorrente das benfeitorias realizadas por este nos referidos lotes”.</font><div></div><font>Logo, o acórdão condenou o R. em quantidade superior e em objecto diverso do pedido, violando, assim, os Art.ºs 661 nº1 e 668 nº1 do CPC.</font><div></div><font>2 – Por outro lado o acórdão recorrido confirmou a decisão da 1ª instância que não admitiu o pedido reconvencional deduzido pelo R. (decisão que foi objecto de agravo), por via do qual o R. reclamou do A. o pagamento de uma indemnização, a liquidar em execução de sentença, sob a forma de renda mensal, desde a ocupação dos lotes prometidos vender até efectiva desocupação.</font><div></div><font>Tal pedido do R. mais não é do que uma consequência dos factos que serviram de base à própria acção do A.</font><br>
<font>Estão, pois, presentes os requisitos processuais que lhe permitiam deduzir aquele pedido reconvencional.</font><br>
<font>Consequentemente ao negar provimento ao agravo, nesta parte, o acórdão recorrido violou o disposto no Art.º 274º nº2 a) do C.P.C.</font><div></div><font>3 – Finalmente, o acórdão recorrido condenou o R. a indemnizar os A.A. ( sucessores do primitivo A.) pelo custo da construção implantada no lote ou lotes prometidos vender, a liquidar posteriormente, devendo esse valor ser actualizado em função da depreciação que o valor da moeda entretanto tenha sofrido.</font><div></div><font>Porém, não existe fundamento legal para tal condenação pelas razões alinhadas nas alíneas O/ e seguintes das conclusões que aqui se têm por reproduzidas.</font><div></div><font>Cumpre decidir.</font><div></div><font>Por uma questão de ordem lógica, que se prende com a solução encontrada para o litígio (como no final se verá) não vai seguir-se a ordem das questões tal como acima foram enumeradas, mas antes a ordem inversa.</font><div></div><font>Vamos começar, então, pela última das questões suscitadas.</font><div></div><font>Vejamos:</font><div><font>1º</font></div><font>Como se vê da sucinta e pouco clara petição inicial, alega o A. que, entrando na posse dos lotes que o R. lhe prometeu vender, com a autorização deste, neles construiu uma casa de habitação onde reside com a sua esposa, com o que terá despendido cerca de 80.000.000$00 (valor aferido à data da p.i. – 20/12/2000).</font><br>
<font>Tal construção constitui uma benfeitoria implantada nos referidos lotes, pelo que tem direito ao respectivo valor sob pena de enriquecimento do R.</font><br>
<font>Assim, sem mais considerandos relevantes acaba a peticionar:</font><br>
<font>- a condenação do R. a proceder à regularização da situação jurídica dos lotes prometidos vender, na sua titularidade (pedido manifestamente inviável como se refere na sentença final),</font><br>
<font>Ou</font><br>
<font>- a condenação do R. a pagar-lhe a quantia decorrente das benfeitorias realizadas pelo A. nos referidos lotes, quantia essa que seria apurada por perícia judicial…</font><div></div><font>Só este último pedido está aqui em questão, sendo certo que, ao que resulta da alegação, a benfeitoria em causa é a casa de habitação que o primitivo A. construiu no lote ou lotes prometidos vender.</font><div></div><font>Resulta da prova que o R. logo na data da celebração do contrato promessa entregou os lotes em lide ao primitivo A.</font><br>
<font>Verificou-se, portanto, a imediata tradição da coisa prometida vender para o promitente comprador, que também logo pagou 300.000$00 dos 380.000$00 convencionados com o preço do negócio.</font><div></div><font>Daí que o acórdão recorrido, considerando que o A., em função da tradição antecipada, adquiriu, pelo menos, </font><u><font>a posse precária,</font></u><font> sendo-lhe por isso, aplicável o regime previsto no Art.º 1273, por força do disposto no art.º 289º nº3, ambos do C.C., lhe reconheceu o direito a haver do R. o custo das benfeitorias que realizou nos lotes em questão.</font><div></div><font>Quer dizer, uma vez que se </font><u><font>decidiu pela resolução do contrato-promessa,</font></u><font> equiparando-se os efeitos da resolução aos efeitos de nulidade ou anulabilidade (Art.º 433 do C.C.), tendo o A. de restituir os lotes prometidos vender, teria direito, sem mais, a ser indemnizado das benfeitorias necessárias que haja feito na coisa detida, bem como direito a levantar as benfeitorias úteis realizadas na coisa, desde que o possa fazer sem detrimento dela, ou, não sendo possível tal levantamento (por causar detrimento à coisa), o direito a haver do titular do direito ao valor delas calculado segundo as regras do enriquecimento sem causa.</font><div></div><font>É certo que perante o quadro factual disponível não pode ver-se o A. como um verdadeiro possuidor ( posse em nome próprio), apesar da traditio dos lotes.</font><br>
<font>Na verdade, o contrato-promessa não tem eficácia translativa da propriedade, visto tratar-se de um contrato de natureza meramente obrigacional (por regra) cujo objecto não é o contrato prometido mas a obrigação de o celebrar (obrigação de facere).</font><br>
<font>Não é, pois, título de posse, que é, como se sabe, um direito real.</font><div></div><font>É verdade que a tradição da coisa em função e na sequência de um contrato-promessa </font><u><font>pode</font></u><font> conferir a posse real e efectiva – posse em nome próprio – e não a mera detenção (como normalmente ocorrerá).</font><br>
<font>Assim será, por exemplo, quando foi pago a totalidade do preço convencionado e, por qualquer motivo atendível, a coisa é entregue ao promitente comprador, como se fosse já sua, e para ele, nesse estado de espírito, agir sobre ela como se fosse sua propriedade, ou quando as circunstâncias que motivaram a tradição sejam incompatíveis com acto de mera tolerância.</font><div></div><font>Porém , nada disso se passa no caso concreto.</font><br>
<font>Aqui o A. sempre teve plena consciência que os lotes prometidos vender, não só não lhe pertenciam, como nem sequer eram propriedade do promitente vendedor, mas sim de terceiro, do qual ficou dependente a regularização de toda a complicada (e ilegal) situação criada pelo contrato promessa em lide (como tudo se vê do próprio texto do contrato).</font><br>
<font>Não podia, pois o A. ter recebido do R. a posse real e efectiva, já que não consta dos autos que o R. “transmitente” a tivesse ele próprio…</font><br>
<font>Acresce que o A. não podia deixar de saber que os lotes que lhe foram prometidos vender não tinham, sequer, existência jurídica, por se tratar de um loteamento particular e por isso ilegal, a gerar nulidade do negócio.</font><div></div><font>Portanto, é fora de qualquer dúvida que, não obstante a tradição dos lotes o A. nunca passou de mero </font><u><font>detentor precário,</font></u><font> como, aliás, foi considerado pelo acórdão recorrido.</font><div></div><font>Pareceria assim, à 1ª vista, que não se lhe poderá aplicar o regime previsto para as benfeitorias, no Art.º 1273 do C.C. já que tal regime apenas se refere à posse propriamente dita e não à mera detenção ou posse precária (ressalvados os casos em que a lei manda aplicá-lo a algumas destas últimas situações, como acontece com o credor pignoratício, com o locatário, com o comodatário ou o usufrutuário).</font><div></div><font>Mas não é assim.</font><br>
<font>Na verdade, </font><u><font>a qualidade de mero possuidor precário</font></u><font>, </font><u><font>não impede, só por si, a aplicação do regime do Art.º 1273 do C.C.</font></u><font>, já que, em caso de nulidade, anulabilidade ou resolução do contrato, o nº3 do Art.º 289 do C.C., manda aplicar o disposto nos Art.ºs 1269 e seg. (portanto também o Art.º 1273) directamente ou </font><u><font>por analogia.</font></u><div></div><font>Quer isto dizer que o preceito tem aplicação mesmo nas situações em que não se verifica </font><u><font>posse</font></u><font>, ou seja, mesmo que o direito transmitido ou constituído invalidamente tenha outra natureza que não a real, caso, em que o regime das benfeitorias previsto em relação ao possuidor, tem aplicação analógica (cof. A. Varela e P. Lima – C.C. anotado).</font><div><br>
</div><br>
<font>Haverá, então, que averiguar se o A., mesmo na qualidade de mero detentor está em condições de beneficiar de tal regime em relação às benfeitorias que implantou nos lotes que tem de restituir em virtude da decretada resolução do contrato-promessa.</font><div></div><font>E aqui, a resposta terá de ser negativa por falta de alegação e prova de factualidade suficiente para o efeito pretendido.</font><div></div><font>Como se sabe, as benfeitorias classificam-se em </font><u><font>NECESSÁRIAS</font></u><font> (as que têm por fim evitar a perda, destruição ou deterioração da coisa) </font><u><font>ÚTEIS</font></u><font> (as que, não sendo indispensáveis para a conservação, lhes aumentam, todavia, o valor) e </font><u><font>VOLUPTUÁRIAS</font></u><font> (as que, não sendo indispensáveis para a sua conservação nem lhes aumentando o valor, servem apenas para recreio do benfeitorizante).</font><br>
<font>No caso, o A. não só não classificou a benfeitoria que efectuou nos prédios prometidos vender, como nem sequer alegou factualidade que permita classificá-las.</font><div></div><font>Certo que se afigura notório que a construção de uma casa de habitação em determinado lote de terreno, não é uma benfeitoria necessária, visto que nada tem a ver com a perda, destruição ou deterioração do solo em que foi implantada.</font><br>
<font>Por isso, em condições normais, tratar-se-ia de uma benfeitoria útil, na medida em que tal incorporação aumentaria o valor do prédio.</font><br>
<font>Só que, tal aumento de valor, teria o A. de alegá-lo e demonstrá-lo, o que não fez.</font><br>
<font>É que, no caso concreto, tal aumento de valor não pode ser tido como um facto notório.</font><br>
<font>Basta pensar que </font><u><font>estamos perante um loteamento ilegal, </font></u><font>porque não aprovado pela autoridade administrativa competente, logo, perante um loteamento inexistente juridicamente.</font><br>
<font>Ora, sabendo-se que a Câmara Municipal de Sesimbra tem procurado implementar a legalização desse loteamento clandestino (cof. resposta ao quesito 6º), ignora-se, no caso concreto dos lotes em causa, se tal foi conseguido (cfr. resposta negativa ao quesito 7º).</font><br>
<font>Assim sendo, não está provado que a casa construída ilegalmente pelo primitivo A. possa ser legalizada, nada nos dizendo que não tenha, pura e simplesmente, de ser demolida por clandestina ou por não respeitar as regras de construção que vierem a ser aprovadas para o dito loteamento, ou simplesmente por não ser admissível construir naquele local ...</font><br>
<font>Decorre daqui, naturalmente, que não está minimamente provado que a casa em questão tenha aumentado o valor da parcela de terreno onde foi construída, já que, a ter de ser demolida, não só não lhe aumentou o valor, como o diminui, atentos os gastos inerentes à sua destruição.</font><div></div><font>Ora, era ao A. que competia provar o aumento do valor da parcela em causa em função da construção da habitação que ali implantou, para poder beneficiar do direito à pretendida indemnização.</font><div></div><font>E, é claro que este argumento inutiliza igualmente a pretensão do A., mesmo que ela assentasse pura e simplesmente nas regras do instituto do enriquecimento sem causa (Art.º 473 e seg. do C.C.), em vez de assentar no direito à indemnização por benfeitorias. A ser assim, faltaria sempre a prova do enriquecimento, também a cargo do A.</font><div></div><font>Por outro lado, voltando às benfeitorias, não deve ainda esquecer-se que o detrimento a que se refere o Art.º 1273 n.º 1 do C.C. diz respeito à coisa benfeitorizada e não às benfeitorias em si mesmas consideradas.</font><br>
<font>Como ensinam A. Varela e P. Lima (C.C. anotado) “o detrimento refere-se às coisas e não às benfeitorias. Quanto a estas a possibilidade de detrimento não tem relevância jurídica”.</font><div></div><font>Portanto, no caso concreto, é indiferente que os AA. não possam levantar as benfeitorias (como naturalmente não podem, sem as destruir no essencial) sem detrimento delas.</font><br>
<font>O que era necessário saber era se esse levantamento, no caso concreto, causaria prejuízo à parcela em que a casa foi construída, o que o A. nem sequer alegou e por isso mesmo não está provado, sendo certo que, como facto constitutivo do direito a que se arroga, era a ele que competia o ónus da prova.</font><br>
<font>Diga-se de passagem que, em condições de normalidade, a demolição de uma casa não causa detrimento à parcela (ao solo) em que foi construída, como se nos afigura evidente.</font><br>
<font>Poderão, porém, ocorrer circunstâncias excepcionais que determinem detrimento para o solo, o que, porém, se ignora absolutamente por falta de alegação e prova.</font><div></div><font>Assim, não provando o A. detrimento do lote ou lotes e sendo irrelevante o detrimento da benfeitoria em si mesmo, é óbvio que, também por esta via não teria o A. direito à peticionada indemnização.</font><br>
<font>Tem, pois, razão o R. quando alega que a atribuição da indemnização correspondente ao custo da benfeitoria não tem fundamento legal.</font><div><br>
<br>
<font>2ª</font><br>
</div><br>
<font>Vejamos agora o que dizer quanto ao pedido reconvencional.</font><div></div><font>Vê-se da contestação que o R. formulou, em sede de reconvenção, pedido de condenação do A., sob a forma de renda mensal, desde que ocupou as parcelas prometidas vender até que efectivamente as desocupe. O valor da indemnização estaria dependente do valor dos bens em causa, a determinar em execução de sentença.</font><div></div><font>Embora não esteja expressamente explicitado no pedido reconvencional propriamente dito, é muito claro que tal pedido só encontrou a sua razão de ser no caso de resolução do contrato-promessa e na consequente condenação do R. a pagar às AA. o custo da construção edificada na ou nas parcelas prometidas vender.</font><br>
<font>Por outras palavras, </font><u><font>o pedido reconvencional foi formulado para o caso de proceder o pedido subsidiário formulado pela A.</font></u><br>
<font>Só assim se compreende o que se diz no artigo 13 da contestação-reconvenção “o que o A. não pode querer é «Sol na eira e chuva no nabal», ou seja, resolver o contrato, recebendo o valor que terá despendido nas edificações, ficando o R. adstrito a, para além do pagamento de uma indemnização, recepcionar aquilo que, pelos vistos, o A. já não pretende”.</font><div></div><font>De modo mais claro ainda se expressa o R. nas alegações do agravo do despacho que não admitiu o pedido reconvencional.</font><br>
<font>Aí se pode ler, além do mais “... quer o A. que lhe sejam pagas as edificações, como se as mesmas pertencessem ao Réu. A assim ser, e caso o réu se veja compelido a pagar as construções que o A. por sua iniciativa e por sua conta e risco decidiu mandar edificar, entã
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TzK7u4YBgYBz1XKvuzke
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1.ª Secção (Cível)
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<b><font> </font></b><font><br>
<br>
<font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font><br>
<font> </font><br>
<br>
<font> </font><br>
<font>I – No Tribunal Judicial da Comarca de Vila Nova de Famalicão, AA e mulher BB, na qualidade de representantes legais de seu filho menor CC, em acção com processo ordinário, intentada contra DD e mulher EE, pediram que, com a procedência da acção, sejam os Réus condenados a pagar aos Autores a quantia de € 15.936,22, a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos pelo referido menor na sequência de ferimentos para este decorrentes de uma queda de bicicleta no dia 19 de Outubro de 2002, cerca das 15 horas, na Avenida ..., em Ruivães, no concelho de Vila Nova de Famalicão, provocada por um ataque de dois cães, pertencentes aos Réus e saídos do portão de entrada da propriedade destes.</font><br>
<br>
<font> Houve contestação e réplica.</font><br>
<br>
<font> A final, foi proferida sentença, segundo a qual, julgando-se parcialmente procedente a demanda, se decidiu:</font><br>
<font>A) Condenar os Réus no pagamento ao Autor de indemnização no valor global de </font><b><font>3.366,22€</font></b><font> (sendo 866,22 por danos patrimoniais e 2500,00€ por danos morais);</font><br>
<font>B) Absolver os Réus do restante pedido.</font><br>
<br>
<font>Mais se decidiu condenar o Réu DD, como litigante de má fé, na multa de 1000 euros.</font><br>
<br>
<font>Após recurso dos Réus, foi, no Tribunal da Relação do Porto, proferido acórdão, nos termos do qual se decidiu julgar procedente a apelação interposta, revogar a decisão recorrida, absolvendo-se os Réus do pedido e dando sem efeito a condenação do Réu DD como litigante de má fé.</font><br>
<br>
<font>Vieram agora os Autores interpor o presente recurso de revista, o qual foi admitido.</font><br>
<br>
<font>Os recorrentes apresentaram alegações e respectivas conclusões, pedindo que, com o provimento do recurso, se revogue o acórdão do Tribunal da Relação e se mantenha a decisão proferida em 1ª instância.</font><br>
<br>
<font>Contra-alegaram os recorridos, defendendo a manutenção do acórdão impugnado.</font><br>
<br>
<font>Foi proferido, pelo relator, o despacho de fls. 294 a 296, segundo o qual se decidiu não tomar conhecimento do recurso interposto pelos Autores, por legalmente inadmissível.</font><br>
<br>
<font>Notificadas as partes, vieram os Autores/recorrentes apresentar o requerimento de fls. 301 a 303, pretendendo reclamar da decisão proferida para o Senhor Presidente deste Supremo Tribunal de Justiça, invocando os artigos 688º e 724º do Código de Processo Civil/CPC (não se compreende a alusão a este último artigo).</font><br>
<br>
<font>Como ao caso nunca poderia aplicar-se o regime da reclamação prevista no citado artigo 688º, como uma leitura mais cuidada deste preceito logo o demonstraria (sê-lo-ia, se se tratasse de despacho do Senhor Desembargador-Relator a não admitir o recurso de revista interposto na Relação), o aqui relator proferiu o despacho de fls. 305, a considerar que o errado requerimento apresentado deveria ser entendido como uma reclamação para a conferência, nos termos do artigo 700º, nº 3, do CPC, a fim de sobre o mesmo recair um acórdão (cfr. seu nº 4).</font><br>
<br>
<font>Responderam os Réus/recorridos, demonstrando inteira concordância com o despacho reclamado. </font><br>
<br>
<font>Cumpre decidir.</font><br>
<br>
<font>II – 1. Os reclamantes começam por referir ter havido inobservância do disposto no artigo 704º, nº 1, do CPC e, em consequência, ter sido coarctado aos Autores o direito a exercer o contraditório (mais uma vez aludem erradamente ao artigo 724º; neste caso, seria o artigo 726º).</font><br>
<br>
<font>Ora, o relator entendeu não proceder à prévia audição das partes precisamente por ser demasiado evidente que os Autores não tinham legitimidade para recorrer do acórdão proferido na Relação (daí que o Senhor Desembargador-Relator devesse ter logo rejeitado o recurso).</font><br>
<br>
<font>Na verdade, pode ler-se no despacho ora reclamado:</font><br>
<br>
<font>“Não se vislumbra necessidade de dar cumprimento ao disposto no nº 1 do artigo 704º do CPC, aqui aplicável por força do artigo 726º do mesmo diploma”.</font><br>
<br>
<font>Os recorrentes nunca seriam prejudicados, pois teriam sempre a possibilidade de apresentar uma reclamação para a conferência, como o fizeram (atenta a “convolação” aqui levada a cabo pelo relator).</font><br>
<br>
<font>2. Lendo o requerimento apresentado pelos recorrentes, constatamos que os estes, para além de toda a sua completamente despropositada argumentação, não compreenderam o constante do despacho reclamado, designadamente as razões que subjazem à decisão de inadmissibilidade do recurso, não atentando sequer ao regime de recursos previsto no CPC.</font><br>
<br>
<font>Por outro lado, referem – erradamente – que a redacção do artigo 24º da LOFT, referente às alçadas dos tribunais, foi introduzida pelo Decreto-Lei nº 105/2003, de 10.12.2003, e que ocorreu em 14 de Setembro de 2004.</font><br>
<br>
<font>Lendo este último diploma – que, efectivamente, alterou a LOFTJ, mas não o artigo 24º –, nem sequer vislumbramos que algumas das novas disposições hajam entrado em vigor na referida data de 14.09.2004.</font><br>
<font> </font><br>
<font>Os valores das alçadas, em matéria cível, foram fixados em € 14.963,94 e € 3.740,98, respectivamente, para os tribunais da Relação e para os tribunais de 1ª instância, precisamente com a Lei nº 3/99, de 13 de Janeiro (LOFTJ), a qual revogou a anterior Lei nº 38/87, de 23 de Dezembro, sendo que o artigo 24º entrou em vigor no dia imediato ao da publicação do diploma (cfr. artigo 151º, nº 4).</font><br>
<br>
<font>Daqui decorre que, sendo o valor da acção € 15.936,22, esta, intentada em Janeiro de 2004, seguiu a forma de processo ordinário.</font><br>
<br>
<font>Logo, teria, em princípio, recurso até ao STJ.</font><br>
<br>
<font>Só que os reclamantes, não tendo procedido a uma leitura cuidada do nº 1 do artigo 678º, não se aperceberam que, para além do requisito do valor da acção, a nossa lei prevê concomitantemente o requisito da sucumbência – </font><b><u><font>introduzido já no longínquo ano de 1985, através do Decreto-Lei nº 242/85, de 9 de Julho, em vigor a partir de 1 de Outubro do mesmo ano</font></u></b><font>.</font><br>
<br>
<font>3. Posto isto, vejamos o que consta do despacho reclamado:</font><br>
<br>
<font>Segundo o nº 1 do artigo 678º do CPC, “Só é admissível recurso ordinário nas causas de valor superior à alçada do tribunal de que se recorre desde que as decisões impugnadas sejam desfavoráveis para o recorrente em valor também superior a metade da alçada desse tribunal; em caso, porém, de fundada dúvida acerca do valor da sucumbência, atender-se-á somente ao valor da causa”.</font><br>
<br>
<font>À presente acção foi dado o valor de € 15.936,22, correspondente ao valor do pedido.</font><br>
<br>
<font>Sendo a alçada da Relação de € 14.963,94 – cfr. artigo 24º, nº 1, da LOFTJ (Lei nº 3/99, de 13 de Janeiro) –, seria, em princípio, admissível o recurso que foi interposto pelos Autores do acórdão da Relação.</font><br>
<br>
<font>Só que a sucumbência dos Autores é de apenas € 3.366,22, valor que corresponde ao montante arbitrado na 1ª instância a título de indemnização a favor dos Autores, decisão esta que foi revogada pela Relação, na procedência da apelação dos Réus.</font><br>
<br>
<font>Não tendo os Autores, de forma independente ou subordinada (cfr. artigo 682º do CPC), recorrido da sentença proferida na 1ª instância, conformaram-se com a fixação do montante da indemnização em € 3.366,22.</font><br>
<br>
<font>Logo, a sua perda com a decisão da Relação é apenas do referido valor de € 3.366,22, ou seja, a decisão que pretendem impugnar é-lhes desfavorável nesse montante, o qual não é superior a metade da alçada do tribunal que proferiu tal decisão, que foi o Tribunal da Relação (antes, é muito inferior a essa metade).</font><br>
<br>
<font>Por outras palavras, a sucumbência dos Autores é muito inferior a metade da alçada da Relação.</font><br>
<br>
<font>Assim sendo, não podia o seu recurso ser admitido, pelo que não poderá conhecer-se do mesmo.</font><br>
<br>
<font>III – Nos termos expostos, acorda-se em indeferir a reclamação apresentada pelos Autores, confirmando-se, em consequência, o despacho reclamado, que decidiu não tomar conhecimento do recurso interposto, por legalmente inadmissível.</font><br>
<br>
<font>Custas pelos reclamantes, sem prejuízo do apoio judiciário que lhes foi concedido. </font><br>
<br>
<div><font>Lisboa, 04 de Abril de 2008</font><br>
<br>
<font>Moreira Camilo (Relator)</font><br>
<font>Urbano Dias</font><br>
<font> Paulo Sá</font></div></font>
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XTK-u4YBgYBz1XKvxzuQ
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1.ª Secção (Cível)
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<b><font> </font></b><font><br>
<br>
<b><font> </font></b><b><font> Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: </font></b><br>
<br>
<font> </font><b><font>I</font></b><font> – </font><br>
<font> </font><b><font>Relatório</font></b><br>
<br>
<font> AA, por si e em representação da sua filha menor BB, intentou, no Tribunal Judicial de Monção, acção ordinária contra CC – Companhia de Seguros S. A., pretendendo obter o pagamento de 592.777,38 € correspondente a danos patrimoniais e não patrimoniais por ambas sofridos em consequência das mortes de DD, marido e filho da 1ª e pai e irmão da 2ª, respectivamente, ocorridas em consequência de um acidente de viação que ocorreu por culpa única e exclusiva do condutor do veículo seguro na R..</font><br>
<font> Esta contestou, pugnando pela improcedência da acção, defendendo, por um lado, que o dito acidente se deveu a culpa exclusiva do condutor do veículo onde seguiam as AA. (o falecido DD) e, por outro, pondo em crise os valores adiantados.</font><br>
<font> Mediante requerimento das AA. foi admitido a intervir o FGA que, apesar de ter arguido a sua ilegitimidade, acabou por ser julgado parte legítima no saneador, mas nenhuma outra referência foi feita a seu respeito ao longo de todo o processo, </font><i><font>maxime</font></i><font> na sentença.</font><br>
<font> Após saneador, selecção dos factos e instrução, foi decidido julgar parcialmente procedente a acção e, em consequência, foi a R. condenada a pagar à A.AA o total de 297.558,00 € e juros, e à A. BB 85.000,00 € e juros.</font><br>
<font> Interposto recurso de apelação pela R., o Tribunal da Relação de Guimarães manteve no essencial o julgado, apenas o revogando na parte em que não foi considerado o desconto do montante pecuniário já pago em sede cautelar de reparação provisória.</font><br>
<font> Continuou a R. irressignada e pediu revista do aresto proferido a coberto da seguinte síntese conclusiva:</font><br>
<font>- O STJ, e salvo situações de excepção legalmente previstas, só conhece matéria de direito, consistindo, assim, o presente recurso na impugnação da decisão de direito proferida pelo Tribunal recorrido.</font><br>
<font>- Discorda a recorrente das indemnizações fixadas pelo tribunal</font><i><font> a quo </font></i><font>representativas do montante da contribuição económica do falecido DD para a economia doméstica e para o sustento e educação da filha.</font><br>
<b><font>- </font></b><font>Não resultou provado, até porque não foi alegado, que a ora recorrida AA (cônjuge da vitima mortal) tivesse necessidade de ajuda alimentar para fazer face às exigências da sua vivência, antes, pelo contrário, ficou provado que à data do acidente era 3ª escriturária e auferia um vencimento mensal liquido de € 426,34.</font><br>
<font>- Cabendo sempre a esta A. o respectivo ónus da prova – art. 342º, nº 1 do C. Civil.</font><br>
<font>- No caso vertente o quantitativo dos danos futuros eventualmente sofridos pelo recorrida AA (cônjuge) não é susceptível de apuramento, ainda que tivesse por base critérios de equidade, dado que faltam factores determinantes para o seu cálculo como saber da necessidade daquela que houver de recebê-los.</font><br>
<font>- E sem o elemento referido em falta não nos é possível operar qualquer cálculo falecendo necessariamente de êxito qualquer tentativa de fixar um valor representativo da justiça no caso concreto, atendendo a critérios de equidade.</font><br>
<b><u><font>SEM PRESCINDIR</font></u></b><br>
<font>- Não é possível também prognosticar com suficiente probabilidade que, se a vítima fosse viva, futuramente a recorrida AA teria direito de lhe exigir alimentos.</font><br>
<font>- O direito a alimentos não tem como finalidade assegurar ao requerente o mesmo padrão de vida que usufruía na vigência do casamento, havendo sempre, e em primeira linha, que averiguar se o mesmo tem real necessidade de ajuda alimentar para fazer face às exigências de uma vivência normal e digna</font><b><font>. </font></b><br>
<font>- Acresce que não há um direito adquirido a um nível de vida superior, a efectivar pela via alimentar, como escreve o Professor Inocêncio Galvão Teles no seu parecer publicado na CJ, ano XIII, tomo 2, pag. 20.</font><br>
<b><u><font>SEMPRE SEM PRESCIDIR</font></u></b><br>
<font>- Resultou provado que o falecido DD retirava um rendimento médio mensal de cerca de € 2.000,00 – Quesito 7º; era uma pessoa saudável, trabalhadora, poupada, amiga de todos e muito dedicado à família – Quesito 8º – e que despendia metade dos seus rendimentos mensais para custear o sustento e demais despesas da sua família – Quesito 12º.</font><br>
<font>- A vítima mortal contribuía para o pagamento das despesas com o seu sustento, que não era seguramente uma prestação alimentar.</font><br>
<font>- Ora se a infeliz vítima</font><i><font> </font></i><font>retirava um rendimento médio mensal de cerca de € 2.000,00 e despendia metade do seu rendimento no sustento da casa e da família, permite-nos desde logo concluir quatro coisas:</font><br>
<font>- Que a vítima contribuía com cerca de € 1.000,000 para a economia comum do casal;</font><br>
<font>– Que 1/4 desses € 1.000,00, portanto € 250,00, era gasto pela própria vítima (já que a economia doméstica era composta por quatro elementos, pai mãe e dois filhos);</font><br>
<font>- Que 1/4 (€ 250,00) era gasto com a recorridaAA, € 250,00.</font><br>
<font>- Sobrando portanto € 1.000,00, que supostamente seriam para gastos com os filhos do casal, a ora recorrida BB e o infeliz NH (que morreu também no acidente). Sendo € 250,00 a quantia gasta com cada um.</font><br>
<font>- Qualquer valor arbitrado à viúva, a recorrida AA, em sede de danos futuros, terá que ser encontrado com base na equidade.</font><br>
<font>- Atendendo a que a recorrida AA é muito jovem, tinha 30 anos de idade à data do acidente, é notório que mais tarde ou mais cedo voltará a casar.</font><br>
<font>- Assim, e apelando à equidade, terá que se estimar um período razoável para que esta recorrida volte a casar. Se um ano é manifestamente pouco tempo, 8 a 10 anos já parece mais que verosímil.</font><br>
<font>- Vale isto por dizer que, com base na equidade (prudente arbítrio do julgador), nunca se poderá considerar que a recorrida AA ficou privada de mais do que € 250,00 por mês, durante o máximo 8 a 10 dez anos, o que equivale uma indemnização nunca superior a € 24.000,00/€ 30.000,00.</font><br>
<b><font>NUNCA CONCEDENDO, MESMO QUE SE CONSIDERASSE QUE A RECORRIDA AA FICOU PRIVADA DE € 250,00 ATÉ</font></b><font> </font><b><font>PREFAZER OS 65/70 ANOS, A INDEMNIZAÇÃO NUNCA PODERIA SER SUPERIOR A € 55.860,37/€ 59.237,23. </font></b><br>
<br>
<font>- Em relação à recorrida BB, filha da infeliz vítima, mantendo-se o direito da mesma exigir alimentos do seu pai desde a data em que tinha aquando da morte do mesmo, 3 anos de idade, e o período normal de formação e entrada no mercado de trabalho dos jovens, admitindo que a menor conseguisse uma formação universitária, em média atingida aos 25 anos, podemos concluir que a mesma teria direito a alimentos durante 22 anos.</font><br>
<font>- Portanto, se o pai da mesma contribuía com € 250,00 por mês para o seu sustento, a mesma poderia contar com (€ 250,00 x 12) x 22 anos. Isto é, quando muito, € 66.000,00.</font><br>
<font>- O acórdão violou, nomeadamente o disposto nos arts. 342º, nº1, 483º, 495º, nº 3, 562º, 563º e 564º, nºs 1 e 2 do C. Civil.</font><br>
<font>As recorridas responderam em defesa da manutenção do julgado.</font><br>
<font>O único ponto que foi posto à nossa consideração e que, por isso mesmo, tem de ser decidido diz respeito às indemnizações que foram atribuídas às AA. a título de danos futuros, sob a capa de direitos a alimentos.</font><br>
<font> </font><b><font>II </font></b><font>– </font><br>
<font> </font><b><font>Atento o único ponto aqui em debate, apenas debruçamos a nossa atenção para a seguinte factualidade fixada pelas instâncias:</font></b><br>
<font>- DD faleceu às 13.50 horas do dia 2 de Novembro de 2002, com 32 anos, no estado de casado com a A..</font><br>
<font>- BB é filha do falecido DD e da A.AA e nasceu a 08 de Janeiro de 1999. </font><br>
<font>- A responsabilidade civil por danos causados pela circulação do veículo 00-00-QD foi assumida pela R., através de contrato de seguro, válido e eficaz, titulado pela apólice nº AU 48003378.</font><br>
<font>- A A. AA nasceu no dia 2 de Agosto de 1972.</font><br>
<font>- O DD esteve emigrado em França e no mês de Agosto de 2001 auferiu um vencimento base mensal de € 1.630,85. </font><br>
<font>- Era sócio da Agência Funerária ..., Lda., explorava, juntamente com um seu irmão, um negócio de importação e venda de sepulturas e artigos religiosos, sob a denominação de ..., Lda., e colaborava com a sua mãe na exploração de um estabelecimento de venda de mobiliário. </font><br>
<font>- Actividades das quais retirava um rendimento médio mensal de cerca de € 2.000,00. </font><br>
<font>- Era pessoa saudável, poupada, amiga de todos e muito dedicado à família.</font><br>
<font>- DD despendia, pelo menos, metade do seu rendimento mensal no sustento da casa e da família. </font><br>
<font>- À data do acidente, a A. era 3ª escriturária e auferia um vencimento mensal líquido de € 426,34. </font><br>
<br>
<font> </font><b><font>III</font></b><font> – </font><br>
<font> </font><b><i><font>Quid iuris?</font></i></b><br>
<font> Por virtude da perda do poder de ganho motivada pela morte do marido e pai, DD, as AA. pediram, no seu conjunto, que a R. fosse condenada a pagar-lhes 277.000,00 € (170.000 para a mãe e 107.000 € para a filha).</font><br>
<font> Com efeito, sob o título de “danos patrimoniais das autoras pela morte dos seus familiares”, alegaram elas que do total de rendimento mensal percebido pelo falecido DD, fazia este entrega ao lar de metade do mesmo, pelo que “perderam, assim, a expectativa legítima de haverem esse dinheiro”.</font><br>
<font> Perante estes pedidos, o Mº juiz da 1ª instância não teve dúvidas em convocar o preceituado no art. 495º, nº 3, do CC para consagrar os mesmos, atribuindo à viúva, a tal título, 190.000 € e à filha 70.000 €.</font><br>
<font> Manifestou, desde logo, na apelação, a R. a sua total discordância com tal decisão, mas em vão na justa medida em que o julgado, nesta matéria, foi pura e simplesmente confirmado.</font><br>
<font> Ora bem.</font><br>
<font> Em relação à indemnização atribuída à A.AA começa a recorrente por se insurgir contra o facto de não lhe serem devidos alimentos nenhuns, acabando por dizer que, a ser-lhe a mesma atribuída, nunca poderá exceder os 59.237,23 €.</font><br>
<font> Já em relação à filha BB, a recorrente acaba por aceitar que lhe são devidos alimentos, devendo ser fixados em quantia não superior a 66.000 €.</font><br>
<font> Que dizer disto tudo?</font><br>
<font>No que aqui releva, a obrigação de alimentos pressupõe uma decisão judicial que determine o seu cumprimento. </font><br>
<font> Esta ideia singela permite-nos dizer que, pelo menos, em relação à recorridaAA a obrigação não existe. Ela, aliás, nada peticionou a título de alimentos.</font><br>
<font> É certo que o nº 1 do art. 1674º do CC prescreve que “o direito de assistência compreende a obrigação de prestar alimentos e a de contribuir para os encargos da vida familiar”.</font><br>
<font> O falecido DD, pelos vistos, nunca incumpriu tais deveres de assistência e, por isso, não estava vinculado à obrigação de prestar alimentos à sua mulher. </font><br>
<font> Como observa Antunes Varela, “a obrigação de alimentos entre os cônjuges, vivendo em conjunto, é absorvida (com reciprocidade e globalidade da sua imposição no seio da comunhão da vida familiar) nos encargos da vida familiar e só adquire autonomia, em regra, no caso no caso dos cônjuges separados, seja apenas de direito, seja apenas de facto” (</font><i><font>in</font></i><font> Direito de Família – 1998 – pág. 284).</font><br>
<font> Igualmente Francisco Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira ensinam que “esta obrigação” (de alimentos) “só tem autonomia em face da segunda (contribuição para os encargos da vida familiar) “quando os cônjuges estejam separados, de direito ou mesmo de facto” (</font><i><font>in</font></i><font> Curso de Direito de Família, Volume I, pág. 359).</font><br>
<font> Definitivamente, não podemos falar aqui de obrigação devida pelo falecido à sua viúva, mas sim, propriamente, em dever que tinha (e, pelos vistos, cumpria) de assistência.</font><br>
<font> É perante esta realidade que temos de decidir se à A.AA assiste o direito a perceber algo em face do que, eventualmente, deixou de perceber por mor da morte de seu marido (indemnização por danos futuros).</font><br>
<font> Não que não se deva dizer, previamente, com todo o devido respeito por opinião adversa, que o nº 3 do supra citado art. 495º do CC nada tenha a ver com tudo isto.</font><br>
<font> A questão da indemnização pedida pela A.AA resultante da perda de ganho motivada pela morte de seu marido há-de ser encontrada no âmbito do art. 566º, nº s 2 e 3 do CC.</font><br>
<font> O mesmo é dizer que o montante devido há-de ser encontrado com o respeito pela chamada teoria da diferença (nº 2), sendo que, na impossibilidade de determinar uma medida mais ou menos aproximada, se impõe o recurso a critérios de equidade (nº 3).</font><br>
<font> Nesta perspectiva, considerando a idade da A. à data do falecimento de seu marido (ainda não tinha 30 anos), que ele contribuía com, pelo menos metade, do rendimento que tirava das suas actividades profissionais, que era de cerca 2.000/mês, e que o casal tinha dois filhos, e, </font><u><font>sobretudo</font></u><font>, considerando o facto de a recorrente acabar por concordar que a título de danos futuros, vistos na perspectiva acabada de desenhar, com uma perda de poder aquisitivo por parte da recorridaAA da ordem dos € 55.860,37/€ 59.237,23, entendemos que se deve fixar a indemnização a ela devida a este título (danos futuros por via da perda do poder aquisitivo motivada pela morte de ser marido) em 56.000 €.</font><b><font> </font></b><br>
<font> É que, neste caso concreto, em que está em causa a atribuição de uma indemnização por danos futuros motivada pela perda de ganho resultante da morte do marido, não poderemos nunca considerar, como decidiram as instâncias, que um dos factores a considerar é a esperança média de vida, tal como acontece com a indemnização resultante de uma IPP.</font><br>
<font> Não. </font><br>
<font> A vida é demasiado fértil de acontecimentos, mesmo no plano pessoal, que nunca sabemos o futuro. Este é incerto: o que vai acontecer à A. de hoje em diante? Não sabemos.</font><br>
<font> O que parece justo é atribuir-lhe algo que lhe permita, nos tempos mais próximos, refazer a sua vida e isto não pode passar por mais do que o valor já adiantado, sob pena de não acreditarmos na possibilidade de uma mulher com cerca de 30 anos refazer e com sucesso a sua vida, malgrado o momento difícil pelo qual passou.</font><br>
<font> É este momento difícil que pode e deve ser contemplado pelo Direito. Apenas e só.</font><br>
<font> Passemos ao caso da filha BB.</font><br>
<font> Poderíamos aqui repetir o que ficou dito a propósito da obrigação alimentícia. Ou seja, sobre ao pai desta A. não tinha sido imposta uma obrigação de pagar a título de alimentos uma determinada mesada. </font><br>
<font> O que acontecia é que, tanto quanto parece resultar dos autos, este cumpria para com a A. BB a sua obrigação de prover ao seu sustento, obrigação esta que está consagrada no art. 1879º do CC (é claro que “prover ao sustento” abrange, naturalmente, alimentos, mas apenas queremos sublinhar que tal obrigação é imposta – natural ou legalmente, como se queira – e não por via de uma decisão judicial resultante de uma qualquer acção de regulação de poder paternal ou de alimentos).</font><br>
<font> Entendamo-nos definitivamente: a A. recorrida, com a morte de seu pai, perdeu a (legitima) perspectiva que tinha de perceber o montante devido para o seu sustento, teve naturalmente um dano que só se pode perspectivar como dano futuro, mas não estava a perceber qualquer importância certa e determinada por parte daquele por via de uma qualquer imposição judicial.</font><br>
<font> Mas em relação a esta A.-recorrida a nossa tarefa está deveras simplificada pois a própria recorrente concorda com a ideia de que lhe são devidos alimentos (</font><i><font>cfr</font></i><font>. conclusão 18ª).</font><br>
<font> Temos de aceitar a posição da recorrente que se traduz no reconhecimento do dever de pagar à A. BB 66.000 € a título de indemnização devida por alimentos.</font><br>
<font> A este STJ nada mais resta que não seja acatar a sua manifestação de vontade a qual é tradutora do trânsito em julgado, nessa parte precisa, da decisão recorrida.</font><br>
<br>
<font> I</font><b><font>V </font></b><font>– </font><br>
<font> </font><b><font>Decisão</font></b><br>
<font> No provimento parcial do recurso, revoga-se o aresto da Relação de Guimarães para ficar a valer os valores aqui adiantados como sendo os devidos a título de perda de ganhos: indemnização de 56.000 € para a A.AA e de 66.000 € para a A. BB.</font><br>
<font> Custas pela recorrente e pelas recorridas, aqui e nas instâncias, de acordo com os respectivos decaimentos.</font><br>
<font> </font><br>
<font>Lisboa, aos 30 de Outubro de 2007</font><br>
<font>Urbano Dias(relator)</font><br>
<font>Paulo Sá</font><br>
<font>Mário Cruz</font></font>
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[0 0 0 ... 0 0 0]
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XTK0u4YBgYBz1XKvSzMy
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1.ª Secção (Cível)
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<b><font> </font></b><font><br>
<br>
<br>
<br>
<font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font><br>
<font> </font><br>
<font> </font><b><font>I- Questão prévia:</font></b><br>
<font> Como ponto preliminar, diremos que o «julgamento alargado» requerido pelo recorrente já depois de o processo ter ido aos vistos pelos Exmos. Adjuntos, não pode aqui ter lugar porque não foi requerido, por ele na sua alegação de recurso.</font><br>
<font> Além disso e principalmente, entendemos que o requerente não demonstra qualquer conflito jurisprudencial pois, como se sabe, este só se verifica quando os mesmos preceitos são interpretados e aplicados diversamente a factos idênticos, evidências que o recorrente se absteve de atestar. O requerente, nem sequer teve o cuidado de juntar cópia do acórdão que invoca.</font><br>
<font> Por outro lado, não vemos que a questão em apreciação no recurso esteja suficientemente dirimida e trabalhada na jurisprudência e doutrina de forma a que justifique uma uniformização jurisprudencial.</font><br>
<font> Por isso, decide-se não prosseguir e fazer seguir os trâmites da revista alargada.</font><br>
<b><font> </font></b><br>
<b><font> II- Relatório</font></b><font>:</font><br>
<font> 1-1- AA, residente na Rua ..., 1172 – 4000-447 Porto, propôs a presente acção com processo ordinário contra </font><b><font>L... e P... Ldª, </font></b><font>residente na Rua de ..., 51, 4150-737, Porto </font><i><font>pedindo</font></i><font> que a R. seja condenada a pagar-lhe a quantia de € 44.891,81. Fundamenta este pedido, em síntese, alegando que em 26-06-1982 celebrou com a R. um contrato promessa de compra e venda do imóvel que identifica, mediante o qual a R., em comum e partes iguais, a ele A., e a BB esse prédio, sendo que a R. incumpriu esse contrato, razão por que pretende exigir dela o dobro do sinal que prestou. </font><br>
<font> A R. contestou invocando as excepções da prescrição (por já ter decorrido o respectivo prazo) e da revogação do contrato (em virtude de em encontro de contas o A. já ter sido completamente ressarcido da quantia que tinha dispendido, tendo o contrato-promessa sido revogado pelas partes).</font><br>
<font> Na réplica o A. pugnou pela improcedência da excepção da prescrição, sustentando que o respectivo prazo não havia decorrido integralmente, mas não respondeu à excepção da revogação do contrato. </font><br>
<font> Termina </font><i><font>pedindo</font></i><font> seja julgada improcedente a invocada excepção (da prescrição).</font><br>
<font> A R. ofereceu tréplica.</font><br>
<font> O A. arguiu a nulidade da tréplica.</font><br>
<font> Por despacho de fls. 110 a 114, ao abrigo do art. 208º nº al. a) do C.P.Civil, o A. foi convidado a proceder ao chamamento do outro promitente comprador, BB, para se associar a si, através de dedução do incidente de intervenção principal provocada, convite que, porém, o A. não aceitou.</font><br>
<font> Por despacho de fls. 121 a 126, o A. foi julgado parte ilegítima, </font><u><font>por preterição de litisconsórcio necessário activo</font></u><font>, absolvendo, em consequência a R. da instância.</font><br>
<font> O A. agravou deste despacho, tendo-se por acórdão de 25-1-2007 da Relação do Porto, negado provimento ao recurso, confirmando-se a decisão recorrida.</font><br>
<font> O A. veio então pedir a intervenção principal provocada de BB que admitida.</font><br>
<font> Foi designado dia para a realização da audiência preparatória, após o que se emitiu despacho ordenando o desentranhamento da tréplica e se proferiu despacho saneador onde se julgou, improcedente a excepção da prescrição, mas procedente a excepção da revogação do contrato, absolvendo-se, consequentemente a R. do pedido.</font><br>
<font> Não se conformando com esta decisão, dela recorreram o A. e a R., esta subordinadamente, de apelação para o Tribunal da Relação de Porto, tendo-se aí, por acórdão de 27-10-2008, julgado improcedentes os recursos (independente e subordinado), confirmando-se a decisão recorrida.</font><br>
<font> </font><br>
<font> 1-2- Irresignado com este acórdão, dele recorreu o A. para este Supremo Tribunal, recurso que foi admitido como revista e com efeito devolutivo.</font><br>
<font> O recorrente alegou, tendo das suas alegações retirado as seguintes conclusões:</font><br>
<font> 1ª- Se o A. alegou no artigo 8º e 9º da p.i. que em 2004 considerava subsistente o contrato, o que reafirma no art. 14º da réplica e, por seu turno, ao defender-se a R. invoca, por seu lado uma prescrição extintiva após Junho de 1984 – arts. 19º e 21 – ao mesmo tempo que invoca um contrato </font><i><font>inter alios</font></i><font>, celebrado em 1983 e de que não possui prova – art. 34º da mesma peça -, parece que se fica sem saber se, para a R., subsistiu o contrato-promessa, mas o direito dele emergente está extinto por prescrição ou releva um acordo entre terceiros cuja comunicação não pode documentar nem provar.</font><br>
<font> Havendo, assim, três versões – a do A. de que fez várias interpelações à R., a última das quais por notificação judicial avulsa em 2004 e as duas da R. numa invocando a prescrição, o que pressupõe a subsistência da obrigação, todavia inexigível pelo decurso do tempo e noutra a inexistência desde 1983 dessa obrigação.</font><br>
<font> 2ª- Considerar verificado o ónus de impugnação – </font><i><font>confessio ficta – </font></i><font>é interpretar erradamente o art. 490º nº 1 do C.P.Civil.</font><br>
<font> Isto até tendo em conta que, sendo aplicável às declarações da parte em processo civil, o regime dos arts. 236º e 237º do C.Civil, a desconformidade do sentido destas declarações da própria R., implicava averiguar qual a que, tratando-se de contrato oneroso melhor assegurava o equilíbrio contratual.</font><br>
<font> Ter conhecido do pedido em fase de saneamento com tal incerteza fáctica, revela erro na aplicação e interpretação dos arts. 490º nº 1, 510º nº 1 al. mb) do C.P.Civil.</font><br>
<font> 3ª- Aceitar num julgado exigível caso de litisconsórcio necessário, o relevo de uma </font><i><font>confissão ficta</font></i><font> é interpretar erradamente o nº 2 do art. 353º em conjugação com a alínea a) do art. 354º do C.Civil, como 490º nº 2 do C.P.Civil, demais que, atento o regime da al. a) do art. 354º em conjugação com o nº 2 do art. 353º, ambos do C.Civil, no caso não tem relevo a confissão expressa.</font><br>
<font> 4ª- Porque a R. invoca um facto extintivo, por revogatório de um contrato escrito e nem sequer revogação real, a ela incumbia fazer prova desse facto – art. 342º nº 1 do C.Civil, pois nada alega para ocorrer a inversão do ónus da prova no caso concreto.</font><br>
<font> E tal prova não admite formalismo menor que o do próprio contrato – art. 395º e mesmo 358º nº 4 e 361º do C.Civil –</font><br>
<font> 5ª- Se a revogação só pode ser provada por documento escrito, dar como assente a revogação não real de contrato escrito e com base em factos de terceiros, por inobservância do ónus de impugnação, é fazer errada interpretação do art. 490º nº 2 do C.P.Civil, até pela sua relacionação com os normativos acima, bem como o nº 2 do art. 393º e nº 1 do art. 394º, ambos do C.Civil.</font><br>
<font> 6ª- Porque se trata de erro que se traduz em ofensa de uma disposição expressa da lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixa a força de determinado meio de prova, está, face ao nº 2 do art. 722º do CPC, assegurada a recorribilidade junto do STJ.</font><br>
<font> Termos em que, pela correcta interpretação e aplicação do direito invocado, nomeadamente no que concerne aos arts. 353º nº 2, 354º al. a), 393º, 394º, 395º todos do C.C. e ainda 488º, 490º nº 2, 502º e 505º do CPC, deve ser revogada a decisão que conheceu do mérito da causa com base na procedência, por não especificação especificada da alegada “eventual revogação contratual, em que a R. nem sequer participou, ordenando a baixa para ser decidida a causa em função da matéria que se julgue assente e/ou controvertida, evitando-se, assim, que por um coadjuvante erro de interpretação da norma, se obtenha um irrecuperável enriquecimento indevido ao menos da representada do indiferente litisconsorte imposto como necessário.</font><br>
<font> </font><br>
<font> A recorrida contra-alegou, pronunciando-se pela confirmação do acórdão recorrido.</font><br>
<font> </font><br>
<font> Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir: </font><br>
<font> </font><b><font>III- Fundamentação:</font></b><br>
<b><font> </font></b><font>2-1- Uma vez que o âmbito objectivo dos recursos é balizado pelas conclusões apresentadas pelo recorrente, apreciaremos apenas as questões que ali foram enunciadas (arts. 690º nº 1 e 684º nº 3 do C.P.Civil). </font><br>
<font> Nesta conformidade, serão as seguintes as questões a apreciar e decidir:</font><br>
<font> - Se na contestação deve o réu especificar separadamente as excepções que deduza e, caso o não faça, qual a respectiva consequência jurídica.</font><br>
<font> - Se o réu invocar uma excepção na contestação, se deve o autor responder-lhe através de réplica e, caso o não faça, qual a consequência jurídica que advém para si.</font><br>
<font> - Se o acórdão recorrido, agiu de forma legalmente correcta ao considerar como confessada a revogação do contrato, por confissão tácita do A.</font><br>
<font> 2-2- Os factos a ter em consideração que o Tribunal de 1ª instância entendeu como provados por confissão ficta e por documentos, são os seguintes:</font><br>
<font> 1- Mediante contrato-promessa de 29 de Junho de 1982, prometeu a R. vender, em comum e partes iguais, ao A. e a BB, o 2º andar do prédio urbano sito na Pr. ..., 00, no Porto, inscrito na matriz da freguesia do Bonfim sob o art. 9960 e descrito na 1ª Conservatória de Registo Predial do Porto sob o art. 52561.</font><br>
<font> 2- Por apresentação 12 de 13-1-1982, a R. requereu na respectiva Conservatória do Registo Predial o registo da propriedade horizontal.</font><br>
<font> 3- O preço convencionado foi de 9.000.000$00 tendo os promitentes-compradores pago na data da outorga do aludido contrato, em partes iguais, como sinal e princípio de pagamento, a importância de 7.600.000$00. </font><br>
<font> 4- Mais tarde, em 12 de Agosto de 1982, entregaram os promitentes-compradores (o A. e o BB) à R., para pagamento integral do preço de 9.000.000$00, 700.000$00, cada um deles.</font><br>
<font> 5- Foi o respectivo contrato-promessa outorgado na perspectiva, à data já concretizada, da constituição em regime de propriedade horizontal do respectivo imóvel.</font><br>
<font> 6- Ficou convencionado que a escritura de compra seria outorgada no prazo de 30 dias a contar da data da inscrição na matriz da fracção correspondente a todo o 2º andar do identificado prédio.</font><br>
<font> 7- O A. procedeu à notificação judicial avulsa da R. para comparecer no dia 23 de Novembro pelas 14,30 horas no 6º Cartório Notarial do Porto para celebração da escritura pública.</font><br>
<font> 8- Efectuada em 15 de Novembro de 2004 a respectiva notificação, não compareceu nem se fez representar a R. no aludido Cartório Notarial a fim de aí se proceder à outorga da respectiva escritura.</font><br>
<font> 9- O A., por sua vez, compareceu com o imposto municipal sobre transmissões onerosas de imóveis pago.</font><br>
<font> 10- O A. e BB, sócio gerente da R., são sócios numa empresa de fabrico de conservas de peixe, com sede em Vila do Conde.</font><br>
<font> 11- A fracção autónoma, objecto do presente processo, foi prometida comprar pelos dois sócios da empresa de conservas, na perspectiva de aí instalar uma sociedade de mediação internacional dos negócios da empresa de conservas de peixe.</font><br>
<font> 12- Posteriormente os sócios abandonaram a ideia de constituir a sociedade de mediação.</font><br>
<font> 13- Os dois sócios durante os anos de 1981 a 1984 adquiriram diversas sociedades que acabaram por vender, realizando, desde modo, negócios em que havia sempre contas a saldar entre eles.</font><br>
<font> 14- No âmbito desse encontro de contas, foi o A. integralmente ressarcido da quantia que tinha dispendido na promessa de compra do imóvel objecto dos autos.</font><br>
<font> 15- E foi ainda o contrato promessa objecto dos autos, revogado pelas partes durante o ano de 1983.</font><br>
<font> 16- A presente acção deu entrada em 4 de Janeiro de 2005. -----------</font><br>
<font> </font><br>
<font> 2-3- Trata-se no presente recurso de saber-se se ocorre, ou não, a excepção peremptória da revogação do contrato-promessa. As instâncias concluíram que sim, o A., recorrente, defende que não. </font><br>
<font> No douto acórdão recorrido entendeu-se, em síntese, que nos arts. 27º 35º da contestação a R. alega que o A. e BB, sócio gerente da R., são sócios numa empresa de fabrico de conservas de peixe, com sede em Vila do Conde, sendo que a fracção autónoma, objecto do presente processo, foi prometida comprar pelos dois sócios da empresa de conservas, na perspectiva de aí instalarem uma sociedade de mediação internacional dos negócios da empresa de conservas de peixe, ideia que posteriormente abandonaram. Contudo, o preço do imóvel (que já havia sido pago integralmente pelos dois sócios em partes iguais) entrou em encontro de contas que havia entre os sócios, pois estes nos anos de 1981 a 1984 adquiriram diversas sociedades que acabaram por vender, realizando, desde modo, negócios em que havia sempre contas a saldar entre eles. No âmbito desse encontro de contas, foi o A. integralmente ressarcido da quantia que tinha dispendido na promessa de compra do imóvel objecto dos autos, sendo o contrato promessa revogado pelas partes durante o ano de 1983. Porém, atendendo ao tempo decorrido, não lhe foi possível encontrar o documento referente à dita revogação. </font><br>
<font> Acrescentou-se no aresto que o R. descreveu esta matéria sobre a epígrafe da impugnação, devendo-o, porém, ter feito, especificada e separadamente, como matéria de excepção. Pese embora esta omissão, nenhuma consequência jurídico-processual pode advir para ela, sendo também certo, que nos termos do art. 664º do C.P.Civil o juiz não está sujeito à alegação das partes no tocante ao conhecimento da matéria de direito. O princípio do contraditório não foi violado, visto que este princípio não se reporta às normas que o juiz entende aplicar, nem à interpretação que delas venha a fazer, mas antes aos factos invocados e às posições assumidas pelas partes. Ora, se o A. tomou conhecimento da posição assumida pela R. e pôde exercer sobre ela o respectivo contraditório, não o tendo feito porque não quis. Não colhe, assim, a alegação da recorrente quando afirma ter existido uma conduta abusiva por parte da R., motivo porque não haverá que apelar ao disposto no art. 334º do C.C..</font><br>
<font> Considerou-se depois que a R., ao invocar a revogação do contrato, se defendeu por excepção, razão por que a A. deveria, nos termos do art. 502º do CPC, ter respondido à matéria da excepção. Não o tendo feito, a consequência a considerar será a indicado no art. 505º do CPC, isto é, a prevista no art. 490º, serem considerados provados por admissão, os factos que a R. alegou como fundamento da excepção da excepção que aduziu na contestação.</font><br>
<font> Entendeu-se ainda que a revogação por mútuo consenso do contrato-promessa, não carece da forma exigida por lei para o próprio contrato abolido, motivo por que não ocorre a excepção ao ónus da impugnação especificada prevista no art. 490º nº 2 (factos que só poderão ser provados por documento escrito).</font><br>
<font> Por outro lado, a confissão não tem que ser expressa (art. 364º nº 2 do C.C.) para a declaração da declaração de revogação de acto negocial, sendo, por isso, perfeitamente válida a “ficta confessio”.</font><br>
<font> Quanto ao argumento de que a confissão tácita só seria relevante se não se estivesse perante uma situação de litisconsórcio necessário activo, considerou-se que isso não sucedia porque a revelia do litisconsorte só seria inoperante se para a prova da declaração de revogação do contrato fosse exigível documento escrito, o que não ocorria. No caso concreto, a não impugnação da matéria da excepção de revogação do contrato por parte do A., aproveita ao litisconsorte que igualmente silenciou. De facto, não faria qualquer sentido que os mesmos factos pudessem ser considerados provados em relação a um dos A. e não o fossem em relação ao outro, tanto mais que no caso, dá-se a coincidência que o litisconsorte é simultaneamente autor e sócio gerente da R..</font><br>
<font> Por fim considerou-se que não se está no domínio das relações jurídicas indisponíveis, razão por que se devem ter como confessados os factos alegados pela R.. quanto à revogação do contrato-promessa., são os mesmos eficazes em relação ao litisconsorte.</font><br>
<font> Considerou-se, assim, improcedente o recurso interposto pelo A..</font><br>
<font> Na revista, de essencial, repete a argumentação utilizada para a apelação, continuando a entender que não se pode ter como integrada a situação de </font><i><font>confessio ficta.</font></i><br>
<font> Vejamos:</font><br>
<font> Através da presente acção, com base no incumprimento definitivo do contrato de promessa que identifica, pretende o A. que a R. lhe restitua o sinal em dobro (9.000.000$00 – 44.891,81 €). </font><br>
<font> As circunstâncias acima referenciadas, demonstram que a R., em relação a tal contrato, invocou na contestação a sua revogação. Concretamente referiu que no âmbito do encontro de contas que relatou, foi o A. integralmente ressarcido da quantia que tinha dispendido na promessa de compra do imóvel objecto dos autos, tendo sido o contrato-promessa revogado pelas partes.</font><br>
<font> Esta contestação foi efectuada sob a epígrafe de “impugnação”.</font><br>
<font> O A. na réplica não respondeu a esta matéria factual, razão por que nos termos dos arts. 490º nº 2 e 505º do C.P.Civil (diploma de que serão as disposições as referir sem menção de origem), se considerou confessados os factos articulados pela parte contrária sobre o assunto.</font><br>
<font> Entendeu-se, assim, como demonstrado, por confissão, que o contrato-promessa foi revogado pelas partes.</font><br>
<font> A questão que se coloca no presente caso, é a de saber se as instâncias, mais particularmente o acórdão recorrido, agiram de forma legalmente correcta ao considerarem como confessada a revogação do contrato.</font><br>
<font> Nos termos do art. 490º nº 1 “</font><i><font>ao contestar, deve o réu tomar posição definida perante os factos articulados na petição</font></i><font>”. Acrescenta o nº 2 da disposição que “</font><i><font>consideram-se admitidos por acordo os factos que não forem impugnados, salvo se estiverem em oposição com a defesa considerada no seu conjunto, se não for admissível confissão sobre eles ou se só puderem ser provados por documento escrito</font></i><font>”.</font><br>
<font> Quer dizer, perante estes dispositivos fica claro que, em relação aos factos articulados pelo autor, deve o réu tomar posição concreta, impugnando-os (ónus de impugnação)(1). Se o não fizer, os factos aduzidos pelo autor, consideram-se admitidos por acordo, a não ser que estejam em oposição com a defesa considerada no seu conjunto, se sobre eles não for admissível confissão ou se só puderem ser demonstrados por documento escrito. Nestes casos excepcionais, o réu escusa de tomar posição definida sobre eles, não podendo eles serem considerados como provados, pese embora a respectiva falta de impugnação.</font><br>
<font> Estabelece, por sua vez, o art. 488º que “</font><i><font>na contestação deve o réu individualizar a acção e expor as razões de facto e de direito por que se opõe à pretensão do autor, especificando separadamente as excepções que deduza</font></i><font>”.</font><br>
<font> Significa isto e para o que aqui interessa, que face a esta disposição é obrigatório distinguir claramente a defesa por excepção da defesa por impugnação, devendo o réu na contestação efectuar a correspondente separação. </font><br>
<font> Os motivos que determinaram a introdução da disposição no nosso ordenamento jurídico, refere-os o Dec-Lei 329 A/95 de 29/12 ao dizer no seu preâmbulo: “</font><i><font>Em matéria de contestação, por razões de clareza e em concretização do princípio de boa fé processual, estabeleceu-se que o réu deverá deduzir especificada e discriminadamente a matéria relativa às excepções deduzidas e formular, a final, e em correspectividade com a exigência formal de dedução do pedido que é feito ao autor, as conclusões da sua defesa</font></i><font>”.</font><br>
<font> No caso dos autos, não obstante a R., na sua contestação, tenha invocado a revogação do contrato (2), o certo é que o não fez, como devia, através de uma dedução especificada e discriminada da excepção. Introduziu, pelo contrário, tal matéria integrante de excepção, sob a epígrafe de defesa “por impugnação”.</font><br>
<font> Somos em crer que, não cumpriu, a R. o dispositivo deste artigo, mas como bem se refere no acórdão recorrido, essa preterição não tem qualquer consequência em termos processuais para essa conduta omissiva. Isto porque não se vê qualquer disposição que sancione essa irregularidade (3) e (4).</font><br>
<font> Pese embora esta circunstância, o certo é que a R. manifestou claramente a sua posição sobre a revogação do contrato, não podendo o A. ignorar essa posição.</font><br>
<font> Qual a consequência processual para o A. pelo facto de não ter tomado posição sobre a invocada revogação?</font><br>
<font> Já vimos que o réu, em relação aos factos articulados pelo autor, deve tomar posição concreta, impugnando-os. Se o não fizer, esses factos consideram-se admitidos por acordo, com as excepções acima referenciadas (5) .</font><br>
<font> E o que sucederá ao autor em relação à matéria de uma excepção deduzida pelo réu na contestação?</font><br>
<font> Estabelece o art. 502º nº 1 que à contestação pode o autor responder com a réplica, se for deduzida alguma excepção e somente quanto à matéria desta.</font><br>
<font> Ou seja, caso o réu invocar uma excepção na sua contestação, deve o autor responder-lhe através de réplica, mas apenas quanto à matéria da excepção. Caso não efectue a respectiva impugnação, nos termos do art. 505º, desencadeiam-se os efeitos previstos no art. 490º, isto é, os factos aduzidos pelo réu, consideram-se admitidos por acordo, a não ser que estejam em oposição com a defesa considerada no seu conjunto, se sobre eles não for admissível confissão ou se só puderem ser demonstrados por documento escrito.</font><br>
<font> No caso dos autos, foi precisamente estas disposições que foram aplicadas pelas instâncias, tendo-se considerado a revogação do contrato como admitida por acordo, com confissão do A..</font><br>
<font> Na revista, o A. defende que a tese da revogação contratual aduzida pela R., está em nítida oposição com a sua tese, vista no seu conjunto, pois conforme alegou no art. 8º e 9º da p.i., em 2004, considerava subsistente o contrato, o que reafirmou no art. 14º da réplica.</font><br>
<font> Com esta argumentação pretende o A. beneficiar da excepção do art. 490º, porquanto a posição assumida pela R. está em oposição com a postura dele, A., considerada no seu conjunto, defendendo, consequentemente, poder beneficiar da não aplicação, à situação, do efeito cominatório semi-pleno.</font><br>
<font> No art. 8º e 9º da p.i. o A. aludiu à interpelação da R. para outorgar o contrato definitivo, através de notificação judicial avulsa, que foi efectuada, não tendo a R. comparecido para concretizar a escritura. No art.14º da réplica refere que a obrigação da R., outorgar escritura, nunca foi satisfeita.</font><br>
<font> Face a esta posição podemos dizer, sem qualquer dúvida, que o A. não tomou posição sobre a factualidade aduzida pela R. na sua contestação e que conduziram à alegada revogação do negócio. Claro que para a viabilidade da propositura da acção, tinha o A. que partir do pressuposto da validade do negócio. Mas tendo a R. invocado factos que contendem e extinguem o efeito jurídico dos factos articulados pelo A., parece-nos evidente que este deveria ter tomado posição sobre eles.</font><br>
<font> Não o tendo feito, nos termos das ditas disposições, não ocorre a primeira excepção do nº 1 do art. 490º (“</font><i><font>salvo se</font></i><font> -os factos – </font><i><font>estiverem em oposição com a defesa considerada no seu conjunto</font></i><font>), tendo sido certa a posição das instâncias de afastar a aplicação, ao caso vertente, desta exclusão.</font><br>
<font> Defende depois o recorrente que a R. invoca por um lado uma prescrição extintiva após Junho de 1984 (arts. 19º e 21º), ao mesmo tempo que invoca um contrato a que seria alheia celebrado em 1983 e de que não possui prova (art. 34º). Subsistiu o contrato-promessa, mas o direito dele emergente está extinto por prescrição, ou a R. pode invocar um acordo entre terceiros, cuja comunicação não pode documentar? Havendo três versões, a do A. que fez várias interpelações à R., a última da quais por notificação judicial avulsa, em 2004, e as duas da R., numa invocando a prescrição, o que pressupõe subsistência da obrigação, todavia inexigível pelo decurso do tempo e noutra a inexistência desde 1983 dessa obrigação. Considerar verificado o ónus de impugnação, </font><i><font>confessio ficta</font></i><font>, é interpretar erradamente o art. 490º nº 1.</font><br>
<font> Quanto ao acordo entre terceiros (a que o A. terá sido alheio), os factos alegados (e considerados provados), não denunciam esse alheamento por parte do A., visto que a R. mencionou que “</font><i><font>foi, ainda, o contrato promessa objecto dos autos, revogado pelas partes</font></i><font>”. Isto é, em tal revogação intervieram, não só a R., como o próprio A..</font><br>
<font> No que toca à possível contradição da R. ao, por um lado, invocar a prescrição do direito e pelo outro a revogação do contrato, parece-nos não existir qualquer incompatibilidade se bem que se possa aceitar que, por uma questão de coerência e método, se deveria, primeiramente, ter invocado a revogação do contrato (com a pertinente extinção do vínculo negocial) e para o caso de assim se não entender, invocar a prescrição com vista a considerar inexigível a obrigação pelo seu não exercício durante o lapso de tempo estabelecido na lei (vide art. 298º nº 1 do C.Civil). Porém, o não seguimento desta metodologia, não torna a posição da R. inapta, não se vendo, outrossim, que da aludida incoerência se possa retirar qualquer efeito jurídico-processual em seu prejuízo.</font><br>
<font> Face ao deixámos dito, consideramos sem relevância, a referência que o recorrente faz à circunstância de se dever aplicar às declarações da parte em processo civil, o regime dos arts. 236º e 237º do C.Civil, no sentido de se poder concluir que existem, por banda da parte contrária, versões contraditórias (numa a inexistência da obrigação e na outra a existência dela, sendo, porém, inexigível pelo decurso do tempo), visto que não constituem situações que mutuamente se excluam.</font><br>
<font> Sustenta depois o recorrente que aceitar num caso de litisconsórcio necessário, o relevo de uma </font><i><font>confissão ficta</font></i><font> é interpretar erradamente o nº 2 do art. 353º em conjugação com a alínea a) do art. 354º do C.Civil e 490º nº 2 do C.P.Civil. Desde que se decidiu, contra a sua opinião, de que no caso existiria uma situação de litisconsórcio necessário, tal posição faz renascer a segunda excepção prevista no nº 2 “…</font><i><font>se não for admissível a confissão sobre eles …</font></i><font>”. Dispondo o nº 2 do art. 353º do C.Civil que a confissão feita pelo litisconsorte é eficaz se o litisconsórcio for voluntário, embora o seu efeito se restrinja ao interesse do confitente, mas não é, se o litisconsórcio for necessário, a confissão não tem eficácia plena, por ser declarada insuficiente por lei (art. 354º al. a)), pelo que, no caso, não é admissível a confissão da invocada revogação do contrato.</font><br>
<font> A esta questão respondeu o acórdão recorrido, como já se viu, dizendo que “</font><i><font>a não impugnação da matéria da excepção de revogação do contrato promessa por parte do autor, aproveita ao litisconsorte que igualmente silenciou. De facto, não faria qualquer sentido que os mesmos factos pudesse ser considerados provados em relação a um dos autores e não o fosse em relação ao outro, tanto mais que, no caso sub judice, dá-se a coincidência que o litisconsorte é simultaneamente autor e sócio gerente da ré. De resto, de acordo com o disposto no art. 683º/1 do CPC, o recurso interposto por uma das partes aproveita aos seus compartes no caso de litisconsórcio necessário, como é o caso dos autos. Por outro lado, como já atrás fizemos referência também não estamos no domínio das relações jurídicas indisponíveis, pelo que mostrando-se confessados pelo autor os factos alegados pela ré quanto à revogação do contrato promessa, são os mesmos eficazes em relação ao litisconsorte</font></i><font>”.</font><br>
<font> Não podemos aceitar esta construção jurídica, afigurando-se-nos, salvo o devido respeito pela opinião contrária, algo incoerente, confusa e errada.</font><br>
<font> Como se viu acima, o art. 490º nº 2 depois de definir a regra de que se consideram admitidos por acordo os factos sobre que não recair impugnação, estabelece três excepções à regra. Já nos referimos à primeira excepção (caso de os factos articulados pelo autor estarem em oposição com a defesa considerada no seu conjunto), sendo que a objecção colocada pelo recorrente nos leva a que nos pronunciemos sobre a segunda dessas excepções. Assim, aquela regra não funcionará, caso não seja admissível a confissão sobre os factos. E percebe-se que assim seja. A regra da disposição legal baseia-se numa confissão tácita. Se a parte contrária não impugnou especificadamente o facto é porque reconhece que ele é verdadeiro. Daí a presunção legal. Ora esta consideração já não pode valer para os casos em que não é possível a confissão expressa.</font><i><font> </font></i><font>Não pode admitir-se a confissão tácita em casos em que a confissão expressa não é admissível. </font><br>
<font> Como refere Alberto Reis (C.P.Civil Anotado, Volume III, 4ª edição, pág. 56 e 57) “</font><i><font>quando o réu deixa de impugnar determinado facto alegado pelo autor, a lei dá a essa atitude o significado seguinte: o réu não impugnou porque reconhece a veracidade do facto; quer dizer, a falta de impugnação implica a confissão (confissão tácita). E como reconhecimento tácito da veracidade, por parte do réu, se junta à afirmação do facto, por parte do autor, daí o acordo a que alude o 2º período do art. 494º </font></i><font>(agora 490º).</font><i><font> Na base do acordo está, pois, a confissão tácita do réu. Mas é fora de dúvida que a confissão tácita não pode valer mais do que a confissão expressa; por outras palavras, não pode admitir-se a confissão tácita em casos em que não teria eficiência a confissão expressa. Por isso é que o art. 494º nos diz: se o facto que o réu deixou de impugnar for da natureza daqueles que ele não poderia confessar expressamente, cessa o funcionamento da sanção correspondente ao ónus de impugnação; o facto não se considera admitido por acordo</font></i><font>”.</font><br>
<font> Quer isto dizer que através da excepção em análise, a norma em evidência dispensa a impugnação em relação aos factos não confessáveis(6).</font><br>
<font> E que factos serão esses?</font><br>
<font> A resposta à questão devemo-la buscar no C.Civil.</font><br>
<font> Como ponto prévio convém sublinhar que uma confissão é o reconhecimento que a parte faz da realidade de um facto que lhe é desfavorável e favorece a parte contrária (art. 352º do C.Civil). Evidentemente que o reconhecimento da revogação do contrato invocado pela R., constitui para o A. confissão, visto que constitui uma circunstância que o prejudica e beneficia a parte contrária.</font><br>
<font> Estabelece o art. 353º nº 2 deste Código que “</font><i><font>a confissão feita pelo litisconsorte é eficaz, se o litisconsórcio for voluntário, embora o seu efeito se restrinja ao interesse do confitente; mas não o é, se o litisconsórcio for necessário</font></i><font>”. Isto é, </font><u><font>em caso de litisconsórcio necessário a confissão feita pelo litisconsorte não é eficaz</font></u><font>. No caso, porém, de litisconsórcio voluntário a confissão será já válida, reduzi
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1.ª Secção (Cível)
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<b><font> </font></b><font><br>
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<font> I – No Tribunal Judicial de Ponta Delgada, Electricidade dos Açores, S.A., em acção com processo ordinário, intentada contra AA e mulher BB, pediu que, com a procedência da acção, se profira “sentença que produza os efeitos da declaração negocial dos faltosos RR, declarando-se a transmissão da gleba de terreno identificada em 3 supra a favor da A.”.</font><br>
<br>
<font> Para fundamentar a sua pretensão, invoca a celebração de um contrato-promessa entre as partes, com o preço acordado integralmente pago na data de tal celebração (30.04.2004) e com cláusula de execução específica, bem como a recusa dos Réus em outorgarem a escritura do contrato definitivo de compra e venda da parcela de terreno que é objecto do contrato-promessa.</font><br>
<br>
<font> Na sua contestação, os Réus arguiram a excepção dilatória de ilegitimidade da Ré, com o fundamento de que não é parte do contrato celebrado, e defenderam a improcedência da acção, invocando factualidade que, na sua óptica, implicam a nulidade ou a anulabilidade do contrato-promessa em causa.</font><br>
<br>
<font> Após a réplica da Autora, os Réus apresentaram uma tréplica, articulado que viria a não ser admitido.</font><br>
<br>
<font> No despacho saneador, foi decidido julgar-se improcedente a excepção de ilegitimidade da Ré.</font><br>
<br>
<font> A final, foi proferida sentença, segundo a qual se decidiu:”julgo a presente acção procedente e, como tal, supro a declaração de venda em falta, dos réus à autora, pelo preço de 17.458,00 €, de uma gleba de terreno com a área de 1158 metros quadrados do imóvel constituído por 7140 metros quadrados de área total, sito ao Calço da Má Cara, Rua da Arquinha, descrito na Conservatória do Registo Predial de Ponta Delgada sob o número 266/Matriz, e inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o artigo 84, secção nº 3”.</font><br>
<br>
<font> Após apelação dos Réus, foi, no Tribunal da Relação de Lisboa, proferido acórdão, nos termos do qual o recurso foi julgado improcedente, mantendo-se o decidido na 1ª instância.</font><br>
<br>
<font> Ainda inconformados, vieram os Réus interpor o presente recurso de revista, o qual foi admitido.</font><br>
<br>
<font> Os recorrentes apresentaram alegações, formulando as seguintes conclusões:</font><br>
<font> 1ª – A impressão digital só é válida se for aposta presencialmente perante notário e este fizer menção de que o rogante não sabe ou não pode assinar no próprio acto do reconhecimento da assinatura e depois de lido o documento ao rogante.</font><br>
<font> 2ª – Não tendo resultado provado que o contrato foi lido e explicado o seu conteúdo aos RR., o contrato é nulo e de nenhum efeito.</font><br>
<font> 3ª – Para haver lugar a execução específica, é necessário que as partes atribuam eficácia real e procedam à inscrição no registo, devendo constar de escritura pública a promessa a que as partes atribuam eficácia real, mas</font><br>
<font> 4ª – Não tendo as partes atribuído eficácia real ao contrato, gozam do direito de arrependimento, com as consequências inerentes ao incumprimento contratual, devolução em dobro se este ficar a dever ao promitente vendedor, perda do sinal no caso do arrependimento se ficar a dever ao promitente comprador. Sem prescindir,</font><br>
<font> 5ª – O R. tinha à data do contrato 90 anos e a Ré esposa 70.</font><br>
<font> 6ª – Não sabem ler, nem escrever, e apenas o R. AA sabe assinar o seu nome.</font><br>
<font> 7ª – A gleba de terreno do contrato celebrado situa-se na cidade de Ponta Delgada, em zona privilegiada e de grande expansão urbanística, quer junto do maior hospital dos Açores, quer do maior centro comercial da Região, quer da própria Ré (ter-se-á querido escrever Autora), concessionária da electricidade dos Açores. </font><br>
<font> 8ª – O terreno dos RR., não obstante ser rústico, é apto para a construção urbana, tendo projectados 9 lotes.</font><br>
<font> 9ª – A venda da parcela de terreno à Ré (ter-se-á querido dizer Autora) inviabiliza a construção de quatro dos noves lotes.</font><br>
<font> 10ª – O custo do terreno para a construção na zona em que se insere o terreno é de cerca de 350,00 € m2, ou seja, cerca de 20 vezes mais do que o preço “acordado” para a venda.</font><br>
<font> 11ª – O R. AA foi contactado inúmeras vezes por representantes da A. antes de assinar o contrato e só o fez porque estes lhe disseram que o teria que alienar forçosamente, por acordo ou por expropriação.</font><br>
<font> 12ª – O R. AA não queria vender o prédio, só o tendo prometido vender pelo preço que acordou porque estava convencido que caso aquele viesse a ser expropriado, o que tinha por certo, não receberia preço superior ao ajustado.</font><br>
<font> 13ª – Os RR. não têm qualquer experiência em negócios de compra e venda de terrenos.</font><br>
<font> 14ª – O facto do terreno ser rústico no momento do contrato, insere-se todavia em plena zona urbana estando na esfera da disponibilidade dos proprietários o deixar de o ser a qualquer momento.</font><br>
<font> 15ª – O que conta não é o que o terreno é, mas aquilo que vale de acordo com o potencial e a finalidade que lhe poderá vir a ser atribuído e dele se extrair. </font><br>
<font> 16ª – E tanto assim que a A. não o quer para semear couves, batatas ou repolhos. Quere-o para fins comerciais e industriais.</font><br>
<font> 17ª – O terreno dos RR. é potencialmente um terreno urbanizável dotado de óptimos acessos, com rede de abastecimento de água e luz, curiosamente precisamente de cada um dos lados, e de saneamento.</font><br>
<font> 18ª – O valor do solo apto para construção calcula-se por referência à construção que nele seria possível efectuar se não tivesse sido sujeito à venda forçada, num aproveitamento económico normal.</font><br>
<font> 19ª – Significa isso que, com a privação da área objecto do contrato promessa, os RR. deixaram de poder vender 4 lotes de terreno e de, pelo menos, receber 349,160,00 €, contra os 17.458,00 € que a A. lhe quer dar.</font><br>
<font> 20ª – Não fora a idade, estado mental e inexperiência dos RR. e jamais teriam assinado tão ruinoso e desproporcional contrato.</font><br>
<font> 21ª – Ninguém pode ser forçado a ter que vender o que não quer, e, mesmo que o seja através de expropriação, o expropriante está obrigado a pagar a justa indemnização.</font><br>
<font> 22ª – No caso dos autos, além de forçados, o preço foi tudo menos justo. Foi um roubo, roubo, inclusivé, punível penalmente nos termos do art. 226º do Código Penal.</font><br>
<font> 23ª – Assim não o tendo entendido, a douta sentença recorrida (?) violou, entre outros, o disposto nos arts. 410º, 2 e 3, 413º, 830º, 342º, todos do Código Civil, 51º e 154ºdo Código do Notariado e arts. 1º, 23º, alíneas a), b) e d), do art. 25º do Código das Expropriações, aplicável por analogia.</font><br>
<br>
<font> Pede, assim, que o presente recurso seja julgado procedente, por provado, e, por via dele, se substitua a sentença proferida (?) por outra que absolva os RR. do pedido.</font><br>
<br>
<font> Contra-alegou a recorrida, defendendo a confirmação do acórdão impugnado.</font><br>
<br>
<font> Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.</font><br>
<br>
<font> II – No acórdão recorrido, foram dados como provados os seguintes factos:</font><br>
<font>1. No dia 30 de Abril de 2004, a Autora e os Réus celebraram um contrato-promessa de compra e venda, conforme documento de fls. 112 a 115 que se dá aqui por reproduzido para os devidos efeitos legais, com pedido de registo de aquisição efectuado na Conservatória do Registo Predial de Ponta Delgada.</font><br>
<font> 2. Através deste contrato, os Réus prometeram vender à Autora uma gleba de terreno com a área de 1.158 metros quadrados do imóvel constituído por 7.140 metros quadrados de área total, sito ao Calço da Má Cara, Rua da Arquinha, descrito na Conservatória do Registo Predial de Ponta Delgada sob o número 266/Matriz e inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o artigo 84, secção nº 3, pelo preço de € 17.458,00.</font><br>
<font> 3. Os Réus já receberam o preço, na sua totalidade, da Autora.</font><br>
<font> 4. Foi, igualmente, convencionado entre a Autora e os Réus que a escritura pública de compra e venda da respectiva gleba de terreno seria realizada no dia 24 de Janeiro de 2006, no Cartório Notarial do concelho de Lagoa, pelas 10.00 horas.</font><br>
<font> 5. No dia, hora e local referidos, os Réus não compareceram para a outorga da respectiva escritura pública de compra e venda, que não se realizou.</font><br>
<font> 6. Os Réus, no dia 23 de Janeiro de 2006, informaram aquele Cartório Notarial de que esta escritura não se iria realizar.</font><br>
<font> 7. Informaram ainda a Autora de que não outorgariam qualquer escritura de compra e venda da gleba de terreno que prometeram vender, razão pela qual exigem a resolução do contrato-promessa.</font><br>
<font> 8. A Autora exerce a actividade de produção, aquisição, transporte, distribuição e venda de energia eléctrica, sendo a concessionária do transporte e distribuição de energia eléctrica para a Região Autónoma dos Açores, por contrato de concessão outorgado em respeito pela Resolução nº 181/00, de 12 de Outubro, publicada no Jornal Oficial, I Série, nº 41/2000.</font><br>
<font> 9. A Autora liquidou o respectivo imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis.</font><br>
<font> 10. Os Réus são casados sob o regime da comunhão geral de bens.</font><br>
<font> 11. São pessoas idosas, tendo o Réu AA a idade de 90 anos, enquanto a esposa BB tem 70.</font><br>
<font> 12. A Ré BB não sabe assinar, o que consta do seu bilhete de identidade.</font><br>
<font> 13. A Ré BB fez constar com o seu dedo, apondo a sua impressão digital, no contrato-promessa referido (esclarece-se que se reporta ao facto de não saber assinar, como decorre do nº 13 da réplica, deficientemente transposto para a alínea M) dos Factos Assentes). </font><br>
<font> 14. Nenhuma das assinaturas constantes do contrato referido foi objecto de reconhecimento presencial.</font><br>
<font> 15. Em 12 de Dezembro de 2003, no Cartório Notarial de Lagoa, os Réus outorgaram escritura pública de distrate da doação que realizaram ao seu filho, relativamente ao terreno prometido vender pelo contrato-promessa.</font><br>
<font> 16. O contrato-promessa referido foi sujeito a registo predial, passando a estar descrito na Conservatória do Registo Predial de Ponta Delgada sob o nº 1435/Matriz.</font><br>
<font> 17. A Autora ficou investida na posse do imóvel, a fim de nele iniciar as obras destinadas à ampliação de uma subestação, propriedade da Autora.</font><br>
<font> 18. A Autora construiu um muro a vedar o terreno em causa.</font><br>
<font>19. A ampliação da subestação é essencial para os interesses da Autora.</font><br>
<font>20. A Ré BB interveio no negócio apondo a sua impressão digital.</font><br>
<font>21. O custo do terreno para construção na zona em que se insere o terreno é de cerca de 350 €/m2.</font><br>
<font>22. O Réu AA foi contactado inúmeras vezes por representantes da Autora antes de aceitar vender o terreno pelo preço por estes oferecido.</font><br>
<font>23. Foi-lhe dito por aqueles que o teria de alienar forçosamente, por acordo ou mediante expropriação.</font><br>
<font>24. O AA não queria vender o prédio, só o tendo prometido vender pelo preço que acordou porque estava convencido que, caso aquele viesse a ser expropriado, o que tinha por certo, não receberia preço superior ao ajustado.</font><br>
<font>25. Caso seja aprovada construção no terreno, este valerá cerca de vinte vezes mais do que o preço acordado para a venda.</font><br>
<font>26. Os Réus não têm experiência em negócios de compra e venda de terrenos.</font><br>
<font>27. A venda do terreno inviabiliza a construção de quatro dos lotes de possível loteamento com nove lotes que poderia ser implantado no prédio do qual aquele foi destacado, caso o mesmo viesse a ser aprovado.</font><br>
<font>28. O Réu enviou à Autora um cheque do valor que havia recebido pelo terreno.</font><br>
<font>29. A gleba de terreno está como sempre esteve, ou seja, sem quaisquer obras, a não ser os muros que a Autora fez.</font><br>
<font>30. Em 1996, os Réus doaram ao filho o prédio em que o terreno se insere, bem como outros três prédios, doação que veio a ser distratada na escritura referida.</font><br>
<font>31. O contrato foi redigido, previamente, pelos serviços da Autora e apresentado aos Réus para subscrição, sendo certo que estes sabiam que o mesmo se destinava à venda da parcela nele descrita e conheciam o preço estipulado.</font><br>
<font>32. Em 18 de Outubro de 2005, o Réu AA subscreveu requerimento que lhe foi apresentado por representantes da Autora, no qual era pedida a desanexação do terreno que prometera vender.</font><br>
<br>
<font>III – 1. Segundo o nº 1 do artigo 410º do Código Civil, “À convenção pela qual alguém se obriga a celebrar certo contrato são aplicáveis as disposições legais relativas ao contrato prometido, exceptuadas as relativas à forma e as que, por sua razão de ser, não se devam considerar extensivas ao contrato-promessa”.</font><br>
<br>
<font>Trata-se, assim, de um contrato que tem por objecto uma obrigação de prestação de facto, que consiste precisamente na celebração do contrato prometido, através da emissão das declarações negociais que lhe são próprias, formalizadas ou não consoante os requisitos de forma consignados na lei.</font><br>
<br>
<font>Respeita sempre, funcionalmente, a outro negócio, o qual constitui o seu objecto.</font><br>
<br>
<font>Logo, o objecto imediato do contrato-promessa consiste na realização do contrato prometido, sendo o deste último objecto mediato daquele.</font><br>
<br>
<font>“Se alguém se tiver obrigado a celebrar certo contrato e não cumprir a promessa, pode a outra parte, na falta de convenção em contrário, obter sentença que produza os efeitos da declaração negocial do faltoso, sempre que a isso não se oponha a natureza da obrigação assumida” – artigo 830º, nº 1, do citado diploma.</font><br>
<font> </font><br>
<font>2. Postos estes princípios legais, e sendo as conclusões delimitadoras do objecto do recurso (artigos 684º, nº 3, e 690º, nº1, do Código de Processo Civil/CPC), diremos que os recorrentes praticamente reproduzem </font><i><font>ipsis verbis</font></i><font> o que consta das conclusões apresentadas no seu recurso de apelação interposto da sentença proferida na 1ª instância, esquecendo que o que estão a impugnar é o acórdão da Relação e não aquela sentença e chegando mesmo ao ponto de referir que a sentença recorrida violou determinados preceitos legais e que se deve substituir a sentença por outra que os absolva do pedido.</font><br>
<br>
<font>Assim sendo, e apesar da deficiente alegação (com respectivas conclusões) dos recorrentes, temos de reconhecer que estes pretenderam suscitar no presente recurso de revista as mesmas questões que colocaram perante a Relação, que são as seguintes:</font><br>
<br>
<font>- nulidade do contrato-promessa (ao contrário do entendimento da Relação, temos como certo que já não estava questionada a questão da falta de legitimidade da Ré, pois, tendo a mesma sido suscitada na contestação, foi tal excepção dilatória julgada improcedente no despacho saneador, decisão esta que, por não ter sido impugnada, transitou em julgado, constituindo caso julgado formal, nos termos do artigo 510º, nºs 1, a), e 3, 1ª parte, do CPC);</font><br>
<font>- anulabilidade do contrato-promessa por usura.</font><br>
<br>
<font>3. No tocante à primeira das enunciadas questões, pode ler-se no acórdão recorrido:</font><br>
<br>
<font>“Tendo ficado assente que a Ré subscreveu o contrato em análise, está ultrapassada, como assinalou a sentença recorrida, a invocada ilegitimidade da mesma Ré.</font><br>
<font>Não se levantando dúvidas sobre a autenticidade da impressão digital aposta no contrato-promessa pela Ré, fica também prejudicada a arguida nulidade, por a mencionada impressão digital não ter sido aposta com presença notarial.</font><br>
<font>Quanto à alegada falta de eficácia real, como se sabe é facultativa e só é exigível se os contratantes quiserem que o acordado produza efeitos em relação a terceiros – </font><b><i><font>por todos veja-se Calvão da Silva, na sua obra “Sinal e Contrato-Promessa”, recentemente revista e actualizada (12ª edição), Almedina, fls. 20 a 22-.</font></i></b><br>
<font>Por último, diga-se que a prova carreada para os autos demonstra que os RR. tiveram conhecimento dos elementos essenciais do negócio em discussão, estando cientes não só do preço como da razão por que aceitaram aliená-lo.</font><br>
<font>Não se vislumbra, pois, a ilegitimidade e nulidade alegadas pelos RR.”.</font><br>
<br>
<font>4. Referem os recorrentes que o facto de a Ré ter aposto a sua impressão digital no contrato não significa que soubesse o conteúdo e alcance do que estava escrito no papel que lhe deram para pôr a sua assinatura digital.</font><br>
<font>Mais dizem que, para que isso fosse verdade, e o contrato válido, era necessário que a assinatura fosse reconhecida por reconhecimento presencial, confirmado ou dado perante o notário, com a menção de que o rogante não sabe ou não pode assinar, no próprio acto de reconhecimento da assinatura e depois de lido o documento ao rogante (artigo 154º do Código do Notariado), e que não resulta provado em parte alguma que o contrato foi lido aos Réus e que estes tivessem por bom o seu conteúdo.</font><br>
<br>
<font>Não lhes assiste a mínima razão.</font><br>
<br>
<font>Do elenco de factos provados já resulta que ambos os Réus foram outorgantes do contrato-promessa em causa, na qualidade de promitentes-vendedores.</font><br>
<br>
<font>Não concordando com tal conclusão, logo consubstanciada nos Factos Assentes, apresentaram os Réus uma reclamação, ao abrigo do disposto no artigo 511º, nº 2, do CPC.</font><br>
<br>
<font>Sobre tal reclamação, recaiu o despacho de fls. 183, a indeferir, nessa parte, tal reclamação, aí, a dado passo, se podendo ler:</font><br>
<font>“Salvo o devido respeito, não se concorda com os RR, pois, por um lado, do documento junto aos autos retira-se que o mesmo foi assinado por ambos os RR e por outro lado do teor do documento resulta que a indicação de primeiros contraentes é sempre feita no plural”.</font><br>
<br>
<font>Poderiam os Réus impugnar este despacho no recurso que interpuseram da decisão proferida na 1ª instância a julgar procedente a acção (cfr. nº 3 do citado artigo 511º), mas não o fizeram de forma expressa, se bem que persistissem na alegação de que o contrato é nulo por essa e outras razões.</font><br>
<br>
<font>Admitindo-se que a Ré não outorgou o contrato-promessa, a verdade é que não lograram os Réus provar que ela não deu o seu consentimento à venda do terreno que é objecto de tal contrato, como resulta da resposta restritiva dada ao quesito 4º da base instrutória.</font><br>
<br>
<font>Aliás, os factos provados demonstram que a Ré aceitou integralmente os termos do contrato, nomeadamente recebendo, juntamente com o Réu, seu marido, o preço estipulado no contrato.</font><br>
<br>
<font>Logo, a questão da aposição ou não da impressão digital estaria prejudicada.</font><br>
<br>
<font>De qualquer forma, tal aposição – aceite pelos Réus – confirma plenamente a sua qualidade de outorgante do contrato-promessa, como bem entenderam as instâncias.</font><br>
<br>
<font>Não está aqui em causa o reconhecimento de uma assinatura feita a rogo e a aplicação do artigo 154º do Código do Notariado, pois ninguém assinou a rogo da Ré, tendo esta se limitado a apor a sua impressão digital no contrato para, juntamente com seu marido, ser titular dos direitos decorrentes desse contrato e assumir as obrigações dele resultantes.</font><br>
<br>
<font>Assim sendo, não se coloca aqui a questão da leitura ou da explicação do conteúdo do contrato (cfr. nº 2 do citado artigo 154º), sendo certo que não estamos perante qualquer contrato de adesão.</font><br>
<br>
<font>5. Passemos à questão da usura.</font><br>
<br>
<font>Segundo o nº 1 do artigo 282º do Código Civil, “É anulável, por usura, o negócio jurídico, quando alguém, explorando a situação de necessidade, inexperiência, ligeireza, dependência, estado mental ou fraqueza de carácter de outrem, obtiver deste, para si ou para terceiro, a promessa ou a concessão de benefícios excessivos ou injustificados”.</font><br>
<br>
<font>Depois de se descrever o que consta da sentença da 1ª instância e de se recordar o que se provou quanto às circunstâncias que rodearam o negócio (Factos supra enunciados sob os nºs 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 24, 25, 26 e 27), escreveu-se no acórdão recorrido:</font><br>
<br>
<font>“Valorando esta prova, podemos dizer com segurança que não foi a avançada idade dos RR., nem a sua inexperiência em matéria negocial que os levaram a subscrever o contrato.</font><br>
<br>
<font>Tudo leva a crer que se decidiram por aceitar o preço proposto porque, </font><i><font>“o R. estava convencido que, caso aquele viesse a ser expropriado, o que tinha por certo, não receberia preço superior ao ajustado.”</font></i><font> </font><br>
<br>
<font>Daí que a sentença objecto de recurso ponha o “dedo na ferida” ao apontar como causa para a recusa dos RR. em efectuar a escritura, a perspectiva de, futuramente, no terreno em disputa ser autorizada construção, o que tornaria o seu valor cerca de vinte vezes maior.</font><br>
<br>
<font>Não se apurou, pois, que a A. tenha actuado de má fé, aproveitando-se da citada inexperiência negocial dos RR..</font><br>
<br>
<font>Antes, como se frisou, provou-se que os RR., posteriormente e perante a perspectiva de valorização do terreno prometido vender à A., deixaram de ter interesse em concretizar a sua prometida venda.</font><br>
<br>
<font>Acontece que tal desinteresse não é tutelável em termos de direito – estamos no domínio do risco de qualquer negócio livremente celebrado entre as partes”.</font><br>
<font> </font><br>
<font>Em anotação ao aludido artigo 282º do Código Civil, diz o Conselheiro RODRIGUES BASTOS (Notas ao Código Civil, Vol. II, págs. 39 e 40:</font><br>
<br>
<font>“Primeiramente tem de se verificar a obtenção de promessa ou concessão de benefício </font><i><font>excessivo </font></i><font>ou </font><i><font>injustificado</font></i><font>. Para apreciar esse carácter excessivo ou injustificado há que considerar o valor objectivo das prestações, calculado em obediência aos critérios gerais dominantes no momento de contratar, tendo em vista as conjunturas desse momento e a maior ou menor segurança que reina no mercado, como ensina a doutrina suíça. Esse será o elemento objectivo a ter em conta.</font><br>
<font>Mas além deste, requer-se, também, a constatação doutro elemento, de natureza subjectiva, que consiste na exploração consciente, por uma das partes, da necessidade, inexperiência, ligeireza, dependência, deficiência mental ou fraqueza de carácter da outra no momento de contratar. Não é preciso que o beneficiado induza o outro contraente a praticar o acto; baste que se aproveite conscientemente da sua situação de inferioridade, para auferir um benefício excessivo”. </font><br>
<br>
<font>Pode ler-se na sentença da 1ª instância:</font><br>
<br>
<font>“</font><i><font>In casu</font></i><font>, a desproporção entre o preço de venda e o valor real do terreno vendido reporta-se a uma eventualidade, qual seja a virtualidade construtiva no mesmo. Só verificada essa hipótese, valerá este cerca de vinte vezes mais do que o preço acordado para a venda.</font><br>
<font>Não se tendo provado que o terreno tem tal potencialidade, não é legítimo concluir da manifesta discrepância entre o valor real e o valor por que foi prometido vender o terreno. A prova de tal facto incumbiria aos réus – cfr artigo 342º, nºs 1 e 2, do Código Civil.</font><br>
<font>Falhando este requisito objectivo, por maioria de razão se terá de afastar o relativo ao aproveitamento consciente e intencional, por parte da autora, de especial debilidade dos réus em termos negociais. Na verdade, só se pode censuravelmente aproveitar quem retira vantagens excessivas. Pressuposto que, como vimos, não é possível retirar da factualidade apurada”.</font><br>
<br>
<font>6. Concorda-se inteiramente com o exposto. </font><br>
<br>
<font>Na verdade, não estamos perante qualquer situação de usura que possa conduzir à anulabilidade do contrato-promessa.</font><br>
<br>
<font>Antes, estamos perante um contrato livremente celebrado pelos respectivos outorgantes, em obediência ao princípio da liberdade contratual previsto no artigo 405º do Código Civil, sendo que qualquer contrato deve ser pontualmente cumprido (cfr. artigo 406º, nº 1, do mesmo diploma).</font><br>
<br>
<font>Ao contrário do que defendem os recorrentes, a execução específica prevista no artigo 830º do Código Civil não exige que ao contrato haja sido atribuída eficácia real e que haja inscrição da mesma no registo.</font><br>
<br>
<font>Acresce, por fim, que, efectivamente, e como alegam, os recorrentes têm direito ao arrependimento.</font><br>
<br>
<font>Só que tal arrependimento não releva juridicamente.</font><br>
<br>
<font>7. Resulta do exposto que não colhem as conclusões dos recorrentes, tendentes ao provimento do recurso, pelo que o acórdão recorrido terá de se manter.</font><br>
<br>
<font>Não se mostram, assim, violados os normativos legais apontados pelos recorrentes (não compreendemos a chamada à colação que fazem de preceitos do Código das Expropriações, referentes a processos de carácter litigioso).</font><br>
<br>
<font>IV – Nos termos expostos, acorda-se em negar a revista, confirmando-se, em consequência, a decisão recorrida.</font><br>
<br>
<font>Custas pelos recorrentes.</font><br>
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<font> Lisboa, 6 de Maio de 2008 </font><br>
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<font>Moreira Camilo (Relator)</font><br>
<font>Urbano Dias</font><br>
<font>Paulo Sá</font></font>
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TjLWu4YBgYBz1XKv-Ui3
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1.ª Secção (Cível)
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<b><font> </font></b><font><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font><br>
<br>
<br>
<font>I. No dia 18.4.96, cerca das 6,40 horas, na Avenida da Lousã, em Coimbra, deu-se um acidente de viação entre o veículo ligeiro de passageiros Peugeot 106, de matrícula ET, conduzido por A, e o comboio nº 6500 (automotora da Lousã), conduzido pelo maquinista da CP, B no âmbito das suas funções.</font><br>
<font>Do acidente resultaram para A prejuízos, tanto pessoais como</font><br>
<font>materiais, motivo pelo qual, imputando a culpa ao maquinista da automotora, accionou a CP - Companhia dos Caminhos de Ferro Portugueses, EP, para obter a sua condenação no pagamento duma indemnização no valor de 38.789.000$00.</font><br>
<font>A ré contestou.</font><br>
<font>Impugnou a existência e extensão dos danos invocados e atribuiu a totalidade da culpa à autora.</font><br>
<font>Requereu a apensação de duas outras acções propostas com base no mesmo acidente, o que foi deferido.</font><br>
<font>Seguindo o processo os trâmites legais, foi proferida sentença que a condenou a pagar à autora a quantia de 5.197.250$00 (ou 25.923.77 €), absolvendo-a do restante pedido.</font><br>
<font>Julgando parcialmente procedentes as apelações interpostas pela autora e pela ré, a Relação condenou esta no pagamento de 13.536.059$00 (ou 66.803,75 €), especificando que incidem juros à taxa legal desde a data do acórdão sobre o devido a título de danos morais (2.868.750$00) e desde a</font><br>
<font>data da citação sobre o restante quantitativo indemnizatório</font><br>
<font>(10.667.309$00).</font><br>
<font>A ré pede revista deste acórdão, sustentando que:</font><br>
<font>a) Deve ser absolvida do pedido porque nenhuma culpa teve na produção do acidente, sendo a da autora de 75%;</font><br>
<font>b) Quando assim não se entenda, deve graduar-se em menor grau - nunca superior a 12,5% - a culpa da CP;</font><br>
<font>c) Deve fixar-se em 9.975,96 € (2 mil contos) a indemnização atribuída a título de danos morais e em 55.261,32 € (11.078.900$00) a fixada por força da IPP de que a autora é portadora.</font><br>
<font>Não houve contra alegações.</font><br>
<font>Cumpre decidir.</font><br>
<br>
<font>II. São duas as questões centrais a apreciar no presente recurso: a culpa na produção do acidente e a quantificação de parte dos danos sofridos pela lesada.</font><br>
<font>Vamos apreciá-las por esta ordem.</font><br>
<font>A) A questão da culpa Na análise deste problema as instâncias tomaram em consideração a culpa da Refer, EP, pessoa colectiva de direito público que tem por objecto principal a prestação do serviço público de gestão da infra-estrutura integrante da rede ferroviária nacional, nela delegado por efeito automático do diploma legal que a criou (art.º 2º, nº 1, do DL 104/97, de 29/4). Porém, a Refer surge demandada apenas numa das acções cuja apensação a esta foi ordenada, proposta pela Companhia C contra ela e também contra a CP, e que visou a condenação de ambas na quantia paga por aquela seguradora ao proprietário do veículo conduzido pela lesada, destruído em consequência do acidente. Nenhum pedido a autora nesta acção (a principal), deduziu contra a Refer; nem tinha, em princípio, que fazê-lo, pois à data dos factos discutidos esta empresa ainda não tinha existência jurídica, não podendo por eles ser responsabilizada. É certo que os direitos e as obrigações integrantes do património da CP, "afectos às infra-estruturas integrantes do domínio público ferroviário", foram transferidos para a Refer, "sem alteração de regime" (art.º 11º, nº 3, do DL</font><br>
<font>citado). E também é certo que, por força do art.º 14º, nº 2, do mesmo diploma, a Refer sucedeu na posição jurídica da CP, contratual ou extracontratual (seria este o caso dos autos). Tal sucessão, porém, nos termos do mesmo preceito, processa-se "através de protocolos" a celebrar entre as duas empresas, "os quais identificarão as posições jurídicas a transmitir". Deste modo, não estando demonstrada no processo a existência de qualquer protocolo contemplando a posição jurídica da CP na relação litigiosa decorrente do acidente ajuizado, está fora de causa "distribuir" por ambas as entidades a culpa que à CP possa vir a ser atribuída na eclosão do acidente; para fixar a indemnização devida à lesada, a culpa, caso exista, dividir-se-á, se for caso disso, somente entre ela e a CP.</font><br>
<br>
<font>Vejamos os factos relativos ao acidente definitivamente assentes que interessam à solução do problema. São os seguintes:</font><br>
<font>1) O veículo ET seguia no sentido Portagem/Calhabé, sendo que o fazia pelo "corredor" mais à esquerda dos dois que a sua faixa de rodagem contém, no sentido em que seguia. </font><br>
<font>2) Na ocasião do embate a Avenida da Lousã tinha pouco movimento e apresentava-se no local seca, de traçado recto, plano, asfaltada, tendo de largura cerca de 20 metros. </font><br>
<font>3) A Avenida da Lousã é interceptada ou cortada na diagonal pela via férrea. </font><br>
<font>4) O local onde ocorreu o acidente é precedido por dois sinais de perigo de aproximação de passagem de nível sem guarda, apostos pelo Município de Coimbra alguns metros antes dos sinais semafóricos existentes na transposição da Av. Navarro com a Av. da Lousã e que se encontram colocados em cada um dos lados da via por onde circulou o veiculo ET. </font><br>
<font>5) A automotora saiu do apeadeiro de Coimbra Parque com destino à Estação Nova de Coimbra, seguindo o maquinista em obediência às ordens do Chefe de Comboios e ao serviço da CP, e não sendo acompanhado por qualquer autoridade a antecipar a circulação. </font><br>
<font>6) O semáforo existente no local referenciado em 4) estava na posição de luz verde no sentido de marcha do veículo ET.</font><br>
<font>7) Ao aproximar-se do local do acidente a condutora do veiculo ET deparou com o comboio nº 6500 (automotora da Lousã), que circulava no sentido Apeadeiro do Parque - Portagem. </font><br>
<font>8) A automotora invadiu a faixa de rodagem por onde circulava o veículo ET, o qual, no momento do embate, seguia na semi-faixa da esquerda da faixa de rodagem, atento o sentido de marcha deste. </font><br>
<font>9) A linha-férrea atravessa obliquamente ambos os "corredores" que existem na semi-faixa de rodagem por onde circulava o ET. </font><br>
<font>10) O embate ocorreu na semi-faixa da esquerda da faixa de rodagem, atento o sentido de marcha do ET, a cerca de 3,60 metros do separador central que à sua esquerda se interpõe entre a faixa de rodagem em que seguia e a afecta ao sentido contrário. </font><br>
<font>11) O embate entre o ET e automotora deu-se entre a parte da frente esquerda, e lado esquerdo deste e entre o espigão da automotora, que serve para engatar as composições umas nas outras e o pára-choques da automotora, ambos do lado esquerdo. </font><br>
<font>12) O ET foi projectado a 12,50 metros, imobilizando-se a cerca de 6,70 metros do passeio existente à sua direita, atento o seu sentido inicial de marcha, junto ao estacionamento de automóveis do "fundo do Parque da Cidade". </font><br>
<font>13) O local onde ocorreu o acidente é comum à circulação rodoviária e ferroviária. </font><br>
<font>14) A automotora saiu da Estação do Parque, seguindo no sentido da Portagem, com o farol ligado, e quando o respectivo maquinista se apercebeu da iminência do embate buzinou algumas vezes. </font><br>
<font>15) Vendo o veículo ET a aproximar-se e que o mesmo</font><br>
<font>continuava na semi-faixa de rodagem situada à esquerda, atento o sentido deste, o maquinista accionou o travão da automotora. </font><br>
<font>16) Os outros veículos automóveis que circulavam no local reduziram as respectivas marchas, dispondo-se a parar. </font><br>
<font>17) Quando saiu da Estação do Parque a automotora passou a circular à velocidade de "marcha à vista", inferior a 5 km/hora, e logo que o maquinista se apercebeu da iminência do embate travou, sendo que quando ele ocorreu a automotora ainda se encontrava em andamento, tendo-se imobilizado pouco depois. </font><br>
<font>18) O comboio quando sai anda sempre de uma forma a que se dá o nome de "marcha à vista", ou seja, o comboio desloca-se sempre de modo a que o maquinista o possa parar no espaço da via livre visível à sua frente por não haver naquele local barreira, impedimento ou empeço que os veículos automóveis não consigam transpor e que balize a faixa da via destinada ao trânsito automóvel. </font><br>
<font>19) A Av. da Lousã é uma via de sentido único constituída por</font><br>
<font>três filas de trânsito, havendo um cruzamento da via pública com as linhas ferroviárias sem barreiras e sem sinalização luminosa e ou sonora de aproximação de circulações ferroviárias. </font><br>
<font>20) Do lado de onde provém a automotora não existem semáforos, avançando esta por ordem do chefe da estação. 21) O chefe da estação mandou avançar a automotora quando os sinais semafóricos se encontravam na posição de verde para o veículo ET.</font><br>
<font>22) Os carris do comboio estão ao mesmo nível que a estrada, passando comboios e carros pelo mesmo espaço.</font><br>
<br>
<font>Em presença destes factos a primeira instância considerou que a autora, de um lado, e a CP e Refer, do outro, contribuíram culposamente em idêntica proporção - 50% - para a eclosão do acidente. A Relação, por seu turno, concluiu também pela existência de culpas concorrentes, mas decidiu</font><br>
<font>alterar a proporção da sentença, fixando-a em 15% para a autora e 85% para a CP; logo acrescentou, todavia, "que esta proporção incide apenas sobre 75% do total indemnizatório que for atribuído, já que se mantém a proporção de 25% de culpa da Refer no deflagrar do sinistro". A recorrente, por fim, sustenta que toda a culpa recai sobre a autora, embora admita, sem conceder, culpa própria em proporção não excedente a 12,5%.</font><br>
<br>
<font>A nossa apreciação, tudo visto e ponderado, não coincide nem com a das instâncias, nem com a da ré.</font><br>
<font>A posição da Relação sofre dum vício lógico intrínseco que nos impede à partida de aventar a sua aceitação. É que, talvez influenciada pelo facto de a "conduta" da Refer não estar aqui em causa para dela exigir a responsabilidade civil, "fraccionou" artificialmente a realidade sobre a qual tinha de pronunciar-se, assim subtraindo à indemnização a fixar aquela</font><br>
<font>parte que haveria de traduzir em termos práticos, digamos assim, a proporção de culpa daquela empresa que na sentença se estabeleceu, equivalente a 25%. Todavia, como neste ponto com razão se observa na alegação da revista, o tribunal deve reconhecer o grau de culpa na produção do acidente de quem efectivamente a tem, seja ou não parte na acção. Isto significa que o facto lesivo deve ser julgado no seu todo, na sua globalidade, apreciando-se autonomamente a culpa de cada um dos intervenientes antes ainda de quantificar os danos a indemnizar - e sem curar de saber se, por todos estarem em juízo, a sua concreta responsabilização em função da culpa fixada é viável. A razão da recorrente, contudo, termina aqui, pois, como já se viu, o problema da</font><br>
<font>responsabilidade da Refer não se coloca (rectius, não tem cabimento) no caso presente; e esse facto, como é evidente, impediria sempre a projecção da culpa desta entidade no montante da indemnização que venha a ser atribuída à autora.</font><br>
<font>Segundo a sentença, a autora teve culpa porque: </font><br>
<br>
<font>a) Circulava na semi faixa mais à esquerda, devendo fazê-lo pela direita; se o fizesse, teria tido mais espaço para fugir da automotora e, assim, evitar ou minimizar o embate; </font><br>
<font>b) Devia ter regulado a velocidade por forma a parar antes de embater na automotora, que deveria ter visto, como sucedeu com os outros condutores que na altura ali circulavam;</font><br>
<font>c) Só por distracção ou cansaço se justifica que não tenha visto o comboio, dada a curta distância a que se encontrava e a volumetria daquele; de resto, o local é iluminado, havia sinais de trânsito e o comboio seguia com o farol ligado e buzinou.</font><br>
<br>
<font>A isto pode objectar-se com segurança o que segue.</font><br>
<font>Primeiro: Não resulta dos factos apurados que a circulação do ET pela semi-faixa mais à esquerda tenha tido interferência, ou melhor, tenha sido determinante na eclosão do acidente; tendo em conta, por um lado, que a linha férrea atravessa obliquamente (e não na perpendicular) ambos os "corredores" da faixa de rodagem, e não se sabendo, por outro, a que</font><br>
<font>distância se encontrava a automotora quando a autora "transpôs" o semáforo, não é objectivamente possível concluir com um mínimo de certeza que o embate não teria ocorrido se a circulação do automóvel se fizesse mais (muito ou pouco) pela direita.</font><br>
<font>Segundo: De igual modo, de nenhum facto apurado se deduz que a velocidade do ET fosse excessiva; na falta de outros elementos concludentes, o embate, por si só, não permite semelhante conclusão;</font><br>
<font>entendimento diverso levar-nos-ia invariavelmente à conclusão de que, verificado um acidente num cruzamento de viaturas, pelo menos um deles (quando não os dois) estariam a circular com excesso de velocidade, afirmação esta que, em tese geral e em abstracto, não se afigura razoável.</font><br>
<font>Terceiro: Por fim, também não cremos que colha o fundamento (invocado quer na sentença, quer no acórdão recorrido) de que a autora devia ter visto a automotora, por nada haver que o impedisse; esta ponderação, aparentemente relevante para o efeito de lhe imputar certa dose de culpa, perde todo o seu peso e força persuasiva quando se coloque no devido lugar, dando-lhe a importância que efectivamente lhe cabe, o facto de a autora ter avançado quando o semáforo estava na posição de luz verde para quem conduzia no seu sentido de marcha; o que isto significa,</font><br>
<font>inegavelmente, é que ela dispunha do direito de prioridade de passagem, direito este cuja consistência prática fica irremediavelmente comprometida quando se defenda que, por não ser absoluto nem incondicionado, deveria ter conduzido a autora, nas circunstâncias provadas,"a ceder a passagem ao comboio; com efeito, importa ter em conta que este recebeu ordem para avançar quando o semáforo estava verde para a autora; que "invadiu" (sic) a faixa de rodagem por onde circulava o ET; que quando o choque se deu ainda se encontrava em andamento; que o maquinista só reagiu, travando, quando o embate estava iminente; e que os sinais de aproximação de passagem de nível sem guarda não impediam o direito de prioridade de passagem que o sistema de semáforos conferia aos automobilistas pela razão simples, mas decisiva, de que não tem aplicação à situação em análise o regime legal das passagens de nível, que nestes locais reconhece a prioridade absoluta de passagem aos veículos ferroviários (cfr. art.ºs 1º, nº 1 e 2, d), e 3º do DL 156/81, de 9.6.81. </font><br>
<br>
<font>O que da conjugação de todos estes elementos se retira é que a circunstância de o comboio ter passado a circular a uma velocidade inferior a 5 Km/hora quando saiu da estação do parque e com o farol aceso, tendo a buzina sido algumas vezes accionada na iminência do choque, não foi suficiente para obstar ao sucedido; e isto porque, em derradeiras contas, o chefe da estação e o maquinista, por inadvertência, descuido ou por qualquer outra razão, ignoraram o direito de prioridade de passagem do veículo automóvel; direito este que, no caso, justificava a legítima confiança da autora de que nenhum obstáculo encontraria na transposição da linha ferroviária, sobretudo quando não ficou provado que, desprezando cuidados elementares, "abusou" da sua primazia; nenhum facto, na verdade, autoriza a conclusão de que a recorrida, agindo como agiu, contribuiu culposamente para a eclosão do acidente; e a distracção ou cansaço de que se fala na sentença é uma simples conjectura que, como tal, não pode servir de fundamento para alicerçar qualquer juízo de censura.</font><br>
<font>Concluímos, assim, contrariamente à tese do recurso e, em parte, das instâncias, que toda a culpa recai sobre a ré, não havendo lugar à sua repartição com a autora.</font><br>
<br>
<font>B) A questão dos danos.</font><br>
<font>Só estão em causa os danos decorrentes da IPP e os danos morais; todos os restantes prejuízos estão fora do objecto da revista, tendo transitado o que a seu respeito já se decidiu.</font><br>
<font>Provou-se que:</font><br>
<br>
<font>1) A autora (que nasceu a 22.7.67) sofreu traumatismo craneano-encefálico grave, com traumatismo e fracturas de toda a região facial, edema cerebral e hemorragia bulbar, tendo sido transportada em ambulância para os HUC, semi-consciente, onde ficou internada por longo período de tempo.</font><br>
<font>2) Teve que ser submetida a diversas intervenções cirúrgicas. 3) Foi-lhe aplicado material de osteossíntese. </font><br>
<font>4) Foi submetida a nova intervenção para lhe ser retirado o material de osteossíntese. </font><br>
<font>5) Sofreu enxerto ósseo na zona afectada e teve que se sujeitar à colheita deste na região ilíaca. </font><br>
<font>6) É portadora de sequelas anátomo-funcionais que se traduzem por uma IPP fixável em 35%. </font><br>
<font>7) Padece (e padecerá) de fortes dores físicas resultantes dos prolongados tratamentos e intervenções cirúrgicas de que foi alvo e morais que a afectam e que a perturbam e impedem de boa parte dos seus comportamentos como mulher, designadamente para efeitos de líbido. </font><br>
<font>8) Era uma rapariga nova, cheia de vigor e energia. </font><br>
<font>9) Passou a dar um menor acompanhamento à sua filha.</font><br>
<font>10) À data do acidente exercia funções de recepcionista no Hotel Quinta das Lágrimas, em Coimbra, auferindo o vencimento mensal de 85.000$00.</font><br>
<font>11) Mensalmente, recebeu da Segurança Social a quantia de 65.000$00 durante os anos de 1996 e 1997 e de 71.430$00 durante o ano de 1998. </font><br>
<font>12) O vencimento actual da categoria de recepcionista é de 95.000$00 mensais. </font><br>
<font>13) No dia 18/04/96 foi assistida no Serviço de Urgência dos HUC, tendo ficado internada primeiro nos Serviços de Medicina Intensiva (Reanimação) e sendo depois transferida para o Serviço de Neurotraumatologia. </font><br>
<font>14) Passou em seguida para o Serviço de Cirurgia Maxilo-Facial e depois ainda para o Serviço de Ortopedia IV, onde permaneceu até ao dia 21.05.96. </font><br>
<font>15) Voltou de novo a receber assistência em regime de internamento no serviço de cirurgia maxilo-facial em 02.07.96 e de 04 a 12.03.98, e em regime de consultas externas até ao dia 14.10.98.</font><br>
<br>
<font>Danos derivados da IPP:</font><br>
<font>O problema em aberto diz respeito à indemnização devida à autora pelos danos futuros associados à IPP de que ficou a padecer, danos estes a que a lei manda atender desde que sejam previsíveis (art.º 564º, nº 2, do CC).</font><br>
<font>Trata-se duma quantificação difícil de fazer, pois tem de fundar-se em dados sempre contingentes, tais como a idade, o tempo de vida (activa e física) e a evolução do salário do lesado, bem como da taxa de juro. Daí que, como já referimos em inúmeros acórdãos deste Supremo Tribunal, a jurisprudência nacional tenha vindo a fazer um grande esforço de clarificação na matéria, visando o estabelecimento de critérios de apreciação e de cálculo dos danos que reduzam ao mínimo a margem de arbítrio e de subjectivismo dos magistrados, por forma a que as decisões, convencendo as partes devido ao seu mérito intrínseco, contribuam para uma maior certeza na aplicação do direito e para a redução da litigiosidade a proporções mais razoáveis. Assim, assentou-se de forma bastante generalizada nas seguintes ideias (cfr, por último, os acórdãos deste Supremo Tribunal de 10.2.98 e 25.6.02, na CJ Ano VI, I, 66, e Ano X, II, 128, ambos fazendo</font><br>
<font>um ponto da situação bastante completo):</font><br>
<font>a) A indemnização deve corresponder a um capital produtor do rendimento que a vítima não auferirá e que se extingue no final do período provável de vida;</font><br>
<font>b) No cálculo desse capital interfere necessariamente, e de forma decisiva, a equidade, o que implica que deve conferir-se relevo às regras da experiência e àquilo que, segundo o curso normal das coisas, é razoável;</font><br>
<font>c) As tabelas financeiras por vezes utilizadas para apurar a indemnização têm um mero carácter auxiliar, não substituindo de modo algum a ponderação judicial com base na equidade;</font><br>
<font>d) Deve ser proporcionalmente deduzida no cômputo da indemnização a importância que o próprio lesado gastará consigo mesmo ao longo da vida (em média, para despesas de sobrevivência, um terço dos proventos (1) 13 auferidos), consideração esta que vale tanto no caso de incapacidade</font><br>
<font>permanente total como parcial;</font><br>
<font>e) Deve ponderar-se a circunstância de a indemnização ser paga de uma só vez, o que permitirá ao seu beneficiário rentabilizá-la em termos financeiros;</font><br>
<font>logo, haverá que considerar esses proveitos, introduzindo um desconto no valor achado, sob pena de se verificar um enriquecimento sem causa do lesado à custa alheia;</font><br>
<font>f) Deve ter-se em conta, não exactamente a esperança média de vida activa da vítima, mas sim a esperança média de vida, uma vez que, como é óbvio, as necessidades básicas do lesado não cessam no dia em que deixa de trabalhar por virtude da reforma (em Portugal, no momento presente, a esperança média de vida dos homens já é de sensivelmente 73 anos, e tem tendência para aumentar; e a das mulheres acaba de ultrapassar a barreira dos oitenta anos).</font><br>
<font>A propósito deste último ponto permitimo-nos transcrever o seguinte passo do acórdão deste tribunal atrás referido em segundo lugar, fazendo nossas estas palavras:</font><br>
<br>
<font>"Na verdade, sendo vários os critérios que vêm sendo propostos para determinar a indemnização devida pela diminuição da capacidade de ganho, e nenhum deles se revelando infalível, devem eles ser tratados como meros instrumentos de trabalho com vista à obtenção da justa indemnização, pelo que o seu uso deve ser temperado por um juízo de equidade, nos termos do n.º 3 do artigo 566º.</font><br>
<br>
<font>A este propósito, dir-se-á, a título apendicular, que merece alguma reserva a consideração de uma determinada idade como limite da vida activa, posto que, atingida a mesma, isso não significa que a pessoa não pudesse continuar a trabalhar, ou que, simplesmente, não continue a viver ainda por muitos anos, tendo, nessa medida, direito a perceber um rendimento como se tivesse trabalhado até àquela idade normal para a reforma.</font><br>
<font>Ou seja, na determinação do quantum indemnizatório por danos futuros, merece reparo o entendimento segundo o qual, finda a vida activa do lesado, é ficcionado que também a vida física desaparece no mesmo momento - e com ela todas as necessidades do lesado.</font><br>
<font>Observar-se-á, porque se trata de factos notórios, que relevam da experiência da vida, que, em tese geral, as perdas salariais resultantes das consequências de acidentes continuarão a ter reflexos, uma vez concluída a vida activa, com a passagem à "reforma", em consequência da sua antecipação e/ou do menor valor da respectiva pensão, se comparada com aquela a que se teria direito se as expectativas de progressão na carreira não tivessem sido abruptamente interrompidas".</font><br>
<font>Danos morais:</font><br>
<font>No caso em exame nem mesmo a recorrente coloca em dúvida que os danos morais existem, assumindo gravidade bastante para justificar a fixação duma indemnização que compense a autora; por isso, não há razão para encetar um discurso teórico e doutrinário tendente a fundamentar, em</font><br>
<font>abstracto, a sua concessão; não é essa, de resto, a função dos tribunais.</font><br>
<br>
<font>Assim, determinando a lei que a indemnização atenda aos danos que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito, e que o tribunal recorra à equidade na sua fixação em concreto, cabe agora ao Supremo Tribunal, como tribunal de revista, controlar o mérito do juízo equitativo a que a Relação procedeu. Dito doutra forma: compete-lhe verificar se as</font><br>
<font>circunstâncias específicas que individualizam o caso ajuizado, tornando-o, nesse sentido, único e irrepetível, foram sopesadas adequadamente, levando ao estabelecimento duma compensação justa. Ora, há alguns aspectos que a</font><br>
<font>propósito deste assunto devem ser postos em relevo. Já chamámos a atenção para eles noutros acórdãos em que se debateu a mesma questão de fundo. E não obstante a natureza do juízo a formular - um juízo equitativo, atento às particularidades do caso concreto, como se referiu - estamos em crer que são ponderações que valem, que devem influenciar (mais ou menos) a generalidade dos julgamentos a proferir em matéria de danos não patrimoniais. Passamos a enunciá-los.</font><br>
<br>
<font>Primeiro: está definitivamente enterrado o tempo da atribuição de indemnizações baixas, miserabilistas; hoje, os tribunais estão sensibilizados para a quantificação credível dos danos não patrimoniais - credível para o lesado e credível para a sociedade, respeitando a dignidade e o primado dos valores do ser, como acontece com a integridade física e a saúde, que o Estado garante a todos os cidadãos (art.ºs 9º, b), e 25º, nº 1, da Constituição2);</font><br>
<font>este "movimento" contra indemnizações meramente simbólicas não deixa de estar relacionado muito directamente, além do mais, com o aumento continuado e regular dos prémios de seguro que tem ocorrido no nosso país por imposição das directivas comunitárias, aumento esse cujo </font><br>
<font>objectivo fulcral (pelo menos no âmbito do seguro obrigatório de responsabilidade civil por acidentes de viação) não é o de garantir às companhias seguradoras lucros desproporcionados, mas antes o de, em primeira linha, assegurar aos lesados indemnizações adequadas.</font><br>
<font>Segundo: As indemnizações adequadas passam com cada vez maior frequência por uma valorização mais acentuada dos bens da personalidade física, espiritual e moral atingidos pelo facto danoso, bens estes que, incindivelmente ligados à afirmação pessoal, social e profissional do indivíduo, "valem" hoje mais do que ontem; e assim, à medida que com o progresso económico e social e a globalização crescem e se tornam mais próximos toda a sorte de riscos - riscos de acidentes os mais diversos, mas também, concomitantemente, riscos de lesão do núcleo de direitos que</font><br>
<font>integram o último reduto da liberdade individual, - os tribunais tendem a (2) interpretar extensivamente as normas que tutelam os direitos de personalidade, particularmente a do art.º 70º do Código Civil.</font><br>
<font>Terceiro: É necessário, em todo o caso, agir cautelosamente; e o Supremo Tribunal, nesta matéria, tem uma responsabilidade acrescida, dada a função que lhe está cometida de contribuir para a uniformização da jurisprudência;</font><br>
<font>não é conveniente, por isso, alterar de forma brusca os critérios de valoração dos prejuízos; não deve perder-se de vista a realidade económica e social do país; e é vantajoso que o trajecto no sentido duma progressiva actualização das indemnizações se faça de forma gradual, sem rupturas e sem desconsiderar (muito pelo contrário) as decisões precedentes acerca de casos semelhantes. Isto porque os tribunais não podem nem devem contribuir para alimentar a noção de que neste domínio as coisas são mais ou menos aleatórias, vogando ao sabor do acaso ou do arbítrio judicial. A justiça tem ínsita a ideia de proporção, de medida, de adequação, de</font><br>
<font>relativa previsibilidade; é tudo isto que no seu conjunto origina o sentimento de segurança, componente essencial duma sociedade assente em bases sólidas. Ora, de certo modo os tribunais são os primeiros responsáveis e sobretudo os principais garantes da afirmação de tais valores: cabe-lhes contrariar com firmeza a ideia de que os factos danosos</font><br>
<font>geradores de responsabilidade civil, muitas vezes tragédias pessoais e familiares de enorme dimensão material e moral, possam ser transformados em negócios altamente rendosos para pessoas menos escrupulosas.</font><br>
<font>Quarto: A indemnização prevista no art.º 496º, nº 1, do CC, mais do que uma indemnização é uma verdadeira compensação: segundo a lei, o objectivo que lhe preside é o de proporcionar ao lesado a fruição de vantagens e utilidades que contrabalancem os males sofridos e não o de o recolocar</font><br>
<font>"matematicamente" na situação em que estaria se o facto danoso não tivesse ocorrido; a reparação dos prejuízos, precisamente porque são de natureza moral (e, nessa exacta medida, irreparáveis, é uma reparação indirecta).</font><br>
<font>Quinto: Os componentes mais importantes do dano não patrimonial, de harmonia com a síntese feita no acórdão deste Tribunal de 15.1.02 3, são os seguintes: o dano estético - que simboliza o prejuízo anátomo-funcional associado às deformidades e aleijões que resistiram ao processo de tratamento e recuperação da vítima; o prejuízo de afirmação social - dano indiferenciado que respeita à inserção social do lesado, nas suas variadas vertentes (familiar, profissional, sexual, afectiva, recreativa, cultural, cívica); o prejuízo da "saúde geral e da longevidade" - em que avultam o dano da dor e o défice de bem estar, e que valoriza os danos irreversíveis na saúde e bem estar da vítima e o corte na expectativa de vida; o pretium juventutis - que realça a especificidade da frustração do viver em pleno a chamada primavera da vida; e o pretium doloris - que sintetiza as dores</font><br>
<font>físicas e morais sofridas no período de doença e de incapacidade temporária.</font><br>
<font>No caso dos autos, sopesando à luz das directrizes expostas todos os factos destacados, entende-se que a Relação decidiu bem ao fixar em 16.000 e 4.500 contos, respectivamente, os danos futuros decorrentes da IPP e os danos morais sofridos pela autora. São valores equitativos, realistas e proporcionados, que se ajustam bem ao circunstancialismo provado.</font><br>
<br>
<font>C) Consequências de A) e B):</font><br>
<font>À luz do que antecede justificar-se-ia, com referência aos prejuízos analisados, a atribuição duma indemnização coincidente com os valores que acabámos de indicar, superiores aos que a 2ª instância acabou por fixar em razão da proporção das culpas concorrentes que decidiu estabelecer.</font><br>
<font>Não o faremos, contudo, pois a autora não recorreu do acórdão da Relação e, por outro lado, a decisão do tribunal de recurso não pode ser mais (3) desfavorável ao recorrente do que a decisão recorrida (proibição da reformatio in pejus - art.º 684º, nº 4, do CPC).</font><br>
<br>
<font>III. Nestes termos, </font><b><font>nega-se a revista.</font></b><br>
<br>
<font>Custas pela recorrente.</font><br>
<br>
<font>Lisboa, 24 de Maio de 2005</font><br>
<font>Nuno Cameira,</font><br>
<font>Sousa Leite,</font><br>
<font>Salreta Pereira.</font><br>
<font>-----------------------------------------</font><br>
<font>(1) A título de exemplo, citamos os acórdãos proferidos nos recursos de revista 1283/03, 3011/03, 4282/03, 2897/04 e 305/05, de 27.5.03, 20.11.03, 19.2.04, 19.10.04 e 7.4.05, cujo relator foi o mesmo do presente, e 1564/03, 3441/03 e 207/04, cujo relator foi o Consº Afonso Correia, tendo o aqui relator intervindo como 2º adjunto.</font><br>
<font>(2) Cfr, neste exacto sentido, o acórdão deste Tribunal de 20.2.01 (revª 204/01-6ª secção.</font><br>
<font>(3) Revista nº 4048/01-6ª secção.</font></font>
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WjLRu4YBgYBz1XKvB0IF
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1.ª Secção (Cível)
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<b><font> </font></b><font><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça</font><font>:</font><br>
<br>
<font>“AA, Limitada” intentou acção, com processo ordinário, contra “BB, Limitada”, pedindo a sua condenação a pagar-lhe a quantia de 11565,65 euros com juros, à taxa de 12% desde a citação.</font><br>
<font>Alegou que executou para a Ré obras de construção civil que esta lhe adjudicou, ficando a dever-lhe aquela quantia.</font><br>
<font>A Ré contestou alegando, em síntese, que a Autora realizou as obras com defeitos que teve de mandar corrigir o que lhe custou 10 656,63 euros.</font><br>
<font>Deduziu reconvenção pedindo a condenação da Autora a pagar-lhe 11 960,63 euros, operando-se a compensação com a quantia pedida acrescida de juros.</font><br>
<font>Na audiência de julgamento ampliou o pedido para 13960,63 euros.</font><br>
<font>A sentença do Circulo Judicial de Penafiel julgou a acção parcialmente procedente e condenou a Ré a pagar à Autora a quantia de 11 565,65 euros, acrescida de juros desde a citação, sem prejuízo da compensação a operar com o crédito da Ré. E julgou o pedido reconvencional parcialmente procedente condenando a Autora a pagar à Ré 1053,20 euros, acrescidos de juros desde a data de ampliação do pedido sobre a quantia de 1000,00 euros e, desde a notificação do pedido reconvencional, sobre a quantia de 53,20 euros.</font><br>
<font>Inconformada, apelou a Ré para a Relação do Porto que confirmou a sentença recorrida.</font><br>
<font>Pede, agora, revista assim concluindo as suas alegações:</font><br>
<font>- A recorrente alegou e foi dado como assentes factos relevantes para que se possa afastar a exigência do artigo 1221º do Código Civil;</font><br>
<font>- Não é exigível, considerando o percurso que tal regra impunha, nos dias de hoje, sem que se incumprisse a empreitada geral de todo o prédio e com consequências muito maiores e extensas. (Empreiteiro geral, dono da obra, custos da obra, promitentes compradores, etc.);</font><br>
<font>- Além do mais a recorrida teve oportunidade de proceder às alterações para correcção dos defeitos e erros;</font><br>
<font>- Assim e porque tal foi alegado e provado deve ser afastado tal dispositivo normativo e deve ser admitida esta solução e como consequência ser a Autora/Reconvinda condenada no pagamento de tal custo;</font><br>
<font>- Quanto ao pagamento por parte da Ré/Reconvinte das coimas, quer o auto aplicado à Ré/Reconvinte, quer por parte do auto levantado à Autora/Reconvinda, os mesmos devem ser pagos pela recorrida porquanto;</font><br>
<font>- Contratualmente, a responsabilidade da segurança era da Autora (Ver contrato de empreitada, Doc nº1, junto com a contestação.);</font><br>
<font>- Legalmente, a responsabilidade pelo pagamento da coima da Autora/Reconvinda é solidariamente da recorrida – ver página segunda do documento 10º junto com a contestação – e esta por sua vez terá direito de regresso contra a devedora principal, nos presentes autos.</font><br>
<font>Não foram oferecidas contra-alegações.</font><br>
<font>Resultou assente a seguinte matéria de facto:</font><br>
<font>- Autora e Ré têm por objecto a realização de obras de construção civil em regime de empreitada e subempreitada;</font><br>
<font>- Há cerca de dois anos, o sócio-gerente da Autora, CC, iniciou, a título individual, a realização de obras de construção civil para a Ré, em regime de subempreitada;</font><br>
<font>- Desde Julho de 2001 a Ré tem adjudicado à Autora, em regime de subempreitada, diversas obras de construção civil, nos mais diversos locais;</font><br>
<font>- Nos meses de Fevereiro a Março de 2002, a Ré contratou com a Autora diversas obras de construção civil, que lhe haviam sido adjudicadas em regime de contrato de empreitada;</font><br>
<font>- A Autora realizou a obra com preços correspondentes, aludidos nas facturas 0040, 0042, 0044, 0046 e 0048, conforme os documentos de fl. 6 a 10;</font><br>
<font>- A factura 0040 respeita a serviços de carpintaria e aplicação de verniz, materiais e mão-de-obra numa obra em S. Vicente de Paulo;</font><br>
<font>- A factura 0042 refere-se a serviços de limpeza, pintura e materiais numa obra no Bairro de S. Roque, no Porto;</font><br>
<font>- A factura 0044 refere-se à realização de obras de restauro da casa ....., bloco ....., na ......, Porto, mais concretamente serviços de demolição de paredes, abertura de rasgos para instalação de electricidade, fornecimento e aplicação de portas exteriores e interiores, serviços de carpintaria, pinturas e aplicação de vernizes;</font><br>
<font>- A factura 0046 diz respeito à construção de 92 m2 de estrutura, carpintaria e cofragem denominada “Obra DD” em Matosinhos;</font><br>
<font>- A factura 0048 refere-se ao fornecimento de materiais para reparação de pintura e verniz no Bairro do Regado, no Porto;</font><br>
<font>- Todos os serviços efectuados, apenas adjudicados pela Ré à Autora, depois de acordados os preços, como sempre sucedeu;</font><br>
<font>- Cada um dos montantes das facturas foi previamente acordado;</font><br>
<font>- Até à data a Ré não pagou nenhuma das quantias em causa;</font><br>
<font>- Autora e Ré assinaram o contrato relativo à obra Socoima, junto a fl. 27 e 28;</font><br>
<font>- Em 21 de Maio de 2002, por carta enviada à Autora, a Ré denunciou e enumerou uma série de trabalhos não executados ou mal executados. Contudo, por mero lapso, foi aposta na carta a quantia de 11 565, 65 euros quando esta é a quantia reclamada pela Autora;</font><br>
<font>- Durante a construção da obra Socoima e no decorrer de uma visita da I.G. do Trabalho, foi levantado o Auto de Noticia nº co 1902000229 e o Auto de Noticia nº co 1902000230 à Ré e à Autora;</font><br>
<font>- Notificada, a Ré pagou, em tempo, a coima de 498,80 + 498,80 = 997,60 euros;</font><br>
<font>- Enviou à Autora a carta de fl. 60 e 61;</font><br>
<font>- No decurso da obra DD começaram a aparecer diversos erros e desleixos da Autora;</font><br>
<font>- Perante tal, a Ré interpelou-a várias vezes para que os corrigisse;</font><br>
<font>- A Ré adjudicou trabalhos de correcção à “ EE, Limitada”;</font><br>
<font>- Sendo a chaminé de ventilação no terraço e abertura para a cave, com o custo de 374,10 euros; rectificação das paredes de caixas escadas e portais dos elevadores, com o custo de 586,09 euros; aumento de custo no gesso, por desaprumo e desnivelamento de paredes e tectos, reparação da caixa de escadas e recuperação de patamares, com o custo de 5191,28 euros; diferença de custo de revestimento final da escadaria, com o custo de 1745,90 euros; utilização de betão para corrigir os defeitos, com o custo de 414,67 euros;</font><br>
<font>- Na qualidade de responsável solidária a Ré pagou a coima aplicada à Autora, de 2000,00 euros, acrescida de 106,40 euros, de custos e honorários;</font><br>
<font>- A Ré é solidariamente responsável pelo pagamento da coima da Autora por, de acordo com os documentos de fl. 42 a 50 e 50 a 59, ter agido sem a diligência devida.</font><br>
<font>Foram colhidos os vistos.</font><br>
<font>Conhecendo,</font><br>
<font>1- Alegações.</font><br>
<font>2- Conclusões.</font><br>
<font>1- Alegações.</font><br>
<font>A recorrente reproduz, “pari passu”, as alegações que ofereceu na apelação, transcrevendo, exactamente, as mesmas conclusões.</font><br>
<font>O Acórdão recorrido não é remissivo, antes abordando todas as questões que a recorrente suscitara perante a Relação.</font><br>
<font>Ora, sendo a revista destinada a impugnar o julgado pela Relação, a argumentação recursiva deve ser dirigida a este aresto, que não ao decidido na 1ª instância.</font><br>
<font>Isto é, deve atacar os pontos concretos da decisão recorrida sendo que, e como julgou o Acórdão do STJ de 21 de Dezembro de 2005 – 05B2188 – não o fazendo, “o recorrente não atendeu verdadeiramente ao conteúdo do Acórdão recorrido, antes na realidade reiterou a sua discordância relativamente à decisão apelada, sem verdadeira originalidade ou aditamento que tivesse em conta a fundamentação do Acórdão sob recurso.”</font><br>
<font>Nesta perspectiva – que se acolhe – ou se entende que a “prática de reprodução alegatória equivale à deserção do recurso, por falta de alegações, porque, embora se possa dizer que, formalmente foi cumprido o ónus de formar conclusões, já em termos substanciais é legitimo inferir que terá faltado uma verdadeira e própria oposição conclusiva à decisão recorrida nomeadamente porque a repetição não atingiu apenas as conclusões, afectando também o corpo das alegações” (Acórdão do STJ de 11 de Maio de 1999 – Pº 257/99 – 1ª); ou, e numa óptica menos rígida, se aceita o recurso mas se considera plenamente justificado o uso da faculdade remissiva do nº5 do artigo 713º CP Civil (cf. Acórdão citado de 21 de Dezembro de 2005). </font><br>
<font>Adere-se a este entendimento jurisprudencial, sempre enfatizando que a decisão recorrida é “o Acórdão da Relação e não a sentença da 1ª instância – cf., v.g os Acórdãos do STJ de 12 de Julho de 2005 – Pº 1860/05-2ª; de 17 de Março de 2005 – Pº 1304/04-2ª; de 22 de Setembro de 2005 – Pº 3727/03-2ª – e Pº 2088/05-2ª – e na linha dos Acórdãos de 27 de Abril de 2006 – 06 A945 – e de 18 de Maio de 2006 – 06 A1134 – deste mesmo Relator, considera-se que nestes casos, se legitima plenamente o uso da faculdade remissiva ou, quando muito, uma fundamentação mais sucinta. (cf. ainda, o Acórdão de 22 de Setembro acima citado – 03B727).</font><br>
<font>Improcede, em consequência o recurso, por acolhimento dos fundamentos do Acórdão recorrido, nos termos do nº5 do artigo 713º do Código de Processo Civil, por nada mais se nos oferecer acrescentar, ainda que por forma breve.</font><br>
<font>2- Conclusões.</font><br>
<font>De concluir que:</font><br>
<font>a) O recurso para o Supremo Tribunal de Justiça – e salvo a situação do artigo 725º do Código de Processo Civil – destina-se a impugnar o Acórdão da Relação e a argumentar contra os seus fundamentos.</font><br>
<font>b) Se o recorrente usa a mesma argumentação, com reprodução “pari passu” das conclusões da alegação produzida na apelação, fica plenamente justificado o uso da faculdade remissiva do nº5 do artigo 713º do Código de Processo Civil, ou, e no limite, uma fundamentação muito sucinta.</font><br>
<font>Destarte, acordam negar a revista</font><font>.</font><br>
<font>Custas pela recorrente.</font><br>
<br>
<font>Lisboa, 3 de Outubro de 2006</font><br>
<br>
<font>Sebastião Póvoas</font><br>
<font>Moreira Alves</font><br>
<font>Alves Velho</font></font>
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3TK5u4YBgYBz1XKvlDfi
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1.ª Secção (Cível)
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<b><font> </font></b><font><b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: </font></b><br>
<br>
<b><u><font>Relatório</font></u></b><br>
<br>
<font>No Círculo Judicial de Viana do Castelo, o </font><b><font>CONDOMÍNIO EDIFÍCIO ...., MSRL, JMSL </font></b><font>e mulher</font><b><font> MCMNL, PCFO, AÁMM </font></b><font>e mulher</font><b><font> MMRGMM, MRGMM, RMCANB </font></b><font>e mulher</font><b><font> CMFP, </font></b><br>
<b><font>NCCGCS </font></b><font>e mulher</font><b><font> MFPPMCS, JPGFM, AJGPC, JMCP </font></b><font>e mulher</font><b><font> MFPM, JMSSC </font></b><font>e mulher</font><b><font> MMRSC, JHOK </font></b><font>e mulher</font><b><font> SK, IMCB, </font></b><br>
<b><font>JLAF </font></b><font>e mulher</font><b><font> RMMFG, MPCG, CAPBCN, MASP </font></b><font>e mulher</font><b><font> MBFTP, LMFS, ANG </font></b><font>e mulher</font><b><font> ZGDNG, MMADF, MSSL </font></b><font>e mulher</font><b><font> LSG, CCPAU, MJBMP </font></b><font>e mulher</font><b><font> MRCSBMP, EJM </font></b><font>e mulher</font><b><font> MRGM, TMSB, PAJR </font></b><font>e mulher</font><b><font> FRC, CPPSR </font></b><font>e mulher</font><b><font> AMFDM, LMLF, e PJSC </font></b><font>e mulher</font><b><font> MFMN, </font></b><br>
<br>
<font>Intentaram a presente acção declarativa de condenação, com a forma ordinária, contra:</font><br>
<b><font>1º- EMPREENDIMENTOS IMOBILIÁRIOS ...., LDA,</font></b><br>
<b><font>2º- ... - CONSTRUÇÕES E IMÓVEIS LDA,</font></b><br>
<b><font>3º- LMBGB,</font></b><br>
<br>
<font>Pedindo seja declarado:</font><br>
<font>a) Como pertencendo às partes comuns do "Edifício ...", descrito na Conservatória do Registo Predial de Caminha sob o número 00710-SEIXAS os equipamentos de lazer que constituem o denominado "Clube de Lazer” - constituído pelo edifício de apoio e casa do guarda, piscinas (crianças e adultos) e balneários de apoio, court de ténis e áreas de jardim e de lazer adjacentes - edificados nos prédios descritos na Conservatória do Registo Predial de Caminha sob os números 00118-SEIXAS; 00969-SEIXAS e 00213-SE1XAS, rectificando-se o registo predial nesta parte em conformidade, uma vez que as partes comuns do prédio também abrangem estas três descrições prediais;</font><br>
<font>b) Que o esbulho daquele "Clube de Lazer” praticado pelos Réus ofende o direito de propriedade dos 2º a 30° Autores e demais condóminos do "Edifício ...".</font><br>
<br>
<font>E os Réus condenados:</font><br>
<font>c) A Reconhecer que os 2º a 30° Autores e os demais condóminos do Edifício .... são donos e legítimos proprietários daquele clube de lazer, correspondente aos prédios descritos na Conservatória do Registo Predial de Caminha sob os números 00118-SEIXAS; 00969-SEIXAS e 00213-SEIXAS e, em consequência, ordenado o cancelamento do registo predial destes prédios a favor da 1ª Ré;</font><br>
<font>d) A absterem-se de praticar qualquer acto que ofenda aquele direito de propriedade; </font><br>
<font>e) A executar as obras descritas no antecedente artigo 116° da petição inicial, que se dá por reproduzido, e no prazo que o Tribunal venha a fixar, reputando os Autores como suficiente doze dias úteis ou, em alternativa, no pagamento do seu custo a apurar em liquidação de sentença;</font><br>
<font>f) No pagamento ao condomínio, que a 1ª Autora representa, da quantia que se venha a apurar em liquidação da sentença e relativa a todas as despesas decorrentes da execução da douta sentença proferida no Procedimento Cautelar apenso, Processo n° 407/2002 deste Tribunal, referidas no artigo 118° da p.i.;</font><br>
<font>g) No pagamento a cada um dos 20 a 30° Autores inclusive, da quantia de duzentos euros, a título de indemnização pelos danos patrimoniais sofridos e, da quantia de quinhentos euros, também para cada um destes Autores, a título de danos não patrimoniais;</font><br>
<br>
<font>Deverá, ainda, ser declarado parcialmente nulo, por violação do projecto e da lei, o negócio jurídico de constituição da propriedade horizontal, na parte em que este não incluiu como partes comuns do prédio o identificado "Clube de Lazer”, identificado na antecedente alínea a), e que o mesmo prédio abrange as quatro descrições prediais - 00710-SEIXAS; 00118-SEIXAS; 00969-SEIXAS e 00213-SEIXAS -;</font><br>
<font>Declarado nulo, por simulado e por desconformidade com o objecto, o negócio jurídico de compra e venda celebrado entre a Primeira Ré e a Segunda Ré e que tem por objecto os três prédios descritos na Conservatória do Registo Predial de Caminha sob os números 00118-SEIXAS; 00969-SEIXAS e 00213-SEIXAS e nula a transmissão daqueles mesmo prédios operada entre as Rés e, em consequência:</font><br>
<font>Seja ordenado o cancelamento dos registos prediais destes prédios a favor da Segunda Ré, ou do seu titular inscrito e a quem a Segunda Ré ou os sucessivos transmitentes venham a transmitir o direito de propriedade dos mesmos prédios.</font><br>
<br>
<font>Subsidiariamente, para ser apreciado no caso de não procederem os pedidos formulados nas alíneas a) b) e c):</font><br>
<font>Declarar-se constituído a favor dos 2° a 30° Autores e demais condóminos do "Edifício ...." o direito pessoal de gozo sobre o "Clube de Lazer” identificado na alínea a), traduzido no direito de usar e fruir todos os equipamentos que constituem aquele "Clube de Lazer”, proporcionando-lhes, de forma exclusiva e conforme a satisfação do seu interesse, o seu gozo directo e autónomo, sem limite de tempo, e, ainda, transmissível a quantos venham a ser proprietários - condóminos - de fracções autónomas do "Edifício ...".</font><br>
<br>
<font>Condenados o s Réus no pagamento das custas judiciais e na procuradoria e, ainda, no pagamento de todas as despesas desta acção e do Procedimento Cautelar n.º 407/2002 que os Autores venham a efectuar, incluindo as despesas do mandatário forense, a apurar em liquidação de sentença.</font><br>
<br>
<font>Alega, sinteticamente, para o efeito, que o Edifício ... corresponde a um complexo habitacional e de lazer, em regime de propriedade horizontal, constituído por cinquenta e cinco fracções autónomas, designadas pelas letras "A" a "BG", descrito na Conservatória do Registo Predial de Caminha sob o número 00710-SEIXAS. —</font><br>
<font>As respectivas fracções autónomas pertencem a vários proprietários, entre os quais os 2°s a 30°s Autores, os quais constituíram o condomínio e em assembleia de condóminos deliberaram eleger como administrador do Condomínio a identificada "....-ADMINISTRAÇÃO DE CONDOMÍNIOS LDA" – 1ª Autora - e a quem conferiram poderes para agir judicialmente, conforme o deliberado pelos condóminos nas assembleias de condóminos celebradas em 08.Setembro.2000 e 13.Julho.2002 - docs. n.ºs 2 e 3 -.</font><br>
<font>O Empreendimento ... é um condomínio fechado, composto por dois blocos habitacionais - 55 fracções autónomas - e partes comuns, nestas se incluindo o denominado "Clube de Lazer", constituído por edifício de apoio e casa do guarda, piscinas - piscina de adultos e piscina de criança - e balneários de apoio, court de ténis e zona de lazer. </font><br>
<font>Foi construído e vendido pela Ré "Empreendimentos Imobiliários .... Lda", conforme o projecto de edificação aprovado e licenciado pela Câmara Municipal de Caminha.</font><br>
<font>Aquele denominado "Clube de Lazer" faz parte integrante das partes comuns do condomínio fechado "Edifício ....", sendo o edifício de apoio e casa do guarda correspondente ao anterior prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo 931°, e à construção daqueles equipamentos de utilização comum do condomínio foi determinada pela Câmara Municipal de Caminha, a qual condicionou a aprovação do empreendimento - complexo habitacional - à edificação daqueles equipamentos de utilização comum e sua integração no empreendimento.</font><br>
<font>Nas acções de promoção e vendas dos apartamentos a Ré ... Lda. sempre referiu aos potenciais compradores e aos adquirentes que aqueles equipamentos de lazer faziam parte integrante das partes comuns do condomínio fechado, destinados a uso comum dos condóminos e famílias, justificando, assim, o elevado preço pretendido pela venda das fracções, correspondendo a um preço superior em 20% ao preço de iguais fracções existentes o mercado imobiliário local.</font><br>
<font>A 1ª Ré nas fases negociatória e na contratual garantiram aos adquirentes das fracções que o "Clube de Lazer” fazia parte do empreendimento Edifício ...., integrando as partes comuns, facto que os adquirentes e Condóminos nunca questionaram, uma vez que a declaração da 1ª Ré se mostrava credível e a publicidade do empreendimento assim o "plasmava".</font><br>
<font>As acessibilidades aos equipamentos de lazer é feito por arruamentos comuns a todo o empreendimento Edifício ..., estabelecendo a ligação entre os blocos habitacionais e o referido "Clube de Lazer"; com as estruturas e infra-estruturas construtivas comuns a todo o empreendimento, sendo que, as redes de electricidade, abastecimento de águas, esgotos e águas pluviais que servem os diversos equipamentos provêm das redes gerais do Edifício ..., cujos custos dos consumíveis e conservação estão a cargo do condomínio.</font><br>
<font>Após a conclusão do empreendimento, a Requerida "Empreendimentos Imobiliários ... Lda." procedeu à sua entrega aos respectivos proprietários das fracções autónomas e condomínio, incluindo as partes comuns e "Clube de Lazer", para quem transferiram a sua posse e detenção, os quais passaram a usar, sem qualquer interrupção, e até 7 de Maio do corrente ano, todos os equipamentos e partes comuns, sem qualquer restrição ou embaraço de outrem, suportando todas as despesas e encargos com a sua fruição, limpeza e conservação.</font><br>
<font>Pelo que, desde meados de 1994, os condóminos do "Empreendimento ...." estão na posse das partes comuns do empreendimento, designadamente daqueles equipamentos de utilização comum, convictos que a utilização do "Clube de lazer" correspondia ao exercício de um direito de próprio, o que lhes advinha da qualidade de condómino e comproprietários das partes comuns do empreendimento, fazendo parte integrante aquele "Clube de Lazer". E nessa convicção e animus se mantiveram até dele serem esbulhados.</font><br>
<font>Acontece que, em sete de Maio de 2002, quando os funcionários da empresa "FM, Lda.", por conta e sob as ordens do condomínio, procediam a trabalhos de reparação das piscinas e balneários de apoio, o 2° Réu, LB, que é gerente da Requerida "Empreendimentos Imobiliários ..., Lda", acompanhado de mais três pessoas, impediu os funcionários daquela empresa empreiteira de efectuar os trabalhos de reparação, impediu a retirada dos materiais e dos equipamentos utilizados na obra, designadamente de uma bomba de elevação de água pertença daquele empreiteiro, proibindo aqueles operários e o funcionário do condomínio, Sr. ASGM, de se deslocar ao "Clube de Lazer".</font><br>
<font>Transmitindo igual proibição aos condóminos e respectivas famílias, declarando-se dono daquele espaço, bem como a 1ª Ré ..., Lda., de quem se dizia representante, tendo procedido à imediata substituição das fechaduras das portas de acesso e as que vedavam os diversos espaços e equipamentos; e procedeu à soldadura das duas portas em ferro que fazem a ligação entre os arruamentos dos blocos habitacionais e o recinto dos equipamentos, impedindo o acesso dos condóminos ao "Clube de Lazer". Acto que voltou a repetir em 9 de Maio de 2002, após a administração do condomínio ter procedido à reabertura daquelas portas.</font><br>
<font>Com emprego de meios mecânicos mandou proceder à destruição da rede de esgotos das piscinas e balneários de apoio, quebrando e removendo as tubagens que permitiam o escoamento das águas, impedindo, assim, o seu escoamento e renovação, ou seja, a utilização das piscinas e balneários.</font><br>
<font> Por outro lado a Ré ....,LDA., em negócio simulado, "vendeu" à Ré - ..., LDA. -, os primitivos prédios em cujo solo foi edificado o referido "Clube de Lazer", conforme "contrato de compra e venda" formalizado por escritura pública celebrada, em 26 de Março de 2002, no Sexto Cartório Notarial do Porto.</font><br>
<font>Ora, malogrado aquele expediente, os Réus, incluindo o 3º Réu, não ignoravam que estavam a proceder à "venda" de coisa alheia, e que os imóveis declarados vender e comprar já não existiam. Sendo certo que a 3a Ré também actuou de má fé, uma vez que os seus sócios e gerentes têm conhecimento directo dos negócios da 1ª Ré - ...., Lda., são familiares do sócio e gerente - Armindo Ramos Bartolomeu, filha e genro respectivamente.</font><br>
<br>
<font>Só a Ré "...., LDA" contestou.</font><br>
<font>Começa por excepcionar a ilegitimidade activa dos Autores para pugnarem nos autos desacompanhados dos demais condóminos.</font><br>
<font>Impugnando, alega em resumo:</font><br>
<font>A ...., Lda." nunca referiu aos compradores das diversas fracções que o denominado Clube de Lazer fazia parte integrante, como parte comum, do imóvel em que se integram os Blocos Habitacionais. O que sempre foi dito e anunciado foi que a ...., LDA iria construir um Clube privado de Lazer e Desporto, onde eles, em condições de utilização a fixar, iriam ter acesso, em igualdade de circunstâncias com quaisquer outros sócios que aquele Clube viesse a admitir, independentemente de serem ou não proprietários de fracções autónomas.</font><br>
<font>E tanto assim é que a ...., LDA pretendia construir outros dois blocos habitacionais (as chamadas Fase II e III), a cujos futuros proprietários iria ser proporcionada a mesma possibilidade.</font><br>
<font>Por motivos que têm a ver com a morte do seu sócio fundador AB (principal impulsionador, financiador e garante de financiamento junto da banca), resolveu-se alienar a terceiros tudo quanto tinha a ver com a execução das fases II e III. A denominada fase II tem já projecto camarário aprovado pela Câmara Municipal de Caminha e está em execução por parte da ".... - Empreendimentos Imobiliários, Lda.".</font><br>
<font>Para liquidar o seu passivo, a 1ª Ré propôs aos AA. a venda integral do "Clube de Lazer”, por um montante de 35.000 contos (€ 174.579.26), mas estes só manifestaram interesse pela piscina e pelo campo de ténis, que se propunham integrar, como parte comum, no imóvel de que são condóminos, para o efeito se dispondo a alterar a escritura de propriedade horizontal.</font><br>
<font>Na sequência daquelas negociações, e atento a proposta referida, a 1ª Ré iniciou um processo de auscultação da Câmara Municipal, tendo em vista a possibilidade de um destacamento daquelas instalações a integrar no dito condomínio. O aludido destacamento foi desde logo inviabilizado pela autarquia, além de outros motivos, porque só 28 dos 55 condóminos dos blocos habitacionais manifestaram interesse na aquisição.</font><br>
<font>Efectuou-se então uma reunião com uma intitulada "Comissão de Condóminos", representada pelos Senhores Eng. JM, Sr. EC e Dr.ª CM (na qual estiveram presentes o actual mandatário dos AA. e o Senhor Doutor NC), na qual se discutiu a possibilidade de constituição de uma passagem que, utilizando um portão que liga o "Clube de Lazer” ao Edifício ..., permitisse a utilização da piscina e campo de ténis, abdicando a 1ª Ré de uma parcela de terreno adjacente à casa, onde, até 1998, residiu o sócio-gerente e co-réu LB.</font><br>
<font>Essa mesma (1ª) Ré veio a ser surpreendida com a informação, veiculada por um condómino, de que, depois de ter reunido com vários condóminos, a dita "Comissão" acabou por lhes devolver o dinheiro, porquanto, "pensando melhor, não estavam interessados na aquisição daquelas instalações. Por impossibilidade de integração das mesmas no condomínio" e "porque também queriam evitar conflitos entre condóminos, com a utilização de partes comuns para acesso a uma propriedade privada".</font><br>
<font>Na senda dessas negociações e a pedido dos AA., a 1ª Ré autorizou a utilização, a título precário, da piscina e de campo de ténis.</font><br>
<font>Nunca os AA. estiveram na posse daquelas infra-estruturas, cujos custos de construção, licenciamento e manutenção sempre foram suportados pela "...., Lda.". Só nos anos de 2000 e 2001 é que entre as partes foi acordado que cada interessado contribuiria com esc. 10.000$00 para as despesas de manutenção da piscina.</font><br>
<font>A casa de habitação onde se situa a piscina e o campo de ténis foi utilizada até 1998, como residência secundária, pelo co-réu LB.</font><br>
<font>Havia um exemplar das chaves da casa em poder de um tal SM, que foi empregado da 1ª Ré, e as manteve quando passou a empregado do condomínio.</font><br>
<font>Em certa altura, as portas da casa apareceram abertas e veio a saber-se que a dita "Comissão de Condóminos" tinha utilizado a casa, à revelia dos seus proprietários, para realização de uma Assembleia de Condóminos. Em abono da verdade, cumpre dizer que as assembleias de condóminos tanto se realizavam na aludida casa (com autorização da 1ª Ré), como em outros locais.</font><br>
<font>Nunca os AA. estiveram na posse do denominado "Clube de Lazer”, só no Verão utilizavam a piscina ali existente, por liberalidade da co-ré ...., Lda. e com autorização do co-réu LB.</font><br>
<font>É fantasiosa a referência a um negócio simulado. A Ré contestante comprou o imóvel em questão e por ele pagou as dezenas de milhares de contos que acabaram por ir parar direitinhas ao Banco Comercial ...., para solver as dívidas da vendedora.</font><br>
<font>A Ré contestante comunicou aos AA. a compra do complexo desportivo e deu-lhes conta da sua disposição em vendê-las ou arrendá-las.</font><br>
<font>Na ausência de notícias, prometeu depois vender a terceiros o citado imóvel. Sendo certo que só cerca de 30 dias após ali residir o promitente-comprador, e ali terem sido realizadas durante 15 dias obras de restauro e requalificação das instalações, é que os AA., de má-fé, intentaram a providência cautelar de restituição provisória de posse.</font><br>
<font>Conclui pela total improcedência dos pedidos formulados e, consequentemente, da acção.</font><br>
<br>
<font>Os Autores replicaram, impugnando a excepção invocada e concluindo como na petição inicial.</font><br>
<br>
<font>Foi proferido despacho saneador, tendo sido julgada improcedente a excepção dilatória da ilegitimidade activa invocada pela Ré contestante.</font><br>
<font>Procedeu-se à elaboração da matéria de facto assente e da base instrutória, em relação às quais não houve reclamações.</font><br>
<br>
<font>Procedeu-se ao julgamento, com observância do formalismo legal.</font><br>
<font>Finda a discussão e lida a decisão sobre a matéria de facto foi, proferida sentença final que julgou a acção parcialmente procedente, tendo, em consequência declarado:</font><br>
<font>a) Como parte integrante das partes comuns do "Edifício ....", descrito na Conservatória do Registo Predial de Caminha sob o número 00710-SEIXAS os equipamentos de lazer que constituem o denominado "Clube de Lazer” -constituído pelo edifício de apoio e casa do guarda, piscinas para crianças e adultos e balneários de apoio, court de ténis e áreas de jardim e de lazer adjacentes – edificados nos prédios descritos na Conservatória do Registo Predial de Caminha sob os números 00118-SEIXAS; 00969-SEIXAS e 00213-SE1XAS, ordenando se proceda à rectificação o registo predial nesta parte em conformidade, uma vez que as partes comuns do prédio também abrangem estas três descrições prediais;</font><br>
<font>b) Que o esbulho daquele "Clube de Lazer” praticado pela Ré "Empreendimentos ...., Lda." através do seu sócio-gerente LMBGB, ofende o direito de propriedade, na qualidade de comproprietários, dos 2° a 30° Autores e demais condóminos do "Edifício ...".</font><br>
<font>c) Nulo o contrato de compra e venda celebrado entre a Ré "Empreendimentos ...., Lda." e a Ré "... Construções e Imóveis, Lda.", e que tem por objecto os três prédios descritos na Conservatória do Registo Predial de Caminha sob os números 00118-SEIXAS; 00969-SEIXAS e 00213-SEIXAS, e a consequente transmissão daqueles mesmos prédios operada entre as Rés e, em consequência:</font><br>
<font>Ordeno o cancelamento dos registos prediais destes prédios a favor da Rés, ou do seu titular inscrito.</font><br>
<font>Condenando,</font><br>
<font>d) A Ré "Empreendimentos ...., Lda." no pagamento à Autora "Condomínio do Edifício ....", representada pela ".... - Administração de Condomínios, Lda.", da quantia que se venha a liquidar em execução de sentença e relativa a todas as despesas que suportou com a execução da decisão judicial proferida no Procedimento Cautelar n° 407/2002, deste douto Tribunal, designadamente os honorários do serralheiro contratado para o arrombamento e abertura de portas, pagamento aos trabalhadores auxiliares o fornecimento de fechaduras para as portas que vedavam os equipamentos/edifícios, a limpeza dos espaços e demais trabalhos executados no âmbito daquela douta decisão, onde se incluem as despesas com o restabelecimento e reconstrução da rede de esgotos e escoamento da água das piscinas e edifícios de apoio e com a recolocação da parte da instalação eléctrica exterior que iluminava o "Clube de Lazer” e que foi removida.</font><br>
<font>e) A Ré "Empreendimentos ...., Lda." no pagamento a cada um dos 2º a 30° Autores inclusive, a título de indemnização pelos danos patrimoniais sofridos, da quantia de quinhentos euros (€ 500,00), por pessoa singular ou casal;</font><br>
<br>
<font>Inconformada recorreu a 2ª Ré “... – Construções de Imóveis, Ld.ª” recurso que foi admitido como de apelação (a 1ª Ré também recorreu, mas deixou deserto o recurso).</font><br>
<br>
<font>Apreciando a apelação a Relação julgou-a procedente e em consequência, revogou a sentença recorrida e absolveu as RR. de todos os pedidos formulados pelos AA..</font><br>
<br>
<font>É deste acórdão que recorrem agora os AA..</font><br>
<font>O recurso foi admitido como de revista.</font><br>
<br>
<font>Conclusões da Revista.</font><br>
<font>Apresentadas alegações formularam os recorrentes as seguintes conclusões:</font><br>
<font>1°- Obtida a aprovação e licenciamento de uma construção urbana nova e correspondendo o solo do prédio edificado ao conjunto dos prédios onde foi implantado e suas descrições prediais, após a incorporação da construção aqueles prédios primitivos e transformados perderam a sua natureza e autonomia jurídica, o bem jurídico existente passou a ser aquela nova edificação, abrangendo a totalidade daquelas descrições prediais;</font><br>
<font>2º- a nova edificação, após a sua conclusão e antes de instituído o regime de propriedade horizontal, está sujeita, no seu todo, a um direito real de propriedade única, por união de todas as partes que a compõe, incorporadas por indústria do homem em cumprimento de um licenciamento camarário que reflecte as "regras de interesse e ordem pública atinentes á organização da propriedade";</font><br>
<font>3º- Aceitando a 1ª Ré, proprietária dos primitivos prédios, proceder a uma nova edificação nas condições definidas pela entidade de direito público com competência exclusiva para a sua aprovação, aquela nova edificação - Edifício ... - deu origem a uma propriedade singular (art.° 204° do Código Civil), que abrange o solo formado pelo conjunto dos primitivos prédios e suas descrições prediais;</font><br>
<font>4º- A aprovação pela entidade pública (Câmaras Municipais) e as imposições administrativas decorrem de razões de interesse e ordem pública imperativa - questões de ordem de diversa índole, designadamente económica, sócio-cultural, estética, directamente conexionados com a qualidade de vida das pessoas;</font><br>
<font>5º- Obtida pela 1ª Ré a aprovação e o licenciamento do Edifício ..., nas condições determinadas pela Câmara Municipal de Caminha, o projecto e a construção aprovada e licenciada condicionam e determinam a natureza e os limites da propriedade da nova edificação (realidade jurídica);</font><br>
<font>6º- A 1ª Ré ao conceber e ao construir o prédio urbano licenciado, com aquelas partes comuns e clube de lazer, ao não ter solicitado e obtido alteração do projecto e do licenciamento do prédio a construir ficou impedida de dar destino diferente às várias componentes - fracções autónomas ou às partes comuns - do prédio, bem como subtraiu do comércio jurídico os primitivos prédios onde foi edificado o Edifício ...;</font><br>
<font>7º- Tendo aquele projecto licenciado e o prédio construído e a edificação em causa abrangido, por incorporado, o solo dos primitivos prédios correspondentes às descrições prediais n°s 00118/SEIXAS; 00203/SEIXAS, 00710/SEIXAS e 00969/SEIXAS, será este conjunto de prédios transformados (o primitivo urbano e os rústicos) que deu origem ao prédio único edificado pela 1ª Ré;</font><br>
<font>8º- A constituição de propriedade horizontal terá de observar as normas jurídicas da "Propriedade Horizontal"; as disposições imperativas de interesse e ordem pública contidas no processo de licenciamento do prédio construído e dos requisitos do título constitutivo;</font><br>
<font>9º- A desconformidade entre o projecto de construção aprovado e licenciado pela Câmara Municipal de Caminha e o teor da escritura de constituição de propriedade horizontal, outorgada unilateralmente pela 1ª Ré como construtor/vendedor, será, de per si, gerador da nulidade da escritura, por se tratar de acto nulo por violação de preceito legal imperativo (norma de interesse ordem pública) – art.°s 294° do Código Civil -;</font><br>
<font>10°- A falta de coincidência entre o projecto licenciado e o título constitutivo de propriedade horizontal, independentemente que qualquer invocação nesse sentido, acarretaria «ipso facto» ou «ipse legis» a nulidade desse título, nos termos daquele art° 294°;</font><br>
<font>11°- A 1ª Ré ao constituir a propriedade horizontal dividiu em fracções autónomas aquele bem já existente, encontrando-se na obrigação de adequar o formal à realidade material e jurídica existente;</font><br>
<font>12° - O Edifício ... objecto da propriedade horizontal é exactamente o mesmo prédio que foi aprovado e licenciado pela Câmara Municipal de Caminha e cuja composição as instâncias deram como provado, sendo certo que não consta que a 1ª Ré, na sua qualidade de construtor/vendedor, tenha obtido aprovação ao projecto licenciado no sentido de "remover ou excluir" parte das partes comuns, nem o poderia fazer no acto unilateral da constituição do condomínio, por postergador de normas imperativas de interesse e ordem pública;</font><br>
<font>13° - Se entendido que as partes comuns do Edifício ... tem de constar do título do condomínio, a escritura de constituição de propriedade horizontal ao não observar a titularidade e ao não assegurar a qualificação substancial do prédio conforme o projecto aprovado está a subverter a constituição do condomínio;</font><br>
<font>14° - As partes comuns, nos termos do n° 1 do art° 1418° do Código Civil, não tem que ser especificadas no título constitutivo de propriedade horizontal, sendo delimitadas por exclusão de partes, valendo como regra: "do prédio licenciado, tudo o que não estiver descrito no título constitutivo como parte própria (fracção autónoma) é propriedade comum dos condóminos".</font><br>
<font>15° - A 1ª Ré ao alienar a totalidade das fracções autónomas, alienou a totalidade do bem que já existia na sua titularidade, uma vez que cada condómino, ao adquirir a sua fracção, ia adquirindo a sua quota de comproprietário das partes comuns do edifício ...., uma vez que o conjunto dos dois direitos é incidível - n°2 do art°1.420° do Código Civil -;</font><br>
<font>16°- O meio formal de transmissão da quota parte das partes comuns e «clube de lazer» são as escrituras públicas que formalizaram a alienação das fracções autónomas e celebradas entre a 1ª Ré e cada um dos condóminos;</font><br>
<font>17°- O «clube de lazer», como parte comum do Edifício ..., não é objecto possível de alienação independentemente, mormente fora do seu fim legalmente assumido - art° 280º, n° 1 do Código Civil -;</font><br>
<font>18°- Conhecendo as Rés a composição do edifício .... e os actos materiais praticados pela 1ª Ré, conforme matéria de facto assente, o comportamento que adoptaram e descrito nos autos é contrário ao princípio da boa fé, enquanto implicando probidade e correcta conduta no meio negocial, e que subjaz a toda a civilística portuguesa - artigos 227°, n° 1 e 762°, n.º 2 do Código Civil -;</font><br>
<font>19° - Quem vende as fracções autónomas aliena a alíquota nas partes comuns do prédio do qual faz parte;</font><br>
<font>20° - A 1° Ré ao vender todas as fracções autónomas do Edifício ... também alienou as partes comuns que o compõe, designadamente o referido «clube de lazer» - definitivamente assente pelas instâncias que faz parte do Edifício .... -;</font><br>
<font>21°- A 1ª Ré ao vender à 2ª Ré, em acto posterior, os imóveis em foi edificado o «clube de lazer» e incorporado no Edifício ....estava a vender bens alheios;</font><br>
<font>22°- O contrato de venda bens alheios é um contrato nulo.</font><br>
<font>23°- O acto nulo é um acto inválido, com eficácia erga omnes; não produz efeitos ab initio -art° 286° do Código Civil -, operando tal invalidade e ineficácia também ipso jure; </font><br>
<font>24° - para os Autores e demais condóminos do Edifício ... o negócio entre as Rés é "res inter alios acta", sendo a nulidade gerada - nulidade absoluta - invocável pelos Autores;</font><br>
<font>25° - A venda entre as Rés é, ainda, uma venda nula, por impossibilidade física e legal do objecto -n° 1 do art° 280° do Código Civil -;</font><br>
<font>26°- Os imóveis descritos na escritura celebrada entre as Rés correspondem a uma realidade jurídica e física distinta daquela que consta do acto formalmente celebrado;</font><br>
<font>27°- O Tribunal da Relação de Guimarães ao ter dado provimento ao recurso de Apelação apresentado pela 2ª Ré, deveria, ainda, ter apreciado o pedido subsidiário constantes da petição inicial, uma vez que não se verifica uma dependência directa daquele pedido com a parte provida;</font><br>
<font>28°- A declaração e reconhecimento do direito pessoal de gozo tem requisitos distintos do direito de propriedade, sendo aquele dependente deste e situados em esferas jurídicas distintas;</font><br>
<font>29°- O direito pessoal de gozo tem de específico a circunstância de possibilitar ao seu titular, com vista à satisfação do seu interesse, o gozo directo e autónomo de determinada coisa cuja propriedade não lhe pertence;</font><br>
<font>30°- Não reconhecida a propriedade dos Autores e demais condóminos do Edifício ......, ainda o Tribunal da Relação de Guimarães deveria ter apreciado o pedido subsidiário formulado pelos Autores, uma vez que a declaração e o reconhecimento judicial daquele direito pessoal de gozo somente se coloca em face na negação aos Requerentes do direito de propriedade do «clube de lazer»;</font><br>
<font>31° - Perante a procedência da Apelação e considerando a matéria de facto assente pelas instâncias, o Tribunal da Relação de Guimarães deveria ter reconhecido e declarado a constituição do direito pessoal de gozo dos Autores e demais condóminos, actuais e futuros, sobre o clube de lazer, que nos termos da fundamentação do acórdão são aqueles prédios primitivos e transmitidos pela 1ª Ré à 2ª Ré, correspondentes às descrições prediais 00118/SEIXAS; 00203/SEIXAS e 00969/SEIXAS.</font><br>
<font>32° - Entendem os Recorrentes que o douto acórdão violou, entre outras, as seguintes disposições legais;</font><br>
<font>Código Civil - artigos: 204°; 227°, n° 1; 237°; 280°, n° 1; 286°; 294°; 401°, n° 1 e n°3; 408°, n° 1; 762°, n° 2 ; 874°; 879°; 1418°, n° 1; 1420°, n°2 e 1421°, n° 2, al. a) e); </font><br>
<font>Código de Processo Civil: art° 668°, n° 1, al. d)</font><br>
<font>Dec-Lei n° 38.382; Dec-Lei n°445/91 e Dec-Lei n°281/99.</font><br>
<font>TERMOS EM QUE, deverá ser revogado o acórdão recorrido, para prevalecer a sentença proferida pelo Tribunal de primeira instância, com todas as consequências legais.</font><br>
<br>
<b><u><font>OS FACTOS</font></u></b><br>
<font>Constantes da matéria de facto assente:</font><br>
<font>A) O Edifício ... corresponde a um complexo habitacional e de lazer, em regime de propriedade horizontal, constituído por cinquenta e cinco fracções autónomas designadas pelas letras "A" a "BG" descrito na Conservatória do Registo Predial de Caminha sob o número 00710 - Seixas e cujas fracções autónomas pertencem a vários proprietários, entre os quais os 2°s a 30°s Autores, os quais constituíram o condomínio e, em assembleia de condóminos, deliberaram eleger como administrador do Condomínio a "... -
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1.ª Secção (Cível)
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<b><font> </font></b><font><br>
<b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font></b>
<p><font>AA, BB, CC e DD intentaram acção, com processo ordinário, contra EE pedindo a condenação da Ré a despejar o prédio que identificam e a pagar-lhes a quantia de 199,52 euros por cada mês de atraso na entrega do imóvel, desde 15 de Janeiro de 2003 (data fixada para a restituição) quantia a compensar com a que os Autores ainda lhe devem ao abrigo do n.º 1 do artigo 89.º-C do RAU, de 11.971,20 euros.</font>
</p><p><font>Mais pedem a condenação da Ré – para além das despesas judiciais a compensar naqueles termos – a abster-se de remover ou levantar quaisquer benfeitorias que ela, ou seu pai, tenham feito no prédio.</font>
</p><p><font>Alegam em síntese que o pai da A. AA deu de arrendamento ao pai da Ré, em 19/12/76, o prédio que identificam, sendo agora os AA. os senhorios; que tendo o pai da Ré falecido em 17/03/2002, em 21/03/2002 os AA. receberam uma comunicação desta a informar que não pretendia renunciar ao arrendamento; após troca de correspondência informaram a Ré que pretendiam denunciar o contrato mediante o pagamento da indemnização a que se refere o nº 2 do artº 89-C do RAU e procederam ao depósito da metade da indemnização referida no nº 1 do mesmo preceito; que a demandada não entregou o prédio no prazo referido no nº 3 do artº 89-C do RAU, apesar da notificação judicial avulsa que lhe foi feita nesse sentido em 30/10/02, alegando ter direito a ser ressarcida das benfeitorias feitas pelo seu pai, o que não se verifica porque logo no contrato ficou prevista a inexistência desse direito. </font>
</p><p><font>A Ré contestou alegando, em resumo, que caducou o direito dos AA. à denúncia do contrato pois deixaram passar o prazo de 30 dias previsto no nº 2 do artº 89-A do RAU. </font>
</p><p><font>Em reconvenção reclamou o pagamento da quantia de € 46.912,17 a título de benfeitorias feitas no arrendado pelo seu pai, bem como a declaração do seu direito de retenção sobre o imóvel até àquele pagamento. </font>
</p><p><font>A final foi proferida sentença que:</font>
</p><p><font>- Julgou não verificada a excepção de caducidade do direito dos AA.; </font><br>
<font>- Julgou parcialmente procedente a acção e, em consequência, condenou a Ré a despejar de imediato o prédio e a pagar aos AA. a quantia mensal de € 199,52 desde 15/01/03 até efectiva entrega do arrendado e a abster-se de remover ou levantar quaisquer benfeitorias. </font><br>
<font>No mais absolveu a Ré do pedido e julgou improcedente o pedido reconvencional, dele absolvendo os AA. </font>
</p><p><font>Apelou a Ré para a Relação de Évora que confirmou a sentença recorrida.</font>
</p><p><font>Pediu, então, revista que este Supremo Tribunal concedeu parcialmente, determinando, contudo, que o processo voltasse à Relação para conhecimento de questões que omitira por as considerar “prejudicadas e dentro dos limites apontados para o direito reconhecido à Ré de reaver dos AA o que o seu antecessor no arrendamento terá despendido nas obras de conservação do prédio especificadas, após vistoria, na deliberação camarária documentada nos autos.”</font>
</p><p><font>De novo a Relação julgou parcialmente procedente a apelação e:</font><br>
<font>Julgou a reconvenção parcialmente procedente e, em consequência, condenou os AA. a pagarem à Ré o custo das obras suportado pelo seu pai e por ele executadas, referidas nas respostas aos artºs 11º( “reconstrução do telhado, tendo sido substituída pelo menos parte da estrutura em madeira existente e colocadas novas telhas”) e 13º (“substituiu a conduta de evacuação de gases de combustão do esquentador para o exterior”), no montante que vier a ser liquidado. </font>
</p><p><font>Confirmou, no mais, a sentença recorrida. </font>
</p><p><font>Ulteriormente e suprindo uma arguida nulidade de omissão de pronúncia, a mesma Relação de Évora reconheceu à Ré “o direito de retenção relativamente ao imóvel em causa até integral pagamento pelos AA/apelados as quantias que vierem a ser liquidadas, a titulo de benfeitorias.”</font>
</p><p><font>Os Autores pedem revista assim concluindo as suas alegações:</font><br>
<i><font>- No Acórdão tirado, nesse Tribunal Supremo, em sede do anterior recurso de Revista que correu termos pela 6ª Secção, com o nº 43/08, e que para aí foi interposto pela Ré, ora recorrida, EE, concluiu-se o seguinte:</font></i><br>
<i><font> ‘No termos expostos, acordam (...) em conceder, apenas em parte a revista e ordenar que o processo baixe ao Tribunal da Relação de Évora, para (...), dentro dos limites apontados para o direito reconhecido à R. de reaver dos AA. </font></i><b><i><font>o que o seu antecessor no arrendamento terá dispendido</font></i></b><i><font> </font></i><i><u><font>nas obras de conservação do prédio especificadas, após vistoria, na deliberação camarária</font></u></i><i><font> </font></i><b><i><font>documenta a nos autos</font></i></b><i><font> (…)” . </font></i>
</p><p><i><font>- Porém, depois do processo haver baixado à Relação de Évora foi aí decidido:</font></i>
</p><p><i><font>“Julgar a reconvenção parcialmente procedente e, em consequência, condenar os AA. a pagarem a Ré o custo das obras suportado pelo seu pai e por ele executadas, referidas nas respostas aos artºs 11º ‘reconstrução do telhado, tendo sido substituída pelo menos parte da estrutura em madeira existente e colocadas novas telhas’ e 13º ‘substituiu a conduta de evacuação de gases de combustão do esquentador para o exterior’, </font></i><b><i><u><font>no montante que vier a ser liquidado</font></u></i></b><i><font>. </font></i><br>
<i><font>Confirmar, no mais, a sentença recorrida.” </font></i>
</p><p><i><font>- Esta decisão extrapola, a nosso ver, de quanto foi decidido em sede desse Tribunal Supremo, não se contendo nas suas premissas,</font></i>
</p><p><i><font>- Já que entende que, os ora recorrentes, terão que pagar, à recorrida, as despesas que por esta vierem a ser liquidadas e sede do competente incidente de liquidação, </font></i>
</p><p><i><font>- Enquanto, na decisão desse Tribunal, nos parece ter sido estabelecido que, os aqui recorrentes teriam que pagar, à recorrida, o orçamentado nos documentos juntos a fls. 161/162 dos autos, aprovados na reunião da Câmara Municipal de Lagos em 4/9/96, </font></i>
</p><p><i><font>- Naturalmente acrescido dos juros caídos nos 5 primeiros anos subsequentes, por força do estabelecido nos arts. 18º do RAU e 310º/d) do C.C.</font></i>
</p><p><i><font> - Deve esta decisão ser revogada e determinado que o montante a pagar, pelos recorrentes à recorrida, não é o que vier a ser liquidado no incidente do mesmo nome, mas antes o que consta do orçamento da Câmara Municipal de Lagos exarado a fls. 161/162 dos autos, acrescido dos juros caídos, apenas e só nos 5 anos subsequentes, às taxas que estiveram sucessivamente em vigor, tudo no montante global de 614 995$00, ou seja, € 3 074, 97, </font></i>
</p><p><i><font>- Tudo melhor se extrai do exarado nos artigos 37 e 38 ut supra, que aqui dão por inteiramente reproduzidos. </font></i>
</p><p><i><font>- Caso assim não entendam, no menos, decidir-se que, o valor dessas benfeitorias indicadas no documento de fls. 161 dos autos, deve ser satisfeito pelos recorrentes á recorrida, segundo as regras do enriquecimento sem causa (arts. 479º e 480°, do CC.), como se estabelece no art. 1273º/2 do CC., </font></i>
</p><p><i><font> - Por nos parecer que será então esta, e não a posta na decisão sob recurso, a forma de calcular o valor das obras feitas pelo pai da recorrida e orçamentadas pela Câmara Municipal de Lagos, nos idos de 1996.” </font></i>
</p><p><font>Contra alegou a Ré-Recorrida em defesa do julgado.</font>
</p><p><font>A Relação deu por definitivamente assente a seguinte matéria de facto:</font><br>
<i><font>-</font></i><i><font>Em 19 de Fevereiro de 1976 FF acordo ceder a GG o uso do rés-do-chão do nº 60 da Rua ..., sito em Lagos, freguesia de S. Sebastião, inscrito na matriz predial urbana da mesma freguesia sob o artigo 2709 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Lagos, sob o nº 0200000000, pelo período de um ano sucessivamente renovável por iguais períodos e mediante o pagamento por parte deste último de Escs.: 2.500$00, em asa do primeiro ou de quem o representasse, no primeiro dia útil do mês anterior àquele a que respeita. (A) </font></i><br>
<br>
<i><font>- Tal montante é actualmente de €44,00. (B) </font></i><br>
<br>
<i><font>- FF e mulher HH faleceram. (C) </font></i><br>
<br>
<i><font>- Em 1 de Abril de 1993, faleceu CC, marido da 1ª A. (D)</font></i><br>
<br>
<i><font>- Os restantes A.A. são filhos. (E) </font></i><br>
<br>
<i><font>- GG faleceu em 17 de Março de 2002. (F) </font></i><br>
<br>
<i><font>-A R. EE enviou aos A.A. uma carta registada com aviso de recepção, datada de 2i de Março de 2002, comunicando o falecimento de GG e anunciando que pretendia continuar a ocupar o lugar do mesmo no acordo referido em A), a qual foi enviada a 25/3/02 e recebida pela ia A. em 26/3/02. (G) </font></i><br>
<br>
<i><font>- Através de várias cartas que trocaram com a R. EE, os A.A. opuseram-se ao referido em G). (H) </font></i><br>
<br>
<i><font>- Os A.A. depositaram na conta da R. da Caixa Geral de Depósitos € 11.971,20, em 26 de Junho de 2002. (I) </font></i><br>
<br>
<i><font>- Em 12 de Julho de 2002, os A.A. enviaram à R. uma carta registada com aviso de recepção a comunicarem-lhe o depósito referido em K). (J) </font></i>
</p><p><i><font>- Em 30 de Outubro de 2002, os A.A. solicitaram a notificação judicial avulsa da R. para que procedesse à entrega do prédio referido em A) em 15 de Janeiro de 2003 e que nesse dia estaria à sua disposição os restantes € 11.971,20. (K) </font></i><br>
<br>
<i><font>-No acordo referido em A) refere-se numa cláusula manuscrita que GG deverá “manter a casa sempre em bom estado de limpeza, tudo quanto se partir, vidros ou portas ter que arranjar por sua conta, e algumas alterações mais, todas por sua conta; não tendo direito de desmanchar um dia quando sair”. (L) </font></i><br>
<br>
<i><font>- A R. não procedeu ao levantamento da quantia depositada pelas A.A. e referida em K). (M) </font></i><br>
<br>
<i><font>-A R. tem efectuado o depósito das rendas na Caixa Geral de Depósitos em nome da A. AA na conta nº 70000000000. (N) </font></i><br>
<br>
<i><font>- O prédio é anterior a 1951. (O) </font></i><br>
<br>
<i><font>- A única casa de banho existente situava-se no quintal. (P) </font></i><br>
<br>
<i><font>- Não procederam os sucessivos donos do prédio referido em A) a quaisquer obras. (Q) </font></i><br>
<br>
<i><font>- A A. AA mandou encerrar a conta referida em N) (e não P), como por manifesto lapso se refere a fls. 305). (R)A R. passou a efectuar depósitos na Caixa Geral de Depósitos no montante de € 199,52, na conta nº 200000000000, desde Outubro de 2002. (S) </font></i><br>
<br>
<i><font>- Caíam pingas do telhado (2º) </font></i><br>
<br>
<i><font>- O telhado ruiu. (3º) </font></i><br>
<br>
<i><font>- O pai da ora Ré deu entrada na Câmara Municipal de Lagos do processo para realização de obras o qual assumiu o nº SOP 9/95. (5º) </font></i><br>
<br>
<i><font>-Foi efectuada vistoria camarária. (6°) </font></i><br>
<br>
<i><font>- A C.M. de Lagos autorizou a realização de obras nos termos dos documentos de fls. 383 e 387. (7º) </font></i><br>
<br>
<i><font>- Tais obras foram orçamentadas (8°) </font></i><br>
<br>
<i><font>- Segundo o orçamento de fls. 161 o valor das obras era de 430.560$00. (9º) </font></i><br>
<br>
<i><font>- Tal orçamento foi notificado pela Câmara Municipal aos AA. (10º) </font></i><br>
<br>
<i><font>- O pai da Ré procedeu à reconstrução do telhado, tendo sido substituída pelo menos parte da estrutura em madeira existente e colocadas novas telhas. (11º) </font></i><br>
<br>
<i><font>- O pai da Ré substituiu a conduta de evacuação de gases de combustão do esquentador para o exterior. (13º) </font></i><br>
<br>
<i><font>- O chão do rés-do-chão em madeira foi substituído por tijoleira. (24º) </font></i><br>
<br>
<i><font>- O Pai da Ré substituiu a janela da cozinha. (28º) </font></i><br>
</p><p><i><font>- Procedeu à substituição das escadas em madeira por escadas em tijoleira (15º) A escada estava em mau estado (17º)</font></i>
</p><p><i><font>- Procedeu o Pai da Ré à colocação de instalação eléctrica na casa, pois a que lá se encontrava tinha mais de 20 anos e esteve sujeita a humidades das infiltrações das paredes e tectos. (30º) </font></i><br>
<br>
<i><font> - Substitui o soalho do 1º andar, de madeira, com a colocação de todo o chão de madeira (18º)</font></i><br>
<br>
<i><font>- O Pai da Ré procedeu à reparação de paredes interiores, rebocando-as e pintando-as. (32º e 20º) </font></i><br>
<br>
<i><font>- Procedeu à substituição de toda a canalização da casa na cozinha, casa de banho e quintal. (34º) </font></i>
</p><p><i><font>- Pelo menos as paredes exteriores foram pintadas pelo Pai da Ré. (36º) </font></i>
</p><p><br>
<i><font>- Pintou as madeiras das janelas e portas. (39º) </font></i><br>
<br>
<i><font>- Procedeu à colocação de azulejos em todas as divisões da casa, para evitar a criação de salitre e desmoronamento dos rebocos. (41º e 22º) </font></i><br>
<br>
<i><font>- Colocou novas loiças sanitárias, tijoleira e azulejos na casa de banho existente. (43º) </font></i><br>
<br>
<i><font>- O Pai da Ré e a ora Ré tiveram que sair de casa durante as obras e ir morar em casa, respectivamente, do filho e irmão. (45º) </font></i><br>
<br>
<i><font>- O Pai da Ré tinha 71 anos quando adoeceu gravemente, o que o impedia de se deslocar. (46º) </font></i><br>
<br>
<i><font>- Pelo referido, procedeu à construção de uma casa de banho no interior da asa, aproveitando uma despensa no rés-do-chão. (47º) </font></i><br>
<br>
<i><font>- Efectuou as canalizações, colocação de loiças sanitárias, tijoleira, azulejos e instalação eléctrica. (48º) </font></i><br>
<br>
<i><font>- Os A.A. tiveram conhecimento das obras. (51°) </font></i><br>
<br>
<i><font>- A Câmara Municipal notificou os A.A. nos termos dos documentos de fls. 355, 367 e 378. (52º) </font></i><br>
<br>
<i><font>- Os A.A. responderam por carta enviada a 5/4/02, cujo teor se dá por reproduzido. (53º) </font></i><br>
<br>
<i><font>-A R enviou a carta de fls. 88, pelo menos registada, no dia 23/4/02. (54°) </font></i><br>
<br>
<i><font>- Os A.A. enviaram à R a carta de fls. 89 com data de 30/4/02. (55º). </font></i><br>
<br>
<i><font>- A R. enviou aos A.A. a carta datada de 27/5/02, enviada a 28/5/02 e recebida a 29/5/02. (56º) </font></i><br>
<i><font>-Os A.A. enviaram à R. a carta datada de 14/6/02, enviada a 17/6/02 e recebida a 18/6/02. (57º) </font></i><br>
<br>
<i><font>- A R. enviou aos A.A. a carta datada de 8/1/03 e enviada no mesmo dia. (59º). </font></i>
</p><p><font>Foram colhidos os vistos.</font>
</p><p><font>Conhecendo, </font><br>
<font>1. Reenvio para a Relação</font><br>
<font>2. Definição do Direito</font><br>
<font>3. “In Casu”</font><br>
<font>4. Conclusões</font><br>
<b><font>1. Reenvio para a Relação</font></b>
</p><p><font>Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões da alegação, verifica-se que a única questão controvertida está em saber qual o “quantum” indemnizatório que os recorrentes devem pagar à recorrida.</font>
</p><p><font>Na perspectiva daqueles, e louvando-se no primeiro Acórdão deste Supremo Tribunal, será “o orçamentado nos documentos juntos fls. 161/162 dos autos, aprovados na reunião da Câmara Municipal de Lagos em 4/9/96, naturalmente acrescido dos juros caídos nos 5 primeiros anos subsequentes”.</font>
</p><p><font>Na óptica dos recorridos – e do Acórdão da Relação de Évora – a condenação será em montante que vier a ser liquidado correspondente às obras referidas nas respostas aos artigos 11.º e 13.º da base instrutória.</font>
</p><p><font>Vejamos.</font>
</p><p><font> No primeiro recurso este Supremo Tribunal usou da faculdade do n.º 2 do artigo 731.º do Código de Processo Civil, determinando o reenvio do processo à Relação, para que fosse conhecida matéria de facto relevante para decidir o pedido reconvencional, sobre a qual a 2.ª instância omitira pronúncia.</font>
</p><p><font>Isto é, verificada a nulidade da primeira parte da alínea d) do n.º 1 do artigo 668.º do Código de Processo Civil, que não pode ser suprida em sede de recurso, a solução foi determinar a reforma no Tribunal “a quo”, se possível pelos mesmos juízes.</font>
</p><p><font>Esta regra supõe que a nulidade – vício de limite – arguida não possa ser suprida pelo Supremo Tribunal de Justiça que, contudo, considera essencial para a decisão o segmento sobre o qual não houve pronúncia. (cf. v.g., os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 21 de Março de 1995 – CJ/S.T.J III, I, 126; de 12 de Março de 1996 – CJ – IV – 1, 143 e de 15 de Março de 2005 – 04B3876).</font>
</p><p><font>Se, contudo, concluir que tal omissão é irrelevante para a sorte da lide, deve considerá-la prejudicada não determinando o reenvio.</font>
</p><p><font>O segundo ponto é resultante da natureza do Tribunal de revista, que é o Supremo Tribunal de Justiça (ao contrário da Relação que, nestes casos, julga segundo o sistema da cassação).</font>
</p><p><font>Daí que será também de aplicar também a estes casos a disciplina dos artigos 729.º e 730.º da lei processual.</font>
</p><p><font>É que, o Supremo Tribunal ao determinar o reenvio para que seja suprida a nulidade arguida deve, sempre que, para tal, disponha de elementos, definir o regime jurídico que julgue adequado e como devem ser aplicadas e interpretadas as respectivas normas legais.</font>
</p><p><font>O que,obviamente, só é possível relativamente aos pontos concretos não abrangidos pela omissão de pronúncia.</font>
</p><p><font>Ou seja, e com mais detalhe:</font>
</p><p><font>1.2 O Supremo Tribunal de Justiça pode reenviar o processo ao tribunal recorrido em dois casos:</font>
</p><p><font>- quando “entenda que a decisão de facto pode e deve ser ampliada, em ordem a constituir base suficiente para a decisão de direito, ou que ocorrem contradições na decisão sobre a matéria de facto que inviabilizam a decisão jurídica do pleito.” (n.º 3 do artigo 729.º Código Processo Civil);</font>
</p><p><font>- quando proceder alguma das nulidades que não possa suprir (no que, aqui, releva a omissão de pronúncia) para “reforma da decisão anulada” (n.º 2 do artigo 731.º do Código de Processo Civil).</font>
</p><p><font>No primeira situação a lei é expressa ao determinar que o Supremo deve desde logo definir o direito aplicável e mandar “julgar novamente a causa, em harmonia com a decisão de direito” sempre e, se possível, com as mesmos juízes do primeiro julgamento (n.º 1 do artigo 730.º).</font>
</p><p><font>Se, porém, “por falta ou contradição dos elementos de facto” o direito não possa ser, precisamente fixado, “a nova decisão admitirá recurso de revista, nos mesmos termos que a primeira.” (n.º 2 do citado artigo 730.º).</font>
</p><p><font>Tratando-se de procedência de nulidade o n.º 2 do artigo 731.º determina que “mandar-se-á baixar o processo, a fim de se fazer reforma da decisão anulada”, também, e se possível, pelos mesmos juízes.</font>
</p><p><font>E o n.º 3 deste preceito diz, à semelhança do n.º 2 do artigo 730.º, que a nova decisão “admite recurso de revista nos mesmos termos que a primeira.”</font>
</p><p><font>Da precisa letra dos preceitos pode parecer, “prima facie”, que no caso de reenvio para suprimento de nulidades, o Supremo Tribunal não tem que definir o direito aplicável, sempre tudo se passando como se não o pudesse fazer por se encontrar em situação homóloga à do n.º 2 do artigo 730.º.</font>
</p><p><font>Daí que quer esta norma, quer o n.º 3 do artigo 731.º se reportem à nova revista com a mesma amplitude (“mesmos termos”) da “primeira”.</font>
</p><p><font>Mas não pode assim ser em todas as situações.</font>
</p><p><font>Se, como é o caso vertente, a nulidade a suprir se traduziu em omissão de pronúncia consistente, apenas, na reapreciação de certos factos que terão de ser novamente julgados, não se vê razão para distinguir dos casos em que a decisão de facto deva ser ampliada ou contenha contradições.</font>
</p><p><font>É que, quer a ampliação, quer a superação das contradições, implicam um eventual elencar de novos factos, tal como acontece se reapreciados os já assentes.</font>
</p><p><font>Não se vê, assim, razão para no caso de não conhecimento da impugnação da matéria de facto – e a não ser que ocorra impossibilidade de o fixar com precisão – o Supremo não possa, desde logo, definir o direito aplicável à parte não afectada por aquele desconhecimento.</font>
</p><p><font>A coerência do sistema e a economia processual, sugerem que se conclua pela definição, ou não, do direito, nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 730.º do Código de Processo Civil, nos casos do n.º 2 do artigo 731.º, quando a nulidade seja de omissão de pronúncia.</font>
</p><p><b><font>2- Definição do direito</font></b>
</p><p><font>Aqui chegados, entendemos que este Supremo Tribunal andou bem ao proceder à aplicação do regime jurídico adequado aos factos já definitivamente assentes e à situação expectável resultante da nova decisão sobre a matéria de facto, tomada em suprimento da nulidade.</font>
</p><p><font>Cumpria, pois, à Relação proceder ao novo julgamento “em harmonia com a decisão de direito.”</font>
</p><p><font>Vejamos se o fez.</font>
</p><p><font>2.1 No único ponto que neste recurso é controvertido disse o Acórdão do Supremo Tribunal (fls. 906 e segs.):</font><br>
<i><font>“Não se ignora que a partir do Decreto-Lei n.º 46/85 passou a estar a cargo do senhorio o dever de proceder a obras de conservação ordinária do prédio, nos termos do seu art° 16° tendo o RAU no seu art° 12° n°1 estabelecido essa regra, sem prejuízo do estabelecido no art° 1043° do C. Civil, sobre o dever do locatário de manter e restituir o prédio no estado em que o recebeu e que se presume como estando bom e do art° 4° do mesmo RAU sobre as pequenas deteriorações tidas por lícitas executada pelo arrendatário para assegurar o seu conforto e comodidade. </font></i><br>
<i><font>As obras de conservação ordinária estão enumeradas no art° 11°e compreendem: </font></i><br>
<i><font>‘a) A reparação e limpeza geral do prédio e suas dependências </font></i><br>
<i><font>b) As obras impostas pela Administração Pública nos termos da lei geral ou local e as que visem conferir ao prédio as características apresentadas aquando da cessão da licença de utilização </font></i><br>
<i><font>c) Em geral as destinadas a manter o prédio as condições requeridas pelo fim do contrato e existentes à data da sua celebração.’</font></i><br>
<i><font>Como é sabido discute-se na doutrina e na jurisprudência se as partes podem estipular no contrato ficarem tais obras de conservação do prédio a cargo do locatário. </font></i><br>
<i><font>Para o Prof. Romano Martinez é aceitável a validade de uma tal cláusula, como tal se devendo entender a constante do contrato dos autos e mesmo no chamado arrendamento habitacional, visto não contrariar nenhuma disposição legal e não ofender princípios fundamentais do respectivo regime de arrendamento. (Contratos em Especial, 2.ª ed., 248, nota 13) </font></i><br>
<i><font>Opinião divergente tem, porém, Aragão Seia (Arrendamento Urbano 7.ª ed., 213) o qual refere resultar o contrário do art° 12° do RAU e ainda dos art°s 13 (obras de conservação extraordinária) e 40°do mesmo diploma, trazendo igualmente á colação o art° 1030.º do C. Civil, enquanto reporta que os encargos da coisa locada ficam sempre a cargo do locador, sem embargo de estipulação em contrário. </font></i><br>
<i><font>Ou seja, a estipulação em contrário, quererá significar ‘embora o contrário tenha sido acordado’. </font></i><br>
<i><font>Propendemos para adoptar esta posição, divergente da adoptada na sentença e no acórdão, recentemente defendida no Ac da R Coimbra de 9/11/2005, CJ 2005, T° V, 9 e nesse ponto dissentindo da adoptada no Ac da R Évora de 25/02/1999. Col. Jur 1999, T° V, 274 e que julgamos também ter o apoio da Menezes Leitão (Direito das Obrigações, Vol III, 315) de A. Varela (RLJ, anos 1000, 379 e 119°, 276) partindo da interpretação dos normativos conjugados dos art° 1031°, aln b) e 1043°,n°1 do C. Civil e ainda do Ac deste Supremo de 15/11/1998, BMJ 481°, 484, perfeitamente claro em dizer que ‘o locador é obrigado a realizar todas as reparações ou outras despesas essenciais ou indispensáveis para assegurar o gozo da coisa locada, de harmonia com o fim contratual (...) quer a sua necessidade resulte do simples desgaste do tempo, de caso fortuito ou de facto de terceiro.’ </font></i><br>
<i><font>No entanto, mesmo admitindo esta hipótese, a sentença e o acórdão reconhecendo serem parte das obras dadas por provadas de conservação ordinária e não de mera beneficiação, consideraram que o locatário não podia proceder a elas, sem previamente ter pedido ao senhorio que as realizasse, tendo em conta o disposto no art° 1038° aln h) do C. Civil. </font></i><br>
<i><font>Outra coisa não reporta Aragão Seia (op. cit. 306) o qual refere que o inquilino deve em princípio pedir ao senhorio as reparações, já que de harmonia com a citada aln h) do art° 1038° do C. Civil, é sua obrigação avisá-lo imediatamente sempre que tenha conhecimento de vícios da coisa ou saiba que a ameaça algum perigo. </font></i><br>
<i><font>Essas reparações respeitam às obras de limpeza geral do prédio e todas as que se destinem a manter o prédio nas condições requeridas pelo fim do contrato e existentes à data da sua celebração. </font></i><br>
<i><font>E se não forem urgentes e o senhorio as não efectuar, o arrendatário terá de propor acção judicial contra o senhorio pedindo que este seja condenado a realizá-las, seguindo-se se for caso disso, a execução para prestação de facto </font></i><br>
<i><font>Apenas se o senhorio estiver em mora quanto à obrigação de fazer reparações ou outras despesas e umas e outras pela sua urgência se não compadecerem com as delongas de procedimento judicial, tem o locatário a possibilidade de as fazer extrajudicialmente, com direito a reembolso. </font></i><br>
<i><font>Mas se a urgência não consentir qualquer dilação, o locatário pode fazer as reparações ou despesas também com direito a reembolso, independentemente da mora do locador, contanto que o avise ao mesmo tempo – art° 1036° do C. Civil. </font></i><br>
<i><font>Concluíram a sentença e o acórdão que os donos do prédio posto que não procedendo a quaisquer obras desde a celebração do contrato em 1976 (donde não ser de estranhar a sua degradação) não foram avisados da necessidade da sua realização, tendo o arrendatário, pai da recorrente optado por requerer as mesmas à Câmara Municipal de Lagos (resp. aos q°s 5° a 9) sem o cumprimento prévio daquela obrigação. Ora isto é verdade, só que a Câmara, como decorre dos doc.s juntos, notificou o senhorio, aliás a A AA em 1995 para proceder a obras após deliberação nesse sentido, obras que consistiam conforme o respectivo orçamento e de acordo com a vistoria, em trabalhos de reparação geral da cobertura e na instalação da canalização / conduta de evacuação de gases de combustão do esquentador para o exterior. </font></i><br>
<i><font>Ou seja, os donos do prédio, através da A AA tinham perfeito conhecimento de que o prédio carecia de obras prementes de conservação acima especificadas, foi-lhe até, fixado um prazo, sendo que por obras nenhumas terem sido executadas que o pai da R resolveu, como consta de fls. 380, tomar a seu cargo a mesmas, ainda que solicitando apoio em materiais e mão de obra o que esta aceitou com disponibilização de 50% dos materiais. </font></i><br>
<i><font>Ora, com o devido respeito, não teria o primitivo arrendatário de avisar o senhorio caso optasse como fez por uma queixa directa à Câmara Municipal e esta notificasse a senhoria, como ficou provado e está documentado para proceder às ditas obras, posto que circunscritas à reparação da cobertura e expulsão dos gases de combustão do esquentador para o exterior, pois apenas essas foram objecto de queixa entendendo aquela Câmara Municipal, no âmbito da sua competência própria e mediante deliberação como sendo necessárias para manter o arrendado em condições elementares de salubridade e segurança (v. neste sentido Aragão Seia, op. cit., 206 e Acs concordantes da R Lisboa de 25/02/86 e de Évora de 9/02/1989, referenciados em nota in Arrendamento Urbano, 7.ª ed., 206) Dito de outra forma, a R tinha, pois, direito a reclamar o custo efectivo de tais obras que são as constantes das respostas aos quesitos 11.º e 13°, e que importavam, conforme o orçamento feito em 440.560$00 mas não as demais quesitadas de conservação ordinária algumas e de beneficiação outras, visto ficaram à margem da intervenção camarária e não seguir para elas o primitivo arrendatário o ‘iter procedimental’ supra enunciado, não lhe cabendo assim o direito de reclamar o dinheiro com elas alegadamente dispendido.”</font></i>
</p><p><font>E concluiu, pelo reenvio do processo à Relação apenas para reapreciar as respostas aos artigos 11.º (reparação do telhado) e 13.º (substituição da conduta para a evacuação dos gases para o exterior) da base instrutória, os “gastos feitos com tais obras” e um eventual enriquecimento sem causa.</font>
</p><p><font>No segmento final enfatizou que tal conhecimento seria feito “dentro dos limites apontados para o direito reconhecido à Ré de reaver dos Autores o que o seu antecessor no arrendamento terá dispendido nas obras de conservação do prédio especificados após vistoria, na deliberação camarária documentada nos autos.”</font>
</p><p><font>Claros, portanto, ficaram, quer a definição do direito, quer os termos da condenação.</font><br>
<b><font>3 - “In casu”</font></b>
</p><p><font>Resultou da matéria de facto assente a vistoria feita pela Câmara Municipal de Lagos que autorizou a realização de obras orçamentadas (fls. 161 e 162) em 430.560$00 e que o pai da Ré, dessas obras, “procedeu à reconstrução do telhado, tendo sido substituída pelo menos parte da estrutura em madeira existente e colocadas novas telhas” assim como “substituiu a conduta de evacuação de gases de combustão do esquentador para o exterior.”</font>
</p><p><font>Será pois o custo destas obras que a recorrida terá de receber e que foram orçamentadas, após vistoria camarária, devendo atentar-se no valor encontrado no orçamento – notificado e aceite pelos Autores – como o limite a prestar pelos recorrentes, considerando as respostas negativas aos artigos 13.º, e 14.º da base instrutória onde se questionaria quanto foi despendido nas obras referidas nos quesitos 11.º e 13.º.</font>
</p><p><font>Mas tendo os recorrentes aceite em sede de alegações que são devedores de todo o montante orçamentado não se vê razão para proceder a mais indagações noutra sede, já que, neste ponto específico, os recorrentes prescindiram de controvérsia, antes se confessando devedores.</font>
</p><p><font>Devem, assim, ser condenados no pagamento à Ré da quantia de 430.560$00 (equivalente a 2152,80 euros) acrescida de juros, às sucessivas taxas legais, contados desde a notificação do pedido reconvencional.</font>
</p><p><b><font>4- Conclusões</font></b>
</p><p><font>Pode concluir-se que:</font><br>
<font>a) O n.º 2 do artigo 731.º do Código de Processo Civil supõe que a nulidade de omissão – vício de limite – arguida não possa ser suprida pelo Supremo Tribunal de Justiça que, contudo, considera essencial para a decisão o segmento sobre o qual não houve pronúncia.</font><br>
<font>b) Se, porém, concluir que tal omissão é irrelevante para a sorte da lide, deve considerá-la prejudicada e não determinar o reenvio.</font><br>
<font>c) O Supremo Tribunal de Justiça pode reenviar o processo ao tribunal recorrido em dois casos: quando entenda que a decisão de facto pode e deve ser ampliada, em ordem a constituir base suficiente para a decisão de direito, ou que ocorrem contradições na decisão sobre a matéria de facto que inviabilizam a decisão jurídica do pleito (n.º 3 do artigo 729.º do Código de Processo Civil); e quando proceder alguma das nulidades que não possa suprir (n.º 2 do artigo 731.º).</font><br>
<font>d) Se a nulidade a suprir se traduziu em omissão de pronúncia consistente, apenas, na não reapreciação de certos factos que terão de ser novamente julgados, não se vê razão para distinguir esta situação daquela em que a decisão de facto deva ser ampliada ou contenha contradições.</font><br>
<font>e) Quer a ampliação, quer a superação das contradições, implicam um eventual elencar de novos factos, nos precisos termos do que acontece se reapreciados o
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WDL6u4YBgYBz1XKv9GrB
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1.ª Secção (Cível)
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<b><font> </font></b><font>Aordam no Supremo Tribunal de Justiça<br>
I<br>
1. A 2.12.93, no Tribunal do Círculo Judicial de Portalegre, A propôs acção com processo ordinário contra Banco Espírito Santo e Comercial de Lisboa pedindo a sua condenação no pagamento da quantia de 2086000 escudos, e nos juros vencidos e vincendos até efectivo pagamento.<br>
Alegou, em síntese, que no período compreendido entre 4.10.93 e 12.10.93 o réu pagou três cheques no montante de 1636000 escudos, que debitou sobre uma conta de que o autor é titular no Banco réu, cheques esses que lhe haviam sido furtados e cuja assinatura fora falsificada; a esse montante acrescem 100000 escudos de despesas resultantes do desconto de uma letra, e 350000 escudos, a título de danos morais.<br>
Após normal tramitação processual, procedeu-se a julgamento e, a 19.6.96, foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente, condenando o réu no pagamento da quantia de 868000 escudos (fls. 155).<br>
<br>
2. Inconformados, autores (entretanto, foi admitida a intervenção principal de B, mulher do autor e co-titular da conta em causa) e réu recorreram para o Tribunal da Relação de Évora que, por acórdão de 17.9.98, julgou a apelação do réu totalmente improcedente, e a dos autores parcialmente procedente, condenando o réu a pagar a quantia de 1736000 escudos, acrescida de juros desde a citação até completo e efectivo pagamento.<br>
Traz o réu a presente revista para o Supremo Tribunal de Justiça, oferecendo alegações em que conclui pela revogação do acórdão recorrido, por violação do disposto nos artigos 798º e 487º, nº 2, do Código Civil, e consequente absolvição do pedido.<br>
<br>
Em contra-alegações, os recorridos defendem a manutenção da decisão recorrida, nos seus precisos termos.<br>
Cumpre decidir, após os vistos legais.<br>
II<br>
São as conclusões do recorrente que balizam o âmbito do recurso (artigos 684º, nº 3, e 690º, nº 1, do CPC).<br>
Como assim, questões antes suscitadas (como sejam, as que respeitavam à alteração da resposta ao quesito 1º, à ressarcibilidade dos danos não patrimoniais e à fixação do momento a partir do qual os juros são devidos), já não são objecto deste recurso de revista.<br>
A única questão a decidir circunscreve-se, pois, em determinar a responsabilidade pelos danos resultantes do pagamento, pelo sacado, de cheques falsificados, ou seja, em saber quem - sacador, sacado, ou ambos - deve suportar as consequências de um tal pagamento.<br>
A esta questão respondeu o acórdão recorrido em termos que não nos suscitam reparo, merecendo antes a nossa aceitação, tanto quanto à fundamentação como à solução jurídica alcançada. <br>
Decisão que, alicerçada em abundantes e valiosos elementos doutrinais e jurisprudenciais, ponderou adequadamente e nos termos devidos os vários aspectos que a questão coenvolve, fazendo correcta interpretação das pertinentes normas legais, que aplicou com critério à matéria de facto fixada.<br>
Tudo vale por dizer que estão preenchidos os pressupostos dos artigos 713º, nº 5, e 726º do Código de Processo Civil (aqui aplicáveis, uma vez que a decisão recorrida já foi proferida na vigência das alterações introduzidas ao CPC pelo Decreto-Lei nº 329-A/95, de 12 de Dezembro - cfr. seu artigo 25º), pelo que entendemos ser de confirmar totalmente o acórdão impugnado, quer quanto à decisão, quer no que aos seus fundamentos concerne.<br>
Tal não significa, porém, que não se teçam breves considerações, no propósito de contribuir com algumas achegas e subsídios, em abono da decisão recorrida.<br>
III<br>
A nosso ver, o dissentimento do recorrente repousa, por um lado, em pressupostos que não consideramos juridicamente correctos e, por outro, numa deficiente apreensão da essência da fundamentação vertida no acórdão contra o qual se insurge.<br>
1. Conclui, na verdade, o recorrente que "quer a doutrina quer a jurisprudência deste Supremo Tribunal são praticamente unânimes no sentido de que a responsabilidade pelo pagamento de cheques falsificados é regulada pelos princípios da responsabilidade civil, assente na culpa" (conclusão a)).<br>
Conclusão que não se contesta e se acolhe.<br>
"A determinação de quem responde pelos prejuízos derivados do pagamento pelo banqueiro sacado de cheques em que a firma sacadora foi falsificada, faz-se segundo os princípios da responsabilidade civil" (sumário do acórdão do STJ de 16.5.69, BMJ, nº 187-145).<br>
Entendimento reafirmado quase textualmente nos acórdãos, também do STJ, de 18.3.75, BMJ, nº 245-504, de 22.5.80, BMJ, nº 297-368, e de 16.6.81, Proc. nº 69095, valendo a pena atentar-se no sumário deste último:<br>
"A responsabilidade pelos danos resultantes do pagamento pelo sacado de cheques em que foi falsificada a assinatura do sacador determina-se segundo os princípios gerais da responsabilidade civil, sendo responsável o Banco quando tenha agido com culpa na verificação da autenticidade da assinatura do sacador" (neste mesmo sentido, o Parecer do Ministério Público de 19.5.70, BMJ, nº 205-94, onde são recenseados valiosos elementos de doutrina).<br>
<br>
1.1. Mas não se diga que o acórdão recorrido se afastou deste entendimento.<br>
Com efeito, foi claramente em sede de culpa que equacionou e decidiu o cerne da questão, começando mesmo por logo advertir que "não se trata de risco atinente a uma responsabilidade objectiva, mas subjectiva, pois aquela só existe nos casos previstos expressamente na lei".<br>
Passo inspirado no acórdão do STJ de 21.5.96 (CJSTJ, ano IV, tomo II, p. 82), onde se pondera que se não trata de risco emergente de responsabilidade objectiva, já que esta figura, por excepcional, só assume relevância quando a lei expressamente o dite, mas antes de risco inserido na responsabilidade subjectiva.<br>
<br>
2. É num outro ponto que radica o pomo fulcral, e decisivo, da discórdia.<br>
Como decorre da conclusão b) do recorrente: "não existe no contrato de depósito bancário a transferência de propriedade do dinheiro ou valores depositados, já que o banqueiro apenas adquire um direito de fruição desses mesmos valores", "não sendo, por isso, aplicáveis ao caso as disposições dos artigos 796º e 799º do Código Civil".<br>
Neste ponto, a divergência é total e não assiste razão ao recorrente.<br>
<br>
2.1. A tal propósito, escreveu-se no acórdão:<br>
"seja qual for a natureza do depósito bancário, porque existe transferência da propriedade da coisa concretamente recebida...sempre o risco pelo destino da coisa depositada há-de correr por conta do depositário, nos termos do artigo 796º, nº 1, do CC, salvo se for devido a causa imputável ao depositante".<br>
Este entendimento tem por si, tanto a doutrina:<br>
- Antunes Varela, "Depósito Bancário", in "Revista da Banca", nº 21, p. 47; Paulo Ponces Camanho, "Do Contrato de Depósito Bancário", 1998, p. 209; José Maria Pires, "Direito Bancário", 2º vol., p. 168), <br>
- como a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, ilustrada pelos acórdãos de 12.6.74, BMJ, nº 238-272, de 3.10.95, Proc. nº 86841, de 26.3.96, Proc. nº 87953 e de 21.5.96, já citado.<br>
<br>
Vejamos com mais detalhe.<br>
- "No depósito bancário o banco, tornando-se dono do dinheiro depositado, assume todo o risco desde o momento em que o recebeu do depositante, por força do artigo 796º, nº 1, do CC, e também não pode duvidar-se que são de observar os princípios gerais que tornam irrelevante o pagamento feito a terceiro sem consentimento do depositante - artigos 769º e 770º do mesmo Código" (acórdãos citados de 12.6.74 e 3.10.95);<br>
- "O depósito bancário, dada a natureza fungível das coisas que o integram ou constituem o seu objecto, assume a feição de irregular, com disciplina idêntica à do contrato de mútuo, passando a integrar-se desde logo na propriedade do mutuário (depositário)", ficando "a cargo do depositário o risco pelo destino do depósito quando não devido a causa imputável ao depositante" (citado acórdão de 21.5.96).<br>
<br>
3. Com os dados adquiridos, avancemos então, como o exige a decisão, para a questão da determinação da culpa - culpa pela subtracção, falsificação e pagamento dos cheques.<br>
Começando por advertir, a propósito das cláusulas exoneratórias de responsabilidade, que a doutrina e jurisprudência têm vindo a entender que os deveres que impendem sobre o Banco - mormente o de verificar a veracidade da assinatura do sacador nos cheques bancários -, sendo impostos por razões de ordem pública, não podem ser afastados, face ao disposto no artigo 800º, nº 2 do Código Civil, por cláusulas constantes das requisições de cadernetas de cheques, do tipo das insertas no documento de fls. 17 destes autos (cfr. Vaz Serra, "Responsabilidade do Devedor pelos Factos dos Auxiliares, dos Representantes Legais ou dos Substitutos", separata do BMJ, nº 72; Moitinho de Almeida, "Responsabilidade Civil dos Bancos pelo Pagamento de Cheques Falsificados", p. 145; acórdãos do STJ de 16.5.69, 22.5.80 e 16.6.81, já citados, e de 25.10.79, BMJ, nº 290-429).<br>
<br>
3.1. Posto isto, importa proclamar a existência, por ninguém questionada, de deveres recíprocos por parte do sacador (depositante) e sacado (depositário): para o primeiro, fundamentalmente os deveres de vigilância e cuidado na conservação e guarda dos cheques, por forma a evitar a sua subtracção e/ou utilização abusiva por terceiro, bem como o dever de comunicar e avisar o Banco da sua perda ou extravio; para o segundo, o dever de não pagamento sem previamente se certificar de que a assinatura aposta corresponde à do titular da conta.<br>
Ora, é precisamente neste plano de omissão dos deveres de diligência impostos pela actividade bancária aqui em causa, que deve ser apreciada a existência da culpa, traduzida no nexo de imputação subjectiva do facto ao agente.<br>
<br>
3.2. Neste domínio, a decisão recorrida pondera que o princípio a reter é este:<br>
"desde que se não verifique actuação, quer do depositante quer do depositário, propiciadora do surgimento de irregularidades, a responsabilização pela integridade do depósito impende sobre o depositário" (passo recolhido do acórdão de 21.5.96).<br>
E mais adiante acrescenta que o risco assumido pelo Banco depositário só não subsistirá quando houver culpa relevante do depositante que se sobreponha ou anule a responsabilidade do Banco.<br>
Tendo havido incumprimento ou cumprimento defeituoso do contrato, ao Banco incumbe provar que agiu sem culpa (acórdãos do STJ de 19.10.93, CJSTJ, ano I, tomo III p. 69, e de 3.10.95, citado); noutros termos, o Banco deve provar que o evento danoso se deu por causa imputável ao depositante (citados acórdãos de 26.3.96 e 21.5.96).<br>
Por outras palavras ainda: o pagamento só libera totalmente o Banco se este provar, face ao disposto no artigo 799º, nº 1, do CC, que não teve culpa (pois se certificou da correspondência das assinaturas), e que o pagamento foi devido a comportamento culposo do depositante.<br>
<br>
4. Resta abordar um último ponto: determinar a culpa, no caso dos autos.<br>
O acórdão recorrido - neste ponto afastando-se da decisão da 1ª instância, que repartiu igualmente a culpa por autor e réu - concluiu pela exclusiva responsabilidade do Banco recorrente. <br>
Conclusão assente no quadro factual provado, porquanto - não só está demonstrado que o Banco pagou indevidamente cheques com assinatura falsificada, debitando-os na conta do autor, como não logrou demonstrar que os seus funcionários tivessem actuado com a diligência devida, ou seja, que tenham verificado a veracidade das assinaturas por confronto com a existente na ficha arquivada no Banco (cfr. respostas aos quesitos 3º e 4º)", como também o Banco não demonstrou que "o pagamento só veio a ocorrer porque a falsificação se apresentava de tal forma perfeita que não era detectável por simples comparação".<br>
Por outro lado, não se tendo apurado as concretas circunstâncias em que ocorreu o furto dos cheques (antes se tendo provado que, ao receber o extracto com o saldo onde vinha registado o pagamento do primeiro cheque furtado, o autor se dirigiu ao Banco), prova se não fez de qualquer actuação culposa do autor.<br>
Assim sendo, também neste ponto não custa acompanhar e acolher a apreciação e valoração assim feita da prova produzida, aceitando a conclusão alcançada no que concerne à culpa exclusiva do recorrente (cfr. citados acórdãos de 22.5.80, 16.6.81 e 26.3.96).<br>
<br>
Face ao exposto, justifica-se concluir pela improcedência das conclusões do recorrente e, do mesmo passo, pela não violação de qualquer das normas jurídicas indicadas.<br>
<br>
Termos em se nega a revista, confirmando-se o acórdão recorrido.<br>
Custas a cargo do recorrente.<br>
Lisboa, 2 de Março de 1999.<br>
Ferreira Ramos,<br>
Pinto Monteiro,<br>
Lemos Triunfante.</font>
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VTLwu4YBgYBz1XKvk129
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1.ª Secção (Cível)
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<b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:<div>I</div>A, Ldª intentou, em 11-12-1996, a presente acção declarativa com processo comum, sob a forma ordinária, contra B, na qualidade de administrador do condomínio do prédio sito na Rua ..., Vila Nova de Gaia, pedindo a condenação do Réu no pagamento de 2640000 escudos, acrescida de juros de mora à taxa de 15% desde a citação até pagamento.<br>
Alegou, para tanto, e em síntese, o seguinte: (a) celebrou com o então administrador do condomínio um contrato para execução do tratamento das fachadas em pastilha do referido prédio, pelo valor de 5600000 escudos, obra que lhe foi adjudicada em 25-02-1994; (b) posteriormente, e antes de a A. ter dado início aos trabalhos, uma nova administração do condomínio solicitou a outra empresa que executasse os trabalhos em causa, o que foi feito; (c) com o incumprimento do contrato por parte do R., a A. sofreu prejuízos, uma vez que despendeu 120000 escudos para a elaboração do orçamento e deixou de auferir um lucro de 2520000 escudos, que esperava obter pela execução da obra, correspondente a cerca de 45% do seu valor global.<br>
Ao contestar, o R. deduziu a excepção da sua ilegitimidade passiva e alegou que o antigo administrador do condomínio, Sr. ..., adjudicou a obra sem o consentimento ou, sequer, conhecimento, dos restantes condóminos. Mais alegou que, de qualquer forma, nunca a A., depois da recepção da carta de fls. 14, que lhe foi enviada pelo antigo administrador, efectuou qualquer diligência com vista à execução da empreitada; mais impugnou a alegada despesa com a elaboração do orçamento e o pretenso lucro que a A. refere que obteria com a execução da obra.<br>
A Autora replicou.<br>
Houve saneamento, condensação e audiência de julgamento, sendo depois, em 30-11-2000, proferida sentença a julgar improcedente a acção, absolvendo o R. do pedido - fls. 90 a 93.<br>
Inconformada, apelou a A., tendo o Tribunal da Relação do Porto, por acórdão de 28-06-2001, na parcial procedência do recurso, condenado o R. a pagar à A. a quantia de 120000 escudos, acrescida dos juros vencidos desde a citação, e vincendos, à taxa legal anual - fls. 132 a 140.<br>
Daqui foram interpostos recursos de revista pela A. e pelo R., principal o daquela e subordinado o deste - fls. 143, 146, 150 e 152.<br>
A A. defende, em conclusões (fls. 160 a 164), as seguintes ideias fundamentais:<br>
- A quantia de 120000 escudos respeita apenas aos prejuízos sofridos pela recorrente com a realização do orçamento, mas a verdade é que a mesma sofreu mais prejuízos com o incumprimento contratual por parte da recorrida.<br>
- Na verdade, esperava obter de lucro, pela execução da obra, cerca de 45% do seu valor global, ou seja, a quantia de 2520000 escudos, que reclama, acrescida dos juros de mora vencidos e vincendos.<br>
- Os contratos devem ser pontualmente cumpridos. Caso contrário, o incumprimento contratual acarreta o dever de indemnizar que compreende quer o prejuízo causado, quer o lucro cessante, bem como os benefícios que o lesado deixou de obter por causa da lesão.<br>
- Foram violados os artigos 397º, 405º, 406º, 507º, 512º, 559º, 562º, 563º, 654º, 566º, 1207º e 1229º, todos do C.C.<br>
Pede que o acórdão recorrido seja parcialmente revogado, devendo o recorrido, na qualidade de administrador do condomínio, ser também condenado a pagar à recorrente, a quantia de 2520000 escudos, acrescida dos juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal.<br>
<br>
Por sua vez, o R. oferece, ao alegar, as seguintes conclusões essenciais (fls. 173 e 174):<br>
- O acórdão do Tribunal da Relação do Porto considerou ter sido o Réu/recorrido quem desistiu do contrato de empreitada celebrado com a A./recorrente, constituindo-se, assim, na obrigação de indemnizar.<br>
- Todavia, dos factos provados resulta que quem desistiu do contrato de empreitada foi a Autora, não se tendo verificado qualquer situação de incumprimento ou de desistência por parte do Réu.<br>
- Razão por que não tem o R/recorrido que indemnizar a A./recorrente pelos gastos com a realização do orçamento.<br>
Pede, em conformidade, que o acórdão recorrido seja revogado na parte em que foi desfavorável ao Recorrido.<br>
<br>
Houve, de ambas as partes, respostas às alegações contrárias.<br>
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.<div>II</div>Questões prévias:<br>
<br>
A) Não vem discutida a matéria de facto apurada nas instâncias e não se vê razão para que se suscite oficiosamente qualquer questão a seu respeito.<br>
Assim, não tendo sido impugnada nem havendo lugar a qualquer alteração da matéria de facto, nos termos do artigo 713º, nº 6, e 726º do CPC, remete-se a descrição da mesma para o acórdão recorrido (cfr. fls. 137 e 138).<br>
B) Por outro lado, e como se sabe, o âmbito objectivo do recurso é definido pelas conclusões do recorrente (artigos 684º, nº 3, e 690º, nº 1, do C.P.C.), importando, assim, decidir as questões nelas colocadas - e, bem assim, as que forem de conhecimento oficioso -, exceptuadas aquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras - artigo 660º, nº 2, também do C.P.C.<br>
1 - Vejamos, então, qual o objecto dos recursos.<br>
No recurso principal, pretende a A. ser também indemnizada da importância de 2520000 escudos (e juros de mora correspondentes), importância em que estima a perda do lucro que, para si, resultaria, enquanto empreiteira, da execução da obra no prédio do condomínio.<br>
No recurso subordinado, o R., por considerar que o incumprimento contratual pertenceu à Autora, pede a revogação do acórdão recorrido na parte em que o condenou a pagar-lhe o montante de 120000 escudos (e respectivos juros), correspondentes aos gastos efectuados pela A. com a elaboração do orçamento.<br>
<br>
2 - Diga-se, desde já, que não assiste qualquer razão a nenhum dos recorrentes.<br>
Mais! Em face da clareza da questão e da manifesta falta de procedência das razões alegadas pelos recorrentes, poderá, muito simplesmente, fazer-se uso do mecanismo previsto no artigo 713º, n.º 5, do CPC, remetendo-se para os fundamentos do acórdão impugnado. <br>
Com efeito, a decisão recorrida, em sentido diverso do defendido pelos recorrentes, equacionou bem a solução jurídica do caso sub judice e interpretou e aplicou correctamente as normas pertinentes à situação em apreço. A sua fundamentação é clara, precisa e merece total acolhimento. Nenhuma questão ficou por responder.<br>
Verifica-se, assim, o condicionalismo dos artigos 713º, n.º 5, e 726º, ambos do Código de Processo Civil, aplicáveis por força do disposto no artigo 25º do Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro, uma vez que a decisão recorrida foi proferida na vigência das alterações introduzidas ao C.P.C. por aquele diploma legal.<br>
Limitar-nos-emos a salientar algumas notas ainda oportunas.<br>
<br>
2.1. - Quanto à revista trazida pela Autora:<br>
Para verem reconhecidas em juízo as suas pretensões, não basta às partes como é evidente, repetirem, voluntaristicamente, argumentos falhos da mais pequena base de apoio na materialidade de facto dada como assente e cegos à fundamentação já oportunamente produzida pelo acórdão recorrido.<br>
Assim, quanto ao pretendido pagamento de 2520000 escudos, a título de indemnização correspondente ao proveito que a A. esperava vir a obter com a execução da obra - e que estimava "em cerca de 45%" do seu valor global (5600000 escudosx45%) -, não pode tal pretensão deixar de soçobrar, em face da ausência de factos em que se possa apoiar.<br>
As razões relacionadas com o lucro que a A. poderia obter em virtude da execução da obra são de natureza factual e não se acham demonstradas nem foram afirmadas como notórias. <br>
A Autora limitou-se a alegar que "de lucro pela execução da referida obra esperava obter cerca de 45% do seu valor global", "ou seja, a quantia de 2520000 escudos" (cfr. os artºs 33º e 34º da P.I.) <br>
Ora, o certo é que não se provou que a Autora esperasse "obter de lucro pela execução da referida obra 45% do valor da mesma" - cfr. a resposta negativa ao quesito 7º (fls. 64 e 87).<br>
Em face do que a pretensão não poderia deixar de improceder.<br>
Acresce que, como se sabe, cabe às instâncias apurar a factualidade relevante, sendo a este propósito a intervenção deste Supremo Tribunal residual e destinada a averiguar da observância de regras de direito probatório material - artigo 722º, nº 2, do CPC - ou a mandar ampliar a decisão sobre matéria de facto - artigo 729º,n º 3, do mesmo diploma - cfr. verbi gratia, os acórdãos deste STJ de 14.01.97, no Processo nº 605/96, 1ª Secção, e de 30.01.97, no Processo nº 751/96, 2ª Secção.<br>
Improcede, pois, a revista da Autora, não tendo ocorrido qualquer violação das normas legais mencionadas.<br>
2.2. - Quanto ao recurso subordinado do Réu<br>
<br>
Contrariamente ao que o Réu sustenta, o incumprimento contratual foi da sua responsabilidade. Como entendeu o acórdão recorrido, ao contratar com outra empresa a execução da obra, o R. desistiu, ao menos implicitamente, do contrato anteriormente celebrado com a Autora.<br>
Foi o antigo administrador do condomínio quem, na sequência da deliberação constante da acta nº 15, correspondente à reunião em assembleia geral extraordinária de condóminos, realizada em 18-02-1994 (fls. 13), escreveu à Autora a carta de fls. 14, a comunicar-lhe a adjudicação, fazendo referência ao orçamento de 13-01-94, no valor de 5600000 escudos.<br>
Irrelevante, em tal contexto, e em sede da presente acção, a estratégia gizada pelo R., ao contestar, imputando ao anterior administrador falta de poderes para efectuar a adjudicação da obra - cfr., v. g., o artº 20º da contestação.<br>
Reportando-nos apenas à (posterior) entrega a uma outra empresa da realização dos trabalhos cuja adjudicação tinha sido anteriormente efectuada à Autora, sem que, a esta, tivesse sido feita qualquer comunicação prévia por parte do representante do condomínio relativamente ao ponto da situação da obra ou acerca da referida desistência, a conclusão que cabe retirar é a de que uma tal omissão viola o dever de informação imposto ao Réu, em sede geral, como dever acessório de conduta enquanto emanação do princípio geral da boa fé negocial constante dos artigos 227º, 334º e 762º do C.C. <font>(1) Como ensinam Pires de Lima e Antunes Varela, o dever de agir de boa-fé no cumprimento da obrigação envolve dois corolários muito importantes. Por um lado, o devedor não pode limitar-se a uma realização puramente literal ou farisaica da prestação a que se encontra adstrito. Por outro, o dever de boa-fé não se circunscreve ao simples acto da prestação, abrangendo ainda, na preparação e execução desta, todos os actos destinados a salvaguardar o interesse do credor na prestação (o fim da prestação) ou a prevenir prejuízos deste, perfeitamente evitáveis com o cuidado ou a diligência exigível do obrigado - Cfr. "Código Civil Anotado", volume II, 3ª edição, pág. 3.</font><br>
<font>Como referem os citados Autores, é nesta área do cumprimento da obrigação que especialmente se concentra a vasta galeria dos deveres acessórios de conduta (deveres de protecção, de esclarecimento e de lealdade) - Cfr. os Acórdãos do STJ de 12-12-99, Revista nº 534/99; de 09-07-98, Revista nº 607/98; e de 02/02/99, Revista nº 1043/98. Na doutrina, veja-se Ana Prata, op. cit., pp. 110-111.</font><br>
<font>De resto, reconduzindo-se a responsabilidade in contrahendo ao regime da responsabilidade obrigacional, a culpa do autor do facto ilícito está presumida, nos termos do artigo 799º, nº 2, do CC).</font><br>
<br>
Resulta do exposto que o Acórdão recorrido decidiu correctamente ao condenar o R. no pagamento da quantia de 120000 escudos correspondente à despesa feita com a elaboração do orçamento apresentado ao Réu. E, se apenas ao pagamento de tal montante (e dos juros correspondentes) foi o R condenado, isso ficou a dever-se ao facto de apenas os gastos com a elaboração do orçamento terem ficado provados, já o mesmo não sucedendo quanto ao proveito que alegadamente esperaria obter.<br>
<br>
Razão por que improcede igualmente o recurso do Réu.<br>
Termos em que se negam ambas as revistas, confirmando-se integralmente o acórdão recorrido.<br>
Custas das revistas a cargo dos respectivos Recorrentes.<br>
Lisboa, 19 de Março de 2002.<br>
Garcia Marques,<br>
Ferreira Ramos,<br>
PInto Monteiro.</font>
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1.ª Secção (Cível)
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<b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:<br>
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Numa acção declarativa proposta no Tribunal de Círculo da Figueira da Foz pelo "A" contra o ESTADO - DIRECÇÃO GERAL DO INSTITUTO FLORESTAL pediu aquele a condenação deste a pagar-lhe o total das quantias depositadas na Caixa Geral de Depósitos, presentes e futuras, que até 22/6/92 perfaziam 25.546.095$50, incluindo os juros vencidos e vincendos e a ser deduzida ao "B", cuja intervenção provocada pediu, a quantia que indevidamente recebeu antes do cancelamento desse depósito na referida data.<br>
Alegou, em síntese, que o Instituto Florestal tem administrado baldios e depositado as verbas daí resultantes, parte das quais foi recebida já pela Freguesia do Paião à margem dos direitos das outras duas.<br>
Houve contestação do Estado e réplica.<br>
Foi admitida a intervenção requerida, efectuando-se a competente citação.<br>
A A, através do seu Conselho Directivo, apresentou requerimento em que não aceitou o seu chamamento, ao que o autor respondeu no sentido do indeferimento do requerido, pedindo que aquela Assembleia seja considerada interveniente.<br>
Foi proferido despacho que considerou haver recusa de associação ao autor por parte daquela assembleia e que a sentença final a proferir não constituiria em relação a ela caso julgado.<br>
O autor agravou deste despacho, que foi recebido para subir diferidamente.<br>
Houve saneamento e condensação.<br>
Depois a A deduziu incidente de oposição em que pediu que, cabendo-lhe na instância a posição de única representante dos compartes dos "B" e todos os direitos inerentes, se condenasse o Estado a apenas a ela pagar as receitas dos baldios em causa, bem como os juros a que houver lugar.<br>
Contestou o autor no sentido da improcedência deste pedido, embora sem pôr em causa o seu cabimento processual.<br>
Após audiência de julgamento foi proferida sentença que reconheceu as populações das freguesias da Borda do Campo e Alqueidão como compartes da A e reconheceu esta última como única representante dos compartes dos "B" e todos os direitos inerentes, julgando ainda procedente o pedido da opoente, condenando o Estado a pagar-lhe, através da Junta de Freguesia do Paião, as receitas dos baldios depositadas na Caixa Geral de Depósitos à ordem dos organismos estatais aí identificados e as que vierem a ser depositadas posteriormente, com os juros que as mesmas possam vencer naquela Caixa.<br>
Apelaram o autor e a opoente.<br>
A Relação de Coimbra proferiu acórdão que negou provimento ao agravo e à apelação do autor e julgou parcialmente procedente a da opoente, revogando a sentença na parte em que reconheceu as populações das freguesias da Borda do Campo e Alqueidão como compartes da A.<br>
<br>
Daqui vem interposto pelo autor o presente recurso de revista em que, alegando, formula as seguintes conclusões:<br>
a) O recurso de agravo devia ter sido julgado com profundidade e só depois o de apelação;<br>
b) O prazo processual é peremptório e o decurso deste extingue o direito a praticar o acto. O prazo peremptório para apresentar articulado independente e próprio terminou em 2/10/98. O requerimento do chamado só deu entrada em 12/10/98. Foi violado o art. 145º, nº 3 do CPC.<br>
c) O recorrido, tendo intervindo no processo fora do prazo, tinha de aceitar os articulados a que ficou associado e todos os actos e termos já processados. Foram violados os arts. 327º, nº 4, 145º, nº 3 e 4 e 710º, nº 1 e 2 todos do CPC, já que interferiu directamente na decisão da causa.<br>
d) No acórdão em crise foram violados os arts. 26º, 27º e 28º do CPC no que concerne à legitimidade das partes e litisconsórcio;<br>
e) Os habitantes das três freguesias são todos compartes em igualdade de circunstâncias e têm todos os mesmos legítimos interesses. Qualquer das partes pode chamar a juízo o interessado com direito a intervir na causa. Foi violado o art. 325º, nº 1 do CPC;<br>
f) O recurso de apelação só devia ter sido julgado depois de esgotada toda a matéria e legislação aplicável do recurso de agravo;<br>
g) Para a reunião de 17/11/79 foram convocados todos os eleitores inscritos nos cadernos eleitorais das freguesias do Alqueidão e da Borda do Campo;<br>
h) Face à natureza e regime jurídico dos baldios, o decidido, adaptado numa lógica e racionalidade de aproveitamento útil dos mesmos, não julgou para além do pedido. Foram violados os arts. 156, n. 1 e 264, n. 2 e 3 do CPC;<br>
i) A Junta de Freguesia do Paião não é parte nos autos, sendo que a intervenção das Juntas de Freguesia em matéria de baldios decorre no âmbito dos procedimentos administrativos definidos no quadro legal do seu regime, estabelecido na lei nº 68/93, de 4/9, designadamente para eventuais efeitos do seu art. 38, nº 4. Foram violados estes preceitos porquanto as três freguesias têm os mesmos direitos às quantias depositadas (mesmo artigo);<br>
j) A Assembleia de Compartes e o "B" não foram regularmente constituídos já que excluíram os compartes das outras freguesias com iguais direitos nem democraticamente eleitos. Foi violado o art. 2º a) da lei nº 68/93, de 4/9, bem como o art. 11º, nº 1 do mesmo diploma.<br>
k) Os compartes das três freguesias têm os mesmos direitos, podendo haver delegação de poderes numa só ou conjuntamente a todas as respectivas Juntas de Freguesia. Foi violado o art. 22º, nº 1, 2, 3 e 4 da lei nº 68/93, de 4/9;<br>
l) Aos compartes é assegurada a igualdade de gozo e exercício dos direitos de uso e fruição do respectivo baldio (art. 5º, nº 1 do mesmo diploma);<br>
m) As três Juntas de Freguesia têm os mesmos direitos e deveres no que concerne à prescrição e gestão de receitas. Foi violado o art. 38º, nº 2, 3, 4 e 5 da lei nº 68/93, de 4/9.<br>
Pede que se dê procedência ao agravo em 1ª instância ou, a não se entender assim, que se revogue o acórdão recorrido na parte em que alterou a sentença da 1ª instância.<br>
Houve resposta da Assembleia de Compartes da Freguesia do Paião em que defendeu a improcedência do recurso.<br>
E o Ministério Público mostrou-se também em concordância com o decidido.<br>
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.<br>
<br>
Estamos perante um recurso de revista interposto em acção proposta em 23/3/98 e dirigido contra um acórdão que a Relação proferiu em 5/3/02.<br>
Em 1ª instância foi proferido um despacho pelo qual, na sequência de um pedido de intervenção provocada formulado pelo autor ao abrigo do art. 325º do CPC - diploma ao qual pertencerão, salvo indicação contrária, as disposições legais que seguidamente mencionarmos -, se considerou haver recusa de associação ao autor por parte da assembleia chamada a intervir e que a sentença final a proferir não constituiria em relação a ela caso julgado.<br>
O agravo daqui interposto foi julgado no acórdão recorrido, tendo a seu respeito sido aí dito que se não justificava a revogação daquele despacho visto o disposto no art. 710º, nº 2 - onde se prescreve que os agravos só são providos quando a infracção cometida tenha influído no exame ou decisão da causa ou quando, independentemente da decisão do litígio, o provimento tenha interesse para o agravante -, razão pela qual se lhe negou provimento.<br>
O fundamento específico da revista é a violação da lei substantiva - cfr. art. 721º, nº 2 - mas pode ser nele também alegada a violação da lei de processo.<br>
Antes da reforma processual de 1995/96 não havia, neste âmbito, qualquer limite à crítica de natureza processual a dirigir, cumulativamente com a de natureza substantiva, ao acórdão da Relação em sede de revista, tal como também o não havia em sede de agravo em 2ª instância, previsto no art. 754º.<br>
Com esta reforma deixou, porém, de ser assim.<br>
Agora, a cumulação de fundamentos substantivos e processuais em recurso de revista não é permitida ilimitadamente, já que o art. 722º, nº 1 só a consente quando a questão processual em causa, a ser encarada autonomamente, pudesse dar lugar a um recurso de agravo em 2ª instância, nos termos constantes do art. 754º, nº 2.<br>
E este dispositivo, por sua vez, passou a conter um regime restritivo no tocante à possibilidade de agravo em 2ª instância, aliás já com duas formulações até este momento. Uma foi a introduzida por essa reforma e com vigência a partir de 1/1/97; a outra foi a que resultou do DL nº 375-A/99, de 20/9 e que entrou em vigor 30 dias depois, o que ainda se mantém.<br>
Como esta última, nos termos do art. 8º, nº 2 do mesmo DL, não se aplica aos processos já pendentes à data da sua entrada em vigor, interessa considerar a redacção dada pelo DL nº 180/96, de 25/9.<br>
Há, pois, que averiguar se a questão versada nas conclusões a) a f) poderia ter fundado um recurso de agravo em 2ª instância, pois só em caso de resposta afirmativa a esta questão se poderá, pelas razões indicadas, aceitar o alargamento do âmbito natural do recurso de revista - que é a violação de lei substantiva, como diz o art. 721º, nº 2 - à violação de lei de processo.<br>
<br>
No nº 1 do art. 754º foi prevista a possibilidade de haver agravo para o STJ para reapreciação de acórdão da Relação recorrível nos termos gerais, salvo se coubesse revista ou apelação.<br>
Esse agravo ficou, porém, pelo seu nº 2 excluído nos casos em que o acórdão da Relação confirmasse, sem voto de vencido, a decisão proferida na 1ª instância, a não ser que aquele estivesse em oposição com outro acórdão do STJ ou de qualquer Relação sem que houvesse jurisprudência uniformizada pelo STJ com ele conforme; esta exclusão não tem, porém, lugar nas hipóteses previstas no seu nº 3, sendo aí regra a livre recorribilidade por aplicação integral do nº 1.<br>
O nº 2 - na redacção aqui considerada - exclui, pois, a possibilidade de agravo em 2ª instância em casos em que a coincidência entre o que em sede de relação processual se estatuiu na 1ª e na 2ª instâncias deixa, em princípio, pensar que o que foi decidido é correcto e não controverso, sacrificando-se em prol da celeridade a garantia da busca de um acerto eventualmente ainda não obtido.<br>
Será que equivale a confirmação, com diverso fundamento, do decidido em 1ª instância o caso em que - como sucedeu nestes autos - a Relação, embora discordando patentemente desse sentido decisório, o mantém porque a alteração a introduzir seria irrelevante, designadamente por não ter tido influência no exame ou decisão da causa ou por não ter interesse para o agravante independentemente da decisão do litígio?<br>
Trata-se de uma situação em que a Relação entende que o sentido decisório adoptado na 1ª instância não foi o correcto.<br>
A divergência não é só quanto à fundamentação do decidido, alargando-se também ao comando judicial emitido.<br>
A decisão da 1ª instância não é, em tal caso, confirmada; apenas se entende que, numa perspectiva pragmática, não vale a pena alterá-la, por inconsequência na prática, só por isso improcedendo o agravo.<br>
Assim, a hipótese que vimos considerando cabe dentro do âmbito da previsão geral do nº 1 do art. 754º e não se reconduz à do seu nº 2, razão pela qual nada obsta a que neste recurso de revista se tenha posto à discussão a matéria que foi apreciada e decidida, ainda que sem voto de vencido, no acórdão recorrido enquanto objecto do agravo em 1ª instância. Compreende-se que, em tal caso, o recorrente queira, legitimamente, fazer discutir o acerto da afirmação de alguma das razões a que alude o art. 710º, nº 2.<br>
<br>
As conclusões do recorrente nas alegações definem o âmbito objectivo do recurso, cabendo-lhes resumir as razões pelas quais ele entende que a decisão deve ser revogada, no todo ou em parte.<br>
Só delas cabe ao tribunal "ad quem" ocupar-se, salva a existência de outras que sejam de conhecimento oficioso, o que não é o caso.<br>
O acórdão recorrido entendeu, manifestamente, que o despacho sob censura no recurso de agravo em 1ª instância não seria, normalmente, de manter.<br>
Porém, entendeu também que daí não havia ilações processuais a tirar, por não ter sido afectada a decisão final da causa - designadamente na medida em que a entidade chamada como interveniente e que nessa qualidade não teria ficado a figurar nos autos havia depois, por sua iniciativa, intervindo como opoente.<br>
Assim se deu como verificada a hipótese prevista na 1ª parte do nº 2 do art. 710º.<br>
Sustenta o recorrente que, ao intervir no processo - como teria sido o caso - fora do prazo facultado para contestar, o interveniente chamado tem de aceitar os articulados da parte a que se associa, pelo que o decidido na 1ª instância interferiu directamente na decisão da causa.<br>
Vejamos as coisas com mais atenção.<br>
Sendo provocada a sua intervenção, o interessado é chamado por meio de citação - cfr. art. 327º, nº 1.<br>
E será através da sua futura intervenção dentro de prazo igual ao que é facultado ao réu para contestar que ele, em articulado próprio, apresentará o seu pedido, novo e diferente, ou aderirá ao pedido já feito pelo seu associado, para o que será determinante tratar-se de intervenção coligatória ou litisconsorcial.<br>
E, intervindo depois desse prazo, apenas o poderá fazer por simples requerimento em que aceitará os articulados do seu associado.<br>
Fazendo uma coisa ou outra, o chamado deduz a sua intervenção principal - da qual se diz ter sido "provocada" porquanto a sua intervenção foi desencadeada pelo chamamento que lhe foi feito.<br>
Se o não fizer, porém, não é interveniente, apesar de lhe ter sido dada oportunidade para assumir essa qualidade.<br>
Este regime corresponde já ao que antes da reforma constava do art. 358º - cfr. Eurico Lopes Cardoso, Manual dos Incidentes da Instância em Processo Civil, 2ª edição, pgs. 217-219.<br>
Nestes autos a chamada Assembleia de Compartes do .... não fez nem uma nem outra destas coisas.<br>
Veio dizer que não queria intervir como associada de quem a chamara.<br>
Não formulou qualquer pedido fundado num direito paralelo ao do autor - cfr. art. 321º.<br>
Não deduziu, assim, a sua intervenção principal, pelo que não podia o autor, a este propósito, dizer que o requerimento em causa tinha de conter a aceitação dos articulados já produzidos; na verdade, tal só seria de aplicar se o chamado houvesse intervindo como parte no processo; mas, com tal requerimento não o fez, antes se pronunciou abertamente em sentido contrário.<br>
E por isso ficou livre para deduzir, como veio a fazer, um incidente de oposição, que por outra via lhe deu, pois, a posição de parte principal - cfr. art. 344º, nº 1.<br>
Daí que o eventual desacerto do despacho proferido na 1ª instância, ao aceitar a tempestividade deste requerimento - tempestividade que, não sendo deduzida a intervenção, não tinha que ser equacionada - e ao afirmar que a sentença a proferir não faria caso julgado contra a chamada - o que, visto o disposto no art. 328º, nº 2, apenas resultaria da aplicação das suas duas alíneas, e não da recusa de intervenção -, está superado através das consequências da oposição, que integrou a agora opoente, antes chamada como interveniente, no âmbito da eficácia subjectiva do caso julgado de que fora afastada por aquele despacho.<br>
E, assim, razão teve a Relação quando afirmou que o decidido na 1ª instância não interferira, afectando-a, na decisão final.<br>
Improcedem, portanto, as conclusões a) a f).<br>
<br>
Nas conclusões g) e h) reage o recorrente contra o acórdão recorrido por ter revogado parcialmente a sentença, na parte em que esta reconhecera as populações das freguesias da Borda do Campo e Alqueidão como compartes da A.<br>
Invoca a circunstância de os eleitores inscritos no Alqueidão e na Borda do Campo terem sido convocados para a reunião da A realizada em 17/11/79 e de o decidido, "adaptado numa lógica e racionalidade de aproveitamento útil dos mesmos", não ir além do pedido.<br>
Há nulidade por excesso de pronúncia quando a sentença condena em objecto diverso do pedido, o que corresponde a um outro comando legal emitido no sentido de que a sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objecto diverso do que se pedir - cfr. arts. 668º, nº 1, al. e), segunda parte, e 661º, nº 1.<br>
Ao falar-se, aqui, em condenação está-se a usar um conceito amplo desta, de modo a abranger a decisão de mérito proferida, seja em acção condenatória, seja em acção de mera apreciação ou em acção constitutiva.<br>
Para este efeito é, portanto, condenação o comando judicial emitido numa sentença a reconhecer um determinado direito ou situação.<br>
<br>
A sentença tinha que decidir os pedidos formulados pelo autor na petição inicial e pelo opoente.<br>
Os dois últimos comandos dela constantes na parte decisória correspondem ao pedido do opoente.<br>
O primeiro traduz o reconhecimento de que as populações das freguesias destacadas da primitiva freguesia do Paião integram a A - reconhecimento que constava já da fundamentação da sentença e que assim foi erigido em conteúdo da parte decisória.<br>
Não havendo, porém, qualquer pedido formulado nesse sentido, esse reconhecimento não podia ser mais do que um argumento no processo de raciocínio do Juiz sentenciador, passando, enquanto decisão, a configurar um excesso de pronúncia como tal arguido em recurso pelo opoente, que renova a sua argumentação nas contra-alegações que agora ofereceu.<br>
Estas considerações levam a que deva ser confirmado, neste ponto, o acórdão recorrido, visto que não podem ser relevantes as razões de mera conveniência em contrário aduzidas pelo recorrente.<br>
Nas conclusões seguintes o recorrente dirige críticas ao mérito da condenação proferida contra o Estado e a favor da "A".<br>
Para a sua apreciação importa compulsar a factualidade dada como assente, para o que, uma vez que a mesma não vem discutida e se não suscitam a seu respeito questões que devam ser agora oficiosamente levantadas, se remete para a enunciação dela feita no acórdão recorrido, nos termos dos arts. 713º, nº 6 e 726º.<br>
<br>
A primeira objecção de mérito levantada pela recorrente respeita à circunstância de se ter mandado pagar através da Junta de Freguesia do Paião as receitas dos baldios aqui discutidas. <br>
Funda-se esta crítica em que a Junta de Freguesia do Paião não é parte nos autos e em que todas as três freguesias em confronto têm os mesmos direitos às quantias depositadas.<br>
Vejamos os factos.<br>
Estão em causa as receitas provindas da exploração de cinco baldios - Charnequita, Telhada, Casal Novo, Casal Verde e Poço de Cobra.<br>
Todos eles se encontram dentro da área geográfica da actual freguesia do Paião.<br>
As freguesias de Alqueidão e Borda do Campo foram criadas, respectivamente, em 1928 e 1989 por desmembramento da antiga freguesia do Paião, continuando as populações daquelas a fruir, como anteriormente, os ditos baldios.<br>
A Direcção-Geral do Instituto Florestal notificou, após a entrada em vigor da Lei nº 68/93, de 4/9, as três Juntas de Freguesia aqui em confronto de que existia um montante depositado que era pertença dos compartes e de que deveria ser dado cumprimento ao disposto no art. 38º dessa Lei.<br>
Devem ser ponderados os seguintes dados legais constantes da Lei nº 68/93, de 4/9, da qual, por facilidade de exposição, serão a partir de agora as disposições legais que mencionarmos sem outra menção.<br>
Os baldios são terrenos possuídos e geridos por comunidades locais, sendo a comunidade local o universo dos compartes e sendo estes os moradores de uma ou mais freguesias com direito ao uso e fruição do baldio - cfr. art. 1º.<br>
Todos os compartes constituem a assembleia de compartes - cfr. art. 14º.<br>
A esta assembleia cabe discutir e votar a aplicação das receitas, sob proposta do conselho directivo - cfr. arts. 15º, nº 1, al. i) e 21º, al. e).<br>
Mas, tratando-se de receitas depositadas e provenientes de aproveitamento de baldios em regime florestal ao abrigo do DL nº 39/76, de 19/1, os respectivos montantes serão entregues pelos serviços da Administração deles detentores à junta ou juntas de freguesia da área do baldio, para que esta ou estas elaborem um plano de utilização dos mesmos montantes, a submeter à aprovação da assembleia de compartes - cfr. art. 38º, nº 1, 4 e 5.<br>
De tudo resulta que:<br>
- a cada baldio corresponderá uma só assembleia de compartes, ainda que estes sejam residentes em mais que uma freguesia e quer aquele se situe numa só ou em mais que uma freguesia;<br>
- no tocante às receitas a que se refere o art. 38º, o seu pagamento será feito à junta de freguesia em cuja área o baldio se situa, se for uma só, e isto ainda que os respectivos compartes se estendam por outras freguesias;<br>
- o dinheiro respectivo não se destina a ser gasto por essa junta, cabendo a sua destinação à assembleia de compartes.<br>
Tanto basta para que se conclua que o pagamento em questão sempre teria que ser feito apenas à Junta de Freguesia do Paião.<br>
É a lei que dá, como vimos, indicação categórica nesse sentido.<br>
Não se trata de um direito desta Junta, pelo que se não pode dizer que se está a reconhecer um direito de quem não é parte no processo.<br>
<br>
A segunda objecção consiste na irregular constituição da Assembleia de Compartes e do Conselho Directivo do Paião.<br>
Mas a lei, como vimos, dá indicações seguras no sentido de que cabe à Assembleia de Compartes do Paião orientar a aplicação das verbas em causa.<br>
A sua eventual constituição irregular não altera esse quadro legal, já que tudo fica, naturalmente, reenviado para o regime que for aplicável às deliberações que a esse respeito vierem a ser tomadas e cuja eventual ilegalidade poderá ser tratada mediante o recurso a outros mecanismos.<br>
<br>
A terceira objecção consiste em que os compartes das três freguesias têm os mesmos direitos de gozo e exercício quanto à fruição dos baldios, podendo delegar poderes numa só junta ou conjuntamente em todas, pelo que as três juntas de freguesia em causa se encontrariam, face às receitas a gerir, na mesma situação jurídica.<br>
Vejamos, mais uma vez, a lei.<br>
Todos os compartes são iguais no que toca ao gozo e exercício dos direitos de fruição dos baldios, sem que haja qualquer diferenciação entre aqueles quando haja compartes residentes em freguesia diversa daquela onde os baldios se situam - cfr. art. 5º, nº 2.<br>
Mas os poderes de administração que lhes cabem só poderão ser delegados na junta de freguesia em cuja área o baldio se situe, o que exclui a sua delegação na junta de freguesia em que residam, se for diversa desta última - cfr. art. 22º, nº 1.<br>
Só no caso de a área do baldio cuja administração é delegada se situar nos limites de mais que uma freguesia se poderá deferir essa delegação conjuntamente a todas as juntas interessadas - cfr. art. 22º, nº 2.<br>
No caso em apreço os baldios situam-se na área de uma só freguesia - a do Paião.<br>
Daí que nunca pudesse haver a referida delegação em favor das Juntas de Freguesia de Alqueidão e de Borda do Campo.<br>
Daí, também, que as duas últimas nenhuns poderes tenham nesta matéria, como se disse já a respeito do art. 38º, nº 4 e 5.<br>
<br>
Nega-se a revista.<br>
Sem custas, dada a isenção de que beneficiam as recorrentes.<br>
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Lisboa, 29 de Outubro de 2002<br>
Ribeiro Coelho,<br>
Ferreira Ramos,<br>
Pinto Monteiro. (Dispensei o visto).</font>
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4jIWvIYBgYBz1XKv0I83
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1.ª Secção (Cível)
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<b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:<br>
Na comarca de Vila Real de Santo António<br>
A e B<br>
Propuseram contra<br>
Companhia de Seguros Royal Insurance Company,<br>
Tecnistrados, Limitada e C a presente acção de acidente de viação, na qual, além do benefício da assistência judiciária, pediram que os<br>
Réus fossem solidariamente condenados a pagarem aos autores a quantia de 2970000 escudos, acrescida de juros à taxa legal a contar da última citação (2250000 escudos, para o autor A e 720000 escudos, e mais o que se liquidou em execução de sentença quanto ao autor<br>
B), muito embora a Ré Seguradora só até ao limite do capital seguro, e para isso alegaram que o acidente, ocorrido em 29 de Junho de 1981, entre o veículo BV-48-84 conduzido pelo autor A e o veículo NP-74-96 conduzido pelo Réu C, se ficou a dever à culpa exclusiva deste último bem como alegaram os danos por eles sofridos, sendo que o BV pertencia ao autor A e o NP à Ré Tecnistrados, Limitada, que tinha a responsabilidade transferida para a Ré Companhia Seguradora.<br>
Na sua contestação, a Ré Seguradora, única que contestou além de ter invocado a prescrição do direito à indemnização, imputou a culpa do acidente ao autor A e devia ignorar os danos e terminou pedindo a procedência da invocada excepção da prescrição, ou, não se entendendo assim, a improcedência da acção.<br>
Foi concedido aos autores o apoio judiciário na modalidade de total dispensa de preparos e de pagamento de custas.<br>
Houve resposta dos autores a defender a inexistência da invocada prescrição.<br>
No saneador, foram julgados partes ilegítimas os Réus Tecnistrados, Limitada e C e foi relegado para final o conhecimento da excepção de prescrição.<br>
Foram organizados a especificação e o questionário.<br>
Prosseguiu o processo a tramitação normal até que feito o julgamento, foi proferida sentença, que, julgando a acção parcialmente procedente, condenou a Ré Seguradora a pagar ao autor B a quantia de cem contos e ao autor A a quantia de cem contos também (pelos danos não patrimoniais) e ainda no que vier a liquidar-se em execução de sentença pelos prejuízos patrimoniais correspondentes a metade do rendimento que deixou de auferir durante o período em que esteve incapacitado de trabalhar e até ao montante de cem contos.<br>
Desta sentença apelaram os autores e a Relação de Évora, revogando parcialmente a sentença, condenou a Ré Seguradora a pagar aos autores as quantias de 200 contos, a título de danos não patrimoniais e juros desde a citação e ainda a pagar ao autor A os danos patrimoniais resultantes dos rendimentos não auferidos durante o período de incapacidade para o trabalho (150 dias) e dos prejuízos sofridos pelo seu veículo BV-48-84, a liquidar em execução de sentença.<br>
A Ré Companhia Seguradora pediu o esclarecimento do acórdão mas o pedido foi indeferido.<br>
A seguir a mesma Seguradora interpôs o presente recurso da revista e na sua alegação apresentou, depois de convidada a fazê-lo, por o não ter feito, as seguintes conclusões:<br>
I- Vem provado que, em 29 de Junho de 1981, o veículo<br>
BV-48-84 circulava na Estrada Nacional 125, no sentido<br>
Cacela - Tavira, conduzido pelo autor A e transportando o autor B e que o veículo NP-84-96 circulava em sentido contrário e que, quando, ao quilómetro 140,7, o NP efectuava uma manobra de mudança de direcção à sua esquerda, perfeitamente lícita, autorizada, justificada e justificável, foi embatido na sua parte lateral direita pelo BV, junto à zona do depósito de combustível do NP, sendo que o BV deixou um rasto de travagem de cerca de 50 metros, rasto este que terminou quando o BV colidiu violentamente com o NP;<br>
II- O condutor do NP (houve lapso, pois deve ter-se querido dizer BV) não conseguiu imobilizar o veículo que conduzia no espaço livre e visível à sua frente (artigo 7 do Código da Estrada);<br>
III- Para imobilizar o veículo em segurança necessitaria de um espaço muito superior aos 50 metros em que deixou os rastos de travagem, face aos quais e à violência do embate e de acordo com as tabelas comummente aceites no que se refere a velocidades e distâncias de paragem, é fácil concluir que o BV circulasse a cerca de 120 quilómetros hora;<br>
IV- Com base nestes factos, a primeira instância não imputou a culpa a qualquer dos condutores e decidiu com base na responsabilidade objectiva (artigo 506, do Código Civil), não se tendo, assim, provado, a culpa do condutor do NP, pelo que a segunda instância exorbitou das suas funções ao reapreciar a prova anteriormente fixada e ao considerar, sem que nenhuns elementos novos fossem carreados para o processo, que o condutor do NP não tinha avaliado correctamente as circunstâncias existentes no momento;<br>
V- Por outro lado, resulta infundada a afirmação de que o condutor do NP invadiu a faixa de rodagem contrária "sem qualquer justificação", dado que no local não há traço contínuo que impeça os condutores que circulam no sentido do NP de efectuarem a manobra de mudança de direcção à esquerda, para entrarem na Estrada da Cumeada, certo sendo que esta manobra era lícita e autorizada e que os recorridos não provaram sequer que tivesse sido efectuada com inobservância dos devidos formalismos (sinalizações);<br>
VI- O acórdão é igualmente inexplicável quando refere que o condutor do NP terá agido, segundo as regras da experiência comum, com culpa exclusiva "até prova em contrário", sem explicitar em que se baseou para tão insólita interpretação;<br>
VII- No que respeita à falta de prova da propriedade do veículo pelos ora recorridos, também se discorda do acórdão por motivos óbvios - o ónus da prova da propriedade era dos recorridos - e, pura e simplesmente não fizeram prova da propriedade, apesar de para tal expressamente notificados;<br>
VIII- Foram violados os comandos dos artigos 506 e 342, do Código Civil e indevidamente considerados os dos artigos 7, ns. 1 e 2, alíneas b) e e) e 5, n. 5 do Código da Estrada e ainda do artigo 668, n. 1 do Código de Processo Civil;<br>
IX- Deve ser revogado o acórdão recorrido, mantendo-se a sentença da primeira instância;<br>
Reagindo à apresentação das conclusões e à indicação da norma jurídica violada, vieram os recorridos dizer que não tem fundamento a afirmação de que a Relação de Évora exorbitou das suas funções, na medida em que se limitou a usar de meras presunções naturais, e que a matéria de facto fixada pela instância não pode ser objecto de recurso de revista (artigo 722, n. 2, do Código de Processo Civil), pelo que deve ser confirmado o acórdão recorrido.<br>
Colhidos os vistos legais, cabe decidir.<br>
Vêm provados os factos seguintes:<br>
1- No dia 29 de Junho de 1981, pelas 16 horas, o autor<br>
A conduzia o veículo automóvel ligeiro misto de marca Citróen e de matrícula BV-48-84, na Estrada Nacional 125, no sentido Cacela - Tavira, viajando no mesmo o autor B, e, no sentido contrário, circulava o veículo NP-74-96, um camião pesado, então carregado, sendo que, na referida data, a responsabilidade civil pelos danos materiais e corporais causados a terceiros pela circulação deste veículo NP estava transferida, por quantia ilimitada, para a Ré Royal Insurance Company;<br>
2- Próximo do marco quilométrico 140,7 no entroncamento aí existente, estrada para a Cumeada, onde a via tem 7,5 metros de largura, a viatura pesada de mercadorias NP, saindo da sua faixa de rodagem (sentido Tavira - Cacela), atravessou-se na faixa de rodagem por onde transitava a viatura BV (sentido Cacela - Tavira), barrando o caminho a este BV, que, após ter deixado no local um rasto de travagem de cerca de 50 metros, foi colidir frontalmente com a parte lateral direita do NP, junto do depósito de combustível, quando este último estava atravessado na estrada;<br>
3- Da colisão resultou: a) a destruição da parte da frente da viatura BV, que, então, tinha o valor de 450000 escudos; b) fractura do ramo esquerdo do maxilar inferior e fractura do acetábulo direito do autor A, sendo que destas lesões resultaram ainda para o mesmo A cerca de 180 dias de doença, dos quais 150 com total incapacidade para o trabalho (29 de Junho de 1981 a 30 de Novembro de 1981); c) fractura da perna direita do autor B; d) sujeição a tratamento médico de ambos os autores;<br>
4- O autor A nasceu em 24 de Novembro de 1938 e é construtor civil;<br>
5- O autor B nasceu em 20 de Novembro de 1961 e era adjunto de gerência na empresa de construção civil.<br>
6- O teor do documento de folhas 97 e seguintes.<br>
A primeira questão a resolver é a atinente à determinação do culpado ou culpados do acidente.<br>
A primeira instância entendeu não se ter provado a culpa de qualquer dos condutores, mas a segunda instância decidiu ter havido culpa provada do condutor do NP.<br>
Para chegar a esta conclusão, a Relação, dos factos supra dados como provados no n. 2 (ou seja, fundamentalmente, da circunstância do NP ter saído da sua faixa de rodagem e se ter atravessado na faixa de rodagem por onde, em sentido inverso, circulava o BV, barrando o caminho a este, o qual, não obstante uma travagem com rasto de cerca de 50 metros, foi colidir frontalmente com a parte lateral direita do NP, junto do depósito de combustível), a Relação dizíamos nós, dos factos dados como provados no n. 2 extraiu as ilações que se transcrevem: "... não pode deixar de concluir-se que não avaliou correctamente as circunstâncias existentes no momento pois, não podendo alhear-se da presença de um automóvel circulando na faixa que foi invadir, realizou a manobra sem ter adequadamente representado que podia comprometer, como infelizmente aconteceu, a segurança do trânsito, com violação, desde logo, do disposto no artigo 5, ns. 2 e 4, última parte, do Código da Estrada de resto, quem assim procede, invadindo a faixa de rodagem sem apresentar qualquer justificação para o fazer, cria com essa conduta objectiva e segundo as regras da experiência comum uma forte convicção de que, até prova em contrário, agiu com culpa exclusiva, obrigando o autor condutor a uma travagem de emergência, justificada pela inexplicável invasão da sua faixa de rodagem e que, não obstante a extensão do rasto de travagem, não é bastante para permitir dizer que há concorrência de culpas. É que o rasto de travagem, desacompanhado, como aqui acontece, de quaisquer outros elementos de prova indiciária, não permite tirar ilações minimamente credíveis sobre um eventual excesso de velocidade do respectivo veículo".<br>
A transcrição foi longa, mas valeu a pena, pois assim, mais facilmente se poderá ver que a Relação não poderia ter extraído tais ilações tendentes à demonstração da culpa do condutor do NP.<br>
Com efeito, segundo jurisprudência corrente, com apoio na doutrina, o Supremo não pode censurar as ilações extraídas pela Relação dos factos provados com base em máximas da experiência, quando elas não alteram esses factos e apenas representem a sua decorrência lógica, na medida em que tais ilações mais não são do que matéria de facto, insindicável pelo Tribunal de Revista<br>
(artigos 722, n. 2 e 729, ns. 1 e 2, do Código de Processo Civil e 29 da Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais); todavia, se essas ilações não foram a decorrência lógica dos factos provados ou se implicarem a prova de factos que contrariem as respostas do Colectivo (afirmativas ou negativas aos quesitos) ou a prova de factos nem sequer alegados, então já o Supremo as pode apreciar ou censurar, por se estar perante alteração não prevista pelos artigos 712, n. 1, do Código de Processo Civil ou perante matéria de facto não alegada pelas partes, com violação da parte final do artigo 664, do mesmo Código (acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 8 de Novembro de 1984, 30 de Janeiro de 1990, 31 de Outubro de 1990, 5 de<br>
Dezembro de 1991, 20 de Março de 1991, respectivamente, Boletim do Ministério da Justiça 341, 388, 393, 594, 400, 591,402, 500, 405, 381; Antunes Varela, R.L.J. 122, 213 e seguintes; Vaz Serra, R.L.J. 108, 353 e seguintes e 112, 37 e seguintes).<br>
Ora, no presente caso, é manifesto que as ilações extraídas pela Relação não são uma decorrência lógica dos factos provados, pois que estes, de modo algum inculcam que o condutor do NP realizou a manobra (a mudança de direcção, tudo o indica) "sem ter adequadamente representado que podia comprometer... a segurança do trânsito" e que ele, ao invadir a faixa de rodagem contrária sem apresentar qualquer justificação, como, segundo as regras da experiência comum "uma forte convicção de que, até prova em contrário, aqui com culpa exclusiva, obrigando o autor condutor a uma travagem de emergência...".Além disto, as ditas ilações dão como provados factos que obtiveram em julgamento na primeira instância, respostas negativas (respostas aos quesitos 16 e 17).<br>
Assim, entendemos não sancionar as ilações que a Relação extraiu.<br>
De resto, não pode deixar de se estranhar que a Relação não se sentisse tentada a extrair a ilação da velocidade excessiva do veículo BV, atenta a extensão do rasto de travagem e a destruição da parte da frente deste veículo e as fracturas dos ocupantes deste BV.<br>
Analisando, agora, sem ajuda de quaisquer ilações, a matéria de facto provada relativamente à culpa, tenho de concluir que se não provou a culpa de qualquer dos condutores.<br>
Pelo que toca ao condutor do NP, ignora-se se ele tomou ou não os cuidados impostos pelo artigo 11, do Código da Est. (volta a repetir-se que tudo aponta para esta manobra de mudança de direcção), nomeadamente se ele se assegurou previamente de que da realização da manobra não resultava perigo ou embaraço para o restante tráfego, designadamente para o veículo BV, tanto mais não se provando a que distância este BV podia ser avistado, dado se desconhecer a configuração da estrada e a velocidade exacta a que o BV circulava. Em tais circunstâncias não há elementos em que com segurança, se possa apoiar, a culpa deste condutor, certo sucede que tanto se pode imaginar um circunstancionalismo demonstrativo da sua culpa como um circunstancionalismo impeditivo dela.<br>
E o mesmo vale para a culpa do condutor do BV.<br>
Na verdade, ignorando-se a velocidade exacta a que circulava, mau grado haver indícios de velocidade bastante alta - ilação esta que, contudo, a Relação não extraiu e que, agora, o Supremo não pode extrair - e ignorando-se ainda a distância a que avistou ou podia ter avistado o NP bem como as características da estrada e sobretudo a distância a que o BV vinha quando o NP deu indicações de que ia mudar de direcção para a esquerda dele (NP), não é permitido concluir pela culpa deste condutor na produção do acidente.<br>
Assim, a este respeito, seguimos o entendimento da primeira instância, ou seja, não se provou a culpa de qualquer dos condutores.<br>
Estamos, portanto, perante o caso de colisão de veículos prevista no artigo 506, n. 1, do Código Civil em que, quando ambos os veículos tenham contribuído para os danos e não haja culpa de nenhum dos condutores, há que somar todos os danos resultantes da colisão e repartir a responsabilidade total na proporção em que cada um dos veículos houver contríbuido para a produção desses danos, (Antunes<br>
Varela, das Obrigações em Geral, volume I, sétima edição, folhas 678 e seguintes;<br>
Almeida Costa, Direito das Obrigações, quinta edição, folha 516), certo sendo ainda que, em caso de dúvida, considera-se igual a medida de contribuição de cada um dos veículos para os danos, nos termos do n. 2 do mesmo artigo.<br>
E desde já se salienta que o dito artigo 506, n. 1, abrange não só os danos causados nos próprios veículos como também os causados nas pessoas ou nas coisas neles transportados.<br>
Vaz Serra e alguma jurisprudência, apoiado na letra do texto em causa, opinaram em contrário, mas a Doutrina e a Jurisprudência maioritárias, interpretando extensivamente o texto, têm defendido a indicada solução (Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, volume I, quarta edição, 520 e 521; Antunes Varela, das Obrigações em Geral, volume I, sétima edição, 681; Sinde Monteiro, Boletim do Ministério da Justiça, 331,<br>
13; Almeida Costa, Obra citada, 518; acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25 de Outubro de 1983, 5 de Fevereiro de 1981, 17 de Junho de 1984, respectivamente, Boletim do Ministério da Justiça 330, 511, 304, 398, 388).<br>
Quanto à contribuição de cada um dos veículos para a produção dos danos, entendeu a primeira instância não existirem elementos que permitissem determinar essa contribuição no caso concreto e por isso, fazendo funcionar o referido n. 2, do artigo 506, considerou igual a contribuição de cada veículo.<br>
Será assim?<br>
Entendemos que a medida desta contribuição para os danos deve ser apreciada em concreto, isto é, à luz do circunstancialismo do acidente em que os veículos colidiram. Neste caso, temos, de um lado, um camião pesado de mercadorias, carregado, a atravessar-se na faixa de rodagem por onde transitava o outro veículo e barrou o caminho a este, e, do outro lado, temos um automóvel ligeiro misto que deixou um rasto de travagem de cerca de 50 metros e foi colidir frontalmente com a parte lateral direita do outro veículo, além de que as consequências foram a destruição da parte da frente deste automóvel ligeiro e os ferimentos nos seus dois ocupantes (fractura da perna direita para um e fractura do ramo esquerdo do maxilar inferior e do acetábulo direito para outro).<br>
São estes dados escassos para, com segurança, medir a contribuição para os danos de cada um dos veículos.<br>
Em princípio, o camião, ainda por cima carregado, tem mais envergadura e maior peso que o automóvel ligeiro de mercadorias, mas este, também em princípio, atingirá maior velocidade que aquele, por tal forma que, sem mais pormenores sobre o modo em que o acidente se deu, consideramos não poder determinar, com segurança, a medida da contribuição de cada veículo para os danos.<br>
Assim, tem de considerar-se igual a medida da contribuição de cada um dos veículos para os danos<br>
(citado artigo 506, n. 2).<br>
Não faltará quem diga que, no caso, o condutor do NP, o<br>
C, era comissário, conduzia por conta de outrem, pelo que, segundo o estabelecido nos Assentos<br>
3/93 (Diário da República de 18 de Março de 1994), se devia considerar culpado exclusivo do acidente, a título de culpa presumida.<br>
Mas não pode ser, uma vez que não vem provado que este<br>
C conduzisse o veículo na qualidade de comissário da comitente Tecnistrados, Limitada.<br>
É que, tanto para efeitos do artigo 500, do Código<br>
Civil como para efeitos dos artigos 503, n. 3 e 506, n. 1, do mesmo Código, a condução por conta de outrem, em regime de comissão, pressupõe a verificação desta comissão e esta tem o sentido de serviço ou actividade realizada por conta e sob a direcção de outrem, pressupõe uma relação de dependência entre o comitente e o comissário que autorize aquele a dar ordens ou instruções a este, como é o caso do criado em face do patrão e do operário ou empregado em relação à autoridade patronal (Antunes Varela, das Obrigações em Geral, volume I, sétima edição, 634 e seguintes;<br>
Almeida Costa, obra citada, 497).<br>
Mas, aqui, nem da especificação nem das respostas aos quesitos constaram factos que nos permitam dizer que o<br>
C era comissário da Tecnitratos, Limitada.<br>
Quando muito, por se tratar de factos não impugnados pela Ré Seguradora e que por isso se podem considerar provados (artigos 511, n. 1 e 659, n. 2, do Código de<br>
Processo Civil), temos que era o Réu C quem conduzia o NP e que este veículo era propriedade da Tecnistrados, Limitada (artigos 5, 8 e 24 da petição). Só que tais factos são manifestamente insuficientes para caracterizar a dita comissão, atenta a noção que desta acima demos.<br>
Vamos, agora, à questão de saber se vem provado que o autor A é o proprietário do veículo BV.<br>
A primeira instância entendeu que tal se não provou, por só poder provar-se por documento e o autor A o não ter junto mas a Relação já decidiu ter-se provado que o A era o proprietário do BV.<br>
Quid Juris?<br>
Como se sabe, a regra é a da consensualidade ou a liberdade de forma (artigo 219, do Código Civil), pelo que, não havendo qualquer disposição legal a preservar a observância de algum formalismo para a aquisição do direito de propriedade sobre um automóvel, segue-se que o orrespondente contrato não carece de ser reduzido a escrito.<br>
É certo que, segundo o Decreto-Lei n. 54/75 de 12 de<br>
Fevereiro, está sujeito a registo o direito de propriedade sobre um automóvel (artigo 5, n. 1, alínea a)) e que este registo é obrigatório (citado artigo 5 n. 2), mas o registo não é constitutivo e tem essencialmente por fim individualizar os respectivos proprietários e, em geral, dar publicidade aos direitos inerentes aos veículos automóveis (artigo 5). Quer dizer, não se deve confundir forma com publicidade, pois que a falta desta última em nada afecta o negócio, que já está concluído, apenas o torna inoponível a terceiros, produzindo embora os seus efeitos entre as partes (Manuel Batista Lopes, do Contrato de Compra e<br>
Venda, edição de 1971, 78 e 79; Hoister, Teoria Geral do Direito Civil, 445).<br>
Aliás não obstante a sua sujeição a registo público, os automóveis são coisa móvel, pelo que se lhes aplica o regime das coisas móveis em tudo o que não seja especialmente regulado, consoante estabelece o n. 2, do artigo 205, do Código Civil, e daí a desnecessidade da escritura pública que o artigo 875 do Código Civil exige para a compra e venda de imóveis. E não pode esquecer-se também que, nos termos do disposto no n. 1, do artigo 408, do Código Civil, a constituição ou transferência dos direitos reais sobre coisa determinada se dá por mero efeito do contrato.<br>
É, pois, de concluir que a aquisição do direito de propriedade de um automóvel, para valer entre as partes, não precisa de ser reduzida a escrito.<br>
De resto, o autor A intitulou-se proprietário do BV (artigo 11, da petição), afirmação esta que a Ré Seguradora não impugnou, pelo que, atento o que mais acima já se disse, aqui está mais uma realidade fáctica a dar como assente por acordo das partes.<br>
Certo como é que os limites máximos de indemnização também valem para o caso de colisão de veículos que envolva duas ou mais naturezas (Antunes Varela, das<br>
Obrigações em Geral, volume I, sétima edição, 688; acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24 de<br>
Novembro de 1977, Boletim do Ministério da Justiça,<br>
271, 421), vejamos quais são eles.<br>
Em primeiro lugar, há que fixar que, de acordo com o artigo 12, do Código Civil, a lei só dispõe para o futuro e só para os factos novos quando dispõe sobre os seus efeitos. Isto é, o princípio da aplicação prospectiva da lei implica que ela só se aplica aos factos futuros, isto é, aos que se produzem após a entrada em vigor da nova norma. E assim sendo, os ditos limites máximos do artigo 508, do Código Civil são os estabelecidos por este texto na redacção vigente ao tempo do acidente de viação (Antunes Varela, Revista de<br>
Legislação e Jurisprudência, 120, 151; Pires de Lima e<br>
Antunes Varela, Código Civil Anotado, volume I, quarta edição, 61; acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25 de Fevereiro de 1982, 9 de Junho de 1989, 10 de Novembro de 1989, respectivamente, Boletim do<br>
Ministério da Justiça 314, 298, 388, 492, 391, 580).<br>
Ora, como o acidente ocorreu em 29 de Junho de 1981 segue-se que o texto do citado artigo 508 a ter em conta, neste caso, é o anterior à alteração introduzida pelo Decreto-Lei 190/85, de 24 de Junho, que começou a vigorar em 1 de Janeiro de 1986, a saber: a indemnização provada em acidente de viação, quando não haja culpa do responsável tem como limites máximos:<br>
No caso de morte ou lesão de várias pessoas em consequência do acidente, duzentos contos para cada uma delas, com o máximo total de seiscentos contos;<br>
No caso de danos causados em coisas, ainda que pertencentes a diferentes proprietários, cem contos.<br>
Em segundo lugar, importa ter presente que os limites máximos de indemnização fixados no artigo 508, na redacção aplicável ao caso, só operam depois de repartida a responsabilidade pela forma determinada no artigo 506 (Pires de Lima e Antunes Varela, obra citada, 523; Vaz Serra, Revista de Legislação e Jurisprudência 107, 296 e 113, 250; acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20 de Novembro de 1973, 19 de<br>
Dezembro de 1979, 12 de Novembro de 1985, respectivamente; Boletim do Ministério da Justiça 231, 151, 292, 361, 351, 390).<br>
Nem os autores porque não nomearam, nem a Ré porque não incluiu tal questão nas conclusões da alegação para este Supremo, impugnaram a valoração em 200000 escudos, dos danos não patrimoniais sofridos pelos autores, pelo que, nesta parte, o acórdão recorrido transitou.<br>
Agora só há que fixar a correspondente indemnização por esses danos não patrimoniais em função da medida em que cada um dos veículos contribui para esses danos. E nós já acima dissemos que era de funcionar a presunção do dito n. 2, do artigo 506: contribuição em igual medida.<br>
E o mesmo se diga quanto aos danos patrimoniais sofridos pelo autor A, relativos aos rendimentos não auferidos durante os 150 dias de incapacidade para o trabalho, a liquidar em execução de sentença.<br>
E, depois, só há que impedir que as verbas apuradas excedam os ditos limites máximos fixados pelo artigo<br>
508, com a redacção vigente à data do acidente.<br>
Quanto aos prejuízos sofridos pelo veículo BV, também, segundo o acórdão recorrido, a liquidar em execução de sentença, a Ré novamente só afirmou não se ter provado que este veículo fosse do autor A, mas não atacou a existência desse prejuízo.<br>
Deste modo, porque sustentámos que se havia provado que o BV era do A, só nos resta aplicar, neste particular, o acórdão recorrido, muito embora com o cuidado, de não ser excedido o falado limite de cem contos estabelecido para os danos causados em coisas pelo referido artigo 508, na redacção anterior ao referido Decreto-Lei 190/85, ou seja, na redacção vigente à data do acidente.<br>
Pelo exposto, concedendo em parte a revista, condena-se a Ré Seguradora Royal Insurance Company a pagar cem contos (100) ao autor B, por danos não patrimoniais, com juros desde a citação, cem contos<br>
(100) ao autor A, por danos não patrimoniais, com juros desde a citação;<br>
O que se liquidar em execução de sentença ao autor A, pelos danos patrimoniais resultantes do que este deixou de auferir durante os 150 dias da sua incapacidade para o trabalho, mas só até ao limite de cem contos (100).<br>
O que se liquidar em execução de sentença ao autor A pelos danos patrimoniais causados no veículo BV-48-84, sua propriedade, mas só até ao limite de cem contos (100).<br>
Custas a meias pelo recorrente e recorridos, devendo, desta forma atender-se a que estes últimos gozem de apoio judiciário.<br>
Lisboa, 20 de Setembro de 1994.<br>
B Fabião.<br>
César Marques.<br>
Martins da Costa.</font>
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[0 0 0 ... 0 0 0]
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JjKEu4YBgYBz1XKvghU4
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1.ª Secção (Cível)
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<b><font> </font></b><font><br>
<font> </font><br>
<font> </font><br>
<b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font></b><br>
<font> </font><br>
<font> </font><br>
<font> </font><br>
<b><font>AA </font></b><font>e</font><b><font> BB, </font></b><font>este representado pela primeira (sua mãe),</font><b><font> </font></b><font>instauraram a presente acção</font><b><font> </font></b><font>contra</font><b><font> “CC, SA”</font></b><font>, pedindo a condenação desta a pagar-lhe as seguintes quantias, acrescidas de juros de mora desde a citação, para reparação de </font><u><font>danos não patrimoniais</font></u><font> sofridos em consequência do falecimento de DD, marido e pai, respectivamente, dos AA: € 65.000 e € 20.000, respectivamente, pela perda do direito à vida e pelos danos sofridos pela própria vítima; e € 40.000, pelos danos sofridos por cada um dos AA. Alegam, para tanto, que o mencionado óbito ocorreu em consequência de acidente de viação provocado por despiste do veículo tractor pesado com semi-reboque, em virtude de falha dos respectivos travões, o qual, sendo propriedade da empresa “EE SA”, era então conduzido pelo falecido por conta desta, que havia transferido para a R a sua responsabilidade civil emergente dos acidentes causados pela referida viatura.</font><br>
<font>A R contestou, invocando, além do mais, a exclusão do contrato de seguro dos danos reclamados.</font><br>
<font>Foi proferida sentença julgando a acção improcedente e absolvendo a R dos pedidos.</font><br>
<font> </font><br>
<font>A Relação de Guimarães, julgando improcedente a apelação interposta pelos AA, confirmou a sentença recorrida.</font><br>
<font> </font><br>
<font>Os AA interpuseram recurso de </font><b><font>revista excepcional</font></b><font> desse acórdão, cujo objecto delimitaram com as seguintes conclusões que colocam a questão de saber se a R deve ser responsabilizada pela pretendida reparação dos danos:</font><br>
<font>1ª A decisão judicial, que fez, com todo o respeito, errada interpretação e aplicação do direito ao caso concreto, estando em causa uma questão com relevância jurídica. </font><br>
<font>2ª O requisito da alínea a) do nº 1 do artigo 672° do Código de Processo Civil verifica-se pela questão da complexidade e novidade do caso, e implica detalhado exercício ser intervenção do Supremo Tribunal de Justiça, tudo para lograr uma melhor aplicação do direito. </font><br>
<font>3ª A relevância jurídica da questão jurídica assenta ainda no seu ineditismo. </font><br>
<font>4ª Reveste relevância jurídica, fundamentadora do recurso de revista excecional, a questão de saber se o embate no muro superior e consequente carbonização do veiculo, após a entrada do mesmo na escapatória de emergência se afigura como uma consequência perfeitamente adequada face à falha mecânica verificada, ou se, apenas se afigura como consequência adequada da verificação de um factor estranho, mas novo, que desencadeou tal resultado, isto é, às falhas existentes na própria saída de emergência. </font><br>
<font>5ª No caso dos autos ficaram provados os factos 31°, 32°, 33°, 34° e 94°. </font><br>
<font>6ª A sociedade comercial EE Armazéns de Ferro, S.A. tinha a direcção efectiva do veículo de circulação terrestre composto por trator pesado de mercadorias com a matricula ...-FE-... em conjunto com o semi-reboque P-..., que utilizava no seu próprio interesse, por intermédio do comissário DD </font><br>
<font>7ª Sendo que o DD não teve qualquer culpa no acidente e tudo fez para o evitar. </font><br>
<font>8ª Os danos em causa nesta ação são provenientes dos riscos próprios do veículo que fazia conjunto com o semi-reboque, pelos quais é assim responsável a EE, S.A.. </font><br>
<font>9ª Por contratos de seguro titulados pelas apólices nºs ... e ..., a EE Armazéns de Ferro, S.A. transferiu para a R. a responsabilidade civil por danos causados a terceiros emergentes da circulação, respectivamente, do veículo trator pesado de mercadorias ...-FE-...e do semi-reboque P-..., que faziam conjunto, Estando, por isso, a R. obrigada a indemnizar os AA. dos danos ocorridos em consequência do acidente. </font><br>
<font>l0ª As pretensões indemnizatórias deduzidas pelos AA. contra a R. fundam-se quer na responsabilidade civil extracontratual pelo risco, quer no regime do seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel. </font><br>
<font>11ª Ora, impõe-se analisar o problema da delimitação dos danos reparáveis, ou seja, da medida da indemnização. </font><br>
<font>l2ª Neste contexto, importa analisar a questão da concorrência de causas do mesmo dano.</font><br>
<font>13ª Assim sendo, estamos perante, uma situação em que o evento danoso se ficou a dever causas complementares, ou, caso assim não se entenda, cumulativas ou, caso assim não se entenda, coincidentes ou simultâneas de responsabilidade. </font><br>
<font>14ª De tal maneira, que em face do lesado, quer haja subsequência (adequada) de causas, quer haja causas cumulativas ou mera coincidência de causas de natureza distinta, QUALQUER DOS RESPONSÁVEIS É OBRIGADO A REPARAR TODO O DANO. </font><br>
<font>15ª Nas relações internas dos vários responsáveis, o regime oscila, consoante a posição relativa destes, desde a solidariedade perfeita até à solidariedade só aparente. </font><br>
<font>16ª Tudo conforme João de Matos Antunes Varela “Das Obrigações em geral”, vol. 1, 9ª edicão, Almedina, Coimbra, págs. 951 a 954. </font><br>
<font>17ª Por conseguinte, por esta via subsidiária, a R. está igualmente obrigada a indemnizar os AA. dos danos ocorridos em consequência do acidente. </font><br>
<font>18ª O Tribunal recorrido violou por erro de interpretação e aplicação o disposto nas disposições conjugadas dos artigos 483°, n" 1, 562° e 563° do CC. </font><br>
<font>19ª Mas, caso assim não se entenda, mais importa analisar o problema sob o prisma da causa virtual do dano. </font><br>
<font>20ª Assim sendo, para além da causa real considerada pelo Tribunal, estamos perante, uma situação em que o evento danoso se ficou a dever a outra causa virtual com relevância negativa na obrigação de indemnizar. </font><br>
<font>21ª De tal maneira, que em face do lesado, a R. está igualmente obrigada a indemnizar os AA. dos danos ocorridos em consequência do acidente e a reparar todo o dano. </font><br>
<font>22ª Nas relações internas dos vários responsáveis, o regime oscila, consoante a posição relativa destes, desde a solidariedade perfeita até à solidariedade só aparente. </font><br>
<font>23ª Tudo conforme João de Matos Antunes Varela “Das Obrigacões em geral”, vol. I. 9ª edição, Almedina, Coimbra, págs. 956 a 967 e ainda Mário Júlio de Almeida Costa – “Direito das Obrigações”, 5ª edição, Almedina, págs. 634 a 637. </font><br>
<font>24ª Por conseguinte, a R. está igualmente obrigada a indemnizar os AA. dos danos ocorridos em consequência do acidente. </font><br>
<font>25ª O Tribunal recorrido violou por erro de interpretação e aplicação o disposto nas disposições conjugadas dos artigos 494°, 496°, 503°, nº1, 504°, n° 1, 5620 e 566° do Código Civil. </font><br>
<font>26ª Por qualquer uma das vias ora invocadas, os AA. têm direito a indemnização pelos danos tutelados pelo direito decorrentes do sinistro dos autos. </font><br>
<font>27ª O sinistrado, a título de danos não patrimoniais e para compensação do </font><i><font>quantum doloris</font></i><font>, incómodos e sofrimentos antes da morte sofreu danos tutelados pelo direito e quantificáveis em 20.000,00€. </font><br>
<font>28ª A lª A. e o 2º A. têm direito e exigem da R. a indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos pela vítima de 20.000,00 € e pela perda do direito à vida de 65.000,00 €, num total de 85.000,00 €, que pedem e a R. deve ser condenada a ressarcir, acrescidos dos juros de mora legais desde a citação até integral e efetivo pagamento, </font><br>
<font>29ª A lª A. sofreu assim danos não patrimoniais tutelados pelo direito e quantificáveis em 40.000,00 €, que se pedem e a R. deve ser condenada a ressarcir, tudo acrescido de juros de mora à taxa legal desde a citação até integral e efetivo pagamento. </font><br>
<font>30ª O 2° A. sofreu assim danos não patrimoniais tutelados pelo direito e quantificáveis em 40.000,00 €, que se pedem e a R. deve ser condenada a ressarcir, tudo acrescido de juros de mora à taxa legal desde a citação até integral e efetivo pagamento. </font><br>
<font>31ª O Tribunal recorrido violou por erro de interpretação e aplicação o disposto nas disposições conjugadas dos artigos 494°, 496°,503°, nº 1, 504°, n" 1, 562° e 566º do Código Civil. </font><br>
<font> </font><br>
<font>A Formação deste Supremo Tribunal prevista no nº 3 do artigo 672º do CPC admitiu o recurso de revista, por considerar estar em causa uma questão cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, é necessária para uma melhor aplicação do direito</font><br>
<font> </font><br>
<font>A R contra-alegou, sustentando a exclusão do contrato de seguro dos danos reclamados e, ainda, que estes se deveram, em exclusivo, à circunstância de a saída de emergência não ter exercido a sua função de imobilização do veículo seguro em segurança. </font><div><font>*</font></div><font>A Relação considerou a seguinte factualidade </font><b><font>provada</font></b><font>:</font>
<p><font>1º – No dia 11 de Dezembro de 2014, pelas 8:39 horas, no IC 5, Km 42,300, em ... ocorreu um acidente de viação. </font>
</p><p><font>2º - Nele foi interveniente o veículo automóvel, trator pesado de mercadorias, serviço particular, com a matrícula ...-FE-... (adiante designado FE por razões de economia e celeridade processuais), que fazia conjunto com o Semi-reboque P-..., propriedade de “EE Armazéns de Ferro, S.A.”, com sede no .....</font>
</p><p><font>3º - A “EE Armazéns de Ferro, S.A.” tem por objecto social a comercialização por grosso e retalho de produtos siderúrgicos, nomeadamente, varão para betão, barras comerciais, perfis, chapas, tubos, malhas electrossoldados, redes para diversas aplicações, entre outras. </font>
</p><p><font>4º - Sendo que no dia e hora do acidente, a “EE Armazéns de Ferro, S.A.” usava o veículo FE, que fazia conjunto com o Semi-reboque P-..., no âmbito do seu objecto social. </font>
</p><p><font>5º - Uma vez que era, como sempre foi, a “N... Armazéns de Ferro, S.A.” que, de facto, usava, gozava e fruía das vantagens do veículo e semi-reboque, tratava das suas reparações, revisões, inspeções, seguros e pagava os respetivos impostos. </font>
</p><p><font>6º - Mais utilizava o conjunto do veículo e semi-reboque, como sempre utilizou, no seu próprio interesse. </font>
</p><p><font>7º - O que fazia por intermédio do comissário DD, residente que foi no ...l. </font>
</p><p><font>8º - Com efeito, o DD era motorista da “EE Armazéns de Ferro, S.A.”. </font>
</p><p><font>9º - Para quem prestava a sua atividade laboral, mediante retribuição, no âmbito da organização e sob a autoridade daquela sociedade comercial. </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>10º - Neste quadro, no dia e hora do acidente, o veículo FE em conjunto com o semi-reboque P-... era conduzido pelo DD, por ordem, conta e interesse da “EE Armazéns de Ferro, S.A.”. </font>
</p><p><font>11º - No exercício das funções de motorista que lhe foram confiadas pela “EE Armazéns de Ferro, S.A.”, com o seu conhecimento e autorização, bem como no seu interesse e com o seu acordo. </font>
</p><p><font>12º - O local do acidente tinha as características de uma recta. </font>
</p><p><font>13º - Em que a faixa de rodagem tinha a largura de 10 metros. </font>
</p><p><font>14º - E era composta por uma via de trânsito no sentido ...</font>
</p><p><font>15º - Cuja largura ascendia a 3,25 metros. </font>
</p><p><font>16º - E com inclinação descendente. </font>
</p><p><font>17º - A qual estava delimitada das vias de trânsito em sentido inverso, ou seja ..., por duas linhas longitudinais contínuas paralelas entre si marcadas no pavimento. </font>
</p><p><font>18º - Por sua vez, no sentido ... o trânsito fazia-se por duas vias de trânsito separadas entre si por uma linha descontínua M2 marcada no pavimento. </font>
</p><p><font>19º - Cada uma delas com a largura de 3,375 metros. </font>
</p><p><font>20º - Em sentido ascendente. </font>
</p><p><font>21º - No final da reta, atento o sentido descendente ..., o IC 5 fazia uma curva longa e aberta para a esquerda. </font>
</p><p><font>22º - E na continuidade da reta, mas saindo da faixa de rodagem a direito, existia uma saída de emergência. </font>
</p><p><font>23º - Tal saída de emergência era composta por uma via em alcatrão, com largura de 3,30 metros e marcação no pavimento de linhas oblíquas desde o limite da faixa de rodagem até ao marco hectométrico. </font>
</p><p><font>24º - E daí, em linha reta, por cerca de 161,43 metros até uma barreira em betão. </font>
</p><p><font>25º - Do lado esquerdo da saída de emergência existia uma zona de quadrícula em xadrez marcada no pavimento, após o que se seguia a direito uma caixa de gravilha, com largura de 4,10 metros e extensão de 146 metros, até à barreira em betão. </font>
</p><p><font>26º - Neste quadro, o DD conduzia o veículo FE que formava conjunto com o semi-reboque P-..., no sentido .... </font>
</p><p><font>27º - Fazendo o transporte de carga de mercadorias ao serviço e sob as ordens da sociedade “EE Armazéns de Ferro, S.A.”. </font>
</p><p><font>28º - E pelo lado direito da faixa de rodagem, na via de trânsito em sentido descendente. </font>
</p><p><font>29º - O mais próximo possível da berma do lado direito, mas conservando desta uma distância que lhe permitia evitar acidentes. </font>
</p><p><font>30º - A uma velocidade não concretamente apurada, mas não superior a 80kms/hora. </font>
</p><p><font>31º - Sucede que ao chegar sensivelmente ao Km 42,300, ocorreram problemas na mecânica ligada ao funcionamento do veículo FE, designadamente ao nível dos travões. </font>
</p><p><font>32º - De tal maneira, que o veículo ganhou velocidade. </font>
</p><p><font>33º - O condutor do veículo DD apercebeu-se dos problemas no funcionamento da mecânica do FE e semi-reboque P-..., designadamente a falha nos travões. </font>
</p><p><font>34º - E com o objetivo de imobilizar o veículo em conjunto com semi-reboque, direcionou-o para a saída de emergência. </font>
</p><p><font>35º - Entrou alinhado na caixa de gravilha. </font>
</p><p><font>36º - Percorreu-a na sua totalidade. </font>
</p><p><font>37º - E embateu com a frente no muro de betão que a delimitava. </font>
</p><p><font>38º - E fê-lo de tal maneira que destruiu esse muro e despenhou-se na ravina, levando à sua frente parte do muro. </font>
</p><p><font>39º - Mais largou a carga na sua totalidade. </font>
</p><p><font>40º - E danificou a vedação em rede que delimitava o IC 5. </font>
</p><p><font>41º - O veículo incendiou-se, desconhecendo-se quando e por onde começou. </font>
</p><p><font>42º - No local ficaram vestígios constituídos por: </font>
</p><p><font>a) marcas da trajetória do veículo na “caixa de gravilha”; </font>
</p><p><font>b) pelo muro de betão na extremidade da saída de emergência destruído; </font>
</p><p><font>c) e carga do veículo espalhada junto do mesmo. </font>
</p><p><font>43º - O estado do tempo era de nevoeiro. </font>
</p><p><font>44º - Após o sinistro, o muro de betão e a carga do veículo conjunto trator e semi-reboque ficaram no estado descrito no Esboço constante participação de acidente de viação que se junta como Documento 1 e cujo teor aqui se dá como reproduzido para os devidos efeitos . </font>
</p><p><font>45º - O acidente consistiu num despiste. </font>
</p><p><font>46º - Com a consequente morte do condutor DD, tudo conforme participação de acidente de viação constante de fls. 31 e seguintes e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido. </font>
</p><p><font>47º - Por contratos de seguro titulados pelas apólices nºs ... e ..., a “EE Armazéns de Ferro, S.A.” transferiu para a R. a responsabilidade civil por danos causados a terceiros emergentes da circulação, respectivamente, do veículo trator pesado de mercadorias ...-FE-... e do semi-reboque P-..., que faziam conjunto. </font>
</p><p><font>48º - Do acidente resultou a morte do condutor DD. </font>
</p><p><font>49º - Uma vez que o veículo incendiou-se. </font>
</p><p><font>50º - E o condutor ficou carbonizado. </font>
</p><p><font>51º - O condutor DD ficou sem roupa devido a estar carbonizado. </font>
</p><p><font>52º - Foram ainda observados os seguintes elementos de identificação: sexo masculino; afinidade populacional caucasóide; estatura de 130 cms; peso de 43 Kgs; IMC de 25,4; cor e características do cabelo ausentes; cor e características do pêlo facial ausentes; cor das íris esquerda e direita ausentes; outros sinais – carbonizado. </font>
</p><p><font>53º - O condutor DD ficou com ausência de dentes por ter sido carbonizado. </font>
</p><p><font>54º - O Exame do Hábito Externo do condutor indicou: </font>
</p><p><font>55º - O Exame do Hábito Interno do condutor indicou, na cabeça: </font>
</p><p><font>56º - O Exame do Hábito Interno do condutor indicou, no pescoço: </font>
</p><p><font>57º - O Exame do Hábito Interno do condutor indicou, no tórax: </font>
</p><p><font>58º - O Exame do Hábito Interno do condutor indicou, no abdómen: </font>
</p><p><font>59º - O Exame do Hábito Interno do condutor indicou, na coluna vertebral e medula: </font>
</p><p><font>60º - O Exame do Hábito Interno do condutor indicou, nos membros: </font>
</p><p><font>61º - A morte do condutor DD ficou a dever-se ao acidente de viação e posterior carbonização, conforme relatório de autópsia médico-legal, constante de fls. 35-40 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido. </font>
</p><p><font>62º - O DD faleceu no dia 11 de Dezembro de 2014, pelas 10:10 horas, na União de Freguesias de ..., conforme assento de óbito nº 510 do ano de 2014 da Conservatória do Registo Civil de ..., constante de fls. 42, e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido. </font>
</p><p><font>63º - O DD tinha 46 anos de idade, tendo falecido no estado casado em primeiras núpcias de ambos e sob o regime da comunhão de adquiridos com AA, conforme documentos de fls. 42, 44-45 e 47-48, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido. </font>
</p><p><font>64º - O finado não fez testamento ou qualquer outra disposição de última vontade, conforme documento de fls. 44-45, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido. </font>
</p><p><font>65º - O falecido deixou como únicos herdeiros legitimários: </font>
</p><p><font>- O cônjuge AA, viúva, natural da freguesia de ..., concelho de ..., portadora do B.I. nº ... de ..., residente no...; </font>
</p><p><font>- Um descendente BB, solteiro, menor, natural da freguesia de ..., concelho de ...l. </font>
</p><p><font>66º - Não havendo quem lhes prefira ou com eles possa concorrer na sucessão. </font>
</p><p><font>67º - Até ao momento do embate, o sinistrado teve receio e temeu pela vida, não tendo conseguido libertar-se, nem fugir de dentro do veículo. </font>
</p><p><font>68º - Nas circunstâncias referidas em 67º, o sinistrado sentiu desespero. </font>
</p><p><font>69º - O sinistrado era saudável, alegre e gostava de viver. </font>
</p><p><font>70º - O sinistrado formava com a autora um casal feliz. </font>
</p><p><font>71º - A 1ª A. partilhava com o falecido as horas de alegria e tristeza da sua vida. </font>
</p><p><font>72º - Auxiliando-se mutuamente no dia-a-dia da vida conjugal. </font>
</p><p><font>73º - A 1ª A. amava o DD, por quem nutria grande respeito e carinho. </font>
</p><p><font>74º - O acidente sofrido pelo sinistrado e o seu falecimento posterior, causaram na 1ª A. grande consternação e infelicidade. </font>
</p><p><font>75º - A 1ª A. ficou, como está, muito triste, angustiada, amargurada e revoltada. </font>
</p><p><font>76º - A 1ª A. de pessoa alegre e divertida, ficou, como está, abatida, desolada, com momentos de pesar. </font>
</p><p><font>78º - A autora não se conforma por ter perdido o seu marido. </font>
</p><p><font>79º - A autora é doente do foro oncológico. </font>
</p><p><font>80º - Apresentando uma incapacidade permanente global e definitiva de 60%. </font>
</p><p><font>81º - A autora contava com o salário mensal do sinistrado para o sustento, habitação e vestuário do agregado familiar, assim como para a educação do filho menor, que é estudante matriculado no Ano Lectivo de 2014/2014 na turma A, do 11º ano, ensino secundário, no curso de ..., conforme documento de fls. 57, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido. </font>
</p><p><font>82º - A autora ficou e está aflita e receosa quanto ao futuro, temendo não ter meios, nem rendimentos, capazes para manter o seu lar e educar o seu filho. </font>
</p><p><font>83º - A circunstância referida em 83º, deixa a autora num estado de pressão nervosa e abatimento moral. </font>
</p><p><font>84º - O 2º A. era filho do sinistrado, conforme assento de nascimento de fls. 50-51, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido. </font>
</p><p><font>85º - O sinistrado e o segundo autor mantinham entre si uma relação de grande respeito, carinho e dedicação um ao outro. </font>
</p><p><font>86º - O 2º A. era o único filho do sinistrado. </font>
</p><p><font>87º - O 2º A. gostava muito do seu pai e demonstrava-o amiúde dando-lhe abraços e mimos. </font>
</p><p><font>88º - O que tudo era retribuído pelo sinistrado ao 2º A.. </font>
</p><p><font>89º - O acidente sofrido pelo sinistrado e o seu falecimento posterior, causaram no 2º A. grande consternação e infelicidade. </font>
</p><p><font>90º - O 2º A. ficou, como está, muito triste, angustiado, amargurado e revoltado. </font>
</p><p><font>91º - O 2º A. de pessoa alegre e divertida, ficou, como está, abatido, desolado, com momentos de profundo pesar e depressão física, moral e psicológica. </font>
</p><p><font>92º - O 2º A. não se conforma por ter perdido o seu pai para sempre. </font>
</p><p><font>93º - Correu termos na Procuradoria da Instância Central de Trabalho da Comarca de ..., o processo nº748/14.1T8VLR, no âmbito do qual as partes se conciliaram nos termos que melhor se alcançam do acordo de fls. 185 e seguintes, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido. </font>
</p><p><font>94º - Do mesmo modo, em virtude do acidente em apreço, correu termos o inquérito com o NUIPC nº118/14.2GTVRL, no âmbito do qual o Núcleo de Investigação de Crimes em Acidentes de Viação do Destacamento de Trânsito de ... da Guarda Nacional Republicana concluiu que “</font><i><font>a causa principal ou eficiente para a realização do acidente deveu-se ao leito de paragem da saída de emergência não ter exercido a função que se lhe exigia, fazer imobilizar o veículo após uma avaria no sistema de travagem</font></i><font>”, designadamente por deficiência de construção e manutenção, tudo conforme “Relatório Final”, elaborado pelo investigador FF, junto aos autos. </font>
</p><p><font>95º - Os veículos sinistrados possuíam as inspecções periódicas válidas, o condutor era experiente e condutor habitual do conjunto de veículos, sendo também conhecedor do itinerário em apreço.</font></p><div><font>*</font></div><u><font>Enquadramento geral</font></u><font>.</font><br>
<font>Importa apreciar e decidir a acima enunciada questão, que demanda que se averigue do nexo de causalidade entre os danos sofridos e o risco de circulação do veículo, bem como da consequente responsabilização da R seguradora pela reparação de tais danos e a respectiva medida.</font><br>
<font>Como consta da factualidade assente, nas circunstâncias em que ocorreu o acidente a que os autos se reportam, o falecido DD conduzia o identificado veículo pesado (com semi-reboque), fazendo o transporte de carga de mercadorias ao serviço, no interesse, por conta e sob as ordens da sociedade “EE”, para a qual aquele prestava a sua actividade laboral, mediante retribuição e sob a sua autoridade, sendo essa empresa que usava e fruía das vantagens de tal veículo, tratava das suas reparações, revisões, inspeções, seguros e pagava os respectivos impostos. </font><br>
<font>No local desse acidente a via formava uma recta, com inclinação descendente e, fora da faixa de rodagem, existia uma saída de emergência na continuidade dessa recta, com cerca de 161,43 metros até uma barreira em betão, nela se incluindo uma caixa de gravilha, com a extensão de 146 metros. Neste quadro, o falecido conduzia na via de trânsito em sentido descendente, próximo da berma do lado direito, mas conservando desta uma distância que lhe permitia evitar acidentes, a uma velocidade não superior a 80kms/hora, e, ao chegar ao Km 42,300, tendo-se apercebido de que falharam os travões do veículo (conjunto do tractor e semi-reboque), que, por isso, ganhou velocidade, o mesmo direcionou-o para a saída de emergência, com o objetivo de o imobilizar. O veículo entrou alinhado na caixa de gravilha, mas percorreu-a na sua totalidade e embateu com a frente no muro de betão que a delimitava, de maneira tal que destruiu esse muro e despenhou-se na ravina, incendiando-se. E, como consequência, o referido condutor faleceu, carbonizado. </font><br>
<font>O falecido era condutor habitual e experiente, designadamente em relação ao aludido conjunto de veículos, sendo também conhecedor do itinerário em apreço.</font><br>
<font>Não suscita controvérsia nos autos a conclusão de que este enunciado resumo dos factos apurados afasta liminarmente a imputabilidade subjectiva do acidente, a título de culpa – em qualquer das suas modalidades –, ao condutor do veículo que dele foi vítima. Com efeito, a matéria assente permite afirmar que se provou, positivamente, que não houve culpa na produção do acidente da parte do condutor/comissário, i. é, que se mostra ilidida a presunção a que alude o art. 503º nº 3 do CC.</font><br>
<font>O litígio por tal modo configurado remete-nos, pois, para o tema da responsabilidade objectiva da proprietária do veículo (comitente) – em que o debate, adequadamente, se centrou –, fundada no risco da circulação (terrestre) de veículos, consagrada nos arts. 503º e seguintes do CC: tais normas proclamam o princípio de que deve arcar com os prejuízos inerentes à utilização de tal meio de transporte quem dela tira benefícios, em regra, o respectivo dono, por ser ele que, normalmente, aproveita as sua especiais vantagens. </font><br>
<font>Assim, dispõe o nº 1 do art. 503º que aquele que tiver a direcção efectiva de qualquer veículo de circulação terrestre e o utilizar no seu próprio interesse, ainda que por intermédio de comissário, responde pelos danos provenientes dos riscos próprios do veículo.</font><br>
<font>E, sem prejuízo do disposto no artigo 570º, essa responsabilidade só é excluída quando o acidente for imputável ao próprio lesado ou a terceiro, ou quando resulte de causa de força maior estranha ao funcionamento do veículo, conforme prescreve o art. 505º.</font><br>
<font>Por fim, estatui o art. 504º nº 1 que a responsabilidade pelos danos causados por veículos aproveita a terceiros, bem como às pessoas transportadas. </font><br>
<font>Ora, é insofismável que o despiste que desencadeou o acidente se deveu a falha mecânica (dos travões) do veículo e, por isso, a um risco próprio do veículo </font><sup><font>(</font></sup><a><u><sup><font>[1]</font></sup></u></a><sup><font>)</font></sup><font>. E, quando tal risco actuou, era a empresa proprietária do veículo que possuía sobre ele o poder real (de facto), ou seja, que detinha a sua direcção efectiva e o utilizava no seu próprio interesse, ainda que por intermédio de comissário que, no caso em apreço, era o falecido condutor, seu funcionário. </font><br>
<font>Portanto, também está excluída a responsabilidade objectiva do falecido porque conduzia, não no seu próprio interesse, mas em proveito e às ordens da proprietária do veículo.</font><br>
<font>Por outro lado, entre os beneficiários da responsabilidade objectiva da dona do veículo conta-se o falecido condutor do veículo acidentado, nos termos previstos no citado art. 504º nº 1, por o mesmo dever ser considerado “terceiro” em relação aos perigos próprios do veículo que geraram tal despiste, já que apenas aquela criou especiais riscos, com o veículo e com a finalidade de proveito próprio.</font><br>
<font>Com efeito, pensamos que deve entender-se como abrangido na categoria de “terceiro”, para efeitos da citada norma, a vítima, condutor do veículo acidentado, «</font><i><font>sempre que o acidente se relacione com os riscos que são próprios daquele</font></i><font>» </font><sup><font>(</font></sup><a><u><sup><font>[2]</font></sup></u></a><sup><font>)</font></sup><font>. Foi o que explicou, convincentemente, Vaz Serra </font><sup><font>(</font></sup><a><u><sup><font>[3]</font></sup></u></a><sup><font>)</font></sup><font>: «</font><i><font>As pessoas que, ao tempo do acidente, se ocupavam na actividade do veículo (por ex., os motoristas) não são excluídas do benefício da responsabilidade pelo risco (o artigo 504, n. 1, fala, genericamente, em “terceiros”), nem parece razoável que o fossem, pois, embora se trate de pessoas em regra ligadas por um contrato de trabalho com o comitente, tendo, portanto, direito a indemnização contra este no caso de acidente no trabalho, isso não exclui que se trate também de pessoas lesadas em acidente de viação e que o regime da responsabilidade por estes acidentes lhes seja, no caso concreto, mais favorável</font></i><font>». </font><br>
<font>Ora, não sendo o acidente imputável ao próprio lesado nem resultante de causa de força maior estranha ao funcionamento do veículo, a responsabilidade prevista naquele art. 503º nº 1 e accionada pelos AA só poderia ter-se por excluída se o acidente se considerasse imputável a terceiro, como já se salientou (cf. art. 505º).</font><br>
<font> </font><br>
<u><font>O nexo de causalidade</font></u><font>.</font><br>
<font>Realmente, ambas as instâncias, com o aplauso da R, entenderam que a morte (por carbonização) do sinistrado se deveu, em exclusivo, ao facto de a saída de emergência não ter exercido a sua função de imobilização do veículo em segurança, pelo que os danos verificados não podem ser assacados à demandada, na medida em que o risco, em que hipoteticamente assentaria a sua responsabilidade, não abrange causas terceiras imprevisíveis, nos quadros da causalidade adequada, e imputáveis, em exclusivo, a terceiros, nos termos do citado art. 505º.</font><br>
<font>Porém, não concordamos com tal pronúncia.</font><br>
<font>Não podemos perder o foco no essencial: revisitando o que, em suma, se apurou, na origem da ocorrência não está um facto praticado pela vítima ou por um outro terceiro, mas sim a falha dos travões do veículo que acarretou a perda do domínio deste e que, sendo inerente ao funcionamento do mesmo, é compreendida no risco, como se tem geralmente entendido. </font><br>
<font>Vejamos.</font><br>
<font>«</font><i><font>A obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que provavelmente não teriam ocorrido se não fosse a lesão</font></i><font>» (art. 563º do C).</font><br>
<font>É consensual o entendimento de que o nosso sistema jurídico, com a citada norma, acolheu a doutrina da causalidade adequada, segundo a qual, para que um facto seja causa de um dano, é necessário que, no plano naturalístico, ele seja uma condição sem a qual o dano não se teria verificado e, além disso, que, no plano geral e abstracto, ele seja causa adequada desse mesmo dano. </font><br>
<font>É matéria de facto o nexo causal naturalístico e é matéria de direito o juízo sobre o segundo momento da causalidade, referente ao nexo de adequação, de harmonia com o qual o facto que actuou como condição do dano deixa de ser considerado como causa adequada quando para a sua produção tiverem contribuído decisivamente circunstâncias anormais ou extraordinárias </font><sup><font>(</font></sup><a><u><sup><font>[4]</font></sup></u></a><sup><font>)</font></sup><font>.</font><br>
<font>O STJ, sendo, organicamente, um Tribunal de revista, apenas conhece de matéria de direito, fora dos casos previstos n
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KTJ8u4YBgYBz1XKvdBDV
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1.ª Secção (Cível)
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<b><font> </font></b><font>
<p><font>Acordam, na 1ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça:</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>I</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>1. </font><i><font>AA, S.A.</font></i><font> apresentou requerimento de injunção europeia [Regulamento (CE) 1896/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de Dezembro de 2006] contra </font><i><font>BB, SPA</font></i><font>, pedindo a condenação desta ao pagamento da quantia de € 83.062,62, de capital. </font>
</p><p><font>Alegou, em síntese, que no âmbito da sua atividade profissional forneceu à Ré diversos produtos do seu fabrico, designadamente os constantes nas faturas juntas aos autos com o requerimento injuntivo, faturas essas devidamente enviadas à Ré e que esta não pagou, mantendo-se devedora da indicada quantia. </font>
</p><p><font>Contestou a Ré, em primeira linha invocando a exceção de incompetência internacional dos tribunais portugueses, à luz do Regulamento (UE) 1215/2012 do Parlamento e do Conselho, de 12 de Dezembro de 2012, alegando ser uma pessoa coletiva de direito italiano e que fora entre as partes estipulado que a entrega dos bens ocorreria nas suas instalações em ..., Itália.</font>
</p><p><font>Respondeu a Autora, alegando, em resumo, que: (i) o artigo 7º, n.º 1, alínea a) do Regulamento nº 1215/2012 precede e impõe-se à alínea b) que deverá ser usada apenas quando a matéria controvertida respeite à entrega de bens e não, como é o caso, ao incumprimento do pagamento através de transferência bancária para conta domiciliada em Portugal e (ii) que a Ré sabia que, em caso de conflito judicial, o Tribunal competente seria a Instância Central Secção Cível de Guimarães, já que aceitou as suas condições contratuais definidas nas notas de confirmação de encomenda que lhe enviou, pelo que considera celebrado um pacto de jurisdição.</font>
</p><p><font>Proferida decisão, a julgar procedente a exceção de incompetência absoluta invocada, absolvendo a Ré da instância e tendo por prejudicada a apreciação do pedido reconvencional, que fora deduzido a título subsidiário.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>2. Apelou a Autora, pedindo a revogação da sentença e, subsidiariamente, a suspensão da presente instância, com a suscitação, em reenvio prejudicial ao TJUE, de questão interpretativa referente ao Regulamento em causa.</font>
</p><p><font>A Relação julgou totalmente improcedente o recurso.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>3. Pede revista a Autora, na sua alegação formulando as seguintes conclusões:</font>
</p><p><font>«(…)</font>
</p><p><b><font>5ª </font></b><font>- A recorrente celebrou com a recorrida um pacto de jurisdição atribuindo competência ao Tribunal Judicial Guimarães para conhecer de qualquer litígio que pudesse surgir no desenvolvimento das suas relações comerciais, pacto este materializado em notas de confirmação de encomenda enviadas pela recorrente à recorrida após a receção das ordens de encomenda, e não reclamadas nem rejeitadas por esta, que prosseguiu com o negócio, rececionando as faturas que a recorrente sucessivamente emitiu, pagando algumas delas, rececionando a mercadoria, e mantendo relações comerciais com a recorrente, sempre sob o pressuposto das mesmas condições de venda, enviadas à recorrida em relação a todos os negócios celebrados e em causa nos autos.</font>
</p><p><b><font>6ª </font></b><font>- Da cláusula 13ª das notas de confirmação de encomenda constava, por autoria da recorrente, que: “</font><i><font>qualquer litígio emergente do contrato será submetido, caso não se alcance uma solução amigável, ao Tribunal Judicial de Guimarães</font></i><font>” e da cláusula 15ª constava que “</font><i><font>Esta confirmação de encomenda é um contrato de compra e venda com as condições aqui expressas. Se os vendedores não receberem uma cópia devidamente carimbada e assinada no prazo máximo de 8 dias após a respetiva data, considerar-se-á aceite pelo comprador em todos os termos do contrato”</font></i><font>, o que importa, conjugado com a atuação da recorrida, no sentido de perfecionar os sucessivos contratos celebrados, recebendo a mercadoria e as faturas, tendo pago algumas delas, não reclamando, refutando ou rejeitando qualquer das condições e venda, uma aceitação expressa ou quando muito tácita de tais condições. </font>
</p><p><b><font>7ª </font></b><font>– O acórdão recorrido merece severa crítica ao sustentar que o silêncio do contraente a quem é oposta uma cláusula do tipo da que vimos estudando significa o mesmo que recusa dessa cláusula, pois não é legítimo considerar como facto concludente da aceitação ou rejeição da proposta uma atitude puramente omissiva. </font>
</p><p><b><font>8ª</font></b><font> - Não pode considerar-se atitude puramente omissiva ou de silêncio a do comprador que, apos receção das notas de confirmação de encomenda, não só recebe as mercadorias expedidas, como recebe as respetivas faturas, aceitando-as e não as devolvendo, prosseguindo com a realização de mais ordens de encomenda.</font>
</p><p><b><font>9ª-</font></b><font> O acórdão de que se recorre está em contradição com o acórdão do STJ de 08/10/2009, proc. n.º 5138/06.8TBSTS.S1, de quem foi relator Serra Batista, in </font><a><u><font>www.dgsi.pt</font></u></a><font>, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito e que se integra no que, pelo menos, se deve considerar uma corrente jurisprudencial, uma vez que a mesma doutrina fora já afirmada nos acórdãos do STJ de 23/07/1981 (BMJ, 309, 303), de 23/04/1996 (BMJ, 456, 350) e de 17/06/1997 (Col. Jurisp. STJ V, II, 128), pelo que se requer uniformização de jurisprudência.</font>
</p><p><b><font>10ª</font></b><font> - Ainda que não se entenda celebrado um pacto de jurisdição entre as partes à luz do artigo 25º, al. a) do Regulamento 1215/2012, sempre se considerará celebrado ao abrigo das als. b) e c) do mesmo artigo, ou seja, atentos os usos das partes entre si, com relações comerciais pelo menos desde 2010 e mantidas até 2014, e os usos do comércio internacional, tendo tais matérias sido alegadas e documentalmente demonstradas nos autos.</font>
</p><p><b><font>11ª- </font></b><font>Os usos da relação comercial entre as partes, bem como aqueles que as partes conhecem no comércio internacional, e que são amplamente conhecidos e praticados por estas, no ramo comercial têxtil, consentem que a atribuição do foro seja feita mediante cláusula aposta em notas de confirmação de encomenda, não contestada, comentadas, alteradas ou rejeitadas pelo destinatário, que prosseguiu com o negócio comercial em causa, tendo o mesmo sido perfecionado mediante envio da mercadoria e emissão da correspondente fatura. </font><b><font>12ª- </font></b><font>O acórdão recorrido está igualmente em contradição com a jurisprudência comunitária que entende, desde 1976, que “</font><i><font>O facto de o comprador não levantar objecções contra uma confirmação emanada unilateralmente da outra parte só vale como aceitação no que respeita à cláusula atributiva de jurisdição, se o acordo verbal se situar no quadro das relações comerciais correntes entre as partes, fixadas com base nas condições gerais de uma delas, condições que incluem uma cláusula atributiva de jurisdição” </font></i><font>– cfr. conclusão do Acórdão do Tribunal de Justiça no acórdão de 14 de dezembro de 1976 no processo C- 25/76, Galeries Segoura vs Rahim Bonakdarian. No mesmo sentido, vejam-se entre outros, os acórdãos proferidos nos processos C-25/76, C-159/97, C-366/13, C-222/15 do TJUE.</font>
</p><p><b><font>13ª – </font></b><font>Se</font><b><font> </font></b><font>já em 1976, altura em que o comércio internacional não assumia os contornos de celeridade e desburocratização a que hoje se assiste, o TJUE foi ao encontro da argumentação que se apresenta no presente recurso, concluindo que a formalização da cláusula atributiva de foro (alínea a) do n.º 1 do art. 25º) é uma alternativa à hipótese de a mesma resultar dos usos entre as partes ou do comércio internacional, sendo que neste caso a mesma pode resultar do </font><i><font>comportamento geral e regularmente seguido pelos operadores no ramo considerado no momento da celebração de contratos desse tipo</font></i><font>, ou da conduta geralmente seguida pelas partes nesse negócio, tanto mais no presente momento, em que a generalidade dos negócios se efetivam por via eletrónica, tal conclusão terá de ser alcançada.</font>
</p><p><b><font>14ª - </font></b><font>Se até no Regime das Cláusulas Contratuais Gerais (DL nº 446/85, de 25 de Outubro) que tutela o consumidor - em regra contraente mais débil merecedor de especial proteção mediante legislação específica -, se define que são proibidas as cláusulas contratuais gerais que estabeleçam um foro competente que envolva graves inconvenientes para uma das partes, sem que os interesses da outra o justifiquem (art. 19º, alínea a)), o que significa </font><i><font>a contrario </font></i><font>que as clausulas que respeitem este requisito, serão aceites, não se concebe que tal não se possa verificar nas relações estabelecidas entre duas pessoas coletivas de âmbito comercial, que negoceiam em igualdade de circunstâncias e equilíbrio contratual, e se nos contratos à distância (DL nº 24/2014, de 14 de Fevereiro), automaticamente são aceites as cláusulas constantes dos mesmos sem que tenha de existir a aposição de assinatura de forma expressa num documento para se considerar vinculado a um contrato, então de igual modo no comercio internacional, atualmente genericamente concretizado por trocas de telefonemas e emails, deverá aceitar-se a vinculação por tais condutas (neste sentido veja-se aliás a jurisprudência do Acórdão do Tribunal De Justiça, de 21 de maio de 2015, </font><i><font>Jaouad El Majdoub </font></i><font>contra </font><i><font>CarsOnTheWeb.Deutschland GmbH,</font></i><font> processo C‑322/14, a propósito do relevo do “clic” na aceitação das condições de venda, com esse “clic” perfecionando um pacto de jurisdição).</font>
</p><p><b><font>15ª- </font></b><font>Atenta a importância da questão,</font><b><font> </font></b><font>requer-se que o presente Tribunal, na dúvida, remeta as seguintes </font><b><u><font>questões prejudiciais</font></u></b><font> para o Tribunal de Justiça da União Europeia: (…).</font>
</p><p><b><font>16ª</font></b><font> - Ainda que se entenda não ter sido celebrado pacto de jurisdição, atribuindo a competência aos tribunais portugueses para julgar esta matéria, serão competentes os tribunais portugueses por força do artigo. 7º, als. a) e c) do citado Regulamento que dispõe que a obrigação - no caso, a de pagamento de quantia pecuniária - deverá ser reclamada perante o tribunal do lugar onde esta deva ser cumprida - ou seja, Portugal, mormente o Tribunal Judicial de Guimarães, porque este é o local onde a obrigação devia ter sido cumprida, onde a recorrente tem a sua sede, onde a sua conta se encontra domiciliada e para onde o pagamento das quantias em dívida, a final, deveria ter sido feito, ainda que por sociedade intermediária (a sociedade financeira).</font>
</p><p><b><font>17ª </font></b><font>– Deverá, assim ser o presente recurso julgado procedente por provado, revogando-se o aresto recorrido por violação de lei substantiva e errada aplicação de lei processual, particularmente por violação dos artigos 7º e 25º do Regulamento 1215/2012, 217º, 218º, 230º, 233º e 774º do Código Civil, 71º e 94º do Código de Processo Civil, e 267º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia.»</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Contra-alegou a Recorrida, pugnando pela improcedência do recurso.</font>
</p><p><font> 4. Vistos os autos, cumpre decidir.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>II</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>5. Consideradas as transcritas conclusões da alegação da Autora, ora Recorrente (CPC, arts. 635º, nºs. 2 a 4 e 639º, nºs 1 e 2) – </font><u><font>não estando em causa a aplicação do Regulamento (UE) 1215/2012, nem a natureza do litígio reportada a </font></u><i><u><font>matéria contratual</font></u></i><i><font> </font></i><font>–, </font><b><font>respeitando a questão a decidir unicamente à competência internacional dos tribunais portugueses, precisa-se ela em duas subquestões: relativamente ao Regulamento (UE) 1215/2012, a aplicabilidade ao caso, e em que termos, do (i) art. 25º </font></b><font>– conclusões 5ª/14ª</font><b><font> e (ii) art. 7º </font></b><font>– conclusão</font><b><font> </font></b><font>16ª.</font>
</p><p><font>Haverá, finalmente, de cuidar, se disso for caso, do renovado </font><b><font>pedido subsidiário de reenvio prejudicial</font></b><font> (conclusão 15ª).</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>6. Interessa, além da resultante do relatório, a seguinte matéria de facto fixada pelas instâncias (transcreve-se do acórdão recorrido):</font>
</p><p><font>«1. A autora é uma sociedade comercial que tem sede em Portugal.</font>
</p><p><font>2. A ré é uma sociedade comercial de direito italiano e aí sedeada que se dedica à produção de tecidos.</font>
</p><p><font>3. No exercício da sua atividade a autora forneceu à ré diversos produtos do seu fabrico, designadamente os constantes das faturas cujas cópias constam de fls. 15 a 22.</font>
</p><p><font>4. Tais faturas especificam como “endereço de entrega” ..., em Itália.</font>
</p><p><font>5. A entrega dos bens ocorreu em Itália.</font>
</p><p><font>6. Nas notas de confirmação de encomenda emitidas pela autora e cujas cópias constam de fls. 238 vº/239, 245 vº/246 e 300vº a 307, esta indicou, em língua inglesa, as condições gerais de venda, mormente que qualquer litígio emergente do contrato será submetido, caso não se alcance uma solução amigável, ao Tribunal Judicial de Guimarães (cl.ª 13).»</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>7. </font><u><font>Do Direito</font></u><font>.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Observa-se no considerando nº 15 do Regulamento 1215/2012: «As regras de competência devem apresentar um elevado grau de certeza jurídica e fundar-se no princípio de que em geral a competência tem por base o domicílio do requerido». </font>
</p><p><font>O princípio geral, em matéria de regras de competência, é o do </font><u><font>domicílio do Réu</font></u><font> (art. 4º do Regulamento; quanto a pessoas coletivas, conceito precisado no art. 63º, nº 1).</font>
</p><p><font>No considerando nº 16 esclarece-se: «O foro do domicílio do requerido deve ser completado pelos foros alternativos permitidos em razão do vínculo estreito entre a jurisdição e o litígio ou com vista a facilitar uma boa administração da justiça. A existência de vínculo estreito deverá assegurar a certeza jurídica e evitar a possibilidade de o requerido ser demandado no tribunal de um Estado-Membro que não seria razoavelmente previsível para ele».</font>
</p><p><font>Prescreve-se no nº 1 do art. 5º: «</font><b><font>As pessoas domiciliadas num Estado-Membro só podem ser demandadas nos tribunais de outro Estado-Membro nos termos das regras enunciadas nas secções 2 a 7 do presente capítulo</font></b><font>».</font>
</p><p><font>São, justamente, os arts. 25º, da secção 7 e 7º, da secção 2 que estão aqui em causa e a seguir examinados.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>7.1. </font><b><u><font>Da aplicabilidade do art. 25º do Regulamento (UE) 1215/2012</font></u></b><font> (conclusões 5ª/14ª da alegação da Recorrente).</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>7.1.1. Nos termos do art 25º, as partes podem celebrar </font><b><i><font>pactos atributivos</font></i></b><b><font> </font></b><b><i><font>de jurisdição</font></i></b><font>, ficando pressuposta, não constando acordo em contrário, a sua natureza como </font><i><font>pactos privativos de jurisdição</font></i><font>.</font>
</p><p><font>Os </font><i><u><font>requisitos de forma</font></u></i><font> aí estabelecidos replicam, no essencial, os contidos no art. 17º da Convenção de Bruxelas de 27 de Setembro de 1968 e no art. 23º do Regulamento Comunitário (CE) nº 44/2001, que precedeu o presente regulamento (o art. 25º passa expressamente a ressalvar, quanto aos </font><i><font>requisitos substantivos</font></i><font>, que a validade destes deve ser aferida pela lei interna do Estado-Membro convocado</font><a><u><sup><font>[1]</font></sup></u></a><font>) – apenas tais requisitos de forma estão em causa.</font>
</p><p><font>A jurisprudência do Tribunal de Justiça (TJ) é clara quanto ao entendimento de que </font><b><font>a noção de </font></b><b><i><font>pacto atributivo de jurisdição</font></i></b><font> (art. 23º do Regulamento 44/2001; art. 25º do Regulamento 1215/2012) </font><b><font>é autónoma, relativamente ao direito interno de cada Estado-Membro</font></b><font> – a validade do pacto de jurisdição deve ser, exclusivamente aferida (preenchida) à luz da própria disposição do Regulamento, ficando excluída a convocação, no caso e designadamente, do art. 94.º CPC e do Regime das Cláusulas Contratuais Gerais (DL 446/85, de 25 de Outubro). Este ponto tem sido reiteradamente assinalado na jurisprudência deste tribunal (ASTJ, de 31.4.2016, 17.3.2016, 4.2.2016, 26.1.2016 e de 11.2.2015, todos publicados, bem como os adiante referidos, em </font><a><u><font>www.dgsi.pt</font></u></a><font>).</font>
</p><p><font>Isso mesmo, genericamente, «decorre das exigências tanto de aplicação uniforme do direito da União como do princípio da igualdade que os termos de uma disposição de direito da União que não contenha nenhuma remissão expressa para o direito dos Estados-Membros para determinar o seu sentido e o seu alcance devem normalmente ser interpretados de modo autónomo e uniforme em toda a União Europeia, interpretação essa que deve ser procurada tendo em conta o contexto da disposição e o objetivo prosseguido pela regulamentação em causa (v., nomeadamente, acórdão de 27 de junho de 2013, Malaysia Dairy Industries, C-320/12, nº 25 e jurisprudência referida)» (ATJ, de 5.12.2013, Vapenik v. Thurner, </font><a><u><font>C‑508/12</font></u></a><font>, </font><a><u><font>EU:C:2013:790</font></u></a><font>, nº 23).</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>7.1.2. Entendeu a Relação, em vista do teor da cláusula 13ª (facto nº 6), que «</font><b><font>a menção numa nota de confirmação de encomenda com as condições gerais de compra, não satisfaz o requisito inserto na alínea a) do n.º 1 do artigo 25.º do Regulamento</font></b><font>».</font>
</p><p><font>Sustenta a Recorrente, fundando-se na referida cláusula, esta conjugada com a cláusula 15ª, que «Não pode considerar-se atitude puramente omissiva ou de silêncio a do comprador que, apos receção das notas de confirmação de encomenda, não só recebe as mercadorias expedidas, como recebe as respetivas faturas, aceitando-as e não as devolvendo, prosseguindo com a realização de mais ordens de encomenda»; invoca, em defesa da sua tese, o ASTJ, de 8.10.2009 e alega que o entendimento da Relação contradita a jurisprudência comunitária (conclusões 5/9 e 12/14).</font>
</p><p><b><font>A jurisprudência comunitária na matéria não vai, todavia, no sentido alegado pela Recorrente</font></b><font>; ao invés, nela se deve acolher a decisão recorrida.</font>
</p><p><font>Não basta uma </font><i><font>aceitação ou adesão tácita</font></i><font>; </font><b><font>exige-se </font></b><b><i><font>certeza</font></i></b><b><font> e </font></b><b><i><font>clareza</font></i></b><b><font> no estabelecimento do acordo de vontades entre as partes</font></b><font>, acordo que deve ser escrito, ou sendo verbal, a sua confirmação por escrito – </font><b><font>a existência de um documento escrito (de teor </font></b><b><i><font>constitutivo</font></i></b><b><font> ou </font></b><b><i><font>confirmativo</font></i></b><b><font>), nos precisos termos constantes da alínea a) do nº 1 do art. 25º, assume a natureza de </font></b><b><i><font>formalidade ad substantiam</font></i></b><font>.</font>
</p><p><font>Reiteradamente referido na jurisprudência comunitária que as exigências de forma [arts. 17º da Convenção de Bruxelas, 23º, nº 1, alínea a) do Regulamento 44/2001, 25º, nº 1, alínea a) do Regulamento 1215/2012 </font><a><b><u><sup><font>[2]</font></sup></u></b></a><font>] têm por função assegurar que o consentimento seja efetivamente provado, cabendo ao juiz nacional aferir se a cláusula atributiva de competência constituiu efetivamente objeto do consenso das partes, claro e inequivocamente manifestado (veja-se ASTJ, de 19.11.2015, onde se dá nota da evolução da jurisprudência comunitária na matéria, no limite reportando-se o caso do ATJ de 11/7/85, Proc. 221/84, </font><i><font>Berghofer/Asa</font></i><font>, em que, ao conceder-se que o requisito da confirmação escrita se possa ter por preenchido quando o documento que a corporiza, enviado ao outro contraente, por ele recebido, não suscite qualquer objeção, </font><u><font>se teve como pressuposta a existência de uma prévia convenção verbal</font></u><font>; no mesmo sentido, ASTJ de 9.9.2014).</font>
</p><p><font>Compreender-se-á que, </font><b><font>facultando o Regulamento a derrogação dos critérios gerais aí enunciados em matéria de competência e, em homenagem ao </font></b><b><i><font>princípio da autonomia da vontade</font></i></b><b><font> das partes, concedendo a estas o </font></b><b><i><font>primado</font></i></b><b><font> na escolha da jurisdição</font></b><font> (com exclusão dos casos imperativamente regulados nos arts. 24º e 27º), </font><b><font>em função da </font></b><b><i><font>celebração entre elas de um pacto</font></i></b><b><font>,</font></b><b><i><font> autonomizando-o</font></i></b><b><font> e reforçando a sua proteção jurídica, nos termos dos arts. 25º, nºs. 1 e 5 e 31º, nºs. 2 e 3, tal pacto, pela relevância que lhe é assinalada, deva ser clara e inequivocamente comprovado</font></b><font>.</font>
</p><p><font>Veja-se, por último, ATJ, de 8.3.2018, Saey Home & Garden v. Lusavouga, C-64/17, EU:C:2018:173, que, reafirmando a linha jurisprudencial, responde a pedido de decisão prejudicial apresentado pela Relação do Porto, cujos nºs. 23/29 seguidamente se transcrevem (realces acrescs.):</font>
</p><p><font>«23 Com esta questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, </font><b><font>se o artigo 25.</font></b><b><sup><font>o</font></sup></b><b><font>,n.</font></b><b><sup><font>o </font></sup></b><b><font>1, do Regulamento n.</font></b><b><sup><font>o </font></sup></b><b><font>1215/2012 deve ser interpretado no sentido de que uma cláusula atributiva de jurisdição estipulada nas condições gerais de venda mencionadas nas faturas emitidas por uma das partes no contrato cumpre as exigências dessa disposição</font></b><font>. </font>
</p><p><font>24 Segundo jurisprudência constante, as disposições do artigo 25.</font><sup><font>o </font></sup><font>do Regulamento n.</font><sup><font>o </font></sup><font>1215/2012, uma vez que excluem quer a competência determinada pelo princípio geral do foro do demandado, consagrado no artigo 4.</font><sup><font>o </font></sup><font>desse regulamento, quer as competências especiais dos artigos 7.° a 9.° deste regulamento, são de interpretação estrita quanto às condições nele estabelecidas (v., neste sentido, Acórdão de 28 de junho de 2017, Leventis e Vafeias, C-436/16, EU:C:2017:497, n.</font><sup><font>o </font></sup><font>39 e jurisprudência referida). </font>
</p><p><font>25 Mais especificamente, o juiz chamado a pronunciar-se tem a obrigação de analisar, </font><i><font>in limine litis</font></i><font>, </font><b><font>se a cláusula atributiva de jurisdição foi efetivamente objeto de consenso entre as partes, que se deve manifestar de forma clara e precisa, tendo as exigências de forma estabelecidas pelo artigo 25.</font></b><b><sup><font>o</font></sup></b><b><font>,n.</font></b><b><sup><font>o </font></sup></b><b><font>1, do Regulamento n.</font></b><b><sup><font>o </font></sup></b><b><font>1215/2012 por função, a este título, assegurar que o consenso seja efetivamente provado</font></b><font> (v., neste sentido, Acórdão de 28 de junho de 2017, Leventis e Vafeias, C-436/16, EU:C:2017:497, n.</font><sup><font>o </font></sup><font>34 e jurisprudência referida). </font>
</p><p><font>26 O artigo 25.</font><sup><font>o</font></sup><font>,n.</font><sup><font>o </font></sup><font>1, alínea a), do Regulamento n.</font><sup><font>o </font></sup><font>1215/2012 prevê que o pacto atributivo de jurisdição pode ser celebrado por escrito ou verbalmente com confirmação escrita. </font>
</p><p><font>27 Além disso, refira-se que, quando uma cláusula atributiva de jurisdição está estipulada nas cláusulas contratuais gerais, o Tribunal de Justiça já decidiu que essa cláusula é lícita caso o próprio texto do contrato assinado por ambas as partes remeta expressamente para cláusulas contratuais gerais que incluem a referida cláusula (Acórdão de 7 de julho de 2016, Hőszig, C-222/15, EU:C:2016:525, n.</font><sup><font>o </font></sup><font>39 e jurisprudência referida). </font>
</p><p><font>28 No caso vertente, resulta dos autos submetidos ao Tribunal de Justiça que o contrato de concessão comercial em causa no processo principal foi celebrado verbalmente, sem ulterior confirmação por escrito, e que as condições gerais que contêm a cláusula atributiva de jurisdição em causa só foram mencionadas nas faturas emitidas pela ré no processo principal. </font>
</p><p><font>29 Face a estes elementos e </font><b><font>atendendo à jurisprudência recordada no n.</font></b><b><sup><font>o </font></sup></b><b><font>27 do presente acórdão, uma cláusula atributiva de jurisdição como a que está em causa no processo principal não cumpre as exigências do artigo 25.</font></b><b><sup><font>o</font></sup></b><b><font>,n.</font></b><b><sup><font>o </font></sup></b><b><font>1, alínea a), do Regulamento n.</font></b><b><sup><font>o </font></sup></b><b><font>1215/2012, o que, todavia, cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar</font></b><font>».</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>No caso dos autos, considerado o quadro factual apurado pelas instâncias, (i) não se verificou a existência de uma prévia convenção verbal; (ii) a cláusula atributiva de jurisdição apenas consta das notas de confirmação de encomenda emitidas pela autora; (iii) tal cláusula </font><i><font>proposta</font></i><font> não foi objeto de convenção escrita pelas partes.</font>
</p><p><font>A falta de pacto escrito não pode ser suprida com recurso à figura da </font><i><font>aceitação tácita</font></i><font>, como evidenciado na jurisprudência do TJ; no acórdão deste tribunal, de 8.10.2009 – relativamente ao qual a Recorrente afirma estar o aresto recorrido </font><i><font>em contradição</font></i><font>, sem que todavia demonstre a subjacente identidade de situações –, não vem confrontada a jurisprudência comunitária na matéria.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><u><font>Improcede, quanto a este ponto, a pretensão da Recorrente</font></u><font>.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>7.1.3. Alega a Recorrente que «ainda que não se entenda celebrado um pacto de jurisdição entre as partes à luz do artigo 25º, al. a) do Regulamento 1215/2012, sempre se considerará celebrado ao abrigo das als. b) e c) do mesmo artigo» (conclusões 10/11).</font>
</p><p><font>Não se trata de </font><i><font>questão nova</font></i><font>, como defende a Recorrida, pois fora anteriormente suscitada no recurso para a Relação.</font>
</p><p><font>Escreveu-se no acórdão da Relação, a esse respeito, que «não foram alegados factos que integrem os pressupostos das alíneas b) e c) do mesmo normativo [nº 1 do art. 25º do Regulamento 1215/2012]».</font>
</p><p><font>Assim é, na verdade, como imediatamente se constata da leitura dos factos provados. </font>
</p><p><font>Não integrando questão de conhecimento oficioso do tribunal (exorbita ela do campo de previsão do art. 27º do Regulamento), nada há a acrescentar.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>7.2. </font><b><u><font>Da aplicabilidade do art. 7º do Regulamento (UE) 1215/2012</font></u></b><font> (conclusão 16ª da alegação da Recorrente).</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>7.2.1. Têm-se presentes as considerações gerais acima expostas sob o nº 7 (corpo do artigo).</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>7.2.2. Defende a Recorrente que, </font><b><font>à luz do disposto na alínea a), para a qual remete a alínea c), ambas do nº 1 do art. 7º do Regulamento</font></b><font>, que o tribunal que se mostra competente para conhecer da demanda é o Tribunal Judicial de Guimarães, </font><u><font>o tribunal do lugar devia ter sido cumprida a obrigação</font></u><font> – no caso, a de pagamento de quantia pecuniária.</font>
</p><p><font>Corresponde o nº 1 do art. 7º do Regulamento 1215/2012 ao nº 1 do art. 5º do Regulamento 44/2001.</font>
</p><p><b><font>A alínea c) – e a subsequente remissão para a alínea a) – só deverá ser convocada</font></b><font>, nos termos na mesma expressos, </font><b><font>«Se não se aplicar a alínea b)»</font></b><font>.</font>
</p><p><font>Foi, diversas vezes, referido na jurisprudência deste tribunal que no nº 1 do art. 7º do Regulamento 1215/2012, bem como no nº 1 do art. 5º do Regulamento 44/2001, vem consagrado um </font><b><i><font>conceito autónomo</font></i></b><b><font> de lugar do cumprimento da obrigação</font></b><font> «para as acções fundadas em contratos de compra e venda ou de prestação de serviços, identificando as obrigações que são características de um (entrega dos bens) e de outro (prestação do serviço) e relevantes para fundamentar uma conexão do contrato com um lugar que, por um lado, seja suficientemente forte para justificar a competência alternativa com aquela que cabe ao Estado do domicílio do demandado (cfr. considerando 16 do Regulamento n.º 1215/2012) e, por outro lado e por isso mesmo, suficientemente segura para permitir determinar com certeza qual é o Estado cujos tribunais são competentes para julgar qualquer pretensão resultante do mesmo contrato. A interpretação autónoma da al. b) do n.º 1 do art. 7.º do Regulamento n.º 1215/2012, tal como se entendia à luz de idêntico preceito constante do art. 5.º, n.º 1, al. b), do Regulamento n.º 44/2001, com a finalidade de identificar a obrigação característica dos contratos de compra e venda e de prestação de serviços, deve fazer-se “à luz da génese, dos objectivos e da sistemática do regulamento”. Ambos os Regulamentos se afastaram do regime definido pela Convenção de Bruxelas de 1968, relativa à competência jurisdicional e à execução de decisões em matéria civil e comercial, ao tomar como referência, quanto aos contratos de compra e venda e de prestação de serviços, já não a obrigação controvertida na acção, mas antes a obrigação característica do contrato, impondo uma definição autónoma do “lugar de cumprimento enquanto critério de conexão ao tribunal competente em matéria contratual”.» (ASTJ de 14.12.2017, com indicação de jurisprudência comunitária; no mesmo sentido, acórdãos de 5.4.2016 e de 14.10.2004).</font>
</p><p><font>Desenho normativo esse «inspirado, por um lado, pela ideia divulgada pela doutrina nacional e estrangeira de que a prestação característica do contrato de compra e venda é a do vendedor, por assumir natureza não monetária. E, por outro, pela ideia de que o foro do domicílio do sujeito passivo deve ser completado pelo estabelecimento de foros alternativos em razão do vínculo entre a jurisdição e o litígio, com vista a facilitar a boa administração da justiça. Visou-se o estabelecimento de um conceito autónomo de lugar de cumprimento da obrigação nos mais frequentes contratos, que são o de compra e venda e o de prestação de serviços, por via de um critério factual, com vista a atenuar os inconvenientes do recurso às regras de direito internacional privado do Estado do foro» (ASTJ de 14.10.2004, cit.).</font>
</p><p><font> Tem-se, pois, contrariamente ao propugnado pela Recorrente, e tal como se conclui neste anterior acórdão, que </font><b><font>a alínea b) do nº 1 do artigo 7º abrange</font></b><font> qualquer obrigação emergente do contrato de compra e venda, </font><b><font>designadamente a obrigação de pagamento da contrapartida pecuniária do contrato, aqui em causa, e não apenas a de entrega da coisa que constitui o seu objeto mediato</font></b><font>.</font>
</p><p><u><font>Improcede, igualmente quanto a este ponto, a pretensão da Recorrente</font></u>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>7.3. </font><b><u><font>Do pedido de reenvio prejudicial</font></u></b><font> (conclusão 15ª da alegação da Recorrente).</font>
</p><p><font>O mecanismo de reenvio prejudicial [art. 19º, nº 3, alínea b), do TUE; arts. 25
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1.ª Secção (Cível)
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<b><font> </font></b><font><br>
<p>
</p><p><font>Acordam, na 1ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça:</font>
</p><p><font> </font></p><div><br>
<font> I</font></div><br>
<font> 1. </font><i><font>AA</font></i><font> intentou contra o </font><i><font>Banco BB, SA</font></i><font> (CC) e o </font><i><font>DD, SA</font></i><font> (NB) a presente ação, pedindo a condenação solidária dos Réus a reembolsarem a Autora do capital de 350.00,00 €, acrescidos de juros remuneratórios e moratórios, nas parcelas por aquela discriminadas.</font>
<p><font>Em síntese, alegou que o CC violou deveres de informação e de lealdade a que estava adstrito por força da sua qualidade de intermediário financeiro e de banqueiro e, por essa razão, incorre em responsabilidade civil, e que também se comprometeu perante a Autora de que se tratava de uma aplicação de ativos financeiros mediante a aquisição de um produto com garantia no montante do capital investido, devendo, por isso assumir contratualmente o reembolso do capital investido; o Réu NB assumiu a sua intenção de reembolso aos adquirentes do papel comercial, criando na Autora a expectativa de reembolso do capital investido e que nos termos em que foi concretizada a medida de resolução a mesma enquadra-se numa </font><i><font>«cisão simples»</font></i><font> (art. 118.° do Código Comercial) e que </font><i><font>«entender-se que apenas operou a transferência dos ativos sem a transferência dos passivos e suas responsabilidades constitui uma inconstitucionalidade»</font></i><font>; ademais, em diferentes datas e em diferentes momentos, quer o 1.°, quer o 2.° Réu, assumiram a responsabilidade de pagamento perante os lesados do CC. </font>
</p><p><font>Contestou o CC, por impugnação e por exceção, quanto a esta sustentando a inutilidade da lide e requerendo a absolvição da instância, em virtude da sua liquidação judicial, cujo processo se encontra atualmente pendente no Tribunal do Comércio (veio ulteriormente, a fls. 923, juntar ofício emitido pela Secretaria do Tribunal Geral confirmando, atestando que não fora entretanto interposto recurso da deliberação do Banco Central Europeu, de 13 de Julho de 2016, que determinou a revogação da autorização do CC para o exercício da atividade de instituição de crédito).</font>
</p><p><font>O NB igualmente contestou por impugnação e por exceção, quanto a esta sustentando a sua ilegitimidade passiva, quer processual quer substantiva, em virtude das deliberações do Banco de Portugal (BP).</font>
</p><p><font>Foi fixado à ação o valor de €389.980,04.</font>
</p><p><font>Proferido despacho, a declarar extinta a instância relativamente ao CC, atualmente em liquidação, por inutilidade superveniente da lide, absolvendo-o da instância; despacho seguido de saneador, a declarar a ilegitimidade substantiva do NB, julgando a ação contra ele improcedente, absolvendo-o dos pedidos.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>2. Apelou a Autora.</font>
</p><p><font>A Relação manteve, no essencial sem diferente fundamentação, a decisão da 1ª instância (julgaria parcialmente procedente o recurso, no que respeitava à condenação da Autora no pagamento da totalidade das custas, relativamente à absolvição da instância do 1º Réu, por inutilidade superveniente da lide).</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>3. Pede revista a Autora – recurso de revista excecional, admitido nos termos da alínea b) do nº 1 do art. 672º do CPC, por acórdão de 24 de Maio último (fls. 1339/43).</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>4. Distribuído o processo, proferido despacho pelo relator, entendendo </font><b><font>dever ser restringido o âmbito de conhecimento do recurso</font></b><font>, relativamente ao conjunto de questões pela própria Recorrente enunciado – </font><i><font>(i) Da nulidade processual por dispensa de audiência prévia em violação do principio do contraditório; (ii) Da nulidade da sentença por omissão de pronúncia; (iii) Da não utilidade superveniente da lide quanto ao CC; (iv) Da ampliação </font></i><font>[aditamento]</font><i><font> da matéria de facto provada relativamente aos factos assentes nos documentos que não foram impugnados; (v) Da responsabilidade do DD S.A e da acção dever prosseguir contra ele </font></i><font>–, às 2ª, 3ª e 4ª questões, mostrando-se inadmissível o recurso quanto à 1ª questão (nºs. 8/36 das conclusões da alegação da Recorrente) e à 4ª (nºs. 73/80 das conclusões da mesma alegação), em vista do disposto, respetivamente, no art. 671º, nºs. 1, 2 e nos arts. 674º, nº 3, 682º, nº 2, todos do CPC, estes últimos, a conjugar com o art. 46º da LOSJ e mandando ouvir Recorrente e Recorridos, nos termos do nº 1 do art. 655º do CPC. </font>
</p><p><font>Notificados, nada disseram</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>5. Vistos os autos, cumpre decidir.</font>
</p><p><font> </font></p><div><br>
<font>II</font></div><br>
<font> </font>
<p><font>6. </font><u><font>Delimitação do objeto do recurso</font></u><font>.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Restringe-se o recurso, na sequência do despacho liminar do relator (</font><i><font>supra</font></i><font>, 4), ao reexame das seguintes questões, tal como suscitadas nas pertinentes conclusões da alegação da Recorrente (CPC, arts. 635º, nºs. 2 a 4 e 639º, nºs 1 e 2): (i) </font><i><u><font>Da nulidade da sentença por omissão de pronúncia</font></u></i><font> – conclusões 37/50 (ii) </font><i><u><font>Da não utilidade superveniente da lide quanto ao CC</font></u></i><font> – conclusões 51/72 e (iii) </font><i><u><font>Da responsabilidade do DD S.A e da acção dever prosseguir contra ele</font></u></i><font> – conclusões 81/89.</font>
</p><p><font>Transcrevem-se as conclusões em causa:</font>
</p><p><i><font>«(…)</font></i>
</p><p><i><font>37 - A nulidade da sentença por omissão: </font></i>
</p><p><i><font>38 - O douto acórdão recorrido considera que inexiste ausência absoluta de pronúncia na decisão proferida em primeira instância. </font></i>
</p><p><i><font>39 - Mas ela existe de facto. E continuou a existir após a decisão proferida de que se recorre. </font></i>
</p><p><i><font>40 - Entende a recorrente que este vicio não se demonstra ultrapassado porque a decisão de primeira instância e o douto acórdão de que se recorre não efectuaram a apreciação que deveria ter sido feita quanto à matéria em causa, nomeadamente quanto à invocação de violação do artigo 62°, nº 1 da Constituição da República Portuguesa. </font></i>
</p><p><i><font>41 - A referência que a douta sentença faz quanto à imposição de uma restrição ao direito de propriedade, não dá uma resposta aos argumentos que foram apresentados pela recorrente, em primeira e segunda instância, e não os afasta. </font></i>
</p><p><i><font>42 - Não há qualquer demonstração nos autos (e desconhece-se essa demonstração fora deles) que permita afirmar que, se os direitos da recorrente não fossem excluídos não seria (i) assegurada a continuidade da prestação de serviços financeiros essenciais; (ii) acautelado o risco sistémico: (iii) salvaguardado o interesse dos contribuintes e do erário público (iv) salvaguardada a confiança dos depositantes. </font></i>
</p><p><i><font>43 - O que existe na realidade, é uma remissão para os artigos que se entende devem ser aplicados para se justificar a medida de resolução e para restringir o direito de propriedade mas, nada nos autos permite afiançar quantitativa e qualitativamente que os motivos para se pugnar pela medida de resolução e o benefício que dela se pretende retirar, seja proporcional à perda da recorrente. </font></i>
</p><p><i><font> 44 - Lendo-se a totalidade do acórdão referido, de 07.03.2017, entendem os recorrentes que os argumentos ali vertidos não são suficientes para afastar os argumentos levados a apreciação pela recorrente, continuando a entender que o regime emergente dos artigos invocados para a existência da selecção dos ativos e dos passivos, na interpretação dada pelo banco de Portugal (na Sua primeira deliberação e nas subsequentes rectificações) padece de uma inconstitucionalidade material pois permitiu um confisco ou uma expropriação sem justa contrapartida, em clara violação do direito de propriedade da recorrente. </font></i>
</p><p><i><font>45 - Por outro lado, é preciso que se diga que o direito de propriedade de que a recorrente se arroga não é um direito só seu. É o direito de centenas/milhares de pessoas, pelo que quando se coloca em contraposição o direito de propriedade da recorrente com a vantagem que se pretendeu obter e se diz que o mesmo não pode sobreviver por ser um direito "inferior", a verdade é que falamos de um direito multiplicado milhares de vezes, </font></i>
</p><p><i><font>46 - E ainda que no caso concreto se possa, apenas, avaliar a situação dos recorrentes, certo é que uma mudança na posição da que até aqui vem sendo assumida pelos tribunais portugueses é possível, desde que se conceda que o direito de propriedade que foi afectado é muito mais abrangente e muito mais importante do que tem sido considerado. </font></i>
</p><p><i><font>47- O que está em causa não é apenas o interesse do recorrente, mas sim o interesse geral de uma comunidade alargada (milhares de pessoas e empresas), obrigadas a suportar um encargo especial e exorbitante como seja a expropriação total do seu direito de propriedade sem qualquer contrapartida. </font></i>
</p><p><i><font>48 - E é este interesse geral, desta comunidade de milhares de pessoas da qual a recorrente faz parte, que tem de ser contraposto ao interesse da comunidade em geral, pois quando fazemos esse exercício, concluímos que existe uma inobservância total de um justo equilíbrio que tem sido utilizado para justificar a proporcionalidade da medida tomada e sobretudo das suas consequências. </font></i>
</p><p><i><font>49 - Quando se avalia a proporcionalidade de uma restrição a um direito fundamental, avalia-se a relação entre o bem que se pretende proteger ou prosseguir com a restrição e, o bem protegido, devendo o meio escolhido para essa restrição, não ser desproporcional. E o meio escolhido é manifestamente desproporcional porque despoja a recorrente da totalidade do seu direito, Sem qualquer contrapartida e sem se demonstrar em que medida o bem que se pretende proteger seria afectado em termos quantitativos e qualitativos. </font></i>
</p><p><i><font>50 - Existindo uma restrição desproporcionada, existirá inconstitucionalidade que deverá ser declarada por este Supremo Tribunal de Justiça.</font></i>
</p><p><i><font>51 - Da inutilidade superveniente da lide quanto ao CC: </font></i>
</p><p><i><font>52 - É impensável não se aceitar que a situação dos "lesados do CC" não seja uma novidade, uma situação inesperada ou um contexto novo que não mereça um relevo jurídico tal que permita ser regulada juridicamente de forma diferente. </font></i>
</p><p><i><font>53 - Contrariamente ao que é dito no douto acórdão, uma sentença condenando o CC poderá fazer toda a diferença para efeitos de uma resolução extra judicial porquanto é sabido, publicamente, que as iniciativas extra judiciais têm feito depender a possibilidade de ressarcimento dos direitos dos lesados, da existência de direitos judicieis activos ou de sentenças favoráveis. </font></i>
</p><p><i><font>54 - Quando um Acórdão Uniformizador de Jurisprudência é proferido, o mesmo é lavrado após ponderação exaustiva, face à legislação e à jurisprudência existentes sobre o assunto. A recorrente não põe isso em causa. O que a recorrente põe em causa é se a factualidade que lhe dá lugar está ou não ajustada à realidade actual e ao caso dos autos. </font></i>
</p><p><i><font>55 - Os AUJ podem ter um carácter persuasivo ou de precedente jurisprudencial qualificado, para que os tribunais produzam decisões convergentes sobre a mesma questão de direito, em prol da segurança jurídica e garantindo uma expectativa dos cidadãos. </font></i>
</p><p><i><font>56 - A existência de razões ponderosas e consideráveis, podem justificar o desvio de interpretação das normas jurídicas em causa, e de uma eventual discordância que não tenham sido consideradas no AUJ, até mesmo pela própria situação jurídica entretanto criada e surgida no ordenamento jurídico. </font></i>
</p><p><i><font>57 - Existem diferenças relevantes e substanciais entre as situações de facto em causa (situação do AUJ e situação em discussão nos presentes autos) e os argumentos agora aduzidos pela recorrente, estando preenchido um circunstancialismo complexo onde surgem argumentos jurídicos que não foram rebatidos pelo acórdão uniformizador e bem assim, há que atender também ao período de tempo decorrido desde a prolação da decisão, conjugado com relevantes modificações no regime jurídico ou com alterações sensíveis das condições específicas constatadas no momento da aplicação e bem assim, a contrariedade insolúvel da consciência ético-jurídica do julgador em caso de adesão à jurisprudência uniformizadora. </font></i>
</p><p><i><font>58 - Estamos perante uma situação sem paralelo e sem comparação a qualquer outra no universo português, uma vez que o recorrido CC foi o primeiro banco português a ser objecto de uma medida de resolução sem que se consiga conhecer a fundo qual a repercussão desta situação a nível nacional e internacional, sem que se consigam delimitar ainda os riscos e consequências jurídicas associadas a tal decisão, sendo do conhecimento público que por conta desta situação houve a necessidade de proceder a alteração na legislação quanto à resolução dos bancos e os efeitos. </font></i>
</p><p><i><font> 59 - É inegável então que se considere a existência de especiais circunstâncias que anteriormente não tenham sido ponderadas para aplicação daquele AUJ, face à inexistência de uma situação anterior que possa ser minimamente comparável. </font></i>
</p><p><i><font>60 - Entende a Apelante que a situação jurídica em que se encontram e a própria situação jurídica do CC, é completamente nova no nosso ordenamento jurídico, é uma situação indefinida, incerta e longe de estar legalmente balizada. </font></i>
</p><p><i><font>61 - Prova demonstrativa dessa circunstância é a própria actuação do Banco de Portugal, nas sucessivas deliberações que têm sido proferidas após a resolução do CC e o seu próprio poder de retransmissão e bem assim a alteração legislativa que se entenderam ser necessárias quanto à resolução de bancos. </font></i>
</p><p><i><font>62 - Existe por isso uma nova realidade jurídica e social, que trouxe para o ordenamento jurídico português um quadro factual superveniente que permite e justifica não acatar aquela decisão uniformizadora de jurisprudência e nessa circunstância decidir pela continuidade da instância, ou, pelo menos, face a tudo o exposto, pugnar-se pela suspensão da instância, nos termos e para os efeitos do disposto no nO 1 do artigo 2720 do CPC. </font></i>
</p><p><i><font>63 - Estamos perante uma situação desigual e sem paralelo no ordenamento jurídico português, e por isso mesmo deve ser chamado à colação o disposto no artigo 13º da Constituição da República Portuguesa, que postula que se dê tratamento igual a situações de facto essencialmente iguais e tratamento desigual para situações de facto desiguais. </font></i>
</p><p><i><font> 64 - Estando-se perante um circunstancial ismo novo e complexo seja de ponderar a tese oposta àquele que obteve vencimento e que levou à prolação do AUJ. </font></i>
</p><p><i><font>65 - A recorrente desconhece se os seus créditos, reclamados no processo de insolvência serão ou não admitidos e aí reconhecidos, não existindo ainda no processo de insolvência sentença de reconhecimento e graduação de créditos. </font></i>
</p><p><i><font>66 - Está em discussão quanto ao recorrido BE5 uma obrigação e responsabilidade no pagamento à Apelante pela subscrição do papel comercial e bem assim, sem prescindir, da obrigação de indemnização decorrente da sua responsabilidade na qualidade de intermediário financeiro e pela violação dos deveres de boa intermediação financeira. </font></i>
</p><p><i><font>67 - Pode ocorrer - sem se conceder - que em virtude da responsabilidade que subsiste apurar, este crédito ali não venha a ser reconhecido e que esse direito tenha de ser judicialmente reconhecido à recorrente, através da presente acção, tendo a sentença a proferir na acção declarativa toda a utilidade, nos casos em que esta sentença seja proferida antes da sentença de verificação e graduação de créditos. </font></i>
</p><p><i><font>68 - É legítimo à recorrente ver reconhecido na presente acção os créditos que aqui reclama, sendo que caso sejam reconhecidos na presente acção tornam-se mais firmes e sólidos, vislumbrando-se uma maior dificuldade da sua impugnação no processo de insolvência. </font></i>
</p><p><i><font> 69 - Dito de outra forma, seja ou não reconhecido o crédito, ficará sujeito a impugnação, nos termos dos artigos 1300 a 1400 do CIRE, indo o tribunal verificar os créditos, depois de eventualmente impugnados, sendo certo que aquele tribunal não vai julgar cada uma das acções em que os pedidos respectivos foram formulados, pelo que as acções autónomas pendentes podem não ser inúteis podendo a sua tramitação ulterior ser até necessária para a satisfação do crédito da recorrente. </font></i>
</p><p><i><font>70 - A presente acção apenas poderá perder a sua utilidade a partir do momento em que é proferida a sentença de verificação de créditos no processo de insolvência sendo nessa altura que se reconhece e se define o direito dos credores (o que, dada a gigantesca dimensão do processo de insolvência não se prevê num futuro próximo). </font></i>
</p><p><i><font>71 - A utilidade da sentença a proferir na acção declarativa poderá alcançar objectivos mais longínquos, podendo produzir efeitos fora do processo de insolvência, até porque se desconhece o resultado que terá o recurso interposto contra o prosseguimento da liquidação judicial e porque se desconhece o resultado que terá o processo nº 2607/14.BELSB, a correr termos no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa que pugna pela decretação da anulação da medida de resolução decidida pelo Banco de Portugal relativamente ao Apelado CC e que pugna pela anulação da transferência dos activos passivos, elementos extrapatrimoniais e crivos sob gestão do Banco BB, SA para o DD, SA, considerando que todo esse acervo patrimonial seja transferido e regresse à esfera patrimonial do Banco BB, SA. </font></i>
</p><p><i><font>72 - Deve ser revogada a decisão proferida que julgou a inutilidade superveniente da lide quanto ao recorrido CC e que se manteve no douto acórdão de que se recorre e ser ordenado o prosseguimento dos autos ou a sua suspensão.</font></i>
</p><p><i><font>(…)</font></i>
</p><p><i><font> 81 - Da responsabilidade do DD, S.A. e da acção dever prosseguir contra ele: </font></i>
</p><p><i><font>82 - Não pode deixar de se considerar directamente inconstitucional, por violação grave de garantias da recorrente (provindas do principio da proporcionalidade e da protecção de confiança) a exclusão prevista no Anexo 2 da deliberação do Banco de Portugal de 03-08-2014 e subsequentes clarificações e concretizações (11-08-2014 e 29-12-2015), bem como a norma da qual emanaram tais deliberações (artigo 145°-H, nº 5 do RGIC5F), na interpretação de que aí se integra o passivo do recorrido CC, de que sejam credores clientes não institucionais em que se tenha demonstrado não só o desconhecimento pelos mesmos riscos dos produtos de investimento que subscreveram propostos pela instituição financeira CC, como o compromisso assumido por esta perante aqueles da entrega do capital. </font></i>
</p><p><i><font> 83 - Quer da argumentação proferida na sentença em primeira instância, quer da confirmação dada pelo douto tribunal de que se recorre, não ficou demonstrado em momento algum, sobretudo em termos quantitativos, em que medida, no quadro da proporcionalidade, é que o interesse na defesa do sistema financeiro e da salvaguarda da viabilidade do recorrido DD é afectado pelo crédito que os recorrentes detêm. </font></i>
</p><p><i><font>84 - Ainda que se entenda como necessária excluir a transmissão daqueles passivos, não se demonstra razoável e mais uma vez, nem sequer demonstrável em termos quantitativos e práticos, que os recorrentes tenham de sofrer uma perda total do seu capital. </font></i>
</p><p><i><font>85 - Manter-se a decisão recorrida é comprometer seriamente a confiança dos consumidores em geral e dos recorrentes em particular, a coberto de uma norma emanada do Banco de Portugal, que no âmbito do seu poder de supervisão permitiu ele próprio, a comercialização de produtos de natureza complexa para venda em mercado não regulamentado, que acabou por ser um veículo de financiamento do GES e que foi apresentado ao mercado retalhista como seguro ou de retorno garantido. </font></i>
</p><p><i><font>86 - O investimento da recorrente é afectado não só pela confiança depositada na instituição do recorrido CC mas porque existia uma supervisão efectuada pela entidade a quem cabia assegurar a disponibilidade do dinheiro da recorrente. </font></i>
</p><p><i><font>87 - Há pois que questionar se a razão que determinou a deliberação de 03- 08-2014 e as suas posteriores clarificações, justificam a perda sofrida pela recorrente e se o mesmo é demasiado onerosa quando confrontada com a hipotética vantagem que Se pretende obter. E a resposta a esta questão só pode ser negativa, porque essa vantagem será sempre ilegítima. </font></i>
</p><p><i><font> 88 - Não existe uma causa objectiva para a existência das clarificações que foram efectuadas após a deliberação de 03.08.2014. Existe sim, uma clara ingerência daquela entidade na jurisdição dos tribunais portugueses, ao não se permitir que a decisão inicial pudesse ser apreciada e julgada em termos imparciais, sem a necessidade de posteriores esclarecimentos ou clarificações. </font></i>
</p><p><i><font>89 - Deve este Supremo Tribunal de Justiça recusar a aplicação dos normativos constantes das deliberações proferidas pelo Banco de Portugal (na parte em que se considera ter ficado excluídas da transmissão para o DD o passivo do recorrido CC de que sejam credores os clientes não institucionais, em que se tenha demonstrado não só o desconhecimento pelos mesmos do ressi co dos produtos de investimento que subscreveram proposto pelo recorrido CC, assim como o compromisso assumido por este na entrega do capital acrescido dos juros, por as mesmas serem violadoras de normativos legais e constitucionais, devendo concluir pela transferência de responsabilidades do recorrido CC para o recorrido DD e nessa sequência ordenar-se o prosseguimento dos autos, devendo ser considerada a inconstitucionalidade invocada.»</font></i>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Contra-alegaram as Recorridas, no sentido da improcedência do recurso.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>7. Fixada pelas instâncias, nos seguintes termos, a matéria de facto (aí vindo transcritas as deliberações do BP em causa):</font>
</p><p><i><font>«1. A Autora subscreveu Papel Comercial da BB Internacional, nos seguintes termos: a) € 150.000,00 com a identificação ESI INTERNATIONAL 4% - código ISIN - XS0962455217, número de conta corrente 903074040008, subscritas no dia 26/08/2013, com reembolso em 29/08/2014; b) € 100.000,00 com a identificação ESI - 4% USD - código ISIN XS0985085546, número de conta corrente 903074040004, subscritas no dia 27/10/2013, com reembolso em 27/10/2014; c) € 100.000,00 (Cem mil euros) com a identificação ESI - 4% - código ISIN XS0985085462, número de conta corrente 903074040008, subscritas no dia 27/10/2013, com reembolso em 27/10/2014.</font></i>
</p><p><i><font>2. No dia 3 de agosto de 2014, o Banco de Portugal deliberou o seguinte:</font></i>
</p><p><i><font>“Ponto Um. Constituição do DD. É constituído o DD, SA, ao abrigo do n.º 5 do artigo 145.º-G do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de Dezembro, cujos Estatutos constam do Anexo 1 à presente deliberação.</font></i>
</p><p><i><font>Ponto Dois. Transferência para o DD, SA de ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão do Banco BB, SA. São transferidos para o DD, SA, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 145.º-H do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de dezembro, conjugado com o artigo 17.º A da Lei Orgânica do Banco de Portugal, os ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão do Banco BB, SA que constam dos Anexos 2 e 2 A à presente deliberação. (...)”</font></i>
</p><p><i><font>3. Por deliberação do Banco de Portugal de 11 de agosto de 2014, foi clarificado e ajustado o perímetro dos ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão do Banco BB, SA transferidos para o DD, SA, e as subalíneas (v) e (vii) da alínea (b) do Anexo 2 à deliberação de 3 de agosto passaram a ter a seguinte redacção: “(v)Quaisquer responsabilidades ou contingências, nomeadamente as decorrentes de fraude ou da violação de disposições ou determinações regulatórias, penais ou contraordenacionais; (vii)Quaisquer obrigações, garantias, responsabilidades ou contingências assumidas na comercialização, intermediação financeira e distribuição de instrumentos de dívida emitidos por entidades que integram o Grupo BB, sem prejuízo de eventuais créditos não subordinados resultantes de estipulações contratuais anteriores a 30 de junho de 2014, documentalmente comprovadas nos arquivos do CC, em termos que permitam o controlo e fiscalização das decisões tomadas.”;</font></i>
</p><p><i><font>4. No dia 29 de dezembro de 2015, em sessão ordinária do Conselho de Administração do Banco de Portugal, foi adotada a seguinte deliberação (deliberação “Contingências”) relativa ao ponto da agenda "Clarificação e Retransmissão de Responsabilidades e Contingências definidas como passivos excluídos nas subalíneas (v) a (vii) da alínea b) do Anexo 23 à Deliberação do Banco de Portugal de 3 de agosto de 2014 (20 horas), na redacção que lhe foi dada pela deliberação do Banco de Portugal de 11 de agosto de 2014 (17 horas)”:</font></i>
</p><p><i><font>“DELIBERAÇÃO</font></i>
</p><p><i><font>Nos termos do n.º 1 do artigo 146.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-Lei n.2 298/92, de 31 de dezembro (RGICSF), a presente deliberação é considerada urgente e para efeitos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 124.º do Código de Procedimento Administrativo, não havendo lugar a audiência prévia dos interessados.</font></i>
</p><p><i><font>Enquadramento</font></i>
</p><p><i><font>1. A deliberação do Banco de Portugal de 3 de agosto de 2014 (20:00 horas), com as clarificações e ajustamentos introduzidos pela deliberação de 11 de agosto de 2014 (17:00 horas) — doravante a "Deliberação de 3 de agosto", para efeitos dos considerandos seguintes — que determinou a constituição do DD, SA ("DD"), determinou igualmente a transferência de um conjunto de ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão do Banco BB, SA ("Banco BB" ou "CC") para o DD, descritos no Anexo 2 da mesma deliberação de 3 de agosto.</font></i>
</p><p><i><font>2. O RGICSF estabelece, em conformidade com a legislação europeia na matéria, que os accionistas e credores da instituição objecto de resolução devem assumir os prejuízos da referida instituição.</font></i>
</p><p><i><font>3. Um dos princípios do RGICSF impõe que os recursos do Fundo de Resolução não sejam utilizados para assumir directamente os prejuízos da instituição de crédito objecto de resolução.</font></i>
</p><p><i><font>4. O Banco de Portugal dispõe de um poder legalmente conferido que pode ser exercido a todo o tempo antes da revogação da autorização do CC para o exercício da actividade ou da venda do DD, para determinar transferências adicionais de ativos e passivos entre o DD e o CC (o "Poder de Retransmissão"). O poder de retransmissão encontra-se previsto no capítulo III (Resolução) do Título VIII do RGICSF, tendo ficado expressamente estabelecido no número 2 do Anexo 2 da Deliberação de 3 de agosto.</font></i>
</p><p><i><font>Fundamentos para a clarificação e para o exercício do poder de retransmissão</font></i>
</p><p><i><font>5. A versão original da deliberação de 3 de agosto, publicada em 3 de agosto de 2014, dispunha o seguinte na alínea (b) do n.º 1 do Anexo 2: “As responsabilidades do CC perante terceiros que constituam passivos ou elementos extrapatrimoniais serão integralmente transferidas para o DD, SA com exceção das seguintes (Passivos Excluídos): (…) (i) Quaisquer responsabilidades ou contingências decorrentes de dolo, fraude e violação de disposições regulatórias, penais ou contra-ordenacionais.".</font></i>
</p><p><i><font>6. A versão alterada da deliberação de 3 de agosto, publicada em 11 de agosto de 2014, dispunha o seguinte na alínea (b) do n.º 1 do Anexo 2: "As responsabilidades do CC perante terceiros, que constituam passivos ou elementos extrapatrimoniais, serão integralmente transferidas para o DD, SA com exceção das seguintes (Passivos Excluídos): (v) Quaisquer responsabilidades ou contingências, nomeadamente as decorrentes de fraude ou violação de disposições ou determinações regulatórias, penais ou contraordenacionais."</font></i>
</p><p><i><font>7. O Banco de Portugal considerou ser proporcional e de interesse público não transferir para o banco de transição as responsabilidades contingentes ou desconhecidas do CC (incluindo responsabilidades litigiosas relativas ao contencioso pendente e responsabilidades ou contingências decorrentes de fraude ou da violação de disposições ou determinações regulatórias, penais ou contraordenacionais), independentemente de se encontrarem, ou não, registadas na contabilidade do CC nos termos da subalínea (v) a (vii) da alínea (b) do n.º 1 do Anexo 2 da Deliberação de 3 de agosto, uma vez que a certeza relativamente às responsabilidades do banco de transição é essencial para garantir a continuidade das funções críticas desempenhadas pelo DD e que anteriormente tinham sido desempenhadas pelo CC.</font></i>
</p><p><i><font>8. A legitimidade processual do CC tem vindo a ser questionada ou enjeitada em processos judiciais em que este é parte, com base na alegada transferência para o DD das responsabilidades que se discutem naqueles processos, em que o CC era Réu a 3 de agosto e que respeitem a factos anteriores à aplicação da medida de resolução ao CC e por efeito da aplicação desta.</font></i>
</p><p><i><font>9. Importa clarificar que o Banco de Portugal, enquanto autoridade pública de resolução, decidiu e considera que todas as responsabilidades contingentes e desconhecidas do CC (incluindo responsabilidades litigiosas relativas ao contenciosos pendente e responsabilidades ou contingências decorrentes de fraude ou da violação de disposições ou determinações regulatórias, penais ou contra-ordenacionais), independentemente de se encontrarem, ou não, registadas na contabilidade do CC, estão abrangidas pelas subalíneas (v) a (vii) da alínea (b) do n.º 1 do Anexo 2 da Deliberação, não tendo sido, portanto, transferidas para o DD.</font></i>
</p><p><i><font>10. Alguns tribunais solicitaram ao Banco de Portugal que este lhes comunicasse o seu entendimento, enquanto entidade de resolução, sobre a não transferência de responsabilidades e contingências do CC para o DD, ao abrigo das subalíneas (v) a (vii) da alínea (b) do n.º 1 do Anexo 2 da deliberação de 3 de agosto.</font></i>
</p><p><i><font>11. Esses pedidos não foram efectuados na maior parte dos processos pendentes em tribunal que se relacionam com responsabilidades ou contingências não transferidas para o DD.</font></i>
</p><p><i><font>12. Se o número de processos pendentes nos tribunais judiciais e a diferente orientação nas decisões até hoje emanadas conduzirem a que, de modo significativo, não venha a ser reconhecida adequadamente a selecção efetuada pelo Banco de Portugal (enquanto autoridade pública de resolução) dos ativos, passivos e elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão transferidos do CC para o DD (decisão sobre o «perímetro de transferência»), pode ficar comprometida a execução e a eficácia de resolução aplicada ao CC, a qual, entre outros critérios, se baseou num critério de certeza quanto ao perímetro de transferência.</font></i>
</p><p><i><font>13. Foi esse critério de certeza que permitiu calcular as necessidades de capital da instituição de transição, o DD, e foi com base nesse cálculo q
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DjKXu4YBgYBz1XKvkyAf
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1.ª Secção (Cível)
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<b><font> </font></b><font>
<p><font>ACORDAM OS JUÍZES QUE CONSTITUEM O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA</font><a><u><sup><font>[1]</font></sup></u></a><font>:</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>“AA”, P. O ..., ..., Charlestown, Federação de BB e CC instaurou a presente acção especial de revisão de decisão arbitral estrangeira contra “DD, Lda.”, com sede na EN nº ..., ..., ..., Trofa, pedindo que, na sua procedência, seja reconhecida a decisão arbitral proferida, em 21 de novembro de 2011, pelo Tribunal de Arbitragem da Câmara Conjunta de Consultoria da cidade de Moscovo, Rússia, para todos os efeitos e, em especial, para que possa ter eficácia e ser executada em Portugal.</font>
</p><p><font>A requerente alega, em síntese, para fundamentar a sua pretensão, que, a 27 de janeiro de 2011, celebrou com a requerida um contrato de fornecimento de lajes de granito, mas submetendo qualquer litígio, cuja resolução amigável não fosse possível, ao Instituto de Arbitragem de Consultoria Unida, na Cidade de Moscovo, e, nesse enquadramento, foi proferida, a 21 de novembro de 2011, após contraditório da requerida, decisão arbitral que a condenou no pagamento da quantia de USD 89.285,64, na sequência do pedido de rescisão do contrato celebrado a 27 de janeiro de 2011, formulado pela requerente, com fundamento em incumprimento da requerida, com vista a obter a restituição do adiantamento que havia entregue a esta, no aludido montante de USD 89.285,64.</font>
</p><p><font>Efectuada a citação, a requerida apresentou contestação, excepcionando a incompetência absoluta do Tribunal da Relação, em razão da hierarquia, defendendo a competência do tribunal de primeira instância, situado na área da sua sede, invocando ainda a ineficácia do contrato celebrado a 27 de janeiro de 2011, em virtude de não ter sido outorgado por pessoa com poderes para a vincular, e impugnou muita da factualidade articulada pela requerente, concluindo pela sua absolvição da instância, por incompetência absoluta do Tribunal da Relação, e, caso, assim, se não entenda, pela sua absolvição do pedido.</font>
</p><p><font>Na resposta, a requerente sustenta a improcedência da excepção dilatória invocada pela requerida, alegando que esta não invocou factos passíveis de obstar à revisão, por si peticionada, e ainda que, de todo o modo, a requerida está a agir com abuso de direito, criou uma aparência de representação, tendo recebido o preço acordado no contrato, e que o regime da ineficácia do contrato só é aplicável quando a outra parte conhecia ou devia conhecer o abuso, concluindo, assim, pela procedência da acção.</font>
</p><p><font>Nas alegações, a que se reporta o artigo 1099º, nº 1, do Código de Processo Civil, o Exº Procurador Geral Adjunto pronunciou-se pela competência absoluta deste tribunal para a presente revisão e pela inexistência de qualquer obstáculo ao reconhecimento da sentença arbitral, enquanto que a requerente e a requerida reiteraram os argumentos já esgrimidos, na fase dos articulados, pugnando esta pela incompetência absoluta da Relação, ou, caso, assim, se não entenda, pela sua absolvição do pedido, enquanto que a requerente sustenta a inverificação de qualquer obstáculo à revisão por si peticionada.</font>
</p><p><font>No dispositivo do acórdão do Tribunal da Relação do Porto decidiu-se julgar, procedente por provada, a presente acção especial de revisão e confirmação de sentença arbitral estrangeira, instaurada por “AA” contra “DD, Lda.”, e, em consequência, decidiu-se rever e confirmar a sentença arbitral, proferida a 21 de novembro de 2011, no Tribunal de Arbitragem da Câmara Conjunta de Consultoria, na cidade de Moscovo, Rússia, já transitada em julgado, que condenou a requerida a pagar à requerente a quantia de USD 89.285,64, e que essa decisão passará a ter eficácia na ordem jurídica portuguesa.</font><br>
<font>Deste acórdão, a requerida interpôs recurso de revista, terminando as alegações com o pedido da sua revogação, decidindo-se no sentido constante das conclusões, com negação da revisão e confirmação da sentença arbitral estrangeira, formulando as seguintes conclusões, que, integralmente, se transcrevem:</font><br>
<font>1ª – Foi sido fixado o valor de 119.017,16 euros à causa no acórdão do Tribunal a quo.</font><br>
<font>2ª - Este valor resulta de lapso</font><b><font> </font></b><font>no câmbio entre o valor de 89.285,64 USD e a cotação do dólar do EUA e do Euro na data da propositura da presente acção.</font><br>
<font>3ª - Em 23 de Janeiro de 2013, o câmbio do dólar do EUA face ao Euro, era de 0,75135,</font><br>
<font>4ª - o valor correcto é de €67.084,76, porquanto o câmbio de 89.284,64 dólares convertidos em Euros reflecte este valor, devendo ser corrigido o acórdão.</font>
</p><p><font>Do Recurso</font>
</p><p><b><font> </font></b><font>5ª - A ora Recorrente, não concorda, e não pode concordar, com o douto Acórdão de fls. 184 e segs, que julgou procedente por provada a acção especial de revisão e confirmação de sentença arbitral estrangeira, nos termos dos articulados constantes do processo, conforme se irá demonstrar.</font>
</p><p><font> Da incompetência em razão de hierarquia do Tribunal da Relação para conhecer a acção especial de revisão estrangeira.</font>
</p><p><font> 6ª - Tratando-se de uma acção de verificação e confirmação de sentença arbitral</font><b><font>, </font></b><font>o Tribunal competente é o de Primeira Instância, nos termos dos artigos 18 a 26 do presente recurso.</font>
</p><p><font>Da ineficácia relativa à ora recorrente do contrato celebrado a 27 de Janeiro de 2011 que fundamentou a pretensão.</font>
</p><p><font>7ª - Alega a Requerente que esta e a Recorrente celebraram em 27-01-2011 um contrato de fornecimento de bens,</font>
</p><p><font>8ª - e que ao abrigo do mesmo contrato decidiram submeter qualquer litígio, cuja resolução amigável não fosse possível, ao Instituto de Arbitragem da Câmara de Consultoria Unida, na Cidade de Moscovo</font><i><font>.</font></i>
</p><p><font>9ª - a Autora assentou o seu pedido no pressuposto errado, e o Tribunal a quo não se pronunciou quanto ao mesmo, que a Recorrente celebrou o contrato cujo clausulado foi junto como Doc. 1 e, como tal, na assunção, igualmente errada, de que a Recorrente aceitou a competência do Instituto de Arbitragem da Câmara de Consultoria Unida, na Cidade de Moscovo.</font>
</p><p><font>10ª -</font><i><font> </font></i><font>A Recorrente não era parte no contrato e, como consequência, não aceitou submeter qualquer litigio ao Instituto de Arbitragem da Câmara de Consultoria Unida, na Cidade de Moscovo, pelo que</font>
</p><p><font>11ª</font><i><font> -</font></i><font> não pode a recorrente ser vinculada pela decisão arbitral cujo reconhecimento ora é requerido.</font>
</p><p><font>12ª - A Recorrente vincula-se, com a assinatura de um gerente, o que não aconteceu, motivo pelo qual não poderá a Recorrente ser responsabilidade por qualquer efeito que do dito contrato possa resultar.</font>
</p><p><font>13ª - A consequência da representação sem poderes, é a de ineficácia</font><b><font> </font></b><font>em relação à pessoa em nome de quem o negócio é celebrado, a menos que por ela seja ratificado, nos termos do n.° 1 do art. 268.°, do CC. </font>
</p><p><font>14ª - A recorrente não celebrou, assinou ou ratificou o aludido contrato com a Autora,</font>
</p><p><font>15ª - O contrato, datado de 27-01-2011, foi sido assinado pelo Senhor EE, o qual não vincula, nem à data vinculava, a sociedade aqui recorrente.</font>
</p><p><font>16ª - Não pode o contrato em causa produzir efeitos em relação à Recorrente, </font>
</p><p><font>17ª - não pode esta decisão arbitral proferida pelo Tribunal Arbitral ser verificada e reconhecida porquanto foi proferida em absoluta falência de competência.</font>
</p><p><font>18ª - Para que qualquer litígio possa ser dirimido por árbitros, torna-se obrigatório e indispensável um prévio e válido compromisso arbitral entre as partes, de forma escrita e assinada por ambas as partes.</font>
</p><p><font>19ª - Não existindo contrato assinado por ambas as partes, não pode concluir-se no sentido da validade de qualquer cláusula desse contrato e, consequentemente, a sentença do tribunal arbitral não pode obter confirmação em Portugal.</font>
</p><p><font>20ª - Todo o pressuposto do artigo V da Convenção de Nova Iorque de 10 de Junho de 1958 baseia-se na existência de um contrato celebrado entre as partes.</font>
</p><p><font>21ª - face à inexistência de contrato que vincule a recorrente, por maioria de razão, a sentença que condenou a parte não pode ser reconhecida em Portugal.</font>
</p><p><font>22ª - analisando as alíneas da convenção verificamos que na alínea c) é expresso que se a sentença disser respeito a um litígio que não foi objecto de convenção não pode a mesma ser reconhecida, ou mesmo a alínea d) De que a constituição do tribunal arbitral ou o processo de arbitragem não estava em conformidade com a convenção das Partes, também não pode ser reconhecida a sentença.</font>
</p><p><font>23ª - todos os factos invocados e provados documentalmente resultam que a sentença diz respeito a um litígio que não foi convencionado pelas partes.</font>
</p><p><font>24ª - Não pode a ordem jurídica portuguesa reconhecer uma sentença que foi provocada por uma competência resultante de um contrato que uma empresa Portuguesa não assinou, sendo este um caso de possibilidade de recusa de reconhecimento de sentença estrangeira.</font>
</p><p><font>25ª - a reserva de ordem pública internacional do Estado Português tem lugar quando o resultado da aplicação do direito estrangeiro contrarie ou abale os princípios fundamentais da ordem jurídica interna, pondo em causa interesses da maior dignidade e transcendência, sendo, por isso, de molde a chocar a consciência e a provocar uma exclamação.</font>
</p><p><font>26ª - A revisão e confirmação da sentença estrangeira proferida pelo Tribunal Arbitral da Câmara Conjunta de Consultoria, aqui sob discussão, choca a consciência e provoca uma exclamação, sendo manifestamente incompatível com os princípios da ordem pública internacional do Estado Português.</font>
</p><p><font>27ª - deve ser negada a sua revisão e confirmação, uma vez que o que está aqui em causa são, não apenas os princípios mas os princípios fundamentais da ordem jurídica portuguesa, "que de tão decisivos que são, não podem ceder,</font><b><font> </font></b><font>nem sequer nas relações jurídico-privadas plurilocalizadas (...)." (MARQUES DOS SANTOS, opus cit, p. 139).</font>
</p><p><font>28ª - O acórdão recorrido fez uma errada interpretação do artigo V da Convenção de Nova Iorque de 10 de Junho de 1958 e do artigo</font><i><font> </font></i><font>1096.° do CPC.</font>
</p><p><font>A requerente não apresentou contra-alegações.</font>
</p><p><font>O Tribunal da Relação entendeu que se devem considerar demonstrados os seguintes factos, que este Supremo Tribunal de Justiça aceita, nos termos das disposições combinadas dos artigos 722º, nº 3 e 729º, nº 2, do Código de Processo Civil (CPC), mas reproduz:</font>
</p><p><font>1. “AA” deu início a um processo de arbitragem, junto do Tribunal de Arbitragem em Moscovo, com o número 00-031-11, no qual solicitou a rescisão do contrato nº 27/01/2011, a recuperação da soma pré-paga à “DD, Lda.”, no valor de USD 89.285,64, e o pagamento dos juros referentes ao aproveitamento de recursos alheios, com base na taxa de refinanciamento do Banco Central da Federação Russa (8,5 %).</font>
</p><p><font>2. Após a apresentação da petição, “DD, Lda.”, foi citada no mencionado processo arbitral, tendo apresentado oposição.</font>
</p><p><font>3. A audiência de julgamento veio, então, a realizar-se, em 21 de novembro de 2011, no Tribunal Arbitral, em Moscovo, inclusivamente, com a presença de um representante de “DD, Lda.”, tendo aí sido suscitada a questão da nulidade do contrato, por não ter sido assinado por uma pessoa autorizada, defesa que foi julgada improcedente, por ter sido deduzida, intempestivamente.</font>
</p><p><font>4. Feita a apreciação da prova, foi proferida, em 21 de novembro de 2011, a decisão arbitral, já transitada em julgado, que condenou “DD, Lda.” a pagar a “AA”, a quantia de USD 89.285,64 (oitenta e nove mil duzentos e oitenta e cinco dólares e sessenta e quatro cêntimos norte-americanos).</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> *</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Tudo visto e analisado, ponderadas as provas existentes, atento o Direito aplicável, cumpre, finalmente, decidir.</font>
</p><p><font>As questões a decidir, na presente revista, em função das quais se fixa o objecto do recurso, considerando que o «thema decidendum» do mesmo é estabelecido pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, com base no preceituado pelas disposições conjugadas dos artigos 660º, nº 2, 661º, 664º, 684º, nº 3, 685º- A e 726º, todos do CPC, são as seguintes:</font>
</p><p><font>I – A questão da competência, em razão da hierarquia, do Tribunal da Relação para conhecer do objeto da presente acção especial de revisão de decisão arbitral estrangeira.</font>
</p><p><font>II – A questão da invocabilidade, relativamente à ré, da ineficácia do contrato que fundamentou a pretensão reconhecida na decisão arbitral revidenda.</font>
</p><p><font> I. DA COMPETÊNCIA, EM RAZÃO DA HIERARQUIA, PARA O CONHECIMENTO DO OBJETO DA REVISÃO DA DECISÃO ARBITRAL ESTRANGERA</font>
</p><p><font>Defende a requerida a incompetência, em razão de hierarquia, do Tribunal da Relação para conhecer do objeto da acção especial de revisão estrangeira, pois que, tratando-se de uma acção de verificação e confirmação de sentença arbitral,</font><b><font> </font></b><font>o Tribunal competente é o de Primeira Instância.</font>
</p><p><font>A decisão arbitral estrangeira é um decisão externa oriunda de uma ordem não estadual que, à luz do Direito Internacional Privado de um determinado Estado, apresenta conexão com uma ordem jurídica externa, carecendo de ser reconhecida, na ordem jurídica interna, para produzir o mesmo efeito de caso julgado de uma decisão nacional e revestir eficácia executiva</font><a><u><sup><font>[2]</font></sup></u></a><font>.</font>
</p><p><font>Dispunha o artigo 1094º, do CPC, no seu nº 1</font><a><u><sup><font>[3]</font></sup></u></a><font>, que “sem prejuízo do que se ache estabelecido em tratados, convenções, regulamentos da União Europeia e leis especiais, nenhuma decisão sobre direitos privados, proferida por tribunal estrangeiro, tem eficácia em Portugal, seja qual for a nacionalidade das partes, sem estar revista e confirmada”.</font>
</p><p><font>Entretanto, todas as versões antecedentes deste artigo 1094º, nº 1, do CPC, quer a resultante do DL nº 38/03, de 8 de março, quer a da sua redação inicial de 1961, falavam, indistintamente, em que “…, nenhuma decisão sobre direitos privados, proferida por tribunal estrangeiro ou por árbitros no estrangeiro, tem eficácia em Portugal, seja qual for a nacionalidade das partes, sem estar revista e confirmada”.</font>
</p><p><font>Porém, o texto supramencionado do normativo legal em análise, oriundo da Lei nº 63/2011, de 14 de Dezembro, aplicável ao caso «sub judice», afastou, expressamente e, pela primeira vez, a referência à “decisão sobre direitos privados, proferida</font><b><font> </font></b><font>por árbitros no estrangeiro”, sendo certo que o artigo 978º, nº 1, do Novo Código de Processo Civil, manteve a mesma redação, limitando, assim, a necessidade de revisão e confirmação, pelo Tribunal da Relação, como seu requisito de eficácia, aos casos de “decisão sobre direitos privados, proferida por tribunal estrangeiro”, e não já quando a decisão seja proferida por árbitros no estrangeiro.</font>
</p><p><font>Preceitua ainda o artigo 1º, da Convenção Sobre o Reconhecimento e a Execução de Sentenças Arbitrais Estrangeiras</font><a><u><sup><font>[4]</font></sup></u></a><font>, no seu nº 1, que “a presente Convenção aplica-se ao reconhecimento e à execução das sentenças arbitrais proferidas no território de um Estado que não aquele em que são pedidos o reconhecimento e a execução das sentenças e resultantes de litígios entre pessoas singulares ou colectivas. Aplica-se também às sentenças arbitrais que não forem consideradas sentenças nacionais no Estado em que são pedidos o seu reconhecimento e execução”, entendendo-se por sentenças arbitrais, segundo o respetivo nº 2, “não apenas as sentenças proferidas por árbitros nomeados para determinados casos, mas também as que forem proferidas por órgãos de arbitragem permanentes aos quais as Partes se submeteram”.</font>
</p><p><font>Está-se em presença de um conjunto de normas de direito internacional particular convencional que, uma vez, regularmente, ratificadas ou aprovadas, vigoram na ordem interna, após a sua publicação oficial e enquanto vincularem, internacionalmente, o Estado Português, atento o estipulado pelo artigo 8º, nº 2, da Constituição da República, sendo recebidas, automaticamente, no ordenamento jurídico nacional, numa posição mais elevada e de prevalência em relação às normas provenientes de órgãos legislativos nacionais comuns</font><a><u><sup><font>[5]</font></sup></u></a><font>.</font>
</p><p><font>Deste modo, a Convenção Sobre o Reconhecimento e a Execução de Sentenças Arbitrais Estrangeiras aplica-se às sentenças arbitrais, ou seja, às decisões provenientes de juízes de tribunais não estaduais, quer se trate de árbitros nomeados pelas partes, «ad hoc», quer de árbitros integrados em órgãos de arbitragem permanente, a que a lei reconhece efeito de caso julgado e força executiva igual à de uma sentença proferida por um tribunal da ordem estadual.</font>
</p><p><font>É que a arbitragem desdobra-se num sistema híbrido que implica uma relação cooperativa entre os tribunais estatais e os tribunais arbitrais, importando uma demarcação de fronteiras entre ambos, com apelo ao princípio do «good fences make good neighbours»</font><a><u><sup><font>[6]</font></sup></u></a><font>.</font>
</p><p><font>Com vista a aferir a competência do tribunal, em razão da hierarquia, para efeitos de revisão, reconhecimento e confirmação de sentença estrangeira, é relevante a qualidade da entidade donde provém.</font>
</p><p><font>Dispõe, assim, o artigo 66º, e), da Nova Lei da Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais (Lei nº 52/2008, de 28 de Agosto), que “compete às secções [da Relação], segundo a sua especialização, julgar os processos de revisão e confirmação de sentença estrangeira, sem prejuízo da competência legalmente atribuída a outros tribunais;”.</font>
</p><p><font>Por seu turno, estipula o artigo 3º, da Convenção Sobre o Reconhecimento e a Execução de Sentenças Arbitrais Estrangeiras, que “cada um dos Estados Contratantes reconhecerá a autoridade de uma sentença arbitral e concederá a execução da mesma nos termos das regras de processo adoptadas no território em que a sentença for invocada, nas condições estabelecidas nos artigos seguintes. Para o reconhecimento ou execução das sentenças arbitrais às quais se aplica a presente Convenção, não serão aplicadas quaisquer condições sensivelmente mais rigorosas, nem custas sensivelmente mais elevadas, do que aquelas que são aplicadas para o reconhecimento ou a execução das sentenças arbitrais nacionais”.</font>
</p><p><font>Com efeito, o normativo legal, acabado de transcrever, ao falar que “…Para o reconhecimento ou execução das sentenças arbitrais às quais se aplica a presente Convenção, não serão aplicadas quaisquer condições sensivelmente mais rigorosas, nem custas sensivelmente mais elevadas, do que aquelas que são aplicadas para o reconhecimento ou a execução das sentenças arbitrais nacionais”, não convoca a aplicabilidade da Lei nº 31/86, de 29 de Agosto, sendo certo, outrossim, que o respetivo artigo 37º, referente ao seu «âmbito de aplicação no espaço», dispõe que “o presente diploma aplica-se às arbitragens que tenham lugar em território nacional”, o que não acontece, no caso em apreço, porquanto se está perante uma decisão de arbitragem proferida por um Tribunal Russo.</font>
</p><p><font>Não é, por outro lado, de aplicar o regime contido na Nova Lei de Arbitragem Voluntária (Lei nº 63/2011, de 14 de Dezembro), porquanto a mesma entrou em vigor três meses após a data da sua publicação, atento o disposto pelo seu artigo 6º, enquanto que, por seu turno, o presente processo teve o seu início antes de 21 de novembro de 2011, data em que ocorreu a audiência de julgamento, não tendo ambas as partes acordado ou uma delas formulado proposta no sentido da aplicação do novo regime, sem oposição da outra, de acordo com o disposto pelo artigo 4º, nºs 1 e 2, da mesma lei.</font>
</p><p><font>Efetivamente, o que releva, para efeitos de determinação do tribunal competente, em razão da hierarquia, para proceder à revisão, reconhecimento e confirmação da sentença arbitral estrangeira, não é a data da propositura do processo especial de revisão, mas antes a data do inicio do correspondente processo arbitral. </font>
</p><p><font>Assim sendo, após a alteração introduzida ao artigo 1094º, nº 1, do CPC, pela Lei nº 63/2011, de 14 de Dezembro, tratando-se de uma sentença judicial oriunda de um tribunal estadual estrangeiro, a competência, em razão da hierarquia, para proceder à sua revisão, pertence ao Tribunal da Relação, enquanto que, na hipótese de sentença arbitral, emanada de árbitros ou de órgãos de arbitragem permanente estrangeiros, essa competência caberá ao tribunal de 1ª instância.</font>
</p><p><font>É este, aliás, o regime do reconhecimento das decisões, em matéria civil e comercial, fixado pelo Regulamento (CE) nº 44/2001, do Conselho, de 22 de dezembro de 2000, em vigor desde 1 de março de 2002, que substituiu entre os Estados-Membros a Convenção de Bruxelas</font><a><u><sup><font>[7]</font></sup></u></a><font>, de 27 de setembro de 1968 e a Convenção de Logano, de 19 de setembro de 1988, entre os Estados da Comunidade Europeia e da Associação Europeia do Comércio Livre.</font>
</p><p><font>Como assim, a competência absoluta, em razão da hierarquia, para a revisão, reconhecimento e confirmação da sentença arbitral proferida pelo Tribunal de Arbitragem da Câmara Conjunta de Consultoria, na cidade de Moscovo, Rússia, cabe, não ao Tribunal da Relação, mas antes ao Tribunal Judicial de 1ª instância.</font>
</p><p><font>Procede, assim, embora com fundamentação diversa, a primeira parte das conclusões da revista da requerida, quanto à matéria da competência do tribunal, em razão da hierarquia, para o conhecimento da causa, com o consequente prejuízo da apreciação da segunda questão suscitada pela mesma parte, sobre a invocabilidade da ineficácia, relativamente à ré, do contrato celebrado a 27 de janeiro de 2011, que fundamentou a pretensão reconhecida na decisão arbitral revidenda, atento o disposto pelo artigo 660º, nº 2, do CPC, aplicável.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>CONCLUSÕES:</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>I - A redação do artigo 1094º, nº 1, do CPC, oriunda da Lei nº 63/2011, de 14 de Dezembro, afastou, expressamente, e, pela primeira vez, a referência à “decisão sobre direitos privados, proferida</font><b><font> </font></b><font>por árbitros no estrangeiro”, sendo certo que o artigo 978º, nº 1, do Novo Código de Processo Civil, manteve o mesmo texto, limitando, assim, a necessidade de revisão e confirmação, pelo Tribunal da Relação, como requisito de eficácia, aos casos de “decisão sobre direitos privados, proferida por tribunal estrangeiro”, e não já quando a decisão seja proferida por árbitros no estrangeiro.</font>
</p><p><font>II – Para a determinação do tribunal competente, em razão da hierarquia, para proceder à revisão, reconhecimento e confirmação da sentença arbitral estrangeira, releva não a data da propositura do processo especial de revisão, mas antes a data do início do correspondente processo arbitral.</font>
</p><p><font>III - Após a alteração introduzida ao artigo 1094º, nº 1, do CPC, pela Lei nº 63/2011, de 14 de Dezembro, tratando-se de uma sentença judicial oriunda de um tribunal estadual, a competência, em razão da hierarquia, para proceder à sua revisão, pertence ao Tribunal da Relação, enquanto que, na hipótese de sentença arbitral, emanada de árbitros ou de órgãos de arbitragem permanente, essa competência cabe ao tribunal de 1ª instância.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>DECISÃO</font><a><u><sup><font>[8]</font></sup></u></a><font>:</font>
</p><p><font> </font><br>
<font>Por tudo quanto exposto ficou, acordam os Juízes que constituem a 1ª secção cível do Supremo Tribunal de Justiça, em conceder a revista, e, em consequência, julgam procedente a exceção dilatória da incompetência, em razão da hierarquia, do Tribunal da Relação do Porto, declarando competente, em razão da hierarquia, para proceder à revisão, reconhecimento e confirmação da sentença arbitral estrangeira a que se reportam os autos, o tribunal de 1ª instância, absolvendo a requerida “DD, Lda” da instância, nos termos do preceituado pelos artigos 101º, 493º, nºs 1 e 2, 494º, a) e 495º, todos do CPC, revogando, assim, nesta parte, o acórdão recorrido, e declarando prejudicada a apreciação da questão sobre a invocabilidade da ineficácia, relativamente à ré, do contrato celebrado a 27 de janeiro de 2011, que fundamentou a pretensão reconhecida na decisão arbitral revidenda.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> *</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Custas da revista, a cargo da requerente “AA”, fixando-se o valor tributário da causa em €67.084,76 (89.285,64 USD x 0,75135 – cotação do dólar do EUA, na data da propositura da presente acção), assim se conhecendo, neste momento, a questão prévia suscitada pela requerida.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> *</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Notifique.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Lisboa, 25 de Fevereiro de 2014</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Helder Roque (Relator)</font>
</p><p><font>Gregório Silva Jesus</font>
</p><p><font>Martins de Sousa</font>
</p><p><font> </font>
</p></font><p><font><font>_______________________</font><br>
<a><u><sup><font>[1]</font></sup></u></a><font> Relator: Helder Roque; 1º Adjunto: Conselheiro Gregório Silva Jesus; 2º Adjunto: Conselheiro Martins de Sousa.</font><br>
<a><u><sup><font>[2]</font></sup></u></a><font> Luís de Lima Pinheiro, Arbitragem Transnacional, A Determinação do Estatuto da Arbitragem, Almedina, 2005, 283 e seguintes. </font><br>
<a><u><sup><font>[3]</font></sup></u></a><font> Na redação dada pelo artigo 2º, da Lei nº 63/2011, de 14-12-2011, que modificou a Lei da Arbitragem Voluntária.</font><br>
<a><u><sup><font>[4]</font></sup></u></a><font> Convenção celebrada em 10-6-1958, em Nova Yorque, relativamente à qual Portugal formulou a sua adesão, através do depósito do respetivo instrumento, em 18-10-1994, no seguimento da sua aprovação para ratificação, efetuada através da Resolução da Assembleia da República nº 37/94, de 8 de Julho, tendo entrado em vigor, no nosso país, em 16 de Janeiro de 1995.</font><br>
<a><u><sup><font>[5]</font></sup></u></a><font> Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 6ª edição, 815 a 817; Afonso Queiró, RLJ, Ano 120º, 78 e 79; Rui Moura Ramos, RLJ, Ano 130º, 202 e 234.</font><br>
<a><u><sup><font>[6]</font></sup></u></a><font> Gary B. Born, http//lawMissouri.edu/csds/symposium/2011</font><br>
<a><u><sup><font>[7]</font></sup></u></a><font> O Acórdão do Tribunal de Justiça de 25 de julho de 1991, Processo nº C-190/89, caso Marc Rich, exclui as sentenças arbitrais do âmbito de aplicação da Convenção de Bruxelas de 1968, in Jornal Oficial das Comunidades Europeias, nº C 220/5, de 23.8.91.</font><br>
<a><u><sup><font>[8]</font></sup></u></a><font> Relator: Helder Roque; 1º Adjunto: Conselheiro Gregório Silva Jesus; 2º Adjunto: Conselheiro Martins de Sousa.<br>
</font></font></p>
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1.ª Secção (Cível)
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<b><font> </font></b><font><b><font> </font></b><div><br>
<b><font> </font></b></div><br>
<b><font> Recurso de Revista nº 5808/09.9TVLSB.L1.S1</font></b><a><b><u><font>[1]</font></u></b></a><div><br>
<font> </font></div><br>
<font> Acordam no Supremo Tribunal de Justiça</font><div><br>
<font> </font>
<p><font> </font></p></div><br>
<b><font> I - RELATÓRIO</font></b>
<p><b><font> </font></b>
</p><p><b><font> </font></b>
</p><p><b><font>AA, S.A.,</font></b><font> com sede na Av...., nº ..., Lisboa, intentou acção declarativa de condenação, com processo ordinário, contra </font><b><font>BB – ..., S.A., </font></b><font>que também usa a marca comercial</font><b><font> CC, </font></b><font>com sede</font><b><font> </font></b><font>no Edifício …, ….º, Aeroporto de Lisboa, pedindo a sua condenação a pagar-lhe a quantia de 64.369,28€, acrescida dos juros que se vierem a vencer, a contar da data da citação e até efectivo pagamento.</font>
</p><p><font>Para tanto, alegou, em síntese, que celebrou com a DD, Lda. um contrato de seguro, em Novembro de 2007, através do qual segurou o transporte, para Luanda/Angola, de 80 computadores portáteis Sony Vaio, modelo VGN-FZ29VN, no valor total de 74.566,31€.</font>
</p><p><font>A mercadoria segurada deveria ser transportada para Luanda no voo TP..., no dia …, e levantada pela sociedade EE - ..., SARL, a quem havia sido vendida pela sociedade FF - Sociedade de Telecomunicações, Lda., que, por seu turno, havia encarregado o agente de carga aérea DD de proceder à necessária exportação da mercadoria para Angola, por via aérea, e de proceder à celebração do contrato de seguro.</font>
</p><p><font>A mercadoria foi entregue no terminal de carga, a 26/11/07, acondicionada em dois volumes com o peso total de 412 kgs, mas apenas veio a ser embarcada no dia 27/12/07, por não ter sido apresentada pela ré para embarque, pelo que, entre estas datas ficou depositada no terminal de carga, à guarda e cuidado da ré.</font>
</p><p><font>Aquando da entrega da mercadoria em Luanda, constatou-se que os volumes se encontravam arrombados e que, dos 80 computadores entregues para transporte, apenas chegaram ao destino 13 unidades, sendo que o desaparecimento dos 67 computadores ocorreu no período temporal em que a mercadoria se encontrou à guarda e cuidado da ré.</font>
</p><p><font>Alega, por último, que a perda dos 67 computadores implicou um prejuízo no valor de 62.449,28€, que a autora teve de suportar, por estar incluído na cobertura do contrato de seguro, tendo, ainda, suportado o pagamento de 1.920,00€, a título de diligências relativas à regularização do sinistro.</font>
</p><p><font>A ré contestou, por excepção, invocando a ilegitimidade passiva e activa, e, por impugnação, alegando que não se provou a imputação que lhe é feita da causa do dano e que não é possível determinar e provar a sua conduta dolosa, devendo, quando muito, a sua responsabilidade ser limitada, nos termos da Convenção de Varsóvia, modificada pelo Protocolo de Haia de 1955, concluindo, deste modo, pela sua absolvição da instância ou do pedido.</font>
</p><p><font>A autora replicou, concluindo pela improcedência das excepções invocadas pela ré e, no mais, como na petição inicial.</font>
</p><p><font>Foi proferido despacho saneador, decidindo-se pela legitimidade das partes, tendo-se seleccionado a matéria de facto relevante considerada assente e a que passou a constituir a base instrutória da causa, com reclamação parcialmente deferida.</font>
</p><p><font>Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi fixada a matéria de facto, sem reclamações, e, de seguida, proferida sentença que julgou a acção procedente e condenou a ré a pagar à autora: “</font><i><font>a) a quantia desde já liquidada de € 56.912,65, acrescida de juros de mora a contar da citação até integral e efectivo pagamento; e b) o que se liquidar em incidente ulterior, até ao valor máximo de € 7.456,63 (correspondente a 8 computadores), consoante o número de computadores, entre 13 e 20, que em concreto se apure que estavam contidos nos 113 Kgs de carga</font></i><font>” (fls. 491 a 503).</font>
</p><p><font>Inconformada, a ré interpôs recurso de apelação, tendo a Relação de Lisboa, por Acórdão do pretérito dia 10/09/13, por unanimidade, decidido negar provimento ao recurso, confirmando aquela decisão (fls. 578 a 610).</font>
</p><p><font>Manifestando a sua discordância, veio a ré interpor recurso de revista excepcional para o STJ, </font><i><font>ex vi</font></i><font> do art. 672.º, n.º 1, al. a) do Novo Código de Processo Civil</font><a><u><font>[2]</font></u></a><font>.</font>
</p><p><font>Apreciados os pressupostos específicos de admissibilidade, pela Formação de Juízes a que se refere o n.º 3 daquele art. 672.º, a revista excepcional foi admitida ao abrigo da respectiva alínea a).</font>
</p><p><font>A recorrente alinhou, além do mais e no que aqui releva</font><a><u><font>[3]</font></u></a><font>, as seguintes extensas e prolixas conclusões:</font>
</p><p><font>“ </font><i><font>(…) D) Que, salvaguardado o devido respeito, a Recorrente entende que nem a douta sentença proferida em 1.ª instância, nem o douto acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa fizeram, por um lado, a correcta subsunção dos factos provados ao direito, como, por outro lado, também não está conforme a interpretação e aplicação do direito aplicável no caso em apreço e que daquelas resulta. </font></i>
</p><p><i><font>E) Que em função dos factos acima provados, a Recorrente veio, na sua defesa, clamar pela aplicação do regime estatuído nos artigos 25.°-A e 22.°, n.° 2, da Convenção de Varsóvia de 12 de Outubro de 1929, modificada pelo Protocolo da Haia de 28 de Setembro de 1955, à luz do qual se prevê a aplicação dos limites de responsabilidade do transportador aéreo aos seus agentes. </font></i>
</p><p><i><font>F) Que a douta sentença do Tribunal de 1.ª Instância veio condenar a Recorrente ao ressarcimento integral do dano peticionado pela A..</font></i>
</p><p><i><font>G) Que o Tribunal de Recurso veio, através do douto acórdão a quo proferido nos autos, negar provimento ao recurso e confirmar a douta sentença apelada. </font></i>
</p><p><i><font>H) Que para o efeito, o Tribunal de Recurso a quo julgou, por aplicação dos conceitos de direito assentes pela jurisprudência nacional dos tribunais superiores, e construídos a propósito e no contexto interno da responsabilidade objectiva do comitente prevista no art. 500.°, n.º 2, do Código Civil, que da matéria de facto apurada resulta que os danos sofridos pela segurada da autora não foram consequência adequada do exercício das funções da Recorrente, pelo que não poderia esta beneficiar dos limites de responsabilidade previstos no art. 22.° da Convenção de Varsóvia modificada pelo Protocolo da Haia de 1955 aplicáveis ao agente do transportador aéreo por força do art. 25.°-A daquela Convenção modificada. </font></i>
</p><p><i><font>I) Que considerou ainda, para o efeito, que a matéria dos tratados internacionais encontra-se regulada pela Convenção de Viena, de 23 de Maio de 1969, sobre o Direito dos Tratados, a qual entrou em vigor em 31 de Janeiro de 1990 e foi ratificada por Portugal, mediante o Decreto do Presidente da República n" 46/2003, de 7 de Agosto, devendo, nos termos do art. 31.°, n.° 1, da referida Convenção, a interpretação dos tratados realizar-se à luz do princípio da boa-fé, de acordo com o sentido comum a atribuir aos termos do tratado no seu contexto e à luz do respectivo objecto e fim. </font></i>
</p><p><i><font>J) Que a fls. 28, terceiro parágrafo, a 29 do douto acórdão a quo, o Tribunal de Recurso valorou factos não provados nos autos e que, se provados, conduziriam, quiçá, à imputação da causa adequada do dano a propostos da Recorrente e respectiva identificação, julgando, assim, com base em meras suspeitas não provadas. </font></i>
</p><p><i><font>K) Que a aplicação da interpretação normativa decorrente das regras do Direito dos Tratados consagradas na Convenção de Viena de 1969, sem prejuízo das regras que decorrem do direito internacional público geral ou comum, faz-se unicamente em relação aos tratados concluídos por Estados após a entrada em vigor da referida Convenção internacional sobre o Direito dos Tratados – art. 4.° da Convenção de Viena de 1969. Tal significa que a Convenção de Viena de 1969 não produz efeitos retroactivos, pelo que as suas regras não se aplicam a tratados cuja vigência seja anterior à sua. Ora, isso é, precisamente, o que se verifica com respeito à Convenção de Varsóvia modificada pelo Protocolo da Haia de 1955 que goza de vigência internacional desde 1 de Agosto de 1963 e vincula Portugal desde 15 de Dezembro de 1963 – conforme aprovação para ratificação pelo DL n.º 26706, de 20.06.1936 e Aviso de Adesão publicado no DG, n.° 185, I.ª Série, de 10.08.1948 e DL n.° 45069, de 12.06.1963, rectificado no DG, n.° 196, I.ª Série, de 19.06.1963, com ratificação em 16 de Setembro de 1963, conforme Aviso de ratificação publicado no DG, n.° 259, I.ª Série, de 5.11.1963 –, sendo, por isso, anterior à Convenção de Viena de 1969 sobre o Direito dos Tratados. </font></i>
</p><p><i><font>L) Que tal facto não impede, todavia, que se invoquem normas de direito internacional público geral ou comum, de origem consuetudinária, cujo conteúdo possa estar enunciado na Convenção de Viena de 1969 sobre o Direito dos Tratados, pensando-se que isso se verifica com as regras de interpretação normativa dos tratados que mandam atender ao princípio da boa-fé, designadamente, quanto ao sentido comum a atribuir aos termos do tratado em função do seu contexto e à luz dos respectivos objecto e fim – art. 31.°, n.° 1, da Convenção de Viena de 1969 – vide tb. C.A. NEVES ALMEIDA, in «Do Contrato de Transporte Aéreo ... » cit., pp. 222-228 (n. 221). </font></i>
</p><p><i><font>M) Que, assim, na interpretação dos tratados, os seus termos (1.°) não podem ser interpretados por forma a privar o tratado de efeito prático ou útil; (2.°) não podem conduzir ao absurdo; (3.°) devem ser interpretados de forma funcional ou teleológica devendo o sentido a atribuir estar em consonância ou harmonia com o fim da Convenção; (4.°) devem compreender os meios que sejam indispensáveis para a realização do fim estabelecido (teoria dos poderes implícitos). Desta forma, nesse exercício pode o intérprete recorrer à prática seguida ulteriormente na aplicação do tratado, aos trabalhos preparatórios e às circunstâncias em que foi concluído o tratado - arts. 31.° e 32.° da Convenção de Viena de 1969. </font></i>
</p><p><i><font>N) Que, nestes termos, o Tribunal a quo não julgou bem ao interpretar os termos da Convenção de Varsóvia modificada pelo Protocolo da Haia de 1955 no contexto interno da responsabilidade objectiva do comitente prevista no art. 500.°, n.° 2, do Código Civil, sem atender ao contexto internacional, à finalidade dos termos da Convenção e às circunstâncias em que esses termos foram acordados pelos Estados Contratantes. </font></i>
</p><p><i><font>O) Que, na verdade, é indiscutível que o contexto internacional em que a Convenção de Varsóvia se desenvolveu tenha tido, em matéria de responsabilidade civil, como finalidade criar um regime de protecção do transportador aéreo propício ao desenvolvimento e afirmação da actividade comercial de transporte aéreo, o que também se justificava porque os riscos da actividade eram conhecidos do utilizador do transporte aéreo. </font></i>
</p><p><i><font>P) Que acresce, pelas razões acima enunciadas, que a principal finalidade do legislador internacional acabou por se traduzir na criação de um regime de responsabilidade civil do transportador aéreo de natureza especial, uniforme, universal e exclusivo e, por isso, alheio à summa divisio que separa a responsabilidade obrigacional da responsabilidade não obrigacional - cfr. C.A. NEVES ALMEIDA, in «Do Contrato de Transporte Aéreo ... » cit., pp. 443 e 668. </font></i>
</p><p><i><font>Q) Que nestes termos e por ser essa a razão – criação de um regime especial, uniforme, universal e exclusivo –, o regime da responsabilidade civil do transportador aéreo conexa com a prestação de serviço de transporte aéreo está sujeito ao princípio da exclusividade (exclusive remedy) cuja consagração se encontra expressa no art. 24.° da Convenção de Varsóvia modificada pelo Protocolo da Haia de 1955 ao estatuir, no seu n.° 1, que «[nJos casos previstos nos artigos 18.° e 19.° qualquer acção de responsabilidade, por qualquer título que seja, não pode ser exercida senão nas condições e com os limites previstos na presente Convenção». </font></i>
</p><p><i><font>R) Que para além das finalidades acima enunciadas quanto ao regime específico da responsabilidade civil do transportador aéreo consagrado ao abrigo da Convenção de Varsóvia, o princípio da exclusividade VISOU também permitir alcançar a uniformidade internacional e a certeza e segurança jurídica no comércio internacional. Por ser esse o objectivo a alcançar, o princípio da exclusividade, conforme resulta da própria designação, produz o efeito preclusivo ou efeito de preclusão (preemptive effect) «impedindo o recurso ao direito privado comum interno» dos Estados - cfr. C.A. NEVES ALMEIDA, in «Do Contrato de Transporte Aéreo …» cit., pp. 674-675; tb. pp. 372-373 e, em especial, referência aos trabalhos preparatórios e jurisprudência comparada a nota 394 (pp. 373-375). </font></i>
</p><p><i><font>S) Que em função do exposto, conclui-se que o Tribunal a quo incorreu em erro formal de julgamento ao fundamentar o douto acórdão a quo nas regras de interpretação dos tratados internacionais aprovadas pela Convenção de Viena de 1969 que apenas entrou internacionalmente em vigor em 1990, e na interpretação normativa da Convenção de Varsóvia feita no contexto interno e nacional do art. 500.°, n.° 2, do Código Civil. </font></i>
</p><p><i><font>T) Que em consequência do exposto, do ponto de vista material, a interpretação normativa subjacente ao douto acórdão a quo descura, por conseguinte, o contexto e as finalidades subjacentes ao regime de responsabilidade civil do transportador aéreo fixados na Convenção de Varsóvia, bem como os pressupostos e o regime da sua extensão ao agente do transportador aéreo através do Protocolo da Haia de 1955. </font></i>
</p><p><i><font>U) Que, como é sabido, a Convenção de Varsóvia, pelas razões já acima expostas no que concerne às finalidades e ao contexto que lhe estão subjacentes, veio estabelecer a responsabilidade limitada do transportador aéreo com fundamento em presunção de culpa deste – art. 18.° da Convenção de Varsóvia modificada pelo Protocolo da Haia de 1955 –, podendo o transportador aéreo afastar ou atenuar a sua responsabilidade se provar, em sua defesa, que ele e os seus propostos tomaram todas as medidas necessárias para evitar o prejuízo ou que lhes era impossível tomá-las (unavoidable event) – art. 20.° da Convenção de Varsóvia modificada pelo Protocolo da Haia de 1955 -, ou, por outro lado, que foi culpa da pessoa lesada que causou o dano ou para ele contribuiu (contributory negligence ou concurso da culpa do lesado) – art. 21.° da Convenção de Varsóvia modificada pelo Protocolo da Haia de 1955. </font></i>
</p><p><i><font>V) Que, no entanto, o regime de responsabilidade civil conexa com a prestação de serviço de transporte aéreo internacional, introduzido pela Convenção de Varsóvia de 1929, na sua versão primitiva, e de acordo com o respectivo elemento literal, apenas aparentava aproveitar o transportador aéreo nas acções judiciais que contra si fossem intentadas, o que, a ser assim, deixava desprotegidos, no sentido de não poderem invocar as cláusulas que excluem ou limitam a responsabilidade, os trabalhadores, propostos ou agentes do transportador aéreo. </font></i>
</p><p><i><font>W) Que tais consequências frustravam, de facto, a finalidade da Convenção ao adoptar um regime especial de protecção do transportador aéreo em matéria de responsabilidade civil (responsabilidade limitada), esvaziando, nessa parte, a Convenção do seu efeito útil. </font></i>
</p><p><i><font>X) Que, por esse facto, a jurisprudência norte-americana desenvolveu uma interpretação do texto da versão primitiva da Convenção de Varsóvia de 1929 em função da qual o termo “carrier”, ou seja, transportador, referido na Convenção, deveria compreender não só a alusão ao transportador propriamente dito, mas também aos propostos ou agentes daquele. </font></i>
</p><p><i><font>Y) Que seguindo o mesmo entendimento mas restringindo a aplicação da Convenção de Varsóvia aos casos em que os agentes do transportador se encontrem no exercício de funções essenciais requeridas ao transportador enquanto tal, e que, por isso, constituam actos de execução do contrato de transporte aéreo (i. e, «in the course of performing a contract for intemational transportation by air»; «in furtherance of the contract») foi desenvolvida uma outra corrente jurisprudencial nos EUA, de que são testemunho e referência, no domínio da jurisprudência comparada, as decisões judiciais proferidas nos julgamentos (case law) supra citados a este propósito. </font></i>
</p><p><i><font>Z) Que a incompleição acima enunciada e que resultava do texto primitivo da Convenção de Varsóvia, no que concerne à aplicação dos limites de responsabilidade do transportador aéreo aos seus agentes ou propostos, para além daquela que foi a orientação jurisprudencial e doutrinal na matéria, viria também a justificar a alteração posteriormente introduzida na Convenção com o aditamento do 25.°-A daquela Convenção por força do Protocolo da Haia de 1955 – neste sentido, não deixa dúvidas a intenção do legislador internacional expressa nos trabalhos preparatórios que conduziram à aprovação do art. 25.°-A da Convenção de Varsóvia modificada pelo Protocolo da Haia de 1955, in ICAO, «Intemational Conference on Private Air Law – The Hague, September 1955», Montreal, Canadá, 1956, voI. I (Minutes), Documento ICAO n.º 7686, pp. 214-223 (excertos supra transcritos).</font></i>
</p><p><i><font>AA) Que estatui o art. 25.°-A, n.º 1, da Convenção de Varsóvia modificada pelo Protocolo da Haia de 1955 que «[s]e é intentada uma acção contra um agente da entidade transportadora por danos a que se refere a presente Convenção, esse agente, se provar que agiu no exercício das suas funções, poderá fazer valer os limites de responsabilidade que a entidade transportadora pode invocar em virtude do artigo 22». </font></i>
</p><p><i><font>BB) Que conforme se disse, esta norma visou responder a uma preocupação que a jurisprudência e a doutrina vinham resolvendo pela via do recurso às regras da hermenêutica jurídica e que visava evitar a frustração da finalidade subjacente às regras da responsabilidade civil do transportador aéreo consagradas na Convenção. </font></i>
</p><p><i><font>CC) Que, na verdade, tratava-se de impedir que entrasse pela janela aquilo que se pretendia impedir que entrasse pela porta, ou seja, a responsabilidade sem limites, por via indirecta, do transportador aéreo, devolvendo ao texto da Convenção aquilo que justificava a sua finalidade prática e efeito útil. </font></i>
</p><p><i><font>DD) Que, para isso, a Convenção exige que o demandado, sendo agente do transportador aéreo, faça prova “que agiu no exercício das suas funções”. </font></i>
</p><p><i><font>EE) Que, como também se viu supra, a jurisprudência comparada tem interpretado a expressão agir “no exercício das suas funções” como o exercício de funções essenciais requeridas ao transportador enquanto tal, e que, por isso, constituam actos de execução do contrato de transporte aéreo (i. e, «in the course of performing a contract for international transportation by air»; «in furtherance of the contract»). </font></i>
</p><p><i><font>FF) Que esse princípio-regra já se encontrava consagrado no art. 25.° do texto primitivo da Convenção de Varsóvia que dispunha nos seguintes termos: </font></i>
</p><p><i><font>«1. O transportador não terá o direito de se prevalecer das disposições da presente Convenção que excluem ou limitam a sua responsabilidade, se o dano provém de dolo da sua parte ou de culpa que, segundo a lei do tribunal competente, é considerada como equivalente ao dolo. </font></i>
</p><p><i><font>2. Esse direito ser-lhe-á igualmente recusado se o dano for causado nas mesmas condições por um dos seus propostos agindo no exercício das suas funções». </font></i>
</p><p><i><font>GG) Ou seja, se se tratasse de uma acção judicial em que o transportador aéreo fosse a parte demandada, e se o dano fosse causado (de forma dolosa) por um dos seus agentes ou propostos, o transportador aéreo não poderia invocar os limites de responsabilidade apenas se esse seu agente tivesse agido no exercício das suas funções e que isso tivesse sido a causa do dano. </font></i>
</p><p><i><font>HH) Que tal significava que se o agente do transportador aéreo tivesse agido à margem dos actos que constituem o “exercício das suas funções”, ou seja, praticando um acto ilícito de furto ou roubo, que, pela sua natureza não constitui acto de execução do contrato de transporte aéreo (i.e., «in the course of performing a contract for international transportation by air»; «in furtherance of the contract»), o transportador aéreo poderia sempre invocar os limites de responsabilidade (e outras defesas) previstas na Convenção. </font></i>
</p><p><i><font>II) Ora, o mesmo raciocínio deve ser aplicado ao art. 25.°-A introduzido na Convenção pelo Protocolo da Haia de 1955. </font></i>
</p><p><i><font>JJ) Que, assim, para que o agente do transportador aéreo possa beneficiar do regime de responsabilidade limitada previsto na Convenção terá que provar “que agiu no exercício das suas funções”, ou seja, no âmbito da execução do contrato de transporte aéreo (i. e., «in the course of performing a contract for international transportation by air»; «in furtherance of the contract»). </font></i>
</p><p><i><font>KK) Que se tratou, com semelhante enquadramento, de estabelecer um regime de responsabilidade especial e uniforme e que isso apenas tinha justificação em função dos riscos próprios de actividade (tipo de acção) conexa com o transporte aéreo, não fazendo sentido fora desse alcance, pelo que, nesses casos, estranhos à actividade de transporte aéreo, por força do efeito de preclusão subjacente ao princípio da exclusividade da Convenção, uma vez verificados os respectivos pressupostos, a sua aplicabilidade resulta auto-excluída em benefício da aplicabilidade do direito interno - não foi por acaso que a Convenção ficou designada formalmente de "Convenção para a Unificação de Certas Regras Relativas ao Transporte Aéreo Internacional"; </font></i>
</p><p><i><font>LL) Que, no caso concreto, no momento em que a perda parcial do bem se dá, as funções que estavam cometidas à Recorrente, enquanto agente do transportador aéreo, eram funções de execução do contrato de transporte aéreo enquanto depositário da mercadoria durante o período de transporte aéreo (art. 18.°, n.ºs 1 e 2, da Convenção), ou seja, a mercadoria encontrava-se à sua guarda, tendo parte daquela desaparecido por facto intencional que não se provou ter sido praticado nem pela Recorrente, nem pelos seus propostos. </font></i>
</p><p><i><font>MM) Que, por essa razão, e para efeitos do art. 25.°-A, n.° 1, da Convenção de Varsóvia modificada pelo Protocolo da Haia de 1955, não se tendo provado a autoria do “roubo” com recurso a arrombamento ou violação da embalagem, do qual resultou a perda parcial da mercadoria, não fica a recorrente inibida de provar, quanto a si, que a perda se deu no exercício das funções enquanto depositária da mercadoria, podendo, em consequência, invocar em sua defesa os limites de responsabilidade previstos no art. 22.° da Convenção e aplicáveis ao transportador aéreo. </font></i>
</p><p><i><font>NN) Que, sublinhe-se, no entanto, que essa seria também a solução interpretativa a seguir se se tivesse provado nos autos que a autoria do acto de arrombamento/violação da mercadoria era imputável aos propostos da Recorrente, pois, nesse caso, apenas a estes, pessoal e individualmente, por terem praticado actos ilícitos à margem do âmbito das suas funções, era interdita a invocação de quaisquer limites de responsabilidade caso fossem eles os demandados. Repare-se que, nos termos do art. 25.° da Convenção de Varsóvia – já referido supra –, ao próprio transportador aéreo assiste o direito a invocar os limites de responsabilidade se os seus propostos praticarem de forma dolosa e fora do exercício das respectivas funções os actos causadores do dano. </font></i>
</p><p><i><font>OO) Que, assim, por exemplo, se se provar que um trabalhador do transportador aéreo praticou um acto de violação de mercadoria que se encontra à guarda do transportador, este último não fica inibido de invocar os limites de responsabilidade previstos no art. 22.° por força da aplicação do art. 25.° da Convenção de Varsóvia. Da mesma forma, não seria coerente que, provando-se que um trabalhador do handler do transportador aéreo praticou um acto de violação de mercadoria que se encontrava à guarda do handler do transportador, ficasse o handler inibido de invocar igual regime de protecção e que lhe é facultado à luz do art. 25.°-A da Convenção de Varsóvia modificada pelo Protocolo da Haia de 1955. </font></i>
</p><p><i><font>PP) Que acresce que a Convenção só se aplica ao transportador aéreo ou aos seus agentes (directos) se no exercício de actos de execução do contrato de transporte aéreo sempre que qualquer daqueles seja parte demandada nos autos. Aplica-se, assim, aos trabalhadores do transportador aéreo que agem em nome, no interesse e por conta dos transportador (como se fosse o transportador a exercer tais actos) e a outros agentes contratados directamente pelo transportador quando no exercício de actos de execução do contrato de transporte aéreo que, de outro modo, seriam exercidos pelo próprio transportador aéreo (v.g. handler ou empresa de handling responsável pela assistência em escala). </font></i>
</p><p><i><font>QQ) Que A Convenção não se aplica a agentes indirectos ou subcontratados por agentes directos do transportador aéreo. Relativamente a estes últimos, sendo parte demandada, não podem os mesmos invocar a aplicação do regime de responsabilidade da Convenção. Tal é o que decorre do art. 25.°-A, n.ºs 1 e 3, em conjunto com o disposto no art. 25.°, ambos da Convenção de Varsóvia modificada pelo Protocolo da Haia de 1955. </font></i>
</p><p><i><font>RR) Que tal conclusão implica também que o que releva para efeitos de invocação, pelo agente (directo) do transportador aéreo, dos limites de responsabilidade aplicáveis ao transportador aéreo é o tipo de acção desenvolvida por esse agente no momento em que o dano se deu – ou seja, se a mesma se enquadra no âmbito do exercício das suas funções por se tratar de acto de execução do contrato de transporte aéreo, não tendo, no entanto, que ser essa sua acção a causa directa do dano. </font></i>
</p><p><i><font>SS) Que, assim, se o dano resultar do assalto levado a cabo por terceiros quando o agente está na posse do bem para o carregar na aeronave, não fica o agente inibido de invocar os limites de responsabilidade. </font></i>
</p><p><i><font>TT) Que o agente não pode, no entanto, invocar outras defesas, como por exemplo, o art. 20.° da Convenção (unavoidable event), sendo, por isso, responsável por esse risco independentemente de culpa sua. Esta será a única diferença face ao regime de responsabilidade que beneficia o transportador aéreo e que resulta directamente do elemento literal do art. 25.°-A, n.° 1, in fine da Convenção de Varsóvia modificada pelo Protocolo da Haia de 1955 (tb. C.A. NEVES ALMEIDA, in «Do Contrato de Transporte Aéreo... » cit., p. 568 (n. 556) e jurisprudência alemã aí citada produzida no caso julgado Bundesgerichtshof 6-X-1981, [1983] 18 Eur Tr L 539, não considerando aplicável o art. 28.° da Convenção de Varsóvia às acções de responsabilidade interpostas contra os trabalhadores do transportador aéreo). </font></i>
</p><p><i><font>UU) Que da mesma forma, quando o agente (directo) do transportador aéreo, age através de trabalhadores seus, apenas releva para efeitos de aplicação dos limites de responsabilidade da Convenção o tipo de acção em que o agente directo está investido e envolvido, mesmo que a causa directa do dano tenha sido perpetrada por trabalhador seu à revelia do exercício das funções que a este último estavam cometidas. Assim, se o agente (directo) do transportador aéreo for demandado por acto de violação de mercadoria cometido por trabalhadores seus, poderá sempre invocar os limites de responsabilidade se a sua acção pessoal se enquadrar no exercício dos actos correspondentes à execução do contrato de transporte aéreo, tal como o transportador aéreo pode invocar esses limites ainda que a causa directa do dano tenha sido cometida por trabalhador seu mediante a prática de acto ilícito estranho ao exercício da sua função (cfr. art. 25.° in fine da Convenção de Varsóvia modificada pelo Protocolo da Haia de 1955). </font></i>
</p><p><i><font>VV) Que, deste modo, o douto acórdão a quo peca por erro de julgamento (1) ao imputar à Recorrente o acto de perda parcial da mercadoria por "arrombamento", quando, na verdade, essa autoria não ficou provada nem com respeito à Recorrente (que é, aliás, uma pessoa colectiva), nem sequer com respeito aos seus propostos; (2) ao confundir o momento e tipo de acção/função desenvolvida/actividade pela Recorrente enquanto agente do transportador aéreo com o acto que causou o dano (perda parcial), isto é, a causa directa cuja autoria se deve a terceiros não identificados. </font></i>
</p><p><i><font>WW) Que o sentido do douto acórdão a quo, pelos resultados a que permite chegar, não revela coerência lógica nem intrínseca, nem face aos interesses que se pretendem acautelar na Convenção de Varsóvia: (1) bastará, por um lado, pensar que se os factos tivessem ocorrido há poucos anos atrás, na altura em que a Recorrente não detinha personalidade jurídica por constituir uma Direcção da TAP (o transportador aéreo em nome de quem a Recorrente guardava a mercadoria parcialmente perdida nos presentes autos), nos termos do art. 25.° da Convenção de Varsóvia modificada na Haia, poderia aquela opor à Autora a limitação de responsabilidade prevista no art. 22.º da Convenção (mesmo que nos autos se provasse que o roubo/arrombamento da mercadoria havia sido da autoria dos trabalhadores da Recorrida então também TAP ou transportador); (2) em contrapartida, por outro lado, e mesmo não se tendo provado nos presentes autos a autoria dos actos de violação da mercadoria – se terceiros ou se trabalhadores da Recorrida –, ainda assim, a Recorrida fica, simplesmente, inibida de invocar os limites de responsabilidade previstos no art. 22.° da Convenção modificada na Haia, sendo que, quando a perda parcial da carga se dá, a Recorrida agia como depositária da mercadoria, ou seja, no exercício das suas funções como agente do transportador, em que o tipo de acção por si desenvolvida corresponde a actos de execução do contrato de transporte aéreo que poderiam ser exercidos directamente pelo transportador aéreo durante o período de transporte aéreo, considerando-se como tal o período durante o qual os bens se encontram à guarda do transportador aéreo ou de agente seu. </font></i>
</p><p><i><font>XX) Que, deste modo, in casu, haverá, por isso e quando muito, uma imputação da responsabilidade da Recorrente com fundamento em presunção de culpa (mera culpa ou negligência) no cumprimento do dever de custódia que sobre ela impendia enquanto investida do exercício de funções que constituem execução do contrato de transporte aéreo, e, por conseguinte, deve a responsabilidade ser limitada. </font></i>
</p><p><i><font>YY) Que para que a Recorrente seja condenada ao ressarcimento do dano integral, enquanto agente do transportador aéreo – como, aliás, sucedeu no acórdão a quo e com o qual a Recorrente não se conforma –, teria a Autora nos presentes autos que provar, nos termos do art. 25.°-A, n.º 3, da Convenção de Varsóvia modificada pelo Protocolo da Haia de 1955, que o dano resultou de omissão intencional do dever geral de cuidado e de diligência da Recorrente enquanto depositária do bem quando este se encontrava à sua guarda na qualidade de agente do transportador aéreo. </font></i>
</p><p><i><font>ZZ) Que esse e apenas esse é o entendimento correcto e a forma como a Convenção deveria ter sido interpretada pelo Tribunal a quo. Não o tendo feito, o Tribunal a quo veio atribu
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5TL-u4YBgYBz1XKvgG8y
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1.ª Secção (Cível)
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<b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:<br>
A, instaurou acção declarativa com processo ordinário contra B, e C e D pedindo a condenação solidária dos Réus a pagarem-lhe 4000000 escudos e juros de mora vencidos de 854139 escudos e vincendos até integral pagamento, relativa a um seguro - caução.<br>
O processo correu seus termos com contestação dos Réus vindo, após audiência de julgamento a ser proferida sentença a julgar a acção improcedente.<br>
Dela apelou a Autora com êxito, pelo que recorrem agora os Réus de revista.<br>
Formulam eles nas suas alegações as seguintes conclusões:<br>
A) O seguro - caução contratado entre a seguradora (Autora) e a tomadora do seguro (Ré) é regulado pelo DL 183/88 de 24 de Maio e pelas condições gerais e particulares constantes da Apólice de folhas 10, em obediência ao disposto no n. 3 do artigo 8 do mesmo diploma, que, por sua vez, decorre do disposto no artigo<br>
427 C.Comercial.<br>
B) O referido DL 183/88, veio regulamentar os seguros de "crédito" e os de "caução", fixando-lhes regimes distintos em capítulos próprios. E, se aquele pode ser equiparado a uma garantia autónoma e considerado como tal, este, ao invés, reveste a natureza de garantia acessória equiparável à "fiança", que é uma garantia pessoal e subsidiária.<br>
C) O seguro - caução "sub judice" reveste-se da natureza da "fiança" e, portanto, constitui uma garantia acessória, isto é, dependente do contrato principal (empreitada) a que foi adstrito.<br>
D) Nos termos do n. 4 do artigo 10 das Condições Gerais e também da condição Particular de folhas 9, que remete para aqueles ("Quando contratada a presente condição Especial e de acordo com o convencionado nas condições gerais e particulares da apólice...", sendo o sinistro definido como "O incumprimento pelo Tomador do Seguro devidamente comprovado, das obrigações caucionadas" ficou expresso que "o direito à indemnização nasce quando, após verificação do sinistro o Tomador do Seguro interpelado para satisfazer a obrigação, se recusar injustificadamente a fazê-lo".<br>
E) A mesma seguradora não produziu prova susceptível de abalar a veracidade da posição sustentada pela tomadora do seguro que é a de que se tenha recusado injustificadamente a cumprir as obrigações assumidas perante os beneficiários do seguro, em conformidade com o disposto nos ns. 4 e 5 do artigo 10 do contrato de seguro.<br>
F) Os documentos de folhas 12 e 13 não constituem, por si só, prova idónea da legitimidade da pretensão do beneficiário do seguro.<br>
G) Nas condições contratadas "interpartes" não foi inserida qualquer cláusula "on first demand", ou seja, de pagamento à primeira solicitação.<br>
H) Só as garantias contendo a cláusula "on first demand" são autónomas em relação à acção principal e permitem ao beneficiário respectivo "exigir" o pagamento da quantia que lhe foi assegurada ou garantida, sem necessidade de fazer prova da existência do sinistro.<br>
I) No nosso ordenamento jurídico, nomeadamente por força dos artigos 644 do CCIV e 441 n. 1 CCOM embora a seguradora fique sub-rogada nos direitos do credor, a esta não assiste o direito de regresso contra o Tomador do Seguro, ao invés da posição sustentada no douto acórdão.<br>
J) No caso "sub judice" porquanto não estamos perante uma garantia autónoma, cabia à seguradora provar: a verificação do sinistro e a existência de um incumprimento injustificado por parte da Tomadora do seguro o que não sucedeu.<br>
L) O acórdão recorrido fundou-se ainda nos Acs. STJ de 12 de Março de 1996, C.J. 1996, 1, 143 e de 22 de Novembro de 1995, C.J. 1995, 3, 111, e no AC. R.L. de 24 de Abril de 1996, C.J. 1996, 2, 121, e ainda no estudo dos DRs.<br>
Almeida Costa e Pinto Monteiro sobre "Garantias Bancárias", C.J. 1986, Tomo 5, págs. 15 a 33; e nas obras de Jean Bastin "O Seguro de Crédito no Mundo Contemporâneo", págs. 629 a 639, e de Galvão Teles "Garantia Privada Autónoma, in Direito Privado II", instrumentos que não são aplicáveis ao caso "sub judice".<br>
M) O entendimento perfilhado no acórdão recorrido enferma vício de raciocínio por ter entendido que à seguradora assiste o direito de regresso contra o tomador do seguro, para além da subrogação que lhe é conferida pelo artigo 13 das condições Gerais da Apólice que, por sua vez, é corolário dos artigos 441 n. 1 do CCOM e 644 do CCIV.<br>
N) Nas disposições que regem o contrato de seguro em apreço, quer seja no DL 183/88, quer nas condições gerais e particulares da apólice, não está expresso que assiste à seguradora o direito de regresso para além da sub-rogação.<br>
O) A interpretação veículada no acórdão recorrido, por demasiado lata e extensiva, violou objectivamente os artigos 664 do CCIV e 441 n. 1 do CCOM, 13. das condições gerais do contrato de seguro, e 6 n. 1 do DL 183/88, o que é fundamento da presente revista.<br>
P) Caso assim se não entenda, ainda há que apreciar que tal acórdão extravasou os poderes de cognição da Relação, indo além do permitido o pronunciar-se sobre a matéria de facto não constante, quer da especificação e questionário, quer das conclusões da alegação da apelante (Seguradora), sendo que estas delimitam o âmbito da apelação (cfr. Ac.<br>
STJ de 26 de Abril de 1983, BMJ 326/430).<br>
Q) Atendendo aos elementos dos autos, importaria uma apreciação diversa, o que se insere no âmbito da alínea b) do n. 2 do artigo 669 do CPC e determina a reforma da sentença na parte em que se pronunciou sobre "a falta de impugnação à matéria do artigo 5 da p.i.".<br>
R) Pelo exposto deve ser concedida a revista e mantida a decisão da 1. instância, ou, a não ser assim, deve decidir-se que o acórdão recorrido se pronunciou sobre matéria que não podia conhecer, o que determina a sua nulidade e reforma - artigos 668 n. 1 alínea d) e 669 n. 2 alínea b) do CPC.<br>
Corridos os vistos cumpre decidir.<br>
Vejamos antes do mais a matéria de facto que o acórdão recorrido considerou provada:<br>
1 - A autora A celebrou com a Ré B, contrato de seguro do ramo - cauções a coberto da apólice 96/64596 para garantir até ao limite de 4000000 escudos "pagamento de quaisquer importâncias exigidas pelo beneficiário do seguro, em consequência do incumprimento de obrigações por parte do tomador do seguro".<br>
2 - Os Réus C e D assumiram-se perante a Autora como fiadores da sua co-Ré, comprometendo-se a reembolsar a Autora de todas as quantias que esta tivesse de pagar a terceiros, relativamente a todos os contratos de seguro do ramo - cauções em que esta figurasse como tomadora do seguro.<br>
3 - O seguro cobria apenas 90% de construção a efectuar pela Ré para os beneficiários do seguro.<br>
4 - Os beneficiários do seguro (E e F) exigiram em 4 de Janeiro de 1993 à Autora o pagamento da indemnização de 4000000 escudos.<br>
5 - A autora expediu à Ré B, e esta recebeu, a carta de 14 de Janeiro de 1993 (cópia a fls. 34), cujo teor se dá por reproduzido, que foi acompanhada de fotocópia da carta de<br>
4 de Janeiro de 1993 junta a fls. 12, e cujo teor se dá por reproduzido.<br>
6 - Os Réus C e B, expediram para os escritórios de Lisboa e Portimão da A. com datas de 18 de Janeiro de 1993 e 12 Janeiro de 1993 os documentos de fls. 36, 37 e 38, cujo teor se dá por reproduzido, comunicações essas recebidas pelo demandante.<br>
7 - A A. não respondeu as comunicações referidas.<br>
8 - Em 19 de Julho de 1993 a A. pagou aos beneficiários do seguro 4264000 escudos, sendo 264000 escudos de juros e o restante de indemnização.<br>
9 - Após os Réus terem recebido as cartas de 14 de Outubro de 1993 (cópias a fls. 16, 17 e 18) cujo teor se dá por reproduzido, a Ré B, e o Réu C comunicaram à A. o que consta das cartas de 22 de Outubro de 1993 (cópias a fls.<br>
39, 40 e 41) cujo teor se dá por reproduzido tendo a A. também expedido ao Réu C a carta datada de 25 de Outubro de 1993, de teor idêntico ao que consta de fls. 42.<br>
Feita esta enumeração, e delimitado como está o objecto do recurso pelas conclusões das alegações dos recorrentes, começaremos por salientar que para se solucionar o caso "sub judice" há que ter em consideração a natureza jurídica do contrato de seguro de caução, a interpretação das cláusulas contratuais do contrato de seguro, a existência ou não de cláusula "on first demand", e o direito ou não de regresso da A., (isto para além do extravasamento dos poderes de cognição do Tribunal da Relação) como salienta a A. nas suas contra alegações.<br>
E o ter o Tribunal da Relação revogado a decisão da<br>
1. instância que julgou a acção improcedente logo revela dificuldades nas várias sedes em que se move o caso presente e aponta no sentido do seu aprofundado tratamento dogmático.<br>
Isso envolve, em resumo, o saber se estamos em presença de uma garantia bancária autónoma ou tão só de uma mera fiança acessória, se é necessária ou não a prova dos pressupostos condicionantes do direito do beneficiário, se há ou não uma cláusula de pagamento à primeira solicitação (auf erstes Anfordern) e direito de regresso ou não.<br>
Deve acentuar-se, além do mais, que é fundamental o levar-se a cabo uma profunda e correcta interpretação do clausulado no contrato celebrado e em que se baseou o A. para formular o seu pedido.<br>
Importante, pois, distinguir a garantia acessória de uma obrigação principal (fiança) da garantia autónoma, independente da relação garantida, cujo fundamento decorre da autonomia privada (contrato de garantia), como acentua Rudolf Stammler.<br>
No contrato de garantia uma parte assegura à outra a responsabilidade por um risco ligado a um empreendimento respondendo pelos danos causados pela actuação do risco<br>
- sendo autónoma, pois, essa obrigação de garante (v.<br>
Prof. M. J. Almeida Costa e Dr. Pinto Monteiro, Garantias Bancárias, O contrato de garantia à primeira solicitação,<br>
C.J. ano XI, 1986, Tomo 5, pág. 15 a 34).<br>
Só que o contrato de garantia não elimina todos os riscos inerentes à actividade comercial nesta área, ficando a descoberto ainda o risco de ter de se provar a ocorrência dos pressupostos que condicionaram o direito do beneficiário, o que pode atrasar consideravelmente o pagamento da soma estipulada.<br>
E é assim para neutralizar este último inconveniente - com o apoio dos próprios bancos ou seguradoras que não se envolver querem em disputas deste tipo, nem assumir o ingrato papel de "árbitro", que aparece a cláusula de pagamento à primeira solicitação.<br>
Com ela consegue-se uma segurança total: não só a garantia se desliga (porque autónoma) da relação principal (entre o beneficiário e o devedor), como igualmente se elimina o risco de litigância sobre a ocorrência ou não dos pressupostos que legitimam, o pedido de pagamento feito pelo beneficiário.<br>
Perante uma garantia de pagamento à primeira solicitação, o garante está obrigado a satisfazê-la de imediato, bastando para tal que o beneficiário o tenha solicitado nos termos previamente acordados.<br>
É o devedor que, depois de reembolsar o garante da importância por este paga ao beneficiário, tem o ónus de intentar procedimento judicial para reaver a dita importância, caso o credor/beneficiário haja procedido sem fundamento.<br>
Será, pois, o devedor, depois de reembolsar o garante da quantia por este entregue ao beneficiário, que terá de intentar, como já foi referido, procedimento judicial em ordem a reaver a referida importância, provando a falta de fundamento da atitude do credor/beneficiário.<br>
Dir-se-ia que a garantia autónoma à primeira solicitação obedece ao seguinte lema: paga-se primeiro e discute-se depois.<br>
Diferentemente da fiança, trata-se de uma garantia autónoma, isto é, não acessória, visto não ser afectada pelas vicissitudes da relação principal e automática, porque opera imediatamente, logo que o seu pagamento seja pedido pelo beneficiário.<br>
Como nota final o dizer-se que a garantia automática se apresenta como um negócio causal (e não abstracto) - a finalidade que serve é garantir o contrato base, a qual se objectiva na própria carta de garantia e nos contratos (entre o credor e o devedor e entre este e o garante) que a precedem.<br>
Feitas estas referências (e tendo-se em atenção quer o clausulado particular (fls. 8) e geral (fls. 10 e 11), quer o preceituado no DL 183/88 de 24 de Maio que estabelece o quadro legal do seguro do crédito) é momento de dizer e acrescentar que se tem de apurar, face a elas, a matéria de facto que sirva de base à resolução de todas questões que se suscitam nos termos referidos.<br>
E sabe-se que o juiz ao fixar a base instrutória tem de seleccionar a matéria de facto relevante para a decisão da causa, segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito (cfr. artigo 511 do CPC), o que não foi cumprido na sua totalidade no caso "sub judice".<br>
Desde logo porque, contrariamente ao afirmado no acórdão recorrido, não é exacto que a factualidade descrita no artigo 5 da petição inicial (A Tomadora do Seguro não concluiu, na data acordada, a obra objecto do contrato de empreitada, celebrado com os Beneficiários do Seguro, conforme se havia obrigado), bem como a carta de fls. 12, não tenham sido objecto de impugnação especificada pelos Réus na sua contestação (veja-se além do mais, o artigo<br>
20 da contestação).<br>
Há assim, e em suma, que ter em conta também tal factualidade, pois, só desse modo se delimitará com rigor a matéria fáctica alicerce da decisão de direito - é sabido que este STJ pode ordenar a ampliação da decisão de facto, em ordenar a constituir base suficiente para a decisão de direito ou quando ocorrem contradições daquela inviabilizando a decisão jurídica do pleito mandar operar no sentido de pôr termo às mesmas (v. artigo 729 CPC).<br>
Decisão<br>
1 - Vão os autos de novo ao Tribunal da Relação em ordem a que aí se proceda à referida ampliação da matéria de facto e se profira decisão de direito.<br>
2 - Custas pela parte vencida no final.<br>
Lisboa, 21 de Maio de 1998.<br>
Fernandes Magalhães,<br>
Tomé de Carvalho,<br>
Silva Paixão.</font>
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1.ª Secção (Cível)
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<b><font> </font></b><font><br>
<font> Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font><br>
<font> </font><br>
<font> </font><br>
<font> </font><b><font>I- Relatório</font></b><font>:</font><br>
<font> 1-1- </font><b><font>AA,</font></b><font> residente na Travessa de.......... ...., Lisboa, propôs a presente acção com processo ordinário contra </font><b><font>BB, </font></b><font>residente na Rua ............., 2º Direito, Lagos </font><i><font>pedindo</font></i><font> que a R. seja condenada a pagar-lhe o sinal em dobro no montante e 7.000.000$00 e o montante de 1.507.000$00 referente a mútuo, acrescidos de juros de mora vincendos, contados à taxa legal de devidos desde a propositura da acção até integral pagamento. </font><br>
<font> Fundamenta este pedido, em síntese, dizendo que celebrou com CC, pai da R., um contrato promessa de compra e venda que não foi cumprido. Além disso, emprestou ao mesmo a quantia global de 1.507.000$00 que lhe não foi restituída.</font><br>
<font> A R. contestou nos termos constantes de fls. 59 a 70, tendo invocado a excepção da incompetência relativa em relação ao território, tendo-se ainda defendido por impugnação, tendo concluído pela sua absolvição do pedido. </font><br>
<font> A A. replicou defendendo a competência do tribunal e respondendo àquilo que considera “outras excepções” suscitadas pela R. na contestação.</font><br>
<font> A R. respondeu referindo que muito embora seja lícito à A. apresentar réplica a verdade é que extravasou o seu conteúdo pois respondeu a matéria que não era de excepção.</font><br>
<font> O processo seguiu os seus regulares termos posteriores, tendo-se proferido despacho saneador onde se julgou improcedente a excepção dilatória de incompetência relativa em razão do território e se admitiu a réplica, após o que se fixaram os factos assentes e se organizou a base instrutória.</font><br>
<font> Não se conformando com a decisão de admissão da réplica, veio a R. interpor recurso de </font><u><font>agravo</font></u><font> que foi admitido com subida deferida.</font><br>
<font> Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, respondeu-se à base instrutória e proferiu-se a sentença, onde se julgou a acção improcedente por não provada, absolvendo-se do pedido a R..</font><br>
<font> Não se conformando com esta decisão, dela recorreu a A. de apelação para o Tribunal da Relação de Lisboa, tendo-se aí, por acórdão de 9-10-2008, julgado parcialmente procedente o recurso, revogando-se a sentença recorrida, condenando-se a R. a pagar à A. a quantia entregue por esta a título de sinal, correspondente em euros ao valor total que a A. prestou (2.500.000$00), acrescida dos respectivos juros de mora vencidos e vincendos, contados à taxa legal desde a citação até integral pagamento.</font><br>
<font> Não se apreciou o </font><u><font>agravo</font></u><font> por se ter considerado prejudicado o respectivo conhecimento, por força do disposto no art. 735º nº 2 do C.P.Civil.</font><br>
<font> </font><br>
<font> 1-2- Irresignada com este acórdão, dele recorreu a R. para este Supremo Tribunal, recurso que foi admitido como revista e com efeito devolutivo.</font><br>
<font> A recorrente alegou, tendo das suas alegações retirado as seguintes conclusões: </font><br>
<font> 1ª- A decisão ora em crise fundamenta-a, o Tribunal da Relação, em síntese, no facto de a força probatória do documento de fls. 18 dos autos não poder ser afastada por prova testemunhal e só por isso não poder a exactidão, seriedade e veracidade do conteúdo declarações nele constantes ser sequer quesitada e não ter sido arguida a falsidade do documento de fls. 18, nem se ter provado qualquer vício que afectasse a vontade de quem o subscreveu.</font>
<p><font> 2ª- Andou mal o juízo de prova formado pela Relação sobre a matéria de facto, por flagrante e manifesta violação das normas reguladoras da força probatória dos meios de prova admitidos no ordenamento jurídico (designadamente de tanto quanto dispõe o art. 393° nº 3 do Código Civil), juízo que ora se sindica, junto desse Venerando Tribunal, nos termos dos arts. 729° nº 2 e 722 nº 2 do CPC.</font>
</p><p><font> 3ª- O quesito 1° é legalmente admissível e sobra ele poderia e deveria, como aconteceu, ter sido produzida prova testemunhal.</font>
</p><p><font> 4ª- A força probatória do documento particular de fls. 18 dos autos circunscreve-se no âmbito das declarações (de ciência ou de vontade) que nele constam como feitas pelo respectivo subscritor.</font>
</p><p><font> 5ª- A prova plena estabelecida por aquele documento respeita ao plano da formação da declaração, não ao da sua validade ou eficácia mas não prova plenamente os factos que nele sejam narrados como praticados pelos seus autores ou como objecto da sua percepção directa.</font>
</p><p><font> 6ª- Nessa medida, apesar de demonstrada a autoria do documento, designadamente pelo respectivo reconhecimento das assinaturas nele apostas - ainda que com um hiato temporal de três meses entre a sua eventual feitura e esse reconhecimento -, daí não resulta, necessariamente, que os factos compreendidos nas declarações dele constantes se hajam de considerar provados, o mesmo é dizer que daí não advém que os documentos provem plenamente os factos neles referidos.</font>
</p><p><font> 7ª- E designadamente esses factos (que são objecto do quesito 1°) de terem sido entregues pela ora Recorrida ao falecido CC quaisquer quantias.</font>
</p><p><font> 8ª- O art. 393º nº 3 do Código Civil que comanda que a inadmissibilidade da prova testemunhal não vale quando em causa está a interpretação do contexto do documento ou seja, do sentido e alcance atribuídos ao texto do documento, que não só foram alegados como provados e assumiram na ponderação, do juízo da 1ª instância, a maior relevância! - vide pontos 6, 7, 8, 9, 10 e 11 de «II Os Factos» e pontos 2, 3, 4 e 5 de «II Os Factos».</font>
</p><p><font> 9ª- Quanto aos documentos como o de fls. 18 dos autos vale o disposto nos art. 363° nº 2 e 3, 374° nº 1, 376°, nº 1 e 2 e 393° do Código Civil.</font>
</p><p><font> 10ª- E quanto aos factos que neles são descritos pode incidir prova em contrário feita por testemunhas ou por presunções judiciais (art. 351°, 393° n°2, última parte e 394°, n°1 do Código Civil - e quanto a isso, em caso absolutamente semelhante ao dos presentes autos Ac. STJ de 18-11-2004, Proc. 05A3283 in </font><font><a>http://www.dgsi.pt/</a></font><font>).</font>
</p><p><font> 11ª- De facto, como muito bem diz o douto aresto da 1ª instância «</font><i><font>Com efeito, atenta a (actualidade apurada, desde logo, é de observar que não foi demonstrada a entrega de qualquer quantia a titulo de sinal, embora, no contrato tivesse sido declarada a quitação de determinada quantia</font></i><font>», por isso o artigo primeiro da Base Instrutória foi dado, e bem, como não provado</font>
</p><p><font> 12ª- Violou, assim, o douto Acórdão da Relação de Lisboa, designadamente os artigos 351°, 363°, nº 2 e 3, 374º nº 1, 376° nº 1 e 2 e 393° e 394° n°1 do Código Civil.</font>
</p><p><font> </font><br>
<font> A recorrida contra-alegou, pronunciando-se pela confirmação do acórdão recorrido.</font><br>
<font> Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir: </font><br>
<font> </font><b><font>II- Fundamentação:</font></b><br>
<b><font> </font></b><font>2-1- Uma vez que o âmbito objectivo dos recursos é balizado pelas conclusões apresentadas pelo recorrente, apreciaremos apenas as questões que ali foram enunciadas (arts. 690º nº 1 e 684º nº 3 do C.P.Civil). </font><br>
<font> Nesta conformidade, será a seguinte a questão a apreciar e decidir:</font><br>
<font> - Valor probatório do documento particular que titula o negócio no que toca ao recebimento do sinal. </font><br>
<br>
<font> 2-2- Vem fixada das instâncias a seguinte matéria de facto:</font><br>
<font> 1- Com a data de 18-10-1989, a A. AA e o CC subscreveram o acordo constante do instrumento de fls. 18 denominado “contrato promessa de compra e venda e recibo de sinal”, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, do qual consta, além do mais, o seguinte:</font><br>
<font> </font><i><font>PRIMEIRO: CC (…)</font></i><br>
<i><font> SEGUNDA : AA (…)</font></i><br>
<i><font> Reduzem a escrito o seguinte contrato:</font></i><br>
<i><font> PRIMEIRO: O primeiro outorgante é dono e senhor de um lote de terreno com a área de 389,20 m2, designado por lote nº 2, a confrontar do Norte com EE, do Poente com FF, do Nascente com O.... e outro, do Sul com Rua Projectada, situado no Casal da Paradela, freguesia e concelho de Loures e desanexado de um prédio rústico descrito na Conservatória do Registo Predial de Loures, 1ª Secção, sob o nº 14549 (…)</font></i>
</p><p><i><font> SEGUNDO: Nesse lote de terreno está construída uma casa térrea com 2 divisões assoalhadas, cozinha e casa de banho, com 50 m2 de área coberta, sendo assim o logradouro de 339,20 m2.</font></i>
</p><p><i><font> TERCEIRO: Pelo preço de 3.500.000$00 o primeiro outorgante promete vender à segunda outorgante e esta promete comprar-lhe o aludido lote de terreno com aquela construção.</font></i>
</p><p><i><font> QUARTO: Como sinal e princípio de pagamento a segunda outorgante entregou já em 27 de Julho de 1989 a quantia de 1.600.000$00 de que este lhe deu oportuna quitação, lendo entregue como reforço desse sinal, em 16 de Outubro de 1989, mais a quantia de 900.000$00, de que este, nessa altura, lhe deu quitação.</font></i>
</p><p><i><font> QUINTO: O restante do preço será pago no acto da escritura de compra e penda a realizar no prazo de um ano, no cartório notarial de Lisboa que a segunda outorgante indicar ao primeiro, com a antecedência mínima de 8 dias.</font></i>
</p><p><i><font> SEXTO: Tal prazo poderá ser prorrogado até à conclusão do inventário para separação de meações que a segunda outorgante move, na Comarca de Lisboa, contra o seu ex-marido GG, se tal processo não estiver ainda concluído dentro daquele prazo. Todavia, o primeiro outorgante dá o prazo máximo de 18 meses, na sua totalidade, para a elaboração da dita escritura, que se espera que não exceda</font></i><font>”</font><i><font> </font></i><font>(alínea A) dos Factos Assentes).</font>
</p><p><font> 2. A assinatura da A. constante do instrumento de fls. 18 encontra-se reconhecida notarialmente com data de 04/01/1990 (Alínea B) dos Factos Assentes)</font>
</p><p><font> 3. O prédio urbano situado no Bairro da......., Lote ....., Rua D, ............. descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de Loures sob o nº 1.063, da freguesia de Santo António dos Cavaleiros, desanexado do nº 26.319 tem, além do mais, as seguintes inscrições:</font>
</p><p><font> Apresentação nº 17 de 27/10/1970, aquisição, por compra, a favor de CC, casado no regime da comunhão geral com HH</font>
</p><p><font> apresentação nº 3 de 20/10/2004, aquisição a favor de DD e BB, comum e sem determinação de parte ou direito, por sucessão hereditária de CC e cônjuge, HH;</font>
</p><p><font> apresentação nº 3 de 18/02/2005, aquisição a favor de II, por compra a DD e BB (alínea C dos Factos Assentes).</font>
</p><p><font> 4. O R. CC faleceu a 04/06/2004 (alínea D) dos Factos Assentes).</font>
</p><p><font> 5. O R. CC deixou como única herdeira a sua filha BB (alínea E) dos Factos Assentes)</font>
</p><p><font> 6. Em 27/04/1957, a A. contraiu casamento com GG o qual foi dissolvido por divórcio decretado por sentença de 16/06/1985 (alínea f) dos Factos Assentes).</font>
</p><p><font> 7. Em 04/11/1999, a A. contraiu casamento com GG, o qual foi dissolvido por óbito de GG em 15/05/2001 (alínea G) dos Factos Assentes).</font>
</p><p><font> 8. A A. intentou contra GG uma acção de alimentos que correu termos sob o n°6.651/1989, na 3ª Secção do 3º Juízo dos Tribunais Cíveis da Comarca de Lisboa (alínea H) dos Factos Assentes).</font>
</p><p><font> 9. O processo de inventário para partilha de meações intentado pela A. contra GG, iniciou-se em 16/10/1989 e findou em Fevereiro de1991, tendo corrido termos sob o nº 4.505/89, na 1ª Secção do 2° Juízo dos Tribunais Cíveis da comarca de Lisboa (resposta ao quesito 4º).</font>
</p><p><font> 10- Na acção de alimentos que correu termos sob o nº 6.651/1989, na 3ª Secção, do 3º Juízo dos Tribunais Cíveis da comarca de Lisboa, GG contestou a necessidade de alimentos da A. provando que esta havia recebido em 17/04/1989 de JJ, a quantia de 3.375.000$00, a título de sinal, pela prometida venda de um qualquer imóvel pertencente a ela própria e a GG, em compropriedade (resposta ao quesito 5º).</font>
</p><p><font> 11- A A. para prova do então quesito oitavo, apresentou o acordo constante do instrumento de fls. 16, para prova de que havia a aplicado parte da quantia recebida de JJ na compra do lote de terreno de CC e que o valor da compra que iria efectuar era superior àquele que ela recebera resposta ao quesito 6º).-------------------------------------------</font><br>
<br>
<font> 2-3- Está em causa, no caso vertente, um contrato promessa de compra e venda de um lote de terreno cuja promitente compradora foi a A. AA e promitente vendedor CC, contrato que se encontra nos autos a fls. 18.</font><br>
<font> Invocando o incumprimento do contrato por parte do promitente vendedor, a A. pretende que, para além do mais, este lhe pague o sinal em dobro.</font><br>
<font> Na 1ª instância, com o fundamento de que não foi demonstrada a entrega de qualquer quantia a título de sinal (pese embora no contrato tivesse sido declarada a quitação de determinada quantia), sendo que competia à A. demonstrar a entrega da quantia em causa, julgou-se a acção improcedente, com absolvição da R..</font><br>
<font> Na Relação, com base no documento que titulou o negócio, concluiu-se, para o que aqui interessa, do seguinte modo:</font><br>
<font> “</font><i><font>1- Têm-se por verdadeiras a letra e assinatura inseridas num documento particular se reconhecidas pelo notário.</font></i><br>
<i><font> 2- Por sua vez os documentos particulares com força probatória legal, nos termos dos arts. 374º e 376º nº 1 do C.Civil, só podem ver ilidida essa presunção se for arguida, e provada, a sua falsidade, por via incidental, ou com fundamento na existência de vícios de vontade.</font></i><br>
<i><font> 3- A confissão … feita em documento particular ou autêntico, tem força probatória plena.</font></i><br>
<i><font> 4- Assim, a afirmação exarada em documento particular … de que uma parte entregou à outra, que recebeu, determinada quantia a título de sinal, tem força probatória plena de confissão, porquanto nem foi arguida a falsidade do documento nem qualquer vício na formação da vontade.</font></i><br>
<i><font> 5- Assim sendo, é inadmissível a produção de prova testemunhal sobre tais factos</font></i><font>”.</font><br>
<font> Nesta conformidade, considerou-se a formulação do quesito 1º (que adiante iremos especificar) como desnecessária e legalmente inadmissível, entendendo-se que através do documento se devem ter como plenamente provadas as entregas ao promitente vendedor a título de sinal, das importâncias nele expressas. Fazendo-se depois uma análise ao regime do contrato promessa, concluiu-se que “</font><i><font>celebrado um contrato promessa de compra e venda de bem imóvel e inexistindo interpelação para a celebração do contrato definitivo, bem como qualquer diligência de qualquer uma das partes à contra-parte com o objectivo de cumprimento desse contrato e desconhecendo-se também as razões pelas quais não foi celebrada a escritura pública ou que obstaram ao cumprimento do contrato definitivo, deve concluir-se pela perda objectiva do interesse contratual comum por culpa de ambas as partes</font></i><font>”, razão por que se determinou a restituição do sinal à A. em singelo, julgando-se a acção parcialmente procedente.</font><br>
<font> Na presente revista a recorrente sustenta que o quesito 1° é legalmente admissível e sobra ele poderia e deveria, como aconteceu, ter sido produzida prova testemunhal. A força probatória do documento particular de fls. 18 dos autos circunscreve-se no âmbito das declarações (de ciência ou de vontade) que nele constam como feitas pelo respectivo subscritor. A prova plena estabelecida no documento não demonstra plenamente os factos que nele sejam narrados como praticados pelos seus autores ou como objecto da sua percepção directa. Nessa medida, apesar de demonstrada a autoria do documento, designadamente pelo respectivo reconhecimento das assinaturas nele apostas, daí não resulta, necessariamente, que os factos compreendidos nas declarações dele constantes se hajam de considerar provados, o mesmo é dizer que daí não advém que os documentos provem plenamente os factos neles referidos. </font><br>
<font> Quer dizer, na revista, a recorrente contesta a posição assumida pela Relação no que toca à força probatória do dito documento. Segundo ela, em divergência com a postura da Relação, pese embora o que consta do documento (particular), será possível efectuar-se prova testemunhal tendente a desmentir as declarações nele constante feitas pelos contratantes.</font><br>
<font> O valor probatório de tal documento é, pois, o objecto da presente revista.</font><br>
<font> Como ponto prévio convém esclarecer que os poderes do S.T.J. em sede de apreciação/alteração da matéria de facto, são muito restritos. Assim, o Supremo só poderá proceder a essa análise/modificação nas limitadas hipóteses contidas nos arts. 722º nº 2, 729º nºs 2 e 3 do C.P.Civil, isto é, quando a decisão das instâncias vá contra disposição expressa da lei que exija certa prova para a existência do facto ou fixe a força de determinado meio de prova (prova vinculada), quando entenda que a decisão de facto pode e deve ser ampliada, ou quando ocorrem contradições da matéria de facto que inviabilizem a decisão jurídica do pleito. Por outras palavras, o S.T.J. só poderá conhecer do juízo da prova sobre a matéria de facto formado pela Relação, quando esta deu como provado um facto sem a produção da prova considerada indispensável, por força da lei, para demonstrar a sua existência, ou quando ocorrer desrespeito das normas reguladoras da força probatória dos meios de prova admitidos no nosso ordenamento jurídico de origem interna ou de origem externa. Para além disso, o S.T.J. só poderá ordenar a ampliação da matéria de facto nos termos referidos, ou anular a decisão relativa à matéria de facto por contradição. Em relação a este entendimento parece não existirem quaisquer dúvidas, constituindo tal jurisprudência unânime deste Supremo Tribunal (entre outros, vide Acórdão do STJ 18-9-2003, Proc 03 B2227ITIJ/Net). De resto, como decorre do disposto no art. 712º nº 6 do C.P.Civil, das decisões da Relação sobre a matéria de facto, não é, em regra, admissível o recurso para o S.T.J. Trata-se, no essencial, de consagrar o princípio de que a competência jurisdicional do Supremo Tribunal, se limita à apreciação da matéria de direito, como decorre do art. 26º da Lei 3/99 de 13/1 (Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais) segundo o qual “</font><i><font>fora dos casos previstos na lei, o Supremo Tribunal de Justiça apenas conhece de matéria de direito</font></i><font>”.</font><br>
<font> A alteração pedida pela recorrente é, porém, teoricamente admissível porque constitui uma questão relativa </font><i><font>a ofensa de disposição que fixa a força de determinado meio de prova</font></i><font>, mais concretamente, incide a controvérsia sobre a apreciação da força probatória do dito documento particular. No fundo do que se tratará é de saber se a Relação, ao proceder da forma como o fez, se conformou, ou não, com as normas que regulam tal matéria (direito probatório), o que, evidentemente, constitui, matéria de direito.</font><br>
<font> Vejamos então:</font><br>
<font> O documento em observação está nos autos a fls. 18, encontra-se assinado pelos dois outorgantes, sendo que assinatura da A. se encontra reconhecida notarialmente (com data de 04/01/1990).</font><br>
<font> No documento consta que “</font><i><font>como sinal e princípio de pagamento a segunda outorgante entregou já em 27 de Julho de 1989 a quantia de 1.600.000$00 de que este lhe deu oportuna quitação, tendo entregue como reforço desse sinal, em 16 de Outubro de 1989, mais a quantia de 900.000$00, de que este, nessa altura, lhe deu quitação</font></i><font>” (cláusula 4ª). Isto é, do escrito resulta que a promitente compradora terá pago ao promitente vendedor, a título de sinal, as ditas importâncias, tendo este dado a correspondente quitação.</font>
</p><p><font> Pese embora esta declaração, será possível, indo contra o conteúdo do documento, efectuar prova testemunhal tendente a demonstrar que a declaração de recebimento das quantias não corresponde à verdade?</font>
</p><p><font> É esta a questão particular e essencial que a revista coloca.</font>
</p><p><font> No que toca à sua força probatória de um documento particular, refere o art. 376º nº 1 do C.Civil (diploma de que serão as disposições a referir sem menção de origem) “</font><i><font>o documento particular cuja autoria seja reconhecido nos termos dos artigos antecedentes faz prova plena quanto às declarações atribuídas ao seu autor, sem prejuízo da arguição e prova da falsidade do documento</font></i><font>”. Acrescenta o nº 2 da disposição que “</font><i><font>os factos compreendidos na declaração consideram-se provados na medida em que sejam contrários aos interesses do declarante; mas a declaração é indivisível, nos termos prescritos para a prova por confissão</font></i><font>”.</font><br>
<font> O nº 1 desta disposição refere-se expressamente à autoria do documento </font><i><font>reconhecida nos termos dos artigos antecedentes</font></i><font>, isto é, os documentos particulares devem ser assinados nos termos indicados pelo art. 373º, sendo que “</font><i><font>a letra e a assinatura, ou só a assinatura, de um documento particular consideram-se verdadeiras, quando reconhecidas ou não impugnadas pela parte contra quem o documento é apresentado, ou quando esta declare não saber se lhe pertencem, apesar de lhe serem atribuídas, ou quando sejam havidas legal ou judicialmente como verdadeiras</font></i><font>”. Acrescenta o nº 2 da disposição que “</font><i><font>se a parte contra quem o documento é apresentado impugnar a veracidade da letra ou da assinatura, ou declarar que não sabe se são verdadeiras, não lhe sendo elas imputadas, incumbe à parte que apresentar o documento a prova da sua veracidade</font></i><font>”. Por fim, “</font><i><font>se estiverem reconhecidas presencialmente, nos termos das leis notariais, a letra e assinatura do documento, têm-se por verdadeiras</font></i><font> (art. 375º nº 1). “</font><i><font>Se a parte contra quem o documento é apresentado arguir a falsidade do reconhecimento presencial da letra e assinatura, ou só da assinatura, a ela incumbe a prova dessa falsidade</font></i><font>” (nº 2 do mesmo artigo).</font>
</p><p><font> Quer dizer, os documentos particulares assinados pelo seu autor, se não existir a impugnação a que aludem os arts. 374º e 375º, fazem prova plena em relação às declarações atribuídas ao seu autor, sem prejuízo, porém, da arguição e prova da sua falsidade. Fica, assim, plenamente provado que o autor proferiu essas declarações. </font>
</p><p><font> Como resulta do nº 2 do art. 376º, os factos compreendidos na declaração consideram-se provados na medida em que sejam contrários aos interesses do declarante, sendo, todavia, indivisível a declaração, nos termos prescritos para a prova por confissão.</font>
</p><p><font> Os factos objecto da declaração que forem contrários aos interesses do declarante apresentam-se como factos objecto de confissão e, por isso, consideram-se provados nos termos gerais da confissão (vide a este propósito Vaz Serra </font><i><font>in </font></i><font>RLJ, ano 110º, pág. 85).</font>
</p><p><font> Isto não significa que o declarante não possa provar que essa declaração não correspondeu à verdade. Porém só o poderá fazer se invocar que a declaração foi inquinada por algum vício de consentimento, não tendo sido verdadeiramente querida por si. Como diz Vaz Serra “</font><i><font>a regra do nº 2 do art. 376º constitui uma presunção fundada na regra de experiência de quem afirma factos contrários aos seus interesses o faz por saber que são verdadeiros; essa regra não tem, contudo, valor absoluto, pois pode acontecer que alguém afirme factos contrários aos seus interesses apesar de eles não serem verdadeiros e que essa afirmação seja divergente da sua vontade por se ache inquinada de algum vício de consentimento: o facto declarado no documento considera-se verdadeiro embora o não seja, por aplicação das regras da confissão podendo, porém, o declarante, de acordo com as regras desta, valer-se dos respectivos meios de impugnação. Pode, por isso, provar o declarante que a sua declaração não correspondeu à sua vontade ou que foi afectada por algum vício de consentimento (cfr. art. 359º)</font></i><font>” (mesma revista, pág. 85).</font>
</p><p><font> Ainda no mesmo sentido em anotação ao art. 376º referem Pires de Lima e Antunes Varela que “</font><i><font>o nº 1 deste artigo deve ser interpretado em harmonia com o disposto no nº 2. Só as declarações contrárias aos interesses do declarante se devem considerar plenamente provadas e não as favoráveis, como no caso de se declarar que se emprestou a alguém determinada quantia. A força probatória do documento não impede que as declarações dele constantes sejam impugnadas com base na falta de vontade ou nos vícios de vontade capazes de a invalidarem</font></i><font>” (</font><i><font>in </font></i><font>Código Civil Anotado, 4ª edição, Volume I, pág. 332).</font>
</p><p><font> Assim, num documento particular cuja autoria não seja colocada em causa nos termos acima referidos, a declaração nele contida considera-se plenamente provada, na medida em que seja contrária aos interesses de quem a profere, a não ser que o declarante refira que não correspondeu à sua vontade ou que foi afectada por algum vício de consentimento, o que terá que expressamente arguir. Naquela conformidade, a declaração é equiparada a uma confissão, aplicando-se-lhe o respectivo regime.</font>
</p><p><font> Em relação à confissão extrajudicial (em causa no caso vertente) estabelece o art. 358º nº 2 que a “</font><i><font>confissão extrajudicial, em documento autêntico ou particular, considera-se provada nos termos aplicáveis a estes documentos e, se for feita à parte contrária ou a quem a represente, tem força probatória plena</font></i><font>”, sendo que a “</font><i><font>confissão judicial ou extrajudicial pode ser declarada nula ou anulada, nos termos gerais, por falta ou vícios de vontade, mesmo depois do trânsito em julgado da decisão, se ainda não tiver caducado o direito de pedir a sua anulação</font></i><font>”.</font>
</p><p><font> Como refere Manuel de Andrade, a confissão (1). </font><i><font>quando exarada em documento com força probatória plena e for feita à parte contrária ou a quem a represente, tem força probatória plena (art. 358º nº 2 do Cód. Civil)</font></i><font>” (</font><i><font>in </font></i><font>Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1976, pág. 247).</font>
</p><p><font> Ainda em relação ao valor probatório da confissão extrajudicial, este mesmo autor sustenta que uma vez estabelecida a sua autenticidade, essa confissão (escrita) “</font><i><font>só vincula o confitente (e através dele o juiz) quando dirigida à parte interessada ou seu representante; se for feita a um terceiro ou ainda se contida em testamento o juiz apreciá-la-á livremente (Cód. Civil art. 358º nº2 e 4)</font></i><font>” (obra citada, pág. 255).</font>
</p><p><font> De sublinhar também que nos termos do art. 359º nº 1 “</font><i><font>a confissão, judicial ou extrajudicial, pode ser declarada nula ou anulada, nos termos gerais, por falta de vícios de vontade, mesmo depois do trânsito em julgado da decisão, se ainda não tiver caducado o direito de pedir a sua anulação</font></i><font>”. </font>
</p><p><font> Quer isto dizer que a confissão pode declarada ser nula ou anulada nos termos gerais dos arts. 240º e seguintes quanto à falta e aos vícios de vontade, e 285º e seguintes, quanto ao regime de nulidade ou anulabilidade (vide Pires de Lima e Antunes Varela, obra referida, pág. 318).</font><i><font> </font></i>
</p><p><font> Revertendo estes princípios para o caso vertente, deve concluir-se que, uma vez que a R. não impugnou a autoria nem a assinatura do documento, não arguiu a sua falsidade e nem invocou que as afirmações nele constantes haviam sido efectuadas com qualquer vício de vontade, devem ter-se como plenamente provadas essas declarações, na medida em que são contrárias a quem as proferiu, aproveitando à parte contrária, à A.. Por isso, deve ter-se como plenamente provado o recebimento, pelo promitente vendedor, das quantias insertas no documento. Por outras palavras, a afirmação exarada no documento pelo promitente vendedor (o CC) de que recebeu as quantias nele indicadas, a título de sinal e princípio de pagamento, faz prova plena dessa afirmação, equivalendo a uma confissão extrajudicial.</font>
</p><p><font> Assim sendo, a formulação do ponto 1º da base instrutória (onde se indagava se “</font><i><font>a A. entregou ao R. CC a quantia de 1.600.000$00 em 27-7-1989 e a quantia de 900.000$00 em 16-10-1989 e posteriormente entregou a quantia de 1.000.000$00 referentes ao preço estipulado no acordo constante de fls. 18</font></i><font>” - por evidente lapso indicou-se, em vez de fls. 18, fls. 16), deve ter-se como parcialmente não escrita, já que é desnecessária e até legalmente inadmissível, no que toca às quantias que o declarante, CC, diz ter recebido e dado quitação (as importâncias de 1.600.000$00 e 900.000$00). Isto em razão da dita força probatória plena que incide sobre tais declarações (2).</font>
</p><p><font> A desnecessidade e ilegalidade da formulação de tal ponto da base instrutória resulta também da inadmissibilidade da prova testemunhal (em relação às ditas importâncias), dado que, como resulta do art. 393º nº 2, tal prova iria incidir sobre facto plenamente provado por documento com força probatória plena.</font>
</p><p><font> O art. 347º estabelece que “</font><i><font>a prova legal plena só pode ser contrariada por meio de prova que mostre não ser verdadeiro o facto que dela for objecto, sem prejuízo de outras restrições especialmente determinadas na lei</font></i><font>”. Ou seja, esta disposição admite e estabelece os modos de contrariar a prova legal plena. Porém, como salientam Pires de Lima e Antunes Varela (obra indicada, pág. 310) “</font><i><font>para de admitir prova em contrário, a lei exige nalguns casos que se alegue e prove a falsidade do meio de prova (cfr. art. 372º nº 1, art. 376º e nº 2 do art. 393º</font></i><font>), ou seja, para o que aqui importa, em relação a um documento particular, para que se possa admitir prova em contrário, será necessário que se argua e prove a falsidade do mesmo (vide art. 376º nº 1).</font>
</p><p><font> Por isso, nos parece ser absolutamente certa a posição assumida na Relação sobre o assunto. Em idêntico sentido decidiram, entre outros, os Acórdãos deste STJ de 9-12-2008 (Relator Cons. Nuno Cameira) e de 7-10-2004 (Relator Cons. Salvador da Costa), ambos acessíveis em www.dgsi.pt/jstj.nsf. </font>
</p><p><font> É certo que na contestação, em relação ao vertido no art. 9º da p.i. (onde a A. afirma ter entregue ao CC as quantias indicadas na cláusula 4ª do contrato-promessa junto), a R. afirma que impugna o dito aí, sendo que o desconhece sem obrigação de o conhecer, sendo que o pai (o dito CC) nunca lhe comunicou existir tal documento (arts. 22º e 26º da contestação). É, porém, tal oposição factual irrelevante, visto que não impugna a autoria nem a assinatura do documento, nem faz arguição da sua falsidade e nem invoca que as declarações nele constantes tenham sido efectuadas, por seu pai, através de qualquer vício de vontade. Por isso se deve ter como plenamente provado não só que o CC proferiu tais declarações (foi autor delas), mas também a veracidade de tais declarações (3)</font>
</p><p><font> Significa isto que não existe fundamento para a intervenção correctiva deste Supremo Tribunal, baseada em ofensa da lei que </font><i><font>fixa a força de determinado meio de prova </font></i><font>(art. 722º nº 2 do C.P.Civil), pelo que a pretensão da recorrente é improcedente. </font>
</p><p><font> Em relação às apreciações feitas, no douto acórdão recorrido, ao contrato-promessa,
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1.ª Secção (Cível)
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<b><font> </font></b><font><br>
<i><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font></i><br>
<br>
<br>
<font>I. Relatório</font><br>
<br>
<font>AA e marido BB, CC e esposa DD, EE e marido FF, GG, </font><font>HH </font><font>e </font><font>II</font><br>
<font> intentaram acção declarativa com processo ordinário </font><br>
<i><u><font>contra </font></u></i><br>
<font>JJ</font><font> e esposa </font><font>KK</font><font>, a que associaram o pedido de intervenção principal provocada de </font><br>
<font>LL e MM, por serem herdeiras dos falecidos NN e esposa,.</font><br>
<br>
<i><u><font>pedindo que </font></u></i><br>
<font>- seja declarado que eles AA. e os intervenientes LL e MM são os únicos herdeiros dos falecidos NN e esposa</font><br>
<font>- seja reconhecido que a parcela de terreno e vivenda nela construída, identificadas na p.i., fazem parte da herança indivisa dos falecidos NN e esposa, </font><br>
<font>- seja reconhecido aos AA. e intervenientes o direito de propriedade sobre a parcela de terreno e vivenda, que dela faz parte</font><br>
<font>- se ordene o cancelamento de quaisquer registos que eventualmente hajam sido feitos pelos RR.,</font><br>
<font>- se condenem os RR. a reconhecer tal direito de propriedade e consequente restituição da vivenda, com desocupação da mesma, </font><br>
<font>- se condenem os RR. a pagarem aos AA. e intervenientes a quantia de 24.000.000$00 pela ocupação da vivenda desde 1980 até à data da entrada desta acção em juízo (Junho de 2000),</font><br>
<font>- se condenem os RR. a pagar aos AA. e intervenientes a indemnização de 100.000$00 mensais desde 2000.07.01 até desocupação efectiva da vivenda.</font><br>
<font> </font><br>
<font>Para tanto alegaram, em suma, que são os únicos herdeiros, representantes e sucessores de NN e esposa OO</font><br>
<u><font>O falecido NN era dono de um terreno, no qual, em vida do mesmo, um genro deste, de nome </font></u><u><font>PP</font></u><font> (que foi casado com a A. HH, filha daquele) </font><u><font>construiu numa parte dele uma vivenda</font></u><font>, a qual foi inscrita na matriz sob o art. 11.344 como mera benfeitoria sobre o terreno do sogro; o referido genro sabia estar a implantar a vivenda em terreno alheio, e sabia que a mesma passava a fazer parte integrante do prédio do sogro; os RR. ocupam tal vivenda desde 1980, recusando-se a entregá-la e nada pagando pela sua ocupação, tendo valor locativo de 100.000$00 por mês.</font><br>
<font> Juntaram Docs.</font><br>
<br>
<font>Os RR. contestaram e deduziram reconvenção, </font><br>
<font>pedindo, principalmente, </font><br>
<font>- que sejam eles declarados proprietários da vivenda construída sobre uma parcela de terreno, procedendo-se a desanexação e ordenando-se o cancelamento da actual inscrição da propriedade, </font><br>
<font>- e subsidiariamente que seja reconhecido que gozam do direito de retenção sobre o mesmo prédio,</font><br>
<font>- que deve ser declarado vendido aos RR. pelos sucessores de PP, genro do NN, pelo preço de 1.000.000$00 a referida moradia livre de ónus ou encargos, se se entender que é uma benfeitoria, </font><br>
<font>e caso sucumbam tais pedidos devem os sucessores do PP pagar aos RR. a indemnização de 13.500.000$00, e juros desde a citação.</font><br>
<font> </font><br>
<font>Para tanto alegaram, em suma, ocupar a moradia há mais de 20 anos por a terem comprado ao PP que se arrogava a qualidade de proprietário e que a entrega da moradia foi autorizada pelo cônjuge do PP ( a A. HH) , pelo que a adquiriram por usucapião; estando em dívida apenas 500.000$00 aos donos da moradia, gozam do direito de retenção sobre ela, por virtude de contrato-promessa de compra e venda celebrado entre o R. e o PP, ficando em dívida apenas 500.000$00 a pagar no acto da escritura, nunca tendo sido resolvido tal contrato-promessa; disseram, por fim, que a moradia vale actualmente 14.000.000$00 e que o valor locativo da casa não é superior a 3.000$00 mensais.</font><br>
<font> Juntou Docs.</font><br>
<br>
<font>Os AA. replicaram e alegaram, em suma, que a A. II não teve intervenção na promessa de compra e venda, nunca tendo o PP administrado a moradia.</font><br>
<font>Impugnaram a restante matéria.</font><br>
<br>
<font>Julgou-se procedente o incidente de Intervenção Principal.</font><br>
<br>
<font>Admitida a Reconvenção</font><br>
<br>
<font>Saneado, condensado e instruído o processo, seguiu ele para julgamento.</font><br>
<font>Foi indeferido o depoimento de parte dos intervenientes, decisão de que os RR. recorreram. </font><font>(agravo)</font><br>
<br>
<u><font>Após incidente de habilitação passou a acção a ter esta como AA. apenas </font></u><u><font>HH </font></u><u><font>e</font></u><u><font> </font></u><font>II (esposa e filha do já referido PP)</font><br>
<br>
<font>Efectuou-se Audiência de Julgamento, e a fls. 382 a 384 respondeu-se à Base Instrutória.</font><br>
<font>A Sentença veio a julgar parcialmente procedente o pedido das AA. HH e II, </font><br>
<i><font>- reconhecendo-lhes o direito de propriedade sobre a vivenda (integrada no prédio composto por 7.870 m2 de terreno de cultura hortícola, sito no Faralhão, freguesia do Sado, concelho de Setúbal, confrontando a Norte com Estrada da Chamburguinha, Sul com CC e Mulher, Nascente com CC e Poente com Estrada da Mourisca, inscrito na matriz cadastral da freguesia de S. Sebastião, sob parte do Artº. 4º., da Secção H) inscrito na matriz predial urbana da freguesia do Sado, sob o Artº. 1486, </font></i><br>
<i><font>- julgando também parcialmente procedente a Reconvenção dos RR. JJ e esposa KK, e em consequência </font></i><br>
<i><font>- condenou as referidas AA. a pagar aos RR. o montante de 13.500.000$00 (treze milhões e quinhentos mil escudos) – o seu equivalente em Euros – acrescido de juros a contar desde 2000.12.08, à taxa de 7% até 2003.04.30, e à taxa de 4% desde 2003.05.01 até integral pagamento, </font></i><br>
<i><font>- e declarou que os RR. gozam de direito de retenção, sobre a aludida vivenda, até pagamento da indemnização ora arbitrada, não tendo de proceder à restituição da aludida vivenda até ao referido pagamento.</font></i><br>
<br>
<font>Desta vez foram as actuais AA. que não se conformaram, tendo interposto recurso </font><font>(apelação)</font><br>
<br>
<font>A Relação veio no entanto a julgar improcedente a apelação, pelo que não chegou sequer a tomar conhecimento do agravo. (fls. 500-518 e 521), ficando assim plenamente confirmada a Sentença proferida na primeira instância.</font><br>
<br>
<font>Voltam agora as AA. a recorrer, pedindo Revista</font><br>
<br>
<font>II. Âmbito do recurso</font><br>
<br>
<font>Tendo em conta o disposto nos arts. 684.º-3 e 690.º-1 do CPC vamos começar por transcrever as conclusões apresentadas pelas recorrentes nas suas alegações de recurso, já que é nelas que devem condensar-se os fundamentos para o seu inconformismo, assim se delimitando o respectivo âmbito:</font><br>
<br>
<i><font>“1 - É ponto assente que as questões por resolver nos presentes autos têm como pano de fundo, e seu elemento essencial, um escrito denominado pelas partes "Promessa de Venda", datado de 6 de Novembro de 1980, assinado, por um lado, por PP e, por outro, por JJ e QQ, documento que foi pelas Instâncias interpretado como uma promessa de compra e venda outorgada pelo primeiro a favor dos segundos, relativa a uma moradia, pelo preço de mil contos, com pagamento de metade, tendo o resto do preço sido remetido para o acto da realização da escritura definitiva de compra e venda. </font></i><br>
<i><font>2 - Provou-se nos autos, com toda a segurança, que a referida moradia tem sido habitada, desde, pelo menos, 1980 por um dos promitentes compradores, referido JJ e sua mulher KK que não consta nem é referida na promessa. </font></i><br>
<i><font>Contexto em que, </font></i><br>
<i><font>3 - A primeira questão que o contrato levanta consiste em saber, havendo, como há, dois promitentes compradores e tendo a moradia passado a ser habitada só por um e sua mulher, com exclusão do outro, se pode considerar-se ter havido tradição susceptível de desencadear o mecanismo indemnizatório previsto na parte final do n.º 2 do art. 442.º do CC (indemnização correspondente ao valor ao tempo do incumprimento).</font></i><br>
<i><font>4 - Parece evidente que o requisito tradição consubstanciado, no caso do autos, pela entrega e recebimento da moradia, para ser operante, teria que ser feito a favor dos promitente compradores, não bastando que o seja apenas a favor de um deles com exclusão do outro. </font></i><br>
<i><font>5 - Nem sequer é lícita a fixação da totalidade da indemnização a favor do Réu JJ e de sua mulher, omitindo- se, como se não existisse, a outra promitente compradora, referida QQ, contraente que, a nível da promessa, tem posição em tudo idêntica ao Réu JJ, mas que, em hipótese alguma, poderia beneficiar, no todo ou em parte, da indemnização arbitrada pela instância, por que, a seu favor, nunca houve tradição, nem ela, como dos autos emerge com clareza, alguma vez, habitou, permaneceu ou, por qualquer forma, ocupou a moradia. </font></i><br>
<i><font>6 - Motivo que seria, só por si, suficiente para indeferir o pedido reconvencional de indemnização correspondente ao valor da moradia ao tempo do incumprimento e, bem a sim, o pedido de reconhecimento do direito de retenção que garantiria o pagamento dessa indemnização. </font></i><br>
<i><font>7 - De notar que a promitente compradora QQ não só nunca habitou a moradia, como não é parte no processo, nem dela há qualquer notícia nos autos, o que igualmente levanta um problema de legitimidade em sede de pedido reconvencional, por se tratar de uma hipótese nítida de litisconsórcio necessário - art. 28.º do CPC. </font></i><br>
<i><font>Por outro lado,</font></i><br>
<i><font>8 - Tendo presente que o promitente vendedor PP era, ao tempo da promessa, casado com a Autora, aqui Recorrente, HH no regime da comunhão geral, conforme certidão junta com a p.i. sob o n.º 16, e resultando da promessa, e da matéria provada, que a referida II não teve qualquer intervenção na prometida compra e venda, coloca-se, naturalmente, a questão de saber se, nestas circunstâncias, poderia ter havido tradição no sentido técnico jurídico do termo. </font></i><br>
<i><font>9 - A este propósito recorda-se o recente Acórdão desse Venerando Douto Supremo Tribunal de 13 de Janeiro de 2005, relatado pelo Ex.º Senhor Juiz Conselheiro Neves Ribeiro que, em caso em tudo idêntico ao dos autos, se pronunciou acertada e claramente pela negativa, tendo decidido no essencial que: </font></i><br>
<i><font>- O contrato relativo a um bem imóvel comum do casal só assinado pelo marido produz efeitos meramente obrigacionais; </font></i><br>
<i><font>- Não produz efeitos reais designadamente a transferência de posse a favor do promitente comprador; </font></i><br>
<i><font>- Não constitui título legítimo do direito de retenção; </font></i><br>
<i><font>- O imóvel, objecto mediato da promessa, pode ser reivindicado pelo dono. </font></i><br>
<i><font>10 - Este douto Acórdão que define lapidarmente os termos em que a questão do auto deve ser resolvida, encontra-se disponível na Internet (www.dgsi.pt), mas, para facilidade de consulta, vai junto às presentes alegações por fotocópia.</font></i><br>
<i><font>Finalmente, </font></i><br>
<i><font>11- As Autoras da acção, aqui recorrentes, deduziram pedido indemnizatório correspondente ao tempo em que a moradia dos autos foi, sem qualquer pagamento, utilizada pelos Réu, aqui recorridos – arts. 18.º a 22.º da p.i. e alíneas h) e t) do pedido. No Tribunal da Relação, e com base nos elementos dados como provados na 1.ª instância, refizeram-se os cálculos – n.ºs 25 e seguintes das alegações e conclusão 13.ª - concluindo-se, pelas razões supra aduzidas, que aqui e dão por integralmente reproduzidas , que as Autoras têm direito a ser indemnizadas pelos Réus, relativamente ao período compreendido entre 1980 e 31 de Dezembro de 2007, pelo valor de € 75.980,00, acrescido do que e apurar a partir de 1 de Janeiro de 2008 à razão de € 400,00 mensais, valor claramente superior ao montante indemnizatório fixado a favor dos Réus pelo Tribunal da Relação - € 67 337,99. </font></i><br>
<i><font>Assim, </font></i><br>
<i><font>12 - E para além da questão da nulidade resultante de nunca ter havido decisão sobre esta questão, ainda que porventura tenha a entender-se, o que te admite por mera hipótese em conceder, que os Réus, com base na tradição da moradia, teriam direito a indemnização correspondente ao valor da mesma moradia ao tempo do incumprimento da promessa, mesmo assim, haveria que proceder-se à compensação de indemnizações a qual se mostra claramente favorável às Autoras, com preclusão do direito de retenção e condenação dos Réus a entregarem às Autoras a moradia dos autos e a pagarem-lhe o valor residual correspondente à diferença dos montantes indemnizatórios. </font></i><br>
<i><font>13 - O douto Acórdão recorrido desrespeitou, pelo menos, os arts. 410°, 422°, 755°, 1682°-A do CC e os arts. 28° e 668°do CPC. </font></i><br>
<i><font>Termos em que, </font></i><br>
<i><font>Deve ser concedido provimento ao presente recurso com anulação ou revogação do douto Acórdão recorrido”</font></i><br>
<br>
<font>Da leitura destas conclusões vemos que as questões que nos estão colocadas e sobre as quais pretendem as recorrentes que nos pronunciemos são as seguintes:</font><br>
<br>
<font>a) Dos efeitos do contrato promessa em que o promitente vendedor, casado em regime de comunhão geral de bens, outorgou no contrato desacompanhado do cônjuge</font><br>
<font>b) mecanismo indemnizatório decorrente do contrato promessa de imóvel quando há dois promitentes compradores, mas só há conhecimento de que um deles veio a ocupar o imóvel prometido </font><br>
<font>c) preterição de litisconsórcio necessário e inadmissibilidade da reconvenção </font><br>
<font>d) inexistência do direito de retenção </font><br>
<br>
<font>III. Fundamentação</font><br>
<br>
<br>
<font>III-A) Os Factos:</font><br>
<br>
<font>Estão considerados provados os factos seguintes:</font><br>
<i><font>“1. AA, CC e EE, são filhos do falecido NN e mulher OO, que foram casados no regime de comunhão geral de bens.</font></i><br>
<i><font>2. LL foi casado com RR, filha já falecida dos mesmos NN e OO, tendo deixado 2 únicas filhas SS e TT.</font></i><br>
<i><font>3. A A. HH é filha dos referidos NN e 00 e foi casada com PP, já falecido, tendo tido uma única filha a A. II.</font></i><br>
<i><font>4. As pessoas atrás referidas são os únicos herdeiros representantes e sucessores de NN e mulher OO.</font></i><br>
<i><font>5. Por escritura pública de 25.10.1929, NN comprou a UU uma porção de terreno que fazia parte do prédio rústico denominado Santo Ovídeo, sito em Santas, freguesia de S. Sebastião, Setúbal, descrito na Conservatória do Registo Predial de Setúbal sob o Nº. 312, a folhas 262 verso do Livro B-4, então inscrito na competente matriz predial rústica sob o Artº. 436.</font></i><br>
<i><font>6. Esta porção de terreno passou a constituir uma descrição predial autónoma – prédio Nº. 14.799, a folhas 54 verso do Livro B 51 da mesma Conservatória.</font></i><br>
<i><font>7. A aquisição foi registada definitivamente a favor de NN pela inscrição Nº. 23 056 da dita Conservatória.</font></i><br>
<i><font>8. Um genro do NN, PP, construiu em parte do terreno uma vivenda constituída por um edifício para habitação em alvenaria, com 3 compartimentos, cozinha, casa de banho e garagem, com a área coberta de 52,50 m2 e logradouro com a área de 37,56 m2 que inscreveu na matriz predial urbana da então freguesia de S. Sebastião, hoje Sado, sob o Artº. 11.344, hoje 1.486.</font></i><br>
<i><font>9. O PP promoveu a inscrição matricial da vivenda como benfeitoria sobre terreno pertença do NN.</font></i><br>
<i><font>10. Desde pelo menos 1980 que a vivenda vem sendo ocupada pelos RR. que nela residem e habitam e aí pernoitam.</font></i><br>
<i><font>11. Os RR. nunca pagaram qualquer valor relativo à ocupação da casa.</font></i><br>
<i><font>12. Sobre essa vivenda foi celebrado um contrato promessa de compra e venda, no âmbito do qual PP se obrigou a vender ao R. JJ a aludida moradia.</font></i><br>
<i><font>13. Desde a aquisição que teve lugar em 1929 e até data não concretamente apurada, mas perto da sua morte em 1978, sempre o NN na qualidade de proprietário, e com a consciência de estar a exercer legitimamente o seu direito de propriedade, explorou o prédio, cultivando-o, colhendo, consumindo e vendendo os respectivos frutos, procedendo à sua conservação e introduzindo-lhe melhoramentos.</font></i><br>
<i><font>14. O que tudo sempre fez à vista de toda a gente.</font></i><br>
<i><font>15. E sem oposição de ninguém.</font></i><br>
<i><font>16. Depois da morte sucedeu-lhe a viúva e filhos e, por óbito daquela, seus filhos, sucessores e descendentes.</font></i><br>
<i><font>17. As pessoas referidas em 4. sempre foram reconhecidas pela generalidade das pessoas como proprietários da parcela de terreno em questão.</font></i><br>
<i><font>18. Apesar de instados os RR. recusam-se a entregar a vivenda.</font></i><br>
<i><font>19. A vivenda, se não estivesse ocupada pelos RR., renderia, no mínimo no mercado de arrendamento quantia não inferior a 10 Euros mensais entre 1980 e 1990, 80 Euros mensais entre 1990 e 1999, e actualmente 400 Euros.</font></i><br>
<i><font>20. Os RR. ocupam desde há mais de 20 anos essa moradia.</font></i><br>
<i><font>21. Os RR. têm tido a disponibilidade exclusiva da moradia de forma continuada, sem interrupções, nem oposição de ninguém, sendo que a moradia confronta do Norte com Estrada da Chamburguinha, por onde mede cerca de 7,50 m, do Sul com PP, por onde mede cerca de 7,50 m, Poente com servidão de passagem e Nascente com PP, medindo nestas confrontações cerca de 13,50 m.</font></i><br>
<i><font>22. A casa foi prometida vender ao R. JJ pelo PP, que a havia construído em nome próprio em data não concretamente apurada, anterior a 6.11.80, pagando mão-de-obra e material, e dela tinha a disponibilidade exclusiva, pois detinha as chaves da mesma.</font></i><br>
<i><font>23. Arrogando-se a qualidade de proprietário da moradia.</font></i><br>
<i><font>24. A entrega da casa aos RR. foi conhecida pelo cônjuge do PP, a A. HH .</font></i><br>
<i><font>25. Os RR. executaram obras de conservação e melhoramento na casa, pintando-a, colocando mosaicos na sala de jantar e num dos quartos, e executando ainda uma arrecadação no logradouro, gastando em mão-de-obra e material, valor não concretamente apurado.</font></i><br>
<i><font>26. Os RR. não pediram autorização para essas obras.</font></i><br>
<i><font>27. Os RR. ficaram em dívida com a quantia de 500.000$00 relativamente aos donos da moradia, os referidos PP e Mulher.</font></i><br>
<i><font>28. Que haviam construído a moradia, a suas expensas e com o seu trabalho, numa parte do prédio que em partilhas verbais lhes coube em sorte, e em vida do NN assim havia sido projectado.</font></i><br>
<i><font>29. A casa construída por PP tem actualmente o valor de 16.000.000$00.</font></i><br>
<i><font>30. O aludido contrato promessa de compra e venda foi celebrado em 6.11.80 pelo preço de 1.000.000$00.</font></i><br>
<i><font>31. O R. JJ pagou a PP e Mulher, por força desse contrato, a quantia de 500.000$00.</font></i><br>
<i><font>32. Ficando em dívida a quantia de 500.000$00, que seria paga no acto da escritura.</font></i><br>
<i><font>33. Com o contrato foi entregue ao R., para nela morar, a casa em questão, e o R. requisitou luz e água, pagando o custo do respectivo ramal.</font></i><br>
<i><font>34. O contrato promessa nunca foi resolvido por nenhuma das partes.</font></i><br>
<i><font>35. Em 1980 aquela casa não seria arrendada por valor superior a 3.000$00 por mês.</font></i><br>
<i><font>36. A A. II não teve qualquer intervenção na promessa de compra e venda da casa, tendo a mesma sido apenas pactuada com o seu falecido marido.”</font></i><br>
<br>
<font>III-B) Análise do recurso</font><br>
<br>
<font>Comecemos por fazer um apanhado dos factos provados que se mostram relevantes para a solução do caso:</font><br>
<br>
<font>A A. HH é filha de NN e de OO.</font><br>
<font>A referida A. veio a casar com PP em regime de comunhão geral de bens.</font><br>
<font>Durante o respectivo casamento, a HH e o PP, com autorização dos pais da A., construíram, num terreno que futuramente lhes seria destinado, uma vivenda, que ficou inscrita como benfeitoria do prédio em que se inseria, mas que desde logo era considerada por todos como sendo efectivamente deste casal, já que foi construída por estes e com dinheiro próprio.</font><br>
<font>Posteriormente a essa construção, em 6 de Novembro de 1980, o PP celebrou contrato promessa de compra e venda com os RR. JJ e QQ (mãe do R. JJ, falecida em 1 de Novembro de 1991, e de quem este foi o único herdeiro- fls. 342 a 347), mediante o qual o referido PP (desacompanhado da esposa) se comprometia a vender ao R. JJ e à referida QQ, mediante 1.000.000$00 a referida vivenda, tendo recebido 500.000$00 e ficando de receber o restante no acto da escritura.</font><br>
<font>O promitente vendedor, por sua vez, procedeu à entrega da moradia ao R. JJ e esposa KK (repare-se que a outra promitente compradora não era a mulher do R., mas sim a mãe, QQ, entretanto falecida), tendo a A. HH ficado conhecedora dessa entrega.</font><br>
<font>Acontece que entretanto o PP (marido e pai das actuais AA.) também faleceu.</font><br>
<font>A escritura definitiva da compra e venda não chegou nunca a ser feita.</font><br>
<font>As aqui AA., na qualidade de esposa sobreviva e filha, são as herdeiras do PP, e a elas foi adjudicado em partilhas (por óbito de NN e OO, pais da primeira e avós da segunda, respectivamente) o prédio onde se mostra inserida a vivenda, objecto do contrato promessa.</font><br>
<font>Os RR. ocupam a vivenda há mais de vinte anos.</font><br>
<font>As AA., entre outras coisas, reivindicam o prédio ocupado, dizendo pertencer-lhes, recusando-se a celebrar o contrato definitivo, com base na circunstância de a A. HH, na qualidade de esposa do promitente vendedor, com quem estava casada em regime de comunhão geral de bens, não ter outorgado no contrato promessa.</font><br>
<br>
<font>Quid juris?</font><br>
<br>
<font>O contrato promessa foi celebrado em 6 de Novembro de 1980.</font><br>
<font>O regime jurídico então vigente para o contrato promessa era o decorrente do DL n.º 236/80, de 18/07, pois este diploma, de acordo com o art. 3.º, entrou em vigor na data da sua publicação.</font><br>
<font>Para que se não colocassem problemas a respeito da aplicação da lei no tempo do Decreto-Lei citado, é relevante trazer à colação, embora isso só indirectamente interesse para o caso presente que o legislador teve o cuidado de fazer incluir, logo no artigo 2.º, que o disposto nos arts. 442.º e 830.º do CC., na redacção que esse diploma lhes deu, se aplica a todos os contratos promessa cujo incumprimento se tenha verificado após a sua entrada em vigor.</font><br>
<br>
<font>Entretanto o Dec-Lei n.º 379/86 veio a dar nova redacção a diversos artigos do CC., entre os quais o referido art. 442.º e 830.º Este diploma, no entanto, nada referiu quanto à aplicação da lei no tempo. </font><br>
<font>No entanto, tendo em conta o disposto no art. 12.º do CC., para cuja interpretação constitui pedra basilar os ensinamentos do Prof. Baptista Machado</font><font> (1)</font><font>, </font><i><font>“As condições de validade de um contrato têm de aferir-se pela lei vigente ao tempo em que o negócio foi celebrado.(…)”</font></i><br>
<i><font>“O </font></i><font>estatuto do contrato</font><i><font> é determinado em face da lei vigente ao tempo de conclusão do mesmo contrato.(…)”</font></i><br>
<i><font>“(…) Sempre que porém, as cláusulas de um contrato celebrado na vigência da lei antiga (LA) e por estas consideradas válidas briguem com as disposições da lei nova (LN) com incidência sobre os efeitos do contrato ( e não sobre a validade do mesmo) sendo o teor de tais disposições ditado por razões atinentes ao estatuto das pessoas ou dos bens, a princípios estruturados de ordem social ou económica, estas disposições prevalecem sobre aquelas cláusulas. Enquanto ordenadoras do estatuto legal das pessoas e dos bens tais disposições regulam problemas para os quais a lei competente é a lei nova (LN)”.</font></i><font> </font><br>
<font>E Galvão Telles</font><font> (2)</font><font> ensina que </font><i><font>“O critério a usar no concernente ao conflito de leis no tempo deve partir da distinção entre situações jurídicas de execução instantânea e situações jurídicas de execução duradoura. Tem-se de seguida em atenção, a lei do facto (ocorrido à data da entrada em vigor da lei nova), a lei dos efeitos passados – quer aquela quer esta aplicam-se para ambas as referidas situações – e a lei dos restantes efeitos (ou seja, os futuros e os de um facto pretérito ainda não esgotados quando surge a lei nova). Para estes aplica-se a lei velha quanto às situações jurídicas instantâneas e no que toca à fase pretérita das situações duradouras; mas já se aplica a lei nova quanto à fase subsequente das situações duradouras.”</font></i><font> </font><br>
<br>
<font>Decorre daqui que no tocante à validade do contrato em presença, sua natureza e efeitos produzidos até à entrada em vigência da lei nova, rege a lei antiga; quanto aos efeitos duradouros posteriormente produzidos à entrada em vigor da lei nova, deve ser esta a regê-los:</font><br>
<font>Tendo em conta que o contrato promessa foi celebrado em Novembro de 1980, aplica-se à respectiva validade e natureza e efeitos instantâneos ou duradouros produzidos até à entrada em vigor da lei nova (DL n.º 379/86, de 11), a redacção dos arts. 442.º e 830.º que lhes foi dada pela lei antiga (DL 236/80, de 18/07)</font><br>
<font>À situação dos alegados incumprimento e direito de retenção, como ocorridos já no domínio da lei nova (LN), deve aplicar-se o regime jurídico dela decorrente.</font><br>
<br>
<font>Dito isto, podemos avançar para a análise da situação em presença.</font><br>
<br>
<font>O contrato promessa estava sujeito às disposições legais do contrato prometido (aqui compra e venda), excepto quanto à forma e às que pela sua razão de ser não se devam considerar extensivas ao contrato promessa- art. 410.º-1 do CC.</font><br>
<font>No entanto, como a lei exigia então escritura pública para o contrato prometido.(art. 410.º-1 do CC. e art. 78.º do Código do Notariado na redacção então vigente), teria de o contrato promessa obedecer à forma escrita, e de ser assinado pelos promitentes. – art. 410.º-2 do CC.</font><br>
<font>In casu, vieram a assinar o contrato promessa os promitentes compradores e apenas o promitente vendedor (não o assinando a esposa, com quem estava casado em regime de comunhão geral de bens). </font><br>
<font>Pois bem: </font><br>
<font>A moradia prometida vender fora construída a expensas e com o trabalho do PP (promitente vendedor) numa parte do prédio que ainda em vida de NN, antes de 1978, fora convencionado vir a caber-lhe em partilhas.</font><br>
<font>A esposa do PP (ou seja a aqui A. HH), embora não tendo assinado o contrato promessa, tinha conhecimento desse facto e pactuou com o marido na sua celebração. </font><br>
<font>Mesmo que à data ainda não estivesse formalizada a adjudicação do imóvel (onde a mesma se insere) ao já referido PP e esposa (a aqui Autora HH), e portanto não tivessem ainda um título formal válido de propriedade sobre o imóvel, o facto de haver um consenso ainda que verbal sobre as partilhas e de a A. HH ter pactuado com o falecido marido na outorga do contrato promessa, vem a significar que existia já, pelo menos da parte destes, uma expectativa jurídica de virem a adquirir o título formal de proprietários sobre o imóvel, que ainda lhes faltava.</font><br>
<font>Não podem restar dúvidas, portanto, que, ao outorgar o contrato promessa de compra e venda, o VV, se comprometia, pelo menos, a uma venda de um bem do casal situado em imóvel que lhe estava destinado (coisa futura), comprometendo-se consequentemente a obter o consentimento da esposa para a realização do contrato definitivo.</font><br>
<font> A venda de bens alheios (e portanto a promessa de venda de bens alheios, </font><i><font>ex vi</font></i><font> do disposto no art. 410.º-1 do CC.) fica sujeita ao regime da venda de bens futuros</font><font> </font><font>(art. 893.º do CC), se as partes os considerarem nessa qualidade. </font><br>
<font>A este respeito, ensinava Pessoa Jorge</font><font> (3)</font><font>, que se relativamente a determinada pessoa houvesse um direito ou uma expectativa jurídica de aquisição sobre a coisa alheia, e as pessoas contratassem nessa base, podia essa pessoa realizar o contrato como sendo de coisa futura, deixando assim de lado o regime previsto no art. 892.º do CC. </font><br>
<br>
<font>De considerar ainda, que, atento o facto de o promitente vendedor ter celebrado o contrato promessa desacompanhado da esposa (a aqui A. HH), nem por isso tornaria a promessa inválida.</font><font> (4)</font><br>
<font>O VV passou a ficar obrigado a obter o consentimento da esposa para a celebração do contrato definitivo. Se não obtivesse a autorização do cônjuge para a celebração do contrato definitivo, incorreria em responsabilidade civil contratual, já que não podia alienar a referida casa, um bem comum do casal, sem a autorização da esposa.</font><br>
<font>A esposa deu-lhe esse consentimento, ainda que informalmente apenas no contrato promessa, pois pactuou com ele na celebração do dito contrato, vindo o A. marido a receber metade do valor então convencionado (500.000$00).</font><br>
<font>A manifestação por parte das ora AA. de que não pretendem celebrar o contrato definitivo traduz-se agora numa manifestação séria, peremptória, inequívoca, de que não pretendem celebrar o contrato definitivo</font><font> (5)</font><font>, ou seja, de que não pretendem celebrar a escritura, constituindo-se em incumprimento definitivo, por sua culpa.</font><br>
<br>
<font>E incumprimento culposo por quê?</font><br>
<br>
<font>Por duas ordens de razões:</font><br>
<br>
<font>Por um lado, porque sendo ambas as AA. herdeiras do referido VV sucedem no contrato à posição que aquele havia assumido nele.- art.412.º-1 do CC.</font><br>
<font>Por outro lado, porque a A. HH, lhe não aproveita o facto de não ter outorgado no contrato promessa (para se eximir ao cumprimento do contrato promessa outorgado apenas pelo marido) já que essa situação envolveria abuso de direito.</font><br>
<font>Com efeito,</font><i><u><font> ela pactuou com o então marido, promitente vendedor, na celebração do referido contrato</font></u></i><font>, pelo que só agora, </font><i><u><font>ao fim de mais de vinte anos</font></u></i><font>, vir reivindicar o imóvel, alegando a sua não outorga no contrato promessa mas esquecendo a anuência que deu ao pacto para a celebração do contrato, constitui um actuação que ofende de forma grave, manifesta, os mais elementares princípios de boa fé, tendo em conta que durante todo este tempo o R. marido ali foi vivendo e realizou obras à vista de todos. - art. 334.º do CC.</font><br>
<br>
<font>Quais as consequências desse incumprimento?</font><br>
<br>
<font>Há que referir, em primeiro lugar, que a simples entrega das chaves relativamente a imóveis prometidos vender, só em condições muito excepcionais integram a “traditio” como correspondente a efectiva transferência de posse e propriedade.</font><br>
<font>Na verdade, como referem Pires de Lima/Antunes Varela</font><font> (6)</font><font>, só naqueles casos em as partes decididamente entreguem a totalidade do preço e do contrato resulte que não pretendam realizar o contrato prometido para evitar despesas, é que a traditio corresponde a transmissão de propriedade e posse.</font><br>
<font>Nos contratos promessas, a “traditio” da coisa não pretende corresponder à transmissão da posse, pois esta só ocorre quando se verifique simultaneamente a verificação do “corpus” e do “animus.”</font><br>
<font>Com efeito, os poderes que o promitente comprador exerce de facto sobre a coisa, sabendo que ela ainda não foi comprada, não são os correspondentes ao direito do proprietário adquirente, mas os correspondentes ao direito de crédito do promitente-adquirente perante o promitente alienante ou transmitente. </font><br>
<font>A entrega das chaves e autorização para ocupação, quando falta pagar ainda metade do preço da compra do imóvel (como foi o caso), não havendo cláusula no contrato em que fique estipul
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1.ª Secção (Cível)
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<b><font> </font></b><font><br>
<br>
<font> Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: </font><br>
<br>
<br>
<font>I – Na Vara de Competência Mista de Braga, AA, em acção com processo ordinário, intentada contra o Estado Português, pediu que, com a procedência da acção, seja o Réu condenado a pagar ao Autor a importância global de € 554.831,57, acrescida de juros de mora, à taxa legal, contados da presente data (propositura da acção) e até efectivo e integral pagamento.</font><br>
<br>
<font>Para fundamentar a sua pretensão, alega, em síntese, o seguinte:</font><br>
<font>BB instaurou, no 1º Juízo Cível de Santo Tirso, uma acção declarativa de condenação contra a então denominada Companhia de Seguros CC, pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia de PTE 85.000.000$00 (€ 423.978,21), acrescida de juros desde a citação, a título de indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais por ele sofridos quando seguia como passageiro de um automóvel, seguro naquela Companhia, que se despistou por culpa exclusiva do respectivo condutor.</font><br>
<br>
<font>A essa acção foi apensada uma outra (nº 541/2000, do 4º Juízo Cível de Santo Tirso), intentada pelo aqui Autor contra a mesma seguradora, em que aquele pediu a condenação desta a pagar-lhe a quantia de PTE 91.927.850$00 (€ 458.534,18), com juros desde a citação, para ressarcimento dos danos que lhe advieram em consequência do mesmo acidente, dado que seguia também como passageiro na mesma viatura que se despistou, de sua propriedade, e que era conduzida por DD.</font><br>
<font>Para assegurar a legitimidade processual singular da seguradora demandada, atenta a limitação da respectiva responsabilidade, reduziu o Autor o seu pedido à importância que, adicionada àquela que fosse atribuída ao demandante BB, esgotasse completamente o capital de PTE 120.000.000$00.</font><br>
<font>Na 1ª instância, foi julgada totalmente improcedente a acção do aqui Autor, por ser o próprio segurado, com a consequente absolvição do pedido da Ré, e parcialmente procedente a acção do demandante BB, sendo a seguradora condenada a pagar-lhe € 75.000,00, a título de indemnização pelo dano não patrimonial, com juros desde 04.10.2000.</font><br>
<br>
<font>Dessa decisão apelaram ambos os demandantes, fazendo-o também a CC por via subordinada, mas a Relação do Porto negou provimento aos recursos principais, confirmando o decidido pela 1ª instância, e julgou prejudicado o recurso subordinado.</font><br>
<font>Inconformados com o decidido pela Relação, interpuseram recurso de revista o demandante BB e o aqui Autor, aí alegando este último, em síntese, que, à luz do disposto nos artigos 5º e 7º do Decreto-Lei nº 522/85, de 31 de Dezembro, com a redacção introduzida pelo Decreto-Lei nº 130/94, de 19 de Maio, que visou adaptar o primeiro dos referidos diplomas à Directiva do Conselho de 14 de Maio de 1990 (90/232/CE), vulgarmente conhecida por 3ª Directiva Automóvel, dúvidas não há de que, com a nova redacção, deixaram de estar excluídos do âmbito da garantia do seguro obrigatório os danos decorrentes de lesões corporais sofridas pelo proprietário do veículo e tomador do seguro, quando não seja ele o seu condutor, ficando apenas excluídos da cobertura os danos resultantes de lesões materiais sofridas pelo proprietário transportado.</font><br>
<font>Admitindo, ainda assim, serem fundadas as dúvidas interpretativas quanto a saber se a legislação nacional sobre seguro obrigatório automóvel – SOA – cobre ou não, em caso de acidente de viação, os danos advindos de lesões corporais do proprietário do veículo e tomador do seguro que segue como passageiro no seu próprio veículo, cuja condução confiou a outrem, alertou o Autor para a obrigatoriedade do reenvio prejudicial para o Tribunal de Justiça (TJCE), nos termos do artigo 234º do Tratado da União Europeia, por o Supremo Tribunal de Justiça ser um órgão jurisdicional nacional cujas decisões, segundo o direito interno, não comportam recurso judicial.</font><br>
<font>Para o caso de se dar, desde logo, como assente a responsabilidade da seguradora recorrida pelo pagamento da indemnização devida ao recorrente, pediu o Autor a revogação do acórdão recorrido e a consequente condenação da seguradora a pagar-lhe a peticionada indemnização de € 458.534,18, acrescida de juros moratórios legais a contar da citação.</font><br>
<font>Todavia, o Supremo Tribunal acabou por coonestar o entendimento sufragado pelas instâncias «de que o segurado nunca pode ser considerado terceiro, visto que responsável originário é ele, e a seguradora apenas responsável indirecta, por via do contrato de seguro», e que «solução diferente não é imposta pelas alterações introduzidas no art. 7º, nºs 1 e 2, do DL nº 522/85, devidas à directiva Comunitária nº 90/232/CEE, conhecida por 3ª Directiva Automóvel, e ao DL nº 130/94, de 19 de Maio, porque aí apenas se pretende fazer melhor a demarcação de terceiros (os passageiros ficam cobertos pela garantia), que não o segurado, deste modo definindo melhor que fica excluído da garantia».</font><br>
<font>Acrescentou o nosso mais Alto Tribunal que «uma vez que estamos ainda perante um seguro de responsabilidade civil, e não em face de um seguro de danos (…), a mesma pessoa não pode figurar, simultaneamente, como beneficiário da garantia (…) e como beneficiário da indemnização».</font><br>
<font>No que concerne à obrigatoriedade do reenvio prejudicial, afirmou o Supremo Tribunal de Justiça que «ele só teria lugar se se tratasse de aplicar directamente direito comunitário e se este Tribunal tivesse dúvidas sobre o sentido da Directiva – o que não acontece, quer porque não estamos a aplicar directamente direito comunitário, mas direito nacional (art. 7º, nºs 1 e 2, do DL nº 522/85, na redacção do DL nº 130/94), quer porque não temos justificadas dúvidas sobre a interpretação a adoptar».</font><br>
<font>Em face de tal decisão (certificada nestes autos a fls. 179-197), diz o Autor ter como certo que, dessa forma, o nosso Supremo Tribunal violou censurável e frontalmente o Direito Comunitário aplicável in casu, quer ao fazer errada interpretação e aplicação da chamada 3ª Directiva Automóvel, por si e através dos diplomas legais que a transpuseram para o nosso direito interno, quer ao não determinar o reenvio prejudicial para o TJCE, como impõe o § 3º do art. 234º do Tratado da União Europeia, e que foi expressamente requerido pelo ora Demandante.</font><br>
<br>
<font>Na sua contestação, o Réu defendeu-se por excepção, invocando ser competente para o conhecimento da presente acção os Tribunais Administrativos e Fiscais, pedindo a sua absolvição da instância, e por impugnação, pugnando a improcedência da acção, com a sua absolvição do pedido, para o que, resumidamente, alegou o seguinte:</font><br>
<font>No respeitante à exclusão do direito a uma indemnização coberta pelo seguro automóvel obrigatório, resulta do objecto das Primeira, Segunda e Terceira Directivas, bem como do teor das suas disposições, que as mesmas não visam harmonizar os regimes de responsabilidade civil dos Estados-Membros e que, no estado actual do direito comunitário, estes continuam livres de determinar o regime de responsabilidade civil aplicável aos sinistros resultantes da circulação automóvel.</font><br>
<font>Admitindo embora que o art. 1º da 3ª Directiva consagra o direito à indemnização dos danos corporais do passageiro que seja simultaneamente o proprietário do veículo, afirma não ser conhecida qualquer jurisprudência comunitária que sustente que o proprietário do veículo e também tomador do seguro, que é transportado como passageiro no seu próprio veículo, esteja coberto pela garantia do seguro obrigatório automóvel.</font><br>
<font>Acrescenta que, à data em que o STJ proferiu o acórdão em causa, não existia, como não existe, qualquer acórdão do TJCE, ou outro acto comunitário, que interpretasse a 3ª Directiva Automóvel no sentido de que a situação jurídica do proprietário do veículo e também tomador do seguro, que naquele viaja no momento do acidente, não como condutor mas como passageiro, seja equiparada à de qualquer outro passageiro vítima do acidente, e que, mesmo entendendo-se que, ao decidir como o fez, o STJ violou normas de direito comunitário, é por demais evidente que não se pode considerar que essa mais que duvidosa violação tem carácter manifesto, não se descortinando desvalor jurídico na actuação do STJ.</font><br>
<br>
<font>Replicou o Autor, respondendo à arguida excepção dilatória no sentido da sua improcedência.</font><br>
<br>
<font>Foi proferido despacho saneador, onde se julgou improcedente a excepção de incompetência material suscitada e, considerando-se que o processo continha todos os elementos necessários à prolação duma decisão de mérito, foi proferida sentença em que se julgou a acção improcedente e se absolveu o Estado do pedido, nela se sustentando não poder afirmar-se que a interpretação acolhida no acórdão proferido no processo nº 541/2000 seja proibida pelas regras da hermenêutica jurídica, nomeadamente, face aos regimes da responsabilidade aquiliana e do seguro automóvel, tanto mais que, na data da sua publicação, não existia qualquer aresto, nacional ou comunitário, que sufragasse o entendimento que, entretanto, veio a prevalecer no Acórdão Candolin, proferido cerca de seis meses depois (30.06.2005).</font><br>
<font>Considerou-se ainda, na sentença recorrida, que a obrigação do reenvio prejudicial, que recai sobre o juiz nacional, não é absoluta e comporta excepções, como quando a norma a aplicar é de tal forma evidente que não deixa lugar a dúvida razoável, sendo por isso de rejeitar a tese do reenvio automático, falecendo então os pressupostos de que depende a responsabilização do Estado pela reparação dos danos sofridos pelo Autor. </font><br>
<br>
<font>Após recurso do Autor, foi, no Tribunal da Relação de Guimarães, proferido acórdão, segundo o qual, na procedência da apelação, se decidiu revogar a sentença recorrida e julgar a acção parcialmente procedente, condenando-se o Estado Português a pagar ao Autor a indemnização de € 479.091,00, acrescida de juros de mora, à taxa legal, a contar da citação.</font><br>
<br>
<font>Inconformado com tal decisão, dela veio o Réu interpor o presente recurso de revista, o qual foi admitido.</font><br>
<br>
<font>O recorrente apresentou as suas alegações e respectivas conclusões, acabando por referir o seguinte:</font><br>
<font>“Com o devido respeito por melhor opinião, entende o Ministério Público que, com a prolação do douto acórdão recorrido, e nos termos e com os fundamentos acabados de alegar e concluir, ocorreu violação de lei, por erro de interpretação e de aplicação, que sinteticamente se subsumem às seguintes normas: art. 668º, nº 1, al. d), do CPC (nulidade do acórdão por omissão de pronúncia); art. 1º da Terceira Directiva 90/232/CEE do Conselho, de 14 de Maio de 1990, e sua transposição para o direito interno português do art. 504º do CC, bem como o art. 503º, nº 1, do CC e arts. 5º e 7º, nºs 1 e 2, do DL nº 522/85, de 31 de Dezembro, na redacção do DL 130/94, de 19 de Maio”.</font><br>
<font> </font><br>
<font>Contra-alegou o recorrido, concluindo que “devem colocar-se ao TJCE as enunciadas questões prejudiciais e outras que se julguem também pertinentes, negando-se a final provimento ao presente recurso, com todas as legais consequências”.</font><br>
<br>
<font>Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.</font><br>
<br>
<font>II – No acórdão recorrido, foi considerada a seguinte factualidade:</font><br>
<font>A factualidade dada como assente no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14.12.2004, proferido na acção declarativa de condenação nº 541/2000, do 4º Juízo Cível de Santo Tirso, é a seguinte:</font><br>
<font> A) BB intentou uma acção declarativa de condenação (Acção de Processo Ordinário n.º 357/2000, do 1.º Juízo Cível de Santo Tirso) contra a então denominada “Companhia de Seguros CC”, pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia de Esc. 85.000.000$00 (equivalente a € 423.978,21), com juros desde a citação, a título de indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais por ele sofridos quando seguia como passageiro de uma viatura segura naquela companhia e a mesma se despistou, por culpa do seu condutor;</font><br>
<font>B) A essa acção foi apensada uma outra (Acção de Processo Ordinário n.º 541/2000, do 4.º Juízo Cível de Santo Tirso), intentada pelo aqui A. contra a mesma seguradora, a pedir a condenação desta a pagar-lhe a quantia de Esc. 91.927.850$00 (equivalente a € 458.534,18), com juros desde a citação, para ressarcimento dos danos que lhe advieram em consequência do mesmo acidente, dado que seguia também como passageiro na viatura que se despistou, de sua propriedade, e conduzida por DD;</font><br>
<font>C) Mas, para assegurar a legitimidade processual singular da seguradora demandada, atenta a limitação da respectiva responsabilidade, aquele pedido deduzido pelo aqui A. foi por ele reduzido à importância que, adicionada àquela que fosse atribuída ao demandante BB, esgotasse completamente o capital de Esc. 120.000.000$00;</font><br>
<font>D) Na 1.ª instância a acção intentada pelo aqui A. foi julgada totalmente improcedente, por ele ser o próprio segurado, com a consequente absolvição da seguradora do pedido formulado;</font><br>
<font>E) Inconformado, o aqui A. interpôs recurso de apelação dessa sentença para o Tribunal da Relação do Porto, que, todavia, lhe negou provimento;</font><br>
<font>F) A factualidade dada definitivamente como provada no âmbito dessa acção, na parte pertinente, foi a seguinte:</font><br>
<font>I - LOGO NO SANEADOR:</font><br>
<font>1 - Na madrugada do dia 25/10/97, pelas 2 horas e 30 minutos, em Covelas, no concelho e comarca de Santo Tirso, mais concretamente ao Km 15,325 da auto-estrada A-3, atento o sentido Sul-Norte (Porto-Braga), ocorreu um acidente de viação em que foi único interveniente o veículo ligeiro de passageiros de matrícula …-…-EA;</font><br>
<font>2 - Na altura do acidente o “EA” era propriedade do aqui A;</font><br>
<font>3 - Nele seguiam, para além do condutor, ambos os autores (BB e o aqui A.), como passageiros transportados gratuitamente;</font><br>
<font>4 - No local da ocorrência, aquela hemi-faixa de rodagem da A-3 permite duas filas de trânsito no mesmo sentido (Porto-Braga), cuja separação é feita por uma linha longitudinal descontínua, pintada a branco no pavimento;</font><br>
<font>5 - Essa hemi-faixa de rodagem, sempre atento o sentido de marcha Porto-Braga, tem 7,40 metros de largura e é ladeada, à esquerda, por um separador central delimitado por uma barreira metálica (“rails”) de protecção e, à direita por uma berma com 2,50 metros de largura;</font><br>
<font>6 - Sendo certo que, no local onde essa berma termina, tem início o talude de protecção à A-3, em cujo topo está implantada a vedação que delimita a área concessionada à “BRISA, S.A.”;</font><br>
<font>7 - Nas imediações do local, para quem vem do Porto em direcção a Braga, a via assume a configuração de um troço em recta, com extensão superior a 500 metros e inclinação descendente, logo seguido de uma curva que se desenha para a esquerda;</font><br>
<font>8 - O piso, em betuminoso, encontrava-se em perfeito estado de conservação, mas estava molhado devido à chuva que se fazia sentir;</font><br>
<font>9 - O condutor do “EA”, ao chegar perto do local onde finda o troço em recta aludido em 7), perdeu por completo o controle da viatura;</font><br>
<font>10 - O “EA” invadiu a berma direita, embatendo de seguida com a respectiva traseira no talude de protecção referido em 6), tendo destruído a vedação metálica que delimita a área pertencente à “BRISA, S.A.”;</font><br>
<font>11 - Todos os vestígios do acidente, designadamente vidros partidos e bocados de peças e acessórios deixados pelo “EA”, bem como terra removida na zona do talude, ficaram depositados na berma direita e no terreno contíguo à A-3;</font><br>
<font>12 - O veículo “EA” circulava no dia, hora, local e sentido de marcha referido em 1), pela via de trânsito mais à direita da referida auto-estrada;</font><br>
<font>13 - O veículo “EA” saiu da faixa de rodagem, galgou toda a largura da sua berma direita, visto o sentido Porto-Braga;</font><br>
<font>14 - Sempre com o auxílio dos bombeiros, enfermeiros e dos agentes presentes, o A. foi colocado dentro da ambulância e transportado para o Hospital de S. João, do Porto, onde deu entrada no serviço de urgências pelas 5 horas da madrugada desse mesmo dia;</font><br>
<font>15 - Nessa unidade de saúde, foi devidamente observado e submetido aos primeiros cuidados médicos, com a colocação de algalia e realização dos mais diversos exames, entre os quais radiografias à coluna vertebral, à bacia, às duas ancas, ao ombro direito, ao crânio e aos pulmões, bem como T.A.C. (tomografia axial computorizada) lombar e ecografia abdominal;</font><br>
<font>16 - Foi então determinado o seu internamento na Unidade de Cuidados Intermédios, integrada no serviço de Traumatologia daquele Hospital, onde ele deu entrada com o diagnóstico de politraumatizado, com fractura do terço distal da clavícula direita, sem desvio significativo, fractura e achatamento do corpo da vértebra L1, sem lesões neurológicas, fractura da bacia, no ramo iliopúbico direito, com a extensão acetabular, e no ramo isquiopúbico direito, fractura da perna esquerda na zona do tornozelo, e traumatismo crânio-encefálico;</font><br>
<font>17 - Tendo ficado sujeito à adequada medicação, com repouso em leito duro e tracção cutânea com 3 Kg ao membro inferior direito;</font><br>
<font>18 - Nesse mesmo dia obteve alta a pedido, tendo sido transferido – como era seu desejo – do Hospital de S. João para a Casa de Saúde da Boavista, também sita no Porto, a fim de aí continuar o tratamento, acompanhado de perto por um médico amigo;</font><br>
<font>19 - E a verdade é que, desde tal data e até 16 de Dezembro de 1997 esteve internado na mencionada Casa de Saúde, onde permaneceu acamado e devidamente medicado e assistido;</font><br>
<font>20 - Foi seguido nesse estabelecimento de saúde pelas diferentes especialidades médicas e só obteve alta de internamento em 16 de Dezembro de 1997;</font><br>
<font>21 - Como consequência directa e necessária do acidente, e para além de variadas escoriações e contusões em diversas partes do corpo, sofreu o A. as seguintes lesões:</font><br>
<font>- traumatismo crânio-encefálico;</font><br>
<font>- luxação acromio-clavicular direita;</font><br>
<font>- fractura do corpo da vértebra L1;</font><br>
<font>- fractura bilateral dos ramos isquio-púbicos, com ruptura do anel pélvico;</font><br>
<font>- fractura sem desvio do maleólo peroneal esquerdo.</font><br>
<font>22 - Uma vez findo o período de internamento, passou à fase da reabilitação, devidamente medicado e com prescrição do uso de canadianas e de colete ortopédico, que só largou em finais de Abril de 1998;</font><br>
<font>23 - Porém, ainda durante o ano de 1997, ao longo dos meses de Novembro e Dezembro, foi já submetido a inúmeras sessões de fisioterapia, cinesoterapia respiratória, ultra-sons com deslocação do aparelho, calor húmido, massagem, treino da marcha, mobilização e fortalecimento muscular;</font><br>
<font>24 - Ao longo de todo o ano de 1998, sempre por determinação médica, continuou a fazer recuperação, mediante fisioterapia, com aplicação de ultra-sons e ultra-sons subaquáticos, calor húmido e lama-para-fina, massagens manuais e massagens subaquáticas, mobilização articular passiva e fortalecimento muscular, tudo acompanhado da prática regular de natação, cinco vezes por semana;</font><br>
<font>25 - No ano de 1999 e até ao final do mês de Maio do ano de 2000, sempre por determinação médica, continuou com a prática regular de natação, acompanhada de hidroginástica, massagens sub-aquáticas e massagem fisioterapêutica;</font><br>
<font>26 - Por meio de carta datada de 15 de Março de 1999, a Ré comunicou ao A. que os seus serviços clínicos o haviam considerado clinicamente curado, tendo-lhe atribuído uma I.P.P. de somente 28,8%;</font><br>
<font>27 - O A. sofreu intensas e prolongadas dores físicas, tanto no momento do acidente, como no decurso dos quase três anos de tratamentos a que foi sendo submetido;</font><br>
<font>28 - Nasceu a 27 de Janeiro de 1955;</font><br>
<font>29 - Na altura do acidente trabalhava – e trabalha ainda – por conta própria, exercendo a actividade de gestor de empresas, para além de ser consultor de gestão e de negócios, auferindo um rendimento médio mensal nunca inferior a Esc. 750.000$00 (setecentos e cinquenta mil escudos);</font><br>
<font>30 - Por virtude das lesões sofridas, esteve internado desde a data do acidente até 16 de Dezembro de 1997;</font><br>
<font>31 - Até finais de 1998, a Ré reembolsou-o das importâncias gastas com o Hospital de S. João, consultas de especialidades, exames médicos, sessões de fisioterapia, frequência de natação e de massagens manuais e subaquáticas;</font><br>
<font>32 - Contudo, desde início de 1999 e até à presente data (sendo certo que a última factura em poder do autor AA refere-se a 30/MAI/2000), a Ré não mais reembolsou o autor do que quer que fosse;</font><br>
<font>33 - Por contrato de seguro válido e em vigor à data do acidente, titulado pela apólice n.º 9.008.011, o proprietário do “EA”, aqui A. AA, havia transferido para a Ré a sua responsabilidade por danos causados a terceiros e às pessoa transportadas, emergentes da circulação desse veículo até ao limite de Esc. 120.000.000$00 (cento e vinte milhões de escudos);</font><br>
<font>II - RESULTANTES DAS RESPOSTAS AO QUESITOS:</font><br>
<font>1 - Nas circunstâncias referidas em I-1) o “EA” circulava à velocidade de 170 Km/hora (resposta ao artigo 1.º da base instrutória);</font><br>
<font>2 - O condutor do “EA”, ao tentar abordar a curva para a esquerda a que se alude em 7), foi completamente incapaz de a descrever e entrou em despiste (2.º), acabando o “EA” por rodar várias vezes sobre si próprio, fazendo piões, enquanto atravessava perpendicularmente a faixa de rodagem da esquerda para a direita, sempre atento o seu sentido de marcha (3.º);</font><br>
<font>3 - O “EA” acabou por transpor o talude referido em I-6), bem como a vedação que delimita a área concessionada à “BRISA, S.A.” e foi cair num campo situado à direita da A-3, sempre atento o referido sentido de marcha, o qual fica alguns metros abaixo do plano em que se envolve essa via (5.º);</font><br>
<font>4 - No acidente o “EA” partiu alguns vidros (resposta ao 6.º), tendo o A. sido projectado para o exterior do veículo após o embate no talude (resposta ao 7.º) e tendo vindo a cair a cerca de três metros do local onde o veículo veio a parar (resposta ao 8.º);</font><br>
<font>5 - O condutor do “EA” conduzia sem atenção à sua condução e ao estado da estrada (11.º), só muito tardiamente se apercebendo da curva que se desenvolvia para a sua esquerda (12.º);</font><br>
<font>6 - O “EA” perdeu aderência à estrada (resposta ao 16.º) despistando-se e acabando por sair da estrada (17.º);</font><br>
<font>7 - Ambos os autores (BB e AA) não faziam uso do cinto de segurança (18.º);</font><br>
<font>8 - O A. desmaiou (19.º), ficando inconsciente e com o corpo ocultado pelo mato e demais vegetação ali existente (20.º) durante cerca de uma hora (21.º);</font><br>
<font>9 - Apesar de ter recuperado os sentidos, devido às dores que sentia, viu-se impossibilitado de erguer-se (22.º), bem como arrastar-se para local visível (23.º), tendo por isso ficado mais de meia hora aos gritos a pedir socorro (24.º) e apercebendo-se da chegada da Brigada de Trânsito ao local, cujos tripulantes recolheram e transportaram o Autor BB (25.º);</font><br>
<font>10 - Só volvidos mais alguns minutos é que os bombeiros o encontraram no meio do mato (26.º), onde teve de aguardar mais de 15 minutos pela chegada de outra ambulância, pois nenhum dos bombeiros presentes se arriscou a movê-lo, com receio de prejudicar ou agravar a sua condição clínica (27.º);</font><br>
<font>11 - Assim que essa outra ambulância chegou, o A. foi de imediato colocado numa maca própria para lesões na coluna e nela transportada pelo monte acima até à auto-estrada (28.º);</font><br>
<font>12 - Desde a data do acidente até à data da alta do internamento, ou seja, durante quase dois meses, foi o A. forçado a uma total imobilização, já que não podia efectuar qualquer movimento, por mais ligeiro que fosse (29.º);</font><br>
<font>13 - Dadas as lesões sofridas, principalmente ao nível da bacia e da coluna vertebral, com ruptura do anel pélvico, era desaconselhável qualquer intervenção cirúrgica, a qual poderia comprometer a respectiva função sexual (resposta ao 30.º);</font><br>
<font>14 - Passou a sofrer de lapsos de memória, bem como a sentir dificuldade de concentração e diminuição da sua capacidade de memorização (resposta ao 32º), tendo-lhe advindo, como sequela directa e necessária do acidente, síndrome pós-traumático residual (33.º), o qual lhe acarreta uma incapacidade parcial permanente de 10 % ao nível neurológico (34.º);</font><br>
<font>15 - Apesar dos tratamentos a que sucessivamente foi sujeito, passou a ser portador das seguintes sequelas, todas elas decorrentes do acidente e sua consequência directa e necessária:</font><br>
<font>- Traumatismo crânio-encefálico (TCE);</font><br>
<font>- Fractura cuneiforme de L 1;</font><br>
<font>- Disfunção acrómio-clavicular esquerda;</font><br>
<font>- Rigidez ligeira tíbio-társica esquerda; e,</font><br>
<font>- Fracturas de Melgaigne (35.º);</font><br>
<font>16 – As sequelas referidas nas respostas aos quesitos 33.º e 35.º acarretaram uma incapacidade parcial permanente de 45 % (resposta ao 36.º);</font><br>
<font>17 - Imediatamente a seguir à ocorrência, o A. sofreu um fortíssimo abalo psicológico ao ver-se sozinho e prostrado no meio do mato, completamente impossibilitado de se mexer e temendo pela sua própria vida e pela dos seus companheiros de viagem (37.º);</font><br>
<font>18 - Enquanto aguardou por socorro, sentiu uma profunda angústia, sentimento esse que com o passar do tempo se foi transformando em pânico e desespero, por recear seriamente que ninguém se apercebesse da sua pessoa e ali ficasse votado ao abandono (38.º);</font><br>
<font>19 - Durante o período da recuperação, andou permanentemente deprimido e angustiado (resposta 39.º), quer pela incerteza quanto ao seu estado de saúde uma vez finda a recuperação, quer pelas limitações a que foi forçado em termos de mobilidade o que lhe determinou processo depressivo (40.º);</font><br>
<font>20 - Tal depressão agravou-se à medida que se foi apercebendo do carácter permanente de algumas das lesões ortopédicas que o deixariam irreversivelmente diminuído (41.º);</font><br>
<font>21 - Mercê da fractura ao nível da anca e da ruptura do anel pélvico, nos seis meses que se seguiram ao acidente, o Autor AA viu-se completamente privado da prática de qualquer acto sexual (43.º) e passado esse período, quando começou a tentar ter relações de sexo, passou a ser acometido de violentíssimas dores e de forte ardência na zona da próstata (44.º), situação que se manteve inalterada durante mais cerca de meio ano (45.º);</font><br>
<font>22 - Por essa razão, durante cerca de um ano, esteve totalmente impedido de ter qualquer tipo de actividade sexual, o que o deixou profundamente abatido e em estado de completa angústia e sofrimento (46.º);</font><br>
<font>23 - Mesmo nos dias de hoje, já depois de uma relativa melhoria desse seu estado, o A. ainda tem que procurar as posições menos dolorosas de cada vez que mantém uma relação sexual, dado que não raras vezes volta a sentir a mesma ardência e dor (47.º);</font><br>
<font>24 – O A. era uma pessoa saudável, fisicamente bem constituída e sem qualquer defeito aparente, alegre, dinâmica, trabalhadora e amiga de confraternizar (50.º);</font><br>
<font>25 - As lesões sofridas provocam-lhe profundo desgosto, já que lhe reduzem o seu dinamismo de vida e de relação social e lhe afectam a alegria de viver (51.º);</font><br>
<font>26 - Durante os primeiros meses de recuperação e até largar as canadianas e o colete ortopédico (em finais de Abril de 1998) continuou afectado de incapacidade absoluta para o trabalho (52.º);</font><br>
<font>27 - Mesmo depois de largar as canadianas e o colete ortopédico e até ser considerado clinicamente curado, continuou a sofrer um prejuízo médio mensal de Esc. 200.000$00 por virtude das suas limitações no exercício da actividade profissional e ainda pelo tempo que gastava diariamente na recuperação (53.º).</font><br>
<br>
<font>III – 1. O Autor, ora recorrido, pretende, com a presente acção, a condenação do Estado a indemnizá-lo dos danos resultantes de lesões corporais que sofreu em consequência de um acidente de viação, pelo facto de, no âmbito de uma outra acção que correu termos perante os tribunais e que teve o seu desfecho final neste STJ (Revista nº 3902/04, desta 1ª Secção, onde se confirmaram as decisões das instâncias de improcedência da acção, com a consequente absolvição da Ré Seguradora do pedido), ter sido efectuada, alegadamente, errónea interpretação e aplicação de uma directiva comunitária, por si e através do diploma que a transpôs para a ordem jurídica interna, e recusado o reenvio prejudicial que, então, sugeriu e que, a ter sido acolhida tal sugestão, teria determinado a procedência da sua pretensão.</font><br>
<br>
<font> Na 1ª instância, foi proferida decisão a julgar improcedente a acção, enquanto que a Relação teve entendimento diferente, condenando o Estado Português a pagar ao Autor a indemnização de € 479.91,00, acrescida de juros, à taxa legal, a contar da data da citação.</font><br>
<br>
<font> Para chegar à referida solução, escreveu o Senhor Juiz no despacho saneador-sentença:</font><br>
<font> “E, efectivamente, o artigo 22º da Constituição da República Portuguesa consagra a responsabilidade civil do Estado pelos danos resultantes do exercício, entre outras, da função jurisdicional, sendo certo que a doutrina e a jurisprudência têm vindo a considerar que essa norma é directamente aplicável, por integrar um direito fundamental de natureza análoga à dos direitos, liberdades e garantias.</font><br>
<font>Todavia, é igualmente pacífico, no plano do direito interno, que “para o reconhecimento, em concreto, de uma obrigação de indemnizar, por parte do Estado, por facto do exercício da função jurisdicional, não basta a discordância da parte que se diz lesada, nem sequer a convicção que, em alguns processos, sempre será possível formar de que não foi justa ou melhor a solução encontrada”, antes se impondo “que haja a certeza de que um juiz normal e exigivelmente preparado e cuidadoso não teria julgado pela forma a que se tiver chegado, sendo esta inadmissível e fora dos cânones minimamente aceitáveis” – cfr. acórdão do STJ de 20.10.2005, disponível na Internet, no site </font><u><font>www.dgsi.pt</font></u><font>.</font><br>
<font> Como se escreveu no acórdão do nosso Supremo Tribunal de 15.2.2007, publicado no mesmo endereço, “O erro de direito praticado pelo juiz só poderá constituir fundamento de responsabilidade civil do Estado quando seja grosseiro, evidente, crasso, palmar, indiscutível e de tal modo grave que torne a decisão judicial numa decisão claramente arbitrária, assente em conclusões absurdas, demonstrativas de uma actividade dolosa ou gravemente negligente”.</font><br>
<font> A responsabilidade civil extracontratual do Estado por erro na interpretação e aplicação do direito pressupõe, pois, conforme explicitado no primeiro aresto citado, “a manifesta falta de razoabilidade da decisão, o dolo do juiz, o erro grosseiro em grave violação da lei, a afirmação ou negação de factos incontestavelmente não provados ou assentes nos autos, por culpa grave e indesculpável do julgador”.</font><br>
<font> Não é, obviamente, neste plano que o A. funda a sua pretensão indemnizatória.</font><br>
<font> Simplesmente, a par do apontado regime, específico do nosso ordenamento jurídico, o Tribunal de Justiça das Comunidades tem vindo a delinear e aperfeiçoar progressivamente um regime de responsabilidade civil extracontratual dos Estados-membros pela violação do direito comunitário, regime esse para o qual contribuíram decisivamente os acórdãos proferidos nos casos Francovich, de 19.11.1991, Brasserie du Pêcheur e Factortame, de 5.3.1996, British Telecommunications, de 26.3.1996 e Hedley Lomas, de 23.5.1996.</font><br>
<font> De harmonia com a formulação decorrente desses acórdãos, sobretudo a partir dos proferidos nos casos Brasserie du Pêcheur e Factortame, os particulares lesados têm direito a rep
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1.ª Secção (Cível)
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<b><font> </font></b><font><br>
<b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font></b><br>
<br>
<br>
<b><font>I.</font></b><font> AA e mulher, BB, intentaram, separadamente, no Tribunal Judicial de Viana do Castelo, acções declarativas de condenação, com processo comum sob a forma ordinária, contra CC Portugal – Companhia de Seguros, SA, DD– Construção Civil e Obras Públicas, Ldª (antes, Ela – FF, Limitada) e EE, as quais vieram subsequentemente a serem apensadas, peticionando, o primeiro, a condenação de todos os RR. no pagamento da quantia de € 743.995,46, acrescida de juros, e da quantia que vier a liquidar-se em momento posterior em relação aos danos cuja quantificação não for ainda possível e, a segunda, a condenação dos RR. no pagamento da quantia de € 200.000,00, a título de danos morais, acrescida de juros.</font><br>
<br>
<font>Alegaram, para tanto, em síntese:</font><br>
<br>
<font>O A. AAque foi vítima de acidente de viação de que lhe resultaram danos, tendo a culpa do acidente sido exclusivamente do condutor do veículo segurado na R. CC Portugal.</font><br>
<br>
<font>A A. BB que, por força do mesmo acidente, o A. AA(seu marido) ficou totalmente incapacitado para o relacionamento sexual e para procriar.</font><br>
<br>
<font>Devidamente citados, os Réus contestaram.</font><br>
<br>
<font>A R CC impugnou os factos descritos na p.i. por os desconhecer e defendendo não assistir qualquer direito indemnizatório à A. BB.</font><br>
<font>Os RR. DDe Celso Martins excepcionaram a sua ilegitimidade (julgada improcedente no despacho saneador) e, no mais, imputando a culpa do acidente ao A. </font><br>
<br>
<font>O autor</font><b><font> </font></b><font>replicou, pugnando pela improcedência da excepção. </font><br>
<br>
<font>A </font><b><font>Liberty Seguros, SA.</font></b><font> (antes Companhia Europeia de Seguros, SA) deduziu incidente de intervenção principal espontânea, alegando que, como seguradora da entidade patronal ao serviço da qual o A. AA sofreu o acidente em apreciação nos autos, pagou várias despesas de que agora se quer ver ressarcida pela R. CC Portugal, acrescida de juros (com o mesmo fundamento, esta R. CC Portugal havia também requerido já a intervenção provocada da mesma seguradora). A intervenção foi admitida.</font><br>
<br>
<font>Elaborou-se o despacho saneador e organizou-se a matéria assente e a base instrutória.</font><br>
<br>
<font>Realizou-se o julgamento com observância do formalismo legal, mantendo-se os pressupostos relativos à validade e regularidade da instância e tendo-se respondido à matéria de facto, sem reclamações. </font><br>
<br>
<font>A final, foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente, condenando a R. CC Portugal – Companhia de Seguros, SA.:</font><br>
<font>al a) a pagar ao A. AAa quantia de € 98.674,82 = € 13.556,66 (€ 415,00/30 x 980) + € 500,00 + € 98,19 + € 152,92 + € 6,48 + € 779,86 + € 100,00 + € 115.000,00 – (€ 29.981,84 + € 500,00 + € 98,19 + € 152,92 + € 6,48 + € 779,86)] a título de danos patrimoniais, e € 150.000,00 a título de danos não patrimoniais; </font><br>
<font>b) a pagar à A. BB a quantia de € 20.000,00 a título de danos não patrimoniais; </font><br>
<font>c) a pagar aos AA. AA e BB os juros de mora às taxas de 7% até 30Abr03 e 4% desde 1Mai03 em diante, desde a citação até integral pagamento, sobre o montante relativo aos danos patrimoniais; desde a data da prolação da sentença até integral pagamento, sobre o montante relativo aos danos não patrimoniais;</font><br>
<font> d) a pagar à interveniente Liberty Seguros, SA, a quantia de € 124.504,95, acrescida de juros de mora desde a notificação daquela R. para contestar o pedido da interveniente, à taxa de 4%;</font><br>
<font>e) a pagar ao A. Manuel, a quantia que vier a liquidar-se em momento posterior quanto aos danos indicados nos Factos 97, 98 e 99, nos termos expostos nesta decisão, até ao limite de € 748.196,84, subtraído das quantias indicadas em a), b), c) e d) supra;</font><br>
<font>f) os RR. DD– Construção Civil e Obras Públicas, Lda, e EE, a pagarem ao A. AAa quantia que vier a liquidar-se em momento posterior quanto aos danos indicados nos Factos 97, 98 e 99, nos termos expostos na sentença, no caso de tal quantia exceder o limite indicado em e) supra [subtraído das quantias indicadas em a), b), c) e d) supra] e na parte relativa a esse excesso.</font><br>
<font>No mais, julgou a acção improcedente, absolvendo os RR. do restante pedido.</font><br>
<br>
<font>Recorreram, de apelação, os AA., a R. CC e a interveniente Liberty, tendo a Relação de Guimarães decidido julgar totalmente improcedentes as apelações da R CC e da interveniente Liberty, e em julgar parcialmente procedente a apelação dos AA, e, em consequência, revogar correlativamente a sentença recorrida, fixando os danos patrimoniais pela perda de rendimento do trabalho do A. AA(deduzida a quantia de € 85.018,16 que a Liberty lhe entregou a titulo de incapacidades) em 54.981,84 €, fixando os seus danos não patrimoniais em 200.000,00 €, e fixando os danos não patrimoniais da A BB em € 50.000,00, mantendo, no demais, aquela sentença.</font>
<p><font>Desta decisão recorrem, de novo, os AA. e a R. CC, de revista, para este STJ.</font><br>
<br>
<font>Os AA. concluem as suas alegações do seguinte modo (na transcrição fizeram-se duas supressões, corrigiu-se a numeração, procedeu-se a algumas correcções de natureza ortográfica e deixaram-se assinaladas incorrecções que se optou por não alterar):</font><br>
<br>
<font>1.ª Não se questiona no presente recurso, a parte do douto acórdão recorrido, em que o mesmo decidiu sobre a culpa/responsabilidade na produção do sinistro, em relação ao condutor do veiculo automóvel segurado da recorrida CC (…); </font><br>
<font>2.ª Já que, de acordo com a prova produzida e com os factos provados, essa culpa é exclusivamente imputável ao condutor do veiculo automóvel segurado da recorrida CC (…);</font><br>
<font>3.ª Discorda, porém, o Recorrente AA, em relação ao montante indemnizatório que lhe foi atribuído, a título de indemnização por danos de natureza não patrimonial;</font><br>
<font>4.ª O valor de 200.000,00 €, fixado pela douta sentença recorrida (sic), é insuficiente para ressarcir (compensar) os danos a este título sofridos pelo Recorrente, tendo em conta a gravidade das lesões sofridas e das sequelas delas resultantes;</font><br>
<font>5.ª Pelo que adequada e justa se reputa a quantia de 250.000,00 € e que, como se fez na petição inicial, ora se reclama. </font><br>
<font>6.ª O valor global de 140.000,00 €, fixado a título de indemnização pela Incapacidade Permanente, Definitiva e Irreversível – 100,00% –, para o trabalho, é insuficiente, para ressarcir o Recorrente dos danos, a este título, sofridos;</font><br>
<font>7.ª O Autor/Recorrente contava, à data do sinistro dos presentes autos, 29 anos (nasceu em 06-12-1972), auferia um rendimento do seu trabalho de 415,00 €/mês (acrescido de trabalho suplementar, consubstanciado em ajuda ao seu pai), ficou a padecer de uma Incapacidade de 100,00% e a expectativa de vida activa cifra-se nos 74.90 anos de idade;</font><br>
<font>8.ª O montante de 140.000,00 € fixado a este título é, assim, insuficiente;</font><br>
<font>9.ª Justo e equitativo é o valor reclamado, no articulado de ampliação do pedido indemnizatório, de 460.825,18 €;</font><br>
<font>10.ª A esse valor deverá ser deduzido o montante que a Interveniente Liberty Seguros, SA. pagou no âmbito de acidente de trabalho, que é de 29.981,84 € e não de 85.018,16 €;</font><br>
<font>11.ª O douto acórdão recorrido, neste particular, cometeu um lapso de escrita;</font><br>
<font>12.ª Requer-se a rectificação desse lapso de escrita, ao abrigo do disposto no artigo 249.º do Código Civil;</font><br>
<font>13.ª E, corrigido esse lapso – que é manifesto –, ao valor fixado ou que vier a ser fixado, de forma definitiva, a título de indemnização pelos danos decorrentes da Incapacidade Permanente, para o trabalho, de que o Autor ficou a padecer, apenas deverá ser deduzido o valor de:</font><br>
<font>a) apenas e tão só de 29.981,84 €;</font><br>
<font>b) e não, como fez o acórdão recorrido, o valor de 85.018,16 €;</font><br>
<font>14.ª Na sua petição inicial, o Autor/Recorrente reclamou as indemnizações aí quantificadas, acrescidas de juros de mora vincendos, contados à taxa legal – na altura 4% ao ano –, desde a citação, até efectivo pagamento;</font><br>
<font>15.ª Relativamente à quantia que se reporta à indemnização por danos de natureza não patrimonial, o acórdão recorrido apenas fixou esses juros a partir da data da sua prolação; </font><br>
<font>16.ª Relativamente às indemnizações respeitantes aos danos de natureza patrimonial, nunca a doutrina, nem a jurisprudência, suscitaram quaisquer dúvidas;</font><br>
<font>17.ª Na realidade, relativamente aos montantes indemnizatórios respeitantes às indemnizações por danos de natureza patrimonial, sempre foi entendido, como continua a ser, de forma uniforme, que esses juros são devidos desde a data da citação;</font><br>
<font>18.ª Mas, a lei não distingue, entre danos de natureza patrimonial e patrimonial, nem entre as indemnizações por danos emergentes e por lucros cessantes;</font><br>
<font>19.ª Por imperativo legal, devem, pois, ser fixados os juros moratórios, relativa à indemnização sobre a quantia patrimonial, a partir da data da citação, até efectivo pagamento; </font><br>
<font>20.ª É que o valor referente à indemnização por danos de natureza não patrimonial não foi actualizado, com referência à data da prolação da sentença proferida em 1.ª instância; </font><br>
<font>21.ª Esse valor é inferior ao reclamado no articulado da petição inicial;</font><br>
<font>22.ª Pelo que não tem aplicação a doutrina estabelecida no Acórdão de Fixação de Jurisprudência, do Supremo Tribunal de Justiça nº 4/2002, de 9 de Maio de 2002, publicado no Diário da República, Série I-A, de 27 de Junho de 2002;</font><br>
<font>23.ª Como, de resto, foi já decidido pelo Acórdão subscrito pelos Exmos. Juízes Conselheiros </font><i><font>Pires da Costa, Custódio Mendes e Mata Miranda </font></i><font>(sic) – Acção Ordinária nº. 2/2002, 2º. Juízo, do Tribunal Judicial de Ponte de Lima (Supremo Tribunal de Justiça, a Revista nº. 3076/05); </font><br>
<font>24.ª A Autora/Recorrente BB peticionou a indemnização/compensação de 200.000,00 €; </font><br>
<font>25.ª O acórdão recorrido fixou-lhe a indemnização/compensação de apenas de 50.000,00 €;</font><br>
<font>26.ª Os danos sofridos pela Autora/Recorrentes são da máxima e inexcedível gravidade;</font><br>
<font>27.ª A quantia fixada, de 50.000,00 € é absolutamente insuficiente para compensar/ressarcir a Autora/Recorrente pelos danos, a este título sofridos;</font><br>
<font>28.ª Justa e equitativa é a quantia de 200.000,00 €, a este título reclamada na petição inicial;</font><br>
<font>29.ª E, sobre esse montante, devem incidir os juros moratórios, contados desde a data da citação, até efectivo pagamento; </font><br>
<font>30.ª No demais, deve confirmar-se o já decidido pelo tribunal da Segunda Instância </font><br>
<font>31.ª Decidindo de modo diverso fez o acórdão recorrido má aplicação do direito aos factos provados e violou, além de outras, as normas dos artigos 562.º, 564.º e 805.º, n.ºs 1, 2 e 3, do Código Civil.</font><br>
<br>
<font>Por sua vez, a R CC, concluiu as suas alegações nos seguintes termos: </font><br>
<br>
<font>A. A indemnização atribuída à A BB, emergindo de um dano indirecto, sofrido de um modo directo apenas na pessoa do seu cônjuge, não tem suporte legal, pelo que viola o disposto no artigo 495.º do CC, o que deverá determinar a sua revogação.</font><br>
<font>B. A indemnização no valor de EUR 150.000,00 destinada a ressarcir os danos não patrimoniais do autor é exagerada, e deverá, por isso mesmo, ser reduzida para EUR 85.000,00. </font><br>
<font>C. A indemnização destinada a ressarcir o dano patrimonial futuro do Autor não deverá ir além do valor peticionado na sentença, ou seja, EUR 115.000,00</font><br>
<br>
<font>A R CC contra-alegou relativamente às alegações dos AA, pugnando pela redução da indemnização pelo dano patrimonial e não patrimonial do A, pela manutenção do decidido quanto aos juros referidos ao dano não patrimonial e pela fixação do dano não patrimonial da A. BB, a entender-se como ressarcível, em valor não superior ao da sentença.</font><br>
<br>
<b><font>II.</font></b><font> Fundamentação</font><br>
<br>
<font>De Facto</font><br>
<br>
<b><font>II.A.</font></b><font> São os seguintes os factos dados como provados, face ao oportunamente especificado e ao resultado do julgamento: </font><br>
<br>
<font>1. No dia 02 de Novembro de 2001, pelas 13,20 horas, ocorreu um acidente de trânsito na Rua 116, no lugar de Santiago, Castelo do Neiva, Viana do Castelo, no qual foram intervenientes: o veículo automóvel pesado de mercadorias de matrícula SQ-00-00, o veículo automóvel pesado de mercadorias de matrícula 61-52-GH, e o A. AA (A);</font><br>
<font>2. À data do acidente, o GH era propriedade da R. Ela – FF, Limitada, sendo, na altura, conduzido pelo R. EE, empregado daquela e que conduzia então o GH em cumprimento de ordens e instruções que a dita sociedade lhe havia previamente determinado, seguindo por itinerário que a mesma lhe havia também indicado (B);</font><br>
<font>3. A Rua 116, no local do sinistro, apresentava um traçado sensivelmente rectilíneo pavimentado em “calçada à portuguesa” e, pelas suas 2 margens, a faixa de rodagem da Rua 116 apresentava bermas também empedradas (C);</font><br>
<font>4. A Rua 116, no local do acidente e antes de lá chegar, para quem circula no sentido lugar de Igreja-Estrada Nacional n°. 13-3, apresentava uma inclinação descendente (D);</font><br>
<font>5. Na altura do acidente o tempo estava “bom” e seco e o pavimento da faixa de rodagem da Rua 116 encontrava-se seco (E);</font><br>
<font>6. O acidente ocorreu no centro urbano e habitacional do lugar de Santiago, Castelo do Neiva, Viana do Castelo, totalmente sobre a metade direita da faixa de rodagem da Rua 116, tendo em conta o sentido lugar de Igreja-Estrada Nacional nº. 13-3 (F);</font><br>
<font>7. Antes do acidente, o A. AA imobilizou a marcha do SQ, o qual ficou então com a parte frontal apontada no sentido Norte e traseira no sentido Sul, de forma a configurar com o eixo divisório da faixa de rodagem da Rua 116 sensivelmente um ângulo recto (G);</font><br>
<font>8. Após a imobilização do SQ, o A. colocou-se de pé, no solo, sobre a metade direita da faixa de rodagem da Rua 116, tendo em conta o sentido lugar de Igreja-Estrada Nacional n.º 13-3, do lado direito da caixa de carga do SQ (H);</font><br>
<font>9. Momentos antes do acidente, o GH transitava pela Rua 116 no sentido lugar de Igreja-Estrada Nacional n.º 13-3, pela metade direita da faixa de rodagem da referida via, tendo em conta o seu sentido de marcha (I);</font><br>
<font>10. À data do acidente, o A. AA exercia a profissão de motorista de veículos automóveis pesados de mercadorias em cumprimento de ordens e instruções que a sua entidade patronal (sociedade “Casa Passos de MPS & Filhos – Materiais de Construção, Lda”, com sede no lugar de Sendim de Baixo, Castelo do Neiva, Viana do Castelo) lhe havia previamente determinado, seguindo por itinerário que a mesma lhe havia também indicado (J);</font><br>
<font>11. O A. AA nasceu no dia 06 de Dezembro de 1972 (K);</font><br>
<font>12. A A. BB nasceu no dia 02 de Novembro de 1976 (L);</font><br>
<font>13. Os AA. AA e BB são casados um com o outro desde 24 de Setembro de 1994. Do casamento dos AA. nasceu uma filha em 12 de Março de 1995 (M e N);</font><br>
<font>14. Para a R. CC Portugal – Companhia de Seguros, SA, estava transferida a responsabilidade civil por danos causados a terceiros pelo GH, através de contrato de seguro titulado pela apólice n.º 45/00404145/80, em vigor à data do acidente (O);</font><br>
<font>15. No exercício da sua actividade, a interveniente Liberty Seguros, SA. (antes Companhia Europeia de Seguros, SA) celebrou com a “Casa Passos de MPS & Filhos – Materiais de Construção, Lda”, um contrato de seguro do Ramo de Acidentes de Trabalho na modalidade de prémio variável, titulado pela apólice n.º 64/675652, através do qual esta transferiu para aquela a responsabilidade pelos encargos provenientes de Acidentes de Trabalho em relação a todos os trabalhadores que se encontram ao seu serviço e, nomeadamente, o A. AA (P);</font><br>
<font>17. A Rua 116, no local do sinistro, tinha uma extensão superior a 150 metros. A sua faixa de rodagem tinha, ao longo do seu percurso, uma largura aproximada de 6 metros. A Rua 116 tinha bermas (1 a 3);</font><br>
<font>18. No exacto local do acidente, a Rua 116 configurava um recinto/largo com a Rua 117, a qual confluía com aquela e com ela formava um entroncamento, pela respectiva margem esquerda, tendo em conta o sentido lugar de Igreja-Estrada Nacional n.º 13-3. Nesse largo/recinto as faixas de rodagem da Rua 116 e da Rua 117 apresentavam, em conjunto, uma largura superior a 15 metros. O piso da Rua 116 era pavimentado a blocos de granito irregulares e lombas/ondulações. A inclinação descendente da Rua 116 (conforme referido em 4) era superior a 10% (4, 5, 6, 7, 8, 13 e 14);</font><br>
<font>19. A Rua 117, no local do entroncamento, configurava um traçado rectilíneo que se desenvolvia em direcção ao interior do lugar de Santiago ao longo de mais de 100 metros. A faixa de rodagem da Rua 117 tinha uma largura aproximada de 6 metros, sendo o seu piso pavimentado a asfalto. Na altura do acidente, o pavimento da faixa de rodagem da Rua 117 encontrava-se seco e em “bom estado” de conservação (9 a 12);</font><br>
<font>20. Para quem se encontrasse no local do acidente, conseguia avistar a faixa de rodagem da Rua 116 em direcção ao lugar de Igreja, em toda a sua largura, ao longo de uma distância de 50 metros, e, em direcção à Estrada Nacional n.º 13-3, ao longo de uma distância de 25 metros (15 e 16);</font><br>
<font>21. O A, ao chegar ao local onde o acidente viria a ocorrer, penetrou com o rodado da frente do SQ num espaço de terra batida existente na margem direita da Rua 116, tendo em conta o sentido Igreja-Estrada Nacional n.º 13-3 (correspondente ao acesso ao logradouro de uma casa), e aí imobilizou a sua marcha, de forma a ocupar com a respectiva parte traseira, ao nível da sua caixa de carga, uma largura de cerca de 3 metros da faixa de rodagem da Rua 116 (20 a 22);</font><br>
<font>22. O A. pretendia descarregar, da caixa de carga do SQ para o logradouro indicado em 20, 3 paletes de tijolos com o auxílio da grua hidráulica existente do lado direito do SQ (entre a sua cabine e a sua caixa de carga), cujo braço articulado e rotativo tem com um comprimento de 4,30 metros (23 e 24);</font><br>
<font>23. Para realizar a operação de descarga das paletes de tijolos, o A: colocou-se de pé, no solo, do lado direito do SQ com vista a, desse lugar, poder manobrar os comandos hidráulicos da grua e poder proceder à pretendida descarga; manteve o motor do SQ em funcionamento, com vista a alimentar o sistema hidráulico da grua; e manteve o SQ com as “sapatas”, situadas ao nível da parte frontal da sua caixa de carga, apoiadas e fixas no solo (25);</font><br>
<font>24. Os factos descritos em 25. implicaram que as rodas frontais da cabine do SQ tivessem que ficar suspensas no ar, razão por que o SQ apenas pôde estar imobilizado com o auxílio exclusivo do seu sistema de travão de mão (o qual actua apenas às suas rodas de trás), e na posição perpendicular em relação ao eixo divisório da faixa de rodagem da Rua 116 (26 a 28);</font><br>
<font>25. Quando se encontrava imobilizado nas circunstância referidas, o SQ (na sua quase totalidade) e o A. eram visíveis para quem circulava pela Rua 116, no sentido Igreja-Estrada Nacional nº. 13-3, quando se encontrasse a uma distância de 90 metros (31);</font><br>
<font>26. Ao colocar-se de pé, no solo, sobre a faixa de rodagem da Rua 116, o A. fê-lo junto à zona de união entre a cabine do SQ e a sua caixa de carga, iniciando então a operação de descarga dos tijolos com os comandos hidráulicos da grua (32 e 33);</font><br>
<font>27. Quando se encontrava colocado no solo da forma descrita, o A. e o SQ (parte lateral direita da caixa de carga) foram embatidos pela parte frontal do GH (34);</font><br>
<font>28. O GH seguia então a velocidade de cerca de 5 Km/h (35, 45 e 46);</font><br>
<font>29. No momento do embate, o condutor do GH entalou o A. entre a parte frontal do GH e a parte lateral direita da caixa de carga do SQ, a uma distância de 1 metro da linha delimitativa da berma do mesmo lado (37 e 38);</font><br>
<font>30. Depois do embate, o SQ e o A. (na altura entalado entre a parte frontal do GH e a parte lateral direita da caixa de carga do SQ) foram arrastados ao longo de 6,30 metros (39 e 40);</font><br>
<font>31. Momentos antes do acidente e numa altura em que o SQ já se encontrava imobilizado nas circunstâncias descritas, tinha passado no local um veículo automóvel pesado de mercadorias exactamente igual ao GH e com carga idêntica, provindo do mesmo lugar deste (41 e 42);</font><br>
<font>32. Na altura do acidente, o GH pesava 40 toneladas (28 relativas ao material que transportava e 12 relativas ao peso do próprio veículo) (44);</font><br>
<font>33. Como consequência directa e necessária do acidente, resultou para o A. traumatismo da região da bacia, esmagamento da região da bacia, hemorragia da região do hipogastro, hemorragia da região púbica, fractura dos ramos púbicos superior e inferior, à esquerda, com desvio, rotura vascular na raiz da coxa, hematúria por rotura da uretra prostática, choque hipovolémico, pé esquerdo pálido, impotência funcional, por esquemia aguda, do membro inferior esquerdo, laceração perineal, rotura da parede anterior do recto, lesão do nervo ciático poplíteo externo esquerdo, rotura da bexiga, escoriações, feridas e hematomas espalhados pelo corpo todo (51);</font><br>
<font>34. O A. foi transportado de ambulância para o Hospital de Santa Luzia de Viana do Castelo, onde lhe foram prestados os primeiros socorros e efectuados exames radiológicos. Na mesma altura, foi ministrada ao A. uma transfusão de sangue (5 unidades) e uma transfusão de plasma (2 unidades) (52 e 53);</font><br>
<font>35. O A. foi de imediato transferido, de helicóptero, para o Hospital de S. João do Porto e aí internado no Bloco Operatório, após o que, depois de sujeição a anestesia geral, foi submetido a uma intervenção cirúrgica de 8 horas consubstanciada em laparatomia exploradora, com colostomia terminal do sigmóide e cistostomia (por impossibilidade de algaliação) (54 e 55);</font><br>
<font>36. Após a intervenção cirúrgica, o A. manteve-se internado na Unidade de Cuidados Intensivos no Hospital de S. João do Porto com respiração assistida, perfusão antibiótica, sedação, analgesia e controlo analítico permanente (56);</font><br>
<font>37. O A. manteve-se na Unidade de Cuidados Intensivos do Hospital de S. João do Porto desde 02 de Novembro de 2001 até 10 de Novembro de 2001, período em que se manteve sempre deitado de costas e sem se poder virar, na situação de estado de coma provocado (57 e 58);</font><br>
<font>38. Durante o período em que se manteve da Unidade de Cuidados Intensivos do Hospital de S. João do Porto o A. foi politransfundido, mantendo-se ventilado artificialmente ao longo dos primeiros 5 dias e sendo entubado no quinto dia (59 a 61);</font><br>
<font>39. A. manteve-se estável hemodinamicamente, com diurese e função renal normal e em estado sub-febril, por sinais de celulite de raiz da anca da coxa esquerdos, com consequente leucocitose (62 e 63);</font><br>
<font>40. No dia 10 de Novembro de 2001, o A. foi transferido para o Serviço de Cirurgia do Hospital de S. João do Porto, onde se manteve durante 2 dias (64);</font><br>
<font>41. No dia 12 de Novembro de 2001, o A. obteve alta hospitalar no Hospital de S. João do Porto, sendo transferido para o Hospital de Santa Luzia de Viana do Castelo, onde se manteve internado durante 137 dias, período durante o qual foi reenviado ao Hospital de S. João do Porto (em 25 de Novembro de 2001 e em 03 de Dezembro de 2001) para reavaliação por Urologia e Cirurgia Vascular (65 a 67);</font><br>
<font>42. No dia 06 de Março de 2002, o A. foi submetido a uma segunda intervenção cirúrgica, anestesia geral, no Hospital de Santa Luzia de Viana do Castelo, consubstanciada em uretroplastia, topo a topo, após uretrectromia segmentar, com excisão de zona fibrosa pós-traumática, por via combinada (68);</font><br>
<font>43. No dia 28 de Março de 2002, o A. obteve alta hospitalar, regressando a casa (69);</font><br>
<font>44. O A. manteve-se algaliado até 15 de Maio de 2002 (70);</font><br>
<font>45. No Hospital de Santa Luzia de Viana do Castelo o A. manteve-se sempre deitado de costas e sem se poder virar (71);</font><br>
<font>46. Regressado a casa, o A. continuou sempre deitado de costas e sem se poder virar, de onde saía apenas para se dirigir ao Hospital de Santa Luzia de Viana do Castelo, para frequentar sessões de fisioterapia à região dos membros inferiores, com maior incidência do pé esquerdo (72 e 73);</font><br>
<font>47. O A. manteve-se em fisioterapia 3 vezes por semana, no Hospital de Santa Luzia de Viana do Castelo, desde 14 de Novembro de 2001 até finais de Junho de 2002 (74);</font><br>
<font>48. Quando esteve internado no Hospital de Santa Luzia de Viana do Castelo (entre 12 de Novembro de 2001 e 28 de Março de 2002), o A. frequentou idêntico tratamento de fisioterapia naquela Unidade Hospitalar em sessões diárias (75);</font><br>
<font>49. A partir de 03 de Abril de 2002, o A. passou a ser assistido nos Serviços Clínicos da Liberty Seguros, SA, no Porto, onde foi assistido e tratado ao longo de mais de 20 consultas e idêntico número de sessões (76 e 77);</font><br>
<font>50. No dia 13 de Abril de 2002, o A. foi novamente readmitido no Hospital de Santa Luzia de Viana do Castelo para realização de nova cistostomia com algaliação (78);</font><br>
<font>51. No dia 08 de Maio de 2002, o A. foi readmitido no Hospital de Santa Luzia de Viana do Castelo, onde foi internado ao longo de 8 dias, sendo então submetido a uma terceira intervenção cirúrgica, com anestesia geral, consubstanciada na reconstrução do trânsito intestinal e encerramento de colostomia (79 e 80);</font><br>
<font>52. No dia 15 de Maio de 2002, o A. obteve alta hospitalar no Hospital de Santa Luzia de Viana do Castelo e dirigiu-se ao Hospital de S. João do Porto para análise da algália e para ver se a mesma podia ser extraída (81);</font><br>
<font>53. No dia 16 de Maio de 2002, o A. teve alta do Hospital de S. João do Porto e foi transferido novamente para o Hospital de Santa Luzia de Viana do Castelo (82);</font><br>
<font>54. Nessa altura, a algália não lhe foi extraída em virtude de a mesma se apresentar encravada na uretra (83);</font><br>
<font>55. O A. manteve-se, desta vez, internado no Hospital de Santa Luzia de Viana do Castelo por um novo período de 8 dias, obtendo alta no dia 23 de Maio de 2002 (84);</font><br>
<font>56. Após regressar à sua casa, o A. passou a ser acometido de agravamento da circulação no seu membro inferior esquerdo, razão por que passou a ser acompanhado e tratado pelos Serviços Clínicos da Liberty Seguros, SA, no Porto, por um especialista em Cirurgia Vascular, onde se dirigiu por 12 vezes (85 e 87);</font><br>
<font>57. No dia 25 de Junho de 2002, por indicação do especialista que o acompanhava, o A. fez Eco-Doppler no Hospital de Santa Maria do Porto, tendo posteriormente continuado as consultas e tratamento nos Serviços Clínicos da Liberty Seguros, SA, para acompanhamento e controle (88 e 89);</font><br>
<font>58. No dia 01 de Julho de 2002, o A. foi internado no Hospital de S. João António do Porto, onde se manteve desde 01 de Julho de 2002 até 23 de Agosto de 2003, aí fazendo análises clínicas, um T AC, exames aos vasos circulatórios dos membros inferiores, e onde foi submetido a uma quarta intervenção cirúrgica, consubstanciada em “by-pass” e transposição de vasos superficiais, retirados das faces anteriores de ambos os membros inferiores (“by-pass” cardiofemural) (90 a 92);</font><br>
<font>59. Durante esse período de tempo de internamento, foi efectuada ao A. nova cistotomia e retirada uma prótese destinada a irrigação sanguínea (que anteriormente lhe havia sido aplicada na região dos membros inferiores) (93);</font><br>
<font>60. Durante este período de internamento, o A. foi afectado de complicação infecciosa a nível do sangue e do seu sistema circulatório, razão por que lhe foi ministrada “Vacomicina” e foi mantido em isolamento absoluto até 23 de Agosto de 2003 (94 e 95);</font><br>
<font>61. No dia 08 de Julho de 2002 o A. foi submetido a uma quinta intervenção cirúrgica no Hospital de Santo António do Porto, por ter sido acometido de complicação obstrutiva de vaso sanguíneo, na face interna da coxa direita, com aneurisma volumoso (rebentou-lhe esse vaso sanguíneo e o sangue era projectado para o exterior, em repuxo) (96);</font><br>
<font>62. Porque no dia 18 de Julho de 2002 se repetiu a fuga descontrolada de sangue, em repuxo, do mesmo vaso sanguíneo, o A. foi novamente operado a esse vaso sanguíneo para estancamento da fuga, tendo-lhe sido então efectuada uma sexta intervenção cirúrgica, consubstanciada na transposição de vaso sanguíneo, retirado do membro superior esquerdo e transplantado no membro inferior direito (97 e 98);</font><br>
<font>63. Durante essa sexta operação, foi efectuado ao A: tratamento de falso aneurisma volumoso anastomótico bilateral de ambas as coxas, remoção de prótese vascular anterior, pontagem ileopoplítea (13. porção), com veia safena interna invertida (04-07-2002), e pontagem ileopoplétea (13. porção) com veia cefálica antóloga invertida e laqueação da artéria femural superficial esquerda, por ter surgido novo falso aneurisma na anastomose femural superficial esquerda (18-07-2002), e cistostomia percutânea (04-07-2002) (99);</font><br>
<font>64. No dia 23 de Agosto de 2002, o A. obteve alta hospitalar do Hospital de Santo António do Porto, sendo transferido para o Hospital de Santa Luzia de Viana do Castelo, onde se manteve internado ao longo de 6 dias no Serviço de Especialidades Cirúrgicas (Urologia) (100 e 101);</font><br>
<font>65-No dia 28 de Agosto de 2002, o A. obteve alta hospitalar do Hospital de Santa Luzia de Viana do Castelo regressando à sua casa (102);</font><br>
<font>66 No dia 29 de Agosto de 2002, o A. dirigiu-se aos Serviços Clínicos da Liberty Seguros, SA, no Porto, e foi imediatamente internado de urgência no Hospital de Santa Maria do Porto, onde se manteve internado ao longo de 9 dias e onde foi assistido por médicos especialistas em Cirurgia Vascular e Urologia (103 e 104);</font><br>
<font>67. No dia 06 de Setembro de 2002, o A. obteve alta hospitalar do Hospital de Santa Maria do Porto e regressou à sua casa, onde se manteve deitado (105);</font><br>
<font>68 No dia 09 de Setembro de 2002, o A. continuou tratamento de fisioterapia no “Centromedifísica, Lda”, em Viana do Castelo, consubstanciado em tratamentos de movimentos nos 2 joelhos, massagens e calores húmidos, o que fez ao longo dos meses de Setembro, Outubro e Novembro de 2002 e Janeiro, Fevereiro, Março, Abril, Maio, Junho e Julho de 2003 (106 e 107);</font><br>
<font>69. No dia 20 de Setembro de 2002, o A. foi submetido a uma sétima intervenção cirúrgica uretral, com anestesia geral, consubstanciada em emissão de mina, pela uretra, com algália, com desobstrução do canal uretral (108);</font><br>
<font>70. O A. obteve alta do Hospital de Santa Maria do Porto no dia 24 de Setembro de 2002, regressando à sua casa (109);</font><br>
<font>71. No dia 01 de Outubro de 2002, o A. passou a ser acometido de hemorragias através de pénis (uretra), que se prolongaram ao longo de 18,30 horas (110);</font><br>
<font>72. No dia 11 de Outubro de 2002, o A. regressou ao Hospital de Santa Maria do Porto, onde lhe foi retirada a algália que lhe havia sido aplicada (111);</font><br>
<font>73. Posteriormente, o A. desenvolveu trajecto fistuloso, da uretra para o intestino, razão por que, a partir de 18 de Outubro de 2002, continuou em tratamentos de Urologia e de Cirurgia Vascular no Hospital de Santa Maria do Porto (112 e 113);</font><br>
<font>74. Foi-lhe então efectuado tratamento de encerramento do trajecto fistuloso da uretra para o intestino (114);</font><br>
<font>75. No dia 13 de Dezembro de 2002, o A. foi internado no Hospital de Santa Maria do Porto, onde se manteve internado durante 4 dias (115);</font><br>
<font>76. N
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GTLMu4YBgYBz1XKvZT4M
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1.ª Secção (Cível)
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<b><font> </font></b><font><br>
<br>
<font> </font><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça :</font>
<p>
</p><p><font>AA</font><font>, solteira, instaurou a presente acção declarativa, com processo ordinário, contra </font><font>C. P. – Caminhos de Ferro Portugueses EP</font><font>, </font><font>BB, </font><font>casado, revisor e </font><font>CC, maquinista, alegando, em resumo, que no dia 01 de Agosto de 1997, cerca das 23 horas e 10 minutos, foi vítima de atropelamento pelo comboio nº 837, propriedade da Ré CP e conduzido pelos Réus BB e CC, onde ela era transportada, tendo dele saído na Estação da Mealhada, a qual se encontrava mal iluminada, por estarem a ocorrer obras, e quando dele saía o comboio foi posto em andamento, com as portas abertas, e acabou por cair para a linha, tendo-lhe sido cortado na totalidade o braço direito, o que a levou a internamento e tratamentos hospitalares prolongados e dolorosos, além de que ficou com graves sequelas que a impedem de exercer a actividade profissional como anteriormente e mesmo de desempenhar as tarefas quotidianas sem o auxílio de terceiros, tendo suportado dores intensas, tudo por culpa dos Réus, pelo que sobre eles recai o dever de indemnizar .</font><br>
<font>Pede a condenação solidária dos réus :</font><br>
<font>a) a pagarem-lhe a quantia de 25.000.000$00 (€ 124.699,46) pelos danos patrimoniais futuros e/ou pela frustração parcial dos lucros cessantes que sofreu, sempre correspondente à sua perda de capacidade de ganho com reflexo no património da Autora;</font><br>
<font>b) a pagarem-lhe, também a título de dano patrimonial, a quantia de 4.000$00 (€ 19,95) por cada dia útil, em forma de renda vitalícia, desde o dia 23 de Dezembro de 1999, até à data do seu (da Autora) falecimento ou até que cessem as circunstâncias que lhe determinaram ou determinam a necessidade de assistência por parte de terceira pessoa, a que deverão acrescer juros de mora à taxa legal, desde a citação, sobre todas as prestações vencidas desde aquela data até à propositura da acção e até efectivo pagamento de tais quantias;</font><br>
<font>c) a actualizarem anualmente, a partir de 01 de Janeiro de cada ano e com início em 01 de Janeiro de 2001, de harmonia com a inflação e os índices publicados pelo INE, dos preços do consumidor sem habitação, a referida quantia de 4.000$00 (€ 19,95);</font><br>
<font>d) a pagarem-lhe a quantia global de 472.000$00 (€ 2.354,33), referente a todas as prestações vencidas a título de renda vitalícia desde 23-12-1999 até à propositura da acção;</font><br>
<font>e) a pagarem-lhe, a título de indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos em virtude do acidente, a quantia de 20.000.000$00 (€ 99.759,58); </font><br>
<font>f) a actualizarem todas essas quantias de harmonia com os índices de inflação dos preços do consumidor sem habitação, devendo ainda os Réus serem solidariamente condenados em juros de mora à taxa legal, sobre as quantias referidas, a partir da prolação da sentença de primeira instância e até integral pagamento .</font></p><div><font>*</font></div><font> Contestaram os Réus, os quais suscitaram a caducidade do direito invocado pela Autora, por a acção não ter sido proposta no prazo de um ano a contar da ocorrência do acidente .</font><br>
<font>Além disso, impugnaram parte dos factos articulados, alegando, em síntese, que tal acidente ocorreu por culpa exclusiva da Autora, já que a estação da Mealhada se encontrava com luz normal e ela vinha distraída, só se tendo apercebido tardiamente que ali se encontrava, tendo saído da carruagem com o comboio já em andamento e perdido o equilíbrio .</font><br>
<font>Acrescentam que as carruagens não tinham portas automáticas e que os Réus BB e CC procederam normalmente na paragem e partida do comboio . </font><div><font>*</font></div><font> Os </font><font>Hospitais da Universidade de Coimbra </font><font>deduziram incidente de intervenção espontânea, solicitando o pagamento das despesas com assistência à Autora, em consequência do acidente, no total de 2.522.790$00 (€ 12.583,62), acrescido de juros de mora à taxa legal a contar da citação . </font><div><font>*</font></div><font> A Autora replicou e requereu a </font><font>ampliação do pedido</font><font>, com condenação solidária dos Réus a pagarem-lhe a quantia de 7.000.000$00 (€ 34.915,85), a título de indemnização pelo dano patrimonial emergente que sofreu com a amputação e perda do seu braço direito, para além das quantias já pedidas em a) a f) supra, a qual deverá também ser actualizada de harmonia com o requerido (fls. 94 a 101).</font><div><font>*</font></div><font> O </font><font>Instituto de Solidariedade e Segurança Social – Centro Distrital de Solidariedade e Segurança Social de Santarém </font><font>deduziu pedido de reembolso das prestações pagas à Autora, sua beneficiária, em consequência do período de baixa que lhe adveio do acidente, concluindo pela condenação dos Réus a pagarem-lhe a quantia de € 8.927,29 (fls. 302 e 303). </font><font> </font><br>
<font> *</font><br>
<font> Os </font><font>Réus</font><font> contestaram esse pedido do </font><font>Instituto de Solidariedade e Segurança Social, </font><font>considerando que o acidente não ocorreu por culpa sua, mas sim da Autora, concluindo pela improcedência do mesmo (fls. 311 a 315).</font><br>
<font> *</font><br>
<font> </font><font>Por despacho de fls 110, foi admitida a ampliação do pedido . </font><br>
<font> *</font><br>
<font> No despacho saneador, foi julgada improcedente a invocada excepção da caducidade . </font><br>
<br>
<font> *</font><br>
<font> Realizado o julgamento e apurados os factos, foi proferida </font><font>sentença</font><font>, </font><font>absolvendo</font><font> os réus BB e CC de todos os pedidos, mas </font><font>condenando</font><font> a ré C.P. - Caminhos de Ferro Portugueses, E.P., </font><br>
<font>I- a pagar à autora:</font><br>
<font>a)- a título de danos patrimoniais (lucros cessantes) e não patrimoniais, a quantia global (já deduzido o montante a reembolsar ao ISSS) de € 96,072,71 (noventa e seis mil e setenta e dois euros e setenta e um cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4% ao ano (ou outra que venha a vigorar), a contar da data da sentença, até integral pagamento;</font><br>
<font>b) - a quantia diária de € 13,97 (treze euros e noventa e sete cêntimos), referente a três dias úteis por semana (segundas, quartas e sextas feiras), fixada a título de indemnização sob a forma de renda, devida desde o dia 23 de Dezembro de 1999 até ao falecimento da Autora ou até que cessem as circunstâncias que determinaram e determinam a necessidade de assistência por terceira pessoa, sendo tal quantia actualizada em Janeiro de cada ano, com início em 2006, de acordo com o índice de inflação (sem habitação), relativo a ano anterior, a publicar pelo INE;</font><br>
<font>c) os juros de mora legais, desde a citação (19-06-2000), sendo à taxa de 7% ao ano até 30-04-2003, inclusive, e à taxa de 4% ao ano a partir de então (ou outra que venha a vigorar), sobre o montante devido a título de renda vitalícia (mencionada em b) deste dispositivo) entre 23-12-1999 e 09-06-2000, até integral pagamento.</font><br>
<font>II - a pagar ao Interveniente HUC, a quantia de € 12.583,62 (doze mil quinhentos e oitenta e três euros e sessenta e dois cêntimos)</font><font>, </font><font>acrescida de juros de mora legais, desde a data da notificação (25-09-2000), sendo à taxa de 7% ao ano até 30-04-2003, inclusive, e à taxa de 4% ao ano a partir de então (ou outra que venha a vigorar), até integral pagamento; e</font><br>
<font> III- a pagar ao Interveniente ISSS, a quantia de € 8.927,29 (oito mil novecentos e vinte e sete euros e vinte e nove cêntimos).</font><br>
<br>
<font> *</font><br>
<font> </font><font>Apelaram a autora e a ré C. P. </font><br>
<font> A </font><font>Relação de Coimbra</font><font>, através do seu Acordão de 11-7-06, </font><font>decidiu</font><font> :</font><br>
<font>1- Declarar procedente a apelação da ré, revogar a sentença recorrida, julgar a acção improcedente e absolver a ré do pedido;</font><br>
<font>2- Considerar prejudicada a apreciação da apelação da autora .</font><br>
<br>
<br>
<font> Inconformada, a autora pede </font><font>revista</font><font>, alegando abundantemente e formulando extensas conclusões, onde suscita as seguintes </font><font>questões:</font><br>
<font>1- A autora não teve culpa na produção do acidente, devendo este ser imputado a culpa exclusiva da C. P. , por falta de segurança no cumprimento do contrato de transporte, sendo certo que os réus também não ilidiram a presunção de culpa estabelecida no art. 503, nº3, do C.C., pelo que há culpa presumida . </font><br>
<font>2 - A indemnização pelo dano futuro, resultante da perda da capacidade de ganho da autora, decorrente da IPP de que ficou afectada deve ser elevada para 90.500 euros .</font><br>
<font>3 – A perda do braço direito da autora deve ser valorada como um dano autónomo e, como tal, ressarcível com a atribuição de uma indemnização de 35.000 euros, não confundível com a perda da capacidade de ganho de que a mesma autora ficou a padecer .</font><br>
<font>4 – Estas indemnizações, bem como as que lhe foram fixadas na sentença recorrida, deverão ser actualizadas de acordo com as taxas da inflação anuais, em virtude da depreciação da moeda, para o montante de 287.932, 67, acrescido de juros de mora desde a data da sentença recorrida, quantitativo em que todos os réus devem ser solidariamente condenados . </font><br>
<font> *</font><br>
<font>A recorrida contra-alegou em defesa do julgado.</font><br>
<font> *</font><br>
<font>Corridos os vistos, </font><font>cumpre decidir . </font><br>
<br>
<font> *</font><br>
<font> A Relação considerou </font><font>provados</font><font> os factos seguintes .</font><br>
<br>
<font>a) No dia 01 de Agosto de 1997, pelas 23 horas e 10 minutos, a autora era transportada pelo comboio n° 837, numa das carruagens deste, para o efeito munida ou portadora do bilhete individual de transporte em 2° classe n° 7069107 (Inter-Regional).</font><br>
<br>
<font>b) No referido dia 01 de Agosto de 1997, a Autora que havia entrado para o identificado comboio, na estação do Entroncamento, viajava neste com destino à estação da Mealhada.</font><br>
<br>
<font>c) Concretamente, dirigia-se para a residência o casal seu amigo, Dr. ... e esposa Sr.ª D. ..., residentes em Vila Nova de Monsarros, Anadia.</font><br>
<br>
<font>d) O identificado comboio n° 837, no referido dia 01 de Agosto de 1997 e na identificada hora, era conduzido pelo Réu, maquinista ou revisor condutor, CC, funcionário da Ré CP.</font><br>
<br>
<font>e) O que ele, Réu CC, fazia por conta e sob a direcção, fiscalização, instrução e orientação da própria Ré CP.</font><br>
<br>
<font>f) Tal comboio n° 837 ou composição ferroviária, era e é propriedade da Ré CP - Caminhos de Ferro Portugueses, EP.</font><br>
<br>
<font>g) No referido dia 01 de Agosto de 1997, pelas referidas 23 horas e 10 minutos, no identificado comboio, seguia também o Réu BB, revisor e funcionário da Ré CP, competindo-lhe, igualmente sob a direcção, fiscalização e instruções desta (CP), a revisão das carruagens do identificado comboio.</font><br>
<br>
<font>h) No referido dia e hora, no identificado comboio e na carruagem onde seguia a Autora seguiam igualmente outros passageiros.</font><br>
<font>i) Muito embora, no referido dia e hora, nem o identificado comboio, nem a carruagem desta composição, onde viajava a Autora, estivessem superlotados.</font><br>
<br>
<font>j) No referido dia 01 de Agosto de 1997, na Estação dos Caminhos de Ferro da Mealhada, estavam a ser efectuadas e levadas a efeito diversas obras de conservação e manutenção daquele local e estação.</font><br>
<br>
<font>k) A Estação dos Caminhos de Ferro da Mealhada, hoje, depois de realizadas tais obras, tem a configuração demonstrada pelas fotografias que a Autora junta como documentos n° 3, 4, 5, 6, 7 e 8.</font><br>
<br>
<font>l) O referido comboio aproximou-se da estação da Mealhada, sensivelmente pelas 23 horas do referido dia 01 de Agosto de 1997.</font><br>
<br>
<font>m) A Autora, que viajava no mesmo, quando o aludido comboio se aproximou da Estação, não se apercebeu desde logo da mesma, concretamente, se a aludida composição ferroviária estava a aproximar da Estação da Mealhada.</font><br>
<br>
<font>n) </font><i><font>O aludido comboio veio, no entanto, a imobilizar-se na referida Estação da Mealhada, para a entrada e saída de passageiros.</font></i><br>
<br>
<i><font>o) O que aconteceu por breves minutos.</font></i><br>
<br>
<font>p) A Autora, pôde constatar que a referida composição se encontrava na Estação da Mealhada.</font><br>
<br>
<font>q) A qual era o destino da Autora.</font><br>
<br>
<font>r) </font><font>Quando a Autora iniciou a descida da referida carruagem do comboio em direcção ao cais ou à plataforma da Estação da Mealhada, o referido comboio havia já começado a sua marcha.</font><br>
<br>
<font>s) A Autora colocou um pé na plataforma da referida Estação da Mealhada.</font><br>
<br>
<font>t) Mas com o impulso dado pelo andamento do comboio, a Autora desequilibrou-se e caiu na linha férrea.</font><br>
<br>
<font>u) Caiu à linha num espaço compreendido entre a plataforma da Estação e o próprio comboio.</font><br>
<br>
<font>v) Caiu igualmente no espaço existente que se forma com a junção ou atrelagem de duas carruagens.</font><br>
<br>
<font>w) A Autora ficou caída e estendia junto à linha férrea, por onde ainda circulava o identificado comboio, sensivelmente no local que se encontra assinalado por uma seta verde na fotografia junta (como documento n° 9 da petição).</font><br>
<br>
<font>x) A Autora ficou caída junto da linha, com o braço direito em cima ou sobre a referida linha férrea, por onde ainda circulava o identificado comboio.</font><br>
<br>
<font>y) A Autora foi então atropelada pelo referido comboio.</font><br>
<br>
<font>z) Para além de outros ferimentos e lesões sofridos pela Autora, o rodado do comboio, em andamento, cortou ou amputou o braço direito ou o membro superior direito da Autora, separando-o do resto do seu corpo.</font><br>
<br>
<font>aa) O braço direito da Autora, em virtude da referida amputação, ficou a alguns metros desta, próximo da linha férrea por onde os comboios circulam, em sentido inverso ao do n° 837.</font><br>
<br>
<font>bb) No referido dia 01 de Agosto de 1997, próximo da hora em que se verificou o acidente, compareceram na aludida estação da Mealhada o casal identificado (em C) supra), ou seja, o Dr. ..., médico, e sua esposa D. ....</font><br>
<br>
<font>cc) Este casal compareceu na aludida estação para transportar a Autora para Vila Nova de Monsarros, concretamente para a residência do referido casal, situada nesta localidade.</font><br>
<br>
<font>dd) Porém, o Dr. ... e sua esposa depararam e encontraram a Autora caída e estendida na linha do comboio, vítima das referidas queda e atropelamento.</font><br>
<br>
<font>ee) O Dr. ..., com a ajuda da uma terceira pessoa que compareceu ali, retirou a Autora do local onde esta se encontrava quando do atropelamento, colocando-a no cais da Estação da Mealhada.</font><br>
<br>
<font>ff) Até porque, passados minutos, chegaria à estação da Mealhada outro comboio que poderia atropelar a Autora causando-lhe ferimentos piores ou até a morte.</font><br>
<br>
<font>gg) No referido dia 01 de Agosto de 1997, quer pelo próprios Dr. ... e esposa, quer por terceiras pessoas que compareceram na estação, à hora do acidente, foi solicitada a comparência de uma ambulância para o transporte da Autora, o que efectivamente veio a acontecer.</font><br>
<br>
<font>hh) Tendo a Autora, no referido dia, pelas 23 horas e 20 minutos, sido transportada por uma ambulância dos Bombeiros da Mealhada, para os serviços de urgência dos HUC.</font><br>
<br>
<font>ii) A Autora nasceu no dia 08 de Junho de 1947, na freguesia de S. Pedro, Torres Novas, sendo solteira.</font><br>
<br>
<font>jj) No dia 02 de Agosto de 1997, foi assistida no Serviço de Urgência dos HUC a Autora AA, tendo ficado internada, primeiro nos serviços de Ortotraumatologia, sendo depois transferida, respectivamente, para os serviços de Ortopedia 6-B, Cirurgia 1 e de novo para o serviço de Ortopedia 6-B, onde permaneceu até ao dia 29 do mesmo mês de Agosto. Voltou de novo a ser assistida em regime de internamento no serviço de Ortotraumatologia no período de 22-09 a 13-10-1998, e em regime de Consulta Externa até ao dia 31-05-2000.</font><br>
<br>
<font>kk) A assistência que então lhe foi prestada foi originada pelos ferimentos apresentados pela assistida, em consequência de acidente ferroviário ocorrido do dia 01 de Agosto de 1997, pelas 23 horas e 10 minutos, na Estação da Mealhada.</font><br>
<br>
<font>ll) Os encargos com a assistência que foi prestada à Autora AA importam na quantia de Esc. 2.522.790$00.</font><br>
<br>
<font>mm) A Autora AA é beneficiária do Centro Distrital de Solidariedade e Segurança Social de Santarém com o n° de inscrição 095 148 437.</font><br>
<br>
<font>nn) Em consequência do acidente ocorrido em 01 de Agosto de 1997, esse Centro Distrital pagou à referida beneficiária, de acordo com o estatuído nos artigos 15° e 16° do DL n° 132/88, de 20 de Abril, subsídio na doença no período de 02-08-1997 a 19-01-2000, no valor de € 8.927,29 (oito mil novecentos e vinte e sete euros e vinte e nove cêntimos).</font><br>
<br>
<font>oo) Foram ainda pagas as importâncias de € 83,11 referentes a subsídio de Natal de 1997; € 249,30 referentes a subsídio de Natal de 1998; € 248.80 referentes ao subsídio de Natal de 1999; € 249,30 referentes ao subsídio de Férias de 1999 e € 249,30 referentes ao subsidio de Férias de 2000.</font><br>
<br>
<font>pp) </font><i><font>No referido dia 1 de Agosto de 1997, à noite, a estação dos Caminhos de Ferro da Mealhada encontrava-se encerrada, nela não estando o chefe da estação.</font></i><br>
<br>
<font> qq) </font><i><font>No referido dia 1 de Agosto de 1997, à noite, a estação dos caminhos de ferro da Mealhada encontrava-se com iluminação de menor intensidade do que a habitual.</font></i><br>
<br>
<font>rr) A Autora dirigiu-se ao “hall” de entrada da carruagem.</font><br>
<br>
<font>ss) E, consequentemente, a Autora dirigiu-se à porta do tal “hall”, situada na carruagem do comboio, porta essa localizada concretamente do lado da plataforma da Estação da Mealhada, onde o aludido comboio se havia imobilizado.</font><br>
<br>
<font>tt) A Autora ao chegar junto da porta, por onde tinha de sair, constatou que a mesma se encontrava aberta.</font><br>
<br>
<font>uu) Ao ver a referida porta aberta, convenceu-se a Autora de que o referido comboio estava parado ou imobilizado na Estação da Mealhada.</font><br>
<br>
<font>vv) Estando aberta a referida porta da carruagem do comboio, onde seguia a Autora, esta saiu.</font><br>
<br>
<font>xx) </font><i><font>Foi o Réu BB, revisor, que, depois de descer para o cais da aludida estação, deu o sinal de serviço concluído ao maquinista do comboio, estando abertas, na altura, pelo menos, a porta da carruagem por onde o mesmo entrou e a da carruagem por onde saiu a Autora.</font></i><br>
<br>
<font>zz) Logo após aquele sinal de serviço concluído, o Réu BB voltou a entrar no comboio, que se pôs em marcha, com, pelo menos, a porta por onde a Autora saiu aberta.</font><br>
<br>
<font>aaa) Tudo o que o Réu BB também fez por conta sob a direcção, fiscalização, instrução, direcção e orientação da Ré CP.</font><br>
<br>
<font>bbb) O Réu revisor BB Pereira era, para além do Réu maquinista CC, um dos funcionários da CP que seguiam no comboio. </font><br>
<br>
<font>ccc) </font><i><font>O mesmo estava incumbido não só da revisão das carruagens, como também de dar sinal de serviço concluído ao maquinista ou ao condutor do comboio nas estações e paragens do seu percurso.</font></i><br>
<br>
<font>ddd) O Réu maquinista CC, no dia 01 de Agosto de 1997, à noite, no momento da partida do comboio da Estação da Mealhada, não encerrou nem fez encerrar por qualquer forma as portas das carruagens da aludida composição ferroviária.</font><br>
<br>
<font>eee) E muito concretamente a porta da carruagem por onde a Autora saiu, imediatamente antes de cair à linha .</font><br>
<br>
<font>fff) O Réu revisor BB, no referido dia 1 de Agosto de 1997, à noite, no momento da partida do comboio da estação da Mealhada, não encerrou nem fez encerrar a porta da carruagem por onde a Autora saiu antes de cair à linha, tendo encerrado, pelo menos, aquela por onde entrou no comboio após a indicação de serviço concluído.</font><br>
<br>
<font>ggg) Nenhum outro funcionário ou trabalhador da Ré CP, no referido dia e momento da partida do comboio da Estação da Mealhada, encerrou ou fez encerrar a porta por onde a Autora saiu antes de cair à linha e de ser atropelada pelo comboio.</font><br>
<br>
<font>hhh) O comboio, após partir da estação da Mealhada, no dia 01 de Agosto de 1997, passados alguns minutos das 23 horas, prosseguiu viagem durante algum tempo com a porta por onde saiu a Autora aberta.</font><br>
<br>
<font>iii) Após a verificação do descrito acidente, a Autora foi transportada de ambulância aos serviços de urgência do Hospital da Mealhada.</font><br>
<br>
<font>jjj) De onde, já em 02 de Agosto de 1997, após observação e adopção de medidas de estabilização clínicas, foi transferida para o Hospital da Universidade de Coimbra.</font><br>
<br>
<font>lll) No Hospital da Universidade de Coimbra, já em 02-08-1997, foram diagnosticadas à Autora as seguintes lesões do ponto de vista Ortotraumatológico:</font><br>
<br>
<font>- amputação traumática do membro superior direito (braço direito);</font><br>
<font>- suspeita de fractura da 1ª vértebra dorsal, também designada por D10; e</font><br>
<font>- traumatismo craniano e hemotórax à esquerda.</font><br>
<br>
<font>mmm) Ainda no dia 02 de Agosto de 1997, a Autora foi submetida a intervenção cirúrgica, nos serviços de urgência (Bloco Operatório) dos HUC, para regularização do coto de amputação pelo 1/3 proximal do úmero direito.</font><br>
<br>
<font>nnn) Após o que foi internada nos serviços de Ortopedia do referido hospital.</font><br>
<br>
<font>ooo) Em 06 de Agosto de 1997, a Autora foi transferida para os serviços de cirurgia de mulheres do aludido Hospital, por se verificar um Volet Costal à esquerda e ter dificuldades respiratórias, devido a fracturas múltiplas que tinha de costelas à esquerda.</font><br>
<br>
<font>ppp) A Autora permaneceu nos referidos serviços de cirurgia de mulheres até 18 de Agosto de 1997.</font><br>
<br>
<font>qqq) Data em que foi transferida para os serviços de Ortopedia do aludido Hospital, onde foi submetida a tratamentos médicos, concretamente de medicina física e reabilitação.</font><br>
<br>
<font>rrr) Para estabilização da coluna dorso-lombar da Autora, foi-lhe aplicado um dorso-lombostato.</font><br>
<br>
<font>sss) Ainda em consulta de medicina física e de reabilitação, foi prescrita à Autora urna prótese cosmética do membro superior direito, bem como tratamentos anti-álgicos (anti-dolorosos) e de reeducação respiratória.</font><br>
<br>
<font>ttt) Em virtude do traumatismo craniano que a Autora sofreu, e das suas graves sequelas físicas, nomeadamente da amputação completa do seu membro superior direito e dos sofrimentos que passou, a Autora, naquela altura, manifestava perturbações do foro neuro-psicológico.</font><br>
<br>
<font>uuu) Pelo que teve acompanhamento psicológico nos serviços de medicina física e reabilitação dos HUC.</font><br>
<br>
<font>vvv) A Autora teve alta da enfermaria hospitalar em 29 de Agosto de 1997, com indicação de ser observada nos serviços de Medicina Física e Reabilitação.</font><br>
<br>
<font>xxx) Em 17 de Fevereiro de 1998, a Autora foi observada em Consulta Externa dos serviços de Ortopedia do aludido Hospital, tendo-se queixado de dores a nível da coluna dorso-lombar, pelo que lhe foi efectuada uma ressonância magnética.</font><br>
<br>
<font>zzz) Que confirmou a existência de fractura com achatamento cuneiforme da base posterior do corpo vertebral de D.11 da Autora, suspeitando-se igualmente de fracturas em ambos os pedículos.</font><br>
<br>
<font>aaaa) Associadamente, e em virtude da ressonância magnética efectuada à Autora, confirmou-se alteração na emissão do referido corpo vertebral D.11 e estreitamento marcado do espaço intersométrico das vértebras da Autora D.10 e D.11 com irregularidade da plataforma inferior da vértebra D.10.</font><br>
<br>
<font>bbbb) Confirmou-se igualmente que a Autora condicionava angulação cifótica das vértebras dorsais D.10 e D.11, com moldagem do espaço peri-medular anterior, e mais ligeira da parede anterior da medula que apresentava um sinal normal.</font><br>
<br>
<font>cccc) Por sugestão médica, e para melhor caracterização das alterações ósseas descritas, em 23 de Março de 1998 a Autora realizou um T.A.C. (Tomografia Axial Computorizada) centrada nas vértebras D.10 e D.11.</font><br>
<br>
<font>dddd) Que revelou a existência de fractura-achatamento do corpo da vértebra dorsal D.11 da Autora, interessando e revelando a porção esquerda da plataforma vertebral superior, com redução da altura esquerda do corpo vertebral e deformação em cunha da base posterior.</font><br>
<br>
<font>eeee) Igualmente a redução do diâmetro antero-posterior do canal raquidiano ao nível do ângulo posterior-superior da vértebra D.11 da Autora, não condicionando compromisso significativo das estruturas “intra-canalar”.</font><br>
<br>
<font>ffff) Em 14 de Abril de 1998, os serviços médicos do HUC propuseram e aconselharam à Autora o internamento hospitalar, para fusão posterior das suas vértebras dorsais D.10 e D.11.</font><br>
<br>
<font>gggg) Em 22 de Setembro de 1998, a Autora foi internada no serviço de Ortotraumatologia do referido Hospital, com o diagnóstico de fractura antiga da sua vértebra dorsal D.10.</font><br>
<br>
<font>hhhh) A Autora, após ter realizado vários exames laboratoriais, designadamente análises de rotina, electricardiogramas e estudo radiológico, foi submetida a nova intervenção cirúrgica em 28 de Setembro de 1998, tendo-se realizado artrodose posterior das vértebras dorsais da Autora D.8 a D.12, com enxerto autólogo (colhido da crista ilíaca esquerda).</font><br>
<br>
<font>iiii) Esta intervenção cirúrgica a que a Autora foi submetida e o pós operatório decorreram sem incidentes.</font><br>
<br>
<font>jjjj) A Autora teve alta da enfermaria em 13 de Outubro de 1998, com as seguinte orientação terapêutica:</font><br>
<font>- manter o dorso-lombostato e</font><br>
<font>- ser observada em Consulta Externa dos serviços de ortopedia dos HUC, em 12 de Janeiro de 1999.</font><br>
<br>
<font>llll) todas as lesões e traumatismos que a Autora sofreu, designadamente nas suas vértebras dorsais D.10 e D.11, o que levou à intervenção cirúrgica de 28 de Setembro de 1998 para Artrose Posterior das Vértebras Dorsais D.8 e D.12, com enxerto autólogo, bem como a amputação total do seu braço direito foram consequência e causados pelo descrito acidente de 01-08-1997.</font><br>
<br>
<font>mmmm) A data da consolidação clínica ou médico-legal da Autora é fixável em 14-03-2000.</font><br>
<font> </font><br>
<font>nnnn) A Autora sofreu de incapacidade geral temporária absoluta durante 250 dias, a contar da data do acidente.</font><br>
<br>
<font>ooo) Após a consolidação das lesões, a Autora sofre e padece de dorso-lombalgias.</font><br>
<br>
<font>ppp) A Autora sofre e padece de limitação dos movimentos passivos e activos de rotação flexão e extensão da coluna vertebral no seu segmento dorso-lombar.</font><br>
<br>
<font>qqq) A Autora sofre de cefaleias, de insónias, de ansiedade e depressão.</font><br>
<br>
<font>rrr) E padece de dores no coto operatório.</font><br>
<br>
<font>sss) À Autora foi-lhe amputado totalmente o seu membro superior direito, o que é facilmente visível através de um simples exame objectivo do seu corpo.</font><br>
<br>
<font>ttt) A Autora apresenta e tem uma cicatriz ao nível do coto operatório, com cerca de 20 cm de comprimento no sentido horizontal e com reacção quelóide.</font><br>
<br>
<font>uuu) A Autora apresenta e tem uma cicatriz com cerca de 30 cm de comprimento, ao longo da coluna vertebral, ao nível da sua vértebra dorsal D.11.</font><br>
<br>
<font>vvv) A Autora apresenta e tem uma cicatriz com cerca de 6 cm de comprimento, na face externa do hemotórax esquerdo.</font><br>
<br>
<font>xxx) Todas as descritas lesões que a Autora sofreu têm um carácter irreversível.</font><br>
<br>
<font>zzz) Antes do descrito acidente a Autora era destra.</font><br>
<br>
<font>aaaa) As descritas sequelas determinaram à Autora uma incapacidade permanente geral de 70%, à qual acresce, a título de dano futuro, mais 5%, resultando uma incapacidade permanente geral global de 75%, sendo as mesmas sequelas responsáveis por esforços significativamente acrescidos no exercício da sua actividade profissional, sendo mesmo incompatível com tarefas que exijam o compromisso dos dois membros superiores.</font><br>
<br>
<font>bbbb) A data do acidente, a autora trabalhava como ajudante na Santa Casa da Misericórdia de Torres Novas.</font><br>
<br>
<font>cccc)</font><font> </font><font>No exercício da sua profissão, ou seja, como ajudante da referida Santa Casa, a Autora, nos respectivos domicílios, auxiliava a fazer a higiene a pessoas idosas, a dar a alimentação a estas, a vestir essas mesmas pessoas e ainda a prestar-lhes todos os cuidados inerentes a pessoas de avançada idade, tudo no âmbito dos serviços próprios e que são também a razão de ser da referida Santa Casa.</font><br>
<br>
<font>dddd) A Autora, devido às lesões que sofreu, designadamente nas suas identificadas vértebras dorsais, na região lombar do seu corpo e com a amputação do seu membro superior direito, está completamente impossibilitada de exercer a sua actividade profissional descrita, na medida em que as tarefas exijam a utilização dos dois membros superiores, como o fazia antes do acidente.</font><br>
<br>
<font>eeee) O que causou à Autora um grande transtorno, incómodo e um enorme desgosto.</font><br>
<br>
<font>ffff) Já que até à data do acidente, a autora foi sempre uma pessoa saudável alegre e dinâmica.</font><br>
<br>
<font>gggg) As lesões e sequelas sofridas pela Autora, em virtude do acidente, apresentam um carácter permanente e irreversível.</font><br>
<br>
<font>hhhh) A data do acidente, a Autora trabalhada com a categoria de ajudante ou como ajudante, na Santa Casa da Misericórdia de Torres Novas, auferindo mensalmente um vencimento líquido de Esc. 66.714$00.</font><br>
<br>
<font>iiii) A Autora auferia sempre, como funcionária ou trabalhadora da Santa Casa da Misericórdia de Torres Novas, 14 salários por ano, ou seja 12 salários acrescidos dos respectivos subsídios de férias e de natal.</font><br>
<br>
<font>jjjj) Após as já referidas intervenções cirúrgicas a que a Autora foi submetida, e depois da sua alta hospitalar, passou vários períodos da sua recuperação na casa ou residência do casal seu amigo Dr. .. e Sr.ª D. ..., situada em Vila Nova de Monsarros, Anadia.</font><br>
<br>
<font>llll) Beneficiando então a Autora da ajuda deste casal, que lhe confeccionava as suas refeições, cortava ou partia os alimentos que iam ser ingeridos pela Autora ajudando igualmente a D. ... a Autora na higiene desta, nas deslocações que tinha de efectuar.</font><br>
<br>
<font>mmmm) Ainda auxiliando a Autora a vestir-se e a despir-se, bem como nos tratamentos a que a Autora ainda tinha de ser submetida.</font><br>
<br>
<font>nnnn) Porém, a Autora em 23 de Dezembro de 1999 regressou à sua casa situada na Rua ..., nº 00, rés-do-chão, em Torres Novas.</font><br>
<br>
<font>oooo) Onde a Autora dorme, come e tem centralizada a sua vida doméstica, morando e vivendo sozinha.</font><br>
<br>
<font>pppp) A Autora necessita agora do auxílio e ajuda de uma terceira pessoa, para fazer regularmente limpeza à casa e habitação onde reside.</font><br>
<br>
<font>qqqq) A Autora também necessita de ajuda e auxilio de uma terceira pessoa para preparar e confeccionar as refeições.</font><br>
<br>
<font>rrrr) A Autora necessita igualmente do auxílio de uma terceira pessoa para lavar a loiça que utiliza, passar a ferro as suas roupas e efectuar a lavagem e secagem destas.</font><br>
<br>
<font>ssss) O que a Autora também não consegue fazer sozinha.</font><br>
<br>
<font>tttt) A Autora também necessita do auxílio de urna terceira pessoa par
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xTK9u4YBgYBz1XKv7To6
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1.ª Secção (Cível)
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<b><font> </font></b><font>
<p>
</p><p><b><i><font>Acórdão no Supremo Tribunal de Justiça:</font></i></b>
</p><p><b><font>I. Relatório</font></b>
</p><p><b><font>AA, Ld.ª</font></b><font> intentou contra o </font><b><font>M................. Lisboa, EP</font></b><font>, uma acção comum sob forma de processo declarativo ordinário, pedindo que a Ré fosse condenada a pagar-lhe:</font>
</p><p><font>- a quantia de 12.330.000$00 correspondentes às contrapartidas diárias e não pagas, vencidas até 30 de Junho de 1996;</font>
</p><p><font>- o valor das contrapartidas diárias vincendas, à arzão de 45.000$00 por dia;</font>
</p><p><font>- o valor dos juros de mora relativos aos pagamentos efectuados com atraso, no valor de 41.812$00,</font>
</p><p><font>- - os juros de mora relativos às indemnizações diárias não pagas os quais, em 15 de Junho de 1996, totalizam 693.031$00 e os vincendos até efectivo e integral pagamento;</font>
</p><p><font>- a recolocação do toldo retirado pela Ré e não restituído ou o pagamento da importância de 231.543$00, custo de recolocação de u toldo igual;</font>
</p><p><font>- a quantia de 5.000$00 diários a título de indemnização pelo facto de a A. não poder usufruir do toldo, contados desde um mês após a retirada do toldo, em Fevereiro de 1995, até ao pagamento do valor do toldo ou à sua recolocação.</font>
</p><p><font>Para o efeito alegou ser possuidora de um estabelecimento de pastelaria e restaurante sito na Rua ...., em Lisboa, e haver celebrado com a Ré um Acordo para esta durante um determinado período usar, contra determinadas contrapartidas, o espaço de esplanada que utilizava; no entanto a Ré não cumpriu parte das obrigações a que se comprometera, e, quanto a outras, veio a pagá-las com atraso, o que lhe causou prejuízos, cuja reparação pretende.</font>
</p><p><font>A Ré contestou impugnando, por um lado, parte da materialidade invocada, designadamente o montante dos prejuízos; por outro lado, invocou a ilegitimidade da A. em pedir indemnização pela ocupação da via pública e imputou à A. a responsabilidade pela mora no não recebimento do acordado.</font>
</p><p><font>Aceitou apenas como sua obrigação a reposição do toldo.</font>
</p><p><font>Houve réplica, onde a A. sustentou a sua legitimidade quanto a todos os pedidos e concluiu consoante o pedido inicial.</font>
</p><p><font>Saneado, condensado e instruído o processo seguiu o processo para julgamento, sendo dadas as respostas aos quesitos da base instrutória e proferida sentença.</font>
</p><p><font>Da sentença foi interposto recurso por parte da Ré.</font>
</p><p><font>A Relação entendeu que havia contradição nas respostas a determinados quesitos e que era necessária a ampliação da matéria de facto para que pudesse ajuizar-se se em 1995.10.16 ( data de carta da Ré à A.) a esplanada estava em condições de poder ser utilizada, com a substituição pela Ré da calçada pré-existente, pela chapa metálica, e se de facto passou a ser utilizada pela A., a partir dessa data, com a implantação de chapéus e colocação de mesas e cadeiras. Assim, anulou o julgamento na parte da sentença ainda não transitada e ordenou que o Tribunal da primeira instância formulasse os pertinentes quesitos, podendo ampliar o julgamento a outros pontos da matéria de facto com o fim exclusivo de evitar contradições na decisão.</font>
</p><p><font>Desse Acórdão houve recurso para o Supremo, que veio a confirmar o Acórdão recorrido.</font>
</p><p><font>De regresso à primeira instância foi efectuado novo julgamento e proferida sentença que, tendo em atenção os limites impostos pela anulação parcial do decidido (fls. 254 a 267), julgou a acção procedente por provada, condenando o R. a pagar à A. a quantia de € 265.086,14, correspondente à soma das contrapartidas diárias, e não pagas, relativas ao período de 1 de Outubro de 1995 a 25 de Dezembro de 1998, num total de 1181 dias e à razão de 45.000$00 diários, acrescida dos juros de mora, vencidos e vincendos até integral pagamento, à taxa legal resultante da aplicação das Portarias n.º 1171/95 de 25/09 (10%), n.º 263/99 (7%) e n.º 291/2003 de 08/04 (4%), incidente sobre o capital de cada prestação mensal, vencida no último dia útil de cada mês do período considerado, nos termos da cláusula 4.ª do contrato dos autos de fls. 7 a 8.</font>
</p><p><font>Inconformado veio novamente o R. recorrer da Sentença para a Relação.</font>
</p><p><font>Nas alegações de recurso suscitou as seguintes questões:</font>
</p><p><font>- violação do dever de acatamento das decisões de Tribunal superior;</font>
</p><p><font>- nulidade de depoimento prestado por Advogado</font>
</p><p><font>- manutenção das contradições na matéria de facto;</font>
</p><p><font>- interpretação negocial do Acordo quanto ao período a que respeitava; - abuso de direito na pretensão de estender as cláusulas contratuais indemnizatórias nos exactos termos pré-figurados, para além do período considerado no Acordo</font>
</p><p><font>- necessidade de recurso à equidade na fixação da indemnização relativa ao período pós-convencionado</font>
</p><p><font>A A. contra-alegou e interpôs recurso subordinado, onde apenas questionou a aplicação de direito no tocante às taxas de juros moratórios aplicados, sustentando que deveriam ser utilizados juros comerciais e não civis.</font>
</p><p><font>No Acórdão que depois veio a proferir, a Relação julgou improcedentes as apelações e confirmou a sentença recorrida. </font>
</p><p><font>Na respectiva fundamentação, considerou:</font>
</p><p><font>- Não ter havido violação do dever de acatamento de decisão do Tribunal superior, </font>
</p><p><font>- Não ter havido nulidade de depoimento de Advogado;</font>
</p><p><font>- Não haver censura a fazer quanto à matéria de facto fixada;</font>
</p><p><font>- Ter sido feita correcta interpretação da cláusula penal e sua extensão;</font>
</p><p><font>- Não haver abuso de direito,</font>
</p><p><font>- Não haver censura a fazer quanto à indemnização atribuída.</font>
</p><p><font>- Não haver que censurar a Sentença por ter fixado juros moratórios civis e não comerciais.</font>
</p><p><font>Voltaram a recorrer ambas as partes.</font>
</p><p><font>Ambas alegaram e contra-alegaram.</font>
</p><p><font>Os recursos foram aqui aceites como revistas: O da Ré como revista independente; o da A. como revista subordinada.</font>
</p><p><b><font>II. Âmbito dos recursos</font></b>
</p><p><font>São as conclusões apresentadas com as alegações de recurso que vêm a delimitar as questões que os recorrentes pretendem ver reanalisadas. – arts. 684.º-3 e 690.º-1 do CPC.</font>
</p><p><font>Em função disso, é de manifesto interesse que se proceda à transcrição das respectivas conclusões. </font>
</p><p><font>Nos recursos para este Tribunal Supremo, vieram cada uma das partes apresentar as conclusões seguintes:</font>
</p><p><b><font>II-A) Conclusões apresentadas pelo R. nas suas alegações do recurso independente:</font></b>
</p><p><i><font>1.ª Do Acordo de 20 de Janeiro de 1995 consta um prazo de 6 meses para realização da obra (cláusula 3.ª). A fixação desse prazo deve ser interpretada em conjugação com o acordo das partes para que fosse apenas o R. a notificar a A. de que havia cessado a ocupação da esplanada (cláusula 3.ª), em lugar de se ter estabelecido uma verificação conjunta das condições para a reabertura da esplanada. E, sobretudo, tendo em conta que nas cláusulas 2.ª , 3.ª e 4.ª do Acordo se refere sempre e só a “ocupação da área da esplanada”, identificada na cláusula 1.ª e planta anexa, ocupação que obviamente cessou quando a obra passou a decorrer exclusivamente no subsolo. Segundo as regras da experiência, os seis meses mostram que as partes, com a cláusula penal, estavam a regular apenas o período de tempo em que iria ser de todo impossível que a esplanada funcionasse;</font></i>
</p><p><i><font>2.ª Ao não entender assim, o Acórdão recorrido violou as normas que presidem à interpretação e integração dos negócios jurídicos – arts. 236.º a 239.º do CC.:</font></i>
</p><p><font>a) na medida em que o sentido que um homem médio, suficientemente instruído e diligente, retira das cláusulas 1.ª, 2.ª 3.ª e 4.ª do Acordo é o de a cláusula penal valer apenas para o período em que, no lugar da esplanada, esteve um buraco a céu aberto, relativo à obra. O Acordo, manda a boa fé, deve ser interpretado na globalidade, fazendo-se uma interpretação sistemática de todo o seu clausulado – art. 236.º/1 do CC.-, a qual conduz ao referido resultado;</font>
</p><p><font>b) é a interpretação aqui preconizada, não aquela que o Acórdão perfilhou, que tem a necessária correspondência na letra do Acordo – “a ocupação da área da esplanada”, não do subsolo, - conforme prescreve o art. 238.º/1 do CC;</font>
</p><p><font>c) ainda que assim não fosse, admitindo tratar-se de um caso que suscita alguma dúvidas, deverá dar-se prevalência ao resultado interpretativo que conduz a um maior equilíbrio das prestações, o que leva a que se aplique a cláusula penal para o período de seis meses e se remeta a indemnização de outros prejuízos para os termos gerais do direito, em lugar de se oferecer a uma das partes, à custa da outra, uma indemnização pré-fixada para um período que excedeu largamente o horizonte temporal considerado ao acordar tal montante. – art. 237.º do CC.</font>
</p><p><font>d) Por último, a considerar-se que existe uma lacuna, o legislador deu primazia, em sede de integração negocial, à boa fé – art. 239.º do CC. Daí que se deva atender à materialidade subjacente, à justiça e à racionalidade económica. No caso, nada justifica, bem pelo contrário, que se aplique a referida indemnização diária por três longos anos. Esta solução equivale a sacrificar desmesuradamente os interesses do R. em benefício exclusivo da A., sem fundamento material para tanto. A solução mais justa, mais equilibrada, que vai ao encontro da racionalidade económica, consiste em remeter a pretensão indemnizatória da A. para os termos gerais do Direito. Por isso, aplicar a cláusula penal do Acordo para um período que excede em muito os seis meses expressamente considerados pelas partes é violar a norma que rege a integração dos contratos.- art. 239.º do CC.</font><i><font> 3.ª ) A cláusula penal acordada corresponde a uma fixação antecipada da indemnização, estabelecida para um período de tempo determinado, em função dos danos típicos e previsíveis. Não se lhe descortina qualquer escopo compulsório. Pelo que há que avaliar da adequação da referida cláusula penal, atenta a finalidade visada, à luz da equidade;</font></i>
</p><p><i><font>4.ª) O art. 812.º do CC. faz depender a redução da cláusula penal da existência de benefícios manifestamente excessivos para uma das partes. Nessa sede, há que ponderar as circunstâncias do caso concreto e o comportamento do R., que cumpriu o acordado, não merece censura. A doutrina, ao analisar fórmula semelhante, propõe, como limiar, o critério do dobro do valor. Na hipótese em apreço, a cláusula penal está a ser aplicada por três anos – desde 1 de Outubro de 1995 até 25 de Dezembro de 1998 – quando foi fixada para seis meses (cláusula 3.ª do Acordo), ou seja, extravasando em muito o referido critério;</font></i>
</p><p><i><font>5.ª) Acresce a circunstância, que o art. 2.º do art. 812.º do CC obriga a ponderar, de ter ficado provado não só que o buraco da obra já estava coberto por chapas metálicas em 1995.10.16 (n.º 28 dos factos provados), como sobretudo que a Ré teve oportunidade de fazer uma utilização parcial da esplanada durante o período relativamente ao qual reclama o pagamento da cláusula penal (n.ºs 28 e 33);</font></i>
</p><p><i><font>6.ª) Justifica-se, assim, a redução da cláusula penal com fundamento na equidade, à luz das particularidades do caso concreto, de forma a dar-lhe uma solução mais justa e equilibrada. É manifestamente excessivo fazer pagar durante três anos o que foi acordado para apenas seis meses;</font></i>
</p><p><i><font>7.ª) Mesmo que se admita que o Acordo de 20 de Janeiro de 1995 permite à A. reclamar a indemnização diária para além dos 6 meses, haverá que estabelecer um limite razoável a essa pretensão, sob pena dela se tornar abusiva (art. 334.º do CC.) Isto é, a A. como que apanhou o R. desprevenido, por não ter ficado claramente expresso no Acordo o referido limite, e, depois, pretende valer-se da indemnização prefixada em termos de puro desequilíbrio, com manifesta desproporcionalidade entre as vantagens retiradas pela A. do referido Acordo e os sacrifícios pelo mesmo impostos ao R.;</font></i>
</p><p><i><font>8.ª) Há que corrigir, desde logo para impedir que a A. receba duas vezes, ou seja, aufira o montante prefixado e simultaneamente as receitas resultantes da exploração, ainda que parcial, da esplanada, algo que o Acordo expressamente proibiu (cláusula 5.ª)” </font></i><font>Em face de tais conclusões vemos que </font><b><font>a Ré suscita as questões seguintes:</font></b>
</p><p><font>- erro na interpretação e integração negocial por indevida extensão da cláusula penal</font>
</p><p><font>- desproporcionalidade do montante indemnizatório e necessidade de sua redução;</font>
</p><p><font>- abuso de direito</font>
</p><p><b><font>II- B) Conclusões apresentadas pela A. nas alegações do recurso subordinado:</font></b>
</p><p><font>Importa referir, antes de mais que as alíneas de A) a H) das conclusões das alegações de recurso da A. correspondem a contraminuta do recurso independente, e só as alíneas I) e seguintes respeitam ao recurso subordinado. Assim, dispensamo-nos de aqui transcrever aquelas, passando apenas a transcrever as últimas, sendo estas as seguintes:</font>
</p><p><i><font>“I) A. e R. são empresas comerciais; </font></i>
</p><p><i><font> J) O contrato de fls. 7 e 8 é um acto de comércio;</font></i>
</p><p><i><font> K) Os juros de mora, vencidos e vincendos até integral pagamento devem ser juros comerciais, nos termos definidos no § 3.º do art. 102.º do CComercial” </font></i>
</p><p><font>Em face destas conclusões, a única questão colocada pelo recurso subordinado consiste em determinar se ao Acordo em causa são aplicáveis os juros de mora civis ou os comerciais.</font>
</p><p><font> </font><b><font>III. Fundamentação</font></b>
</p><p><b><font>III-A) Os factos </font></b>
</p><p><font>Foram considerados assentes e ou provados nas instâncias os factos seguintes:</font>
</p><p><i><font>1) A A. é possuidora de um estabelecimento de pastelaria e restaurante sito na Rua ...., .... - ...., cm Lisboa - (al. A) da Especificação); </font></i>
</p><p><i><font>2) Frente a tal estabelecimento, e até ao início de 1995, a A. explorou uma esplanada, com base numa licença de ocupação de via pública de que era titular. ( al. B) da Especificação ); </font></i>
</p><p><i><font>3) Na área afectada à esplanada existiam perfurações no chão para efeito de fixação dos guardas-sol (al. C) da Especificação); </font></i>
</p><p><i><font>4) No estabelecimento da A. havia um toldo que se estendia ao longo de toda a sua parede exterior - ( Al. D) da Especificação ); </font></i>
</p><p><i><font>5) Por acordo escrito datado de 20/1/1995, foi acordado entre a A. e o R. que aquela autorizava a esta a ocupação daquela área de esplanada durante o tempo necessário à construção do acesso à estação “Baixa-Chiado”, cfr. doc. de fls 7 e 8 ( al. E) da Especificação); </font></i>
</p><p><i><font>6) Segundo o disposto na cláusula 4.ª de tal acordo, o R. obrigou-se a pagar à A. uma compensação diária de 45.000$00 enquanto durasse a ocupação da área da esplanada prevista nas cláusulas 1.ª e 2.ª – (al. F) da Especificação); </font></i>
</p><p><i><font>7) Foi igualmente convencionado que a R. avisaria a A., por meio de carta registada, logo que cessasse a ocupação da esplanada e ela estivesse apta a ser reutilizada nas condições em que era utilizada à data do acordo. (al G) da Especificação ); </font></i>
</p><p><i><font>8) Foi igualmente acordado que o pagamento da compensação prevista na cláusula 4.ª deveria ser efectuado no último dia útil de cada mês. ( al. H) da Especificação ); </font></i>
</p><p><i><font>9) A R. ocupou a esplanada e pagou a compensação acordada até à vencida em 30/9/1995. (al. I) da Especificação); </font></i>
</p><p><i><font>10) A R., após ocupar a esplanada da A. procedeu à execução de prè-furos para colocação vertical de vigas metálicas - a que a R. chama perfis de entivação(?) _ a cerca de 90 cm dos edifícios, as quais ficaram com os topos ao nível da rua. (al. J) da Especificação); </font></i>
</p><p><i><font>11) Após a colocação das vigas, procedeu à escavação da zona até uma profundidade de vários metros, em toda a largura da rua - (al K) da Especificação); </font></i>
</p><p><i><font>12) Em Outubro de 1995, sobre a escavação, a R. executou uma estrutura constituída por vigas metálicas soldadas horizontalmente às vigas verticais anteriormente enterradas - (al. L) da Especificação); </font></i>
</p><p><i><font>13) Sobre esta estrutura de vigas colocou chapas metálicas cobrindo parcialmente a escavação anteriormente realizada, protegendo dessa forma o buraco existente, não tendo a referida cobertura ficado horizontal, antes acompanhando a inclinação da rua. (al. M) da Especificação); </font></i>
</p><p><i><font>14) O R. fez construir uma rampa de cimento entre a cobertura metálica e a estrutura preexistente da esplanada, procurando ligar e nivelar as duas superfícies. (al N) da Especificação ); </font></i>
</p><p><i><font>15) Por baixo das chapas metálicas continuou a proceder à escavação, continuando os trabalhos de construção do acesso à estação “Baixa-Chiado”, utilizando para o efeito compressores, escavadoras, retro-escavadoras, máquinas de ventilação, e muitas outras máquinas - (al. O) da Especificação); </font></i>
</p><p><i><font>16) Em 16 de Outubro de 1995 a R. escreveu urna carta à A. na qual declara «que cessou a ocupação da área da esplanada do V. estabelecimento “Pastelaria Benard”, estando aquela apta a ser reutilizada nas condições em que se encontrava ao tempo da celebração do acordo», junta a fls 9 e cujo conteúdo se dá por reproduzido. ( al P) da Especificação ); </font></i>
</p><p><i><font>17) A A. respondeu à R. mediante carta de 23 de Outubro de 1995, junta a fls 10 cujo conteúdo se dá por reproduzido - (al. Q) da Especificação); </font></i>
</p><p><i><font>18) A R. na continuação dos trabalhos que se propôs, depois de concluir a escavação até ao fundo da galeria de acesso irá proceder à betonagem da mesma, retirando depois a estrutura constituída pela cobertura metálica e vigas de sustentação, após o que procederá ao reaterro da rua e pavimentação desta. ( al R) da Especificação); </font></i>
</p><p><i><font>19) Pouco depois do início das obras, a R. solicitou à A. autorização para retirar o toldo colocado na fachada do estabelecimento, comprometendo-se a recolocá-lo no prazo de 8 dias. (al S) da Especificação); </font></i>
</p><p><i><font>20) A R. ainda não recolocou o toldo. (al. T) da Especificação); </font></i>
</p><p><i><font>21) A A. diligenciou junto a uma casa da especialidade no sentido de obter a substituição do toldo, o que irá custar 231.543$00. (al. U) da Especificação); </font></i>
</p><p><i><font>22) A esplanada da A. era uma plataforma empedrada no estilo tradicional português - (Resposta ao quesito 1.º); </font></i>
</p><p><i><font>23) A esta esplanada acrescia uma outra, pavimentada da mesma maneira, mas com a inclinação da rua. ( Resposta ao quesito 2.º); </font></i>
</p><p><i><font>24) O toldo referido em 4) evitava que o sol prejudicasse os bolos e outros produtos, nomeadamente sorvetes, para os quais eram utilizadas as janelas e aberturas existentes - (Resposta ao quesito 3.º); </font></i>
</p><p><i><font>25) A R. pagou, nas datas a seguir referidas, as seguintes prestações, nos valores e com as datas de vencimento em cada caso indicados: </font></i>
</p><p><font>- 1995.03.08 a prestação de 1.800.000$00 vencida em 1995.02.28; </font>
</p><p><font>- 1995.08.21 a prestação de 1.395.000$00 vencida em 1995.07.31; resposta ao quesito 4.º)</font>
</p><p><i><font>26) Com as obras referidas em 11 a R. obrigou-se à retirada da esplanada da A., com excepção de uma área de dimensões não apuradas na parte mais baixa da rua. (resposta ao quesito 5.º)</font></i>
</p><p><i><font>27) Após a colocação das chapas, a área remanescente da esplanada ficou desnivelada em relação ao começo da cobertura de chapas metálicas. (resposta ao quesito 6.º)</font></i>
</p><p><i><font>28) Após 1995.10.16, na maior parte da área onde antes estava situada a esplanada da A. , existia um buraco, resultante das escavações e obras realizadas pela R., mas nessa altura já estava coberto por chapas metálicas. (resposta ao quesito 8.º)</font></i>
</p><p><i><font>29) Ao colocar as chapas metálicas sobre uma área onde movimenta máquinas a R. criou uma superfície onde se sentia trepidação, ouvindo-se um barulho ensurdecedor vindo da obra, que produzia também poeiras.- resposta ao quesito 10.º</font></i>
</p><p><i><font>30) As chapas metálicas colocadas pelo R. mantiveram a inclinação natural da rua, mas, antes das obras da Ré, existia uma área, precisamente no local onde a A. tinha a sua esplanada, onde a superfície estava num plano horizontal, em contraste com a inclinação da rua, situação que não se verificou enquanto ali estiveram colocadas as referidas chapas metálicas. (resposta ao quesito 13.º </font></i>
</p><p><i><font>31) O buraco aberto na área da esplanada da A. corresponde actualmente à zona de embocadura ao túnel que dá acesso à estação “Baixa-Chiado” do ............ de Lisboa (resposta ao quesito 14.º)</font></i>
</p><p><i><font>32) Desde o Natal de 1998 a A. passou a usufruir, em condições plenas, do espaço de esplanada (resposta ao quesito 17.º)</font></i>
</p><p><i><font>33) Entre Maio e Setembro de 1995 a A. colocou 4 ou 5 mesas (das 26 mesas que antes compunham a sua esplanada), com cadeiras e alguns chapéus de sol, na zona mais próxima à porta de entrada do seu estabelecimento, ocupando o espaço mencionado na parte final do ponto 26) da matéria de facto provada, numa zona onde o piso era mais horizontal, com o propósito de atrair potenciais clientes transeuntes para a pastelaria que estava aberta ao público (resposta aos quesitos 18.º e 19.º).</font></i>
</p><p><b><font>III-B) O Direito</font></b>
</p><p><b><font>III-B)-a) Análise das questões do recurso do R. (recurso independente:</font></b>
</p><p><b><font>III-B) – a) -1) Do erro na interpretação e integração negocial por indevida extensão da cláusula penal</font></b>
</p><p><font> Estipula o art. 236.º do CC. o seguinte:</font>
</p><p><font> </font><i><font>“1. A declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele.</font></i>
</p><p><i><font>2. Sempre que o declaratário conheça a vontade real do declarante, é de acordo com ela que vale a declaração emitida.</font></i>
</p><p><font>No caso em presença as partes fazem interpretação divergentes do Acordo, designadamente quanto ao alcance da cláusula compensatória designadamente ao período da sua vigência, dizendo o A. que a mesma seria de aplicar enquanto durassem as obras e não pudesse a esplanada ser reutilizada nas mesmas condições anteriores a estas, enquanto o R. sustenta que a referida cláusula se reportava apenas ao período de seis meses previstos para aquelas. </font>
</p><p><font>Não está feita prova, nem muito menos alegado, que cada uma das partes conhecesse efectivamente a vontade real da outra.</font>
</p><p><font>Assim, fica afastada a aplicação do art. 236.º-2 do CC., devendo a interpretação fazer-se consoante o estipula o art. 236.º-1, ou seja, socorrendo-nos da teoria objectivista consagrada no n.º 1 desse mesmo artigo, segundo a qual, terá de ser a interpretação que o homem normal, diligente, colocado na situação do real declaratário, pudesse deduzir do comportamento dos declarantes, salvo se o declarante não pudesse razoavelmente contar com ele.</font>
</p><p><font>Como referem Pires de Lima/Antunes Varela no seu CC (1) </font><i><font>“a normalidade do declaratário que a lei toma como padrão, exprime-se não só na capacidade para entender o texto ou o conteúdo da declaração, mas também na diligência para recolher todos os elementos que, coadjuvando a declaração, auxiliem a descoberta da vontade real do declarante.”</font></i><font> </font>
</p><p><font>Estamos, por outro lado, perante um Acordo escrito, assinado por ambas as partes, pelo que há que contar com o disposto no art. 238.º do CC. no tocante à interpretação dos negócios formais:</font>
</p><p><i><font>“1.Nos negócios formais não pode a declaração valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respectivo documento, ainda que imperfeitamente expresso.</font></i>
</p><p><i><font>2. Este sentido pode, todavia, valer, se corresponder à vontade real das partes e as razões determinantes da forma do negócio se não opuserem a essa validade.” </font></i>
</p><p><font> Pois bem:</font>
</p><p><font>Ao indicar-se no Acordo que a ocupação da esplanada por parte da Ré ( e restabelecimento da respectiva área em termos de reutilização nas condições anteriores) </font><u><font>se previa viesse a durar durante seis meses, e que como única e integral compensação eram entregues 45.000$ diários,</font></u><font> qualquer cidadão normal, diligente, colocado na posição dos reais contraentes seriam levados a concluir que A. e R. admitiam que as mesmas pudessem durar mais ou menos tempo do que os seis meses aí previstos.</font>
</p><p><font>Podia, por outro lado concluir, até pelos termos em que o Acordo foi redigido, que os 45.000$00 diários eram uma compensação predeterminada pela perdas sofridas pela A. na pastelaria, devido à impossibilidade de utilização do espaço da esplanada, já que a compensação acordada cessava a partir do momento em que esta fosse reposta em condições de reutilização idênticas às que antes tinha.</font>
</p><p><font>Havia assim um sinalagma indemnizatório pré-determinado, e não propriamente uma cláusula penal compulsória, estando esta expressamente afastada pela própria previsibilidade do tempo da obra indicado (seis meses) e pela cláusula que estipulava que </font><i><u><font>mais nenhuma compensação poderia ser exigida para além da prevista</font></u></i><u><font>.(45.000$00/diários). </font></u>
</p><p><font>Se, por absurdo, se quisesse admitir que a compensação prevista respeitava apenas ao período de seis meses, isso significaria que a A. ficaria de todo impedida de exigir indemnização pelo tempo excedente aos seis meses indicados, mesmo que porventura o impedimento de utilização da esplanada nas condições previstas se prolongasse muito para além do período indicado como veio a acontecer.</font>
</p><p><font>Não pode portanto aceitar-se a interpretação do R. de que os 45.000$00 diários estabelecidos como compensação pelo facto de a A. não poder utilizar a esplanada se reportava apenas aos seis meses indicados pela Ré como sendo os previstos para a obra.</font>
</p><p><font>Diz a Ré que com a carta de 1995.10.16 (fls. 9) havia cessado a ocupação da área da esplanada, estando assim apta a ser reutilizada nas condições em que se encontrava ao tempo da celebração do referido Acordo.</font>
</p><p><font>No entanto provou-se que a esplanada continuava a não poder ser utilizada nas mesmas condições anteriores porque ficou provado que o buraco aberto foi apenas coberto com chapas metálicas, continuando obras no subsolo, com máquinas muito ruidosas, forte trepidação e libertação de poeiras.</font>
</p><p><font>Ora, isso leva-nos a concluir que, não estando satisfeitas as condições para a exploração da esplanada, continuava fortemente limitada a actividade comercial da A.</font>
</p><p><font>Daí que se continuasse a justificar a compensação pelos prejuízos decorrentes dessa forte limitação.</font>
</p><p><b><font>III-B)-a)- 2) Da desproporcionalidade do quantitativo indemnizatório e necessidade de sua redução</font></b>
</p><p><font>Entende a apelante que o montante de 45.000$00/diários fixados no Acordo é fortemente penalizante, por desproporcional, e que por isso deveria ser reduzido, quanto mais não fosse pelo facto de a A. ter instalado algumas mesas na área da esplanada.</font>
</p><p><font>Esta crítica, no entanto, não merece o nosso acolhimento:</font>
</p><p><font>Por um lado, houve sempre desde o começo das obras, uma pequena parte da esplanada que não foi atingida pela ocupação das obras do R., e, portanto esteve sempre fora do âmbito do Acordo; por outro, só saberíamos se uma compensação é desproporcional se conhecêssemos o volume de negócio e os lucros deixados de auferir pela A. durante o período em que esteve inviabilizada a esplanada, e assim nos pudesse levar a concluir que o montante compensatório estabelecido era efectivamente muito exagerado.</font>
</p><p><font>Há que referir, por fim, que, para os efeitos aqui previstos, importa reter que o atraso das obras e do restabelecimento da esplanada não pode por forma alguma ser imputada à A., mas sim ao R., pelo que lhe falta a indispensável legitimidade para exigir a redução do montante compensatório clausulado.</font>
</p><p><b><font>III-B) –a) 3) Do abuso de direito</font></b>
</p><p><font>Como decorre do disposto no art. 334.º do CC., o abuso de direito é um instituto criado para defesa contra comportamentos anti-éticos do titular do direito, que sejam manifestamente contrários aos princípios da boa fé, ou clamorosamente opostos aos princípios da lealdade e correcção com que se deve actuar no comércio jurídico.</font>
</p><p><font>Haveria, sim, abuso de direito se fosse a A. a impedir a realização atempada das obras para, com tais atrasos, se aproveitar do valor indemnizatório pré-fixado.</font>
</p><p><font>No entanto, nada disso aconteceu. A A. limita-se a pedir a compensação pré-acordada pelo tempo em que esteve impedida de utilizar a esplanada, mas quem deu causa ao atraso na reposição da situação foi o R., único contraente de quem dependia a respectiva reposição.</font>
</p><p><font>Por outro lado, se o valor indemnizatório é elevado e desproporcionado face aos montantes que visava compensar é questão que de todo ultrapassa o âmbito da presente acção, uma vez que não conhecemos - porque não está alegado nem provado - qual o volume de negócios, lucros anteriores e prejuízos sofridos pela A. com o tempo em que esteve impedida de reutilizar a esplanada, e, a partir daí, traçar o termo comparativo com o montante compensatório pré-fixado.</font>
</p><p><font>O que sabemos é que o Acordo foi obtido por consenso das partes.</font>
</p><p><font>Perante o quadro factual traçado, não há elemento algum que nos possa levar a concluir haver conduta abusiva da A. em peticionar o montante diário pré-estabelecido, como compensação. </font>
</p><p><font>Em face do exposto, nenhuma censura temos a fazer ao Acórdão da Relação na parte recorrida, pelo que terá de ser negada a revista no recurso independente.</font>
</p><p><b><font>III-B) –b) Análise da questão do recurso da A. (recurso subordinado)</font></b>
</p><p><b><font>III-B)-b) Da natureza do acto como civil ou comercial e determinação dos juros moratórios</font></b>
</p><p><font>A A. é uma empresa comercial, que se dedica ao negócio da restauração.</font>
</p><p><font>O R. é uma empresa pública de transportes, que não prossegue o lucro.</font>
</p><p><font>Por outro lado, o Acordo celebrado entre ambas as sociedades nada tem a ver com o seu fim social e económico de cada uma delas, sendo de natureza exclusivamente civil, uma vez que respeita a relações jurídicas totalmente alheias à sua actividade, destinando-se a regular a ocupação de um espaço e a estabelecer montantes pré-acordados como indemnizações compensatórias.</font>
</p><p><font>O Acordo celebrado entre as partes não constitui portanto um acto de comércio. (art. 2.º do Código Comercial), pelo que os juros moratórios a aplicar são os juros civis.</font>
</p><p><font>Assim, nenhuma censura temos a dirigir ao Acórdão recorrido, que fez um correcto enquadramento dos factos e aplicou bem o Direito.</font>
</p><p><font>Deve consequentemente negar-se a revista ao recurso subordinado.</font>
</p><p><b><font>IV. Decisão</font></b>
</p><p><b><i><font>Em face do exposto, negam-se ambas as revistas.</font></i></b>
</p><p><b><i><font>Custas na revista independente a cargo do R.; na revista subordinada, a cargo da A.</font></i></b>
</p><p><font> </font><i><font> Lisboa, 27 de Novembro de 2007</font></i>
</p><p><i><font>Mário Cruz (Relator)</font></i>
</p><p><i><font>Fari
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[0 0 0 ... 0 0 0]
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xTKxu4YBgYBz1XKvSTDi
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1.ª Secção (Cível)
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<b><font> </font></b><font><br>
<br>
<u><font>Relatório</font></u><br>
<div></div><br>
<font>Nos Juízos de execução da comarca de Lisboa corre termos a presente execução para pagamento de quantia certa, em que figura como exequente o </font><br>
<u><font>Estado Português</font></u><font>, representado pelo Mº P.º</font><br>
<font>E, como executada, a </font><br>
<u><font>Junta de Freguesia de </font></u><font>B... , sendo a quantia exequenda de 313.712.34€.</font><div><font>*</font></div><font>A dívida exequenda deriva do alegado incumprimento de um contrato firmado entre o exequente e a executada, no âmbito do Programa Específico do Desenvolvimento da Agricultura Portuguesa (PEDAP), enquadrado no Programa de Acção Florestal (P.A.F.), destinado ao empreendimento de acção previstas no nº2 da Portaria nº 570/88 de 20/8, em prédio pertencente à executada (como tudo resulta do contrato junto com o requerimento executivo).</font><div><font>*</font></div><font>O título executivo (complexo) é constituído pelo dito contrato e pela certidão de dívida emitida pela Direcção Geral das Florestas nos termos do disposto no Art.º 18 nº4 do D.L. 96/87 de 4/3 (certidão a que a lei confere força executiva).</font><div><font>*</font></div><font>Foram nomeados à penhora os montantes do Fundo de Financiamento das Freguesias, concedidos ao abrigo da Lei 42/98 de 6/8.</font><div><font>*</font></div><font>O requerimento executivo foi oferecido nos termos do D.L. 200/2003 de 10/9.</font><div><font>*</font></div><font>Por despacho judicial de 17/1/2006, foi ordenada a citação da executada nos termos do Art.º 812º nº6 do C.P.C.</font><div><font>*</font></div><font>Citada a executada veio deduzir oposição à execução, invocando a incompetência material do Tribunal, a sua ilegitimidade para a execução, alegando ainda, quanto ao mérito, não ter ocorrido o alegado incumprimento contratual.</font><div><font>*</font></div><font>Por outro lado, efectuada a penhora, a ela se opôs a executada, pretendendo a substituição dos créditos penhorados pelos imóveis que ela própria nomeia.</font><div><font>*</font></div><font>Quer a oposição à execução, quer a oposição à penhora foram rejeitadas com o fundamento de não ter a executada procedido ao pagamento da taxa de justiça, ordenando-se, por isso, o desentranhamento dos respectivos articulados</font><b><font> </font></b><font>e</font><b><font> </font></b><font>determinando-se a extinção</font><b><font> </font></b><font>da instância (isto é, das oposições) por impossibilidade da lide.</font><br>
<font>Recorreu a executada de tais despachos e após diversas vicissitudes foram reparados os agravos, recebendo-se as oposições, que se encontram por decidir.</font><div><font>*</font></div><font>Enquanto tal processado ocorria, veio o exequente ao processo principal, por requerimento de fls. 121, dar notícia que, </font><u><font>por lapso</font></u><font>, a certidão de dívida emitida pela Direcção Geral das Florestas, junta inicialmente com o requerimento executivo, se refere a dívida diversa da exequenda, tendo a ver com outro contrato.</font><br>
<font>Requer, então, a sua substituição pela certidão de dívida referente à dívida exequenda, que desde logo juntou (fls. 123 dos autos principais).</font><div><font>*</font></div><font>Notificada a executada do assim requerido, veio opor-se à substituição da certidão de dívida, porquanto, tratando-se do título executivo e reconhecendo o exequente que o título inicialmente junto nada tem a ver com o objecto do requerimento executivo, tal equivale a falta de título executivo, devendo dar causa a indeferimento liminar nos termos do disposto no Art.º 812º nº2 a) do C.P.C., o que, porquanto, requer.</font><div><font>*</font></div><font>Por despacho judicial de fls. 141, o M.mº. Juiz, considerando tratar-se de manifesto lapso material, decidiu relevá-lo e admitir a substituição da certidão de dívida, tal como requerido pelo exequente.</font><div><font>*</font></div><font>Inconformada, veio a executada recorrer do mencionado despacho, recurso que foi admitido como de agravo a subir imediatamente em separado com efeito devolutivo.</font><div><font>*</font></div><font>Apreciado o agravo, a Relação de Lisboa deu-lhe provimento, revogando o despacho recorrido e absolvendo a executada da instância executiva.</font><div><font>*</font></div><font>É agora o Estado exequente, que, inconformado, agrava para este S.T.J.</font><div><br>
<font>*</font></div><u><font>Conclusões</font></u><div><font>*</font></div><font>Apresentadas tempestivas alegações, formulou o agravante as seguintes conclusões:</font><div><font>*</font></div><br>
<font>1. Conforme resulta do teor do próprio acórdão recorrido, o Estado Português instaurou execução contra a Junta de Freguesia de B..., para pagamento da quantia global de 313.712,34 euros, tendo como título executivo um contrato celebrado no âmbito do Programa Específico do Desenvolvimento da Agricultura Portuguesa (PEDAP), enquadrado no Programa de Acção Florestal (PAF), tudo previsto no Decreto-Lei n"96/87, de 4 de Março.</font><br>
<font>2. No requerimento executivo estão completa e correctamente identificadas as partes, expostos articuladamente os factos em que se baseia a pretensão do exequente, indicadas a origem e os montantes parcelares da dívida da executada e liquidado correctamente o montante global da obrigação - 313.712,34 euros.</font><br>
<font>3. No anexo C3 do requerimento executivo, o Estado indicou como executada a Junta de Freguesia de B..., identificando-a completa e correctamente no campo destinado a Pessoa Colectiva.</font><br>
<font>4. E no artigo 6º do anexo C4 do requerimento executivo (exposição dos factos) consta que, não tendo a executada cumprido o contrato, é devedora ao Estado da quantia global de € 290.118,58 (resultante da somas das parcelas ali identificadas),</font><br>
<font>5. Quantia à qual acresce o montante de € 23.593,76, a título de despesas extrajudiciais e encargos fixados nos termos do art. 18°, n° 3 do mencionado DL 96/87, de 4.3, peticionado no artigo 7o do mesmo anexo C4 do requerimento executivo.</font><br>
<font>6. Perfazendo o montante global de € 313.712,34, tal como liquidado no ponto 11 do requerimento executivo.</font><br>
<font>7. Com o requerimento executivo foram juntos vários documentos relativos à celebração e ao incumprimento do contrato firmado entre o Estado Português e a Junta de Freguesia de B..., e, ainda, como doe. n° 3, a certidão de dívida que faz fls. 68 dos presentes autos, cujo montante em dívida ascende a € 365.217,77 encontrando-se nela identificados outros devedores para além da executada.</font><br>
<font>8. Distribuída a execução ao 3º Juízo de Execução de Lisboa, foi, em 17.1.2007, ordenada a citação da executada nos termos do art. 812°, n° 6 do CPC (fls. 39).</font><br>
<font>9. Após a citação, a executada veio deduzir oposição, excepcionando a incompetência do Tribunal e a sua ilegitimidade e impugnando os factos, tudo como consta de fls. 21 a 30.</font><br>
<font>10. Constatando ter havido lapso manifesto na junção da certidão de dívida, sendo o mesmo patente face à desconformidade entre os valores constantes da mesma (muito superiores) e os valores em dívida pela executada indicados, liquidados e peticionados no requerimento executivo, veio o Estado Português (fls.31) requerer a substituição dessa certidão de dívida por outra de montante substancialmente inferior e correspondente ao pedido feito no requerimento (a de fls. 33).</font><br>
<font>11.O que foi deferido, por despacho judicial que, atendendo ao teor do requerimento executivo e aos dados relativos ao cálculo e liquidação da quantia exequenda, julgou ter-se tratado de lapso manifesto (fls. 35).</font><br>
<font>12. Desta decisão agravou a executada para o Tribunal da Relação de Lisboa, alegando que a mesma tinha violado o disposto no art. 812°, n° 2, ai. a) do CPC, e pedindo a sua revogação e substituição por despacho de indeferimento liminar do requerimento executivo.</font><br>
<font>13. A fls.80/83, o Tribunal a quo proferiu o douto Acórdão ora recorrido, no qual decidiu que não ocorrera lapso na junção inicial da certidão de dívida, verificando-se, isso sim, a inexistência de título executivo, pelo que se impunha o indeferimento liminar</font><br>
<font>do requerimento.</font><br>
<font>14. E, dando provimento ao recurso, o Acórdão recorrido revogou o despacho agravado e absolveu a executada da instância.</font><br>
<font>15. Ora, o Acórdão do TRL interpretou e aplicou erradamente os dispositivos legais concernentes ao caso, já que é notório, tal como decidido na primeira instância, que apenas ocorreu um lapso manifesto, atempadamente corrigido pelo exequente sem necessidade de convite ao aperfeiçoamento, impondo-se o deferimento da substituição requerida, aliás, de acordo com o princípio da cooperação (e da boa-fé) que deve nortear a actividade processual das partes e se encontra plasmado no Código de Processo Civil.</font><br>
<font>16. Na verdade, o lapso ocorrido na junção da primeira certidão de dívida apresentada pelo exequente - representado pelo Ministério Público - é patente na desconformidade com o requerimento executivo, não só, porque o seu montante é muito superior ao peticionado quer se tenha em conta a soma das parcelas constantes dos artigos 6º e 7° quer a quantia global liquidada para execução no anexo C4 do requerimento executivo, mas também, porque nessa certidão são referidos mais dois devedores, o que é desconforme com o articulado do requerimento executivo e com o próprio contrato do PEDAP (referido pelo acórdão recorrido como título executivo) do qual constam unicamente como partes o Estado Português e a Junta de Freguesia de B....</font><br>
<font>17. Porém, ainda que não tivesse ocorrido manifesto lapso (o que se não concede, face aos indícios referidos e à semelhança visual entre ambas as certidões) sempre seria de censurar o acórdão recorrido, por ter dado provimento ao agravo, em clara violação dos concretos dispositivos legais aplicáveis ao caso e do próprio espírito da reforma da acção executiva operada com a entrada em vigor do DL 3 8/2003.</font><br>
<font>18. É que, a tese da prolação do despacho de indeferimento liminar, ao abrigo do disposto no art. 812°, n° 2, ai. a), com absolvição da instância, acolhida e sustentada pelo acórdão recorrido, nunca poderia proceder, já que o despacho liminar é proferido pelo juiz quando do processo apenas consta a petição ou requerimento inicial., sendo uma formalidade prévia à citação do executado para pagar ou deduzir oposição à execução.</font><br>
<font>19. Ou seja, de acordo com o prescrito no art. 812°, n° 2, al. a), o despacho liminar é o despacho inicial proferido antes de constituída a relação processual de contradição ou defesa pela citação do réu para contestar o pedido do autor (José Lebre de Freitas, A Acção Executiva Depois da Reforma, Coimbra, 2004).</font><br>
<font>20. Acontece que, nos presentes autos, apresentado o requerimento executivo, foi, em 17.1.2007, proferido despacho judicial que ordenou a citação da executada nos termos do art. 812°, n° 6 do CPC.</font><br>
<font>21. E, em 8.3.2007, a executada veio deduzir oposição à execução (sem que tenha invocado a inexistência de título), ficando, pois, constituída a tal relação processual de contradição ou defesa supra referida e ultrapassada a fase de prolação, a qualquer título,</font><br>
<font>do despacho de indeferimento liminar do requerimento executivo.</font><br>
<font>22. E, obviamente, quando foi proferido o despacho judicial que deferiu a substituição da certidão de dívida apresentada inicialmente - por se tratar de lapso manifesto – a execução não se encontrava já em fase de apreciação liminar, sendo completamente extemporâneo proferir o despacho de indeferimento liminar do art. 812°, n° 2, al. a) do CPC, como é defendido pelo Tribunal a quo.</font><br>
<font>23. E também não pode subsistir a tese do Acórdão recorrido que, depois dessa fase processual, e em sede de oposição, sempre seria de absolver da instância a executada, ao abrigo dos,.arts. 816° e 814°, ai. a) do CPC, já que os mencionados normativos respeitam aos fundamentos legais da oposição à execução, pressupondo que tenha sido arguida a inexistência do título executivo.</font><br>
<font>24. Ora, por um lado, o título não era inexistente, já que o requerimento executivo foi, desde o início, acompanhado do contrato do PEDAP e de uma certidão de dívida, embora de montante muito superior ao peticionado e, quando foi proferido o Acórdão recorrido, já a mesma tinha sido substituída pela certidão de montante correcto e correspondente ao pedido formulado.</font><br>
<font>25. Ignorando tal realidade, o acórdão recorrido ignorou, também, a justeza da decisão agravada, proferida ao abrigo do princípio da cooperação, ínsito no art. 266° do Código de Processo Civil e que impende sobre todas as partes processuais, de molde a permitir uma maior eficácia e economia processual, revogando a decisão da primeira instância proferida ao abrigo desse princípio.</font><br>
<font>26. Por outro lado, ao contrário do que refere o Acórdão, nunca seria caso de absolvição da instância, nos termos dos arts. 816° e 814°, ai. a) do CPC, já que a executada, em sede de oposição, não invocou como fundamento a inexistência de título.</font><br>
<font>27. Neste sentido, dissipando quaisquer eventuais dúvidas nesta matéria (aliás, não consentidas pelo texto legal nem pela inserção sistemática dos normativos legais na secção dos fundamentos da oposição à execução) decidiu esse Supremo Tribunal em Acórdão de 28-2-2008, relatado pelo Exm.º Conselheiro Salvador da Costa e proferido no processo 08B276, onde expressamente se salienta:</font><br>
<font>(...) Independentemente de se tratar de falta ou insuficiência de título executivo, de ineptidão do requerimento executivo, de erro na forma de processo ou de incerteza da obrigação exequenda, isto na perspectiva dos recorrentes, certo é que deviam suscitar essa problemática no instrumento de oposição à execução.</font><br>
<font>Não o tendo feito (...) precludido ficou o seu conhecimento em sede de recurso (artigos 204°, n" 1, 206°, n" 1 e 466", n° 1 do Código de Processo Civil)».</font><br>
<font>28. Ao revogar a decisão proferida na primeira instância, dando provimento ao agravo, indeferindo liminarmente o requerimento executivo e absolvendo a executada da instância, o douto Acórdão recorrido fez incorrecta interpretação dos dispositivos legais aplicáveis e violou, designadamente, os arts. 811°-A, 812°, n° 2, ai. a) e n° 6, 814°, al. a), 816°, 820°, n° 2, 204°, n° 1, 206°, n° 1 e 466°, 266° e 288°, todos do Código de Processo Civil.</font><br>
<font>29. Termos em que, julgando procedente o presente recurso, deverá o douto Acórdão recorrido ser revogado e substituído por outro que repristine e confirme na íntegra a decisão do Tribunal da primeira instância.</font><br>
<div><font>Assim decidindo, farão Vossas Excelências</font></div><div><font>Justiça</font></div><br>
<font>Nas contra-alegações defende a executada a confirmação do acórdão recorrido.</font><div><font>*</font><br>
<u><font>Fundamentação</font></u><br>
<font>*</font></div><font>Como se disse, o exequente apresentou à execução juntamente com o requerimento executivo, uma </font><u><font>certidão de dívida que não tinha a ver com a dívida exequente</font></u><font>.</font><br>
<font>Tal desconformidade, apesar de evidente, não foi detectada, nem pela secretaria, nem pelo juiz que ordenou a citação (aliás a própria executada também não terá detectado a aludida divergência, pois, apesar de ter alegado na oposição à execução a sua ilegitimidade por vir referido na certidão executiva outro devedor que não vem executado, o certo é que se refere ao contrato documentado nos autos e não suscita a divergência entre a quantia exequenda explicitada no requerimento executivo e as quantias referidas na certidão de dívida inicialmente junta com aquele).</font><div><font>*</font></div><font>A questão que ora se coloca no agravo é a de saber se a situação descrita pode ser tida como um </font><u><font>lapso material manifesto</font></u><font>, susceptível de ser corrigido em qualquer altura, como pretende o Estado exequente e foi decidido pela 1ª instância, ou se deve </font><u><font>equiparar-se à falta de título executivo, </font></u><font>a justificar o indeferimento liminar ou, não tendo este sido proferido, despacho a absolver a executada da instância, como defende a executada e foi decidido pelo acórdão recorrido.</font><div><font>*</font></div><font>Salvo melhor opinião, parece-nos que estamos perante um simples lapso material susceptível de ser corrigido.</font><div><font>*</font></div><font>Como se sabe, os erros de escrita ou de cálculo, ou qualquer inexactidão contida numa sentença, devido a omissão ou lapso manifesto, podem ser corrigidas pelo juiz a requerimento do interessado ou mesmo oficiosamente (Art.º 667 do C.P.C).</font><br>
<font>Princípio semelhante foi acolhido no Art.º 249 do C.C.</font><div><font>*</font></div><font>Ora, como é entendimento assente na jurisprudência e na doutrina, o princípio contido no Art.º 667 do C.P.C., embora se refira a actos do juiz é extensivo a todos os actos judiciais, designadamente aos praticados pelas partes. </font><br>
<font>Como já ensinava Alberto dos Reis “Se os erros, omissões e lapsos cometidos pelo juiz na sentença são susceptíveis de rectificação, não há razão alguma para que não suceda o mesmo quanto aos erros, omissões e lapsos cometidos pelas partes nos articulados ou em quaisquer outras peças do processo.</font><br>
<font>O que a ordem jurídica exige é que a vontade real prevaleça sobre a vontade declarada; para que este resultado se consiga, hão-de admitir-se necessariamente os meios adequados. Se, for manifesto que o autor ou o réu, ao escrever ou dizer uma coisa, quis dizer coisa diferente, não pode ele ficar vinculado a uma declaração que não traduz a sua vontade.</font><br>
<font>Pela mesma ordem de razões, se houver elementos para admitir que a parte quis dizer mais alguma coisa do que disse, que foi vítima de uma omissão ou de um lapso involuntário, também se lhe não pode negar o direito de restabelecer o seu pensamento de exprimir, de modo completo, toda a sua vontade” (R.L.J – 77-180)</font><div><font>*</font></div><font>O essencial é que se trate de um erro ou </font><u><font>lapso manifesto, ostensivo, </font></u><font>e portanto, </font><u><font>há-de tratar-se de erro, omissão ou inexactidão que resulte evidente de todo o contexto da situação.</font></u><br>
<font>Quer dizer, dos elementos dos autos há-de depreender-se claramente que ocorreu um engano, um erro ou, um lapso material na manifestação da vontade realmente querida, de modo que se disse ou praticou um acto, quando manifestamente não se queria dizer aquilo ou praticar aquele acto.</font><br>
<font>Trata-se, em suma, de um erro notório no sentido de que se apresenta evidente a divergência entre a vontade declarada ou realizada e a realmente querida, divergência que é claramente detectada por qualquer observador comum.</font><div><font>*</font></div><font>Ora, no caso concreto verificam-se todos os aludidos requisitos.</font><br>
<font>De facto, compulsado o requerimento executivo vê-se que aí se indica como entidade executada, </font><u><font>apenas a Junta de Freguesia de B....</font></u><br>
<font>Não vem executada qualquer outra pessoa ou entidade, de resto em perfeita consonância com o contrato documentado nos autos, cujo alegado incumprimento está na base da dívida exequenda (aliás, ao que nos parece, tal contrato, celebrado apenas entre o Estado/exequente e a Junta de Freguesia/executada, faz parte do título executivo juntamente com a certidão de dívida). </font><br>
<font>Por outro lado, do referido requerimento executivo consta ser a dívida exequenda de </font><u><font>valor total</font></u><font> de – 290.118,58 –</font><br>
<font>Sendo </font><u><font>128.144,81 €</font></u><font> correspondente ao capital em dívida e </font><u><font>113.804.62 € </font></u><font>de juros de mora contados até 23/12/99;</font><br>
<u><font>41.919.90 € </font></u><font>de juros de mora desde 24/12/99 a 26/8/05 e </font><u><font>6.249,25 €</font></u><font> de juros de mora desde 27/8/05 a 15/11/2006.</font><br>
<font>Acresceu ainda 23.593.76€ a título de despesas extra-judiciais e encargos resultantes do acompanhamento da execução e da execução do projecto. </font><div><font>*</font></div><font>Porém da certidão de dívida inicialmente junta com o dito requerimento executivo (certidão emitida nos termos do Art.º 18 nº4 do D.L. 96/87 de 4/3 consta </font><u><font>como devedores</font></u><font>, </font><u><font>não só a Junta de Freguesia de B... como também o senhor J...V...da F....</font></u><br>
<font>E, por outro lado os </font><u><font>valores do capital em dívida</font></u><font>, </font><u><font>dos juros </font></u><font>e </font><u><font>das despesas</font></u><font> são </font><u><font>completamente diferentes, dos referidos no requerimento executivo e demais documentos juntos.</font></u><br>
<font>De facto o capital em dívida é de </font><u><font>174.569,72 €.</font></u><br>
<font>Acresceu duas parcelas de juros de mora respectivamente de </font><u><font>142.142,79</font></u><font> e 23.638,46€,</font><br>
<font>Somando assim a quantia exequenda o total de </font><u><font>340.350,97€</font></u><font>, a que acresce. </font><u><font>36.521,78</font></u><br>
<font>De despesas extra-judiciais e encargos.</font><div><font>*</font><br>
</div><br>
<font>Parece assim manifesto, óbvio e claríssimo que a certidão executiva de fls. 17, junta com o requerimento executivo, não tem a ver com a dívida exequenda, referindo-se evidentemente a outra dúvida de que a executada será responsável perante o Estado, juntamente com outro ou outros devedores.</font><div><font>*</font></div><font>A conclusão que, na nossa modesta opinião se impõe, é que só por mera troca de documentos, que se traduz em lapso manifesto, o M.º P.º juntou à presente execução a certidão “errada”, que se destinaria a outro processo, o que facilmente se compreende, porquanto, como salienta o recorrente, trata-se de documentos graficamente semelhantes, emitidos pela mesma entidade, com a mesma data e com a mesma finalidade, como tudo resulta dos elementos dos próprios autos.</font><div><b><font>*</font></b></div><font>Assim, sem necessidade de maiores considerações, que aliás o caso não merece, concluímos estar-se perante um mero lapso material, que, embora não detectado, podia (e devia) sê-lo com toda a facilidade por qualquer interveniente judicial, e como tal, podia ser corrigido logo que detectado, como foi.</font><div><font>*</font></div><font>Porém, mesmo que assim não se entendesse e fosse de ver na situação descrita uma irregularidade processual, não nos parece, mesmo então, que fosse de a equiparar à falta, pura e simples, de título executivo, a justificar indeferimento liminar ou despacho, posterior, a absolver a executada da instância.</font><div><font>*</font></div><font>Por um lado, a certidão de dívida em causa, tendo força executiva, faz parte de um título executivo complexo que integra, também, o próprio contrato alegadamente não cumprido.</font><br>
<font>Tal contrato foi junto aos autos com o requerimento executivo.</font><br>
<font>E também a certidão de dívida que o complementa estava nos autos, embora, quanto a esta, não fosse aquela que devia estar, como se viu.</font><br>
<font>Porém, da desconformidade entre o requerimento executivo, o contrato em causa e demais documentos complementares, por um lado, e a certidão de dívida, por outro lado, não decorre, muito menos manifestamente, a falta de título executivo.</font><br>
<font>O que decorre é que aquela certidão executiva não diz respeito à concreta dívida exequenda, sendo certo que a restante documentação, junta com o requerimento executivo e com ele conforme, indicia claramente que existia uma outra certidão executiva relativa à dívida exequenda (certidão que, de resto, é obrigatoriamente emitida pelo organismo encarregado da execução do programa ao abrigo do qual a ajuda foi concedida – Art.º 18º nº4 do D.L. 96/87 de 4/3-).</font><br>
<font>Ou seja, longe de ser manifesta a falta de título, é manifesto que existia título, embora em parte diverso daquele que foi junto aos autos, pelo que, ao que nos parece nunca se estaria perante a situação prevista no Art.º 812 nº2 a) do C.P.C.</font><br>
<font>Consequentemente o que se imporia, quer por força do princípio inquisitório previsto no Art.º 265, quer por força do princípio da corporação, quer por força do disposto directamente no nº4 do Art.º 812, todos do C.P.C., era convidar o exequente a esclarecer a desconformidade existente e saná-la, querendo, pela junção da certidão de dívida, pertinente (conf. também o Art.º 820 nº1).</font><div><font>*</font></div><font>Todavia, no caso concreto, apesar de a execução se encontrar ainda em fase processual em que era possível convidar ao aperfeiçoamento (art.º 820º nº1 do C.P.C.) não se justificava tal despacho uma vez que, por iniciativa do próprio exequente, a alegada irregularidade estava já sanada.</font><br>
<font>Nesta perspectivas, justificava-se, pura e simplesmente, constatar a sanação do vício e mandar prosseguir os autor.</font><br>
<font>Proceda, assem o agravo.</font><br>
<u><font>Decisão</font></u><br>
<font>Termos em que acordam neste S.T.J. em dar provimento ao agravo e, consequentemente, revogar o acórdão recorrido, ficando a valer o despacho de 1ª instância recorrido, que teve o lapso por relevado, devendo por isso, prosseguir a execução.</font><div><font>*</font><br>
<font>Lisboa, 10 de Dezembro de 2009</font><br>
</div><br>
<font>Moreira Alves (Relator)</font><br>
<font> Alves Velho</font><br>
<font> Moreira Camilo</font></font>
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1.ª Secção (Cível)
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<b><font> </font></b><font><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font><br>
<br>
<br>
<font>I - </font><br>
<br>
<font>"AA" intentou, no Tribunal Judicial de Sesimbra, acção ordinária contra BB e mulher, CC; Empresa-A, e</font><br>
<font>Empresa-B pedindo que:</font><br>
<font>a) Seja executado o direito o seu direito de crédito nos imóveis da R. Empresa-B, ordenando-se o cancelamento dos registos sobre tais imóveis a favor desta R.;</font><br>
<font>b) Sejam cancelados todos os registos existentes sobre os mencionados imóveis que se encontrem em oposição com o seu direito de crédito;</font><br>
<font>c) Subsidiariamente, que os RR. BB e mulher e R. Empresa-A sejam solidariamente condenados no pagamento de 42.570.000$00, sendo 33.000.000$00 referente a capital e o restante a juros vencidos, com juros desde 25/05/99, à taxa de 12%, até efectivo e integral pagamento.</font><br>
<br>
<font>Em suma, alegou que</font><br>
<font>- Emprestou ao R. BB 33.000.000$00 no interesse da R. Empresa-A, importância destinada a pagar parte do preço de um contrato de locação financeira celebrado entre esta R. e Empresa-C;</font><br>
<font>- A R. mulher interveio no negócio na qualidade de representante da R. Empresa-A;</font><br>
<font>- A dívida foi contraída no exercício do comércio, sendo que os dois 1ºs RR. estão casados no regime de comunhão geral de bens;</font><br>
<font>- A R. Empresa-B veio substituir-se à R. Empresa-A, mediante a cessão da posição contratual;</font><br>
<font>- Na mesma escritura a Empresa-D, vendeu à Empresa-B, pelo preço de 34.428.000$00 as fracções sobre que incidia o contrato de leasing;</font><br>
<font>- Os sócios da 4ª R. (sendo familiares dos 1º e 2º RR.) tinham conhecimento que o 1º R. havia contraído para consigo a dívida relativa ao empréstimo que lhe concedeu e que aquele não conseguia pagar-lhe tal dívida, além de que, para além das quotas de que os 1º e 2º RR. eram titulares na 3ª R. e dos prédios que esta última possuísse, os 1º e 2º RR. não possuem quaisquer outros bens capazes de satisfazer o seu crédito;</font><br>
<font>- Tendo conhecimento de tais factos, os 1º e 2º RR. (representando a 3ª R.) e os sócios da 4ª R. acordaram em celebrar a escritura pública referida com o intuito de retirar do património da 3ª R. os prédios ali referidos e, consequentemente, de tornar impossível a satisfação do seu crédito, agindo de má fé.</font><br>
<br>
<font>Os 1º e 2º RR. contestaram, pedindo a improcedência da acção, negando o empréstimo e a má fé invocada pelo A..</font><br>
<br>
<font>A 4ª R. também contestou, por via de excepção e de impugnação, pedindo, igualmente, a improcedência da acção.</font><br>
<br>
<font>O A. replicou.</font><br>
<br>
<font>Em sede de saneador, foram julgadas improcedentes as excepções arguidas pela 4ª R., o que motivou agravo desta.</font><br>
<br>
<font>A acção prosseguiu para julgamento.</font><br>
<br>
<font>E o Juiz de Círculo de Almada julgou-a parcialmente procedente e, consequentemente, os RR. BB e mulher e Empresa-A foram condenados a pagarem, de forma solidária, ao A. o correspondente ao montante objecto de empréstimo e juros, e o R. BB foi ainda condenado como litigante de má fé. </font><br>
<font>Ou seja, o Tribunal de 1ª Instância julgou procedente o pedido subsidiário.</font><br>
<br>
<font>Com esta decisão, não se conformaram os RR. BB e mulher que apelaram para o Tribunal da Relação de Lisboa, pedindo a sua revogação, mas sem êxito.</font><br>
<br>
<font>Ainda irresignados, estes mesmos RR. recorreram para este Supremo Tribunal, pedindo a anulação do acórdão impugnado ou, subsidiariamente, a sua absolvição.</font><br>
<font>Concluíram a sua minuta da seguinte forma:</font><br>
<font>- Uma das questões suscitadas pelos Recorrentes (v. conclusões 34 a e 35 da apelação) foi a da obscuridade e falta de prova para a resposta dada pelo Tribunal da Relação ao contido na alínea n) da base instrutória.</font>
<p><font>- Como resulta da análise da factualidade contida na base instrutória em momento algum se alegou matéria donde pudesse resultar que o R. marido era comerciante ou que o dito empréstimo fora contraído no exercício do comércio.</font>
</p><p><font>- A resposta é por isso conclusiva, encerrando, aliás, um conceito de direito, exercício do comércio, sem que o exercício dessa actividade pelo R. marido se possa retirar da factualidade dada como provada nos presentes autos.</font>
</p><p><font>- Igualmente nas 34ª e 35ª conclusões do recurso de apelação apresentado, os RR. e Apelantes invocam a obscuridade e mesmo a falta de prova documental e testemunhal para a resposta dada pela lª Instância à al. l) da base instrutória. </font>
</p><p><font>- Na realidade, o Tribunal da Relação de Lisboa não se pronuncia sobre a necessidade de ampliação da matéria de facto, por forma a que se apurasse qual o "negócio" a que aludia a resposta da al. C da base instrutória, afirmando que se tratou de matéria não alegada, mas a resposta, essa permanece obscura, porquanto, o negócio foi alegado, sem que se saiba em que consistiu. </font>
</p><p><font>- Outra das questões suscitadas pelos Recorrentes em sede de recurso de Apelação foi a de saber se a sentença recorrida viola os arts. 364.°, n° l, 1142° e 1143° do CC ao considerar provada a celebração de um contrato de mútuo de valor de 33.0000.000$00 (€ 164.603,31) com base num escrito particular. </font>
</p><p><font>- Ora, da leitura do acórdão recorrido repara-se que em parte alguma é feita qualquer referência ao art. 364° do CC, pelo que resulta à saciedade que esta decisão judicial padece de uma nulidade por omissão de pronúncia, nos termos da al. d), do n° l, do art. 668° do CPC </font>
</p><p><font>- O acórdão recorrido declara a nulidade do contrato de mútuo, condenando os RR. BB e CC a pagarem ao A. a quantia de € 164.603,31 (correspondente a 33.000.000$00), acrescida de juros de mora à taxa legal, a contar de 2001.11.02, data da citação. Todavia, o A. nunca pediu para que o Tribunal declarasse a nulidade do contrato. </font>
</p><p><font>- Por outro lado, para que o Tribunal da Relação de Lisboa pudesse aferir da verificação de uma causa de nulidade teria de constar da factualidade dada como provada qual a forma do contrato, o que não acontece.</font>
</p><p><font> - Retirar da confissão extrajudicial de um dos RR. que o contrato de mútuo não foi celebrado por escritura pública é estar a ficcionar com a realidade. Ainda mais quando nenhuma das partes veio alegar que não podia apresentar a escritura pública por que o contrato não revestiu essa forma.</font>
</p><p><font>- Para se poder concluir que o contrato de mútuo não foi celebrado por escritura pública teria de se verificar uma das seguintes hipóteses:</font>
</p><p><font>1ª - O A. invocou que a forma do contrato de mútuo não tinha sido a escritura pública;</font>
</p><p><font>2ª - Na fase de condensação, o juiz da 1ª instância reparou que o autor não tinha junto a escritura pública e, ao abrigo do art. 508º, nº 2, in fine, do CPC, ordenou-lhe que juntasse aos autos tal documento;</font>
</p><p><font>3ª - Da base instrutória consta um quesito atinente a aferir qual a forma a que obedeceu a celebração do contrato de mútuo.</font>
</p><p><font>Ora nenhuma destas hipóteses se verificou, pelo que existe uma impossibilidade física de se poder concluir que o contrato de mútuo não foi celebrado por escritura pública. </font>
</p><p><font>- Em síntese, não se pode confundir os documentos necessários a validade do acto jurídico e os documentos necessários à prova do acto jurídico.</font><br>
<font>- Deste modo, o acórdão recorrido padece de uma nulidade por conhecer uma questão de que não podia conhecer, nos termos da segunda parte, da al. d), do n° l, do art. 668º do CPC</font>
</p><p><font>- Não tendo o acórdão recorrido conhecimento de factos suficientes para se pronunciar sobre a questão da nulidade por violação das regras de forma, não podia conhecer da questão da nulidade que não foi alegada por nenhuma das partes, pois todas elas sabiam que tal contrato de mútuo nunca foi celebrado.</font>
</p><p><font>- Deste modo, o acórdão recorrido padece de uma nulidade por condenação em objecto diverso do pedido, nos termos da al. e) do nº 1 do art. 668º do CPC.</font>
</p><p><font>- O acórdão recorrido alicerça a sua decisão, que inclusive altera a decisão da sentença proferida pelo Tribunal de 1ª instância, na nulidade do contrato de mútuo por não ter sido reduzido a escritura pública.</font>
</p><p><font>- Para poder concluir por essa solução legal caberia sempre constar da matéria de facto provada qual a forma pela qual foi celebrado o contrato de mútuo. Ora, tal factualidade não consta da matéria de facto provada, aliás, nem consta da base instrutória nem dos factos assentes.</font>
</p><p><font>- Assim, com o devido respeito, o acórdão ficciona factos para alicerçar a solução de direito que emite! Por outras palavras, não especifica factos essenciais para que possa concluir por aquela solução de direito, pelo que padece de uma nulidade por não especificação de fundamentos de facto que justifiquem a decisão, nos termos da al. b), do n° l, do art. 668° do CPC</font>
</p><p><font>- O Tribunal da Relação de Lisboa alterou a decisão da 1ª Instância decretando a nulidade do mútuo celebrado entre o A. e o R. marido, e declarando a comunicabilidade da dívida contraída pelo R. marido à R. mulher por a mesma ter sido contraída no "exercício do comércio", nos termos da al. d) do art.° 1691° do CC.</font>
</p><p><font>- Teve, certamente, por base a resposta dada pela 1ª Instância na al. n) da base instrutória: "n) A dívida contraída pelo 1° R., foi-o no exercício do comércio, sendo ainda o 1° R. e a 2ª R casados no regime de comunhão geral de bens" - resposta ao artigo 7° da base instrutória.</font>
</p><p><font>- Tal resposta além de meramente conclusiva, encerra um conceito de direito - o exercício do comércio -, sem que de qualquer da factualidade constante da base instrutória se possa concluir esse exercício do comércio pelo R. marido, sob pena de ser violada a já citada al. d) do art.° 1691° do CC.</font>
</p><p><font>- Como resulta do artigo 1142° do CC, o contrato de mútuo é um contrato real quoad constitutionem, pois «a relação contratual só se constitui após a entrega da coisa». Portanto, «antes da entrega [da coisa emprestada] o contrato não está perfeito: pode haver apenas uma promessa de depósito ou de empréstimo».</font>
</p><p><font>- Daqui decorre que os elementos essenciais do contrato de mútuo, para que possa estar completamente celebrado, são a entrega da coisa (fungível) mutuada e a declaração de que o mutuário se obriga a restituir outro tanto do mesmo género e qualidade.</font>
</p><p><font>- Estes elementos essenciais do contrato têm necessariamente de ser reduzidos a escrito, mais concretamente, tratando-se de mútuo no valor superior a € 20.000 têm de constar de escritura pública (art. 1143.° do CC).</font>
</p><p><font>- A causa de pedir alegada pelo A. consiste num contrato de mútuo de valor superior a € 20.000, logo nos termos do art. 1143° do CC teria necessariamente de ter sido reduzido a escritura pública. A escritura pública é um documento autêntico (art. 363°, n° 2, do CC.</font>
</p><p><font>- Assim, nos termos do art. 364°, nº 1, do CC, a prova da celebração do contrato, designadamente que a quantia mutuada foi entregue, tem necessariamente de ser produzida mediante escritura pública ou por outro meio de prova que seja de força probatória superior.</font>
</p><p><font>- A força probatória da escritura pública - documento autêntico - é, de harmonia com o disposto no artigo 371°, nº1, do CC, de prova plena.</font>
</p><p><font>- Enquanto a confissão extrajudicial em documento particular, feita à parte contrária, tem também força probatória plena, ou seja, não tem uma força probatória superior relativamente à escritura pública. </font>
</p><p><font>- Deste modo, por força do artigo 364°, n° l, conjugado com os arts. 371°, nº 1, e 358° do CC, o único meio de prova susceptível de provar a celebração de um contrato de mútuo de valor superior a € 20.000 é a escritura pública, não chegando a mera confissão. </font>
</p><p><font>- Conclui-se, portanto, que o acórdão do Tribunal a quo viola as normas contidas no art. 364°, nº 1, conjugado com os artigos 371°, nº 1, e 358° do CC ao considerar como suficiente a mera confissão para fazer prova da celebração de um contrato de mútuo de valor superior a € 20.000.</font>
</p><p><font> - É de notar que certamente é passível de se recorrer à prova testemunhal e, inclusive, à confissão para provar que um determinado contrato foi celebrado, mas que é nulo por violar as regras relativas à forma. </font>
</p><p><font>- Todavia, não obstante a nulidade ser de conhecimento oficioso, a factualidade de o negócio de mútuo ter sido celebrado oralmente ou por escrito particular teria sempre de ser invocado pelo A., o que não acontece. </font>
</p><p><font>- Para que o Tribunal da Relação de Lisboa pudesse aferir da verificação de uma causa de nulidade teria de constar da factualidade dada como provada qual a forma do contrato, o que não acontece.</font>
</p><p><font> - Retirar da confissão extrajudicial de um dos RR. que o contrato de mútuo não foi celebrado por escritura pública é estar a ficcionar a realidade. Ainda mais quando nenhuma das partes veio alegar que não podia apresentar a escritura pública porque o contrato não revestiu essa forma.</font>
</p><p><font>- Para se poder concluir que o contrato de mútuo não foi celebrado por escritura pública teria de se verificar uma das seguintes hipóteses: </font>
</p><p><font>1 - O Autor invocou que a forma do contrato de mútuo não tinha sido escritura pública; </font>
</p><p><font>2) na fase da condensação, o juiz da 1ª instância reparou que o A. não tinha junto a escritura pública e, ao abrigo do artigo 508°, n° 2, in fine, do CPC ordenou-lhe que juntasse aos autos tal documento;</font>
</p><p><font>3) da base instrutória constar um quesito atinente a aferir qual a forma a que obedeceu a celebração do mútuo. </font>
</p><p><font>- Ora, nenhuma destas hipóteses se verificou, pelo que existe uma impossibilidade física de se poder concluir que o contrato de mútuo não foi celebrado por escritura pública. </font>
</p><p><font>- Em síntese, não se pode confundir os documentos necessários à validade do acto jurídico e os documentos necessários à prova do acto jurídica. </font>
</p><p><font>- Pelo que o contrato de mútuo ao ter de ser celebrado por escritura pública, esta última consiste num documento ad substantiam pelo que fica excluída a sua substituição por qualquer outro meio de prova (mesmo por confissão), ou por outro documento que não seja de força probatória superior (cfr.art.364º n° 1 do CC. </font>
</p><p><font>- Concluindo-se que cometeu-se na sentença recorrida, desta sorte, um erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa por ocorrer violação do art. 364°, n° l, do CC, que fixa a prova necessária para provar a celebração de um contrato de mútuo superior a 200.000$00, devendo-se, por força do disposto no art. 646°, n° 4, do CPC ter-se por não escrito o facto ínsito no art. 1° da base instrutória e, consequentemente, como não provada a celebração de um empréstimo entre o A. e o 1º R., da quantia de 33.000.000$00.</font><br>
<br>
<font>O recorrido, por sua vez, defendeu a manutenção do acórdão censurado.</font><br>
<br>
<font>II - </font><br>
<br>
<font>As instâncias fixaram os seguintes factos:</font><br>
</p><p><font>- O contrato de locação financeira celebrado entre a R. "Empresa-A" e "Empresa-C" teve por objecto os seguintes bens imóveis:</font>
</p><p><font>Fracção autónoma designada por letra "A", correspondente ao r/c;</font>
</p><p><font>Fracção autónoma designada por letra "B", correspondente ao r/c;</font>
</p><p><font>Ambas fazem parte do prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito em Aldeia do Castelo, lote 33-C, freguesia de Santiago, concelho de Sesimbra, descrito na Conservatória do Registo Predial de Sesimbra sob o nº 228 da dita freguesia, inscrito na matriz sob o art. 1722.</font>
</p><p><font>- No referido contrato, a R. "Empresa-A" figura como locatária e os l°s RR. como fiadores.</font>
</p><p><font>- A "Empresa-C", em 16.03.99, já se denominava "Empresa-D, ".</font>
</p><p><font>- No dia 01.09.99, a R. "Empresa-B" veio substituir a R." Empresa-A", mediante cessão da posição contratual, no contrato de locação financeira celebrado com o "Empresa-D".</font>
</p><p><font>- A referida cessão da posição contratual foi celebrada pelo preço de l $00.</font>
</p><p><font>- Tendo a R. "Empresa-B" assumido "o pagamento das responsabilidades vencidas e não pagas liquidadas pela cedente".</font>
</p><p><font>- Nessa mesma escritura pública, de 01 de Setembro de 1999, o "Empresa-D", vendeu à R. Empresa-B, pelo preço de 34.428.000$00, as fracções autónomas sobre as quais incidia o referido leasing.</font>
</p><p><font>- Mediante documento intitulado Acordo Privado - Declaração de Dívida e Responsabilidade Mútua, o R. BB reconheceu que o A. lhe emprestou a quantia de 33.000.000$00, tendo aquele R. entregue dois cheques ao A., no valor de 22.000.000$00 e 11.000.000$00.</font>
</p><p><font>- Os referidos cheques só deveriam ser apresentados ao Banco a partir de 25/05/99.</font>
</p><p><font>- Em meados de 1999, o R. BB deslocou-se ao escritório do A. invocando que estava a passar dificuldades e que não poderia pagar a quantia em dívida, o que motivou posteriormente a carta que o A. lhe enviou em 13.01.2000.</font>
</p><p><font>- Nessa carta, o A. refere a urgência que tem em ver a questão do empréstimo solucionada, pelo que solicita uma reunião com o R. BB para o mês de Janeiro nesse sentido.</font>
</p><p><font>- A dívida em causa foi contraída pelo R. BB no interesse da R. Empresa-A, por se destinar a pagar parte do negócio que tinha por objecto o estabelecimento a funcionar nos imóveis referidos. </font>
</p><p><font>- A R. CC interveio no negócio Empresa-A/Empresa-C, na qualidade de representante da Empresa-A.</font>
</p><p><font>- A dívida contraída pelo R. BB, foi-o no exercício do comércio, sendo ainda os primeiros RR. casados no regime de comunhão geral de bens.</font>
</p><p><font>- Os únicos sócios da R. Empresa-B, DD e EE, são familiares dos 1ºs RR.</font>
</p><p><font>- A R. Empresa-A, a partir de certa altura, ficou em grandes dificuldades económicas que a impediam de continuar a pagar as rendas devidas à "Empresa-D" pelos imóveis tomados de locação.</font>
</p><p><font>- A discoteca "2002" sofreu diversas fiscalizações que obrigaram a sucessivas paragens no seu funcionamento.</font>
</p><p><font>- Para não continuarem a acumular dívidas junto do "Empresa-D" e de fornecedores, os primeiros RR. tiveram de ceder a posição contratual da R. "Empresa-A" no contrato de leasing a um terceiro interessado, que foi a Empresa-B.</font>
</p><p><font>- À data da cessão da posição contratual no leasing, faltaria "cumprir" cerca de cinco anos de contrato e de pagar as respectivas rendas.</font>
</p><p><font>- Por pagar encontrava-se mais de metade das rendas previstas dado que, para além do tempo de contrato que restava, desde 01.09.99 (data da cessão da posição contratual) até 25.05.2004 (data em que findaria), ainda havia rendas em atraso.</font>
</p><p><font>- Razão pela qual, tendo a R. Empresa-B adquirido a propriedade dos imóveis sub iudice à Empresa-D, teve de desembolsar a quantia de 34.428.000$00, a título de preço.</font>
</p><p><font>III - </font>
</p><p><font>Quid iuris?</font>
</p><p><font>Dos vários pedidos formulados pelo A., apenas foi julgado procedente o subsidiário.</font>
</p><p><font>Por mor da sua procedência, os 1º, 2º 3º RR. foram condenados a pagarem ao A. a importância correspondente ao capital de 33.000.000$00 e juros vencidos desde a citação.</font>
</p><p><font>O acórdão recorrido, depois de julgar improcedente toda a argumentação usada pelos recorrentes e relativa à apreciação da matéria de facto, debruçou-se sobre o problema do mútuo.</font>
</p><p><font>E fê-lo - há que dizê-lo por amor à verdade - com toda a clareza e precisão.</font>
</p><p><font>De tal modo a decisão está precisa, concisa e justa que seria caso para, aqui e agora, usar dos poderes que o art. 713º, nº 5, ex vi art. 726º CPC, nos confere e, sem mais, confirmar pura e simplesmente o julgado.</font>
</p><p><font>Não iremos, no entanto, por aí.</font>
</p><p><font>Entendemos útil focar os pontos que os recorrentes insistem no presente recurso como tendo sido mal julgados.</font>
</p><p><font>A nossa preocupação é a de demonstrar, de uma vez por todas, a sem razão que assiste aos recorrentes.</font>
</p><p><font>A 1ª nota que entendemos dever deixar retratada diz respeito ao número exagerado das conclusões dos recorrentes (40).</font>
</p><p><font>A este respeito, já o Tribunal da Relação de Lisboa tinha feito menção do excessivo número de conclusões então apresentadas, nada menos do que 51.</font>
</p><p><font>Bom seria que os recorrentes tivessem respeitado o que, a este respeito, prescreve o nº 1 do art. 690º do CPC:</font>
</p><p><font>"O recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual concluirá, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou a anulação da decisão".</font>
</p><p><font>E o nº 4 do mesmo artigo estabelece que quando as conclusões sejam complexas, o relator deve convidar o recorrente a sintetizá-las, sob pena de rejeição do recurso.</font>
</p><p>
</p><p><font>Segundo Alberto dos Reis, o ónus de concluir fica satisfeito pela indicação resumida dos fundamentos por que se pede a alteração ou anulação da sentença ou do despacho (vide Código de Processo Civil anotado, Volume V, pág. 359).</font>
</p><p><font>Para Rodrigues Bastos, as conclusões consistem na enunciação, em forma abreviada, dos fundamentos ou razões jurídicas com que se pretende obter o provimento.</font>
</p><p><font>E sublinha:</font>
</p><p><font>"Se as conclusões se destinam a resumir, para o tribunal ad quem, o âmbito do recurso e os seus fundamentos, pela elaboração de um quadro sintético das questões a decidir e das razões por que devem ser decididas em determinado sentido, é claro que o que fique aquém ou para além deste objectivo é deficiente ou impertinente" (in Notas ao Código de Processo Civil, 3º, pág. 299).</font>
</p><p><font>De acordo com as alterações introduzidas pela Reforma de 1995 no art. 690º, o vício da complexidade das conclusões, a par da deficiência ou obscuridade, passou a ser relevante, podendo mesmo conduzir, quando não sanado, ao não conhecimento do recurso.</font>
</p><p><font>Claro que o Relator podia mui bem ter feito apelo à regra no nº 4 do art. 690º e convidar os recorrentes a sintetizar as respectivas conclusões.</font>
</p><p><font>Não o fez, dando, deste modo, prevalência à celeridade processual em detrimento da observância de razões puramente formais.</font>
</p><p><font>Fica, de qualquer modo, o registo da complexidade das conclusões apresentadas que, para além do que fica dito, não deixa de representar um falta de colaboração entre as partes e o julgador, ideia tão cara ao legislador hodierno (vide, sobre este ponto concreto, José Lebre de Freitas, in Introdução ao Processo Civil, pág. 149 e ss.). </font>
</p><p><font>Adiante, pois.</font>
</p><p><font>Ainda como nota prévia, importa dizer, como, aliás, é bem salientado pelo recorrido, que as conclusões 34ª a 38ª são uma simples reprodução das conclusões 9ª a 12ª: vistas bem as coisas, os recorrentes apenas apresentaram 35 conclusões!</font>
</p><p><font>1º - Da alegada falta de pronúncia sobre a necessidade de ampliação da matéria de facto.</font>
</p><p><font>No acórdão impugnado ficou escrito a este propósito:</font>
</p><p><font>"Nas conclusões 38ª a 51ª, o apelante sustenta, em síntese, que a ter existido um contrato em que em causa esteja a quantia de 33.000.000$00, não foi um contrato de mútuo, mas de trespasse.</font>
</p><p><font>...</font>
</p><p><font>A existência de um trespasse - apenas alegado no recurso - é uma questão nova, que não foi invocada nos articulados, não constando destes os factos que agora se pretende aditar à base instrutória.</font>
</p><p><font>Do princípio dispositivo que rege o nosso direito processual civil decorre que cabe às partes alegar os factos que integram a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as excepções, só podendo o juiz fundar a decisão nos factos alegados pelas partes (...). O Réu, na contestação, tinha o ónus de alegar todos os factos constitutivos das excepções que podia opor ao Autor. Se não o fez oportunamente, não pode ora suprir essa omissão".</font>
</p><p><font>Ou seja, o Tribunal da Relação de Lisboa pronunciou-se - e bem - pela não necessidade de ampliação da matéria de facto.</font>
</p><p><font> Não houve, portanto, ao contrário do que defendem os recorrentes, omissão de pronúncia.</font>
</p><p><font>Dissemos que a Relação julgou bem tal questão.</font>
</p><p><font>E mantemos.</font>
</p><p><font> Se este STJ entendesse que havia necessidade de ampliar a matéria de facto, tinha poderes para isso, como decorre do nº 2 do art. 729 do CPC.</font>
</p><p><font>Mas não é o caso:</font>
</p><p><font> A matéria de facto apurada pelas instâncias, tendo em devida conta o que foi alegado pelas partes, é suficiente para determinar a sorte da lide.</font>
</p><p><font> Improcede, dest’arte, o contido nas cinco primeiras conclusões.</font>
</p><p><font> 2ª - Da invocada omissão de pronúncia e da alegada não especificação dos factos.</font>
</p><p><font> A nulidade por omissão de pronúncia só tem lugar quando o juiz deixe de pronunciar sobre questão que devia tomar conhecimento.</font>
</p><p><font> Como faz notar Alberto dos Reis, uma coisa é deixar de conhecer de questão que devia conhecer, outra é deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte (obra citada, Volume V, pág. 143).</font>
</p><p><font> Insurgem-se os recorrentes contra o facto de o acórdão da Relação de Lisboa ter omitido pronúncia sobre a aplicação do art. 364º, nº 1 do CC.</font>
</p><p><font>Mas sem razão.</font>
</p><p><font> O que está (estava) em causa era saber se existiu ou não um contrato de mútuo entre o A. e o 1º R. e a Relação respondeu de forma afirmativa.</font>
</p><p><font> Não se ignora que o mútuo exige forma se superior a 20000 € (art. 1143º do CC), sob pena de nulidade (à data em que o empréstimo ocorreu, exigia a lei escritura pública para que fossem válidos os mútuos de valor superior a 3.000.000$00 - ut redacção dada pelo D.-L. 190/85, de 24 de Junho).</font>
</p><p><font> Mas, se a falta de forma gera a nulidade do contrato, tão-pouco se pode dizer que não há forma de provar um mútuo despido do formalismo legal.</font>
</p><p><font> Esta ideia está perfeitamente desenhada no acórdão censurado:</font>
</p><p><font> "A inobservância da forma torna nulo o contrato, art. 220º do Cód. Civil.</font>
</p><p><font> Mas isso não significa que um contrato de mútuo, de valor superior a 200.000$00 à data dos factos só possa provar-se por documento autêntico. Os elementos constitutivos do contrato podem ser provados por qualquer meio de prova."</font>
</p><p><font> O Tribunal da Relação deu como provado a existência de um contrato de mútuo nulo por falta de forma.</font>
</p><p><font> Despropositado falar aqui na doutrina do art. 364º citado.</font>
</p><p><font>O nº 1 deste preceito prescreve o seguinte:</font>
</p><p><font> "Quando a lei exigir, como forma de declaração negocial documento autêntico, autenticado ou particular, não pode ser substituído por outro meio de prova ou qualquer documento que não seja de força probatória superior."</font>
</p><p><font> Em anotação a este comando legal, Pires de Lima e Antunes Varela alertam para a regra do regime de que "os documentos escritos, autênticos, autenticados ou particulares, são exigidos como formalidades ad substanciam" e daí o princípio da nulidade consagrado no art. 220º.</font>
</p><p><font> E, acrescentam: "Só quando a lei se refira, ..., claramente à prova do negócio, é que é aplicável o regime o nº 2 deste artigo" (in Código Civil Anotado, Volume I - 4ª edição -, pág. 32).</font>
</p><p><font> Id est, "se, porém resultar claramente da lei que o documento é exigido apenas para prova da declaração, pode ser substituído por confissão expressa, judicial ou extrajudicial, contanto que, neste último caso, a confissão conste de documento de igual ou superior valor probatório".</font>
</p><p><font> No 1º caso estamos perante uma formalidade ad substantiam; no 2º em face de uma formalidade ad probationem.</font>
</p><p><font> Os termos da distinção entre estes dois tipos de formalidades ficaram claramente explicados por Manuel de Andrade:</font>
</p><p><font> "As primeiras, também chamadas substanciais, são as exigidas sob pena de nulidade do negócio. Sem elas não é válido o negócio. A sua falta é irremediável. São, em suma, absolutamente insubstituíveis por qualquer outro género de prova.</font>
</p><p><font> As segundas, também chamadas probatórias, são as impostas, e não de modo absoluto, apenas para prova do negócio. Sem elas o negócio não é propriamente nulo; só que a sua prova será mais custosa de obter. São, portanto, formalidades cuja falta pode ser suprida por outros meios mais difíceis de conseguir." (in Teoria Geral da Relação Jurídica, Vol. II, pág. 145).</font>
</p><p><font> Ainda sobre este ponto concreto, é bastante elucidativo o que diz Ewald Horster:</font>
</p><p><font> "Também não estamos em face de uma nulidade, por força do art. 220º, mas perante uma questão de prova, quando um documento for legalmente exigido e a seu respeito resultar claramente da lei que é exigido apenas para efeitos de prova da declaração (art. 364º, nº 1, 1ª parte). Esta «forma ad probationem» não tem na Parte geral relevância prática, uma vez que a lei considera aqui a exigência de forma como pressuposto de validade da declaração (art. 219º)." (in A Parte Geral do Código Civil Português - Teoria Geral do Direito Civil -, pág. 528).</font>
</p><p><font> Ficou provado que o A. entregou, a título de empréstimo, ao R. a importância de 33.000.000$00, só que a concretização deste negócio não obedeceu aos requisitos de forma que a lei exige; daí a sua nulidade por força do estatuído no art. 220º do CC.</font>
</p><p><font> Mas, daí não resulta, não pode resultar, que nada se tenha passado entre um e outro: houve a entrega do dinheiro que, por força da nulidade do contrato (cfr. art. 289º, nº 1 do CC), terá de ser restituído.</font>
</p><p><font> Isto mesmo reconheceu este STJ, em acórdão de 10 de Dezembro de 1985:</font>
</p><p><font> I - O mútuo é, pela sua natureza, um contrato real, no sentido de que se completa pela entrega (empréstimo) da coisa.</font>
</p><p><font> II - O mútuo que não obedeça à forma legalmente prescrita é nulo.</font>
</p><p><font> III - A declaração de nulidade tem como efeito o dever de restituição de tudo o que tiver sido prestado.</font>
</p><p><font> Em anotação a este aresto, Antunes Varela explica o fundamento deste regime de nulidade do mútuo por falta de forma:</font>
</p><p><font> "Pretendeu-se, ..., com a ameaça do espectro da nulidade do negócio e a consequente inutilização do acordo alcançado pelas partes, conseguir que os contraentes, logo que a operação atinge determinados valores, tratem de documentá-la por meio de escrito particular, até certo montante, ou por escritura pública, a partir de valor mais elevado.</font>
</p><p><font> A ratio legis deste preceito - ... - poderia levar o intérprete a considerar que a lei não admitia, ..., o recurso a essa espécie de prova para convencer o tribunal da entrega das quantias superiores às indicadas no artigo 1143º do Código Civil, tendo em vista a simples restituição do objecto da prestação efectuada, ao abrigo da nulidade do contrato.</font>
</p><p><font>...</font>
</p><p><font> E fácil foi de verificar que nem por isso a exigência de certa forma externa para o contrato de mútuo que exceda determinados valores, sob pena de nulidade do negócio, perdeu a sua eficácia.</font>
</p><p><font> Mesmo com a possibilidade reconhecida ao mutuante de reaver a soma por ele realmente entregue à contraparte (...), quando o contrato não obedeça à forma externa prescrita na lei, a verdade é que o espectro da nulidade, que reduz o corpo vivo do contrato (...) ao esqueleto da restituição recíproca de tudo quanto foi prestado, não deixa de constituir estímulo mais ou menos poderoso à obs
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1.ª Secção (Cível)
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<b><font> </font></b><font><font> </font><br>
<font> </font><br>
<font> </font><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font><br>
<font> </font><br>
<font> </font><br>
<font> </font><b><font>I- Relatório</font></b><font>:</font><br>
<font> 1-1- A </font><b><font>AA Viagens e Turismo</font></b><font>, com sede na Rua ..., nº 0, 0º Dtº, Lisboa, intentou a presente acção declarativa de condenação e simples apreciação, com processo ordinário, contra </font><b><font>BB – Lineas Aéreas de ..., S.A.</font></b><font>, com sede na Rua ..., 00, 6º, Lisboa, </font><i><font>pedindo</font></i><font> a condenação da R. a pagar os montantes correspondentes à comissão incidente sobre a </font><i><font>passenger service charge</font></i><font>, desde 1 de Janeiro de 1994 até final, bem como os respectivos juros desde a data do vencimento até integral pagamento, calculados às taxas legais em vigor em cada momento, quantificando o montante devido relativamente aos anos de 1998 a 2000 em €168.433,29 (resultante da soma de €41.003,80, €50.043,13 e €77.386,36, correspondentes aos anos de 1998, 1999 e 2000, respectivamente), acrescido de €74.516,52, relativos aos juros dos anos atrás mencionados, contados desde o dia 1 de Janeiro do ano seguinte ao que se reportam. Quanto aos montantes correspondentes aos anos de 1994 a 1997, bem como aos respeitantes a data posterior a 31 de Dezembro de 2000 e respectivos juros, pediu a sua determinação para momento ulterior. Mais pediu que fosse declarada a existência do direito das representadas da AA às comissões, à taxa vigente em cada momento, sobre os montantes relativos à </font><i><font>passenger service charge</font></i><font>.</font><br>
<font> Fundamenta este pedido, em síntese, dizendo que até 31 de Dezembro de 1993, as companhias aéreas, nomeadamente a R., apresentavam uma tarifa única no título de transporte (adiante designado bilhete) e autonomizavam uma taxa única (a taxa de segurança), pagando aos Agentes de Viagens uma comissão, correspondente a uma percentagem, em vigor em cada momento, sobre a tarifa. A partir de 1 de Janeiro de 1994, a R. alterou esta prática, passando a apresentar, no título de transporte, uma série de caixas (boxes) - PTE – Tarifa, PT – correspondente à taxa de segurança (</font><i><font>security charge</font></i><font>) e YP – correspondente à taxa de serviço de passageiros (</font><i><font>passenger service charge</font></i><font>) – com o objectivo de excluir da comissão paga aos Agentes de Viagens o montante referente à </font><i><font>passenger service charge</font></i><font>. A </font><i><font>passenger service charge</font></i><font> cobrada pelo aeroporto às companhias aéreas faz parte dos custos que estas têm que suportar para transportar os passageiros que procuram os seus serviços, correspondendo ao montante que o aeroporto cobra à companhia aérea pela utilização e movimentação de passageiros, clientes dessa companhia, naquelas instalações.</font><br>
<font> A R. contestou excepcionando a ilegitimidade da A. relativamente ao pedido formulado e a prescrição do eventual crédito resultante das comissões vencidas até 15 de Novembro de 1998.</font><br>
<font> Mais alegou que, por lapso, até 31 de Dezembro de 1993, comissionou as agências de viagens incluindo a taxa de serviços de passageiros na tarifa ou preço do bilhete. Alegou ainda que a alteração ocorrida a partir de 1 de Janeiro de 1994 corresponde ao cumprimento da Resolução 814 e que a taxa de serviço de passageiros não é um encargo da companhia de aviação, sendo devida por cada passageiro, embora debitada às transportadoras que a fazem repercutir no passageiro, razão pela qual não pode ser incluída na tarifa (que reflecte o preço da actividade da transportadora). </font><br>
<font> Na réplica, a A. pronunciou-se no sentido da improcedência das excepções invocadas e respondeu à factualidade alegada na contestação.</font><br>
<font> Foi proferido o despacho de fls. 114 dos autos, que declarou como não escritos os artigos 26º a 98º da réplica, por respeitarem a matéria que não constitui resposta às excepções da ilegitimidade e prescrição.</font><br>
<font> A fls. 166 foi proferido despacho que ordenou o desentranhamento de dois requerimentos da R..</font><br>
<font> Esta agravou do mesmo, agravo que obteve provimento, tendo o acórdão ora recorrido revogado esse despacho - fls. 882.</font><br>
<font> Proferiu-se despacho saneador, julgando improcedentes as excepções da ilegitimidade da A. e da prescrição invocadas (fls. 589 a 593), após o que fixaram os factos provados e se organizou a base instrutória.</font><br>
<font> Esta base instrutória foi objecto de reclamações, decididas por despacho de fls. 662 a 665 dos autos.</font><br>
<font> Da decisão do saneador que julgou a A. parte ilegítima foi interposto pela R., recurso de agravo, a que o acórdão recorrido negou provimento (1)</font><br>
<font>.</font><br>
<font> Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença (constante de fls. 789 a 803) que julgou a acção procedente nos seguintes termos:</font><br>
<font> “</font><i><font>a) reconheço o direito das representadas da AA a receber comissões, à taxa vigente em cada momento, sobre os montantes relativos à taxa de serviço a passageiros (passenger service charge);</font></i><br>
<i><font> b) condeno a R. a pagar à A. a quantia que se apurar em execução de sentença, referente à comissão devida sobre a passenger service charge no período de 1 de Janeiro de 1994 até hoje</font></i><font>”. </font><br>
<font> Não se conformando com esta decisão, dela recorreu a R. de apelação para o Tribunal da Relação de Lisboa, tendo-se aí julgado improcedente o recurso, confirmando-se a douta sentença recorrida.</font><br>
<font> </font><br>
<font> 1-2- Continuando irresignada com este acórdão, dele recorreu a R. para este Supremo Tribunal, recurso que foi admitido como revista e com efeito devolutivo.</font><br>
<font> A recorrente alegou, tendo das suas alegações retirado as seguintes conclusões (2)</font><br>
<font>:</font><br>
<font> 1.ª As questões de direito em discussão nos presentes autos – nos quais a AA – AA Viagens e Turismo, aqui Recorrida, veio reclamar da BB, aqui recorrente, o pagamento do valor de certas comissões alegadamente devidas às empresas suas associadas, relativas aos anos de 1994 e seguintes – são fundamentalmente duas: a de saber se a AA tinha legitimidade para o fazer e a de saber se a BB pagou às associadas da AA um valor de comissões inferior ao devido.</font><br>
<font> 2.ª O Tribunal da Relação de Lisboa não aplicou correctamente o direito aos factos, motivo pelo qual a decisão sob censura deverá ser concedida a presente revista e revogada integralmente a decisão recorrida.</font><br>
<font> 3.ª A recorrida não dispõe de poderes de representação para vir cobrar em juízo à BB comissões alegadamente em dívida às suas associadas. Esta falta de representação é traduzida pela ausência de mandato de cada Agência e pela ausência de deliberação que lhe permita vir a Juízo para discutir e, eventualmente, cobrar créditos alheios.</font><br>
<font> 4.ª O vício identificado no parágrafo precedente foi invocado pela recorrente, suscitado nas alegações de recurso, mas não foi sequer objecto de pronúncia pelo Tribunal da Relação de Lisboa.</font><br>
<font> 5.ª O n.º 1, al. d) do art. 668.º do C. P. Civil declara nula a sentença ou acórdão que se não pronuncie sobre matéria que deva ter em consideração. Ao omitir qualquer conclusão ou apreciação às matérias atrás referidas, o acórdão sobre recurso é nulo.</font><br>
<font> 6.ª A apreciação do interesse submetido a Tribunal nestes autos revela que o mesmo não pertence à Associação, nem esta é parte na relação jurídica controvertida. A Associação não tem poderes (mandato) de representação das Agências para discussão e eventual cobrança dos créditos que pertençam a estas, nem tal foi sequer alegado por aquela ou provado nos presentes autos (vide a ausência de factos na matéria de facto assente).</font><br>
<font> 7ª. Quer a falta de poderes da Associação para cobrança de créditos das agências suas associadas, quer, ainda que esses poderes existissem, a falta de obrigação da BB de pagar a representante voluntário ou a terceiro autorizado pelo credor a receber o crédito, deviam, só por si, ter levado o Tribunal a concluir logo pela improcedência da acção.</font><br>
<font> 8ª. Não estando a Associação mandatada para cobrar em representação das agências de viagens, o pagamento que a BB lhe viesse a efectuar não seria liberatório para a devedora, isto é, não extinguiria as alegadas obrigações desta perante as credoras (artigo 770.º do Código Civil).</font><br>
<font> 9ª. Todavia, ainda que dispusesse de tais poderes de representação, o que por imperativo de patrocínio e sem conceder se concebe, por força do art. 771.º do C. Civil a pretensão da Associação sempre seria improcedente, porque nada pode obrigar a recorrente a pagar à recorrida o que esta reclama e lhe não pertence.</font><br>
<font> 10ª. O artigo 771.º do C. Civil – plenamente aplicável ao caso – é inequívoco, decorrendo do mesmo que a BB não é obrigada a pagar quaisquer comissões à Associação, alegada representante das agências, conforme se sustenta e desenvolve no Parecer do Exmo. Senhor Professor Paulo Mota Pinto junto aos autos e para o qual se remete.</font><br>
<font> 11ª. Quanto à questão de fundo – existência ou não de uma obrigação contratual de incluir na base de cálculo das comissões devidas pela BB aos agentes de viagens acreditados na IATA e associados da Associação não apenas o preço do serviço do transporte assegurado pela BB, mas também uma taxa de serviço a passageiros destinada a remunerar os serviços prestados pela ANA, S.A. – o T. da Relação de Lisboa decidiu erradamente a mesma.</font><br>
<font> 12ª. O primeiro vício apontado à decisão relaciona-se com o âmbito da condenação: o Tribunal não delimitou a sua decisão, quando, por força da causa de pedir invocada, o pedido deduzido pela Associação só se pode referir às comissões relativas a bilhetes da BB vendidos por intermédio de agências de viagem que sejam associadas da AA e que são também acreditadas junto da IATA, ficando excluídas quaisquer outras vendas de bilhetes da BB (quer as efectuadas pela própria companhia, quer as efectuadas por agências estrangeiras, quer as efectuadas por agências nacionais que não preencham a dupla condição de serem agências associadas da AA e de serem agências acreditadas na IATA).</font><br>
<font> 13ª. A decisão sob censura errou na decisão proferida, porquanto: (i) se baseou apenas no texto das Resoluções n.º 814 e 824 da IATA (que considerou serem regulamentos) e não se baseou no contrato celebrado com as agências de viagens (cf. matéria de facto assente, fls. 12 da decisão do Tribunal da Relação em que é feita menção expressa ao contrato-tipo de agência); (ii) efectuou uma interpretação literal e incorrecta das disposições das citadas Resoluções IATA.</font><br>
<font> 14ª. A causa de pedir é constituída pelos contratos-tipo de agência celebrados por cada uma das agências acreditadas junto da IATA, que aceitam o bloco de normas que esta entidade emite relativas à emissão e venda de bilhetes das companhias aéreas associadas da IATA, ao abrigo de um contrato-tipo de agência e é nestes contratos (que compreendem um clausulado tipo aprovado pelas referidas resoluções) que consta a autorização das agências para vender os serviços de transporte da BB, devendo esta remunerar as agências com uma comissão na forma e no montante que declarasse e comunicasse periodicamente aos agentes.</font><br>
<font> 15ª. O acórdão do Tribunal da Relação baseou-se numa tradução e interpretação inexactas da cláusula 9 do “Passengers Sales Agency Agreement”, ao considerar que, onde se lê em inglês que o agente seria retribuído “de uma forma e com uma importância que poderá ser periodicamente fixada e comunicada ao Agente pela Companhia Aérea”, se prevê tão-só que a companhia deveria retribuir o agente “com a importância periodicamente fixada e comunicada ao Agente pela Companhia Aérea”.</font><br>
<font> 16ª. O acórdão do Tribunal da Relação incorreu ainda noutro notório erro de tradução e interpretação, ao considerar na cláusula 9.4.2. das “Passenger Sales Agency Rules”, que o mesmo termo em língua inglesa (“charges”: “charges for excess baggage” e “other charges collected by the Agent”), empregue na mesma frase, teria em português dois sentidos diferentes: “taxas pelo excesso de bagagem” e “outros encargos cobrados pelo agente”.</font><br>
<font> 17ª. Na interpretação dos “Passengers Sales Agency Agreements” celebrados após 1 de Janeiro de 1994 deve, por aplicação do artigo 236.º, n.º 2, do Código Civil, prevalecer o sentido correspondente à vontade real da BB, que, no momento da celebração desses contratos, já não podia deixar de ser conhecida pelas agências de viagem, por já então ser autonomizada nos bilhetes de avião a passenger service charge da tarifa do transporte aéreo e já então ser também claro que a BB (e outras companhias aéreas) não aceitavam que as comissões incidissem também sobre aquelas taxas.</font><br>
<font> 18ª. Mesmo para os contratos celebrados anteriormente, resulta da cláusula 9 do “Passengers Sales Agency Agreement”, que prevalece expressamente sobre as regras constantes da cláusula 9.4. das “Passengers Sales Agency Rules”, que a BB tinha poderes para determinar a forma e a importância da retribuição.</font><br>
<font> 19ª. Em termos substanciais ou económicos, não faz diferença, para qualquer das partes, que a percentagem da comissão seja inferior ou que a respectiva base de cálculo seja menos alargada, pelo que o contrato tem de ser interpretado, quanto à inclusão de elementos na base de cálculo da comissão, em conformidade com tal resultado económico, não fazendo sentido que a BB tivesse podido alterar livremente a comissão a pagar às agências de viagens, mas já o não pudesse fazer, com resultados económicos totalmente idênticos, se tal descida resultasse apenas da exclusão de um elemento da respectiva base de cálculo.</font><br>
<font> 20ª. A passenger service charge é uma taxa que remunera um serviço público e não o serviço de transporte aéreo, determinada por passageiro e cobrada a este, no próprio acto de emissão do bilhete, pelas agências de viagens, e que pode, portanto, ser autonomizada da retribuição da actividade de transporte aéreo, por aqui se distinguindo de outros encargos, que constituem simples custos gerais da actividade da transportadora, devidos por esta.</font><br>
<font> 21ª. A passenger service charge é subsumível à exclusão prevista na cláusula 9.4.2. das “Passengers Sales Agency Rules”, em que se prevê que a comissão devida às agências não recai sobre “outros encargos [incluindo outras taxas] cobrados pelo agente”.</font><br>
<font> 22ª. Nem o “Passengers Sales Agency Agreement” nem as “Passengers Sales Agency Rules”, correctamente interpretados, impõem a inclusão da “taxa de serviço a passageiros” da base de cálculo da comissão, bem pelo contrário: as normas da IATA prevêem expressamente a sua exclusão dessa base de cálculo.</font><br>
<font> 23ª. A finalidade do contrato de agência e a forma típica de retribuição do agente (a comissão), pois, sendo aquele um contrato de cooperação ou de colaboração, a retribuição por uma comissão visa incentivar o agente a promover os negócios do agente, e, à luz destas finalidades, não faz qualquer sentido que seja devida aos agentes de viagem uma comissão sobre uma receita que não pertence à contraparte (e que esta tem de entregar à ANA antes mesmo de os seus aviões chegarem a descolar); Isto, tanto mais quanto a cobrança da passenger service charge não só não acarreta qualquer dispêndio ou esforço adicional para as agências como até pode facilitar o cumprimento dos seus deveres de informação ao cliente.</font><br>
<font> 24ª. Os usos no contrato de agência, quanto à fixação da retribuição do agente, e a informação corrente que é prestada aos passageiros, com distinção entre o preço do transporte e “as taxas”, apontam, também, no sentido da autonomização da taxa de serviço a passageiros e da sua não inclusão na base de cálculo das comissões dos agentes.</font><br>
<font> Termina pedindo a declaração de nulidade do acórdão recorrido, por omissão de questões de que devia conhecer (art. 668.º, n.º 1, al. d), do CPC), e subsidiariamente a absolvição do pedido, porquanto o acórdão recorrido infringe o art. 771º do CC, procede a uma errada interpretação e qualificação das normas e contratos aplicáveis ao caso (nomeadamente das Passenger Sales Agency Rules) e, ainda, por errada interpretação e aplicação dos arts. 236.º, n.º 2, e 260.º, n.º 1, do CC.</font><br>
<font> </font><br>
<font> A recorrida contra-alegou, pronunciando-se pela confirmação do acórdão recorrido, sustentando, em síntese:</font><br>
<font> - O acórdão recorrido (contrariamente ao que a recorrente afirma) analisa a questão da representatividade e dos poderes da recorrida para demandar e formular o pedido que apresenta e de saber se a AA pode pedir a condenação da BB a pagar os montantes correspondentes à comissão incidente sobre a passenger service charge, e de pedir que seja declarada a existência dos direitos das suas representadas a receber comissões sobre os montantes relativos à passenger service charge.</font><br>
<font> - Quanto ao que dispõem as normas emanadas da IATA - art. 9.º da Resolução n.º 824, de 15-12-1993, intitulada “Passengers Sales Agency Agreement”, e art. 9.4. da Resolução n.º 814, de 17-01-1990, intitulada “Passengers Sales Agency Rules” -, terá de se atender, unicamente, à tradução que se encontra junta aos autos, bem como à matéria de facto dada como provada nos nºs 8 e 9, a qual é insusceptível de ser alterada pelo STJ.</font><br>
<font> - A passenger service charge tem uma natureza assente na bilateralidade, existindo uma correspectividade entre a prestação pecuniária e a prestação de um serviço por parte de entidades públicas, constituindo uma mera taxa em sentido técnico, idêntica às demais taxas de tráfego previstas no DL n.º 102/90, de 21-03, alterado pelo DL n.º 280/99, de 26-07, e no Decreto Regulamentar n.º 12/99, de 30-07, alterado pelo Decreto Regulamentar n.º 5-A/02, de 08-02, todas constituindo despesas operacionais, essenciais à prestação do serviço de transporte aéreo, e fazendo parte da tarifa, porque fazem parte da estrutura de custo da recorrente.</font><br>
<font> - Inexiste qualquer contrato autónomo que tenha sido outorgado entre a BB e as agências de viagens, apenas existindo o “Passenger Sales Agency Agreement”, que é o contrato de adesão das Agências à IATA.</font><br>
<font> - A definição resultante da Resolução 814, com a delimitação negativa prevista no ponto 9.4.2., excluindo quaisquer taxas pelo excesso de bagagem ou excesso de valor de bagagem, bem como todos os impostos e outros encargos cobrados pelo agente, tem como elemento teleológico, por um lado, a remuneração do agente pela intermediação efectuada no serviço de transporte aéreo, e por outro lado, que as companhias aéreas não pagassem comissões sobre um montante que a elas nada beneficiasse nem contribuísse para a cabal execução dos serviços que se propõem fornecer.</font><br>
<font> - A BB apenas podia comunicar às agências de viagens o percentual da comissão, mas a comissão em si, e o que faz parte da mesma, não pode ser fixada ou determinada unilateralmente pela companhia aérea.</font><br>
<br>
<font> Para além do parecer jurídico que já constava de fls. 774 a 787, foram ainda juntos aos autos, pela R. dois pareceres jurídicos, constantes de fls. 933 a 975 e de fls. 976 a 1083.</font><br>
<font> </font><br>
<font> Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir: </font><br>
<font> </font><br>
<font> </font><b><font>II- Fundamentação:</font></b><br>
<b><font> </font></b><font>2-1- Uma vez que o âmbito objectivo dos recursos é balizado pelas conclusões apresentadas pelo recorrente, apreciaremos apenas as questões que ali foram enunciadas (arts. 690º nº 1 e 684º nº 3 do C.P.Civil). </font><br>
<font> Nesta conformidade, serão as seguintes as questões a apreciar e decidir:</font><br>
<font> - Se ocorre a nulidade do acórdão recorrido (art. 668º, nº 1, al. d), do CPC);</font><br>
<font> - Se a base de incidência no cálculo das comissões devidas pela R. às agências de viagens associadas da A. inclui a denominada “taxa de serviço a passageiros” (passenger service charge) cobrada pela R. no transporte aéreo internacional de passageiros;</font><br>
<font> - Se, a responder-se afirmativamente a esta questão, a A. tem poderes (mandato) de representação das agências suas associadas para cobrança dos créditos destas e, consequentemente, poderá a R. ser condenada a pagar à A. as quantias peticionadas a esse título.</font><br>
<br>
<font> 2-2- Vem fixada das instâncias a seguinte matéria de facto:</font><br>
<font> 1. A A., AA Viagens e Turismo (AA), é uma associação empresarial representativa dos interesses de 511 agências de viagens e turismo, com sede em Portugal, as quais representam 1018 pontos de venda (al. A) da matéria assente).</font><br>
<font> 2. A R. BB é a maior companhia aérea de Espanha (al. B) da matéria assente).</font><br>
<font> 3. A R. é membro efectivo da “International Air Transport Association” (IATA), associação representativa dos interesses das companhias aéreas (al. C) da matéria assente).</font><br>
<font> 4. Das agências de viagens associadas da AA, as constantes da lista a fls. 422 e ss., com exclusão das constantes de fls. 468 (a partir das datas aí referidas) estão acreditadas junto da IATA (al. D) da matéria assente).</font><br>
<font> 5. As agências de viagens acreditadas junto da IATA subscreveram o contrato de adesão à mesma, aceitando o bloco de normas que esta entidade emite, relativas à emissão e venda de bilhetes das companhias aéreas associadas da IATA, ao abrigo de um contrato-tipo de agência, nos termos definidos por aquela e pelos seus membros (al. E) da matéria assente).</font><br>
<font> 6. As agências de viagens incluem, na sua actividade, a intermediação na venda de bilhetes de avião (al. F) da matéria assente).</font><br>
<font> 7. A esmagadora maioria dos bilhetes vendidos em Portugal é-o através das agências de viagens acreditadas pela IATA (al. G) da matéria assente).</font><br>
<font> 8. No que concerne à venda de bilhetes das companhias aéreas pelas agências de viagens, dispõe o artigo 9.º da Resolução n.º 824 da IATA, intitulada “Passengers Sales Agency Agreement”, de 15-12-1993:</font><br>
<font> “</font><i><font>9. Remuneração: No âmbito deste contrato, a Companhia Aérea retribuirá ao Agente, pela venda de bilhetes de avião e serviços adicionais prestados pelo Agente, com a importância periodicamente fixada e comunicada ao Agente pela Companhia Aérea. Esta retribuição representa o pagamento integral dos serviços que foram prestados à companhia aérea</font></i><font>” - vd. documento a fls. 341 e sua tradução a fls. 343 (al. H) da matéria assente).</font><br>
<font> 9. O artigo 9.4., da Resolução n.º 814 da IATA, intitulada “Passengers Sales Agency Rules”, de 17-01-1990, estabelece o seguinte:</font><br>
<font> “</font><i><font>9.4. Condições Para Pagamento da Comissão</font></i><br>
<i><font> 9.4.1. Havendo lugar ao pagamento de comissão ao Agente deverá a mesma ser calculada sobre a tarifa aplicável para o transporte aéreo de passageiros ou sobre o pagamento de preço do charter pago ao membro ou ao “Clearing Bank” nos termos do “Bank Settlement Plan”, e recebido pelo Agente (…)</font></i><br>
<i><font> 9.4.2. As tarifas aplicáveis são as tarifas (incluindo sobretaxas de tarifa) para o transporte, de acordo com as tarifas dos Membros e excluem quaisquer taxas pelo excesso de bagagem ou excesso de valor de bagagem, bem como todos os impostos e outros encargos cobrados pelo Agente</font></i><font>” - vd. documento a fls. 339-340 e sua tradução a fls. 344-345 (al. I) da matéria assente).</font><br>
<font> 10. Em tempos mais recuados, as companhias aéreas, nomeadamente a R., apresentavam uma tarifa única no título de transporte (bilhete) e autonomizavam uma taxa única (a taxa de segurança), pagando aos Agentes de Viagens uma comissão, correspondente a uma percentagem, em vigor em cada momento, sobre a tarifa (al. J) da matéria assente).</font><br>
<font> 11. Tal prática vigorou até 31-12-1993 (al. L) da matéria assente). </font><br>
<font> 12. A partir de 01-01-1994, a R. alterou esta prática, passando a apresentar, no título de transporte, uma série de caixas (“boxes”), a saber:</font><br>
<font> PTE – Tarifa;</font><br>
<font> PT – correspondente à taxa de segurança (“security charge”);</font><br>
<font> YP – correspondente à taxa de serviço de passageiros (“passenger service charge”) em Portugal (al. M) da matéria assente).</font><br>
<font> 13. As caixas mencionadas são as constantes de um bilhete em transporte aéreo doméstico (al. N) da matéria assente).</font><br>
<font> 14. Nos bilhetes utilizados em transporte aéreo internacional (que são todos os emitidos pelas Agências em nome da R., há mais uma caixa, correspondente ao “passenger service charge” cobrado à companhia aérea pelo aeroporto do outro país (al. O) da matéria assente).</font><br>
<font> 15. Até ao final de 1993, a “passenger service charge” não era referida no bilhete emitido para o passageiro, embora já antes daquela data os aeroportos a cobrassem às companhias aéreas (al. P) da matéria assente).</font><br>
<font> 16. Em consequência de tal alteração, desde 01-01-1994 as Agências de Viagens deixaram de receber da R., por força da introdução da caixa (“box”) YP (referente à “passenger service charge”), os montantes referentes às comissões sobre essa parcela (al. Q) da matéria assente).</font><br>
<font> 17. As comissões em vigor entre 01-01-1994 e 31-03-2001 correspondiam a 9% do valor da venda dos bilhetes (al. R) da matéria assente).</font><br>
<font> 18. Entre 01-04-2001 e 31-10-2001, a taxa acima mencionada desceu para os 8% (al. S) da matéria assente).</font><br>
<font> 19. Desde 01-11-2001 aquela taxa situa-se nos 7% (al. T) da matéria assente).</font><br>
<font> 20. Nos anos de 1998, 1999 e 2000 a R. cobrou, a título de “passenger service charge”, quantias não concretamente apuradas (resp. q. 1.º, 2.º e 3.º da B.I.).</font><br>
<font> 21. A R. cobrou ainda nos anos de 1994, 1995, 1996, 1997, 2001, 2002, 2003, 2004, bem como nos respeitantes com data posterior a 31 de Dezembro de 2004, quantias a título de “passenger service charge” (resp. q. 4.º da B.I.).</font><br>
<font> 22. Do artigo 3.º, n.º 1, alínea x) dos Estatutos da A., juntos a fls. 132 e ss., resulta que entre as suas atribuições consta a de representar em Juízo os seus associados, sempre que estejam em causa interesses que representem o sector das Agências de Viagens (factualidade documentalmente provada, face ao teor do documento de fls. 132 e ss., e que foi consignada no despacho saneador e reproduzida no acórdão recorrido) (3).</font><br>
<font>.</font><br>
<font> 23. Da acta de Assembleia-Geral da A., realizada a 18 de Julho de 2001, junta a fls. 389 e ss., consta a aprovação da deliberação de serem intentadas pela A. acções judiciais contra as Companhias Aéreas, para recebimento das comissões de serviço aos passageiros (factualidade documentalmente provada, face ao teor do documento de fls. 389 e ss., e que foi consignada no despacho saneador e reproduzida no acórdão recorrido). --------------------------------------------------------</font><br>
<font> </font><br>
<font> 2-3- Como questão prévia, convém esclarecer que o aspecto jurídico da causa terá de ser decidido com referência aos factos que as instâncias deram como demonstrados, não cabendo nos poderes deste Supremo Tribunal de Justiça alterá-los, designadamente nos moldes pretendidos pela recorrente nas conclusões 19.ª e 20.ª (aqui em 16ª e 17ª), posto que não se está perante nenhuma das situações excepcionais previstas nos arts. 722º, nº 2, e 729º, nº 2, do CPC.(4) , isto é, no âmbito do recurso de revista, o Supremo só pode sindicar a fixação da matéria de facto pelas instâncias se foi indevidamente dado como assente um facto sem a produção do tipo de prova para tal legalmente imposto ou se tiverem sido incumpridos os preceitos reguladores da força probatória de certos meios de prova. </font><br>
<font> Quanto aos invocados erros de tradução (conclusões 19ª e 20ª), temos dúvidas que a respectiva apreciação não possa ser entendida como discussão de matéria de facto. De qualquer forma diremos que esses erros, a nosso ver, não existem porque contrariamente ao referido pela R., a palavra em inglês “charges”, tanto pode significar, “taxas” como “encargos”. Para melhor esclarecimento, reproduz-se aqui o teor da cláusula 9.4.2. da Resolução 814 em inglês: the “fares apllicable” are the fares (including fare surcharges) for the transportation in accordance with the Member´s tariffs and shall exclude any charges for excess baggage or excess valuation of baggage as well as all taxes an other charges collected by the Agent”. Assim, a expressão “fares (including fares surcharges)” significa que estão incluídas na tarifa - “fare” - as taxas; a expressão “charges for excess baggage or excess valuation reporta-se às chamadas taxas pelo excesso de bagagem ou pelo excesso de valor de bagagem (que não são taxas propriamente ditas, mas meros encargos); a expressão “taxes” significa impostos; e, por último, a expressão “other charges” significa outros encargos.</font><br>
<font> 2-4- A recorrente, sustenta que o acórdão recorrido não se pronunciou sobre o “vício” da falta de poderes de representação por parte da A. para vir cobrar em juízo à BB comissões alegadamente em dívida às suas associadas, face à ausência de mandato de cada Agência e à ausência de deliberação que lhe permita vir a juízo para discutir e, eventualmente, cobrar créditos alheios. Considera que, ao omitir qualquer conclusão ou apreciação sobre esta matéria, o acórdão é nulo conforme resulta do art. 668.º, n.º 1, al. d), do CPC.</font><br>
<font> Como é consabido, o Tribunal não está obrigado a pronunciar-se expressamente sobre todos os argumentos aduzidos pelas partes, só integrando a nulidade prevista na alínea d) do n.º 1 do art. 668.º do CPC o não conhecimento de efectivas questões controvertidas (5).</font><br>
<font>.</font><br>
<font> Ora, o invocado “vício da falta de representação” não constitui nenhuma questão autónoma que devesse ter sido conhecida no acórdão recorrido. Antes constitui um dos argumentos jurídicos apresentados pela R. nas alegações do agravo interposto do despacho que julgou a A. parte legítima.</font><br>
<font> No acórdão recorrido, a Relação considerou que saber se a A. “</font><i><font>na realidade tem ou não o direito de accionar a demanda contra a R., se afinal lhe são ou não favoráveis as disposições legais para tanto, se é ou não reconhecida judicialmente como associação representativa para o efeito, isso já terá directamente que «ver» com a decisão de mérito, com o fundo da questão e não diz directamente respeito à legitimidade formal que ora se analisa</font></i><font>”.</font><br>
<font> Portanto, a Relação considerou que o invocado “vício” da falta de representação não era relevante para decidir se procedia (ou não) a excepção de ilegitimidade processual arguida pela R., antes se tratando de matéria atinente ao mérito da causa. A primeira instância tinha, pelo contrário, considerado que a A. era parte legítima precisamente porque tinha sido aprovada em Assembleia-Geral da mesma, realizada em 18-07-2001, a deliberação de serem intentadas, por ela, A., acções judiciais contra as companhias aéreas, para recebimento das comissões em causa, daí decorrendo os poderes de representação da A. relativamente às agências, acreditadas na IATA, suas associadas.</font><br>
<font> Não cumpre no presente recurso apreciar da bondade do entendimento da Relação a este respeito, pois trata-se de posição assumida para apreciar da arguida excepção de ilegitimidade activa, questão que está decidida com trânsito em julgado (6)</font><br>
<font>.</font><br>
<font> É certo que ao apreciar o mérito da causa a Relação não se pronunciou expressamente sobre a falta de poderes de representação da A.. Mas decorre da fundamentação do acórdão que tal argumento jurídico da R. não foi acolhido, pois considerou-se que “</font><i><font>não se comprovando o pagamento das respectivas comissões às associadas da R., é evidente que as mesmas são
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1.ª Secção (Cível)
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<b><font> </font></b><font><br>
<br>
<br>
<font>ACORDAM OS JUÍZES QUE CONSTITUEM O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:</font><br>
<br>
<br>
<font>AA e esposa, BB, residentes na Rua V… G…, nº …, …, em Aveiro, propuseram a presente acção declarativa, sob a forma de processo ordinário, contra CC – Construções, Compra e Venda de Imóveis. Lda, com sede na Rua C… S… P…, nº …, …, em Aveiro, pedindo que, na sua procedência, se declare que assiste aos autores o direito à resolução do contrato-promessa, por incumprimento definitivo da ré, se condene a mesma à restituição, em dobro, das quantias recebidas, a título de sinal e seu reforço, e no reembolso da quantia de €1.307,95, dispendida com o pagamento do IMT e despesas notariais, alegando, para tanto, e, em síntese, que celebraram com a ré um contrato-promessa de compra e venda de um imóvel, pelo preço negociado de 24.250.000$00, que se encontra, totalmente, pago, desde 30 de Setembro de 2002, sendo certo que a escritura pública designada para o dia 24 de Maio de 2004 não se realizou, porquanto a ré declarou, no momento da sua celebração, que não aceitava assiná-la pelo preço declarado pelo comprador, porque entendia que o mesmo era inferior e que jamais assinaria a escritura por preço superior a 16.500.000$00.</font><br>
<font>Na contestação, a ré invoca a ausência de incumprimento da sua parte, e que, por ter havido tradição da coisa, os autores passaram apenas a ter direito ao valor dela ou, em alternativa, a recorrer à execução específica, pelo que, não tendo optado por nenhuma dessas vias, a acção terá que improceder.</font><br>
<font>Na réplica, os autores alegam que pagaram a totalidade do preço, com excepção da importância de 750.000$00, que era o valor de um crédito que tinham sobre a ré, por comissão num outro negócio, pedindo a condenação desta, como litigante de má fé, no pagamento de uma indemnização, de valor não inferior a €7.500,00, e multa, a fixar pelo Tribunal, porquanto contestou apenas com intuído de entorpecer a acção da justiça e de criar dificuldades à concretização dos seus direitos.</font><br>
<font>A ré contestou o pedido de condenação como litigante de má fé.</font><br>
<font>Conhecendo sob a forma de saneador-sentença, julgou-se verificada a excepção da ineptidão da petição inicial, por falta de causa de pedir, e, em consequência, absolveu-se a ré da instância.</font><br>
<font>O Tribunal da Relação, na sequência do recurso interposto pelos autores, determinou o prosseguimento da acção, com a selecção dos factos relevantes, tendo considerado, na parte destinada à fundamentação jurídica, que “os factos alegados na petição inicial, designadamente, nos artigos 18º e 21º são controvertidos e prendem-se com a definição do preço acordado, e se daí resultar a versão dos autores bem pode concluir-se pela recusa definitiva de cumprimento por parte da ré…”.</font><br>
<font>A sentença julgou a acção, parcialmente, procedente por provada e, em consequência, declarou resolvido o contrato-promessa de compra e venda celebrado entre o autor e a ré, e subsequentes aditamentos em causa nos autos, por incumprimento definitivo desta, que condenou a restituir aos autores a quantia entregue, no valor de €120.958,49, acrescida de €24.939.89.</font><br>
<font>Desta sentença, os autores e a ré interpuseram recurso, tendo o Tribunal da Relação julgado improcedente a apelação dos autores e, parcialmente, procedente a apelação dos réus e, em consequência, confirmou a decisão recorrida, condenando, porém, os autores e a ré, cada qual, na multa equivalente a dez UC´s, por litigância de má fé.</font><br>
<font>Do acórdão da Relação de Coimbra, a ré interpôs recurso de revista, terminando as alegações com o pedido da sua revogação e substituição por outro que conclua que a ré se encontra apenas em mora e que não litigou de má fé, formulando as seguintes conclusões, que se transcrevem:</font><br>
<font>1ª – O Tribunal da Relação procedeu à alteração da matéria de facto entendendo que a resposta ao quesito 5o deveria ser "não provado"</font><i><font> </font></i><font>e que na resposta aos quesitos 6o e 7o</font><i><font> </font></i><font>deveria ser acrescentada a expressão "escrita",</font><i><font> </font></i><font>(por ter havido negociações verbais entre as partes tendo em vista a venda do imóvel em causa nos autos).</font><br>
<font>2ª - Tendo alterado a matéria de facto o Tribunal da Relação não poderia ter concluído ser a interpelação admonitória para cumprir um acto inútil.</font><br>
<font>3ª - E não poderia por duas razões:</font><br>
<font>1. Porque já havia sido proferido nos autos um acórdão pelo Tribunal da Relação de Coimbra que havia dito que se ficasse provada a matéria dos artigos 18° e 21° da petição inicial (artigos 5o, 6o e 7º da base instrutória) poderia ser equacionado o incumprimento definitivo. Ora, não tendo tal matéria resultado provada nos termos invocados, por respeito ao caso julgado, não poderia a decisão proferida violar o anteriormente decidido.</font><br>
<font>2. Só houve uma</font><b><font> </font></b><font>marcação de escritura e, após tal marcação, em que compareceram ambas as partes e a escritura não foi assinada por desentendimento momentâneo, continuaram negociações tendo em vista a venda do imóvel. Tal facto conjugado com a circunstância de a ré fazer, reiteradamente, desde a propositura da acção a afirmação de que fará a escritura nos termos pretendidos pelos autores leva, necessariamente, à conclusão de que a ré não entrou em incumprimento definitivo mas, apenas quando muito, em mora.</font><br>
<font>4ª - A ré foi mal condenada como litigante de má fé: a partir das declarações do autor marido constantes da acta de 14.01.2008, é possível verificar que o preço do imóvel não é coincidente com o preço a pagar e que este engloba outros valores para além do preço do imóvel.</font><br>
<font>5ª - O douto acórdão de que se recorre violou o disposto no artigo 808°, n°1 do Código Civil e, bem assim, o disposto no artigo 456° do Código de Processo Civil.</font><br>
<font>Nas suas contra-alegações, os autores concluem no sentido de que deve negar-se provimento ao presente recurso, mantendo-se a decisão proferida em primeira instância.</font><br>
<font>O Tribunal da Relação entendeu que se devem considerar demonstrados os seguintes factos, que este Supremo Tribunal de Justiça aceita, nos termos das disposições combinadas dos artigos 722º, nº 2 e 729º, nº 2, do Código de Processo Civil (CPC), mas reproduz:</font><br>
<font>1. Por documento escrito, designado como "contrato-promessa de compra e venda", celebrado em 20 de Maio de 1999, a sociedade ré prometeu vender e o autor marido prometeu adquirir, pelo valor global de 24.250.000$00, o seguinte imóvel: Fracção autónoma, tipo "T3 Duplex", 2o andar, designada pela letra "I", com a área bruta de 191,75 m2, com lugar de</font><br>
<font>garagem e arrumo, do prédio a ser construído no lote de terreno, destinado à construção urbana, sito na Estrada Nacional 235, freguesia de S. Bernardo, descrito na Conservatória do Registo Predial de Aveiro, sob o n° 01287/140898 e inscrito na matriz urbana sob os artigos 01347 e 00142.</font><br>
<font>2. Na cláusula terceira de tal contrato, consignou-se que: Como sinal e princípio de pagamento os primeiros outorgantes recebem do segundo outorgante a quantia de 3.000.000$00, que lhes dará plena quitação.</font><br>
<font>Na cláusula quarta de tal contrato, consignou-se que: "A título do reforço de sinal, os primeiros outorgantes recebem do segundo outorgante a quantia de 2.000.000$00, a serem entregues até 31 de Junho de 1999".</font><br>
<font>"A restante quantia em dívida no montante de 19.250.000$00 será paga aos primeiros outorgantes pelo segundo outorgante ou alguém por si indicado, no acto da escritura pública de compra e venda." (cláusula 5a).</font><br>
<font>Tal fracção encontra-se descrita na matriz urbana, da freguesia de São Bernardo, sob o art. 2008-1., e está descrita na Conservatória do Registo Predial de Aveiro, sob o n.°01464, de onde consta que é constituída por "Habitação no 2o andar frente e 3o andar (sótão) intercomunicáveis, com entrada pela letra B; - o 2o andar com 102,5 m2 e o 3o andar com 37,60 m2 - Tipo T-3 em duplex e ainda na cave um arrumo com 2,10m2 identificada com a respectiva letra" - B).</font><br>
<font>3. À fracção em referência corresponde o alvará de licença de utilização n.°177, emitido pela entidade administrativa competente, em 8 de Maio de 2001 - C).</font><br>
<font>4. Em 30 de Setembro de 2002, foi celebrado um aditamento ao contrato, referido em A), onde autor e ré estabelecem regras relativas à cessão da posição contratual e marcação da escritura pública do contrato prometido - D).</font><br>
<font>Como pressupostos da celebração de tal aditamento, as partes consignaram: "Estabelecem os outorgantes que o promitente-comprador adquiriu a fracção autónoma identificada na 2a Cláusula da promessa, com o objectivo de ceder a sua posição em tal contrato a terceiro.</font><br>
<font>Reconhecem também ambos os outorgantes que não tendo havido ainda a possibilidade da cessão da referida posição, devido a contingências e recessão do mercado imobiliário, se torna necessário o pagamento do preço estabelecido à promitente vendedora, considerando que a fracção a transaccionar se encontra pronta a habitar e munida da respectiva licença de habitabilidade."</font><br>
<font>Aí se declara que, nessa data, "a primeira outorgante (ora ré) recebeu do segundo (ora autor) a quantia de 67.337,72 € (sessenta e sete mil trezentos e trinta e três euros e setenta e dois cêntimos), titulados pelos cheques n°s 5838643383, do Atlântico/Aveiro, no valor de 32.421.87 €, e 9299245769, do Montepio Geral, no valor de 34.915.85 €, ambos datados de 27/09/02, relativa ao resto do preço em divida, de que dá plena quitação, pelo que se encontra integralmente cumprido o estabelecido no contrato-promessa no que se refere ao pagamento do preço" - E).</font><br>
<font>5. Quanto ao prazo, as partes estabeleceram o seguinte: "A escritura do contrato prometido será celebrada no prazo de seis meses a contar de hoje incumbindo ao segundo outorgante ou a quem este transmita a posição contratual a realização das «demarches» para a outorga daquele acto público, avisando a primeira outorgante, por qualquer meio em direito permitido, com uma antecedência de cinco dias.</font><br>
<font>Este prazo poderá ser prorrogado por igual período se nisso tiver interesse o segundo outorgante, mas, neste caso, assumirá todos os encargos e impostos relativos à fracção em causa, designadamente, contribuição autárquica e condomínio:</font><br>
<font>A partir desta data o segundo outorgante fica investido na posse e fruição da fracção autónoma, objecto do presente contrato, podendo praticar todos os actos inerentes ao de efectivo proprietário."</font><br>
<font>Em meados de Janeiro de 2004, os segundos outorgantes, ora autores, encetaram diligências com vista à outorga do contrato prometido - F).</font><br>
<font>6. O autor avisou a ré da intenção de celebrar a escritura de compra e venda, pelo que, em 14 de Janeiro de 2004, os autores procederam ao pagamento do Imposto Municipal sobre as Transacções Onerosas de Imóveis, tendo indicado o preço de compra de €120959,00 e pago de imposto o montante de €1.147,95 - G).</font><br>
<font>7. Reunidos os elementos necessários à celebração da escritura, concretamente a Certidão Judicial, a Certidão Registral, o comprovativo do pagamento do IMT e a Licença de Utilização, os autores procederam à marcação da referida escritura de compra e venda, para o dia 24 de Maio de 2004, no 1o Cartório Notarial da cidade de Aveiro - H).</font><br>
<font>8. Deste facto tendo dado conhecimento à ré, através de comunicação do advogado signatário da petição inicial - I).</font><br>
<font>9. Nesse dia, 24 de Maio de 2004, compareceram, perante o Notário Público, os autores e o representante legal da ré, L… C… F…, com poderes para o acto - J).</font><br>
<font>10. Porém, quando o Notário procedia à leitura da respectiva escritura, na parte em que, expressamente, se referia o preço, o gerente da ré interrompeu o acto para declarar que não aceitava assinar pelo preço declarado pelo comprador e constante da liquidação do IMT, invocando que o valor era inferior àquele - L).</font><br>
<font>11. Nestas circunstâncias, os autores tiveram de pagar pelo acto não concretizado a quantia de € 140,00 - M).</font><br>
<font>12. Tendo solicitado a certificação dos factos ocorridos, no 1o Cartório Notarial de Aveiro, naquele dia, com o que os autores despenderam a quantia de €20,00 - N).</font><br>
<font>13. Os autores enviaram à ré as cartas juntas, a folhas 252 e 254, não obtendo resposta escrita - 6o e 7o.</font><br>
<font>Na carta de folhas 252, enviada pelo ora mandatário dos autores à gerência da ré, datada de 3 de Junho de 2004, refere-se, entre o mais, que "tendo em consideração o facto de, no dia 24/05/04, haverem recusado subscrever a escritura pública, recebi instruções dos meus constituintes para propor acção judicial, em conformidade com o disposto no art° 830° do Código Civil, aliás faculdade prevista no contrato promessa celebrado.</font><br>
<font>Apesar dessa instrução e porque a decisão judicial no sentido da execução especifica não oferece dúvidas quanto ao seu desfecho, venho, por este meio, solicitar de V. Exas uma confirmação sobre a v/ posição.</font><br>
<font>Para o efeito, fico a aguardar, pelo prazo de 10 dias, o que entendam dever comunicar-me".</font><br>
<font>Na outra missiva, igualmente, enviada pelo ora mandatário dos autores à gerência da ré, datada de 24 de Junho de 2004, refere-se, entre o mais, que: "na ausência de qualquer resposta ao meu fax de 03/06/04 e porque essa gerência não se dispõe a subscrever a escritura pública do contrato prometido, acabo de receber instruções definitivas para a propositura da acção, com vista à execução específica da prestação.</font><br>
<font>Assim e com vista a conceder uma última oportunidade, aguardo por cinco dias o que entendam dever comunicar-me. Findo esse prazo apresentarei a juízo a respectiva acção, por próximo dia 01 de Julho de 2004".</font><br>
<font>14. A ré entregou aos autores as chaves da fracção, em 30 de Setembro de 2002 - 8o.</font><br>
<font>15. No dia da escritura, os autores pretenderam fazer constar da escritura o preço de 24.250.000$00 - 12°.</font><br>
<font>16. Por acórdão da Relação de Coimbra, proferido neste processo, a 28 de Novembro de 2006, transitado em julgado, foi revogada a decisão proferida no saneador/sentença, que tinha julgado inepta a petição inicial, por falta de causa de pedir, com fundamento em que havia falta de alegação de qualquer factualidade que fundasse o incumprimento contratual, por parte da ré, e ordenado o prosseguimento dos autos, para a selecção dos factos relevantes e decisão sobre a admissibilidade da reconvenção.</font><br>
<font>17. Tal decisão assentou no entendimento de que os factos alegados na petição, em 18° e 21°, são suficientes para fundamentar a pretensão dos autores de que a ré teve uma recusa inequívoca em cumprir o contrato. Dos fundamentos do acórdão, consta que "estes factos são controvertidos e prendem-se com a definição do preço acordado. Se daí resultar a versão dos autores, bem pode concluir-se pela recusa definitiva de cumprimento por parte da Ré, ou incumprimento definitivo, no entendimento de alguma jurisprudência".</font><br>
<font>18. Em conformidade com o negociado, o preço da aludida fracção foi de 24250000$00, por conta do qual se encontram, integralmente, pagos, pelos autores, 23500000$00, desde 30 de Setembro de 2002.</font><br>
<br>
<font> </font><br>
<font>Tudo visto e analisado, ponderadas as provas existentes, atento o Direito aplicável, cumpre, finalmente, decidir.</font><br>
<font>As questões a decidir, na presente revista, em função das quais se fixa o objecto do recurso, considerando que o «thema decidendum» do mesmo é estabelecido pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, com base no preceituado pelas disposições conjugadas dos artigos 660º, nº 2, 661º, 664º, 684º, nº 3, 690º e 726º, todos do CPC, são as seguintes:</font><br>
<font>I – A questão do caso julgado.</font><br>
<font> II – A questão da litigância de má fé. </font><br>
<br>
<font> I. DO CASO JULGADO</font><br>
<br>
<font>Entende a ré que tendo o Tribunal da Relação alterado a matéria de facto fixada, não poderia ter concluído que a interpelação admonitória para cumprir era um acto inútil, por já se ter formado caso julgado com o, anteriormente, decidido, segundo o qual só poderia ser equacionado o incumprimento definitivo se ficasse provada a matéria dos artigos 5o, 6o e 7º</font><i><font> </font></i><font>da base instrutória, o que não aconteceu.</font><br>
<font>Efectivamente, perguntando-se, nos pontos 5º, 6º e 7º da base instrutória, respectivamente “Mas dizendo [o gerente da ré] que jamais assinaria a escritura de compra e venda por valor superior a 16500 contos?” [5º], “Os autores, durante o mês de Junho de 2004, ainda tentaram demover o gerente da ré no sentido da outorga da escritura, o que fizeram por intermédio do seu advogado, que lhe enviou fax em 3 e 24 de Junho?” [6º] e “Mas nem sequer obtiveram qualquer resposta?” [7º], o Tribunal de 1ª instância respondeu ao ponto nº 5 “provado apenas o que consta da alínea L)”, enquanto que o Tribunal da Relação, em sede de reapreciação da matéria de facto, respondeu “não provado”, e aos pontos 6º e 7º, a 1ª instância respondeu “provado apenas que os autores enviaram à ré as cartas juntas a fls. 252 e 254, não obtendo resposta”, tendo a Relação acrescentado o qualificativo de “escrita”, quanto a esta última resposta conjunta.</font><br>
<font>Assim sendo, ficou demonstrado, tão-só, que “quando o Notário procedia à leitura da respectiva escritura, na parte que expressamente se referia o preço, o gerente da ré interrompeu o acto para declarar que não aceitava assinar pelo preço declarado pelo comprador e constante da liquidação do IMT, invocando que o valor era inferior àquele”, mas já não que aquele tenha dito “que jamais assinaria a escritura de compra e venda por valor superior a 16500 contos” e ainda que “os autores enviaram à ré as cartas juntas a fls. 252 e 254, não obtendo resposta escrita”.</font><br>
<font>Contudo, embora se não haja provado que o gerente da ré tenha afirmado “que jamais assinaria a escritura de compra e venda por valor superior a 16500 contos”, o que é facto é que se demonstrou que “quando o Notário procedia à leitura da respectiva escritura, o gerente da ré interrompeu o acto para declarar que não aceitava assinar pelo preço declarado pelo comprador e constante da liquidação do IMT”, o que não deixa de significar uma recusa terminante e peremptória da celebração da escritura publica, assente num fundamento objectivo, que se traduziu na discordância quanto ao valor do preço expresso na mesma, independentemente do cenário temporal durante o qual se prolongaria essa sua negação em realizar a competente escritura.</font><br>
<font>Porém, esta declaração do gerente da ré teve a virtualidade de não permitir a conclusão da escritura, originando custos notariais para os autores, independentemente da «profissão de fé» daquele quanto à sua futura realização.</font><br>
<font>Por seu turno, tendo-se provado que os autores não obtiveram resposta escrita da ré quanto às cartas que lhe enviaram, na sequência da recusa da celebração da escritura pública, tal não significa, naturalmente, que se tenha demonstrado a existência de qualquer outro tipo de resposta.</font><br>
<font>Porém, um outro eventual tipo de resposta que a ré tivesse dado aos autores, aliás, não demonstrada, traduzir-se-ia numa circunstância, marginal e despicienda, porquanto o que releva, tendo-se provado que os autores, através do seu Advogado, enviaram à ré as cartas juntas, a folhas 252 e 254, em que aquele refere ter recebido instruções dos seus constituintes para propor acção judicial no sentido da execução especifica e que ficava a aguardar uma resposta, no decurso de um prazo final inultrapassável, antes da propositura da acção, é que os autores se quiseram certificar, de modo inequívoco, sobre a efectiva indisponibilidade da ré para celebrar a escritura.</font><br>
<font>Não colhe, assim, a tese sustentada pela ré da existência de um mero desentendimento momentâneo entre as partes com a subsequente continuação de negociações, tendo em vista a venda do imóvel, nem, muito menos, que, reiteradamente, desde a propositura da acção, a ré tenha vindo a afirmar que celebraria a escritura, nos termos pretendidos pelos autores, de modo a alicerçar a conclusão de que não incorreu em incumprimento definitivo mas, apenas, quando muito, em mora.</font><br>
<font>Efectivamente, trata-se de factualidade que a ré não demonstrou, como lhe competia, nos termos do disposto pelo artigo 342º, nº 2, do Código Civil (CC), e, nem sequer, aliás, alegou, no lugar próprio destinado para o efeito, e que era a contestação, mas, apenas, em sede de alegações de recurso.</font><br>
<font>Apesar de a Relação, na sequência de recurso de agravo interposto pelos autores, ter determinado o prosseguimento da acção, com a selecção dos factos relevantes, e considerado, na parte destinada à fundamentação jurídica, que “os factos alegados na petição inicial, designadamente, nos artigos 18º e 21º são controvertidos e prendem-se com a definição do preço acordado, e se daí resultar a versão dos autores bem pode concluir-se pela recusa definitiva de cumprimento por parte da ré…”, tal não significa que, a não se demonstrar a alegação dos autores, o que só veio a acontecer quanto ao artigo 18º da petição inicial, a que correspondeu o ponto nº 5 da base instrutória, não fosse possível concluir, em sede de apreciação do mérito da causa, pela verificação do incumprimento definitivo da obrigação de celebrar o contrato prometido, por parte da ré.</font><br>
<font>Efectivamente, o caso julgado só se forma, em princípio, sobre a decisão contida na sentença ou no acórdão, e não sobre a respectiva motivação, sobre as razões que determinaram o juiz, as soluções por ele dadas aos vários problemas que teve de resolver para chegar aquela conclusão final.</font><br>
<font>E, assim, só não será, quando se tenha de recorrer à parte motivatória da sentença para reconstituir e fixar o seu verdadeiro conteúdo (1), quando a fundamentação daquela constitui um pressuposto lógico e necessário da decisão (2).</font><br>
<font>Ora, a consideração a que no recurso de agravo se procedeu, ao decidir no sentido do prosseguimento da acção, com a selecção dos factos relevantes, de que, caso se viesse a demonstrar uma determinada alegação dos autores, tal poderia conduzir à conclusão da recusa definitiva de cumprimento, por parte da ré, não constitui um pressuposto lógico e necessário daquela decisão que obrigasse o julgador do conhecimento do mérito a ficar condicionado na sua actividade de subsunção da matéria de facto à norma jurídica, quer quanto à estatuição, quer quanto às consequências dessa subsunção.</font><br>
<font>Assim sendo, não ocorre a excepção do caso julgado invocada pela ré.</font><br>
<br>
<font> </font><br>
<font>Retornando á matéria de facto que ficou consagrada, importa reter, no essencial, que a ré prometeu vender ao autor e este, por seu turno, prometeu adquirir aquela, pelo valor global de 24.250.000$00, uma fracção autónoma, tendo recebido, como sinal e princípio de pagamento e respectivo reforço, a quantia 5.000.000$00, devendo a restante importância em dívida, no montante de 19.250.000$00, ser paga à ré, no acto da escritura pública de compra e venda, não obstante esta ter recebido, posteriormente, do autor a quantia de 67.337,72€, relativa ao resto do preço em divida, ficando, então, acordado que a celebração da escritura do contrato prometido seria realizada, no prazo de seis meses, sendo o autor, desde logo, investido na posse e fruição da fracção autónoma, cujas chaves recebeu.</font><br>
<font>No dia designado para a realização da escritura, quando o Notário procedia à sua leitura, o gerente da ré afirmou que não aceitava assinar pelo preço declarado pelo comprador e constante da liquidação do IMT, invocando que o valor era inferior aquele que os autores pretendiam fazer constar, ou seja, 24.250.000$00, tal como tinham indicado quando procederam ao pagamento do Imposto Municipal sobre as Transacções Onerosas de Imóveis.</font><br>
<font>O negócio jurídico celebrado pelas partes consiste num contrato-promessa de compra e venda de uma fracção autónoma, com sinal passado, e tradição da coisa, contemplado pelo artigo 410º, do CC, de que resulta, como prestação devida, a emissão de uma declaração negocial destinada a celebrar o contrato prometido (3), que se consubstancia na outorga de uma escritura pública, que é uma formalidade «ad substantiam», como tal essencial à respectiva validade, atento o preceituado pelos artigos 875º, do CC, e 89º, a), do Código do Notariado.</font><br>
<font>O lesado com a não celebração do contrato prometido dispõe de duas vias no sentido de ver ultrapassada a situação de impasse verificada, consistindo uma na execução específica do contrato-promessa, que pressupõe a simples mora, e a outra na resolução deste mesmo contrato, que pressupõe o seu não cumprimento definitivo.</font><br>
<font>O não cumprimento da obrigação vem a ser a situação objectiva que consiste na falta de realização da prestação debitória, com a consequente insatisfação do interesse do credor, independentemente da causa de onde a omissão procede (4).</font><br>
<font>E as modalidades de não cumprimento das obrigações, quanto ao efeito ou resultado produzido, consistem na falta de cumprimento ou incumprimento definitivo, na mora e no cumprimento defeituoso ou imperfeito.</font><br>
<font>Ora, o devedor falta, culposamente, ao cumprimento da prestação debitória, não só quando a mesma se torna inviável, como, também, quando a sua realização se demonstra incontrolável, por vontade daquele, como acontece quando comunica ao credor, de forma categórica e inequívoca, a intenção de a não cumprir, revelando com a sua conduta uma intenção firme e definitiva no sentido de recusar o cumprimento da obrigação, contratualmente, assumida, através de uma manifestação de vontade que resulta de declaração expressa, ou de actos concludentes, numa situação factual que integra o não cumprimento definitivo (5).</font><br>
<font>Efectivamente, tendo a ré, no decurso da leitura da escritura pública relativa ao contrato prometido, em que toda a documentação necessária para o efeito se mostrava completa, afirmado que não aceitava assinar o documento pelo preço declarado pelo comprador e constante da liquidação do IMT, invocando, contrariamente à verdade dos factos, por si bem conhecida, que esse valor era inferior aquele que os autores pretendiam fazer constar da mesma, incorre na situação de incumprimento culposo (6).</font><br>
<font>Neste caso, torna-se desnecessário, sendo, portanto, inútil a fixação de um prazo suplementar razoável para cumprimento do contrato prometido, em sede de interpelação admonitória, quando é certo que o comportamento do devedor exprime, em termos categóricos, a vontade de não cumprir, a sua recusa antecipada ao cumprimento, dele se podendo inferir, desde logo, o incumprimento definitivo do contrato (7).</font><br>
<font>Deste modo, não tendo a ré, na qualidade de promitente vendedora, feito prova de qualquer facto que afaste a presunção de culpa que para si resulta do disposto no artigo 799º, nº 1, do CC, há que concluir que a prestação debitória não foi cumprida, por causa que lhe é imputável.</font><br>
<font>Estipula o artigo 442º, nº 2, do CC, que “se quem constitui o sinal deixar de cumprir a obrigação por causa que lhe seja imputável, tem o outro contraente a faculdade de fazer sua a coisa entregue; se o não cumprimento do contrato for devido a este último, tem aquele a faculdade de exigir o dobro do que prestou, ou, se houve tradição da coisa a que se refere o contrato prometido, o seu valor, ou o direito a transmitir ou a constituir sobre ela, determinado objectivamente, à data do não cumprimento da promessa, com dedução do preço convencionado, devendo ainda ser-lhe restituído o sinal e a parte do preço que tenha pago”.</font><br>
<font>Assim sendo, a conduta assumida pela ré determinou o incumprimento do contrato prometido, por causa que lhe é imputável, conferindo aos autores, promitentes compradores, o direito à resolução do contrato-promessa, com a consequente obrigação de aquela restituir o sinal em dobro. </font><br>
<font>Nestes termos, confirmando-se o acórdão do Tribunal da Relação, neste particular, condenam-se, igualmente, os autores a restituir à ré a fracção autónoma prometida vender, conferindo-se, porém, aqueles o direito de retenção da mesma, cedida em tradição ao promitente comprador, pelo crédito resultante do incumprimento culposo do promitente vendedor.</font><br>
<br>
<font> II. DA LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ</font><br>
<br>
<font> Defende ainda a ré que foi mal condenada como litigante de má fé, porquanto é possível verificar, a partir das declarações do autor marido, constantes da acta de 14 de Janeiro de 2008, que o preço do imóvel não é coincidente com o preço a pagar e que este engloba outros valores, para além do preço do imóvel.</font><br>
<font>Diz-se litigante de má fé, segundo o disposto pelo artigo 456º, nº 2, do CPC, quem, com dolo ou negligência grave, tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar [a)], tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa [b)], tiver praticado omissão grave do dever de cooperação [c)] ou tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso, manifestamente, reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão [d)].</font><br>
<font>A má fé traduz-se, em última análise, na violação do dever de cooperação que os artigos 266º, nº 1, 266º-A e 456º, nº 2, c), todos do CPC, impõem às partes, ou seja, prende-se com a infracção de normas de natureza processual que, em regra, como, aliás, acontece, no caso em apreço, não contendem com o mérito da causa.</font><br>
<font>Estipula, também, o artigo 456º, nº 3, do CPC, que “independentemente do valor da causa e da sucumbência, é sempre admitido recurso, em um grau, da decisão que condene por litigância de má fé”.</font><br>
<font>O acórdão recorrido foi proferido sobre decisão da 1ª instância que determinara a absolvição da ré do pedido de condenação como litigante de má-fé, tendo o Tribunal da Relação, em sede de recurso de apelação, condenado a ré, em multa equivalente a 10 UC’s, como litigante de má fé.</font><br>
<font>Facultando o normativo legal do já citado artigo 456º, nº 3, do CPC, sempre o recurso, em um grau de jurisdição, da decisão que condene como litigante de má fé, independentemente do valor da causa e da sucumbência, assegurando, nesta sede, o integral respeito pela existência de um segundo grau de jurisdição (8), esse preceito legal não é aplicável, nos casos de absolvição do pedido, restringindo-o às hipóteses de condenação, como interessa ao caso decidendo, por ser, precisamente, para estas últimas que a razão de ser da norma mais justificou o alargamento dos graus de jurisdição.</font><br>
<font>Desenvolvendo o raciocínio subjacente à aludida condenação em litigância de má fé, o acórdão recorrido considerou que a ré “afirmou que o apartamento foi prometido vender por 18500,00€ e que apenas por força de outros negócios ficou a constar diverso valor no contrato, tendo sido o próprio gerente daquela quem desmentiu esta versão, em julgamento, pelo que dúvidas não restam de que alegou factos que sabia serem falsos”, entendendo, assim, que a conduta processual que a ré assumiu na lide se encontra incursa no comando da alínea b), do nº 2, do artigo 456º, do CPC.</font><br>
<font>Por isso, tudo está em saber se a ré, no articulado da contestação-reconvenção, alterou, com dolo ou negligência grave, a verdade dos factos, ou seja, se litigou com má-fé.</font><br>
<font>A este propósito, importa reter que todos os pontos da base instrutória que retratam a versão da ré, ou seja, os pontos nºs 9º, 11º, 13º e 14º, correspondent
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yjKmu4YBgYBz1XKvqCcC
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1.ª Secção (Cível)
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<b><font> </font></b><font>
<p><font> </font><b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font></b>
</p><p><b><font> </font></b>
</p><p><b><font>AA</font></b><font> e mulher </font><b><font>BB</font></b><font> intentaram a presente acção ordinária contra a ré CC-“</font><b><font>C... G... de D</font></b><font>..., </font><b><font>S.A.”,</font></b><font> alegando, em síntese, que:</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Por contrato celebrado em 23/9/1993, os AA tomaram de arrendamento uma fracção autónoma, com a letra “L”, com destino à sua habitação, sendo que as respectivas rendas têm sido, desde Maio de 1997, depositadas à ordem do Tribunal, por ordem judicial.</font>
</p><p><font>Em 9/5/2007, os AA tomaram conhecimento de que a referida fracção “L”foi adquirida pela CC-CGD, em 14/4/1999, em processo de venda judicial. </font>
</p><p><font>Gozam os AA. do direito de preferência, que, por via desta acção, vêm exercer.</font>
</p><p><font>Concluem, pedindo:</font>
</p><p><font>- Seja reconhecido aos AA o direito de preferência que invocam;</font>
</p><p><font>- Seja cancelada a inscrição de aquisição a favor da ré;</font>
</p><p><font>- Seja a ré condenada a restituir-lhes todas as rendas depositadas a partir de 14/4/1999, no montante de, pelo menos, EUR 3.000,00.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>A acção foi contestada.</font>
</p><p><font>A ré defende-se por impugnação e por excepção.</font>
</p><p><font>Além do mais, invoca a caducidade da acção, alegando que os autores tiveram conhecimento dos elementos essenciais do negócio em 14/4/99, data da venda, legalmente publicitada, ou, pelo menos, em 2 de Novembro de 2006.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> Houve réplica.</font>
</p><p><font> *</font>
</p><p><font>No despacho saneador, julgou-se improcedente a excepção de ilegitimidade passiva e relegou-se o conhecimento das demais excepções para a sentença final.</font>
</p><p><font> *</font>
</p><p><font>Mostra-se comprovado o registo da acção (cf. certidão de registo predial de fls. 111).</font>
</p><p><font> *</font>
</p><p><font>Realizado o julgamento, foi proferida </font><b><font>sentença</font></b><font> que julgou a acção improcedente e absolveu a ré dos pedidos.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> *</font>
</p><p><font>Apelaram os autores e a </font><b><font>Relação de Lisboa</font></b><font>, através do seu Acórdão de 12-4-2011, concedendo parcial provimento ao recurso, </font><b><font>decidiu</font></b><font> (sic): </font>
</p><p><font>- “reconhecer ao autor o direito de preferência invocado e, consequentemente, a sua qualidade de titular do direito de propriedade sobre a fracção autónoma designada pela letra “...”, correspondente ao primeiro andar, porta “...”, do prédio sito na C... das L..., lote ..., inscrito na matriz urbana da freguesia de S. J..., sob o art. .... e descrito na ...ª Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o nº 00.../0... – ..., da freguesia do Beato;</font>
</p><p><font>- ordenar o cancelamento das inscrições prediais a favor da ré, determinando-se a inscrição a favor do autor;</font>
</p><p><font>- absolver a ré do pedido formulado pela autora “.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> *</font>
</p><p><font> Agora, é a ré CC-C... G... de D..., S.A., que pede </font><b><font>revista</font></b><font>, onde resumidamente </font><b><font>conclui</font></b><font>:</font>
</p><p><font> 1 – Constitui matéria assente que o recorrido foi notificado no âmbito do processo executivo, através do qual a recorrente adquiriu a propriedade sobre a fracção dos autos, para o exercício do direito de preferência. </font>
</p><p><font> 2 – A cota lavrada na execução constitui documento autêntico, por ter sido lavrada por funcionário judicial no exercício das suas competências – art. 363, nº2, do C.P.C. </font>
</p><p><font> 3 – Os documentos autênticos fazem prova plena dos factos que referem como praticados – art. 371, nº1, do C.C.</font>
</p><p><font> 4 – A presunção de autenticidade pode ser ilidida mediante prova em contrário - art. 370, nº2, do C.C.,</font>
</p><p><font> 5 – No caso dos autos, tal elisão não ocorreu, tendo o recorrido apenas afirmado que não recebeu a notificação ali referida.</font>
</p><p><font> 6 – Quem tem a seu favor uma presunção legal, não carece de provar o facto que a ela conduz – art. 350, nº1 do C.C.</font>
</p><p><font> 7 – Ora, existindo nos autos documento autêntico que comprova que a notificação foi efectivamente feita, do qual emerge uma presunção legal a favor da recorrente, não carece esta de fazer qualquer prova em contrário, antes cabendo ao recorrido ilidir a presunção, demonstrando que o documento autêntico não tem qualquer valor.</font>
</p><p><font> 8 – O recorrido limitou-se a afirmar que não recebeu a notificação, não tendo impugnado o valor da cota lavrada nos autos de execução, designadamente impugnando a autenticidade da mesma.</font>
</p><p><font> 9 – Donde decorre, sem margem para dúvidas, que a notificação foi efectivamente feita, tanto mais que os seus outros destinatários compareceram no acto da venda. </font>
</p><p><font> 10 – Não é pelo facto de não terem ficado nos autos de execução cópias das notificações feitas aos preferentes que se poderá concluir, como parece decorrer do Acórdão recorrido, que a mesma notificação não revestiu todas as formalidades legais.</font>
</p><p><font> 11 – O Acórdão impugnado fez uma incorrecta interpretação e aplicação do direito aos factos, designadamente do disposto nos arts 363, nº2, 371, nº1 370, nº2 e 350, nº1, todos do C.C., pelo que deve ser revogado e substituído por outro que reconheça a inexistência do direito de preferência na esfera jurídica do recorrido, declarando improcedente a acção e absolvendo a recorrente do pedido. </font>
</p><p><font> *</font>
</p><p><font> O recorrido contra-alegou em defesa do julgado. </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> *</font>
</p><p><font>Corridos os vistos, </font><b><font>cumpre decidir.</font></b>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> *</font>
</p><p><font> A Relação considerou </font><b><font>provados</font></b><font> os factos seguintes:</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>1. Em 23.09.1993, o A. celebrou com a DD-“Sociedade de Construções D... M..., Lda.”, o contrato de arrendamento junto a fls. 13 e 14, relativo à fracção autónoma designada pela letra “L”, correspondente ao ...º andar, porta ..., do prédio sito na C... das L..., lote ..., inscrito na matriz urbana da freguesia de São J... sob o art. ... e descrito na ...ª Conservatória do Registo Predial de Lisboa no nº 00.../0... – “...”, da freguesia do B..., pelo prazo de cinco anos, com início em 01.11.1993 e termo em 31. 10.1998, considerando-se prorrogado por sucessivos e iguais períodos se não for denunciado, pela renda mensal de Esc.: 100.000$00, actualizada de acordo com os coeficientes legais, a que acrescerá a prestação de condomínio, no valor de Esc.: 10.000$00 (ponto n.º 1 do elenco dos factos assentes);</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>2. No acordo referido em 1. lia-se “(…) O destino do arrendamento é exclusivamente o de habitação (…)” (teor do escrito de fls. 13 e 14);</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>3. Por termo datado de 26.02.1997, de que existe cópia a fls. 147,foi penhorada entre outras, a fracção “...” do prédio identificado em 1., no âmbito do Proc. de execução ordinária (hipotecária) n.º .../1996, da 2ª Vara Cível de Lisboa, 3ª Secção, que a CC-C... G... de D..., S.A. move contra à DD-“Sociedade de Construções D... M..., Lda.” (ponto n.º 2 do elenco dos factos assentes);</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>4. EE-“R... – Estabelecimento de Leilões, Lda.”, enviou ao 1º A. a carta datada de 05.05.1997, junta a fls. 33, com o seguinte teor:</font>
</p><p><font>“Exmº. Senhor, Tendo sido nomeado o senhor FF, sócio-gerente desta empresa, depositário do andar que V. Exª. habita, conforme fotocópia do termo de penhora, de que se junta fotocópia, vimos informar V. Exª. de que deverá depositar, na CC-C... G... de D..., a partir desta data, o montante da renda à ordem do Meritíssimo Juiz de Direito da 3ª Secção, do 2° Juízo cível de Lisboa, Proc. nº .../96, enviando-nos, de seguida, fotocópia da guia de depósito. (…)” (ponto n.º 3 do elenco dos factos assentes);</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>5. Os AA. depositaram as rendas a partir de Maio de 1997 (ponto n.º 8 do elenco dos factos assentes);</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>6. A fls. 216, do Proc. .../1996, da 2ª Vara Cível de Lisboa, 3ª Secção, de que existe certidão a fls. 146 a 174, consta o seguinte </font><b><font>despacho</font></b><font>:</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>“</font><b><font>Para venda por proposta em carta fechada</font></b><font>, com os valores indicado pela exequente (fls. 214/5), designa-se o próximo dia 14 de Abril, pelas 10,00 horas. Notifique.” (ponto n.º 4 do elenco dos factos assentes);</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>7. Após o despacho atrás referido, ficou lavrada, no citado processo, a seguinte </font><b><font>cota</font></b><font>:</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>“NOT. 23.02.99, Mandt. Exequente e Executado, dos Reclamantes (GG, HH e II) e ainda dos arrendatários referidos a fls. 58 (AA, JJ, LL e MM), de todo o conteúdo do despacho supra com cópia deste e de fls. 215 e ainda ao Mandtº Exeqte. Para proceder à publicação do anúncio cuja minuta enviei. Not. Ainda o depositário judicial do despacho supra e para os efeitos do art. 891º do C. P. Civil. ENT. </font>
</p><p><font>Nesta data, editais e cópias ao Sr. Pina, funcionário nesta secretaria.” (ponto n.º 5 do elenco dos factos assentes);</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>8. A venda da fracção “L” foi publicitada por dois anúncios publicados no “Diário de Notícias” de 10.03.1999 e 11.03.1999, de que exista cópia a fls. 158 (ponto n.º 6 do elenco dos factos assentes);</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>9. Em 14.04.1999, procedeu-se à abertura das propostas, conforme auto de fls. 159, nos termos do qual, a fracção “L” foi </font><b><font>adjudicada</font></b><font> à CC-C... G... de D... pelo valor de Esc.: 13.600.000$00 (ponto n.º 7 do elenco dos factos assentes);</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>10. Em reunião ocorrida nas instalações da R. em 02.11.2006, a R. informou o A. que o preço de venda era de € 163.000,00, tendo o A ficado de pensar e de apresentar uma contra-proposta (resposta ao quesito 5º);</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>11. O Autor encontrou uma proposta de venda de uma outra fracção do mesmo prédio (resposta ao quesito 8º);</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>12. A R. enviou ao 1º A. a carta datada de 05.02.2007, junta a fls. 35 e 36, com o seguinte teor:</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>“Exmº. Senhor,</font>
</p><p><font>Na sequência da reunião ocorrida em 02.11.2006, neste serviço, ficou V. Exª de apresentar uma proposta tendo em vista a aquisição da fracção autónoma designada pela letra “F”, correspondente ao 1º andar, letra F, do prédio constituído em propriedade horizontal, sito na C...das L..., lote..., em Lisboa, propriedade da CC-C... G... de D..., S.A., e que ocupa abusivamente.</font>
</p><p><font> Uma vez que até à presente não recepcionamos qualquer comunicação da v/ parte, solicita-se a V. Exª. que, num prazo máximo de 15 (quinze) dias, a contar da data da recepção da presente carta, proceda à sua desocupação e à consequente entrega das respectivas chaves neste Núcleo.</font>
</p><p><font>Aproveita-se para informar V. Exª. de que o não cumprimento do prazo acima estabelecido implicará o desencadear por parte da C-CC... de diligências por via judicial com vista à tomada efectiva de posse da fracção em causa e, consequentemente, ressarcimento dos danos emergentes e lucros cessantes causados desde 14.04.1999 (data da compra por parte da CC-C...) até ao dia em</font>
</p><p><font>que se concretizar a efectiva e total desocupação do bem.” (ponto n.º 9 do elenco dos factos assentes);</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>13. O mandatário dos AA. enviou à R. a carta registada datada de14.02.2007, de que existe cópia a fls. 37 e 38, com o seguinte teor: </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>“Exmos. Senhores,</font>
</p><p><font>Dirijo-me a V. Exa. na qualidade de mandatário do Sr. AA, a quem Vs. Exas. dirigiram a carta em referência. Estranho muito o teor da mesma missiva, uma vez que, conforme vos foi comunicado na reunião de 02/11/2006, o m/ cliente reside na fracção na qualidade de arrendatário desde 1993.</font>
</p><p><font>Referem agora, e pela primeira vez, que essa instituição é dona e legítima proprietária da fracção, por a terem adquirido em 14/04/1999, facto que é completamente novo para o m/ constituinte.</font>
</p><p><font>Aliás, até agora, sempre esteve o m/ cliente convencido de que a indefinição se devia ao processo de falência da DD-Sociedade de C... D... M..., Lda., seu senhorio.</font>
</p><p><font>Assim, com vista ao eventual exercício do direito de preferência do meu constituinte, solicito que me informem quais as condições do negócio de aquisição, com cópia do título de transmissão da propriedade.</font>
</p><p><font>Informo ainda que à data da v/ aquisição os m/ constituintes estavam a depositar as rendas na conta nº ..., do v/ balcão da M... S..., conforme ordem do 2º Juízo Cível de Lisboa, 3ª Secção, Proc. .../96, conforme poderão confirmar. (…)” (ponto n.º 11 do elenco dos factos assentes);</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>14. A R. enviou ao 1º A. a carta registada datada de 27.02.2007, junta a fls. 40, com o seguinte teor:</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>“Exmº. Sr. Dr.,</font>
</p><p><font>Acusamos a recepção da carta enviada por Vexas., datada de 14 de Fevereiro de 2007, que mereceu a nossa melhor atenção.</font>
</p><p><font>Na sequência da mesma, cumpre-nos informar V. Exas. que, tal como referimos na nossa missiva de 05/02/2007, esta foi endereçada na sequência de uma reunião tida em 02/11/2007, na qual o seu constituinte manifestou interesse na aquisição do imóvel em causa. Quanto ao mais, solicitamos a V. Exas. que nos seja remetida cópia do contrato de arrendamento, bem como do primeiro e último recibo da renda paga. (…)”(ponto n.º 12 do elenco dos factos assentes);</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>15. O mandatário dos AA. enviou à R. o fax datado de 06.03.2007, de que existe cópia a fls. 42, com o seguinte teor:</font>
</p><p><font>“Exma. Colega:</font>
</p><p><font>Acuso a recepção da v/ carta de 27/02/2007, que agradeço,</font>
</p><p><font>Em resposta ao solicitado, junto remeto cópia do contrato de arrendamento, do talão de depósito do mês da transmissão de propriedade, que interessa ao caso, bem como da carta que ordenou o depósito na v/ instituição bancária.</font>
</p><p><font> Solicito-lhe assim o envio, com urgência, do título de transmissão de propriedade. (…)”(ponto n.º 12 do elenco dos factos assentes);</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>16. A R. enviou ao mandatário dos AA., a carta datada de 27.06.2007, junta a fls. 44, com o seguinte teor:</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> “Temos presente a vossa carta que nos causou a maior perplexidade, uma vez que está perfeitamente documentado que o cliente de V. Exª. teve cabal conhecimento do processo de execução no âmbito do qual esta instituição adquiriu a fracção ocupada.</font>
</p><p><font> De resto, foi na sequência de uma notificação que teve lugar no âmbito da mesma execução, datada de 05.05.1997, que o Sr.. AA passou a depositar rendas na CC-C... G... de D... à ordem do Meritíssimo Juiz do processo.</font>
</p><p><font>Aliás, na reunião que teve lugar nesta instituição em 02.11.2006, o</font>
</p><p><font>cliente de V. Exª., não só não manifestou qualquer surpresa pelo facto de a CC-C... G... de D... ser a proprietária da fracção, como se revelou um perfeito conhecedor das circunstâncias e termos em que a aquisição teve lugar.</font>
</p><p><font>Assim, não aceitando e não reconhecendo, embora, os pressupostos em que assenta a solicitação de V. Exª., juntamos cópia do título de aquisição da fracção em causa. </font>
</p><p><font>Finalmente, a CC-C... G... de D... insiste na imediata desocupação da fracção por parte do cliente de V. Exª, uma vez que o mesmo não tem qualquer título oponível a esta instituição. (…)” (ponto n.º 13 do elenco dos factos assentes);</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>17. A petição inicial da presente acção entrou em juízo em 24 de Julho de 2007 (teor de fls. 2 do presentes autos);</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>18. Em 31.07.2007, os AA. efectuaram um depósito autónomo de EUR 67.836,51 (ponto n.º 14 do elenco dos factos assentes).</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> *</font>
</p><p><font> A </font><b><font>questão a decidir</font></b><font> consiste unicamente em saber se, face à referida “</font><b><font>cota</font></b><font>”, lavrada a fls 216, do aludido Proc. .../1996, da 3ª Secção, da 2ª Vara Cível de Lisboa, constante da certidão de fls 119 e segs destes autos, o autor se deve considerar devidamente notificado do dia e hora judicialmente marcado para abertura das propostas em carta fechada, a fim de poder exercer o seu direito de preferência no acto da venda da mencionada fracção “L”, de que era arrendatário habitacional há mais de um ano.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> *</font>
</p><p><font> Vejamos:</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> O art. 892 do C.P.C. (na redacção anterior às alterações introduzidas pelo dec-lei nº 38/2003, de 8 de Março), subordinado à epígrafe “Notificação dos preferentes “, dispõe o seguinte:</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font><i><font>“1- Os titulares do direito de preferência na alienação dos bens são notificados para abertura das propostas, a fim de poderem exercer o seu direito no próprio acto, se alguma proposta for aceite.</font></i>
</p><p><i><font> 2 – A falta de notificação tem a mesma consequência que a falta de notificação ou aviso prévio na venda particular.</font></i>
</p><p><i><font> 3 – À notificação prevista no nº1 aplicam-se as regras relativas à citação, salvo no que se refere à citação edital, que não terá lugar. </font></i>
</p><p><i><font> 4 – A frustração da notificação do preferente não preclude a possibilidade de propor acção de preferência, nos termos gerais”. </font></i>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> O objectivo deste preceito é o de ficar definida, na execução, em princípio, a questão do eventual direito de preferência, evitando-se futuros litígios.</font>
</p><p><font> Tal notificação tem finalidade idêntica à da comunicação prevista no art. 416 do C.C., que é imposta ao obrigado à preferência. </font>
</p><p><font> Notificado o titular da preferência, na execução, ele deve comparecer na abertura das propostas, para aí exercer o seu direito de preferência, sob pena de caducidade.</font>
</p><p><font> Por força do citado art. 892, nº2, do C.C. a omissão da notificação equivale à falta da referida comunicação, ficando o preferente com o direito de intentar a respectiva acção no prazo legal, previsto no art. 1410, nº1, do C.C.</font>
</p><p><font> Aplicando-se à notificação em questão as regras relativas à citação (salvo no que se refere à citação edital, que não terá lugar), tal notificação devia ser efectuada por </font><b><font>carta registada com aviso de recepção</font></b><font> ou por </font><b><font>contacto pessoal</font></b><font> do funcionário judicial com o citando, nos termos do art. 233, nº2, al. a) e b) do C.P.C., na redacção anterior ao dec-lei 183/2000, de 10 de Agosto, vigente à data dos factos. </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> No caso concreto, a recorrente sustenta que a notificação do recorrido se mostra efectuada, em virtude da “cota” que foi lavrada no processo de execução e cujo teor consta do nº7 do anterior elenco dos factos provados, “cota” essa que considera ter o valor probatório de documento autêntico. </font>
</p><p><font> Só que tal matéria da notificação, através da referida cota, não foi alegada nos articulados, designadamente na contestação da ré.</font>
</p><p><font> Daí que o autor ficasse impedido de a impugnar ou discutir na réplica, sendo certo que na petição inicial (art. 29º) o autor apenas produziu a afirmação genérica de que “não houve por parte da ré, nem por parte de ninguém, a comunicação com vista ao eventual exercício do direito de preferência previsto na lei”. </font>
</p><p><font> Com efeito, tal matéria da “</font><b><font>cota</font></b><font>” só veio aos autos, por iniciativa do Ex-mo Juiz que, já após o termo dos articulados, determinou que se oficiasse à 3ª Secção, da 2ª Vara Cível de Lisboa, Proc. .../96, a pedir informação sobre se o autor havia sido notificado para os fins do art. 892 e, em caso afirmativo, em que data tal ocorreu.</font>
</p><p><font> Então, a 3ª Secção, da 2ª Vara Cível de Lisboa, remeteu a certidão constante de fls 119 e segs destes autos, donde constam o </font><b><font>despacho</font></b><font> e a </font><b><font>cota</font></b><font> que constituem os nºs 6º e 7º do anterior elenco dos factos provados. </font>
</p><p><font> Notificado da junção dessa certidão, logo o autor veio impugnar o seu valor, dizendo o seguinte, na parte que agora interessa considerar (fls 127):</font>
</p><p><font> “ 1 - Não é verdade que os autores tenham sido notificados, em Fevereiro de 1999 ou em qualquer outra data, do teor de fls 119, nem por qualquer outra forma, para procederem, querendo, ao exercício do direito de preferência, nem tal resulta dos documentos ora juntos.</font>
</p><p><font> 2- Caso assim seja entendido, poderá ser requerido aos autos da 2ª Vara a junção do comprovativo da notificação postal ou pessoal, referida na cota de fls 119, que impugna para todos os efeitos “.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> Ora, as “</font><b><font>cotas</font></b><font>” são simples registos, notas ou apontamentos de ocorrências que interessam ao processo (Alberto dos Reis, Comentário do Código do Processo Civil, Vol. 2º, pág. 201).</font>
</p><p><font> A “cota” noticia o cumprimento de um acto de expediente da secretaria.</font>
</p><p><font> No caso de se referir a uma notificação postal, deve juntar-se o recibo do registo postal, o que é bem elucidativo no sentido de não valer como prova plena da notificação.</font>
</p><p><font> Já se decidiu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10-2-94 (Bol. 434-574) “que as “cotas” valem apenas como referenciais, sem serem providas de fé pública ; o seu valor corresponderá a um documento particular, não havido como autenticado, sujeito à livre apreciação do tribunal.</font>
</p><p><font> Admitem, portanto, a mais ampla prova no sentido de um incorrecto cumprimento do acto da secretaria que é noticiado.</font>
</p><p><font> Porém, à parte que afirme a não correspondência da “cota” com o que efectivamente aconteceu, não basta afirmá-lo – tem que convencer o tribunal que assim foi”. </font>
</p><p><font> Não vemos razão para deixar de seguir esta jurisprudência, que foi reafirmada nos Acórdãos do S.T.J. de 26-4-95 (Bol. 446-201) e de 8-4-08 (Col. Ac. S.T.J., XVI, 2º, 20), este último relatado pelo mesmo Relator e subscrito pelos mesmos Ex.mos Adjuntos.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> No caso dos autos, apenas se provou que, no processo executivo, foram lavrados o despacho e a “cota” com o teor de fls 119 (nºs 6 e 7º do elenco dos factos provados).</font>
</p><p><font> Todavia, não se provou que a notificação fosse efectuada por contacto pessoal do funcionário judicial com o autor, ou através de carta registada com aviso de recepção, já que não constam dos autos a respectiva certidão de notificação ou o aviso de recepção da carta. </font>
</p><p><font> Só através de qualquer um desses meios, exigidos por lei, podia haver a certeza do autor ter sido legal e efectivamente notificado – art. 892, nº3, e 233, nº2, al. a) e b), do C.P.C., na aludida redacção. </font>
</p><p><font> O uso de mera notificação postal, sem registo, como parece resultar da “cota”, contraria a lei e não confere essa certeza, tanto mais que o autor impugnou a recepção dessa notificação. </font>
</p><p><font> Não tendo sido observadas estas formalidades legais da notificação, a responsabilidade pelo seu incumprimento só pode ser atribuída ao tribunal, não podendo recair sobre o autor.</font>
</p><p><font> De nada vale argumentar que foi considerado “não provado“ o quesito 2º da base instrutória, onde se perguntava se os autores não receberam a questionada notificação.</font>
</p><p><font> É que a resposta negativa a um quesito apenas significa não se ter provado o facto quesitado, e não que se tenha demonstrado o facto contrário.</font>
</p><p><font> O que acontece é que, para este efeito, tudo se passa como se o facto não tivesse sido articulado. </font>
</p><p><font> A dúvida sobre se o autor recebeu ou não a notificação subsiste. </font>
</p><p><font> Assim sendo, assiste ao autor o direito de intentar acção de preferência, nos termos gerais. </font>
</p><p><font> Improcedem, pois, as conclusões do recurso. </font>
</p><p><font> *</font>
</p><p><font> Verifica-se, porém, que existe um </font><b><font>lapso de escrita</font></b><font> na parte decisória do Acórdão proferido pela Relação, quanto à identificação da fracção autónoma objecto da preferência, correspondente ao 1º andar, porta “F”, do prédio sito na C... das L..., lote ..., inscrito na matriz urbana da freguesia de S... J..., sob o art. ... e descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob
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[0 0 0 ... 0 0 0]
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yjLPu4YBgYBz1XKvgUAO
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1.ª Secção (Cível)
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<b><font> </font></b><font><br>
<br>
<font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font><br>
<br>
<font>AA e mulher, </font><font>BB, CC e mulher, DD, e EE, intentaram em 1/7/96 a presente acção declarativa de condenação, sob a forma ordinária, contra Banco ..., SA, E..., SA – Construção Civil e Obras Públicas, e C... Insurance - Company of Europe, SS - NV, pedindo a sua condenação:</font><br>
<font>- </font><font>a pagarem-lhes a quantia de Esc. 5.569.557$00 pelos danos causados nas partes comuns do seu prédio, discriminados nos artigos 16º a 24° inclusive da petição inicial, sito na Rua Parque da República, n.ºs 50 e 52, em Vila Nova de Gaia; e</font><br>
<font>- </font><font>a procederem à demolição do edifício que construíram no limite e a poente do seu prédio, ou, em alternativa, a pagarem-lhes uma indemnização em quantia não inferior ao montante de Esc. 10.000.000$00 pela desvalorização do seu prédio, acrescido de juros desde a citação.</font><br>
<br>
<font>Para tanto alegaram, fundamentalmente, o seguinte:</font><br>
<font>Os autores são donos, respectivamente, das fracções autónomas “A”, “B” e “C” do prédio urbano sito na Rua Parque da República, n.ºs 50 e 52, constituído em regime de propriedade horizontal, descrito na 2a Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia sob o n° ... e omisso na matriz da freguesia de Mafamude de Vila Nova de Gaia.</font><br>
<font>Por si e seus antepossuidores, encontram-se na posse pública, pacífica, continuada e de boa fé, desse prédio, há mais de 15, 20 e 30 anos, sem qualquer interrupção, sem oposição de ninguém, com o conhecimento de toda a gente e na convicção de estarem a exercer um direito próprio. </font><br>
<font>O Réu Banco está a levar a efeito no terreno contíguo ao seu prédio, pelo lado poente, do qual aquele é proprietário, a construção de um edifício composto de oito pisos, tendo tal obra de construção sido adjudicada à Ré E..., cuja execução esta está a levar a efeito. </font><br>
<font>Os Réus, ao procederem à demolição do edifício antigo nesse terreno existente e à construção do edifício novo, causaram danos avultados quer nas partes comuns, quer nas partes privativas do prédio dos Autores.</font><br>
<font>No tocante, porém, aos danos provocados nas partes privativas do prédio, nas fracções dos Autores, foram já estes ressarcidos pela Ré C..., na sua qualidade de seguradora e ao abrigo do contrato de seguro titulado pela apólice ... através da qual o Réu Banco transferiu para esta seguradora a sua responsabilidade pelos danos causados com a execução da obra. </font><br>
<font>O mesmo não aconteceu com os danos provocados nas partes comuns do prédio.</font><br>
<font>De facto, devido à execução das obras de construção e por força dos consideráveis desaterros efectuados no espaço de construção, foram provocadas fissuras em várias partes do prédio dos Autores.</font><br>
<font>Nomeadamente, foram provocadas várias rachadelas que atravessam todo o terreno exterior (transversais e longitudinais) e que se estendem até à parede do prédio vizinho situado a nascente, no logradouro, desde o muro divisório até à parede do prédio dos Autores.</font><br>
<font>Foi também provocada uma enorme fenda que atravessa as garagens situadas ao fundo do terreno e que se estende até ao muro do lado oposto, a nascente. </font><br>
<font>Nas garagens do prédio dos Autores foram causadas fendas nas lajes de cobertura, as quais permitem a infiltração das águas das chuvas. </font><br>
<font>Na garagem n° 1 foi ainda causada fissuração ao nível dos azulejos da parede lateral esquerda e no pavimento.</font><br>
<font>Na garagem n° 2, foi também provocada fissuração ao nível do pavimento.</font><br>
<font>Na garagem n° 3, igualmente foi provocada fissuração ao nível do tecto, nas paredes laterais e ainda nas paredes dos fundos. </font><br>
<font>São ainda perfeitamente visíveis fissuras em todas as paredes exteriores do prédio dos Autores e também uma enorme rachadela na parede exterior do mesmo, do lado poente. </font><br>
<font>A reparação dos danos atrás descritos, causados no prédio dos Autores, orça em Esc. 5.568.557$00.</font><br>
<font>Para além disso, o prédio dos Autores era um prédio airoso, exposto ao sol e bem arejado. Isto porque entre o prédio dos Autores e o prédio que foi demolido existia um espaço livre que os separava numa extensão de 8 m e ainda porque esse mesmo prédio demolido possuía apenas 3 andares, o que permitia que o prédio dos Autores, na parte que deitava para o prédio demolido, tivesse, pelo menos ao nível do 2° andar, amplas vistas.</font><br>
<font>Por outro lado, tal afastamento permitia que os andares do prédio dos Autores se mantivessem arejados e com exposição ao sol. </font><br>
<font>A construção levada a efeito no local onde se encontrava esse prédio demolido, foi implantada no limite da separação entre os dois prédios, ou seja, no limite do prédio dos Autores, ficando apenas entre as empenas dos dois prédios a distância correspondente à rampa de acesso às garagens do prédio dos Autores e que tem três metros de largura, constituindo-se tal espaço num estreito e escuro corredor que não permite a entrada de luz natural e arejamento necessários às habitações dos Autores.</font><br>
<font>Por outro lado, o muro da construção, implantado no limite do terreno onde foi construído o novo edifício, possui uma altura de cerca de 10 metros, contra o anterior 1,80 m do primitivo muro que dividia as duas propriedades. </font><br>
<font>Tal situação não permite a entrada do sol no prédio dos Autores e impede o arejamento normal que anteriormente possuía, traduzindo, como consequência, a existência de constantes humidades e fungos no prédio dos Autores na parte voltada à construção. Da mesma forma, ficou o prédio dos Autores sombrio e privado de luz natural e manifestamente desvalorizado. </font><br>
<font>Na verdade, os Réus não respeitaram, na implantação da edificação levada a efeito, a distância que quer legal quer administrativamente lhes é imposta.</font><br>
<font>Ora, há mais de 30 anos que os Autores, por si e seus antepossuidores, possuem uma servidão de vistas relativamente ao prédio onde foi implantada a construção, pelo que adquiriram o respectivo direito à servidão de vistas. </font><br>
<font>Também há mais de 30 anos que através das janelas e portas do prédio dos Autores voltado à construção se fazia o arejamento e se expunha o mesmo à luminosidade, razão pela qual e pelo mesmo motivo, tais bens, porque essenciais, não podem ser retirados pela construção levada a efeito pelos Réus.</font><br>
<font>As razões aduzidas são suficientes para requererem a demolição do edifício construído pelos Réus a poente do prédio dos Autores. Ou, se assim não se entender, assiste aos mesmos Autores o direito a serem indemnizados pelos danos derivados da falta de arejamento, luz e ar e a consequente desvalorização do seu prédio. Tal indemnização não pode ser calculada em quantia inferior a Esc. 10.000.000$00.</font><div><font>*</font></div><font>Contestaram os Réus, pugnando pela improcedência da acção e, consequentemente, pela sua absolvição do pedido.</font><div><font>*</font></div><font>Replicaram os Autores, pugnando pela procedência da acção, tendo ainda a E... apresentado tréplica.</font><div><font>*</font></div><font>Foi proferido despacho saneador, que julgou não haver excepções dilatórias - nomeadamente uma de nulidade por ineptidão da petição inicial, deduzida pela E... -, nem nulidades secundárias, após o que foram produzidos especificação e questionário, objecto de reclamações apresentadas pelos réus Banco e C..., as quais, após resposta dos autores, foram decididas por despacho de fls. 209/210.</font><br>
<font>Oportunamente teve lugar audiência de discussão e julgamento perante tribunal singular, no decurso do qual foi proferido um despacho a fls. 398 dos autos, pelo qual foi ordenado o aditamento de um novo quesito, na sequência da ampliação do primeiro pedido formulada pelos Autores para o montante de 40.664,92 euros (fls. 397).</font><br>
<font>No âmbito da audiência de discussão e julgamento foi outorgada uma transacção entre os autores e as rés E... e C... quanto ao primeiro pedido formulado (indemnização pelos danos causados nas partes comuns do prédio daqueles), a qual veio a ser homologada pelo Tribunal (fls. 429 a 430), prosseguindo a acção apenas para a apreciação do pedido principal de demolição e do pedido alternativo de indemnização e unicamente no que concerne ao 1º Réu, Banco ..., SA.</font><br>
<font>Foi proferido despacho respondendo à matéria de facto contida nos quesitos 11º a 21º e 25º (cfr. o despacho de fls. 431), - por os restantes terem sido eliminados em resultado da homologação da referida transacção -, o qual não sofreu qualquer reclamação, ao que se seguiu a sentença, que julgou a acção procedente e condenou o réu Banco a pagar uma indemnização aos autores de montante a liquidar em execução de sentença, isto no tocante ao pedido alternativo de indemnização.</font><br>
<font>*** *** ***</font><br>
<font>Apelou o réu Banco, sem êxito, uma vez que a Relação, para além de dar razão ao dito apelante no que se refere à pretensão deste de aditamento aos factos provados de um outro, que abaixo se indica (fls. 576), negou provimento à apelação e confirmou a sentença ali recorrida, por acórdão de que vem interposta a presente revista, de novo por aquele réu, que, em alegações, formulou as seguintes conclusões:</font><br>
<font>1ª - Atenta a factualidade provada nos autos, o recorrente não pode ser responsabilizado pelo pagamento de qualquer indemnização aos recorridos;</font><br>
<font>2ª - O recorrente agiu no exercício regular do seu direito de propriedade e do jus edificandi;</font><br>
<font>3ª - A obra do recorrente foi devidamente licenciada, ou seja:</font><br>
<font>o recorrente elaborou o projecto de um edifício que pretendia implantar num terreno sua propriedade;</font><br>
<font>submeteu o referido projecto à apreciação da Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia, requerendo a sua aprovação e a consequente emissão de alvará de licença de construção;</font><br>
<font>o projecto do recorrente foi sujeito a um procedimento administrativo, nomeadamente a pareceres de diversas entidades (art.ºs 18º e 19º do Dec. – Lei n.º 555/99, de 16/12);</font><br>
<font>o órgão administrativo competente decidiu, de forma material e formalmente válida, emitir a licença, legalizando, assim, a construção;</font><br>
<font>o prédio foi construído de acordo com o projecto aprovado, seguindo escrupulosamente o alvará emitido;</font><br>
<font>4ª - Ou seja, a construção do recorrente estava e está devidamente licenciada pela Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia, tal como os recorridos aceitaram e o acórdão recorrido reconheceu;</font><br>
<font>5ª - O recorrente actuou de forma criteriosa, dentro da legalidade, não lhe sendo exigível outra forma de agir;</font><br>
<font>6ª - E por aqui se conclui que a actuação do recorrente, ainda que, porventura, viesse a ser entendida como ilícita, jamais poderia ser culposa, faltando assim, em qualquer caso, um dos requisitos da responsabilidade civil extracontratual: a culpa;</font><br>
<font>7ª - Sem prescindir, a haver ilicitude, a conduta do recorrente sempre estaria a coberto de uma causa de exclusão de ilicitude, afastando assim a sua responsabilidade civil;</font><br>
<font>8ª - Conforme o entendimento propugnado pelo S.T.J., “o facto praticado no exercício regular de um direito considera-se justificado e, em consequência, lícito, deixando de satisfazer as exigências do art.º 483º, n.º 1, do Cód. Civil” (Ac. de 2/10/02, in </font><u><font>www.dgsi.pt/jstj.nsf</font></u><font>);</font><br>
<font>9ª - Ou seja, o exercício regular do jus edificandi é susceptível de justificar a lesão do direito de propriedade de outrem, e, assim, afastar a responsabilidade do dono da obra;</font><br>
<font>10ª - A obra levada a cabo pelo recorrente encontra-se devidamente licenciada pela Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia, pelo que, a haver lesão, sempre a mesma estaria justificada pelo regular exercício do direito de construção do recorrente;</font><br>
<font>11ª - Posto isto, não se mostram preenchidos os requisitos do art.º 483º do Cód. Civil, e, como tal, não pode ser imputada qualquer responsabilidade ao recorrente;</font><br>
<font>12ª - Acresce que o art.º 121º do R.G.E.U. não estabelece um padrão artístico das edificações, mas antes uma regra de aspecto geral da povoação assente em conceitos indeterminados;</font><br>
<font>13ª - Conforme ensina o Ac. do S.T.A. de 10/12/98, in </font><u><font>www.dgsi.pt/jsta</font></u><font>, proc. n.º 037572:</font><br>
<font>“III – O art.º 121º do R.G.E.U., ao se reportar à estética das edificações e à beleza das paisagens, veícula conceitos indeterminados, envolvendo, por isso, uma definição normativa imprecisa e a que se terá de dar, na fase de aplicação, uma significação específica, em face de factos, de tal forma que o seu emprego exclui a existência de várias soluções possíveis, uma vez que se impõe uma única solução (a correcta) para o caso concreto. Não estamos, aqui, no domínio da discricionaridade.</font><br>
<font>IV – Em sede de aplicação do art.º 121º estão, no fundo, em causa, juízos de mérito que a Administração formula, de acordo com regras técnicas e científicas que envolvem, normalmente, um conhecimento especializado;</font><br>
<font>V – Para elaborar tal juízo, a Administração activa com referência a elementos de valorização subjectiva;</font><br>
<font>VI – Ocorre, por isso, a este nível, uma certa margem de liberdade valorativa;</font><br>
<font>VII – No âmbito do art.º 121º do R.G.E.U., o Tribunal não pode exercer um controlo jurisdicional pleno, não podendo ir além da dimensão garantística ou formal da decisão administrativa, aferindo-se, em especial, os aspectos vinculados do acto, sem contudo ser possível ajuizar sobre a dimensão material, não podendo o Tribunal substituir pelos seus os juízos e as valorizações empreendidas pela Administração, a menos que se alegue e demonstre a existência de erro manifesto ou de utilização de critérios claramente desadequados ao nível de integração do conceito indeterminado.”;</font><br>
<font>14ª - A fiscalização do cumprimento das regras previstas no R.G.E.U. incumbe às Câmaras Municipais, conforme dita o art.º 2º do mesmo diploma legal;</font><br>
<font>15ª - Compete, pois, às autoridades administrativas, licenciadoras dos projectos de construção, aferir e pronunciar-se sobre a estética e o enquadramento urbanístico das obras, cabendo ao Tribunal Administrativo aferir, apenas, da bondade formal da decisão;</font><br>
<font>16ª - Acresce que a competência das Câmaras Municipais para o licenciamento de obras é uma competência vinculada e não discricionária;</font><br>
<font>17ª - No âmbito do procedimento de licenciamento, a autoridade administrativa competente teve de atender à área envolvente e às características do conjunto arquitectónico onde a construção iria ser edificada;</font><br>
<font>18ª - A Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia praticou os actos administrativos de licenciamento e de emissão de alvará, entendendo, pois, que a obra do recorrente respeita as regras urbanísticas e satisfaz os requisitos de estética urbana;</font><br>
<font>19ª - Se a Câmara autoriza a construção mediante a emissão da respectiva licença, tem de se presumir que o projecto que lhe foi apresentado para apreciação está conforme ao R.G.E.U. e aos regulamentos e planos municipais;</font><br>
<font>20ª - E se, porventura, alguém, com interesse legítimo, entender que o licenciamento camarário foi ilegal, pode reagir contra tal acto administrativo, impugnando-o contenciosa ou judicialmente (art.º 53º, n.º 1, do Cód. de Procedimento Administrativo, e Acs. do S.T.A. de 12/1/84, in Acórdãos Doutrinais do S.T.A., Ano XXIII, n.º 270, pg. 726, e de 18/10/90, na mesma colectânea, Ano XXX, n.º 353, pg. 603);</font><br>
<font>21ª - Ora, a decisão de licenciar a obra do recorrente, proferida pela Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia, não foi impugnada pelos recorridos;</font><br>
<font>22ª - No sentido do atrás exposto é o Acórdão do S.T.J. de 16/11/00, in www.dgsi.pt/jsta.nsf/, proc. 046148, que leva a concluir que controlo e aferição dos requisitos que permitem o deferimento do licenciamento cabem à Administração, não competindo ao Tribunal da Relação aquilatar esses mesmos juízos;</font><br>
<font>23ª - O Tribunal não se pode substituir à Câmara Municipal na aferição e prolação de juízos de conveniência estética e inserção urbana da obra, salvo o caso de erro grosseiro ou uso de critérios manifestamente desajustados;</font><br>
<font>24ª - Mais, o art.º 58º do R.G.E.U. não foi violado porquanto o mesmo se destina a regulamentar as condições de arejamento, iluminação natural e exposição ao sol dos edifícios a construir ou a reconstruir;</font><br>
<font>25ª - Não se destina, por isso, a regulamentar as condições em que ficarão os edifícios já construídos;</font><br>
<font>26ª - Neste sentido, refere o Ac. do S.T.A. de 20/10/99, proferido no recurso n.º 45.026, que:</font><br>
<font>“O disposto no art.º 58º do R.G.E.U. visa assegurar as condições de arejamento, iluminação natural e exposição solar apenas da construção ou reconstrução a licenciar e não dos prédios vizinhos pré-existentes”;</font><br>
<font>27ª - No mesmo sentido é o Ac. do S.T.A. de 24/9/03, proferido no recurso n.º 46.946, in </font><u><font>www.dgsi.pt</font></u><font>, que expressa:</font><br>
<font>“”(...) Efectivamente, as preocupações com o arejamento e exposição solar das construções vizinhas do prédio a licenciar são estranhas ao art.º 58º do R.G.E.U. Do que nele se cura é das condições de arejamento, iluminação e insolação da própria construção a licenciar. Doutra maneira, a lei teria feito nele referência às construções vizinhas.”;</font><br>
<font>E continua:</font><br>
<font>“(...) a ser de outro modo, o licenciamento de qualquer construção teria que implicar necessariamente a situação dos prédios vizinhos quanto aos aspectos contemplados no artigo, o que teria como consequência que seria quase impraticável a construção de novas habitações nos aglomerados já existentes, na medida em que, na maior parte dos casos, irão afectar inevitavelmente os prédios já implantados, quer ao nível do seu arejamento, quer da sua exposição solar.”;</font><br>
<font>28ª - Ainda que assim não fosse, como é, o prédio dos recorridos sempre estaria exposto à iluminação natural do lado Norte e Sul, bem como, ainda que de forma mais reduzida, do lado Poente;</font><br>
<font>29ª - Por outro lado, o prédio do recorrente foi construído lateralmente em relação ao prédio dos recorridos;</font><br>
<font>30ª - A fachada principal do prédio dos recorridos é voltada a Norte e o prédio do recorrente foi construído a Poente, ficando com uma fachada voltada para Norte e outra para Poente;</font><br>
<font>31ª - Ora, e conforme explana o Ac. do S.T.J. de 26/9/96, in </font><u><font>www.dgsi.pt/jstj.nsf/</font></u><font>:</font><br>
<font>“O legislador empregou a palavra “fachada” nos art.ºs 59º e 60º do Regulamento no sentido de “lado principal ou fronteiro de um edifício””;</font><br>
<font>32ª - “O art.º 59º do R.G.E.U. só regula a distância entre fachadas fronteiras no cotejo com o art.º 62º, o qual se ocupa das fachadas posteriores” (Ac. do S.T.A. de 6/10/98, Proc. 039791, in </font><u><font>www.dgsi.pt/jsta.nsf/</font></u><font>);</font><br>
<font>33ª - Por seu lado, o Ac. do S.T.A. de 28/1/97, proferido no Proc. 040435, diz:</font><br>
<font>“I – O art.º 60º do R.G.E.U. apenas prevê a hipótese de haver nas duas fachadas fronteiras vãos de compartimentos de habitação, e não em uma só dessas fachadas.</font><br>
<font>II – Aquele art.º 60º do R.G.E.U. não é aplicável às fachadas laterais.”;</font><br>
<font>34ª - No mesmo sentido lê-se no Ac. do S.T.A. de 15/1/02, proc. 048156, in </font><u><font>www.dgsi.pt/jsta.nsf/</font></u><font>:</font><br>
<font>“O disposto no art.º 60º do R.G.E.U. não é aplicável às fachadas laterais das edificações urbanas.”;</font><br>
<font>35ª - Existe, assim, o entendimento quer doutrinal quer jurisprudencial de que os referidos preceitos – art.ºs 59º e 60º do R.G.E.U. – não se aplicam às fachadas laterais das habitações, mas apenas às fachadas principais;</font><br>
<font>36ª - Do exposto resulta, de forma clara, que no caso sub judice não foram violadas estas regras nem quaisquer outras do R.G.E.U., pelo que falece a fundamentação do acórdão recorrido;</font><br>
<font>37ª - Da análise dos art.ºs 1.305º, 1.344º, n.º 1, e 1.360º, n.º 1, do Cód. Civil, decorre de forma clara que a obra edificada pelo recorrente não viola o direito de propriedade dos recorridos;</font><br>
<font>38ª - Além disso, o prédio do recorrente, porque se trata de edifício de gaveto, tem duas fachadas, uma virada para Norte (Rua Parque da República) e outra para Poente, com entrada pela Avenida da República;</font><br>
<font>39ª - A zona onde o edifício do recorrente está implementado – Avenida da República – é uma zona de imóveis construídos em altura, que a ladeiam de ambos os lados e ao longo da maior parte da sua extensão e que estão orientados, designadamente, à prestação de serviços públicos e privados: a Fazenda Nacional, o Tribunal de Comércio, as Conservatórias e os Cartórios Notariais estão paredes meias com agências bancárias, edifícios de escritórios e grandes áreas comerciais, como El Corte Ingles;</font><br>
<font>40ª - A construção do recorrente não descaracteriza ou desdignifica, portanto, o conjunto urbano em que se insere;</font><br>
<font>41ª - Por fim, sempre se terá de referir que, da análise dos autos (cfr. petição inicial) resulta que, com a presente acção, os recorridos pretenderam, apenas, a reparação dos danos (fissuras, fendas e rachadelas) nas partes comuns do seu prédio, decorrentes da execução das obras de edificação do prédio do recorrente, o que, como decorre da transacção constante do processo, já foi conseguido.</font><br>
<font>Termina pedindo a revogação do acórdão recorrido, salvo quanto à adição do facto provado.</font><br>
<font> ***</font><br>
<font>Em contra alegações, os recorridos pugnaram pela confirmação daquele acórdão.</font><br>
<font> ***</font><br>
<font>Colhidos os vistos legais, cabe decidir, tendo em conta que os factos assentes são os seguintes: </font><br>
<b><font>a) </font></b><font>As fracções autónomas “A”, “B” e “C” do prédio urbano sito na Rua Parque da República, n.ºs 50 e 52, Mafamude, Vila Nova de Gaia, encontram-se descritas na competente conservatória do registo predial de Vila Nova de Gaia sob a respectiva letra do n° ... com registo de aquisição em nome dos Autores, por compra. </font><br>
<b><font>b) </font></b><font>O Réu “Banco ...” levou a efeito no terreno contíguo ao prédio dos Autores, pelo lado Poente, a construção de um edifício de oito pisos, num espaço anteriormente ocupado pelo Cine - Teatro de Vila Nova de Gaia, o qual foi demolido para dar lugar à mencionada construção. </font><br>
<b><font>c) </font></b><font>Entre o Réu “Banco ...” e a Ré “E...” foi celebrado em 08/10/90 o contrato de empreitada junto de fls. 156 a 158, mediante o qual o primeiro adjudicou à segunda a empreitada de construção de estruturas do imóvel mencionado em B). </font><br>
<b><font>d) </font></b><font>A Ré “C...” celebrou com a Ré “E...” um contrato de seguro do ramo Obras e Montagens, titulado pela apólice n° 3400001512, junto a fls. 40 e seguintes dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, em que o objecto seguro foi a construção de estruturas de um imóvel do “Banco ...” sito no Gaveto da Avenida da República com a Rua Parque da República, com inicio em 03 de Janeiro de 1991, tendo um período de construção de 03/01/91 a 02/10/91 e um período de manutenção limitada de 03/10/91 a 02/10/92.</font><br>
<b><font>e) </font></b><font>Em 08 de Maio de 1991 foi elaborada a acta adicional n° 1, junta a fls. 64 dos autos, a qual declara sem efeito a apólice mencionada em D), desde 04 de Abril de 1991, tendo então sido celebrado novo contrato de seguro, mediante a apólice n° 3400001514, junto a fls. 65 e seguintes dos autos e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, em que o objecto seguro foram os trabalhos de escavação e de consolidação de terras e construção de estruturas do imóvel em causa, com início em 04/04/91 e um período de construção de 04/04/91 a 04/01/92 e um período de manutenção limitada de 04/01/92 a 03/01/93. </font><br>
<b><font>f) </font></b><font>Em 25 de Maio de 1992, por acordo entre a “C...” e a “E...”, o período de construção foi prorrogado até 30 de Junho de 1992. </font><br>
<b><font>g) </font></b><font>Entre o prédio dos Autores e o prédio que foi demolido, que tinha apenas três andares, existia um espaço livre que os separava numa extensão de cerca de 8 metros.</font><br>
<b><font>h) </font></b><font>O que permitia que o prédio dos Autores, na parte que deitava para o prédio demolido, tivesse vistas ao nível do 2° andar.</font><br>
<b><font>i) </font></b><font>E que os andares dos Autores se mantivessem arejados e com exposição ao Sol.</font><br>
<b><font>j) </font></b><font>A construção levada a efeito foi implantada no limite da separação entre os dois prédios, ficando apenas entre as empenas dos dois prédios a distância correspondente à rampa de acesso às garagens do prédio dos Autores, que tem apenas três metros de largura.</font><br>
<b><font>k) </font></b><font>Tal situação reduz significativamente a entrada de luz natural e o arejamento necessário às habitações dos Autores. </font><br>
<b><font>l) </font></b><font>O muro da construção, implantado no limite do terreno onde foi construído o novo edifício, tem uma altura de 10 metros, contra o anterior 1,80 metros do muro primitivo que dividia as duas propriedades.</font><br>
<b><font>m) </font></b><font>O que impede a entrada do sol no prédio dos Autores, ao nível do rés-do-chão e do 1° andar, reduzindo-a significativamente ao nível do 2° andar, bem como o arejamento que antes possuía.</font><br>
<b><font>n) </font></b><font>E provoca a existência de constantes humidades e fungos neste prédio, na parte voltada à construção.</font><br>
<b><font>o) </font></b><font>O que o desvaloriza.</font><br>
<b><font>p) </font></b><font>Há mais de 30 anos que através das janelas e portas do prédio dos Autores voltado à construção se fazia o arejamento e se expunha o mesmo à luminosidade.</font><br>
<b><font>q) </font></b><font>As empenas entre os dois prédios em questão distam entre si três metros de largura.</font><br>
<b><font>r) </font></b><font>A obra do Banco réu foi e encontra-se licenciada pela Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia (facto aditado pela Relação). </font><br>
<b><font>*</font></b><font> </font><br>
<font>Os Autores intentaram a presente acção contra o Réu BES, SA pedindo que o mesmo fosse condenado a proceder à demolição do edifício que construiu no limite e a poente do seu prédio ou, em alternativa, a pagar-lhes uma indemnização em quantia não inferior ao montante de Esc. 10.000.000$00 pela desvalorização do seu prédio, acrescido de juros desde a citação.</font><br>
<font>Alegaram, para tanto, ter sido violada pelo réu uma servidão de vistas de que o seu prédio beneficiava, e a circunstância de terem sofrido, como danos, uma desvalorização do seu prédio, derivada da construção pelo Réu de um edifício no terreno contíguo, danos esses traduzidos na perda de vistas e na redução do arejamento e da exposição ao sol, atentas as características e dimensões do edifício levantado pelo Réu.</font><br>
<font>Da factualidade apurada resulta que as fracções autónomas “A”, “B” e “C” do prédio urbano sito na Rua Parque da República, n.ºs 50 e 52, Mafamude, Vila Nova de Gaia, se encontram descritas na Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia sob a respectiva letra do n° 02706/090191 com registo de aquisição em nome dos Autores, por compra. </font><br>
<font>O Réu “Banco ...” levou a efeito no terreno contíguo ao prédio dos Autores, pelo lado Poente, a construção de um edifício de oito pisos, num espaço anteriormente ocupado pelo Cine - Teatro de Vila Nova de Gaia, o qual foi demolido para dar lugar à mencionada construção.</font><br>
<font>Entre o Réu “Banco ...” e a Ré “E...” foi celebrado em 08/10/90 o contrato de empreitada junto de fls. 156 a 158, mediante o qual o primeiro adjudicou à segunda a empreitada de construção de estruturas do imóvel atrás mencionado. </font><br>
<font>Entre o prédio dos Autores e o prédio que foi demolido, que tinha apenas três andares, existia um espaço livre que os separava numa extensão de cerca de 8 metros, o que permitia que o prédio dos Autores, na parte que deitava para o prédio demolido, tivesse vistas ao nível do 2° andar e que os andares dos Autores se mantivessem arejados e com exposição ao sol.</font><br>
<font>Ficou ainda provado que a construção levada a efeito foi implantada no limite da separação entre os dois prédios, ficando apenas entre as empenas dos dois prédios a distância correspondente à rampa de acesso às garagens do prédio dos Autores, que tem apenas três metros de largura. Tal situação reduz significativamente a entrada de luz natural e o arejamento necessário às habitações dos Autores. </font><br>
<font>O muro da construção, implantado no limite do terreno onde foi construído o novo edifício, tem uma altura de 10 metros, contra o anterior 1,80 metros do muro primitivo que dividia as duas propriedades, o que impede a entrada do sol no prédio dos Autores, ao nível do rés-do-chão e do 1° andar, reduzindo-a significativamente ao nível do 2° andar, bem como o arejamento que antes possuía. E provoca a existência de constantes humidades e fungos neste prédio, na parte voltada à construção.</font><br>
<font>Tal situação desvaloriza o prédio dos Autores.</font><br>
<font>Há mais de 30 anos que através das janelas e portas do prédio dos Autores voltado à construção se fazia o arejamento e se expunha o mesmo à luminosidade.</font><br>
<font>As empenas entre os dois prédios em questão distam entre si três metros de largura.</font><br>
<font>Com base nestes factos a sentença da 1ª instância entendeu, e bem, não existir servidão de vistas. Com efeito, tal servidão não existe, uma vez que o edifício integrante do prédio dos autores tem a sua empena lateral que se encontra voltada para o prédio do réu Banco (embora disponha de janelas e portas nessa empena) a uma distância de três metros, portanto superior a metro e meio, do limite em que com este prédio confina, uma vez que ficou assente que a construção levada a cabo pelo réu foi implantada nesse limite de separação entre os dois prédios e que a distância entre as empenas é essa de três metros, que constitui a largura da rampa de acesso às garagens do prédio dos autores. Ora, para existir servidão de vistas, seria necessário que a distância entre a empena do prédio dos autores em que se localizam as aludidas janelas e portas e o prédio do réu fosse inferior a metro e meio, como resulta do disposto nos art.ºs 1.360º, n.º 1, e 1.362º, n.º 1, do Cód. Civil.</font><br>
<font>Por outro lado, não se mostra também que o réu tenha violado o disposto no dito art.º 1.360º, n.º 1, uma vez que não se demonstrou, nem sequer foi invocado, que tenha feito qualquer abertura na sua construção no lado voltado para o prédio dos autores; e, mesmo que existisse servidão de vistas, o réu deixou entre a empena do edifício que construiu e a empena do edifício dos autores em que as aludidas aberturas se encontravam a distância de três metros, pelo que igualmente não teria violado o disposto no n.º 2 desse art.º 1.362º.</font><br>
<font>Mas também com base nos mesmos factos a sentença da 1ª instância entendeu que, tendo a construção levada a cabo pelo réu sido implantada no limite da separação entre os dois prédios, ficando apenas entre as empenas destes a distância de três metros de largura correspondente à rampa de acesso às garagens do prédio dos autores, tal situação, por reduzir significativamente a entrada de luz natural e o arejamento necessário às habitações dos autores, viola o disposto no art.º 60º do R.G.E.U., implicando que a conduta do réu fosse ilícita e culposa, constituindo-o na obrigação de os indemnizar, tanto mais que origina a existência de humidades e fungos no prédio dos autores na parte voltada à construção, e
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1.ª Secção (Cível)
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<b><font> </font></b><font><br>
<b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font></b><br>
<br>
<font> </font><b><font>I </font></b><font>– </font><br>
<font>AA intentou, no Tribunal Judicial de Barcelos, acção ordinária contra</font><br>
<font>Companhia de Seguros ....S.A., pedindo a sua condenação no pagamento de uma indemnização global de 492.327,89 € e juros desde a citação até efectivo pagamento. </font><br>
<font> Em suma, alegou culpa exclusiva do segurado na R. na produção de um acidente de viação de que foi vítima e que lhe determinou danos de natureza patrimonial e não patrimonial.</font><br>
<font> A R. contestou, defendendo que o referido acidente se ficou a dever a culpa única e exclusiva do próprio A., terminando por pedir a improcedência da acção.</font><br>
<font> Houve réplica.</font><br>
<font> Após o saneador, o processo seguiu para julgamento, vindo a acção a ser julgada parcialmente procedente e a R. condenada a pagar ao A. a quantia global de duzentos e quarenta mil e quinze euros e setenta e um cêntimos</font><b><font> </font></b><font>(240.015,71€), quantia esta</font><b><font> </font></b><font>acrescida de juros de mora às taxas de 7% e 4%, contados a partir da citação da R. seguradora até</font><b><font> </font></b><font>efectivo pagamento sobre de 97.515,71€ e desde a notificação desta decisão</font><b><font> </font></b><font>quanto aos restantes 142.500€.</font><br>
<font> A R. não se conformou com tal decisão e dela apelou para o Tribunal da Relação de Guimarães mas sem êxito, já que esta confirmou o sentenciado.</font><br>
<font>Novamente inconformada, a R. pediu revista, tendo, para o efeito, apresentado a respectiva minuta que fechou com as seguintes conclusões:</font>
<p><font>- Uma vez terem os quesitos 1° a 6° e 86° a 93° da base instrutória merecido, na sequência da reapreciação da prova levada a efeito pelo Venerando Tribunal recorrido, a resposta de provado apenas que "o BCL seguia no sentido Oliveira – Lama, a uma velocidade não superior a 60 kms/hora, ao passo que o NC circulava a uma velocidade idêntica, não superior a 60 kms/hora, tendo embatido um no outro", não se mostra possível atribuir qualquer juízo de censura a nenhum dos comportamentos estradais dos condutores dos veículos intervenientes no acidente.</font>
</p><p><font>- Mostrou-se ainda provado que o 0000-00-00, ciclomotor, era propriedade de BB e, na altura do acidente conduzido por seu filho, o A. AA, o que – ao contrário do que o acórdão recorrido sustenta – faz presumir que o fazia com autorização e conhecimento do seu proprietário, seu pai, devendo considerar-se existir uma condução por conta de outrem, satisfazendo o seu proprietário, no mínimo, um interesse espiritual relevante (a jurisprudência é unânime nesta interpretação - </font><i><font>vide</font></i><font>, por todos os acórdãos da RC de 21.09.1993, </font><i><font>in</font></i><font> C/, 1993, IV-3 e do STJ de 01.02.1989,</font><i><font> in </font></i><font>CJSTJ, 1989,1-6), encontrando-se, assim, preenchida a previsão do n° 3 do art. 503° do C. Civil.</font>
</p><p><font>- Não tendo o A. logrado afastar essa culpa – ou que a conduta do condutor do NC ou de terceiro tivesse por qualquer forma dado causa ao sinistro – determina-se a responsabilidade exclusiva do primeiro e devendo, assim, ser a R. seguradora absolvida do pedido.</font>
</p><p><font>- Mesmo na tese – que obviamente e por todo o alegado supra se não concede nem concebe – seguida pelo Venerando Tribunal recorrido de se mostrar aplicável </font><i><font>in casu</font></i><font> o disposto no art. 506° do C. Civil, as consequências seriam, ainda assim, necessariamente diversas das decididas no douto acórdão recorrido.</font>
</p><p><font>- Não se mostra possível, atenta a matéria factual provada, subsumir a conduta dos condutores de ambos os veículos intervenientes à violação da regra constante do n° l do art. 13° do Código da Estrada, que dispõe que "o trânsito de veículos deve fazer-se pelo lado direito da faixa de rodagem e o mais próximo possível das bermas ou passeios, conservando destes uma distância que permita evitar acidentes".</font>
</p><p><font>- Se ao condutor do NC se mostrava possível, atentas a largura daquele e a meia faixa de rodagem em que rodava, circular no interior desta e ainda assim afastado do eixo da via de forma a evitar qualquer colisão com um outro veículo que consigo se cruzasse circulando na hemifaixa contrária, era indubitavelmente maior a exigibilidade de observar essa conduta por parte do condutor do 1BCL, atenta a largura muito reduzida desta viatura – quer em termos absolutos, quer em termos relativos, quando comparada com a do NC – e o espaço da largura da faixa que tinha livre para poder circular mais próximo da berma e afastado do eixo da via.</font>
</p><p><font>- O certo é que, se o condutor do NC, em face de uma via relativamente estreita, teria sempre alguma dificuldade em manter o seu veículo sempre próximo da berma e afastado do eixo da via, já o mesmo manifestamente não acontecia com o condutor do 1BCL que, ao circular próximo do eixo da via, deixava cerca de 2 metros da faixa de rodagem onde podia rodar livremente, sem fazer perigar a segurança rodoviária.</font>
</p><p><font>- Atendendo às circunstâncias descritas e à diversa contribuição – em termos de desvalor da acção – de um e outro dos condutores, mostrava-se justa a atribuição das culpas numa proporção próxima de 75% para o condutor do 1BCL e ora A. e 25% para o condutor do veículo NC, seguro na R..</font>
</p><p><font>- Não obstante, a decisão de primeira instância ter feito uma atribuição da responsabilidade em 3/4 (três quartos) para a R. seguradora do montante indemnizatório considerado devido pelos danos patrimoniais e não patrimoniais para o A. decorrentes do acidente objecto dos presentes autos, procedendo à redução de 1/4 (um quarto) daquela atento o facto de ter ocorrido culpa do lesado na produção do evento e a sua componente quantitativa ter reflectido essa proporção, o acórdão recorrido, tendo alterado essa proporção para 2/3 para a R. Seguradora e 1/3 para o lesado, não fez reflectir essa mesma alteração no valor indemnizatório em que condenou aquela, confirmando e mantendo intocada a decisão da 1ª instância.</font>
</p><p><font>- Impunha-se, assim, e atento o disposto no citado n° l do art. 506° do C. Civil, que o montante em que a R. seguradora foi condenada reflectisse essa mesma alteração, de acordo com a quota-parte da responsabilidade que lhe foi atribuída de 2/3 e, assim, aplicando-a aos montantes que a decisão de primeira instância arbitrou a título de dano não patrimonial (€ 40.000,00) e patrimonial (€ 280.020,95), num total de € 320.020,95, alterando o montante condenatório para € 213.347,30;</font>
</p><p><font>- O acórdão recorrido, ao decidir de modo diverso, violou o disposto nos art. 503°, nºs 1 e 3 e 506º do C. Civil e 13º, nº 1 e 18, nº 2 do C. da Estrada.</font>
</p><p><font>O recorrido contra-alegou em defesa da manutenção do acórdão impugnado.</font>
</p><p><font> </font><b><font>II</font></b><font> – </font>
</p></font><p><font><font> As instâncias deram como provados os seguintes factos:</font><br>
<b><font>1</font></b><font> - Cerca das 13h30 do dia 3.10.2000 ocorreu um embate na E.M. que liga Lama a Oliveira, em Carcajoso – Lama – Barcelos, em que intervieram os veículos 00-00-00 ciclomotor, propriedade de BB e conduzido por seu filho, o demandante AA, e 00-00-00, ligeiro de mercadorias, conduzido pelo proprietário, CC</font><br>
<b><font>2</font></b><font> - O ciclomotor 00-00-00 circulava pela referida E.M. no sentido Oliveira – Lama.</font><br>
<b><font>3</font></b><font> - Por seu lado, o veículo 00-00-00 circulava em sentido contrário, ou seja, Lama – Oliveira.</font><br>
<b><font>4</font></b><font> - No local do embate, a estrada tem 5,70 m, duas hemifaixas de rodagem, uma para cada sentido de trânsito, com piso em paralelo, seco e com aderência. </font><br>
<b><font>5</font></b><font> - No sentido de marcha do NC, a estrada configura uma curva à direita.</font><br>
<b><font>6</font></b><font> - O BCL seguia no sentido Oliveira – Lama, a uma velocidade não superior a 60 kms/hora, ao passo que o NC circulava a uma velocidade idêntica, não superior a 60 kms/hora, tendo embatido um no outro.</font><br>
<b><font>7</font></b><font> - Não obstante o condutor do NC ter travado.</font><br>
<b><font>8</font></b><font> - Tendo deixado marcado no pavimento um rasto de travagem com a extensão de 11,50 metros. </font><br>
<b><font>9</font></b><font> - Indo o demandante e o ciclomotor 00-00-00 cair na berma do lado direito da E.M., atento o sentido Oliveira – Lama.</font><br>
<b><font>10</font></b><font> - Atento o sentido Oliveira – Lama, a cerca de 25 metros do local onde ocorreu o embate existia, na metade direita da faixa de rodagem, uma depressão no pavimento.</font><br>
<font> </font><b><font>III</font></b><font> – </font><br>
<font> Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões apresentadas pela recorrente, somos confrontados com as seguintes questões:</font><br>
<font>– A matéria de facto apurada permite chegar à conclusão de que o A. conduzia o veículo por conta de outrem e, como assim, ao caso deverá ser aplicável a regra presuntiva do art. 503º, nº 3, do CC?</font><br>
<font>– Ou, pelo menos, permite a referida matéria chegar à conclusão que a justa atribuição de culpas deveria ser fixada na proporção de 75% para o A. e 25% para o segurado da R.?</font><br>
<font>– A admitir-se como certa a orientação do Tribunal da Relação no que à produção do acidente diz respeito – o risco repartido na proporção de 1/3 para o A. e 2/3 para o segurado na R. – não terá o acórdão recorrido feito mal as contas, mantendo a decisão da 1ª instância?</font><br>
<font>Analisemos, pois, as questões enunciadas.</font><br>
<font>Prescreve o art. 503º, nº 3 do CC:</font><br>
<font>“Aquele que conduzir o veículo por conta de outrem responde pelos danos que causar, salvo se provar que não houve culpa da sua parte; se, porém, o conduzir fora do exercício das suas funções de comissário, responde nos termos do nº 1”.</font><br>
<font>Ora, o problema que se levanta, e que a recorrente já colocou ao Tribunal de Guimarães, é o de saber se o A. pode ser considerado comissário pelo simples facto de conduzir um ciclomotor de seu pai.</font><br>
<font>A Relação afastou tal ideia dizendo que “a mera circunstância de se provar que o veículo era conduzido por outrem que não o proprietário não permite afirmar que este tem a sua direcção efectiva e o utiliza no seu próprio interesse, por intermédio de comissário”.</font><br>
<font> E, partindo da ideia que não ficou provada a culpa dos envolvidos, aplicou ao caso as regras constantes do art. 506º do CC.</font><br>
<font> Neste segmento afastou-se do juízo feito pelo tribunal de 1ª instância já que, para este, o acidente se ficou a dever a culpa de ambos os condutores e em igual repartição de responsabilidades.</font><br>
<font> Pela nossa parte, desde já avançamos que, atenta a factualidade dada como provada – melhor, dada como não provada – apenas é possível concluir pela verificação do acidente.</font><br>
<font> Caídos estamos, dest’arte, no domínio da responsabilidade pelo risco.</font><br>
<font> Só que, com isto, não podemos dizer que concordamos em absoluto com o caminho lógico percorrido pelo Tribunal da Relação de Guimarães para chegar ao rersultado a que chegou.</font><br>
<font> Com efeito, o que está em causa é saber a que título é que o A. conduzia o veículo de seu pai, não a responsabilidade deste: despropositada a referência ao texto da do nº 3 do art. 503º.</font><br>
<font> Na verdade, com o assento de 14 de Abril de 1983 fixou-se que este mesmo preceito estabelece, quanto aos danos causados pelo condutor de veículo por conta de outrem, uma verdadeira presunção de culpa.</font><br>
<font> Conduzir por conta de outrem pressupõe a existência de uma relação de comissão entre o condutor e o proprietário (usufrutuário, locatário financeiro, etc.).</font><br>
<font> A ser assim, competia à R. a alegação e consequente prova da relação de comissão e ao A. ilidir, de seguida, a presunção que sobre ele penderia. </font><br>
<font> Mas, nada resulta dos autos que o A. conduzisse o veículo por conta e sobre a direcção do proprietário seu pai, sendo certo que a mera relação de parentesco não permite presumir a comissão.</font><br>
<font> Deste modo, não recai sobre o A. a presunção de culpa prevista no preceito legal invocado. </font><br>
<font> Não havendo matéria de facto que permita a imputação do acidente a título de culpa – efectiva ou presumida – sobra a aplicação ao caso das regras pertinentes à responsabilidade objectiva, mais concretamente ao estatuído pelo art. 506º do CC, relativas à colisão de veículos.</font><br>
<font>Aqui chegados, um último ponto nos falta analisar.</font><br>
<font> Diz ele respeito ao </font><i><font>quantum</font></i><font> indemnizatório propriamente dito.</font><br>
<font> O montante total dos danos – ou seja, a soma dos atribuídos a título de danos não patrimoniais (40.000 €) e dos patrimoniais (280.020,95 €) – foi fixado em 320.020,95 €, valor este não foi posto em crise por qualquer das partes envolvidas no litígio.</font><br>
<font> Considerando que a proporção de risco foi bem atribuída pela Relação – 1/3 para o A. e 2/3 para o condutor do veículo seguro na R. -, coisa que também não foi beliscada pela recorrente (cfr. conclusões 9º a 11ª), impõe-se a fixação da indemnização a atribuir ao A. em 213.347,30 €, valor que fica aquem do que a Relação considerou ao manter o fixado pela 1ª instância.</font><br>
<font> Em conclusão:</font><br>
<font> Face à matéria de facto apurada pelas instâncias, apenas podemos concluir pela co-responsabilização da R. seguradora a título de risco assumido pelo seu segurado.</font><br>
<font> Fixado o mesmo risco, impõe-se a sua repartição, em respeito pelo estatuído pelo nº 1 do art. 506º do CC.</font><br>
<font> Considerando que o risco foi repartido na proporção de 1/3 para o A. e 2/3 para o segurado na R. (repartição esta que a recorrente acabou por aceitar) e que o total da indemnização apurada foi de 320.020,95 €, fica esta, por mor do contrato de seguro celebrado com o condutor e proprietário do 00-00-00, constituída na obrigação de pagar ao A. 213.347,30 €.</font><br>
<font> Este montante corresponde à soma da indemnização devida a título de danos não patrimomiais (26.666,66 €) e de danos patrimoniais (186.680,63 €).</font><br>
<font> Além das mesmas, tem o A. direito a perceber juros de acordo com o critério fixado na sentença de 1ª instância.</font><br>
<font> </font><b><font>IV</font></b><font> – </font><br>
<font> Em conformidade com o exposto e sem necessidade de qualquer outra consideração, decide-se conceder parcial revista e, em consequência, fixar em 213.347,30 a indemnização devida pela R. ao A..</font><br>
<font> A este montante acrescem os juros, tal com a 1ª instância os fixou.</font><br>
<font> Custas aqui e nas instâncias por A. e R. na proporção do decaímento.</font><br>
<font> </font><br>
<br>
<font> Lisboa, aos 19 de Setembro de 2006</font><br>
<br>
<font> Urbano Dias ( relator)</font><br>
<font> Paulo Sá</font><br>
<font> Borges Soeiro</font></font></p>
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RzLLu4YBgYBz1XKvkT1O
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1.ª Secção (Cível)
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<b><font> </font></b><font><b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça</font></b><font>:</font><br>
<br>
<font>Por apenso à execução que o "Empresa-A" moveu contra a "Empresa-B", veio o Município de Ovar deduzir embargos de terceiro pedindo em consequência, o levantamento de penhora sobre imóveis que identifica e o cancelamento dos respectivos registos.</font><br>
<br>
<font>Na Comarca de Ovar, os embargos foram julgados procedentes.</font><br>
<br>
<font>"Empresa-C", cessionário do crédito exequendo, recorreu para a Relação do Porto que confirmou o julgado.</font><br>
<br>
<font>Pede, agora, revista assim concluindo as suas alegações:</font><br>
<br>
<font>- O negócio jurídico celebrado entre o recorrido Município de Ovar e a Empresa-B (executada) configura uma permuta de um lote de terreno por fracções autónomas de prédios urbanos constituídos em propriedade horizontal.</font><br>
<br>
<font>- Recorrido e executada acordaram que a transmissão das fracções se realizaria com a celebração das respectivas escrituras.</font><br>
<br>
<font>- Recorrido e executada não realizaram qualquer escritura.</font><br>
<br>
<font>- O artigo 880º do CC impõe que na venda de bens futuros o vendedor exerça as diligências necessárias para que o comprador adquira os bens.</font><br>
<br>
<font>- O artigo 408º nº 2 do CC estabelece que, se a transferência respeitar a coisa futura, o direito transfere-se quando a coisa for adquirida pelo alienante.</font><br>
<br>
<font>- O recorrido confessa que ainda não adquiriu as fracções penhoradas, e só as adquirirá através da celebração da escritura.</font><br>
<br>
<font>- A compra e venda de imóveis tem de constar de escritura pública, e só é válida se for cumprida aquela formalidade - artigo 875º do CC.</font><br>
<br>
<font>- A executada nada vendeu ao recorrido, que não tem a propriedade das fracções.</font><br>
<br>
<font>- O recorrido, não tendo adquirido os imóveis, não podia proceder ao respectivo registo, como não procedeu.</font><br>
<br>
<font>- O recorrido não é terceiro, pois não é o proprietário dos bens, sendo um simples detentor.</font><br>
<br>
<font>- Não sendo terceiro, não tem o recorrido legitimidade para deduzir os embargos.</font><br>
<br>
<font>- O Tribunal de 1ª Instância devia ter decidido pela ilegitimidade do recorrido, situação que o Tribunal da Relação deveria confirmar.</font><br>
<br>
<font>- A recorrente é titular de um crédito sobre a executada, garantido por hipotecas constituídas sobre as fracções em questão nos autos, em Março de 1997 e Abril de 1998.</font><br>
<br>
<font>- Tais hipotecas foram devidamente registadas, sem qualquer oposição do recorrido.</font><br>
<br>
<font>- A partir daquelas supra citadas datas, impendem ónus reais sobre as fracções que se vieram a individualizar com a constituição da propriedade horizontal, designadamente sobre as fracções I, P, L, O, R e N.</font><br>
<br>
<font>- O recorrido não tem a posse do terreno há mais de 20, 30 anos, já que pelo menos em 28 de Junho de 1995 a perdeu a favor da executada, que aí edificou um prédio.</font><br>
<br>
<font>- O recorrido não pode invocar, a seu favor, a usucapião.</font><br>
<br>
<font>- As hipotecas registadas prevalecem sobre os registos posteriores e sobre todas e quaisquer situações que não configuram registos anteriores, designadamente as condições obrigacionais/contratuais decorrentes do contrato celebrado entre recorrido e executada.</font><br>
<br>
<font>- Aquelas condições apenas vigoram inter partes e não afectam terceiros, designadamente o credor hipotecário.</font><br>
<br>
<font>- O acórdão errou, quando concluiu que aquelas condições representam um ónus sobre o prédio, ónus esse conhecido pela recorrente.</font><br>
<br>
<font>- Nem representam uma diminuição da garantia do credor hipotecário, já que a garantia real é alheia ás vicissitudes contratuais.</font><br>
<br>
<font>- O acórdão violou, por erro de interpretação, os artigos 875 e 818 do CC, 56º nº2 e 821º do CPC, 408º nº2, 817 e 819 do CC, não os conjugando com os artigos 686º, 687º, 688º, 721º e 727º do CC.</font><br>
<br>
<font>- Mesmo que o recorrido tivesse adquirido validamente os imóveis (o que não se concede), a execução teria de incidir sobre eles, já que os mesmos estavam onerados com as hipotecas.</font><br>
<br>
<font>- Mesmo que o recorrido tivesse adquirido validamente os imóveis (o que não se concede), teria de registar a sua aquisição, sob pena de a exequente/recorrente não saber quem demandar - artigo 2º, nº1, alínea a) do CRP.</font><br>
<br>
<font>- A recorrente intentou execução contra a Cooperativa de Habitação uma vez que esta era a única titular inscrita no registo.</font><br>
<br>
<font>- O registo predial destina-se a dar publicidade à situação jurídica dos prédios, tendo em vista a segurança do comércio jurídico imobiliário - artigo 1º do CRP.</font><br>
<br>
<font>- Estão sujeitos a registo os factos jurídicos que determinam a constituição, o reconhecimento, a aquisição ou a modificação dos direitos de propriedade - artigo 2º, nº1, alínea a) do CRP.</font><br>
<br>
<font>- Os factos sujeitos a registo só produzem efeitos contra terceiros depois da data do respectivo registo - artigo 5º nº1 do CRP.</font><br>
<br>
<font>- As penhoras mandadas levantar tem de se manter, face a todo o exposto.</font><br>
<br>
<font>- Os registos mandados cancelar tem de se manter, face a todo o exposto.</font><br>
<br>
<font>Contra alegou o recorrido em defesa do julgado.</font><br>
<br>
<font>As instâncias deram por assente a seguinte </font><font>matéria de facto:</font><br>
<br>
<font>- Nos autos de execução a que os presentes embargos estão apensos, intentada em 28.04.2005, em que é exequente "Empresa-A" e executada "Empresa-B", em 18.10.2005 foram penhorados, a requerimento da ali exequente, ora embargada, os bens identificados no auto de penhora de fls. 276 a 280, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.</font><br>
<br>
<font>- Do auto da penhora consta:</font><br>
<font>1- Fracção autónoma designada pela letra I, no 1º andar, com arrumo na cave e lugar de aparcamento, sito na Rua D. Baptista Ramos, nº ..., em Ovar, inscrita na matriz predial urbana da freguesia de Ovar sob o artigo 11784-I e descrito na Conservatória do Registo Predial de Ovar, sob o nº 04967/160996-I;</font><br>
<font>2- Fracção autónoma, designada pela letra P, no 1º andar esquerdo, com arrumo na cave e lugar de aparcamento, sito na rua D. Baptista Ramos, nº ..., em Ovar, inscrita na matriz predial urbana da freguesia de Ovar sob o artigo 11784-P e descrito na Conservatória do Registo Predial de Ovar, sob o nº 04967/160996-P;</font><br>
<font>3- Fracção autónoma designada pela letra L, no 1º andar esquerdo, com arrumo na cave e lugar de aparcamento, sito na rua D. Baptista Ramos, nº..., em Ovar, inscrita na matriz predial urbana da freguesia de Ovar sob o artigo 11784-L e descrito na Conservatória do Registo Predial de Ovar, sob o nº 04967/160996-L;</font><br>
<font>4- Fracção autónoma designada pela letra O, no 1º andar direito, com arrumo na cave e lugar de aparcamento, sito na rua D. Baptista Ramos, nº ..., em Ovar, inscrita na matriz predial urbana da freguesia de Ovar sob o artigo 11784-O e descrito na Conservatória do Registo Predial de Ovar, sob o nº 04967/160996-O;</font><br>
<font>5- Fracção autónoma designada pela letra R, no 2º andar esquerdo, com arrumo na cave e lugar de aparcamento, sito na rua D. Baptista Ramos, nº ..., em Ovar, inscrita na matriz predial urbana da freguesia de Ovar sob o artigo 11784-R e descrito na Conservatória do Registo Predial de Ovar, sob o nº 04967/160996-R;</font><br>
<font>6- Fracção autónoma designada pela letra N, no 1º andar esquerdo, com arrumo na cave e lugar de aparcamento, sito na rua D. Baptista Ramos, nº..., em Ovar, inscrita na matriz predial urbana da freguesia de Ovar sob o artigo 11784-N e descrito na Conservatória do Registo Predial de Ovar, sob o nº 04967/160996-N;</font><br>
<br>
<font>- As fracções aludidas fazem parte de um prédio urbano, em regime de propriedade horizontal, sito na Rua D. Baptista Ramos, Rua Fialho de Almeida e Rua Manuel José Possante, em Ovar.</font><br>
<br>
<font>- Por escritura outorgada perante o Notário Privativo da Câmara Municipal de Ovar, em 28 de Junho de 1995, o embargante, através do seu representante, declarou vender pelo preço de Esc. 102.165.000$00 à executada uma parcela de terreno destinada à construção com a área de 15.177 m2 sita no lugar do Outeiro, freguesia e concelho de Ovar, a destacar do prédio rústico nº 9418 e descrito na CRP de Ovar sob o nº 3115 de Ovar, junta a fls. 6 e 10 cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.</font><br>
<br>
<font>- A venda do terreno destinou-se à construção por parte da executada de 93 fracções para habitação, dois espaços comerciais e equipamentos sociais.</font><br>
<br>
<font>- O preço da mencionada compra e venda seria pago com a entrega pela executada ao embargante de 10 fracções destinadas a habitação, sendo 7 do tipo T3 e 3 do tipo T2.</font><br>
<br>
<font>- No registo efectuado na Conservatória do Registo Predial da compra efectuada pela executada à embargante do terreno, em 16/09/96 consta que o pagamento do preço da venda será efectuado em espécie (...) concretamente sete fogos do tipo T3 e 3 do tipo T2.</font><br>
<br>
<font>- A executada construiu as fracções destinadas a habitação referidas.</font><br>
<br>
<font>- Por escritura outorgada, em 15.05.2002, perante o Notário Privativo da Câmara Municipal de Ovar, a executada declarou entregar ao embargante, entre outras, as fracções I, P, L, O, R, N acima aludidas, com vista ao pagamento do preço da compra e venda aludido, nos termos constantes do documento de fls. 11 a 14, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.</font><br>
<br>
<font>- O embargante ainda não registou a propriedade das fracções a seu favor na Conservatória do Registo Predial de Ovar.</font><br>
<br>
<font>- A penhora sobre as mencionadas fracções efectuada nos autos de execução a que os presentes se encontram apensos, foi registada em 18 de Outubro de 2005.</font><br>
<br>
<font>- O exequente tem registado a seu favor duas hipotecas, com as inscrições C1 e C2, sobre os bens referidos, em 21.01.97 e 16.04.97.</font><br>
<br>
<font>- As fracções referidas estavam, em 30 de Novembro de 2005, inscritas na matriz em nome da embargante.</font><br>
<br>
<font>Foram colhidos os vistos.</font><br>
<br>
<font>Conhecendo, </font><br>
<br>
<font>1- Embargos de Terceiro</font><br>
<font>2- Hipoteca Voluntária.</font><br>
<font>3- Conclusões.</font><br>
<br>
<font>1- Embargos de terceiro</font><br>
<br>
<font>A questão "sub judicio" não suscita grandes dificuldades sendo que a solução não é, seguramente, coincidente com a do Acórdão remissivo ora impugnado.</font><br>
<font>Movemo-nos no âmbito dos embargos de terceiro.</font><br>
<font>Resulta do disposto no artigo 351º do Código de Processo Civil que se um acto judicialmente ordenado (seja de apreensão ou de entrega de bens) ofender a posse ou qualquer outro direito não compatível com a realização ou âmbito da diligência, e a titularidade daquele direito for de quem não é parte na causa, esse lesado pode fazê-lo prevalecer lançando mão daquela medida. </font><br>
<font>Outrossim, o artigo 1285º do Código Civil consagra, em sede substantiva, o direito de embargos de terceiro referindo a ofensa da posse por diligência judicial, deste modo autonomizando esta no cotejo com qualquer outro direito real.</font><br>
<font>Assim é, mau grado hoje - e ao contrário do regime adjectivo anterior, constante do nº 1 do artigo 1037º do CPC - os embargos de terceiro não se destinarem, apenas, à defesa da posse.</font><br>
<font>Mas aqui, como poder que se manifesta quando alguém actua por forma correspondente ao direito de propriedade ou de outro direito real (artigo 1251º da lei civil), pressupõe-se a coexistência do "corpus" (poder de facto, estável, exercido sobre a coisa detida) e do "animus" (ou propósito do exercício do poder em consonância com o correspondente direito real).</font><br>
<font>Já ao mero detentor - ou possuidor precário - embora, por vezes, com o "corpus integral" falta o "animus possidendi".</font><br>
<font>Relevam estas breves considerações para verificar se assiste razão ao embargante.</font><br>
<font>Este alegou a posse fundada no direito de propriedade das fracções penhoradas, não obstante não ter efectuado, ainda, o registo da sua aquisição e que o embargado não pode ser considerado terceiro, em relação a si, nos termos do artigo 5º nº 1 do Código do Registo Predial.</font><br>
<font>E este entendimento foi acolhido pelas instâncias.</font><br>
<br>
<font>2- Hipoteca voluntária.</font><br>
<br>
<font>2.1- Só que, trata-se de execução hipotecária, estando as fracções penhoradas oneradas com hipotecas voluntárias constituídas a favor da exequente.</font><br>
<font>Ora, a hipoteca - direito real de garantia - confere ao credor o direito de ser pago pelo valor dos imóveis pertencente quer ao devedor, quer a terceiro, precedendo, ou preferindo, "os demais credores que não gozem de privilégio especial ou de prioridade de registo", nos termos do nº 1 do artigo 686º CC.</font><br>
<font>Na sua modalidade de voluntária, pode ser constituída por devedor ou por terceiro, dependendo, embora, da legitimidade para alienar os bens onerados, ou seja, da existência de poderes de disposição sobre a coisa, que podem ser, ou não, coincidentes com a propriedade ou com a titularidade efectiva do direito.</font><br>
<br>
<font>Mas os bens hipotecados podem ser transmitidos embora esse ónus acompanhe a transmissão.</font><br>
<font>Note-se que é nula a cláusula proibitiva de alienação, ou oneração, dos bens hipotecados, mau grado a licitude da convenção de vencimento da hipoteca, verificada a alienação ou oneração (artigo 695º).</font><br>
<font>Finalmente, o devedor-dono pode opor-se a que outros dos seus bens sejam penhorados antes de demonstrada a insuficiência dos garantidos e o dono não devedor pode apor ao credor os meios de defesa deste contra o crédito, tudo nos termos dos artigos 697º e 698º CC (cf. a propósito, e v.g, Prof. Vaz Serra - "Hipoteca" BMJ 62-5 ss - Doutor Armindo Ribeiro Mendes - "Um novo instrumento financeiro: as obrigações hipotecárias" in "Revista da Banca", 15, 59 ss - e Profs. Oliveira Ascensão e Menezes Cordeiro - "Expurgação da hipoteca - Parecer Jurídico - CJ XI, 5, 35).</font><br>
<br>
<font>2.2- Na situação vertente ocorreu esta sequência temporal:</font><br>
<font>1º- Escritura pública, em 28 de Junho de 1995, no qual o embargante vendeu e a executada comprou uma parcela de terreno destinada à construção de 93 fracções para habitação, dois espaços comerciais e equipamentos sociais;</font><br>
<font>1º A- O preço seria pago com a entrega pela executada ao embargante de 10 fracções destinadas à habitação (7-T3 e 3-T2);</font><br>
<font>2º- O exequente registou a seu favor, em 21 de Janeiro de 1997 e 16 de Abril de 1998, hipotecas voluntárias sobre as fracções autónomas penhoradas (I, P, L, O, R, N).</font><br>
<font>3º- Escritura pública de 15 de Maio de 2002 na qual a executada declarou entregar ao embargante para pagamento do preço da compra e venda de 28 de Junho de 1995, as fracções, entre outras, I, P, L, O, R e N.</font><br>
<font>Verifica-se, assim, que aquando da constituição e registo das hipotecas, não se sabia - nem face ao registo o credor hipotecário podia detectá-lo - quais as fracções destinadas ao pagamento do preço, por não surgirem identificadas na primeira escritura.</font><br>
<font>Por outro lado, o embargante não alegou ou provou que o exequente conhecesse exactamente quais.</font><br>
<font>A respectiva especificação - ou identificação - só surgiu após as hipotecas (registadas) e com a segunda escritura.</font><br>
<font>Não resulta assim que o embargante tivesse a propriedade e a posse das fracções hipotecadas antes da constituição do direito real de garantia, já que o pagamento do preço, em espécie, tanto poderia ser feito com aquelas ou com outras fracções.</font><br>
<br>
<font>E também não resultou provado (por nem sequer alegado) que as fracções transmitidas fossem as únicas com a tipologia referida na escritura de compra e venda.</font><br>
<font>Mantêm-se, pois, erectas as hipotecas, com as consequências que resultam da sequela.</font><br>
<font>Procedem assim as mais relevantes conclusões da recorrente.</font><br>
<br>
<font>3- Conclusões.</font><br>
<br>
<font>Pode concluir-se que:</font><br>
<br>
<font>a) Conjugando os artigos 351º do Código de Processo Civil e 1285º do Código Civil conclui-se que a defesa da posse ainda é o fundamento nuclear dos embargos de terceiro, apesar de esse meio poder hoje também defender qualquer outro direito incompatível com a diligência judicial.</font><br>
<font>b) Enquanto não estiverem identificadas as fracções de prédio urbano destinadas ao pagamento do preço de compra e venda do terreno onde foi implantado o edifício, não se transferiu a posse - nem a propriedade - dos mesmos, por indeterminação do objecto.</font><br>
<font>c) A hipoteca - direito real de garantia - registada antes da transmissão da propriedade das fracções - ou da respectiva posse - é impeditiva da procedência de embargos de terceiro requeridos contra penhora operada em execução hipotecária.</font><br>
<br>
<font>Nos termos expostos, </font><font>acordam conceder a revista</font><font>, julgando improcedentes os embargos.</font><br>
<br>
<font>Custas pelo embargante em todas as instâncias.</font><br>
<br>
<font>Lisboa, 19 de Junho de 2007</font><br>
<br>
<font>Sebastião Póvoas</font><br>
<font>Moreira Alves</font><br>
<font>Alves Velho</font></font>
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3jK5u4YBgYBz1XKvlTfs
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1.ª Secção (Cível)
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<b><font> </font></b><font><br>
<br>
<font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font><br>
<br>
<br>
<font>I - Construções DM, Limitada instaurou a presente acção declarativa de condenação, com forma de processo ordinário, contra AA e mulher BB, e contra a Caixa Geral de Depósitos, Sociedade Anónima, pedindo que os réus AA e mulher sejam condenados a pagar-lhe a quantia de 220.811,58 €, acrescida de juros legais à taxa anual de 9,09%, juros esses que incidem sobre o capital de 205.714,78 € desde 4/5/2005 até efectivo e integral pagamento, bem como serem todos os réus condenados a verem declarado o direito de retenção da autora sobre o prédio identificado na petição inicial. </font><br>
<font> Alegou que celebrou com o R AA um contrato de empreitada em que se comprometeu a construir um edifício, sendo os trabalhos objecto de medição mensal.</font><br>
<font> Esse réu pagou algumas das facturas relativas a trabalhos efectuados, mas já não pagou as duas últimas facturas que totalizam 205.714,78 €, também reportadas a trabalhos executados.</font><br>
<font> Até 3/5/2004 a dívida venceu juros no montante de 15.097 €.</font><br>
<font> Por via do procedimento cautelar apenso aos presentes autos de acção ordinária, foi arrestado em benefício da autora e para garantia da dívida citada o prédio urbano composto de terreno para construção, terreno esse onde foi construído pela autora o referido edifício.</font><br>
<font> Esse prédio é dos réus AA e mulher e encontra-se hipotecado a favor da ré Caixa.</font><br>
<font> A autora detém o edifício, não tendo mais ninguém acesso ao mesmo, mantendo-o fechado e guardado.</font><br>
<font> Dada a falta de pagamento de parte dos trabalhos, pretende a autora que seja declarado o seu direito de retenção sobre o imóvel.</font><br>
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<font>Os RR AA e mulher não contestaram.</font><br>
<font>A R Caixa contestou concluindo pela improcedência do pedido quanto à contestante, alegando que a hipoteca de que beneficia garante o financiamento que concedeu aos réus AA e mulher para a construção do prédio ora em causa, bem como que desconhece os factos alegados pela autora.</font><br>
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<font> Proferiu-se saneador e elaborou-se a condensação.</font><br>
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<font> Procedeu-se, por fim, ao julgamento, tendo-se exarado sentença que julgou o primeiro pedido procedente e condenou os RR AA e BB a pagarem à autora a quantia de 205.714,58€, a que acrescem juros contados nos seguintes termos:</font><br>
<font> - Sobre a parcela de 99.361,07€ acrescem, até efectivo e integral pagamento, juros contados desde o dia 15/7/2004 até ao dia 30/9/2004 à taxa anual de 12%, desde 1/10/2004 até 31/12/2004 à taxa anual de 9,01%, desde 1/1/2005 até 30/6/2005 à taxa anual de 9,09%, desde 1/7/2005 até 31/12/2005 à taxa anual de 9,05%, desde 1/1/2006 até 30/6/2006 à taxa anual de 9,25%, desde 1/7/2006 até 31/12/2006 à taxa anual de 9,83%, desde 1/1/2007 até 30/6/2007 à taxa anual de 10,58% e desde 1/7/2007 em diante à taxa anual que resultar da aplicação do art. 1 da Portaria 597/2005 de 19/7;</font><br>
<font> - Sobre a parcela de 106.353,51€ acrescem, até efectivo e integral pagamento, juros contados desde o dia 15/8/2004 até ao dia 30/9/2004 à taxa anual de 12%, desde 1/10/2004 até 31/12/2004 à taxa anual de 9,01%, desde 1/1/2005 até 30/6/2005 à taxa anual de 9,09%, desde 1/7/2005 até 31/12/2005 à taxa anual de 9,05%, desde 1/1/2006 até 30/6/2006 à taxa anual de 9,25%, desde 1/7/2006 até 31/12/2006 à taxa anual de 9,83%, desde 1/1/2007 até 30/6/2007 à taxa anual de 10,58% e desde 1/7/2007 em diante à taxa anual que resultar da aplicação do art. 1 da Portaria 597/2005 de 19/7.</font><br>
<font> Julgou igualmente procedente o segundo pedido e declarou que a autora beneficia de direito de retenção sobre o prédio sito no lugar de P...., freguesia de Rio Tinto, concelho de Gondomar, com a referência no registo predial 03773/120894, e condenou os RR AA, BB e Caixa Geral de Depósitos a reconhecerem tal direito de retenção, referindo antecedentemente que o dito direito prevalecia sobre a hipoteca e que em caso de venda executiva tinha o direito a ser pago em primeiro lugar.</font><br>
<font> Interposto recurso de apelação pela R Caixa, não lhe foi dado guarida pela Relação do Porto que através do douto acórdão de fls confirmou o sentenciado na 1ª instância.</font><br>
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<font>Recorreu, de novo inconformada, a R Caixa, de revista, concluindo a sua peça alegatória como segue:</font><br>
<font> 1. - O direito de retenção pressupõe a posse do imóvel por parte de quem a invoca à data da constituição e do vencimento da obrigação de o entregar não se compadecendo com situações em que a posse do imóvel, ainda que consentida pelo dono, só é posterior à data do vencimento do crédito. </font><br>
<font> 2. - O único elemento que permite aferir do direito de retenção consta dos artºs 25º e 26º da p. i. e foi transferido para o quesito 13º que logrando obter resposta positiva apenas permite concluir que em 4/05/2005, data da propositura da acção e a partir dessa data a A impedia o acesso à obra e mantinha o edifício na sua posse.</font><br>
<font> 3. – Não se provou que entre a data do abandono da obra pela A e da mora no pagamento das facturas por parte do R (a ultima factura venceu-se em 15/08/2003) e a data da acção (23/11/2004) a A estivesse na posse do imóvel e impedisse o acesso a qualquer pessoa.</font><br>
<font> 4. – A carta de fls 148 subscrita pelo R em 1/08/2005, embora estranha por si e pelo seu teor, face às regras da experiência comum, se algo permite provar é que a posse ou a detenção do imóvel pela A , consentida e legítima só a partir dessa altura terá ocorrido.</font><br>
<font> 5. – Não se provando a detenção legítima ou posse material do imóvel pela A com a subsequente obrigação de o entregar, no momebnto em que dispõe do crédito, apenas se podendo concluir que a referida posse ainda que consentida pelo dono só é posterior à data do vencimento do referido crédito, verifica-se a falta de um dos requisitos essencviau is do direito de retenção.</font><br>
<font> 6. – Ao declarar que a A beneficia do direito de retenção , nestas circunstâncias foram violados os artºs 754º e 342º do CCivil.</font><br>
<font> 7. – A lei faz depender o direito de retenção de uma relação de conexão entre a coisa retida e o crédito invocado, ou seja, na letra da lei, é exigível que o crédito resulta de despesas feitas po causa da coisa ou de danos por ela causados ( cfr artº 754º do CCivil)</font><br>
<font> 8. – E na fórmula legal “ despesas feitas por causa da coisa “ apenas podem considerar-se abrangidas “as despesas feitas para conservar ou melhorar a coisa “ou seja as benfeitorias.</font><br>
<font> 9 – O crédito da A resulta de despesas de edificação e não de despesas de mera beneficiação ou de conservação do edifício pré-existente .</font><br>
<font> 10 – O referido crédito é relativo a despesas de edificação e é o preço da obra a que se refere o artº 1207º do CCivil, não podendo este preço confundir-se com as despesas a que se refere o artº 754º do mesmo código.</font><br>
<font> 11 – As despesas feitas pela A correspondentes ao preço da obra imobiliária realizada não podem gerar direito de retenção porque s são préexistentes, nãi o sendo despesas feitas por causa da coisa, visto que a coisa( obras realizada) ainda não existia quanf do foram v constituídas (cfr Ac da RLxa de 5/06/1984, CJ 1984, Tº3º, 137 e A. Varela, Das Obrigações em Geral , 7ªed., 577 e ss) </font><br>
<font> 12 – Ao decidir como decidiu a d. sentença recorrida violou o artº 754º do CCivil .</font><br>
<font> 13 – Mesmo que viesse a reconhecer-se à A o direito de retenção, o que não se concede, nunca tal direito poderia ter o alcance previsto na sentença proferida no tribunal de 1ª instância, confirmada pelo douto acórdão recorrido, face à menção nela expressa do nº2 do artº 759º do CCivil .</font><br>
<font> 14 – De facto, tem vindo a consolidar-se uma corrente de opinião que considera inconstitucional a preferência do direito de retenção face à hipoteca, consagrada naquele artigo, quando a hipoteca tenha sido registada anteriormente .</font><br>
<font> 15 – E isto porque, tal prevalência do direito de retenção sobre créditos constituídos e registados em momento anterior , como sucede com os créditos hipotecários, ofende valores e direitos fundamentais, constitucionalmente tutelados.</font><br>
<font> 16 - A prevalência do direito de retenção sobre hipoteca anteriormente constituida apresenta de facto uma intolerável sacrifício do credor hipotecário que confiou na certeza do direito e viola o princípio da confiança , ínsito no princípio do estado de direito democrático consagrado no artº 2º da Constituição, afecta gravemente as fundadas e legítimas expectativas de terceiros, lesando inexoravelmente a certeza e a segurança do tráfego jurídico e a protecção da confiança e da segurança jurídica dos particulares e viola os princípios constitucionais da proporcionalidade (que impõe a salvaguarda de outros direitos ou interesses constitucionalnmente protegidos) e da igualdade de tratamento ( que impõe que situações idênticas sejam objecto do mesmo tratamento, proibindo diferenciações destituídas de fundamento racional).</font><br>
<font> 17–O nº2 do artº 759º do CCivil enferma, pois, de inconstitucionalidade ao conferir a prevalência do direito de retenção sobre a hipoteca anteriormente registada.</font><br>
<font> 18 – De facto, interpretada aquela norma no sentido do direito de retenção prevalecer em relação ao credor titular de uma garantia hipotecária registada anteriormente à ocorrência dos pressupostos de que depenfde a verificação daquele direito a mesma é atentatória do disposto nos artºs 2º, 13º, 18º,nº2, 20º, nº1 e 165º aln b) da CRP na medida em que vai contra aqueles princípios .</font><br>
<font> 19 – Este entendimento é reforçado pela orientação que para casos idênticos vem sendo seguida pela jurisprudência do Tribunal Constitucional que já julgou inconstitucionais , por violação do princípio da confiança (…), as normas constantes dos artºs 2º do DL 512/76 de 3/07, 11º do DL 103/80 de 9/05 e 104º do CIRS quando interpretadas no sentido que o privilégio imobiliário geral nelas conferido prefere à hipoteca nos termos do artº 751º do CCivil ( Ac.s nº 160/2000 de 23/02, 354/2000 de 5/07 , 100/2001 de 5/03, publicados b no DR s de 10/10/2000 de 7/11(2000e de 21/02/2002 ) inconstitucionalidade esta entretanto declarada com força obrigatória geral pelos Acs nºs 362/2002 e 363/2002, publicados no DR - 1ª A de 16/10/02.</font><br>
<font> 20 – Como se lê do referido acórdão de 23/03/2000, o princípio da protecção da confiança (…) postula um mínimo de certeza nos direitos das pessoas e nas expectatívas que lhes são juridicamente criadas, censurando as afectações inadmissíveis, arbitrárias ou excessivamente onerosas, com as quais não se poderia moral e razoavelmente contar.</font><br>
<font> 21 - Parafraseando ainda o d. Acórdão dir-se-á que não estando o direito de retenção sujeito a registo e tendo a recorrente registado a sua hiopoteca muito antes da alegada verificação dos pressupostos em que se fundamenta aquele direito, não pode o mesmo ser oposto quanto à referida hipoteca, sob pena da recorrente se ver confrontada uma realidade que frustra a fiabilidade que o registo da hipoteca e a ausência de ónus anteriores naturalmente lhe mereciam </font><br>
<font> 22 – Reconhecer a prevalência do direito de retenção sobre a hipoteca ainda que esta tenha« sido registada anteriormente é um rude golpe na protecção devida aos legítimos interesses designadamente das entidades bancárias, com grande responsabilidade na dinamização da actividade económica e financeira, mormente no sector da construção civil, porque imprescindíveis a essa actividade, quer a montante quer a juzante , primeiro no financiamento às empresas para apoio à construção e depois no financiamento dos particulares para apoio à aquisição das habitações </font><br>
<font> 23 .- E perante o conflito de interesses relevantes dos cidadãos e das empresas que são normalmente os beneficiários do direito de retenção e de interesses igualmente relevantes das instituições de crédito, habitualmente detentoras de hipoteca , terão de prevalecer os princípios da proporcionalidade e da igualdade de tratamento nos termos das qual perde razoabilidade a prevalência conferida ao direito de retenção sobre a hipoteca à revelia e ou contradição com a prioridade conferida pelo registo predial com o alcance e a relevância que lhe dão reconhecidos, designadamente na jurisprudência acima referenciada .</font><br>
<font> 24 – A norma do nº2 do artº 759º do CCivil na interpretação de que o direito de retenção prevalece sobre a hipoteca ainda que esta tenhá sido registada anteriormente padece pois de inconstitucionalidade material por violar o disposto nos artºs já atrás citados da Constituição.</font><br>
<font> Termina a recorrente por pedir a revogação do douto acórdão e da sentença na parte em que se declara que a A beneficia do direito de retenção e sem conceder se corrija o acórdão e a sentença na parte em que esta reconhece que o direito de retenção prevalece sobre a hipoteca da ora recorrente pela menção expressa que nela é feita que o direito de retenção prevalece sobre a hipoteca, ainda que anteriormente registada. </font><br>
<font> </font><br>
<font> Não houve contra alegacão. </font><br>
<font> </font><br>
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<font> Corridos os vistos legais, cumpre decidir.</font><br>
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<font> III.- Factos considerados provados na sentença:</font><br>
<font> 1. O réu AA é comerciante em nome individual e dedica-se à actividade industrial e comercial de promoção e revenda de imóveis (A).</font><br>
<font> 2. No lugar de Perlinhas, freguesia de Rio Tinto, concelho de Gondomar, existe um terreno para construção, com a referência no registo predial 03773/120894, cujo direito de propriedade se encontra inscrito, desde 17/8/1998, a favor do réu AA e da ré BB, casados entre eles sob o regime de comunhão de adquiridos (B). </font><br>
<font> 3. Com registo predial desde 23/6/2000, foi constituído sobre esse prédio uma hipoteca a favor da ré Caixa para garantia do capital de 550.000.000 de escudos, com o limite máximo de 826.925.000 escudos (C).</font><br>
<font> 4. A autora é uma sociedade comercial que se dedica à indústria de construção civil (1).</font><br>
<font> 5. No âmbito das suas actividades industriais e comerciais, o réu AA e a autora celebraram em 30/9/2003 um contrato de empreitada em que a autora se comprometia a terminar a construção de um edifício implantado no terreno referido em B), edifício esse de que já estava construída a estrutura em tosco (2).</font><br>
<font> 6. Pelo preço de 1.700.000 euros, acrescido de Imposto Sobre o Valor Acrescentado (3).</font><br>
<font> 7. Foi acordado que os trabalhos da autora seriam pagos mensalmente, de acordo com os trabalhos efectuados (4).</font><br>
<font> 8. Mais se acordou que a autora enviaria até ao dia 25 de cada mês ao réu AA um auto de medição dos trabalhos realizados nos 30 dias anteriores (5).</font><br>
<font> 9. Valendo como aprovação do auto de medição a ausência de qualquer objecção do referido réu nos 5 dias que se sucedessem à recepção de tal auto (6).</font><br>
<font> 10. Também foi acordado que, em conformidade com os autos de medição, a autora emitiria as facturas que o referido réu deveria pagar no prazo de 15 dias (7).</font><br>
<font> 11. Iniciadas as obras, o réu AA pagou as primeiras facturas emitidas pela autora (8).</font><br>
<font> 12. O réu AA não pagou a factura com data de 30/6/2004, no valor de 99.361,07€, relativa a trabalhos, com auto de medição, realizados no período de 25/5/2004 a 25/6/2004 (9). </font><br>
<font> 13. O réu AA não pagou a factura com data de 30/7/2004, no valor de 106.353,51€, relativa a trabalhos, com auto de medição, realizados no período de 26/6/2004 a 25/7/2004 (10).</font><br>
<font> 14. O referido réu não reclamou dos autos de medição que fundaram as facturas de 30/6/2004 e de 30/7/2004, tal como não reclamou dessas facturas ou recusou o seu pagamento (11).</font><br>
<font> 15. A factura de 30/6/2004 venceu-se em 15/7/2004 e a factura de 30/7/2004 venceu-se em 15/8/2004 (12).</font><br>
<font> 16. A autora impede o acesso ao edifício que construiu a qualquer pessoa e mantém esse edifício na sua posse (13). </font><br>
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<font> IV.- De acordo com o conclusório da minuta do recurso que baliza, afora as questões de conhecimento oficioso, o objecto do mesmo, conforme os artºs 684º, nº3 e 690º,nº1 do CPC são as seguintes as questões jurídicas que nos cumpre dilucidar:</font><br>
<font>- inexistência de direito de retenção.</font><br>
<font> - inconstitucionalidade da norma referida na douta sentença atributiva da prevalência do direito de retenção sobre a hipoteca </font><br>
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<font> 1ª Questão</font><br>
<font> A recorrente não tem sombra de razão ao pretender por um lado que se não provou a detenção pela A do edifício construído, enquanto pressuposto do direito de retenção e por outro que enquanto empreiteira do mesmo não poderia validamente invocar o mesmo .</font><br>
<font> Vejamos.</font><br>
<font> Como é sabido o direito de retenção, previsto genericamente no artº 754º do CPC confere ao devedor que se encontra adstrito a entregar certa coisa e disponha de um crédito sobre o seu credor de não efectuar a prestação, mantendo a coisa que deveria entregar em seu poder.</font><br>
<font> Para que exista direito de retenção ( e que constitui um direito real de garantia, conforme o disposto no nº2 do artº 604º, nº2) nos termos deste preceito é necessário, portanto e em primeiro lugar que o respectivo titular detenha licitamente uma coisa que deva entregar a outrem e em segundo lugar que simultaneamente, seja credor daquele a quem deva a restituição e por último que entre os dois créditos haja uma relação de conexão ( </font><i><font>debitum cum re junctum)</font></i><font> nas condições nele definidas “ resultar o credito de quem estaja obrigado a entregar a coisa de despesa com ela feitas ou de danos por ela causados “ como explanam A. Varela e P de Lima no seu Anotado , Vol. I, 4ª ed., 773</font><br>
<font> Ora no caso vertente, ficou demonstrado que a A no âmbito da empreitada de um edifício levada a efeito por contrato celebrado com os 1ºs RR se constituiu credor deste por efeito das diversas facturas que lhe foi endereçando e relativas às obras desenvolvidas, de harmonia com o esquema entre eles acordado de pagamento faseado, sendo que por via do não pagamento das mesmas, reteve em seu poder o edíficio cujo acesso proibiu a qualquer pessoa, incluindo aos ditos RR.</font><br>
<font> Vem, no entanto, a recorrente alegar que para que esse suposto direito da A pudesse validamente ser exercido, seria necessário demonstrar que a detenção do imóvel já existia aquando da constituição em mora dos donos da obra, sendo certo que da resposta ao quesito 13º apenas decorre que à data da propositura da acção, a recorrida está na legítima detenção do imóvel, mas não que essa detenção já remontasse ao momento da constituição da mora pelo pagamento do preço.</font><br>
<font> Trata-se esta de uma interpretação da matéria de facto que a recorrente já sustentara no recurso para a Relação, baseando-se para tal que decorria de um anterior processo de arresto que a A, aqui também recorrida não tinha a posse da construção quando se constituira credor dos 1ºs RR e que este rejeitou, por não resultar dos autos que tivesse existido hiato algum no exercício dessa posse, mais rigorosamente dessa detenção entre o vencimento das obrigações decorrentes da obra e a propositura da presente acção.</font><br>
<font> Rejeição que partiu da constatação da inexistência de um aventado abandono de obra por motivo do não pagamento das diversas facturas emitidas em 2004, facto não alegado pela R ora recorrente que se limitou a uma mera impugnação da matéria vertida na petição e que logicamente termos de corroborar, tanto mais que como com clareza ressalta da própria fundamentação à resposta positiva ao quesito 13º atinente à matéria em discussão, ela se ter baseado em depoimento de testemunhas que atestaram ter a recorrida a posse do edifício, no estado em que ele se encontrava quando cessaram os pagamentos dos donos da obra de construção do mesmo. </font><br>
<font> Assim, não existindo facto algum que importe uma eventual indefinição temporal da detenção do edifício pela recorrida, obviamente que se tem de concluir que essa situação preexistia ao vencimento das facturas, como de resto se teria de presumir pelas normalidade das coisas, por ao empreiteiro caber, em regra, a obrigação de conservar e logo guardar a coisa designadamente um edifício no decurso dos trabalhos antes de proceder à sua entrega, logo que aceite a obra pelo comitente. </font><br>
<br>
<font> A segunda objecção colocada pela recorrente respeita à debatida questão de saber se no contrato de empreitada, o empreiteiro face ao não pagamento do preço pela contraparte, goza do direito de retenção.</font><br>
<font> Com efeito, autores há e também alguma jurisprudência que rejeitam tal direito por no fim de contas na empreitada o crédito do preço não corresponder exactamente às despesas feitas com a coisa, justificativas da conexão causal entre esta e o crédito sobre a pessoa que a deva receber </font><br>
<font> No entanto é amplamente maioritário o entendimento oposto, ou seja, o empreiteiro está sempre obrigado a entregar uma coisa, resultado da obra realizada e o crédito do preço sempre resultará de despesas feitas por causa dessa coisa, sejam despesas de construção, de modificação ou de reparação.</font><br>
<font> E como com pertinência observou em estudo feito sobre tal temática pelo Prof. Galvão Telles, O Direito de Retenção, no Contrato de Em preitada, “O Direito” 106/119, 1974 /1987 mal seria que se admitisse o direito de retenção a quem realizou benfeitorias e não se concedesse ao empreiteiro que constrói, modifica ou repara uma coisa, sendo que no mesmo sentido se pronunciaram Ferrer Correia e outro, “ Direito de Retenção, Empreiteiro” in CJ (1988) Tº I, 17 e 18, Calvão da Silva, Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória, 1987, 339 e ss e Romano Martinez, Direito das Obrigações ( Parte Especial, ) 2ª ed., 375 e ss e Menezes Leitão, Garantias das Obrigações, 243 e ss indicando este último autor como argumento recente e suplementar o do DL nº 201/96 atribuir tal direito ao construtor de navios, o qual integra também uma modalidade de empreitada e na jurisprudência, os acórdãos deste tribunal citados pela Relação.</font><br>
<font> Improcede por consequência e também e quanto a este ponto, a crítica tecida pela recorrente.</font><br>
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<font> 2ª Questão.</font><br>
<font> Por último e embora essa questão não haja sido suscitada tanto na 1ª instância, como na Relação vem a recorrente arguir a inconstitucionalidade da norma do nº2 do artº 759 do CCivil apontada na 1ª instância como determinando a prevalência do direito de retenção que se pretende ver reconhecida sobre a hipoteca de que a mesma é titular e mau grado a anterioridade do respectivo registo.</font><br>
<font> Com efeito e de harmonia com o disposto na norma citada e quando recaia sobre coisa imóvel é o direito de retenção equiparado à hipoteca, mas prevalece sobre esta, mesmo que registada anteriormente.</font><br>
<font> Esta solução legal tem efectivamente suscitado reparos, mas não julgamos que a preferência atribuída ao “jus retentionis” seja equiparável ao regime dos privilégios imobiliários gerais que motivou a intervenção do Tribunal Constitucional através dos Acórdãos nºs 362/2002 e 363/2002 declarando a inconstitucionalidade com força obrigatória geral das normas que conferiam tais privilégios à Fazenda Nacional e à segurança social e na interpretação segundo a qual elas preferiam à hipoteca.</font><br>
<font> Na verdade, o principal argumento acentuado pelo Tribunal Constitucional foi o facto dos créditos privilegiados não terem conexão alguma com a coisa objecto da garantia e o próprio princípio da confidencialidade tributária impossibilitar os particulares de previamente indagarem se as entidades com quem contratam são ou não devedores ou do Estado ou da segurança social.</font><br>
<font> E neles se acrescentou que não estando tais créditos sujeitos a registo, o particular que exercesse a garantia podia ser confrontado com a existência de um crédito privilegiado e que “ frustrando a fiabilidade que qualquer registo deve merecer, tal implicará uma “ lesão desproporcionada do comércio jurídico”. </font><br>
<font> Situação diferente ocorre com o direito de retenção.</font><br>
<font> Com efeito a razão da preferência que lhe é atribuída reside no facto do retentor não poder invocar o seu direito contra outros credores, para impedir a execução da coisa, por isso em contraponto reconhecendo a lei, , esse dito privilégio, no âmbito do processo executivo como sustenta Vaz Serra no seu estudo sobre o tema no Anteprojecto do Cod . Civil</font><br>
<font> A atribuição ao direito de retenção da “oponibilidade erga omnes” decorre por seu turno do próprio facto da retenção e da publicidade inerente pois mostrando a coisa em poder do retentor, logo fará suspeitar de que não está livre.</font><br>
<font> E o grau de preferência que lhe é atribuído tem fundamentos que amplamente o justificam face à natureza dos actos que dão lugar as créditos do retentor.</font><br>
<font> Com efeito c resultando normalmente o crédito de despesas com a fabricação, conservação ou melhoramento de coisa alheia, será de concluir que se essas despesas não tivessem sido realizadas, a coisa poderia ter perecido e então nem o seu proprietário, nem o credor hipotecário nem qualquer outro credor poderiam realizar o seu direito.</font><br>
<font> È essa no fim de contas a razão fundamental da preferência que a lei entendeu atribuir-lhe pois como já sustentava Guilherme Moreira, citado por Mª Isabel Meneres Campos, Da Hipoteca, 224 ainda na vigência do direito anterior, se não lhe fosse atribuída tal preferência, todos os demais credores se locupletariam à sua custa em função do valor da coisa para que concorrera o retentor com as despesas com ela feitas.</font><br>
<font> No fundo, trata-se de garantia muito especial caracterizada por um nexo de ligação muito apertado entre a coisa e a obrigação, exactamente uma situação inversa às dos mencionados privilégios para além de envolver um processo de coacção sobre o devedor.</font><br>
<font> Para além disso, sempre importará referir que por via de regra os créditos que conferem o direito de retenção sobre os imóveis representavam uma pequena quantia em relação ao valor da coisa, logo sem possibilidade da prevalência a ele atribuída sobre a hipoteca esvaziar os créditos por esta garantidos </font><br>
<font> Outrossim e mesmo no caso muito especial e severamente criticado pela doutrina da atribuição dessa garantia ao crédito resultante do incumprimento pelo promitente alienante do contrato promessa com tradição da coisa, nos termos da aln f) do artº 755ºdo CCivil ( introduzido pelo DL nº379/86, retirando-o, com a respectiva eliminação do anterior nº 3 do artº 442º, conforme a redacção do DL nº236/80 ) já decidiu o Tribunal Constitucional em não julgar inconstitucional tal normativo, enquanto interpretado como concedendo ao promitente comprador de imóvel ou fracção autónoma com tradição do mesmo, direito de retenção com preterição de hipoteca constituída ou registada antes da invocação do direito de retenção ( Acórdãos nº 356/2004 in DR IIsérie de 28/06/2004 e o publicado no DR , II série, de 10/02/2005), tendo também este mesmo Supremo já decidido não serem inconstitucionais as normas que prevêem a preferência do direito de retenção do promitente adquirente de imóvel em contratos promessa tradiciários, sobre o titular da hipoteca.</font><br>
<font> Pelo que se não vê que a apontada prevalência do direito de retenção sobre a hipoteca enquanto garantia real reconhecidamente das mais importantes e com um regime intimamente conexionado com o crédito imobiliário e desempenhando um papel insubstituivel na dinamização da vida económica ofenda qualquer dos princípios e valores constitucionais acima referidos quer o da proporcionalidade, quer o da igualdade, quer o da confiança, de resto já tendo este Supremo por inúmeras vezes rejeitado essa pretensa inconstitucionalidade da norma do artº 759º (em que estão definidos os casos especiais do direito de retenção conferido a titulares de créditos em que se dilui ou não existe a sua conexão objectiva com a coisa) ainda que convocada a propósito do direito de retenção conferido ao promitente comprador sendo a tal propósito elucidativo o recente acórdão deste Supremo de 12 /09/2007 procº nº 07ª 2235 in www.djsi.pt em que de forma exaustiva se aborda tal temática com resenha dos acórdãos anteriores, incluindo do Tribunal Constitucional.</font><br>
<font> Deste modo julgamos que ao contrário do alegado que de nenhuma inconstitucionalidade material enferma o dispositivo legal em questão.</font><br>
<br>
<font> V – Perante o quanto exposto fica, acorda-se em </font><i><u><font>negar a revista</font></u></i><font> .</font><br>
<font> Custas a cargo da recorrente. </font><br>
<br>
<font>Lisboa, 3 de Junho de 2008</font><br>
<br>
<font> Cardoso de Albuquerque (relator)</font><br>
<font>Azevedo Ramos </font><br>
<font>Silva Salazar </font><br>
<br>
<font> </font></font>
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1.ª Secção (Cível)
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<b><font> </font></b><font><b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font></b>
<p><font>AA e sua mulher BB intentaram acção, com processo ordinário, contra “CC – Construções e Imobiliária, Limitada”, pedindo se declare resolvido o contrato promessa de compra e venda celebrado entre os Autores e a Ré, face à mora desta e consequente desinteresse dos Autores, e a condenação da mesma a pagar-lhes 140.000.000$00 (698,317,06 euros) correspondente ao dobro do sinal que prestaram.</font>
</p><p><font>Alegaram, nuclearmente, terem prometido comprar, e a Ré prometido vender-lhes, um prédio rústico pelo preço de 219.300.000$00 tendo entregue o sinal de 70.000.000$00; que acordaram ser a Ré quem deveria obter licença de construção, emitida pela Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia, até 30 de Janeiro de 2000, com possibilidade de prorrogação por 45 dias, assim como realizar certas obras; que se não o fizesse o Autor marido poderia resolver o contrato, o que, efectivamente, aconteceu em finais de Maio de 2000.</font>
</p><p><font>Na sua contestação, a Ré alegou que não teve culpa no atraso da obtenção da licença, que se deveu à exigência do Autor em negociar previamente outra parcela; que a obtenção da licença não estava na sua disponibilidade; a resolução do contrato sem justa causa confere-lhe o direito de fazer seu o sinal, o que pede em reconvenção.</font>
</p><p><font>No Tribunal Judicial de Vila Nova de Gaia a acção foi julgada procedente e a Ré condenada a pagar aos Autores a quantia de 698.317,06 euros, que, por sua vez, foram absolvidos do pedido reconvencional.</font>
</p><p><font>Apelou a Ré tendo a Relação do Porto dado provimento à apelação absolvendo-a do pedido e condenando os Autores na perda do sinal de 70.000.000$00 (349.158,53 euros), por terem incumprido o contrato promessa.</font>
</p><p><font>Inconformados, vêm pedir revista, assim concluindo as suas alegações:</font>
</p><p><i><font>- Para a revogação da sentença, a Relação alterou as respostas aos quesitos o que fez através de meras ilações, sem qualquer fundamento fáctico que o permitisse e baseado apenas no depoimento de uma testemunha da recorrida.</font></i>
</p><p><i><font>- O contrato-promessa celebrado entre Recorrida e Recorrentes faz prova plena quanto às declarações nele insertas e, não há qualquer adenda ao mesmo onde constem as alterações pugnadas pela Recorrida e sentenciadas pelo Tribunal da Relação, pelo que as alterações às respostas dadas por este Tribunal carecem totalmente de fundamento e violam o disposto no nº 2 do art. 393º e 394º ambos do C.C. </font></i>
</p><p><i><font>- O Tribunal Recorrido ignorou por completo toda a documentação junta, e acima aludida, nomeadamente o contrato-promessa celebrado entre as partes, o contrato-promessa celebrado entre a Recorrida e o promitente comprador da fracção “Z” e a data da sua celebração, a data da outorga da escritura prometida, a data da emissão do alvará de construção, documentação que contradiz as conclusões que retira do parco depoimento em que se alicerça para fazer as alterações às aludidas respostas, o que faz em contravenção com o disposto no art. 347º do C.C.. </font></i>
</p><p><i><font>- Acresce ainda que o Tribunal Recorrido, para julgar haver incumprimento culposo por parte do Recorrente, ignorou ainda a alínea a) da cláusula sexta do contrato celebrado entre as partes, cláusula esta que também não fora cumprida, conforme acima se disse e está documentalmente comprovado, a qual caía também na previsão da cláusula sétima, sendo certo que em Dezembro de 1999 já estavam aprovados os arruamentos, mas que só em Abril viriam a ser executados preterição no Acórdão recorrido, fá-lo enfermar por isso também de contradição, pois a matéria de facto dada como assente pela ia instância e que não foi alterada por aquele, vejam-se nomeadamente os pontos 4, 6, 7 e 8 da fundamentação de facto, contradiz a decisão proferida pelo Tribunal da Relação, impondo que a decisão fosse a inversa da proferida. - No caso vertente as partes quiseram e fizeram constar o prazo admonitório de 45 dias logo no momento da celebração do contrato, com a faculdade do aqui Recorrente lhe pôr termo em caso de mora ou incumprimento, prazo esse ao qual nunca a Requerida solicitou qualquer alteração. </font></i>
</p><p><i><font>- A ter ocorrido acordo na alteração dos prazos, conforme o entende o Tribunal Recorrido, os cinco meses e meio aludidos também poderiam ter sido alterados, ou até restringidos, pois a fundamentação para tal asserção não tem qualquer suporte não se encontrando sequer fundamentada e viola o disposto no artigo 376º, 394º e 351º do C.C </font></i>
</p><p><i><font> - Existindo uma cláusula contratual inserta no contrato-promessa em que se estipulou o prazo máximo para o seu cumprimento, sujeitou-o a termo essencial. </font></i>
</p><p><i><font> - Tal não pode deixar de significar que as partes não se pretenderam vincular a qualquer outro prazo, pelo que o decurso do mesmo têm efeitos de incumprimento definitivo, neste caso por parte da Recorrida e, objectivamente, o referido desinteresse ficou expresso contratualmente, quando as partes fixaram prazos certos para o cumprimento e prazo admonitório. </font></i>
</p><p><i><font>- Os Recorrentes, atento o teor do contrato, estavam cientes de poder recorrer ao que estabeleceram no mesmo, ou seja, estavam convictos de poder pôr termo ao contrato, ao abrigo da cláusula sétima deste e, consequentemente, que exerciam um direito que lhes assistia.</font></i>
</p><p><i><font>- Por terem tal convicção, ao tomarem conhecimento da contestação, em sede de réplica, formularam o pedido subsidiário constante da mesma, no qual peticionavam o cumprimento do contrato por parte da Ré em prazo razoável e a indemnizá-los pelos prejuízos sofridos, estes a liquidar em execução de sentença, o que não foi sequer analisado pelo Tribunal recorrido, o que traduz omissão de pronúncia, e consequente violação do art. 668º, aplicável por força do art. 716º, ambos do C.P.C.. </font></i>
</p><p><i><font>- Mas não só tal pedido não foi sequer analisado, como fundando-se na extemporaneidade da carta dirigida pelos Recorrentes à Recorrida na qual aqueles pugnavam pelo resolução do contrato, por entender ter havido alteração dos prazos contratualmente estabelecidos, resolução negada por esta, bem como a data da entrada da presente acção em juízo, o Tribunal recorrido decide julgar incumprido o contrato pelos aqui Recorrentes, em clara contradição com a prova documental junta e em violação do disposto nos artigos 376º, 394º e 351º do C.C.. </font></i>
</p><p><i><font>- Sem conceder, ainda que se viesse a considerar ter havido incumprimento por parte dos Recorrentes, de acordo com a equidade, conforme estatuí o nº 1 do artigo 812º do C.C., e atendendo a que desde 1999 que a Recorrida está a beneficiar dos 70.000.000$00 que lhe foram entregues a título de sinal e que traduz um montante substancialmente elevado e, vendeu os imóveis a terceiros, sempre se teria de haver redução da cláusula penal. </font></i><br>
</p><p><font>Contra alegou a recorrida em defesa do julgado.</font>
</p><p><font>A Relação deu por assente a seguinte </font><b><font>matéria de facto</font></b><font>:</font><br>
<br>
<i><font>1) Por contrato celebrado em 27/09/99, a Ré prometeu vender ao Autor marido e este prometeu comprar àquela, o prédio de que aquela se declarou legítima dona e possuidora, designado por lotes D e E, compreendido entre a Rua...... e a Rua ...... freguesia de Santa Marinha, concelho de Vila Nova de Gaia, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 11.837, a fls. 86 verso do Livro B-48 (al. A). </font></i><br>
<i><font>2) O preço da compra e venda ali ajustada é de € 1.093.863,79 (Esc: 219.300.000$00), tendo os Autores pago de imediato a título de sinal e por conta do mencionado preço a quantia de €349.158,53 (Esc: 70.000.000$00) - (al. B)-. </font></i><br>
<i><font>3) Nos termos da cláusula quinta do contrato-promessa junto, a Ré comprometeu-se a ter a licença de construção a pagamento na Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia à data de 30/01/2000, para que o Autor pudesse promover o início da construção a partir dessa data (al. C). </font></i><br>
<i><font>4) Mais se comprometeu a Ré a efectuar ou mandar efectuar todas as infra-estruturas de apoio à construção – estradas, electricidade, água, saneamento, gás, telecomunicações, etc. –, de modo a que à supra referida data de 30/01/2000 elas permitissem a edificação do edifício no prédio prometido comprar e vender (al. D). </font></i><br>
<i><font>5) Mais se obrigou a Ré a ter todas as infra-estruturas devidamente finalizadas 180 dias antes da conclusão das obras, marcada para 20 meses após o início das mesmas (al. E). </font></i><br>
<i><font>6) Acordaram ainda as partes em que o Autor concederia uma prorrogação de 45 dias se em 30/01/00 a Ré não tivesse ainda cumprido as obrigações que assumira e descritas nos nºs. 4 e 5 (al. F). </font></i><br>
<i><font>7) Mais acordaram Autor e Ré em que ultrapassados os 45 dias de dilação acima referidos, sem que a Ré cumprisse as aludidas obrigações, podia o A. exigir a restituição em dobro do sinal entregue, bem como a resolução do contrato-promessa celebrado (al. G). </font></i><br>
<i><font>8) Até ao presente, a Ré não cumpriu os compromissos assumidos para com o Autor marido, constantes do aludido contrato e nada pagou aos Autores (al. H). </font></i><br>
<i><font>9) Teor dos docs. de fls. 11 a 14 dos autos, que se dá aqui reproduzido – carta enviada pelo Autor marido à Ré a declarar a resolução do contrato promessa acima mencionado, com registo datado de 24/05/00 e a/r de 25/05/00 - (al. I). </font></i><br>
<i><font>10) Teor do doc. de fls. 53 dos autos, que se dá aqui por transcrito carta datada de 24/04/00 enviada pela Ré ao Autor onde a mesma informa que estão autorizados a avançar com a divisão física dos lotes e que os projectos estão na fase de arquitectura - (al. J). </font></i><br>
<i><font>11) Teor do doc. de fls. 54 dos autos, que se dá aqui por reproduzido – carta datada de 14/06/00 enviada pelo mandatário da Ré onde nega a existência de incumprimento da sua cliente e que ficará sujeito o Autor a perder o sinal – (al. L). </font></i><br>
<i><font>12) Teor do doc. de fls. 55 dos autos, que se dá aqui por transcrito resposta do Autor à carta referida em 11) onde afirma que a sua advogada respondeu ao advogado da Ré – (al. M). </font></i><br>
<i><font>13) As partes convencionaram que a escritura de compra e venda do contrato prometido seria realizada 30 dias após a Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia efectuar a notificação de que a licença de construção estava pronta a levantar, conforme descrito na cláusula quinta do contrato-promessa (al. N). </font></i><br>
<i><font>14) O Autor marido exerce a actividade de construção civil, directamente ou através das sociedades de que é sócio-gerente (facto 1.º). </font></i><br>
<i><font>15) A Ré tinha o projecto de arquitectura pronto a dar entrada na Câmara de Gaia, em Novembro de 1999 (facto 3º). </font></i><br>
<i><font>16) A Ré deu entrada do projecto de arquitectura na Câmara Municipal de V. N. de Gaia, em 12/01/2000, já com a inclusão daquela parcela de terreno (designada pela letra «Z») e contendo todos os documentos necessários à sua aprovação (facto 7.º). </font></i><br>
<i><font>17) O prazo de 1 ano é, em regra, razoável para que a Câmara Municipal aprecie e aprove um projecto (facto 8.º). </font></i><br>
<i><font>18) No caso em apreço, a zona a edificar já tinha sido objecto de um plano de urbanização (9.º). </font></i><br>
<i><font>19) O projecto obteve deferimento da autarquia em 05/02/2002 (facto 10 º) </font></i><br>
<i><font>2O) O autor marido aceitou que a Ré adiasse a entrega daquele projecto (facto 4.º).</font></i><br>
<i><font>21) E que negociasse a parcela de terreno confinante com o lote “E” designado pela letra “Z” , que não lhe pertencia. (facto 5.º).</font></i><br>
<i><font>22) A Ré, com a aceitação do Autor-marido, conseguiu o acordo para a venda daquela parcela de terreno em finais de Dezembro de 1999 (facto 6.º).</font></i><br>
<br>
<font> Foram colhidos os vistos.</font><br>
<br>
<font> Conhecendo.</font><br>
<br>
<font> 1 – Matéria de facto.</font><br>
<font> 2 – Omissão de pronúncia. </font><br>
<font> 3 – Incumprimento.</font><br>
<font> 4 – Conclusões.</font><br>
<br>
<b><font>1 – Matéria de facto</font></b><br>
<br>
<font>Em primeira linha, recorrentes insurgem-se quanto a alteração da matéria de facto pela Relação.</font>
</p><p><font>É sabido que este Supremo Tribunal não pode, como regra, e em sede de revista, sindicar a fixação dos factos materiais da causa, baseada na prova livremente apreciada pelo julgador.</font>
</p><p><font>Salvo situações de excepção o Supremo Tribunal de Justiça só conhece matéria de direito, “ex vi” do artigo 26º da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais, aprovada pela Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro.</font>
</p><p><font>Em consequência, o Tribunal de revista limita-se a aplicar aos factos definitivamente fixados pelo tribunal recorrido o regime jurídico adequado (artigo 729.º n.º 1 do Código de Processo Civil).</font>
</p><p><font>As situações de excepção acenadas consistem no erro de apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa, praticado pela Relação, se ocorrer violação expressa de norma que exija certa espécie de prova para a existência de um facto, ou estabeleça força probatória de algum meio de prova, tal como resulta dos artigos 722º nº 2 e 729º nº 2 do diploma adjectivo.</font><br>
</p><p><font> Assim, só pode conhecer do juízo de prova fixado pela Relação quando tenha sido dado como provado um facto sem que tivesse sido produzida prova que a lei declare indispensável para demonstrar a sua existência ou tiverem sido violadas as normas reguladoras da força probatória de algumas das provas.</font>
</p><p><font>Ora tal não se verificou na situação em apreço – nem os recorrentes o afirmam de forma apodíctica – antes, e essencialmente, se limitando a questionar a convicção que a Relação formou e conduziu à alteração das respostas aos artigos da base instrutória.</font>
</p><p><font>Outrossim, não se mostra ter havido violação dos artigos 393º nº 2 e 394º do Código Civil, como também referem os recorrentes.</font>
</p><p><font> A ter ocorrido violação destes preceitos, este Supremo Tribunal podia dele conhecer por se tratar de situação inserível nas excepções previstas no citado nº 2 do artigo 722º do Código de Processo Civil.</font>
</p><p><font>Mas tal, como se disse, não aconteceu.</font>
</p><p><font>O nº 2 do artigo 393º da lei substantiva veda a prova testemunhal “quando o facto estiver plenamente provado por documento ou outro meio com força probatória plena”.</font><br>
<br>
<font> A proibição de prova testemunhal sobre o conteúdo dos documentos autênticos, ou com força probatória reconhecida nos termos da lei do processo, não abrange a admissão da prova testemunhal se utilizada, tão sómente, para interpretação do conteúdo dos documentos, ou seja a prova testemunhal “iuxta scripturam”.</font>
</p><p><font>Nestes casos, este tipo de prova não se destina a contrariar ou a exceder o texto do documento (cfr. Prof. Manuel de Andrade, “Noções Elementares de Processo Civil, 143; Prof. A. dos Reis – “Código de Processo Civil Anotado”, anot. aos artigos 620º e 621º e Cons. Rodrigues Bastos, “Das Relações Jurídicas”, V, 229).</font>
</p><p><font>De outra banda, o artigo 394º do Código Civil tem por escopo evitar se comprometa o conteúdo de documentos autênticos, ou particulares referidos nos artigos 373º a 379º, infirmando-o ou completando-o com cláusulas contrárias ou adicionais, dando assim uma absoluta preferência à prova escrita.</font>
</p><p><font>São “contrárias” as cláusulas que se opõem ao que no documento se declara, sendo “adicionais” as que acrescentam alguma coisa ao declarado no escrito.</font>
</p><p><font>Porém, tal limitação probatória diz respeito apenas, como se acenou, aos documentos a que a lei atribui força probatória plena – documentos autênticos ou aos documentos particulares cuja veracidade seja estabelecida nos termos do Código de Processo Civil, ou dos que os substituírem.</font>
</p><p><font>“In casu”, as alterações a que a Relação procedeu consistem apenas na demonstração de factos instrumentais ocorridos depois da outorga do contrato-promessa, não dando por assentes cláusulas contrárias ou adicionais anteriores, coevas ou posteriores à sua celebração, tanto mais que não existia termo essencial, ou prazo fatal, para a outorga do contrato prometido que a Relação tivesse considerado alterado ao modificar as respostas a certos artigos (4º, 5º e 6º) da base instrutória.</font>
</p><p><font>Finalmente, e “not the least”, ao alterar as respostas a Relação não se fundou, em prova testemunhal (só recorreu a um depoimento para interpretar o conteúdo de documentos, o que como se viu podia fazer) mas no teor dos documentos n.ºs 3, 6, 7 e 8, juntos com a contestação, nos termos pedidos pela Ré na apelação.</font>
</p><p><font>Improcede, assim, este segmento recursório.</font><br>
<br>
<b><font>2 – Omissão de pronúncia</font></b><br>
<font>2.1. – Os recorrentes assacam ao acórdão “sub judicio” a nulidade da primeira parte da alínea d) do nº 1 do artigo 668º do Código de Processo Civil.</font><br>
<br>
<font> Dizem que o tribunal “a quo” não se pronunciou sobre o pedido subsidiário formulado na réplica (pedindo o cumprimento do contrato pela Ré, em prazo razoável e a indemnização dos prejuízos sofridos a liquidar em execução da sentença).</font>
</p><p><font>A omissão de pronúncia consiste no incumprimento dos deveres de cognição constantes do nº 2 do artigo 660º daquele código (v.g. e entre muitos, o Prof. A. dos Reis – “Código de Processo Civil Anotado” V, 142).</font>
</p><p><font>Aqui, os Autores pediram principalmente a declaração de resolução do contrato-promessa, alegando que a mora da Ré lhes causou perda de interesse na prestação.</font>
</p><p><font>Ou seja, declararam pretender a erradicação “ ex tunc” do contrato invocando uma situação de incumprimento transitório – mora – causal do seu desinteresse na outorga do contrato definitivo (situação inserível na 1.ª parte do n.º 1 do artigo 808.º do Código Civil) peticionando a final a condenação da Ré no pagamento do dobro do sinal que prestaram.</font>
</p><p><font>Aquela, em sede de reconvenção, alegou a falta de justa causa para a resolução do contrato pelos Autores e pediu a condenação destes a perderem o sinal que haviam satisfeito.</font>
</p><p><font>E foi na réplica que “em termos subsidiários”, os Autores vieram pedir a condenação da Ré a cumprir o contrato em prazo razoável indemnizando-os dos prejuízos sofridos com a mora.</font>
</p><p><font>Como vimos, que a 1.ª instância julgou o principal pedido dos Autores procedente e improcedente a reconvenção, ficando, em consequência, prejudicada a apreciação do pedido subsidiário.</font>
</p><p><font>O aresto ora recorrido – tirado sob apelação da Ré – julgou em sentido contrário, absolvendo-a do pedido principal e condenando os Autores no pedido cruzado.</font>
</p><p><font>2.2. Isto posto, é certo que o Acórdão em crise não se pronunciou sobre o pedido subsidiário.</font>
</p><p><font>Mas tinha de o fazer?</font>
</p><p><font>Veremos que não, “in casu”.</font>
</p><p><font>O que estava em causa era a condenação da Ré no pedido principal e o seu inconformismo com essa condenação e com o decaimento no pedido reconvencional, já que os Autores, nem subordinadamente à apelação da Ré haviam pedido a procedência do, antes prejudicado, pedido subsidiário e nem sequer, em contra alegações, a ele se referiram.</font>
</p><p><font>A dogmática do pedido subsidiário, constante do n.º 1 do artigo 469.º do Código de Processo Civil, define-o como o que “é apresentado ao tribunal para que seja tomado em consideração somente no caso de não proceder um pedido anterior.”</font>
</p><p><font>Como ensinava o Prof. Alberto dos Reis “nos pedidos subsidiários a alternativa é meramente formal, aparente; na realidade não há alternativa, porque falta a característica essencial da obrigação alternativa: a equivalência das prestações” (…) “… nos pedidos subsidiários não depende da vontade do réu a procedência duma ou doutra pretensão: o pedido subsidiário é formulado sómente para a hipótese de o tribunal não acolher o pedido principal.” (apud “Comentário ao Código de Processo Civil”, 3.ª, 137); cf., ainda, Prof. Anselmo de Castro, “Direito Processual Civil Declaratório”, I, 160).</font>
</p><p><font>Ou seja, “o autor manifesta preferência pelo pedido formulado em primeiro lugar (pedido principal) e, por isso é este pedido que, em primeiro lugar, o tribunal vai analisar e ao qual vai dar resposta, só se debruçando sobre o pedido formulado em segundo lugar (pedido subsidiário) se concluir pela improcedência do primeiro.” (in “Código de Processo Civil Anotado”, 2.ª, 232, do Prof. Lebre de Freitas; cf., ainda, e v.g., o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14 de Março de 2006 – 05B3582).</font>
</p><p><font>Mas, e ao contrário do que insinua o recorrido (ao referir que o pedido subsidiário seria inadmissível por contraditório com o principal) o n.º 2 do citado artigo 469.º só inviabiliza a formulação de pedidos opostos quando correspondam a formas de processo diferentes (salvo se a diferença resultar do valor) ou a cumulação puder ofender as regras da competência absoluta.</font>
</p><p><font>Exige-se, pois, e apenas a compatibilidade processual dos pedidos, nos termos do artigo 31.º do Código de Processo Civil (Prof. Castro Mendes, in “Direito Processual”, II, 37, 1969) ou certa adequação formal decorrente do n.º 2 daquele preceito. (cf. Cons Lopes do Rego, in “Comentários ao Código de Processo Civil”, 2.ª ed., I, 67, notas I e II).</font>
</p><p><font>Aqui chegados, é evidente a solução não teria de passar pelo conhecimento do pedido subsidiário que, face à improcedência do principal, já em sede de recurso, deixou de ficar prejudicado, uma vez que os Autores tal não pediram subordinadamente, perante o recurso da Ré.</font>
</p><p><font>Não houve, pois, omissão de pronúncia.</font>
</p><p><font>2.3.Resta definir o direito aplicável.</font>
</p><p><font>A Relação não considerou válida a resolução do contrato promessa pelos Autores, por inexistência de mora da Ré geradora da sua perda de interesse e, desde logo, a absolveu do pedido principal.</font>
</p><p><font>Passou, de seguida, a conhecer da reconvenção a que deu procedência com o fundamento de que “ao resolver ilegitimamente o contrato promessa, o Autor manifestou uma clara e inequívoca vontade de não cumprir, constituindo-se numa situação de incumprimento definitivo.</font>
</p><p><font>Crê-se que a solução não pode ser essa.</font>
</p><p><b><font>3. Incumprimento.</font></b>
</p><p><font>A recusa de cumprimento – “repudiation of a contract”, “anticipatory breach of contract” ou “riffuto di adimpieri” – tem de traduzir-se numa declaração absoluta, inequívoca, clara e peremptória em que anuncie o propósito de não cumprir. (cf. Dr. Brandão Proença, apud “Do Incumprimento do Contrato Promessa Bilateral”, 91, e, entre outros, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 7/3/91 – BMJ 405-456, de 28/3/2006 – P.º 327/06 – 1.ª, de 18/4/2006 – P.º 844/06 e de 5/12/2006 – 06 A3914 – desta conferência).</font>
</p><p><font>Impõe-se assim que a declaração do renitente não deixe que subsistam quaisquer dúvidas sobre a sua vontade (e propósito) de não outorgar o contrato prometido.</font>
</p><p><font>Ora, não resulta dos autos que os Autores tenham feito tal declaração peremptória, antes se limitando a intentar a acção para que fosse julgada válida a resolução do contrato.</font>
</p><p><font>E, ao formularem o pedido subsidiário, demonstraram, pelo menos, a não indisponibilidade para cumprir.</font>
</p><p><font> A ausência de prova da recusa de cumprimento determina a improcedência da reconvenção.</font>
</p><p><font> Improcedendo o pedido principal (questão já decidida) e improcedendo, agora, o reconvencional, por indemonstrada, nos termos acima referidos, a recusa de cumprimento deparamos com uma situação em que ambos resolveram ilicitamente o contrato.</font>
</p><p><font>Neste quadro, considera-se uma situação de incumprimento imputável a ambos os promitentes – por cada um resolver o contrato sem fundamento legal atendível – havendo que apurar, para graduar culpas, a gravidade de cada um dos incumprimentos.</font>
</p><p><font>Aqui adere-se ao decidido no Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 9 de Setembro de 2008 – 08 A1922 – relatado pelo ora, aqui, 2.º adjunto, onde se afirmou que “perante a incontornável destruição do vinculo contratual” (…) a indemnização seria valorada de acordo com a regra do artigo 570.º do Código Civil, sendo que “o sinal, ou o seu dobro, possam ser inteiramente restituídos, reduzidos ou excluída a restituição”, consoante a “gravidade das culpas” e suas consequências (artigo 442.º, n.º 1).”</font>
</p><p><font>Ora da matéria de facto apurada não resulta uma sensível diferença de culpas, restando, tão sómente, como acima se acenou, a ausência de fundamento de ambas as declarações resolutivas.</font>
</p><p><font>Certo que o incumprimento imputável a ambas as partes não surge expressamente previsto no nº2 do artigo 442º do Código Civil.</font>
</p><p><font>Mas mostrando-se que nenhum dos promitentes pretende a subsistência do vínculo contratual (e a Ré até já alienou o imóvel) e sendo a eventual sanção sempre reportada ao sinal, terá de ser por referência a este que se apurarão as consequências dos incumprimentos.</font>
</p><p><font>Mas não sendo as culpas notóriamente diferentes (artigo 570º CC) há que restituir as partes à situação anterior à celebração do contrato, devolvendo a Ré o sinal recebido.</font>
</p><p><b><font>4- Conclusões</font></b>
</p><p><font>Pode concluir-se que:</font><br>
<font>a) O Tribunal de revista limita-se a aplicar aos factos materiais definitivamente fixados pelo Tribunal recorrido o regime jurídico adequado, não podendo sindicar aquela fixação salvo nas situações excepcionais dos artigos 722º nº 2 e 729º nº 1 do Código de Processo Civil.</font><br>
<br>
<font> b) A proibição da prova testemunhal constante dos artigos 393º e 394º do Código Civil não abrange a sua utilização nos precisos limites de interpretação do documento, ou seja é admitida aquela prova “iuxta scripturam”.</font><br>
<br>
<font> c) O ser vedada a prova testemunhal para a inserção de cláusulas contrárias ou adicionais ao conteúdo do documento autêntico, ou com força probatória reconhecida nos termos da lei do processo, não impede a sua utilização para a demonstração de meros factos instrumentais que contribuam para melhor compreensão do clausulado.</font><br>
<br>
<font> d) O pedido subsidiário consiste numa alternativa formal ao pedido principal a ser tomada em consideração caso este não proceda.</font><br>
<br>
<font> e) A formulação de pedidos principal e subsidiário opostos não é inadmissível, salvo se corresponderem a formas de processo diferentes (aqui, excepto se a diferença for consequência do valor) ou a cumulação possa ofender as regras da competência absoluta. Exige-se, pois, compatibilidade processual e adequação formal.</font><br>
<br>
<font> f) A recusa de cumprimento tem de traduzir-se numa declaração absoluta, inequívoca, clara e peremptória anunciando a propósito de não outorgar o contrato prometido, e que não deixe que subsistam quaisquer dúvidas sobre essa vontade e propósito.</font><br>
<br>
<font> g) Não basta para caracterizar essa recusa o mero intentar de acção pedindo, a título principal, se julgue válida a resolução do contrato por incumprimento do devedor, com as consequências a nível de sinal, e subsidiariamente, que aquele seja interpelado admonitóriamente para cumprir.</font><br>
<br>
<font> h) Se o incumprimento do contrato-promessa é imputável a ambos os promitentes – por cada um o resolver sem fundamento legal – há que apurar e graduar as culpas para concluir se o sinal deve ser restituído, reduzido ou mantido, consoante a gravidade e consequências, sendo que, se sensivelmente iguais, irão equivaler-se o que implica a restituição do sinal ao promitente comprador.</font><br>
<br>
<font> Nos termos expostos, acordam conceder a revista declarando resolvido o contrato-promessa e condenando a Ré a restituir o sinal que recebeu. </font><br>
<br>
<font> Custas da acção pelos AA e da reconvenção pela R.</font><br>
<br>
<br>
<font>Lisboa, 16 de Junho de 2009</font>
</p><p><font>Sebastião Póvoas (Relator)</font>
</p><p><font>Moreira Alves</font>
</p><p><font>Alves Velho</font>
</p></font><p><font></font></p>
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3zK0u4YBgYBz1XKv5DOB
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1.ª Secção (Cível)
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<b><font> </font></b><font><br>
<br>
<b><font> Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font></b><br>
<font> </font><br>
<font>I - Relatório</font><br>
<b><font>AA</font></b><font> intentou a presente acção declarativa com processo ordinário contra </font><b><font>Companhia de Seguros A...., S.A</font></b><font>., peticionando a condenação da Ré a pagar-lhe a quantia de 48.540,85 €, acrescida de juros de mora a contar da citação.</font><br>
<font>Fundamentou a sua pretensão no facto de, na sequência de um lançamento de fogo de artificio fabricado pela empresa “M... & G..., L.da” – representada por BB –, para o efeito contratada pela Comissão de Festas de S. Pedro de Roriz – que havia celebrado um contrato de seguro com a Ré para cobrir a responsabilidade civil que legalmente lhe fosse imputável por sinistro surgido no período de vigência do contrato (entre 01.07.04 e 04.07.04), no exercício da actividade acima referida –, um dos explosivos de um dos foguetes não ter deflagrado, tendo ficado caído no quintal da residência do Autor, o qual, no dia 3 de Julho de 2004, lhe pegou, tendo acto contínuo, aquele objecto explodido na sua mão, o que lhe provocou as lesões que descreve – com os consequentes tratamentos e internamentos –, lesões essas que lhe determinaram uma incapacidade permanente para o trabalho nunca inferior a 36%, sendo de 100% para a sua profissão habitual, o que tudo lhe causou dor e sofrimento. Acresce que devido ao acidente deixou de auferir € 550 e teve diversas despesas (que enunciou). </font><br>
<font>A Ré contestou, invocando, em suma, em sua defesa, a circunstância – determinante, segundo ela, da exclusão da responsabilidade da Ré Seguradora – de terem sido preteridas as normas regulamentares de utilização e lançamento de fogo de artifício, porquanto:</font><br>
<font>- os foguetes que originaram o aparecimento da bomba que originou o sinistro objecto dos autos não tiveram o lançamento no local a que se reporta a licença – e sim a cerca de 2 kms do mesmo;</font><br>
<font>- o tipo de fogo lançado – foguetes de cana – não foi o autorizado – que era o de tubo;</font><br>
<font>- o lançador não foi o expressamente indicado na licença.</font><br>
<font>Na hipótese de assim se não considerar, sublinhou que a indemnização deverá situar-se dentro do limite de € 25.000, devendo sempre ser deduzido o valor correspondente à franquia – equivalente a 10% por sinistro, com um mínimo de 125 €.</font><br>
<font>Na réplica apresentada, o Autor veio afirmar que a pessoa que lançou o fogo é um pirotécnico tecnicamente habilitado e que actuou segundo a orientação e instruções de BB – lançador indicado na licença – e impugnar, por desconhecimento, a restante matéria invocada pela Ré a título de excepção.</font><div><font>*</font></div><font>Seguiu termos o processo e no final do seu percurso, foi o pedido indemnizatório julgado procedente e provado em parte, julgando-se improcedentes as excepções invocadas pela R</font><br>
<font>Esta recorreu de apelação, invocando desde logo que não ficara provado em que dia foi lançado o foguete que caíra no quintal do A, pelo que por causa dessa indefinição, não podia concluir-se que o mesmo fosse lançado no período de vigência do contrato, além de outras questões que no seu entendimento militavam a favor da sua absolvição</font><br>
<font>A Relação de Guimarães por douto acórdão de fls 423 e ss veio a dar razão à R, por não constar dos autos qualquer confissão relevante da mesma quanto à data do lançamento do foguete, por forma a estar o mesmo abrangido pela cobertura do seguro e por isso revogou a sentença, não considerando outras questões por prejudicadas e absolvendo a recorrente do pedido.</font><br>
<font>Inconformado, o </font><b><i><font>A recorreu de revista</font></i></b><font>, tendo alegado e concluído por forma a sustentar que a R confessara na sua contestação que a bomba que explodiu na sua mão resultara de um foguete lançado no dia 3 de Julho de 2004, logo tendo sido violado o disposto no artº 360º do Código Civil </font><br>
<font>Ao invés, a R bate-se pela confirmação do decidido na 2ª instância,.</font><br>
<font> *</font><br>
<font> Neste tribunal foram corridos os vistos legais.</font><br>
<font> Cumpre decidir.</font><br>
<font> *</font><br>
<font> </font><br>
<font>II – Fundamentação de facto</font><br>
<font>Dos factos assentes e da resposta à matéria de facto constante da base instrutória deram as instâncias </font><u><font>como apurados</font></u><font> os seguintes factos:</font><br>
<font>a) Entre a Comissão de Festas de S. Pedro e a Ré foi celebrado um acordo através do qual esta se comprometeu a pagar danos emergentes para terceiros em virtude do lançamento de foguetes, na localidade de Roriz, Santo Tirso, de 01.07.04 a 04.07.04, até ao montante de 25.000 €, acordo esse titulado pela apólice nº .... e no qual ficou, além do mais, clausulado que:</font><br>
<font>- sem prejuízo das exclusões constantes das condições gerais da apólice, encontram-se expressamente excluídos do âmbito da garantia do presente contrato todos e quaisquer danos resultantes de inobservância das disposições legais ou regulamentares que regulem a utilização e lançamento de fogo de artifício, foguetes, morteiros ou fogo preso, por parte do tomador do seguro e/ou seus comissários, bem como de lançamento de fogo de artifício, foguetes, morteiros ou fogo preso por pessoa que não se encontre legalmente habilitada para o efeito;</font><br>
<font>- a seguradora, em caso de sinistro, deduzirá sempre à indemnização a liquidar valor da franquia correspondente a 10% do valor da indemnização, no mínimo de 125 €.</font><br>
<font>b) Na proposta referente ao acordo mencionado em e), a identificada Comissão de Festas indicou como lançador do fogo de artifício BB. </font><br>
<font>c) Com data de 14 de Junho de 2004, a PSP do Porto emitiu licença para lançamento de foguetes nos seguintes termos: “(…) concede licença a CC (…) para lançamento de 15 dúzias de fogo estouro e artifício lançado em tubo, que serão queimados em junto do Mosteiro de Roriz – Santo Tirso – nas festas de S. Pedro Roriz, desde que o seu fabrico não seja proibido e sejam lançados por pirotécnico tecnicamente habilitado, BB, devendo o lançamento ser feito em local onde não se preveja que possa causar perigo ou prejuízos para terceiros (…)”, sendo o referido CC, à data, o representante da Comissão de Festas de S. Pedro de Roriz </font><i><font>(facto este consensual).</font></i><br>
<font>d) Entre os dias 27 de Junho e 4 de Julho de 2004, foram lançados vários foguetes na freguesia de Roriz, Santo Tirso, a propósito das festas de S. Pedro, foguetes, esses, fabricados por “M... & G..., L.da”.</font><br>
<font>e) Os referidos foguetes foram encomendados àquela sociedade pela Comissão de Festas de S. Pedro de Roriz.</font><br>
<font>f) Na sequência do lançamento dos foguetes, entre o dia 27 de Junho e 3 de Julho</font><b><font>,</font></b><font> uma bomba de um deles, não deflagrou e ficou caída no quintal da residência do Autor. </font><br>
<font>g) A bomba acabada de referir resultou de um foguete lançado por DD. </font><br>
<font>h) A pessoa referida em g) tem licença para lançamento de foguetes e actuou seguindo orientações e instruções dadas por BB.</font><br>
<font>i) Após o lançamento dos foguetes, nem a Comissão de Festas, nem a sociedade mencionada em d), procederam à inspecção da zona onde foram lançados, bem assim das zonas onde caíram as canas e demais invólucros com vista à respectiva recolha e controlo.</font><br>
<font>j) No dia 3 de Julho de 2004, cerca das 19,50 horas, a bomba referida em f) explodiu na mão do Autor, em circunstâncias que não foi possível apurar, quando este se encontrava no seu quintal. </font><br>
<font>l) O foguete que explodiu na mão do autor foi lançado a uma distância de cerca de 200 metros do Mosteiro de Roriz.</font><br>
<font>m) A residência do autor é vedada por muros de, aproximadamente, 2,5 metros, com uma parte ajardinada por relva e arbustos e outra ocupada por horta e árvores de fruto, residência essa que dista cerca de 2 kms </font><i><font>(percurso por estrada – cfr. doc. de fls. 296, junto pelo Autor e não impugnado pela Ré)</font></i><font> do local requerido pela Comissão de Festas e licenciado pela PSP para o lançamento do fogo de artifício – junto ao Mosteiro de Roriz, Santo Tirso. </font><br>
<font>n) Foram lançados foguetes de quatro tiros.</font><br>
<font>o) A explosão referida em j) causou ao Autor traumatismo na mão direita, com amputação da falange distal do polegar, indicador e dedo anelar e várias feridas corto-contusas da mesma mão, em virtude do que o Autor esteve internado no Hospital de Santo Tirso durante três dias, foi submetido no bloco operatório a regularizações dos cotos e sutura das feridas, foi sujeito a múltiplos tratamentos dolorosos. </font><br>
<font>p) O Autor esteve totalmente incapacitado para o trabalho durante três meses e meio, ficando com uma incapacidade permanente para o trabalho não inferior a 36% e uma incapacidade permanente total para o trabalho que exercia, decorrente da amputação das falanges distais dos 1º, 2º e 3º dedos da mão direita, rigidez em flexão de todos os dedos da mão direita, distrofia de Judeck, incapacidade de preensão eficaz de objectos e várias cicatrizes na mão direita.</font><br>
<font>q) O Autor sentiu dores e susto.</font><br>
<font>r) Antes da explosão, o Autor não tinha qualquer deformação física ou doença.</font><br>
<font>s) O Autor nasceu em 24 de Agosto de 1948.</font><br>
<font>t) O Autor executava as tarefas de casa e esporadicamente auxiliava a sua mulher numa empresa de que é sócia.</font><br>
<font>u) Esporadicamente auxiliava um marceneiro seu familiar sem qualquer contrapartida monetária. </font><br>
<font>v) Em despesas médicas, medicamentosas e tratamentos, o Autor despendeu 240,85 €.</font><br>
<font>x) O Autor despendeu quantia não concretamente apurada em viagens para tratamentos.</font><br>
<br>
<font>III - Enquadramento jurídico.</font><br>
<font>Sendo as conclusões da minuta que delimitam o objecto do recurso, nos termos das disposições combinadas dos artºs 684º, nº3 e 690º, nº1 do CPCivil, verificamos que no presente caso elas incidem sobre uma errada aplicação das regras da confissão judicial no tocante a dever ser considerado que o foguete que explodiu na mão do A fora lançado no dia 3 de Julho de 2004 junto ao Mosteiro de Roriz, por ocasião das festas de S. Pedro de Roriz e dentro do período previsto para a cobertura do contrato de seguro que era de 1 a 4 de Julho.de 2004.</font><br>
<font>Vejamos.</font><br>
<font>Como resulta dos factos provados e que resultaram do alegado pelo A o foguete que caíra no seu quintal, não deflagrado e que explodira com má sorte na sua mão fora lançado entre os dias 27 de Junho e 4 de Julho integrado nas ditas festas, sendo porém que o contrato de seguro celebrado ente a Comissão de Festas e a R de responsabilidade civil por donos causados a terceiros por essa actividade perigosa por natureza apenas compreendia o período de 1 a 4 de Julho de 2094, como documentado e devidamente provado nos autos,</font><br>
<font>No entanto e a este propósito na douta sentença da 1ª instância fez-se menção de que não obstante estar o lançamento do foguete causador dos danos imprecisamente determinado no tempo e num período entre 27 de Junho e 4 de Julho, quando é certo que o início da vigência do contrato de seguro era a 1 de Julho, a R na sua contestação assumira como certo ter aquele foguete sido lançado no dia em que explodira na mão do A , logo não constituindo ela uma questão controvertida entre as partes.</font><br>
<font>A Relação, porém. entendeu que nenhuma confissão relevante existira da parte da R, pois que esta ao reconhecer que o foguete causador dos danos fora lançado nesse dia, fizera-o referindo um outro local de lançamento que não junto ao mosteiro de harmonia com o licenciamento respectivo, mas de uma rua próxima da casa de habitação do A e que se situa a 2 Klms do Mosteiro e, mais, referindo como seu lançador pessoa também alegadamente não habilitada. </font><br>
<font>E isto por esse local alegado como do lançamento implicar por si mesmo uma exclusão da garantia do seguro, traduzido na inobservância das disposições legais e regulamentares que regulem tais lançamentos apenas permitidos quando queimados, ci conforme o licenciamento concedido junto ao Mosteiro de Roriz.</font><br>
<font>Logo não envolvendo tal confissão factos para si desfavoráveis, antes sim factos que a favoreciam, sendo que além do mais, tal facto o lançamento do foguete causador dos danos ter sido no dia em que explodiu não ter sido dado como provado pelo tribunal.</font><br>
<font>No seu recurso o A entende, ao invés, que a confissão sempre deveria ser considerada relevante e com plena eficácia probatória porquanto os factos que a R invocara parta excluir a sua responsabilidade depois de admitir que o foguete fora de facto lançado no dia 3 de Julho, acabaram por não ficar provados.</font><br>
<font>Vejamos.</font><br>
<font>Como é bem sabido, constitui a confissão relevante meio de prova, constituindo um acto jurídico, enquanto declaração de ciência, mas de caracterização complexa através do qual, como a define o artº 352º do CCivil a parte reconhece a realidade de um facto que lhe é desfavorável e que favorece a parte contrária.</font><br>
<font>Ela pode ser judicial ou extrajudicial(nº1 do artº 355º do CCivil) , sendo que a judicial é a feita em juízo, competente ou não, mesmo quando arbitral ainda que o processo seja de jurisdição voluntária,</font><br>
<font>Outrossim, esta modalidade de confissão judicial pode ser feita nos articulados, segundo as prescrições da lei processual ou em qualquer outro acto do processo, firmado pela parte pessoalmente ou por procurador especialmente autorizado ( confissão judicial espontânea) –n1 do artº 356º- ou através de depoimento de parte ou em prestação de informações ou esclarecimento do tribunal (confissão judicial provocada ) –nº2 do preceito citado.</font><br>
<font>Tem ela também de ser inequívoca, salvo se a lei o dispensar- nº1 do artº 357º - sendo esta exigência explicável, face à sua força probatória, enquanto “rainha das provas”, logo implicando especiais cautelas .</font><br>
<font>Dispõe o artº 358º n1 que a confissão judicial escrita, ou seja a feita nos articulados ou em depoimento de parte necessariamente reduzido a escrito, como o impõe a lei de processo tem força probatória plena contra o confitente.</font><br>
<font>A confissão é porém, além de irretractável, indivísivel como estatui o artº 360º , ou seja, se a declaração confissória, judicial ou extra judicial for acompanhada da narração de outros factos ou circunstâncias tendentes a infirmar a eficácia do facto confessado ou a modificar ou extinguir os seus efeitos, ( confissão complexa ou qualificada) a parte que dela quiser aproveitar-se como prova plena, tem também de aceitar como verdadeiros os outros factos ou circunstâncias, salvo se provar a sua inexactidão.</font><br>
<font>Escrevem a respeito deste princípio, A Varela e P de Lima ( Anotado, Vol I , 4ª ed, 319e 320) o seguinte :</font><br>
<font>“ </font><i><font>Diz-se geralmente que o princípio da indivisibilidade assenta, neste capítulo, sobre duas razões essenciais : numa de ordem lógica, consistente na unidade da confissão e declaração confissória; a outra de ordem prática, traduzida nas vantagens dos próprios factos desfavoráveis ao declarante”</font></i><br>
<font>E acrescentam depois os ilustres anotadores :</font><br>
<i><font>“ Se a declaração confissória é especialmente valorizada pela grande probabilidade de ser verdadeira ou exacta uma afirmação contrária aos interesses da própria parte, não faria sentido, nem seria justo que este crédito de sinceridade/(….) não acompanhasse a parte restante da sua declaração(…)</font></i><br>
<i><font> Outra é a situação de a parte contrária ao confitente, aceitando embora a presunção de veracidade que cobre a confissão, chama a si o encargo de demonstrar que ela não é exacta na parte favorável aos interesses do declarante”</font></i><br>
<font>Assim e como mais detalhadamente explica Lebre de Freitas, ( A Confissão no Direito Probatório, 213 ) perante uma confissão judicial escrita complexa, ficam abertas três vias possíveis de actuação à contraparte:</font><br>
<font> - ou prescinde da confissão, com a qual ela não terá eficácia de prova plena, sem prejuízo de valer como factor de prova livre ( C. Civil , artº 361º)</font><br>
<font>- ou aceita como verdadeiros os factos ou circunstâncias que lhe são desfavoráveis, caso em que a confissão feita tem a eficácia de prova plena e por sua vez a declaração de aceitação corresponde a uma segunda confissão em sentido inverso, desses factos ou circunstâncias</font><br>
<font>Ou declara que se quer aproveitar da confissão, mas que se reserva o direito de provar a inexactidão dos factos ou circunstâncias que lhe são desfavoráveis, caso em que a confissão tem também eficácia de prova plena, mas a realidade desse factos ou circunstâncias só ficará definitivamente estabelecida se não for feita a prova do contrário.</font><br>
<font>Isto posto, vejamos, então, como decidir a questão posta nos presentes autos e que respeitante aos factos fixados pelas instâncias envolve matéria de direito substantivo de que este tribunal pode conhecer nos termos do artº 722º nº2 do CProc. Civil qual seja, o de saber se o Tribunal da Relação fez a adequada interpretação e aplicação do normativo do artº 360º do CCivil implicando uma alteração do quadro definido pela sentença da 1ª instância. </font><br>
<font>Começaremos por sublinhar que, de facto, o A não precisou em que data ocorrera o lançamento do foguete que ficou caído no quintal da sua casa, já que indicou na petição e reiterou na réplica que foram lançados foguetes por ocasião das festas referidas entre 27 de Junho e 4 de Julho de 2004, sendo que o imputado lançamento com essas balizas temporais foi levado à base instrutória e logrou por inteiro provar-se.</font><br>
<font>Por seu turno a R na sua contestação afirmou que o foguete caído no quintal do A fora lançado não do local previsto na licenciamento, mas sim de uma rua nas proximidades da casa do A no dia 3 de Julho e por ocasião de um cortejo entre as 14h e 45 m e as 15h com rufar de tambores</font><br>
<font>Mas tal alegação tinha em vista situar o lançamento da tal foguete em circunstâncias que permitiam excluir a sua responsabilidade contratual, tendo em vista que :</font><br>
<font>- não fora lançado no local autorizado para o efeito para o respectivo licenciamento;</font><br>
<font>- era um foguete de cana e não de tubo;</font><br>
<font>- E o lançador não foi expressamente indicado na licença.</font><br>
<font>Ora a esta factualidade, o A respondeu impugnando por desconhecimento os factos invocados, declarando que mantinha o alegado na petição e apenas anotando que a pessoa indicada como lançador estava habilitado como pirotécnico actuando sob instruções do citado BB, indicado como responsável. .</font><br>
<font>Por tal motivo, essa matéria integrando matéria de excepção passou a compor os quesitos 17º ( Entre as 14 h45 e as 15 h do dia 3/07 /2004, o grupo de rufador de bombos e o lançador de foguetes chegaram às ruas das redondezas da habitação do A , lugar onde fizeram rufar tambores e lançaram alguns foguetes de cana? ) 18º ( foram lançados de vários e um só tiro?) 19º( cuja explosão implicava necessariamente uma acção humana de atear par os de rastilho e de raspar ou friccionar uma superfície rugosa para os que não têm rastilho? ) 20º ( …sem qual não era possível obter qualquer explosão? ) 21 ( o foguete que explodiu na mão do A não foi lançado junto ao Mosteiro de Roriz , mas a cerca de 2 Klms do mesmo ?) e 22º (era de cana? )-</font><br>
<font> Ora a tais quesitos respondeu o tribunal negativamente ao quesito 17º , restritivamente ao quesito 18º, negativamente aos quesitos 19,. 20º e 22º , restritivamente ao quesito 21º dando por provado que o foguete foi lançado a 200mtrs do Mosteiro de Roriz.</font><br>
<font>Aqui chegados, temos pois que saber se foi adequada a denegação pela Relação do valor de prova plena atribuído à confissão feita pela R do foguete ter sido lançado no dia 3 de Julho.</font><br>
<font>Como atrás vimos para valer como confissão com eficácia probatória plena, ela teria de arrastar a admissão pelo A das demais circunstâncias que excluiriam a responsabilidade da R. e tendo em conta que apenas fora autorizado o lançamento de foguetes junto ao Mosteiro de Roriz sendo que a responsabilidade por ela assumida compreendia apenas o período de 1 a 4 de Julho e desde que no lançamento tivessem sido observados as normas legais e regulamentares reguladoras da utilização e lançamento do fogo de artifício e foguetes.</font><br>
<font>Ora o A limitou-se a impugnar tais factos, apenas sublinhando que o indigitado lançador era pessoa autorizada.</font><br>
<font> Não produziu qualquer declaração no sentido do aproveitamento da confissão quanto à data do lançamento, antes até declarando manter o que afirmou na petição que apresentava aquela indefinição temporal.</font><br>
<font>Deste modo e como bem expende o Tribunal da Relação, não podia ser atribuído valor de prova plena à referida admissão do lançamento no dia 3 de Julho, de resto nem foi considerado provado que o lançamento tivesse ocorrido no mesmo dia, mas noutro local.</font><br>
<font>O que ficou provado foi, singelamente, que tal lançamento foi executado pela pessoa identificada, facto esse já assente, aln I) e que tal lançamento ocorrera a 200 m do Mosteiro de Roriz.</font><br>
<font>Ora por força, apenas, da declaração da R, não podia o tribunal da 1ª instância concluir que existia afinal uma confissão, já que justamente não tomou sobre ela o A a posição adequada, sendo que não foi sequer tal facto considerado com o valor de prova livre.</font><br>
<font>Então, o que resulta da matéria apurada é apenas que o foguete foi lançado do Mosteiro de Roriz por ocasião das festas, não necessariamente no dia 3 indicado, já que isso não ficou provado, nem era caso de se invocar o valor probatório pleno da confissão qualificada, pelo que não merece censura o decidido pela Relação ao absolver a R seguradora do pedido.</font><br>
<font>Como discorre a Relação, se o tribunal da 1ª instância se convencera depois de ouvida a prova que afinal o foguete caído no quintal do A fora lançado no dia 3 de Julho, então deveria ter consignado isso nas respostas aos quesitos pertinentes, o que não fez.</font><br>
<font> O que não podia era depois de definido o quadro factual emergente das respostas aos pontos e quesitos da base instrutória, invocar a Mma Juiza na aliás muito douta sentença a prevalência de uma prova confissória, desarticulando esta do circunstancialismo que excluía a responsabilidade da seguradora por que efectuado o lançamento do foguete que explodiu nas mãos do A fora do local que lhe estava assinalado no respectivo licenciamento.</font><br>
<font> Certo que ficou provado que o dito lançamento se fizera, afinal, junto ao Mosteiro de Roriz, mas daqui não decorre pelo que consta dos factos provados que ele fosse lançado no dia 3 de Julho, sendo certo que este tribunal sequer pode socorrer-se de presunções judiciais ou intrometer-se na fixação dos factos sujeitos a livre apreciação pelas instâncias.</font><br>
<font> *</font><br>
<font>IV – Decisão </font><br>
<font> Em face do exposto, </font><b><font>nega-se a revista</font></b><font>, indo o acórdão da Relação confirmado..</font><br>
<font> Custas a cargo do recorrente.</font><br>
<br>
<font>Lisboa, 25 de Março de 2009</font><br>
<br>
<font>Cardoso Albuquerque (Relator)</font><br>
<font>Salazar Casanova</font><br>
<font>Azevedo Ramos</font></font>
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3DKlu4YBgYBz1XKvZiZU
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1.ª Secção (Cível)
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<b><font> </font></b><font><font> </font><br>
<font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font><br>
<font> </font>
<p><font> </font><br>
<font>I – Condomínio do Prédio sito na P... do A... de S... J..., ..., ...-... e ...-..., Lisboa intentou acção declarativa sob a forma de processo ordinário contra AA e marido BB pedindo a condenação dos RR a reconhecerem: a) ser parte comum do referido prédio o 6º andar esquerdo que ocupam; b) ser ineficaz relativamente ao condomínio o contrato promessa de compra e venda desse 6º andar esquerdo (casa da porteira) que os RR celebraram; c) e, consequentemente, devem os RR ser condenados a entregarem-no livre e devoluto, bem como em indemnização pela ilícita ocupação que dele vêm fazendo.</font><br>
<font>Alegou, em síntese, que, foi deliberado converter a fracção em causa em fracção autónoma e proceder à venda dessa fracção à R mulher que exercia funções de porteira em contrapartida com a extinção dessas funções. Que, no entanto, o contrato promessa celebrado pelo administrador do condomínio não respeitou a deliberação dos condóminos e nunca foi por estes ratificado.</font><br>
<font>Os RR contestaram, opondo-se à pretensão do A., por terem justo título de ocupação do imóvel e actuar a A. em abuso de direito, e, em reconvenção, peticionaram a condenação do A. (e de alguns ou todos os condóminos) a pagar-lhes € 40.635,53 por incumprimento do contrato promessa, bem como a remuneração convencionada para a sua prestação de serviços desde MAI2004 até ao trânsito da sentença, a devolver-lhes € 859,41 que entregaram a título de participação da nova fracção nos encargos do condomínio, a reconhecerem o seu direito de retenção sobre o imóvel e, ainda, como litigante de má-fé.</font><br>
<font> </font><br>
<font>Foi proferida sentença que, considerando o contrato promessa ineficaz relativamente ao A. e a inexistência de abuso de direito, julgou a acção procedente e a reconvenção improcedente.</font><br>
<font>Inconformados, apelaram os RR.</font><br>
<font>Por acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa foi julgada parcialmente procedente a apelação absolvendo-se os RR do pedido e mantendo-se a parte em que se absolve o A da reconvenção.</font><br>
<font> </font><br>
<font>II. Deste acórdão interpôs o A o presente recurso de revista.</font><br>
<font>Alega, em síntese, que o contrato de promessa é ineficaz (nomeadamente porque o administrador do condomínio, actuando como procurador dos condóminos ultrapassou os poderes que lhe estavam conferidos, que não existia unanimidade para efectivação do contrato e que não há titulo legitimo de ocupação por parte dos RR.</font><br>
<font> </font><br>
<font> </font><br>
<font>III – Fundamentos de Facto</font>
</p><p><font> </font><br>
<font>1 - O prédio sito na P... do A..., n.º ... – ... -... em Lisboa mostra-se descrito na ....ª Conservatória do Registo Predial de Lisboa, sob o n.º ... de .../.../1990, da freguesia da P... de F... e inscrito na matriz predial urbana da freguesia de São João sob o art.º...º, conforme certidão de fls. 316 a 375, cujo teor aqui se dá por reproduzido</font><br>
<font>(alínea A) Fac.Assentes).</font><br>
<font>2 - O prédio encontra-se constituído em propriedade horizontal por escritura notarial de ... de Setembro de 1990, outorgada no ....º Cartório Notarial de Lisboa, conforme documento de fls. 67 a 73, cujo teor aqui se dá por reproduzido (alínea B) Fac.Assentes).</font><br>
<font>3 - Integram o prédio referido em A) as fracções da “A” a “AC”, encontrando-se inscrita a respectiva titularidade na Conservatória do Registo Predial da seguinte forma:</font><br>
<font>?</font><font> Fracção A – 4ª cave dtª - titular: CC</font><br>
<font>/Fls. 321</font><br>
<font>?</font><font> Fracção B – 4ª cave esqº - titular: DD/Fls. 323</font><br>
<font>?</font><font> Fracção C – 3ª cave dtª - titular: EE/Fls.</font><br>
<font>325</font><br>
<font>?</font><font> Fracção D – 3ª cave esqª - titular: FF/Fls. 327</font><br>
<font>?</font><font> Fracção E – 2ª cave dtª - titular: GG /Fls. 329</font><br>
<font>? Fracção F – 2ª cave esqª - titular: HH /Fls. 331</font><br>
<font>?</font><font> Fracção G – 1ª cave dtª - titular: II /Fls. 333</font><br>
<font>?</font><font> Fracção H – 1ª cave esqª- titular: JJ /Fls. 335</font><br>
<font>?</font><font> Fracção I - r/c esqº frente - titular: LL /Fls. 337</font><br>
<font>?</font><font> Fracção j – r/c dtº frente - titular: LL /Fls. 339</font><br>
<font>?</font><font> Fracção k.– r/c esqº - titular: NN/Fls.341</font><br>
<font>?</font><font> Fracção L – r/c dtº - titular: OO/Fls.343</font><br>
<font>?</font><font> Fracção M – 1º dtº - titular: PP/Fls. 345</font><br>
<font>?</font><font> Fracção N - 1º esqº - Titular: QQ/Fls.</font><br>
<font>347</font><br>
<font>?</font><font> Fracção O – 1º Frente - titular: RR/Fls. 349</font><br>
<font>?</font><font> Fracção P – 2º Dtº - titular: SS/Fls. 416</font><br>
<font>?</font><font> Fracção Q – 2º Esqº - titular: BB/Fls. 352</font><br>
<font>?</font><font> Fracção R – 2º Frente - titular: TT/Fls. 354</font><br>
<font>?</font><font> Fracção S – 3º Dtº- titular: UU/Fls. 356</font><br>
<font>?</font><font> Fracção T – 3º Esqº - titular: RR/Fls. 358</font><br>
<font>?</font><font> Fracção U – 3º Frente – titular: RR/Fls. 360</font><br>
<font>?</font><font> FracçãoV – 4º Dtº - titular: VV/Fls.362</font><br>
<font>?</font><font> Fracção X – 4º esqº - titular: XX/Fls. 364</font><br>
<font>?</font><font> Fracção Z – 4º Frente - titular : ZZ/Fls.366</font><br>
<font>?</font><font> Fracção AA – 5º Dtº - titular: AAA/Fls. 417</font><br>
<font>? Fracção AB – 5º ESQº - titular: AAA/Fls.</font><br>
<font>369</font><br>
<font>?</font><font> Fracção AC – 5º Frente – titular: BBB/Fls. 371</font><br>
<font> (alínea C) Fac.Assentes).</font><br>
<font>4 - Do título constitutivo da propriedade horizontal resulta que entre as partes comuns se encontra a casa de porteira no sexto andar esquerdo com uma divisão assoalhada, cozinha, casa de banho, usufruindo de um terraço a tardoz e de uma dependência de arrumos no lado direito (alínea D) Fac.Assentes).</font><br>
<font>5 - A sociedade EEE – Condomínios de Lisboa, Lda foi nomeada</font><br>
<font>Administradora do prédio identificado em A), na Assembleia de Condóminos datada de 12.01.2000 (doc. Fls. 280 a 290), encontrando-se presentes condóminos que perfaziam a permilagem de 905/1000 (alínea E) Fac.Assentes).</font><br>
<font>6 - Desde a data da sua constituição o título constitutivo da propriedade horizontal não foi alterado através de escritura pública (Alínea F) Fac.Assentes).</font><br>
<font>7 - Na Assembleia de Condóminos de 30 de Janeiro de 1998, na qual estiveram presentes 947,5/1000 dos votos representados e não estiveram presentes os condóminos das fracções “C” e “E” – EE, foi deliberado por unanimidade de todos os presentes, quanto ao ponto 3 da Ordem de Trabalhos, o seguinte: (…) suprimir a existência da porteira no prédio, e consequentemente, a passagem da mesma a prestadora de serviços, e ainda que a casa que habita (6º andar esquerdo) passe a constituir uma fracção autónoma do prédio constituído sob o regime da propriedade horizontal, autorizando o administrador eleito ou seus mandatários a dar início imediato ao respectivo processo junto das entidades competentes visando a supressão da porteira e alteração do título constitutivo da propriedade horizontal e vender a nova fracção e atribuir à casa da porteira, a AA, pelo preço acordado de Escudos 1.750.000 (um milhão setecentos e cinquenta mil escudos) verba que reverterá integralmente para o Fundo Comum de Reserva (…), conforme documento de fls. 384 a 389, cujo teor aqui se dá por reproduzido (alínea G) Fac.Assentes).</font><br>
<font>8 - Na parte final da acta da assembleia de condóminos referida na alínea precedente consta ainda o seguinte: EM TEMPO: Quanto ao ponto três foi ainda deliberado que a dependência para arrumos no 6ºandar, lado direito, destinar-se-á a sala de reuniões dos condóminos e instalações dos serviços da respectiva administração, continuando a constituir parte comum do prédio (alínea H) Fac.Assentes).</font><br>
<font>9 - Na data referida em G) a ré AA exercia as funções de porteira do prédio aludido em A) (alínea I) Fac.Assentes).</font><br>
<font>10 - Em 03.09.97 GG, identificando-se como proprietária da fracção “E” emitiu a procuração constante de fls.132, na qual refere: (…) Constitui seu bastante procurador o Sr. DDD, casado, titular do BI nº -------, emitido pelo arquivo de Identificação de Lisboa, em 15/01/1992, residente na Rua D... M..., ..., ...º ... em Lisboa, a quem confere os poderes necessários para em seu nome proceder à supressão do serviço de porteira do referido prédio, e para proceder à alteração do título constitutivo da propriedade horizontal, no sentido a que a habitação da porteira possa constituir uma fracção autónoma, requerendo e assinando os documentos para o referido fim.” (alínea J) Fac.Assentes)</font><br>
<font>11 - Em 24.08.98, FF identificando-se como proprietário da fracção “D” proferiu a declaração constante de fls. 126, na qual declara: “Concordo inteiramente com a deliberação tomada na Assembleia de Condóminos de 30.01.1998, relativa à supressão da porteira e passagem desta a prestadora de serviços e alteração do título constitutivo da propriedade horizontal, no sentido da casa de porteira passar a constituir uma fracção autónoma” (alínea K) Fac.Assentes);</font><br>
<font>12 - Em 30.09.1998, PP, identificando-se como proprietário da fracção “M” proferiu a declaração constante de fls. 128, na qual declara: “Concordo inteiramente com a deliberação tomada na Assembleia de Condóminos de 30.01.1998, relativa à supressão da porteira e passagem desta a prestadora de serviços e alteração do título constitutivo da propriedade horizontal, no sentido da casa de porteira passar a constituir uma fracção autónoma”(alínea L) Fac.Assentes).</font><br>
<font>13 - Em 30.09.1997, OO, identificando-se como proprietário da fracção “L” emitiu procuração constante de fls. 135/136, na qual declara: “(…) constitui seu bastante procurador, com a faculdade de substabelecer, o Sr. DDD, casado titular do B.I. nº --------------, emitido pelo Arquivo de Identificação de Lisboa em 15/01/92, residente na Rua D... M..., ...-...º Dto. em Lisboa, a quem confere os poderes para proceder à supressão da porteira e (…) alteração do título constitutivo da propriedade horizontal, no sentido da casa de porteira passar a constituir uma fracção autónoma” (alínea M) Fac.Assentes);</font><br>
<font>14 - Em 07.10.1998, TT, identificando-se como proprietário da fracção “R” proferiu a declaração constante de fls.131, na qual declara: “Concordo inteiramente com a deliberação tomada na Assembleia de Condóminos de 30.01.1998, relativa à supressão da porteira e passagem desta a prestadora de serviços e alteração do título constitutivo da propriedade horizontal, no sentido da casa de porteira passar a constituir uma fracção autónoma” (alínea N) Fac.Assentes);</font><br>
<font>15 - Em 20.09.98, BB, identificando-se como proprietário da fracção “Q” proferiu a declaração constante de fls. 126 na qual declara: “Concordo inteiramente com a deliberação tomada na Assembleia de Condóminos de 30.01.1998, relativa à supressão da porteira e passagem desta a prestadora de serviços e alteração do título constitutivo da propriedade horizontal, no sentido da casa de porteira passar a constituir uma fracção autónoma” (alínea O) Fac.Assentes);</font><br>
<font>16 - Em 07.10.1998, QQ, identificando-se como proprietária da fracção “N” proferiu a declaração constante de fls. 129, na qual declara: “Concordo inteiramente com a deliberação tomada na Assembleia de Condóminos de 30.01.1998, relativa à supressão da porteira e passagem desta a prestadora de serviços e alteração do título constitutivo da propriedade horizontal, no sentido da casa de porteira passar a constituir uma fracção autónoma”(alínea P) Fac.Assentes);</font><br>
<font>17 - Em 23.10.1998, EE, identificando-se como proprietário da fracção “C” proferiu a declaração constante de fls. 125, na qual declara: “Concordo inteiramente com a deliberação tomada na Assembleia de Condóminos de 30.01.1998, relativa à supressão da porteira e passagem desta a prestadora de serviços e alteração do título constitutivo da propriedade horizontal, no sentido da casa de porteira passar a constituir uma fracção autónoma” (alínea Q) Fac.Assentes);</font><br>
<font>18 - Em 23.10.1998, XX, identificando-se como proprietário da fracção “X” emitiu procuração constante de fls. 137 e 138, na qual declara: “ (...) constitui seu bastante procurador, com a faculdade de substabelecer, o Sr. DDD, casado titular do B.I. nº --------------, emitido pelo Arquivo de Identificação de Lisboa em 15/01/92, residente na Rua D... M..., ...-...º Dto. em Lisboa a quem confere os poderes necessários …… à supressão do serviço de porteira (…) alteração do título constitutivo da propriedade horizontal, no sentido da casa de porteira passar a constituir uma fracção autónoma” (alínea R) Fac.Assentes);</font><br>
<font>19 - Em 26.10.1998, FFF, identificando-se como proprietário das fracções G) H), F), A), K), P), S), T), U), AA) E AB) proferiu a declaração constante de fls. 124, na qual declara: “Concordo inteiramente com a deliberação tomada na Assembleia de Condóminos de 30.01.1998, relativa à supressão da porteira e passagem desta a prestadora de serviços e alteração do título constitutivo da propriedade horizontal, no sentido da casa de porteira passar a constituir uma fracção autónoma” (alínea S) Fac.Assentes);</font><br>
<font>20 - Em 26.10.1998, MM, identificando-se como proprietário das fracções “I” e “J”, proferiu a declaração constante de fls. 127, na qual declara: “Concordo inteiramente com a deliberação tomada na Assembleia de Condóminos de 30.01.1998, relativa à supressão da porteira e passagem desta a prestadora de serviços e alteração do título constitutivo da propriedade horizontal, no sentido da casa de porteira passar a constituir uma fracção autónoma” (alínea T) Fac.Assentes);</font><br>
<font>21 - Por escrito de 26 de Outubro de 1998 a ré estabeleceu um acordo com Administrador em exercício, designado por em contrato de prestação de serviços, com o fim de assegurar a limpeza e segurança diária do imóvel, pagando uma contrapartida pela ocupação da casa de porteira, conforme resulta do documento de fls. 398, cujo teor aqui se dá por reproduzido (alínea U) Fac.Assentes).</font><br>
<font>22 - Em 27.10.98 a ré proferiu a seguinte declaração, constante de</font><br>
<font>fls. 236: “declaro que pretendo passar à situação de condómina logo que esteja autorizado o pedido de supressão de porteira, deixando de exercer as minhas funções” (alínea V) Fac.Assentes).</font><br>
<font>23 - Em 07.05.1999, II, identificando-se como proprietário da fracção “G” emitiu procuração constante de fls. 133, na qual refere: (…) constitui seu bastante procurador, com a faculdade de substabelecer, o Sr. DDD, casado titular do B.I. nº --------------, emitido pelo Arquivo de Identificação de Lisboa em 15/01/92, residente na Rua D... M..., ...-...º Dto. em Lisboa, a quem confere os poderes necessários para em seu nome e representação proceder à supressão do serviço de porteira do prédio acima referido e para esse fim,requerendo e dando os consentimentos necessários perante quaisquer entidades públicas ou privadas. Mais são conferidos ao mandatário todos os poderes necessários para proceder à alteração do título constitutivo da propriedade horizontal no sentido que a aludida habitação da porteira passa constituir uma fracção autónoma (…) (alínea W) Fac.Assentes).</font><br>
<font>24 - Por escrito de 20 de Julho de 1999 o condomínio do prédio referido em A) representado pelo então Administrador, DDD, invocando estar mandatado por todos os condóminos, os quais identificou, declarou prometer vender aos RR, AA e BB, e estes declararam prometer comprar a fracção a constituir em regime de propriedade horizontal pelo preço referido em G), contando das cláusulas 3ª a 6ª que: “</font><b><i><font> A venda é feita pelo preço de Esc.:1.750.000$00 (UM MILHÃO SETECENTOS E CINQUENTA MIL ESCUDOS) que será pago 50% no acto da assinatura deste contrato--promessa </font></i></b><font>e o remanescente no acto da escritura definitiva.- A venda é feita livre de quaisquer ónus ou encargos. – A escritura de compra e venda conjunta com a de rectificação do título constitutivo de propriedade horizontal será realizada logo que o processo de autonomização da fracção esteja concluído, facto que sera de imediato comunicado à 2ª Contraente. Até 30 dias após a comunicação referida, os 1°s. Contraentes (os condóminos) designarão dia, hora e local para a realização da escritura acima referida, convocando a 2ª Contraente (a 1ª Ré). - Todas as despesas com a escritura, registos e outras relativas ao contrato, bem como a sisa, se for devida, são da responsabilidade da 2ª Contraente., conforme documento de fls. 79 a 82 / 391 a 395, cujo teor aqui se dá por reproduzido (alínea X) Fac.Assentes).</font><br>
<font>25 - A ré entregou ao autor, na data referida na alínea precedente, a quantia de € 4 364,48, tendo este emitido o documento de fls. 154, do seguinte teor: “RECIBO - DDD casado, na qualidade de representante do Administrador do Condomínio do prédio sito na P... do A... S. J..., n° ..., em Lisboa, declara que recebeu a quantia de Esc.: 875.000$00 (Oitocentos e setenta e cinco mil escudos), de AA, casada no regime de comunhão geral com BB, para pagamento de 1/2 do preço de venda da casa da porteira (fracção a constituir), conforme contrato promessa de compra e venda celebrado nesta data” (alínea Y) Fac.Assentes).</font><br>
<font>26 - FFF e TT, celebraram o acordo constante de fls. 151 a 156 nos termos do qual o primeiro, na qualidade de proprietário do prédio identificado em A), declarou prometer vender ao segundo a fracção "R" nos termos e condições constantes, nele se mencionando, na clausula 6º que: - “O comprador declara que concorda integralmente com a deliberação tomada pela Assembleia de Condóminos de 30.01.98 relativamente à supressão da porteira, e passagem desta a mera prestadora de serviços e alteração do título constitutivo da propriedade horizontal no sentido da casa da porteira passar a constituir uma fracção e proceder à sua venda a AA por 1.750 contos, mandatando o administrador ou seu delegado/representante com todos os necessários poderes para o efeito.” (alínea Z) Fac.Assentes).</font><br>
<font>27 - Por escritura pública de 11.02.1998, DDD, outorgando na qualidade de procurador de FFF e mulher GGG declarou vender a DD, e este declarou aceitar, pelo preço de cinco milhões e quinhentos mil escudos, livre de quaisquer ónus ou encargos, a fracção autónoma designada pela letra “B”, que constitui a QUARTA CAVE ESQUERDA, para habitação, do prédio urbano afecto ao regime de propriedade horizontal, situado na P... do A... de S... J..., nº ...-..., ... e ...-..., freguesia de S... J..., concelho de Lisboa, inscrito na matriz predial urbana daquela freguesia sob o artigo ..., descrito na Sexta Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o número ..., da freguesia de Penha de França, encontrando-se registada a constituição da propriedade horizontal pela inscrição F-..., e a aquisição da referida fracção registada a favor dos vendedores, pela inscrição G-....</font><br>
<font>Mais declarou DD - " que concorda integralmente com a deliberação tomada pela Assembleia de Condóminos de trinta de Janeiro, findo, relativa à supressão da porteira e passagem desta a mera prestadora de serviços e alteração do título constitutivo da propriedade horizontal no sentido da casa de porteira passar a constituir uma fracção autónoma."(Alínea AA) Fac.Assentes).</font><br>
<font>28 - Por escritura pública de 29.04.1998, DDD, outorgando na qualidade de procurador de: FFF, e mulher, GGG, declarou vender a VV, que declarou aceitar a venda livre de quaisquer ónus ou encargos, e pelo preço de nove milhões de escudos já recebeu a fracção autónoma designada pela letra "V" que constitui o quarto andar direito, destinando exclusivamente a sua habitação própria e permanente, do prédio urbano sito na P... do A... de S. J..., números, ..., ...-... e ...-... na freguesia de S. J... concelho de Lisboa, descrito na Sexta Conservatória do Registo Predial de Lisboa, sob o número ..., freguesia de Penha de França, estando o regime da propriedade horizontal registado pela inscrição F-..., e a transmissão a favor dos vendedores registada pela inscrição G-..., inscrito na matriz sob o artigo .... Mais declarou VV - "que concorda integralmente com a deliberação tomada pela Assembleia de Condóminos de trinta de Janeiro deste ano, relativa à supressão da porteira e passagem desta a mera prestadora de serviços e alteração do título constitutivo da propriedade horizontal no sentido da casa de porteira passar a constituir uma fracção autónoma." - conforme documentos de fls. 227 a 230, cujo teor aqui se dá por</font><br>
<font>reproduzido (alínea AB) Fac.Assentes).</font><br>
<font>29 - Em 26 de Maio de 1999, a Comissão Permanente de Vistorias</font><br>
<font>da Câmara Municipal de Lisboa, em auto de vistoria que consta do</font><br>
<font>processo nº .../PGU/99, verificou estar a habitação correspondente ao 6º andar, destinada à porteira, em condições de integrar uma fracção autónoma, conforme documento de fls. 140 a 142, cujo teor aqui se dá por reproduzido (alínea AC) Fac.Assentes).</font><br>
<font>30 - No dia 12 de Janeiro de 2000, reunida a Assembleia Geral de</font><br>
<font>Condóminos, encontrando-se presentes os condóminos das fracções A - B – D – F – H – I –J –K –N – O –P – Q – R – S – T – V – X – AA – AB, representando a permilagem de 940/1000, foi deliberado, por todos os presentes, além de ratificar tudo quanto tinha sido deliberado anteriormente quanto à venda da casa da porteira - proceder, no prazo de 90 dias à rectificação do título constitutivo de propriedade horizontal e à venda da nova fracção a constituir, conforme Ponto 3 da Acta nº 4 .</font><br>
<font>Consta ainda do Ponto 2 da acta, o seguinte: " O Administrador em exercício apresentou 5 propostas de Empresas de Administração de Condomínio, tendo inclusive feito a leitura da proposta apresentada pela firma EEE - Condomínios de Lisboa, uma vez que era a firma com sede mais próxima do prédio.---- Colocada a votação foi deliberado aprovar a proposta apresentada pela firma "EEE - Condomínios de Lisboa, com sede na Rua L..., ... - ...-... direita, 1900-297 Lisboa,tendo por telefone a gerente desta firma referido e acordado que a proposta incluía ainda, sem acréscimo de custos para o condomínio, a ultimação da Escritura de Rectificação do título da propriedade horizontal e seu registo e ainda a outorga da Escritura de Venda à ex-porteira da fracção autónoma que vier a corresponder ao andar que habita.</font><br>
<font>Foi ainda deliberado nomear Administradora do condomínio a firma acima indicada. As deliberações acima referidas, foram tomadas por condóminos correspondentes à permilagem de 905‰, com a abstenção de um condómino, da fracção "L", correspondente a uma permilagem de 35‰".conforme documento de fls. 282 a290, cujo teor aqui se dá por reproduzido (alínea AD) Fac.Assentes).</font><br>
<font>31 - No dia 10 de Abril de 2000 tem lugar a reunião da Assembleia</font><br>
<font>Geral Extraordinária de Condóminos constando do ponto 2 da acta de fls. 166 a 169 que aqui se dá por reproduzida, o seguinte:“ Apreciação e aprovação do orçamento para o exercício do ano 2000;/ Propôs a Administração que nos orçamentos agora a aprovar referentes ao exercício de dois mil já seja incluída a participação da fracção AD a constituir utilizando assim desde já as permilagens que constarão danova propriedade horizontal. A D. AA promitente compradora da fracção em questão disse que não se opõe pois tem a posse da fracção mas que chama a atenção para o facto de que está a utilizar a referida fracção com limitações uma vez que ainda não foram feitas pelo condomínio as obras do telhado que evitarão os repasses que tem em casa.Tendo esta proposta sido aprovada por unanimidade ,passou-se à discussão e aprovação do orçamento./Foram apresentados à Assembleia vários documentos:/a) Mapa para aprovação de novo critério de divisão de despesas;/Foi aprovado por unanimidade e o referido mapa fica a fazer parte desta Acta. /b) Mapa das despesas previstas para o exercício de 2000;/Aqui introduziu-se uma alteração à ordem de trabalhos passando ao ponto 5 a fim de poder clarificar as duas primeiras alíneas do orçamento assim como a alínea do seguro de acidentes de trabalho. Tomou a palavra a Drª HHH que explicou que perante o Contrato de Prestação de serviços vigente a D.AA é uma profissional liberal, pelo que continuarão por sua conta os encargos com a caixa de previdência e o seguro de acidentes de trabalho devendo demonstrar o seu início de actividade nas finanças e passar os competentes recibos./ A obrigação prioritária da D. AA é apresentar feito e bem feito. A D. AA receberá assim o equivalente ao ordenado mínimo doze vezes no ano. / Passou-se então à discussão do orçamento. Após algumas explicações e rectificações foram os valores previsionais aprovados por unanimidade e fica o referido mapa a fazer parte desta Acta./ c) Mapa de valores a pagar por mês por condómino para o exercício de 2000;/ Os valores foram aprovados por unanimidade assim como a decisão de que estes valores são reportados a Janeiro de 2000 e os referidos mapas ficam a fazer parte desta acta pelo que na próxima factura de condomínio será incluída a diferença relativa aos meses já facturados./ d) Foi ainda apresentado um mapa previsional para a despesa complementar que se vai ter com a Escritura de alteração da propriedade horizontal (valor a pagar ao notário e documentos que venham a ser necessários tais como certidões e outros documentos legais).</font><br>
<font> </font><br>
<font>Ficou aprovado por unanimidade que assim que a Administração souber o valor exacto desta despesa emitirá as facturas necessárias a fim de que os condóminos possam providenciar o fundo de maneio do condomínio com as importâncias necessárias para pagamento daquelas despesas” (alínea AE) Fac.Assentes).</font><br>
<font>32 - No 21 de Maio de 2001, ás 21 horas, na Assembleia Geral Extraordinária de condóminos, estando presentes, CC, proprietária da fracção A; DD e III, proprietários da fracção B; EE, proprietário da fracção C; FF e JJJ, proprietários da fracção D; GG, proprietária da fracção E; DDD em representação de FFF e esposa GGG, intitulando-se proprietários das fracções F, P, e AA; II, proprietária da fracção G; JJ, proprietária da fracção H; MM e LLL, proprietários das fracções I e J; NN e MMM, proprietários da fracção K; OO, proprietário da fracção L; PP, proprietária da fracção M; QQ, proprietária da fracção N; RR, intitulando-se proprietário das fracções O, U e T; BB e esposa AA , proprietários da fracção Q; TT e NNN proprietários da fracção R; UU e OOO, proprietários da fracção S representados por JJ; VV e PPP, proprietários da fracção V; XX, proprietário da fracção X; AAA e QQQ, proprietários da fracção AB; BBB e CCC, proprietários da fracção AC; RRR e SSS representantes da firma EEE - Condomínios de Lisboa, Ldª, e a sua Advogada Drª HHH - foi deliberado, por unanimidade dos presentes, proceder à modificação do título constitutivo da propriedade horizontal reduzindo-se a permilagem de todas as fracções, conforme documento de fls. 180 a 186, cujo teor aqui se dá por reproduzido (alínea AF) Fac.Assentes).</font><br>
<font>33 - A Drª HHH, na qualidade de mandatária da administração do prédio referido em A) enviou à ré a carta de 13 de Abril de 2004, que esta recebeu em 14.04.2004, do seguinte teor : “(...) Informou-me a m/cliente que V.Exa. não cumpre com os serviços acordados no contrato de prestação de serviços celebrado entre si e a m/cliente em 26/10/1998./ Efectivamente, a limpeza diária do prédio não é efectuada e muito menos a segurança diária do imóvel, pois são frequentes as suas ausências prolongadas./Em face dos factos acima indicados a m/cliente encarregou-me de lhe comunicar a rescisão do contrato supra referido a qual produzirá efeitos a partir da data de recepção da presente carta./A partir dessa deverá V.Exa. proceder à entrega da chave da casa de porteira e respectivos arrumos, cessado todas as funções", conforme documento de fls. 84, cujo teor aqui se dá por reproduzido (alínea AG) Fac.Assentes).</font><br>
<font>34 - O Dr. TTT, na qualidade de mandatário da ré respondeu à carta referida na alínea precedente afirmando “(...)Relativamente à sua carta de 13.04.04, interpelando a minha constituinte a entregar as chaves da casa da porteira, onde habita e respectivos arrumos, cessando todas as funções, cumpre referir o seguinte:/1. A minha constituinte foi contratada pelo Condomínio P... do A... de S. J... nº ..., ...-... e ..., Lisboa, conforme contrato que junta em anexo, pelo que a haver uma decisão da rescisão do seu contrato esta terá que ser tomada por deliberação da Assembleia de condóminos, e não por decisão unilateral do seu Administrador./2. Além disso, as razões invocadas para rescisão do qualquer fundamento, porquanto a minha cliente é obrigações efectuando a limpeza diária do prédio mais que uma vez ao dia, e zela pela segurança do prédio./3. Por outro lado, ficou acordado no contrato que as funções da minha cliente só cessavam na data da venda da habitação, o que ainda não ocorreu.</font><br>
<font> /4. Acresce que, na acta nº 4 de 10 de Abril de 2000, bem como no contrato referido ficou estipulado que a porteira receberia mensalmente o equivalente ao salário mínimo nacional, anualmente estipulado, porém no mês de Janeiro e Fevereiro do corrente ano, a minha cliente apenas recebeu o valor correspondente ao salário mínimo do ano transacto, devendo por isso a sua cliente a quantia de 18,00€./5. Por último refira-se que no ponto 2 da acta supra citada foi deliberado que a minha constituinte passaria a pagar as quotizações correspondentes à sua fracção, o que tem ocorrido./Em face do exposto não vai a minha constituinte abandonar a casa onde habita, e pela qual já pagou metade do preço de venda, nem deixar de funções enquanto não for tomada por deliberação da Assembleia de condóminos a decisão de rescisão do seu contrato, conforme documento de fls. 187 (alínea AH) Fac.Assentes).</font><br>
<font>35 - Pelos menos desde a data referida em AG) a Ré deixou de efectuar a limpeza diária do prédio e de garantir a segurança diária do prédio referido em A) (alínea AI) Fac.Assentes).</font><br>
<font>36 - Na Assembleia da Condóminos de 19 de Maio de 2004, e na</font><br>
<font>qual estiveram presentes os condóminos das fracões "D", "E", "F", "H","L", "," P", "R", "S", "V"," AA", "AB", "AC", foi colocada á votação a ratificação da decisão da Administração do condomínio de resolução do contrato de prestação de serviços celebrado com a ré, a qual teve os votos favoráveis dos condóminos das fracções "D", "E", "F", "L", "M","P", "R", "V", "AA", "AB" e "AC", com a permilagem de 410 por mil; votos contra dos condóminos das fracções "H", "I", "O", "Q", "S", "T" e "U",num total de 280 por mil e a abstenção do condómino da fracção “K”,com a permilagem de 34,5 , conforme documento de fls. 401 a 404, cujo teor aqui se dá por reproduzido (alínea AJ) Fac.Assentes).</font><br>
<font>37 - Na Assembleia referida na alínea precedente foi também colocada à votação a decisão sobre a possibilidade de intentar acção de reivindicação relativamente ao 6º andar esquerdo e respectivos arrumos afectos ao exercício das funções de porteira e concessão de poderes a mandatário judicial para o efeito, a qual teve votos favoráveis dos condónimos das fracções "D", "E", "F", "L", "M", "P", "R", "V", "AA", "AB" e "AC" num total de 410 por mil; votos contra dos condóminos das fracções "H", "I", "O", "Q", "S", "T" e "U" num total de 280 por mil e a abstenção do condómino da fracção “K” , num total de 34,5 (alínea AK) Fac.Assentes).</font><br>
<font>38 - Na Assembleia da Condóminos de 22 de Junho de 2005, e na qual estiveram presentes os condóminos das fracções "D", "H", "K","O", "M", "P", "R", "S", "T", "U", "V", "AA", "AB", "AC", foi colocada à votação a eleição da administração do prédio referido em A) – EEE - para o exercício de 2005, a qual foi aprovada. Foi ainda aprovada por unanimidade mandatar a administração para que sejam cobradas coercivamente as dívidas ali enumeradas, conforme documentos de fls. 407 e 408, cujo teor aqui se dá por reproduzido (alínea AL) Fac.Assentes).</font><br>
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1.ª Secção (Cível)
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<b><font> </font></b><font><br>
<font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font><br>
<br>
<font>O Dr. AA e BB intentaram acção, com processo ordinário, contra CC, DD e EE pedindo a condenação dos Réus a pagarem-lhes a titulo de honorários 3.793.212$00 (1º Réu), 712.140$00 (2º Réu) e 712.140$00 (3º Ré), acrescidos de 17% de IVA e de juros à taxa legal.</font><br>
<br>
<font>No Circulo Judicial de Viseu, a acção foi julgada parcialmente procedente e os Réus solidariamente condenados a pagarem aos Autores 3.079.492$00, com IVA à taxa de 17% e juros moratórios, à taxa de 4%.</font><br>
<br>
<font>Apelaram os réus, tendo a relação de Coimbra dado provimento aos recursos e condenado o 1º réu a pagar aos autores 14.452,63 euros e cada um dos restantes 498,80 euros, com IVA e juros, às taxas de lei.</font><br>
<br>
<font>Pede revista o Réu CC assim concluindo:</font><br>
<br>
<font>- O Acórdão recorrido não ponderou convenientemente os critérios legais “tempo gasto” e “dificuldade do assunto”, tendo, em consequência, condenado o ora recorrente no pagamento de um montante de honorários que não nos parece adequado ao caso concreto.</font><br>
<br>
<font>- Na verdade, ao contrário da percepção adquirida pelo tribunal recorrido, o trabalho efectivamente prestado não era, em abstracto, apto a produzir o resultado obtido, devendo, por isso, ser este ponderado com especial moderação.</font><br>
<br>
<font>- Parece-nos, por isso, que ao não proceder desta forma a solução proposta revela-se nos mais como a retribuição do resultado obtido do que o preço do trabalho efectivamente prestado.</font><br>
<br>
<font>- Afigura-se-nos, então, que o montante de honorários não se adequa ao espírito de moderação previsto na lei, sendo, consequentemente, exagerado.</font><br>
<br>
<font>- O Acórdão recorrido faz errada interpretação do conteúdo normativo dos artigos 65º nº 1 do EOA, aprovado pelo DL 84/84 de 16/3 e 87º nº1 do ES, aprovado pelo DL 8/99 de 8/1 entretanto revogado pelo artigo 2º do DL 88/2003 de 26/4 (cf. artigo 111º), violando-os.</font><br>
<br>
<font>- O réu, ora recorrente, CC, concordaria se o montante de honorários fosse fixado em 5.000 euros.</font><br>
<br>
<font>Não foram oferecidas contra alegações. </font><br>
<font>Dá-se por reproduzida a matéria de facto não controvertida fixada pelas instâncias, nos termos do nº6 do artigo 713º do Código de Processo Civil.</font><br>
<br>
<font>Foram colhidos os vistos.</font><br>
<br>
<font>Conhecendo,</font><br>
<br>
<font>1- O recorrente limita-se a discordar do montante fixado a titulo de honorários, por, na sua perspectiva, não terem sido ponderados todos os factores relevantes (designadamente o “tempo gasto” e a “dificuldade do assunto”) parecendo-lhe solução mais reportada ao resultado obtido do que ao trabalho efectivamente prestado.</font><br>
<font>“Brevitatis causa”, dizemos que sem razão.</font><br>
<font>O Acórdão recorrido ponderou criteriosamente, e com fundamento bastante, a prova produzida, o laudo da Ordem dos Advogados, o disposto no artigo 65º do respectivo Estatuto, tendo, a propósito, concluido:</font><br>
<font>“ Se concordamos que estes factores são aqueles que se reportam ao trabalho quantitativo e qualitativo desenvolvido pelos Autores, sendo, pois, decisivos no apuramento do valor justo pelos serviços prestados, lendo a descrição destes, que consta do ponto XX da matéria de facto acima considerada provada e as características do assunto objecto daqueles serviços, verificamos que foram em grande numero os actos praticados pelos Autores, ao longo de 5 anos, revestindo alguns deles um grau de dificuldade relevante, pelo que não se afigura, de modo algum, desajustado o valor global dos honorários relativos a todos os actos praticados pelos Autores, constante do laudo da Ordem dos Advogados e adoptado pela sentença recorrida.” </font><br>
<br>
<font>A acção de honorários implica a emissão de um juízo com certa componente de discricionariedade, já que, para além da ponderação dos elementos do artigo 65º do Estatuto da Ordem dos Advogados, impõe que se atente no laudo da Ordem e se considerem critérios de equidade.</font><br>
<br>
<font>É sabido que, na fixação dos honorários deve o advogado proceder com moderação, atendendo ao tempo gasto, à dificuldade do assunto, à importância do serviço prestado, às posses dos interessados, aos resultados obtidos e à praxe do foro e estilo da Comarca e que a medida da retribuição, não havendo ajuste entre as partes, é determinada pelas tarifas profissionais; na falta destas, pelos usos; e na falta de umas e outras por juízos de equidade.</font><br>
<br>
<font>Este Supremo Tribunal vem decidindo que a lei “não estabelece, nem pretende estabelecer, qualquer método decisório ou critério legal de dirimência das divergências, discordâncias ou controvérsias acerca dos montantes de honorários entre os sujeitos contratuais envolvidos.</font><br>
<font> Antes se limita a consagrar critérios ou parâmetros referenciais de carácter deontológico/estatutário a serem observados pelos advogados na fixação dos respectivos honorários (cf. Acórdão de 30/3/00, in Rev. 198/00, 2ª Secção) e dos quais, os dados mais relevantes são o tempo gasto e a dificuldade do assunto. (cf. Acórdão de 7/7/99, in CJ-STJ, ano VII, 1999, Tomo III, págs. 19/21).</font><br>
<font>De todo o modo, nunca deverá esquecer-se que, na fixação dos honorários a um advogado intervém a já referida discricionariedade, que tem muito a ver com a boa fé nas relações contratuais havendo ainda que ter em conta não só os custos fixos (elevados de um escritório de advogado), mas também os riscos da profissão liberal. (cf., a propósito, Acórdão de 13/1/2000, in Rev. 1095/99, 7ª Secção).” – Acórdão de 20 de Junho de 2002 – 02B1631.</font><br>
<br>
<font>Neste caso, todos os critérios, incluindo a equidade, foram levados em consideração, e afigura-se que a solução encontrada não é desajustada, antes se contendo nos parâmetros legais.</font><br>
<br>
<font>Eis porque, e prescindindo, por desnecessidade, de outras considerações, </font><font>acordam negar a revista.</font><br>
<br>
<font>Custas deste recurso a cargo do recorrente.</font><br>
<br>
<font>Supremo Tribunal de Justiça, 1 de Março de 2007</font><br>
<br>
<font>Sebastião Póvoas</font><br>
<font>Moreira Alves</font><br>
<font>Alves Velho</font><br>
</font>
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8jK8u4YBgYBz1XKvuDlF
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1.ª Secção (Cível)
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<b><font> </font></b><font><br>
<br>
<br>
<font> Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font><br>
<font> </font><br>
<font> I- Relatório:</font><br>
<font> 1-1- Por apenso à execução que o Banco Nacional Ultramarino (hoje Caixa Geral de Depósitos) move a seu marido AA, veio BB, residente na Quinta da Albergaria, ..., ... Mangualde, requerer inventário para separação da sua meação (nos termos do art. 825º nº 2 do C.P.Civil).</font><br>
<font> 1-2- O processo seguiu os seus regulares termos até que na conferência de interessados se procedeu a uma transacção, que foi homologada por sentença (fls. 193 a 195).</font><br>
<font> 1-3- A Caixa Leasing e Factoring – Instituição Financeira de Crédito, S.A., (sucessora da Sociedade Portuguesa de Leasing S.A.) interessada no inventário, veio interpor recurso da sentença que homologou o acordo que BB e AA celebraram no inventário.</font><br>
<font> 1-2- Depois de diversas incidências processuais sem interesse para aqui salientar, o recurso foi recebido e decidido no Tribunal da Relação de Coimbra, tendo sido julgado improcedente.</font><br>
<font> 1-3- Inconformada por esta decisão, dela recorreu Caixa Leasing e</font><u><font> </font></u><font>Factoring para este Supremo Tribunal que, por acórdão de 8-3-2007, decidiu fazer baixar o processo ao tribunal recorrido a fim de aí, se possível com os mesmo juízes, se fixarem os factos provados com relevância para a decisão da causa, efectuando-se novo julgamento.</font><br>
<font> 1-4- Realizado novo julgamento no Tribunal da Relação de Coimbra, outra vez a apelação foi julgada improcedente.</font><br>
<font> 1-5- Novamente não se conformando com esta decisão, dela veio recorrer a Caixa Leasing e Factoring para este Supremo Tribunal, recurso que foi admitido como revista e com efeito devolutivo.</font><br>
<font> 1-6- A recorrente alegou, tendo das suas alegações retirado as seguintes conclusões:</font><br>
<font> 1ª- O presente recurso vem interposto do douto Acórdão da Relação de Coimbra que manteve a douta sentença homologatória de transacção efectuada em conferência de interessados no âmbito do processo n° 157-E 995 do 1° Juízo do Tribunal da Comarca de Mangualde.</font>
<p><font> 2ª- A transacção homologada extravasa o objecto do apenso em que foi apresentada.</font>
</p><p><font> 3ª- Na transacção os recorridos além de decidirem acerca da divisão de bens comuns, dispõem de imóvel penhorado nos autos para pagamento de dívida de um dos credores.</font>
</p><p><font> 4ª- A recorrente tem um direito de crédito sobre o recorrido AA, reconhecido e graduado no apenso de reclamação de créditos.</font>
</p><p><font> 5ª- A recorrente penhorou e registou o imóvel em causa no âmbito do processo executivo que move ao recorrido para satisfação do seu direito de crédito.</font>
</p><p><font> 6ª- A recorrente não esteve presente na transacção apresentada nos autos, não foi ouvida nem aceitou a mesma.</font>
</p><p><font> 7ª- Na acta de conferência de interessados, na transacção consta na cláusula 6 “Pelas razões referidas na anterior cláusula no 3, ambos os interessados acordam em eliminar a verba n° 3 da relação de bens de fls. 15”.</font>
</p><p><font> E na cláusula 9ª consta: “conhecedores do valor da proposta apresentada dos interessados, desde já, acordam que a distribuição do produto da venda seja afectado ao pagamento do crédito da Caixa Geral de Depósitos e o sobejante para a interessada BB”.</font>
</p><p><font> Na clausula 11ª “caso, inexistem propostas ou os valores não sejam aceites, os interessados acordam em adjudicar a verba n° 2 de fls. 15 com valor de € 499.000,00 conforme referido na cláusula 7 ao interessado AA e a verba n° 1 das mesmas fls. à interessada BB”.</font>
</p><p><font> 8ª- Com estas cláusulas os interessados estão a dispor de um bem penhorado pela ora recorrente e que garante a satisfação do seu direito de crédito, reconhecido e graduado nos autos.</font>
</p><p><font> 9ª- O art. 819° do CC.: “Sem prejuízo das regras do registo, são ineficazes em relação ao exequente os actos de disposição ou oneração dos bens penhorados.”</font>
</p><p><font> 10ª- O art. 819° CC. diz «em relação ao exequente», mas também perante os credores reclamantes, o comprador dos bens, o próprio tribunal, o acto é ineficaz, sendo pura e simplesmente, inoponivel à execução. Trata-se duma inoponibilidade objectiva ou situacional, diversa da inoponibilidade meramente subjectiva, isto é, em face dum certo terceiro” Prof. Castro Mendes, Acção, p 96, nota 2.</font>
</p><p><font> 11ª- Criando a penhora essa limitação à disposição do bem dentro do próprio processo, não podemos entender que os recorridos por transacção venham determinar os fins do bem penhorado sem que todos os credores aceitem esses termos.</font>
</p><p><font> 12ª- A recorrente titular de direito de garantia sobre o imóvel, não foi parte na presente transacção, mas é parte no apenso de reclamação de créditos.</font>
</p><p><font> 13ª- No processo de inventário as partes apenas tinham legitimidade para determinar a partilha dos seus bens comuns.</font>
</p><p><font> 14ª- Ora, os bens que fossem atribuídos ao AA seriam para pagamento das dívidas, conforme determinado na sentença de graduação de créditos do apenso F.</font>
</p><p><font> 15ª- Mas as partes além da partilha dos bens decidem sobre a venda desses bens e imputação do produto para pagamento de divida de um dos credores.</font><br>
<font> 16ª- Ora, considera a recorrente que se os credores podem reclamar contra a escolha destinada à formação da meação feita pelo conjugue do executado, mais podem reclamar acerca da decisão sobre a imputação dos bens que são atribuídos ao executado.</font><br>
<font> 17ª- O douto Acórdão recorrido, ignora a questão fundamental in caso, pois não estamos perante uma mera decisão sobre as meações dos cônjuges, </font>
</p><p><font> 18ª- As partes foram mais longe e além de decidirem qual a meação de cada um, decidem como pagar a um dos credores com o produto do bem do cônjuge executado.</font>
</p><p><font> 19ª- E estamos perante um bem imóvel que é constituído por dois artigos matriciais que foram autonomamente avaliados e um deles a verba 2 de fls. 15 avaliado em € 499000,00 foi adjudicado ao requerente executado AA.</font>
</p><p><font> 20ª- Decidindo as partes que essa verba será vendida e o produto utilizado para pagamento do credito da Caixa Geral de Depósitos, cfr. clausula 9ª da transacção de fls.</font>
</p><p><font> 21ª- Ora, conforme se diz no douto acórdão recorrido, logo nessas situações (...) o credor apenas terá que aguardar que nos autos de inventário seja feita a partilha, para ficar a saber quais os bens que efectivamente ficaram a pertencer ao executado e depois executá-los, sem qualquer tipo de constrangimentos, semelhantes àqueles que motivam a suspensão da sua execução.”</font>
</p><p><font> 22ª- No casa sub judice tal possibilidade é completamente prejudicada, porque se aceita que as partes do inventário e um dos credores determinem o destino do bem atribuído à parte devedora/executado.</font>
</p><p><font> 23ª- Como poderá a ora recorrente ir executar a parte do devedor, se foi aceite que o mesmo determine o seu destino.</font>
</p><p><font> 24ª- O que é mais flagrante é existirem elementos nos autos que demonstram que a parte atribuída ao devedor será suficiente para pagamento do credor graduado em primeiro lugar e ainda para parte do crédito da ora recorrente, graduado em segundo lugar.</font>
</p><p><font> 25ª- A sentença recorrida apenas podia homologar um acordo sobre a partilha dos bens e não também o fim dos mesmos.</font>
</p><p><font> 26ª- Viola o princípio da equidade homologar a transacção com a extensão que tem de determinar o próprio devedor o fim da parte que lhe cabe na partilha efectuada nestes autos de inventário.</font>
</p><p><font> 27ª- A transacção não podia ser homologada, uma vez que extravasa o objecto do apenso em que foi efectuada, faltando o requisito do n° 2 do art. 293° do CPC.</font>
</p><p><font> 28ª- O douto Acórdão recorrido viola o art. 293°, no 2 do CPC e o princípio subjacente à regulação do art. 819° do CPC.</font>
</p><p><font> 1-7- Não houve contra-alegações.</font><br>
<font> Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir:</font><br>
<br>
<font> II- Fundamentação:</font><br>
<font> 2-1- Uma vez que o âmbito objectivo dos recursos é balizado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes, apreciaremos apenas as questões que ali foram enunciadas (arts. 690º nº1 e 684º nº 3 </font><i><font>ex vi </font></i><font>do art. 726º do C.P.Civil). </font><br>
<font> Nesta conformidade, será a seguinte a questão a apreciar e decidir:</font><br>
<font> - Se a transacção em causa poderia, ou não, ser homologada por sentença.</font><br>
<font> 2-2- Com vista à decisão, no acórdão da Relação de Coimbra deram-se como assentes as seguintes circunstâncias:</font><br>
<font> 1- Nomeada cabeça de casal no inventário que requereu para separação de meações nos termos do art. 825.º do CPC, veio BB relacionar a fls. 43, entre outras, duas dívidas tituladas por duas letras, indicando como credora a ora recorrente.</font><br>
<font> 2- Ainda a fls. 43, a requerente BB deu conta de que o pagamento daquelas duas letras fora reclamado na execução ordinária n.º 9038/95 a correr termos na 2.ª Secção da 13.ª Vara Cível do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, à qual deduzira embargos de executado.</font><br>
<font> 3- Convocada conferência de interessados, a ela compareceu a requerente do inventário e cabeça de casal, BB, acompanhada pelo seu mandatário. O requerido AA e a credora Caixa Geral de Depósitos, estiveram representados por mandatários.</font><br>
<font> 4- Na referida conferência de interessados, os presentes puseram termo ao inventário mediante o acordo que consta da respectiva acta inserta a fls. 193, 194 e 195 que, logo, foi homologado por sentença.</font><br>
<font> 5- Na dita conferência foi acordada a composição dos quinhões da requerente e requerido e, atendendo a que a requerente não reconheceu a existência da dívida da ora apelante, acordaram em eliminá-la da relação apresentada.</font><br>
<font> 6- O crédito reclamado pela recorrente é da exclusiva responsabilidade do executado requerido no inventário, AA.</font><br>
<font> De sublinhar ainda que (art. 659º nº 3 do C.P.Civil):</font><br>
<font> 7- A ora recorrente, por apenso à execução apensa, reclamou o seu crédito, nos termos do art. 871º, tendo sido proferida sentença de graduação de créditos, sendo que o crédito reclamado, foi graduado em segundo lugar (Apenso F).</font><br>
<font> 8- No processo de execução, a instância encontra-se suspensa até que se encontre efectuada a partilha a que estes autos dizem respeito (fls.301 do proc.de execução157/95) </font><br>
<font> 2-3- O presente processo de inventário foi instaurado de harmonia com o disposto no art. 825º nº2 do C.P.Civil (na redacção então vigente). Segundo esta disposição em execução movida contra um só dos cônjuges e em caso de penhora dos bens comuns do casal, “</font><i><font>qualquer dos cônjuges pode requerer, dentro de 15 dias, a separação de bens, ou juntar certidão comprovativa da pendência da acção em que a separação já tenha sido requerida, sob pena de a execução prosseguir contra os bens penhorados</font></i><font>” (1) ”.. Portanto, numa execução por uma dívida de responsabilidade apenas de um dos cônjuges, se o credor pretender penhorar bens comuns do casal (por os bens do devedor serem insuficientes ou não se conhecerem), então terá o cônjuge não devedor de ser citado para requerer a separação dos bens (ou juntar</font><i><font> </font></i><font>certidão comprovativa da pendência da acção em que a separação já tenha sido requerida).</font>
</p><p><font> Foi na sequência dessa citação que a requerente BB (esposa do executado) veio requerer este inventário.</font>
</p><p><font> Estabelece o nº 7 do art. 825º (actual redacção) que “</font><i><font>apensado o requerimento em que se pede a separação, ou junta a certidão, a execução fica suspensa até à partilha; se, por esta, os bens penhorados não couberam ao executado, podem ser penhorados outros que lhe tenham cabido, permanecendo a anterior penhora até à nova apreensão</font></i><font>”.</font>
</p><p><font> Quer isto dizer que, efectuado o requerimento para separação de meações, a instância executiva fica suspensa até à partilha. A partir deste momento prosseguirá sobre os bens penhorados se ficarem a pertencer ao executado, ou sobre outros que lhe tenham cabido, caso os penhorados não lhe couberem.</font>
</p><p><font> O inventário a que se procedeu segue as normas adjectivas próprias do inventário, com as especificidades dos arts. 1404º a 1406º do C.P.Civil. De salientar, para o que aqui importa, que o exequente, no caso do artigo 825º, tem o direito de promover o andamento do inventário, não podendo ser aprovadas dívidas que não estejam devidamente documentadas (als. a) e b) do nº 1 do art. 1406º) e “</font><i><font>o cônjuge do executado ou falido tem o direito de escolher os bens que há-de ser formada a sua meação; se usar desse direito, são notificados da escolha os credores, que podem reclamar contra ela, fundamentando a sua queixa</font></i><font>” (al. c) do mesmo art. 1406º). “</font><i><font>Se julgar atendível a reclamação, o juiz ordena a avaliação dos bens que lhe pareçam mal avaliados</font></i><font>” (nº 2 do mesmo art. 1406º).</font>
</p><p><font> De sublinhar, face a estes dispositivos, que o cônjuge do executado tem o direito de escolha dos bens que hão-de formar a sua meação. Isto para evitar “</font><i><font>que a família fique privada, pelo acaso do sorteio, dos bens que lhe são absolutamente indispensáveis</font></i><font>” (Alberto dos Reis, Breve Estudo, pág. 727, citado por Lopes Cardoso </font><i><font>in </font></i><font>Partilhas Judiciais, Vol. III, 4ª edição, pág. 433). O direito de escolha deverá ser exercido após a relacionação dos bens ou na conferência de interessados, e deve ser realizado por simples requerimento em que tal objectivo se mencione, indicando-se aí os bens concretos escolhidos. “</font><i><font>Substancialmente, a escolha não tem outros limites que não sejam respeitantes ao valor da meação do optante, dentro desse limite este tem plena liberdade de fazer indicação concreta dos bens que a hão-de constituir. Quer isto dizer que nesta fase não há que tomar em consideração a natureza deles e que as meações não têm que necessariamente formadas por bens da mesma espécie e qualidade. Este segundo aspecto só é de levar em conta quando inexiste direito de escolha ou quando sobrevém a desistência dele, hipótese em que se procederá a sorteio</font></i><font>” (Lopes Cardoso obra citada</font><i><font> </font></i><font>pág. 434). </font>
</p><p><font> Mas como se viu, em caso de escolha, os credores podem reclamar contra ela, fundamentando a sua queixa. Como se infere do nº 2 do art. 1406º, os fundamentos da reclamação só poderá ser a má avaliação dos bens. Teve aqui o legislador evidentes preocupações com os credores, pois, como é evidente, uma avaliação incorrecta, pode resultar em manifesto prejuízo deles. Note-se que o que se trata aqui é a possibilidade de o exequente vir a penhorar bens que couberam ao executado, sendo evidente o dano se existir uma avaliação por defeitos dos bens escolhidos pelo cônjuge deste.</font>
</p><p><font> No caso vertente, verifica-se que na conferência de interessados os interessados chegaram a um acordo, não estando aí presente a credora, ora recorrente. Nesse acordo, observa-se, de essencial, que os interessados definiram os bens a partilhar (cláusula 1ª), o interessado AA reconheceu duas dívidas, uma à Caixa Geral de Depósitos e a outra à Sociedade Portuguesa de Leasing (cláusulas 2ª e 4ª), consideraram os interessados compensada (extinta) uma outra dívida por adjudicação de uma verba relacionada que, por isso, a decidiram eliminar (cláusulas 3ª e 6ª), alteraram o conteúdo das verbas nºs 1 e 2 da relação de bens de fls. 15 (cláusula 7ª), informaram existir um interessado na aquisição deste bem e que, caso a respectiva proposta fosse aceite, acordaram em atribuir o produto da venda para solver o Crédito da Caixa Geral de Depósitos, ficando o que restasse para a interessada BB, proposta aceite por esta instituição de crédito, nos termos na cláusula exarados (cláusulas 9ª e 10ª), acordaram, no caso de não existirem propostas de aquisição das verbas (nºs 1 e 2 da relação de bens de fls. 15) ou caso os valores não serem aceites, em adjudicar as verbas aos interessados AA e BB, sendo adjudicada ainda a esta outras verbas (cláusulas 11ª e 12ª).</font>
</p><p><font> Porque existiu um acordo, não se poderá dizer que a interessada BB procedeu à escolha de verbas destinadas a preencher o seu quinhão. Por outro lado, dado que o preenchimento do seu quinhão está dependente de circunstâncias factuais incertas, não está determinado, em concreto, o quinhão dessa interessada. Pelas mesmas razões também não está concretizado o quinhão do outro interessado, o executado.</font>
</p><p><font> O objectivo da instauração deste processo de inventário foi, como se viu, a separação/partilha de bens dos cônjuges, em virtude de o credor pretender penhorar bens comuns do casal, sendo que a dívida é própria do cônjuge devedor. Também já se viu que, nos termos do nº 7 do art. 825º, “</font><i><font>apensado o requerimento em que se pede a separação, ou junta a certidão, a execução fica suspensa até à partilha</font></i><font>” sendo que depois desta “</font><i><font>se os bens penhorados não couberam ao executado, podem ser penhorados outros que lhe tenham cabido, permanecendo a anterior penhora até à nova apreensão</font></i><font>”. Ou seja, após a partilha o processo de execução prosseguirá, mantendo-se a penhora dos mesmos bens (caso estes fiquem a pertencer ao executado), ou penhorando-se outros que tenham cabido ao executado (caso os penhorados fiquem a pertencer ao seu cônjuge).</font>
</p><p><font> Ora no caso dos autos, ao homologar-se por sentença a transacção, transacção (onde não interveio a credora Sociedade Portuguesa de Leasing) fazendo-se terminar o processo (note-se que até as custas se fixaram), inviabilizou-se a realização da partilha e a consequente adjudicação dos bens a cada um dos cônjuges, não se permitindo, outrossim, o prosseguimento da execução com penhora de bens nos termos expostos (2). Sublinhe-se que o objectivo de um inventário divisório é, precisamente, a descrição e partilha de bens, finalidade que no presente processo acabou por se gorar, ao fazer-se terminar por transacção os autos (3).</font>
</p><p><font>, sendo que nesta não interveio a dita credora.</font>
</p><p><font> Os próprios quinhões dos interessados não estão concretizados, razão porque, também por esse motivo, a partilha não se poderá realizar (arts. 1373º e 1374º do C.P.Civil).</font>
</p><p><font> Haverá, pois, que fazer prosseguir os autos, com vista à partilha e à adjudicação de bens aos interessados, com o objectivo de satisfazer o crédito da Sociedade Portuguesa de Leasing.</font>
</p><p><font> Não se desconhece que hoje o inventário pode findar na conferência de interessados (em caso de acordo dos interessados e quando o juiz, atendendo à simplicidade da partilha, o consinta). Porém, mesmo nesta circunstância, a partilha terá que se concretizada e depois judicialmente homologada em acta, onde constarão os elementos relativos à composição dos quinhões e a forma da partilha (art. 1353º nº 6 do mesmo Código).</font>
</p><p><font> Mas mesmo que se entenda que o processo pode terminar com uma transacção, sem qualquer dúvida diremos que nela têm que intervir, para além dos interessados no inventário, os credores exequentes cuja penhora em bens comuns do casal, originou a instauração do processo (para separação de meações – art. 293º nº 2 do C.P.Civil -). Evidentemente que não tendo intervido a Sociedade Portuguesa de Leasing nessa transacção, a mesma é ineficaz em relação a ela, razão por que, igualmente por este prisma, o processo terá que prosseguir com vista à partilha e à adjudicação de bens aos interessados, a fim de a execução prosseguir para se satisfazer o crédito dessa Sociedade.</font>
</p><p><font> Um pequeno reparo ao acórdão da Relação de Coimbra.</font>
</p><p><font> Não se discute, nem isso é relevante para aqui, se a dívida do ora recorrente deve ou não ser relacionada nos autos. O ponto da questão está na circunstância de a decisão recorrida ter inviabilizado a partilha dos bens e a seguinte adjudicação dos bens e, consequentemente, não ter permitido o prosseguimento da execução com a penhora dos mesmos ou de outros bens do executado.</font>
</p><p><font> O acórdão que serviu de inspiração à decisão recorrida, versou sobre uma questão diversa da discutida nestes autos. Incidiu esse aresto sobre a necessidade, ou não, de se relacionar no inventário dívidas de responsabilidade exclusiva de um dos cônjuges. Depois de se ter decidido que tais dívidas não deveriam ser relacionadas, disse-se, de forma correcta, que o esse tipo de inventário visa essencialmente </font><i><font>proteger o interesse do cônjuge do executado permitindo-lhe, desse modo, proceder à separação dos bens do casal</font></i><font>”, acrescentando-se depois que “</font><i><font>logo, nessas situações (...) o credor apenas terá que aguardar que nos autos de inventário seja feita a partilha, para ficar a saber quais os bens que efectivamente ficaram a pertencer ao executado e depois executá-los, sem qualquer tipo de constrangimentos, semelhantes àqueles que motivaram a suspensão da sua execução</font></i><font>”. Ou seja, nesse acórdão, defendendo-se embora a desnecessidade de relacionar as dívidas de responsabilidade exclusiva de um dos cônjuges (questão não debatida nestes autos) (4), reconheceu-se a precisão de realizar a partilha no inventário, verificar os bens que ficam a pertencer ao executado e depois, sobre eles, prosseguir a execução. Isto é, entendeu-se, igualmente, a indispensabilidade de realizar a partilha.</font>
</p><p><font> Quer dizer que, se bem que pelas ditas razões, a revista será concedida.</font>
</p><p><font> III- Decisão:</font>
</p><p><font> Por tudo o exposto, revoga-se a sentença recorrida que deverá ser substituída por outra que ordene o prosseguimento dos autos de inventário com vista à partilha dos bens, realizando-se (nova) conferência de interessados.</font>
</p><p><font> Custas pelos interessados na partilha.</font>
</p><p><font>Supremo Tribunal de Justiça, 22 de Janeiro de 2008</font>
</p><p><font>Garcia Calejo (Relator)</font>
</p><p><font>Moreira Alves</font>
</p><p><font>Mário Mendes</font>
</p><p><font>_________________________</font>
</p><p><font>(1) A actual redacção do art. 825º nº 1 é a seguinte: “quando em execução movida contra só um dos cônjuges, sejam penhorados bens comuns do casal, por não se conhecerem bens suficientes próprios do executado, cita-se o cônjuge do executado para, no prazo de que dispões para a oposição, requerer a separação de bens ou juntar certidão comprovativa da pendência da acção em que a separação já tenha sido requerida.</font>
</p><p><font>(2) Note-se que, como se disse acima, o processo de execução está com a instância suspensa até à partilha a efectuar nestes autos.</font>
</p><p><font>(3) Sublinhe-se que a requerente do inventário chama à transacção sentença homologatória da partilha (fls. 228), o que, na realidade, não é, já que não existiu qualquer partilha.</font>
</p></font><p><font><font>(4) </font><u><font>De notar que a própria cabeça de casal entendeu relacionar a dívida da recorrente</font></u><font> (fls. 43), sendo também certo que, precisamente, em razão de a dívida ser da responsabilidade de só um dos cônjuges e a penhora ter incidido sobre bens comuns, é que se procedeu à instauração do presente inventário.</font></font></p>
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JTKtu4YBgYBz1XKveS0U
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1.ª Secção (Cível)
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<b><font> </font></b><font><br>
<font>ACORDAM OS JUÍZES QUE CONSTITUEM O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA</font><font> </font><font>:</font>
<p><font>Na execução para pagamento de quantia certa, sob a forma de processo ordinário, que AA instaurou contra “Imobiliária …, SA", veio esta, por apenso à aludida execução, deduzir a presente oposição à execução, por embargos, pedindo que, na sua procedência, se declare extinta a execução, alegando, para o efeito, e, em síntese, no que interessa à apreciação e decisão do mérito da revista, que nada deve ao embargado, pois que as letras dadas à execução não titulam quaisquer responsabilidades, sendo certo que nunca celebrou qualquer negócio com o exequente e que as últimas quatro letras não foram assinadas pelo legal representante da embargante.</font><br>
<font>Na contestação, o embargado alega, em síntese, que as letras titulam a sua relação com a embargante, pugnando pela improcedência da oposição.</font>
</p><p><font>A sentença julgou a oposição à execução, totalmente, procedente por provada e, em consequência, declarou extinta a execução.</font>
</p><p><font>Desta sentença, o exequente interpôs recurso, tendo o Tribunal da Relação julgado improcedente a respectiva apelação e, em consequência, confirmou a decisão impugnada.</font>
</p><p><font>Do acórdão da Relação de Guimarães, o mesmo exequente interpôs recurso de revista, para este Supremo Tribunal de Justiça que, pelo acórdão de folhas 373 e seguintes, determinou a realização de novo julgamento da apelação que inclua, no respectivo objecto, a impugnação da decisão da matéria de facto da 1ª instância.</font>
</p><p><font>O Tribunal da Relação de Guimarães, depois de ampliada a decisão sobre a matéria de facto e suprida a omissão ocorrida, voltou a julgar a apelação improcedente, confirmando a sentença recorrida.</font>
</p><p><font>Deste novo acórdão da Relação de Guimarães, o exequente interpôs recurso de revista, terminando as alegações com o pedido da sua revogação e consequente prosseguimento da execução, formulando as seguintes conclusões, que se transcrevem:</font>
</p><p><font>1ª – O apelante recorreu da decisão alegando em suma factos que motivavam a alteração da matéria de facto, bem como a interpretação errada dos factos dados como provados, e manifesto erro na determinação do direito a estes aplicável.</font>
</p><p><font>2ª - No douto acórdão proferido pelo Tribunal da Relação, foi decidido não alterar a matéria dada por provada, mantendo assim a decisão do Tribunal de 1a Instância.</font>
</p><p><font>3ª - Por outro lado, esse mesmo Tribunal fez uma errada interpretação e</font>
</p><p><font>subsunção jurídica dos factos ao direito, no seguinte:</font>
</p><p><font>O Acórdão do Tribunal da Relação no que tange à letra a) dos factos assentes diz o seguinte: "No tocante à única das letras cuja assinatura não é impugnada (a sobrevivente nas palavras do MM0 Juiz de 1ª Instância) diz-se o seguinte.</font><br>
<font>O art. 17° da LULL preceitua que as pessoas accionadas em virtude de uma letra não podem opor ao portador as excepções fundadas sobre as relações pessoais delas com o sacador, a menos que, o portador ao adquirir a letra tenha procedido conscientemente em detrimento do devedor.</font><br>
<font>Diz o recorrente que não foi provado que a assinatura fosse de favor."</font><br>
<font>4ª - Ocorre o Tribunal recorrido em manifesta má interpretação das alegações do recorrente, porquanto este alegou o seguinte:</font><br>
<font>"Não foi provado que a assinatura aposta fosse de favor, no intuito de permitir ao sacador, aqui apelante, o seu auto-financiamento, pois como e bem foi declarado por provado este nunca passou dificuldades financeiras, nunca tendo em qualquer altura sido favorecido pela emissão dessas letras.</font><br>
<font>Só poderia haver letras de favor, se o beneficiário fosse uma pessoa de duvidosa solvabilidade ou mal conhecido na praça, e por conseguinte, necessitasse de realizar dinheiro para solver um compromisso assumido, o que no caso em apreço se constatou o contrário em relação ao embargado -exequente.</font><br>
<font>Outrossim, a haver uma relação cambiária de favor, o favorecente foi o aqui apelante sendo o favorecido a embargante, e neste caso, seria essa a causa da obrigação cartular exequenda.</font><br>
<font>Seguindo este raciocínio, que tem também suporte no depoimento de todas as testemunhas, nessa relação, o sacador, aqui apelante, prestou uma garantia ao aceitante-embargante, para possibilitar a este o seu financiamento junto da banca.</font><br>
<font>Por conseguinte, no âmbito dessas relações, quem teria de pagar as letras descontadas no Banco seria sempre a embargante-aceitante pois foi esta que recebeu o dinheiro e assumiu a obrigação de liquidar essa divida."</font><br>
<font>5ª - Face ao que acaba de se transcrever, o douto acórdão da Relação fez uma interpretação errada do que se explanou, que se fica a dever à manifesta confusão entre favorecente e favorecido.</font><br>
<font>6ª - Sem duvida que a letra a), a sobrevivente, tem subjacente uma causa: o próprio favor, prestado pelo sacador - exequente e aqui recorrente à executada.</font><br>
<font>7ª - Esta a única conclusão possível para o facto de o 2o quesito ter sido dado como provado e o 3o quesito ter sido dado como não provado, pois, tendo por base as regras da experiência comum, se o sacador nunca teve dificuldades financeiras, o mesmo nunca necessitava de ser favorecido por uma letra de favor.</font><br>
<font>8ª - No caso sub judice, o favorecente foi o sacador, aqui recorrente, e favorecida a aceitante, recorrida, sendo essa a causa da obrigação cartular, na qual o sacador prestou uma garantia ao aceitante, para possibilitar a este o seu financiamento junto da banca.</font><br>
<font>9ª - Ferrer Correia (Lições de Direito Comercial, Vol. Ill, Letra de câmbio, 1975, págs. 49 a 53), começa por explicar como surge uma subscrição cambiária de favor, esclarecendo que o firmante de favor pode ocupar qualquer posição cambiária.</font><br>
<font>10ª - Por conseguinte, o sacador ao favorecer a aceitante, agiu com a</font><br>
<font>consciência de assumir uma obrigação cambiária, o que o fez pois liquidou a letra em causa ao banco na qual foi descontada, sendo assim o portador da mesma e tendo sido violada a convenção de favor por parte da favorecida, aceitante, que após ter recebido a quantia em causa, 2.100.000$00, nunca a liquidou ao sacador.</font><br>
<font>11ª - O favorecente, sacador, não pretendia em caso algum vir a desembolsar aquela quantia, e como o fez tem direito a exigir do favorecido o montante dispendido com o pagamento da letra, ou seja, €10.474,76 (2.100.000$00) acrescido dos respectivos juros de mora.</font><br>
<font>12ª - Assim, ao dar a letra à execução, reclama dessa forma o pagamento da divida existente.</font><br>
<font>13ª - Este não foi o entendimento do douto acórdão da Relação, na medida em que conclui pela não validade da letra como documento reconhecendo uma dívida, alegando que o mesmo não foi invocado.</font><br>
<font>14ª - Tendo sido dado como provado que a relação causal subjacente à emissão da letra foi uma obrigação de favor.</font><br>
<font>15ª - Ora, a aceitante, ao invocar o regime das letras de favor, incumbia-lhe não só o ónus de provar essa relação, como também a sua posição de favorecente.</font><br>
<font>16ª - Sucede que, apenas logrou provar que a relação cambiária era de favor, não conseguindo provar a sua posição de favorecente, pois atendendo à resposta dada ao quesito 3° (não provado), o sacador nunca passou por dificuldades financeiras, logo não poderia ter sido ele o favorecido.</font><br>
<font>17ª - Ao não considerar a existência desta relação de favor na qual o sacador, aqui recorrente, assume a posição de favorecente e a aceitante, recorrida, a posição de favorecida, o acórdão do Tribunal da Relação comete uma violação ao principio do ónus da prova postulado no art.° 342° do Código Civil, ao não valorar correctamente a resposta dada ao 3° quesito.</font><br>
<font>18ª - O acórdão do Tribunal da Relação inverte erradamente o ónus da prova ao exigir que o portador da letra de câmbio, sacador, tenha de provar que é o favorecente.</font><br>
<font>19ª - Pois, com a instauração do processo executivo pelo sacador, exequente, tendo por base a letra de câmbio da qual é portador em virtude de ter procedido ao seu pagamento, presume-se que o título é válido nos precisos termos dele constantes.</font><br>
<font>20ª - Verificando-se, assim, todos os requisitos formais do mesmo, como a aceitante, executada, reconheceu.</font><br>
<font>21ª - Para impugnar essa validade, era à aceitante que incumbia a prova de que nessa relação de favor ocupava a posição de favorecente.</font><br>
<font>22ª - Pois quem atacou a sua veracidade, por meio da oposição, foi a aceitante, executada.</font><br>
<font>23ª - Em suma, resultou provado que a obrigação cambiária foi validamente assumida pelas partes, sacador e aceitante, pela existência de um negócio de favor, no qual o exequente foi o favorecente e a executada a favorecida, e pela falta de pagamento desta o exequente foi obrigado a proceder ao seu pagamento para com terceiros - banco.</font><br>
<font>24ª - Ocorre em manifesta violação o acórdão do Tribunal da Relação dos artigos 458° do Cód. Civil e do n° 1, alinea c) do artº 46 do CPC, quando não se pronuncia sobre a questão de a letra ser um documento de reconhecimento de divida, pois essa presunção decorre dos supra citados normativos legais, e da apresentação dessa letra de câmbio em juízo como título executivo.</font><br>
<font>25ª - Pelo exposto, deve ser reconhecida a validade da letra no valor €10.474,76 (2.100.000$00) acrescido dos respectivos juros de mora.</font><br>
<font>A embargante-executada não apresentou contra-alegações.</font><br>
<font>O Tribunal da Relação entendeu que se devem considerar demonstrados os seguintes factos, que este Supremo Tribunal de Justiça aceita, nos termos das disposições combinadas dos artigos 722º, nº 2 e 729º, nº 2, do Código de Processo Civil (CPC), mas reproduz:</font><br>
<font>1. Na Vara de Competência Mista de Guimarães, corre termos o processo de execução ordinária, para pagamento de quantia certa, com o n.° 902/03.2 TCGMR, em que é exequente João de Macedo e executada “Imobiliária …., SA”, que foi instaurado com base nas seguintes letras de câmbio: a) letra de câmbio, no valor de 2.100.000$00, com data de emissão, em 06.06.2000, e vencimento, em 06.09.2000, sacada e aceite pela executada-embargante; b) letra de câmbio, no valor de 1.400.000$00, com data de emissão, em 06.04.2001, e vencimento, em 06.07.2001; c) letra de câmbio, no valor de 1.500.000$00, com data de emissão, em 06.04.2001, e vencimento, em 25.07.2001; d) letra de câmbio, no valor de 2.100.000$00, com data de emissão, em 06.04.2001, e com vencimento, em 06.08.2001; e) letra de câmbio, no valor de 1.745,80 EUR, com data de emissão, em 09.02.2002, e com data de vencimento, em 10.05.2002, tudo conforme documentos que se encontram juntos de fls. 8 a 12 do processo executivo e cujo teor se deu por, integralmente, reproduzido – A).</font><br>
<font>2. O embargado - exequente nunca celebrou com a embargante - executada qualquer negócio que justificasse a aceitação por esta das letras, referidas em A) – B).</font><br>
<br>
<font>Tudo visto e analisado, ponderadas as provas existentes, atento o Direito aplicável, cumpre, finalmente, decidir.</font><br>
<font>As questões a decidir, na presente revista, em função das quais se fixa o objecto do recurso, considerando que o «thema decidendum» do mesmo é estabelecido pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, com base no preceituado pelas disposições conjugadas dos artigos 660º, nº 2, 661º, 664º, 684º, nº 3, 690º e 726º, todos do CPC, são as seguintes:</font><br>
<font>I – A questão do ónus da prova da convenção de favor.</font><br>
<font>II – A questão da validade da letra como documento de reconhecimento da dívida.</font><br>
<font> I. DO ÓNUS DA PROVA DA CONVENÇÃO DE FAVOR</font><br>
<font>Efectuando uma síntese do essencial da prova que ficou consagrada, importa considerar que o exequente é portador de uma letra de câmbio, no valor de 2.100.000$00, com data de emissão de 6 de Junho de 2000, e vencimento a 6 de Setembro de 2000, sacada e aceite pela executada-embargante, mas sem que tenha subjacente qualquer transacção comercial entre ambos que servisse de suporte à sua emissão, porquanto ficou demonstrado que o embargado-exequente nunca celebrou com a embargante-executada qualquer negócio que justificasse a aceitação por esta da letra em questão.</font>
</p><p><font>Relativamente às restantes quatro letras de câmbio exequendas, o Tribunal da Relação decidiu, no acórdão recorrido, que, por não terem «aceite», a embargante não se encontrava vinculada ao seu pagamento, determinando-se a correspondente extinção parcelar da execução, com a consequente formação do caso julgado parcial, que, assim, e porque, também, essa matéria não faz parte das alegações da revista, não constitui objecto deste recurso. </font>
</p><p><font>Em face da matéria de facto, sumariamente, condensada, importa, desde já, reconhecer que as assinaturas apostas na única letra ainda em discussão, a denominada “letra sobrevivente”, a do sacador e a do sacado-aceitante, são de mero favor, porquanto entre um e o outro não existia qualquer relação de crédito, não tendo a letra resultado de transacções comerciais estabelecidas entre ambos, os quais apenas intervieram no circuito cambiário para facilitar o respectivo desconto bancário.</font>
</p><p><font>Porém, alega o exequente que o acórdão recorrido inverte, erradamente, o ónus da prova, ao exigir que o portador da letra de câmbio, ou seja, o ora sacador, tenha de provar que é o favorecente, porquanto era à embargante que incumbia demonstrar que nessa relação cambiária ocupava a posição de favorecente.</font>
</p><p><font>A oposição à execução constitui, estruturalmente, um procedimento extrínseco à acção executiva, com a natureza de uma contra-acção, tendente a obstar à produção dos efeitos do título e/ou da acção em que se baseia</font><font> (1) </font><font>.</font>
</p><p><font>Por outro lado, a oposição à execução, no âmbito da tipologia das acções, de acordo com a natureza da pretensão requerida ao órgão judiciário, contempladas pelo artigo 4º, do CPC, deve qualificar-se como uma acção de simples apreciação negativa</font><font> (2)</font><font>.</font>
</p><p><font>Contudo, ao contrário do que sucede no domínio das acções de simples apreciação negativa, em que, por força do disposto pelo artigo 343º, nº 1, do Código Civil (CC), “compete ao réu a prova dos factos constitutivos do direito que se arroga”, não incumbe ao embargado-exequente, na oposição á execução, a prova da exigibilidade da obrigação exequenda.</font>
</p><p><font>Efectivamente, as razões que levaram o legislador a determinar a inversão do regime do ónus da prova, nas acções de declaração negativa, que tem subjacente a ideia de que é mais fácil provar a existência de um direito ou de um facto do que demonstrar a sua inexistência, eliminando todas as causas possíveis da sua produção</font><font> (3) </font><font>, não colhem, na hipótese da oposição à execução por embargos, em que o opoente, na sua posição de contestante da execução, fundamenta o pedido de declaração de extinção da obrigação exequenda, em factos negativos, isto é, na qualidade de favorecente da letra dada à execução.</font>
</p><p><font>Ora, se a oposição à execução exerce a função de uma acção declarativa, em que o opoente figura como autor e o embargado como réu, tratando-se de oposição-acção e não de oposição-contestação</font><font> (4) </font><font>, não se alcançam suficientes razões justificativas para, ao arrepio dos princípios gerais na matéria, deixar de aplicar as regras ordinárias da repartição do ónus da prova, sendo certo que estas não dependem da posição formal das partes no processo, mas antes da sua posição na relação jurídica material controvertida.</font>
</p><p><font>E, de acordo com o princípio geral da distribuição do ónus da prova, constante do artigo 342º, do CC, ao autor cabe provar os factos constitutivos correspondentes à situação de facto definida na norma substantiva em que funda a sua pretensão e ao réu a prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado, determinados de acordo com a norma em que fundamenta a excepção por si invocada.</font>
</p><p><font>Assim sendo, recai sobre o opoente e não do exequente o ónus da prova de que, no caso da “letra sobrevivente”, a si cabia a posição de firmante de favor.</font>
</p><p><font>Deste modo, é de aceitar o entendimento constante da sentença de 1ª instância, com a concordância do acórdão recorrido, segundo o qual o favorecente foi o opoente-executado que aceitou a letra, sendo o sacador favorecido o exequente que, posteriormente, teve de proceder ao seu pagamento, perante o Banco descontador.</font>
</p><p><font>Com efeito, a subscrição cambiária de favor acontece, na hipótese que aqui interessa considerar, quando o terceiro [firmante de favor ou favorecente] aceita o saque de uma letra, de montante igual à soma pretendida pelo interessado favorecido, à ordem do Banco, apresentando, como principais características, o facto de o subscritor não desembolsar o montante da letra, mas apenas facilitar, através da garantia que a sua assinatura confere, a circulação do título, embora se constitua obrigado cambiário, em virtude da subscrição, e ainda a circunstância de não existir qualquer relação jurídica fundamental, estabelecida entre o favorecente e o favorecido, subjacente à obrigação cambiária por aquele assumida, para além da convenção de favor</font><font> (5) </font><font>.</font>
</p><p><font>Por isso, o autor do favor assume uma posição semelhante à do fiador ou garante, dada a falta de relação subjacente da obrigação cambiária, consubstanciada através da sua assinatura</font><font> (6) </font><font>.</font>
</p><p><font>Na hipótese de subscrição de favor em apreço, em que a letra foi assinada, tão-só, com o propósito de proporcionar o desconto bancário, decorre do pactuado que o beneficiário figura como sacador enquanto que a pessoa solicitada a firmar, agindo na qualidade de sacada, promove, ela própria, a operação, entregando, posteriormente, a entidade bancária descontadora ao primeiro o produto líquido do desconto</font><font> (7)</font><font>.</font>
</p><p><font>E se o favorecente não pode opor ao portador mediato, isto é, ao portador que não foi parte na convenção de favor, «in casu», o Banco, a excepção de favor, em caso algum terá de pagar a letra ao favorecido, a quem a excepção de favor é sempre oponível, porquanto, ao contrário daquele, este participou na convenção de favor.</font>
</p><p><font>A intervenção do firmante de favor ou de complacência é uma verdadeira convenção de garantia, consistindo numa operação normal, com poder vinculativo, mas, enquanto relação de garantia, em caso algum, o garante responde para com o respectivo beneficiário</font><font> (8) </font><font>.</font>
</p><p><font>Certo é que, por vezes, o beneficiário figura como sacado e o firmante de garantia ou de complacência como sacador, numa posição mais segura perante o favorecido, porque pode, se for forçado a pagar, rever deste o seu desembolso, baseando-se na própria letra e sem necessidade de invocar a relação subjacente</font><font> (9) </font><font>.</font>
</p><p><font>Com efeito, sendo esta a construção defendida pelo exequente, o mesmo não demonstrou os factos indispensáveis à sua sustentação.</font>
</p><p><br>
<font> II. DA LETRA COMO DOCUMENTO DE RECONHECIMENTO DA DÍVIDA</font><br>
<br>
<font>Sustenta ainda o exequente que o acórdão recorrido não se pronuncia sobre a questão de saber se a letra é um documento de reconhecimento de divida, pois essa presunção decorre do disposto nos artigos 458° do CC, e 46º, nº 1, c), do CPC, e da apresentação dessa letra de câmbio em juízo como título executivo.</font><br>
<font>Porém, sendo esta uma questão, completamente, nova que, desde logo, não foi suscitada, na oposição à execução, não se tratando, por seu turno, de uma questão de conhecimento oficioso, não é susceptível de ser apreciada, em sede deste recurso de revista.</font><br>
<font>Ora, podendo as decisões judiciais ser impugnadas, por meio de recurso, como decorre do estipulado pelo artigo 676º, nº 1, do CPC, tem sido entendido, uniformemente, que a faculdade de recorrer concedida às partes visa modificar a decisão impugnada e não criar decisões sobre matéria nova, não podendo, consequentemente, tratar-se no mesmo de questões que não hajam sido suscitadas, perante o Tribunal recorrido, a menos que se reconduzam a hipóteses de conhecimento oficioso, em que é, obviamente, desnecessária a alegação das partes, e que o Tribunal de recurso deve conhecer, quer respeitem à relação processual, quer à relação material controvertida, o que não acontece, manifestamente, com o caso da validade da letra como documento de reconhecimento de divida.</font><br>
<font>Improcedem, pois, com o devido respeito, as conclusões constantes das alegações de revista do exequente-embargado, não se mostrando violadas as disposições legais pelo mesmo indicadas ou outras de que, oficiosamente, importe conhecer.</font><br>
<br>
<font>CONCLUSÕES:</font><br>
<br>
<font>I – Constituindo a oposição à execução uma contra-acção tendente a obstar à produção dos efeitos do título e/ou da acção em que se baseia, apesar de ser qualificável como uma acção de simples apreciação negativa, cabe ao opoente e não ao exequente, na qualidade de autor, porque se trata de oposição-acção e não de oposição-contestação, o ónus da prova da posição do firmante de favor da letra.</font><br>
<font>II - A subscrição cambiária de favor acontece, por via de regra, quando o terceiro [firmante de favor ou favorecente] aceita o saque de uma letra, de montante igual à soma pretendida pelo interessado favorecido, à ordem do Banco, embora, por vezes, o beneficiário figure como sacado e o firmante de garantia ou de complacência como sacador, numa posição mais segura perante o favorecido, porque pode, se for forçado a pagar, rever deste o seu desembolso, baseando-se na própria letra e sem necessidade de invocar a relação subjacente.</font><br>
<font>III – Não podendo o favorecente opor ao portador mediato a excepção de favor, em caso algum terá de pagar a letra ao favorecido, a quem a excepção de favor é sempre oponível, porquanto, ao contrário daquele, este participou na convenção de favor e na relação de garantia, em que se traduz a intervenção do firmante de favor, e, em caso algum, o garante responde para com o respectivo beneficiário.</font><br>
<br>
<font>DECISÃO</font><font> </font><font>:</font><br>
<br>
<font>Por tudo quanto exposto ficou, acordam os Juízes que constituem a 1ª secção cível do Supremo Tribunal de Justiça, em negar a revista, confirmando, inteiramente, o douto acórdão recorrido.</font>
</p></font><p><font><font>Custas pelo exequente-embargado.</font><br>
<font>Notifique.</font><br>
<br>
<font>Lisboa, 29 de Junho de 2010</font><br>
<br>
<font>Helder Roque (Relator)</font><br>
<font>Sebastião Povoas</font><br>
<font>Moreira Alves</font><br>
<font>_______________</font><br>
<font>1- </font><font>Lebre de Freitas, A Acção Executiva depois da Reforma da Reforma, 5ª edição, 2009, 189; STJ, de 13-7-1992, BMJ nº 419, 640.</font><br>
<font>2-</font><font> Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio Nora, Manual de Processo Civil, 2ª edição, 1985, 16.</font><font> </font><br>
<font>3- </font><font>Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio Nora, Manual de Processo Civil, 2ª edição, 1985, 445.</font><br>
<font>4- </font><font>Anselmo de Castro, A Acção Executiva Singular, Comum e Especial, 2ª edição, 1973, 312.</font><br>
<font>5- </font><font>Ferrer Correia, Lições de Direito Comercial, Letra de Câmbio, III, 1966, 48 e 49.</font><br>
<font>6- </font><font>Mário de Figueiredo, Lições de Direito Comercial, 345.</font><br>
<font>7- </font><font>Fernando Olavo, Desconto Bancário, Lisboa, 1955, 113 e 114.</font><br>
<font>8- </font><font>Ferrer Correia, Lições de Direito Comercial, Letra de Câmbio, III, 1966, 5</font><font>3.</font><br>
<font>9- </font><font>Fernando Olavo, Desconto Bancário, Lisboa, 1955, 113 e 114 e nota (4).</font><font> </font></font></p>
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1.ª Secção (Cível)
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<b><font> </font></b><font><font> Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font><br>
<p><font>I – Por apenso à execução instaurada, nos Juízos de Execução de Lisboa, por AA – ..., S.A., contra BB – ..., Lda, e Companhia Industrial CC, ..., S.A., vieram estas executadas deduzir oposição à execução.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Alegaram, em síntese, o seguinte:</font>
</p><p><font>Desconhecem se os contratos de empréstimo cujo cumprimento as garantias agora dadas à execução visavam garantir foram efectivamente celebrados e qual o respectivo conteúdo. </font>
</p><p><font>Desconhecem igualmente se os fundos foram entregues à mutuária CC – ... do Brasil, S.A., por crédito na sua conta corrente e se esta apenas cumpriu parcialmente a sua obrigação de reembolso. </font>
</p><p><font>Ignoram também se o exequente foi interpelado e ainda se procedeu ao pagamento da garantia. </font>
</p><p><font>O número constante da garantia junta sob o nº 1 não corresponde a um contrato de empréstimo, mas ao de uma carta de adesão, pelo que a obrigação garantida não existe ou é indeterminável.</font>
</p><p><font>Não existe título executivo, pois, da análise das garantias apresentadas, não resulta que as mesmas constituam ou reconheçam qualquer direito de crédito, mas tão-só que prevêem a constituição de um direito de crédito. </font>
</p><p><font>Invocaram ainda a ausência nas garantias dadas à execução das características de certeza, liquidez e exigibilidade próprias da obrigação exequenda e a invalidade das garantias, atento o disposto no artigo 6º, nº 3, do Código das Sociedades Comerciais, pois não é mencionado no respectivo texto, nem o exequente alegou nos autos, qualquer interesse das sociedades garantes na emissão das garantias ou a existência de qualquer relação de domínio ou de grupo entre as sociedades em causa.</font>
</p><p><font>Acrescentaram que são inexigíveis os juros moratórios peticionados, dado que os juros são incidentes sobre garantias, pelo que não deverá ser aplicável o previsto no DL nº 32/2003, de 17/02, e sim o disposto no artigo 559º do Código Civil.</font>
</p><p><font>O exequente deduziu oposição, alegando que foram apresentadas à execução cinco garantias à primeira solicitação, nas quais figuram como garantes as sociedades ora executadas e como beneficiário o exequente, e que foram emitidas para garantir o cumprimento das obrigações emergentes de cinco contratos de mútuo celebrados entre o aqui exequente como mutuante e a sociedade CC – ... do Brasil, S.A., na qualidade de mutuária. A sociedade CC, S,A., celebrou com o exequente um contrato-promessa de concessão de empréstimo (doravante designado como Contrato Base), nos termos do qual este se comprometeu a conceder empréstimos àquela sociedade mediante solicitação da mesma, devendo a entrega dos valores mutuados ser formalizada pela entrega de uma Carta de Adesão. Na Carta de Adesão, deveria constar a data de emissão, o valor do mútuo pretendido, o prazo e a data de vencimento, devendo tal carta ser acompanhada de uma carta de constituição de garantias. Nos termos do referido Contrato Base, a sociedade CC Brasil entregou ao aqui exequente cinco Cartas de Adesão, devidamente acompanhadas das respectivas garantias autónomas à primeira solicitação, as quais se destinavam a garantir o cumprimento de todas as obrigações da aludida sociedade, decorrentes dos contratos de mútuo supra mencionados, perante o aqui exequente.</font>
</p><p><font>Creditou na conta corrente da sociedade CC Brasil os valores solicitados, no montante total de € 1.135.799,78, e, com excepção de um pagamento parcial de € 202.907,21, permanece ainda por pagar a quantia de € 31.076,30 a título de capital, pelo que accionou as garantias, remetendo às executadas e garantes das obrigações em causa cartas datadas de 17.06.2004, que as receberam. </font>
</p><p><font>Refere, assim, que as garantias autónomas dos autos constituem títulos executivos válidos, que a obrigação exequenda em causa é certa, exigível e líquida e que é correcta a taxa dos juros de mora peticionados, pugnando pela improcedência da oposição.</font>
</p><p><font>Foi proferido despacho saneador, onde se decidiu julgar improcedente a oposição à execução, bem como o pedido de condenação das oponentes como litigantes de má fé (pedido que havia sido deduzido pelo exequente). </font>
</p><p><font>Após recurso das oponentes, foi, no Tribunal da Relação de Lisboa, proferido acórdão, nos termos do qual se decidiu julgar improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida. </font>
</p><p><font>Ainda inconformadas, vieram as oponentes interpor o presente recurso de revista, o qual foi admitido.</font>
</p><p><font>As recorrentes apresentaram alegações, formulando, no essencial, as seguintes conclusões:</font>
</p><p><font>1ª – O Recorrido alegou que é titular de um crédito de € 932.892,57, pelo que lhe incumbe o ónus de o provar, sob pena de, não o fazendo, violar o princípio geral da boa fé plasmado no artº 227º do Código Civil e agir com abuso do direito nos termos do artº 334º do Código Civil.</font>
</p><p><font>2ª – Como consta dos contratos de empréstimo, os fundos seriam movimentados através da conta nº … e ascenderam a R$ 3.861.723,07.</font>
</p><p><font>3ª – Estes mútuos encontram-se liquidados, como o provam os extractos de conta juntos aos autos pelo Recorrido, sendo que a conta onde estes fundos foram movimentados apresenta o saldo credor de R$ 53,17.</font>
</p><p><font>4ª – Estas responsabilidades foram satisfeitas pelas transferências de fundos, no montante global de R$ 3.955.944,04, provindas da conta nº ....</font>
</p><p><font>5ª – As contas da mutuária apresentaram de forma generalizada saldo credor e deram satisfação às suas responsabilidades, como o evidenciam:</font>
</p><p><font>• Os débitos de financiamento efectuados em 28 de Novembro de 2003, no valor global de R$ 757.297,09;</font>
</p><p><font>• A manutenção de um saldo credor de R$ 108.547,29, que daria cobertura a qualquer saldo remanescente em dívida.</font>
</p><p><font>Só em vista desta liquidação é que se compreende que o Recorrido:</font>
</p><p><font>• Em 28 de Novembro de 2003 autorizasse o débito em conta de cheques no valor de R$ 717.215,77;</font>
</p><p><font>• Em 3 de Dezembro de 2003 autorizasse o débito de 28 transferências.</font>
</p><p><font>Igualmente só em vista dessa liquidação é que se compreende que o Recorrido:</font>
</p><p><font>• Mau grado o alegado primeiro incumprimento da mutuária ocorrido em 28 de Novembro de 2003, mesmo assim lhe tivesse concedido posteriormente mais quatro empréstimos;</font>
</p><p><font>• Não utilizasse os fundos dos empréstimos posteriormente concedidos para liquidar os empréstimos entretanto vencidos.</font>
</p><p><font>6ª – É a prova documental reclamada pelas Recorrentes e junta pelo Recorrido que certifica estes factos.</font>
</p><p><font>De tal modo é evidente esta prova que o exequente, em 18 de Abril de 2008, protestou juntar aos autos relatório pericial à conta corrente da sociedade, o que nunca chegou a fazer.</font>
</p><p><font>As Recorrentes não puderam alegar este facto na petição da oposição à execução, porque somente tiveram conhecimento do mesmo no âmbito deste processo e decorridos 18 meses sobre a sua introdução em Juízo.</font>
</p><p><font>Impunha-se, pois, que estes factos fossem submetidos à perícia e contraditório no âmbito da instrução e julgamento do processo.</font>
</p><p><font>O que o Tribunal de 1ª instância impediu ao decidir no saneador – sentença.</font>
</p><p><font>7ª – As garantias introduzidas em Juízo fixavam os requisitos da sua própria execução: o Recorrido ter sido interpelado e ter já procedido ao pagamento da garantia referida no seu número dois.</font>
</p><p><font>O Recorrido não alegou, nem provou, o preenchimento destes dois requisitos, o que o impede de executar as garantias.</font>
</p><p><font>8ª – O artº 46º, alínea c), do Código Processo Civil estabelece que à execução apenas pode servir de base um documento particular, assinado pelo devedor, que importe a constituição ou reconhecimento da obrigação pecuniária, cujo montante seja determinado ou determinável por simples cálculo aritmético.</font>
</p><p><font>Os títulos dados à execução são garantias, em que são partes duas sociedades portuguesas, uma fabricante de cabos eléctricos e outra gestora de participações sociais.</font>
</p><p><font>A estas garantias aplica-se o direito português, o que vale por dizer o regime jurídico das fianças.</font>
</p><p><font>9ª – A emissão de garantias não integra o objecto social das Recorrentes, ao invés do que se passa nas garantias bancárias que constituem uma forma de concessão de crédito pela Banca.</font>
</p><p><font>10ª – As garantias ajuizadas destinavam-se a garantir todas as obrigações da sociedade perante o beneficiário, decorrentes do contrato de empréstimo.</font>
</p><p><font>Pela assinatura destas garantias não se constitui qualquer direito de crédito, mas, tão-só, a respectiva caução.</font>
</p><p><font>E também não reconhecem qualquer direito de crédito, porque o mesmo promana de um contrato de empréstimo, que abre um limite de crédito que as garantias ajuizadas caucionam.</font>
</p><p><font>11ª – As garantias ajuizadas não constituem, nem reconhecem, qualquer obrigação pecuniária, limitando-se a caucionar um limite de crédito, prevendo a constituição de um direito de crédito, mas não o reconhecendo, nem o constituindo, pelo que não são títulos executivos.</font>
</p><p><font>12ª – São requisitos da obrigação exequenda a certeza, a liquidez e a exigibilidade aferidas em face do título exequendo.</font>
</p><p><font>13ª – A obrigação exequenda só é certa se se encontrar determinada no título executivo.</font>
</p><p><font>No caso dos autos e em face do exame à garantia, não resulta uma obrigação certa, mas tão-só um montante equivalente a uma dívida principal denominada em reais, e que inclui o capital, os juros e o imposto sobre operações financeiras.</font>
</p><p><font>14ª – A obrigação exequenda só é líquida se o seu montante se encontrar apurado no título executivo.</font>
</p><p><font>Confrontando o texto das garantias, onde se prevê apenas um limite de crédito fixado em reais e onde não está prevista a taxa de juro e os demais encargos, não é possível, com recurso a cálculo aritmético, fixar a quantia exequenda em € 950.374,72.</font>
</p><p><font>15ª – A obrigação exequenda tem de ser exigível, sendo que no caso dos autos a sua exigibilidade obrigava a que o Recorrido demonstrasse que tinha sido interpelado e procedido ao pagamento da garantia referida no nº 2 do título exequendo.</font>
</p><p><font>O Recorrido não fez essa prova, pelo que a obrigação exequenda não é exigível.</font>
</p><p><font>16ª – Em conclusão, não existe título executivo, nem obrigação exequenda, o que determina a procedência da oposição e a extinção da execução.</font>
</p><p><font>17ª – Como às garantias ajuizadas se aplica o direito português, tem de se ter presente o disposto no artº 6º, nºs 1 e 3, do Cód. Soc. Comerciais, que considera contrário ao fim da sociedade a prestação de garantias pessoais a dívidas de outras entidades, salvo se existir justificado interesse próprio da sociedade garante ou se tratar de sociedade em relação de domínio ou de grupo.</font>
</p><p><font>18ª – Nas garantias ajuizadas não é referido qualquer interesse das sociedades garantes na emissão das garantias e está provado no processo que as sociedades garantes não se encontram numa relação de domínio ou de grupo com a sociedade afiançada.</font>
</p><p><font>19ª – As garantias são por isso inválidas, não podendo servir de título executivo.</font>
</p><p><font>20ª – Nas garantias dadas à execução não se convencionou qualquer taxa de juro por escrito e somente as transacções entre empresas que dêem origem ao fornecimento de mercadoria ou à prestação de serviços contra uma remuneração são subsumíveis ao disposto do DL 32/2003, de 17/2.</font>
</p><p><font>21ª – Daqui decorre que a taxa de juro aplicável ao crédito exequendo é a taxa legal supletiva prevista no artº 559º do Código Civil e que é de 4% e, ainda que não se viesse a sufragar este entendimento, o que só por mera hipótese se admite, então a taxa de juro aplicável ao crédito exequendo não seria a taxa fixa de 12%, mas as taxas de juro que fossem sendo fixadas no decurso da mora, de acordo com as respectivas alterações.</font>
</p><p><font>22ª – O Tribunal da Relação de Lisboa inobservou e aplicou mal os artºs 227º, 334º e 559º do Código Civil, os artºs 46º, alínea c), 94º nº 1, 100º nº 1, 110º, 492º, nº 2, e 494º, alínea a), do Código de Processo Civil, o artº 6º, nºs 1 e 3, do Código das Sociedades Comerciais e o DL 32/2003, de 17/2.</font>
</p><p><font>Contra-alegou o recorrido, defendendo a manutenção do acórdão impugnado. </font>
</p><p><font>Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir. </font>
</p><p><b><font> </font></b><font>II – No acórdão recorrido, foram dados como provados os seguintes factos:</font>
</p><p><font>«1º - No dia 7.09.2004, AA – ..., S.A. intentou contra BB – ..., Ldª e Companhia Industrial CC, ..., S.A. a acção executiva a que estes autos estão apensos para pagamento da quantia de € 950.374,72.</font>
</p><p><font>2º - Na acção mencionada em 1º, a exequente apresentou à execução cinco documentos denominados “Garantia autónoma à primeira solicitação”, nos quais figuram como garantes as sociedades ora executadas e como beneficiário o referido AA, S.A., ora exequente e que se mostram juntas a fls. 19 e 20, 23 e 24, 27 e 28, 30 e 31 e 34 e 35 dos autos de execução.</font>
</p><p><font>3º - A garantia junta a fls. 19 e 20 dos autos de execução tem o seguinte teor:</font>
</p><p><font>“GARANTIA AUTÓNOMA À PRIMEIRA SOLICITAÇÃO</font>
</p><p><font>A pedido da CC ... do Brasil, S.A. (…), adiante designada por Sociedade, a BB – ..., S.A. , (…) e a CC ..., (…), prestam, pelo presente documento, uma garantia autónoma à primeira solicitação, nos seguintes termos e condições:</font>
</p><p><font>1. Beneficiário: AA – ..., S.A., (…), adiante designado por Beneficiário.</font>
</p><p><font>2. A presente garantia destina-se a garantir o fiel e total cumprimento de todas as obrigações da sociedade perante o Beneficiário decorrente do Contrato de Empréstimo nº ..., celebrado entre Beneficiário e Sociedade em 28-10-03.</font>
</p><p><font>3. A BB – ..., S.A. e a CC ... assumem a presente garantia como obrigação própria, obrigando-se, assim, a pagar ao Beneficiário, à primeira solicitação deste, quaisquer quantias até ao limite de EUR 233.983,51, (…) desde que o mesmo Beneficiário demonstre ter sido interpelado e ter procedido já ao pagamento da garantia referida no anterior nº 2.</font>
</p><p><font>4. A BB – ..., S.A. e a CC ... não poderá discutir o pagamento, nem opor ao Beneficiário quaisquer meios de defesa ou excepções de que a Sociedade possa vir eventualmente a prevalecer-se.</font>
</p><p><font>5. A presente garantia é incondicional e irrevogável, produzindo efeitos a partir da data da suas assinatura e permanecerá válida até à data em que se encontrarem integralmente cumpridas todas as obrigações pecuniárias que emergem das operações de crédito referidas no número 2º supra, não sendo consideradas para efeitos da presente garantia quaisquer solicitações posteriores a esta data.</font>
</p><p><font>6. O Beneficiário não poderá ceder os créditos emergentes da presente garantia sem autorização expressa da BB – ..., S.A. e da CC ... dada por escrito.</font>
</p><p><font>7. O direito português é o aplicável à presente garantia, ficando convencionado o foro da comarca de Lisboa, com expressa renúncia a qualquer outro para dirimir eventuais litígios emergentes da mesma.</font>
</p><p><font>Lisboa, 28 de Outubro de 2003</font>
</p><p><font>(…)”.</font>
</p><p><font>4. A garantia autónoma junta a fls. 23 e 24 dos autos de execução tem o seguinte teor:</font>
</p><p><font>“GARANTIA AUTÓNOMA À PRIMEIRA SOLICITAÇÃO</font>
</p><p><font>A pedido da CC ... do Brasil, S.A. (…), adiante designada por Sociedade, a BB – ..., S.A. , (…) e a CC ..., (…), prestam, pelo presente documento, uma garantia autónoma à primeira solicitação, nos seguintes termos e condições:</font>
</p><p><font>1. Beneficiário: AA – ..., S.A., (…), adiante designado por Beneficiário.</font>
</p><p><font>2. A presente garantia destina-se a garantir o fiel e total cumprimento de todas as obrigações da sociedade perante o Beneficiário decorrente do Contrato de Empréstimo nº ..., celebrado entre Beneficiário e Sociedade em 31-10-03.</font>
</p><p><font>3. A BB – ..., S.A. e a CC ... assumem a presente garantia como obrigação própria, obrigando-se, assim, a pagar ao Beneficiário, à primeira solicitação deste, quaisquer quantias até ao limite de EUR 238.923,16, (…) desde que o mesmo Beneficiário demonstre ter sido interpelado e ter procedido já ao pagamento da garantia referida no anterior nº 2.</font>
</p><p><font>4. A BB – ..., S.A. e a CC ... não poderão discutir o pagamento, nem opor ao Beneficiário quaisquer meios de defesa ou excepções de que a Sociedade possa vir eventualmente a prevalecer-se.</font>
</p><p><font>5. A presente garantia é incondicional e irrevogável, produzindo efeitos a partir da data da sua assinatura e permanecerá válida até à data em que se encontrarem integralmente cumpridas todas as obrigações pecuniárias que emergem das operações de crédito referidas no número 2. supra, não sendo consideradas para efeitos da presente garantia quaisquer solicitações posteriores a esta data.</font>
</p><p><font>6. O Beneficiário não poderá ceder os créditos emergentes da presente garantia sem autorização expressa da BB – ..., S.A. e da CC ... dada por escrito.</font>
</p><p><font>7. O direito português é o aplicável à presente garantia, ficando convencionado o foro da comarca de Lisboa, com expressa renúncia a qualquer outro para dirimir eventuais litígios emergentes da mesma.</font>
</p><p><font>Lisboa, 31 de Outubro de 2003</font>
</p><p><font>(…)”.</font>
</p><p><font>5º - Por seu turno, da garantia autónoma que faz fls. 27 e 28 dos autos de execução consta o seguinte:</font>
</p><p><font>“GARANTIA AUTÓNOMA À PRIMEIRA SOLICITAÇÃO</font>
</p><p><font>A pedido da CC ... do Brasil, S.A. (…), adiante designada por Sociedade, a BB – ..., S.A., (…) e a CC ..., (…), prestam, pelo presente documento, uma garantia autónoma à primeira solicitação, nos seguintes termos e condições:</font>
</p><p><font>1. Beneficiário: AA – ..., S.A., (…), adiante designado por Beneficiário.</font>
</p><p><font>2. A presente garantia destina-se a garantir o fiel e total cumprimento de todas as obrigações da sociedade perante o Beneficiário decorrente do Contrato de Empréstimo nº ..., celebrado entre Beneficiário e Sociedade em 10-11-03.</font>
</p><p><font>3. A BB – ..., S.A. e a CC ... assumem a presente garantia como obrigação própria, obrigando-se, assim, a pagar ao Beneficiário, à primeira solicitação deste, quaisquer quantias até ao limite de EUR 204.372,47, (…) desde que o mesmo Beneficiário demonstre ter sido interpelado e ter procedido já ao pagamento da garantia referida no anterior nº 2.</font>
</p><p><font>4. A BB – ..., S.A. e a CC ... não poderão discutir o pagamento, nem opor ao Beneficiário quaisquer meios de defesa ou excepções de que a Sociedade possa vir eventualmente a prevalecer-se.</font>
</p><p><font>5. A presente garantia é incondicional e irrevogável, produzindo efeitos a partir da data da sua assinatura e permanecerá válida até à data em que se encontrarem integralmente cumpridas todas as obrigações pecuniárias que emergem das operações de crédito referidas no número 2º supra, não sendo consideradas para efeitos da presente garantia quaisquer solicitações posteriores a esta data.</font>
</p><p><font>6. O Beneficiário não poderá ceder os créditos emergentes da presente garantia sem autorização expressa da BB – ..., S.A. e da CC ... dada por escrito.</font>
</p><p><font>7. O direito português é o aplicável à presente garantia, ficando convencionado o foro da comarca de Lisboa, com expressa renúncia a qualquer outro, para dirimir eventuais litígios emergentes da mesma.</font>
</p><p><font>Lisboa, 10 de Novembro de 2003</font>
</p><p><font>(…)”.</font>
</p><p><font>6º - Também, da garantia autónoma junta a fls. 30 e 31 dos autos de execução consta que:</font>
</p><p><font>“GARANTIA AUTÓNOMA À PRIMEIRA SOLICITAÇÃO</font>
</p><p><font>A pedido da CC ... do Brasil, S.A. (…), adiante designada por Sociedade, a BB – ..., S.A., (…) e a CC ..., (…), prestam, pelo presente documento, uma garantia autónoma à primeira solicitação, nos seguintes termos e condições:</font>
</p><p><font>1. Beneficiário: AA – ..., S.A., (…), adiante designado por Beneficiário.</font>
</p><p><font>2. A presente garantia destina-se a garantir o fiel e total cumprimento de todas as obrigações da sociedade perante o Beneficiário decorrente do Contrato de Empréstimo nº ..., celebrado entre Beneficiário e Sociedade em 20-11-03.</font>
</p><p><font>3. A BB – ..., S.A. e a CC ... assumem a presente garantia como obrigação própria, obrigando-se, assim, a pagar ao Beneficiário, à primeira solicitação deste, quaisquer quantias até ao limite de EUR 230.761,34, (…) desde que o mesmo Beneficiário demonstre ter sido interpelado e ter procedido já ao pagamento da garantia referida no anterior nº 2.</font>
</p><p><font>4. A BB – ..., S.A. e a CC ... não poderão discutir o pagamento, nem opor ao Beneficiário quaisquer meios de defesa ou excepções de que a Sociedade possa vir eventualmente a prevalecer-se.</font>
</p><p><font>5. A presente garantia é incondicional e irrevogável, produzindo efeitos a partir da data da sua assinatura e permanecerá válida até à data em que se encontrarem integralmente cumpridas todas as obrigações pecuniárias que emergem das operações de crédito referidas no número 2º supra, não sendo consideradas para efeitos da presente garantia quaisquer solicitações posteriores a esta data.</font>
</p><p><font>6. O Beneficiário não poderá ceder os créditos emergentes da presente garantia sem autorização expressa da BB – ..., S.A. e da CC ... dada por escrito.</font>
</p><p><font>7. O direito português é o aplicável à presente garantia, ficando convencionado o foro da comarca de Lisboa, com expressa renúncia a qualquer outro para dirimir eventuais litígios emergentes da mesma.</font>
</p><p><font>Lisboa, 20 de Novembro de 2003</font>
</p><p><font>(…)”.</font>
</p><p><font>7º - Finalmente, a garantia autónoma que faz fls. 34 e 35 dos autos de execução consta que:</font>
</p><p><font>“GARANTIA AUTÓNOMA À PRIMEIRA SOLICITAÇÃO</font>
</p><p><font>A pedido da CC ... do Brasil, S.A. (…), adiante designada por Sociedade, a BB – ..., S.A., (…) e a CC ..., (…), prestam, pelo presente documento, uma garantia autónoma à primeira solicitação, nos seguintes termos e condições:</font>
</p><p><font>1. Beneficiário: AA – ..., S.A., (…), adiante designado por Beneficiário.</font>
</p><p><font>2. A presente garantia destina-se a garantir o fiel e total cumprimento de todas as obrigações da sociedade perante o Beneficiário decorrente do Contrato de Empréstimo nº …, celebrado entre Beneficiário e Sociedade em 28-11-03.</font>
</p><p><font>3. A BB – ..., S.A. e a CC ... assumem a presente garantia como obrigação própria, obrigando-se, assim, a pagar ao Beneficiário, à primeira solicitação deste, quaisquer quantias até ao limite de EUR 227.759,30, (…) desde que o mesmo Beneficiário demonstre ter sido interpelado e ter procedido já ao pagamento da garantia referida no anterior nº 2.</font>
</p><p><font>4. A BB – ..., S.A. e a CC ... não poderão discutir o pagamento, nem opor ao Beneficiário quaisquer meios de defesa ou excepções de que a Sociedade possa vir eventualmente a prevalecer-se.</font>
</p><p><font>5. A presente garantia é incondicional e irrevogável, produzindo efeitos a partir da data da suas assinatura e permanecerá válida até à data em que se encontrarem integralmente cumpridas todas as obrigações pecuniárias que emergem das operações de crédito referidas no número 2º supra, não sendo consideradas para efeitos da presente garantia quaisquer solicitações posteriores a esta data.</font>
</p><p><font>6. O Beneficiário não poderá ceder os créditos emergentes da presente garantia sem autorização expressa da BB – ..., S.A. e da CC ... dada por escrito.</font>
</p><p><font>7. O direito português é o aplicável à presente garantia, ficando convencionado o foro da comarca de Lisboa, com expressa renúncia a qualquer outro para dirimir eventuais litígios emergentes da mesma.</font>
</p><p><font>Lisboa, 28 de Novembro de 2003</font>
</p><p><font>(…)”.</font>
</p><p><font>8º - No dia 5.12.2002, entre AA – ..., S.A. e a sociedade CC – ... do Brasil, S.A., na qualidade de contratante foi outorgado um escrito denominado CONTRATO DE PROMESSA DE CONCESSÃO DE EMPRÉSTIMOS Nº 150 “, cuja cópia certificada se mostra junta a fls. 122 a 127 destes autos, escrito este do qual consta designadamente, as seguintes condições:</font>
</p><p><font>“1. O AA compromete-se, nos termos deste contrato, a conceder empréstimos ao CONTRATANTE, observados o limite global de crédito e o prazo de vigência estabelecidos no quadro “CARACTERÍSTICAS DA OPERAÇÃO”.</font>
</p><p><font>1.1. (…) Os empréstimos, suas prorrogações e repactuações, serão concedidos por solicitação do CONTRAENTE, mediante a entrega de Carta de Adesão, conforme modelo anexo, que conterá a data da sua emissão; o valor do empréstimo pretendido; o prazo e a data de vencimento; valor da tarifa de contratação; e da concessão de operações activas; valor e a quota do IOC; taxa efectiva mensal e anual de encargos incidentes sobre cada empréstimo, bem como a sua forma de reajuste, quando for o caso, e as assinaturas de pessoas indicadas no Quadro “ CARACTERÍSTICAS DA OPERAÇÃO”, de acordo com as disposições constantes dos documentos societários do CONTRATANTE.</font>
</p><p><font>(…)</font>
</p><p><font>1.5. O AA creditará na conta corrente do CONTRATANTE o valor do empréstimo concedido, que se sujeitará a todas as cláusulas e condições ajustadas neste Contrato, nas Cartas de Adesão e de Constituição de Garantias e no TERMO DE PRESTAÇÃO DE GARANTIA – TPG.</font>
</p><p><font>(…)</font>
</p><p><font>7. O CONTRATANTE obriga-se a pagar os empréstimos e respectivos encargos, nas datas dos vencimentos pactuados nas respectivas Cartas de Adesão.</font>
</p><p><font>(…)”.</font>
</p><p><font>9º - Ao abrigo do previsto no referido contrato promessa, entre a aqui exequente na qualidade de mutuante e a sociedade CC - ... do Brasil, S.A., enquanto mutuária foram celebrados os contratos de empréstimo aludidos nos nºs 3 a 7, designadamente nos pontos 2º e 3º aí mencionados.</font>
</p><p><font>10º - Nos termos do mesmo contrato promessa, a sociedade CC Brasil entregou à ora exequente cinco cartas de adesão, cujas cópias se mostram juntas a fls. 40, 48, 56, 64, 72, 80, 88, 96 e 104, 112, devidamente acompanhadas das respectivas garantias autónomas aludidas nos números 3 a 7.</font>
</p><p><font>11º - Por carta datada de 1.07.2004, emitida pela exequente e dirigida à sociedade BB – ..., S.A., a exequente comunicou à mesma, o seguinte:</font>
</p><p><font>“ (…)</font>
</p><p><font>Assunto: Garantia bancária, emitida a 28 de Outubro de 2003, relativa ao contrato de empréstimo número ...</font>
</p><p><font>Exmos. Senhores,</font>
</p><p><font>Pela presente carta vimos accionar a Vossa garantia, acima identificada, e da qual a AA – ..., S.A. é beneficiária.</font>
</p><p><font>Com referência ao dia de hoje, a garantida CC ... do Brasil, S.A., não cumpriu com as suas obrigações no âmbito do contrato de empréstimo nº ..., celebrado entre a AA e a garantida em 28 de Outubro de 2003.</font>
</p><p><font>Assim, a AA reclama da BB – ..., S. A. o pagamento de € 31.076,30 (Trinta e um mil, Setecentos e seis Euros e trinta centavos de Euro), que corresponde ao saldo devedor actualizado do referido contrato de empréstimo, convertido à taxa do euro em 1 de Julho de 2004.</font>
</p><p><font>Agradecemos que o montante reclamado seja liquidado no prazo de cinco dias, através de cheque a remeter à AA ou de transferência bancária para a nossa conta (….)”.</font>
</p><p><font>12º - Igualmente, por carta datada de 1.07.2004, dirigida a CC ..., a exequente informou a mesma, do seguinte:</font>
</p><p><font>“ (…)</font>
</p><p><font>Assunto: Garantia bancária, emitida a 28 de Outubro de 2003, relativa ao contrato de empréstimo número ...</font>
</p><p><font>Exmos. Senhores,</font>
</p><p><font>Pela presente carta vimos accionar a Vossa garantia, acima identificada, e da qual a AA – ..., S.A. é beneficiária.</font>
</p><p><font>Com referência ao dia de hoje, a garantida CC ... do Brasil, S.A., não cumpriu com as suas obrigações no âmbito do contrato de empréstimo n.º ..., celebrado entre a AA e a garantida em 28 de Outubro de 2003.</font>
</p><p><font>Assim, a AA reclama da CC ... o pagamento de € 31.076,30 (Trinta e um mil, Setecentos e seis Euros e trinta centavos de Euro), que corresponde ao saldo devedor actualizado do referido contrato de empréstimo, convertido À Taxa do Euro em 1 de Julho de 2004.</font>
</p><p><font>Agradecemos que o montante reclamado seja liquidado no prazo de cinco dias, através de cheque a remeter à AA ou de transferência bancária para a nossa conta (….)”.</font>
</p><p><font>13º - Também por carta emitida pela exequente em 17.06.2004 e dirigida à sociedade BB – ..., S.A., a exequente comunicou à mesma, o seguinte:</font>
</p><p><font>“ (…)</font>
</p><p><font>Assunto: Garantia bancária, emitida a 31 de Outubro de 2003, relativa ao contrato de empréstimo número ...</font>
</p><p><font>Exmos Senhores,</font>
</p><p><font>Pela presente carta vimos accionar a Vossa garantia, acima identificada, e da qual a AA – ..., S.A. é beneficiária.</font>
</p><p><font>Com referência ao dia de hoje, a garantida CC ... do Brasil, S.A., não cumpriu com as suas obrigações no âmbito do contrato de empréstimo nº ..., celebrado entre a AA e a garantida em 31 de Outubro de 2003.</font>
</p><p><font>Assim, a AA reclama da BB – ..., S. A. o pagamento de € 238.923,16 (Duzentos e trinta e oito mil, Novecentos e vinte e três Euros e dezasseis centavos de Euro), que corresponde ao valor máximo da garantia.</font>
</p><p><font>Agradecemos que o montante reclamado seja liquidado no prazo de cinco dias, através de cheque a remeter à AA ou de transferência bancária para a nossa conta (….)”.</font>
</p><p><font>14º - A exequente em 1.07.2004 dirigiu igualmente à CC ... uma carta, onde informou a mesma que:</font>
</p><p><font>“ (…)</font>
</p><p><font>Assunto: Garantia bancária, emitida a 31 de Outubro de 2003, relativa ao contrato de empréstimo número ...</font>
</p><p><font>Exmos. Senhores,</font>
</p><p><font>Pela presente carta vimos accionar a Vossa garantia, acima identificada, e da qual a AA – ..., S.A. é beneficiária.</font>
</p><p><font>Com referência ao dia de hoje, a garantida CC ... do Brasil, S.A., não cumpriu com as suas obrigações no âmbito do contrato de empréstimo nº ..., celebrado entre a AA e a garantida em 31 de Outubro de 2003.</font>
</p><p><font>Assim, a AA reclama da CC ... o pagamento de € 238.923,16 (Duzentos e trinta e oito mil, Novecentos e vinte e três Euros e dezasseis centavos de Euro), que corresponde ao valor máximo da garantia.</font>
</p><p><font>Agradecemos que o montante reclamado seja liquidado no prazo de cinco dias, através de cheque a remeter à AA ou de transferência bancária para a nossa conta (….)”.</font>
</p><p><font>15º - Em 17.06.2004, a exequente emitiu uma carta dirigida à sociedade BB – ..., S.A., comunicando que:</font>
</p><p><font>“ (…)</font>
</p><p><font>Assunto: Garantia bancária, emitida a 10 de Novembro de 2003, relativa ao contrato de empréstimo número ...</font>
</p><p><font>Exmos. Senhores,</font>
</p><p><font>Pela presente carta vimos accionar a Vossa garantia, acima identificada, e da qual a AA – ..., S.A. é beneficiária.</font>
</p><p><font>Com referência ao dia de hoje, a garantida CC ... do Brasil, S.A., não cumpriu com as suas obrigações no âmbito do contrato de empréstimo n.º ..., celebrado entre a AA e a garantida em 10 de Novembro de 2003.</font>
</p><p><font>Assim, a AA reclama da BB – ..., S. A. o pagamento de € 204.372,47 (Duzentos e quatro mil, Trezentos e setenta e dois Euros e quarenta e sete centavos de Euro), que corresponde ao valor máximo da garantia.</font>
</p><p><font>Agradecemos que o montante reclamado seja liquidad
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RTKtu4YBgYBz1XKvmy1e
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1.ª Secção (Cível)
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<b><font> </font></b><font><div><br>
<b><font>Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça</font></b></div><br>
<font>AA e BB intentaram acção, com processo ordinário, contra a herança aberta por óbito de CC e DD fosse condenada a pagar-lhes a quantia de 32.049,86 euros, sendo 19.951,92 euros a titulo de capital e a diferença, a titulo de juros vencidos desde 1 de Janeiro de 1996 até à data da propositura da acção (20 de Março de 2006).</font>
<p><font>Alegaram, em síntese, que por acordo entre CC e DD, na qualidade de proprietários e senhorios, e os Autores, como arrendatários, puseram termo ao contrato de arrendamento para habitação do prédio que identificam; que deveriam abandonar o locado recebendo, como contrapartida, 8.000.000$00, tendo recebido metade (4.000.000$00) em Janeiro de 1995, sendo o restante pago até 31 de Dezembro de 1995; que, embora instados, não pagaram aquela quantia tendo, entretanto falecido.</font>
</p><p><font>Posteriormente, e rectificando a petição, os Autores passaram a demandar apenas os herdeiros de DD por só este ser proprietário do imóvel.</font>
</p><p><font>Na Comarca de Guimarães, os Réus foram condenados a pagarem aos Autores 19.951,92 euros, com juros legais desde 20 de Março de 2006.</font>
</p><p><font>Inconformado, recorreu o herdeiro DD.</font>
</p><p><font>A Relação de Guimarães confirmou a sentença apelada.</font>
</p><p><font>Pede, agora, revista, assim concluindo a sua alegação:</font><br>
<i><font>“- Está provado que entre o senhorio DD e os A,A., ora recorridos, foi acordado verbalmente o distrate do contrato de arrendamento para habitação, e segundo tal acordo os inquilinos deixavam o locado livre e devoluto de pessoas e bens, recebendo como contrapartida a quantia de 8.000.000$00, sendo metade dessa quantia paga quando os arrendatários saíssem do locado e a outra metade quando deixassem o locado livre de bens dos arrendatários; </font></i><br>
<i><font>- Como provado está que quando saíram do locado os autores receberam metade do valor acordado, ou seja, 4.000.000$00 (19.95 1792€); </font></i><br>
<i><font>- O ora recorrente no conseguiu fazer prova do pagamento da outra metade, tendo tal ficado a dever-se exclusivamente ao facto do pagamento ter sido por meio de cheque e a instituição bancária sacada (BES), por terem decorrido já mais de 13 anos, já não ter em arquivo o cheque n.° 0000000000, com data de 24/04/ 1997, sacado sobre a conta de Depósito à Ordem n. 0000/0000/0000; </font></i><br>
<i><font>- Está também provado que o acordo revogatório ou distrate foi celebrado pelo então proprietário e senhorio, DD, e que este adquiriu o locado por escritura pública de 11 de Janeiro de 1990 e que faleceu em 25 de Fevereiro de 1997; </font></i><br>
<i><font>- Donde resulta que o dito distrate foi celebrado necessariamente entre as referidas datas de 11.01.1990 e 25.02.1997; </font></i><br>
<i><font>- E se foi celebrado entre 15 de Novembro de 1990, data em que entrou o vigor o Regime do Arrendamento Urbano, e 25 de Fevereiro de 1997, então ter-se-á de aplicar a tal acordo revogatório o disposto no n.° 2 do artigo 62° do R.A,U., não só porque o acordo não foi imediatamente cumprido ou executado como também por tal acordo ser acompanhado de cláusula compensatória aos inquilinos; </font></i><br>
<i><font>- Sendo, aliás, mais do que provável que tenha sido efectivamente dentro deste espaço de tempo, já que na própria tese dos recorridos estes deixaram o locado em Janeiro de 1995 (cfr, art, 4° da p. i); </font></i><br>
<i><font>- Mas se, pelo contrário, o acordo tivesse sido celebrado entre 11 de Janeiro e 14 de Novembro de 1990 já se aplicaria o n.° 2 do art. 221° do C.C. em vez do citado n 2 do art, 62° do R.A.U.; </font></i><br>
<i><font>- Estatui esta norma legal que, se o contrato a extinguir estiver legalmente sujeito a constituir-se através de documento, o distrate só ficará submetido à mesma forma se lhe forem aplicáveis razões idênticas às que ditaram aquela especial exigência da lei; </font></i><br>
<i><font>- Ora, o arrendamento de prédios urbanos, por mais de seis meses, estava, e está, legalmente sujeito à forma escrita; </font></i><br>
<i><font> - E se as exigências formais para o contrato de arrendamento urbano têm em vista a certeza jurídica e a protecção das partes, especialmente o rendatário, essas mesmas razões mantêm-se no caso de revogação do contrato; </font></i><br>
<i><font>- De facto se se admitisse a revogação do contrato sem obediência ao regime estabelecido para a sua constituição, poder-se-ia frustrar a certeza jurídica e a protecção das partes que se pretendeu garantir com a formalização por escrito do contrato de arrendamento; </font></i><br>
<i><font>- Daí que antes da vigência do R.A.U. já se entendesse que a revogação devia obedecer à mesma forma do contrato a revogar, já que o contrato de revogação visa eliminar os efeitos produzidos e a produzir pelo contrato revogado; </font></i><br>
<i><font>- Pelo que deveria submeter-se à forma deste, constituindo-se assim um prolóquio de velha sabedoria jurídica, segundo o qual os actos se desfazem pela mesma forma por que foram feitos; </font></i><br>
<i><font>- Assim, sendo em qualquer das duas hipóteses obrigatória a forma escrita e não tendo sido observada, a declaração negocial é nula. (art. 2200 do C.C.); </font></i><br>
<i><font>- Ora, se os arrendatários abandonaram o locado sem receber metade da prestação compensatória estipulada no acordo revogatório verbal, não poderão agora exibi-la, por falta de forma; </font></i><br>
<i><font>- E sendo a própria lei a declarar a nulidade do acto revogatório ou distrate, não pode depois atribuir validade ao que ela própria declara ser nulo; </font></i><br>
<i><font>- Por isso mesmo, a invocação da nulidade da revogação, estipulada pela própria lei, não excede os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes e pelo fim económico e social do direito; </font></i><br>
<i><font>- Acresce que o facto de os recorridos terem deixado passar tantos anos sem exercer o seu direito, constitui apenas mais um argumento para justificar a invocação de tal nulidade e afastar qualquer abuso do direito em tal arguição de nulidade; </font></i><br>
<i><font>- É que, decorrido tão grande lapso de tempo sobre o acordo revogatório e com o falecimento entrementes da pessoa que nele se obrigou ao pagamento da compensação aos inquilinos, torna-se sobremaneira difícil para os seus herdeiros fazer a prova do pagamento, até porque a instituição bancária já procedeu à destruição do cheque através do qual foi feito o pagamento da compensação acordada; </font></i><br>
<i><font>- Só os A.A. e mais ninguém podem ser responsabilizados pelas consequências da sua inércia no exercício do seu eventual direito, sendo certo que receberam metade da indemnização no montante de 4.000.000$00 </font></i><br>
<i><font>- Assim, deve ser declarado nulo, por falta de forma, o supra mencionado acordo revogatório ou distrate do contrato de arrendamento, absolvendo-se os R.R. do pedido formulado na presente acção; </font></i><br>
<i><font>- Pelo que, ao julgar improcedente a apelação, confirmando assim a sentença da 1.ª instância, o Acórdão recorrido violou o disposto no n.º 2 do artigo 62.º do R.A.U e os artigos 221.º, n.º 2 e 220.º do Código Civil.”</font></i>
</p><p><font>Os recorridos ofereceram contra alegações, oportunamente mandadas desentranhar por razões tributárias.</font>
</p><p><font>As instâncias consideraram assente a seguinte </font><b><font>matéria de facto</font></b><font>:</font><br>
<i><font>1) Por escritura pública de 11.01.1990, junta aos autos a fls. 54 ss. e cujo teor se dá por reproduzido, DD comprou o prédio urbano inscrito na matriz sob o art. 169 da freguesia de Urgeses e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 000/00000 (al A) dos F.A.). </font></i><br>
<i><font>2) No dia 25 de Fevereiro de 1997 faleceu DD (al. B) dos F.A.). </font></i><br>
<i><font>3) No dia 12.01.06 faleceu CC. </font></i><br>
<i><font>4) Da herança aberta por óbito de DD faz parte o prédio indicado no art. 12, sendo interessados nesse inventário os réus nestes autos (al. C) dos F.A.). </font></i><br>
<i><font>5) Das heranças por óbito de CC e DD são os ora réus herdeiros, sendo interessados no inventário que corre termos sob o n.º 470/07 do 2° juízo da comarca de Guimarães (al. D) dos F.A. - em conformidade com o que dele se entendeu, face à redacção e ao art. 89 da p.i.). </font></i><br>
<i><font>6) Por acordo entre DD, como dono e senhorio, e os autores, como arrendatários, pôs-se termo ao contrato de arrendamento para habitação do prédio sito na Av. ............, n.º ../.., freguesia de Urgeses, concelho de Guimarães, o qual se encontra inscrito na verba n° 132 da relação de bens (quesito 12). </font></i><br>
<i><font>7) O acordo consistiu no seguinte: os Autores deixavam o prédio referido em 6), livre e devoluto de pessoas e bens, tendo como contrapartida o recebimento da quantia de Esc. 8.000.000$00 (quesito 22). </font></i><br>
<i><font>8) Quando saíram do locado os Autores receberam metade do valor acordado, ou seja, Esc. 4.000.000$00 (quesito 32). </font></i><br>
<i><font>9) Os restantes 4.000.000$00 (19.951,92 euros) seriam pagos quando o locado ficasse livre de todos os bens dos Autores (quesito 49.º).</font></i><br>
<i><font>10) Os Réus apenas pagaram a quantia referida em 8 (quesito 5.º).</font></i><br>
<i><font>11) Antes da propositura desta acção os Autores instaram os Réus para pagarem a quantia referida em 9), sem contudo a receberem (quesito 8.º).</font></i>
</p><p><font>Foram colhidos os vistos.</font>
</p><p><font>Conhecendo,</font><br>
<font>1- Arrendamento/Forma.</font><br>
<font>2- Conclusões.</font><br>
<b><font>1- Arrendamento/Forma</font></b>
</p><p><font>Delimitado, que é, o objecto do recurso pelas conclusões da alegação do recorrente, e resultando da matéria de facto – ora definitivamente assente – que o impetrante, na qualidade de herdeiro do anterior proprietário e senhorio, aceita não terem sido pagos os acordados 4.000.000$00 (segunda prestação de um total de 8.000.000$00), tanto mais que o pagamento não se presume, a única e nuclear questão suscitada prende-se com a invalidade do acordo que pôs termo ao arrendamento, fixando o “quantum” em litigio.</font>
</p><p><font>Na óptica do recorrente, como o DD adquiriu o locado em 11 de Janeiro de 1990 e faleceu em 25 de Fevereiro de 1997, a extinção do arrendamento teria de ter sido necessariamente feita entre aquelas datas.</font>
</p><p><font>Obviamente que a ilacção é formalmente lógica.</font>
</p><p><font>Só que, não permite concluir, como conclui, que o acordo ocorreu entre 15 de Novembro de 1990 e a data do falecimento do senhorio, apenas porque os recorridos deixaram o locado em Janeiro de 1995, para daí inferir juridicamente sobre a invalidade do acordo por falta de forma.</font>
</p><p><font>Vejamos,</font>
</p><p><font>Não resultou provada a data em que foi acordada a cessação do arrendamento nem tal se pode presumir como pretende o recorrente.</font>
</p><p><font>Mesmo por apelo às datas que refere (o que, aliás, nunca seria suficiente para extrair uma conclusão segura) o mais que se poderia afirmar era o evento ter ocorrido entre as datas acima referidas não podendo este Supremo Tribunal tentar, sequer, buscar uma presunção judicial, o que lhe estaria vedado por se tratar de matéria de facto da exclusiva competência das instâncias.</font>
</p><p><font>Daí que o recorrente não tivesse logrado provar a data da cessação do contrato de arrendamento e nem, sequer, a data da sua outorga (que poderia ter sido com o anterior proprietário do imóvel) o que seria essencial para a determinação da lei aplicável e lhe cumpria para excepcionar a nulidade que arguiu (artigo 342.º, n.º 2 do Código Civil).</font>
</p><p><font>Bem se disse no Acórdão recorrido:</font><br>
<i><font>“Não restam dúvidas de que o acordo em causa, celebrado entre os Autores e o falecido proprietário do arrendado, cabe na previsão do n° 2 do art° 62° do RAU. </font></i><br>
<i><font>A questão que se coloca é a de saber se tal norma é aplicável ao caso dos autos. </font></i><br>
<i><font>Temos por certo que, tal como se decidiu na sentença apelada, esta disposição legal não tem aplicação retroactiva. É o que resulta do disposto no n° 2 do art° 12° do Código Civil, uma vez que está em causa lei nova que dispõe sobre as condições de validade formal de um determinado facto, sem que se verifique a situação prevista na segunda parte desta norma. É o que resulta também do disposto no art° 2 n° 1 do DL 321-B/90 de 15/10. </font></i><br>
<i><font>Como se referiu na sentença recorrida, da factualidade provada apenas podemos ter como certo que, pelo menos em data posterior a 11/10/1990 (data da celebração da escritura de compra e venda do arrendado pelo falecido DD) e anterior a 25/02/1997 (data do falecimento do mesmo CC) os Autores se assumiam como arrendatários e o falecido como Senhorio do prédio em causa. </font></i><br>
<i><font>Não foi alegado nem se provou, a data da celebração do contrato de arrendamento, (que poderia existir mesmo antes da aquisição do arrendado pelo falecido CC) e a data do acordo revogatório deste contrato. Também não alegaram as partes qual a concreta natureza do contrato de arrendamento para habitação celebrado. </font></i><br>
<i><font>A exigência da forma escrita no que concerne a tal acordo apenas foi consagrada expressamente no RAU. </font></i><br>
<i><font>Antes da vigência de tal regime, a lei não exigia a observância de qualquer forma especial no que concerne ao acordo revogatório do contrato de arrendamento (cfr. art°s 219° do CC). </font></i><br>
<i><font>Mesmo quando o contrato que é extinto estava legalmente sujeito a documento, a posterior estipulação revogatória só está sujeita a essa forma se as razões daquela exigência lhe foram aplicáveis; se o contrato que é extinto não estava legalmente sujeito a documento, mas esta forma tiver sido adoptada pelas partes, a estipulação revogatória é válida, excepto se, para o efeito, a lei exigir forma escrita (cfr. art°s 221°, n° 2, 222°, n.° 2, do CCIV, e ainda Vaz Serra, in Rev. de Leg. e de Jur., ano 112, pág.32). </font></i><br>
<i><font>Ou seja, antes de 16 de Novembro de 1990, data da entrada em vigor do RAU, a questão da forma do acordo revogatório ou distrate só poderia colocar-se, quando a lei exigisse determinada forma para a celebração do contrato revogado ou distratado. </font></i><br>
<i><font>A mesma sentença descreve a evolução legislativa no que concerne a tal questão no que respeita aos arrendamentos habitacionais, desde a redacção original do art° 1029° do CC, que não exigia forma escrita para o arrendamento habitacional, passando pelo regime do DL 445/74 de 12/09, que consagrou a exigência de contrato escrito, até ao DL 188/76 de 12 de Março, e ao DL 13/86 de 23/01 que permitiram ao locatário a prova do contrato por qualquer meio, com aplicação aos arrendamentos existentes. </font></i><br>
<i><font>Concluiu-se na mesma decisão que, desconhecendo-se as datas do arrendamento e da revogação, desconhece-se também se o contrato e a revogação estavam sujeitos a forma escrita. </font></i><br>
<i><font>A excepção em causa é um facto impeditivo do direito que os Autores se arrogaram. Competia ao Réu a alegação e prova da concreta natureza do contrato, da data da sua celebração e, bem assim da data do acordo revogatório, a fim de demonstrar a existência da nulidade que invocou, tal como resulta do disposto no art° 342° n 2 do CC. </font></i><br>
<i><font>Não o tendo feito, não pode proceder tal excepção, como se decidiu na sentença recorrida.” </font></i>
</p><p><font>Trata-se de argumentação a que se adere sem reservas e que é fastidioso mais aprofundar, sendo que o recorrente não aduziu novos argumentos susceptíveis de abalar a pertinência dos já alinhados.</font>
</p><p><font>De todo o modo, e “in dubio”, sempre valeria o princípio da consensualidade negocial do artigo 219.º do Código Civil.</font>
</p><p><font>É nítidamente um caso de uso da faculdade remissiva do n.º 5 do artigo 713.º do Código de Processo Civil, aplicável “ex vi” do artigo 726.º do mesmo diploma.</font>
</p><p><b><font>2- Conclusões</font></b>
</p><p><font>Pode concluir-se que:</font><br>
<font>a) Para determinar da aplicação do artigo 62.º, n.º 2 do RAU ou do artigo 221.º, n.º 2 do Código Civil e se aferir da validade do acordo de revogação do contrato de arrendamento do qual constem cláusulas compensatórias, deve ser alegada e provada a data de outorga do contrato.</font><br>
<font>b) Tal alegação cumpre à parte que pretende ver tal acordo fulminado de nulidade, por força do disposto no artigo 342.º, n.º 2 do Código Civil.</font><br>
<font>c) Na dúvida sobre a forma do arrendamento por desconhecimento da data da sua celebração, e atendendo às várias leis que se sucederam no tempo, vale o princípio da consensualidade do artigo 219.º do Código Civil.</font><br>
<font>d) Ao Supremo Tribunal de Justiça está vedada a extracção de presunções judiciais.</font>
</p><p><font>Nos termos expostos, </font><b><font>acordam negar a revista</font></b><font>.</font>
</p><p><font>Custas pelo Recorrente. </font>
</p><p><font>Lisboa. 22 de Junho de 2010</font>
</p><p><font>Sebastião Póvoas (Relator)</font>
</p><p><font>Moreira Alves</font>
</p></font><p><font><font>Alves Velho</font></font></p>
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RTLRu4YBgYBz1XKv5UNh
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1.ª Secção (Cível)
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<b><font> </font></b><font><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font><br>
<br>
<font>"AA" e sua mulher BB, intentaram, na 2ª Vara Mista de Vila Nova de Gaia, acção, com processo ordinário, contra CC e mulher DD, pedindo a prolação de sentença que declare que o prédio que identificam foi comprado pelos Autores e vendido pelos Réus, pelo preço, já pago, de 13 000 000$00, ordenando o cancelamento de qualquer registo.</font><br>
<br>
<font>Os Réus não contestaram.</font><br>
<br>
<font>Foi ordenada a junção, pelos Autores do contrato-promessa, certidão registral, escritura de compra e venda em nome dos promitentes vendedores e documento comprovativo do pagamento da sisa.</font><br>
<br>
<font>De seguida os Autores foram notificados para juntarem documento comprovativo do prédio estar registado em nome dos Réus, sugerindo-lhes o disposto no artigo 36º do Código do Registo Predial e concedendo-lhes o prazo de 60 dias.</font><br>
<br>
<font>Nada tendo sido dito, a 1ª Instância julgou a acção improcedente, decisão que a Relação do Porto confirmou.</font><br>
<br>
<font>Os Autores pedem revista concluindo:</font><br>
<br>
<font>- Do regime legal da execução específica não resulta a exigência de registo dos prédios em nome do transmitente;</font><br>
<br>
<font>- A propriedade não se adquire pelo registo e a presunção dele resultante pode ser afastada;</font><br>
<br>
<font>- A propriedade do imóvel pelos Réus foi demonstrada pela apresentação da escritura de compra e venda, que é documento autêntico e cuja força probatória só pode ser afastada pela falsidade;</font><br>
<br>
<font>- Com esse documento os Autores já afastaram a presunção que decorre do registo;</font><br>
<br>
<font>- O artigo 9º do C R Predial permite excepções, nomeadamente a transmissão pela pessoa que acabou de adquirir, no mesmo dia, sem registo a seu favor;</font><br>
<br>
<font>- Excepcionando penhoras, expropriações, etc., e "outras providências que afectem a livre disposição dos imóveis", como é a execução específica que é alheia à vontade do promitente vendedor;</font><br>
<br>
<font>- O princípio do artigo 7º do C R Predial deve ser entendido no sentido de quem tem um registo predial pode invocar a seu favor a presunção de propriedade e não de que só se é proprietário se tiver registo a seu favor;</font><br>
<br>
<font>- A lei prevê excepção ao registo prévio para o primeiro acto de transmissão posterior a 1 de Outubro de 1984, com exibição de documento comprovativo do direito da pessoa de quem se adquiriu;</font><br>
<br>
<font>- Foram violados os artigos 1316º e 371º do Código Civil, 7º e 8º do C R Predial e 62º da Constituição da República.</font><br>
<br>
<font>Relevam os seguintes </font><font>factos:</font><br>
<br>
<font>- Os Autores pedem a execução especifica de um contrato promessa de compra e venda, firmado em 20 de Fevereiro de 1989, do prédio urbano situado na Endereço-A, na freguesia de Santa Marinha do Município de Vila Nova de Gaia, sob o nº 53885 (fls 21/V, livro B.139);</font><br>
<br>
<font>- Foram promitentes vendedores os Réus;</font><br>
<br>
<font>- O prédio não está inscrito no registo predial em nome dos Réus;</font><br>
<br>
<font>- Os Réus adquiriram o prédio por compra titulada por escritura pública outorgada em 5 de Agosto de 1977, sendo vendedores EE e sua mulher FF;</font><br>
<br>
<font>- O prédio está inscrito a favor de EE e FF;</font><br>
<br>
<font>- Foi acordado no contrato promessa que a celebração do contrato definitivo seria realizada nos 15 dias seguintes ao registo em nome dos promitentes vendedores, que a tal procederiam, assim como à marcação da escritura;</font><br>
<br>
<font>- Os Réus não efectuaram o registo nem se dispuseram a celebrar escritura pública;</font><br>
<br>
<font>Foram colhidos os vistos.</font><br>
<br>
<font>Conhecendo, </font><br>
<br>
<font>1- Execução específica e artigo 9º do C R Predial.</font><br>
<font>2- "In casu".</font><br>
<font>3- Conclusões.</font><br>
<br>
<font>1- Execução específica e artigo 9º do C R Predial.</font><br>
<br>
<font>De acordo com o nº1 do artigo 830º do Código Civil, a execução específica do contrato promessa traduz-se na obtenção de uma "sentença que produza os efeitos da declaração negocial do faltoso."</font><br>
<br>
<font>A decisão do tribunal irá produzir os efeitos do contrato prometido, valendo como seu título constitutivo.</font><br>
<br>
<font>Como nota o Prof. Almeida Costa, " a respectiva sentença possui a eficácia que teria a escritura pública por aquela suprida, inclusive para efeitos de registo" (apud "Contrato Promessa, uma síntese do regime actual", 1994, 56), já que substitui não só a manifestação de vontade do faltoso, como a do contraente que sempre a emitiria. (cf., ainda, Dr. Januário da Costa, in "Em tema de contrato promessa", 48 ss e Acórdão do STJ de 26 de Março de 1974 - BMJ 235-275).</font><br>
<br>
<font>A única diferença entre a sentença e a escritura pública de compra e venda é a forma de expressão da vontade dos contraentes, ali afirmada perante o notário e, na execução específica, determinada na sentença substitutiva das declarações negociais dos outorgantes, agora coincidentes com o afirmado no contrato promessa.</font><br>
<br>
<font>Note-se que mesmo o que, eventualmente, foi omisso na promessa pode ser suprido na sentença, ou por apelo aos critérios gerais e especiais, respeitantes à interpretação e integração da vontade dos contraentes, nos termos dos artigos 236º a 239º e 539º, 542º nº 2 e 883º do Código Civil. (in Prof. A. Costa, ob. cit. 57).</font><br>
<br>
<font>Releva, em consequência, o nº1 do artigo 9º do C R Predial.</font><br>
<br>
<font>Aí se dispõe que "os factos de que resulte a transmissão de direitos ou constituição de encargos sobre imóveis não podem ser titulados sem que os bens estejam definitivamente inscritos a favor da pessoa de quem se adquire o direito ou contra qual se constitui o encargo."</font><br>
<br>
<font>O que implica não poder ser titulada a transmissão de um direito sem que a pessoa de quem se adquire disponha de um titulo de aquisição e que a mesma esteja registada a favor do transmitente.</font><br>
<br>
<font>É, nuclearmente, a afirmação do princípio do trato sucessivo que impõe que cada titularidade se apoie na precedente, ou melhor, o ingresso do direito do transmissário no registo depende de prévia inscrição do direito a favor do transmitente.</font><br>
<br>
<font>O artigo 34º do C R Predial consagra o princípio nas modalidades de inscrição prévia (nº1) e de cadeia tabular (nº2).</font><br>
<br>
<font>Como corolário, o principio da legitimação do nº1 do artigo 9º do Código de Registo Predial destina-se a exercer um duplo controle (o primeiro é o controlo notarial) sobre as transacções tendo como primeiro escopo o prevenir alienações "a non domino".</font><br>
<br>
<font>O objectivo é, nas palavras do Dr. Órfão Gonçalves (in "Aquisição tabular", 2004, ed. AAFDL, 40) "evitar que determinados sujeitos, aproveitando-se da ignorância jurídica de outros, criassem nestes a aparência de que são proprietários dos bens, por exemplo através de uma posse passageira sobre eles (...). Para iludir terceiros, é pelo menos necessário ter um registo a seu favor, o que não é propriamente fácil de conseguir, não havendo um verdadeiro e válido negócio na origem."</font><br>
<br>
<font>Mas não se pode esquecer que o registo predial tem por escopo primeiro dar publicidade à situação jurídica dos prédios, sendo a sua função meramente declarativa, que não constitutiva, não podendo suprir a falta do direito nem sanar os vícios das transmissões.</font><br>
<br>
<font>A aquisição do direito de propriedade está sujeita a registo, prevalecendo o direito anteriormente inscrito sendo de presumir "tantum iuris" a sua existência, tal como registada, e a sua pertença, ao titular inscrito (artigos 2º nº1 a), 6º e 7º do C R Predial).</font><br>
<br>
<font>Não obstante, e como refere o Prof. Menezes Cordeiro, embora não constitutivo, o registo "torna-se indirectamente necessário: o transmitente não pode, validamente, celebrar o contrato, se não tiver registo a seu favor." (ROA, 45º, Abril 1985, 108).</font><br>
<br>
<font>Aqui chegados, poderemos concluir que, a regra do nº1 do artigo 9º do C R Predial, apenas excepcionada nas situações dos nºs 2 e 3 do mesmo preceito e (aqui, na opinião da Dr.ª Isabel Pereira Mendes - in "Código do Registo Predial - Anotado e Comentado", 15ª ed. 2006, 139) quanto aos actos de partilha de herança referidos na alínea a) do artigo 55º do Código do Notariado, impõe a inscrição prévia do direito a favor do transmitente.</font><br>
<br>
<font>O que, por certo, é válido nos casos de execução especifica do contrato promessa, tanto mais que, aqui, o juiz não dispõe de quaisquer elementos para controlar a propriedade do promitente vendedor, certo ser admissível a promessa de venda de coisa alheia.</font><br>
<br>
<font>2- "In casu".</font><br>
<br>
<font>A inexistência da inscrição prévia não conduz à improcedência da lide como, menos bem, concluíram as instâncias.</font><br>
<br>
<font>Seria caso, sim, de suspensão da instância, à semelhança do que dispõe o nº2 do artigo 3º do Código do Registo quanto ao registo das acções, já que, existindo clara similitude entre as duas situações, há que permitir à parte requerer um registo.</font><br>
<br>
<font>E se não lograr obter a inscrição, por razões que não lhe forem imputáveis, cessará a suspensão, também à semelhança do nº3 do preceito.</font><br>
<font>Isto porque não tendo o registo natureza constitutiva, a sua falta não poderia inviabilizar a procedência da lide.</font><br>
<br>
<font>Irreleva, contudo, aprofundar esse ponto - referido apenas "ex abundantia" pois que, "in casu", não é pertinente.</font><br>
<br>
<font>É que, vale aqui a excepção do nº3 do artigo 9º do Código do Registo Predial.</font><br>
<br>
<font>O prédio prometido vender situa-se na freguesia de Santa Marinha do Município de Vila Nova de Gaia.</font><br>
<br>
<font>Em Vila Nova de Gaia nunca vigorou o registo obrigatório.</font><br>
<br>
<font>A compra e venda a determinar pela sentença que, eventualmente, venha a declarar procedente o pedido de execução específica do contrato promessa é o primeiro acto de transmissão posterior a 1 de Outubro de 1984.</font><br>
<br>
<font>Está demonstrada nos autos a aquisição do prédio pelos promitentes vendedores por escritura pública outorgada em 1977, em que foram vendedores os inscritos como proprietários.</font><br>
<br>
<font>Presentes, pois, os pressupostos que condicionam a aplicação do nº3 do artigo 9º citado.</font><br>
<br>
<font>Nada obsta à prolação da sentença na acção "sub judicio".</font><br>
<br>
<font>3- Conclusões.</font><br>
<br>
<font>Pode concluir-se que:</font><br>
<br>
<font>a) A sentença que, nos termos do nº 1 do artigo 830º do Código de Processo Civil produz os efeitos do contrato prometido substituindo não só a manifestação de vontade do faltoso como a do contraente que sempre a emitiria.</font><br>
<font>b) A única diferença entre a sentença e a escritura pública de compra e venda é a forma de expressão da vontade dos contraentes aqui afirmada perante notário e ali em decisão judicial substitutiva das declarações negociais dos outorgantes, agora a coincidir com o afirmado no contrato promessa.</font><br>
<font>c) O princípio da legitimação - corolário do trato sucessivo - constante do nº1 do artigo 9º do Código do Registo Predial é aplicável à decisão que julga procedente a execução específica do contrato promessa de compra e venda.</font><br>
<font>d) Se aquando da prolação da sentença não se mostrar inscrito o direito a favor do transmitente, a instância deve ser suspensa até que tal direito se mostre registado.</font><br>
<font>e) Se à data da sentença se tratar do primeiro acto de transmissão posterior a 1 de Outubro de 1984, o prédio se situar em município onde não vigorava o registo obrigatório, e estiver documentado o direito do transmitente, vale a excepção do nº3 do artigo 9º do Código do Registo Predial.</font><br>
<br>
<font>Destarte, </font><font>acordam conceder a revista, </font><font>devendo a lide prosseguir para conhecimento do pedido de execução específica.</font><br>
<br>
<font>Custas pelos recorridos.</font><br>
<br>
<font>Lisboa, 18 de Julho de 2006 </font><br>
<font>Sebastião Póvoas</font><br>
<font>Moreira Alves</font><br>
<font>Alves Velho</font></font>
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RTLTu4YBgYBz1XKv9kWE
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1.ª Secção (Cível)
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<b><font> </font></b><font><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font><br>
<br>
<br>
<font>I</font><font> - </font><br>
<br>
<font>"AA" intentou, em Novembro de 2000, no tribunal judicial de Ponte de Lima, acção ordinária contra Empresa-A, pedindo que fosse condenada a pagar-lhe a importância de 83.239.047$00, a título de danos patrimoniais e de danos morais, e de quantia a relegar para liquidação de sentença, acrescidas de juros, alegando que o acidente de que foi vítima foi causado exclusivamente pelo condutor do veículo seguro na R..</font><br>
<br>
<font>A R. contestou, pedindo a improcedência do pedido.</font><br>
<br>
<font>A acção foi, após julgamento, decidida no sentido da sua parcial procedência, condenando a R. a pagar ao A. o total de 59.285,36 € e respectivos juros, sendo 39.285,36 € a título de danos patrimoniais e 20.000 € por danos morais.</font><br>
<br>
<font>Com esta decisão não se conformaram tanto o A. como a R. que, por isso, apelaram para o Tribunal da Relação de Guimarães, tendo este, na procedência total do recurso da R. e na improcedência do recurso do A., fixado a indemnização devida pela R. ao A. em 36.939,45 € e juros, sendo 16.839,45 € a título de danos patrimoniais e 20.000 € por danos morais.</font><br>
<br>
<font>Com esta decisão não concordou o A. que pediu a revista, com a consequente revogação da mesma de forma a ser a indemnização relativa a lucros cessantes ser fixada em 89.784 €, acrescida da indemnização fixada pela 1ª instância no valor de 840.000$00 e no que se liquidar em execução de sentença e relativamente às despesas com terceira pessoa para de si tratar, e em 100.000 € a título de danos morais.</font><br>
<font>Para o efeito, apresentou as suas alegações que rematou com as seguintes conclusões:</font><br>
<font>- O Tribunal da Relação não poderia ter alterado a resposta à matéria de facto dos artigos em crise;</font><br>
<font>- A perícia médica e os documentos não são inatacáveis por não fazerem prova plena em juízo;</font><br>
<font>- Foi ouvida prova testemunhal aos quesitos em questão exceptuando o 38°;</font><br>
<font>- Não se procedeu à gravação da audiência de julgamento;</font><br>
<font>- Os danos patrimoniais sofridos pelo recorrente foram avultados, e existiram como consequência directa e necessária do "</font><font>handicap</font><font>" físico do presente acidente;</font><br>
<font>- O recorrente só por causa desse "</font><font>handicap</font><font>" teve de deixar a sua actividade;</font><br>
<font>- O rendimento mensal que o Tribunal </font><font>a quo</font><font> determinou resultou da interpretação que a senhora Juiz fez dos elementos probatórios do processo determinando a substituição de uma e eventual liquidação em execução de sentença pelo valor que entendeu adequado, como aliás afirma;</font><br>
<font>- Os danos patrimoniais sofridos pelo recorrente no que concerne a lucros cessantes tendo em conta o rendimento mensal apurado, a causa exclusiva do fim da sua actividade e a esperança de vida naquela, deverão ser reavaliados para um valor não inferior a 89.784 €;</font><br>
<font>- O recorrente tem necessidade de uma terceira pessoa para as necessidades de vida do seu dia a dia, pelo que deve ser de novo atendido o valor atribuído pela sentença da Primeira Instância de 60.000$00 (300 €) mensais;</font><br>
<font>- A indemnização arbitrada por danos não patrimoniais que foi exígua em função da sua gravidade deverá ser elevada para 100.000 €;</font><br>
<font>- O Acórdão recorrido violou os artigos 712°, 646°n°4 do CPC e 483°, 495° e 496° do C. Civil.</font><br>
<font> </font><br>
<font>A recorrida, por sua vez, contra-alegou, defendo a manutenção do acórdão impugnado.</font><br>
<br>
<font>II</font><font> - </font>
<p><font>Estando apenas em causa os valores relativos aos danos resultantes de lucros cessantes (89.784 €), danos emergentes respeitantes à alegada necessidade de contratar uma terceira pessoa (300 €/mensais), e danos não patrimoniais (o recorrente defende a sua fixação em 100.000 €) é irrelevante a apreciação dos factos atinentes à dinâmica do acidente - está assente que a culpa na produção do mesmo foi única e exclusivamente do condutor do veículo seguro na R. - bem como a factualidade relativa aos demais danos inicialmente alegados.</font>
</p></font><p><font><br>
<font>III </font><font>- </font><br>
<br>
<font>Balizados pelas conclusões do recurso, centremos, pois, a nossa atenção nas seguintes questões que à nossa consideração foram colocadas pela recorrente:</font><br>
<font>1ª - o Tribunal da Relação violou o art. 712º do C.P.C. quando alterou a matéria de facto?</font><br>
<font>2ª - a factualidade provada permite concluir o A.-recorrente teve, em consequência do acidente ajuizado os lucros cessantes invocados?</font><br>
<font>3ª - e que dizer relativamente aos danos emergentes alegados e relativos à contratação de uma terceira pessoa para tratar do A. em consequência directa do mesmo acidente?</font><br>
<font>4ª - a indemnização por danos morais foi devidamente ponderada no aresto sob censura?</font><br>
<br>
<font>Analisemos, separadamente cada uma destas questões.</font><br>
<br>
<font>1</font><font> - a matéria de facto.</font><br>
<br>
<font>O art. 712º do CPC determina os termos em que a Relação pode alterar a base factual fixada pela 1ª Instância, circunscrevendo tal poder às hipóteses descritas nas als. a) a c) do nº1.</font><br>
<font>Quando a Relação confirma ou altera a matéria de facto, fá-lo, por regra, definitivamente. De facto, ao Supremo, enquanto Tribunal de revista, está vedado exercer censura sobre as decisões a Relação que se prendem com a concreta apreciação da prova (art. 712º, nº6, do CPC).</font><br>
<font>Contudo, o art. 712º, nº6, não exclui a possibilidade de o Supremo exercer censura sobre mau uso que a Relação faça dos poderes que lhe são conferidos.</font><br>
<font>Este nº 6 apenas veio resolver uma velha controvérsia jurisprudencial sobre se o recurso para o Supremo era admissível ou se a eventual decisão deste implicaria pronúncia sobre a matéria de facto, o que lhe está vedado.</font><br>
<font>Ora, decidir de facto significa proferir um juízo probatório, ou seja, dar como provado ou não provado um facto mediante a apreciação de um ou mais elementos de prova.</font><br>
<font>Tal juízo está, naturalmente, vedado ao STJ.</font><br>
<font>Da mesma forma se a Relação reputar como deficiente, obscura ou contraditória a decisão de facto da 1ª instância e a anular, não pode o STJ sindicar tal decisão, até porque esse é um poder que este Tribunal tem de </font><font>motu proprio</font><font> (art. 729º, nº 3).</font><br>
<font>Queremos com tudo isto dizer que o nº 6 em causa apenas limita os poderes de cognição ao Supremo relativamente às decisões da Relação tomadas no uso dos poderes conferidos pelos números anteriores - de alterar, de reapreciar, de determinar a renovação, de anular, de ordenar a repetição do julgamento, de determinar a fundamentação.</font><br>
<br>
<font>Dentro desta óptica, teremos de dizer que se o legislador estabeleceu os termos em que a Relação conhece de facto, condicionando os seus poderes de alteração do juízo probatório às hipóteses consagradas nas als. a) a c) do art. 712º, não podemos deixar de concluir que cabe (continua a caber) a este STJ censurar o mau uso pela Relação dos mencionados poderes.</font><br>
<font>Julgamos que, como esta nossa visão, estamos a ir ao encontro do espírito do legislador que, no preâmbulo do D.-L. 375-A/99, de 20 de Setembro, que introduziu aquele nº 6, explica a </font><font>ratio</font><font> do preceito: "elimina-se ainda o recurso para aquele Tribunal das decisões das Relações atinentes à matéria de facto, nos termos do artigo 712º, à margem do âmbito da sua actual admissibilidade, que não é jurisprudencialmente pacífico".</font><br>
<br>
<font>Não esquecemos que ao exercer esta sindicância o STJ acaba por influenciar à distância a consolidação da base factual; contudo, isso de forma alguma significa que esteja a decidir de facto e em desrespeito da sua função como tribunal de revista que é.</font><br>
<br>
<font>Vejamos então o que aconteceu no caso que nos ocupa.</font><br>
<br>
<font>A Relação alterou as respostas aos quesitos 22º, al. g), 31º, 33º e 38º, tomando apenas em linha de conta o relatório pericial.</font><br>
<br>
<font>Decorre da al. a) do referido art. 712º que "a decisão do tribunal de 1ª instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pela Relação, se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do artigo 690º-A, a decisão com base neles proferida."</font><br>
<font>Assim, para alterar o juízo probatório, isto é, a valoração da prova feita pela 1ª instância, a Relação tem de estar em condições de conhecer </font><font>todos os elementos de prova que sustentaram a decisão recorrida</font><font>. </font><br>
<br>
<font>Acontece, porém, que o relatório pericial não foi o único meio probatório produzido e apreciado quanto à matéria sobre que os referidos quesitos versam.</font><br>
<font>De facto, sobre os mesmos quesitos depuseram as testemunhas arroladas pelo A.. BB e CC, depoimentos estes que não foram gravados </font><font>(cfr</font><font>. acta a fls. 269) .</font><br>
<br>
<font>Ora, é sabido que a matéria factual em causa exige conhecimentos específicos que só os peritos, em regra, têm. Nessa medida, a prova pericial goza de uma presunção credibilidade, mas que não se traduz num valor probatório pleno.</font><br>
<font>Importa não esquecer que, tal como a prova testemunhal, a prova pericial está sujeita a livre apreciação do julgador (art. 389º do CC).</font><br>
<br>
<font>Assim, a Relação, quando conheceu e decidiu de facto, alterando as respostas aos referidos quesitos, não estava na posse de todos os elementos que sustentaram a decisão da 1ª Instância. Ora, ainda que, por experiência, todos saibamos que a prova testemunhal dificilmente tem o poder de destruir a prova pericial e que se revele plausível que, uma melhor ponderação, no momento em que foram dadas as respostas aos quesitos, conduzisse a que um mediano jurisprudente tivesse levado em linha de consta as considerações tecidas no relatório quanto à incapacidade de que o A. já sofria antes do acidente nos termos em que a Relação o fez, a verdade é que acabou o Tribunal recorrido por exceder os poderes em circunstâncias em que a lei não lhe permite.</font><br>
<font>Não sabendo o que as testemunhas disseram, não pode a Relação pressupor, sem mais, que tais depoimentos foram de todo irrelevantes nas respostas aos quesitos em questão.</font><br>
<font>Por outras palavras, não estando os depoimentos das referidas testemunhas gravados, a Relação não estava em condições de exercer uma plena sindicância sobre o juízo feito pela 1ª Instância nos termos em que o art. 712º, nº1, al. a), do CPC o exige.</font><br>
<font>Da mesma forma, não é possível dizer que o relatório pericial constitua um meio de prova insusceptível de ser destruído por quaisquer outras provas e, nessa medida, esteja justificada a alteração da matéria de facto com base no disposto no art. 712º, nº1, al. b), do CPC.</font><br>
<font>Outro tanto se diga em relação à hipótese prevista na al. c) do mesmo artigo.</font><br>
<br>
<font>Assim, somos forçados a concluir que a Relação usou o poder de alterar a matéria de facto sem observar os pressupostos em que tal lhe é permitido. </font><br>
<br>
<font>Como assim, impõe-se a este Supremo Tribunal proferir decisão tomando em linha de conta a factualidade dada como provada na 1ª Instância a qual já não é passível de ser alterada. </font><br>
<br>
<font>Assentemos, então, definitivamente nos seguintes factos com relevância para a sorte do recurso.</font><br>
<font>Assim, os factos a considerar são os seguintes:</font><br>
<font>a) - O A. tinha na altura do acidente a idade de 62 anos;</font><br>
<font>b) - O A. sofreu em Janeiro de 1973 lesões no membro inferior esquerdo do qual veio a ser amputado ao nível do joelho movimentando-se através de prótese, conforme resulta do Boletim Clínico do Hospital de S. João do Porto referente àquela assistência;</font><br>
<font>c) - O A., apesar das lesões referidas em b) conseguiu ao longo dos últimos 26 anos criar hábitos que o levaram a minimizá-las e a torná-las menos incapacitantes, movimentando-se e fazendo o seu dia-a-dia com normalidade, não necessitando de usar canadianas como agora acontece;</font><br>
<font>d) - Em resultado do presente acidente sofreu sequelas:</font><br>
<font>-Lesionais</font><br>
<font>- Traumatismo ao nível do joelho direito;</font><br>
<font>- Traumatismos na região lombar e grade costal;</font><br>
<font>- Funcionais</font><br>
<font>- O A. tem grandes dificuldades na posição de pé e sentado;</font><br>
<font>- Em passar da posição de sentado à posição de pé, bem como andar ou deslocar-se, ou levantar-se do chão;</font><br>
<font>- As situações descritas agravam-se devido à emissão de urina por motivo de doença na próstata;</font><br>
<font>- A boa afectividade que era um dos apanágios do A. tornou-se após as sequelas apontadas, reduzida.</font><br>
<font>- Situacionais nomeadamente:</font><br>
<font>- Necessita da ajuda para os actos da vida corrente,</font><br>
<font>- Fazer a sua higiene pessoal;</font><br>
<font>- Vestir-se e despir-se;</font><br>
<font>- Fazer as suas actividades caseiras, dado a casa onde habita ter escadas</font><br>
<font>- Utilizar meio de transporte quer pessoal quer comum;</font><br>
<font>- A sua vida afectiva e social, nomeadamente relações afectivas com familiares e amigos, e as suas actividades de lazer são, após este acidente extremamente difíceis;</font><br>
<font>- A sua vida profissional apesar de reformado era ligada à restauração, da qual se viu completamente afastado pelo que ficou incapacidade total para o trabalho a partir desta data;</font><br>
<font>e) - O A. é viúvo tendo tido que contratar os serviços de uma ajudante, a fim de poder levar o seu dia-a-dia; </font><br>
<font>f) - O A. despende com este serviço a quantia mensal de 60.000$00, que é liquidado com a ajuda dos seus familiares </font><br>
<font>g) - O A. até à data do sinistro tinha e dirigia um restaurante do qual teve que desfazer-se.</font><br>
<font>h) - O A. sofreu dores e incómodos durante o tratamento clínico a que foi sujeito e que ainda hoje se prolongam;</font><br>
<font>i) - O A. sendo uma pessoa limitada pelo acidente anterior era, contudo um indivíduo que havia superado as consequências das suas incapacidades físicas;</font><br>
<font>j) - O resultado clínico deste acidente arrasou moralmente o A., invalidando-o definitivamente para o resto da sua vida; </font><br>
<font>l) - O A. é hoje uma pessoa arrumada, quer económica, quer moralmente; </font><br>
<font>m) - O A. ainda não se encontra totalmente restabelecido;</font><br>
<br>
<br>
<font>2</font><font> - dos lucros cessantes.</font><br>
<br>
<font>O art. 564º, nº 1 do C. Civil, referindo ao cálculo da indemnização devida pelo lesante ao lesado, prescreve que a mesma deve considerar, para além dos prejuízos causados (danos emergentes), os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão (lucros cessantes).</font><br>
<font>"O lucro cessante corresponde à situação em que é frustrada uma utilidade que o lesado iria adquirir, se não fosse a lesão" (</font><font>apud</font><font> Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Volume I, pág. 315).</font><br>
<font>"O lucro cessante abrange os benefícios que o lesado deixou de obter por causa do facto ilícito, mas a que ainda não tina direito à data da lesão" (Antunes Varela, </font><font>in</font><font> Das Obrigações em geral - Vol. I - 8ª edição -, pág. 610).</font><br>
<font>A questão está aqui em saber se o A. deixou de auferir lucros em virtude de ter cessado com a exploração do estabelecimento de restaurante como consequência directa e necessária do acidente em causa.</font><br>
<font>A este respeito, o Mº juiz do Círculo de Viana do Castelo disse o seguinte:</font><br>
<font>"o autor até à data do sinistro tinha e dirigia um restaurante do qual teve de desfazer-se. Dado se desconhecer qual o rendimento que tirava mensalmente com o mesmo e bem assim os custos que o mesmo importava, atenta a idade do autor e a possibilidade que teria de trabalhar ainda, tendo por base um valor médio de rendimento de 150.000$00, entende-se adequado atribuir a título de perda a quantia de 4.500.000$00 a título de lucros cessantes".</font><br>
<font>A Relação, considerando o que ficou provado da resposta dada ao quesito 27º ("o autor até à data do sinistro dirigia um restaurante do qual teve de desfazer-se), ou seja, não tendo ficado provado o mais perguntado ("e em que obtinha um rendimento mensal líquido de 300.000$00"), considerou que não se provou qualquer dano, não sendo lícito ao tribunal ficcionar um rendimento para efeitos patrimoniais futuros.</font><br>
<font>Temos de convir que a decisão da Relação não merece qualquer censura.</font><br>
<font>Desde logo, porque os montantes adiantados pelo A. a este respeito na sua peça inicial - cfr. art. 35º - não passaram no crivo a que foram sujeitos em sede de julgamento.</font><br>
<font>Daí que o Tribunal da Relação nada mais pudesse fazer do que inviabilizar a pretensão deduzida pelo A. a este respeito.</font><br>
<font>Para além do mais, em respeito absoluto pelo princípio da diferença, consagrado no art. 562º do C. Civil, não ficou de forma alguma provada a situação do A. relativa à exploração do dito restaurante antes do acidente nem qual o motivo determinante da cessação da sua actividade: ficou-se apenas a saber que o mesmo encerrou, melhor que o A. teve de se "desfazer" dele.</font><br>
<font>Mas, como? Porquê?</font><br>
<font>Não sabemos.</font><br>
<font>Terá o A. cedido </font><font>pro tempore</font><font> o dito estabelecimento?</font><br>
<font>Tê-lo-á trespassado?</font><br>
<font>Auferiu lucros com isso?</font><br>
<font>Não sabemos.</font><br>
<font>E poderia mui bem ter acontecido alguma destas hipóteses, casos em que eventualmente haveria que levar em linha de conta a chamada </font><font>compensatio lucri cum damno</font><font>.</font><br>
<font>Mas nada, absolutamente nada, ficou provado sobre o destino do restaurante do A. nem sobre a sua eventual capacidade lucrativa, nem sobre a razão concreta de ele ter de se "desfazer dele".</font><br>
<font>Outro caminho não restava, pois, ao Tribunal da Relação, em face do que ficou provado, que não fosse a absolvição pura e simples da R. relativamente a este pedido.</font><br>
<br>
<font>E nem sequer se pode aqui apelar a juízos de equidade, como também salientou o aresto recorrido.</font><br>
<font>Com efeito, o nº 3 do art. 566º do C. Civil prescreve que "se não puder ser averiguado o valor exacto dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados".</font><br>
<font>Ou seja, este dispositivo legal não dispensa a alegação e prova da existência de danos.</font><br>
<font>Não se tendo provado os danos alegados, não é lícito o recurso à equidade.</font><br>
<br>
<font>Sobre este ponto - correspondente à conclusão 8ª - apenas se dirá que improcede a pretensão do A..</font><br>
<br>
<font>3</font><font> - dos danos emergentes.</font><br>
<br>
<font>A respeito dos danos emergentes invocados pelo recorrente na sua conclusão 9ª, importa ter em conta que, em face do dado como provado ao quesito 24º ("o autor despende com este serviço - refere-se ao serviço de uma ajudante - a quantia mensal de 60.000$00, que é liquidado com a ajuda dos seus familiares"), o tribunal de 1ª instância acabou por lhe atribuir uma indemnização correspondente a 840.000$00 já despendidos, "liquidando-se em execução de sentença toda a quantia que o autor tiver de despender com a ajuda de terceiros".</font><br>
<font>Este segmento decisório não foi posto em causa pela R. e daí que o Tribunal da Relação não tivesse emitido a mínima pronúncia sobre tal assunto.</font><br>
<font>Não se compreende, assim, o conteúdo da referida conclusão.</font><br>
<br>
<font>4</font><font> - dos danos morais.</font><br>
<br>
<font>Atendendo à factualidade dada como provada a este respeito, o tribunal de 1ª instância condenou a R. a pagar ao A. a quantia de 20.000 €, com juros desde a data da decisão.</font><br>
<font>Nas alegações de recurso o A. pediu que tal montante fosse fixado em cem mil euros (é o que se tem de entender do contexto global da sua minuta de recurso, sendo certo que na 3ª conclusão defendeu que a mesma "não deverá ser inferior a dez mil euros").</font><br>
<font>A Relação, pese embora o facto de ter alterado (indevidamente, como vimos) a matéria de facto relativamente a este ponto concreto, o certo é que manteve o mesmo valor.</font><br>
<font>Ora bem.</font><br>
<font>A este respeito, o nº 1 do art. 496º do C. Civil prescreve:</font><br>
<font>"Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam tutela do direito".</font><br>
<font>Não se questiona se o A. sofreu danos morais em consequência do acidente, mas apenas o montante tido como justo com vista a compensar o </font><font>praetium doloris</font><font>.</font><br>
<font>O nº 3 do preceito acabado de referir apela à equidade para a fixação do montante devido por danos não patrimoniais, na medida do "grau de culpabilidade do agente, (d)a situação económica deste e do lesado e (d)as demais circunstâncias do caso", ou seja, remete o julgador para os denominados "conceitos gradativos".</font><br>
<font>É difícil fixar a indemnização por danos morais.</font><br>
<font>Segundo Pires de Lima e Antunes Varela, o montante da indemnização correspondente a danos não patrimoniais deve ser calculado segundo critérios de equidade, atendendo, para além domais, à situação económica das partes, à flutuação da moeda, tomando-se em conta na fixação todas as regras da boa prudência, da justa medida das coisas, do bom senso prático e da criteriosa ponderação das realidades da vida (</font><font>in</font><font> Código Civil Anotado, Volume I - 3ª edição -, pág. 474).</font><br>
<font>No mesmo sentido, opina Leite de Campos (</font><font>in</font><font> A Indemnização do Dano da Morte, pág. 16).</font><br>
<font>Maya Lucena, apoiando-se na opinião de Inocêncio Galvão Telles, defende que na fixação equitativa do montante indemnizatório, previsto no art. 496º do C. Civil, nunca se poderá deixar de atender à culpa do lesante, à sua situação económica, bem como à do lesado e às demais circunstâncias do caso.</font><br>
<font>E, acresceste: "o grau de culpa do agente é determinante para se estabelecer a amplitude da respectiva indemnização, isto é, para efectuar o seu cálculo" (</font><font>in</font><font> Danos Não Patrimoniais, pág. 21 e ss.).</font><br>
<font>Almeida Costa, por sua vez, não deixa de salientar que o legislador confiou ao tribunal o encargo de apreciar, no quadro das várias situações concretas, socorrendo-se de factores objectivos se o dano não patrimonial se mostra digno de protecção jurídica, sendo irrelevantes os pequenos incómodos ou contrariedades, assim como os sofrimentos ou desgostos que resultem de uma sensibilidade anómala (</font><font>in</font><font> Direito das Obrigações - 9ª edição -, pág. 550).</font><br>
<font>De um modo geral, tem-se entendido que na fixação da indemnização por danos não patrimoniais deve-se, hoje em dia, ter em conta o contínuo aumento dos seguros obrigatórios e respectivos prémios, não devendo os tribunais na sua fixação nortearem-se por critérios miserabilistas.</font><br>
<font>Uma outra ideia que não pode deixar de ser considerada é a relativa à função da própria indemnização por danos morais.</font><br>
<font>A este propósito, Maya Lucena defende que para a fixação da indemnização por danos não patrimoniais, o artigo 494º do C. Civil apenas fornece o critério para estabelecer a própria indemnização, sendo infundada "a afirmação de que o referido artigo não indicia, de todo em todo, a atribuição de uma função punitiva à responsabilidade civil extra-obrigacional, ... já que no que respeita aos danos não patrimoniais, o grau de culpa do agente é determinante para estabelecer a amplitude da indemnização, isto é, para efectuar o seu cálculo" (</font><font>in</font><font> obra citada, pág. 23).</font><br>
<font>Para Antunes Varela, a indemnização por danos não patrimoniais é mais uma reparação do que uma compensação, mais uma satisfação do que uma indemnização (</font><font>in</font><font> obra citada, pág. 617).</font><br>
<font>O Supremo já defendeu que este tipo de indemnização tem natureza mista: visa, por um lado, reparar os danos sofridos pelo lesado, e, por outro, reprovar ou castigar, no plano civilístico e com meios próprios do direito privado, a conduta do agente (</font><font>in</font><font> Acs. de 01/02/94,</font><font> in</font><font> processo 846/92, e de 22/11/02, </font><font>in</font><font> processo 2851/02).</font><br>
<font>Pela nossa parte, respeitando embora outras posições, entendemos que esta indemnização por danos não patrimoniais não tem apenas uma função compensatória, ela tem sobretudo uma função indemnizatória.</font><br>
<font>Ora bem.</font><br>
<font>É à luz de todas estas referências doutrinais e jurisprudenciais que devemos analisar a crítica que é dirigida pelo recorrente à decisão impugnada no sentido de a indemnização a título de danos não patrimoniais ser fixada em 100.000 €, alterando a fixada pela Relação que foi em 20.000 €.</font><br>
<font>Mas, para tanto, deveremos ainda ter em conta "os padrões de indemnização geralmente adoptados na jurisprudência" "para evitar soluções demasiado marcadas por subjectivismos" (assim, Ac. do S.T.J., de 26 de Maio de 1993, </font><font>in</font><font> C.J. - Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça - Ano I, Tomo II, pág. 130 e ss., relatado pelo Cons. Fernando Fabião).</font><br>
<font>Assim, e não podemos deixar de ter em conta que o A., à data do acidente ajuizado, era já uma pessoa limitada por um acidente anterior.</font><br>
<font>A esta luz e considerando os demais factos já referidos, determinantes para a decisão da 1ª instância, temos de considerar que o valor fixado pela Relação, malgrado as bases factuais em que assentou e que seriam até mais favoráveis à pretensão do A., se nos afigura como perfeitamente justo. </font><br>
<font>Na verdade, se tivermos em conta que este Supremo ainda, em 2003, fixou em 20.000 € a indemnização justa e devida a uma mãe "traduzidos no forte choque e grande desgosto" pela perda de um filho em consequência de um acidente de viação com culpa exclusiva do condutor da seguradora, e na linha já referida no aresto anterior - ou seja, devem ser considerados os padrões de indemnização geralmente adoptados na jurisprudência - (</font><font>in</font><font> Ac. de 04 de Março de 2004, in </font><font>www.dgsi.pt/jstj</font><font> - relator Cons. Santos Bernardino), não podemos ter outra opinião sobre a decisão impugnada que não seja a de que a mesma é, pelo menos, benévola e, como não foi posta em crise pela recorrida, em homenagem ao instituto do caso julgado (ficou definitivamente assente que, pelo menos o A. teria direito a 20.000 €) só nos resta manter a decisão proferida pelo Tribunal da Relação.</font><br>
<font>Isto significa que o contido na 10ª conclusão não merece acolhimento.</font><br>
<br>
<font>Improcede, pois, em toda a linha a tese defendida pelo recorrente.</font><br>
<br>
<font>IV </font><font>-</font><br>
<font> </font><br>
<font>Em conformidade com o exposto e sem necessidade de qualquer outra consideração, decide-se negar a revista, com custas pelo recorrente (sem prejuízo pela concessão do apoio judiciário - cfr. fls. 57).</font><br>
<br>
<br>
<font>Lisboa, 21 de Março de 2006</font><br>
<font>Urbano Dias</font><br>
<font>Paulo Sá</font><br>
<font>Borges Soeiro</font></font></p>
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[0 0 0 ... 0 0 0]
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STLLu4YBgYBz1XKvkz0W
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1.ª Secção (Cível)
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<b><font> </font></b><font><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font><br>
<br>
<font>Na 6ª Vara Cível da Comarca de Lisboa, “Empresa-A”, AA, BB, seu marido CC e DD, deduziram embargos de executado à execução, para pagamento de quantia certa, que lhes moveu o “Empresa-B”.</font><br>
<br>
<font>Alegaram, em síntese, que a livrança dada à execução não foi subscrita pela sociedade embargante não tendo nela sido aposta a assinatura de nenhum dos sócios não se invocando a qualidade de gerentes; que sendo o aceite nulo por vicio de forma é nulo o aval; que as livranças foram assinadas em branco e não lhes foi comunicado o montante das transacções comerciais que iam garantir, pelo que sempre seria nulo, o aval, por indeterminado, e indeterminável, o objecto.</font><br>
<br>
<font>Os embargos foram julgados improcedentes.</font><br>
<br>
<font>Apelaram, os embargantes, tendo a Relação de Lisboa julgado extinta a execução contra a sociedade e confirmada a decisão recorrida quanto aos avalistas, cuja garantia considerou válida.</font><br>
<br>
<font>Recorreram estes para concluírem, nuclearmente:</font><br>
<br>
<font>- A falta de assinatura do subscritor de livrança é um vicio de forma que a afecta, tornando-a nula, desde que tal nulidade seja invocável pelos interessados.</font><br>
<br>
<font>- Os recorrentes deram o seu aval à subscritora da livrança “Empresa-A”</font><br>
<br>
<font>- Porém, invocaram a nulidade da livrança por vício de forma, o que acarreta, para eles, deixarem de estar obrigados para com a exequente, devendo a execução ser declarada extinta, com a procedência dos embargos.</font><br>
<br>
<font>- Com base nos factos alegados e provados, existe o vício de forma invocado na livrança dada à execução.</font><br>
<br>
<font>- Ao não ter sido assim entendido, houve violação do disposto nos artigos 75, 7, 76, 32, II, da LULL, por aplicação do seu artigo 77.</font><br>
<br>
<font>- Os avalistas assinaram a livrança dada à execução em branco, em 13/12/1989.</font><br>
<br>
<font>- Tal livrança teve por fim dar caução de um financiamento em conta corrente a Empresa-A.</font><br>
<br>
<font>- Nessa data os avalistas não sabiam, nem podiam ter ficado a saber, qual o montante por que se obrigavam, pois que a sociedade avalizada nada devia ao recorrido e a obrigação assumida por aqueles foi no sentido do banco ficar “autorizado a preenchê-la (a livrança) pelo valor de que for devedora (a sociedade), fixando-lhe o vencimento que lhe convier sempre que haja incumprimento de qualquer das obrigações constantes deste contrato”.</font><br>
<br>
<font>- Não ficou, pois, nesse momento, determinado nem era determinável a quantia por que os avalistas se responsabilizavam.</font><br>
<br>
<font>- De todo o modo, se tal não for entendido, e se se entender que, de acordo com os pontos 1 e 2 de tal contrato, os avalistas se quiseram obrigar pelo montante de 25.000.000$00, essa obrigação tinha como limite temporal o prazo de seis meses, por não ter ficado definido um prazo máximo.</font><br>
<br>
<font>- Ou então, na pior das hipóteses, e salvo o devido respeito, os avalistas só podem ser responsabilizados pelo montante máximo de 25.000.000$00.</font><br>
<br>
<font>- Daí tal negócio ser nulo, para os avalistas, nos termos do artigo 280, 1 do Código Civil.</font><br>
<br>
<font>- Não foram produzidas contra alegações.</font><br>
<br>
<font>A Relação deu como assente a seguinte </font><u><font>matéria de facto:</font></u><br>
<br>
<font>- O Banco exequente é legítimo portador da livrança nº 400032, emitida em 13/12/89, no valor de 28.193.137$00, com vencimento em 14/03/97.</font><br>
<br>
<font>- Apresentada a pagamento na data do vencimento a referida livrança não foi paga nem posteriormente, não obstante as diligências de exequente nesse sentido.</font><br>
<br>
<font>- No rosto da livrança e no local destinado à assinatura do subscritor consta um carimbo com os dizeres “Empresa-A”; Contribuinte nº 500244006; os gerentes e por baixo do referido carimbo constam duas assinaturas.</font><br>
<br>
<font>- No verso da livrança e por baixo dos dizeres “dou o meu aval à firma subscritora” constam as assinaturas dos 2º, 3º e 4º executados.</font><br>
<br>
<font>- Na data da subscrição da livrança (13.12.89), os gerentes do executado/embargante eram EE; AA e BB.</font><br>
<br>
<font>- As assinaturas existentes no lugar dos subscritores referidos foram efectuadas pelos gerentes da sociedade Empresa-A, AA e EE, mas não correspondem ao seu nome civil.</font><br>
<br>
<font>- Os avalistas quando opuseram as suas assinaturas no verso da livrança esta estava em branco.</font><br>
<br>
<font>- A livrança foi entregue pelos embargantes ao Banco e era condição conhecida da carta contrato datada de 13.12.89.</font><br>
<br>
<font>- O Banco, através da referida carta, concedeu ao executado/embargante um financiamento no montante de 25.000.000$00 nos termos e condições constantes de carta contrato, entregando em caução do financiamento, uma livrança de montante e data de vencimento em branco subscrita e avalizada pelos sócios da embargante.</font><br>
<br>
<font>- Tendo o Banco ficado autorizado a preenchê-lo pelo valor de que for devedora, fixando-lhe o vencimento que lhe convier sempre que haja incumprimento de qualquer das obrigações do contrato.</font><br>
<br>
<font>- Porque os executados deixaram de cumprir as obrigações pecuniárias o que se vincularam em razão do empréstimo concedido, o Banco comunicou àqueles a decisão de dar os créditos por vencidos.</font><br>
<br>
<font>- E porque não pagaram o Banco deu por vencido o seu crédito procedendo ao preenchimento da livrança pelo valor em divida nos termos e condições acordados.</font><br>
<br>
<font>Como o embargado não interpôs recurso da parte em que decaiu – extinção da execução contra a sociedade “Empresa-A”, por não se ter vinculado validamente em termos cambiários – considera julgado este segmento “ex vi” do disposto no artigo 684º do Código de Processo Civil, sendo que, no entanto, nesta parte, a decisão é desfavorável aos ora recorrentes, que pugnando embora pela mesma conclusão pretendem que se considere que o vício é de forma, para poderem exonerar a sua responsabilidade.</font><br>
<br>
<font>O âmbito do recurso restringe-se, pois, à validade do aval, na ponderação do vício da subscrição da livrança pelo primeiro obrigado e à indeterminação (ou indeterminabilidade da garantia).</font><br>
<br>
<font>Foram colhidos os vistos.</font><br>
<br>
<font>Conhecendo, </font><br>
<br>
<font>1- Vício de forma.</font><br>
<font>2- Aval.</font><br>
<font>3- Determinabilidade.</font><br>
<font>4- Conclusões.</font><br>
<br>
<font>1- Vicio de forma.</font><br>
<br>
<font>1.1 - Como acima se acenou, importa para os recorrentes saber se a nulidade da subscrição da livrança declarada no Acórdão recorrido – e, aqui, intocável – é consequência de vicio de forma pois só assim ficariam a coberto da excepção da segunda parte “in fine”, do artigo 32º da Lei Uniforme Relativa às Letras e Livranças.</font><br>
<font>Cabem, porém, aqui algumas considerações sobre a forma.</font><br>
<font>O princípio da liberdade de forma constante do artigo 219º do Código Civil significa que, como regra, a validade dos negócios, no direito privado, independe de certa forma.</font><br>
<font> Daí que o comportamento declarativo seja, em princípio consensual, menos rígido (ou menos solene e uniformizado) salvo se a lei determinar certa exigência formal, não bastando, então, um mero acordo de vontades para a perfeição negocial.</font><br>
<font>É a liberdade declarativa que só cede quando o legislador entende que exigências de uma maior reflexão das partes, de maior rigor na formulação, de cognoscibilidade do acto, de necessidades de prova ou até na preocupação de conferir maior solenidade (por razões sociais que impõem se prestigie o negócio) ou, finalmente, buscando a intervenção de um terceiro com papel conformador e autenticador.</font><br>
<font>São, evidentemente, excepções (forma legal e forma convencional) ao antigo principio segundo o qual o bom pai de família (como homem escrupuloso e de boa fé) se vincula com a própria palavra dada. (cf. Prof. Manuel de Andrade, “Teoria Geral da Relação Jurídica, 1953, nº 27; Prof. Galvão Telles, “Dos contratos em geral”, 1947, 106; Prof. Vaz Serra, “Contrato de modificação ou de substituição da relação obrigacional”, BMJ 80; Prof. Rui de Alarcão, “Forma dos negócios jurídicos”, BMJ 86, entre outros).</font><br>
<font>Decorre, também, como principio, a nulidade da declaração negocial carente da forma legal (cf. o artigo 220º do Código Civil que, como nota o Prof. Rui Alarcão [ob. cit. 179] dá “acolhimento […] à ideia de que a inobservância da forma imposta pela lei deve trazer como consequência, em principio, a nulidade e não a simples anulabilidade [nulidade absoluta hoc sensu]. É a solução que se harmoniza com os fins de ordem pública da forma legal, e que corresponde à orientação do nosso direito vigente, e à de outros sistemas jurídicos.”).</font><br>
<br>
<font>Também como regra os requisitos de forma surgem com natureza “ad substantiam” embora, em certos casos, a lei os subalternize vocacionando-os para simples meios de prova da declaração, deixando de ser “ad solemnitatem” para se assumirem como “ad probationem” (então, à carência é adequada a terapia do nº 2 do artigo 364º do Código Civil).</font><br>
<br>
<font>1.2- É do exposto que resulta que a expressão “vício de forma” enquanto conceito de direito privado pode implicar realidades completamente distintas.</font><br>
<font>(Não, assim, no direito administrativo que incorpora no vicio de forma não só a carência absoluta de forma legal, como a preterição de formalidades, quer as anteriores à prática do acto [v.g um parecer obrigatório], quer as contemporâneas [v.g. sobre a votação num órgão colegial], quer as relativas à forma do acto – cf. Prof. Marcello Caetano, “Manual de Direito Administrativo”, I, 480; Prof. Freitas do Amaral, “Direito Administrativo”, III, 301 a 303).</font><br>
<font>A forma respeita, pois, à expressão ou manifestação de vontade enquanto a formalidade – “distinguo” do direito público – se prende com o “iter”, ou modo de formação de vontade, ou actos de tramitação que preparam a decisão administrativa e que a lei impõe como essenciais. Certo que para os contratos administrativos já releva, muito, a conceptuologia de direito privado acima delineada).</font><br>
<br>
<font>1.2.1- “In casu”, o que está em causa é a subscrição de uma livrança por uma sociedade ao arrepio do nº 4 do artigo 260º do Código das Sociedades Comerciais.</font><br>
<font>Não cabe agora abordar a bondade desta conclusão que é aceite pelos recorrentes, mas tão-somente aquilatar da sua relevância em sede de vício do título.</font><br>
<font>Tudo está, então, em determinar o alcance da expressão nula “por um vício de forma”, constante da segunda parte do artigo 32º da LULL.</font><br>
<font>O Acórdão do STJ de 30 de Outubro de 2003 – 03B1966 - considerou-a como “utilizada no seu sentido jurídico comum, importando a referencia às condições de forma externa do acto de que emerge a obrigação cambiária garantida - requisitos da validade extrínseca dessa obrigação.”</font><br>
<br>
<font>Para o Prof. Pinto Coelho a fórmula é usada nesses precisos termos referindo termos “de olhar aos requisitos de forma de que depende a obrigação que o aval deve garantir, às formalidades que a lei tenha estabelecido para o respectivo acto cambiário” (in “Lições de Direito Comercial, As letras", II, V, 38).</font><br>
<font>Escreve o Prof. Ferrer Correia (apud “Lições de Direito Comercial”, III, “Letra de Câmbio”, 1956, 217:” Consideremos agora especialmente o caso do aceite ou do endosso em branco em que a assinatura não tenha a localização prescrita na lei: a aposição da simples assinatura do sacado no verso da letra, a do endossante na face anterior do titulo, determinam a nulidade por vicio de forma, respectivamente do aceite e do endosso; consequentemente, será nulo nos termos do artigo 32º, II, o aval prestado a qualquer destes signatários.” (cf. nesta linha, os Acórdãos do STJ de 24 de Maio de 1998 - BMJ 475-718; de 19 de Março de 2002 – CJ/STJ X, I, 147; de 20 de Junho de 2002 - CJ/STJ X, II, 120 e de 20 de Maio de 2004 - 04B1522). E o Acórdão de 20 de Maio de 2007 decidiu que “vício de forma é apenas aquele que prejudica a aparência formal do titulo”.</font><br>
<font>Não podemos deixar de concordar.</font><br>
<font>O título cartular tem ínsito um absoluto rigor formal com perfeita, e legalmente, disciplinada estrutura externa e todo o seu conteúdo.</font><br>
<font>E assim terá de ser atendendo à natureza abstracta das obrigações cambiárias.</font><br>
<font>Daí que se imponham os requisitos dos artigos 1º (letras) e 75 (livranças) da LULL cuja falta é sancionada, respectivamente, pelos artigos 2º e 76º, sendo aqueles, quando omissos e a omissão fulminada de invalidade que caracterizam o vicio de forma do titulo.</font><br>
<font>Trata-se da validade formal da obrigação cartular – a validade extrínseca de notação ostensiva - que não se confunde com a forma do negócio subjacente - a validade substancial - que é o que a lei societária tutela quando impõe a forma de vinculação das sociedades (artigo 260º nº 4 do CSC: escrito dos gerentes que assinam com indicação dessa qualidade - cf. o Acórdão do STJ de 6 de Fevereiro de 2007 - 06 A4240 - desta mesma conferencia).</font><br>
<font>Neste caso não há vício de forma da livrança, que contém as assinaturas nos locais próprios, havendo, tão-somente, a invalidade da vinculação da sociedade subscritora.</font><br>
<br>
<font>Aqui chegados passemos ao </font><br>
<br>
<font>2- Aval.</font><br>
<br>
<font>Poderia dizer-se tão-somente que, inexistindo vício de forma, se mantêm a obrigação dos avalistas, “ex vi” da segunda parte do artigo 32º da LULL.</font><br>
<font>Dir-se-á, contudo, que a razão de ser desta norma, é ser o aval um acto cambiário que desencadeia uma obrigação independente, autónoma. (cf. o Prof. Ferrer Correia, ob. cit. 197 ss, o fazer notar que a responsabilidade do avalista não é subsidiária da do avalizado, mas solidária, pelo que o avalista não goza do beneficio da escussão prévia; e ainda para o facto da nulidade intrínseca da obrigação avalizada não se comunicar à do avalista, tendo este direito de regresso contra os signatários anteriores ao avalizado; cf. ainda, v.g, os Acórdãos do STJ de 27 de Maio de 2004 - 04 A1518 - e de 24 de Outubro de 2002 - 02 A2976).</font><br>
<font>O avalista não é sujeito da relação jurídica existente entre o portador e o subscritor da livrança mas apenas da relação subjacente à obrigação cambiária estabelecida entre ele e o seu avalizado.</font><br>
<font>É uma garantia de natureza pessoal que gera uma obrigação autónoma pois o avalista responsabiliza-se pela pessoa que avaliza assumindo a responsabilidade, abstracta e objectiva, pelo pagamento do título.</font><br>
<font>Assim sendo, o avalista é responsável, nos mesmos termos em que o é a pessoa por ele garantido por qualquer acordo de preenchimento concluído entre o subscritor e o portador, não podendo invocar a excepção do preenchimento abusivo (cf. v.g, os Acórdãos do STJ de 6 de Março de 2007 - 07 A205 - e de 11 de Dezembro de 2003 - 03 A3529) sabido que o ónus da prova do preenchimento abusivo sempre caberia ao obrigado cambiário demandado, nos termos do artigo 342º nº 2 do Código Civil por integrar um facto impeditivo, modificativo ou extintivo do direito emergente do titulo de crédito. (cf. ainda, o Acórdão desta conferência de 14 de Dezembro de 2006 - 06 A2589).</font><br>
<font>Também não pode o avalista apor quaisquer outras excepções do seu avalizado ao portador, salvo qualquer causa extintiva da obrigação decorrente das relações entre ambos.</font><br>
<br>
<font>3- Determinabilidade.</font><br>
<br>
<font>3.1- Resta, finalmente, abordar o último segmento conclusivo das alegações.</font><br>
<br>
<font>Nuclearmente, dizem ter assinado a livrança em branco; que desconheciam o montante a que se obrigavam, sendo que existia um acordo segundo o qual o Banco preencheria o titulo; que o negócio é nulo por indeterminação do montante, mas, de qualquer modo, só se quiseram obrigar por 25.000.000$00.</font><br>
<font>Não têm qualquer razão.</font><br>
<font>Por um lado, e como acima se disse, existindo um acordo de preenchimento entre o banco e o subscritor da livrança, a alegação de incumprimento desse pacto - nos termos do artigo 10º, aplicável por força do artigo 77º da LULL, que refere a conclusão do titulo “contrariamente aos acordos realizados” - é uma excepção de direito material a alegar e provar pelo executado nos termos do nº 2 do artigo 342º da lei civil (cf., “inter alia”, os Acórdãos do STJ de 28 de Julho de 1992 - BMJ 219-235; de 6 de Abril de 2000 - Pº 48/00 - 2ª - e de 14 de Dezembro de 2006 - 06 A2589 - desta mesma conferencia; solução consagrada no Acórdão Uniformizador de Jurisprudência de 14 de Maio de 1996 - DR de 11 de Julho de 1996, aplicável também ás letras e livranças).</font><br>
<font>O ajuste dos termos definidores da obrigação cambiária, a fixação do seu montante, o tempo de vencimento e a estipulação de juros, entre outros elementos, não pode ser questionada pelo avalista, que não é sujeito material da relação subjacente, a não ser que este tenha também subscrito o acordo de preenchimento, o que não é o caso.</font><br>
<font>De todo o modo, e mesmo que assim não se entendesse, os recorrentes não excepcionaram o preenchimento abusivo razão porque o mesmo se mantém inquestionado.</font><br>
<br>
<font>3.2- Afastada esta situação, não ocorre qualquer nulidade por indeterminação da obrigação assumida pelos avalistas.</font><br>
<font>Diga-se que o aval se afasta do regime da fiança, já que a responsabilidade do avalista não é acessória da do avalizado, como aconteceria se se tratasse de uma fiança (cf. o artigo 627º CC).</font><br>
<br>
<font>No aval, mera garantia cambiária, a responsabilidade do avalista é determinada pelo próprio titulo, com as excepções que resultem do que acima se expôs quanto ao pacto de preenchimento.</font><br>
<font>A fiança reporta-se a uma obrigação principal, substantiva e causal enquanto o aval representa obrigação cartular que independe da relação subjacente.</font><br>
<font>Ora tratando-se, aqui, de um negócio cambiário e não se tendo provado qualquer violação do pacto de preenchimento da livrança, os avalistas são responsáveis pelo montante do titulo inexistindo qualquer invalidade no aval prestado, já que a medida da responsabilidade do avalista é a do avalizado.</font><br>
<font>Adere-se, assim, ao julgado no Acórdão de 13 de Março de 2007 - 07 A202 - (“Por isso, sendo o aval prestado a favor do subscritor, como é o caso, o acordo de preenchimento do titulo concluído entre este e o portador impõe-se ao avalista para medir a sua responsabilidade (…). É indiferente que o avalista tenha dado ou não o seu consentimento, ao preenchimento da livrança.”), com as precisões atrás referidas, e acolhendo, também, a doutrina do Acórdão do STJ de 6 de Março de 2007 - 07 A205 - em que o, ora Relator foi 1º Adjunto e o, ora 1º foi 2º Adjunto.</font><br>
<font>Improcedem, assim, as razões dos recorrentes.</font><br>
<br>
<font>4- Conclusões.</font><br>
<br>
<font>Pode concluir-se que:</font><br>
<br>
<font>a) Em princípio, o comportamento declarativo é consensual, menos solene, e menos uniformizado excepto se a lei impuser certa forma não bastando, então, um mero acordo de vontades para a perfeição negocial.</font><br>
<font>b) Como regra, os requisitos de forma têm natureza “ad substantiam”, podendo a lei subalterniza-las para “ad probationem”, sendo então terapia para lograr a perfeição o meio do nº 2 do artigo 364º do Código Civil.</font><br>
<font>c) O conceito de nulidade por vicio de forma constante na segunda parte do artigo 32º da Lei Uniforme Relativa às Letras e Livranças, reporta-se às condições externas do título, sua aparência formal, que não se confunde com a validade da obrigação subjacente, já que no título cartular valem os critérios da literalidade, da incorporação, da </font><br>
<font>autonomia e da abstracção, independentemente da “causa debendi”.</font><br>
<font>d) O aval é um acto cambiário que origina uma obrigação autónoma independente, cujos limites são aferidos pelo próprio título.</font><br>
<font>e) A violação do pacto de preenchimento é uma excepção de direito material que não pode ser invocada pelo avalista salvo se o mesmo nele teve intervenção subscrevendo-o.</font><br>
<font>f) Daí que o acordo de preenchimento só concluído entre o subscritor e o portador da livrança se imponha, tal qual, ao avalista.</font><br>
<br>
<font>Nos termos expostos, </font><font>acordam negar a revista.</font><br>
<font>Custas pelos recorrentes.</font><br>
<br>
<font>Lisboa, 19 de Junho de 2007</font><br>
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<font>Sebastião Póvoas</font><br>
<font>Moreira Alves </font><br>
<font>Alves Velho</font></font>
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STLgu4YBgYBz1XKvv00L
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1.ª Secção (Cível)
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<b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:<br>
<br>
1. - "A", depois substituída por "B", intentou acção especial para declaração de falência de "C", invocando ser credora da Requerida, que tem outras dívidas de elevado montante, sendo o seu património, constituído por cinco imóveis, manifestamente insuficiente para cobrir o passivo, além não ter crédito bancário, nem de fornecedores.<br>
<br>
Deduzindo oposição, a Requerida excepcionou a caducidade do direito de accionar, por ter cessado a actividade mais de dois anos antes da instauração da acção falimentar, e, impugnando, caracterizou a situação como de suspensão de pagamentos.<br>
<br>
Após vicissitudes - despacho de arquivamento e recursos -, veio a ser decretada a falência.<br>
<br>
A Requerida deduziu oposição por embargos, insistindo na procedência da excepção da caducidade e na possibilidade de satisfação dos seus débitos por ter activo superior ao considerado.<br>
Os embargos improcederam, decisão que a Relação confirmou.<br>
<br>
2. - A Requerida pede agora revista.<br>
<br>
Das extensas conclusões que formulou, constata-se, em síntese, que se insurge contra o decidido pelas instâncias relativamente aos seguintes pontos:<br>
- Verifica-se a excepção da caducidade da acção falimentar, encontrando-se preenchidos os pressuposto do art. 9.º do CPEREF, não ocorrendo trânsito em julgado da decisão que a apreciou;<br>
- Não foi tomado em inconsideração todo o património da Recorrente, nem atendidos os valores da segunda avaliação, nem a dupla reclamação de créditos e a prescrição de créditos reclamados pelo Ministério Público;<br>
- Apenas foram considerados factos que permitiram o conhecimento de alguns activos, inexistindo base suficiente para a decisão de direito, deve anular-se decisão recorrida para ampliação da matéria de facto, nos termos do art. 729.º-1 e 3 e 730.º CPC. <br>
<br>
A Recorrida respondeu, sustentando que o pedido de falência efectuado com fundamento no art. 8.º-1-a) CPEREF não está sujeito a prazo de caducidade, tendo a excepção sido já apreciada com trânsito em julgado, sendo certo que a Recorrente não demonstrou a titularidade dos activos que alega, originária ou supervenientemente.<br>
<br>
3. - Vem assente a seguinte factualidade:<br>
<br>
O "A" prestou à Requerida garantias bancárias, na sequência do que esta ficou com a obrigação de reembolsar esc. 55 000 000$00, que ainda não pagou;<br>
Com a emissão e comissões de garantias prestadas, o "A" suportou despesas de esc. 805 033$00, 354 360$00 e 398 342$00;<br>
A Requerida é também devedora de esc. 11 918 335$00 à Fazenda Nacional, esc. 2 359 368$00 a D e esc. 203 407 712$70 ao "Banco Espírito Santo"; <br>
Encontra-se inscrita a favor da Requerida, na C. Reg. Predial de Oeiras, desde Agosto de 1988, a aquisição de um prédio rústico, sito em Barcarena, com a área de 10 280 m2, prédio em que se encontra implantado um hotel e um conjunto de bombas de gasolina e lavagem de veículos, valendo o terreno cerca de esc. 50 000 000$00 e a unidade hoteleira pelo menos esc. 200 000 000$00;<br>
O hotel referido e a estação de lavagem estão a ser explorados por entidade que não é a Requerida;<br>
Encontra-se inscrita na mesma Conservatória, desde Julho de 1989, a aquisição a favor da Requerida da fracção "LN" do prédio urbano sito na Urbanização Industrial da Barruncheira, em Carnaxide, que vale esc. 23 000 000$00, onde esteve instalada uma pisaria;<br>
Também inscrita a favor da Requerida se encontra a fracção "LR" do mesmo prédio, onde se encontram instalados escritórios, um conjunto de cinco bombas de gasolina, máquina de lavar veículos, uma loja e uma arrecadação, valendo tudo cerca de 30 000 000$00;<br>
A estação de lavagem e a loja estão em funcionamento, sendo explorados por entidade, que não a Requerida;<br>
Na CRP de Queluz, esteve inscrito a favor da Requerida, até 25/5/94, um prédio rústico, denominado Martipal, sito no Cacém, com a área de 24 800 m2 e o valor de 100 000 000$00;<br>
Na mesma Conservatória esteve inscrito a favor da Requerida, até 2/9/96, um prédio misto, sito em Cacém, com a área total de 10 000 m2, com o valor de 100 000 000$00, onde está implantado um armazém;<br>
Nos autos de execução fiscal n.º 3422/90, instaurados contra a Requerida, estão depositadas, à ordem do processo, as importâncias de esc. 23 500 000$00 e de 285 763 361$00;<br>
Em 31/12/92, a Requerida tinha depositadas no "BES" 1 000 acções ao portador da "C.ª Portuguesa Radio Marconi", 18 246 acções ao portador do "BCP" e 7 934 acções nominativas do "BCP";<br>
Em 1993 a Fazenda Nacional, em processo de execução fiscal, avaliou o estabelecimento hoteleiro, sem inclusão do posto de abastecimento de combustíveis, em 1 338 475 000$00;<br>
A Requerida não solicita linhas de crédito à Banca ou a fornecedores e nos últimos anos não recorreu ao crédito;<br>
Não beneficia da concessão de crédito das instituições de crédito ou de fornecedores;<br>
A Requerida cessou a sua actividade em 1992.<br>
A petição da acção em que foi requerida a falência deu entrada na Secretaria Judicial em 12/01/95.<br>
<br>
4. - Mérito do recurso.<br>
<br>
4. 1. - A caducidade.<br>
<br>
4. 1. 1. - Face ao que se dispõe no art. 660.º-1 CPC, ex vi dos arts. 713.º-2 e 726.º do mesmo diploma, importa conhecer em primeiro lugar da questão da caducidade do direito de requerer a falência.<br>
<br>
Aceitou a Requerida, na oposição que deduziu, ter incumprido as sua obrigações para com a Requerente em 24/8/90, cessando pagamentos, mas logo acrescentou ter cessado a sua actividade em 17/2/92, invocando a extinção do direito de requerer a declaração de falência pelo decurso do prazo de um ano previsto no art. 9.º do CPEREF, «cessação de actividade que se ficou a dever a uma estratégia que visava a sua preservação comercial».<br>
Foi perguntado nas bases instrutórias da falência e dos embargos se a alegada "cessação de actividade" «ficou a dever-se a uma estratégia que visava a sua preservação comercial» e se «tal cessação apenas ocorreu para efeitos de IVA», tudo tendo obtido apenas a resposta "Provado apenas que a Requerida cessou a sua actividade em 1992".<br>
<br>
A Requerente da falência não põe em causa as respostas, embora questione a contradição em que incorre a Recorrente quando, diversas vezes, alega que apenas cancelou a sua inscrição nos cadernos do IVA, invocando o caso julgado sobre a excepção e a sua inaplicabilidade ao fundamento do pedido de falência.<br>
<br>
4. 1. 2. - Ainda antes de entrar na apreciação da caducidade do direito exercido pela Requerente, importa deixar esclarecidos dois pontos.<br>
<br>
O primeiro, relativo à afirmação inserta na matéria de facto de que "a requerida cessou a sua actividade em 1992", e para dizer que, apesar da perplexidade que é susceptível de criar a posição da Recorrente quanto à cessação de actividade que invocou, claramente no sentido de total paralisação da actividade empresarial de produção, comercialização ou distribuição de bens ou serviços, e o conteúdo e causa que logo a seguir lhe atribuiu - posição estratégica e efeitos fiscais (IVA) -, não é possível, face aos quesitos e respostas mencionados, entender o facto, ou o juízo de facto, em termos diferentes daqueles que desse contexto nitidamente emergem, ou seja, o Tribunal deu simples e efectivamente como provada a completa ausência de actividade da Requerente reportada a 1992, o que, de resto, é corroborado pela demais matéria de facto: - a exploração dos activos da empresa ainda em vigor não está a ser efectuada por ela, mas por outras entidades.<br>
<br>
O segundo, relativo à pretensa decisão com trânsito em julgado da excepção no sentido da sua improcedência.<br>
Não é assim.<br>
O despacho de arquivamento proferido em 9/2/96 não conheceu da excepção, limitando-se a dar por inverificado o pressuposto da impossibilidade de a Requerida satisfazer as sua obrigações, não tendo também sido objecto de recurso e de apreciação nas decisões que reapreciaram tal despacho a questão da caducidade.<br>
A improcedência da excepção veio apenas a ser decidida na sentença falimentar, com fundamento em que a mesma não teria cabimento atento o fundamento por que foi requerida a falência, o que a sentença de embargos repetiu, vindo a Relação a decidir, ao que parece aderindo ao referido fundamento de improcedência da caducidade, que «se trata de questão já discutida, apreciada e transitada (...)». <br>
Neste termos, perante a omissão de pronúncia sobre a excepção no despacho de arquivamento (aceitável por não estarem assentes os factos necessários) e perante a sua primeira apreciação na sentença falimentar, é óbvio que nenhum trânsito em julgado ocorreu pela elementar razão de que toda a oposição à sentença, de facto ou de direito, deve ser feita em oposição de embargos, como previsto no art. 129.º CPEREF, afastada que está da previsão legal a interposição de recurso daquela sentença (cfr., neste sentido, CARVALHO FERNANDES e J. LABAREDA, "CPEREF Anotado", 2.ª ed., 337).<br>
Assim, impugnada, como foi, a decisão de improcedência da excepção na petição de embargos, a decisão proferida na decisão destes continuava a ser impugnável na apelação interposta, como o continua a ser na presente revista.<br>
<br>
4. 1. 3. - Aqui chegados, é altura de averiguar se efectivamente caducou o direito de requerer a falência pela ora Recorrida.<br>
<br>
No caso de o devedor ter falecido ou cessado a sua actividade, a falência pode ainda ser requerida por qualquer credor interessado (...), dentro do ano posterior a qualquer dos factos referidos nas alíneas a), b) e c) do n.º 1 do art. anterior - falta de cumprimento de uma ou mais obrigações que revele a impossibilidade de o devedor satisfazer pontualmente a generalidade das suas obrigações; fuga do titular da empresa (...); dissipação ou extravio de bens (...) que revele o propósito (...) de incumprimento pontual das obrigações -, quer a situação de insolvência se tenha revelado antes, quer depois da morte ou da cessação de actividade do devedor - art. 9.º do CPEREF. <br>
<br>
Em regra, desde que mantenha a situação de insolvência, revelada por um ou mais dos factos índices previstos nas alíneas a), b) e c) do art. 8.º, não põe a lei obstáculo a que se requeira a falência do devedor.<br>
Neste aspecto, o regime legal não coincide com o anteriormente estabelecido no art. 1175.º-1 do CPC, em que, nomeadamente após a interpretação dele feita pelo Assento de 10/4/84, passou a entender-se estipulado um prazo de caducidade de três anos, abrangente de todas as situações, quer o requerido se mantivesse no exercício do comércio, quer tivesse deixado de o exercer , ou tivesse falecido.<br>
Já então se entendia, e daí a uniformização de jurisprudência imposta do Assento, que não havia interesses que justificassem a existência de prazos de caducidade fora dos casos de cessação de actividade ou de falecimento do devedor, devendo, nestes casos, prevalecer a consolidação e esclarecimento da situação, por objectivas razões de segurança jurídica, sempre ligadas ao fundamento da extinção de direitos por caducidade.<br>
Argumentava-se, nomeadamente, que, em tais casos, não poderia invocar-se poderem os credores contar com uma recuperação do comerciante, nem poderia dizer-se que o estado de falência é oculto ou pode manter-se desconhecido durante certo lapso de tempo, sendo esse também o regime vigente nas legislações estrangeiras próximas da nossa (cfr. o parecer do M.º P.º e o Assento referido in BMJ 336.º-256 e 283).<br>
<br>
O que realmente o art. 9.º permite é um alargamento do prazo para requerimento da falência, com base em qualquer dos factos previstos nas alíneas do art. 8.º-1, pois que, quer a morte, quer a cessação da actividade, deveriam naturalmente implicar a impossibilidade imediata de os credores requererem a falência, já que carece de cabimento haver falência sem falido ou de quem já não satisfaça os requisitos para tal, designadamente por já não ser comerciante.<br>
A introdução de um prazo de caducidade nos casos de morte ou cessação de actividade procura conciliar os interesses patrimoniais dos credores na declaração da falência com a sua ligação ao efectivo exercício da actividade comercial, tornando estável, decorrido certo tempo, a situação jurídica de quem já não exerce a actividade ou dos herdeiros do devedor.<br>
<br>
É esse o objectivo do art. 9.º, não se prevendo aí, como se entendeu nos autos, um outro pressuposto falimentar distinto dos previstos no art. 8.º, que, de resto, expressamente pressupõe, limitando-se a estabelecer, como consta da respectiva epígrafe, um prazo especial para requerimento da falência: - no caso de o devedor ter cessado a actividade, os credores gozam da faculdade de requerer a falência, desde que o façam dentro de um ano a partir do facto-índice em que fundam o pedido (cfr. acs. STJ, 21/5/98, BMJ 477.º-527, 10/4/03 e 24/4/03, proc. 351/03 - 2.ª Sec.).<br>
<br>
4. 1. 5. - No caso, como se viu, o facto-fundamento - incumprimento das obrigações (art. 8.º-1-a) - ocorreu em Agosto de 1990, a falência foi requerida em Janeiro de 2005 e a cessação da actividade teve lugar em 1992.<br>
<br>
Assim sendo, aquando da instauração da acção falimentar há muito havia já expirado o prazo de um ano que haveria de mediar entre aquela data e a da cessação do cumprimento das obrigações, datas que são as relevantes na determinação da caducidade quando concorra, entretanto, a cessação de actividade.<br>
<br>
Procede, pois, a excepção arguida, encontrando-se extinto, por caducidade, o direito de requerer a falência da Recorrente na data em que a recorrida o fez.<br>
<br>
4. 2. - Restantes questões.<br>
<br>
A solução dada à questão da caducidade acarreta a inutilidade da apreciação das demais questões suscitadas no recurso, das quais, por prejudicadas, se não toma conhecimento - art. 660.º-2 CPC.<br>
<br>
<br>
5. - Decisão.<br>
<br>
Em conformidade com o exposto, decide-se:<br>
- Conceder a revista;<br>
- Revogar a decisão impugnada;<br>
- Julgar extinto o direito da Requerente de pedir a falência da Requerida e, consequentemente, revogar a sentença que declarou a falência de "C" e demais decisões complementares constantes da mesma sentença; e,<br>
- Condenar a Recorrida nas custas.<br>
<br>
Lisboa, 25 de Março de 2004<br>
Alves Velho<br>
Moreira Camilo<br>
Lopes Pinto</font>
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[0 0 0 ... 0 0 0]
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SjK3u4YBgYBz1XKvzzbW
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1.ª Secção (Cível)
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<b><font> </font></b><font><br>
<br>
<font> </font><b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font></b><br>
<br>
<b><font> I – Relatório</font></b><br>
<b><font> </font></b><font>AA e mulher, BB, intentaram, no Tribunal Judicial da Póvoa de Varzim, acção ordinária contra GG – Investimentos Imobiliários, Lda.,</font><b><font> </font></b><br>
<font>pedindo a condenação desta a pagar-lhe a importância de 343.698,83</font><b><font> € </font></b><font>bem como a correspondente a 12,5% das fracções construídas no 3º bloco, a liquidar em execução de sentença, acrescidas de juros de mora, desde a citação e até integral pagamento.</font><br>
<font> Em suma, alegaram que</font><b><font>, </font></b><br>
<b><font>- </font></b><font>Em 20 de Março de 1994, ele e sua mulher, através da sua procuradora CC, bem como DD e EE e mulher, FF, celebraram com a R. um contrato-promessa de compra e venda com permuta, através do qual prometeram vender-lhe dois prédios rústicos denominados “Leira Pequena de Barreiros” e “ Leira Grande de Barreiros”, respectivamente com as áreas de 950 metros quadrados e 1360 metros quadrados, sitos na freguesia e concelho da Póvoa de Varzim.</font><br>
<font> - Nos termos do clausulado no artigo 4º do contrato, a R. no âmbito do exercício da sua actividade de construção civil e investimento imobiliário, propôs -se edificar naqueles prédios rústicos um edifício em altura, de acordo com projecto a aprovar pela respectiva Câmara Municipal.</font><br>
<font> - No artigo 5º do contrato a R. obrigou-se a entregar-lhes, como contrapartida da entrega dos referidos prédios rústicos e a título do preço integral e global dos mesmos, dois apartamentos tipo T-3 com garagens, desde que a respectiva Câmara Municipal viesse a permitir que no edifício a construir fossem implantados, no mínimo trinta e seis.</font><br>
<font> - No caso de ser autorizada a construção de mais apartamentos, além de trinta e seis, e as suas respectivas garagens, a entregar como contrapartida aos primeiros outorgantes na proporção vinte e cinco por cento, em construção ou dinheiro, do que for a mais construído.</font><br>
<font> - A R., no dia 1 de Junho de 1998, outorgou escritura de constituição de propriedade horizontal referente ao prédio construído nos terrenos em causa, donde resulta que foram construídas 52 fracções autónomas, sendo três delas, lojas destinadas a comércio ou escritório, e as restantes 49, todas apartamentos com lugar de garagem, ou seja, mais 16 fracções autónomas além das referenciadas.</font><br>
<font>A R. contestou, arguindo, por um lado, a caducidade do direito dos AA. e, por outro, impugnando parte da factualidade vertida na petição, acabando por pedir a sua absolvição do pedido.</font><br>
<br>
<font>Na réplica, os AA. contrariaram a defesa excepcional apresentada pela R..</font><br>
<br>
<font>A acção seguiu a sua tramitação normal, tendo sido relegado para final o conhecimento da excepção de caducidade e, após audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença, pelo Juiz de Círculo de Vila do Conde, a condenar a R. no pagamento do que se vier a liquidar em sede de liquidação no que concerne a 12,5% do valor de dezasseis fracções autónomas, com juros desde a citação.</font><br>
<br>
<font>Apelaram AA. e R. para o Tribunal da Relação do Porto, mas só aqueles obtiveram parcial êxito na medida em que foi então decidido que esta teria de lhes pagar 79.804,40 € referente à contrapartida financeira correspondente a 12,5% das 16 fracções autónomas construídas nos dois primeiros blocos edificados e, ainda, 124.699,47 € a título de cláusula penal pelo incumprimento pontual do contrato-promessa de compra com permuta celebrado em 20.03.2004, com juros desde a citação.</font><br>
<br>
<font>Continuando inconformada, a R. pede, ora, revista do aresto proferido.</font><br>
<font>Do que indevidamente apelidou “conclusões” (olvidando por completo o ónus imposto pelo artigo 690º, nº 1 do Código de Processo Civil, segundo o qual “o recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual concluirá, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou a anulação da decisão”) retira-se, sem grande esforço interpretativo, que a sua discordância assenta nos seguintes pontos:</font><br>
<font>1º - Caducidade do direito dos AA., tal-qualmente sempre defendeu.</font><br>
<font>2º - Inadmissibilidade da pretensão indemnizatória dos AA. por via da outorga do contrato definitivo.</font><br>
<font>3º - Consubstanciação da conduta do A. como sendo abusiva do direito.</font><br>
<font>4º - Condenação de 124.699,47 € a título de cláusula penal, defendendo a sua redução para valor não superior a 5.000 €.</font><br>
<br>
<font>Os recorridos, em contra-alegações, pugnaram pela manutenção do aresto censurado.</font><br>
<br>
<b><font>II – Estão assentes os seguintes factos:</font></b><br>
<font>- Em 20 de Março de 1994, o A. e sua mulher, através da procuradora CC, bem como DD e EE e mulher, FF, celebraram com a R. uma convenção escrita que denominaram “contrato-promessa de compra e venda com permuta”.</font><br>
<font>- Nessa convenção, o A. e sua mulher, bem como os demais identificados, declararam vender à R. dois prédios rústicos denominados “Leira Pequena de Barreiros” e “ Leira Grande de Barreiros”, respectivamente com as áreas de 950 metros quadrados e 1360 metros quadrados, sitos na freguesia e concelho da Póvoa de Varzim, de que o A., conjuntamente com a sua mulher, era dono de ½ (um meio) indiviso.</font><br>
<font>- O A. bem como os demais outorgantes celebraram escritura pública, outorgada em 18 de Outubro de 1995, na Secretaria Notarial da Póvoa de Varzim, relativamente aos mencionados prédios.</font><br>
<font>- Nessa mesma data, embora a R. nele tenha aposta a data do dia anterior (17 de Outubro de 1995), o A. e sua mulher, por um lado, e a R., por outro lado, celebraram convenção escrita que denominaram de “contrato-promessa de compra e venda”, através do qual a R. se obrigava a vender ao A. ou a quem este indicasse,” dois apartamentos tipo T 3 já escolhidos”.</font><br>
<font>- A Câmara Municipal autorizou a construção de 52 fracções que licenciou através de alvará de licença de habitabilidade nº 322, emitido em 09.09.1999.</font><br>
<font>- Teor dos documentos nºs 1 a 7 juntos com a contestação.</font><br>
<font>- Teor dos documentos de fls. 109 e seguintes.</font><br>
<font>- Os apartamentos da convenção escrita que as partes denominaram “ contrato promessa”, referida em D), deveriam ser construídos nos prédios rústicos de que o A. era co-proprietário.</font><br>
<font>- O que consta do documento nº 3, no qual as partes denominaram “contrato</font><b><font> </font></b><font>promessa de compra e venda”,</font><b><font> </font></b><font>datado de 17 de Outubro de 1995, e ainda do que consta do documento nº1 que as partes denominaram de “contrato de promessa de compra e venda “, de 20 de Março de 1994.</font><br>
<font>- No dia 1 de Junho de 1998, a R. outorgou a escritura de propriedade horizontal referente ao prédio construído nos terrenos em causa, nela mencionando cinquenta e duas fracções autónomas</font><b><font>,</font></b><font> sendo três delas lojas destinadas a comércio ou escritório e as restantes 49, todas apartamentos com lugar de garagem.</font><br>
<font>- A R. foi autorizada a edificar e construiu mais 16 (dezasseis)</font><b><font> </font></b><font>fracções autónomas além das referenciadas na segunda parte do artigo 5º</font><b><font> </font></b><font>do contrato promessa outorgado em 20 de Março de 1994.</font><br>
<font>- A R. não pagou ao A. (em construção ou dinheiro) o correspondente a 12,5% das referidas 16 (dezasseis) fracções autónomas</font><b><font>.</font></b><br>
<font>- A R. vem recusando pagar ao A. (em construção ou dinheiro) do correspondente a 12,5% das referidas 16 (dezasseis) fracções autónomas.</font><br>
<font>- No dia 10 de Maio de 2001, foi outorgada na Secretaria Notarial da Póvoa de Varzim, a transmissão para o A. dos dois apartamentos tipo T 3, sob protesto. </font><br>
<font>- Os referidos apartamentos destinavam-se ao mercado do arrendamento.</font><br>
<font>- O constante da cláusula 11ª do “contrato-promessa de compra e venda” de fls. 18 a 21, segundo a qual “aqueles apartamentos, futuras fracções autónomas, deverão ser edificadas, construídas e entregues ao segundo outorgante no prazo máximo de (48) quarenta e oito meses, a contar desta data”, 17 de Outubro de 1995. </font><br>
<font>- As chaves daqueles dois apartamentos apenas foram entregues pela R. ao A. na escritura pública celebrada a 10 de Maio de 2001.</font><br>
<font>- Os valores do mercado de arrendamento para aquela época eram de cerca de 70.000$00 mensais para cada um dos imóveis. </font><br>
<font>- A R. exigiu ao A., como condição prévia à celebração da escritura de aquisição daqueles dois apartamentos, o pagamento de despesas de condomínio, no valor de 1.124,20 € (245.430$00).</font><br>
<font>- Em face daquela exigência da R. o procurador do A. acedeu a tal pagamento, mas fê-lo sob protesto.</font><br>
<font>- O edifício composto por dois corpos ou blocos foi construído apenas em parte nos já mencionados prédios rústicos pertencentes ao A..</font><br>
<font>- A R. quando começou a construção e iniciou a promoção das vendas fez constar de uma “maquete” e de desenhos publicitários a representação do edifício a construir, sendo a área sobrante dos terrenos representada como a área verde ajardinada.</font><br>
<font>- Na fase final da construção dos já referidos blocos a R. deu início à construção de mais um prédio designado de 3º Bloco.</font><br>
<font>- A construção do 3º Bloco ainda se situa em parte no terreno que outrora era dos AA..</font><br>
<font>- O valor médio de cada uma das 16 fracções, em termos médios, é de cerca de 39.903,83 €.</font><br>
<b><font>- </font></b><font>Os prédios rústicos vendidos no ano de 1995 à sociedade R. não eram contíguos.</font><br>
<font>- Os referidos prédios estavam separados por um outro de maior dimensão.</font><br>
<font>- A sociedade R. para construir os blocos atrás referidos adquiriu mais dois prédios rústicos contíguos.</font><br>
<font>- A R. teve de elaborar um projecto de loteamento integrando os quatro prédios e de ceder para o domínio público e à Câmara Municipal uma parte desse mesmo terreno.</font><br>
<font>- A R. teve de suportar os custos relacionados com as obras de infra-estruturas em todos os prédios, com os arruamentos, alargar a rede de saneamento, rede eléctrica e telefónica e a rede de águas.</font><br>
<font>- No terreno correspondente a uma das leiras vendidas foi necessário cedê-lo quase todo ao domínio público e ao domínio privado da Câmara Municipal, quer para alargamento da Rua, quer para zona de estacionamento.</font><br>
<font>- Na outra “leira” vendida parte do imóvel foi implantado naquela leira.</font><br>
<font>- As leiras adquiridas ao A. foram juntas a outros prédios rústicos de maior dimensão e depois de autonomizados e separados foi então possível concretizar o projecto de construção.</font><br>
<font>- Antes de Outubro de 1999, a R. comunicou ao A. que os apartamentos que lhe havia prometido vender estavam prontos.</font><br>
<font>- A R., ainda antes de Outubro de 1999, comunicou ao A. que pretendia a celebração da escritura de compra e venda relativamente a esses apartamentos e o A. declarou não querer celebrar a mesma, alegando pequenas falhas na pintura das fracções e o incumprimento por parte da R. do acordado no contrato-promessa que haviam celebrado.</font><br>
<br>
<b><font>III – </font></b><b><i><font>Quid iuris?</font></i></b><br>
<font>Cumpre-nos, agora, analisar o mérito de cada uma das questões que a recorrente colocou à nossa consideração para decisão.</font><br>
<font>Assim:</font><br>
<br>
<font>1º - Verificação da oportunamente arguida excepção de caducidade.</font><br>
<br>
<font>Na sua contestação, a ora recorrente invocou a excepção da caducidade prevista no artigo 890º, nº 1, do Código Civil, pretendendo, assim, evitar a condenação no pagamento do peticionado pelos AA..</font><br>
<font>Prescreve o referido preceito legal:</font><br>
<font>“O direito ao recebimento da diferença do preço caduca dentro de seis meses ou de um ano após a entrega da coisa, consoante esta for móvel ou imóvel; mas se a diferença só se tornar exigível em momento posterior à entrega, o prazo contar-se-á a partir desse momento”.</font><br>
<font>No caso presente estamos perante um contrato-promessa de escambo: ficou clausulado que os AA. tinham direito a perceber, por mor da entrega de terrenos, duas fracções e, ainda, verificada que fosse a possibilidade alcançada pela R., junto da Administração, de construção de mais fracções nos terrenos cedidos, teriam aqueles direito a perceber 12,5%, em construção ou dinheiro, do que fosse construído.</font><br>
<font>Não restam dúvidas que a recorrente cumpriu a obrigação assumida de entregar aos AA. as duas fracções como contrapartida da entrega dos terrenos.</font><br>
<font>A questão que se levanta tem a ver com o que a recorrente acabou por conseguir e que tinha ficado em suspenso. </font><br>
<font>Queremo-nos referir, como é evidente, à outra obrigação assumida pela R. para o caso de conseguir obter licenciamento para construção de mais fracções. Aos tais 12,5% aqui reclamados.</font><br>
<font>Está assente que os AA. nada receberam por força de tal cláusula.</font><br>
<font>O problema que foi colocado nas instâncias, por efeito da peça contestatória da R., é o de saber se tal direito caducou.</font><br>
<font>A questão prende-se com esta outra: será que, com a outorga do contrato prometido, o contrato-promessa deixou de ter qualquer virtualidade no mundo do direito?</font><br>
<font>Ora bem.</font><br>
<font>As instâncias responderam com acerto à questão de saber se, com a feitura do contrato prometido, tinha definitivamente ficado cumprido o contrato-promessa. Disseram, então, que a cláusula referente aos ditos 12,5% era condicional e, como assim, autónoma em relação ao demais lá previsto e exigível uma vez verificada a condição.</font><br>
<font>É que, como bem adverte Ana Prata, “a autonomia dos dois negócios impõe que se considerem subsistentes, mesmo após a conclusão do contrato definitivo, as obrigações constituídas pela promessa que não tenha encontrado extinção solutória na celebração daquele contrato” (“O Contrato-Promessa e o seu Regime Civil, pág. 651).</font><br>
<font>Perante a certeza de construção de um determinado número de fracções, as partes convencionam que os AA. teriam direito apenas a duas delas.</font><br>
<font>Mas, se fosse autorizada a construção de mais, então teriam direito aos já referidos 12,5%.</font><br>
<font>Se a </font><i><font>conditio</font></i><font> não se tivesse verificado, ou seja, se a R. não tivesse obtido a licença de construção para mais do que inicialmente fora previsto, o cumprimento do contrato-promessa ficava satisfeito com a entrega das duas fracções referidas.</font><br>
<font>Ora, o “se” (a condição) verificou-se.</font><br>
<font>É perante esta realidade que sobreveio à feitura do contrato que os AA. vieram reclamar o que ficou, desde logo, clausulado.</font><br>
<font>Esta cláusula, repete-se, tem perfeita autonomia em relação a tudo o mais que as partes fizeram constar do contrato-promessa.</font><br>
<font>O que a R. veio a alcançar com a possibilidade de construir a mais do que o inicialmente tido como certo há-de ter, na balança de equilíbrio do contrato, uma contrapartida em benefício dos AA., sob pena de se ter que considerar a dita condição como letra morta, em total desrespeito pelo programa contratual, tal como na globalidade foi gizado.</font><br>
<font>Com isto queremos dizer que com a entrega das duas fracções, o contrato-promessa extinguiu-se no que diz respeito ao que as partes tinham </font><i><font>ab initio</font></i><font> como certo.</font><br>
<font>Mas já não podemos dizer o mesmo em relação ao que ficou dependente de um evento futuro e incerto (artigo 270º do Código Civil).</font><br>
<font>O respeito pelo clausulado obriga a R. a entregar aos AA. o </font><i><font>quantum</font></i><font> a que se obrigou livremente em consequência daquilo que ela própria alcançou a mais do que inicialmente as partes tinha como certo e previram como possibilidade com todas as suas consequências.</font><br>
<font>A R. conseguiu, pois, construir, tal como ficara previsto no contrato, um maior número de fracções nos prédios que eram dos AA..</font><br>
<font>A verdade, porém, é que não lhes “pagou” o que tinha sido previsto, os tais 12,5%, em construção ou em dinheiro. </font><br>
<font>Sendo assim, como efectivamente é, então teremos de dizer, contrariando o que foi objecto de especulação jurídica das instâncias, que nunca por nunca se poderá falar aqui de caducidade, tal como está prevista no preceito supra transcrito.</font><br>
<font>Entramos, assim, em rota de colisão com o que as instâncias proclamaram para negarem razão à R.-recorrente.</font><br>
<font>Para a 1ª instância, face à inexistência de uma declaração de vontade da R. consistente no oferecimento ao A. do valor correspondente a 12,5% das fracções construídas, a pretensão daquela de ver extinto o direito dos AA. afigurava-se-lhe como sendo abusiva e, por força desta sua natureza, julgou improcedente a excepção de caducidade.</font><br>
<font>Já a Relação, vincando bem a natureza autónoma da condição, acabou por defender que a dita excepção não se verificava por resultar dos autos que o A. só teve conhecimento da situação com a junção aos autos do documento de fls. 260.</font><br>
<font>Não podemos, como já o afirmamos, dar guarida a estas considerações.</font><br>
<font>Não há que falar aqui de caducidade: a obrigação de pagar os 12,5% era autónoma, como bem salientaram as instâncias; logo, o “preço” nada tinha a ver com o que já tinha sido entregue pela R. aos AA. e correspondente ao que ambas as partes tinham como certo aquando da feitura do contrato-promessa.</font><br>
<font>Se em relação a estas últimas obrigações satisfeitas pela R. (entrega de duas fracções), o contrato-promessa se exauriu, outro tanto não aconteceu em relação ao que ficou estabelecido à condição.</font><br>
<font>Isto vale por dizer que a discussão relativa a esta arguida excepção de caducidade se arrastou, indevidamente, no tempo, pois devia ter sido julgada improcedente em sede de saneador.</font><br>
<font>Ou seja, definitivamente, não está caduco o direito dos AA. a perceberam os tais 12,5% reclamados e atribuídos pelo Tribunal da Relação, ou seja, 79.806,40 €.</font><br>
<br>
<font>2º - Inadmissibilidade da pretensão indemnizatória do A. face à outorga do contrato prometido.</font><br>
<br>
<font>O que acabou de defender, ou seja, que, no concreto, o simples facto de ter sido celebrada a escritura de venda das duas fracções não chega para “rasgar” o contrato-promessa, pois há que fazer valer as consequências da condição que lhe foi livremente aposta, permite, sem mais argumentos, concluir pela falta de razão da recorrente no que a este ponto diz respeito.</font><br>
<font>O simples facto de ter sido celebrado o contrato prometido não permite dizer que, no caso concreto, tudo o que ficou escrito no contrato-promessa é já letra morta. Não é assim, como já o evidenciamos.</font><br>
<br>
<font>3º - Do abuso de direito.</font><br>
<font>De acordo com o estatuído no artigo 334º do C. Civil, “é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito”.</font><br>
<font>Tal cláusula é, na linguagem profunda de Castanheira Neves, “um limite normativamente imanente ou interno dos direitos subjectivos, pelo que no comportamento abusivo são os próprios limites normativos-jurídicos do direito particular que são ultrapassados” (Questão-de-facto-questão-de-direito, página 526, nota 46).</font><br>
<font>Ao reclamar agora o que efectivamente têm direito não traduz uma conduta censurável. </font><br>
<font>No diálogo entre as partes aqui em conflito há algo que não está bem. Teremos de dizer, sem hesitações, que esse </font><i><font>quid</font></i><font> está do lado da R. que não entregou atempadamente aquilo a que se comprometera.</font><br>
<font>Falar aqui em abuso de direito por parte dos AA. está perfeitamente deslocado, pois era à R. que cumpria honrar, ponto por ponto, todos os termos do livremente assumido.</font><br>
<font>É que se o Direito acolhesse a sua posição, então, dava guarida a um argumento formal (o contrato prometido foi já outorgado) e, pior do que isso, negar-se-ia a si próprio, permitindo que uma parte, injusta e injustificadamente, tivesse ficado favorecida em detrimento de outra, desvirtuando por completo a regra do </font><i><font>suum cuique</font></i><font>.</font><br>
<font>Fiéis à ideia de Direito, não daremos coberto a tais pretensões, antes, pelo contrário, as censuramos e rejeitamos.</font><br>
<br>
<font>4º - A redução da cláusula penal.</font><br>
<font>A Relação, por efeito da apelação dos AA., condenou a R. a pagar-lhes a indemnização fixada a título de cláusula penal, ou seja, 124.699,47 €.</font><br>
<font>A recorrente, ciente da sua transgressão ao prometido (afinal reconhece que não honrou a sua palavra), pede agora que a respectiva sanção indemnizatória seja reduzida a valor não superior a 5.000 €.</font><br>
<font>Ora bem.</font><br>
<font>O artigo 812º do Código Civil permite que o juiz reduza a cláusula penal, segundo a equidade, quando for manifestamente excessiva, ainda que por causa superveniente.</font><br>
<font>Com vista a obter a satisfação desta pretensão, competia à R., além de outras cousas (por exemplo, a alegação de factos que permitissem concluir pelo manifesto excesso), ter pedido, oportunamente, a sua redução segundo os critérios que a lei acolhe.</font><br>
<font>Não o tendo feito, em tempo, a questão surge, aqui, como nova e, como tal avessa ao conhecimento em sede recursiva (artigo 676º, nº 1, do Código de Processo Civil), certo que a tal tarefa não pode ser oficiosamente realizada (</font><i><font>vide</font></i><font>, por exemplo, António Pinto Monteiro, Cláusula Penal e Indemnização, página 734, João Calvão da Silva, Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória, página 273, nota 497, e Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume II – 3ª edição –, página 81).</font><br>
<br>
<font>Aqui chegados é altura de concluir, dizendo que a decisão recorrida, em si, não merece nenhuma das críticas que a R.-recorrente lhe dirigiu.</font><br>
<br>
<font> Uma palavra mais, contudo: é que a recorrente se insurge, no corpo da sua alegação, contra o julgado na alínea c) do nº 2 do acórdão censurado, isto é, contra o que ficou decidido a respeito de juros.</font><br>
<font>Não tendo, porém, feito a menor referência a tal questão nas conclusões, seria transgredir as balizas do nosso poder cognitivo, impostas pelos artigos 684º, nº 3 e 691º, nº 1, do Código de Processo Civil, debruçamo-nos sobre tal ponto.</font><br>
<font>Não cometeremos tal erro.</font><br>
<br>
<b><font>IV – Decisão</font></b><br>
<font>Nega-se a revista e condena-se a recorrente no pagamento das respectivas custas.</font><br>
<br>
<font> Lisboa, aos 21 de Outubro de 2008</font><br>
<font>Urbano Dias (relator)</font><br>
<font>Paulo Sá</font><br>
<font>Mário Cruz</font></font>
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SzLAu4YBgYBz1XKvATzc
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1.ª Secção (Cível)
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<b><font> </font></b><font><br>
<font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça </font><br>
<br>
<font>C... - CATERING DE PORTUGAL SA, demandou AA, pedindo a condenação deste a pagar-lhe a quantia de 716.625$00, acrescida de juros à taxa supletiva desde a data da citação até ao efectivo pagamento, e ainda no montante dos prejuízos que se vierem a liquidar em execução de sentença, decorrentes da recusa pelo R. de entrega à A. do programa I....</font><br>
<font>Tendo sido proferida sentença transitada em julgado, na qual, por força do disposto no art. 784º do CPC, se aderiu aos fundamentos alegados pela A. na petição inicial e se decidiu condenar o R. no pedido, veio aquela A. instaurar acção executiva contra aquele R., na qual, além do mais, pediu se liquide os prejuízos sofridos e cuja liquidação foi relegada para execução de sentença, em 35.139.692$00, acrescidos de juros desde a citação. </font><br>
<font> O executado deduziu embargos, pedindo que:</font><br>
<font>a) Se considere procedente a nulidade decorrente da falta de citação do R., na acção declarativa, declarando-se nulo todo o processo e extinta a execução;</font><br>
<font>b) Subsidiariamente, se declare que a exequente não possui título que lhe permita executar a alegada obrigação de pagamento do custo de aquisição do novo programa informático, por não se encontrar reconhecida na sentença exequenda a obrigação de indemnizar tal dano, não existindo a necessária condenação do R., considerando-se procedentes os embargos, com fundamento na alínea a) do artº 813º CPC e declarando-se extinta nessa parte, a execução;</font><br>
<font>c) Caso não proceda o pedido formulado em a) se considere improcedente o pedido de liquidação deduzido pela exequente. </font><br>
<font>Contestou a exequente/embargada. </font><br>
<font>Realizou-se uma audiência preliminar, em que, entre outras coisas, se decidiu julgar improcedente a nulidade invocada pelo embargante, por falta de citação nos autos de acção declarativa, e se julgou improcedente a alegada falta de título executivo. </font><br>
<font>No regular processamento dos autos foi a final proferida sentença na qual se decidiu liquidar a quantia exequenda em 30.313.442$00, acrescida de juros moratórios, desde a citação (6.3.2001), à taxa supletiva comercial dos créditos de empresas comerciais, julgar improcedente a liquidação na parte restante, e julgar improcedentes os embargos». </font><br>
<font>Apelou o embargante para a Relação de Lisboa que concedeu provimento ao recurso, revogando a sentença na parte em que (alínea a)) se liquidou a quantia exequenda em 30.313.442$00, acrescida de juros moratórios desde a citação (6.3.2001) à taxa supletiva comercial dos créditos de empresas comerciais e em sua substituição, julgou nessa parte improcedente a liquidação.</font><br>
<font>Inconformada, recorre agora a embargada de revista, tirando as seguintes</font><br>
<font>Conclusões:</font><br>
<font>1ª- O objecto e âmbito do recurso está delimitado pelas alegações do recorrente;</font><br>
<font>2ª- Nas alegações para a Relação o apelante não invocou, nem sequer indirectamente, a questão da não existência de título executivo válido que permitisse executar o montante de 30.313.442$00 despendido pela apelada na aquisição do programa informático "I...", alegação essa que o executado havia apresentado em sede de 1ª instância, mas sem êxito;</font><br>
<font>3ª- Pelo contrário, nas suas alegações o apelante aceita a validade do título executivo constituído pela sentença da condenação, para executar aquela verba, uma vez que, nessa parte, apenas se insurge quanto ao montante liquidado, considerando-o elevado e ferindo os princípios da equidade;</font><br>
<font>4ª- Não tendo o apelante invocado a não suficiência da sentença condenatória como título executivo para liquidar o montante de 30.313.442$00, não podia o Tribunal de recurso dar provimento à apelação com esse fundamento, e, em consequência, julgar "nessa parte improcedente a liquidação";</font><br>
<font>5ª- O ora recorrido, executado em 1ª instância, peticionou no articulado de embargos à execução e de contestação da liquidação, que fosse declarado "que a Exequente não possui título que lhe permita executar a alegada obrigação de pagamento do custo de aquisição do novo programa informático, por não se encontrar reconhecida na sentença ora executada a obrigação de indemnizar tais danos";</font><br>
<font>6ª- O Tribunal de 1ª instância, no despacho saneador, considerou improcedente a alegada falta de título executivo, tendo-se pronunciado em concreto sobre a questão levantada, analisando os argumentos de executado e exequente;</font><br>
<font>7ª- O executado não recorreu desta decisão, sendo a mesma recorrível;</font><br>
<font>8ª- Pelo que aquela transitou em julgado, tendo-se formado quanto a ela caso julgado;</font><br>
<font>9ª- Não podia, por isso, o Tribunal de 2a instância voltar a debruçar-se e a decidir sobre a mesma questão no mesmo processo, como fez, sob pena de violação do caso julgado;</font><br>
<font>10ª- É pelo título executivo que se determinam o fim e os limites da acção executiva (artº 45º, nº 1 do CPC);</font><br>
<font>11ª- Na fase de execução baseada em sentença condenatória, não pode o Tribunal voltar a analisar as disposições legais que serviram de fundamento à sentença em execução, mas apenas analisar e interpretar a própria sentença exequenda;</font><br>
<font>12ª- No caso em apreço, a sentença condenatória que serviu de base à liquidação, julgou confessados os factos articulados pela A. na petição inicial, sem fazer qualquer restrição ou distinção entre eles, e aderiu aos fundamentos alegados nesse articulado;</font><br>
<font>13ª- No artº 31º dessa petição inicial, a A. já invocava a possibilidade de ter de substituir o programa fornecido pelo R. e tornado inoperacional pelo facto de aquele ter, ilicitamente, levado consigo a documentação do programa e não a ter devolvido à A.;</font><br>
<font>14ª- Aí se diz expressamente que só após a análise do programa, então ainda a decorrer, a A. poderia saber se lhe era possível continuar a utilizá-lo, sendo certo que a A. também alegava que um programa informático daquele tipo, que funcionasse correctamente, era absolutamente indispensável para o exercício da sua actividade;</font><br>
<font>15ª- Como se pode verificar pelos documentos juntos à liquidação e não impugnados, a aquisição e pagamento do "I..." é muito posterior à entrada em juízo da petição inicial para a acção de condenação e mesmo posterior à sentença proferida nessa acção;</font><br>
<font>16ª- Na acção de condenação a A. peticionou que o R. fosse condenado a pagar-lhe todos os prejuízos resultantes da sua actuação ilícita que se viessem a liquidar em execução de sentença, nos quais se deverá, por isso, incluir a verba de 30.313.442$00, gasta pela A. na aquisição do programa destinado a substituir o tornado inoperacional pela conduta ilícita do R., conforme previsão já invocada pela A. na sua p.i., a que a sentença condenatória aderiu;</font><br>
<font>17ª- A própria sentença proferida na acção de liquidação dá como provado, o que não foi alterado pelo acórdão em recurso, que o executado foi condenado ao efectivo pagamento do "montante dos prejuízos que se vierem a liquidar em execução de sentença, </font><u><font>decorrentes da recusa de entrega da documentação do programa"</font></u><font> (sublinhado nosso);</font><br>
<font>18ª- A necessidade de compra do novo programa informático resultou indubitavelmente do acto ilícito do executado de recusa em entregar à exequente a documentação do programa informático "I...”;</font><br>
<font>19ª- Por tudo, a sentença de condenação constitui título executivo suficiente e válido para a execução da verba de 30.313.442$00, despendida pela exequente na aquisição do programa "I...";</font><br>
<font>20ª- 0 acórdão em recurso alterou a resposta ao quesito 5º, fazendo uso do previsto no artº 712º do CPC;</font><br>
<font>21ª- Tal alteração é incorrecta e não corresponde ao efectivamente provado em sede de julgamento;</font><br>
<font>22ª- Não obstante o teor dessa alteração, a única conclusão possível a retirar da análise atenta da matéria de facto assente, é a da existência de nexo de causalidade entre o acto ilícito do executado e a necessidade da exequente adquirir o programa informático "I...";</font><br>
<font>23ª- Está dado como provado que à exequente se depararam obstáculos no funcionamento do programa "I...', tais como dados incorrectos, aparecimento de mensagens de erro e bloqueio do sistema, e que tal situação "</font><u><font>teve origem</font></u><font> na falta da "documentação" do programa, levada pelo embargante quando deixou a embargada" (resposta ao quesito 5º, já alterada pelo acórdão em recurso; sublinhado nosso);</font><br>
<font>24ª- Está também assente que, feita a análise à situação por técnicos informáticos, se concluiu que a solução mais eficiente e rentável seria a de abandonar aquele programa e adquirir um novo "software";</font><br>
<font>25ª- Da mesma forma está assente que a exequente ainda continuou a usar o programa antigo pensando que seria possível ultrapassar os problemas recorrendo à consultoria externa. Contudo, verificou que tal não era viável, económica e tecnicamente, pelo que se viu na necessidade de adquirir um novo programa para substituir o deficiente;</font><br>
<font>26ª- Com a aquisição desse programa despendeu o montante de 30.313.442$00;</font><br>
<font>27ª- É inquestionável existir um nexo de causalidade entre o acto ilícito do executado ao levar consigo e não devolver a documentação do programa que era propriedade da exequente, o que deu origem às deficiências no funcionamento do "I...', e a necessidade de aquisição de um novo programa que substituísse aquele;</font><br>
<font>28ª- Não fora o acto ilícito do executado, o programa primitivo continuaria a funcionar perfeitamente, ou possíveis deficiências poderiam ser facilmente ultrapassadas, servindo as necessidades da exequente, não obrigando esta a substitui-lo;</font><br>
<font>29ª- Ao proceder à substituição do programa, os gestores da exequente mais não fizeram do que actuar com a diligência de um gestor criterioso, como lhes impõe a lei (art° 64º do Cod. Soc. Comerciais);</font><br>
<font>30ª- Ao decidir como decidiu, o acórdão da Relação violou os artºs 684º, nº 3 e 690º, nº 1, 510º, nº3 e 672º, 45º, nº 1 e 712º, do CPC e 483º, nº 1 do CC, devendo ser revogado.</font><br>
<font> Contra-alegou o embargante/recorrido, em apoio do decidido e ampliando subsidiariamente o âmbito do recurso de revista, nos termos do artº 684º-A do CPC, pela forma que apenas interessará referir no caso de a revista da A. proceder.</font><br>
<font> Com os vistos, cabe decidir.</font><br>
<font> A 1ª instância deu como provados os seguintes factos: </font><br>
<i><font>1- Por sentença de fol. 48/9 do processo principal, o embargante foi condenado a pagar à embargada a quantia de 716.625$00, acrescida de juros, à taxa legal supletiva, desde a citação e até efectivo pagamento, e ainda o montante dos prejuízos que se vierem a liquidar em execução de sentença, decorrentes da recusa de entrega da documentação do programa (facto do conhecimento oficioso – artº 36º do petitório da petição inicial, constante do processo principal);</font></i><br>
<i><font>2- A condenação líquida foi objecto da execução que constitui o apenso «A», enquanto que a execução por quantia ilíquida é objecto do apenso «B» e do presente apenso;</font></i><br>
<i><font>3- Em 07.01.93, a embargada e o embargante celebraram o acordo escrito junto a fol. 7-8 do processo principal, denominado «contrato individual de trabalho» através do qual a primeira admitiu o segundo ao seu serviço (facto alegado no artº 2º da petição inicial do processo principal, admitido por acordo e objecto de caso julgado);</font></i><br>
<i><font>4- A cláusula 2ª deste acordo tem a seguinte redacção: «No âmbito do presente contrato, o (embargante) compromete-se a instalar e desenvolver na (embargada) um pacote de software por si criado sobre controle e gestão de produção, ficando a empresa autorizada a proceder à respectiva comercialização, mediante o pagamento de royalties, em percentagem a definir por acordo das partes» (facto alegado no artº 3º da petição inicial do processo principal, admitido por acordo e objecto de caso julgado);</font></i><br>
<i><font>5- Em 27.01.94, a embargada e o embargante celebraram o acordo escrito junto a fol. 9-15 do processo principal, denominado «contrato de concessão de licença de utilização de software» cuja cláusula 2ª tem a seguinte redacção: «O contrato tem por objecto a concessão pelo (embargante) à (embargada), que a aceita, de licença de utilização perpétua não exclusiva do I... e, consequentemente, a entrega, por aquele a esta, das Fontes e da Documentação, podendo a (embargada), livremente, depois de as registar sob designação própria, copiá-las, alterá-las, desenvolvê-las, modificá-las, adaptá-las e comercializá-las» (facto alegado nos artºs 4º a 7º da petição inicial do processo principal, admitidos por acordo e objecto de caso julgado);</font></i><br>
<i><font>6- Ao deixar o serviço, o embargante levou consigo das instalações da empresa, não só um computador portátil, propriedade da embargada, mas ainda as fontes e demais documentação relativas ao programa «I... MANAGER CATERING SYSTEM» com as alterações, desenvolvimentos, modificações e adaptações entretanto efectuadas (D));</font></i><br>
<i><font>7- Em 29.12.1997, o embargante fez a entrega das fontes e procedeu à instalação das mesmas (10º);</font></i><br>
<i><font>8- A embargada viu-se obrigada a recorrer a vários consultores externos, entre os quais a empresa «L...- Gestão, Sistemas e Armazenamento Ldª» (A));</font></i><br>
<i><font>9- Os quais prestaram os seus serviços em ordem a tentar pôr em funcionamento o processo informático criado e fornecido pelo embargante - o programa I... - (B));</font></i><br>
<i><font>10- Os trabalhos da L... consistiram nomeadamente na intervenção para remoção de dificuldades de funcionamento do programa I... e superação de bloqueamento no funcionamento desse programa informático (1º);</font></i><br>
<i><font>11- Não obstante a intervenção da L..., depararam-se à embargada obstáculos no programa «I...», tais como dados incorrectos, aparecimento de mensagens de erro e bloqueio do sistema (4º);</font></i><br>
<b><i><font>12- Esta situação não pode ser corrigida por falta da documentação do programa (nomeadamente do script da sequência de compilação), que não foi entregue pelo embargante à embargada (5º);</font></i></b><br>
<i><font>13- Feita uma análise à situação, pela embargada, com a acessoria técnica da L..., concluiu-se que a solução mais eficiente e rentável seria a de abandonar totalmente o programa «I...», e adquirir novo software, que pudesse responder adequadamente às necessidades da empresa (6º);</font></i><br>
<i><font>14- Consultado o mercado, a embargada decidiu-se pela aquisição do programa «I...», para substituir integralmente o programa «I...» (7º);</font></i><br>
<i><font>15- Ainda assim, a embargada foi obrigada a continuar a recorrer aos serviços da L..., para apoio na instalação e início de funcionamento do novo programa (8º);</font></i><br>
<i><font>16- Com a aquisição e instalação do novo programa informático «I...», a embargada gastou o montante de 30.313.442$00, incluindo viagens dos técnicos que procederam à instalação do programa (9º);</font></i><br>
<i><font>17- A empresa que vendeu o programa «I...» declarou fazer um desconto de 60.000,00 dólares americanos pela aquisição, por retoma, do programa «I...» (31º);</font></i><br>
<i><font>18- A embargada continuou a usar os sistemas «I...» durante mais de 18 meses após a saída do embargante (H));</font></i><br>
<i><font>19- Isto aconteceu porque a embargada pensou que fosse possível ultrapassar os problemas do sistema por recurso à consultoria externa (32º);</font></i><br>
<i><font>20- Quando se verificou que tal não era viável, económica e tecnicamente, foi necessário fazer consultas ao mercado, elaborar cadernos de encargos etc., sendo que o mercado de fornecedores, neste âmbito, é muito específico (33º);</font></i><br>
<i><font>21- Não é possível fazer a transferência imediata e total de um sistema informático para o outro quando se adquire um novo, numa actividade como a da embargada, que labora continuamente (34º);</font></i><br>
<i><font>22- É necessário formar pessoal, testar o programa e ir passando gradualmente o serviço de um sistema para o outro, departamento a departamento, fazendo ao mesmo testes de segurança (35º);</font></i><br>
<i><font>23- Mesmo após a aquisição do sistema «I...», a embargada continuou, efectivamente, a utilizar em paralelo o sistema «I...» (I));</font></i><br>
<i><font>24- À data da interposição da acção declarativa, os trabalhos da L... ainda não tinham terminado (C));</font></i><br>
<i><font>25- As fontes de um programa informático são as instruções escritas em linguagem alfanumérica, cuja compilação articulada gera a criação dos comandos em linguagem informática, estes denominados executáveis (18º);</font></i><br>
<i><font>26- São os executáveis que permitem o funcionamento de qualquer programa informático (19º);</font></i><br>
<i><font>27- Após a criação dos executáveis, as fontes só são necessárias para eventual reposição de executáveis (e apenas no caso de não haver «backups» - cópias _ dos mesmos) ou para se proceder à alteração dos mesmos (v.g., por se pretender fazer alterações/melhoramentos ao modo de funcionamento do programa aos executáveis) (20º);</font></i><br>
<i><font>28- Por seu turno, a «Documentação» são comentários ou notas que estão fisicamente junto às fontes, que permitem ao programador/analista melhor compreender e utilizar as fontes em caso de necessidade (v.g. um comentário ou nota que esteja no final de uma fonte, chamando a atenção de que aquela fonte cria o executável que tem ou permite este ou aquela função ou aplicação informática) (21º);</font></i><br>
<i><font>29- Periodicamente (com muita frequência) automaticamente, pelo próprio sistema informático, eram feitas «backups» (cópias) do sistema na sua íntegra, incluindo portanto cópias de todos os executáveis que o faziam funcionar, para sistemas paralelos (22º);</font></i><br>
<i><font>30- Após a saída do embargante, a embargada procedeu à mudança dos servidores computadores que utilizava (G));</font></i><br>
<i><font>31- Esta mudança obrigou à cópia e à remoção dos sistemas instalados nos servidores removidos, incluindo o «I...», e a instalação dos mesmos nos novos servidores (26º);</font></i><br>
<i><font>32- Quando comunicou à embargada que cessava as suas funções na empresa, o embargante sugeriu a realização de um contrato de manutenção, como consultor externo (16º);</font></i><br>
<i><font>33- No mês de Abril de 1994, a embargada admitiu ao seu serviço C...F..., com as funções de analista programador (E));</font></i><br>
<i><font>34- À data da saída do embargante da embargada, C...F... ainda era empregado da mesma, tendo trabalhado para si até meados de 1998 (F));</font></i><br>
<i><font>35- O sistema «I...» era utilizado de forma sistemática e intensiva por pessoas dos vários departamentos da empresa, os quais, carregavam, de forma sistemática e intensiva informação no sistema (24º).</font></i><br>
<font> Na acção declarativa a A. pediu a condenação do R. a pagar-lhe, além do mais, o montante dos prejuízos que se viessem a liquidar em execução de sentença, tendo sido a final proferida sentença, transitada em julgado, na qual, por força do disposto no art. 784º do CPC, se aderiu aos fundamentos alegados na petição inicial e se decidiu condenar o R. no pedido.</font><br>
<font>Na sequência disso, instaurou a A. execução contra o R., com prévia liquidação, na qual, além do mais, impetrou se liquidem os prejuízos sofridos e cuja liquidação foi relegada para execução de sentença, em 35.139.692$00, acrescidos de juros desde a citação. </font><br>
<font> O executado deduziu embargos, pedindo, </font><i><font>inter alia</font></i><font>, que se declare que a exequente não possui título que lhe permita executar a alegada obrigação de pagamento do custo de aquisição do novo programa informático (I...), por não se encontrar reconhecida na sentença exequenda a obrigação de indemnizar tal dano, não existindo a necessária condenação do R. nesse ressarcimento, devendo declarar-se a execução extinta nessa parte.</font><br>
<font> Ripostou a embargada dizendo que alegou na p.i. da acção declarativa que só após ser efectuada a análise do programa I..., que ainda decorria, podia saber se lhe era possível continuar a utilizar tal programa para futuro, tendo por isso aventado, logo na p.i. da acção de condenação, a possibilidade de ter de vir a substituir o programa informático devido à circunstância de o R. ter levado a respectiva documentação e a não ter devolvido. </font><br>
<font> No despacho saneador, louvando-se no alegado pela A. na p.i. da acção de condenação e no decidido na sentença exequenda, julgou o Senhor Juiz improcedente a mencionada arguição de falta de título executivo.</font><br>
<font> Admitiu assim a possibilidade de o executado vir a ser obrigado a pagar à exequente a quantia por esta despendida na aquisição do novo sistema informático, na hipótese de se vir a provar, em sede de liquidação em acção executiva, não ser possível continuar a utilizar o programa I... por motivo imputável ao executado.</font><br>
<font>Aceitou portanto a possibilidade de a A. vir a provar, em liquidação em execução de sentença, um dano futuro imputável ao executado, decisão que – </font><i><font>bem ou mal tomada</font></i><font> – transitou em julgado, à míngua de impugnação em via de recurso.</font><br>
<font>Assiste assim razão à recorrente no que tange às 5ª a 9ª conclusões recursórias.</font><br>
<font>Na verdade, transitada em julgado a decisão do saneador que julgou improcedente a arguida falta de título executivo válido permitindo executar a quantia despendida pela exequente na aquisição de novo programa informático, não podia a Relação julgar em sentido contrário, como julgou no acórdão em crise.</font><br>
<font>E, não tendo o R./apelante, invocado na apelação a falta de título executivo, não poderia também por isso a Relação dar provimento à apelação com esse fundamento, e em consequência julgar nessa parte improcedente a liquidação, pelo que sempre teria então razão a recorrente nas quatro primeiras conclusões da revista.</font><br>
<font>Isto posto, vejamos.</font><br>
<font>A Relação, mantendo os restantes factos dados como provados na 1ª instância, alterou a resposta ao quesito 5º (</font><i><font>ponto 12 da matéria de facto</font></i><font>), dando como </font><b><font>«Provado apenas</font></b><font> </font><b><font>que a situação referida no artigo anterior, tem a sua origem na falta de «documentação» do programa, levada pelo embargante quando deixou a embargada».</font></b><br>
<font>Aduziu para tanto, no essencial, que a resposta que havia sido dada extravasava o âmbito do quesito, pois que nele se não perguntava se a situação não pode ser corrigida, nem em qualquer lugar se especificava o que são </font><i><font>scripts </font></i><font>da sequência de compilação, e nem isso foi referido na perícia feita.</font><br>
<font>Contra essa alteração da resposta ao quesito 5º se insurgiu a recorrente nas 20ª e 21ª conclusões da revista, nas quais sustenta que tal alteração é incorrecta, não correspondendo ao efectivamente provado em sede de julgamento.</font><br>
<font>Todavia, o STJ tem de acatar essa mexida na matéria de facto, pois o artº 712º, nº 6 do CPC </font><i><font>(introduzido pelo DL nº 375-A/99, de 20/9, aqui aplicável por os embargos terem dado entrada em Juízo em 15.3.2001)</font></i><font> reza que das decisões da Relação previstas nos números anteriores não cabe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.</font><br>
<font>Indaguemos pois se, com os factos dados como provados pela Relação, a revista deve ser concedida, com a repristinação da decisão da 1ª instância, de liquidação da quantia exequenda em 30.313.442$00 </font><i><font>(acrescida de juros moratórios desde a citação [6.3.2001] à taxa supletiva comercial dos créditos de empresas comerciais).</font></i><br>
<font>A obrigação de o executado pagar o alegado dano consubstanciado na aquisição do novo programa informático depende da prova do nexo de causalidade adequada entre tal alegado dano e a saída do executado da exequente levando consigo a documentação do programa I..., não restituida a esta última.</font><br>
<font>A Relação entendeu que a recorrente não logrou efectuar a prova do necessário nexo de causalidade entre o comportamento do executado </font><i><font>(falta de devolução da documentação do programa I...) </font></i><font>e o alegado dano correspondente à aquisição de novo sistema informático.</font><br>
<font>Só assim não seria, segundo a Relação, se – </font><i><font>relativamente ao pressuposto da responsabilidade civil que é o nexo de causalidade</font></i><font> – se perfilhasse a teoria da equivalência de condições ou da </font><i><font>conditio sine qua non</font></i><font>, segundo a qual todas as condições estão em pé de igualdade quanto à produção do efeito, sendo que o artº 563º do CC consagra, não essa teoria, mas a doutrina do nexo da causalidade adequada, ao estabelecer que a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão.</font><br>
<font>Discordamos porém do entendimento da Relação, pois aderimos ao conceito de causa adequada que nos dá a formulação negativa, que se deve a Enneccerus-Lehmann, segundo a qual, o facto que seja, no caso concreto, condição </font><i><font>sine qua non </font></i><font>do dano, é em princípio causa adequada dele, só deixando de ser se, em abstracto e dada a sua natureza geral, se mostrar de todo indiferente para a verificação do dano, tendo no caso concreto provocado o dano apenas por virtude de circunstâncias excepcionais, anormais, extraordinárias ou anómalas, sendo por isso inadequado para o dano.</font><br>
<font>Também no acórdão do STJ, de 3.12.1998 (no BMJ 482, pág. 207 e segs.) se entendeu que o artº 563º do CC consagra a teoria da causalidade adequada na variante negativa, que é a mais ampla e que tem um sentido ético da culpa menos restritivo, de acordo com a qual a previsibilidade do agente se reporta ao facto e não aos danos, o que significa que o agente será sempre responsável pelos danos que jamais previu, desde que provenham de um facto – condição deles – que ele praticou e que visualizou, sendo um facto causal de um dano quando é uma de entre várias condições sem as quais o dano não se teria produzido. </font><br>
<font>Na docência de Antunes Varela </font><i><font>(Das Obrigações em Geral, Vol. I, 10ª Edição, pág. 894 e 900)</font></i><font>, tratando-se de responsabilidade contratual – </font><i><font>como é o caso dos autos</font></i><font> - desde que o devedor ou lesante praticou um facto ilícito e este actuou como condição de certo dano, justifica-se que o prejuízo recaia, em princípio, sobre quem, agindo ilicitamente, criou a condição do dano, o que só deixa de ser razoável a partir do momento em que o facto ilícito, na ordem natural das coisas, se pode considerar de todo em todo indiferente para a produção do dano registado por terem concorrido decisivamente circunstâncias extraordinárias, fortuitas ou excepcionais.</font><br>
<font>A recorrente tentou, através de consultores externos, pôr em funcionamento o processo informático criado e fornecido pelo recorrido, mas não obstante isso, depararam-se obstáculos no programa I..., tais como dados incorrectos, aparecimento de mensagens de erro e bloqueio do sistema, situação que teve origem na falta de «documentação» do programa, levada pelo recorrido quando deixou a recorrente, para quem trabalhava, e por ele não devolvida.</font><br>
<font>Feita uma análise à situação, com assessoria técnica da L..., concluiu-se que a solução mais eficiente e rentável seria a de abandonar totalmente a programa I... e adquirir novo </font><i><font>software</font></i><font>, que pudesse responder adequadamente às necessidades da empresa.</font><br>
<font>Consultado o mercado, a recorrente decidiu-se pela aquisição do programa I... para substituir integralmente o programa I..., com o que despendeu 30.313.442$00.</font><br>
<font>É certo que a recorrente continuou a usar durante vários meses o programa I..., após a saída do recorrido, mas isso sucedeu porque pensou que fosse possível ultrapassar os problemas por recurso à consultadoria externa, e porque não era possível fazer a transferência imediata e total de um sistema informático para o outro, numa actividade como a da recorrente, que labora continuamente, sendo necessário formar pessoal, testar o programa e ir passando gradualmente o serviço de um sistema para o outro, departamento a departamento, fazendo ao mesmo testes de segurança.</font><br>
<font>É igualmente certo que o recorrido quando comunicou à recorrente que cessava as suas funções na empresa, lhe sugeriu a realização de um contrato de manutenção, como consultor externo, mas isso é irrelevante, porquanto a recorrente, mercê do princípio da autonomia privada, na vertente negativa de contratação, não tinha obrigação de aceitar qualquer negociação desse tipo, até porque a relação laboral de confiança com o recorrido poderia estar afectada, e este tinha ido viver para o estrangeiro, como invoca na petição de embargos.</font><br>
<font>Resumindo, a aquisição de um novo programa informático pela recorrente decorreu da circunstância de o recorrido se ter recusado a entregar àquela a documentação do I..., como era obrigação contratual dele (cfr. facto nº 5 e artº 405º do CC).</font><br>
<font>Efectivamente, não obstante as tentativas para superar os problemas causados pela falta da aludida documentação, acabou por se chegar à conclusão de que não era viável, económica e tecnicamente, ultrapassar os problemas do I... sem a devolução da sua documentação (referida no ponto 28 da matéria de facto provada).</font><br>
<font>Tornou-se imperioso adquirir outro sistema informático, mostrando-se demonstrado ter essa necessidade sido originada pelo facto de o recorrido não ter devolvido a documentação do programa I....</font><br>
<font>Provado o nexo de causalidade adequada, importa entrar na apreciação e decisão da ampliação do objecto do recurso, subsidiariamente pedida pelo recorrido, que para tanto concluiu, como globalmente já fizera nas conclusões da sua apelação, da seguinte maneira:</font><br>
<font>a) Subsidiariamente, ao abrigo do disposto no nº 1 do artº 684º-A do CPC, prevenindo a hipótese de procedência do recurso interposto pela recorrente, requer-se a apreciação de questão suscitada nas alegações para a Relação pelo então recorrente, como infra se conclui;</font><br>
<font>b) A recorrente peticiona a revogação do acórdão recorrido e a liquidação da quantia exequenda em 30.313.442$00, correspondente ao preço de aquisição do novo programa I..., sendo tal montante mais de dez vezes superior ao custo do I..., adquirido ao recorrido por Esc.3.000.000$00. (como resulta da cláusula 4ª do contrato de aquisição deste sistema junto com a p.i. da acção declarativa a fls. 9-15 do processo principal e referido no ponto 5. da matéria de facto assente);</font><br>
<font>c) Uma tal discrepância de valores obrigaria a que a recorrente tivesse feito prova de que este novo sistema I... é equivalente ao sistema I... e que a sua aquisição era indispensável para reparar o prejuízo causado, o que não aconteceu;</font><br>
<font>d) Não tendo a recorrente feito prova que fosse indispensável para se ressarcir do alegado prejuízo a aquisição de um sistema informático com um custo dez vezes superior ao do programa substituído, não poderá ser fixada indemnização a favor da recorrente, em montante superior ao do valor da aquisição do programa substituído I..., ou seja, não poderá ser superior a Esc. 3.000.000$00 (três milhões de escudos);</font><br>
<font>e) No caso vertente, a reconstituição natural pela aquisição à custa do recorrido de um novo programa informático, encontra-se expressamente afastada pelo disposto no nº 1, parte final, do artº 566º do CC;</font><br>
<font>f) É manifesto que a liquidação dos prejuízos imputando ao recorrido o custo de aquisição do sistema I..., é excessivamente onerosa, uma vez que existe "manifesta desproporção entre o interesse do lesado, que importa recompor, e o custo que a reparação natural envolve
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1.ª Secção (Cível)
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<b><font> </font></b><font><br>
<font> </font><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font><br>
<font> </font><font>I </font><font>– </font><br>
<font> </font><font>Relatório</font><br>
<br>
<font> </font><font>AA e mulher, BB, demandaram, no Tribunal Judicial de Gondomar, CC, com vista a obterem a restituição da posse do andar identificado no art. 1º da petição bem como dos móveis que nele se encontram.</font><br>
<br>
<font> A R. contestou a acção, pedindo a sua improcedência, e, em reconvenção, pediu que fosse declarado o seu direito de propriedade sobre o referido prédio e os AA.-reconvindos condenados a restituírem-lho e a pagarem-lhe uma indemnização correspondente a 35.000$00/mês, desde a data em que, por via de providência cautelar de restituição de posse, eles foram investidos na posse e até à sua restituição.</font><br>
<br>
<font> Os AA., na réplica, mantiveram a posição assumida na petição e impugnaram a matéria da reconvenção, terminando por pedir a sua improcedência.</font><br>
<br>
<font> Após prolação do saneador, no qual foi admitido o pedido reconvencional, elaborada a especificação e organizado o questionário, o processo seguiu para julgamento. Findo este, foi proferida sentença a julgar a acção improcedente e procedente a reconvenção.</font><br>
<br>
<font> Com tal decisão não se conformaram os AA.-reconvindos, pelo que apelaram para o Tribunal da Relação do Porto.</font><br>
<font> Aí foi julgada parcialmente procedente apelação e revogada a sentença na parte respeitante à condenação do pagamento do pedido indemnizatório, absolvendo os AA.-reconvindos-apelantes de tal pedido.</font><br>
<br>
<font>Foi a vez da R. não se conformar com o acórdão proferido, pedindo a sua revista a coberto das seguintes conclusões:</font><br>
<font>- Da matéria de facto dada definitivamente como provada na presente acção (principal) de restituição de posse) resulta que os recorridos agiram nela (e portanto também na providência cautelar apensa) com manifesta </font><u><font>má-fé</font></u><font> sem a “</font><u><font>prudência normal</font></u><font>”, </font><u><font>falsa e temerariamente</font></u><font>, com </font><u><font>culpa muito grave,</font></u><font> no mínimo. </font><br>
<font>- Provou-se que nunca tiveram afinal a invocada “</font><u><font>posse</font></u><font>” do andar em questão, tendo sido seus meros </font><u><font>detentores precários</font></u><font>, como se diz na </font><u><font>sentença</font></u><font> que julgou a </font><u><font>acção improcedente</font></u><font> e que o acórdão recorrido, nessa parte, confirmou, estando transitada em julgado logo por </font><u><font>falta de recurso</font></u><font> dos AA. (</font><i><u><font>ut </font></u></i><u><font>arts. 677°, 680°, 682°, do C.P.C).</font></u><br>
<font>- Resulta, pois, da matéria de facto provada que a dita providência cautelar </font><u><font>caducou</font></u><font> e foi de todo </font><u><font>injustificada,</font></u><font> não passando de um </font><u><font>falso estratagema</font></u><font>, malevolamente engendrado pelos ora reconvindos contra a ora recorrente, sua mãe e sogra (que há muito provadamente os tinha abrigado no andar em questão, graciosamente, por mero favor e em atenção aos laços de família existentes!). </font><br>
<font>- Por outro lado, a sentença nessa parte revogada, ao condenar os AA.-recorridos na reconvencionalmente pedida indemnização para ressarcimento dos provados danos por eles culposamente causados à ora recorrente não violou qualquer lei substantiva ou de processo, tendo feito, sim, correcta interpretação e aplicação do disposto nos arts. 2°, nº 2, 274°, 383º, nº 4 e 390°, do C.P.C, bem como nos arts. 483°, nº 1, 1305° e 1311°, do C.C, entre os mais aplicáveis. </font><br>
<font>- Deveria pois ter sido totalmente confirmada – também no tocante ao pedido reconvencional aqui sob revista – e nunca revogada, como erroneamente fez o acórdão: de resto sem indicação explícita do preceito legal que isso imponha ou até tão-somente permitida (e que se não conhece), sendo consequente </font><u><font>nulo</font></u><font> nos termos do art. 668°, nº 1, b) e 716º, do C.P.C. </font><br>
<font>- No seu teor a sentença não colide nem nunca colidiu quer com a decisão da providência cautelar quer com a decisão da presente acção principal em que a posse se não provou. </font><br>
<font>- Os ora recorridos, aliás, invocaram em juízo, falsamente, a sua pseudo posse – reportada a </font><u><font>1983</font></u><font> – e com base num não provado título, (que não tinham), provando-se sim que a sua autorizada ocupação do andar em causa datava de </font><u><font>1980,</font></u><font> sendo precária e de </font><u><font>mero favor</font></u><font>. </font><br>
<font>- A imprudente conduta culposa dos recorridos é assim tão óbvia e tão grave que eles logo deveriam ter sido condenados como litigantes de </font><u><font>má-fé</font></u><font>, nos termos dos </font><u><font>arts. 456° e 457°, do C.P.C</font></u><font>: já que vieram a juízo, (à revelia da recorrente) com a invocação de </font><u><font>factos falsos contra à verdade</font></u><font>, pessoalmente por eles bem conhecida: </font><u><font>má-fé</font></u><font> esta em que persistiram ao recorrer para a 2ª instância, mas a que o acórdão não atendeu, não obstante o renovado pedido feito perante ela pela ora recorrente. </font><br>
<font>- Seria, assim um </font><u><font>absurdo</font></u><font> e um </font><u><font>contra-senso</font></u><font> confirmar-se o acórdão na parte sob recurso: com dois prévios pedidos reconvencionais definitivamente decididos a favor da recorrente (definitivamente transitados em julgado) e esta própria acção principal, também definitivamente julgada improcedente! (</font><i><font>ut</font></i><font> art. 677°,680° e 682°, do CPC).</font><br>
<font>- Aliás, a providência cautelar apensa de restituição provisória da </font><u><font>inexistente posse</font></u><font> extinguiu-se ou está por tudo isto </font><u><font>caduca</font></u><font>, no mínimo, </font><i><font>ut </font></i><font>art. 489° (há aqui um evidente lapso: o artigo correcto é o 389º), nº 1, c) e e) do C.P.C e é também </font><i><font>ipso </font></i><font>facto </font><u><font>injustificada,</font></u><font> nos termos do art. 390°, nº 1, do mesmo Código. </font><br>
<font>- O acórdão recorrido, manifestamente, por erro de interpretação e aplicação da lei do ponto de vista substantivo, violou pelo menos os arts. 483°, nº 2 e 1305°, 1311°, nº 1 e 2, do C.C que aliás cita, mas </font><u><font>não aplica</font></u><font>. </font><br>
<font>- Além disso, ao julgar tais preceitos inaplicáveis no caso </font><i><font>sub iudice </font></i><font>o acórdão conheceu de questão de que não podia conhecer, logo em face do disposto no art. 383°, nº 4, do C.P.C sendo consequentemente </font><u><font>nulo, de novo, agora</font></u><font> nos termos dos art. 668°, nº 1, d) e 716° também do C.P.C. </font><br>
<font>- O admitido pedido reconvencional da indemnização arbitrada, na sentença que o julgou procedente (e foi nessa parte mal revogada), atentos os termos em que está formulado, e face à posse produzida, não podia deixar de ser inteiramente confirmado pelo acórdão, com a confirmação da sentença.</font><br>
<font>- Também a decisão da injustificada e hoje caduca providência cautelar apensa não é nem pode ser título ou justificação impeditiva da procedência do dito pedido de indemnização, no caso concreto, ao contrário do erroneamente decidido no acórdão. </font><br>
<font>- Não existe nem a Relação indica qualquer concreto preceito legal que impedisse a ora recorrente de deduzir tal pedido perante o seu direito de propriedade (culposa e danosamente violado à revelia dela) e de fazê-lo em reconvenção, na própria acção, (principal) de restituição de posse que se seguiu à anterior providência cautelar de restituição provisória dessa mesma posse, até por óbvias e convenientes razões de economia processual. </font><br>
<font>- Tal pedido reconvencional é permitido pelo art. 2°, nº 2 e 274º, b), a) do C.P.C e foi admitido pelo Mº Juiz por despacho transitado em julgado, até sem oposição dos AA.-recorridos, os quais ademais não suscitaram sequer na sua apelação a errónea e falsa questão que o acórdão recorrido veio a perfilhar para revogar a sentença, negando a indemnização nela arbitrada na parte em que justamente a concedera! </font><br>
<font>- E cujo teor, aliás em nada colide com o facto em si da dita providência cautelar (cuja posse, repete-se se não provou na acção principal e que já caducou) a qual poderia inclusive ter coexistido lado a lado com o teor da condenação da sentença até </font><u><font>final</font></u><font> decisão da causa. </font><br>
<font>- A indemnização arbitrada resulta de danos efectivamente sofridos, provados e a contar </font><u><font>até à data da restituição do andar e</font></u><font> em nada colide com a decisão proferida na providência cautelar, pois tal restituição poderia ter sido eventualmente revogada e não foi. </font><br>
<font>- Aliás, a natureza absoluta e </font><i><font>erga omnes </font></i><font>do direito de propriedade da recorrente não se compadece com a revogação da sentença na parte da indemnização arbitrada e para mais sem a concreta indicação de um explícito preceito legal que tal imponha a permuta. </font><br>
<font>- Decidindo-se diferentemente violar-se-iam de novo as disposições legais atrás citadas e mormente o art. 2°, nº 2, 137°, 274°, nº 2, al. a), e </font><u><font>389°, nº 1, als. c) e e) e 663°, nºs 1, 2 e 3, todos do C.P.C</font></u><font>, entre os mais aplicáveis, uma vez que, repete-se, o procedimento cautelar se extinguiu por falta de prova da posse nele alegada e a própria providência cautelar também de todo já caducou!</font><br>
<font>- Violar-se-ia inclusive o art. 62º, da Constituição da República, ao assim se “comprimir” jurisdicionalmente o pleno exercício de direito de propriedade (plena) da ora recorrente que ela a todos “garante” irrestritamente e, da qual aliás não decorre sequer a possibilidade da referida revogação pelo acórdão. </font><br>
<br>
<font> Os recorridos não contra-alegaram.</font><br>
<i><font> </font></i><font>II</font><font> – </font><br>
<font> </font><font>As instâncias deram como provados os seguintes factos:</font><br>
<br>
<font>- Em 1996 os AA. passaram a residir numa casa por si construída.</font><br>
<font>- Em 19 de Janeiro de 1999 faleceu a mãe do A. marido, ..., tendo-lhe sucedido como único herdeiro o A. marido.</font><br>
<font>- Nos finais de 1999 a R. retirou a fechadura da porta de entrada do andar identificado no art. 1º da petição inicial e mudou-a por uma outra que foi colocada na mesma porta.</font><br>
<font>- Devido ao referido, os AA. ficaram impedidos de ter acesso ao andar em causa. </font><br>
<font>- A R. praticou o facto referido para obstar à entrada dos AA. no andar em causa.</font><br>
<font>- Os AA. intentaram contra a R. a providência cautelar apensa, que foi julgada procedente, tendo sido ordenada a restituição provisória de posse do andar identificado no art. 1º da petição inicial aos AA.. </font><br>
<font>- A R. foi casada com ...., que faleceu em 13 de Abril de 1995. </font><br>
<font>- A A. mulher é filha de .... e ... (ora R.).</font><br>
<font>- Na Conservatória do Registo Predial de Gondomar, sob a ficha nº 03386112042004, da freguesia de Fânzeres, encontra-se descrito um prédio urbano sito no Lugar de ...., composto de casa com quintal com as áreas coberta de 70 m2 e descoberta de 320 m2, a confrontar do Norte com a estrada municipal, do Sul e Nascente com ...e do Poente com ..., inscrito na matriz respectiva sob o art. 936º. O referido prédio encontra-se definitivamente inscrito a favor da R. CC.</font><br>
<font>- Por sentença de 2 de Junho de 2003 proferida nos autos de inventário com o nº 68971999 do 3° Juízo Cível de Paredes, em que foi requerente ... e inventariado ..., o prédio referido foi adjudicado à R..</font><br>
<font>- Os AA. mobilaram por completo o andar que se encontrava devoluto e vazio.</font><br>
<font>- Em Agosto de 1980 nele passaram a comer, a confeccionar as suas refeições, a dormir e a passar os seus tempos de lazer, com carácter de habitualidade e regularidade. </font><br>
<font>- No andar em causa os AA. viveram e habitaram de forma permanente entre Agosto de 1980 e 1996, ininterruptamente e à vista de toda a gente.</font><br>
<font>- Os AA. ocuparam o andar, desde Agosto de 1980, com autorização da R. e do falecido marido desta, por mero favor dados os laços de família existentes.</font><br>
<font>- Os AA. deixaram de habitar no andar em causa desde 1996. </font><br>
<font>- Retendo contra a vontade da R. as chaves do referido andar.</font><br>
<font>- O que levou a R. a mudar as fechaduras de acesso ao andar.</font><br>
<font>- A R. e o seu falecido marido enquanto vivo, desde 28-11-1962 e até Fevereiro de 2000, que possuem o prédio aludido, de forma pública.</font><br>
<font>- À vista de toda a gente.</font><br>
<font>- De forma pacífica e sem interrupções.</font><br>
<font>- E sem consciência de lesarem o direito de outrem. </font><br>
<font>- Dispondo dele livremente e colhendo nele todas as utilidades que é susceptível de produzir, dando-o de arrendamento ou cedendo graciosamente o seu uso.</font><br>
<font>- A R. destinava o andar identificado no art. 1º da petição inicial ao mercado de habitação e lograria arrendá-lo pelo menos por 35.000$00 mensais.</font><br>
<br>
<font> </font><font>III </font><font>– </font><br>
<br>
<font> </font><i><font>Quid iuris?</font></i><br>
<br>
<i><font> </font></i><font>Em 1º lugar, cumpre apreciar o mérito das críticas dirigidas ao aresto impugnado no que diz respeito às invocadas nulidades (</font><i><font>cfr</font></i><font>. conclusões V e XII).</font><br>
<font>A 1ª nulidade apontada ao aresto tem a ver com a falta de fundamentação legal (“sem indicação explícita do preceito legal que isso imponha”, para usar a expressão da recorrente).</font><br>
<font>A al. b) do nº 1, do art. 668º, do CPC (preceito aqui aplicável por força dos arts. 716º e 726º) comina com nulidade a decisão que não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.</font><br>
<font>Mas, como todos sabemos, uma coisa é falta absoluta de motivação (caso em que, na verdade, ocorre a nulidade em apreciação), outra, bem diferente, é a fundamentação medíocre ou insuficiente (esta afecta apenas o valor doutrinal da sentença, na expressão de Alberto dos Reis – </font><i><font>vide</font></i><font> Código de Processo Civil anotado, Volume V, pág. 139 e 140).</font><br>
<font>Uma simples leitura do aresto censurado chega para podermos concluir que o mesmo não é profundamente fundamentador. Com efeito, na ânsia de isentar os recorridos do pagamento de indemnização limita-se apenas a dizer que, em princípio, estes deveriam responder perante a ora recorrente nos termos dos arts.</font><font> </font><font>483º, nº, 1, 562º, 563º, 564º, nº 1 e 1311º, nº 1, do CC, mas que a atitude dos AA.-reconvindos foi determinada pela decisão judicial.</font><br>
<font>Não disse concretamente a razão pela qual a atitude dos recorridos não podia ser penalizada – por falta de ilicitude, como vimos –, mas lá estão, implicitamente os dados suficientes para a decisão fundamentada, tal como o exige o art. 659º, nº 2 (preceito aqui aplicável por força dos arts. 716º e 726º), do CPC.</font><br>
<font>Não assiste, pois, razão à recorrente na invocação desta nulidade.</font><br>
<font>Voltemos, ora, a nossa atenção para a outra nulidade arguida, a prevista na al. d), do nº 1, do art. 688º do CPC.</font><br>
<font>Este preceito comina com nulidade a decisão que omita pronúncia sobre questões que devia apreciar ou conheça de questões que não devia apreciar.</font><br>
<font>É com base neste segundo ponto que a recorrente intitula também o acórdão de nulo (</font><i><font>cfr</font></i><font>. conclusão XII).</font><br>
<font> Esta sanção está nitidamente relacionada com a obrigação imposta ao julgador pela parte final do nº 2, do art. 660º, do CPC (“não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes”) e assume especial relevo em matéria de recursos por via da limitação dos poderes de cognição do tribunal </font><i><font>ad quem</font></i><font> (</font><i><font>cfr</font></i><font>. arts. 684º, nº 3 e 690º, nº 1 do CPC).</font><br>
<font> A argumentação da recorrente a este respeito vai no sentido de que a Relação não podia tomar posição em relação à indemnização arbitrada pela 1ª instância atento o disposto no nº 4 do art. 383º do CPC.</font><br>
<font> Este preceito determina que “nem o julgamento de facto, nem a decisão final proferida no procedimento cautelar, têm qualquer influência no julgamento da acção principal”. Compreende-se, perfeitamente, o alcance do mesmo à luz das considerações expostas a propósito da finalidade das providências, do seu carácter provisório e, até por isso, da forma meramente indiciária da recolha de prova.</font><br>
<font> Mas a decisão impugnada (tal como a da 1ª instância) não tomou em conta qualquer facto apurado no procedimento cautelar.</font><br>
<font> O que a Relação fez (tal como a 1ª instância) foi apenas considerar um facto indesmentível: foi uma decisão judicial que “legitimou” a posse dos AA.- reconvindos, sendo certo que ficou assente, logo na especificação, que a providência cautelar foi julgada procedente (</font><i><font>cfr</font></i><font>. factos supra elencados e al. f) da peça referida).</font><br>
<font> Como assim, forçoso é concluir que a Relação não cometeu a nulidade resultante do excesso de pronúncia, tal como a recorrente veio defender.</font><br>
<br>
<font> Afastadas as arguidas nulidades do nosso horizonte, viremos a atenção para a parte de fundo.</font><br>
<font> E, em relação a ela, desde logo uma primeira questão é posta à nossa consideração, qual seja a de saber se a R.-reconvinte tem ou não direito à peticionada indemnização por via da ocupação do andar, ocupação essa que, como já ficou dito, foi legitimada por decisão judicial no âmbito de providência cautelar de restituição provisória de posse preliminar à acção de restituição de posse com que verdadeiramente os presentes autos se iniciaram.</font><br>
<font> O Mº Juiz do Círculo de Gondomar justificou a sua postura condenatória dizendo apenas que “a Ré destinava o andar ao mercado de habitação e lograria arrendá-lo pelo menos por 35.000$00 mensais”.</font><br>
<font> Esta posição, como se disse, não foi sufragada pela Relação do Porto que, para contrariar aquela posição nada mais fez do que sublinhar que a dita ocupação foi justificada e legitimada por decisão judicial.</font><br>
<font>Ao tomar a posição ora censurada, o Tribunal da Relação teve em devida conta as regras que norteiam a responsabilidade delitual.</font><br>
<font>Com efeito, prescreve o art. 483º, nº 1, do CC que “aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação”.</font><br>
<font> Resulta claramente deste dispositivo legal que a responsabilidade aquiliana pressupõe a verificação dos seguintes requisitos: o facto, a ilicitude, a imputação do facto ao agente, o dano e o nexo de casualidade entre o facto e o dano.</font><br>
<font> O “nosso” problema está, como é bom de ver, desde logo na ilicitude.</font><br>
<font> Interessa-nos sobretudo a ilicitude relacionada com a violação de direitos de outrem.</font><br>
<font> Em causa está – ponto indiscutível – a violação do direito de propriedade da R., aqui recorrente.</font><br>
<font> Tal violação, na parte que ora interessa, diz respeito à ocupação legitimada por decisão judicial em sede de providência cautelar de restituição provisória de posse.</font><br>
<font> As providências cautelares fornecem apenas uma composição provisória. Esta composição provisória assegura a efectividade da tutela jurisdicional que vier a ser concedida à situação efectiva, exigindo-se apenas uma </font><i><font>summario cognitio</font></i><font> para que as mesmas sejam decretadas. Apenas se exige que o juiz emita um juízo de probabilidade sobre a veracidade dos factos alegados.</font><br>
<font> Foi certamente na obediência a estes parâmetros que foi tomada a decisão que restituiu os AA., aqui recorridos, na posse do andar posteriormente reivindicado pela R..</font><br>
<font> Isto é suficiente para podermos dizer afoitamente que a ilicitude está afastada neste caso: como ensinam Pires de Lima e Antunes Varela, “a violação do direito de outrem só é ilícita quando reprovada pela ordem jurídica” (</font><i><font>in</font></i><font> Código Civil Anotado, Volume I – 4ª edição -, pág. 472, nota 5).</font><br>
<font> Para Meneses Cordeiro, a chamada ilicitude subjectiva, ou seja, aquela que é assumida pelo agente, é a que “redunda na simples desconformidade entre o comportamento exterior da pessoa e a factualidade pretendida pelo Direito”.</font><br>
<font> Como assim, entende que “delito é o acto subjectivamente ilícito” (</font><i><font>in</font></i><font> Direito das Obrigações, 2º Volume, pág. 303 e 304).</font><br>
<font> Expressivamente, Pessoa Jorge deixa, a este respeito, a seguinte nota: “a expressão acto ilícito deve ser utilizada apenas, em rigor, quando se verifique uma rebelião voluntária contra o direito, quando a actuação ilícita resulte da vontade consciente e livre”.</font><br>
<font> E, mais à frente, assinala “que o ilícito constitui a violação de um dever, o que implica: em primeiro lugar, a existência desse dever e, portanto, a destinação dum comando a seres inteligentes e livres que podem conhecê-lo e obedecer-lhe; em segundo lugar, a prática voluntária de conduta diferente da devida”… “A própria bondade ou valor a que a norma visa prosseguir ao impor o dever, fundamenta a censura a quem voluntariamente o infringe” (</font><i><font>apud</font></i><font> Ensaio Sobre Os Pressupostos Da Responsabilidade Civil, pág. 67 e 68).</font><br>
<font> Tendo os AA. tomado posse do andar a coberto de uma decisão judicial está, naturalmente, afastada a ilicitude da sua actuação.</font><br>
<font> É certo que, posteriormente, em sede de acção de restituição, os AA. não lograram provar a causa da posse invocada e que era um pretenso contrato-promessa de compra e venda.</font><br>
<font> Mas nem isso afasta a ideia já espelhada da falta de ilicitude por parte dos AA.-reconvindos no que tange à ocupação que fizeram do andar: ela ocorreu, insiste-se, por obra e graça de uma decisão judicial.</font><br>
<font> Desta forma, afastado um elemento constitutivo da responsabilidade civil, a responsabilidade dos AA., aqui recorridos, está definitivamente arredada também.</font><br>
<font> Anote-se, a terminar a apreciação deste ponto, que a solução encontrada nada tem a ver com o tempo de validade da providência cautelar.</font><br>
<font> De acordo com o preceituado no art. 389º, nº 1, al. c) do CPC, o procedimento cautelar extingue-se e a providência caduca se a acção vier a ser julgada improcedente. Ora, o que se pode dizer é que o acórdão da Relação do Porto transitou em julgado na parte relativa à acção propriamente dita, ou seja, à acção que esteve a suportar a providência decretada. Só a partir de então se poderá falar, com propriedade, em ocupação ilícita dos AA..</font><br>
<font>Até por este “pequeno” pormenor a decisão da Relação é inatacável.</font><br>
<font>O que a Relação disse, usando talvez uma metodologia pedagógica, mas transgredindo nitidamente os seus poderes de cognição, é que a atitude dos AA. pode vir a ser censurada, tendo por base o preceituado no art. 390º, do CPC.</font><br>
<font>Neste caso, teria a R.-reconvinte, segundo a argumentação da Relação de intentar uma nova acção.</font><br>
<font>Seria isso um absurdo de todo ilógico e contrário à razão, proclama a R. na sua minuta.</font><br>
<font>Mas, sem a mínima razão.</font><br>
<font>Lapidarmente, Abrantes Geraldes esclarece este ponto concreto:</font><br>
<font>“O procedimento cautelar ou mesmo a acção principal que esteja pendente ou seja interposta depois de deferida a providência não servem para apurar os requisitos de que depende a concessão do direito de indemnização previsto.</font><br>
<font>Nesta parte, estamos perante uma norma de direito substantivo que cria uma especial fonte de responsabilização do requerente por danos que a sua conduta determine na esfera da parte contrária, mas apenas serve de fundamento a que, noutra acção, o lesado alegue e prove os factos de que depende a concessão desse direito”.</font><br>
<font>E, em nota de rodapé, acrescenta mesmo:</font><br>
<font>“Podemos até dizer que a constatação de que a providência não era justificada deve resultar de um especial circunstancialismo averiguado no âmbito do processo principal cuja sentença tenha transitado em julgado” (</font><i><font>apud</font></i><font> Temas Da Reforma Do Processo Civil – III Volume -, pág. 267). </font><br>
<font>Esta mesma ideia, da necessidade de uma outra acção para determinação de danos provocados por alegadamente a providência vir a ser considerada como injustificada, é também realçada por Miguel Teixeira de Sousa ao considerar que a responsabilidade instituída pelo art. 390º representa “uma contrapartida da provisoriedade das providências cautelares”, nada impedindo o requerente de provar na posterior acção de indemnização a sua não responsabilidade (</font><i><font>in</font></i><font> Estudos Sobre O Novo Processo Civil, pág. 255). </font><br>
<font>Nas mesmas águas navega, ainda, Lebre de Freitas (</font><i><font>vide</font></i><font> Código de Processo Civil Anotado, Volume 2º, pág. 61, em anotação ao art. 390º).</font><br>
<font>Compreende-se que assim seja. Que a recorrente tenha de intentar uma nova acção para aí determinar com toda a latitude a ilicitude, não da ocupação, ideia esta basilar do pedido de indemnização aqui formulado, nas sim no motivo injustificado. Isso mesmo resulta com toda a clareza do nº 1 do art. 390º do CPC. </font><br>
<font>Demonstrada está quão injusta é a crítica dirigida pela recorrente a este segmento decisório.</font><br>
<font>Para terminar, a recorrente veio defender que, a ser consagrada a tese da Relação sairia violado o art. 62º da Constituição.</font><br>
<font> Nada de menos verdadeiro.</font><br>
<font> Através do pedido reconvencional enxertado na acção de restituição de posse, a R. viu reconhecido o seu direito de propriedade. Foram os AA.-reconvindos, por via disso, condenados na restituição do andar reivindicado.</font><br>
<font> Só que, por falta de ilicitude na acção, os AA.-reconvindos não foram condenados, como já ficou dito e redito.</font><br>
<font> Não vemos como se pode defender, perante este quadro, que houve violação do direito de propriedade.</font><br>
<font> Este direito foi reconhecido ao abrigo do art. 1311º do CC.</font><br>
<font> O que se discute é apenas se a sua violação implica necessária e obrigatoriamente direito a indemnização. Já vimos que não.</font><br>
<font> Nada mais há a dizer sobre este ponto.</font><br>
<br>
<font>Uma palavra final e relativa ao pedido de condenação dos AA. como litigantes de má fé.</font><br>
<font> O Mº Juiz da 1ª instância disse que “não vislumbro má-fé na litigância das partes”.</font><br>
<font> Este segmento decisório não foi posto em crise e, por isso mesmo, transitou em julgado.</font><br>
<font> Quem recorreu para a Relação foi a R., também aqui recorrente.</font><br>
<font> Os recorridos nem sequer contra-alegaram, como ficou dito.</font><br>
<font> Como assim, não se compreende tal pedido.</font><br>
<font> Nem na base do disposto no art. 684º-A do CPC, naturalmente.</font><br>
<br>
<font> Em conclusão: </font><br>
<font> A actuação dos recorridos foi determinada por uma decisão judicial, facto que afasta a ilicitude da acção.</font><br>
<font> O acórdão não cometeu qualquer nulidade.</font><br>
<font> Não foi violado o direito de propriedade da R.-recorrente.</font><br>
<font> Não há motivos para condenar os recorridos como litigantes de má fé.</font><br>
<font>A decisão do Tribunal da Relação do Porto não merece as críticas que lhe foram dirigidas pela recorrente. Impõe-se, isso sim, a sua confirmação.</font><br>
<br>
<font> </font><font>IV</font><font> – </font><br>
<br>
<font> </font><font>Decisão</font><br>
<br>
<font> Nega-se a revista e condena-se a recorrente no pagamento das respectivas custas.</font><br>
<br>
<font> </font><font>Lisboa, aos 19 de Junho de 2007</font><br>
<br>
<font>Urbano Dias (relator)</font><br>
<font>Paulo Sá</font><br>
<font>Faria Antunes</font></font>
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TDK2u4YBgYBz1XKvrTXb
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1.ª Secção (Cível)
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<b><font> </font></b><font><br>
<b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font></b><br>
<br>
<b><font>1.</font></b><br>
<b><font>Relatório</font></b><br>
<font>AA e marido, BB, CC e marido, DD, EE e marido, FF, GG e marido, HH, e II e mulher, JJ, instauraram, no Tribunal Judicial de Guimarães, acção ordinária contra</font><br>
<font>LL e mulher, MM, pedindo a sua condenação no pagamento de 75.023,16 € e juros.</font><br>
<font>Em suma, alegaram que o seu falecido pai e sogro emprestou aos RR., em 1992, a quantia de 7.500.000$00 (correspondente a 37.409,84 €), tendo estes apenas feito entrega de 775.600$00 (3.868,67 €), razão pela qual ficou em dívida a importância de 6.724.400$00 (33.541,18 €).</font><br>
<br>
<font>Os RR. contestaram, dizendo que a importância de 37.409,84 € representa o preço do trespasse do estabelecimento comercial que era do dito FM e que foi por eles adquirido e não o montante de qualquer mútuo que nem sequer existiu e que o mesmo foi pago na íntegra. Mais alegaram em favor da sua absolvição que o falecido pai dos AA. ficou a dever-lhes várias outras importâncias e que parte dos juros peticionados já está prescrita.</font><br>
<br>
<font>Na réplica, os AA. contrariaram a defesa excepcional dos RR..</font><br>
<br>
<font>Saneado e condensado, o processo seguiu a tramitação normal até julgamento, após o que foi proferida sentença a julgar a acção parcialmente procedente e, em consequência, foi declarada “operada a compensação do crédito dos AA. no montante de 28.239,99 euros (…) com o contra-crédito das despesas dos RR., de montante a liquidar em execução de sentença na parte correspondente”, e foram condenados “os RR. a pagarem aos AA. a parte não compensada do crédito deste, se o houver”.</font><br>
<br>
<font>Inconformados com o teor desta decisão, os RR. apelaram, então, para o Tribunal da Relação de Guimarães que, por acórdão lavrado a fls. 335 e seguintes, a revogou e, consequentemente, os absolveu do pedido.</font><br>
<br>
<font>Foi a vez de os AA. manifestarem o seu inconformismo com o acórdão proferido e, por isso, recorreram de revista para este Supremo Tribunal de Justiça, tendo, para o efeito apresentado a respectiva minuta que fecharam com as seguintes conclusões:</font><br>
<b><font>- </font></b><font>Ao reapreciar a matéria de facto controvertida constante dos quesitos 13° e 17°, alterando consequentemente as respostas dadas aos mesmos, o acórdão recorrido violou disposição expressa da lei que estabelece o valor de determinado meio probatório. Na verdade, </font><br>
<font>- Os presentes autos fundam-se numa dívida constituída pelos RR. a favor do falecido FM, pai e sogro dos AA., cujo montante, tempo e modo de pagamento consta de um documento de confissão de dívida que aqueles subscreveram e entregaram ao falecido, conjuntamente com quatro cheques de garantia de pagamento da mesma. </font><br>
<font>- O acórdão de que se recorre alterou a resposta aos indicados quesitos 13º e 17º, fundamentando tal decisão na reapreciação dos depoimentos das testemunhas arroladas pelos RR., as quais diz terem referido, em síntese, a existência de um acordo nos termos do qual a quantia confessamente em dívida deveria ser paga – e tê-lo-ia efectivamente sido – em prestações mensais de 80.000$00 cada e, ainda, na conjugação de tais depoimentos com o teor dos documentos de fls. 52 a 57 imputados pelos RR. ao punho do FM, entendendo que essa conjugação aponta “no sentido de terem sido liquidados os montantes em tais documentos inscritos”</font><i><font>. </font></i><br>
<font>- Dos invocados depoimentos testemunhais entende assim a Relação resultar a existência de um posterior acordo entre o credor (FM) e os devedores (os RR.) da quantia confessamente em dívida, nos termos do qual o pagamento da mesma seria feita não no tempo e pela forma plasmada no documento de confissão de dívida mas, antes, mediante pagamentos prestacionais, que teriam sido efectivamente pagos. </font><br>
<font>- Acontece que, nos termos do disposto no nº 1 do artigo 394° do Código Civil, é inadmissível a prova por testemunhas que </font><i><font>“</font></i><font>tenha por objecto quaisquer convenções contrárias ou adicionais ao conteúdo de documento autêntico ou de documentos particulares mencionados nos artigos 373° a 379°, quer as convenções sejam anteriores à formação do documento ou contemporâneas dele, quer sejam posteriores”.</font><i><font> </font></i><br>
<font>- Pelo que inadmissível é também a alteração da matéria de facto controvertida constante dos quesitos 13° e 17° – “no sentido em que o feita” (</font><i><font>sic</font></i><font>) – tendo por base depoimentos que podem até ser credíveis mas que, à luz da lei – citado artigo 394º, nº 1 do Código Civil – são simplesmente inadmissíveis, e que por isso mesmo e enquanto tal terão sido desconsiderados, e bem, em sede de primeira instância. </font><br>
<font>- Assim, na parte em que reaprecia a matéria de facto e, em consequência, altera as respostas dadas em sede de primeira instância àqueles quesitos 13º e 17º, o acórdão recorrido, concedendo eficácia probatória a depoimentos testemunhais inadmissíveis, viola o citado artigo 394º, nº, 1 do Código Civil. </font><br>
<font>- Sem prescindir, sendo aqueles depoimentos testemunhais legalmente inadmissíveis, não constando aquele invocado posterior acordo – “ convenção” nos termos da lei – de qualquer documento escrito que os RR. tenham apresentado, não tendo o falecido credor devolvido aos RR. o título original do crédito, nem lhes tendo passado qualquer tipo de quitação legal e, finalmente, não sendo os “papéis” que constituem os documentos 52 a 57, sequer, documentos particulares por lhes faltar a assinatura do seu alegado subscritor, não se encontrava a Relação na posse de todos os elementos de prova produzidos sobre aqueles quesitos 13º e 17°, como refere e obriga o indicado artigo 712°, nº 1, aliena a).</font><br>
<font>- Pelo que, ao reapreciar a matéria de facto controvertida dos quesitos 13° e 17° no sentido em que o fez, agiu a Relação muito para além dos limites traçados por lei – o invocado artigo 712º, nº 1, alínea a) – no uso dos poderes que aquele normativo lhe confere. </font><br>
<font>- Também ao reapreciar a matéria de facto controvertida constante do quesito 18°, alterando consequentemente a resposta dada ao mesmo, o acórdão recorrido violou disposição expressa da lei. </font><br>
<font>- Nos presentes autos, os RR. fundamentaram grande parte da sua argumentação na existência de um pretenso acordo entre eles e o falecido FM, nos termos do qual a quantia em dívida seria paga em prestações mensais fixas de 80.000$00 cada – quesito 13°, </font><i><font>in fine</font></i><font> – sem prejuízo de poderem ocorrer outros pagamentos, para além daqueles que haviam estipulado como fixos – quesito 14. </font><br>
<font>- O acórdão recorrido entendeu que da prova produzida não resultava qualquer alteração à resposta negativa ao quesito 14° porquanto aquela “não se mostra clara, apenas tendo tido referências vagas, pouco precisas e convincentes”.</font><i><font> </font></i><br>
<font>- Já o quesito 18º, o qual versa, precisamente, sobre alegados pagamentos que os RR. teriam feito ao credor para além daqueles que haviam</font><i><font> </font></i><font>estipulado como fixos – portanto, matéria de facto controvertida idêntica à do quesito 14°– foi reapreciado, acabando por de não provado passar a parcialmente provado. </font><br>
<font>- Assim temos que o acórdão da Relação, reapreciando a matéria de facto controvertida, mantém como não provada a existência de um acordo nos termos do qual sempre que o R. marido pudesse e o Sr. FM o solicitasse, poderiam ocorrer outros pagamentos, para além daqueles que haviam estipulado como fixos</font><i><font> </font></i><font>– quesito 14º – mas, contraditoriamente e, sobretudo, tendo por base prova produzida que </font><i><font>“</font></i><font>não se mostra clara, apenas tendo tido referências vagas, pouco precisas e convincentes”, dá como provado que “para além de tais pagamentos [as prestações de 80.000$00 mensais] foram [ainda] efectuados os seguintes.</font><i><font> </font></i><font>Ora, </font><br>
<font>- Se o problema da alteração das resposta dadas em primeira instância, pela Relação, deve ser analisado não numa perspectiva global da apreciação decisória do conjunto da matéria factual mas, antes, relativamente a cada facto, através da resposta precisa e independente e alheia à consequência decisória, sabido é, também, que dessa alteração não pode, nem deve, resultar uma contradição evidente. </font><br>
<font>- Por outro lado também aqui se não prescinde e expressamente se invoca, ser inadmissível prova testemunhal sobre esta outra alegada “convenção” contrária ou adicional ao documento particular de confissão de dívida outorgada pelos RR., em clara violação do disposto no já citado artigo 394º, nº 1, do Código Civil.</font><br>
<font>- Mas, quanto à reapreciação da matéria de facto controvertida do quesito 18º, a verdade é ainda que, quanto a estes alegados “outros pagamentos” não se vislumbra no acórdão recorrido uma única menção ou palavra sobre a matéria de facto que tenha levado fundamentadamente à sua reapreciação em sentido diferente daquele que lhe foi atribuído em primeira instância. </font><br>
<font>- Já que para além daquela curta e bem explicita referência à deficiente prova produzida quanto a esta matéria, do acórdão recorrido não se extrai qualquer análise crítica da prova produzida, tão pouco qualquer especificação dos fundamentos decisivos para a formação da convicção do julgador, que justifique ou fundamente a reapreciação do quesito 18° no sentido em que o foi, parecendo a mesma resultar de mero juízo arbitrário ou simplesmente intuitivo. </font><br>
<font>- Pelo que, ao não haver qualquer menção aos concretos meios de prova em que tal reapreciação se baseou nem tão pouco os motivos porque eles se tornaram credíveis e decisivos, o acórdão recorrido nesta parte manifestamente viola também o disposto no artigo 635º, nº 2 do Código de Processo Civil.</font><br>
<font>- Sendo ainda e finalmente que, também aqui, ao não dispor, como não dispôs o julgador de segunda instância, da totalidade dos elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa – alínea a) do nº 1 do artigo 712º do Código de Processo Civil – em muito ultrapassou o acórdão recorrido os poderes que por este normativo lhe são conferidos.</font><br>
<br>
<font>Em defesa da manutenção do acórdão impugnado, contra-alegaram os recorridos.</font><br>
<br>
<b><font>2.</font></b><br>
<b><font>As instâncias deram como provados os seguintes factos:</font></b><br>
<font>1. Os AA. são filhos e únicos herdeiros legítimos de FM, falecido a 1 de Janeiro de 2004, na freguesia de ..., Guimarães, sem testamento ou qualquer disposição de última vontade e no estado de viúvo de MS. </font><br>
<font>2. Os RR., por seu turno, são, respectivamente genro e filha da senhora com quem o falecido FM passou os últimos anos da sua vida, de nome JF. </font><br>
<font>3. Os RR. constituíram-se em dívida para com o falecido FM pela quantia de 7.500.000$00 (37.409,84 €). </font><br>
<font>4. Aquando do referido em 3. os RR. emitiram quatro cheques no valor de 1.875.000$00 (9352,46 €) cada um e datados de 30-12-93, 30-12-94, 30-12-95 e 30-12-96. </font><br>
<font>5. Os RR. entregaram ao falecido FM para além dos pagamentos referidos em 5.a, as seguintes quantias: </font><br>
<font>- Em 03/07/1992 – 271.600$00 contra valor de 1354,73 €, titulada pelo cheque nº 2390390539; </font><br>
<font>- Em 04/08/1992 – 223.000$00; Em 16/09/1992 – 80.000$00; Em 02/10/1992 – 106.000$00; Em 23/12/1993 – 17.000$00; Em 02/05/1994 – 200.000$00; Em 02/02/1995 – 300.000$00 titulada pelo cheque nº 80000000; Em 27/07/1995 – 100.000$00; Em 17/08/1995 – 100.000$00; Em 28/10/1995 – 50.000$00 titulada pelo cheque nº 0900000000; Em 18/03/1996 – 49.000$00 e em 18/03/1996 – 49.000$00 (contra valor € 488,82), tituladas pelos cheques nºs 100000000 e 100000000; Em 29/11/1996 – 50000$00 (contra valor € 249,39), titulada pelo cheque nº 30000000; Em 19/08/1997 – 50000$00 (contra valor € 249,39), titulada pelo cheque nº 5000000000000; Em 07/04/1998 – 200.000$00 (contra valor € 997,60), titulada pelo cheque nº 7000000000; Em 07/05/2000 – 100.000$00 (contra valor € 498,80), titulada pelo cheque nº 600000000. </font><br>
<font>5.a – Os RR. pagaram ao falecido Sr. FM, no âmbito das mensalidades acordadas, entre Outubro de 1992 e Dezembro de 1999 as quantias assim discriminadas por anos: 1992 - 3 meses x 80.000$00 = Esc. 240000$00 (Eur. 1.197,12); 1993 - 12 meses x 80.000$00 = Esc. 960.000$00 (Eur. 4788,46); 1994 - 12 meses x 80.000$00 = Esc. 960.000$00 (Eur. 4.788,46); 1995 - 12 meses x 80.000$00 = Esc. 960.000$00 (Eur. 4.788,46); 1996 - 12 meses x 60.000$00 = Esc. 720.000$00 (Eur. 3.591,35); 1997 -12 meses x 60.000$00 = Esc. 720.000$00 (Eur. 3.591,35); 1998 -12 meses x 60.000$00 = Esc. 720.000$00 (Eur. 3.591,35); e 1999 – 12 meses x 40000$00 = Esc. 480.000$00 (Eur. 2.394,23). </font><br>
<font>6. O falecido Sr. FM, após ter enviuvado, juntou-se em comunhão de vida com a referida Sr.ª JF, com quem passou a residir, na habitação desta, desde o ano de 1987. </font><br>
<font>7. Tal união verificou-se até à morte daquele em 1 de Janeiro de 2004. </font><br>
<font>8. O Sr. FM, no decurso do ano de 1989, decidiu passar a explorar comercialmente o estabelecimento designado por “Café F...”, sito na Rua do ..., nº 3, em ..., Guimarães, que tinha também o fim de snack-bar, casa de pasto e restaurante. </font><br>
<font>9. Actividade que passou a cumular com a sua anterior ocupação profissional na empresa de cutelarias “Mafil”, sita também na freguesia de ..., deste concelho. </font><br>
<font>10. Ao fim de cerca de um ano da mencionada exploração do café, o Sr. FM começou a insistir com o R. marido para tomar conta do mesmo. </font><br>
<font>11. Perante as reiteradas insistências do Sr. FM, o R. marido acabou por aceitar, o que veio a suceder em meados do ano de 1992. </font><br>
<font>12. O preço ajustado de tal cedência de exploração foi fixado em Esc. 7.500.000$00 (Eur. 37.409,84), que seria pago em mensalidades de Esc. 80.000$00 (Eur. 399,04). </font><br>
<font>13. O R. marido assumiu a exploração efectiva do dito estabelecimento em Junho de 1992, mas tal negócio só se formalizou em 21 de Janeiro de 1993. </font><br>
<font>14. Foi o R. marido quem entregou a “declaração” e os quatro cheques de fls. 10 e 11. </font><br>
<font>15. O pai dos AA., entre Junho de 1992 e Junho de 2001, almoçava todos os dias úteis, e em que trabalhava, no estabelecimento dos RR., gratuitamente. </font><br>
<font>16. O valor médio era de 300$00, por refeição. </font><br>
<font>17. A boda do casamento da A. filha do Sr. FM, GG, realizou-se no estabelecimento comercial explorado pelos RR. e não foi paga. </font><br>
<font>18. O falecido Sr. FM abastecia-se de produtos alimentares que os RR. comercializavam no seu mini-mercado. </font><br>
<font>19. Foram os RR., dada a alegada proximidade e amizade que o acompanharam nos tratamentos de saúde, deslocações a médicos e a exames e que custearam tais deslocações e demais despesas até ao momento do seu falecimento. </font><br>
<br>
<b><font>3.</font></b><br>
<b><i><font>Quid iuris?</font></i></b><br>
<font>A decisão cujo mérito é posto à nossa consideração revogou o julgado da 1ª instância, com base na alteração da matéria de facto, em parcial sintonia com o objecto de recurso que lhe serviu de base.</font><br>
<font>Com efeito, os RR.-apelantes puseram, então, o acento tónico da sua discordância no juízo probatório firmado na 1ª instância, muito embora não tivessem deixado escapar a oportunidade de, a pretexto de uma falsa nulidade, enfatizar o erro de decisão traduzido na inconsideração do facto de não ter sido provada a factualidade que serviu de base ao pedido formulado pelos AA. (não ficou provado o alegado mútuo), o que deveria, desde logo, ter redundado na improcedência da acção.</font><br>
<font> Vistas e analisadas as conclusões do recurso de revista, marcos delimitadores do nosso poder cognitivo, verificamos que somos confrontados com as seguintes questões:</font><br>
<font>1ª – Terá a Relação de Guimarães, ao alterar as respostas dadas aos pontos nºs 13 e 17 da base instrutória, violado o disposto no artigo 394º do Código Civil?</font><br>
<font>2ª – E terá a Relação, com tais alterações, ido para além do que lhe era consentido pelo artigo 712º, nº 1, alínea a) do Código de Processo Civil?</font><br>
<font>3ª – E, finalmente, terá a Relação violado esse mesmo preceito legal ao alterar a resposta dada ao ponto nº 18?</font><br>
<br>
<font>Analisemos, separadamente, cada uma destas questões.</font><br>
<br>
<font>1ª – Da alegada violação do artigo 394º do Código Civil.</font><br>
<font>Este preceito legal, no seu nº 1, prescreve:</font><br>
<font>“É inadmissível a prova por testemunhas, se tiver por objecto quaisquer convenções contrárias ou adicionais ao conteúdo do documento autêntico ou dos documentos particulares mencionados nos artigos 373º a 379º, quer as convenções sejam anteriores à formação do documento ou contemporâneas dele, quer sejam posteriores”.</font><br>
<font>Em causa está, ou parece estar, a questão da não admissibilidade de prova testemunhal a contrariar o teor do documentado.</font><br>
<font>Concretamente, na base da crítica está o documento junto com a petição inicial e que consta de fls. 9, no qual os RR. declaram estar a dever a FM a quantia de 7.500.000$00 e se comprometem a pagar por meio de quatro cheques (doc. nº 2).</font><br>
<font>Mas, vistas bem cousas, não nos parece que os RR. tenham posto em crise a declaração que lhes é atribuída pelos AA.. O que aconteceu é que, defendendo-se nitidamente por excepção, deram à mesma uma outra explicação: na base não está um contrato de mútuo, mas sim o preço de um trespasse.</font><br>
<font>E o que foi perguntado nos referidos pontos da base instrutória refere-se apenas a este último contrato e não ao alegado mútuo.</font><br>
<font>Colhe-se, assim, a ideia segura da desvirtuação do que releva para a decisão: reforçada, com as respostas dadas aos quesitos aludidos, ficou, sem dúvida alguma, a tese dos RR..</font><br>
<font>Permitimo-nos dizer, à guisa de </font><i><font>obiter dictum</font></i><font>, que isso até seria desnecessário com vista a determinar o destino da acção: a resposta restritiva ao ponto 1º da base instrutória, afastando a verificação do alegado mútuo, é, de </font><i><font>per se</font></i><font>, suficiente para determinar o seu inêxito.</font><br>
<font>É que, de acordo com os ditâmes da distribuição do ónus probatório, era aos AA. que cabia a prova do incumprimento do invocado mútuo. Não o tendo conseguido, como resulta claramente do que ficou respondido ao quesito 1º, outra solução não poderia ter a acção que não fosse a improcedência.</font><br>
<font>Apesar do que fica exposto, não deixaremos de, repetindo-nos, dizer que o teor do documento (não datado, acrescente-se) não foi posto em crise quando a Relação anuiu ao pedido de reapreciação da prova, pois apenas procurou saber e soube não só da veracidade do preço do trespasse como também do seu integral pagamento.</font><br>
<font>Mais: a versão dada pelos RR. ao teor do documento sai reforçada com a resposta restritiva dada ao quesito 1º - “provado apenas o que consta de C”.</font><br>
<font>Em C) consta que “os RR. constituíram-se em dívida para com o falecido FM pela quantia de 7.500.000$00 (€ 37.409,84)”.</font><br>
<font>O que fica dito é suficiente para demonstrar a sem razão dos recorrentes.</font><br>
<font>Mas não deixaremos de dizer que o simples facto de a Relação ter alterado, por via da audição de testemunhas, as respostas em apreciação, não configura qualquer violação do artigo 394º do Código Civil.</font><br>
<font>Expliquemo-nos.</font><br>
<font>Sem dúvida que o documento junto a fls. 9 consubstancia uma confissão de dívida, através de um documento meramente particular.</font><br>
<font>O artigo 352º do Código Civil define confissão como o reconhecimento que a parte faz da realidade de um facto que lhe seja desfavorável e que favoreça a parte contrária.</font><br>
<font>A sua eficácia está prevista no artigo 358º do mesmo diploma legal.</font><br>
<font>Relativamente aos documentos particulares, o artigo 374º do Código Civil prescreve o seguinte: “a letra e a assinatura, ou só a assinatura, de um documento particular consideram-se verdadeiras, quando reconhecidas ou não impugnadas pela parte contra quem o documento é apresentado, ou quando este declare não saber se lhe pertencem, apesar de lhe serem atribuídas, ou quando sejam havidas legal ou judicialmente como verdadeiras”. </font><br>
<br>
<font>Quanto à sua força probatória dispõe o artigo 376º do mesmo diploma legal que “o documento particular cuja autoria seja reconhecida nos termos dos artigos antecedentes faz prova plena quanto às declarações nele atribuídas ao seu autor, sem prejuízo da arguição e prova da falsidade do documento” (nº 1), sendo que “os factos compreendidos na declaração consideram-se provados na medida em que forem contrários aos interesses do declarante” (nº 2).</font><br>
<br>
<font>A força probatória do documento particular circunscreve-se, assim, no âmbito das declarações (de ciência ou de vontade) que nela constam como feitas pelo respectivo subscritor. Tal como no documento autêntico, a prova plena estabelecida pelo documento respeita ao plano da formação da declaração, não ao da sua validade ou eficácia. Mas, diferentemente do documento autêntico, que provém de uma entidade dotada de fé pública, o documento particular não prova plenamente os factos que nele sejam narrados como praticados pelo seu autor ou como objecto da sua percepção directa. O âmbito da sua força probatória é, pois, bem mais restrito (José Lebre de Freitas, </font><i><font>"</font></i><font>A Falsidade no Direito Probatório", Coimbra,</font><i><font> </font></i><font>248 e 249).</font><i><font> </font></i><br>
<font>Nessa medida, apesar de demonstrada a autoria de um documento, daí não resulta, necessariamente, que os factos compreendidos nas declarações dele constantes se hajam de considerar provados, o mesmo é dizer que daí não advém que os documentos provem plenamente os factos neles referidos.</font><br>
<font>É que a força ou eficácia probatória plena atribuída pelo nº 1 do artigo 376º do Código Civil às declarações documentadas limita-se à materialidade, isto é, à existência dessas declarações, não abrangendo a exactidão das mesmas.</font><br>
<font>Na verdade, mesmo que um documento particular goze de força probatória plena, tal valor reporta-se tão só às declarações documentadas, ficando por demonstrar que tais declarações correspondam à realidade dos respectivos factos materiais (Antunes Varela, J. M. Bezerra e Sampaio e Nora</font><i><font>, </font></i><font>Manual de Processo Civil, 2ª edição, Coimbra</font><i><font>, 1985, </font></i><font>página 523, nota 3).</font><br>
<font>Com tudo isto queremos dizer que, sendo certo que os RR. produziram o documentado a fls. 9., nada impedia o tribunal de conhecer da veracidade do seu teor, nomeadamente através da prova testemunhal produzida: é que, como referido, a eficácia probatória de um documento diz apenas respeito à materialidade das declarações e já não à exactidão das mesmas.</font><br>
<br>
<font>Podemos, pois, sem necessidade de qualquer outra consideração, concluir seguramente pela não transgressão ao artigo 394º do Código Civil por parte do tribunal recorrido.</font><br>
<br>
<font>2ª – Da pretensa violação do preceituado na alínea a) do nº 1 do artigo 712º do Código de Processo Civil.</font><br>
<br>
<font>A tese dos recorrentes, no que a este ponto concreto diz respeito, está também votada ao fracasso, como implicitamente decorre do já dito.</font><br>
<font>Mas sempre se dirá, corroborando o afirmado, que os quesitos 13º e 17º correspondem a matéria de excepção, alegada, obviamente pelos RR., e dizem respeito não só ao preço do invocado trespasse – causa última da confissão de dívida –, como também ao modo de pagamento e ao pagamento propriamente dito.</font><br>
<font>Sendo isto assim, como efectivamente é, não descortinamos onde é que verdadeiramente os recorrentes pretendem chegar quando defendem que a Relação fez mau uso do artigo do diploma adjectivo supra referido, certo que todos os elementos probatórios oferecidos são de livre apreciação e todos eles foram globalmente considerados.</font><br>
<br>
<font>3ª - Ainda a violação do preceito referido a propósito da resposta dada ao quesito 18º.</font><br>
<br>
<font>Para os recorrentes a violação do preceito em causa, neste ponto particular da resposta ao quesito 18º, tem a ver com a sua fundamentação – “não se vislumbra … uma única menção ou palavra sobre a matéria de facto que tenha levado fundamentalmente à sua reapreciação em sentido diferente daquele que foi atribuído em primeira instância”, mais “parecendo a mesma resultar de mero juízo arbitrário ou simplesmente intuitivo”, acrescentam e apontam ainda como violado o artigo 653º do mesmo diploma legal.</font><br>
<font>A este propósito, os recorrentes, a terem alguma razão, esquecem duas cousas: primeira, não arguiram em tempo qualquer nulidade processual, razão pela qual, a ter sido a mesma cometida, está definitivamente sanada (artigo 205º, nº 1 do Código de Processo Civil); segunda, da decisão da Relação não cabe aqui recurso – isso está bem expresso no nº 6 do artigo 712º do Código de Processo Civil.</font><br>
<font>Como assim, também aqui a razão não está do lado dos recorrentes.</font><br>
<br>
<font>Para além destas questões, entrelaçada com elas, suscitam os recorrentes uma outra, qual seja a da contradição entre as respostas dadas aos quesitos 14º (não provado) e 18º (foram dados </font><u><font>apenas</font></u><font> como provados pagamentos relativos ao preço ajustado do trespasse).</font><br>
<font>Não vemos onde está a contradição.</font><br>
<font>Mais, ainda: como é possível.</font><br>
<br>
<font>Mas todo este desenrolar de queixas – pelos vistos, infundadas – não nos deve fazer perder o rumo do que é essencial.</font><br>
<font>E o essencial é apenas isto: da prova produzida veio à tona a veracidade do alegado pelos RR., nada se tendo provado no que tange à causa de pedir invocada pelos AA.. Razão de sobra para a acção improceder, como acabou por improceder, por mor da apelação interposta por aqueles.</font><br>
<font>Daí que se tenha de dizer que, para além das razões avançadas pela Relação, a sorte da acção sempre estaria votada ao insucesso a partir do momento em que não foi posto em crise o juízo probatório firmado pela 1ª instância no que diz respeito ao quesito 1º.</font><br>
<font>É que caída por terra a causa de pedir, o pedido, </font><i><font>naturaliter</font></i><font>, fracassa.</font><br>
<font>Era precisamente isto que os RR., enquanto apelantes, deveriam ter feito sublinhar na crítica dirigida à sentença da 1ª instância e, não, como ficou dito, arguirem a mesma de nula por tal facto.</font><br>
<br>
<font>Em conclusão: improcede, em toda a linha, a argumentação dos recorrentes.</font><br>
<br>
<b><font>4.</font></b><br>
<b><font>Decisão</font></b><br>
<font>Nega-se a revista e condenam-se os recorrentes no pagamento das respectivas custas. </font><br>
<br>
<font> </font><br>
<font>Lisboa, aos 09 de Dezembro de 2008</font><br>
<br>
<font>Urbano Dias (relator)</font><br>
<font>Paulo Sá</font><br>
<font>Mário Cruz</font></font>
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1.ª Secção (Cível)
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<b><font> </font></b><font><br>
<br>
<font> Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font><br>
<br>
<font>1. - AA intentou contra BB, casado com CC, contra DD e contra EE , casada com FF, acção especial para divisão de coisa comum, tendo por objecto, além de outros, o “prédio urbano, sito na Rua..., composto de casa de construção moderna em bom estado de conservação, com a superfície coberta de 1.325,5 m2, com logradouro de 4.310 m2 e com quintal de 66 m2, inscrito na respectiva matriz predial urbana da freguesia de Castelo Branco sob o art. 4056 e descrito na CRP respectiva sob o n.º 8.516 da dita freguesia”</font><br>
<font>Alegou que ele, A., e os RR. são comproprietários em partes iguais de tal prédio e que “embora se trate duma construção única, pela sua área e características pode facilmente e sem grandes obras e alterações ser dividido em dois, três ou quatro, com a constituição da propriedade horizontal” </font><br>
<br>
<font>Contestaram os RR., articulado em que, aceitando a alegada compropriedade, se opõem à divisibilidade do prédio sustentando que o mesmo é uma casa única, apalaçada, integrando ainda uma construção com três divisões no quintal e um único e grande jardim e que, na actual estrutura do imóvel, a sua divisão ainda que por constituição de 4 fracções autónomas, em propriedade horizontal, é materialmente impossível, ressalvada a hipótese, que recusam, de serem realizadas obras vultuosas e de custo elevado, sendo que o fraccionamento do imóvel, atentas as características de casa solarenga, implica significativa diminuição do actual valor global, não admitindo a divisão em 4 unidades equivalentes e independentes, com saída própria, pelo que, neste momento, o Tribunal nem sequer poderia constituir, por sentença, a pretendida propriedade horizontal e nenhuma alteração estrutural nele pode ser realizada sem o respectivo licenciamento.</font><br>
<br>
<font>Foi admitida e teve lugar prova pericial, tendo os Peritos respondido aos quesitos formulados por ambas as Partes.</font><br>
<br>
<font>Após várias vicissitudes processuais, sobremaneira relacionadas com o desenvolvimento do acordo sobre a divisão dos outros prédios, foi proferida o seguinte decisão:</font><br>
<font>“ </font><i><font>(…) oportunamente foram realizadas as perícias determinadas nos autos.</font></i><br>
<i><font>Ao que ora importa, no que concerne ao prédio urbano identificado nos autos, concluíram, por unanimidade, os Exmos. Srs. peritos pela sua divisibilidade (cfr. fls. 139 a 145).</font></i><br>
<i><font>Em face disso, cumpre proceder à composição dos quinhões a atribuir aos consortes em função das respectivas quotas (1/4 cada).</font></i><br>
<i><font>Do exposto resulta que a pretensão dos Réus se mostra extemporânea e carece de fundamento legal.</font></i><br>
<i><font>Posto que, se impõe concluir pelo indeferimento do peticionado.</font></i><br>
<i><font>Notifique os Exmos. Srs. peritos nomeados, que procederam à realização da perícia relativa ao prédio urbano identificado nos autos, para, no prazo de vinte dias, se pronunciarem quanto à formação dos quinhões (artigo 1053°, n.° 5 do CPC)</font></i><font>”.</font><br>
<br>
<font>Dessa decisão, interpuseram os RR. recurso de agravo que a Relação, depois de considerar tratar-se do recurso da «</font><i><font>decisão sobre a questão, suscitada na contestação, da indivisibilidade do prédio urbano</font></i><font> (…), </font><i><font>que não deixa de ser a decisão final correspondente e respeitante à fase declarativa do processo especial em causa, fase essa em que se define o direito e a que alude o art. 1053º-2 e 3 do CPC</font></i><font>», sem oposição das Partes (que para o efeito ouviu), mandou seguir como de apelação.</font><br>
<font>Conhecendo do respectivo objecto, revogou a decisão, declarou a indivisibilidade do prédio e determinou o prosseguimento do processo com a conferência aludida no art. 1056º-2 CPC.</font><br>
<br>
<br>
<font>O Autor interpõe agora recurso de revista, pedindo a reposição “do despacho da 1ª Instância, pronunciando-se os Senhores Peritos quanto á composição dos quinhões, proferindo-se, de seguida a decisão prevista no n.º 2 do art. 1053º do CPC”, a coberto das conclusões que se transcrevem:</font><br>
<br>
<font>“1- O Tribunal </font><i><font>a quo</font></i><font> julgou indivisível o imóvel, todavia não tinha elementos de facto para se poder pronunciar pela divisibilidade ou indivisibilidade do bem em apreço, nem, processualmente podia, como o fez, dar por assente a matéria de facto e proferir uma decisão que, em primeiro lugar, competia à 1ª Instância.</font><br>
<font>2- Nos presentes autos vieram os RR., recorridos, contestar a acção de divisão de coisa comum, intentada pelo ora recorrente, negando a divisibilidade natural do imóvel solicitando de imediato prova pericial sobre tal facto, pelo que ordenou, e bem, o Meritíssimo Juiz da primeira Instância, que se procedesse a essa peritagem. </font><br>
<font>3- Todavia, esse douto despacho alicerçou-se, apenas, no art. 576°, n.º 2 do CPC, omitindo deste modo, o previsto no n.º 5 do art. 1053°, pelo que nada disse quanto à composição de quinhões, no caso dos peritos concluírem pela divisibilidade, facto este que não mereceu reparo às partes. </font><br>
<font>4- Nessa peritagem, pronunciaram-se os Senhores peritos, por unanimidade pela divisibilidade do prédio, peritagem essa que também não mereceu qualquer reparo às partes. </font><br>
<font>5- Mais de cinco anos volvidos sobre a peritagem (uma vez que o processo estivera entretanto parado por diversas razões e inclusive a pedido das partes) vieram os RR., recorridos discordar da mesma, requerer que o prédio seja considerado indivisível e pedir a conferência a que alude o art. 1056°, n.º 2 do CPC. </font><br>
<font>6- Ora, dessa peritagem poderiam os recorridos ter reclamado, pedido esclarecimentos, ter pedido uma segunda peritagem, no prazo legal, depois de terem sido notificados da mesma ...o que não podiam, era, salvo melhor opinião, perante a constatação de uma facto, do juízo de valor da peritagem e ainda antes de ser definidos os quinhões, vir, passados mais de cinco anos, dizer discordar do que afirmam os senhores peritos.</font><br>
<font>7- Pelo que, e bem, foi a sua pretensão julgada extemporânea, tendo ainda decidido o Tribunal de primeira instância "</font><i><font>no que concerne ao prédio urbano identificado nos autos, concluíram, por unanimidade, os Exmos. Srs. peritos pela sua divisibilidade. Em face disso, cumpre proceder à composição dos quinhões a atribuir aos consortes em função das respectivas quotas (1/4 cada) .... ( ... ) ... Notifique os Exmos. Senhores peritos nomeados, que procedam à realização da perícia relativa ao prédio urbano identificado nos autos, para, no prazo de vinte dias, se pronunciarem quanto à formação dos quinhões (artigo 1053, n.º 5 do CPC</font></i><font>). " </font><br>
<font>8- Após o que, a ter o processo seguido o seu curso normal, deveria o tribunal de primeira instância proferir decisão, devidamente fundamentada, sobre as questões suscitadas na contestação, nos termos do n.º 2 daquele artigo 1053°, designadamente fixando os factos provados e não provados., cabendo da mesma recurso, com subida imediata e nos próprios autos. </font><br>
<font>9- Todavia, vieram os RR. recorrer desse despacho, argumentando, em síntese, que o mesmo dava o bem por divisível quando este era indivisível. </font><br>
<font>10- Assim, também o entendeu o Tribunal </font><i><font>a quo</font></i><font>, todavia o que o despacho da primeira instância diz é que os Senhores peritos concluíram pela divisibilidade e que, portanto, em cumprimento do art. 1053°, n.º 5, devem pronunciar-se sobre o formação dos diversos (4) quinhões! </font><br>
<font>11- Não obstante, o Tribunal </font><i><font>a quo</font></i><font>, concluiu ainda que o despacho em causa é a decisão sumária a que se refere o art. 1053° n.º 2 do CPC. </font><br>
<font>12- Ora, de acordo com o exposto, salvo o devido respeito, não se entende como pode o Tribunal </font><i><font>a quo</font></i><font> chegar a tal conclusão, uma vez que por um lado nesse despacho não há qualquer decisão sobre a divisibilidade ou não do imóvel, mas tão só a constatação de qual foi o juízo dos Senhores peritos.</font><br>
<font>13- Depois porque não é dada como assente qualquer matéria de facto e, consequentemente, também não é apresentada qualquer fundamentação para uma decisão ... que não se tomou! </font><br>
<font>14- À falta de matéria de facto estabelecida pela primeira instância o Tribunal </font><i><font>a quo</font></i><font> estabeleceu ele próprio a matéria de facto, segundo refere, com base numa certidão e no relatório de peritagem, do qual retém apenas algumas repostas dos Senhores Peritos, para concluir pela indivisibilidade do bem. </font><br>
<font>15- Desde logo alterou a matéria de facto (inexistente) embora, salvo melhor opinião não se verificasse nenhum dos condicionalismos previstos no art. 712°, n.º 1 do CPC, deixando de fora, quanto ao laudo pericial, elementos de capital importância. </font><br>
<font>16- Assim quanto ao ponto B, que resulta da resposta o quesito 15, sobre o aspecto do imóvel (casa solarenga apalaçada) não transcreve a segunda parte da resposta "sendo todavia, no seu interior constituído por diversas unidades distintas ... " </font><br>
<font>17- O ponto C) dá por assente que na casa existem duas unidades habitacionais e funcionam uma drogaria, um escritório de advocacia, uma ourivesaria, um comércio de lãs e um armazém de papelaria.</font><br>
<font> 18- Porém tal facto fica muito aquém da resposta dada pelos senhores peritos quer aos quesitos 5 e 6, quer ao quesito 16, com efeito, resulta dessa resposta que aquelas partes do prédio são independentes, distintas e isoladas entre si, claramente autónomas ... </font><br>
<font>19- Deste modo, não só não merecia qualquer censura o douto despacho da primeira instância, como, claramente o douto acórdão em causa, julgou onde não podia julgar, decidiu onde não podia decidir. </font><br>
<font>20- Desde logo, a questão não é a de saber se a casa em causa foi ou não "projectada para ser dividida em 4 Fracções", como faz o Tribunal </font><i><font>a quo</font></i><font>, mas sim de saber se pode ou não ser dividida em 4 quinhões, iguais no seu valor, isto é, se as unidades independentes e autónomas constituídas por duas de habitação, uma drogaria, um escritório de advocacia, uma ourivesaria, um comércio de lãs e um armazém de papelaria (independentemente de serem unidades com funções diferentes) podem ser agrupadas em 4 quinhões de igual valor. </font><br>
<font>21- E tal questão não tem nada a ver com o facto (sintomaticamente perguntado pelos RR. recorridos), da parte habitacional poder ainda ser dividida em 4 fracções autónomas, com recurso a obras .... </font><br>
<font>22- A questão, reafirma-se, é de saber se, com as unidades autónomas já existentes, e certamente de diversos valores, é possível fazer quatro quinhões iguais, questão a que o Tribunal </font><i><font>a quo</font></i><font> respondeu que não. </font><br>
<font>23- Não se percebendo como o fez, nem como o podia fazer, uma vez que não tinha os valores da cada uma dessas unidades, que, aliás, deverá ser estabelecido pelo Senhores peritos, para servir de fundamentação aos quinhões que venham a propor. .. </font><br>
<font>24- Pelo que, reafirma-se, a matéria de facto à disposição do Tribunal a quo salvo o devido respeito, não era sequer suficientes para o habilitar a decidir como decidiu. </font><br>
<font> (…) Ao assim não decidir o douto Acórdão recorrido violou e/ou interpretou erradamente o disposto nos arts. 209° e 388° do CC e arts. 712°, n. 1053°, n° 2 e 3 e 1056°, n.º 1 e 2 do CPC.” </font><br>
<font> </font><br>
<font> Os Recorridos apresentaram resposta em que concluíram pela confirmação do acórdão impugnado.</font><br>
<br>
<br>
<font> 2. - No acórdão recorrido teve-se como provada a seguinte factualidade (que “se alicerçou na certidão do Reg. Predial junta e no conteúdo do laudo pericial”):</font><br>
<font> </font><br>
<font>A) O prédio urbano sito na Rua ..., composto de casa, com a superfície coberta de 1.325,5 m2, com logradouro de 4.310 m2 e com quintal de 66 m2, inscrito na respectiva matriz predial urbana da freguesia de Castelo Branco sob o art. 4056 e descrito na CRP de Castelo Branco sob o n.º ..... a fls. 157 verso do livro B-... da freguesia de Castelo Branco, está desde 28/12/1957,inscrito, na CRP de Castelo Branco, em comum e partes iguais a favor de:</font><br>
<font>AA;</font><br>
<font>BB;</font><br>
<font>DD; e</font><br>
<font>EE.</font><br>
<font>B) A casa existente em tal prédio – denominado “Solar do Dr. GG – tem o aspecto exterior duma casa solarenga/apalaçada;</font><br>
<font>C) Em tal casa existem duas unidades habitacionais, a que serve de residência aos AA. e o “torreão”; além disso, funcionam na casa uma drogaria, um escritório de advocacia, uma ourivesaria, um comércio de lãs e um armazém de papelaria;</font><br>
<font>D) A drogaria, a ourivesaria, o comércio de lãs e o armazém de papelaria têm acesso directo para a via pública;</font><br>
<font>E) O escritório de advocacia e as duas unidades habitacionais têm acesso para o logradouro.</font><br>
<font>F) Quaisquer obras a efectuar no prédio terão que ser objecto de prévio projecto – por especialistas credenciados, dada a localização e o relevo que o edificado tem no contexto da cidade.</font><br>
<font>G) Quanto ao “torreão”, dadas as suas características e o actual estado de degradação, pode ser demolido/reconstruído todo o seu interior, podendo nesta obra obter-se 4 fracções autónomas.</font><br>
<font>H) Quanto à casa principal, considerando as suas características e o seu relativo bom estado de conservação (atendendo à idade), deve manter-se o seu actual estado.</font><br>
<br>
<br>
<font>3. - Mérito do recurso.</font><br>
<br>
<font>3. 1. – Determinação do objecto do recurso em função do objecto do recurso interposto para a Relação. </font><br>
<br>
<font>O Recorrente começa por se insurgir contra o facto de o Tribunal da Relação ter apreciado o recurso interposto pelos Recorridos da decisão acima transcrita como uma declaração judicial de indivisibilidade do prédio urbano em causa, constituindo a decisão sumária a que se refere o art. 1053º-2 CPC, e não a mera constatação que “os Senhores peritos concluíram pela indivisibilidade”, devendo “pronunciar-se sobre os diversos quinhões”.</font><br>
<br>
<font>A questão suscitada foi devidamente colocada, como acima se aludiu, no despacho em que se propôs a alteração da espécie do recurso, em razão do respectivo objecto, sem qualquer reacção do ora Recorrente, apesar de lhe ter sido devidamente assegurado o exercício do contraditório (art. 703º CPC).</font><br>
<br>
<font>Decidido que o recurso seria de apelação, incidindo sobre «a decisão final respeitante à fase declarativa do processo (…), fase esta em que se define o direito a que alude o art. 1053º-2 e 3 CPC», o ora Recorrente, então Recorrido, continuou em silêncio.</font><br>
<br>
<font>Consequentemente, há que concluir que o decidido pela Relação sobre a espécie e objecto da decisão recorrida se tornou definitivo (art. 677º CPC).</font><br>
<br>
<br>
<font>3. 2. – Fixação da matéria de facto pela Relação.</font><br>
<br>
<font>3. 2. 1. - O Recorrente argúi a violação das normas do art. 712º-1 CPC a pretexto de a Relação ter alterado a matéria de facto, apesar de inexistente no despacho da 1ª instância, do mesmo passo que deixou de fora, quanto ao laudo pericial, o segmento da resposta ao quesito 15, donde consta “</font><i><font>sendo todavia, no seu interior constituído por diversas unidades distintas</font></i><font>».</font><br>
<br>
<font>Não tem razão.</font><br>
<br>
<font>A Relação, como Tribunal de Instância, isto é, com irrecusável competência e liberdade de julgamento da matéria de facto, em conformidade com o que se dispõe no art. 712º do CPC, de resto em termos definitivos fora dos limites da prova vinculada mencionada no art. 722º-2, 2ª parte, do mesmo Diploma, ao elencar o conjunto de factos que teve por provados com relevo para a apreciação da questão da divisibilidade ou indivisibilidade, que antes fixara, limitou-se a suprir a nulidade consubstanciada na falta de fundamentação de facto (art. 668-1--b) CPC), cometida pela decisão recorrida, em estrita obediência ao dever de suprimento que lhe impunham as normas dos arts. 713º-2 e 715º-2.</font><br>
<font> </font><br>
<font>Ora, não se questiona que os Julgadores da 2ª Instância não dispusessem de todos os elementos de que dispunha o da 1ª Instância para conhecer da questão de direito sob impugnação, ou, dito de outro modo, que o Tribunal de recurso se não encontrasse, perante os elementos de facto a valorar e fixar, na mesma situação em que se encontrava o Tribunal recorrido, o que desde logo decorre de não ter sido produzida qualquer prova não reduzida a escrito, designadamente testemunhal.</font><br>
<br>
<font>Consequentemente, da conjugação dos dispositivos citados e dos n.ºs 1-a) e 4 do art. 712º resulta que a Relação dispunha de todos os elementos de prova que haviam servido de base à decisão impugnada, apesar de ter omitido o respectivo enunciado, não sendo, também por isso, caso de anulação, mas de suprimento da omissão cometida.</font><br>
<br>
<font>A tudo acresce, note-se, de forma incontornável, a imposição legal de </font><u><font>conhecimento</font></u><font> </font><u><font>oficioso</font></u><font> </font><u><font>da questão da indivisibilidade</font></u><font>, vale dizer, do dever proferir decisão pelo Tribunal, na 1ª Instância ou em recurso, logo que o processo forneça os necessários elementos – art. 1053º-4 CPC. </font><br>
<font> </font><br>
<font> 3. 2. 2. - Embora despida de relevância, pelas razões que a seguir melhor se evidenciarão, também se entende carecer de fundamento o pretendido aditamento ao facto B) da parte não acolhida da resposta dos Peritos ao quesito 15 aludida.</font><br>
<br>
<font>Com efeito, trata-se de matéria conclusiva que, como resulta do quesito 16 e respectiva resposta e da 2ª parte da resposta ao mesmo quesito 15, pretende traduzir as unidades onde se praticam “as actividades comercial, de serviços e habitação”, que são as referidas na al. C) dos factos provados e que a invocada resposta ao quesito 16 já não confirmou como “unidades independentes, distintas e isoladas ente si”, referindo-se-lhes apenas como “unidades”.</font><br>
<font>O conceito de “unidade distinta” traduz um juízo de valor a retirar de um conjunto de factos que preencham o acervo de características próprias integradoras da inconfundibilidade ou autonomia da coisa a que se reportam.</font><br>
<br>
<font>Ora, a perícia é, antes de mais, um meio de prova que tem por fim a percepção ou apreciação de factos (art. 388º C. Civil) e não a formulação de juízos valorativos, designadamente quando sejam susceptíveis de preencher conceitos de direito, juízos cuja inclusão ou tratamento como matéria de facto está também vedada ao juiz, não podendo, em consequência ser considerados em fundamentação da apreciação e decisão da questão jurídica - arts. 511º-1 e 646º-4 CPC.</font><br>
<br>
<font>Não há, também quanto a este ponto, violação do disposto no dito art. 712º-1 CPC.</font><br>
<br>
<font>3. 3. – A (in)divisibilidade do prédio.</font><br>
<br>
<font>O Recorrente insiste na pretensão da divisibilidade do prédio urbano, relevando ser a questão saber se pode ou não ser dividido em quatro quinhões, iguais no seu valor, independentemente do destino para que foi projectado ou das obras a que seja necessário recorrer.</font><br>
<br>
<font>No acórdão recorrido, depois de se referir que a noção de indivisibilidade resulta do art. 209.º do CC, em que se estabelece que “</font><i><font>são divisíveis as coisas que podem ser fraccionadas sem alteração da sua substância, diminuição de valor ou prejuízo para o uso a que se destinam”</font></i><font>, fez-se notar que o preceito traça um critério jurídico e não físico/naturalístico ou material, uma vez que física e materialmente quase todas as coisas são divisíveis.</font><br>
<br>
<font>O critério jurídico da divisibilidade eleito pressupõe, como exige a norma, o concurso de três circunstâncias cumulativas: - que não haja alteração da substância; - que não se verifique diminuição do valor (detrimento); - e, que não saia prejudicado o uso a que se destina. Quando tal não suceda a coisa não pode ser fraccionada; é naturalmente indivisível.</font><br>
<font>Por outro lado, tais requisitos de fraccionamento – as características ou qualidades da coisa que permitem a sua divisibilidade - devem concorrer no momento em que a divisão é requerida e se coloca a questão da divisibilidade.</font><br>
<br>
<font>Assim, como vem ponderado, “não é o facto de, no futuro – com mais ou menos obras ou trabalhos – a coisa se poder tornar divisível que permite qualificá-la como divisível; </font><u><font>tem de se atender ao que ela é e não ao que ela pode vir a ser”</font></u><font>.</font><br>
<font>Confirma-o a regra consagrada no n.º 1 do art. 1056.º, n.º 1, do CC ao determinar que, na falta de acordo, tem lugar a realização de sorteio, o que não pode significar senão que a divisibilidade, além de actual, há-de permitir inteirar em espécie todos os interessados, sem que haja lugar a tornas (cfr. acs. STJ, de 5/11/2002 e de 14/10/2004, ambos disponíveis em </font><u><font>www.dgsi.pt/jstj</font></u><font>.</font><br>
<br>
<font> O prédio cuja divisão vem proposta, para poder ser declarado divisível haverá, então, de, no presente, permitir o fraccionamento em quatro quinhões, sem precedência de obras de vulto ou de pagamento de tornas.</font><br>
<br>
<font>Equivale tal a submeter o critério de divisibilidade à possibilidade formação de quatro unidades prediais urbanas distintos e autónomos, pois que o que se pretende é justamente abandonar o regime da compropriedade.</font><br>
<br>
<br>
<font>Ora, o modo de constituição de unidades prediais distintas a partir de um único edifício passa necessariamente, no nosso sistema jurídico, pela constituição da propriedade horizontal.</font><br>
<br>
<font>E, satisfazendo essa possibilidade de modificação do direito de propriedade, a lei prevê, como um dos modos de constituição a decisão judicial em acção de divisão de coisa comum (art. 1417º C. Civil).</font><br>
<font>Do mesmo passo, a lei civil fixa como requisitos de constituição da propriedade horizontal, sob pena de nulidade do título, que se trate de fracções autónomas que, além de constituírem unidades independentes, sejam distintas e isoladas entre si, com saída própria para uma parte comum do prédio ou para a via pública – art. 1415º. </font><br>
<br>
<br>
<font>No caso, até se admite que possa existir a aptidão natural do edifício para constituição de fracções com a autonomia que a lei exige, sendo divisível em substância.</font><br>
<font> Tudo dependerá de um eventual projecto e da realização das obras de o poderão concretizar. </font><br>
<br>
<font>Acontece, porém, que o nosso sistema jurídico sujeita ao regime de controlo ou licenciamento prévio das Câmaras Municipais as operações de urbanização e obras particulares, nomeadamente, e ao que ao caso interessa, as “obras de alteração” de construções ou edifícios, em que se incluem, incontornavelmente, as de modificação das características físicas de uma edificação destinada a comércio e habitação unifamiliar para um edifício em regime de propriedade horizontal (arts. 2º, 4º, 60º, 62º a 66º e 70º, todos do Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação, aprovado pelo DL n.º 555/99, de 16/12, entretanto alterado pelo DL. n.º 177/2001 e pela Lei n.º 60/2007, de 4/9, mas sem reflexo no conteúdo das normas ora em aplicação).</font><br>
<font>E a própria Constituição da República comete às autarquias a definição dessas regras urbanísticas (art. 64º-4).</font><br>
<br>
<font>Ora, justamente, a par, ou antecedendo mesmo, aqueles requisitos da lei civil, existem esses requisitos administrativos de constituição da propriedade horizontal que, decorrendo da verificação das exigências arquitectónicas, de ordem estética e urbanística, de segurança salubridade, etc., são de satisfação exclusivamente deferida às Câmaras Municipais. </font><br>
<font>A esta Entidade administrativa cabe sempre, como requisito prévio da constituição da propriedade horizontal por qualquer dos meios admitidos na lei, emitir certificado de que o edifício é dotado dos requisitos que o RJUE exige para o efeito (arts. 62º a 66º e 74º cit.).</font><br>
<br>
<font>Que assim é mostra-o o último segmento do n.º 2 do art. 1417º C. Civil conferindo legitimidade para provocar a declaração de nulidade do título á entidade administrativa competente para a aprovação ou fiscalização das construções.</font><br>
<font> Exige-o, de resto, expressamente o Código do Notariado para a constituição por negócio jurídico titulado por escritura pública (art. 59º), não se vendo como dispensá-lo o reconhecimento judicial, tanto mais que se trata, inegavelmente, do cumprimento de normas de direito público, de interesse e ordem pública, ficando para a decisão judicial a resolução de divergências entre os interessados (cfr. RODRIGUES PARDAL e DIAS da FONSECA, “</font><i><font>da propriedade horizontal</font></i><font>”, 5ª ed., 97-100).</font><br>
<br>
<font>A tudo acresce, repete-se, que o conhecimento da indivisibilidade é oficiosamente imposto.</font><br>
<br>
<font>Como se escreveu no ac. deste Supremo de 29/11/2006 (proc. 06A3355, </font><i><font>in </font></i><u><font>www.dgsi.pt.jstj</font></u><font>), “não é possível conceber a constituição da propriedade horizontal sem a observância de todos os requisitos legais, incluindo os de natureza administrativa”.</font><br>
<br>
<font>Não podendo, como se disse, a questão da divisibilidade ficar à mercê da verificação de situações futuras e hipotéticas, era ónus do Autor, ora Recorrente, interessado na divisão, demonstrar estarem satisfeitos os pertinentes requisitos administrativos de constituição da realidade jurídica que a acção visava, mediante instrução dos autos com a falada certificação municipal.</font><br>
<br>
<font>Trata-se, na verdade, de uma condição de procedência da pretensão, a demonstrar até ao momento em que o tribunal seja chamado a pronunciar-se sobre a questão da divisibilidade, irrelevando quaisquer outras provas ou diligências probatórias (nomeadamente de natureza pericial, inidóneas como substituição do documento camarário).</font><br>
<font>Daí que logo se tenha adiantado supra a inocuidade da inclusão da reclamada matéria respondida pelos Peritos entre a factualidade tida como provada. </font><br>
<font> </font><br>
<font> Aqui chegados, pode concluir-se, sem necessidade de mais considerações - designadamente em apreciação dos fins para os quais o prédio foi projectado ou sobre as unidades em que é possível a sua divisão em substância (habitações, lojas, etc.), tudo prejudicado pelo que se deixou dito -, que, indemonstrados os requisitos administrativos de constituição da propriedade horizontal, ou seja, do modo legalmente admissível de divisão de construções urbanas, a indivisibilidade do prédio não pode deixar de ser, perante os elementos disponíveis, reconhecida.</font><br>
<br>
<font>Por estes fundamentos, a decisão impugnada tem de ser mantida.</font><br>
<br>
<font>4. - Decisão.</font><br>
<br>
<font>Pelo exposto, acorda-se em:</font><br>
<font>- Negar a revista;</font><br>
<font>- Manter a decisão impugnada; e,</font><br>
<font>- Condenar o Recorrente nas custas.</font><br>
<br>
<font>Lisboa, 5 de Junho de 2008 </font><br>
<br>
<font>Alves Velho (relator)</font><br>
<font>Moreira Camilo</font><br>
<font>Urbano Dias</font></font>
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xzK9u4YBgYBz1XKv8TrU
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1.ª Secção (Cível)
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<b><font> </font></b><font><br>
<br>
<b><i><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font></i></b><br>
<br>
<b><font>I. Relatório</font></b><br>
<br>
<br>
<p><b><font>1)</font></b><b><font> AA</font></b><font> intentou acção declarativa sob a forma sumária </font><b><i><u><font>contra </font></u></i></b><font> </font><b><font>BB SA (actualmente Companhia de Seguros CC SA)</font></b><font> </font><b><i><u><font>pedindo</font></u></i></b><br>
<br>
<br>
</p><p><font>- a condenação desta a pagar-lhe a quantia de 2.704.044$00, acrescida de juros legais desde a citação, correspondentes aos danos patrimoniais e não patrimoniais que sofreu enquanto vítima do acidente de viação provocado, em 23DEZ1994, pelo veículo automóvel matrícula ..-..-..., propriedade de DD e conduzido por EE e segurado na Ré. </font><br>
<font>A Ré contestou excepcionando a inexistência de seguro e impugnando a descrição do acidente. </font><br>
<font>Foi requerida e deferida a </font><u><font>intervenção principal provocada</font></u><font> do </font><b><font>Hospital de São José</font></b><font>, </font><b><font>Hospital de Santa Maria</font></b><font> e do </font><b><font>CRSS de Lisboa e Vale do Tejo</font></b><font>, </font><br>
<font>tendo o primeiro reclamado o pagamento das despesas hospitalares e o último reclamado o reembolso das quantias pagas a título de prestação de doença. </font><br>
<font>Foi, ainda, requerida e deferida a </font><u><font>intervenção provocada</font></u><font> do </font><b><font>..............</font></b><font>, que contestou excepcionando a sua ilegitimidade e impugnou matéria de facto. </font><br>
<font>Foi, então, requerida e deferida </font><u><font>a intervenção principal provocada</font></u><font> de </font><b><font>Táxis FF Lda </font></b><font>e de </font><b><u><font>EE</font></u></b><font>,</font><font> (1). </font><font> tendo o primeiro excepcionado a sua ilegitimidade e impugnado também a matéria de facto. </font><br>
<font> *</font><br>
<b><font>2)</font></b><font> Foi determinada a </font><b><u><font>apensação da acção 283/97</font></u></b><font> </font><b><u><font>(Apenso B) </font></u></b><font>que </font><b><font>JJ</font></b><font> intentou </font><b><i><u><font>contra</font></u></i></b><font> </font><b><font>A BB SA</font></b><font>, </font><b><font>..............</font></b><font>, </font><br>
<b><font>Trindade </font></b><font>DD, </font><b><font>Táxis FF Lda</font></b><font> e </font><b><u><font>EE</font></u></b><font>, </font><br>
<b><i><u><font>- pedindo </font></u></i></b><br>
<font>- a condenação destes, por danos sofridos em consequência do mesmo acidente, a pagar-lhe a quantia de 2.265.167$00, acrescida da quantia relativa à IPP de que ficou portadora (que veio, posteriormente a liquidar em € 10.000) e juros legais desde a citação. </font><br>
<font>Os RR contestaram, sendo que a Seguradora, o FGA e Táxis FF Lda nos mesmos termos em que já o haviam feito; DD e EE excepcionando a sua ilegitimidade e impugnando factos.</font><br>
<font> </font>
</p><p><b><font>3)</font></b><font> </font><b><u><font>Foi determinada a apensação da acção 1059/97</font></u></b><u><font> </font></u><b><u><font>(Apenso C) </font></u></b><font>que </font><b><font>GG e </font></b><font>HH intentaram </font><b><i><u><font>contra </font></u></i></b><font> “</font><b><font>A BB, SA”</font></b><font> </font>
</p><p><b><font>- </font></b><b><i><u><font>pedindo</font></u></i></b><font> </font>
</p><p><font>- a condenação desta, por danos sofridos em consequência do mesmo acidentes, a pagar, a ela, a quantia de 8.396.900$00 e juros desde a citação e, ainda, danos de natureza futura a apurar em execução de sentença e, a ele, a quantia de 6.539.004$00 e juros desde a citação e, ainda, danos de natureza futura a apurar em execução de sentença. </font><br>
<font>Contestou a Ré nos termos já expostos. </font><br>
<font>Foi requerida e deferida </font><u><font>a intervenção principal provocada</font></u><font> do </font><b><font>..............,</font></b><font> </font><b><font>Táxis FF Lda </font></b><font> </font><b><font>e </font></b><b><u><font>EE</font></u></b><b><font>,</font></b><font> que contestaram em termos idênticos aos já referidos, tendo, ainda, o FGA alegado a prescrição do direito dos M. </font><br>
<font> </font><b><font>4)</font></b><font> </font><b><u><font>Foi determinada a apensação da acção 7210/99</font></u></b><u><font> </font></u><b><u><font>(Apenso D)</font></u></b><b><font> </font></b><font>que o </font><b><font>Hospital Curry Cabral</font></b><font> intentou </font><b><i><u><font>contra </font></u></i></b><font> o </font><b><font>..............</font></b><font> </font>
</p><p><b><i><u><font>pedindo </font></u></i></b>
</p><p><font>- a condenação deste a pagar-lhe, por assistência prestada a JJ, a quantia de 563.405$00 e juros. </font>
</p><p><b><u><font>5)</font></u></b><u><font> </font></u><b><u><font>Foi determinada a apensação da acção 46/2000</font></u></b><u><font> </font></u><b><u><font>(Apenso E)</font></u></b><b><font> </font></b><font>que o </font><b><font>Hospital de Santa Maria</font></b><font> intentou </font><b><i><u><font>contra </font></u></i></b><font> </font><b><font>A BB SA </font></b><b><i><u><font>pedindo </font></u></i></b>
</p><p><font>- a condenação desta a pagar-lhe, por assistência prestada a AA, a quantia de 609.130$00 e juros. </font><br>
<font>A Ré contestou excepcionando a inexistência de seguro. </font><br>
<font>Foi </font><u><font>requerida e admitida a intervenção</font></u><font> do </font><b><font>..............</font></b><font> que contestou excepcionando a sua ilegitimidade e a prescrição e impugnando matéria alegada. </font><br>
<font>Foi</font><u><font>, também, requerida e admitida a intervenção de</font></u><font> </font><b><font>Táxis FF Lda</font></b><font> que contestou em termos idênticos aos já expostos e excepcionou, ainda, a prescrição do direito do autor e a ineptidão da petição inicial.</font><br>
<font> No despacho saneador conheceu-se das invocadas excepções de nulidade de todo o processo e de ilegitimidade do FGA, julgando-as improcedentes, com excepção do Apenso D, em que o R. FGA foi absolvido da instância. E remeteu-se para final o conhecimento das restantes excepções. </font>
</p><p><b><u><font>A final veio a ser proferida Sentença</font></u></b><font> em que se decidiu: </font><br>
<font>1. Julgar improcedente a invocada excepção de ilegitimidade de Táxis FF Lda e EE. </font><br>
<font>2. Julgar procedente a invocada excepção peremptória da nulidade do contrato e, em consequência absolver a Ré Companhia de Seguros CC SA, dos pedidos formulados por todos os autores; </font><br>
<font>3. No processo nº........../2000 (que constitui o apenso E), julgar procedente a excepção peremptória de prescrição do direito do autor Hospital de Santa Maria e, em consequência, absolver o .............. e Táxis FF Lda do pedido; </font><br>
<font>4. Julgar improcedentes por não provadas, todas as acções em relação DD, e em consequência absolvê-lo de todos os pedidos contra si formulados; </font><br>
<font>5. </font><u><font>No Processo n099/96 (acção principal), em que é A AA julgar a acção parcialmente procedente e, em consequência, condenar</font></u><font> os chamados .............., Táxis FF Lda </font><b><u><font>e EE</font></u></b><font>, a pagar: </font><br>
<font>5.1. à Autora a quantia já apurada de 2.090.981$00 (10.429,77 euros) e aquela que se vier a apurar em execução de sentença (relativa às diferenças salariais e despesas com a empregada); </font><br>
<font>5.2. ao Hospital de S. José a quantia de 39.200$00 (195,53 euros) e ao C.R.S.S. a quantia de 566.891 $00 (2.827,64 euros); </font><br>
<font>5.3. juros à taxa legal, desde a citação até efectivo pagamento sobre as quantias referidas em 5.1 e 5.2. </font><br>
<font>5.4. Custas pela autora e chamados, sem prejuízo do concedido apoio judiciário à A, ao chamado EE e estando o F.G.A isento, na proporção do decaimento. </font><br>
<font>6. </font><u><font>No Processo n° 283/97 (apenso B) em que é autora JJ, julgar a acção parcialmente procedente, e em consequência, condenar</font></u><font> os Réus, .............., Táxis FF Lda </font><b><font>e </font></b><b><u><font>EE</font></u></b><font> a pagar: </font><br>
<font>6.1. à Autora JJ a quantia já apurada de 4.247.987$00 (21.188,87 euros) e a que se vier a apurar em execução de sentença quanto à roupa estragada no acidente; </font><br>
<font>6.2. ao C.R.S.S. a quantia de 575.618$00 (2.871,17 euros); </font><br>
<font>6.3. juros à taxa legal desde a citação até efectivo pagamento sobre as quantias referidas em 6.1 e 6.2. </font><br>
<font>6.4. Custas pela autora e pelos Réus, na proporção do decaimento, sem prejuízo do concedido apoio judiciário à A ao Réu EE e estando o F.G.A, isento. </font><br>
<font>7. </font><u><font>No Processo n01059/97 (a penso C), em que são AA HH e GG, julgar improcedente a excepção peremptória da prescrição e parcialmente procedente a acção e condenar</font></u><font> os chamados .............., Táxis FF Lda </font><b><u><font>e EE</font></u></b><font>, a pagar: </font><br>
<font>7.1. ao Autor HH a quantia de 5.091.340$00 (25.395,50 euros); </font><br>
<font>7.2. à Autora GG a quantia de 4.856.490$00 (24.224,07 euros); </font><br>
<font>7.3. juros à taxa legal desde a citação até efectivo pagamento sobre as quantias referidas em 7.1) e 7.2). </font><br>
<font>7.4. Custas pelos AA e chamados, na proporção do decaimento, sem prejuízo do apoio judiciário concedido a EE e estando o F.G.A isento. </font><br>
<font>8. Sem custas no processo n046/2000 (apenso E) por deles estar isento o A. </font>
</p><p><b><font> Inconformados apelaram o FGA, o Hospital de Santa Maria e </font></b><b><u><font>EE</font></u></b><font>:</font>
</p><p><font>- O Hospital de Santa Maria, sustentando ter havido erro de julgamento quanto à ocorrência de prescrição;</font>
</p><p><font>- O FGA, considerando exagerada a indemnização fixada a título de danos futuros e erro na determinação da contagem dos juros;</font>
</p><p><font>- e </font><b><u><font>EE</font></u></b><font>, erro na decisão da matéria de facto. </font><br>
<font>Houve contra-alegações. </font><br>
<font> </font><br>
<b><font>A Relação julgou procedente a apelação do </font></b><b><u><font>Hospital de Santa Maria (apenso E)</font></u></b><font> </font><b><font>e improcedentes as apelações do .............. e de </font></b><i><font>EE, </font></i><b><i><u><font>vindo a condenar</font></u></i></b><i><font> o ..................., Táxis FF Lda e </font></i><b><i><u><font>EE</font></u></i></b><i><font> </font></i><br>
<b><i><font>- </font></i></b><b><i><u><font>a pagarem</font></u></i></b><b><i><font>, solidariamente, ao Hospital de Santa Maria a quantia de € 3.038,33 (três mil e trinta e oito euros e trinta e três cêntimos), acrescidos de juros, à taxa legal, desde a citação, até integral pagamento</font></i></b><font>, </font><br>
<b><i><font>- confirmando integralmente (na parte ainda não transitada ) a decisão recorrida.</font></i></b><font> </font><br>
<br>
<b><u><font>Com o resultado do Acórdão não se conformou EE, pedindo Revista.</font></u></b><font> </font><br>
<br>
<font>Concluiu as alegações de recurso pela forma seguinte</font><br>
<br>
<i><font>“1. Não se acolhendo a versão que os AA. alegaram quanto à verificação do sinistro e tendo o depoimento do Réu, motorista do veículo que o provocou uma versão diferente e passível de se verificar que assim poderia ter ocorrido, deve em obediência ao n.º 3 do art° 712° do C.P.Civil, renovarem-se os meios de prova produzidos em 1.ª instância, a fim de que seja apurada a verdade. </font></i><br>
<i><font>2. Na realidade, tal como fic(aram) dado(s) como provados os factos, não se conclui como poderia ter ocorrido o acidente, embora facilmente se poderá descobrir pela audição do condutor do veículo, bem como pelas testemunhas presenciais como poderia ter ocorrido o sinistro já que só há duas versões possíveis: </font></i><br>
<i><font>3. Ou o veículo atropelou, irresponsavelmente, pessoas que se encontravam dentro da sua faixa de rodagem, ou pelo contrário foram estas que descuidadamente a atravessaram de forma que não foi possível ao motorista imobilizar o veículo antes do choque. </font></i><br>
<i><font>4. Considerando-se que durante a inquirição em primeira instância se deu total primazia à versão do acidente apresentada pelos AA. e que apesar da sua patente inverosimilhança, não foram as testemunhas que confirmavam tal versão, confrontadas com uma outra versão mais lógica e plausível, deverá pois renovarem-se tais depoimentos a fim (de) melhor e mais cabalmente se esclarecer o que se passou. </font></i><br>
<i><font>5. Não deve pois lançar-se mão da presunção prevista no n.º 3 do art° 503.º do CCivil, porquanto há no processo meios de prova bastantes, que a serem bem conduzidos e orientados no sentido de se fazer JUSTIÇA e um REAL APURAMENTO DA VERDADE, se deverá, antes, fazer aplicar o mecanismo previsto no n.º 3 do art° 712 do CPC.</font></i><br>
<i><font>6. Foram violados os artigos 503 º do C.Civil e art. 712.º, no 3 do CPC.”</font></i><br>
<br>
<i><font> </font></i><b><font>II. Âmbito do recurso e fundamentação</font></b><br>
<br>
<b><font>II.- A) Âmbito do recurso</font></b><br>
<br>
<font>Tendo em conta o disposto nos arts. 684.º-3 e 690.º-1 do CPC. e as conclusões apresentadas pelo recorrente EE, o âmbito do presente recurso fica delimitado à questão de saber qual o alcance do disposto no art. 712.º-3 do CPC quando se constate que há duas versões para um acidente e nenhuma das versões seja dada como provada</font><br>
<br>
<b><font>II- B) Fundamentação</font></b><br>
<br>
<b><font>II-B)-a) Os factos</font></b><br>
<br>
<br>
</p></font><p><font><u><font>A Relação sindicou a matéria de facto objecto de recurso, tendo vindo a fixá-la nos termos seguintes: </font></u><br>
<font>1. A 23 de Dezembro de 1994, pelas 23h55m ocorreu um acidente de viação frente ao n.º 41 da Estrada da Buraca. </font><br>
<font>2. No acidente tomaram parte AA, GG, HH e IIe o veículo de matrícula ..-..-... </font><br>
<font>3. O EH pertencia à data do acidente a Táxis FF Lda. </font><br>
<font>4. DD efectuou na Social um contrato de seguro em 1994.10.20. </font><br>
<font>5. DD efectuou o seguro na qualidade de dono do veículo. </font><br>
<font>6. DD indicou na resposta de seguro que o veículo era </font><br>
<font>de passageiros e para uso particular. </font><br>
<font>7. À data “A Social” não celebrava seguros referentes a Táxis. </font><br>
<font>8. E se soubesse que o EH teria essa utilização não o seguraria. </font><br>
<font>9. À data do acidente o EH era usado como Táxi.</font><br>
<font>10. O EH nunca pertenceu a DD. </font><br>
<font>11. O EH era à data do acidente conduzido por EE.</font><br>
<font>12. EE conduzia o EH debaixo das ordens e no interesse da dona daquele, a Sociedade Táxis FF Lda. </font><br>
<font>13. Aquando do acidente AA acabara de sair do restaurante onde jantara. </font><br>
<font>14. Tendo sido colhida pelo EH. </font><br>
<font>15. GG, HH e II foram colhidos pelo EH. </font><br>
<font>16. O passeio terá cerca de 70 cms de largura. </font><br>
<font>17. E a Rua tem 6,0 m de largura. </font><br>
<font>18. Na altura o piso estava seco. </font><br>
<font>19. A estrada da Buraca tem uma faixa de rodagem para cada sentido. </font><br>
<font>20. E no sentido contrário ao EH nenhum trânsito circulava. </font><br>
<font>21. O EH subiu o passeio e foi atropelar AA. </font><br>
<font>22. E AA foi projectada. </font><br>
<font>23. E ficou sem sentidos. </font><br>
<font>24. E projectou GG para a frente. </font><br>
<font>25. Vinda esta a cair desamparada em cima do passeio. </font><br>
<font>26. O EH projectou HH para a frente. </font><br>
<font>27. Vindo este a cair desamparado com parte do corpo no passeio e parte na faixa de rodagem. </font><br>
<font>28. E o EH veio a imobilizar-se sobre HH </font><br>
<font>29. Devido ao embate JJ sofreu traumatismo com fractura da tíbia esquerda em dois pontos, uma das quais exposta. </font><br>
<font>30. E traumatismo craniano com perda de conhecimento. </font><br>
<font>31. E transportada ao hospital suturaram-Ihe a cabeça. </font><br>
<font>32. E engessaram e ligaram-lhe a perna esquerda. </font><br>
<font>33. E a 31 de Dezembro foi submetida a intervenção cirúrgica à tíbia esquerda, tendo-lhe sido aplicada uma cavilha. </font><br>
<font>34. E permaneceu no hospital até 1995.01.06 </font><br>
<font>35. E desde então até ao fim de Fevereiro de 1995 ficou retida em casa por estar impossibilitada de caminhar e de cuidar de si. </font><br>
<font>36. E só em princípio de Março de 1995 começou a andar e com a ajuda de </font><br>
<font> canadianas. </font><br>
<font>37. E esteve impossibilitado de trabalhar até 9.10.95. </font><br>
<font>38. E com cicatriz na cabeça. </font><br>
<font>39. E três cicatrizes na perna, uma dela com 10 cm de comprimento. </font><br>
<font>40. E toda esta situação desgosta JJ. </font><br>
<font>41.E lhe causa constrangimento. </font><br>
<font>42. E deixou por isso de usar saias para não revelar as cicatrizes. </font><br>
<font>43. E deixou de ir à praia e à piscina. </font><br>
<font>44. JJ sentiu-se em consequência do acidente angustiada e deprimida. </font><br>
<font>45. E sentiu stress, ansiedade, agitação e dores intensas. </font><br>
<font>46. E sente dores na cabeça com a mudança de tempo. </font><br>
<font>47. E a perna incha e dói-lhe diariamente. </font><br>
<font>48. E esteve privada do convívio dos familiares e amigos. </font><br>
<font>49. E pagou 6.120$00 com transportes para consultas e tratamentos. </font><br>
<font>50. E 26.800$00 com consultas médicas. </font><br>
<font>51. E 8.511 $00 com medicamentos.</font><br>
<font>52. E 5.000$00 com exames e tratamentos. </font><br>
<font>54. 53. À data do acidente JJ recebia 81.347$00 mensais como aprendiz de montagem. </font><br>
<font>55. E ainda 24.000$00 mensais em trabalho suplementar. </font><br>
<font>56. E durante o tempo em que, na sequência do acidente, esteve impossibilitada de trabalhar não recebeu mais quantias. </font><br>
<font>57. E devido ao acidente recebeu apenas 532.734$00 da Segurança Social. </font><br>
<font>57. AA deu entrada nas urgências do Hospital às 00:57 horas do dia 24 de Dezembro. </font><br>
<font>58. Com o embate JJ ficou com a roupa estragada. </font><br>
<font>59. AA sofreu traumatismo craniano com perda de conhecimento. </font><br>
<font>60. E outras lesões. </font><br>
<font>61. AA passou a sofrer dores fortes nas clavículas. </font><br>
<font>62. E a 1995.01.03 deu de novo entrada nas urgências do Hospital. </font><br>
<font>63. E ficou com duas clavículas fracturadas. </font><br>
<font>64. A 1995.03.10 AA foi internada no hospital e submetida a intervenção cirúrgica ao ombro direito. </font><br>
<font>65. E recebeu alta a 17.03.95. </font><br>
<font>66. E em Abril de 1995 AA foi submetida a cirurgia ao crâneo para lhe retirarem pedaços de vidro entrados em resultado do embate do EH. </font><br>
<font>67. AA ficou impossibilitada de trabalhar e de receber o salário de Janeiro a Agosto de 1995 em resultado do acidente. </font><br>
<font>68. E devido ao acidente durante esse período recebeu da segurança social um </font><br>
<font>subsídio por incapacidade temporária para o trabalho de 67.320$00. </font><br>
<font>69. E AA ficou igualmente impossibilitada de fazer a lida da casa. </font><br>
<font>70. E teve que arranjar uma empregada doméstica. </font><br>
<font>71. Em resultado do acidente AA não mais gozou de saúde. </font><br>
<font>72. Devido às lesões resultantes do acidente AA deixou de poder estar exposta a baixas temperaturas. </font><br>
<font>73. Com as deslocações a hospitais e marcação de consultas decorrentes do acidente AA gastou 90.981 $00. </font><br>
<font>74. Do atropelamento resultou para HH traumatismo craniano com perda de </font><br>
<font>conhecimento. </font><br>
<font>75. E traumatismo facial. </font><br>
<font>76. E ferida no couro cabeludo. </font><br>
<font>77. E fractura da omoplata direita e dos 3;4; e 5 arcos costais direitos. </font><br>
<font>78. E fractura dos ossos da perna esquerda. </font><br>
<font>79. E como consequência das referidas fracturas e traumatismos HH sofreu </font><br>
<font>doença e ficou impossibilitado de trabalhar até 2.08.95. </font><br>
<font>80. E HH foi sujeito a internamento hospitalar. </font><br>
<font>81. E foi operado aos ossos da perna esquerda. </font><br>
<font>82. E com anestesia geral. </font><br>
<font>83. E recebeu material de osteossíntese na perna esquerda. </font><br>
<font>84. E este tem que ser removido. </font><br>
<b><font>85. Na </font></b><font>sequência do acidente sofreu cicatrizes na perna esquerda. </font><br>
<font>86. Uma das quais com oito centímetros. </font><br>
<font>87. E duas de feridas de forma arredondada e com 0,6 cm de diâmetro. </font><br>
<font>88. E uma com 1,5 cm de comprimento. </font><br>
<font>89. E uma com 1,3 cm de comprimento. </font><br>
<font>90. E uma cicatriz no calcanhar esquerdo com 1,5 em. </font><br>
<font>91. E ainda uma cicatriz na nuca com 11 cm de comprimento. </font><br>
<font>92. E mais uma cicatriz com 0,6 cm por 0,8 cm. </font><br>
<font>93. O que deixou HH entristecido, magoado e infeliz. </font><br>
<font>94. E depois da operação a perna esquerda ficou durante semanas elevada relativamente ao corpo, o que gerou para HH desconfortos e dores intensas.</font><br>
<font>95. E que o forçaram a tomar analgésicos. </font><br>
<font>96. E foi submetido a exames radiológicos. </font><br>
<font>97. E os movimentos de flexão do tornozelo esquerdo ficaram diminuídos. </font><br>
<font>98. E o HH deixou de poder correr. </font><br>
<font>99. E passou a aguentar-se pouco tempo de pé. </font><br>
<font>100. E passou a claudicar ao menor esforço. </font><br>
<font>101. E a ter picadas agudas e formigueiro no ombro direito e na perna esquerda aquando das alterações climatéricas. </font><br>
<font>102. Em consequência do acidente HH gastou em exames e meios complementares de diagnóstico 9.550$00. </font><br>
<font>103. E em consultas 2.100$00. </font><br>
<font>104. E em transportes para consultas e tratamentos 22.390$00. </font><br>
<font>105. E em medicamentos 8.289$00. </font><br>
<font>106. E em consequência do embate HH perdeu um sapato de um par que valia 10.000$00. </font><br>
<font>107. E ficou com o fato e a camisa rasgados. </font><br>
<font>108. E o fato valia 40.000$00. </font><br>
<font>109. E a camisa 12.000$00. </font><br>
<font>110. Á data do acidente HH recebia 300.000$00 mensais como director de produção e 15.000$00 mensais de subsídio de alimentação. </font><br>
<font>111. E deixou em resultado do acidente de receber tais quantias até 1995.08.02 </font><br>
<font>112. E recebeu devido ao acidente, enquanto esteve impedido de trabalhar, 345.089$00 da segurança social. </font><br>
<font>113. E por causa do acidente deixou de ser pessoa comunicativa e passou a ser melancólico e infeliz. </font><br>
<font>114. E deixou de praticar ginástica e atletismo. </font><br>
<font>115. E passou a sofrer de angústia e sofrimento. </font><br>
<font>116. GG sofreu em resultado do acidente traumatismo craniano sem perda de conhecimento. </font><br>
<font>117. E fractura do fémur direito. </font><br>
<font>118. E fractura dupla da tíbia esquerda. </font><br>
<font>119. E fractura da tíbia direita. </font><br>
<font>120. Em consequência ficou impossibilitada de trabalhar até 1995.09.10 </font><br>
<font>121. E aplicação de gesso nas pernas e tracção esquelética na perna esquerda. </font><br>
<font>122. E foi internada. </font><br>
<font>123. E foi operada ao fémur direito. </font><br>
<font>124. E às duas tíbias. </font><br>
<font>125. E recebeu material de osteossíntese no fémur e nas tíbias. </font><br>
<font>126. E esse material terá de ser removido. </font><br>
<font>127. E ficou semanas com os membros elevados. </font><br>
<font>128. O que lhe trouxe desconforto, parestesias e dores intensas. </font><br>
<font>129. E teve que tomar analgésicos. </font><br>
<font>130. E foi submetida a exames radiológicos. </font><br>
<font>131. E ficou com cicatrizes no corpo. </font><br>
<font>132. Um das quais com 10 cm na coxa. </font><br>
<font>133. E outra com 5 cm na coxa. </font><br>
<font>134. E uma com 6 cm na perna. </font><br>
<font>135. E uma com 8 cm na perna. </font><br>
<font>136. E cinco cicatrizes de escoriações na coxa e joelho, com comprimento entre 0,5 cm e 1,5 cm. </font><br>
<font>137. E outra na perna com 2 cm. </font><br>
<font>138. E outra na perna com 1,5 cm de diâmetro.</font><br>
<font>139. E outra na perna com 0,5 cm. </font><br>
<font>140. GG ficou com o corpo desfigurado. </font><br>
<font>141. GG sente-se entristecida, magoada e infeliz. </font><br>
<font>142. E ficou com a perna esquerda mais curta que a direita. </font><br>
<font>143. E com desnível na anca. </font><br>
<font>144. E passou a ter de usar sempre palmilha de 0,8 cm no pé esquerdo. </font><br>
<font>145. O que a deixa desgostosa e a faz sofrer. </font><br>
<font>146. E em consequência do acidente gastou em consultas e exames 9.950$00. </font><br>
<font>147. E em consultas da especialidade 32.855$00. </font><br>
<font>148. E em taxas moderadoras 3.000$00. </font><br>
<font>149. E em serviços de enfermagem 30.000$00. </font><br>
<font>150. E teve que alugar cadeira de rodas e almofada no que gastou 20.890$00. </font><br>
<font>151. E teve que comprar duas canadianas no que gastou 2.500$00. </font><br>
<font>152. E em fisiatria gastou 109.300$00. </font><br>
<font>153. E em análises e medicamentos gastou 18.000$00. </font><br>
<font>154. No acidente GG partiu dois dentes. </font><br>
<font>155. No tratamento dos dois dentes gastou 160.000$00. </font><br>
<font>156. E em deslocações para consultas e tratamentos GG gastou 120.000$00. </font><br>
<font>157. E passou a caminhar com dificuldade em consequência do acidente. </font><br>
<font>158. E deixou de aguentar-se muito tempo em pé. </font><br>
<font>159. E não poder ajoelhar-se. </font><br>
<font>160. E ficou com limitação da cinética articular coxo - femural direita. </font><br>
<font>161. E com limitação da mobilidade da articulação tíbio - társica direita. </font><br>
<font>162. E com recurvatum da perna esquerda. </font><br>
<font>163. E passou a sofrer dores quando faz esforço. </font><br>
<font>164. E com as mudanças da temperatura. </font><br>
<font>165. GG sente vergonha das cicatrizes. </font><br>
<font>166. E deixou de vestir como era seu hábito. </font><br>
<font>167. E passou a usar apenas calças e vestidos compridos. </font><br>
<font>168. E deixou de usar fatos de banho na praia a fim de não revelar as cicatrizes. </font><br>
<font>169. E deixou de correr, saltar e dançar. </font><br>
<font>170. E deixou de ser comunicativa e alegre e passou a ser melancólica e taciturna. </font><br>
<font>171. E passou a viver com angústia e sofrimento. </font><br>
<font>172. GG recebia 200.000$00 mensais do seu trabalho de fotocompositora e 15.000$00 mensais de subsídio de refeição. </font><br>
<font>173. E deixou de receber tais quantias até que terminou a incapacidade de trabalhar em 1995.09.10 </font><br>
<font>174. E recebeu devido ao acidente e enquanto não voltou ao trabalho a quantia de 977.000$00 da segurança social. </font><br>
<font>175. O Hospital de S. José prestou assistência a AA, no dia 24 de Dezembro de 1994 na sequência do acidente em causa, no montante de 39.200$00. </font><br>
<font>176. Na sequência do acidente dos autos o Hospital de Santa Maria forneceu a AA uma consulta em 1995.02.24 no valor de 3.700$00. </font><br>
<font>177. E sete dias de internamento de 1995.03.10 a 1995.03.17 no valor de 547.660$00. </font><br>
<font>178. E consulta em 1995.04.05 no valor de 3.700$00. </font><br>
<font>179. E 20 tratamentos em 1995.04.11 no valor de 6.400$00. </font><br>
<font>180. E mais 10 tratamentos de cinesioterapia no valor de 10.100$00. </font><br>
<font>181. E uma consulta em 1995.06.08 no valor de 3.700$00. </font><br>
<font>182. E uma consulta em 1995.07.04 no valor de 3.700$00. </font><br>
<font>183. E 15 tratamentos de cinesioterapia no valor de 4.800$00. </font><br>
<font>184. E mais 15 tratamentos no valor de 4.800$00. </font><br>
<font>185. E uma consulta em 1995.08.08 no valor de 3.700$00. </font><br>
<font>186. E 23 tratamentos de cinesioterapia no valor de 8.510$00. </font><br>
<font>187. E 23 tratamentos no valor de 7.360$00. </font><br>
<font>188. E duas consultas no dia 1995.11.15 no valor de 7.400$00. </font><br>
<font>189. A assistência terminou a 1996.03.08 </font><br>
<font>190. Em consequência do acidente em causa o CRS Social pagou a AA relativamente ao período de 1994.12.24 a 1995.08.18 a quantia de 566.891 $00 referente a subsídio de doença e subsídio de Natal. </font><br>
<font>191. Em consequência do acidente em causa o CRS Social pagou a II subsídio de doença no montante de 434.763$00 referente ao período de 1995.01.07 a 1995.09.13 </font><br>
<font>192. E no montante de 14.855$00 referente ao período de 1998.02.25 a 1998.04.30.</font><br>
<br>
<b><font>II. B) – b) O Direito</font></b><br>
<br>
<font>O recorrente pretende ver efectuada a renovação dos meios de prova produzidos na primeira instância, porque, havendo duas versões para a produção do acidente, nenhuma delas veio a ser considerada como provada pela Relação, o que poderia ser evitado – em seu entender - se a Relação tivesse usado dos poderes que lhe são conferidos pelo art. 712.º-3 do CPC, do que veio a decorrer (pelo não uso desses poderes) um errada decisão.</font><br>
<font>Pois bem:</font><br>
<font>Como se tem vindo a repetir em numerosos arestos provenientes deste Tribunal, relativamente ao apuramento da matéria de facto, o Supremo Tribunal de Justiça tem apenas um poder residual, limitado a averiguar da observância das regras de direito probatório material (art. 722.º, n.º 2 do CPC) e a determinar a ampliação da matéria de facto (art. 729.º-3 do CPC.) </font><br>
<font>No caso em presença, o que se pede a este Tribunal exorbita dos poderes que a lei lhe atribui, na medida em que </font><u><font>não se insere em qualquer das situações residuais previstas nesses dois normativos citados:</font></u><br>
<u><font>a) Não se ataca, por um lado, qualquer violação do direito probatório material</font></u><font> (art. 722.º-2 do CPC):</font><br>
<font>Na verdade, não se mostra que o Tribunal tivesse dado como provados:</font><br>
<font>- factos sem qualquer suporte probatório; </font><br>
<font>- factos para cuja existência seria necessário o cumprimento de formalidade especial, havendo sido esta preterida ; </font><br>
<font>- factos com violação das regras da confissão; </font><br>
<font>- factos assentes em violação de presunções legais.</font><br>
<font>E também se não ataca a decisão da Relação com base na circunstância de se considerarem “não provados” factos que a lei impunha que se considerassem provados, porque decorrentes da força probatória plena que a lei atribui às provas de onde emanariam, onde o Juiz estaria submetido à prova vinculada, e não teria o poder de julgar segundo a sua livre convicção.</font><br>
<br>
<u><font>b) Por outro lado, não é questionada sequer a necessidade de ampliação da base instrutória</font></u><font> (art. 712.º-3 do CPC), pretendendo-se apenas que se obrigue a Relação a que esta proceda à renovação dos meios de prova produzidos em primeira instância.</font><br>
<font> </font><br>
<font>Ora, quer o art. 722.º-2 quer o art. 712.º-6 do CPC são muito claros ao dizer que fora das hipóteses aí contempladas não há recurso para o Supremo em questão da matéria de facto fixada pelas instâncias.</font><br>
<font>Diz o art. 722.º-2:</font><br>
<i><font>“O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto de recurso de revista, salvo havendo recurso de uma disposição expressa da lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova.”</font></i><br>
<font>E, por sua vez, o art. 712.º-6 :</font><br>
<i><font>“Das decisões da Relação previstas nos números anteriores</font></i><font> (onde está o art. 712.º-3) </font><i><font>não cabe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.”</font></i><br>
<br>
<font>Ora acontece que toda a prova produzida na primeira instância cai no âmbito da livre apreciação das provas.</font><br>
<font>O poder conferido
|
[0 0 0 ... 0 0 0]
|
xzLOu4YBgYBz1XKvHD-b
|
1.ª Secção (Cível)
|
<b><font> </font></b><font><font> </font><br>
<br>
<font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font><br>
<br>
<font> 1. - “EDP Distribuição – Energia, S.A.” intentou acção declarativa contra “M... – Estamparia Têxtil, S.A.”, reclamando o pagamento das quantias de € 38 763,68, relativos ao preço de energia eléctrica fornecida e não paga, de € 4 818,43 de juros vencidos e juros vincendos, á taxa legal.</font><br>
<font> </font><br>
<font> A Ré contestou e arguiu a excepção peremptória da prescrição do crédito peticionado.</font><br>
<br>
<font> No despacho saneador, a Ré foi absolvida do pedido com fundamento na invocada prescrição, decisão que a Relação, por remissão, manteve.</font><br>
<br>
<font> A Autora interpôs recurso de revista, pedindo a revogação do acórdão e a condenação da Ré no pedido, ao abrigo da seguinte síntese conclusiva:</font><br>
<font> - A Recorrente celebrou com a Recorrida um contrato de fornecimento de energia eléctrica à tensão de 15.000V, designada “média tensão”, designação técnica enquadrável noutra mais abrangente – “alta tensão (Dec. Reg. nº. 98/84, de 26/12 e n.º 1/92, de 18/2);</font><br>
<font> - A EDP forneceu a energia à Recorrida entre 1 e 30 de Abril e entre 1 e 31 de Maio de 2004, tendo-lhe remetido, para pagamento, duas facturas, uma no dia 1 de Maio de 2004 e a outra no dia 31 do mesmo mês, correspondentes ao referidos serviços; </font><br>
<font> - Não decorreu o prazo a que alude o n.º 1 do art. 10º da Lei n.º 23/96 entre o momento da entrega da energia e a interpelação da Recorrida para pagar o respectivo preço;</font><br>
<font> - A citada Lei diz que “ o direito de exigir o pagamento do preço do serviço prestado prescreve no prazo de seis meses após a prestação” e não diz que o serviço prestado prescreve no prazo de seis meses.</font><br>
<font> - Igualmente não decorreu o prazo a que alude a al. g) do art. 310º C. Civil entre o momento da prestação do serviço e a citação para a acção.</font><br>
<font> - Aos fornecimentos de energia eléctrica em “Alta Tensão”, neste conceito se abrangendo os fornecimentos em “Média Tensão” (entre 1 000 e 45 000 volts), “Alta Tensão” (entre 45 000 e 110 000 volts) e “Muito Alta Tensão” (superior a 110 000 volts), não é aplicável o regime de prescrição e de caducidade previstos nos n.ºs 1 e 2 do art. 10º da Lei n.º 23/96, por força do n.º 3 do mesmo dispositivo legal;</font><br>
<font> - O conceito de “Alta Tensão” do n.º 3 do art. 10º citado é utilizado numa acepção ampla, abrangendo indistintamente todos os valores que excedam a “Baixa Tensão”, e é aquele que melhor se enquadra na ratio da Lei 23/96, diploma que visou proteger essencialmente os pequenos consumidores;</font><br>
<font> - A aplicação das definições constantes dos diplomas legais publicados em 17/7/95, nomeadamente os DL 182/95, 184/95, 185/95 e 186/95, é neles expressamente restringida ao seu âmbito próprio;</font><br>
<font> - Se o legislador tivesse usado o conceito de “Alta Tensão” em sentido restrito, coerentemente e por maioria de razão, natural seria que do n.º 3 constasse igualmente o conceito de “Muito Alta Tensão”;</font><br>
<font> - Entre a “Alta Tensão” (em sentido restrito) e a “Média tensão” não se detectam traços distintivos (condições técnicas de fornecimento e perfil dos utentes) significativos de uma diferenciação de regime de preclusão dos créditos do fornecedor;</font><br>
<font> - Só a concepção ampla de “Alta Tensão”, abrangendo a “Média tensão” e a “Muito Alta Tensão”, por contraposição a “Baixa Tensão” (tipologia bipolar), permite delinear de forma adequada o âmbito de exclusão do n.º 3 do art. 10º,</font><br>
<font> - Tal interpretação é a única compatível com os limites do princípio constitucional da igualdade, enquanto proibição do arbítrio.</font><br>
<br>
<font> A Recorrida apresentou contra-alegações, em defesa do julgado.</font><br>
<font> </font><br>
<font> 2. - Como decorre do conteúdo das conclusões da Recorrente, propõe-se a resolução de duas questões sucessivas:</font><br>
<font> </font><br>
<font>- A primeira, de saber se o direito ao preço da energia fornecida pela Recorrente à Recorrida se encontra prescrito, por terem decorrido mais de seis meses desde a apresentação das respectivas facturas até à citação da R. para esta acção, ou seja, o prazo prescricional extintivo estabelecido no n.º 1 do art. 10º da Lei n.º 23/96, de 26/7;</font><br>
<font> - Depois, a de saber se a aplicação do regime do preceito está excluída, nos termos do seu n.º 3, por dever aplicar-se apenas aos fornecimento de energia em “baixa tensão”, conceito a contrapor ao de “alta tensão” a que a norma retira aplicabilidade.</font><br>
<br>
<font> 3. – Factos.</font><br>
<br>
<font>Vem definitivamente assente a seguinte factualidade:</font><br>
<font> - A A. dedica-se à aquisição transporte e distribuição de energia eléctrica;</font><br>
<font> - No exercício da sua actividade, celebrou com a R. o “contrato de fornecimento de energia eléctrica” para abastecimento das instalações industriais desta, à tensão de 15 000 volts (tensão média), com potência instalada de 1 000,00kva; </font><br>
<font> - Em execução desse contrato, a A. forneceu à R. energia eléctrica nas quantidades e tarifas que constam das facturas juntas a fls. 15 e 18, uma de 01/05/2004 e outra de 31/05/04, no valor, respectivamente, de € 22 798,04 e € 28 123,12;</font><br>
<font> - Tais facturas foram enviadas à R. para pagamento nas respectivas datas, delas constando o prazo de pagamento;</font><br>
<font> - A Ré não as pagou;</font><br>
<font> - Em 01/06/2004, a R. denunciou o contrato de fornecimento que, desde 1987, mantinha com a A., passando as suas instalações a ser abastecidas por outra empresa distribuidora de energia eléctrica;</font><br>
<font> - A A. reclamou várias vezes, junto da R., o pagamento da quantia em causa (capital + juros), no montante global de € 51 135,46;</font><br>
<font> - Da Seguradora que garantira o pagamento dos fornecimentos, a A. logrou cobrar a quantia de € 12 247,48;</font><br>
<font> - Em 15/3/05, a R. apresentou à A. proposta de pagamento do valor da energia em dívida e dos juros de mora calculados até 31/7/04, em quatro prestações mensais, com início em 31/3/05, proposta que a A. aceitou, o que, no mesmo dia, comunicou à R.;</font><br>
<font> - A R. não efectuou o pagamento de qualquer das prestações por si propostas e aceites pela EDP.</font><br>
<br>
<font> - A citação da R. teve lugar em 21/9/05.</font><br>
<br>
<font> 4. - Mérito do recurso.</font><br>
<br>
<font>4. 1. - A prescrição. Âmbito de aplicação do n.º 1 do art. 10º da Lei n.º 23/96.</font><br>
<br>
<font> 4. 1. 1. - Trata-se, como dito, de saber se o prazo de extinção do direito da Autora de exigir </font><u><font>judicialmente</font></u><font> o pagamento se extingue por prescrição decorridos que se mostrem seis meses sobre a data do fornecimento, como vem decidido, ou se esse prazo de seis meses se refere apenas ao lapso temporal entre a prestação dos serviços e a apresentação da respectiva factura, extinguindo-se o direito de exigir o pagamento através dessa apresentação, mas, sendo apresentada, é, a partir de então, aplicável o prazo prescricional previsto no C. Civil, como sustenta a Recorrente.</font><br>
<font> Como variante da primeira posição, cabe ainda o entendimento segundo o qual, havendo apresentação tempestiva da factura, a prescrição tem lugar decorridos que sejam seis meses sobre essa apresentação, funcionando este acto como interruptivo do prazo prescricional de seis meses previsto na norma. </font><br>
<font> </font><br>
<font>Está em causa a interpretação e conjugação do preceituado nos art.s 10.º-1 da Lei nº 23/96, de 26/7 e 310.º-g) do C. Civ., matéria a que tanto a jurisprudência como a doutrina que se conhece vêm dando respostas diferentes, seja quanto à qualificação prescrição – presuntiva ou extintiva – seja quanto ao campo de incidência da norma daquele n.º 1</font><br>
<font>O relator desta peça teve já oportunidade de tomar posição sobre a matéria, em caso que versava a prestação de serviços de telefone, tendo então entendido que o prazo prescricional (de extinção do direito ao pagamento) era de seis meses contados da apresentação da factura, facto interruptivo da prescrição, como sugerido pelo n.º 5 do art. 9º do DL n.º 381-A/87, de 30/12 (Serviço de telecomunicações de uso público) – ac. R. P., de 20/6/2002, na apel. n.º 589/02 – posição que, agora, e fora dos específicos contornos do processo em que foi tomada, considera merecer ser revista.</font><br>
<font> </font><br>
<font> 4. 1. 2. - As facturas accionadas foram apresentadas ao Réu para pagamento antes de decorridos seis meses sobre a data da prestação dos serviços nelas discriminados e a citação, como a propositura da acção, tiveram lugar mais de um ano e menos de dois anos após a referida apresentação de cada uma das facturas.</font><br>
<br>
<font>Ninguém duvida de que através da Lei n.º 32/96 se teve em mente a protecção dos consumidores dos serviços neles referidos, como resulta das respectivas epígrafes: «... Mecanismos destinados a proteger o utente de serviços públicos essenciais» e «Protecção dos utentes», respectivamente.</font><br>
<font> O fundamento do estabelecimento dum prazo prescricional "muito curto", escreve CALVÃO DA SILVA (</font><i><font>RLJ </font></i><font>132.º-154), entronca na «chamada </font><i><font>ordem pública de protecção </font></i><font>ou </font><i><font>ordem pública social</font></i><font>, própria da reluzente temática da tutela do consumidor, tirado da </font><i><font>necessidade de prevenir a acumulação de dívidas, que o utente pode (deve) pagar periodicamente mas encontrará dificuldades em solver se excessivamente agregadas</font></i><font>».</font><br>
<br>
<font> Ponto é saber se o legislador, para satisfazer esse desiderato, para além de ter pretendido ver extinto o direito de exigir o pagamento do serviço mediante a apresentação da respectiva factura para além de seis meses sobre a data da sua prestação, quis ainda que o direito de exigir o preço de serviços titulados por facturas tempestivamente apresentadas se extinguisse também no mesmo prazo semestral, vale dizer, ter o legislador estabelecido um prazo novo e bem mais curto que o que se encontra previsto na al. g) do art. 310.º C. Civil. </font><br>
<font> </font><br>
<font> Pronunciando-se sobre o tema, MENEZES CORDEIRO, depois de admitir que a lei visou proteger o consumidor, embora optando por fazê-lo “de modo indirecto, tutelando o utente em geral”, faz notar que “a Lei n.º 23/96 será uma boa lei se se aplicar com segurança e previsibilidade, elevando o nível dos serviços e tranquilizando os utentes. A lei que empole a litigiosidade social nunca é uma boa lei”, sendo que não se pode interpretar o art. 10º-1 pensando, apenas, nos serviços de telefones, em que há especiais facilidades de encontrar o preço, mas também nos outros, como a electricidade e água, em que o fornecedor pode precisar de tempo para efectuar as leituras, tendo-se entendido dar-lhes um prazo de seis meses, de modo que, se, então, “não houver factura, há prescrição”. Assim, se enviada a factura no prazo de seis meses, o direito de exigir o pagamento foi atempadamente exercido; depois, cair-se-á na prescrição dos arts. 310º-g ou 317º-b) C. Civil, conforme a qualidade da pessoa do devedor. (“</font><i><font>Da Prescrição do Pagamento dos Denominados Serviços Públicos Essenciais”- “O DIREITO”</font></i><font>, 133º).</font><i><font> </font></i><font> </font><br>
<br>
<font> Temos, assim, que o não envio da factura no prazo estabelecido no n.º 1 do art. 10º importa a prescrição do direito de a apresentar, de sorte que, se houver envio posterior, este não produz efeitos, designadamente como exigência de pagamento. Provada a tempestiva apresentação da factura, o direito de exigir o pagamento está eficazmente exercido, seguindo-se a prescrição de curto prazo prevista na lei civil.</font><br>
<font> A não ser essa a solução, cair-se-ia, pela extrema exiguidade do prazo, na situação de, perante leituras que, por quaisquer razões, não permitissem o envio da factura nos três ou quatro meses subsequentes à prestação do serviço, haver necessidade de instauração da acção em juízo simultânea ou quase simultaneamente com tal envio, a fim de evitar a prescrição, o que implicaria uma carga de litigiosidade com que certamente o legislador não terá querido onerar utentes, fornecedores e serviço.</font><br>
<br>
<font> Como se põe em relevo no douto parecer junto aos autos (da autoria dos Profs. RUI DE ALARCÃO e J. SOUSA RIBEIRO), cujas conclusões se sufragam, desempenhando a factura a função de </font><i><font>liquidação do preço</font></i><font>, valendo a sua apresentação como </font><i><font>interpelação</font></i><font> e </font><i><font>fixação</font></i><font> </font><i><font>do</font></i><font> </font><i><font>prazo</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>cumprimento</font></i><font>, este acto do fornecedor representa “um passo instrumentalmente necessário para a realização do direito ao preço”, donde que «apresentação da factura e exercício do “direito de exigir o pagamento ao preço do serviço prestado” são uma e a mesma coisa (…), devendo a norma ser lida como se dissesse: “</font><i><font>direito ao preço prescreve se a respectiva factura não for apresentada dentro de seis meses após a prestação do serviço”</font></i><font>.</font><br>
<br>
<font> A corroborar esse entendimento acorre a redacção inserta no n.º 2 do mesmo preceito em que, reportando-se a diferenças entre consumos facturados (com erro do fornecedor) e pagos e consumos realmente efectuados, se alude ao “</font><i><font>direito ao recebimento da diferença de preço</font></i><font>”, expressão bem diferente de “</font><i><font>direito de exigir o pagamento</font></i><font>”, e justificada pela diferença de situações contempladas pelas normas em confronto.</font><br>
<font> No mesmo sentido, embora respeitante ao fornecimento de serviços de telecomunicações, aponta o já aludido n.º 5 do art. 9º do DL n.º 381-A/97, ao estabelecer expressamente que “para efeitos do número anterior [de prescrição do direito de exigir o pagamento], </font><i><font>tem-se por exigido o pagamento com a presentação de cada factura”</font></i><font>, norma cuja aplicação deve estender-se ao demais serviços abrangidos pelo regime da Lei n.º 23/96, visto não se encontrarem razões justificativas de diferenciação de tratamento.</font><i><font> </font></i><font> </font><br>
<br>
<font> Resta, finalmente, deixar referido que o regime da perda do direito de exigir o pagamento do preço, se não for apresentada a factura dentro dos seis meses após a sua prestação, deixa, a nosso ver, suficientemente protegida a situação do utente e o seu interesse legalmente tutelado de não ser surpreendido com a exigência do pagamento de dívidas com que já não contaria, assegurados que ficam a relação de proximidade temporal entre a prestação do serviço e o cumprimento do encargo em que ele se traduz, bem sabendo com o que pode e deve contar sempre que o fornecedor o notifique para pagar no prazo de seis meses.</font><br>
<br>
<font> 4. 1. 3. - Conclui-se, pois, com os Ilmos. Autores do parecer junto, que quando o n.º 1 do art. 10º da Lei n.º 23/96 alude ao direito de exigir o pagamento, não se refere ao direito de o exigir judicialmente, mas o de interpelar o devedor para pagar através da apresentação da factura prevista no art. 9º-1.</font><br>
<font> Omitido, em tempo, este acto de interpelação, prescreve, reflexamente, o crédito do preço do serviço.</font><br>
<font> Porém, apresentada tempestivamente a factura, exigiu-se o pagamento e não ocorreu aquele efeito prescricional, havendo que atender, então, ao prazo de extinção do crédito cominado no C. Civil, no caso, na al. g) do art. 310º – cinco anos -, dado o destino industrial do fornecimento. </font><br>
<font> No caso, o direito da Autora-recorrente a exigir judicialmente o pagamento do seu crédito, porque tempestivamente exercitado, visto ter apresentado as facturas no mês seguinte ao da prestação dos serviços e ter feito citar a Ré menos de um ano e meio depois, não se encontra extinto pela invocada prescrição.</font><br>
<br>
<font> 4. 2. - Perante a posição tomada relativamente à primeira das questões enunciadas, mostra-se prejudicada, por desnecessidade, a apreciação da segunda, razão por que dela não se conhece – art. 660º-2 CPC.</font><br>
<br>
<font> 5. - Decisão. </font><br>
<br>
<font> Em conformidade com o exposto, decide-se:</font><br>
<font> - Conceder a revista;</font><br>
<font> - Revogar o acórdão impugnado;</font><br>
<font> - Julgar improcedente a excepção da prescrição; e, na procedência da acção, </font><br>
<font> - Condenar a Ré no pedido e no pagamento das custas, quer das deste recurso, quer das devidas nas Instâncias.</font><br>
<br>
<br>
<font> Supremo Tribunal de Justiça, 23 de Janeiro de 2007 </font><br>
<br>
<font>Alves Velho (relator)</font><br>
<font> Moreira Camilo</font><br>
<font> Urbano Dias </font></font>
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1.ª Secção (Cível)
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<b><font> </font></b><font><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font><br>
<br>
<font>1. - "AA" e mulher, BB intentaram acção declarativa contra CC e marido, DD, pedindo:</font><br>
<font>a) Se declare impugnado o teor da escritura de Justificação Notarial lavrada pelos RR., em 3.11.99, no Cartório Notarial de Marinha Grande de fls. 142 v° a fls. 143 do Livro de Notas para escrituras diversas 48- E, em que declararam ter adquirido por usucapião o prédio rústico inscrito na matriz da freguesia de Carvide, sob o art. 5193 ;</font><br>
<font>b) Se ordene o cancelamento de todos e quaisquer actos de Registo Predial efectuados com base nessa escritura de Justificação ou posteriormente, relativos ao prédio da descrição 2819/Carvide, nomeadamente a inscrição G Ap. 8 de 20. 12. 99, de aquisição de tal prédio a favor dos RR.; </font><br>
<font>c) Se elimine e/ou anule a dita descrição predial 2819/Carvide.</font><br>
<font>Para tanto, os AA. alegaram, em síntese, que no dia 03/11/1999 foi lavrada no Cartório Notarial da Marinha Grande escritura pública de justificação nos termos da qual o Réu marido, por si e na qualidade de procurador de sua mulher CC, declarou que, com exclusão de outrem, ele e a sua representada eram donos e legítimos possuidores de um prédio rústico composto de terra de cultura com a área de 3852,5 m2, sito no lugar de Confraria, freguesia da Carvide, concelho de Leiria, inscrito na matriz em nome de sua representada sob o artigo n.º 5193 e omisso na Conservatória do Registo Predial, o qual viera à posse da sua representada por compra efectuada no ano de 1977 a EE e mulher, FF, mas por tal compra ser verbal não dispunha aquela de prova documental, sendo certo porém que há mais de vinte anos que "...ele e a sua representada possuem o dito prédio em nome próprio (...), pelo que adquiriram tal prédio por usucapião"; e que tais declarações não correspondem à verdade, pois que o prédio sempre pertenceu, até 1980, aos pais de A. e R., foi descrito no respectivo inventário e, em 1983, por acordo, adjudicado, na proporção de metade à Ré e ao Autor.</font><br>
<br>
<font>Os Réus contestaram e, subsidiariamente, deduziram reconvenção. Alegaram que logo após a partilha, ainda em 1983, o prédio foi dividido e demarcado, divisão que sempre foi respeitada e pediram a condenação dos AA. a reconhecer que os RR adquiriram por usucapião a parcela resultante da divisão do imóvel identificado sob a verba n.º 28 do Inventário com Processo nº 160/82 e tal como se encontra identificado na escritura de justificação junta aos autos.</font><br>
<br>
<font>Os AA replicaram, pugnando pela inadmissibilidade do pedido reconvencional.</font><br>
<br>
<font>No despacho saneador foi admitida a reconvenção, decisão impugnada pelos AA., mediante recurso de agravo que, julgado com a apelação, não obteve provimento .</font><br>
<br>
<font>A final sentenciou-se a improcedência da acção e a procedência da reconvenção.</font><br>
<br>
<font>Os Autores apelaram e viram a Relação decidir pela procedência tanto da acção como da reconvenção.</font><br>
<br>
<font>Pedem ainda revista os AA. e, subordinadamente, os RR.</font><br>
<br>
<font>Os Autores pretendem a revogação do acórdão, ao abrigo das seguintes conclusões:</font><br>
<font>- A decisão, no acórdão recorrido, de julgar procedente a acção, declarando impugnado o teor da escritura de justificação notarial, transitou em julgado;</font><br>
<font>- Por isso, não pode a mesma escritura ter qualquer efeito ou valor como a referência a que alude a parte final do pondo B. da decisão do mesmo acórdão ("tal como [a parcela] se encontra identificada na escritura de justificação junta aos autos");</font><br>
<font>- Nesta acção, que é de simples apreciação negativa, não é admissível pedido reconvencional;</font><br>
<font>- O acórdão recorrido, no seu ponto B., ao atender e tomar conhecimento do conteúdo da escritura impugnada e do pedido reconvencional, cometeu a nulidade prevista no art. 668º-1-d) do CPC;</font><br>
<font>- Mesmo a entender-se que se verificou a divisão que as instâncias deram como provada, esta é nula por violação das normas legais imperativas que a não permitem e daí que não possa ser objecto de registo;</font><br>
<font>- Não podem os RR. invocar a usucapião como forma válida de adquirir o direito de propriedade sobre a pretensa sua parcela por a divisão entre os comproprietários integrar uma forma de aquisição derivada, não podendo invocar-se aquela forma de aquisição originária;</font><br>
<font>- Mesmo que se entenda ser admissível a reconvenção, esta não pode proceder, pois há presunção resultante do registo a favor dos comproprietários, e não concorrem os requisitos da posse que permitam invocar a usucapião, já que não é titulada e não decorreu o prazo de 20 anos - arts. 1287º e 1294º C. Civil;</font><br>
<font>- A decisão recorrida quanto à matéria de facto deve ser alterada, não podendo manter-se as respostas que constituem os pontos 21. a 25. dos factos provados, porque a procuração e substabelecimento juntos aos autos não concediam a GG poderes para representar os Recorrentes, nem estes ratificaram o que quer que fosse. A Relação não podia manter a resposta "Provado" ao quesito relativo à posse de boa fé (ponto 34.). </font><br>
<font>Foram violados os arts. 27º do DL n.º 289/73; 343º-1, 294º, 363º, 370º, 371º, 375º, 376º, 268º, 269º, 342º, 1260º-2, 1297º, 1294º, 1259º, 1376º, 1379º e 1403º, todos do C. Civil; 3º-1 e 274º CPC; 7º e 116 do CRP; e, 89º do C. Notariado.</font><br>
<br>
<font>Os Réus, por sua vez, pedindo que "se vier a proceder o recurso principal, deverá igualmente proceder o (seu e interposto como subordinado) recurso, declarando-se a acção improcedente", sustentam:</font><br>
<font>- Os Recorrentes gozam da presunção inerente ao registo do direito de propriedade e os AA. não lograram fazer a prova dos factos da acção, que intentaram posteriormente a esse registo;</font><br>
<font>- Os RR. têm posse com as características que conduzem à usucapião;</font><br>
<font>- É apenas o direito de propriedade que está em causa na acção e não a escritura;</font><br>
<font>- Com a impugnação desta não se visa atingi-la, mas apenas o direito de propriedade que nela se arrogam os justificantes;</font><br>
<font>- Quer por não ter sido ilidida da presunção, quer por demonstrada a aquisição do direito por usucapião, a acção tem de improceder.</font><br>
<font> </font><br>
<font>2. - As Instâncias tiveram por provada a seguinte factualidade.</font><br>
<br>
<font>1. O Autor AA e a Ré CC encontram-se ambos registados como filhos de EE e de FF (docs. de fls. 9 e 10). </font><br>
<font>2. EE faleceu em 19/03/1980, no estado de casado com FF (doc. de fls.11). </font><br>
<font>3. Por morte do aludido EE correram termos pela extinta 2ª secção do 3º juízo desta comarca sob o n.º 160/82 uns autos de inventário facultativo, no âmbito dos quais foi relacionado sob o nº 28 o prédio composto de terra de cultura no sítio da Confraria, EE e outros, sul com HH e poente com II, não descrito na Conservatória e inscrito na respectiva matriz sob o art.° 4284 (certidão de fls.12 a 37).</font><br>
<font>4. No aludido inventário o prédio identificado na alínea b) foi adjudicado ao Autor marido e à Ré mulher em comum e partes iguais (idem). </font><br>
<font>5. Encontra-se inscrito na matriz predial rústica da freguesia de Carvide sob o art.° 42841, sito em Confraria, composto de terra de cultura com 3 árvores de fruto, a confrontar do Norte com JJ, Nascente EE e outros, nascente KK e sul com HH, com a área matricial de 850 m2 (certidão de fls.39). </font><br>
<font>6. O prédio identificado na alínea anterior encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 2862/19991124 e aí inscrito na proporção de metade, a favor do Autor marido, por lhe ter sido adjudicado em inventário que correu termos por óbito de EE (certidão de fls. 40 a 42). </font><br>
<font>7. O mesmo prédio confronta actualmente do lado nascente com o prédio inscrito na matriz sob o art. 4289, do lado norte com o inscrito na matriz sob o art. 4281, do lado poente com terreno antes de II onde se encontra edificada uma casa de habitação e cómodos, encontrando-se a estrema poente delimitada, em toda a sua extensão, por um muro com cerca de l,5 m de altura. </font><br>
<font>8. O prédio, inscrito na matriz sob o art. 4284 sempre foi delimitado a sul por um valado ali existente, com árvores e arbustos vários, predominantemente loureiros, a norte por uma linha tirada entre o caminho público situado a sul e um valado com caneiras existente na sua extremidade norte, ao longo da confinância com o prédio inscrito sob o artigo n.º 4281, e que define a linha divisória por este mesmo lado. </font><br>
<font>9. Em vida dos pais do Autor marido e da Ré mulher sempre estes semearam e plantaram milho, pastos, batatas, feijão e hortas no prédio inscrito sob o artigo n.º 4284, à roda do ano, em toda a largura e comprimento do terreno. </font><br>
<font>10. O prédio encontra-se actualmente (com referência à data da propositura da acção) semeado com milho até cerca de 15 m da extremidade norte e numa largura de, pelo menos, 35 m até próximo da linha divisória, a nascente. </font><br>
<font>11. No dia 03/11/1999, foi lavrada no Cartório Notarial da Marinha Grande escritura pública de justificação nos termos da qual o Réu marido, por si e na qualidade de procurador de sua mulher CC, declarou que, com exclusão da outrem, ele e a sua representada eram donos e legítimos possuidores de um prédio rústico composto de terra de cultura com a área de 3852,5 m2, sito no lugar de Confraria, freguesia da Carvide, concelho de Leiria, a confrontar do norte com JJ, do Sul com LL, do nascente com EE e do poente com AA, inscrito na matriz em nome de sua representada sob o artigo n.º 5193 e omisso na Conservatória do Registo Predial, conforme certidão de fls. 44 dos autos. </font><br>
<font>12. Mais declarou no acto que o prédio viera à posse da sua representada por compra efectuada no ano de 1977 a EE e mulher, FF, mas por tal compra ser verbal não dispunha aquela de prova documental, sendo certo porém que há mais de vinte anos que "...ele e a sua representada possuem o dito prédio em nome próprio, sem oposição de quem quer que fosse desde o seu início, posse que sempre exerceram sem interrupção e ostensivamente, com o conhecimento de toda a gente e traduzida em actos materiais de conservação, defesa e fruição, nele colhendo produtos e sementeiras e pagando os respectivos impostos, sendo por isso uma posse pacífica, contínua e pública, pelo que adquiriram tal prédio por usucapião" (idem). </font><br>
<font>13. Na mesma escritura intervieram como segundos outorgantes MM, NN e OO, os quais disseram confirmar as declarações do justificante, por corresponderem as mesmas à verdade (idem). </font><br>
<font>14. Os referidos EE e mulher não declararam vender aos Réus, nem estes declararam comprar-lhes o prédio objecto da escritura. </font><br>
<font>15. Encontra-se inscrito na matriz predial rústica da freguesia de Carvide sob o artigo n.º 5193 o prédio sito em Confraria, composto de terra de semeadura, a confrontar do norte com JJ, sul LL, nascente EE e poente AA, com a área de 3852,5 m2, conforme doc. de fls. 53 dos autos. </font><br>
<font>16. A Ré mulher apresentou requerimento para inscrição matricial do prédio a que veio a ser atribuído o artigo n.º 5193 em 19/01/1999, conforme documento de fls. 78 dos autos. </font><br>
<font>17. O prédio a que corresponde a inscrição matricial n.º 5193 da freguesia de Carvide encontra-se registado na Segunda Conservatória do Registo Predial de Leiria sob o n.º 2819/19991217 e aí inscrito a favor dos Réus, mencionando-se como causa aquisitiva a usucapião (cf. certidão de fls. 55-56). </font><br>
<font>18. O prédio hoje inscrito na matriz sob o artigo n.º 5193 corresponde à parcela do lado do prédio inscrito sob o artigo n.º 4284 (confessado artigo 30° contestação). </font><br>
<font>19. Em finais de Junho de 1999. os Autores constataram a existência de uma placa colada de licenciamento para construção de moradia - processo camarário 236/2000.</font><br>
<font>20. Os Autores encontram-se emigrados em país estrangeiro.</font><br>
<font>21. Na sequência da partilha efectuada no âmbito do inventário que correu termos por óbito de EE, Autores e Réus procederam à divisão do prédio a que correspondia a verbal nº 28 da descrição.</font><br>
<font>22. O que ocorreu ainda no decurso do ano de 1983.</font><br>
<font>23. No acto da divisão interveio em nome dos Autores o Sr. GG.</font><br>
<font>24. Foi o referido GG quem procedeu à medição do prédio.</font><br>
<font>25. Na sequência da divisão coube aos Réus a parcela a nascente, com a área de 3852,5 m2.</font><br>
<font>26. A qual ficou a confinar do norte com JJ, sul LL, nascente EE e poente com o Autor.</font><br>
<font>27. Cabendo aos Autores a parcela do lado poente, com idêntica área.</font><br>
<font>28. O mesmo GG colocou estacas de madeira a assinalar a linha divisória entre as duas parcelas.</font><br>
<font>29. Em finais de 1983, inícios de 1984, os Réus procederam à plantação de árvores de fruto na parcela a que se referem as alíneas y) e z).</font><br>
<font>30. E nela construíram uma eira e uma edificação para instalarem o sistema de irrigação.</font><br>
<font>31. Desde 1983 que os Réus vêm amanhando de forma exclusiva a aludida parcela.</font><br>
<font>32. O que ocorre à vista de toda a sente, incluindo os Autores.</font><br>
<font>33. E sem a oposição de quem quer que seja.</font><br>
<font>34. Os RR vêm actuando no convencimento de que exercem um direito próprio sobre a aludida parcela como se de um prédio autónomo se tratasse e que não prejudicam ninguém.</font><br>
<font> </font><br>
<font>3. - Recurso independente (dos Autores). </font><br>
<br>
<font>Do recurso dos AA. - independente - emergem as seguintes questões:</font><br>
<font>- Trânsito em julgado da decisão sobre a acção;</font><br>
<font>- Inadmissibilidade do pedido reconvencional;</font><br>
<font>- Nulidade do acórdão, por excesso de pronúncia, por ter conhecido desse pedido e do conteúdo da escritura de justificação, designadamente na sua parte decisória, após ter julgado a acção procedente;</font><br>
<font>- Alteração das respostas à matéria de facto; </font><br>
<font>- Impossibilidade de invocação da usucapião em sede reconvencional e por nulidade da divisão por violação de normas imperativas;</font><br>
<font>- Improcedência da reconvenção, por haver registo a favor dos AA., com presunção não ilidida, por assentar em divisão nula e por não estarem verificados os requisitos da posse. </font><br>
<br>
<font>3. 1. - Trânsito em julgado da decisão relativa à acção. Questão prévia.</font><br>
<br>
<font>Os Autores, antes ainda de os Réus oferecerem a sua alegação, mas face à interposição, por estes últimos, de recurso a que chamaram subordinado, vieram suscitar a questão de os RR. apenas poderem impugnar a decisão de procedência da acção mediante interposição recurso independente e, não o tendo feito, a decisão transitou em julgado.</font><br>
<br>
<font>Não têm razão.</font><br>
<br>
<font>O recurso interposto pelos RR. tem natureza claramente subsidiária, condicionada, como está, a pretensão da sua apreciação à procedência do recurso dos AA..</font><br>
<font>A lei não proíbe a interposição de recurso subordinado, subsidiário ou não, relativamente a decisões distintas, designadamente quando uma é prejudicial em relação à outra, como tão frequentemente acontece no caso de ter sido deduzido pedido reconvencional. Exige-se apenas que a parte tenha sido vencida, traduzindo-se a subordinação no funcionamento do regime previsto no n.º 2 do art. 682 - arts. 684º-A-1 e 682º-1 (cfr. LEBRE DE FREITAS, "</font><font>CPC, Anotado</font><font>", 3º, 28; TEIXEIRA DE SOUSA, "</font><font>Estudos...</font><font>", 464 e 497).</font><br>
<br>
<font>Relativamente ao recurso subordinado, a lei expressamente remete a aferição dos respectivos critérios de admissão pelos de admissibilidade do recurso de que é dependente, embora não o faça depender da regra da sucumbência -art. 682º-5 CPC.</font><br>
<font>Destina-se ele, contudo, como se colhe do disposto no n.º 1 do mesmo artigo, a possibilitar ao recorrente a obtenção da reforma da decisão na parte que lhe foi desfavorável, o que implica, para o tribunal </font><font>ad quem</font><font>, a reapreciação, na totalidade, da decisão sob censura (na parte desfavorável a cada um dos recorrentes), o que, por sua vez, tem como corolário lógico que o recurso subordinado tem sempre como pressuposto que o recorrente não tenha obtido total vencimento na decisão de que foi interposto recurso principal. Se o recorrente, totalmente vitorioso, pretende ver apreciado algum fundamento em que decaiu, prevenindo a necessidade dessa apreciação, o meio adequado é a ampliação do âmbito do recurso a que se alude no art. 684º-A, que não o recurso subordinado (cfr., sobre o ponto, AMÂNCIO FERREIRA, "</font><font>Manual dos Recursos em Processo Civil</font><font>", 4ª ed., 80 e ss.).</font><br>
<font>Em conclusão, o recurso subordinado, prescindindo do requisito da sucumbência, só não será admissível quando não o seria se fosse interposto como independente.</font><br>
<font> </font><br>
<font>Consequentemente, decidindo a questão prévia, considera-se impugnada, subsidiariamente, e consequentemente não transitada em julgado, a decisão que julgou procedente o pedido de impugnação da escritura de justificação.</font><br>
<br>
<font>3. 2. - Mérito do recurso.</font><br>
<br>
<font>3. 2. 1. - Admissibilidade do pedido reconvencional. </font><br>
<br>
<font>Os Recorrentes insurgiram-se contra a decisão que, no despacho saneador, admitiu a reconvenção impugnando-a, através do competente recurso de agravo, recurso este em que, julgado conjuntamente com a apelação, veio a ser negado provimento.</font><br>
<br>
<font>Tratando-se de matéria que tem exclusivamente por objecto a invocação de violação da lei processual, o meio de impugnação da decisão continua a ser, como o foi antes, o recurso de agravo.</font><br>
<font>Estamos, assim, perante agravo continuado.</font><br>
<br>
<font>O art. 754º-2 CPC veda a interposição de recurso para o Supremo em agravo continuado, salvo havendo oposição de acórdãos, nos termos previstos no n.º 2 do art. 754º ou quando ocorra alguma das excepções acolhidas pelo seu n.º 3, o que não vem invocado pelos Recorrentes, nem sucede no caso.</font><br>
<br>
<font>Simultaneamente, a impugnação da decisão por violação da lei adjectiva, matéria específica do recurso de agravo (art. 755º), é admitida como acessório do recurso de revista apenas quando dessa violação for admissível recurso, nos termos do art. 754º-2 - art. 722º-1 CPC.</font><br>
<br>
<font>Ora, porque, </font><font>in casu</font><font>, o recurso de agravo sempre estaria vedado pelo dito art. 754º-2, vedado está também conhecer do respectivo objecto no âmbito do recurso de revista, por expressa imposição da norma do dito n.º 1 do art. 722º.</font><br>
<br>
<font>Consequentemente, não se conhece da questão da (in)admissibilidade do pedido reconvencional.</font><br>
<br>
<font>A decisão da Relação é, quanto a essa questão, definitiva.</font><br>
<br>
<font>3. 2. 2. - Nulidade do acórdão. </font><br>
<font> </font><br>
<font>Os Recorrentes argúem a nulidade do acórdão por ter conhecido da reconvenção e por, depois de ter julgado procedente a impugnação da escritura, ao julgar procedente a reconvenção reconhecer a divisão e propriedade da parcela tal como se encontra identificada na escritura de justificação.</font><br>
<font>Haverá, assim, o vício formal de excesso de pronúncia - art. 668º-1 --d) CPC.</font><br>
<br>
<font>Ora, os RR. deduziram reconvenção em que pediram que os AA. fossem "condenados a reconhecer que os RR. adquiriram por usucapião a parcela resultante da divisão do imóvel identificado sob a verba n.º 28 do inventário com Processo n.º 160/82 e tal como se encontra identificado na escritura de justificação junta aos autos", pretensão que a Relação deferiu nos exactos termos peticionados.</font><br>
<br>
<font>O art. 660º-2 CPC, para cuja violação a citada alínea do art. 668º estabelece a sanção, impõe ao julgador a resolução de todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação , excepto as prejudicadas pela solução de outras.</font><br>
<font> </font><br>
<font>Como já se deixou apreciado, a admissibilidade da reconvenção tem de se ter por assente, donde que, mesmo a tratar-se o conhecimento do respectivo mérito pelas Instâncias como apreciação de questão ou questões de que não podiam tomar conhecimento, a decisão definitiva da questão processual pela Relação afastou, também definitivamente, a pretensa proibição.</font><br>
<font>Por outro lado, quanto ao pedido reconvencional e termos da condenação, não só se trata de emitir pronúncia sobre o que foi peticionado, como o segmento de referência à escritura não passa de um mero reenvio para a descrição física do prédio e inscrição matricial que se faz na sua identificação na escritura impugnada, ou seja, de reenvio para um certo pressuposto de facto que está em perfeita consonância com a matéria de facto provada relativamente a esses mesmos elementos identificadores (pontos 25. e seguintes). </font><br>
<br>
<font>Não ocorre, pois, a arguida nulidade.</font><br>
<br>
<font>3. 2. 3 - Alteração da matéria de facto.</font><br>
<br>
<font>Os Recorrentes insistem na eliminação dos factos 34. e 21. a 25. decorrentes das respostas aos quesitos 6º a 10º, tal como o haviam feito no recurso de apelação, onde se julgou que as respostas estão em conformidade com a prova testemunhal produzida e não há nos autos documentos que imponham decisão diversa.</font><br>
<font>Tudo porque, alegam, a certidão da procuração e substabelecimento juntos aos autos mostram que o GG já não tinha, em 1983, poderes para representar os Recorrentes na divisão do prédio, os quais se tinham esgotado no inventário e, por isso e por ser nula a divisão, não podiam dar-se como provados os factos que integram a posse de boa fé (facto 34./quesito 19º).</font><br>
<br>
<font>Questionam assim os Recorrentes a decisão proferida pela Relação sobre a reapreciação da matéria de facto, nomeadamente, e ao que aqui interessa, quanto à sindicalização das respostas positivas aos quesitos 6º a 10º e 19º, que a Relação manteve, quesitos onde justamente se indagava sobre se a divisão do prédio adjudicado no inventário, data em que ocorreu, se no acto de divisão interveio, em nome dos AA., o Sr. GG e se foi este quem mediu o prédio, determinando a área (6º a 10º) e, finalmente, sobre a actuação do RR. relativamente à parcela separada (19º).</font><br>
<br>
<font>Antes de mais, importa dizer que jamais foi colocada nos articulados, nomeadamente na réplica, qualquer questão relativa à alegada representação dos RR., na divisão, pelo seu procurador GG, que igualmente os havia representado no inventário. Sobre isso os AA. limitaram-se a alegar que a pretensa e invocada divisão é nula. </font><br>
<br>
<font>Os Recorrentes, porém, desviam agora o problema para a falta de poderes do representante, por os que lhe haviam conferido mediante procuração se terem esgotado no processo de inventário.</font><br>
<br>
<font>Não se ignora que a procuração deve revestir a forma exigida para o negócio que o procurador deva realizar e que, no caso, porque a divisão de coisa comum está sujeita a escritura pública aquela teria de consubstanciar necessariamente a forma escrita - art. 262º C. Civil. </font><br>
<br>
<font>Só que, como é manifesto, o que está em causa nas respostas é a intervenção do GG nos actos materiais ou físicos da divisão do rústico em duas parcelas de área equivalente, em representação dos AA., e não no acto formal modificativo do direito de propriedade, que haveria de ser uma escritura pública e que nunca se celebrou.</font><br>
<br>
<font>Não pode, assim, para a simples prática desses actos materiais, falar--se na exigência da procuração necessária à formalização do negócio que poderia tornar juridicamente válida a nova realidade física criada pelos actos de separação das parcelas. </font><br>
<br>
<font>Não faz, nessa medida, qualquer sentido invocar a força probatória da procuração e substabelecimento - arts. 363º-2, 370º-1 e 2 , 375º e 376º C. Civil -, pois que essa força probatória se reconduz ao âmbito do respectivo conteúdo, ou seja, à concessão de poderes mencionados no documento, de que não consta, efectivamente, a divisão de coisa comum, mas que, insiste-se, também não teve formalmente lugar, em termos de exigir procuração especialmente formalizada.</font><br>
<br>
<font>Assim sendo, esta parte do recurso desemboca directamente no problema de reapreciação de provas e do não uso pela Relação dos poderes de alteração da matéria de facto concedidos pelo art. 712º CPC.</font><br>
<font>Na verdade, tudo se reconduz a que os Recorrentes consideram incorrectamente julgada pelas instâncias a matéria de facto, na medida em que, sem documento conferindo poderes de representação, considerou que GG" interveio em nome dos AA." nos acto de divisão e que os RR. vêm actuando desde 1983 no convencimento de exercerem um direito próprio sobre a parcela como prédio autónomo e de que não prejudicam ninguém.</font><br>
<font> </font><br>
<font>Em síntese, a revista vem fundada, como os próprios Recorrentes escrevem, em erro na apreciação da prova e decisão da matéria de facto.</font><br>
<br>
<font>Não invocam os Recorrentes, para além da alusão à força probatória da procuração e do substabelecimento mencionados, violação de disposição legal impositiva de certo meio específico de prova para a existência de qualquer facto ou com especial força probatória, nem insuficiência ou contradição entre pontos da matéria de facto fixada, condições sempre exigidas nos arts. 722º-2 e 729º-2 e 3 e sem o concurso das quais o erro na apreciação das provas e na fixação da matéria de facto não pode ser objecto de recurso de revista. </font><br>
<font> </font><br>
<font>Está, pois, fora dos poderes de cognição deste Tribunal a valoração das provas, sua apreciação e alteração da matéria de facto, a não ser naqueles casos excepcionais, seja directa ou indirectamente, mediante a pretendida baixa do processo à Relação, apenas possível nos casos em que se mostre necessária a ampliação - sempre por omissão da apreciação de qualquer facto - ou existam contradições que inviabilizem a solução de direito, o que não ocorre.</font><br>
<br>
<font>É, de resto, jurisprudência uniforme e constante desde STJ só caber nos seus poderes de apreciação o uso feito pela Relação dos poderes concedidos pelo art. 712º CPC, designadamente saber se a modificação operada assentou em fundamento previsto na lei, por ser matéria de direito averiguar se houve violação da lei do processo, mas estar-lhe já vedado censurar o não uso desses mesmos poderes quando se entra no campo da apreciação dos meios de prova e fixação dos factos materiais da causa perante o qual se erguem os apertados limites constantes das ditas normas dos arts. 722º-2 e 729º-2 e 3 (cfr., v. g., ac. de 23/4/002, Proc. 997/02-1ª; 28/5/02, proc. 1605/02-6ª; 1/7/03, Procs. 1803/03-6ª e 1981/03-1ª ; 8/7/03, Proc. 1904/03-7ª; 18/9/03, Proc. 2227/03; 25/9/03, Proc. 2515/03-5ª).</font><br>
<br>
<font>Concordantemente, prevê a lei que das decisões da Relação previstas no art. 712º não caiba recurso - n.º 6 do preceito.</font><br>
<br>
<font>Está, assim, este Tribunal vinculado à matéria de facto fixada pelas instâncias, tal como reproduzida em 2. supra, carecendo de fundamento legal o pedido de reapreciação formulado, sem prejuízo de, como já decorre do que ficou dito, ser completamente irrelevante a matéria dos pontos 23. e 24., isto é, a factualidade referente à intervenção de GG.</font><br>
<br>
<font>3. 2. 3 - Mérito da reconvenção (restantes questões).</font><br>
<br>
<font>As demais questões suscitadas no recurso - invocação da usucapião e seus efeitos, nulidade da divisão e efeitos do registo -, adquirido que está ser admissível o meio utilizado pelos Réus, têm apenas que ver com a natureza e efeitos do instituto da usucapião, como forma de aquisição da propriedade, quando verificados os respectivos pressupostos.</font><br>
<br>
<font>O quadro factual provado retrata uma divisão em duas parcelas, não formalizada, de um prédio rústico, com a área de cerca de 7 700 m2, em 1983, data a partir da qual uma das parcelas, então demarcada, passou a ser utilizada e amanhada de forma exclusiva apenas por um dos até então comproprietários, no convencimento de que lhe pertencia como prédio autónomo e de que não prejudicava ninguém.</font><br>
<br>
<font>Perante esta realidade, certo é que, como alegam os Recorrentes, se está perante uma divisão nula por vício de forma, pois que não respeitou o disposto no art. 89º-a) do Cód. Notariado então em vigor, e ainda anulável, nos termos previsto no art. 1379º C. Civil, por violação das normas que proíbem o fraccionamento de prédios rústicos contidas nos arts. 1376º do mesmo diploma e art. 1º da portaria n.º 202/70 e não concorrer excepção das admitidas no art. 1377º.</font><br>
<font>Não pertinente, porém, a invocação das normas administrativas relativas ao regime dos loteamentos (ou de destaque), questão que se não colocou no momento da separação das parcelas e que, de resto, não é compatibilizável com o regime da proibição do citado art. 1376º, justamente por poder integrar a excepção aberta no art. 1377º. </font><br>
<font>Acontece que, apesar do concurso de tais invalidades, o sistema jurídico admite que, atendendo a interesses de natureza social e económica, que tem por relevantes, certas situações de facto obtenham tutela jurídica e possam dar lugar ao reconhecimento de direitos. É o que sucede, designadamente, com a tutela da posse que se revista de determinadas características, fundada na defesa da paz pública, no valor económico da exploração dos bens e nas dificuldades de prova do direito de propriedade. </font><br>
<font>Quando se prolongue por certos períodos de tempo mais longos, a mesma lei reconhece essa posse duradoura como forma de aquisição do direito de propriedade - arts. 1316º e 1287º C. Civil.</font><br>
<br>
<font>Segundo este último preceito, o possuidor do direito de propriedade goza da faculdade de adquirir este direito, desde que se verifiquem os requisitos ao caso aplicáveis e que, no caso, se reportam à previsão do art. 1296º C. Civil, pois que não há posse titulada nem registada.</font><br>
<br>
<font>A usucapião, tal como a ocupação e a acessão, é uma forma de </font><font>aquisição</font><font> </font><font>originária</font><font> do direito de propriedade. Por isso, "o novo titular recebe o seu direito independentemente do direito do titular antigo. Em consequência, não lhe podem ser opostas as excepções de que seria passível o direito daquele titular" (OLIVEIRA ASCENÇÃO, "</font><font>Direito Civil - REAIS</font><font>", 5ª ed., 300). </font><br>
<font>Invocada a usucapião, como forma de aquisição, justamente porque de aquisição originária se trata, irrelevam quaisquer irregularidades precedentes e eventualmente atinentes à alienação ou transferência da coisa para o novo titular, sejam os vícios de natureza formal ou substancial.</font><br>
<font>O que passa a relevar e a obter tutela jurídica é a realidade substancial sobre a qual incide a situação de posse. Concorrendo, aferidas pelas características desta, os requisitos da usucapião, os vícios anteriores não afectam o novo direito, que decorre apenas dessa posse, em cujo início de exercício corta todos os laços com eventuais direitos e vícios, incluindo de transmissão, anteriormente existentes.</font><br>
<br>
<font>Daí que, pode concluir-se, porque a usucapião se funda directa e imediatamente na posse, cujo conteúdo define o do direito adquirido, com absoluta independência relativamente aos direitos que antes dessa aquisição tenham incidido sobre a coisa, aquela invalidade formal, que afastou quaisquer efeitos da aquisição derivada, e a ilegalidade do fraccionamento, de resto há muito sanada (art. 1379º-2 e 3 C. Civil), careçam de qualquer potencialidade ou idoneidade para interferir na operância da invocada forma de aquisição da parcela, tal como se mostra formulada na reconvenção (no mesmo sentido, o ac. deste STJ de 19/10/04, Proc. 04A2988, </font><font>ITIJ</font><font>).</font><br>
<br>
<font>Invocada como título de aquisição da propriedade a usucapião e provados os respectivos requisitos integradores, o direito não poderá deixar de ser
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yzK0u4YBgYBz1XKvzDNq
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1.ª Secção (Cível)
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<b><font> </font></b><font><br>
<br>
<b><i><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font></i></b><br>
<br>
<b><font>I. Relatório</font></b><br>
<br>
<font>1- AA, </font><br>
<font>2- BB, </font><br>
<font>3- CC, </font><br>
<font>4- DD, </font><br>
<font>5- EE, </font><br>
<font>6- FF, </font><br>
<font>e </font><br>
<font>7- GG </font><br>
<font>instauraram acção declarativa sob a forma de processo comum ordinário</font><br>
<b><i><u><font>contra</font></u></i></b><br>
<font>INSTITUTO DE EMPREGO E FORMAÇÃO PROFISSIONAL ,</font><br>
<b><i><u><font>pedindo </font></u></i></b><br>
<i><u><font>- que seja o R. condenado a pagar</font></u></i><font>: </font><br>
<font>1- Ao Autor AA, € 19.960,68 acrescidos de juros de mora já vencidos no montante de € 864 e dos que se vencerem até efectivo e integral pagamento; </font><br>
<font>2- Ao Autor BB, € 15.135,00 acrescidos de juros de mora já vencidos no montante de € 655,15 e dos que se vencerem até efectivo e integral pagamento;</font><br>
<font>3- À Autora CC, € 15.135,00, acrescidos de juros de mora já vencidos no montante de € 655,15 e dos que se vencerem até efectivo e integral pagamento </font><br>
<font>4- Ao Autor DD, € 16.187,88, acrescidos de juros de mora já vencidos no montante de € 700,73 e dos que se vencerem até efectivo e integral pagamento; </font><br>
<font>5- Ao Autor EE, € 13.388,64 acrescidos de juros de mora já vencidos no montante de € 579,56 e dos que se vencerem até efectivo e integral pagamento; </font><br>
<font>6- À Autora FF, € 13.388,64, acrescidos de juros de mora já vencidos no montante de € 579,56 e dos que se vencerem até efectivo e integral pagamento; e </font><br>
<font>7- Ao Autor GG , € 13.388,64 acrescidos de juros de mora já vencidos no montante de € 579,56 e dos que se vencerem até efectivo e integral pagamento. </font><br>
<br>
<font>Para o efeito, alegaram, em síntese, que haviam sido nomeados pelo período de três anos para os cargos dirigentes no R., e foram antecipadamente exonerados deles, por conveniência de serviço, sendo-lhes paga uma indemnização inferior àquela a que se achavam com direito.</font><br>
<font> </font><br>
<font>O R. contestou, invocando a excepção dilatória de incompetência absoluta em razão da matéria dos Tribunais comuns e pugnou pela improcedência da acção. </font><br>
<br>
<font>Houve réplica.</font><br>
<font> </font><br>
<font>A acção foi decidida logo no saneador, sendo aí julgada improcedente a excepção de incompetência do tribunal, e considerado a acção inteiramente procedente.</font><br>
<font>Assim foi o R. condenado nos montantes peticionados, fixando-se os juros vencidos e vincendos à taxa de 4% desde a citação até integral pagamento.</font><br>
<font> </font><br>
<font>O R. recorreu dessa decisão.</font><br>
<font>A Relação, no entanto, veio a julgar improcedente a apelação, pelo que confirmou a Sentença recorrida.</font><br>
<br>
<font>Continuando inconformado, pede agora o IEFP Revista.</font><br>
<font>Foram apresentadas alegações e contra-alegações.</font><br>
<br>
<font>Remetidos os autos a este Tribunal, foi o recurso aceite com a adjectivação que já trazia.</font><br>
<font>Correram os vistos legais.</font><br>
<br>
<font> ……………..</font><br>
<br>
<b><font>II. Âmbito do recurso</font></b><br>
<br>
<font>Os recursos delimitam-se pelas conclusões apresentadas pelos Recorrentes nas suas alegações recursais. - 684.º-3 e 690.º-1 do CPC.</font><br>
<font>Pela negativa, só as questões novas escapam ao crivo assim tratado; pela positiva, escapam aquelas que sejam de conhecimento oficioso.</font><br>
<br>
<font>Para mais fácil controle das questões analisandas, vamos começar por transcrever as conclusões que o Recorrente apresentou nas alegações da Revista:</font><br>
<br>
<font>“CONCLUSÕES:</font><br>
<font>“1. Foi dada razão ao Recorrente, pelo Tribunal a quo, quando reagiu da inclusão da expressão “sem que tenha havido quebra ou interrupção de funções” dos nºs 2, 3 e 4 da matéria assente, correspondentes às alíneas b), c) e d) dos Factos do douto acórdão recorrido, ao decidir pela sua eliminação da redacção destas alíneas;</font><br>
<font>2. Daí manifestarmos a nossa estranheza em relação ao facto de, tendo sido alterada, nessa parte, a matéria assente, nos termos do art. 712º do Código de Processo Civil, encontrar-se consignado, sem mais, na parte decisória do acórdão recorrido, “… acorda-se em julgar improcedente a apelação, …”, pois, pelo menos, naquela parte, esta foi procedente, o que se invoca para os devidos efeitos legais;</font><br>
<font>3. Seja aplicando o nº 2 do art. 6º do DL 464/82 (Estatuto do Gestor Público), ao qual estão sujeitos os 5º, 6ª e 7ª AA., seja com base no nº 4 do art. 20º da L 3/2004, que aprova a lei quadro dos institutos públicos, aplicável aos 1º, 2º, 3ª e 4º AA., as despesas de representação não devem integrar o cálculo da indemnização em questão;</font><br>
<font>4. Ora, opta o Tribunal recorrido por fazer tábua rasa quer do Doc. nº 1 (aliás, anexado também à contestação), quer do Doc. nº 4, quer ainda do Doc. nº 5, todos juntos às alegações apresentadas naquele Tribunal no âmbito do recurso de apelação, para os quais remetemos e que damos aqui por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais, única e exclusivamente, com o fundamento que “As orientações técnicas, relatórios de auditoria e outros pareceres, mesmo acobertados por despachos governamentais ou mesmo Resolução de Conselho de Ministros têm a natureza de actos administrativos e não de actos legislativos, pelo que não se sobrepõem ou substituem às leis que regulam a matéria aplicável, sendo, por isso, irrelevantes para o conhecimento do presente recurso”; </font><br>
<font>5. Todavia, olvida o Tribunal a quo que os três acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça que invoca para decidir como decidiu, além de não constituírem repositórios de doutrina com força obrigatória geral, sendo certo que a própria figura dos Assentos até foi eliminada no âmbito da revisão processual civil de 1995, não são, igualmente, acórdãos uniformizadores de jurisprudência, pelo que valem o que valem e valem muito! </font><br>
<font>6. É que existem, como é sabido, acórdãos de sentido contrário, sendo o caso, entre outros, do Acórdão da Relação do Porto de 7 de Junho de 1987, in Colectânea de Jurisprudência, III, pág. 186, assim como do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 1 de Junho de de 1988 in Boletim do Ministério da Justiça, nº 378, pág.588, para já não falar do Parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria Geral de República publicado no Diário da República de 1999.04.17 sobre os membros da Direcção do Instituto do Vinho do Porto;</font><br>
<font>7. Isto para dizer que, em vez de optar, sem mais, pelo entendimento defendido nos doutos acórdãos invocados e porque cada caso é um caso e o dos autos, conforme já vimos, tem, inequivocamente, as suas especificidades, uma boa administração da justiça passava e passa, salvo o devido respeito, necessariamente, pela competente apreciação e valoração dos citados documentos que se encontram a instruí-los e jamais por serem totalmente ignorados, como foram, pelo Tribunal recorrido;</font><br>
<font>8. Na verdade, nada impede que um despacho ministerial (interpretativo), embora não seja vinculativo para os tribunais, possa e deva ser utilizado a título de subsídio de interpretação na perspectiva de uma boa administração da justiça, sendo isso o exigível ao julgador, maxime no caso em apreço, atentas as suas especificidades, para mais, existindo não um único despacho mas vários e todos no mesmo sentido, justamente, contrário ao entendimento veiculado na decisão recorrida;</font><br>
<font>9. Assim, existe a Orientação Técnica nº 01, da Direcção-Geral da Administração Pública, de 13 de Fevereiro de 2003, sancionada por despacho da Senhora Secretária de Estado da Administração Pública, de 20 de Janeiro do mesmo ano, epigrafada “Cessação de funções de membros dos Conselhos Directivos dos Institutos Públicos equiparados a gestores públicos por razões que não lhe sejam imputáveis” (cfr cit. Doc. nº 1);</font><br>
<font>10.Consta do referido documento, aliás, conforme nele expresso, destinado a uniformizar procedimentos que “As despesas de representação são inerentes e justificam-se tão só pelo exercício efectivo do cargo que suportam. Assim, para fixar os danos ressarcíveis, na reconstituição da situação hipotética, não fosse a exoneração, não podem aquelas ser tidas em conta pois, não havendo exercício efectivo de funções, nenhuma despesa daquele tipo pode ter ocorrido e, portanto, que deva ser compensada ou reembolsada”; </font><br>
<font>11.Nos termos do nº 4 do art. 20º da L 3/2004 a exoneração dá lugar ao pagamento de uma indemnização correspondente à remuneração base ou equivalente vincenda até ao termo do mandato, com o limite máximo de 12 meses, sendo tal indemnização reduzida ao montante da diferença entre a remuneração base ou equivalente como membro do conselho directivo e a remuneração base do lugar de origem à data da cessação de funções directivas; </font><br>
<font>12. As chamadas despesas de representação auferidas pelos membros do Conselho Directivo, embora pagas mensalmente, não podem ser levadas em consideração para efeito de cálculo da indemnização, na medida em que as mesmas não integram o conceito de remuneração base previsto no citado nº 4 do art. 20º da L 3/2004; </font><br>
<font>13.Estamos perante a exoneração de funções dos membros do Conselho Directivo, sendo a referido diploma legal claro quando refere que “A exoneração dá lugar ao pagamento de uma indemnização de valor correspondente à </font><u><font>remuneração base</font></u><font> …” (sublinhado do R.);</font><br>
<font>14.E, de facto, os membros do Conselho Directivo auferiam mensalmente remuneração base (um item) e despesas de representação (outro item); </font><br>
<font>15. Pelo que dúvidas não subsistem de que o cálculo da indemnização, no caso de exoneração, só tem por referência a remuneração base tout court (vide cit. Doc. nº1);</font><br>
<font>16.Assim, havendo cessação do exercício de funções, como houve, e tratando-se dos 1º, 2º, 3ª e 4º AA., naturalmente que não podem ter ocorrido quaisquer despesas de representação, na justa medida em que semelhantes encargos têm por escopo compensar e reembolsar aqueles, enquanto titulares de determinados cargos, de despesas especiais por si efectuadas, no âmbito das suas funções que, dada a sua natureza compensatória, nunca podem integrar as respectivas remuneração e retribuição mensais;</font><br>
<font>17.Tanto assim que, em Relatório de auditoria realizada pela Direcção-Geral do Orçamento ao IEFP, I.P., ora R., aquela deixou, ai, consignado de que as despesas de representação devem reportar-se apenas a 12 meses em cada ano civil, sendo que, sobre a Informação nº 160/2004, de 10 de Fevereiro, da Inspecção-Geral de Finanças, que veicula o entendimento “que as despesas de representação não podem ser consideradas para o cálculo dos subsídios de férias e de Natal (apenas deverão ser pagas 12 mensalidades), pelo que se afiguram indevidos os pagamentos efectuados (ou seja, em 14 mensalidades), aos membros dos órgãos dirigentes dos institutos públicos com estatuto de gestor público ou equiparado, conforme decorre das interpretações do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República, da Direcção-Geral do Orçamento e da Secretaria-Geral do Ministério das Finanças (ambas despachadas favoravelmente pelo Senhor Secretário de Estado do Orçamento) e mesmo da Direcção-Geral da Administração Pública (materializada, por determinação da Senhora Secretária de Estado da Administração Pública, em Orientação Técnica)”, foi exarado e seguinte despacho, em 2004.03.09, por parte do Senhor Secretário de Estado do Orçamento: “Visto com concordância. À especial atenção do Senhor Secretário de Estado do Tesouro e das Finanças, já que esta informação ao reiterar as posições que vêm sendo defendidas por esta SEO, está em concordância com o que entendemos dever constituir interpretação uniforme a aplicar aos gestores públicos. c/c às Senhoras Ministra de Estado e das Finanças e Secretária de Estado da Administração Pública”, (cfr. cit. doc. nº 4);</font><br>
<font>18.Por outro lado ainda, a Resolução do Conselho de Ministros nº 121/2005, de 23 de Junho, publicada no Diário da República I Série-B, de 2005.08.01, vem confirmar, igualmente, aquele entendimento, ao fixar, em 12 meses, o abono de despesas de representação aos administradores das empresas públicas, o que, atento o estabelecido no seu ponto 12, tem aplicação, com as necessárias adaptações, aos membros dos conselhos directivos dos institutos públicos, maxime do IEFP, I.P., ora R. (cfr cit. doc. nº 5); </font><br>
<font>19.Em suma, não integrando, como não integra, seja o conceito de “remuneração”, seja o de “retribuição”, não há qualquer fundamento, juridicamente sustentável, para que continuassem a ser abonadas, 14 vezes ao ano, “despesas de representação”;</font><br>
<font>20.Daí as despesas de representação passarem a reportar-se- apenas a 12 meses em cada ano civil;</font><br>
<font>21. E não é a aplicação do nº 2 do art. 6º do DL 464/82 (Estatuto do Gestor Público), referindo-nos, agora, aos 5º, 6º, e 7º AA., que é susceptível de alterar aquele desfecho, atenta a Orientação Técnica que constitui o citado doc. nº 1.;</font><br>
<font>22. Ao decidir, como decidiu, a douta decisão recorrida violou, pois, os arts. 6º, nº 2 do DL 464/82, de 12 de Setembro e 20º, nº 4 da Lei 3/2004, de 15 de Janeiro, além do art. 9º do Código Civil; </font><br>
<font>23.A interpretação conferida pelo Tribunal recorrido àqueles dois preceitos legais consubstancia a violação do princípio da confiança ínsito no princípio do Estado de Direito Democrático, consagrados constitucionalmente, o que se suscita, desde já, para os devidos efeitos legais.</font><br>
<font>Termos em que, dando-se provimento ao presente recurso, deve a douta sentença recorrida ser revogada.”</font><br>
<br>
<font> ………………………….</font><br>
<br>
<font>Lendo as “conclusões” alegacionais acima enunciadas, podemos assentar que </font><b><i><u><font>as questões</font></u></i></b><font> que nos estão colocadas para apreciação no presente recurso são as seguintes:</font><br>
<font>a) Contradição no Acórdão recorrido, em ter atendido, por um lado, a parte da reclamação sobre a fixação de matéria de facto e, apesar disso, ter julgado totalmente improcedente a apelação;</font><br>
<font>b) Erro na natureza jurídica atribuída ao abono para “despesas de representação”. </font><br>
<font>…………………</font><br>
<br>
<b><font>III. Fundamentação</font></b><br>
<br>
<font> </font><b><font>III.- A) Os factos</font></b><br>
<br>
<font>Foram considerados como fixados pela Relação os factos seguintes:</font><br>
<br>
<i><font>“a) Os Autores AA, BB, CC, DD, EE, FF, e GG têm em comum o facto de terem exercido cargos dirigentes no Réu "Instituto de Emprego e Formação Profissional" e de terem sido exonerados de tais cargos em Abril e Maio de 2005; </font></i><br>
<i><font>b) O Autor AA foi nomeado Vice-Presidente do Réu "Instituto de Emprego e Formação Profissional" em 10/2002, tendo em 15/11/2004, sido nomeado para o cargo de Presidente do Réu "Instituto de Emprego e Formação Profissional", e em 29/04/2005 foi exonerado do cargo de Presidente do Réu "Instituto do Emprego e Formação Profissional"; </font></i><br>
<i><font>c) O Autor BB foi nomeado como Vogal da Comissão Executiva do Réu "Instituto de Emprego e Formação Profissional" com efeitos a partir de 01/08/2002, tendo em 15/11/2004 sido nomeado para o cargo de Vogal do Conselho Directivo do Réu "Instituto de Emprego e Formação Profissional"; em 29/04/2005 foi exonerado do cargo de Vogal do Conselho Directivo do Réu "Instituto do Emprego e Formação Profissional"; </font></i><br>
<i><font>d) A Autora CC foi nomeada como Vogal da Comissão Executiva do Réu "Instituto de Emprego e Formação Profissional" com efeitos a partir de 10/07/2002, tendo em 15/11/2004 sido nomeada para o cargo de Vogal do Conselho Directivo do Réu "Instituto de Emprego e Formação Profissional" e, em 29/04/2005 foi exonerada do cargo de Vogal do Conselho Directivo do Réu "Instituto do Emprego e Formação Profissional"; </font></i><br>
<i><font>e) O Autor DD foi nomeado como Vice-Presidente do Conselho Directivo do Réu "Instituto de Emprego e Formação Profissional" em 15/11/2004; e, em 29/04/2005 foi exonerado do cargo de Vogal do Conselho Directivo do Réu "Instituto do Emprego e Formação Profissional"; </font></i><br>
<i><font>f) Por despacho exarado em 03/12/2004 pelo Secretário de Estado Adjunto e do Trabalho, os Autores EE, FF, GGo foram, respectivamente, nomeados como Delegados Regionais do Alentejo, do Algarve, de Lisboa e Vale do Tejo e do Centro do Réu "Instituto de Emprego e Formação Profissional", tendo sido exonerados dos respectivos cargos com efeitos a partir de 24/05/2005; </font></i><br>
<i><font>g) Todos os Autores haviam sido nomeados pelo período de três anos e foram exonerados por conveniência de serviço; </font></i><br>
<i><font>h) A todos os Autores era pago mensalmente o vencimento base e as “despesas de representação” correspondentes ao cargo em que estavam providos, sendo certo que as despesas de representação eram pagas 14 vezes ao ano, e independentemente de os Autores terem ou não efectuado quaisquer despesas em representação do Réu "Instituto do Emprego e Formação Profissional", tanto mais, que as despesas que tivessem que suportar quando estavam em serviço ou em representação do Réu eram pagas posteriormente mediante a apresentação da respectiva factura ou recibo; </font></i><br>
<i><font>i) Sendo certo que os Autores AA, BB, CC, DD dispunham, inclusive, de um cartão de crédito em nome do Réu para pagarem as despesas que efectuassem em serviço, não sendo com a verba que mensalmente recebiam a título de “despesas de representação” que suportavam quaisquer despesas de que efectuassem ao serviço ou em representação do Réu; </font></i><br>
<i><font>j) À semelhança do que sucedia com a generalidade dos demais serviços e gestores públicos, a quem era reconhecido o direito de receberem, mensalmente e 14 vezes ao ano, uma dada percentagem do vencimento base a título de despesas de representação; </font></i><br>
<i><font>k) O Autor AA auferia enquanto Presidente do Conselho Directivo do Réu "Instituto do Emprego e Formação Profissional" o vencimento base de € 4.752,55, ao qual acresciam € 1.663,39 a título de despesas de representação; </font></i><br>
<i><font>1) O Autor BB auferia enquanto vogal do Conselho Directivo do Réu "Instituto do Emprego e Formação Profissional" o vencimento base de € 4.204,18, ao qual acresciam € 1.261,25 a título de despesas de representação; </font></i><br>
<i><font>m) A Autora CC auferia enquanto Vogal do Conselho Directivo do Réu "Instituto do Emprego e Formação Profissional" o vencimento base de € 4.204,18, ao qual acresciam € 1.261,25 a título de despesas de representação; </font></i><br>
<i><font>n) O Autor DD auferia enquanto Vice-Presidente do Conselho Directivo do Réu "Instituto do Emprego e Formação Profissional" o vencimento base de € 4.496,64, ao qual acresciam € 1.348,99 a título de despesas de representação; </font></i><br>
<i><font>o) Os Autores EE, FF, GG o auferiam enquanto Delegados Regionais do Réu "Instituto do Emprego e Formação Profissional" o vencimento base de € 3.719,08, ao qual acresciam € 1.115,72 a título de despesas de representação; </font></i><br>
<i><font>p) No mês seguinte ao da sua exoneração, cada um dos Autores recebeu uma indemnização pela cessação antecipada do seu mandato como dirigente do Réu "Instituto do Emprego e Formação Profissional"; </font></i><br>
<i><font>q) O Autor AA recebeu uma indemnização de € 57.036,60 pela sua exoneração do cargo de Presidente do Conselho Directivo do Réu "Instituto do Emprego e Formação Profissional"; </font></i><br>
<i><font>r) O Autor BB recebeu uma indemnização de € 21.144,56 pela sua exoneração do cargo de Vogal do Conselho Directivo do Réu "Instituto do Emprego e Formação Profissional"; </font></i><br>
<i><font>s) A Autora CC recebeu uma indemnização de € 32.372,04 pela sua exoneração do cargo de Vogal do Conselho Directivo do Réu "Instituto do Emprego e Formação Profissional"; </font></i><br>
<i><font>t) O Autor DD recebeu uma indemnização de € 18.772,44 pela sua exoneração do cargo de Vice-Presidente do Conselho Directivo do Réu "Instituto do Emprego e Formação Profissional"; </font></i><br>
<i><font>u) O Autor EE recebeu uma indemnização de € 11.015,44 pela sua exoneração do cargo de Delegado Regional do Réu "Instituto do Emprego e Formação Profissional"; </font></i><br>
<i><font>v) A Autora FF recebeu uma indemnização de € 11.015,44 pela sua exoneração do cargo de Delegado Regional do Réu "Instituto do Emprego e Formação Profissional"; </font></i><br>
<i><font>w) O Autor GG recebeu uma indemnização de € 24.734,92 pela sua exoneração do cargo de Delegado Regional do Réu "Instituto do Emprego e Formação Profissional"; </font></i><br>
<i><font>x) Por Despacho Conjunto do Primeiro-Ministro e Ministro da Segurança Social e do Trabalho, de 10/07/2002, o Autor AA fo(ra) nomeado Vice-Presidente da Comissão Executiva do Réu "Instituto de Emprego e formação Profissional"; </font></i><br>
<i><font>y) Por Despacho Conjunto, de 15/11/2004, do Primeiro-Ministro e Ministro de Estado, das Actividades Económicas e do Trabalho, foi o mesmo nomeado para o cargo de Presidente do Conselho Directivo do Réu "Instituto de Emprego e Formação Profissional; </font></i><br>
<i><font>z) O Autor BB pertence ao quadro do Ministério das Finanças, fo(ra) nomeado Vogal da Comissão Executiva do Réu "Instituto de Emprego e formação Profissional" por Despacho Conjunto do Primeiro-Ministro e Ministro da Segurança Social e do Trabalho, de 06/08/2002; </font></i><br>
<i><font>aa) Por Despacho do Ministro de Estado, das Actividades Económicas e do Trabalho n.º 25 385/2004 (2.a Série), de 15/11/2004, foi o mesmo nomeado Vogal do Conselho Directivo do Réu "Instituto de Emprego e Formação Profissional"; </font></i><br>
<i><font>bb )Em 29/04/2005, regressou ao seu serviço de origem; </font></i><br>
<i><font>cc) A Autora CC pertence ao quadro da "Câmara Municipal de Oeiras", fo(ra) nomeada Vogal da Comissão Executiva do Réu "Instituto de Emprego e Formação Profissional" por Despacho Conjunto do Primeiro-Ministro e Ministro da Segurança Social e do Trabalho, de 10/07/2002; </font></i><br>
<i><font>dd)Por Despacho do Ministro de Estado, das Actividades Económicas e do Trabalho n.º 25 384/2004 (2.a Série), de 15/11/2004, foi a mesma nomeada Vogal do Conselho Directivo do Réu "Instituto de Emprego e Formação </font></i><br>
<i><font>Profissional"; </font></i><br>
<i><font>ee) Em 19/04/2005, regressou ao seu quadro de origem; </font></i><br>
<i><font>ff) O Autor DD celebrou um contrato de trabalho, por tempo indeterminado, com o Réu "Instituto de Emprego e Formação Profissional", com início em 09/11/1987, sendo-lhe atribuída a categoria de Técnico Superior para exercer funções no "Centro de Emprego de Torres Novas", foi nomeado Vice-Presidente do Réu "Instituto de Emprego e Formação Profissional" por Despacho do Ministro de Estado, das Actividades Económicas e do Trabalho n.o 25 386/2004 (2.a Série), de 15/11/2004; </font></i><br>
<i><font>gg)Encontrando-se, presentemente, em regime de comissão de serviço como Director do "CENCAL - Centro de Formação Profissional para a Indústria de Cerâmica", tendo actualmente a categoria de Técnico Superior Consultor; </font></i><br>
<i><font>hh)O Autor EE celebrou um contrato de trabalho a prazo, com o Réu "Instituto de Emprego e Formação Profissional", com início em 01/09/1988, sendo-lhe atribuída a categoria de Técnico Superior para exercer funções na "Delegação Regional do Alentejo", foi nomeado Delegado Regional do Alentejo por deliberação do Conselho Directivo do Réu "Instituto de Emprego e Formação Profissional", de 24/11/2004, devidamente homologada por despacho, de 03/12/2004, do Senhor Secretário de Estado Adjunto e do Trabalho; </font></i><br>
<i><font>ii) Encontra-se o mesmo, presentemente e desde 11/11/2005, como Chefe de "Divisão de Avaliação e Certificação da Delegação Regional do Alentejo", tendo actualmente a categoria de Técnico Superior Consultor; </font></i><br>
<i><font>jj) A Autora FF, foi funcionária pública, mas que, por ter optado, entretanto e definitivamente, pelo contrato individual de trabalho, deixou de o ser, sendo exonerada, consequentemente, da função pública, com efeitos a partir de 24/11/2005, foi nomeada Delegada Regional do Algarve por deliberação do Conselho Directivo do Réu "Instituto de Emprego e Formação Profissional", de 24/11/2004, devidamente homologada por despacho, de 03/12/2004, do Senhor Secretário de Estado Adjunto e do Trabalho, tendo actualmente a categoria de Técnica Superior Consultora; </font></i><br>
<i><font>kk)O Autor GGo celebrou um contrato de trabalho por tempo indeterminado, com o Réu "Instituto de Emprego e Formação Profissional", com início em 01/02/1990, sendo-lhe atribuída a categoria de Técnico para exercer funções na Delegação Regional do Centro, foi nomeado Delegado Regional do Centro por deliberação do Conselho Directivo do Réu "Instituto de Emprego e Formação Profissional", de 24/11/2004, devidamente homologada por despacho, de 03/12/2004, do Senhor Secretário de Estado Adjunto e do Trabalho, tendo actualmente a categoria de Técnico Superior Assessor, encontrando-se, nesta data, em licença sem vencimento.”</font></i><br>
<br>
<font> …………………</font><br>
<br>
<b><font>III- B) O Direito</font></b><br>
<br>
<font>a) </font><u><font>Da eventual contradição no Acórdão entre o facto de a Relação ter alterado a matéria assente conforme pretendido pela Ré nas suas alegações de recurso, e de, não obstante, se ter julgado totalmente improcedente o recurso de apelação </font></u><br>
<br>
<font>Começa por referir a Recorrente que houve manifesta contradição no Acórdão recorrido porque, por um lado, atendeu a sua reclamação, mandando retirar parte de matéria de facto da que havia sido considerada assente na primeira instância, e, apesar disso, julgou a acção totalmente improcedente, confirmando a Sentença recorrida.</font><br>
<br>
<font>No entanto, não é esse o nosso entendimento, por uma razão simples:</font><br>
<font>A procedência total ou parcial do recurso faz-se por referência ao conteúdo da decisão recorrida e não a considerandos ou factos que se mostrem inócuos para a decisão.</font><br>
<font>No caso em presença, foi exactamente o que aconteceu:</font><br>
<font>A Relação apenas mandou retirar a expressão “sem quebra de vínculo”, relativamente aos três primeiros AA., e que se situava entre as nomeações de</font><u><font> 2002 </font></u><font>para os cargos de gestores dos IEFP e as suas nomeações para os cargos em que vieram a ser nomeados em</font><u><font> 2004. </font></u><br>
<font> No entanto, o que está em causa é a quebra do mandato (comissão de serviço) em Abril de </font><u><font>2005</font></u><font>, que supostamente terminaria só em 2007. </font><br>
<font>Daí que nenhuma relevância venha a ter, em termos jurídicos, a referida alteração, designadamente – e é isso que interessa para efeitos do presente recurso – para efeitos do enquadramento dos factos ao Direito e consequente decisão.</font><br>
<font>Improcede, por isso, essa primeira crítica ao Acórdão recorrido, em que assentava a primeira questão suscitada.</font><br>
<br>
<font>Passemos então à segunda questão colocada:</font><br>
<br>
<font>b) </font><u><font>Do erro na natureza jurídica atribuída ao abono para “despesas de representação” </font></u><br>
<br>
<font>O Instituto de Emprego e Formação Profissional foi criado pelo DL n.º 512-A2/79, de 29/12.</font><br>
<font>Com o DL n.º 247/85, de 12/07 veio a ser dotado de um “Estatuto”, publicado em anexo ao citado DL, referindo-se então no art. 1.º, que o IEFP se regia por ele.</font><br>
<font>Num esforço de síntese dos preceitos dele e que se mostram relevantes para a compreensão da matéria em crise, há que referir:</font><br>
<font>- o art. 5.º, que, ao enunciar a estrutura orgânica, nele se dizia que o IEFP compreendia órgãos centrais e regionais;</font><br>
<font>- o art. 6.º, que indicava como </font><u><font>órgãos centrais</font></u><font> o Conselho de Administração, a </font><i><u><font>Comissão Executiva</font></u></i><font> e a Comissão de Fiscalização;</font><br>
<font>-o art. 17.º que referia como </font><u><font>órgãos regionais</font></u><font> os Conselhos Consultivos e as </font><i><u><font>Delegações Regionais</font></u></i><font>; </font><font>(sublinhados e itálicos nossos)</font><br>
<font>- o art. 11.º (com a redacção introduzida pelo DL n.º 374/97, de 23/12), onde no n.º 1 se indicava que “Os membros da Comissão Executiva ficarão, para todos os efeitos, sujeitos ao Estatuto do Gestor Público, devendo, para esse efeito, o IEFP ser equiparado a uma empresa do grupo A, nível 1;</font><br>
<font>- o art. 20.º-5 que sujeitava os Delegados Regionais ao estatuto dos Vogais das Empresas Públicas do grupo A, nível 2.</font><br>
<br>
<font>Em 15 de Janeiro de 2004 foi no entanto publicada a Lei 3/2004, que aprovou a Lei Quadro dos Institutos Públicos, reformulando, entre outras coisas, a denominação e composição dos cargos dirigentes.</font><br>
<font>Como sabemos, o IEFP era e é um deles.</font><br>
<font> De acordo com o art. 25.º-1. da Lei citada, </font><i><font>“Aos membros do Conselho Directivo é aplicável o regime definido na presente lei e, subsidiariamente, o fixado no estatuto do pessoal dirigente da Administração pública.”</font></i><br>
<font>O n.º 2 do mesmo artigo estabeleceu que </font><i><font>“O estatuto remuneratório dos membros do Conselho Directivo consta de diploma próprio, o qual pode estabelecer diferenciações entre diferentes tipos de institutos, tendo em conta, nomeadamente, os sectores de actividade e a complexidade de gestão.”</font></i><br>
<font>Quanto ao restante pessoal (sem que se falasse concretamente de pessoal dirigente, situado em quadros intermédios, como os Delegados Regionais), houve apenas uma referência no art. 34.º, onde no n.º 1 se deixou dito </font><i><font>que “Os institutos públicos podem adoptar o regime de contrato individual de trabalho em relação à totalidade ou parte do respectivo pessoal, sem prejuízo de, quando tal se justificar, adoptarem o regime jurídico da função pública.”</font></i><br>
<br>
<font>Entre vários diplomas que se sucederam à Lei 3/2004, de 15 de Janeiro, destaca-se aqui, pela sua relevância, o DL n.º 171/2004, de 17/07, que procedeu a uma reestruturação orgânica do Ministério da Segurança Social e do Trabalho, e em cujo art. 5.º-1-h) incluiu o Instituto de Emprego e Formação Profissional, I.P., como “prosseguindo atribuições cometidas a esse Ministério, sob a superintendência e tutela do respectivo Ministro”, definindo-o o art. 23.º-1 como “um organismo dotado de personalidade jurídica de direito público e autonomia administrativa , financeira e patrimonial, que tem por objectivo a execução de políticas de emprego e formação profissional. </font><br>
<font>Os arts. 23.º-2 e 41.º deste DL vieram dar corpo a uma adaptação imposta pela Lei quadro 3/2004, pelo que </font><i><font>os anteriores órgãos “ Conselho de Administração” e “Comissão Executiva” (do art. 5.º do Estatuto do IEFP) passaram a dar lugar a um “Conselho Directivo”, composto por um Presidente, um Vice-Presidente e três Vogais. </font></i><br>
<font>No art. 34.º-5 passou a dizer-se que </font><i><font>“O estatuto remuneratório dos membros dos Conselhos Directivos do (…) IEFP (…), será fixado por despacho conjunto dos Ministros das Finanças e da Segurança Social e do Trabalho, o qual será aplicável até à entrada em vigor do diploma a que se refere o n.º 2 do art. 25.º da Lei 3/2004, de 15/01”-</font></i><font> tal como, de resto, já antes era. (O diploma a que se referia o art. 25.º-2 da Lei n.º 3/2004 , de 15/01 seria o que viesse a aprovar o novo Estatuto remuneratório dos membros do Conselho Directivo.)</font><br>
<font>Nas disposições finais e transitórias foi referido, mais concretamente no art. 37.º, sob a epígrafe “pessoal dirigente”, o seguinte:</font><br>
<i><font>“1. Sem prejuízo do disposto no número seguinte, o mandato dos dirigentes sujeitos ao estatuto de gestor público e a comissão de serviço dos dirigentes providos nos cargos </font></i><i><u><font>de direcção superior e de direcção intermédia dos serviços</font></u></i><i><font>, organismos e entidades que pross
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yzLOu4YBgYBz1XKvIT-I
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1.ª Secção (Cível)
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<b><font> </font></b><font><br>
<br>
<font> Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font><br>
<br>
<br>
<font>Na sequência de processo de divórcio, AA intentou contra sua ex-mulher, BB, acção especial para atribuição de casa de morada de família, pedindo que lhe fosse atribuída a casa de morada de família sita na Av. ...., nº 00, 1º Dº, Miraflores, Algés.</font><br>
<font> A acção foi contestada pela requerida e, após a respectiva instrução, o Mº juiz do 4º juízo do Tribunal de Família e Menores de Lisboa julgou a acção procedente e atribuiu a casa de morada de família ao requerente.</font><br>
<font> Para o efeito, considerou apenas que “o regime específico da atribuição de casa pelo Cofre de Providência do Ministério das Finanças impede que em consequência do divórcio se conceda o direito ao arrendamento da casa de morada de família ao cônjuge que não seja, concretamente, o sócio daquele Cofre a quem foi inicialmente atribuída em regime de propriedade resolúvel”.</font><br>
<font> Em face do assim decidido, considerou aquele ilustre julgador prejudicado o conhecimento da segunda questão que lhe foi suscitada, qual seja a de saber se em concreto, a quem devia ser atribuída a casa de morada de família, isto é, atenta a factualidade dada como provada, se a casa devia ser atribuída a um ou a outros dos ex-cônjuges. </font><br>
<br>
<font> Esta decisão foi impugnada pela requerida junto do Tribunal da Relação de Lisboa, mas sem qualquer sucesso.</font><br>
<font> Perante a confirmação do julgado da 1ª instância no que tange à interpretação do regime jurídico do Cofre do Ministério das Finanças, decidiu a 2ª instância que “resulta prejudicado o sopesamento das «necessidades» de habitação da parte de um e de outro dos agregados familiares assim em confronto”. </font><br>
<font> A requerida continuou irresignada e pediu revista do acórdão confirmatório da Relação de Lisboa.</font><br>
<font> Mas em vão, na justa medida em que, por acórdão de 29 de Junho de 2005, este STJ, com base apenas na justeza da argumentação acolhida pelas instâncias, confirmou a tese vertida no aresto impugnado. </font><br>
<br>
<font> Continuou inconformada a requerida.</font><br>
<font> Foi a vez de recorrer para o Tribunal Constitucional.</font><br>
<font> E este Tribunal deu provimento à pretensão da requerida, pois julgou inconstitucional “por violação do disposto no artigo 13º da Constituição, a norma do art. 50º dos Estatutos do Cofre de Providência do Ministério das Finanças, aprovados pelo Decreto-Lei nº 465/76, de 11 de Junho, com a alteração do Decreto-Lei nº 325/78, de 9 de Novembro, interpretada no sentido de que, no caso de divórcio, não é admissível ponderar a atribuição da casa de morada de família, em regime de arrendamento, nos termos do artigo 1793º do Código Civil, ao ex-cônjuge que não seja sócio do Cofre de Providência do Ministério das Finanças a quem a correspondente habitação foi inicialmente transmitida em regime de propriedade resolúvel por aquele Cofre”, ordenando que a decisão recorrida seja reformada de acordo com o presente juízo de inconstitucionalidade. </font><br>
<br>
<font> Afastado, por um juízo de inconstitucionalidade, o argumento das instâncias, salta à tona a necessidade de apreciação em concreto da factualidade atinente à atribuição da casa de morada de família.</font><br>
<font> Ou seja, eliminada a questão do pretenso impedimento legal (art. 50º do Estatutos do Cofre do Ministério das Finanças) resulta que a tal “2ª questão” suscitada deixou de ser prejudicial.</font><br>
<br>
<font> Urge, pois, que este STJ proferida decisão de mérito.</font><br>
<br>
<font> Afastado o regime que serviu de base às decisões que foram sendo sucessivamente impugnadas pela requerida, há que colocar em cima da mesa as verdadeiras normas jurídicas a fim de as aplicar à factualidade provada.</font><br>
<font> Isto sem perder de vista o que dispões o art. 729º, nº 3 do CPC.</font><br>
<font> Com efeito, o art. 729º, nº 3 do CPC prescreve que “o processo só volta ao tribunal recorrido quando o Supremo entenda que a decisão de facto pode e deve ser ampliada, em ordem a constituir uma base suficiente para a decisão de direito, ou que ocorrem contradições na decisão sobre a matéria de facto que inviabilizem a decisão jurídica do pleito”.</font><br>
<br>
<font> Nesta ordem de ideias – que se nos afigura como a única correcta – importa dizer a que parte deve ser atribuído o direito de permanecer na casa que era “morada de família” antes do divórcio.</font><br>
<font> Uma coisa é, desde já, certa: a casa em causa é propriedade do requerente – está a respectiva aquisição registada em seu nome, após a compra ao Cofre do Ministério das Finanças (</font><i><font>cfr</font></i><font>. art. 7º do CRP) e esse ponto nem sequer foi objecto de controvérsia.</font><br>
<font> Como assim, importa convocar para a </font><i><font>solutio</font></i><font> da questão a que nos é proposta o preceituado no art. 1793º do Código Civil.</font><br>
<br>
<font> Antes, porém, há que fazer a análise da factualidade relevante para a decisão do incidente.</font><br>
<br>
<font> As instâncias fixaram a seguinte factualidade:</font><br>
<font>1. A. e R. celebraram entre si casamento civil, sem convenção antenupcial, em 27/12/1975.</font><br>
<font>2. Por sentença de 25/10/2002, a fls. 567 a 575 do apenso de divórcio, que transitou em julgado, foi decretado o divórcio entre o A. e a R., tendo aquele sido considerado principal culpado.</font><br>
<font>3. A. e R. estão separados de facto desde 18/05/1992, tendo o A. saído da casa de morada de família e tendo a R. e a filha do casal ficado a viver na referida casa.</font><br>
<font>4. Por sentença de 10/07/2000, a fls. 245 a 252 do apenso de divórcio, transitada, foi, provisoriamente, para vigorar durante a pendência da acção de divórcio, atribuído à R. o direito de utilização da casa de morada de família.</font><br>
<font>5. Tal casa situa-se na Av. ...., n.º 00, 1º Dt., em Miraflores, Algés, é composta por duas fracções e encontra-se descrita sob os n.ºs 1233/851030-A e 1233/851030-Y da Freguesia de Carnaxide, Concelho de Oeiras.</font><br>
<font>6. Tais fracções foram adquiridas, em 25/06/1980, por escritura pública, pelo Cofre de Previdência do Ministério das Finanças.</font><br>
<font>7. Que, por sua vez, na mesma data e pelo mesmo instrumento, transmitiu a propriedade resolúvel das mesmas ao A., sócio daquele Cofre desde Abril de 1969, nos termos da escritura de fls. 20 a 27, e nos dos DL 465/76 e DL 325/78.</font><br>
<font>8. O A. registou esta aquisição em 07/07/1980.</font><br>
<font>9. Pelo menos uma parte do preço da casa, no montante de cerca de 500.000$00 (quinhentos mil escudos), foi paga com a indemnização que A. e R. receberam por deixarem o arrendado onde viviam antes de irem para a casa aqui em causa.</font><br>
<font>10. Esse arrendado havia-o sido pela R., pouco antes do casamento e com a intenção de para ali ir viver o casal.</font><br>
<font>11. Após o casamento A. e R. não estipularam com rigor a comparticipação nas despesas familiares, sendo que ambos contribuíam, em montantes que não foi possível apurar.</font><br>
<font>12. As prestações relativas à casa aqui em causa, foram sempre pagas pelo A. ao Cofre de Previdência do Ministério das Finanças.</font><br>
<font>13. A R. tem inscrita a seu favor a propriedade da fracção autónoma designada pela letra ”P”, descrita na 5ª Cons. Reg. Pred. de Lisboa, sob o n.º 13.579, a que corresponde um apartamento, sito na Estrada da Luz, n.º 77, 7º andar Dt..</font><br>
<font>14. Quanto a essa fracção a R. subscreveu a declaração cuja cópia se encontra a fls. 421, na qual declara que a mesma é propriedade sua e de suas duas irmãs, em partes iguais, estabelecendo, ainda, formas de vir a compensar as suas irmãs ou, em alternativa, a licitação entre estas.</font><br>
<font>15. A situação jurídica desta fracção ainda não foi alterada e nela habitam, sem pagar qualquer renda, um sobrinho da R. e sua actual companheira.</font><br>
<font>16. Esta casa, bem como a localização da mesma, não correspondem ao que, do seu ponto de vista, a R. necessita, para si e para a filha do casal.</font><br>
<font>17. O A. é comproprietário, na proporção de 1/8 (um oitavo), de um prédio urbano, composto de dos pavimentos e quintal, sito no Bairro do .....</font><br>
<font>18. Nesse prédio vive a sua mãe e, no primeiro andar, a testemunha .... tem instalado o seu escritório.</font><br>
<font>19. O A. reside actualmente num apartamento arrendado, num prédio de habitação social, sito na Av. ..., Bloco 00, Corpo 0, Lote 0, 0º andar, E, em ..., ...., em prédio e zona que se encontram fotografado a fls. 110 a 112, pagando a renda de € 342,00 (trezentos e quarenta e dois euros).</font><br>
<font>20. O A. vive com a sua actual companheira, não correspondendo o referido apartamento, nem a sua localização, ao que, do seu ponto de vista, necessita.</font><br>
<font>21. O A. como assessor principal do quadro do Ministério da Cultura, funções que continua a desempenhar, auferiu, nos anos de 1995 a 1999, respectivamente, os rendimentos anuais líquidos de 3.442.013$00, 3.700.622$00, 3.821.287$00, 4.079.411$00 e 4.425.404$00, não se tendo apurado com exactidão qual o seu actual salário.</font><br>
<font>22. Além disso, o A. exerce a advocacia, como profissional liberal, não tendo sido possível apurar os rendimentos que aufere dessa actividade.</font><br>
<font>23. O A. entrega mensalmente à R. quantia correspondente a 41.000$00 (quarenta e um mil escudos) relativa aos alimentos da filha do casal, acrescida de cerca de 10.000$00 (dez mil escudos), correspondentes a 50% das despesas em livros, vestuário, calçado e de saúde.</font><br>
<font>24. O A. paga a amortização do capital, juros e demais despesas do empréstimo feito para a compra da casa de morada de família, no montante da quantia correspondente a cerca de 140.000$00 (cento e quarenta mil escudos) anuais.</font><br>
<font>25. Paga, ainda, o condomínio do prédio onde se situa a casa aqui em causa, no montante correspondente a cerca de 150.000$00 (cento e cinquenta mil escudos) anuais, bem como a respectiva contribuição autárquica, no montante correspondente a cerca de 15.000$00 (quinze mil escudos) anuais, a taxa de esgotos, no montante correspondente a cerca de 4.000$00 (quatro mil escudos) anuais.</font><br>
<font>26. A R., em Janeiro de 2003, como funcionária pública, auferia o salário mensal ilíquido de € 1.148,22 (mil, cento e quarenta e oito euros e vinte e dois cêntimos), não se tendo apurado com exactidão qual o seu actual salário.</font><br>
<font>27. A R. trabalha em Alfragide, em local próximo da casa aqui em causa;</font><br>
<font>28. À filha do A. e da R. foi diagnosticado, em 2002, um quadro depressivo em paralelo com um perturbação “borderline” da personalidade, tendo sido encaminhada para acompanhamento psiquiátrico.</font><br>
<font>29. Esta menor sempre viveu na casa de morada de família e tem manifestado, a familiares e amigos, que não quer deixar de ali viver.</font><br>
<font> </font><br>
<font> Voltemos, agora, a nossa atenção para a análise do preceito legal supra citado como sendo o que é aplicável ao caso </font><i><font>sub iudice</font></i><font>.</font><br>
<font> O art. 1793º do CC prescreve que:</font><br>
<font> “1. Pode o tribunal dar de arrendamento a qualquer dos cônjuges, a seu pedido, a casa de morada de família, quer seja comum quer seja própria do outro, considerando, nomeadamente, as necessidades de cada um dos cônjuges e o interesse dos filhos do casal.</font><br>
<font> 2. O arrendamento previsto no número anterior fica sujeito às regras do arrendamento para habitação, mas o tribunal pode definir as condições do contrato, ouvidos os cônjuges, e fazer cessar o arrendamento, a requerimento do senhorio, quando as circunstâncias supervenientes o justifiquem”.</font><br>
<font> </font><br>
<font> Importa, como operação prévia, determinar, à luz dos factos supra enumerados, se a “casa de morada de família” deve ser atribuída ao requerente ou à requerida e, no segundo caso, estabelecer as condições do contrato de arrendamento.</font><br>
<font> Sem fazer uma enumeração exaustiva e muito menos taxativa das condições a atender para a decisão desta questão, o certo é que o legislador sublinhou, ou seja, chamou a atenção para se tomar como critério as necessidades de cada um dos cônjuges e o interesse dos filhos do casal.</font><br>
<font> Atentemos, pois, com principal preocupação nas necessidades de cada uma das partes à luz dos elementos recolhidos pelas instâncias.</font><br>
<font> Resulta da matéria de facto que a requerida é, juntamente com outras duas suas irmãs, dona de uma fracção autónoma sita na Estrada ...., mas que a mesma está ocupada por um seu sobrinho e pela sua companheira (pontos 13, 14 e 15).</font><br>
<font> Provado está também que o requerente é também comproprietário de uma outra casa na qual vive a sua mãe e onde uma outra pessoa, a testemunha ..., tem instalado o seu escritório (pontos 17 e 18).</font><br>
<font> O requerente vive num apartamento arrendado com a sua companheira, pagando a renda de 342,00 € (pontos 19 e 20).</font><br>
<font> A requerente vive com a filha do casal na casa aqui em causa desde 1992, data em que o requerente saiu da mesma (ponto 3).</font><br>
<font> </font><br>
<font> Presentemente, a solução de habitação de cada uma das partes passa pelo seguinte: ao passo que o requerente vive com a sua companheira numa casa arrendada, a requerida vive com a filha na casa que foi morada de família.</font><br>
<br>
<font> E qual é a concreta situação económica de cada uma das partes?</font><br>
<br>
<font> Em 1999, o requerente auferia cerca de 4.000 contos/ano como funcionário do Ministério da Cultura (ponto 21).</font><br>
<font> Ademais, exerce a profissão de advogado, mui embora não se tenha apurado os réditos de tal actividade (ponto 22). </font><br>
<font> Em relação à requerida só foi possível apurar que, em 2003, a mesma auferia, como funcionária pública, 1.148,22 € ilíquidos (ponto26).</font><br>
<br>
<font> E que dizer quanto a despesas?</font><br>
<font> Apurou-se que o requerente entrega mensalmente à requerida, a título de alimentos, 41.000$00 e mais 10.000$00, correspondente a 50% das despesas em livros, vestuário, calçado e saúde, e que paga cerca de 140 anuais com a amortização do empréstimo da casa em causa, para além de 150 anuais com despesas de condomínio onde a mesma se insere e, ainda, 15 contos de contribuições e 4 contos relativos à taxa de esgotos (pontos 23, 24 e 25).</font><br>
<br>
<font> Sobre este ponto das despesas, é, na verdade, muito pobre, o quadro fáctico apurado: o que se pode dizer a este respeito é apenas que ela contribuiu para os alimentos da filha a 50%, como resulta do ponto 23 acabado de referir.</font><br>
<font> Nada mais se apurou. O que é realmente pouco, para não dizer que não é nada!</font><br>
<br>
<font> Com relevância para a decisão, temos de considerar que a filha do casal vive na casa em causa com sua mãe, como já ficou assinalado, e que foi lá que ela sempre viveu e que tem manifestado, a familiares e amigos, que não quer deixar de ali viver (ponto 29).</font><br>
<font> Sublinha-se, a propósito, que a filha do casal tem um quadro depressivo em paralelo com uma perturbação “bordeline” da personalidade, tendo sido encaminhada para acompanhamento psiquiátrico (ponto 28).</font><br>
<br>
<font> Igualmente com influência para a decisão é a requerida trabalhar próximo da dita casa (ponto 27) e, ainda, o requerente ter sido declarado principal culpado na acção de divórcio (ponto 2).</font><br>
<br>
<font> Tudo isto ponderado, leva-nos a atribuir à requerida a casa de morada de família, tal como o nº 1 do art. 1793º do Código Civil o permite.</font><br>
<br>
<font> Aqui chegados, deparamos com uma dificuldade de grande monta, qual seja a de determinar o quadro da relação contratual que se terá de estabelecer entre o requerente, como senhorio, e a requerida, como inquilina, à luz dos comandos do nº 2 do artigo citado.</font><br>
<font> Dificuldade essa que é, aqui e agora, inultrapassável, à falta completa de factos que nos permitam emitir, com o mínimo de segurança, juízo sobre as condições do contrato de arrendamento que passará a regular a estadia da requerida na casa que é do requerente.</font><br>
<font> Ou seja, acabamos por cair da hipótese excepcional do nº 3 do art. 729º do CPC: torna-se necessário alargar o quadro factual com vista à decisão de mérito no que tange à regulamentação do contrato de arrendamento a que passará a ficar sujeita a dita casa.</font><br>
<br>
<font> Desde já fica definido o direito aplicável ao caso – à luz do art. 1793º e considerando os factos já provados, a casa de morada de família é atribuída à requerida.</font><br>
<font> Falta, por conseguinte, apurar a renda e as demais condições deste contrato de arrendamento forçado.</font><br>
<font> Tal tarefa cabe, exclusivamente, às instâncias.</font><br>
<br>
<font> Em conformidade com o exposto e sem necessidade de qualquer outra consideração, decide-se, de acordo com o preceituado nos arts. 729º, nº 3 e 730º, ambos do CPC, ordenar a baixa dos autos à Relação de Lisboa em ordem ao apuramento da matéria de facto que permita determinar as condições do contrato de arrendamento referido, pelos mesmos Senhores Juízes Desembargadores, se possível. </font><br>
<font> Custas pela parte vencida a final.</font><br>
<br>
<br>
<font>Lisboa, aos 23 de Janeiro de 2007</font><br>
<font>Urbano Dias (Relator )</font><br>
<font>Paulo Sá</font><br>
<font>Borges Soeiro</font><br>
<br>
<br>
<br>
<font> </font></font>
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yzLPu4YBgYBz1XKvgUC8
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1.ª Secção (Cível)
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<b><font> </font></b><font><br>
<font> Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font><font> </font><br>
<font> </font><br>
<br>
<font> I – Nas Varas Cíveis da Comarca de Lisboa, AA, em acção com processo ordinário, intentada contra BB, COMERCIALIZAÇÃO DE AUTOMÓVEIS, LDA, e CC – IMPORTAÇÃO AUTOMÓVEL, S.A., pediu que, com a procedência da acção, se decida:</font><br>
<br>
<font> PEDIDOS ALTERNATIVOS ENTRE SI:</font><br>
<font>- Que as RR., por factos que lhes são imputáveis e por sua culpa exclusiva, não cumpriram as obrigações emergentes do contrato de compra e venda, declarando-se o mesmo anulado ou resolvido.</font><br>
<font>- Serem as RR. condenadas a restituir o valor de 4.340.000$00, correspondente ao preço do automóvel, acrescido de 148.625$00, correspondente aos juros vencidos desde 20.01.1997, calculados à taxa de 10 %.</font><br>
<font>- Serem as RR. condenadas a indemnizar o A. pelos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos, com juros.</font><br>
<br>
<font>Para fundamentar a sua pretensão, alega, em síntese, ter adquirido uma viatura nova que, após 18 dias da sua entrega, veio a sofrer uma avaria no motor por defeito de fabrico e ambas as Rés lhe negarem a comunicação do novo motor, informação essa essencial para saber se, de facto, aquele houvera sido substituído.</font><br>
<br>
<font>Contestou a 1ª Ré, pugnando pela improcedência da acção e pedindo, em sede de reconvenção, a condenação do Autor a pagar-lhe a quantia de 725.000$00 e a quantia vincenda, referentes ao parqueamento do veículo, até ao seu levantamento pelo Autor, com juros de mora, à taxa legal.</font><br>
<br>
<font>Tendo a 2ª Ré apresentado contestação, a mesma foi mandada desentranhar, decisão que foi objecto de agravo, a subir diferidamente.</font><br>
<br>
<font>Houve réplica.</font><br>
<br>
<font>Houve igualmente recurso de agravo, por parte da mesma Ré, de um despacho que indeferiu um seu pedido de aclaração de outro despacho, também com subida diferida.</font><br>
<br>
<font>A final, foi proferida sentença, segundo a qual a acção foi julgada parcialmente procedente, porque parcialmente provada, e improcedente a reconvenção (no despacho saneador, considerara-se não se estar perante uma “vera reconvenção”, não havendo, portanto, um verdadeiro pedido reconvencional a admitir, tratando-se de matéria de excepção), decidindo-se:</font><br>
<font>- Condenar a 1ª Ré a pagar ao Autor a quantia de € 124,70 (cento e vinte e quatro euros e setenta cêntimos – correspondente a 25.000$00);</font><br>
<font>- Absolver ambas as Rés de tudo o mais contra elas peticionado;</font><br>
<font>- Absolver o Autor do pedido reconvencional.</font><br>
<br>
<font>Após apelação do Autor, foi, no Tribunal da Relação de Lisboa, proferido acórdão a julgar improcedente o recurso e a manter a sentença recorrida.</font><br>
<font>Ainda inconformado, veio o Autor interpor o presente recurso de revista, o qual foi admitido.</font><br>
<br>
<font>O recorrente apresentou alegações, formulando as seguintes conclusões:</font><br>
<font>1ª - A reparação do defeito implica a reposição da coisa no estado em que se encontrava e apta para o fim a que se destina (cfr. artigos 913º e 914º do C. Civil).</font><br>
<font>2ª - A substituição integral do motor exigia a legalização do novo motor nas autoridades rodoviárias (artigo 168º, nº 1, b), do C.E.).</font><br>
<font>3ª - Podendo a desconformidade constituir crime de falsificação.</font><br>
<font>4ª - Os veículos automóveis são entregues ao comprador pelo stand vendedor aptos para a circulação na via pública.</font><br>
<font>5ª - O veículo a que foi substituído o motor não pode circular na via pública sem estar legalizada essa substituição.</font><br>
<font>6ª - As apeladas, incompreensivelmente, não forneceram o número do novo motor e não legalizaram o veículo em causa juntos das autoridades rodoviárias.</font><br>
<font>7ª - O mesmo, quando foi entregue ao apelante, não podia, assim, circular na via pública.</font><br>
<font>8ª - O apelante realizou a interpelação admonitória e as apeladas não cumpriram nem no prazo razoável e suficiente, atento o objecto, nem depois.</font><br>
<font>9ª- Tentaram, até, convencer o apelante da desnecessidade de qualquer procedimento de legalização do novo motor.</font><br>
<font>10ª - Revelando um desconhecimento grave e culposo da sua actividade comercial.</font><br>
<font>11ª - O defeito não foi assim reparado, pois o veículo não foi entregue ao apelante em condições legais de circulação na via pública.</font><br>
<font>12ª - Por falta só imputável às apeladas.</font><br>
<font>13ª - As instâncias consideraram provado que o apelante, em consequência, perdeu o interesse na prestação, pois não podia utilizar o veículo para o fim a que este se destinava.</font><br>
<font>14ª - Era inexigível que o apelante fizesse mais do que fez e pudesse contar com a incompetência das apeladas no seu comércio.</font><br>
<font>15ª- As apeladas enganaram o apelante ao, após a substituição do motor, dizer que o veículo estava em condições regulares de funcionamento.</font><br>
<font>16ª - Objectivamente, face aos factos e ao incompreensível comportamento das apeladas, justifica-se a perda de interesse na prestação por parte do apelante.</font><br>
<font>17ª - Que deveria haver conduzido ao entendimento que a resolução do negócio foi a única via justa e legítima possível para o apelante.</font><br>
<font>18ª - Pelo que deveria haver procedido a apelação.</font><br>
<font>19ª - O douto acórdão violou os artigos 801º, 808º, 905º, 913º e 914º do C.Civil.</font><br>
<br>
<font>Não foram apresentadas contra-alegações.</font><br>
<br>
<font>Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.</font><br>
<br>
<font>II – Ao abrigo do disposto no artigo 713º, nº 6, aqui aplicável por força do artigo 726º, ambos do Código de Processo Civil (CPC), remete-se para a fundamentação de facto constante do acórdão recorrido, que se dá por reproduzida.</font><br>
<br>
<font>III – 1. Havendo cumprimento imperfeito da obrigação do vendedor, nomeadamente devido a defeito da coisa vendida, o comprador tem o direito de exigir do vendedor a reparação ou, se for necessário e a coisa tiver natureza fungível, a substituição dela – artigo 914º, 1ª parte, do Código Civil. A lei reconhece, assim, a acção de cumprimento, para reparação ou substituição da coisa defeituosa, facultando ao comprador a obtenção da condenação do vendedor na “realização da originária prestação devida”, independentemente da verificação de prejuízo com o acto ilícito do direito de crédito do comprador (cfr. CALVÃO DA SILVA, in “Compra e Venda de Coisas Defeituosas”, pág. 62).</font><br>
<br>
<font>Nos mesmos termos se passam as coisas quando o vendedor esteja obrigado a garantir o bom funcionamento da coisa vendida, mas, agora, independentemente da existência de culpa do vendedor, ainda que presumida, como previsto na 2ª parte do citado artigo 914º (cfr. artigo 921º, nº 1, do mesmo diploma).</font><br>
<br>
<font>Mediante a garantia do bom funcionamento, o vendedor assegura, durante certo período de tempo, o bom funcionamento e as boas condições de utilização da coisa, em termos de uso normal, assumindo a responsabilidade pela sanação das eventuais deficiências de materiais ou componentes, avarias e deficiências de funcionamento. Numa palavra, o vendedor assume “a garantia de um resultado” (pág. 63 da obra e do Autor citados).</font><br>
<font>Cumulável com o direito à reparação ou substituição da coisa defeituosa, seja nos termos gerais, seja por via da obrigação da garantia a que alude o indicado artigo 921º, e paralelamente com ele, pode existir o direito a indemnização pelos danos decorrentes do mau funcionamento, ou seja, nas palavras do Autor citado, “pelos prejuízos derivados do cumprimento inexacto da prestação garantida (prometida) ou, se se preferir, do atraso com que o comprador recebeu a coisa em perfeito funcionamento” (obra citada. pág. 207).</font><br>
<br>
<font>2. Na situação dos presentes autos, estamos perante uma compra e venda de coisa defeituosa, situação abrangida pelo âmbito e pelo regime de aplicação da Lei nº 24/96, de 31 de Julho (Lei de Defesa do Consumidor), pois que, como refere o artigo 2º, nº 1, deste diploma, “considera-se consumidor todo aquele a quem sejam fornecidos bens (...), destinados a uso não profissional, por pessoa que exerça com carácter profissional uma actividade económica que vise obtenção de benefícios”.</font><br>
<font>O comprador da viatura de matrícula 00-00-HM, aqui Autor, entregou o veículo à vendedora, aqui 1ª Ré, devido a um defeito de fabrico no motor, tendo este sido substituído integralmente. </font><br>
<br>
<font>Pretende o recorrente a resolução do contrato, por ter perdido o interesse na prestação das recorridas, face ao comportamento destas, nos termos do artigo 808º do Código Civil.</font><br>
<br>
<font>Há que apurar se os factos dados como provados, nomeadamente a recusa das Rés em fornecer ao Autor o número do novo motor, constitui causa justificativa da destruição retroactiva do negócio (compra e venda do automóvel), com a consequente restituição do prestado (em causa agora, o respectivo preço).</font><br>
<br>
<font>A dado passo, pode ler-se no acórdão recorrido:</font><br>
<font>“Dos factos resulta inequivocamente que a garantia de bom funcionamento, no que à substituição do componente diz respeito, foi honrada. As RR substituíram o motor completo, deram ao A uma explicação cabal a respeito da avaria e suas razões, disponibilizaram-lhe o veículo depois de reparado e, em jeito de justificação da recusa de fornecimento do número do motor, ripostaram que, com a posse do veículo, ele teria acesso ao seu conhecimento.</font><br>
<font>Não corresponderam as RR ao solicitado pelo A, quanto ao número do motor e também quanto ao exigido relatório técnico, neste caso não sem lhe apresentarem as suas razões.</font><br>
<font>O presente conflito, bem nos parece, só persiste por défice de capacidade ou vontade de conciliação. Não se alcança razão válida para a recusa de fornecimento do dito número, como também, e vista a situação com objectividade, se vê justificação para a insistência do A pela indicação daquele número. Pois é manifesto que o desconhecimento desse dado só persistiria enquanto ele não tivesse a posse do veículo”.</font><br>
<br>
<font>Trata-se de uma apreciação muito adequada do comportamento das partes.</font><br>
<br>
<font>Se a isto acrescentarmos que, desde o dia 27.12.1996, após a detecção da avaria, se procedeu à substituição integral do motor, devendo considerar-se ao nível do motor como um carro novo, à saída do stand, e que a 1ª Ré deu conhecimento ao Autor, na missiva que lhe remeteu no dia 23.01.1997, do âmbito da nova garantia do veículo (Factos AV e AZ), logo temos, desde já, de concluir que não assiste razão ao recorrente, sendo que – e como bem refere o acórdão recorrido – o Autor perdeu interesse na manutenção do contrato de compra e venda, “mas isso numa mera apreciação subjectiva”, pois que os factos provados, conjugados e apreciados com objectividade, como o faria o homem médio colocado na posição do Autor, não dão a este razões com pertinência bastante para a perda de interesse na manutenção do contrato.</font><br>
<br>
<font>3. Posto isto, diremos que a proficiente fundamentação do acórdão recorrido justifica cabalmente a legalidade da solução encontrada para a questão em equação, pelo que para a mesma se remete, nos termos dos artigos 713º, nº 5, e 726º do CPC.</font><br>
<br>
<font>Não colhem, assim, as conclusões do recorrente, tendentes ao provimento do recurso.</font><br>
<br>
<font>IV – Nos termos expostos, acorda-se em negar a revista, confirmando-se, em consequência, a decisão recorrida.</font><br>
<br>
<font>Custas pelo recorrente.</font><br>
<br>
<font> </font><br>
<font>Lisboa, 29 de Novembro de 2006 </font><br>
<br>
<b><font>Moreira Camilo (Relator)</font></b><br>
<b><font>Urbano Dias</font></b><br>
<b><font>Paulo Sá</font></b></font>
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vDLAu4YBgYBz1XKvmzwG
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1.ª Secção (Cível)
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<b><font> </font></b><font><b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font></b><br>
<br>
<br>
<b><font>1</font></b><font> – </font><br>
<br>
<font>"AA" intentou, no Tribunal Judicial de Vila Nova de Gaia, acção ordinária contra sua mãe, BB, com vista a obter a sua condenação nos seguintes pontos:</font><br>
<font>- Reconhecimento de que dolosamente ocultou à herança de seu pai, CC, a quantia de 29.500.000$00 recebida em Janeiro de 1998 pelo então dissolvido casal da R.;</font><br>
<font>- Reconhecimento de que a referida quantia de 29.500.000$00 é pertença de seu finado marido;</font><br>
<font>- Perder em benefício dos co-herdeiros o direito que lhe assistia na sobredita quantia e juros vencidos e vincendos;</font><br>
<font>- Pagar à herança juros sobre a referida importância de 29.500.000$00.</font><br>
<br>
<font>A R. contestou a acção, defendendo-se por excepção e por impugnação.</font><br>
<font>No âmbito da defesa por excepção invocou o caso julgado, dizendo que a questão já tinha sido definitivamente resolvida no processo de inventário que corre termos naquele tribunal por óbito de CC.</font><br>
<br>
<font>Na réplica, o A. contrariou a defesa excepcional invocada pela R..</font><br>
<br>
<font>Em sede de saneador, o Mº Juiz julgou procedente a arguição da excepção dilatória do caso julgado e, consequentemente, absolveu a R. da instância.</font><br>
<br>
<font>Não se conformando com esta decisão, o A. agravou para o Tribunal da Relação do Porto que, por maioria, deu provimento à pretensão daquele, ordenando que “os presentes autos prossigam a tramitação subsequente”.</font><br>
<br>
<font>Foi a vez da R. não se conformar com o decidido e recorrer para este Supremo Tribunal pretendendo a reparação do agravo. </font><br>
<font>Apresentou alegações que fechou do seguinte modo:</font><br>
<font>- O presente recurso vem interposto do acórdão que dando provimento ao agravo interposto pelo A., ordenou que os presentes autos prossigam a tramitação subsequente, por considerar que não se verificava a excepção dilatória de caso julgado; </font><br>
<font>- Salvo o devido respeito, o acórdão violou, por errada interpretação e aplicação as normas dos arts. 493º, nºs 1 e 2, 494º, al. i), 497º, nºs 1 e 2, 498º, 671º, 672º, 1336º e 1349º, nº 4 do CPC.</font><br>
<font>- Uma das questões relativamente às quais o inventário não pode deixar de ter força de caso julgado é precisamente no que respeita àquilo que constitui o acervo hereditário a partilhar. </font><br>
<font>- Ao contrário do que se refere no acórdão recorrido verifica-se no caso </font><i><font>sub judice</font></i><font> a tríplice identidade de sujeitos, pedido e causa de pedir. </font><br>
<font>- A questão da “sonegação de bens”, que segundo a decisão em crise, constitui a causa de pedir da presente acção, está necessariamente prejudicada pela improcedência da acusação da falta de bens relacionados. </font><br>
<font>- Um herdeiro só pode sonegar bens que existam na herança. </font><br>
<font>- No que concerne aos pedidos, também a identidade se verifica pois que, no fundo, quer no inventário, quer na presente acção, se pretende obter “o mesmo efeito jurídico” (art. 498°, n° 3, do CPC), isto é, o reconhecimento de que a quantia de 29.500.000$00 fazia parte do acervo da herança do falecido CC e que a mesma foi omitida no inventário. Com as consequências previstas no art. 1349°, n° 4, do CPC, caso a sonegação existisse”. </font><br>
<font>Não houve contra-alegações por parte do agravado</font><b><font>. </font></b><br>
<br>
<b><font>2</font></b><font> – </font><br>
<br>
<font>Com relevo para a decisão as instâncias fixaram a seguinte factualidade:</font><br>
<font>- Na presente acção o A. pede a condenação da R. a:</font><br>
<font>- Reconhecer que ocultou dolosamente à herança de CC a quantia de 29.500.000$00, recebida em Janeiro de 1998 pelo então dissolvido casal da R.; </font><br>
<font>- Reconhecer que a referida quantia de 29.500.000$00 é pertença de herança de seu finado marido, CC, pai do A.;</font><br>
<font>- A perder em benefício dos co-herdeiros o direito que lhe assistia na sobredita quantia e juros entretanto vencidos e a pagar à herança a dita quantia, acrescida de juros de mora.</font><br>
<font>- Baseia o A. os pedidos formulados na circunstância de, nos autos de inventário que corre termos por óbito de CC, seu pai, e em que é cabeça-de-casal, sua mãe, ora R., ao ser notificado da relação de bens por esta apresentada, ter acusado a falta de relacionação da quantia de 29.500.000$00 recebida pelo dissolvido casal dos seus pais, a título de tornas no inventário a que se procedeu por óbito de DD e Outros, tendo a R. negado a existência do bem cuja falta foi acusada, razão pela qual foi proferido despacho a remeter as partes para os meios comuns.</font><br>
<font>- Acrescenta que a R. mantém a referida quantia em seu poder, tendo-a porém transferido para uma conta sua e de duas das suas filhas, ocultando tal quantia da herança, bem sabendo que a mesma a este património pertencia.</font><br>
<font>- Por óbito de CC, correram termos pelo 3º Juízo deste tribunal os autos de inventário nº 609/98, em que foi requerente e interessado AA, ora A., e em que foi cabeça-de-casal, BB, ora R..</font><br>
<font>- Notificado da relação de bens apresentada pela cabeça-de-casal, nesses autos de inventário, o interessado AA, apresentou reclamação quanto à relação de bens, acusando, além de outro, a falta de relacionação do seguinte bem:</font><br>
<font>“Dinheiro: A quantia de 29.500.000$00 referente a tornas pagas ao autor da herança e cabeça-de-casal no processo de inventário a que se procedeu por óbito dos pais daquele, tornas essas pagas pelos seus irmãos, no dia 20 ou 21 de Janeiro de 1998”.</font><br>
<font>- Notificada da reclamação em causa, a aqui R., ali cabeça-de-casal, negou a existência da quantia cuja falta foi acusada, tendo arrolado testemunhas.</font><br>
<font>- Sobre tal reclamação foi proferido, em 17.11.99, o despacho, já transitado em julgado, do seguinte teor: “uma vez que o reclamante não fez qualquer prova daquilo que alegou, vai indeferida a reclamação, na parte não aceite pelo cabeça- de-casal”.</font><br>
<br>
<b><font>3</font></b><font> – </font><br>
<br>
<font>A questão aqui em causa é, a nosso ver, simples de decidir.</font><br>
<font>Com efeito, o que aqui está em causa é saber se, transitada em julgado a decisão proferida no âmbito de um processo de inventário, por mor da qual foi indeferida, após oposição e instrução, a pretensão de um interessado no sentido de a cabeça-de-casal relacionar uma verba em dinheiro, tal constitui obstáculo à apreciação da mesma pretensão em sede de acção autónoma.</font><br>
<font>Vejamos.</font><br>
<font>Prescreve o nº 1 do art. 1336º do CPC:</font><br>
<font>“Consideram-se definitivamente resolvidas as questões que, no inventário, sejam decididas no confronto do cabeça-de-casal ou dos demais interessados a que alude o artigo 1327º, desde que tenham sido regularmente admitidos a intervir no procedimento que precede a decisão, salvo se for expressamente ressalvado o direito às acções competentes”.</font><br>
<font>Resulta claramente da matéria de facto supra referida que a questão da verba dos 29.500.000$00 já foi objecto de apreciação em sede de inventário.</font><br>
<font>Com efeito, o aqui A., como interessado directo na partilha dos bens deixados por óbito de seu pai, acusou a falta daquela verba na relação de bens apresentada pela cabeça-de-casal, a aqui R..</font><br>
<font>Esta, notificada para se pronunciar sobre a queixa do interessado seu filho, negou a existência da citada verba.</font><br>
<font>Perante isto, o Sr. Juiz, depois da produção da prova carreada para os autos, indeferiu o incidente.</font><br>
<br>
<font>Temos por acertada a decisão do Mº juiz da 1ª instância que, perante o circunstancialismo descrito, considerou verificada a excepção do caso julgado.</font><br>
<font>Outrossim, damos o nosso apoio ao douto voto de vencido exarado no aresto impugnado. Estamos, pois, em completa discordância com a tese que aí obteve maioria.</font><br>
<font>Expliquemo-nos.</font><br>
<font>Ficou exarado no acórdão o seguinte:</font><br>
<font>“Mesmo admitindo que o despacho proferido em 17.11.99, já transitado em julgado, …não constitua apenas caso julgado formal nos termos do art. 672º, CPC, certo é que apenas constitui caso julgado material quanto à exclusão daquele inventário da quantia em dinheiro e bens móveis que não foram aceites pela ali cabeça de casal, nos limites fixados pelos arts. 497º e seguintes do CPC, nos termos do art. 671º, nº 1, do CPC.</font><br>
<font>Assim, em termos de causa de pedir, a presente acção funda-se, nos termos alegados na petição inicial, no exercício do direito tutelado pelo art. 2096º, nº 1, do Código Civil, apenas contra a ré, enquanto herdeira sonegadora da quantia de Esc. 29.500.000$00, pertencente à herança do pai do autor, CC, devendo o autor provar os respectivos elementos da causa de pedir, ou seja, a existência dessa quantia em dinheiro no património do </font><i><font>de cuius</font></i><font> à data do seu óbito e a ocultação dolosa da sua existência pela ora ré, enquanto cabeça-de-casal no referido inventário”.</font><br>
<font> </font><br>
<font>Se bem percebemos, a razão fundamental pela qual se entendeu não se ter formado caso julgado sobre a </font><i><font>quaestio</font></i><font> deriva do facto de a sonegação não ter sido deduzida no aludido inventário “nem conhecida oficiosamente, ao abrigo do artigo 1350º, nº 4 do CPC”.</font><br>
<font>Há um manifesto erro na indicação do artigo. Naturalmente que se quis referir ao 1349º.</font><br>
<font>A objecção levantada não tem a mínima razão e encontra a resposta adequada no douto voto de vencido:</font><br>
<font>“No que concerne aos pedidos, também a identidade se verifica, pois, que, no fundo, quer no inventário, quer na presente acção, se pretende obter o mesmo «efeito jurídico» (art. 498º, nº 3 do CPC), qual seja o reconhecimento de que a referida quantia fazia parte do acervo da herança do falecido CC e que a mesma foi omitida no inventário. Com as consequências da sonegação, se existisse (</font><i><font>cfr</font></i><font>. art. 1349º, nº 4 do CPC)”.</font><br>
<font>É evidente que, tendo sido decidido no processo de inventário, que a reclamada verba de 29.500.000$00 não fazia parte do acervo hereditário, facto que levou à improcedência do incidente suscitado pelo interessado contra a cabeça-de-casal, estava prejudicado tudo o que fosse dito a respeito de sonegação.</font><br>
<font>Se não ficou provado que a dita verba fazia parte da herança, com que bulas se havia de falar em sonegação?!</font><br>
<font>O caso julgado abrange a conclusão extraída dos seus fundamentos (</font><i><font>cfr</font></i><font>. art. 659, nº 2, </font><i><font>in fine</font></i><font>, do CPC).</font><br>
<font>Com toda a pertinência, Teixeira de Sousa doutrina a este respeito:</font><br>
<font>“Como toda a decisão é a conclusão de certos pressupostos (de facto e de direito), o respectivo caso julgado encontra-se sempre referenciado a certos fundamentos. … Não é a decisão, enquanto conclusão do silogismo judiciário, que adquire o valor de caso julgado, mas o próprio silogismo considerado no seu todo: o caso julgado incide sobre a decisão como conclusão de certos fundamentos e atinge estes mesmos fundamentos enquanto pressupostos daquela decisão” (</font><i><font>in</font></i><font> Estudos Sobre O Novo Processo Civil, pág. 578 e ss.).</font><br>
<font>Houve, como ficou dito, contraditório no aludido incidente e nele não ficou ressalvado qualquer direito às acções competentes.</font><br>
<font>Definitivamente resolvida, portanto, </font><i><font>ex vi</font></i><font> nº 1 do art. 1336º do Código Adjectivo, a questão da dita verba como não fazendo parte da herança.</font><br>
<font>Como assim, prejudicada ficou, desde logo, a questão da sonegação de bens: esta só se verifica após a constatação da razão do reclamante.</font><br>
<font>Por isso mesmo, louvamos mais uma vez o sentido do douto voto de vencido quando enfatiza o contra-senso da tese maioritária, dizendo que representaria um desprestígio da função judicial a admissão, aqui e agora, de tal discussão.</font><br>
<font>Na verdade, a aceitar-se esta tese, correr-se-ia o risco de, por qualquer arte, vir a ser provada a sonegação, sendo certo que, definitivamente, está já decidido que a verba em causa não pertencia à herança.</font><br>
<font>Seguramente que, aí sim, estaríamos perante uma contradição de julgados: não pode ser!</font><br>
<br>
<b><font>4</font></b><font> – </font><br>
<br>
<font>Pelo que fica dito, decide-se, no provimento do agravo, revogar o acórdão da Relação do Porto para ficar a valer o julgado da 1ª instância.</font><br>
<font>Custas, aqui e nas instâncias, pelo A.-agravado.</font><br>
<br>
<b><font>Lisboa</font></b><font>, 12 de Julho de 2007</font><br>
<br>
<font>Urbano Dias</font><br>
<font>Paulo Sá</font><br>
<font>Faria Antunes</font></font>
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ODLPu4YBgYBz1XKv6UGg
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1.ª Secção (Cível)
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<b><font> </font></b><font><br>
<b><font>I. AA</font></b><font> intentou, na 1.ª Vara de Competência Mista de Sintra, contra</font><b><font> BB </font></b><font>e mulher</font><b><font> CC </font></b><font>acção declarativa de condenação com processo ordinário, pedindo a condenação dos RR. no pagamento de 431.291,59 euros e juros, até efectivo e integral pagamento.</font><br>
<br>
<font>Alega, para tanto e em síntese:</font><br>
<br>
<font>No ano de 1999, foi abordado pelo Sr. DD, pessoa da sua confiança, o qual propôs a constituição de uma associação com vista à compra de terrenos e construção de moradias para posterior revenda. Tal convite tinha como pressuposto o facto de o réu BB possuir bons conhecimentos no ramo, facto invocado para garantir ao autor que o negócio era bastante seguro e rentável. Foi neste contexto que, em 21 de Junho de 1999, foi elaborado o acordo escrito intitulado "Contrato de Associação em Participação", onde são outorgantes o autor, o réu BB, EE e DD, no qual ficou estipulado que a participação nos lucros e perdas seria de 40% para o autor e para o réu BB e de 10%, respectivamente, para EE e DD. </font><br>
<font>Apesar de nesse acordo escrito constar o autor como associante, na realidade, desde o início, tal função foi exercida pelo réu BB, até porque era este que tinha conhecimentos nesta área. Em virtude da constituição desta associação e para criar fundos financeiros para a prossecução do escopo da mesma, apoiando os seus investimentos no sector imobiliário, em Agosto de 1999, pelos outorgantes daquela associação foi celebrado um acordo de financiamento sob a forma de abertura de crédito em conta corrente, até ao limite de PTE 50.000.000$00 junto do Banco Internacional de Crédito (BIC). Tal financiamento funcionava através de uma conta aberta no BIC em nome de todos os intervenientes. Para a emissão dos cheques sacados sobre a mesma conta era necessária a assinatura de dois dos quatro titulares da conta, sendo que a do autor teria sempre que constar nos referidos títulos. O réu apresentava os cheques ao autor, o qual apunha a sua assinatura nos mesmos, confiando por inteiro na gestão que era feita por aquele e, por conseguinte, que tais montantes eram destinados à prossecução da actividade da associação. Dada a confiança existente no réu, os elementos da associação, incluindo o autor, concordaram que as aquisições seriam feitas em nome do réu e, foi com base neste acordo, que o réu movimentou todo o capital da associação.</font><br>
<font>Presentemente, o valor do financiamento negociado com o BIC encontra-se totalmente utilizado, encontrando-se ainda em débito juros sobre tal montante que, em 25 de Outubro de 2002, totalizavam € 8.311,98. O autor foi liquidando os juros devedores do financiamento em causa, até cerca de 6 meses antes da propositura da acção, data em que o autor acordou com DD e com o réu que, a partir de então, seriam estes a liquidar os juros mensais correspondentes ao financiamento. Todavia, estes não pagaram aqueles juros e o autor tentou várias vezes contactar com o réu para esclarecer a situação, o que não conseguiu. Entretanto o A. descobriu que o réu utilizou o financiamento acordado com o BIC para adquirir e revender em seu nome e da sua mulher dois bens imóveis, guardando para si o preço dessas operações, sem dar contas à associação nem amortizar o empréstimo contraído no BIC. Com tal conduta os RR. incorreram em responsabilidade civil por factos ilícitos, causando danos ao A., quer em termos de imagem perante a banca (danos não patrimoniais que o A. computa em € 99 759,58) como em termos de danos patrimoniais emergentes (encargos assumidos pelo A. perante a banca, no valor de € 249 398,95) e de lucros cessantes (proposta negocial vantajosa obtida pelo A., que o R. não aceitou, porque já tinha vendido, sem informar os associados, o imóvel em questão, e que proporcionaria um lucro de € 184 555,22, a que caberia ao A. 40%, ou seja, € 73 822,08).</font><br>
<br>
<font>Citados regularmente, os RR. não contestaram.</font><br>
<br>
<font>Assim, nos termos do preceituado no art. 484.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, foram julgados confessados os factos articulados na petição inicial, após o que o A. proferiu alegações escritas.</font><br>
<br>
<font>Foi proferida sentença que julgou a acção improcedente e, consequentemente, absolveu os RR. do pedido.</font><br>
<br>
<font>Inconformado, interpôs a R. recurso de apelação, que foi admitido. </font><br>
<br>
<font>A Relação de Lisboa veio a proferir acórdão, no qual julgou totalmente improcedente a apelação, confirmando a decisão recorrida (com um voto de vencido).</font><br>
<br>
<font>De tal acórdão veio o A. interpor recurso de revista, recurso que foi admitido.</font><br>
<br>
<font>O recorrente apresentou as suas alegações, formulando, em síntese, as seguintes conclusões:</font><br>
<br>
<font>a) O R. BB violou flagrantemente os deveres que se lhe impunham como Associante;</font><br>
<font>b) O comportamento do R. BB comprometeu a actividade e manutenção da associação, conduzindo à impossibilidade de realização do seu objecto, nos termos e para os efeitos do art. 27.º do DL n.º 231/81, de 28 de Junho;</font><br>
<font>c) A impossibilidade de realização do objecto da associação dá lugar a cessação do contrato de associação em participação;</font><br>
<font>d) A conduta dos Réus consubstancia a prática de factos ilícitos;</font><br>
<font>e) Os RR apropriaram-se de verbas que bem sabiam não lhes pertencerem, resultante das vendas dos imóveis adquiridos com verbas da associação;</font><br>
<font>f) O R. BB não liquidou, conforme acordado, os juros do financiamento contraído junto do BIC;</font><br>
<font>g) Desenvolveu a actividade associada unicamente em proveito próprio e de sua esposa;</font><br>
<font>h) Do comportamento dos Réus resultaram directamente danos patrimoniais para o Autor;</font><br>
<font>i) Danos esses correspondentes ao valor do financiamento do BIC no montante de € 205 000,00 (facto já assente nos autos), bem o valor que se encontrava em falta € 32 730,00 – alínea LL) da matéria assente, conforme documentos juntos;</font><br>
<font>j) Além do pagamento do valor do financiamento, em resultado do comportamento dos Réus, o Autor deixou de obter, a título de lucros cessantes, a quantia de € 73 822,08;</font><br>
<font>k) A imagem do Autor perante a banca foi prejudicada, causando-lhe danos;</font><br>
<font>l) O comportamento dos RR foi doloso;</font><br>
<font>m) Pelos presentes autos o Autor pretende ver reconhecidos os danos patrimoniais e não patrimoniais causados pelos Réus;</font><br>
<font>n) Danos esses que, no total, se cifram em € 431 292,59.</font><br>
<br>
<font>Pede que seja dado inteiro provimento ao recurso com as legais consequências.</font><br>
<br>
<font>Não houve contralegações.</font><br>
<br>
<font>Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir. </font><br>
<br>
<b><font>II. Fundamentação</font></b><br>
<br>
<b><font>II.A.</font></b><font> De Facto</font><br>
<br>
<font>Da discussão da causa nas instâncias resultaram provados os seguintes factos:</font><br>
<br>
<font>A) No ano de 1999 o autor foi abordado pelo Sr. DD, pessoa da sua confiança por já trabalhar para si há anos, o qual lhe propôs a constituição de uma associação com vista à compra de terrenos e construção de moradias para posterior revenda;</font><br>
<font>B) Tal convite tinha como pressuposto o facto de o réu BB possuir bons conhecimentos neste ramo, em concreto, na zona de Tomar, facto invocado para garantir ao autor que o negócio era bastante seguro e rentável, tendo logo de início indicado haver comprador para a primeira operação;</font><br>
<font>C) Foi neste contexto que, em 21 de Junho de 1999, foi elaborado o acordo escrito intitulado "Contrato de Associação em Participação", onde são outorgantes o autor, o réu BB, EE e DD, no qual ficou estipulado que a participação nos lucros e perdas seria de 40% para o autor e para o réu BB e de 10%, respectivamente, para EE e DD, conforme documento de fls. 15 a 18 dos autos de Procedimento Cautelar de Arresto apensos a estes, que se dá aqui integralmente por reproduzido para todos os efeitos legais;</font><br>
<font>D) Apesar de, nesse acordo escrito, constar o autor como Associante, na realidade, desde o início, tal função foi exercida pelo réu BB, até porque era este que tinha conhecimentos nesta área;</font><br>
<font>E) Em virtude da constituição desta associação e para criar fundos financeiros para a prossecução do escopo da mesma, apoiando os seus investimentos no sector imobiliário, em Agosto de 1999, pelos outorgantes daquela associação foi celebrado um acordo de financiamento sob a forma de abertura de crédito em conta corrente até ao limite de PTE 50.000.000$00 junto do Banco Internacional de Crédito (BIC), conforme teor do documento de fls. 20 a 23 dos Autos de Procedimento Cautelar de Arresto, que aqui se dá também integralmente por reproduzido para todos os efeitos legais;</font><br>
<font>F) Para garantia da operação foi entregue uma livrança subscrita pelos beneficiários do crédito, avalizada pela mulher do réu e pela mulher do DD;</font><br>
<font>G) Tal financiamento funcionava através de uma conta aberta no BIC, em nomes de todos os intervenientes, sob o número ……….;</font><br>
<font>H) Para a emissão dos cheques sacados sobre a mesma conta era necessária a assinatura de dois dos quatro titulares da conta, sendo que a do autor teria sempre de constar nos referidos títulos;</font><br>
<font>I) O réu apresentava os cheques ao autor, o qual apunha a sua assinatura nos mesmos, confiando por inteiro na gestão que era feita por aquele e, por conseguinte, que tais montantes eram destinados à prossecução da actividade da associação;</font><br>
<font>J) Dada a confiança existente no réu e para evitar a intervenção de todos os associados em cada negócio, os elementos da associação, incluindo o autor, concordaram que as aquisições seriam feitas em nome do réu e, foi com base neste acordo, que o réu movimentou todo o capital da associação;</font><br>
<font>K) Presentemente, o valor do financiamento negociado com o BIC encontra--se totalmente utilizado, encontrando-se ainda em débito juros sobre tal montante que, em 25 de Outubro de 2002, totalizavam € 8 311,98;</font><br>
<font>L) O autor foi liquidando os juros devedores do financiamento em causa até por volta de Junho de 2002, data em que o autor acordou com DD e com o Réu que, a partir de então, seriam estes a liquidar os juros mensais correspondentes ao financiamento;</font><br>
<font>M) Todavia, estes não pagaram aqueles juros e autor tentou várias vezes contactar com o réu, para esclarecer a situação, o que não conseguiu;</font><br>
<font>N) Em face do não pagamento dos juros, a referida entidade bancária já procedeu à notificação de cada um dos intervenientes na associação e no contrato de financiamento para a regularização do débito;</font><br>
<font>O) O réu utilizou o financiamento acordado com o BIC da seguinte forma: parte, na aquisição de um terreno situado no ….., Vale da ….., freguesia da …., negócio que foi denominado como "PROJECTO DO CASTELO DE BODE";</font><br>
<font>P) Para o pagamento deste terreno e uma vez que ainda não era possível utilizar o credito acordado com o BIC, foi solicitado ao autor que emitisse um cheque da sua conta pessoal junto do BTA com o numero ………, datado de 10/08/99, a favor de FF, no valor de Esc. 14.400.000$00, tendo posteriormente sido emitido o cheque n.º ………, daquela conta do BIC referente ao empréstimo de igual valor, o qual foi depositado na conta do autor;</font><br>
<font>Q) O autor assinou os cheques emitidos a favor do Sr. GG e junto ao apenso A como docs. n.os 9 a 15, no valor total de 17 000 000$00, com base nas informações prestadas pelo réu de que a compra daquele terreno seria feita pelo preço de 14 000 000$00 e que o orçamento apresentado por aquele Sr. GG e aceite para a construção de uma moradia no mesmo terreno era no valor de 23 000 000$00, com IVA incluído;</font><br>
<font>R) Desde o começo e mesmo antes de se iniciar a construção da referida moradia, o réu referia que havia comprador interessado na mesma, indicando com o decorrer do tempo outros compradores, mas afirmando que, todavia, nunca tal venda se concretizara;</font><br>
<font>S) Através da apresentação n.º 13 de 19/02/01, foi registada a compra daquele imóvel, descrito na Conservatória do Registo Predial de Tomar, sob o número …./……, por parte de HH</font><br>
<font> e mulher, II, aos réus BB e mulher, a favor de quem, aquele imóvel se encontrava registado desde 4/11/1999, por aquisição a JJ;</font><br>
<font>T) Actualmente e desde 11/02/2002, aquele imóvel encontra-se registado a favor de KK e marido, LL;</font><br>
<font>U) O réu efectuou a venda daquele imóvel e recebeu o preço respectivo, apoderando-se do mesmo, não tendo apresentado contas nem amortizado o empréstimo contraído junto do BIC;</font><br>
<font>V) Ainda antes do autor ter tomado conhecimento destes factos, o réu comunicou-lhe que tinha surgido um bom negócio relacionado com um terreno situado na …….., cujo valor rondava os 15 000 000$00 e que, para aquisição deste imóvel, seria necessário o pagamento de um sinal de 5 000 000$00, havendo que aguardar pela obtenção de licença camarária para pagamento do restante preço;</font><br>
<font>W) Não foi dado ao autor o nome do vendedor nem quaisquer outros pormenores do negócio, nomeadamente, o prazo para a outorga da escritura definitiva e condições de pagamento;</font><br>
<font>X) Até final de 2002, sempre que o autor interrogava o réu sobre o andamento desse negócio, o mesmo informava o autor de que a Câmara estava a "empatar" o processo, pelo que havia que aguardar;</font><br>
<font>Y) Em 8/01/2001, foi registada a aquisição por compra a favor dos réus do prédio misto, sito no lugar de ……, freguesia de ………., concelho de Tomar, descrito na Conservatória do Registo Predial de Tomar sob o n.º ……./……., com hipoteca a favor do BIC;</font><br>
<font>Z) Desde 13/03/2002, encontra-se registada a aquisição daquele imóvel por compra aos réus por parte de MM e NN;</font><br>
<font>AA) Apenas existe um imóvel em nome dos réus, a saber, o prédio sito na freguesia da …., inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 2707 e inscrito na Conservatória do Registo Predial de Tomar, sob o n.º ……/……; </font><br>
<font>BB) Tal registo foi efectuado pela apresentação n.º 37 de 22/09/99 e na mesma data foi inscrita a hipoteca a favor do BNC, cujo montante máximo é de 56 975.000$00;</font><br>
<font>CC) Em 23/01/02, foi registada, pela apresentação n.º 2, a hipoteca voluntária sobre o mesmo imóvel a favor de LL e mulher;</font><br>
<font>DD) As contas referentes à Associação, deveriam ser efectuadas no final de cada negócio, o que o réu nunca fez;</font><br>
<font>EE) O réu adquiriu património e revendeu-o; em tais aquisições, o réu utilizou verbas da associação, exclusivamente em proveito próprio e do casal que constitui com a ré mulher;</font><br>
<font>FF) Face à situação referida em M) e N), o autor encontra-se numa situação de descrédito com as entidades bancárias, com as quais estabelece relações comerciais devido à sua actividade;</font><br>
<font>GG) Em determinada altura o autor apresentou um possível comprador para o imóvel, referente ao projecto de Castelo de Bode, o qual efectuou uma oferta no valor de € 349.158,53;</font><br>
<font>HH) O réu BB opôs-se a que a venda fosse efectuada por aquele valor, afirmando que o considerava baixo para o imóvel em causa, mas a verdadeira razão residia no facto de o réu BB já ter à data procedido à venda do referido imóvel;</font><br>
<font>II) Se aquele negócio tivesse sido realizado, a associação teria tido um lucro de € 184 555,22;</font><br>
<font>JJ) Em Janeiro de 2004 o A. foi novamente interpelado pelo BIC no sentido de proceder ao pagamento do valor em dívida referente ao contrato de financiamento em E), ou apresentar proposta de negociação;</font><br>
<font>KK) De Janeiro de 2004 a 06.10.2004 o A. amortizou a quantia de €. 205 000,00 do débito da conta corrente caucionada n.º ……………., referente ao referido contrato de financiamento n.º CC ……..;</font><br>
<font>LL) O saldo em dívida da conta caucionada em 07.10.2004 era € 32 730,00.</font><br>
<br>
<br>
<b><font>II.B.</font></b><font> De Direito</font><br>
<br>
<b><font>II.B.1.</font></b><font> Como se sabe, o âmbito do objecto do recurso é definido pelas conclusões do recorrente (art.º 684.º, n.º 3, e 690.º, n.os 1 e 3, do CPC), importando ainda decidir as questões nela colocadas e bem assim, as que forem de conhecimento oficioso, exceptuadas aquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras – art.º 660.º, n.º 2, também do CPC.</font><br>
<br>
<font>Assim, as únicas questões a analisar são cada uma das referidas a cada recurso.</font><br>
<br>
<b><font>II.B.2.</font></b><font> Seguiremos, de perto, a argumentação da decisão da 1ª instância e do acórdão da Relação, uma vez que pouco haverá que acrescentar ou alterar ao que neles foi dito.</font><br>
<br>
<font>Fundamentalmente está em questão saber se o 1.º R., conjuntamente com a esposa, praticou actos ilícitos dos quais resultaram para o A. danos patrimoniais (danos emergentes e lucros cessantes) e não patrimoniais (descrédito perante a banca), fundamentadores da indemnização peticionada.</font><br>
<br>
<font>Quanto à qualificação jurídica do contrato celebrado entre o A., o R. e outros) não merece contestação que se está perante um contrato de associação em participação (cf. art. 1.º do DL n.º 231/81, de 28 de Julho), pois que várias pessoas se associaram a uma actividade económica exercida por outra, ficando aquelas a participar nos lucros e perdas que desse exercício resultarem para a outra, com a particularidade de, no caso, constar no contrato como associante o próprio autor, quando, na realidade e por vontade das partes, quem assumiu essa posição foi o réu.</font><br>
<br>
<font>Assim sendo, o R. deveria cumprir os deveres enunciados no art. 26.º, n.º 1, do referido diploma legal, a saber:</font><br>
<br>
<font>"a) proceder, na gerência, com a diligência de um gestor criterioso e ordenado;</font><br>
<font>b) conservar as bases essenciais da associação, tal como o associado pudesse esperar que se conservassem, atendendo às circunstâncias do contrato e do funcionamento de empresas semelhantes; designadamente, não pode, sem o consentimento do associado, fazer cessar ou suspender o funcionamento da empresa, substituir o objecto desta ou alterar a forma jurídica da sua exploração;</font><br>
<font>c) não concorrer com a empresa na qual foi contratada a associação, a não ser nos termos em que essa concorrência lhe for expressamente consentida;</font><br>
<font>d) prestar ao associado as informações justificadas pela natureza e pelo objecto do contrato".</font><br>
<br>
<font>Incumbia-lhe também proceder à apresentação de contas referida no art. 31.º do mesmo diploma legal, "nas épocas legal ou contratualmente fixadas para a exigibilidade da participação do associado nos lucros e nas perdas e ainda relativamente a cada ano civil de duração da associação", sendo admissível o recurso ao processo especial de prestação de contas regulado pelos arts. 1014.º e seguintes do Código de Processo Civil (n.º 4).</font><br>
<br>
<font>Ora, em face da factualidade provada impõe-se concluir que o réu violou flagrantemente os deveres que se lhe impunham como associante, uma vez que de modo algum agiu como um gestor criterioso e ordenado. Ao invés, actuou exclusivamente em proveito próprio, em detrimento da associação, usando fundos da associação para aquisições em nome próprio, que posteriormente alienou, obtendo lucros que afectou exclusivamente ao benefício próprio e de sua mulher; não prestando contas nem informando em conformidade com a realidade dos factos os demais associados.</font><br>
<br>
<font>Mas será que a violação pelo R. dos seus deveres como associante, permite a qualquer um dos associados exigir-lhe uma indemnização equivalente ao valor do financiamento e respectivos juros, com o argumento de que esse pagamento lhe foi exigido pela entidade financiadora?</font><br>
<br>
<font>Salvo melhor opinião, a resposta terá de ser negativa. </font><br>
<br>
<font>Desde logo, porque a associação em questão se mantém, não tendo sido resolvido o contrato de associação, como poderia ter sido nos termos do artigo 30.º, n.os 1 e 2 do citado diploma legal.</font><br>
<br>
<font>Convém, de resto, acrescentar-se que não está configurada a situação, prevista no artigo 27.º, n.º 1, alíneas a) e b), de ocorrer a extinção da associação por completa realização do seu objecto ou pela respectiva impossibilidade.</font><br>
<br>
<font>Designadamente, não ocorre a impossibilidade de realização do seu objecto, que sempre se terá que interpretar como absoluta. A associação pode continuar a actuar, desde que haja nova injecção de capital, o que naturalmente pressuporia a prestação de contas pelo R. e o pagamento do que teria a devolver à associação, permitindo aos associados receberem aquilo a que teriam direito.</font><br>
<br>
<font>De qualquer modo, a invocação da extinção da associação é questão nova, só suscitada neste recurso e que, por isso, não seria de conhecer, atenta a jurisprudência uniforme de que os recursos não visam apreciar questões novas, isto é “questões disponíveis”, não decididas pelo tribunal </font><i><font>a quo </font></i><font>(Cf</font><i><font>. </font></i><font>artigos 676.º, n.º 1, 680.º, n.º 1, e 690.º, do Código de Processo Civil).</font><br>
<br>
<font>Temos, por conseguinte, que, uma vez que o réu foi autorizado por todos os demais associados a adquirir em nome próprio, até ao momento e atentos os termos do acordo, o que se verifica é uma apropriação indevida por parte do R. dos lucros eventualmente gerados pela actividade associada.</font><br>
<br>
<font>Nesta medida, o que cada um dos associados poderia fazer, considerada a actual vigência do contrato, era exigir a prestação de contas judicial e, em face desta, apurar a quota-parte de lucro que lhe seria devida pelo réu.</font><br>
<br>
<font>E, em rigor, é apenas esse o prejuízo de cada um dos associados neste momento.</font><br>
<br>
<font>“Não pode o autor pretender ignorar os mecanismos do próprio contrato e porque o réu não partilhou os lucros, então, fazer tábua rasa do demais acordado, como se nenhuma associação tivesse existido e existisse ainda juridicamente (porque nunca o contrato foi resolvido, frise-se bem), e eximir--se às obrigações que contraiu perante terceiros.”</font><br>
<font> </font><br>
<font>Por outro lado, se é verdade que a actuação do réu frustrou as legítimas expectativas do autor ao lucro proveniente da actividade associada, na medida em que apenas visou o proveito próprio e da sua mulher, e tal facto poder fundar um direito de indemnização do A., na proporção da sua quota na referida associação, não pode, em contrapartida, afirmar-se que, no que concerne ao financiamento contraído junto de uma entidade bancária, já existe qualquer prejuízo patrimonial para o autor.</font><br>
<br>
<font>Com efeito, o direito e correlativo dever de indemnizar advêm da violação (voluntária) pelo agente de um direito alheio ou dever, legal ou contratual, que provoca um dano, pressupondo "a existência de um nexo de imputação do facto ao lesante – ou, por outras palavras, que exista "dolo ou mera culpa"; que da violação do direito subjectivo ou da lei derive um dano, pois sem isso não se põe qualquer problema de responsabilidade civil, e, também que haja um nexo de causalidade entre o facto praticado por aquele agente e o dano sofrido (...), de modo a poder concluir-se que este resulta daquele" (cf. ALMEIDA COSTA – "Direito das Obrigações", 5.ª ed., p. 446, a propósito da responsabilidade extracontratual, mas extensivo à responsabilidade contratual).</font><br>
<br>
<font>Porquanto, mesmo em sede de responsabilidade contratual (e é nessa em que nos situamos), "o devedor que faltar culposamente ao cumprimento da obrigação torna-se responsável pelo prejuízo que causa ao credor" (art. 798.º do Código Civil).</font><br>
<br>
<font>Ora, no caso vertente, no que respeita ao valor do financiamento esgotado até ao seu limite, não existe ainda dano na esfera patrimonial do autor, uma vez que este ainda não pagou o referido valor ao banco em questão, nem resulta lógico e necessário que de entre todos os quatro obrigados (solidariamente) venha a ser ele a pagar integralmente o referido valor, razão porque tão pouco se pode entender estarmos em presença de um dano futuro previsível, nos termos e para os efeitos do n.º 2 do art. 564.º do Código Civil e, por isso, desde logo, indemnizável. </font><br>
<br>
<font>No que respeita aos juros desse financiamento ficou provado que o autor efectuou o pagamento dos mesmos até Junho de 2002.</font><br>
<br>
<font>Esse pagamento não representa mais do que a sua contribuição monetária para a associação referida e, por conseguinte, qualquer eventual direito a uma indemnização que possa ter decorrente desse pagamento, só se apurará em sede de prestação de contas, depois de apurados os lucros e prejuízos da actividade associada e as quotas de contribuição de cada associado.</font><br>
<br>
<font>Também não merece censura o defendido na 1.ª instância e mantido no acórdão da Relação sobre os lucros cessantes. De facto, só poderia aceitar--se que a factualidade provada nas alíneas GG, HH e II configuraria lucros cessantes, indemnizáveis nos termos do n.º 1 do art. 564.º do Código Civil, se outra factualidade igualmente se tivesse provado.</font><br>
<br>
<font>No contexto do contrato de associação celebrado e vigente, importaria apurar, se o negócio que o réu celebrou relativo àquele imóvel não terá sido tão ou mais lucrativo que aquele que o A. pretendia levar a cabo e só na medida em que este outro negócio fosse mais lucrativo que o que o réu celebrou, teria então o autor direito à diferença entre um e outro valor – provado que fosse que a venda por valor inferior visou apenas facilitar ao réu o apoderar-se de todos os lucros.</font><br>
<br>
<font>Assim, não tem este Tribunal elementos para concluir que é aquele valor e não outro (inferior) o prejuízo do autor, tão pouco que o autor tenha tido efectivamente qualquer prejuízo (no sentido de lucros cessantes, isto é, de vantagem não concretizada que de outra forma operaria) com a venda que foi feita pelo réu, relativa ao "projecto de Castelo de Bode"</font><br>
<br>
<font>E quanto aos danos não patrimoniais invocados pelo A., na sentença recorrida ponderou-se o seguinte: "O único facto que poderá ter algum relevo nesta sede é o que consta da alínea FF dos factos provados, mas mesmo aí quer-nos parecer que mais facilmente estaríamos em face de um dano patrimonial (ainda que muito vago e não quantificado) do que perante um dano moral ou não patrimonial, ainda que se possa admitir ficar no mesmo implícita uma certa afectação da imagem de credibilidade bancária do autor.</font><br>
<br>
<font>Sucede, porém, que não se verificam os requisitos para o accionamento da responsabilidade civil, seja contratual ou extracontratual, esta na referida vertente de afectação da boa imagem ou bom nome comercial do autor. Com efeito, não existe nexo causal entre um acto voluntário do réu e tal pretenso dano, uma vez que esse suposto "prejuízo" decorre do não cumprimento por parte do próprio autor das obrigações decorrentes para si do contrato de financiamento bancário.</font><br>
<br>
<font>Na verdade, o autor não é o único outorgante ou responsável pelo pagamento do capital financiado e juros, antes apenas um dos responsáveis solidários e, quando deixou de pagar os juros, bem sabia que continuava vinculado aos termos do contrato de financiamento, pois que o BIC não deu o seu assentimento ao acordo que o autor celebrou com o réu e o Sr. DD, nos termos do qual, a partir de Junho de 2002, seriam estes exclusivamente a assumir o pagamento dos juros daquele financiamento.</font><br>
<br>
<font>Assim sendo, foi o autor quem, voluntariamente, ao não continuar a efectuar aqueles pagamentos, como vinha fazendo até então, deu causa a essa má imagem e descrédito junto das entidades bancárias, entidades estas alheias às relações do autor e terceiros. Pelo que, também neste segmento, não lhe assiste qualquer direito a ser indemnizado pelo réu. </font><br>
<br>
<font>Acresce que, conforme decorre do teor da alínea KK) da matéria de facto, posteriormente o A. procedeu a amortizações da dívida bancária, o que certamente apaziguou a referida má imagem junto da banca.</font><br>
<br>
<font>Quanto aos pagamentos ao BIC que o A. entretanto suportou, mantém-se o entendimento, já expresso no acórdão recorrido, e do qual resulta, em síntese, que:</font><br>
<br>
<font>Tudo se passa no âmbito das obrigações emergentes do contrato de associação em participação celebrado pelo A., o Réu e mais duas pessoas; face à violação das regras do contrato por parte do 1.º R., o A. poderá, perante todos os contraentes, resolver o negócio, nos termos do art.º 30.º do Dec. Lei n.º 231/81, reclamando do 1.º R. a indemnização correspondente aos prejuízos por este causados.</font><br>
<br>
<font>Não o fazendo, isto é, aceitando a manutenção da associação em participação, então terá de exigir a prestação de contas, em que se apure quais os lucros obtidos pelo 1.º R. e quais as perdas, os quais deverão ser distribuídos e suportados, respectivamente, pelo associante e por todos os associados, de acordo com a proporção contratada.</font><br>
<br>
<font>O que o A. não pode é abstrair do negócio jurídico em que se enquadram as suas relações com o 1.º R., e exigir deste prestações baseadas na responsabilidade extra-contratual, instituto que, como se demonstra, é desajustado ao caso </font><i><font>sub-judice</font></i><font>.</font><br>
<br>
<br>
<b><font>III.</font></b><font> Termos em que se acorda em julgar improcedente o recurso de revista interposto.</font><br>
<br>
<font>Custas pelo recorrente.</font><br>
<div></div><br>
<br>
<br>
<tt><b>Lisboa,14 de Novembro de 2006</b></tt><br>
<br>
<tt><b>Paulo Sá (Relator)</b></tt><br>
<tt><b>Borges Soeiro</b></tt><br>
<tt><b>Faria Antunes</b></tt></font>
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1.ª Secção (Cível)
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<b><font> </font></b><font><br>
<font> </font><br>
<br>
<font> Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font><br>
<font> </font><br>
<font> </font><b><font>I- Relatório</font></b><font>:</font><br>
<font> 1-1- </font><b><font>AA e BB, </font></b><font>residentes na Rua ........, ....., .. Lisboa, propõem contra </font><b><font>CC e </font></b><font>DD, residentes na ........., ..., ...Dtº, Lisboa, a presente acção com processo ordinário, </font><i><font>pedindo</font></i><font> se declare a aquisição do usufruto do apartamento correspondente à fracção autónoma, designada pela letra E a que corresponde o 1º andar direito, do prédio nº ....., da Rua ........ descrito na 6º Conservatória de Registo Predial de Lisboa, sob o artigo nº 156, da freguesia de Alcântara, por usucapião, a favor deles, AA..</font><br>
<font> Alegaram, para tanto, em síntese, que tomaram de arrendamento a fracção autónoma em causa, sendo que nessa altura era dela proprietária e de todo o prédio, a D. EE, que passou então a ser sua senhoria. A A. trabalhou para a referida D. DD, tendo esta constituído a favor deles, AA. o usufruto da referida fracção, como forma de agradecimento pelos trabalhos prestados, cedendo o gozo gratuito da casa habitada por eles e redigiu o documento junto aos autos a fls. 30. Convencidos que eram “usufrutuários” da fracção autónoma a partir de então agiram diante de todos como tal, aí vivendo, nela pernoitando, tomando as suas refeições, passando aí os seus tempos de lazer e recebendo os seus amigos, fazendo-o gratuitamente, como beneficiários do direito de gozo vitalício do imóvel, perante todos os vizinhos e demais pessoas, desde 1976 e sem interrupções.</font><br>
<font> 1-2- Contestaram os RR., invocando a ineptidão da petição inicial visto que o pedido está em contradição com a causa de pedir. Por impugnação sustentam, também em síntese, que nunca a proprietária do imóvel pretendeu constituir os AA. como usufrutuários do mesmo, mas sim que o cedia gratuitamente enquanto ela, senhoria, e os inquilinos fossem vivos. Nunca reconheceram o direito de usufruto dos AA. ou qualquer outro direito deles e que o prédio apenas foi constituído em regime de propriedade horizontal em 1989. Os AA. têm uma casa em Azeitão onde habitam, sendo aí que têm a sua residência habitual, não tendo necessidade de usar a casa em questão.</font><br>
<font> Terminam pedindo a procedência da excepção invocada e a improcedência da acção.</font><br>
<font> 1-3- Os AA. replicaram no sentido de aperfeiçoando do pedido formulado na petição inicial, sanando, assim, a invocada nulidade do processo. </font><br>
<font> 1-4- Os AA. apresentaram tréplica defendendo, em resumo, ser inadmissível a alteração do pedido formulado na réplica.</font><br>
<font> 1-5- O processo seguiu os seus regulares termos posteriores, tendo-se proferido despacho saneador, onde se considerou improcedente a excepção (de nulidade do processo) invocada, após o que se fixaram os factos assentes e a base instrutória, se realizou a audiência de discussão e julgamento, se respondeu esta base e se proferiu a sentença.</font><br>
<font> 1-6- Nesta julgou-se a acção procedente por provada e, consequentemente, condenou-se os RR. CC e DD a reconhecerem que os AA. e BB são titulares do usufruto que incide sobre o prédio descrito na 6º Conservatória do Registo Predial de Lisboa, sob o nº ../..........–..., inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 272, da freguesia dos Prazeres, correspondente ao 1º andar direito do prédio sito no nº ....., da Rua ........, por o terem adquirido pela usucapião.</font><br>
<font> 1-7- Não se conformando com esta sentença, dela recorreram os RR. de apelação para o Tribunal da Relação de Lisboa onde, por acórdão de 29-3-2007, se decidiu julgar procedente o recurso e, consequentemente, se revogou a sentença recorrida, julgando-se a acção improcedente por não provada.</font><br>
<font> 1-8- Inconformados com esta decisão recorreram agora os AA. de revista para este Supremo Tribunal, tendo das suas alegações retirado as seguintes conclusões:</font><br>
<font> 1ª- Os recorrentes não são meros detentores ou possuidores precários.</font>
<p><font> 2ª- A formulação jurídica constante das várias alíneas da norma do artigo 12.....° do Código Civil, não encontra correspondência na matéria de facto dada como provada na presente acção. Da matéria de facto provada em audiência de julgamento fica clara a intenção dos recorrentes de agir como usufrutuários (veja-se a matéria de facto contida em M’ e em “S”), sendo nessa qualidade se apresentavam aos vizinhos (matéria de facto contida em NO”). Dúvidas não restam de que o “animus" dos recorrentes era o de usufrutuários. Por outro lado, tendo a D. EE elaborado o documento de folhas 30 no qual colocou e reconheceu a sua assinatura, não pode entender-se que existia da sua parte uma mera tolerância, já que, a mera tolerância contém em si mesma uma passividade perante uma actuação alheia para a qual não se deu autorização, o que não sucede neste caso. Relativamente à alínea e) desta norma, diga-se que a partir de 1976 (data em que foi escrito o documento de folhas 30) os ora recorrentes deixaram de possuir em nome de outrem, já que nessa data ficou tacitamente revogado o contrato de arrendamento existente (como bem entendeu o tribunal recorrido), passando estes a possuir em nome próprio na qualidade que julgavam ter de usufrutuários.</font>
</p><p><font> 3ª- Da matéria de facto dada como provada resulta que existiu da parte dos ora recorrentes a prática de actos materiais que correspondem ao exercício do direito de usufrutuários: viveram no imóvel, pernoitaram, tomaram refeições, receberam amigos. fazendo-o gratuitamente enquanto beneficiários de um direito de gozo vitalício (matéria de facto contida em M); Realizaram obras na fracção e nas partes comuns (matéria de facto contida em P) e compareceram em reuniões com vista à constituição do condomínio do prédio (matéria de facto contida em Q) — actos que devem considerar-se de administração), por outro lado apresentaram-se sempre (não uma vez ou duas, mas sempre) como usufrutuários (matéria de facto contida em O). Assim verificou-se da parte dos recorrentes uma prática reiterada, com publicidade, dos actos materiais correspondentes ao exercício do direito de usufrutuários mostrando-se por isso adquirida a posse para os efeitos da alínea a) do art. 1263° do Código Civil.</font>
</p><p><font> 4ª- Por outro lado podemos dizer que ocorreu uma aquisição derivada de posse designada por </font><i><font>traditio brevi manu</font></i><font>, em que por acordo com efeito translativo entre o detentor da coisa e a pessoa em nome de quem ele a detinha, aquele alcança a conversão do título de detenção em titulo de posse. Assim se adquirindo a posse sem tradição por efeito da </font><i><font>nuda voluntas</font></i><font>. Embora não constante do art. 1263° esta forma de aquisição deve ser admitida por fazer parte do sistema possessório aí consagrado. Se é admissível que a posse se adquira por tradição efectivada efectuada pelo anterior possuidor (ou seja se este tem poder para transmitir a posse a quem não a tinha) também se tem que admitir que tem poder para a conceder ao mero detentor por efeito da sua vontade expressa). Assim, se até 1976 os ora recorrentes detinham em nome de outrem (da sua senhoria D. EE), a partir dessa data através do escrito de folhas 30 dos autos (que deve considerar-se fruto de um acordo translativo por efeito da vontade de D. EE aceite pelos ora recorrentes converte-se o título de detenção em título de posse. Assim, também neste pressuposto os ora recorrentes haviam adquirido a posse.</font>
</p><p><font> 5ª- Da actuação dos recorrentes que veio dada como provada, resulta inequívoco que o seu “animus” era de usufrutuários e não de comodatários ou de arrendatários. Nem os arrendatários nem os comodatários comparecem em reuniões tendo em vista a constituição do condomínio, como fizeram os recorrentes. Assim, ainda que viver, pernoitar, tomar refeições, receber amigos, efectuar obras sejam actos que por si só podiam configurar a utilização realizada por um arrendatário ou comodatário, a verdade é que o </font><i><font>animus</font></i><font> com que são realizadas põem de parte estes dois tipos de contrato e a correspondente detenção do apartamento em nome de outrem. Note-se que era na qualidade de usufrutuários que se apresentavam aos vizinhos.</font>
</p><p><font> 6ª- Para os recorrentes, a vontade plasmada no escrito de fls. 30, não é consentânea com constituição do direito de uso e habitação, ao contrário do que entendeu o tribunal recorrido, uma vez que resultou provado — matéria de facto contida em H — que a D. EE cedeu o gozo gratuito da casa habitada pelos réus. A cessão do gozo é uma expressão consentânea com o conceito de usufruto.</font>
</p><p><font> 7ª- Não se mostra necessária a inversão do título da posse como forma aquisitiva da posse uma vez que existia uma posse e não uma mera detenção por parte dos recorrentes.</font>
</p><p><font> 8ª- A posse dos ora recorrentes preenche os dois requisitos que são susceptíveis de conduz à aquisição por usucapião, ser pública e pacífica. A posse é pública quando é exercida de modo a poder ser conhecida pelos interessados (art. 1262° do Código Civil). A posse é pacífica quando é adquirida sem violência. As restantes características que a posse eventualmente revista, como ser de boa ou d má fé, ser titulada ou não tituIada estar ou não inscrita no registo, tem importância apenas no prazo necessário para que a usucapião possa ter lugar. No entanto e no que respeita à boa fé para efeitos de usucapião, esta pode existir sem titulo da posse quando, ao adquiri-la, o possuidor supunha que havia titulo válido ignorava que lesava direitos de outrem (que é o caso dos recorrentes).Pelo que a matéria de facto provada permite a aquisição do usufruto por usucapião por parte dos recorrentes.</font>
</p><p><font> 9ª- Ainda que se entendesse e sem conceder, que os ora recorrentes possuíam em nome de D. EE, porque seus arrendatários (entendendo nesse caso que o contrato de arrendamento se mantinha em vigor) ou beneficiários de um comodato (entendendo nesse caso que o arrendamento se havia convertido em comodato) teríamos que entender, também, que a matéria de facto dada como provada é apta a caracterizar a oposição dos recorrentes à falecida D. EE (ao contrário do que entendeu o Tribunal recorrido).</font>
</p><p><font> 10ª- A parte final da resposta ao quesito 5° (Matéria de facto contida em L) não é apenas uma conclusão de direito. A partir do momento em que as expressões entram na linguagem corrente e comum das pessoas, apesar de serem também conceitos de direito ou com significado jurídico não deixam de ser também conceitos de facto (já que as pessoas a eles se referem e os utilizam na sua conversação), assim, se expressões como “arrendatário” “proprietário” são admitidas como expressões fácticas, o mesmo deve suceder com a expressão “usufrutuário’, sendo conhecido da cidadão comum o seu significado (note-se que várias testemunhas referiram que tinham conhecimento que os recorrentes utilizavam a casa e não pagavam qualquer contrapartida quer à D. EE, quer aos proprietários seguintes). Sendo certo que os quesitos não podem ser encarados isoladamente e que nos quesitos seguintes existe a concretização dos actos que demonstram a actuação dos recorrentes como usufrutuários.</font>
</p><p><font> 11ª- Por outro lado, também na resposta ao quesito 7°, matéria de facto contida em N, se diz que perante os vizinhos e demais pessoas (cabendo aqui a D. EE e os posteriores proprietários) os autores vêm exercendo desde 1976 o direito de gozar plenamente a fracção autónoma, habitando-a, sendo que o fazem gratuitamente como beneficiários do direito de gozo vitalício do imóvel (resposta ao quesito 6° - matéria de facto contida em M).</font>
</p><p><font> 12ª- A inversão do título da posse por “oposição", implica uma modificação do </font><i><font>animus</font></i><font> par parte do detentor, revelada por actos positivos que exteriorizem a sua vontade de opor uma posse própria à pessoa em nome de quem vinha actuando como possuidor precário.</font>
</p><p><font> 13ª- Da matéria de facto fica claro que o </font><i><font>animus</font></i><font> dos recorrentes mudou com a emissão da declaração de folhas 30 e que a partir daí a actuação dos recorrentes terá de entender-se como de oposição (isto para quem entenda que a sua posse continuou precária) já que se apresentam como usufrutuários, ou seja dizendo a todos, inclusivamente aos vizinhos (que eram arrendatários da D. EE, segundo o disseram em testemunho na audiência de julgamento) que a sua posse era própria.</font>
</p><p><font> 14ª- Assim, caso se entenda e sem conceder que a posse dos recorrentes era precária, ter-se-ia de admitir que ocorreu a inversão do título da posse uma vez que existe matéria de facto provada que suporta tal afirmação</font>
</p></font><p><font><font> 1-9- Os recorridos não contra-alegaram.</font><br>
<font> Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir:</font><br>
<font> </font><b><font>II- Fundamentação:</font></b><br>
<b><font> </font></b><font>2-1- Uma vez que o âmbito objectivo dos recursos é balizado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes, apreciaremos apenas as questões que ali foram enunciadas (arts. 690º nº1 e 684º nº 3 </font><i><font>ex vi </font></i><font>do art. 726º do C.P.Civil). </font><br>
<font> Nesta conformidade, será a seguinte a questão a apreciar e decidir:</font><br>
<font> - Se os recorrentes adquiriram, ou não, por usucapião o usufruto da casa em causa.</font><br>
<font> 2-2- Das instâncias vêm assentes os seguintes factos:</font><br>
<font> A) Em 1/06/1971, os AA. tomaram de arrendamento a fracção autónoma “E”, correspondente ao 1º andar, direito, do prédio com o nº ....., sito na Rua ........, descrito na 6ª Conservatória do Registo ................... sob o nº .... da freguesia de Alcântara e inscrita na matriz predial urbana sob o Artigo nº 272 da Freguesia dos Prazeres.</font><br>
<font> B) Nessa data era proprietária de todo o prédio a Sra. D. EE, que passou então a ser senhoria dos AA..</font><br>
<font> C) Teor do documento junto aos autos a fls.30 em que expressamente se refere:</font><br>
<font> «Eu EE declaro que cedi gratuitamente o 1º andar direito da minha casa da Rua ........, nº ....., ao Srº AA e mulher BB enquanto forem vivos».</font><br>
<font> D) Quando a Sra. D. EE faleceu, sucedeu-lhe como herdeira, a sua sobrinha, Sra. D. FF , que adquiriu a propriedade da fracção autónoma ora em causa por sucessão.</font><br>
<font> E) Em 1988, a Sra. D. FF acima referida, vendeu todas as fracções do prédio, incluindo a correspondente ao 1º andar direito, a qual vendeu ao R..</font><br>
<font> F) O registo dessa aquisição a favor do R. foi feita na data de 16/09/1988.</font><br>
<font> G) A A. trabalhou para a referida Sra. D. FF. (quesito1º) </font><br>
<font> H) A D.FF como forma de agradecimento pelos trabalhos prestados cedeu o gozo gratuito da casa habitada pelos RR. e redigiu o documento junto aos autos a fls. 30 (quesito 2º)</font><br>
<font> I) Entenderam os AA. que a Sra. D. EE, os havia constituído nessa data, “usufrutuários” da fracção autónoma acima referida (quesito 3º)</font><br>
<font> J) Desconheciam os AA. a necessidade de tal acto ter de ser realizado por escritura pública e sujeito a registo (quesito 4º).</font><br>
<font> L) Os AA. guardaram a declaração, convencidos que eram “usufrutuários” da fracção autónoma e a partir de então agiram diante de todos como tal (quesito 5º)</font><br>
<font> M) Os Autores têm vivido na referida fracção, nela pernoitando, tomando as suas refeições, passando aí os seus tempos de lazer e recebendo os seus amigos, fazendo-o gratuitamente, como beneficiários do direito de gozo vitalício do imóvel (quesito 6º)</font><br>
<font> N) Assim, perante todos os vizinhos e demais pessoas, os AA. vêm exercendo desde 1976, o direito de gozar plenamente a fracção autónoma acima descrita, habitando-a (quesito 7º)</font><br>
<font> O) Os AA. sempre se apresentaram como «usufrutuários» e quiseram participar na discussão de questões relativas ao prédio (quesito 8º)</font><br>
<font> P) Os AA. realizaram as obras de conservação da fracção e fizeram arranjos nas partes comuns do prédio (quesito 9º)</font><br>
<font> Q) Compareceram em reuniões com vista à constituição do condomínio do prédio, apresentando-se como usufrutuários da fracção autónoma que ocupam (quesito 10º)</font><br>
<font> R) Aos vizinhos os AA. apresentam-se como usufrutuários, tendo estes alertado o cônjuge marido da necessidade de realização de escritura pública para tal (quesito 11º)</font><br>
<font> S) Os AA. têm vivido na casa como tendo direito ao seu gozo e com convicção de tal direito, desde 1976 (quesito 12º)</font><br>
<font> T) Os AA. vêm assim actuando há 27 anos sem quaisquer interrupções (quesito 13º)</font><br>
<font> U) O R. é sobrinho da A. e desde sempre teve conhecimento quer do teor do documento de fls. 30, quer do convencimento dos AA., seus tios (quesito 16)</font><br>
<font> V) O R. desde antes da aquisição do imóvel sabia a que título ocupavam os AA. a fracção autónoma.</font><br>
<font> X) Os AA. são proprietários de uma casa onde passam temporadas, sobretudo no Verão-----------------------</font><br>
<font> 2-3- Na sentença de 1ª instância, considerou-se, em síntese, que a partir 24 de Janeiro de 1976 ( data do documento de fls. 30), altura em que deixaram de pagar a renda (antes eram arrendatários da casa), os AA. comportaram-se perante o imóvel como possuidores do respectivo usufruto, sendo a posse, pública, de boa fé e não titulada. Dadas estas características da posse, entendeu-se que a usucapião dar-se-ia no termo de quinze anos. Visto que a acção deu entrada em juízo em 10 de Novembro de 2003, considerou-se que tinham já decorrido mais de quinze anos desde o início da posse, razão por que se julgou procedente a acção e, em consequência, considerou-se os AA. como usufrutuários do prédio em questão.</font><br>
<font> Na Relação de Lisboa entendeu-se, também em resumo, que não se demonstrou que os AA. tenham adquirido por usucapião, quer o usufruto quer o uso de habitação do imóvel, sendo que o uso que têm feito do imóvel com o conhecimento da falecida EE e do R. é consentâneo com os direito que o comodatário exerce sobre a coisa comodatária. Ao invés de se estar perante uma situação de usufruto, a situação é consentânea com uma circunstância de comodato. Relativamente à aquisição do usufruto, os factos provados não caracterizam suficientemente a oposição dos AA. em relação à falecida EE, consubstanciadora da inversão da posse, de modo a poder-se concluir que de simples detentores precários e possuidores em nome alheio, os AA. passaram à qualidade de possuidores em nome próprio do direito de usufruto. No que toca ao uso e habitação, salientou-se que o direito não é susceptível de aquisição por usucapião.</font><br>
<font> Como se viu, os AA., na presente revista, continuam a sustentar que os factos provados demonstram que adquiriram por usucapião o usufruto do fracção autónoma em causa.</font><br>
<font> Na Relação, no que toca à matéria de facto que a 1ª instância deu como demonstrada, considerou-se que a parte final da resposta dada ao quesito 5º é manifestamente conclusiva (porque não se concretiza os actos que os AA. praticaram), ficando, assim, subtraída a tal resposta a expressão “e a partir de então agiram (os AA.) perante todos como tal” (como usufrutuários).</font><br>
<font> Em relação a esta subtracção, os recorrentes sustentam que tal frase não constitui uma conclusão de direito. A partir do momento em que as expressões entram na linguagem corrente e comum das pessoas, apesar de serem também conceitos de direito ou com significado jurídico não deixam de ser também conceitos de facto (já que as pessoas a eles se referem e os utilizam na sua conversação). Assim se expressões como “arrendatário”, “proprietário” são admitidas como expressões fácticas, o mesmo deve suceder com a expressão “usufrutuário’, sendo conhecido da cidadão comum o seu significado.</font><br>
<font> Entendemos manter a posição assumida pela Relação, visto que consideramos, na realidade, que a expressão em causa exprime um juízo conclusivo, pois trata-se de uma evidente dedução a retirar da demonstração de factos materiais. Ora, como se sabe, só factos concretos é que devem ser levados à base instrutória, como decorre do art. 511º nº 1 do C.P.Civil, razão por que a subtracção ordenada pela Relação foi correcta. Portanto a questão não está em saber-se se o termo “usufrutuário”, nitidamente conceito de direito, é também empregue e utilizado em linguagem vulgar e corrente e como tal assume, igualmente, uma vertente fáctica. A razão da extracção da expressão foi outra.</font><br>
<font> Posto isto entremos na matéria de direito que a causa suscita, sublinhando-se, porém, que várias componentes conclusivas e de direito constantes da factualidade dada como provada, não serão tidas em conta como se refere na nota de rodapé nº 1. </font><br>
<font> Os factos provados demonstram que os AA., em 1/06/1971, tomaram de arrendamento a fracção autónoma em causa, sendo proprietária e senhoria do prédio a D. EE. Porém, com a data de 24 de Janeiro de 1976, a proprietária e senhoria elaborou o documento junto aos autos a fls.30 em que expressamente se refere, «</font><i><font>Eu EE declaro que cedi gratuitamente o 1º andar direito da minha casa da Rua ........, nº ....., ao Srº AA e mulher BB enquanto forem vivos</font></i><font>», tendo feito-o como forma de agradecimento pelos trabalhos prestados. Entenderam os AA. que a Sra. D. EE, os havia constituído nessa data, “usufrutuários” da fracção autónoma acima referida, desconhecendo a necessidade de tal acto ter de ser realizado por escritura pública e sujeito a registo. Os AA. guardaram a declaração, convencidos que eram “usufrutuários” da fracção autónoma. Têm vivido na referida fracção, nela pernoitando, tomando as suas refeições, passando aí os seus tempos de lazer e recebendo os seus amigos, fazendo-o gratuitamente, habitando-a. Os AA. sempre se apresentaram como «usufrutuários» e quiseram participar na discussão de questões relativas ao prédio. Os AA. realizaram as obras de conservação da fracção. Compareceram em reuniões com vista à constituição do condomínio do prédio, apresentando-se como usufrutuários da fracção autónoma que ocupam. Aos vizinhos os AA. apresentam-se como usufrutuários. Os AA. têm vivido na casa com convicção de que são usufrutuários, desde 1976</font><font>(1)</font><br>
<br>
<font>. Também haverá que sublinhar que em 1988, a D. FF acima referida (que sucedeu à D. EE como herdeira), vendeu todas as fracções do prédio, incluindo a correspondente ao 1º andar direito, ao R., sendo que o registo dessa aquisição a favor do R. foi feita em 16/09/1988.</font><br>
<font> O ponto de partida para a discussão de direito será a interpretação do conteúdo no documento de fls. 30. O que é que pretendeu a D. EE conceder aos AA.? O usufruto da habitação, o uso e habitação do imóvel, ou apenas emprestar a casa aos AA. (comodato), como sustenta o acórdão da Relação? Ou melhor, o querer daquela pessoa ao redigir o documento, será compatível com uma cedência do imóvel para usufruto dos AA.? </font><br>
<font> Sem dúvida apreciável, pelas razões aduzidas no acórdão da Relação para onde se remete, somos em crer que a partir da realização do aludido documento, o contrato de arrendamento celebrado deve ter-se como tacitamente revogado. É que tendo desde então, os AA. deixado de pagar a renda, elemento essencial do contrato de arrendamento, descaracterizou-se o mesmo e assim a dedução da revogação tácita do contrato é admissível.</font><br>
<font> A senhoria e proprietária expressamente referiu que cedia gratuitamente aos a casa «enquanto forem vivos».</font><br>
<font> Como se sabe, em matéria de interpretação de declarações negociais deve valer o sentido que um declaratário normal, ou seja, medianamente instruído e diligente, colocado na posição do declaratário real, lhes dê em face do comportamento do declarante. Exceptuam-se os casos em que não se possa, razoavelmente, atribuir ao declarante aquele sentido e quando o declaratário conhecer a vontade real do declarante (art. 236º nºs 1 e 2)</font><font>(2)</font><br>
<font>.</font><br>
<font> Sem grandes dúvidas poderemos admitir que o desejo da constituição de uma situação de um usufruto sobre a casa é claramente conciliável com a declaração proferida pela referida D. EE. Note-se que ela refere uma cedência do uso do imóvel, sabendo-se que o usufruto consiste, precisamente, no direito do titular, de gozar temporária e plenamente uma coisa, sem alterar a sua forma e substância (art. 1439º do C.Civil, diploma de que serão as disposições a referir sem menção de origem). A referência do exercício do direito enquanto os beneficiados forem vivos, também é harmonizável com o usufruto, visto que este pode durar durante toda a vida do usufrutuário, como decorre do art. 1443º.</font><br>
<font> Não exclui, pois, a declaração da então proprietária do imóvel, o querer constituir um usufruto. </font><br>
<font> Diga-se que esta questão é secundária para a decisão do pleito, visto que a vontade da proprietária não é decisiva, nem essencial, para a aquisição do direito através da usucapião, já que para esta aquisição vale, essencialmente, o comportamento do pretendente em relação à coisa. O sentido da declaração da proprietária será importante para se poder determinar a vontade real da proprietária e para se poder ajuizar sobre a eventual conformação dos interessados em relação a esse querer.</font><br>
<font> Nos termos do art. 1440º, o usufruto pode ser constituído por contrato, testamento, usucapião ou disposição da lei.</font><br>
<font> Para o caso vertente, não estando em causa, patentemente, a constituição do usufruto através de testamento ou disposição de lei, importa considerar a constituição por usucapião. A formação por contrato (doação) que a dita declaração poderia compreender, como se assinala nas decisões das instâncias e sem controvérsia, é nula por falta de forma (art. 947º nº 1 do C.Civil, art. 80º nº 1 do actual C. Notariado – Dec-Lei 207/95 de 14/8 e art. 89º al. a) do C. Notariado então em vigor –Dec-Lei 47619 de 31-3-1967). </font><br>
<font> Para além do estabelece aquele art. 1440º, de forma muito sumária diremos, que não existem dúvidas que a usucapião constitui uma forma de aquisição do usufruto de um bem. Com efeito, de harmonia com o disposto no art. 1287º “</font><i><font>a posse do direito de propriedade ou de outros direitos reais de gozo, mantida por certo lapso de tempo, faculta ao possuidor, salvo disposição em contrário, a aquisição do direito de propriedade a cujo exercício corresponde a sua actuação</font></i><font>”.</font><br>
<font> Para que se verifique a usucapião, é necessário que ocorra a posse sobre a coisa, durante um determinado período de tempo (que varia conforme as circunstâncias previstas nos arts. 1294º e segs.). Só a posse pública e pacífica conduz à aquisição por usucapião, como decorre do disposto no art. 1297º.</font><br>
<font> A posse será pública quando se exerce de modo a ser conhecida pelos interessados (art. 1262º) e será pacífica sempre que seja adquirida sem violência (art. 1261º).</font><br>
<font> Nos termos do 1260º nº 1, a posse será de boa fé quando o possuidor ao adquiri-la ignorava que lesava o direito de outrem.</font><br>
<font> A posse diz-se titulada quando se funde em qualquer modo legítimo de adquirir, independentemente do direito do transmitente, quer da validade substancial do negócio jurídico (art. 1259º nº 1). Isto é, um negócio que seja em termos genéricos seja idóneo para transmitir um direito, titula a posse, mesmo que haja um motivo substancial de invalidade, como por exemplo, numa venda anulável por incapacidade, erro ou coacção. Todavia se faltar no título do negócio um requisito formal de validade, a posse é não titulada, como acontece, por exemplo, com uma venda verbal que não transfere a propriedade por ser nula (vide a este respeito Prof. Mota Pinto </font><i><font>in </font></i><font>Direitos Reais de Álvaro Moreira e Carlos Fraga, edição de 1971, pág. 199). Do mesmo entendimento são os Profs. Pires de Lima e Antunes Varela (</font><i><font>in </font></i><font>Código Civil Anotado, Vol. III, 2ª edição, pág. 19).</font><br>
<font> De harmonia com o disposto no art. 1296º, não havendo registo do título nem da mera posse (o que é o caso dos autos), a usucapião dá-se no termo de 15 anos se a posse for de boa fé, ou de 20 anos de for de má fé.</font><br>
<font> Por outro lado, posse, como estabelece o art. 1251º, “</font><i><font>é o poder que se manifesta quando alguém actua por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de outro direito real</font></i><font>”. É comummente aceite que, uma situação de posse, se consubstancia em dois componentes, no elemento material, o </font><i><font>corpus,</font></i><font> que se consolida nos actos concretos de detenção ou fruição praticados sobre o bem e no elemento psicológico, o </font><i><font>animus,</font></i><font> que se traduz no intuito de o detentor ou fruidor se comportar, perante a coisa, como titular do direito real correspondente aos actos praticados. </font><br>
<font> Significa isto tudo que, numa acção com vista ao reconhecimento de aquisição de </font><i><font>usufruto</font></i><font> de uma coisa por usucapião, deve provar-se que a posse exercida sobre esta, deve corresponder ao usufruto, ou seja, é preciso demonstrar-se que a pessoa ou entidade se tem comportado em relação à coisa como se usufrutuário fosse, não só sob o ponto de vista de poder de facto sobre ela, mas também com a intenção de se comportar como titular desse direito real.</font><br>
<font> Mas será que, no caso dos autos, existiu posse por banda dos AA. em relação ao usufruto do imóvel?</font><br>
<font> No acórdão da Relação considerou-se, referindo-se ao contrato de arrendamento celebrado pelos AA. e pela falecida D. EE, “</font><i><font>que se o título qualifica a detenção como posse precária, torna-se necessária a inversão do título de posse, para que aquela posse em nome de outrem (como ocorre na locação) mas correspondente ao exercício de um direito obrigacional, se converta em posse em nome próprio correspondente ao exercício do direito real de gozo, neste caso de usufruto</font></i><font>”.</font><br>
<font> Aceitamos este modo de ver as coisas. Estando o interessado investido numa posse precária (como por exemplo, no arrendamento, em que exerce a posse em nome do proprietário), é preciso a conversão dessa posse, em posse em nome próprio.</font><br>
<font> Entendeu-se depois, no acórdão da Relação, que os factos provados não denunciam actos suficientes de oposição dos AA. em relação à falecida D. EE, consubstanciadores da inversão da posse, de modo a poder concluir-se que, de simples detentores precários e possuidores em nome alheio, os AA. passaram à qualidade de possuidores em nome próprio do direito de usufruto. Por isso se considerou que os AA. não adquiriram tal direito por usucapião.</font><br>
<font> Nos termos do art. 1265º “</font><i><font>a inversão do título de posse pode dar-se por oposição do detentor do direito contra aquele em cujo nome possuía ou por acto de terceiro capaz de transferir a posse</font></i><font>”. Ou seja, a inversão da posse, dá-se quando ocorra uma oposição por parte do detentor do direito contra aquele em cujo nome possuía</font><font>(3) ou por acto de terceiro capaz de transferir a posse.</font><br>
<font> No caso vertente, teremos que nos debruçar, num primeiro momento, sobre se existiu um acto de oposição dos AA. contra a proprietária, a falecida D. EE, tendo passado a partir de então a comportarem-se como titulares do direito em causa, o usufruto.</font><br>
<font> Como se viu, a atitude dos AA. relativamente à casa, modificou-se a partir da emissão da declaração emitida pela proprietária e já acima referenciada. A partir desse momento, deixaram de pagar as rendas e convencidos que eram “usufrutuários”</font><font>(4)).</font><font> (porque se convenceram que a proprietária nessa qualidade os havia constituído), passaram-se a apresentar, designadamente junto dos outros condóminos, como “usufrutuários” da dita fracção autónoma. Quer dizer, a partir dessa altura, os AA. assumiram u
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1.ª Secção (Cível)
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<b><font> </font></b><font><br>
<font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font><br>
<br>
<br>
<font>1 – Relatório</font><br>
<br>
<br>
<font> AA deduziu embargos à execução que lhe moveu a Caixa de Crédito Agrícola Mútua do Ribatejo Norte, C.R.L., alegando, em suma, que a escritura dada à execução não constitui título executivo, não tendo a exequente cumprido o ónus de prova no que tange ao montante mutuado e ao destino a que o mesmo estava sujeito, ou seja, ao previsto na lei sobre o crédito agrícola mútuo.</font><br>
<font> A embargada contestou, pugnando pela improcedência da pretensão do executado.</font><br>
<font> De seguida, o Mº Juiz da comarca de Torres Novas, julgando-se habilitado a decidir </font><i><font>de meritis</font></i><font>, acabou por julgar os embargos improcedentes.</font><br>
<font> Com esta decisão não se conformou o embargante que apelou, sem êxito, para o Tribunal da Relação de Coimbra.</font><br>
<font> Continuando inconformado, pede ora revista a coberto da seguinte síntese conclusiva:</font><br>
<font>- O acórdão recorrido fez errada interpretação e aplicação da lei, designadamente dos arts. 637° nº 1 do CC e 50° e 814° al. a) do CPC na medida em que a exequibilidade do documento que subjaz a este processo depende também de a quantia emprestada o ter sido nos termos do contrato celebrado, isto é, para aplicação exclusiva aos fins previstos na lei vigente sobre crédito agrícola mútuo. </font><br>
<font>- A exequibilidade dos documentos exigiria a prova de que a quantia foi disponibilizada e creditada em conformidade com o clausulado na aludida escritura. E, essa prova não está feita. </font><br>
<font>- Verifica-se a nulidade do acórdão recorrido, por omissão de pronúncia, uma vez que não decidiu as questões colocadas nas conclusões 1ª, 2ª 3ª e 4ª das alegações de recurso de apelação. </font><br>
<br>
<font> Respondeu a recorrida em defesa do aresto impugnado.</font><br>
<br>
<font>2 – As instâncias deram como provados os seguintes factos:</font><br>
<br>
<font>– Por escritura lavrada no Cartório Notarial de Torres Novas, em 10 de Abril de 2000, a executada DD, constituiu a favor da exequente, hipoteca até ao limite de 20.000.000$00 (99.759,58 €) para garantia de empréstimos que lhe viessem a ser concedidos pela exequente até ao indicado montante. </font><br>
<font>- Por essa escritura, a hipoteca recaiu sobre a fracção autónoma designada pela letra V, correspondente ao 3° andar esquerdo, ao cimo da escada, arrecadação no sótão, a da esquerda, das que estão à retaguarda, do cima da escada, do prédio urbano, sito na R. ..., Lote 1, da freguesia e concelho do Entroncamento, descrito na respectiva Conservatória, sob o nº 903-V., e foi devidamente registada, em 02/01/02.</font><br>
<font>- Pela mesma escritura e até ao montante de 20.000.000$00 os executados BB, a mulher CC e AA, constituíram-se fiadores e principais pagadores da executada DD, pelos montantes que a esta viessem a ser mutuados, obrigando-se solidariamente com ela pela liquidação dos valores que viessem a ser exigíveis.</font><br>
<font>- Pela aludida escritura ficou ainda estipulado que os empréstimos a conceder venceriam o juro em cada caso estipulado pela exequente, o qual seria agravado em caso de mora, com 4%, a esse título e do de cláusula penal.</font><br>
<font>- A hipoteca abrangeria ainda as despesas judiciais e extrajudiciais que a Caixa viesse a suportar em relação à execução da dita hipoteca.</font><br>
<font>- Em 09/03/00, a executada DD solicitou e foi-lhe concedido um empréstimo de 20.000.000$00 (99.759,58 €), o qual lhe foi disponibilizado e creditado na conta de Depósito à Ordem nº 400 00000, na data de 11 de Abril de 2000.</font><br>
<font>- Por esse contrato ficou estipulado que o empréstimo seria liquidado em cento e vinte prestações mensais e sucessivas, com início em 11/05/00, vencendo o mesmo empréstimo juros à taxa de 10,628% ao ano, a qual seria agravada com 4% em caso de mora, a título de cláusula penal.</font><br>
<font>- Ainda no referido contrato, ficou convencionado que os executados suportariam as despesas judiciais e extrajudiciais, caso os executados não cumprissem atempadamente a obrigação contratual.</font><br>
<font>- Chegado o vencimento de 11/05/00, os executados, apesar de interpelados para tal, não liquidaram a prestação então vencida.</font><br>
<br>
<font> 3 – </font><i><font>Quid iuris?</font></i><br>
<font>Da leitura das conclusões com que o recorrente fechou a sua minuta resulta que o mesmo põe a nossa consideração apenas duas questões, a saber:</font><br>
<font>1ª – Se o título dado à execução é ou não inexequível;</font><br>
<font>2ª Se o aresto impugnado está ferido de nulidades por omissão de pronúncia.</font><br>
<font>Logicamente, a nossa apreciação começará pela questão adjectiva.</font><br>
<font>Desde a apresentação da contestação que o recorrente defendeu que competia à exequente-embargada a prova de que o montante mutuado tinha sido destinado a fins agrícolas.</font><br>
<font>O Mº Juiz da 1ª instância respondeu a tal questão, dizendo que “a necessidade de assegurar tal aplicação não foi constituída para proteger os interesses dos devedores/beneficiários do crédito, mas do próprio Estado”.</font><br>
<font>Esta justificação motivou queixa na apelação interposta para a Relação de Coimbra com fundamento em omissão de pronúncia consubstanciada nas primeiras quatro conclusões daquele recurso.</font><br>
<font>Mas tal arguição – nulidade por omissão de pronúncia – acabou por ser rejeitada no acórdão impugnado na medida em que considerou que o tribunal de 1ª instância tinha, de facto, emitido pronúncia sobre tal matéria e de molde a rejeitar a tese de inexequibilidade proposta pelo embargante.</font><br>
<font>Ainda no tocante a nulidades, o ora recorrente fez saber à Relação uma outra omissão de pronúncia por parte do tribunal </font><i><font>o quo </font></i><font>respeitante à abertura do crédito, mas foi-lhe notado que, na verdade, o tribunal recorrido não emitiu pronúncia sobre tal assunto, mas que não tinha que o fazer uma vez que o ora recorrente se limitou a fazer uma mera alegação sem ter tirado da mesma as devidas conclusões.</font><br>
<font>Apesar disso e relativamente a esta questão concreta, o Tribunal da Relação não deixou de proclamar a sem razão do recorrente, dizendo que “são as prestações vencidas e não pagas pela executada DD e pelas quais o ora apelante a afiançou que a aqui apelada veio executar, razão por que o ora apelante, enquanto fiador (no caso, com exclusão até do benefício da excussão prévia, como decorre do contrato de abertura de crédito e fiança), sempre terá de responder, nos termos dos arts. 627º e 634º do C. Civil, pelo seu pagamento”.</font><br>
<font>Pois bem.</font><br>
<font>Apesar disto, o recorrente não se inibiu de apelidar o acórdão impugnado de nulo a coberto de omissão de pronúncia (1ª parte da al. d) do nº 1 do art. 668º do CPC).</font><br>
<font>Está claro que a razão não lhe assiste, pois a Relação pronunciou-se sobre os pontos contemplados nas conclusões acima referidas. </font><br>
<font>Posto isto, é altura de nos debruçarmos sobre a questão de fundo, a qual recebeu resposta convergente das instâncias e no sentido da exequibilidade do título.</font><br>
<font>O art. 46º nº 1, al. b) do CPC preceitua que “à execução podem servir de base os documentos exarados ou autenticados pelo notário que importem constituição ou reconhecimento de qualquer obrigação”.</font><br>
<font>À primeira vista poderia parecer que toda e qualquer escritura pode valer como título executivo, mas logo o art. 50º do mesmo diploma legal afasta tal hipótese ao considerar que “os documentos exarados ou autenticados por notário em que se convencionem prestações futuras ou se preveja a constituição de obrigações futuras podem servir de base à execução, desde que se prove, por documento passado em conformidade com as cláusulas deles constantes ou, sendo aqueles omissos, revestido de força executiva própria, que alguma prestação foi realizada para conclusão do negócio ou que alguma obrigação foi concluída na sequência da previsão das partes”.</font><br>
<font>A partir daqui ficamos a saber que se torna necessário à exequibilidade de uma escritura pública a prova de que alguma prestação foi realizada para conclusão do negócio ou a prova de que alguma obrigação foi constituída na sequência da previsão das partes (</font><i><font>cfr</font></i><font>. José Lebre de Freitas, </font><i><font>in</font></i><font> A Acção Executiva à Luz do Código Revisto – 2ª edição -, pág. 48 e 49, Amâncio Ferreira, </font><i><font>in</font></i><font> Curso de Processo de Execução – 7ª edição -, pág. 32, J.P. Remédio Marques, </font><i><font>in</font></i><font> Curso de Processo Executivo Comum à Face do Código Revisto, pág. 68 e 69, Lopes do Rêgo, </font><i><font>in</font></i><font> Comentário ao Código de Processo Civil – 1999 – pág. 72).</font><br>
<font>Ora, ao contrário do que defendeu o recorrente ao longo de todo o processo, a exequente provou a realização da prestação a que se obrigou, pois está documentalmente provado nos autos que o empréstimo de 20.000.000$00 (€ 99.759,58) objecto do contrato de abertura de crédito titulado pela aludida escritura, foi disponibilizado e creditado na conta de depósito à ordem nº 40097526703 da co-executada DD, em 11 de Abril de 2000, como é lapidarmente sublinhado no aresto impugnado. Por isto e só por isto, forço é concluir pela exequibilidade do título dado à execução.</font><br>
<font>Tanto basta para que improceda definitivamente a argumentação do embargante-recorrente.</font><br>
<br>
<font>4 – Decisão</font><br>
<font>Nega-se a revista e condena-se o recorrente no pagamento das respectivas custas.</font><br>
<font> </font><br>
<font> Lisboa, aos 12 de Fevereiro de 2008</font><br>
<br>
<font>Urbano Dias (relator)</font><br>
<font>Paulo Sá</font><br>
<font>Mário Cruz</font><br>
</font>
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1.ª Secção (Cível)
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<b><font> </font></b><font><br>
<br>
<i><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça</font></i><br>
<br>
<font>I. Relatório</font><br>
<font> AA intentou acção declarativa com processo ordinário </font><i><u><font>contra </font></u></i><font> BB , Fundo de Garantia Automóvel. </font><i><u><font>pedindo</font></u></i><font> - a condenação dos RR. a pagarem-lhe a quantia global de € 232.001,31, bem como juros à taxa legal desde a citação até integral pagamento. </font><br>
<br>
<font>Para o efeito alegou que no dia 8-02-1998 ocorreu um acidente de viação na E.N. 10-3, ao Km 1,300, em que foram intervenientes o veículo ligeiro de passageiros, com a matrícula QX-00-00, sua propriedade e por ele conduzido, o veículo 00-00-GV, propriedade de SI, e por este conduzido, e o veículo 00-00-GO, propriedade do 1.º R., cujo condutor após o acidente fugiu do local, não tendo sido possível proceder á sua identificação. </font><br>
<font>O 1.º R. não tinha à data do acidente qualquer seguro, sendo o respectivo condutor o único e exclusivo culpado do mesmo. </font><br>
<font>O A. sofreu traumatismos em várias partes do corpo e foi submetido a várias intervenções cirúrgicas e a dolorosos tratamentos; sofreu danos patrimoniais e não patrimoniais especificando, designadamente, os danos futuros emergentes da perda de capacidade de ganho pelos quais reclama € 150.000 e os danos não patrimoniais pelos quais reclama a quantia de € 75.000. </font><br>
<font>Contestou o R. Fundo de Garantia Automóvel, tendo o processo prosseguido. </font><br>
<font>O Instituto de Solidariedade e Segurança Social veio requerer a sua intervenção, deduzindo contra o FGA pedido de reembolso das prestações de segurança social pagas ao A., seu beneficiário, reclamando a quantia global de € 5.974,58 </font><br>
<font>O FGA contestou também essa pretensão.</font><br>
<font>A final foi proferida sentença que condenou os RR. a pagarem ao A. a título de indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos a quantia global de € 152.737,95, acrescida de juros de mora à taxa legal, desde a citação até integral pagamento e que condenou o FGA a pagar ao Instituto de Solidariedade e Segurança Social a quantia global de € 5.974,58. </font><br>
<font>Da sentença apelou o FGA tendo o Tribunal da Relação vindo a julgar o recurso improcedente, mantendo a sentença recorrida.</font><br>
<font>De novo inconformado, pede agora o FGA Revista, vindo a apresentar as respectivas alegações.</font><br>
<br>
<font>II. Âmbito do recurso</font><br>
<br>
<font>Tendo em conta o disposto nos arts. 684.º-3 e 690.º-1 do CPC., passam a transcrever-se as conclusões das alegações de recurso do recorrente já que é aí que este deve indicar as questões a tratar e condensar os argumentos utilizados, e onde fica delimitado o âmbito do recurso:</font><br>
<br>
<i><font>“I - Vem o douto Acórdão recorrido confirmar a douta sentença da primeira instância que arbitrou a título de danos patrimoniais futuros, o montante de 110.000 euros, montante que se revela manifestamente excessivo para o caso em apreço. </font></i><br>
<i><font>II - Tal decisão foi fundamentada com o entendimento pelo Tribunal recorrido de que a indemnização por dano patrimonial futuro não deve ter por base, conforme jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, qualquer tabela ou cálculo aritmético, mas tão só a equidade, entendimento com o qual não se conforma o Recorrente. </font></i><br>
<i><font>III- Efectivamente, sendo verdade que o lesado ficou afectado de uma incapacidade parcial para desenvolver a sua actividade profissional, tal dano deve ser ressarcido, pois merece a tutela do direito; contudo, esta indemnização deve tomar como ponto de partida critérios objectivos sobre os quais foi produzida prova, nomeadamente o salário que auferia, os anos de vida activa restantes, a inflação, as taxas de juro, etc. caso contrário, bastaria alegar a incapacidade de que o lesado ficou a padecer e com base, unicamente, nesse dado se chegaria a um valor indemnizatório.</font></i><br>
<i><font>IV - Mas não é assim. Ao lesado compete alegar e provar que desenvolvia uma actividade antes do acidente, que auferia um salário, que idade tinha, e que, em virtude do acidente sofreu danos corporais, dos quais resultou uma incapacidade para o trabalho. </font></i><br>
<i><font>V - Razão pela qual estes dados têm que ser tomados em conta para o cálculo da indemnização a atribuir, caso contrário, de nada serviriam, pois a equidade, tudo cobre. Entende o Recorrente que, sob o escudo da equidade se atribui um valor indemnizatório que em nada tem a ver com o dano efectivamente demonstrado, sendo um valor atribuído discricionariamente. </font></i><br>
<i><font>VI – É que a fórmula matemática cuja aplicação é defendida pelo Recorrente não é uma formula descabida, desapropriada, antes partindo de critérios objectivos, válidos, e que melhor se coadunam com os princípios do nosso ordenamento jurídico, nomeadamente o princípio da segurança jurídica, o tratar de forma idêntica aquilo que é idêntico. </font></i><br>
<i><font>VII - O montante atribuído começa por ser calculado na douta sentença da primeira instância, tomando com base os critérios referidos, mas, todos esses critérios são, subitamente preteridos, para, sob a capa do conceito onde tudo cabe - a equidade - ser ampliada a indemnização. </font></i><br>
<i><font>VIII - O Dano Patrimonial Futuro é quantificável, e demonstrável por cálculos, não bastando para fundamentar o montante arbitrado o recurso à equidade. </font></i><br>
<i><font>IX - Embora a Jurisprudência venha corrigindo as fórmulas de cálculo, com recurso a essa mesma equidade, a verdade é que a fórmula de cálculo é um ponto de partida e de chegada essencial, sob pena de grave injustiça relativa consoante o critério de cada julgador. </font></i><br>
<i><font>X - O simples cálculo aritmético - a utilização de uma regra de três simples, não toma em conta que o montante recebido de uma só vez gera frutos, i.e., o Autor receberá um acréscimo anual por virtude das aplicações financeiras a longo prazo.</font></i><br>
<i><font> XI - Por essa razão, a Jurisprudência tem utilizado, como fórmula de cálculo das indemnizações - para que o montante se esgote no período determinado - a que consta do Acórdão da Relação de Coimbra de 4/4/1995. </font></i><br>
<i><font>XII - Assim, adaptando aquela fórmula à nova realidade, i.e., tomando como taxa de juros a das Obrigações do Tesouro a Longo Prazo, o montante a indemnizar não é superior a </font></i><i><u><font>60.753,80</font></u></i><i><font>€. </font></i><br>
<i><font>XIII - Até porque o Meritíssimo Juiz a quo, considera que o lesado tem, à sua frente, como limite de vida activa 10 anos, o que ainda limitaria o montante a atribuir, uma vez que nos cálculos que se apresenta se toma por base 20 anos até ao limite de vida activa. Partindo da premissa que o Tribunal partiu, então o montante seria de apenas </font></i><i><u><font>metade</font></u></i><i><font> do supra indicado, não sendo verdade o vertido na pág. 12 do douto Acórdão recorrido, pois na sentença da primeira instância a f1s. 511 é dito:</font></i><br>
<font> " O lesado tem à sua frente mais alguns anos (cerca de 10 anos), tendo em conta a esperança média do tempo de vida para os homens." </font><br>
<i><font>XIV - O que o Tribunal deve ter em conta para atribuir uma indemnização por dano patrimonial futuro é a vida activa do lesado e não a vida, pura e simples, pois, após a sua vida activa, o lesado não irá desempenhar qualquer actividade profissional, e irá receber uma pensão do organismo para o qual efectuou contribuições. </font></i><br>
<i><font>XV - Ao contrário do que vem expendido no douto Acórdão recorrido, o Recorrente encontrou vários Acórdãos deste Venerando Tribunal, onde constata que o entendimento é contrário ao defendido no Acórdão recorrido. </font></i><br>
<i><font>XVI - A título exemplificativo, o Acórdão datado de 25/05/2004, in </font></i><i><u><font>www.dgsi.pt/</font></u></i><i><u><font>:</font></u></i><br>
<font> I - A indemnização por danos futuros decorrentes de incapacidade permanente deve ser avaliada como dano patrimonial e corresponder a um capital produtor de rendimento que a vítima não irá auferir e que se extinguirá no final do tempo provável da sua vida activa. </font><br>
<font>II - No cálculo dessa indemnização a equidade funciona como elemento corrector do resultado que se atinja com base nos factos provados, eventualmente trabalhados com o recurso a tabelas financeiras ou outros elementos adjuvantes. </font><br>
<i><font>XVII - É que, ao atribuir o montante que atribui, verifica-se um enriquecimento injustificado do Autor, que, continuando a trabalhar, como se provou, recebe em dobro as quantias referentes ao seu salário, e ainda recebe uma indemnização por danos não patrimoniais, em virtude das dores que sofreu e ainda continua a sofrer, sendo, assim, este, um caso de enriquecimento sem causa. </font></i><br>
<i><font>XVIII - Atribui o douto Tribunal a quo, a título de danos não patrimoniais, o montante de 35.000 euros, montante com o qual não se conforma o Recorrente, por se manifestar desadequado e excessivo. </font></i><br>
<i><font>XIX - É que, ao comparar este, a casos de indemnização por morte, em que a jurisprudência tem entendido adequado fixar montantes da ordem dos 40.000/50.000 euros, não pode deixar de considerar-se a quantia aqui atribuída manifestamente excessiva. </font></i><br>
<i><font>XX - Conforme jurisprudência deste Venerando Tribunal datado de 12/09/2006, in </font></i><i><u><font>www.dgsi.pt</font></u></i><i><u><font>:</font></u></i>
<p><font>"Assim deverá tomar-se em conta a intensidade do sofrimento do ofendido, a gravidade, a natureza e a posição social deste e também a intensidade do dolo ou grau de culpa, mas nunca deve proporcionar um enriquecimento sem causa da vítima." </font>
</p><p><i><font>XXI - Deve, assim, em razão dos danos não patrimoniais sofridos pelo A., ser fixado, montante indemnizatório não superior a 20.000 euros. </font></i>
</p><p><i><font>XXII - O douto Acórdão condena os RR. no pagamento de juros, contados desde a citação, com o que se não conforma o Recorrente, pois entende que tal indemnização já se encontra actualizada. </font></i><br>
<i><font>XXIII - Efectivamente, consta da fundamentação da sentença, na parte em que são elencados os critérios segundo os quais deve obedecer a atribuição de tal indemnização, o seguinte: </font></i><br>
<font>"Conforme vem sendo entendimento da jurisprudência nos últimos anos a compensação por danos não patrimoniais, para responder actualizadamente ao comando do art. 496..º e constituir uma efectiva possibilidade compensatória, tem de ser significativa, viabilizando um lenitivo para os danos suportados e, porventura, a suportar." </font><br>
<i><font>Ora, uma vez que existia margem relativamente ao valor total do pedido para o fazer, alcança-se que o montante indemnizatório se encontra devidamente actualizado, resultando assim, violado o Acórdão de Fixação de Jurisprudência n.º 4/2002, de 09-05-2002, publicado no DR-.I-A, n.º 146, de 27-06-2002: </font></i><br>
<i><font>"Sempre que a indemnização pecuniária por facto ilícito ou pelo risco tiver sido objecto de cálculo actualizado, nos termos do n. o 2 do artigo 566.º do Código Civil, vence juros de mora, por efeito do disposto nos artigos 805.º n.º 3 (interpretado restritivamente), e 806.º n.º1, também do Código Civil, a partir da decisão actualizadora, e não a partir da citação.”</font></i><br>
<font> ……………………….</font><br>
<br>
<font>Vemos assim que </font><u><font>as questões a tratar</font></u><font> são as seguintes:</font><br>
<font>a) determinação da indemnização por danos patrimoniais futuros;</font><br>
<font>b) determinação da indemnização por danos não patrimoniais;</font><br>
<font>c) incidência dos juros de mora </font><br>
<font> ……………..</font><br>
<br>
<font>III. Fundamentação</font><br>
<br>
<font>III-A) Os factos:</font><br>
<font>Foram considerados assentes e/ou provados pelas instâncias os factos seguintes: </font><br>
<br>
<i><font>“1. No dia 8 de Fevereiro de 1998, cerca das 17H30 ocorreu um acidente de viação ao km 1,300 da Estrada Nacional (E.N.) 10-3, Barreiro, em que foram intervenientes os veículos ligeiros de passageiros com as matrículas 00-00-GO, QX-00-00, propriedade do autor e o seu condutor, e o veículo 00-00-GV, propriedade de SI e o seu condutor. </font></i><br>
<i><font>2. Após o acidente o condutor do veículo de matrícula 00-00-GO abandonou-o, fugindo do local, não tendo sido possível proceder á sua identificação. </font></i><br>
<i><font>3. Foi instaurado Inquérito nos Serviços do Ministério Público do Barreiro que correu termos com o n.º 71/98.8 que terminou com despacho de arquivamento devido ao facto de não ter sido possível identificar o condutor do veículo 00-00-GO, o qual foi notificado ao autor por oficio datado de 4 de Janeiro de 2001. </font></i><br>
<i><font>4. O veículo 00-00-GO circulava na E.N. 10-3, no sentido Barreiro-Coina e os outros dois veículos, QX e GV circulavam a mesma via, este atrás daquele, no sentido oposto. </font></i><br>
<i><font>5. Ao chegar ao Km 1,300 no sentido Barreiro-Coina, o condutor do veículo GO entrou em derrapagem, despistou-se, invadindo a meia-faixa esquerda considerando o seu sentido de marcha e por onde circulavam os veículos QX e GV. </font></i><br>
<i><font>6. Os embates deram-se dentro da faixa direita da estrada, considerando o sentido de marcha Coina-Barreiro. </font></i><br>
<i><font>7. O veículo GO embateu com a frente na frente do lado esquerdo do QX e de seguida embateu na parte lateral do veículo GV. </font></i><br>
<i><font>8. Após os embates o veículo ficou com a frente virada para o delimitador da berma, no sentido Barreiro-Coina e com a traseira oblíqua ao eixo da via, cerca de trinta metros do local do embate. </font></i><br>
<i><font>9. O veículo QX ficou fora da estrada, mesmo em frente ao local do primeiro embate, com a frente virada para a estrada. </font></i><br>
<i><font>10. O veículo GV ficou na faixa direita da estrada, no sentido Coina-Barreiro, em posição paralela ao eixo da via e junto da berma desse lado. </font></i><br>
<i><font>11. O embate entre os veículos GO e QX foi violento, tendo resultado danos que tomaram a reparação inviável, com perda total, não tendo sido atribuído valor aos salvados. </font></i><br>
<i><font>12. Quando o acidente ocorreu o veículo G0 não se encontrava coberto por seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel. </font></i><br>
<i><font>13. O veículo G0 encontrava-se registado, á data do acidente, na Conservatória do Registo Automóvel em nome do 2° R. BB.</font></i><br>
<i><font>14. No dia do acidente chovia ou tinha chovido horas antes e o piso tinha más condições de aderência. </font></i><br>
<i><font>15. O condutor do G0 não teve cuidado na sua condução e não moderou a velocidade, não conseguindo manter o veículo na meia faixa de rodagem por onde seguia. </font></i><br>
<i><font>16. Em derrapagem e sem controlo veio invadir a faixa esquerda da mesma via, considerando o seu sentido de marcha. </font></i><br>
<i><font>17. Aí embatendo os veículos QX e GV que circulavam na sua faixa de rodagem, atento o seu sentido de marcha Coina-Barreiro. </font></i><br>
<i><font>18. O autor foi socorrido ainda no local do acidente por uma viatura do INEM. </font></i><br>
<i><font>19. De seguida foi levado para o Hospital Nossa Senhora do Rosário, no Barreiro, dando entrada inanimado nos Serviços de Urgência, pelas 18H43, onde lhe foi diagnosticado o seguinte: </font></i><br>
<i><font>- Traumatismo craniano com perda de conhecimento. </font></i><br>
<i><font>- Traumatismo do tórax com fractura do sétimo arco costal esquerdo e hemotórax. </font></i><br>
<i><font>- Traumatismo abdominal fechado com esfacelo do mesentério e hemoperitoneu. </font></i><br>
<i><font>- Traumatismo retroperitoneal com contusão do rim e hematoma retroperineal. </font></i><br>
<i><font>- Traumatismo do braço esquerdo com fractura supra e intercondiliana do úmero exposta. </font></i><br>
<i><font>- Traumatismo da mão direita com fracturas várias. </font></i><br>
<i><font>- Traumatismo do pé esquerdo com fracturas várias. </font></i><br>
<i><font>20. Na urgência o autor foi reanimado e drenado do derrame pleural.</font></i><br>
<i><font>21. Ainda no serviço de urgência foi submetido ás seguintes intervenções cirúrgicas: </font></i><br>
<i><font>-Evacuação do hemoperitoneu. </font></i><br>
<i><font>- Laparotomia com laqueação de vasos do mesentério. </font></i><br>
<i><font>- Ressecção de cerca de 30 em de intestino delgado. </font></i><br>
<i><font>- Exploração do hematoma retroperitoneal. </font></i><br>
<i><font>22. Foi tratado das feridas dos membros e colocada tracção esquelética (Tíbia). </font></i><br>
<i><font>23.No dia 8 de Fevereiro de 1998 o autor foi transferido do Serviço de Urgência para a Unidade de Cuidados Intensivos (UCI) do mesmo Hospital devido a insuficiência respiratória. </font></i><br>
<i><font>24. Na UCI estue ligado a prótese ventilatória durante 18 dias. </font></i><br>
<i><font>25. Aí fez reacção anafilática após administração de antibiótico e de concentrado eritricitário, tomografia axial computorizada crânio-encefálica que evidenciou higroma bifrontal, pequeno, e pneumonia a Stapliylococus. </font></i><br>
<i><font>26. Em 17 de Fevereiro de 1998, na UCI foi submetido a nova intervenção cirúrgica: torocotomia e fixação da fractura do 7° arco costal esquerdo. </font></i><br>
<i><font>27. No dia 18 de Fevereiro, na UCI, foi submetido a outra intervenção cirúrgica ao cotovelo esquerdo, com fixação com fios de Kirschener e a osteossíntese com DCS da fractura cominutiva supra intercondiliana de fémur esquerdo. </font></i><br>
<i><font>28. No décimo quarto dia de internamento na UCI o autor foi submetido a broncofibroscopia que evidenciou alterações inflamatórias acentuadas. </font></i><br>
<i><font>29. O autor esteve internado na UCI durante 22 dias, e em 3 de Março de 1998 o autor teve alta da UCI e foi transferido para o recobro de Serviço Geral de Cirurgia. </font></i><br>
<i><font>30. Neste serviço o autor continuou a sua recuperação com tratamento diário de fisioterapia e apoio continuado por Pneumologia e Ortopedia. </font></i><br>
<i><font>31.O autor voltou á sua actividade profissional de empregado de comércio em 20 de Janeiro de 2000. </font></i><br>
<i><font>32. O FGA avaliou o veículo do autor em 450.000$00, não atribuindo qualquer valor aos salvados, o que foi aceite pelo autor. </font></i><br>
<i><font>33. Por carta de 26 de Novembro de 1999, o FGA enviou ao autor um recibo de indemnização no valor de 390.000$00, correspondente ao valor do veículo deduzido do valor de 60.000$00 de franquia, que o autor aceitou. </font></i><br>
<i><font>34. O autor como resultado do acidente ficou com uma consolidação viciosa da fractura supra e intercondiliana do úmero com destruição das superfícies articulares e desvio em varo, da fractura supra e intercondiliana do fémur esquerdo com DCS, paquipleurite residual do hemitórax esquerdo e pé cavo à esquerda por consolidação viciosa da mediotársica. </font></i><br>
<i><font>35. O autor á data do acidente tinha 44 anos de idade. </font></i><br>
<i><font>36. O Instituto de Solidariedade e Segurança Social pagou ao autor subsídio de doença no valor de 5.795,01€ no período compreendido entre 8/02/1998 e 24/04/1999, e pagou de subsídio de Natal a quantia de 179,57€. </font></i><br>
<i><font>37. A velocidade do veículo GO, nos momentos que antecederam o acidente, era superior a 90 Km/hora. </font></i><br>
<i><font>38.O veículo GO circulava numa curva para esquerda. </font></i><br>
<i><font>39. A via no local tem 7,5 m de largura. </font></i><br>
<i><font>40. O piso estava molhado. </font></i><br>
<i><font>41.Havia trânsito em sentido contrário. </font></i><br>
<i><font>42. O A. teve alta hospitalar no dia 1 de Abril de 1998. </font></i><br>
<i><font>43. O A. esteve no Serviço de Ortopedia, em consulta externa, nos dias 8/05, 19/06 e 6/11 de 1998, e nos dias 7/04, 5/05 e 24/11 de 2000. </font></i><br>
<i><font>44. O autor submeteu-se a várias consultas, em regime ambulatório de Cirurgia Geral, Pneumologia e Neurologia. </font></i><br>
<i><font>45. Até ao início de Maio de 1998 o A. só se deslocava de cadeiras de rodas. </font></i><br>
<i><font>46.A partir do início de Junho de 1998 o autor passou a deslocar-se com o auxílio de canadianas e assim andou durante mais de um mês. </font></i><br>
<i><font>47.O A. passou a usar bengala que só deixou em Agosto de 2000. </font></i><br>
<i><font>48.As fracturas que o autor sofreu consolidaram em 20 de Janeiro de 2000.</font></i><br>
<i><font>49. Em 30 de Março de 2000 o autor foi submetido a nova intervenção cirúrgica para remoção do material de osteosíntese. </font></i><br>
<i><font>50. De 8/02/1998 a 20/04/1999 o autor não exerceu qualquer tarefa profissional. </font></i><br>
<i><font>51. Só conseguia fazer a sua higiene pessoal com a ajuda da mulher. </font></i><br>
<i><font>52. Durante esse período o autor esteve quase sempre acamado ou em repouso absoluto, apenas dando pequenos passos com a ajuda de outra pessoa. </font></i><br>
<i><font>53. No Hospital de Nossa Senhora do Rosário o autor submeteu-se a 206 tratamentos de medicina fisica e de reabilitação. </font></i><br>
<i><font>54. No que gastou 21.950$00. </font></i><br>
<i><font>55. E compareceu a 21 consultas de Fisiatria, na Urgência, de Ortopedia, de Cirurgia, de Medicina Interna, de Neurologia e Pneumologia. </font></i><br>
<i><font>56. No que gastou 9.200$00. </font></i><br>
<i><font>57. O autor deslocou-se ao Hospital de S. José para duas consultas externas, em 22/04 e 18/05 de 1999, no que gastou 1.200$00. </font></i><br>
<i><font>58. No HNSR o autor submeteu-se a exames complementares de diagnóstico e terapêutica, no que gastou 10.300$00. </font></i><br>
<i><font>59. O autor fez tratamentos de Fisiatria na Clínica Fisiátrica da Quinta Pequena no Barreiro, no que gastou a quantia de 64.600$00. </font></i><br>
<i><font>60. O autor fez várias consultas no Centro de Saúde da Graça da Associação Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo, no que gastou 6.000$00. </font></i><br>
<i><font>61. O autor deslocou-se de táxi e de outros meios de transporte de sua casa para locais onde tinha de se apresentar ás consultas, exames ou tratamentos, e regresso a casa, no que gastou 22.675$00.</font></i><br>
<i><font>62. Com o aluguer de uma cadeira de rodas o autor gastou 25.398$00. </font></i><br>
<i><font>63. Com a aquisição de uma arrastadeira o A. gastou 1.700$00. </font></i><br>
<i><font>64. Com a compra das canadianas o autor gastou 4.800$00. </font></i><br>
<i><font>65. Em produtos ortopédicos para recuperação dos movimentos e funções dos membros afectados e em medicamentos, o autor gastou 137.673$00. </font></i><br>
<i><font>66. Por uma consulta de Ortopedia o autor gastou 10.000$00. </font></i><br>
<i><font>67. E por um relatório clínico de avaliação dos danos resultantes do acidente o autor pagou 30.000$00. </font></i><br>
<i><font>68. O autor pagou a J. Lopes pela guarda do seu veículo acidentado, em parque fechado, desde 8/02/1998 até Setembro de 1999, a quantia de 111.150$00. </font></i><br>
<i><font>69. O autor trabalhava como empregado de comércio auferindo mensalmente a quantia de 120.000$00, a que acresciam 20.000$00 de gratificação certa e permanente. </font></i><br>
<i><font>70. No período compreendido entre 8/02/1998 e 24/04/1999 a Segurança Social pagou ao autor 65% do seu vencimento (deixou de auferir a quantia de 653.000$00). </font></i><br>
<i><font>71. No mesmo período o autor não recebeu a sua gratificação mensal (deixou de receber). </font></i><br>
<i><font>72. O autor ainda hoje apresenta anquilose do cotovelo esquerdo a 1300 com desvio em varo. </font></i><br>
<i><font>73. As sequelas permanentes do acidente determinaram-lhe uma incapacidade geral permanente parcial de 47%. </font></i><br>
<i><font>74. O autor sofreu dores e temor quanto á sua sobrevivência. </font></i><br>
<i><font>75. Teve várias lesões, todas de grande gravidade. </font></i><br>
<i><font>76. Suportou um longo e incómodo período de internamento hospitalar, assim como múltiplos e dolorosos tratamentos ambulatórios, nomeadamente de fisioterapia. </font></i><br>
<i><font>77. Foi submetido a pelo menos oito cirurgias todas com anestesia geral. </font></i><br>
<i><font>78. O autor esteve em perigo de vida. </font></i><br>
<i><font>79.O autor até então era pessoa saudável. </font></i><br>
<i><font>80. Praticava desporto, designadamente, futebol e corrida. </font></i><br>
<i><font>81. Em consequência das lesões sofridas ficou fisicamente limitado para sempre. </font></i><br>
<i><font>82. O autor perdeu a alegria de viver.</font></i><br>
<i><font>83. Cansa-se facilmente, e o andar provoca-lhe dores no pé esquerdo. 84. Custa-lhe a ficar de pé. </font></i><br>
<i><font>85.O autor receia que as lesões se agravem com o passar dos anos. </font></i><br>
<i><font>86. Do acidente resultaram para o autor as seguintes sequelas permanentes: </font></i><br>
<i><font>- Paquipleurite á esquerda com dispneia de esforço. </font></i><br>
<i><font>- Cicatriz de laparotomia ediana dolorosa. </font></i><br>
<i><font>- Consolidação viciosa da fractura supra e inter condiliana do fémur esquerdo com hidartrose do joelho. </font></i><br>
<i><font>87. E mostra hoje:</font></i><br>
<i><font>- Cicatriz externa da toracotomia esquerda</font></i><br>
<i><font>- Cicatriz da laparotomia mediana</font></i><br>
<i><font>- Cicatriz incisicional da face anterior externa da coxa esquerda</font></i><br>
<i><font>- Dismetria de 2,5 cm por encurtamento do membro inferior esquerdo</font></i><br>
<i><font>- Pé cavo à esquerda com rigidez não redutível. </font></i><br>
<font>III. –B) Análise do recurso</font><br>
<br>
<font>III-B)-a) Da indemnização por danos patrimoniais futuros</font><br>
<br>
<font>O Acórdão recorrido confirmou a Sentença da Primeira instância onde fora fixada, a título de danos patrimoniais futuros, a indemnização de € 110.000,00.</font><br>
<font>O recorrente FGA entende que tal montante é largamente excessivo, entendendo-o até como um enriquecimento injustificado, na medida em que substancialmente se afasta do montante objectivo a que chegaria através das fórmulas de cálculo ou tabelas financeiras, que, para o caso em presença se traduziria, segundo refere, no montante de € 60.753,80.</font><br>
<font>Pois bem:</font><br>
<font>Refere-nos o art. 564.º-1 do CC. que o dever de indemnizar compreende não só o prejuízo causado, como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão.</font><br>
<font>De acordo com o disposto no art. 564.º-4 do CC. o dano ressarcível é também o dano futuro, desde que previsível, pelo que não é apenas o prejuízo causado a nível de repercussão de perda de rendimentos de trabalho até se atingir a idade de reforma, mas todos os outros danos para além dela. </font><br>
<font> Daí que, mesmo naquelas situações em que a IPP se não traduza na perda de remuneração efectiva no momento, nem por isso deixe de ser contemplada em termos de danos futuros (Ac. do STJ de 2004.05.27, Revista n.º 1720/04, 2.ª secção) (1), pelas necessárias repercussões que o esforço suplementar exigido irá trazer em termos de desgaste, limitações e condições de saúde previsíveis, como também pelas consequências decorrentes de ver mais ameaçada a progressão na carreira e a protecção ao emprego, assim como aqueloutras, pela negativa, de ficar o lesado impedido/obrigado a privar-se de efectuar serviços ou tarefas que ele próprio efectuaria se não tivesse ocorrido o acidente, para passar a ter de os solicitar, gratificar ou pagar a terceiros, em termos futuros – o que tudo se traduz em perdas patrimonais.</font><br>
<br>
<font>Ora, em termos de danos futuros atinge especial relevância a incapacidade parcial permanente, quando esta assume uma taxa elevada.</font><br>
<font>Podemos pois dizer que as linhas vectoriais da jurisprudência aqui reinante, em matéria de indemnização por IPP, assenta de forma bastante generalizada, nas seguintes ideias: </font><br>
<font>a) o montante indemnizatório deve começar por ser procurado com recurso a processos objectivos, (através de fórmulas matemáticas, cálculos financeiros, aplicação de tabelas), por forma a que seja possível determinar qual o capital necessário, produtor do rendimento, que, entregue de uma só vez, e diluído no tempo de vida activa do lesado, proporcione à vítima o mesmo rendimento que antes auferiria se não tivesse ocorrido a lesão ou a compense pelo maior grau de esforço desenvolvido;</font><br>
<font>b) a esse valor deve ser deduzido uma parte correspondente àquela que o lesado já despendia consigo próprio antes da lesão;</font><br>
<font>c) é preciso ter em conta que o valor resultante das fórmulas matemáticas ou tabelas financeiras dá-nos porém um valor estático, porque parte do pressuposto que o lesado não mais evoluiria na sua situação profissional; não conta com o aumento de produtividade; não inclui no cálculo um factor que contemple a tendência, pelo menos a médio e longo prazo, quanto à melhoria das condições de vida do país e da sociedade; não tem em consideração a tendência para o aumento da vida activa para se atingir a reforma; não conta com a inflação; nem tem em conta o aumento da própria longevidade.</font><br>
<font>Daí que a utilização das fórmulas matemáticas, ou tabelas financeiras só possa servir para determinar o “minus” indemnizatório, o qual, terá posteriormente de ser corrigido com vários outros elementos, quer objectivos quer subjectivos, que possam conduzir a uma indemnização justa.</font><br>
<font>Em termos de danos futuros previsíveis, a equidade terá a palavra decisiva, correctora, ponderando todos os factores atrás enunciados.- art. 566.º-3 do CC.</font><br>
<font>Ao fazer intervir a equidade, não poderá ainda o Juiz de deixar de atender à natureza da responsabilidade (se ela é objectiva, se fundada na mera culpa, na culpa grave ou no dolo) , à eventual concorrência de culpas, à situação económica do lesante e do lesado, e, por fim, às indemnizações jurisprudencialmente atribuídas em casos semelhantes.</font><br>
<br>
<font>Pois bem:</font><br>
<br>
<font>Começando pela aplicação de métodos objectivos, como primeiro vector, tem sido proposta a fórmula matemática utilizada pelo Ac. do STJ de 1994.05.05,(2) ou o Ac. da Relação de Coimbra de 1995.04.04,(3) mas cuja aplicabilidade prática tem sido dificultada pelo facto de serem poucos os Juízes ou Advogados que têm os conhecimentos matemáticos suficientes para lidar com a complexidade de tais fórmulas.</font><br>
<br>
<font>Apresentou, por isso, o aqui Relator, há vários anos, quando ainda estava na Relação do Porto, um trabalho prático, com uma tabela acessível a qualquer jurista ou cidadão, que, em seu entender permite através de operações aritméticas simples, chegar a resultados muito semelhantes na determinação da indemnização da IPP, como dano patrimonial futuro, tendo apenas como suporte a aplicação do programa informático Excell à fórmula utilizada pelo STJ no Acórdão de 1994.05.05, (já acima citado), e que </font><u><font>foi construída tendo como referência a atribuição de 3% ao factor aí indicado como taxa de juro previsível no médio e longo e prazo, taxa essa que, apesar dos anos, tem vindo a confirmar-se dada a estabilidade do euro.</font></u><font>(4)</font><br>
<font>Apesar de estar já publicada em vários outros Acórdãos e divulgada noutros locais, aqui se transcreverá a tabela, resultado dessa aplicação informática, indicando-se, num lado, a idade que ainda falta para ser atingido o fim previsível para se atingir a idade de reforma, e do outro o factor índice.</font><br>
<font> Pegando pois no factor índice correspondente, deve ser ele multiplicado pelo rendimento anualmente auferido à data do acidente e novamente multiplicado pela percentagem de IPP, e, assim, de uma forma simples e expedita, se obtém o capital necessário que, diluído com os rendimentos que ele próprio for gerando, proporcione ao lesado, até à sua idade de reforma, o valor correspondente ao valor perdido. </font><br>
<font>No caso de haver concorrência de culpas entre lesante e lesado, haverá no entanto que dividir as responsabilidades consoante a respectiva proporção. (5) </font><br>
<br>
<b><font> A) ---- B) </font></b><br>
<b><font> (anos) ---- (factor)</font></b><br>
<font> </font><br>
<font> 1 ----- 0,97087 </font><br>
<font> 2
|
[0 0 0 ... 0 0 0]
|
ojKju4YBgYBz1XKvriVb
|
1.ª Secção (Cível)
|
<b><font> </font></b><font><br>
<br>
<b><font> </font></b>
<p><b><font>Recorrente</font></b><font>: AA.</font>
</p><p><b><font>Recorridos</font></b><font>: BB; CC; DD; EE; e FF e GG.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>I. - RELATÓRIO.</font>
</p><p><font>Irresignado com a decisão proferida na apelação que havia interposto da decisão proferida na 3.ª do Tribunal Cível da Comarca de Lisboa – cfr. fls. 2333 a 2357 – que havia julgado totalmente improcedente a acção que o demandante, AA, havia impulsado contra BB; CC; DD; EE; e FF e GG, recorre, de revista para este Supremo Tribunal de Justiça, havendo a considerar os sequentes:</font>
</p><p><font>I.1. - ANTECEDENTES PROCESSUAIS.</font>
</p><p><font>AA, residente na -, em -, propôs acção declarativa de condenação, com processo ordinário, contra, </font>
</p><p><font>BB, residente na ---, em ---, </font>
</p><p><font>CC residente na Rua ---, ou na Rua ---; HH, residente na Rua ---, </font>
</p><p><font>FF, residente na Rua --- e, </font>
</p><p><font>GG, residente na ---, pedindo a sua condenação, a: </font><br>
<font>a)Declaração de nulidade, por invalidade formal, de cada um dos mútuos, celebrados entre o A., e o 1º, 3º, 4º e 5º RR.: </font><br>
<font>i)Quanto ao 1 Q R, por referência às declarações de dívida que o A foi coagido a assinar a 14 de Junho, 5 de Julho e 18 de Julho, todas de 2005; </font>
</p><p><font>ii) Quanto à 3ª R, por referência aos mapas de "aplicações private" redigidos pelo 1</font><sup><font>Q</font></sup><font> R, seu irmão; </font>
</p><p><font>iii) Quanto ao 4</font><sup><font>Q</font></sup><font> R, por referência aos mesmos mapas, na parte em que lhe dizem respeito; </font>
</p><p><font>iv) Quanto ao 5</font><sup><font>Q</font></sup><font> R, por referência às declarações assinadas pelo A, que referem as importâncias de €300.000,OO e €500.000,00, por ele recebidas do 5</font><sup><font>Q</font></sup><font> R a 15 de Dezembro de 2004 e 15 de Fevereiro de 2005, respectivamente; </font><br>
<font>b) A imputação de todos os pagamentos efectuados pelo A a favor do 1</font><sup><font>Q</font></sup><font>, 3</font><sup><font>2</font></sup><font>, 4</font><sup><font>2</font></sup><font>, 52 e 6</font><sup><font>2</font></sup><font> RR, na satisfação do respectivo direito à restituição do capital, decorrente da nulidade dos mútuos; </font><br>
<font>c) A desconsideração das declarações unilaterais de dívida por invalidade do negócio causal; </font><br>
<font>d) A condenação do 1</font><sup><font>Q</font></sup><font> e 6º RR no pagamento de €2.328.510,10, correspondente a todas as quantias que receberam do A e que excedem o capital "mutuado"; </font><br>
<font>e) A declaração de nulidade do contrato de aquisição de dívidas celebrado entre o 1º e o 2º RR; </font><br>
<font>f) A declaração de nulidade da dação de 22,5% de acções representativas do capital social da II, dadas em cumprimento de um contrato nulo. </font>
</p><p><font>Em síntese, para o pedido que formulou, alegou: </font>
</p><p><font>É professor universitário na Universidade --- e accionista da sociedade II a qual é titular da ---, da qual o A e vice-reitor; O 1 º R é também accionista da II; </font>
</p><p><font>A situação financeira da II é difícil; </font>
</p><p><font>Desde 1997, o A recebeu a título de empréstimo, diversas quantias do 1º R; </font>
</p><p><font>Tais empréstimos nunca foram formalizados e as referidas quantias foram pelo A. aplicadas, na sua quase totalidade, na II; </font>
</p><p><font>O A. é credor da II na quantia de €2.579.879.40; </font>
</p><p><font>Interpelou a II para proceder ao pagamento de tal quantia e temendo pela solvabilidade da mesma interpôs providência cautelar de arresto; </font>
</p><p><font>A situação financeira precária da II serviu para dar continuidade a um esquema montado pelo 1 º R e do qual participaram amigos e familiares do mesmo que denominou "aplicações private"; </font>
</p><p><font>O 1º R dispôs-se a emprestar dinheiro ao A, cobrando juros usurários e sugerindo que o mesmo fosse feito por familiares e amigos seus, entre os quais se incluem a3ª, o 4º e o 5º RR; </font>
</p><p><font>Sob orientação do irmão, 1º R, também a 3ª R. se dispôs a emprestar dinheiro ao A, igualmente cobrando juros usurários; </font>
</p><p><font>O 4º Ré é irmão do 1 º R e da 3ª R e também ele emprestou dinheiro ao A o mesmo sucedendo com o 5º R, cunhado do 1º; </font>
</p><p><font>Foi o 1º R., quem organizou os empréstimos e calendário de pagamentos; Nenhum dos referidos empréstimos foi titulado, bastando aos "mutuantes" a cópia dos cheques que entregavam ao mutuário exigindo, ainda, como garantia dos seus putativos créditos, cheques pós datados sacados pelo A; </font>
</p><p><font>As taxas de juro eram usurárias chegando a ser de 100% ao ano e com a permanente capitalização de juros, as alegadas dívidas sofreram aumentos dificilmente demonstráveis até pelos putativos credores; </font>
</p><p><font>O A procedeu a diversos pagamentos à custa do seu património pessoal, pagamentos esses consumidos pelos juros usurários cobrados; </font>
</p><p><font>Nenhum dos mútuos teve valor inferior a €20.000,00 e não foi realizada escritura pública que titulasse qualquer desses mútuos; </font>
</p><p><font>Os RR elaboraram declarações unilaterais de dívida, para as quais forjaram valores indevidos, capitalizando juros usurários e que foram subscritas pelo A, sob ameaça de apresentação dos cheques garantias a pagamento e dobraram tais declarações com novos cheques garantia que já capitalizavam juros usurários; </font>
</p><p><font>As ameaças de usurpação do património pessoal do A tornaram-se incessantes, sistemáticas, e aptas a criar-lhe anormal ansiedade; </font>
</p><p><font>Desde 1997 o A. tem procedido a diversos pagamentos a favor do 1.º R, pagamentos esses que ultrapassam os montantes recebidos a título de empréstimo; A totalidade do capital relativo aos mútuos nulos está paga pelo A, existindo um saldo positivo a favor do A. e, não obstante, a alegada dívida reclamada não pára de aumentar; </font>
</p><p><font>Situação semelhante verifica-se em relação à 3ª R, que já recebeu do A todo o capital mutuado, tendo o 4.º e 5.º RR. recebido parte do montante que lhe entregaram a título de empréstimo; </font>
</p><p><font>A situação culminou com a cedência pelo 1.º R, de um alegado crédito sobre o A, no valor inventado de C4.000.000,00 ao 2.º R; </font>
</p><p><font>O 1.º R falsificou uma garantia bancária a seu favor e praticou um crime de burla que auxiliou a determinação do 2.º R em adquirir o alegado crédito; </font>
</p><p><font>O 1.º R, apesar de ter falsificado garantia bancária, exigiu ao A., sob a ameaça de apresentar a pagamento os cheques que dele obtivera ao longo dos tempos, que subscrevesse uma declaração de ciência em que este referia a existência, com base na palavra do 1</font><sup><font>2</font></sup><font> R, de uma garantia, cuja falsidade o A ignorava; </font>
</p><p><font>Em 14 de Junho de 2005, foi assinada pelo A, sob ameaça do 1.º R de apresentar a pagamento os cheques garantia, uma declaração que serve para qualificar o empréstimo de inválido por manifesta falta de forma legalmente imposta para o contrato de mútuo; </font>
</p><p><font>O A foi coagido a entregar ao 2.º R, 22,5% de acções representativas do capital da II com a intenção de cumprir uma dívida que já não existia; </font>
</p><p><font>O 1.º R, fez uso da declaração junta como doc 54, na qual o A admite, tanto o empréstimo como a veracidade da garantia bancária e bem assim da garantia bancária por si forjada revelando ao A que caso este se negasse a outorgar a dação em cumprimento a favor do 2.º R, iria participar criminalmente a falsificação da "garantia bancária" tendo sido nesse momento que o A tomou conhecimento da falsidade da garantia que teria sido, presumivelmente, emitida a seu mando; </font>
</p><p><font>Foi coagido que o A assinou a referida "dação em cumprimento"; </font>
</p><p><font>Em virtude destas ameaças o A. não se apercebeu de que o saldo entre os pagamentos feitos ao 1 º R. e as quantias recebidas do mesmo o tornavam, de facto, credor do 1 º R.; </font>
</p><p><font>No total, no decurso dos anos 1997 e 1998 o A. recebeu do 1º R, a quantia de esc.91.000.000$00; </font>
</p><p><font>No esquema arquitectado pelo 1º R., o A efectuaria pagamentos a favor daquele ou de sua esposa, a título de juros usurários, pagamentos que o A fez e que totalizaram esc.146.900.000$00 o que representa um saldo credor a favor do A, de esc.55.900.000$00; </font>
</p><p><font>No 1º biénio de 2001/2002 o A recebeu do 1º R., a título de empréstimo C2.246.393,60 tendo ficado acordado que seriam feitos pagamentos a título de juros no valor total de C1.538.575,58 que foram efectuados efectivamente pelo A, porém nem sempre na data acordada; </font>
</p><p><font>Os pagamentos realizados pelo A eram efectua dos a título de juros, às taxas de 100%, 70%, 33% e 20% ao ano; </font>
</p><p><font>Em 2003 o A não fez qualquer mútuo ao A, mas continuou a proceder a pagamentos no valor total de C745.000,00 a título de juros à taxa de 33% ao ano; Relativamente ao ano de 2004, continuou o A a realizar pagamentos que totalizaram C407.500,00, a título de juros e a taxa de 27% ao ano; </font>
</p><p><font>O 1º Réu emprestou, ainda, ao A. quantias no valor total de C667.000,00 entre Julho de 2004 e Maio de 2005; </font>
</p><p><font>Em 2005 o A continuou a efectuar pagamentos a título de juros, no valor de </font><i><font>C160.000,OO; </font></i>
</p><p><font>O A entregou ainda ao 1º R o montante de </font><i><font>C110.000,00 </font></i><font>e em Agosto de 2005, pagou </font><i><font>C68.000,00; </font></i>
</p><p><font>O A. mantém ainda um crédito sobre o 1º R., no valor de </font><i><font>C600.000,00 </font></i><font>proveniente da venda de 10% de acções representativas do capital social da II; </font>
</p><p><font>Não obstante O saldo a favor do A., considerando a invalidade dos mútuos e a imputação dos montantes entregues na prestação de restituição ao mutuante, o 1º R ficcionou um crédito no valor de C2.000.000,00, sem qualquer relação causal que justifique esse crédito e obteve do A. uma 1ª declaração de dívida, datada de 5 de Julho de 2005, no referido montante de C2.000.000, com a ameaça de apresentação dos cheques caução a pagamento; </font>
</p><p><font>Em 18 de Julho de 2005, o 1 º R obtém nova declaração de dívida exactamente do mesmo montante, supostamente para substituir a anterior; </font>
</p><p><font>Apesar da inexistência de qualquer dívida do A. para com o 1 º R este resolveu celebrar com o 2º R, um acordo escrito denominado de "Contrato de Aquisição de Dívidas" datado de 2 de Setembro de 2005, nos termos do qual, declarou alienar-lhe duas dívidas do A. para consigo, no valor de C2.000.000,00 cada uma; </font>
</p><p><font>Concomitantemente o 1º R entregou, ou pelo menos exibiu ao 2º R as declarações de dívida datadas de 5/7/2005 e 18/7/2005 e os cheques a que nas mesmas se faz referência; </font>
</p><p><font>O 2º R é Ministro ---, em --- e sócio da JJ, proprietária da Universidade --- de ---; </font>
</p><p><font>Também a II é titular de participações sociais na JJ; </font>
</p><p><font>Na sequência do referido negócio, o 2º R veio de --- a Lisboa cobrar a suposta dívida através da exigência de acções da II para pagamento de uma dívida de C2.000.000,OO que não existe; </font>
</p><p><font>Em 2001 o A. recebeu a título de empréstimo não formalizado, a quantia de C250.000,00 da 3ª R, tendo a título de juros pago a quantia de C435.000,OO; Também recebeu da 3ª R, a quantia de C250.000,00, sem que tenha havido formalização do contrato de mútuo, tendo o A. procedido ao pagamento desta quantia pelo que nada deve à 3ª R; </font>
</p><p><font>No entanto, a 3ª R arrogando-se a sua qualidade de credora, ameaça apresentar a pagamento cheque garantia no valor total de C587.500,00 que detém em seu poder; </font>
</p><p><font>A 3ª Ré ameaça o A, tendo o pai desta, em reunião na sede da --- empunhado arma de fogo ao A, forçando-o, por essa via, a assinar declaração de dívida; </font>
</p><p><font>Relativamente ao 4º R. o A recebeu deste a título de empréstimo a quantia de C1 00.000,00 e C150.000,00 respectivamente; </font>
</p><p><font>Na celebração destes contratos de mútuo não foi outorgada escritura pública; O A, por conta destes empréstimos pagou C112.500,00; </font>
</p><p><font>Para garantia deste empréstimo o A. emitiu cheque garantia a favor do 4º R, para 15 de Setembro de 2005, no valor de C250.000,OO; </font>
</p><p><font>Depois de imputados no capital mutuado todos os pagamentos feitos pelo A., verifica-se que este é seu credor pela quantia de C137.000,00; </font>
</p><p><font>O 5º R. cunhado do 1º R. foi por este angariado para conceder empréstimos usurários ao A.; </font>
</p><p><font>A 15/12/2004 e a 15/2/2005, o 5º R. emprestou ao A, sem escritura pública, as quantias de C300.000,OO e de C500.000,00 respectivamente; </font>
</p><p><font>O único pagamento realizado pelo A ao 5º R foi efectuado a 27/12/2005, tendo por valor C75.000,00; </font>
</p><p><font>Por documento particular o A emitiu declaração em como recebeu do 5º R. a quantia de C300.000,OO, pelo prazo de 12 meses tendo ainda passado três cheques do Banco ---- no valor de C60.000,OO, C60.000,OO e C300.000,00; </font>
</p><p><font>Num segundo documento particular o A. reconheceu ainda um recebimento da quantia de C500.000,OO, pelo prazo de doze meses decorrente do 2º contrato de mútuo tendo ainda passado cinco cheques que se destinavam a servir de garantia do pagamento da "dívida"; </font>
</p><p><font>A 5 de Julho de 2005, A. e 5º R. assinam declaração onde consolidam e capitalizam indevidamente juros, as alegadas dívidas, e em que o A. se compromete a pagar ao 5º R. o montante global de e1.070.000,OO que teria alegadamente recebido por empréstimo, comprometendo-se, ainda, o A, a pagar ao 5º R. a referida quantia, através de cheque aí referido; </font>
</p><p><font>O A. conclui que a fonte da dívida assumida é um negócio nulo por falta de forma. </font>
</p><p><font>Devidamente citados contestaram os RR. pedindo a improcedência da acção e a condenação do A. e da sua esposa, como litigantes de má fé. </font>
</p><p><font>Alegam, em síntese, que o A. se dedica, dentro da ... à captação de capitais para, sob sua responsabilidade, os aplicar em produtos financeiros, no Banco ---; </font>
</p><p><font>O A. dominou desde a sua fundação, as finanças da --- e com uma gestão danosa de 8 milhões de euros, conduziu a instituição de ensino superior às portas da insolvência; </font>
</p><p><font>É falso que o dinheiro tenha sido emprestado ao A., a verdade é que o dinheiro foi confiado à guarda do A. para aplicações financeiras fixando este a rentabilização; </font>
</p><p><font>O único dinheiro que o 1 Q e 6</font><sup><font>Q</font></sup><font> RR. emprestaram ao A. foi garantido por uma garantia bancária do BCP; </font>
</p><p><font>As entregas de dinheiro feitas pelo 1 º Réu ao A. e cônjuge eram feitas na base da confiança mútua, não tendo por isso necessidade de qualquer formalização; Essas avultadas somas eram garantidas por garantia bancária; </font>
</p><p><font>Quando a II solicitava aos 1 º e 6º RR, qualquer empréstimo, eram estes que directamente o faziam, sem juros; </font>
</p><p><font>É falso que o dinheiro dos investidores se destinasse a ser aplicado na II, S.A.; </font>
</p><p><font>A II nada deve ao A. ou à sua esposa; </font>
</p><p><font>Os montantes entregues ao A. destinavam-se a aplicações financeiras; </font>
</p><p><font>A 6ª R. entregou ao A. e sua mulher, para aplicações financeiras, em Junho de 2004, a quantia de dois milhões de euros tendo posteriormente o A. solicitado a anulação de tais aplicações; </font>
</p><p><font>Desse dinheiro, nem o 1º nem a 6º RR., receberam quaisquer juros; </font>
</p><p><font>A 3ª R. foi à --- para que o A lhe pagasse uma dívida de 100.000.000$00 e cujo pagamento o A. vinha protelando; </font>
</p><p><font>Não houve qualquer ameaça de arma de fogo ou qualquer outra; </font>
</p><p><font>É verdade que o 1º Réu recebeu do A, pagamentos em dinheiro que lhe devia, de aplicações financeiras, actividade a que se dedicava; </font>
</p><p><font>É falso que o A tenha entregue ao 1.º R. montantes superiores ao dinheiro que lhe tinha sido entregue para aplicações financeiras; </font>
</p><p><font>O A. e sua mulher sempre garantiram ao 1.º R. e a outros investidores que o capital aplicado não corria qualquer risco; </font>
</p><p><font>Também a 3ª R. não recebeu o capital investido; </font>
</p><p><font>O A. e a mulher, convenceram o 4.º R. a hipotecar a sua casa de morada de família para investir o produto dessa hipoteca em aplicações financeiras a que o A. marido se dedicava; </font>
</p><p><font>Da hipoteca foram avalistas o A. e sua mulher e como o 4º Réu não tinha dinheiro para pagar as prestações ao Banco credor era o A e sua mulher quem pagavam as mesmas, conforme havia sido acordado; </font>
</p><p><font>Porém, os avalistas deixaram de pagar as prestações pelo que o 4ª Réu, sem dinheiro e sem casa, depositou no Banco um cheque emitido pelo A. e mulher, o qual veio devolvido por falta de provisão; </font>
</p><p><font>O 5º Réu não fez qualquer empréstimo, tendo confiado no casal e tendo-lhe entregue todo o dinheiro que ele e sua mulher tinham, para aplicações no Banco ---; </font>
</p><p><font>O crédito de quatro milhões de euros era dividido em duas partes: </font>
</p><p><font>O A. deu ao 1º R., em penhor 22,5% de acções da II para liquidação de dois milhões de euros, aplicadas em aplicações financeiras pela 6ª Ré, até ao ano de 2009, tendo sido acordado o seu termo em 30 de Outubro de 2005, pelo que, estes dois milhões de euros estão pagos; </font>
</p><p><font>Os restantes dois milhões de euros, foram emprestados ao A e mulher pelos 1 º e 6º RR. tendo os mesmos dado ao 1 º R e 6ª R. garantia bancária nesse valor, sendo tal garantia válida e não resultante de qualquer falsificação; </font>
</p><p><font>o A. falsificou as assinaturas nos bancos do 1.º e 6ª RR., falsificou uma procuração com a qual celebrou contratos falsos com a IPAM, serviu-se da mesma procuração para representar o 1.º e a 6ª RR., em assembleias gerais de que só agora o 1.º R. teve conhecimento, falsificou assinaturas para proceder a levantamentos de grandes montantes de dinheiro em quase todos os bancos em que a II tinha contas; </font>
</p><p><font>O 1 º R. nada falsificou; </font>
</p><p><font>Ninguém coagiu o A. a assinar a dação em cumprimento; </font>
</p><p><font>No que se refere ao 4º Réu, foi o A. e sua mulher quem o aconselhou a fazer aplicações para aumentar o seu ordenado tendo-o aconselhado a hipotecar a sua casa, o que o R. fez, tendo constituído hipoteca pelo valor de quinhentos mil euros; </font>
</p><p><font>O 5</font><sup><font>Q</font></sup><font> R. foi convencido pelo A. e sua mulher a aplicar as suas economias em produtos financeiros do Banco ---. </font>
</p><p><font>Notificado, veio o A. apresentar réplica, para além do mais respondendo ao pedido de condenação como litigante de má fé e pronunciando-se sobre os documentos juntos e pedido de junção de documentos. </font>
</p><p><font>Junta, igualmente, com a réplica, diversos documentos. </font>
</p><p><font>Vieram os RR. devidamente notificados da réplica, requerer que a mesma apenas seja atendível na parte em que impugna documentos e responde ao pedido de condenação como litigante de má fé, porquanto, não foi suscitada, em sede de contestação, qualquer excepção e nem foi deduzida reconvenção. </font>
</p><p><font>A fls.699 vieram os RR. dizer que tendo reputado como falsos os documentos juntos pelo A. (art.218º da contestação) e nada tendo o A. respondido, os mesmos não poderão ser usados como meio de prova. </font>
</p><p><font>Respondeu o A. que os RR. apenas impugnaram a genuinidade dos documentos. </font>
</p><p><font>No decurso da audiência preliminar, foram oferecidos documentos e na sequência de tal junção arguiu-se a excepção de ilegitimidade - cfr. fls.986. </font>
</p><p><font>Pronunciou-se o A no sentido de ser julgada improcedente a invocada excepção e impugnando os documentos juntos. </font>
</p><p><font>Responde o R. BB, e no que toca à impugnação de documentos, pretender produzir prova da genuinidade dos mesmos. </font>
</p><p><font>Responde o A, defendendo o indeferimento da requerida produção de prova sobre os documentos. </font>
</p><p><font>A fls.1066 e ss., foi proferido despacho saneador, tendo sido julgada improcedente a excepção de ilegitimidade e tendo-se decidido não haver lugar à produção de prova requerida pelo R. BB. </font>
</p><p><font>Pelo A foi deduzida reclamação contra a selecção da matéria de facto que foi decidida a fls.1251 e ss .. </font>
</p><p><font>Na apelação, o tribunal da Relação teve por pertinente a apreciação da questão da reapreciação da prova, e do seu conhecimento, com alteração da factualidade que havia sido fixada pelo tribunal de 1.ª instância, foi decidido julgar o recurso improcedente.</font>
</p><p><font>Novamente irresignado, traz o autor/recorrente a presente revista, tendo dessumido do quadro alegatório as conclusões que a seguir quedam extractadas.</font>
</p><p><font>I.2. - QUADRO CONCLUSIVO.</font>
</p><p><font>“A. Vem o presente recurso interposto do douto Acórdão que julgou parcialmente procedente o recurso, alterando parcialmente a matéria de facto e confirmou, na íntegra, a decisão recorrida quanto à matéria de direito. </font>
</p><p><font>B.</font><b><font> </font></b><font>A decisão do Tribunal da Relação de não considerar provados os artigos 1º e 56º da base instrutória viola o regime do artigo 393º do Código Civil, o que gera a nulidade do acórdão, e que o STJ pode conhecer por violação de lei expressa que fixa a força probatória de determinado meio de prova. </font>
</p><p><font>C.</font><b><font> </font></b><font>Considerou o Tribunal que não ficou provado que as quantias entregues pelo 1º R. ao A. o tenham sido a título de empréstimo (artigos 1º e 56º da base instrutória), </font><i><font>«pela simples razão de que a designação constante dos invocados documentos não ser suficiente para caracterizar a natureza das entregas efectuadas e porque a prova testemunhal foi esmagadora no sentido de que as entregas foram feitas para aplicações financeiras e não como empréstimos». </font></i>
</p><p><font>D</font><b><font>. </font></b><font>Da simples leitura dos excertos da prova testemunhal constantes do Acórdão resulta claro que as testemunhas apenas se pronunciaram sobre a sua relação com o A. e nunca, mas nunca, sobre a relação entre o A. e o 1º R. (que desconheciam) e que era a única que estava em causa nos autos. </font>
</p><p><font>E.</font><b><font> </font></b><font>O Tribunal da Relação retirou da situação pessoal relatada por cada testemunha uma conclusão (precipitada) relativa à situação concreta </font><i><font>sub iudice </font></i><font>entre o A. e o 1º R. - e fê-lo em flagrante contradição com o teor de documentos subscritos pelo próprio 1º R. e a que a lei atribui força probatória especial. </font>
</p><p><font>F.</font><b><font> </font></b><font>A confissão extrajudicial, em documento autêntico ou particular, considera-se provada nos termos aplicáveis a estes documentos e, se for feita à parte contrária ou a quem a represente, tem força probatória plena (artigo 358.º do Código Civil). </font>
</p><p><font>G.</font><b><font> </font></b><font>O n.º 2 do artigo 393.º do Código Civil é muito claro quanto determina que também "não é admitida prova por testemunhas, quando o facto estiver plenamente provado por documento ou por outro meio com força probatória plena". </font>
</p><p><font>H.</font><b><font> </font></b><font>Da conjugação dos factos provados vertidos nos pontos 5., 10., 11. a 21., 26., 27.,31. e 32. e do teor dos documentos aí referidos, resulta a confissão e aceitação por parte do 1º R. da natureza jurídica das entregas feitas ao A. - empréstimos. </font>
</p><p><font>I.</font><b><font> </font></b><font>Os documentos citados são demonstrativos de que as entregas de dinheiro do 1º R. ao A. o foram a título de empréstimo, não existindo qualquer documento que tenha infirmado tal facto. </font>
</p><p><font>J. Nessas circunstâncias, não é de admitir sobre a matéria constante dos artigos invocados da base instrutória, prova testemunha I (que nem sequer ocorreu), com a finalidade de contradizer o conteúdo dos documentos em causa e o que deles resulta. E apenas com preterição do regime do artº 393º do CC essa prova testemunhal pode sobrelevar sobre a prova documental. </font>
</p><p><font>K. Existe manifesta contradição entre a fundamentação da decisão de indeferimento das reclamações à base instrutória e a decisão que considerou não provados os pagamentos efectuados pelo A., por não corresponderem às datas e aos montantes constantes da base instrutória. Tal contradição gera nulidade do acórdão, o que se invoca para os devidos efeitos. </font>
</p><p><font>L. O Recorrente formulou pedido de alteração da base instrutória com fundamento no teor dos artigos 71º, 72º e 75º, 76º da petição inicial e nos factos controvertidos aí alegados. Invocou que existe duas questões diferentes, ambas relevantes ante a causa de pedir da acção, tal como a mesma foi pré-figurada pelo A. na acção: uma primeira realidade a apurar nos autos é o que foi acordado entre o A. e o 1º R. no que se refere as datas e montantes a pagar; outra realidade são os pagamentos concretos que foram efectivamente feitos pelo A. ao 1º R., ---mente das datas concretas que haviam sido pactadas entre as partes para o seu cumprimento. </font>
</p><p><font>M. Não obstante os pagamentos poderem ter ocorrido dias, ou meses, depois do que havia sido acordado entre as partes, não deixaram de ser efectuados e, portanto, releva para o apuramento do acerto de contas entre as partes se foram pagos, ainda que em altura diversa, sendo esse apuramento fundamental para a decisão a proferir nestes autos relativamente ao pedido formulado na alínea d) da petição inicial (<<condenação do 1º e 6ª RR. no pagamento de EUR 2.328.510,10, correspondente a todas as quantias que receberam do A. e que excedem o capital"mutuado"»). </font>
</p><p><font>N. Pronunciando-se sobre a questão suscitada, o Acórdão recorrido defende: </font><i><font>«interessa saber </font></i><font>se o </font><i><font>Autor pagou, na perspectiva da sua pretensão a possuir um crédito sobre </font></i><font>o 1º </font><i><font>R. </font></i><font>e </font><i><font>não apurar </font></i><font>se </font><i><font>houve um acordo de pagamento. </font></i><font>O </font><i><font>que importa provar está contido nos pontos da base instrutória que foram elaborados.» </font></i><font>E assim indeferiu a pretensão do Recorrente. Porém, esta fundamentação está em contradição com a decisão do Tribunal da Relação em sede de recurso da matéria de facto. </font>
</p><p><font>O. É que, no âmbito do recurso da matéria de facto, requereu o Recorrente que os pontos 3 a 54 e 57 a 88, 90 a 100 e 102 a 111 da base instrutória fossem considerados provados, com base na prova documental junta aos autos, o que o Tribunal da Relação indeferiu. Mas mal ... e em contradição com os fundamentos invocados para indeferir a alteração da base instrutória. </font>
</p><p><font>P. O Tribunal da Relação tendo entendido que o que importava provar eram os pagamentos ao 1º R. e que isso estava inserido nos quesitos formulados, não pode depois vir afirmar que </font><i><font>«comparando </font></i><font>as </font><i><font>datas e </font></i><font>os </font><i><font>montantes, não conseguimos encontrar naquela lista pagamentos que correspondam </font></i><font>ao </font><i><font>que se pergunta nos referidos pontos.» </font></i>
</p><p><font>Q. Consta da matéria assente as entregas que o 1º R. fez ao A. no valor de € 3.367.299,60; consta prova documental nos autos de que o A. pagou ao 1º R. a quantia de € 5.917.617,78; consta alegado na petição inicial que uma situação foi o acordado entre o A. e o 1º R. no que se refere a datas e montantes a pagar e outra o que foi efectivamente pago pelo A. ao 1º R., factos constitutivos do direito de crédito que o A. invoca sobre o 1º R. </font>
</p><p><font>R. O tribunal deve tomar em consideração todas as provas produzidas, pelo que não pode ignorar a prova documental constantes dos autos (artigo 515º do Código de Processo Civil). </font>
</p><p><font>S. Os documentos juntos aos autos (relatório pericial da Polícia Judiciária - Departamento de Perícia Financeira e Contabilística e cópia dos cheques e ordens de transferência de cada um dos cerca de 200 pagamentos) comprovam as ordens de pagamento emitidas pelo A. a favor do 1º R. ou da 6ª R. (mulher do 1º R.) e que foram creditadas em contas do 1º R. ou da 6ª R. ou de uma sociedade detida por estes, num total global de (5.917.617,78. </font>
</p><p><font>T. Desses documentos decorrem não só </font><u><font>as datas</font></u><font> em que foram feitos cada um dos pagamentos, mas também, porque foram realizados por cheque ou transferência bancária, as datas em que os respectivos montantes </font><u><font>foram creditados</font></u><font> nas contas dos destinatários. </font>
</p><p><font>U. Os Recorridos não impugnaram os documentos e estão e foram admitidos como documentos probatórios, constituindo essa admissão caso julgado formal. </font>
</p><p><font>V. Discutindo-se, nestes autos, justamente a questão nuclear do Recorrente ter pago mais do que devia ter pago, peticionando a restituição a diferença, era expectável que o tribunal recorrido tivesse valorado esta prova documental e se tivesse valido nela para dar como provados todos e cada um dos pagamentos, montantes, datas, e meio de pagamento utilizado. </font>
</p><p><font>X. Assim, o Tribunal sempre teria de considerar provado, com base nos documentos juntos aos autos, que o A. efectuou os seguintes pagamentos ao 1º R e à 6ª R., no valor global de (5.917.617,78, ---mente das datas e dos montantes acordados nos vários documentos contratuais. </font>
</p><p><font>Z. Não obstante, o Tribunal da Relação depois de ter entendido que o que importava provar eram os pagamentos ao 1º R. e que isso estava inserido nos quesitos formulados, entende não considerar provados (não obstante a abundante prova documental dos autos e que não foi impugnada pelos RR.) os pagamentos efectuados pelo A. ao 1º R. porque </font><i><font>«comparando as datas </font></i><font>e </font><i><font>os montantes, não conseguimos encontrar naquela lista pagamentos que correspondam ao que se pergunta nos referidos pontos.» </font></i>
</p><p><font>AA. Se está provado nos autos que o A. pagou ao 1º R. a quantia de (5.917.617,78. mas este facto por meras razões processuais - por as datas e os montantes não corresponderem exactamente ao constante dos quesitos da base instrutória - é totalmente ignorado, tal equivale a denegação de justiça e enferma a decisão de não considerar provado esse facto de inconstitucionalidade por violação do direito à tutela efectiva dos interesses legalmente protegidos do A. e do direito à justiça (artigo 20º da Constituição da República Portuguesa). </font>
</p><p><font>AB. A decisão do Tribunal da Relação de considerar provados os artigos 174º e 176º da base instrutória viola o regime do artigo 393º do Código Civil, o que gera a nulidade do acórdão, o que o STJ pode conhecer por violação de lei expressa que determina a exigibilidade de prova documental para a prova das relações negociais (aplicações financeiras) em causa. </font>
</p><p><font>AC. Não existem nos autos quaisquer documentos que comprovem que o A. captava capitais para os aplicar em produtos financeiros no Banco ---. O A. não aplica capitais ... porque não é nenhuma instituição de crédito, facto que é público e notório, portanto não podia fixar quaisquer rentabilidades. O A. não trabalha, nem representa, nem é agente de nenhuma instituição de crédito (como é facto público e consta da matéria assente o A. era, à data dos factos, professor universitário e vice-reitor de uma universidade privada), não se reuniu com as testemunhas em nenhuma instituição de crédito, não recolheu a assinatura das testemunhas em nenhum documento bancário, seja do --- ou de outro banco qualquer, não há qualquer evidência de que o --- tenha alguma aplicação financeira denominada "Operações ---". Nenhuma testemunha prestou depoimento directo baseado em factos concretos donde resulte, sem dúvida alguma, a existência de aplicações financeiras no ---, conforme resulta evidente dos excertos constantes do Acórdão recorrido. </font>
</p><p><font>AD
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1.ª Secção (Cível)
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<b><font> </font></b><font><br>
<br>
<br>
<font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font><br>
<br>
<font> 1. - AA, viúvo, e seus filhos BB, CC e DD intentaram acção declarativa, para efectivação de responsabilidade civil, emergente de acidente de viação contra “EE, Companhia de Seguros, S.A.” e “Companhia de Seguros FF, S.A., pedindo a condenação da 1ª Ré a pagar-lhes a indemnização de 189.354,22€, acrescida de juros desde a citação, ou se assim se não entendesse, a condenação da 2ª Ré em idêntico pedido.</font><br>
<br>
<font> Alegaram que o veículo 00-00-MP, seguro na 2ª Ré, conduzido pelo A. AA e transportando como passageira a sua mulher, GG, circulava pela A1 e, após imobilização, no seguimento do rebentamento de um pneu, foi embatido pelo veículo 00-00-FQ, que circulava a mais de 130 km/h, choque de que resultou a morte da referida GG.</font><br>
<font> Imputaram o evento a responsabilidade exclusiva do segurado da Ré “EE” e demandaram a “FF” para a eventualidade de se entender que o acidente se deveu a riscos próprios do MP, nomeadamente ao rebentamento do pneu.</font><br>
<font> </font><br>
<font> A final, julgou-se ter o acidente resultado dos riscos de circulação de ambos os veículos e, na parcial procedência da acção, sentenciou-se a condenação da “EE” no pagamento ao A. AA de 5.000,00 a título de danos morais, e a todos os AA. de 50% de 58.504,22€, por danos patrimoniais, e 50% de 110.000,00€, relativos a danos não patrimoniais (sendo 50.000,00€ pelo dano morte e 15.00,00€ pelo dano moral de cada um dos AA.). A Ré “FF” foi absolvida.</font><br>
<font> </font><br>
<font> A Relação, manteve o decidido na 1ª Instância quanto à ausência de culpa dos condutores, bem como, em sede de responsabilidade pelo risco, a proporção de metade da respectiva contribuição para o acidente e os danos, cuja valoração foi mantida, e condenou a Seguradora “FF” a pagar aos AA. a quantia de 55.000,00€ [respeitante a 50% do dano morte (25.000) e 50% dos danos morais de cada um dos AA. (15.000:2X4)], acrescida de juros desde a citação. </font><br>
<br>
<font> A Ré “FF” interpôs recurso de revista, visando a sua absolvição dos valores arbitrados aos Autores a título de danos morais próprios, ao abrigo da seguinte argumentação conclusiva:</font><br>
<font> 1. O transporte de um passageiro no seu próprio veículo não pode deixar de ser considerado, por maioria de razão, como transporte gratuito, para os efeitos previstos no n.º 3 do art. 504° do C.Civil. </font><br>
<font> 2. Se assim não fosse, estaríamos a privilegiar, um passageiro do seu próprio veículo face a um passageiro transportado gratuitamente no veículo de outrem, o que do ponto de vista de justiça relativa, seria inaceitável. </font><br>
<font> 3. Sendo também, certo que o passageiro que se faz transportar no seu próprio veículo não pode ser considerado como estando a efectuar um transporte pago, por não ser concebível que o mesmo pagasse a si mesmo o transporte efectuado. </font><br>
<font> 4. Assim, e uma vez que não foi apurada a culpa dos condutores intervenientes no acidente em causa, os autores não têm direito a receber qualquer indemnização pelos danos morais sofridos em consequência da morte da sinistrada, de acordo com o preceituado no n.º 3 do art. 504° do C. Civil. </font><br>
<font> 5. Mas, mesmo que se tratasse de um transporte pago, a solução não seria diferente, atento o disposto no n.º 2 do mesmo artigo. </font><br>
<font> 6. Encontram-se violadas, por erro de interpretação, as normas previstas nos n.ºs 3 e 2 do art. 504º C. Civil. </font><br>
<br>
<font> Os Recorridos apresentaram resposta defendendo o julgado.</font><br>
<br>
<br>
<font> 2. - A </font><b><font>questão</font></b><font> colocada no recurso é a de saber se são ressarcíveis os danos não patrimoniais sofridos pelo cônjuge e pelos filhos da pessoa falecida em acidente de viação, quando transportada como passageira em veículo que era bem comum do casal e conduzido por aquele cônjuge, em que a responsabilidade do transportador é apenas objectiva ou pelo risco. </font><br>
<br>
<br>
<font> 3. - À apreciação do objecto do recurso interessam, de entre os provados, os seguintes </font><b><font>factos</font></b><font>:</font><br>
<font> </font><br>
<font> (…)</font><br>
<font> 20 - O veículo ligeiro de mercadorias com a matrícula 00-00-FQ e o veículo de matrícula 00-00-MP embatem um no outro e em consequência desse embate, a esposa do 1° autor sofreu as lesões descritas no relatório de autópsia que lhe determinaram como consequência directa, adequada e necessária a morte. </font><br>
<font> 26 - O veículo MP era propriedade comum do 1.º Autor e sua esposa e conduzido por aquele no interesse e sob a direcção efectiva de ambos. </font><br>
<font> 33 - O súbito falecimento da GG causou ao A. -marido e aos filhos – os AA. António, Sofia e Alexandra - grande angústia, pânico, vazio, dor, desgosto, perda e solidão. </font><br>
<font> 34 - Sensações essas que perduram desde a data do acidente até hoje e os acompanharão enquanto viverem, recordando-a permanentemente. </font><br>
<br>
<br>
<font> 4. - Mérito do recurso.</font><br>
<br>
<font> 4. 1. - A Recorrente insurge-se contra a sua condenação no pagamento de indemnização por danos não patrimoniais ao cônjuge e filhos da vítima, falecida em acidente de viação em que se não atribui culpa a qualquer dos condutores, quando transportada, como passageira, em veículo do seu casal, invocando a aplicação do regime de exclusão de responsabilidade estabelecido nos nºs 2 ou 3 do art. 504º C- Civil.</font><br>
<br>
<font> A Relação atribuiu as ditas indemnizações, invocando as normas dos arts. 8º-1 e 7º-1 e 2 do DL n.º 522/85, de 31/12 (Seguro Obrigatório), segundo as quais o contrato de seguro garante a responsabilidade do tomador do seguro, dos sujeitos da obrigação de segurar e dos legítimos detentores e condutores do veículo, não se encontrando excluídos da respectiva garantia os danos morais reclamados pelos Autores.</font><br>
<font> </font><br>
<font> Os Recorridos defendem que a questão tem de ser resolvida no âmbito do art. 7º do DL n.º 522/85, tal como o fez o acórdão impugnado.</font><br>
<br>
<br>
<font> 4. 2. - No art. 504º do Código Civil estabelece-se que:</font><br>
<font>“</font><i><font>1. A responsabilidade pelos danos causados por veículos aproveita a terceiros, bem como às pessoas transportadas.</font></i><br>
<i><font>2. Nos casos de transporte por virtude de contrato, a responsabilidade abrange só os danos que atinjam a própria pessoa e as coisas por ela transportadas.</font></i><br>
<i><font>3. No caso de transporte gratuito, a responsabilidade abrange apenas os danos pessoais da pessoa transportada.</font></i><font>”</font><br>
<br>
<font>Do conjunto normativo contido no preceito resulta que, relativamente às pessoas transportadas, a obrigação de indemnizar que impende sobre o responsável abrange apenas os danos pessoais, ou seja, os que atingem a própria pessoa transportada (além das coisas por esta transportadas, no caso de contrato). </font><br>
<font>Ficam, pois, excluídos, os danos não patrimoniais “laterais” que, embora ligados à morte da vítima e, consequentemente a danos pessoais desta, cuja titularidade a lei, em razão do casamento e de certos laços de parentesco ou afinidade, reconhece, </font><i><font>iure proprio</font></i><font>,</font><i><font> </font></i><font>às pessoas enumeradas no n.º 2 do art. 496º C. Civil (cfr., neste sentido, P. DE LIMA e A. VARELA, “</font><i><font>Código Civil, Anotado,</font></i><font> 4ª ed.,</font><i><font> </font></i><font>I, 516; DARIO MARTINS DE ALMEIDA, “ </font><i><font>Manual de Acidentes de </font></i><font>Viação”, 3ª ed., 348).</font><br>
<br>
<font>Estamos, na verdade, no campo da </font><u><font>responsabilidade</font></u><font> </font><u><font>objectiva</font></u><font> ou pelo </font><u><font>risco</font></u><font>, em que o legislador teve por bem, no uso da sua liberdade de conformação, não estender, limitando-o, a certas pessoas o direito a indemnização nos termos em que lho reconhece em caso de responsabilidade por facto ilícito culposo ou nos termos gerais.</font><br>
<br>
<font>A fundamentação da limitação encontra-se, desde logo, na ponderação das duas situações de risco que o transporte encerra: - o do transportador e o da pessoa que se faz transportar, tendo presente que o evento danoso decorre </font><i><font>dos riscos próprios do veículo, </font></i><font>sem que </font><i><font>nenhum dos condutores tivesse culpa no acidente</font></i><font> (arts. 503º-1 e 506º-1 C. Civ.).</font><br>
<br>
<font>Depois, o direito conferido às pessoas enunciadas no n.º 2 do art. 496º do C. Civil, encontra a sua razão de ser na vontade legislativa de, reconhecido o direito, evitar a apresentação de uma multiplicidade de pretensões indemnizatórias por danos morais por morte da vítima, ainda que, não fora essa opção, se mostrassem atendíveis.</font><br>
<font>Por isso, em tese, nada obstaria a que, com o mesmo objectivo e na mesma perspectiva limitadora, o legislador viesse a atribuir o direito à indemnização, por exemplo, a quem estivesse mais proximamente ligado à vítima. Porém, não o quis fazer, concedendo a sua titularidade apenas às pessoas taxativamente indicadas e por ordem de preferência que bem pode não coincidir com a gravidade do dano realmente sofrido, sendo que poderia não a conceder a qualquer dessas pessoas ou até, pura e simplesmente, não reconhecer o direito.</font><br>
<font> Não se crê, de resto, que, nesse campo, o legislador ordinário estivesse vinculado a um determinado comportamento, pois que para ele se não encontra fundamento directo na exigência dum direito constitucionalmente garantido, nomeadamente no âmbito de protecção da família.</font><br>
<br>
<font>Trata-se de um dos casos em que, como expressamente ressalvado no art. 499º C. Civil, as disposições que regulam a responsabilidade por factos ilícitos não são extensivas à responsabilidade pelo risco, apresentando-se o art. 504º como preceito que exclui da categoria de beneficiários do direito à indemnização por danos morais próprios os familiares eleitos na norma do n.º 2 do art. 496º.</font><br>
<br>
<br>
<font>4. 3. - É à lei geral reguladora do regime da responsabilidade civil fundada em acidentes de viação que compete indicar os beneficiários da responsabilidade e os limites da mesma.</font><br>
<br>
<font>O segurador, como garante da responsabilidade do segurado, responde na medida em que for responsável o segurado e/ou as demais pessoas cuja responsabilidade seja garantida pelo contrato de seguro – arts. 1º-1 e 8º-1 do Dec.-Lei n.º 522/85. </font><br>
<br>
<font>Consequentemente, no caso de responsabilidade objectiva ou pelo risco, restringindo-se a obrigação de indemnizar do responsável civil aos danos pessoais da pessoa transportada, por via da limitação constante dos n.ºs 2 e 3 do art. 504º, aos mesmos limites se há-de ter por restringida a responsabilidade do segurador. </font><br>
<br>
<br>
<font>4. 4. - Por outro lado, importa notar que, se bem se vê, não existe fundamento para considerar qualquer derrogação ou interpretação do art. 504º C. Civil em termos ou com sentido diferente do que ficou mencionado, designadamente em razão de revogação tácita ou de interpretação conforme, por imposição de normas de Direito Comunitário (directiva ou regulamento) – art. 8º-4 da Constituição da República. </font><br>
<br>
<font> Efectivamente, o art. 504º C. Civil, na sua actual redacção, resulta da sua adaptação à norma do art. 1º da Terceira Directiva do Conselho, de 14/5/90 (90/232/CE), na qual, depois de se considerar que “existem em certos Estados-membros lacunas na cobertura pelo seguro obrigatório dos passageiros de veículos automóveis; que, para proteger essa categoria particularmente vulnerável de vítimas potenciais, é conveniente que essas lacunas sejam preenchidas”, se estipulou que «</font><i><font>o seguro (…) cobrirá a responsabilidade por danos pessoais de todos os passageiros, além do condutor </font></i><font>[leia-se </font><i><font>excepto o condutor </font></i><font>(rectificação no J.O.de 4/4/95]</font><i><font>, resultantes da circulação de um veículo</font></i><font>».</font><br>
<font> Assim, pelo Dec-Lei n.º 14/96, de 6/3, invocando expressamente o transcrito art. 1º da Directiva 90/232/CE, admitiu-se o direito à reparação dos danos às pessoas transportadas gratuitamente, que o direito anterior só reconhecia relativamente aos danos culposamente causados pelo transportador, declarando-se no respectivo preâmbulo que, estabelecendo aquele art. 1º que “o seguro deve cobrir a responsabilidade por danos pessoais de todos os passageiros, com excepção dos sofridos pelo condutor. A transposição da directiva para o direito interno implica a adequação do texto do art., 504º, no sentido de os referidos passageiros poderem beneficiar do direito à indemnização pelo transportador nas hipóteses de responsabilidade pelo risco”.</font><br>
<br>
<font> Ora, não se vislumbra qualquer incompatibilidade entre a opção do legislador nacional de admitir apenas a reparação de danos pessoais do passageiro transportado, nos termos em que a admite, e a exigência da Directiva transposta cujo conteúdo se mostra respeitado.</font><br>
<font> Também nas Directivas entretanto publicadas, designadamente a Directiva 2005/14/CE, de 11 de Maio (5ª Directiva), já transposta e repercutida no Dec.-Lei n.º 291/2007, de 21 de Agosto (Novo Regime do Seguro Obrigatório), se não encontra norma cujo conteúdo altere o do art. 1º da 3ª Directiva e, consequentemente, que conduza a entendimento das normas do art. 504º em divergência do que dele efectivamente consta e se deixou expendido.</font><br>
<font> </font><br>
<br>
<font> 4. 5. - A terminar, embora sem qualquer relevância para a definição dos titulares da indemnização e dos danos ressarcíveis, pois que, como resulta do explanado, se mostra indiferente a natureza gratuita ou em virtude de contrato, dir-se-á que, tratando-se, embora, de um transporte não contratual, sendo efectuado em veículo comum e no interesse comum do condutor transportador e da passageira transportada, ambos têm interesse no transporte, como se encontra provado, suportando os respectivos encargos e retirando as vantagens, não será de qualificar como transporte gratuito - gracioso, efectuado por gentileza ou cortesia, no interesse, sobretudo do transportado (ac. STJ de 4/7/96, </font><i><font>BMJ </font></i><font>459º-527) - mas, a incluir, por analogia, no regime do n.º 2 do art. 504º.</font><br>
<br>
<font> </font><br>
<font> 4. 6. - Conclui-se, consequentemente, pela resposta afirmativa à questão formulada, donde que, não sendo indemnizáveis os danos não patrimoniais sofridos pelos Autores decorrentes da morte do cônjuge e mãe, enquanto passageira transportada no veículo seguro na Ré, em virtude de por eles estar excluída a responsabilidade do transportador, não pode manter-se a condenação daquela, como garante da mesma responsabilidade, no pagamento aos ditos Autores, a tal título, da quantia de 30.000,00 (4x15.000€x1/2).</font><br>
<font> </font><br>
<br>
<font> 5. - Decisão:</font><br>
<br>
<font> Em conformidade com o exposto, acorda-se em:</font><br>
<font> - Conceder a revista;</font><br>
<font> - Revogar parcialmente o acórdão impugnado; </font><br>
<font> - Manter a condenação da Recorrente no pagamento da quantia de vinte e cinco mil euros (25.000,00€) e respectivos juros, absolvendo-a quanto ao mais constante da mesma condenação; e, </font><br>
<font> - Condenar os Recorridos nas custas deste recurso.</font><br>
<br>
<font> Lisboa, 25 Junho 2009 </font><br>
<br>
<font> Alves Velho (relator)</font><br>
<font> Moreira Camilo</font><br>
<font> Urbano Dias </font><br>
<font> </font></font>
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tzLNu4YBgYBz1XKvAz4F
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1.ª Secção (Cível)
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<b><font> </font></b><font><br>
<font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font><br>
<br>
<br>
<font>1. </font><font>AA intentou contra </font><font>Companhia de Seguros BB, S.A.</font><font> acção, com processo ordinário, pedindo a sua condenação no pagamento da quantia de € 86.560,38, acrescida do que se vier a liquidar em execução de sentença, bem como os juros de mora à taxa legal desde a citação, a título de indemnização por danos sofridos em consequência de, quando estava prestes a concluir a travessia da rua ..., em S. ..., Trofa, no dia 20/12/01, ter sido embatido na perna esquerda pelo veículo SQ segurado na ré, que, depois de se imobilizar sem lhe embater e de o autor ter chamado a atenção do respectivo condutor para a velocidade, este arrancou de novo, retomando a sua marcha e derrubando-o.</font><br>
<br>
<font>Citada, apresentou a ré contestação, defendendo estar excluída a sua responsabilidade por não ter havido um «acidente», face ao alegado pelo autor, e impugnando os danos por este invocados e requereu a intervenção de CC, condutor e proprietário do veículo 00-00-SQ.</font><br>
<br>
<font>Foi admitida a intervenção acessória do chamado.</font><br>
<br>
<font>Elaborou-se o despacho saneador, tendo sido, ainda, fixada a matéria assente e a base instrutória.</font><br>
<br>
<font>Procedeu-se a julgamento, tendo, a final, o Ex.mo Juiz julgado a acção parcialmente procedente, condenando a Ré a pagar ao Autor as quantias de € 6.948 e € 4.500, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais e, ainda os juros de mora, à taxa legal, desde a citação e até integral pagamento.</font><br>
<br>
<font>Inconformados com o decidido interpuseram recurso para o Tribunal da Relação do Porto, quer o Autor, quer a Ré.</font><br>
<font>A apelação da Ré viria a ser julgada improcedente, e a do Autor, parcialmente procedente pelo que a Ré foi condenada a pagar ao Autor as quantias de </font><font> quantias de </font><font>€</font><font> 8 485 (oito mil, quatrocentos e oitenta e cinco euros) e de € 4.500 (quatro mil e quinhentos euros), para reparação de danos patrimoniais e não patrimoniais, respectivamente, acrescidas de juros de mora, contados à taxa legal, desde a data da citação, até integral pagamento.</font><br>
<br>
<br>
<font>Inconformada, mais uma vez, veio a Ré a interpor recurso de revista para este STJ, concluindo a sua alegação pela seguinte forma:</font><br>
<br>
<font>1. Não obstante parcialmente deferida a requerida alteração sobre a decisão da matéria de facto o certo é que a prova produzida, constante dos autos, em especial a sentença proferida no processo crime n° 126/02.6TASTS do 1° Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Santo Tirso impõe que se amplie a matéria de facto, nos termos do n° 3 do Art. 729° do Cód. Proc. Civil, de modo a que venha a dar-se aos quesitos 7° e 8° uma resposta que contemple o alegado em 10° da contestação.</font><br>
<font>2. Mesmo com a matéria de facto assente, está excluída a responsabilidade civil da Recorrente, pois que se deve considerar que não estamos perante qualquer acidente de viação, mas apenas perante a prática de um crime no qual um veículo automóvel foi usado como instrumento letal, assim como poderiam ter sido utilizados uma faca ou uma pedra.</font><br>
<font>3. Na verdade, e tal como se referiu quer no texto da Douta Sentença proferida em 1a instância quer no Douto Ac. em crise é inequívoco que o condutor do veículo SQ agiu com dolo directo, ou seja, com intenção de atingir a integridade física do Recorrido, provocando-lhe as lesões de que o mesmo veio a padecer.</font><br>
<font>4. Não estamos, por isso, perante a ocorrência de qualquer facto que consubstancie a existência ou verificação de um risco, entendendo-se este como o evento futuro e incerto cuja materialização constitui o sinistro — é que o condutor do veículo SQ quis praticar tal facto, ou seja, o mesmo nada teve de incerto.</font><br>
<font>5. Aceitar o contrário implicaria que se desconsidere o risco como elemento essencial do contrato de seguro, contra o que ensinam toda a Doutrina e Jurisprudência.</font><br>
<font>6. Bem como violaria o disposto no Art. 437° do Cód. Comercial, nos termos de cujo parágrafo terceiro, "O seguro fica sem efeito se o sinistro tiver sido causado pelo segurado ou por pessoa por quem ele seja civilmente responsável".</font><br>
<font>7. Assim sendo, porque os factos dos autos não correspondem a um acidente pois que não há verificação aleatória de um risco, não pode considerar-se como válida e operante a garantia contratada pelo seguro por força da qual a demandante é chamada e que cobria os riscos de circulação do SQ.</font><br>
<font>8. Entendimento que não é afastado pelo n° 2 do Art. 8° do Dec.-Lei 522/85 de 31 de Dezembro, desde logo pela mera consideração do Art. 1° do mesmo diploma ao consagrar que existe obrigação de segurar os veículos terrestres a motor, seus reboques ou semi-reboques para que estes veículos possam circular.</font><br>
<font>9. Ou seja, deste preceito resulta inequivocamente que o seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel existe unicamente para cobrir os riscos próprios da circulação dos veículos automóveis, seus reboques e semi-reboques.</font><br>
<font>10. Ora, utilizar um veículo como arma de crime, usando-o para agredir alguém, seja com o mesmo em andamento ou com o mesmo desligado e imobilizado, nada tem a ver com os riscos de circulação que o seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel pretende cobrir.</font><br>
<font>11. O n° 2 do Art. 8° do Dec.-Lei 522/85 deve interpretar-se como referindo-se apenas ao dolo eventual, ou seja, ao dolo existente nas situações em que o agente previu a hipótese de ocorrer o resultado (no caso, o acidente) como consequência possível da sua conduta, não se abstendo porém de a empreender e conformando-se com a produção desse resultado — cfr. Art. 16° n° 3 Cód. Penal.</font><br>
<font>12. Mas, por outro lado, e esta ressalva é absolutamente essencial pois que decorre da própria letra do preceito em análise, para que o seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel actue é necessário que, independentemente do grau de culpa do condutor do veículo (da mera negligência inconsciente ao dolo eventual) se esteja perante um acidente.</font><br>
<font>13. A lei usa expressamente o substantivo "acidente", o qual, como ensina qualquer dicionário, tem o sentido inequívoco de acaso repentino e casual, fortuito, contingência. (cfr., v.g., dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora).</font><br>
<font>14. Se o legislador quisesse abranger situações como a dos autos jamais poderia utilizar o termo acidente: é que em tais situações o evento danoso tem tudo menos carácter acidental — trata-se de um acto que foi querido, que foi propositadamente praticado, ou seja, não se trata, de modo algum, de um acaso repentino e pontual, meramente fortuito ou contingencial.</font><br>
<font>15. Aceitar, como fez o Tribunal "a quo" que ao dizer-se "acidente" no n° 2 do Art.8° do Dec.-Lei 522/85 de 31 de Dezembro se queria dizer todo e qualquer evento danoso em que interviesse ou fosse utilizado um veículo automóvel teríamos que fazer uma interpretação de tal preceito que, essa sim, não tem um mínimo de correspondência verbal na letra da lei ou então que presumir que o legislador não soube exprimir o seu pensamento em termos adequados. Ora, qualquer destas hipóteses nos é expressamente vedada pelos n° 2 e 3 do Art. 9° do Cód. Civil, pelo que semelhante interpretação não é admissível.</font><br>
<font>16. E, ainda que assim não fosse, sempre tal interpretação estaria vedada pelo próprio espírito do ordenamento jurídico português: é que aceitar que os seguros obrigatórios de responsabilidade civil automóvel cobrem os danos resultantes de todos e quaisquer actos criminosos, por mais torpes e dolosos, tudo desde que na sua prática sejam utilizados, por qualquer forma, veículos automóveis, seria aceitar a celebração de negócios ostensivamente contrários à ordem pública e aos bons costumes, o que levaria à sua nulidade, nos termos do n° 2 do Art. 280° do Cód. Civil.</font><br>
<font>17. Assim sendo, ao decidir como decidiu, julgando que o evento a que se referem os autos se encontra coberto pelas garantias do contrato de seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel por força da qual é a Recorrente demandada a Mma. Juiz "a quo" interpretou erradamente e com isso violou os Arts. 437° do Cód. Comercial, assim como os Arts. 1° e 8° n° 2 do DL 522/85 de 31 de Dezembro e os Arts. 9° n° 2 e 3 e 280° do Cód. Civil.</font><br>
<font>18. Razão por que deve a sentença proferida ser substituída por outra na qual se declare que o evento a que se referem os autos não se encontra coberto pelas garantias do aludido contrato, assim se absolvendo a Recorrente.</font><br>
<font>19. Por fim, a indemnização por danos patrimoniais arbitrada é perfeitamente excessiva e injustificada. Que releva o facto de o A. ter exercido uma actividade por conta própria e, como se diz no Douto Ac. em crise, não se ter indiciado que tivesse situação semelhante à de alguém que aufira o salário mínimo nacional?</font><br>
<font>20. Era ao A./Recorrido que cabia fazer prova de que o seu rendimento era superior ao SMN, o que não logrou fazer, pelo que a decisão em crise não só violou os Arts. 483°, 562° e 566° do Cód. Civil como o Art. 342° de tal diploma.</font><br>
<font>21. O mesmo se diz quanto à verba arbitrada para compensar os danos morais, aumentada em mais de 100% face ao atribuído em Ia instância – com o fundamento, pasme-se, de penalizar ou reprovar a conduta do condutor do SQ, que causou o acidente voluntariamente. É que quem vai pagar tal indemnização é a recorrente, sobre cuja conduta não impende qualquer juízo de censura ou necessidade de reprovação.</font><br>
<font>22. Por fim, ao manter a condenação em juros de mora contados desde a data da citação, não obstante, tal como fez a Mma. Juiz da 1a Instância, fixar as verbas arbitradas por recurso à equidade, o Douto Ac. em crise violou o Art. 566° n° 2 do Cód. Civil, devendo tais juros, a manter-se a condenação da Recorrente, o que se concebe apenas para efeitos de raciocínio, contar-se apenas a partir da data da prolação da sentença, momento a que atendeu o Tribunal para os quantificar.</font><br>
<br>
<font>Também o Autor interpôs recurso subordinado, para o que concluiu a alegação, sustentando que:</font><br>
<font>1. Os montantes fixados no douto acórdão recorrido ainda são escassos;</font><br>
<font>2. Devendo os mesmos ser fixados em €15.000,00 e € 40.000, 00 para ressarcir os danos não patrimoniais e patrimoniais (IPP) mantendo o restante decidido;</font><br>
<font>3</font><font>. </font><font>Foram violados os art°s. 564, 566 N°. 102 do Código Civil;</font><br>
<br>
<font>Foram produzidas contra alegações.</font><br>
<font>Foram colhidos os vistos.</font><br>
<font>Decidindo.</font><br>
<br>
<font>2. </font><font>Encontra-se dada como provada, pelas Instâncias, a seguinte factualidade:</font><br>
<br>
<font>a) No dia 20 de Dezembro de 2001, cerca das 11 horas, na rua .... em S. Martinho de Bougado, Trofa, o autor atravessava a pé a referida rua, da esquerda para a direita, atento o sentido Trofa-Vila do Conde.</font><br>
<font>b) Por sua vez o veículo ligeiro de passageiros 00-00-SQ, que era conduzido pelo proprietário CC, seguia no sentido Trofa-Vila do Conde (sentido único).</font><br>
<font>c) Por contrato de seguro titulado pela apólice n° 750212470, em vigor à data do acidente, estava transferida para a ré "Companhia de Seguros BB, S.A." a responsabilidade pelos danos causados a terceiros emergentes da circulação rodoviária do veículo 00-00-SQ.</font><br>
<font>d) O autor nasceu em 10 de Fevereiro de 1952, conforme certidão de assento de nascimento junta a fls. 31 e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.</font><br>
<font>e) Quando o autor estava prestes a concluir a travessia, surgiu o veículo SQ, que se imobilizou, sem lhe embater.</font><br>
<font>f) O autor chamou a atenção do condutor do SQ para a velocidade que levava e para o facto de que quase o atropelara, dizendo-lhe que ali não era uma pista.</font><br>
<font>g) O condutor do SQ arrancou de novo, retomando a sua marcha, e embateu na perna esquerda do autor, derrubando-o.</font><br>
<i><font>h) Fugindo de seguida em direcção a Vila do Conde.</font></i><font> (1).</font><br>
<font>i) A uma distância de entre 5 a 10 metros do local onde o autor atravessou a rua existia uma passadeira.</font><br>
<font>j) O condutor do veículo SQ circulava no local, uma rotunda aí existente, a velocidade não superior a 40 KM.</font><br>
<font>k) Na sequência da imobilização referida em e), o autor começou a dar murros no "capot" e pontapés na frente do veículo SQ.</font><br>
<font>l) Em consequência do referido em g), o autor sofreu fractura dos pratos tibiais esquerdos e do 1/3 proximal da tíbia esquerda e escoriação da perna esquerda, tendo sido tratado no Hospital de Vila Nova de Famalicão, onde lhe foi colocado gesso na perna esquerda, que manteve até 31/01/2002, e fez fisioterapia durante três meses.</font><br>
<font>m) Esteve acamado na residência cerca de 45 dias.</font><br>
<font>n) Em consequência das lesões sofridas, o autor sofreu dores cujo "quantum" correspondeu a 3 numa escala de 7 até à consolidação de tais lesões, clinicamente considerada em 5/2/2002, apresenta uma incapacidade permanente para o trabalho de 10%, as sequelas das mesmas implicarão esforços suplementares para o exercício da actividade profissional habitual, apresenta diminuição de flexão e da extensão do joelho esquerdo, continua a sofrer de dores no mesmo joelho quando caminha e quando há mudanças de tempo, tem dificuldades em permanecer muito tempo em pé, em correr, em subir e descer escadas, em pegar em pesos e em colocar-se de joelhos.</font><br>
<font>o) O autor era forte e saudável.</font><br>
<font>p) O autor esteve ligado ao ramo têxtil, tendo sido comerciante de fios e telas têxteis.</font><br>
<font>q) O autor despendeu € 750 com uma pessoa para cuidar de si durante o tempo em que esteve acamado.</font><br>
<font>r) Em despesas médicas, medicamentosas, tratamentos e similares despendeu até ao momento € 1.235,66.</font><br>
<br>
<font>3. — Análise do objecto da revista — </font><br>
<br>
<font>A recorrente, para além de impugnar a decisão da matéria de facto tal como foi decidida pela Relação, nomeadamente as respostas negativas dadas aos nºs 7º e 8º da base instrutória, coloca, sobremaneira em crise a forma como a acção foi julgada de direito pelas Instâncias, argumentando que </font><i><font>“mesmo com a matéria de facto assente, está excluída a responsabilidade civil da Recorrente, pois que se deve considerar que não estamos perante qualquer acidente de viação, mas apenas perante a prática de um crime no qual um veículo automóvel foi usado como instrume</font></i><i><font>nto letal (…)”.</font></i><br>
<font>Assim é, efectivamente. A questão de direito suscitada pode ser decidida independentemente da forma como os apontados nºs da base instrutória serão de responder, e, assim, não obstante não possa, por essa razão, ser considerada fixada a matéria de facto, inútil seria determinar a baixa do processo nos termos e para os efeitos do disposto no art. 729º nº 3 do C.P.C., pois que da factualidade considerada como provada resulta já, inequivocamente que o condutor do veículo SQ agiu com intenção de atingir a integridade física do recorrido, provocando-lhe as lesões de que o mesmo veio a padecer.</font><br>
<font>Não há, assim, qualquer dúvida que o veículo quando embateu no aludido recorrido o fez perante um acto voluntário de desforço, pretendendo, com tal conduta, ofender a sua integridade física, tal, aliás, como foi considerado provado no processo crime n° 126/02.6TASTS do 1° Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Santo Tirso.</font><br>
<font>Conforme sustenta a recorrente, não se encontra caracterizado nos autos um acidente de viação.</font><br>
<font>Efectivamente, e, na linha do defendido por Dario Martins de Almeida</font><font>(2)</font><font>, dentro dos pressupostos da responsabilidade civil, o dano indemnizável será aquele que estiver em </font><i><font>“conexão causal”</font></i><font> com o </font><i><font>risco.</font></i><font> Para traduzir esta ideia, a lei refere-se aos “danos provenientes dos riscos próprios do veículo”. O dano liga-se por um nexo causal ao facto material em que se configura o risco, não sendo todavia necessário um </font><i><font>“contacto material”</font></i><font> entre o veículo e o sinistrado ou entre duas viaturas.</font><br>
<font>No entanto, o dano terá de ser sempre condicionado por uma relação de causalidade, mesmo </font><i><font>“indirecta” </font></i><font>com o facto em que se materializa o risco.</font><br>
<font>Mesmo </font><i><font>parados,</font></i><font> os veículos podem constituir uma fonte de perigos e, consequentemente de danos, podendo, ainda a inversa ser também verdadeira, isto é, danos causados por veículos, mas que são estranhos aos meios de circulação ou transporte terrestre, já que, embora tenham sido produzidos por esses veículos, também o poderiam ter sido provocados </font><i><font>por qualquer outro</font></i><font> objecto móvel.</font><br>
<font>Há, no dizer, ainda de Dario Martins de Almeida</font><font>(3).</font><font> no campo de incidência do normativo constante do art. 503º do C.Civil, que atentar ao binómio </font><i><font>“veículo – condutor” </font></i><font>de</font><i><font> </font></i><font>que se parte para integrar a responsabilidade pelo risco.</font><br>
<font>Fora do círculo dos danos abrangidos pela responsabilidade objectiva ficam</font><font> (4)</font><font> os que não têm conexão com os </font><i><font>riscos específicos</font></i><font> do veículo; os que são estranhos aos meios de circulação ou transporte terrestre, como tais; os que foram causados pelo veículo como poderiam ter sido provocado por qualquer outra coisa móvel.</font><br>
<font>É esta última situação a que ocorre, no caso que ora nos ocupa, já que não decorre dos factos provados que o acidente tenha ocorrido devido aos riscos decorrentes da circulação do veículo, nomeadamente do seu despiste ou colisão ou de qualquer razão que tenha a ver com o funcionamento do dito veículo, mas sim perante a manifesta intenção de o condutor do referenciado veículo SQ pretender ofender corporalmente o recorrido, utilizando o seu veículo, assim como poderia ter utilizado qualquer outro objecto móvel contundente.</font><br>
<br>
<font>Por outro lado, com a celebração do seguro obrigatório, a seguradora (devidamente autorizada para o efeito - </font><i><font>cfr. </font></i><font>art. 10° do D.-L. 522/85, de 31 de Dezembro) fica obrigada a, mediante o pagamento do respectivo prémio por parte do tomador do seguro, indemnizar os danos causados por via da utilização da viatura, com exclusão dos casos previstos no art. 7° do mesmo diploma legal.</font><br>
<font>Celebrado o contrato de seguro (na base, como sempre, da boa fé</font><font> </font><font>(5)</font><font>, ainda que de contrato de adesão se trate, como é o caso) cada um das partes fica sujeita a certas e determinadas obrigações correspondentes a outros tantos direitos da contraparte, atenta a característica da bilateralidade, decorrente da existência do sinalagma, que o anima.</font><br>
<font>Concomitantemente, o contrato de seguro, apesar de obrigatório, não deixa de ser aleatório, o que significa que a seguradora sabe quais os riscos que assume ao segurar um certo e determinado veículo.</font><br>
<font>Neste particular, responde fundamentalmente pelo risco, resultante dos acidentes que o mesmo veículo venha a ser responsabilizado em virtude da sua circulação.</font><br>
<font>Com efeito, no seguro obrigatório, a seguradora é a principal responsável pelos danos derivados dos acidentes de trânsito. É ela apenas a demandada se o montante indemnizatório peticionado se contiver dentro dos limites fixados para o seguro obrigatório - como se intui do art. 29º, 1 do DL 522/85.</font><br>
<font>Ora, no caso em apreço não estamos perante um acidente, já que as lesões sofridas pelo recorrido ficaram a dever-se não a um acidente de viação, em que se funda o seguro obrigatório de responsabilidade civil, mas a uma conduta dolosa do seu condutor que utilizou a viatura para ofender corporalmente a vítima como poderia ter utilizado qualquer outro tipo de instrumento adequado a provocar lesões de contornos contundentes.</font><br>
<font>Assim, estas lesões originadas não pela normal circulação da viatura em causa, mas pela sua utilização desviada do fim a que se destinava, como utensílio ou arma, idónea a desferir lesões corporais, encontram-se fora dos riscos que a recorrente considerou quando da celebração do contrato de seguro.</font><br>
<font>Na verdade, e de harmonia, desde logo, com o art. 1º do Dec. –Lei nº 522/85, de 31 de Dezembro, resulta claro que o seguro automóvel de responsabilidade civil existe, nuclearmente para cobrir os riscos próprios da circulação e não, também, para cobrir lesões que foram provocadas ainda pelo veículo, mas que poderiam ter sido causadas por qualquer outro objecto móvel.</font><br>
<font>E, embora o lesante, a par da sua responsabilidade penal, tenha, também o ónus de suportar a responsabilidade civil decorrente da prática desse acto ilícito, o mesmo já não ocorre com a seguradora, porquanto só responde na justa medida da responsabilidade civil do segurado, </font><u><font>fundada em acidentes de viação</font></u><font>.</font><br>
<font>Procede, assim, a revista.</font><br>
<br>
<font>Prejudicado se encontra, pelo exposto conhecer do recurso subordinado.</font><br>
<br>
<font>4</font><font>. Nestes termos, acordam, no Supremo Tribunal de Justiça, em conceder a revista, revogando o Acórdão recorrido, pelo que se julga a acção improcedente, dela se absolvendo a Ré.</font><br>
<font>Custas pelo recorrido.</font><br>
<br>
<font>Lisboa, 13 de Março de 2007</font><br>
<font>Borges Soeiro (relator)</font><br>
<font>Faria Antunes </font><br>
<font>Sebastião Póvoas </font><br>
<br>
<font>_________________________</font><br>
<font>(1)Facto inserido pela Relação do Porto, no Acórdão recorrido</font><br>
<font>(2) In, “Manual de Acidentes de Viação”, pag. 317.</font><br>
<font>(3) ob. citada, pag. 316.</font><br>
<font>(4) Antunes Varela, in, “Das Obrigações em geral”, 3 ª ed., vol. I, pag. 556.</font><br>
<i><font>(5) Vide, </font></i><font>arts. 207° e 762°, n° 2 do CC e Ac. deste STJ </font><font> </font><font>de 31.1.2007 (Cons. Urbano Dias)– Proc. 4637.06-1</font><br>
</font>
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1.ª Secção (Cível)
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<b><font> </font></b><font><br>
<font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font><br>
<font> </font><br>
<font>1. - A Massa Falida de "P...C...& C... Lda", representada pela respectiva liquidatária, intentou acção declarativa, de impugnação pauliana, contra "P...C...& C... Lda", AA e marido, BB, e "Metais P... - Componentes para Torneiras, Lda.", pedindo que se declare a ineficácia da venda de um imóvel que pertenceu ao património da falida à Ré AA, bem como do subsequente arrendamento desse imóvel à "Metais P..." e o consequente cancelamento do registo da aquisição e reversão para a massa falida do bem transmitido. </font><br>
<font>Para tanto, e em síntese, alegou que todos os intervenientes nos citados negócios sabiam que a "P...C...& C... Lda" se encontrava em situação de falência e agiram com o único propósito de subtraírem o imóvel que deles foi objecto à satisfação dos respectivos débitos. </font><br>
<br>
<font>Os RR. contestaram, sustentando que o negócio impugnado foi celebrado de boa-fé e pugnando pela improcedência da acção.</font><br>
<br>
<font>A final decidiu-se pela procedência da acção, decisão que a Relação confirmou. </font><br>
<font> </font><br>
<font> Os Réus interpuseram recursos de revista, pugnando pela improcedência da acção, ao abrigo das conclusões que seguem.</font><br>
<br>
<font> A R. “Metais P...:</font><br>
<font>- Não se encontra demonstrada </font><u><font>a existência e ou o valor do débito</font></u><font> da sociedade P...C...& C... Lda, à data da celebração do contrato de compra e venda do pavilhão. </font><br>
<font> - Não resulta dos factos assentes </font><u><font>o montante dos créditos</font></u><font> da Recorrida, após ter sido decretada a falência daquela sociedade e da anterioridade destes em relação à compra e venda do pavilhão. </font><br>
<font> - Para se aferir da existência do crédito e da sua anterioridade ao negócio, não basta a referência abstracta de que se registava um passivo na ordem das dezenas de milhares de contos, </font><u><font>é necessário a demonstração de uma concreta dívida reclamada por um concreto credor, </font></u><br>
<font> - pelo que o requisito - anterioridade dos créditos - de que depende a procedência da acção não está verificado e não podia, portanto, o tribunal recorrido aplicar o regime estatuído no art.º 611° do Código Civil. </font><br>
<font> - Foi considerado assente um facto – </font><i><font>passivo vencido na ordem das dezenas de milhares de contos – </font></i><font>sem que se tenha produzido prova documental, indispensável á demonstração da sua existência,</font><br>
<font> - pelo que a decisão recorrida, por erro na apreciação das provas e fixação dos factos, violou os arts. 362º e 363º C. Civil e 513º e 514º CPC, tendo igualmente cometido a nulidade prevista no art. 668º-d) CPC, por não se ter pronunciado sobre matéria que estava obrigada a apreciar.</font><br>
<font> - Não estão demonstrados os factos que permitem concluir que o acto impugnado tenha agravado a impossibilidade de satisfação do crédito da Recorrida;</font><br>
<font> - Os credores da massa falida não foram prejudicados com o negócio de venda do pavilhão, na medida em que os compradores, para além de terem pago o preço, resgataram uma hipoteca que incidia sobre o imóvel;</font><br>
<font> - O Adquirente tinha, por isso, fundadas razões para crer que o acto de compra era idóneo a provocar a melhoria da débil situação económica do transmitente.</font><br>
<font> - O requisito da verificação da má fé por parte do devedor e do terceiro adquirente do imóvel não está verificado. </font><br>
<font> - Para além das razões supra enumeradas, </font><u><font>nem os transmitentes do pavilhão nem os seus adquirentes tinham consciência do suposto prejuízo</font></u><font> que o acto causou aos credores da massa falida, </font><br>
<font> - sendo certo que, a substituição de um bem imóvel por uma quantia monetária correspondente ao seu valor e pagamento de um crédito hipotecário, não é indício de prejuízo para a Recorrida </font><br>
<font> - No caso, a má fé do devedor e do adquirente do imóvel </font><u><font>não</font></u><font> </font><u><font>se presume</font></u><font>, na medida em que inexistem factos que possam subsumir-se no disposto nas várias alíneas do art° 158° do CPREF.</font><br>
<font> - Os requisitos necessários à aplicação do art.º 613° do Código Civil não estão verificados uma vez que face à matéria dada como provada </font><u><font>não existe nenhum elemento de facto que sustente a má fé dos intervenientes no contrato de arrendamento</font></u><font>. </font><br>
<font> - Não se encontram preenchidos os requisitos de que depende a procedência da impugnação pelo que a decisão ora em crise violou o disposto nos art.s 610.º,611.º,612.º e 613.º do Código Civil, o art. 158.º do CPREF e o art.º 668.º, n.º 1 als. b), c) e d) do CPC. </font><br>
<br>
<font>Os Réus BB e mulher:</font><br>
<font>- O negócio impugnado não afectou a garantia patrimonial da falida por o seu correspectivo – preço e cancelamento da hipoteca que pendia sobre o imóvel suportado pelos Recorrentes – corresponder ao “valor real e corrente deste”.</font><br>
<font>- A Recorrida, na qualidade de Liquidatária Judicial da Massa Falida de P...C... & Ca, Lda não fez prova da totalidade dos créditos reconhecidos pela sentença de graduação de créditos a que estava obrigada - art. 6110 alínea a) do Código Civil, </font><br>
<font>- O que também não ocorreu, em modo legalmente admissível, relativamente ao crédito da S...T..., Spa, quando no ponto 10. da matéria de facto provada se afirma que (acerca da falida) "registando um passivo vencido na ordem das dezenas de milhares de contos, nomeadamente para com a S... ... ", </font><br>
<font>- Atento o carácter vago, genérico e exemplificativo como é referenciada a dívida em causa. </font><br>
<font>- O uso da expressão "passivo vencido" é claramente um conceito de direito (quanto ao primeiro termo, face à contraposição com um activo, e acerca do segundo, por reportar ao momento em que uma determinada dívida se torna juridicamente exigível) e, por isso, deve-se considerá-lo como não escrito. </font><br>
<font>- A suposta verificação da dívida (bem como a situação de falência iminente, que a Relação eliminou) não pode advir, como afirma a Recorrida nas alegações da apelação, da circunstância de ser um " facto notório", por se não tratar de facto do conhecimento geral,</font><br>
<font>- nem resulta, como afirma a Relação, do conhecimento directo do M.mo Juiz a quo", por estes autos estarem apensos à falência, por não ter sido junto o documento que o n.º 2 do art. 5140 do CPC exige, desta forma, se precludindo a necessidade desse meio de prova para demonstração de tal facto. </font><br>
<font>- Mesmo que tivesse ocorrido a demonstração da dívida da Autora - o que se não concede -, sempre inexistiria a presunção invocada pelo douto Tribunal da Relação de que, em consequência desse facto (a dívida) se presumiria a impossibilidade de ou agravamento da respectiva cobrança, que competiria aos Recorrentes elidir. </font><br>
<font>- Efectivamente, a lei não prevê neste aspecto qualquer presunção, fixando uma mera repartição do ónus da prova, como forma de não impor à Recorrida a necessidade de fazer a prova de um facto negativo de terceiro - inexistência de património -, o qual passa a recair sobre os intervenientes no negócio impugnado, interessados na respectiva perduração, mas sem que daí se extraia qualquer presunção legal (cuja base, repete-se, nunca ocorreu). </font><br>
<font>- Acresce que também não se verifica quanto aos Recorrentes a exigência de Má Fé relativamente ao negócio impugnado pois que estes não tinham a consciência de que estavam a prejudicar qualquer credor da Falida. </font><br>
<font>- Não existe em relação a estes qualquer das presunções de má fé previstas no art. 158.º do CPEREF. </font><br>
<font>- Aliás, o requisito da má fé é exigível relativamente a ambos os Recorrentes, condenados nestes autos, </font><br>
<font>Ora, </font><b><u><font>apenas a Recorrente mulher AA outorgou na escritura</font></u></b><b><font>, </font></b><font>pelo que a douta sentença, ao abranger o Recorrente marido BB, por aqueles estados subjectivos, não tendo este outorgado na dita escritura, violou o disposto no art. 371.º-1 do Código Civil desrespeitando a força probatória que a lei fixa a tal documento autêntico, permitindo ao Supremo, também por aqui, face ao disposto no n.º 2 do art. 722° do CPC sindicar a matéria de facto mal fixada pelas Instâncias no ponto 10. da matéria de facto provada. </font><br>
<font>- Ao decidir da forma como o fez, o douto acórdão recorrido fez errada interpretação e aplicação do direito substantivo aplicável bem como não acatou a exigência legal de documento para a comprovação de certo facto e desconsiderou a força probatória de documento autêntico. </font><br>
<br>
<font> A Recorrida Massa Falida respondeu para defender a manutenção da decisão impugnada.</font><br>
<br>
<font> 2. - Face ao conteúdo das conclusões dos recursos, coloca-se a questão de saber se concorrem os requisitos da impugnação pauliana, passando, previamente, pela apreciação três questões de ordem processual, a saber: - se a expressão “passivo vencido” corresponde a um conceito de direito, a eliminar da matéria de facto; - se o mesmo só poderia ter-se por demonstrado através de documento constante dos autos; e, - se há nulidade do acórdão, por omissão de pronúncia. </font><br>
<br>
<font> 3. - Vem fixado o seguinte quadro factual:</font><br>
<br>
<font>1 - Mediante escritura pública de compra e venda outorgada em 18 de Junho de 2001 no Cartório Notarial de Amares, a firma "P...C...& C... Lda" vendeu a AA, pelo preço declarado de 21 600 000$00 ou 107.740,34 euros, o prédio urbano, destinado a indústria, situado no lugar de Pitancinhos, Lote C2, freguesia de Palmeira - Braga; </font><br>
<font>2 - Após proceder ao registo da aquisição, a Ré AA arrendou o identificado imóvel à Ré "Metais P... - Componentes de Torneiras, Lda", constituída por descendentes directos dos sócios da Ré "P...C...& C... Lda" e que já nele então se encontrava sedeada; </font><br>
<font>3 - A data da celebração do contrato de sociedade da Ré "Metais P..." é de 17 de Agosto de 2001 e a data em que essa firma arrendou o citado imóvel à Ré AA é de 1 de Setembro de 2001; </font><br>
<font>4 - Da "Metais P..." são sócios CC, DD, EE e FF, os quais são filhos, respectivamente, de GG, HH, II e JJ, todos sócios-gerentes da Ré "P...C...& C... Lda"; </font><br>
<font>5 - O mencionado imóvel é ocupado pela "Metais P..." desde Setembro de 2001, volvidos dois meses sobre a data em que a Ré AA o adquiriu; </font><br>
<font>6 - A compra e venda e o arrendamento referidos nos pontos 1. e 2. foram realizados com o prazo inferior a 2 anos relativamente ao início do processo conducente à falência e, até, à própria falência, que foi decretada em 18 de Janeiro de 2002; </font><br>
<font>7 - Sobre o imóvel em causa incidia uma hipoteca a favor do B. N. U. para garantia do capital de 25 000 000$00, hipoteca essa que os RR. AA e marido resgataram em 28 de Dezembro de 2001, mediante o pagamento da quantia de 34.915,86 euros; </font><br>
<font>8 - O preço declarado na escritura, acrescido do montante em divida ao BNU e que se encontrava garantido pela hipoteca sobre o imóvel transmitido, ascendia a 28 600 000$00 e correspondia aproximadamente ao valor real e corrente deste; </font><br>
<font>9 - O R. BB emitiu e entregou a favor da "P...C...& C... Lda" três cheques no valor global de 21 600 000$00, o primeiro dos quais no montante de 6 600 000$00, com a data da escritura, e os restantes no montante de 7 500 000$00 cada, com vencimento em 25 de Junho e 1 de Julho de 2001, respectivamente; o montante de cada um desses cheques foi integralmente levantado antes da data em que o subsequente foi apresentado a pagamento; </font><br>
<font>10 - Os intervenientes na escritura sabiam que a "P...C...& C... Lda" se encontrava em situação de registar um passivo vencido na ordem das dezenas de milhares de contos, nomeadamente para com a firma "S...T..., SPA", e que o ajuizado imóvel era o único bem susceptível de garantir, ao menos parcialmente, o pagamento desses débitos, tendo todos perfeita consciência de que a transmissão prejudicava os credores da alienante e sendo intuito dos sócios desta subtrair o imóvel em causa ao alcance daqueles seus credores; </font><br>
<font>11 - Na data da celebração do contrato de arrendamento, os RR. AA e marido e FF, agindo esta em representação da "Metais P...", subscreveram o documento constante de fls. 250, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;</font><br>
<font>12 - Os RR. AA e marido têm emitido recibos das rendas estabelecidas no contrato de arrendamento e incluíram-nas na respectiva declaração de rendimentos para efeitos fiscais referente ao ano de 2001; </font><br>
<font>13 - Os RR. AA e marido são proprietários da empresa “Móveis Minho”, com sede em Lomar - Braga, onde exerce a actividade de fabrico de mobiliário; </font><br>
<font>14 - Na escritura outorgada em 8 de Fevereiro de 1994, a Ré "P...C...& C... Lda" foi representada pelos seus únicos sócios-gerentes: JJ, GG, HH e II.</font><br>
<br>
<font> 3. - Mérito do recurso.</font><br>
<br>
<font> 3. 1. 1. - Omissão de pronúncia.</font><br>
<br>
<font> A Recorrente “Metais P...” argúi a nulidade do acórdão, imputando-lhe omissão de pronúncia e a consequente comissão de nulidade prevista no art. 668º-1-d) CPC, ao que parece a pretexto de não ter analisado a prova existente no processo de falência relativamente aos montantes dos créditos reconhecidos.</font><br>
<br>
<font> Como é sabido, a nulidade arguida é a sanção para a omissão de apreciação de qualquer questão submetida à apreciação do Tribunal.</font><br>
<font> Na instância de recurso, há-de tratar-se de questão colocada nas conclusões da respectiva alegação – art. 684º-3 e 690º-1 CPC.</font><br>
<font> Ora, percorridas as conclusões do recurso de apelação, e mesmo o corpo das alegações, da apelação, não se encontra qualquer referência aos meios de prova utilizados ou utilizáveis, permitidos ou proibidos, mas, tão só, a um excesso de resposta aos quesitos 3 a 8 (que a Recorrente erradamente qualificou como “excesso de pronúncia”ao mencionar a existência de «um passivo na ordem das dezenas de milhares de contos».</font><br>
<font> </font><br>
<font> Consequentemente, não tendo sido colocada a questão como objecto do recurso, nem se reportando a matéria de conhecimento oficioso, não pode falar-se de qualquer omissão e decorrente nulidade.</font><br>
<br>
<font> De qualquer modo, sempre se dirá que, em reapreciação da prova, a Relação fez apelo à certidão junta a fls. 138, da qual consta o exacto montante da dívida – esc. 33 760 357$00 -, e ao facto de os autos serem apenso do processo de falência, onde constam todos os elementos sobre créditos e dívidas da falida.</font><br>
<br>
<font> 3. 1. 2. - Violação da exigência de prova legal vinculada.</font><br>
<br>
<font> Alegam os Recorrentes que a prova da existência de passivo vencido na ordem de dezenas de milhares de contos só poderia ser demonstrado por prova documental, não o tendo sido.</font><br>
<br>
<font> Ao fixar a matéria de facto, a Relação fez apelo, quanto a esse ponto, ao depoimento de uma testemunha, à certidão de fls. 128, da qual consta o montante certo do crédito da “S...T...”, e aos elementos constantes do processo de falência de que estes autos são apenso, o que vale por dizer que não se fundou a prova do facto em elementos externos, mas constantes do próprio processo, embora noutros apensos, o que, como será bom de ver dispensa a junção de quaisquer certidões.</font><br>
<font> </font><br>
<font> Ora, não indicam os Recorrentes o preceito ou preceitos da lei que imponham, e que, consequentemente teriam sido violados, que as dívidas de uma empresa e seus montantes só possam ser documentalmente provadas nem identificam por que espécie de documentos.</font><br>
<br>
<font> Consequentemente, não ocorre o pressuposto que permitiria a este Supremo interferir na matéria de facto que vem fixada, fixação que, como é sabido, ressalvados os casos excepcionais previstos no 2.º segmento do n.º 2 do art. 722º CPC, é da exclusiva competência das Instâncias e, em consequência, insindicável pelo Tribunal de revista (cfr. art. 729º CPC).</font><br>
<font> </font><br>
<font> 3. 1. 3. - “</font><i><font>Passivo vencido</font></i><font>”: matéria de facto ou de direito.</font><br>
<br>
<font> As Recorrentes insistem na tese de que a expressão “passivo vencido” é um conceito de direito.</font><br>
<br>
<font> A Relação afastou esse entendimento argumentando que não está em causa a declaração de falência e que se trata de termo correntemente utilizado, sendo, no caso concreto, um conceito de facto.</font><br>
<br>
<font> Não se diverge do decidido.</font><br>
<br>
<font>É sabido que fundamentos de facto da decisão devem consistir em puros elementos de facto, nomeadamente as ocorrências da vida real, actos e factos do homem, quer do mundo exterior, quer do foro psíquico, e juízos respeitantes a certos conceitos de uso corrente, mas já não os que envolvem noções jurídicas ou que integrem, eles mesmos, a resolução da causa. Estes últimos, na verdade, não são factos para os fins previstos nos arts. 659º-2 e 3, 653º e 511º CPC.</font><br>
<font> Reconhecendo-se, embora, apresentar-se com cada vez menor nitidez a linha de delimitação entre matéria de facto e matéria de direito, mormente no que respeita à passagem de conceitos jurídicos para o âmbito da utilização frequente na linguagem comum e que, por isso, poderão integrar-se na matéria de facto, ao menos “quando não constituam o próprio objecto do quesito e as partes não disputem sobra eles” (ac. RE, de 21/2/91, in CJ XVI-1-304, citando ANSELMO DE CASTRO, “</font><i><font>Lições...</font></i><font>”, III, 1966, 424), certo é que, com a Jurisprudência dominante, se entende que a base instrutória não pode conter conclusões ou juízos de valor, dando lugar a respostas com «cargas valorativas» que compete ao julgador sentenciador extrair da factualidade provada (vd. ac.s STJ, 29/10/96; RP, 20/9/90; RL, 9/12/93; e, A. VARELA, </font><i><font>“Os Juízos de Valor....”</font></i><font>, in, respectivamente, </font><i><font>CJ</font></i><font>, IV-3º-84; XV-4º-211;XVIII-5º-149; e, XX-4º-11 e ss.).</font><br>
<font> Quando tal suceda – quando contenha matéria conclusiva -, vem-se entendendo que - por não conter matéria de facto -, o quesito se deve ter como abrangido na previsão do art. 646º-4 CPC.</font><br>
<font> Dispõe este preceito que se têm por não escritas as respostas sobre questões de direito, norma que está em correspondência e sanciona a violação do art. 511º-1.</font><br>
<font>Consequentemente, padecendo as respostas do vício que o Recorrente lhes imputa deve a respectiva matéria ter-se como não escrita.</font><br>
<br>
<font>Entende-se, porém, como vem decidido e face ao sentido fixado pela Relação, as respostas impugnadas, não contêm juízos valorativos, nem são conclusivas de forma a merecerem a sanção prevista no referido art. 646º-4.</font><br>
<br>
<font>Com efeito, não se mostra possível, como aludido, estabelecer uma linha de separação de natureza fixa entre matéria de facto e matéria de direito, o que sempre dependerá quer da estrutura da norma aplicável, quer do objecto e termos da causa, em maior ou menor medida. Poderá mesmo dizer-se que “o que é facto ou juízo de facto num caso, poderá ser direito ou juízo de direito noutro”. </font><br>
<font>Nesta linha de pensamento, poder-se-á dizer que se o apuramento dos elementos de facto se efectua à margem da aplicação directa da lei, tratando-se apenas de averiguar realidades cuja existência não depende da interpretação de qualquer norma jurídica, estaremos no campo da matéria de facto. Já será matéria de direito tudo quanto respeite ao recurso a uma disposição legal para encontrar o sentido com que devem valer as expressões utilizadas.</font><br>
<font>Serão, assim, factos ou a eles equiparados “os juízos que contenham a subsunção a um conceito geralmente conhecido, que sejam de uso corrente na linguagem comum” e os juízos de facto ou os juízos sobre factos retirados do mundo exterior ao direito, ou seja, não incluídos nas normas jurídicas nem «radicados no próprio terreno do direito» (ac. STJ, de 8/11/95, </font><i><font>CJ/STJ</font></i><font> III-3º-294; cfr. tb. ac. de 22/2/95, </font><i><font>CJ/STJ </font></i><font>III-1º-279 e A. VARELA, </font><i><font>loc. cit.</font></i><font>, 11/13.).</font><br>
<br>
<font>As expressões que os Recorrentes pretendem ver banidas da matéria de facto, mormente com o sentido que lhe foi atribuído pelo Tribunal da Relação – ao qual cabe, repete-se, a fixação da matéria de facto (art. 729º-1 CPC) -, traduzem conceitos usados na linguagem comum, vulgar e habitualmente na vida comercial, não integram mais que realidades do mundo exterior ao direito e nada tem que ver com conceitos normativos identificáveis com matéria de direito. </font><br>
<br>
<font>Consequentemente, quer face aos termos da causa e desenvolvimento do litígio, quer àqueles com que foram utilizadas e interpretadas nas instâncias, as expressões em questão não têm de se considerar não escritas. </font><i><font> </font></i><font> </font><br>
<font> </font><br>
<font> 3. 2. - Pressupostos da impugnação.</font><br>
<br>
<font> 3. 2. 1. - As instâncias tiveram por verificados todos os requisitos da impugnação pauliana, mas os Recorrentes continuam a pôr em causa a presença de qualquer deles, os gerais e o especial privativo da natureza onerosa do acto impugnado.</font><br>
<br>
<font> Requisitos gerais da impugnação são como enunciados no art. 610º C. Civil, ser o crédito anterior ao acto, ou, se posterior, ter sido o acto impugnado dolosamente com o fim de impedir a satisfação do direito do futuro credor e resultar do acto a impossibilidade, para o credor, de obter a satisfação integral do seu crédito, ou agravamento dessa impossibilidade.</font><br>
<font> A tais requisitos acresce, quando de acto oneroso se trate, a exigência de que o devedor e o terceiro adquirente tenham agido de má fé, que consiste na consciência do prejuízo que o acto causa ao credor – art. 612º-1 e 2.</font><br>
<br>
<font> No tocante à prova, com desvio dos princípios gerais acolhidos no art. 342º e ss. C. Civil, estipula-se no art. 611º recair sobre o credor o ónus de alegação e prova do montante do passivo e ao devedor ou terceiro interessados na subsistência do acto impugnado, a alegação e prova de que o devedor possui bens susceptíveis de penhora de, pelo menos, igual valor, ou seja, corre por conta do réu ou réus a demonstração da suficiência do património do devedor, do mesmo passo que a lei se satisfaz com a prova pelo credor do montante do seu próprio crédito (cfr. ac. STJ, de 15/6/04, </font><i><font>CJ</font></i><font> II-142). </font><br>
<font> Tal significa, “em termos práticos, que provada pelo impugnante a existência e a quantidade do direito de crédito e a sua anterioridade em relação ao acto impugnado, se presume a impossibilidade de realização do direito de crédito em causa ou o seu agravamento” (ac. STJ, de 19/5/05, proc.05B1533, </font><i><font>ITIJ</font></i><font>)</font><i><font>. </font></i><font>É o que resulta, efectivamente, da distribuição do ónus da prova consagrado no dito art. 611º, impondo ao devedor ou ao adquirente o encargo de demonstrar a solvabilidade daquele e consequente irrazoabilidade da pretensão do credor impugnante.</font><br>
<font> </font><br>
<font> No que mais especificamente concerne ao requisito corporizado na al. b) do art. 610º, aí se acolhe, como é sabido, a proposta de Vaz Serra (“</font><i><font>Responsabilidade Patrimonial</font></i><font>”, BMJ 75º-198/209): - É preciso que “do acto resulte para o credor a impossibilidade prática de obter a satisfação do seu crédito ou o agravamento dessa impossibilidade”.</font><br>
<font> Aboliu-se, assim, a referência à insolvência do devedor a que aludia o Código de Seabra por se ter entendido que aquela «impossibilidade prática ou o seu agravamento devem justificar a impugnação» (P. DE LIMA e A. VARELA, “</font><i><font>C</font></i><font>. </font><i><font>Civil</font></i><font>, </font><i><font>Anotado</font></i><font>, I, 4ª ed. 626). Cuidou-se de prevenir hipóteses em que, continuando, embora, o devedor solvente os outros bens se mostram praticamente inexecutáveis.</font><br>
<br>
<font> E, contrariamente ao que invocam os Recorrentes, de nada vale esgrimir aqui com o argumento de que não houve diminuição de garantia porque foi pago um preço correspondente ao valor real do imóvel alienado e expurgada a hipoteca, isto é, entrou um valor em dinheiro no património da devedora equivalente ao bem transmitido.</font><br>
<font> </font><br>
<font> Como já dito, o que releva é a impossibilidade ou dificuldade prática em executar os demais bens do devedor, como é tipicamente o caso da venda pelo preço justo e real mas com ocultação da importância recebida.</font><br>
<font> O dinheiro é, na verdade, um bem que, pela sua natural fungibilidade é facilmente “mobilizável e sonegável à acção dos credores” (ac. STJ, de 19/10/04, proc. 04B049, </font><i><font>ITIJ</font></i><font>).</font><br>
<font> Não fora assim e, certamente, desapareceriam os casos de impugnação relativos a actos onerosos, com excepção dos feridos de simulação de preço, os únicos em que a insolvência ou o seu agravamento, tal como a consciência do prejuízo, são inerentes à inferioridade do valor efectivo da contraprestação relativamente ao valor real da coisa vendida.</font><br>
<br>
<font> Finalmente, a má fé, que, como aludido, é requisito específico da impugnação dos actos onerosos, </font><br>
<br>
<font> O pressuposto, anda associado ao acabado de analisar, pois que a impossibilidade ou agravamento da impossibilidade de satisfação integral do crédito resultante da alienação de bens, justamente por o preço, representado por dinheiro, ser dificilmente penhorável, não pode deixar de fazer representar o adquirente a possibilidade de o credor poder vir a ser prejudicado.</font><br>
<br>
<font>De qualquer modo, a má fé que se exige e há-de verificar-se é a má fé psicológica ou subjectiva que se traduz na actuação com conhecimento da verificação de prejuízo resultante do contrato sujeito a impugnação, isto é, com a representação pelo agente do resultado danoso, no momento da celebração do acto.</font><br>
<font>Havendo consciência do prejuízo que o acto poderá causar é indiferente que o agente esteja convencido de que ele se produza, que apenas o admita como possível ou mesmo que confie que o mesmo não venha a verificar-se. A má fé abrange, deste modo, não só o dolo, em qualquer das suas modalidades, mas também a negligência, desde que consciente (cfr. acs. STJ de 26/5/94, </font><i><font>CJ/STJ</font></i><font> II-II-114; de 11/12/96, </font><i><font>BMJ</font></i><font> 462º-421). </font><br>
<font> </font><br>
<font> Resta referir, quanto a este ponto, porque os Recorrentes invocam a circunstância de o requisito má fé poder ser apenas considerado quanto à Ré AA e já não contra o Réu marido, que não outorgou na escritura de compra e venda, que o que está em causa, como a lei claramente refere, é o acto ou negócio impugnado, no caso o contrato de compra e venda, e o estado psicológico dos respectivos outorgantes no momento da respectiva celebração (arts. 610º e 612º cit.). </font><br>
<font> Como se escreve no citado acórdão de 19/5/05, “a má fé a que a lei se reporta envolve a representação pelos respectivos outorgantes de que o acto praticado afectará negativamente a realização do direito de crédito no confronto do do devedor”, relevando o «estado de espírito das partes – dos intervenientes na alienação - ao emitirem a declaração negocial – o chamado “animus contrahendi”» (acs. STJ, de 28/10/04 e 25/3/04, procs. 04B3307 e 04B2989, </font><i><font>ITIJ).</font></i><br>
<font> O cônjuge não é um sub-adquirente nem terceiro beneficiário da constituição, a título oneroso, de um direito sobre o bem transmitido a que seja aplicável o regime do art. 613º C. Civil. </font><br>
<font> Diferentemente, o bem entra no património comum do casal, para o qual é adquirido, passando a integrá-lo sem dependência de qualquer acto ou formalidade, por mero efeito do contrato de compra e venda e do estatuto patrimonial dos cônjuges ou regime de bens do casamento, sendo que o cônjuge outorgante age por direito próprio, em nome e no interesse do casal, já que a lei não limita ou condiciona a respectiva legitimidade para a prática válida e eficaz dos actos de aquisição, diferentemente do que sucede com os de alienação, que faz depender de consentimento do outro cônjuge (arts. 1682º e 1687º C.C.).</font><br>
<font> Por isso, é na pessoa do interveniente do contrato que hão-de verificar-se os estados subjectivos relevantes para a sua eficácia ou validade (falta ou vícios de vontade ou o conhecimento ou ignorância de factos que podem influir nos efeitos do negócio), tal como, de resto, a lei prevê na representação (art. 259º-1 C. Civil).</font><br>
<br>
<font> De notar que não se está, aqui, perante acto de aquisição, com intervenção de ambos os cônjuges, estando um de má fé e outro de boa fé, o que, face à incindibilidade da impugnação, suscitaria a questão da protecção do adquirente de boa fé.</font><br>
<font> No caso, de resto, não só a boa fé não foi invocada, para ser demonstrada pelo Recorrente marido, como só agora, em sede de recurso, pretende prevalecer-se da alegada exclusividade da má fé do seu cônjuge.</font><br>
<br>
<font> Acresce que, admitir, sem mais, o afastamento da impugnação em casos como o presente, como mera consequência da entrada do bem no património comum do casal e a pretexto de um dos cônjuges não ter intervindo na escritura que formaliza a aquisição, seria ainda, a nosso ver, abrir a porta a situações de fraude, pois que bastaria fazer intervir no acto de aquisição apenas um dos cônjuges para, independentemente do estado de espírito do outro, inviabilizar a impugnabilidade da aquisição ou impor ao credor a prova cumulativa da má fé do cônjuge do adquirente, requisito que não só a lei não prevê, como seria de muito difícil demonstração probatória, tendo em conta a documentada (pré-ordenadamente apenas aparente) falta de intervenção no negócio, apesar da aceitação dos seus efeitos. </font><br>
<br>
<font> 3. 2. 2. - Ora, percorrendo os factos provados, verifica-se oferecerem um quadro que integra à saciedade os pressupostos legais da impugnação Paulina, com o conteúdo acabado de concretizar.</font><br>
<br>
<font> Com efeito, a Autora-recorrida, encabeçando os interesses da massa falida, respeitantes a todos os credores, demonstrou ter a ora falida, à data da alienação do imóvel, dívidas de dezenas de milhares de contos (mais precisamente de 33 760 357$00 a “S...T..., SA”), sendo o bem alienado o único susceptível de garantir, pelo menos parcialmente, a dívida, de tal sorte que, volvidos seis meses sobre a data da venda, foi declarada a falência da devedora.</font><br>
<br>
<font> Nada se provou sobre a existência de património para satisfação do crédito, sendo até seguro não dispor dele atento o estado de falência judicialmente declarado.</font><br>
<font> </font><br>
<font> Do ponto de vista do agravamento da impossibilidade de satisfação do crédito ou da insolvência, dificilmente se encontra quadro mais elucidativo.</font><br>
<font> </font><br>
<font> A má fé, por sua vez, está claramente reflectida no ponto 10. da matéria de facto, adquirido que está que a Ré compradora tinha perfeita consciência de que aquisição que efectuava prejudicava os credores da vendedora, cujos sócios, dolosamente, pretenderam subtrair o imóvel aos credores, não sendo necessária, como se disse, a demonstração da má fé na pessoa do cônjuge que não figura como outorgante na escritura de compra e venda.</font><br>
<br>
<font> 3. 3. - Do conjunto da fundamentação de facto mantida e da de direito que foi sendo assinalada, conclui-se não merecerem acolhimento as conclusões vertidas nas alegações dos recursos dos Recorrentes.</font><br>
<br>
<font> O decidido no acórdão impugnado não pode, pois, deixar de manter-se.</font><br>
<br>
<font> 4. - Decisão:</font><br>
<br>
<font> Em conformidade com o exposto, acorda-se em:</font><br>
<font> - Negar ambas as revistas:</font><br>
<font> - Confirmar a decisão do acórdão impugnado; e,</font><br>
<font> - Conden
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1.ª Secção (Cível)
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<b><font> </font></b><font><br>
<br>
<font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font><br>
<font> </font><br>
<br>
<font> I – 1. No Tribunal Judicial da Comarca de Castelo Branco, AA e mulher BB intentaram, em 23.11.2004, contra CC e DD e mulher EE a presente acção de preferência, sob a forma sumária, pedindo que, com a procedência da acção, se decida:</font><br>
<font> </font><br>
<font>“Declarar os AA., com exclusão de outrem, únicos possuidores e proprietários dos imóveis rústicos inscritos na matriz predial respectiva sob os artigos 18 e 19, da secção Al da freguesia e concelho de Castelo Branco.</font><br>
<font> Condenar os RR. a reconhecer tal direito de propriedade e</font><br>
<font> Ser aos AA. reconhecido o direito legal de preferência na alienação do imóvel confinante melhor identificado supra, substituindo estes AA. os RR. DD e esposa na sua aquisição, com as demais consequências legais”. </font><br>
<br>
<font> 2. Indicaram como valor da acção “€ 5.000,00 (Cinco mil euros)”.</font><br>
<br>
<font> 3. Na sua contestação, e quanto ao VALOR, os Réus disseram:</font><br>
<br>
<font> “42º</font><br>
<font>O prédio sobre o qual os A.A. pretendem exercer o direito de preferência, no seu todo tem um valor, actual, de pelo menos 15000€.</font><br>
<font> </font><br>
<font> 43º</font><br>
<font>Como os A.A. pretendem exercer a preferência sobre uma quota ideal do prédio, o que levaria ao ingresso de um estranho na compropriedade, com a potencialidade de criar conflitos entre os comproprietários e inconvenientes em toda a coisa (prédio), o valor da acção terá de ser o valor da coisa na sua totalidade (art. 311º nº 1 e 314º do C.P.C.).</font><br>
<font>Pelo que, o valor da acção tem de ser de 15.000€ e não a quantia indicada pelos A.A. (5000€).</font><br>
<br>
<font> 44º</font><br>
<font>Pelo que deve o valor da acção ser alterado e fixado em 15000€”.</font><br>
<br>
<font> 4. Na resposta à contestação, os Autores não se pronunciaram sobre o suscitado incidente do valor da acção.</font><br>
<font> </font><br>
<font>5. Em 04.04.2005, foi proferido o despacho saneador, onde o Senhor Juiz, nada dizendo sobre o valor da acção, decidiu absolver os Réus do pedido.</font><br>
<br>
<font> 6. Após recurso dos Autores, foi, no Tribunal da Relação de Coimbra, proferido acórdão, em 21.02.2006, nos termos do qual se decidiu julgar procedente o recurso, revogando-se a decisão sobre a excepção peremptória de titularidade dos Autores do direito de preferência invocado e ordenando-se o prosseguimento dos autos.</font><br>
<br>
<font> 7. Tendo os Réus interposto recurso desta decisão para este STJ, o Senhor Desembargador-Relator proferiu o seguinte despacho:</font><br>
<font> “Os Autores deram à acção o valor de 5.000 Euros e o processo seguiu a forma sumária.</font><br>
<font> Em sede de contestação, os Réus apontaram o valor de -15.000 Euros, alegando os interesses que dizem atinentes à lide.</font><br>
<font> O preço do bem imobiliário objecto da preferência é de 4.987,98 Euros.</font><br>
<font> Não houve reconvenção nem intervenção de terceiros.</font><br>
<font> Nada foi observado acerca do valor imputado à acção pelos Réus, nem o juiz nisso atentou.</font><br>
<font> Nos termos do art. 315º - 1-2 do CPC, deve ter-se o valor de 15.000 Euros como tacitamente acordado pelas partes e que aliás excede a alçada do Tribunal da Relação (14.963,94 Euros)”.</font><br>
<br>
<font> 8. Proferido este despacho, o Senhor Desembargador-Relator não admitiu o recurso, por entender “não ser possível recurso do acórdão da Relação que revogou o despacho saneador que conheceu do mérito da causa e mandou prosseguir os autos com organização de especificação e questionário”.</font><br>
<font> </font><br>
<font> 9. Apresentada reclamação, o Senhor Desembargador-Relator, em decisão singular, atendeu a reclamação, admitindo o recurso, a subir como de revista e no efeito meramente devolutivo e ordenando a notificação das partes para efeito de alegações.</font><br>
<br>
<font> 10. Neste STJ, o Senhor Conselheiro-Relator, aquando da determinação de notificação para audição das partes, antes de decidir não conhecer do objecto do recurso, com o fundamento de que o mesmo era inadmissível, dado que “o Acórdão em crise apenas decidiu mandar prosseguir a lide não ficando definitivamente arrumada, e a coberto de caso julgado, a questão da existência e limites do direito de preferência, “in casu””, escreveu:</font><br>
<font> “A questão do valor da causa acenada pelo Digno Magistrado do Ministério Público foi devidamente esclarecida no douto despacho de fls. 143 – 1ª parte”.</font><br>
<br>
<font> 11. Ao aludir-se a este “esclarecimento”, teve-se em vista o indicado supra em 7..</font><br>
<br>
<font> 12. Na 1ª instância, em 17.01.2007, antes de ser proferido novo despacho saneador, com a subsequente elaboração da “Matéria de facto assente” e da “Base instrutória”, foi proferido despacho sobre o incidente do valor da acção, tendo-se decidido indeferir o incidente suscitado pelos Réus, mantendo-se o valor fixado pelos Autores na petição inicial (€ 5.000,00).</font><br>
<br>
<font> 13. Tendo os Réus recorrido desta decisão, foi, no Tribunal da Relação de Coimbra, proferido o acórdão de fls. 104 a 111 dos presentes autos de agravo em separado, a negar provimento aos recursos (estava em causa também um agravo da decisão que recaiu sobre a questão da legitimidade dos Autores), confirmando-se os despachos recorridos, “muito embora no que concerne àquele referente ao incidente do valor da causa se corrija o valor da acção ali fixado para o valor de € 4.987,98”.</font><br>
<br>
<font> 14. Ainda inconformados, vieram os Réus interpor recurso do referido acórdão, tendo o mesmo sido admitido apenas quanto ao incidente do valor da causa.</font><br>
<font> </font><br>
<font>15. Os agravantes apresentaram alegações e respectivas conclusões, pedindo que, com a procedência do recurso, se fixe o valor da causa em € 15.000,00.</font><br>
<font> </font><br>
<font>16. Contra-alegaram os agravados, defendendo a confirmação da decisão recorrida.</font><br>
<font> </font><br>
<br>
<font> </font><br>
<font> Cumpre apreciar e decidir.</font><br>
<br>
<font> II – A factualidade que releva para o conhecimento do presente recurso é a que se encontra já enunciada.</font><br>
<font> </font><br>
<font>III – 1. Nas suas alegações, os agravantes referem que, na sua contestação, alegaram que no prédio vendido se encontra implantada uma casa de habitação, apesar de não constar da escritura e da descrição predial, pelo que o prédio teria sempre um valor total de, pelo menos, € 15.000,00, tendo sido tal o motivo de os Réus indicarem tal valor para a acção.</font><br>
<br>
<font>Ora, lendo a contestação, constatamos que tal não corresponde à verdade.</font><br>
<br>
<font>O que os Réus alegaram para que o valor fosse fixado em € 15.000,00 foi o já transcrito (cfr. supra I – 3.), verificando-se que os argumentos então alegados – completamente despropositados, diga-se – são bem diferentes dos que agora dizem ter invocado. </font><br>
<br>
<font>2. Segundo o nº 1 do artigo 305º do Código de Processo Civil (serão deste diploma legal todos os artigos que iremos mencionar), “A toda a causa deve ser atribuído um valor certo, expresso em moeda legal, o qual representa a utilidade económica imediata do pedido”.</font><br>
<br>
<font>O artigo 310º, nº 1, estabelece que “Quando a acção tiver por objecto a apreciação da existência, validade, cumprimento, modificação ou resolução de um acto jurídico, atender-se-á ao valor do acto determinado pelo preço ou estipulado pelas partes”.</font><br>
<br>
<font>Daqui decorre que, estando-se aqui perante uma acção de preferência, o valor a indicar pelos Autores, na sua petição inicial (cfr. artigo 467º, nº 1, f)), seria o de € 4.987,98, correspondente ao preço da alienação do bem em causa, conforme consta da respectiva escritura.</font><br>
<br>
<font>Os Autores arredondaram para € 5.000,00.</font><br>
<br>
<font>3. De harmonia com o nº 1 do artigo 314º, “No articulado em que deduza a sua defesa, pode o réu impugnar o valor da causa indicado na petição inicial, contanto que ofereça outro em substituição. Nos articulados seguintes podem as partes acordar em qualquer valor”.</font><br>
<br>
<font>“Se o processo admitir unicamente dois articulados, tem o autor a faculdade de vir declarar que aceita o valor oferecido pelo réu” – nº 2 do mesmo artigo.</font><br>
<br>
<font>Por sua vez, o artigo 315º (redacção anterior à do Decreto-Lei nº 303/2007, de 24 de Agosto, aqui ainda aplicável), refere, no seu nº 1, que “O valor da causa é aquele em que as partes tiverem acordado, expressa ou tacitamente, salvo se o juiz, findos os articulados, entender que o acordo está em flagrante oposição com a realidade, porque neste caso fixará à causa o valor que considere adequado”.</font><br>
<br>
<font>“Se o juiz não tiver usado desse poder, o valor considera-se definitivamente fixado, na quantia acordada, logo que seja proferido despacho saneador” – nº 2 do mesmo artigo.</font><br>
<br>
<font>4. Ao contrário do que defendem os ora agravantes, estribando-se no nº 4 do artigo 314º, o facto de os Autores não se terem pronunciado, na resposta à contestação, sobre o incidente do valor não tem a consequência de se considerar que aceitaram o valor indicado pelos Réus, em substituição do anteriormente indicado na petição.</font><br>
<br>
<font>Se bem que os agravados, ao contrário do que dizem nas suas contra-alegações, pudessem, na resposta à contestação, dizer algo sobre a posição dos Réus quanto ao valor a fixar à acção (o que não fizeram), não pode tal silêncio valer como uma aceitação do novo valor indicado pelos Réus, pois tal aceitação tinha de ser expressa.</font><br>
<br>
<font>O citado nº 4 do artigo 314º contempla uma situação completamente diferente: “A falta de impugnação por parte do réu significa que aceita o valor atribuído à causa pelo autor”.</font><br>
<br>
<font>5. Resulta do exposto que, antes de proferir o despacho saneador que absolveu os Réus do pedido (decisão que viria a ser revogada), o Senhor Juiz deveria ter decidido o incidente do valor, suscitado pelos Réus.</font><br>
<br>
<font>Não o tendo feito, ficou o mesmo por decidir de forma expressa.</font><br>
<br>
<font>Aquando do recurso interposto para este STJ do acórdão da Relação que revogou aquele despacho saneador-sentença e determinou o prosseguimento dos autos, com a enunciação da matéria assente e a elaboração da base instrutória, o Senhor Desembargador-Relator, antes de se pronunciar sobre a admissibilidade ou não do recurso de revista interposto pelos Réus, decidiu praticar o acto que havia sido omitido na 1ª instância, fixando – embora mal, em nossa opinião, pois não se estava perante a situação prevista nos nºs 1 e 2 do artigo 315º, ao contrário do que aí se refere – o valor da acção em € 15.000,00.</font><br>
<br>
<font>Tal decisão não foi impugnada (nem sequer houve reclamação para a conferência, ao abrigo do disposto no artigo 700º, nº 3).</font><br>
<br>
<font>Foi precisamente na sequência de tal decisão – a qual fixou um valor superior à alçada da Relação – que o Senhor Desembargador-Relator se pronunciou sobre a admissibilidade ou não do recurso para este STJ do acórdão que revogara o despacho saneador-sentença, rejeitando-o inicialmente, mas acabando por, indevidamente, o vir a admitir.</font><br>
<br>
<font> 6. Prescreve o artigo 672º (redacção então em vigor) que “Os despachos, bem como as sentenças, que recaiam unicamente sobre a relação processual têm força obrigatória dentro do processo, salvo se por sua natureza não admitirem o recurso de agravo”.</font><br>
<br>
<font>Sendo assim, será que a decisão proferida na Relação, a fixar o valor da presente acção em € 15.000,00, constitui caso julgado formal, como pretendem os agravantes?</font><br>
<br>
<font>Afigura-se-nos que a solução a dar aqui é completamente diferente, não passando pela situação de saber se essa decisão constitui ou não caso julgado.</font><br>
<br>
<font>É que essa decisão – a que, neste STJ, se entendeu como um “esclarecimento” – terá de ser considerada inexistente, pois a competência para a fixação do valor de uma causa cabe à 1ª instância e não aos Tribunais Superiores, ressalvando a situação de conhecimento de recurso da decisão proferida na 1ª instância, como resulta dos artigos 314º a 319º.</font><br>
<br>
<font>Assim sendo, não tendo o Senhor Juiz que proferiu o primeiro despacho saneador (no qual foram os Réus absolvidos do pedido) se pronunciado quanto ao valor da causa, teremos de considerar o seu silêncio, face à não reacção dos Réus – que haviam suscitado o incidente do valor da acção, pretendendo, embora manifestamente sem razão, que o valor fosse fixado em € 15.000,00 –, como uma aceitação do valor indicado na petição inicial pelos Autores.</font><br>
<br>
<font>Efectivamente, os Réus, perante tal omissão de pronúncia, poderiam ter arguido a nulidade por omissão de pronúncia, nos termos dos artigos 201º, nº 1, 205º, nº 1, e 153º, nº 1.</font><br>
<font>Não o tendo feito, deixaram que ficasse sem efeito o incidente que haviam suscitado, ficando definitivamente fixado como valor da acção o indicado pelos Autores, ou seja, € 5.000,00.</font><br>
<br>
<font>Como reforço desta posição, temos o facto de o Senhor Juiz ter deixado prosseguir a acção sob a tramitação do processo sumário (cfr. artigo 462º).</font><br>
<br>
<font> 7. Decorre, assim, de todo o exposto que, estando já fixado o valor da acção em € 5.000,00, padecem do vício da inexistência todas as decisões (ou esclarecimentos) tomadas posteriormente nos autos, a que já fizemos referência.</font><br>
<br>
<font>IV – Nos termos expostos, fixado tacitamente na 1ª instância o valor da acção em € 5.000,00 e declarando-se inexistentes todas as subsequentes decisões (ou esclarecimentos) proferidas nos autos sobre o valor da acção, acorda-se em ter como prejudicado o conhecimento do objecto do recurso de agravo interposto pelos Réus.</font><br>
<br>
<font>Custas, aqui e nas instâncias, a cargo dos ora agravantes.</font><br>
<br>
<br>
<font> Lisboa, 19 de Fevereiro de 2008 </font><br>
<br>
<font>Moreira Camilo (relator)</font><br>
<font> Urbano Dias</font><br>
<font> Paulo Sá</font></font>
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1.ª Secção (Cível)
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<b><font> </font></b><font><font> </font><div><br>
<font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça</font><br>
<p><font> </font><br>
</p><p><font>I – RELATÓRIO</font></p></div><br>
<br>
<font> </font><br>
<p><font>1.1.A Requerente </font><b><font>- Conocophilips Gulf of Para BV</font></b><font> ( CGP ), com sede comercial em New Babylon Gardens, Anna van Buerenplein 41, 2595, da Den Haag, Paises Baixos- instaurou acção de revisão de sentença arbitral estrangeira, com forma de processo especial, contra as Requeridas:</font><br>
</p><p><b><font>Corporación Venezoelana del Petrólleo SA </font></b><font>( CVP), com sede na Avenida ..., E..., ..., Venezuela. </font><br>
</p><p><b><font>Petróleos de Venezuela S.A</font></b><font>. (PDVSA), com sede na Avenida ..., E..., ..., Venezuela. </font><br>
</p><p><font>Pediu o reconhecimento da sentença arbitral estrangeira proferida em 29 de Julho de 2019, em Nova Iorque, Estados Unidos da América.</font><br>
</p><p><font>“Nestes termos e nos demais de Direito aplicável, deve a presente ação de reconhecimento de sentença estrangeira ser julgada procedente, por provada, com a consequente declaração de reconhecimento da sentença arbitral proferida em 29 de julho de 2019, em Nova Iorque, nos Estados Unidos da América.</font><br>
</p><p><font> Valor: € 49.607.277,50 (quarenta e nove milhões, seiscentos e sete mil, duzentos e setenta e sete euros e cinquenta cêntimos)”.</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font>1.2. – As Requeridas e o Ministério público não deduziram oposição.</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font>1.3. – </font><b><font>A Relação de Lisboa, por decisão singular de 15/1/2021, decidiu</font></b><font> </font><br>
</p><p><font>“Pelo exposto, julga-se procedente a pretensão da requerente e, em consequência, reconhece-se o acórdão arbitral proferido a 29/07/2019, na cidade de Nova Iorque, Nova Iorque (EUA), no processo arbitral tramitado junto da Corte Internacional de Arbitragem da Câmara de Comércio Internacional, sob o n.º 22527/ASM/JPA, em que as requeridas foram condenadas a: </font><br>
</p><p><font>i/ restituírem à requerente a parcela do empréstimo concedido pela requerente à CVP, no montante de 33.700.000 USD; </font><br>
</p><p><font>ii/ com juros desde 22/10/2002 até à data do pagamento total e final, à taxa LIBOR mais 1% por ano; </font><br>
</p><p><font>e iii/ reembolsar à requerente 213.302,55 EUR, sem juros pré- ou pós-decisão. </font><br>
</p><p><font>Custas pela requerente. </font><br>
</p><p><font>Notifique a requerente e envie carta registada com a/r às requeridas, com cópia desta sentença e do despacho de 13/12/2020, depois de devidamente traduzidos para castelhano pela requerente.”</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font>1.4.- Em 4/11/2021, foi elaborada conta, liquidando o valor de € 604.199,86 como o total a pagar, descontando já a taxa de justiças pagas ( € 1.632,00).</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font>1.5. – A Requerente, em 4/1/2022,</font><b><font> reclamou contra a elaboração da conta,</font></b><font> e pediu subsidiariamente a </font><b><font>dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiç</font></b><font>a (nos termos do artigo 6 nº7 do RCP).</font><br>
</p><p><font> Alegou, em síntese:</font><br>
</p><p><font>Por aplicação do art.3º da Convenção de Nova Iorque as custas a cobrar no âmbito das sentenças arbitrais estrangeiras são tendencialmente idênticas. Não “sensivelmente mais elevadas “às cobradas para o reconhecimento e execução de sentenças arbitrais nacionais. Ora como estas não carecem de ser reconhecidas, o seu custo é inexistente”.</font><br>
</p><p><font>Considera que a taxa de justiça autoliquidada, no valor </font><a></a><font>de € 1.632,00, é suficiente, corresponde ao limite das custas cobráveis.</font><br>
</p><p><font>Subsidiariamente entende que o valor liquidado na conta é desproporcional, justificando-se a dispensa do remanescente, ao abrigo do art.6 nº7 RCP.</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font>1.6. – </font><b><font>Por decisão singular da Relação, 15/01/2022, decidiu-se:</font></b>
</p><p><font>“Pelo exposto, indefere-se a reclamação da conta, mas defere-se parcialmente o pedido subsidiário, </font><a></a><font>dispensando-se o pagamento de 90% da taxa de justiça remanescente (ou seja, reduzindo-o para 10% do valor da taxa de justiça remanescente).</font>
</p><p><font>Custas da reclamação/pedido de dispensa pelo CPGP, fixando-se, já tendo em conta a parcial procedência, a taxa de justiça em 2 UC, a que há que descontar a ½ UC já paga como impulso necessário à reclamação.”</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font>1.7.- A Requerente reclamou para a conferência.</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font>1.8.- Por </font><b><font>acórdão de 28/4/2022, decidiu-se:</font></b>
</p><p><font>“Pelo exposto, mantém-se a decisão singular reclamada, julgando a reclamação improcedente.</font>
</p><p><font>Custas da reclamação pela CPGP, que se fixam em 3 UC de taxa de justiça (artigos 527, nºs 1 e 2 do CPC e 7.º, n.º 4, do RCP e tabela II, penúltima linha, anexo ao mesmo), dada a extensão da reclamação e o trabalho implicado e levando-se em conta a taxa já paga pela CPGP como impulso necessário da reclamação”.</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font>1.9. Inconformada, </font><b><font>a Requerente recorreu de revista</font></b><font>, com as seguintes conclusões: </font>
</p><p><font>a) Ao aderir à Convenção de Nova Iorque, a República Portuguesa assumiu a obrigação de não cobrar custas “sensivelmente”</font><i><font> </font></i><font>mais elevadas do que as cobradas para o reconhecimento e execução de sentenças arbitrais nacionais.</font>
</p><p><font>b) O facto de não existir um processo de reconhecimento de sentenças arbitrais nacionais determina, por um lado, que a República Portuguesa se obrigou a nada cobrar ou a cobrar pouco mais que nada para proceder ao reconhecimento de sentenças arbitrais estrangeiras.</font>
</p><p><font>c) e, por outro, não afasta nem esvazia tal obrigação. Nada na Convenção de Nova Iorque ou nos seus trabalhos preparatórios indicia ou permite sustentar que tal tratado pressupõe que existiria um processo de reconhecimento de sentenças arbitrais nacionais.</font>
</p><p><font>d) Contra o que antecede não se diga ainda que a ausência desse processo de reconhecimento determinaria que o referencial de comparação relevante seria o processo de anulação de sentenças arbitrais nacionais, uma vez que se trata de um processo - com finalidade e tramitação distintos-que nem sequer é regulado pela Convenção de Nova Iorque.</font>
</p><p><font>e) Assim, a Convenção de Nova Iorque, que se aplica nos presentes autos, regula os termos da tributação da Recorrente, determinando como seu limite nada ou sensivelmente mais do que nada.</font>
</p><p><font>f) Essa solução é, aliás, aceite no ordenamento jurídico interno nacional, visto que o RCP contém várias disposições que preveem isenções de tributação. </font>
</p><p><font>g) O que antecede não fica maculado pelo facto de a Recorrente, para iniciar os presentes autos (à semelhança do que sucede quanto ao presente recurso) ter procedido à autoliquidação da taxa de justiça, uma vez que tal autoliquidação é imposta pelo Portal CITIUS para que se possa proceder a este tipo de impulso processual.</font>
</p><p><font>h) Ao proceder desse modo, como é evidente, a Recorrente não renunciou ao que decorre do artigo 3.2 da Convenção de Nova Iorque.</font>
</p><p><font>i) Conclui-se, por isso, que, quer a Conta, quer a o Acórdão recorrido, violam a Convenção de Nova Iorque, motivo pelo qual se impõe - sob pena de violação, pela República Portuguesa, de tratado internacional e de insanável inconstitucionalidade por violação do princípio do primado do direito internacional -a sua revogação, o que se requer.</font><br>
</p><p><font>Quanto ao indeferimento parcial do pedido de dispensa:</font>
</p><p><font>j) O Requerimento Inicial de reconhecimento foi instruído com cinco documentos, todos devidamente identificados e acompanhados das respetivas traduções, que se encontravam certificadas por advogado e pelo tradutor.</font><br>
</p><p><font>k) A junção dos documentos através de correio eletrónico foi feita depois de a aplicação CITIUS ter evidenciado um problema técnico, que a Recorrente provou nos autos ter existido. A receção de vários correios eletrónicos justifica-se, igualmente, pelo facto de o servidor do Tribunal não ter acusado o respetivo recebimento.</font>
</p><p><font>l). Em todo o caso, dado que os cinco documentos juntos aos autos se encontravam devidamente organizados e identificados, nenhuma dificuldade de monta se colocou, a esse respeito, ao Tribunal </font><i><font>a quo </font></i><font>ou à sua secretaria.</font>
</p><p><font>m) A dimensão dos cinco documentos juntos aos autos-como aliás resulta do Requerimento Inicial - não atesta da complexidade dos presentes autos, mas, quando muito, da complexidade do processo arbitral tramitado e concluído sob a égide do mais experimentado e reputado centro de arbitragem internacional, por alguns dos mais distintos árbitros e que foi alvo de escrutínio desse centro prévio à sua prolação.</font><br>
</p><p><font>n) A complexidade da causa não pode ser aferida pela dimensão dos cinco documentos juntos aos autos. A complexidade, entende a Recorrente, afirmar-se-á sempre que, atento o tipo de processo e as matérias aí tipicamente trazidas à colação, o concreto processo se tenha afigurado mais complexo do que outros processos da mesma tipologia.</font><br>
</p><p><font>o) Manifestamente não é esse o caso dos presentes autos: não houve contraditório, a proveniência da sentença arbitral oferece garantias substanciais da sua regularidade e a regra vigente no ordenamento jurídico nacional é a do reconhecimento, salvo em casos excecionais.</font><br>
</p><p><font>p) O controlo da conformidade do resultado da sentença arbitral reconhecida com a ordem pública internacional do Estado Português é uma questão comum a todos os processos de reconhecimento. Não existe um único elemento nos autos que seja apto a demonstrar que tal controlo foi, no caso concreto, mais complexo do que o costuma ser na tipologia de casos de reconhecimento.</font><br>
</p><p><font>q) Aliás, o grupo em que a Recorrente se integra propôs em Portugal e perante o Tribunal </font><i><font>a quo </font></i><font>duas ações de reconhecimento. A presente, muito menos extensa e de menor valor. Outra, que foi identificada na alegação </font><i><font>supra, </font></i><font>consideravelmente mais extensa e de maior valor. A ação tramitada nos presentes autos foi a menos complexa em qualquer dos parâmetros erigidos no Acórdão recorrido: o valor era trinta e cinco vezes inferior (€49.607.277,5 vs. € 1.703.445.310,95) e a decisão arbitral tinha menos de metade da extensão (165 vs. 441 páginas). Não obstante, naquele processo, de muito maior volume e complexidade, o Tribunal </font><i><font>a quo </font></i><font>acedeu a cobrar apenas a taxa de justiça inicial. Nestes autos, porém, de evidente menor complexidade, pretende-se cobrar mais de € 60.000,00.</font><br>
</p><p><font>r) Tudo sopesado, constata-se que, pelos motivos aqui enunciados e por aqueles constantes da Reclamação - que aqui se dá por integralmente reproduzida, para evitar repetições - inexiste qualquer motivo para que a Recorrente seja tributada a título de remanescente da taxa de justiça, devendo por isso ser julgado totalmente procedente o pedido de dispensa, o que subsidiariamente se requer.</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><div><br>
<font>II - FUNDAMENTAÇÃO</font></div><br>
<br>
<font> </font><br>
<p><font>2.1. </font><b><font>O objecto do recurso</font></b><font> </font><br>
</p><p><font>Se a acção de reconhecimento de sentença arbitral estrangeira ao abrigo da Convenção de Nova Iorque de 1958 (CNI)está sujeita a custas nos termos do Regulamento das Custas Processuais (RCP);</font><br>
</p><p><font>Subsidiariamente, a dispensa da taxa de justiça remanescente. </font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font>2.2. - </font><b><font>Se a acção de reconhecimento de sentença arbitral estrangeira ao abrigo da Convenção de Nova Iorque de 1958 (CNI) está sujeita a custas, nos termos do Regulamento das Custas Processuais ( RCP).</font></b><br>
</p><p><b><font> </font></b><br>
</p><p><font>A Convenção de Nova Iorque (Convenção sobre o reconhecimento e a execução de sentenças arbitrais estrangeiras, celebrada em Nova Iorque em 10 de Junho de 1958) entrou em vigor em Portugal no dia 16 de Janeiro de 1995 ( Aviso do Ministério dos Negócios Estrangeiros nº 142/95, de 21 de Junho), pois em 18 de Outubro de 1994, na sequência da sua aprovação, para ratificação, efectuada através da Resolução da Assembleia da República n.º 37/94, de 10 de Março, e posterior ratificação, através de Decreto do Presidente da República n.º 52/94 de 8 de Julho, o Estado Português aderiu através do depósito do respectivo instrumento.</font><br>
</p><p><font>Determina o </font><b><font>artigo III da Convenção de Nova Iorque (CNI):</font></b><br>
</p><p><font>“Cada um dos Estados Contratantes reconhecerá a autoridade de uma sentença arbitral e concederá a execução da mesma nos termos das regras de processo adoptadas no território em que a sentença for invocada, nas condições estabelecidas nos artigos seguintes. Para o reconhecimento ou execução das sentenças arbitrais às quais se aplica a presente Convenção, não serão aplicadas quaisquer condições sensivelmente mais rigorosas, nem custas sensivelmente mais elevadas, do que aquelas que são aplicadas para o reconhecimento ou a execução das sentenças arbitrais nacionais”.</font><br>
</p><p><font>Sobre a interpretação desta norma, a doutrina costuma dividi-la em duas partes:</font><br>
</p><p><font>a) A primeira confere aos Estados Contratantes uma margem de conformação quanto à regulação do processo de reconhecimento de sentenças arbitrais estrangeiras, ou seja, aplica-se o regime processual vigente no Estado do foro em que se pede o reconhecimento;</font><br>
</p><p><font>b) A segunda parte traça um limite à margem de conformação, ao estabelecer que não podem ser aplicadas condições sensivelmente mais rigorosas, nem custas sensivelmente mais elevadas, do que as aplicadas para o reconhecimento de decisões arbitrais nacionais.</font><br>
</p><p><font>Daqui resulta, tanto da letra, como da intenção normativa, evidenciada nos trabalhos preparatórios, que o reconhecimento e a execução da sentença arbitral estrangeira será realizada nos termos das regras de processo adoptadas no Estado (do foro) em que a sentença for invocada, mas nas condições estabelecidas nos artigos IV, V e VI da CNI. </font><br>
</p><p><font>Quanto à interpretação da segunda parte do art. III é consensual o entendimento de que a referência “às condições” se reporta às condições estabelecidas como regras processuais para o reconhecimento e não as condições de reconhecimento estatuídas taxativamente na CNI (cf., por ex., Luís Lima Pinheiro, Estudos de Direito da Arbitragem, 2022, pág.134 e segs., António Sampaio Caramelo, O Reconhecimento e Execução de Sentenças Arbitrais Estrangeiras, 2016, pág. 81 e segs.). </font><br>
</p><p><font>Segundo a Recorrente o art. III da CNI estatui que não se podem aplicar condições sensivelmente mais rigorosas do que as previstas para as sentenças arbitrais nacionais, designadamente quanto a custas. Como as sentenças arbitrais nacionais não estão submetidas ao reconhecimento, logo não estão sujeitas a custas.</font><br>
</p><p><font>Ora, esta interpretação é de rejeitar, porque a mesma lógica imporia que as sentenças arbitrais estrangeiras, no âmbito da CNI, seriam automaticamente exequível, sem necessidade do “exequatur”, entendimento que tem sido afastado, tanto no plano jurisprudencial ( cf., por ex., ( cf. Ac STJ de 18/2/2014 ( proc nº 1630/06), em www dgsi.pt) como doutrinário ( cf., por ex., Luís Lima Pinheiro, Direito Internacional Privado, 2ª ed. pág. 555 e segs.)</font><br>
</p><p><font>Importa acentuar que o art. III da CNI não estipula uma equiparação entre as sentenças arbitrais estrangeiras e o reconhecimento das sentenças arbitrais nacionais, até porque a CNI é aplicável a países com regimes processuais distintos.</font><br>
</p><p><font>Por outro lado, quanto à eficácia executiva das sentenças arbitrais, o direito português equipara as decisões arbitrais nacionais às decisões judiciais. Na verdade, a Lei da Arbitragem Voluntária (LAV) (aprovada pela Lei nº63/2011 de 14/12) postula expressamente que as decisões arbitrais são exequíveis nos mesmos termos em que o são as decisões dos tribunais comuns, ou seja, “tem o mesmo carácter obrigatório entre as partes que a sentença de um tribunal estadual transitada em julgado e a mesma força executiva que a sentença de um tribunal estadual” ( art.42 nº7 ).</font><br>
</p><p><font>Por isso, o art. III, 2ª parte, deve ser interpretado no sentido de que a referência ao “reconhecimento ou a execução das sentenças arbitrais nacionais” só é válida para os Estados que estabelecem o reconhecimento das sentenças arbitrais nacionais, o que não é o caso do Estado Português.</font><br>
</p><p><font>Além disso, não há lugar à equiparação porque segundo o direito interno português as sentenças arbitrais nacionais estão submetidas a um controlo mais amplo que as sentenças arbitrais estrangeiras, como resulta para as primeiras da acção de anulação (arts.59 nº1g) LAV), que não prevista para as segundas </font><br>
</p><p><font>Interpretando o art. III da CNI, elucida Luís de Lima Pinheiro:</font><br>
</p><p><font> “(…) segundo a interpretação correcta do preceito, um Estado que não sujeite o reconhecimento de decisões arbitrais nacionais a um processo prévio não está impedido de sujeitar o reconhecimento das decisões arbitrais estrangeiras a um regime processual especial ou a um regime processual aplicável em geral ao reconhecimento de decisões estrangeiras. Uma vez que o legislador português não fez acompanhar a ratificação da Convenção de Nova Iorque de qualquer indicação sobre o regime processual aplicável, o reconhecimento fica sujeito ao regime processual dos arts.57 e 58 LAV (…).</font><br>
</p><p><font>“A segunda parte do art. 3.º, porém, tem um sentido útil mesmo nos Estados contratantes em que o reconhecimento das sentenças “nacionais” não depende de um processo prévio. Com efeito, o preceito determina também que à execução das sentenças arbitrais abrangidas pela Convenção não serão aplicadas quaisquer condições sensivelmente mais rigorosas, nem custas sensivelmente mais elevadas. Estes Estados contratantes tanto podem reconhecer automaticamente os efeitos de decisões arbitrais “estrangeiras” nos mesmos termos que as “nacionais”, como subordinar o reconhecimento de efeitos e/ou a força executiva a um processo prévio, estabelecido exclusivamente para as sentenças estrangeiras” (Direito Internacional Privado, 2ª ed., pág. 590 e segs).</font><br>
</p><p><font>Neste contexto, já se vê que a interpretação da Recorrente carece de consistência jurídica, e não faz qualquer sentido ao sustentar a inexistência de custas.</font><br>
</p><p><font>Tratando-se de um processo especial de reconhecimento de sentença arbitral estrangeira, cujo julgamento se faz segundo as regras próprias da apelação ( art.57 nº4 LAV ), está sujeito a custas nos termos do Regulamento das Custas Processuais ( art. 1º RCP ), como se concluiu no acórdão recorrido. </font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font>2.3. - </font><b><font>A dispensa da taxa de justiça remanescente. </font></b><br>
</p><p><font>Sendo o valor da acção de € 49.607.277,50 e tendo pago a taxa de justiça inicial no valor de € 1.632,00, a Recorrente pediu a dispensa total do remanescente (€ 604.199,00).</font><br>
</p><p><font>A Relação deferiu parcialmente o pedido dispensando o pagamento de 90% da taxa de justiça remanescente , reduzindo-o para 10% do valor da taxa de justiça remanescente( € 60.,400,00).Concluiu-se no acórdão: “Em suma, entende-se que, realmente, não se justifica que a taxa de justiça seja a normal, já que tal levaria ao pagamento de mais de 604.000€ de taxa remanescente, mas também que ela não deve ser dispensada, mas apenas reduzida, com isso se mantendo a intenção de proporcionalidade que consta da lei, para 10% da taxa remanescente devida”.</font><br>
</p><p><font>A justificação assenta em três fundamentos:</font><br>
</p><p><font>a). A complexidade da causa, apesar de não ter havido oposição.</font>
</p><p><font>(i)A causa assumiu complexidade ( por não se revelar simples) pois “implicou o estudo de 8 + 238 páginas A4 de documentos em espanhol + 328 páginas A4 com texto denso de um acórdão, metade delas em inglês, e que a CPGP apresentou como sendo 764 páginas, por ter enviado 4 emails com várias partes repetidas (num total de 436 páginas), o que teve que ser deslindado, como se vê do despacho inicial, o que nem sequer se pode partir do princípio ter sido inocente, já que a apresentação de uma peça processual de tamanho invulgar serve para sugerir a complexidade processual da questão. E não se diga que o facto de metade das folhas A4 do acórdão ser uma tradução simplifica o estudo, pois que o juiz tem que conferir a tradução com o texto original (…)”.</font>
</p><p><font>(ii) O controlo da sentença arbitral - “Sendo que o controlo de um acórdão arbitral estrangeiro que condena no pagamento de perto de 50.000.000€ (com juros), justificada com 165 páginas de texto, controlo referente à possível ofensa da ordem pública internacional do Estado português, em que aparecem matérias que raramente aparecem noutros casos, não é, de modo algum, um caso sequer próximo dos normais processos de revisão de uma sentença estrangeira. Controlo esse que, aliás, levou à interpretação da sentença arbitral em sentido diverso do que lhe era dado pela CPGP quanto à condenação em juros”.</font><br>
</p><p><font>(iii) A falta de simplicidade – “Portanto, o processo não teve a simplicidade sugerida pela CPGP, já deixando de parte as vicissitudes relativas à citação das requeridas. No total até à decisão sumária, foram proferidos 8 despachos, durante um ano de processado (…). O que se pode dizer é que o processo não teve uma complexidade excepcional que levasse à necessidade de aplicação de uma taxa de justiça especial (art. 6/5 do RCP).”</font><br>
</p><p><font>b) O valor da causa (€ 49.607.277,50)</font><br>
</p><p><font>Afirmando que o valor de um processo é o principal factor para a determinação da taxa de justiça, acrescentou-se que “os outros factores, como por exemplo, o tipo de processo ou a sua especificidade em concreto, poderão levar ou à aplicação de uma taxa de justiça especial (art. 7/1 do RPC), ou à dispensa ou redução dessa taxa de justiça, nos termos do art. 6/7 do RCP”. Com efeito, “o valor da causa determina em princípio o valor da taxa de justiça e, tendo em conta a tabela I-A do RCP, vê-se que quanto maior for o valor da causa, maior é o valor da taxa de justiça a pagar, segundo um princípio de proporcionalidade. </font><br>
</p><p><font>c).A natureza das taxas de justiça - as taxas de justiça, uma espécie do género dos tributos, pressupondo embora uma contraprestação específica, assentando pois na prestação concreta de um serviço público, não são preços, não pressupondo a equivalência económica entre o montante pago e o valor do serviço prestado pela administração e não podem, por outro lado, ser determinadas de modo a neutralizar a dimensão redistributiva do sistema fiscal (…)pelo que, mesmo que não tenham progressividade (embora se possa defender que a deviam ter, mas tal está, aparentemente, na dependência de escolha do legislador), têm de manter proporcionalidade, não sendo razoável que apesar do valor da acção/recurso crescer, a taxa mantenha o seu valor, pois que, assim, aqueles que têm maiores recursos económicos acabariam por pagar, em termos relativos, menos do que os que têm menores possibilidades económicas(…)” </font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font>A Recorrente objecta e preconiza a dispensa total da taxa de justiça remanescente, com os seguintes argumentos:</font><br>
</p><p><font>a) O processo de reconhecimento não se apresenta complexo, pois a complexidade da causa “não pode ser aferida pela dimensão dos cinco documentos juntos aos autos. A complexidade, entende a Recorrente, afirmar-se-á sempre que, atento o tipo de processo e as matérias aí tipicamente trazidas à colação, o concreto processo se tenha afigurado mais complexo do que outros processos da mesma tipologia”.</font><br>
</p><p><font>b) Ausência de contraditório – “não houve contraditório, a proveniência da sentença arbitral oferece garantias substanciais da sua regularidade e a regra vigente no ordenamento jurídico nacional é a do reconhecimento, salvo em casos excecionais.”</font><br>
</p><p><font>c) O controlo da conformidade do resultado da sentença arbitral reconhecida com a ordem pública internacional do Estado Português é uma questão comum a todos os processos de reconhecimento. Não existe um único elemento nos autos que seja apto a demonstrar que tal controlo foi, no caso concreto, mais complexo do que o costuma ser na tipologia de casos de reconhecimento.</font><br>
</p><p><font>d) “Aliás, o grupo em que a Recorrente se integra propôs em Portugal e perante o Tribunal </font><i><font>a quo </font></i><font>duas ações de reconhecimento. A presente, muito menos extensa e de menor valor. Outra, que foi identificada na alegação </font><i><font>supra, </font></i><font>consideravelmente mais extensa e de maior valor. A ação tramitada nos presentes autos foi a menos complexa em qualquer dos parâmetros erigidos no Acórdão recorrido: o valor era trinta e cinco vezes inferior (€49.607.277,5 vs. € 1.703.445.310,95) e a decisão arbitral tinha menos de metade da extensão (165 vs. 441 páginas). Não obstante, naquele processo, de muito maior volume e complexidade, o Tribunal </font><i><font>a quo </font></i><font>acedeu a cobrar apenas a taxa de justiça inicial. Nestes autos, porém, de evidente menor complexidade, pretende-se cobrar mais de € 60.000,00.</font><br>
</p><p><font>e) A complexidade não resulta das anormais diligências para a citação das Requeridas e o valor da causa não releva para a complexidade.</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><b><font>Apreciação do Tribunal</font></b><br>
</p><p><font>O direito de acesso aos tribunais (art.20 nº1 CRP) não confere o direito a litigar gratuitamente, pois não existe um princípio constitucional de gratuitidade (ou tendencialmente gratuito) no acesso à justiça.</font><br>
</p><p><font>Por isso, e afora as situações de apoio judiciário, estabeleceu-se o princípio da justiça retributiva, logo o pagamento das despesas ou encargos judiciais, designadamente com os processos de natureza cível, com vista a compensar o dispêndio necessário à tutela jurisdicional efectiva.</font><br>
</p><p><font>O art. 27 do Código das Custas Judiciais (CCJ) (redacção do DL nº 324/2003) dispunha no nº3 que – “Se a especificidade da situação o justificar, pode o juiz, de forma fundamentada e atendendo, designadamente, à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento do remanescente”.</font><br>
</p><p><font>Esta norma visava conferir uma maior justiça em matéria de custas, sendo, aliás, um dos objectivos expostos no preâmbulo (“adopção de critérios de tributação mais justos e objectivos”).</font><br>
</p><p><font>Isto significa que, para efeitos da fixação da taxa de justiça, o legislador estabeleceu um sistema misto, atendendo por um lado ao valor da acção e, por outro, à concreta actividade processual.</font><br>
</p><p><font>O CCJ/96 na versão originária não continha uma norma semelhante, mas a jurisprudência do Tribunal Constitucional sustentava, no âmbito de diversos juízos de inconstitucionalidade, a necessidade de avaliação casuística no pagamento da taxa de justiça para além de determinado valor, por imposição do princípio da proporcionalidade e do acesso à justiça (cf., por ex. Acórdãos n.º 227/2007, nº471/2007, nº 116/2008).</font><br>
</p><p><font>Esta jurisprudência parte da natureza bilateral ou correspectiva da taxa de justiça, como contrapartida da utilização de um serviço público essencial, como é o sistema de justiça, fazendo intervir um critério de proporcionalidade, também exigível pelo direito fundamental de acesso à justiça (arts. 2, 18, 20 CRP).</font><br>
</p><p><font>A norma do art. 27 do CCJ (redacção do DL nº 324/2003) veio a ter correspondência no actual Regulamento das Custas Processuais (RCP) (aprovado pelo Dec.-Lei n.º 34/2008 de 26/2), porque o RCP passou a estatuir, como regra geral, que a taxa de justiça é fixada “em função do valor e complexidade da causa ( art.6 nº1 ), e posteriormente a Lei nº7/2012 de 13/2 aditou ao art. 6 o nº 7 –“</font><a></a><font>Nas causas de valor superior a € 275.000 o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual da parte, dispensar o pagamento”, e ao art. 14 o nº 9 – “Nas situações em que deva ser pago o remanescente nos termos do n.º 7 do artigo 6.º e o responsável pelo impulso processual não seja condenado a final, o mesmo deve ser notificado para efectuar o referido pagamento, no prazo de 10 dias a contar da notificação da decisão que ponha termo ao processo.”</font><br>
</p><p><font>Contudo, logo se verificou da inconstitucionalidade desta norma (art.14 nº 9) por violação do acesso ao direito e do princípio da proporcionalidade (art.18 nº 2 e 20 CRP) ao exigir o pagamento da taxa de justiça à parte absolvida, impondo-lhe o ónus de reaver da parte contrária, através das custas de parte, o que pagara ao Estado. Na verdade, a parte vencedora nas causas de valor superior a € 275.000,00 tinha que pagar ao Estado o valor remanescente da taxa de justiça, quando não era sequer devedora.</font><br>
</p><p><font>Por isso, o Tribunal Constitucional, por acórdão nº 615/2018 de 28/11/2018 (proc nº 1200/17) julgou “inconstitucional, a norma que impõe a obrigatoriedade de pagamento do remanescente da taxa de justiça ao réu que venceu totalmente o processo, obrigando-o a pedir o montante que pagou em sede de custas de parte, resultante do artigo 14º, nº9, do RCP”.</font><br>
</p><p><font>Foi neste contexto que o legislador, através da Lei nº 27/2019 de 28/3, alterou o nº 9, dando-lhe a seguinte redacção – “Nas situações em que deva ser pago o remanescente nos termos do n.º 7 do artigo 6.º, o responsável pelo impulso processual que não seja condenado a final fica dispensado do referido pagamento, o qual é imputado à parte vencida e considerado na conta final”.</font><br>
</p><p><font>Como é sabido, as custas processuais compreendem a taxa de justiça, os encargos e as custas de parte (arts.529 nº1 CPC, 2 nº1 RCP).</font><br>
</p><p><font>Nos termos do nº2 do art 529 CPC “A taxa de justiça corresponde ao montante devido pelo impulso processual de cada interveniente e é fixado em função do valor e complexidade da causa, nos termos do Regulamento das Custas Processuais”, significando, portanto, que se apresenta com autonomia em relação aos encargos e custas de parte.</font><br>
</p><p><font>É consensual a opinião de que a taxa de justiça assume a natureza de uma “taxa” e não de um “imposto”, como tem sido afirmado pelo Tribunal Constitucional (cf., por todos, Acórdão nº 151/2011) e pelo Supremo Tribunal de Justiça (cf., por ex., AUJ nº1/2022, de 10/11/2021, publicado no DR 1ª de 3/1/2022). Daí que a taxa seja o valor pago pela prestação do serviço de justiça, e como diz Elizabeth Fernandez, acentuando o carácter obrigatório e bilateral, “Apesar disso, entre a taxa e a sua sinalagmática contrapartida não tem necessariamente de existir uma equivalência económica, bastando o sinalagma como uma mera equivalência jurídica. Quer isto significar que a contrapartida prestada pela taxa não tem necessariamente que representar o exacto valor fixado para a taxa porque ela não representa o preço de mercado daquele bem ou serviço, mas tem de existir entre a taxa e a sua contrapartida um equilíbrio jurídico” (“O Novo Custo do Acesso à Justiça”, Revista de Direito Público e Regulação, nº3, Setembro de 2009).</font><br>
</p><p><font>Uma vez que a ta
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1.ª Secção (Cível)
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<b><font> </font></b><font><font> </font><br>
<font> Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font>
<p><font> 1. - AA e outros, na qualidade de herdeiros de BB, intentaram acção declarativa contra CC e mulher, DD, pedindo que se declarasse serem os Autores donos e legítimos possuidores de três prédios urbanos, sitos em Alter do Chão, e do rústico denominado B....., em Hortas da Ribeira de Alter, reconhecendo-se serem os RR., por sua vez, donos e legítimos possuidores do prédio misto conhecido Quinta do B....., também sito na Ribeira de Alter.</font>
</p><p><font>Como fundamento das pretensões vertidas nos pedidos alegaram que antes de 1965 aquele BB e o Réu CC, seu irmão, celebraram um acordo de partilha dos bens pertencentes aos pais de ambos, que então lhes foram entregues pelo pai, EE, sendo que, pelo menos desde 1965, o antecessor dos AA, por um lado, e o R., por outro, em execução daquele acordo, sempre detiveram e cuidaram, como donos, dos prédios que a cada um couberam, pelo que adquiriram, por usucapião - cuja factualidade alegam -, os prédios cujo reconhecimento da propriedade reclamam.</font>
</p><p><font> Os RR. contestaram. Negaram a realização do acordo e sustentam manter-se a indivisão da herança. </font>
</p><p><font> Após completa tramitação, a acção veio a ser julgada improcedente.</font>
</p><p><font> Os Autores apelaram, impugnando a decisão da matéria de facto, mas viram rejeitado o recurso.</font>
</p><p><font> Interpuseram, então, recurso de agravo, recebido como revista, mas, entretanto, alterado para a espécie de agravo.</font>
</p><p><font>Pedem a “anulação” do acórdão e a baixa do processo à Relação para julgamento da matéria de facto e de direito constante da apelação, a coberto da seguinte argumentação (transcrevem-se as conclusões):</font>
</p><p><font> “</font><font>I - Cotejando o que os recorrentes alegaram no recurso de apelação o que lhes é imposto pela normas legais constantes dos n.º 1 e 2 do Art° 690° do C.P.C., em cujo incumprimento se fundou a rejeição do recurso, afigura-se aos Autores que, ao contrário do que foi decidido, cumpriram o suficiente para que se devam julgar observadas tais regras processuais a que estavam sujeitos. </font>
</p><p><font> II - Relativamente à al. a) do n.º 1 do art° 690º-A do C.P.C., mencionaram como pontos concretos que na decisão de facto consideravam incorrectamente julgados, os factos n.ºs 3 a 5(3, 4 e 5), 7. e 9. a 36 da douta base instrutória - Cf. parágrafo n.º 7. das alegações de apelação. </font>
</p><p><font>Afigura-se, pois, que, na apelação, especificaram os pontos concretos que consideravam erradamente julgados. </font>
</p><p><font> III - Quanto à especificação dos concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão diversa da recorrida sobre aqueles pontos concretos de facto, al. b) do n.º 1 do arts. 690º-A do C.P.C. fundamentam, nas mesmas alegações, a pedida alteração da decisão sobre os ditos pontos concretos de facto, nos documentos de fls. 267 e 556, bem como nos depoimentos das testemunhas FF, GG, HH, II, JJ e KK, pois, alegam que a decisão sobre aqueles pontos concreto de facto para si se revela errada, porque da apreciação conjunto dos documentos e dos depoimentos citados se impunham acerca dos apontados factos outras decisões, que expressamente apontam, ou seja, dizem que, pelos documentos e pelos depoimentos que referem (os depoimentos até os transcrevem), impunham, sobre os factos n.ºs 3 a 5 (3,4 e 5), 7 e 9. a 36. da base instrutória, decisões diversas das que foram proferidas, como já dito, deveriam ser as que expressamente apontam, no 2° parágrafo do parágrafo n.º 7. das suas alegações de apelação. </font>
</p><p><font> IV - Os recorrentes especificaram os concretos meios de prova e até, expressamente, as decisões que, no seu entendimento deveriam resultar da apreciação crítica dos mesmos elementos para os mesmos factos concretos da douta base instrutória, apresentando assim o sentido da alteração da decisão. (É certo que, quanto a alguns desses factos, sobretudo dos n.ºs 9. a 36., expressam o entendimento, que tiveram por criterioso, de uma decisão conjunta, mas isso não lhes está legalmente vedado); </font>
</p><p><font> V - No que respeita, à indicação dos depoimentos gravados em que se baseie a alteração, por referência ao assinalado na acta – n.º 2 do art° 690º-A do C.P.C. - os depoimentos em que se baseia a pedida alteração da douta decisão foram indicados: o depoimento de FF, prestado antecipadamente, quando a gravação ainda era feita em fita magnética, tem indicado na acta o princípio e o fim da gravação, a que obriga o art. 522° C do C.P.C. (cassete 1, lado A, voltas 1 a 2457, tal e qual como foi expresso na ale2:ação da apelação (Cf. parágrafo oitavo - não numerado - do parágrafo 7.); relativamente a cada um dos demais depoimentos, (de GG, HH, II, JJ e KK). já prestados em época que a gravação passou a ser feita em CD. os recorrentes escreveram, nas suas alegações, o que substantivamente consta da acta, ou seja "depoimento prestado na audiência registado no sistema habilus e gravado em CD" - Cf.- o que consta das alegações de apelação, logo a seguir ao nome e a anteceder a transcrição de cada um dos depoimentos apontados. </font>
</p><p><font>Se melhor não indicaram, foi porque a acta da audiência nenhuma outra menção faz que não seja: "o depoimento foi gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso neste Tribunal" - Cf. acta de 19 de Março de 2010; </font>
</p><p><font> VI - Crê-se, por conseguinte, que no recurso de apelação foi cumprido o ónus de impugnação especificada e concretamente identificada a matéria de facto cuja decisão se pretende alterada e o sentido dessa alteração, bem como indicados os concretos meios de prova que impõem a alteração. </font>
</p><p><font> VII- Foram erradamente interpretadas e aplicadas as normas constantes dos art°s. 690°-A, n.ºs 1 e 2, e 522°-C do C.P.C. </font>
</p><p><font> VIII- Também quanto aos factos constante de 6. e 8. da douta base instrutória, foram esses factos especificadamente indicados, como indicados foram os meios de prova em que assenta a pretendida alteração de decisão e o sentido da mesma alteração. </font>
</p><p><font> IX - Assiste aos recorrentes fundamento para que os autos devam baixar ao Tribunal da Relação para conhecimento de todas as questões vertidas nas alegações de apelação, designadamente, a alteração da decisão sobre a matéria de facto bem como a decisão de direito substantivo, dando-se por verificada a divisão a que a acção alude e declarados os direitos ai pedidos e a procedência da mesma acção</font><font>”.</font>
</p><p><font> Os Recorridos apresentaram resposta, em apoio do julgado.</font>
</p><p><font> 2. - A </font><b><font>questão</font></b><font> proposta e para resolução traduz-se em averiguar se os Recorrentes, enquanto Apelantes, ao impugnarem a decisão sobre a matéria de facto, cumpriram os ónus de especificação de que, nos termos dos n.ºs 1 e 2 do art. 690º-A CPC, depende a admissibilidade do recurso. </font><font> </font>
</p><p><font> 3. - Como </font><b><font>fundamentos</font></b><font> </font><b><font>de</font></b><font> </font><b><font>facto</font></b><font>, elementos a considerar são os que seguem.</font>
</p><p><font> </font><font>a) - Nas conclusões da alegação no recurso de apelação os Recorrentes escreveram:</font>
</p><p><font> I -. A prova produzida consistiu, no que à questão fundamental diz respeito - aquisição dos prédios por usucapião - em documentos, designadamente, as certidões do registo predial apresentadas com a comprovação do registo da acção e os contratos de fls. 267 e 556 –e nos depoimentos das testemunhas, cujos trechos essenciais foram acima transcritos; </font>
</p><p><font> II - Pelo reexame de tais meios de prova, que no presente recurso se pretende e requer - e nos autos não existem outros meios de prova - feita a sua devida ponderação e apreciação e valoração crítica do seu conjunto, tomando-se em consideração a razão de ciência dos depoentes, a sua idade, a forma espontânea e desinteressada dos depoimentos, tudo à luz da lógica e da experiência da vida, afigura-se que a decisão da matéria de facto a proferir deveria ser outra, diferente, da que foi proferida, porque assim o imporiam tais meios probatórios. </font>
</p><p><font> III - Em termos tais que nºs. 3 a 5, 7 e 9 a 36 devam merecer as seguintes respostas, em alteração da douta decisão recorrida, nos termos previstos no art. 712°, nº 1, aI. a) do C.P.C.:</font>
</p><p><font>a) - depois da morte de LL, em data não concretamente apurada, mas à volta de 1965, os bens que constituíam o património do seu casal com EE foram divididos e distribuídos entre os seus dois filhos, BB e CC;</font>
</p><p><font> b) - Ficaram a pertencer ao filho BB os três prédios urbanos identificados em F) da especificação, assim como o prédio rústico denominado B....., identificado em F), que exclui a casa e a horta desse prédio e constitui a parte de baixo do mesmo, identificado em 4. de F) ; </font>
</p><p><font>c) -E ficaram a pertencer ao filho CC a casa e a horta do prédio do B..... que constituem a parte de cima deste prédio, identificados, respectivamente, em 5. e 4. de F); </font>
</p><p><font>d) - O prédio identificado em 4. F) foi dividido em duas partes, a de baixo, composta pelo olival, e a de cima, composta pela horta, ambas demarcadas, pela colocação de marcos, sendo que a parte de cima fica junta à casa identificada em 5. F); </font>
</p><p><font>e) - A partir da divisão, ocorrida cerca de 1965, os referidos BB e CC, e depois os seus herdeiros, passaram a ter, respectivamente, a posse sobre os prédios que Ihes couberam, exercendo sobre eles os poderes de vigilância, utilização, arrendamento, realização de obras, à vista de toda a gente, sem oposição e com a convicção de exercerem os poderes de proprietários. </font>
</p><p><font> IV - O animus do direito de propriedade que, aliado ao poder material, integra a posse de Autores e Réus comprova-se pelos comportamentos relativos aos prédios de uns e outros. </font>
</p><p><font> V - E também, com base nos depoimentos testemunhais e nas certidões relativas aos prédios, designadamente a do registo predial inserta a fls. , (apresentada com a comprovação do registo da acção) a decisão sobre a matéria dos factos quesitados sob os nºs. 6 e 8 deve ser julgada provada.</font>
</p><p><font> VI - Naturalmente, ficarão assim comprovados os factos demonstrativos de AA. e RR. exercerem desde 1965, continuada e publicamente, sem interrupção, os poderes de facto sobre os prédios de que na petição inicial são apontados, respectivamente, como proprietários, com a intenção de os fazerem exclusivamente seus, ou seja, fica assim demonstrada a posse pública e duradoura durante mais de 40 anos, que lhes confere direito de propriedade sobre os prédios, nos termos do disposto nos arte 1287° e 1296° do C. Civil. </font>
</p><p><font> VII - Não foram tais normais aplicadas e deviam ser, pelo que a douta sentença, mercê do erro de julgamento da matéria de facto, violou também o disposto nas ditas regras de direito substantivo.</font>
</p><p><font> </font><font>b) - No corpo das alegações, os Recorrentes identificaram seis testemunhas e indicaram o local de gravação dos respectivos depoimentos, dos quais transcreveram excertos, cuja reapreciação, conjugada com o conteúdo dos documentos de fls. 257 e 556, imporia a alteração da decisão, por forma a que as respostas aos quesitos 3 a 5, 7 e 9 a 36, passassem a ser as propostas nas referidas cinco alíneas. </font><font> </font>
</p><p><font> 4. - Mérito do recurso.</font>
</p><p><font> 4. 1. - O recurso foi rejeitado a pretexto de os então Apelantes terem feito “uma remissão global para os pontos da matéria de facto, sem autonomizar cada um deles e sobretudo o que concretamente consideram incorrectamente julgado», remissão que viola o disposto no n.º 2 do art. 690º-A (redacção do DL n.º 181/2000) e «impede o Tribunal de identificar o que concretamente no entendimento do apelante está incorrectamente julgado», pois que «vem sugerir que se dê como provada determinada materialidade que enumera mas que não corresponde ao teor dos pontos de facto da base instrutória».</font>
</p><p><font>Acrescentou-se que os depoimentos convocados também não indicam concretamente qual a matéria que se destinam a impugnar, ónus que só se tem cumprido pelo recorrente se indicar os concretos pontos de facto de que discorda com referência, separada e relativamente a cada um deles, dos concretos meios de prova constantes da gravação (…)», desrespeitando-se o disposto nas als. a) e b) do citado preceito. </font>
</p><p><font> Em causa o prosseguimento de recurso de apelação que tem por objecto a reapreciação e alteração da matéria de facto, ao abrigo do disposto no art. 712º-1-a) e 2 CPC.</font>
</p><p><font>Assim, o recurso teve como finalidade, ao que aqui interessa referir, a pretensão de alteração de pontos da matéria de facto, mediante reapreciação de depoimentos prestados em audiência de discussão e julgamento registados em gravação.</font>
</p><p><font>Nessa espécie de recurso, a Relação reaprecia as provas em que assentou a parte impugnada da decisão, tendo em atenção o conteúdo das alegações das partes, sem prejuízo de oficiosamente atender a outros elementos probatórios que tenham servido de fundamento à decisão sobre os pontos impugnados (n.º 2 do art. 712º)</font>
</p><p><font>Impõe, porém, o preceito que a impugnação tenha lugar com o cumprimento dos específicos ónus fixados no art. 690º-A, do mesmo passo que sanciona o incumprimento deles com a rejeição do recurso.</font>
</p><p><font>Na versão aqui aplicável, o art. 690º-A dispõe:</font>
</p><p><font>“1- Quando se impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:</font>
</p><p><font>a) Quais os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;</font>
</p><p><font>b) Quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.</font>
</p><p><font>2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ainda ao recorrente, sob pena de rejeição do recurso, indicar os depoimentos em que se funda, por referência ao assinalado na acta, nos termos do disposto no art. 522-C”.</font>
</p><p><font> 4. 2. - A abertura à possibilidade da amplitude da reapreciação da matéria de facto com a “criação de um verdadeiro e efectivo 2º grau de jurisdição na apreciação da matéria de facto”, como hoje se prevê no regime legal transcrito, entronca directamente no Dec.-Lei n.º 39/95, de 25/2, diploma que veio consagrar e regulamentar o registo das audiências e da prova nelas produzida, aditando, ao que aqui mais releva, o referido art. 690º-A.</font>
</p><p><font>Não será de estranhar, pois, que nesse diploma se procurem subsídios para interpretação e determinação do conteúdo das normas desse inovador preceito.</font>
</p><p><font> No preâmbulo daquele Dec.-Lei n.º 39/95 pode ler-se que "a garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida em audiência - visando apenas a detecção e correcção de pontuais, concretos e seguramente excepcionais erros de julgamento, incidindo sobre pontos determinados da matéria de facto, que o recorrente sempre terá o ónus de apontar claramente e fundamentar na sua minuta de recurso". </font>
</p><p><font> Do mesmo passo que, imediatamente a seguir, dele se fez constar que “não poderá, deste modo, em nenhuma circunstância, admitir-se como sendo lícito ao recorrente que este se limitasse a atacar, de forma genérica e global, a decisão de facto, pedindo, pura e simplesmente, a reapreciação de toda a prova produzida em 1ª instância, manifestando genérica discordância com o decidido”</font>
</p><p><font> Os transcritos parágrafos surgem como justificação da solução vertida no art. 690º-A e, como tal, deverão, crê-se, ser interpretados no contexto em que se inserem.</font>
</p><p><font>Mais concretamente, esses trechos deverão conjugar-se com o que os antecede, mas sobretudo, com o que se lhe segue, e o que, de harmonia com o mesmo texto preambular, se pretende justificar.</font>
</p><p><font> Assim, depois de referir pretender consagrar «um efectivo segundo grau de jurisdição quanto à matéria de facto», que não deveria redundar na criação de factor de agravamento da morosidade da justiça, donde a necessidade de adoptar um sistema que tendente a garantir, o melhor possível, o equilíbrio entre as garantias das partes e a celeridade do processo, o legislador verteu na exposição de motivos os transcritos parágrafos, aos quais fez seguir outros, em que escreveu:</font>
</p><p><font>«A consagração desta nova garantia das partes no processo civil implica naturalmente a criação de um específico ónus de alegação do recorrente, no que respeita à delimitação do objecto do recurso e à respectiva fundamentação.</font>
</p><p><font> Esse especial ónus de alegação (…) assegurando, em última análise, a seriedade do próprio recurso intentado e obviando a que (…) possa ser utilizado para fins puramente dilatórios, visando apenas o protelamento do trânsito em julgado de uma decisão inquestionavelmente correcta.</font>
</p><p><font> Daí que se estabeleça, no art. 690º-A, que o recorrente deve, sob pena de rejeição do recurso, para além de determinar com toda a precisão os concretos pontos da decisão que pretende questionar, motivar o seu recurso através da transcrição das passagens da gravação que reproduzem os meios de prova que, no seu entendimento, impunham decisão diversa sobre a matéria de facto». </font>
</p><p><font>Ora, da leitura e interpretação do contido no desenvolvimento dos seis parágrafos que o legislador dedicou à justificação do regime acolhido no então introduzido art. 690º-A, crê-se que a ideia central a reter é que a lei, como expressamente está afirmado no preâmbulo sob apreciação, quis vedar completamente ao recorrente a impugnação “</font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>forma</font></i><font> </font><i><font>genérica</font></i><font> </font><i><font>e</font></i><font> </font><i><font>global</font></i><font>” da decisão de facto, pedindo, “</font><i><font>pura e simplesmente a reapreciação de toda a prova produzida</font></i><font>”, manifestando </font><i><font>“genérica discordância</font></i><font>” com a decisão da 1ª instância.</font>
</p><p><font> No mais, cumpridos os ónus cuja satisfação prevê, o art. 690º-A não estabelece limites.</font>
</p><p><font>Esses ónus não correspondem a mais que a exigências de fundamentação do recurso em termos de obtenção do falado equilíbrio possível entre a celeridade possível e as garantias das partes e que a lei pretendeu alcançar através de um apertado controlo do conteúdo da alegação, impondo a especificação dos concretos pontos de facto, dos concretos meios probatórios e sua indicação concretizada na referência da acta.</font>
</p><p><font>Com efeito, bem denuncia o regime adoptado pretender assegurar às partes o direito a um segundo grau de jurisdição quanto à matéria de facto, mediante a respectiva reapreciação pela Relação, mas sempre condicionado a uma impugnação séria e, para tanto, sujeita à alegação e discriminação das aludidas especificações.</font>
</p><p><font> Assim, é perfeitamente natural e razoável que para efeito de correcção de erros “pontuais” e “concretos” se exija a indicação dos concretos pontos erradamente julgados, como se explica no relatório preambular, por contraposição à confessada impossibilidade de reapreciação genérica, global mediante pedido puro e simples, ou seja, desprovido de especificação e concretização.</font>
</p><p><font>Porém, com a opção por tal fórmula, não parece que o legislador tivesse querido fixar limites determinados ao âmbito de impugnação. O que quis seguramente, isso sim, como declara, foi proibir a impugnação genérica da decisão de facto, mediante simples manifestação de discordância, impondo um específico ónus de impugnação, ou, dito de outro modo, exigir, a um tempo, uma delimitação do objecto do recurso e uma fundamentação adequadas ao equilíbrio dos objectivos, confessadamente prosseguidos pelo legislador, que se deixaram mencionados (no sentido do exposto, o ac., relatado pelo também aqui relator, de 18-11-2008 – proc. 08A3406).</font>
</p><p><font> O que realmente importa “é que, de maneira clara, haja indicação dos concretos meios de prova e, se testemunhal, a identificação das testemunhas e também a inequívoca indicação dos pontos de facto que se pretendem ver apreciados” (ac. STJ, de 23/02/2010 – proc. 1718.2TVLSB.L1.S1). </font>
</p><p><font> 4. 3. - O entendimento sufragado no acórdão recorrido, no sentido que os Recorrentes não fizeram a exigível especificação sobre os concretos pontos que consideram incorrectamente julgados, por fazerem uma remissão global, e por não terem feito, relativamente a cada um deles, indicação dos concretos meios de prova constantes da gravação, assenta, ao que parece na circunstância de os Recorrentes indicarem como incorrectamente julgados alguns pondo da base instrutória que não tiveram resposta negativa, mas apenas restritiva, sem indicar especificamente em que termos pretendiam ver alterada cada uma das respostas, antes propondo um conjunto de respostas não directa e expressamente relacionadas com cada um dos quesitos, podendo concluir-se que se exigiria a indicação, um a um, dos pontos da base instrutória erradamente julgados para, relativamente a cada um desses quesitos, ser proposta uma resposta.</font>
</p><p><font> Ora, assim sendo, afigura-se-nos que a exigência que foi colocada como base do decidido extravasa âmbito estabelecido pela lei para a satisfação dos ónus impostos pelos n.ºs 1 e 2 do art. 690º-A.</font>
</p><p><font> Com efeito, não se impõe que a impugnação seja feita com referência aos quesitos que integram a base instrutória nem que se estabeleça uma relação de correspondência directa entre a impugnação/decisão pretendida e os termos em que se encontra redigido o quesito ou quesitos que a devem comportar.</font>
</p><p><font> Como também se não exige que se especifique separadamente e relativamente a cada um dos pontos impugnados, os concretos meios de prova constantes da gravação que impõe decisão diversa.</font>
</p><p><font> O que a lei impõe, definindo os limites do ónus, é que se indiquem os concretos pontos de facto e que, relativamente a eles, se identifiquem os depoimentos (o concreto meio probatório invocado no caso) que impunham decisão diversa sobre aqueles pontos e pretende ver reapreciados, indicando-os, com referência à gravação constante da acta. </font>
</p><p><font> Verificados estes pressupostos, estarão reunidas as componentes de reapreciação das provas em que assentou a parte impugnada da decisão, no exercício dos poderes traduzidos num efectivo segundo grau de jurisdição, mantendo ou alterando os pontos de facto impugnados em conformidade com o seu juízo sobre a forma como foram julgados, face à identidade dos elementos de prova disponíveis (art. 712º-1-a) e 2).</font>
</p><p><font> Não pode, consequentemente, aceitar-se a posição que, apoiada nos transcritos passos do acórdão, conduziu à rejeição do recurso de apelação. </font>
</p><p><font> Sem que, face ao entendimento já expresso, se nos afigure relevante na apreciação do recurso, acontece até que, no caso, se está perante uma base instrutória em que, nuclearmente, estão em causa apenas duas questões de facto: - o acordo de partilha e respectivo conteúdo (pontos 3 a 5 e 9) e os actos materiais de posse sobre os prédios alegadamente partilhados nesse acordo (quesitos restantes). </font>
</p><p><font>Há, assim, quesitos com o objecto semelhante e mero desenvolvimento do conteúdo de outros, apenas referidos a realidades prediais distintas, razão por que, também por isso, entendemos não ser censurável a posição assumida pelos Recorrentes ao proporem, como respostas aos pontos de facto que impugnaram uma “súmula da matéria de facto”, em termos que entenderam capazes de responder às referidas questões, deixando aos Julgadores a respectiva distribuição por cada um daqueles específicos pontos.</font>
</p><p><font> Conclui-se, assim, carecer de fundamento, face aos pressupostos exigidos pelo art. 690º-A do CPC e do art. 712º-1-a) e 2 do mesmo diploma, a declarada rejeição do recurso, impondo-se, quanto a essa parte, a revogação do decidido.</font>
</p><p><font> 4. 4. - A situação, que não integra nulidade do acórdão, pois que não tipifica nenhum dos vícios formais previsto no art. 668º CPC, mas pura violação da lei processual, por erro de interpretação e aplicação, ou seja, erro de julgamento, determina, como vem peticionado, a remessa do processo à Relação para reapreciação da prova relativamente à matéria de facto impugnada, após o que ficará constituída a base de facto para a decisão de direito.</font>
</p><p><font> 5. - Decisão.</font>
</p><p><font> Em conformidade com o exposto, acorda-se em:</font>
</p><p><font>- Conceder provimento ao recurso;</font>
</p><p><font> - Revogar a decisão impugnada;</font>
</p><p><font> - Determinar a remessa dos autos à Relação para novo julgamento da apelação que inclua no respectivo objecto a impugnação da decisão de facto da 1ª Instância; e, </font>
</p><p><font> - Condenar os Recorridos nas custas deste recurso, visto terem deduzido oposição e decaído.</font>
</p><p><font> Lisboa, 29 Novembro 2011 </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> Alves Velho (relator)</font>
</p><p><font> Paulo Sá</font>
</p><p><font> Garcia Calejo</font>
</p></font><p><font><font> </font></font></p>
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1.ª Secção (Cível)
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<b><font> </font></b><font><br>
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<font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font><br>
<br>
<font>1. 1. - AA e BB propuseram acção declarativa, para efectivação de responsabilidade civil, contra “Companhia de Seguros CC, S.A.” e “DD – Companhia de Seguros, S.A.”, pedindo a condenação das RR., solidariamente, a pagarem:</font><br>
<font>- Ao A. a importância de 143 923 850$00, mais juros de mora a partir da data da citação, até efectivo e integral pagamento, e ainda o que se vier a apurar em ampliação do pedido ou execução de sentença referente aos danos qualificados nos arts. 99º a 104º da petição inicial, ao qual deverão acrescer os respectivos juros moratórios contados desde a liquidação até efectivo e integral pagamento.</font><br>
<font>- À A. a quantia de 3 340 000$00, acrescida de juros moratórios desde a citação até efectivo e integral pagamento.</font><br>
<font>Para tanto, em síntese, alegaram que:</font><br>
<font>- no dia 26 de Maio de 2001, pelas 23.00 horas, o A. e EE eram transportados num ciclomotor conduzido por FF, sendo que a faixa de rodagem estava húmida em função do nevoeiro cerrado;</font><br>
<font>- em sentido contrário circulava um “jipe” conduzido por FF, que seguia distraído e a uma velocidade superior a 90 km/hora, tendo o mesmo acabado por perder o controlo, entrando em derrapagem descontrolada, invadindo o corredor de circulação esquerdo, e colidido com o ciclomotor que circulava próximo do eixo da via;</font><br>
<font>- os proprietários do ciclomotor e do “jipe” haviam transferido, através de contratos de seguro, a sua responsabilidade civil para a 1ª e 2ª Rés, respectivamente;</font><br>
<font>- o A. sofreu extensas lesões, tendo sofrido múltiplas intervenções clínicas, sequelas e padecimentos, que descreve, tendo ficado com uma IPP de 100% e com necessidade do auxílio de terceira pessoa;</font><br>
<font>- reclama, assim, 17.250$00 a título de deslocações, 3.600$00 de despesas médicas, 80 000 000$00 pela incapacidade por invalidez total, 10 000 000$00 pelo dano biológico, 20 000 000$00 pelos danos não patrimoniais, 33 840 000$00 pelos danos patrimoniais decorrentes da contratação de uma terceira pessoa, 63.000$00 por outros danos patrimoniais e ainda o que vier a ser liquidado;</font><br>
<font>- a A. apenas recebia uma pensão da segurança social de 32.000$00, sendo o BB que prestava alimentos à sua mãe;</font><br>
<font>- pretende indemnização pela perda de alimentos que o A. lhe prestava e que computa em 35.000$00 mensais até o A. perfazer 25 anos de idade, sendo que tinha 18 anos à data do acidente.</font><br>
<br>
<font>As RR. contestaram.</font><br>
<br>
<font>A “CC” pede a sua absolvição alegando ter sido o condutor do ciclomotor o causador do acidente, ocorrido quando este efectuava uma ultrapassagem, invadindo metade esquerda da estrada, com as luzes apagadas e com 2 passageiros, quando a lotação era para um. Impugna por desconhecimento os danos alegados, para os quais o A. concorreu, pelo menos para o agravamento, ao fazer-se transportar irregularmente no ciclomotor.</font><br>
<br>
<font>A R. “DD arguiu as excepções da ilegitimidade das Partes, em razão do valor do pedido, e da exclusão da responsabilidade pelas lesões materiais sofridas pelo A., por excesso de lotação, e impugnou a versão do acidente apresentada pelos AA., bem como, por desconhecimento, os danos e seu valor.</font><br>
<br>
<font>A R. “DD” requereu a intervenção principal de GG (condutor do jipe), “HH Lda.” (proprietária do jipe), II (sinistrado), Hospital de S. Sebastião e Hospital Geral de Santo António.</font><br>
<br>
<font>O Hospital de São Sebastião apresentou-se a peticionar das RR. o pagamento de 10.952,95€, acrescido de juros, por virtude da assistência prestada ao A. BB.</font><br>
<br>
<font>II deduziu pedido de indemnização contra as RR., aduzindo, em suma, o seguinte:</font><br>
<font>- dá por reproduzido o acidente tal como foi descrito pelos AA.;</font><br>
<font>- quando seguia à frente do ciclomotor conduzido pelo FF, na mesma direcção, na sequência do embate ocorrido, foi atingido por estilhaços no olho esquerdo, tendo ficado com uma IPP à volta de 25%, reclamando por isso 10.000,00€ pelos danos não patrimoniais e 66.000,00€ a título de danos patrimoniais, tudo acrescido de juros à taxa legal desde a citação até integral pagamento.</font><br>
<br>
<font>No seguimento de convite do Tribunal para intervenção, JJ e KK deduziram pedido de indemnização contra a Seguradora “CC”, alegando que no local, dia e hora referidos pelos AA. circulava o ciclomotor conduzido por FF, seguindo como passageiro o A. BB conjuntamente com EE, verificando-se o embate com o “jipe” essencialmente nas circunstâncias descritas pelos AA.. </font><br>
<font>O FF sofreu lesões que lhe determinaram a morte.</font><br>
<font>Concluem pedindo a atribuição das indemnizações de 25.000,00€ a título de danos morais do falecido FF, 25.000,00€ a título de danos não patrimoniais para cada uma das demandantes, 80.000,00€ pelo dano da perda do direito à vida, 250.000,00€ a título de dano patrimonial decorrente da perda de rendimento que o falecido concederia às demandantes a título de alimentos, 2.907,99€ para a demandante JJ a título de despesas de funeral e 150,77€ referentes às publicações inerentes ao falecimento, no total de 403.058,56, a pagar pela R. “CC”.</font><br>
<br>
<font>Teve lugar a apensação do processo em que LL e MM demandaram a R. “Companhia de Seguros CC, S.A.”, pedindo a condenação desta a pagar aos AA. a quantia de 425.000,00€ mais juros legais até efectivo e integral pagamento, pelos factos geradores do mesmo acidente, como alegados pelos demais AA., agora relativamente aos danos decorrentes da morte de EE, seu filho, que liquidaram nas verbas parciais de 25.000,00€ a título de danos morais do falecido EE, 50.000,00€ a título de danos não patrimoniais para cada um dos demandantes, € 100.000 pelo dano da perda do direito à vida, 200.000,00€ a título de dano patrimonial decorrente da perda de rendimento que o falecido concederia aos Demandantes.</font><br>
<br>
<font>O Instituto de Solidariedade e Segurança Social, aderindo à descrição do acidente dos AA., deduziu pedido de reembolso de prestações contra a R. “CC” por virtude do subsídio por morte que pagou a JJ e KK, por causa do falecimento do FF, peticionando o pagamento da quantia de 2.005,26€, acrescida dos valores pagos na pendência da acção e de juros de mora.</font><br>
<br>
<font> A final, foram proferidas as seguintes decisões:</font><br>
<font>- “</font><i><font>Julga-se parcialmente procedente a acção proposta por BB, condenando-se a R. DD – Companhia de Seguros, S.A. a pagar-lhe a importância de € 250.105,25 (duzentos e cinquenta mil cento e cinco euros e vinte e cinco cêntimos), acrescida de juros de mora à taxa legal desde a citação e até integral pagamento;</font></i><br>
<i><font>Mais se condena a mesma R. a indemnizar mesmo A. dos danos constantes dos itens 98 a 104 dos factos assentes, a ser liquidados em execução de sentença, bem como as eventuais despesas futuras derivadas da contratação de uma terceira pessoa para o auxiliar nas tarefas do dia a dia por virtude de sequelas das lesões sofridas no acidente a que se reportam os presentes autos, igualmente a liquidar em execução de sentença;</font></i><br>
<font>- </font><i><font>Julga-se igualmente parcialmente procedente a pretensão deduzida por AA, condenando-se a R. DD a pagar-lhe a importância de € 10.474,76 (dez mil quatrocentos e setenta e quatro euros e setenta e seis cêntimos), acrescida de juros de mora à taxa legal desde a citação e até integral pagamento;</font></i><br>
<font>- </font><i><font>Julga-se parcialmente procedente a pretensão deduzida porII, condenando-se a R. DD a pagar-lhe a importância de € 30.000 (trinta mil euros), acrescida de juros de mora à taxa legal desde a notificação e até integral pagamento;</font></i><br>
<i><font>Julga-se parcialmente procedente a pretensão deduzida por LL e MM, condenando-se a R. MM a pagar-lhes a importância de € 110.000 (cento e dez mil euros), sendo metade para cada um, acrescida de juros de mora à taxa legal desde a notificação e até integral pagamento;</font></i><br>
<font>- </font><i><font>Julga-se totalmente procedente a pretensão deduzida pelo Hospital de S. Sebastião, S.A, em relação à R. DD, condenando-se esta a pagar-lhe a importância de € 10.952,95 (dez mil novecentos e cinquenta e dois euros e noventa e cinco cêntimos), acrescida de juros de mora à taxa legal desde a notificação e até integral pagamento;</font></i><br>
<font>- </font><i><font>Mais se julgam totalmente improcedentes todas as pretensões deduzidas contra a R. Companhia de Seguros CC, S.A., absolvendo-se esta de todos os pedidos contra si formulados</font></i><font>”.</font><br>
<b><font> </font></b><br>
<b><font> </font></b><font>Apelaram os AA. JJ e KK, AA e BB, II, LL e mulher e “Companhia de Seguros DD, S.A.”.</font><br>
<font> A Relação alterou o decidido na 1ª Instância, nos seguintes termos:</font><br>
<b><font>- </font></b><font>a indemnização de 250.105,25€ (200.000+50.000+105,25) atribuída a BB foi elevada para 420.105,25; </font><br>
<font>- a de 30.000,00€ arbitrada a II subiu para 35.000,00 euros; e,</font><br>
<font>- LL e mulher, MM viram os 110.000,00€ arbitrados na sentença reduzidos para 100.000,00 euros.</font><br>
<font>No mais, improcederam as pretensões formuladas nos recursos.</font><br>
<br>
<font> </font><br>
<font>1. 2. - Agora pedem revista os já Apelantes JJ, “DD”.</font><br>
<font> Subordinadamente, relativamente ao recurso da Seguradora, AA e BB também impugnaram a decisão, mas apenas relativamente a este último foi admitido o prosseguimento do recurso. </font><br>
<font>Estes mesmos Autores requerem ainda a ampliação do objecto do recurso com vista à manutenção da condenação da “DD”, agora solidariamente com a “CC”, como inicialmente peticionado, no caso de procedência do recurso das AA. JJ e KK, se decidir haver concurso de responsabilidades.</font><br>
<br>
<font>Pretendendo ver repartida, em partes iguais, a responsabilidade dos condutores dos veículos intervenientes no embate e respectivas Seguradoras, as Autoras </font><b><font>JJ </font></b><font>e KK argumentam nas conclusões da sua alegação: </font><br>
<font>1- O comportamento do condutor do veículo IG contribuiu necessariamente para a ocorrência do acidente de viação aqui em discussão, em regime de concorrência de causas; </font><br>
<font>2- Circulando o condutor do veículo IG a uma velocidade de pelo menos 60 km/h, de noite, em local mal iluminado, com o piso húmido e estando um denso e cerrado nevoeiro, havendo uma visibilidade reduzida, deixando rastos de travagem de cerca de 27 metros marcados no pavimento, sendo certo que o veículo IG não tinha sido submetido à inspecção periódica e considerando ainda que os passageiros do motociclo foram projectados uns (BB e FF) num raio de duas dezenas de metros do local do embate e o EE para mais de 40 metros, sendo que o FF e o EE faleceram e o BB ficado num estado grave, dúvidas não restam de que o comportamento do condutor do veículo IG potenciou a produção do concreto acidente em causa; </font><br>
<font>3- Sem conceder, a velocidade a que o veículo IG circulava contribuiu decisivamente para a dimensão e agravamento dos danos; </font><br>
<font>4- Ensina a experiência que se o condutor do IG circulasse a uma velocidade de 20/30 km/h, como estava obrigado face às condições da via, do tempo e da visibilidade, melhores condições teria ele e o próprio condutor do ciclomotor para reagirem em ordem a neutralizar o violento embate que afinal ocorreu e, em todo o caso, sempre é de presumir que o dano seria inferior; </font><br>
<font>5- Em face do supra exposto, entendem as aqui Recorrentes que a contribuição de cada interveniente teve para a produção do sinistro, deve ser proclamada à luz do estabelecido no artigo 570º do CC; </font><br>
<font>6- Pelos motivos supra expostos, entendem que as culpas dos intervenientes devem ser tidas por concorrentes em igual medida; </font><br>
<font>7- O tribunal recorrido violou o disposto nos artigos 483°, 563° e 570º do CC. </font><br>
<br>
<font> A Ré “</font><b><font>DD, S.A.</font></b><font>”, defendendo a redução da indemnização atribuída ao A. BB pela perda de capacidade aquisitiva (de 370 para 130 mil euros) e danos não patrimoniais (de 50 para 35), fixando-a em 165.000,00€, conclui:</font><br>
<font>1. No ciclomotor, que dispunha, no máximo, de lotação para um passageiro, para além do seu condutor, seguiam dois passageiros, entre eles, o co-Autor/Recorrido BB, à data do acidente de viação dos autos, com 18 anos de idade; </font><br>
<font>2. O BB não era portador do obrigatório capacete de protecção na cabeça; </font><br>
<font>3. O referido excesso de lotação do ciclomotor tem reflexos na redução da responsabilidade da Recorrente, que vê afastado o seu dever de indemnizar pelos danos materiais, por via da cláusula de exclusão prevista no artigo 7.º, n.º 2, alínea f) da LSO; </font><br>
<font>4. A forma ilícita, desatenta e irresponsável como os dois passageiros seguiam no ciclo motor e o facto de o BB não ser portador do obrigatório capacete de protecção na cabeça, contribuiu, decisivamente, para a verificação e agravamento dos danos que sofreu; </font><br>
<font>5. O comportamento dos lesados passageiros é censurável e não se mostrou indiferente para a verificação e agravamento dos danos, bem pelo contrário, concorreu para a produção e agravamento dos mesmos - artigos 505.º e 570.º do Código Civil; </font><br>
<font>6. Da sua actividade profissional, o BB retiraria um proveito mensal de aproximadamente, €600,00x14 meses/ano e €150,00x11 meses/ano e ficou afectado de uma incapacidade parcial permanente de 50%, acrescida, no futuro, de 15%, o que, utilizando uma taxa de referência de 4%, representa um capital de aproximadamente, €136.000,00; </font><br>
<font>7. Tal valor, "indiciário", deverá ser corrigido, em homenagem à equidade, pela consideração de outros factores, tais como: taxa de inflação anual, progressão na carreira, evolução do mercado laboral, profissão, sector de actividade, etc.; </font><br>
<font>8. Por outro lado, não pode o juízo equitativo omitir que o BB, maior de idade, entendeu, em contravenção com as normas estradais, fazer-se transportar num ciclomotor que, no máximo, tinha uma lotação para um passageiro, conjuntamente com o condutor e um outro passageiro, o inditoso EE; </font><br>
<font>9. Igualmente, não podemos esquecer que o BB seguia sem estar munido do obrigatório capacete de protecção na cabeça; </font><br>
<font>10. O BB, com as suas atitudes ilícitas e irresponsáveis, contribuiu decisivamente para a verificação e agravamento dos danos que sofreu em consequência do embate, e para os danos experimentados pelo inditoso menor, EE; </font><br>
<font>11. Na formação do juízo equitativo devemos ter presente que a aludida quantia reparadora, de €136.000,00, que só seria alcançada após mais de quatro décadas de trabalho, vai ser recebida de uma só vez; </font><br>
<font>12. Assim, fazendo apelo à equidade, continua a Recorrente a considerar mais justa a fixação da indemnização pela perda de capacidade aquisitiva do co-Autor BB, na quantia de €130.000,00;</font><br>
<font>Sem prescindir, </font><br>
<font>13. Não pode a Recorrente concordar com um juízo de previsibilidade que conclua que o BB não se irá reconverter a uma nova actividade profissional; </font><br>
<font>14. Afigura-se à Recorrente pouco provável que, com pelo menos 47 anos de vida activa pela frente, o BB não se readapte, não estude, não frequente cursos de formação profissional, não se "recicle laboralmente" e não encontre uma nova (e desejada) actividade profissional; </font><br>
<font>15. Existem actualmente as mais variadas políticas de emprego e formação profissional, remuneradas, que promovem a "reciclagem laboral" de pessoas que sofreram acidentes de trabalho, viação ou doença e permitem a sua conversão a nova actividade laboral; </font><br>
<font>16. Existem incentivos estatais que apoiam a contratação de pessoas com incapacidades e que, por essa via, promovem uma sociedade mais igualitária; </font><br>
<font>17. Trata-se, na maioria dos casos, de um conjunto de apoios atribuídos no âmbito de programas e medidas activas de emprego, apoios de natureza técnica e financeira que passam pela intervenção de avaliação e orientação profissional especializada, pela formação profissional adequada, pela frequência de cursos de formação profissional em estruturas de formação regulares (designadamente, Centros de Formação Profissional, de Gestão Directa ou Participada); </font><br>
<font>18. Existem ao alcance do BB várias soluções e apoios tendentes à sua reintegração e readaptação no mercado laboral, que passam por outras actividades que não a da construção civil (actividade profissional esta que passa actualmente, por uma notória e grave crise de desemprego); </font><br>
<font>19. No caso em apreço, os juízos de previsibilidade e normalidade impõem um juízo de provável possibilidade de reconversão do sinistrado a nova actividade laboral; </font><br>
<font>20. Apesar do melindre, considerando a contribuição do BB (que seguia em ciclomotor com excesso de lotação e sem ser portador do obrigatório capacete de protecção na cabeça) e os valores usualmente praticados pelos nossos Tribunais para situações semelhantes, a Recorrente entende que a compensação por danos não patrimoniais por ele sofridos, não deverá exceder os €35.000,00, montante esse actualizado. </font><br>
<font>O douto Acórdão violou nomeadamente, os artigos 483.º, 496.º n.ºs 1 e 3, 563.º, 505.º e 570º, todos do Código Civil. </font><br>
<br>
<font> No recurso subordinado, e na parte em que prosseguiu, o Autor </font><b><font>BB</font></b><font> pretende, por sua vez, a elevação da quantia atribuída como compensação pelos danos não patrimoniais, para 150.000,00€, ao abrigo da seguinte síntese conclusiva: </font><br>
<font>1. A valoração do dano não patrimonial sofrido pelo Autor BB efectuada pelo tribunal </font><i><font>a quo</font></i><font> não é a mais adequada;</font><br>
<font>2. O montante compensatório por danos não patrimoniais deve ser proporcional á gravidade do dano, nela se tomando em conta todas as regras de boa prudência, de bom senso prático, da justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida; </font><br>
<font>3. Entende-se ser mais adequado o valor de € 150.000,00 (cento e cinquenta mil euros) a atribuir ao Autor BB a título de indemnização compensatória pelos danos não patrimoniais sofridos; </font><br>
<font>(…)11. Ao não os interpretar da forma acima assinalada, o tribunal a quo violou o artigo 496°do Código Civil. </font><br>
<br>
<font>Perante o pedido da revista das Autoras JJ e KK, os também AA. AA e BB, ampliaram o objecto do recurso concluindo assim:</font><br>
<font>a. Na petição inicial foi pedida a condenação solidária das Rés seguradoras ao pagamento de determinada indemnização aos Autores; </font><br>
<font>b. As Intervenientes JJ e KK recorreram contra o acórdão da Relação do Porto arguindo a existência de culpa concorrente; </font><br>
<font>c. A procedência da revista não acarreta a limitação do dever de prestação integral da indemnização perante o lesado; </font><br>
<font>d. O dever de prestação integral decorre do disposto no artigo 497.° do Código Civil, normativo que constituiu fundamento da presente acção; </font><br>
<font>e. Assim sendo, caso proceda o recurso das recorrentes e se determine que a Companhia de Seguros DD, S.A. é apenas co-responsável pelo pagamento da indemnização fixada em beneficio dos Autores (ao invés de responsável única) deve concomitantemente determinar-se que a mesma, em razão do artigo 497° do CC, responde perante o lesado pela totalidade da indemnização.</font><br>
<br>
<font> Enquanto Recorridas, as Partes responderam reciprocamente.</font><br>
<br>
<br>
<font> 2. - </font><b><font>Questões</font></b><font> a apreciar.</font><br>
<br>
<font> O objecto dos recursos, independentes e subordinado, bem como da ampliação, reconduzem-se à apreciação das seguintes questões (total ou parcialmente comuns):</font><br>
<br>
<font> -Concurso de responsabilidades dos condutores e, em caso afirmativo, respectiva medida e âmbito da condenação da Demandada “DD”;</font><br>
<font> </font><br>
<font>- Valoração e fixação dos danos sofridos pelo A. BB a título de perda de capacidade aquisitiva e danos não patrimoniais; e,</font><br>
<font> </font><br>
<font> - Termos da condenação da Ré “DD” na hipótese de procedência da pretensão da existência do concurso.</font><br>
<br>
<br>
<font> 3. - Matéria de facto.</font><br>
<br>
<font> O quadro factual a considerar na apreciação do objecto do recurso é o que segue: </font><br>
<br>
<font>1- No dia 26 de Maio de 2001, pelas 23 horas, circulava pela estrada municipal que liga as localidades de S. João de Ver a Santa Maria da Feira, denominada Rua ............, no Lugar de Cavaleiros, freguesia de S. João de Ver, concelho de Santa Maria da Feira, o ciclomotor de matrícula “..-..-..", conduzido pelo seu proprietário, FF;</font><br>
<font>2 - Fazia-o no sentido S. João de Ver - Santa Maria da Feira;</font><br>
<font>3 - O condutor do “..-..-.." transportava no seu veículo dois passageiros, EE e BB, sendo certo que tal ciclomotor dispunha, no máximo, de lotação para um passageiro;</font><br>
<font>4 - A faixa de rodagem estava húmida em função do denso e cerrado nevoeiro que se fazia sentir naquela noite;</font><br>
<font>5 - A visibilidade era reduzida e a iluminação pública era, como é, deficiente;</font><br>
<font>6 - A faixa de rodagem era constituída por dois corredores de circulação, cada um afecto ao seu sentido de marcha, sendo ladeada nas extremidades por bermas, de terra batida, com cerca de 50 cms.;</font><br>
<font>7 - O piso era em asfalto;</font><br>
<font>8 - Nas mesmas circunstâncias de tempo e lugar, circulava, também pela referida estrada municipal, o veículo automóvel ligeiro de passageiros, vulgarmente denominado Jipe, com a matrícula “..-..-..”, propriedade de “HH Limitada” e conduzido por GG;</font><br>
<font>9 - O veículo “IG” desenvolvia, porém, a sua marcha em sentido inverso ao seguido pelo “..-..-..", ou seja, Santa Maria da Feira - S. João de Ver;</font><br>
<font>10 - O “..-..-.." e o “..-..-..” colidiram entre si, tendo-se o embate verificado entre a frente do automóvel e a parte da frente do ciclomotor;</font><br>
<font>11 - O embate foi causa adequada e exclusiva da morte do condutor FF e do passageiro EE e de lesões no BB;</font><br>
<font>12 - À data do embate, a responsabilidade civil emergente da circulação do “..-..-..” encontrava-se transferida, pelo seu proprietário, sem limite de capital, para a “Companhia de Seguros CC, S.A.”, através de contrato de seguro titulado pela apólice n.º 0000000000;</font><br>
<font>13 - À data do embate, a responsabilidade civil emergente da circulação do “..-..-.." encontrava-se transferida, pelo seu proprietário, até ao limite de € 600.000,00, para a “DD - Companhia de Seguros, S.A.”, através de contrato de seguro titulado pela apólice n.º 000000000;</font><br>
<font>14 - O A. BB tinha, à data do acidente, 18 anos de idade;</font><br>
<font>15 - A A. AA é beneficiária da Segurança Social com o n.º 00000000000;</font><br>
<font>16 - O A. BB é beneficiário da Segurança Social com o n.º 00000000000;</font><br>
<font>17 - De acordo com as alíneas f) e i) do n.º 2 da cláusula 6.ª das condições gerais uniformes do contrato de seguro referente ao ciclomotor de matrícula “..-..-..": “excluem-se...da garantia do seguro quaisquer danos decorrentes de lesões materiais causados...aos passageiros quando transportados em número ou de modo a comprometer a sua segurança ou a segurança da condução”;</font><br>
<font>18 - À data do acidente, a A. JJ era casada com FF, desde 11 de Julho de 1998;</font><br>
<font>19 - Na constância desse matrimónio nasceu, em 10 de Setembro de 2000, KK;</font><br>
<font>20 - O FF faleceu em 26 de Maio de 2001, no estado de casado;</font><br>
<font>21 - O FF faleceu com 22 anos de idade;</font><br>
<font>22 - As AA. JJ e KK são as únicas e universais herdeiras do FF;</font><br>
<font>23 - Em consequência do embate, o FF sofreu lesões múltiplas nos seus membros inferiores e superiores, bem como, lesões torácicas e craniana graves que foram a causa adequada da sua morte;</font><br>
<font>24 - O EE faleceu no dia 27 de Maio de 2001, com 16 anos de idade;</font><br>
<font>25 - O FF era beneficiário da segurança social com o n.º 00000000;</font><br>
<font>26 - O II é beneficiário da segurança social com o n.º 000000000;</font><br>
<font>27 - O ISSS/CNP entregou a JJ e a KK, a título de subsídio por morte do FF, a quantia de € 2.005,26;</font><br>
<font>28 - Atento o sentido de marcha do “..-..-..", a faixa de rodagem descreve-se em recta com cerca de 350/400 metros de comprimento, de relevo ascendente, com um grau de inclinação de sensivelmente 6º;</font><br>
<font>29 – O condutor do “IG” imprimia-lhe pelo menos uma velocidade de 60 Kms/hora;</font><br>
<font>30 - O embate entre o “..-..-.. e o “IG” ocorreu a cerca de 20/25 metros de um pequeno santuário, vulgarmente denominado de “alminhas”, que se situa do lado direito da faixa de rodagem, atento o sentido de trânsito S. João de Ver - Santa Maria da Feira;</font><br>
<font>31 - Na sequência do embate os corpos do condutor e passageiros do ..-..-.. foram projectados num raio de cerca de duas dezenas de metros do local do embate;</font><br>
<font>32 - O condutor do “IG” circulava pela metade direita da estrada, atento o seu sentido de marcha;</font><br>
<font>33 - O condutor do “..-..-.." circulava completamente desatento ao trânsito que, na altura, se fazia sentir;</font><br>
<font>34 - O “..-..-.." circulava com as luzes apagadas;</font><br>
<font>35 - E sem qualquer tipo de sinalização que permitisse aos demais utentes da via avistá-lo;</font><br>
<font>36 – O ciclomotor de matrícula “..-..-.., conduzido por II, circulava à frente e no mesmo sentido que o “..-..-..";</font><br>
<font> 37 - O ..-..-.. invadiu a metade esquerda da estrada, atento o seu sentido de marcha;</font><br>
<font>38 - Por onde circulava o “IG”, na altura em que o condutor do “..-..-.." se preparava para cruzar com o “IG”;</font><br>
<font>39 - Em face das condições em que circulava o ..-..-.. e a fraca visibilidade que se fazia sentir, foi inevitável o embate;</font><br>
<font>40 - O qual ocorreu na metade direita da estrada, atento o sentido de marcha do “IG”;</font><br>
<font>41 - Quer os ocupantes, quer os condutores do “..-..-.." e do “..-..-.." conheciam-se uns aos outros e mantinham entre si relações de amizade, e na altura do acidente dirigiam-se todos para um bar em Santa Maria da Feira;</font><br>
<font>42 - O embate entre o “IG” e o “..-..-.." deu-se com a parte da frente esquerda do “IG”;</font><br>
<font>43 - A faixa de rodagem da estrada municipal pela qual circulavam os dois veículos mede, no local do embate, 8,80 metros de largura, com hemi-faixas de 4,40 metros;</font><br>
<font>44 - Após o embate, o “IG” continuou a circular, tendo, então, o respectivo condutor accionado o sistema de travagem do veículo que tripulava, deixando um rasto marcado no pavimento da estrada com a extensão de cerca de 27 metros;</font><br>
<font>45 - No dia 26 de Maio de 2001, pelas 23 horas, o A. II seguia no ciclomotor de matrícula “..-..-..9", pela Rua ............, no Lugar de Cavaleiros, em S. João de Ver, vindo de S. João de Ver em direcção a Santa Maria da Feira, com os seus amigos;</font><br>
<font>46 - O A. II seguia, nessa Rua e nesse sentido, no ciclomotor de matrícula “..-..-..";</font><br>
<font> 47 - Pela sua hemi-faixa de rodagem, atento o sentido indicado;</font><br>
<font>48 - Sendo que o “..-..-.." seguia no mesmo sentido;</font><br>
<font>49 - A faixa de rodagem era constituída por dois corredores de circulação, cada um afecto ao seu sentido de marcha;</font><br>
<font>50 - O “IG” não tinha sido submetido à inspecção periódica a que está sujeito;</font><br>
<font>51 - No momento do acidente, o FF conduzia o “..-..-.." numa viagem de 2 Kms.;</font><br>
<font>52 - No local do acidente, não existia sinalização luminosa vertical;</font><br>
<font>53 - E não existiam linhas longitudinais delimitadoras das bermas nem da hemi-faixa de rodagem;</font><br>
<font>54 - O EE era transportado no “..-..-..";</font><br>
<font>55 - O EE seguia transportado no ciclomotor sem qualquer apoio para os pés e mãos;</font><br>
<font>56 - Logo após o embate, o BB, foi transportado para o Hospital de S. Sebastião em Santa Maria da Feira;</font><br>
<font>57 - Num estado pré-comatoso, com múltiplas fracturas;</font><br>
<font>58 - Dando entrada na unidade de cuidados intensivos dessa instituição hospitalar, onde ficou internado;</font><br>
<font>59 - Atenta a gravidade e extensão das lesões, o BB foi transferido para o Hospital Geral de Santo António, na cidade do Porto;</font><br>
<font>60 - Onde foi internado na Unidade de Cuidados Intensivos;</font><br>
<font>61 - Passado pouco tempo, entrou em coma profundo;</font><br>
<font>62 - Situação essa que permaneceu inalterada até meados de Junho de 2001;</font><br>
<font>63 - Durante esse período e após avaliação clínica e radiográfica, foi feito o diagnóstico, apresentando múltiplas fracturas;</font><br>
<font>64 - Entre essas fracturas, destaca-se traumatismo crâneo-encefálico;</font><br>
<font>65 - Traumatismo torácico;</font><br>
<font>66 - Traumatismo da bacia com fractura ao nível da espinha ilíaca anterosuperior, com disjunção da sínfise púbica tipo B1 de Tile;</font><br>
<font>67 - Fractura exposta (grau II) dos ossos da perna esquerda;</font><br>
<font>68 - Fractura exposta (grau I) nos ossos da perna direita;</font><br>
<font>69 - Fractura da extremidade distal do rádio direito;</font><br>
<font>70 - Fractura na base do quinto metatarsiano;</font><br>
<font>71 - Diversas e múltiplas escoriações e hematomas por todo o corpo;</font><br>
<font>72 - Atenta a gravidade e extensão das lesões apresentadas o BB efectuou diversas análises;</font><br>
<font>73 - Realizou múltiplos exames radiológicos ao tronco, coluna cervical, dorsal e lombar e membros inferiores;</font><br>
<font>74 - O BB sujeitou-se, ainda, a um TAC;</font><br>
<font>75 - Foi submetido a cirurgia ortopédica no dia 27 de Maio de 2001 e a 21 de Junho de 2001;</font><br>
<font>76 - Procedeu-se ao encavilhamento endomedular da tíbia direita com vareta de UTN;</font><br>
<font>77 - Redução e osteotaxia das fracturas do membro inferior esquerdo com fixador externo tubular AO OOS da sínfise púbica com duas placas;</font><br>
<font>78 - Imobilização gessada da fractura distal do rádio;</font><br>
<font>79 - Embora ainda a recuperar das múltiplas lesões acima descritas, o BB teve alta pelo serviço de Urologia e Cirurgia Geral, pelo que foi transferido, em 27 de Junho de 2001, para o Hospital de São Sebastião em Santa Maria da Feira;</font><br>
<font>80 - Aí chegado, deu entrada nos serviços de Ortopedia;</font><br>
<font>81 - Além das lesões acima descritas, o BB apresentava ainda a exérese do testículo esquerdo e colostomia para derivação das fezes;</font><br>
<font>82 - Foi operado pela Cirurgia Geral para reconstituição da continuidade intestinal em 02 de Agosto de 2001;</font><br>
<font>83 - Foi, ainda, operado por Ortopedia em 10 de Agosto de 2001, para fixação interna da perna esquerda;</font><br>
<font>84 - Como consequência das lesões sofridas o A. BB ficou com uma incapacidade permanente geral de 50%, a que acresce mais 15% a título de dano futuro, sendo tais sequelas impeditivas do exercício da sua profissão habitual de trabalhador da construção civil bem como qualquer outra profissão dentro da sua área de preparação técnico profissional;</font><br>
<font>85 - O BB terá ainda de se sujeitar a diversas intervenções cirúrgicas do foro ortopédico;</font><br>
<font>86 - Não sendo ainda clinicamente possível prever o tempo e tipo de internamento necessários; </font><br>
<font>87 - Desde a data do acidente até à presente data, o BB já realizou 4 intervenções cirúrgicas de natureza ortopédica, torácica, intestinal e plástico-reconstitutiva;</font><br>
<font>88 – À data da entrada da petição inicial em juízo, em 12/11/2001, o BB encontrava-se acamado em casa, a aguardar as próximas intervenções cirúrgicas e a solidificação e consolidação das intervenções já efectuadas;</font><br>
<font>89 - Durante todo o período de internamento, que se estende deste a data do acidente até à data de entrada da p.i. por si intent
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SzK3u4YBgYBz1XKv0DaU
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1.ª Secção (Cível)
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<b><font> </font></b><font><br>
<b><font> Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font></b><br>
<br>
<font> </font><b><font>1.</font></b><br>
<br>
<font> Fundação Dr. FC intentou, no Tribunal Judicial de Entroncamento, procedimento cautelar de restituição provisória de posse contra Município de Vila Nova da Barquinha, com vista a obter a restituição do prédio urbano, sito na Rua ...., o qual foi objecto do contrato de comodato que, em 27 de Novembro de 2006, outorgaram.</font><br>
<font> Em abono do deferimento da sua pretensão, alegou que o requerido, através de ofício, datado de 28 de Julho de 2007, lhe comunicou a resolução do dito contrato, e que, posteriormente, “tomou de assalto” o edifício com arrombamento dos portões de acesso ao logradouro e das portas do edifício, privando-a, assim, do seu uso, certo que suportou despesas com a realização de obras levadas a cabo no âmbito do cumprimento do programa contratual estabelecido.</font><br>
<br>
<b><font>2.</font></b><br>
<font> A providência em causa foi indeferida </font><i><font>in limine</font></i><font> com o argumento de que a instauração da mesma no foro comum transgredia as regras da competência em razão da matéria, devendo, por isso mesmo, ser proposta nos tribunais administrativos. </font><br>
<br>
<font> Inconformada, a requerente agravou, sem êxito para o Tribunal da Relação de Évora.</font><br>
<font> Eis que, de novo, recorre, pugnando pela competência dos tribunais judiciais para decidir a providência, tendo, para o efeito, apresentado a respectiva minuta que fechou com as seguintes conclusões:</font><br>
<font>- A agravante é uma pessoa colectiva de direito privado embora beneficie de estatuto de utilidade pública.</font><br>
<font>- A providência cautelar tem por objecto a violação do contrato de comodato e não o programa Progride, constante do Despacho nº 25/2005.</font><br>
<font>- O contrato de comodato é um contrato de direito privado e rege-se por normas de direito privado.</font><br>
<font>- As partes contratantes fixaram expressamente a aplicação ao contrato das normas constantes do Código Civil.</font><br>
<font>- O que importa o reconhecimento de que se trata de um diferendo relativo a contrato de direito privado.</font><br>
<font>- A actividade do agravado não tem por objecto a prossecução de fins sociais.</font><br>
<font>- O que obsta a que a relação contratual entre agravante e agravado seja classificada como relação entre pessoas colectivas de direito público ou entre órgãos públicos.</font><br>
<font>- Mostram-se violados os artigos 212º, nº 3, da Constituição, 1º, nº1 e 4º, nº 1, alíneas f) e j) do ETAF e 393º do Código de Processo Civil.</font><br>
<br>
<font> </font><b><font>3.</font></b><br>
<font> Importa, pois, decidir.</font><br>
<font> </font><br>
<font>Para além dos factos já referidos, anota-se, ainda, que a cedência do edifício por parte do Município requerido surgiu na sequência da candidatura por ele apresentada, em parceria com a requerente, ao Programa Progride, no âmbito do Despacho nº 25/2005, de 3 de Janeiro.</font><br>
<br>
<font> Decorre do nº 3 do artigo 212º da Constituição que “compete aos tribunais administrativos e fiscais o julgamento das acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais”.</font><br>
<font> Compete, assim, a estes tribunais “o julgamento das acções que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas, sendo que a sua competência é excepcional, sendo a jurisdição regra dos tribunais judiciais (artigos 18º, nº 1, da LOFTJ – Lei nº 3/99, de 13 de Janeiro – aqui aplicável – e artigo 66º do Código de Processo Civil).</font><br>
<font> A lei ordinária desenvolveu estes princípios, afirmando no artigo 1º, nº 1, do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais que os tribunais administrativos são órgãos de soberania competentes para resolver os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais e enumerando, exemplificativamente, no artigo 4º as várias hipóteses em que a competência lhes pertence.</font><br>
<font> Estribou-se a decisão da 1ª instância no facto de o litígio se enquadrar no incumprimento de um contrato de comodato celebrado na sequência da apresentação do Município, em parceria com a requerente, ao programa Progride, cujo Regulamento consta do Despacho nº 25/2005, de 03/01, convocando em seu abono o preceituado na alínea j) do nº 1 do artigo 4º do ETAF.</font><br>
<font> Já a Relação confirmou a decisão da 1ª instância socorrendo-se já não da citada alínea j), que considerou inaplicável ao caso, mas sim da alínea f) do mesmo preceito legal.</font><br>
<font> E justificou a sua posição dizendo que se está “perante uma situação emergente de um contrato especificamente a respeito do qual existem normas de direito público que regulam aspectos específicos do respectivo regime, perante uma situação em que o Município actuou no exercício do </font><i><font>ius imperii</font></i><font>, do seu poder público, no âmbito da prossecução da sua função pública”.</font><br>
<font> Reconheceu, contudo, que em causa está a resolução de um conflito derivado do alegado incumprimento do contrato de comodato, mas acabou por reconhecer que “é assim (…) manifesto que o cumprimento do contrato de comodato teria que reger-se por normas de direito público, estabelecidas no âmbito do Progride”, certo que “a cláusula 9ª do contrato, ao mandar observar o disposto nos arts. 1129º e seguintes do C. Civil, fá-lo apenas de forma subsidiária ou seja, em tudo o que não estiver especificamente previsto no contrato”.</font><br>
<font> Acrescentou, ainda, em reforço da sua posição, que o estipulado na cláusula 6ª (na qual o requerido se reservou o direito de resolver o contrato e ordenar a desocupação do espaço cedido) é igualmente indiciador de que o requerido agiu enquanto entidade pública, no exercício do seu </font><i><font>ius imperii</font></i><font>, no âmbito dos seus poderes de gestão pública”.</font><br>
<br>
<font> Pois bem. A argumentação das instâncias não nos convence.</font><br>
<br>
<font> Como bem ensina Manuel Andrade, citando Redenti, a competência de um tribunal afere-se pelo </font><i><font>quid disputatum</font></i><font>: “é o que tradicionalmente se costuma exprimir dizendo que a competência se determina pelo pedido do Autor” (Noções, página 91).</font><br>
<font> Ora, o pedido da requerente é única e exclusivamente a restituição do prédio, por mor do alegado direito de retenção, fruto de alegado incumprimento de um contrato de comodato.</font><br>
<font> Para se saber se a requerente tem direito a ver a sua pretensão deferida, torna-se necessário saber da veracidade, dentro de um critério puramente indiciário, da factualidade alegada. O mesmo é dizer que, em última análise, interessa à </font><i><font>solutio</font></i><font> do caso averiguar da resolução do contrato de comodato, das obras levadas a cabo que terão acarretado despesas e, por fim, da privação do uso a que a requerente se viu sujeita por acção do requerido.</font><br>
<font> Este tipo de contrato está perfeitamente definido no artigo 1129º do Código Civil: “comodato é o contrato gratuito pelo qual uma das partes entrega à outra certa coisa, móvel ou imóvel, para que se sirva dela, com a obrigação de o restituir”.</font><br>
<font> E, ao cabo e ao resto, é este o contrato que está na origem do conflito que opõe as partes.</font><br>
<font> É claro que, dentro do espírito de liberdade que preside à elaboração dos contratos em geral, podiam elas ter introduzido no programa contratual a que se propuseram certas e determinadas cláusulas (nem por isso o contrato deixava de ser comodato), mas, não o tendo feito, como efectivamente, não o fizeram, remeteram, sem necessidade é certo, a resolução de qualquer problema dele derivado para o estabelecido no respectivo capítulo IV, do Título II, do Livro II do Código Civil.</font><br>
<font> Assim, </font><i><font>inter alia</font></i><font>, ficou convencionado o fim do contrato, afastando toda e qualquer hipótese de neutralidade do contrato (seria tal, no concreto, imaginável?...) e a possibilidade de o Município poder “resolver” o contrato, como se isso não estivesse expressamente contemplado no artigo 1137º do Código Civil.</font><br>
<font> É evidente que as partes decidiram que o objecto (o prédio) iria ter uma determinada finalidade: se não o fizessem, então ficaria no livre arbítrio do comodatário o seu uso (dentro de parâmetros lícitos), por força do artigo 1131º do Código Civil.</font><br>
<font> O que aqui está em causa é apenas uma questão meramente privada, a exigir que sejam os tribunais judiciais a decretar a sua resolução.</font><br>
<font> O mesmo é dizer que é a estes que cabe averiguar da bondade da pretensão deduzida pela requerente.</font><br>
<font> Sem dúvida que uma parte é uma entidade pública – é a única “ligação” ao direito público que aqui se encontra, como acertadamente acentuou a requerente.</font><br>
<font> Mas, para além disso, importa dizer que as partes não submeterem expressamente a um regime substantivo de direito público (antes remeteram a sua regulamentação para as normas do contrato de comodato, tal-qualmente se encontra previsto no Código Civil).</font><br>
<font> Nem visualizamos que pudesse ser de outra maneira.</font><br>
<font> </font><br>
<font> Centremos, ora, a nossa atenção ao caso em discussão à luz do determinado pela lei reguladora da competência dos tribunais administrativos e fiscais. Referimo-nos, como está bom de ver, à Lei nº 13/2002, de 19 de Fevereiro.</font><br>
<font> Com esta lei pretendeu o legislador estabelecer novos critérios de delimitação da jurisdição administrativa. </font><br>
<font> Na concretização prática desta ideia, ficou estabelecido, no que diz respeito a actos pré-contratuais e contratos, praticados ou celebrados ao abrigo de normas de direito público, o seguinte: os tribunais administrativos têm competência para julgar questões relativas à interpretação, validade e execução dos contratos, sempre que se verifique uma das seguintes condições:</font><br>
<font>a) Contrato de objecto passível de acto administrativo;</font><br>
<font>b) Existência de normas que regulem aspectos específicos do respectivo regime substantivo;</font><br>
<font>c) Uma das partes seja uma entidade pública ou concessionário e as partes contratuais sujeitem o contrato a um regime de direito público.</font><br>
<font>d) Que o procedimento pré-contratual que antecede a celebração do contrato seja regulado por normas de direito público.</font><br>
<font>Sobressai a ideia de que se mantém a competência dos tribunais administrativos em função da natureza do contrato, mas acrescenta-se o critério da natureza do procedimento pré-contratual subjacente, abrangendo, assim, contratos celebrados entre pessoas colectivas de direito público, entre estas pessoas e pessoas colectivas de direito privado, ou, ainda, entre diversas pessoas colectivas de direito privado, para além do alargamento da sua competência aos processos de impugnação de actos pré-contratuais constantes de procedimento pré-contratual regulado por normas de direito público, com salvaguarda da possibilidade de cumulação entre o pedido de impugnação de um destes actos com pedidos relativos ao contrato posteriormente celebrado (</font><i><font>vide</font></i><font> artigo 47º, nº 2, alínea c) do Código de Processo dos Tribunais Administrativos).</font><br>
<font>Como salientam Diogo Freitas do Amaral e Mário Aroso de Almeida, “de acordo com a proposta de lei que o Governo tinha apresentado na Assembleia de República, os tribunais administrativos seriam competentes para dirimir as questões relativas à interpretação, validade e execução de todos os contratos celebrados por pessoas colectivas de direito público, independentemente da questão de saber se os contratos se regiam por disposições específicas de direito público”.</font><br>
<font>Porém, adiantam, “o argumento da eventual desconformidade da solução da transferência em bloco para a jurisdição administrativa da apreciação de todos os litígios emergentes de contratos celebrados por entidades públicas, com o disposto no artigo 212º, nº 3, da CRP, que circunscreve o objecto da jurisdição administrativa à resolução de questões emergentes de relações jurídicas administrativas e as concomitantes resistências ao facto de, por essa via, se transferir para a jurisdição administrativa a apreciação de relações jurídicas que, em muitos casos, só se distinguem pelo facto de terem uma parte como entidade pública, terão levado o legislador a procurar outro caminho, que se afigura legítimo qualificar como meio termo, e de que resulta o disposto no artigo 4º, alíneas e) e f) do ETAF” (Grandes Linhas da Reforma do Contencioso Administrativo – 2ª edição –, páginas 37 e seguintes).</font><br>
<font>O legislador lançou, pois, mão de um duplo critério: por um lado, o artigo 4º, nº 1, alínea e), confere à jurisdição administrativa o poder de apreciar as questões relativas à interpretação, validade e execução dos contratos a respeito dos quais exista lei que expressamente os submeta, ou admita, que eles possam ser submetidos, a um procedimento pré-contratual específico de direito público; por outro, de um critério substantivo e, nesse sentido, a alínea f) do preceito legal em apreciação confere à jurisdição administrativa o poder de apreciar as questões relativas à interpretação, validade e execução de contratos de objecto passível de acto administrativo, de contratos especificamente a respeito dos quais existam normas de direito público que regulem aspectos do regime substantivo, ou de contratos que as partes tenham expressamente submetido a um regime substantivo de direito público.</font><br>
<font>Para os autores supra citados “com este segundo critério, procurou o legislador do ETAF densificar o conceito de contrato administrativo, aparentemente incontornável num sistema que continue a apostar na bipartição de competências, em matéria contratual, entre a jurisdição comum e a jurisdição administrativa” (obra citada, página 41).</font><br>
<br>
<font>No caso concreto que nos cumpre analisar, verifica-se que as partes nada mais fizeram do que celebrar um contrato de comodato (típico e, como tal, previsto e regulamentado nos artigos 1129º a 1141º do Código Civil), certo que só o terão celebrado no âmbito de Despacho nº 25/2005, de 3 de Janeiro, que define os princípios, regras e procedimentos a que deve obedecer o desenvolvimento e execução do Progride, segundo o expressamente estipulado na cláusula 3ª do contrato. </font><br>
<font>O que é decisivo para encontrar a </font><i><font>solutio</font></i><font> do litígio é o contrato em si – de natureza puramente privada –, já não a motivação que as partes carrearam para a sua concretização, vertendo-a no escrito que perpetuou o encontro de vontades.</font><br>
<font>Só na base da resolução do dito contrato de comodato é possível dizer se as despesas suportadas no âmbito da sua previsão e execução conferem à sua autora o invocado direito de retenção (</font><i><font>cfr</font></i><font>. artigo 755º, alínea e) do Código Civil).</font><br>
<font>Vale por dizer que o direito reclamado pela requerente radica na outorga do contrato de comodato e na sua subsequente resolução com a inerente privação do seu uso. </font><br>
<font>Provada (indiciariamente) a factualidade alegada e correspondente aos pontos referidos, será, então, altura de decretar a reclamada providência à luz do preceito legal acabado de citar.</font><br>
<font>Irrelevante, ainda, que o sinal de resolução, com base no incumprimento, tenha sido dado por uma parte que é uma pessoa colectiva de direito público.</font><br>
<font>O contrato aqui em causa é de natureza privada, as partes actuaram como entes privados, incluindo o Município que, como qualquer outra pessoa de direito o pode sempre resolver (com fundamento ou sem ele, é cousa que irreleva), desvinculando-se do mesmo: nada, mas nada, justifica, a remessa do litígio para o foro administrativo.</font><br>
<font>À luz das considerações expostas e, sobretudo, das disposições legais aqui convocadas, não se descortina, pois, como possa subsistir o defendido pelas instâncias a respeito da incompetência material do tribunal comum.</font><br>
<font>É que – repete-se – em causa está apenas e só saber se o contrato de comodato foi incumprido e se, por virtude das obras (benfeitorias) levadas a cabo pela recorrente no âmbito do seu cumprimento (cláusula 4ª), esta tem direito de retenção, tal como o proclama, invocando, para tal, o preceituado no artigo 755º, nº 1, alínea h), do Código Civil. </font><br>
<font>Se esta questão obtiver resposta positiva, então, a darem-se como provados todos os demais factos alegados a respeito da conduta da recorrida, nada mais há a fazer do que decretar a providência solicitada: tão simples quanto isto.</font><br>
<br>
<font>Mas, verdadeiramente, a questão não fica devida e definitivamente esclarecida com o que ficou dito.</font><br>
<font>Há que acrescentar algo mais. E isso passa pela ponderação que se possa (deva) fazer sobre a natureza jurídica dos actos administrativos em sede de impugnação, ou seja, “saber quando é que, na vigência do contrato, nos encontramos na presença de actos administrativos, passíveis de impugnação, ou, pelo contrário, perante litígios em que, por não haver lugar à emissão de manifestações de autoridade da Administração, as partes no contrato estão colocadas em posição de paridade”.</font><br>
<font> A questão coloca-se no que respeita à execução (cumprimento ou incumprimento) dos contratos, ou seja, no ponto em que importa saber se “os actos jurídicos que a Administração profira no domínio dos contratos em que é parte devem ser qualificados como actos administrativos ou como meras declarações negociais de carácter imperativo”.</font><br>
<font> Reconhecendo que a questão é controversa, Mário Aroso de Almeida (autor que temos vindo a acompanhar com as últimas citações) defende que “…, por regra, as declarações que a Administração produza não devem ser qualificadas como actos administrativos, mas como meras declarações negociais, sem carácter imperativo, susceptíveis de serem discutidas, sendo caso disso, no âmbito de uma acção de plena jurisdição”.</font><br>
<font> E, mais adiante, justifica:</font><br>
<font> “Na verdade, também no âmbito das relações contratuais entre privados há lugar à prática de actos jurídicos unilaterais, no exercício de poderes frequentemente estipulados no clausulado dos contratos, e nem por isso os litígios em torno da legitimidade do exercício desses poderes é objecto de um especial tratamento no plano processual”.</font><br>
<font> É que – continua – “o regime muito particular dos actos administrativos, passíveis de impugnação dentro de curtos prazos legais, sob pena de consolidação, só deve ser aplicado, de um modo geral, nos domínios em que essa aplicação se justifique por ponderosas razões fundadas em considerações de segurança jurídica e de protecção de terceiros” (O Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos, páginas 91 a 94).</font><br>
<br>
<font> Aqui chegados, as cousas afiguram-se-nos perfeitamente claras: nem o contrato celebrado, nem o seu eventual incumprimento por parte da recorrida, nem tão-pouco a declaração desta no sentido de dar por findo o contrato, legitimam a posição que as instâncias defenderam. Impõe-se, por isso, a sua revogação. </font><br>
<font>Assiste, pois, total razão à requerente no ponto concreto da competência material do tribunal judicial onde intentou a providência cautelar, sendo claros e certos os argumentos que, </font><i><font>ab ovo ad malam</font></i><font>, usou em defesa da sua posição.</font><br>
<br>
<font> Em conclusão, diremos que o agravo merece inteiro provimento (permitimo-nos citar, em sentido análogo, o decidido nos acórdãos desta 1ª mesma secção, proferido, a 14/11/2006, no processo nº 3637/06, Relator Cons. Sebastião Póvoas, e da 6ª secção, proferido, a 31/10/2006, no processo nº 606/06, Relator Cons. Nuno Cameira).</font><br>
<br>
<font> </font><b><font>4.</font></b><br>
<font> Decide-se dar provimento ao agravo e revoga-se o acórdão da Relação de Évora que manteve o despacho proferido pelo juiz do tribunal do Entroncamento.</font><br>
<font> Sem tributação.</font><br>
<br>
<font> Lisboa, aos 21 de Outubro de 2008</font><br>
<font> </font><br>
<font>Urbano Dias ( relator)</font><br>
<font>Paulo Sá</font><br>
<font>Mário Cruz</font></font>
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2jK6u4YBgYBz1XKv3zgu
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1.ª Secção (Cível)
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<b><font> </font></b><font><br>
<br>
<b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font></b><br>
<br>
<br>
<b><font>I.</font></b><font> </font><font>AA propôs, no Tribunal Judicial de Grândola, acção declarativa de condenação, com processo comum sob a forma ordinária, contra </font><b><font>Companhia de Seguros T..., SA</font></b><font>, </font><font>BB e </font><b><font>CC, </font></b><font>na qual peticiona a condenação solidária dos réus ao pagamento ao A. da quantia de € 40.283,34 (quarenta mil duzentos e oitenta e três euros e trinta e quatro cêntimos), acrescida de juros de mora calculados à taxa legal de 4%, desde a data da citação e até efectivo e integral pagamento, a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais que sofreu, bem como no pagamento da quantia que vier a ser liquidada em execução de sentença e correspondente aos danos patrimoniais e não patrimoniais das intervenções cirúrgicas a que irá ainda ser submetido.</font><br>
<br>
<font>Para tanto alega, em síntese:</font><br>
<br>
<font>No dia 1 de Maio de 2002, cerca das 22 horas e 30 minutos, na Estrada Municipal n.º ..., do Concelho de Alcácer do Sal, circulava, no sentido Norte – -Sul, o veículo ciclomotor, com a matrícula 1-...-00-50, conduzido pelo seu proprietário o R. BB, sob influência do álcool (taxa de alcoolemia de 2,95g/l, o qual não possuía licença de condução, e havia transferido a respectiva responsabilidade civil por acidentes de viação para a Ré Companhia de Seguros T... S.A., por contrato titulado pela apólice n.º ..., titulado por sua mãe a R. CC.</font><br>
<font>Nessa ocasião, o R. BB saiu cerca de 20 centímetros para fora da respectiva faixa de rodagem, invadiu a faixa de terreno que lhe é adjacente e foi colidir contra o peão AA que por esta caminhava.</font><br>
<font>Da colisão resultaram para o A. estragos na sua indumentária e ferimentos graves, pelos quais foi e terá futuramente que ser submetido a intervenções cirúrgicas e que lhe causaram dores e limitações definitivas de movimentos que o impedem de exercer o seu trabalho na agricultura e depressão.</font><br>
<br>
<font>Regularmente citados, contestou a Ré seguradora, por excepção, invocando a nulidade do contrato de seguro que celebrou com a ré CC, por esta nada ter declarado sobre a propriedade do veículo (do R. BB, com 18 anos de idade) e posteriormente ter substituído o veículo inicialmente seguro por outro, declarando ser ela a condutora habitual, bem como outros habilitados. E contestou, também, por impugnação.</font><br>
<br>
<font>A Ré CC contestou, igualmente, por excepção e impugnação.</font><br>
<font>Respondeu o Autor à contestação da Ré seguradora, reafirmando a legitimidade desta ré e requerendo a intervenção provocada do Fundo de Garantia Automóvel.</font><br>
<br>
<font>Admitida tal intervenção, contestou o Fundo de Garantia Automóvel, excepcionando a sua legitimidade e por impugnação.</font><br>
<br>
<font>O Hospital Ortopédico Santiago do Outão deduziu incidente de intervenção principal activa, que foi deferido, peticionando a condenação da seguradora ré a pagar-lhe a quantia de 12.343,94 euros, relativa à assistência prestada ao A. AA, em consequência do acidente, acrescida dos juros vencidos, desde a data da citação, até à data do efectivo pagamento.</font><br>
<br>
<font>Proferido despacho saneador, no qual se julgaram as partes dotadas de legitimidade e se organizou a matéria assente e a base instrutória.</font><br>
<br>
<font>Agendado e realizado julgamento, com observância do formalismo legal, respondeu-se à matéria de facto, sem que tivesse havido reclamações.</font><br>
<br>
<font>A final, foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente e, em consequência, decidiu:</font><br>
<font> –</font><font> Condenar a Ré Companhia de Seguros T..., SA, a pagar ao A. a quantia de quinze mil e quinhentos euros, a título de danos morais, e de trezentos e setenta e nove e cinquenta e um cêntimos, a título de danos patrimoniais, acrescida dos respectivos juros à taxa de 4%, a contar desde a data da citação; o montante a liquidar em sede de execução de sentença relativo às quantias que o autor deixou de auferir como resineiro, entre a data do acidente (1-05-2002) e a data da referida decisão e às quantias que deixará de auferir entre esta data e a data em que era previsível que cessasse a sua capacidade laboral, bem como nos juros respectivos.</font><br>
<font>–</font><font> Condenar a Ré Companhia de Seguros T..., SA, a pagar ao Hospital Ortopédico Santiago do Outão a quantia de € 12.343,94 euros. (A esta quantia acrescem juros vencidos desde a data da citação, à taxa de 1% ao mês, nos termos do artº 3º do Decreto-Lei 73/99 de 16 de Março de 1969, conjugado com a al. b) do nº 2 da Base XXXIII da Lei 48/90 de 24 de Agosto, até à data do efectivo pagamento).</font><br>
<font>– Absolver a ré seguradora do pagamento ao A. da quantia relativa aos danos patrimoniais e não patrimoniais relacionados com intervenções cirúrgicas futuras.</font><br>
<font>– Absolver os réus BB e CC, bem como o Fundo de Garantia Automóvel dos pedidos contra os mesmos formulados. </font><br>
<br>
<font>Recorreu, de apelação, a R. seguradora, tendo a Relação de Évora julgado parcialmente procedente o recurso apresentado e, em consequência, revogado a decisão recorrida no segmento em que condenou a Ré seguradora a pagar indemnização a liquidar em execução de sentença, pelos danos patrimoniais futuros do A., ou seja, posteriores à data da sentença, mas confirmá-la quanto à condenação indemnizatória, em quantia a liquidar em execução, pelos danos patrimoniais, desde a data do acidente até àquela data e, em confirmá-la, também, quanto à parte restante. </font><br>
<br>
<font>Desta decisão recorre, de novo, a R. seguradora, de revista, para este STJ, recurso que foi admitido.</font><br>
<br>
<font>A recorrente conclui as suas alegações do seguinte modo:</font><br>
<br>
<font>1º A Apólice n.º ... foi obtida através de falsas declarações, sem as quais o contrato não seria aceite; </font><br>
<font>2º Qualquer seguro é, ou não, concretizado após prévia estimativa dos riscos que acarreta; </font><br>
<font>3º Pela segurada foi omitido que o veículo não lhe pertencia, mas sim a seu filho, que não tinha carta ou licença de condução e consumia álcool em excesso, como decorre do auto de notícia da GNR; </font><br>
<font>4º A situação de falsas declarações, caracterizadamente fraudulentas, decorre do disposto nos art.ºs 236º, 240º, n.ºs 1 e 2, 244º e 245° do Código Civil e 428° e 429° do Código Comercial; </font><br>
<font>5º As reiteradas falsas declarações da segurada conduziram à aceitação do seguro, por não terem permitido uma correcta avaliação do risco; </font><br>
<font>6º Jamais seria aceite um seguro de motociclo conduzido por um não encartado e, para mais, consumidor excessivo de álcool; </font><br>
<font>7º Acresce que foi omitida à recorrente que o veículo pertencia ao co-R. BB e não à segurada, como decorre do auto de notícia da GNR; </font><br>
<font>8º O seguro foi celebrado com omissão fraudulenta de circunstâncias essenciais, como a propriedade do veículo e a condução sem habilitações; </font><br>
<font>9º Está provada a conexão directa entre as falsas declarações e as circunstâncias que determinaram o evento; </font><br>
<font>10º Assim, o seguro foi celebrado com o vício da respectiva nulidade, face ao disposto nos já citados art°s. 428º e 429º do Código Comercial, que são inafastáveis; </font><br>
<font>11º Não há que distinguir nulidade e anulabilidade face ao texto legal e às circunstâncias averiguadas, sendo inadequadas analogias com outros diplomas; </font><br>
<font>12º O que está em causa não é o montante do prémio, mas sim os pressupostos de aceitação do contrato, que não foram transmitidos à recorrente; </font><br>
<font>13º Não é legítimo confundir o cálculo do prémio com os pressupostos de aceitação dum contrato de seguro; </font><br>
<font>14º Não está minimamente em causa a função social do seguro, uma vez que o Fundo de Garantia Automóvel foi criado, com a participação das seguradoras, para suprir a inexistência material de seguros válidos; </font><br>
<font>15º Foi, portanto, inobservado o estabelecido no art.º 22º do D.L. 522/85, de 31.12., pois a função social do seguro é, em primeira linha, assegurada pelo Fundo de Garantia Automóvel; </font><br>
<font>16º Nestes termos, o douto Acórdão recorrido fez errada aplicação dos factos e violou o disposto nas disposições invocadas nas conclusões 4ª, 10ª e 15ª da presente alegação; </font><br>
<font>17º Nestes termos, deve ser concedido provimento à revista, revogando-se o douto Acórdão impugnado e absolvendo-se a recorrente do pedido.</font><br>
<br>
<font>O A. R. apresentou contra-alegações ao recurso da R. seguradora, pugnando pela sua improcedência e o mesmo fez o FGA, que requereu, que, na hipótese de procedência do recurso da R. T..., se ampliasse o âmbito do recurso, nos termos do artigo 684.º-A do Código de Processo Civil, às questões da condenação por lucros cessantes e danos patrimoniais futuros e à questão da condenação </font><i><font>ultra petitum</font></i><font>.</font><br>
<br>
<b><font>II.</font></b><font> Fundamentação</font><br>
<br>
<font>De Facto</font><br>
<br>
<b><font>II.A.</font></b><font> São os seguintes os factos dados como provados, face ao oportunamente especificado e ao resultado do julgamento:</font><br>
<br>
<font>a) Entre a Ré Seguradora e CC celebrou-se um acordo, titulado pela apólice n.º ..., pelo qual ficava transferido para a primeira, a responsabilidade civil por acidentes relativos ao ciclomotor 1-...-00-50 (alínea a) dos factos assentes). </font><br>
<font>b) No dia 1 de Maio de 2002, cerca das 22 horas e 30 minutos, na estrada municipal 543, do concelho de Alcácer do Sal, Distrito de Setúbal, ocorreu um sinistro (resposta ao artigo 1º da base instrutória).</font><br>
<font>c) Foram intervenientes o veículo ciclomotor, com a matrícula 1-...-00-50, conduzido por BB, por ele conduzido na altura do acidente e o peão AA, ora A (resposta ao artigo 2º da base instrutória).</font><br>
<font>d) O veículo ciclomotor, conduzido pelo R., BB, circulava na Estrada Municipal n.º 543, no sentido Norte</font><font>–</font><font>Sul e o peão circulava na berma da estrada (resposta ao artigo 3º da base instrutória).</font><br>
<font>e) O ciclomotor foi embater no autor (resposta ao artigo 4º da base instrutória).</font><br>
<font>f) Em consequência do embate, o A, foi projectado no ar e caiu numa valeta com um desnível aproximado de 2 metros (resposta ao artigo 5º da base instrutória).</font><br>
<font>g) O réu foi submetido no local ao teste qualitativo de álcool no sangue pelo aparelho SD2, e acusou um resultado positivo (resposta ao artigo 6º da base instrutória).</font><br>
<font>h) Foi efectuada recolha de sangue no Centro de Saúde de Grândola e efectuou-se análise quantitativa no I.M.L. que revelou uma taxa de 2,95 gr/I de álcool no sangue (resposta ao artigo 7º da base instrutória).</font><br>
<font>i) O R. não possuía licença de condução válida para conduzir o ciclomotor (resposta ao artigo 8º da base instrutória).</font><br>
<font>j) Em consequência do acidente, o A foi transportado para o Centro de Saúde de Grândola, onde lhe foi diagnosticado fractura exposta com perda óssea da perna direita e fractura da perna esquerda, ferida com perda de substância da mão direita (resposta ao artigo 9º da base instrutória).</font><br>
<font>l) O A. foi, de imediato, transferido para o Hospital de São Bernardo </font><font>–</font><font> Setúbal </font><font>–</font><font> onde teve perda de conhecimento (resposta ao artigo 10º da base instrutória).</font><br>
<font>m) Foi reanimado e aí permaneceu toda a noite (resposta ao artigo 11º da base instrutória).</font><br>
<font>n) No dia seguinte </font><font>–</font><font> 02.05.2002 </font><font>–</font><font> deu entrada no Hospital Ortopédico Santiago do Outão (resposta ao artigo 12º da base instrutória).</font><br>
<font>o) Em virtude do atropelamento, o A. sofreu fractura exposta dos ossos da perna direita e fractura dos ossos da perna esquerda (resposta ao artigo 13º da base instrutória).</font><br>
<font>p) Foi operado no dia 08.05.2002, com encavilhamento fechado da tíbia com 2 varetas de Rush a ambos os membros inferiores (resposta ao artigo 14º da base instrutória).</font><br>
<font>q) Em 07.06.2002, o A. teve alta e passou a ser seguido em consulta externa (resposta ao artigo 15º da base instrutória).</font><br>
<font>r) Foi reinternado no dia 13.06.2002, por apresentar ferida infectada na tíbia direita e efectuou antibioterapia e pensos diários (resposta ao artigo 16º da base instrutória).</font><br>
<font>s) Em 17.07.2002 foi novamente operado e colocado enxerto livre de pele (resposta ao artigo 17º da base instrutória).</font><br>
<font>t) Em 12.08.2002 apresentava boa evolução (resposta ao artigo 18º da base instrutória).</font><br>
<font>u) O A. teve alta a 02.08.2002, mantendo-se em regime ambulatório (resposta ao artigo 19º da base instrutória).</font><br>
<font>v) Em 26.11.2002 o A. foi novamente reinternado e operado no dia seguinte 27.11.2002 para reintrodução de varetas de Rush (resposta ao artigo 20º da base instrutória).</font><br>
<font>x) A partir de 27.11.02 tem-se mantido em regime ambulatório resposta ao artigo 21º da base instrutória).</font><br>
<font>z) As lesões físicas sofridas em virtude do atropelamento, causaram-lhe uma incapacidade geral temporária total desde 02/05/2002 a 07/06/2002 </font><font>–</font><font> 1 mês e 5 dias </font><font>–</font><font> e desde 13/06/2002 a 02/08/2002 </font><font>–</font><font> 1 mês e 20 dias, como consta do relatório médico do Hospital Ortopédico de Santiago do Outão (resposta ao artigo 22º da base instrutória).</font><br>
<font>aa) Durante estes períodos começou a dar pequenos passos, a deambular com andarilho, iniciando marcha com canadiana e muletas (resposta ao artigo 23º da base instrutória).</font><br>
<font>bb) Para se deslocar, o A. recorria ao uso das muletas, por não ter força nas pernas, designadamente na perna direita (resposta ao artigo 24º da base instrutória).</font><br>
<font>cc) O A. precisava de ser ajudado pela sua mãe, nomeadamente para lavar os pés, calçar peúgas e sapatos (resposta ao artigo 25º da base instrutória).</font><br>
<font>dd) O autor vivia com os pais e ainda hoje vive com a mãe, pessoa idosa e doente (resposta ao artigo 26º da base instrutória).</font><br>
<font>ee) Em 12/08/2002, o médico aconselhou a marcação de uma consulta de fisiatria e tratamentos com carácter de urgência (resposta ao artigo 27º da base instrutória).</font><br>
<font>ff) O A. efectuou consulta de fisiatria no Centro de Saúde de Grândola (resposta ao artigo 28º da base instrutória).</font><br>
<font>gg) Por indicação do médico do Hospital do Outão, começou a fazer fisioterapia em Santiago do Cacém no consultório do Dr. J...B..., para onde se deslocava de ambulância (resposta ao artigo 29º da base instrutória).</font><br>
<font>hh) O A. foi, por diversas vezes, a consultas externas ao Hospital do Outão, onde teve de suportar as taxas moderadoras e os pedidos de radiografias, no montante de € 18,50 (resposta ao artigo 30º da base instrutória).</font><br>
<font>ii) O A. pagou consultas e meios complementares de diagnóstico através do Centro de Saúde de Grândola no montante de € 12,00 e € 216,00 (resposta ao artigo 31º da base instrutória).</font><br>
<font>jj) O A. esteve sem trabalhar desde a data do acidente até ao fim da fisioterapia (resposta ao artigo 32º da base instrutória).</font><br>
<font>ll) O A. desde a data do acidente </font><font>–</font><font> 01.05.02 </font><font>–</font><font> e até ao presente momento jamais trabalhou (resposta ao artigo 34º da base instrutória).</font><br>
<font>mm) Em virtude do sinistro, o A. ficou com grandes e feias cicatrizes (resposta ao artigo 35º da base instrutória).</font><br>
<font>nn) Em consequência do acidente, ficaram destruídas as calças do A., no montante de € 14,96, camisa no montante de € 18,00, camisola no montante de € 24,98 e sapatos no montante de € 30,00 (resposta ao artigo 36º da base instrutória).</font><br>
<font>oo) No ano do acidente o autor ia prestar serviço sazonal como resineiro, por conta de DD (resposta ao artigo 37º da base instrutória).</font><br>
<font>pp) O AA tinha à data do acidente 39 anos (resposta ao artigo 38º da base instrutória).</font><br>
<font>qq) O autor continua nos dias de hoje, com queixas, designadamente, dores nas pernas direita e esquerda, dificuldade em inclinar o corpo para baixo flectindo os joelhos e em manter-se na posição vertical (resposta ao artigo 39º da base instrutória).</font><br>
<font>rr) O autor sente-se triste (resposta ao artigo 40º da base instrutória).</font><br>
<font>ss) O autor usou medicação, no que despendeu € 45,07 (resposta ao artigo 42º da base instrutória).</font><br>
<font>tt) A Ré CC assinou a proposta de seguro em 01.07.96 e nada declarou sobre a propriedade do ciclomotor (resposta ao artigo 44º da base instrutória).</font><br>
<font>uu) A celebração do contrato de seguro pelo R. BB tornava-o mais oneroso (resposta ao artigo 45º da base instrutória).</font><br>
<font>vv) Em 10.01.98 a R, CC substituiu o veículo indicado na apólice pelo ciclomotor 1-...--00-50 subscrevendo nova apólice de seguro (resposta ao artigo 46º da base instrutória).</font><br>
<font>zz) Nessa proposta a R, CC declarou ser condutora habitual ou outros devidamente habilitados (resposta ao artigo 47º da base instrutória).</font><br>
<font>aaa) O Hospital Ortopédico Santiago do Outão prestou assistência ao A., computada em € 12.343,94 euros (resposta ao artigo 48º da base instrutória).</font><br>
<br>
<b><font>II.B.</font></b><font> De Direito</font><br>
<br>
<font>Suscita a recorrente a seguinte questão:</font><br>
<br>
<font>a) nulidade do contrato de seguro.</font><br>
<br>
<font>Na hipótese de proceder tal pedido terão que ser apreciadas as questões suscitadas pelo FGA que são:</font><br>
<br>
<font>b) condenação por danos patrimoniais futuros </font><br>
<font>c) juros de mora a aplicar às dívidas hospitalares.</font><br>
<br>
<b><font>II.B.1.</font></b><font> A ré seguradora defende a nulidade do contrato de seguro, nos termos do artigo 429.º do Código Comercial e, que tal vício implica necessariamente a sua irresponsabilidade no tocante ao ressarcimento dos danos causados pela circulação do veículo.</font><br>
<br>
<font>Resultou, efectivamente, dos autos que:</font><br>
<br>
<font>Entre a Ré Seguradora e CC se celebrou um acordo, titulado pela apólice n.º 4101461463, pelo qual ficava transferido para a primeira, a responsabilidade civil por acidentes relativos ao ciclomotor 1-...--00-50.</font><br>
<br>
<font>O réu, BB não possuía licença de condução válida para conduzir o ciclomotor e, aquando da ocorrência do acidente, era portador de uma taxa de álcool no sangue de 2, 95 g/l.</font><br>
<br>
<font>CC, mãe do réu BB e que foi a subscritora do referenciado contrato de seguro, nada declarou sobre a propriedade do ciclomotor e declarou ser a condutora habitual do referido veículo ou outros devidamente habilitados.</font><br>
<br>
<font>Está em causa a aplicação ao caso vertente do artigo 429.º do Código Comercial, que dispõe:</font><br>
<br>
<font>“Toda a declaração inexacta, assim como toda a reticência de factos ou circunstâncias conhecidas pelo segurado ou por quem fez o seguro, e que teriam podido influir sobre a existência ou condições do contrato tornam o seguro nulo”.</font><br>
<br>
<font>Por outro lado, o artigo 14.º do D.L. nº 522/85 (seguro obrigatório), de 31 de Dezembro, estipula o seguinte:</font><br>
<br>
<font>“Para além das exclusões ou anulabilidades que sejam estabelecidas no presente diploma, a seguradora apenas pode opor aos lesados a cessação do contrato (…), ou a sua resolução ou nulidade, nos termos legais e regulamentares em vigor, desde que anteriores à data do sinistro”.</font><br>
<br>
<font>Antes de abordarmos a questão da interpretação e aplicação das normas em causa, importa fazer ainda algumas considerações complementares sobre a matéria de facto.</font><br>
<br>
<font>Resulta dos autos que a ré CC, aquando da celebração do contrato de seguro nada declarou sobre a propriedade do ciclomotor seguro, tendo ainda referido ser a condutora habitual do referido veículo ou outros devidamente habilitados.</font><br>
<br>
<font>No entendimento da primeira instância que a Relação não questionou, a omissão da ré CC sobre a titularidade do veículo não pode sequer ser considerada uma falsa declaração. Na verdade, tudo indica que a ré seguradora, aceitou a celebração do referido contrato, sem sequer ter tido acesso à documentação comprovativa da propriedade do ciclomotor, sendo relevante invocar o facto de que o contrato de seguro se fez inicialmente para um determinado veículo e que, posteriormente, a mesma apólice foi utilizada para um outro.</font><br>
<br>
<font>A ré seguradora, ao agir desta forma, descurou a indagação de um elemento importante, dando azo a considerar que, para ela, tal facto não era elemento decisivo na formação da sua vontade contratual.</font><br>
<br>
<font>De igual modo, resulta do processo que a ré seguradora sempre teria celebrado o contrato, mesmo que soubesse que a Ré CC não seria a condutora habitual, aceitando que o veículo fosse conduzido habitualmente por qualquer condutor habilitado.</font><br>
<br>
<font>Também não está demonstrado que a omissão de declaração sobre a propriedade do veículo visasse ocultar a falta de habilitação do seu proprietário, sendo certo que nem sequer se provou que o réu BB não fosse detentor de licença de condução, mas apenas que não detinha título de habilitação válido.</font><br>
<br>
<font>Aliás, a invocação de que a falta de verdade da segurada na celebração do contrato se estendeu à falta de habilitação do Réu BB ou do seu consumo imoderado de álcool não pode ser atendida como relevante para efeitos da validade e eficácia do contrato de seguro, uma vez que a seguradora não alegou tais factos na contestação, momento em que toda a defesa deve ser deduzida (artigo 489.º, n.º 1 do Código de Processo Civil), salvo nos incidentes que, nos termos legais devam ser deduzidos separadamente, excepção que não se aplica ao caso vertente.</font><br>
<br>
<font>Consequentemente, a única falta imputada à ré CC é a de ter omitido a declaração de ser proprietária.</font><br>
<br>
<font>A natureza do vício referido no artigo 429.º do Código Comercial, já se encontra amplamente debatida e reúne consenso ao mais alto nível da nossa doutrina (MOITINHO DE ALMEIDA, </font><i><font>O Contrato de Seguro</font></i><font>, p. 61, nota 29; JOSÉ VASQUES, </font><i><font>Contrato de Seguro</font></i><font>, p. 379) e da jurisprudência (além de outros a que adiante se fará referência, o Ac. do STJ de 10.5.01, </font><i><font>CJSTJ</font></i><font>, IX, 2º, 60 e o Ac. do STJ de 4.3.04, </font><i><font>CJSTJ,</font></i><font> XII, 1º, 102).</font><br>
<br>
<font>Tal consenso é assinalado na decisão da 1.ª instância, que, de seguida, cita, como exemplo, o acórdão deste Tribunal, relatado pelo Sr. Conselheiro Moitinho de Almeida, em 18.12.2002, proc. 02B3891, disponível em </font><i><u><font>www.dgsi.pt</font></u></i><font>, segundo o qual:</font><br>
<br>
<font>“Tudo está, pois, em saber se a "nulidade" prevista no artigo 429º do Código Comercial, resultante de falsas declarações sobre o risco, deve ser considerada "nulidade" para efeitos do disposto naquele preceito. </font><br>
<font>A este respeito importa observar que o seguro obrigatório automóvel destina-se a garantir o ressarcimento dos lesados em consequência de acidentes de trânsito. Imperativas razões de ordem social impõem que a reparação das vítimas seja rápida e segura, isto é, que não haja dúvidas quanto à pessoa do responsável, que o processo a seguir seja célere e que a efectiva indemnização não seja posta em causa pela insolvabilidade do causador do acidente. </font><br>
<font>Estas exigências impõem um seguro obrigatório em que a responsabilidade é garantida pela seguradora, salvo nos casos excepcionais em que a garantia é assumida pelo Fundo de Garantia. </font><br>
<font>Daí que nos regimes do seguro obrigatório se encontre amplamente consagrado o princípio da inoponibilidade das excepções contratuais. Assim, a Convenção de Estrasburgo de 20 de Abril de 1959 já o contemplava ao determinar que "O segurador não pode opor à pessoa lesada a nulidade ou a cessação do contrato, a sua suspensão ou a da garantia, a menos que se trate de sinistros ocorridos finda a expiração do prazo de 16 dias seguintes à notificação pelo segurador da nulidade, cessação ou suspensão" (artigo 9º, nº 2). </font><br>
<font>Preceito semelhante encontra-se, por exemplo, na lei italiana nº 990, de 24 de Dezembro de 1969: "dentro do máximo garantido na apólice o segurador não pode opor ao lesado, que o demanda directamente, excepções derivadas do contrato, nem cláusulas que prevejam eventual participação do segurado no ressarcimento do dano. O segurador beneficia contudo de direito de regresso contra o segurado na medida em que teria contratualmente direito de recusar ou de reduzir a própria prestação". </font><br>
<font>Também o artigo 76º da Lei do Contrato de Seguro espanhola, estabelece que a acção directa "está isenta das excepções que o segurador disponha contra o segurado", e o artigo 13º da lei belga de 1 de Julho de 1956 segue a mesma orientação. </font><br>
<font>É certo que estas disposições têm sido interpretadas no sentido de que a nulidade (absoluta) do contrato de seguro é sempre oponível aos lesados (Antonio La Torre, Le Assicurazioni, L´Assicurazione nei Codici, Le Assicurazioni Obligatorie, Milão 2000, p.714, J. Boquera Matarredona, J.Bataller Grau e J.Olavarría Iglesia, Comentarios a la Ley de Contrato de Seguro, Valencia, 2002 p. 849). Mas, o vício do contrato resultante de falsas declarações sobre o risco por parte do tomador do seguro gera nas legislações referidas mera anulabilidade. </font><br>
<font>Tem-se no nosso país entendido que a "nulidade" a que se refere o artigo 429º do Código Comercial não é uma nulidade mas simples anulabilidade. Com efeito, a nulidade é um vício do contrato imposto pela salvaguarda do interesse geral, o que no caso de falsas declarações quanto ao risco se não verifica: estamos aqui numa situação paralela à dos vícios na formação do contrato (dolo e erro) que determinam mera anulabilidade.</font><br>
<font>E é neste sentido que deve ser interpretado o artigo 14º do Decreto-Lei nº 522/85. </font><br>
<font>Tal interpretação, que faz coincidir o nosso ordenamento jurídico com os acima referidos, é ainda imposta pela finalidade do seguro obrigatório: um regime que faça depender a determinação do responsável de eventual nulidade resultante de falsas declarações sobre o risco seria fonte de incerteza para os lesados quanto à forma de jurisdicionalmente exercerem os respectivos direitos. Os atrasos que daí resultariam, e o caso dos autos é disso um exemplo, afectariam de modo intolerável a protecção jurídica das vítimas de acidentes de circulação”.</font><br>
<br>
<font>No mesmo sentido, vêm citados, de seguida, outros acórdãos deste Tribunal: de 20.10.2005, proc. 05B2347 (Conselheiro Oliveira Barros), de 08.06.2006, proc. 06A1435 (Conselheiro Azevedo Ramos) e de 12.09.2006, proc. 06A2276 (Conselheiro Alves Velho), disponíveis em </font><i><u><font>www.dgsi.pt.</font></u></i><br>
<br>
<font>A estes se aditam os acórdãos de 14.11.06, proc. 06A3465 (Conselheiro Alves Velho) e o de 06.11.07, proc. 07A3447 (Conselheiro Nuno Cameira), igualmente disponíveis no sítio atrás referido.</font><br>
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<font>Deste último permitimo-nos citar um longo excerto, por ser idêntica a situação aí contemplada à dos presentes autos:</font><br>
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<font>“A natureza particular dos interesses em presença, por um lado, e a inexistência de violação de qualquer norma imperativa, por outro, justificam que deva ser a anulabilidade a consequência jurídica associada à emissão de declarações inexactas ou reticentes do segurado, passíveis de influir na existência ou nas condições do contrato de seguro. A tudo acresce que tal sanção se harmoniza por completo com a estabelecida em geral para os vícios na formação da vontade – art.ºs 247º e 251º a 257º do Código Civil; e sendo certo que o art.º 429º do C. Comercial integra um caso da espécie erro do declaratário, não se vê que deva merecer um tratamento diverso do previsto para tal vício (citados art.ºs 247º e 251º), tendo presente, além do exposto, que as normas devem ser interpretadas ponderando a unidade do sistema jurídico, cânone interpretativo destacado logo no nº 1 do art.º 9º do CC.</font><br>
<font>Também resulta claramente do texto legal que não é uma qualquer declaração inexacta ou reticente que pode desencadear a possibilidade de anulação do seguro. Conforme vem sendo entendido maioritariamente, torna-se indispensável que as declarações inexactas ou reticentes influam na existência e nas condições do contrato, de sorte que o segurador, se as conhecesse, não contrataria ou teria contratado em diversas condições.</font><br>
<font>Ora, no caso presente apenas se provou que à data da celebração do seguro FF não era proprietário do veículo (…), facto que manifestamente não se integra na previsão do art.º 429º do C. Comercial. De resto, como bem se observa na sentença, o encargo que recai sobre o tomador do seguro de declarar o risco sem omissões, reticências ou inexactidões envolve de igual modo a seguradora, “que não pode abandonar-se totalmente às declarações do proponente com o fundamento de que a sanção legal a protegerá das declarações erróneas, devendo entender-se que sobre ela impende, no mínimo, o dever de sindicar as respostas que o tomador dá aquando da proposta de seguro ao questionário, ou o seu não preenchimento. A questão da propriedade é de fácil indagação, na medida em que basta exigir o título de registo de propriedade. No caso dos autos, não faz sentido que a ré pretenda prevalecer-se de uma declaração inexacta de tão fácil indagação ” (…). </font><br>
<font>Portanto, não tendo a ré seguradora provado, como lhe competia – art.º 342º, nº 2, do CC – que não teria celebrado o contrato de seguro se conhecesse a verdadeira identidade do condutor habitual do veículo (…), ou que, conhecendo tal identidade, teria contratado em condições diversas (exigindo, por exemplo, prémio diferente do convencionado), não pode deixar de decair na excepção que opôs à validade do seguro, como as instâncias decidiram.</font><br>
<font>Deve, contudo, sublinhar-se ainda o seguinte: mesmo que se entendesse, perante o disposto no art.º 429º do C. Comercial, que o seguro era anulável, essa anulabilidade seria inoponível aos recorridos, face ao art.º 14º do DL 522/85, de 31/12, que dispõe: “Para além das exclusões ou anulabilidades que sejam estabelecidas no presente diploma, a seguradora só pode opor aos lesados a cessação do contrato nos termos do nº 1 do artigo anterior, ou a sua resolução ou nulidade, nos termos legais e regulamentares em vigor, desde que anteriores à data do sinistro”. Desta norma infere-se que no âmbito do seguro obrigatório a seguradora não pode livrar-se da sua obrigação perante o lesado mediante a invocação duma mera anulabilidade não prevista no DL 522/85, como é o caso, justamente, da consagrada no art.º 429º do C. Comercial. E compreende-se que assim seja porque a instituição do regime do seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel teve em vista, como medida de relevante alcance social, a protecção directa (e célere) dos legítimos interesses e direitos das pessoas lesadas em consequência de acidentes de viação, o que postula um seguro em que, sendo a responsabilidade, em regra, garantida pela seguradora (e, excepcionalmente, pelo FGA), vigore com a máxima amplitude o princípio da inoponibilidade das excepções contratuais, do que resulta que só a nulidade, não a anulabilidade, do contrato de seguro possa ser oposta aos lesados em acidente de viação, nos termos do citado art.º 14º do DL 522/85.”</font><br>
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<font>Temos, pois, por isenta de censura a parte da decisão recorrida de que a seguradora recorreu.</font><br>
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<font>A improcedência deste recurso dispensa-nos de conhecer das questões suscitadas pelo FGA, em sede de ampliação do recurso.</font><br>
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<b><font>III.</font></b><font> Pelo exposto, acordam em negar provimento à revista, confirmando-se o acórdão da Relação.</font><br>
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<font>Custas pela recorrente.</font><br>
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<font>Lisboa, 08 de Abri
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