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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><br> <br> <b><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;</font></b> <p><b><font>I – Relatório</font></b> </p><p><b><font>AA</font></b><font> intentou a presente acção de condenação, com processo ordinário contra 1- </font><b><font>BB, </font></b><font>2- </font><b><font>CC</font></b><font>, e marido, </font><b><font>DD e </font></b><font>3- </font><b><font>EE</font></b><font>, alegando, em síntese, o seguinte:</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>O Autor é filho de FF, neto de GG e bisneto de HH e mulher, II, casados em primeiras núpcias de ambos. Por morte de II, bisavó do autor, correu o processo de inventário no Tribunal de Castelo Branco, tendo-lhe sucedido como </font><u><font>herdeiros dois filhos:</font></u><font> JJ e </font><u><font>GG</font></u><font> e a meação da falecida dividida em 2 lotes com as letras “C” e “D”, fazendo parte da herança entre outros, </font><u><font>a verba 16</font></u><font>, ou seja: “ uma casa de altos e baixos com um quintal, pomar, oliveiras e videiras e mais pertenças, sita à Quinta ..., limite da freguesia de ..., parte pelo norte, nascente, sul e poente com HH.” E </font><u><font>a verba 25.</font></u> </p><p><font>A </font><u><font>verba 16</font></u><font> ficou a pertencer, na proporção de ¼ para a herdeira </font><u><font>GG</font></u><font>, ¼ para o herdeiro </font><u><font>JJ</font></u><font> e a restante metade para </font><u><font>HH,</font></u><font> correspondente à respectiva meação.</font> </p><p><font>E a </font><u><font>verba 25</font></u><font> ficou a pertencer ao indicado </font><u><font>HH</font></u><font>, preenchendo a sua meação.</font> </p><p><font>Posteriormente faleceu </font><u><font>HH</font></u><font>, bisavô do autor, o qual contraíra segundas núpcias com </font><u><font>LL</font></u><font> e que deixou como herdeiros, os já identificados </font><u><font>filhos do primeiro casamento</font></u><font>, e ainda </font><u><font>sete filhos do segundo casamento</font></u><font>: MM, NN, OO, HH, PP, QQ e RR.</font> </p><p><font>Dessa herança faziam parte, entre outros, as verbas aí descritas sob os números 20, 21 e 22 e 23, as quais </font><u><font>correspondem à verba nº 16 do primeiro inventário</font></u><font> e também a </font><u><font>verba nº 25</font></u><font> a qual corresponde àquela que tinha o mesmo número no inventário anterior.</font> </p><p><font>O herdeiro JJ adjudicou as indicadas verbas, sendo que relativamente às verbas com os números 20, 21, 22 e 23, (que correspondem à verba nº 16 do primeiro inventário) as mesmas só na parte pertencente à herança, ou, seja, excluindo ¼ das mesmas pertencente à sua irmã GG, decorrente da adjudicação do inventário anterior.</font> </p><p><font>Em </font><u><font>21 de Maio de 1940 faleceu JJ</font></u><font>, que deixou testamento.</font> </p><p><font>Sucede que o herdeiro instituído Seminário da ... renunciou à herança.</font> </p><p><font>E a Junta da Paróquia não tinha à data do testamento, nem tem actualmente, existência legal.</font> </p><p><font>As usufrutuárias já faleceram, a última das quais a referida SS.</font> </p><p><font>Sucedem assim ao citado JJ os respectivos herdeiros legais.</font> </p><p><font>Ora o Autor sendo filho de FF e neto de GG, respectivamente sobrinha e irmã do falecido, a primeira casada com TT, todos já falecidos, é assim segundo primo do requerido, ou seja, </font><u><font>colateral, em 3º grau do mesmo</font></u><font>, e desta forma seu herdeiro legal – artigo 2133º, 1, alínea d) do Código Civil.</font> </p><p><font>Os prédios identificados supra nos artigos 3º e 7º da presente petição correspondem aos que actualmente se encontram inscritos nas matrizes prediais rústicas sob os artigos 51 da Secção B e 5 da Secção C, e ainda ao artigo matricial urbano com o número …, todos da freguesia de ..., concelho de Castelo Branco.</font> </p><p><font>E </font><u><font>os Réus</font></u><font> na sequência do óbito de UU, última usufrutuária instituída pelo falecido JJ, procederam ao registo a seu favor dos imóveis referidos e identificados supra, </font><u><font>invocando sucessão hereditária e procedendo à respectiva inscrição</font></u><font> dos mesmos na Conservatória do Registo Predial de Castelo Branco sob os números … e …, registando-os a seu favor.</font> </p><p><font>Acresce que, os prédios referidos encontram-se descritos na Conservatória do Registo Predial de Castelo Branco sob os nºs … e …, … e </font><u><font>inscritos a favor do falecido JJ.</font></u> </p><p><font>Os Réus procederam à inscrição dos referidos prédios com violação do trato sucessivo, sendo pois o respectivo registo nulo – artigo 16º, alíneas a) e d) do Código do Registo Predial, nulidade que se requer se declare.</font> </p><p><font>Desde a morte da última usufrutuária, há cerca de 2 anos, os Réus apropriaram-se das referidas propriedades, impedindo o respectivo uso e gozo pelos seus legítimos donos, não obstante as interpelações para procederem à entrega dos referidos imóveis.</font> </p><p><u><font>Deduziu então o Autor, os seguintes pedidos:</font></u> </p><p><font>a) Deve declarar-se que os prédios inscritos na matriz predial rústica sob o artigo 51 da secção B, e matriz predial urbana sob o artigo …, denominados de Quinta ... e ... são propriedade do Autor e demais herdeiros, por o haver herdado de sua mãe, que por sua vez o herdou de sua mãe, na proporção de ¼;</font> </p><p><font>b) Deve ainda declarar-se que o Autor e demais herdeiros de JJ são os proprietários dos restantes ¾ dos referidos prédios e ainda do que se encontra inscrito na matriz predial rústica sob o artigo 5 da Secção C, denominado de ....</font> </p><p><font>c) Devem ser declaradas nulas as descrições prediais com os números … e … da freguesia de ..., concelho de Castelo Branco, por terem sido efectuadas com base em títulos falsos e por violação do trato sucessivo e os registos efectuados a favor dos Réus.</font> </p><p><font>d) Devem ser os Réus condenados a reconhecer o direito de propriedade e a restituir ao Autor os prédios referidos nas alíneas a) e b) do presente pedido, livres de pessoas.</font> </p><p><font>e) Devem ainda os Réus ser condenados a absterem-se da prática de qualquer acto que impeça ou diminua a utilização por parte do Autor e demais herdeiros desses mesmos imóveis.</font> </p><p><u><font>Contestaram os Réus</font></u><font> impugnando parte da factualidade e alegando em suma:</font> </p><p><font>Não existem quaisquer bens onde figure como sua proprietária FF, mãe do autor, do mesmo modo que nada consta sobre a sua avó, GG.</font> </p><p><font>Nenhum dos bens constantes do documento n.º 4 possui qualquer identificação que permita relacioná-los com os descritos no doc. N.º 8, ou seja, os prédios constantes da descrição deste último documento não têm referidos os artigos matriciais nem a respectiva descrição predial.</font> </p><p><font>O Autor confunde Junta de Paróquia Civil com a Junta de Paróquia Cooperativa da …, porém ambas tiveram continuidade e funcionaram e funcionam como organismos distintos, pelo que se impugna o art.º 12 da Petição Inicial.</font> </p><p><font>Não se aceita tratarem-se de meras usufrutuárias as falecidas irmãs e sobrinha SS, mas sim de possuidoras e legítimas proprietárias, no seu todo, dos bens cuja propriedade anteriormente pertencia ao Padre JJ e fora transmitida efectivamente àquelas.</font> </p><p><font>O Padre JJ dispôs livremente de todos os seus bens, nos termos descritos no documento n.º 6 junto pelo Autor com a sua Petição Inicial.</font> </p><p><font>O Padre JJ não tinha herdeiros legitimários, facto este que lhe possibilitava dispor dos seus bens livremente e no seu todo, conforme fez.</font> </p><p><font>Torna-se por demais evidente a má-fé com que o Autor age, ao intentar a presente acção.</font> </p><p><font>Para além dos impostos liquidados, pagaram os Réus, porque lhes dizia respeito, montantes relativos a dívidas que oneravam os ditos prédios, às quais sempre o Autor foi e é totalmente alheio.</font> </p><p><font>Com a liquidação, concretamente, de um crédito hipotecário que recaía sobre um bem dos Réus aqui alvo de reivindicação por parte do Autor, está patente um comportamento próprio e característico de quem é proprietário, zelando assim pelo cancelamento de um ónus ao invés da posição assumida pelo Autor.</font> </p><p><font>Ora, só na convicção plena de que eram proprietárias e legítimas possuidoras do bem em apreço, o poderiam ter acautelado, liquidando o crédito hipotecário, conforme o fizeram as sucessoras do Padre JJ.</font> </p><p><i><font>In casu</font></i><font>, encontram-se reunidos os pressupostos legais elencados no artigo 1263º do Código Civil, porquanto foi adquirida a posse pela prática reiterada, com publicidade, dos actos materiais correspondentes ao exercício do direito, tendo ocorrido também pelas anteriores possuidoras a tradição material dos bens.</font> </p><p><font>Em todo o caso sempre estaria ao alcance dos R.R. o instituto do usucapião, o qual poderia ser invocado apenas pelos Réus, dado que são estes os únicos que preenchem os requisitos constantes do artigo 1287º do C.C., logo só quanto a estes poderá tal preceito produzir efeitos.</font> </p><p><font>Invocada a usucapião, os seus efeitos retrotraem-se ao ano de 1943, altura do primeiro documento de repúdio por parte do Bispo D. VV e, caso assim não se entenda, ao ano de 1972, data na qual, por escritura pública, se lavra o referido repúdio.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Concluíram e reconvieram, peticionando:</font> </p><p><font>a) Ser a acção julgada improcedente por não provada, serem os Réus absolvidos dos pedidos formulados pelo Autor e, consequentemente, ser mantido o Registo a favor dos Réus referente aos prédios descritos sob os números … &nbsp;e …, aos quais correspondem os artigos matriciais, respectivamente, 51 da Secção B, … urbano e 5 da Secção C todos da freguesia de ..., concelho e distrito de Castelo Branco;</font> </p><p><font>b) Serem os Réus considerados os únicos e exclusivos proprietários, donos e legítimos possuidores dos prédios descritos em a), abstendo-se o Autor de causar qualquer perturbação que possa violar os direitos dos Réus.</font> </p><p><font>c) Ser o Autor condenado no pagamento de uma multa e indemnização aos Réus por litigância de má-fé, em montante a fixar por esse Tribunal;</font> </p><p><font>d) Ser o Autor condenado no pagamento das custas processuais devidas e o mais dos Autos.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Foi proferido despacho saneador, nos termos do qual, além da fixação do valor da causa, se admitiu a reconvenção e se procedeu à selecção das matérias assente e controvertida.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Realizou-se a audiência de julgamento, após o que, foi proferida </font><u><font>sentença </font></u><font>que</font><u><font>: &nbsp;</font></u> </p><p><font>«1 – Julgou parcialmente procedente a acção e, em conformidade:</font> </p><p><font>- </font><u><font>Declarou nulas as descrições prediais</font></u><font> com os números … e … da freguesia de ..., concelho de Castelo Branco, por terem sido efectuados com violação do trato sucessivo;</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>2) Julgou parcialmente procedente a reconvenção e, nesta conformidade:</font> </p><p><font>- </font><u><font>Declarou o R. BB proprietário dos seguintes prédios</font></u><font>, segundo a descrição matricial actual:</font> </p><p><font>- Terra de mato, sobreiros, olival, cultura arvense em olival, cultura arvense rega e lima, figueiras, vinha, cultura arvense de regadio, cultura arvense, oliveiras, pinhal, pomar de citrinos, terreno estéril com quatro construções rurais e uma casa de habitação de r/c e 1º andar, a confrontar de norte, sul e nascente com estrada, e de poente com herdeiros de XX, e ZZ, inscrito na matriz predial rústica, da freguesia de ..., concelho de Castelo Branco, sob o art. …, da secção …, e da matriz predial urbana, dos mesmos concelho e freguesia, sob o art. 484;</font> </p><p><font>- Terra de pinhal e mato, a confrontar de norte com AAA, de sul com herdeiros de BBB, CCC e outros, de nascente com DDD e herdeiros de EEE e outros, e de poente com limite da freguesia de ..., inscrito na matriz predial rústica, da freguesia de ..., concelho de Castelo Branco, sob o art. 5, da secção C.»</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Inconformado com tal decisão veio o Autor interpor recurso de apelação, tendo o Tribunal da Relação de Coimbra proferido acórdão, em que foi exarada a seguinte decisão:</font> </p><p><font>«Termos em que acorda-se em julgar parcialmente procedente o recurso: deferindo-se parcialmente a impugnação do julgamento de facto e, parcialmente procedente o julgamento de direito, neste - improcedendo o pedido de reconhecimento do Autor como herdeiro legitimário, - mas procedendo, e desse modo se decidindo que os prédios identificados nas al.s G) e H) fazem parte do acervo da herança aberta por morte do referido JJ, sendo o recorrido obrigado a reconhecer aquela titularidade e condenado a restituir aqueles imóveis à herança.</font> </p><p><font>Apenas nessa medida se julga improcedente a instância reconvencional, mantendo-se tudo o mais decidido na sentença que não conflitua com o presente acórdão.</font> </p><p><font>Custas por recorrente e recorrido na proporção de ¼ e ¾, respetivamente».</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Inconformados, os réus interpõem recurso de revista, apresentando as seguintes conclusões na sua alegação de recurso:</font> </p><p><b><font>«I</font></b><font> – O teor do pedido constante da P.I. apresentada pelo Autor, que esteve na origem do presente processo, não visava a restituição dos prédios identificados nas alíneas G) e H) à herança, não tendo por isso tal matéria sido discutida.</font> </p><p><b><font>II</font></b><font> – Na verdade, a alteração ou ampliação do pedido formulado pelo Autor em sede de recurso, nunca seria válida, uma vez que não respeitou o disposto nos artigos 264.º e 265.º do C.P.C., logo não é legalmente admissível uma ampliação do pedido inicial, para mais, por iniciativa do próprio Tribunal </font><i><font>a quo.</font></i> </p><p><b><font>III</font></b><font> – Os Réus não se conformam com a iniciativa dos Venerandos Juízes Desembargadores quando, unilateralmente, estes e, salvo o devido respeito, se substituem aos Réus para aceitar a validar a alteração de um “pedido” formulado pelo A., já em fase de recurso, sem acolhimento legal, </font><i><font>ultra petita,</font></i><font> atendendo aos condicionalismos impostos pelo preceitos acima referidos.</font> </p><p><b><font>IV –</font></b><font> Do mesmo modo que como os preceitos acima referidos, encontra-se também violado o princípio vertido no art. 3.º do CPC, </font><u><font>da necessidade do pedido e da contradição:”- O Tribunal não pode resolver o conflito de interesses que a acção pressupõe sem que a resolução lhe seja pedida por uma das partes e a outra seja devidamente chamada para deduzir oposição.2…3…4…”.</font></u> </p><p><b><font>V –</font></b><font> Em momento algum a acção foi qualificada pelo A. como sendo de petição de herança, mas sim de reivindicação de propriedade, conforme se pode ler na alínea d) do pedido formulado na P. I.</font> </p><p><b><font>VI – </font></b><font>Foram também discutidas em 1.ª instância, designadamente</font><b><font>:</font></b><font> Do Registo Predial; o Trato Sucessivo; Da Usucapião e Da sucessão na posse.</font> </p><p><b><font>VII –</font></b><font> Apesar de se encontrar pendente o processo 505/11.8CTB 3.º Juízo, a matéria sobre o qual versa já foi efectivamente decidida nos presentes autos, inclusivamente munida de parecer eclesiástico, o que permitiu uma decisão direta e objectiva, ficando Doutamente decidido, por sentença, em primeira instância, sendo certo que a Junta de Freguesia ... seja ou não legal sucessora da Junta de Paróquia, o que ficou devidamente provado e mais uma vez </font><u><font>decidido</font></u><font>.</font> </p><p><b><font>VIII – </font></b><b><u><font>Ora, tendo a Igreja, legal representante da junta da paróquia, repudiado a herança, então não restam quaisquer dúvidas ser nessa data que se dá a inversão do título da posse, art. 1265.º, </font></u></b><b><i><u><font>in fine</font></u></i></b><b><u><font> Código Civil.</font></u></b> </p><p><b><font>IX – </font></b><font>Dada </font><u><font>a inversão do título da posse, a usucapião retroage àquele data, não podendo por isso os Réus ser qualificados como detentores ou possuidores precários.</font></u> </p><p><b><font>X – </font></b><font>Conforme inequivocamente provado na Douta Sentença proferida pelo Tribunal </font><i><font>a quo</font></i><font>, muitos anos passaram depois de que tal facto tivesse ocorrido, ou seja, porque a Igreja repudiou e com ela a Junta de Paróquia, ficou a propriedade disponível para quem a ela se tivesse querido habilitar.</font> </p><p><b><font>XI –</font></b><font> Se assistisse o direito à herança a qualquer outra pessoa que não aos atuais proprietários aqui Réus/Recorrentes e os seus antecessores, teria sido a partir daquele preciso momento, durante um longo período de tempo, 10 anos segundo disposto no art. 2059.º, em que poderiam ter reivindicado tal propriedade, o que não aconteceu, tendo ficado os Réus e seus antecessores na posse plena de todos os bens, substituindo-se o título de posse usufrutuária pelo título de posse e propriedades plenas.</font> </p><p><b><font>XII –</font></b><font> Pelo exposto, e em cumprimento do art. 639.º do CPC, foram violadas as normas jurídicas e erradamente aplicada a lei de processo, nos arts 3.º, 264.º e 265.º do CPC, o que confere aos recorrentes a faculdade de arguir a nulidade do acórdão recorrido de acordo com as disposições conjugadas do art. 674.º, o qual remete para os artigos 615.º e 666.º do CPC.</font> </p><p><b><font>XIII –</font></b><font> Encontrando-se assim, incorrectamente aplicados os artigos 1251.º, 1252.º, n.º 2, 1253.º, alínea a), 1258.º, 1262.º, 1263.º, alínea d), 1265.º, 1287.º, 1290.º, 1291.º, 1294.º, 1297.º, n.º1, todos do Código Civil, que deveriam ter sido interpretados e aplicados no sentido que agora se preconiza, ou seja, deveria ter sido considerado o prazo em que efectivamente se dá inversão do título da posse; considerar-se que a usucapião retroagiu àquela data, encontrando-se preenchidos todos os seus pressupostos, mantendo-se na íntegra a sentença proferida em primeira instância nos seus precisos termos, aplicando-se assim, os preceitos legais nela vertidos, nomeadamente, os artigos 1256.º, n.º 1, 1263.º, 1268.º, n.º 1, 1287.º, 1296.º, 2059.º, 2075.º, n.º 2 todos do Código Civil.</font> </p><p><b><font>XIV – </font></b><font>Pelo que não se deveria concluir, como se conclui no Douto Acórdão que “No caso concreto, uma vez falecida a última das usufrutuárias, deveria tomar posse dos bens aquele a quem foi deixada a posse plena ou propriedade, e que de acordo com o testamento seria a já extinta “junta de paróquia”, o que apenas valeria caso a Igreja não tivesse repudiado.</font> </p><p><b><font>XV –</font></b><font> Discordam os Réus da posição adoptada pelos Venerandos Juízes Desembargadores quando a fls. 537 do Douto Acórdão referem que: “A inversão para poder ter-se por verificada teria, pois, de se dar por oposição dos Réus </font><u><font>contra a herança representada pelo herdeiro testamentário…</font></u><font>”, sendo manifesta a impossibilidade de os Réus virem contra o alegado herdeiro testamentário, dado que é o próprio herdeiro testamentário quem, por escritura pública, repudia a herança em apreço.</font> </p><p><b><font>XVI –</font></b><font> É certo que, é a partir da data desse repúdio que, refira-se uma vez mais, se dá a inversão do título da posse e que foi do conhecimento de todos.</font> </p><p><b><font>XVII –</font></b><font> Mais referem os Venrandos Juízes Desembargadores na mesma folha, no seu 3§ que: (…) “Mas, não só este não está determinado, como não invocaram os Réus, na sua contestação, qualquer facto, integrante dessa oposição direta à herança, determinante da inversão…”, na verdade os Réus nem o poderiam ter feito dado que contestaram pedido diverso daquele a que se referem agora os Venerandos Juízes Desembargadores, ou seja, contestam o pedido formulado pelo A., no qual este peticiona a propriedade a seu favor e demais herdeiros e não da herança, não se podendo dissociar que o faz até em termos percentuais, devendo ser -lhe atribuída a proporção de ¼ por herança da mãe e ¾, na qualidade de herdeiro do Padre JJ.</font> </p><p><b><font>XVIII –</font></b><font> No caso em apreço facilmente se depreende, tendo ficado aliás, comprovado, que a posse exercida pelos Réus foi susceptível de conduzir à usucapião, não existindo terceiros que se opusessem, a tal aquisição, ou seja, nem aquando da inversão do título da posse (repúdio), nem nos 10 anos subsequentes conforme legalmente previsto, e ninguém o fez.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font> </font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; O recorrido apresentou contra-alegações, em que pugna pela manutenção do decidido.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>&nbsp;Sabido que o objecto dos recursos se delimita pelas conclusões das alegações (art. 635.º n.º 3 do NCPC), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (art. 608.º NCPC </font><i><font>in fine</font></i><font>), são as seguintes as questões a decidir:</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>1) </font><i><font>Da nulidade do acórdão recorrido (arts. 674.º, 615.º e 666.º)</font></i> </p><p><font> </font> </p><p><font>2) </font><i><font>Da inversão do título da posse e da aquisição por usucapião.</font></i> </p><p><font> </font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Colhidos os vistos, cumpre decidir.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font> </font> </p><p><b><font>II – Fundamentação de facto</font></b> </p><p><b><font> </font></b> </p><p><b><i><font>São os seguintes os factos julgados provados pelo tribunal de 1.ª instância, aos quais o Tribunal da Relação, no exercício dos seus poderes de modificação da matéria de facto, acrescentou o facto O – 1)</font></i></b><font>:</font> </p><p><b><font> </font></b> </p><p><b><font>A)</font></b><font> AA, ora Autor, é filho de FF, neto de GG e bisneto de HH e mulher II, casados em primeiras núpcias de ambos.</font> </p><p><b><font>B)</font></b><font> Da certidão emitida pelo Arquivo Distrital de Castelo Branco, datada de 24 de Abril de 2009, junta nos autos a fls. 25 a 68, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzida, consta que por morte de HH correu processo de inventário no Tribunal de Castelo Branco tendo sido proferida sentença a 28 de Junho de 1911, transitada em julgado.</font> </p><p><b><font>C)</font></b><font> Da certidão emitida pelo Arquivo Distrital de Castelo Branco, datada de 24 de Abril de 2009, junta nos autos a fls. 25 a 68, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzida, consta que por morte de II correu processo de inventário no Tribunal de Castelo Branco tendo sido proferida sentença a 4 de Outubro de 1888, transitada em julgado.</font> </p><p><b><font>D)</font></b><font> JJ, filho de HH e de II, faleceu a 21 de Maio de 1940, no estado de solteiro.</font> </p><p><b><font>E)</font></b><font> Por testamento público, JJ declarou “que não tendo descendentes nem ascendentes passa a dispor dos seus haveres que à hora da sua morte se julgarem pertencerem-lhe pela forma que segue: deixa ao Colégio ou estabelecimento onde foi educado e ordenado sacerdote a posse plena das suas propriedades sitas na freguesia de ..., concelho e distrito de Castelo Branco, com a obrigação de o mesmo estabelecimento ou Colégio, fundar uma escola no prazo de dois anos contados da data de falecimento das usufrutuárias que adiante vão ser mencionadas. Se findo aquele prazo de dois anos o Colégio ou estabelecimento não tiver dado cumprimento a esta sua vontade, transitará para a Junta da Paróquia de ..., que uma vez recebidas fundará uma escola, um asilo para velhos ou dar-lhe-á a aplicação que entender, mas sempre em favor da beneficência pública. Que o usufruto de todas as suas propriedades fica pertencendo em partes iguais e enquanto vivas forem, às suas irmãs, NN, OO e RR, as duas primeiras professoras e a terceira dona de sua casa; à sua sobrinha, menor, SS, filha de seu irmão, HH, empregado no reformatório de ... e a sua madrasta OO...”.</font> </p><p><b><font>F)</font></b><font> Por declaração datada de 9 de Fevereiro de 1943, junta nos autos a fls. 77, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzida, Cónego FFF Tribunal Judicial de Castelo Branco de Almeida, Vigário Geral da Diocese da ..., declarou desistir da herança de JJ da qual renunciou.</font> </p><p><b><font>G)</font></b><font> O prédio rústico, sito em Quinta … e ..., da freguesia de ..., concelho de Castelo Branco, inscrito na matriz sob o artigo … da secção B, está descrito na Conservatória do Registo Predial do Castelo Branco sob o nº ….</font> </p><p><b><font>H)</font></b><font> O prédio rústico, sito em ..., da freguesia de ..., concelho de Castelo Branco, inscrito na matriz sob o artigo … da secção …, está descrito na Conservatória do Registo Predial do Castelo Branco sob o nº ….</font> </p><p><b><font>I)</font></b><font> A aquisição dos supra referidos prédios encontra-se registada na Conservatória do Registo Predial de Castelo Branco a favor dos Réus, pela Ap. 3970 de 2009/05/12 e Ap. 1512 de 2009/06/24, por sucessão hereditária de UU.</font> </p><p><b><font>J</font></b><font> (art. 1º BI) - Por morte de II, bisavó do autor, sucederam-lhe como herdeiros dois filhos, JJ e GG.</font> </p><p><b><font>K</font></b><font> (art. 2º BI) - A meação de II foi dividida em 2 lotes com as letras “C” e “D”, fazendo parte da herança entre outros, </font><u><font>a verba 16</font></u><font>, que é “uma casa de altos e baixos com um quintal, pomar, oliveiras e videiras e mais pertenças, sita à Quinta ..., limite da freguesia de ...” </font><u><font>e a verba 25</font></u><font>.</font> </p><p><b><font>L</font></b><font> (art. 3º BI) - A </font><u><font>verba 16</font></u><font> ficou a pertencer, na proporção de ¼ para a GG, ¼ para JJ e a restante metade para HH, correspondente à respectiva meação.</font> </p><p><b><font>M</font></b><font> (art. 4º BI) - E a </font><u><font>verba 25</font></u><font> ficou a pertencer ao HH, preenchendo a sua meação.</font> </p><p><b><font>N </font></b><font>(art. 5º BI) - Por morte de HH, bisavô do autor, sucederam-lhe como herdeiros </font><u><font>dois filhos</font></u><font> do </font><u><font>primeiro casamento</font></u><font>, JJ e GG e </font><u><font>sete filhos</font></u><font> do </font><u><font>segundo casamento</font></u><font>, a saber: MM, NN, OO, HH, PP, QQ e RR.</font> </p><p><b><font>O</font></b><font> (art. 6º BI) - No processo de inventário por óbito de HH foram descritas as verbas 20 – “Uma casa com altos e baixos, «a da residência», incluindo «a do forno» e o pedaço de terra que está entre a quinta denominada «...» e …” -, 21 – “Uma quinta denominada «a ...», situada no limite do ..., com vinha, árvores e um palheiro” - e 22 – “Dois leirões ou duas sortes de terra de regadio, com árvores e um palheiro, tudo dentro da «quinta ...», no sítio do casal …, limite do ...”, que correspondem às descrições prediais da extinta Conservatória de ..., n.ºs … - “No limite e freguesia de ... = uma vinha no sítio da Quinta ...” – e 12 978 – “Limite e freguesia de ... = prédio que consta de uma quinta com casa, árvores e lavrados e tudo o mais que lhe pertence denominado «a Quinta ...», no sítio do Casal …”.</font> </p><p><font>No mesmo processo de inventário, por óbito de HH foi descrita a verba 25 – «Uma tapada no sítio da ..., limite do ...» –, que corresponde à descrição predial da extinta Conservatória de ..., n.º … – “Limite e freguesia de .... Prédio que consta de uma tapada no sítio de ...”.</font> </p><p><font>Na descrição </font><u><font>10.173</font></u><font>, da extinta Conservatória de ..., com data de 16 de Janeiro de 1901, foi averbada, com o n.º de ordem 4, a inscrição n.º …, com fundamento no requerimento de </font><u><font>HH</font></u><font>, residente no ..., pai de JJ, correspondente à </font><u><font>doação da respectiva quarta parte</font></u><font> por HH e LL </font><u><font>e as restantes partes, por lhe terem ficado a pertencer no inventário</font></u><font> a que se procedeu por falecimento da sua mãe II.</font> </p><p><font>Nas descrições </font><u><font>12.978</font></u><font> e </font><u><font>13.797,</font></u><font> da extinta Conservatória de ..., com data de 7 de Agosto de 1911, foi averbada, com o n.º de ordem 2, a inscrição n.º 2.198, com fundamento no requerimento do </font><u><font>Pe. JJ</font></u><font>, a compra pelo mesmo pela quantia de 120 mil reis em </font><u><font>hasta pública</font></u><font> que se efetuou em virtude do inventário a que se procedeu por óbito de HH, com base na carta de arrematação extraída do inventário orfanológico por óbito do mesmo HH.</font> </p><p><u><font>A descrição predial assente em G) reporta-se ao mesmo prédio registado sob as descrições 10.173 e 12.978,</font></u><font> da extinta Conservatória do Registo de ....</font> </p><p><u><font>A descrição predial assente em H) reporta-se ao mesmo prédio registado sob a descrição 13.797, </font></u><font>da extinta Conservatória do Registo de ...”.</font> </p><p><b><font>O-1)</font></b><font> - </font><u><font>“Tais prédios ficaram a pertencer a JJ [padre JJ]”</font></u> </p><p><b><font>P</font></b><font> (art. 9º BI) - À data do óbito (21.05.1940) JJ não tinha descendentes nem ascendentes.</font> </p><p><b><font>Q </font></b><font>(art. 10º BI) - Desde, pelo menos, 1958, por si e seus antecessores, o R. BB vem efectuando trabalhos de conservação e manutenção nos prédios identificados em G) e H).</font> </p><p><b><font>R</font></b><font> (art. 11º BI) - Sem que alguma vez tenha existido qualquer oposição, inclusive do autor.</font> </p><p><b><font>S</font></b><font> (art. 12º BI) - O que fizeram à vista e com conhecimento de toda a gente.</font> </p><p><b><font>T</font></b><font> (art. 13º e 13º.1 BI) - Na convicção de ser o respectivo dono.</font> </p><p><b><font>U</font></b><font> (art.14º BI) - É o R. BB quem liquida os impostos relativos aos prédios identificados em G) e H).</font> </p><p><b><font>V)</font></b><font> (facto aditado ao abrigo do disposto no art. 659º, n.º 3, do C.P.Civil)</font> </p><p><font>- OO faleceu a 16.08.1966;</font> </p><p><font>- NN faleceu a 16.03.1977;</font> </p><p><font>- RR faleceu a 10.04.1981;</font> </p><p><font>- UU faleceu a 18.02.2009.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font> </font> </p><p><b><font>III – Fundamentação de direito</font></b> </p><p><font> </font> </p><p><font> </font> </p><p><font>1 – </font><i><font>Da nulidade do acórdão recorrido</font></i> </p><p><font> </font> </p><p><font>Alegam os Recorrentes que o Autor, na petição inicial, qualificou a acção como reivindicação de propriedade e que o seu pedido visava o reconhecimento do direito de propriedade e não a restituição dos prédios identificados nas alíneas G) e H) à herança. Tendo o acórdão recorrido decidido que se tratava de uma acção de petição de herança, alterando unilateralmente, e já em fase de recurso, o pedido formulado na P. I., violou o princípio do dispositivo e do contraditório (art. 3.º do CPC), e os arts. 264.º e 265.º do CPC, que estipulam os requisitos exigidos para a alteração ou ampliação do pedido.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Em consequência, com base nestes motivos, os recorrentes defendem que acórdão recorrido é nulo, nos termos dos artigos 639.º, 615.º e 666.º do CPC, pois foram violadas normas jurídicas e erradamente aplicadas as leis do processo (arts. 3.º, 264.º e 265.º do CPC).</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Mas não têm razão.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Note-se, desde logo, que a sentença de 1.ª instância também considerou que a acção intentada pelo autor era uma acção de petição de herança, o que legitima, segundo o acórdão recorrido, que «se repondere na existência ou não dos pressupostos de facto para que o direito do Autor-herdeiro seja agora reconhecido, sob nova formulação».</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>O acórdão recorrido justificou esta opção, de uma forma que consideramos pertinente: </font> </p><p><font>«Efetivamente, na petição inicial o Autor ora recorrente pede que os prédios identificados na ação sejam considerados propriedade do Autor e demais herdeiros (e n
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font> <p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font> </p><p><font> </font> </p><p><font> </font> </p><p><b><font>I – Relatório</font></b> </p><p><b><font> </font></b> </p><p><font>No 1.º Juízo de Competência Cível do Tribunal Judicial de Oeiras, </font><b><font>AA Portugal - …, Lda</font></b><font>, propôs ação declarativa de condenação com a forma de processo ordinário contra </font><b><font>BB, Lda, CC Bank (Portugal) S.A.,</font></b><font> </font><b><font>DD, Banco EE, S.A. e FF</font></b><font>, formulando os seguintes pedidos: </font> </p><p><font>a) Serem condenados os Réus a reconhecer o direito de propriedade da Autora sobre o veículo de marca M..., modelo Classe … ….. 2.1, de matrícula -GP-, com a consequente restituição definitiva do mesmo, em bom estado de funcionamento e conservação, e dos seus documentos; </font> </p><p><font>b) Serem cancelados todos os registos de propriedade, posteriores ao registo da Autora, relativos ao veículo de marca M..., modelo Classe …. 2.1, de matrícula -GP-. </font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Os réus Banco EE, CC Bank e DD contestaram, tendo a autora replicado.&nbsp; </font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Entretanto, foi proferida sentença homologatória da desistência do pedido, relativamente ao réu Banco EE, S.A., que foi absolvido do pedido. </font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Foi proferido despacho saneador, onde se entendeu conterem os autos todos os factos necessários para que fosse proferida sentença de mérito, sem necessidade de enunciação dos temas da prova, julgando-se, desde logo, a ação improcedente e tendo-se absolvido os demais réus do pedido. </font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Inconformada, a autora interpôs recurso de apelação daquela sentença, tendo o Tribunal da Relação proferido acórdão em que negou provimento ao recurso, confirmando a sentença apelada, por unanimidade e sem divergir da fundamentação utilizada pela 1.ª instância.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Novamente inconformada, a autora interpõe revista excecional para este Supremo Tribunal de Justiça, ao abrigo do art. 672.º, n.º 1. al. c) do CPC, a qual foi admitida pela formação a que se refere o art. 672.º, n.º 3 do CPC, nos termos do acórdão deste Supremo Tribunal de 8 de outubro de 2015, que decide que a única questão cuja apreciação excecional deve ter lugar é a seguinte:</font> </p><p><font>&nbsp;- </font><i><font>Saber se um negócio nulo, por falta de legitimidade para transferir a propriedade por parte do alienante e as subsequentes alienações às quais se estende a nulidade do negócio primitivo, são ou não oponíveis ao verdadeiro proprietário, que não foi parte naqueles negócios, assistindo-lhe o direito de reivindicar a coisa, em quaisquer circunstâncias, apesar do registo a favor dos ulteriores adquirentes, não sendo aplicável o regime estabelecido no art. 291.º do Código Civil.</font></i> </p><p> </p><p><font>Na sua alegação de recurso, a autora formula as seguintes conclusões:</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>A) A venda de coisa alheia é nula sempre que o vendedor careça de legitimidade para a realizar;</font> </p><p><font>B) Não tendo a autora, verdadeira proprietária do veículo automóvel com a matricula -GP-, transmitido à 1.ª ré, ora 1.ª recorrida, o seu direito de propriedade sobre o referido veículo, carece esta de o transmitir a terceiros, porque não se pode transmitir o que não se tem;</font> </p><p><font>C) Se o fizer – como veio a fazer – a venda é nula, nos termos do artigo 892.º do Código Civil;</font> </p><p><font>D) Nulidade que se estende às vendas subsequentes;</font> </p><p><font>E) Esta nulidade pode ser invocada entre as partes intervenientes (</font><i><font>inter alios acta</font></i><font>) mas não perante quem não interveio nos negócios e lhes é estranho; a recorrente, verdadeira proprietária, não interveio nos negócios nulos pelo que não lhe é oponível tal nulidade;</font> </p><p><font>F) Aliás, não tendo intervindo nos negócios nulos, é-lhe indiferente que os actos nulos subsistam ou seja declarados nulos ou anuláveis, porque, relativamente a si, são ineficazes, sendo insusceptíveis de produzir efeitos na sua esfera jurídica, em prol da defesa do direito de propriedade que lhe assiste;</font> </p><p><font>G) Ora, pressupondo quer o art. 892.º, quer o art. 291.º, ambos do Código Civil, nulidades e anulabilidades, inoponíveis à recorrente, os seus regimes não lhe são aplicáveis, por não ter sido parte nos negócios;</font> </p><p><font>H) Consequentemente, não é exigível o registo da acção nos três anos subsequentes à conclusão do primitivo negócio nulo, referido no n.º 2 do artigo 291.º do Código Civil, para salvaguarda da propriedade do </font><i><font>dominus</font></i><font> – a recorrente, no caso concreto.</font> </p><p><font>I) As nulidades previstas nos referidos artigos são mitigadas, pois excepcionam o regime geral das invalidades previsto nos arts 285.º e seguintes do Código Civil, pelo que não comportam nos termos do art. 11.º do Código Civil, aplicação analógica, no sentido de se estenderem ao </font><i><font>dominus </font></i><font>alheio ao negócio;</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>J) O regime aplicável ao verdadeiro proprietário que não interveio no negócio é o da ineficácia, </font><i><font>ipso iure,</font></i><font> podendo reivindicar, ao abrigo do art. 1311.º do Código Civil, o seu direito de propriedade em qualquer momento, de quem não possua título que legitime a sua posse, incluindo de quem tem a propriedade inscrita no registo em seu nome;</font> </p><p><font>K) Nos termos atrás referidos deve interpretar-se o art. 291.º do Código Civil e, consequentemente, concluir-se pela sua não aplicação ao caso dos autos; Tratando-se de ineficácia dos efeitos jurídicos dos negócios nulos, em relação à autora, deve esta accionar o mecanismo da reivindicação, previsto no art. 1311.º do Código Civil, o que, </font><i><font>in casu</font></i><font>, sucedeu;</font> </p><p><font>L) Neste sentido, decidindo sobre a mesma questão fundamental de direito no âmbito da mesma legislação em vigor, se julgou nos Acórdãos – fundamento cujas cópias aqui se juntam, ao abrigo da alínea c) do número 2 do artigo 672.º do Código de processo Civil, sob os Docs 1, 2 e 3;</font> </p><p><font>M) Ou seja, afastou-se a aplicação ao verdadeiro proprietário do artigo 291.º do Código Civil;</font> </p><p><font>N) Porém, no Acórdão ora em recurso julgou-se em sentido contrário, aplicando-se ao caso concreto o regime do artigo 291.º do Código Civil, como resulta do seu traslado, aqui junto;</font> </p><p><font>O) Atenta a natureza fundamental do direito de propriedade e a expressão económica dos negócios que este envolve revela-se imprescindível para a segurança do comércio jurídico, a apreciação da questão, entendendo-se preenchidos os requisitos enunciados nas alíneas a), b) e c) do número 2 do art. 672.º do Código de processo Civil;</font> </p><p><font>P) pelo que deverá ser admitida e apreciada a presente revista excepcional, sendo-lhe concedido provimento no sentido defendido pela Jurisprudência das Relações e do Supremo Tribunal de Justiça aqui junta sob. os Docs. 1, 2 e 3».&nbsp;</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>&nbsp;O réu CC – Sucursal em Portugal apresentou contra--alegações, em que pede que seja negado provimento à revista excecional e mantido o acórdão recorrido.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Colhidos os vistos, cumpre decidir.</font> </p><p><font> </font> </p><p><b><font>II - Fundamentação de facto </font></b> </p><p><b><font> </font></b> </p><p><font>Com base nos documentos juntos aos autos, no que respeita aos registos do automóvel referentes ao veículo -GP-, reivindicado pela autora, deu o Tribunal da Relação como provados os seguintes factos:</font> </p><p><b><font>&nbsp;</font></b> </p><p><font>1 - Em 16/10/08, foi registada a propriedade do veículo a favor de M...- B… Porugal SA (fIs.59 a 62 e 162); </font> </p><p><font>2 - Em 12/11/08, foi registada a propriedade a favor da autora, AA Portugal - …, Ld.ª, com base em contrato verbal de compra e venda celebrado em 21/10/08, conforme declaração da vendedora M…-B… Portugal SA (fls.63 a 66 e 162); </font> </p><p><font>3 - Em 10/07/09, foi registada a propriedade a favor da ora 1.ª ré, BB - …, Ld.ª, com base em contrato verbal de compra e venda celebrado em 29/12/08, conforme declaração de venda de GG, na qualidade de procurador, com poderes para o ato, da ora autora (fIs.67, 68 e 162); </font> </p><p><font>4 - Em 16/07/09, foi registada a propriedade a favor do 3.º réu, DD, com base em contrato verbal de compra e venda celebrado em 16/7/09, conforme declaração da ora l.ª ré (fls.69 a 71 e 162); </font> </p><p><font>5 - Em 2/10/09, foi registada a propriedade a favor do 4.º réu, Banco EE, S.A, com base em contrato verbal de compra e venda celebrado em 21/9/09, conforme declaração do 3.º réu, DD (fls.72 a 74 e 162); </font> </p><p><font>6 - Em 2/10/09, foi registada a propriedade a favor do 5.º réu, FF, com base em contrato verbal de compra e venda celebrado em 21/09/09, conforme declaração do 4.º réu, Banco EE, S.A. (fls.75 a 77 e 162); </font> </p><p><font>7 - Em 27/12/10, foi registada a propriedade a favor da 2.º réu, CC Bank, com base em contrato de compra e venda, celebrado em 21/12/10, com HH, Unip., Ld.ª (fl8.155, 156 e 162); </font> </p><p><font>8 - Em 27/12/10, foi registado o encargo-locação financeira do veículo, sendo locador CC Bank e locatário DD (fls.156, 157 e 162). </font> </p><p><b><font> </font></b> </p><p><b><font>III – Fundamentação de direito</font></b> </p><p><b><font> </font></b> </p><p><b><font>1.</font></b><font> As instâncias decidiram, com base nestes factos, que não era necessário apurar a restante factualidade alegada pela autora relativa à intervenção de um falso procurador que, vendendo o automóvel em seu nome, mas sem poderes para o ato, teria dado lugar à cadeia de negócios nulos. Entenderam que, não tendo sido registada a ação de reivindicação, dentro de um prazo de três anos após o primeiro negócio nulo da cadeia, o terceiro adquirente de boa fé beneficiaria da aquisição </font><i><font>a non domino</font></i><font> regulada pelo art. 291.º, n.º 1, do Código Civil, cujos requisitos consideraram verificados: nulidade de negócio jurídico relativo a um bem móvel sujeito a registo, aquisição a título oneroso; boa fé do terceiro adquirente; registo da aquisição.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>A fundamentação do acórdão recorrido foi a seguinte:</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>«Ora, no caso dos autos, a autora não exibe um título de aquisição derivada do último proprietário inscrito regularmente no registo, sendo que os 2°, 3° e 5° réus apresentaram títulos de aquisição com datas posteriores à inscrição do direito da autora no registo e registaram tais aquisições, posteriormente, como resulta dos documentos juntos aos autos, atrás referenciados (em relação à 1.ª ré, o título de aquisição é o contrato que a autora considera nulo, por ter sido celebrado por pessoa sem poderes de representação e por não ter sido por ela ratificado - cfr. o art.268º, n.º 1, do C.Civil). </font> </p><p><font>Logo, tinha a autora necessidade de invocar, como invocou, e de obter, a declaração de nulidade do título apresentado pela 1.ª ré, que, como alegou, terá sido objecto de uma falsificação. </font> </p><p><font>(…)</font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; “ (…) pelo que haverá que analisar se, no caso, os direitos dos 2°, 3° e 5° réus, como terceiros, podem ou não vir a ser reconhecidos.&nbsp; </font> </p><p><font>O que passa, desde logo, pela questão de saber se a presente acção foi proposta e registada dentro dos três anos posteriores à conclusão do negócio cuja declaração de nulidade se pretende, atento o disposto no citado art.291.º, n.º2. </font> </p><p><font>Assim, dispõe o n.º 1, daquele artigo, que: </font> </p><p><i><font>«A declaração de nulidade ou a anulação do negócio jurídico que respeite a bens imóveis, ou a móveis sujeitos a registo, não prejudica os direitos adquiridos sobre os mesmos bens, a título oneroso, por terceiro de boa fé, se o registo da aquisição for anterior ao registo da acção de nulidade ou anulação ou ao registo do acordo entre as partes acerca da invalidade do negócio». </font></i> </p><p><font>Acrescentando o n.º2, do mesmo artigo, que: </font> </p><p><i><font>«Os direitos de terceiro não são, todavia, reconhecidos, se a acção for proposta e registada dentro dos três anos posteriores à conclusão do negócio».&nbsp; </font></i> </p><p><font>Deste modo, os efeitos extintivos característicos da nulidade ou anulação do contrato mantêm-se plenamente durante os três anos posteriores à conclusão do negócio impugnado, desde que a acção, estando sujeita a registo, seja efectivamente registada. </font> </p><p><font>Ou seja, passado esse período, se o contrato nulo ou anulado respeitar a bens imóveis ou a móveis sujeitos a registo e esses bens tiverem sido alienados ou onerados a favor de terceiro, que tenha registado a sua aquisição, os efeitos da nulidade ou da anulação podem ter que ceder perante o direito do terceiro adquirente. </font> </p><p><font>Para tal bastará que o registo da aquisição de terceiro seja anterior ao registo da acção de nulidade ou anulação, que a aquisição tenha sido a título oneroso e que o adquirente tenha agido de boa fé. </font> </p><p><font>Constata-se, pois, que, por um lado, durante os três anos posteriores à conclusão de qualquer contrato o registo não defende o titular do direito formalmente inscrito contra os efeitos da nulidade ou da anulação do contrato que tenha servido de pressuposto à sua aquisição, o que confirma a falta de valor constitutivo do registo. </font> </p><p><font>Mas que, por outro lado, se permite ao titular da inscrição efectuada no registo, embora só a partir de certo período posterior à conclusão do contrato nulo ou anulável (três anos), fazer prevalecer o seu direito real referente ao imóvel ou ao móvel sujeito a registo sobre o direito, relativo à mesma coisa, do beneficiário da nulidade ou da anulação, o que representa uma significativa conquista do registo contra o regime tradicional da nulidade e da anulação. </font> </p><p><font>Ora, no caso dos autos, a acção não foi proposta e registada dentro dos três anos posteriores à conclusão do negócio, já que este terá ocorrido em 29/12/08 e a acção foi proposta em 13/7/12. </font> </p><p><font>Consequentemente, os efeitos da nulidade sempre teriam que ceder perante os direitos dos terceiros adquirentes, que registaram as suas aquisições, feitas a título oneroso e de boa fé. </font> </p><p><font>Isto é, no caso </font><i><font>sub judice</font></i><font>, a lei atribui àqueles adquirentes uma protecção tal que se sobrepõe ao direito do verdadeiro titular. </font> </p><p><font>Logo, a acção não tinha que prosseguir com a realização do julgamento, para apreciação das nulidades alegadas.&nbsp;&nbsp; </font> </p><p><font>E não se diga que os réus não integram o conceito de «terceiros de boa fé», para efeitos do disposto no art. 291.º, por ter cessado a sua boa fé com a citação e por não terem adquirido de um autor comum.&nbsp; </font> </p><p><font>Assim, por um lado, a boa fé, que consiste na ignorância de que a coisa vendida não pertence ao vendedor, apura-se no momento da celebração do contrato (cfr, o n.º 3, do art. 291°). Ou seja, o conhecimento posterior de que a coisa é alheia não afecta as consequências da boa fé inicial (cfr. Raul Ventura, ob. cit., pág. 313 e Paulo Olavo Cunha, ob.cit., pág. 452). </font> </p><p><font>Por outro lado, o conceito de terceiro (de boa fé) usado no art.291°, não coincide com o termo terceiro utilizado no art.5°, do Código do Registo Predial, porquanto os problemas versados numa e noutra disposição legal são inteiramente distintos. </font> </p><p><font>Por conseguinte, além de não ter que prosseguir para julgamento, a presente acção não podia deixar de improceder, como improcedeu, desde logo, no saneador». </font> </p><p><font> </font> </p><p><b><font>2. </font></b><font>A disposição do art. 291.º do Código Civil constitui uma norma inovadora do Código Civil de 1966, inserida na Parte Geral, na Secção III, do Capítulo I – Nulidade e anulabilidade do negócio jurídico. Trata-se de uma norma de influência germânica, inspirada no § 892 do BGB (Rui de Alarcão, «Invalidade dos negócios jurídicos. Anteprojecto para o novo Código Civil», </font><i><font>BMJ,</font></i><font> n.º 89, 1959, p. 245), mas que introduzida num país de registo declarativo e que até há pouco tempo era facultativo, não pode assumir o mesmo significado que assume na ordem jurídica alemã, em que o registo é constitutivo.</font> </p><p><font>O facto de o art. 291.º se enquadrar num sistema de registo declarativo, de mera condição de oponibilidade em face de terceiros, nos termos do art. 5.º do CRPred. (aplicável ao registo automóvel), limita o seu âmbito de aplicabilidade, o qual não pode ser semelhante ao princípio da fé pública do registo no direito alemão.</font> </p><p><font>O registo automóvel, à semelhança do registo predial (as lacunas do regime jurídico do registo automóvel são integradas pelas regras do registro predial, segundo o art. 29.º do DL n.º 54/75, de 12-02 alterado pela última vez pela Lei n.º 39/2008, de 11-08), não supre os vícios do título, ou seja, não supre outros vícios para além da falta de legitimidade do alienante, resultante de uma alienação ou oneração anterior não registada. Neste sentido, o registo não garante ao adquirente que o prédio pertence ao transmitente e não a outrem nem assegura a bondade dos títulos inscritos ou do ato de inscrição. A ser de outro modo, qualquer pessoa, mesmo que tivesse registado o respetivo facto constitutivo, poderia vir a ser expropriada dos seus bens, se alguém conseguisse registar um título falso e posteriormente alienasse o «pseudo-direito» a terceiro de boa fé que registasse a aquisição, o que representaria uma insegurança demasiado grande nas posições jurídicas estáticas (cf. Maria Clara Sottomayor, </font><i><font>Invalidade e registo, A protecção do terceiro adquirente de boa fé, </font></i><font>Almedina, Coimbra, 2010, p. 332).</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Na dupla alienação do mesmo bem, os chamados efeitos centrais do registo (Orlando de Carvalho, «Terceiros para efeitos de registo», </font><i><font>BFD</font></i><font>, Vol. LXX,1994, p. 101), a prioridade da inscrição registal não protege o terceiro adquirente, se este adquirir de um sujeito que nunca foi proprietário do bem. O registo visa assegurar, não a titularidade efetiva do alienante, mas apenas que o direito a ter existido, ainda se conserva (Vaz Serra, «Hipoteca», </font><i><font>BMJ,</font></i><font> n.º 62, Jan. 1957, p.7).</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Historicamente, o registo foi introduzido em Portugal para constituir um instrumento de pressão à inscrição dos negócios aquisitivos ou constitutivos de direitos reais, acompanhado da consequente sanção para quem não registasse – a inoponibilidade do ato perante terceiros – sanção que criava, nos casos da dupla alienação ou oneração do mesmo bem, o risco da perda do direito a favor de um terceiro de boa fé que registasse em primeiro lugar. Contudo, está ao alcance do titular do direito evitar a perda do seu direito, procedendo ao registo da sua aquisição. </font> </p><p><font>&nbsp;</font> </p><p><font>O registo nunca teve por objetivo, nas ordens jurídicas em que assume natureza declarativa, constituir um instrumento de proteção perante os vícios do ato inscrito, decorrentes de uma invalidade substancial do próprio ato ou de outro ato anterior da cadeia de negócios.</font> </p><p><font>A função de proteção do terceiro contra os efeitos da invalidade e contra a declaração de nulidade do registo surgiu mais tarde no Código Civil de 1966 e foi importada dos países de origem germânica, onde vigora o sistema do registo constitutivo. Trata-se da proteção do adquirente </font><i><font>a non domino</font></i><font> prevista e regulada no art. 291.º do Código Civil, e que pressupõe requisitos diferentes dos exigidos para a proteção do terceiro no caso da dupla alienação.</font> </p><p><font>Na invalidade sequencial ou derivada, verifica-se a conclusão de um negócio nulo ou anulável pelo qual aparentemente se alienam direitos, e a seguir, o sujeito que ocupa a posição de adquirente celebra um segundo negócio, que é afetado pela invalidade do primeiro, de modo que também os seus próprios efeitos são prejudicados pelo princípio da retroatividade da declaração de nulidade ou da anulação do primeiro negócio inválido (art 289.º do Código Civil). Há uma cadeia de negócios e uma cadeia de terceiros, que são todos os sub-adquirentes, depois da celebração do primeiro negócio inválido (Hörster, </font><i><font>A Parte Geral do Código Civil Português - Teoria Geral do Direito</font></i><font>, Almedina, Coimbra, 1992, p. 605, n.º 1003). </font> </p><p><font> </font> </p><p><font>&nbsp;O art. 291.º protege os terceiros adquirentes de boa fé contra os efeitos retroativos da declaração de nulidade e da anulação do negócio jurídico (Hörster, «Efeitos do registo – terceiros – aquisição a “non domino”», </font><i><font>RDE,</font></i><font>1982, p.139), operando como uma exceção ao princípio da retroatividade da declaração de nulidade ou da anulação do primeiro negócio de uma cadeia de negócios inválidos, por força do princípio da conservação dos negócios jurídicos (Cf. Hörster, </font><i><font>A Parte Geral…ob. cit.,</font></i><font> pp. 601 e ss, pp. 604 ss).</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Os requisitos desta norma são os seguintes:</font> </p><p><font>1. Declaração de nulidade ou a anulação do negócio jurídico que respeite a bens imóveis ou a bens móveis sujeitos a registo</font> </p><p><font>2. Aquisição onerosa</font> </p><p><font>3. Por um terceiro de boa fé</font> </p><p><font>4. Registo da aquisição do terceiro</font> </p><p><font>5. Anterioridade do registo de aquisição em relação ao registo da ação de nulidade ou de anulação.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Esta norma jurídica visa resolver um problema de conflito de direitos entre o primeiro alienante, o verdadeiro proprietário, e o terceiro sub-adquirente de boa fé, que desconhecia, sem culpa, o vício do negócio, atuou de forma honesta e com a diligência exigível no tráfico jurídico e registou a sua aquisição. </font> </p><p><font> </font> </p><p><font>O contrato entre o alienante não legitimado (que celebrou o primeiro negócio inválido com o verdadeiro titular do direito) e o terceiro de boa fé não pode padecer de outra causa de invalidade para além da falta de titularidade do alienante. Por exemplo, em caso de incapacidade do alienante, o terceiro não está protegido. O artigo 291.º também não protege um terceiro adquirente que, mesmo de boa fé em relação à falta de titularidade do transmitente, tenha usado coação moral ou dolo para concluir o negócio.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>O momento relevante para aferir da boa fé é o da data da conclusão do negócio de que o terceiro adquirente é parte, mas a boa fé exigida pela lei (art. 291.º, n.º 3) é uma boa fé em sentido ético, que equipara a ignorância culposa à má fé.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Mesmo mediante a verificação destes requisitos, a proteção do terceiro não funcionará se a ação for proposta ou registada dentro dos três anos posteriores à conclusão do negócio (art. 291.º, n.º 2), entendendo-se que este prazo de caducidade se começa a contar a partir da data da celebração do primeiro negócio inválido, que dá origem à cadeia (Cf. Hörster,</font><i><font> A Parte Geral…ob. cit.,</font></i><font> pp. 140 e 143; Carvalho Fernandes, </font><i><font>Lições de Direitos Reais,</font></i><font> 6.ª edição, Almedina, Coimbra, 2009, p. 151; Maria Clara Sottomayor, </font><i><font>Invalidade e registo, ob. cit.,</font></i><font> p. 611).</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>A intenção da lei foi a de não levar demasiado longe a protecção de terceiros, pois tal significaria um sacrifício grave dos interessados na nulidade ou na anulabilidade, para além de ter sido considerado que o nosso sistema registal não oferece as garantias de exactidão que oferecem outros sistemas, como o alemão (cf. Rui de Alarcão, «Invalidade dos Negócios Jurídicos, Anteprojecto para o Novo Código Civil», 1959, p. 247). Por isso, a lei usou um conceito ético de boa fé, excluiu a protecção dos terceiros adquirentes a título gratuito e consagrou um período de carência de três anos (art. 291.º, n.º 2).</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>«O método que fundamentou a decisão legislativa, relativamente a esta questão, terá sido o da ponderação conjunta dos interesses do proprietário na reivindicação do bem, do interesse do terceiro e do interesse colectivo da segurança do tráfico jurídico, que é também, indirectamente, o interesse do proprietário na facilidade de circulação dos seus direitos. A tutela do interesse do proprietário está limitada a um período de três anos decorridos após a conclusão do negócio inválido. A lei pretende, com este prazo, dar uma oportunidade ao verdadeiro proprietário para repor a verdade jurídica material, considerando que, após o decurso do prazo, o seu interesse deixa de merecer protecção. O centro do raciocínio do legislador é o comportamento do verdadeiro titular, justificando-se o sacrifício do direito deste, na sua própria negligência ou inércia em impugnar o negócio inválido, durante um período de três anos, após a sua conclusão» (cf. Maria Clara Sottomayor, </font><i><font>Invalidade e registo. A protecção do terceiro adquirente de boa fé</font></i><font>, </font><i><font>ob. cit.,</font></i><font> p. 336).</font> </p><p><font>«(…) o fundamento do art. 291.º é a estabilidade dos negócios jurídicos, sofrendo o alienante que deu origem à cadeia de negócios inválidos as consequências de não ter actuado, dentro do prazo de três anos, interpondo a acção de nulidade ou de anulação. A lei faz uma conciliação entre os interesses do verdadeiro proprietário, que pode impor a realidade jurídico-material ao terceiro, durante um prazo de três anos, a contar da data da conclusão do negócio inválido, e os do terceiro sub-adquirente, interessado em salvaguardar a sua aquisição dos efeitos retroactivos da invalidade» (Maria Clara Sottomayor, </font><i><font>Invalidade e registo, ob. cit.,</font></i><font> p. 338).</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Contudo, esta proteção opera apenas quando o verdadeiro titular do direito dá origem à cadeia de negócios que vai culminar com a aquisição onerosa de terceiro adquirente de boa fé. </font> </p><p><font> </font> </p><p><font>A aquisição </font><i><font>a non domino</font></i><font> prevista no art. 291.º, n.º 1 do Código Civil não permite que, através da intervenção de um terceiro que obtenha um registo falso ou baseado em títulos falsos, fique sanada a nulidade negocial derivada da cadeia transmissiva assim gerada, pois tal solução seria equivalente a admitir a expropriação do verdadeiro titular que não terá meios para se aperceber da fraude por não ter praticado qualquer negócio jurídico que desse origem à cadeia de negócios inválidos (Maria Clara Sottomayor, </font><i><font>Invalidade e registo…ob. cit.,</font></i><font> p. 481).</font> </p><p><font>&nbsp;</font> </p><p><font>Sendo assim, dentro da lógica de um registo meramente declarativo, o art. 291.º do Código Civil não protege o terceiro adquirente que beneficia dos requisitos do n.º 1, caso não tenha sido o verdadeiro proprietário a iniciar a cadeia de negócios nulos, como parte do primeiro negócio inválido.</font> </p><p><font> </font> </p><p><b><font>3.</font></b><font> Para funcionar a proteção conferida pelo art. 291.º, a cadeia de negócios inválidos tem que ser iniciada pelo verdadeiro proprietário, não estando abrangida no seu âmbito de aplicação a situação em que um sujeito obtém um registo falso e aliena o bem a um terceiro.</font> </p><p><font>Partindo da premissa acima enunciada, a que mais se adequa ao sistema translativo de direitos reais da ordem jurídica portuguesa e aos efeitos limitados do registo, tem razão a autora quando pede que seja ampliada a matéria de facto para que se averigue a alegada falsificação do registo obtido com base num contrato de compra e venda verbal feito, em seu nome, por um falso procurador.</font> </p><p><font>Não têm razão as instâncias quando entendem que estes factos são irrelevantes para a verificação dos pressupostos do art. 291.º do Código Civil.</font> </p><p><font>&nbsp;</font> </p><p><font>Tendo a autora alegado que a cadeia de negócios inválidos foi iniciada por um negócio celebrado por um falso procurador, este elemento factual e jurídico é decisivo para sabermos se funciona ou não a proteção do terceiro adquirente de boa fé.</font> </p><p><font>&nbsp;</font> </p><p><font>&nbsp;O facto de a autora ter intentado a ação de reivindicação contra o terceiro decorridos mais de três anos após a conclusão do primeiro negócio inválido (prazo de caducidade previsto no art. 291.º, n.º 2), e de esta ação não ter sido registada antes do registo do terceiro, como exige o art. 291.º, n.º 1, não tem relevância se vier a provar-se que a autora não teve intervenção no primeiro negócio da cadeia de negócios inválidos descrito no facto provado n.º 3.&nbsp; </font> </p><p><font>&nbsp;</font> </p><p><font>Em consequência, devido à insuficiência dos factos para a decisão, ordena-se a baixa do processo ao tribunal de 1.ª instância, nos termos do art. 682.º, n.º 3 do CPC, para que aí se proceda à enunciação dos temas de prova e ao apuramento da matéria de facto relevante para a decisão de direito, conforme o alegado pela autora.</font> </p><p><font> </font> </p><p><b><font>IV – Decisão</font></b> </p><p><b><font> </font></b> </p><p><font>Pelo exposto, decide-se na 1.ª Secção deste Supremo Tribunal de Justiça, conceder a revista e revogar o acórdão recorrido, ordenando-se que o processo baixe ao tribunal de 1.ª instância para enunciação dos temas de prova e ampliação da matéria de facto, em ordem a constituir base suficiente para a decisão de direito.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Custas pelos recorridos.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Lisboa, 19 de abril de 2016</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Maria Clara Sottomayor (Relatora)</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Sebastião Póvoas</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Alves Velho</font> </p></font><p><font><font> </font></font></p>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font> <p><font>Acordam na 1.ª Secção Cível do Supremo Tribunal de Justiça:</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; </font><b><font>I - Relatório</font></b> </p><p><font> </font> </p><p><b><font>AA</font></b><font> e mulher </font><b><font>BB</font></b><font> intentaram no 1.º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Alcobaça uma acção declarativa sob a forma de processo ordinário contra </font><b><font>CC,</font></b><font> </font><b><font>DD, Lda,</font></b><font> </font><b><font>Banco EE S.A. </font></b><font>como sucessor de</font><b><font> Banco FF S.A.,</font></b><font> </font><b><font>Banco GG S.A. e</font></b><font> </font><b><font>HH,</font></b><font> pedindo a condenação de todos os Réus a reconhecer o seu direito de propriedade e posse sobre o imóvel identificado&nbsp; no art. 1.º da petição inicial; e a ver anulada a venda do mesmo prédio que teve lugar no dia 20/09/2000, nos autos de execução sumária, que sob o n.º 219/94 penderam pelo 1.º Juízo do Tribunal Judicial de Rio Maior. </font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Alegam, para tanto, e em resumo:</font> </p><p><font>Que são donos e proprietários de determinado prédio urbano inscrito na matriz predial respectiva da freguesia da ..., do concelho de Alcobaça, cuja posse lhes foi transmitida por contrato promessa de compra e venda outorgado em 8 de Junho de 1974 com a então proprietária II, a quem pagaram a totalidade do preço acordado para o negócio; que até àquela data de 8 de Junho de 1974, por si e antepossuidores, sempre a dita II esteve na posse, pública, pacífica e ininterrupta, do imóvel, agindo como sua dona e com essa convicção, nele tendo inclusivamente implantado uma casa de habitação, hoje em ruínas; a partir da data em que celebraram o dito contrato promessa prosseguiram os AA tal conduta possessória, ininterruptamente, à vista de todos, também na convicção de exercerem um direito próprio, pelo que, “se outro título não existisse”, adquiriram o direito de propriedade sobre o prédio por usucapião, nos termos do art.º 1287 do CC; sucede, porém, que em execução sumária movida no Tribunal Judicial de Rio Maior pelo 3.º R. como exequente contra a 1.ª Ré como executada, em que foram credores reclamantes os 4.º e 5.º Réus, a 2.ª Ré adquiriu o dito imóvel por arrematação em hasta pública, obrigando os AA. a propor a competente acção de reivindicação para se verem restituídos ao seu legítimo direito de propriedade.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Citados apenas os Réus </font><b><font>HH, Banco GG S.A. </font></b><font>e </font><b><font>Banco EE S.A.</font></b><font> contestaram.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>O primeiro excepcionou o caso julgado decorrente do julgamento definitivo e transitado operado nos embargos de terceiro oportunamente deduzidos na execução sumária em que o imóvel reivindicado pelos AA. foi vendido; e impugnou a aquisição derivada e os actos de posse do imóvel que estes invocam, concluindo pela procedência da excepção e improcedência da acção.</font> </p><p><font>&nbsp;</font> </p><p><font>O segundo aduziu que, além de desconhecer os actos de posse invocados pelos AA., não se verificou inversão do título respectivo, pelo que aquela posse sempre foi em nome alheio, não podendo, por isso, conduzir à usucapião; que não tendo sido objecto de registo, a suposta aquisição pelos AA. sempre estaria arredada pela prioridade do registo da penhora que entretanto veio a ser lavrado.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Termina igualmente com a improcedência da acção.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Por último, contestou ainda o Réu </font><b><font>Banco EE S.A.,</font></b><font> excepcionando o caso julgado formado pela decisão transitada proferida nos embargos de terceiro opostos pelos AA. na execução supra aludida; e, defendendo-se agora por impugnação quanto aos actos de posse que os AA. dizem haver praticado, afirma que estes nunca adquiriram por qualquer forma o imóvel em causa. Em consonância remata com a procedência da excepção de caso julgado ou, assim não se entendendo, com a improcedência da acção.</font> </p><p><font>&nbsp;</font> </p><p><font>Os AA. replicaram sem, todavia, modificar o pedido e causa de pedir iniciais.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>No despacho saneador foi dirimida e julgada improcedente a excepção do caso julgado. </font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Irresignado, desta decisão interpôs recurso o Réu </font><b><font>BEE SA</font></b><font>, recurso admitido como agravo, a subir com o primeiro que houvesse de subir imediatamente, com efeito meramente devolutivo.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>A final foi a acção julgada totalmente improcedente e, em função disso, todos os Réus absolvidos dos pedidos.</font> </p><p><font>&nbsp;</font> </p><p><font>Inconformados, desta sentença interpuseram novamente recurso os Autores, recurso este admitido como de apelação, com subida imediata, nos autos e efeito meramente devolutivo.&nbsp;&nbsp;&nbsp; </font> </p><p><font> </font> </p><p><font>O Tribunal da Relação de Coimbra decidiu da seguinte forma:</font> </p><p><font>«Pelo exposto, acordam:</font> </p><p><font>A – Conceder provimento ao agravo e, em função disso, julgar procedente a excepção de caso julgado e absolver todos os Réus da instância, nos termos conjugados os art.°s 494, al.ª i) e 493, n.°s l e 2 do CPC;</font> </p><p><font>B – Julgar prejudicado o conhecimento da apelação».</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Inconformados os Autores recorrem de revista, apresentando as conclusões exaradas a fls. 773 a 781, e que aqui se consideram integralmente reproduzidas.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font> </font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; Sabido que, salvo as questões de conhecimento oficioso, o objecto do recurso é balizado pelas conclusões da Recorrente, as questões a decidir são as seguintes:</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>1 - Nulidade processual prevista no art. 201.º do CPC, por violação do direito ao contraditório previsto no art. 3.º do CPC;</font> </p><p><font>2 - Nulidade do acórdão recorrido, nos termos das alíneas b), c) e d) do art. 668.º do CPC; </font> </p><p><font>3 - Excepção peremptória do caso julgado; &nbsp;</font> </p><p><font>4 - Alteração da matéria de facto e das respostas dadas aos quesitos n.ºs 1 a 4, 7 e 9 a 17, ou, em alternativa, o reenvio do processo para o tribunal recorrido.</font> </p><p><font>5 - Violação dos princípios constitucionais da igualdade e do acesso à justiça (arts 13.º e 20.º e 202.º, n.º 2 da CRP). </font> </p><p><font> </font> </p><p><font>&nbsp;</font> </p><p><b><font>II - Fundamentação de facto</font></b> </p><p><font> </font> </p><p><font>São os seguintes os factos dados como provados em 1ª instância:</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>1. No âmbito da execução sumária que, sob o n.º 219/94, correu termos no 1.º Juízo do Tribunal Judicial de Rio Maior, em que é executada a 1.ª Ré CC, foi nomeado à penhora o seguinte prédio: - Prédio urbano sito em ..., freguesia de ..., concelho de Alcobaça, composto de rés-do-chão para habitação, com quatro divisões, com a superfície coberta de 57 m2, dependência com 42 m2 e quintal e logradouro com 800 m2, a confrontar do Norte com JJ, do Sul com KK, do Nascente com caminho Público, e do Poente com LL, inscrito na matriz predial urbana da freguesia da ... sob o artigo n.º 615, e omisso na Conservatória do Registo Predial de Alcobaça [A)]. </font> </p><p><font>2. A 2.ª Ré, DD, Lda, adquiriu por arrematação em praça o referido prédio, nos autos de Carta Precatória n.º 225/2000, do 3.º Juízo do Tribunal Judicial de Alcobaça, extraída da execução sumária referida em A) [B)]. </font> </p><p><font>3. O prédio descrito em A) foi nomeado à penhora no âmbito da identificada execução sumária pelo 3.º Réu Banco FF, SA [C)]. </font> </p><p><font>4. Tendo os 4.º e 5.º Réus, Banco GG, SA e HH, reclamado créditos na referida execução sumária [D)]. </font> </p><p><font>5. A habitação referida em A) encontra-se em ruínas desde data não apurada [3.º]. </font> </p><p><b><font> </font></b> </p><p><b><font> </font></b> </p><p><b><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; III – Fundamentação de direito</font></b> </p><p><b><font> </font></b> </p><p><b><font> </font></b> </p><p><b><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; </font></b><font>1) e 2) </font><i><font>Nulidade processual por violação do princípio do contraditório (arts 3.º e 201.º do CPC)</font></i><font> e </font><i><font>nulidades do acórdão recorrido nos termos das alíneas b), c) e d) do n.º 1 do art. 668.º do CPC</font></i> </p><p><i><font> </font></i> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; O acórdão recorrido concedeu provimento ao agravo intentado pelo Réu Banco EE, julgando procedente a excepção de caso julgado e considerando prejudicado, em consequência, o conhecimento da apelação interposta pelos autores.</font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; A questão do agravo prende-se com o problema de saber se com a decisão que julgou improcedentes os embargos de terceiro deduzidos pelos agora autores, na execução sumária para pagamento de quantia certa que no Tribunal Judicial de Rio Maior o então exequente Banco FF, S.A., hoje Banco EE, S.A., moveu à aqui Ré, CC, se formou caso julgado material. Este, como excepção dilatória, obstaria à prolação da decisão de mérito na presente acção, determinando a correspondente absolvição dos Réus da instância.</font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; Entendeu o acórdão recorrido que se verificava entre a decisão proferida nos embargos de terceiro, já transitada, e a presente acção, identidade de partes, de causa de pedir e de pedido, declarando a procedência da excepção de caso julgado material e não conhecendo do mérito da apelação.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>No recurso de revista, alegam os recorrentes que o facto de o tribunal recorrido ter declarado a procedência da excepção de caso julgado e de não ter conhecido das questões colocadas na apelação constitui uma decisão surpresa susceptível de gerar uma nulidade processual por violação do direito ao contraditório (arts 3.º e 201.º do CPC) e nulidades do acórdão recorrido por falta de fundamentação, oposição entre os fundamentos e a decisão, bem como por omissão e excesso de pronúncia (alíneas b), c) e d) do art. 668.º do CPC).</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Vejamos:</font> </p><p><font> </font> </p><p><b><font>1.</font></b><font> Nos termos do art. 201.º, n.º 1 do CPC, a prática de um acto que a lei não admita, bem como a omissão de um acto ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa.</font> </p><p><font>Segundo o art. 3.º, n.º 3 do CPC, «O juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo casos de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem».</font> </p><p><font>&nbsp;Os recorrentes invocam ter sido violado o princípio do contraditório, na vertente da proibição de decisões surpresa.</font> </p><p><font>Deve esclarecer-se, em primeiro lugar, que se tem entendido que o art. 3.º do CPC não introduz no nosso sistema o instituto da proibição de decisões surpresa tal como foi configurado na Alemanha, país donde dimanou e tem longo historial, verificando-se importantes diferenças de regime entre o Código de Processo Civil português e o alemão.</font> </p><p><font>O direito ao contraditório (</font><i><font>Rechtliches Gehör</font></i><font>), no direito alemão constitui um direito fundamental, baseado na dignidade da personalidade humana</font><a><u><font>[1]</font></u></a><font>, e está consagrado no artigo 103.º, I, da Constituição Alemã, onde se afirma: «Perante o tribunal todos têm direito a ser ouvidos».</font> </p><p><font>Este princípio constitucional tem seguimento nos §§139, n.º 2 e 278, n.º 3 da </font><i><font>Zivilprozessordnung </font></i><font>(Código de Processo Civil alemão), deles resultando que o legislador germânico confere ao direito ao contraditório uma dimensão que vai muito para além do que comporta, mesmo em interpretação extensiva, a lei portuguesa, até porque entre nós não existe preceito correspondente ao §139 da ZPO (cf. acórdão deste Supremo Tribunal, de 04-06-2009, processo n.º 09B0523, relatado pelo Conselheiro João Bernardo).</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; A doutrina aceita, contudo, o princípio da proibição das decisões surpresa, enquanto proibição de decisão baseada em fundamento que não tenha sido previamente considerado pelas partes, entendendo que esta vertente do direito ao contraditório tem fundamentalmente aplicação às questões de conhecimento oficioso que as partes não tenham suscitado</font><a><u><font>[2]</font></u></a><font>. Neste sentido, antes de decidir com base em questão (de direito material ou de direito processual) de conhecimento oficioso que as partes não tenham considerado, o juiz deve convidá-las a sobre ela se pronunciarem, seja qual for a fase do processo em que tal ocorra.</font> </p><p><font>Como refere Lebre de Freitas, do art. 3.º, n.ºs 3 e 4 do CPC resulta uma concepção moderna e mais ampla do princípio do contraditório, com origem na garantia constitucional do </font><i><font>rechtilches Gehör</font></i><font> germânico, entendida como uma garantia de participação efectiva das partes no desenvolvimento de todo o litígio, mediante a possibilidade de, em plena igualdade, influírem em todos os elementos (factos, provas, questões de direito) que se encontrem em ligação com o objecto da causa e que em qualquer fase do processo apareçam como potencialmente relevantes para a decisão</font><a><u><font>[3]</font></u></a><font>. «O escopo principal do princípio do contraditório deixou assim de ser a </font><i><font>defesa</font></i><font>, no sentido negativo de oposição ou resistência à actuação alheia, para passar a ser a </font><i><font>influência</font></i><font>, no sentido positivo de direito de incidir activamente no desenvolvimento e no êxito do processo»</font><a><u><font>[4]</font></u></a><font>.</font> </p><p><font>&nbsp;</font> </p><p><font>Admitimos que se deu um avanço no entendimento do princípio do contraditório, na nossa lei processual, perdendo assim actualidade a concepção restrita do mesmo, segundo a qual o processo consistia numa discussão duma parte contra a outra, com o juiz, acima delas, a decidir. Mais do que uma discussão dialéctica entre as partes, está agora aberto o caminho para que estas “influenciem directamente” a decisão. Mas a mais a nossa lei não chega, pois a estrutura do nosso processo civil não prevê que o tribunal “discuta” com as partes o que quer que seja.</font> </p><p><font>Note-se que, na redacção do preceito proveniente do DL n.º 329-A/95, estabelecia-se que a decisão pelo juiz de questões não suscitadas e debatidas pelas partes devia ser precedida da respectiva audição, quando as partes não tivessem tido a possibilidade de, “agindo com a diligência devida”, sobre elas se terem pronunciado durante o processo. Já na redacção do mesmo preceito legal, estabelecida pelo DL n.º 180/96 (e que se manteve nas reformas de 2007 e de 2013), foi alterada aquela formulação legal, passando a dispensar-se a audição prévia das partes sobre a questão nova suscitada pelo juiz na decisão, nos casos de “manifesta desnecessidade”. Ou seja, no regime de 1996, apela-se à necessidade ou utilidade da audição complementar das partes, dispensando-a quando tal audição se configurar como acto inútil</font><a><u><font>[5]</font></u></a><font>. </font> </p><p><font>O legislador, perante os princípios gerais que enformam o nosso Código de Processo Civil, não quis aliviar as partes de usarem a diligência devida para preverem as questões que vêm a ser, ou podem vir a ser, importantes para a decisão., residindo o cerne deste problema em saber se as partes tiveram, ou não, </font><i><font>oportunidade processual </font></i><font>para alegar quanto àquela questão e se a questão era ou não previsível para uma parte de diligência média.</font> </p><p><font>Como esclarece Lopes do Rego, «a audição excepcional e complementar das partes, fora dos momentos processuais normalmente idóneos para produzir alegações de direito, só deverá ter lugar quando se trate de apreciar questões jurídicas susceptíveis de se repercutirem, de forma relevante e inovatória, no conteúdo da decisão e quando não for exigível que a parte interessada a houvesse perspectivado durante o processo, tomando oportunamente posição sobre ela»</font><a><u><font>[6]</font></u></a><font>.</font> </p><p><font>&nbsp;</font> </p><p><font>Esta orientação tem sido assumida por este Supremo Tribunal de Justiça (acórdãos de 16.1.2007, Agravo n.º 3294/06 e de 11.11.2008, Revista n.º 11.11.2008) e pelo STA, no acórdão de 23.1.2008, processo 0574/07: “O princípio do contraditório, na vertente que proíbe a decisão surpresa, não impõe ao tribunal de recurso que, antes de decidir questão proposta pelo recorrente, o alerte para a eventualidade de o fazer com base num quadro normativo distinto do por si invocado e até então não referido no processo”.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>No presente caso, o facto de o Tribunal da Relação de Coimbra ter considerado procedente o agravo intentado pelo Banco e ter declarado a procedência da excepção de caso julgado não constitui uma decisão surpresa, pois esta questão já havia sido discutida no tribunal de 1.ª instância, conforme resulta dos articulados das partes e do despacho saneador, tendo os Recorrentes, noutros momentos processuais, nomeadamente na réplica, pugnado pela improcedência da excepção de caso julgado, bem como na alegação do recurso de apelação, em que reproduziram os argumentos invocados na réplica. Não constitui, assim, uma decisão surpresa que o Tribunal da Relação de Coimbra tenha revogado o despacho saneador que declarou a improcedência da excepção de caso julgado na sequência de recurso de agravo intentado pelo Banco, tanto mais que os autores foram notificados destas alegações conforme fls. 410, a fim de apresentarem contra-alegações, o que não fizeram. &nbsp;</font> </p><p><font>A questão da excepção dilatória de caso julgado era o objecto do agravo, não podendo os recorrentes deixar de antever a hipótese de o caso ser decidido com base nesta excepção, que já tinha sido anteriormente discutida e em relação à qual os autores tiveram oportunidade processual para se pronunciarem.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Sendo assim, não se verifica qualquer violação do direito ao contraditório nem qualquer nulidade processual, pelo que improcedem as conclusões n.ºs 14 a 21.</font> </p><p><font> </font> </p><p><b><font>2.</font></b><font> Se o objecto da decisão transitada for idêntico ao do processo subsequente, isto é, se ambas as acções possuírem a mesma causa de pedir e nelas for formulado o mesmo pedido, o caso julgado vale, no processo posterior, como excepção de caso julgado (arts 497.º, n.º1 </font><i><font>in fine</font></i><font>, e 498.º, n.ºs 3 e 4 do CPC).</font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; Esta excepção tem como finalidade evitar que o tribunal da acção posterior seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir a decisão transitada (art. 497.º, n.º 2 do CPC). Ou seja, esta excepção visa impedir que o tribunal incorra quer numa contradição com a decisão já transitada, quer numa repetição daquela decisão.</font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; Em coerência com a dupla proibição de contradição e de repetição, o tribunal da acção posterior deve abster-se de qualquer pronúncia sobre o mérito</font><a><u><font>[7]</font></u></a><font>. Esta abstenção de pronúncia sobre o mérito é, por isso, a única coerente com a dupla função da excepção de caso julgado.</font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; Os recorrentes, na apelação, pediram ao Tribunal da Relação de Coimbra a alteração da matéria de facto, ao abrigo do art. 712.º do CPC, com base na reapreciação da prova testemunhal e do depoimento de parte da Ré CC (executada), questão sobre a qual o tribunal recorrido não se pronunciou por entender que se verificava a excepção de caso julgado.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; Entende o recorrente que estamos perante uma nulidade do acórdão recorrido por omissão de pronúncia, com base na alínea d) do art. 668.º do CPC, por não o tribunal ter conhecido das questões colocadas na apelação.</font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; </font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; Mas não tem razão.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Tendo o acórdão recorrido decidido que se verifica, no caso </font><i><font>sub iudice,</font></i><font> a excepção de caso julgado, não podia, em coerência, tomar conhecimento das questões colocadas pelo recorrente na apelação. Esta solução é aquela que é imposta pelo funcionamento do instituto do caso julgado material. </font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Em consequência, não se verifica qualquer nulidade do acórdão recorrido por omissão de pronúncia, nos termos da alínea d), 1.ª parte do art. 668.º do CPC, nem tão pouco uma nulidade por excesso de pronúncia (art. 668.º, n.º1, al. d), 2.ª parte), pois a questão do caso julgado material é de conhecimento oficioso e já tinha sido debatida pelas partes nos articulados, como vimos.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Também não se verifica, qualquer nulidade por falta de especificação dos motivos de facto e de direito, nem por oposição entre os fundamentos e a decisão, nos termos das alíneas b) e c) do art. 668.º do CPC.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>A doutrina e a jurisprudência têm entendido que esta nulidade só se verifica em casos extremos de ausência de fundamentação (cf. acórdão deste Supremo Tribunal de justiça, de 15-12-2011, processo n.º 2/08.9TTLMG.P1S1).</font> </p><p><font>Como refere Teixeira de Sousa, «esta causa de nulidade verifica-se quando o tribunal julga procedente ou improcedente um pedido (e, por isso, não comete, nesse âmbito, qualquer omissão de pronúncia), mas não especifica quais os fundamentos de facto ou de direito que foram relevantes para essa decisão </font><a><u><font>[8]</font></u></a><font>. &nbsp;</font> </p><p><font>E acrescenta o mesmo autor: «O dever de fundamentação restringe-se às decisões proferidas sobre um pedido controvertido ou sobre uma dúvida suscitada no processo (...) e apenas a ausência de qualquer fundamentação conduz à nulidade da decisão (...); a fundamentação insuficiente ou deficiente não constitui causa de nulidade da decisão, embora justifique a sua impugnação mediante recurso, se este for admissível»</font><a><u><font>[9]</font></u></a><font>. </font> </p><p><font>No mesmo sentido, diz o Conselheiro Rodrigues Bastos, que “a falta de motivação a que alude a alínea b) do n.º 1 é a total omissão dos fundamentos de facto ou dos fundamentos de direito em que assenta a decisão; uma especificação dessa matéria apenas incompleta ou deficiente não afecta o valor legal da sentença”</font><a><u><font>[10]</font></u></a><font>. </font> </p><p><font>E como advertia Alberto dos Reis “há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade”</font><a><u><font>[11]</font></u></a><font>. </font> </p><p><font>&nbsp;</font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; Face à doutrina exposta, o acórdão recorrido não padece de qualquer falta de fundamentação, de facto ou de direito, nem sequer de qualquer deficiência da mesma ou contradição entre os fundamentos e a decisão. Antes pelo contrário, o tribunal desenvolveu a questão do caso julgado material de forma rigorosa e pormenorizada, explicando o significado da lei (arts 497.º e 498.º do CPC) e dos conceitos por ela utilizados, à luz da doutrina, procedendo à aplicação dos conceitos ao caso concreto, tendo em conta todos os elementos do processo que foram analisados com exaustão. </font> </p><p><font> </font> </p><p><font> </font> </p><p><b><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; </font></b><font>Improcedem, portanto, as conclusões dos recorrentes n.ºs 23 e 24, 73 a 78 e 84 a 86.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font> </font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; 3) </font><i><font>Excepção de caso julgado material</font></i> </p><p><font> </font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; No recurso de agravo, o Banco exequente invocou a excepção de caso julgado material, alegando que a presente acção incide sobre objecto já decidido por decisão transitada em julgado proferida nos embargos de terceiro.</font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; A excepção de caso julgado constitui uma excepção dilatória que se traduz num pressuposto processual negativo cuja função consiste em impedir o prosseguimento do processo com o objectivo de evitar que o tribunal se veja na contingência de proferir decisão de mérito que contrarie ou repita uma outra, anterior e definitiva.</font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; </font> </p><p><font>Colocada a questão ao tribunal de 1.ª instância, decidiu este, no despacho saneador (fls. 320 a 324), contra o qual o Banco exequente interpôs recurso de agravo, que não havia entre os embargos de terceiro e a presente acção de reivindicação e anulação de venda judicial identidade de sujeitos, de pedido e de causa de pedir.</font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; Relativamente às partes decidiu o despacho saneador que, embora coincidam os autores e o réu, Banco EE, SA, não assumiram a qualidade de partes, nos embargos, os demais réus da acção de reivindicação: CC, DD, Lda, Banco GG, S. A. e HH.</font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; Quanto ao pedido e causa de pedir entendeu o citado despacho que, nos embargos de terceiro, os autores peticionaram que fossem dadas sem efeito a penhora e a arrematação e alegaram, para fundamentar o pedido, que o prédio urbano que corresponde ao descrito no artigo 1.º da petição inicial, que havia sido penhorado e que se encontrava em fase de venda nos autos de execução, lhes pertence, por o terem adquirido a II em 1974, sustentando que sobre o mesmo praticaram actos materiais de posse. Já na presente acção, os autores peticionam a condenação dos réus a reconhecerem o seu direito de propriedade sobre o dito imóvel e a anulação da venda celebrada no dia 20-09-2000 no Tribunal Judicial de Alcobaça, através da qual o prédio foi vendido à 2.ª ré “DD, Lda”. Enquanto, por via dos embargos, os autores pretenderam obstar à penhora e arrematação do prédio em causa, alegando serem os legítimos possuidores do mesmo e a violação do direito de posse sobre o imóvel, através da presente acção os autores pretendem ver reconhecido o direito de propriedade sobre o prédio em causa.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; Em sentido diferente, o acórdão recorrido entendeu que se verificava a excepção de caso julgado material e revogou o despacho saneador, entendendo que se verificava entre os embargos de terceiro e a presente acção identidade de sujeitos, pedido e causa de pedir. Afirma o Tribunal da Relação de Coimbra que o enquadramento jurídico-processual do caso dos autos, uma vez que os embargos de terceiro foram deduzidos em Março de 1997, era o da reforma processual operada pelo DL n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro, o qual inseria os embargos de terceiro no modelo de um incidente de instância, dirigido não apenas a tutelar a posse, mas também qualquer direito incompatível com uma diligência judicialmente ordenada, passando a ser admissível, pela via incidental do art. 351.º e seguintes do CPC, a sua dedução pelo proprietário, mesmo que não demonstrasse ter a posse efectiva.</font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; Continua o acórdão recorrido, apresentando a seguinte fundamentação para o decidido: </font> </p><p><font>«O caso julgado cobre, por conseguinte, a causa de pedir concretamente aduzida na acção anterior e também aquela que virtualmente o poderia ter sido e por qualquer motivo o não foi.&nbsp; </font> </p><p><font>(…)</font> </p><p><font>Não releva aqui a identidade física ou nominal mas o interesse jurídico que a parte concretamente actuou e actua no processo. Por fim, o pedido deve ser encarado na essência da pretensão, ou seja, no direito que na mesma é objecto de tutela implícita ou explícita, e não nas simples consequências que encontrem a formulação no texto do articulado.</font> </p><p><font>Por virtude desta necessária referência substancial, há sempre que avaliar se o direito que esteve subjacente ou implícito na declaração resultante do julgamento anteriormente prolatado na primeira causa volta a ser alvo de apreciação na segunda. </font> </p><p><font>Isto posto, olhemos agora para a factualidade realmente aduzida naqueles embargos, factualidade de que nos dá conta a certidão de fls. 173 e seguintes. </font> </p><p><font>Com efeito, como deflui da petição inicial, os então embargantes de terceiro AA e BB, não se confinaram à mera alegação de actos consubstanciadores do </font><i><font>corpus</font></i><font> e </font><i><font>animus</font></i><font> de uma posse de ano e dia; foram bem além disso, pois invocaram em seu benefício a usucapião alicerçada em tal posse, como causa de aquisição originária do direito de propriedade. É o que se pode constatar dos arts 5.º a 8.º daquele articulado (…). </font> </p><p><font>Face a este arrazoado é insofismável a conclusão de que os então embargantes e agora Autores jogaram a sorte dos embargos em dois tabuleiros: posse e propriedade.</font> </p><p><font>Como é compreensível, só avançaram com a posse como causa de pedir </font><i><font>a se</font></i><font> para a hipótese – que, natural e obviamente, não quiseram excluir – de não lograrem arrumar o êxito dos embargos mediante a demonstração de uma posse usucapível e, por esse caminho, da aquisição originária do direito mais pujante, isto é, da propriedade.</font> </p><p><font>Destas considerações decorre, de um modo que podemos considerar de inequívoco, que, ao contrário do que se acha plasmado na decisão de 1ª instância ora impugnada, os então embargantes da penhora efectuada na execução acima mencionada, também quiseram fazer aí valer o seu direito de propriedade fundado em usucapião sobre o mesmo imóvel que agora reivindicam.</font> </p><p><font>Como se pode constatar da aludida certidão, esta causa de aquisição originária – a usucapião – foi por isso expressamente apreciada na decisão de mérito ali proferida. </font> </p><p><font>Usucapião e aquisição originária que os AA. retomam como causa de pedir na vertente acção, pois que não se coíbem de reproduzir integralmente e até </font><i><font>ipsis verbis</font></i><font> nos arts 12.º a 15.º da respectiva petição inicial toda a factualidade que haviam vertido no dito requerimento inicial de embargos de terceiro.</font> </p><p><font>Sendo a causa de pedir nas acções reais o facto jurídico de que emerge o direito real a tutelar, nenhuma dúvida pode subsistir sobre a repetição desse mesmo facto jurídico.&nbsp; </font> </p><p><font>E sobre o pedido também não se nos é dado vislumbrar a diversidade que é apontada no aresto ora sob censura. É que o núcleo ou a essência da prete
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font> <p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font> </p><p><font> </font> </p><p><font> </font> </p><p><font>&nbsp;</font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; </font><b><font>I – Relatório</font></b> </p><p><b><font> </font></b> </p><p><b><font>1. AA</font></b><font> e cônjuge, </font><b><font>BB,</font></b><font> residentes na Rua ..., n° ..., R/Ch, ..., ..., propuseram contra a </font><b><font>ação declarativa, sob a forma ordinária </font></b><font>contra: </font> </p><p><b><font>1.1.</font></b><font> </font><b><font>CC</font></b><font>, residente na Rua ..., ..., ..., ...;</font> </p><p><b><font>1.2.</font></b><font> </font><b><font>DD</font></b><font> e cônjuge, </font><b><font>EE</font></b><font>, residentes na Rua ..., n° ..., ..., ....</font> </p><p><b><u><font>Pedindo</font></u></b><b><font> </font></b><font>que, na procedência da ação, sejam os Réus condenados a reconhecer o direito de preferência dos Autores na venda que o 1</font><sup><font>o</font></sup><font> Réu (e sua mãe) fez aos 2.ºs Réus, por escritura pública que identificam, e de haver para si o prédio vendido. </font> </p><p><font>A fundamentar a sua pretensão </font><b><u><font>alegam</font></u></b><font>, em síntese, que:</font> </p><p><font>A Autora é arrendatária habitacional do imóvel sito no Rés-do-chão, com entrada pelo n° ... da Rua ..., composto por cozinha, sala, três quartos, duas casas de banho, hall e corredor e garagem exterior, pátio, arrumos, jardim e quintal, qual faz parte do prédio urbano sito na Rua ..., com entrada pelos n.°s ..., …, … e …, … e …, inscrito parcialmente na respectiva matriz urbana de ... no artigo …, e parcialmente descrito na Conservatória de Registo Predial da ... sob o n° …. </font> </p><p><font>- Por escritura pública outorgada a 8 de Agosto de 2001, no 1</font><sup><font>o</font></sup><font> Cartório Notarial de ..., os 1.º Réu e a sua mãe venderam e os 2°s Réus compraram o aludido prédio, pelo preço de Esc. 10.000.000$00, equivalente a € 49.879,79. </font> </p><p><font>- Os Autores só em 29 de Novembro de 2007 tomaram conhecimento dos elementos daquele negócio de compra e venda, concretamente o preço, as condições reservadas pelos vendedores, a data da venda, e o Cartório Notarial onde a mesma foi efectuada. </font> </p><p><font>- Nos termos do art. 47.º do RAU, em vigor em 2001, e do art. 1091.º do Código Civil, com a redação actual, têm os Autores direito de preferência naquele negócio de compra e venda, o qual deverá ser exercido nos termos do art. 1410.º do Código Civil.</font> </p><p><font>- Assim, uma vez que não está constituída qualquer propriedade horizontal sobre o citado prédio e tendo efetuado o depósito do preço da venda, assiste-lhes o direito de haver para si o prédio alienado. </font> </p><p><font> </font> </p><p><b><font>2.</font></b><font> Regular e pessoalmente citados, apresentaram-se os Réus a contestar.</font> </p><p><b><font>2.1.</font></b><font> O 1.º Réu, negando que a habitação arrendada à Autora mulher se situe no prédio urbano sito na Rua ..., com entrada pelos n°s …, … e …, … e LLL, e alegando que apenas lhe foi dado de arrendamento o r/c do prédio sito no n° ..., correspondendo cada um dos aludidos números de polícia tantas outras unidades prediais distintas e autónomas entre si. O prédio onde residem os Autores foi construído há mais de 35 anos, pelo pai do Réu, entretanto falecido, que nunca obteve o respectivo licenciamento camarário, o que o impediu de realizar, quer a inscrição matricial, quer a sua descrição predial, encontrando-se o prédio cujo r/c é ocupado pelos Autores omisso nos serviços de Finanças e na Conservatória do Registo Predial. O prédio adquirido pelos 2°s. Réus é diverso daquele outro onde habitam os Autores, correspondendo a cada um deles áreas, configurações e confrontações distintas. Através da escritura junta pelos Autores à petição inicial, visaram, tão só, o 1</font><sup><font>o</font></sup><font> Réu e a sua falecida mãe, transmitir aos 2°s Réus a propriedade do prédio urbano composto de casa de dois pavimentos para habitação e quintal, sito na Rua ... n° …, descrito na Conservatória do Registo Predial da ... sob o n° … e descrito na respectiva matriz urbana inicialmente sob o n° … &nbsp;e actualmente sob o n° …, sendo que, nos anos que precederam a outorga da aludida escritura, haviam contraído junto dos 2°s Réus vários empréstimos, de montante que não sabe precisar, mas que reconhece ter ascendido a várias dezenas de milhares de euros, e, para garantir o reembolso aos 2°s Réus das quantias por estes mutuadas, o 1</font><sup><font>o</font></sup><font> Réu e a sua mãe deram de hipoteca e prometeram transmitir e transmitiram a propriedade de vários prédios que lhes pertenciam. O 1</font><sup><font>o</font></sup><font> Réu, no início de Agosto de 2006, entregou de facto aos 2°s Réus a totalidade do prédio em que se integra a habitação dos Autores, autorizando-os a dele fruírem, a dá-lo de arrendamento, a receber rendas e a usá-lo nas condições que entendessem e deu disso pronto conhecimento verbal aos Autores, informação que reiterou através de carta datada de 14/08/2006. Desde então não mais o 1</font><sup><font>o </font></sup><font>Réu recebeu quaisquer rendas dos Autores, situação que perdura até à atualidade. Conclui pela improcedência da acção.</font> </p><p><b><font>2.2.</font></b><font> Contestaram igualmente os 2.ºs Réus, também aduzindo que a habitação que os Autores ocupam integra uma unidade predial distinta e autónoma daquela que foi objeto da escritura de compra e venda, correspondendo a habitação dos Autores à entrada pelo número de polícia ... de prédio composto por rés-do-chão, andar e logradouro. Tal prédio não se encontra sequer em regime de propriedade horizontal e está fisicamente separado do confinante, esse sim adquirido pelos Réus, através da escritura de compra e venda junta à peça inical. &nbsp;Os 2.ºs Réus viram, assim, transferida para si, pelo 1</font><sup><font>o</font></sup><font> Réu e a sua falecida mãe, tão só a propriedade do prédio urbano composto de casa de dois pavimentos para habitação e quintal, sito na Rua ... n° …, descrito na Conservatória do Registo Predial da ... sob o n° … e descrito na respectiva matriz urbana inicialmente sob o n° … e atualmente sob o n° …, sendo certo que os Réus registaram tal aquisição a seu favor na competente conservatória, averbaram a propriedade em seu nome na respectiva matriz predial e pagam o imposto municipal que incide sobre o aludido prédio. Não assistindo aos Autores, pois, relativamente ao objecto da aludida escritura de compra e venda, legitimidade para intentar acção de preferência. Os 2°s. Réus mutuaram ao 1</font><sup><font>o</font></sup><font> Réu e à sua falecida mãe, em sucessivas ocasiões vários milhares de contos, tendo sido constituídas a favor deles hipotecas, bem como existiu promessa de transmissão de propriedade e mesmo a transmissão de propriedade de diversos prédios pertença do 1</font><sup><font>o</font></sup><font> Réu e de sua falecida mãe. Quanto ao prédio ocupado pelos Autores, jamais o 1</font><sup><font>o</font></sup><font> Réu e seus falecidos pais reuniriam os elementos necessários para obter o respectivo licenciamento municipal e registar a propriedade a seu favor perante os competentes serviços de finanças e conservatória predial, pelo que o 1</font><sup><font>o</font></sup><font> Réu, em Agosto de 2006, entregou de facto aos 2°s Réus, a totalidade do prédio em que se integra a habitação dos Autores, autorizando-os a dele fruírem, a dá-lo de arrendamento, a receber rendas e a usá-lo nas condições que entendessem. Essa situação perdura até à atualidade, sendo desde então, conhecida dos Autores, mormente porque viram os&nbsp; 2.ºs Réus executar obras no prédio e deles exigiram a ligação à rede pública de água. Finalmente, que sendo os 2°s. Réus pessoas de avançada idade e dotadas de índice cultural modesto, não mais procuraram o 1</font><sup><font>o</font></sup><font> Réu no sentido de dele obterem a concretização de negócio jurídico visando a transferência da propriedade do prédio em causa. </font> </p><p><font>Concluem pela ilegitimidade activa dos Autores e consequente absolvição dos Réus da instância, ou, caso assim se não entenda, pela improcedência da acção.</font> </p><p><font> </font> </p><p><b><font>3.</font></b><font> Os Autores replicaram, à exceções invocadas pelos Réus, e pugnando pela sua condenação como litigantes de má-fé.</font> </p><p><b><font>4.</font></b><font> No saneador foi julgada improcedente a exceção de ilegitimidade, prosseguindo com a seleção dos factos assentes e organização da base instrutória.</font> </p><p><b><font>5.</font></b><font> Realizou-se a audiência de julgamento, que incluiu uma inspeção judicial ao local.</font> </p><p><b><font>6.</font></b><font> Decidida a matéria de facto, foi proferida sentença que julgou a acção totalmente improcedente e, consequentemente, absolveu os Réus do pedido.</font> </p><p><font>&nbsp;</font> </p><p><font> </font> </p><p><b><font>7.</font></b><font> Inconformados com a sentença, vieram os Autores dela interpor recurso de apelação, tendo o Tribunal da Relação do Porto proferido acórdão com o seguinte dispositivo:</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>«Em face do exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar procedente a apelação e revogar a sentença recorrida, em função do que julgam procedente a acção, condenando os RR. a reconhecer o direito de preferência dos Autores na venda feita pelo 1.º Réu aos 2.º Réus pela escritura pública supra identificada, e de os AA. haverem para si o prédio vendido.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Custas pelos recorridos, em ambas as instâncias».</font> </p><p><b><font>8.</font></b><font> Inconformados, os Réus interpõem recurso de revista, formulando, na sua alegação de recurso, as seguintes conclusões:</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>«1.ª – O douto acórdão recorrido violou, por errada interpretação e aplicação, o disposto no art. 47.º do Regime do Arrendamento Urbano, os arts. 334.º, 341.º, 342.º, 362.º, 1022.º, 1091.º, n.º 1, al. a), do Código Civil, e 5.º, n.º 1, 552.º, n.º 1, al. d), 607.º, n.ºs 4 e 5, do Código de Processo Civil.</font> </p><p><font>2.ª – Salvo melhor opinião, competia aos Autores a alegação e prova de factos de que resultasse de que a Autora é efectivamente arrendatária do prédio que foi vendido aos recorrentes através da escritura de 8 de Agosto de 2001, ou, se se preferir, que o prédio de que é arrendatária pertence ao prédio ali descrito.</font> </p><p><font>3.ª – Mas não o fizeram, bastando atentar no teor dos articulados que apresentaram na acção, e nem nos documentos que juntaram, nomeadamente, os de fls 11 e 13, resulta tal ilação, bem pelo contrário;</font> </p><p><font>4.ª – Dos factos considerados provados, na sentença proferida pelo Tribunal Judicial da ..., consta apenas que a Autora mulher é arrendatária habitacional de parte do prédio referido em 1 (ou seja, o prédio sito na Rua ..., n.º ..., freguesia de ..., ...), mais concretamente do seu rés-do-chão, composto por cozinha, sala, três quartos, duas casas de banho, hall e corredor e garagem exterior, pátio, arrumos, jardim e quintal (cfr. ponto 18) e não que tal prédio é parte do referido em 2, que foi o que foi vendido aos recorrentes através da escritura pública junta aos autos, outorgada em Agosto de 2001.</font> </p><p><font>5.ª – Certamente apercebendo-se disso, os Autores alegaram, no recurso de apelação, uma série de factos novos para sustentar a tese da coincidência de prédios, o que, em boa verdade, nem corresponde à realidade nem resulta dos documentos ali invocados.</font> </p><p><font>6.ª – Sem embargo da extemporaneidade e falta de fundamento destas alegações, o certo é que o Tribunal da Relação não ampliou a matéria assente, que, assim, se reduz aos factos, que foram considerados provados pelo tribunal de 1.ª instância, e nos quais não se inclui o facto essencial que fundamenta a acção, a saber, que a Autora usa e frui, mediante retribuição, e é, portanto, arrendatária (da totalidade ou de parte) do prédio que foi vendido aos recorrentes através da Escritura.</font> </p><p><font>7.ª – Como acima se expôs, a referência feita no ponto 4. dos “Factos Provados”, ao ponto 2 dos mesmos factos, resulta de um lapso que teve origem no despacho de condensação.</font> </p><p><font>8.ª – Ainda que assim se não entenda, o certo é que se trata de um mero facto instrumental não suprindo a insuficiência factual acima aludida resultante da ausência do facto – a Autora é arrendatária do prédio referido em 2/14 -, que, salvo melhor opinião, era essencial para a procedência da acção. </font> </p><p><font>9.ª – Caso não seja de considerar que o teor do aludido ponto se deveu a um mero erro de escrita ou de interpretação, sempre ocorreria contradição na decisão sobre a matéria de facto, a sindicar por este Venerando Tribunal.</font> </p><p><font>10.ª – Com efeito, o tribunal de 1.ª instância que fixou a matéria de facto, que não veio a ser de modo algum alterada, não apenas considerou provado o facto constante do ponto 18, em que se refere que o prédio arrendado é o referido em 1, como, no ponto 22, não se limitou a reproduzir o que vinha perguntado no art. 5.º da base instrutória, acrescentando ao texto deste, “A habitação onde os Autores residem corresponde à entrada pelo n.º de polícia ... do prédio composto por rés do chão, andar” – a expressão “e demais elementos referidos em 18”, que é o ponto onde vem mencionado o “prédio referido em 1” e não o prédio referido em 2.</font> </p><p><font>11.ª – Como resulta da leitura do acórdão recorrido, a sua linha de pensamento baseou-se fundamentalmente no ponto 4 dos “Factos Provados”, que, reafirma-se, contém um lapso, por conter um facto relativamente ao qual nem as partes estão de acordo (como se vê das posições expressas nos articulados) nem foi feita prova em audiência de julgamento (por tal facto não ter integrado nenhum quesito).</font> </p><p><font>12.ª – Na verdade, o Tribunal da Relação entendeu que, se os vendedores habitavam o 1.º andar do prédio cujo rés-do-chão é ocupado pelos Autores, e se esse prédio é o referido em 2 (por causa do dito ponto errado), então os Autores ocupam o prédio descrito sob o n.º …, e, por conseguinte, são arrendatários do prédio vendido aos ora recorrentes.</font> </p><p><font>13.ª – Os Autores, nas alegações do recurso de apelação, não apenas se aproveitaram do aludido lapso, como pretenderam fazer valer que o prédio ou o edifício que ocupam e que foi habitado também pelos vendedores é a “casa de dois pavimentos” referida na descrição predial e inscrita na matriz no artigo 53, assim o “transformando” numa casa do rés-do-chão e andar, e que, em vez de ter entrada pelo n.º …, passou a ter entrada, pelo n.º ..., com o que conseguiram enganar o Tribunal </font><i><font>a quo.</font></i> </p><p><font>14.ª – Note-se que, como resulta da certidão matricial de fls. 11, casa aí descrita, não obstante ter dois pavimentos, não tem andares “susceptíveis de utilização independente”, o que significa que não tem um rés-do-chão onde pudessem habitar os Autores e um 1.ª andar que tivesse sido outrora habitado pelos vendedores.</font> </p><p><font>15.ª – Por outro lado, o teor das declarações do recorrente constantes dos documentos juntos aos autos, a que o acórdão também deu relevo, não são de molde a modificar as unidades prediais em causa ou a produzir alterações nos registos e inscrições.</font> </p><p><font>16.ª – Por último, para rebater a consideração feita pelo Meretíssimo Juiz quanto à separação física entre a habitação ocupada pelos Autores e o prédio objecto da escritura aludida em 14., o douto acórdão recorrido baseou-se novamente no teor incorrecto do ponto 4. e na alegação dos Autores, que, na primeira conclusão do recurso, fizeram por esquecer que o prédio vendido aos Autores não contêm </font><u><font>andares</font></u><font> nem divisões susceptíveis de utilização independente.</font> </p><p><font>17.ª - O douto acórdão desprezou relevantes elementos de prova constantes dos autos, como a inspecção judicial e a informação da Câmara Municipal, de que resulta clara a separação física ou material dos prédios, sem que no entanto tivesse sido eliminado da matéria de facto o ponto 23., o que sempre impediria (ainda que se considerasse que o prédio a que pertence a habitação ocupada pelos Autores pertence ou está englobado num prédio maior que foi objecto da escritura invocada nos autos), o exercício por parte dos Autores do direito de preferência em relação a todo o imóvel.</font> </p><p><font>18.ª – Finalmente, ainda que fossem verdadeiros os factos alegados pelos Autores quanto à existência de um só prédio, o que apenas se admite para hipótese de raciocínio, e que não fosse considerada a separação física deste, que se encontra assente, sempre o exercício por parte dos Autores do direito de preferência constituiria abuso do direito, quer por estar desajustado aos interesses que a lei visou ao conceder aos arrendatários o direito de preferência na venda do arrendado, quer por ser manifestamente desproporcional a vantagem por aqueles obtida e o sacrifício imposto aos recorrentes, ou, na formulação do acórdão do STJ de 04.03.1997, </font><i><font>“por exceder manifestamente o limite imposto pelos bons costumes e traduzir-se num injusto enriquecimento para a preferente”.</font></i> </p><p><font> </font> </p><p><font>Termos em que deve ser revogado o acórdão o douto recorrido, mantendo-se in totum a sentença proferida pelo Tribunal Judicial da ...»</font> </p><p><font> </font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Sabido que é pelas conclusões da alegação dos recorrentes que se define o objeto e se delimita o âmbito do recurso, sem prejuízo das questões de que o tribunal </font><i><font>ad quem</font></i><font> possa ou deva conhecer oficiosamente, as questões a conhecer são as seguintes:</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>1. Requisitos do art. 47.º, n.º 1 da RAU</font> </p><p><font>2. Se a Autora é arrendatária do prédio que foi vendido aos 2.ºs Réus através de escritura pública outorgada em Agosto de 2001;</font> </p><p><font>3. Abuso do direito</font> </p><p><font> </font> </p><p><font> </font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Colhidos os vistos, cumpre decidir.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font> </font> </p><p><font> </font> </p><p><font> </font> </p><p><b><font>II – Fundamentação de facto&nbsp; </font></b> </p><p><b><font> </font></b> </p><p><b><font>As instâncias consideraram provados os seguintes factos:</font></b> </p><p><font> </font> </p><p><font>«1. O Réu CC é único filho e único herdeiro de FF, falecida em 21/12/2004, e residente na Rua ..., n° ..., 1.º andar, freguesia de ..., ....</font> </p><p><font>2. Na Conservatória do Registo Predial da ... encontra-se descrito sob o n° … da freguesia de ..., o seguinte prédio: "urbano - casa de 2 pavimentos e quintal - Rua ... n° … - áreas: cobertas, 132 m2 e quintal 100 m2 - matriz: artigo …." </font> </p><p><font>3. O prédio referido em 2 tem aquisição inscrita pela Ap. 19/29082001 a favor de DD... c.c. EE, por compra.</font> </p><p><font>4. O Réu CC e sua mãe FF residiram no prédio referido em 2, concretamente na habitação localizada no 1.º andar, com entrada pelo n° ... da Rua ....</font> </p><p><font>5. No dia 14 de Agosto de 2006 o 1.º Réu entregou à Autora mulher um envelope com um documento escrito com o seguinte teor:</font> </p><p><i><font>"Serve a presente para informar, V ex. que a partir da presente data, é considerado o Sr. DD, como senhorio do prédio aonde habita, (rua ..., ..., R/C).</font></i> </p><p><i><font>Mais informo que todo e qualquer assunto respeitante a casa (rendas, jardins, etc.) é a partir desta data com o Sr. DD.</font></i> </p><p><i><font>14 de Agosto de 2006</font></i> </p><p><i><font>CC."</font></i> </p><p><font>6. O documento referido em 5 encontra-se assinado pelo 1.º Réu CC.</font> </p><p><font>7. No dia 18 de Agosto de 2006, a Autora mulher recebeu carta registada, datada de 16 de Agosto de 2006 e nesta data remetida.</font> </p><p><font>8. Tal carta está assinada pelo segundo Réu marido DD... e tem o seguinte conteúdo:</font> </p><p><i><font>"Exma Senhora</font></i> </p><p><i><font>Venho pela presente comunicar a V. Exa que a partir desta data deve mandar pagar a renda do locado que ocupa na morada acima indicada, na minha residência sita na Rua ..., n° ...-..., onde se encontrarão os respectivos recibos."</font></i> </p><p><font>9. A Autora mulher remeteu ao 2.º Réu marido carta registada datada de 22 de Agosto de 2006, que o mesmo recebeu no dia 25 de Agosto de 2006 e onde refere que:</font> </p><p><i><font>"Aguardo portanto que me indique, também por escrito, como aqui faço, em que qualidade se apoia para a comunicação que me fez.".</font></i> </p><p><font>10. A esta carta respondeu o 2.º Réu marido por carta registada de 28 de Agosto de 2006 e por si assinada, onde escreveu, além do mais, o seguinte:</font> </p><p><i><font>" Recebi a 25 de Agosto a sua carta, datada de 22 do corrente mês.</font></i> </p><p><i><font>Refere nessa carta desconhecer em que qualidade me alicerço para lhe indicar onde deve pagar a renda...</font></i> </p><p><i><font>...fiquei surpreso dado que foi informada verbalmente há cerca de três anos que era proprietário do prédio onde habita.</font></i> </p><p><i><font>Quando pretendeu colocar água da companhia na sua habitação foi-lhe dito pelo anterior proprietário, Sr. CC, que tinha que tratar o assunto comigo, tendo posteriormente, Vossa Exa se dirigido a mim para que eu iniciasse o processo necessário para a obtenção dos seus objectivos.</font></i> </p><p><i><font>Para além disso recebeu uma carta, do anterior proprietário, Sr. CC, datada de 14 de Agosto de 2006, na qual é informada da situação (segue em anexo cópia da respectiva carta).</font></i> </p><p><i><font>Durante este últimos cinco anos os anteriores proprietários receberam as rendas dos inquilinos apesar de já não serem proprietários das respectivas habitações pois fazia parte do acordo previamente estabelecido entre ambas as partes.</font></i> </p><p><i><font>Como proprietário do prédio onde habita, informo que no acto de pagamento da próxima renda deverá apresentar o contrato de arrendamento bem como o primeiro e o último recibo para assim poder proceder à sua legalização conforme a lei obriga."</font></i> </p><p><font>11. Por carta datada de 05/09/2006 a Autora mulher informou o Réu marido que iria proceder ao depósito das respectivas rendas, escrevendo, além do mais, que:</font> </p><p><i><font>"...continua o senhor por demonstrar qual o hipotético negócio que estará na base deste imbróglio."</font></i> </p><p><font>12. Os Autores passaram a depositar na Caixa Geral de Depósitos e em nome do 1.º Réu o valor das respectivas rendas.</font> </p><p><font>13. Em Outubro de 2007 a Autora mulher foi notificada pela Câmara Municipal da ... de uma vistoria de salubridade efectuada no prédio onde reside, onde consta que o 2.º Réu marido DD é o seu proprietário e de que este seria notificado pata realizar obras de ligação à rede pública de saneamento e da água potável no prazo de 45 dias.</font> </p><p><font>14. Por escritura pública celebrada no dia 8 de Agosto de 2001, no 1.º Cartório Notarial de ..., FF e CC, na qualidade de primeiros outorgantes declararam vender a DD que, na qualidade de segundo outorgante, declarou comprar, o prédio urbano composto de casa de dois pavimentos, para habitação e quintal, sito na Rua ..., n° …, da freguesia de ..., com a área coberta de cento e trinta e dois metros quadrados e quintal com cem metros quadrados, omisso na matriz e descrito na Conservatória do Registo Predial da ... sob o n° … da freguesia de ....</font> </p><p><font>15. Tal escritura foi junta pelos 2.°s Réus nos Serviços Municipalizados da Câmara Municipal da ... para instruir o processo de requisição de águas e ligação de saneamento ordenadas pela Câmara Municipal da ... para o 1.º andar do prédio onde os Autores residem.</font> </p><p><font>16. Os 2.°s Réus cederam o gozo e fruição da habitação situada no 1.º andar do prédio onde residem os Autores.</font> </p><p><font>17. Na escritura pública aludida em 14 os Réus declararam que o preço de venda foi de € 49 879,79.</font> </p><p><font>18. Por acordo verbal, celebrado em data não concretamente apurada, mas anterior a Dezembro de 1995, a Autora passou a usar e fruir para sua habitação parte do prédio referido em 1, correspondente à habitação situada no rés-do-chão com entrada pelo n° ... da Rua ..., composta por cozinha, sala, três quartos, duas casas de banho, hall e corredor e garagem exterior, páteo, arrumos, jardim e quintal.</font> </p><p><font>19. Obrigando-se a Autora a pagar por tal uso e fruição a quantia mensal que em Dezembro de 1995 ascendia a Esc. 25.000$00.</font> </p><p><font>20. Os Autores tomaram conhecimento da celebração da escritura aludida em 14 em 29/11/2007.</font> </p><p><font>21. Data em que também tomaram conhecimento dos elementos do negócio objecto da escritura.</font> </p><p><font>22. A habitação onde os Autores residem corresponde à entrada pelo n° de polícia ... do prédio composto por rés-do-chão, andar e demais elementos referidos em 18.</font> </p><p><font>23. E está fisicamente separado do prédio objecto da escritura aludida em 14.</font> </p><p><font>24. Sendo que o rés-do-chão ocupado pelos Autores foi construído pelos progenitores do 1.º Réu, há mais de 35 anos».</font> </p><p><font> </font> </p><p><b><font>Considerou ainda a 1.ª instância que para a decisão da causa não se provaram quaisquer outros factos relevantes contrários àqueles, e designadamente:</font></b> </p><p><font>«1. O acordo referido em III-A-1 foi celebrado em 1 de Fevereiro de 1972.</font> </p><p><font>2. O rés-do-chão ocupado pelos Autores nunca foi objecto de licenciamento municipal.»</font> </p><p><font> </font> </p><p><font> </font> </p><p><b><font>III – Fundamentação de direito</font></b> </p><p><font>&nbsp; </font> </p><p><font>I) </font><i><font>Requisitos do art. 47.º, n.º 1 do RAU</font></i> </p><p><font> </font> </p><p><b><font>1.</font></b><font> As preferências legais resultam da lei e fundam-se em interesses de ordem pública. Têm efeitos «erga omnes» e surgem conexas com o conteúdo de outro direito (real ou não). No caso </font><i><font>sub judice</font></i><font> a preferência surge ligada ao conteúdo de um direito de arrendamento, que a doutrina maioritária classifica como um direito pessoal de gozo.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>No caso do direito de arrendamento para habitação, a lei quis facilitar a aquisição do prédio, proporcionando o acesso à propriedade a quem beneficia já de direito pessoal de gozo sobre esse bem. Paralelamente, a lei pretende eliminar potenciais conflitos entre locador e locatário, contribuindo assim para a paz social.</font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; </font> </p><p><font>A lei aplicável ao caso concreto, a vigente na data de celebração do negócio que alegadamente teria violado a preferência – 2001 – é o regime do arrendamento urbano datado de 1990 (DL n.º 321-B/90, de 15 de Outubro).</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>O art. 47.º, n.º 1 do RAU afirmava o seguinte:</font> </p><p><i><font>«O arrendatário de prédio urbano ou de sua fracção autónoma tem o direito de preferência na compra e venda ou na dação em cumprimento do local arrandado há mais de um ano».</font></i> </p><p><font> </font> </p><p><font>São pressupostos deste concreto direito de preferência, previsto no art. 47.º, n.º 1 &nbsp;do RAU: 1) a qualidade do preferente como arrendatário habitacional do imóvel; 2) Duração do arrendamento por período superior a um ano; 3) Venda ou dação em cumprimento do locado.</font><b><font>&nbsp; </font></b> </p><p><font> </font> </p><p><font>A </font><i><font>ratio</font></i><font> do art. 47.º, n.º 1 do RAU foi a de criar as condições de acesso e estabilização do direito a habitação própria, de modo a que o inquilino habitacional pudesse converter-se em proprietário da casa arrendada</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Provados os pressupostos da norma – qualidade de arrendatário do imóvel alienado; duração do arrendamento superior a um ano; venda ou dação em cumprimento do imóvel arrendado – o preferente legal goza de um direito potestativo que lhe permitirá fazer seu o negócio realizado em violação da preferência (art. 1410.º do CC).</font> </p><p><font>&nbsp;</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>&nbsp;Do teor literal da lei, traduzido nas expressões «arrendatário de </font><u><font>prédio urbano</font></u><font> ou de sua </font><u><font>fracção autónoma</font></u><font>», e da sua </font><i><font>ratio </font></i><font>– facilitar ao arrendatário a aquisição do imóvel arrendado – resulta, conforme jurisprudência dominante, que a lei não exige, para que o arrendatário possa exercer o seu direito de preferência, que o prédio urbano esteja dividido em frações autónomas, e, uma vez exercido o direito através de ação de preferência, esta vai incidir sobre a totalidade do prédio e não apenas sobre a parte efetivamente habitada pelo arrendatário.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Veja-se neste sentido, o acórdão deste Supremo Tribunal, de 25-03-2010, Revista n.º 5541/03.5TBVFR.P1.S1 - 1.ª Secção, relatado pelo Conselheiro Helder Roque:</font> </p><p><font>«Ainda que um prédio com vários andares não tenha sido submetido ao regime da propriedade horizontal, é o prédio, no seu todo físico, porque só este goza de autonomia jurídica e matricial, que importa considerar, para o efeito de subsunção da questão da preferência na alienação do prédio no seu todo». &nbsp;</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>No mesmo sentido, o acórdão deste Supremo Tribunal, de 12-01-2012, Revista n.º 72/2001.L1.S1 - 7.ª Secção, relatado pelo Conselheiro Orlando Afonso):</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>«V - Nem do preâmbulo do DL n.º 321-A/90, de 15-10, nem dos trabalhos preparatórios do mesmo se pode retirar ter sido intenção do legislador afastar o direito de preferência do locatário habitacional na compra e venda de todo o imóvel não constituído em regime de propriedade horizontal; pode impressionar o facto de o legislador ter utilizado a expressão «local arrendado», só que tal expressão não é sinónimo de andar arrendado, mas de todo o imóvel onde o arrendamento se situa.&nbsp; </font> </p><p><font>VI - Se o legislador tinha intenção de restringir a preferência aos casos de compra e venda de prédio constituído em propriedade horizontal devia tê-lo dito no art. 47.º do RAU; não o tendo feito não pode a interpretação restringir com base em expressões de alcance dúbio (</font><i><font>favorabilia amplianda, odiosa restringenda</font></i><font>).&nbsp; </font> </p><p><font>VII -Assim, o direito de preferência existe para a fracção autónoma arrendada, no caso de o prédio estar constituído em propriedade horizontal; no caso de o imóvel não estar legalmente parcelado, a preferência incide sobre todo ele, e não apenas sobre a parte arrendada, não sendo de interpretar restritivamente o art. 47.º, n.º 1, do RAU».</font> </p><p><font> </font> </p><p><font> </font> </p><p><font> </font> </p><p><font>E, ainda, o acórdão de 31-05-2007, relatado pelo Conselheiro Oliveira Vasconcelos (processo n.º 07B1554):</font> </p><p><font>«I - Não estando constituída a propriedade horizontal, o arrendatário de parte de um prédio pode exercer o direito de preferência em relação a todo o imóvel.</font> </p><p><font>II - Tudo depende de o local arredando ter ou não autonomia material ou jurídica em relação à restante parte do prédio.</font> </p><p><font>Se tiver esta autonomia, a preferência incidirá apenas sobre a parte arrendada.</font> </p><p><font>Se não tiver, a preferência poderá incidir sobre a totalidade do prédio».</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>A mesma solução tem sido adotada por este Supremo Tribunal, no caso do arrendamento agrícola ou florestal (cf. acórdão de 16-09-2014, relatado pelo Conselheiro Martins de Sousa, em que foi 2.ª Adjunta a agora relatora - Revista n.º 939/11.8T2STC):</font> </p><p><font>«O direito de preferência do rendeiro, como não pode deixar de ser, é regulado pela lei em vigor na data da escritura de compra e venda que despoletou o seu exercício, pelo que na hipótese dos autos haveria que atender ao normativo do último dos diplomas atrás citados [no DL nº 394/88 d
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font> <p><b><font>I - Relatório</font></b> </p><p><font>&nbsp; </font> </p><p><font>AA, S.A. intentou acção sob a forma ordinária contra BB, S.A., pedindo que se declare que a ré relativamente ao direito de preferência da autora na venda do referido lote ... incumpriu o acordo (doc. n° 3), bem como violou, quer nos preliminares da sua celebração, quer na sua formalização e na sua execução, o dever geral de boa-fé, nomeadamente os deveres de protecção, informação e lealdade e que a ré seja condenada, por não ter respeitado o direito de preferência da autora na venda do lote ..., a indemnizar a autora pelo incumprimento do acordo (doc. n.° 3), bem como por ter violado, quer nos preliminares da celebração, quer na formalização e na execução do acordo o dever geral de boa-fé, nomeadamente os deveres de protecção, informação e lealdade e que tal indemnização seja para liquidar em execução de sentença por ora não ser possível à autora quantificar os danos causados pelo comportamento ilegal e violador dos deveres da ré.</font> </p><p><font>Em abono da sua pretensão alega que celebrou com a ré um contrato promessa de compra e venda de um terreno sito na zona da área urbanística da E…. Todavia, por força da revisão do planeamento da referida zona, a ré ficou impossibilitada de cumprir o contrato promessa, pelo que as partes procederam a um acordo de revogação, tendo como contrapartida a venda de um lote à ré e a preferência da autora na venda do lote 3.01.01, com a obrigação quanto a este de a ré não tomar qualquer iniciativa ou parecer favorável de alteração do plano de pormenor em vigor (PP3). Mais refere que em 30/11/2000, a ré por carta informa a autora da venda do lote 3.01.01, bem como da possibilidade de exercer a sua preferência, tendo ainda a ré proposto a possibilidade de a autora transferir o seu direito de preferência para outras parcelas, ao que a autora respondeu, dizendo que não pretendia exercer o seu direito de preferência, mas que acordava em transferir o mesmo para os lotes 1.06.1.3, 1.07.1.2, 2.07.02 e ..., mantendo-se os demais termos contratuais estabelecidos no acordo de revogação, nomeadamente de não alteração do plano urbanístico. A autora só deu o seu consentimento à modificação do objecto da preferência, devido à localização do Lote ..., a qual foi determinante para a aceitação da transferência do direito de preferência, correspondendo o seu objecto - restauração e comércio - a uma desejada diversificação dos investimentos da autora. Refere, porém, que a ré procedeu à venda do lote 1.07.1.2 sem lhe comunicar a mesma, pelo que a autora, por carta de 21/3/2003, comunicou à ré que deveria informar quando é que se previa a colocação para venda dos demais lotes, ainda que prescindisse da preferência do lote em causa, ao que a ré respondeu dizendo que em relação ao lote ..., face aos condicionalismos contratuais, prevemos a sua venda no ano de 2004, e nessa carta confirmou a preferência da autora na compra desse mesmo lote. A autora diz que apesar do acordo, a ré alterou o lote ..., dividindo-o em duas parcelas e não informou a autora da realização de contratos de arrendamento nas fracções que constituiu numa das parcelas, pois as construções aí existentes eram estruturas temporárias e amovíveis. A ré comunicou à autora, para efeitos de preferência, as vendas das fracções da parcela ....01, não tendo a autora aceite por não ser o quadro contratual acordado. </font> </p><p><font>Conclui a autora pela violação dos ditames da boa fé, pois a ré não a informou da existência dos ónus da parcela aquando da transferência do direito de preferência, nem do reparcelamento feito, o que impossibilitou a autora de exercer o direito de preferência que tinha sobre o lote ..., entendendo a autora que só depois de se aferir da capacidade construtiva de tal lote é que é possível aferir dos danos que lhe foram causados.</font> </p><p><font>A Ré contestou alegando, em suma, que não existe qualquer incumprimento do contrato-promessa de compra e venda e, a existir a falta de cumprimento, esta ficou a dever-se a uma impossibilidade objectiva da prestação. Impugna, também, a existência de um outro direito de preferência distinto do previsto no acordo de revogação, e a ter existido foi constituído </font><i><font>ex novo</font></i><font> e sem os condicionalismos previstos no acordo de revogação. Alega, ainda, que o reparcelamento do lote ... não representou qualquer violação do acordado, nem o direito de preferência invocado se poderia sobrepor ao direito de propriedade da ré, que nessa medida poderia reparcelar o lote, como fez. Diz ainda que antes do reparcelamento do lote ... já uma das parcelas do mesmo se encontrava ocupada por serviços de restauração e lazer, facto que era do conhecimento de toda a gente, dado que a zona é conhecida como "os bares da E...", existindo contratos onerosos com as pessoas que exploram tais serviços, e com a entrada em vigor do NRAU passaram a vigorar contratos de arrendamento com preferência legal na venda que se sobrepõe. A ré refere ainda que o interesse público prevalece perante o interesse meramente económico da autora, dado inclusive o escopo da ré. Refere ainda que a ter comunicado à autora a venda das fracções, bem como do lote ....02, este disponível para construção, não tendo a autora preferido na compra dos mesmos, pelo que a ré não incumpriu o direito da autora, pois comunicou a venda, obrigação que advinha do direito de preferência. Alega, ainda, a ré que a autora não concretiza quaisquer prejuízos, danos ou lucros cessantes, pelo que não se pode relegar o seu cálculo para execução de sentença, por ausência de factos consubstanciadores dos danos. Em relação à violação dos ditames de boa fé e do dever de informação, afirma que os factos em causa eram do domínio público, concluindo pela improcedência da acção e pela sua absolvição. </font> </p><p><font> </font> </p><p><font>O autor respondeu, mantendo o alegado em sede de petição inicial.</font> </p><p><font>&nbsp;</font> </p><p><font>Procedeu-se à elaboração do saneador e julgamento nos presentes autos.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Foi proferida sentença que julgou a acção improcedente por não provada e, consequentemente, absolveu a ré dos pedidos formulados pela autora.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>A autora, inconformada, recorre para o Tribunal da Relação de Lisboa, pedindo a revogação da sentença.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>O Tribunal da Relação de Lisboa, através de acórdão datado de 20 de Dezembro de 2012, decide julgar improcedente a apelação e confirmar, nos seus precisos termos, a sentença recorrida.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Novamente inconformada, interpõe a autora revista excepcional para este Supremo Tribunal, invocando como pressuposto de admissibilidade o previsto na alínea a) do art. 721.º-A do Código de Processo Civil, recurso que foi admitido por acórdão de 2 de Junho de 2013.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Na sua alegação de recurso, apresentou a autora as seguintes conclusões:</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>«1. A primeira questão de Direito que, salvo melhor opinião, tem relevância jurídica, é a de saber se a declaração da A., ora Recorrente, consubstanciada na carta de 28 de Dezembro de 2000, juntamente com a carta da R., ora Recorrida, de 26 de Março de 2003, e posteriores cartas da R., ora Recorrida, no mesmo sentido, a que acresce a confissão judicial e reconhecimento expresso da existência de tal pacto de preferência, é bastante para se considerar existir um pacto de preferência relativo ao lote ..., ou seja, que tal pacto de preferência assumiu a forma escrita legalmente exigida pelo art. 410.º, n.º 2, </font><i><font>ex vi </font></i><font>o art.º 415º, ambos do Código Civil.</font> </p><p><font>2. Esta questão, numa altura em que na celebração de contratos as comunicações assumem grande relevo em detrimento do contacto pessoal e da outorga pessoal dos contratos, assume, salvo melhor opinião, clara importância e a sua decisão levará a uma melhor aplicação do Direito.</font> </p><p><font>3. A segunda questão de Direito que, salvo melhor opinião, tem relevância jurídica, é a de saber se a alteração substancial e unilateral, pela parte que atribui a preferência, das características do objecto do pacto de preferência contratado - no caso presente, traduzida no reparcelamento do imóvel em dois sub-lotes, na constituição de propriedade horizontal num deles, e na substancial redução da respectiva capacidade construtiva, com a consequente redução do respectivo valor económico - conduz, ou não, à inutilidade da notificação para exercer a preferência sobre o respectivo “objecto”, resultando de tais alterações que essa notificação não corresponda ao cumprimento da obrigação de dar a preferência na transmissão do acordado objecto da preferência, agora com características totalmente diferentes e díspares das anteriormente patentes, à data da constituição da obrigação da preferência, alterações resultantes das acções do concedente da preferência, a R., ora Recorrida, ao abrigo do conteúdo do seu, aparente, direito de propriedade.</font> </p><p><font>4. O esclarecimento desta questão parece à A., ora Recorrente, importante em termos de Direito, e levará a uma melhor aplicação do Direito.</font> </p><p><font>5. A terceira questão de Direito, que, salvo melhor opinião, tem relevância jurídica, consequente, e directamente relacionada com a anterior, consiste em saber se a R., ora Recorrida, ao alterar o objecto do direito de preferência, violou os princípios de confiança, protecção, informação e lealdade, consubstanciados na obrigação de boa fé na execução do contratado, a que a R., ora Recorrida, estava obrigada (Código Civil, art.º 762º, n.º 2).</font> </p><p><font>6. Também aqui entende a A., ora Recorrente, salvo melhor opinião, que uma decisão sobre tal matéria, dadas as possíveis e gravosas consequências da defesa do entendimento expresso na decisão ora recorrida, e dos riscos associados para o Direito, do entendimento em causa, além de necessária e importante, levará indubitavelmente a uma melhor aplicação do Direito.</font> </p><p><font>7. Por isso, deve o presente recurso de Revista extraordinário e excepcional ser admitido, ao abrigo do previsto na al. a) do nº 1 do art.º 721º-A do Código de Processo Civil.</font> </p><p><font>8. A A., ora Recorrente, nos termos do Acordo de Revogação a que se refere a al. D) da Matéria Assente e Título II – Fundamentação de Facto – pontos 4. a 7. do douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, ficou titular de um direito de preferência sobre o lote 3.01.01;</font> </p><p><font>9. Tal acordo continha, entre outras, uma obrigação para a R., ora Recorrida, de não alterar a localização, dimensões e configurações de tal lote – obrigação de </font><i><font>non facere</font></i><font> (cláusula 6ª do Acordo de Revogação e Título II – Fundamentação de Facto – pontos 4. a 7. do douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa);</font> </p><p><font>10. Quando da notificação à A., ora Recorrente, para o exercício do direito de preferência relativamente ao referido lote 3.01.01, foi, e ficou acordado, entre a A., ora Recorrente, e a R., ora Recorrida, que tal direito era transferido, nos exactos mesmos termos e condições, para os lotes 1.06.1.3, 1.07.1.2, 2.07.02 e ... (carta da A., ora Recorrente, de 28 de Dezembro de 2000 e Título II – Fundamentação de Facto – ponto 17. do douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa);</font> </p><p><font>11. Esta transferência foi formalizada, e efectivamente, concretizada, na sequência da proposta da R., ora Recorrida, pela carta da A., ora Recorrente, de 28 de Dezembro de 2000, de fls. 175 e 176 dos autos (ut respostas cits. e Título II – Fundamentação de Facto – ponto 17. do douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, e pela carta da R., ora Recorrida, de 26 de Março de 2003 (ut al. J) da Matéria Assente e Título II – Fundamentação de Facto – ponto 10. do douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa), e pela R., ora Recorrida, confirmado pelas cartas de 21 de Novembro de 2005 (ut al. L) da Matéria Assente e Título II – Fundamentação de Facto – ponto 11. do douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa), de 29 de Novembro de 2006 (ut al. P) da Matéria Assente e Título II – Fundamentação de Facto – ponto 15. do douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa) e cartas docs. 5, 6 e 7 juntos com a Réplica e ainda pela confissão expressa constante do art.º 22º da contestação;</font> </p><p><font>12. Por isso, e nos termos previstos no art.º 406º, nº 1 do Código Civil, com tal transferência, o direito de preferência contratualmente fixado para o referido lote 3.01.01, passou a ter por objecto os lotes 1.06.1.3, 1.07.1.2, 2.07.02 e ... Título II – Fundamentação de Facto – pontos 4. a 7. do douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, (carta da A., ora Recorrente, de 28 de Dezembro de 2000 e Título II – Fundamentação de Facto – ponto 17. do douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa);</font> </p><p><font>13. Esta alteração do objecto assumiu, indiscutivelmente e sem margem para qualquer dúvida, a forma escrita legalmente exigida (ut ponto 4. supra) (Cód. Civil, art.º 410º, nº 2, ex vi art.º 415º), e abrangeu não só a obrigação principal – dar preferência – mas também as obrigações acessórias, </font><i><font>maxime</font></i><font> a constante da referida cláusula 6ª (ut ponto 2. Supra e Título II – Fundamentação de Facto – pontos 4. a 7. do douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa);</font> </p><p><font>14. Ao assim não entender, violou o douto Acórdão recorrido os artºs. 406º, 410º, nº 2, </font><i><font>ex vi</font></i><font> o art.º 415º, 363º e 364º, nº 2, todos do Código Civil;</font> </p><p><font>15. A R., ora Recorrida, procedeu, por sua iniciativa, à divisão do lote ..., lote de terreno para construção, ocupado, a título precário, com construções de natureza desmontável e amovível, em dois sub-lotes – ....01 e ....02 – e aquele em 26 fracções autónomas;</font> </p><p><font>16. E destas 26 fracções autónomas, a R., ora Recorrida, apenas chamou a A., ora Recorrente, ao exercício do direito de preferência sobre 22 fracções autónomas;</font> </p><p><font>17. A R., ora Recorrida, reduziu a capacidade construtiva a executar, objecto do direito de preferência da A., ora Recorrente, de 28.247 m</font><sup><font>2</font></sup><font> e 648 lugares de estacionamento, para 4.370 m</font><sup><font>2</font></sup><font> e 99 lugares de estacionamento;</font> </p><p><font>18. Com estes actos violou a R., ora Recorrida, o pacto de preferência que havia celebrado com a A., ora Recorrente, pois, alterou o respectivo objecto, e, expressamente, a cláusula 6ª do Acordo de Revogação (ut ponto 9. Supra);</font> </p><p><font>19. A R., ora Recorrida, comunicou à A., ora Recorrente, a sua intenção de venda de objecto completamente diverso do que havia sido acordado no pacto de preferência;</font> </p><p><font>20. Perante tal incumprimento, impendia sobre a R., ora Recorrida, a presunção de culpa, presunção essa que a R., ora Recorrida, não ilidiu (Cód. Civil, art.º 799º, nº 1);</font> </p><p><font>21. Este incumprimento coloca a R., ora Recorrida, na obrigação de indemnizar a A., ora Recorrente, (C. Civil, art.º 798º);</font> </p><p><font>22. Ao assim não entender, violou o douto Acórdão recorrido os artºs. 414º, 416º, 799º e 798º, todos do Código Civil;</font> </p><p><font>23. Além disso, a R., ora Recorrida, durante a vigência do pacto de preferência que celebrou com a A., ora Recorrente, violou o princípio da boa fé previsto no art.º 762º, nº 2 do Código Civil;</font> </p><p><font>24. A violação, por parte da R., ora Recorrida, do princípio da boa fé tomou a forma de violação dos princípios de informação, confiança, protecção e lealdade;</font> </p><p><font>25. Tais violações concretizaram-se na omissão de informação quanto à divisão do lote ..., quer em dois sub-lotes, quer em 26 fracções autónomas, e na redução da área de construção a executar, de 28.247 m</font><sup><font>2</font></sup><font> e 648 lugares de estacionamento para 4.370 m</font><sup><font>2</font></sup><font> e 99 lugares de estacionamento;</font> </p><p><font>26. E, ainda, por a R., ora Recorrida, não ter feito cessar, como podia, os contratos que tinham por objecto as estruturas, de natureza desmontável e amovível, que se encontravam instaladas no que vieram a ser as referidas 26 fracções autónomas e, antes pelo contrário, ter a R., ora Recorrida, prorrogado a duração de tais contratos, de forma a que as contrapartes adquirissem as mesmas em detrimento do direito de preferência de que a A., ora Recorrente, era titular;</font> </p><p><font>27. Isto é, a postura da R., ora Recorrida, foi de claro incumprimento de todas as suas obrigações contratuais, quer principais, quer secundárias, quer acessórias;</font> </p><p><font>28. Sendo que, mesmo que à R., ora Recorrida, lhe assistisse o direito de incumprir, como incumpriu, o pacto de preferência que celebrou com a A., ora Recorrente, tê-lo-ia feito em claro abuso do direito e, como tal, de forma ilegítima (C. Civil, art.º 334º);</font> </p><p><font>29. Ao assim não entender, violou o douto Acórdão recorrido os artºs. 227º, 762º, nº 2 e 334º, todos do Código Civil;</font> </p><p><font>30. Com os seus </font><i><font>supra</font></i><font> descritos comportamentos, impediu a R., ora Recorrida, a A., ora Recorrente, de, exercendo o direito de preferência sobre o lote ..., o poder adquirir, como pretendia, para nele promover construção destinada a comércio e serviços e assim obter lucro com a sua construção e venda, pelo que a R., ora Recorrida, causou dano à A., ora Recorrente;</font> </p><p><font>31. Ao assim não entender, violou o douto Acórdão ora recorrido os artºs. 798º, 562º e 563º, todos do Código Civil».</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; Termina a recorrente as suas conclusões, solicitando a este Supremo Tribunal que seja «revogado o douto acórdão recorrido e substituído por outro que clarifique as questões de direito suscitadas, no tocante à forma escrita na constituição do pacto de preferência, no tocante à alteração do objecto da preferência, e à violação da boa fé contratual, com o que, uma vez mais, se fará a costumada Justiça».</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>A ré apresentou contra-alegações, pugnando pela manutenção da decisão recorrida, nos seus exactos termos.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões da recorrente, nos termos do disposto nos artigos 684.º, n.º 3, e 685.º-A, n.º 1, do Código de Processo Civil, não sendo lícito ao tribunal </font><i><font>ad quem</font></i><font> conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso, as questões a decidir são as seguintes:</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>- A validade ou invalidade formal da modificação do pacto de preferência e a existência, ou não, de um direito de preferência da autora em relação ao Lote ...;</font> </p><p><font>- A violação, ou não, pela ré da cláusula 6.º do acordo de revogação do contrato promessa, ou em alternativa, a violação dos ditames da boa fé no reparcelamento do lote ...;</font> </p><p><font>- A preexistência de contratos de arrendamento sobre as fracções e a responsabilidade pré-contratual da Ré por violação do dever de informação.</font> </p><p><font>- O direito de indemnização da Autora.</font> </p><p><font>&nbsp;</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Colhidos os vistos, cumpre decidir.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font> </font> </p><p><b><font>II – Fundamentação de facto</font></b> </p><p><font>As instâncias consideraram provados os seguintes factos:</font> </p><p><font>1. Em … de … de 19…, foi subscrito pela A., então denominada CC, Lda., e a R. um documento particular denominado "contrato de promessa de compra e venda n.° ...", que tinha por objecto a aquisição dos lotes ou parcelas … &nbsp;e … da zona de reconversão urbanística correspondente à realização da E...'…, destinados à construção de edifícios de habitação (nos termos constantes do doc. de fls. 43 a 61).</font> </p><p><font>2. Nos termos do contrato de promessa de compra e venda referido a R. prometeu vender e a A. prometeu comprar os lotes 2.16 e 2.17, sitos em Lisboa na zona de reconversão urbanística correspondente à da realização da E...'…, livre de ónus, encargos, pessoas e bens, ou quaisquer outras responsabilidades, pelo valor total de Esc. 456.750.000$00 (cfr. Cláusula Segunda do contrato);</font> </p><p><font>3. Durante a vigência do referido contrato promessa de compra e venda, a R. procedeu à revisão do planeamento da referida zona de reconversão urbanística da E...'…, tendo sido considerada inconveniente a afectação do uso inicialmente previsto - habitação - para os referidos lotes, objecto do citado contrato promessa de compra e venda (com a entrada em vigor do Decreto-Lei n.° 98/99, de 25 de Março, resulta o impedimento de construção na área de incidência (localização) dos lotes 2.16 e 2.17;</font> </p><p><font>4. Com data de 26 de Julho de 2000, foi celebrado entre a A. e a R. o acordo de revogação do citado contrato promessa de compra e venda, junto a fls. 87 a 93;</font> </p><p><font>5. Nos termos do acordo, acordaram A. e R. imputar o valor de Esc. 137.025.000$00, correspondente ao valor de sinal e reforço de sinal que haviam sido pagos pela A. à R. com referência ao contrato promessa de compra e venda aludido, ao preço pago pela A. à R. pela compra do lote 3.01.04, cuja escritura pública de compra e venda foi outorgada na mesma data (cfr. cláusulas 2.ª e 3.ª do acordo);</font> </p><p><font>6. E nos termos da cláusula 4.ª do referido acordo, a R. atribuiu à A. o direito de preferência na venda do lote 3.01.01, com a área total de construção de 29.324 m2 e que incluía no seu âmbito os seguintes blocos: a) 3.01.01 -Bloco 1, com a área total de construção de 9.928 m2 destinados a estacionamento privado e público; b) 3.01.01 - Bloco 2, com a área de construção de 9.782 m2 destinados a habitação (7.928 m2), comércio e restauração (375m2) e estacionamento privado e público (1.479 m2); c) 3.01.01 - Bloco 3, com a área de construção de 9.614 m2 destinados a habitação (7.928 m2), comércio e restauração (375 m2) e estacionamento privado e público (1.311 m2);</font> </p><p><font>7. Estabeleceram ainda as partes na cláusula 6.ª do acordo, a R., na qualidade de proprietária dos terrenos sitos na zona de reconversão urbanística correspondente à realização da E...'… e de entidade promotora do respectivo processo de reconversão urbanística da mesma zona, obrigou-se ainda perante a A. a: a) "Não tomar qualquer iniciativa ou emitir parecer favorável, no sentido da alteração do PP3, por si elaborado e aprovado pela Portaria n.° 1130-B/9, de 31/12/99, designadamente no tocante às localizações, dimensões e configurações referentes aos Lotes 3.01.01 (incluindo os Blocos 3.01.01.01, 3.01.01.02 e 3.01.01.03) e 3.01.04, que constam do Anexo 2 e fichas de caracterização de parcelas (Anexos 4 e 5, respectivamente) e ainda de modo a que não seja prevista a edificação de qualquer tipo de construção no espaço sito entre os Lotes 3.01.01 (incluindo os Blocos 3.01.01.01, 3.01.01.02 e 3.01.01.03) e 3.01.04 e a Frente Ribeirinha, além das construções já existentes nesse local e constantes do Anexo 3, bem como, no futuro, e nessa zona do PP3, não introduzir nem dar parecer favorável a projectos em que possam ser introduzidas alterações relativamente ao atrás exposto"; b) "Desenvolver os seus melhores esforços no sentido de as entidades para o efeito competentes colocarem guardas sonoras no troço da Av. … contíguo à parcela …";</font> </p><p><font>8. Em 30 de Novembro de 2000, a R. enviou à A. a carta junta a fls. 174 cujo teor se reproduz, e na qual se refere além do mais que: «Na sequência do Acordo de revogação de Contrato Promessa de Compra e venda n° ... (...), vimos por este meio informar V.Exas que, em conformidade com o disposto na cláusula Quarta, nos foi apresentada uma proposta de aquisição do lote 3.01.01. Esta proposta apresenta um preço unitário para área de habitação e comércio de 200.000$00/m2 e a empresa que nos apresentou a manifestação de interesse para o lote em questão também se propõe assumir, em exclusivo, a exploração e os resultados de toda a área de estacionamento público. Desta forma agradecemos que nos comunique a sua decisão sobre o direito de preferência estipulado no referido Acordo de Revogação (...)»;</font> </p><p><font>9. A A. remeteu à R., em 21 de Março de 2003, a carta junta a fls. 184 e 185 cujo teor se reproduz e na qual além do mais, se refere que apesar da transferência do direito de preferência relativo ao lote ….1 para os lotes 1…., 1…., 2…. e ..., a R. havia procedido à venda do lote 1…., sem que lhe tivesse dado a possibilidade de esta exercer o seu direito de preferência relativamente ao mesmo, informando ainda que prescindia do exercício do respectivo direito de opção relativamente aquela parcela, mais dizendo que «Contudo, vimos solicitar a V. Exas. se dignem informar-nos para quando se prevêem que as restantes parcelas sejam colocadas à venda no mercado, afim de, nos termos previstos, podermos exercer o direito de opção que nos foi concedido no atrás referido Acordo de Revogação, celebrado entre as partes»;</font> </p><p><font>10. A R., em carta de 26 de Março de 2003, junta a fls.186, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, cujo assunto é "direito de preferência", responde à solicitação da A., além do mais, com referência ao lote ..., nos termos seguintes: "Com base nos condicionamentos contratuais resultantes da sua actual utilização, prevemos a sua colocação no mercado no ano de 2004";</font> </p><p><font>11. Em 21 de Novembro de 2005, a ré enviou à A., uma carta, cuja cópia consta de fls. 187 e 188 e com o teor que se dá por integralmente reproduzido, refere-se, além do mais, que: «Na reunião realizada com V. Exas., no passado dia 18/07/2005, não foi sugerido pelo Parque E... que a AA prescindisse do direito de preferência que se convencionou para a parcela .... Na referida reunião a BB informou que, na sequência de um reparcelamento da parcela ... em dois lotes, pretende alienar o Edifício implantado no lote ....01, designado por estrutura modular - Bloco C (...), bem como o lote ....02 destinado a construção para serviços e comércio. A BB informou ainda que, tendo em conta que o edifício acima referido se encontra arrendado, situação que já era do vosso conhecimento, existe um direito legal de preferência a favor dos mesmos arrendatários, que se sobrepõe ao direito de preferência convencionado com a AA (... )», concluindo-se que o direito de preferência da A. só prevalecia no caso de não exercício do referido direito de preferência pelos referidos arrendatários.</font> </p><p><font>&nbsp;12. Em resposta, a A. remeteu à R. a carta de 24 de Janeiro de 2006, junta a fls. 192 e 193 cujo teor se reproduz, na qual esclarece a A.: - que só na reunião de 18 de Julho de 2005 havia tido conhecimento da existência de uma relação contratual de arrendamento relativamente à construção existente no lote ...; - que, efectivamente, a A. tinha conhecimento que as construções existentes no lote ... haviam sido feitas como edifícios necessários à realização da Exposição Mundial (E...'…), destinados a comércio e restauração e que, a exemplo da generalidade dos edifícios construídos para aquela Exposição, as construções aí implantadas iriam ser objecto de demolição e transformados os respectivos locais de implantação em lotes de terreno para construção;</font> </p><p><font>13. A R. enviou à A. a carta de 10 de Fevereiro de 2006, junta a fls. 194 cujo teor se reproduz, na qual se refere além do mais que: "(…) a utilização comercial da parcela ... é por demais pública e notória desde 1999, tendo inclusivamente a BB feito alusão a essa situação e aos «condicionamentos contratuais» que lhe são inerentes";</font> </p><p><font>14. A A. respondeu através da carta datada de 31 de Julho de 2006, junta a fls. 195 e 196 cujo teor se reproduz, na qual reafirma a A. o seu total desconhecimento, até à reunião de 18 de Julho de 2005, da existência de qualquer contrato de arrendamento, referente às várias estruturas provisórias existentes no lote ... e de qualquer direito legal de preferência relativamente ao mesmo;</font> </p><p><font>15. Através de carta remetida pela R. à A., em 29 de Novembro de 2006, junta a fls. 197 a 201 e que se dá por integralmente reproduzida, a R. procedeu à notificação da A. para o exercício do direito de preferência relativa à venda de várias fracções do prédio sito no lote ....01, </font><i><font>maxime</font></i><font> as fracções designadas pelas letras A, B, C, D, E, F, H, I, J, K, L, M, N, O, P, Q, T, U, V, W, Y e Z, as quais se encontravam oneradas por contratos de arrendamento;</font> </p><p><font>16. A tal carta respondeu a A. pela carta de 7 de Dezembro de 2006, junta a fls. 202 a 205 cujo teor se reproduz, dizendo além do mais que o direito de preferência é sobre uma parcela de terreno - ... - e além disso que a informação prestada não é completa elencados os vários pontos dessa incompletude (1. a 21.), concluindo que ficará a análise mais detalhada da carta para momento oportuno e solicitando cópia de cada um dos contratos de arrendamento de cada uma das fracções em questão, bem como o respectivo título de propriedade horizontal;</font> </p><p><font>17. Em Dezembro de 2000, o administrador da ré, DD propôs verbalmente à A. transferir o direito de preferência do lote 3.01.01 para os lotes 1.06.1.3, 1.07.1.2 e ..., tendo a A. respondido ao mesmo nos termos da carta junta a fls. 175 e 176;</font> </p><p><font>18. O lote ... estava localizado na primeira linha da frente rio, ou seja sobre o Rio …e o destino do mesmo - serviços e comércio/restauração;</font> </p><p><font>19. A A. tomou conhecimento que a R. procedeu à venda do lote 1.07.1.2, sem a notificar para exercer qualquer direito de preferência;</font> </p><p><font>20. A A. só tomou conhecimento do reparcelamento do lote ... em dois lotes -....01 e lote ....02 - &nbsp;bem como da alteração de tal lote quanto à configuração e dimensão do mesmo, na reunião havida entre as partes em 18 de Julho de 2005 e complementada pela carta referida em L);</font> </p><p><font>21. As construções implantadas no lote ... eram estruturas desmontáveis e amovíveis;</font> </p><p><font>22. A A. desconhecia, aquando do acordo referido em 4., a existência de contratos de arrendamento das fracções aludidas.</font> </p><p><font>23. Depois do reparcelamento da parcela ... nas parcelas ....01 e ....02, a principal estrutura da Exposição Internacional de Lisboa (E... ..) constituída por diversos serviços de restauração e lazer ficou radicada no Lote ....01;</font> </p><p><font>24. O Lote ....02 constituía um espaço livre, disponível para construção urbana;</font> </p><p><font>25. E toda a estrutura constituída por diversos serviços de restauração e lazer implantada no Lote ....01, mereceu, no decorrer da Exposição, a afluência e o convívio de milhares de pessoas;</font> </p><p><font>26. E essa situação, após terminada a Exposição, manteve-se e mantém até à presente data, constituindo aquele espaço um verdadeiro espaço de atracção, ócio e diversão da população;</font> </p><p><font>27. E este retrato social era, ademais, conhecido não só na grande Lisboa e nas localidades adjacentes como em demais pontos de todo o País, tendo o espaço ficado conhecido como «os bares da E...»;</font> </p><p><font>28. Considerando o escopo da ré, conhecido também pela A., esta sabia que a cedência do gozo temporário dos espaços comerciais de restauração e lazer era feito através de contratos onerosos;</font> </p><p><font>29. Perante a comunicação da ré à A. relativamente à venda do lote ....02 esta respondeu nos termos da carta datada de 29/06/2007 junta a fls. 212 a 215.</font> </p><p><b><font> </font></b> </p><p><b><font> </font></b> </p><p><b><font>III – Fundamentação de direito</font></b> </p><p><b><font> </font></b> </p><p><b><font>1.</font></b><font> Na acção de condenação, a Autora, AA, invocou a titularidade de um direito de preferência sobre o lote ..., propriedade da Ré, BB, e o esvaziamento do conteúdo deste direito por alterações unilaterais do seu objecto levadas a cabo pela Ré, em incumprimento do acordado, bem como por força da preexistência de direitos de arrendamento sobre os imóveis, correspondentes a contratos acerca dos quais a r
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CTJtu4YBgYBz1XKv4Ac4
1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><b><font> </font></b><font> </font><br> <font> </font><div><br> <font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça</font></div><br> <font> </font><br> <p><font> </font> </p><p><b><font>I</font></b><font> </font><b><font>–</font></b><font> </font><b><font>Relatório</font></b><br> </p><p><font> </font> </p><p><b><font>1.</font></b><font> Por apenso à execução para pagamento de quantia certa instaurada, em 01/05/2019, por </font><b><font>Terrara</font></b><font> </font><b><font>–</font></b><font> </font><b><font>Gestão</font></b><font> </font><b><font>de</font></b><font> </font><b><font>Bens</font></b><font> </font><b><font>Móveis</font></b><font> </font><b><font>e</font></b><font> </font><b><font>Imóveis,</font></b><font> </font><b><font>S.A.</font></b><font> contra </font><b><font>Combitur</font></b><font> </font><b><font>–</font></b><font> </font><b><font>Construções</font></b><font> </font><b><font>Imobiliárias</font></b><font> </font><b><font>e</font></b><font> </font><b><font>Turísticas,</font></b><font> </font><b><font>S.A.</font></b><font>, cujo título executivo é a sentença proferida em 15/07/2014 no Proc. nº 477/07..... e cujo valor é de € 208.625,00, veio esta deduzir a presente </font><u><font>oposição à execução mediante embargos de executado,</font></u><font> pedindo que se declare extinta a execução e se condene a exequente como litigante de má fé em multa e indemnização em valor idêntico ao da quantia exequenda.</font> </p><p><font>Para tanto, alegou, em síntese, que, pela sentença </font><i><font>supra</font></i><font> referida, foi a embargante condenada, entre outros:</font> </p><p><font>- a praticar todos os atos necessários ao total e definitivo licenciamento camarário da obra; </font> </p><p><font>- a entregar na Câmara Municipal .... os documentos identificados em 1.43 e que são os melhor descritos no artigo 246.º da douta contestação (cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido)</font> </p><p><font>- e a pagar uma sanção pecuniária compulsória no valor diário de € 125,00 por cada dia de atraso no cumprimento da obrigação de entrega dos documentos referida em c).</font> </p><p><font>Mais alega que, após ter sido notificada da sentença, constatou que, em data anterior à mesma, o processo de licenciamento se encontrava devidamente instruído, não havendo mais documentos a juntar, ficando convencida de que mais nada teria de fazer para dar cumprimento à sentença. As suas obrigações encontravam-se cumpridas em data anterior à realização da 1ª audiência de discussão e julgamento ocorrida em 23/04/2014 sendo que a exequente não deu conhecimento ao tribunal de tal circunstância pelo que foi proferida uma sentença inexequível. </font> </p><p><font>Por fim, refere que a exequente litiga com má fé, devendo ser condenada em multa e indemnização em igual valor ao da quantia exequenda.</font> </p><p><font> </font><br> </p><p><font>Os embargos foram liminarmente recebidos.</font><br> </p><p><font> </font> </p><p><font>Notificada a exequente esta contestou dizendo, em síntese, o seguinte: </font> </p><p><font>Encontra-se transitada a sentença dada à execução, a qual está investida de força de caso julgado, sendo a sentença exequível.</font><br> </p><p><font>Alega ainda que, no decurso das declarações prestadas pelo legal representante da embargante na audiência de julgamento, o mesmo admitiu que a obra não estava licenciada, tendo resultado provado, na referida sentença dada à execução que o alvará não foi levantado “por falta do pagamento acordado pela Ré à Autora, por haver alterações ao projeto e desfasamento em relação aos limites do terreno”, como alegado no artigo 52º da réplica oferecida pela embargante, sendo que a embargante só cumpriu a obrigação imposta pela sentença em 09/05/2019.</font><br> </p><p><font>Mais alega que a embargante pretende nos presentes embargos discutir factos que devia ter alegado na ação declarativa, fosse na réplica ou em articulado superveniente, não se verificando a previsão da al. </font><i><font>g)</font></i><font> do artigo 729º do Código de Processo Civil (CPC).</font><br> </p><p><font>Termina requerendo a improcedência da oposição à execução mediante embargos de executado.</font> </p><p><font> </font><br> </p><p><font>Procedeu-se a audiência prévia, na qual o tribunal pediu o Proc. nº 477/07.... para consulta. </font><br> </p><p><font>Em 22/11/2019 foi proferida sentença, cuja parte decisória reproduzimos em parte: </font><i><font>“Pelo exposto, julgo os presentes embargos de executado totalmente improcedente, ordenando o prosseguimento da acção executiva apensa. (…)”</font></i><font> </font><br> </p><p><b><font>2.</font></b><font> Não se conformando com esta sentença </font><b><font>veio</font></b><font> </font><b><font>a</font></b><font> </font><b><font>embargante/executada</font></b><font> </font><b><font>dela</font></b><font> </font><b><font>interpor</font></b><font> </font><b><font>recurso</font></b><font> </font><b><font>de</font></b><font> </font><b><font>apelação</font></b><font>, tendo o Tribunal da Relação de Guimarães, por acórdão de 14-05-2020, decidido o seguinte:</font><br> </p><p><i><font>«Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar parcialmente procedente a apelação e consequentemente:</font></i> </p><p><i><font>- Julgam extinta a execução: </font></i> </p><p><i><font>- E confirmam a improcedência do pedido de condenação da exequente como litigante de má fé.</font></i><br> </p><p><i><font>Custas da oposição mediante embargos e da apelação pela embargada/exequente». </font></i><br> </p><p><br> </p><p><b><font>3. &nbsp;Terrara</font></b><font> </font><b><font>–</font></b><font> </font><b><font>Gestão</font></b><font> </font><b><font>de</font></b><font> </font><b><font>Bens</font></b><font> </font><b><font>Móveis</font></b><font> </font><b><font>e</font></b><font> </font><b><font>Imóveis,</font></b><font> </font><b><font>S.A.,</font></b><font> não se conformando com o acórdão proferido, dele interpôs recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, ao abrigo dos artigos 671º, n.º 1, </font><i><font>“a contrario”,</font></i><font> 675º, nº 1, 676º, e 854º, todos do Código de Processo Civil, formulando na sua alegação de recurso as seguintes conclusões:</font><br> </p><p><font>«1ª. Por força do disposto no nº 2 do artigo 8º, e nos nºs 2 e 3 do artigo 9º, ambos do Código Civil, no nº 1 do artigo 619º e na primeira parte do artigo 621º, estes do Código de Processo Civil, os tribunais, relativamente à letra do disposto no artigo 729º do Código de Processo Civil, têm: A obrigação de obedecer-lhe e de aplicá-lo, mesmo que considerem o seu teor injusto ou imoral; o dever de abstenção de interpretá-lo, mediante interpretação que na sua letra não tenha um mínimo de correspondência verbal; o dever de presumir que o legislador, ao legislá-lo, consagrou as soluções mais acertadas e que, na sua letra, exprimiu o seu pensamento em termos adequados; a obrigação de respeitar a autoridade do caso julgado, formado sobre as respectivas decisões, executadas e transitadas em julgado de sentença, e o dever de lhe não acrescentar, como fundamento de oposição à execução, o abuso de direito da previsão do artigo 334º do Código Civil.&nbsp;</font><br> </p><p><font>2ª- Por força da letra do artigo 729º do Código do Processo Civil, fundando-se a execução em sentença, a oposição a execução só pode ter algum dos fundamentos especificados nas suas alíneas a) a i), e em nenhuma delas consta, como fundamento de oposição, o abuso do direito da previsão do artigo 334º do Código Civil; </font><br> </p><p><font>3ª- A execução, instaurada pela ora recorrente, foi fundada nas decisões transitadas em julgado no dia 30 de Setembro de 2014 da sentença, proferida no dia 15 de Julho de 2014, na acção de processo ordinário nº 477/07.... Vara das Varas de Competência …, que condenou a executada, e ora recorrida “ c) a entregar na Câmara Municipal .......... os documentos identificados em I. 43 e que são os melhores descritos no artigo 246º da douta contestação ( cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido ); d) a pagar uma sanção pecuniária compulsória no valor diário de € 125.00 ( cento e vinte e cinco euros) por cada dia de atraso no cumprimento da obrigação da entrega dos documentos referida em c)”; “esses documentos são: Apólice de seguro, que cubra a responsabilidade pela reparação dos danos emergentes de acidentes de trabalho; Termo assinado pelo técnico responsável pela direcção técnica da obra e Declaração de titularidade de classificação de industrial de construção civil ou Título de registo na actividade ”, que a executada, e ora recorrida, entregou no dia 9 de Maio de 2019 [ cfr. factos dos pontos 1., 2., 3., 4., 10., 23., 24., 25. e 26. da fundamentação de facto, factos dos artigos 2º, 3º, 4º, 9º e 10º do requerimento da execução ]. </font><br> </p><p><font>4ª- Todos os factos dos pontos 28., 29., 30., 31., 32., 33., 34., 35., 36., 37., 38., 39., 40., 41., 42. e 43., que o acórdão recorrido, como provados, aditou aos factos dos pontos 1. a 27., que já vinham provados da primeira instância, não são posteriores ao dia 30 de Junho de 2014, em que as alegações orais ocorreram na acção de processo ordinário nº 477/07.... Vara das Varas de Competência …. [ cfr. facto do ponto 27. ].&nbsp;</font><br> </p><p><font>5ª- A decisão do acórdão recorrido que julgou extinta a execução com fundamento no abuso do direito, previsto no artigo 334º do Código Civil, relativamente à letra do corpo do artigo 729º do Código de Processo Civil e à letra da sua alínea g), em consequência, violou: O disposto no nº 2 do artigo 8º do Código Civil, quanto à sua obrigação do dever de julgar em obediência à sua letra, mesmo que a considerasse injusta, e mesmo que considerasse injustas e atentatórias dos princípios do artigo 334º do Código Civil as decisões executadas e transitadas em julgado da respectiva sentença, dada como título executivo à execução; o disposto nos nºs 2 e 3 do artigo 9º do Código Civil, quanto ao dever de, no que concerne à sua interpretação e aplicação, abster-se de interpretá-lo e aplicá-lo sem o mínimo de correspondência verbal, e quanto ao dever de ter de presumir que na sua letra o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados; o disposto no nº 1 do artigo 619º e na primeira parte do disposto do artigo 621º, ambos do Código de Processo Civil, quanto à força da autoridade do caso julgado, que se formou sobre as decisões, executadas e transitadas em julgado da respectiva sentença, e que se lhe impunha que respeitasse. </font><br> </p><p><font>6ª. Impõe-se, em consequência, que seja revogada a sua decisão que julgou extinta a execução com fundamento em abuso do direito, e que seja repristinada a decisão da sentença, proferida no dia 22 de Novembro de 2019 pela primeira instância, que julgou os embargos, deduzidos pela executada e ora recorrida, improcedentes. </font><br> </p><p><font>7ª- Os factos dos pontos 28. ao ponto 43., que o acórdão recorrido, como provados, aditou aos factos dos pontos 1. a 27., que já vinham provados da primeira instância, para além de não serem posteriores ao dia 30 de Junho de 2014, em que ocorreram as alegações orais no identificado processo ordinário, não integram abuso do direito, por parte da ora recorrente, da previsão do artigo 334º do Código Civil, e proclamado pelo acórdão recorrido, por causa dos fundamentos especificados nas páginas 14 a 22 do corpo das alegações: </font><br> </p><p><font>a) Na condenação da alínea c) do facto do ponto 2., a executada e ora recorrida foi condenada em obrigação de prestação de facto infungível, em cujo cumprimento não podia ser substituída pela ora recorrente nem por terceiro, conforme o disposto “a contrário “nos artigos 767º e 828º, ambos do Código Civil, e no nº 1 do artigo 871º do Código de Processo Civil;</font><br> </p><p><font>b) Nos factos provados não ficou provado facto nenhum em que possa ser sustentado que a executada e ora recorrida confiou que nada lhe era exigível a título da condenação daquela alínea c);</font><br> </p><p><font>c) A executada e ora recorrida, apesar de se ter batido no recurso de apelação para que fossem julgados provados os factos por si alegados nos artigos 6º e 8º da oposição: “ depois de notificada da sentença constatou que todos os documentos, de que dependia o levantamento do alvará de licença de construção, já se encontravam no processo de licenciamento ”, e, “ ficando, assim, segura de que nada mais poderia e ou teria de fazer para dar cumprimento à douta sentença, por as respectivas obrigações terem sido cumpridas, vários anos de a mesma ter sido proferida”, não os provou;</font><br> </p><p><font>d) A ora recorrente tinha até ao dia 30 de Setembro de 2034 prazo para exercer o direito que lhe foi reconhecido pela sentença, e exerceu-o no dia 26 de Abril de 2019, ou seja, em 4 anos, 6 meses e 26 dias, e ficou a 15 anos, 5 meses e 4 dias do termo do prazo para o exercer;</font><br> </p><p><font>e) A condenação da alínea d) do facto do ponto 3. foi ditada pela sentença, dada como título à execução, e impunha-se ao acórdão recorrido que respeitasse a autoridade do caso julgado sobre ela formado;</font><br> </p><p><font>f) Da quantia de € 208.625,00, à ora recorrente só é devida a quantia de € 104.312,50, porque a restante quantia de € 104.312,50 é devida ao Estado;</font><br> </p><p><font>g) A executada e ora recorrida com consciente negligência desprezou as condenações daquelas alíneas c) e &nbsp;d) da sentença, porque só no dia 9 de Maio de 2019, cumpriu a obrigação imposta pela condenação daquela alínea c), e porque inexiste nos factos provados que tenha instaurado recurso de revisão, previsto nos artigos 696º e seguintes do Código de Processo Civil, para destruir a força da autoridade do caso julgado de tais decisões condenatórias. </font><br> </p><p><font>8.ª O acórdão recorrido, em consequência, violou o disposto no artigo 334º e nos nºs 1, 2 e 3 do artigo 829º - A, ambos do Código Civil, e o disposto no nº 1 do artigo 619º e na primeira parte do artigo 621º, estes do Código de Processo Civil, quanto à autoridade do caso julgado, formado sobre as decisões condenatórias daquelas alíneas c) e d), pelo que, na improcedência das anteriores primeira à sexta conclusões, impõe-se que a sua decisão que julgou extinta a execução, com fundamento no abuso do direito por parte da exequente e ora recorrente, seja revogada e repristinada a sentença da primeira instância, que julgou os embargos, deduzidos pela executada e ora recorrida, improcedentes. </font><br> </p><p><font>9.ª Constituiu objecto do recurso de apelação, interposto pela executada e ora recorrida, a condenação da ora recorrente, como litigante de má fé, em condenação em multa e indemnização, cujo montante não devia ser inferior ao que ela própria pedia (208.625,00 €) contra a ora recorrida, acrescida ainda do que, em incidente de liquidação, viesse a apurar-se como despesas desta com honorários de advogado e encargos judiciais, e que a sentença da primeira instância tinha julgado improcedente. </font><br> </p><p><font>10ª. O acórdão recorrido, na sua decisão, confirmou a improcedência do pedido de condenação da exequente como litigante de má fé, e, no que a custas respeita, decidiu “Custas da oposição mediante embargos e da apelação pela embargada / exequente ”. </font><br> </p><p><font>11ª. Esta decisão, quanto à condenação em custas da ora recorrente, violou o disposto nos nºs 1 e 2 do artigo 527º do Código de Processo Civil, pelo que, mesmo na improcedência das anteriores primeira à oitava conclusões, impõe-se que seja revogada e substituída por outra que, nas custas da apelação, condene a ora recorrida e a ora recorrente na respectiva proporção de 50%.</font><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><b><font>4 - Combitur – Construções Imobiliárias e Turísticas</font></b><font>, notificada das alegações de revista, veio apresentar contra-alegações, nas quais pugna pela manutenção do decidido. </font><br> </p><p><b><font>5.</font></b><font> Sabido que o objeto do recurso, ressalvadas as matérias de conhecimento oficioso, é delimitado pelas conclusões do recurso (artigos 635º, nºs 3 e 4 e 639º, nºs 1 e 3 do CPC), as questões a decidir são as seguintes: </font><br> </p><p><font>I – </font><i><font>Da aplicação do abuso do direito (artigo 334.º do Código Civil) como fundamento da oposição à execução;</font></i><br> </p><p><i><font> </font></i><br> </p><p><i><font>&nbsp;</font></i><font>II – </font><i><font>Da condenação em custas.</font></i><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><font>Cumpre apreciar e decidir.</font><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><b><font>II – Fundamentação de facto</font></b><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><font>A matéria de facto, pós o exercício, pelo Tribunal da Relação, dos seus poderes de modificação, é a seguinte: </font><br> </p><p><font>«1. Por sentença proferida no dia 15/07/2014, na acção de processo ordinário nº 477/07.... Vara das Varas de Competência …, a executada foi condenada, entre o mais:</font> </p><p><font>2. “c) a entregar na Câmara Municipal ... os documentos identificados em I.43 e que são os melhores descritos no artigo 246º da douta contestação (cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido);</font> </p><p><font>3. d) a pagar uma sanção pecuniária compulsória no valor diário de € 125.00 (cento e vinte e cinco euros) por cada dia de atraso no cumprimento da obrigação da entrega dos documentos referida em c).”</font> </p><p><font>4. Esses documentos são: </font> </p><p><font>- Apólice de seguro, que cubra a responsabilidade pela reparação dos danos emergentes de acidentes de trabalho;</font> </p><p><font>- Termo assinado pelo técnico responsável pela direcção técnica da obra e Declaração de titularidade de classificação de industrial de construção civil ou Título de registo na actividade.</font> </p><p><font>5. A referida sentença foi notificada à exequente e à executada no dia 15/07/2014. </font> </p><p><font>6. A executada não recorreu dessa sentença.</font> </p><p><font>7. Dessa sentença apenas recorreu de apelação a exequente para o Tribunal da Relação de Guimarães e cujo recurso não teve por objecto as decisões condenatórias descritas supra. </font> </p><p><font>8. A executada interpôs recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, cujo recurso não teve por objecto as decisões condenatórias descritas supra.</font> </p><p><font>9. O Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão de 08/09/2015, transitado em julgado no dia 24/09/2015, negou a revista e confirmou o acórdão recorrido.</font> </p><p><font>10. As decisões condenatórias descritas em 2 supra transitaram em julgado no dia 30/09/2014.</font> </p><p><font>11. Consta dos factos provados na sentença dada à execução, entre o mais: </font> </p><p><font>12. Por oficio de 9 de Agosto de 2007 da Câmara Municipal ....., a Ré (exequente) foi notificada, que o pedido de licenciamento de construção da obra empreitada tinha de sido deferido e, ainda, que devia apresentar os elementos indicados no art° 3° da Portaria nº 1105/2001 de 18 de Setembro, para efeitos de emissão e entrega do Alvará de Licença de Construção, tudo nos termos dessa notificação junta a fls. 365 e ss. que aqui se dá por reproduzida – alínea UU. dos F.A. – artigo 43º dos factos provados.</font><br> </p><p><font>13. A obra não tem Alvará de Licença de Construção, emitido e entregue pela Câmara Municipal...., apesar de a Ré (exequente) ter pago, em 27 de Dezembro de 2007, as respectivas taxas de € 17.509,91, para efeitos da sua emissão e entrega em conformidade com o documento junto a fls. 349 que aqui se dá por reproduzido – resposta ao artº. 76º da B.I. – artigo 112º dos factos provados. </font><br> </p><p><font>14. É a Autora (executada) que tem os elementos referidos em 43, competindo-lhe apresentá-los ou exibi-los para emissão e entrega do Alvará de Licença de Construção – resposta ao artº. 77º da B.I. – artigo 113º dos factos provados.</font><br> </p><p><font>15. Por fax de 03/09/2007, que às 14H08m a Ré enviou à A. e que a A. recebeu, a Ré enviou-lhe cópia do documento junto a fls. 365, relativo ao deferimento do pedido de licença de construção e solicitou à A., que indicasse dia e hora para se encontrar com ela na Câmara Municipal .... e apresentar os documentos necessários, conforme se vê desse fax junto a fls. 369, que se dá por reproduzido para todos os efeitos legais – resposta ao artº. 78º da B.I. – artigo 114º dos factos provados.</font><br> </p><p><font>16. A Ré respondeu por carta registada junta a fls. 372, datada de 28/09/2007, que com aviso de recepção a Ré enviou à A. em 01/10/2007 e que a A. recebeu no dia seguinte, que aqui se dá por reproduzida para todos os efeitos legais, referindo que o valor da dita factura não era devido; que os restantes valores não tinham sido aceites antes e as respectivas facturas tinham sido devolvidas; que devia concluir a empreitada e corrigir os defeitos para lhe ser efectuado o pagamento; que a haver divergência entre a fachada do edifício e o projecto a responsabilidade era dela A. e que o deferimento do processo de licenciamento ficara condicionado, apenas, ao eficiente escoamento das águas pluviais, que era da responsabilidade dela A. – resposta ao artº 81º da B.I. – artigo 117º dos factos provados.</font><br> </p><p><font>17. E essa carta insistiu com a A. para que procedesse à entrega, na Câmara Municipal ..., do seu alvará e da apólice de seguro para se levantar a licença de construção e advertiu-a, que a responsabilizaria pelos danos daí emergentes – resposta aos artºs. 82º e 83º da B.I. – artigo 118º dos factos provados.</font><br> </p><p><font>18. Por carta registada com aviso de recepção de 17 de Dezembro de 2007, que a A. recebeu no dia seguinte, junta a fls. 377 que aqui se dá por reproduzidos para todos os efeitos legais, a Ré notificou a A. para, entre as 10 e as 11 horas, do dia 27 desse mês de Dezembro, comparecer na Câmara Municipal ... para fazer entrega dos elementos referidos – resposta ao artº. 84º da B.I. – artigo 119º dos factos provados.</font><br> </p><p><font>19. E, ainda, comunicou à A., que havia sido notificada pela Câmara Municipal ... do levantamento de auto de contra-ordenação por falta do alvará de licença de construção e da incorrência em demolição da obra, realizada e não concluída pela A. – resposta ao artº. 85º da B.I.– artigo 120º dos factos provados.</font> </p><p><font>20. No referido dia 27 de Dezembro de 2007, a A. não compareceu naquela Câmara, nem fez entrega dos mencionados elementos documentativos e o Alvará de Licença de Construção não foi entregue à Ré – resposta ao artº. 86º da B.I.– artigo 121º dos factos provados.</font><br> </p><p><font>21. Foi a Autora que ficou incumbida de obter o respectivo licenciamento camarário – resposta ao artº. 4º da B.I. – artigo 121º dos factos provados.</font><br> </p><p><font>22. Consta do artigo 58º da réplica, apresentada em Juízo pela executada em 16/05/2008, que relativamente aos documentos referidos nos artigos 271º, 275º, 278º da reconvenção estes não foram entregues porque a autora concluiu a obra, estando a ré a ocupar o respectivo pavilhão, mas até hoje a mesma não se encontra paga.</font> </p><p><font>23. No dia 09/05/2019 o Município .... certificou que nessa data a Combitur – Construções, SA “procedeu à entrega nesta Câmara Municipal e para juntar ao processo de licenciamento urbanístico nº …., em nome de Terrara – Gestão de Bens Móveis e Imóveis, SA, dos elementos que se anexam e ficam a fazer parte integrante da presente certidão”, conforme certidão junta na execução apensa a fls. , cujo teor se dá como integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.</font><br> </p><p><font>24. Consta da referida certidão que é junta Apólice de Seguro que cobre a responsabilidade pela reparação dos danos emergentes de acidente de trabalho.</font> </p><p><font>25. Termo assinado pelo técnico responsável pela direcção técnica da obra e declaração da Ordem dos Engenheiros.</font> </p><p><font>26. Declaração de titularidade de classificação de industrial de construção civil ou título de registo na actividade e alvará de empreiteiro.</font> </p><p><font>27. No processo identificado em 1 cuja sentença é dada à execução, as alegações orais ocorreram em 30/06/2014.</font><br> </p><p><font>28. O </font><u><font>pedido de licenciamento da obra empreitada</font></u><font> respeita à ampliação do prédio sito no lugar de ..., freguesia de ...., descrito na C.R. Predial de ... sob o nº … e inscrito na matriz urbana da respectiva freguesia, sob o art. …º, </font><u><font>deu entrada no dia</font></u><font> </font><u><font>19/05/2006,</font></u><font> pelo registo nº …., </font><u><font>foi integrado no Processo n.º …</font></u><font> da Câmara Municipal ... e foi deferido por despacho do dia 08/08/2007 (art. 9º da oposição). </font><br> </p><p><font>29. Este deferimento foi notificado à Terrara pelo ofício …./DPGU de 09/08/2007 onde se lê:</font> </p><p><font>“Nos termos do nº 1 do art. 76º do Dec.-Lei nº 555/99, alterado pelo Dec.-Lei nº 177/01, deverá V.Exa. no prazo de 1 ano a contar da data da presente notificação, apresentar os elementos indicados no art.º 3 da Portaria 1105/01 de 18 de Setembro de 2001, para efeitos de emissão do Alvará da Licença de Construção. Nos termos da Tabela de Taxas e Regulamento Municipais, deverá V.Exa. proceder à liquidação da importância 17.509,92 Euros para levantamento da respectiva licença.” e mais adiante: “Nota 1 – O deferimento referido NÃO DÁ DIREITOS para iniciar a obra” (doc. nº 1 junto com a oposição) (art. 10º da oposição).</font><br> </p><p><font>30. No dia 27/12/2007 a Terrara </font><u><font>requereu a emissão do alvará de licença da obra de</font></u><font> </font><u><font>ampliação a</font></u><font> que respeita o processo nº ….. e pagou as taxas respectivas no valor de € 17.509,91 (doc. 2 da oposição) (art. 11º da oposição).</font> </p><p><font>31. No dia 08/01/2008 a C.M. …… </font><u><font>emitiu o alvará de licença de construção nº</font></u><font> </font><u><font>29/08</font></u><font> referente à ampliação do edifício de indústria com validade até 08/01/2010 (doc. nº 3 da oposição) (art. 11º da oposição).</font> </p><p><font>32. No dia 15/01/2008 a C.M…. notificou a Terrara para proceder à apresentação actualizada dos documentos da responsabilidade do empreiteiro/adjudicatário (alvará, declaração de seguro e declaração da responsabilidade do mesmo) sem o que não poderia levantar da respectiva licença (doc. nº 4 da oposição) (art. 11º da oposição).</font> </p><p><font>33. Por requerimento apresentado no dia 25/01/2008 a TERRARA alude a documentos por si juntos a 14/12/2007 e juntou ao processo de licenciamento:</font> </p><p><font>- a declaração de prova de seguro da COMBITUR, emitida pela Allianz Portugal, S.A. no dia 24/01/2008;</font> </p><p><font>- o alvará de construção da COMBITUR nº …., emitido pela MOPPI válido até 31-01-2008; e requereu a entrega do alvará de licença de obras (doc. nº 4 da oposição) (art. 11º da oposição);</font> </p><p><font>34. No dia 10/11/2008 o Director de Obras Particulares da C.M.….., Engº AA, prestou a seguinte informação no processo de licenciamento:</font><br> </p><p><font> </font> </p><p><i><font>“INFORMAÇÃO</font></i><br> </p><p><i><font>ASSUNTO:</font></i><font> </font><i><font>Licenciamento</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>ampliação</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>edifício</font></i><font> </font><i><font>industrial</font></i><font> </font><i><font>Requerente:</font></i><font> </font><i><font>“TERRARA</font></i><font> </font><i><font>-</font></i><font> </font><i><font>Gestão</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>móveis</font></i><font> </font><i><font>e</font></i><font> </font><i><font>Imóveis</font></i><font> </font><i><font>Local:</font></i><font>... .</font> </p><p><i><font>1</font></i><font> </font><i><font>-</font></i><font> </font><i><font>O</font></i><font> </font><i><font>1.º</font></i><font> </font><i><font>pedido</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>licenciamento</font></i><font> </font><i><font>para</font></i><font> </font><i><font>o</font></i><font> </font><i><font>novo</font></i><font> </font><i><font>edifício</font></i><font> </font><i><font>junto</font></i><font> </font><i><font>da</font></i><font> </font><i><font>VIM,</font></i><font> </font><i><font>deu</font></i><font> </font><i><font>entrada</font></i><font> </font><i><font>em</font></i><font> </font><i><font>11-02-2004,</font></i><font> </font><i><font>tendo</font></i><font> </font><i><font>sido</font></i><font> </font><i><font>rejeitado</font></i><font> </font><i><font>e</font></i><font> </font><i><font>arquivado.</font></i> </p><p><i><font>2</font></i><font> </font><i><font>-</font></i><font> </font><i><font>Um</font></i><font> </font><i><font>novo</font></i><font> </font><i><font>pedido</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>ampliação,</font></i><font> </font><i><font>deu</font></i><font> </font><i><font>entrada</font></i><font> </font><i><font>em</font></i><font> </font><i><font>19-05-2006,</font></i><font> </font><i><font>diferente</font></i><font> </font><i><font>da</font></i><font> </font><i><font>ampliação</font></i><font> </font><i><font>inicialmente</font></i><font> </font><i><font>solicitada.</font></i><font> </font><i><font>Em</font></i><font> </font><i><font>aditamento</font></i><font> </font><i><font>a</font></i><font> </font><i><font>este</font></i><font> </font><i><font>requerimento</font></i><font> </font><i><font>é</font></i><font> </font><i><font>apresentado</font></i><font> </font><i><font>um</font></i><font> </font><i><font>novo,</font></i><font> </font><i><font>em</font></i><font> </font><i><font>10-07-2006,</font></i><font> </font><i><font>no</font></i><font> </font><i><font>qual,</font></i><font> </font><i><font>a</font></i><font> </font><i><font>propósito</font></i><font> </font><i><font>da</font></i><font> </font><i><font>cedência</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>terreno</font></i><font> </font><i><font>para</font></i><font> </font><i><font>anexar</font></i><font> </font><i><font>à</font></i><font> </font><i><font>escola</font></i><font> </font><i><font>(pag.208</font></i><font> </font><i><font>do</font></i><font> </font><i><font>processo)</font></i><font> </font><i><font>se</font></i><font> </font><i><font>diz</font></i><font> </font><i><font>que</font></i><font> </font><i><font>“a</font></i><font> </font><i><font>área</font></i><font> </font><i><font>será</font></i><font> </font><i><font>anexa</font></i><font> </font><i><font>à</font></i><font> </font><i><font>escola</font></i><font> </font><i><font>após</font></i><font> </font><i><font>aprovação</font></i><font> </font><i><font>do</font></i><font> </font><i><font>projecto”.</font></i><font> </font><i><font>Este</font></i><font> </font><i><font>projecto</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>arquitectura,</font></i><font> </font><i><font>foi</font></i><font> </font><i><font>aprovado,</font></i><font> </font><i><font>por</font></i><font> </font><i><font>despacho</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>26-09-2006.</font></i> </p><p><i><font>3</font></i><font> </font><i><font>-</font></i><font> </font><i><font>Em</font></i><font> </font><i><font>26-09-2006,</font></i><font> </font><i><font>foi</font></i><font> </font><i><font>requerida</font></i><font> </font><i><font>aprovação</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>escavações</font></i><font> </font><i><font>e</font></i><font> </font><i><font>construção</font></i><font> </font><i><font>periférica,</font></i><font> </font><i><font>a</font></i><font> </font><i><font>qual</font></i><font> </font><i><font>foi</font></i><font> </font><i><font>aprovada,</font></i><font> </font><i><font>por</font></i><font> </font><i><font>despacho</font></i><font> </font><i><font>do</font></i><font> </font><i><font>mesmo</font></i><font> </font><i><font>dia.</font></i><br> </p><p><i><font>4</font></i><font> </font><i><font>-</font></i><font> </font><i><font>Em</font></i><font> </font><i><font>12-10-2006,</font></i><font> </font><i><font>são</font></i><font> </font><i><font>apresentados</font></i><font> </font><i><font>os</font></i><font> </font><i><font>projectos</font></i><font> </font><i><font>das</font></i><font> </font><i><font>especialidades.
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><b><font> </font></b><div><br> <font>Acordam na 1.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça</font></div><br> <br> <font> </font><br> <p><b><font>I – Relatório</font></b><br> </p><p><b><font> </font></b><br> </p><p><b><font>1. </font></b><font>&nbsp;Os presentes autos tiveram início com o procedimento especial de despejo proposto no Balcão Nacional do Arrendamento (B.N.A.) por </font><b><font>AA e outros</font></b><b><i><font> </font></i></b><font>contra </font><b><font>Capital Criativo, SCR, SA</font></b><font>, visando a resolução do contrato arrendamento celebrado entre as partes respeitante aos pisos 2, 3 e Águas Furtadas do imóvel sito na Rua ......., nº ... e ..., em ..., bem como o pagamento de rendas em dívida até à presente data e ainda as rendas vincendas até ao momento da entrega do locado. </font><br> </p><p><b><font> </font></b><br> </p><p><b><font>2.</font></b><font> O tribunal de 1.ª instância decidiu o seguinte, conforme se exarou na parte dispositiva da sentença, que se passa a transcrever:</font><br> </p><p><font>«Pelo exposto, vistos os factos e o direito, julgo a presente acção parcialmente procedente e, em consequência, decide-se:</font><br> </p><p><font>a) Declarar válida a comunicação de resolução do contrato de arrendamento efectuada pelos Requerentes à Requerida em 9 de Julho de 2018 e, consequentemente, decretar a resolução do contrato de arrendamento relativo ao piso dois, três e águas furtadas, do nº ... e ..., do prédio urbano, sito na Rua ......., em ...;</font><br> </p><p><font>b) Condenar a Requerida no pagamento aos Requerentes das rendas referentes aos meses de Maio de 2017 a Julho de 2018, cada uma no valor de € 15 000,00, acrescidas de juros de mora vencidos e vincendos, à taxa de 4% ao ano, desde a data do seu vencimento, até efectivo pagamento.</font><br> </p><p><font>c) Condenar a Requerida no pagamento aos Requerentes a título de indemnização da quantia correspondente as rendas mensais, cada uma no valor de € 15 000,00, que se venceram desde Julho de 2018 até à data de entrega do locado (2 de Junho de 2020), acrescidas de juros de mora vencidos e vincendos, à taxa de 4% ao ano, desde a data do seu vencimento, até efectivo pagamento».</font><br> </p><p><b><font> </font></b><br> </p><p><b><font>3. C2</font></b><font> </font><b><font>Capital</font></b><font> </font><b><font>Partners</font></b><font> </font><b><font>-</font></b><font> </font><b><font>SCR,</font></b><font> </font><b><font>S.A.,</font></b><font> anteriormente denominada Capital Criativo - SCR, S.A., inconformada, interpõe recurso de apelação, em que impugna a decisão relativa à matéria de facto e invoca que a sentença do tribunal de 1.ª instância interpretou e aplicou erradamente os artigos 406.º, 424.º, 762.º, 798.º e 1031.º, al. </font><i><font>b)</font></i><font> e 1037.º, todos do Código Civil, pedindo, em consequência, a revogação da sentença e a sua substituição por outra decisão que reconheça o seu crédito sobre a Requerida e admita a compensação com o crédito dos Requerentes.</font><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><b><font>4.</font></b><font> No Tribunal da Relação ......, a Relatora proferiu despacho singular de não admissibilidade do recurso de apelação, por extemporaneidade.</font><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><b><font>5.</font></b><font> </font><b><font>C2 Capital Partners – SCR, S.A.,</font></b><font> notificada do despacho que rejeitou por extemporâneo o recurso de apelação por si interposto, veio reclamar para a conferência, no Tribunal da Relação, nos termos do disposto nos artigos 643.º n.º 1 e 652.º n.º 3, do Código de Processo Civil (CPC).</font><br> </p><p><b><font> </font></b><br> </p><p><b><font>6. </font></b><font>A Conferência, no Tribunal da Relação ......, com um voto de vencido, indeferiu a reclamação, confirmando o despacho reclamado, entendendo que o procedimento especial de despejo é um processo de natureza urgente e por isso, o prazo de interposição de recurso é de 15 dias, nos termos dos n.ºs 5 e 8 do art.º 15.º-S, da Lei 6/2006, de 27 de fevereiro e 638.º, n.º 1, 2.ª parte, do CPC.</font><br> </p><p><b><font> </font></b><br> </p><p><b><font>7.</font></b><font> Inconformada, a </font><b><font>Capital Partners</font></b><font> interpõe recurso de revista deste acórdão do Tribunal da Relação, formulando as seguintes conclusões: </font><br> </p><p><font>«a) O presente recurso tem por objeto o Acórdão proferido a 3.06.2021 no processo n.º 427/19...., que correu termos na 6.ª Secção do Tribunal da Relação ......, e que confirmou, com voto de vencido, a Decisão Singular proferida pelo Tribunal da Relação ...... a 26.04.2021, que julgou extemporâneo o Recurso de Apelação interposto pela Recorrente.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>b) No âmbito do Acórdão de que ora se recorre, o Tribunal da Relação confirmou a decisão da Decisão Singular, rejeitando o recurso interposto pela Recorrente a 11.12.2020, por considerar que o mesmo foi apresentado extemporaneamente, na medida em que “… </font><i><font>o</font></i><font> </font><i><font>procedimento</font></i><font> </font><i><font>especial</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>despejo</font></i><font> </font><i><font>é</font></i><font> </font><i><font>um</font></i><font> </font><i><font>processo</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>natureza</font></i><font> </font><i><font>urgente</font></i><font> </font><i><font>e</font></i><font> </font><i><font>por</font></i><font> </font><i><font>isso,</font></i><font> </font><i><font>o</font></i><font> </font><i><font>prazo</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>interposição</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>recurso</font></i><font> </font><i><font>é</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>15</font></i><font> </font><i><font>dias,</font></i><font> </font><i><font>nos</font></i><font> </font><i><font>termos</font></i><font> </font><i><font>dos</font></i><font> </font><i><font>números</font></i><font> </font><i><font>5</font></i><font> </font><i><font>e</font></i><font> </font><i><font>8</font></i><font> </font><i><font>do</font></i><font> </font><i><font>art.º</font></i><font> </font><i><font>15.º-S</font></i><font> </font><i><font>da</font></i><font> </font><i><font>Lei</font></i><font> </font><i><font>6/2006</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>27</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>Fevereiro</font></i><font> </font><i><font>e</font></i><font> </font><i><font>638.º</font></i><font> </font><i><font>n.º</font></i><font> </font><i><font>1</font></i><font> </font><i><font>2.ª</font></i><font> </font><i><font>parte</font></i><font> </font><i><font>do</font></i><font> </font><i><font>CPC</font></i><font>.”.</font><br> </p><p><font> </font> </p><p><font>c) Para sustentar a posição adotada no Acórdão de que ora se recorre, o Acórdão do Tribunal da Relação ..... utiliza argumentos de três ordens: (i) a letra da lei, (ii) a </font><i><font>ratio</font></i><font> </font><i><font>legis</font></i><font> da norma, e (iii) a jurisprudência (divergente) a respeito do tema. Sucede que, conforme melhor se verá infra, o Tribunal da Relação não apreciou corretamente tais argumentos.</font><br> </p><p><font> </font> </p><p><font>d) No que diz respeito ao</font><b><u><font> argumento literal</font></u></b><font>,cumpre notar que, não obstante o Tribunal da Relação ...... no Acórdão de que ora se recorre considerar que existe uma forte correspondência verbal quanto à qualificação do processo com urgente, na medida em que conferiu ao processo características de urgência (nomeadamente, a não suspensão dos prazos em férias e o carácter urgente aos atos a praticar pelo Juiz).</font><br> </p><p><font> </font> </p><p><font>e) Todavia, o legislador optou criar um regime de excecionalidade aplicável aos atos praticados pelo Tribunal, nos termos do qual os atos a praticar no procedimento especial de despejo assumem carácter urgente, conforme se refere no n.º 8 do art.º 15.º - S da Lei n.º 6/2006, sem, contudo, criar um regime equivalente para os atos praticados pelas partes, mormente, para o prazo de interposição de recurso. Ora, ao abrigo do disposto nos n.º 2 e 3 do art. 9.º do Código Civil, não pode ser considerada pelo intérprete uma solução que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, presumindo-se que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.</font><br> </p><p><font> </font> </p><p><font>f) De facto, e como reconhecido na declaração de voto de vencido pela Juiz Desembargadora Anabela Calafate no Acórdão de que ora se recorre, se todo o procedimento especial de despejo tivesse carácter urgente, seria redundante estabelecer nos nº 5 e 8 do art. 15º- S da Lei 6/2006 de 27/02.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>g) Neste sentido, é inequívoco concluir que o legislador pretendeu somente atribuir carácter de urgência a determinados atos, e não ao procedimento especial de despejo no seu todo, motivo pelo qual sempre terá que se entender que o prazo aplicável ao recurso de sentenças proferidas no âmbito de tal procedimento será de 30 dias, e não de apenas 15 dias. </font><br> </p><p><font> </font> </p><p><font>h) Já no que diz respeito à </font><b><i><u><font>ratio legis</font></u></i></b><font> da norma, o Acórdão de que ora se recorre entende que “… </font><i><font>nada</font></i><font> </font><i><font>justifica,</font></i><font> </font><i><font>nem</font></i><font> </font><i><font>faria</font></i><font> </font><i><font>sentido</font></i><font> </font><i><font>que</font></i><font> </font><i><font>o</font></i><font> </font><i><font>processo</font></i><font> </font><i><font>fosse</font></i><font> </font><i><font>urgente</font></i><font> </font><i><font>apenas</font></i><font> </font><i><font>quanto</font></i><font> </font><i><font>aos</font></i><font> </font><i><font>actos</font></i><font> </font><i><font>do</font></i><font> </font><i><font>juiz</font></i><font> </font><i><font>e</font></i><font> </font><i><font>não</font></i><font> </font><i><font>para</font></i><font> </font><i><font>os</font></i><font> </font><i><font>actos</font></i><font> </font><i><font>das</font></i><font> </font><i><font>partes</font></i><font>.”. Sucede que a finalidade do procedimento especial de despejo é a viabilização da rápida desocupação do imóvel, motivo pelo qual se encurtam os prazos para prática de atos pelo Tribunal e se evitam eventuais delongas que pudessem advir da existência de dilações ou suspensão do processo durante o período de férias.</font><br> </p><p><font> </font> </p><p><font>i)&nbsp;&nbsp;&nbsp; Ora, no que ao presente processo diz respeito, o recurso interposto não versa sobre qualquer obstáculo à desocupação do Imóvel – o qual foi entregue a 2 de junho de 2020 – mas sim à apreciação e reconhecimento do direito de crédito da Recorrente (o qual, se fosse exercido em processo autónomo, sempre beneficiaria do prazo de 30 dias).</font><br> </p><p><font> </font> </p><p><font>j)&nbsp;&nbsp;&nbsp; Neste sentido, ao abrigo do disposto nos arts. 18.º, n.º 2, 19.º, n.º 4, 30.º, n.º 5 e 266.º, n.º 2 da Constituição da República, é inequívoco concluir que a </font><i><font>ratio</font></i><font> da atribuição de carácter urgente a alguns dos atos a praticar no procedimento especial de despejo não é extensível aos demais atos que ocorram após tal desocupação.</font><br> </p><p><font> </font> </p><p><font>k) Por fim, no que diz respeito à existência de </font><b><u><font>jurisprudência</font></u></b><font> (divergente) a respeito do tema, cumpre notar que no Acórdão de que ora se recorre, o Tribunal da Relação ...... acaba por desconsiderar demais jurisprudência garantística dos direitos da Recorrente, nomeadamente, o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra em 21.04.2015 e o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24.11.2016.</font><br> </p><p><font> </font> </p><p><font>l)&nbsp;&nbsp;Ora, o art. 202.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa confere aos Tribunais a função de assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos e dirimir os conflitos de interesses privados, acentuando, assim, que a tutela efetiva a que se refere o art. 20.º, n.º 5 da Constituição da República Portuguesa implica a prevalência da decisão de mérito sobre a decisão baseada no jogo das preclusões processuais. Assim, perante a existência de jurisprudência divergente, o Tribunal da Relação, no âmbito do Acórdão de que ora se recorre deveria ter adotado o entendimento mais garantístico dos direitos da Recorrente.</font><br> </p><p><font> </font> </p><p><font>m) Em face do supra exposto, é inequívoco concluir que se encontram verificados todos os pressupostos necessários à admissibilidade de interposição de recurso de revista, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 671.º, n.º 1 do CPC, na medida em que:</font> </p><p><font>(i)&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;a decisão proferida no Acórdão de que ora se recorre implica para a Recorrente um efeito processual equivalente à extinção da instância, na medida em que rejeita a apreciação do acórdão porque o mesmo, no entender do Tribunal da Relação foi apresentado extemporaneamente;</font> </p><p><font>(ii)&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;o valor da ação é de €795.000,00; e </font> </p><p><font>(iii)&nbsp;&nbsp;&nbsp;o prejuízo que advém para a Recorrente pela não apreciação do recurso é de, pelo menos €168.079,53. </font> </p><p><font>n) Por outro lado, ainda que se entendesse que o Acórdão de que ora se recorre é uma </font><i><font>decisão interlocutória</font></i><font> – o que não se concede, em face do supra exposto no que diz respeito à interpretação do disposto non.º 1 do art. 671.º do CP, veiculada por ABRANTES GERALDES, e por mero dever de patrocínio se equaciona – sempre se teria que considerar que a decisão de rejeição do recurso por extemporaneidade do mesmo se encontra em contradição com o acórdão transitado em julgado proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça a 24.11.2016, e, nestes termos, sempre seria admissível a interposição do presente recurso de revista, nos termos do disposto no art. 671.º, n.º 2, alínea b) do CPC, na medida em que, na ausência de acórdão de uniformização de jurisprudência conforme com o Acórdão de que ora se recorre, o Acórdão de que ora se recorre – e nos termos do qual se considera que o prazo de interposição de recurso era de 15 dias e, consequentemente, o mesmo foi interposto extemporaneamente – está em contradição com o aludido acórdão transitado em julgado proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça a 24.11.2016, que versa sobre a mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito: a interpretação do disposto nos n.º 5 e 8 do artigo 15.º-S da Lei n.º 6/2006, conjugado com o disposto no art. 638.º do CPC.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>o) Acresce que, não obstante se verificarem os pressupostos necessários à interposição de recurso de revista, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 671.º, n.º 1 do CPC, se, por absurdo, tal recurso de revista não fosse admitido – o que não se concede e por mera cautelade patrocínio se equaciona – o presente recurso de revista sempre teria que ser admitido ao abrigo do disposto no art. 672.º, n.º 1, alínea c) e n.º 2, alínea c) do CPC, na medida que foi proferido acórdão pelo Supremo Tribunal de Justiça a 24.11.2016 que expressamente reconhece que “… </font><i><font>não</font></i><font> </font><i><font>é</font></i><font> </font><i><font>lícito</font></i><font> </font><i><font>qualificartodo</font></i><font> </font><i><font>aquele</font></i><font> </font><i><font>procedimento</font></i><font> </font><i><font>como</font></i><font> </font><i><font>urgente,</font></i><font> </font><i><font>o</font></i><font> </font><i><font>que</font></i><font> </font><i><font>deixa</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>fora</font></i><font> </font><i><font>os</font></i><font> </font><i><font>prazos</font></i><font> </font><i><font>para</font></i><font> </font><i><font>as</font></i><font> </font><i><font>partes</font></i><font> </font><i><font>interporem</font></i><font> </font><i><font>recurso</font></i><font> </font><i><font>ordinário,</font></i><font> </font><i><font>que</font></i><font> </font><i><font>é</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>trinta</font></i><font> </font><i><font>dias</font></i><font>…”. Ora:</font> </p><p><font>(i)&nbsp;&nbsp;&nbsp;no Acórdão de que ora se recorre e no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24.11.2016 é apreciada a mesma questão fundamental de direito: a interpretação do disposto nos n.º 5 e 8 do artigo 15.º-S da Lei n.º 6/2006, conjugado com o disposto no art. 638.º do CPC para determinar se o processo especial de despejo é (ou não) um processo urgente;</font> </p><p><font>(ii)&nbsp;&nbsp;&nbsp;a resposta do Acórdão de que ora se recorre à questão fundamental de direito em apreço é de que o procedimento especial de despejo se deve qualificar como urgente e, em consequência, o prazo para interposição de recurso no âmbito do mesmo é de 15 dias. Por sua vez, a resposta do acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça a 24.11.2016 é de que o procedimento especial de despejo não assume carácter urgente, motivo pelo qual se entende que o prazo aplicável à interposição de recurso no âmbito do mesmo é de 30 dias; e</font> </p><p><font>(iii)&nbsp;&nbsp;a oposição entre o decidido no Acórdão de que ora se recorre e no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24.11.2016 não é meramente formal, na medida em que, a consequência do entendimento do Acórdão de que ora se recorre é a rejeição de um recurso de apelação interposto no prazo de 30 dias, por considerar que o mesmo é extemporâneo, ao passo que no processo objeto de decisão pelo Supremo Tribunal de Justiça tal recurso de revista teria sido admitido. </font><br> </p><p><font> </font> </p><p><font>p) Subsidiariamente, caso o presente recurso de revista não fosse admitido quer ao abrigo do disposto no art. 671.º, n.º 1, quer ao abrigo do art. 672.º, n.º 1, alínea c) do CPC – o que não se concede e por mera cautela de patrocínio se equaciona – o Supremo Tribunal de Justiça não poderia recusar a apreciação do presente recurso, atendendo à relevância jurídica da questão em apreço e à necessidade da sua apreciação para uma melhor aplicação do direito.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>q) Com efeito, a apreciação do Supremo Tribunal de Justiça sobre a interpretação do disposto nos n.º 5 e 8 do artigo 15.º-S da Lei n.º 6/2006, conjugado com o disposto no art. 638.º do CPC, é absolutamente essencial para assegurar o tratamento igualitário de casos análogos exigido pelo art. 8.º, n.º 3 do Código Civil, evitando-se assim que num caso exatamente igual de interposição de recurso de uma decisão de 1.ª Instância proferida no âmbito de um procedimento especial de despejo se admita um recurso interposto no prazo de 30 dias (como sucedeu no caso decidido pelo Supremo Tribunal de Justiça em acórdão proferido a 24.11.2016) e, noutros casos – como o presente – em que o recorrente interponha recurso no prazo de 30 dias de uma decisão de 1ª Instância proferida no âmbito do procedimento especial de despejo, o recurso venha a ser considerado intempestivo. </font><br> </p><p><font> </font> </p><p><font>r) Por fim, cumpre notar que uma interpretação da norma do artigo. 15.º-S, n.º 5 e 8 da Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro, conjugada com o art. 638.º, n.º 1 do CPC, no sentido de que o prazo para interposição de recurso em sede de procedimento especial de despejo é de 15 dias, sempre teria que ser considerada inconstitucional, por traduzir uma imposição injustificada e desproporcional que, sem ter qualquer apoio na letra da lei, importa uma lesão da garantia de acesso à justiça da Recorrente, e a consequente violação dos princípios da confiança, da proporcionalidade e do acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva, nos termos e para os efeitos do disposto nos arts. 2.º e 20.º, n.º 1 e 5 da Constituição da República Portuguesa. </font><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><font> </font> </p><p><b><font>NESTES</font></b><font> </font><b><font>TERMOS,</font></b><font> </font><b><font>E</font></b><font> </font><b><font>NOS</font></b><font> </font><b><font>MELHORES</font></b><font> </font><b><font>DE</font></b><br> </p><p><font> </font> </p><p><b><font>DIREITO</font></b><font> </font><b><font>APLICÁVEIS:</font></b><font> </font><br> </p><p><font> </font> </p><p><font>1. Deverá o presente recurso de revista ser admitido, ao abrigo do disposto no art. 671.º, n.º 1 do CPC e, em consequência, deverá ser proferido Acórdão pelo Supremo Tribunal de Justiça que revogue o Acórdão de que ora se recorre, e que admita o recurso de apelação interposto pela Recorrente nos presentes autos.</font> </p><p><font> </font> </p><p><i><font>Subsidiariamente,</font></i><font> </font><i><font>caso</font></i><font> </font><i><font>assim</font></i><font> </font><i><font>não</font></i><font> </font><i><font>se</font></i><font> </font><i><font>entenda,</font></i><font> </font><i><font>o que</font></i><font> </font><i><font>por</font></i><font> </font><i><font>mera</font></i><font> </font><i><font>cautela</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>patrocínio</font></i><font> </font><i><font>se</font></i><font> </font><i><font>equaciona,</font></i><font> </font><i><font>sem</font></i><font> </font><i><font>conceder:</font></i> </p><p><font>2. Deverá o presente recurso de revista ser admitido, ao abrigo do disposto no art. 672.º, n.º 1, alínea c) do CPC, por se encontrar em contradição com outro já transitado em julgado proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, e, em consequência, deverá ser proferido Acórdão pelo Supremo Tribunal de Justiça que revogue o Acórdão de que ora se recorre, e que admita o recurso de apelação interposto pela Recorrente nos presentes autos. </font><i><font>Subsidiariamente,</font></i><font> </font><i><font>caso</font></i><font> </font><i><font>assim</font></i><font> </font><i><font>não</font></i><font> </font><i><font>se</font></i><font> </font><i><font>entenda,o que</font></i><font> </font><i><font>por</font></i><font> </font><i><font>mera</font></i><font> </font><i><font>cautela</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>patrocínio</font></i><font> </font><i><font>se</font></i><font> </font><i><font>equaciona,</font></i><font> </font><i><font>sem</font></i><font> </font><i><font>conceder:</font></i> </p><p><font>3. Deverá o presente recurso de revista ser admitido, ao abrigo do disposto no art. 672.º, n.º 1, alínea a) do CPC, por estar em causa uma questão cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito, nomeadamente, para assegurar o tratamento igualitário de casos análogos exigido pelo art. 8.º, n.º 3 do Código Civil, e, em consequência, deverá ser proferido Acórdão pelo Supremo Tribunal de Justiça que revogue o Acórdão de que ora se recorre, e que admita o recurso de apelação interposto pela Recorrente nos presentes autos. </font><br> </p><p><font> </font> </p><p><font>Só se assim se fazendo a costumada Justiça!» </font><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><font>&nbsp;</font><b><font>8.</font></b><font> Notificadas as partes pelo Juiz Conselheiro de turno, para se pronunciarem, ao abrigo do artigo 655.º, n.º 1, do CPC, sobre a questão prévia da admissibilidade do recurso, veio a recorrente pugnar pela admissibilidade do mesmo, em termos semelhantes aos já expostos na alegação de recurso de revista.</font><br> </p><p><br> </p><p><b><font>9.</font></b><font> Nesta sequência, a Juíza Relatora proferiu despacho de admissibilidade do recurso de revista com o seguinte teor:</font><br> </p><p><i><font>«Ouvida a recorrente, ao abrigo do artigo 655.º do CPC, decide-se pela admissibilidade do recurso de revista geral, ao abrigo do artigo 671.º, n.º 1, do CPC, em virtude de a decisão recorrida, o acórdão do Tribunal da Relação de 03-06-2021, que rejeita o recurso de apelação por extemporaneidade, consistir numa decisão que põe termo ao processo, extinguindo a instância, e, nessa exata medida, equivalente nos seus efeitos à absolvição da instância».</font></i><br> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; </font><br> </p><p><b><font>10.</font></b><font> Após a prolação deste despacho, os recorridos apresentaram reclamação, que aqui se considera transcrita, pugnando pela não admissibilidade do recurso de revista.</font><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><font>&nbsp;</font><b><font>11.</font></b><font> A recorrente, por sua vez, respondeu a esta reclamação, reiterando que o recurso de revista deve ser admitido. </font><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><font>Cumpre apreciar e decidir. </font><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><b><font>II – Fundamentação </font></b><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><b><font>1.</font></b><font> No presente processo existem duas questões a decidir. </font><br> </p><p><font>- Em primeiro lugar, será decidida a questão prévia de admissibilidade do recurso de revista, sendo ponderados os argumentos apresentados pelos recorridos na reclamação contra o despacho da Relatora que admitiu o recurso de revista, o qual não tem o valor de caso julgado. </font><br> </p><p><font>- Em segundo lugar, no caso de a revista ser admitida, será decidida a tempestividade do recurso de apelação.</font><br> </p><p><font>&nbsp;</font><br> </p><p><b><font>2.</font></b><font> </font><i><font>Questão prévia da admissibilidade do recurso de revista</font></i><br> </p><p><b><font>2.1.</font></b><font> Entendem os recorridos, na sua reclamação contra o despacho reclamado, que admitiu o recurso de revista do acórdão da Relação que rejeitou, por extemporaneidade, o recurso de apelação, que o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça não é admissível. Alegam que não estão verificados os pressupostos de recorribilidade fixados no n.º 1 do artigo 671.º do CPC, por</font><b><font> </font></b><font>estar em causa um acórdão da Relação que tem natureza interlocutória, não põe termo ao processo, absolvendo o réu da instância, e que foi proferido em Conferência, como resultado de uma reclamação contra despacho do Relator, sem conhecer do mérito. </font><br> </p><p><font>Todavia, existe uma posição jurídico-processual, representada na doutrina e na jurisprudência, que equipara à categoria legal dos acórdãos da Relação que põem termo ao processo, absolvendo da instância o réu, aqueles que põem termo ao processo por forma diversa da absolvição da instância, designadamente quando a extinção da instância é decorrência da rejeição, pelo Tribunal da Relação, do recurso de apelação interposto da sentença de 1.ª instância com fundamento na sua extemporaneidade ou na falta de pressupostos ou de requisitos legais (artigo 641.º, n.º 2, do CPC). Esta posição adotada por Abrantes Geraldes (in&nbsp; </font><i><font>Recursos em Processo Civil,</font></i><font> 6.ª edição Atualizada, Almedina, Coimbra, 2020, p. 400) assenta na ideia de que «(…) o acento tónico deve ser posto no </font><i><font>“termo do processo”</font></i><font> (total ou parcial), sendo de admitir também recurso de revista do acórdão da Relação que determine esse efeito a partir da confirmação ou da verificação primária de circunstâncias reveladoras da impossibilidade ou da inutilidade superveniente da lide, da deserção da instância, da deserção do recurso de apelação ou da sua rejeição, por inverificação dos respetivos pressupostos (</font><i><font>v.g.</font></i><font> ilegitimidade, extemporaneidade) ou por falta de requisitos formais (</font><i><font>v.g.</font></i><font> falta de alegações ou de conclusões)».&nbsp; O autor refere mesmo, na nota 557 da página 401 da obra citada, que há uma situação em que é especialmente visível a necessidade de superar a literalidade do preceito, de modo a admitir o recurso de revista: é o caso de a Relação proferir acórdão a rejeitar oficiosamente o recurso de apelação interposto da sentença de 1.ª instância, com base na sua putativa extemporaneidade ou na falta de cumprimento de determinados requisitos legais (</font><i><font>v.g.</font></i><font> falta de conclusões) ou também no não acatamento do despacho de aperfeiçoamento das conclusões. Assim se decidiu nos seguintes Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, que admitiram o recurso de revista em situações semelhantes:&nbsp; 28-01-2016, proc. n.º 1006/12; 20-10-2019, proc. n.º 738/03; 03-03-2020, Revista n.º 3402/08.0TBVLG-E.P1.S1; 17-11-2020, Revista n.º 1193/07.1TBBNV.E1.S1.</font><br> </p><p><font>No acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 28-01-2016, sumariou-se, em síntese, esta orientação jurisprudencial: &nbsp;</font><br> </p><p><font>«1. A admissibilidade do recurso de revista, nos termos que constam do art. 671º, nº 1, do NCPC, deixou de estar associada ao teor da decisão da 1ª instância, como se previa no art. 721º, nº 1, do CPC de 1961, e passou a ter por referencial o resultado declarado no próprio acórdão da Relação.</font><br> </p><p><font>2. Esta alteração não teve como objectivo restringir o âmbito da revista, mas prever a sua admissibilidade, para além dos casos em que o acórdão da Relação, incidindo sobre decisão da 1ª instância, aprecia o mérito da causa, aqueles em que, nas mesmas circunstâncias, põe termo total ou parcial ao processo por razões de natureza adjectiva.</font><br> </p><p><font>3. É admissível recurso de revista do acórdão da Relação que, incidindo sobre sentença de 1ª instância, se abstém de apreciar o mérito do recurso de apelação por incumprimento dos requisitos constantes do art. 640º do CPC e/ou por extemporaneidade do recurso».</font><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><b><font>2.2.</font></b><font> Invocaram ainda os recorridos, como impeditivo da admissão do recurso de revista, a circunstância de estarmos perante um acórdão da Relação, que resultou de uma reclamação para a Conferência de despacho singular do Relator, que não admitiu o recurso de apelação. Mas não têm razão, pois estamos perante um caso em que sempre o recurso de revista seria admissível por estarmos perante uma contradição de acórdãos, nos termos do artigo 671.º, n.º 2, al. </font><i><font>b)</font></i><font> ou do artigo 629.º, n.º 2, al. </font><i><font>d),</font></i><font> ambos do CPC. No caso </font><i><font>sub judice</font></i><font>, como assinalou a recorrente, o acórdão do Tribunal da Relação, agora recorrido, decidiu em contradição, relativamente à mesma questão de direito e no domínio da mesma legislação, com o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 24-11-2016, proferido no processo n.º 470/15.2T8MNC.G1-A.S1), como de seguida analisaremos.</font><br> </p><p><b><font> </font></b><br> </p><p><b><font>3. </font></b><font>Pelo exposto, admite-se o recurso de revista a fim de decidir se o prazo para a interposição do recurso de apelação é, ou não, o prazo dos processos urgentes.</font><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><b><font>4.</font></b><font> </font><i><font>Questão da tempestividade do recurso de apelação</font></i><br> </p><p><b><font>4.1. </font></b><font>O presente recurso de revista diz respeito à questão de saber se o recurso de apelação interposto de uma sentença, que decretou o despejo da autora e a condenou ao pagamento das rendas em dívida até à entrega do locado, deve ser interposto no prazo geral de 30 dias ou no prazo de 15 dias, previsto para os processos urgentes.</font><br> </p><p><font>O Tribunal da Relação entendeu que o recurso de apelação era intempestivo porque interposto para além do prazo de 15 dias, com o seguinte fundamento: </font><br> </p><p><font>«Como resulta da análise dos autos, as partes foram notificadas da sentença recorrida em 29 de outubro de 2020. O recurso foi interposto no dia 11 de Dezembro de 2020. </font><br> </p><p><font>Coloca-se a questão de saber qual o prazo de interposição do recurso, aplicável ao presente processo.&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; </font><br> </p><p><font>E tem havido divergência na Jurisprudência relativamente a esta questão, decorrente da qualificação do procedimento especial de despejo (PED) como processo urgente ou não urgente. </font><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><font>Há quem entenda que não obstante o que const
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><font> </font><div><br> <font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça</font><b><font> </font></b></div><br> <b><font> </font></b> <p><b><font>I - Relatório</font></b> </p><p><font> </font> </p><p><b><font>1. AA. </font></b><font>e marido </font><b><font>BB.</font></b><font>, bem assim </font><b><font>CC. </font></b><font>e mulher </font><b><font>DD.</font></b><font>, todos já melhor identificados nos autos, vieram deduzir oposição, através de embargos, à lide executiva que lhes foi movida por </font> </p><p><b><font>EE.</font></b><font>, com residência indicada no país na Rua …, em que este último pretende a cobrança coerciva da quantia de € 71.895,29, a título de capital, de € 17.433,60, a título de juros remuneratórios vencidos, de € 6.106,16, a título de juros moratórios, bem assim de juros remuneratórios e moratórios vincendos, a incidir sobre o montante de capital em primeiro indicado. </font> </p><p><font>O exequente, para sustentar a mencionada cobrança, ofereceu como títulos executivos 10 documentos, com idêntico clausulado, denominados de contratos de mútuo, por todos os intervenientes processuais subscritos, tendo os 1.ºs embargantes/executados em cada um desses documentos reconhecido terem recebido do exequente o montante de € 12.500 (somando o valor global mutuado de € 125.000) e obrigando-se a restituir (amortizar) esses valores mutuados com juros remuneratórios, ao longo de 10 anos, nos termos estabelecidos em tais documentos, enquanto os 2.ºs executados assumiram a qualidade de fiadores e principais pagadores do débito decorrente do convencionado em cada um desses documentos; sendo que, para liquidação desses empréstimos, os 1.ºs executados haviam entregue, entre 28.7.2009 e 8.9.2009, apenas a quantia de € 95.000. </font> </p><p><font>Os embargantes/executados deduziram oposição à lide executiva, sustentando a sus extinção por três ordens de razões que se podem resumir ao seguinte: </font> </p><p><font>. os aludidos documentos (ditos contratos de mútuo) oferecidos como títulos executivos </font><u><font>não dispunham de exequibilidade</font></u><font> bastante para desencadear a execução, posto que, apesar dos mesmos titularem a celebração de 10 “contratos de mútuo” pelo valor de € 12.500 cada um, a verdade era que o exequente havia emprestado duma só vez a quantia global de € 125.000 através de dois cheques, conforme acordo verbal, no âmbito do qual a restituição daquele último montante devia ocorrer no prazo de 10 anos, sendo pagos juros remuneratórios mensais com referência a uma taxa anual de 5%, podendo a restituição do capital mutuado ser realizado em dinheiro ou o equivalente em serviços a prestar pela executada AA., enquanto advogada, ao exequente, a uma sociedade de que este era sócio/gerente ou a familiares próximos deste (mãe e irmã),</font> </p><p><font>tudo isso a justificar se estivesse perante </font><u><font>um contrato nulo</font></u><font> por falta de forma, atento o montante objecto do dito empréstimo, a acarretar também a inexequibilidade dos mencionados documentos; </font> </p><p><font>. ter-se verificado, no âmbito desse empréstimo de € 125.000, o </font><u><font>pagamento</font></u><font> do devido, através da entrega de quantias tituladas por cheques (no valor global de € 108.124,98) e por compensação dos honorários e despesas devidos pelos serviços prestados pela executada AA. (no valor global de 26.683,83 €), a ponto de ter sido emitida competente quitação quanto aos “contratos de mútuo” representados nos documentos oferecidos como títulos executivos; </font> </p><p><font>. a serem devidos juros nos termos da documentação em último referida, sempre estariam prescritos os juros vencidos há mais de 5 anos, tendo como referência da data da citação dos executados para os termos da lide executiva.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>O exequente deduziu contestação, impugnando parte da alegação inicial, mas adiantando que,</font> </p><p><font>. embora tivesse ocorrido a entrega aos 1.ºs executados/embargantes da quantia de 125.000 € duma só vez e através de dois cheques por si (exequente) sacados, a verdade era que, no interesse e a solicitação dos executados, em ordem a evitarem suportar custos acrescidos com a celebração da competente escritura, optaram, para formalização desse empréstimo, pela subscrição de cada um dos documentos (contratos de mútuo) dados à execução, constituindo os mesmos um distinto e autónomo contrato de mútuo, formal e substancialmente válido; </font> </p><p><font>. nessa perspectiva e aceitando o pagamento, para liquidação desses mútuos, do montante global de €108.124,98 € e não apenas de €95.000, sempre era devido o pretendido na lide executiva, com a excepção da diferença entre aqueles valores, mas sempre com observância do clausulado nesses diferentes contratos; </font> </p><p><font>. porém, a acolher-se a tese factual defendida pelos embargantes quanto à celebração dum único contrato de mútuo, a invocação da sua nulidade representaria o exercício abusivo de direito, para além de ser contrário aos ditames da boa fé aceitar-se não estarem os executados obrigados à restituição do mutuado em estrita obediência aos termos em que acordaram fazê-lo em cada um dos contratos dados à execução,</font> </p><p><font>tudo a justificar a improcedência da oposição deduzida à lide executiva, apenas devendo atender-se ao pagamento pelos executados da falada quantia global de € 108.124,98.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Findos os articulados, dispensou-se a realização de audiência prévia, proferiu-se despacho saneador tabelar, fixou-se o objecto do litígio e enunciaram-se os temas objecto de prova. </font> </p><p><font>Realizou-se audiência de julgamento, após o que se sentenciou a causa, julgando-se procedentes os embargos e determinando-se a extinção da lide executiva.</font> </p><p><font> </font> </p><p><b><font>2.</font></b><font> Inconformado, interpôs o exequente/embargado recurso de apelação, tendo o Tribunal da Relação decidido julgar improcedente a apelação e confirmado a sentença recorrida, determinando a extinção da lide executiva.</font> </p><p><font> </font> </p><p><b><font>3.</font></b><font> </font><b><font>EE.</font></b><font>, não se conformando com o acórdão proferido em 23/01/2020, que julgou improcedente a apelação e confirmou a sentença recorrida, dele vem interpor recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, nos termos do n.º 3 do artigo 671.º do CPC, entendendo não se ter formado dupla conformidade, na medida em que as instâncias, apesar de terem decidido de forma idêntica, adotaram uma </font><i><font>“fundamentação essencialmente diferente”.</font></i><font> &nbsp;</font> </p><p><b><font>3.1.</font></b><font> Na verdade, analisado o conteúdo da sentença e do acórdão recorrido, temos que, apesar de ambas as instâncias terem declarado extinta a execução, o tribunal de 1.ª instância, fê-lo em virtude de considerar que os documentos dados à execução não dispunham de força executiva bastante para sustentar a cobrança de capital e juros remuneratórios, tal como peticionado na lide executiva, na precisa medida em que àqueles subjazia um único negócio de empréstimo (de 125.000 €) que estava sujeito, à data em que foi celebrado, à forma mais solene, ou seja, devia ser formalizado através da competente escritura pública, pelo que, assim não tendo sucedido, estava-se perante um negócio nulo, o que, quanto muito, legitimaria a utilização daquela documentação para a cobrança coerciva do capital mutuado, já não dos juros remuneratórios neles previstos (aplicação do AUJ n.º 3/2018). Tendo ficado demonstrada a entrega de quantias pelos executados ao exequente em valor suficiente para cobrir o capital mutuado, o tribunal declarou a extinção da execução.</font> </p><p><font>Já o acórdão recorrido, após alterações à matéria de facto, eliminação de factos e aditamento de um facto, concluiu que, por força de um fundamento novo, a procuração junta aos autos, interpretada à luz do prescrito nos artigos 236.º a 238.º do Código Civil, conferia poderes à irmã do recorrente para declarar que a agora executada nada mais devia ao seu representado, determinando-se, assim, a extinção da execução, por se encontrar liquidado tudo o que era devido.</font> </p><p><font> </font> </p><p><b><font>4.</font></b><font> Na sua alegação de recurso, o recorrente formulou as seguintes conclusões:</font> </p><p><font>«1ª. - A única questão com base na qual o douto acórdão da Relação decidiu a apelação do ora recorrente, e, assim, a questão verdadeiramente essencial que esteve na base dessa decisão prende-se, de facto e apenas, por um lado, com o trecho da al. h) da procuração de fls 93 a 95 - segundo o qual - no entendimento daquele acórdão - o recorrente, agindo simultaneamente em seu nome próprio e em nome da sociedade comercial por quotas por ele aí também representada, teria dado à procuradora, sua irmã, poderes para “Celebrar, alterar e revogar qualquer contrato ... podendo receber quaisquer quantias a que tenha direito, assinando recibos e dando quitação, nos termos e condições que entender, assinando tudo o que for necessário para o efeito” -, entendendo esse texto como referindo-se a todo e qualquer contrato, qualquer que fosse a sua natureza e objecto, dele e ou da sociedade por ele também representada, e, por outro lado, com a parte final da declaração de fls 15 vº, segundo a qual após o pagamento dos cheques aí referidos, a embargante AA., nada mais devia, encontrando-se os contratos de mútuo celebrados a 10/02/2004, 16/02/2004, 28/02/2004, 20/02/2004, 05/03/2004, 13/03/2004, 18/03/2004, 26/03/2004, 04/04/2004 e 13/04/2004, liquidados”.</font> </p><p><font>2.ª- Resultando da leitura da sentença de 1ª instância que essa questão não foi sequer aí abordada, então dever-se-á concluir que (i) o acórdão da Relação … decidiu (sem voto de vencido e sem sequer apreciar qualquer das questões apreciadas naquela sentença e das colocadas na apelação) com base em “fundamentação essencialmente diferente” da daquela sentença, e (ii) que o presente recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça é admissível com fundamento no disposto no artigo 671º, nº 3 do CPC.</font> </p><p><font>3ª.- A questão fulcral do presente recurso tem a ver com a interpretação da alínea h) da procuração de fls 93 a 95, conferida pelo recorrente, na dupla qualidade em que nela interveio, ou seja, em seu nome próprio e, simultaneamente, em nome da sociedade por quotas por ele aí representada, a sua irmã FF., com base na qual aquela subscreveu a parte final da declaração de fls 15 vº, de modo a decidir se aquela procuração lhe dava poderes para fazer essa declaração em seu nome e, assim, se tal declaração é eficaz ou ineficaz, oponível ou inoponível a ele, ora recorrente.</font> </p><p><font>4ª.- A decisão dessa questão depende da interpretação e da determinação do sentido juridicamente relevante a atribuir ao texto daquela alínea h).</font> </p><p><font>5ª.- Ao entender e decidir que aquela alínea da procuração dava poderes à procuradora para “Celebrar, alterar e revogar qualquer contrato, (fosse de que natureza e com que objecto fosse, incluindo o contrato de mútuo em causa nos autos) ... podendo (em relação a tais contratos) receber quaisquer quantias a que tenha direito, assinando recibos e dando quitação, nos termos e condições que entender, assinando tudo o que for necessário para o efeito”, o douto acórdão da Relação ….. </font><a></a><font>fez errada interpretação do sentido juridicamente relevante dos poderes conferidos pela procuração, à luz dos critérios dos artigos 236º a 238º do CCivil.</font> </p><p><font>6ª.- O douto acórdão recorrido não entendeu nem interpretou aquela declaração contida na alínea h) da procuração com o sentido por ele querido, à luz da dupla qualidade em que ele aí intervém e do que resulta da globalidade do texto da procuração, designada e particularmente, do que consta das suas alíneas i) e p), não podendo, por isso, por força do artº 236º do CC, valer com o sentido e alcance que tal acórdão lhe atribuiu.</font> </p><p><font>7ª.- À luz da dupla qualidade em que o recorrente aí intervém e do que resulta do texto da procuração, considerado globalmente, designada e particularmente, do que consta daquelas suas alíneas i) e p), a recorrida, enquanto tomadora ou declaratária da declaração de fls 15 vº, para mais sendo advogada de profissão, e sendo até, na altura, a advogada do recorrente e da sociedade por ele representada, não podia ignorar que tal procuração não conferia poderes à procuradora para emitir em seu favor a declaração de quitação que consta da parte final daquela declaração de fls 15 vº.</font> </p><p><font>8ª.- Ou seja, na interpretação da alínea h) da referida procuração, o douto acórdão recorrido violou o sentido literal que decorre para essa alínea do teor das alíneas i) e p) da mesma procuração, tendo em conta a dupla qualidade em que o “declarante” aí intervém, sentido esse que era conhecido e cognoscível pela recorrida, enquanto tomadora da declaração de fls 15 vº, e desse modo não respeitou os critérios legais de interpretação impostos pelos citados arts 236.º e 238.º do CCivil.</font> </p><p><font>9ª.- As razões ou fundamentos pelos quais o acórdão recorrido interpretou inadequadamente o texto daquela alínea são as constantes de fls 9, 10 e 11 das anteriores alegações.</font> </p><p><font>10ª.- </font><a></a><font>No contexto da globalidade da presente procuração em concreto, o advérbio “nomeadamente” utilizado na sua alínea h) torna a referência ali feita a “qualquer contrato nomeadamente com a G..., S.A., H…, Serviços Municipalizados, empresas fornecedoras de Serviços de Gás, Serviços de Televisão, serviços de telefone”, como “taxativa” e não, como de modo inadequado interpretou o douto acórdão recorrido, como “meramente exemplificativa”.</font> </p><p><font>11ª.- A questão de, neste caso em concreto, decidir excepcionalmente pela taxatividade do termo “nomeadamente”, resulta da interpretação da procuração na sua globalidade e em especial do confronto do texto da alínea h) com o texto das alíneas i) e p), tendo em conta a dupla qualidade em que o outorgante da procuração aí interveio.</font> </p><p><font>12ª.- A leitura conjugada do texto da procuração, no seu conjunto, e as 4 razões anteriormente expostas (págs 9 a 11 destas alegações) demonstram (i) que a intenção do recorrente com o texto da referida alínea h) e o sentido a atribuir ao texto da alínea h) é o de que, como atrás já se disse, o termo “nomeadamente” foi, neste caso concreto, utilizado no sem tido de “taxativo” e ainda (ii) que o outorgante aí se quis referir apenas aos contratos celebrados ou a celebrar com as entidades aí expressamente mencionadas (G...., S.A., H…., Serviços Municipalizados, empresas fornecedoras de Serviços de Gás, Serviços de Televisão, serviços de telefone).</font> </p><p><font>13.ª - Não pode, como se fez no douto acórdão recorrido, atribuir-se ao texto da alínea h) da procuração o sentido de que abrange todos e quaisquer contratos, de qualquer natureza, além dos ali invocados expressamente, que tivessem sido ou viessem a ser celebrados quer com o outorgante quer com a sociedade por ele também aí representada, porque a letra das alíneas i) e p) vai frontalmente contra essa interpretação e esse sentido.</font> </p><p><font>14.ª- A embargante/recorrida, para mais sendo advogada de profissão, e sendo até, na altura, a advogada do recorrente, quando recebeu em mãos a declaração de fls 15º vº, não podia desconhecer que a procuração nela invocada, e, concretamente, a sua alínea h), não davam poderes à procuradora FF. para assinar a declaração final que dela consta, no sentido de que, “após o pagamento desses cheques, aquela, a AA., nada mais devia, encontrando-se os contratos de mútuo celebrados a 10/02/2004, 16/02/2004, 28/02/2004, 20/02/2004, 05/03/2004, 13/03/2004, 18/03/2004, 26/03/2004, 04/04/2004 e 13/04/2004, liquidados.”</font> </p><p><font>15ª.- E, por isso, aquela declaração era e é ineficaz em relação ao ora recorrente enquanto outorgante daquela procuração.</font> </p><p><font>16ª.- O douto acórdão recorrido não fez a melhor interpretação do sentido e alcance da procuração e do sentido e alcance que a declaratária da declaração de fls 15 vº (a recorrida) lhe atribuiu, concretamente quanto à sua alínea h).</font> </p><p><font>17ª.- E só por essa razão decidiu como decidiu e deixou de se pronunciar sobre as questões colocadas pelo ora recorrente na apelação.</font> </p><p><font>Nos termos expostos e nos demais de direito do douto suprimento, deve o presente recurso ser recebido e julgado procedente e, em consequência, ser revogado o acórdão recorrido e ordenada a baixa do processo à 2ª instância para que o Tribunal da Relação … conheça das questões colocadas na apelação do recorrente e, em especial, nas conclusões das suas alegações daquela apelação,</font> </p><p><font>assim se fazendo a esperada e costumada JUSTIÇA!».</font> </p><p><font> </font> </p><p><b><font>5. AA. e outros, </font></b><font>notificados das alegações de revista, apresentaram contra-alegações, nas quais formularam as seguintes conclusões:</font> </p><p><b><font>«I – </font></b><font>O ataque à douta decisão recorrida é, salvo o devido respeito, desconexo no seu conjunto, revelando falta de fé nos próprios argumentos que esgrime, os quais, além de claramente improcedentes, se revelam desadequadamente redutores, dando a entender ter-se o recorrente fixado na idéia de que tudo o que é exemplificativo, passou a taxativo, esbarrando, por isso, na lucidez e acerto da decisão recorrida.</font> </p><p><b><font>II – </font></b><font>A procuração aqui em causa constitui a típica procuração “com todos os poderes” emitida em Portugal – e não só. Carregada de redundâncias, precisamente para evitar exercícios de contorcionismo intelectual e sintático, normalmente, para se furtarem ao pagamento, no que concerne às seguradoras, ou, como é o caso, ao “efeito da representação” prescrito no art. 258.º, do CCivil, assim se julgando livres para sonegar actos anteriormente praticados, as procurações com amplitude de poderes daquele jaez, repetem-se várias vezes, sendo comum vermos consignado “para </font><i><font>todos e também </font></i><font>para as seguradoras, ou os bancos ou as Finanças,” etc., sem que, de forma alguma se pretenda excluir o poder repetidamente indicado, ou transformar o que expressamente se indica como exemplificativo em taxativo.</font> </p><p><b><font>III – </font></b><font>O documento de quitação total dos “contratos de mútuo” dados à execução subscrito pela irmã do recorrente, “na qualidade de procuradora de EE.”, com, também ela expressa imediata menção à procuração que lhe conferiria tal poder, “(Procuração emitida em 07/12/2006, no Cartório Notarial de ….)” qualidade em que a mencionada irmã do recorrente actuava, desde a sua emissão, na relação com a recorrida e com as demais pessoas e entidades de que esta se podia aperceber, a partir do momento em que ela própria, recorrida, minutou tal procuração, precisamente para o mencionado efeito, é perfeitamente válido e eficaz por inquestionavelmente se compreender “nos limites dos poderes” que a dita procuração lhe confere, nos termos e para os efeitos do art. 258.º, do CCivil.</font> </p><p><b><font>IV –</font></b><font> Da procuração mencionada naquela quitação, constam, concretamente na al. h), os poderes para “</font><b><font>Celebrar, alterar e revogar qualquer contrato </font></b><b><u><font>nomeadamente</font></u></b><b><font> </font></b><font>com a G...., S.A., H…., Serviços Municipalizados, empresas fornecedoras de Serviços de Gás, Serviços de Televisão, Serviços de telefone, </font><b><font>podendo receber quaisquer quantias a que tenha direito, </font></b><b><u><font>assinando recibos e dando quitação</font></u></b><b><font>, nos termos e condições que entender, assinando tudo o que for necessário para o efeito</font></b><font>;”, conferindo assim à subscritora da dita quitação poderes bastantes para validamente subscrever, como subscreveu, a declaração de quitação a que nos vimos referindo.</font> </p><p><b><font>V </font></b><font>– Ainda que se não entendam da forma vinda de expor os poderes conferidos pela procuração emitida pelo recorrente, assim carecendo, nos termos do n.º 2, do art. 268.º, do CCivil, a subscrição da quitação, de ratificação pelo recorrente, o decurso de vários anos de plena disposição do dinheiro por via dela recebido, bem como os actos sobre ele praticados, nomeadamente escritos, de ordens de transferência, emissão de cheques e outros, seja mesmo a impressão dos extractos bancários, constituem inquestionavelmente actos onde, sem margem para dúvidas, “com toda a probabilidade” se revela a ratificação da declaração.</font> </p><p><b><font>V </font></b><font>– </font><b><font>1. </font></b><font>O propugnado no corpo desta cláusula funda-se nos n.ºs 1 e 2, do art. 217.º do CCivil.</font> </p><p><b><font>VI </font></b><font>– O facto de o recorrente permitir que a sua irmã e procuradora andasse durante anos a receber os pagamentos realizados pela recorrida e a dar as correspondentes quitações, afirmando-se, aliás com base numa procuração minutada por esta, como sua bastante procuradora, criando nela a confiança legítima de que nunca enjeitaria os actos praticados pela Irmã, levando-a a entregar- lhe, nessa convicção, os €95.000,00 que para o efeito de proceder à liquidação integral da sua dívida pediu ao banco, impedi-lo-ia sempre, agora, de vir invocar a ineficácia da declaração face a ele, por configurar uma nítida actuação em abuso de direito, por </font><i><font>venire contra factum proprium</font></i><font>”.</font> </p><p><b><font>VI </font></b><font>– </font><b><font>1. &nbsp;</font></b><font>Este o comando que se contém no art. 334.º, do CCivil, não obstando à sua arguição agora o facto de não ter sido apreciado antes, porque se trata de facto de conhecimento oficioso». </font> </p><p><font> </font><br> <font>Sabido que, ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, o objeto do recurso se delimita pelas conclusões do recurso, que definem o </font><i><font>thema decidendum</font></i><font>, excetuando aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, as questões suscitadas pelo recorrente são as seguintes: </font> </p><p><font>a) Determinação do sentido juridicamente relevante dos poderes conferidos pela alínea </font><i><font>h)</font></i><font> da procuração outorgada pelo recorrente à sua irmã, FF., à luz dos critérios fixados nos artigos 236.º a 238.º do Código Civil para a interpretação das declarações negociais;</font> </p><p><font>b) Reenvio do processo ao Tribunal da Relação para conhecimento das questões da apelação que ficaram prejudicadas pela resposta dada pelo acórdão recorrido à interpretação da procuração.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Cumpre apreciar e decidir. </font> </p><p><font> </font> </p><p><b><font>II – Fundamentação de facto</font></b> </p><p><b><font>A matéria de facto fixada pelas instâncias, após o exercício pelo Tribunal da Relação dos seus poderes, é a seguinte:</font></b> </p><p><font>«</font><b><font>1 </font></b><font>- A exequente intentou ação executiva, apresentando à execução os documentos denominados “contrato de mútuo”, de fls. 6v a 21 dos autos principais; </font> </p><p><b><font>2</font></b><font> - Não obstante os referidos documentos dados à execução pelo exequente terem, cada um, a quantia de 12.500 € como capital mutuado e datas diferentes, na realidade a quantia global de 125.000 € foi entregue pelo exequente, de uma só vez e por meio de dois cheques sacados, um no valor de 100.000 € (cem mil euros) sobre o “BCP, S.A. (Nova Rede)” e outro no valor de 25.000 € (vinte e cinco mil euros) sobre o “Banif”, à executada AA., a seu pedido e a título de empréstimo, em 13.2.2004; </font> </p><p><b><font>3</font></b><font> - Tal quantia destinou-se à compra do local do escritório profissional da executada AA. e onde tem, desde então, exercido a sua atividade profissional de …; </font> </p><p><b><font>4 </font></b><font>- Na aludida data de 13.2.2004, exequente e executados acordaram ainda que os executados CC. e DD. seriam fiadores e que deveria ser restituída a mencionada quantia de 125.000 €, no prazo de dez anos, em dinheiro </font><i><font>(Facto modificado pelo Tribunal da Relação);</font></i><font> </font> </p><p><b><font>5 </font></b><font>- Mais acordaram que os executados pagariam mensalmente juros remuneratórios à taxa de 5% ao ano sobre a quantia de 125.000 €, taxa essa que seria revista semestralmente e que corresponderia à taxa de “Euribor de referência”, acrescida de 3%; </font> </p><p><b><font>6 </font></b><font>- O que foi feito no primeiro semestre da vigência do mencionado contrato de empréstimo, por via dos seguintes pagamentos efetuados pelos executados, a título de juros, calculados à taxa de 5% ao ano: </font> </p><p><font>a/ Cheque no valor de. 520,83€ (quinhentos e vinte euros e oitenta e três cêntimos), sacado sobre o “Banco Santander”, em 20.3.2004; </font> </p><p><font>b/ Cheque no valor de 520,83€ (quinhentos e vinte euros e oitenta e três cêntimos), sacado sobre o “Banco Santander”, em 20.4.2004; </font> </p><p><font>c/ Cheque no valor de 520,83€ (quinhentos e vinte euros e oitenta e três cêntimos), sacado sobre o “Banco Santander”, em 20.5.2004; </font> </p><p><font>d/ Cheque no valor de 520,83€ (quinhentos e vinte euros e oitenta e três cêntimos), sacado sobre o banco Santander, em 20.6.2004; </font> </p><p><font>e/ Cheque no valor de 520,83€ (quinhentos e vinte euros e oitenta e três cêntimos), sacado sobre o “Banco Santander”, em 20.7.2004; </font> </p><p><font>f/ Cheque no valor de 520,83€ (quinhentos e vinte euros e oitenta e três cêntimos), sacado sobre o “Banco Santander”, em 20.8.2004;</font> </p><p><font> </font> </p><p><b><font>7 </font></b><font>– </font><i><font>Facto eliminado pelo Tribunal da Relação;</font></i> </p><p><font> </font> </p><p><b><font>8 </font></b><font>– Os executados pagaram ao exequente, no âmbito do empréstimo aludido nos Pontos 2/ a 5/ supra, a quantia global de 95.000 €, através dos seguintes cheques </font><i><font>(Facto modificado pelo Tribunal da Relação):</font></i><font> </font> </p><p><font>a/ Cheque no valor de 12.500€ (doze mil quinhentos euros), sacado sobre “BBVA”, datado de 28.7.2009; </font> </p><p><font>b/ Cheque no valor de 12.500€ (doze mil quinhentos euros), sacado sobre “BBVA”, datado de 1.8.2009; </font> </p><p><font>c/ Cheque no valor de 10.000€ (dez mil euros), sacado sobre “BBVA”, datado de 7.8.2009; </font> </p><p><font>d/ Cheque no valor de 12.00€ (doze mil euros), sacado sobre “BBVA”, datado de 15.8.2009; </font> </p><p><font>e/ Cheque no valor de 12.500€ (doze mil quinhentos euros), sacado sobre “BBVA”, datado de 20.8.2009; </font> </p><p><font>f/ Cheque no valor de 12.500€ (doze mil quinhentos euros), sacado sobre “BBVA”, datado de 30.8.2009; </font> </p><p><font>g/ Cheque no valor de 8.000€ (oito mil euros), sacado sobre “BBVA”, datado de 2.9.2009; </font> </p><p><font>h/ Cheque no valor de 8.000€ (oito mil euros), sacado sobre “BBVA”, datado de 8.9.2009; </font> </p><p><font>i/ Cheque no valor de 7.000€ (sete mil euros), sacado sobre “BBVA”, datado de 21.8.2009;</font> </p><p><font> </font> </p><p><b><font>8.a</font></b><font> - FF. subscreveu a declaração constante de fls.15v, através da qual, na qualidade de procuradora do exequente, conforme instrumento cujo teor consta a fls. 93 a 97, </font><u><font>declarou</font></u><font>, entre o mais, ter recebido a quantia de 95.000 €, para pagamento do empréstimo de que era devedora AA., através dos cheques identificados no Ponto anterior, bem assim que, após o pagamento desses cheques, </font><u><font>nada mais a AA. devia</font></u><font>, encontrando-se os contratos de mútuo celebrados a 10.2.2004, 16.2.2004, 28.2.2004, 20.2.2004, 5.3.204, 13.3.2004, 18.3.2004, 4.4.3004 e 13.4.2004 liquidados </font><i><font>(Facto aditado pelo Tribunal da Relação);</font></i> </p><p><b><font> </font></b> </p><p><b><font>9</font></b><font> - Os executados entregaram ainda ao exequente, para pagamento parcial do empréstimo aludido nos Pontos 4/ a 5/ supra, a quantia global de 10.000 €, através dos seguintes cheques </font><i><font>(Facto modificado pelo Tribunal da Relação):</font></i><font> </font> </p><p><font>a/ Cheque no valor de 5.000€ (cinco mil euros), sacado sobre “Banco Banif”, em 30.7.2007; </font> </p><p><font>b/ Cheque no valor de 2.500€ (dois mil e quinhentos euros), sacado sobre “Banco Banif”, em 6.10.2008; </font> </p><p><font>c/ Cheque no valor de 1.500€ (mil e quinhentos euros), sacado sobre “Banco Santander”, em 6.10.2008; </font> </p><p><font>d/ Cheque no valor de 1.000€ (mil euros), sacado sobre “Banco Santander”, em 31.10.2008.</font> </p><p><b><font> </font></b> </p><p><b><font>10 </font></b><font>– </font><i><font>Facto eliminado pelo Tribunal da Relação</font></i><font>&nbsp; </font> </p><p><font> </font> </p><p><b><font>III – Fundamentação de direito</font></b> </p><p><b><font> </font></b> </p><p><b><font>&nbsp;1. </font></b><font>A única questão a decidir no recurso de revista é a de saber qual o sentido juridicamente relevante da al. </font><i><font>h)</font></i><font> da procuração outorgada pelo recorrente à sua irmã FF., cuja cópia consta a fls. 93 a 95 dos autos.</font> </p><p><font>Ficou consignado no ponto 8.a da matéria de facto, aditado pelo tribunal recorrido, que FF. subscreveu a declaração constante de fls.15v, através da qual, na qualidade de procuradora do exequente, </font><u><font>declarou</font></u><font>, entre o mais, ter recebido a quantia de 95.000 €, para pagamento do empréstimo de que era devedora AA., através dos cheques identificados no ponto 8, e que, após o pagamento desses cheques, </font><u><font>nada mais a AA. devia</font></u><font>, encontrando-se liquidados os contratos de mútuo celebrados a 10.2.2004, 16.2.2004, 28.2.2004, 20.2.2004, 5.3.204, 13.3.2004, 18.3.2004, 4.4.3004 e 13.4.2004.</font> </p><p><font>Convirá ainda destacar que, através da citada procuração, o exequente conferiu à sua irmã, FF., vastos poderes para a prática de diversos atos em sua representação, aqui se destacando, entre o mais, conforme al. </font><i><font>h)</font></i><font> da dita procuração, o seguinte: </font> </p><p><i><font>“Celebrar, alterar e revogar qualquer contrato nomeadamente com a G...., S.A., H…., Serviços Municipalizados, empresas fornecedoras de Serviços de Gás, Serviços de Televisão, Serviços de telefone, podendo receber quaisquer quantias a que tenha direito, assinando recibos e dando quitação, nos termos e condições que entender, assinando tudo o que for necessário para o efeito”.</font></i> </p><p><font> </font> </p><p><font>Ora, face aos poderes que assim foram conferidos à sua irmã, FF., pelo exequente, o que se pergunta é se a mesma estava autorizada à prática do ato representado na declaração descrita no ponto 8.a com o alcance de dar por liquidados (pagos) os mútuos a que se reportam os documentos dados à execução.</font> </p><p><font>O Tribunal da Relação entendeu que, em obediência às regras da hermenêutica negocial que decorrem dos artigos 236.º a 238.º do Código Civil, tem de se concluir que o exequente conferiu poderes à sua irmã, FF., enquanto sua procuradora, para dar por liquidado o contrato de mútuo em discussão nos autos, ficando o exequente vinculado, por força do artigo 258.º do Código Civil, à “quitação” contida na “declaração” aludida no assinalado ponto de facto (8.a). Mais referiu que não ficaram demonstrados quaisquer factos suscetíveis de traduzir uma situação em que a vontade manifestada através da dita “declaração” da procuradora padecesse de algum vício que gerasse a sua invalidade (nulidade ou anulabilidade), nos termos do prescrito no artigo 259.º do Código Civil.</font> </p><p><font>O recorrente entende, contudo, que o acórdão recorrido fez errada interpretação do sentido juridicamente relevante dos poderes conferidos pela procuração, à luz dos critérios dos artigos 236º a 238º do CCivil. O seu principal argumento é o de que se deve ter em conta o contexto da globalidade da procuração, e que o advérbio </font><b><i><font>“nomeadamente”</font></i></b><font> utilizado na sua alínea </font><i><font>h)</font></i><font> torna a referência ali feita a </font><i><font>“qualquer contrato nomeadamente com a G...., S.A., H…., Serviços Municipalizados, empresas fornecedoras de Serviços de Gás, Serviços de Televisão, serviços de telefone”,</font></i><font> como </font><b><font>“taxativa”</font></b><font> e
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><br> <br> <br> <p><b><font> Processo n.º 3278/16.4T8GMR.G1.S1</font></b> </p><p> </p><p><b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça</font> </p><p> </p><p><b><font> I – Relatório</font></b> </p><p><b><font> 1. AA, </font></b><font>residente na Rua…n.º… esquerdo, …....., </font><b><font>em representação de seu filho menor, BB, </font></b><font>instaurou a presente ação declarativa de investigação de paternidade, com processo comum, contra </font><b><font>CC, </font></b><font>residente a Rua de …, n.º …, ..., ... ..., pedindo que se reconheça o menor BB como filho do Réu, CC, e se ordene o averbamento no assento de nascimento do menor a identidade do pai e dos seus avós paternos.</font> </p><p><b><font> </font></b><font>Para tanto alega, em síntese, que AA é mãe de BB, nascido a …/2012, cuja paternidade consta como omissa no respetivo assento de nascimento;</font> </p><p><font> Acontece que o menor BB sobreveio da gravidez de AA em consequência de relações de cópula completa que esta manteve com o Réu;</font> </p><p><font> Apesar de não terem assumido publicamente qualquer compromisso, a partir de meados de abril de 2011, AA e o Réu começaram a encontrar-se todos os dias, mantendo quase todos os dias relações de cópula sexual, até maio de 2011, altura em que o Réu foi de férias;</font> </p><p><font>Em inícios de junho de 2011, o Réu regressou de férias e aquele e AA mantiveram, por duas vezes, relações de cópula completa, as quais terminaram em junho de 2011;</font> </p><p><font> Durante o período compreendido entre abril de 2011 e setembro de 2011, AA não teve qualquer relacionamento sexual com outro homem que não o Réu;</font> </p><p><font> Quer antes, quer após o nascimento do menor, o Réu sempre considerou o menor seu filho, procurando estar com ele e tratando-o como tal, sendo também, por todos, reconhecido como tal;</font> </p><p><font> Em julho de 2012, quando o menor tinha cerca de quatro meses de idade, o Réu pediu a AA para se realizar um teste de DNA que teria mandado vir pela Internet, o que foi aceite por esta;</font> </p><p><font> Fizeram o teste e mesmo antes de sair o resultado, o Réu deixou, de imediato, de manter qualquer contacto com o menor e AA, tendo, posteriormente, o referido teste concluído que a probabilidade do Réu ser pai do menor era de 0%;</font> </p><p><font> Não existe entre o Réu e AA relação de parentesco ou de afinidade na linha reta ou na linha colateral.</font> </p><p><font> O Réu contestou, defendendo-se por exceção e por impugnação.</font> </p><p><font> Invocou a exceção dilatória do caso julgado, sustentando que a presente ação é repetição da que correu termos pela 2ª Vara de Competência Mista de ..., sob o n.º …, em que por sentença transitada em julgado, o Réu foi absolvido do pedido, havendo entre ambas as ações identidade de sujeitos, pedido e causa de pedir;</font> </p><p><font> Impugnou praticamente toda a factualidade alegada pelo Autor;</font> </p><p><font> Conclui pedindo que a ação seja julgada improcedente e procedente a exceção.</font> </p><p> </p><p><font> </font><b><font>2.</font></b><font> Por decisão proferida em 17/11/2016, julgou-se procedente a exceção dilatória do caso julgado entre a presente ação e a que correu termos sob o n.º ..., e absolveu-se o Réu da instância.</font> </p><p> </p><p><font> </font><b><font>3.</font></b><font> Inconformado com esta decisão, o Autor interpôs recurso de apelação, na sequência do que, por decisão de 09/01/2017, a 1ª instância deu sem efeito aquela decisão.</font> </p><p> </p><p><font> </font><b><font>4.</font></b><font> Dispensou-se a realização de audiência prévia, fixou-se o valor da presente ação em 30.0000,01 euros, proferiu-se despacho saneador, o objeto do litígio e os temas da prova, admitiu-se os requerimentos probatórios apresentados pelas partes e designou-se data para a realização da audiência final, a qual veio a ser dada sem efeito.</font> </p><p> </p><p><font> Em 20/07/2017, o Réu juntou aos autos certidão do relatório pericial de investigação de paternidade do aqui Réu em relação ao menor, realizado no âmbito da ação n.º …, em que os senhores peritos do IML, Delegação do Norte, Serviço de Genética e Biologia Forense, concluíram que “</font><i><font>De acordo com os resultados obtidos, CC é excluído da paternidade de BB, filho de AA” </font></i><font>(cfr. fls. 114 a 117).</font> </p><p><font> Determinou-se a realização de exame hematológico no âmbito dos presentes autos, o qual foi realizado pelo IML, Delegação do Centro, Serviço de Genética e Biologia Forense, tendo os senhores peritos concluído que “</font><i><font>De acordo com os resultados obtidos, CC é excluído da paternidade de BB, filho de AA” </font></i><font>(cfr. fls. 181 e 182).</font> </p><p><font> O Autor solicitou esclarecimentos aos senhores peritos, que foram deferidos e prestados (fls. 187 e 189 a 191) e após requereu a realização de segunda perícia.</font> </p><p><font> Deferiu-se a realização da segunda perícia (cfr. fls. 205), que foi realizada pela Delegação do Sul do IML, Serviço de Genética e Biologia Forense, cujos senhores peritos concluíram no seguinte sentido: “</font><i><font>A identificação de haplótipos distintos do cromossoma Y em CC e BB, exclui a possibilidade de pertencerem à mesma linhagem paterna, ou seja, CC é excluído da paternidade que lhe é atribuída no haplótipo do cromossoma Y</font></i><font>” (cfr. fls. 253 a 254).</font> </p><p><font> Designou-se data para a realização da audiência final, a qual veio a ser adiada, uma vez que aberta esta, os ilustres mandatários das partes requereram que fossem convocados os peritos que realizaram a segunda perícia, Dr. DD e EE, e que a produção de prova se iniciasse com a tomada de esclarecimentos aos últimos, o que foi deferido (cfr. ata de fls. 283).</font> </p><p><font> </font> </p><p><font> </font><b><font>5.</font></b><font> Realizada audiência final, proferiu-se sentença julgando a ação improcedente (cfr. fls. 332 a 334).</font> </p><p><font> Entretanto, o Autor veio requerer o suporte da gravação da audiência final, na sequência do que veio arguir a nulidade desses atos, com fundamento de que a respetiva gravação se encontraria inaudível (cfr. fls. 338 a 340).</font> </p><p><font> Tendo o Réu deduzido oposição à invocada arguição de nulidade, alegando a extemporaneidade dessa arguição, o Autor interpôs recurso de apelação da sentença proferida (cfr. fls. 342 a 383) e perante a informação da secção de que “</font><i><font>a gravação efetuada na 1ª sessão de julgamento, datada de 10/01/2019, não se encontra audível”, </font></i><font>reabriu-se a audiência final, para reinquirição das testemunhas cuja gravação não se encontrava audível (cfr. fls. 384 e 385).</font> </p><p><font> </font> </p><p><font> </font><b><font>6.</font></b><font> Efetuada essa reinquirição, proferiu-se nova sentença, julgando a ação improcedente e absolvendo o Réu do pedido, constando essa sentença de seguinte parte dispositiva:</font> </p><p><font> </font><i><font>“Nestes termos julgo a ação improcedente por não provada, e em consequência declaro que o menor BB não é filho do Réu CC, que absolvo do pedido.</font></i> </p><p><i><font> Custas pelo autor, levando-se em conta o benefício do apoio judiciário.</font></i> </p><p><i><font> Valor da ação: 30.000,01 euros (art. 304º, n.º 1 e art. 306º, n.ºs 1 e 2 do CPC. “ex vi” art. 33º, n.º 1 do RGPTC)”.</font></i> </p><p><i><font> </font></i><font> </font> </p><p><font> </font><b><font>7.</font></b><font> Inconformada com esta sentença, AA, em representação de seu filho menor, veio interpor recurso de apelação, em que pede, em síntese, a nulidade da sentença recorrida por omissão de pronúncia, impugna a matéria de facto e termina pugnando pela revogação da sentença, reconhecendo-se a paternidade do réu.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font> </font><b><font>8.</font></b><font> O Tribunal da Relação aditou à matéria de facto os seguintes factos, que considerou como provados:</font> </p><p><b><font> «11A - No âmbito da ação ordinária identificada em 11), submeteu-se o aqui réu e o aqui autor e a mãe deste a exame pericial, tendo os peritos, nessa perícia concluído o seguinte: </font></b><b><i><font>“CC pode ser excluído da paternidade que lhe é atribuída nos marcadores genéticos D16S539, D8S1179, D21S11, D18S51, TH01, FGA, D13S317, TPOX e PentaE. De acordo com os resultados obtidos, CC é excluído da paternidade de BB, filho de AA .”</font></i></b> </p><p><b><font> 15- Dada a ocorrência de um fenómeno raro que pode acontecer na transmissão do património genético de pai para o filho, os exames hematológicos podem dar um resultado de exclusão de paternidade biológica do primeiro em relação ao segundo, não obstante aquele ser efetivamente pai biológico deste.</font></b> </p><p><b><font> 16- Apesar do referido em 15), a quantidade de perfis genéticos que foram analisados aquando da realização das periciais identificadas em 11A), 13) e 14) e o número de perfis genéticos em que ocorre incompatibilidade genética entre Autor e Réu, a possibilidade deste ser pai biológico do Autor é praticamente nula».</font></b> </p><p> </p><p><font> E decidiu:</font> </p><p><font> </font><i><font>«Nestes termos, os Juízes desta Secção Cível do Tribunal da Relação de ... acordam, sem prejuízo das alterações supra identificadas introduzidas à matéria de facto julgada como provada na sentença, em julgar improcedente a presente apelação e, em consequência:</font></i> </p><p><i><font>- confirmam a sentença recorrida.</font></i> </p><p><i><font>Custas pelo apelante (art. 527º, n.ºs 1 e 2 do CPC)» </font></i> </p><p><font> </font> </p><p><b><font> 9. </font></b><font>Novamente inconformado, o recorrente interpõe recurso de revista para este Supremo Tribunal de Justiça, argumentando que havia uma diferença essencial entre a fundamentação da sentença do tribunal de 1.ª instância e o acórdão do Tribunal da Relação, por força da nova factualidade aditada, e pedindo, subsidiariamente revista excecional.</font> </p><p><font> </font><b><font>10.</font></b><font> Na alegação de recurso, o recorrente formula as seguintes conclusões:</font> </p><p><b><font>«1ª-</font></b><font> O acórdão recorrido manteve a decisão da sentença, por entender que esta “</font><i><font>não</font></i><font> </font><i><font>padece</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>nenhum</font></i><font> </font><i><font>dos</font></i><font> </font><i><font>erros</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>direito</font></i><font> </font><i><font>que</font></i><font> </font><i><font>o</font></i><font> </font><i><font>apelante</font></i><font> </font><i><font>lhe</font></i><font> </font><i><font>assaca,</font></i><font> </font><i><font>porque</font></i><font> </font><i><font>sem</font></i><font> </font><i><font>prejuízo</font></i><font> </font><i><font>das</font></i><font> </font><i><font>alterações</font></i><font> </font><i><font>supra</font></i><font> </font><i><font>identificadas</font></i><font> </font><i><font>introduzidas</font></i><font> </font><i><font>à</font></i><font> </font><i><font>matéria</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>facto</font></i><font> </font><i><font>julgada</font></i><font> </font><i><font>como</font></i><font> </font><i><font>provada</font></i><font> </font><i><font>na</font></i><font> </font><i><font>sentença,</font></i><font> </font><i><font>na</font></i><font> </font><i><font>improcedência</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>todos</font></i><font> </font><i><font>os</font></i><font> </font><i><font>fundamentos</font></i><font> </font><i><font>do</font></i><font> </font><i><font>recurso</font></i><font> </font><i><font>aduzidos</font></i><font> </font><i><font>pelo</font></i><font> </font><i><font>apelante,</font></i><font> </font><i><font>se</font></i><font> </font><i><font>impõe</font></i><font> </font><i><font>a</font></i><font> </font><i><font>respetiva</font></i><font> </font><i><font>confirmação.”,</font></i><font> formulando um conjunto de conclusões, com sumário elaborado nos termos do artigo 663.º, n.º7 do Código de Processo Civil, das quais se destacam, por serem diretamente ligadas ao objeto do recurso, embora este não se esgote nelas, nem elas esgotem o conjunto das decisões impugnadas, as seguintes:</font> </p><p><font>a) “</font><i><font>Os</font></i><font> </font><i><font>exames</font></i><font> </font><i><font>hematológicos,</font></i><font> </font><i><font>face</font></i><font> </font><i><font>ao</font></i><font> </font><i><font>estado</font></i><font> </font><i><font>atual</font></i><font> </font><i><font>da</font></i><font> </font><i><font>ciência</font></i><font> </font><i><font>permitem</font></i><font> </font><i><font>fazer</font></i><font> </font><i><font>prova</font></i><font> </font><i><font>direta</font></i><font> </font><i><font>do</font></i><font> </font><i><font>vínculo</font></i><font> </font><i><font>biológico</font></i><font> </font><i><font>da</font></i><font> </font><i><font>progenitura</font></i><font> </font><i><font>ou</font></i><font> </font><i><font>da</font></i><font> </font><i><font>respetiva</font></i><font> </font><i><font>exclusão,</font></i><font> </font><i><font>pelo</font></i><font> </font><i><font>que</font></i><font> </font><i><font>(…)</font></i><font> </font><i><font>assumem</font></i><font> </font><i><font>um</font></i><font> </font><i><font>papel</font></i><font> </font><i><font>essencial</font></i><font> </font><i><font>nuclear</font></i><font> </font><i><font>e</font></i><font> </font><i><font>fundamental</font></i><font> </font><i><font>nas</font></i><font> </font><i><font>ações</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>investigação</font></i><font> </font><i><font>da</font></i><font> </font><i><font>filiação,</font></i><font> </font><i><font>secundarizando</font></i><font> </font><i><font>os</font></i><font> </font><i><font>outros</font></i><font> </font><i><font>meios</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>prova,</font></i><font> </font><i><font>nomeadamente</font></i><font> </font><i><font>a</font></i><font> </font><i><font>testemunhal”</font></i><font> pelo que “</font><i><font>o</font></i><font> </font><i><font>juiz</font></i><font> </font><i><font>apenas</font></i><font> </font><i><font>se</font></i><font> </font><i><font>pode</font></i><font> </font><i><font>afastar</font></i><font> </font><i><font>do</font></i><font> </font><i><font>laudo</font></i><font> </font><i><font>pericial</font></i><font> </font><i><font>desde</font></i><font> </font><i><font>que</font></i><font> </font><i><font>justifique</font></i><font> </font><i><font>esse</font></i><font> </font><i><font>afastamento</font></i><font> </font><i><font>e</font></i><font> </font><i><font>utilizando</font></i><font> </font><i><font>fundamentos</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>natureza</font></i><font> </font><i><font>igual</font></i><font> </font><i><font>aos</font></i><font> </font><i><font>utilizados</font></i><font> </font><i><font>pelos</font></i><font> </font><i><font>peritos”</font></i><font> (conclusões 1ª a 4ª);</font> </p><p><font>b) “</font><i><font>A</font></i><font> </font><i><font>lei</font></i><font> </font><i><font>n.º45/2004</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>19/08</font></i><font> </font><i><font>que</font></i><font> </font><i><font>estabelece</font></i><font> </font><i><font>o</font></i><font> </font><i><font>regime</font></i><font> </font><i><font>jurídico</font></i><font> </font><i><font>das</font></i><font> </font><i><font>perícias</font></i><font> </font><i><font>médico-legais</font></i><font> </font><i><font>e</font></i><font> </font><i><font>forenses</font></i><font> </font><i><font>é</font></i><font> </font><i><font>especial</font></i><font> </font><i><font>em</font></i><font> </font><i><font>relação</font></i><font> </font><i><font>ao</font></i><font> </font><i><font>Código</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>Processo</font></i><font> </font><i><font>Civil,</font></i><font> </font><i><font>pelo</font></i><font> </font><i><font>que</font></i><font> </font><i><font>os</font></i><font> </font><i><font>exames</font></i><font> </font><i><font>hematológicos</font></i><font> </font><i><font>(…)</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>determinação</font></i><font> </font><i><font>direta</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>filiação</font></i><font> </font><i><font>biológica</font></i><font> </font><i><font>têm</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>ser</font></i><font> </font><i><font>realizados</font></i><font> </font><i><font>pela</font></i><font> </font><i><font>delegação</font></i><font> </font><i><font>do</font></i><font> </font><i><font>INML</font></i><font> </font><i><font>da</font></i><font> </font><i><font>área</font></i><font> </font><i><font>territorial</font></i><font> </font><i><font>do</font></i><font> </font><i><font>tribunal</font></i><font> </font><i><font>que</font></i><font> </font><i><font>os</font></i><font> </font><i><font>requer</font></i><font> </font><i><font>e,</font></i><font> </font><i><font>quer</font></i><font> </font><i><font>se</font></i><font> </font><i><font>trate</font></i><font> </font><i><font>da</font></i><font> </font><i><font>1ª</font></i><font> </font><i><font>perícia</font></i><font> </font><i><font>quer</font></i><font> </font><i><font>da</font></i><font> </font><i><font>2ª</font></i><font> </font><i><font>são</font></i><font> </font><i><font>em</font></i><font> </font><i><font>regra</font></i><font> </font><i><font>efetuados</font></i><font> </font><i><font>por</font></i><font> </font><i><font>um</font></i><font> </font><i><font>único</font></i><font> </font><i><font>perito</font></i><font> </font><i><font>do</font></i><font> </font><i><font>INML</font></i><font> </font><i><font>ou</font></i><font> </font><i><font>por</font></i><font> </font><i><font>este</font></i><font> </font><i><font>contratado,</font></i><font> </font><i><font>estando</font></i><font> </font><i><font>reservada</font></i><font> </font><i><font>a</font></i><font> </font><i><font>perícia</font></i><font> </font><i><font>colegial</font></i><font> </font><i><font>apenas</font></i><font> </font><i><font>aos</font></i><font> </font><i><font>casos</font></i><font> </font><i><font>em</font></i><font> </font><i><font>que</font></i><font> </font><i><font>o</font></i><font> </font><i><font>juiz</font></i><font> </font><i><font>a</font></i><font> </font><i><font>determine</font></i><font> </font><i><font>por</font></i><font> </font><i><font>decisão</font></i><font> </font><i><font>fundamentada,</font></i><font> </font><i><font>em</font></i><font> </font><i><font>que</font></i><font> </font><i><font>essa</font></i><font> </font><i><font>perícia</font></i><font> </font><i><font>colegial</font></i><font> </font><i><font>continua</font></i><font> </font><i><font>a</font></i><font> </font><i><font>ter</font></i><font> </font><i><font>que</font></i><font> </font><i><font>ser realizada</font></i><font> </font><i><font>por</font></i><font> </font><i><font>peritos</font></i><font> </font><i><font>do</font></i><font> </font><i><font>INML</font></i><font> </font><i><font>ou</font></i><font> </font><i><font>por</font></i><font> </font><i><font>este</font></i><font> </font><i><font>contratados.”</font></i><font> </font><i><font>(</font></i><font>Conclusões 5ª, 6ª e 7ª)</font><i><font>;</font></i> </p><p><font>c) O juiz deve considerar que “</font><i><font>em</font></i><font> </font><i><font>termos</font></i><font> </font><i><font>gerais</font></i><font> </font><i><font>a</font></i><font> </font><i><font>prova</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>determinado</font></i><font> </font><i><font>facto</font></i><font> </font><i><font>não</font></i><font> </font><i><font>é</font></i><font> </font><i><font>a</font></i><font> </font><i><font>certeza</font></i><font> </font><i><font>lógica,</font></i><font> </font><i><font>absoluta</font></i><font> </font><i><font>ou</font></i><font> </font><i><font>cientifica</font></i><font> </font><i><font>da</font></i><font> </font><i><font>ocorrência</font></i><font> </font><i><font>desse</font></i><font> </font><i><font>facto,</font></i><font> </font><i><font>mas</font></i><font> </font><i><font>apenas</font></i><font> </font><i><font>um</font></i><font> </font><i><font>alto</font></i><font> </font><i><font>grau</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>probabilidade</font></i><font> </font><i><font>(…)</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>que</font></i><font> </font><i><font>esse</font></i><font> </font><i><font>facto</font></i><font> </font><i><font>ocorreu</font></i><font> </font><i><font>(…)”</font></i><font> pelo que “</font><i><font>tendo</font></i><font> </font><i><font>sido</font></i><font> </font><i><font>instaurada</font></i><font> </font><i><font>a</font></i><font> </font><i><font>ação</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>investigação</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>paternidade</font></i><font> </font><i><font>com</font></i><font> </font><i><font>fundamento</font></i><font> </font><i><font>(causa</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>pedir)</font></i><font> </font><i><font>na</font></i><font> </font><i><font>paternidade</font></i><font> </font><i><font>biológica</font></i><font> </font><i><font>do</font></i><font> </font><i><font>réu</font></i><font> </font><i><font>em</font></i><font> </font><i><font>relação</font></i><font> </font><i><font>ao</font></i><font> </font><i><font>autor</font></i><font> </font><i><font>(pretenso</font></i><font> </font><i><font>filho)</font></i><font> </font><i><font>e</font></i><font> </font><i><font>com</font></i><font> </font><i><font>fundamento</font></i><font> </font><i><font>nas</font></i><font> </font><i><font>presunções</font></i><font> </font><i><font>legais</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>posse</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>estado</font></i><font> </font><i><font>e</font></i><font> </font><i><font>ocorrência</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>relações</font></i><font> </font><i><font>sexuais</font></i><font> </font><i><font>entre</font></i><font> </font><i><font>o</font></i><font> </font><i><font>réu</font></i><font> </font><i><font>e</font></i><font> </font><i><font>a</font></i><font> </font><i><font>mãe</font></i><font> </font><i><font>do</font></i><font> </font><i><font>autor,</font></i><font> </font><i><font>durante</font></i><font> </font><i><font>o</font></i><font> </font><i><font>período</font></i><font> </font><i><font>legal</font></i><font> </font><i><font>da</font></i><font> </font><i><font>conceção</font></i><font> </font><i><font>deste,</font></i><font> </font><i><font>(…)</font></i><font> </font><i><font>é</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>considerar</font></i><font> </font><i><font>que</font></i><font> </font><i><font>existem</font></i><font> </font><i><font>“dúvidas</font></i><font> </font><i><font>sérias”</font></i><font> </font><i><font>sobre</font></i><font> </font><i><font>a</font></i><font> </font><i><font>paternidade</font></i><font> </font><i><font>do</font></i><font> </font><i><font>réu</font></i><font> </font><i><font>em</font></i><font> </font><i><font>relação</font></i><font> </font><i><font>ao</font></i><font> </font><i><font>autor,</font></i><font> </font><i><font>quando</font></i><font> </font><i><font>foram</font></i><font> </font><i><font>realizados</font></i><font> </font><i><font>três</font></i><font> </font><i><font>exames</font></i><font> </font><i><font>hematológicos</font></i><font> </font><i><font>ao</font></i><font> </font><i><font>autor,</font></i><font> </font><i><font>à</font></i><font> </font><i><font>mãe</font></i><font> </font><i><font>deste</font></i><font> </font><i><font>e</font></i><font> </font><i><font>ao</font></i><font> </font><i><font>réu,</font></i><font> </font><i><font>com</font></i><font> </font><i><font>o</font></i><font> </font><i><font>número</font></i><font> </font><i><font>crescente</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>perfis</font></i><font> </font><i><font>genéticos</font></i><font> </font><i><font>analisados</font></i><font> </font><i><font>nessas</font></i><font> </font><i><font>sucessivas</font></i><font> </font><i><font>perícias,</font></i><font> </font><i><font>e</font></i><font> </font><i><font>os</font></i><font> </font><i><font>peritos</font></i><font> </font><i><font>concluem</font></i><font> </font><i><font>nesses</font></i><font> </font><i><font>três</font></i><font> </font><i><font>exames,</font></i><font> </font><i><font>pela</font></i><font> </font><i><font>exclusão</font></i><font> </font><i><font>da</font></i><font> </font><i><font>paternidade”</font></i><font> (conclusões 8ª a 11ª).</font> </p><p><b><font>2ª</font></b><font>- Para além dessas questões, o acórdão recorrido julgou:</font> </p><p> </p><p><font>a) Que a sentença recorrida não era nula por omissão de pronúncia por não se ter pronunciado sobre a existência de duas conclusões contraditórias num dos relatórios médicos; por não se ter pronunciado sobre os impedimentos suscitados pelo apelante em relação aos peritos da delegação do IML do Porto para efetuar os exames hematológicos; por não se ter pronunciado sobre requerimento em que o apelante pedia que a 2ª perícia fosse efetuada por perito exterior ao IML; por não ter decidido a realização de uma 2ª perícia por entidade independente do IML; por se basear exclusivamente nas conclusões dos relatórios dos exames hematológicos, sem considerar que os peritos os esclareceram no sentido de que a exclusão da paternidade não é absoluta porque pode sempre ocorrer um fenómeno a que chamaram “</font><i><font>ocorrência</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>mutações”,</font></i><font> que consideraram raro, mas que “</font><i><font>podia</font></i><font> </font><i><font>explicar</font></i><font> </font><i><font>as</font></i><font> </font><i><font>inconsistências</font></i><font> </font><i><font>ou</font></i><font> </font><i><font>incompatibilidades</font></i><font> </font><i><font>referidas”</font></i><font>;</font> </p><p><font>b) Que a sentença recorrida padece de erro de direito quanto à matéria de facto fixada na 1ª Instância, pois a esta devem ser aditados três factos que nela não estavam incluídos:</font> </p><p><font>“</font><i><font>11A-</font></i><font> </font><i><font>No</font></i><font> </font><i><font>âmbito</font></i><font> </font><i><font>da</font></i><font> </font><i><font>ação</font></i><font> </font><i><font>ordinária</font></i><font> </font><i><font>identificada</font></i><font> </font><i><font>em</font></i><font> </font><i><font>11),</font></i><font> </font><i><font>submeteu-se</font></i><font> </font><i><font>o</font></i><font> </font><i><font>aqui</font></i><font> </font><i><font>réu</font></i><font> </font><i><font>e</font></i><font> </font><i><font>o</font></i><font> </font><i><font>aqui</font></i><font> </font><i><font>autor</font></i><font> </font><i><font>e</font></i><font> </font><i><font>a</font></i><font> </font><i><font>mãe</font></i><font> </font><i><font>deste</font></i><font> </font><i><font>a</font></i><font> </font><i><font>exame</font></i><font> </font><i><font>pericial,</font></i><font> </font><i><font>tendo</font></i><font> </font><i><font>os</font></i><font> </font><i><font>peritos,</font></i><font> </font><i><font>nesse</font></i><font> </font><i><font>perícia</font></i><font> </font><i><font>concluído</font></i><font> </font><i><font>o</font></i><font> </font><i><font>seguinte:</font></i><font> </font><i><font>“CC</font></i><font> </font><i><font>pode</font></i><font> </font><i><font>ser</font></i><font> </font><i><font>excluído</font></i><font> </font><i><font>da</font></i><font> </font><i><font>paternidade</font></i><font> </font><i><font>que</font></i><font> </font><i><font>lhe</font></i><font> </font><i><font>é</font></i><font> </font><i><font>atribuída</font></i><font> </font><i><font>nos</font></i><font> </font><i><font>marcadores</font></i><font> </font><i><font>genéticos</font></i><font> </font><i><font>D16S539,</font></i><font> </font><i><font>D8S1179,</font></i><font> </font><i><font>D21S11,</font></i><font> </font><i><font>D18S51,</font></i><font> </font><i><font>TH01,</font></i><font> </font><i><font>FGA,</font></i><font> </font><i><font>D13S317,</font></i><font> </font><i><font>TPOX</font></i><font> </font><i><font>e</font></i><font> </font><i><font>PentaE.</font></i><font> </font><i><font>De</font></i><font> </font><i><font>acordo</font></i><font> </font><i><font>com</font></i><font> </font><i><font>os</font></i><font> </font><i><font>resultados</font></i><font> </font><i><font>obtidos,</font></i><font> </font><i><font>CC</font></i><font> </font><i><font>é</font></i><font> </font><i><font>excluído</font></i><font> </font><i><font>da</font></i><font> </font><i><font>paternidade</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>BB,</font></i><font> </font><i><font>filho</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>AA.”</font></i> </p><p><i><font>“15-</font></i><font> </font><i><font>Dada</font></i><font> </font><i><font>a</font></i><font> </font><i><font>ocorrência</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>um</font></i><font> </font><i><font>fenómeno</font></i><font> </font><i><font>raro</font></i><font> </font><i><font>que</font></i><font> </font><i><font>pode</font></i><font> </font><i><font>acontecer</font></i><font> </font><i><font>na</font></i><font> </font><i><font>transmissão</font></i><font> </font><i><font>do</font></i><font> </font><i><font>património</font></i><font> </font><i><font>genético</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>pai</font></i><font> </font><i><font>para</font></i><font> </font><i><font>filho,</font></i><font> </font><i><font>os</font></i><font> </font><i><font>exames</font></i><font> </font><i><font>hematológicos</font></i><font> </font><i><font>podem</font></i><font> </font><i><font>dar</font></i><font> </font><i><font>um</font></i><font> </font><i><font>resultado</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>exclusão</font></i><font> </font><i><font>da</font></i><font> </font><i><font>paternidade</font></i><font> </font><i><font>biológica</font></i><font> </font><i><font>do</font></i><font> </font><i><font>primeiro</font></i><font> </font><i><font>em</font></i><font> </font><i><font>relação</font></i><font> </font><i><font>ao</font></i><font> </font><i><font>segundo,</font></i><font> </font><i><font>não</font></i><font> </font><i><font>obstante</font></i><font> </font><i><font>aquele</font></i><font> </font><i><font>ser</font></i><font> </font><i><font>efetivamente</font></i><font> </font><i><font>pai</font></i><font> </font><i><font>biológico</font></i><font> </font><i><font>deste.”</font></i> </p><p><i><font>“16-</font></i><font> </font><i><font>Apesar</font></i><font> </font><i><font>do</font></i><font> </font><i><font>referido</font></i><font> </font><i><font>em</font></i><font> </font><i><font>15),</font></i><font> </font><i><font>a</font></i><font> </font><i><font>quantidade</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>perfis</font></i><font> </font><i><font>genéticos</font></i><font> </font><i><font>que</font></i><font> </font><i><font>foram</font></i><font> </font><i><font>analisados</font></i><font> </font><i><font>aquando</font></i><font> </font><i><font>a</font></i><font> </font><i><font>realização</font></i><font> </font><i><font>das</font></i><font> </font><i><font>perícias</font></i><font> </font><i><font>identificadas</font></i><font> </font><i><font>em</font></i><font> </font><i><font>11A),</font></i><font> </font><i><font>13)</font></i><font> </font><i><font>e</font></i><font> </font><i><font>14),</font></i><font> </font><i><font>e</font></i><font> </font><i><font>o</font></i><font> </font><i><font>número</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>perfis</font></i><font> </font><i><font>genéticos</font></i><font> </font><i><font>em</font></i><font> </font
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szJku4YBgYBz1XKv-wDM
1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><div><br> <font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça</font></div><br> <br> <font> </font><br> <p><b><font>I - Relatório</font></b><br> </p><p><b><font>1. GEPROCEA I - SERVIÇOS DE ENGENHARIA, LDA,</font></b><font> intentou ação declarativa contra </font><b><font>DRISCOLL'S PORTUGAL - PRODUÇÃO E COMERCIALIZAÇÃO DE FRUTAS, UNIPESSOAL, LDA., e DRISCOLL'S OF EUROPE B.V.,</font></b><font> pedindo que:</font><br> </p><p><font>a) Seja determinado, em valor que nunca poderá ser inferior aos custos de produção acrescidos da margem de comercialização da Autora, o preço (</font><i><font>purchase price</font></i><font>) do kg de framboesa referente à colheita 2016/2017 que deverá ser pago à Autora pelo fornecimento de frutos às Rés, devendo o mesmo fixar-se no valor de 8,95€/Kg;</font><br> </p><p><font>b) Sejam as Rés condenadas solidariamente a pagar à Autora o valor correspondente ao preço ainda em falta, o qual se computa na quantia de € 777.912,90;</font><br> </p><p><font>c) Subsidiariamente em relação a </font><i><font>b)</font></i><font>, e caso se venha a entender que o preço deverá ser determinado de acordo com o estabelecido na cláusula 9, desconsiderando os custos de produção da Autora e a sua margem de comercialização, requer-se que seja declarada a nulidade desta cláusula devendo, em consequência, o Tribunal proceder à determinação do preço conforme peticionado em </font><i><font>a),</font></i><font> devendo as Rés ser condenadas no pagamento à autora da quantia de € 777.912,90, a título de preço ainda em falta; </font><br> </p><p><font>d) Subsidiariamente em relação a </font><i><font>c),</font></i><font> e caso se venha a entender que o instituto da redução previsto no artigo 292º do Código Civil não opera em relação à nulidade declarada, devem as Rés ser solidariamente condenadas a pagar à Autora o montante de € 777.912,90, a título de ressarcimento pelos danos sofridos;</font><br> </p><p><font>e) Cumulativamente, sejam as Rés solidariamente condenadas a pagar à Autora a quantia de € 20.109,00, a título de encargos financeiros que teve de suportar em virtude da falta de pagamento do preço devido por parte das Rés e serem as Rés solidariamente condenadas a pagar à Autora a quantia de € 15.960,44, a título de indemnização por perdas sofridas em virtude da conduta adotada por aquelas;</font><br> </p><p><font>f) Sejam as Rés solidariamente condenadas a pagar à Autora os juros legais vencidos e vincendos, contados desde a data da citação até efetivo e integral pagamento.</font><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><b><font>2. </font></b><font>Para tanto, em síntese, fundamenta a Autora a sua pretensão no facto de ter celebrado, em 25 de abril de 2013, um contrato de fornecimento de plantas e posterior compra de frutos vermelhos produzidos com a Ré Driscoll'S Of Europe B.V., que assenta no fornecimento pela referida Ré à Autora de plantas para cultivo de frutos vermelhos e na compra por esta à Autora dos frutos vermelhos por esta produzidos, entendendo que os preços pagos violam o acordado, designadamente por serem abaixo dos custos de produção e por não ser assegurada a compra de toda a produção que determinaram que deveria ser feita em cada ano de colheita.</font><br> </p><p><font>Mais refere que, apesar de ser a Ré Driscoll'S Of Europe B.V. a detentora dos direitos de propriedade intelectual das plantas que são vendidas à Autora, todo o processo operacional e negocial respeitante ao território português é conduzido e coordenado por ambas as Rés, atuando a Ré Driscoll'S Portugal - Produção e Comercialização de Frutas, Unipessoal, Lda., enquanto verdadeira representante da 2ª Ré para o território nacional, passando indistintamente por ambas as Rés a generalidade dos contactos e acordos acerca da atividade de produção da Autora, sendo indiferente para esta negociar com qualquer uma, dado que o seu interlocutor único é, na verdade, a Driscoll'S - enquanto empresa multinacional -, sendo quer a 1ª Ré como a 2ª Ré entidades jurídicas instrumentais na implementação da estratégia global do grupo Driscoll'S [embora a Autora invoque que as relações comerciais são feitas indistintamente com as duas Rés, o contrato escrito em causa apenas foi celebrado com a 2ª Ré].</font><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><b><font>3.</font></b><font> As Rés deduziram contestação na qual, para além do mais, invocam a incompetência absoluta do tribunal para conhecer da ação relativamente à Ré Driscoll'S Of Europe B.V., por violação das regras de competência internacional; a ineptidão da petição inicial relativamente à Ré Driscoll'S Portugal - Produção e Comercialização de Frutas, Unipessoal, Lda., dado que não celebrou o contrato dos autos que é a causa de pedir, sendo parte ilegítima; e impugnam a generalidade da factualidade invocada na petição inicial relativamente ao alegado incumprimento contratual. Alegam ainda que a Ré Driscoll'S Portugal - Produção e Comercialização de Frutas, Unipessoal, Lda., para além de ser completamente alheia ao contrato celebrado, sendo as duas Rés entidades jurídicas autónomas e diferenciadas, não existindo qualquer tipo de relação de participação social direta entre elas, sendo certo que a 1ª Ré estabelece e mantem contactos com potenciais e atuais parceiros produtores, mas não negoceia, nem tão-pouco celebra, em nome próprio ou por conta de outrem, qualquer contrato semelhante ou sucedâneo àquele que serve de causa de pedir nos presentes autos.</font><br> </p><p><font> </font> </p><p><b><font>4.</font></b><font> Quanto à matéria da exceção de incompetência, invocam as Rés a violação do pacto atributivo de jurisdição constante da Cláusula 21.4. do Contrato de 25 de abril de 2013, ou seja, a incompetência internacional dos Tribunais Portugueses, dado que a Ré Driscoll'S Of Europe B.V. tem sede na Holanda e as partes convencionaram no contrato em causa nos autos um pacto atributivo de jurisdição atinente à resolução de eventuais litígios emergentes da interpretação e execução do mesmo relativamente à jurisdição exclusiva aos tribunais holandeses competentes&nbsp; …...</font><br> </p><p><font>Dizem as Rés, que tal cláusula do contrato configura um pacto atributivo de jurisdição à luz do disposto no artigo 25° do Regulamento (UE) n.º 1215/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de dezembro de 2012, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial, pelo que os tribunais holandeses terão competência exclusiva, exceto se o pacto, nos termos da lei holandesa, for substantivamente nulo, o que não se verifica.</font> </p><p><font>E, acrescentam, que as normas comunitárias prevalecem sobre o direito interno, pelo que não pode ser invocado violação do regime das cláusulas contratuais gerais, estando cumpridos os requisitos exigidos pelo Regulamento comunitário que atribui competência exclusiva aos tribunais holandeses.</font><br> </p><p><font> </font> </p><p><b><font>5.</font></b><font> Notificada a Autora para se pronunciar acerca da exceção de incompetência internacional invocada, a mesma pugnou pela sua improcedência, na medida em que tal cláusula viola o regime das cláusulas contratuais gerais previsto pelo Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro, não tendo sido alegado na contestação que o pacto atributivo de jurisdição dos tribunais &nbsp;….. tenha decorrido na sequência de uma concreta e prévia negociação sobre essa matéria, devendo essa cláusula ser considerada não escrita.</font><br> </p><p><font> </font> </p><p><b><font>6.</font></b><font> Em sede de audiência prévia, foi proferida decisão quanto à exceção de incompetência invocada, tendo-se decidido:</font><br> </p><p><i><font>«… julgo verificada a excepção dilatória da incompetência absoluta deste Tribunal para conhecer do pedido relativamente à referida Ré, por infracção as regras da competência internacional, e em consequência absolvo a Ré Driscoll’S Of Europe B.V. da instância.»</font></i> </p><p><font> </font> </p><p><b><font>7.</font></b><font> Determinou-se a notificação das partes </font><i><font>para</font></i><font> </font><i><font>se pronunciarem,</font></i><font> </font><i><font>querendo,</font></i><font> </font><i><font>acerca</font></i><font> </font><i><font>da</font></i><font> </font><i><font>possibilidade</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>ser</font></i><font> </font><i><font>proferido</font></i><font> </font><i><font>Saneador Sentença</font></i><font> </font><i><font>relativamente</font></i><font> </font><i><font>à</font></i><font> </font><i><font>matéria</font></i><font> </font><i><font>ainda</font></i><font> </font><i><font>em</font></i><font> </font><i><font>discussão</font></i><font> </font><i><font>na</font></i><font> </font><i><font>presente</font></i><font> </font><i><font>ação</font></i><font>.</font> </p><p><font>Após, considerando-se que a decisão da causa depende apenas da aplicação e da interpretação de normas jurídicas (já debatidas pelas partes), sendo indiferente a prova dos factos que permanecem controvertidos, foi proferido saneador-sentença, no âmbito do qual se concluiu pela não verificação da exceção de ineptidão da petição inicial invocada e, conhecendo-se de mérito decidiu-se </font><i><font>julgar</font></i><font> </font><i><font>improcedente</font></i><font> </font><i><font>a</font></i><font> </font><i><font>ação</font></i><font> </font><i><font>e</font></i><font> </font><i><font>absolver</font></i><font> </font><i><font>a</font></i><font> </font><i><font>Ré</font></i><font> </font><i><font>Driscoll’S</font></i><font> </font><i><font>Portugal</font></i><font> </font><i><font>–</font></i><font> </font><i><font>Produção</font></i><font> </font><i><font>e</font></i><font> </font><i><font>Comercialização</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>Frutas,</font></i><font> </font><i><font>Unipessoal,</font></i><font> </font><i><font>Lda.,</font></i><font> </font><i><font>dos</font></i><font> </font><i><font>pedidos</font></i><font> </font><i><font>deduzidos</font></i><font> </font><i><font>pela</font></i><font> </font><i><font>Autora</font></i><font> </font><i><font>Geprocea</font></i><font> </font><i><font>I</font></i><font> </font><i><font>–</font></i><font> </font><i><font>Serviços</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>Engenharia,</font></i><font> </font><i><font>Lda.</font></i><font>.</font><br> </p><p><font> </font> </p><p><b><font>8.</font></b><font> Inconformada, interpôs a Autora recurso da decisão que julgou verificada a exceção de incompetência absoluta do tribunal (1º recurso), e recorreu também do saneador-sentença absolutório da Ré Driscoll’S Portugal – Produção&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; e Comercialização de Frutas,</font><u><font> </font></u><font>Unipessoal, Lda. (2º recurso).</font> </p><p><font> </font> </p><p><b><font>9.</font></b><font> O Tribunal da Relação&nbsp; ….., por acórdão datado de 08-10-2020, decidiu julgar improcedentes as apelações e, em consequência, confirmar as decisões recorridas.</font><br> </p><p><font>&nbsp;</font> </p><p><b><font>10. </font></b><font>Inconformada, a Autora, </font><b><font>GEPROCEA</font></b><font> </font><b><font>I</font></b><font> </font><b><font>–</font></b><font> </font><b><font>SERVIÇOS</font></b><font> </font><b><font>DE</font></b><font> </font><b><font>ENGENHARIA,</font></b><font> </font><b><font>LDA.</font></b><font>, veio </font><b><font>interpor recurso de revista geral</font></b><font>, nos termos e para os efeitos dos artigos 629.º, n.º 2, alínea </font><i><font>a),</font></i><font> 671.º, n.º 1 e n.º 3, 1.ª parte, 674.º, n.º 1, alíneas </font><i><font>a)</font></i><font> e </font><i><font>b),</font></i><font> n.º 2 e n.º 3, 675.º, n.º 1, 676.º </font><i><font>a contrario,</font></i><font> 682.º, n.º 3, 683.º, n.ºs 1 e 2, do CPC&nbsp; e </font><b><font>recurso de revista excecional</font></b><font>, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 671.º, n.º 1 e 3 (parte final) e 672.º, n.º 1, alínea </font><i><font>c),</font></i><font> n.º 2, alínea </font><i><font>c)</font></i><font> e n.º 3 do CPC.</font> </p><p><b><font>11.</font></b><font> A revista excecional foi admitida pela formação prevista no artigo 672.º, n.º 3, do CPC, por contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 07-11-2019, proferido no processo nº 447/18.6T8FAR.E1 (acórdão fundamento), por decisão de 15 de julho de 2021, da qual se destacam os seguintes excertos:</font> </p><p><font>«O caso </font><i><font>sub judice</font></i><font> é atípico, na medida em que em cada um dos arestos em confronto a Relação considerou, num deles, que a matéria de facto já apurada se revelava suficiente para a apreciação do mérito relativamente à pretensão deduzida contra a 1ª R., ao passo que no acórdão fundamento, numa ação paralela a esta em que apenas varia o sujeito ativo e em que a realidade substancial é muito semelhante, se considerou que a existência de matéria controvertida revelava que era precoce a apreciação do mérito no despacho saneador, determinando-se o prosseguimento dos autos para discussão e apuramento dos factos controvertidos.</font> </p><p><font>(…)</font> </p><p><font>Ora, neste contexto em que as ações são similares e em que os fundamentos que foram invocados pela A. para sustentar as pretensões deduzidas também contra a 1ª R. são essencialmente idênticos aos que foram enunciados por outras AA., contra a mesma R., na ação que foi anteriormente objeto de apreciação no acórdão fundamento, o que na realidade está em causa é, em primeiro lugar, uma questão de direito ligada à admissibilidade de antecipação ou não do juízo de mérito para o despacho saneador, sem apuramento da matéria de facto controvertida.</font> </p><p><font>(…)</font> </p><p><font>Por conseguinte, em face da flagrante utilização de critérios normativos diversos para a apreciação de uma realidade substancialmente idêntica, verifica-se o referido fundamento excecional traduzido numa contradição flagrante entre o acórdão recorrido que considerou suficientes os factos já apurados para julgar improcedente a ação contra a 1ª R, e o acórdão fundamento que para o mesmo efeito considerou necessário o apuramento de matéria ainda controvertida.</font> </p><p> </p><p><b><font>Face ao exposto admite-se a revista excecional</font></b><font>».</font> </p><p><b><font> </font></b> </p><p><b><font>11.1.</font></b><font> Na sua alegação de revista geral, reportada apenas à questão da incompetência internacional dos tribunais portugueses, a recorrente formulou as seguintes conclusões: &nbsp;</font> </p><p><font>«a. Em sede de audiência prévia (ata com a referência 113138266), o Tribunal Judicial da Comarca de …. julgou verificada a exceção dilatória de incompetência absoluta do Tribunal, por infração das regras de competência internacional, em relação à 2.ª Ré.</font> </p><p><font>b. Interposto o competente recurso de apelação, o Tribunal da Relação&nbsp; ….. confirmou a decisão proferida pelo tribunal de 1.ª instância.</font> </p><p><font>c. Nos ternos do disposto no art. 671.º, n.ºs 1 e 3 (1.ªparte), 629.º, n.º 2, alínea a), reportando-se os presentes autos a uma decisão de 1.ª instância e a um acórdão do Tribunal da Relação&nbsp; ….. referentes à violação de regras de competência internacional, reúnem-se os pressupostos de admissibilidade da revista ora interposta.</font> </p><p><font>d. O Acórdão sob recurso sob recurso assentou a sua decisão em três pontos de facto, a saber:</font> </p><p><font>1) </font><i><font>A Ré Driscoll’s Portugal – Produção e Comercialização de Frutas, Unipessoal, Lda. é uma sociedade comercial de direito português, constituída no ano 2004, que tem como objecto social a produção e comercialização de frutas e tem a sua sede social em Beja, sendo o seu capital social da 1.ª Ré é detido a 100% pela sociedade comercial norte-americana Driscoll Internacional Inc.</font></i> </p><p><font>2) </font><i><font>A Ré Driscoll’s Of Europe B.V. é uma sociedade comercial de direito holandês, inscrita no RNPC sob o n.º980492408, com sede em Bijster 26,4817HX Breda, Holanda e que detém o direito de conceder sublicenças para plantar, colher e comercializar frutos vermelhos, com a marca Driscoll’s, marca essa que é detida por uma outra sociedade de direito holandês denominada Delight Global Holdings C.V., com domicílio nas Ilhas Cayman, em Intertrust Cayman Island, 190 Elgin Avenue, George Town, Grand Cayman KY1-9005.</font></i> </p><p><font>3) A Autora Geprocea I – Serviços de Engenharia, Lda e a Ré Driscoll’S Of Europe B.V. celebraram em 25 de Abril de 2013 um acordo escrito denominado Grower Agreement 2013 (316-2013) relativo à produção e comercialização de frutos vermelhos, constando da Cláusula 21.4. do referido contrato que, </font><i><font>“Na medida em que seja permitido por normas imperativas, este Contrato deve ser regido e interpretado de acordo com a lei holandesa e as Partes atribuem jurisdição exclusiva aos tribunais holandeses competentes de …... Sem prejuízo e em adição ao referido, as Partes acordam que a Doe terá o direito, a seu exclusivo critério, de solicitar aos tribunais do país do lugar do Imóvel a adopção das medidas e soluções que se afiguram adequadas ou necessárias para defender os seus direitos ao abrigo do presente e preparar acções judiciais, incluindo para pedir e obter o decretamento de providências cautelares, inspecções e averiguações, na medida em que se revele necessário para aferir da existência, extensão e âmbito de qualquer incumprimento contratual ou violação de direitos e segredos (incluindo, designadamente, com o fim de obter ou promover a apreensão física de bens ou materiais, aceder às Instalações e verificar as plantações do Produtor, os processos de crescimento, colheita, empacotamento, expedição e consumo, bem como a prestação de informações e documentação relevantes aos fornecedores, e a cadeias de venda, clientes ou distribuição), assim como providências cautelares ou medidas preventivas permitidas pelas leis do país do lugar do imóvel com vista a obter a imediata cessação da conduta lesiva”.</font></i> </p><p><font>O Acórdão recorrido alicerçou a sua decisão essencialmente nos seguintes fundamentos de Direito:</font> </p><p><font>a. Como densificação prática do comando impresso previsto no nº 4 do artigo 8º da Constituição da República Portuguesa, a jurisprudência dos Tribunais Superiores expressa o entendimento que as disposições do Regulamento (UE) n.º 1215, incluindo a do artigo 25º, têm prioridade sobre as disposições do Código de Processo Civil.</font> </p><p><font>b. (…) não se vislumbra que haja insuficiência da matéria de facto para se aferir da incompetência material dos tribunais portugueses, nem que a alegada existência de um litisconsórcio necessário passivo afaste a competência da jurisdição convencionada entre a A. e apenas uma das RR.</font> </p><p><font>c. (…) pelas mesmas razões, não se pode aferir da validade da dita cláusula contratual à luz das normas do regime das cláusulas contratuais gerais previstas no Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro (…).</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>f. Decidindo, a final, que:</font> </p><p><i><font>Com tais fundamentos, aos quais aderimos, conclui-se pela validade substancial da cláusula atributiva de jurisdição em apreço e que as normas relativas ao litisconsórcio necessário, estabelecidas nos artigos 30º, n.º 3 e 33º, n.º 2 e 3 do Código de Processo Civil, não afastam a aplicação de uma cláusula atributiva de jurisdição que cumpra os requisitos formais e substancial estabelecidos no artigo 25° do Regulamento (EU) n.º 1215/2012, como é o caso.</font></i> </p><p><font>g. O Acórdão ora recorrido merece, em nossa opinião, censura, na medida em que, tal qual a 1.ª instância, padece do vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, desrespeitou comandos legais sobre o valor de determinado meio probatório e não fez uma correta aplicação do Direito, pelo que deverá ser anulado e substituído por outro que remeta o processo para o Tribunal da Relação&nbsp; ….. para que a decisão de facto seja ampliada, em ordem a constituir base suficiente para a decisão de direito, declare determinado facto como provado e o Tribunal&nbsp; …. internacionalmente competente para o julgamento da presente lide, ordenando o prosseguimento dos autos contra ambas as Rés.</font> </p><p><font>Primeiro:</font> </p><p><font>h. Tal qual a decisão de 1.ª instância, a patologia que afeta o Acórdão sob escrutínio relaciona-se com a deficiência da matéria de facto que ficou dada como provada e que foi fonte da decisão que deu como verificada a incompetência dos tribunais portugueses para julgar o litígio quanto à DoE, a saber: os pontos 1 a 3 </font><i><font>supra</font></i><font> transcritos.</font> </p><p><font>i. Salvo melhor opinião, ao extratar determinada matéria de facto do contexto global da lide tal como foi apresentada pela Autora, o Tribunal da Relação&nbsp; ….. descaracterizou a relação jurídica que constitui a única causa de pedir da ação,</font> </p><p><font>j. O que levou a que, quer o Tribunal &nbsp;…., quer o Tribunal da Relação ….., declarassem verificada a incompetência internacional do Tribunal de 1.ª instância quanto à Ré DoE, tendo por fundamento uma relação contratual diferente daquela que serve de causa de pedir à presente lide.</font> </p><p><font>k. Sucede que, salvo melhor opinião, em face da matéria que foi alegada pela Autora/Recorrente, a matéria dada como provada é insuficiente para se concluir no sentido que o Tribunal da Relação decidiu.</font> </p><p><font>l. A Autora alegou na sua petição inicial factualidade que evidencia a existência de uma relação contratual complexa, que envolve, de um lado, a Autora e, do outro, as duas Rés.</font> </p><p><font>m. Ou seja, a relação jurídica contratual que constitui a causa de pedir na presente lide é una e indivisível e comporta, do lado passivo, uma pluralidade de partes, enquanto, do lado ativo, surge como única parte a Autora.</font> </p><p><font>n. Tal resulta, nomeadamente do alegado pela Autora em 15, 16, 17, 18, 19, 20, 34, 35, 86, 87, 89, 94, 95, 99, 104, 106, 138, 139, 140, 142, 147, 148, 149, 153, 154, 155, 157, 158, 207, 208, 209, 211, 216, 219, 232, 249, 250, 251 e 252 da sua Petição Inicial.</font> </p><p><font>o. Do alegado na petição inicial (e ao longo de toda a exposição efetuada), a Autora não distinguiu as Rés, por entender que a relação jurídica que estabeleceu é com ambas e é dessa relação jurídica plural que emerge o direito que veio reclamar nestes autos. </font> </p><p><font>p. Estes factos a Autora/Recorrente reiterou quando convidada para se pronunciar sobre as exceções deduzidas pelas Rés, por requerimento 31327043, de 24.01.2019 – artigos 11 a 20 deste requerimento.</font> </p><p><font>q. Com efeito, a Autora, ao longo de todo o seu petitório, e demais peças processuais, não distinguiu as Rés entre si, pois é sua plena convicção que na relação contratual que vigorou eram suas contrapartes outras duas empresas – as duas Rés.</font> </p><p><font>r. Isto posto, salvo melhor opinião, para que se pudesse aferir da competência internacional dos tribunais portugueses, o Tribunal da Relação deveria ter julgado (dar como provada ou não provada) a factualidade supra enumerada da Petição Inicial, mormente os respetivos artigos 15 a 20, pois dela resulta a relação jurídica substancial plural que serve de causa de pedir à ação e que é o critério base e essencial para aferição da competência.</font> </p><p><font>s. Ora, os factos oportunamente alegados não foram, efetivamente, objeto de decisão pelo Tribunal da Relação&nbsp; ….., motivo pelo qual, salvo melhor opinião, a matéria de facto elencada nos pontos 1 a 3 da decisão recorrida é insuficiente para a determinação da competência internacional e para sustentar o Acórdão ora recorrido.</font> </p><p><font>t. Termos em que, ao abrigo do disposto no art. 682.º, n.º 3 do CPC devem os presentes autos ser remetidos para o Tribunal da Relação&nbsp; ….. (ou, caso este assim o entenda, para o tribunal de 1.ª instância) para ampliação da matéria de facto em ordem a constituir base suficiente para a decisão de direito do Supremo Tribunal de Justiça.</font> </p><p><font>Segundo:</font> </p><p><font>u. Os factos jurídicos concretos, de natureza essencial e instrumental, designadamente alegados na petição inicial, de que resulta que os direitos de que a Autora/Recorrente é titular assentam numa relação contratual complexa, por existente entre a Autora, de um lado, e ambas as Rés, de outro lado, foram confessados pelas próprias Rés/Recorridas – artigos 436 a 438 da contestação das Rés.</font> </p><p><font>v. Do exposto resulta que a confissão judicial e espontânea das Rés – com força probatória plena (arts. 466.º, n.º 3 do CPC e 358.º, n.º 1 do CC) – não foi tomada em consideração pelo Tribunal da Relação&nbsp; ….., conforme, ademais, impõe o art. 413.º do CPC: O tribunal deve tomar em consideração todas as provas produzidas, tenham ou não emanado da parte que devia produzi-las (…). </font> </p><p><font>w. Termos em que, ao abrigo do disposto no art. 674.º, n.º 3, 2.ª parte e 682.º, n.º 2 do CPC, deve ser dada como provada a existência de uma relação contratual complexa, que envolvia, de um lado, a Autora, e do outro, ambas as Rés, relação esta, em termos subjetivos e objetivos, apenas parcialmente reduzida a escrito aquando da celebração do acordo escrito entre a Autora e a DoE.</font> </p><p><font>Terceiro:</font> </p><p><font>x. A aplicação do direito ao caso concreto mostra-se prejudicada pela deficiente seleção dos factos feita pelo tribunal de 2.ª instância. Não obstante, é entendimento da Recorrente que o Supremo Tribunal de Justiça se encontra em condições para, desde já, tomar posição sobre o direito aplicável ao caso, posição, esta, que deverá ser acatada pelo Tribunal da Relação&nbsp; ….. depois de julgar, com a extensão referida supra, a matéria de facto controvertida.</font> </p><p><font>y. Sob o prisma de Direito, cumpre, de facto, registar a sua errónea aplicação e violação, quando compaginadas as normas invocadas para sustentar o Acórdão recorrido, com a concreta configuração da relação jurídica substantiva da lide.</font> </p><p><font>z. É que, por a relação de que procedem os presentes autos se tratar de uma única e una relação contratual, com pluralidade de partes, estamos perante um litisconsórcio passivo. Foi assim que a Autora configurou a relação controvertida submetida a juízo.</font> </p><p><font>aa. São, pois, estas (a Autora e as duas Rés) as partes legítimas para a presente lide, nos termos do art. 30.º, n.º 3 do CPC.</font> </p><p><font>bb. O litisconsórcio pode ser voluntário ou necessário, conforme decorre dos arts. 32.º e 33.º do CPC. No caso vertente, estamos perante um litisconsórcio necessário passivo, por natureza, na medida em que o efeito jurídico pretendido pela Autora não pode ser produzido, a não ser que ambas as Rés estejam na mesma lide, dada a conexão substancial existente.</font> </p><p><font>cc. Por esta via, a incompetência internacional deste Tribunal quanto a uma das Rés determinaria, de forma direta, consequencial e inexorável, a imediata ilegitimidade da outra Ré, porquanto inexiste qualquer fundamento para esta estar por si só na lide.</font> </p><p><font>dd. Com efeito, muito embora as Rés sejam solidariamente responsáveis pelos prejuízos causados à Autora, permanece incerto e indeterminado o contributo individual de cada uma das Rés para os mesmos, o qual decorre unicamente do quadro da divisão interna de responsabilidades que as Rés terão estabelecido entre si. Não pode, por isso, a Autora/Recorrente, com todo o respeito, concordar com o entendimento do Tribunal da Relação&nbsp; ….. de que o litisconsórcio necessário por natureza é incongruente com o pedido de condenação solidária das Rés.</font> </p><p><font>ee. Ora, o negócio jurídico que serve de base à presente lide e que constitui a causa de pedir na mesma impõe a intervenção de ambas as Rés, como partes da mesma lide.</font> </p><p><font>ff. É, pois, imperativa a sua presença na mesma lide, não podendo produzir-se o seu efeito útil, se uma Ré for julgada num tribunal e a outra Ré for julgada noutro.</font> </p><p><font>gg. Reitera-se, pois, nesta sede, a posição já articulada pela Autora, em resposta à exceção arguida pelas Rés nesta matéria, a qual figura nos seus requerimentos n.º 31327043, de 24.01.2019, e 31640289, de 21.02.2019 – artigos 7 a 25 do último requerimento referido.</font> </p><p><font>hh. O acordo escrito celebrado entre a Autora e a 2.ª Ré, que foi junto sob o Doc. n.º 13 da PI e que foi dado como assente na douta decisão recorrida sob o ponto 3, é apenas uma parte da relação jurídica complexa e unitária que se estabeleceu entre a Autora e as duas Rés, integrando a mesma. E é desse contrato que emerge uma cláusula (cl. 21.4.) que aponta no sentido da eleição pela DoE da jurisdição holandesa apenas e só para dirimir matérias emergentes exclusivamente dessa relação contratual entre a Autora e a DoE. a 1.ª Ré não é parte nesse contrato, mas é parte nesta lide e na relação contratual a que se refere a causa de pedir.</font> </p><p><font>ii. A cláusula invocada não pode prevalecer em qualquer circunstância sobre normas imperativas, nomeadamente sobre o disposto nos arts. 30.º, n.º 3 e 33.º, n.ºs 2 e 3 do CPC, como aliás decorre do seu teor literal, nem sequer pode furtar-se à aplicação do regime das cláusulas contratuais gerais, conforme art. 25.º do Regulamento 1215/2012, Acórdão “Refcomp” do Tribunal de Justiça, de 07.02.2013, Acórdão “MSG” do Tribunal de Justiça, de 20.02.1997 e Acórdão do Tribunal de Justiça, de 07.07.2016, processo C-222/15.</font> </p><p><font>jj. Tudo sopesado, para efeitos do disposto no art. 674.º, n.º 1, alíneas a) e b) e n.º 2 do CPC, é entendimento da Autora/Recorrente que o Tribunal da Relação&nbsp; ….. violou o disposto nos arts. 30.º, n.º 3, 32.º e 33.º do CPC, bem como o art. 25.º do Regulamento n.º 1215/2012.</font> </p><p><font>kk. Subsidiariamente, caso o Supremo Tribunal de Justiça considere que a falha no que concerne à matéria de facto é de tal modo grave que impossibilita a fixação do regime jurídico a aplicar, deverá ser ordenada a anulação do Acórdão sob recurso e a repetição do julgamento, cujo resultado será passível de revista nos termos gerais – art. 683.º, n.º 2 do CPC. </font> </p><p><font>TERMOS EM QUE SE REQUER:</font> </p><p><font>A. SEJAM OS PRESENTES AUTOS REMETIDOS PARA O TRIBUNAL DA RELAÇÃO&nbsp; ….. (OU, CASO ESTE ASSIM O ENTENDA, PARA O TRIBUNAL&nbsp;&nbsp;DE 1.ª INSTÂNCIA) PARA AMPLIAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO EM ORDEM A CONSTITUIR BASE SUFICIENTE PARA A DECISÃO DE DIREITO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA.</font> </p><p><font>B. SEJAM INTRODUZIDAS AS MODIFICAÇÕES NA DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO ADVENIENTES DA OFENSA PELO TRIBUNAL DA RELAÇÃO ...….. DA FORÇA PROBATÓRIA DA CONFISSÃO DAS RÉS.</font> </p><p><font>C. SEJA RESOLVIDA A MATÉRIA DE DIREITO NOS TERMOS ORA PROPUGNADOS CUMPRINDO AO TRIBUNAL DA RELAÇÃO &nbsp;…. PRONUNCIAR-SE SOBRE OS FACTOS CUJA FALTA FOI DETETADA OU, CASO ASSIM NÃO SE ENTENDA, SEJA ORDENADA A ANULAÇÃO DO ACÓRDÃO SOB RECURSO E A REPETIÇÃO DO JULGAMENTO,</font> </p><p><font>ASSIM FAZENDO V. EXAS COLENDOS JUÍZES CONSELHEIROS DESTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA</font> </p><p><font>JUSTIÇA».</font> </p><p><font> </font><br> </p><p><b><font>11.2. </font></b><font>Na sua alegação de revista excecional, a recorrente formulou as seguintes conclusões:</font><br> </p><p><b><font>«a.</font></b><font> Por sentença com a referência 113340213, o Tribunal Judicial da Comarca&nbsp; .... julgou totalmente improcedente a ação intentada e absolveu a Ré DSC PT:</font> </p><p><i><font>Em</font></i><font> </font><i><font>face</font></i><font> </font><i><font>do</font></i><font> </font><i><font>exposto,</font></i><font> </font><i><font>julga-se</font></i><font> </font><i><font>totalmente</font></i><font> </font><i><font>improcedente</font></i><font> </font><i><font>a</font></i><font> </font><i><font>presente</font></i><font> </font><i><font>ação</font></i><font> </font><i><font>e,</font></i><font> </font><i><font>em</font></i><font> </font><i><font>consequência,</font></i><font> </font><i><font>absolve-se</font></i><font> </font><i><font>a</font></i><font> </font><i><font>Ré</font></i><font> </font><i><font>Driscolls</font></i><font> </font><i><font>Portugal</font></i><font> </font><i><font>–</font></i><font> </font><i><font>Produção</font></i><font> </font><i><font>e</font></i><font> </font><i>
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ATFbu4YBgYBz1XKvCPo4
1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><b><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; </font></b><br> <div><br> <font>Acordam em Conferência no Supremo Tribunal de Justiça</font></div><br> <br> <b><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; </font></b><br> <p><b><font> </font></b><br> </p><p><b><font>I - Relatório</font></b><br> </p><p><b><font> </font></b><br> </p><p><b><font>1. “DECISÕES E SOLUÇÕES - MEDIAÇÃO IMOBILIÁRIA, LDA”,</font></b><font> veio, ao abrigo do disposto nos artigos 685º, 666º e 615º n.º 1, al. </font><i><font>d)</font></i><font>, do Código de Processo Civil (CPC) arguir a nulidade do acórdão proferido em 14 de julho, que absolveu a ré dos pedidos, nos termos do artigo 615º, n.º 1, al. </font><i><font>d)</font></i><font>, do CPC, apresentando a seguinte reclamação:</font><br> </p><p><font>«1. Dispõe o art.º 615º n.º 1 al. d) do Cód. Proc. Civil que é nula a sentença </font><i><font>“quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.”</font></i><br> </p><p><font>2. Sendo tal preceito aplicável também aos acórdãos proferidos em sede recursiva, nomeadamente aqueles proferidos, em revista, pelo Supremo Tribunal de Justiça, por via da remissão expressa contida nos arts. 685º e 666º do Cód. Proc. Civil.</font><br> </p><p><font>ISTO POSTO</font><br> </p><p><font>3. Coligido o douto acórdão proferido, constata-se que o mesmo concedeu total provimento à revista, revogando o acórdão recorrido e absolvendo a Ré do pedido.</font><br> </p><p><font>4. Com efeito, ajuizou-se, além do mais que:</font><br> </p><p><i><font>“(…) nos contratos de adesão, em que uma das partes não negociou as cláusulas do contrato, que apenas se limitou a subscrever sem poder influenciar o seu conteúdo, o legislador vem em auxílio da parte mais fraca, estabelecendo no diploma das cláusulas contratuais gerais (art.º 19, al c) do DL n.º 446/85, de 25-10) um controlo judicial mais apertado da cláusula penal. Esta norma dispõe, relativamente aos contratos estabelecidos entre empresários, como ocorre no presente caso, que são proibidas as cláusulas penais desproporcionais aos danos a ressarcir, abrangendo esta proibição as cláusulas que visam a prévia fixação de montantes indemnizatórios. Esta norma vai mais longe do que a norma ínsita no art. 812º do Código Civil, num duplo sentido: nos pressupostos, porque se basta com a mera desproporcionalidade sem exigir requisitos de manifesto excesso; e nas suas consequências, porque consagra a nulidade da cláusula desproporcionada (artigo 12º e 13º do DL n.º 446/95) e não a mera possibilidade de redução do seu montante.</font></i><br> </p><p><i><font>Assim, no caso concreto há de avaliar-se a proporcionalidade entre a quantia fixada na cláusula penal e o valor dos danos.</font></i><br> </p><p><i><font>(…)</font></i><br> </p><p><i><font>Tendo em conta estas considerações gerais sobre a desproporção da cláusula penal, regressa-se agora ao caso concreto.</font></i><br> </p><p><i><font>No presente caso estamos perante a previsão de uma cláusula penal no valor de 50.000,00 euros, que fixa a indemnização a pagar pela Ré, em caso de incumprimento de qualquer uma das obrigações de não concorrência assumidas pela subscrição da cláusula 17ª do mesmo contrato. A obrigação cuja violação foi imputada (e provada) à Ré foi a obrigação desta não exercer, direta ou indiretamente, enquanto sócia, titular de participações sociais noutras sociedades, trabalhador, prestadora de serviços, independentemente do regime laboral ou contratual, e por qualquer meio, atividade concorrente com a da Autora, durante dois anos imediatamente seguintes à cessação do contrato. (…)</font></i><br> </p><p><i><font>Ora, no mesmo contrato, ao estipular-se o seu prazo, acordou-se que o mesmo vigoraria pelo prazo inicial de 1 ano, com a possibilidade de renovação sucessiva por iguais períodos, desde que na vigência do período anterior o mesmo tenha garantido uma faturação mínima à Autora e á sociedade do grupo da Autora “Decisões e Soluções – Consultores Financeiros, Lda” , em conjunto, pelo menos € 15.000,00, pois, caso tal não se verificasse, aquelas poderiam denunciar o contrato para o fim do prazo em curso (facto provado n.º 10, cláusula 16.ª do contrato).</font></i><br> </p><p><i><font>&nbsp;</font></i><br> </p><p><i><font>Admitia-se, pois, como adequada, uma execução do contrato de agência, o qual previa uma atuação da Ré a nível nacional (cláusula 5ª n.º 5) que proporcionasse, em conjunto, às duas sociedades principais, uma faturação anual no valor mínimo de € 15.000,00.</font></i><br> </p><p><i><font>Ora, apesar de estarmos perante a exigência de um valor mínimo, não existindo outros dados que atenuem a relevância deste nível de faturação, a previsão de que a continuação do desenvolvimento de igual atividade pela Ré, no ano seguinte à cessação do contrato, mas circunscrita à zona geográfica de ..., era suscetível de causar, unicamente à Autora, uma quebra de faturação no montante de € 50.000,00 é manifestamente exagerada.</font></i><br> </p><p><i><font>Se o valor mínimo admissível de faturação das duas sociedades principais por ação da Ré em todo o território nacional, tinha sido contratualmente previsto no montante anual de € 15.000,00 (Cláusula 16ª, paragrafo 1º), a avaliação prospetiva da quebra de faturação anual, apenas da Autora, naquele restrito espaço geográfico, ..., em € 50.000,00, revela-se um cálculo exorbitante.</font></i><br> </p><p><i><font>Em conclusão, sendo o montante da cláusula penal estabelecida no contrato de agência celebrado entre a Autora e a Ré manifestamente desproporcionado em relação ao valor dos prejuízos prováveis no momento da celebração do contrato, esta cláusula é nula, nos termos dos artigos 12º e 13º do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro.</font></i><br> </p><p><i><font>Ao concluir-se pela nulidade da cláusula penal que a Autora pretendia acionar, ficam prejudicadas as questões do abuso de direito e do conhecimento da possibilidade de redução da cláusula penal.</font></i><br> </p><p><i><font>Tendo a Autora, na presente ação, acionado a cláusula penal, que se declara nula, sem peticionar, subsidiariamente, o valor real dos prejuízos sofridos com a violação do pacto de não concorrência pós-contratual, a ação tem que improceder, pelo que o recurso de revista interposto deve ser julgado procedente, revogando-se decisão recorrida e absolvendo-se a Ré do pedido formulado. (…)</font></i><br> </p><p><font>5. Tal como resulta do trecho da decisão supra transcrito, julgou este Supremo Tribunal a ação improcedente, única e exclusivamente por virtude da declaração de nulidade da cláusula penal associada à violação da obrigação de não concorrência </font><i><font>post pactum finitum </font></i><font>vertida na cláusula 17ª do contrato celebrado entre as partes, e ao abrigo do disposto nos arts. 12º, 13º e 19º al c) do DL n.º 446/85.</font><br> </p><p><font>6. Porém, e salvo o devido respeito por diverso entendimento, entende a A./Recorrida que, ao proferir tal decisão e julgando a cláusula nula na sequência da aplicação de tais preceitos legais, este Mmo. Tribunal extrapolou o âmbito dos seus poderes de cognição, incorrendo nulidade por violação do disposto nos arts. 608º n.º 2 e 635º n.º 5 do Cód. Proc. Civil.</font><br> </p><p><font>7. Verificando-se, igualmente, a nulidade do douto acórdão recorrido, nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 615º n.º 1 al. d) do Cód. Proc. Civil, por ter incorrido em excesso de pronúncia.</font><br> </p><p><font>VEJAMOS</font><br> </p><p><font>8. Coligidos os presentes autos, constata-se que a douta sentença proferida na 1ª instância, julgou a presente ação improcedente, absolvendo a R. do pedido, e apresentando o seguinte fundamento:</font><br> </p><p><i><font>“(...) o art.º 13º, n.º 1 al g) do Decreto-lei n.º 178/86 de 03/07 não deixa margem para dúvidas quando afirma que o agente tem direito a “uma compensação, pela obrigação de não concorrência após a cessação do contrato”</font></i><br> </p><p><i><font>Na medida em que não resulta dos factos provados que a cláusula em questão tenha sido objecto de negociação individual e que a ré tenha voluntária e expressamente abdicado da compensação a que tem direito pelo período de inatividade, tratando-se de um contrato de adesão, como vimos acima, apenas se pode concluir que a autora violou clamorosamente a lei ao ter estipulado uma cláusula de não concorrência que inclui igualmente uma cláusula pela (cujo pagamento vem peticionar nos autos), sem ter ela própria providenciado pelo cumprimento das obrigações legais</font></i><br> </p><p><i><font>que sobre si recaíam de prever uma compensação pelo período de inactividade cujo desrespeito reclama.</font></i><br> </p><p><i><font>Assim sendo, a autora desrespeitou e desconsiderou abertamente as obrigações que para si derivam do art. 13, n.º 1 al g) do Decreto-Lei n.º 178/86 de 03/07. E age de uma forma absolutamente abusiva quando vem exigir em Tribunal o cumprimento pontual de um contrato imbuído de uma clausula ilegal, estipulada unilateralmente por si. (…)</font></i><br> </p><p><i><font>Consequentemente, verificam-se aqui duas modalidades do abuso de direito na sua vertente de “tu quoque”, a saber, a autora (1) exerce a posição jurídica violada pela própria (ao exigir o cumprimento de uma cláusula ilegal unilateralmente formulada) e (2) exige a outrem o acatamento da situação já violada (só vê as obrigações emergentes da cláusula de não-concorrência para a ré e nunca para si própria); em suma, a autora violou as obrigações que sobre si recaiam na previsão da cláusula, omitindo uma compensação que era devida ao agente pelo período de inactividade por força da cláusula de não concorrência e vem agora exigir á ré o cumprimento de uma cláusula ilegal cuja invalidade foi por si (pela autora) provocada.</font></i><br> </p><p><i><font>Consequentemente, a pretensão da autora deve ser paralisada ao abrigo do abuso de direito, na sua modalidade de “tu quoque” (art.º 334º do Cód. Civil)”</font></i><br> </p><p><font>9. Não versou tal decisão sobre a eventual aplicação aos autos, e para efeitos de aferição da validade da cláusula penal do disposto nos arts. 12º, 13º ou 19º do DL 486/85, de 25 de outubro, disposições que, sempre se diga, a R. não invocou em sede de contestação, apenas suscitando a aplicação de tais normas em sede de recurso de revista.</font><br> </p><p><font>10. Inconformada com a decisão proferida na 1ª instância, a A. interpôs recurso de apelação.</font><br> </p><p><font>11. Não foi apresentado pela R. recurso subordinado.</font><br> </p><p><font>12. Em sede de apreciação das questões colocadas pela A. em sede de apelação, foi proferido douto acórdão pelo Tribunal da Relação e de cujo teor decisório decorre que o mesmo incidiu sobre apenas sobre uma concreta questão:</font><br> </p><p><i><font>“Da (in)verificação de abuso de direito no exercício, pela A., do direito à indemnização contratualmente convencionada para a violação da obrigação de não concorrência”.</font></i><br> </p><p><font>13. Foi esta a questão apreciada e dirimida no acórdão proferido pelo Tribunal da Relação, desde logo, porque foi com fundamento no instituto do abuso de direito que, na 1ª instância, se julgou a ação improcedente.</font><br> </p><p><font>14. Assim, e em sede de apelação, foi doutamente entendido que:</font><br> </p><p><i><font>“(…)</font></i><br> </p><p><i><font>Passando agora à questão da validade da cláusula penal, começaremos por salientar que na decisão posta em crise também não se questiona – em abstracto – a validade de uma cláusula penal estabelecida para o caso de incumprimento, no contexto do contrato de agência (ou subagência), da obrigação de não concorrência temporária do agente após a cessação do contrato. Tal possibilidade decorre, de resto, da faculdade concedida às partes de fixar livremente, dentro dos limites da lei, o conteúdo dos contratos.</font></i><br> </p><p><i><font>Considerou, porém, a sentença que, tratando-se de um contrato cujas cláusulas não foram objeto de prévia negociação individualizada entre as partes, do facto de não ter sido neles prevista qualquer compensação à agente pelo período de inactividade posterior à cessação do contrato, resultava um manifesto e excessivo desequilíbrio contratual que acabaria por se traduzir numa intolerável restrição à liberdade de concorrência e iniciativa económica privada.</font></i><br> </p><p><i><font>Nessas concretas circunstâncias seria ilegítimo o exercício do direito à indemnização prevista na cláusula penal.</font></i><br> </p><p><i><font>Numa breve nota dir-se-á que, aceitando embora que a ré possa não ter tido qualquer influência na estipulação do teor das cláusulas em questão, resulta dos factos descritos nos pontos 27 e 28 da sentença que a ré, ao outorgar os contratos em questão, estava perfeitamente ciente do teor e alcance de todas as cláusulas neles contidas.</font></i><br> </p><p><i><font>A questão que se coloca é, portanto, a de saber se, objetivamente, as cláusulas de um contrato de agência através das quais se convenciona a não concorrência temporária do agente após a cessação do contrato e uma indemnização para o caso da violação dessa obrigação a título de cláusula penal, são nulas e de nenhum efeito quando o contrato é omisso acerca da compensação devida ao agente pela obrigação de não concorrência temporária.</font></i><br> </p><p><i><font>Tal omissão representa a violação de alguma norma ou princípio que se imponha à vontade das partes?</font></i><br> </p><p><i><font>Tal omissão viola, de forma manifesta os limites impostos pela boa fé ou pelo fim social e económico do direito, tornando ilegítimo o exercício dos poderes que o direito incorporado nas cláusulas em questão encerra?</font></i><br> </p><p><i><font>Procuraremos de seguida justificar a resposta negativa a tais questões. (…)</font></i><br> </p><p><i><font>(…)</font></i><br> </p><p><i><font>Na perspetiva da sentença impugnada ocorreriam os pressupostos dessa modalidade de manifestação do abuso de direito na medida em que a autora, tendo elaborado as cláusulas dos contratos de subagência celebrados com a ré, fez deles constar a obrigação de não concorrência temporária do agente estabelecendo para o seu incumprimento uma cláusula penal, sem que tenha correspondentemente previsto o direito a uma compensação ao agente pelo cumprimento dessa mesma obrigação contratual.</font></i><br> </p><p><i><font>Consistindo essa omissão no facto ilícito pressuposto pelo abuso de direito na modalidade de abuso de direito em causa, a exigência da indemnização previamente fixada por incumprimento da obrigação de não concorrência por parte do agente ficaria inviabilizada por abuso de direito.</font></i><br> </p><p><i><font>Não acompanhamos a sentença impugnada neste entendimento.</font></i><br> </p><p><i><font>Sem pôr em causa que os termos do contrato foram previamente elaborados pela autora, não impendia sobre ela a obrigação legal de neles fazer menção à compensação devida à ré pela não concorrência durante determinado período após a cessação da vigência dos contratos de agência.</font></i><br> </p><p><i><font>De acordo com o regime legal do contrato de agência, o direito do agente a uma compensação pela obrigação temporária de não concorrência após a cessação do contrato não está dependente de acordo das partes ou de estipulação contratual, antes resulta directamente da lei, mais precisamente, do artigo 13º alínea g) do Decreto-Lei 178/86, de 3 de julho com as alterações introduzidas pelo Decreto lei 118/93 de 13 de Abril.</font></i><br> </p><p><i><font>Se é certo que a obrigação de não concorrência temporária do agente lhe confere o direito a uma compensação, esta não fica excluída pelo facto de o contrato celebrado ser omisso acerca do concreto valor a receber pelo agente.</font></i><br> </p><p><i><font>Não se trata, portanto, de um pressuposto da validade do pacto de não concorrência nem da cláusula penal conexa. (…)</font></i><br> </p><p><i><font>Daí que a omissão nos contratos outorgados entre as partes de qualquer referência à compensação pela não concorrência após a sua cessação não tenha como consequência a nulidade do contrato ou a das clausulas de não concorrência temporária nele inseridas que respeitam o respetivo regime legal atrás descrito.</font></i><br> </p><p><i><font>Da mesma forma que não invalida a clausula através da qual as partes fixaram, por acordo, o montante da indemnização exigível em caso de incumprimento da obrigação de não concorrência,</font></i><br> </p><p><i><font>Retomando então a análise acerca dos requisitos do abuso de direito na modalidade do “tu quoque" que fundamentou a sentença impugnada, dir-se-á que não ocorre a violação de uma norma jurídica por parte da autora que pretenda agora beneficiar, não assumindo essa natureza a omissão à referência ao valor da compensação a atribuir à ré pelo cumprimento da obrigação de não concorrência que, de resto, esta não observou.</font></i><br> </p><p><i><font>Essa circunstância afasta o excesso dos limites da boa fé, tornando inaplicável o instituto do abuso de direito nessa modalidade invocada.</font></i><br> </p><p><i><font>Ao exigir o pagamento do valor da indemnização acordada pelas partes para o caso de incumprimento da obrigação de não concorrência por parte da ré em relação á atividade por si desenvolvida no mesmo ramo de actividade comercial e zona geográfica antes de ter decorrido o período temporal estabelecido, a autora limita-se a exercer o direito que o contrato lhe confere.</font></i><br> </p><p><i><font>Em conclusão, não pode manter-se a decisão que, apesar de reconhecer a validade formal das cláusulas de não concorrência por parte da ré e da conexa cláusula penal, declarou ser ilegítimo o exercício do direito à indemnização peticionada.</font></i><br> </p><p><i><font>Verificados que estão os demais pressupostos da responsabilidade contratual, nomeadamente as condições de funcionamento da cláusula penal e tendo sido previamente estabelecido o valor da indemnização a prestar pela ré em caso de incumprimento da obrigação de não concorrência temporariamente pós a cessação dos contratos, a acção deverá ser julgada procedente. (…)</font></i><br> </p><p><font>15. Sempre com o máximo respeito por diverso entendimento, tendo sido esta – a da verificação ou não de uma situação de abuso de direito - a questão submetida em sede de recurso de apelação e, naturalmente, objeto de decisão pelo Tribunal da Relação, e não tendo a R. recorrente em sede de apelação suscitado a ampliação do objeto de recurso (como sempre o poderia fazer, ao abrigo do disposto no art.º 636º do Cód. Proc. Civil, nomeadamente para aferição da validade da cláusula penal), deveria a mesma balizar o âmbito de intervenção do Supremo Tribunal de Justiça.</font><br> </p><p><font>16. Certo é que, como dimana expressamente do douto acórdão proferido em sede de apelação, não esteve nunca posta em crise a validade da cláusula penal associada ao incumprimento da obrigação de não concorrência.</font><br> </p><p><font>17. (…) Com efeito, como é consabido, a natureza do recurso, como meio de impugnação de uma anterior decisão judicial, determina, para além das demais, uma importante limitação ao seu objeto, limitação essa decorrente do facto de, em termos gerais, apenas poder incidir sobre questões que tenham sido anteriormente apreciadas, não podendo confrontar-se o tribunal ad quem com questões novas.</font><br> </p><p><font>Assim o tem afirmado a Doutrina e a Jurisprudência, escrevendo-se a esse propósito no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17 de novembro de 2016 (in www.dgsi.pt, processo n.º 861/13.3TTVIS.C1.S2) o seguinte:</font><br> </p><p><i><font>“De acordo com a terminologia proposta por Teixeira de Sousa[1], não pode deixar de se ter presente que tradicionalmente seguimos, em sede de recurso, no âmbito do processo civil, um modelo de reponderação que visa o controlo da decisão recorrida e não um modelo de reexame que permita a repetição da instância no Tribunal de recurso.</font></i><br> </p><p><i><font>Para se concluir no sentido de que os recursos destinam-se à apreciação de questões já antes levantadas e decididas no processo e não a provocar decisões sobre questões que antes não foram submetidas ao contraditório e decididas pelo Tribunal recorrido.</font></i><br> </p><p><i><font>Com efeito, em sede recursória o que se põe em causa e se pretende alterar é o teor da decisão recorrida e os fundamentos desta. A sua reapreciação e julgamento terão de ser feitos no seio do mesmo quadro fáctico e condicionalismo do qual emergiu a sentença proferida e posta em crise.</font></i><br> </p><p><i><font>A este propósito, também Abrantes Geraldes [3] explicita que os recursos se destinam a permitir que um Tribunal hierarquicamente superior proceda à reponderação da decisão recorrida, objetivo que se reflete na delimitação das pretensões que lhe podem ser dirigidas e no leque de competências suscetíveis de serem assumidas.</font></i><br> </p><p><i><font>O mesmo é dizer que devem circunscrever-se às questões que já tenham sido submetidas ao Tribunal de categoria inferior e aos fundamentos em que a sentença se alicerçou e que resultaram da prova produzida e carreada para os autos, salvo, naturalmente, as questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos imprescindíveis ao seu conhecimento.</font></i><br> </p><p><i><font>Não permitindo a lei que nos recursos sejam discutidas questões novas que não foram suficientemente submetidas ao escrupuloso respeito pela regra do contraditório, a fim de obviar que, numa etapa desajustada, se coloquem questões que nem sequer puderam ser convenientemente discutidas ou apreciadas. (…)</font></i><br> </p><p><i><font>(cfr. Douto Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 17/01/2022, proferido no âmbito do Processo n.º 413/18.1T8PNF.P1, disponível na íntegra em www.dgsi.pt)</font></i><br> </p><p><font>18. Ora, coligidas as alegações de revista e respetivas conclusões – e tal como foi oportunamente assinalado nas contra-alegações, constata-se que as efetivas questões que a recorrente veio suscitar em sede de revista, consubstanciaram-se no seguinte:</font><br> </p><p><font>- violação de lei substantiva, por erro de interpretação e aplicação de normas jurídicas aplicáveis ao caso </font><i><font>sub judice</font></i><font>, concretamente o regime jurídico das cláusulas contratuais gerais, previsto no Decreto-lei n.º 446/85, de 25 de Outubro (cfr. Conclusão B)</font><br> </p><p><font>- nulidade da cláusula penal associada ao incumprimento da obrigação de não concorrência, nos termos do art.º 13º do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro (cfr. Conclusão D)</font><br> </p><p><font>- violação do disposto no art. 13º alínea g) do Decreto-Lei n.º 178/86, de 3 de Julho, e dos princípios da necessidade, adequação e proporcionalidade (cfr. Conclusão H)</font><br> </p><p><font>- repristinação da decisão proferida na 1º instância, fundamentada no exercício abusivo do direito por parte da A./recorrida (cfr. Conclusão N)</font><br> </p><p><font>- redução da cláusula penal (cfr. Conclusão O)</font><br> </p><p><font>- atribuição de uma compensação pela assunção da obrigação de não concorrência (cfr. Conclusões Q a S)</font><br> </p><p><font>19. Atendendo ao conteúdo do douto acórdão proferido em sede de apelação, considerou a A. que em sede de revista, por via das aludidas decisões e questões ali dirimidas, o Supremo Tribunal de Justiça apenas poderia aferir da única questão que compôs a apelação e que foi decidida no douto acórdão recorrido: </font><i><font>“Da (in)verificação de abuso de direito no exercício, pela A., do direito à indemnização contratualmente convencionada para a violação da obrigação de não concorrência”.</font></i><br> </p><p><font>20. Desde logo porque a R. não pôs oportunamente em causa – como poderia fazer mediante ampliação do objeto de recurso – a validade da cláusula da qual emerge a obrigação de não concorrência, nem a validade da cláusula penal à mesma associada.</font><br> </p><p><font>21. O que faz apenas em sede de recurso de revista.</font><br> </p><p><font>22. Onde, aliás, veio suscitar a nulidade da cláusula penal, invocando um fundamento nunca até então nunca trazido aos autos (i.e. a nulidade fundada na aplicação do art.º 13º do RJCCG)</font><br> </p><p><font>23. Perante esta realidade, não tendo a R., em momento oportuno, manifestado o seu inconformismo com o decidido na 1ª instância a respeito da validade das cláusulas contratuais em apreço, tal segmento decisório consolidou-se (vide o disposto no art.º 635º n.º 5 do Cód. Proc. Civil).</font><br> </p><p><font>24. O que inabilitava a R. a suscitar, aqui em sede de revista, todas e quaisquer questões que, pese embora tenham sido afloradas na 1ª instância, mas não foram levadas a douta sindicância do Tribunal da Relação (situação que oportunamente se suscitou em sede de contra alegações de revista).</font><br> </p><p><font>25. No caso concreto, tais questões compreendem todas aquelas suscitadas na revista, com exceção do conhecimento do abuso de direito, já que foi apenas com este fundamento (e não outro) que foi julgada improcedente a ação na 1ª instância e revogada a mesma no Tribunal da Relação.</font><br> </p><p><font>26. No modesto entendimento da A., ora exponente, todas as questões levantadas pela R./recorrente em sede de revista, que não a que contende com o instituto do abuso de direito, extravasaram o âmbito do recurso de revista.</font><br> </p><p><font>27. Sendo, pois, verdadeiras questões novas.</font><br> </p><p><font>28. Na sequência do que se aflorou supra, é consabido que, atentos os poderes de cognição do Tribunal de recurso, há uma impossibilidade legal do tribunal conhecer de “questões novas” (excetuando aquelas que sejam de conhecimento oficioso, o que não é o caso), posição essa que encontra arrimo na nossa Jurisprudência, de forma praticamente unânime.</font><br> </p><p><font>29. Diz-se no sumário do Douto Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 14/03/2019, proferido no processo n.º 294/15.7T8EPS.G12:</font><br> </p><p><i><font>“I – Os recursos ordinários pressupõem o reexame da decisão proferida dentro dos mesmos pressupostos em que se encontrava o tribunal recorrido no momento em que a proferiu, não sendo meio para obter decisões novas”</font></i><br> </p><p><font>30. O que se verifica nos autos, é que na revista, veio a R./recorrente tentar suprir a sua falta de alegação fáctica e jurídica a respeito da eventual nulidade da cláusula penal, levantando, só agora, a questão da pretensa aplicação do art. 13º do RJCCG suscitando tal questão que era, nesse momento, verdadeiramente inédita nos autos.</font><br> </p><p><font>31. E, de forma que constitui um gritante extravasar dos poderes de cognição deste Supremo Tribunal, no douto acórdão aqui posto em crise ajuizou-se, ao abrigo do disposto nos arts. 12º, 13º e 19º al c) do DL n.º 446/85, que </font><i><font>“é nula, por desproporção em relação aos danos previsíveis, a cláusula penal que fixa para o incumprimento da obrigação de não concorrência um valor de € 50.000,00, em relação ao exercício da mesma atividade profissional pela ré, em ..., quando no momento da celebração do contrato, se estimou como valor mínimo da faturação anual para o conjunto das empresas do grupo, em todo o território nacional, uma quantia de 15.000,00 euros”</font></i><br> </p><p><font>32. Reitere-se que a aplicação do disposto nos arts. 12º, 13º e 19º al c) do DL n.º 446/85 para efeitos de aferição da validade da cláusula penal em apreço, não foi aflorada em sede de apelação, e por conseguinte, não foi invocada, nem na 1ª instância, nem em sede de ampliação do objeto da apelação, nem foi objeto de pronúncia no acórdão proferido pelo Tribunal da Relação.</font><br> </p><p><font>33. Sendo certo que, recordando as doutas palavras ínsitas no acórdão proferido pela Relação </font><i><font>“passando agora à questão da validade da cláusula penal, começaremos por salientar que na decisão posta em crise também não se questiona – em abstrato – a validade de uma cláusula penal estabelecida para o caso de incumprimento, no contrato de agência (ou subagência) da obrigação de não concorrência”.</font></i><br> </p><p><font>34. Não se questionou esta validade em abstrato e em concreto, pois a sentença proferida na 1ª instância dirimiu a questão por apelo ao abuso de direito e não por apelo à (in)validade da cláusula penal.</font><br> </p><p><font>35. Decisão essa com a qual a R. se conformou.</font><br> </p><p><font>36. Pelo que, e sempre com o máximo respeito por diverso entendimento, não poderia ter sido conhecido o objeto do recurso de revista, na parte em que extravasava a questão que contendia com o instituto do abuso de direito.</font><br> </p><p><font>37. Não podia a recorrente pugnar em sede de revista pelo conhecimento de questões novas e muito menos poderá pretende ver sindicada (novamente) a questão da validade das cláusulas em apreço, pois que uma decisão nesse sentido sempre incorreria em violação do disposto no art.º 635º n.º 5 do Cód. Proc. Civil.</font><br> </p><p><font>38. Dado que, estava definitivamente ajuizada a questão relativa à validade do pacto de não concorrência e da cláusula penal ao mesmo associada, tendo sido doutamente decidido que as mesmas não padecem de invalidade.</font><br> </p><p><font>39. A única questão que se mostrava ainda por apurar nos autos, consistia na aplicação ou não do instituto do abuso de direito.</font><br> </p><p><font>40. Sucede que, não obstante, e face ao supra descrito, se impor ao Supremo Tribunal de Justiça que decidisse pelo não conhecimento do objeto do recurso, em tudo o fosse para além da questão atinente ao instituto do abuso de direito, tendo sido tal questão expressamente suscitada nas contra-alegações,</font><br> </p><p><font>41. Este Supremo Tribunal não tomou uma qualquer posição concreta sobre o assim requerido pela recorrente nas contra-alegações</font><br> </p><p><font>42. E, em franca violação do disposto nos arts. 608º n.º 2, 635º n.º 5 e 615º n.º 1 al d) do Cód. Proc. Civil, proferiu decisão por apelo ao disposto nos arts. 12º, 13º e 19º do DL 446/95, julgando nula a cláusula penal inserta no contrato, dando, pois, cobertura ao conhecimento de uma questão nova e contraditória diante do vertido na decisão da 1º instância (nessa parte não impugnada).</font><br> </p><p><font>43. Face ao supra expendido, e salvo o merecido respeito por entendimento diverso, deverá julgar-se verificada a nulidade do acórdão proferido, por violação do disposto nos art.º 608º n.º 2 e 635º n.º 5 do Cód. Proc. Civil e, ainda, verificada a nulidade consagrada no art.º 615º n.º 1 al d) do Cód. Proc. Civil, ex vi art.º 666º do Cód. Proc. Civil.</font><br> </p><p><font>44. Nulidade essa que se deixa expressamente alegada, para todos os devidos efeitos legais.</font><br> </p><p><font>NESTE TERMOS E NOS MAIS DE DIREITO QUE V. EXA. DOUTAMENTE SUPRIRÁ DEVERÁ PROCEDER A PRESENTE ARGUIÇÃO DE NULIDADE, ANULANDO-SE O DOUTO ACÓRDÃO PROFERIDO E PROFERINDO-SE NOVA DECISÃO QUE, NOS MOLDES SUPRA DESCRITOS, SE CONTENHA NO ÂMBITO LEGALMENTE ADMISSÍVEL DO RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO». </font><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><b><font>2.</font></b><font> A reclamada nada veio dizer em resposta à reclamação. </font><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><font>Cumpre apreciar e decidir.</font><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><b><font>II – Fundamentação</font></b><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><b><font>1.</font></b><font> A reclamante veio impugnar o acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça proferido neste processo, em 14 de julho de 2022, que revogou o acórdão recorrido e absolveu a ré dos pedidos formulados.</font><br> </p><p><font>A reclamante pede a nulidade do acórdão por excesso de pronúncia (artigo 615.º, n.º 1, al. </font><i><font>d),</font></i><font> do CPC), com base nos seguintes argumentos: </font><i><font>i)</font></i><font> a nulidade da cláusula penal associada à violação da obrigação de não concorrência decretada pelo Supremo Tribunal de Justiça com base nos artigos 12.º, 13.º e 19.º, al. </font><i><font>c),</font></i><font> do DL n.º 446/85 constitui uma questão nova, não decidida pelas instâncias e que foi apenas suscitada pela ré no recurso de revista; </font><i><font>ii)</font></i><font> o Supremo decretando a nulidade d
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><b><font>&nbsp;</font></b><div><br> <font>Acordam em Conferência no Supremo Tribunal de Justiça </font></div><br> <br> <font> </font><br> <p><b><font>I – Relatório </font></b><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><b><font>1. AA</font></b><font> e </font><b><font>Generali</font></b><font> </font><b><font>Seguros,</font></b><font> </font><b><font>S.A.,</font></b><font> Autor e Ré respetivamente, tendo sido notificados do Acórdão deste Supremo Tribunal vêm requerer, nas suas palavras, o seguinte: </font><i><font>“(…) subsistindo dúvidas na interpretação a dar quanto ao valor da condenação pela privação de uso e quanto às custas, vêm requerer os seguintes esclarecimentos quanto à interpretação a dar às seguintes questões”:</font></i><br> </p><p><font> </font> </p><p><b><u><font>«Quanto à condenação pela privação de uso</font></u></b><br> </p><p><font> </font> </p><p><b><font>1.</font></b><font> Este douto Tribunal após analisar os fundamentos do tribunal de 1ª instância e os fundamentos do Tribunal da Relação quanto à condenação pela privação de uso concluiu:&nbsp; </font><br> </p><p><i><font>“Em</font></i><font> </font><i><font>conclusão,</font></i><font> </font><i><font>condena-se</font></i><font> </font><i><font>a</font></i><font> </font><i><font>seguradora</font></i><font> </font><i><font>a</font></i><font> </font><i><font>pagar</font></i><font> </font><i><font>a</font></i><font> </font><i><font>indemnização</font></i><font> </font><i><font>pelo</font></i><font> </font><i><font>dano</font></i><font> </font><i><font>da</font></i><font> </font><i><font>privação</font></i><font> </font><i><font>do</font></i><font> </font><i><font>uso,</font></i><font> </font><i><font>nos</font></i><font> </font><i><font>termos</font></i><font> </font><i><font>decididos</font></i><font> </font><i><font>pelo</font></i><font> </font><i><font>tribunal</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>1.ª</font></i><font> </font><i><font>instância,</font></i><font> </font><i><font>bem</font></i><font> </font><i><font>como</font></i><font> </font><i><font>pelos</font></i><font> </font><i><font>danos</font></i><font> </font><i><font>decorrentes</font></i><font> </font><i><font>das</font></i><font> </font><i><font>despesas</font></i><font> </font><i><font>com</font></i><font> </font><i><font>o</font></i><font> </font><i><font>parqueamento,</font></i><font> </font><i><font>estes</font></i><font> </font><i><font>últimos</font></i><font> </font><i><font>a</font></i><font> </font><i><font>calcular</font></i><font> </font><i><font>em</font></i><font> </font><i><font>execução</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>sentença,</font></i><font> </font><i><font>conforme</font></i><font> </font><i><font>também</font></i><font> </font><i><font>decidido</font></i><font> </font><i><font>pelo</font></i><font> </font><i><font>tribunal</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>1.ª</font></i><font> </font><i><font>instância.”</font></i><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><font> </font> </p><p><b><font>2.</font></b><font> A decisão final deste douto tribunal foi:</font> </p><p><font> </font> </p><p><i><font>“Pelo</font></i><font> </font><i><font>exposto,</font></i><font> </font><i><font>concede-se</font></i><font> </font><i><font>a</font></i><font> </font><i><font>revista,</font></i><font> </font><i><font>revoga-se</font></i><font> </font><i><font>parcialmente</font></i><font> </font><i><font>o</font></i><font> </font><i><font>acórdão</font></i><font> </font><i><font>recorrido</font></i><font> </font><i><font>e</font></i><font> </font><i><font>repristina-se</font></i><font> </font><i><font>a</font></i><font> </font><i><font>sentença</font></i><font> </font><i><font>do</font></i><font> </font><i><font>tribunal</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>1.ª</font></i><font> </font><i><font>instância.”</font></i><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><font> </font> </p><p><b><font>3.</font></b><font> Já a sentença de 1ª instância determinou a respeito da privação de uso: </font> </p><p><i><font>“Para</font></i><font> </font><i><font>calcular</font></i><font> </font><i><font>a</font></i><font> </font><i><font>quantia</font></i><font> </font><i><font>devida</font></i><font> </font><i><font>pela</font></i><font> </font><i><font>privação</font></i><font> </font><i><font>do</font></i><font> </font><i><font>uso,</font></i><font> </font><i><font>importa</font></i><font> </font><i><font>atentar</font></i><font> </font><i><font>na</font></i><font> </font><i><font>utilização</font></i><font> </font><i><font>que</font></i><font> </font><i><font>o</font></i><font> </font><i><font>Autor</font></i><font> </font><i><font>fazia</font></i><font> </font><i><font>do</font></i><font> </font><i><font>seu</font></i><font> </font><i><font>veículo,</font></i><font> </font><i><font>bem</font></i><font> </font><i><font>como,</font></i><font> </font><i><font>que</font></i><font> </font><i><font>desde</font></i><font> </font><i><font>14/12/2017</font></i><font> </font><i><font>o</font></i><font> </font><i><font>Autor</font></i><font> </font><i><font>deixou</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>beneficiar</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>veículo</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>substituição</font></i><font> </font><i><font>e</font></i><font> </font><i><font>ainda</font></i><font> </font><i><font>não</font></i><font> </font><i><font>recebeu</font></i><font> </font><i><font>qualquer</font></i><font> </font><i><font>indemnização</font></i><font> </font><i><font>da</font></i><font> </font><i><font>Ré,</font></i><font> </font><i><font>por</font></i><font> </font><i><font>isso,</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>acordo com</font></i><font> </font><i><font>a</font></i><font> </font><i><font>equidade</font></i><font> </font><i><font>deve</font></i><font> </font><i><font>ser</font></i><font> </font><i><font>fixada</font></i><font> </font><i><font>desde</font></i><font> </font><i><font>já</font></i><font> </font><i><font>a</font></i><font> </font><i><font>quantia</font></i><font> </font><i><font>global</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>€8.655,00,</font></i><font> </font><i><font>correspondente</font></i><font> </font><i><font>aproximadamente</font></i><font> </font><i><font>à</font></i><font> </font><i><font>quantia</font></i><font> </font><i><font>diária</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>€15,00.</font></i><br> </p><p><i><font>Em</font></i><font> </font><i><font>suma,</font></i><font> </font><i><font>a</font></i><font> </font><i><font>Ré</font></i><font> </font><i><font>está</font></i><font> </font><i><font>obrigada</font></i><font> </font><i><font>a</font></i><font> </font><i><font>indemnizar</font></i><font> </font><i><font>o</font></i><font> </font><i><font>Autor</font></i><font> </font><i><font>na</font></i><font> </font><i><font>quantia</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>€8.655,00</font></i><font> </font><i><font>(oito</font></i><font> </font><i><font>mil,</font></i><font> </font><i><font>seiscentos</font></i><font> </font><i><font>e</font></i><font> </font><i><font>cinquenta</font></i><font> </font><i><font>e</font></i><font> </font><i><font>cinco</font></i><font> </font><i><font>euros),</font></i><font> correspondente à privação do uso do seu veículo desde a referida data.”</font><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><font> </font> </p><p><b><font>4.</font></b><font> Tendo em conta estes factos, as partes solicitam que este douto Tribunal esclareça:</font><br> </p><p><font>a) se o valor devido pela privação de uso é de € 8.655,00, conforme foi decidido pelo tribunal de 1ª instância com recurso à equidade?</font> </p><p><font>b) ou se o valor de condenação são os € 8.655,00 decididos desde a sentença do Tribunal de 1ª instância, acrescidos de um valor de € 15,00/dia até liquidação do valor da condenação?</font><br> </p><p><font> </font> </p><p><b><u><font>Quanto à condenação em custas</font></u></b><br> </p><p><font> </font> </p><p><b><font>5.</font></b><font> Este douto Tribunal determinou quanto às custas o seguinte: </font><i><font>“Custas</font></i><font> </font><i><font>pela</font></i><font> </font><i><font>recorrida.”</font></i><br> </p><p><font> </font> </p><p><b><font>6.</font></b><font> Já a sentença do Tribunal de 1ª instância, que o Supremo Tribunal de Justiça repristinou, determinou quanto a custas:</font> </p><p><i><font>“As</font></i><font> </font><i><font>custas</font></i><font> </font><i><font>são</font></i><font> </font><i><font>a</font></i><font> </font><i><font>cargo</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>Autor</font></i><font> </font><i><font>e</font></i><font> </font><i><font>Ré,</font></i><font> </font><i><font>na</font></i><font> </font><i><font>proporção</font></i><font> </font><i><font>do</font></i><font> </font><i><font>decaimento</font></i><font> </font><i><font>“</font></i><br> </p><p><font> </font> </p><p><b><font>7.</font></b><font> Tendo em conta estes factos, as partes solicitam que este douto Tribunal esclareça:</font><br> </p><p><font>a) Se as custas pela recorrida dizem respeito só à instância de recurso do Supremo Tribunal de Justiça e nas demais instâncias, deve ser aplicada a proporção do decaimento, uma vez que o Autor teve efectivamente um decaimento?</font><br> </p><p><font>b) Ou se se deve aplicar as custas pela recorrida em todas as instâncias?»</font><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; </font><br> </p><p><b><font>II – Fundamentação</font></b><br> </p><p><b><font> </font></b><br> </p><p><b><font>1.</font></b><font> Pedem as partes esclarecimentos sobre a interpretação a dar à decisão do acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, no que diz respeito ao cálculo da indemnização atribuída a título de dano da privação do uso e no que diz respeito a custas.</font><br> </p><p><font>&nbsp;O pedido das partes não está enquadrado em nenhum instrumento previsto no atual Código de Processo Civil. </font><br> </p><p><font>Entende-se que o requerimento apresentado se assemelha a um pedido de aclaração que estava previsto no artigo 669.º, n.º 1, do CPC/2007, mas despareceu com a reforma do Código do Processo Civil.</font><br> </p><p><font>O artigo 616.º afastou o instituto da aclaração da sentença que se encontrava consagrado na reclamada alínea </font><i><font>a)</font></i><font> do n.º1 do artigo 669.º do anterior código.</font><br> </p><p><font>Trata-se de uma opção legislativa clara, comentada por Lebre de Freitas e Isabel Alexandre (</font><i><font>Código de Processo Civil anotado</font></i><font>, Volume 2.º, 3.º Edição, Almedina, 2018, p. 741), que referem que </font><i><font>«o atual código, porém, não seguiu esta orientação: por um lado eliminou os pedidos de aclaração da sentença; por outro lado, passou a considerar causa de nulidade da sentença a ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível (art.º 615-1-c), o que significa, além da introdução deste novo requisito da ininteligibilidade, que a ambiguidade ou obscuridade da respetiva fundamentação, não só não constitui objeto de aclaração, mas também não pode ser arguida nos termos do art. 615.º».</font></i><br> </p><p><font>A verificação de alguma ambiguidade ou obscuridade da decisão que a torne ininteligível deve agora enquadrar-se no instituto da nulidade da decisão, previsto na alínea </font><i><font>c)</font></i><font> do n.º 1 do artigo 615.º do CPC.</font><br> </p><p><font>Todavia, presume-se que recorrente e recorrida bem compreenderam o sentido da sentença do tribunal de 1.ª instância, no que diz respeito à indemnização pelo dano da privação do uso, contra a qual ambos recorreram para o Tribunal da Relação. O mesmo se diga quanto à expressão «custas pela recorrida» que, como é usual, se reporta apenas às custas da revista.</font><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><b><font>2.</font></b><font> Assim sendo, indefere-se o pedido de aclaração.</font><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><b><font>3.</font></b><font> Anexa-se sumário elaborado de acordo com o n.º 7 do artigo 663.º do CPC:</font><br> </p><p><b><font>1 – </font></b><font>O Código de Processo Civil em vigor não consagra a possibilidade de aclaração das obscuridades ou ambiguidades da decisão ou dos seus fundamentos, nos termos que resultavam da alínea a) do n.º 1 do artigo 669.º do anterior código.</font><b><font> </font></b><br> </p><p><b><font>2 </font></b><font>– A ambiguidade ou obscuridade da sentença pode, contudo, integrar a nulidade da alínea </font><i><font>c)</font></i><font> do n.º 1 do artigo 615.º do código em vigor, quando torne a decisão ininteligível.</font><br> </p><p><b><font> </font></b><br> </p><p><b><font>II – Decisão</font></b><br> </p><p><font>Pelo exposto, indefere-se o pedido. </font><br> </p><p><font>Custas pelo recorrente e pela recorrida em partes iguais.</font><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><font>Lisboa, 22 de setembro de 2022 </font><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><font>Maria Clara Sottomayor (Relatora) </font><br> </p><p><font>Pedro de Lima Gonçalves </font><br> </p></font><p><font><font>Maria João Vaz Tomé</font></font></p>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><br> <br> <div><br> <font>Acordam do Supremo Tribunal de Justiça </font></div><br> <br> <b><font> </font></b><br> <p><b><font>I - Relatório</font></b><font> </font><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><b><font>1.</font></b><font> </font><b><font>AA</font></b><font>, residente na Rua ..., ..., freguesia ..., concelho de ..., intenta a presente ação declarativa de condenação, com processo ordinário contra </font><b><font>Hospital B..., S.A.,</font></b><font> com sede na Avenida ..., ..., ... e </font><b><font>Dr. BB</font></b><font>, com domicílio Profissional no Hospital B..., S.A. e na qual são intervenientes como parte acessórias as Companhias de Seguros, </font><b><font>Fidelidade, SA e Axa Portugal–Companhia de Seguros, S.A. </font></b><font>(sucedida pela </font><b><font>Ageas Potugal–Companhia de Seguros, S.A.</font></b><font>), pedindo para ressarcimento dos graves e irreversíveis danos não patrimoniais elencados, peticiona sobre ambos os Réus, de forma solidária, a quantia global de € 200.000,00 (duzentos mil euros), que se reclama, acrescida de juros de mora à taxa legal em vigor, contados desde a data de citação e até integral pagamento.</font><br> </p><p><font>Como causa de pedir alega ter sido submetido a 3 operações cirúrgicas nas quais o 2º réu atuou com violação das </font><i><font>legis artis</font></i><font> causando-lhe danos que discrimina. </font><br> </p><p><font>Alega ainda que não foi informado dos riscos da operação e que caso o tivesse sido não a teria realizado.</font><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><b><font>2.</font></b><font> Devidamente citada contestou a 1ª Ré, alegando em suma que apenas interveio aqui como disponibilizadora de meios, não podendo caber-lhe qualquer responsabilidade na sequência de qualquer decisão tomada ou ato encetado pelo médico-cirurgião, aqui 2.º Réu, ou pela equipa que o mesmo tinha ao seu serviço, equipa esta que atuou, de forma concertada, sob as ordens e instruções do 2.º Réu, tendo este assumido a sua liderança.</font><br> </p><p><font>Acaba pedindo a improcedência da ação.</font><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><b><font>3.</font></b><font> O 2º Réu contesta pedindo a sua absolvição, alegando em síntese que:</font><br> </p><p><font>a) Nunca o Réu assegurou ou se comprometeu perante o Autor, ou qualquer outro seu paciente, o resultado da intervenção cirúrgica a que este se submeteu.</font><br> </p><p><font>b) O 1º ato cirúrgico correu sem qualquer intercorrência de relevo. </font><br> </p><p><font>A cirurgia foi executada pelo Réu no estrito cumprimento das </font><i><font>legis artis</font></i><font> e praxis clínica e o seu objetivo – criação de um batente ósseo, fixado por parafuso, que impede a cabeça do úmero de migrar para forma da articulação – foi atingido plenamente, tendo sido verificado, durante a cirurgia, quer pelo Réu, quer pelo 2º cirurgião, Dr. CC, a correta colocação do material e a solidez daí decorrente.</font><br> </p><p><font>c) O autor foi ainda sujeito a uma terceira cirurgia por ter desenvolvido uma capsulite adesiva ao ombro. A qual se deve apenas ao processo recuperatório do metabolismo do Autor e aos movimentos, esforços e exercícios realizados pelo Autor, pós cirurgicamente e aos quais o Réu e a sua prática clínica e cirúrgica é absolutamente alheia.</font><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><b><font>4.</font></b><font> A interveniente Axa Portugal–Companhia de Seguros, S.A pede a sua absolvição, pois, defende que resulta ter o médico R. agido em tudo de acordo com a boa prática médica, em nada lhe sendo imputáveis as lesões de que o A. diz padecer. Tendo sido, antes, a grande maioria das mesmas, consequência normal e previsível de qualquer intervenção cirúrgica – como é o caso da cicatriz operatória, da perda de algum sangue, de algum nível de dor na recuperação e dos resultados do entubamento – consequências essas que não podia o A. ignorar.</font><br> </p><p><font>Ademais, como se demonstrou, a desmontagem da osteossíntese ficou-se a dever não a qualquer ação ou omissão por parte do médico R. mas sim da própria ação do A., nomeadamente, com os movimentos abruptos e violentos que efetuou logo após a cirurgia.</font><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><b><font>5.</font></b><font> A interveniente Fidelidade SA, dá por reproduzida a contestação apresentada pela Ré Hospital B..., S.A..</font><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><b><font>6.</font></b><font> Foi proferido despacho saneador, fixado o objeto do litígio e enunciados os temas de prova.</font><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><b><font>7. </font></b><font>Tendo o processo seguido os seus regulares termos, teve lugar a audiência de discussão e julgamento que decorreu com observância do legal formalismo.</font><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><b><font>8.</font></b><font> A final, foi proferida decisão que julgou a ação totalmente improcedente por não provada e, consequentemente, absolveu os Réus dos pedidos contra eles formulados.</font><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><b><font>9.</font></b><font> Não se conformando com o assim decidido veio o Autor interpor recurso de apelação, concluindo com extensas alegações que aqui nos abstemos de reproduzir.</font><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><b><font>10.</font></b><font>&nbsp; O Tribunal da Relação considerou procedente o recurso, proferindo acórdão que terminou com o seguinte dispositivo:</font><br> </p><p><i><font>«Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar a apelação interposta parcialmente procedente, por provada, e consequentemente revogando a decisão recorrida condena-se a Ré Hospital B..., S.A. a pagar ao Autor a quantia de € 40.000,00 (quarente mil euros) acrescida de juros de mora à taxa legal em vigor, a contar da citação até efectivo e integral pagamento.</font></i><br> </p><p><i><font> </font></i><br> </p><p><i><font>Custas por apelante e apelada Ré Hospital B..., S.A. na proporção do decaimento (artigo 527.º nº 1 do C.P.Civil)».</font></i><br> </p><p><b><font> </font></b><br> </p><p><b><font>11. Hospital L ..., SA,</font></b><font> notificada do Acórdão do Tribunal da Relação ... de 6 de setembro de 2021, que julgou parcialmente procedente a apelação e revogou a sentença proferida pelo Tribunal Judicial da Comarca ..., não se conformando com o teor do mesmo, vem dele interpor recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, formulando na sua alegação de recurso as seguintes conclusões:</font><br> </p><p><font>«I. O Tribunal </font><i><font>a quo</font></i><font> considerou, erradamente, que a Recorrente estava adstrita a uma obrigação de resultado.</font><br> </p><p><font>II. O Tribunal de 1.ª Instância entendeu </font><i><font>“não poder considerar-se que existisse uma obrigação de resultado, porque este não deu qualquer garantia de cura do paciente, mas apenas a que respeita a uma obrigação de meios dirigida ao tratamento adequado da patologia em causa, mediante observância diligente e cuidadosa das regras da ciência e da arte médica.”</font></i><br> </p><p><font>Contrariamente, o Tribunal a quo entendeu estar-se perante uma cirurgia (de</font><i><font> </font></i><font>Bristow-Latarjet) que </font><i><font>“em si consistia num procedimento único, simples e efetivo”</font></i><font>, ou seja, na qual </font><i><font>“a álea não tinha um papel de relevo”,</font></i><font> cujo objetivo</font><i><font> </font></i><font>era a criação de um batente ósseo, fixado por parafuso, que impedia a cabeça do úmero de migrar para fora da articulação e, assim, evitar a luxação recidivante de que o Autor, aqui Recorrido, sofria.</font><br> </p><p><font>III. Como é consabido, a obrigação do médico traduz-se, salvo raras exceções, numa obrigação de meios e não de resultado, pois que a sua obrigação é de tratamento e não de cura. Por outras palavras, aquilo a que o médico se vincula, e, por isso, o que dele se pode exigir, é que empregue os específicos conhecimentos científicos e técnicos adequados à patologia em causa, mediante a observância diligente e cuidadosa das regras da ciência e da arte médicas (</font><i><font>leges artis</font></i><font>), atento o concreto caso clínico.</font><br> </p><p><font>IV. No caso concreto, da factualidade assente resulta que nunca o médico-cirurgião assegurou ou se comprometeu perante o Autor o resultado da intervenção cirúrgica a que se submeteu (cf. ponto 58. dos factos provados).</font><br> </p><p><font>Acresce que, o Réu, aqui Recorrido, não logrou demonstrar que o médico-cirurgião se houvesse comprometido com o resultado da operação de </font><i><font>Bristow-Latarjet</font></i><font> (cfr. pontos 1. e 3. dos factos não provados). É, desta forma, incorreta e incompreensível a afirmação por parte do Tribunal </font><i><font>a quo</font></i><font> na parte em que refere que o médico-cirurgião apenas não assegurou que o Autor deixasse de ter luxações recidivantes do ombro direito com a dita intervenção, porque em manifesta contrariedade com a factualidade assente.</font><br> </p><p><font>V. É fácil de ver que a intervenção em causa, a operação </font><i><font>Bristow-Latarjet</font></i><font>, não se enquadra, nem sequer se aproxima de qualquer dos serviços médicos caraterizados por uma obrigação de resultado.</font><br> </p><p><font>VI. Ora, o Tribunal </font><i><font>a quo</font></i><font> considerou, erradamente, que a realização da cirurgia </font><i><font>Bristow-Latarjet</font></i><font> era passível de ser qualificada como uma obrigação de resultado – a criação de um batente ósseo – por entender que </font><i><font>“a cirurgia em</font></i><font> </font><i><font>si, consistia num procedimento único, simples e efetivo”,</font></i><font> pelo que </font><i><font>“a álea não</font></i><font> </font><i><font>tinha aqui um papel de relevo”.</font></i><br> </p><p><font>VII. Acontece que a premissa de que aquela configura uma intervenção de “margem de risco ínfima” não é, afinal, verdadeira. Conforme resultou demonstrado da prova pericial efetuada na 1.ª instância, a desmontagem da osteossíntese é frequente e chega a atingir 15% a 25% dos pacientes submetidos à operação de </font><i><font>Bristow-Latarjet</font></i><font> (cfr. p. 23 da Sentença).</font><br> </p><p><font>VIII. A vasta literatura médica aponta, precisamente, para valores da mesma ordem, a partir de estudos empírico e </font><i><font>peer-reviewed</font></i><font>.</font><br> </p><p><font>O próprio Dr. DD (testemunha no processo e que procedeu à segunda intervenção cirúrgica) referiu tratar-se de “cirurgia simples, rápida e efetiva, mas nada é garantido” (cfr. p. 19 da sentença; sublinhado da Recorrente).</font><br> </p><p><font>IX. O Tribunal </font><i><font>a quo</font></i><font> limita-se a reproduzir de forma parcial e imperfeita aquilo que foi referido por este médico. O qual efetivamente descreveu a cirurgia como um procedimento simples e efetivo. No entanto, o mesmo médico não referiu apenas isso, acrescentando, nomeadamente (e como vimos) que </font><i><font>“nada é garantido”</font></i><font>, que a própria desmontagem da osteossíntese </font><i><font>“já me aconteceu várias vezes”</font></i><font> (sem que isso represente erro médico), </font><i><font>“não posso imputar ao réu qualquer erro (…) já me aconteceu a mim, mesmo nesta cirurgia fácil”</font></i><font> e que existem várias causas que podem contribuir para essa desmontagem – vide súmula desse depoimento na página 19 da sentença proferida pelo Tribunal da 1ª Instância.</font><br> </p><p><font>X. Também o Dr. EE, médico ortopedista, diretor de serviço do Hospital&nbsp; S..., refere uma taxa de sucesso grande mas nunca referiu a inexistência de risco (vide súmula desse depoimento na página 20 da sentença proferida pelo Tribunal da 1ª Instância).</font><br> </p><p><font>XI. Outro médico ouvido em julgamento, Dr. FF, refere que as desmontagens podem ocorrer por defeito técnico, mal prática e até do próprio doente (vide súmula desse depoimento na página 21 da sentença proferida pelo Tribunal da 1ª Instância).</font><br> </p><p><font>XII. Da mesma forma, o parecer emitido pelo Conselho Médico-Legal Instituto Nacional de Medicina Legal (notificado em 23 de janeiro de 2019) refere (e passamos a citar) </font><i><font>“não encontramos sinais de negligência ou de má prática</font></i><font> </font><i><font>pois as complicações que surgiram (hematoma pós-operatório e</font></i><font> </font><i><font>desmontagem de osteossíntese), podem acontecer em qualquer cirurgia”.</font></i><br> </p><p><font>XIII. O mesmo autor deste parecer acrescentou em audiência </font><i><font>“que a desmontagem é frequente e chega a atingir 15% a 25% e é mais frequente em pacientes jovens porque têm mais massa muscular”</font></i><font> (vide súmula desse</font><i><font> </font></i><font>depoimento na página 21 da sentença proferida pelo Tribunal da 1ª</font><i><font> </font></i><font>Instância).</font><br> </p><p><font>XIV. Tudo isto junto, é bem demonstrativo que esta cirurgia tem evidentes riscos quanto à ocorrência da desmontagem da osteossíntese.</font><br> </p><p><font>XV. A desmontagem é assim um risco não tão invulgar (principalmente em pessoas jovens), que pode ter várias causas, nem sempre decorrentes do erro médico.</font><br> </p><p><font>XVI. Constando, inclusive, dos factos provados (n.º 58) que </font><i><font>“Nunca o Réu assegurou ou se comprometeu perante o Autor, ou qualquer outro seu paciente, o resultado da intervenção cirúrgica a que este se submeteu”.</font></i><br> </p><p><font>XVII. Não estando provada a alegação do Recorrido, na sua Petição Inicial, que “o Especialista Dr. BB informou o Autor que a intervenção cirúrgica a realizar seria “coisa simples”, sem complexidade técnica, sem riscos associados ou sequelas (…)” – vide facto provado n.º1.</font><br> </p><p><font>XVIII. Assim sendo, é com manifesta surpresa que o Tribunal a quo entende estarmos perante uma obrigação de resultado, referindo que a </font><i><font>“álea não tinha aqui um papel de relevo”.</font></i><br> </p><p><font>XIX. O Tribunal a quo fez assim considerações de ordem técnica para as quais manifestamente não estava habilitado. E, salvo o devido respeito, mais grave, desconsiderou aquilo que foi referido por médicos qualificados, quer no âmbito da prova testemunhal, quer no âmbito da prova pericial.</font><br> </p><p><font>XX. Chega, inclusive, a ser chocante a forma como o Tribunal </font><i><font>a quo</font></i><font> despreza os depoimentos de vários e qualificados médicos que alertam para os riscos desta cirurgia, em particular da verificação da desmontagem da osteossíntese, para ainda assim concluir com a maior segurança e sem hesitação que estamos perante uma cirurgia com obrigação de resultado.</font><br> </p><p><font>XXI. Aliás, o próprio Recorrido por bem saber que a sua tese da existência de erro médico estava frustrada face à prova produzida é que veio, já tarde e em desespero de causa (como o Tribunal a quo o reconhece), trazer (de forma extemporânea) um novo argumento, o da falta do consentimento informado.</font><br> </p><p><font>XXII. Pois bem, a cirurgia de </font><i><font>Bristow-Latarjet</font></i><font> assemelha-se, outrossim, à intervenção médico-cirúrgica destinada a aplicar a prótese no organismo do paciente, já que, em ambos os casos, se verifica uma interação com as condições pessoais do paciente e com outros fatores muitas vezes estranhos e/ou desconhecidos da ciência médica, de tal sorte que o sucesso da intervenção escapa, em larga medida, ao controlo do médico-cirurgião.</font><br> </p><p><font>XXIII. Em consonância, o simples facto de a finalidade da cirurgia não ter sido alcançada não permite, sem mais, asseverar o incumprimento da prestação médica devida. Pelo contrário, haverá, em todo o caso, que </font><i><font>demonstrar “a</font></i><font> </font><i><font>falta de diligência do médico, a falta de utilização de meios adequados de</font></i><font> </font><i><font>harmonia com as leges artis, o defeito do cumprimento, ou que o médico não</font></i><font> </font><i><font>praticou todos os atos normalmente considerados necessários para alcançar</font></i><font> </font><i><font>a finalidade desejada: é essa falta que integra o erro médico e constitui</font></i><font> </font><i><font>incumprimento ou cumprimento defeituoso.”</font></i><br> </p><p><font>XXIV. Em suma, o Tribunal </font><i><font>a quo</font></i><font> errou ao qualificar a cirurgia </font><i><font>Bristow-Latarjet</font></i><font>, destinada à criação de um batente ósseo, fixado por parafuso com anilha, que impedisse a cabeça do úmero para migrar para fora da articulação e, assim, evitar a luxação recidivante do paciente, como uma intervenção na qual a álea não tem um papel relevante, errando, por conseguinte, na qualificação da mesma como uma obrigação médica de resultado.</font><br> </p><p><font>XXV. A partir da premissa errada, o Tribunal da Relação equivocou-se ao considerar que o Autor, aqui Recorrido, logrou demonstrar o cumprimento defeituoso da prestação a que a Recorrente estava adstrita, pela simples constatação de que veio a ocorrer a desmontagem da osteossíntese.</font><br> </p><p><font>Solução, portanto, errada, em opinião da Recorrente, tendo em conta que a obrigação merecia antes a qualificação “de meios”.</font><br> </p><p><font>XXVI. Ora, em sede de distribuição de ónus da prova perante obrigações de meios, incumbe ao paciente lesado, na qualidade de credor, provar a falta de cumprimento do referido dever de objetivo de diligência ou de cuidado na atuação técnica, nomeadamente à luz das </font><i><font>leges artis</font></i><font>, como fundamento de ilicitude na responsabilidade contratual médica, nos termos do artigo 342.º, n.º 1 do Código Civil (“CC”). Não basta, pois, a falta de verificação do resultado (no entendimento do Tribunal </font><i><font>a quo</font></i><font>, a </font><i><font>“não desmontagem da osteossíntese”</font></i><font>) para se afirmar o incumprimento.</font><br> </p><p><font>XXVII. Numa palavra, cabia ao paciente demonstrar a ocorrência de “erro médico” na execução da cirurgia em causa, que constituiria o incumprimento ou cumprimento defeituoso da prestação.</font><br> </p><p><font>XXVIII. Definitivamente, o Autor, aqui Recorrido, não demonstrou qualquer infração suscetível de enquadrar o conceito de erro médico, pelo que não ficou provada qualquer ilicitude por parte da Recorrente. De resto, do elenco de factos não provados, resulta que não ficou demonstrada a ocorrência de complicações no decurso da cirurgia (cfr. pontos 4., 5., 11. e 18. da factualidade não provada).</font><br> </p><p><font>XXIX. Sendo assim, soçobra, logo à partida, a pretensão indemnizatória do Autor, com fundamento em responsabilidade contratual médica, por falta de um pressuposto essencial.</font><br> </p><p><font>XXX. Sem prejuízo de tudo quanto acima se disse, por mero dever de patrocínio se dirá que, ainda que a intervenção devesse ser encarada como uma obrigação de resultado, a saber a criação do batente ósseo, nunca o Tribunal </font><i><font>a quo</font></i><font> poderia ter chegado à conclusão de que tal resultado não fora efetivamente atingido.</font><br> </p><p><font>XXXI. Na verdade, o Acórdão sob escrutínio afirma, sem qualquer base factual que sustente tal afirmação, que o </font><i><font>“que aqui se verificou foi a não realização de procedimento prévio, qual seja, a não criação de um batente ósseo, com um parafuso com anilha, que impedia a cabeça umeral de migrar para fora da articulação”.</font></i><br> </p><p><font>XXXII. Acontece que, ao longo quer da sentença quer do acórdão, em nenhures se encontra ou se identifica que procedimento prévio seja esse que tenha levado à não criação de um batente.</font><br> </p><p><font>XXXIII. Mas a verdade é que, tudo quanto o Tribunal </font><i><font>a quo</font></i><font> pode afirmar é que a desmontagem veio a ocorrer em momento posterior, e não que a osteossíntese não tenha ficado (corretamente) colocada.</font><br> </p><p><font>XXXIV. Embora não tenha ficado demonstrado, ao contrário do que sucedera em primeira instância, que a desmontagem ocorreu por ocasião do acordar com movimentos bruscos do paciente, não ficou de modo algum demonstrado que a desmontagem da osteossíntese se ficou a dever a ato médico, tanto mais que a demonstração do pressuposto da ilicitude é tarefa probatória que cabe ao credor-lesado (precisamente por se estar perante uma obrigação de meios, como se referiu acima).</font><br> </p><p><font>XXXV. Acrescente-se que foi realizada uma prova pericial pela entidade competente e foram inquiridos quatro qualificados médicos mais o autor do parecer médico-legal e não existe uma testemunha, um perito, um documento, do qual resulte a conclusão que existiu um erro médico e que estávamos perante uma intervenção médica sem risco.</font><br> </p><p><font>XXXVI. Tendo sido unânime a afirmação de que a desmontagem da osteossíntese é efetivamente um risco possível (e que não é raro), com diversas causas possíveis.</font><br> </p><p><font>XXXVII. Mesmo excluindo-se dos factos provados a causa aduzida pelos Réus (o &nbsp;acordar agitado e brusco do Recorrido após a operação), não ficou demonstrada qual a real causa para a desmontagem da osteossíntese (entre as várias possíveis).</font><br> </p><p><font>XXXVIII. Ainda que se pudesse considerar que a intervenção de Bristow-Latarjet configura uma autêntica obrigação de resultado e que o resultado não fora atingido com a sua realização – o que não se concede –, seria tão-só de concluir pela:</font><br> </p><p><font>(iii) verificação do pressuposto da ilicitude (incumprimento); e</font><br> </p><p><font>(iv) funcionamento da presunção legal de culpa da Recorrente, nos termos do disposto no artigo 799.º do CC.</font><br> </p><p><font>XXXIX. Acontece que, à luz do disposto no artigo 350.º, n.º 2 do CC, a presunção de culpa do devedor é, por definição, ilidível, cabendo àquele demonstrar que, ao invés, atuou de acordo com o padrão de diligência exigido no caso concreto (ou que, em face da situação particular, não lhe era exigível que adotasse um comportamento diferente).</font><br> </p><p><font>XL. Todos os profissionais médicos que se pronunciaram no âmbito deste processo – incluindo Réu, equipa médica que assistiu a operação, peritos independentes e testemunhas arroladas pelas partes – concordaram que o diagnóstico foi corretamente realizado, a técnica empregue era a adequada e que a cirurgia decorreu dentro da normalidade, sem intercorrências anormais.</font><br> </p><p><font>XLI. A este nível, é incompreensível que o Tribunal a quo tenha ignorado, por completo, toda a factualidade assente e prova realizada, </font><i><font>maxime</font></i><font> a prova pericial, para afirmar que a Recorrente não logrou afastar a presunção de culpa que sobre si impendia.</font><br> </p><p><font>XLII. Posto isto, deveria o Tribunal </font><i><font>a quo</font></i><font> ter considerado que a Ré, ora Recorrente, ilidiu a presunção de culpa que sobre si impendia, ao demonstrar que atuou de acordo com os procedimentos médicos adequados, empregando as técnicas e os meios considerados científica e clinicamente corretos, falecendo assim qualquer imputação dos danos a título de responsabilidade civil médica.</font><br> </p><p><font>XLIII. O Tribunal </font><i><font>a quo</font></i><font> entendeu ter-se por verificado o nexo de causalidade entre o incumprimento da prestação médica (a não criação de um batente ósseo, por desmontagem da osteossíntese) e o desenvolvimento de uma capsulite adesiva ou retrátil por parte do paciente, que o levou a ser intervencionado uma terceira vez.</font><br> </p><p><font>XLIV. Conforme resulta dos factos provados, </font><i><font>“a capsulite adesiva ao ombro não é uma consequência da prática clínica do 2º Réu”</font></i><font> (cfr. ponto 75. dos factos</font><i><font> </font></i><font>provados e ainda o ponto 18. dos factos não provados).</font><br> </p><p><font>XLV. Mais: os especialistas médicos ouvidos no processo confirmam que se trata antes de uma consequência normal da lesão (luxações recidivantes), não dependendo causalmente da conduta médica (cfr. p. 17 da sentença proferida pelo Tribunal da 1ª Instância). Já o Prof. GG, perito ouvido no âmbito do processo e autor do Parecer do Conselho Médico-Legal, entendeu ser a capsulite “condição ligada à cicatrização, sendo independente do da atuação do cirurgião” (cfr. p. 1 do Parecer).</font><br> </p><p><font>XLVI. Contrapõe o Tribunal a quo que, ainda assim, se trata de uma </font><i><font>“decorrência”</font></i><font> da segunda cirurgia, que </font><i><font>“quiçá terá mesmo contribuído para que o Autor desenvolvesse a referida capsulite”</font></i><font>. Salvo o devido respeito, não pode a Recorrente concordar com o “salto” lógico e especulativo que o Tribunal a quo dá. Como é sabido, a prova do nexo causal, como um dos pressupostos da obrigação de indemnizar e medida da mesma, cabe ao credor-paciente, pelo que a este caberia demonstrar, com relativa certeza, que a não desmontagem da osteossíntese (e, por conseguinte, a não desnecessidade de realizar a segunda cirurgia) impediria ou evitaria o desenvolvimento da referida capsulite.</font><br> </p><p><font>XLVII. Manifestamente, essa prova não foi efetuada. Mais, de tudo quanto se sabe, a capsulite estará antes relacionada com a lesão subjacente ou poderá inclusivamente ter sido desenvolvida na sequência da primeira cirurgia – que sempre teria de ser efetuada.</font><br> </p><p><font>XLVIII. O Tribunal </font><i><font>a quo</font></i><font> (tal como já havia feito na caraterização da cirurgia como sendo uma obrigação de resultado), também aqui se atreve a especular em matéria que não domina, ao mencionar que a capsulite teria decorrido da segunda intervenção cirúrgica, algo que nenhum médico, dos muitos que foram ouvidos em Tribunal, afirmou ter ocorrido com toda a certeza e probabilidade.</font><br> </p><p><font>XLIX. No que aos alegados danos sofridos pelo paciente, aqui Recorrido, diz respeito, em consonância do que acima se deixou escrito relativamente ao pressuposto do nexo de causalidade, não pode a Recorrente concordar com a integração dos danos decorrentes do desenvolvimento da capsulite adesiva, incluindo a alegada agressão na integridade física associada à terceira cirurgia, o acréscimo de dor relacionada com a mesma patologia, o acréscimo de sessões de terapia, bem como internamento pelo período de dois (2) dias associado à terceira intervenção cirúrgica. A exclusão dos referidos danos resulta do normativo do artigo 563.º do CC.</font><br> </p><p><font>L. Em segundo lugar, não se vê como os “riscos inerentes à anestesia geral”, que daí podiam advir, mas que não chegaram a concretizar-se, podem configurar danos efetivamente sofridos pelo paciente. Tratando-se de cenário meramente hipotético, errou o Tribunal a quo ao considerá-los como lesões a ressarcir.</font><br> </p><p><font>LI. Depois, e em terceiro lugar, não se compreende como se pode considerar um dano de natureza não patrimonial o internamento durante dois (2) dias e sujeição a vários exames e tratamentos, bem como a participação num programa de recuperação de hidroterapia com alternância com fisioterapia.</font><br> </p><p><font>LII. Em quarto lugar, o Tribunal </font><i><font>a quo</font></i><font> entende que as segunda e terceira intervenções levaram a uma maior acentuação da cicatriz, quando não existe nada nos factos provados que permita chegar a essa conclusão.</font><br> </p><p><font>LIII. Também aqui o Tribunal entendeu, e bem, que o Recorrido não passou por elevado sofrimento físico e psicológico, com afetação da sua imagem, fruto da cicatriz (vide facto não provado n.º 9). Assim, não se percebe como pode ser relevante a existência da cicatriz para se concluir pela existência de um dano não patrimonial que deva ser ressarcível.</font><br> </p><p><font>LIV. Por outro lado, não é possível avaliar a situação do Recorrido sem ter em atenção a primeira cirurgia, a qual era inevitável e sempre foi tido como o tratamento mais adequado face à sua lesão. Quer isto dizer que o Recorrido sempre seria sujeito a uma intervenção, com as consequências e sequelas que dai adviriam (veja-se o exemplo da cicatriz). Ora, o Tribunal </font><i><font>a quo</font></i><font> não faz qualquer ponderação a esse respeito (provavelmente por não estar habilitado para o fazer ou ter informação para o efeito), imputando todos os danos e sequelas às segunda e terceira intervenções.</font><br> </p><p><font>LV. Não deixa de se considerar como contraditório o Tribunal considerar a existência de danos patrimoniais embora (e bem) tenha considerado como factos não provados um conjunto de factos relevantes para aferir a existência desses alegados danos.</font><br> </p><p><font>LVI. Finalmente, considera a Recorrente, com o devido respeito, que o Tribunal </font><i><font>a quo </font></i><font>se equivocou na fixação da indemnização pelos danos não patrimoniais alegadamente sofridos pelo Recorrido em consequência da atuação da primeira, ao abrigo do disposto no artigo 496.º do CC.</font><br> </p><p><font>LVII. É notório que a indemnização fixada em €40.000,00 pelo Tribunal </font><i><font>a quo</font></i><font> para os danos relevados não respeita manifestamente os critérios supra explanados, e bem assim se afasta de modo substancial das práticas jurisprudenciais recentes. Assim, em casos análogos, inclusive com situações mais gravosas, foram fixadas indemnizações bem divergentes da valoração feita pelo Tribunal </font><i><font>a quo</font></i><font>.</font><br> </p><p><font>LVIII. O acórdão ora recorrido violou, nomeadamente, os artigos 342.º, 350.º, 496.º, 563.º, 799.º do Código Civil</font><br> </p><p><font>LIX. Em suma, por tudo o que se disse, deve ser revogada a decisão agora objeto de recurso, absolvendo-se assim a Recorrente do pedido, assim se fazendo</font><br> </p><p><font>JUSTIÇA!».</font><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><b><font>12.</font></b><font> O autor, AA, notificado das alegações e conclusões apresentadas pela Ré/Recorrente Hospital L ..., SA vem, em consequência, apresentar:</font><br> </p><p><font>- Contra-alegações, defendendo que o acórdão recorrido fez um apuramento correto da matéria de facto e aplicou corretamente as regras de direito pertinentes; </font><br> </p><p><font>- Recurso subordinado, quanto ao segmento que fixou o quantum indemnizatório,</font><br> </p><p><font>Formulando as seguintes conclusões:</font><br> </p><p><font>&nbsp;«I - No segmento em que se decidiu atribuiu a indemnização a satisfazer ao Autor pela 1.ª Ré Hospital, aqui Recorrida, pelo montante de € 40.000,00 (quarenta mil euros), pese embora a assertada matéria de facto e de direito apreciadas, salvo devido respeito, atenta a matéria provada impõe-se alterar o </font><i><font>quantum</font></i><font> indemnizatório.</font><br> </p><p><font>II - Provado que se mostra o erro médico, como melhor entendido pelo Venerando Tribunal recorrido, da factualidade provada, nomeadamente do que resulta dos factos 1, 30, 31, 32, 35, 36, 37, 38, 40, 41, 43, 45, 46, 47, 48, 49, 50, 51, 52, 52.1, 53, 55 e 56 é iniludível terem resultado danos não patrimoniais ao Autor merecedores de tutela do direito, dada a sua gravidade.</font><br> </p><p><font>III - Dispõe o art.º 798.º do Código Civil que: </font><i><font>“O devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação torna-se responsável pelo prejuízo que causa ao credor”.</font></i><br> </p><p><font>IV – Os danos não patrimoniais sofridos pelo Recorrente ressaltam expressamente dos factos provados: a consequência da cirurgia foi devastadora e irreversível, causadora de sofrimento físico e psíquico, o autor ficou definitivamente incapacitado, limitado na mobilidade do ombro, com omalgia, com afectação da imagem decorrente da cicatriz, sendo que antes da cirurgia o autor sofria apenas as consequências da luxação recidivante do ombro, que no fundo se resumiam a dor esporádica aquando dos três episódios havidos, fazendo de forma absolutamente normal a sua vida pessoal, profissional, social e familiar.</font><br> </p><p><font>V - É manifesto que por causa da atuação do réu médico, o autor, jovem estudante sofreu uma mudança radical na sua vida social, familiar e pessoal, jamais podendo fazer a vida que até então fazia e é hoje uma pessoa cujo modo de vida, física e psicologicamente é penoso, sofrendo com as consequências irreversíveis que apresenta.</font><br> </p><p><font>VI - Conforme resulta
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><font>&nbsp;</font> <p><b><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça</font><br> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; </font><b><font>&nbsp;</font></b><br> </p><p><b><font>I – Relatório</font></b><br> </p><p><b><font>1.</font></b><font> </font><b><font>AA</font></b><font> veio requerer a este Supremo Tribunal de Justiça, para decisão em Conferência, de acordo com o disposto no artigo 666.º, n.º 2, do Código de Processo Civil (CPC), o seguinte: </font><br> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; </font><br> </p><p><b><font>2.</font></b><font> «A Ré, aqui requerente, foi casada segundo o regime de comunhão de adquiridos com BB, também aqui Réu. </font><br> </p><p><font>O casamento foi celebrado a 2 de abril de 1972, sem convenção antenupcial (Doc. 1).</font><br> </p><p><font>Acontece que no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça a fls. 298, nos factos considerados provados, está exarado que: </font><br> </p><p><i><font>“A autora AA é irmã e cunhada do réu e o réu deve ser parte nesta acção porque casado com a sua mulher no </font></i><b><i><font>regime de comunhão geral de bens</font></i></b><i><font>, por isso sujeito, com ela, à decisão que este pleito merecer”.</font></i><br> </p><p><i><font>&nbsp;&nbsp;</font></i><font>Com esta divergência entre o real regime de bens e o que está escrito no Acórdão do STJ a aqui requerente não consegue efectuar o competente e obrigatório registo predial do imóvel. </font><br> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;De acordo com o disposto nos artºs 613 e 614 do CPC estamos perante um erro material. Há uma inexatidão na expressão da vontade do julgador, por lapso notório, sendo que a divergência entre a vontade real e a declarada não deve suscitar fundadas dúvidas antes ser patente, através de outros elementos da decisão, ou, até, do processo. </font><br> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;Assim vem respeitosamente requerer a V.Exª se digne retificar em Conferência o estado civil supra referido passado a ser descrito como </font><b><font>comunhão de adquiridos».</font></b><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><font>Cumpre apreciar e decidir.</font><br> </p><p><b><font> </font></b><br> </p><p><b><font> </font></b><br> </p><p><b><font>II - Fundamentação</font></b><br> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; </font><br> </p><p><b><font>1.</font></b><font> Solicita a requerente a retificação de um acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido em 21 de janeiro de 2003, em virtude de o ponto 2. da matéria de facto conter a afirmação de que o casamento entre a requerente e BB, ambos réus no processo 141/2000 (que terminou com uma transação entre as partes), foi celebrado no regime de comunhão geral, estando assim em contradição com o assento de casamento do qual resulta que o matrimónio foi celebrado no regime de comunhão de adquiridos.</font><br> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; </font><br> </p><p><b><font>2.</font></b><font> O documento n.º 1, junto pela reclamante, “Assento de Casamento n.º 135”, emitido pela Conservatória do Registo Civil do Porto, subscrito pela Conservadora CC, atesta que AA e BB celebraram casamento católico, no dia 2 de abril de 1972, sem convenção antenupcial.</font><br> </p><p><font>O facto provado n.º 2, a fls. 298, do acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, na revista n.º 4139/02, em 21 de janeiro de 2003, tem o seguinte teor:</font><br> </p><p><i><font>«2. A autora AA é irmã da ré e cunhada do réu e o réu deve ser parte nesta acção porque casado com a sua mulher no </font></i><b><i><font>regime da comunhão geral de bens</font></i></b><i><font>, por isso sujeito, com ela, à decisão que este pleito merecer». </font></i><font>(destaque nosso)</font><br> </p><p><font>Entende a reclamante que como o seu casamento foi contraído sem convenção antenupcial, conforme assento de casamento que junta, o regime de bens é o da comunhão de adquiridos, solicitando então que seja corrigido o lapso de escrita no facto provado n.º 2, que afirma ter sido o casamento celebrado no regime de comunhão geral de bens.</font><br> </p><p><font>&nbsp;</font><br> </p><p><b><font>3. </font></b><font>Como decorre do artigo 613.º do CPC, aplicável ao Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça por força dos artigos 666.º e 685.º do CPC, </font><i><font>“proferida a sentença, fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa”</font></i><font> (artigo 613.º, n.º 1, do CPC). Ainda assim, </font><i><font>“é lícito [ ] ao juiz retificar erros materiais, suprir nulidades e reformar a sentença, nos termos dos artigos seguintes”</font></i><font> (artigo 613.º, n.º 2, do CPC).</font><br> </p><p><font>Sobre retificação de erros materiais, dispõe a lei o seguinte:</font><br> </p><p><i><font>“1 - Se a sentença omitir o nome das partes, for omissa quanto a custas ou a algum dos elementos previstos no n.º 6 do artigo 607.º, ou contiver erros de escrita ou de cálculo ou quaisquer inexatidões devidas a outra omissão ou lapso manifesto, pode ser corrigida por simples despacho, a requerimento de qualquer das partes ou por iniciativa do juiz.</font></i><br> </p><p><i><font>2 - Em caso de recurso, a retificação só pode ter lugar antes de ele subir, podendo as partes alegar perante o tribunal superior o que entendam de seu direito no tocante à retificação.</font></i><br> </p><p><i><font>3 - Se nenhuma das partes recorrer, a retificação pode ter lugar a todo o tempo”.</font></i><br> </p><p><b><font> </font></b><br> </p><p><b><font>4.</font></b><font> Vejamos:</font><br> </p><p><font>Como se tem entendido na jurisprudência deste Supremo Tribunal, proferida a sentença, fica esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa (artigo 613.º, n.º 1, do CPC). Ainda assim, é lícito ao juiz proceder à retificação da sentença depois dessa altura (artigo 613.º, n.º 2, do CPC), designadamente corrigindo erros materiais e lapsos manifestos nos termos do artigo 614.º do CPC.</font><br> </p><p><font>Retornando aos factos, resulta que, tendo sido a data da celebração do casamento 2 de abril de 1972, portanto, em momento posterior à entrada em vigor do Código Civil de 1966, o regime de bens supletivo para casamentos celebrados sem convenção antenupcial era já o da comunhão de adquiridos, por efeito da lei, e não o da comunhão geral, pelo que estamos perante um erro quanto ao regime de bens do casal.</font><br> </p><p><font>O erro, para dar lugar à retificação da sentença, tem que ser um material ou de escrita, deve resultar, de forma evidente, do processo ou da decisão, e ser manifesto ou ostensivo, conforme tem defendido a jurisprudência (por todos, cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 01-07-2021, proc. n.º 704/12.5TVLSB.L3.S1). </font><br> </p><p><font>Nos termos do Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça (Acórdão de 13-07-2021, proc. n.º 380/19.4T8OLH-D.E1.S1), </font><i><font>«I -Existe erro material quando o juiz escreve coisa diversa do que queria escrever, quando o teor da sentença ou do despacho não coincide com o que juiz tinha em mente exarar, quando, em suma, a vontade declarada diverge da vontade real. II - Erro material este que tem que emergir do próprio texto da decisão, ou seja, é o próprio texto da decisão que há-de permitir ver e perceber que a vontade declarada não corresponde à vontade real do juiz que proferiu a decisão»</font></i><font>. O erro material é apenas aquele que diz respeito à “(…) </font><i><font>expressão material da vontade do julgador e não os erros que possam ter influído na formação da quela vontade”</font></i><font> (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 08-11-1988, proc. n.ºJSTJ00009888). </font><br> </p><p><font> Segundo Alberto dos Reis (</font><i><font>Direito Processual Civil,</font></i><font> Vol. II, p. 377), o erro material distingue-se do erro de julgamento, pois naquele </font><i><font>“(…) o juiz escreveu coisa diversa do que queria escrever, (…) o teor da sentença ou despacho não coincide com o que juiz tinha em mente exarar, quando, em suma, a vontade declarada diverge da vontade real. O erro de julgamento é espécie completamente diferente. O juiz disse o que queria dizer; mas decidiu mal, decidiu contra lei expressa ou contra factos apurados. Está errado o julgamento. Ainda que o juiz, logo a seguir, se convença de que errou, não pode emendar o erro.”</font></i><br> </p><p><font>Consultado o processo n.º 141/2000, que veio a terminar por transação entre as partes, verifica-se que a indicação do regime de bens do casal no ponto 2. da matéria de facto não resultou de qualquer lapso de escrita, pois o juiz escreveu no ponto 2. da matéria de facto assente aquilo que queria escrever, conforme resultou do que foi alegado na petição inicial pelas autoras (cfr. artigo 3.º da p.i.) e que mereceu a concordância dos réus, que admitiram o vertido no artigo 3.º da pi. Como nenhuma das partes juntou ao processo o assento de nascimento, o facto n.º 2 foi dado como provado, por acordo das partes, sem que o juiz se tivesse apercebido que havia um erro, pois que nenhuma das partes juntou ao processo o assento de casamento do qual resultava que o regime de bens era a comunhão de adquiridos. Assim, não pode afirmar-se que estamos perante um erro material ou de escrita evidente. Trata-se de uma inexatidão que não resulta, ostensivamente, do contexto da decisão, só sendo possível percecionar o erro quanto aos factos provados, quando se confronta o n.º 2 da matéria de facto com o documento n.º 1 agora apresentado pela requerente e que se reveste de um caráter autêntico. Como este documento não se encontra junto ao processo, também não se aplica ao caso dos autos o artigo 616.º, n.º 2, al. </font><i><font>b),</font></i><font> do CPC, segundo o qual </font><i><font>“é lícito a qualquer das partes requerer a reforma da sentença quando, por manifesto lapso do juiz, constem do processo documentos ou outro meio de prova plena que, só por si, impliquem necessariamente decisão diversa da proferida”.</font></i><br> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; </font><br> </p><p><b><font>5.</font></b><font> Assim, não estão verificados os requisitos legais para que possa ser decretada a retificação do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, que reproduz a matéria de facto assente no tribunal de 1.ª instância, com base no acordo das partes. Está, pois, esgotado o poder jurisdicional para este Supremo Tribunal intervir e corrigir a matéria de facto. Todavia, para que a requerente não sofra entraves no exercício dos seus direitos, defere-se o pedido com outro fundamento e considera-se que a afirmação do ponto 2 da matéria de facto quanto ao regime de bens da comunhão geral é formalmente ineficaz, por violação de normas processuais, na medida em que o juiz violou regras probatórias de direito material, dando um facto como provado por acordo das partes, quando devia ter exigido o documento autêntico respetivo, o assento de casamento (Sobre a figura da </font><i><font>ineficácia formal,</font></i><font> por violação das regras do processo, cfr. Teixeira de Sousa, </font><i><font>Estudos sobre o novo processo civil,</font></i><font> 2.ª ed., Lex, Lisboa, 1997, p. 218; aplicando esta figura a um caso em que não era possível a retificação da sentença por estar em causa um erro de direito, cfr. o citado Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 13-07-2021).</font><br> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; </font><br> </p><p><b><font>6.</font></b><font> Em consequência, vale, para os devidos efeitos, o assento de casamento, do qual resulta que o regime de bens do casal era o regime da comunhão de adquiridos e não o regime da comunhão geral. </font><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><b><font>7. </font></b><font>Anexa-se sumário elaborado nos termos do artigo 663.º, n.º 7, do CPC:</font><br> </p><p><b><font>I – </font></b><font>Solicitada pela requerente a retificação de um acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido em 21 de janeiro de 2003, em virtude de o ponto 2. da matéria de facto conter a afirmação de que o casamento entre a requerente e o seu marido, ambos réus no processo n.º 141/2000, tinha sido celebrado no regime de comunhão geral, em contradição com o assento de casamento, não se verificam os requisitos da retificação da sentença, por não se tratar de erro de escrita. </font><br> </p><p><b><font>II –</font></b><font> Pode, todavia, este Supremo Tribunal deferir o pedido com outro fundamento, considerando que a afirmação do ponto 2 da matéria de facto quanto ao regime de bens da comunhão geral é formalmente ineficaz, por violação de normas processuais, na medida em que o juiz violou regras probatórias de direito material, dando um facto como provado por acordo das partes, em sentido contrário ao que consta do assento de casamento, do qual resulta que os réus casaram no regime da comunhão de adquiridos.</font><br> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; </font><br> </p><p><b><font>III – Decisão</font></b><br> </p><p><font>&nbsp;Pelo exposto, defere-se a reclamação, embora com outro fundamento.</font><br> </p><p><font>&nbsp;Sem custas.</font><br> </p><p><font>Supremo Tribunal de Justiça, 21 de setembro de 2021 </font><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><font>Maria Clara Sottomayor (Relatora) </font><br> </p><p><font>Pedro de Lima Gonçalves (1.º Adjunto) </font><br> </p><p><font>Maria de Fátima Gomes (2.ª Adjunta)</font><br> </p><p><font>&nbsp;</font><br> </p></font><p><font><font>Nos termos do artigo 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13 de março, aditado pelo DL n.º 20/2020, de 1 de maio, declaro que o presente Acórdão tem o voto de conformidade dos Juízes Conselheiros Pedro de Lima Gonçalves (1.º Adjunto) e Maria de Fátima Gomes (2.ª Adjunta). </font></font></p>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><font> </font><div><br> <font>Acordam, em Conferência, no Supremo Tribunal de Justiça </font></div><br> <br> <font> </font><br> <p><b><font>I – Relatório</font></b><br> </p><p><b><font> </font></b><br> </p><p><b><font>1. AA </font></b><font>e</font><b><font> BB, </font></b><font>tendo sido notificadas do despacho da Relatora datado de 14-01-2022, que se pronunciou sobre o requerimento apresentado em 28-10-2021 junto do tribunal de 1.ª instância e enviado por este tribunal para o Supremo Tribunal em 05-01-2022, vêm do mesmo apresentar Reclamação para a Conferência, ao abrigo do artigo 652.º, n.º 3, do CPC, em que requerem que sobre a matéria do despacho recaia acórdão, formulando alegações que aqui se consideram integralmente reproduzidas, nas quais peticionam, em síntese, que se ordene que seja conhecido e apreciado o recurso de revista excecional interposto pelas reclamantes em 09-11-2021.</font><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><b><font>2.</font></b><font> A tramitação do processo, em síntese, foi a seguinte: </font><br> </p><p><b><font> </font></b><br> </p><p><b><font>2.1. </font></b><font>AA e BB intentaram ação comum contra CC e mulher DD e EE, com fundamento em responsabilidade civil por prejuízos decorrentes de ofensa ao seu bom nome, fundamentalmente, por promoção de processo penal infundado contra si instaurado (e que veio a terminar por decisão de não pronúncia).&nbsp; </font><br> </p><p><font>Pediram que fossem os Réus condenados a pagar solidariamente às Autoras as seguintes quantias: </font><br> </p><p><font>a) À A. AA e a título de danos não patrimoniais quantia não inferior a €120.000,00; </font><br> </p><p><font>b) À A. BB e a título de danos não patrimoniais quantia não inferior a €130.000,00, tudo com o acréscimo do pagamento dos juros de mora, contabilizados à taxa legal, a contar da citação, bem como nos juros vincendos até integral pagamento. </font><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><font>Os Réus CC e mulher DD contestaram, defendendo a improcedência da ação, e deduziram o seguinte pedido reconvencional (com fundamento na circunstância de a dedução da presente ação pelas Autoras lhes causar danos, nomeadamente ao nível de angústia e ansiedade que daí decorreram para si, obrigando-os a tomar medicação): que fossem as autoras condenadas, solidariamente, a pagar aos réus a quantia de €50.000,00, acrescida de juros, até efetivo e integral pagamento, assim discriminada: </font><br> </p><p><font>- a título de danos não patrimoniais já sofridos pela ré DD: um valor não inferior a €30.000,00; </font><br> </p><p><font>- a título de danos não patrimoniais já sofridos pelo réu CC: um valor não inferior a €20.000,00.</font><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><font>O Réu EE contestou, pugnando igualmente pela improcedência da ação.&nbsp; </font><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><b><font>2.2.</font></b><font> Depois de realizado o julgamento, foi proferida sentença que absolveu todas as partes dos pedidos contra si formulados.</font><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><b><font>2.3.</font></b><font> Desta sentença recorreram as Autoras para o Tribunal da Relação, impugnando a matéria de facto, bem como a solução de direito.</font><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><b><font>2.4.</font></b><font> O Tribunal da Relação ..., através de acórdão datado de 11 de julho de 2019, decidiu rejeitar o recurso quanto à impugnação da matéria de facto, por ter entendido que não estavam respeitados os requisitos do artigo 640.º, n.º 2, al. </font><i><font>b),</font></i><font> do Código de Processo Civil (CPC). Mantendo a matéria de facto dada como provada na sentença recorrida, a resolução da questão de direito foi feita, adotando fundamentos semelhantes aos expostos na sentença, tendo o Tribunal da Relação julgado improcedente o recurso.</font><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><b><font>2.5.</font></b><font> Inconformadas as autoras interpõem recurso de revista, que foi rejeitado por despacho do relator na Relação ....</font><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><b><font>2.6.</font></b><font> Na sequência de reclamação apresentada pelas autoras, ao abrigo do disposto no artigo 643.º do CPC, a revista foi admitida por decisão singular da agora Relatora, proferida no Supremo Tribunal de Justiça, em 06 de janeiro de 2020, por não se verificar a dupla conformidade decisória no que concerne à questão versada no recurso, atinente à observância ou não, pelas recorrentes, dos requisitos fixados no artigo 640.º do CPC.</font><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><b><font>2.7.</font></b><font> Por acórdão datado de 18-02-2020, decidiu-se, neste Supremo Tribunal de Justiça, o seguinte:</font> </p><p><i><font>«Pelo exposto, decide-se na 1.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça, conceder a revista, e, em consequência:</font></i> </p><p><i><font>a) - Anular o acórdão recorrido na parte em que não conheceu da impugnação da decisão de facto deduzida pelas autoras apelantes;</font></i> </p><p><i><font>b) - Ordenar a baixa do processo ao Tribunal da Relação para que tome conhecimento da impugnação dos factos, e analise o seu eventual alcance em sede da solução de direito.</font></i> </p><p><i><font> </font></i> </p><p><i><font>Custas da revista a cargo da parte vencida a final».</font></i><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><b><font>2.8. </font></b><font>O processo baixou à Relação que, conhecendo da impugnação da matéria de facto, confirmou novamente a sentença do tribunal de 1.ª instância, por acórdão datado de 08-10-2020.</font><br> </p><p><b><font> </font></b><br> </p><p><b><font>2.9.</font></b><font> Deste acórdão vieram as recorrentes interpor recurso de revista, ao abrigo dos artigos 671.º, n.º 1, 674.º, n.º 1, als </font><i><font>a),</font></i><font> </font><i><font>b)</font></i><font> e </font><i><font>c)</font></i><font> e n.º 3 e 675.º, n.º 1 e 676.º, todos do CPC.</font><br> </p><p><font>Subsidiariamente requereram revista excecional, ao abrigo do artigo 672.º, n.º 1, al. </font><i><font>a)</font></i><font> e n.º 2, al</font><i><font>. a),</font></i><font> do CPC.</font><br> </p><p><font>&nbsp;</font><br> </p><p><b><font>2.10. </font></b><font>O Tribunal da Relação, por despacho de 21-12-2020, pronunciou-se sobre as nulidades requeridas nesse recurso de revista, não admitiu o recurso de revista geral, e declarou reservar-se para mais tarde a decisão sobre a revista excecional pedida subsidiariamente. </font><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><b><font>2.11.</font></b><font> O Tribunal da Relação, por acórdão proferido em Conferência, em 14-01-2021, indeferiu as nulidades invocadas contra o acórdão de 08-10-2021, tendo o Relator, por despacho datado de 10-02-2021, ordenado a subida dos autos ao Supremo Tribunal de Justiça para apreciação dos requisitos da revista excecional.</font><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><b><font>2.12.</font></b><font> Do acórdão da Relação que se pronunciou sobre as nulidades interpuseram as autoras, recurso de revista que não foi admitido por extemporaneidade.</font><br> </p><p><b><font> </font></b><br> </p><p><b><font>2.13. </font></b><font>As recorrentes reclamaram para este Supremo Tribunal de Justiça, ao abrigo do artigo 643.º do Código de Processo Civil, contra o despacho do Relator do Tribunal da Relação que não admitiu o recurso de revista.</font><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><b><font>2.14.</font></b><font> No Supremo Tribunal de Justiça, a reclamação, ao abrigo do artigo 643.º do CPC, do despacho do Relator que não admitiu o recurso de revista do acórdão proferido a 08-10-2021, foi distribuído à 6.ª Secção sob o número 922/15.4T8PTM.E1-B.S1, tendo o então Relator confirmado o despacho reclamado.</font><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><b><font>2.15.</font></b><font> Tendo as recorrentes reclamado para a Conferência do despacho do Relator, ao abrigo dos artigos 643.º, n.º 4 e 652.º, n.º 3, ambos do CPC, foi proferido acórdão na 2.ª secção deste Supremo Tribunal de Justiça, em 07-07-2021, que confirmou o despacho de não admissibilidade do recurso de revista. </font><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><b><font> </font></b><br> </p><p><b><font>3. </font></b><font> Em 5 de janeiro de 2022, foi enviado, pelo tribunal de 1.ª instância, ao Supremo Tribunal de Justiça, um e-mail, contendo um requerimento das reclamantes, em que estas, em resposta aos requerimentos dos réus relativos às custas de parte no tribunal de 1.ª instância, invocam:</font><br> </p><p><font>- a nulidade por omissão de pronúncia quanto ao recurso de revista excecional;</font><br> </p><p><font>- a subida dos autos ao Supremo Tribunal de Justiça a fim de que este recurso de revista excecional, pedido subsidiariamente, seja conhecido, </font><br> </p><p><font>- a nulidade dos requerimentos apresentados pelos réus a título de custas de parte e o seu desentranhamento.</font><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><b><font>4.</font></b><font> A agora Relatora proferiu despacho, em 14 de janeiro de 2022, declarando extemporâneo o pedido de nulidade por omissão de pronúncia, pois o último acórdão proferido sobre a questão da admissibilidade do recurso de revista do acórdão da Relação de 08-10-20210 – o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 07-07-2020 – já transitou em julgado.</font><br> </p><p><font>O teor do despacho de 14-01-2022 foi o seguinte:</font><br> </p><p><i><font>«O requerimento apresentado pelas recorrentes ao tribunal de 1.ª instância, em 28-10-2021, e remetido, por mail, ao Supremo Tribunal, em 5 de janeiro de 2022, invocando nulidade por omissão de pronúncia do Acórdão proferido em Conferência na 6.ª Secção deste Supremo Tribunal de Justiça, em 7 de julho de 2021 (Apenso B), que confirmou o despacho do Relator que não admitiu o recurso de revista, é manifestamente extemporâneo, pelo que não serão conhecidas as questões nele colocadas.</font></i><br> </p><p><i><font>Custas pelas reclamantes».</font></i><br> </p><p><b><font> </font></b><br> </p><p><b><font>5. </font></b><font>Deste despacho, reclamam agora as reclamantes, peticionando novamente que o recurso de revista excecional seja conhecido e apreciado, bem como desentranhado o pedido dos réus de custas de parte.</font><br> </p><p><b><font> </font></b><br> </p><p><b><font>&nbsp;</font></b><font>Cumpre decidir.</font><br> </p><p><b><font> </font></b><br> </p><p><b><font> </font></b><br> </p><p><b><font>II – Fundamentação</font></b><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><b><font>1.</font></b><font> Invocam as reclamantes que no seu requerimento não alegaram a nulidade por omissão de pronúncia do Acórdão de 07-07-2021, mas apenas a omissão de pronúncia deste Supremo Tribunal em relação ao recurso de revista excecional interposto do Acórdão da Relação, datado de 08-10-2020.</font><br> </p><p><font>Ora, em primeiro lugar, urge esclarecer que uma nulidade por omissão de pronúncia só se verifica em relação a uma decisão que foi proferida com um vício formal. Não pretendendo as reclamantes invocar a nulidade desta decisão, apenas se pode entender que pretendem invocar um suposto lapso deste Supremo Tribunal por não ter conhecido um recurso de revista excecional que interpuseram, a título subsidiário, no requerimento de interposição de recurso datado de 09-11-2020, que se refere ao recurso de revista que não foi admitido pelo Acórdão de 07-07-2021.</font><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><font>Vejamos:</font><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><b><font>2.</font></b><font> O recurso de revista excecional invocado pelas reclamantes não é autónomo do recurso de revista geral, que não foi admitido por acórdão proferido, na 6.ª Secção, em conferência, por este Supremo Tribunal de Justiça, em 07-07-2021. Como as autoras reconhecem, no requerimento de interposição de recurso apresentado em 11-11-2020, foi pedido subsidiariamente o recurso de revista excecional, e as questões suscitadas na revista excecional são as mesmas daquelas que foram suscitadas no recurso de revista geral, sendo o articulado de recurso exatamente o mesmo.</font><br> </p><p><font>O recurso de revista excecional é um recurso de revista que foi interposto subsidiariamente, juntamente com o recurso de revista geral, mas não sobe em separado. O despacho do Tribunal da Relação que assim o entendeu, ordenando a subida do recurso de revista excecional, após a reclamação da não admissibilidade do recurso de revista ao abrigo do artigo 643.º do CPC, não vincula este Supremo Tribunal. </font><br> </p><p><font>Devia, pois, ter sido o acórdão proferido em Conferência em 07-07-2021 na 6.ª Secção, a remeter, se fosse caso disso, o recurso de revista excecional à Formação prevista no artigo 672.º, n.º 3, do CPC, para indagação dos pressupostos específicos do recurso de revista excecional plasmados no artigo 672.º, n.º 1, do CPC. </font><br> </p><p><font>Na alínea F) da reclamação contra o despacho de não admissibilidade do recurso que deu lugar ao acórdão de 07-07-2021, que não admitiu o recurso de revista, as reclamantes aí se referem ao recurso de revista geral e excecional, tendo sido portanto, questionada a admissibilidade do recurso de revista excecional, juntamente com o recurso de revista geral, porque se trata do mesmo recurso. Nestes moldes, desde logo, se o recurso de revista geral não for admitido por falta dos pressupostos gerais de recorribilidade, não haverá lugar à remessa do processo à formação prevista no artigo 672.º, n.º 3, do CPC, para apreciação dos requisitos específicos da revista excecional à luz do artigo 672.º, n.º 1, als. </font><i><font>a),</font></i><font> </font><i><font>b)</font></i><font> e </font><i><font>c)</font></i><font>, do CPC.</font><br> </p><p><font>Segundo jurisprudência pacífica deste Supremo Tribunal de Justiça, </font><i><font>“o recurso de revista excepcional não constitui uma modalidade extraordinária de recurso, mas antes um recurso ordinário de revista criado pelo legislador, na reforma operada ao Código de Processo Civil, com vista a permitir o recurso nos casos em que o mesmo não seria admissível em face da dupla conformidade de julgados, nos termos do artº 671º, nº 3, do CPC, e desde que se verifique um dos requisitos consagrados no artº 672º, nº 1, do mesmo Código. Por conseguinte a sua admissibilidade está igualmente dependente da verificação das condições gerais de admissão do recurso de revista, como sejam o valor da causa e o da sucumbência, enunciados pelo nº 1, do artº 629º, do CPC” </font></i><font>(cfr., por todos, Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 23-11-2021, proc. n.º 6300/19.9T8FNC-A.L1-A.S1).</font><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><b><font>3.</font></b><font> Analisada a alegação de recurso datada de 09-11-2020 (correspondente ao recurso de revista interposto do Acórdão da Relação de 08-10-2020) e as respetivas conclusões, deteta-se que apesar de no requerimento de interposição de recurso se ter afirmado que se interpõe subsidiariamente recurso de revista excecional ao abrigo do artigo 672.º, n.º 1, do CPC, em lugar algum, nem nesse requerimento, nem na alegação de recurso ou nas conclusões, as recorrentes invocaram&nbsp; as razões ou causas desses recurso de revista excecional, ou seja, não se alegou que questões justificam a admissão do recurso de revista excecional para uma melhor aplicação do direito, por envolverem interesses de particular relevância social ou contradição de acórdãos, como constitui ónus do recorrente (cfr. nº 2 do artigo 672º do CPC), que deve indicar as razões do recurso de revista excecional sob pena de este não ser considerado. O que significa que este alegado recurso de revista excecional, na verdade, não tinha objeto, nem gerava qualquer obrigação do Supremo Tribunal a conhecê-lo ou apreciá-lo.</font><br> </p><p><font>Segundo jurisprudência deste Supremo Tribunal, os recorrentes têm de invocar especificamente, e de forma fundamentada, qualquer das causas das alíneas </font><i><font>a),</font></i><font> </font><i><font>b)</font></i><font> e </font><i><font>c)</font></i><font> do n.º 1 do artigo 672.º do CPC para que o recurso seja admitido. Neste sentido, veja-se o Acórdão de 11-05-2021 (Revista n.º 3690/19.7T8VNG.P1.S2), onde se afirmou que</font><i><font>: «Constitui ónus do recorrente explicitar os motivos por que, em seu entender, deve ser superada a barreira da dupla conformidade em face do relevo jurídico ou do relevo social das questões de direito, o que não se satisfaz com a exposição de meras generalidades a que esteja subjacente a simples discordância quanto ao que foi decidido por ambas as instâncias».</font></i><br> </p><p><font>Na hipótese de não o fazerem, a revista excecional não tem sequer de ser remetida à Formação prevista no artigo 672.º, n.º 3, do CPC, para que se pronuncie sobre os seus requisitos específicos, devendo o recurso de revista ser tratado como uma revista geral e ser rejeitado por dupla conformidade. Ora, foi isto exatamente o que sucedeu no presente processo com o Acórdão de 07-07-2021, que não admitiu o recurso de revista, não tendo enviado o processo à formação por não terem sido invocadas as causas específicas da revista excecional tal como estipulado no n.º 1 do artigo 672.º do CPC.</font><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><b><font>4.</font></b><font> Pelo que o acórdão proferido em Conferência, na 6.ª Secção, em 07-07-2021, que não admitiu o recurso de revista interposto em 11-11-2021, confirmando o despacho do relator, refere-se também ao suposto recurso de revista excecional. É o recurso de revista como um todo que não é admitido.&nbsp; </font><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><b><font>5.</font></b><font> Tendo sido a questão suscitada pelas reclamantes já decidida pelo Acórdão de 07-07-2021, não se verifica qualquer omissão de pronúncia nesta decisão, nem se pode afirmar como sustentam as reclamantes, que falte uma pronúncia deste Supremo Tribunal sobre o recurso de revista excecional interposto em 09-11-2020.</font><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><b><font>6. </font></b><font> Segue sumário elaborado de acordo com o n.º 7 do artigo 663.º do CPC:</font><br> </p><p><font>I - Constitui ónus do recorrente explicitar os motivos por que, em seu entender, deve ser superada a barreira da dupla conformidade em face do relevo jurídico ou do relevo social das questões de direito, o que não se satisfaz com a exposição de meras generalidades a que esteja subjacente a simples discordância quanto ao que foi decidido por ambas as instâncias.</font><br> </p><p><b><font> </font></b><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><b><font>III – Decisão</font></b><br> </p><p><font>Pelo exposto, indefere-se a reclamação.</font><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><font>Custas pelas reclamantes. </font><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><font>Lisboa, 29 de março de 2022 </font><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><font>Maria Clara Sottomayor (Relatora) </font><br> </p><p><font>Pedro de Lima Gonçalves (1.º Adjunto) </font><br> </p></font><p><font><font>Maria João Vaz Tomé (2.ª adjunta)</font></font></p>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><div><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:&nbsp; </font> <p><font> </font></p></div><br> <br> <b><font>I – Relatório</font></b><br> <p><b><font> </font></b><br> </p><p><b><font>1. </font></b><font> Na ação declarativa em processo comum, em que são autores, AA e BB e Réu, o</font><b><font> </font></b><font>BANCO BIC PORTUGUÊS, S.A., peticionaram os primeiros</font><b><font> </font></b><font>a</font><b><font> </font></b><font>efetivação de responsabilidade civil contratual decorrente da falta de cumprimento do contrato pelo Réu relativo à aplicação financeira em “obrigação SLN Rendimento Mais 2004”, no valor de €48.750,00, ou, subsidiariamente, declaração de nulidade do contrato, bem como, em qualquer caso, indemnização de €3.000,00 por danos não patrimoniais, consubstanciadas nos seguintes pedidos:</font><br> </p><p><font>«a) Declarar-se que o R. não cumpriu os deveres de informação verdadeira, actual e objectiva que regulam a sua actividade, enquanto Banco intermediário financeiro e, em consequência, ser condenado a indemnizar os A.A. dos danos patrimoniais sofridos, que são os 48.750,00 € e juros legais desde 25/10/2014 até integral pagamento, sendo os vencidos até 30/12/2018, no montante de 8.163,29 €:</font><br> </p><p><font>b) Se assim se não entender:</font><br> </p><p><font>b.1 – Declarar-se nulo, por falta de forma, qualquer invocado contrato de adesão e contrato de intermediação financeira que o R. invoque para ter aplicado os 48.750,00 € dos A.A. em obrigações subordinadas SLN 2004 e, em consequência, condenar-se o R. a restituir tal montante de 48.750,00 €;</font><br> </p><p><font>b.2 – Se declare ineficaz em relação aos A.A. a aplicação feitas dos 48.750,00 €, condenando-se o R., como depositário de tal quantia, a restituí-la acrescida de juros legais desde 25/10/2014 até integral pagamento, somando os vencidos até 30/12/2018 o montante de 8.163,29 €;</font><br> </p><p><font>c) Em qualquer dos casos, condenar-se o R. a pagar aos A.A., a quantia de 3.000,00 € a título de danos morais».</font><br> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; </font><br> </p><p><b><font>2.</font></b><font> Oportunamente, foi proferida decisão onde se consagrou que:</font><br> </p><p><font>«Nos termos e fundamentos expostos,</font><br> </p><p><font>1. Julgo a acção parcialmente procedente e, em consequência,</font><br> </p><p><font>2. Declaro a nulidade, por falta de forma, do contrato de intermediação financeira relativamente à aplicação financeira “obrigação SLN Rendimento Mais” e, em consequência,</font><br> </p><p><font>3. Condeno o Réu BANCO BIC PORTUGUÊS, S.A., a restituir ao s Autores AA e BB a quantia de €48.750,00 (quarenta e oito mil, setecentos e cinquenta euros), acrescida de juros de mora, à taxa legal, contados desde a citação até integral pagamento.</font><br> </p><p><font>4. Absolver o Réu do restante pedido formulado pelos Autores.</font><br> </p><p><font>5. As custas são a cargo de ambas as partes na proporção do respectivo decaimento.</font><br> </p><p><font>6. Registe e notifique».</font><br> </p><p><br> </p><p><b><font>3.</font></b><font> BANCO BIC PORTUGUÊS, S.A., não se conformando com a sentença proferida, em sede de despacho saneador, veio interpor Recurso de Apelação, &nbsp;no qual requereu a revogação da decisão e, em consequência, a absolvição do apelante da restituição do valor aplicado na subscrição das obrigações, ou, se declarado nulo o contrato de intermediação, opere a conversão deste num mandato comercial, ou, na eventualidade, de ser declarado nulo e não haver conversão do mesmo, serem os apelados condenados à restituição do valor recebido a título de juros. </font><br> </p><p><b><font>4. </font></b><font>O Tribunal da Relação negou provimento ao recurso interposto e confirmou a decisão recorrida. </font><br> </p><p><b><font>5.</font></b><font> Novamente inconformado, o Banco BIC interpôs recurso de revista excecional, nos termos do disposto no artigo 672º, nº 1, als. </font><i><font>a)</font></i><font> e </font><i><font>b)</font></i><font> do Código de Processo Civil, que foi admitido pela formação prevista no artigo 672.º, n.º 3, do CPC. </font><br> </p><p><b><font>6. </font></b><font>O recorrente, Banco BIC, terminou a sua alegação de recurso com as seguintes conclusões:</font><br> </p><p><font>«1) A douta decisão recorrida fundamenta-se na nulidade do contrato de intermediação financeira por falta de forma, e com isso também dos contratos de prestação dos serviços de intermediação, como a recepção e transmissão de ordem, obrigando o R. a repetir o que teria recebido do A., concretamente no valor de 48.750,00€ correspondente ao preço pago pela compra de uma Obrigação SLN. </font><br> </p><p><font>2) Ambas as instâncias acabam por condenar o Banco-R. com base no dever de repetir tudo o prestado em cumprimento de um contrato de intermediação financeira que as decisões declararam nulo. Todavia, parece-nos que o problema em discussão é bem mais complexo do que as doutas decisões parecem desenhar... é que com todo o respeito estamos perante uma relação jurídica complexa e multilateral, e que raramente tem sido analisada ou discutida nos tribunais como tal. </font><br> </p><p><font>3) Em suma, em discussão temos:</font><br> </p><p><font>- o âmbito da declaração de nulidade por falta de forma de um contrato sobre outro contrato celebrado válida e autonomamente, e</font><br> </p><p><font>- as consequências da declaração de nulidade sobre contratos executados por terceiros ao contrato declarado nulo, e em particular negociações de valores mobiliários, e por fim,</font><br> </p><p><font>- se o intermediário financeiro tem alguma prestação, além da comissão paga pela entidade emitente, a repetir por nulidade do contrato de intermediação financeira. </font><br> </p><p><font>4) Estes concretos temas e questões, além de relevantes na discussão da pura dogmática jurídica, são hoje, na ressaca da chamada “crise das dívidas”, uma das pedras de toque de todo o sistema financeiro, por um lado, e judicial por outro, em face do volume de contencioso pendente em todos os Tribunais perante o não reembolso de inúmeras emissões de vários instrumentos de dívida - cabe estabilizar a aplicação do direito em face deste cenário de tamanha incerteza e face a tal dimensão de contencioso. </font><br> </p><p><font>5) É sabido que que pende um contencioso enorme à volta exactamente da problemática da responsabilidade do Banco, na pele de intermediário financeiro, quanto aos procedimentos de apresentação de instrumentos financeiros para subscrição por investidores clientes. Aliás, é conhecido certamente por esse Venerando Tribunal que pendem até vários recursos para uniformização de jurisprudência tendo esta matéria por referência. </font><br> </p><p><font>6) O volume do contencioso exactamente com este objecto, com a definição e delimitação do dever de informação na comercialização de instrumentos financeiros em momento anterior a Dezembro de 2007, é hoje considerável e com um grande impacto na economia e na sociedade portuguesa em geral, até pela repetição de situações análogas em várias instituições bancárias, por corresponder a uma actividade corrente antes da chamada crise das dívidas. </font><br> </p><p><font>7) Todavia, releva igualmente, e porque é questão amiudadamente colocada, a par do cumprimento dos deveres do intermediário financeiro, estabelecer e discutir a implicação de requisitos de forma sobre as mesmas relações jurídicas e o respectivo regime, tendo em consideração o estabelecimento de uma relação jurídica complexa e multilateral! </font><br> </p><p><font>8) Ademais, nos autos discute-se o regime próprio da nulidade e seus efeitos no contexto próprio da relação de intermediação financeira, ou de uma relação contratual múltipla. </font><br> </p><p><font>9) Não podemos senão concluir pela admissibilidade do presente recurso de revista, nos citados termos do disposto no art.º 672º do Código de Processo Civil. </font><br> </p><p><font>Dito isto, </font><br> </p><p><font>10) Importa, antes de mais, estabelecer o quadro ou contexto contratual em que se insere a discussão da situação dos autos. </font><br> </p><p><font>11) A relação de intermediação financeira em geral é fundada num contrato de intermediação financeira que enquadra as relações entre intermediário financeiro e investidor - este é o que se denomina normalmente por contrato de cobertura - é-lhe normalmente dada esta denominação exactamente porque os concretos serviços prestados não dependem jurídica ou funcionalmente, nem são sequenciais, relativamente ao contrato de intermediação. </font><br> </p><p><font>12) Este contrato de intermediação é um contrato duradouro e de execução continuada, na medida em que estabelece um regime ao abrigo do qual serão celebrados outros contratos de execução instantânea no âmbito do concreto serviço de intermediação a executar. </font><br> </p><p><font>13) Ao abrigo da relação de cobertura podem estabelecer-se inúmeros serviços, com outros tantos contratos, enumerados no art.º 290º do CdVM. O regime deste contrato é definido, por sua vez, de acordo com o específico regime que se lhe aplique - no caso da recepção e transmissão de ordem, além das normas expressas do CdVM, estamos claramente em presença de um contrato de um mandato com representação, ao abrigo do qual o investidor emite uma ordem de pagamento a favor de terceiro para pagamento de uma outra ordem que dá ao intermediário para que, em seu nome e por sua conta, adquira valores mobiliários. </font><br> </p><p><font>14) Todavia, cada ordem emitida e retransmitida não depende da validade e/ou eficácia do, necessariamente anterior, contrato de cobertura - este apenas as enquadra num específico regime contratual de intermediação financeira, </font><br> </p><p><font>15) Até porque estas ordens concretizam-se pela celebração em nome do investidor de contratos de que implicam a titularidade de valores mobiliários, com as inerentes posições creditícias a eles associadas, e às quais o intermediário financeiro é alheio! </font><br> </p><p><font>Por outro lado, </font><br> </p><p><font>16) Da matéria de facto considerada como provada nada consta sobre a assinatura ou não de um contrato de intermediação financeira. Existem menções, outrossim, quanto a documentação relativa à ordem de subscrição propriamente dita, mas nada mais! Como se uma e outra coisa fossem uma só! </font><br> </p><p><font>17) Mas a ordem de subscrição, o negócio propriamente dito de compra das obrigações, nada tem que ver com o contrato de intermediação financeira. </font><br> </p><p><font>18) A douta decisão recorrida assume, ou presume implicitamente, não ter sido assinado um contrato de intermediação financeira, sem que isso resulte como provado ou não provado da matéria de facto provada. </font><br> </p><p><font>19) Provado ficou apenas que:</font><br> </p><p><font>a. quanto à emissão da concreta ordem de subscrição de Obrigações SLN, o cliente assinou apenas o documento identificado no facto provado.</font><br> </p><p><font>b. o A. não assinou qualquer outro documento para efeitos da subscrição. </font><br> </p><p><font>20) Não resultando provada a não assinatura de um contrato de intermediação, não se vê como possa, em sequência, a decisão recorrida declarar a relação de intermediação como nula por falta de forma, e com isso anular depois um contrato de execução de serviços de intermediação propriamente ditos. </font><br> </p><p><font>21) Com isso, incorreu a decisão em nulidade, nos termos previstos no art.º 615º nº 1 al. c) do Código de Processo Civil, pois que não qualquer facto que funde a premissa essencial na decisão recorrida de afirmar não ter sido assinado contrato de intermediação financeira - apenas resulta que para a concreta subscrição dos títulos, o A. assinou apenas a respectiva ordem de subscrição! Mas para essa concreta operação nunca teria de assinar nada mais! </font><br> </p><p><font>Acresce que, </font><br> </p><p><font>22) Nos termos do disposto no art.º 289º do Código Civil, a declaração de nulidade de um contrato obriga à restituição de tudo quanto tiver sido prestado no âmbito desse contrato. Note-se que, nos termos estritos desta disposição, os efeitos da nulidade não ultrapassam o âmbito desse mesmo contrato. </font><br> </p><p><font>23) Somos, todavia, capazes de admitir situações em que a mesma declaração, por retroactiva, implique a anulação de contratos celebrados subsequentemente em decorrência funcional ou operacional daquele primeiro - só assim se compreende os termos da excepção prevista no art.º 291º do Código Civil. </font><br> </p><p><font>24) O negócio de intermediação e os respectivos negócios de execução, sendo sequenciais, não são funcionalmente dependentes, são negócios autónomos entre si e não têm as mesmas prestações por objecto. </font><br> </p><p><font>25) Da declaração de nulidade de um contrato não resultam automaticamente efeitos anulatórios no âmbito de outros contratos, pelo menos que não tenham por objecto a exacta prestação a cuja devolução as partes estão obrigadas. </font><br> </p><p><font>26) De todo o modo, não vemos que, mesmo a eficácia retroactiva do contrato de cobertura implique a nulidade ou anulação dos contratos de execução, e entre eles a recepção e transmissão de ordens. </font><br> </p><p><font>27) Desde logo porque as prestações dos dois contratos em nada coincidem... ou seja a anulação do segundo contrato não se torna necessária de forma a assegurar a repetição da prestação do primeiro dos contratos. </font><br> </p><p><font>28) Mas mais do que isso, por o negócio de execução se tratar de um contrato distinto e autónomo, subsistem as declarações de vontade emitidas para a sua celebração. Simplesmente, desaparece o enquadramento do contrato de cobertura e respectivo regime específico. </font><br> </p><p><font>29) Restando as declarações de vontade emitidas pelas partes, devem elas ser respeitadas e cumpridas estritamente, já não com a cobertura de um contrato de intermediação financeira - declarado nulo - mas ao abrigo do regime geral aplicável ao tipo contratual em causa. No caso concreto, estando perante um serviço de recepção e transmissão de ordem, o A. emitiu ao Banco uma ordem de compra de Obrigações SLN, por sua conta e em seu nome, mais dando uma ordem de pagamento do respectivo valor por débito numa sua conta bancária. </font><br> </p><p><font>30) O A., para efeitos deste contrato de compra de títulos, não entregou qualquer valor ao Banco-R. Pelo contrário, o A. ordenou expressamente que o preço daqueles títulos fosse creditado a favor do vendedor por débito na sua conta. </font><br> </p><p><font>31) Este conjunto de prestações configura por si um contrato de mandato com representação. </font><br> </p><p><font>32) Sublinhe-se mais que o A., para efeitos deste contrato de compra de títulos, não entregou qualquer valor ao Banco-R. Pelo contrário, o A. ordenou expressamente que o preço daqueles títulos fosse creditado a favor do vendedor por débito na sua conta. Ou seja, quem recebeu os fundos foi o vendedor das Obrigações e não o Banco-R. </font><br> </p><p><font>33) Estamos, </font><i><font>in casu,</font></i><font> perante um contrato de mandato com representação, ao abrigo do qual o cliente - o A. - instrui o mandatário - o Banco -, para em seu nome e no seu interesse comprar Obrigações SLN e, para o efeito, debitar uma conta bancária no valor do respectivo preço com crédito a favor de um terceiro vendedor. </font><br> </p><p><font>34) A representação, no caso do serviço de recepção e transmissão de ordens, resulta do próprio contrato de cobertura. Sem ele, todavia, a própria ordem de execução da operação constitui instrumento de representação bastante, pois que os actos jurídicos a praticar não exigem forma escrita sequer - queremos com isto dizer que o mandato se manteve, sobreviveu, mesmo sem o respectivo contrato de cobertura, pois que o A. emitiu declaração negocial inequívoca no sentido de instruir o Banco no sentido da prática de actos jurídicos (compra de valores mobiliários e respectivo pagamento por débito em sua conta), sempre em seu nome e no seu próprio interesse. </font><br> </p><p><font>35) Em suma, o Banco-R. agiu com base em procuração - daqui resulta que vigora a regra do art. 266º nº 2 do CC. Ou seja, sendo a procuração um "negócio de base abstracta", a nulidade do negócio de cobertura é inoponível ao terceiro com quem o intermediário contratou, desde que ele, sem culpa, ignorasse a nulidade. </font><br> </p><p><font>36) De resto, a instrução dada pelo investidor foi imediata e integralmente cumprida pelo Banco, fosse nas vestes de intermediário financeiro ou de simples mandatário! E o mandato foi, portanto, integralmente cumprido, tendo-se esgotado quanto a essa operação com a transferência a favor do A. da titularidade das Obrigações e com o pagamento, ordenado pelo A., do preço a crédito do vendedor. </font><br> </p><p><font>37) A declaração de nulidade do negócio de cobertura não implica necessária e automaticamente a nulidade do contrato de mandato inserto na ordem de compra. Mas ainda que tivesse essa consequência nunca implicaria a extinção ou anulação do negócio celebrado pelo mandatário em nome do mandante! </font><br> </p><p><font>38) O tribunal violou, por isso, por errónea interpretação ou aplicação, o disposto nos art.ºs 266º e 289º do Código Civil. </font><br> </p><p><font>Por fim, </font><br> </p><p><font>E ainda que assim se não entendesse, </font><br> </p><p><font>39) O contrato de intermediação financeira, enquanto contrato de cobertura à prestação de serviços de recepção e transmissão de ordens, como neste concreto caso, tem por objecto prestações, por parte do intermediário, de </font><i><font>facere,</font></i><font> com especial incidência em deveres de informação sobre a natureza, procedimentos e riscos gerais dos serviços que oferece. Por seu turno, cabe ao investidor o pagamento, eventualmente, de uma comissão devida pela constituição da relação de intermediação. </font><br> </p><p><font>40) Declarada a nulidade deste negócio, o direito à repetição do prestado abrange apenas estas concretas prestações. </font><br> </p><p><font>41) Reportando-nos já ao caso que nos ocupa, o A. instruiu o Banco para a compra de uma Obrigação SLN 2006 em seu nome, mais dando ordem para que a sua conta bancária fosse debitada no respectivo valor - de 48.750,00€ - para pagamento ao vendedor do respectivo preço. </font><br> </p><p><font>42) Daqui resulta imediatamente que o A. não entregou ao Banco-R. quaisquer fundos no âmbito destes contratos, fosse do contrato de intermediação ou do serviço de recepção e transmissão de ordem. E deste último, como alegámos já, o Banco-R. não recebeu qualquer prestação do A., limitando-se a cumprir uma instrução para celebrar em nome deste, e cumprir de imediato, um contrato com um terceiro - o que o Banco-R. fez integralmente! </font><br> </p><p><font>43) Ou seja, a entrega do valor de 48.750,00€ foi feita pelo Banco, por transferência feita a débito da conta bancária do A., ao vendedor do título. Nunca esta quantia foi entregue ao Banco no âmbito desta relação de intermediação. </font><br> </p><p><font>44) E por isso o Banco não pode restituir o que não recebeu! </font><br> </p><p><font>45) E nem se diga que equivale a esta entrega o depósito bancário constituído pelo A. naquele valor, e que mandou debitar para este pagamento. É que a entrega desses fundos é muito anterior a qualquer dos contratos em discussão nestes autos, e teve lugar no âmbito de relação de abertura de conta bancária e correspondente depósito - ou seja no quadro de contrato que nada tem a ver com o de intermediação financeira, seja cronologicamente, seja funcionalmente, seja até como pressuposto legal! </font><br> </p><p><font>46) Mais uma vez, cremos, modestamente, ter o douto tribunal a quo violado, por errónea interpretação ou aplicação, o disposto no art.º 289º do Código Civil. </font><br> </p><p><font>47) Acresce que, ainda que se considerasse que o tribunal havia andado bem na condenação à restituição do valor investido da Obrigação o certo é que não retirou, na sua decisão, todas as consequências desse facto. </font><br> </p><p><font>48) É que os AA. receberam ao longo dos anos os juros relativos à aplicação que efectuaram.&nbsp;</font><br> </p><p><font>49) Também estes juros, seguindo de perto a orientação da decisão das instâncias, deveriam ter sido devolvidos ao banco recorrente, sendo subtraídos ao montante da condenação (ainda que não apurados deveria o seu valor ser remetido para liquidação de sentença). </font><br> </p><p><font>Termos em que se conclui pela procedência do presente recurso, e por via dele, pela revogação da douta decisão recorrida e sua substituição por outra que absolva o Réu do pedido, assim fazendo V. Exas.» </font><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><b><font>7. AA</font></b><font> e </font><b><font>BB</font></b><font>, autores nestes autos, notificados da interposição de recurso, vieram apresentar as seguintes contra-alegações:</font><br> </p><p><font>«II – Do recurso </font><br> </p><p><font>16º</font><br> </p><p><font>São três as questões que a recorrente pretende ver apreciadas com o presente recurso:</font><br> </p><p><font>a) Da insuficiência da matéria de facto para a fundamento de direito;</font><br> </p><p><font>b) Dos efeitos da nulidade do contrato de intermediação sobre os contratos de prestação de serviços de intermediação financeira;</font><br> </p><p><font>c) Das consequências da declaração de nulidade do contrato de intermediação financeira;</font><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><font>Abordaremos o primeiro individualmente o os segundo e terceiro conjuntamente </font><br> </p><p><font>II. a) – Da insuficiência da matéria de facto para a fundamento de direito; </font><br> </p><p><font>17º</font><br> </p><p><font>A alegação da recorrente, nesta matéria, configura questão nova; </font><br> </p><p><font>18º</font><br> </p><p><font>Os recursos são meros meios de impugnação das decisões judiciais pelos quais se visa a sua reapreciação e consequente alteração e/ou revogação; </font><br> </p><p><font>19º</font><br> </p><p><font>Tratando-se de questão nova, a mesma não pode ser apreciada, </font><br> </p><p><font>20º</font><br> </p><p><font>Mesmo que não se tratasse de questão nova, sempre a sua apreciação estaria impedida pelo art.º 674º, n.º 3 do C.P.C.; </font><br> </p><p><font>21º</font><br> </p><p><font>Desta parte deve o recurso não ser apreciado por inadmissibilidade legal;</font><br> </p><p><font>22º</font><br> </p><p><font>Sendo certo que, nesta matéria, à recorrente, não assiste qualquer razão, porquanto, constam dos factos provados o seguinte: “14. O único documento com que a A. contactou na altura da contratação foi a referida comunicação de cliente.”; </font><br> </p><p><font>23º </font><br> </p><p><font>O mesmo é dizer que inexistiu qualquer outro, configurando a presente alegação abuso de direito pelo recorrente; </font><br> </p><p><font>24º</font><br> </p><p><font>Sendo, certo que, caso existisse o referido contrato de intermediação financeira, mas não existe, sempre a prova da sua existência caberia ao Recorrente, atenta os documentos solicitados na p.i. e cuja junção foi ordenada ao R. no douto despacho saneador; </font><br> </p><p><font>25º</font><br> </p><p><font>Razão porque, nesta parte, devem as doutas alegações improceder; </font><br> </p><p><font>II. b) Dos efeitos da nulidade do contrato de intermediação sobre os contratos de prestação de serviços de intermediação financeira e das consequências da declaração de nulidade do contrato de intermediação financeira; </font><br> </p><p><font>26º</font><br> </p><p><font>Importa, independentemente daquilo que a recorrente descreve como sendo contrato de execução e contrato de cobertura, descrever as condições que conduziram à compra das obrigações SLN 2004, através de endosso, por terceiro, e estas, estão bem descritas nos factos provados, infra transcritos:</font><br> </p><p><font>“…</font><br> </p><p><font>5. Os Autores são, para efeitos de investimentos bancários e financeiros, pessoas conservadoras, altamente conservadoras, pois toda a sua vida apenas tiveram o seu dinheiro em depósitos à ordem, a prazo e unidades de participação de risco reduzido.</font><br> </p><p><font>6. Os Autores foram titulares, junto do BPN, Agência de …., freguesia de …., concelho de …., da conta n.º …, e são, titulares de conta com o mesmo número no Banco BIC, agência de …, freguesia de …, concelho de …...</font><br> </p><p><font>7. Em 31/10/2008, a A. mulher foi chamada à Agência de … do BPN pelo funcionário CC e aquela aí se deslocou nesse mesmo dia, onde aí este lhe transmitiu que “tinha uma coisa muito boa para ela”, que era um produto garantido, com excelente rentabilidade e que inclusivamente estava a comprar abaixo do valor facial, pois estava apenas a pagar €48.750,00 por um produto que valia €50.000,00 “e que havia uma pessoa que tinha aquele dinheiro e que precisava dele”.</font><br> </p><p><font>8. Que o capital e os juros eram garantidos.</font><br> </p><p><font>9. Que passado um ano poderia levantar o dinheiro.</font><br> </p><p><font>10. Tal foi a insistência do funcionário da R., que a A. mulher assinou, então, uma comunicação de cliente, sem que tenha percebido o seu verdadeiro alcance, escrita pelo punho do funcionário, onde constava: “Procedam à aplicação de 48.750 € em obrigações SLN Rendimento + (Montante que irá ficar na carteira será 50.000 €).</font><br> </p><p><font>11. A A. mulher, ao assinar a comunicação de cliente estava convicta de estar a adquirir um produto semelhante a um depósito a prazo, sem qualquer risco, como prometido.</font><br> </p><p><font>12. A A. mulher ou os A.A. não sabia exactamente o que são obrigações ou subscrição de obrigações.</font><br> </p><p><font>13. Nem tal lhe foi explicado na altura, pelo referido CC ou por qualquer outro funcionário da Ré.</font><br> </p><p><font>14. O único documento com que a A. contactou na altura da contratação foi a referida comunicação de cliente.</font><br> </p><p><font>15. O funcionário da R. sabia que a A. mulher não possuía qualificação ou informação técnica que lhes permitisse conhecer ou avaliar os diversos tipos de produtos financeiros, antes sabendo serem conservadores no que respeitava a investir o seu dinheiro, pois só investiam em depósitos a prazo ou unidades de participação de risco reduzido. </font><br> </p><p><font>27º</font><br> </p><p><font>Foi neste cenário que ocorreu a compra, atrevendo-nos ainda a dizer, por tal constar dos autos, que a compra da obrigação foi realizada com a mobilização de um depósito a prazo; </font><br> </p><p><font>28º</font><br> </p><p><font>Ora, esta voracidade do BPN de colocação, no mercado, das obrigações da sua proprietária, não foi efectuada com qualquer lisura ou sequer, com o cumprimento mínimo dos deveres de informação e da boa-fé a que intermediário financeiro estava obrigado; </font><br> </p><p><font>29º</font><br> </p><p><font>Obviamente que voracidade não se compadecia com a celebração de mais um contrato!!!, o de intermediação financeira – tal iria levantar “desconfianças” nos potenciais compradores e levá-los a colocar outras questões que se relacionassem com o produto vendido, o que não era desejável. </font><br> </p><p><font>30º </font><br> </p><p><font>Foi desta forma que foi efectuada a aquisição, sem, repita-se, a celebração de qualquer contrato de intermediação financeira; </font><br> </p><p><font>31º</font><br> </p><p><font>Para que o intermediário financeiro se encontre habilitado a proceder à subscrição ou transação de valores imobiliários por conta do investidor é necessária a existência de um contrato de intermediação financeira válido; </font><br> </p><p><font>32º</font><br> </p><p><font>Sem a existência de tal contrato de intermediação financeira, a instituição não poderia ter adquirido, em nome da cliente, tal obrigação por si sugerida e vendida; </font><br> </p><p><font>33º</font><br> </p><p><font>Como é sustentado no Acórdão do TRP de 16-12-2015, de acordo com o disposto no artigo 289º, nº 1, CC, declarada a nulidade do negócio de cobertura – o contrato de intermediação financeira – todos os negócios dele emergentes caíram por força do vício que inquinou o primeiro tanto mais que não se suscitam questões de incompatibilidade com a boa-fé de terceiros subadquirentes e com a segurança requerida pelo tráfico jurídico de bens economicamente mais relevantes como são os sujeitos a registo; </font><br> </p><p><font>34º</font><br> </p><p><font>Sendo nulo o contrato de intermediação, e tendo a nulidade efeitos retroativos, o mesmo não pode produzir quaisquer efeitos, pelo que não dispunha aquele quaisquer poderes para, por conta do autor adquirir os referidos títulos. </font><br> </p><p><font>35º</font><br> </p><p><font>A declaração de nulidade do contrato tem, por força do artigo 289º do CC, “efeito retroativo devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente”. </font><br> </p><p><font>36º</font><br> </p><p><font>Neste sentido, douto Acórdão da Relação de Coimbra, de 11/06/2019, proferido no Proc. 2325/18.0T8LRA.C1, do qual se transcreve o sumário:</font><br> </p><p><font>“A declaração de nulidade do contrato de intermediação financeira ao abrigo do qual a Ré procedeu à aquisição dos títulos em causa por conta do autor implicará para a Ré a restituição de tudo quanto recebeu em cumprimento do contrato, nomeadamente os 50.000,00 € utilizados na subscrição de tais títulos.” </font><br> </p><p><font>37º</font><br> </p><p><font>No mesmo sentido, douto Acórdão da Relação de Guimarães, de 13/06/2019, proferido no processo 1294/17.8T8VCT.G1, do qual se transcreve, igualmente, o sumário:</font><br> </p><p><font>“…</font><br> </p><p><font>VIII - Declarado nulo, não pode o contrato de intermediação financeira produzir os efeitos a que tendia, configurando-se, na ausência de produção dos efeitos da ordem dada, uma situação de representação sem poderes, que ocasiona a ineficácia do negócio de aquisição de valores mobiliários celebrado em relação ao representado (art. 268.º, n.º 1, do Cód. Civil), assistindo, pois, a este, direito a, como depositante bancário da quantia entregue para efeito da dita aquisição, pedir à entidade bancária a respetiva restituição.” </font><br> </p><p><font>38º</font><br> </p><p><font>Não colhem, pois, as doutas alegações do Recorrente, que duma forma “suave” tentam descaracterizar a situação, fazendo parecer que os A.A. se dirigiram ao banco e lhe solicitaram, dois dias antes do Banco BPN, SA ser nacionalizado, a aquisição de uma obrigação por endosso; </font><br> </p><p><font>39º</font><br> </p><p><font>Não foi isto que se passou – A A. mulher, na data referida, após ter sido chamada ao Banco, que é simultaneamente intermediário financeiro, (certamente após uma verificação prévia do gestor da conta pelos seus clientes para saber quem teria tal montante em dinheiro disponível) para comprar, por endosso, um produto semelhante a um depósito a prazo; </font><br> </p><p><font>40º</font><br> </p><p><font>Para tal, mobilizou tal montante de uma conta a prazo, que estava e permaneceu na posse do R, </font><br> </p><p><font>41º</font><br> </p><p><font>Reconduzir-se a obrigação de restituição do intermediário financeiro à mera comissão dar-lhe-ia uma “porta aberta” para actuar em total desrespeito à Lei e aos deveres a que estão vinculados e que devem caracterizar um intermediário financeiro.» </font><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><b><font>8.</font></b><font> Sabido que o objeto do recurso se delimita, ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, pelas conclusões, as questões a decidir são as seguintes:</font><br> </p><p><font>I - Nulidade do acórdão recorrido nos termos do artigo 615.º, n.º 1, al. </font><i><font>c)</font></i><font>, do CPC;</font><br> </p><p><font>II – Qualificação da relação jurídica entre os autores e o réu</font><br> </p><p><font>III - Nulidade do contrato de intermediação financeira</font><br> </p><p><font>IV - Efeitos da declaração de nulidade do contrato de intermediação financeira sobre os negócios de execução e deveres de restituição das partes do contrato nulo.&nbsp; &nbsp;</font><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><font>Cumpre apreciar e decidir. </font><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><b><font>II – Fundamentação</font></b><br> </p><p><b><font>A – Os factos</font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><br> <br> <b><font>Processo n.º 359/10.1TVLSB.L1.S1 &nbsp;</font></b> <p><b><font>&nbsp;</font></b> </p><p><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça</font> </p><p><font> </font> </p><p><b><font> </font></b> </p><p><b><font>&nbsp;I – Relatório</font></b> </p><p><b><font>1.</font></b><i><font> AA</font></i><font> intentou contra </font><i><font>BB</font></i><font>; </font><i><font>Rofil Medical Nederland B. V.</font></i><font>; </font><i><font>Corporación Dermoestética</font></i><font> </font><i><font>(Sucursal em Portugal)</font></i><font> e </font><i><font>CC</font></i><font> a presente ação declarativa de condenação, com processo comum formulando os seguintes pedidos:</font><br> <font>a) A condenação solidária dos réus no pagamento à autora da quantia de € 477 011,32 (quatrocentos e setenta e sete mil e onze euros e trinta cêntimos), acrescida de juros de mora calculados à taxa legal desde a citação e até integral pagamento;</font><br> <font>b) A condenação dos réus a indemnizar a autora pelos prejuízos futuros que esta venha ainda a sofrer, ainda não quantificados, e todos aqueles que se venha a determinar terem resultado da sua atuação, a liquidar posteriormente, sem prejuízo da condenação na parte líquida.</font> </p><p><font>Alega para tanto, muito em síntese, o seguinte:</font><br> <font>o </font><font>Em 1994, a autora contactou o réu BB, especialista em cirurgia plástica, e realizou diversas intervenções cirúrgicas no abdómen (abdominoplastia), no nariz (rinoplastia) e na face (ritidectomia cervico-facial), esta destinada a reduzir as rugas cérvico-faciais, com infiltração na região interciliar e no sulco naso-geniano e contorno labial de produtos específicos, que o réu não identificou, mas que continha polimetilmetacrilato, comercialmente denominados por </font><i><font>Artecoll</font></i><font>;</font><br> <font>o </font><font>O primeiro réu não informou a autora sobre as características dessa substância ou dos riscos inerentes ou do nome do produto;</font><br> <font>o </font><font>Em dezembro de 2002, a autora contactou a ré </font><i><font>Corporación Dermoestética</font></i><font> (Sucursal em Portugal) e o médico CC, tendo efetuado tratamento dermoepidérmico denominado </font><i><font>peeling</font></i><font> com aplicação do produto denominado comercialmente como </font><i><font>Amelan</font></i><font>;</font><br> <font>o </font><font>Após a realização de tais intervenções, a autora sofreu diversas complicações, tendo sido sujeita a internamentos, medicação e intervenções cirúrgicas para eliminação dos problemas detetados, como a existência de granulomas dos sulcos nasolabiogenianos e da região interciliar e, mais tarde, por sintomas de insuficiência respiratória provocada por fibroses e granulomas nos pulmões;</font><br> <font>o </font><font>O </font><i><font>Artecoll</font></i><font> é fabricado pelo laboratório </font><i><font>Rofil</font></i><font> gerido e explorado pela ré </font><i><font>Rofil Medical Nederland B. V</font></i><font>. e contém polimetilmetacrilato que não é suscetível de ser absorvido pelo organismo humano, dependendo a sua aplicação da realização prévia de testes, que, no caso, não foram feitos;</font><br> <font>o </font><font>O </font><i><font>Amelan</font></i><font> foi retirado do mercado em 16 de novembro de 2004, pela Agência Espanhola de Medicamentos e Produtos Sanitários, por conter hidroquinona, substância que pode provocar irritação, hiperpigmentação, ocronosia e leucodermia, riscos de que os terceiro e quatro réus não informaram a autora;</font><br> <font>o </font><font>Em consequência das complicações que sofreu, a autora ficou desfigurada, tendo despendido diversos montantes na realização das intervenções realizadas para eliminação dessas sequelas, assim como suportou uma diminuição permanente para o exercício da sua atividade profissional;</font><br> <font>o </font><font>Sofreu dores e tristeza e ansiedade pela limitação do exercício da sua atividade profissional e o estado desfigurado leva-a a evitar o contacto com outras pessoas, causando-lhe irritabilidade, fadiga, dificuldade de concentração, perturbação do sono, humor deprimido.</font> </p><p><font>Citados os réus, contestou a ré </font><i><font>Corporación Dermoestética</font></i><font>, S. A. impugnando os factos constantes da petição inicial, referindo que quaisquer efeitos não desejados do tratamento com </font><i><font>Amelan</font></i><font> se encontravam descritos nos documentos de consentimento informado; mais alegou que foi a ré quem omitiu informações sobre a sua história clínica ao médico e que àquela foi explicado de forma clara e completa em que consistia o tratamento com </font><i><font>Amelan</font></i><font>, bem como sobre os efeitos indesejados, pelo que conclui pela ausência de qualquer responsabilidade pelos alegados prejuízos suportados pela autora e pela improcedência da ação e sua absolvição do pedido.</font> </p><p><font>Contestou também o réu BB alegando, em síntese, o seguinte:</font><br> <font>² </font><font>Prestou à autora os esclarecimentos globais e individuais de todo o processo cirúrgico a realizar, sendo ponderados e discutidos os riscos e os benefícios da intervenção, que esta compreendeu;</font><br> <font>² </font><font>Foi feita uma avaliação prévia da estrutura anatómica facial e nasal e realizados os exames pré-operatórios; foi efetuado teste antialérgico de </font><i><font>Artecoll</font></i><font> para estudar a pele da paciente, que não evidenciou qualquer reação alérgica, tendo a paciente sido esclarecida acerca da composição do produto e seus efeitos;</font><br> <font>² </font><font>Desconhece as posteriores intervenções feitas por outros médicos, sendo que o tratamento com </font><i><font>Amelan</font></i><font> provoca deterioração das camadas superficiais da pele, o que pode facilitar a penetração de bactérias até à zona onde se encontrava infiltrada a substância </font><i><font>Artecoll</font></i><font>, que pode ter sido contaminada, desencadeando-se a infeção ao seu redor;</font><br> <font>² </font><font>A autora sempre demonstrou total confiança nos métodos utilizados pelo réu, tanto que se submeteu a 10 intervenções desde 1994 a 1996 e recorreu novamente aos serviços deste mesmo após as intervenções realizadas em setembro de 1994, revelando concordância com os atos médicos por este praticados de que era elucidada;</font><br> <font>² </font><font>Pretendendo a autora responsabilizar o réu em sede extracontratual esta já prescreveu, atento o estatuído no art. 498º do Código Civil;</font><br> <font>² </font><font>Ainda que se entenda estar em causa uma responsabilidade contratual, o réu cumpriu integralmente com sucesso a sua obrigação, quer se entenda que se trata de uma obrigação de meios ou de resultado.</font> </p><p><font>Concluiu, assim, pela procedência da exceção e sua absolvição do pedido, ou, assim se não entendendo, pela improcedência da ação e consequente absolvição do pedido.</font> </p><p><font>Deduziu ainda incidente de intervenção principal provocada pretendendo chamar a intervir a </font><i><font>Axa</font></i><font> Portugal, Companhia de Seguros, S. A., para quem transferiu a sua responsabilidade civil por danos causados no exercício da sua atividade profissional de médico.</font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; O réu CC foi citado editalmente (cf. fls. 356 a 365 dos autos), tendo sido citado o Ministério Público em sua representação (cf. fls. 367)</font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; Por requerimento de 7 de fevereiro de 2013, a autora veio desistir da instância relativamente à ré </font><i><font>Rofil Medical Nederland B. V.</font></i><font> (cf. fls. 374 dos autos), o que foi homologado por decisão de 19 de fevereiro de 2013, extinguindo-se a instância quanto àquela ré (cf. folhas 376 dos autos).</font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; A autora apresentou réplica sustentando que está em causa a responsabilidade contratual do réu BB, pelo que não se aplica o disposto no artigo 498º do Código Civil, sendo que, por outro lado, diversamente do que sustenta o réu, este não cumpriu a obrigação que sobre si impendia.</font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; Em 10 de outubro de 2013, foi proferida decisão que admitiu a intervenção principal provocada da </font><i><font>Axa</font></i><font> Portugal, Companhia de Seguros, S. A. e ordenou a sua citação.</font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; A interveniente principal deduziu articulado de contestação em que aceitou a celebração do contrato de seguro e identificou as garantias e capitais seguros e, quanto ao mais, declarou fazer sua a contestação apresentada pelo réu BB, nomeadamente quanto à exceção de prescrição, pugnando pela sua absolvição do pedido.</font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; A autora apresentou requerimento, dando por reproduzida, em face desta contestação, a réplica anteriormente apresentada.</font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; Procedeu-se a audiência prévia, com enunciação dos temas de prova.</font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; Em 7 de fevereiro de 2017, a interveniente principal comunicou aos autos a alteração da sua denominação social para </font><i><font>Ageas Portugal – Companhia de Seguros, S. A</font></i><font>.</font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; Em 10 de outubro de 2017, foi proferida decisão que julgou extinta a instância relativamente à ré </font><i><font>Corporación Dermoestética</font></i><font> (Sucursal em Portugal) por inutilidade superveniente da lide decorrente da sua declaração de insolvência (cf. fls. 632).</font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; Realizada a audiência final, em 17 de abril de 2019 foi proferida sentença que absolveu os réus BB e CC e a interveniente principal </font><i><font>Ageas Portugal</font></i><font>, S. A. do pedido.</font> </p><p><font> </font> </p><p><b><font>2.</font></b><font> Inconformada a autora, </font><b><font>AA</font></b><font>, recorre para o Tribunal da Relação, concluindo pela procedência do recurso, com alteração da decisão da matéria de facto e condenação do réu </font><b><font>BB</font></b><font>.</font> </p><p><font>O Tribunal da Relação, após ter procedido a alterações da matéria de facto dada como provada e não provada, pelo tribunal de 1.ª instância, e ter aditado factos novos, julgou a apelação improcedente e confirmou, com um fundamento essencialmente diverso, a decisão do tribunal de 1.ª instância, absolvendo o réu do pedido.</font> </p><p><font> </font> </p><p><b><font>3.</font></b><font> Novamente inconformada, a recorrente interpõe recurso para este Supremo Tribunal, formulando na sua alegação as seguintes conclusões:</font> </p><p><font>«i) A intervenção médica que se encontra, sobretudo, em causa nos autos decorre de um contrato celebrado entre Autora, ora Recorrente, e o médico, 1.° Réu, ora Recorrido, e que consta, resumidamente descrita, nos pontos 4 e 5 do relatório de facto constante da douta decisão;</font> </p><p><font>ii) O ónus da prova de que foi obtido o denominado consentimento informando é do médico (vd., entre outros, André Gonçalo Dias Pereira, "O Dever de Esclarecimento e a Responsabilidade Médica" in Responsabilidade Civil dos Médicos, 11, pag. 492);</font> </p><p><font>iii) O l.º Réu não cumpriu esse ónus, pois, a esse respeito apenas foi dado provado nos autos o que consta do ponto 55 do relatório de facto;</font> </p><p><font>iv) Tais informações não são suficientes para que possa entender-se como cumprido o dever de esclarecimento da Autora a respeito dos riscos do tratamento em questão;</font> </p><p><font>v) Só perante a ignorância de quais os riscos e cuidados inerentes às próteses que lhe haviam sido implantadas nomeadamente, a ignorância do que se deu como provado no ponto 38 dos factos dados como provados, se justifica que a Apelante, tenha posteriormente recorrido a um tratamento com "Amelan" (ponto 14 do relatório de facto);</font> </p><p><font>vi) A "substância infiltrada" para preenchimento das rugas era, como decorre da matéria de facto provada, na verdade uma prótese, objecto estranho ao corpo humano e não susceptível de ser por este absorvido, como resulta dos pontos 25 a 27 da decisão de facto;</font> </p><p><font>vii) O Recorrido não deveria ter deixado de informar a Recorrente, antes de lhe aplicar tal produto, das características essenciais desse produto e, nomeadamente, de acrescentar que a "substância" que infiltraria para preencher as rugas, seria, na realidade, uma prótese, estranha ao organismo;</font> </p><p><font>viii) E que a após a infiltração dessa prótese definitiva haveria alguns cuidados a ter e riscos a evitar, como ocorre, de resto, com qualquer paciente a quem seja colocada uma qualquer prótese;</font> </p><p><font>ix) A explicação, contexto da cirurgia plástica de que uma "substância" será infiltrada, deixa antever a ideia, comum a qualquer paciente, de que trata de uma substância susceptível de ser absorvida e não de uma prótese definitiva, muito mais comum a cirurgias com outra natureza;</font> </p><p><font>x) E escamoteia por completo as características e riscos inerentes às vulgares próteses de substâncias não absorvíveis e que são, de algum modo, reconhecidos pelos pacientes;</font> </p><p><font>xi) O risco em questão não poderia deixar de se considerar significativo para efeitos de explicação e obtenção de consentimento informado, pois, "o risco será considerado significativo em razão dos seguintes critérios: (1) necessidade terapêutica da intervenção, (2) em razão da sua frequência estatística, (3) em razão da sua gravidade e (4) em razão do comportamento do paciente (André Gonçalo Dias Pereira, obra citada, pags.443 e 444);</font> </p><p><font>xii) O "dever de esclarecer é mais intenso e mais rigoroso no caso das chamadas intervenções "d'agrément", tal como a cirurgia estética..." (André Gonçalo Dias Pereira, obra citada, pag. 444), que era exactamente a situação em causa nos autos;</font> </p><p><font>xiii) "Outro factor a avaliar é a novidade do tratamento, de tal forma que quanto mais recente seja um procedimento terapêutico (...) maior rigor há de presidir à informação a dar ao paciente André Gonçalo Dias Pereira, obra citada, pag. 447), e tanto quanto decorre da matéria de facto dada como provada, a utilização de tal produto era na data da intervenção relativamente recente;</font> </p><p><font>xiv) A gravidade de um determinado risco, mesmo não frequente, exige a sua comunicação, e o risco que decorre do ponto 30 dos factos provados, é essencialmente grave, devendo dele ter sido advertida a Recorrente e sendo irrelevante que, na data da aplicação como decorre do ponto 68 dos factos provados, essa consequência fosse pouco frequente;</font> </p><p><font>xv) A natureza da substância - prótese não absorvível - importaria uma informação concreta que tivesse sido dada à Recorrente, a qual, apenas com essa relevante informação a respeito do produto e, dos riscos que dessa natureza advêm, poderia conformar a sua decisão e, ainda, caso aceitasse a intervenção, toda a sua actuação posterior;</font> </p><p><font>xvi) Aliás, o anterior historial clínico da Recorrente, no campo da cirurgia plástica -que o Recorrido bem conhecia e que decorre dos pontos 1, 2, 3, 9, 10 e 12 do relatório de facto - impunham que essa explicação e a descrição de riscos tivesse sido efectuada, pois, como ensina André Dias Pereira, o dever de esclarecimento deve ter em conta, em relação ao paciente, "também as suas condições e os seus hábitos de vida, privados e profissionais" (obra citada, pag. 456);</font> </p><p><font>xvii) O dever de esclarecer cabalmente a Recorrente dos riscos do produto que lhe aplicou não foram cumpridos pelo Recorrido e, por isso, este violou o dever que para ele decorria do contrato que com ela celebrou;</font> </p><p><font>xviii) A não ter sido introduzido o "Artecoll", a Recorrente, teria seguramente tido uma infecção, mas, sem a formação de granulomas e as consequências catastróficas que ocorreram unicamente por força do produto referido, pois, um nexo de causalidade entre a aplicação de "Artecoll" e formação de granulomas resulta absolutamente claro por via do facto constante do ponto 30 do relatório de facto, o qual pode ser conjugado com os factos constantes dos pontos 44, 45, 47, 50 e 52, de onde resulta com clareza que os efeitos catastróficos sofridos pela Recorrente ficaram a dever-se essencialmente à formação de granulomas em volta da substância que lhe foi infiltrada;</font> </p><p><font>xix) Esse nexo de causalidade entre a aplicação do produto e dos danos sofridos pela Recorrente encontra-se estabelecido com clareza nos pontos 62 e 63 do relatório de facto constante da douta decisão;</font> </p><p><font>xx) De onde decorre que foi efectivamente o "Artecoll" que causou os granulomas que afectavam a Recorrente, como de resto, se diz o douto Acórdão: "o tratamento das rugas com "Artecoll" não pode ser tido como totalmente indiferente para o resultado que se veio a verificar, pois que a sua presença interferiu no processo de infecção, agravando-a, contribuindo para o resultado final que se traduziu na necessidade de excisão daquele produto e inerentes intervenções cirúrgicas, exponenciando também desse modo o grau de deformação que atingiu a autora";</font> </p><p><font>xxi) Mas, sendo o consentimento obtido da Recorrente não informado, tal situação equivale a uma ausência de consentimento e, como tal, toda a intervenção efectuada corresponde a um acto ilícito que, como se viu, foi a causa adequada à produção dos danos;</font> </p><p><font>xxii) Devem, pois, ser indemnizados todos os danos sofridos pela Recorrente e que, como se viu, apenas ocorreram por via do acto médico sem consentimento praticado pelo Recorrido;</font> </p><p><font>xxiii) Aliás, ainda que se entendesse e se presumisse que a Recorrente teria aceite a intervenção conhecendo o risco, ainda assim, a falta da informação impediu que esta pudesse evitar os danos que sobrevieram;</font> </p><p><font>xiv) A Recorrente, a conhecer ainda que de modo genérico a natureza do produto infiltrado e os riscos a ele inerente teria tido outros cuidados no seu comportamento posterior, pois, não se sujeitara a um tratamento com o produto "Ameian", ou pelo menos, não faria esse tratamento da forma como este teve lugar, podendo para tanto ver-se os pontos 33, 59 e 61 dos factos provados;</font> </p><p><font> </font> </p><p><b><font>Termos em que, deverá o presente recurso ser julgado procedente, julgando-se a acção procedente e condenando-se o 1.º Réu, ora Recorrido, tudo nos termos antes expostos, com o que se fará&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; </font></b> </p><p><b><font>JUSTIÇA!»</font></b> </p><p><font> </font> </p><p><font>O recorrido apresentou contra-alegações, nas quais concluiu o seguinte:</font> </p><p><font>«5. Se assim não se entender, sempre se dirá que a motivação explanada nas duas decisões judiciais demonstra, com clareza, que não foi violado, pelo recorrido, o dever de informação e esclarecimento da recorrida, disponível naquela data, sobre riscos conhecidos, previsíveis, razoáveis e significativos dos actos médicos por si praticados, e que esta não pretendeu ou mostrou qualquer interesse por qualquer informação adicional àquela que lhe foi prestada pelo recorrido, tendo tomado uma decisão livre e esclarecida sobre o acto médico a que se quis submeter.</font> </p><p><font>6. Ficou igualmente provado que a recorrente “entre 1994 e 1996 tinha confiança no réu BB e estava satisfeita com os serviços que lhe foram prestados” (confronte-se a alteração à matéria de facto dos pontos 55. e 59., que passaram a constituir os pontos 13. e 32 dos factos provados).</font> </p><p><font>7. No âmbito da presente ação foi produzida prova pericial e testemunhal e juntos outros relatórios aos autos, os quais são totalmente conclusivos no que se refere à observação escrupulosa do réu, ora recorrido, BB, dos procedimentos médicos adequados, de acordo com as melhores práticas vigentes à época dos factos, não tendo sido junto nenhum documento, da mesma natureza, ou de outra, ou produzida qualquer prova testemunhal capaz de pôr em causa a verificação das bases de facto sobre as quais se apoiou e sustentou a conclusão científica e as decisões jurídicas proferidas sobre a mesma.</font> </p><p><font>8. Em consonância, nem pela existência de erro médico, nem em razão da violação do dever de informação e inerente obtenção de consentimento informado para a intervenção a que a recorrente se submeteu em 28 de Setembro de 1994, se identifica uma conduta ilícita e culposa imputável ao réu/recorrido, pelo que não se encontram verificados, cumulativamente, os pressupostos da responsabilidade contratual dos actos médicos por si praticados, não existindo qualquer obrigação de indemnização dos danos peticionados pela recorrente.</font> </p><p><font>9. Muito embora a recorrente fundamente o seu recurso de revista apenas na alteração da matéria de facto no que respeita à questão do dever de informação e do conhecimento informado, questão que abordou de forma incipiente no articulado da petição inicial, retira conclusões de factos que não alegou e muito menos ficaram provados na presente ação, o que sucede com o alegado nas alíneas v), vii), viii), ix), x), xiv), xv), xvi), xvii), xviii), xix), xx), xxi), xxii), xxiii) e xiv) das suas conclusões, os quais, por esta razão, não deverão ser considerados para efeitos do presente recurso.</font> </p><p><b><font>Termos em que deverá ser recusado o presente recurso de Revista, ou, se assim não se entender, julgado totalmente improcedente, devendo manter-se integralmente o douto Acórdão recorrido, só assim se fazendo inteira Justiça!»</font></b> </p><p><font> </font> </p><p><b><font>4.</font></b><font> Sabido que o objeto do recurso, ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, se delimita pelas conclusões da alegação de recurso, as questões a decidir, enquadradas no instituto da responsabilidade civil por atos médicos, são as seguintes:</font><br> <font>1) Ónus da prova da prestação de informações pelo médico à paciente que habilitassem esta última à prestação de um consentimento esclarecido;</font><br> <font>2) Extensão do dever de informação a que o réu médico recorrido estava obrigado no âmbito da relação contratual com a autora;</font><br> <font>3) Nexo de causalidade (entre a aplicação do produto “Artecoll” pelo médico e os danos sofridos pela recorrente e entre a violação do dever de informação e a decisão da autora se sujeitar à intervenção cirúrgica).</font> </p><p><font> </font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Cumpre apreciar e decidir.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font> </font> </p><p><b><font>II – Fundamentação de facto</font></b> </p><p><font>O Tribunal da Relação, após ter procedido a modificações da matéria de facto, deu como provados os seguintes factos, enunciando os mesmos por ordem cronológica, para uma melhor perceção dos atos praticados:</font><br> <font>1. Em 1992, a Autora foi submetida a uma intervenção cirúrgica na face, denominada tecnicamente ritidectomia cervico-facial, e no abdómen, denominada abdominoplastia.</font><br> <font>2. Em 1994, a Autora contactou o 1º Réu, que é um médico reconhecido na especialidade de cirurgia plástica, tendo sido recebida por este numa consulta que teve lugar em 26 de julho desse ano.</font><br> <font>3. Na sequência dessa consulta, a Autora foi submetida a uma rinoplastia, destinada a modificar a forma e perfil do nariz, e a uma ritidoplastia cervico-facial (</font><i><font>lift</font></i><font>).</font><br> <font>4. A Autora foi, ainda, sujeita a uma intervenção cirúrgica na face – ritidectomia cervico-facial – destinada a corrigir as rugas cervico-faciais e ambas as intervenções ocorreram, simultaneamente, em 08.09.1994 no hospital ...... .</font><br> <font>5. Em 28.09.1994, no seu consultório, o 1º Réu efectuou uma infiltração subcutânea de uma substância não reabsorvível contendo polimetilmetacrilato (abreviadamente designado por PMMA), designada comercialmente por “Artecoll”, na região interciliar e no sulco naso-geniano, bem como no contorno labial.</font><br> <font>6. A Autora foi sujeita a uma avaliação prévia e completa de toda a estrutura anatómica facial e nasal e, como é rotina habitual neste tipo de intervenções, foram realizados os necessários exames pré-operatórios, que consistiram num electrocardiograma, num raio x pulmonar, exames laboratoriais de sangue e urina.</font><br> <font>7. Paralelamente, foi efetuado um estudo fotográfico da face em diversos ângulos de modo a permitir avaliar as proporções e formas de expressão faciais, estudo este fundamental para o cirurgião estabelecer um plano operatório correto, e foram obtidas fotografias antes e depois da cirurgia.</font><br> <font>8. Com a ritidoplastia (vulgo </font><i><font>face lift</font></i><font>), realizada em simultâneo com a rinoplastia, ambas referidas em 3. e 4., pretendeu-se rejuvenescer o rosto da paciente, ora Autora, melhorando o perfil nasal, o contorno facial e eliminando as rugas da região cervico-facial (do pescoço e da face).</font><br> <font>9. Em 10.04.1995, a Autora foi sujeita a uma ritidectomia da região temporal e a uma mamoplastia, também a cargo do 1º Réu, que ainda a operou em 17.04.1996, quando lhe efectuou uma blefaroplastia bilateral, uma lipoaspiração e a correção de uma cicatriz abdominal.</font><br> <font>10. Em 14.05.1996, o 1º Réu executou ainda uma lipoaspiração da região axilar.</font><br> <font>11. Todas as intervenções referidas foram aconselhadas pelo 1º Réu e após solicitação da Autora.</font><br> <font>12. Em 2000, a Autora foi ainda submetida a uma intervenção cirúrgica, executada por um outro médico, através da qual lhe foi removido um nódulo no peito e corrigidas cicatrizes na face e no abdómen.</font><br> <font>13. No contexto das intervenções descritas nos pontos 3. a 5., o réu BB informou a autora que a rinoplastia e ritidectomia cervico-facial servem para rejuvenescer a face, mas não tratam as rugas profundas, sendo que para o tratamento destas procederia à infiltração de uma substância que funcionava no preenchimento das rugas </font><i><font>(Facto modificado pelo Tribunal da Relação).</font></i><br> <font>14. Desde a realização da infiltração e com alguma frequência, a face da Autora inchava, embora de forma leve, numa situação que se regularizava sem deixar quaisquer consequências.</font><br> <font>15. As intervenções foram concluídas com total sucesso e a Autora foi sempre acompanhada pelo 1º Réu na fase pós-operatória, tendo apresentado ligeiros inchaços (edemas) durante as primeiras semanas, os quais foram sendo reabsorvidos nas semanas subsequentes, como é normal nestes processos.</font><br> <font>16. O 1º Réu aproveitou o facto de a paciente estar sedada, na intervenção de 8 de setembro, para proceder à execução de testes antialérgicos, sem o incómodo doloroso de uma picada de agulha, o que fez para o produto “Artecoll”.</font><br> <font>17. Não tendo a Autora evidenciado qualquer tipo de reação alérgica ou inadequada nas semanas seguintes, o tratamento com “Artecoll” foi efetuado no dia 28-09-1994 com o objetivo de corrigir rugas na face e de acordo com as indicações do fabricante.</font><br> <font>18. O “Artecoll” era, à época, um produto amplamente divulgado em Portugal, na área dos tratamentos estéticos e de rejuvenescimento.</font><br> <font>19. À data em que foi administrado pelo 1º Réu, o “Artecoll” era uma substância fornecida à generalidade dos cirurgiões plásticos em Portugal, com a garantia de ser inofensivo, que poderia ser utilizado sem risco para os pacientes para o tratamento de rugas.</font><br> <font>20. A Autora nunca apresentou ao 1º Réu qualquer complicação ligada à aplicação do “Artecoll” nem demonstrou que o produto não tenha sido bem aplicado.</font><br> <font>21. O “Artecoll” contém na sua composição um material sintético denominado polimetilmetacrilato, que não é susceptível de ser absorvido pelo organismo humano e que, portanto, permanece indefinidamente no local onde foi infiltrado.</font><br> <font>22. Este produto deve apenas ser utilizado na zona naso-facial e nunca na zona da boca ou lábios, nem deverá ser infiltrado nos músculos por poder provocar endurecimento.</font><br> <font>23. Antes da sua aplicação é necessário que sejam efetuados testes e que o resultado dos mesmos seja analisado por forma a evitar quaisquer complicações, nomeadamente processos inflamatórios.</font><br> <font>24. É também necessário efectuar uma avaliação prévia, através da aplicação intradérmica no paciente de uma pequena porção do produto, numa zona pouco exposta do corpo, após o que o paciente deverá ser observado, durante determinado período de tempo, devendo a aplicação do produto ser feita faseadamente.</font><br> <font>25. O colagénio servia de excipiente para o polimetilmetacrilato, sendo reabsorvido pelo organismo nos meses seguintes, tendo as reações a um corpo estranho que se verificaram tardiamente sido causados por aquela substância e não pelo colagénio.</font><br> <font>26. O “Artecoll” contém microesferas de uma substância sintética – PMMA – que fica definitivamente fixada no local onde foi injectada.</font><br> <font>27. Portanto, esta substância comporta-se como uma vulgar prótese, podendo a mesma, se não houver cuidados de assepsia, ser infetada e “colonizada” por bactérias que eventualmente penetrem no organismo e alcancem a zona anatómica em que esta se encontre inserida.</font><br> <font>28. Antes de ser efectuado qualquer tratamento numa área previamente tratada com este tipo de produto, é necessário proceder à história clínica do paciente, de modo a investigar e avaliar todos os tratamentos anteriores que lhe foram efetuados.</font><br> <font>29. Aquela investigação clínica permite alertar o médico para os riscos e contra-indicações de tratamentos ou medicações a efectuar nesses pacientes.</font><br> <a></a><font>30. O “Artecoll” pode provocar granulomas e, por esse motivo, foi a sua utilização já proibida desde data não concretamente apurada.</font><br> <font>31. O 1º Réu é um especialista em cirurgia estética, possuindo vasta experiência nesta área de atividade, que exerce há mais de trinta anos, tendo realizado milhares de intervenções nas áreas de cirurgia estética e de cirurgia reconstrutiva.</font><br> <font>32. Entre 1994 e 1996 a autora tinha confiança no réu BB e estava satisfeita com os serviços que por este lhe foram prestados </font><i><font>(Facto alterado pelo Tribunal da Relação)</font></i><br> <font>33. Neste caso, dado que a infiltração com o produto PMMA não se consegue remover nem é reabsorvida com facilidade da área em que o mesmo foi colocado, qualquer tratamento agressivo efetuado numa área adjacente deveria ter sido executado sob total cobertura antibiótica prévia, cuidado clínico que poderia ter evitado a infecção e as complicações a ela associadas, que se vieram a desencadear.</font><br> <font>34. A 3ª Ré foi uma empresa que se dedicava à prestação de serviços relacionados com a estética e cirurgia plástica, onde exercia funções o 4º Réu.</font><br> <font>35. Em dezembro de 2002, a Autora contactou a 3ª Ré com o objetivo de obter remoção das manchas que tinha na face, tendo comparecido nas instalações dessa empresa em Lisboa e sido recebida em consulta pelo 4º Réu.</font><br> <font>36. Nas instalações da 3ª Ré, a Autora foi aconselhada a efetuar um tratamento dermoepidérmico, usualmente denominado “</font><i><font>peeling</font></i><font>”.</font><br> <font>37. Assim, em 06.12.2002, o 4º Réu executou na Autora o tratamento referido, tendo-lhe sido aplicado um produto comercialmente denominado “Amelan”.</font><br> <font>38. Em março de 2003, a Autora deslocou-se às instalações da 3ª Ré para uma consulta de rotina.</font><br> <font>39. Em 27.03.2003, a Autora, por ter o rosto inchado, dirigiu-se ao hospital..... , onde foi observada, sem que tivesse sido possível efetuar qualquer diagnóstico.</font><br> <font>40. Em 28.03.2003, a Autora foi observada por um médico dermatologista, o qual verificou que est
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><b><font>&nbsp;</font></b><br> <br> <div><br> <i><font>Acordam em Conferência no Supremo Tribunal de Justiça</font></i></div><br> <br> <b><font> </font></b><br> <p><b><font>I – Relatório</font></b><br> </p><p><br> </p><p><b><font>TERRARA – GESTÃO DE BENS MÓVEIS E IMÓVEIS, S.A, </font></b><font>recorrente no presente processo, em que é recorrida </font><b><font>Combitur – Construções Imobiliárias e Turísticas, S.A., </font></b><font>inconformada com a decisão singular da Relatora, de 24 de março de 2021, que não admitiu o recurso para uniformização de</font><b><font> </font></b><font>jurisprudência por si interposto, vem reclamar para a conferência,</font><b><font> </font></b><font>ao abrigo do disposto no nº 2 do artigo 692º do Código de Processo Civil (CPC), concluindo nos termos seguintes: </font><br> </p><p><font>«1ª.- A exigência da fundamentação da decisão reclamada para a verificação do fundamento da contradição sobre a mesma questão fundamental de direito, previsto no nº 1 do artigo 688º do Código de Processo Civil, da necessidade de que o núcleo factual fosse o mesmo, ou tivesse semelhança factual ou que existisse igualdade substancial da situação de facto, no acórdão recorrido e no acórdão - fundamento, violou a letra e o pensamento legislativo desse nº 1 do artigo 688º do Código de Processo Civil, impostos pelos nºs 1, 2 e 3 do artigo 9º do Código Civil. </font><br> </p><p><font>2ª.- Interpretado, aquele segmento «em contradição sobre a mesma questão fundamental de direito» do nº 1 do artigo 688º do Código de Processo Civil, no sentido que é, ainda, necessária a existência de que o núcleo factual seja o mesmo, ou da semelhança factual ou da igualdade substancial da situação de facto, no acórdão recorrido e no acórdão-fundamento, é, materialmente, inconstitucional, por violar os princípios constitucionais, consagrados nas alíneas </font><i><font>c)</font></i><font> e </font><i><font>d)</font></i><font> do artigo 161º, e nas alíneas </font><i><font>a), b)</font></i><font> e </font><i><font>c)</font></i><font> do nº 1 do artigo 198º da Constituição da República Portuguesa, relativos à competência exclusiva da Assembleia da República ou do Governo para legislar, uma vez que constitui aditamento legislativo, a esse segmento, de fundamento cumulativo de «identidade de núcleo factual, ou de semelhança factual ou de igualdade substancial da situação de facto», no acórdão recorrido e no acórdão – fundamento, que fere de inconstitucionalidade material esse segmento «sobre a mesma questão fundamental de direito». </font><br> </p><p><font>3ª.- A contradição, entre o acórdão recorrido e o acórdão - fundamento, sobre a mesma questão fundamental de direito, que ambos decidiram e que, como fundamento, para a interposição do recurso foi colocada, como seu objecto, para decisão pelo Pleno das Secções Cíveis deste Tribunal, pela sua natureza e singeleza, inexige para a sua verificação, a necessidade da existência que o núcleo factual fosse o mesmo, ou que tivesse semelhança factual ou que existisse igualdade substancial da situação de facto, e que as obrigações executadas tivessem a mesma natureza jurídica, no acórdão recorrido e no acórdão - fundamento, porque o seu objecto: Saber e decidir, se o artigo 729º do Código de Processo Civil proíbe, ou não, a aplicação do artigo 334º do Código Civil, como fundamento para, em oposição por embargos a execução, fundada em sentença de condenação, transitada em julgado, decidir julgar extinta a execução, é simples questão de direito, que não depende, para ter-se como verificada, da necessidade dessas exigências, pois é suficiente estar-se perante decisões executadas de sentenças condenatórias transitadas em julgado e perante a letra do artigo 729º do Código de Processo Civil. </font><br> </p><p><font>4ª.- São erradas as afirmações da fundamentação da decisão reclamada: «O acórdão recorrido deferiu a pretensão do embargante baseada no abuso do direito pelo exequente»; «o exequente teve acesso aos documentos cuja entrega coativa pretendia»; «e no acórdão recorrido [executava-se] uma obrigação de prestação de facto de entrega de documentos», porque: i) A embargante, Combitur – Construções Imobiliárias e Turísticas, S.A., na oposição por embargos à execução não a baseou no abuso do direito pela exequente, e aqui reclamante, Terrara – Gestão de Bens Móveis e Imóveis, S.A., mas antes a baseou no proferimento pelo Tribunal da primeira instância de sentença inexequível, e foi o Tribunal da Relação ……. que, pelo seu acórdão de 14 de Maio de 2014, decidiu, oficiosamente, aplicar o artigo 334º do Código Civil à execução instaurada pela aqui reclamante para a julgar extinta; ii) A execução instaurada pela aqui reclamante, no dia 26 de Abril de 2019, foi a de execução para pagamento coactivo de quantia certa, da quantia de € 208.625,00, prevista nos artigos 724º e seguintes do Código de Processo Civil, fundada na obrigação da decisão da alínea d), transitada em julgado no dia 30 de Setembro de 2014 da sentença proferida no dia 15 de Julho de 2014 na respectiva acção declarativa, que condenou a executada, Combitur – Construções Imobiliárias e Turísticas, S.A., «a pagar uma sanção pecuniária compulsória no valor diário de € 125.00 (cento e vinte e cinco euros) por cada dia de atraso no cumprimento da obrigação da entrega dos documentos referido em c)», e não foi execução de prestação de facto de obrigação de entrega dos documentos. </font><br> </p><p><font>5ª.- O acórdão recorrido de 12 de Janeiro de 2021, proferido por este Supremo Tribunal de Justiça, perante a execução, instaurada pela reclamante, no dia 26 de Abril de 2019, para pagamento de quantia certa de € 208.625,00, fundada na decisão condenatória, transitada em julgado no dia 30 de Setembro de 2014 e proferida no dia 15 de Julho de 2014 pela sentença da primeira instância, decidiu aplicar o artigo 334º do Código Civil para, como fundamento, confirmar a decisão do acórdão de 14 de Maio de 2020 do Tribunal da Relação de ……., que o tinha aplicado, oficiosamente, e decidir julgar extinta a execução; por sua vez, o acórdão - fundamento de 4 de Julho de 2019 deste Supremo Tribunal de Justiça, perante execução instaurada para pagamento de quantia certa, fundada em decisão condenatória, transitada em julgado, de sentença, decidiu excluir a aplicação do artigo 334º do Código Civil, para, como fundamento de oposição à execução, julgar extinta a execução, mesmo que os respectivos factos integrassem o abuso do direito do artigo 334º do Código Civil, por parte da exequente. </font><br> </p><p><font>6ª.- Em consequência, verifica-se a contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão-fundamento, e a decisão reclamada violou o disposto no nº 1 do artigo 688º do Código de Processo Civil, nos nºs 1, 2 e 3 do artigo 9º do Código Civil, nas alíneas </font><i><font>c)</font></i><font> e </font><i><font>d)</font></i><font> do artigo 161º, e nas alíneas </font><i><font>a), b)</font></i><font> e </font><i><font>c)</font></i><font> do nº 1 do artigo 168º, ambos da Constituição, pelo que impõe se a sua revogação por acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, que admita o recurso, interposto pela reclamante, para decidir se o artigo 729º do Código de Processo Civil proíbe, ou não, a aplicação do artigo 334º do Código Civil, como fundamento, para, em oposição por embargos a execução, fundada em sentença de condenação, transitada em julgado, decidir julgar extinta a execução».</font><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><font>A reclamada, </font><b><font>Conbitur,</font></b><font> apresentou resposta à reclamação, pugnando para que seja confirmada a decisão singular. </font><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><font>Cumpre apreciar e decidir. </font><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><b><font>II – Fundamentação </font></b><br> </p><p><b><font>1</font></b><font>. O teor da decisão singular impugnada foi o seguinte:</font><br> </p><p><b><font>«5. </font></b><font>Os pressupostos substanciais de admissibilidade deste recurso para uniformização de jurisprudência são os seguintes: 1) a existência de uma contradição decisória entre dois acórdãos proferidos pelo Supremo Tribunal de Justiça, no domínio da mesma legislação, e sobre a mesma questão fundamental de direito; 2) a questão de direito apreciada revela-se decisiva para as soluções perfilhadas num e noutro acórdão, desconsiderando-se argumentos ou razões que não encerrem uma relevância determinante; 3) a identidade substancial do núcleo essencial das situações de facto que suportam a aplicação, necessariamente diversa, dos mesmos normativos legais ou institutos jurídicos; 4) as soluções em confronto, necessariamente divergentes, têm que ser encontradas no “domínio da mesma legislação”, de acordo com a terminologia legal, ou seja, exige-se que se verifique a “identidade de disposição legal, ainda que de diplomas diferentes, e, desde que, com a mudança de diploma, a disposição não tenha sofrido, com a sua integração no novo sistema, um alcance diferente, do que antes tinha”. </font><br> </p><p><font>Como se entende na jurisprudência deste Supremo Tribunal, de 03-11-2020 (proc. n.º 951/06.9TBCLD.C1.L1.S2-A) as questões de direito devem ter </font><i><font>“(…) na sua base situações materiais litigiosas que, de um ponto de vista jurídico-normativo – tendo em consideração a natureza e teleologia dos específicos interesses das partes em conflito – sejam análogas ou equiparáveis, pressupondo o conflito jurisprudencial uma verdadeira identidade substancial do núcleo essencial da matéria litigiosa subjacente a cada uma das decisões em confronto</font></i><font>”. </font><br> </p><p><font>&nbsp;</font><font>Na aferição do requisito identidade da questão de direito, exige-se que exista também semelhança ou igualdade substancial da situação de facto. Não há, pois, contradição sobre a mesma questão fundamental de direito quando as soluções divergentes foram determinadas pela diferenciação dos pressupostos de facto sobre que recaíram e não por interpretação das normas jurídicas. </font><br> </p><p><font>É certo que o acórdão fundamento excluiu a possibilidade de invocação do abuso do direito como fundamento de oposição à execução, enquanto o acórdão recorrido deferiu a pretensão do embargante baseada no abuso do direito pelo exequente, pois este demorou 4 anos após o trânsito em julgado a intentar a ação de execução e provou-se que o exequente teve acesso aos documentos cuja entrega coativa pretendia, em data anterior à data da sentença transitada em julgado, pelo que tal ação não tinha qualquer resultado útil. </font><br> </p><p><font>&nbsp;Os acórdãos alegadamente em conflito foram proferidos em processos de embargos à execução, mas não se verifica o requisito da identidade da questão de direito, na medida em que o núcleo factual dos casos é muito distinto e as obrigações referidas nas sentenças dadas à execução não têm a mesma natureza jurídica: no acórdão fundamento executava-se uma obrigação de pagar alimentos, irrenunciável e que visa satisfazer necessidades básicas do credor, e no acórdão recorrido uma obrigação de prestação de facto de entrega de documentos, que já estavam na posse do exequente-embargado. </font><br> </p><p><font>&nbsp;Sumariou-se o seguinte no acórdão recorrido: </font><br> </p><p><font>«III - A supressio traduz-se no não exercício do direito durante um lapso de tempo, suscetível de criar na contraparte a confiança de que esse direito não mais será exercido. Mas não basta o exercício tardio do direito. É necessário que se atenda ao poder dos factos e sejam ponderadas todas as circunstâncias do caso, à luz do princípio da boa fé, e ainda que se verifique a obtenção de uma vantagem excessiva para o titular do direito, acompanhada da imposição de sacrifícios relevantes e injustificados para a contraparte. </font><br> </p><p><font>IV – Atua com abuso do direito de ação, na modalidade de suppressio, quem propõe um processo executivo para exigir a entrega coativa de documentos e o pagamento de uma sanção pecuniária compulsória de valor superior a 200.000 euros, fazendo-o mais de 4 anos após o trânsito em julgado da sentença de condenação e estando já na posse dos documentos exigidos em data anterior a essa sentença». </font><br> </p><p><font>&nbsp;No acórdão fundamento, de 04-07-2019, a afirmação da não aplicabilidade do instituto do abuso do direito como fundamento de oposição à execução, dada a natureza fechada do artigo 729.º do CPC, é apenas um segmento da decisão. Interpretada na sua globalidade, a fundamentação do acórdão indica que essa exclusão da possibilidade do abuso do direito não é, em abstrato, total, na medida em que o Acórdão conheceu efetivamente, e de forma desenvolvida, da questão do abuso do direito, negando a verificação dos seus requisitos com o seguinte fundamento:</font><br> </p><p><i><font>«É que, como resulta do art. 334.º do CCivil, o abuso do direito só releva quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumem ou pelo fim social ou económico do direito. Como decorre de toda uma (quase inabarcável) produção jurisprudencial e doutrinária, o abuso de direito só existe em casos verdadeiramente excecionais, em casos de todo em todo gritantes, ofensivos do sentimento ético-jurídico dominante, clamorosamente opostos aos ditames da lealdade e da correção imperantes na ordem jurídica e nas relações sociais. Por isso, não basta, para se falar em abuso do direito nos termos e para os efeitos do art. 334.º do CCivil, que o titular do direito, ao exercer o direito, se exceda. </font></i><br> </p><p><i><font>Como nos diz, por todos, o acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 24.1.2002 (Col Jur - Ac do STJ, 2002, tomo I, p. 53 e 54), o exercício de um direito só poderá ser havido como ilegítimo quando houver manifesto abuso, isto é, quando o direito seja exercido em termos clamorosamente ofensivos da justiça, traduzindo uma grosseira ofensa ao sentimento jurídico socialmente dominante. E acrescenta o mesmo acórdão que “a utilização do abuso do direito não deve constituir panaceia fácil de toda e qualquer situação de exercício excessivo de um direito, em que o respectivo excesso não seja manifesto ou que só aparentemente se apresente como manifestamente excessivo (…)”. </font></i><br> </p><p><i><font>Ora, não vemos onde, no caso vertente, esta sempre exigível “grosseira ofensa ao sentimento jurídico socialmente dominante” possa residir. </font></i><br> </p><p><i><font>Não se duvida que a circunstância de se saber (pontos 10 e 11 dos factos provados que a Exequente se manifestou no sentido de exigir os alimentos apenas até ao final de 2008 e de, mesmo assim, ter vindo depois reclamar alimentos para além dessa data, possa ser vista objetivamente como revelando um comportamento leviano, incoerente, contraditório e frustrador de possíveis expetativas do Embargante. Mas não se trata de um comportamento que traduza uma grosseira ofensa ao sentimento jurídico socialmente dominante, tanto mais que, inclusivamente (como alegado pelo Embargante), a cessação dos alimentos ficou sujeita a uma futura formalização que afinal nunca aconteceu. Esta conclusão de que o comportamento da Exequente não pode ser visto como traduzindo uma grosseira ofensa ao sentimento jurídico socialmente dominante deve, entretanto, ser aproximada de um outro pormenor. É que, como bem se aponta no acórdão recorrido, os alimentos futuros não podem ser renunciados (art. 2008.º, n.º 1 do CCivil), e daqui que as declarações da credora no sentido de vir a abdicar de alimentos futuros são juridicamente inconsequentes (nulas). Repare-se até que essas declarações não significam necessariamente que a credora dos alimentos deixou de precisar deles (caso em que cessaria a obrigação de prestar alimentos, nos termos do art. 2013.º, n.º 1 alínea b) do CCivil), mas apenas que estava disposta a abdicar do direito a alimentos futuros. Trata-se de coisas muito diferentes no plano jurídico». </font></i><br> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; </font><br> </p><p><font>O acórdão recorrido, aceitando que o artigo 729.º do CPC é uma norma fechada, conclui pela aplicabilidade do abuso do direito no contexto factual e jurídico específico para o caso dos autos: </font><br> </p><p><i><font>«Neste sentido, na jurisprudência, tem-se entendido que a norma do artigo 729.º do CPC constitui uma norma fechada, no sentido de que circunscreve os fundamentos em que a oposição pode assentar (cfr. Acórdão do STJ, de 4-7-2019). Mas, quando se aplica uma norma, aplica-se também o sistema jurídico no seu conjunto e os princípios gerais de direito, sobretudo aqueles que estão positivados, como o caso do princípio da boa fé (artigos 227.º e 762.º, n.º 2, do Código Civil) e do princípio da proibição do abuso do direito (artigo 334.º do Código Civil), princípios que têm um âmbito de aplicação muito amplo. O instituto do abuso de direito serve, assim, no caso vertente, de válvula de escape a uma situação, que os limites apertados do artigo 729.º do Código Civil não permitem resolver de forma considerada justa pela consciência social e jurídica». </font></i><br> </p><p><font>&nbsp;A jurisprudência vai evoluindo e essa evolução faz-se em função dos factos de cada caso e da sua configuração única, daí que, sendo a factualidade nos dois casos distinta, distintas são também as questões de direito decididas pelo acórdão recorrido e pelo acórdão fundamento. </font><br> </p><p><font>Não se verificando o requisito “identidade da questão fundamental de direito”, não é admissível o recurso de uniformização de jurisprudência».&nbsp;&nbsp;&nbsp; </font><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><b><font>2.</font></b><font> Tem sido jurisprudência unânime no Supremo Tribunal de Justiça uma orientação restritiva quanto à admissibilidade do recurso extraordinário para uniformização de jurisprudência, exigindo-se identidade do núcleo factual entre os casos em confronto, tal como configurados no acórdão fundamento e no acórdão recorrido. O processo mental subjacente a uma decisão judicial de questões de direito comporta uma dimensão de ponderação e de avaliação de factos, que é única em cada caso concreto, e por isso incomparável com outros casos em que seja decidida uma questão de direito com alguns pontos de semelhança. Facto e direito estão intrinsecamente ligados e tornam-se numa dualidade indivisível, de forma que, sendo os factos distintos, não se pode afirmar que estamos perante uma identidade de questões de direito. Em consequência, a decisão singular, agora reclamada, não violou a letra e o espírito do artigo 688.º do CPC, como defendeu o reclamante.</font><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><b><font>3.</font></b><font> Vejamos agora se a decisão reclamada viola os princípios e normas constitucionais invocados na reclamação.&nbsp; </font><br> </p><p><font>Entende o reclamante que a decisão impugnada viola os artigos 161.º, als. </font><i><font>c)</font></i><font> e </font><i><font>d),</font></i><font> e 198.º, n.º 1, </font><i><font>a), b)</font></i><font> e </font><i><font>c)</font></i><font>, ambos da Constituição, padecendo, alegadamente, de inconstitucionalidade material, na medida em que a orientação jurisprudencial nela adotada seria um aditamento legislativo ao artigo 688.º do CPC, que não prevê qualquer identidade da situação de facto como requisito para a admissibilidade do recurso para uniformização da jurisprudência. Assim, o tribunal estaria, na perspetiva do reclamante, a legislar, competência que cabe exclusivamente à Assembleia da República e ao Governo.</font><br> </p><p><font>&nbsp;Mas não tem razão.</font><br> </p><p><font>&nbsp;O papel dos tribunais na interpretação e integração da lei, bem como na densificação de conceitos indeterminados, não viola o princípio da separação de poderes. A moderna teoria do direito não vê o juiz como uma “boca que pronuncia as palavras da lei”, atribuindo-lhe, antes, uma função constitutiva e criativa na fixação do sentido com que deve valer a norma, de forma a adaptar a lei à realidade social e às necessidades práticas, num sistema judicial e social cada vez mais complexo. Baptista Machado&nbsp;&nbsp; referia mesmo que o julgador desempenha uma tarefa de “legislador complementar” (</font><i><font>Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador</font></i><font>, Almedina, Coimbra, 1983, p. 259). Por outro lado, a circunstância de se tratar de recurso que põe em causa o trânsito em julgado formado sobre um acórdão do Supremo justifica o rigor com que a lei define os requisitos legais e explica também a tendência para uma interpretação restritiva do preceito.</font><br> </p><p><font>&nbsp;A aplicação do instituto do abuso do direito recorre a conceitos indeterminados cujo sentido é definido casuisticamente pelo tribunal, de forma irrepetível, não podendo afirmar-se, sem mais, a sua inaplicabilidade aos processos executivos ainda que baseados em sentença transitada em julgado. A oscilação dos tribunais na decisão de aplicar, ou não, este instituto nos processos executivos, depende mais da avaliação casuística dos factos e da densificação do conceito de boa fé processual, do que de uma afirmação genérica de inaplicabilidade do artigo 334.º do Código Civil a determinado tipo de processos ou grupo de casos. Pelo que, reitera-se, não se verifica qualquer identidade de questões de direito nesta temática da aplicabilidade do artigo 334.º do Código Civil em conjugação com o artigo 729.º do Código de Processo Civil, nem compete ao Supremo proferir acórdãos uniformizadores de jurisprudência que limitem a liberdade do ato de julgar, em matéria de preenchimento de conceitos indeterminados ou de definição do âmbito de aplicação da figura do abuso do direito, excluindo a sua aplicabilidade a um determinado tipo de processos. </font><br> </p><p><font>&nbsp; &nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; </font><br> </p><p><font>&nbsp;Assim, sem mais considerações, indefere-se a reclamação e confirma-se a decisão reclamada nos seus exatos termos.</font><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><font>Anexa-se sumário, elaborado nos termos do artigo 663.º, n.º 7, do CPC:</font><br> </p><p><font>&nbsp;-&nbsp; Tem sido jurisprudência unânime no Supremo Tribunal de Justiça uma orientação restritiva quanto à admissibilidade do recurso extraordinário para uniformização de jurisprudência, exigindo-se identidade do núcleo factual entre os casos em confronto, tal como configurados no acórdão fundamento e no acórdão recorrido. Facto e direito estão intrinsecamente ligados e tornam-se numa dualidade indivisível, de forma que, sendo os factos distintos, não se pode afirmar que estamos perante uma identidade de questões de direito.</font><br> </p><p><font>- Esta interpretação rigorosa dos requisitos de admissibilidade do recurso para uniformização de jurisprudência explica-se pela circunstância de estar em causa a revogação de um acórdão do Supremo com força de caso julgado e não constitui qualquer violação do princípio da separação de poderes ou outros princípios constitucionais.</font><br> </p><p><font>-&nbsp; Não se verifica qualquer identidade de questões de direito na temática da aplicabilidade do artigo 334.º do Código Civil em conjugação com o artigo 729.º do Código de Processo Civil, nem compete ao Supremo proferir acórdãos uniformizadores de jurisprudência que limitem a liberdade do ato de julgar, em matéria de preenchimento de conceitos indeterminados ou de definição do âmbito de aplicação da figura do abuso do direito.</font><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><b><font>III - Decisão</font></b><br> </p><p><font>Pelo exposto, indefere-se a reclamação e confirma-se a decisão reclamada nos seus exatos termos.</font><br> </p><p><font>Custas pelo reclamante.</font><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><font>Supremo Tribunal de Justiça, 4 de maio de 2021</font><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><font>Maria Clara Sottomayor (relatora) </font><br> </p><p><font>Alexandre Reis </font><br> </p></font><p><font><font>Pedro de Lima Gonçalves</font></font></p>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><b><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp; </font></b><div><br> <font>Acordam, em Conferência, no Supremo Tribunal de Justiça</font></div><br> <br> <b><font> </font></b><br> <p><b><font>I - Relatório</font></b><br> </p><p><b><font>1. AA</font></b><font> propôs ação declarativa com processo comum contra </font><b><font>BB, CC, DD, EE, FF</font></b><font> e </font><b><font>GG</font></b><font>, pedindo que seja reconhecido e declarado que não é filho de </font><b><font>HH</font></b><font> e que é filho de </font><b><font>II</font></b><font>, ordenando-se a retificação do seu assento de nascimento em conformidade, designadamente com a eliminação do apelido “HH......” e com a inclusão do apelido “II.......” no seu nome.</font><br> </p><p><font>Alega, para tanto, que, no seu assento de nascimento, figura como seu pai HH, que era o marido da mãe à data do seu nascimento, mas que a verdade é que foi concebido do relacionamento sexual existente entre a sua mãe (a BB) e II. Mais alega que desde sempre foi tratado como filho por II, que todos os que o rodeavam sabiam que este era seu pai e que com este chegou a viver durante algum tempo.</font><br> </p><p><font>&nbsp;Em contestação, vem a CC, para além de se defender por impugnação, invocar a exceção da caducidade do direito de ação, face ao decurso do prazo estabelecido na al. </font><i><font>c)</font></i><font> do n.º 1 do artigo 1842.º do Código Civil.</font><br> </p><p><font>&nbsp;Também em contestação vem a FF invocar ser parte ilegítima, por não ser herdeira de II ao tempo do seu óbito, dado encontrar‑se divorciada do mesmo. Vem ainda invocar a exceção da caducidade do direito de ação, face ao decurso do prazo estabelecido na al. </font><i><font>c)</font></i><font> do n.º 1 do artigo 1842º do Código Civil, e defende-se igualmente por impugnação.</font><br> </p><p><font> Por articulado de 16/10/2017, o A. respondeu à exceção da caducidade do direito de ação, invocando a inconstitucionalidade da norma em questão e a improcedência da exceção.</font><br> </p><p><font>Foi proferido despacho, ordenando solicitação ao INML sobre “</font><i><font>se é possível realizar exames periciais com vista ao apuramento de uma eventual paternidade, sem ser necessário proceder à exumação do cadáver e, em caso afirmativo, quais os procedimentos</font></i><font>”, o que foi cumprido.</font><br> </p><p><font>Tendo sido obtida resposta afirmativa à questão colocada, pronunciaram-se as partes sobre essa resposta, designadamente tendo a CC referido que “</font><i><font>a decisão sobre a realização do exame pericial, deverá ser determinada após a decisão das invocadas exceções deduzidas, sob pena de, a determinar-se desde já a realização de prova, estar-se a decidir, como que tacitamente, o julgamento da matéria de exceção que foi invocada</font></i><font>”.</font><br> </p><p><font>Foi designada data para a produção antecipada de prova requerida pelo Autor, bem como para a realização da audiência prévia, tendo sido dada sem efeito tal produção antecipada de prova e sido realizada a audiência prévia, onde foi proferida sentença que, julgando procedente a exceção perentória da caducidade do direito de ação, absolveu as Rés do pedido.</font><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><font>&nbsp;</font><b><font>2.</font></b><font> Inconformado, o Autor recorre desta sentença para o Tribunal da Relação ......, que, por acórdão datado de 11 de julho de 2019, decidiu julgar improcedente o recurso e manter a sentença recorrida.</font><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><b><font>3.</font></b><font> Novamente inconformado, o Autor interpõe recurso de revista excecional, ao abrigo das alíneas </font><i><font>a)</font></i><font> a </font><i><font>c)</font></i><font> do n.º 1 do artigo 672.º do CPC. O recurso foi admitido pela formação a que se refere o artigo 672.º, n.º 3, do CPC, com fundamento no artigo 672.º, n.º 2, alíneas </font><i><font>a)</font></i><font> e </font><i><font>b)</font></i><font>, do CPC, dada a relevância jurídica e social da controvérsia, por contender com os direitos fundamentais dos cidadãos e com “interesse gerais e valores sociais do domínio da instituição familiar”, bem como por contribuir para uma melhor aplicação do direito.</font><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><font>&nbsp;</font><b><font>4. </font></b><font>O Supremo Tribunal de Justiça decidiu, por unanimidade, em Acórdão proferido em 5 de maio de 2020, recusar a aplicação da norma contida no artigo 1842.º, n.º 1, alínea </font><i><font>c),</font></i><font> do Código Civil, que estabelece que a ação de impugnação da paternidade pode ser intentada, pelo filho, até 10 anos depois de haver atingido a maioridade ou de ter sido emancipado, ou posteriormente, dentro de três anos a contar da data em que teve conhecimento de circunstâncias de que possa concluir-se não ser filho do marido da mãe, </font><i><font>«por significarem os concretos prazos estabelecidos na lei uma restrição desproporcionada e excessiva dos direitos à identidade pessoal (artigo 26.º, n.º 1, da CRP), e a constituir família (artigo 36.º, n.º 1, da CRP), em conjugação com o princípio da proporcionalidade ínsito no artigo 18.º, n.º 2, da CRP, nos casos em que o impugnante pretende, não apenas a destruição do vínculo resultante do registo, mas também o estabelecimento da paternidade em relação a um sujeito que, para além do vínculo biológico, tenha gozado da chamada posse de estado em relação a ele, tenha sido reconhecido como seu pai pelo público e o tenha sempre tratado como filho no plano afetivo e social, assim fazendo coincidir a paternidade jurídica com a paternidade afetiva que sempre tenha existido. Em tal situação, o estado civil do filho não tem correspondência social, familiar e afetiva, e, por essa razão, aquele direito à verdade biológica e à identidade pessoal adquire uma densidade mais forte, para a qual é insuficiente a tutela legalmente prevista, devendo os direitos do filho, por isso, prevalecer sobre os valores da segurança jurídica e da proteção da família assente no casamento».</font></i><br> </p><p><i><font> </font></i><br> </p><p><b><font>5. </font></b><font>O Ministério Público veio interpor recurso para o Tribunal Constitucional, do acórdão proferido em 05 de maio de 2020, ao abrigo do disposto nos artigos 280º, nºs 1-a), e 3, da Constituição da República Portuguesa, e nos artigos 70º, n.º 1, al. </font><i><font>a)</font></i><font> e 72º nºs 1- </font><i><font>a)</font></i><font> e 3, da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro. </font><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><b><font>6. </font></b><font>O Tribunal Constitucional, através do Acórdão n.º 445/2021, datado de, decidiu o seguinte:</font> </p><p><i><font>«a) não julgar inconstitucional a norma contida no artigo 1842.º, n.º 1, alínea c), do Código Civil, na redação introduzida pela Lei n.º 14/2009, de 1 de abril, que estabelece que a ação de impugnação da paternidade pode ser intentada, pelo filho, até 10 anos depois de haver atingido a maioridade ou de ter sido emancipado, ou posteriormente, dentro de três anos a contar da data em que teve conhecimento de circunstâncias de que possa concluir-se não ser filho do marido da mãe, quando aplicada aos casos em que o impugnante pretende não apenas a destruição do vínculo resultante do registo, mas também o estabelecimento da paternidade em relação a um sujeito que, para além do vínculo biológico, tenha gozado da chamada posse de estado em relação a ele, tenha sido reconhecido como seu pai pelo público e o tenha tratado como filho no plano afetivo e social; e, consequentemente,</font></i> </p><p><i><font> </font></i> </p><p><i><font>b) julgar procedente o recurso, determinando a remessa dos autos ao Supremo Tribunal de Justiça, a fim de que este reforme a decisão em conformidade com a presente decisão sobre a questão de inconstitucionalidade». </font></i><br> </p><p><i><font>&nbsp; &nbsp;</font></i><br> </p><p><b><font>7.</font></b><font> Cumpre, pois, proceder à reforma do Acórdão, proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, de 5 de maio de 2021, conforme o disposto no artigo 80.º, n.º 2, da Lei Orgânica do Tribunal Constitucional.</font><br> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; </font><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><b><font>II - Fundamentação&nbsp; </font></b><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><b><font>1.</font></b><font> No caso vertente, o autor, nascido em 24 de junho de 1972, época em que o estabelecimento da paternidade fora do casamento era legalmente dificultado e, na prática, impedido pela inexistência de provas científicas, impugnou a paternidade presumida do marido da sua mãe, com quem alegou não ter qualquer vínculo biológico nem afetivo, mas antes ser filho de outro indivíduo, em relação a quem gozou de posse de estado, porque foi tratado como filho e reputado como tal pelos demais.</font><br> </p><p><font>O Supremo Tribunal de Justiça, recusou a aplicação do artigo 1842.º, n.º 1, al. </font><i><font>c),</font></i><font> que estabelece prazos para interposição da ação de impugnação da paternidade presumida, por tal preceito, implicando a caducidade da ação pelo decurso do prazo, representar uma restrição desproporcionada aos direitos fundamentais à identidade pessoal e a constituir família de acordo com a verdade biológica e afetiva.</font><br> </p><p><font>No acórdão de 5 de maio de 2020, proferido neste processo, o Supremo Tribunal de Justiça defendeu a seguinte orientação, dando primazia aos direitos fundamentais constitucionalmente protegidos do filho sobre a segurança jurídica e a proteção da família fundada no casamento:&nbsp;</font><br> </p><p><font>«A ação de impugnação da paternidade visa possibilitar a correção de uma atribuição legal e automática de paternidade que se julgue não corresponder ao vínculo real de parentesco, sendo o único instrumento disponível para o autor exercer os direitos fundamentais à identidade pessoal e a constituir família consagrados, respetivamente, nos artigos 26.º, n.º 1, e 36.º, n.º 1, ambos da Constituição.</font><br> </p><p><font>(…)</font><br> </p><p><font>A interpretação normativa, cuja aplicação agora se recusa, reporta-se, portanto, somente aos casos em que o impugnante pretende, não apenas a destruição do vínculo resultante do registo, mas também o estabelecimento da paternidade em relação a um sujeito que, para além do vínculo biológico, tenha gozado da chamada posse de estado em relação a ele, tenha sido reconhecido como seu pai pelo público e o tenha sempre tratado como filho no plano afetivo e social, assim fazendo coincidir a paternidade jurídica com a paternidade afetiva que sempre tenha existido.</font><br> </p><p><font>Em tal situação, o estado civil do filho não tem correspondência social, familiar e afetiva, e, por essa razão, aquele direito à verdade biológica e à identidade pessoal adquire uma densidade mais forte, para a qual é insuficiente a tutela legalmente prevista, devendo os direitos do filho, por isso, prevalecer sobre os valores da segurança jurídica e da proteção da família assente no casamento».</font><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><b><font>2.</font></b><font> Todavia, tendo o Tribunal Constitucional proferido o Acórdão n.º 445/2021, na sequência de um recurso do Ministério Público, e considerado conforme à Constituição a interpretação normativa extraída do artigo 1842.º, n.º 1, al. </font><i><font>c),</font></i><font> do Código Civil, cuja aplicação foi recusada por Supremo Tribunal, fazendo prevalecer a segurança jurídica, enquanto interesse coletivo, sobre os direitos humanos fundamentais do filho, mais não resta do que proceder à reforma do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, e, em consequência, declarar a extinção da ação de impugnação da presunção de paternidade, por ter já decorrido o prazo de 10 anos após a maioridade do filho.</font><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><b><font>3.</font></b><font> Anexa-se sumário elaborado nos termos do n.º 3 do artigo 667.º do CPC</font><br> </p><p><font>I - Tendo o Tribunal Constitucional considerado conforme à Constituição a norma contida no artigo 1842.º, n.º 1, al. </font><i><font>c),</font></i><font> do Código Civil, cuja aplicação foi recusada pelo Supremo Tribunal de Justiça, por restrição desproporcionada dos direitos humanos fundamentais à identidade pessoal e a constituir família, mais não resta do que proceder à reforma do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, e, em consequência, declarar a extinção da ação de impugnação da presunção de paternidade, por ter já decorrido o prazo de 10 anos após a maioridade do filho. </font><br> </p><p><b><font>&nbsp;</font></b><br> </p><p><b><font> </font></b><br> </p><p><b><font>III – Decisão </font></b><br> </p><p><font>Pelo exposto,</font><b><font> </font></b><font>reforma-se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 5 de maio de 2021, nos termos decididos pelo Tribunal Constitucional no Acórdão n.º 445/2021, e declara-se procedente a exceção de caducidade do direito de ação pelo decurso do prazo.</font><br> </p><p><font>Sem custas.</font><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><font>Lisboa, 4 de novembro de 2021 </font><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><font>Maria Clara Sottomayor (Relatora) </font><br> </p><p><font>Pedro de Lima Gonçalves (1.º Adjunto) </font><br> </p></font><p><font><font>Fernando Samões (2.º Adjunto)</font></font></p>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font> <p><b><font>I - Relatório</font></b><br> </p><p><br> </p><p><b><font>1.</font></b><font> Por apenso à correspetiva execução, em que é exequente a</font><b><font> Caixa Geral de Depósitos S.A.,</font></b><font> e que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca ... (Juízo de Execução ..., Juiz …), deduziram </font><b><font>AA</font></b><font> e </font><b><font>BB</font></b><font> embargos de executado, pedindo a extinção dos autos executivos principais.</font><br> </p><p><font>A exequente/embargada contestou.</font><br> </p><p><b><font>2.</font></b><font> De imediato e, interlocutoriamente, foi proferida a decisão de 14 de março de 2019, que julgou procedente os embargos de executado e declarou extinta a execução.</font><br> </p><p><b><font>3.</font></b><font> Inconformada, a </font><b><font>Caixa Geral de Depósitos S.A.</font></b><font> interpôs recurso de apelação (artigos 635.°, n.° 4, 639.°, n.° l e 663.°, n.° 2, do CPC), tendo o Tribunal da Relação, primeiro, por decisão singular da Relatora, e depois por acórdão proferido em Conferência, &nbsp;decidido julgar procedente a apelação, revogando a decisão de 14 de março de 2019 e indeferindo os presentes embargos de executado. </font><br> </p><p><font> </font> </p><p><b><font>4. </font></b><font>Inconformado, o executado embargante, </font><b><font>AA</font></b><font>, interpôs recurso de revista, em que formulou as seguintes conclusões: </font> </p><p><font>«43. Quanto à presente situação nunca existiu PERSI.</font> </p><p><font>44. O facto provado 4, a folhas 3 da sentença de 14 de março de 2019, foi inequívoco na existência de condições prévias ao PERSI</font> </p><p><font>45. A carta de 1 de Setembro de 2017 expressamente enuncia no 2ª parágrafo “...informamos que a análise de uma eventual reestruturação requer o prévio pagamento de, pelo menos, juros e encargos vencidos ….”.</font> </p><p><font>46. No ponto 4 dos factos provados em sentença de 1ª instância o próprio meritíssimo juiz faz a redação do seu entendimento do facto com o seguinte “...as condições em que aceita analisar a reestruturação das dívidas.”</font> </p><p><font>47. E relembrando que esta factualidade foi integralmente aceite e não modificada pelo acórdão em conferência.</font> </p><p><font>48. E se existiam condições prévias da embargante à análise da reestruturação ( PERSI) então não se tinha iniciado o PERSI.</font> </p><p><font>49. Desde logo, da leitura do diploma DL 227/2012 de 25 de Outubro a integração no PERSI e até do seu preâmbulo ressalta não existirem condições para aceder ao PERSI, mais ainda ressalta que não podem existir condições prévias para o visado aceder ao PERSI.</font> </p><p><font>50. Não houve integração no PERSI – fase 1, não houve análise da reestruturação – fase 2 e como tal o que aconteceu com a carta de 1 de Setembro de 2017 não corresponde certamente a proposta ou negociação em fase 3 do PERSI.</font> </p><p><font>51. Quanto ao eventual mecanismo automático do PERSI, não existe, não é automá-tica por natureza nem o poderia ser com a comunicação de 1 de Setembro.</font> </p><p><font>52. O único automatismo que existe é o direito ao PERSI desde que existam dificul-dades financeiras.</font> </p><p><font>53. É obrigatório a fase prévia ao PERSI conforme artigo 13.º não tendo sido respei-tada pela embargada.</font> </p><p><font>54. A embargante também não respeitou a lei em nenhum dos 5 pontos do artigo 14º do DL 227/2012 de 25 de Outubro.</font><br> </p><p><font>55. O nº 4 do artigo 14º deste diploma refere “4-No prazo máximo de cinco dias após a ocorrência dos eventos previstos no presente artigo, a instituição de crédito deve informar o cliente bancário da sua integração no PERSI, através de comunicação em suporte duradouro.” </font><br> </p><p><font>56. A embargada não notificou o embargante da integração no PERSI, não deu cumprimento ao artigo 14º nº 4 e menos ainda ao nº 5 do mesmo preceito de acordo com o aviso nº 17/2012 do Banco de Portugal.</font><br> </p><p><font>57. Com os elementos e comunicações da embargada à embargante será impossível considerar quer à data quer agora ter existido integração no PERSI.</font><br> </p><p><font>58. Assim entendeu, irreprensivelmente, o meritíssimo juiz de 1ª instância a folhas 4 e 5 da sua sentença expressando claramente, a linhas 5 da página 5 - “….com a sua solicitação no sentido de integração no PERSI, assim não procedeu (ponto 4 dos factos)”.</font><br> </p><p><font>Termos em que nos melhores de direito, sempre com o mui douto provimento de V. Ex.ªs, deve o presente recurso ser recebido, porque em tempo, devendo&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; o Tribunal </font><i><font>ad quem</font></i><font>, conceder provimento ao mesmo, revogando a decisão a quo em acórdão de conferência mantendo o sentido da decisão proferida em 1ª instância.</font><br> </p><p><font> </font> </p><p><b><font>5.</font></b><font> A recorrida, </font><b><font>Caixa Geral de Depósitos, SA,</font></b><font> apresentou contra-alegações nas quais formulou as seguintes conclusões:</font> </p><p><font>«A - O Recorrente interpôs recurso de revista não se conformando com o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, o qual deu total provimento ao recurso de apelação interposto pela Caixa Geral de Depósitos, S.A.</font> </p><p><font>B - Na verdade, o Tribunal </font><i><font>a quo</font></i><font> analisou exaustivamente todas as questões enunciadas e fez uma irrepreensível aplicação do direito, nomeadamente o regime previsto no Decreto-lei n.º 227/2012, de 25 de outubro, aos factos dados como provados.</font><br> </p><p><font>C - O Recorrente sustenta que, em todo o Decreto-lei n.º 227/2012 de 25 de outubro, não podem existir condições prévias para o cliente bancário aceder ao PERSI, exceto as suas próprias dificuldades económicas.</font><br> </p><p><font>D - Contudo, o enquadramento no PERSI nunca esteve sujeito a condições prévias, tendo a Recorrente formulando uma proposta concreta, a qual não obteve resposta por parte do Recorrente.</font> </p><p><font>E - O Recorrente foi interpelado acerca do incumprimento de várias operações, tendo sido concedido um prazo para o pagamento dos valores em dívida, de acordo com a carta de interpelação de 28.12.2016.</font> </p><p><font>F - Em consequência, à carta do Recorrente datada de 14.08.2017, onde é confessado expressamente o incumprimento, respondeu a Recorrida por carta de 01.09.2017, ponto n.º 4 da matéria de facto assente, com a ref.ª …./01.09.2017, com o assunto «enquadramento PERSI».</font> </p><p><font>G - Nesta missiva, é apresentada ao cliente uma solução concreta por parte da instituição bancária para resolução da situação de incumprimento.</font> </p><p><font>H - Na referida carta, datada de 01.09.2017, é «apresentado ao cliente bancário uma proposta de regularização adequada à sua situação financeira (…)» de acordo com o art.º 15.º n.º 4 do DL n.º 227/2012, de 25.10.</font> </p><p><font>I - Ora, à carta da Exequente CGD de 01.09.2017, com o assunto «enquadramento PERSI», onde é apresentada ao cliente solução concreta por parte da instituição bancária para resolução da situação de incumprimento, devia o Recorrente ter informado a CGD que aceitava as condições transmitidas ou então apresentava um plano alternativo, no prazo de 15 dias (cfr. n.º 3 do art.º 16º do DL n.º 227/2012, de 25.10).</font> </p><p><font>J - Por esse motivo, o PERSI extinguiu-se atento o disposto na alínea f) do art.º 17º do DL n.º 227/2012, de 25.10.</font> </p><p><font>K - Por outro lado, é estatuído na alínea e) do art.º 17º do DL n.º 227/2012, de 25.10 que o PERSI se extingue quando o cliente bancário pratique atos suscetíveis de pôr em causa os direitos ou as garantias da instituição de crédito.</font> </p><p><font>L - Ora, a venda, por parte do cliente bancário, do imóvel onerado a favor da CGD a terceiros, garantia dos contratos dados à execução, em 11.03.2016, sem o prévio conhecimento e autorização da credora hipotecária, como aliás foi invocado no Requerimento Executivo, consubstancia um ato suscetível de pôr em causa a garantia da instituição de crédito.</font> </p><p><font>M - Desta forma, nunca poderia o pedido efetuado por carta posterior àquela transmissão, datada de 14.08.2017, integrar-se no PERSI uma vez que aquele facto da transmissão a terceiro determina a sua imediata extinção (cfr. alínea e) do art.º 17º do DL n.º 227/2012, de 25.10).</font> </p><p><font>N-A Recorrida aplicou, no presente caso, o regime do DL n.º 227/2012, de 25.10, como resulta da carta de 01.09.2017, com a ref.ª .../01.09.2017, onde é «apresentado ao cliente bancário uma proposta de regularização adequada à sua situação financeira (…)» de acordo com o art.º 15º n.º 4 do DL n.º 227/2012, de 25.10.</font> </p><p><font>O - Face ao exposto, o conteúdo da missiva enviada no dia 01-09-2017 foi suscetível de enquadrar o Recorrente no PERSI, demonstrando que a Recorrida formulou uma proposta de regularização adequada à capacidade financeira do Recorrente, prevista nos artigos 15.º e 16.º do DL 227/2012.</font> </p><p><font>P - Estando o procedimento PERSI extinto, pode o credor instaurar ação executiva para cobrança dos valores em dívida, que eram do conhecimento do Recorrente.</font> </p><p><font>NESTES TERMOS,</font> </p><p><font>Deverá ser julgado improcedente o recurso de revista apresentado pelo Recorrente, confirmando-se o acórdão proferido pelo Venerando Tribunal da Relação de Lisboa.</font> </p><p><font>ASSIM DECIDINDO, MAIS UMA VEZ SERÁ FEITA,</font> </p><p><font>VENERANDOS JUÍZES CONSELHEIROS, A COSTUMADA</font> </p><p><font>JUSTIÇA».</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Sabido que, ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, é pelas conclusões que se delimita o objeto do recurso, a questão a decidir diz respeito &nbsp;ao regime do Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI), previsto no DL 227/2012, de 25 de outubro, quais as vicissitudes do mesmo e modos de extinção, bem como à questão de saber se a Caixa Geral de Depósitos podia intentar a ação executiva.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Cumpre apreciar e decidir.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font> </font> </p><p><font> </font> </p><p><b><font>II – Fundamentação</font></b> </p><p> </p><p><b><font>A – Os factos</font></b> </p><p><font>As instâncias deram como provados os seguintes factos:</font><br> </p><p><font>1. Exequente embargada e executados embargantes, por escritu­ras públicas, juntas aos autos principais e cujo teor se dá por reproduzido, entre si ajustaram os contratos de mútuo com hipoteca sobre imóvel cuja falta de cumprimento, verificada pelo menos em 2016, justifica a ação executiva de que os presentes são apensos.</font><br> </p><p><font>2. No dia 28 de dezembro de 2016, a embargada exequente dirigiu aos executados embargantes, que a receberam, a carta junta aos autos com a contestação, cujo teor se dá por reproduzido, nos termos da qual lhes concedia um prazo de 15 dias para regularização dos créditos, findo o qual recorreria à via judicial. </font><br> </p><p><font>3. Por carta datada de 14 de agosto de 2017, junta com o requerimento de em­bargos de executado e cujo teor se dá por reproduzido, o executado em­bargante solicitou à embargada exequente a integração em PERSI. </font><br> </p><p><font>4. Em resposta, no dia 1 de setembro de 2017, a embargada exequente remeteu a carta que junta e cujo teor se dá por reproduzido, nos termos da qual co­munica as condições em que aceita analisar a reestruturação das dívidas. </font><br> </p><p><font>5. No dia 20 de setembro de 2017, o embargante executado remeteu à exe­quente embargada a carta junta aos autos com o requerimento de embar­gos de executado, cujo teor se dá por reproduzido, e nos termos da qual, sublinhando que a integração em PERSI não está sujeita a qualquer condi­ção, reitera o pedido formulado no sentido da integração em PERSI. </font><br> </p><p><font>6. Em março de 2016, os embargantes executados alienaram o imóvel referido no ponto 1 - certidão de teor junta com o requerimento executivo e cujo teor se dá por reproduzido.</font> </p><p><b><font> </font></b><br> </p><p><b><font>B – O Direito</font></b> </p><p><b><font> </font></b> </p><p><b><font>1.</font></b><font> O Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI) surgiu como um instrumento criado pelo legislador, no Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25-10, para atender às dificuldades financeiras dos cidadãos no pagamento das prestações do empréstimo bancário contraído para aquisição de habitação, em épocas de crise económica. Enquadra-se na política mais geral de defesa do consumidor, visando também fazer face às assimetrias informativas entre a instituição bancária e as famílias que recorrem ao crédito.</font> </p><p><font>O Preâmbulo do diploma legal que o criou estabelece que no âmbito do PERSI, </font><i><font>«(…) as instituições de crédito devem aferir da natureza pontual ou duradoura do incumprimento registado, avaliar a capacidade financeira do consumidor e, sempre que tal seja viável, apresentar propostas de regularização adequadas à situação financeira, objetivos e necessidades do consumidor»</font></i><font>.</font> </p><p><font>Como se afirma no citado Preâmbulo:</font> </p><p><i><font>&nbsp;«A degradação das condições económicas e financeiras sentidas em vários países e o aumento do incumprimento dos contratos de crédito, associado a esse fenómeno, conduziram as autoridades a prestar particular atenção à necessidade de um acompanhamento permanente e sistemático, por parte de instituições, públicas e privadas, da execução dos contratos de crédito, bem como ao desenvolvimento de medidas e de procedimentos que impulsionem a regularização das situações de incumprimento daqueles contratos, promovendo ainda a adoção de comportamentos responsáveis por parte das instituições de crédito e dos clientes bancários e a redução dos níveis de endividamento das famílias.</font></i> </p><p><i><font>Neste contexto, com o presente diploma pretende-se estabelecer um conjunto de medidas que, refletindo as melhores práticas a nível internacional, promovam a prevenção do incumprimento e, bem assim, a regularização das situações de incumprimento de contratos celebrados com consumidores que se revelem incapazes de cumprir os compromissos financeiros assumidos perante instituições de crédito por factos de natureza diversa, em especial o desemprego e a quebra anómala dos rendimentos auferidos em conexão com as atuais dificuldades económicas».</font></i> </p><p><font>&nbsp;</font> </p><p><font>&nbsp;</font><b><font>2.</font></b><font> No caso vertente, o tribunal de 1.ª instância e o Tribunal da Relação aderiram a visões distintas sobre as questões de direito suscitadas.</font> </p><p><font>O tribunal de 1.ª instância julgou procedente a oposição à execução por embargos de executado, declarando a extinção da execução (artigo 732.º, n.º 4, do CPC), com o seguinte fundamento:</font> </p><p><i><font>«Durante o período que decorre entre a integração do cliente no PERSI e a extinção deste procedimento, está, nomeadamente, vedado à instituição de crédito intentar acções judiciais com a finalidade de obter a satisfação do seu crédito (artigo 18.º, n.º 1, al. b)).</font></i> </p><p><i><font>Em conformidade, e por maioria de razão, quando verificados os respectivos pressupostos, como no caso dos autos, é obrigatória a integração do cliente bancário no PERSI, pelo que a acção executiva só pode ser intentada contra os obrigados após a extinção deste procedimento – </font></i><b><i><font>condição objectiva de procedibilidade, cuja falta, como no caso dos autos, corresponde a uma excepção dilatória inominada não sanável, que se julga procedente</font></i></b><i><font> (art. 576.º, n.º 1 e n.º 2, e 577.º CPC) – neste sentido TRE de 6 de Outubro de 2016, proferido no âmbito do processo n.º 4956/14.8T8ENT-A.E1, in </font></i><a><i><u><font>www.dgsi.pt</font></u></i></a><i><font> – </font></i><b><i><font>e, em consequência, extinta a execução.</font></i></b> </p><p><i><font> </font></i> </p><p><font>Já o acórdão recorrido decidiu pela improcedência dos embargos de executado, baseando-se, para o efeito, no instituto do abuso do direito previsto no artigo 334.º do Código Civil, entendendo que a invocação pelos embargantes do DL n.º 272/2012 para sustentar que </font><i><font>«(…) o Banco estava impedido de intentar acção judicial para satisfação do seu crédito no período compreendido entre a integração no PERSI e a extinção deste, configura um claro abuso de direito dos recorrentes, actuação que o direito não tutela e considera ilegítima – artigo 334.º do Código Civil.»</font></i> </p><p><font>Referiu a decisão recorrida, para integrar os factos do caso nos requisitos do abuso do direito, o seguinte: </font> </p><p><font>«Quando a apelante </font><i><font>“…Em resposta, no dia 1 de Setembro de 2017,…remeteu a carta que junta e cujo teor se dá por reproduzido, nos termo da qual comunica as condições em que aceita analisar a reestruturação das dívidas….”</font></i><font>. Estava a apresentar proposta (s) de regularização adequadas à situação financeira dos clientes e/ou a avaliar propostas alternativas dos próprios clientes (artigos 15.º e 16.º), dado que a integração no PERSI é automática.</font> </p><p><font>Os apelados, face a tal, deviam ter apresentado contra proposta para chegar a acordo. E não o fizeram. Chegando à situação de alienarem o imóvel (facto 6). Este comportamento pode ser entendido como recusa da proposta apresentadas.»</font> </p><p><i><font> </font></i> </p><p><b><font>3. </font></b><font>Vejamos os factos do caso, a fim de proceder à atividade de subsunção jurídica:</font> </p><p><font>Em 14 de agosto de 2017, o executado embargante solicitou à exequente a integração em PERSI (facto provado n.º 3). Em resposta, no dia 1 de setembro de 2017, o Banco exequente remeteu carta dirigida ao executado, nos termos da qual comunica as condições em que aceita analisar a reestruturação das dívidas (facto provado n.º 4). Em resposta a esta carta, o executado remeteu no dia 20 de setembro de 2017 carta, nos termos da qual, sublinhando que a integração em PERSI não está sujeita a qualquer condição, reitera o pedido formulado no sentido da integração em PERSI (facto provado n.º 5). Provou-se que, em março de 2016, os embargantes alienaram o imóvel sobre o qual incidiu o contrato de mútuo com hipoteca (facto provado n.º 6).</font> </p><p><font>Desde pelo menos 2016, segundo o facto provado n.º 1, que se verifica a falta de cumprimento pelos executados dos contratos de mútuo com hipoteca sobre imóvel.&nbsp; &nbsp;A situação sob apreciação reúne, assim, as condições para integração dos executados no PERSI, previsto no DL n.º 227/2012, de 25.10, que estabelece os princípios e regras a observar pelas instituições de crédito na prevenção e na regularização das situações de incumprimento de contratos de crédito pelos clientes bancários e cria a rede extrajudicial de apoio a esses clientes bancários no âmbito da regularização dessas situações.</font> </p><p><font>Em caso de mora do devedor, a integração em PERSI, segundo o artigo 39.º, n.º 1, do citado diploma, é automática, cabendo à instituição de crédito mutuante informar o cliente dessa integração nos termos do artigo 14.º, n.º 4, no prazo máximo de cinco dias após a ocorrência da mora, através de comunicação em suporte duradouro.</font> </p><p><font>As instituições bancárias passaram a ter de promover um conjunto de diligências relativamente a clientes bancários em mora ou incumprimento de obrigações decorrentes de contrato de crédito, tendo de integrá-los, </font><i><font>obrigatoriamente,</font></i><font> no PERSI (artigos 12.º e 14.º do DL n.º 272/2012).</font> </p><p><font>O PERSI caracteriza-se por comportar três fases essenciais: uma inicial, outra de avaliação e proposta, e a terceira de negociação (artigos 14.º, 15.º e 16.º, do DL n.º 227/2012), extinguindo-se este regime especial, nos termos previstos no artigo 17.º, do referido diploma.</font> </p><p><font>Nos termos do artigo 17.º (Extinção do PERSI), o PERSI extingue-se:</font> </p><p><i><font>a) Com o pagamento integral dos montantes em mora ou com a extinção, por qualquer outra causa legalmente prevista, da obrigação em causa;</font></i> </p><p><i><font>b) Com a obtenção de um acordo entre as partes com vista à regularização integral da situação de incumprimento;</font></i> </p><p><i><font>c) No 91.º dia subsequente à data de integração do cliente bancário neste procedimento, salvo se as partes acordarem, por escrito, na respetiva prorrogação; ou</font></i> </p><p><i><font>d) Com a declaração de insolvência do cliente bancário.</font></i> </p><p><i><font>2 - A instituição de crédito pode, por sua iniciativa, extinguir o PERSI sempre que:</font></i> </p><p><i><font>a) Seja realizada penhora ou decretado arresto a favor de terceiros sobre bens do devedor;</font></i> </p><p><i><font>b) Seja proferido despacho de nomeação de administrador judicial provisório, nos termos e para os efeitos do disposto na alínea a) do n.º 3 do artigo 17.º-C do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas;</font></i> </p><p><i><font>c) A instituição de crédito conclua, em resultado da avaliação desenvolvida nos termos do artigo 15.º, que o cliente bancário não dispõe de capacidade financeira para regularizar a situação de incumprimento, designadamente pela existência de ações executivas ou processos de execução fiscal instaurados contra o cliente bancário que afetem comprovada e significativamente a sua capacidade financeira e tornem inexigível a manutenção do PERSI;</font></i> </p><p><i><font>d) O cliente bancário não colabore com a instituição de crédito, nomeadamente no que respeita à prestação de informações ou à disponibilização de documentos solicitados pela instituição de crédito ao abrigo do disposto no artigo 15.º, nos prazos que aí se estabelecem, bem como na resposta atempada às propostas que lhe sejam apresentadas, nos termos definidos no artigo anterior;</font></i> </p><p><i><font>e) O cliente bancário pratique atos suscetíveis de pôr em causa os direitos ou as garantias da instituição de crédito;</font></i> </p><p><i><font>f) O cliente bancário recuse a proposta apresentada, sem prejuízo do disposto no n.º 1 do artigo anterior; ou</font></i> </p><p><i><font>g) A instituição de crédito recuse as alterações sugeridas pelo cliente bancário a proposta anteriormente apresentada, sem prejuízo do disposto no n.º 2 do artigo anterior.</font></i> </p><p><i><font>3 - A instituição de crédito informa o cliente bancário, através de comunicação em suporte duradouro, da extinção do PERSI, descrevendo o fundamento legal para essa extinção e as razões pelas quais considera inviável a manutenção deste procedimento.</font></i> </p><p><i><font>4 - A extinção do PERSI só produz efeitos após a comunicação referida no número anterior, salvo quando o fundamento de extinção for o previsto na alínea b) do n.º 1.</font></i> </p><p><i><font>5 - O Banco de Portugal define, mediante aviso, os elementos informativos que devem acompanhar a comunicação prevista no n.º 3.</font></i> </p><p><font>De acordo com o disposto nos artigos 14.º, n.º 4 e 17.º, n.º 3, do citado Decreto-lei, a integração no PERSI e a extinção do procedimento têm de ser comunicadas pela instituição de crédito ao cliente “através de comunicação em suporte duradouro”, sem prejuízo dos requisitos exigíveis quanto ao conteúdo dessas comunicações.</font> </p><p><font>Como entendeu este Supremo Tribunal de Justiça, no Acórdão de 19-05-2020 (Processo n.º 6023/15.8T8OER-A.L1.S1), «</font><i><font>2. Enquanto o mutuante não proporcionar ao devedor consumidor a oportunidade para encontrar uma solução extrajudicial, tendo em vista a renegociação ou a modificação do modo de cumprimento da dívida, não lhe é permitido o recurso à via judicial para fazer valer o seu crédito (como se extrai do art.18º daquele diploma). 3. O cumprimento prévio dos deveres impostos pelo regime do PERSI constitui um pressuposto específico da ação executiva movida por uma entidade financeira contra um devedor consumidor, cuja ausência se traduz numa exceção dilatória inominada de conhecimento oficioso que conduz à absolvição da instância</font></i><font>». No mesmo sentido se pronunciou o Acórdão deste Supremo Tribunal, de 13-04-2021 (proc. n.º 1311/19.7T8ENT-B.E1.S1) onde se exarou em sumário que </font><i><font>«A comunicação de integração no PERSI, bem como a de extinção do mesmo, constituem condição de admissibilidade da acção (declarativa ou executiva), consubstanciando a sua falta uma excepção dilatória insuprível, de conhecimento oficioso, que determina a extinção da instância (art. 576.º, n.º 2, do CPC)». </font></i> </p><p><font>Dada a integração automática do cliente-devedor em mora no PERSI, tem de se considerar que os executados estão abrangidos por este regime de regularização da dívida, que só se extingue em situações tipificadas na lei (artigo 17.º, n.º 1 e 2, do DL 272/2012. Por outro lado, a extinção só produz efeitos, de molde a permitir ao Banco propor ação executiva, se for comunicada ao cliente nos termos legalmente exigidos (artigo 17.º, n.º 3, do citado diploma). </font> </p><p><font>Ora, no caso vertente, o Banco e o cliente devedor, à data da proposição da ação executiva, encontravam-se em fase de negociação das condições do PERSI, não se tendo consumado um acordo para a regularização do pagamento. Durante a negociação do PERSI, as instituições bancárias estão vinculadas a um conjunto de deveres de conduta, entre os quais figuram os previstos no artigo 19º e 20.º, que demonstram a especial responsabilidade que o Estado pretendeu impor às instituições de crédito na gestão do PERSI, e a intenção de assim criar condições para que o cumprimento destes deveres seja fiscalizado pelo Banco de Portugal.</font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;Como reflexo desta responsabilidade bancária na condução do PERSI, o legislador estipulou que, nos termos das alíneas </font><i><font>a)</font></i><font> e </font><i><font>b)</font></i><font> do n.º 1 do artigo 18.º do DL n.º 272/2012, no período compreendido entre a data de integração do cliente bancário no PERSI e a extinção deste procedimento, a instituição de crédito está impedida de: </font><i><font>a) Resolver o contrato de crédito com fundamento em incumprimento; b) Intentar ações judiciais tendo em vista a satisfação do seu crédito.</font></i> </p><p><font>A recorrida argumenta que a alienação do imóvel, pelos executados, sem autorização e conhecimento da Caixa, constitui uma causa de extinção imediata do PERSI, ao abrigo do artigo 17.º, n.º 2, al. </font><i><font>e)</font></i><font>, do DL n.º 227/2012, por colocar em perigo a garantia, pelo que não estava impedida de intentar a ação executiva. Todavia, uma vez que a garantia do crédito é uma hipoteca, que, gozando de sequela (artigo 686.º do Código Civil), acompanha a coisa em todas as suas vicissitudes, não se pode afirmar, sem mais, que esteja em perigo a garantia, pois o devedor pode fazer-se pagar pelo valor da coisa onde quer que ela se encontre. Ademais, a lei não admite qualquer extinção automática do PERSI, exigindo o cumprimento de deveres de informação e de comunicação, que, no caso concreto, não foram cumpridos. É que, em face do n.º 3 do artigo 17.º, a instituição de crédito deve informar o cliente bancário, através de comunicação em suporte duradouro, da extinção do PERSI, descrevendo o fundamento legal para essa extinção e as razões pelas quais considera inviável a manutenção deste procedimento, o que a CGD não fez, partindo de imediato para a instauração da ação executiva.</font> </p><p><font>Assim, não constando da matéria de facto o cumprimento, pela CGD, dos deveres legalmente impostos (não foi enviada, nem rececionada pelos devedores) qualquer carta da CGD com o conteúdo legalmente exigido), não se pode afirmar ter ocorrido a extinção do PERSI. Em consequência, o Banco exequente instaurou a execução durante o período de vigência do PERSI, numa fase em que estava impedido de o fazer, por força da lei. Estão, pois, verificados os pressupostos da exceção dilatória inominada não sanável (artigos 576.º, n.ºs 1 e 2, e 577.º, ambos do CPC), aplicada pelo tribunal de 1.ª instância para declarar extinta a execução, nos termos do artigo 732.º, n.º 4, do CPC.</font> </p><p><font> </font> </p><p><b><font>4.</font></b><font> Mas será que invocando o regime do PERSI, os executados agiram em abuso do direito, uma vez que tinham já alienado o imóvel a terceiros, conforme entendeu o acórdão recorrido?</font> </p><p><font>A figura do abuso do direito tem sido utilizada como uma válvula de escape para evitar os resultados injustos que a aplicação estrita da lei pode causar. Como se refere em Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 18-12-2008 (proc. 08B2688), </font><i><font>“a figura do abuso do direito surge como um modo de adaptar o direito à evolução da vida, servindo como válvula de escape a situações que os limites apertados da lei não contemplam por forma considerada justa pela consciência social, em determinado momento histórico, ou obstando a que, observada a estrutura formal do poder conferido por lei, se excedam manifestamente os limites que devem ser observados, tendo em conta a boa fé e o sentimento de justiça em si mesmo.”</font></i> </p><p><font>Todavia, para que seja aplicado este instituto, não bastam conceções subjetivas de justiça, ou, até, que seja de facto produzida uma qualquer forma de injustiça ou de desequilíbrio entre as partes.&nbsp; </font> </p><p><font>Como se concluiu no Acórdão deste Supremo Tribunal, de 12-01-2021 (proc. n.º 2689/19.8T8GMR-B.G1.S1), </font><i><font>«I - O abuso de direito não significa uma desaplicação de normas com base numa remissão genérica para sentimentos de justiça. Os tribunais exigem a prova rigorosa dos seus elementos constitutivos e a ponderação dos valores sistemáticos em jogo, de acordo com modelos experimentados ao longo da história pelo labor da jurisprudência».</font></i> </p><p><font>No mesmo acórdão, relatado pela agora relatora, se refere que </font><i><font>“o instituto do abuso do direito tem sofrido uma forte evolução e alargamento na sua aplicação, e pressupõe um conjunto de critérios, emergentes do sistema jurídico, suscetíveis de uma aplicação rigorosa e objetiva, com base no labor jurisprudencial intenso verificado nas últimas décadas nos tribunais portugueses e o contributo da doutrina para a construção dogmática da figura</font></i><font>”. &nbsp;&nbsp;</font> </p><p><font>As raízes históricas do instituto do abuso do direito indicam que foi claro que esta figura não remetia para a consciência subjetiva do juiz ou para sentimentos individuais, fruto de sensibilidades pessoais, mas para sentimentos de justiça que pudessem ser partilhados pela generalidade das pessoas e que se reportassem à consciência social e jurídica dominante.</font> </p><p><font>Para que seja aplicado o instituto do abuso do direito, é, pois, necessário que os factos provados sejam inequívocos no sentido de demonstrarem a má fé dos executados e que o exercício do seu direito ou posição jurídica exceda o fim social e económico que constitui a sua razão de ser.</font> </p><p><font>Ora, a este respeito, entendemos que a alienação do imóvel sobre o qual incide a garantia prestada não desonera os devedores do pagamento da dívida, nem desonera a instituição bancária das suas obrigações de integração dos executados em PERSI, e de informação/comunicação da extinção do mesmo. Assim, diferentemente do acórdão recorrido, entendemos que esta alienação, desprendida de factualidade que não se encontra alegada nem provada relativa ao objetivo do negócio ou outras circunstâncias contemporâneas do mesmo indiciadoras de má fé, não paralisa o direito de os executados solicitarem a integração em PERSI e tentarem negociar as melhores condições para o pagamento da dívida.</font> </p><p><font>Para além de não haver, no caso dos autos, factualidade demonstrativa dos requisitos do abuso do direito, não se pode esquecer, como se salienta no Preâmbulo do diploma legal que prevê o PERSI, que estamos perante uma relação jurídica caraterizada por uma acentuada assimetria informativa, em que a parte mais fraca é o cliente bancário, que recorreu ao crédito. Não se pode afirmar, pois, como fez o acórdão recorrido, que incumbisse aos executados apresentar contra-propostas durante a negociação, sendo, pelo contrário, ao Banco que compete gerir o processo de negociação, podendo sempre, caso
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><br> <font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça</font><br> <p><b><font>I - Relatório</font></b><br> </p><p><b><font>1. AA</font></b><font> e </font><b><font>BB</font></b><font>, casados entre si, propuseram ação declarativa de condenação, com processo comum, contra o </font><b><font>Banco BIC Português SA,</font></b><font> formulando os seguintes pedidos:</font><br> </p><p><font>1 - Condenação do réu a pagar aos autores a quantia global de € 112.000, acrescida de juros de mora, à taxa legal, vincendos e contados desde 08.03.2018, sobre a quantia de € 100.000, até integral pagamento;</font><br> </p><p><font>2 - Subsidiariamente, declaração da nulidade de qualquer eventual contrato de adesão que o réu invoque para ter aplicado o valor de € 100.000, que os autores lhe confiaram, em "Obrigações SLN Rendimento Mais 2004", sendo declarada ineficaz em relação aos mesmos autores a aplicação que o réu tenha feito desses montantes e, em consequência, ser o réu condenado a restituir aos autores a quantia de € 112.000, respectivos juros vencidos à taxa legal e juros moratórios legais vincendos desde 08.03.2018, inclusive, sobre a quantia de € 100.000, até integral pagamento;</font><br> </p><p><font>3 - Em qualquer caso, condenação do réu a pagar aos autores a quantia de € 10.000 a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros moratórios legais vincendos contados desde a data da citação até integral pagamento.</font><br> </p><p><font>O réu contestou, invocando as exceções de incompetência territorial do tribunal e de prescrição e concluindo que a ação deve ser julgada improcedente.</font><br> </p><p><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><font>Os autores responderam às exceções suscitadas pelo réu.</font><br> </p><p><font>Foi proferido despacho saneador, no qual se julgou improcedente a exceção de incompetência territorial e se relegou para a sentença o conhecimento da exceção de prescrição. Procedeu-se à identificação do objeto do litígio e ao enunciado dos temas de prova.</font><br> </p><p><b><font>2.</font></b><font> Realizou-se a audiência final, na sequência da qual foi proferida sentença que condenou o réu a pagar aos autores a quantia de € 100.000, acrescida de juros de mora à taxa legal, calculados sobre essa quantia, desde 23.10.2014 até integral pagamento, e a quantia de € 7.000 a título de danos morais, acrescida de juros de mora, à taxa legal, calculados sobre essa quantia, desde a data da citação até integral pagamento.</font><br> </p><p><b><font>3.</font></b><font> O réu recorreu da sentença, tendo o Tribunal da Relação de Évora julgado o recurso improcedente e confirmado a sentença do tribunal de 1.ª instância.</font><br> </p><p><b><font>4.</font></b><font> Novamente inconformado, o réu interpôs recurso de revista excecional, ao abrigo do artigo 672.º, n.º 1, do CPC, que foi admitido pela Formação a que se refere o n.º 3 do artigo 672.º do CPC.</font><br> </p><p><b><font>5. </font></b><font>Na sua alegação de recurso, à qual juntou dois pareceres jurídicos, formulou, para o que aqui releva, as seguintes conclusões:</font><br> </p><p><font>«1. A decisão recorrida vem condenar o Banco R. por responsabilidade civil na qualidade de intermediário financeiro, por violação do dever de informação aquando da colocação de instrumento financeiro obrigacionista junto dos Autores.</font><br> </p><p><font>2. Para tanto, o douto aresto dá por verificado o cumprimento dos pressupostos gerais da responsabilidade civil, e concretamente a ilicitude – que identifica com a dita falsidade/omissão de informação –, a culpa – que se presume nos termos gerais do art.799.º do Código Civil e art.314.º do Código dos Valores Mobiliários –, e o dano – correspondente ao valor da prestação não cumprida pela entidade emitente.</font><br> </p><p><font>3. Já no respeitante ao nexo de causalidade, o douto acórdão, caracterizando esta como uma responsabilidade contratual, limita-se a apreciar sumariamente toda a questão em torno do procedimento informativo.</font><br> </p><p><font>4. Ignorando por completo elementos fulcrais para o justo desfecho da causa, tais como a circunstância de aos Autores terem sido remetidos, periodicamente e ao longo de vários anos, os extratos bancários relativos à carteira de títulos destes.</font><br> </p><p><font>5. Extratos estes onde apareciam todos os produtos financeiros detidos pelos Autores, bem como os proveitos obtidos em função dos mesmos, devidamente identificados e separados entre si.</font><br> </p><p><font>6. Tendo, assim, ao longo de vários anos os Autores recolhido o valor de juros remuneratórios associado às obrigações subscritas, sem nunca de tal terem reclamado.</font><br> </p><p><font>7. Posteriormente, sem qualquer alicerce na prova e apenas com base num mero raciocínio judiciário, determinou o Tribunal da Relação que não fosse a suposta violação do dever de informação, quer quanto à omissão de informação, quer quanto à prestação de informação falsa, e os Autores nunca teriam subscrito tais obrigações.</font><br> </p><p><font>8. Ao percorrer tal caminho, optou o mui douto Tribunal da Relação por não considerar determinados elementos, tanto factuais como jurídicos – e que são merecedores de maior atenção –, proferindo uma decisão que, do ponto de vista jurídico, não pode ser tida como aceitável. </font><br> </p><p><font>9. No que concerne ao nexo de causalidade, incorreu o douto Tribunal da Relação por um caminho que tanto tem de simplista como de temerário, pois que, ao considerar a verificação do elemento do nexo causal nos termos em que o fez, decidiu sem que qualquer prova sobre o mesmo tivesse sido apresentada e produzida pelos Autores, acabando, ainda, o Tribunal Recorrido por não expor os devidos fundamentos e percurso cognoscitivo que o terão levado a decidir em tal sentido.</font><br> </p><p><font>Ora,</font><br> </p><p><font>10. Do texto do art.799.º, n.º 1 do Código Civil não resulta qualquer presunção de causalidade. E, de resto, nos termos do disposto no art.344º do Código Civil, a inversão de ónus depende de presunção, ou outra previsão, expressa da lei.</font><br> </p><p><font>11. Além do mais, sempre importa recordar que nunca tal solução seria adequada aos casos de incumprimento de prestações contratuais acessórias, apesar de cumprida a prestação principal – como se crê ser o caso.</font><br> </p><p><font>12. Para o efeito, prestação principal será aquela que é típica de um contrato, que o define enquanto figura contratual.</font><br> </p><p><font>13. No âmbito do contrato de intermediação financeira de receção e transmissão de ordens por conta de outrem, a prestação principal não pode deixar de ser reconduzida, só e apenas, à boa receção da ordem e consequente transmissão, a fim de ser executada perante o terceiro nos termos ordenados.</font><br> </p><p><font>Assim,</font><br> </p><p><font>14. A prestação de informação exaustiva, suficiente e clara sobre o produto em causa, prestada no âmbito da atividade intermediação financeira, sempre constituirá já uma prestação secundária daquela atividade, destinada a complementar ou tornar perfeito o cumprimento da prestação principal – mas que nunca se pode confundir com esta!</font><br> </p><p><font>15. De todo o modo, no âmbito da responsabilidade contratual, presumindo-se a culpa, caberá a quem alega o direito demonstrar a ilicitude, o nexo causal e o dano, que em caso algum se presumem – </font><i><font>in casu</font></i><font>, não foi sequer devidamente sustentado o elemento do nexo causal. </font><br> </p><p><font>Acresce que,</font><br> </p><p><font>16. Estando perante uma situação em que se configura existir dois contratos distintos e autónomos entre si: (i) contrato de intermediação financeira, e (ii) contrato de empréstimo obrigacionista entre os Autores e entidade terceira.</font><br> </p><p><font>17. Quando deparados com a invocação de um incumprimento contratual por parte dos Autores, entende-se, nesta sede, que o resultado relevante será o referente ao reembolso do investimento efetuado.</font><br> </p><p><font>18. Porém, neste caso, estamos perante uma falta de resultado no âmbito da subscrição obrigacionista, e não no âmbito do contrato de intermediação financeira –aliás, há muito cumprido.</font><br> </p><p><font>19. Pelo que, nunca pode a falta do resultado normativamente prefigurado de um contrato desencadear a responsabilização contratual no âmbito de um outro contrato, ainda para mais no caso de este ter sido cumprido.</font><br> </p><p><font>20. Quer isto dizer que, não bastará a mera invocação do incumprimento no seio do contrato de empréstimo obrigacionista para se apurar a responsabilidade do intermediário financeiro.</font><br> </p><p><font>Deste modo,</font><br> </p><p><font>21. Em sede de responsabilidade contratual, presumindo-se a culpa, sempre caberá a quem alega o direito demonstrar a ilicitude, o nexo causal e o dano, o que de todo não se verificou no caso concreto.</font><br> </p><p><font>De facto,</font><br> </p><p><font>22. A prestação de informação falsa (ou a omissão de informação) está umbilicalmente ligada ao regime do erro, no que ao nexo de causalidade diz respeito.</font><br> </p><p><font>Assim,</font><br> </p><p><font>23.&nbsp; Num primeiro momento, é indispensável que o investidor prove que, sem violação do dever de informação, não teria celebrado qualquer negócio, ou celebraria um negócio diferente daquele que celebrou. Num segundo momento, é necessário lograr fazer prova de que aquele concreto negócio produziu um dano. Por fim, e num terceiro momento, é necessário provar que esse negócio foi causa adequada daquele dano, segundo um juízo de prognose póstuma objetiva ao tempo dos factos.</font><br> </p><p><font>24. E nada disto foi, no nosso mais humilde entender, feito!</font><br> </p><p><font>25. Nestes termos, ou os Autores alegavam e provavam que se tivesse sido cumprido o dever de informação, não teriam realizado o investimento, ou, então, tem que suportar as consequências de um investimento que se veio a tornar ruinoso, pois não há forma de, pela responsabilidade, corrigir a titularidade do risco.</font><br> </p><p><font>26. O Tribunal a quo violou, portanto, por errónea interpretação e aplicação, o disposto nos arts. 563.º e 799.º do Código Civil.</font><br> </p><p><font>Em todo o caso,</font><br> </p><p><font>27. Dever-se-á concluir estarmos perante um caso em que será admissível a interposição de Recurso de Revista Excecional, nos termos do disposto no artigo 672º, número 1, alíneas a), b) e c), do Código de Processo Civil, com fundamento na violação da lei substantiva, com base em erro de julgamento na aplicação de direito, nos termos do artigo 674º, número 1, alínea a) do Código de Processo Civil.</font><br> </p><p><font>TERMOS EM QUE SE CONCLUI PELA PROCEDÊNCIA DO PRESENTE RECURSO E POR VIA DELE PELA REVOGAÇÃO DA DECISÃO RECORRIDA, E SUA SUBSTITUIÇÃO POR OUTRAQUEABSOLVAO RÉU DO PEDIDO, ASSIM SE FAZENDO INTEIRA E SÃ JUSTIÇA».</font><br> </p><p><font> </font> </p><p><b><font>6.</font></b><font> Os recorridos apresentaram contra-alegações nas quais pugnam pela manutenção do decidido. </font> </p><p><font> </font> </p><p><b><font>7.</font></b><font> As conclusões das alegações de recurso delimitam o respetivo objeto de acordo com o disposto nos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, nº 1, ambos do CPC, sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (artigos 608.º, n.º 2 e 663.º, n.º 2, ambos do CPC), não havendo lugar à apreciação de questões cuja análise se torne prejudicada pelo tratamento dado a outras questões (artigos 608.º, n.º 2, e 663.º, n.º 2, do CPC).</font><br> </p><p><font>Em consequência, as questões suscitadas pelo recorrente e que importa apreciar e decidir são os pressupostos da responsabilidade civil do Banco enquanto intermediário financeiro, designadamente a ilicitude e o nexo de causalidade entre o facto e o dano.</font><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><font>Cumpre decidir.</font><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><b><font>II – Fundamentação</font></b><br> </p><p><b><font>A - Os factos</font></b><br> </p><p><b><font>Foram julgados provados os seguintes factos:</font></b><br> </p><p><font>1. O banco réu, até 2012 denominado BPN - Banco Português de Negócios, S.A. e daí em diante com a actual denominação, dedicava-se e dedica-se ao exercício da actividade bancária com intuitos lucrativos.</font><br> </p><p><font>2. Os autores eram e são clientes da agência de ... do banco réu, com a conta n.° ...01, na qual movimentam, tanto a crédito, como a débito, parte do seu dinheiro e possuem as suas poupanças.</font><br> </p><p><font>3. Através daquela conta os autores subscreveram duas Obrigações SLN Rendimento Mais 2004, no montante de € 50.000 (cinquenta mil euros) cada uma, perfazendo o total de € 100.000 (cem mil euros), cujo reembolso deveria ter ocorrido em data não concretamente apurada do mês de Outubro de 2014, o que não se verificou, nem naquela data, nem até hoje.</font><br> </p><p><font>4. As Obrigações SLN Rendimento Mais 2004 foram emitidas pela "SLN, SGPS, S.A.", sociedade titular de 100% do capital social do BPN, participação que deteve de forma permanente até Novembro de 2008, altura em que foi nacionalizado.</font><br> </p><p><font>5. Em data não concretamente apurada do mês de Outubro de 2004, mas que se situa entre o dia 11 e o dia 22, o gestor de cliente na agência de ... do banco réu, CC, disse ao autor marido que tinha uma aplicação em tudo semelhante a um depósito a prazo, com capital garantido pelo banco e com rentabilidade assegurada.</font><br> </p><p><font>6. O gestor de cliente da agência de ... do banco réu, CC, sabia que o autor marido era uma pessoa que não possuía qualificações ou formação técnica que lhe permitisse saber os vários tipos de produtos financeiros e avaliar os riscos de cada um deles.</font><br> </p><p><font>7. Motivos pelos quais sempre havia aplicado as suas poupanças em depósitos a prazo.</font><br> </p><p><font>8. O autor marido é reformado por invalidez e emigrante há várias décadas em ....</font><br> </p><p><font>9. Em data não concretamente apurada do mês de Outubro de 2004, mas que se situa entre o dia 11 e o dia 22, o autor marido aplicou a quantia de € 100.000, de que era titular juntamente com a autora, em Obrigações SLN Rendimento Mais 2004, sem que soubesse concretamente em que consistia tal produto financeiro.</font><br> </p><p><font>10. O autor apenas autorizou a realização da aplicação porque o seu gestor de cliente na agência de ... do banco réu lhe disse que o capital era garantido pelo mesmo banco, que os juros eram pagos semestralmente e que podia dispor total ou parcialmente do capital e/ou juros quando entendesse, bastando avisar a agência.</font><br> </p><p><font>11. O autor marido agiu convicto de que estava a colocar o seu dinheiro numa aplicação segura em tudo semelhante a um depósito a prazo, cuja responsabilidade de reembolso era exclusivamente do banco réu.</font><br> </p><p><font>12. Se o autor marido tivesse percebido que poderia estar a dar ordem de compra de Obrigações SLN Rendimento Mais 2004, produto financeiro de risco em que o capital não era garantido pelo banco réu, jamais o teria autorizado.</font><br> </p><p><font>13. Nunca foi intenção do autor marido investir em produtos financeiros de risco, o que era do conhecimento do gestor de cliente na agência de ... do banco réu, estando o autor convicto de que aquele lhe restituiria o capital logo que o solicitasse.</font><br> </p><p><font>14. O gestor de clientes na agência de ... do banco réu assegurou ao autor que a aplicação que iria realizar tinha a mesma garantia que um depósito a prazo.</font><br> </p><p><font>15. Donde a convicção do autor na segurança da aplicação cujos juros foram sendo semestralmente pagos, o que reforçou tal convicção e crença naquilo que lhe havia sido dito pelo gestor de clientes na agência de ... do banco réu, situação que se manteve até o banco réu deixar de pagar os respetivos juros.</font><br> </p><p><font>16. A direção comercial do banco réu, anterior BPN, e os seus comerciais repetiam junto dos seus clientes, como fizeram com o autor marido, que se tratava de um investimento sólido, rentável e sem qualquer risco porque o banco garantia o reembolso do capital investido e dos juros.</font><br> </p><p><font>17. O banco réu pretendia que os seus funcionários tivessem especial empenho na colocação destes produtos financeiros e passassem a ideia de que aos mesmos não estavam associados quaisquer riscos quanto ao reembolso do capital e/ou juros, o que era garantido pelo próprio banco.</font><br> </p><p><font>18. O gestor de clientes na agência de ..., CC, que lidava com o autor, sabia que este nunca havia em qualquer produto diverso de depósitos a prazo e nunca havia comprado ou vendido obrigações.</font><br> </p><p><font>19. No mês seguinte ao da operação o autor recebeu por correio, em casa, um aviso de débito correspondente à subscrição efetuada, como também foi recebendo, desde então, um extrato periódico onde lhe aparecia essa obrigação como integrando a sua carteira de títulos.</font><br> </p><p><font>20. Da mesma forma, quando eram creditados em conta os juros relativos aos cupões das obrigações, originava igualmente o competente registo nos seus extratos e até a emissão de avisos de lançamento que lhe eram enviados para casa.</font><br> </p><p><font>21. Na data do vencimento, o banco réu não restituiu ao autor o montante de € 100.000 que este lhe havia confiado.</font><br> </p><p><font>22. A atitude do banco réu causou e continua a causar aos autores grande preocupação e ansiedade, com medo de não saber se e quando vão recuperar o seu dinheiro, bem como lhes acarretou tristeza uma vez que contavam com aquelas poupanças para poder passar uma velhice mais descansada e livre de preocupações económicas.</font><br> </p><p><b><font>As instâncias julgaram não provados os seguintes factos:</font></b><br> </p><p><font>1. O banco réu logrou recolher a assinatura do autor marido num "papel" que terá sido preenchido pelo gestor de clientes da agência de ... sendo que a autora mulher nada assinou desconhecendo em absoluto a forma como foram adquiridas as Obrigações SLN Rendimento Mais 2004.</font><br> </p><p><font>2. O investimento efetuado em Obrigações SLN Rendimento Mais 2004 era um investimento seguro e não um investimento em qualquer "produto de risco".</font><br> </p><p><font>3. Nesse momento não havia qualquer indicação de que a emissão pudesse vir a não ser paga ou qualquer ideia sobre o risco de insolvência do emitente.</font><br> </p><p><font>4. Nunca o banco réu, através dos seus colaboradores, transmitiu aos seus clientes que garantia a emissão, até porque esse era um problema que não era sequer colocado pelos clientes ou imaginado pelos colaboradores.</font><br> </p><p><font>5. O produto foi sempre apresentado com a obrigação de entrega do capital e dos juros ser da única e exclusiva responsabilidade da entidade emitente e não da entidade colocadora banco.</font><br> </p><p><font>6. O banco réu, na pessoa dos seus funcionários, agiu de acordo com a vontade do autor marido.</font><br> </p><p><font>7. O autor marido foi sempre uma pessoa informada, consciente, cuidadosa, que sempre investiu em produtos diferentes dos "normais" depósitos a prazo, como é o caso dos fundos de investimento.</font><br> </p><p><font>8. O banco réu, tal qual estava obrigado, prestou ao autor informação completa, verdadeira, atual, clara, objetiva e lícita, quanto às obrigações por ele subscritas.</font><br> </p><p><font>9. No momento da subscrição, o banco réu informou o autor marido de que as obrigações eram emitidas pela sociedade que detinha o banco réu - a SLN, Sociedade Lusa de Negócios, SGPS, S.A.</font><br> </p><p><font>10. E que o reembolso antecipado da emissão só era possível por iniciativa da SLN, Sociedade Lusa de Negócios, SGPS, S.A., a partir do quinto ano e sujeito a acordo prévio do Banco de Portugal.</font><br> </p><p><font>11. O autor marido foi, ainda, informado que a única forma do investidor liquidar este produto de forma unilateral seria transmitindo as suas obrigações a um terceiro interessado, mediante endosso.</font><br> </p><p><font>12. O banco réu cumpriu então com todos os seus deveres de informação, designadamente informando o autor marido sobre todos os elementos que constavam da nota informativa do produto, que ademais se encontrava disponível para consulta pelo mesmo.</font><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><b><font>B – O Direito</font></b><br> </p><p><b><font>1.</font></b><font> Sendo as questões a decidir em tudo semelhantes às que foram objeto do Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 8/2022, proferido no Processo n.º 1479/16.4T8LRA.C2.S1-A (publicado em </font><i><font>Diário da República,</font></i><font> I .ª Série, N.º 212, 3 de novembro de 2022, pp. 10 e seguintes), haverá apenas que verificar se o acórdão recorrido solucionou as questões de direito relativas à ilicitude e ao nexo causal entre o facto e o dano de forma compatível com o estipulado no AUJ, que fixou a seguinte orientação:</font><br> </p><p><i><font>«1. No âmbito da responsabilidade civil pré-contratual ou contratual do intermediário financeiro, nos termos dos artigos 7.º, nº 1, 312º nº 1, alínea a), e 314º do Código dos Valores Mobiliários, na redação anterior à introduzida pelo Decreto-Lei n.º 357-A/2007, de 31 de outubro, e 342.º, nº 1, do Código Civil, incumbe ao investidor, mesmo quando seja não qualificado, o ónus de provar a violação pelo intermediário financeiro dos deveres de informação que a este são legalmente impostos e o nexo de causalidade entre a violação do dever de informação e o dano.</font></i><br> </p><p><i><font>2. Se o Banco, intermediário financeiro – que sugeriu a subscrição de obrigações subordinadas pelo prazo de maturidade de 10 anos a um cliente que não tinha conhecimentos para avaliar o risco daquele produto financeiro nem pretendia aplicar o seu dinheiro em “produtos de risco” – informou apenas o cliente, relativamente ao risco do produto, que o “reembolso do capital era garantido (porquanto não era produto de risco”), sem outras explicações, nomeadamente, o que eram obrigações subordinadas, não cumpre o dever de informação aludido no artigo 7.º, n.º1, do CVM. </font></i><br> </p><p><i><font>3. O nexo de causalidade deve ser determinado com base na falta ou inexatidão, imputável ao intermediário financeiro, da informação necessária para a decisão de investir.</font></i><br> </p><p><i><font>4. Para estabelecer o nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação, por parte do intermediário financeiro, e o dano decorrente da decisão de investir, incumbe ao investidor provar que a prestação da informação devida o levaria a não tomar a decisão de investir». &nbsp;</font></i><br> </p><p><br> </p><p><b><font>2.</font></b><font> Esta é a solução que resulta da circunstância de o acórdão de uniformização de jurisprudência, apesar de não gozar do caráter vinculativo das fontes de direito, constituir um </font><i><font>“precedente judiciário qualificado” </font></i><font>(cfr. Castro Mendes/Teixeira de Sousa,</font><i><font> Manual de Processo Civil, </font></i><font>Volume II, AAFDL Editora, Lisboa, p. 201)</font><i><font>,</font></i><font> dotado de especial força de persuasão, conforme se deduz do regime do artigo 629.º, n.º 2, al. </font><i><font>c),</font></i><font> do CPC, preceito segundo o qual é sempre admissível interpor recurso contra qualquer decisão que contrarie a jurisprudência uniformizada pelo Supremo Tribunal de Justiça. </font><br> </p><p><font>Apesar de não estarmos, rigorosamente, perante um precedente judiciário em relação ao acórdão recorrido, que foi proferido antes do AUJ n.º 8/2022, há que considerar que o presente processo esteve com a instância suspensa a fim de lhe ser aplicada a orientação que viesse a ser fixada no AUJ a proferir no processo n.º1479/16.4T8LRA.C2.S1-A, pelo que estamos, num sentido substancial, perante uma decisão uniformizadora dotada de uma força especial de persuasão.</font><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><b><font>3.</font></b><font> Inexiste controvérsia relativamente à qualificação da relação jurídica que se estabeleceu entre o recorrente e o recorrido como sendo de intermediação financeira. </font><br> </p><p><font>Está apenas em causa saber se o Banco, na qualidade em que interveio na subscrição das "Obrigações SLN Rendimento Mais 2004", isto é, de intermediário financeiro, incorreu em responsabilidade civil. Mais precisamente, importa determinar&nbsp; se o recorrente violou culposamente os deveres que a lei põe a cargo do intermediário financeiro em matéria de prestação de informação ao subscritor, a qualificação dessa culpa, a verificação de um prejuízo na esfera do subscritor e a indagação da existência de um nexo de causalidade entre a referida violação de deveres e o prejuízo ocorrido.</font><br> </p><p><i><font> </font></i><br> </p><p><b><font>4.</font></b><font> </font><b><font>Primeira questão</font></b><font>: saber se o acórdão recorrido decidiu de modo conforme ao AUJ n.º 8/2022, quando considerou que o Banco violou culposamente os deveres de informação que sobre si impendiam.</font><br> </p><p><font>As obrigações SLN em litígio foram subscritas no domínio de vigência do Código de Valores Mobiliários, na redação dada pelo Decreto-Lei nº 486/99, de 13 de novembro.</font><br> </p><p><font>Para a determinação dos deveres de informação a cargo do intermediário financeiro e das consequências jurídicas da sua violação, importa atentar no disposto nos artigos 7.°, n.° 1, 304.°, 312.° e 314.° do Código dos Valores Mobiliários (CVM). </font><br> </p><p><font>Uma vez que estamos perante factos ocorridos em 2004, teremos em consideração a redação dos referidos preceitos legais então vigentes interpretados à luz da orientação fixada no AUJ n.º 8/2022. </font><br> </p><p><font>O artigo 7.º do CVM dispõe o seguinte:&nbsp; </font> </p><p><font>1- A informação respeitante a instrumentos financeiros, a formas organizadas de negociação, às atividades de intermediação financeira, à liquidação e à compensação de operações, a ofertas públicas de valores mobiliários e a emitentes deve ser completa, verdadeira, atual, clara, objetiva e lícita.</font> </p><p><font>2 – O disposto no número anterior aplica-se seja qual for o meio de divulgação e ainda que a informação seja inserida em conselho, recomendação, mensagem publicitária ou relatório de notação de risco.</font> </p><p><font>3 – O requisito da completude da informação é aferido em função do meio utilizado, podendo, nas mensagens publicitárias, ser substituído por remissão para documento acessível aos destinatários.</font> </p><p><font>4 – À publicidade relativa a instrumentos financeiros e a atividades reguladas no presente Código é aplicável o regime geral da publicidade.</font> </p><p> </p><p><font>Por sua vez, o artigo 304º, sob a epígrafe (Princípios), estabelece que:</font> </p><p><font>1- Os intermediários financeiros devem orientar a sua atividade no sentido da proteção dos legítimos interesses dos seus clientes e da eficiência do mercado.</font> </p><p><font>2- Nas relações com todos os intervenientes no mercado, os intermediários financeiros devem observar os ditames da boa fé, de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência.</font> </p><p><font>3 - Na medida do que for necessário para o cumprimento dos seus deveres, o intermediário financeiro deve informar-se sobre a situação financeira dos clientes, a sua experiência em matéria de investimentos e os objectivos que prosseguem através dos serviços a prestar. </font> </p><p><font>(…)»</font><br> </p><p><font>O artigo 309º (Conflito de interesses) preceitua o seguinte:</font> </p><p><font>1 - O intermediário financeiro deve organizar-se e actuar de modo a evitar ou a reduzir ao mínimo o risco de conflito de interesses.</font> </p><p><font>2 - Em situação de conflito de interesses, o intermediário financeiro deve agir por forma a assegurar aos seus clientes um tratamento transparente e equitativo.</font> </p><p><font>3 - O intermediário financeiro deve dar prevalência aos interesses dos clientes, tanto em relação aos seus próprios interesses ou de empresas com as quais se encontra em relação de domínio ou de grupo, como em relação aos interesses dos titulares dos seus órgãos sociais e dos seus trabalhadores.</font> </p><p><font>4 – (…).</font><br> </p><p><font>E o artigo 310°, sob a epígrafe (Intermediação excessiva), dispõe no seu nº 1 que:</font> </p><p><font>«1 – O intermediário financeiro deve abster-se de incitar os seus clientes a efetuar operações repetidas sobre valores mobiliários ou de as realizar por conta deles, quando tais operações tenham como fim principal a cobrança de comissões ou outro objectivo estranho aos interesses do cliente».</font><br> </p><p><font>Deve ainda o intermediário financeiro, em especial, prestar informações que envolvam os </font><i><font>“riscos especiais envolvidos pelas operações a realizar”,</font></i><font> sendo que a </font><i><font>“extensão e a profundidade da informação devem ser tanto maiores quanto menor for o grau de conhecimentos e de experiência do cliente”</font></i><font> (artigo 312.º, n.º 1, al. a) e n.º 2).</font><br> </p><p><font>No artigo 314.º do CVM estabelece-se a responsabilidade do intermediário financeiro em consequência da violação de deveres respeitantes ao exercício da sua atividade, que lhes sejam impostos por lei ou regulamento emanado de autoridade pública: </font><i><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; &nbsp;</font></i> </p><p><font>«1. Os intermediários financeiros são obrigados a indemnizar os danos causados a qualquer pessoa em consequência da violação de deveres respeitantes ao exercício da sua atividade, que lhes sejam impostos por lei ou por regulamento emanado de autoridade pública.</font> </p><p><font>2. A culpa do intermediário financeiro presume-se quando o dano seja causado no âmbito de relações contratuais ou pré-contratuais e, em qualquer caso, quando seja originado pela violação de deveres de informação».</font><br> </p><p><b><font>5. </font></b><font>Para além das normas específicas do regime do CVM são ainda convocadas as disposições do Código Civil relativas à responsabilidade civil, na medida em que não tenham sido expressamente afastadas por aqueles preceitos.</font><br> </p><p><font>Os requisitos da responsabilidade civil, quer pré-contratual quer contratual, são os previstos no artigo 798.º do Código Civil: o facto voluntário, enquanto comportamento dominável pela vontade, que pode revestir a forma da ação ou da omissão; a ilicitude, ou seja, a desconformidade entre a conduta devida e o comportamento do intermediário financeiro, traduzindo-se na inexecução da obrigação para com o cliente (investidor); no caso da responsabilidade pré-contratual, a ilicitude consiste na violação de algum dos deveres de boa-fé contratual, como o dever de informação, o dever de lealdade e o dever de diligência; a culpa, a qual se presume nos termos do n.º 1 do artigo 799.º do Código Civil; o dano (artigo 562 do Código Civil) e o nexo de causalidade entre o facto e o dano (artigo 563.º do Código Civil)</font><br> </p><p><b><font>6.</font></b><font> Com o AUJ n.º 8/2022, ficou claro que não existem presunções legais de ilicitude nem de causalidade, cabendo ao investidor o ónus da prova da violação do dever de informação e do nexo causal entre o facto e o dano. </font><br> </p><p><b><font>7.</font></b><font> Quanto ao conteúdo e alcance do dever de informação a cargo do intermediário financeiro, o AUJ n.º 8/2022 atribui-lhe um sentido amplo, que abrange a explicação sobre as caraterísticas do produto financeiro e os seus riscos, com a consequência de, se o intermediário financeiro não informar investidores-clientes não profissionais sobre o risco, que, em abstrato, podem vir a suportar por força do incumprimento do emitente (</font><i><font>maxime</font></i><font> em virtude de insolvência) de obrigações (</font><i><font>maxime</font></i><font> subordinadas), viola os deveres legais de informação que sobre si impendem, designadamente nos termos do artigo 312.º, n.º 1, al</font><i><font>. e),</font></i><font> do CVM. Ou seja, conforme se conclui no segmento uniformizador, «</font><i><font>2. Se o Banco, intermediário financeiro – que sugeriu a subscrição de obrigações subordinadas pelo prazo de maturidade de 10 anos a um cliente que não tinha conhecimentos para ava
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><br> <font> </font> <p><b><font>1.</font></b><font> </font><b><font>AA</font></b><font> e </font><b><font>BB</font></b><font> intentaram no Tribunal Judicial da Comarca ... - Juízo Central Cível ... a presente ação sob a forma de processo comum contra </font><b><font>CC</font></b><font> e </font><b><font>Mapfre Seguros Gerais, S.A.</font></b><font>, pedindo a condenação solidária dos réus a pagarem-lhes €575.000,00. </font> </p><p><font>Para tanto, alegaram, em síntese, que na sequência do assassínio do marido e pai das autoras, respetivamente, constituíram o réu CC como seu advogado, tendo em vista a obtenção de uma indemnização no processo-crime. Findo o processo, decorridos vários anos, e após desculpas várias do referido advogado, consultaram o processo e verificaram que nenhum pedido de indemnização, por adesão ou autonomamente, foi deduzido. De igual forma, o mesmo advogado interveio como mandatário das autoras no âmbito de um processo cível, o qual veio a ser julgado deserto face à não dedução de habilitação de herdeiros.</font> </p><p><font>Ou seja, o referido réu foi ludibriando as autoras com a falsa indicação de que os processos estavam a ser tratados quando, na realidade, haviam já findado sem que o referido réu praticasse os atos processuais tendentes ao deferimento da pretensão das autoras.</font> </p><p><font>Com a morte do marido e pai das autoras, único sustento do agregado familiar, estas ficaram em precária situação económica, só conseguindo sobreviver com a ajuda da família. A não dedução do pedido de indemnização no âmbito do processo cível impediu o reconhecimento judicial da obtenção de uma indemnização de €540.000,00. </font> </p><p><font>A segunda ré seguradora foi demandada face à circunstância de a mesma garantir o pagamento de indemnizações devidas pelo seu segurado advogado, conforme contrato de seguro de responsabilidade civil. </font> </p><p><font> </font> </p><p><b><font>2.</font></b><font> Pessoal e regularmente citado, o réu, </font><b><font>CC,</font></b><font> não apresentou contestação. </font> </p><p><font> </font> </p><p><b><font>3.</font></b><font> A ré </font><b><font>Mapfre Seguros Gerais, S.A.,</font></b><font> veio contestar pedindo a improcedência da ação, todavia, caso se venha a fixar indemnização às autoras, se reconheça desde já o seu direito de regresso contra o co-réu.</font> </p><p><font>Alegou para tanto que o contrato entre si celebrado e a Ordem dos Advogados teve data de início em 1 de janeiro de 2014, com um limite indemnizatório máximo de €150.000,00 e com uma franquia a cargo do segurado no valor de €5.000,00 por sinistro.</font> </p><p><font>Alegou ainda que a conduta do réu, alegadamente geradora de responsabilidade, ocorreu pelo menos em 2010, tendo o réu conhecimento, pelo menos desde esta data, dos factos que poderiam conduzir à sua responsabilização. Tal facto determina que o presente sinistro se encontre excluído das coberturas da apólice. </font> </p><p><font>Alegou ainda que não se encontra precludida a possibilidade de as autoras reclamarem judicialmente os pretensos danos e prejuízos contra os responsáveis pela prática dos actos descritos nos autos de processo-crime, nomeadamente quanto à autora BB.</font> </p><p><font> </font> </p><p><b><font>4.</font></b><font> Foi elaborado despacho saneador, fixado o objeto do processo e os temas da prova. Procedeu-se à realização de julgamento com observância do formalismo legal aplicável, após o que foi proferida sentença de onde consta: </font> </p><p><i><font>“Pelo exposto, considero parcialmente procedente a presente acção e condeno o réu CC a pagar à autora AA a quantia de vinte cinco mil euros, condenando solidariamente a ré Mapfre Seguros Gerais, S.A., a pagar tal quantia até ao limite de vinte mil euros. (…)”.</font></i><font> </font> </p><p><font> </font> </p><p><b><font>5.</font></b><font> Inconformadas com tal decisão, dela vieram as autoras recorrer de apelação pedindo a revogação da sentença e sua substituição por outra que condene os réus no pagamento de uma indemnização pela perda de chance. </font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Inconformados, o réu e a companhia de seguros interpõem também recurso de apelação.</font> </p><p><font> </font> </p><p><b><font>6.</font></b><font> O Tribunal da Relação decidiu julgar as apelações totalmente improcedentes, confirmando a decisão recorrida. </font> </p><p><font> </font> </p><p><b><font>7. AA e BB</font></b><font>, AA. nos presentes autos, vêm interpor recurso de revista excecional do Acórdão proferido em 27/10/2020, na parte em que se julgou totalmente improcedente o Recurso de Apelação interposto pelas AA., formulando, na sua alegação de recurso, as seguintes conclusões: </font> </p><p><b><font>«Dos fundamentos específicos da recorribilidade:</font></b><font> </font> </p><p><font>1) O presente recurso é interposto como de Revista Excecional, nos termos previstos no art. 672º, n.º 1, do CPC. </font> </p><p><font>2) O presente recurso é admissível porquanto estão em causa questões cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito. </font> </p><p><font>3) Tais questões são a “perda de chance” e a aplicação do “princípio de adesão” consagrado no art. 71º, do CPP, e a aplicação da exceção a tal princípio prevista na al. d), do n.º 1, do art. 72º, do CPP. </font> </p><p><font>4) É ainda admissível o presente recurso de Revista Excecional por estar em causa interesse de particular relevância social, como seja o direito a indemnização por perda de chance decorrente da não dedução, por mandatário advogado, de pedido de indemnização civil no processo penal respetivo, no qual estava em causa um homicídio. </font> </p><p><font>5) Constituem estes, os fundamentos específicos da recorribilidade do Acórdão da Relação ..., sob impugnação. </font> </p><p><font> </font> </p><p><b><font>Dos fundamentos do recurso: </font></b><font> </font> </p><p><font>6) O pedido de indemnização civil fundado na prática de um crime tem de ser deduzido no processo penal respetivo, em obediência ao princípio da adesão consagrado no art. 71º, do CPP, só o podendo ser em separado, perante o tribunal civil, nos casos previstos na lei. </font> </p><p><font>7) Estando em causa um crime de homicídio, os danos resultantes desse crime produzem-se imediatamente no momento da sua prática e são desde logo conhecidos em toda a sua extensão.</font> </p><p><font>8) Num crime de homicídio não existem danos que só posteriormente se venham a produzir, a conhecer, ou a conhecerem toda a sua extensão. Todos os danos</font><i><font>, maxime</font></i><font> a perda do direito à vida, ocorrem e cristalizam-se no momento do homicídio. </font> </p><p><font>9) A possibilidade de dedução do pedido de indemnização civil fundado na prática de um crime poder ser feita em separado, perante o tribunal civil, tem de ser aferida em concreto e não em abstrato. </font> </p><p><font>10) Em concreto, nos presentes autos, o pedido de indemnização civil fundado na prática de um crime de homicídio, não pode ser deduzido em separado, perante tribunal civil com fundamento no disposto na al. d), do n.º 1, do art. 72º do CPP, por não ser possível não haver ainda danos ao tempo da acusação, estes não serem conhecidos ou não serem conhecidos em toda a sua extensão. </font> </p><p><font>11) Nem, em abstrato, é possível configurar que, estando em causa um crime de homicídio, possam existir danos que só se verifiquem, sejam conhecidos ou sejam conhecidos em toda a sua extensão após o crime. </font> </p><p><font>12) Quando muito, o que pode acontecer é que não existam elementos bastantes para fixar a indemnização. Mas neste caso, não se está perante uma situação de desconhecimento dos danos mas de falta de elementos para a sua liquidação. </font> </p><p><font>13) Nesta situação, em obediência ao princípio da adesão, o pedido de indemnização civil fundado na prática do crime é deduzido no processo penal respetivo (art. 71º, do CPP), devendo o tribunal condenar no que se liquidar em execução de sentença (art. 82º, n.º 1, do CPP). </font> </p><p><font>14) Doutra forma, se a falta de elementos bastantes para fixar a indemnização fosse considerada como desconhecimento da extensão dos danos, em bom rigor, tal serviria para afastar o princípio da adesão, passando a ser opção, e esvaziava-se o preceituado no art. 82º, do CPP, que deixava de ter sentido e aplicação prática. </font> </p><p><font>15) O Tribunal recorrido errou ao aferir, em abstrato, a possibilidade de dedução em separado do pedido de indemnização civil fundado na prática de um crime, ao abrigo do disposto no art. 72º, n.º 1, al. d), do CPP, quando o deveria ter feito em termos concretos, tendo em consideração os factos provados nos presentes autos, designadamente o de estar em causa um crime de homicídio, interpretando erradamente e violando o disposto nos arts. 71º e 72º, n.º 1, al. d) do CPP. </font> </p><p><font>16) Por outro lado, o facto de um mandatário advogado informar num processo penal onde se julga um crime de homicídio que iria deduzir pedido de indemnização civil em separado, perante o tribunal civil, alegando que os danos resultantes da prática do crime não são ainda conhecidos em toda a sua extensão, não faz, por si só, com que seja verdade tal desconhecimento, nem que seja legalmente possível a dedução do pedido em separado. </font> </p><p><font>17) Não resultaram provados nos presentes autos a existência de quaisquer danos, resultantes do homicídio em causa, que não fossem conhecidos em toda a sua extensão ao tempo da acusação. </font> </p><p><font>18) Ao não entender assim, o Tribunal recorrido violou as mesmas disposições legais. </font> </p><p><font>19) Acresce ainda que, imputando as AA. ao R. CC, advogado, a não dedução do pedido de indemnização fundado na prática do crime de homicídio no processo penal respetivo, com a preclusão do seu direito, impendia sobre aquele R. a alegação e prova de qualquer das circunstâncias previstas no art. 72º, n.º 1, do CPP, mormente a prevista na al, d), que afastaria a referida preclusão. </font> </p><p><font>20) É que as circunstâncias do art. 72º, n.º 1, do CPP, constituem verdadeiras exceções, na medida em que impedem o direito das AA. à indemnização que peticionam, recaindo sobre o advogado o ónus de alegação e prova da matéria correspondente. </font> </p><p><font>21) Ao não entender assim, o Tribunal recorrido violou o disposto no art. 576º, n.º 3, do CPC e no art. 342º, n.º 2, do CC. </font> </p><p><font>22) O Tribunal recorrido errou ao considerar que, tendo R. CC invocado no processo crime por homicídio do marido e pai das AA., que iria deduzir o pedido de indemnização civil em separado, perante o tribunal civil, por os danos resultantes da prática do crime não serem ainda conhecidos em toda a sua extensão, só por si, constitui razão válida e com fundamento legal. </font> </p><p><font>23) O Tribunal recorrido errou ao não considerar que tendo decorrido o prazo para a dedução do pedido cível na ação penal, sem que o mesmo o tenha sido, precludiu o direito das autoras à indemnização dos danos consequência da prática do crime. </font> </p><p><font>24) O Tribunal recorrido errou ao considerar que, mesmo no caso de efetivamente o pedido de indemnização cível ter de ser feito obrigatoriamente em sede de processo-crime, as probabilidades de as autoras serem efetivamente ressarcidas eram ínfimas, pelos factos de os homicidas do marido e pai das autoras serem emigrantes lituanos e terem sido condenados a penas pesadas de prisão, que ainda cumprem. </font> </p><p><font>25) Tal matéria não consta dos factos provados, além de que a partir da mesma não se pode afirmar que os arguidos não tivessem património ou não viessem a adquirir património durante o decurso do prazo de prescrição da sentença condenatória, o qual seria de 20 anos. </font> </p><p><font>26) O Tribunal recorrido, neste caso, violou o disposto no art.607º, n.º 3, do CPC, aplicando erradamente o direito aos factos. </font> </p><p><font>27) Nos presentes autos o R. CC, enquanto advogado e mandatário das AA., estava obrigado a agir de forma a defender os interesses legítimos das AA., praticando os atos compreendidos no mandato – art. 92º, n.º 2, do EOA e art. 1161º, al. a), do CC. Estava, ainda, obrigado a estudar com cuidado e tratar com zelo a questão de que foi incumbido, utilizando para o efeito todos os recursos da sua experiência, saber e atividade – art. 95º, n.º 1, al. b), do EOA. Tinha também o dever de, em qualquer circunstância, atuar com diligência e lealdade na condução do processo – art. 103º, n.º 1, do EOA. </font> </p><p><font>28) No âmbito dessas obrigações tinha o dever de deduzir pedido de indemnização civil fundado no homicídio de que foi vítima o marido e pai das AA., respetivamente, no respetivo processo penal. </font> </p><p><font>29) O R. CC não deduziu tal pedido, sendo que o mesmo tinha de ali ser obrigatoriamente deduzido, por força do disposto no art. 71º, do CPP, não podendo ser em separado com fundamento na al. d), do n.º 1, do CPP. </font> </p><p><font>30) Ao não ter deduzido tal pedido no processo penal, as AA. viram o seu direito à indemnização devida precludido, uma vez que, por força do mencionado art. 71º, os tribunais cíveis são incompetentes em razão da matéria para julgar tal pedido. </font> </p><p><font>31) Se o R. CC tivesse deduzido o pedido de indemnização civil no processo penal, as chances ou probabilidades de as AA. obterem uma sentença que lhes fosse favorável, de obterem a procedência do pedido, eram altíssimas, como reconhecido no Acórdão recorrido. </font> </p><p><font>32) As AA. perderam a chance, de modo irremediável, de verem reconhecidas judicialmente, numa sentença, os seus direitos à indemnização fundada no homicídio do seu marido e pai, respetivamente. </font> </p><p><font>33) O R. CC incumpriu as obrigações a que se vinculou perante as AA., resultantes do contrato de mandato como advogado. </font> </p><p><font>34) Tal incumprimento foi culposo, o que se presume por força do disposto no art. 799º, n.º 1, do CC. </font> </p><p><font>35) O R. CC é responsável, civilmente, nos termos gerais, perante as AA., em virtude do incumprimento ou do seu cumprimento defeituoso, em termos de responsabilidade contratual, por força do disposto no artigo 798º, do CC. </font> </p><p><font>36) Com o seu comportamento o R. CC causou às AA. danos que se objetivaram na impossibilidade de obter uma decisão judicial que lhes reconhecesse o direito a serem indemnizadas pelo valor de 540.000€. </font> </p><p><font>37) A perda de chance das AA. de obter uma decisão judicial que lhes reconhecesse o direito a serem indemnizadas pelo valor de540.000€, constitui um dano em si mesmo. </font> </p><p><font>38) Se o R. CC tivesse deduzido o pedido de indemnização civil no processo penal, as AA. obteriam uma decisão favorável, o que só não aconteceu, devido à omissão cometida por aquele R.. </font> </p><p><font>39) Existe, assim, um nexo de causalidade entre o facto omitido pelo R. CC e o dano das AA. consubstanciado na não obtenção de uma decisão judicial que lhes reconhecesse o direito à indemnização. </font> </p><p><font>40) Não sendo possível averiguar o valor exato dos danos, o tribunal deverá julgar equitativamente dentro dos limites que tiver por provados. </font> </p><p><font>41) Verificam-se os pressupostos da responsabilidade civil decorrente da “perda de chance”, pelo que o Tribunal recorrido deveria ter condenado os RR. a indemnizar as AA., em valor que fixasse equitativamente. </font> </p><p><font>42) O Tribunal recorrido, ao não entender assim, violou o disposto no art. 798º, no art. 799º, n.º 2, no art. 483º, no art. 562º e no art. 566º, n.º 3, todos do CC.». </font> </p><p><font> </font> </p><p><b><font>7. </font></b><font> A ré, MAPFRE SEGUROS GERAIS, S.A., tendo sido notificada das Alegações de Recurso de Revista Excecional apresentadas pelas autoras, apresentou contra-alegações nas quais, para além de defender a não admissibilidade do recurso de revista excecional, pugnou pela manutenção do decidido, formulando, para o efeito, as seguintes conclusões:</font> </p><p><font>«5. No que concerne à aplicação do princípio da adesão previsto no artigo 71.º e das excepções previstas no artigo 72.º, n.º 2, designadamente na alínea d), é incontestável a possibilidade de dedução do pedido de indemnização cível em separado, quando, ao tempo da acusação, ainda não existam danos, não sejam estes ainda conhecidos ou não sejam conhecidos em toda a sua extensão. </font> </p><p><font>6. Não vislumbra a aqui Recorrida em que medida é que a questão relativa à aplicação da excepção prevista na alínea d), n.º 2 do artigo 72.º do CPP se apresenta controversa na doutrina e/ou na jurisprudência ou se afigura de elevado grau de complexidade. </font> </p><p><font>7. A opção tomada pelo Réu Advogado, no sentido de deduzir o pedido de indemnização civil em separado e decorrendo esta possibilidade da letra da lei, mais não é do que o reflexo do princípio da independência consagrado no EOA no exercício da actividade forense.</font> </p><p><font>8. Ficou amplamente demonstrado nos presentes autos que, e no que concerne à questão da aplicação do princípio da adesão e da excepção prevista na alínea d), n.º 2 do artigo 72.º do CPP, a mesma não se afigura relevante para que o STJ sobre ela se debruce, aprecie e decida, levando a cabo a sua tarefa uniformizadora, atento o facto de ser unânime a possibilidade de dedução em separado do pedido de indemnização civil nos termos do artigo 72.º, n.º 2 alínea d) do CPP. </font> </p><p><font>9. Parecem ter as AA. olvidado a missão do STJ e o objectivo do recurso excepcional de revista, porquanto o mesmo nunca poderá ter como fundamento o caso concreto e a sua apreciação, mas, antes, a repercussão do problema jurídico em causa e a respectiva solução na sociedade geral. </font> </p><p><font>10. Convém salientar que, o recurso à revista excepcional não se coaduna com o mero inconformismo das Recorrentes com as decisões anteriormente proferidas. </font> </p><p><font>11. Não sendo, por isso, admitida a revista excepcional nos casos em que estão apenas em causa interesses que apenas dizem respeito às partes. </font> </p><p><font>12. Face a tudo quanto se encontra exposto e não tendo as Recorrentes, salvo melhor opinião, explicitado nas suas doutas alegações de recurso, em que medida poderá agora este Supremo Tribunal de Justiça ser submetido a reapreciar a questão relativa à alegada violação do princípio da adesão, - não deverá o presente recurso de revista excepcional ser admitido, o que desde logo se alega e requer para os devidos e legais efeitos. </font> </p><p><font>13. Ademais, não explicitam as Recorrentes nas suas doutas alegações de recurso, em que medida poderá a reapreciação do seu caso concreto, ser “claramente necessária para uma melhor aplicação do direito”, no que respeita à valoração da prova produzida nos autos, com vista à atribuição de um montante indemnizatório com recurso ao conceito de perda de chance e/ou oportunidade.</font> </p><p><font>14. A opção por este instrumento que, na realidade cria mais um grau de jurisdição, não se pode conter com a mera insatisfação da recorrente quanto a resultado declarado no acórdão recorrido. </font> </p><p><font>15. O que, no entendimento da aqui Recorrida, é o que se verifica nos presentes autos! </font> </p><p><font>16. A questão jurídica em apreço já foi exemplar e exaustivamente apreciada pelas duas instâncias de jurisdição. </font> </p><p><font>17. Sendo certo que, todas as decisões proferidas nos presentes autos tiveram o especial cuidado de atentar e salientar todas as possíveis linhas de entendimento doutrinário e jurisprudencial nessa matéria. </font> </p><p><font>18. É, aliás, indiscutível que, a apreciação do caso concreto carreado aos presentes autos pelas AA., foi escrutinada ao pormenor, quer pelo Tribunal de Primeira Instância na douta sentença proferida, quer pelo Venerando Tribunal da Relação no Acórdão ora recorrido. </font> </p><p><font>19. Ora, tendo em conta a minuciosa apreciação da invocada “perda de chance” pelas Instâncias recorridas, e não tendo as Recorrentes, explicitado nas suas doutas alegações de recurso, em que medida poderá agora este Supremo Tribunal de Justiça ser submetido a reapreciar todas essas questões já amplamente discutidas nos autos - inexistindo em bom rigor, a nosso ver, qualquer questão jurídica cuja especial complexidade justifique a excepcionalidade do recurso pretendido pelo Autor - não deverá o presente recurso de revista excepcional ser admitido.</font> </p><p><font>20. Por outro lado, não se encontrará igualmente preenchido (salvo melhor opinião), o requisito constante da alínea b) do n.º 1 do artigo 672.º do CPC.</font> </p><p><font>21. De facto, prevê a citada norma legal que, poderá ser excepcionalmente admitida a revista (do acórdão da Relação que confirme, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão proferida em Primeira Instância), quando estejam em causa interesses de particular relevância social, devendo, nesse caso o requerente, sob pena de rejeição, indicar na sua alegação, as razões pelas quais os interesses são de particular relevância social. </font> </p><p><font>22. Ora, no tocante ao requisito em apreço (relevância social), a jurisprudência vem sendo constante no sentido de os interesses só assumirem particular relevância social se conectados com valores sócio-culturais que ponham em causa a eficácia do direito, sua credibilidade, quer na formulação legal, quer na aplicação casuística.</font> </p><p><font>23. Sendo certo que, e atendendo à forma como as aqui Recorrentes delimitam e configuram o objecto do presente recurso, não estarão em causa nos presentes autos quaisquer interesses de particular relevância social, que justifiquem a apreciação, por este Supremo Tribunal, a título excepcional, da presente revista apresentada nos autos pelas AA., não se encontrando igualmente preenchido o requisito previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 672.º do CPC (interesses de particular relevância social). </font> </p><p><font>24. As questões jurídicas suscitadas pelas AA. não revestem particular relevância social, nem a sua solução ultrapassam os limites do caso concreto por forma a gerar sentimentos de intranquilidade ou alarme ou colocar em causa a credibilidade do direito.</font> </p><p><font>25. Não obstante tal entendimento, sempre caberá referir que, de facto, pretendem as Recorrentes, por via do presente recurso de revista excepcional, uma reapreciação pelo Supremo Tribunal de Justiça relativamente ao âmbito de aplicação do princípio da adesão previsto no artigo 71.º do CPP, bem como das excepções àquele princípio conforme decorre do artigo 72.º, n.º 2 do CPP.</font> </p><p><font>26. Na verdade, e conforme decorre do artigo 71.º do CPP, que se refere ao princípio de adesão, o pedido de indemnização civil fundado na prática de um crime deverá, regra geral, ser deduzido no processo penal respectivo. </font> </p><p><font>27. No entanto, prevê o artigo 72.º que, caso a extensão dos danos, à data da acusação, não sejam totalmente conhecidos, o pic poderá ser deduzido em separado, junto dos Tribunais comuns.</font> </p><p><font>28. Assim, atento ao caso concreto em que era desconhecida a extensão dos danos sofridos pelas AA., a título de danos patrimoniais, à data da acusação, socorreu-se o Réu Advogado da possibilidade legalmente concedida pela alínea d) nº 1 do artigo 72º, do CPP, possibilidade essa, aliás, confirmada, na douta sentença recorrida. </font> </p><p><font>29. Pelo que, e diferentemente do que sustentam as aqui Recorridas, sempre será legalmente admissível a dedução do pic em separado no caso concreto, porquanto tal decorre da letra da lei, não merecendo censura a opção levada a cabo pelo Réu Advogado. </font> </p><p><font>30. &nbsp;Desta forma, não se encontra o direito de acção das AA. precludido, pois que, ainda subsiste a possibilidade de pedirem e verem, consequentemente, reconhecidas as indemnizações alegadamente devidas e fundadas no crime que vitimizou o pai e marido das Recorrentes. </font> </p><p><font>31. Em bom rigor, e atenta à conjugação dos normativos legais constantes dos artigos 118.º, n.º 1, alínea a) e 132º nº 1 a) do Código Penal e artigo 498.º do Código Civil, o prazo de prescrição aplicável ao caso concreto é incontestavelmente de 15 anos, como confirmado, aliás, pela douta sentença recorrida. </font> </p><p><font>32. Pelo que, forçoso será concluir que, inexistirá, presentemente, a concreta concretização do dano nas esferas jurídicas das aqui Recorrentes, pelo que afastada está a responsabilidade civil do Réu advogado. </font> </p><p><font>33. Ademais, no que concerne a qualquer eventual dano susceptível de ser indemnizado, ainda que sob o prisma da </font><i><font>“perda de chance”</font></i><font>, também se encontram as pretensões das Recorrentes condenadas ao insucesso. </font> </p><p><font>34. Efectivamente, a aplicação do conceito/raciocínio de prognose futura visa precisamente possibilitar o estabelecimento de um nexo de causalidade entre a conduta lesiva e um dano mais próximo (como que “antecipado” face ao dano final), consubstanciado numa probabilidade séria e real da obtenção de determinado resultado favorável não fosse a conduta lesiva. </font> </p><p><font>35. Sendo certo que, a aplicação de tal juízo de probabilidade não poderá deixar de exigir a demonstração séria e segura da possibilidade de obtenção de uma vantagem, entretanto denegada em resultado da ocorrência de determinada conduta omissiva, sob pena do presumível lesado alcançar – por via da responsabilização civil do advogado – um benefício superior ao que alcançaria se não fosse a conduta lesiva. </font> </p><p><font>36. Continuando, assim, a impender sobre o Autor a demonstração dos factos que possam, a final, conduzir a apreciação positiva do juízo de prognose sobre a “chance perdida”. </font> </p><p><font>37. De facto, mesmo quando somos chamados a aplicar a doutrina da perda de chance, pois a oportunidade perdida até pode ser portadora de um valor de per si, sendo a respectiva perda passível de indemnização, mas apenas se houvesse uma possibilidade real de êxito que se frustrou, a qual tem de ser provada pelo (pretenso) lesado, por se tratar de um facto constitutivo do seu direito (cfr. o artigo 342.º/1 do CC). </font> </p><p><font>38. Ora, atenta a factualidade carreada para os autos, sempre se dirá que o facto do Réu Advogado não ter deduzido o pic, no âmbito do processo-crime, por si só, não constitui causa directa e adequada dos alegados danos sofridos pelas Recorrentes, porquanto, resulta, desde logo evidente para a aqui Recorrida que, jamais conseguiriam as recorrentes obter o montante global peticionado, a título de danos patrimoniais, dos ali arguidos, não obstante, pudessem, de facto, obter provimento no que diz respeito à procedência do pic. </font> </p><p><font>39. Pelo que, forçoso será concluir que, ainda que o pedido de indemnização cível tivesse sido deduzido pelo Réu Advogado, no âmbito do processo-crime e o mesmo tivesse sido julgado procedente e, consequentemente, fossem os arguidos condenados a pagar as Recorrentes as quantias por estas reclamadas, em decorrência do crime de homicídio qualificado, certezas não existem de que as Recorrentes iriam efectivamente obter o recebimento das quantias reclamadas, entendimento, aliás, confirmado pela douta sentença recorrida. </font> </p><p><font>40. De modo que, e face ao que antecede, não há lugar à verificação do dano de perda de chance.</font> </p><p><font>41. Assim, e por tudo quanto se encontra exposto, deverão improceder todas as conclusões das ora Recorrentes, não merecendo o Douto Acórdão recorrido qualquer censura, devendo ser negado provimento ao presente recurso, mantendo-se, na íntegra, a douta decisão recorrida, só assim se fazendo JUSTIÇA!»</font> </p><p><font> </font> </p><p><b><font>8. </font></b><font> A Relatora remeteu o processo à Formação prevista no artigo 672.º, n.º 3, do CPC, que admitiu o recurso de revista excecional, ao abrigo das alíneas </font><i><font>a)</font></i><font> e </font><i><font>b)</font></i><font> do n.º 1 do artigo 672.º do CPC, por ter entendido que a indemnização pelo dano da perda de chance é uma questão cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, é necessária para uma melhor aplicação do direito, bem como uma questão que convoca interesses de particular relevância social, concluindo que a presente questão do dano da perda de chance </font><i><font>«(…) tem inegável impacto na credibilidade e salvaguarda do patrocínio forense como elemento essencial à administração da justiça assumido pelo artigo 208.º da Constituição da República. Nessa medida não pode deixar de se reconhecer a sua envolvência com o princípio estruturante do “Estado de direito democrático” e, por conseguinte, com a sua projeção na comunidade em relação quer aos cidadãos que demandam a Justiça, quer aos profissionais que intervêm na sua realização, no caso, os advogados.»</font></i> </p><p><font> </font> </p><p><b><font>9.</font></b><font> Sabido que, ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões, a questão a decidir é a de saber se o advogado responde pelo dano da perda de chance processual e em que termos.</font> </p><p><b><font> </font></b> </p><p><font>Cumpre apreciar e decidir.</font> </p><p><b><font> </font></b> </p><p><b><font> </font></b> </p><p><b><font>II – Fundamentação</font></b> </p><p><b><font>A – Os factos</font></b> </p><p><font>A) O réu Dr. CC é advogado, inscrito na Ordem dos Advogados desde 15 de outubro de 1999, pelo Conselho Distrital ..., com a cédula profissional ..., e com a inscrição atualmente em vigor. </font> </p><p><font>B) O réu Dr. CC, enquanto advogado, tinha por diversas vezes prestado aconselhamento jurídico ao DD e à autora AA e exercido o mandato forense em representação destes. </font> </p><p><font>C) Algum tempo após o assassínio do marido da autora, DD, a autora AA solicitou os serviços profissionais do réu Dr. CC, para que este defendesse os interesses das aqui autoras, praticando os atos jurídicos que se mostrassem necessários para o efeito, exercendo o mandato forense, judicial, a representação, a assistência e prestando aconselhamento jurídico.</font> </p><p><font>D) A autora AA entregou-lhe procurações forenses.</font> </p><p><font>E) A partir de então, o réu Dr. CC passou a praticar em nome e representação das autoras, os atos jurídicos que entendeu ajustados e necessários à satisfação dos interesses e das pretensões das autoras…</font> </p><p><font>F) Designadamente acompanhou a autora AA à Polícia Judiciária para levantar as chaves do estabelecimento, um saco com dinheiro, um telemóvel e um casaco, tudo bens pertencentes ao DD, recolhidos pela entidade policial no local do crime, tendo ficado na posse do réu Dr. CC os comprovativos do que havia sido entregue à autora AA. </font> </p><p><font>G) A autora AA, de acordo com as indicações dadas pelo réu Dr. CC constituiu-se assistente no processo-crime, tendo este assumido a sua representação obrigatória. </font> </p><p><font>H) O réu Dr. CC praticou no processo-crime os atos que entendeu, aderindo à acusação do Ministério Público, tendo estado presente e participado nas audiências de julgamento. </font> </p><p><font>I) A data do acórdão proferido em 1.ª instância é de 30 de Março de 2009… </font> </p><p><font>J) Deste acórdão foi interposto recurso para o Tribunal da Relação ..., o qual confirmou a decisão da 1.ª instância, tendo esta transitado em 9 de Novembro de 2009. </font> </p><p><font>K) Logo após a decisão condenatória proferida em 1.ª instância, a autora AA questionou o réu Dr. CC sobre as indemnizações a que ela e a sua filha teriam direito… </font> </p><p><font>L) A esta questão respondeu o réu que a decisão condenatória ainda não havia transitado em julgado pelo que teriam de aguardar pelo mesmo para tratar da indemnização. </font> </p><p><font>M) Com a morte do seu marido, a autora AA, que estava desempregada, e a sua filha, ficaram sem qualquer fonte de sustento, passando a viver com muitas dificuldades económicas. </font> </p><p><font>N) Na sequência de perguntas insistentes da autora AA, a resposta do réu era sempre a de que o processo estava na Relação, tendo-se a autora deslocado várias vezes ao escritório do réu e nunca o encontrava, nem este atendia o telemóvel. </font> </p><p><font>O) Após algum tempo e inúmeros contactos feitos pela autora AA j
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><div><font>Acordam na 1.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça</font></div><br> <br> <b><font> </font></b><br> <p><b><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;I – Relatório</font></b><br> </p><p><b><font> </font></b><br> </p><p><b><font>1. &nbsp;Construções Sousa Soares &amp; Almeida, Lda</font></b><font>, sociedade com sede na Rua ..., n.º 520, ..., Penafiel, intentou a presente ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra </font><b><font>AA</font></b><font> e mulher, </font><b><font>BB,</font></b><font> residentes na Rua..., ..., ..., ..., pedindo a sua condenação a pagar-lhe a quantia de € 66 955,30 (sessenta e seis mil novecentos e cinquenta e cinco euros e trinta cêntimos), valor este relativo às alterações de obra e trabalhos a mais em relação ao projeto aprovado, objeto do contrato de empreitada que esta e o Réu-marido celebraram e está identificado na Petição Inicial, acrescida de juros à taxa legal comercial desde o dia 20/01/16 até efetivo e integral pagamento. Mais pede a condenação dos Réus na quantia de € 240,00 relativos à vistoria referida na Petição.</font><br> </p><p><font>&nbsp;Alega, em síntese, que, no exercício da sua atividade de construção civil, celebrou, em 19/05/14, um contrato de empreitada com o Réu-marido, tendo por objeto a construção de um edifício, destinado a habitação e comércio na Rua..., ..., ..., freguesia de ..., concelho de ..., pelo preço global fixo de € 400 000,00.</font><br> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;Diz ter executado a obra a que se obrigara, bem como todas as alterações e/ou trabalhos a mais, não previstos no contrato, que foram solicitados pelo Réu-marido, e ter acordado em reduzir o preço inicial para € 392 400,00.</font><br> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;Afirma que o Réu-marido pagou o preço contratualmente estabelecido, mas não as alterações e trabalhos a mais por si solicitados, designadamente os elencados na Petição, no valor global de € 66 955,30.</font><br> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;Acrescenta que, por lapso, não fez constar da factura com tais trabalhos o custo da vistoria do sistema de abastecimento de gás ao edifício igualmente devido, no valor de € 240,00.</font><br> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;Os Réus vieram contestar e reconvir, aceitando a celebração do contrato de empreitada invocado na Petição Inicial.</font><br> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;Defendem que, por força das cláusulas contratuais acordadas, a Autora não tem o direito de lhes exigir qualquer acréscimo de preços em razão, quer das escolhas que fizeram no que diz respeito a materiais, quer dos trabalhos necessários à sua aplicação.</font><br> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;Impugnam a generalidade dos factos alegados na Petição Inicial e supletivamente afirmam que os montantes exigidos pela Autora estão liquidados em excesso e sem rigor. </font><br> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;Relegam para ampliação do pedido reconvencional, ou liquidação ulterior à sentença, a indemnização resultante do atraso na conclusão dos trabalhos.</font><br> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;Alegam, por outro lado, que, tendo a Autora abandonado a obra, têm direito a exigir desta o pagamento de uma indemnização contratual, no valor global de € 118 066,27.</font><br> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;Concluem pedindo que a presente ação seja julgada não provada e improcedente, com a sua absolvição do pedido.</font><br> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;Mais pedem que o pedido reconvencional seja julgado procedente e, em consequência, a Autora seja condenada a pagar-lhes a quantia de € 118 066,27, acrescida de juros legais de mora vincendos a contar da notificação da Contestação e, bem assim, daquilo que vier a liquidar-se em incidente próprio – ampliação do pedido reconvencional ou liquidação posterior à sentença – pelos danos resultantes da falta de conclusão dos trabalhos da empreitada.</font><br> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;A Autora veio apresentar Réplica, impugnando a totalidade dos factos invocados em sede de reconvenção, concluindo como na Petição Inicial e pedindo que se julgue como não provada e improcedente a reconvenção deduzida.</font><br> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;Realizou-se Audiência Prévia, no âmbito da qual admitiu-se a reconvenção, proferiu-se despacho saneador, fixou-se o objeto do litígio e definiram-se os Temas da Prova.</font><br> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;Realizou-se audiência de julgamento e proferiu-se sentença, com a seguinte parte decisória: </font><br> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;</font><i><font>«Pelo exposto, decide-se:</font></i><br> </p><p><i><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;</font></i><b><i><font>Da acção:</font></i></b><br> </p><p><i><font>&nbsp;Julgar&nbsp; a acção parcialmente procedente, condenando-se solidariamente os réus AA e mulher, BB, a pagar à autora Construções Sousa Soares &amp; Almeida, Lda., as seguintes quantias:</font></i><br> </p><p><i><font>«a) A quantia global de € 39 959,70 (trinta e nove mil novecentos e cinquenta e nova euros e setenta cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa de 4 %, contados desde 21/01... e até integral e efectivo pagamento;</font></i><br> </p><p><i><font> b) A quantia de € 240,00 (duzentos e quarenta euros); e,</font></i><br> </p><p><i><font>c) A quantia que se liquidar em incidente de liquidação relativa ao incremento de valor respeitante aos trabalhos descritos nas alíneas w) e aa) do ponto 17º dos factos provados.</font></i><br> </p><p><i><font>Condenar o réu marido como litigante de má fé na multa de 3 Uc.</font></i><br> </p><p><i><font>No mais, absolver os réus no tocante ao demais peticionado pela autora, e bem assim absolver a ré mulher do pedido de condenação como litigante de má fé.</font></i><br> </p><p><i><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; </font></i><b><i><font>Do pedido reconvencional:</font></i></b><br> </p><p><i><font>Julgar</font></i><font> </font><i><font>o</font></i><font> </font><i><font>pedido</font></i><font> </font><i><font>reconvencional</font></i><font> </font><i><font>totalmente</font></i><font> </font><i><font>improcedente,</font></i><font> </font><i><font>absolvendo- se</font></i><font> </font><i><font>a</font></i><font> </font><i><font>autora</font></i><font> </font><i><font>reconvinda</font></i><font> </font><i><font>do</font></i><font> </font><i><font>mesmo.”</font></i><br> </p><p><b><i><font> </font></i></b><br> </p><p><b><font>2.</font></b><b><i><font> </font></i></b><font>Inconformados com a sentença, os Réus interpuseram recurso de apelação, pedindo a revogação da decisão do tribunal de 1.ª instância, e a autora apresentou recurso subordinado, pedindo que a alteração da sentença no segmento da condenação de juros moratórios à taxa de 4 % por juros moratórios à taxa comercial,</font><br> </p><p><font>&nbsp;</font><br> </p><p><b><font>3.</font></b><font> O Tribunal da Relação julgou improcedente a apelação dos RR. e procedente a apelação subordinada da A., fixando em 7% a taxa de juros, em lugar de 4%:&nbsp; &nbsp;</font><br> </p><p><i><font>«Pelo exposto, acordam os Juízes que constituem este Tribunal da Relação em julgar totalmente improcedente o recurso principal dos Réus/Recorrentes, confirmando-se nesta parte a decisão recorrida.</font></i><br> </p><p><i><font>&nbsp;Por outro lado, julga-se totalmente procedente o recurso subordinado&nbsp; da Autora/Recorrente,&nbsp; alterando-se a condenação acessória em juros de mora, nos seguintes termos:</font></i><br> </p><p><i><font>Da acção:</font></i><br> </p><p><i><font>Julgar&nbsp; a acção parcialmente&nbsp;&nbsp; procedente, condenando-se solidariamente os réus AA e mulher, BB, a pagar à autora Construções Sousa Soares &amp; Almeida, Lda., as seguintes quantias:</font></i><br> </p><p><i><font>a) A quantia global de € 39 959,70 (trinta e nove mil novecentos e cinquenta e nove euros e setenta cêntimos), acrescida de juros de mora comerciais, à taxa legal de 7 % ao ano, contados desde 21/01/2016 e até integral e efectivo pagamento; (…) – mantendo-se o demais decidido».</font></i><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><b><font>3.</font></b><font> Os réus interpuseram recurso de revista excecional, em relação ao segmento decisório em que se formou dupla conformidade, com fundamento no artigo 672.º, n.º 1, als </font><i><font>a),</font></i><font> </font><i><font>b)</font></i><font> e </font><i><font>c),</font></i><font> do CPC, e recurso de revista ordinário em relação ao segmento da condenação em juros, com base no artigo 629.º, n.º 2, al. </font><i><font>d),</font></i><font> do CPC, invocando que decisão recorrida mostra-se em contradição com uma outra datada de 05/05/2020 e transitada em julgado, proferida por este Supremo Tribunal de Justiça, no domínio da mesma legislação, no âmbito do processo n.º 1330/12.4TVLSB.L2.S1, da 1.ª Secção Cível, &nbsp;versando a mesma questão fundamental de direito, sendo que sobre tal questão não foi proferido acórdão de uniformização de jurisprudência.</font><br> </p><p><font>&nbsp;</font><br> </p><p><b><font>4.</font></b><font> O recurso de revista excecional não foi admitido pela formação prevista no artigo 6</font><font>72.º, n.º 3, do CPC.</font><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><b><font>5.</font></b><font> A Relatora notificou os réus, ao abrigo do artigo 655.º, n.º 2, do CPC, para que se pronunciassem em relação à questão de admissibilidade do recurso de revista normal suscitada pela autora nas suas contra-alegações, que defendeu que, em relação ao segmento da condenação em juros, atenta a regra da sucumbência prevista no artigo 629° n° 1 do C.P.C., a decisão impugnada não é desfavorável aos recorrentes em valor superior a metade da alçada desse tribunal. </font><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><b><font>6.</font></b><font> Os recorrentes responderam, afirmando, em síntese, que o valor dos juros calculado, na presente data ascenderá ao montante 16.025,26 euros, a que se somarão os juros incidentes sobre a condenação em quantia a liquidar, cuja quantificação não é possível de determinar. Pugna, pois, para que se considere tratar-se de uma situação de </font><i><font>“fundada dúvida acerca do valor da sucumbência”</font></i><font>, devendo, pois, atender-se ao valor da causa, o qual é muito superior à alçada do Tribunal da Relação.</font><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><b><font>7. </font></b><font>Os réus no recurso de revista normal apresentaram as seguintes conclusões:</font><br> </p><p><font>&nbsp;«78.ª Alterando a decisão que havia sido proferida em primeira instância, decidiu o Tribunal da Relação que os juros moratórios devidos deverão ser calculados à taxa dos juros comerciais.</font><br> </p><p><font>79.ª Neste particular a douta decisão recorrida mostra-se em evidente e frontal contradição com uma outra, igualmente douta, datada de 05/05/2020 e transitada em julgado, proferida por este Supremo Tribunal de Justiça, no domínio&nbsp;da mesma legislação, no âmbito do processo n.º 1330/12.4TVLSB.L2.S1, da 1.ª Secção Cível, relatado pela Ilustre Juiz Conselheira Maria Clara Sottomayor, versando a mesmíssima questão fundamental de direito, sendo que sobre tal questão não foi proferido acórdão de uniformização de jurisprudência, que constitui acórdão fundamento, está publicado e &nbsp;disponível para consulta em <a>https://jurisprudencia.csm.org.pt/</a>.</font><br> </p><p><font>80.ª Ambos os referidos arestos – o acórdão recorrido e o acórdão-fundamento – foram proferidos no domínio da mesma legislação e versaram sobre a mesma questão fundamental de direito.</font><br> </p><p><font>81.ª Numa e noutra decisão foram apreciadas e decididas as questões atinentes à determinação da taxa de juros aplicável às situações de mora na situação em que o devedor, dono da obra, tem a qualidade de consumidor.</font><br> </p><p><font>82.ª No acórdão recorrido decidiu-se que a taxa de juro aplicável será a correspondente aos juros comerciais, ao passo que no acórdão fundamento decidiu-se que a taxa de juro a aplicar será a correspondente aos juros civis.</font><br> </p><p><font>83.ª Daí que este segmento da decisão, que incidiu sobre o recurso subordinado, seja passível de recurso ordinário de revista, à luz do disposto no artigo 629.º, n.º 2, alínea d), do C.P.C..</font><br> </p><p><font>84.ª A empreitada de onde emerge a obrigação de pagamento de juros traduz-se num ato comercial unilateral, por banda da recorrente subordinada.</font><br> </p><p><font>85.ª Nesse mesmo contrato (de empreitada) os aqui recorridos assumem a qualidade de “consumidores”.</font><br> </p><p><font>86.ª </font><i><font>In casu</font></i><font>, face à exclusão resultante do artigo 2.º, n.º 2, do D.L. n.º 62/2013, de 10 de maio, que transpôs para o direito interno a Diretiva 2011/7/UE do Parlamento Europeu e do Conselho de 16 de fevereiro de 2011, não tem aplicação à mora dos recorridos a denominada taxa de juros comerciais.</font><br> </p><p><font>87.ª Assim, os recorridos, enquanto consumidores, apenas terão (eventualmente) de pagar os juros de mora resultantes do artigo 559.º do Código Civil, atualmente fixados em 4% pela Portaria n.º 291/2003, de 8 de abril, ou seja, os juros civis».</font><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;</font><b><font>8. </font></b><font>A autora apresentou contra-alegações, em que defende a manutenção do decidido quanto aos juros.</font><br> </p><p><b><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; </font></b><br> </p><p><font>&nbsp;</font><b><font>9.</font></b><font> As questões objeto do </font><i><font>thema decidendum</font></i><font> são as seguintes: a questão prévia da admissibilidade do recurso quanto ao segmento da condenação em juros, suscitada pela recorrida, e, caso o recurso venha a ser admitido, saber se os recorrentes terão de pagar os juros de mora resultantes do artigo 559.º do Código Civil, atualmente fixados em 4% pela Portaria n.º 291/2003, de 8 de abril, ou seja, os juros civis, ou a taxa de juro em vigor para as transações comerciais, como entendeu o acórdão da Relação.</font><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;Cumpre apreciar e decidir.</font><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><font>&nbsp;</font><b><font>II – Fundamentação</font></b><br> </p><p><b><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;A – Os factos</font></b> </p><p><font>1) Por documento datado de 19/05/2014, &nbsp;intitulado “Contrato&nbsp; de Empreitada”, AA PRIMEIRO CONTRAENTE e dono da obra, e CONSTRUÇÕES SOUSA, SOARES E ALMEIDA, LDA., SEGUNDO OUTORGANTE e empreiteiro, &nbsp;declararam o seguinte:</font> </p><p><i><font>“Entre</font></i><font> </font><i><font>os</font></i><font> </font><i><font>abaixo</font></i><font> </font><i><font>assinados:</font></i><font> </font><i><font>(…)</font></i> </p><p><i><font>Foi,</font></i><font> </font><i><font>livremente</font></i><font> </font><i><font>e</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>boa-fé,</font></i><font> </font><i><font>acordado</font></i><font> </font><i><font>e</font></i><font> </font><i><font>reduzido</font></i><font> </font><i><font>a</font></i><font> </font><i><font>escrito</font></i><font> </font><i><font>o</font></i><font> </font><i><font>presente</font></i><font> </font><i><font>contrato</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>empreitada,</font></i><font> </font><i><font>que</font></i><font> </font><i><font>se</font></i><font> </font><i><font>rege</font></i><font> </font><i><font>pelo</font></i><font> </font><i><font>clausulado</font></i><font> </font><i><font>seguinte:</font></i><font> </font><i><font>PRIMEIRA</font></i> </p><p><i><font>(Objeto</font></i><font> </font><i><font>do</font></i><font> </font><i><font>contrato)</font></i><br> </p><p><font> </font> </p><p><i><font>1.</font></i><font> </font><i><font>Pelo</font></i><font> </font><i><font>presente</font></i><font> </font><i><font>contrato</font></i><font> </font><i><font>o</font></i><font> </font><i><font>DONO</font></i><font> </font><i><font>DA</font></i><font> </font><i><font>OBRA</font></i><font> </font><i><font>dá</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>empreitada</font></i><font> </font><i><font>a</font></i><font> </font><i><font>construção</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>um</font></i><font> </font><i><font>edifício</font></i><font> </font><i><font>designado</font></i><font> </font><i><font>a</font></i><font> </font><i><font>habitação</font></i><font> </font><i><font>e</font></i><font> </font><i><font>comércio</font></i><font> </font><i><font>sito</font></i><font> </font><i><font>na</font></i><font> </font><i><font>Rua..., ...</font></i><font> </font><i><font>–</font></i><font> </font><i><font>...,</font></i><font> </font><i><font>da</font></i><font> </font><i><font>freguesia</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>...,</font></i><font> </font><i><font>concelho</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>...,</font></i><font> </font><i><font>descrito</font></i><font> </font><i><font>na</font></i><font> </font><i><font>Conservatória do Registo Predial de ...</font></i><font> </font><i><font>sob o nº ...</font></i><font> </font><i><font>e</font></i><font> </font><i><font>inscrito</font></i><font> </font><i><font>na</font></i><font> </font><i><font>matriz</font></i><font> </font><i><font>urbana</font></i><font> </font><i><font>sob o nº ...</font></i><font> </font><i><font>da</font></i><font> </font><i><font>supracitada</font></i><font> </font><i><font>freguesia,</font></i><font> </font><i><font>com</font></i><font> </font><i><font>a</font></i><font> </font><i><font>área</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>construção</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>1.417,65</font></i><font> </font><i><font>metros</font></i><font> </font><i><font>quadrados</font></i><font> </font><i><font>(de</font></i><font> </font><i><font>ora</font></i><font> </font><i><font>em</font></i><font> </font><i><font>diante</font></i><font> </font><i><font>designada</font></i><font> </font><i><font>apenas</font></i><font> </font><i><font>por</font></i><font> </font><i><font>obra</font></i><font> </font><i><font>ou</font></i><font> </font><i><font>Empreitada),</font></i><font> </font><i><font>aos</font></i><font> </font><i><font>EMPREITEIRO,</font></i><font> </font><i><font>que</font></i><font> </font><i><font>aceitam</font></i><font> </font><i><font>executar</font></i><font> </font><i><font>os</font></i><font> </font><i><font>trabalhos</font></i><font> </font><i><font>em</font></i><font> </font><i><font>conformidade</font></i><font> </font><i><font>com</font></i><font> </font><i><font>o</font></i><font> </font><i><font>projeto</font></i><font> </font><i><font>aprovado</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>comunicação</font></i><font> </font><i><font>prévia</font></i><font> </font><i><font>nº</font></i><font> </font><i><font>84/2014,</font></i><font> </font><i><font>referente</font></i><font> </font><i><font>ao</font></i><font> </font><i><font>processo</font></i><font> </font><i><font>nº</font></i><font> </font><i><font>...</font></i><font> </font><i><font>da</font></i><font> </font><i><font>Camara Municipal de ....</font></i> </p><p><i><font>2.</font></i><font> </font><i><font>A</font></i><font> </font><i><font>natureza,</font></i><font> </font><i><font>espécie,</font></i><font> </font><i><font>quantidade,</font></i><font> </font><i><font>ritmo</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>execução</font></i><font> </font><i><font>e</font></i><font> </font><i><font>valor</font></i><font> </font><i><font>dos</font></i><font> </font><i><font>trabalhos</font></i><font> </font><i><font>objeto</font></i><font> </font><i><font>da</font></i><font> </font><i><font>presente</font></i><font> </font><i><font>empreitada</font></i><font> </font><i><font>encontram-se</font></i><font> </font><i><font>perfeitamente</font></i><font> </font><i><font>definidos</font></i><font> </font><i><font>no</font></i><font> </font><i><font>Caderno</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>encargos</font></i><font> </font><i><font>Calendarização</font></i><font> </font><i><font>que</font></i><font> </font><i><font>vão</font></i><font> </font><i><font>ser</font></i><font> </font><i><font>juntos</font></i><font> </font><i><font>ao</font></i><font> </font><i><font>presente</font></i><font> </font><i><font>contrato,</font></i><font> </font><i><font>como</font></i><font> </font><i><font>seus</font></i><font> </font><i><font>anexos,</font></i><font> </font><i><font>respetivamente,</font></i><font> </font><i><font>bem</font></i><font> </font><i><font>como</font></i><font> </font><i><font>naqueles</font></i><font> </font><i><font>que</font></i><font> </font><i><font>nestes</font></i><font> </font><i><font>sejam</font></i><font> </font><i><font>mencionados,</font></i><font> </font><i><font>elementos</font></i><font> </font><i><font>que</font></i><font> </font><i><font>foram</font></i><font> </font><i><font>apresentados</font></i><font> </font><i><font>aos</font></i><font> </font><i><font>EMPREITEIROS</font></i><font> </font><i><font>e</font></i><font> </font><i><font>dos</font></i><font> </font><i><font>quais</font></i><font> </font><i><font>estes</font></i><font> </font><i><font>declaram</font></i><font> </font><i><font>ter</font></i><font> </font><i><font>tomado</font></i><font> </font><i><font>pleno</font></i><font> </font><i><font>e</font></i><font> </font><i><font>perfeito</font></i><font> </font><i><font>conhecimento</font></i> </p><p> </p><p><i><font>SEGUNDA</font></i><font> </font><br> </p><p><i><font>Âmbito</font></i><font> </font><i><font>do</font></i><font> </font><i><font>objeto</font></i> </p><p><i><font>1.</font></i><font> </font><i><font>Consideram-se,</font></i><font> </font><i><font>ainda,</font></i><font> </font><i><font>incluídos</font></i><font> </font><i><font>na</font></i><font> </font><i><font>empreitada</font></i><font> </font><i><font>ora</font></i><font> </font><i><font>adjudicada</font></i><font> </font><i><font>e</font></i><font> </font><i><font>no respetivo</font></i><font> </font><i><font>preço</font></i><font> </font><i><font>abaixo</font></i><font> </font><i><font>estabelecido,</font></i><font> </font><i><font>todos</font></i><font> </font><i><font>os</font></i><font> </font><i><font>trabalhos</font></i><font> </font><i><font>preparatórios,</font></i><font> </font><i><font>acessórios</font></i><font> </font><i><font>ou</font></i><font> </font><i><font>complementares,</font></i><font> </font><i><font>que</font></i><font> </font><i><font>sejam</font></i><font> </font><i><font>consequência</font></i><font> </font><i><font>do</font></i><font> </font><i><font>projeto</font></i><font> </font><i><font>aprovado</font></i><font> </font><i><font>e</font></i><font> </font><i><font>necessários</font></i><font> </font><i><font>à</font></i><font> </font><i><font>boa</font></i><font> </font><i><font>e</font></i><font> </font><i><font>integral</font></i><font> </font><i><font>execução</font></i><font> </font><i><font>da</font></i><font> </font><i><font>obra,</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>acordo</font></i><font> </font><i><font>com</font></i><font> </font><i><font>as</font></i><font> </font><i><font>normas</font></i><font> </font><i><font>e</font></i><font> </font><i><font>procedimentos</font></i><font> </font><i><font>da</font></i><font> </font><i><font>arte</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>construção,</font></i><font> </font><i><font>correndo</font></i><font> </font><i><font>todos</font></i><font> </font><i><font>por</font></i><font> </font><i><font>conta</font></i><font> </font><i><font>dos</font></i><font> </font><i><font>EMPREITEIROS</font></i> </p><p><i><font>2.</font></i><font> </font><i><font>Incluem-se,</font></i><font> </font><i><font>igualmente,</font></i><font> </font><i><font>no</font></i><font> </font><i><font>número</font></i><font> </font><i><font>anterior,</font></i><font> </font><i><font>a</font></i><font> </font><i><font>montagem,</font></i><font> </font><i><font>manutenção</font></i><font> </font><i><font>e</font></i><font> </font><i><font>desmontagem</font></i><font> </font><i><font>do</font></i><font> </font><i><font>estaleiro,</font></i><font> </font><i><font>serventias,</font></i><font> </font><i><font>vias</font></i><font> </font><i><font>e</font></i><font> </font><i><font>acessos</font></i><font> </font><i><font>à</font></i><font> </font><i><font>obra,</font></i><font> </font><i><font>vedações</font></i><font> </font><i><font>e</font></i><font> </font><i><font>tapumes,</font></i><font> </font><i><font>escadas</font></i><font> </font><i><font>e</font></i><font> </font><i><font>plataformas.</font></i> </p><p><i><font>TERCEIRA</font></i> </p><p><i><font>(Inspeção</font></i><font> </font><i><font>do</font></i><font> </font><i><font>local</font></i><font> </font><i><font>da</font></i><font> </font><i><font>obra)</font></i> </p><p><i><font>OS</font></i><font> </font><i><font>EMPREITEIROS</font></i><font> </font><i><font>declaram</font></i><font> </font><i><font>que,</font></i><font> </font><i><font>mediante</font></i><font> </font><i><font>observação</font></i><font> </font><i><font>visual</font></i><font> </font><i><font>direta,</font></i><font> </font><i><font>procederam</font></i><font> </font><i><font>à</font></i><font> </font><i><font>inspeção</font></i><font> </font><i><font>prévia</font></i><font> </font><i><font>do</font></i><font> </font><i><font>local</font></i><font> </font><i><font>onde</font></i><font> </font><i><font>será</font></i><font> </font><i><font>realizada</font></i><font> </font><i><font>a</font></i><font> </font><i><font>referida</font></i><font> </font><i><font>empreitada,</font></i><font> </font><i><font>tendo</font></i><font> </font><i><font>a</font></i><font> </font><i><font>isso</font></i><font> </font><i><font>atendido</font></i><font> </font><i><font>na</font></i><font> </font><i><font>elaboração</font></i><font> </font><i><font>da</font></i><font> </font><i><font>sua</font></i><font> </font><i><font>proposta</font></i><font> </font><i><font>e</font></i><font> </font><i><font>não</font></i><font> </font><i><font>tendo</font></i><font> </font><i><font>detetado</font></i><font> </font><i><font>quaisquer</font></i><font> </font><i><font>factos</font></i><font> </font><i><font>impeditivos</font></i><font> </font><i><font>à</font></i><font> </font><i><font>sua</font></i><font> </font><i><font>execução.</font></i> </p><p><i><font>QUARTA</font></i><font> </font><i><font>(Segurança</font></i><font> </font><i><font>da</font></i><font> </font><i><font>Obra)</font></i> </p><p><i><font>1.</font></i><font> </font><i><font>OS</font></i><font> </font><i><font>EMPREITEIROS</font></i><font> </font><i><font>obrigam.se,</font></i><font> </font><i><font>ainda,</font></i><font> </font><i><font>a</font></i><font> </font><i><font>cumprir</font></i><font> </font><i><font>e</font></i><font> </font><i><font>a</font></i><font> </font><i><font>fazer</font></i><font> </font><i><font>cumprir,</font></i><font> </font><i><font>pelos</font></i><font> </font><i><font>seus</font></i><font> </font><i><font>trabalhadores,</font></i><font> </font><i><font>subempreiteiros,</font></i><font> </font><i><font>prestadores</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>serviços,</font></i><font> </font><i><font>fornecedores</font></i><font> </font><i><font>ou</font></i><font> </font><i><font>quaisquer</font></i><font> </font><i><font>outros</font></i><font> </font><i><font>colaboradores,</font></i><font> </font><i><font>todas</font></i><font> </font><i><font>as</font></i><font> </font><i><font>normas</font></i><font> </font><i><font>e</font></i><font> </font><i><font>disposições</font></i><font> </font><i><font>legais</font></i><font> </font><i><font>relativas</font></i><font> </font><i><font>à</font></i><font> </font><i><font>segurança</font></i><font> </font><i><font>e</font></i><font> </font><i><font>higiene</font></i><font> </font><i><font>no</font></i><font> </font><i><font>trabalho,</font></i><font> </font><i><font>para</font></i><font> </font><i><font>além</font></i><font> </font><i><font>das</font></i><font> </font><i><font>obrigações</font></i><font> </font><i><font>decorrentes</font></i><font> </font><i><font>da</font></i><font> </font><i><font>regulamentação</font></i><font> </font><i><font>interna</font></i><font> </font><i><font>da</font></i><font> </font><i><font>própria</font></i><font> </font><i><font>obra,</font></i><font> </font><i><font>designadamente,</font></i><font> </font><i><font>o</font></i><font> </font><i><font>seu</font></i><font> </font><i><font>plano</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>segurança</font></i><font> </font><i><font>da</font></i><font> </font><i><font>obra</font></i><font> </font><i><font>e,</font></i><font> </font><i><font>nesse</font></i><font> </font><i><font>âmbito,</font></i><font> </font><i><font>a</font></i><font> </font><i><font>acatar</font></i><font> </font><i><font>prontamente</font></i><font> </font><i><font>as</font></i><font> </font><i><font>indicações</font></i><font> </font><i><font>e</font></i><font> </font><i><font>instruções</font></i><font> </font><i><font>que</font></i><font> </font><i><font>lhe</font></i><font> </font><i><font>forem</font></i><font> </font><i><font>transmitidas</font></i><font> </font><i><font>pela</font></i><font> </font><i><font>fiscalização</font></i><font> </font><i><font>ou</font></i><font> </font><i><font>pelo</font></i><font> </font><i><font>responsável</font></i><font> </font><i><font>pela</font></i><font> </font><i><font>segurança.</font></i> </p><p><i><font>QUINTA</font></i> </p><p><i><font>(outras</font></i><font> </font><i><font>obrigações</font></i><font> </font><i><font>dos</font></i><font> </font><i><font>EMPREITEIROS)</font></i> </p><p><i><font>1.</font></i><font> </font><i><font>Para</font></i><font> </font><i><font>além</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>outras,</font></i><font> </font><i><font>especificadamente</font></i><font> </font><i><font>referidas</font></i><font> </font><i><font>e</font></i><font> </font><i><font>estabelecidas</font></i><font> </font><i><font>no</font></i><font> </font><i><font>âmbito</font></i><font> </font><i><font>do</font></i><font> </font><i><font>presente</font></i><font> </font><i><font>contrato</font></i><font> </font><i><font>ou</font></i><font> </font><i><font>da</font></i><font> </font><i><font>lei,</font></i><font> </font><i><font>constituem,</font></i><font> </font><i><font>ainda,</font></i><font> </font><i><font>obrigações</font></i><font> </font><i><font>dos</font></i><font> </font><i><font>EMPREITEIROS:</font></i> </p><p><i><font>A)</font></i><font> </font><i><font>Executar</font></i><font> </font><i><font>a</font></i><font> </font><i><font>obra</font></i><font> </font><i><font>que</font></i><font> </font><i><font>lhe</font></i><font> </font><i><font>está</font></i><font> </font><i><font>confiada,</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>acordo</font></i><font> </font><i><font>com</font></i><font> </font><i><font>os documentos</font></i><font> </font><i><font>referidos</font></i><font> </font><i><font>na</font></i><font> </font><i><font>cláusula</font></i><font> </font><i><font>primeira</font></i><font> </font><i><font>deste</font></i><font> </font><i><font>contrato.</font></i><font> </font> </p><p><i><font>B)</font></i><font> </font><i><font>Garantir</font></i><font> </font><i><font>que</font></i><font> </font><i><font>todo</font></i><font> </font><i><font>o</font></i><font> </font><i><font>pessoal</font></i><font> </font><i><font>ao</font></i><font> </font><i><font>seu</font></i><font> </font><i><font>serviço,</font></i><font> </font><i><font>incumbido</font></i><font> </font><i><font>da</font></i><font> </font><i><font>realização</font></i><font> </font><i><font>dos</font></i><font> </font><i><font>trabalhos,</font></i><font> </font><i><font>bem</font></i><font> </font><i><font>como,</font></i><font> </font><i><font>todos</font></i><font> </font><i><font>os</font></i><font> </font><i><font>fornecedores,</font></i><font> </font><i><font>subempreiteiros</font></i><font> </font><i><font>ou</font></i><font> <
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><font>&nbsp;</font><br> <br> <div><br> <font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font></div><br> <br> <b><font> </font></b><br> <p><b><font>I – Relatório</font></b><br> </p><p><font>&nbsp;</font><br> </p><p><b><font>1. </font></b><font>Por apenso à Execução para pagamento de quantia certa que </font><b><font>Caixa Geral de Depósitos, S.A. </font></b><font>move a </font><b><font>AA e BB</font></b><font>, veio </font><b><i><font>Promontoria Indian Designated Activity Company</font></i></b><font> requerer a sua habilitação para prosseguir nos presentes autos no lugar da Exequente. &nbsp;</font><br> </p><p><font>A Requerente fundamenta a sua pretensão na circunstância de ter celebrado um contrato de cessão de créditos com a Exequente, abrangendo o crédito exequendo. </font><br> </p><p><b><font> </font></b><br> </p><p><b><font>2. </font></b><font>Cumprido o disposto no artigo 356° n.º 1, do Código de Processo Civil, os Requeridos deduziram contestação, alegando que a documentação junta aos autos não demonstra a cessão alegada pela Requerente e ainda que tal cessão não lhes foi notificada. </font><br> </p><p><b><font> </font></b><br> </p><p><b><font>3. </font></b><font>Foi proferida sentença em cujo dispositivo se consignou</font><i><font>: “Pelo exposto, julgo procedente, por provada, a pretensão formulada pela requerente e, em consequência, declaro Promontoria Indian Designated Activity Company habilitada em substituição, na acção, da Caixa Geral de Depósitos, S.A.”</font></i><br> </p><p><b><font> </font></b><br> </p><p><b><font>4. </font></b><font>Inconformados com a predita decisão, vieram os Requeridos/AA e BB interpor recurso, tendo a Relação proferido acórdão, conhecendo da apelação e enunciando no respetivo dispositivo: </font><i><font>“Pelo acima exposto, decide-se pela improcedência do presente Recurso, confirmando-se a Decisão recorrida.”</font></i><font> </font><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><b><font>5.</font></b><font> Novamente inconformados, os Requeridos/AA e BB interpuseram recurso de revista excecional, invocando a propósito, a contradição de julgados, indicando dois acórdãos-fundamento, quais sejam, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14 de novembro de 2000 (in </font><i><font>Coletânea de Jurisprudência</font></i><font> – S.T.J. 2000, Tomo III, pág. 121) e o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12 junho de 2003 (Processo n.º 03B1762).</font><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><b><font>6. </font></b><font>Remetido pela Relatora o processo à formação prevista no artigo 672.º, n.º 3, do CPC, para o efeito de averiguação dos requisitos específicos do recurso de revista excecional, fundado no artigo 672.º, n.º 1, al. </font><i><font>c),</font></i><font> do CPC, a formação por acórdão de 13-07-2021, admitiu o recurso, em relação à seguinte questão de direito: </font><i><font>“Saber se a falta da notificação da cessão de créditos aos devedores, em momento prévio ao incidente de habilitação, afeta ou não a eficácia do aludido negócio”.</font></i><br> </p><p><i><font> </font></i><br> </p><p><b><font>7.</font></b><font> Os recorrentes na sua alegação de recurso, formularam as seguintes conclusões:</font><br> </p><p><font>«I) O presente recurso vem interposto do douto Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, datado de 25/06/2020, relatado pelo Sr. Juiz Desembargador Silva Rato, que decidiu julgar improcedente o recurso de apelação anteriormente interposto e confirmou a decisão recorrida de 1.ª Instância, na qual foi julgada procedente a pretensão formulada pela Requerente, declarando-a habilitada na acção, em substituição da Exequente Caixa Geral de Depósitos, S.A.</font><br> </p><p><font>II) Com efeito, entendeu o Venerando Tribunal recorrido que, no caso dos autos, os créditos da Exequente foram transmitidos para a Recorrida por via de cessão de créditos e que a mesma é eficaz relativamente aos Recorrentes, porquanto foram notificados de tal cessão por via da sua notificação para o incidente de habilitação, nos termos do disposto na alínea a), do n.º 1, do artigo 356.º, da Lei Processual Civil, o que não pode merecer em qualquer medida o aplauso dos Recorrentes.</font><br> </p><p><font>III) De facto, o presente recurso de revista excepcional é interposto à luz do preceituado no artigo 672.º, n.º 1, alínea c) e do n.º 2, alínea c), do C.P.C., por existir contradição entre o Acórdão recorrido e os Acórdãos fundamento que ora se juntam para os devidos efeitos legais, relativamente à questão de a falta da notificação da cessão de créditos aos devedores em momento prévio ao incidente de habilitação afectar ou não a eficácia do negócio quanto a eles.</font><br> </p><p><font>IV) Por conseguinte, o Acórdão recorrido, quanto a esta questão, defende que, sendo a notificação ao devedor da cessão do crédito uma mera condição de eficácia desse negócio quanto aquele, a citação para o incidente de habilitação de cessionário constitui um meio próprio para notificar os Executados/devedores da cessão à Requerente do crédito que a Exequente anteriormente tinha sobre os Executados.&nbsp; </font><br> </p><p><font>V) Podendo, assim, concluir-se que o Acórdão recorrido entende que a falta de notificação extrajudicial da cessão de créditos aos devedores pode ser ultrapassada com a citação dos devedores para o incidente de habilitação, em sentido contrário do entendimento plasmado no Acórdão fundamento, do Supremo Tribunal de Justiça, de 14/11/2000, C.J. – S.T.J. 2000, Tomo III, pág. 121, com os seguintes moldes:</font><br> </p><p><u><font>“(…) A citação, como a notificação, tem um conteúdo determinado, pelo qual se avaliam e determinam os respectivos efeitos na esfera jurídica da pessoa citada. … À citação não podem pois, ser atribuídos os efeitos que o n.º 1 do artigo 583.º determina para a notificação do devedor.</font></u><br> </p><p><u><font>(…) Os efeitos da citação são os indicados no artigo 481.º do Código de Processo Civil …</font></u><br> </p><p><u><font>Nesse conjunto de efeitos não têm lugar os que o n.º 1 do artigo 583.º do Código Civil atribui à notificação da cessão ao devedor, relativamente a ele. …”.</font></u><font> (Sublinhado nosso). </font><br> </p><p><font>VI) De igual modo, este Acórdão fundamento prossegue ainda nos seguintes termos:</font><br> </p><p><font>“ … </font><u><font>Ora, um dos elementos essenciais da presente causa, porque integrante da causa de pedir, é, precisamente, o da notificação da cessão de créditos ou a sua aceitação por parte do devedor, quer isto dizer que, antes da citação, já tal elemento deverá fazer parte do elenco dos factos articulados no petitório, para que, uma vez citado o devedor, tal facto esteja adquirido definitivamente para a causa, juntamente com os demais elementos que constituem a causa de pedir. …”.</font></u><font> (Sublinhado nosso).</font><br> </p><p><font>VII) Por sua vez, dando o seu apoio a este aresto podemos citar na doutrina as posições de Mário Júlio de Almeida Costa, in “Direito das Obrigações”, 11.ª edição, Almedina, Coimbra, 2008, pág. 818, nota 2 e ainda a do Prof. Menezes Leitão, in “Direito das Obrigações”, Volume II, 10.ª Edição, 2016, pág. 26, com os seguintes moldes:</font><br> </p><p><u><font>“(…) A cessão de créditos apenas produz efeitos em relação ao devedor desde que lhe seja notificada, ainda que extrajudicialmente, ou desde que ele a aceite (art. 583.º, n.º 1). A notificação e a aceitação não estão sujeitas a forma especial (cfr. art. 219.º). Não se pode, no entanto, considerar equivalente à notificação o facto de o cessionário se limitar a instaurar contra o devedor acção de cobrança de crédito, podendo inclusive a aceitação ser efectuada tacitamente (art. 217.º) ...”.</font></u><font> (Sublinhado nosso).</font><br> </p><p><font>VIII)&nbsp;&nbsp;&nbsp; Nesta conformidade, ao contrário do que se sustenta no douto acórdão recorrido, não se podem atribuir à citação os efeitos previstos no n.º 1, do artigo 583.º, do C.C., tendo esta notificação aos Recorrentes da cessão de créditos que ser prévia à dedução do incidente de habilitação pela Recorrida.</font><br> </p><p><font>IX) Em tal caso, os requisitos de validade e eficácia da cessão de créditos invocada pela Recorrida teriam que estar já na sua titularidade no momento da dedução do incidente de habilitação, o que não se verificou no presente caso concreto.</font><br> </p><p><font>X) Além disso frise-se ainda que o entendimento sufragado pelo Acórdão recorrido está ainda em contradição com outro Acórdão fundamento, proferido por este Supremo Tribunal de Justiça, datado de 12/06/2003, no âmbito do Processo n.º 03B1762, de igualmente se junta a respectiva cópia.</font><br> </p><p><font>XI) Na realidade, a respeito da mesma questão de direito, este segundo Acórdão fundamento sufraga o seguinte entendimento, ao qual também aderimos e seguimos de perto:</font><br> </p><p><font>“(…) A eficácia do direito de crédito do cessionário contra o devedor depende, em termos substantivos, da referida comunicação ao segundo ou da sua aceitação do contrato de cessão, pelo que deve integrar a causa de pedir na acção e, como é natural, devem preceder a propositura da acção intentada pelo cessionário contra o devedor.</font><br> </p><p><font>Tendo em conta o fim e os efeitos primários e secundários do acto de citação no processo e o fim do acto de notificação ao devedor do contrato de cessão do direito de crédito, não pode o primeiro valer em termos de equivalência de efeitos jurídicos ao segundo. (…)”.</font><br> </p><p><font>XII) Deste modo, a contradição entre o Acórdão recorrido e os dois Acórdãos fundamento sobre a mesma matéria é evidente, daí que V. Exas. devem considerar verificada a contradição apontada e admitir o presente recurso de revista excepcional, prevalecendo, sobre a questão em apreço, a interpretação plasmada nos Acórdãos fundamento.</font><br> </p><p><font>XIII) Encontrando-se, assim, verificada a norma como requisito de admissão do recurso de revista excepcional que se interpõe, pelo que, salvo o respeito por opinião contrária, devem V. Exas. reconhecer a prevalência da interpretação plasmada nos Acórdãos fundamento.</font><br> </p><p><font>XIV) Face ao supra exposto, pese embora esta questão não conheça tratamento uniforme nas nossas doutrina e jurisprudência, no nosso modesto entender, a legitimidade substantiva da Recorrida apenas estaria assegurada com a notificação da alegada cessão de créditos aos Recorrentes em momento anterior à dedução do incidente de habilitação.</font><br> </p><p><font>XV) Por outro lado, à luz do disposto no artigo 672.º, n.º 1, alínea c), do C.P.C., o Acórdão recorrido encontra-se ainda em contradição com o entendimento perfilhado por alguns Acórdãos de Tribunais de Relação, como é o caso do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, datado de 17/12/2014, em que decidiu:</font><br> </p><p><font>“(…) Pouco temos a acrescentar a esta posição porquanto a citação tem apenas uma tríplice função, a saber:</font><br> </p><p><font>- dar conhecimento ao réu de que foi contra ele proposta uma determinada acção;</font><br> </p><p><font>- convidar o demandado para se defender;</font><br> </p><p><font>- constituí-lo como parte. (…).”</font><br> </p><p><font>XVI)&nbsp;&nbsp;&nbsp; Integrado nesta corrente jurisprudencial, cite-se ainda o entendimento plasmado em Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, datado de 18/06/2007, referente ao Proc. n.º 0753072, nos seguintes termos:</font><br> </p><p><font>&nbsp;I – A cessão de créditos para ser válida perante o devedor tem de lhe ser notificada ou por este aceite.</font><br> </p><p><font>II – O credor-cessionário para poder propor a acção contra o devedor terá de previamente de o notificar (judicial ou extrajudicialmente), não se podendo atribuir tal valor à citação nesta acção.”</font><br> </p><p><font>XVII)&nbsp;&nbsp; De igual jeito, com as devidas adaptações ao presente incidente de habilitação, cite- se o entendimento plasmado em Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, datado de 19/09/2017, no qual se salienta:</font><br> </p><p><u><font>“ I – Ainda que não se configure como elemento essencial para a perfeição do contrato e para a efectiva transmissão do crédito, a notificação da cessão ao devedor – ou a sua aceitação – corresponde a uma condição de eficácia da cessão relativamente ao devedor, pelo que, antes dessa notificação ou aceitação, o cessionário não está legitimado a exigir o crédito ao devedor e a instaurar contra o mesmo a respectiva acção executiva.</font></u><br> </p><p><u><font>II – Tal notificação não poderá ser efectuada mediante a citação a efectuar na acção executiva, devendo o credor/cessionário – no requerimento executivo – alegar (e provar documentalmente, se possível) que a cessão de créditos já foi notificada ao devedor/executado ou que este já a aceitou.”</font></u><font> (Sublinhado nosso).</font><br> </p><p><font>XVIII) Desta feita, a notificação dos Recorrentes, um dos elementos que integram a causa de pedir do incidente de habilitação, já tinha de fazer parte (e de estar já adquirido para a causa), do elenco de factos articulados no seu articulado.</font><br> </p><p><font>XIX) Nesta medida, sendo um dos elementos da causa de pedir e um dos requisitos do direito da Recorrida, pretensa credora-cessionária, sempre este deveria ter notificado os Recorrentes, enquanto devedores, da cessão de créditos em apreço (ou então que estas a tivessem aceite), o que no caso concreto não sucedeu em qualquer medida.</font><br> </p><p><font>XX) Posto isto, quando deduziu o incidente de habilitação de cessionária, o direito da Recorrida ainda não se tinha completado perante os Recorrentes, ou seja, quando deduziu o incidente ainda não tinha (perante os devedores para quem a cessão ainda não era eficaz) o direito de que se arrogava, razão pela qual tal cessão não lhes poderá ser oponível, sendo ineficaz relativamente aos mesmos.</font><br> </p><p><font>XXI) Por seu turno, da fotocópia da escritura da cessão de créditos celebrada entre a Exequente e Requerente, concretamente a fls. 54 do livro 40-A, junta por esta aquando da dedução do incidente de habilitação, resulta o seguinte teor:</font><br> </p><p><font>“(…) </font><u><font>- Que a cessão ora efectuada pela CEDENTE a favor da CESSIONÁRIA será, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 583.º do Código Civil, notificada pela CEDENTE e pela CESSIONÁRIA aos devedores e aos garantes.</font></u><font> (…)” (Sublinhado nosso).</font><br> </p><p><font>XXII) Porém, compulsados os autos, não foi carreado para os mesmos qualquer elemento probatório que permita demonstrar, com um grau mínimo de certeza e segurança, a consumação do efectivo conhecimento pelos Recorrentes da existência de qualquer cessão de créditos à Recorrida ou de que a esta tenha sido efectiva e previamente cedido qualquer crédito existente sobre aqueles.</font><br> </p><p><font>XXIII) Efectivamente, considerando a inexistência nas fotocópias das alegadas cartas de qualquer um dos números de objecto dos C.T.T. em apreço, não se demonstra que tais cartas tenham sido remetidas ou entregues aos Recorrentes, muito menos em que datas, pelo que, assim sendo, nunca a notificação da pretensa cessão de créditos poderá ter sido regularmente efectuada, quer pela Exequente, enquanto Cedente, quer pela Requerente, enquanto Cessionária, sendo a mesma ineficaz perante os Recorrentes, uma vez que, além de não ter sido efectuada, a mesma nunca teria cumprido as disposições legais que lhe são aplicáveis.</font><br> </p><p><font>XXIV) Todavia, aquela notificação era essencial para que a cessão do crédito fosse eficaz perante os Recorrentes, como decorre do teor das estipulações do contrato de cessão de créditos invocado, bem como do preceituado no artigo 583.º, n.º 1, do C.C., razão pela qual a cessão de créditos em apreço é inoponível e ineficaz relativamente aos Recorrentes.</font><br> </p><p><font>XXV) Em bom rigor, atendendo ao teor da escritura de cessão de créditos celebrada entre Exequente e Requerente, aqui Recorrida, a cláusula contratual supra indicada consubstancia uma condição de eficácia do negócio de cessão de créditos, em termos de não poder a mesma produzir efeitos na esfera jurídica dos Recorrentes, enquanto terceiros de tal cessão de crédito, no caso daquela notificação não ser cumprida.</font><br> </p><p><font>XXVI) Nesta senda, ao terem consagrado esta posição no contrato de cessão de créditos, parece-nos evidente que a notificação aos devedores da cessão deveria ter sido feita extrajudicialmente, sob pena de a mesma não lhes poder ser oponível, o que é incompatível com o entendimento acolhido pelo Tribunal recorrido relativo.</font><br> </p><p><font>XXVII) Destarte, salvo o respeito por melhor opinião, o douto Acórdão recorrido, ao entender de modo diverso, violou o estipulado pelas partes nesse contrato de cessão de créditos e o preceituado no artigo 583.º, n.º 1, do C.C.</font><br> </p><p><font>XXVIII) Por outra banda, no que concerne à legitimidade da Recorrida, o douto Tribunal recorrido adoptou o seguinte entendimento, que passamos a transcrever:</font><br> </p><p><font>“(…) Daí que, em face da relação jurídica controvertida tal como é definida pela Requerente do presente Incidente Habilitação, esta tem legitimidade processual activa para intentar a sua habilitação para prosseguir na Execução de que este Incidente é apenso, no lugar da CGD. (…).”</font><br> </p><p><font>XXIX) Porém, de toda a documentação junta no articulado da Recorrida e nos seus requerimentos, não logra a mesma demonstrar que haja adquirido da sociedade cedente (Exequente), quaisquer direitos de crédito que a mesma fosse titular sobre os Recorrentes, pelo que, com o devido respeito, não podemos acompanhar a argumentação explanada no Acórdão posto em crise.</font><br> </p><p><font>XXX) Não logrando, assim, a Recorrida demonstrar quais os direitos de créditos que constituem o objecto da alegada cessão de créditos celebrada, muito menos que entre esses direitos de crédito se encontra algum crédito a deter sobre os Recorrentes, pelo que, assim sendo, a legitimidade substantiva da Recorrida apenas estaria assegurada com a notificação da alegada cessão de créditos aos Recorrentes em momento anterior à instauração do incidente de habilitação, o que, de facto, não sucedeu.</font><br> </p><p><font>XXXI) Neste sentido, veja-se como se decidiu no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, datado de 27/09/2004, onde se pode ler:</font><br> </p><p><font>“ … Se os requerentes peticionam a sua habilitação, alegando, com base em documentação que juntaram, terem obtido a cessão de um crédito e os requeridos, na oposição, alegaram a inexistência de tal crédito e desconhecerem a autenticidade de tal documento, tal oposição é legalmente consentida por exprimir impugnação do documento particular oferecido pelos requerentes, não podendo, na ausência de outras provas, considerar-se procedente o pedido incidental.”</font><br> </p><p><font>XXXII) Com efeito, igualmente em contradição com o entendimento do Tribunal recorrido, saliente-se ainda o entendimento sufragado pelo Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 19/09/2017, referente ao Proc. n.º 7825/16.3T8CBR.C1, onde se pode ler:</font><br> </p><p><u><font>“(…) Mas, ainda que não se configure como elemento essencial para a perfeição do contrato e para a efectiva transmissão do crédito, a notificação da cessão ao devedor – ou a sua aceitação – corresponde seguramente a uma condição de eficácia da cessão relativamente ao devedor, uma vez que, se messa a notificação ou aceitação, a cessão não produz qualquer efeito em relação ao devedor. (…).”</font></u><font> (Sublinhado nosso).</font><br> </p><p><font>XXXIII) Paralelamente, com a devida adaptação aos contornos do presente caso concreto, sublinhe-se ainda o entendimento perfilhado pelo Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 13/06/2019, referente ao Proc. n.º 2915/18.0T8VCT-B.G1, onde se pode ler no respectivo sumário:</font><br> </p><p><u><font>“(…) III – Os pressupostos de validade e regularidade da instância executiva devem, em regra, estar presentes no momento em que a execução é proposta. É com referência a esse momento que se afere a legitimidade do exequente. Por isso, a citação para a execução não pode servir para dotar de eficácia um contrato com base no qual a execução é instaurada, isto é, um contrato de cuja eficácia depende a própria legitimidade do exequente.</font></u><br> </p><p><u><font>IV – Tal pressuposto tem de verificar-se nesse momento, isto é, à semelhança dos casos de sucessão no direito (desvios à regra previstos no art. 54.º do CPC), no próprio requerimento executivo têm de ser alegados os factos constitutivos da cessão de créditos e da sua plena eficácia, juntando-se, além da livrança, o contrato de cessão de créditos e a notificação efectuada ao devedor.”</font></u><font> (Sublinhado nosso).</font><br> </p><p><font>XXXIV) Assim sendo, estando em causa uma cessão de créditos, deveria ainda a Recorrida alegar e provar documentalmente que está em condições de exigir o crédito aos Recorrentes em virtude de tal cessão lhe ter sido notificada ou ter sido por eles aceite, não podendo, contudo, ser admitida um incidente de habilitação deduzido pela cessionária do crédito sem que seja alegada e provada a prévia notificação ou aceitação da cessão pelo devedor.</font><br> </p><p><font>XXXV) Não preenchendo, assim, a Recorrida os requisitos de legitimidade processual e substantiva para ser julgada habilitada a prosseguir a acção executiva contra os Recorrentes, uma vez que não logrou demonstrar, como lhe incumbia, nem que o crédito exequendo sobre estes tenha sido incluído na cessão de créditos em apreço, nem ainda que os mesmos tenham sido notificados previamente da cessão de créditos, por força do disposto no artigo 583.º, n.º 1, do C.C.</font><br> </p><p><font>XXXVI) Nesta conformidade, salvo o devido respeito por opinião contrária, a Recorrida não reúne os necessários requisitos de legitimidade processual e substantiva para assumir a qualidade de credora em relação ao direito de crédito em causa, pelo que, nos termos e para os efeitos das disposições combinadas dos artigos 571.º, n.º 2, 576.º, n.º 3 e 579.º, ambos do C.P.C., verifica-se, </font><i><font>in casu</font></i><font>, uma excepção peremptória impeditiva, que importa a absolvição total dos Recorrentes do pedido formulado pela Recorrida.</font><br> </p><p><font>Sem conceder em nada do que foi supra exposto, o que só se equaciona por dever de patrocínio forense, frise-se ainda que,</font><br> </p><p><font>XXXVII) De facto, como o douto Tribunal recorrido admite, tendo o código do contrato de empréstimo o n.º PT...085, não foi permitido estabelecer “… qualquer &nbsp;correspondência entre a referência desse contrato (PT+16 números) e qualquer das referências da dita lista (PT +19 números)”, o que terá levado o Tribunal de 2.ª Instância a pensar que “… terá havido engano na junção da atinente folha de cedência do crédito dos aqui Executados, engano esse que não tem relevo para apreciação da causa, como veremos).”</font><br> </p><p><font>XXXVIII) De facto, compulsados os autos não é possível estabelecer essa correspondência entre os créditos incluídos na lista indicada pela Recorrida e o crédito que a Exequente detinha sobre os Recorrentes, pelo que, se terá havido engano ou não por parte da Recorrida, é sobre esta que recai o ónus de demonstração dos factos constitutivos do direito que invoca, à luz da regra geral do artigo 342.º, n.º 1, do C.C.</font><br> </p><p><font>XXXIX) Em tal caso, a não demonstração de que o crédito que invoca sobre os Recorrentes se inclui nessa lista certamente que é um aspecto que lhe é desfavorável, pelo não cumprimento do ónus probatório que sobre si impende.</font><br> </p><p><font>XL) Na realidade, a presunção registal de titularidade, constante do artigo 7.º do Código do Registo Predial, não abarca os elementos constantes das inscrições, averbamentos ou discrições, mas apenas o que resulta do facto jurídico inscrito tal como foi registado.</font><br> </p><p><font>XLI) Como decorre do artigo 2.º do Código do Registo Predial, o que se regista são os factos jurídicos (neste caso, a alegada cessão de créditos) e não as situações jurídicas a que se pretende dar publicidade (o direito de propriedade ou outros).</font><br> </p><p><font>XLII) De igual modo, salvo o devido respeito, o caso dos autos não corresponde a nenhuma situação excepcional de aquisição tabular, constantes nos artigos 5.º, 17.º, n.º 2, 122.º, do Código do Registo Predial ou no artigo 291.º, do C.C., pelo que, assim sendo, sempre a presunção constante do artigo 7.º do Código do Registo Predial, apresenta natureza ilidível.</font><br> </p><p><font>XLIII) Deste modo, ainda que a Recorrida tenha registado a cessão de créditos na Conservatória de Registo Predial, a função primacial do registo é publicitar situações jurídicas reais, não sendo o seu efeito, em regra, atributivo de direitos reais.</font><br> </p><p><font>XLIV)&nbsp; Desta feita, existe uma divergência entre a ordem substantiva e a ordem registal, devendo a primeira prevalecer sobre a segunda, ilidindo-se assim a presunção de titularidade a que refere o artigo 7.º do Código do Registo Predial.</font><br> </p><p><font>XLV)&nbsp;&nbsp; Nesta conformidade, sempre a Recorrida deveria ter efectuado a devida demonstração de que o crédito que invoca sobre os Recorrentes foi efectivamente objecto desse contrato de cessão de créditos, o que não logrou fazer, quer pelos documentos que juntou aos autos, quer por ser inaplicável a presunção de titularidade registal, quer ainda por a situação </font><i><font>sub judice</font></i><font> não corresponder a nenhuma aquisição tabular.</font><br> </p><p><font>XLVI) Aqui chegados, à luz do supra exposto e do mais que seja doutamente suprido por V. Exas., cumpre o douto Acórdão recorrido ser revogado e substituído por outro que julgue a Recorrida parte ilegítima (quer sob o ponto de vista substantivo, quer sob o ponto de vista processual) e que absolva os Recorrentes da presente instância, com as demais consequências legais.</font><br> </p><p><font> </font> </p><p><font>Nestes termos e nos demais de direito, que V. Exas doutamente suprirão, deve ser dado provimento ao presente recurso de revista excepcional e, por via dele, ser revogado o douto Acórdão recorrido, nos termos supra expostos, sendo o mesmo substituído por outro que absolva os Recorrentes da presente instância, assim e como sempre, se fazendo a integral e acostumada</font> </p><p><font>JUSTIÇA!»</font><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><font>Cumpre apreciar e decidir.</font><br> </p><p><b><font> </font></b><br> </p><p><b><font>II – Fundamentação</font></b><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><b><font>A – Os factos provados</font></b><br> </p><p><font>O tribunal de 1.ª instância proferiu a seguinte decisão quanto à matéria de facto:</font><br> </p><p><font>«Com relevo para a decisão a proferir está provada a seguinte factualidade e dinâmica processual: </font><br> </p><p><font>1) A Caixa Geral de Depósitos, SA instaurou a acção de execução a que o presente incidente se encontra apenso, com vista à cobrança do montante de 81.780, 28 euros.</font><br> </p><p><font>2) Por contrato de cessão de créditos celebrado em 30 de janeiro de 2019 a Caixa Geral de Depósitos, SA cedeu à requerente um conjunto de créditos de que era titular sobre terceiros, em que se inclui o crédito exequendo.»</font><br> </p><p><b><font>&nbsp;</font></b><br> </p><p><b><font>B – O Direito</font></b><br> </p><p><b><font>1.</font></b><font> A questão a dirimir é a de saber se</font><i><font> </font></i><font>a falta da notificação da cessão de créditos aos devedores, em momento prévio ao incidente de habilitação, afeta ou não a eficácia do aludido negócio.</font><br> </p><p><font>O Acórdão recorrido quanto a esta questão defende que, sendo a notificação ao devedor da cessão do crédito uma mera condição de eficácia desse negócio, a citação para o incidente de habilitação de cessionário constitui um meio próprio para notificar os Executados/devedores da cessão à Requerente do crédito que a Exequente detinha sobre os Executados. O Acórdão recorrido entende, assim, que a falta de notificação extrajudicial prévia da cessão de créditos aos devedores pode ser ultrapassada com a citação destes para o incidente de habilitação, e que a requerente tem, portanto, legitimidade processual ativa para intentar o presente incidente de habilitação e para prosseguir a Execução no lugar da Caixa Geral de Depósitos, SA.</font><br> </p><p><font>Já no acórdão-fundamento – o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12 de junho de 2003 (Processo n.º 03B1762 ) – adotou-se uma orientação distinta, nos termos da qual, &nbsp;</font><i><font>“A eficácia do direito de crédito do cessionário contra o devedor depende, em termos substantivos, da referida comunicação ao segundo ou da sua aceitação do contrato de cessão, pelo que deve integrar a causa de pedir na acção e, como é natural, devem preceder a propositura da acção intentada pelo cessionário contra o devedor.”</font></i><br> </p><p><i><font>&nbsp;</font></i><br> </p><p><b><font>2.</font></b><i><font> Quid iuris?</font></i><br> </p><p><font>A cessão de créditos define-se como um contrato pelo qual o credor transmite a terceiro, independentemente do consentimento do devedor, a totalidade ou uma parte do seu crédito, traduzindo-se na substituição do credor originário por outra pessoa, mas sem produzir a substituição da obrigação antiga por uma nova, mantendo-se inalterados os restantes elementos da relação obrigacional, com a única modificação subjetiva que consiste na transferência do lado ativo da relação obrigacional. </font><br> </p><p><font>A questão de direito dos presentes autos opõe duas teses: aquela a que aderiu o acórdão recorrido, que equipara a citação do devedor para o incidente de habilitação (ou para a ação executiva) à notificação exigida pelo artigo 583.º, n.º 1, do Código Civil como requisito de eficácia da cessão de créditos em relação ao devedor cedido e, uma outra tese mais exigente quanto aos formalismos, segundo a qual a comunicação ao devedor da cessão de créditos deve ter lugar em momento anterior à propositura da ação e que a notificação da cessão constitui um facto a alegar nos articulados e integrador da causa de pedir da ação. Esta segunda tese, todavia, não se revela adequada nem à letra nem à finalidade da lei. Por um lado, o artigo 583.º, n.º 1 não prevê uma enumeração taxativa dos meios pelos quais o devedor obtém o conhecimento da cessão e, por outro, o objetivo da lei com a cessão é precisamente o de promover as vantagens associadas à livre circulação de créditos num tempo em que estes assumem uma importância económica crescente. </font><br> </p><p><font>A tese que exige que a notificação seja anterior à ação executiva surge como um corpo estranho no regime jurídico da cessão de créditos, que admite que a notificação da cessão pode ser extrajudicial e não está sujeita a forma. Conforme defendido por Vaz Serra, «Cessão de Créditos e de outros direitos», </font><i><font>BMJ,</font></i><font> n.º especial, 1955, p. 222, «(…) </font><i><font>[a] notificação não é um negócio jurídico, pois por ela não se exprime uma vontade dirigida a efeitos jurídicos determinados: quer-se apenas informar terceiros do facto da cessão. Mas, isto não obsta a que lhe sejam aplicáveis, por analogia, (…) as normas relativas aos negócios, uma vez que é uma ação voluntária lícita com efeitos semelhantes aos dos negócios jurídicos».</font></i><font> A notificação constitui, assim, uma declaração recetícia através da qual é dado a conhecer ao devedor cedido o facto da transmissão do crédito. Esta declaração não está sujeita a forma especial, podendo ser feita de forma expressa ou tácita (artigos 217.º e 219.º, ambos do Código Civil). A isto acresce que a lei se basta, para a eficácia da cessão em relação ao devedor, com o seu </font><i><font>conhecimento</font></i><font>, não exigindo a sua </font><i><font>autorização </font></i><font>(artigo 577.º, n.º 1, do Código Civil). Assim, não há motivos legais nem práticos que impeçam que o conhecimento do devedor se adquira ou concretize através de várias formas, entre as quais se conta a citação para a ação. Com efeito, apesar das diferenças normalmente apontadas entre a notificação e a citação, é inegável que ambas produzem o conhecimento da transmissão do crédito por parte do devedor, sendo o conhecimento o único elemento constitu
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><b><font> </font></b><div><i><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça</font></i></div><br> <p><i><font> </font></i> </p><p><b><font>I - Relatório</font></b> </p><p> </p><p><b><font>AA,</font></b><font> residente na......, instaurou a presente ação declarativa com processo comum, contra </font><b><font>BB</font></b><font> e mulher, </font><b><font>CC,</font></b><font> residentes em …, ….., pedindo que se condene estes a:</font><br> </p><p><font>a - reconhecerem que em dezembro de 2013 celebraram um contrato de empreitada com o Autor para construção de uma casa de habitação unifamiliar;</font><br> </p><p><font>b - reconhecerem que esse contrato de empreitada extinguiu-se por desistência dos Réus;</font><br> </p><p><font>c - pagarem ao Autor a quantia de 53.450,00€, a título de trabalhos executados e não liquidados e prejuízos sofridos, acrescida de juros de mora legais, contados desde a citação e até efetivo e integral pagamento.</font> </p><p><font>Para tanto alega, em síntese, dedicar-se à atividade de construção civil, edificando casas e que no exercício dessa sua atividade celebrou com os Réus um contrato de empreitada nos termos do qual se obrigou a construir para aqueles uma casa de habitação unifamiliar, tipo T4, constituída por 2 pisos, no lugar......., concelho ....., pelo preço de 190.000,00 euros, com IVA já incluído, a ser pago em oito prestações;</font> </p><p><font>No decurso da obra, os Réus solicitaram ao Autor a realização de trabalhos não previstos na empreitada inicial, bem como alterações de alguns materiais a utilizar na obra, o que foi aceite mediante a obrigação dos Réus lhe pagarem € 2.000,00 referente à execução de um tanque/depósito de água;</font> </p><p><font>Autor e Réus acordaram que, no final da obra, o valor daquele trabalho extra seria liquidado aquando do pagamento da última prestação, ou seja, no ato de entrega da obra;</font> </p><p><font>No final de dezembro de 2015, por sugestão dos próprios Réus, o Autor contratou a “Susazub Unipessoal, Lda.”, em regime de subempreitada, para execução dos acabamentos interiores da obra, pelo preço de 25.000,00 euros;</font> </p><p><font>Acontece que no início de março de 2016, quando decorriam os trabalhos de acabamento interiores por parte da dita empresa, os Réus comunicaram ao Autor que não pretendiam que este continuasse os trabalhos, alegando que alguns trabalhos executados apresentavam defeitos e recusando-se a pagar o valor em débito ao Autor, que não aceitou essa posição dos Réus, referindo-lhes que os trabalhos de conclusão da obra estavam a decorrer e que procederia à eliminação dos defeitos que eventualmente existissem e sugerindo a realização de uma vistoria à obra;</font> </p><p><font>Acontece que os Réus nunca mostraram interesse em realizar a dita vistoria, apesar das diversas interpelações promovidas pelo Autor.</font> </p><p><font>Em 11 de março de 2016, o Autor, acompanhado do diretor técnico da obra e do seu advogado, deslocou-se à obra para acompanhar a execução dos acabamentos interiores e para verificar a existência das alegadas patologias e, bem assim procedimentos a adotar para a sua eliminação, mas foram proibidos de aceder à obra pelos responsáveis e funcionários da tal empresa que o Autor havia contratado para conclusão dos acabamentos interiores, os quais alegaram que tinham ordens dos Réus para impedirem o acesso do Autor à obra e que os trabalhos entregues pelo Autor em regime de subempreitada seriam liquidados diretamente pelos Réus à dita empresa.</font> </p><p><font>Nesse mesmo dia, o Réu-marido, através do seu mandatário, reiterou essa posição que tinha sido notificada ao Autor aquando da deslocação à obra e solicitou que removesse os equipamentos que tinha nesta, alegando a existência de defeitos.</font> </p><p><font>O Autor respondeu reiterando a indicação de uma data para efeitos de realização de uma vistoria técnica à obra a fim de verificar o estado da mesma e da possível existência de anomalias e acerto dos valores em dívida ao Autor.</font> </p><p><font>Acontece que os Réus não mais contactaram o Autor e não lhe permitiram que desse continuidade aos trabalhos, sequer que verificasse e eliminasse eventuais defeitos, impossibilitando-o, inclusivamente que alguns trabalhos iniciados por subempreiteiros e objeto de pagamento integral por parte do Autor, fossem totalmente concluídos, como foi o caso do capoto, das caixilharias, entre outros, optando os Réus por desistirem do contrato, com o objetivo de não procederem ao pagamento do valor em dívida ao Autor, agindo de má fé e enriquecendo, dessa forma o seu património à custa do património daquele.</font> </p><p><font>Do valor inicialmente acordado para execução da obra (€190.000,00), os Réus pagaram ao Autor a quantia de €118.750,00.</font> </p><p><font>Ao referido valor pago pelos Réus ao Autor, deverá ser tido em conta a quantia de €25.000,00 referente aos trabalhos de acabamentos interiores objeto de subempreitada por parte do Autor à dita empresa Susazub e, bem assim a quantia de 13.800,00 euros que o Autor teria de despender para a conclusão integral da obra, do que resulta um crédito a favor do Autor de € 32.450,00, a que acresce o valor de 2.000,00 euros, correspondente ao preço dos trabalhos a mais que executou.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Acresce que o Autor tinha a expectativa de retirar um proveito da obra nunca inferior a 10% do valor da empreitada, ou seja, 19.000,00€, que os Réus estão obrigados a pagar-lhe, cifrando-se a quantia em dívida a 53.450,00€.</font><br> </p><p><font> </font> </p><p><font>Os Réus contestaram, defendendo-se por exceção e por impugnação e deduzindo reconvenção.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Invocaram a exceção da nulidade do contrato de empreitada celebrado, por alegada inobservância da forma escrita.</font> </p><p><font>Invocaram a exceção do pagamento, alegando terem pago ao Autor a quantia total de 158.700,00 euros.</font> </p><p><font>Impugnaram parte dos factos alegados pelo Autor. </font> </p><p><font>Concluíram pela improcedência da ação.</font> </p><p><font>Deduziram reconvenção, pedindo a condenação do Autor a pagar-lhes uma indemnização de 7.500,00 euros, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos.</font> </p><p><font>Para tanto alegam que o Autor incumpriu com o prazo acordado para a conclusão da obra e que os trabalhos por ele executados apresentam os defeitos que identificam na contestação-reconvenção, com o que os privou do uso e do gozo da moradia, causando-lhes vários danos não patrimoniais.</font> </p><p><font>Acresce que o Autor não pagou parte dos trabalhos aplicados na obra, vendo-se os Réus confrontados com interpelações feitas pelos fornecedores desses materiais, que pretendem que estes paguem o preço desses materiais, com o que o Autor colocou em crise o bom nome e a reputação dos Réus.</font> </p><p><font>Acresce ainda, que os Réus pagaram à empresa subcontratada pelo Autor trabalhos, pelos quais já tinham entregue ao Autor a quantia de 5.110,00 euros, impondo-se que este restitua aos Réus essa quantia.</font><br> </p><p><font> </font> </p><p><font>O Autor não replicou.</font> </p><p><font>Dispensou-se a realização de audiência prévia, admitiu-se a reconvenção, fixou-se o valor da presente ação em 60.950,00 euros, proferiu-se despacho saneador tabelar, fixou-se o objeto do litígio e os temas de prova, que não foram alvo de reclamação.</font> </p><p><font>Conheceu-se dos requerimentos de prova apresentados pelas partes e determinou-se oficiosamente a realização de perícia à obra.</font> </p><p><font>Junto aos autos o relatório pericial, os Réus reclamaram deste, tendo essa reclamação sido atendida pelo tribunal </font><i><font>a quo</font></i><font>, que determinou que a senhora perita prestasse os esclarecimentos requeridos pelos Réus.</font> </p><p><font>Prestados esses esclarecimentos, designou-se data para a realização de audiência final. </font> </p><p><font>Realizada audiência final, proferiu-se sentença, julgando a ação parcialmente procedente e a reconvenção improcedente, da qual consta a seguinte parte dispositiva:</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>“Por tudo o exposto:</font> </p><p><font>1º- Julgo a presente ação apenas parcialmente procedente, pelo que:</font> </p><p><font>a) Condeno os réus a reconhecerem que em dezembro de 2013 celebraram um contrato de empreitada com o Autor para construção de uma casa de habitação unifamiliar.</font> </p><p><font>b) Condeno os réus a reconhecerem que o contrato de empreitada aludido em a) se extinguiu por desistência dos Réus.</font> </p><p><font>c) Condeno os réus a pagarem ao Autor a quantia de € 7.125,00 (sete mil cento e vinte e cinco euros), acrescida de juros de mora legais, contados desde a citação e até efetivo e integral pagamento.</font> </p><p><font>d) Absolvo os réus do mais peticionado.</font> </p><p><font>2º- Julgo totalmente improcedente a reconvenção formulada, pelo que absolvo o autor/reconvindo do pedido.</font> </p><p><font>3º- Custas da ação por autor e réus, na proporção de ¼ para o autor e ¾ para os réus, e da reconvenção a cargo dos reconvintes.</font> </p><p><font>4º- Registe e notifique”.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Inconformado com o assim decidido, o Autor e os Réus interpuseram recurso de apelação para o Tribunal da Relação ……., tendo este tribunal decidido o seguinte:</font> </p><p><font>«Nesta conformidade, acordam os juízes desembargadores do Tribunal da Relação de Guimarães, em julgar a presente apelação parcialmente procedente e, em consequência:</font> </p><p><font>a - revogam a parte dispositiva da sentença em que se condena os Réus a reconhecerem que o contrato de empreitada se extinguiu por desistência e se condena os Réus a pagarem ao Autor a quantia de 7.125,00 euros, acrescida de juros de mora legais, contados desde a citação e até efetivo e integral pagamento, e absolvem os Réus desses pedidos;</font> </p><p><font>b - declaram o contrato de empreitada celebrado entre o Autor e os Réus nulo, por vício de forma;</font> </p><p><font>c - condenam os Réus a restituírem ao Autor o valor dos trabalhos que executou para aqueles na execução desse contrato de empreitada nulo até à desistência da empreitada pelos Réus, a calcular nos termos acima apontados, deduzido da quantia de 118.750,00 (cento e dezoito mil setecentos e cinquenta) euros, que os Réus já pagaram ao Autor por via da execução desses trabalhos, cujo quantum restitutório relegam para incidente de liquidação;</font> </p><p><font>d - no mais, confirmam a sentença recorrida.&nbsp; </font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Custas da ação e do recurso interposto pelo Autor, por este e pelos Réus, na proporção do respetivo decaimento, que se fixa provisoriamente em 60% para o Autor e em 40% pelos Réus, fazendo-se o rateio final no incidente de liquidação (art. 527º, n.ºs e 2 do CPC).</font> </p><p><font>Custas da reconvenção e da apelação interposta pelos Réus, pelos últimos – art. 527º, n.ºs 1 e 2 do CPC)».</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Inconformados os réus interpõem recurso de revista para este Supremo Tribunal, apresentando, na sua alegação, as seguintes conclusões:</font> </p><p><font>«1ª Os Recorrentes consideram que atento a matéria de facto dada como provada nos autos, impunha ao Venerando Tribunal da Relação a aplicação à matéria factual uma subsunção jurídica diferente.</font> </p><p><font>2ª Considerando os Recorrentes, na sua modesta opinião, que o Tribunal da Relação fez uma incorreta aplicação do Direito aos factos dados como provados.</font> </p><p><font>3ª A presente ação, fundou-se na celebração de um contrato de empreitada entre o Autor (empreiteiro) e os Réus (donos da obra), nos termos do qual o primeiro se obrigou a executar uma casa de habitação, pelo preço de 190.000,00 € com IVA incluído, a ser pago em 8 prestações, na realização de trabalhos a mais e na desistência da empreitada.</font> </p><p><font>4ª Pretendeu, assim, o Autor, com fundamento nessa concreta causa de pedir, obter condenação dos donos da obra a pagar-lhe o preço dos trabalhos que executou, incluindo os trabalhos a mais que realizou, acrescido do lucro que obteria.</font> </p><p><font>5ª Portanto, fundamentou-se a presente ação no disposto no artigo 1229º do C.C., pretendendo o empreiteiro ser indemnizado pelos Réus pelos gastos e trabalhos a mais que executou até à desistência da obra e pelos proveitos que deixou de obter.</font> </p><p><font>6ª Deste modo, a causa de pedir em que o empreiteiro sustentou os seus pedidos é a celebração do contrato de empreitada.</font> </p><p><font>7ª Os Recorrentes, na sua contestação, invocaram a nulidade do referido contrato de empreitada por vício de forma, considerando, contudo, o Tribunal da 1ª Instância, na sua decisão, considerou válido o referido contrato por observância da forma legalmente prescrita e, consequentemente, considerou que os gastos e trabalho do empreiteiro consistem na obra que executou.</font> </p><p><font>8ª Concluindo o Tribunal da 1ª Instância na sua douta decisão que da prova produzida, o empreiteiro executou os trabalhos previstos até ao ponto 5º das condições de pagamento e que recebeu as prestações devidas por esses trabalhos por parte dos Réus, nada mais tendo a receber, até porque ficou provado e o próprio Autor o admitiu, que os trabalhos que dariam lugar ao pagamento da 6ª prestação foram subempreitados e foram já pagos pelos Réus ao subempreiteiro, sendo certo que nenhum outro trabalho o empreiteiro executou e daí absolveu os Réus daqueles pedidos.</font> </p><p><font>9ª Contudo, o douto Tribunal da 1ª Instância na sua decisão condenou os Réus no pagamento da quantia de 7.125,00 €, correspondente a 10% do valor da obra, que não chegou a ser pago ao Autor a título de lucro da obra.</font> </p><p><font>10ª Os Recorrentes em sede de recurso de Apelação, suscitaram novamente a nulidade do contrato de empreitada, por vício de forma, que mereceu, por parte do Venerando Tribunal da Relação, a procedência desse fundamento de recurso e consequente absolvição dos ora Recorrentes no pagamento dos 7.125,00 € a título de lucro ou proveito da obra.</font> </p><p><font>11ª Mantendo o douto Tribunal da Relação inalterada a decisão da 1ª Instância relativamente à factualidade provada e não provada.</font> </p><p><font>12ª Assim, consideram os Recorrentes em sede do presente recurso que mantendo-se inalterada tal factualidade, não poderia o douto Tribunal da Relação, na sua decisão, condenar os Recorrentes a restituir ao empreiteiro o valor dos trabalhos que executou para aqueles, na execução desse contrato de empreitada até à desistência da empreitada pelos Réus, ora Recorrentes, cuja quantia restitutória relegou para incidente de liquidação, isto porque, além do mais, que de seguida diremos, os Réus já tinham sido absolvidos desse pedido pelo Tribunal da 1ª Instância atento terem provado que pagaram todos os trabalhos executados.</font> </p><p><font>13ª Como se sabe, a declaração de nulidade do contrato de empreitada tem efeito retroactivo, devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado pelos contraentes por via do contrato inválido, ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente – cfr. art. 289º, nº 1, do C.C..</font> </p><p><font>14ª Da matéria de facto dada como provada na 1ª Instância, que não foi alterada, resulta do ponto 22 que “Do valor inicialmente acordado para a execução da obra (190.000,00 €), os Réus pagaram ao Autor a quantia de 118.750,00 €.</font> </p><p><font>15ª Concluindo o Tribunal de 1ª Instância que o Autor (empreiteiro) executou os trabalhos previstos até ao ponto nº 5 das condições de pagamento, já que ambas as partes admitem que o Autor recebeu as cinco primeiras prestações do preço acordado.</font> </p><p><font>16ª Acrescentando o douto Tribunal da 1ª Instância “Se o Autor executou os trabalhos referidos e recebeu as prestações devidas por esses trabalhos, nada mais terá a receber pelos trabalhos executados (…)”.</font> </p><p><font>17ª Pelo que, salvo melhor entendimento, tendo os Recorrentes demonstrado ter pago todos os trabalhos executados pelo Recorrido na obra e, por via disso, foram absolvidos desses pedidos e tendo transitado tal decisão em julgado quanto à matéria de facto dada como provada, não poderia o Venerando tribunal da Relação condenar os ora Recorrentes a restituir ao Recorrido um quantitativo restitutório a liquidar em incidente de liquidação.</font> </p><p><font>18ª Isto por manifesta violação da factualidade dada como provada, do trânsito em julgado da decisão que absolveu os Recorrentes desses pedidos de condenação nos gastos e trabalhos, porquanto ficando provada em sede de 1ª Instância que o empreiteiro executou os trabalhos até ao ponto nº 5 das condições de pagamento e recebeu as prestações devidas por esses trabalhos e provando-se que nenhum outro trabalho executou, não poderia o douto Tribunal da Relação relegar para incidente de liquidação um valor que atento a factualidade dada como provada já foi pago pelos Recorrentes.</font> </p><p><font>19ª Ao assim decidir, violou, entre outras, a decisão recorrida o disposto nos artigos 347º, 289º, nº 1 e 1229º, todos do C.C. e alíneas b) e d) do artigo 615º e alínea a) do nº 2 do artigo 616º, artigo 619º, artigo 666ºe alínea c) do nº1 do artigo 674º, todos do CPC, o que se invoca para os devidos e legais efeitos.</font> </p><p><font>20ª O Acórdão sob recurso é nulo nessa parte da decisão, nos termos das alíneas b) e d) do artigo 615º e alínea a) do nº 2 do artigo 616º e artigo 619º, todos do CPC, uma vez que, mantendo-se inalterada a factualidade dada como provada na 1ª Instância de que os recorrentes pagaram todos os trabalhos executados pelo recorrido e daí nessa sede a sua absolvição desse pedido, não especificou a douta decisão sob recurso os fundamentos de facto e de direito que justifiquem a alteração da decisão da 1ª Instância e subsequente relegação desse valor para incidente de liquidação;</font> </p><p><font>21ª Ocorrendo erro na subsunção jurídica dos factos dados como provados ao Direito aplicável porquanto salvo melhor entendimento provando-se que os Recorrentes pagaram todos os trabalhos executados pelo empreiteiro na obra, não poderia o douto Tribunal da Relação por manifesta contradição relegar para incidente de liquidação novamente o pagamento de tais trabalhos, o que se invoca para os devidos e legais efeitos.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Termos em que atento o supra exposto e com o mui douto suprimento de V.Exªs, deve o presente recurso ser julgado procedente por provado e, em consequência, ser proferida douta decisão que revogue essa parte da decisão que condenou os recorrentes a restituir ao recorrido o valor dos trabalhos que executou, relegando esse valor para incidente de liquidação.</font><br> </p><p><font>Assim decidindo, farão V.Exªs a Costumada JUSTIÇA».</font> </p><p><font> </font><br> </p><p><font>O recorrido apresentou contra-alegações, que aqui se consideram integralmente reproduzidas, pugnando pela manutenção do decidido. </font><br> </p><p><font>Sabido que é pelas conclusões que se delimita o objeto do recurso, as questões a decidir são as seguintes:</font><br> </p><p><font>I – Nulidade do acórdão recorrido ao abrigo das alíneas </font><i><font>b)</font></i><font> e </font><i><font>d)</font></i><font> do n.º 1 do artigo 615.º, em conjugação com a alínea </font><i><font>a)</font></i><font> do n.º 2 do artigo 616.º e com o artigo 619.º, todos do Código de Processo Civil (CPC).</font><br> </p><p><font>II – Nulidade do contrato de empreitada e conteúdo do dever de restituição das partes, ao abrigo do artigo 289.º, n.º 1, do Código Civil.</font><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><font>Cumpre apreciar e decidir.</font><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><b><font>II – Fundamentação</font></b><br> </p><p><b><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;A – Os factos</font></b><br> </p><p><font>«1º- O Autor dedica-se à atividade de construção civil, edificando casas de habitação e outros prédios, mediante contratos de empreitada celebrados com os donos das obras.</font><br> </p><p><font>2º- Em dezembro de 2013 foi celebrado entre o Autor e os Réus um contrato de empreitada para construção de uma casa de habitação unifamiliar, tipo T4, constituída por 2 pisos, mais concretamente rés-do-chão e aproveitamento do desvão, no lugar ......., concelho .... .</font><br> </p><p><font>3º- Tendo sido fixado para o efeito o preço de 190.000,00€ (cento e noventa mil euros), IVA incluído.</font><br> </p><p><font>4º- O Autor comprometeu-se a executar os trabalhos descritos no caderno de encargos. 5º- Em contrapartida, os Réus assumiram a obrigação de pagar ao Autor o preço, consoante o desenvolvimento da obra, no valor global de 190.000,00€, comprometendo-se a pagar 8 (oito) prestações no valor de 23.750,00€ cada uma, nos termos seguintes:</font><br> </p><p><font>1.ª Prestação - Assinatura do contrato------------------23.750,00€</font><br> </p><p><font>2.ª Prestação - Conclusão 1.ª Placa---------------------23.750,00€ </font><br> </p><p><font>3.ª Prestação - Conclusão 2.ª Placa---------------------23.750,00€ </font><br> </p><p><font>4.ª Prestação - Conclusão Cobertura e Bruto Paredes-----23.750,00€</font><br> </p><p><font>5.ª Prestação - Conclusão de capoto e revestimentos exteriores, assim como colocação de caixilharias, gesso, pladur e primeira fase de eletricidade e pichelaria------------23.750,00€</font><br> </p><p><font>6.ª Prestação - Conclusão de eletricidade, iluminação e carpintarias, cerâmicos, sanitários e pinturas--------------------------23.750,00€</font><br> </p><p><font>7.ª Prestação - Conclusão de arranjos exteriores--------23.750,00€ </font><br> </p><p><font>8.ª Prestação - Entrega da Obra------------------------23.750,00€,</font><br> </p><p><font>Tudo como melhor se extrai de um documento denominado “Condições de Pagamento”, que faz parte integrante do caderno de encargos.</font><br> </p><p><font>6º- As obras foram acompanhadas pelos Réus e pelo técnico responsável pela obra e pelo projeto.</font><br> </p><p><font>7º- No final do mês de dezembro de 2015, o Autor procedeu à contratação da empresa “Susazub Unipessoal, Lda.”, em regime de subempreitada, para execução dos acabamentos interiores da obra, devidamente identificados no orçamento nº 2015/67, com data de 31/12/2015.</font><br> </p><p><font>8º- Foi por sugestão do sogro do Réu, que o Autor procedeu à contratação da empresa “Susazub Unipessoal, Lda.”, em regime de subempreitada, para execução dos acabamentos interiores da obra.</font><br> </p><p><font>9º- No início do mês de março de 2016, numa altura em que decorriam os trabalhos de acabamentos interiores por parte da dita empresa contratada em regime de subempreitada, os Réus comunicaram ao Autor que não pretendiam que este continuasse os trabalhos.</font><br> </p><p><font>10º- Os Réus alegam que alguns trabalhos apresentavam defeitos.</font><br> </p><p><font>11º- Os Réus recusam proceder ao pagamento de qualquer outro valor para além do que já pagaram ao Autor.</font><br> </p><p><font>12º- O Autor não aceitou a posição assumida pelos Réus, referindo-lhes que os trabalhos de conclusão da obra estavam a decorrer e que procederia à eliminação dos defeitos que porventura pudessem existir, sugerindo uma vistoria à obra, conforme carta registada datada de 15.03.2016, remetida ao mandatário dos Réus.</font><br> </p><p><font>13º- Os Réus nunca mostraram interesse em realizar a tal vistoria, apesar das diversas interpelações promovidas pelo Autor.</font><br> </p><p><font>14º- No dia 11 de março de 2016, o Autor, acompanhado do diretor técnico da obra, Arquiteto DD, e do seu mandatário, deslocou-se à obra para acompanhar a execução dos acabamentos interiores e para verificarem a existência de alegadas patologias e procedimentos a adotar para a sua eliminação.</font><br> </p><p><font>15º- Nessa altura, o Autor e o seu mandatário foram proibidos de aceder à obra pelos responsáveis e funcionários da tal empresa que o Autor havia contratado para conclusão dos acabamentos interiores, alegando que tinham ordens dos Réus para impedirem o acesso do Autor à obra.</font><br> </p><p><font>16º- Referiu ainda um responsável daquela dita empresa que os trabalhos entregues pelo Autor em regime de subempreitada seriam liquidados diretamente pelos Réus, tudo sem a autorização ou consentimento do Autor.</font><br> </p><p><font>17º- No próprio dia da deslocação do Autor à obra (11.03.2016), o então mandatário do Réu solicitou a remoção dos equipamentos que este tinha na obra e alegando a existência de defeitos.</font><br> </p><p><font>18º- Em resposta ao referido ofício, naquele próprio dia 11.03.2016, o Autor, através do seu mandatário, solicitou, para além do mais, a indicação de uma data para efeitos de realização de uma vistoria técnica à obra para efeitos de verificação do estado da mesma e da possível existência de anomalias e acerto dos valores em dívida ao Autor.</font><br> </p><p><font>19º- Apesar de todos os esforços encetados pelo Autor, os Réus não mais contactaram o Autor, não permitindo que o mesmo desse continuidade aos trabalhos de conclusão da obra nem de verificação e eliminação de eventuais defeitos.</font><br> </p><p><font>20º- Impossibilitando, inclusive, que alguns trabalhos iniciados por subempreiteiros, e objeto de pagamento integral por parte do Autor, fossem totalmente concluídos, como foi o caso do capoto, das caixilharias, entre outros.</font><br> </p><p><font>21º- Os Réus não permitiram ao Autor a execução dos trabalhos necessários à conclusão da obra em conformidade com o convencionado, alegando a existência de defeitos que, contudo, jamais permitiram que fossem corrigidos pelo Autor, nem tão pouco verificados.</font><br> </p><p><font>22º- Do valor inicialmente acordado para execução da obra (190.000,00€), os Réus pagaram ao Autor a quantia de 118.750,00€ (Cento e dezoito mil setecentos e cinquenta euros).</font><br> </p><p><font>23º- O Autor tinha a expectativa de retirar um proveito da obra nunca inferior a 10% do valor da empreitada, ou seja, 19.000,00€ (dezanove mil euros).</font><br> </p><p><font>24º- O Autor e os Réus acordaram que aquele procederia à construção de uma moradia (chave na mão), com projeto e materiais incluídos pelo preço total de 190.000,00 € (cento e noventa mil euros), com IVA incluído, a pagar faseadamente.</font><br> </p><p><font>25º- O Autor não respeitou o prazo de conclusão da obra que deveria estar concluída em dezembro de 2015.</font><br> </p><p><font>26º- Alguns trabalhos realizados pelo Autor na dita obra e numa altura em que os Réus já lhe tinham pago 118.750,00 € (cento e dezoito mil setecentos e cinquenta euros), sem qualquer recibo emitido por aquele, apresentavam defeitos.</font><br> </p><p><font>27º- A obra apresentava diversas patologias, nomeadamente, a entrada de água nos arrumos do piso 0, com infiltrações na parede exterior da garagem, na sala, resultantes da falta de impermeabilização da varanda, com humidade no rés-do-chão por capilaridade; existindo ponte térmica nas caixas de estore; as cerâmicas das paredes dos WC estavam desalinhadas.</font><br> </p><p><font>28º- A betonilha do rés-do-chão e do piso 1, com cerca de 2 cm de espessura, apresentava pouca resistência mecânica, consequência da sua reduzida espessura. Estando a betonilha executada sobre “pó de pico”, não sendo este um material usual e adequado para o efeito.</font><br> </p><p><font>29º- Acresce que a obra não respeitava o projeto, conforme se pode atestar pelo projeto de térmica que indicava um isolamento de 6 cm sobre a laje do piso do rés-do-chão, mas não havia isolamento na obra.</font><br> </p><p><font>30º- O teto falso estava com fungos, necessitando de ser substituído.</font><br> </p><p><font>31º- Segundo o projeto de estruturas, a obra nas escadas interiores deveria ter uma laje armada com ferro de 16 espaçado a 15 cm e ferro de 10 mm espaçado a 15 cm e na obra nada disso foi feito.</font><br> </p><p><font>32º- Os cerâmicos aplicados no terraço estavam todos desalinhados, acumulando água dentro do arrumo do terraço e falta de impermeabilização entre pedras de capeamento de muros e nos muros do terraço, o que origina a entrada de água pelas pequenas fissuras dos rebocos.</font><br> </p><p><font>33º- Falta de saída da água escoada nas telas do terraço; falta de impermeabilização e drenagens na envolvente exterior da moradia, sendo tal impermeabilização e drenagem importante porque evita as infiltrações para a habitação ao nível do rés-do-chão.</font><br> </p><p><font>34º- Falta de impermeabilização sob peitoris e soleiras em aço inox.</font><br> </p><p><font>35º- A pintura exterior da habitação apresentava problemas de execução, não permitindo emendas, pelo que a reparação implicava a pintura integral do pano de parede.</font><br> </p><p><font>36º- Os vãos exteriores da obra apresentavam diferentes alturas, ou seja, os que têm estores têm cerca de 1,8 m de altura e os que não têm estores têm cerca de 2 m de altura.</font><br> </p><p><font>37º- O revestimento exterior em granito tinha as juntas desalinhadas e o revestimento das escadas exteriores foi executado com pedações de pedra com espessuras diferentes.</font><br> </p><p><font>38º- O muro de suporte na parte de trás da moradia apresentava irregularidades pondo em perigo as pessoas e bens, tendo que ser demolido.</font><br> </p><p><font>39º- Entretanto, aperceberam-se agora os Réus, com o decorrer das obras, que a rede de saneamento exterior foi mal executada e as escadas interiores tiveram que ser demolidas porque nem sequer tinham ferro.</font><br> </p><p><font>40º- Os Réus decidiram desistir da obra.</font><br> </p><p><font>41º- Os Réus pagaram à empresa “Susazub Unipessoal, Lda.”, a quantia de 29.274,04 € (vinte e nove mil duzentos e setenta e quatro euros e quatro cêntimos) referentes a alguns trabalhos por realizar.</font><br> </p><p><font>42º- Os Réus também pagaram ao Autor a quantia de 40.000,00 €, com o esclarecimento de que foi para o pagamento do terreno onde a moradia veio a ser construída.</font><br> </p><p><font>43º- Os Réus estão emigrados na Suíça e a construção da casa era um “sonho” que queriam ver realizado.</font><br> </p><p><font>44º- Sentiram-se tristes e revoltados por não conseguirem viver na casa que sempre sonharam habitar.</font><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><b><font>Foram os seguintes os factos não provados:</font></b><br> </p><p><font>a) O contrato foi integralmente cumprido pelo Autor no que diz respeito aos trabalhos contratados.</font><br> </p><p><font>b) Já no decurso da execução da obra, os Réus solicitaram ao Autor a realização de trabalhos não previstos na empreitada inicial, bem como alterações de alguns materiais a utilizar na obra.</font><br> </p><p><font>c) Todos os trabalhos a mais e despesas extraordinárias foram realizados no interesse, a pedido e na sequência de ordens dadas pelo dono da obra, ou seja, pelos aqui Réus, cuja execução o Autor aceitou levar a cabo, tendo aqueles assumido a obrigação de proceder ao pagamento da quantia de 2.000,00€ referente à execução de um tanque/depósito de água.</font><br> </p><p><font>d) Autor e Réus acordaram que, no final da obra, o valor daquele trabalho extra, seria liquidado aquando do pagamento da última prestação, ou seja, no ato de entrega da obra.</font><br> </p><p><font>e) O valor constante no dito orçamento (29.274,04€) foi, por acordo verbal entre o Autor e um responsável da dita empresa, “Susazub-Unipessoal, Lda., arredondado e definitivamente fixado na quantia de 25.000,00€ (vinte e cinco mil euros).</font><br> </p><p><font>f) Para conclusão integral da obra, o Autor necessitava de despender a quantia de 13.800,00 € referente aos seguintes trabalhos:</font><br> </p><p><font>- conclusão dos trabalhos de pichelaria; - conclusão do trabalho de eletricista;</font><br> </p><p><font>- cerâmicos;</font><br> </p><p><font>- colocação de 2 portões e gradeamento em inox; - calcetamento parcial do logradouro.</font><br> </p><p><font>g) Os Réus pagaram ao Autor todos os trabalhos por este executados.</font><br> </p><p><font>h) A demolição e construção do muro de suporte na parte de trás da moradia acarreta aos Réus uma despesa de 23.598,00 €.</font><br> </p><p><font>i) O Autor já tinha dívidas a diversos fornecedores que exigiam aos Réus os respetivos pagamentos.</font><br> </p><p><font>j) O desespero do Autor era tanto que chegou, inclusive, a deslocar-se ao Banco e falar com a gestora da conta dos Réus pedindo-lhe dinheiro da obra
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font> <p><b><font>I - Relatório</font></b> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; </font> </p><p><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça</font> </p><p><font> </font><br> </p><p><b><font>1. AA</font></b><font> instaurar a presente ação declarativa sob a forma de processo comum contra </font><b><font>CAIXA GERAL DE DEPÓSITOS,</font></b><font> </font><b><font>S.A.,</font></b><font> pedindo:</font><br> </p><p><font> </font> </p><p><font>a) - Declarar-se que não se encontram vencidas as obrigações decorrentes dos créditos hipotecários supra identificados, contraídos pela Autora, e ser a Ré condenada a reconhecer-lhe e a conceder-lhe o benefício do prazo no cumprimento das prestações vincendas respeitantes aos referidos créditos, conforme acordado;</font> </p><p><font>b) - Em consequência, ser a Ré condenada a receber/debitar na conta acordada para o efeito, supra identificada, as prestações já vencidas entre outubro de 2018 e janeiro de 2019, bem como as que se forem vencendo na pendência da presente ação, isentas de juros moratórios por não serem devidos, até efetivo e integral pagamento.</font> </p><p><font> </font><br> </p><p><font>Invoca para tanto e em síntese que em 21 de janeiro de 2009, a Autora e o companheiro celebraram com a Ré, por escritura pública, dois contratos de mútuo e através da celebração de um dos contratos de mútuo, a Ré concedeu à Autora e ao companheiro desta um empréstimo que se destinou a liquidar ao “Banco 1..., S.A.” um financiamento e, nessa sequência, foi concedido pela Ré à Autora e companheiro um empréstimo no valor era de € 47.532,91, valor que à data se encontrava em dívida ao Banco 1..., S.A..</font><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><font>Mais alega que em 16 de junho de 2015, o companheiro da Autora, BB, apresentou-se à insolvência, declarada por sentença datada de 30 de junho de 2015, proferida no âmbito do processo de insolvência n.º 1683/15...., que correu os seus termos na Instância Central – Secção de Comércio – Juiz ..., da Comarca ..., processo no qual a Ré reclamou os créditos emergentes dos contratos de mútuo com hipoteca supra referidos e em sede de liquidação, foi apreendida para a massa insolvente a metade indivisa da fração em causa.</font><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><font>Alegou também que em 1 de agosto de 2018, no âmbito do referido processo de insolvência, a Ré adquiriu a metade indivisa do imóvel dos autos, para pagamento de parte dos créditos por si reclamados e em 11 de outubro de 2018, a Ré dirigiu uma comunicação a BB, companheiro da Autora, titulada de «1.º Aviso de Incumprimento», nos termos da qual veio informar que considerava como antecipadamente vencida toda a dívida, no valor de € 75.066,92, exigindo o seu imediato cumprimento, sob pena de comunicar a situação ao Banco de Portugal no âmbito da Central de Responsabilidades de Crédito em situação de incumprimento.</font><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><font>Alega por fim que a Ré enviou uma carta, desta vez, dirigida à Autora, datada de 15 de novembro de 2018 e titulada de «2.º Aviso Incumprimento», informando que a dívida considerada antecipadamente vencida, no montante total de € 46.099,65 continuava por regularizar.</font><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><b><font>2.</font></b><font> Regularmente citada a Ré, Caixa Geral de Depósitos, contestou e invocou a nulidade da petição inicial e alegou ter considerado as operações de mútuo vencidas, razão pela qual quaisquer entregas/depósitos que eventualmente sejam efetuadas após não são aplicadas ao pagamento dos empréstimos, na sequência da declaração de insolvência do mutuário BB a CGD, ficando à disposição do(s) titular(es) da conta.</font><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><font>Mais invocou que a declaração de insolvência determina o vencimento de todas as obrigações do insolvente não subordinadas a uma condição suspensiva, conforme determina o artigo 91º, nº 1, do CIRE, bem como o artigo 780º nº 1 do Código Civil e ainda a existência da cláusula 14ª, nº 1, alínea </font><i><font>e)</font></i><font> dos documentos complementares dos contratos de mútuo, com o seguinte teor:</font> </p><p><i><font>“A Caixa poderá considerar antecipadamente vencida toda a dívida e exigir o seu imediato pagamento no caso de insolvência de qualquer dos devedores, ainda que não judicialmente declarada, ou diminuição das garantias do crédito”.</font></i> </p><p><font> </font><br> </p><p><b><font>3.</font></b><font> Respondeu a A. à matéria de exceção.</font><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><b><font>4.</font></b><font> Foi proferido, no tribunal de 1.ª instância, despacho saneador, que julgou improcedente a exceção de nulidade, em virtude de não considerar inepta a petição inicial, foi fixado o objeto do litígio e indicados os temas de prova.</font> </p><p><font> </font><br> </p><p><font>Teve lugar a Audiência de julgamento que decorreu sob o legal formalismo.</font><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><b><font>5.</font></b><font> O tribunal de 1.ª instância decidiu o seguinte:</font> </p><p><i><font>«</font></i><i><font> </font></i><i><font>Nestes termos julga-se procedente por provada a presente acção e :</font></i> </p><p><i><font>- Declara-se que não se encontram vencidas as obrigações decorrentes dos créditos hipotecários supra identificados, contraídos pela Autora, condenando-se a R. a reconhecer-lhe e a conceder-lhe o benefício do prazo no cumprimento das prestações vincendas respeitantes aos referidos créditos, conforme acordado;</font></i> </p><p><i><font>- Condena-se ainda a R. a receber/debitar na conta acordada para o efeito, supra identificada, as prestações já vencidas entre Outubro de 2018 e Janeiro de 2019, bem como as que se forem vencendo na pendência da presente acção, isentas de juros moratórios por não serem devidos, até efectivo e integral pagamento.</font></i> </p><p><i><font> </font></i> </p><p><i><font>Custas pela R.»</font></i> </p><p><i><font> </font></i><br> </p><p><b><font>6. </font></b><font>Inconformada a Ré, Caixa Geral dos Depósitos, interpôs recurso de apelação, tendo o relator, por decisão singular, proferida em 17-02-2022, junto do Tribunal da Relação de Lisboa, julgado improcedente o recurso de apelação apresentado pela ré Caixa Geral de Depósitos, S.A. e, em consequência, confirmado a sentença.</font><br> </p><p><font>A ré reclamou para a Conferência e o Tribunal da Relação de Lisboa, por acórdão datado de 07-04-2022, concedeu provimento ao recurso, revogou a sentença e absolveu a ré do pedido, com um voto de vencido.</font> </p><p><font> </font><br> </p><p><b><font>7.</font></b><font> É deste acórdão que a autora AA apresenta recurso de revista, nos termos do artigo 671.º, n.º 1, do CPC, formulando as seguintes conclusões: </font><br> </p><p><font>«I. A Recorrente propôs contra a Recorrida ação declarativa, sob a forma de processo comum, pedindo que se declarasse que não se encontram vencidas as obrigações decorrentes do empréstimo contraído por aquela e a condenação desta a reconhecer-lhe o benefício do prazo no cumprimento das prestações vincendas. </font><br> </p><p><font>II. Foi proferida Sentença, nos termos da qual a ação foi julgada procedente e, em consequência, declarado que não se encontram vencidas as obrigações decorrentes dos créditos hipotecários dos autos, contraídos pela Recorrente, condenando-se a Recorrida a reconhecer-lhe e a conceder-lhe o benefício do prazo no cumprimento das prestações vincendas, respeitantes aos referidos créditos, conforme acordado. </font><br> </p><p><font>III. O Tribunal de 1.ª Instância condenou, ainda, a Recorrida a receber/debitar na conta acordada para o efeito as prestações já vencidas entre outubro de 2018 e janeiro de 2019, bem como as que se forem vencendo na pendência da presente ação, isentas de juros moratórios por não serem devidos, até efetivo e integral pagamento. </font><br> </p><p><font>IV. Inconformada, veio a Recorrida interpor recurso de apelação, para o Tribunal da Relação de Lisboa. </font><br> </p><p><font>V. Por Decisão Singular, proferida em 17 de fevereiro de 2022, o Tribunal da Relação de Lisboa julgou improcedente o recurso de apelação apresentado pela Recorrida e, em consequência, confirmou a douta Sentença recorrida. </font><br> </p><p><font>VI. Não se conformando, a Recorrida apresentou a sua Reclamação para a Conferência, ao abrigo do estipulado no artigo 652.º, n.º 3, do CPC, a fim de ser proferido Acórdão. </font><br> </p><p><font>VII. Por Acórdão, datado de 7 de abril de 2022, o Tribunal </font><i><font>a quo</font></i><font> deferiu a Reclamação, concedendo provimento ao Recurso, e, em consequência, revogou a decisão recorrida, absolvendo a Recorrida do pedido. </font><br> </p><p><font>VIII. Entendeu o Tribunal </font><i><font>a quo </font></i><font>que, no presente caso, atendendo ao teor do ponto 1, da cláusula 14.ª, dos documentos complementares anexos aos contratos celebrados entre as partes, o regime consagrado no artigo 782.º do Código Civil foi contratualmente afastado. </font><br> </p><p><font>IX. Decidiu o Tribunal a quo que </font><i><font>«[u]ma vez demonstrado que, para além da actuação descrita als. uu) e vv) da matéria de facto provada, veio, em momento ulterior à celebração dos aludidos contratos, a ser declarada a insolvência de BB – que naqueles havia igualmente outorgado, confessando-se solidariamente devedor das quantias mutuadas – forçoso se torna concluir que, nos termos estipulados, também quanto à apelada, goza a apelante da faculdade de, considerando-a vencida, daquela exigir o imediato pagamento de toda a dívida». </font></i><br> </p><p><font>X. É precisamente com esta decisão que a Recorrente não se conforma, não só por considerar que subsistem nos presentes autos vícios que inquinam todo o processado, como, ao fazer improceder a ação, o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa procedeu a uma errada interpretação e determinação das normas jurídicas concretamente aplicáveis. </font><br> </p><p><font>XI. O Acórdão proferido pelo Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, de que agora se recorre, é omisso quanto a questões essenciais, suscitadas nos presentes autos, na medida em que se limita a aderir, sem mais, às conclusões formuladas pela Recorrida. </font><br> </p><p><font>XII. Para além de não proceder a qualquer análise crítica da prova, o douto Acórdão não dá conta dos fundamentos, quer de facto, quer de direito, que serviram para formar a convicção daquele Venerando Tribunal. </font><br> </p><p><font>XIII. O que, salvo melhor opinião, se impunha, não só por uma questão de garantia dos respetivos destinatários, e de exercício do direito ao contraditório, que fica necessariamente prejudicado, como por existir diversa jurisprudência em sentido contrário, como melhor se demonstrará </font><i><font>infra</font></i><font>. </font><br> </p><p><font>XIV. Nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea </font><i><font>b)</font></i><font>, do CPC, aplicável </font><i><font>ex vi</font></i><font> artigo 674.º, n.º 1, alínea c), do mesmo Código, a falta de fundamentação, de facto ou de direito, determinam a nulidade da decisão, o que deverá determinar-se. </font><br> </p><p><font>XV. Caso assim não se entenda, o que por mera cautela de patrocínio se equaciona, sem conceder, sempre se diga que, o Tribunal a quo concedeu provimento ao recurso de apelação, por considerar que o regime consagrado no artigo 782.º do C.C. foi contratualmente afastado pelas partes. </font><br> </p><p><font>XVI. No entendimento do Tribunal para além da atuação descrita nas alíneas uu) e vv) da matéria de facto provada, com a insolvência de um dos codevedores, podia a Recorrida gozar da faculdade de considerar a dívida antecipadamente vencida e exigir o imediato pagamento da mesma à Recorrente. </font><br> </p><p><font>XVII. Salvo o devido respeito, que é muito, consideramos que o Tribunal a quo, fez uma errada interpretação das disposições legais aplicáveis e ignorou também as regras da experiência comum. </font><br> </p><p><font>XVIII. Com efeito, compulsados os contratos de mútuo com hipoteca e fiança ora em apreço, e respetivos documentos complementares, verifica-se que a Recorrente e o seu companheiro se obrigaram, solidariamente, a amortizar os empréstimos concedidos pela Recorrida, em prestações mensais e sucessivas, fixadas ao longo de 45 anos, pelo que, as partes acordaram em diferir o cumprimento de tais obrigações para um momento posterior ao da celebração dos contratos. </font><br> </p><p><font>XIX. Dispõe o artigo 779.º do Código Civil que </font><b><u><font>«[o] prazo tem-se por estabelecido a favor do devedor, quando não se mostre que o foi a favor do credor, ou do devedor e do credor conjuntamente» </font></u></b><font>– negrito e sublinhado nosso. </font><br> </p><p><font>XX. Porém, a lei prevê algumas situações que determinam a perda do benefício do prazo: são estas os casos da simples exigibilidade antecipada e os do antecipado vencimento automático. </font><br> </p><p><font>XXI. No caso dos presentes autos, não restam dúvidas de que a situação de insolvência do companheiro da aqui Recorrente, judicialmente decretada, determinou, quanto a ele, a perda do benefício do prazo–cfr. artigo 91.º do CIRE e 780.º, n.º 1, do CC. </font><br> </p><p><font>XXII. Porém, tal perda do benefício do prazo não se estende, por si só, à aqui Recorrente, não obstante a natureza solidária da obrigação. </font><br> </p><p><font>XXIII. Com efeito, nos termos do artigo 512.º, n.º 1, do CC, a solidariedade passiva da obrigação faculta ao credor a possibilidade de </font><i><font>«[…] exigir, por si só, a prestação integral e esta libera o devedor para com todos eles».</font></i><font> </font><br> </p><p><font>XXIV. Neste sentido, verifica-se que uma das finalidades da solidariedade passiva é a de acautelar o risco de um dos co-devedores ficar em situação de insolvência. </font><br> </p><p><font>XXV. No entanto, conforme decidido pela 1.ª Instância no âmbito dos presentes autos, posição que se sufraga, </font><i><font>«[…] dessa virtualidade inerente à natureza da obrigação não decorre, necessariamente, o efeito da perda do benefício do prazo convencionado em favor do devedor». Neste sentido, se «[p]or um lado existe uma garantia concedida ao credor, destinada a assegurar maior eficácia ao seu direito, que pode ser exercido integralmente contra qualquer um dos devedores»;</font></i><font> por outro lado, </font><i><font>«[…] existe o tempo do cumprimento ou o prazo da prestação, em que a regra é o seu estabelecimento a favor do devedor – art. 779º do CCivil».</font></i><font> </font><br> </p><p><font>XXVI. Assim, </font><i><font>«[a] solidariedade da obrigação, por si só, não tem de implicar a perda do benefício do prazo para o co-obrigado relativamente ao qual não se estenda a causa que determine tal perda quanto ao outro e tal seria de flagrante injustiça», sendo o que resulta do disposto no artigo 782.º do CC, nos termos do qual «[a] perda do benefício do prazo não se estende aos co-obrigados do devedor».</font></i><font> </font><br> </p><p><font>XXVII. Pelo que, tal prestação só será exigível por parte do credor em relação ao devedor não insolvente se, durante o tempo do cumprimento do contrato, também surgir quanto a este qualquer evento que produza efeito antecipatório no vencimento. </font><br> </p><p><font>XXVIII. Neste sentido, a jurisprudência maioritária tem vindo a considerar que a obrigação solidária é, hoje em dia, vista como uma pluralidade de obrigações, ligadas entre si por um certo nexo, que procede da identidade da prestação e da comunhão de fim das várias obrigações. </font><br> </p><p><font>XXIX. A este propósito, veja-se o douto Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, datado de 8 de março de 2016, Processo n.º 40/14.2T8CTB-A.C1 (Relator: Moreira do Carmo), o douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 18 de janeiro de 2018, Processo n.º 123/14.9TBSJM-A.P1.S2 (Relator: Henrique Araújo), e, ainda, o douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 16 de maio de 2018¸ Processo n.º 2183/15.6T8OAZ-A.P1.S1 (Relator: Alexandre Reis), todos disponíveis em www.dgsi.pt. </font><br> </p><p><font>XXX. No presente caso, não se verifica nenhuma causa de exigibilidade antecipada ou de antecipado vencimento automático que permita à Recorrida determinar a perda do benefício do prazo quanto à Recorrente, porquanto, para além de nunca se ter encontrado numa situação de insolvência, esta continuou a cumprir com o pagamento integral das prestações devidas, as quais continuaram a ser aceites e recebidas por aquela até ao mês de setembro de 2018, não obstante a situação de insolvência do companheiro estar judicialmente reconhecida desde, pelo menos, 30 de junho de 2015. </font><br> </p><p><font>XXXI. E, mesmo após a Recorrida ter deixado de proceder aos débitos na conta bancária utilizada para o efeito, a Recorrente continua a provisioná-la com vista ao cumprimento das suas obrigações – o que resultou demonstrado, sendo a Recorrida quem, desde outubro de 2018, se recusa a receber as prestações devidas. </font><br> </p><p><font>XXXII. Ou seja, tal como é referido da douta Sentença proferida em 1.ª Instância, «a haver mora é do próprio credor nos termos do art. 813º do CC, já que o credor incorre em mora quando, sem motivo justificado, não aceita a prestação que lhe é oferecida nos termos legais ou não pratica os actos necessários ao cumprimento da obrigação». </font><br> </p><p><font>XXXIV. Por outro lado, ao contrário do decidido pelo Tribunal a quo, a regra geral estabelecida pelo artigo 782.º do CC não se mostra contratualmente afastada pelas partes.</font><br> </p><p><font>Com efeito, estabelece a cláusula 14.ª, n.º 1, alínea e), dos Documentos Complementares aos contratos de mútuo que </font><i><font>«[a] Caixa poderá considerar antecipadamente vencida toda a dívida e exigir o seu imediato pagamento no caso de, designadamente: […] e) Insolvência de qualquer dos devedores, ainda que não judicialmente declarada, ou diminuição do crédito».</font></i> </p><p><font>&nbsp;</font><br> </p><p><font>XXXV. Porém, para além de ter sido contratualmente imposta, sem qualquer negociação prévia, da cláusula ora em apreço não resulta, de forma inequívoca, que as partes tenham convencionado, previsto e/ou aceitado, a possibilidade da perda do benefício do prazo se estender ao co-obrigado do devedor não declarado insolvente. </font><br> </p><p><font>XXXVI. Atente-se no teor da Decisão Singular proferida nos presentes autos, a qual, na senda do decidido pelo Supremo Tribunal de Justiça, decidiu que </font><i><font>«[o]problema, como já se referia no citado acórdão do STJ, é que não se diz explicitamente que no caso de existirem vários devedores solidários, a insolvência de um deles implicará o vencimento de toda a dívida não só em relação ao devedor insolvente mas também relativamente aos demais devedores que não estejam em tal situação de insolvência e isto quando existe uma norma geral como a do art. 782º do Código Civil, que exclui a perda de benefício de prazo quanto aos co-devedores».</font></i><font> </font><br> </p><p><font>XXXVII. E que </font><b><u><font>«[e]xistindo vários co-devedores, e apenas um deles é declarado insolvente, continuando o ou os restantes a cumprir normalmente as suas obrigações contratuais, não se vislumbra qualquer utilidade para a Caixa em fazer cessar o benefício do prazo»</font></u></b><font> - negrito e sublinhado nossos.</font> </p><p><font> </font><br> </p><p><font>XXXVIII. Como vimos, e resulta da matéria de facto provada, a Recorrida continuou a aceitar o pagamento integral das prestações, não obstante ter conhecimento da declaração da insolvência do companheiro da Recorrente, co-devedor, a qual veio a ser judicialmente reconhecida em junho de 2015, o que se veio a manter ao longo de 3 anos, apesar de até já ter adquirido metade indivisa da fração, encontrando-se, atualmente, em situação de compropriedade com a Recorrente. </font><br> </p><p><font>XXXIX. Pelo que, para além de não ter adotado um comportamento consentâneo com a interpretação que o Tribunal </font><i><font>a quo</font></i><font> pretende atribuir à Cláusula 14.ª, as garantias do crédito estabelecidas a favor da Recorrida em nada resultaram diminuídas. </font><br> </p><p><font>XL. Por outro lado, a Recorrida continua a beneficiar da possibilidade de executar o património da Recorrente e dos dois fiadores, em caso de incumprimento, não obstante o valor da dívida ter sido consideravelmente reduzido, em virtude da adjudicação supra mencionada. </font><br> </p><p><font>XLI. Pelo que, as garantias do crédito não só não ficaram diminuídas, como resultaram reforçadas, atento o valor da dívida - Veja-se, uma vez mais, neste sentido o decidido pelo Tribunal a quo, na Decisão Singular. </font><br> </p><p><font>XLII. Por outro lado, conforme voto de vencido ao Acórdão de que agora se recorre, o exercício pela Recorrida de considerar imediatamente vencidas todas as prestações do mútuo bancário contraído pela Recorrente e pelo companheiro desta, com fundamento na insolvência de um dos mutuários, «é abusiva, na medida em que, o crédito da mutuante ou Ré está garantido por uma hipoteca (e por dois fiadores), não tendo a Ré logrado alegar e provar que o imóvel sobre o qual incide uma hipoteca se tenha desvalorizado e o seu valor atual já não seja suficiente para garantir o pagamento integral do mútuo». </font><br> </p><p><font>XLIII. A Recorrida também não alegou «[…] e, portanto, não provou – como era seu ónus (artigo 5.º, n.º 3, do DL 446/85) – ter cumprido o seu dever de comunicar aos mutuários o conteúdo da cláusula contratual de que se vem a prevalecer […]». </font><br> </p><p><font>XLIV. Pelo que, ainda que a Cláusula 14.ª dos Documentos Complementares lhe conferisse a faculdade de considerar integralmente vencido o empréstimo em caso se insolvência de qualquer um dos mutuários, sempre a mesma se deve considerar excluída – cfr. artigo 8.º do supra citado Decreto-Lei n.º 446/85. </font><br> </p><p><font>XLV. Veja-se, ainda, que a Recorrida também não avançou com a interpelação dos fiadores, nem com uma ação para divisão de coisa comum – o que, segundo as regras da experiência comum, seria o procedimento mais lógico, caso se sentisse realmente prejudicada com a presente situação. </font><br> </p><p><font>XLVI. Finalmente, conforme resultou provado, os negócios celebrados entre a Recorrente e o seu companheiro foram imediatamente resolvidos pelo Exmo. Senhor Administrador da Insolvência, pelo que, para além de não terem sido atempadamente invocados pela Recorrida, tais factos não chegaram a produzir qualquer efeito na sua esfera jurídica, suscetíveis de prejudicar ou diminuir os seus direitos e/ou garantias.&nbsp;</font><br> </p><p><font>L. O vencimento imediato e integral do crédito pelo motivo invocado em XLVI dependia, sempre, de uma decisão da Caixa, de acordo com o caso em concreto e, no caso concreto, </font><i><font>«no tocante à situação prevista em c) do n.º 1 da cláusula 14ª, não o fez».</font></i><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><font>Não incumbe ao juiz, na apreciação jurídica do litígio, substituir-se às partes relativamente às decisões que, enquanto contraentes, entenderam tomar ou não tomar. De resto, </font><i><font>«[n]a prática, não tinha a Caixa qualquer interesse em invocar uma situação, no presente processo, que já não existia»</font></i><font> - cfr. Sentença proferida em 1.ª Instância.</font> </p><p><font> </font><br> </p><p><font>Em conclusão, não se verificam, no presente caso, quaisquer causas de exigibilidade antecipada ou de antecipado vencimento automático, conforme legalmente previstas nos artigos 780.º e 781.º do CC, que permitam à Recorrida considerar antecipadamente vencida a dívida em relação à Recorrente e, em consequência, exigir-lhe o seu imediato cumprimento.</font><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><font>Pelo que, ao ter decidido em sentido diverso, fazendo proceder o recurso de apelação apresentado pela Recorrida, o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa procedeu a uma errada interpretação do artigo 782.º do CC, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 674.º, n.º 1, alínea </font><i><font>a),</font></i><font> do CPC.</font><br> </p><p><b><font> </font></b><br> </p><p><b><font>Nestes termos e nos melhores de Direito, requer a V. Exas. se dignem julgar integralmente procedente o presente recurso de revista e, em consequência, a substituir o Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa por outro que mantenha o teor da douta Sentença proferida pelo Juízo Local Cível ..., declarando a ação integralmente procedente e condenando a Recorrida a reconhecer e a conceder à Recorrente o benefício do prazo no cumprimento das prestações respeitantes aos créditos ora em apreço&nbsp;</font></b><br> </p><p><b><font>Fazendo-se, assim, a costumada </font></b><br> </p><p><b><font>JUSTIÇA»</font></b><font> </font><br> </p><p><b><font> </font></b><br> </p><p><b><font>8.</font></b><font> A ré Caixa Geral de Depósitos, S.A. apresentou contra-alegações, nas quais pugna pela manutenção do decidido.</font> </p><p><font> </font><br> </p><p><b><font>9.</font></b><font> Sabido que, ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, é pelas conclusões que se delimita o objeto do recurso, as questões a decidir são as seguintes:</font> </p><p><font>I - </font><i><font>Da nulidade por falta de fundamentação</font></i><font>;</font> </p><p><font>II - </font><i><font>Do benefício do prazo da recorrente após a declaração de insolvência do co-devedor.</font></i><font> </font><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><font>Cumpre apreciar e decidir. </font><br> </p><p><b><font> </font></b><br> </p><p><b><font>&nbsp;II - Fundamentação</font></b><br> </p><p><b><font>A - Os Factos:</font></b><br> </p><p><font>a) - Em 15 de maio de 1998, a Autora e o seu companheiro, BB, adquiriram à sociedade comercial “C... Lda”, por escritura pública celebrada no Cartório Notarial ..., a fração autónoma, individualizada pela letra “M”, correspondente ao quarto andar esquerdo, destinada a habitação, com espaço no sótão designado pelo n.º 3 e 3 terraços, do prédio urbano constituído em regime de propriedade horizontal, denominado por lote n.º 5, sito na Rua ..., Bairro ..., freguesia e concelho ..., inscrito na matriz predial urbana da referida freguesia sob o artigo ...25 e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número ...51 daquela freguesia, para habitação própria e permanente;</font><br> </p><p><font>b) - Para a aquisição da fração autónoma supra identificada, a Autora e o companheiro celebraram um contrato de mútuo, com hipoteca, com o “Banco 1..., S.A.” .</font><br> </p><p><font>c) - Nos termos desse contrato de mútuo, o “Banco 1..., S.A.” concedeu um crédito à Autora e ao seu companheiro no valor total de € 77.611,69;</font><br> </p><p><font>d) - Para garantia do capital emprestado e dos respetivos juros, a Autora e o companheiro constituíram três hipotecas sobre a fração autónoma identificada em 1.º a favor daquele Banco, registadas pelas inscrições resultantes das apresentações ...3, ...4 e ...5, todas de 31 de outubro de 2005;</font><br> </p><p><font>e) - Após a celebração dos referidos contratos, de compra e venda e de mútuo com hipoteca, Autora e companheiro passaram a habitar, de forma permanente, a fração autónoma identificada em 1.º, que passou a ser a sua casa de morada de família;</font><br> </p><p><font>f) - Em 21 de janeiro de 2009, a Autora e o companheiro celebraram com a Ré, por escritura pública, dois contratos de mútuo;</font><br> </p><p><font>g) - Através da celebração de um dos contratos de mútuo, a Ré concedeu à Autora e ao companheiro desta um empréstimo que se destinou a liquidar ao “Banco 1..., S.A.” o financiamento referido.</font><br> </p><p><font>h) - Nessa sequência, foi concedido pela Ré à Autora e companheiro um empréstimo no valor era de € 47.532,91 valor que à data se encontrava em dívida ao Banco 1..., S.A.;</font><br> </p><p><font>i) - Já com a celebração do segundo contrato de mútuo, a Ré concedeu à Autora e ao companheiro desta, um empréstimo no valor de € 37.500,00 que se destinou a facultar recursos para o financiamento de investimentos múltiplos, não especificados, em bens imóveis ;</font><br> </p><p><font>j) - A Autora e o companheiro confessaram-se, desde logo, devedores solidários de ambas as quantias emprestadas pela Ré, nos referidos montantes de € 47.532,91 e de € 37.500,00</font><br> </p><p><font>l) - Para garantia do pagamento dos capitais emprestados, dos respetivos juros até à taxa anual de 8,246%, acrescida, em caso de mora, de uma sobretaxa de 4% ao ano, a título de cláusula penal, e das despesas extrajudiciais que a Ré viesse a fazer, incluindo as despesas para a segurança ou reembolso dos seus créditos e as emergentes dos contratos supra referidos, as quais, para efeitos de registo, se fixaram em € 1.901,32;</font><br> </p><p><font>m) - A Autora e o seu companheiro constituíram duas hipotecas, a favor da Ré, sobre a fração autónoma identificada.</font><br> </p><p><font>n) - Na data da celebração dos referidos contratos (21/01/2009), a Ré entregou ambas as quantias por si emprestadas à Autora e ao companheiro desta, através de créditos lançados na conta de depósito à ordem n.º ...00, aberta em nome destes na agência daquela, sita em ...; </font><br> </p><p><font>o) -Ficou, ainda, acordado que o prazo para a amortização de ambos os empréstimos era de 45 anos, a contar da data da celebração do contrato de mútuo (21/01/2009)</font><br> </p><p><font>p) - E que, a amortização do capital e o pagamento dos respetivos juros, efetuar-se- ia da seguinte forma:</font><br> </p><p><font>- Uma parte dos empréstimos, nos respetivos montantes de € 47.532,91 e de €. 26.250,00, seria amortizada em prestações mensais constantes, de capital e juros, vencendo-se a primeira no correspondente dia do mês seguinte ao da celebração do contrato de mútuo a que respeitasse e as restantes em igual dia dos meses seguintes;</font><br> </p><p><font>- As restantes partes dos empréstimos, designadas por Capital com Pagamento Diferido, nos respetivos montantes de €14.259,87 e de € 11.250,00 seriam amortizadas em conjunto com a última das prestações de capital e juros acima referidas.</font><br> </p><p><font>q) - Assim, conforme havia sido acordado entre as partes, os pagamentos a que a Autora e o companheiro desta ficaram obrigados pela celebração dos contratos de mútuo supra descritos, eram efetuados da seguinte forma:</font><br> </p><p><font>- A Ré procedia ao débito das prestações que lhe eram devidas na conta bancária indicada. O que ocorria, invariavelmente, entre o dia 20 e o dia 25 de cada mês.</font><br> </p><p><font>r) - Para o efeito, a Autora e o companheiro mantiveram sempre a conta bancária indicada suficientemente aprovisionada.</font><br> </p><p><font>s) - Em 16 de junho de 2015, o companheiro da Autora, BB, apresentou-se à insolvência, devido a problemas financeiros relacionados com uma sociedade comercial da qual foi sócio gerente .</font><br> </p><p><font>t) - A insolvência de BB foi declarada por sentença datada de 30 de junho de 2015, proferida no âmbito do processo de insolvência n.º 1683/15...., que correu os seus termos na Instância Central – Secção de Comércio – Juiz ..., da Comarca ....</font><br> </p><p><font>u) - Processo no qual a Ré reclamou os créditos emergentes dos contratos de mútuo com hipoteca supra referidos .</font><br> </p><p><font>v) - Em sede de liquidação, foi apreendida para a massa insolvente a metade indivisa da fração autónoma identificada.</font><br> </p><p><font>x) - Em 1 de agosto de 2018, no âmbito do referido processo de insolvência, a Ré adquiriu a metade indivisa do imóvel dos autos, para pagamento de parte dos créditos por si reclamados.</font><br> </p><p><font>z) - Em 9 de novembro de 2018, a Ré enviou uma carta à Administração do Condomínio do prédio identificado em 1.º, informando os Senhores Administradores que, em 01-08-2018, havia adquirido a meia indivisa referente à fração autónoma designada pela letra “M”, correspondente ao 4.º andar, esquerdo, daquele prédio urbano .</font><br> </p><p><font>aa) - A A. desde a data em que o seu companheiro, BB, se apresentou à insolvência e até pelo menos a 7-2-2019 continuou a aprovisionar, atempadamente, a conta bancária em causa, com os montantes necessários ao cumprimento integral das prestações devidas à Ré, de modo a que esta procedesse, como sempre fez, ao débito dessas prestações naquela conta, em cumprimen
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><br> <div><br> <font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça</font></div><br> <br> <b><font> </font></b><br> <p><b><font>I - Relatório</font></b><br> </p><p><b><font>1. AA</font></b><font> veio intentar, no Juízo Central Cível ...., procedimento cautelar antecipatório com inversão do contencioso, para pagamento de créditos constituídos a seu favor, contra </font><b><font>BB,</font></b><font> na qualidade de cabeça-de-casal e representante da Herança Indivisa aberta por óbito de CC, onde conclui pedindo que se decrete a presente providência cautelar com inversão do contencioso tutelando em definitivo a condenação das requeridas no pagamento e efetiva entrega dos créditos que integram a propriedade da requerente, designadamente:</font><br> </p><p><font>A) Rendimentos relativos ao ano de 2017, no montante de €78.576,56, pois, já recebeu o montante de €28.973,12, acrescido dos juros vencidos desde a data em que se constituiu a obrigação de pagamento – 1-4-2018 até à presente data, dia 10-10-2020, seja €7.956,86, perfazendo-se assim o montante global de €86.533,42 (oitenta e seis mil, quinhentos e trinta e três euros e quarenta e dois cêntimos);</font><br> </p><p><font>B) Rendimentos relativos ao ano de 2018: no montante de €81.437,09, pois já recebeu o montante de €29.500,00, acrescido dos juros vencidos desde a data em que se constituiu a obrigação de pagamento – 1-4-2019 até à presente data, dia 10-10-2020, seja €4.988,86, perfazendo-se assim o montante global de €86.425,95 (oitenta e seis mil, quatrocentos e vinte e cinco euros e noventa e cinco cêntimos);</font><br> </p><p><font>C) Rendimentos relativos ao ano de 2019: no montante de €85.720,43, desde a data em que se constituiu a obrigação de pagamento – 1-4-2020 até à presente data, 10-10-2020, seja €1.813,05, perfazendo-se assim o montante de global de €87.533,48, (oitenta e sete mil, quinhentos e trinta e três euros e quarente e oito cêntimos) e</font><br> </p><p><font>D) Rendimentos confessados no valor de €1.000.000,00, acrescido dos juros vencidos desde o óbito da Inventariada – 28-7-2014 até à presente data 10-10-2020, seja €248.438,00, o que perfaz o montante de €1.248.438,00 (um milhão, duzentos e quarenta e oito mil, quatrocentos e trinta e oito euros).</font><br> </p><p><font>E) Num montante global de €1.508.930, (um milhão, quinhentos e oito mil, novecentos e trinta euros e oitenta e cinco cêntimos) valor este acrescido ainda do pagamento de juros vincendos até efetivo e integral pagamento.</font><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><b><font>2.</font></b><font> Foi proferida a decisão de fls. 42 e seguintes, que julgou o Juízo Central Cível incompetente, em razão da matéria, para a preparação e o julgamento do presente procedimento cautelar comum e, em consequência, indeferiu-o liminarmente.</font><br> </p><p><font>&nbsp;</font><br> </p><p><b><font>3.</font></b><font> Inconformada com a decisão, veio a requerente </font><b><font>AA</font></b><font> interpor recurso, que foi admitido como sendo de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos, com efeito suspensivo.</font><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><b><font>4.</font></b><font> No Tribunal da Relação foi proferido o acórdão de fls. 180 e seguintes que julgou a apelação improcedente e, em consequência, confirmou a decisão recorrida.</font><br> </p><p><font>&nbsp;</font><br> </p><p><b><font>5.</font></b><font> Novamente inconformada, veio a requerente AA, a fls. 188 vº e seguintes, interpor recurso de revista excecional, </font><i><font>“nos termos do disposto nos artigos 629º, nº 2, alínea d), 631º, 637º, 638º, nº 1, 639º, 652º, nº 5 e 671, nº 2, alínea b) e nº 3, art.º 672º, nº 1, alínea c), 673º, 674º, nº 1 alíneas a) e c) e nº 2, 676º e 677º todos do Código do Processo Civil”,</font></i><font> em que invoca, entre outras questões, a nulidade do acórdão do Tribunal da Relação.</font><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><b><font>6.</font></b><font> O Tribunal da Relação, através de novo acórdão proferido em Conferência, julgou improcedente a nulidade arguida pela recorrente.</font><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><b><font>7. &nbsp;</font></b><font>Subindo os autos a este Supremo Tribunal de Justiça e tendo sido distribuídos à agora Relatora, esta, por decisão singular, decidiu não admitir o recurso de revista.</font><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><b><font>8. AA</font></b><font>, tendo sido notificada do despacho singular da Relatora, que não admitiu o recurso de revista, veio apresentar reclamação para o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça do citado despacho, formulando setenta conclusões que se consideram, devido à sua extensão, aqui integralmente reproduzidas. </font><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><b><font>9.</font></b><font> Notificada a reclamada, </font><b><font>BB,</font></b><font> não apresentou qualquer resposta à reclamação.</font><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><font>Cumpre apreciar e decidir. &nbsp;</font><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><b><font>II - Fundamentação</font></b><br> </p><p><b><font>1.</font></b><font> O fundamento do despacho reclamado foi o seguinte: </font><br> </p><p><font>«</font><b><font>2.</font></b><font> Importa tratar da questão prévia da admissibilidade do recurso. </font><br> </p><p><font>Sobre esta questão já a recorrente se pronunciou na sua alegação de recurso, que se considera aqui transcrita, pelo que se dispensa a Relatora de a notificar ao abrigo do artigo 655.º do CPC, pois tal seria um ato inútil.</font><br> </p><p><font>O âmbito do recurso de revista encontra-se definido no artigo 671.º, n.º 1, do CPC, e não abarca os acórdãos proferidos pela Relação no âmbito de procedimentos cautelares, como seria, em princípio, aqui o caso, em que estamos perante uma providência cautelar (artigo 370.º, n.º 2, 1.ª parte, do CPC).</font><br> </p><p><font>Contudo, o artigo 370º, n.º 2, 1.ª parte, do CPC, depois de erigir como regra geral a da inadmissibilidade de acesso ao terceiro grau de jurisdição das decisões proferidas em procedimentos cautelares, ressalva, na sua parte final, os casos em que, por virtude de outros dipositivos legais, o recurso é sempre admissível. Assim, surge a necessidade de convocar o regime do nº 2 do artigo 629º do CPC, preceito que enumera os casos em que, independentemente da verificação dos pressupostos de natureza geral de admissibilidade de recurso atinentes ao valor da causa e da sucumbência, o recurso é sempre admissível.</font><br> </p><p><font>Entre esses casos avulta o de o recurso ter por fundamento a violação das regras de competência em razão da nacionalidade, matéria ou hierarquia ou quando seja invocada a ofensa de caso julgado, nos termos do artigo 629.º, n.º 2, al. </font><i><font>a),</font></i><font> do CPC.</font><br> </p><p><font>No caso </font><i><font>sub judice,</font></i><font> foi invocada uma questão de competência do tribunal em razão da matéria, incluída entre as exceções que admitem sempre o acesso ao Supremo Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 629.º, n.º 2, </font><i><font>a),</font></i><font> do CPC.</font><br> </p><p><font>Todavia, analisada a fundamentação do acórdão recorrido, deteta-se que, embora o Tribunal da Relação tenha classificado a competência em discussão como competência em razão da matéria, trata-se, na verdade, de uma </font><i><font>competência por dependência</font></i><font>, ao abrigo das normas constantes dos artigos 91.º, n.º 1 e 364.º, n.º 3, ambos do CPC, no sentido em que o tribunal que for competente para conhecer a ação é também o competente para conhecer os seus incidentes, sendo que a enumeração contida na al. </font><i><font>a) </font></i><font>do n.º 2 do artigo 629.º do CPC não a abrange. </font><br> </p><p><font>Com efeito, transcreve-se o seguinte excerto do acórdão recorrido: </font><br> </p><p><i><font>«Efetivamente, a competência em razão da matéria para as providências cautelares, instauradas como incidente, como a generalidade das questões processuais que lhes digam respeito, não tem autonomia estando outrossim na dependência da ação principal. </font></i><br> </p><p><i><font>Nessa medida e por força do disposto no artº. 91º/1 e 364º/3 do C. P. Civil, o tribunal que for materialmente competente para conhecer da ação é também o competente para conhecer dos seus incidentes, independentemente do modo como são processados. </font></i><br> </p><p><i><font>No caso, embora a Reqte. não identifique concretamente a ação de que depende o presente procedimento cautelar (até porque requereu a inversão do contencioso), afigura-se-nos evidente a existência de uma relação de dependência com uma eventual ação de prestação de contas a correr termos por apenso ao processo de inventário nº 898/…, agora a correr termos nos meios comuns (como informado pela Reqte.) – cfr. artigo 206º/2 do C. P. Civil. </font></i><br> </p><p><i><font>Com efeito, a jurisprudência é unânime a considerar que as contas do cabeça de casal nomeado judicialmente são dependência do processo de inventário em que tenha sido efetuada tal nomeação (ao passo que o processo geral de prestação de contas está reservado às situações de exercício da administração da herança por “cabeça de casal de facto”).</font></i><br> </p><p><i><font>(…)</font></i><br> </p><p><i><font>Efetivamente, de acordo com o artº 2069º/d) do C. Civil, são parte integrante da herança os frutos percebidos até à partilha (que ainda não se efetivou), pelo que é em sede de inventário que devem ser dirimidas as questões relativas aos rendimentos não distribuídos, com respeito pelo limite da metade, previsto no artº 2092º do C. Civil, e bem assim, as relativas à sonegação de bens. </font></i><br> </p><p><i><font>Ora, é sabido que a prestação de contas e o inventário, de que necessariamente depende o presente procedimento, constituem formas especiais de processo, não seguindo a forma de processo comum, sendo certo que o Juízo Central Cível não tem competência para quaisquer ações que sigam formas de processo especial (neste sentido, cfr. Miguel Teixeira de Sousa em texto publicado no endereço </font></i><a><i><u><font>http://blogippc.blogspot.pt/2015/01/conversao-daforma-do-processo.html)»</font></u></i></a><i><font>.</font></i><br> </p><p><font>Pelo que, não estando em causa uma verdadeira e própria questão de competência em razão da matéria, não tem aplicação o fundamento especial de admissibilidade do recurso previsto no artigo 629.º, n.º 2, alínea </font><i><font>a),</font></i><font> do CPC.</font><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><b><font>3.</font></b><font> Invoca também a recorrente outra causa de admissibilidade do recurso de revista, qual seja a constante na alínea </font><i><font>d)</font></i><font> do n.º 2 do artigo 629.º do CPC, relativa à contradição de acórdãos.</font><br> </p><p><font>Vejamos:</font><br> </p><p><font>Entende a recorrente que o acórdão recorrido se encontra em </font><i><font>“(…) contradição com o espírito do Acórdão proferido pela mesma Relação em 14-6-2018, pois este ao determinar que os rendimentos do património do de cujus constituem bens próprios dos herdeiros legitimários, implicitamente desafetou do tribunal onde corre o inventário o pedido de condenação de pagamento sobre esses bens”.</font></i><br> </p><p><font>Para estarmos perante uma contradição de julgados, para o efeito de alargamento dos casos em que é admissível o recurso de revista, a jurisprudência tem sido muito rigorosa na indagação dos requisitos específicos de recorribilidade. </font><br> </p><p><font>Neste conspecto, tem-se entendido que a contradição de julgados que releva como </font><i><font>conditio</font></i><font> da admissibilidade do recurso de revista pressupõe, além do mais, pronúncia sobre a mesma questão fundamental de direito e que as decisões sejam contraditórias, de forma expressa, e não apenas implicitamente, bem como a questão de direito invocada seja a </font><i><font>ratio decidendi</font></i><font> de ambos os acórdãos. </font><br> </p><p><font>Veja-se, a título de exemplo, o acórdão de 6 de abril de 2021 (proc. 1431/20.5T8VFR .P1), onde se sumariou o seguinte:</font><br> </p><p><font>«I - Tem-se entendido que o apuramento da contradição jurisprudencial, para o efeito de ajuizar acerca dos pressupostos que permitem que o recurso de revista seja sempre admissível, ao abrigo da al. </font><i><font>d)</font></i><font> do n.º 2, do CPC, obedecerá a critérios semelhantes aos utilizados para efeitos de admissibilidade da revista excecional (artigo 672.º, n.º 2, al. </font><i><font>c), </font></i><font>do CPC) ou do recurso extraordinário para uniformização de jurisprudência (artigo 688.º, n.º 1, do CPC). </font><br> </p><p><font>II - Estes requisitos são os seguintes: 1) Que o acesso ao Supremo esteja vedado unicamente por motivos de ordem legal não ligados à alçada da Relação; 2) Identidade entre a questão de direito apreciada no acórdão recorrido e no acórdão fundamento, não bastando que neles se tenha abordado o mesmo instituto jurídico, exigindo-se que a subsunção jurídica feita em qualquer das decisões tenha operado sobre o mesmo núcleo factual; 3) Que exista uma efetiva contradição de acórdãos, isto é, uma oposição frontal e não apenas implícita entre as decisões dos acórdãos em contradição e que essa questão de direito se revista de natureza essencial na decisão, sendo irrelevante a divergência que incida sobre argumentos sem valor decisivo ou em torno de meros </font><i><font>obiter dicta</font></i><font>;</font><br> </p><p><font>4)&nbsp; A divergência deve verificar-se num quadro normativo substancialmente idêntico».</font><br> </p><p><font>Ora, no caso vertente, o acórdão recorrido, debruçando-se sobre a questão da competência, confirmou a decisão do tribunal de 1.ª instância que não se considerou competente para julgar a causa, pelos motivos atrás expostos. Já o acórdão fundamento, proferido no processo n.º 1365/… não se debruçou expressamente sobre a questão da violação das regras da competência, de molde a poder afirmar-se que houve contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento, nos moldes atrás descritos, que não incluem decisões implícitas. O acórdão fundamento apenas emitiu pronúncia sobre a nulidade da sentença, a legitimidade da apelada e a necessidade de o juiz </font><i><font>a quo</font></i><font> proferir despacho a convidar os restantes herdeiros a intervir no processo, mas não proferiu decisão sobre a questão das regras de competência absoluta. Pelo que não se verifica a alegada contradição de acórdãos, não havendo lugar à admissão do recurso de revista com este fundamento.</font><br> </p><p><font>&nbsp;</font><br> </p><p><b><font>4.</font></b><font> Assim sendo, não se admite o recurso de revista, por falta dos pressupostos específicos traduzidos na violação das regras da competência material e na contradição de acórdãos, conforme, respetivamente, as alíneas </font><i><font>a)</font></i><font> e </font><i><font>d)</font></i><font> do n.º 2 do artigo 629.º do CPC».</font><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><b><font>2.</font></b><font> A reclamação apresentada, dirigida ao Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, com base no artigo 643.º do CPC, não obedece à forma processual correta, considerando-se, por isso, convolada numa reclamação para a Conferência de um despacho de não admissibilidade do recurso, ao abrigo do artigo 652.º, n.º 3, do CPC.</font><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><b><font>3.</font></b><font> A reclamante, em extensas conclusões, limita-se a descrever a tramitação do presente processo e a invocar a sua discordância com o acórdão recorrido, reafirmando que o Juízo Central de ... é o tribunal competente para conhecer a causa e que não está pendente qualquer processo de prestação de contas como supôs o tribunal recorrido, reiterando a alegada contradição de acórdãos, sem, contudo, infirmar a pertinência e justeza dos argumentos expostos na decisão singular, que permanecem válidos.</font><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><b><font>4.</font></b><font> Assim, confirma-se a decisão da Relatora e declara-se não admissível o recurso de revista.</font><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><b><font>IV – Decisão</font></b><br> </p><p><font>Pelo exposto, indefere-se a reclamação e confirma-se o despacho de não admissibilidade do recurso de revista.</font><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><font>Custas pela recorrente.</font><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><font>Supremo Tribunal de Justiça, 21 de setembro de 2021</font><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><font>Maria Clara Sottomayor – Relatora </font><br> </p><p><font>Pedro de Lima Gonçalves – 1.ª Adjunto </font><br> </p></font><p><font><font>Maria de Fátima Gomes – 2.ª Adjunta</font></font></p>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><font> </font><div><br> <font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça </font></div><br> <br> <font> </font><br> <p><b><font>I - Relatório</font></b><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><b><font>1.</font></b><font> “Caetano-Baviera - Comércio de Automóveis, S.A.” instaurou ação declarativa, com forma de processo comum, contra AA, pedindo a condenação do Réu a pagar-lhe a quantia de € 16.778,45, acrescida de juros de mora à taxa legal, desde a citação até efetivo e integral pagamento. </font><br> </p><p><font>Alega, para tanto e em resumo, que o Réu, então seu empregado como vendedor de viaturas e a quem estava distribuído o veículo de matrícula ...-MT-..., quer para serviço da Autora, quer para utilização pessoal do Réu nos dias e horas livres do seu horário de trabalho, em dia em que não se encontrava em serviço e sem que tivesse recebido instruções para a realização de qualquer serviço, foi, como condutor do referido veículo, interveniente num acidente de viação, cuja culpa lhe é imputável, tendo acusado uma taxa de alcoolemia de 0,43g/l e encontrando-se também sob o efeito de um medicamento que, conjugado com o álcool, lhe causou perturbações na atenção, nos reflexos e coordenação, suscetíveis de afetar o exercício da condução, do qual advieram danos ao ...-MT-..., cuja reparação ascendeu a €16.778,45, valor suportado pela Autora e que o Réu não pagou, apesar de interpelado a fazê-lo. </font><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><b><font>2.</font></b><font> Contestou o Réu por exceção, em que invoca a incompetência em razão da matéria do tribunal, e por impugnação, alegando que a culpa no acidente lhe não é imputável, mas a um veículo terceiro não identificado, e que o veículo da Autora não tinha o valor por ela indicado nem os danos ascenderam ao montante peticionado, mais aduzindo que nunca a Autora exigiu a qualquer dos seus vendedores a reparação das viaturas que conduzem, mesmo em caso de sinistro ocorrido fora de serviço e aquando do uso da viatura em serviço pessoal, concluindo pela improcedência da ação e pela sua absolvição do pedido.</font><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><b><font>3.</font></b><font> Tendo o Autor respondido a sustentar a improcedência da exceção invocada pelo Réu, foi proferido despacho saneador que, julgando improcedente a exceção de incompetência do tribunal em razão da matéria, afirmou a validade e regularidade da instância, fixou o valor da causa, identificou o objeto do litígio e enunciou os temas de prova.</font><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><b><font>4.</font></b><font> Iniciada, em … de maio de 2016, pelas 14 horas, a audiência final, em que foram inquiridas duas testemunhas - BB, arrolada pela Autora, e CC, comum a ambas as partes -, e em que a mandatária da Autora, face à necessidade de designação de data para a sua continuação, pediu a palavra, no uso da qual fez consignar, comoda respetiva ata consta, que </font><i><font>“Não acedendo, por razões que são absolutamente alheias à sua agenda, com marcações de outras audiências ou diligências judiciais, vem desde já informar este Digno Tribunal que a haver data para continuação do julgamento, pode já não se encontrar disponível para o efeito, pelo que a ser assim, de imediato informará este Digno Tribunal que se releve qualquer e todo o inconveniente que tal impossibilidade acarrete”</font></i><font>, foi para o efeito designado o dia 28 de junho de 2016 (todo o dia).</font><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><b><font>5.</font></b><font> Na data designada para a continuação da audiência - … de junho de 2016 -, que se iniciou pelas 9,30horase em que, na respetiva ata, se fez constar que </font><i><font>“Consigna-se que o escritório da Ilustre Mandatária da Autora entrou em contacto via telefone com este Tribunal, comunicando que a Drª DD, que se encontrava doente, não podendo comparecer no dia de hoje à audiência de julgamento, tendo dado conhecimento à Srª Juiz”,</font></i><font> tendo o mandatário do Réu deixado à consideração do Tribunal a decisão de adiar, ou não, a audiência, após prolação de despacho do&nbsp; seguinte teor </font><i><font>“Nos termos do artº 603º do CPC, o adiamento só é admissível com base numa situação de justo impedimento e dentro dos pressupostos do artigo 140º do mesmo diploma. A secção diligenciou por verificar junto da central e do sistema citius se teria sido junto algum requerimento no sentido de se peticionar o adiamento ou demonstrar alguma circunstância enquadrável na figura de justo impedimento. Tendo em conta que estamos perante uma continuação de audiência e que estão convocadas inúmeras testemunhas que se encontram aqui presentes e outras que virão da parte da tarde, e dado que este julgamento foi agendado por acordo dos Ilustres Mandatários e Tribunal, e sobretudo porque não nos é requerido qualquer adiamento nem junto nenhum meio de prova conforme determina o artº 603º e 140º do CPC, o Tribunal terá que realizar a continuação da presente audiência, por não a considerar adiável nos termos do novo Código de Processo Civil”,</font></i><font> realizou-se a audiência, com inquirição de todas as restantes testemunhas, excetuando a testemunha EE, arrolada pelo Réu, que não se encontrava presente mas foi prescindida, e tomada de declarações de parte ao Réu, e em que o Réu requereu a junção de um documento (fls. 156 a 158), que foi admitida, após o que foi proferida sentença a julgar improcedente a ação e a absolver o Réu do pedido.</font><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><b><font>6.</font></b><font> A Autora, que requereu a anulação do processado até à realização da audiência de 28/6/2016, com fundamento em irregularidade processual decorrente do não adiamento da audiência, e arguiu também a irregularidade por falta de notificação do documento nela junto pelo Réu, interpôs recurso de apelação da sentença oferecendo as respetivas alegações e pugnando pela sua revogação, relativamente ao qual o Réu respondeu a sustentar a improcedência da apelação.</font><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><b><font>7.</font></b><font> Sem que o tribunal de 1.ª instância se tenha pronunciado sobre o requerimento da Autora a arguir as ditas irregularidades, foram os autos remetidos ao Tribunal da Relação para apreciação do recurso de apelação interposto da sentença, tendo o relator proferido despacho a ordenar a baixa dos autos ao tribunal de 1ª instância a fim de ser emitida pronúncia sobre tal requerimento. </font><br> </p><p><font>&nbsp;</font><br> </p><p><b><font>8.</font></b><font> Proferida decisão a indeferir as irregularidades por ela invocadas, apelou a Autora e, remetidos os autos de novo ao Tribunal da Relação, foi proferido acórdão que, conhecendo em primeiro lugar do recurso interposto do despacho que indeferiu as irregularidades, julgou improcedente a arguição da nulidade consistente na realização do julgamento sem a presença da mandatária da Autora e procedente a decorrente da falta de notificação à Autora do documento, cuja junção foi requerida pelo Réu e admitida na audiência de julgamento que teve lugar em 28/6/2016, ordenando a notificação do documento à Autora e a posterior reabertura da audiência para alegações e prolação de nova sentença e considerou prejudicado o conhecimento do recurso interposto da sentença final.</font><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><b><font>9.</font></b><font> Na sequência da notificação do documento junto pelo Réu em 28/6/2016, requereu a Autora, que impugnou o teor do documento, contradita às testemunhas FF e GG, arroladas pelo Réu, relativamente aos factos provados de 14, e que sobre eles o Réu, que prestou declarações de parte, fosse confrontado ou que fosse determinado o seu depoimento de parte quanto a tais factos, o que mereceu a oposição do Réu e foi indeferido por decisão transitada, já que a apelação dela interposta pela Autora foi julgada improcedente.</font><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><b><font>10.</font></b><font> Reaberta a audiência em que as partes produziram alegações orais, veio posteriormente a ser proferida nova sentença que, declarando os factos provados e os não provados, com a respetiva motivação, julgou improcedente a ação e absolveu o Réu do pedido.</font><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><b><font>11.</font></b><font> Inconformada, a Autora interpôs recurso para o Tribunal da Relação ....</font><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><b><font>12.</font></b><font> O Tribunal da Relação proferiu acórdão, em 23-01-2020, objeto de retificação, que, depois de enunciar como questões suscitadas a omissão do poder/dever do inquisitório, a violação do disposto no artigo 607º, nº 4, do Código de Processo Civil, a alteração da matéria de facto, a errada subsunção jurídica dos factos e responsabilidade pelo acidente e contradição entre a motivação e a decisão da matéria de facto, julgando procedente a primeira questão que enunciou e declarando prejudicadas as demais questões, revogou a sentença recorrida para que fossem reinquiridas duas testemunhas que haviam sido arroladas pela Autora à matéria dos factos por ela alegados nos artigos 6º e 7º da petição inicial, com posterior prolação de nova sentença.</font><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><b><font>13.</font></b><font> Inconformado, o réu interpõe recurso de revista, em que invocou a ofensa do caso julgado, tendo este Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão proferido em 17-12-2020, concedido a revista, considerando que o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação, em 23-01-2020, ao ordenar a reinquirição de duas testemunhas, violou o caso julgado formal do acórdão proferido nos autos em 29-6-2017, e ordenou a remessa dos autos ao Tribunal da Relação para que conhecesse das restantes questões do recurso de apelação.</font><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><b><font>14.</font></b><font> Nesta sequência, o Tribunal da Relação ... proferiu acórdão, m 17-06-2021, em que conheceu as seguintes questões que tinham ficado prejudicadas - Violação do disposto no artº 607º, nº 4, do Código de Processo Civil; Alteração da matéria de facto e contradição entre a motivação e a decisão da matéria de facto; Errada subsunção jurídica dos factos e responsabilidade pelo acidente – decidindo julgar procedente a apelação, e, consequentemente, revogado a sentença recorrida, condenando o apelado a pagar à apelante a quantia de € 16.778,45, acrescida de juros de mora desde a citação até efetivo e integral pagamento.</font><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><b><font>15.</font></b><font> Inconformado, o Réu recorreu para este Supremo Tribunal, com base no artigo 629.º, n.º 2, al. a), do CPC; formulando na sua alegação de recurso, as seguintes conclusões:</font><br> </p><p><font>«1ª – Ao julgar não provados os factos constantes da matéria de facto julgada provada nos pontos 22, 23, 24, 25, 28, 29, 31 e 32 da sentença, em contrário do decidido neste processo pelo acórdão (1º) da Relação prolatado na apelação da primeira sentença, em 29/06/2017, transitado em julgado, e, em consequência, vindo condenar o R. no pedido, revogando a sentença recorrida, o douto acórdão ora recorrido violou caso julgado, em face do disposto nos arts. 580º, 581º, 620º e 621º do CPC.</font><br> </p><p><font>2ª – Neste processo, foi proferida sentença (1ª) em 07/07/2016, que julgou a ação integralmente improcedente por não provada e, em consequência, absolveu o R. do pedido contra si formulado pela A. de condenação do R. no pagamento da quantia de € 16.778,45, com juros moratórios legais vincendos, desde a data da citação até efetivo e integral cumprimento.</font><br> </p><p><font>3ª – Na motivação desta decisão, a Mma Juiz a quo enumera os seguintes factos que julgou provados:</font><br> </p><p><font>«1 - No dia … de Agosto de 2012 ocorreu um acidente envolvendo o veículo automóvel de matrícula ...-MT-..., o qual era então propriedade da A. e conduzido pelo R.</font><br> </p><p><font>2 - A A. dedica-se ao comércio de veículos automóveis e seus acessórios.</font><br> </p><p><font>3 - O R. à data dos factos descritos no presente articulado era empregado da A., com a categoria de vendedor de automóveis.</font><br> </p><p><font>4 - A …-8-2012 o veículo de matrícula ...-MT-... era propriedade da A. – cfr. docs. nº 1 e nº 2 (na parte da descrição do veículo MT), cujo teor aqui é dado por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.</font><br> </p><p><font>5 - Esta veículo tinha menos de 5 meses e estava em perfeitas condições de conservação e funcionamento.</font><br> </p><p><font>6 - O ...-MT-... estava distribuído ao R. quer para serviço da A. quer para utilização pessoal do R. nos dias e horas livres do seu horário de trabalho.</font><br> </p><p><font>7 - Nesse dia … de Agosto de 2012, cerca das 23h20, na A..., ..., ao km 16,1, no sentido ..., ocorreu um acidente de viação em que interveio o veículo ligeiro de passageiros da A., matrícula ...-MT-....</font><br> </p><p><font>8 - O acidente ocorreu numa extensa recta, com 3 vias de circulação em sentido único, com boa visibilidade e com bom tempo, cfr. auto de polícia cujo teor aqui se dá por reproduzido.</font><br> </p><p><font>9 - Na altura do acidente o R. foi submetido ao teste de alcoolémia que acusou 0,43g/l (qualitativa), conforme consta da Participação de acidente elaborada pela PSP do ... – cfr. doc. nº 2 e de fls. 86 a 88, cujo teor aqui é dado por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.</font><br> </p><p><font>10 – À data dos factos, o R. era seu trabalhador, com a categoria de vendedor de automóveis, e, continua a sê-lo, por contrato de trabalho celebrado entre A. e R. em 1993/03/03, que se mantém em vigor, cfr. doc. de fls 72 a 73, cujo teor aqui se dá por reproduzido.</font><br> </p><p><font>11 - No âmbito desse contrato, o R. exerce as vendas dos veículos automóveis que a A. comercializa junto dos clientes que angaria, contactando-os nas suas moradas, locais de trabalho e outros que estes indiquem para contactos, encontros ou reuniões;</font><br> </p><p><font>12 - Para além do trabalho de vendas no stand, sito nas instalações da A. na Rua Manuel Pinto de Azevedo, nº 462/500, da cidade do Porto.</font><br> </p><p><font>13 - No âmbito do contrato de trabalho que celebrou com o R., a A. distribuiu-lhe o seu veículo automóvel ligeiro de passageiros de marca ..., com a matrícula ...-MT-..., quer para o exercício das suas funções laborais, quer para sua utilização pessoal.</font><br> </p><p><font>14 - Não obstante esse acidente ter ocorrido em dia feriado, o R. sofreu-o quando se encontrava ao serviço da A., numa deslocação à casa de férias de verão de um seu cliente, o Sr. FF, sita na Rua ..., em ..., ..., com quem andava a negociar a venda de uma viatura idêntica à que o R. conduzia, indo a pedido do cliente realizar com aquela viatura um teste à rampa de acesso à sua garagem, conforme refere no e-mail que remeteu ao seu chefe de serviço, no dia 17/08/2012, junto sob doc. 1 da contestação, e documento junto na data da continuação da audiência (Proposta Veículo Novo).</font><br> </p><p><font>15 - De acordo com a natureza das funções laborais que exerce, o R. não presta o seu trabalho dentro de um horário rígido e fixo, realizando-o, muitas vezes, ao sábado no stand, bem como desloca-se inúmeras vezes ao fim de semana – ao sábado ou ao domingo, a horas do interesse dos clientes – a casa de clientes para assegurar e concretizar vendas de viaturas da A.</font><br> </p><p><font>16 - No dia em que sofreu o acidente o R. encontrava-se ao serviço da A., não necessitando de receber dela ordem expressa para o realizar nesse dia, dada a natureza do trabalho que ia realizar.</font><br> </p><p><font>17 - Em face da grave crise que o setor do comércio automóvel atravessava naquela época, os vendedores de veículos automóveis tinham que dedicar-se ao trabalho de forma expedita e com total disponibilidade para não perderem a oportunidade de concretizar qualquer oportunidade de venda que surgisse.</font><br> </p><p><font>18 - Tal como a maior parte dos seus colegas, o R. logo que surgisse uma hipótese de negócio de venda de uma viatura, ainda que pequena, nunca mais largava o possível comprador, ainda que tivesse de encontrar-se com ele ao sábado ou ao domingo, a fim de viabilizar e concretizar esse negócio.</font><br> </p><p><font>19 - Foi o que se passou com o cliente a casa do qual o R. se dirigia quando sofreu o acidente, a fim de realizar um teste com a viatura conduzida pelo R., pois andando esse cliente a negociar com o R. uma viatura idêntica que queria comprar nessa altura, mas temendo que a mesma batesse no pavimento do acesso à sua garagem pediu ao R. que lá fosse para fazerem o dito teste.</font><br> </p><p><font>20 - E tendo o referido cliente manifestado ao R. que apenas tinha oportunidade para o fazer nesse dia, após o jantar, para não perder o negócio o R. acedeu em deslocar-se à referida morada do cliente, nesse dia, à hora a que o cliente mostrou disponibilidade.</font><br> </p><p><font>21 - O R. conduzia a viatura ...-MT-... pertencente à A. na autoestrada A..., conhecida por ..., no ..., no sentido ..., pela via do meio (faixa central);</font><br> </p><p><font>22 - A uma velocidade não superior a 70 Km/hora;</font><br> </p><p><font>23 - Quando, subitamente e de forma absolutamente imprevisível, vê surgir-lhe do lado direito um veículo automóvel ligeiro, a alta velocidade.</font><br> </p><p><font>24- Mal viu esse veículo, que não chegou a ser identificado, o R. não conseguiu evitar que este se despistasse.</font><br> </p><p><font>25 - O veículo conduzido pelo R. rodopiou e embateu no rail cfr. as fotografias que foram juntas sob docs. 2, 3, 4 e 5 com a contestação.</font><br> </p><p><font>26 - Foi colidir com a parte direita da frente no lado esquerdo da frente do veículo ...-...-FS, ligeiro de passageiros de marca ..., cfr. a fotografia junta (doc. 6 e doc. de fls. 88 cujo teor aqui se dá por reproduzido).</font><br> </p><p><font>27 - Após colidir de raspão com a quina direita da frente na quina esquerda da frente do ...-...-FS, o veículo ...-MT-... foi embater de frente, sobre o lado esquerdo, no rail da berma da autoestrada e daí recuou atravessando as três vias de trânsito, acabando por imobilizar-se junto ao rail do separador central, cfr. a fotografia junta (doc. 7).</font><br> </p><p><font>28 - O responsável pelo acidente é o condutor do terceiro interveniente no acidente, que não se conseguiu identificar.</font><br> </p><p><font>29 - A A. nunca exigiu a nenhum dos seus vendedores a reparação das viaturas que conduzem, mesmo em caso de sinistro ocorrido fora de serviço, aquando do uso da viatura em serviço pessoal.</font><br> </p><p><font>30 - Além de permitir que os seus vendedores utilizem a viatura, que lhes distribui, ao seu serviço pessoal, a A. dá-lhes senhas de combustível para abasteceram a viatura (doc.8).</font><br> </p><p><font>31 - Contrariamente ao que aconteceu nos diversos acidentes ocorridos com colegas de trabalho do R., fora de serviço, este é o primeiro caso de acidente que a A. considerando ocorrido fora de serviço vem cobrar a um seu vendedor, neste caso o R. </font><br> </p><p><font>32 - A A. nunca exigiu em nenhum caso o pagamento dos danos da viatura distribuída a cada vendedor, em caso de acidente de viação.</font><br> </p><p><font>33 - Por causa do acidente o MP sofreu danos cuja reparação importou em 16.778,43 Euros- doc. 4 e 5 juntos com a petição.</font><br> </p><p><font>34 - O Réu não procedeu ao seu pagamento apesar de interpelado – docs. 6 e 7 juntos com a petição».</font><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><font>4ª - Inconformada com a decisão, a A. interpôs recurso de apelação desta sentença para o Tribunal da Relação ..., no qual alega, como questões prévias: I - Falha ou erro ocorrido na gravação da audiência; II - Realização da audiência de julgamento apesar da ausência da advogada da apelante; III – Omissão da notificação à A. da junção de um documento por parte do R.; IV – Omissão do poder-dever do inquisitório. E, subsidiariamente: - A impugnação da decisão da matéria de facto constante dos pontos 22, 23, 24, 25, 28, 29, 31 e 32 da sentença; - A violação do art. 607º, nº 4, do CPC; e a errada subsunção jurídica dos factos.</font><br> </p><p><font>5ª – Neste recurso de apelação da sentença, o Tribunal da Relação ... proferiu acórdão em 29/06/2017, no qual julgou procedente apenas a nulidade consistente na omissão da notificação do teor do documento oferecido pelo R. na audiência de julgamento, a que a advogada da A. não compareceu, e, em consequência, anulou a decisão do facto 14, determinando a notificação à A. do teor do documento oferecido pelo R. no julgamento e após reabrir-se a audiência para as alegações das partes proferindo-se nova sentença com a decisão do facto 14.</font><br> </p><p><font>6ª – Da matéria de facto julgada provada na sentença recorrida, transcrita supra na 3ª conclusão, o douto acórdão TR... de 29/06/2017 anulou apenas o facto constante do ponto 14, julgando provados todos os demais factos constantes dos 34 pontos enunciados na sentença.</font><br> </p><p><font>7ª – O que se justifica, pois, como se refere no acórdão, segundo o art. 195º, nº 2, do CPC, há que confinar a nulidade às consequências da prática do ato sobre esse facto e não relativamente àquilo sobre que não teve qualquer relevância.</font><br> </p><p><font>8ª – Julgando a matéria de facto dada como provada na sentença, conclui-se nesse acórdão (o primeiro proferido neste processo) da forma seguinte: “Sendo assim, há que anular a decisão do facto 14, determinar a notificação do teor do documento à A., reabrir a audiência para alegações e fixar esse facto depois disso. No mais de facto decidido mantém-se a sentença. Só havendo, depois, que compaginá-la com o resultado da avaliação do documento sobre o teor do facto 14.”</font><br> </p><p><font>9ª – Nesse acórdão cuja decisão, transitada em julgado, foi violada pelo acórdão ora recorrido foi proferida a decisão seguinte: “Nestes termos, julga-se a apelação do despacho que decidiu a arguição das nulidades processuais parcialmente procedente e anula-se parcialmente a sentença, para que se notifica à A. o teor do documento junto pelo R. em julgamento, após o que se deve reabrir a audiência para alegações das partes e decisão do facto 14, que se baseou parcialmente no dito documento, proferindo-se nova sentença que tenha o resultado disso em atenção.”</font><br> </p><p><font>10ª – Em cumprimento do determinado nesse acórdão (1º), a Mma Juiz a quo proferiu despacho a ordenar a notificação à A. do teor do documento junto pelo Réu na audiência de julgamento e para, querendo, exercer o contraditório no prazo legal.</font><br> </p><p><font>11ª – Não tendo a A. impugnado a genuinidade ou autenticidade do documento nem o seu teor, limitando-se a impugnar apenas algumas anotações manuscritas pelo R. no seu exemplar de trabalho deste documento (triplicado) na realização do negócio com o referido cliente, que em nada afetam o alcance probatório do documento, no sentido de que o R. andava a negociar com a testemunha FF a venda de um veículo idêntico àquele que conduzia, não havia razão para alterar a matéria julgada provada no facto 14 da sentença.</font><br> </p><p><font>12ª – Em 21/12/2018, a Mma Juiz a quo proferiu nova sentença na qual não alterou a matéria do facto constante do ponto 14 da anterior sentença recorrida (cuja reapreciação fora ordenada no acórdão TR... de 29/06/2017), reproduzindo na íntegra a decisão proferida na primeira sentença relativamente a este facto e aos demais julgados provados, bem como os factos não provados, a sua fundamentação e também a aplicação do direito aos factos, julgando, de novo, a ação integralmente improcedente por não provada e, consequentemente, absolvendo o Réu do pedido.</font><br> </p><p><font>13ª - No recurso de apelação que interpôs da nova sentença, a A. não impugnou a matéria de facto fixada no ponto 14 dos factos provados desta sentença, conforme descrito supra na 3ª conclusão, que reproduz o facto 14 da primeira sentença, vindo antes impugnar os factos provados constantes dos pontos 22, 23, 24, 25, 28, 29, 31 e 32 da nova sentença, que não eram objeto de reapreciação e tinham sido já considerados provados no acórdão proferido no recurso de apelação da 1ª sentença, por decisão transitada em julgado, incorrendo, por isso, em violação de caso julgado.</font><br> </p><p><font>14ª – Neste recurso de apelação da nova sentença, a A. limita-se a reproduzir, ipsis verbis, as alegações e conclusões do recurso de apelação que interpôs da primeira sentença, expurgadas da matéria relativa às questões levantadas no primeiro recurso já decididas no acórdão prolatado neste recurso pelo Tribunal da Relação ..., em 29/06/2017.</font><br> </p><p><font>15ª – Daí que, vindo a A. novamente alegar (repetir) nesta última apelação a omissão do poder-dever do inquisitório no julgamento, inserida nas primeiras vinte conclusões desta apelação, o Tribunal da Relação ... proferiu acórdão em 23/01/2020, no qual, julgando procedente esta questão, determinou a repetição do julgamento para reinquirição das testemunhas HH e II, com posterior prolação de nova sentença.</font><br> </p><p><font>16ª – Violando esta decisão o decidido no douto acórdão da Relação proferido na apelação da primeira sentença, em 29/06/2017, transitado em julgado, o R., alegando a violação de caso julgado nos autos, interpôs recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, que, no acórdão de 17/12/2020, concedendo a revista, proferiu a seguinte decisão: “Pelo exposto, concede-se a revista e revoga-se o acórdão recorrido, remetendo-se o processo ao Tribunal da Relação ... para conhecer das restantes questões do recurso de apelação”.</font><br> </p><p><font>17ª – Tendo baixado o processo ao Tribunal da Relação ..., foi proferido o acórdão de 17/06/2021 (o segundo proferido na apelação da nova sentença), aqui recorrido, o qual, vindo dar por não provados os factos constantes dos pontos 22, 23, 24, 25, 28, 29, 31 e 32 da matéria de facto julgada provada na sentença, entrando em contradição com o decidido no mencionado acórdão de 29/06/2017, transitado em julgado, revogou o decidido na sentença e condenou o apelado no pedido.</font><br> </p><p><font>18ª – Excluindo da matéria de facto julgada provada na sentença os mencionados factos, nomeadamente, que o R. conduzia a viatura ...-MT-..., na autoestrada A..., a uma velocidade não superior a 70 Km/hora (facto 22 eliminado), quando, subitamente e de forma absolutamente imprevisível, vê surgir-lhe do lado direito um veículo automóvel ligeiro, a alta velocidade (facto 23 eliminado); que mal viu esse veículo, que não chegou a ser identificado, o R. não conseguiu evitar que este se despistasse (facto 24 eliminado); que o veículo conduzido pelo R. rodopiou e embateu no rail (no facto 25); e que o responsável pelo acidente é o condutor do terceiro interveniente no acidente, que não se conseguiu identificar (facto 28 eliminado), no acórdão recorrido vem imputar-se&nbsp; ao R. a responsabilidade pela ocorrência do acidente, contrariamente ao que ficou provado em audiência de julgamento.</font><br> </p><p><font>19ª – Alterando a matéria de facto julgada provada na sentença e já fixada em definitivo como tal pelo acórdão da Relação de 29/06/2017, transitado em julgado, retirando daí que o R. é o culpado do acidente, o acórdão recorrido violou caso julgado.</font><br> </p><p><font>20ª – Que toda a matéria de facto alterada e que foi dada por não provada no acórdão recorrido se encontrava já fixada como provada, em definitivo, pelo acórdão da Relação de 29/06/2017, consta do douto acórdão proferido nos autos pelo Supremo Tribunal de Justiça, em 17/12/2020, que refere: “Este acórdão, o primeiro a ser proferido no processo, em 29-07-2017, fixou, em definitivo, nos autos, toda a matéria de facto dada como provada na sentença, exceto o facto 14…”.</font><br> </p><p><font>21ª – Porque estava, ora, vedado ao Tribunal da Relação alterar a matéria de facto já julgada provada, em definitivo, nos autos, ao vir dar por não provados os mencionados factos fixados no acórdão de 29/07/2017 como factos provados, com trânsito em julgado, e, com base na matéria de facto alterada, vindo condenar o R. no pedido, o acórdão recorrido violou caso julgado.</font><br> </p><p><font>22ª - Estando já assente neste processo toda a matéria de facto que foi alterada, e dada por não provada no acórdão recorrido em violação de caso julgado, ao vir condenar o apelado no pedido o Tribunal da Relação proferiu uma decisão que está em oposição com a matéria de facto julgada provada nos autos e, por isso, contraditória com a fundamentação, quer de facto quer de direito, que a torna nula, face ao disposto no art. 615º, nº 1, al. c) do CPC.</font><br> </p><p><font>23ª – No próprio acórdão recorrido se sufraga que com base nos factos havidos como provados, impõe-se a absolvição do R. do pedido, conforme a sentença, devendo considerar-se que de tais factos não resultava que o R. fosse culpado do acidente e que, a manter-se inalterada a matéria de facto que teve como provada, não havia fundamento para censurar a decisão proferida na sentença.</font><br> </p><p><font>24ª - Só por força da alteração processada, indevidamente, no acórdão recorrido dos factos 22 a 25 e 28 anteriormente fixados como provados nos autos, por acórdão da Relação transitado em julgado, o R. foi ali considerado culpado do acidente e, consequentemente, condenado no pedido, conforme é expresso no próprio acórdão recorrido, em manifesta violação de caso julgado.</font><br> </p><p><font>25ª - O caso julgado material abrange o envolvente segmento decisório e a decisão das questões preliminares que sejam o seu antecedente lógico necessário.</font><br> </p><p><font>26ª - A interposição de recurso com fundamento na ofensa do caso julgado depende de a decisão recorrida contrariar uma outra que lhe seja anterior, transitada em julgado, proferida entre as mesmas partes, sobre o mesmo objeto e baseada na mesma causa de pedir (artigos 580º, 581º, 619º e 620º do CPC).</font><br> </p><p><font>27ª - Nos termos do nº 1 do art. 620º do CPC, “As sentenças e os despachos que recaiam unicamente sobre a relação processual têm força obrigatória dentro do processo”.</font><br> </p><p><font>28ª - Pelo disposto no art. 621º, a sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga.</font><br> </p><p><font>29ª – Conforme se refere no Ac.do STJ de 18/12/2013, P.471/10.7TTCSC.L1.S2: </font><i><font>“O tribunal de recurso não pode olvidar o efeito do caso julgado que porventura já se tenha formado a montante sobre qualquer decisão ou segmento decisório, o qual prevalece sobre o eventual interesse na melhor aplicação do direito, nos termos claramente enunciados no nº 5 do art. 635º do NCPC.”</font></i><br> </p><p><font>30ª - Ao julgar não provados os factos 22, 23, 24, 25, 28, 29, 31 e 32 da sentença, em contrário do decidido no primeiro acórdão do mesmo Tribunal da Relação prolatado neste processo, em 29/06/2017, transitado em julgado, e, em consequência, vindo condenar o Réu no pedido, o acórdão recorrido violou caso julgado, em face do disposto nos arts. 580º, 581º, 620º e 621º do CPC.</font><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><font>TERMOS EM QUE DEVE A DECISÃO PROFERIDA NO ACÓRDÃO RECORRIDO SER REVOGADA E CONFIRMADA A DOUTA SENTENÇA PROFERIDA NOS AUTOS, JULGANDO-SE A AÇÃO IMPROCEDENTE E, EM CONSEQUÊNCIA, SER O RÉU ABSOLVIDO DO PEDIDO.</font><br> </p><p><font>ASSIM SE FAZENDO A COSTUMADA JUSTIÇA».</font><br> </p><p><font>&nbsp;</font><br> </p><p><b><font>16.</font></b><font> A Autora apresentou contra-alegações nas quais pugna pela manutenção do decidido, formulando as seguintes conclusões:</font><br> </p><p><font>«1. No nosso entendimento, não se verifica qualquer contradição do Douto Acórdão recorrido, proferido a 17/06/2021, com o Acórdão anteriormente proferido a 29/06/2017, a fls. 329 e segs.</font><br> </p><p><font>2. O Acórdão do Tribunal da Relação ... de 29/06/2017, a fls. 329 e ss., ponto VII., pág. 44, expressamente delimitou o seu âmbito às questões suscitadas que não contemplassem o recurso da sentença, por ter considerado que o seu conhecimento se encontrava prejudicado pela procedência do recurso do despacho que decidiu as nulidades invocadas no seguimento da audiência de julgamento.</font><br> </p><p><font>3. Neste âmbito e contexto, precisos e restritos, da apreciação da nulidade de omissão do contraditório, não é sustentável a alteração de qualquer outro facto, para além do fa
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><b><font> </font></b><font> </font><div><br> <font>Acordam, em Conferência, no Supremo Tribunal de Justiça</font></div><br> <br> <font> </font><br> <p><b><font>I - Relatório</font></b><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><b><font>1. AA</font></b><font>, recorrente no presente processo, vem, após ter sido notificada da decisão singular da Relatora, que indeferiu a reclamação apresentada nos termos do artigo 643º, nº 3, do Código de Processo Civil (CPC), reclamar para a conferência, nos termos dos artigos 643º, nº 4 e 652º, nº 3, ambos do CPC, formulando as seguintes conclusões:</font><br> </p><p><font>«A. A decisão recorrida não fez a boa aplicação do direito competente,</font><br> </p><p><font>B. O douto despacho, valorou e considerou erradamente a peça processual de reclamação contra o indeferimento de recurso, apresentada pela executada, pois e nos termos da lei a reclamante deve alegar e formular conclusões, o que foi apresentado na impugnação pela ora reclamante, a qual e também nos termos da lei expôs os motivos e explicou as razões, argumentando sobre os factos, o resultado da prova, a interpretação e aplicação do direito, especificando o objectivo que pretende alcançar com o recurso.</font><br> </p><p><font>C. A reclamante apresentou em resumo os fundamentos de facto e direito na sua conclusão,</font><br> </p><p><font>D. Fundamentando a sua pretensão,</font><br> </p><p><font>E. Presentemente, é clara a prevalência da tutela da privacidade, bem jurídico pessoal, face ao bem jurídico supra-individual institucional, perante a previsão do art. 195.º do CP, sem prejuízo de os valores supra-individuais, que se «identificam com o prestígio e confiança em determinadas profissões e serviços, como condição do seu eficaz desempenho, aparecerem sempre incindivelmente associados à punição da violação do sigilo profissional, embora «com o estatuto de interesses (apenas) reflexa e mediatamente protegidos».</font><br> </p><p><font>F. E a legalidade tem de ser reposta no processo...</font><br> </p><p><font>G. Pelo que, se solicita a V. exas uma reapreciação da prova e do direito sobre&nbsp;esta matéria,</font><br> </p><p><font>H. Vivemos num estado de DIREITO é imprescindível averiguar o que se passa neste processo,</font><br> </p><p><font>I. Já que, a executada não pode ser lesada, pela dualidade de critérios e da aplicação da lei,</font><br> </p><p><font>J. Mas, que não foi bem entendido pelo Tribunal recorrido,</font><br> </p><p><font>L. Violando assim, o preceituado nos artigos da lei,</font><br> </p><p><font>M. Concretamente o preceituado nos artigos 70º, 75º, 76º da EOA e o artigo 13º da Lei nº 62/2013, de 26 de Agosto (Lei da Organização do sistema Judiciário), e o artigo 208º da Constituição da República Portuguesa,</font><br> </p><p><font>N. Assim como, na Jurisprudência existente,</font><br> </p><p><font>O. A jurisprudência é unanime e clara,</font><br> </p><p><font>P. Assim, reitera-se não se entender esta decisão,</font><br> </p><p><font>Q. E como refere o Venerando Desembargador Luís Espirito Santo, será importante que o Juiz em qualquer instância procure ser eloquente e convincente na sua argumentação, cimentando-a em corrente jurisprudencial firmada ou ancorando-a na doutrina respeitante a cada tema,</font><br> </p><p><font>R. O que não se verificou na decisão recorrida,</font><br> </p><p><font>S. Concretamente no artigo 70º, 75º, 76º da Lei nº 145/2015 e no artigo 208º da Constituição da República Portuguesa,</font><br> </p><p><font>T. Mas no nosso ordenamento jurídico e na democracia que persiste no nosso sistema político, todo o cidadão tem direito ao contraditório,</font><br> </p><p><font>U. E consequentemente defesa, um direito consagrado na Constituição da República Portuguesa,</font><br> </p><p><font>V. O estudo e a prática do direito processual interessam na medida em que podem contribuir para melhor fazer valer os direitos, as liberdades e as garantias, consagradas na Constituição, incluindo o direito fundamental da tutela jurisdicional efetiva,</font><br> </p><p><font>X. Na interpretação e aplicação da lei dos recursos deve ser usado um critério amplo, designadamente quanto à sua admissibilidade, à correção das irregularidades das conclusões e à prova do trânsito em julgado,</font><br> </p><p><font>Z. Respeito e cumprimento dos direitos independentemente da posição que ocupa no processo,</font><br> </p><p><font>AA. Mas, o tribunal recorrido insistiu em manter a situação insustentável da executada e advogada, provocando avultados prejuízos a referida advogada e a terceiros (clientes),</font> </p><p><font>Nestes termos, e nos mais de direito, que V. Exas. Doutamente suprirão, deve à presente reclamação ser concedido provimento e, em consequência, revogar-se o despacho recorrido do Tribunal de 1ª Instância da Comarca de Lisboa Instância Central – Juízo de Execução-Juiz ..., substituindo-o por outro que declare sem efeito o arrombamento do escritório da advogada e executada, por o mesmo ter sido realizado irregularmente e violando o preceituado na lei, e em consequência restituir à executada a posse provisória do escritório, pois o acto do sr. agente de execução por ter sido realizado ilegalmente pode constituir esbulho violento, assim como, a violação do segredo profissional poderá ter diversas consequências, quer criminais, quer civis etc., e a falta da posse do escritório estar a causar graves prejuízos ao exercício da advocacia, nomeadamente a terceiros com processos com prazos a decorrer, no exercício de direitos, com as devidas consequências legais,</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Razões pelas quais requer a V. exas. seja ordenado ao sr. Agente de execução devolver a fracção em causa à executada, repondo a fechadura ou dando acesso à executada para o fazer a expensas do Sr. Agente de Execução, e seja ordenado ao Sr. Agente de Execução que proceda de acordo com os preceitos legais acima invocados».</font> </p><p><font>&nbsp;</font> </p><p><font>Cumpre apreciar a decidir.</font><br> </p><p><font> </font> </p><p><b><font>II - Fundamentação </font></b> </p><p> </p><p><b><font>1. </font></b><font>A decisão contra a qual a reclamante se insurge, conforme se passa a transcrever integralmente, foi a seguinte: </font><br> </p><p><font>«</font><b><font>1.</font></b><font> AA, vem, após notificação do despacho a não admitir o recurso de revista interposto, ao abrigo do artigo 643º, nº 1, do Código de Processo Civil (CPC), reclamar contra a não admissibilidade do recurso para o STJ.</font><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><b><font>2.</font></b><font> O teor do despacho de não admissibilidade do recurso foi o seguinte: </font> </p><p><i><font>A recorrente AA interpôs recurso da decisão interlocutória de 15.07.2020, proferida nos autos de execução para pagamento de quantia certa e sob a forma comum, que lhe move HEFESTO STC, S.A.</font></i> </p><p><i><font>O recurso não foi admitido pelo tribunal a quo pelos fundamentos que constam dos autos.</font></i> </p><p><i><font>Da não admissão do recurso a recorrente apresentou reclamação instruída e dirigida a este Tribunal da Relação, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 647º do CPC</font></i> </p><p><i><font>Por decisão da relatora datada de 11 de novembro de 2021, visto o disposto no artigo 643º, nº 4 do CPC, julgou-se improcedente a reclamação, confirmando o despacho de não admissão do recurso. </font></i> </p><p><i><font>A recorrente veio submeter o assim decidido a apreciação da Conferência, conforme o previsto no artigo 652º, nº5, do CPC.</font></i> </p><p><i><font>Por acórdão de 11.01.2O22 o Colectivo de Juízes julgou improcedente a reclamação, mantendo o despacho de não admissão do recurso interposto.</font></i><br> </p><div><br> <i><font>•</font></i></div><br> <br> <i><font>A recorrente vem interpor recurso de revista deste acórdão "{...) nos termos do artigo 852' do C.P.C. e 671º e segs. Do C.P.C., que subirá imediatamente, nos próprios autos, nos termos do artigo 675º, nº 1 do CPC”</font></i> <p><i><font>Recurso de revista, que não se mostra admissível face ao impedimento previsto no artigo 671º, nº 3, do CPC, ex vi artigo 852º do mesmo diploma legal, alenta a dupla conforme quanto à não admissão do recurso e não se verificarem in casu as excepções previstas nos artigos 629º, n.º 2, e 671º, n.º 2, do Código de Processo Civil, relativas à revista excepcional.</font></i> </p><p><i><font>Assim, não se admite o recurso de revista. </font></i> </p><p> </p><p><i><font>Lisboa, 31.03.2022</font></i><br> </p><p><font> </font> </p><p><font> </font> </p><p><b><font>3.</font></b><font> A recorrente, notificada deste despacho apresentou uma reclamação com o seguinte conteúdo, que se reproduz integralmente:</font> </p><p><i><font>«Venerandos Juízes Conselheiros do Supremo Tribunal de Justiça</font></i> </p><p><i><font>AA, recorrente no processo supra referido, vêm após notificação, do despacho a não admitir o recurso interposto, e ao abrigo do artigo 643º nº 1 do Código de Processo Civil reclamar contra o indeferimento do recurso apresentado para o Supremo Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 852º e 671º nº 3 e segts do C.P.C., que subirá imediatamente, nos próprios autos, nos termos do artigo 675º nº 1 do C.P.C. e com efeito suspensivo, tendo apresentado as suas alegações (motivações e conclusões)».</font></i> </p><p><b><font>4.</font></b><font> A este requerimento, a reclamante junta o acórdão do Tribunal da Relação (decisão recorrida), o requerimento de interposição do recurso de revista e respetivas alegações/conclusões, e o despacho do relator, no Tribunal da Relação, que não admitiu o recurso de revista, conforme previsto no artigo 643.º, n.º 3, do CPC.</font> </p><p><b><font>5.</font></b><font> Na reclamação, a reclamante não apresentou qualquer alegação ou conclusões, nem tão-pouco expôs os seus fundamentos ou uma mera síntese de argumentos, para basear a sua reclamação.</font> </p><p><b><font>6.</font></b><font> Ora, tem-se entendido que a Reclamação efetuada contra o despacho do juiz que não admite o recurso, ao abrigo do artigo 643.º do CPC, não se encontra catalogada como Recurso no CPC, sendo antes um incidente do Recurso, com uma tramitação própria. Por isso, a Reclamação apenas precisa de ser motivada, não carecendo de conclusões.</font> </p><p><b><font>7.</font></b><font> No caso presente, a reclamante não expôs os seus fundamentos para reclamar, nem mesmo de uma forma mínima ou sintética, pelo que não se pode aceitar a presente reclamação.</font> </p><p><b><font>8.</font></b><font> Neste sentido, se tem pronunciado a jurisprudência:</font> </p><p><font>- </font><b><font>Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 22-02-2016 (proc. n.º 490/11.6TBVNG.P1-A.S1),</font></b><font> em que se fixou a seguinte orientação:</font> </p><p><font>«Não sendo enunciado qualquer fundamento para a revogação do despacho de não admissão do recurso, a reclamação prevista no art. 643º, nº 1, do CPC, deve ser objecto de rejeição liminar por aplicação extensiva do disposto no art. 641º, nº 2, al. b), 1ª parte, do CPC».</font> </p><p><b><font>- Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 03-12-2020 (proc. n.º 3840/17.8T8VCT-H.G1),</font></b><font> onde se sumariou o seguinte:</font> </p><p><font>«I - A reclamação contra o despacho de não admissão de recurso prevista no art. 643º, do CPC, sendo o meio de impugnar junto do tribunal superior um despacho que não admitiu ou reteve um recurso, tem de conter a exposição dos fundamentos ou motivos pelos quais deve ocorrer a revogação do despacho em causa.</font> </p><p><font>II - Se a reclamação é completamente omissa quanto a tal motivação ou fundamentação, a mesma deve ser liminarmente indeferida, por aplicação extensiva do disposto no art. 641º, nº 2, al. b), 1ª parte, do CPC».</font> </p><p><b><font>9.</font></b><font> Assim sendo, não se admite a reclamação por ausência de motivação».</font> </p><p><font> </font> </p><p><font> </font> </p><p><b><font>3.</font></b><font> Vem agora a recorrente, reclamar do despacho singular da Relatora acima transcrito, para a Conferência deste Supremo Tribunal de Justiça, alegando, em síntese, três argumentos: 1) que a jurisprudência invocada na citada decisão singular não é unânime e que a decisão carece de referências doutrinárias; 2) que nas alegações/conclusões do recurso de revista apresentou os fundamentos relevantes para a reclamação; 3) que o processo de execução contra o qual intentou os presentes embargos é ilegítimo e inconstitucional.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>&nbsp;</font><b><font>4.</font></b><font> Rela</font><font>tivamente ao primeiro argumento, a Autora não indica os acórdãos que aderem a uma orientação jurisprudencial distinta da adotada nos acórdãos referidos na decisão singular, nem cita doutrina que apoie a sua tese de que a reclamação pode ser aceite sem motivação. &nbsp;Pelo contrário, a doutrina pronuncia-se habitualmente pela desnecessidade de despacho de aperfeiçoamento quando faltam totalmente as alegações de recurso e/ou as conclusões, nos termos do artigo 641.º, n.º 2, al. </font><i><font>b),</font></i><font> do CPC (cfr. Abrantes Geraldes/Paulo Pimenta/Pires de Sousa, </font><i><font>Código Civil Anotado, vol. I,</font></i><font> 2.ª edição, Almedina, Coimbra, p. 800), o que não pode deixar de valer também, por uma questão de unidade do sistema jurídico, para os casos em que a reclamação carece completamente de motivação. Não se vislumbra qualquer razão, nem a reclamante invocou qualquer argumento que infirmasse os fundamentos em que assentou a decisão singular, para que a reclamação fosse tratada mais favoravelmente do que o ato de interposição do recurso. </font> </p><p><font> </font> </p><p><b><font>5.</font></b><font> Entende a reclamante que os fundamentos das alegações/conclusões do recurso de revista contêm os fundamentos, de facto e de direito, pertinentes para a presente reclamação dirigida ao Supremo Tribunal de Justiça. </font> </p><p><font>Mas não tem razão. </font> </p><p><font>A alegação e as conclusões do recurso de revista reportam-se à impugnação de uma decisão distinta e proferida num momento anterior ao despacho de não admissibilidade da revista, o único impugnável neste processo de reclamação ao abrigo do artigo 643.º, n.º 1, do CPC. Por outro lado, analisado o conteúdo das alegações /conclusões de revista, deteta-se que essas alegações apenas incidem sobre os vícios do acórdão da Relação, que confirmou o despacho de não admissibilidade da apelação de decisão interlocutória, mas não sobre a única questão que importa decidir na reclamação: a admissibilidade da revista.</font> </p><p><font> </font> </p><p><b><font>6.</font></b><font> Quanto aos restantes fundamentos invocados, eles reportam-se à alegada natureza abusiva e injusta do processo executivo, questão insuscetível de ser conhecida nesta reclamação ou de determinar a decisão quanto à admissibilidade do recurso, porque tratando-se de uma questão de mérito (a da legalidade ou justeza de decisão interlocutórias proferida no processo executivo), nada tem a ver com a verificação ou não dos pressupostos legalmente exigidos para a admissibilidade do recurso de revista - questão prévia e completamente independente da questão de mérito.&nbsp; </font> </p><p><font> </font> </p><p><b><font>7.</font></b><font> Assim sendo, uma vez que a reclamação não contém uma motivação, nem enumera, ainda que sinteticamente, os seus fundamentos, deve a mesma ser liminarmente indeferida, por aplicação extensiva do artigo 641.º, n.º 2, al. </font><i><font>b)</font></i><font>, 1.ª parte, do CPC. </font> </p><p><font> </font> </p><p><b><font>8.</font></b><font> Acresce que, ainda que não se verificasse este obstáculo formal ao conhecimento da reclamação dirigida ao Supremo Tribunal de Justiça, sempre se dirá que nunca o recurso de revista seria admissível, por incidir sobre um acórdão da Relação proferido em resultado da reclamação para a conferência da decisão do relator, que não admitiu o recurso de apelação. Os acórdãos, proferidos pela Relação, ao abrigo do artigo 643.º, n.º 1, do CPC, não admitem recurso de revista, uma vez que não se inscrevem no âmbito delimitado pelo artigo 671.º do CPC (cfr. Abrantes Geraldes, </font><i><font>Recursos no Novo Código de Processo Civil,</font></i><font> Almedina, Coimbra, 2020, pp. 194-195; Abrantes Geraldes/Paulo Pimenta/Pires de Sousa, </font><i><font>Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, </font></i><font>2.ª edição, 2020, p. 802). </font> </p><p><font> </font> </p><p><b><font>9.</font></b><font> Acresce que as decisões interlocutórias, como aquela que foi impugnada no recurso de apelação, e aquelas proferidas em processo executivo, não seriam, de qualquer modo, recorríveis para o Supremo Tribunal de Justiça (artigo 854.º do CPC), salvo os casos excecionais previstos no artigo 629.º, n.º 2 e 671.º, n.º 2, al. </font><i><font>b),</font></i><font> do CPC, aqui não verificados.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Assim sendo, não se poderia admitir, de qualquer modo, o recurso de revista.</font> </p><p><font>Confirma-se, pois, o acórdão do Tribunal da Relação sobre o qual incidiu a presente reclamação, bem como a decisão agora reclamada.</font> </p><p><font> </font> </p><p><b><font>10.</font></b><font> Anexa-se sumário elaborado de acordo com o artigo 663.º, n.º 7, do CPC:</font> </p><p><font>I - Os acórdãos, proferidos pela Relação, ao abrigo do artigo 643.º, n.º 1, do CPC, não admitem recurso de revista, uma vez que não se inscrevem no âmbito delimitado pelo artigo 671.º do CPC.</font> </p><p><font> </font> </p><p><b><font>III – Decisão </font></b> </p><p> </p><p><font>Pelo exposto, indefere-se a reclamação.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Custas pela reclamante.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Lisboa, 13 de setembro de 2022</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Maria Clara Sottomayor (Relatora)</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Pedro de Lima Gonçalves (1.º Adjunto)</font> </p><p><font> </font> </p></font><p><font><font>Maria João Vaz Tomé (2.ª Adjunta)</font></font></p>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><br> <br> <font> </font><br> <font> </font><br> <font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: </font><br> <b><font> </font></b><br> <b><font>I - Relatório</font></b><br> <b><font>1. AA</font></b><font> propôs a presente ação declarativa, com processo comum sob a forma ordinária, contra </font><b><font>BB, CC </font></b><font>e</font><b><font> DD,</font></b><font> pedindo a condenação das rés a pagarem, aos autores, a quantia de € 94.771,16, nos termos do artigo 442.º, n.º 2, do Código Civil, a título de restituição em dobro do sinal prestado, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a data dos factos até efetivo e integral pagamento. A autora requereu a intervenção principal provocada de </font><b><font>EE</font></b><font>, como seu associado.</font><br> <font>As rés contestaram, pugnando pela improcedência da ação. Contudo, para a hipótese de procedência da ação, as rés deduziram reconvenção, pedindo a condenação dos autores: 1) Como litigantes de má-fé, em multa e indemnização não inferior a € 7.500; 2) A reconhecerem como validamente resolvido pelas rés o contrato-promessa junto à petição inicial e o sinal passado, seja no montante de € 39.903,88, seja no montante de € 47.385,80, pertença delas, rés; 3) A pagarem às rés a quantia de € 40.000, que estas entregaram aos autores em 16.05.2005; 4) A pagarem às rés juros legais sobre a quantia de € 40.000, contados desde 16.05.2005 até integral embolso, sendo os vencidos até 16.05.2008 no montante de € 5.200; 5) A pagarem às rés a quantia de € 12.100 como compensação pelo gozo e fruição do prédio prometido vender no período de Abril de 2001 a Novembro de 2004, acrescido de juros legais desde a notificação da contestação; 6) Subsidiariamente, no caso de se entender que as rés não resolveram validamente, a pagarem a estas as quantias referidas em 1, 3, 4 e 5. As rés pediram ainda que se ordene, em qualquer caso, a compensação, até aos respetivos limites, com o montante que elas forem, eventualmente, condenadas a pagar aos autores.</font><br> <font>A autora replicou, respondendo à exceções suscitadas pelas rés e pugnando pela improcedência da reconvenção. </font><br> <font>As rés responderam às exceções suscitadas pela autora à matéria da reconvenção.</font><br> <font>A intervenção principal provocada de EE, como associado da autora, foi admitida, tendo o interveniente declarado fazer seus os articulados desta última.</font><br> <font>Após a realização de audiência preliminar, foi proferido despacho saneador, no qual, além do mais, foi admitido o pedido reconvencional com exceção da parte respeitante à condenação dos autores como litigantes de má-fé. Procedeu-se à seleção da matéria de facto assente e à elaboração da base instrutória. </font><br> <font>Realizou-se a audiência final, na sequência da qual foi proferida sentença que, julgando a ação procedente, condenou as rés a pagarem à autora a quantia de € 94.771,16, a título de restituição de sinal em dobro nos termos do n.º 2 do artigo 442.º do Código Civil, acrescida de juros de mora contados desde a data da citação até integral pagamento. A reconvenção foi julgada totalmente improcedente.</font> <p><font> </font> </p><p><b><font>2.</font></b><font> As rés recorreram da sentença, tendo o Tribunal da Relação de Évora, por acórdão datado de 28 de fevereiro de 2019, decidido o seguinte: </font></p><div><br> <font>&nbsp;</font></div><br> <font> </font> <p><font>«Acordam os juízes da 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora em julgar o recurso parcialmente procedente, anulando a sentença recorrida nos termos do artigo 615.º, n.º 1, al. d), 1.ª parte, do CPC, e julgando a acção e a reconvenção parcialmente procedentes nos seguintes termos:</font> </p><p><font>A) Condena-se o recorrido EE a pagar a quantia de € 16.307,10 às recorrentes, sendo € 5.435,70 a cada uma delas;</font> </p><p><font>B) Condena-se cada uma das recorrentes a pagar a quantia de € 7.897,63 à recorrida AA;</font> </p><p><font>C) Sobre as quantias referidas em A) e B) são devidos juros de mora, à taxa supletiva legal, desde as datas em que os respectivos devedores foram citados até integral pagamento;</font> </p><p><font>D) No mais, vão as recorrentes e os recorridos absolvidos dos pedidos contra eles formulados.</font> </p><p><font>Custas da acção e da reconvenção, incluindo as do presente recurso, a cargo das recorrentes e dos recorridos, na proporção do respectivo decaimento».</font> </p><p><font> </font> </p><p><font> </font> </p><p><b><font>3.</font></b><font> Insatisfeita, interpõe recurso de revista, a autora, AA, formulando na sua alegação de recurso as seguintes conclusões:</font><br> <font>«1º-A questão principal do presente recurso consiste em saber se do incumprimento do contrato promessa pelas Rés, deriva responsabilidade civil em relação à Recorrente.</font><br> <font>2º- No caso concreto, foi celebrada uma revogação entre um dos promitentes compradores e as Rés.</font><br> <font>3º- A A, ora Recorrente, não interveio pessoalmente ou através de representante e , por isso, não poderá conforme resulta claro, ser afectada pela revogação .</font><br> <font>4º- Tem o direito a que se mantenha inalterada a situação jurídica que para si resultou da celebração do contrato promessa de compra e venda.</font><br> <font>5º- Resulta bem explícito, que a Autora foi alheia a revogação efetuada, não teve conhecimento da mesma e nem das cláusulas combinadas entre as Rés e o EE logo não poderá vir a ser prejudicada pela mesma.</font><br> <font>6º- Consta da matéria dada como assente que as Rés, depois da morte do marido da R. BB, passou a ser assessorada juridicamente, pelo&nbsp;&nbsp;&nbsp; que&nbsp;&nbsp;&nbsp; decorre&nbsp;&nbsp; &nbsp;da&nbsp;&nbsp;&nbsp; lógica&nbsp;&nbsp;&nbsp; comum &nbsp;&nbsp;&nbsp;que&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; tenham sido&nbsp; assessoradas.</font><br> <font>7º- Ora, sendo assim, como efetivamente é , para mais encontrando-se devidamente assessoradas por Advogado , deveriam ter adotado todos os cuidados que a situação requeria, o que não fizeram , como é manifesto.</font><br> <font>8º- Ainda antes &nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; de&nbsp;&nbsp;&nbsp; terem&nbsp;&nbsp;&nbsp; procedido &nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; à&nbsp;&nbsp;&nbsp; revogação&nbsp;&nbsp;&nbsp; do&nbsp;&nbsp;&nbsp; contrato firmado com a A., nestes autos recorrida, venderam o imóvel a terceiros , só depois efetuaram unilateralmente a revogação do contrato com o Interveniente Acidental, o que colide com a conduta que um bom pai de família adotaria .</font><br> <font>9º- O procedimento posterior adotado pelas Rés e que consiste na entrega de uma verba a um dos contraentes, </font><i><font>in casu,</font></i><font> interveniente Acidental, faz com que caia pela base, a tese de que não seria exigível das Rés outra conduta .</font><br> <font>10º-Ao longo desse moroso processo sempre a Autora e o Interveniente Processual, enviaram em nome próprio missivas aos mandatários das Rés, o que não é um procedimento usual num casal que viva sem conflitos, pelo que teria sido diligente que as Rés se tivessem certificado que o EE tinha poderes para vincular a A. ou autorização daquela. </font><br> <font>11º- Porque durante esses anos todos, ambos, ou seja quer a A., quer o EE, sempre se fizeram representar por si próprios, pelo que o cidadão médio colocado na posição das Rés, teria estranhado quando aquele se apresentou em nome do casal e teria necessariamente sido diligente no sentido de verificar os poderes do EE e se a A. estava devidamente informada.</font><br> <font>12º-Se as Rés tivessem sido diligentes teriam feito constar do Acordo de Revogação a assinatura de ambos os promitentes compradores, o que efetivamente não sucedeu.</font> </p><p><font> </font><br> <font> </font><br> <font>13º - Pelo que as Rés foram negligentes e não foram diligentes, pelo que o seu comportamento é gerador de&nbsp;&nbsp; responsabilidade&nbsp;&nbsp; contratual, aliás o comportamento censurável do EE aliado ao comportamento negligente das Rés, não pode nem deve prejudicar os direitos da A., a não ser assim, estaríamos a premiar quer o EE (que se apresentou em nome de ambos pese embora sem poderes) , quer os das R., que não diligenciaram a verificar se efectivamente aquele tinha ou não poderes de representação da A.</font><br> <font>14º - Ao que acresce, por outro lado, que a revogação contratual levada a cabo nos moldes sobreditos, não poderá de em todo, ser entendível como um acto de administração praticado por um dos cônjuges em nome do outro, para mais quando já não eram casados um com o outro.</font><br> <font>15º - Se a ora Recorrente foi completamente alheia quer a revogação efectuada pelo EE com as Rés quer ao acordado entre aqueles, nenhuma culpa a Recorrente deverá ser assacada.</font><br> <font>16º - Ao invés as Rés deveriam ser diligentes e actuar como um Bom Pai de Família era ter diligenciado pela assinatura do acordo de revogação com as rés ou terem verificado se efectivamene o EE tinha autorização da Recorrente ou se aquele tinha poderes em nome daquela. </font> </p><p><font>17º - O desconhecimento da lei em nada poderá aproveitar às Rés, sendo certo que da matéria dada como provada resulta claro e evidente que em todo este moroso e longo processo aquelas (rés) foram sempre assessoradas por mandatário judicial pelo que decorre do senso comum que para um acordo de revogação com a entrega do montante de € 40 mil euros, o tenham sido.</font> </p><p><font>18º-O acordo da entrega dos 40 mil euros foi feito entre as Rés e o EE e pese embora aquele tenha afirmado agir em nome próprio e da Autora, o certo é que aquele não estava munido de poderes para o fazer, facto que não poderia ser alheio às Rés.</font> </p><p><font>19º- Da matéria dada como provada resulta que a A. tinha informado que o EE não tinha poderes para a representar, então competiria às rés terem sido diligentes&nbsp; e&nbsp; terem verificado&nbsp; junto&nbsp; da&nbsp; ora&nbsp; Recorrente&nbsp; se&nbsp; a mesma concordava com os termos do Acordo da Revogação.</font> </p><p><font>20º - Era exigível as Rés terem verificado&nbsp; se&nbsp; o&nbsp; EE dispunha&nbsp; de poderes para&nbsp;&nbsp; vincular&nbsp;&nbsp; a&nbsp;&nbsp; A.,&nbsp;&nbsp; o&nbsp;&nbsp; desconhecimento&nbsp;&nbsp; da&nbsp;&nbsp; lei,&nbsp;&nbsp; reafirma-se,&nbsp;&nbsp; em nada poderá beneficiá-las .</font> </p><p><font>21º - Contrariamente ao que vem mencionado no Acórdão da Relação de Évora, todo o contexto factual que se encontra largamente descrito nos presentes&nbsp; autos,&nbsp;&nbsp; era&nbsp;&nbsp; propício&nbsp;&nbsp; para&nbsp;&nbsp; que&nbsp;&nbsp; as&nbsp;&nbsp; Rés&nbsp;&nbsp; fossem&nbsp;&nbsp; diligentes&nbsp;&nbsp; nesse sentido.</font> </p><p><font>22º- Pelo que a conduta das mesmas será de censurar, à luz do critério<br> de um bom pai de família, tendo em conta as circunstâncias que se<br> encontram dadas como&nbsp; provadas,&nbsp;&nbsp; em que &nbsp;a Recorrente&nbsp;&nbsp;&nbsp; já&nbsp;&nbsp;&nbsp; tinha informado que EE não a representava e onde quer a Recorrente quer o EE, enviavam em nome próprio correspondência às Rés e nunca em representação do outro.</font> </p><p><font>23º- Advogado, primeiro, o Sr. Dr. FF e, depois, o Sr. Dr.<br> GG, portanto, conhecedores do regime jurídico das<br> declarações negociais, do mandato sem representação e da representação sem poderes, não há nada que justifique ou que possa aceitar como explicação adequada, aquela que a ré BB de, quando foi ouvida em declarações, na audiência de discussão e julgamento, ou seja, a de que desconhecia que o interveniente principal e autora se tinham divorciado. </font> </p><p><font>24º- É que se o contrato-promessa havia sido celebrado com dois promitentes-compradores, não havia razão alguma para as rés concluírem que, para revogarem tal negócio jurídico, bastaria que apenas um deles o anunciasse, a não ser, talvez, que tivessem pensado que, por terem acertado&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; a revogação &nbsp;com o&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; interveniente principal, eventualmente convencidas de que este ainda era&nbsp; o&nbsp;&nbsp; marido&nbsp;&nbsp; da&nbsp;&nbsp; autora, representaria&nbsp;&nbsp;&nbsp; esta,&nbsp;&nbsp;&nbsp; por&nbsp;&nbsp;&nbsp; mero&nbsp;&nbsp;&nbsp; vínculo&nbsp;&nbsp;&nbsp; conjugal,&nbsp;&nbsp;&nbsp; o &nbsp;&nbsp;&nbsp;que&nbsp;&nbsp;&nbsp; é&nbsp;&nbsp;&nbsp; destituído&nbsp;&nbsp;&nbsp; de qualquer fundamento legal. </font> </p><p><font>25º- Seja como for, este comportamento, ainda&nbsp; que&nbsp;&nbsp; apenas&nbsp;&nbsp; na&nbsp;&nbsp; forma negligente,&nbsp; é culposo,&nbsp; porque&nbsp; as&nbsp; rés&nbsp; não&nbsp; tiveram&nbsp; o&nbsp; cuidado&nbsp; de&nbsp; negociar também&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; com a autora qualquer acordo de revogação do contrato-promessa dos autos,&nbsp;&nbsp; nem de lhe dar pessoalmente conhecimento do teor da carta de 1 de Fevereiro de 2005 a que se refere a&nbsp;&nbsp; resposta&nbsp;&nbsp; ao&nbsp;&nbsp; n.º&nbsp;&nbsp; 4&nbsp;&nbsp; da&nbsp;&nbsp; base&nbsp;&nbsp; instrutória,&nbsp;&nbsp; pelo&nbsp;&nbsp; menos,&nbsp;&nbsp; nada&nbsp;&nbsp; foi&nbsp;&nbsp; alegado nesse sentido.</font> </p><p><font>26º - Pelo que face ao exposto será de concluir que as Rés incorreram em responsabilidade civil obrigacional perante a ora Recorrente, por estar patente o pressuposto da culpa.</font> </p><p><font>27º - O contrato-promessa dos&nbsp;&nbsp; autos&nbsp;&nbsp; extinguiu-se&nbsp;&nbsp; por&nbsp;&nbsp; facto&nbsp;&nbsp; imputável&nbsp;&nbsp; às Rés que venderam o imóvel, antes de rescindirem o contrato promessa celebrado entre a A. e o EE.</font> </p><p><font>28º-Pelo que assiste à A o direito de exigir das Rés, ao abrigo do art. 442º/2 do CC, o dobro do sinal prestado.</font> </p><p><font>29º- Por conseguinte, incorreram as Rés na obrigação de indemnizarem a autora, porque não lograram ilidir&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; a&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; presunção&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; de&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; culpa,&nbsp; pela &nbsp;impossibilidade&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; de&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; celebração&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; do&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; contrato&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; prometido&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; em&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; que&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; se colocaram,&nbsp;&nbsp; ao&nbsp;&nbsp; terem&nbsp;&nbsp; vendido&nbsp;&nbsp; a&nbsp;&nbsp; outra&nbsp; pessoa,&nbsp;&nbsp; o&nbsp;&nbsp; imóvel&nbsp;&nbsp; objeto&nbsp;&nbsp; imediato daquela promessa. </font> </p><p><font>30º- Pelo que dúvidas não restam&nbsp; que&nbsp; quanto&nbsp; a essa&nbsp; temática&nbsp; deverá ser&nbsp;&nbsp;&nbsp; de&nbsp;&nbsp;&nbsp; manter a&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; douta&nbsp;&nbsp;&nbsp; sentença&nbsp;&nbsp;&nbsp; proferida&nbsp;&nbsp;&nbsp; pelo&nbsp;&nbsp;&nbsp; Tribunal&nbsp;&nbsp;&nbsp; de&nbsp;&nbsp;&nbsp; Primeira Instância, por ter havido o correto entendimento dos artigos&nbsp;&nbsp;&nbsp; 117 , 219, 220, 221 , 236, 237, 238 , 350,&nbsp; 405 , 406 , 410, 412, 442, 473 , 483, 487 ,512,&nbsp;&nbsp;&nbsp; 513,&nbsp;&nbsp;&nbsp; 516, 519 , 524,&nbsp;&nbsp;&nbsp; 528, 533, 534&nbsp;&nbsp;&nbsp; a 538, 550 , 798, 799, 810, 1082 e seguintes do Código Civil, e 320 do C.P.C.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Termos em que, nos melhores de Direito e com o sempre mui douto suprimento de Vossas Excelências, deve o Recurso, apresentado pela Recorrente, ser considerado procedente por&nbsp;&nbsp; provado,&nbsp; mantendo-se&nbsp;&nbsp;&nbsp; na íntegra a sentença proferida pela 1ª instância.</font><br> <font>Com o que se fará JUSTIÇA!!!»</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; &nbsp;BB e outras, notificadas das alegações de Revista, apresentadas pela A., ora recorrente, vêm responder, formulando contra-alegações que se consideram aqui integralmente reproduzidas, nas quais concluem que o «Acórdão sob recurso interpretou e aplicou correctamente o direito aos factos dados como provados e nenhuma censura merece» e que manter a sentença é, para a A, ora recorrente, «um indevido enriquecimento».</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;</font><b><font>4.</font></b><font> O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da recorrente, não podendo este Supremo Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (artigos 635.º, n.º 3, e 639.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, na redação emergente da Lei n.º 41/2013 de 26.06, doravante designado apenas por CPC).</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Sendo assim, as questões a discutir são as de saber se o incumprimento do contrato promessa foi, ou não culposo, e quais as consequências do incumprimento.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font> </font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; Colhidos os vistos, cumpre decidir.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font> </font> </p><p><b><font>II – Fundamentação</font></b> </p><p><b><font> </font></b> </p><p><b><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; A – Matéria de facto dada como provada pelas instâncias:</font></b> </p><p><b><font> </font></b> </p><p><font>1 – HH, na qualidade de primeiro outorgante, e a autora e EE, na qualidade de segundos outorgantes, na altura casados no regime de comunhão de adquiridos, celebraram, a 28.07.2000, o acordo escrito junto a fls. 14 (alínea A da matéria assente).</font> </p><p><font>2 – Do acordo escrito em 1 constam as seguintes cláusulas:</font> </p><p><font>Pelo primeiro outorgante “foi dito que é dono e legítimo possuidor de uma moradia em fase de construção, sita na ... no lote … com a área de 255 m2, descrito na Conservatória do Registo Predial de ... s/o n.º ... de ... e inscrito na matriz s/o n.º ....”</font> </p><p><font>“1.º Nessa qualidade promete vender ao 2.º outorgante e este promete comprar livre de ónus e encargos a dita moradia (…), pelo preço de 34.500.000$00.</font> </p><p><font>2.º No acto deste contrato o 2.º outorgante entregará ao 1.º outorgante a quantia de 8.000.000$00 (…), a título de sinal e princípio de pagamento.</font> </p><p><font>3.º Em fim de dezembro o 2.º outorgante entregará um reforço de mais 3.500.000$00 (…).</font> </p><p><font>4.º No acto da Escritura, a realizar até fins de fevereiro de 2001, o 2.º outorgante pagará o restante que é de vinte e três mil contos (…). (…)” (alínea B da matéria assente).</font> </p><p><font>3 – No ato de assinatura do acordo referido em 1 e 2, a autora e o seu marido entregaram a HH a quantia de 8.000.000$00 a título de sinal e princípio de pagamento, conforme cláusula 2ª do contrato promessa (alínea C da matéria assente); </font> </p><p><font>4 – HH faleceu no dia 12 de agosto de 2001, tendo deixado como únicas e universais herdeiras as ora rés, BB, sua mulher, e CC e DD, suas filhas (alínea D da matéria assente);</font> </p><p><font>5 – Em 20.06.2002, a autora enviou a missiva junta a fls. 15, dirigido ao Sr. Dr. FF, mandatário das rés à data, constando do mesmo o seguinte: </font> </p><p><i><font>“(…) Tal como tinha escrito estou e como sempre estive na disposição de cumprir as obrigações decorrentes no contrato promessa supre referido e relativo a moradia sita na urb ..., lote …, Concelho de ....</font></i> </p><p><i><font>E estou na disposição e condição de fazer a escritura quando lhe for possível.</font></i> </p><p><i><font>Se por acaso da vossa parte não houver interesse de cumprir com o contrato estou disposta a ouvir uma proposta ou alternativa.</font></i> </p><p><i><font>O meu marido não tem de modo algum a minha autorização, nem procuração da minha parte de anular o contrato ou alterar ou mesmo de receber o dinheiro da entrada (…).”</font></i><font> (alínea E da matéria assente).</font> </p><p><font>6 – Dr. II enviou à autora a missiva junta a fls. 17, datada de 22.06.2004, com o seguinte teor:</font> </p><p><i><font>“Em 28 de Julho de 2000, outorgou, com HH, contrato promessa respeitante a uma moradia em construção, sita na ..., no Lote …, com a área de 255 m2, descrito na conservatória do registo predial de ... sob o n.º ..., de ..., e inscrito na matriz s/o n.º ....</font></i> </p><p><i><font>A referida moradia encontra-se concluída, tendo sido emitida, em 10/10/2002, licença de utilização.</font></i> </p><p><i><font>Por várias razões não foi possível efectuar a escritura até fins de Fevereiro de 2001, conforme previsto no referido contrato promessa, como é, aliás, do seu acordo e conhecimento.</font></i><font> </font> </p><p><i><font> </font></i> </p><p><i><font>Entretanto, em Agosto de 2001 faleceu HH, mas os seus herdeiros estão prontos a querem celebrar a escritura.</font></i> </p><p><i><font>Em nome dos herdeiros de HH venho notificá-lo para celebrar até 15/07/2004 a escritura pública a que se refere o contrato promessa de 28 de Julho de 2000. (…)”</font></i><font> (alínea F da matéria assente).</font> </p><p><font>7 – A autora enviou ao Dr. II a missiva, junta a fls. 18, datada de 05.07.2004. com o seguinte teor: </font> </p><p><i><font>“(…) Fiquei muito surpreendida ao receber no dia 04.07.04 uma carta do senhor que me é completamente desconhecido.</font></i> </p><p><i><font>Até agora correspondemos com o senhor FF Advogado de Sr. BB.</font></i> </p><p><i><font>Peço portanto que mande uma procuração original passada por a vendedora da moradia. (…)</font></i> </p><p><i><font>Quero mais uma vez mencionar, que foi a sua cliente, que não cumpriu a promessa do contrato de compra e venda, e agora sem prévio aviso marca a escritura.</font></i> </p><p><i><font>Apresente por favor a proposta junta enviada à sua cliente, para se possível, chegarmos a um acordo que seja prestável para ambas as partes (…).”</font></i><font> (alínea G da matéria assente).</font> </p><p><font>8 – Encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial de ..., sob o n.º .../..., da Freguesia de ..., o prédio rústico – ..., composto por lote de terreno para construção urbana, n.º .., com os seguintes Averbamentos:</font> </p><p><font>Av. ... – o lote passou a ter a área de 255 m2; confrontando do norte – lote 93; nascente – lote 99 e poente – caminho público. </font> </p><p><font>Av. 02 – AP. ...– o prédio está inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ....</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Av. 03 – Ap. ... – foi construído um urbano de rés-do-chão e primeiro andar (alínea H da matéria assente);</font> </p><p><font>9 – A ficha da Conservatória referida em 8 tem as seguintes inscrições:</font> </p><p><font>G-2. Ap. ...– Aquisição – A favor de HH c.c. BB – comunhão de adquiridos, (..) por compra.</font> </p><p><font>G-3 Ap. … – Aquisição – Provisória por natureza – art.º 92º, n.º 1, g) - a favor de AA c.c. EE – comunhão de adquiridos, (..) por compra.</font> </p><p><font>G-3 An. ...– Caducou.</font> </p><p><font>G-4 Ap. … – Aquisição – em comum e sem determinação de parte ou direito - a favor de BB, viúva (…), CC (…) e DD (…), por dissolução por morte da comunhão conjugal e sucessão hereditária.</font> </p><p><font>G-5 Ap. … – Aquisição – Provisória por natureza – art.º 92º, n.º 1, g) - a favor de JJ (…) por compra.</font> </p><p><font>G-5 Av.01- Ap. ... – Convertida (alínea I da matéria assente).</font> </p><p><font>10 – Após a morte de HH, o Sr. Dr. FF passou a assessorar juridicamente as rés (alínea J da matéria assente).</font> </p><p><font>11 – Por escrito particular denominado “contrato promessa de compra e venda”, a ré BB prometeu vender a JJ o prédio referido em 2 e 8 – cfr. documento de fls. 101 e 102 (alínea K da matéria assente).</font> </p><p><font>12 – Por escritura pública lavrada no Cartório Notarial do Concelho ..., em 17 de maio de 2005, as rés declararam vender o prédio referido em 2 e 8 a JJ, da mesma constando que a licença de utilização n.º ... foi passada pela Câmara Municipal de ... em 10/10/2002 – cfr. documento de fls. 104 a 110 (alínea L da matéria assente).</font> </p><p><font>13 – O casamento da autora e EE foi dissolvido por divórcio decretado por sentença proferida em 16 de setembro de 2004, transitada em julgado em 28 de outubro de 2004 (alínea M da matéria assente).</font> </p><p><font>14 – Em 6 de novembro de 2000, a autora e o seu marido entregaram a HH a quantia de esc. 1.500.000$00 (resposta ao n.º 1 da base instrutória).</font> </p><p><font>15 – Como reforço da quantia referida em 3 já entregue (resposta ao nº 2 da base instrutória).</font> </p><p><font>16 – A autora e EE receberam a missiva junta a fls. 96, datada de 20/12/2004, subscrita pelo Dr. II, junta a fls. 18, datada de 05.07.2004 com o seguinte teor: </font> </p><p><i><font>“(…) Por mandato dos herdeiros de HH e na sequência da minha carta de 22/06/2004, da vossa resposta de 29/06/2004, da minha carta de 09/11/2004 endereçada ao Sr. KK e perante o silêncio do Sr. Dr. LL, após a minha carta de 14/12/2004, venho notificá-los de que, não sendo a escritura realizada até ao dia 14 de Janeiro de 2005, o contrato promessa celebrado em 28/07/2000 com o falecido HH será havido como definitivamente incumprido”</font></i><font> (resposta ao n.º 3 da base instrutória).</font> </p><p><font>17 – EE subscreveu e enviou às rés a missiva junta a fls. 99, datada de 01.02.2005, com o seguinte teor </font></p><div><br> <font>&nbsp;</font></div><br> <i><font>“(…) em virtude de problemas profissionais, não tenho como continuar com o contrato em vigor, reafirmando, por mim e pela outra outorgante que, como já transmitido por carta nossa e dos nossos advogados aos seus advogados, é nossa vontade rescindir o contrato, esperando que aceite esta nossa rescisão. Para nós desde que nos devolvam o sinal entregue, não queremos mais nada, seja em ao sinal, seja em relação à casa ou aos melhoramentos que vos pedimos para fazerem. Por tudo o exposto, venho por meio desta carta pedir a devolução do sinal, ficando o contrato desde já rescindido.”</font></i><font> (resposta ao nº 4 da base instrutória).</font> <p><font>18 – As rés e EE acordaram que o valor do sinal a devolver era de € 40.000 (resposta ao nº 5 da base instrutória).</font> </p><p><font>19 – As rés devolveram a EE o valor de € 40.000 em 16.05.2005 (resposta ao nº 6 da base instrutória).</font> </p><p><font>20 – O que este aceitou (resposta ao nº 7 da base instrutória).</font> </p><p><b><font>A sentença recorrida julgou </font></b><b><u><font>não provados</font></u></b><b><font> os seguintes factos:</font></b> </p><p><font>A) A autora tinha conhecimento do referido em 17 a 20 dos factos provados.</font> </p><p><font>B) A autora e EE habitaram o imóvel referido em 2 e 8 desde 2001 até novembro de 2004.</font> </p><p><font>C) Sendo o valor locativo de tal imóvel de € 500 mensais.</font> </p><p><font>D) À data do referido em 17 a 20 dos factos provados, as rés tinham conhecimento do referido em 13.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font> </font> </p><p><font> </font> </p><p><font> </font> </p><p><font> </font> </p><p><font> </font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; </font><b><font>B – Questões de direito</font></b> </p><p><b><font> </font></b> </p><p><b><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; </font></b><i><font>Caráter culposo, ou não, do incumprimento do contrato-promessa e consequências desse incumprimento</font></i> </p><p><i><font> </font></i> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; </font><b><font>1.</font></b><font> A recorrente invoca que as rés, vendendo a uma terceira pessoa o imóvel objeto da promessa de compra e venda celebrada em 28 de julho de 2000 pelo falecido marido da 1.ª ré e pai das &nbsp;2.º e 3.ª rés, como promitente-vendedor, e a recorrente e o seu então marido, na qualidade de promitentes-compradores, incumpriram culposamente o contrato-promessa, pelo que lhe devem pagar o dobro do sinal, acrescido de juros de mora desde a data da citação até integral pagamento, nos termos do artigo 442.º, n.º 2, do Código Civil.</font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; A sentença de 1.ª instância deu razão à autora, condenando as rés a entregar à autora o dobro do sinal, 94.771,16 euros, considerando que se verificou uma situação de impossibilidade definitiva do contrato-promessa imputável às rés, que agiram com culpa, sob a forma de negligência, e que o acordo de revogação que estas celebraram com o interveniente principal, EE, ex-marido da autora, padecia de nulidade, por inobservância da forma legal, constituindo, de qualquer modo</font><i><font>, res inter alios acta,</font></i><font> em relação à autora, que não tomou parte neste acordo revogatório, nem foi nele representado, nem consta dos factos provados que o tenha ratificado. </font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Já o acórdão recorrido declarou a nulidade da sentença prevista no artigo 615.º, n.º 1, al. d), 1.ª parte, do CPC, entendendo o seguinte:</font> </p><p><font>«Quer no julgamento da ação, quer no da reconvenção, a sentença ignorou, pura e simplesmente, a existência do ex-marido da autora, EE, centrando-se exclusivamente nos direitos e deveres da recorrida AA. Nomeadamente, as recorrentes foram condenadas a pagarem a quantia de € 94.771,16, a título de restituição do sinal em dobro, acrescida de juros de mora, apenas à recorrida AA, o mesmo tendo acontecido relativamente à reconvenção, da qual apenas esta recorrida foi absolvida. Num e noutro casos, a sentença recorrida omitiu </font> </p><p><font> </font> </p><p><font> </font> </p><p><font> </font> </p><p><font>qualquer referência aos direitos e deveres do recorrido EE, não obstante este, por efeito da admissão da intervenção principal provocada, também ser autor. Com essa omissão, a sentença recorrida violou o disposto no artigo 320.º do CPC, o qual dispõe que, nas hipóteses de intervenção principal provocada, a sentença que vier a ser proferida sobre o mérito da causa aprecia a relação jurídica de que seja titular o chamado a intervir, constituindo, quanto a ele, caso julgado». &nbsp;</font><br> <font> </font><br> <font>Para além disto, que não impediu o tribunal recorrido de julgar o recurso de apelação por conter o processo todos os elementos necessários para o efeito, entendeu o Tribunal da Relação que o acordo revogatório não vincula a autora, agora recorrente, pois estamos perante uma revogação celebrada entre um dos promitentes-compradores e as sucessoras do primitivo promitente-vendedor, na qual a outra promitente compradora, a agora recorrente, AA, não interveio, pessoalmente ou através de representante, não podendo, portanto, ser afetada pela revogação. Este acordo de revogação seria, portanto, nulo por violação de norma imperativa (artigo 406.º, n.º 1, em conjugação com o artigo 294.º, ambos do Código Civil). O Tribunal da Relação reconheceu, tal como a sentença de 1.ª instância, que a autora, AA, tem direito a que se mantenha inalterada a situação jurídica que para si resultou da celebração do contrato-promessa de compra e venda, não obstante a aludida revogação. Contudo, entendeu estar ilidida a presunção de culpa das rés consagrada no artigo 799.º, n.º 2, do Código Civil, por terem estas confiado na seriedade do ex-marido da autora, que afirmara atuar em nome da mulher, e assim terem vendido o imóvel a terceiro na convicção de que o contrato promessa ficara revogado. Concluiu assim o acórdão recorrido que o contrato promessa se tinha extinto por impossibilidade superveniente de cumprimento não imputável às rés, nos termos dos artigos 791.º e 795.º do Código Civil, tendo estas apenas de restituir o sinal em singelo aos promitentes compradores, no valor de 47.385,80 euros. Partindo da premissa da divisibilidade desta obrigação e do facto de não vigorar a regra da solidariedade, ativa ou passiva, da obrigação de restituição do sinal em singelo, por falta de norma legal nesse sentido, o tribunal recorrido classificou a obrigação de restituição do sinal em singelo como parciária, ativa e passivamente, decidindo que cada credor tem direito a receber a sua quota-parte do crédito e cada devedor </font><br> <font> </font><br> <font>apenas está adstrito ao cumprimento da sua quota-parte do débito. Sendo assim, condenou as rés, agora recorridas, a restituir à autora, agora recorrente, metade do sinal em singelo, 23.692,90 euros, sendo cada uma das três rés responsável pelo pagamento de € 7.897,63, euros
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><br> <font>Processo n.º 5539/04.6 TVLSB.L2.S1 </font> <p><font> </font> </p><p><font>Acordam na 1.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça</font> </p><p><font> </font> </p><p><b><font>I - Relatório </font></b> </p><p><font> </font> </p><p><b><font>AA,</font></b><font> com os sinais dos autos, veio instaurar a presente acção declarativa de condenação com processo comum ordinário, contra </font><b><font>BB - ..., </font></b><font>com os sinais dos autos, alegando ter vendido à Ré três milhões de óculos para eclipse, não tendo a Ré pago parte do preço, no montante de € 485.151,00, o que pede seja condenada a fazer acrescido de juros vencidos e vincendos. </font> </p><p><font>A Ré contestou por impugnação e excepção alegando, em síntese, que a Autora entregou parte dos óculos sem as características acordadas como essenciais, pelo que o montante peticionado não é devido. Pediu a condenação da Autora como litigante de má-fé em multa e indemnização. </font> </p><p><font>A Autora replicou, impugnando a matéria da excepção e defendendo ter cumprido o contrato. &nbsp;&nbsp;</font> </p><p><font>A Ré apresentou articulado superveniente, alegando pagamento parcial, na sequência do qual a Autora reduziu o pedido em conformidade, ou seja, no montante de € 54.388,50 de capital e juros correspondentes, redução que não foi homologada, mas foi tida em atenção na sentença. &nbsp;</font> </p><p><font>Procedeu-se a audiência preliminar, tendo sido proferido saneador tabelar e organizada a matéria de facto assente e a base instrutória, sem reclamações. </font> </p><p><font>Cumprido o demais legal, foi proferida sentença que condenou a Ré a pagar os montantes peticionados, deduzido o montante da redução, por entender que, sendo embora defeituosa a prestação dos óculos sem logótipo, a Ré não observou o preceituado nos artigos 913.º, n.º 2 a 916.º, n.º 2 do Código Civil, quanto a denúncia dos defeitos, exigência de reparação, redução do preço ou resolução, pelo que estava obrigada ao cumprimento da sua prestação: o pagamento integral do preço. </font> </p><p><font>A Ré apelou da decisão, requerendo a fixação de efeito suspensivo com fundamento no prejuízo que decorreria da execução. &nbsp;&nbsp;</font> </p><p><font>&nbsp; &nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; A Autora interpôs recurso subordinado. </font> </p><p><font>Iniciaram as partes uma fase processual anómala de resposta e contra-resposta, finda a qual foi indeferida a fixação de efeito suspensivo ao recurso principal, admitido como apelação. Não foi admitido o recurso subordinado. </font> </p><p><font>A Relação alterou o efeito da apelação e determinou a ampliação da matéria de facto, com inclusão da impugnação motivada apresentada pela Autora à alegação da excepção da essencialidade das características dos óculos, para julgamento restrito à ampliação. &nbsp;</font> </p><p><font>Cumprido o demais legal, quanto à matéria do aditamento que foi julgada não provada, foi proferida sentença de teor idêntico à anterior. </font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Desta decisão apelou a Ré.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>O recurso foi recebido como apelação, para subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Distribuídos os autos nesta Relação, foi requerida pela Recorrente a junção de um documento que está a fls. 1785. </font> </p><p><font>Após contraditório foi remetida para a conferência a apreciação da junção, a qual veio a ser indeferida.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Por acórdão datado de 11 de Abril de 2013, decidiu o Tribunal da Relação de Lisboa «julgar procedente o recurso, revogando a decisão recorrida e absolvendo a Ré do pedido formulado pela Autora e, bem assim, do da sua condenação como litigante de má-fé».</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>A Autora, inconformada, recorre de revista, apresentando, na sua alegação de recurso, as seguintes conclusões:</font> </p><p><font>«I. Ao concluir que estamos perante um contrato-promessa de compra e venda sob amostra abrangendo toda a mercadoria, o tribunal a quo fez uma errada interpretação da lei, ofendendo o disposto no art. 236.º do Código Civil.</font> </p><p><font>II. Desde o primeiro momento que a recorrente afirmou a impossibilidade temporal de produzir os 3 milhões de óculos pretendidos pela Associação Nacional de Farmácias;</font> </p><p><font>III. A recorrente propôs-se fabricar 1,5 milhões, de origem, e fornecer outros 1,5 milhões, que tinha fabricados, em armazém, sem compromissos com outros clientes.</font> </p><p><font>IV. Complementarmente propôs-se imprimir nesses lotes, que tinha armazenados, os logótipos pretendidos pela referida ANF.</font> </p><p><font>V. Foram estipulados preços autónomos para o fabrico de origem dos óculos com os logótipos, para o fornecimento dos óculos em stock e para as impressões nos mesmos.</font> </p><p><font>VI. Tomando em consideração toda a matéria dada como provada, é inequívoco que um declaratário normal consideraria haver incumprimento do contrato se, após a avaria que impediu a impressão dos logótipos nos óculos já fabricados e que se encontravam em stock, a recorrente não tivesse procedido ao fornecimento.</font> </p><p><font>VII. Efetivamente, a recorrente tinha assumido, antes de tudo, o compromisso de vender à ANF duas partidas de óculos, que tinha em armazém, totalizando 1,5 milhões de exemplares.</font> </p><p><font>VIII. Destinando-se o fornecimento a resolver um problema de saúde pública, tendo a ANF invocado, expressamente, que os óculos se destinavam ao Ministério da Saúde de Portugal, afigurava-se óbvio, para qualquer declaratário normal, que a falta dos logótipos não afetava a qualidade da mercadoria, para o fim a que ela se destinava.</font> </p><p><font>IX. Se não tivesse fornecido os 1,5 milhões de óculos sem a impressão dos logótipos, teria a recorrente incumprido o contrato, tanto mais que era claro e inequívoco que havia fornecido à ANF um preço de venda que não incluía as impressões.</font> </p><p><font>X. E que o preço das impressões foi estabelecido de forma autónoma.</font> </p><p><font>XI. Tendo sido fixado o preço da compra e venda, para os lotes de óculos em stock, sem o preço da impressão, não pode interpretar-se o fax a que se refere o ponto 31 da matéria de facto dada como provada como um reclamação eficaz, para os termos do disposto no art. 471.º do Código Comercial.</font> </p><p><font>XII. Os óculos que se encontravam em stock e que foram entregues à recorrida às especificações e à amostra, necessariamente sem a impressão.</font> </p><p><font>XIII. De qualquer modo, a recorrida não procedeu sequer à devolução da mercadoria, tendo ficado com ela.</font> </p><p><font>XIV. O comprador de coisa defeituosa não pode ter B...ício maior que o comprador de mercadoria à consignação, estando obrigado a pagar o preço ou a devolver a coisa, sendo certo que a recorrida nem pagou nem devolveu os óculos.</font> </p><p><font>XV. Ao considerar que os óculos que a recorrente forneceu, no estado em que se encontravam, eram coisa defeituosa, o tribunal fez errada interpretação da lei, porquanto nenhum defeito lhes foi apontado, por relação à amostra.</font> </p><p><font>XVI. Mesmo que se entendesse, o que só como hipótese teórica se aceita, que os referidos óculos eram coisa defeituosa, apenas pelo facto de não terem a impressão dos logótipos, não podia o tribunal a quo, pura e simplesmente, absolver a recorrida do pagamento do respetivo preço sem que a mesma os tenha devolvido, em termos que permitissem a sua comercialização.</font> </p><p><font>XVII. Os referidos óculos, que a recorrente tinha o seu stock, tinham todas as condições para ser comercializados e usados, nomeadamente nos eclipses que ocorreram depois dessa data.</font> </p><p><font>XVIII. Não os tendo devolvido e tendo ficado com eles, não pode a recorrida pretender ficar com a mercadoria e não pagar o respectivo preço.</font> </p><p><font>XIX. Se outra razão não houvesse, sempre teriam de considerar-se que, não tendo procedido à devolução, houve enriquecimento sem causa da recorrida, na mesma medida do empobrecimento do recorrente, que viu o seu ativo reduzido pelo valor da fatura não paga.</font> </p><p><font>XX. O douto acórdão recorrido ofende assim, também, o art. 473.º do Código Civil.</font> </p><p><font>XXI. Não tendo a recorrente cobrado qualquer montante pelas impressões que não fez nos óculos que tinha em stock e que forneceu, cumpriu, de forma perfeita o contrato, no que se refere à compra e venda, estando a recorrida obrigada a pagar o preço e as despesas de transporte que foram acordadas.</font> </p><p><font>XXII. Depois do que afirmou nas declarações enviadas à ANF, a recorrente teria incumprido o art. 406.º, 1 do Código Civil se não tivesse entregue os óculos que tinha em stock, mesmo sem as impressões.</font> </p><p><font>XXIII. Nesse sentido, o douto acórdão recorrido ofende, também, o art. 406.º do Código Civil».</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>A Ré apresentou contra-alegações, pugnando para que seja mantida a decisão que julga a acção improcedente e, em consequência, absolve a Recorrida.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Tendo em atenção as conclusões da Recorrente e inexistindo questões de conhecimento oficioso - artigo 684.º, n.º 3, 685.º A, nº 1 e 3, com as excepções do artigo 660.º, n.º 2, </font><i><font>in fine</font></i><font>, ambos do CPC – as questões a decidir são as seguintes.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>I) Da qualificação do contrato e das obrigações decorrentes do mesmo;</font> </p><p><font>II) Do incumprimento e suas consequências.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font> </font> </p><p><b><font>II – Fundamentação de facto</font></b> </p><p><b><font>&nbsp;</font></b> </p><p><font>Os factos dados como provados, aos quais foi aditada uma alteração ao facto n.º 31 pelo Tribunal da Relação de Lisboa, são os seguintes:</font> </p><p><font>&nbsp;</font> </p><p><font>1. A Autora entregou à Ré três milhões (3.000.000) de óculos especiais para visualização do eclipse solar, não apresentando um milhão, trezentos e sessenta e sete mil e quinhentos (1.367.500) destes óculos impressos os quatro logótipos da Direcção Geral de Saúde, do CC, da DD e da Associação Nacional de Farmácias. ". - (al. A) dos Factos Assentes e arts. 1.º e 4.º da B.I.). </font> </p><p><font>2. Após ter sido confirmada a encomenda dos três milhões de óculos, a Ré procedeu ao pagamento de 50% do valor da encomenda, no valor de 517.500 (al. B) dos Factos Assentes). </font> </p><p><font>3. Em 31.05.2004 a Autora enviou à Ré o original do documento cuja cópia se encontra a Fls.101, com o seguinte teor: &nbsp;&nbsp;</font> </p><p><font>"( ... ) FACTURA N.º ... Estrasburgo, 24/05/2004 </font> </p><p><font>Código Descrição Quantidade Preço Montante Unitário L.IVA </font> </p><p><font>V/ ENCOMENDA REFERENCIA N.º MJT…..cm </font> </p><p><font>N/GUIA DE REMESSA DE 17 E 18/05/2004 </font> </p><p><font>ECLIPSE VIEWER "CE" Modelo C... </font> </p><p><font>Impressão de 4 logótipos s/ 2 hastes em cor preta </font> </p><p><font>ECLIPSE VIEWER "CE" Modelo C... Impressão de 4 logótipos s/ 2 hastes em cor preta </font> </p><p><font>ECLIPSE VIEWER "CE" Modelo C... ECLIPSE VIEWER "CE" Modelo E... </font> </p><p><font>Taxas de Transporte - Seguro para Cadaval </font> </p><p><font>PAGAMENTO POR TRANSFERÊNCIA BANCÁRIA AQUANDO DA RECEPÇÃO DA FACTURA ( ... ) </font> </p><p><font>MONTANTE LÍQUIDO DE IVA 19,6% </font> </p><p><font>MONTANTE TOTAL € 1.002.651,00</font> </p><p><font>Sinal € 517.500,00</font> </p><p><font>Saldo a pagar € 485.151,00 - (al. C) dos Factos Assentes). </font> </p><p><font>4. A Autora enviou o seguinte e-mail: </font> </p><p><font>"( ... ) Exma. Senhora EE, </font> </p><p><font>Agradecemos o vosso pedido de fornecimento de óculos especiais para observação do Sol durante a Passagem de Vénus no dia 8 de Junho de 2004 e enviamos em anexo o nosso orçamento (em formato Pdf). </font> </p><p><font>Passamos a assinalar as diferentes questões discutidas durante a nossa conversa telefónica de sexta-feira, dia 16/04/2004 e os pedidos que nos formularam por mensagem enviada por correio electrónico nesse mesmo dia. </font> </p><p><font>1) Confirmamos que os nossos óculos são fabricados com um filtro solar especial, possuem a certificação e a homologação "CE". A frente e o verso de cada par de óculos exibe o logótipo, no verso, figura o número do certificado de conformidade e o organismo certificador, bem como as nossas coordenadas, a fim de assegurar controlo total. No verso de cada par de óculos estão indicadas as instruções de utilização (anexo em formato Pdf - certificado de conformidade). </font> </p><p><font>2) Impressão de logótipo: os nossos óculos são concebidos de forma a possibilitar a impressão de um logótipo em cada uma das hastes numa cor ou em duas cores no máximo. </font> </p><p><font>O custo é de 0,06 Euros por par de óculos, por haste e por cor. </font> </p><p><font>O custo é elevado porque a impressão do logótipo tem de ser feita individualmente, tal aplicando-se também aos óculos que temos actualmente em stock. </font> </p><p><font>Nos casos de fabricos especiais - prazos de 4/5 semanas - os custos de impressão de logótipos são reduzidos entre 0,02 e 0,03 Euros por par de óculos e pelas duas hastes, consoante os textos/mensagens a imprimir. </font> </p><p><font>3) A disponibilidade dos óculos não é, nesta data, Sábado dia 17/04/2004, objecto de qualquer reserva por parte do cliente: 972.500 óculos E..., ref. … e 550.000 óculos C..., ref. …, perfazendo um total de 1.522.500 óculos. </font> </p><p><font>Temos programas de fabrico para encomendas específicas para as semanas de 17 a 19 de Maio, mas podemos ainda incluir encomendas adicionais, de modo a que possamos efectuar a vossa entrega em Lisboa no dia 17/05/2004. </font> </p><p><font>Confirmamos que vos enviaremos esta segunda-feira, por DHL - entrega em Lisboa na terça-feira - amostras dos nossos óculos - oferta de preço - certificado de conformidade "CE", a fim de que possam ficar na posse de todos os elementos necessários à tomada de uma decisão. </font> </p><p><font>Comunicar-vos-emos logo no início da tarde de segunda-feira o número de registo de DHL relativo ao envio das amostras. </font> </p><p><font>Anexamos também a esta mensagem os horários do eclipse anular e parcial do Sol em todo o Portugal que ocorrerá no dia 3 de Outubro de 2005. </font> </p><p><font>Não hesitem em nos contactar caso necessitem de alguma informação ou esclarecimento adicional relativo à protecção ocular ligada ao fenómeno de dia 8 de Junho de 2004. </font> </p><p><font>Melhores cumprimentos. ( ... )" - (al. D) dos Factos Assentes). </font> </p><p><font>5. Foi enviado à Autora em 22-04-2004 por EE o seguinte e-mail: </font> </p><p><font>"( ... ) Caro Sr.FF, </font> </p><p><font>Veja por favor em anexo modelo dos óculos com os logótipos. </font> </p><p><font>O nosso Ministério da Saúde propõe-se encomendar 3 milhões de óculos modelo C... (o modelo amarelo) com os logótipos impressos a preto (numa só cor). </font> </p><p><font>Data de entrega: Sexta-feira, dia 14 de Maio de 2004 ou, o mais tardar, segunda-feira, dia 17 de Maio. </font> </p><p><font>O preço de € 0,02 por impressão, conforme vosso orçamento, é o mais desejável. </font> </p><p><font>Melhores cumprimentos, ( ... )" - (al. E) dos Factos Assentes). </font> </p><p><font>6. Foi enviado pela Autora em 22/04/2004 o seguinte e-mail: </font> </p><p><font>"( ... ) Exma. Senhora EE, </font> </p><p><font>No seguimento da sua mensagem enviada hoje por correio electrónico e das nossas conversas telefónicas sobre o projecto de encomenda de 3 milhões de óculos para observação de Vénus no dia 8 de Junho de 2004, a ser entregue no dia 14/17 de Maio de 2004, vimos informar as modalidades e as disponibilidades:&nbsp;&nbsp; </font> </p><p><font>1) Fabrico de 1,5 milhões de óculos modelo C... - amarelo/preto - com impressão a cor preta de 2 logótipos diferentes nas duas hastes (4 logótipos no total), pelo preço unitário de 0,315 Euros + impressão de 0,03 Euros = 0,345 Euros. </font> </p><p><font>2) Colocação à vossa disposição de 550.000 óculos modelo C... que temos em stock - amarelo/preto - com impressão a cor preta de 2 logótipos diferentes nas duas hastes (4 logótipos no total), pelo preço unitário de 0,315 Euros + impressão de 0,03Euros = 0,345 Euros. </font> </p><p><font>3) Colocação à vossa disposição de 950.000 óculos modelo E... que temos em stock - malva/preto - com impressão a cor preta de 2 logótipos diferentes nas duas hastes (4 logótipos no total), pelo preço unitário de 0,315 Euros + impressão de 0,03Euros = 0,345 Euros. </font> </p><p><font>4) Apresentação de prova final para aprovação, antes de dar início à impressão dos logótipos nas duas hastes com a vossa aprovação. </font> </p><p><font>5) Condições de entrega: preço da partida de Estrasburgo - custos de transporte descontados sobre a factura definitiva. </font> </p><p><font>6) Condições de pagamento: 50% do valor da encomenda aquando da adjudicação, a pagar por meio de transferência bancária. Remanescente da factura a pagar aquando da entrega da mercadoria, pelo valor líquido, sem desconto, e por transferência bancária. </font> </p><p><font>Enviamos em anexo, em formato Pdf, a nossa factura provisória que contém as nossas coordenadas para efectuar o pagamento. </font> </p><p><font>Melhores cumprimentos. ( ... )" - (al. F) dos Factos Assentes). </font> </p><p><font>7. Em anexo ao e-mail requerido na al. F) foi enviado o seguinte documento: </font> </p><p><font>"( ... ) FACTURA PROVISÓRIA N.º … Estrasburgo, 22/04/2004 Código Descrição Quantidade Preço Montante Unitário L.IVA ECLIPSE VIEWER "CE" Modelo C... Impressão de 4 logótipos s/2 hastes em cor preta ECLIPSE VIEWER "CE" Modelo C... Impressão de 4 logótipos s/ 2 hastes em cor preta </font> </p><p><font>ECLIPSE VIEWER "CE" Modelo E... Impressão de 4 logótipos s/ 2 hastes em cor preta </font> </p><p><font>Transporte para Lisboa ( ... ) CONDIÇÕES DE PAGAMENTO: </font> </p><p><font>- 50% AQUANDO DA ENCOMENDA: € 517.500,00 </font> </p><p><font>- REMANESCENTE AQUANDO DA RECEPÇÃO DA MERCADORIA, LÍQUIDO, </font> </p><p><font>SEM DESCONTO E COM ACRÉSCIMO DO CUSTO DE TRANSPORTE (...) </font> </p><p><font>MONTANTE LIQUIDO DE IVA 19,6% MONTANTE TOTAL (...)" - (al. G) dos Factos Assentes). </font> </p><p><font>8. Pela Associação Nacional de Farmácias foi enviado em 23/04/2004 à Autora o seguinte fax: </font> </p><p><font>"( ... ) Assunto: Encomenda de 3 milhões de óculos para a passagem de Vénus no dia 8 de Junho de 2004 </font> </p><p><font>Caro Sr. FF, </font> </p><p><font>No seguimento da sua mensagem enviada por correio electrónico no dia 22 de Abril contendo as condições relativas a preço, entrega e pagamento, vimos por este meio confirmar a nossa encomenda de 3 milhões de óculos para observação da Passagem de Vénus no dia 8 de Junho de 2004 a ser entregue no dia 14/17 de Maio de 2004, pelo preço unitário de € 0,34. Os óculos deverão ser embalados em caixas de 50 unidades. </font> </p><p><font>A factura para pagamento de 50% do valor da encomenda deverá ser endereçada à nossa cooperativa de distribuição farmacêutica, BB, que tem as seguintes coordenadas: </font> </p><p><font>(...) A mercadoria deverá ser entregue no seguinte endereço (ver esquema anexo à presente telecópia): </font> </p><p><font>( ... ) Ficamos a aguardar que nos enviem a prova final para que possam dar início aos trabalhos de impressão com a nossa aprovação, estamos ao vosso dispor para qualquer informação que entendam por necessária e apresentamos os nossos melhores cumprimentos. </font> </p><p><font>( ... ) (segue-se relatório de envio da telecópia)" - (al. H) dos Factos Assentes). </font> </p><p><font>9. A Autora enviou em 25/04/2004 o seguinte e-mail: </font> </p><p><font>"( ... ) Exma. Senhora EE, </font> </p><p><font>Conforme combinado, enviamos em anexo a confirmação da encomenda n.º … e a nova factura provisória emitida em nome da BB. </font> </p><p><font>Agradecia que nos confirmassem por mensagem enviada por correio electrónico que o pagamento foi feito para a nossa conta bancária, a fim de que possamos dar início o mais rápido possível à impressão dos logótipos. </font> </p><p><font>A prova final para impressão será enviada na segunda-feira ao final do dia ou, o mais tardar, na terça-feira. O fabrico terá início de acordo com o nosso plano, pela impressão dos óculos no final do dia de quarta-feira, dia 28, depois de acordada por vós a prova final para impressão que já foi por nós anteriormente enviada. </font> </p><p><font>Estarei ausente do meu escritório entre as 9h30m e as 13h de segunda-feira (hora de França). &nbsp;</font> </p><p><font>Cumprimentos cordiais, ( ... )" - (al. I) dos Factos Assentes). </font> </p><p><font>10. Em 26/04/2004 foi enviado, em resposta ao e-mail aludido na al. I), o seguinte e-mail: </font> </p><p><font>"( ... ) Caro Sr. FF, </font> </p><p><font>Agradecíamos que nos confirmasse a encomenda e a emissão da nova factura em nome da BB. Já solicitámos ao banco o pagamento e estamos à espera do n.º de transacção bancária para vos informar. </font> </p><p><font>Cumprimentos cordiais, ( ... )" - (al. J) dos Factos Assentes). </font> </p><p><font>11. EE enviou em 27-04-2004 à autora o original do fax cuja cópia se encontra a fls. 68 com o seguinte teor: </font> </p><p><font>"( ... ) Caro Sr. FF, </font> </p><p><font>No seguimento do vosso pedido, enviamos a confirmação do pagamento de € 517.000,00 feito pela agência bancária para crédito da vossa conta. </font> </p><p><font>Melhores cumprimentos, ( ... )" - (al. L) dos Factos Assentes). </font> </p><p><font>l2. Em anexo ao fax referido em L) seguiu documento de fls. 65 com o seguinte teor: </font> </p><p><font>"ASSUNTO: Confirmação da ordem de pagamento ORDENS DE PAGAMENTO EMITIDAS 2004/04/27 B… - COMPANHIA - EURO 10:28:03 Nr….</font> </p><p><font>Valor ORDEM: 517 500.00 EUR Mn03+ Dt.Valor Cobert.: 2004/04/28 ORDENANTE: IDENTIFICAÇÃO: Comp: 020 Nome: BB COOP </font> </p><p><font>NACIONAL FARMÁCIAS </font> </p><p><font>Conta: … Morada: TRAV ... Moeda: EUR </font> </p><p><font>Local: LISBOA </font> </p><p><font>CPost.: … </font> </p><p><font>N Fiscal: …</font> </p><p><font>B...ICIÁRIO DETALHES DE PAGAMENTO AA INST … RUE …B.P. 95 … FRANCE </font> </p><p><font>Conta/IBAN: </font> </p><p><font>FR…</font> </p><p><font>IBAN </font> </p><p><font>(S/N): </font> </p><p><font>COD.INSTRUCAO BANCO B.... INSERIDO PELA SUCURSAL BPRSFR2A BANQUE ...Tipo Cobertura: TARGET/TEI </font> </p><p><font>BANCO DO B…: BPRSFR2A BANQUE ..." - (al. M) dos Factos Assentes). </font> </p><p><font>13. Em anexo ao fax referido em L) seguiu documento de fls. 66 com o seguinte teor: </font> </p><p><font>"Exmos Senhores </font> </p><p><font>BANCO …</font> </p><p><font>Exma Senhora Dra. GG </font> </p><p><font>Rua …, Lote … - …º </font> </p><p><font>… LISBOA …</font> </p><p><font>Exmos Senhores </font> </p><p><font>Assunto: Transferência bancária </font> </p><p><font>Conta Nº: …</font> </p><p><font>&nbsp;Pela presente, solicitamos a V.Exas que, por débito da nossa conta de depósitos à ordem número …, se digne, transferir a quantia de € 517.500,00 (QUINHENTOS E DEZASSETE MIL E QUINHENTOS EUROS) a favor de: </font> </p><p><font>AA EX </font> </p><p><font>…RUE … </font> </p><p><font>… … - FRANCE </font> </p><p><font>para a conta BANQUE … - FRANCE SWIFT CODE BIC: BPRS - FR2A IBAN - ACCOUNT NUMBER: FR….</font> </p><p><font>Agradecemos que acusem a recepção desta ordem de pagamento </font> </p><p><font>Sem outro assunto de momento, subscrevemo-nos apresentando os nossos melhores cumprimentos.” (al. N) dos Factos Assentes). </font> </p><p><font>14. Em 27-04-2004 EE enviou à autora o seguinte E-mail: </font> </p><p><font>“(…) Caro Sr. FF, </font> </p><p><font>Agradeço ainda que reduza (ponha mais pequeno) o logótipo da "HH" (o logótipo maior à esquerda) na próxima prova final para impressão que aguardamos. </font> </p><p><font>Obrigada e até amanhã. ( ... )” - (al. O) dos Factos Assentes). </font><br> <font>15. A autora enviou a EE em 27-04-2004 o seguinte E-mail: &nbsp;</font><br> <font>“Exma Senhora EE, </font> </p><p><font>Enviamos em anexo, em formato Pdf, a prova final para impressão da face anterior dos óculos. </font> </p><p><font>Telefono-lhe dentro de 15 minutos para lhe dar informações complementares. </font> </p><p><font>Cumprimentos cordiais, ( ... )" - (al. P) dos Factos Assentes). </font> </p><p><font>16. A autora enviou a EE o seguinte E-mail: </font> </p><p><font>“Exma Senhora EE, </font> </p><p><font>Enviamos em anexo, em formato Pdf, a prova final para impressão da face anterior nas versões 1 e 2, bem como da face posterior. </font> </p><p><font>Para a face anterior, reduzimos o logótipo da "HH" em 15% sobre o lado esquerdo e preparámos duas versões para o lado direito - imã com o logótipo do Ministério da Saúde colocado na parte inferior (BAT Logos V.1) e outro com o logótipo colocado um pouco mais alto (BAT Logos V.2). </font> </p><p><font>Vou estar no meu escritório hoje toda a manhã e ausente entre as 12h e as 14h30, hora de França. </font> </p><p><font>Contactem-me caso haja alterações. </font> </p><p><font>Cumprimentos cordiais, ( ... )" - (al. Q) dos Factos Assentes). </font> </p><p><font>17. Em anexo ao E-mail referido na al. Q) foram enviados os documentos juntos a fls. 73, 74 e 75. - (al. R) dos Factos Assentes). </font> </p><p><font>18. EE enviou à autora em 28-04-2004 o e-mail com o seguinte teor: </font> </p><p><font>“Caro Sr. FF, </font> </p><p><font>Escolhemos a versão 2. </font> </p><p><font>O texto tem erros em português. As correcções a fazer são as seguintes: </font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; - 2ª linha - (…) (necessita de um espaço entre as palavras) </font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; - 5ª linha - (… ) (e não “…”) &nbsp;</font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; - 6ª linha - (… ) (e não “…”) </font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; - 7ª linha - ( …) (e não “…”) </font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; - 7ª linha - (…) (e não “…”) </font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; - 9ª linha - (…) (e não “…”) </font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; - 10ª linha - (… ) (e não “…”) </font> </p><p><font>Amanhã estarei no escritório à vossa disposição para qualquer outra informação. </font> </p><p><font>Obrigada e bom trabalho. </font> </p><p><font>Cumprimentos cordiais, ( ... )" - (al. S) dos Factos Assentes). </font> </p><p><font>19. A autora enviou a EE a 29-04-2004 o seguinte E-mail: </font> </p><p><font>&nbsp;“Exma Senhora EE, </font> </p><p><font>Enviamos em anexo, em formato Pdf, a prova final para impressão da face posterior modificada de acordo com as vossas instruções desta noite. </font> </p><p><font>Cumprimentos cordiais, ( ... )" - (al. T) dos Factos Assentes). </font> </p><p><font>20. Em anexo ao E-mail referido na al) T foi enviado o documento de fls. 78 dos autos. - (al. U) dos Factos Assentes). </font> </p><p><font>21. EE enviou à autora em 13-05-2004 o seguinte E-mail: </font> </p><p><font>"Caro Sr. FF, </font> </p><p><font>Necessitamos saber se vai tudo bem com a produção da nossa encomenda e se os 3 milhões de óculos já foram expedidos. Seria possível dar-me o contacto (telefone móvel) do motorista do camião? </font> </p><p><font>Os nossos agradecimentos antecipados e ficamos a aguardar um resposta vossa. </font> </p><p><font>Cordialmente, ( ... ) - (al. V) dos Factos Assentes). </font> </p><p><font>22. A autora enviou a EE em 13-05-2004 o seguinte E-mail: </font> </p><p><font>"Exma Senhora EE, </font> </p><p><font>No seguimento do seu contacto telefónico de hoje, informamos a situação em que se encontra a entrega dos 3 milhões de óculos: </font> </p><p><font>1) ECLIPSE VIEWER "CE" MODELO C..., quantidade 1.500.000 - Fabrico - </font> </p><p><font>Esta série é fabricada com a impressão dos quatro logótipos e encontra-se neste momento na fase de embalagem por caixas de 2.000 óculos para ser expedida. </font> </p><p><font>A totalidade estará terminada este Sábado, dia 15 de Maio. </font> </p><p><font>2) ECLIPSE VIEEWER "CE" Modelo E... - quantidade 950.000 - Stock - </font> </p><p><font>Estas duas séries que tínhamos em stock e nas quais vão ser impressos os quatro logótipos - até à data foram impressos mais de 200.000 óculos, entretanto a máquina de impressão sofreu uma avaria esta manhã por volta das 10h30m e a operação foi interrompida; aguardamos a chegada da peça de substituição para que possamos colocar a máquina em funcionamento. </font> </p><p><font>3) Tínhamos inicialmente previsto o envio global num camião contendo exclusivamente o carregamento correspondente à totalidade da vossa encomenda, que partiria de Estrasburgo na manhã de segunda-feira, dia 17 de Maio e chegaria ao Cadaval na manhã de quarta-feira, dia 19 de Maio. </font> </p><p><font>Depois da nossa conversa telefónica, contactámos a transportadora a fim de saber se lhes poderíamos enviar parte da mercadoria na sexta-feira, de modo a que fosse entregue no Cadaval durante a manhã de terça-feira, dia 18 de Maio. Teremos a resposta durante a manhã de amanhã, sexta-feira e informá-los-emos de imediato. </font> </p><p><font>Vimos confirmar que tudo faremos para vos satisfazer, tendo em conta o prazo para realização da encomenda - menos de 3 semanas - as nossas equipas de produção, acabamento e expedição tudo estão a fazer para que os prazos de entrega sejam respeitados o mais possível. </font> </p><p><font>Não deixaremos de vos manter informados das possibilidades de amanhã. Dar-vos-emos as coordenadas do motorista e o seu número de telefone móvel, para que possam entrar directamente em contacto com ele caso seja necessário. </font> </p><p><font>Cumprimentos cordiais, ( ... )” - (al. X) dos Factos Assentes). </font> </p><p><font>23. EE enviou à autora em 15-05-2004 o seguinte E-mail: </font> </p><p><font>“Exmo Sr. FF, </font> </p><p><font>Agradecemos o seu último E-mail esclarecendo a situação da produção e as possibilidades de envio. </font> </p><p><font>Contudo, solicitamos que nos confirme também se a embalagem final da encomenda global será feita por pacotes de 50 óculos, como acordado. </font> </p><p><font>Atenciosamente, </font> </p><p><font>EE" - (al. Z) dos Factos Assentes). </font> </p><p><font>24. A autora enviou a EE em 14-05-2004 o seguinte E-mail: </font> </p><p><font>“Exma Senhora EE, </font> </p><p><font>Em resposta ao seu último e-mail, confirmamos-lhe que sistematicamente o acondicionamento no interior de cada embalagem é feito em conjuntos de 50 óculos, tal como todas as nossas entregas. </font> </p><p><font>Logo que tenhamos informações respeitantes à entrega, informá-la-emos. </font> </p><p><font>Estarei ausente do meu escritório esta manhã, encontrar-me-ei entre o atelier de produção e a companhia de transportes, a fim de organizar e coordenar concretamente toda a organização para a expedição dos óculos para Portugal no mais curto espaço de tempo. </font> </p><p><font>Saudações cordiais. ( ... )” - (al. AA) dos Factos Assentes). </font> </p><p><font>25. EE enviou à autora em 14-05-2004 o seguinte E-mail: </font> </p><p><font>"Obrigado pelos esclarecimentos! Saudações cordiais, </font> </p><p><font>EE" - (al.BA) dos Factos Assentes). </font> </p><p><font>26. EE enviou à autora em 17-05-2004 o seguinte E-mail: </font> </p><p><font>"Caro Sr. FF, </font> </p><p><font>Aguardamos que nos confirme a entrega de 1,5 milhões de óculos na terça-feira, dia 18 de Maio, conforme acordado na vossa última mensagem enviada por correio electrónico, bem como a hora de chegada ao Cadaval. </font> </p><p><font>Esperamos que as vossas diligências tenham sido bem sucedidas e agradecemos que nos contactem com a maior brevidade possível. </font> </p><p><font>Cumprimentos cordiais, ( ... )" - (al. CA) dos Factos Assentes). </font> </p><p><font>27. A autora enviou a EE em 18-05-2004 o seguinte E- mail: </font> </p><p><font>" Cara Sra. EE, </font> </p><p><font>Apresento as minhas desculpas por na sexta-feira ter estado ausente do escritório, mas a produção de óculos para todos os nossos clientes tem de continuar e temos de organizar as entregas. </fon
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><b><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; </font></b><div><br> <font>Acordam em Conferência na 1ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça</font></div><br> <br> <b><font> </font></b><br> <p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;</font><b><font>1.</font></b><font> </font><b><font>AA</font></b><font>, </font><b><font>em seu nome e na qualidade</font></b><font> </font><b><font>de Cabeça-de-Casal da herança aberta por óbito de BB, CC, DD</font></b><font> </font><b><font>e</font></b><font> </font><b><font>cônjuge EE</font></b><font>, intentaram ação declarativa de condenação sob a forma de processo comum, contra o </font><b><font>Estado Português</font></b><font>, pedindo a condenação deste no reconhecimento do direito de propriedade dos Autores sobre a faixa de terreno, com a largura de 50 metros, contada desde o leito do ... (...), que incide sobre o prédio misto, denominado “...”, descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o nº ... da freguesia de ..., e sobre o prédio misto sito na Quinta..., freguesia de ..., concelho do ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º ...77 da freguesia de ....</font><br> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;Para tanto, alegaram, em síntese útil, que: os mencionados prédios, que confrontam a Norte com o ..., foram adquiridos pelos Autores por escritura pública de compra e venda outorgada em 15/06/1987; e os Autores adquiriram aqueles prédios na sequência do trato sucessivo de titulares privados que exerceram a sua posse sobre os mesmos desde data anterior a 31/12/1864.</font><br> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;O Ministério Público, em representação do Estado Português, contestou por impugnação, alegando, em síntese útil, que: pelo menos na referida data de 31/12/1864, a propriedade do imóvel denominado “...” era da Fazenda Nacional que tinha o domínio direto e era a senhoria do mesmo; e propriedade do imóvel denominado “...” era da Fazenda Nacional por esta se arrogar sua proprietária.</font><br> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;Foi proferido despacho saneador, tendo sido fixado o objeto do litígio e os temas de prova.</font><br> </p><p><font>Após ter sido realizada audiência final, foi proferida sentença, que julgou a ação parcialmente procedente, tendo sido decidido: &nbsp;</font><br> </p><p><i><font>“a) condenar o Réu Estado Português, a reconhecer o direito de propriedade dos Autores AA, CC e DD e cônjuge EE, sobre a faixa de terreno, com a largura de 50 metros, contada desde o leito do ... e que incide sobre o prédio misto, sito na Quinta..., freguesia de ..., concelho do ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º ...46 da freguesia de ...;</font></i><br> </p><p><i><font>b) absolver o Réu do demais peticionado pelos AA.”.</font></i><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><b><font>2.</font></b><font> Inconformados com tal sentença, vieram os Autores e o Réu dela interpor recurso de apelação, aqueles, na parte em que o Réu foi absolvido do “demais peticionado”; e este, na parte em que foi condenado, tendo o Tribunal da Relação de Lisboa decidido julgar:&nbsp; </font><br> </p><p><i><font>«1º - a apelação interposta pelos apelantes AA, em seu nome e na qualidade de Cabeça-de-Casal da herança aberta por óbito de BB; CC; DD e cônjuge EE improcedente, e, em consequência, em manter o decidido na alínea b) do dispositivo da sentença recorrida;</font></i><br> </p><p><i><font>2º - a apelação interposta pelo Estado Português improcedente, e, em consequência, em manter o decidido na alínea a) do dispositivo da sentença recorrida».</font></i><br> </p><p><i><font> </font></i><br> </p><p><b><font>3.</font></b><font> Novamente inconformado, veio o recorrente Estado Português interpor recurso de revista excecional, invocando a al. </font><i><font>c)</font></i><font> do n.º 1 do artigo 672.º, protestando juntar acórdão-fundamento: Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 08-02-2018 (Processo nº 1704/15.9T8PTM.E1).</font><br> </p><p><font>A questão fundamental de direito que indica como objeto do recurso de revista excecional é a seguinte:</font><br> </p><p><font>&nbsp;</font><i><font>«A questão fundamental de direito colocada consiste em saber se o disposto no art.º 15.º da Lei nº 54/2005, de 15-11 (na redacção da Lei nº 34/2014, de 19-06) no seu n.º 2 (correspondente ao nº 1 original), exime o particular da obrigatoriedade de fazer prova, não só de que os bens sobre os quais pretenda ver reconhecida a sua propriedade se encontravam sob propriedade particular antes de 31-12-1864, ou 22-03-1868, mas também de que os mesmos permaneceram nessas circunstâncias ininterruptamente até à data actual».</font></i><br> </p><p><font>&nbsp;Nesta sequência, vieram os autores apresentar contra-alegações e interpor recurso de revista excecional subordinado, pugnando para que, mesmo que o Supremo Tribunal de Justiça venha a aplicar ao caso vertente a orientação do acórdão-fundamento, ainda assim decida que o prédio em litígio pertence aos autores, com base no regime da enfiteuse, que confere ao foreiro, “verdadeiro senhor do prédio”, o direito de propriedade, ainda que imperfeita.</font><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><font>&nbsp;</font><b><font>4.</font></b><font> Tendo a Relatora enviado o processo à Formação prevista no artigo 672.º, n.º 3, do CPC, para o efeito de indagação dos pressupostos específicos da revista excecional, veio esta Formação, por acórdão de 22 de junho de 2021, a decidir o seguinte:</font><br> </p><p><i><font>«a) Admite-se a revista excecional interposta pelo Estado português;</font></i><br> </p><p><i><font>b) Não se admite a revista excecional subordinada interposta pelos AA.»</font></i><br> </p><p><i><font> </font></i><br> </p><p><b><font>5. </font></b><font>O recorrente Estado português formulou as seguintes conclusões na sua alegação de recurso:</font><br> </p><p><font>«1 - A questão fundamental de direito colocada consiste em saber se o disposto no art. art.º 15.º da Lei nº 54/2005, de 15-11 (na redacção da Lei nº 34/2014, de 19-06) no seu n.º 2 (correspondente ao nº 1 original), exime o particular da obrigatoriedade de fazer prova, não só de que os bens sobre os quais pretenda ver reconhecida a sua propriedade se encontravam sob propriedade particular antes de 31-12-1864, ou 22-03-1868, mas também de que os mesmos permaneceram nessas circunstâncias ininterruptamente até à data actual.</font> </p><p><font>2 - No Acórdão recorrido decidiu-se que: </font><i><font>Resulta</font></i><font> </font><i><font>do</font></i><font> </font><i><font>nº</font></i><font> </font><i><font>2</font></i><font> </font><i><font>do</font></i><font> </font><i><font>art.</font></i><font> </font><i><font>15º</font></i><font> </font><i><font>da</font></i><font> </font><i><font>Lei</font></i><font> </font><i><font>nº</font></i><font> </font><i><font>54/2005,</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>15/11,</font></i><font> </font><i><font>na</font></i><font> </font><i><font>actual</font></i><font> </font><i><font>redacção</font></i><font> </font><i><font>(correspondente</font></i><font> </font><i><font>ao</font></i><font> </font><i><font>nº</font></i><font> </font><i><font>1</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>tal</font></i><font> </font><i><font>preceito,</font></i><font> </font><i><font>na</font></i><font> </font><i><font>redacção</font></i><font> </font><i><font>inicial),</font></i><font> </font><i><font>que</font></i><font> </font><i><font>o</font></i><font> </font><i><font>interessado</font></i><font> </font><i><font>que</font></i><font> </font><i><font>pretenda</font></i><font> </font><i><font>obter</font></i><font> </font><i><font>o</font></i><font> </font><i><font>reconhecimento</font></i><font> </font><i><font>da</font></i><font> </font><i><font>propriedade</font></i><font> </font><i><font>sobre</font></i><font> </font><i><font>parcela</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>leitos</font></i><font> </font><i><font>ou</font></i><font> </font><i><font>margens</font></i><font> </font><i><font>das</font></i><font> </font><i><font>águas</font></i><font> </font><i><font>do</font></i><font> </font><i><font>mar</font></i><font> </font><i><font>ou</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>quaisquer</font></i><font> </font><i><font>águas</font></i><font> </font><i><font>navegáveis</font></i><font> </font><i><font>ou</font></i><font> </font><i><font>flutuáveis</font></i><font> </font><i><font>tem</font></i><font> </font><i><font>apenas</font></i><font> </font><i><font>que</font></i><font> </font><i><font>provar,</font></i><font> </font><i><font>para</font></i><font> </font><i><font>além</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>ser</font></i><font> </font><i><font>o</font></i><font> </font><i><font>actual</font></i><font> </font><i><font>proprietário,</font></i><font> </font><i><font>que</font></i><font> </font><i><font>essa</font></i><font> </font><i><font>parcela</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>terreno</font></i><font> </font><i><font>era,</font></i><font> </font><i><font>por</font></i><font> </font><i><font>título</font></i><font> </font><i><font>legítimo,</font></i><font> </font><i><font>objecto</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>propriedade</font></i><font> </font><i><font>particular</font></i><font> </font><i><font>ou</font></i><font> </font><i><font>comum</font></i><font> </font><i><font>antes</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>31</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>Dezembro</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>1864</font></i><font> </font><i><font>ou,</font></i><font> </font><i><font>se</font></i><font> </font><i><font>se</font></i><font> </font><i><font>tratar</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>arribas</font></i><font> </font><i><font>alcantiladas,</font></i><font> </font><i><font>antes</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>22</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>Março</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>1868,</font></i><font> </font><i><font>não</font></i><font> </font><i><font>se</font></i><font> </font><i><font>exigindo</font></i><font> </font><i><font>a</font></i><font> </font><i><font>prova</font></i><font> </font><i><font>da</font></i><font> </font><i><font>propriedade</font></i><font> </font><i><font>privada</font></i><font> </font><i><font>do</font></i><font> </font><i><font>terreno,</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>forma</font></i><font> </font><i><font>ininterrupta,</font></i><font> </font><i><font>desde</font></i><font> </font><i><font>aquelas</font></i><font> </font><i><font>datas,</font></i><font> </font><i><font>conforme</font></i><font> </font><i><font>o</font></i><font> </font><i><font>caso,</font></i><font> </font><i><font>até</font></i><font> </font><i><font>à</font></i><font> </font><i><font>data</font></i><font> </font><i><font>actual.</font></i> </p><p><font>3 - Pelo contrário, são vários os Acórdãos proferidos, sobre a mesma questão de direito, que decidiram em sentido contrário ao do Acórdão recorrido.</font> </p><p><font>4 - É o caso do Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 08-02-2018 (Processo nº 1704/15.9T8PTM.E1 - Relatora Maria Domingas Simões), cujo sumário é o seguinte:</font> </p><p><i><font>Compete</font></i><font> </font><i><font>ao</font></i><font> </font><i><font>autor</font></i><font> </font><i><font>demonstrar</font></i><font> </font><i><font>e</font></i><font> </font><i><font>provar</font></i><font> </font><i><font>a</font></i><font> </font><i><font>originária</font></i><font> </font><i><font>propriedade</font></i><font> </font><i><font>privada</font></i><font> </font><i><font>do</font></i><font> </font><i><font>bem</font></i><font> </font><i><font>e</font></i><font> </font><i><font>a</font></i><font> </font><i><font>posterior</font></i><font> </font><i><font>manutenção</font></i><font> </font><i><font>do</font></i><font> </font><i><font>bem</font></i><font> </font><i><font>nessa</font></i><font> </font><i><font>condição;</font></i><font> </font><i><font>assim</font></i><font> </font><i><font>sendo,</font></i><font> </font><i><font>a</font></i><font> </font><i><font>presunção</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>dominialidade</font></i><font> </font><i><font>terá</font></i><font> </font><i><font>que</font></i><font> </font><i><font>ser</font></i><font> </font><i><font>afastada</font></i><font> </font><i><font>relativamente</font></i><font> </font><i><font>a</font></i><font> </font><i><font>toda</font></i><font> </font><i><font>a</font></i><font> </font><i><font>'história'</font></i><font> </font><i><font>do</font></i><font> </font><i><font>bem,</font></i><font> </font><i><font>pois não</font></i><font> </font><i><font>há</font></i><font> </font><i><font>garantia</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>que</font></i><font> </font><i><font>o</font></i><font> </font><i><font>bem</font></i><font> </font><i><font>não</font></i><font> </font><i><font>tenha</font></i><font> </font><i><font>ingressado,</font></i><font> </font><i><font>depois</font></i><font> </font><i><font>daquelas</font></i><font> </font><i><font>datas,</font></i><font> </font><i><font>e por</font></i><font> </font><i><font>um</font></i><font> </font><i><font>qualquer</font></i><font> </font><i><font>motivo</font></i><font> </font><i><font>admissível,</font></i><font> </font><i><font>no</font></i><font> </font><b><i><font>domínio</font></i></b><font> </font><b><i><font>público</font></i></b><i><font>;</font></i><font> </font><i><font>ora,</font></i><font> </font><i><font>como</font></i><font> </font><i><font>o</font></i><font> </font><i><font>ónus</font></i><font> </font><i><font>da</font></i><font> </font><i><font>prova</font></i><font> </font><i><font>recai,</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>forma</font></i><font> </font><i><font>absoluta,</font></i><font> </font><i><font>sobre</font></i><font> </font><i><font>o</font></i><font> </font><i><font>autor,</font></i><font> </font><i><font>este</font></i><font> </font><i><font>terá</font></i><font> </font><i><font>que</font></i><font> </font><i><font>demonstrar</font></i><font> </font><i><font>que</font></i><font> </font><i><font>o</font></i><font> </font><i><font>bem</font></i><font> </font><i><font>foi</font></i><font> </font><i><font>e</font></i><font> </font><i><font>continua</font></i><font> </font><i><font>a</font></i><font> </font><i><font>ser</font></i><font> </font><i><font>propriedade</font></i><font> </font><i><font>privada.</font></i><font> </font> </p><p><font>5 - É também o caso do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 09-03- 2020 (Processo nº 1925/13.9T2AVR.P1 – Relator Miguel Baldaia de Morais), em cujo sumário se afirma:</font><br> </p><p><font> </font> </p><p><i><font>IV</font></i><font> </font><i><font>–</font></i><font> </font><i><font>Para</font></i><font> </font><i><font>a</font></i><font> </font><i><font>demonstração</font></i><font> </font><i><font>da</font></i><font> </font><i><font>propriedade</font></i><font> </font><i><font>privada</font></i><font> </font><i><font>sobre</font></i><font> </font><i><font>margem</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>águas públicas,</font></i><font> </font><i><font>o</font></i><font> </font><i><font>citado</font></i><font> </font><i><font>diploma,</font></i><font> </font><i><font>no</font></i><font> </font><i><font>seu</font></i><font> </font><i><font>artigo</font></i><font> </font><i><font>15º,</font></i><font> </font><i><font>estabeleceu,</font></i><font> </font><i><font>a</font></i><font> </font><i><font>título</font></i><font> </font><i><font>principal,</font></i><font> </font><i><font>um</font></i><font> </font><i><font>critério</font></i><font> </font><i><font>geral</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>prova</font></i><font> </font><i><font>e,</font></i><font> </font><i><font>a</font></i><font> </font><i><font>título</font></i><font> </font><i><font>subsidiário,</font></i><font> </font><i><font>regimes</font></i><font> </font><i><font>probatórios</font></i><font> </font><i><font>especiais.</font></i><br> </p><p><font> </font> </p><p><i><font>V</font></i><font> </font><i><font>–</font></i><font> </font><i><font>Esta</font></i><font> </font><i><font>prova</font></i><font> </font><i><font>documental</font></i><font> </font><i><font>deverá</font></i><font> </font><i><font>sustentar</font></i><font> </font><i><font>não</font></i><font> </font><i><font>só</font></i><font> </font><i><font>que</font></i><font> </font><i><font>a</font></i><font> </font><i><font>parcela</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>terreno</font></i><font> </font><i><font>se encontrava</font></i><font> </font><i><font>na</font></i><font> </font><i><font>propriedade</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>particulares</font></i><font> </font><i><font>antes</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>se</font></i><font> </font><i><font>estabelecer</font></i><font> </font><i><font>a</font></i><font> </font><i><font>presunção</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>dominialidade,</font></i><font> </font><i><font>mas</font></i><font> </font><i><font>também</font></i><font> </font><i><font>que</font></i><font> </font><i><font>a</font></i><font> </font><i><font>mesma</font></i><font> </font><i><font>nunca</font></i><font> </font><i><font>saiu</font></i><font> </font><i><font>da</font></i><font> </font><i><font>esfera</font></i><font> </font><i><font>privada,</font></i><font> </font><i><font>atendendo</font></i><font> </font><i><font>a</font></i><font> </font><i><font>que</font></i><font> </font><i><font>a</font></i><font> </font><i><font>presunção</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>dominialidade</font></i><font> </font><i><font>terá</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>ser</font></i><font> </font><i><font>afastada</font></i><font> </font><i><font>relativamente</font></i><font> </font><i><font>a</font></i><font> </font><i><font>toda</font></i><font> </font><i><font>a</font></i><font> </font><i><font>história</font></i><font> </font><i><font>do</font></i><font> </font><i><font>bem.</font></i><br> </p><p><font> </font> </p><p><i><font>VI</font></i><font> </font><i><font>-</font></i><font> </font><i><font>De</font></i><font> </font><i><font>acordo</font></i><font> </font><i><font>com</font></i><font> </font><i><font>esse</font></i><font> </font><i><font>critério</font></i><font> </font><i><font>geral,</font></i><font> </font><i><font>sobre</font></i><font> </font><i><font>o</font></i><font> </font><i><font>particular</font></i><font> </font><i><font>que</font></i><font> </font><i><font>pretenda</font></i><font> </font><i><font>ver</font></i><font> </font><i><font>reconhecido</font></i><font> </font><i><font>o</font></i><font> </font><i><font>seu</font></i><font> </font><i><font>direito</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>propriedade</font></i><font> </font><i><font>sobre</font></i><font> </font><i><font>determinada</font></i><font> </font><i><font>parcela</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>terreno</font></i><font> </font><i><font>recai</font></i><font> </font><i><font>o</font></i><font> </font><i><font>ónus</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>comprovar</font></i><font> </font><i><font>documentalmente</font></i><font> </font><i><font>que</font></i><font> </font><i><font>a</font></i><font> </font><i><font>mesma</font></i><font> </font><i><font>ingressou</font></i><font> </font><i><font>antes</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>31</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>Dezembro</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>1864</font></i><font> </font><i><font>(ou</font></i><font> </font><i><font>22</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>março</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>1868)</font></i><font> </font><i><font>no</font></i><font> </font><i><font>domínio</font></i><font> </font><i><font>privado</font></i><font> </font><i><font>dos</font></i><font> </font><i><font>particulares</font></i><font> </font><i><font>por</font></i><font> </font><i><font>título</font></i><font> </font><i><font>legítimo,</font></i><font> </font><i><font>tendo</font></i><font> </font><i><font>por</font></i><font> </font><i><font>referência</font></i><font> </font><i><font>o</font></i><font> </font><i><font>regime</font></i><font> </font><i><font>jurídico</font></i><font> </font><i><font>vigente</font></i><font> </font><i><font>à</font></i><font> </font><i><font>altura</font></i><font> </font><i><font>do</font></i><font> </font><i><font>acto</font></i><font> </font><i><font>ou</font></i><font> </font><i><font>facto</font></i><font> </font><i><font>jurídico</font></i><font> </font><i><font>dos</font></i><font> </font><i><font>quais</font></i><font> </font><i><font>emerge</font></i><font> </font><i><font>o</font></i><font> </font><i><font>direito</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>propriedade</font></i><font> </font><i><font>privada</font></i><font> </font><i><font>reclamada,</font></i><font> </font><i><font>ou</font></i><font> </font><i><font>seja,</font></i><font> </font><i><font>o</font></i><font> </font><i><font>regime</font></i><font> </font><i><font>anterior</font></i><font> </font><i><font>à</font></i><font> </font><i><font>vigência</font></i><font> </font><i><font>do</font></i><font> </font><i><font>Código</font></i><font> </font><i><font>Civil</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>1867.</font></i> </p><p> </p><p><font>6 - Os Acórdãos divergentes foram proferidos no âmbito da mesma legislação, já citada acima: </font><i><font>nº</font></i><font> </font><i><font>2</font></i><font> </font><i><font>do</font></i><font> </font><i><font>art.</font></i><font> </font><i><font>15º</font></i><font> </font><i><font>da</font></i><font> </font><i><font>Lei</font></i><font> </font><i><font>nº</font></i><font> </font><i><font>54/2005,</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>15/11,</font></i><font> </font><i><font>na</font></i><font> </font><i><font>actual</font></i><font> </font><i><font>redacção</font></i><font> </font><i><font>(correspondente</font></i><font> </font><i><font>ao</font></i><font> </font><i><font>nº</font></i><font> </font><i><font>1</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>tal</font></i><font> </font><i><font>preceito,</font></i><font> </font><i><font>na</font></i><font> </font><i><font>redacção</font></i><font> </font><i><font>inicial).</font></i> </p><p><font>7 - Conclui-se, pois, que, no âmbito da mesma legislação, foram encontradas</font><font>&nbsp;soluções opostas para a mesma questão de direito, acima enunciada, por parte do Acórdão recorrido e do Acórdão-fundamento.</font> </p><p><font>8 - O objecto do presente recurso cinge-se à discordância sobre a conclusão de direito a que chegou o Acórdão recorrido quanto à interpretação do art. 15º, nº 2 da Lei nº 54/2005, de 15-11, no sentido de isentar o Autor/Apelante da prova da propriedade privada sobre a faixa de terreno com a largura de 50 metros, contada desde o leito do ... e que incide sobre o prédio misto Quinta... (cuja propriedade pretenda ver reconhecida por parte do Estado), de forma ininterrupta, desde 31 de Dezembro de 1864 (ou 22 de março de 1868) até à data actual, conclusão essa que conduziu à condenação do Estado a reconhecer a referida propriedade.</font> </p><p><font>9 - A prova da propriedade privada da dita parcela desde as datas em referência até à data actual é exigível, recaindo sobre o Autor/Apelante o ónus da mesma.</font> </p><p><font>10 - A interpretação do art. 15º, nº 1 e nº 2 a) (versão original), a qual confina com o tema do presente recurso, já foi objecto de apreciação por parte do Tribunal Constitucional, no Acórdão nº 326/2015, de 23-06-2015, publicado no D. R. 146/2015, Série II – 29-07-2015.</font> </p><p><font>11 - Parte-se, desde logo, do disposto no art. 84º, nº 1 a) da Constituição da</font><font>&nbsp;República Portuguesa, segundo o qual&nbsp;</font><i><font>Pertencem</font></i><font> </font><i><font>ao</font></i><font> </font><i><font>domínio</font></i><font> </font><i><font>público:</font></i> </p><p><i><font>a)</font></i><font> </font><i><font>As</font></i><font> </font><i><font>águas</font></i><font> </font><i><font>territoriais</font></i><font> </font><i><font>com</font></i><font> </font><i><font>os</font></i><font> </font><i><font>seus</font></i><font> </font><i><font>leitos</font></i><font> </font><i><font>e</font></i><font> </font><i><font>os</font></i><font> </font><i><font>fundos</font></i><font> </font><i><font>marinhos</font></i><font> </font><i><font>contíguos,</font></i><i><font>&nbsp;bem</font></i><font> </font><i><font>como</font></i><font> </font><i><font>os</font></i><font> </font><i><font>lagos,</font></i><font> </font><i><font>lagoas</font></i><font> </font><i><font>e</font></i><font> </font><i><font>cursos</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>água</font></i><font> </font><i><font>navegáveis</font></i><font> </font><i><font>ou</font></i><font> </font><i><font>flutuáveis</font></i><font> </font><i><font>com</font></i><font> </font><i><font>os</font></i><font> </font><i><font>respectivos</font></i><font> </font><i><font>leitos.</font></i> </p><p><font>12 - Da posição assumida pelo Tribunal Constitucional no referido Acórdão,</font><font>&nbsp;embora não versando especificamente o objecto do presente recurso, retira-se que o disposto no art. 15º, nº 2 da Lei nº 54/2005 (em vigor) constitui uma excepção à regra constitucional do domínio público dos terrenos aí referidos, e como excepção deve encarar-se.</font> </p><p><font>13 - Ou seja, o preceito em causa visa assegurar (restritos) direitos já adquiridos pelos particulares, com o intuito de os não prejudicar; não visa facilitar a expansão da titularidade privada ao arrepio da regra constitucional.</font> </p><p><font>14 - O referido preceito deve, pois, ser interpretado à luz desta exigência constitucional e legal.</font> </p><p><font>15 - Tal exigência é compreensível, justificada e compatível com o princípio da proporcionalidade subjacente a toda a interpretação e aplicação do direito.</font> </p><p><font>16 – E apenas se cumpre se couber ao particular o ónus de provar todos os elementos dos quais dependa o reconhecimento do seu direito, e não apenas uma parte, como pretende o Acórdão recorrido.</font> </p><p><font>17 - A redacção do art. 15º, nº 2 da Lei nº 54/2005 é bem clara quanto à exigência de </font><u><font>prova documental</font></u><font>, ou seja, totalmente objectiva, quanto ao requisito da natureza privada do bem numa das datas nele referidas, sendo precisamente esse o seu escopo: garantir que não se suscitem dúvidas probatórias quanto a este requisito.</font> </p><p><font>18 - Não se refere o preceito – e não tinha de se referir – à totalidade dos requisitos substantivos &nbsp;para </font><u><font>o reconhecimento do direito que o Autor pretende fazer valer na acção, e que só a ele compete &nbsp;provar,</font></u><font> já que os mesmos decorrendo sistema jurídico-legal considerado no seu todo.</font> </p><p><font>19 - Nomeadamente, não se refere o preceito – e não tinha de se referir, face, nomeadamente,</font> </p><p><font>&nbsp;à conjugação da sua letra com a letra do nº 3 do citado art. 15º – à necessidade de o particular (Autor) provar que o bem se manteve privado entre as datas em referência e a actualidade.</font> </p><p><font>20 – Tal requisito, embora indispensável e, por isso, resultante da aplicação da conjugação das normas legais aplicáveis, não é excluído pelo elemento literal do preceito sob apreciação.</font> </p><p><font>21 -Atese do Acórdãorecorrido radica no pressuposto, pacífico, danecessidade de provar que o bem se manteve sem interrupções no âmbito da propriedade privada, ou seja, sem «que tenha ingressado, depois daquelas datas e por um qualquer motivo admissível, no domínio público».</font> </p><p><font>22 - Ora, o possível ingresso do bem no domínio público não é um facto impeditivo, cuja prova caberá </font><i><font>àquele</font></i><font> </font><i><font>contra</font></i><font> </font><i><font>quem</font></i><font> </font><i><font>a</font></i><font> </font><i><font>invocação</font></i><font> </font><i><font>foi</font></i><font> </font><i><font>feita</font></i><font> (art. 342º, nº 2 do C. Civil).</font> </p><p><u><font>23 - Trata-se, sim de um facto constitutivo do direito do Autor, sobre quem, nos termos do art. 342º, nº 1 do C. Civil, recai o ónus da prova –</font></u><font> no caso o de provar, pela afirmativa, que a situação do bem foi contínua ao longo do período em referênci</font><u><font>a, pois tal facto integra a esfera (embora não o núcleo) do direito que</font></u><font> </font><u><font>pretende fazer valer.</font></u> </p><p><font>24 - A prova a produzir pelo Autor sobre os factos constitutivos em causa não tem forçosamente de ser documental – pois a tal não obrigará o art. 15º, nº 2 da&nbsp;&nbsp; Lei 54/2005 (redacção actual), - podendo consistir em elementos sumários de outra natureza ou de carácter aproximativo. Aí sim, caberá ao réu, fazer a contraprova, se for caso disso, através de elementos mais sólidos.</font> </p><p><font>25 - Deste modo, considera-se inclusivamente menos árduo encontrar elementos probatórios para a sequência cronológica do bem, quanto à sua natureza privada, do que os documentos relativos às datas precisas a que se refere o preceito cuja interpretação se discute.</font> </p><p><font>26 - O conjunto de elementos probatórios exigidos para fazer valer a posição do</font><font>&nbsp;Autor apenas </font> </p><p><font>como um todo incindível faz sentido, recaindo sobre este todo o ónus da prova.</font> </p><p><font>27 - A cisão operada pela decisão recorrida entre dois segmentos no conjunto deelementos probatórios exigido, criadapara proceder aumarepartiçãodoónus da prova quanto à qual o diploma legal aplicável é omisso, não é admissível quer à luz de uma interpretação literal, quer à luz de uma interpretação sistemática ou teleológica.</font> </p><p><font>28 - Não se encontra completa a causa de pedir invocada pelo Autor, a qual se circunscreve à titularidade, em data anterior a 31-12-1864, do direito de propriedade particular sobre a faixa de terreno denominada </font><i><font>Quinta...,</font></i><font> por não comportar o facto de, após tal data e até à actualidade, ter a mesma permanecido com essa natureza, sem que tivesse de algum modo entrado no domínio público.</font> </p><p><font>29 - Neste contexto, e inversamente ao que consignou a decisão recorrida, reputa-se relevante o facto de o imóvel em referência, devido a demanda judicial que teve como sentença a passagem do morgado para a coroa, em 1802, ter</font><font>&nbsp;estado fora da propriedade privada, facto que, aliás, o Autor/Apelante admitiu no</font><font>&nbsp;art. 27º da petição inicial.</font> </p><p><font>30 – O Acórdão recorrido, na parte que constitui o objecto do presente recurso,</font><font>&nbsp;fez incorrecta interpretação e aplicação do disposto nos arts.15º, nºs 2 e 3 da Lei nº 15/2005, de 15/11 (redacção actual) e 342º do C. Processo Civil, pelo que, na mesma parte, deve ser revogado e substituído por outro que absolva o Estado».</font> </p><p><font> </font><br> </p><p><b><font>6.</font></b><font> Os autores, recorridos, apresentaram contra-alegações, nas quais pugnam pela manutenção do decidido.</font><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><font>Cumpre apreciar e decidir.</font><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><b><font>II – Fundamentação</font></b><br> </p><p><b><font>&nbsp;A – Os factos</font></b><br> </p><p><b><font>&nbsp;</font></b><u><font>As instâncias fixaram a seguinte factualidade provada</font></u><font>:</font> </p><p><font>«1- Encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial de ..., sob o nº ...03,
[0 0 0 ... 0 1 0]
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><font> </font><font> </font> <p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; Acordam na 1ª. Secção do Supremo Tribunal de Justiça</font><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><b><font>&nbsp;I – Relatório</font></b><br> </p><p><b><font>&nbsp;1. AA</font></b><font> intentou ação declarativa, com processo comum, contra </font><b><font>BB</font></b><font> e </font><b><font>CC</font></b><font>, pedindo:&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; </font><br> </p><p><font>a) se declare que entre os bens e direitos que integravam o acervo hereditário deixado por DD, cidadão alemão residente e falecido em Portugal no dia 14-02-2002, não figuravam quaisquer valores monetários, quaisquer aplicações financeiras de que espécie fossem, nem papéis de crédito de qualquer tipo;</font><br> </p><p><font>b) se declare que os réus não são titulares do direito, que se arrogam, de serem herdeiros fideicomissários do dinheiro, aplicações financeiras e papéis de crédito depositados e constituídos pela autora em quaisquer bancos, tanto em Portugal como no estrangeiro.</font><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;Para o efeito a A. alega ser viúva do falecido e que conjuntamente com este anularam, a 15-01-1991, contratos de sucessão anteriormente celebrados e os filhos deste renunciaram, a 09-11-1987, simultaneamente, para os próprios e seus descendentes, aos seus direitos sucessórios como herdeiros legitimários de seu pai; a 24-06-1998, em ..., o marido da autora outorgou testamento, no qual, além do mais:</font><br> </p><p><font>a) nomeou a autora sua única herdeira fiduciária liberta de todas as limitações e obrigações que constam do § 2136 do Código Civil alemão;</font><br> </p><p><font>b) nomeou o seu filho EE, pai dos réus, seu herdeiro fideicomissário;</font><br> </p><p><font>c) nomeou herdeiros substitutos sucedâneos os descendentes do seu filho EE. Mais alega que este herdeiro fideicomissário, morreu a 07-08-2013, deixando dois filhos, os ora réus e que entre os bens e direitos deixados por DD e sujeitos às regras – do direito alemão – da substituição fideicomissária, não figuravam quaisquer valores monetários, aplicações financeiras, nem papéis de crédito, que os RR. alegam estarem integrados na deixa testamentária.</font><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;Citados, os réus contestaram, sustentando que pertencem à herança as verbas que integram as três contas de depósito bancário que identificam, no Millennium BCP e no Deutsche Bank AG – Sucursal em Portugal, bem como todos os valores, instrumentos e aplicações financeiros e carteiras de títulos associados às mesmas e os valores, títulos e aplicações financeiras que integram o Fundo fiduciário denominado “Trust Gaudi”, na instituição bancária suíça denominada UBS.</font><br> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;Mais alegam que todo o acervo patrimonial de que a autora usufruiu durante o casamento pertencia ao seu marido, integrando assim a sua herança, além de outros bens, todos valores monetários, instrumentos, aplicações financeiras e carteiras de títulos que existiam à data da morte de DD.</font><br> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;Por último alegam que a autora tem 98 anos de idade e há muito perdeu a sua autonomia, estando muito fragilizada e sofrendo de demência senil, ouvindo muito mal e tendo a sua capacidade de visão muito reduzida, estando pendente ação de inabilitação requerida pelo Ministério Público.</font><br> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;Deduziram ainda reconvenção contra a autora, pedindo que se declare que integram o acervo hereditário deixado por óbito de DD, avô dos réus e marido da autora, todos os bens do falecido, não excluídos no respetivo testamento, existentes à data da sua morte, designadamente os valores monetários, as aplicações financeiras, sejam de que espécie forem e os papéis de crédito de qualquer tipo, concretamente os saldos das três contas de depósito bancário que identificam, do Millennium BCP e do Deutsche Bank AG – Sucursal em Portugal, e todos os valores, instrumentos e aplicações financeiros e carteiras de títulos associados às mesmas, bem como os valores, títulos e aplicações financeiras que integram o Fundo fiduciário denominado “Trust Gaudi”, na instituição bancária suíça denominada UBS, S.A..</font><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;Notificada da contestação/reconvenção, a autora apresentou réplica, na qual se pronuncia no sentido da inadmissibilidade da reconvenção e se defende por impugnação.&nbsp; </font><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;Os réus vieram ainda aos autos requerer a ampliação do pedido reconvencional, formulando, em aditamento aos pedidos já deduzidos, o seguinte pedido: </font><br> </p><p><font>“e) a A./reconvinda seja condenada a reconhecer que integram o acervo hereditário deixado por DD, todos os bens do testador – não excluídos no respectivo testamento - existentes à hora da sua morte, designadamente, os valores monetários, as aplicações financeiras, sejam de que espécie forem e os papéis de crédito de qualquer tipo: concretamente,</font><br> </p><p><font>- O saldo da conta de depósito bancário com o NIB ...687, no Millennium BCP e todos valores, instrumentos e aplicações financeiros e carteiras de títulos associados à mesma;</font><br> </p><p><font>- O saldo da conta de depósito bancário com o NIB ...605, no Millennium BCP e todos valores, instrumentos e aplicações financeiros e carteiras de títulos associados à mesma;</font><br> </p><p><font>- O saldo da conta de depósito bancário com o NIB ...959, no Deutsche Bank AG - Sucursal em Portugal e todos valores, instrumentos e aplicações financeiros e carteiras de títulos associados à mesma; e</font><br> </p><p><font>- Os valores, títulos e aplicações financeiras que integram o Fundo fiduciário denominado “Trust Gaudi”, na instituição bancária suíça denominada UBS, S.A, na ..., ... ..., Suíça”.</font><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><font>&nbsp;</font><b><font>2.</font></b><font> Por despacho de 13-02-2015, foi admitido o pedido reconvencional formulado pelos réus e fixado o valor à causa e, por despacho de 09-04-2015, foi admitida a ampliação do pedido reconvencional requerida pelos reconvintes.</font><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><font>&nbsp;</font><b><font>3.</font></b><font> Realizada audiência prévia, foi proferido despacho saneador, no âmbito do qual se julgou a reconvenção improcedente e se absolveu a reconvinda do pedido reconvencional, após o que se identificou o objeto do litígio e se procedeu à enunciação dos temas da prova.</font><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><b><font> 4.</font></b><font> Os réus/reconvintes interpuseram recurso de apelação da decisão que julgou improcedente o pedido reconvencional e por acórdão proferido no apenso B, foi julgada procedente a apelação, determinando-se o prosseguimento da instância reconvencional.</font><br> </p><p><font>&nbsp;</font><br> </p><p><font>&nbsp;</font><b><font>5.</font></b><font> Foi realizada nova audiência prévia, na qual se procedeu à reformulação do despacho que identificou o objeto do litígio e enunciou os temas da prova, com vista à apreciação do mérito do pedido reconvencional.</font><br> </p><p><font>&nbsp;</font><br> </p><p><font>&nbsp;</font><b><font>6.</font></b><font> Foi realizada a audiência final, sendo proferida sentença que julgou </font><i><font>“improcedente a ação e parcialmente procedente a reconvenção, em consequência do que:</font></i><br> </p><p><i><font>a) declaro que, entre os bens e direitos que integram o acervo hereditário deixado por óbito de DD, falecido a 14-02-2002, existem valores monetários, aplicações financeiras e papéis de crédito, pertencendo à herança, designadamente:</font></i><br> </p><p><i><font>- parte do saldo das contas de depósito bancário com o NIB ...687 no Millennium BCP, com o NIB ...605 no Millennium BCP e com o NIB ...959 no Deutsche Bank AG - Sucursal em Portugal e dos valores, instrumentos e aplicações financeiros e carteiras de títulos associados às mesmas;</font></i><br> </p><p><i><font>- parte dos valores, títulos e aplicações financeiras que integram o fundo fiduciário denominado “Trust Gaudi”, na instituição bancária UBS, S.A.;</font></i><br> </p><p><i><font>b) nada mais havendo a declarar, improcede o peticionado pela autora e o demais peticionado pelos reconvintes»</font></i><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><font>&nbsp;</font><b><font>6.</font></b><font> Não conformada com esta decisão, interpôs a autora recurso de apelação, tendo o Tribunal da Relação decidido o seguinte:</font> </p><p><i><font>&nbsp;«Pelo exposto, acordam os Juízes desta relação em julgar procedente a apelação interposta pela A. e improcedente a apelação interposta pelos RR., pelo que revogam a decisão recorrida, substituindo-a pela seguinte:</font></i> </p><p><i><font>a) declara-se que entre os bens e direitos que integravam o acervo hereditário deixado por DD, cidadão ... residente e falecido em Portugal no dia 14-02-2002, não figuravam quaisquer valores monetários, quaisquer aplicações financeiras de que espécie fossem, nem papéis de crédito de qualquer tipo;</font></i> </p><p><i><font>b) declara-se que os réus não são titulares do direito, que se arrogam, de serem herdeiros fideicomissários do dinheiro, aplicações financeiras e papéis de crédito depositados e constituídos pela autora em quaisquer bancos, tanto em Portugal como no estrangeiro;</font></i><br> </p><p><i><font>c)</font></i><i><font>julga-se improcedente o pedido reconvencional»</font></i><i><font>.</font></i><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><b><font> 7.</font></b><font> Inconformados os réus interpõem recurso de revista no qual formulam as seguintes conclusões:</font><br> </p><p><b><font>«I – ENQUADRAMENTO</font></b><br> </p><p><b><font>1.</font></b><font> Vem o presente recurso do douto acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 25 de Fevereiro de 2021, que julgou “procedente a apelação interposta pela A. e improcedente a apelação interposta pelos RR., pelo que, revogou a decisão recorrida, substituindo-a…”.</font><br> </p><p><b><font>2.</font></b><font> Porque entendeu que os R.R. reconvintes não lograram provar que o falecido DD deixou valores monetários, instrumentos e aplicações financeiras e carteiras de títulos e que da herança deixada pelo mesmo faziam parte bens depositados em contas tituladas pela A. reconvinda, em Portugal ou no estrangeiro.</font><br> </p><p><b><font>3.</font></b><font> Dado que os “factos constitutivos do direito dos RR. e ao mesmo tempo impeditivos do direito que a A. pretendia ver declarado, não podem ser objecto de presunção e genérica, por não assentar em qualquer premissa fáctica”. “A existência de bens integrados na deixa fideicomissária, não pode resultar de presunção judicial” e “os RR. não efectuaram a prova que lhes cabia e ao tribunal está vedado suprir a ausência de prova por recurso a presunções judiciais, que nesta medida são ilegais.”</font><br> </p><p><b><font>4.</font></b><font> Em síntese, o douto acórdão recorrido entendeu que os factos que aos R.R. cabia provar não podiam ser objecto de presunção e, partindo desta premissa, desconstruiu as presunções alcançadas em 1ª Instância e, consequentemente, julgou procedente a apelação da A. e improcedente a apelação dos R.R.</font><br> </p><p><b><font>II – FUNDAMENTO DA REVISTA</font></b><br> </p><p><b><font>5.</font></b><font> Na presente Revista Está em causa “erro na apreciação da prova” resultante de “ofensa de uma disposição expressa da lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto”, o que constitui “errada aplicação da lei do processo”</font><br> </p><p><b><font>6.</font></b><font> Trata-se de submeter à apreciação do Venerando Supremo Tribunal de Justiça a questão de saber se a “inutilização” operada pelo Venerando Tribunal </font><i><font>a quo</font></i><font> das presunções judiciais alcançadas em 1ª Instância violou ou fez errada aplicação de alguma norma adjectiva ou “carece de coerência lógica”.</font><br> </p><p><b><font>7.</font></b><font> Face ao disposto nos nºs. 1, al. b) e 3 do art. 674º do Código de Processo Civil, é pacífico que a questão da utilização das presunções judiciais pode ser apreciada pelo Supremo Tribunal de Justiça, se o acórdão do Tribunal da Relação violar norma processual, carecer de coerência lógica ou se partir de factos não provados ou, inversamente, desconsiderar factos provados. (cfr., por todos, o Ac. do S.T.J. (Proc. 2350/17.8T8PRT.P1.S1) de 24-11-2020, disponível em: <a>http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/9437b8fccf93c27f8025863e003f63a9?Op</a> enDocument)</font><br> </p><p><b><font>8.</font></b><font> Logo, a presente revista tem pleno fundamento legal.</font><br> </p><p><b><font>III – O OBJECTO DO RECURSO</font></b><br> </p><p><b><font>9.</font></b><font> O que se põe em crise com o presente recurso é o entendimento do douto acórdão recorrido, na parte em que o mesmo considerou que certos factos que foram considerados provados pelo Tribunal de 1ª Instância com recurso a presunções, não o deveriam ter sido - por ilegalidade ou inadmissibilidade de prova por presunção - e, consequentemente, eliminando as presunções obtidas em 1ª Instância, julgou tais factos como não provados.</font><br> </p><p><b><font>10.</font></b><font> Trata-se dos seguintes factos:“ae) Pertence à herança aberta por óbito de DD, pelo menos, parte do dinheiro depositado nas contas referidas em i), ii) e iii) da alínea x), bem como dos valores, instrumentos e aplicações financeiros e carteiras de títulos associados às mesmas”; “af) Pertence à herança aberta por óbito de DD, pelo menos, parte dos valores, títulos e aplicações financeiras que integram o Fundo fiduciário referido em z); “ag) Pertence à herança aberta por óbito de DD, pelo menos, parte do dinheiro transferido, nos termos referidos na alínea l) ; “ah) À data da sua morte, DD tinha valores monetários, instrumentos, aplicações financeiras e carteiras de títulos”; e “ai) (ex aj)) Pertence à herança aberta por óbito de DD, pelo menos, parte das quantias transferidas pela autora para as contas referidas em ii) e iii) da alínea x).</font><br> </p><p><b><font>11.</font></b><font> Resulta dos pedidos da acção, pedido reconvencional e “questões a decidir” na apelação, que, nos presentes autos, as únicas contas de depósito bancário que estão em causa são contas tituladas em nome da A., concretamente as que constam de i), ii) e iii) da alínea x) dos Factos Provados, não estando em causa contas tituladas pelo falecido marido da A., DD.</font><br> </p><p><b><font>12.</font></b><font> Tratando-se apenas de averiguar se a propriedade dos valores depositados nas referidas contas tituladas em nome da A. era desta ou da herança de DD.</font><br> </p><p><b><font>13.</font></b><font> A prova de que pertenciam ao marido da A. os valores depositados nas contas tituladas por esta à data da morte do seu marido podia, legalmente, resultar de prova testemunhal, logo também podia ser alcançada por presunção judicial (art. 351º do C.C.).</font><br> </p><p><b><font>14.</font></b><font> No entanto, entendeu o douto acórdão recorrido que a prova de tal facto não podia ser alcançada por presunção, o que viola frontalmente a lei adjectiva.</font><br> </p><p><b><font>15.</font></b><font> Em 1ª Instância tal facto foi, e bem, considerado provado pelas razões expostas na douta sentença – que aqui se dão por reproduzidas -, com fundamento quer nos factos que demonstram a situação patrimonial da A., quer na prova testemunhal e documental produzida.</font><br> </p><p><b><font>16.</font></b><font> De resto, constam dos autos recibos assinados pela própria A. (fls. 656 a 663), na qualidade de Cabeça de Casal da herança aberta por óbito do seu marido, DD, dos quais resulta que a A. recebeu os respectivos montantes para a Herança, num total superior a €230.000,00, existindo também prova testemunhal que, como se afirma na douta sentença que: DD desenvolveu nos últimos anos da sua vida negócios imobiliários (…) tendo auferido desde 1990 montante superior a €1.000.000,00.</font><br> </p><p><b><font>17.</font></b><font> O que, só por si, permite concluir - com segurança, como é afirmado na douta sentença - que DD era titular de valores monetários à data da sua morte.</font><br> </p><p><b><font>18.</font></b><font> O douto acórdão recorrido, faz também referência a um “seguro de vida pessoal e intransmissível” e a uma conta bancária com o NIB ...600, que a A. veio invocar pela primeira vez nas suas alegações da apelação; conta que não foi considerada na douta sentença recorrida, dado que, à data em que foi proposta a presente acção, tal conta já tinha sido encerrada há 12 anos.</font><br> </p><p><b><font>19.</font></b><font> Porém, tais contas e seguro, mesmo quando eventualmente existissem, nunca seriam incompatíveis com o facto considerado provado na alínea ah), ou seja, que “à data da sua morte, DD tinha valores monetários, instrumentos, aplicações financeiras e carteiras de títulos”. Os factos das alíneas ah) ae), ag) e aj) (no acórdão ai)</font><br> </p><p><b><font>20.</font></b><font> Além dos factos provados nas alíneas s), t), u), ab), ac) e ad) dos Factos Provados, está também demonstrado nos autos que integram a herança deixada por DD 28 imóveis. (cfr. alíneas o) e p)), no valor de vários milhões de euros.</font><br> </p><p><b><font>21.</font></b><font> À data do óbito de DD, a lei presumia que, além de todos os bens encontrados na sua residência, por ser titular de bens imóveis, lhe pertenciam também valores monetários e outros bens móveis de valor correspondente a 15% do valor dos restantes bens discriminados na relação de bens (cfr. art. 26º do, então vigente, Código do Imposto Municipal da Sisa e do Imposto sobre Sucessões e doações).</font><br> </p><p><b><font>22.</font></b><font> No entanto, a inversão do ónus da prova prevista no art. 344º do C.C. não foi aplicada pelo douto acórdão recorrido, apesar da presunção legal de que constituem objecto da sucessão todos os bens, sejam de que natureza forem, móveis e imóveis, pertencentes ao </font><i><font>de cuius</font></i><font>.</font><br> </p><p><b><font>23.</font></b><font> Além disso, os referidos factos relativos à situação patrimonial da A. foram ponderados, como resulta da douta sentença, com os factos relativos à morte de DD, à abertura de uma das contas na data do falecimento do seu marido, bem como com as informações bancárias constantes de fls. 715 e seguintes, relativas à data da abertura da conta referida em i) da alínea x) de 3.1.1. - das quais se extrai que tal conta do ... foi aberta em 01-09-1987, como tal no decurso do matrimónio da autora, cerca de 15 anos antes do falecimento de seu marido -, com o facto julgado provado sob a alínea l) de 3.1.1, relativo à transferência pela autora de parte do dinheiro depositado no B... para o ..., e com as informações prestadas por este último banco (fls. 686-690, 755-782 e 793-820) - dos quais decorre a existência de verbas depositadas no ... provenientes da transferência pela autora de dinheiro anteriormente depositado no B... “.</font><br> </p><p><b><font>24.</font></b><font> O que, segundo a mesma sentença, “Analisado à luz das regras de experiência comum e dos princípios da lógica, o mencionado acervo factual, julgado provado, indicia a pertença à herança de, pelo menos, parte do dinheiro e demais valores indicados nas alíneas ae), ag) e aj) de 3.1.1.. “</font><br> </p><p><b><font>25.</font></b><font> Além destes factos, foi igualmente ponderado, como decorre da sentença “o facto julgado provado na alínea ah) “do qual decorre que DD era, então, titular de valores monetários, instrumentos, aplicações financeiras e carteiras de títulos”.</font><br> </p><p><b><font>26.</font></b><font> Os factos que resultam da alegada segunda presunção não foram alcançados apenas a partir do facto indiciário da alínea ah), o qual, por sua vez, não foi alcançada por presunção, mas sim, por prova testemunhal e documental, como antes se expôs.</font><br> </p><p><b><font>27.</font></b><font> Mas, mesmo que se entendesse que a prova do facto da alínea ah) fora alcançada por presunção, a lei não impede que a partir dele se alcancem novos factos presumidos (cfr. “Prova por Presunção no Direito Civil” do Dr. Luís Filipe Pires de Sousa, cap. 4., págs. 14 e segs. - transcrição no corpo da presente alegação).</font><br> </p><p><b><font>28.</font></b><font> Nada impedia, portanto, a Mmª. Juiz de 1ª Instância de considerar provados os factos das alíneas ae), ag) e ai) (ex aj)) por meio de presunções, as quais são absolutamente legais, ao contrário do que sustenta o Venerando Tribunal a quo.</font><br> </p><p><b><font>29.</font></b><font> Também, ao contrário do que é entendido no douto acórdão recorrido, carece em absoluto de lógica que a A., apesar de não ter rendimentos, nem fortuna pessoal nem ter recebido qualquer herança; dispondo, apenas, de uma modesta pensão de velhice, tenha logrado amealhar e poupar vários milhões de euros durante o seu casamento (entre 1979 e 2002).</font><br> </p><p><b><font>30.</font></b><font> Os factos base ou indiciários que permitiram presumir que o dinheiro pertencia ao </font><i><font>de cuius</font></i><font> foram provados por testemunhas e por documentos, sendo, por isso, legal alcançar o indicado facto por presunção.</font><br> </p><p><font>Quanto ao facto da alínea af), que é o seguinte:</font><br> </p><p><b><font>31.“</font></b><font>af) Pertence à herança aberta por óbito de DD, pelo menos, parte dos valores, títulos e aplicações financeiras que integram o Fundo fiduciário referido em z).”</font><br> </p><p><b><font>32.</font></b><font> DD é não só instituidor do ... como também beneficiário (</font><i><font>beneficial owner</font></i><font>) do mesmo ....</font><br> </p><p><b><font>33.</font></b><font> Ao contrário do que é entendido no douto acórdão recorrido, o certo é que a prova de que, pelo menos, parte dos valores que integram o Fundo pertence à herança é alcançável por presunção, dado que os factos indiciários de que a mesma partiu foram provados por testemunhas e por documentos, designadamente os documentos de fls. fls. 904 a 923, com tradução a fls. 928 a 930.</font><br> </p><p><b><font>34.</font></b><font> Destes documentos resulta que o falecido DD foi </font><i><font>settlor</font></i><font> (fundador) do ... - o que significa que transferiu bens e valores da sua propriedade para o ... - e era beneficiário do mesmo ..., o que significa ser proprietário do património que integra o ....</font><br> </p><p><b><font>35.</font></b><font> Assim, é óbvio que o facto de o fundo fiduciário “...” ser um fundo irrevogável não significa que o património afectado ao Fundo tenha passado a pertencer ao mesmo.</font><br> </p><p><b><font>36.</font></b><font> De resto, o simples facto de existirem beneficiários (</font><i><font>beneficial owners</font></i><font>) do ... revela que o respectivo fundador não transmitiu para o Fundo a propriedade do acervo inicial afectado à constituição do mesmo.</font><br> </p><p><b><font>37.</font></b><font> Logo, os valores patrimoniais que integravam o Trust, na data da morte de JJ, não podem deixar de ser considerados pertencentes ao </font><i><font>de cuius</font></i><font>, designadamente, para o efeito de se considerar provado que o </font><i><font>de cuius</font></i><font> deixou valores monetários e aplicações financeiras, devendo, além disso, manter-se como provada também a matéria da alínea af).</font><br> </p><p><b><font>38.</font></b><font> Ao considerar que as presunções alcançadas pelo Tribunal de 1.ª Instância eram ilegais ou inadmissíveis, o Venerando Tribunal </font><i><font>a quo</font></i><font> fez, com o devido respeito e salvo melhor opinião, uma errada interpretação das normas relativas à prova, designadamente do disposto nos artigos 344º, 349º e 351º do Código Civil.</font><br> </p><p><b><font>39.</font></b><font> A correcta interpretação das referidas normas imporia que o Venerando Tribunal </font><i><font>a quo</font></i><font> confirmasse a prova por presunção alcançada em 1ª Instância, com a confirmação dos factos das alíneas ah) ae), af) ag) e aj) (no acórdão ai) como provados, com a consequente confirmação da sentença.</font><br> </p><p><b><font>40.</font></b><font> Fundamento específico da recorribilidade: acórdão do Venerando Tribunal da Relação de ... - proferido sobre decisão da 1ª Instância que conheceu do mérito da causa - que fez “errada interpretação da lei de processo”, “com ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova”</font><br> </p><p><font>Nestes termos e nos mais de direito, que Vossas Excelências doutamente se dignarão suprir, deverá a presente Revista ser julgada integralmente procedente e, consequentemente,</font><br> </p><p><font>a) Ser o douto acórdão recorrido revogado e substituída por outro que declare que as presunções alcançadas em 1ª Instância são conformes à lei, devendo, por isso ser considerados como provados todos os factos que, na sentença, foram alcançados através de presunções judiciais.</font><br> </p><p><font>b) E, consequentemente, confirme, a douta sentença de 1ª Instância, julgando improcedente a apelação da A.</font><br> </p><p><font>c) Mais requerem que, com expressa definição do regime jurídico aplicável, seja ordenada a remessa dos autos ao Venerando Tribunal a quo para julgamento da apelação dos R.R., cuja apreciação ficou prejudicada em virtude de ter sido julgada procedente a apelação da A.</font><br> </p><p><font>d) Tudo, com as inerentes consequências legais».</font><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><b><font> 8. </font></b><font>A autora apresentou contra-alegações nas quais pugna pela manutenção do decidido.</font><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><font>&nbsp;</font><b><font>9.</font></b><font> Sabido que, ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, o objeto do recurso se delimita pelas conclusões do recorrente, a questão a decidir é a de saber se o Tribunal da Relação, ao modificar a matéria de facto fixada pelo tribunal de 1.ª instância, invalidando as presunções judiciais usadas pelo 1.º grau, atuou dentro dos limites dos seus poderes-deveres.</font><br> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; </font><br> </p><p><font>&nbsp;&nbsp; </font><b><font>II – Fundamentação</font></b><br> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;</font><b><font>A - Os factos</font></b><br> </p><p><b><font>&nbsp;</font></b><u><font>O Tribunal da Relação, após o exercício dos seus poderes de modificação da matéria de facto, deu como provados os seguintes factos:</font></u><br> </p><p><b><font>«a)</font></b><font> No dia 14-02-2002, na freguesia de ..., concelho de ..., faleceu DD, natural da República Federal da Alemanha, no estado de casado com a autora, com última residência habitual na Rua ..., ..., ..., ..., ...;</font><br> </p><p><b><font>b)</font></b><font> DD tinha nacionalidade ...;</font><br> </p><p><b><font>c)</font></b><font> Em 02-05-1979 e em 25-10-1985, a autora e o seu marido celebraram contratos sucessórios, os quais revogaram a 15-01-1991;</font><br> </p><p><b><font>d)</font></b><font> DD tinha três filhos: i) EE, que também usava FF, pai dos réus; ii) GG, que também usa HH; iii) II, que também usa JJ;</font><br> </p><p><b><font>e)</font></b><font> Em 09-11-1987, os três filhos de DD renunciaram, simultaneamente, para si e para os seus descendentes, aos seus direitos sucessórios como herdeiros legitimários de seu pai;</font><br> </p><p><b><font>f)</font></b><font> Em escrito redigido em língua alemã, outorgado no dia 24-06-1998, em cartório notarial sito em ..., encimado pela expressão “TESTAMENTO de 24 de Junho de 1998 de Senhor DD”, declarou DD, além do mais, o seguinte: </font><br> </p><p><i><font>“(…) § 1 Sou cidadão .... No caso da minha morte é por isso aplicada a lei de sucessão alemã para a liquidação da minha herança.</font></i><br> </p><p><i><font>§ 2 Por este meio revogo todos os testamentos anteriores unilateralmente feitos por mim. Os Contractos de Sucessão feitos com a minha mulher AA (…) foram anulados pela minha mulher e por mim através do documento de 15 de Janeiro de 1991 (…). A minha então noiva e actual mulher AA, renunciou (…) à sua herança legal e ao seu direito à sua quota obrigatória. </font></i><br> </p><p><i><font>Os meus filhos</font></i><br> </p><p><i><font>&nbsp;&nbsp;a) EE (que em Portugal consoante a lei portuguesa usa o nome “FF”) (…)</font></i><br> </p><p><i><font>&nbsp;b) GG (consoante o direito civil português: “GG”) (…) </font></i><br> </p><p><i><font>c) II (consoante o direito civil português: JJ) </font></i><br> </p><p><i><font>(…) renunciaram – simultaneamente com efeitos para os seus descendentes – aos seus direitos às suas quotas obrigatórias através de documento de 09 de Novembro de 1987 (…).</font></i><br> </p><p><i><font>Com base nestas transacções anteriormente mencionadas (anulações de Contractos de Sucessão, renúncias contratuais aos direitos às quotas obrigatórias) estou assim completamente livre de testar ao meu pleno agrado.</font></i><br> </p><p><i><font>§ 3 Pela presente nomeio a minha mulher AA (…) minha única PRÉ HERDEIRA liberada. A minha mulher está liberada de todas as limitações e obrigações que constam do § 2136 do BGB (…).</font></i><br> </p><p><i><font>§ 4 Nomeio o meu filho EE (consoante o direito civil português: FF) (…) o meu PÓS HERDEIRO. Pós herdeiros Substitutos são os descendentes do meu filho EE consoante as regras do direito de sucessão legal. O caso da Pós-herança acontece com a morte da Pré-herdeira (minha mulher). A expectativa ao direito do Pós-herdeiro e dos ... não pode ser transmitida por herança e não é transmissível. O Pós herdeiro e os Pós herdeiros Substitutos são instituídos simultaneamente meus Herdeiros Substitutos em lugar da Pré herdeira (minha mulher) (…).</font></i><br> </p><p><i><font>§ 5 Lego a minha mulher AA por meio de LEGADO ADIANTADO A propriedade de todos os meus recheios, sem qualquer excepção (…), que se encontram nas seguintes casas:</font></i><br> </p><p><i><font>a) no ..., do mesmo modo na casa anexa (Anexo – actualmente habitado pelo meu filho EE e a sua família, na também ali situada casa de jardim com terraço, cozinha e quartos, e também na casa com estufa, lavandaria, terraço e secagem.</font></i><br> </p><p><i><font>b) na casa de habitação da propriedade ... (...) situada na ..., .../Portugal.</font></i><br> </p><p><i><font>c) na casa de praia “...”, na ..., .../Portugal. </font></i><br> </p><p><i><font>Os terrenos e construções mencionados nas alíneas b) e c) foram por mim comprados em nome dos meus dois filhos EE e GG, com reserva de usufruto vitalício para mim. Também nestes casos todo o recheio de ambas as casas foi por mim comprado e é por isso minha exclusiva propriedade. A Pré herdeira receberá este Legado com a minha morte. Determino que o direito dos Pós herdeiros (…) não abrange os objectos anteriormente mencionados (…)”;</font></i><br> </p><p><b><font>g)</font></b><font> EE faleceu no dia ...-08-2013;</font><br> </p><p><b><font>h)</font></b><font> Através de escritura pública outorgada no dia ...-10-2013, em Cartório Notarial de ..., foi reconhecida a qualidade do cônjuge sobrevivo, LL, e dos filhos, os réus BB e CC, como únicos e universais herdeiros do falecido EE;</font><br> </p><p><b><font>i)</font></b><font> Os réus são os herdeiros fideicomissários, sucedâneos de seu pai, instituídos no testamento de DD, seu avô;</font><br> </p><p><b><font>j)</font></b><font> Após a morte do pai dos réus, o relacionamento entre a mãe dos réus e a autora degradou-se;</font><br> </p><p><b><font>l)</font></b><font> A autora procedeu à transferência de parte do dinheiro depositado em conta da sua titularidade no Banco Comercial Português, para a sucursal em Portugal do Deutsche Bank.;</font><br> </p><p><b><font>m)</font></b><font> Os réus enviaram sucursal em Portugal do Deutsche Bank escrito datado de ...-03-2014, do qual consta, além do mais, o seguinte: </font><br> </p><p><i><font>“ASSUNTO: Transferência de contas detidas por AA</font></i><br> </p><p><i><font>Exmos. Senhores,</font></i><br> </p><p><i><font>Por referência ao assunto em epígrafe, vimos pelo presente informar que chegou ao N. conhecimento que foram efectuadas transferências bancárias de uma conta detida pela Senhora
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><br> <font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;</font> <p><b><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal da Justiça:</font> </p><p> </p><p><font> </font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; </font><b><font>I – Relatório</font></b> </p><p><b><font> </font></b> </p><p><b><font>AA</font></b><font> intentou a acção declarativa sob a forma ordinária contra </font><b><font>BB</font></b><font>, pedindo a condenação deste no pagamento da quantia de € 51.000,00, acrescida de juros de mora, à tCC legal, desde a data de citação até efetivo e integral pagamento, alegando, em suma, que, em Março de 2003 consultou o Réu, especialista em cirurgia plástica, no sentido de lhe pedir uma opinião sobre a hipótese de “subir” as cicatrizes que tinha em toda a zona inguinal, de forma a que estas não fossem visíveis abaixo da linha do fato de banho e, com vista a alcançar esse fim o Réu propôs-se efectuar duas cirurgias, em momentos distintos: num primeiro momento, o Réu realizaria uma pequena lipoaspiração à parte interna das coxas e, num momento posterior, subiria as cicatrizes, tendo sido a Autora operada pelo Réu no dia 02.05.2003 e tido alta no dia seguinte, com indicação dos medicamentos a tomar e para aparecer no consultório do Réu no dia 05.05.2003, ocasião em que o Réu a informou que tinha resolvido o seu problema numa única operação, tendo aproveitado a cirurgia para injectar na vulva os auto-enxertos de gordura, colhidos da face interna das coxas por lipoaspiração, apanhando a Autora de surpresa pois o Réu nunca lhe havia pedido autorização para o efeito, pois a possibilidade de proceder ao enchimento dos grandes lábios nunca foi discutida entre ambos, nunca tendo sido esclarecida a Autora sobre os riscos inerentes a esse procedimento.</font> </p><p><font>Refere a Autora que logo nesse dia começou a sentir fortes dores, encontrando-‑se o grande lábio do lado direito muito inchado e deformado, dores essas e inchaço que aumentaram consideravelmente nos dias seguintes, tendo sido observada de novo pelo Réu mais algumas vezes, sem que este debelasse essas dores e inchaço, apesar de lhe reforçar a medicação, pelo que a mesma acabou por ser observada por outros médicos, um dos quais, perante a infecção instalada por se terem formado abcessos, acabou por lhe drenar os dois grandes lábios, sem que o Réu, apesar de conhecedor dessa situação, tenha alguma vez contactado a Autora para saber do seu estado.</font> </p><p><font>Em resultado dessa situação, alega ainda a Autora, esteve durante 40 dias totalmente impossibilitada de realizar a sua vida normal e de trabalhar, andou extremamente angustiada por sentir dores intensas, por desconhecer o mal de que padecia, e por não lhe ter sido dada qualquer explicação ou apresentada qualquer solução. Ficou com marcas deixadas pela intervenção, mal sucedida, que não mais sairão. O problema das cicatrizes agravou-se pelo aparecimento de novas manchas e cicatrizes, apresentando agora uma deformação definitiva da zona dos grandes lábios e das pernas, mantém-se em tratamento ginecológico desde a data da intervenção efectuada pelo Réu devido a infecções que ressurgem. Toda esta situação alterou o estado físico e psíquico da Autora, que sente dores e um mal estar generalizado durante o período menstrual, o uso de roupa interior causa-lhe incómodos e dores no local intervencionado, os seus órgãos sexuais externos estão deformados e mutilados, causando-lhe complexos e uma enorme tristeza, a sua vida sexual foi praticamente inexistente no ano subsequente à data da intervenção, pondo em risco a sua vida afetiva e matrimonial.</font> </p><p><font>Conclui a Autora que o Réu violou os seus deveres de prestar os melhores cuidados ao seu alcance, de agir com correcção e delicadeza, de promover ou restituir a saúde, de suavizar os tratamentos, de respeitar a dignidade do ser humano, de esclarecer a Autora acerca dos métodos de terapêutica e de obter o seu consentimento para proceder à remodelação estética da vulva, deveres estes que se encontram previstos nos arts. 26º, 38º nº 1 e 39º do Código Deontológico. Alega, ainda, que o Réu não atingiu o resultado a que se tinha proposto com a intervenção cirúrgica, que procedeu ao enchimento dos grandes lábios vulvares sem o seu consentimento e que o acompanhamento dado no pós-operatório foi deficiente. Em consequência da atuação ilícita e negligente do Réu, quer durante a operação, quer no pós-operatório, a Autora sofreu danos patrimoniais avaliados em € 1000,00 consubstanciados nos honorários do outro médico a quem a Autora teve de recorrer e, sobretudo, não patrimoniais, estes últimos muito graves que avaliou em € 50.000,00.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Regularmente citado, o Réu contestou, impugnando os factos vertidos na petição inicial, e alegando em sua defesa designadamente que a correcção que a Autora pretendia era de difícil resolução dada a grande diferença de elasticidade entre a pele das duas regiões e a Autora foi informada das dificuldades cirúrgicas e apesar de devidamente informada solicitou o seu tratamento; que na segunda cirurgia planeada estava prevista a eventualidade de injectar tecido adiposo da Autora nos grandes lábios para respetiva reconstrução, após a elevação da pele das regiões crurais, o que aceitou; que após se ter realizado a cirurgia programada de lipoaspiração das regiões crurais, verificou-se que a elasticidade da pele das regiões operadas não era suficiente para obter o efeito desejado no segundo tempo operatório, pelo que foi decidido intra-operatoriamente aproveitar algum tecido adiposo que havia sido extraído da Autora e injectá-lo nos grandes lábios, criando-se, desta forma maior tensão proximalmente, fazendo subir a pele da região inguinal, procedimento este que estava previsto eventualmente ter de se realizar na segunda intervenção cirúrgica; que desta forma simples e aproveitando apenas injectar o tecido adiposo da própria Autora, tentou-se num só tempo operatório restaurar a anatomia da região e elevar as cicatrizes para uma zona escondida.</font> </p><p><font>Refere o Réu que se não tivesse procedido a esta alteração durante a cirurgia, dificilmente se podia conseguir um resultado estético favorável, pois que, devido à diferença de elasticidade, apesar da pele da região crural ter ficado com menos tensão após a lipoaspiração, verificou-se que esta não era suficiente para manter os grandes lábios na sua posição correcta, bem como a elevação das cicatrizes para uma zona escondida e, foi na verificação desse facto que se decidiu intra-operatoriamente aproveitar o tecido adiposo, procedimento este que já tinha sido posto como eventual para a segunda intervenção, na primeira consulta entre Autora e Réu, e manifestamente autorizado pela Autora na sua declaração para intervenção cirúrgica.</font> </p><p><font>Mais alega ter acompanhado de perto o pós-operatório da Autora, observando-a sempre que solicitado e medicando-a para a infecção que lhe veio a detectar, referindo que as dores eram normais, tendo sido tudo explicado à mesma, concluindo que o outro médico consultado pela Autora ao alterar a medicação antibiótica que o Réu lhe receitara promoveu a infecção, piorando o seu estado.</font> </p><p><font>Finaliza, dizendo que a Autora teve alta curada no dia 30 de Maio (apenas 28 dias de impossibilidade), ficou em estado igual ao que se encontrava antes da cirurgia e melhor no que se refere à gordura que lhe retirou da parte superior das coxas, a deformação da zona dos grandes lábios já a tinha antes da prática cirúrgica, já tinha as infecções, o uso de roupa interior já antes da cirurgia lhe causava dores e incómodos, e já tinha, antes da cirurgia praticada, os órgãos sexuais externos deformados e mutilados, causando-lhe complexos e tristeza.</font> </p><p><font>Afirma ter agido com perícia e a diligência exigível, como médico prudente, cuidadoso e conhecedor, e que a cirurgia a que a Autora foi submetida teve um êxito melhor que as expectativas iniciais e o seu malogro deveu-se ao surgimento de uma infecção, intercorrência possível em qualquer ato cirúrgico, agravada provavelmente pelos banhos de imersão e pela atitude do médico dermatologista.</font> </p><p><font>Na contestação, o Réu suscitou a intervenção provocada da “CC - Companhia de Seguros, SA”, alegando para o efeito que, na data da intervenção cirúrgica referida nos autos tinha em vigor naquela companhia um contrato de seguro pelo qual aquela seguradora garante a responsabilidade civil do Réu inerente ao exercício da sua profissão de médico e, por efeito daquele seguro a “CC” responde pelos prejuízos cuja reparação a Autora reclama na acção que contra si propôs, por todos se incluírem no âmbito da respetiva cobertura.</font> </p><p><font>Por despacho proferido a fls. 87 e 88, foi admitida a intervenção principal provocada de “CC, Companhia de Seguros, SA” como associada do Réu.</font> </p><p><font>Citada tal interveniente, apresentou a mesma contestação, confirmando a existência do seguro, impugnando os factos alegados pela Autora, e alegando que já depois de ter apresentado a sua contestação, o Réu foi notificado da decisão de arquivamento no processo disciplinar que contra ele havia sido instaurado.</font> </p><p><font>Realizada audiência preliminar, elaborou-se despacho saneador, com organização dos factos assentes e base instrutória, que não mereceram reclamação.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Procedeu-se a julgamento com observância do formalismo legal, no decurso do qual foi ampliada a base instrutória, por despacho proferido a fls. 564 e 565, tendo-se respondido à matéria da base instrutória pela forma constante de fls. 751 a 772, que igualmente não foi objecto de reparos.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Foram apresentadas alegações de direito, por escrito, por Autora, Réu e Interveniente.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Por fim, foi proferida sentença que, julgando a acção parcialmente procedente, condenou o Réu BB a pagar à Autora uma indemnização global na importância de € 26.000,00, vencendo a indemnização relativa aos danos patrimoniais no valor de € 1000,00 juros à taxa legal desde a citação até efetivo e integral pagamento e, vencendo a compensação relativa aos danos não patrimoniais, no valor de € 25.000,00, juros à taxa legal desde a data da sentença até efetivo e integral pagamento, tendo as custas ficado a cargo de Autora e Réu na proporção do respetivo decaimento. </font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Inconformados com tal decisão, dela interpuseram recurso de apelação o Autor e a Companhia de Seguros.&nbsp; </font> </p><p><font> </font> </p><p><font>A apelada contra-alegou, ampliando o âmbito do recurso, impugnando subsidiariamente a decisão sobre a matéria de facto no que respeita ao facto controvertido constante do artigo 91º da base instrutória, pugnando, quanto ao mais, pela improcedência dos recursos interpostos pelos apelantes.</font> </p><p><font> </font> </p><p><b><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; </font></b><font>O Tribunal da Relação do Porto decidiu alterar a decisão que apreciou a matéria de facto relativamente aos artigos 104º/105º e 68º da base instrutória e, no mais, confirmar a sentença recorrida.&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; </font> </p><p><font> </font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; Inconformado, recorreram para este Supremo Tribunal o réu e a companhia de seguros, formulando, nas suas alegações de recurso, as seguintes conclusões:</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>«1. Quer a Direcção do Colégio de Especialidade de Cirurgia Plástica Reconstrutiva e Estética, quer a consulta técnico-científica do Instituto de Medicina Legal, consideram que o procedimento subsequente possa ser considerado complementar do autorizado. </font> </p><p><font>2. A intenção da Autora com as cirurgias era poder correr com as filhas na praia à vontade, sem ter de se preocupar com aquilo que o fato de banho deixava ver ou não, era de "subir" as cicatrizes, de forma a que estas não fossem visíveis abaixo da linha do fato de banho. </font> </p><p><font>3. A realização do acto cirúrgico de enxertos de gordura naquele momento (intra-operatória) era um imperativo de consciência para o Réu, porquanto a não realização, naquele momento, deste procedimento seria inviabilizado ou, pelo menos muito prejudicado com o decorrer do tempo: "as probabilidades de conseguir o resultado pretendido eram escassas, mas o procedimento escolhido era o único possível nesta situação" (consulta técnico científica a fls, 331 dos autos).</font> </p><p><font>4. A que acresce a convicção do Réu, do interesse da Autora, que nunca se oporia a esta solução, dada a relação médico-doente pré-estabelecida, nomeadamente na confiança técnica depositada. </font> </p><p><font>5. Uma definição possível de Cirurgia Estética é da especialidade cirúrgica que consiste, essencialmente, em mover os tecidos, reposicionando-os, de modo a serem criadas novas formas. </font> </p><p><font>6. A cirurgia </font><i><font>sub judice</font></i><font> tem carácter reconstrutivo típico. </font> </p><p><font>7. Estando em causa uma obrigação de meios, o devedor, não se obriga a causá-lo, mas a tentar causá-lo, ou melhor, a praticar os actos que, numa apreciação </font><i><font>ex ante</font></i><font>, sejam adequados a causá-lo; nas de meios, obriga-se a tentar adequadamente causá-lo. </font> </p><p><font>8. Assim, na obrigação de meios, há cumprimento quando o resultado é adequadamente tentado. Note-se que as "obrigações de meios" não se definem por nenhuma indicação dos meios que o devedor usará para cumprir. Pelo contrário, ele é totalmente livre na sua escolha, salvo convenção adicional. </font> </p><p><font>9. Para o Prof. André Pereira, para além do caráter aleatório da intervenção, atende, em primeiro lugar, à vontade das partes, fazendo jus ao principio da livre conformação dos contratos (art. 405.º,&nbsp; do C. Civ. P.) para que se determine se estas estabelecem o caráter das obrigações assumidas, o que inegavelmente sucedeu no caso em apreço. </font> </p><p><font>10. Atualmente o novo CDOM (Regulamento n 14/2009, de 13 de Janeiro de 2009) prescreve no artigo 48°, n.º 2 que "o consentimento escrito e/ou testemunhado é exigível nos casos expressamente determinados pela lei ou regulamento deontológico." Em suma, na relação médico-paciente vigora, em regra, o princípio da liberdade de forma e esta não é afastada, mesmo nos casos de intervenções invasivas. </font> </p><p><font>11. O consentimento presumido está previsto no art.º 340.°, n.º 3 do Código Civil e artº 39, nº 2 do Código Penal. </font> </p><p><font>12.Assim, "para se punir um médico não será bastante supor razoavelmente (artigo 39°, 2) que o consentimento seria recusado, antes terá de se produzir prova que permita concluir com segurança que o consentimento seria recusado." </font> </p><p><font>13. Ónus de prova que pertencia à Autora e esta não a fez (art.º 342.°, nº 1 do C. Civ ).</font> </p><p><font>14. O consentimento presumido, no caso </font><i><font>sub judice</font></i><font> é importante pois a Autora estava inconsciente e incapaz de consentir, pois estava em questão o alargamento do âmbito da operação, que seria irrealizável noutra altura. </font> </p><p><font>15. Dada a assunção dos riscos da doente, os desejos formulados na consulta, a confiança depositada no cirurgião, nada levaria a crer que a doente não consentisse na cirurgia de enxertos de gordura, cujos riscos são menores para a vida, o corpo ou saúde da doente. </font> </p><p><font>16. Dada a assunção dos riscos da doente, os desejos formulados na consulta, a confiança depositada no cirurgião, nada levaria a crer que a doente não consentisse na cirurgia de enxertos de gordura, cujos riscos são menores para a vida, o corpo ou saúde da doente. </font> </p><p><font>17.A sentença e acórdão recorridos erram ao extrapolar a surpresa com a falta de consentimento presumido e ao limitar-se ao consentimento escrito dado pela Autora, excluindo algo mais do que está escrito. </font> </p><p><font>18. Relativamente à forma do consentimento e nos termos do artigo 219.° do Código Civil, vigora no direito civil português o princípio da liberdade de forma, pelo que, do mesmo modo, também no contrato médico a regra é a da oralidade. No mesmo sentido veja-se o artigo 38.º do Código Penal (de frisar que esta regra não é afastada, mesmo nos casos de intervenções invasivas). </font> </p><p><font>19. A doutrina e a jurisprudência francesa tradicionais têm, em regra, uma visão ampla da extensão da operação, pelo que geralmente admitem que o médico modifique o plano operatório, desde que isso seja razoável para o interesse do paciente, ou dito de outro modo, desde que fosse irrazoável levar a cabo uma segunda operação para tratar o mal descoberto no decurso da primeira. </font> </p><p><font>20. Uma vez que entre nós vigora o princípio da liberdade declarativa, o consentimento relevante para excluir a ilicitude da lesão tanto poderia ser expresso como tácito, sendo certo que neste último caso se teria de deduzir-se de factos que "com toda a probabilidade" revelassem tal consentimento (art. 217.0 do Código Civil), ou seja, é necessário decorrer de factos concludentes, que se reportem à específica e concreta lesão consentida. </font> </p><p><font>21.A verificação do consentimento presumido opera-se por um juízo </font><i><font>ex ante</font></i><font>, de prognose póstuma, de acordo com um juízo do homem médio colocado na posição de agente e munido dos especiais conhecimentos do agente. </font> </p><p><font>22. Sendo que o recurso ao consentimento presumido é admissível porquanto a intervenção médica era absolutamente inadiável. </font> </p><p><font>23. O acórdão e sentença recorrida violam as seguintes disposições legais: os artigos 483.°, 563.°, 496.°, n.º 1 e 3, 556.°, n.º 3, 219., 342.°, n.º 1 e 340.° do Código Civil e os artigos 38.° e 39.º do Código Penal e a artº 609.° do Código de Processo Civil. </font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Nestes termos, bem como em todos os demais que V. Ex.as não deixarão de suprir, deve merecer provimento o presente recurso e consequentemente ser proferido douto Acórdão que revoga o Acórdão da Relação do Porto,&nbsp; substituindo por outra que julgue improcedente por não provados, absolvendo-se os Réus, que se fará por obediência à lei </font> </p><p><font>e imperativo de JUSTIÇA».</font> </p><p><font> </font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Sabido que, ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, o objeto do recurso é delimitado pelas respetivas conclusões, a única questão a decidir é a de saber se se verificam os pressupostos da responsabilidade civil contratual por ato médico, nomeadamente, a ausência de um consentimento informado a paciente.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Colhidos os vistos, cumpre decidir.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font> </font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; </font><b><font>II – Fundamentação de facto</font></b> </p><p><b><font> </font></b> </p><p><b><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;</font></b><font>O Tribunal da Relação, no exercício do seu poder de modificação da matéria de facto, ao abrigo do art. 662.º do CPC, alterou as respostas aos quesitos 68.º e 104.º/105.º.</font> </p><p><font>A resposta ao artigo 68.º está integrada no facto provado n.º 93.</font> </p><p><font>As respostas aos artigos 104.º e 105.º, na medida em que remetem para o que consta da resposta aos quesitos 16º e 17º e 90º e 91º, que já integram a matéria de facto provada, não implicaram o aditamento &nbsp;de factos novos.&nbsp; </font> </p><p><b><font> </font></b> </p><p><b><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; Os factos dados como provados, após modificação a que procedeu o Tribunal da Relação, são os seguintes:</font></b> </p><p><b><font> </font></b> </p><p><font>«1. A autora apresentava cicatrizes em toda a zona inguinal, que ao longo dos anos, foram descaindo, tornando-se visíveis, desde logo, na época balnear, quando a A. vestia fato-de-banho - al. A) dos factos assentes;</font> </p><p><font>2. As cicatrizes em causa originavam uma aparência desagradável e causavam à A. grande desconforto a nível físico e psicológico, dado que a pele visível era a dos grandes lábios vulvares, a qual tinha sido puxada na cirurgia - al. B) dos factos assentes;</font> </p><p><font>3. Assim, em Março de 2003, a A. consultou o R., especialista em cirurgia plástica, no sentido de lhe pedir uma opinião sobre a hipótese de “subir” as cicatrizes, de forma a que estas não fossem visíveis abaixo da linha do fato-de-banho - al. C) dos factos assentes;</font> </p><p><font>4. Num primeiro momento, o R realizaria uma pequena lipoaspiração à parte interna das coxas, sob anestesia local, para que, com o excesso de pele daí resultante, se pudesse passar à segunda intervenção - al. D) dos factos assentes;</font> </p><p><font>5. Num momento posterior, e através de uma outra cirurgia, o R. “subiria”, então, as cicatrizes, de modo a ficarem tapadas pelo fato-de-banho - al. E) dos factos assentes;</font> </p><p><font>6. As duas cirurgias seriam efectuadas se possível, ainda antes da época balnear, de modo a que esta ainda pudesse ser disfrutada pela A - al. F) dos factos assentes;</font> </p><p><font>7. A primeira intervenção ficou marcada para o dia 2.5.03, no Hospital Arrábida Gaia, S.A. - al. G) dos factos assentes;</font> </p><p><font>8. Assim, a A. deu entrada no hospital às 9h. desse dia - al. H) dos factos assentes;</font> </p><p><font>9. Por volta das 10h., e após lhe terem colocado soro, a A. foi levada para o bloco operatório - al. I) dos factos assentes;</font> </p><p><font>10. A A. foi deixada numa sala anexa ao bloco, aonde o R. se deslocou para lhe tirar fotografias - al. J) dos factos assentes;</font> </p><p><font>11. O R. saíu e, pouco depois, entrou o médico anestesista, cuja identificação a A. desconhece, o qual aconselhou o recurso a uma anestesia epidural - al. L) dos factos assentes;</font> </p><p><font>12. No entanto, após ter saído da sala por breves instantes, o referido anestesista regressou à mesma, dizendo à A. que, afinal, era preferível fazer uma anestesia geral ligeira, o que veio a suceder - al. M) dos factos assentes;</font> </p><p><font>13. No Sábado de manhã, dia 3 de Maio, a A. resolveu telefonar ao R., o qual lhe disse que iria visitá-la e dar-lhe alta por volta das 13h., o que veio a acontecer - al. N) dos factos assentes;</font> </p><p><font>14. Aquando da alta, o R. receitou à A. Floxapen 500 mg e, para o caso de ter dores, “Algimate” - al. O) dos factos assentes; </font> </p><p><font>15. A possibilidade de proceder ao enchimento dos grandes lábios nunca foi discutida entre ambos, o que significa que a A. nunca foi esclarecida sobre os riscos inerentes a esse procedimento - al. P) dos factos assentes;</font> </p><p><font>16. Neste dia 5 de Maio, a A. estava já a sentir dores, encontrando-se o grande lábio do lado direito muito inchado e deformado - al. Q) dos factos assentes;</font> </p><p><font>17. No dia 7 de Maio a A. voltou, a seu pedido, à clínica do R., para que este a observasse de novo - al. R) dos factos assentes;</font> </p><p><font>18. O R. reafirmou que estava tudo a correr normalmente e explicou que a gordura existente na parte tumefacta, retirada das coxas por lipoaspiração e injectada nos grandes lábios, iria ser, ainda, absorvida, aconselhando a A. a continuar com a medicação, usar a cinta e aguentar as dores - al. S) dos factos assentes;</font> </p><p><font>19. No dia 9 de Maio, uma semana após a intervenção, a A. voltou a deslocar-se à clínica do R., desta vez para retirar os pontos - al. T) dos factos assentes;</font> </p><p><font>20. A A. estava com muitas dores - al. U) dos factos assentes;</font> </p><p><font>21. No dia 12 de Maio, as dores eram muitas, pelo que a A. dirigiu-se, uma vez mais, à clínica do R., tendo-lhe referido que o antibiótico estava prestes a acabar e que alguma coisa não devia estar bem - al. V) dos factos assentes;</font> </p><p><font>22. O R. reafirmou à A. que a forma como tudo estava a correr não era anormal e prescreveu-lhe mais uma embalagem de Floxapen 500 mg. - al. X) dos factos assentes;</font> </p><p><font>23. A A. chamou, ainda, a atenção do R. para a existência de grandes manchas rubras nas coxas (desde a virilha até ao joelho), as quais estavam cada vez mais vermelhas - al. Z) dos factos assentes;</font> </p><p><font>24. O R., depois de a observar, receitou-lhe Daflon - al. AA) dos factos assentes;</font> </p><p><font>25. No dia seguinte, isto é, no dia 13 de Maio, a A. não conseguia suportar as dores, sentia “formigueiros” nas pernas e estava com uma temperatura de 37,7º, ou seja, com febre - al. BB) dos factos assentes;</font> </p><p><font>26. A A. telefonou, então, ao R., transmitindo-lhe este facto - al. CC) dos factos assentes;</font> </p><p><font>27. No dia 15 de Maio, de manhã, a A. ficou assustadíssima, tendo telefonado, imediatamente, ao R., a chorar, dizendo-lhe que não aguentava mais - al. DD) dos factos assentes;</font> </p><p><font>28. O R. disse à A. que se deslocasse à clínica para ele a ver, o que esta fez - al. EE) dos factos assentes;</font> </p><p><font>29. O R. disse-lhe que esta deveria iniciar um novo antibiótico, tendo-lhe prescrito Flagyl - al. FF) dos factos assentes;</font> </p><p><font>30. A A. deu, telefonicamente, conhecimento ao R de que iria deslocar-se ao serviço de Urgência hospitalar - al. GG) dos factos assentes;</font> </p><p><font>31. O R. pediu-lhe que voltasse à sua clínica para ser observada por ele, o que veio a acontecer - al. HH) dos factos assentes;</font> </p><p><font>32. O R. disse que a A. teria de tomar uma decisão - al. II) dos factos assentes;</font> </p><p><font>33. Sem que a A. tivesse sequer despido completamente os collants e a cinta que trazia ou descalçado as botas, o R., depois de lhe passar uma gaze fresca no grande lábio do lado direito, espetou-lhe aí a seringa - al. JJ) dos factos assentes;</font> </p><p><font>34. Conforme relatório médico junto a fls. 23, a autora “Apresentava um abcesso do grande lábio vulvar direito e eritema inflamatório do grande lábio esquerdo, que terão ocorrido no pós-operatório de intervenção cirúrgica realizada a 02/05/2003 no Hospital ..., por outro colega da especialidade de Cirurgia Plástica e Reconstrutiva.” - al. LL) dos factos assentes;</font> </p><p><font>35. O Sr. Dr. DD procedeu à drenagem do grande lábio direito e medicou a A. com antibiótico e anti-inflamatório - al. MM) dos factos assentes;</font> </p><p><font>36. O referido cirurgião verificou que se havia formado um abcesso de menores dimensões à esquerda - al. NN) dos factos assentes;</font> </p><p><font>37. No dia 21/05, o Sr. Dr. DD, procedeu à drenagem do grande lábio esquerdo, sob anestesia local - al. OO) dos factos assentes;</font> </p><p><font>38. Em resultado da situação descrita, a A. esteve pelo menos durante 28 dias totalmente impossibilitada de realizar a sua vida normal - al. PP) dos factos assentes;</font> </p><p><font>39. Por carta registada em 19.12.03, a A. enviou à Ordem dos Médicos uma participação disciplinar contra o R., a qual deu origem a instauração do Processo Disciplinar nº 2/2004 - al. QQ) dos factos assentes; &nbsp; </font> </p><p><font>40. Em 5.4.06, a A. requereu a notificação judicial avulsa do R., responsabilizando-o por todos os danos sofridos e manifestando a intenção de exercer o direito de indemnização que lhe assiste - al. RR) dos factos assentes;</font> </p><p><font>41. Através do contrato de seguro titulado pela apólice nº …, o aqui réu transferiu a sua responsabilidade civil profissional para a companhia de seguros CC – Companhia de Seguros, SA, com inicio em 13.11.1998 - al. SS) dos factos assentes;</font> </p><p><font>42. Aos 19 anos de idade, foi diagnosticada à autora, pelo Sr. Dr. EE, seu dermatologista, uma hidrosadenite supurativa crónica - resp. quesito 1º;</font> </p><p><font>43. Após a Autora ter sido submetida a diversos tratamentos que não surtiram efeito, o referido médico aconselhou a realização de uma cirurgia, que veio a ser efectuada pelo Sr. Dr. FF, cirurgião plástico - resp. quesito 2º;</font> </p><p><font>44. Esta cirurgia não teve sucesso, pelo que, decorrido um ano, a A. voltou a submeteu-se a uma segunda cirurgia, agora realizada pelos Sr. Dr. GG (cirurgião geral) e Sr. Dr. HH (cirurgião plástico) - resp. quesito 3º;</font> </p><p><font>45. Aquele problema ficou resolvido na ordem de cerca de 90%, tendo as cirurgias deixado cicatrizes na zona inguinal da autora - resp. quesito 4º;</font> </p><p><font>46. A autora contava ser submetida a anestesia local e ter alta no próprio dia, pelo que não se fez acompanhar por ninguém - resp. quesito 6º;</font> </p><p><font>47. No percurso para o bloco, as enfermeiras que acompanhavam a A. pediram-lhe as análises ao sangue - resp. quesito 7º;</font> </p><p><font>48. A A. não as tinha pois o R. não lhe solicitou a realização de análises - resp. quesito 8º;</font> </p><p><font>49. A A. tinha feito análises recentemente - resp. quesito 10º;</font> </p><p><font>50. O Réu não visitou a autora no dia da operação - resp. quesito 11º;</font> </p><p><font>51. A Autora, apesar de não estar a contar com isso, pernoitou no dia da cirurgia no hospital - resp. quesito 12º;</font> </p><p><font>52. O Réu disse à Autora para o procurar no seu consultório, no dia 5 de Maio - resp. quesito 15º;</font> </p><p><font>53. No dia 5 de Maio, a A. dirigiu-se à clínica do R., que, depois de a observar, a informou que tinha conseguido resolver o seu problema numa única operação - resp. quesito 16º;</font> </p><p><font>54. O R. disse-lhe, ainda, que, uma vez que os grandes lábios quase tinham desaparecido em resultado das operações anteriores, tinha aproveitado a cirurgia para injectar na vulva os auto-enxertos de gordura, colhidos da face interna das coxas por lipoaspiração - resp. quesito 17º;</font> </p><p><font>55. A A. foi apanhada de surpresa, pois o R. nunca lhe havia pedido autorização para o efeito - resp. quesito 18º;</font> </p><p><font>56. O R. descansou a A., dizendo-lhe que a operação tinha corrido muito bem - resp. quesito 19º;</font> </p><p><font>57. Houve uma progressão das dores e do inchaço - resp. quesito 20º;</font> </p><p><font>58. O R. disse-lhe que já a tinha observado no dia anterior e estava tudo bem, pelo que a febre deveria ter qualquer outra origem - resp. quesito 23º;</font> </p><p><font>59. A Autora sentia-se assustada, com dores e chorava muito - resp. quesito 24º;</font> </p><p><font>60. A A. constatava que, decorridas quase duas semanas desde a operação, o seu estado de saúde piorava progressivamente - resp. quesito 25º;</font> </p><p><font>61. A A. parou, totalmente, de trabalhar - resp. quesito 27º;</font> </p><p><font>62. O seu marido também teve de parar de trabalhar para poder tratar dela, da casa e das filhas, uma das quais já se encontrava a viver em casa da avó - resp. quesito 28º;</font> </p><p><font>63. A A. estava cheia de dores e num estado de grande aflição, tendo dito ao R., a chorar, que a situação era insuportável e que ele tinha de fazer alguma coisa - resp. quesito 30º;</font> </p><p><font>64. Iniciou a nova medicação e foi para casa da sua mãe, pois não podia estar sozinha - resp. quesito 31º;</font> </p><p><font>65. A Autora, desesperada, e com muitas dores, telefonou ao cirurgião geral, Dr. II, tendo o contacto ocorrido no dia 15 de Maio de 2003 - resp. quesito 32º;</font> </p><p><font>66. No mesmo dia 15 de Maio de 2003, da parte da tarde, a Autora voltou à clínica do Réu - resp. quesito 34º;</font> </p><p><font>67. Quando chegou à clínica, a A. não estava em condições de aguardar na sala de espera, pelo que tiveram de a deitar na sala de tratamentos laser - resp. quesito 35º;</font> </p><p><font>68. Depois de a observar a A., o R. disse-lhe que tinha duas opções: aguentar as dores e esperar que o antibiótico viesse a fazer efeito, ou retirar o enxerto, sendo que isso iria estragar tudo o que tinha sido feito na operação - resp. quesito 36º;</font> </p><p><font>69. A A., aflita, sem saber o que fazer, e com as lágrimas a caírem-lhe pela cara, respondeu que não conseguia aguentar as dores e já não podia andar e que precisava, mais do que nunca, da ajuda do R., pois não possuía formação nem informação suficiente para
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><font> </font><div><br> <font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font></div><br> <font> </font> <p><font> </font> </p><p><b><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; I – Relatório</font></b> </p><p><b><font> </font></b> </p><p><font>Os presentes autos de inventário correm termos para partilha da herança aberta por óbito de </font><b><font>AA</font></b><font>, exercendo as funções de cabeça-de-casal </font><b><font>BB</font></b><font>.</font> </p><p><font>Percorrida a tramitação normal, foi apresentada relação de bens, na qual, além do mais, foram relacionados vários prédios urbanos (verbas 56, 58, 59 e 60) e vários prédios rústicos (verbas 57, 61, 62 e 63) (fls. 502).</font> </p><p><font>Foi realizada conferência de interessados, na qual os bens acima referidos foram submetidos a licitação (fls. 768).</font> </p><p><font>As verbas 56 e 57 foram licitados pelo interessado CC; a verba 60 foi licitada pela interessada DD; as verbas 61 e 63 foram licitadas pela interessada EE; e as verbas 58, 59 e 62 não obtiveram licitação (fls. 768 e 769).</font> </p><p><font>As interessadas EE e DD apresentaram forma à partilha, requerendo, além do mais, que as verbas 58 e 59 fossem atribuídas aos interessados FF e GG e que a verba n.º 62 fosse atribuída aos interessados BB (cabeça-de-casal), CC, FF e GG, na proporção de 50/100, 29/100, 9/100 e 12/100, respectivamente (fls. 780 e 781).</font> </p><p><font>O cabeça-de-casal também apresentou forma à partilha, requerendo, além do mais, que se procedesse à venda judicial das verbas não licitadas a fim de se preencher o quinhão dos interessados com o produto dessa venda (fls. 804)</font> </p><p><font>Os interessados GG e FF manifestaram a sua indisponibilidade para ficarem em compropriedade com outros herdeiros no que toca aos bens não licitados e também requereram que se procedesse à venda judicial daqueles bens e que o quinhão dos interessados fosse preenchido com o produto daquela venda (fls. 814). </font> </p><p><font>Foi proferido despacho determinativo da partilha, no qual, além do mais, se decidiu que </font><i><font>“(…), relativamente aos bens que não obtiveram licitações, deverão os mesmos ser adjudicados a todos os interessados, em compropriedade, na proporção necessária ao integral preenchimento dos quinhões (os interessados licitantes, na exacta proporção em falta depois de considerados os bens por eles licitados, e os não licitantes, na proporção necessária ao preenchimento dos seus quinhões) – neste sentido, entre outros, o Ac. da RP de 27.09.2011, (…), cuja fundamentação subscrevemos.”</font></i><font> (fls. 879)</font> </p><p><font>Em conformidade com aquele despacho, foi elaborado mapa de partilha que atribuiu as verbas 58, 59 e 62 ao cabeça-de-casal e aos interessados GG e FF, em conformidade com o despacho que dera forma à partilha (fls. 889 e 890).</font> </p><p><font>O cabeça-de-casal reclamou do mapa de partilha, além do mais, suscitando novamente a questão de as verbas não licitadas não poderem ser adjudicadas em compropriedade (fls. 995 e seguintes). </font> </p><p><font>A reclamação foi indeferida no que concerne à questão acima indicada (fls. 1023).</font> </p><p><font>De seguida, foi proferida sentença homologatória da partilha (fls. 1025).</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>O cabeça-de-casal recorreu, opondo-se à adjudicação dos bens não licitados, em compropriedade, aos interessados que a tal não tenham dado o seu consentimento.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>O Tribunal da Relação do Porto proferiu acórdão, declarando a procedência da apelação e decretando a anulação do mapa de partilha e da sentença homologatória de partilha, exarando-se o seguinte na sua parte dispositiva:</font> </p><p><font>«Pelo exposto, julga-se a apelação procedente e, em consequência:</font> </p><p><font>A) Altera-se o despacho determinativo da partilha na parte respeitante à adjudicação das verbas 58, 59 e 62, nos termos expostos na fundamentação do acórdão;</font> </p><p><font>B) Mantém-se o mais que foi decidido naquele despacho;</font> </p><p><font>C) Anula-se o processado subsequente dependente daquele despacho, designadamente, o mapa de partilha e a sentença homologatória da partilha.</font> </p><p><font>Custas segundo critério da definir a final».&nbsp; </font> </p><p><font>DD e EE interpõem recurso de revista, em cuja alegação, formularam as seguintes conclusões:</font> </p><p><font>1 – O Apelante BB é licitante no presente processo, não sendo por isso beneficiário da faculdade prevista no artigo 1374.º al. b) do antigo Código de Processo Civil,</font> </p><p><font>2 – não tendo também e por isso legitimidade para recorrer do Despacho determinativo da forma da partilha e da Sentença homologatória proferidas no Tribunal de Primeira Instância.</font> </p><p><font>3 – os únicos dois Interessados não licitantes, não impugnaram aquele despacho determinativo da forma da partilha nem recorreram da sentença homologatória proferidos no Tribunal de Primeira Instância.</font> </p><p><font>4 – A Interessada, aqui Recorrente DD, tem direito a ver integrado o seu quinhão, tal como os demais interessados não recorrentes, com bens não licitados, faculdade de que não abdica,</font> </p><p><font>5 – Não aceitando, e por isso não dando o seu acordo, a venda dos mesmos.</font> </p><p><font>6 – Tendo todos os bens imóveis relacionados sido avaliados por perícia judicial requerida pelo Apelante, e não tendo havido qualquer reclamação aos valores resultantes dessa perícia, ter-se-á que concluir que os mesmos são adequados e justos, não existindo por isso qualquer prejuízo na sua partilha por todos os interessados.</font> </p><p><font>7 – O escopo da partilha é fazer quinhoar todos e cada um dos interessados nos bens da herança, com a atribuição dos bens não licitados a todos os Interessados em comum e na proporção das suas quotas, em analogia com o que se prescreve na parte final da alínea d) do artigo 1374 do antigo C.P.Civil.</font> </p><p><font>8 – Constituindo os imóveis relacionados nas verbas n.ºs 58, 59 e 61 não licitadas, bens da mesma espécie e natureza dos bens licitados, é inaplicável a segunda parte da alínea b) daquele artigo 1374.º do C.P.C.</font> </p><p><font>9 – Devem os imóveis das verbas 58, 59 e 62 não licitados ser adjudicados a todos os Interessados em compropriedade, na proporção necessária ao integral preenchimento dos quinhões – </font><i><font>“os Interessados licitantes, na exata proporção em falta depois de considerados os bens por eles licitados; os não licitantes, na proporção necessária ao preenchimento do seu quinhão”.</font></i><font> </font> </p><p><font>10 – O Acórdão recorrido está em absoluta contradição com o Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto em 27/9/2011, já transitado em julgado, detalhadamente invocado e transcrito nas presentes Alegações no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito.</font> </p><p><font>11 – O acórdão recorrido violou o disposto no artigo 1374.º, al. b) e d) do antigo Código de processo Civil e os artigos 607.º, n.ºs 4 e 5, 612.º e 615.º, al. c) e d) do Código de processo Civil.</font> </p><p><font>12 – O douto acórdão recorrido fez má aplicação dos factos e do direito aplicável, pelo que deve ser revogado.</font> </p><p><font>13 – já que o Despacho determinativo da forma da partilha proferido pelo tribunal da primeira instância, não merecendo qualquer censura, decidiu de acordo com os factos e o direito aplicável.</font> </p><p><font>Com o que se fará a esperada e ambicionada Justiça».</font> </p><p><font>Sabido que, ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, é pelas conclusões que se delimita o objeto do recurso, as questões a decidir são as seguintes:</font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; I – </font><i><font>Nulidade do acórdão recorrido, nos termos do art. 615.º, als. c) e d) do CPC;&nbsp; </font></i> </p><p><i><font> </font></i> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;II –</font><i><font> Legitimidade do apelante, cabeça de casal, para recorrer da sentença homologatória proferida no Tribunal de Primeira Instância.</font></i> </p><p><font> </font> </p><p><font>III – </font><i><font>Adjudicação de bens não licitados, em compropriedade, aos interessados que a tal não tenham dado o seu consentimento ou venda judicial de tais bens e distribuição do produto da venda pelos interessados na proporção dos respetivos quinhões.</font></i> </p><p><font> </font> </p><p><font>Os recorridos não apresentaram contra-alegações.&nbsp;&nbsp;&nbsp; </font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Colhidos os vistos, cumpre decidir.&nbsp;&nbsp; </font> </p><p><b><font> </font></b> </p><p><b><font>II - Fundamentação de direito</font></b> </p><p><font> </font> </p><p><font>I – </font><i><font>Nulidade do acórdão recorrido por contradição entre os fundamentos e a decisão (art. 615.º al. c) do CPC) e por omissão de pronúncia (art. 615.º al. d) do CPC)</font></i> </p><p><i><font> </font></i> </p><p><b><font>1. </font></b><font>Relativamente à nulidade do acórdão recorrido (art. 615.º, al. c) do CPC), importa afirmar que a causa de nulidade invocada pelos recorrentes só se verifica quando a contradição é insanável, não bastando para o efeito qualquer contradição ou oposição entre os fundamentos e a decisão, conforme tem decidido a doutrina e a jurisprudência.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>&nbsp;Como afirma Amâncio Ferreira (</font><i><font>Manual de Recursos em Processo Civil,</font></i><font> 9ª edição, Almedina, Coimbra, 2009, p. 56), a contradição entre os fundamentos e a decisão prevista na alínea c) do nº 1 do art.º 615º (anterior artigo 668.º) verifica-se quando «a construção da sentença é viciosa, uma vez que os fundamentos referidos pelo Juiz conduziriam necessariamente a uma decisão de sentido oposto ou, pelo menos, de sentido diferente. Esta tese tem sido também aceite pela jurisprudência, conforme, entre outros, os acórdãos deste Supremo Tribunal, de 30-05-2013, relatado pelo Conselheiro Álvaro Rodrigues, proc. n.º 660/1999.P1.S1, e de 02-12-2013, relatado pelo Conselheiro Bettencourt de Faria, proc. n.º 110/2000.L1.S1).</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Ora, analisada a fundamentação do acórdão recorrido não se deteta qualquer contradição insanável entre as premissas fáctico-jurídicas de que partiu e a decisão.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>O que se verificou foi que o acórdão recorrido apresentou uma descrição das várias posições doutrinais e jurisprudenciais sobre a questão a tratar, tendo depois enveredado por uma delas, mas isto não significa qualquer contradição insanável entre a fundamentação e a decisão, pelo que se indefere este pedido de nulidade.</font> </p><p><font> </font> </p><p><b><font>2.</font></b><font> Apela a recorrente para o vício contido na alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do Código Processo Civil que, preceitua respetivamente, que é nula a sentença quando: «d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento».</font> </p><p><font>Conforme se tem afirmado na jurisprudência, esta nulidade está diretamente relacionada com o comando previsto no art.º 608º, n.º 2 do Cód. Proc. Civil, e serve de cominação para o seu desrespeito. O dever imposto no art.º 608º, n.º 2 do Cód. Proc. Civil diz respeito ao conhecimento, na sentença, de todas as questões de fundo ou de mérito que a apreciação do pedido e causa de pedir apresentadas pelo autor (ou, eventualmente, pelo réu reconvinte) suscitam, quanto à procedência ou improcedência do pedido formulado. E para que este dever seja cumprido, é preciso que haja identidade entre a </font><i><font>causa petendi</font></i><font> e a </font><i><font>causa judicandi</font></i><font>, entre a questão posta pelas partes (sujeitos), e identificada pelos sujeitos, pedido e causa de pedir, e a questão resolvida pelo juiz, identificada por estes mesmos elementos. Só estas questões é que são essenciais à solução do pleito. E é por isto mesmo, que já não o são os argumentos, razões e juízos de valor nem a interpretação e aplicação da lei aos factos de que as partes se socorrem, quando se apresentam a demandar ou a contradizer, para fazerem valer a causa posta à apreciação do tribunal (cf. Alberto dos Reis, </font><i><font>Código de Processo Civil Anotado</font></i><font>, Vol. V, pp. 49 e segs.; Rodrigues Bastos, </font><i><font>Notas ao Cód. Proc. Civil,</font></i><font> Vol. III, p. 228 nota 2.; Lebre de Freitas e outros, </font><i><font>Código de Processo Civil Anotado</font></i><font>, Vol. 2, Coimbra Editora – 2001, pp. 645-646, nota 2). No mesmo sentido de que os motivos, argumentos, razões, juízos de valor ou interpretação e aplicação da lei aos factos não figuram entre as questões a apreciar, se tem orientado jurisprudência unânime (cf. RT 61º-134, 68º-190, 77º-147, 78º-172, 89º-456, 90º-219 citados </font><i><font>apud</font></i><font> Abílio Neto, </font><i><font>Código de Processo Civil Anotado</font></i><font>, 8.ª Ed., 1987, pp. 514-515 nota 5, em anotação ao art. 668º; Ac. do STJ de 01-06-1973: </font><i><font>B.M.J</font></i><font>. 228 p. 136; Ac. do STJ de 06-01-1977: </font><i><font>B.M.J.</font></i><font> 263 p. 187).</font> </p><p><font>É de salientar ainda que, de entre a questões essenciais a resolver, não constitui nulidade o não conhecimento daquelas cuja apreciação esteja prejudicada pela decisão de outra.</font> </p><p><font>&nbsp;No caso vertente, estamos perante um processo especial de inventário intentado por um dos herdeiros, que veio a ser nomeado cabeça de casal.&nbsp; </font> </p><p><font>O processo de inventário judicial visa a descrição, avaliação e partilha da herança e assume uma índole simultaneamente administrativa e contenciosa, embora as operações que implica sejam de natureza predominantemente administrativa (cf. Alberto dos Reis, </font><i><font>RLJ,</font></i><font> 76-286).</font> </p><p><font>O pedido consiste no direito à partilha ou à cessação da comunhão hereditária. A causa de pedir consiste na descrição dos bens que compõem a herança, na sua avaliação e adjudicação pelos vários herdeiros, com o fim de terminar a comunhão hereditária.</font> </p><p><font>Sendo assim, as questões que as recorrentes invocam tratar-se de factos não valorados pelo acórdão recorrido, suscetíveis, na sua perspetiva, de constituir uma omissão de pronúncia – os únicos interessados não licitantes não requeram a composição do seus quinhões, não reclamaram do mapa de partilha, nem recorreram da sentença e o apelante, cabeça de casal, é licitante no presente processo –&nbsp; não integram o objeto do processo definido pela petição inicial e são apenas argumentos, juízos ou razões que não se revestem da natureza de questão jurídica para o efeito de delimitar o objeto do processo e do recurso. </font> </p><p><font>Não se verifica, portanto, qualquer nulidade por omissão de pronúncia do acórdão recorrido.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>II – </font><i><font>Legitimidade do apelante para recorrer da sentença homologatória da partilha</font></i> </p><p><font> </font> </p><p><font>Têm legitimidade para recorrer, nos termos do art. 631.º do CPC, as pessoas direta e efetivamente prejudicadas pela decisão, ainda que não sejam partes na causa ou sejam apenas partes acessórias.</font> </p><p><font>A regra geral determina que só a parte principal que tenha ficado vencida na causa pode recorrer.</font> </p><p><font>Importa verificar em que medida a decisão de que se recorre é, ou não, objectivamente favorável ao recorrente (critério material).</font> </p><p><font>A legitimidade para recorrer afere-se pelo prejuízo que a decisão determina na esfera jurídica do recorrente.</font> </p><p><font>O </font><i><font>vencimento </font></i><font>ou o </font><i><font>decaimento</font></i><font> devem ser aferidos em face da pretensão formulada ou da posição assumida pela parte relativamente à questão que tenha sido objeto da decisão. É parte vencida aquela que é objetivamente afetada pela decisão, ou seja, a que não tenha obtido a decisão mais favorável aos seus interesses.</font> </p><p><font>O apelante, durante o processo, mostrou em vários momentos a sua oposição à adjudicação em compropriedade e a sua preferência pela venda em hasta pública dos bens não licitados. Tendo a sentença de 1.ª instância decidido pela adjudicação em comum de quotas de bens para composição dos quinhões dos herdeiros licitantes e não licitantes, foi desfavorável aos interesses manifestados pelo cabeça de casal, apelante, ora recorrido, pelo que, como parte vencida na 1.ª instância, tinha legitimidade para interpor recurso de apelação.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>III </font><i><font>– Adjudicação de bens não licitados, em compropriedade, sem consentimento dos interessados ou venda judicial</font></i> </p><p><font>&nbsp;</font> </p><p><b><font>1.</font></b><font> Aos presentes autos aplica-se o regime jurídico do processo de inventário para partilha de bens da herança constante dos arts. 1326.º a 1396.º do CPC, que posteriormente foi revogado pela Lei 29/09, de 29-06, a qual, por sua vez, foi revogada pela Lei 23/13, de 05-03, que manteve a revogação do regime jurídico do inventário constante do CPC (cfr. arts 84º e 86º, al. b) da Lei 29/09 e 6º, nºs 1e 2 e 7º da Lei 23/13).</font> </p><p><font>Pertencem, pois, ao Código de Processo Civil e àquele regime todas as normas adiante citadas sem outra menção.</font> </p><p><font>A sentença de 1.ª instância decidiu que os bens que não obtiveram licitações deverão “(…) ser adjudicados a todos os interessados em compropriedade, na proporção necessária ao integral preenchimento dos quinhões (os interessados licitantes, na exacta proporção em falta depois de considerados os bens por eles licitados, e os não licitantes, na proporção necessária ao preenchimento dos seus quinhões”.</font> </p><p><font>O acórdão recorrido revogou a sentença e ordenou a venda judicial dos bens não licitados e a atribuição do produto resultante da venda aos herdeiros na proporção necessária ao integral preenchimento dos seus quinhões, fundamentando esta decisão da seguinte forma:</font> </p><p><font>«No caso, resulta dos elementos que constam do ponto 1que foram licitados bens da mesma natureza dos bens não licitados (prédios rústicos e urbanos).</font> </p><p><font>Estamos, assim, no âmbito da previsão da 1ª parte da al. a) do artº 1374º, devendo, em princípio, tais bens ser adjudicados aos interessados não licitantes, em compropriedade, ainda que aqueles não estejam de acordo, a fim de evitar que sejam obrigados a pagar tornas, tal como acima expusemos. Assim se decidiu no despacho determinativo da partilha sob recurso.</font> </p><p><font>Sucede que os interessados não licitantes não só manifestaram a sua oposição a receberem os bens em compropriedade como requereram a venda dos mesmos e a adjudicação do respectivo produto aos interessados, para preenchimento dos seus quinhões, em conformidade com o disposto na 2ª parte da al. b) do artº 1374º.</font> </p><p><font>Da letra daquela norma resulta que a mesma se aplica aos casos em que não é possível preencher os quinhões dos não licitantes com bens da mesma natureza dos licitados.</font> </p><p><font>Já vimos que o princípio que subjaz às regras que determinam a forma de preenchimento dos quinhões é o de obter uma partilha justa e igualitária, possibilitando-se que a todos os interessados sejam atribuídos bens da mesma natureza, dessa forma se protegendo os direitos dos interessados economicamente mais débeis.</font> </p><p><font>Sendo assim, tem de se entender que a </font><i><font>ratio</font></i><font> da 2ª parte da al. b) é tão só a de impedir que o preenchimento dos quinhões dos interessados não licitantes seja feito com bens de natureza diferente, para que não se crie uma situação de desigualdade entre os interessados.</font> </p><p><font>E que não se visou, com aquela norma, impedir a venda e consequente preenchimento dos quinhões com o produto da mesma quando ocorre a situação prevista na 1ª parte da citada al. b), isto é, quando é possível preencher os quinhões com bens da mesma natureza.</font> </p><p><font>Do exposto concluímos que é possível aplicar a norma da 2ª parte da al. b) do artº 1374º à situação prevista na 1ª parte da mesma alínea.</font> </p><p><font>Essa aplicação tem, no entanto, como pressuposto o acordo de todos os interessados não licitantes. É imprescindível que todos eles manifestam a sua oposição à atribuição dos bens em compropriedade e a sua vontade de verem os seus quinhões preenchidos com o produto da venda dos mesmos.</font> </p><p><font>Já vimos que as normas que regem a forma de preenchimento dos quinhões visam proteger, em primeira mão, os interessados não licitantes.</font> </p><p><font>Daí decorre que, se os próprios titulares dos interesses protegidos pela norma da 1ª parte da al. b) do artº 1374º, prescindem do seu direito a receberem bens da herança e optam pelo recebimento de uma quantia em dinheiro, nenhum obstáculo há a que tal lhes seja concedido.</font> </p><p><font>Atente-se em que pela posição assumida pelos interessados não licitantes já se pode depreender qual será o destino que irão dar aos bens, caso os mesmos lhes venham a ser adjudicados em compropriedade: a instauração de uma acção de divisão de coisa comum que terá como consequência previsível a venda dos bens a terceiro (cfr. artº 929º, nº 2 do CPC, na redacção introduzida pela Lei 41/13, de 26.06).</font> </p><p><font>Assim, também por razões de economia processual, se nos afigura ser de permitir a venda dos bens já no processo de inventário.</font> </p><p><font>Por outro lado, a venda dos bens e a composição dos quinhões em dinheiro não afecta os direitos dos interessados não licitantes.</font> </p><p><font>Desde logo, não são eles os destinatários directos das normas da al. b) do artº 1374º e, além disso, ao não licitarem os bens, manifestaram a sua falta de interesse por eles e a sua indiferença em que os mesmos sejam adjudicados aos interessados não licitantes ou sejam vendidos.</font> </p><p><font>A solução que preconizamos permite alcançar uma partilha justa e igualitária, com respeito pelos direitos de todos os interessados, como é objectivo primordial do processo de inventário.</font> </p><p><font>No caso, já vimos que todos os interessados não licitantes manifestaram a sua oposição à atribuição dos bens não licitados em regime de compropriedade e a sua vontade de que os bens sejam vendidos e o produto da venda utilizado para preenchimento dos quinhões, pelo que se mostram preenchidos os pressupostos para a aplicação da norma da 2ª parte da al. b) do artº 1374º.</font> </p><p><font>Procede, assim, a apelação, devendo o despacho determinativo da partilha ser alterado nos termos pretendidos pelos apelantes.</font> </p><p><font>No segmento que transcrevemos no ponto 1 do acórdão, aquele despacho passa a ter a seguinte redacção:</font> </p><p><font>“(…) relativamente aos bens que não obtiveram licitações (verbas 58, 59 e 62), deverão os mesmos ser objecto de venda judicial, no âmbito dos presentes autos, após o que se procederá em conformidade à concretização das operações de partilha, atribuindo-se o produto resultante da venda (dinheiro) na proporção necessária ao integral preenchimento dos quinhões (os interessados licitantes, na exacta proporção em falta depois de considerados os bens por eles licitados, e os não licitantes, na proporção necessária ao preenchimento dos seus quinhões)”.</font> </p><p><font>Em consequência, terá de ser anulado o processado posterior que depende daquele despacho, designadamente, o mapa de partilha e a sentença homologatória de partilha».</font> </p><p><b><font>2.</font></b><font> Entendem as recorrentes que o apelante é herdeiro licitante, pelo que a qualificação da sua situação não pode ser subsumida na previsão do disposto na alínea b) do artigo 1374.º do CPC, não beneficiando o licitante da faculdade de exigir a composição em dinheiro.</font> </p><p><font>Por outro lado, os bens não licitados não são de natureza diferente da dos bens licitados, faltando assim os pressupostos para a aplicação do art. 1374.º, al. b), 2.ª parte.</font> </p><p><font>Os herdeiros não licitantes, GG e FF, segundo as recorrentes, nunca manifestaram qualquer oposição válida à adjudicação dos bens em compropriedade e não recorreram da sentença de partilha, pelo que tem de se concluir que aceitaram a adjudicação em compropriedade dos imóveis relacionados nas verbas n.º s 58, 50 e 62. Os restantes herdeiros licitantes, mas que não licitaram estes bens, CC e a recorrente DD, não se opuseram à adjudicação dos bens não licitados em compropriedade, afirmando a recorrente DD que não prescinde do direito de lhe ser atribuído bens da herança não licitados em compropriedade e que não dá o seu acordo à venda dos referidos bens.</font> </p><p><font>Invocam as recorrentes a favor da sua posição a orientação adotada no acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 27-09-2011 (proc. n.º 2519/06.0TBSTS.P1), no qual se sumariou o seguinte: </font> </p><p><font>«Os bens licitados são adjudicados às interessadas licitantes;</font> </p><p><font>Os bens não licitados são adjudicados a todos os interessados, em compropriedade, na proporção necessária ao integral preenchimento dos quinhões (as interessadas licitantes, na exacta proporção em falta depois de considerados os bens por elas licitados, e os não licitantes, na proporção necessária ao preenchimento do seu quinhão».</font> </p><p><b><font>3.</font></b><font> O processo de inventário, no essencial, é uma medida de proteção que se destina a evitar prejuízos e a distribuir equitativamente todo o património de uma herança, apurando a verdade para que a partilha seja efetuada com igualdade e justiça (STJ 26-10-1976, </font><i><font>BMJ</font></i><font> 260.º -113).</font> </p><p><font>O juiz deve conduzir o processo de inventário de modo a que a partilha venha a fazer-se em igualdade, sem benefício de uns interessados em detrimento de outros (STJ 03-11-1983, </font><i><font>BMJ</font></i><font> 331.º-441).</font> </p><p><font>Antes da partilha, os co-herdeiros de um património comum, adquirido por sucessão </font><i><font>mortis causa</font></i><font>, não são donos dos bens que integram o acervo hereditário, nem mesmo em regime de compropriedade, pois apenas são titulares de um direito sobre a herança (acervo de direitos e obrigações) que incide sobre uma quota ou fração da mesma para cada herdeiro, mas sem que se conheça quais os bens concretos que preenchem tal quota (cf. acórdão deste Supremo Tribunal, de 30-01-2013, proc. n.º 1100/11.7TBABT.E1.S1, relatado pelo Conselheiro Álvaro Rodrigues).</font> </p><p><font>É pela partilha (extrajudicial ou judicial e, neste caso, através do processo de inventário) que serão adjudicados os bens dessa universalidade que é a herança e que preencherão aquelas quotas.</font> </p><p><font>Por isso, se deve distinguir entre compropriedade e contitularidade do direito à herança, conforme acórdão deste Supremo Tribunal, de 04-02-1997, relatado pelo Conselheiro Silva Paixão, proc. n.º 453/96 - 1.ª Secção, onde se afirma o seguinte: «A compropriedade pressupõe um direito de propriedade comum sobre uma coisa ou bem concreto e individualizado, ao invés do que sucede na contitularidade do direito à herança que recai obre uma universalidade de bens, ignorando-se sobre qual ou quais deles o direito hereditário se concretizará».</font> </p><p><font>No mesmo sentido, Rabindranath Capelo de Sousa (Lições de Direito das Sucessões, p. 185) entende que: «Nos casos em que haja lugar à partilha da herança, segundo a opinião dominante, o domínio e posse sobre os bens em concreto da herança só se efectivam após a partilha, uma vez que até aí a herança constitui um património autónomo nada mais tendo os herdeiros do que o direito a uma quota parte do património hereditário». Por sua vez, Pereira Coelho escreveu nas sua obra de Direito das Sucessões que a herança «Não se trata uma vulgar compropriedade entendida como participação na propriedade de bens concretos e determinados. Pelo contrário, contitularidade do direito à herança significa tanto como um direito a uma parte ideal, não de cada um dos bens de que se compõe a herança, mas sim da própria herança em si mesma considerada» (Pereira Coelho, </font><i><font>Direito das Sucessões</font></i><font>, 2ª ed. 1966-1967).</font> </p><p><font>Não se pode, contudo, deixar de reconhecer que, quer a partilha da herança, quer a ação de divisão de coisa comum têm objetivos semelhantes, que embora sejam distintos em termos de enquadramento conceitual, como vimos, se aproximam nos seus efeitos práticos, enquanto modos de divisão do património. Cada herdeiro tem o direito de exigir a partilha quando lhe aprouver. Neste aspeto, conforme salientam Pires de Lima/Antunes Varela (</font><i><font>Código Civil Anotado,</font></i><font> Volume VI, 1998, pp. 164-165), a partilha referida no art. 2101.º «(…) deve aproximar-se do </font><i><font>direito à divisão da coisa comum,</font></i><font> regulado no art. 1412.º. As soluções consagradas no n.º 2 do art. 2101.º, quanto às </font><i><font>limitações</font></i><font> legalmente permitidas ao direito de partilhar, coincidem com as estabelecidas nos n.ºs 2 e 3 do artigo 1412.º, salvo no que respeita ao registo, que no caso da herança indivisa não é exigido para a cláusula produzir efeitos em relação a terceiros.</font> </p><p><font>A proibição da cláusula </font><i><font>perpétua </font></i><font>ou </font><i><font>absoluta </font></i><font>de indivisão resulta, como se sabe, do </font><i><font>interesse público</font></i><font> da norma que concede a qualquer dos interessados o direito de sair da comunhão hereditária».</font> </p><p><font>Feita a clarificação conceitual acima exposta, a partilha realiza-se de acordo com as regras do art. 1374.º, que passamos a descrever.</font> </p><p><font>No que respeita ao preenchimento dos quinhões de interessados no processo de inventário e partilha, a regra é a de os bens licitados serem adjudicados aos respetivos licitantes, sendo atribuídos aos não licitantes, quando possível, bens da mesma espécie e natureza dos licitados - art. 1374º, a) e b).</font> </p><p><font>O regime legal tem como objetivo uma partilha igualitária e justa, com o equilíbrio possível entre os bens destinados a preencher cada um dos quinhões.</font> </p><p><font>No caso vertente, está em causa a interpretação e aplicação da norma do art. 1374.º, de acordo com a qual se procede ao preenchimento das quotas.</font> </p><p><font>De acordo com o princípio estabelecido no art. 1374.º, al. a) aos licitantes adjudicam-se os bens licitados.</font> </p><p><font>Relativamente aos não licitantes, «a lei ateve-se ao respeito por um princípio igualitário que visa fazer participar cada um dos interessados em tudo quanto constitui o acervo do património indiviso, sejam bens valiosos e de venda fácil, ou bens de valor duvidoso» (Lopes Cardoso, </font><i><font>Partilhas Judiciais,</font></i><font> </font><i><font>ob. cit.,</font></i><font> p. 465).</font> </p><p><font>Segundo o autor, a existência de bens da mesma espécie e natureza dos licitados e a possibilidade da atribuição deles aos não licitantes dita o procedimento a seguir. </font> </p><p><font>Se é possível tal atribuição, a ela se procederá. </font> </p><p><font>Se não é possível, inteiram-se os não licitantes em outros bens da herança, mas se estes forem de natureza diferente dos bens licitados, os não licitantes podem exigir a composição em dinheiro, vendendo-se em hasta os necessários para obter as devidas quantias (al. b) do art. 1374.º).</font> </p><p><font>Segundo jurisprudência da década de 70 (acórdão da Relação de Lisboa, de 26-7-1972), conforme informa Lopes Cardoso, o direito à exigência da composição em dinheiro, a realizar pela venda em hasta pública, deve ser restringido, mesmo que requerido pelo herdeiro não licitante, em relação a bem não licitado, devendo o juiz indeferir tal venda e ordenar que aos credores das tornas seja atribuída uma fração correspondente do mesmo imóvel, de modo a evitar, por um lado, tornas elevadas, e por outro, a venda do imóvel (cf. Lopes Cardoso, </font><i><font>Partilhas Judiciais</font></i><font>, vol. II, 1990,</font><i><font> </font></i><font>p. 466). Afirma o autor que «Não repugna que, por determinação judicial, se estabeleça compropriedade entre os interessados, designadamente
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font> <p><font>Acordam na 1.ª Secção Cível do Supremo Tribunal de Justiça:</font> </p><p><font> </font> </p><p><b><font> </font></b> </p><p><b><font>I. Relatório</font></b> </p><p><font> </font> </p><p><font>No Tribunal Judicial de Mira,</font><b><font>AA, </font></b><font>casado no regime da separação de bens com BB, natural de França e de nacionalidade francesa, residente em ... França e, quando em Portugal, na Rua ..., no Troviscal, e </font><b><font>CC- Sociedade Gestora de Participações Sociais, Lda., </font></b><font>NIPC ..., sociedade gestora de participações sociais sob a forma de sociedade comercial por quotas, matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Oliveira do Bairro e com sede na Rua ..., Zona Industrial, Oliveira do Bairro, vieram instaurar contra </font><b><font>DD e </font></b><font>EE, casados sob o regime da comunhão de adquiridos; FF, solteiro, maior; </font><b><font>GG,</font></b><font> solteira, maior; todos residentes na ..., na vila e concelho de Mira, e HH – </font><b><font>Sociedade de Desenvolvimento e Investimento, SA,</font></b><font> sociedade anónima com o NIPC ..., com sede no lugar do ..., ..., Alcanena, acção declarativa de condenação, a seguir a forma ordinária do processo comum, pedindo a final que, na procedência da acção:</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>“a) Seja declarada a anulação do contrato de venda de acções celebrado entre o autor, na sua qualidade de legal representante da segunda autora, e os réus DD e EE, sendo a primeira também na qualidade de procuradora e em representação dos filhos, ora 3.º e 4.º réus, titulado pela escritura pública de 16 de Novembro de 2009, outorgada no Cartório Notarial de Cantanhede, exarada de fls. 109 a fls. 111 verso do livro de notas para escrituras diversas número 160-A; </font> </p><p><font>b) Seja declarada a anulação do contrato de renúncia de usufruto, cessão de quota, unificação de quotas e alteração parcial de pacto social, no qual intervieram a primeira ré, DD, a quinta ré, ITMI e o autor AA, titulado pela escritura pública de 16 de Novembro de 2009, outorgada no Cartório Notarial de Cantanhede, exarada de fls. 104 a fls. 108 verso do livro de notas para escrituras diversas número 160-A; </font> </p><p><font>c) Sejam as partes contratantes condenadas a repetir o que cada uma tiver prestado, no âmbito de cada um daqueles mesmos contratos, concretamente: i. Os quatro primeiros réus deverão devolver à segunda autora a quantia de € 3.400.000,00 que esta lhes entregou, a título de preço da compra e venda de acções da sociedade II, acrescida de juros de mora à taxa legal de 4% ao ano, a contar da data de entrega de cada uma das prestações do preço e que, nesta data, ascendem a € 99.879,45, e dos juros vincendos até integral pagamento; ii. A segunda autora deverá entregar aos quatro primeiros réus as acções que cada um deles lhe transmitiu, bem como a gestão da sociedade II; iii. A primeira e o segundo réus deverão devolver ao primeiro autor a quantia de € 148.000,00 que este lhes pagou, a título de preço da cessão de quota da sociedade JJ, Lda. acrescida de juros de mora à taxa legal de 4% ao ano, a contar da data de entrega do dito montante e que, nesta data, ascendem a € 5.644,27 e dos juros vincendos até integral pagamento; iv. O primeiro autor deverá entregar aos dois primeiros réus a quota recebida e a gestão da sociedade JJ; v. A quinta ré, ITMI, ser condenada a devolver ao primeiro autor a quantia de € 41.600,00 a que se refere o artigo 46.º da petição inicial, concretamente, o preço pago pela aquisição de 80% do usufruto da quota do valor nominal de € 52.000,00 que a mesma quinta ré detém no capital da JJ, Lda., acrescida de juros de mora à taxa legal de 4% ao ano, a contar da data de entrega do dito montante e que, nesta data, ascendem a € 1.659,44, e dos juros vincendos até integral pagamento; </font> </p><p><font>d) Sejam os quatro primeiros réus condenados, de forma solidária, a pagar ao autor AA a quantia de € 5.334,75 a título de danos patrimoniais sofridos, acrescida de juros de mora à taxa legal de 4% ao ano, a contar da citação até integral pagamento; </font> </p><p><font>e) Sejam os quatro primeiros réus condenados, de forma solidária, a pagar ao autor AA a quantia de € 250.000,00, a título de danos morais sofridos, acrescida de juros de mora à taxa legal de 4% ao ano, a contar da citação até integral pagamento; </font> </p><p><font>f) Sejam os quatro primeiros réus condenados, de forma solidária, a pagar à autora CC a quantia de € 77.648,76, a título de danos patrimoniais sofridos, acrescida de juros de mora à taxa legal de 4% ao ano, a contar da citação até integral pagamento e, ainda, a acrescer, os valores que a autor haja de pagar a título de custos com a operação de financiamento, taxas de justiça com a presente acção e respectivos honorários de advogado, a liquidar em execução de sentença; </font> </p><p><font>Subsidiariamente, e sem conceder quanto ao pedido principal, pedem:</font> </p><p><font>f) Sejam os quatro primeiros réus, solidariamente, condenados a pagar à sociedade II uma indemnização, correspondente ao denominado prejuízo bruto sofrido, de montante equivalente aos valores que esta mesma sociedade vier a pagar em resultado da acção inspectiva da Administração Fiscal, em sede de IRC, IVA, juros compensatórios e juros moratórios, coimas e sanção penal pelo ilícito criminal de fraude fiscal, indiciado pelo processo de inquérito em curso acima deduzido, tudo a liquidar em execução de sentença; </font> </p><p><font>h) Sejam os quatro primeiros réus condenados a pagar à autora CC a quantia de € 1.900.000,00 a título de indemnização correspondente à redução do preço de aquisição das acções da sociedade II, acrescida de juros de mora, a computar à taxa legal, a contar da data da citação até integral pagamento, respondendo, em tal indemnização, a 1.ª e 2.º RR, pela quantia de € 1.896.151.94 e os 3.º e 4.ª RR, cada um deles, pelo montante de € 1 924,03”.</font> </p><p><font>Em fundamento alegaram, em síntese, que em Maio de 2009, o autor AA reuniu com os réus DD e EE, iniciando com estes negociações com vista à compra do LL de Oliveira do Bairro, a qual se veio a concretizar através das escrituras de compra e venda e de renúncia ao usufruto melhor identificadas na petição inicial, outorgadas em 16 de Novembro de 2009.&nbsp; </font> </p><p><font>Todavia, em contrário do declarado pelos 1.ºs RR na preparação do negócio, em Maio de 2010, o autor AA, na sua qualidade de administrador da II, SA veio a ter conhecimento de uma dívida fiscal, relativa a IRC do exercício de 2005, no montante de € 102.276,81, por meio do ofício n.º 8404568, datado de 14 de Maio de 2010, da Direcção de Finanças de Aveiro, que remeteu à primeira R. DD em 31 de Maio. Tal liquidação de imposto, bem como as demais que identifica, derivaram de acções de inspecção tributária, decorrentes da abertura do processo de inquérito número 93/08.2lDAVR, no âmbito do qual foram emitidos, em Março de 2009, mandados de busca e apreensão à sociedade II, entre outras, dos quatro primeiros RR., por indícios de facturação falsa e operações simuladas com o fornecedor MM e, ainda, operações de busca nas instalações de Alcanena da quinta R., em 18 de Dezembro de 2009. Tais factos foram deliberadamente ocultados pelos réus, que nunca informaram o primeiro demandante da pendência de um processo fiscal, cuja existência bem conheciam, não tendo sido provisionada nas contas da II qualquer verba ou quantia a título de contingências fiscais. Afirmando que se tivesse sabido, até ao momento da formalização e assinatura das escrituras referidas, da pendência do processo criminal e contingências fiscais que daí decorreriam, relativas às liquidações adicionais e correctivas de impostos - IRC e IVA -, e eventuais consequências penais para a sociedade, nunca teria outorgado as referidas escrituras, facto de que os réus estavam cientes.</font> </p><p><font>Com fundamento na existência de erro-vício sobre os motivos determinantes da vontade em contratar, concluem os Autores pela anulabilidade dos negócios celebrados, consoante dispõe o art.º 252.º, n.º 1 do Código Civil, anulação que por esta via pretendem seja decretada. </font> </p><p><font>Mais alegaram que, em resultado da acção inspectiva da Administração Fiscal, das liquidações adicionais de impostos e da imputação de fraude fiscal à insígnia LL de Oliveira do Bairro, o valor da sociedade II diminuiu e, consequentemente, sofreu também variação negativa o valor das acções detidas pela autora CC, SGPS sendo que o volume de negócios desta diminuiu 9,80% em 2009, relativamente ao volume de negócios de 2008, o que constitui um prejuízo relevante. </font> </p><p><font>Os factos relatados vêm causando ao primeiro autor, de forma ininterrupta e desde Maio de 2010, consternação, angústias e preocupações, dano relevante merecedor da tutela do direito, tendo ainda demandado a realização de várias despesas, cujo ressarcimento também reclama.</font> </p><p><font>&nbsp;</font> </p><p><font>Regularmente citados, os réus deduziram contestação, pugnando pela improcedência da acção, tendo os quatro primeiros RR invocado ainda a excepção de preterição de Tribunal arbitral voluntário. </font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Notificados, os autores apresentaram réplica, pugnando pela improcedência da referida excepção.</font> </p><p><font>&nbsp;</font> </p><p><font>Dispensada a realização da audiência preliminar, foi proferido despacho saneador, no qual foi julgada improcedente a referida excepção.</font> </p><p><font>&nbsp;</font> </p><p><font>Fixado o valor da causa, procedeu-se à selecção da matéria de facto, por meio da qual foram especificados os factos assentes e elencados aqueles que, por controvertidos e relevantes para a decisão da causa, ficaram a constar da base instrutória.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Realizado o julgamento, veio o Tribunal a decidir a matéria de facto nos termos da decisão constante de fls. 1143-1153, sem reclamações.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Na devida oportunidade foi proferida sentença que, na total improcedência da acção, decretou a absolvição de todos os RR dos pedidos formulados.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Irresignados, os autores interpuseram recurso de apelação, abrangendo matéria de facto e matéria de direito.</font> </p><p><font>&nbsp;</font> </p><p><font>O Tribunal da Relação de Coimbra julgou parcialmente procedente o recurso interposto pelo autor, AA, e condenou os RR DD, EE, FF e GG a pagar àquele demandante, a título de indemnização por danos de natureza não patrimonial, a quantia de € 15 000,00 (quinze mil euros), acrescida dos juros que se vencerem desde a data da presente decisão e vincendos até integral pagamento, contados à taxa supletiva legal, no mais se mantendo a decisão recorrida.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Inconformados recorrem de revista os autores, apresentando as conclusões exaradas a fls. 1609 e 1610, que aqui se dão por integralmente reproduzidas.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Os Réus contra-alegaram, pugnando pela manutenção do decidido.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões das recorrentes, nos termos do disposto nos artigos 684.º, n.º 3, e 685.º-A, n.º 1, do Código de Processo Civil, não sendo lícito ao tribunal </font><i><font>ad quem</font></i><font> conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso, a única questão a decidir é o montante da indemnização por danos não patrimoniais decorrentes da violação, pelos réus, dos deveres de informação e de boa fé nas negociações.&nbsp;&nbsp;&nbsp; </font> </p><p><font>&nbsp; </font> </p><p><font>Colhidos os vistos, cumpre decidir.</font> </p><p><font> </font> </p><p><b><font> II - Fundamentação de facto</font></b> </p><p><b><font> </font></b> </p><p><font>Foi esta a matéria de facto fixada pelas instâncias:</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>A. O autor AA é aderente do Grupo Empresarial LL, desde Setembro de 1991 (al. A).</font> </p><p><font>B. E explorou, sucessivamente, em França, dois supermercados com aquela insígnia, respectivamente, em Sane d’Aude, junto a Narbonne (Setembro de 1993 a finais de Fevereiro de 2000) e Villeneuve Loubet, junto a Nice (adquirido em Março de 2000) (al. B).</font> </p><p><font>C. Em Maio de 2009, o autor AA reuniu-se com os réus DD e EE, iniciando, com estes, negociações, com vista à compra do LL de Oliveira do Bairro (al. C).</font> </p><p><font>D. O LL de Oliveira do Bairro era e é um estabelecimento comercial de supermercado, instalado e a funcionar na Zona Industrial de Oliveira do Bairro, sendo detido pela sociedade anónima II -Supermercados, S.A., NIPC 504033778, com o capital social de € 109.750, representado por 21.950 acções ao portador, do valor nominal de € 5 cada uma (al. D).</font> </p><p><font>E. O capital social da II encontrava-se distribuído da seguinte forma: - a ré DD detinha 19695 acções; -os réus EE, FF e GG eram detentores de 20 acções cada um; a ré ITMI detinha 2195 acções (al. E).</font> </p><p><font>F. O LL de Oliveira do Bairro encontra-se instalado no prédio urbano sito na freguesia de Oliveira do Bairro, inscrito na matriz sob o artigo 2950 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Oliveira do Bairro sob o nº 4507 (al. F).</font> </p><p><font>G. No registo predial constam, como inscrições no prédio referido em F), sucessivamente: pela Ap. 14, de 2001/06/29, o direito de superfície, pelo prazo de trinta anos e com início em 10/08/1998 a favor da II – Supermercados, Lda.; pela Ap. 836, de 2009/01/16, a aquisição a favor da sociedade JJ – Sociedade de Gestão Imobiliária, Lda., por compra (al. G).</font> </p><p><font>H. As negociações referidas em C) decorreram entre Maio e finais de Outubro de 2009 (resposta ao art.º 1.º).</font> </p><p><font>I. Em 12 de Outubro de 2009, os réus EE, DD, FF e GG e o autor AA subscreveram o documento intitulado “Contrato Promessa de Compra e Venda de Valores Mobiliários, de Cessão de Quotas e de Transmissão de Usufrutos”, do qual consta, designadamente, o seguinte (cf. doc. de fls. 82, que aqui se dá por integralmente reproduzido) (al. H):</font> </p><p><i><font>“PRIMEIROS OUTORGANTES: EE e mulher DD (…)</font></i> </p><p><i><font>SEGUNDO OUTORGANTE: FF (…)</font></i> </p><p><i><font>TERCEIRO OUTORGANTE: GG (…)</font></i> </p><p><i><font>Proprietários conjuntos da totalidade das acções constituintes do capital social da sociedade </font></i> </p><p><i><font>«II supermercados SA», com excepção da acção pertencentes à sociedade ITMI SA, agindo conjuntamente, solidariamente e indivisamente; DD, sendo igualmente proprietária de 74% da total propriedade do capital social da sociedade «JJ – sociedade de gestão Imobiliária, Lda.» e do usufruto de 80% das quotas remanescentes, correspondentes a 26% do capital da mesma sociedade. </font></i> </p><p><i><font>E </font></i> </p><p><i><font>QUARTO OUTORGANTE: AA (…) </font></i> </p><p><i><font>Agindo tanto em seu nome como em nome de uma sociedade «Holding» que tenciona constituir e da qual terá posse da maior parte do capital, juntamente com a sua mulher, e na qual assumirá as funções de dirigente. (…) </font></i> </p><p><i><font>Cláusula Primeira </font></i> </p><p><i><font>1 – Pelo presente contrato, a Primeira Outorgante, mulher, promete vender as quotas de que é titular e os usufrutos de que beneficia na sociedade « JJ sociedade de Gestão imobiliária LDA » ao Quarto Outorgante, que promete, adquirir. </font></i> </p><p><i><font>(…) </font></i> </p><p><i><font>Cláusula Quinta </font></i> </p><p><i><font>1– a) Pelo presente contrato, os Primeiros, Segundo e Terceira Outorgantes prometem vender ao Quarto Outorgante que promete adquirir, ou a quem este indicar, as participações sociais que detêm na já identificada sociedade “II supermercados, S A”, constituindo a totalidade do capital, à excepção das acções detidas pela sociedade ITMI SA, por um preço total de 3.400.000,00 euros (três milhões e quatrocentos mil Euros); (…)” </font></i> </p><p><font>J. A partir da data referida em I) o autor AA iniciou contactos com o Banco Espírito Santo, com vista à obtenção do financiamento da aquisição (al. I). </font> </p><p><font>K. Os aderentes do Grupo LL acordam, aquando da previsão de mudança de titularidade de algum estabelecimento ou ponto de venda, em reunirem-se, comprador e ITMI, naquilo que é designado por “Comission de Reprise” (Comissão de Retoma) (resposta ao art.º 2.º).</font> </p><p><font>L. A Comissão de Retoma consiste numa reunião entre a parte compradora e a ré ITMI, a fim de analisarem os elementos essenciais da transacção, o respectivo preço e as condições de solvabilidade do adquirente, devendo a ITMI validar, sendo caso disso, o negócio em presença (resposta ao art.º 3.º).</font> </p><p><font>M. A referida Comissão de Retoma teve lugar entre o autor e a ré ITMI, sem qualquer intervenção dos vendedores, dela tendo resultado a elaboração do documento Comissão de Retoma Postos de Abastecimento (cf. fls. 96), datado de 3 de Novembro de 2009, e o documento Comissão de Retoma – SGPS, datado de 4 de Novembro de 2009 (cf. fls. 144), cujos mapas e documentos anexos foram elaborados pelo autor, que recolheu a informação que deles consta junto do vendedor (resposta ao art.º 4.º).</font> </p><p><font>N. Na sequência do referido em I), o autor constituiu, em 5 de Novembro de 2009, com a sua mulher BB e a quinta ré ITMI, a sociedade segunda autora, denominada CC – Sociedade Gestora de Participações Sociais, Lda., com o capital social de 200.000,00 euros, dividido em três quotas, sendo uma do valor nominal de 150.000 euros, do autor, outra do valor nominal de 30.000 euros, da sua referida consorte, e a terceira de 20.000 euros, da ITMI (al. J).</font> </p><p><font>O. A detenção de 10% do capital por parte da ITMI constitui regra do grupo LL, representado em Portugal pela mesma ITMI (al. K).</font> </p><p><font>P. Em 16 de Novembro de 2009, a autora CC, SGPS, S.A. e a ré DD subscreveram o documento intitulado </font><i><font>“Protocolo de Acordo de Cessão de Acções”</font></i><font>, do qual consta, designadamente, o seguinte (cfr. doc. de fls. 210, que aqui se dá por integralmente reproduzido):</font> </p><p><i><font>“As referidas contas dão uma imagem fiel e completa da situação patrimonial, tanto activa como passiva, e do resultado da Sociedade. (…) Não existe qualquer acção, processo, reclamação ou inquérito em curso, ou eminente, contra a Sociedade, no que respeita a todo o tipo de impostos, nem qualquer prazo ou prorrogação de prazo para uma tributação ou penalidade. (…) A Sociedade não é actualmente parte, quer como requerente, quer como requerida, de qualquer processo, acção de responsabilidade, contencioso, litígio, nem de qualquer arbitragem, nomeadamente, referente a produtos fabricados ou distribuídos pela Sociedade, em matéria social, comercial ou fiscal. Ao conhecimento do Vendedor, nenhum processo, nenhuma acção ou nenhuma reclamação de qualquer natureza que seja, está preste a ser iniciada, quer pela Sociedade, quer contra a Sociedade ou contra uma pessoa cujos comportamentos são susceptíveis de implicar a responsabilidade da Sociedade. O Vendedor não tem conhecimento de nenhum facto susceptível de causar sanções penais à Sociedade. (…) Esta situação contabilística, que fornecerá uma imagem fiel e completa da situação da sociedade, será estabelecida segundo os princípios e regras contabilísticas habituais da profissão aplicável até ao 15 de Novembro de 2009 (…) O passivo incluirá todas as somas devidas a terceiros e a accionistas, independentemente de as dívidas serem superiores ou inferiores a dois anos. (…) Os litígios em curso ou em instância, serão provisionados conforme acordo entre as partes. De igual modo, serão provisionados todos os litígios sucedidos entre a transferência de propriedade e o encerramento do balanço imputáveis à gestão do Vendedor. (…) A situação contabilística em forma de balanço encerrado no dia da realização da cessão, tal como indicado anteriormente, será certificada sincera e verdadeira pelo Vendedor, caso seja encerrada sem desacordo persistente. (…)”</font></i><font> (al. L)</font><i><font>.</font></i> </p><p><font>Q. Por escritura celebrada em 16 de Novembro de 2009, no Cartório Notarial de Cantanhede, entre a R. DD e o R. EE (sendo a R. DD por si e na qualidade de procuradora dos RR. FF e GG ) e o A. AA, em representação da sociedade CC – Sociedade Gestora de Participações Sociais, Lda., os outorgantes declararam o seguinte (cf. documento de fls. 235, que aqui se dá por integralmente reproduzido): </font> </p><p><i><font>“Pelos primeiros outorgantes DD e marido EE, foi dito (…) que, pela presente escritura, vendem à sociedade “CC-SOCIEDADE GESTORA DE PARTICIPAÇÕES SOCIAIS, LDA”, que o segundo outorgante representa, dezanove mil seiscentos noventa e cinco acções, de que ela é titular e vinte acções de que ele é titular na sociedade “II-SUPERMERCADOS, SA” (…) </font></i> </p><p><i><font>Que as referidas acções são cedidos pelo valor de três milhões trezentos noventa e três mil cento e catorze euros, que já receberam da representada do segundo outorgante e de que dão quitação. </font></i> </p><p><i><font>Pela presente escritura, a primeira outorgante, DD na qualidade de procuradora de FF e de GG, cede pelo valor total de seis mil oitocentos oitenta e seis euros, também à sociedade “CC SOCIEDADE GESTORA DE PARTICIPAÇÕES SOCIAIS, LDA”, que o segundo outorgante representa, quarenta acções, de que os seus representados são titulares cada um de vinte acções, recebendo cada um a importância de três mil quatrocentos quarenta e três euros, que primeira outorgante na qualidade de procuradora declara que já receberam e que dão quitação. (…) </font></i> </p><p><i><font>As transmissões de acções agora realizadas são feitas livres de quaisquer ónus, encargos ou outras responsabilidades e são transmitidas com todos os direitos e deveres. </font></i> </p><p><i><font>Que aquele valor de três milhões e quatrocentos mil euros, corresponde ao acordado tendo como base a clientela e os activos corpóreos e incorpóreos e que será corrigido pelos valores previstos na cláusula seguinte, conforme balanço à data de quinze de Novembro corrente. (…) </font></i> </p><p><i><font>Todos os valores referidos activos e passivos a ajustar ao preço de três milhões e quatrocentos mil euros nos termos acima referidos, serão os constantes de um balanço reportado a quinze de Novembro de dois mil e nove, devidamente certificado pelo Revisor oficial de Contas da sociedade. </font></i> </p><p><i><font>Que a quantia de três milhões e quatrocentos mil euros já foram por eles recebidos e o restante positivo ou negativo que resulta das correcções do balanço de quinze de Novembro corrente, será liquidado trinta dias após a execução do balanço que deverá estar concluído e certificado dentro de trinta dias. </font></i> </p><p><i><font>Pelo segundo outorganteAA foi dito que aceita para a sua representada “CC - SOCIEDADE GESTORA DE PARTICIPAÇÕES SOCIAIS, LD A”, a compra das referidas acções nos exarados termos” </font></i><font>(al. M)</font><i><font>. </font></i> </p><p><font>R. Por escritura celebrada em 16 de Novembro de 2009, no Cartório Notarial de Cantanhede, entre a ré DD e o réu EE, por si e em representação da sociedade JJ – Sociedade de Gestão Imobiliária, Lda., NN, em representação da sociedade HH – Sociedade de Desenvolvimento e Investimento, S.A., e o autor AA, os outorgantes declararam o seguinte (cf. documento de fls. 259, que aqui se dá por integralmente reproduzido): </font> </p><p><i><font>“Que, a outorgante DD, pela presente escritura, para todos os efeitos de direito, renuncia ao usufruto que lhe pertence e constituído pelo prazo de trinta anos com início em três de agosto de dois mil e sete e em vinte e nove de Dezembro de dois mil e oito, respectivamente, relativamente aos seguintes bens: a) Em oitenta por cento das duas quotas, uma no valor nominal de trinta e dois mil euros, pelo preço de vinte e cinco mil e seiscentos euros, registado o usufruto favor DD e a raiz ou nua propriedade a favor da HH -Sociedade de Desenvolvimento e Investimento, SA (…). –outra quota de valor nominal de vinte mil euros pelo preço de dezasseis mil euros, registado o usufruto a favor da outorgante DD e a raiz ou nua propriedade a favor da HH- Sociedade de Desenvolvimento e Investimento, SA, valores esses que por ela já foram recebidos e que dá quitação.(…) </font></i> </p><p><i><font>Pela terceira outorgante Dr.ª NN foi dito que aceita para a sua representada “HH -Sociedade de Desenvolvimento e Investimento, SA a presente renúncia nos termos exarados; </font></i> </p><p><i><font>Que pela presente escritura, os primeiros outorgantes DD e o marido EE, devidamente autorizados cedem a referida quota no valor nominal de cento e quarenta e oito mil euros de que ela é titular na referida sociedade “JJ -SOCIEDADE DE GESTÃO IMOBILIÁRIO, LDA ao segundo outorganteAA, pelo preço igual ao seu valor nominal de cento e quarenta e oito mil euros que já receberam e de que dão quitação. </font></i> </p><p><i><font>Que esta cessão é feita com todos os direitos e obrigações e com renúncia à gerência da referida sociedade JJ -SOCIEDADE DE IMOBILIÁRIO, LDA pela sócia DD, que nela tem vindo a exercer. </font></i> </p><p><i><font>Pelo terceiro outorganteAA foi dito que aceita a presente cessão nos termos exarados: </font></i> </p><p><i><font>Os primeiros outorgantes comprometem-se:-1-Os referidos DD e marido EE comprometem-se e irrevogavelmente, inclusive, a suportar e responder por todas as dívidas decorrentes da segurança social, de carácter fiscal, de mútuos ou simples adiantamentos após de quaisquer valores a qualquer entidade ou pessoa, singular ou colectiva, todas fundamentadas em omissão, erro, dolo ou simples negligência, relativas ao período da sua respectiva gerência exercida por DD até à data da presente cessão, que não constem da escrituração da “JJ -SOCIEDADE DE GESTÃO IMOBILIÁRIO, LDA, efectuada, até data da sua renúncia de gerência, ou dela conste sem se encontrarem, devidamente documentadas. </font></i> </p><p><i><font>2- O presente compromisso estende-se a quaisquer despesas, direitos, honorários e multas e eventuais créditos de trabalhadores da sociedade “JJ – SOCIEDADE DE GESTÃO IMOBILIÁRIO, LDA, seja qual for a sua natureza, abrangendo também outros compromissos não reflectidos na escrituração da sociedade, tais como cauções, penhores, hipotecas e avais dados pela mesma sociedade. (…) </font></i> </p><p><i><font>O presente compromisso, prestado pelo prazo máximo de cinco anos, é estabelecido em benefício do terceiro outorgante, bem como de quaisquer outras pessoas, singulares ou colectivas, a quem este transmita as quotas objecto de cessão do presente contrato. </font></i> </p><p><i><font>E pelo segundo outorganteAA foi dito que aceita a respectiva cessão de quota nos termos exarados.(…) </font></i> </p><p><i><font>3- A primeira outorgante declara que a sociedade não tem dívidas perante o fisco nem perante a Segurança Social. (…) </font></i> </p><p><i><font>Que sendo agora a sociedade HH -SOCIEDADE DE DESENVOLVIMENTO lNVESTIMENTO, SA, representada pelo segunda outorgante e o terceiro outorganteAA, os únicos sócios da sociedade “JJ – SOCIEDADE DE GESTÃO IMOBILIÁRIO, LDA, deliberam o seguinte: a) Nomear gerente da referida sociedade o terceiro outorganteAA, para o quadriénio em curso” </font></i><font>(al. N).</font> </p><p><font>S. Em 16 de Novembro de 2009, a autora CC, SGPS, S.A. e a ré DD subscreveram o documento intitulado “Garantia de Activo e Passivo”, do qual consta, designadamente, o seguinte (cf. doc. de fls. 287, que aqui se dá por integralmente reproduzido):</font> </p><p><i><font>“As referidas contas dão uma imagem fiel e completa da situação patrimonial, tanto activa como passiva, e do resultado da Sociedade. (…) Não existe qualquer acção, processo, reclamação ou inquérito em curso, ou eminente, contra a Sociedade, no que respeita a todo o tipo de impostos, nem qualquer prazo ou prorrogação de prazo para uma tributação ou penalidade. (…) A Sociedade não é actualmente parte, quer como requerente, quer como requerida, de qualquer processo, acção de responsabilidade, contencioso, litígio, nem de qualquer arbitragem, nomeadamente, referente a produtos fabricados ou distribuídos pela Sociedade, em matéria social, comercial ou fiscal. Ao conhecimento do Vendedor, nenhum processo, nenhuma acção ou nenhuma reclamação de qualquer natureza que seja, está prestes a ser iniciada, quer pela Sociedade, quer contra a Sociedade ou contra uma pessoa cujos comportamentos são susceptíveis de implicar a responsabilidade da Sociedade. O Vendedor não tem conhecimento de nenhum facto susceptível de causar sanções penais à Sociedade. (…) O Vendedor concede de forma irrevogável ao Comprador uma garantia de activo e passivo com base no balanço de cessão. O Vendedor garante, assim, todas as rubricas de activo e passivo da Sociedade, tais como se apresentarão no balanço de cessão, após acordo das partes. (…) O Vendedor dá garantias ao comprador contra qualquer novo passivo ou qualquer redução de activo que não conste no balanço de cessão, desde que esse novo passivo ou esta redução de activo tenha a sua causa nos factos e circunstâncias anteriores à data da cessão, ou devido a um ato efectuado ou omitido em violação ou em contradição com as declarações estipuladas no artigo 1°.(…) O Vendedor garante ao comprador, nos termos e condições a seguir referidos, a exactidão das contas de activo e passivo que serão encerradas em 15 de Novembro de 2009, tais como resultarão do balanço encerrado nessa data e no qual deverão constar todo o passivo que possa estar em dívida a terceiros, a qualquer título, assim como quaisquer provisões eventualmente necessárias ou para depreciação de rubrica de elementos do activo (...) Qualquer passivo não declarado mas existente no dia da cessão assim como qualquer passivo que tenha uma causa anterior a esta data e que se revelaria posteriormente, será de acordo expresso entre as partes, suportado pelo Vendedor, tal como é dito no que se segue. Fica, designadamente, garantido pelos presentes, o passivo que possa resultar da execução de compromissos fora do balanço, tais como cauções e garantias dadas pela Sociedade, de dívidas não registadas no balanço e não provisionadas, ou ser o resultado de recuperações efectuadas pela Administração Fiscal ou social que resultem, ou não, de uma verificação à Sociedade (…) O Vendedor dá garantias ao Comprador contra qualquer redução de activo, desde que esta tenha a sua causa e circunstâncias anteriores ao dia 15 de Novembro de 2009, ou devido a um ato efectuado ou omitido em violação ou em contradição com as declarações anteriormente estipuladas (…) No caso em que surgir um novo passivo ou uma redução do activo, o Vendedor compromete-se de forma irrevogável a pagar ao beneficiário, quer um montante igual à redução do valor dos títulos da sociedade, caso de trate do Comprador, quer o montante do prejuízo bruto, caso se trate da sociedade (abaixo designado por “prejuízo indemnizável”) (…) A indemnização consistirá numa redução do preço das acções em proveito do comprador e numa indemnização a título contratual para o montante do prejuízo que pode exceder o preço de aquisição, em proveito da sociedade”</font></i><font> (al. O)</font><i><font>. </font></i> </p><p><font>T. Em 28 de Abril de 2010, o preço final da transacção referida em Q) dos factos assentes, veio a ser fixado, mediante um reajuste de mais € 424.295,28, em € 3.824.295,28 (al. P).</font> </p><p><font>U. O montante de € 3.400.000 referido em Q), só veio a ser pago por meio de três transferências bancárias, nas seguintes datas e montantes: -Em 2 de Dezembro de 2009, a quantia de 1.000.000 €, da conta pessoal no BES do autor para a conta pessoal da ré DD, no mesmo banco; - Em 24 de Março de 2010, a quantia de 1.900.000 €, da conta da autora CC, para a conta pessoal da ré DD, no BES; -No dia 30 de Marco de 2010, a quantia de 500.000 €, da conta da autora CC, para a conta pessoal da ré DD, no BES (al. Q).</font> </p><p><font>V. O montante de 148.000,00 € referido em R), só foi pago pelo autor em 2 de Dezembro de 2009, por meio de uma transferência bancária da sua conta pessoal, no BES, para a conta pessoal da ré DD, no mesmo banco (al. R).</font> </p><p><font>W. No dia 7 de Maio de 2010, a sociedade II recebeu notificações da Administração Fiscal para pagamento de dívidas relativas a: -IVA, no montante € 2.422,24; -juros compens
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font> <p><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font> </p><p><b><font> </font></b> </p><p><b><font>I – Relatório</font></b> </p><p><b><font>&nbsp;</font></b> </p><p><b><font>AA</font></b><font>, em representação de sua filha menor, </font><b><font>BB</font></b><font>, intentou contra </font><b><font>Seguros CC</font></b><font>, a presente acção declarativa sob a forma ordinária, pedindo que seja a Ré condenada a reconhecer que se verificou o evento do qual emerge a obrigação de pagamento do capital seguro no montante de € 39.903,93 e, consequentemente, condenada a liquidar esse valor. </font> </p><p><font>Cumulativamente peticiona ainda que a Ré seja condenada a pagar à Autora o remanescente do capital em dívida à data da morte do segurado, no montante de € 497,18. </font> </p><p><font>Requereu ainda a intervenção principal provocada do </font><b><font>Banco DD portugal, SA.</font></b> </p><p><font> </font> </p><p><font>A Ré contestou nos termos de fls. 46 e segs., concluindo pela improcedência da acção.</font> </p><p><font>Foi admitido o chamamento do Banco DD, SA, que fez seu o articulado da Autora.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>A Autora apresentou réplica conforme fls. 86 e segs., concluindo como na petição inicial.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Após subsequente tramitação dos autos e realizada a audiência de julgamento, o Tribunal respondeu à matéria de facto pela forma constante de fls. 602/604, que não foi objecto de reclamação.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Foi, em seguida, proferida a sentença de fls. 610 e segs., que julgando a acção totalmente procedente, decidiu:</font> </p><p><font>«1 – Condenar a Ré CC a pagar ao Banco DD SA, a quantia de € 39.406,65, relativamente ao capital em dívida do empréstimo contraído pelo segurado EE, à data da sua morte, acrescida de juros de mora, vencidos e vincendos, calculados sobre o referido capital, à taxa legal, desde a data da citação, até efectivo e integral pagamento.</font> </p><p><font>2 – Condenar a Ré CC a pagar à A. BB, aqui representada pela sua progenitora, AA, a quantia de € 497,18, correspondente ao valor remanescente do total do capital seguro (€ 39.903,93), acrescida de juros de mora, vencidos e vincendos, calculados sobre o referido valor, à taxa legal, desde a data da citação, até efectivo e integral pagamento.»</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Inconformada, apelou a Ré Seguros CC, tendo os Juízes da Relação de Évora acordado em julgar improcedente a apelação e, consequentemente, em confirmar a sentença recorrida.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Novamente inconformada, a Seguradora interpõe recurso de revista, em que formula as seguintes conclusões:</font> </p><p><font>«i. O presente recurso vem interposto do douto Acórdão proferido a fls. … que decidiu julgar improcedente o recurso de apelação interposto pela Recorrente da sentença proferida nos autos que correu termos no Tribunal Judicial de Almeirim, sob o nº de processo 294/2002.</font> </p><p><font>ii. É fundamento do presente recurso a verificação do pressuposto referido na alínea c) do artigo 672º, n.º 1 do Código de Processo Civil.</font> </p><p><font>iii. O douto Acórdão do Tribunal da Relação de Évora está, salvo douto entendimento diverso, em contradição com o Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, no âmbito do processo n.º 24/10.0TBVNG.P1.S1, cuja cópia se junta, (e que pode ser consultado in </font><a><u><font>http://www.dgsi.pt/JSTJ.NSF/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/ed910c0a215dbe5380257b9e004648b5?OpenDocument</font></u></a><font>).</font> </p><p><font>iv. O Acórdão recorrido entendeu que incumbia, pois, à seguradora recorrente o dever de comunicação e esclarecimento das cláusulas contratuais gerais e em especial da cláusula em causa constante do ponto 6.1, sendo que não resulta da matéria de facto provada que tenham sido comunicadas ao segurado EE todas as cláusulas contratuais gerais que faziam parte integrante do contrato de seguro e em especial aquela que a recorrente invocou para recusar a sua obrigação contratual.</font> </p><p><font>O Acórdão-fundamento proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça de 17 de Junho de 2010 no processo n.º 24/10.0TBETR.P1.S1, já transitado em julgado, julgou em sentido diverso, fundamentando que, não está vedado à seguradora opor ao aderente certa cláusula de exclusão de risco, por a omissão do dever de informação e esclarecimento ser exclusivamente imputável ao tomador de seguro, não se comunicando ou transmitindo os efeitos de tal omissão culposa à própria seguradora, em termos de amputar o contrato da cláusula não devidamente informada ao aderente.</font> </p><p><font>v. O Acórdão recorrido e o Acórdão contraditório foram proferidos no âmbito da mesma legislação, aplicando-se in casu o Decreto-lei n.º 446/85, de 25 de Outubro e o Decreto-Lei 176/95, de 26 de Julho.</font> </p><p><font>vi. Ambos os acórdãos são idênticos no que se refere ao caso apreciado e julgado versando sobre a mesma questão fundamental de direito, mais concretamente, sobre quem recai o ónus de comunicação das cláusulas contratuais do contrato de seguro de vida (Tomador de Seguro ou Seguradora) e vinculação (ou não) da Seguradora pela inobservância dos deveres de comunicação e informação das cláusulas contratuais gerais.</font> </p><p><font>vii. Na análise da jurisprudência proferida pelo Supremo Tribunal de Justiça não foi identificado qualquer Acórdão de Uniformização de Jurisprudência que verse sobre a questão em causa.</font> </p><p><font>viii. Perante o estrito cumprimento por parte da Recorrente dos requisitos da alínea c) do n.º 1 e do n.º 2 do 672º do C.P.C., deverá ser admitida a a revista excepcional remetendo-se os autos à distribuição. </font> </p><p><font>ix. No douto Acórdão em revista, na parte que ao presente recurso interessa, considerou-se: o dever de comunicação assentando também no princípio da boa fé negocial já referido, constitui igualmente dever que incumbe a quem pretenda prevalecer-se dessa mesma cláusula contratual geral, pelo que não podia deixar de concordar-se com a sentença recorrida quando pondera que in casu, quem pretende fazer valer a cláusula de obrigação de comunicação de mudança de profissão, em caso de agravamento dos riscos é, indubitavelmente a seguradora ora recorrente, na medida em que desse agravamento pode resultar a necessidade de impor outras condições contratuais, tais como o agravamento do prémio, sucedendo o mesmo com as demais cláusulas gerais ínsitas naquele contrato de seguro;</font> </p><p><font>Não obstante, entendeu o douto Acórdão que incumbia, pois, à seguradora recorrente o dever de comunicação e esclarecimento das cláusulas contratuais gerais e em especial da cláusula em causa constante do ponto 6.1, sendo que não resulta da matéria de facto provada que tenham sido comunicadas ao segurado EE todas as cláusulas contratuais gerais que faziam parte integrante do contrato de seguro e em especial aquela que a recorrente invocou para recusar a sua obrigação contratual.</font> </p><p><font>Ora,</font> </p><p><font>x. Os aspectos de identidade entre os dois Acórdãos agora em análise, mais concretamente o Acórdão recorrido proferido pelo Tribunal da Relação de Évora e o Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça no âmbito do processo n.º 24/10.0TBVNG.P1.S1, datado de 25.06.2013, são os que infra se identificam e conforme melhor se poderá constatar pela análise integral dos mesmos: i. Tipologia do contrato de seguro associado a um crédito à habitação; ii. Causa do sinistro especificamente excluída dos riscos cobertos pelas Condições Gerais do Contrato de Seguro; iii. Não cumprimento do dever de comunicação e informação das cláusulas contratuais gerais; iv. Discussão sobre a identidade da entidade a quem compete a comunicação e informação de tais cláusulas e v. Eliminação do contrato de seguro da cláusula de exclusão.</font> </p><p><font>xi. No Acórdão posto agora em crise estamos perante uma acção instaurada pelos Autores, ao abrigo de um contrato de seguro grupo vida que garantia o pagamento das importâncias devidas pelo Segurado em caso, nomeadamente, de morte.</font> </p><p><font>xii. O segurado, falecido marido da Autora, faleceu quando se encontrava no exercício da sua profissão de auxiliar de desmontagem de estruturas, sendo que o Banco havia informado a Seguradora que o segurado era “operador de máquinas de jardinagem”.</font> </p><p><font>xiii. Nos termos do disposto na cláusula 6.1.1 das Condições Gerais da Apólice de seguro o tomador de seguro obriga-se a comunicar à Seguradora as alterações que se produzem no grupo seguro e que consistam na mudança de profissão do segurado ou na prática de qualquer actividade que provoque alteração de alguma circunstância essencial e que tenha como consequência um agravamento dos riscos cobertos pela apólice.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Porém,</font> </p><p><font>xiv. Não se provou no acórdão ora posto em crise que tenham sido comunicadas ao segurado EE todas as cláusulas contratuais gerais que faziam parte integrante do contrato, pelo que considerou não poder a Ré Seguradora invocar o conteúdo da respectiva cláusula para se eximir ao pagamento da indemnização.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Por sua vez,</font> </p><p><font>xv. No douto Acórdão-fundamento proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça de 25 de Junho de 2013 no processo n.º 24/10.0TBVNG.P1.S1, já transitado em julgado, estamos, igualmente, perante uma acção instaurada contra a Companhia de Seguros pedindo que fosse condenada a indemnizar os AA. nos termos contratuais, nomeadamente entregando à Instituição de Crédito beneficiária do seguro, o capital em divida e ao segurado o remanescente se o houver, ao abrigo de dois contratos de seguro de vida que garantiam a cobertura dos riscos por morte e invalidez total e permanente por doença ou acidente dos segurados.</font> </p><p><font>xvi. Nem antes nem aquando da subscrição do seguro, o Autor foi informado das condições gerais do produto subscrito e dos riscos excluídos.</font> </p><p><font>xvii. O sinistro encontrava-se abrangido pela cobertura da apólice em virtude da exclusão do contrato da cláusula que o afastava, mantendo-se o contrato válido e eficaz na parte não afectada, como consequência do incumprimento do dever de comunicação dessa cláusula ao Autor-aderente.</font> </p><p><font>xviii. Eis a pergunta que se colocava no Acórdão-fundamento: “A questão debatida no presente recurso tem, pois, a ver com a definição das consequências jurídicas a atribuir ao incumprimento do dever de informação e esclarecimento aos aderentes do teor da referida cláusula de exclusão do risco, no caso de a causa de incapacidade do segurado ser – como foi no caso dos autos - devida a doença do foro neurológico – identificando qual o sujeito sobre que incidia tal obrigação de esclarecimento e determinando se o respectivo incumprimento é susceptível de se repercutir na esfera jurídica do outro contraente, apesar de sobre ele não incidir uma obrigação de explicitação e esclarecimento do aderente ao seguro de grupo.”</font> </p><p><font>xix. Questão que se colocava, igualmente, no douto Acórdão da Relação do Porto ora posto em crise.</font> </p><p><font>xx. Perante isto, entendeu a 1.ª Instância bem como a Relação de Évora, que perfilhou do mesmo entendimento que, dado como provado nos autos que era à Seguradora que incumbia o dever de comunicação e esclarecimento das Cláusulas Contratuais Gerais, e não tendo tal sucedido, não se encontra a Seguradora desonerada da obrigação de indemnizar.</font> </p><p><font>xxi. Ao passo que, no Acórdão-fundamento do presente recurso de revista excepcional se refere doutamente que:“ (…) é incontroverso que tal dever de esclarecimento do aderente recai sobre o banco/tomador de seguro; é este o regime que decorre expressamente do estatuído no art. 4º do DL. 176/95: nos seguros de grupo, salvo convenção em contrário, o tomador de seguro deve obrigatoriamente informar os segurados sobre as coberturas e exclusões contratadas e as obrigações e direitos em caso de sinistro, em conformidade com um espécimen elaborado pela seguradora, cabendo-lhe o ónus da prova de ter fornecido estas informações; por sua vez, deve a seguradora facultar, a pedido dos segurados, todas as informações necessárias para a efectiva compreensão do contrato.”</font> </p><p><font>“Note-se que este regime legal continua a vigorar, no essencial, no âmbito do DL 72/08 ( art. 78º), apesar da preocupação, bem expressa no preâmbulo, de tutela acrescida dos aderentes no âmbito da regulamentação do seguro de grupo contributivo, ao afirmar-se: «Nos contratos de seguro de grupo em que os segurados contribuem para o pagamento, total ou parcial, do prémio, a posição do segurado é substancialmente assimilável à de um tomador de seguro individual. Como tal, importa garantir que a circunstância de o contrato de seguro ser celebrado na modalidade de seguro de grupo não constitui um elemento que determine um diferente nível de protecção dos interesses do segurado e que prejudique a transparência do contrato.”</font> </p><p><font>“Significa e implica este regime legal que, no caso, era efectivamente ao banco/tomador de seguro que cabia ter esclarecido adequadamente o aderente acerca do teor das cláusulas de exclusão incluídas no contrato : saliente-se que este regime especial, fundado na peculiar natureza e estrutura da figura do seguro de grupo, envolvendo uma relação triangular entre os interessados, se sobrepõe naturalmente (precisamente como regime especial que é) ao regime regra das cláusulas contratuais gerais, que impõe ao outro contraente (nos casos normais, que não tenham subjacente um seguro de grupo, obviamente a própria seguradora) a obrigação de comunicar e explicitar as cláusulas ao aderente; porém, no caso do seguro de grupo, este dever de comunicação e informação está legalmente posto a cargo do tomador de seguro, pelo que, em primeira linha, ele não incide sobre a seguradora, a menos que algo diferente resulte das estipulações das partes.”</font> </p><p><font>Com efeito,</font> </p><p><font>xxii. Estando perante um seguro de grupo em que é invocada a existência de uma cláusula contratual geral e a sua não comunicação prévia e respectiva explicação do teor a um aderente, o ónus da prova relativamente a tal facto impende sobre o tomador do seguro, de acordo com a repartição do ónus da prova - artigo 4.° do Decreto-Lei 176/95, de 26.Julho e pelo artigo 342.° do Código Civil.</font> </p><p><font>xxiii. Veja-se o que nos ensina, igualmente, o douto Acórdão de 3 de Maio de 2011 in Colectânea de Jurisprudência". - ISSN 0870-7979. - A. 36, tomo 3, nº 231 (maio-julho 2011) p. 85-88</font> </p><p><font>xxiv. E ainda o douto Acórdão de 22 de Janeiro de 2009 in Colectânea de Jurisprudência : Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça". - ISSN 0870-7979. - A.17, tomo 1 nº 214 (Janeiro-fevereiro-Março 2009) p.78-81.</font> </p><p><font>xxv. O ónus da prova da comunicação ao contraente que submete as cláusulas ao segurado, que no regime dos contratos de seguro de grupo recaí sobre o tomador do seguro, conforme expressamente resulta do n.° 2 do artigo 4.° do citado DL 176/95.</font> </p><p><font>xxvi. O Banco actua por si próprio, em seu próprio nome, no seu próprio interesse, por sua própria conta, como Tomador de Seguro e Beneficiário e é nessa qualidade que ele está obrigado a informar o Segurado do teor das cláusulas contratuais.</font> </p><p><font>xxvii.&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;Desse incumprimento, pelo Banco, resultou a exclusão do contrato de seguro da cláusula das Condições Gerais da Apólice, oposta pela Ré, a qual excluía a doença que a pessoa segura era portadora, por aplicação do Regime Jurídico das Clausulas Contratuais Gerais – DL n.º 446/85.</font> </p><p><font>xxviii. Contudo, O Douto Acórdão- fundamento abre, ainda, uma outra hipótese “ (…) a responsabilidade acrescida da seguradora por um sinistro cujo risco não estaria contratualmente coberto só poderia assentar num fenómeno de responsabilização objectiva – já que, como se referiu, no caso dos autos se não vislumbra, perante a matéria de facto fixada, qualquer comportamento irregular ou deficiente que lhe possa ser subjectivamente imputado, com base num juízo de censura.”</font> </p><p><font>xxix. Ora, como fundamentar tal responsabilização objectiva da seguradora pelo incumprimento de uma obrigação legal do tomador de seguro?</font> </p><p><font>xxx. “Uma perspectiva possível seria a da invocação do regime da responsabilidade do comitente por actos do comissário ou de representantes legais ou auxiliares, decorrente das previsões normativas dos arts. 500º e 800º do CC: nesta óptica, - perante os interesses económicos coincidentes que estão por detrás da figura do seguro de grupo e a circunstância de seguradora e tomador de seguro integrarem, em muitos casos, os mesmos agrupamentos ou conglomerados económico-financeiros, prosseguindo objectivos lucrativos comuns ou complementares – tender-se-ia a qualificar a actividade do banco como intermediário ou angariador na celebração dos concretos contratos com os aderentes - sendo precisamente nesta actividade de intermediação, consubstanciada na promoção e comercialização de produtos financeiros complementares (crédito à habitação/seguro de vida), que se poderia encontrar fundamento normativo para imputar à seguradora as consequências da actuação irregular do seu associado e mediador na comercialização do produto financeiro em causa.</font> </p><p><font>xxxi. Não parece, porém, que esta visão prático-económica do fenómeno do seguro de grupo possa, sem mais, – num sistema normativo que não previa (e continua a não prever, apesar da regulamentação mais minuciosa que o DL 72/08 adoptou do seguro de grupo e da preocupação de acrescida tutela do segurado nos seguros contributivos – cfr. o disposto no art. 79º, remetendo para o plano geral da responsabilidade civil as consequências do incumprimento dos deveres de informação legalmente previstos) a comunicabilidade à seguradora dos efeitos do incumprimento dos deveres legais de informação a cargo do tomador de seguro - alterar a estrutura e fisionomia jurídica fundamentais desse tipo negocial, assente numa relação contratual básica estabelecida entre duas entidades (tomador de seguro/seguradora), colocadas em plano de total paridade jurídica ( o contrato de seguro acordado entre ambas não pode obviamente configurar-se como contrato de adesão), nenhuma das quais se pode considerar juridicamente como intermediária, auxiliar ou comissário da outra no momento da subscrição das concretas adesões ao clausulado estabelecido.“</font> </p><p><font>Concluindo, por isso, que: </font> </p><p><font>xxxii. “E, deste modo, como se decidiu no acórdão fundamento, a circunstância de, por omissão do dever de informação, imputável exclusivamente ao banco/tomador de seguro, ter ocorrido um vício na formação do contrato subscrito pelo aderente não é susceptível de se repercutir na esfera jurídica da seguradora, levando a alterar aquela relação base, decorrente da contratação entre seguradora e tomador de seguro, em termos de ter de ser por aquela entidade assumido um risco acrescido, não contemplado nas cláusulas inseridas naquele contrato fundamental.”</font> </p><p><font>xxxiii. O douto Acórdão-fundamento do presente recurso de revista excepcional não foi o único acórdão proferido neste sentido:"Colectânea de Jurisprudência". - ISNN 0870-7979. - A. 32, tomo 1, nº 196 (Janeiro / Fevereiro 2007), p. 165-171. 2007-01-31 e Colectânea de Jurisprudência : Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça". - ISSN 0874-5730. - A. 18, tomo 3, nº 227(Agosto-Dezembro 2010) p. 116-119.</font> </p><p><font>xxxiv. Nestes termos, termina o douto Acórdão-fundamento com a seguinte conclusão que, salvo douto entendimento em contrário, deveria também o Acórdão recorrido sentenciar de igual forma:</font> </p><p><font>“4. 5. - Conclui-se, pois, respondendo à questão inicialmente enunciada, que não podendo a demonstrada omissão, com influência modificativa no âmbito de coberturas do contrato de seguro, ser imputada à Recorrente Seguradora, não se encontra fundamento para manter a condenação desta a pretexto de lhe estar vedado opor ao aderente a actuação ilícita e culposa do tomador do seguro e suas consequências em sede de responsabilidade.”</font> </p><p><font>xxxv. Face ao que antecede e no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito do acórdão recorrido, decidiu o Acórdão-fundamento em sentido diverso do Acórdão da Relação de Évora ora posto em crise, não podendo, por este motivo, manter-se a condenação da Recorrente.</font> </p><p><font>xxxvi. Assim, é entendimento da ora Recorrente que o Tribunal concluiu, erradamente, serem oponíveis à Ré Seguradora, as consequências das omissões perpetuadas por terceiro, devendo nessa medida ser revogado o acórdão proferido face à notória e patente contradição com o proferido pelo Acórdão-fundamento do Supremo Tribunal de Justiça.</font> </p><p><font>xxxvii. Pelo que, deverá ser revogado o Acórdão recorrido no sentido de absolver a Recorrente Seguradora dos pedidos formulados nos autos pelos Autores, na medida em que não é dever da Seguradora a comunicação das cláusulas contratuais gerais, nem pode ser-lhe oponível a omissão do dever de comunicação e informação das cláusulas contratuais gerais, cometida pelo Banco Tomador do Seguro.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Nestes termos e nos demais de direito, deve ser concedido provimento ao presente recurso de revista excepcional, só assim se fazendo JUSTIÇA !»</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>A recorrida não apresentou contra-alegações.</font> </p><p><font>&nbsp; </font> </p><p><font>O recurso foi admitido como revista regra com efeitos devolutivos, pois apesar de estarmos perante uma situação de dupla conformidade, tratando-se de um processo instaurado antes de 1 de Janeiro de 2008, com decisão proferida depois de 1 de Setembro de 2013, a lei aplicável, segundo a norma de direito transitório consagrada no art. 7.º, n.º 1 da Lei n.º 41/2013, de 26-06, em relação aos requisitos de admissibilidade dos recurso, é o Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24-08, com as inovações introduzidas pelo Novo Código de Processo Civil, com a excepção da norma do art. 671.º, n.º 3, que restringe a revista em situações de dupla conforme.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Sabido que é pelas conclusões da alegação da recorrente que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, sem prejuízo das questões de que o tribunal </font><i><font>ad quem</font></i><font> possa ou deva conhecer oficiosamente, a única questão a conhecer é a seguinte:</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>I) </font><i><font>Titularidade dos</font></i><font> </font><i><font>deveres de comunicação e de informação das Condições do Contrato de Seguro de Vida Grupo</font></i> </p><p><font>&nbsp;</font> </p><p><b><font>III – Fundamentação de facto</font></b> </p><p><b><font> </font></b> </p><p><b><font>Os factos que foram considerados provados, pelas instâncias, são os seguintes:</font></b> </p><p><b><font> </font></b> </p><p><font>1 – Por escritura de 29/09/1998, outorgada a fls. … a fls. … v. do Livro … no Segundo Cartório Notarial de …, foi celebrado um contrato de mútuo com hipoteca e fiança, entre o Banco DD Portugal, SA e EE.</font> </p><p><font>2 – No dia 26 de Maio de 1999, EE faleceu no estado civil de solteiro, conforme Assento de Óbito nº … da Conservatória do Registo Civil de ….</font> </p><p><font>3 – BB nasceu em 09/11/1998, sendo filha de EE e de AA, conforme certidão de nascimento, registo nº 12 do ano de 1999 da Conservatória do Registo Civil de ….</font> </p><p><font>4 – No dia 24 de Abril de 1998 EE subscreveu um documento designado por: “Boletim de Adesão, Seguro de Vida Grupo, Crédito à Habitação – CC, Grupo DD – …”, em que consta como tomador do seguro o FF e, como segurado, EE – cfr. teor de fl. 30 que aqui se dá por reproduzido.</font> </p><p><font>5 – Na mesma data do preenchimento do referido Boletim de Adesão ao contrato de seguro foi entregue a EE a “Informação Pré-Contratual” que se dá como igualmente reproduzido.</font> </p><p><font>6 – No dia 2 de Outubro de 1998, em Lisboa, com a referência …, a Seguros CC, SASR, emitiu um documento designado por apólice nº …, certificado nº …, com data de efeito de 29/09/1998 com descrição de empréstimo de 300 meses em que consta como tomador de seguro “Banco DD Portugal, S.A.” e como segurado EE – cfr. fls. 32 que aqui se dá como reproduzido.</font> </p><p><font>7 – O facto referido em 2) foi dado a conhecer à Ré, através do tomador do seguro, Banco DD Portugal, S.A., Agência de ….</font> </p><p><font>8 – À data da ocorrência da morte, o capital em dívida do empréstimo contraído pelo segurado era de € 39.406,65 (7.900.324$00).</font> </p><p><font>9 – Por carta registada datada de 29 de Maio de 2000, dirigida a GG, e por este recepcionada, a CC comunicou a impossibilidade de qualquer pagamento de capital em dívida ao Banco DD por terem concluído que EE à data do falecimento se encontrava a exercer uma profissão diferente da inicialmente declarada na proposta aquando da celebração do contrato de seguro.</font> </p><p><font>10 – No dia 4 de Maio de 2000, em …, HH declarou que EE exerceu funções de auxiliar de desmontagem desde 21 de Abril de 1999.</font> </p><p><font>11 – O documento de fls. 61 a 68, designado por condições de contrato de Seguro de Vida Grupo, refere-se ao documento mencionado em 6).</font> </p><p><font>12 – A Ré, após recepção do documento referido em 4), solicitou ao Banco informação sobre o tipo de máquinas em concreto que a pessoa segura operava.</font> </p><p><font>13 – Em resposta, o Banco informou a Ré que a pessoa segura era “operador de máquinas de jardinagem”.</font> </p><p><font>14 – A Ré tem conhecimento que EE faleceu quando se encontrava em cima de um telhado a retirar telhas de lusalite e em plástico tendo-se partido uma das telhas o que provocou a queda no solo de uma altura de cerca de 5/6 metros.</font> </p><p><font>15 – EE faleceu quando se encontrava no exercício da sua profissão de auxiliar de desmontagem de estruturas.</font> </p><p><font>16 – As condições contratuais propostas pela Ré, para aceitação do contrato referido em 6) (fls. 32), teriam sido diferentes, se a profissão do segurado fosse de auxiliar de desmontagem ou servente de construção civil. &nbsp;&nbsp; </font> </p><p><font> </font> </p><p><b><font>III - Fundamentação de direito</font></b> </p><p><font> </font> </p><p><b><font>1.</font></b><font> A Ré Seguradora, agora recorrente, foi condenada pelas instâncias a pagar ao Banco DD SA, a quantia de € 39.406,65 relativamente ao capital em dívida do empréstimo contraído pelo segurado EE, à data da sua morte, e a quantia de € 497,18, correspondente ao valor remanescente do total do capital seguro, ambas as quantias acrescidas de juros de mora, vencidos e vincendos.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>O acórdão recorrido que confirmou a sentença do tribunal de 1.ª instância, entendeu que o sujeito do dever de comunicação e informação de todas as cláusulas do contrato de seguro, em particular da cláusula em litígio, para além do Banco tomador de seguro, cujo dever está consagrado no art. 4.º, n.º 1 do DL n.º 176/95, de 26-07, é a seguradora, ao abrigo dos artigos 5.º e 6.º do DL 446/85, de 25 de Outubro e do princípio da boa fé, contra ela recaindo o ónus da falta de prova acerca do efectivo cumprimento desse mesmo dever. &nbsp;</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; Inconformada, alega a Recorrente seguradora, que o único titular deste dever de informação, é, nos termos do art. 4.º, n.º 1 do DL n.º 176/95, de 26-07, o Banco, tomador do Seguro, sendo, portanto, exclusivamente imputável a este a omissão do dever de informação, não sendo possível operar uma transmissão dos efeitos de tal omissão culposa à seguradora, pelo que deve a Seguradora ser absolvida dos pedidos formulados pela Autora.</font> </p><p><font> </font> </p><p><b><font>2.</font></b><font> No caso </font><i><font>sub judice</font></i><font> está em causa um contrato de seguro de grupo do ramo vida, no qual a Ré figura como seguradora, o interveniente Banco DD Portugal S.A., como tomador do seguro e o falecido EE, como segurado.</font> </p><p><font>Designa-se por contrato de seguro o contrato pelo qual uma pessoa transfere para outra o risco de verificação de um dano, na esfera própria ou alheia, mediante o pagamento de uma remuneração. A pessoa que transfere o risco diz-se tomador ou subscritor do seguro; a que assume esse risco e recebe a remuneração – prémio – diz-se seguradora; a pessoa cuja esfera jurídica é protegida diz-se segurado, que pode ou não coincidir com o tomador do seguro.</font> </p><p><font>No caso vertente, o contrato de seguro do ramo vida oferece uma particularidade relevante: trata-se de um seguro contributivo, em que o banco mutuante é o tomador do seguro – entidade que celebra o contrato de seguro com a seguradora, sendo responsável pelo pagamento do prémio; os mutuários do crédito concedido são o grupo segurável, i.e., as pessoas ligadas ao tomador do seguro por um vínculo ou interesse comum; as pessoas mutuárias são aquelas cujo risco de vida, saúde ou integridade física tenha sido aceite pela seguradora depois da recepção das declarações de adesão ao grupo, quer dizer, do documento de consentimento da pessoa segura na efectivação do seguro – e que contribuem, no todo ou em parte, para o pagamento do prémio (art. 1.º, als. b), g) e h) do DL n.º 176/95, de 26 de Julho).</font> </p><p><font>Mas, este contrato não se define apenas por ser um contrato de seguro de grupo. O seu processo de formação apresenta especificidades, na medida em que as suas cláusulas não são negociadas com o segurado, que se limita a aderir ao contrato em bloco. Estes contratos são, portanto, contratos de adesão, cuja formação ocorre em dois momentos distintos. Num primeiro momento, é celebrado um contrato entre a seguradora e o tomador do seguro e, num segundo momento, concretizam-se as adesões dos membros do grupo. O contrato de seguro é predisposto pela seguradora e pelo tomador e são estas entidades que modelam o seu conteúdo: o segurado, por virtude de um vínculo que o liga ao tomador, limita-se a aderir ao contrato objecto de predisposição. </font> </p><p><font>A partir do momento em que se dá a adesão, constitui-se uma relação trilateral entre a seguradora, o tomador do seguro e o aderente e, portanto, o contrato deixou de regular exclusivamente os interesses do tomador e da seguradora, passando a regular os interesses do segurado, a cuja protecção a ordem jurídica confere primazia.</font> </p><p><font>&nbsp;</font> </p><p><b><font>3.</font></b><font> Na vida quotidiana dos cidadãos, quando adquirem habitação própria com recurso ao empréstimo bancário, o Banco (mutuante) propõe aos mutuários a subscrição de um contrato de seguro de vida, para que, em caso de morte ou incapacidade do segurado, a quantia ainda em dívida seja paga pela seguradora ao Banco. </font> </p><p><font>Estas propostas negociais adoptam o modelo de um contrato de adesão, cujas cláusulas os segurados não têm qualquer possibilidade de discutir ou negociar, e que, a mais das vezes, nem conhecem na sua totalidade, por falta de transparência das entidades envolvidas, Bancos e Seguradoras, normalmente ligadas por vínculos jurídicos e pertencentes ao mesmo grupo financeiro.</font> </p><p><font>Em face desta realidade sócio-económica, a lei (Decreto-Lei 446/85, de 25 de Outubro) vem em auxílio da parte mais fraca, o segurado, impondo às entidades com poder negocial para redigir unilateralmente estes contratos deveres de informação e de comunicação, bem como proibindo, através de uma enumeração exemplificativa, um conjunto de cláusulas contrárias à boa fé e ao equilíbrio das prestações.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>A Parte Geral do Código Civil tratou o negócio jurídico como uma figura estrutural, totalmente abstracta e desligada de qualquer função. Mas na ciência jurídica actual, as pessoas não são concebidas, em termos abstractos, como partes iguais de um contrato, considerando-se, antes, o seu papel concreto no domínio das operações económicas e das relações sociais. </font> </p><p><font>O regime jurídico das cláusulas contratuais gerais constitui um regime especial tutelador, em face do direito comum dos contratos. Este regime especial visa conter os efeitos disfuncionais
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font> <p><b><font>I – Relatório</font></b> </p><p><font> </font> </p><p><b><font>AA, Companhia de Seguros, S.A.,</font></b><font> intentou acção declarativa, com processo comum, sob a forma sumária, contra </font><b><font>BB - …, S.A.,</font></b><font> pedindo a condenação da ré a pagar à autora a quantia de € 7.627,90, acrescida de juros de mora à taxa legal, estabelecida para os juros comerciais, até efectivo e integral pagamento.&nbsp; </font> </p><p><font>Alegando, para tanto e em suma, que, no exercício da sua actividade, celebrou com CC um contrato de seguro do ramo automóvel, pelo qual assumiu o risco de responsabilidade civil por danos emergentes da circulação do ligeiro de passageiros com a matrícula -LQ, bem como as coberturas facultativas de danos próprios.&nbsp; </font> </p><p><font>Ora, no dia 15-10-2003, ocorreu um acidente de viação envolvendo o referido veículo, conduzido pelo CC, ao Km 20,150 da auto-estrada n.º 8, no Concelho de Mafra, sentido Norte-Sul.&nbsp; </font> </p><p><font>Consistiu o acidente em despiste e consequente embate nos rails de protecção do separador central.&nbsp; </font> </p><p><font>Resultaram de tal embate danos vários, cuja reparação montou a € 6.664,00, que a autora pagou, para além de ter facultado ao segurado um veículo de aluguer durante os 8 dias que durou a reparação, com o que despendeu € 963,90. </font> </p><p><font>O referido despiste ficou a dever-se à circunstância de o LQ ter perdido a aderência ao solo, devido ao extenso lençol de águas pluviais que se encontravam acumuladas na via. Pois a ré, concessionária da exploração e conservação daquela auto- estrada, não zelara pelo escoamento das águas da chuva. </font> </p><p><font>A autora está assim sub-rogada no direito do seu segurado, e no confronto da ré, responsável pelo sinistro. </font> </p><p><font>Contestou a ré, por impugnação, deduzindo ainda incidente de intervenção acessória provocada da Companhia de DD, S.A., para a qual alega ter transferido a sua responsabilidade por quaisquer indemnizações que lhe sejam exigidas em resultado de acidente decorrente das actividades relacionadas com a exploração e conservação do lanço da A8 em causa nos presentes autos.&nbsp; </font> </p><p><font>Por despacho de folhas 132-134, foi deferida a requerida intervenção e ordenada a citação da chamada, que contestou, por impugnação, invocando ainda a existência de franquia no valor de € 7.500,00 por sinistro, o excesso de velocidade do LQ, assim causal do despiste, e o indevido valor da taxa de juros peticionada. </font> </p><p><font> </font> </p><p><font>O processo seguiu seus termos, com saneamento e condensação.&nbsp; </font> </p><p><font>Na audiência final, veio a ser oficiosamente suscitada a questão da incompetência absoluta do tribunal, em razão da matéria, para conhecer do pedido, concedendo-se prazo às partes para se pronunciarem a propósito. O que aquelas fizeram, sustentando a autora a competência material do tribunal comum e atribuindo a ré tal competência aos tribunais administrativos. </font> </p><p><font>&nbsp;</font> </p><p><font>Na sequência do que foi proferido o despacho de folhas 222-225, declarando o tribunal </font><i><font>a quo</font></i><font> “absolutamente incompetente em razão da matéria para julgar o presente litígio” e absolvendo “consequentemente (. . .) as RR. da presente instância”.</font> </p><p><font>&nbsp; </font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; Inconformada, recorreu a autora para o Tribunal da Relação de Lisboa, que, através de acórdão de 31 de Janeiro de 2013, decidiu julgar a acção procedente, revogar a decisão recorrida e reconhecer competência, em razão da matéria, ao Juízo de Pequena Instância Cível da Comarca da Grande Lisboa - Noroeste, Mafra.</font> </p><p><font>&nbsp;</font> </p><p><font>É contra esta decisão que a ré agora se insurge, mediante recurso de revista, em que formula as conclusões que se passam a transcrever:</font> </p><p><font>&nbsp;</font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; </font> </p><p><font>A autora apresentou contra-alegações, em que pugna pela improcedência do recurso e pela confirmação do acórdão recorrido. </font> </p><p><font>«A) As empresas privadas concessionárias de bens públicos substituem a Administração nas relações com os particulares e actuam como se fossem entidades públicas.</font> </p><p><font>B) No que se refere às acções de responsabilidade civil, há sempre um nexo funcional com a Administração Pública, sempre que empresas privadas prossigam uma função administrativa.</font> </p><p><font>C) Com a reforma do contencioso administrativo, alterou-se, no âmbito da responsabilidade extracontratual, o critério determinante da competência material entre jurisdição comum e jurisdição administrativa, que deixou de assentar na clássica distinção entre actos de gestão pública e actos de gestão privada.</font> </p><p><font>D) A jurisdição administrativa passou a abranger a responsabilidade das pessoas colectivas de direito privado às quais seja aplicável o regime específico da responsabilidade do Estado e demais pessoas colectivas de direito público.</font> </p><p><font>E) Qualquer que seja o entendimento deste Tribunal em relação à natureza da alegada responsabilidade da Ré, ora Recorrente, os tribunais administrativos serão sempre os competentes para conhecer do presente litígio.</font> </p><p><font>F) São-no, desde logo, ao abrigo do que dispõe o artigo 1.º do ETAF, porquanto o presente litígio emerge de uma relação administrativa.</font> </p><p><font>G) Porém, entendendo-se que a situação conflui para a aplicação do regime de responsabilidade obrigacional, deverá considerá-la como integrando a previsão normativa da primeira parte da alínea f) do n.º 1 do art. 4.º do ETAF;</font> </p><p><font>H) Se a situação em apreço se subsumir no instituto da responsabilidade cível extracontratual, então deverá aplicar-se a alínea i) do n.º 1 do artigo 4.º do ETAF, por reporte do artigo 1.º, n.ºs 1, 2 e 5 da lei n.º 67/2007, de 31 de Dezembro;</font> </p><p><font>I) Ou ainda antes da sua vigência, por aplicação directa da alínea f) do n.º1 do 4.º etaf, considerando, até em coerência com a alínea d) deste preceito legal, que possa ser aplicável o referido regime substantivo de direito público do Estado à responsabilidade pelo exercício de poderes públicos por concessionários e por entes privados de mão pública;</font> </p><p><font>J) Ficando assim integrados na jurisdição administrativa os litígios sobre responsabilidade extracontratual desses sujeitos privados (e seus servidores) por danos resultantes de acções e omissões de gestão pública.</font> </p><p><font>K) A competência em razão da matéria dos tribunais é determinada pela forma como o autor configura a acção na sua dupla vertente de pedido e da causa de pedir.</font> </p><p><font>L) Por outro lado, a competência dos tribunais da ordem judicial é meramente residual (cfr. artigos 66.º do Código de Processo Civil e 18.º, n.º1 e 22.º, n.º 1 da Lei da Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais e ainda artigo 5.º, n.º 1 do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais).</font> </p><p><font>M) Na petição inicial, a ora Recorrida sustenta que o contrato de concessão celebrado entre o Estado e a Recorrida tem eficácia externa, sendo-lhe aplicável o regime dos arts 443.º e seguintes do Código Civil.</font> </p><p><font>N) Os tribunais administrativos são os competentes por aplicação do artigo 4.º, n.º 1, alínea f), do ETAF, uma vez que a presente acção, no entendimento perfilhado pela Recorrente, suscita questões relativas à interpretação e execução de contrato sujeito ao direito público e em que uma das partes é uma concessionária que actua no âmbito da concessão e que está expressamente sujeita a regime de direito público.</font> </p><p><font>O) O acórdão recorrido não fundamenta o motivo pelo qual considera estar desde logo afastada a competência dos tribunais administrativos.</font> </p><p><font>P) O Acórdão recorrido veio invocar a Lei n.º 24/2007, de 18 de Julho, qualificando-a de interpretativa.</font> </p><p><font>Q) Tal entendimento não pode ser acolhido.</font> </p><p><font>R) A lei interpretativa consiste na lei que realiza a interpretação autêntica.</font> </p><p><font>S) Para termos uma interpretação autêntica, é “necessário que a nova lei tenha por fim interpretar a lei antiga. Não basta pois que em relação a um ponto duvidoso surja uma lei posterior que consagre uma das interpretações possíveis para que se possa dizer que há interpretação autêntica” (Oliveira Ascensão, </font><i><font>O Direito. Introdução e teoria Geral, </font></i><font>10.ª Edição, pág. 561).</font> </p><p><font>T) A lei interpretativa pressupõe, pois, uma lei </font><i><font>interpretanda,</font></i><font> não existindo, </font><i><font>in casu,</font></i><font> lei ou norma que a legislação de 18 de Julho tenha vindo interpretar.</font> </p><p><font>U) Com efeito, debatiam-se na Doutrina e na Jurisprudência inúmeras teorias, de acordo com as quais eram aplicáveis preceitos tão díspares quanto o art. 483.º, o art. 493.º, o art. 798.º, os arts 443.º e seguintes do Código Civil, entre outros.</font> </p><p><font>V) O legislador, através do artigo 12.º do Diploma Legal acima referido, estabeleceu o ónus da prova a favor do utente da auto-estrada, apenas quanto a certas causas de acidentes rodoviários e desde que a causa seja verificada no local por autoridade policial competente.</font> </p><p><font>X) Pelo que se trata de uma lei inovadora, porque resolve o conflito em termos diferentes, no sentido de renovar a posição antes assumida pela jurisprudência e doutrina.</font> </p><p><font>Y) Não sendo interpretativa, a Lei n.º 24/2007, de 18 de Julho, não pode aplicar-‑se ao caso em crise nestes autos, porquanto apenas entrou em vigor no dia 19 de Julho de 2007 (cfr. artigo 14.º deste Diploma Legal) e as suas disposições não podem ser aplicadas retroactivamente..</font> </p><p><font>Z) A responsabilidade civil é regulada pela lei vigente à prática do facto gerador da responsabilidade, não podendo, pois, aquele Diploma Legal aplicar-se a um acidente ocorrido em 15 de Outubro de 2013.</font> </p><p><font>AA) Sem conceder, mesmo que se acolhesse o entendimento de que a Lei n.º 24/2007, de 18 de Julho, tem natureza interpretativa, sendo aplicável ao caso </font><i><font>sub iudice,</font></i><font> o que apenas se admite por dever de patrocínio, a referida Lei encontra-se ferida de inconstitucionalidade, por violar diversos preceitos da Constituição da República Portuguesa.</font> </p><p><font>BB) Com efeito, a referida lei viola o princípio da separação dos poderes e interdependência dos órgãos de soberania e o estatuto constitucional do Governo, previstos nos arts 111.º e 182.º e seguintes da Constituição da República Portuguesa.</font> </p><p><font>CC) viola ainda o art. 62.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa, uma vez que se atingem situações pré-constituídas em termos expropriativos e sem compensação.</font> </p><p><font>EE) Por último, a responsabilização objectiva que é consagrada neste artigo 12.º não tem qualquer limite máximo, o que colide com as regras gerais da responsabilidade objectiva e, nessa medida, com o artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa.</font> </p><p><font>FF) Sem conceder, ainda que a lei n.º 24/2007 possa ser aplicada </font><i><font>in casu</font></i><font>, a mesma não optou pela natureza extracontratual da responsabilidade.</font> </p><p><font>GG) A previsão de uma presunção que inverte o ónus da prova não é própria e exclusiva da responsabilidade extracontratual, porquanto também se encontra na responsabilidade contratual, de que o art. 799.º do Código Civil é o exemplo paradigmático (exemplo conhecido pela Recorrente, que o refere, aliás, no artigo 28.º da p. i.).</font> </p><p><font>HH) Atento o supra exposto, deve improceder o entendimento de inaplicabilidade da alínea f) do artigo 4.º, n.º 1, do ETAF ao caso dos autos com fundamento na Lei n.º 24/2007, de 18 de Julho, propugnado no Acórdão recorrido.</font> </p><p><font>II) Também o entendimento no Acórdão recorrido de inaplicabilidade da alínea i) do n.º1, do artigo 4.º do ETAF, com base no clausulado constante do contrato de concessão deve improceder.</font> </p><p><font>JJ) Tal interpretação não é inteligível.</font> </p><p><font>KK) O contrato de concessão estabelece que: “A Concessionária responderá, nos termos da lei geral, por quaisquer prejuízos no exercício das actividades que constituem o objecto da Concessão, pela culpa ou pelo risco (:::)”, o que não consubstancia fundamento para afastar a competência jurisdicional&nbsp; dos tribunais administrativos.</font> </p><p><font>LL) No caso de se entender que a natureza da responsabilidade da recorrente é aquiliana, por via do disposto no artigo 1.º, n.º 5, da lei n.º 67/2007, de 31 de Dezembro, a recorrente está sujeita ao regime da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais entidades públicas.</font> </p><p><font>MM) A eventual responsabilização da Recorrente por omissões decorrentes da sua actividade, na qualidade de concessionária de uma auto-estrada, insere-se no âmbito de aplicação do artigo 1.º, n.º 5, da lei n.º 67/2007.</font> </p><p><font>NN) A conduta que constitui a causa de pedir da acção </font><i><font>sub iudice</font></i><font> integra-se no conceito de acto de gestão pública, independentemente de envolver ou não o exercício de meios de coerção (cfr. ainda o artigo 51.º, al. h) do ETAF, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 129/84, de 27 de Abril).</font> </p><p><font>OO) Com efeito, tal como a Autora, ora Recorrida, alicerçou o seu pedido, a actividade concessionária da recorrente de zelar pelo escoamento de águas pluviais, nos termos do contrato de concessão aprovado pelo Decreto-Lei, n.º 393-A/98, de 4 de Dezembro, Base II, não pode deixar de se considerar emergente de um acto de gestão pública que lhe foi atribuído por lei.</font> </p><p><font>PP) É o interesse e ordem pública de segurança na circulação rodoviária que está em causa, sendo atribuído ao órgão competente dotado de “</font><i><font>ius imperii</font></i><font>”, as atribuições necessárias à prevenção de sinistros rodoviários no troço cuja exploração e conservação lhe foi adjudicada.</font> </p><p><font>QQ) Realizou, assim, o tribunal a quo uma incorrecta aplicação das normas legais, pelo que deverá ser concedido provimento ao recurso interposto pela Recorrente, confirmando-se na íntegra a Douta Sentença recorrida.»</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Termina requerendo que, nestes termos e nos demais de Direito, seja negado provimento ao recurso e confirmada integralmente a Douta sentença recorrida, como é de Justiça! </font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; </font> </p><p><font>Sabido que ressalvadas as questões de conhecimento oficioso (artigos 684.º, n.º 3, e 690.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, na versão que antecedeu a vigência do Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto), o objecto do recurso é delimitado pelas respectivas conclusões, a única questão a decidir é a de saber se é aos Tribunais Comuns que cabe a competência material para apreciar e decidir o litígio emergente dos autos ou se essa competência está atribuída aos Tribunais Administrativos.&nbsp; </font> </p><p><font> </font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Colhidos os vistos, cumpre decidir.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font> </font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; </font><b><font>II - Fundamentação de direito</font></b> </p><p><font> </font> </p><p><b><font>1.</font></b><font> A sentença do tribunal de 1.ª instância concluiu pela incompetência material dos Tribunais comuns para apreciar o litígio, em virtude de o conhecimento do mesmo se encontrar expressamente atribuído à ordem jurisdicional administrativa, tendo, em consequência, determinado a absolvição da ré da instância.</font> </p><p><font>Considerou a sentença de 1.ª instância que, independentemente da qualificação da responsabilidade civil da concessionária, como responsabilidade contratual ou como responsabilidade extracontratual, os tribunais competentes são os tribunais administrativos. Tratando-se de responsabilidade obrigacional, a situação integra a previsão normativa do art. 4.º, n.º1, alínea f), primeira parte, do ETAF. Concebendo-se o enquadramento jurídico da situação no instituto da responsabilidade civil extracontratual, aplica-se o art. 4.º, n.º 1, alínea i) do ETAF, juntamente com o art. 1,º, n.ºs 1, 2 e 5 da Lei n.º 67/2007, de 31 de Dezembro. Antes da vigência desta lei, defende a sentença a aplicação directa da alínea d) do n.º 1 do art. 4.º do ETAF, entendendo aplicável o regime substantivo de direito público do Estado à responsabilidade pelo exercício de poderes públicos por concessionários e por entes privados de mão pública, ficando assim integrados na jurisdição administrativa os litígios sobre responsabilidade civil extracontratual desses sujeitos privados por danos resultantes de acções e de omissões de gestão pública. </font> </p><p><font> </font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; Esta decisão foi revogada pelo Tribunal da Relação de Lisboa, que atribuiu a competência material ao Juízo de Pequena Instância Cível da Grande Lisboa-Noroeste, Mafra, para conhecer do pedido da presente acção, com o seguinte fundamento:</font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; «Recorde-se tratar-se a Ré concessionária de uma sociedade comercial do tipo sociedade anónima. E que enquanto sociedade de direito privado, nada há que permita concluir ter a respectiva actuação, em que a A. funda a invocada responsabilidade civil, sido desenvolvida no âmbito de prerrogativas de direito público, de acordo com normas de direito administrativo.</font> </p><p><font>Em sentido contrário, aliás, a mesma Base LXXIII do contrato de concessão, afasta a existência de tais prerrogativas de direito público, ao estabelecer a responsabilidade da Concessionária perante terceiros, nos "termos da lei geral", como visto já. </font> </p><p><font>Sendo que, como se assinala no Acórdão do Tribunal de 09-2012, a cláusula geral inserta no art. 1°, n. ° 1, do ETAF e vigente desde 2004 - segundo a qual compete aos tribunais administrativos resolver «os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas» - não pode operar ao arrepio das normas mediadoras específicas que disponham em contrário, pelo que é impossível activá-la por forma a negar o que se prevê na al. i) do n.° 1 do art. 4.° do ETAF - sob pena de se ferir a unidade sistemática e a coerência lógica do diploma. Ora apesar do actual ETAF vigorar desde 2004, sucedeu que, até à emergência do novo regime da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais entidades públicas, aprovado pela Lei n.° 67/2007, de 31/12, não existiu qualquer preceito geral que, a propósito da responsabilidade civil, aplicasse a sujeitos privados o regime pensado para o Estado e os demais entes públicos mesmo que a actuação desses sujeitos parecesse integrar aquelas «relações jurídicas administrativas». E esta conclusão deve-se a uma simplicíssima razão: é que, entretanto, vigorou plenamente o DL n.° 48.051, de 21/11/67, que só regia para a «responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas colectivas públicas no domínio dos actos de gestão pública» (art. 1.° desse diploma). Não podendo assim antes da emergência da Lei n.º 67/2007, de 31/12, e, portanto, no domínio do DL n.º 48.051, de 21/11/67, a aludida norma do ETAF ser activada relativamente a uma acção de indemnização fundada em responsabilidade civil extracontratual e movida contra uma sociedade anónima. Observando-se que nos termos do art.º 1.°, n.º 5, da "ulterior" lei n.º 67/2007, "As disposições que, na presente lei, regulam a responsabilidade das pessoas coletivas de direito público, bem como dos titulares dos seus órgãos, funcionários e agentes, por danos decorrentes do exercício da função administrativa, são também aplicáveis à responsabilidade civil das pessoas coletivas de direito privado e respectivos trabalhadores, titulares de órgãos sociais, representantes legais ou auxiliares, por ações ou omissões que adotem no exercício de prerrogativas de poder público ou que sejam reguladas por disposições ou princípios de direito administrativo". Prerrogativas ou disposições e princípios reguladores - sem os quais sempre ficaria afastada também no âmbito de tal Lei, a possibilidade de se incluir o litígio ora em causa no âmbito da jurisdição administrativa».</font> </p><p><font>&nbsp;</font> </p><p><b><font>2.</font></b><font> A competência material integra um pressuposto processual cuja apreciação deve necessariamente preceder a do fundo da causa.</font> </p><p><font>É pacífico que este pressuposto se afere pela forma como o autor configura a acção, sendo esta definida pelo pedido, pela causa de pedir e pela natureza das partes, sem embargo de não estar o tribunal adstrito, neste domínio, às qualificações que autor e/ou ré tenham produzido para definir o objecto da acção. </font> </p><p><font>Para determinação da competência em razão da matéria, é necessário atender-se ao conteúdo das pretensões deduzidas em juízo. Tal competência, como dizia Alberto dos Reis, determina-se pelo conteúdo da lide, isto é, deve atentar-se à relação jurídica material em debate e ao pedido dela emergente, segundo a versão apresentada em juízo pelo demandante. </font> </p><p><font>Neste sentido se tem orientado a jurisprudência, afirmando o princípio de que a competência do tribunal, em razão da matéria, deve atender «à natureza da relação jurídica material em debate na perspectiva apresentada em juízo» (acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 27-09-94, processo n.º 858/94) e que se afere «pela relação litigiosa submetida à apreciação do tribunal nos exactos termos unilateralmente afirmados pelo autor da pretensão e pelo pedido formulado» (acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 12-01-2010, 1337/07.3TBABT.E1.S1, 1.ª Secção, relatado pelo Conselheiro Moreira Alves).</font> </p><p><font>A competência dos tribunais judiciais, no âmbito da jurisdição civil, bem como a competência dos tribunais administrativos, fixa-se no momento em que a acção se propõe, sendo irrelevantes as modificações de facto que ocorram posteriormente, tal como as modificações de direito (quanto a estas com algumas excepções, no que se refere à competência dos tribunais judiciais) – cf. arts. 63.º do CPC, 24.º da LOTFJ e 5.º do ETAF (acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 12-01-2010, 1337/07.3TBABT.E1.S1, 1.ª Secção, relatado pelo Conselheiro Moreira Alves). </font> </p><p><font>Na definição da competência do tribunal, a lei atende à matéria em causa, quer dizer, ao seu objecto, encarado sob um ponto de vista </font><i><font>qualitativo</font></i><font> – o da natureza da relação substancial pleiteada. Para este efeito, importará considerar, em suma, os termos em que a acção se acha proposta – seja quanto aos seus elementos subjectivos (identidade das partes), seja quanto aos seus elementos objectivos (natureza da providência solicitada ou do direito para o qual se reclama a tutela judiciária, o acto ou o facto de onde terá dimanado esse direito e, enfim, a qualificação dos bens em disputa)</font><a><u><sup><font>[1]</font></sup></u></a><font>. </font> </p><p><font>Por seu turno, conforme previsto no artigo 212.º, n.º 3 da Constituição da República Portuguesa e no artigo 1.º, n.º 1 do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, aprovado pela Lei n.º 13/2002, de 19 de Fevereiro, aos Tribunais Administrativos e Fiscais compete o julgamento das acções e recursos que tenham por objecto dirimir litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais.</font> </p><p><font>Segundo Fernandes Cadilha que «por relação jurídico-administrativa deve entender-se a relação social estabelecida entre dois ou mais sujeitos (um dos quais a Administração) que seja regulada por normas de direito administrativo e da qual resultem posições jurídicas subjectivas. Pode tratar-se de uma relação jurídica intersubjectiva, como a que ocorre entre a Administração e os particulares, intra-administrativa, quando se estabelecem entre diferentes entes administrativos, no quadro de prossecução de interesses públicos próprios que lhes cabe defender, ou inter-orgânica, quando se interpõem entre órgãos administrativos da mesma pessoa colectiva pública, por efeito do exercício dos poderes funcionais que lhes correspondem. Por outro lado, as relações jurídicas podem ser simples ou bipolares, quando decorrem entre dois sujeitos, ou poligonais ou multipolares, quando surgem entre três ou mais sujeitos que apresentam interesses conflituantes relativamente à resolução da mesma situação jurídica (…). Por outro lado, não está excluída a ocorrência de </font><i><font>litígios interprivados</font></i><font>, não só por efeito do apontado alargamento da competência dos tribunais administrativos no âmbito da impugnação de actos pré-contratuais e da acção de contratos e da acção de responsabilidade civil extracontratual (artigo 4.º, n.º 1, alíneas g) e i), do ETAF)</font><a><u><sup><font>[2]</font></sup></u></a><font>.</font> </p><p><font>Como refere Mário Aroso de Almeida, «as relações jurídico-administrativas não devem ser definidas segundo critério estatutário, reportado às entidades públicas, mas segundo um critério teleológico, reportado ao escopo subjacente às normas aplicáveis»</font><a><u><sup><font>[3]</font></sup></u></a><font>. &nbsp;&nbsp;</font> </p><p><font>Gomes Canotilho e Vital Moreira sobre o conceito de relações jurídico-administrativas (ou fiscais), dizem que «esta qualificação transporta duas dimensões caracterizadoras</font><a><u><sup><font>[4]</font></sup></u></a><font>: (1) as acções e recursos incidem sobre relações jurídicas em que, pelo menos, um dos sujeitos é titular, funcionário ou agente de um órgão de poder público (especialmente da administração); (2) as relações jurídicas controvertidas são reguladas, sob o ponto de vista material, pelo direito administrativo ou fiscal. Em termos negativos, isto significa que não estão aqui em causa litígios de natureza «privada» ou «jurídico-civil». Em termos positivos, um litígio emergente de relações jurídico-administrativas e fiscais será uma controvérsia sobre relações jurídicas disciplinadas por normas de direito administrativo e/ou fiscal (cfr. ETAF, art. 4º)».&nbsp; </font> </p><p><font> </font> </p><p><font>A reforma de 2002 alargou as competências dos tribunais administrativos, como resulta da amplitude das várias alíneas do n.° 1 do artigo 4.° do ETAF.</font> </p><p><font>Nas palavras de Freitas do Amaral e Mário Aroso de Almeida, a valorização da justiça administrativa verificada desde a revisão da Constituição de 1989, a publicação de diplomas que alteraram significativamente alguma da legislação processual administrativa de maior envergadura (ETAF e CPTA) e a ampliação da rede de tribunais administrativos implicou uma «redefinição dos critérios de delimitação do âmbito da jurisdição administrativa, designadamente em confronto com a jurisdição dos tribunais judiciais (...) no sentido de que, tendencialmente, a apreciação jurisdicional das questões materialmente administrativas não deve ser subtraída aos tribunais administrativos para ser atribuída à competência de outras ordens de tribunais»</font><a><u><sup><font>[5]</font></sup></u></a><font>.&nbsp; </font> </p><p><font>Contudo, na interpretação do preceito, Freitas do Amaral e Mário Aroso de Almeida, entendem que «continua a ser relevante, para o efeito de determinar se um litígio é da competência dos tribunais administrativos ou dos tribunais comuns, saber se o facto constitutivo de responsabilidade se encontra ou não submetido à aplicação de um regime específico de direito público»</font><a><u><sup><font>[6]</font></sup></u></a><font>.</font> </p><p><font>Com a Lei n.° 67/2007, de 31 de Dezembro, foi aprovado o “Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas”, publicado em anexo. </font> </p><p><font>Estabelece o artigo 1.º, n.° 5, que «As disposições que, na presente lei, regulam a responsabilidade das pessoas colectivas de direito público, bem como dos titulares dos seus órgãos, funcionários e agentes, por danos decorrentes do exercício da função administrativa, são também aplicáveis à responsabilidade civil de pessoas colectivas de direito privado e respectivos trabalhadores, titulares de órgãos sociais, representantes legais ou auxiliares, por acções ou omissões que adoptem no exercício de prerrogativas de poder público ou que sejam regulados por disposições ou princípios de direito administrativo». </font> </p><p><font>Resulta desta nova lei, que a jurisdição administrativa pode conhecer, em matéria de responsabilidade civil extracontratual, de litígios entre particulares. Necessário será que as acções ou omissões geradoras de responsabilidade sejam levadas a cabo «no exercício de prerrogativas de poder público», ou que sejam «regulados por disposições ou princípios de direito administrativo», isto é, desde que as pessoas colectivas de direito privado actuem em moldes de direito público deve aplicar-se às suas acções e omissões o regime de responsabilidade civil extracontratual do Estado. </font> </p><p><font>Como diz Fernandes Cadilha, nestas situações «a jurisdição administrativa intervém por via da extensão a pessoas colectivas de direito privado do regime substantivo de responsabilidade civil do direito público, o que sucede (...) quando actuem no exercício de prerrogativas de autoridade de poder público ou segundo um regime de direito administrativo. O que releva, nesse caso, é já a natureza jurídica pública da situação de responsabilidade e, por isso, a circunstância de as entidades em causa praticarem actos que possam integrar o conceito de gestão pública»</font><a><u><sup><font>[7]</font></sup></u></a><font>.</font> </p><p><font>O n.° 5 do artigo 1.º da Lei n.° 67/2007 dá sequência à reforma do ordenamento jurídico-administrativo, iniciada em 1989 e, na prática, identifica-se com o princípio delineado no artigo 4.°, n.° 1, alínea i), do ETAF, que, recorde-se, atribuiu competência aos tribunais administrativos e fiscais para apreciar (e decidir) a responsabilidade civil extracontratual dos sujeitos privados aos quais seja aplicável o regime específico da responsabilidade do Estado e demais pessoas colectivas de direito público. Segundo Fernandes Cadilha, o dito n.° 5 do artigo 1.º da Lei n.° 67/2007, indica as situações em que as entidades privadas poderão ser submetidas a um regime de responsabilidade administrativa e, consequentemente, poderão ser demandadas perante os tribunais administrativos em acções de responsabilidade civil, nos termos do referido art. 4.°, n.° 1, al. i), do ETAF</font><a><u><sup><font>[8]</font></sup></u></a><font>. </font> </p><p><font>&nbsp;Efectivamente, nos termos do artigo 1.º, n.° 5, da Lei n.° 67/2007, são dois os factores determinativos do conceito de actividade administrativa: 1- o exercício de prerrogativas de poder público, o que equivale ao desempenho de tarefas públicas para cuja realização sejam outorgados poderes de autoridade; 2 - respeitar a actividades que sejam reguladas por disposições ou princípios de direito administrativo, o que significa que os respectivos exercícios deverão ser reguladas por disposições ou princípios de direito administrativo.&nbsp; </font> </p><p><font> </font> </p><p><font> </font> </p><p><b><font>3.</font></b><font> Definidos os quadros teóricos e dogmáticos da questão, em sede geral, importa reportarmo-nos ao caso concreto.</font> </p><p><font>No caso </font><i><font>sub iudice,</font></i><font> foi intentada uma acção de responsabilidade civil contra a BB, SA, uma pessoa colectiva de direito privado concessionária da exploração e conservação daquela auto-estrada, em virtude de não ter zelado pelo escoamento das águas da chuva e com esta omissão alegadamente ter causado um acidente de viação, devido ao extenso lençol de águas pluviais que se encontravam acumuladas na via, que fez perder a aderência ao solo do veículo.&nbsp; </font> </p><p><font>Trata-se de uma empresa privada concessionária de bens públicos, que substitui a Administração Pública nas relações com o público e actua como se fosse entidade pública. Está em causa um domínio de fronteira entre o di
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vTKSu4YBgYBz1XKvAxyO
1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><br> <b><font>&nbsp;</font></b> <p><b><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font> </p><p><b><font> </font></b> </p><p><b><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; I - Relatório</font></b> </p><p><b><font> </font></b> </p><p><b><font>AA </font></b><font>e marido,</font><b><font> BB</font></b><font>, vieram propor contra:</font> </p><p><b><font>“CC – …, S.A.”</font></b><font>; </font><b><font>DD </font></b><font>e mulher, </font><b><font>EE</font></b><font>, a presente acção ordinária, pedindo que: </font> </p><p><font> </font> </p><p><font>- Sejam declarados resolvidos o contrato de compra e venda e o contrato de cessão de exploração celebrados a 11 de Dezembro de 1989, aquele entre os Autores e a 1.ª Ré e este entre os Autores e os 2ºs. Réus, como representantes da 1.ª Ré; </font> </p><p><font>- Sejam condenados os Réus a pagar solidariamente aos Autores a quantia de € 156.935,25, referente a rendas e taxas de inflação não pagas, acrescida de juros de mora até efectivo pagamento, e em indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais que causaram aos Autores, esta a liquidar em execução de sentença. </font> </p><p><font> </font> </p><p><font>A 1.ª Ré deduziu reconvenção, pedindo a condenação dos Autores a pagarem à mesma Ré as quantias que por esta lhe foram entregues, no montante de € 283.635,60, acrescidas de juros legais comerciais desde aquela entrega até à data da contestação, no valor de € 799.063,84. </font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Alegou a autora que por contratos celebrados em 89 venderam com reserva de usufruto a propriedade identificada, e cederam a exploração da mesma. A falta de cumprimento deste segundo funcionava como condição resolutiva do primeiro. A ré a partir de 95 passou a pagar as prestações com prorrogações e a partir de 97 votou a quinta ao abandono. Em 1998 não pagou a segunda prestação nem o acréscimo referente à inflação. Em Julho de 1999, os autores vedaram a quinta à ré. Em 2000, numa tentativa de recuperarem a vinha tiveram as despesas que invocam. Em Fevereiro de 2000, enviaram comunicação à ré, rescindindo o acordo de cessão de exploração e resolvendo o contrato de compra e venda. Em 2002 propõem acção em tribunal com o fim de ver declarada válida a rescisão da compra e venda e da cessão. &nbsp;</font> </p><p><font>Por decisão do STJ foi julgada improcedente a acção na parte relativa à rescisão dos contratos, mantendo a condenação dos Réus a pagar os valores de exploração e inflação em falta no valor de € 47.083,81 mais juros à taxa das obrigações civis e outros, parte a liquidar. </font> </p><p><font>Os Réus não retomaram a exploração nem pagaram os valores em que foram condenados, nem qualquer outra prestação e continuam a votar a quinta ao abandono, tendo sido os Autores que têm controlado a exploração do solo, replantando a vinha e tratando-a. O valor pago pela raiz era simbólico. A venda era completada com a celebração do contrato de cessão exploração, constituindo a formalização legal de uma “venda a prestações”. </font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Impugna a 1.ª Ré ter ocorrido falta de pagamento de prestações a partir de 95. Dispôs-se a pagar aquilo em que foi condenada. Não retomou a exploração por os autores terem arrancado a vinha tornando impossível o contrato, o que determinou a resolução do mesmo por iniciativa da Ré. O impedimento de acesso inviabilizou a continuação da exploração. O terreno foi disponibilizado sem vinha. Negam a relação entre os dois contratos, invocam o abuso de direito. Referem os montantes já pagos, que devem ser devolvidos por força da rescisão.&nbsp; </font> </p><p><font> </font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; Em réplica, pede-se a condenação por má-fé da 1.ª Ré, o que mereceu resposta.</font> </p><p><font>&nbsp;</font> </p><p><font>Realizado o julgamento a Mmª Juíza respondeu à matéria de facto e proferiu a seguinte decisão:</font> </p><p><font>“ Pelo exposto, julga-se a presente ação parcialmente procedente por provada e, em consequência: </font> </p><p><font>- declaram-se resolvidos o contrato de compra e venda e o contrato de cessão de exploração, celebrados a 11 de dezembro de 1989, aquele entre os Autores BB e mulher AA e a 1.ª Ré “CC – …, S.A.”, e este entre os Autores, a 1.ª Ré e os 2.ºs Réus DD e mulher EE; </font> </p><p><font>- condenam-se solidariamente os Réus a pagar aos Autores a quantia de € 96.556,66 (noventa mil quinhentos e cinquenta e seis euros e sessenta e seis cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4%, desde 1 de Julho de 2010 sobre&nbsp; € 31,066,56, desde 1 de Janeiro de 2011 sobre 33.304,55 e desde 1 de Julho de 2011 sobre € 32.185,55, tudo até integral pagamento; </font> </p><p><font>- absolvem-se os Réus do pedido de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais, formulado pelos Autores. </font> </p><p><font>Na improcedência da reconvenção, absolvem-se os Autores do pedido contra eles formulado pela 1.ª Ré…”.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Inconformados os Réus interpuseram recurso de apelação, tendo o Tribunal da Relação de Guimarães decidido o seguinte:</font> </p><p><font>«Acordam os juízes do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar parcialmente procedente a apelação, revogando-se a decisão na parte em que declarou válida a resolução do contrato de compra e venda.</font> </p><p><font>No mais confirma-se a decisão.</font> </p><p><font>Custas em ½ pelos recorrentes e ½ pelos recorridos.»</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Inconformados, interpõem os Autores recurso de revista para este Supremo Tribunal, formulando as seguintes conclusões:</font> </p><p><font>A) Por lapso material da 1.ª instância, não foi transcrita (3, portanto, não foi expressamente dada como provada) a totalidade da cláusula 6.ª do contrato de cessão de exploração celebrado entre as partes.</font> </p><p><font>B) Tal omissão assume – só agora – relevo essencial para a boa decisão da causa, porquanto o desconhecimento da parte omitida pelo Tribunal da Relação de Guimarães foi o que conduziu a que este não se tivesse apercebido de uma condição essencial do contrato de cessão de exploração, o que o levou, por sua vez, a sustentar uma argumentação que não encontra suporte na realidade contratual.</font> </p><p><font>C) O contrato de cessão de exploração não tinha uma duração mínima de&nbsp; dez anos, antes deveria durar enquanto qualquer dos ora recorrentes fosse vivo (tinha, nesse sentido, um carácter vitalício).</font> </p><p><font>D) Da análise dos dois contratos (compra e venda e cessão de exploração), celebrados no mesmo dia entre as mesmas partes, resulta evidente a estreita conexão existente entre ambos e o facto de só o seu conjunto traduzir os objectivos prosseguidos pelas partes: a maior “fatia” do preço acordado para a venda da Quinta do P.. seria paga sob a forma de renda devida pela cessão de exploração da parte do prédio afeta à produção do vinho.</font> </p><p><font>E) Por tal razão, a renda convencionada excedia, para a cessão de exploração da parte do prédio afeto à vitinicultura, em muito, a “renda de mercado” que normalmente seria devida.</font> </p><p><font>F) Este conjunto de dois contratos apresenta de particular o facto de uma prestação essencial (a renda/preço, a cargo dos ora recorridos) ser de montante aleatório por depender do tempo de vida dos ora recorrentes.</font> </p><p><font>G) O facto de o pagamento da parte mais substancial do preço da venda da Quinta do P.. ser feito através de uma renda vitalícia torna compreensível e totalmente proporcional a “sanção acessória” prevista na cláusula 10.ª do contrato de cessão de exploração, ou seja, que o incumprimento dos cessionários (Recorridos) deste contrato implicasse, também, o direito dos cedentes (Recorrentes) resolverem, com justa causa, o contrato de compra e venda.</font> </p><p><font>H) O Tribunal </font><i><font>a quo</font></i><font> incorreu num </font><b><font>erro de direito</font></b><font>: mesmo no pressuposto de que o contrato de cessão de exploração pudesse ter uma duração de apenas dez anos (ou seja, que só se renovaria se tal fosse a vontade da Recorrida CC, SA), o certo é que, nessa data, a plena propriedade não se consolidaria nas mãos desta Ré.</font> </p><p><font>I) Mas o que aqui mais releva é o </font><b><font>erro factual</font></b><font> em que incorreu o Tribunal </font><i><font>a quo</font></i><font>: a obrigação da CC, SA permanecer como cessionária da exploração das vinhas em causa não tinha uma duração mínima de dez anos. Essa obrigação existia durante toda a vida dos ora Recorrentes.</font> </p><p><font>J) Este erro factual viciou, de forma decisiva, o raciocínio em que se fundamenta a douta decisão do tribunal </font><i><font>a quo.</font></i> </p><p><font>K) Mesmo “ignorando” o facto de o contrato de cessão de exploração ter uma duração igual à da sobrevida dos ora recorrentes, isto é, admitindo que tinha prazos de duração de dez anos, renováveis, então a sua vigência terminaria em 11 de dezembro&nbsp; de 2019.</font> </p><p><font>L) Quando os ora Recorrentes exerceram o seu direito à resolução dos dois contratos (a pretensão de resolução que está em causa&nbsp; nos presentes autos e não aquela que esteve em causa no processo judicial anterior), em 21 de Outubro de 2011 (data de propositura da presente acção), faltariam – no entendimento de não se tratar de um contrato “vitalício” – mais de oito anos para o termo do período da renovação em curso do contrato de cessão de exploração.</font> </p><p><font>M) Ao fundamentar a sua decisão numa valoração do ilícito contratual praticado pelos ora Recorrentes entre julho de 1999 e 16 de junho de 2009, o tribunal a quo “julgou”, de novo, a mesma situação que foi apreciada e decidida em processo judicial anterior, o que é legalmente inadmissível.</font> </p><p><font>N) na presente acção, os Recorrentes pediram a resolução, com justa causa, dos contratos de cessão de exploração e de compra e venda com base em factos ocorridos posteriormente ao acórdão do STJ de 16 de Junho de 2009. Sendo apenas esses os factos que podem ser considerados como causa de pedir nos presentes autos.</font> </p><p><font>O) A tese de que a invocação de uma cláusula contratual, prevendo uma sanção para o caso de incumprimento de uma das partes, se vai tornando “progressivamente abusiva” à medida que o contrato se aproxima do seu termo não tem qualquer suporte legal ou jurisprudencial.</font> </p><p><font>P) A legalidade da cláusula 10.ª do contrato de cessão de exploração, que prevê a resolução do contrato de compra e venda como sanção acessória do incumprimento, pelo cessionário, das obrigações decorrentes do contrato de cessão de exploração, foi reafirmada pelas duas instâncias anteriores, com base no art. 405.º, n.º 1, do Código Civil, pelo que esta é uma questão definitivamente resolvida.</font> </p><p><font>Q) O argumento de que é abusivo invocar uma cláusula resolutiva num momento em que já decorreram vinte e três anos após a celebração do contrato não tem fundamento de qualquer natureza.</font> </p><p><font>R) O Tribunal </font><i><font>a quo,</font></i><font> ao justificar a sua decisão, deu relevo aos aspectos negativos do “comportamento” dos Recorrentes ao longo da vigência do contrato de cessão de exploração (apesar de o “comportamento” em causa ser uma questão que já havia sido apreciada e decidida em outro processo judicial), mas, </font><i><font>sic et simpliciter, </font></i><font>absteve-se de fazer quaisquer considerações sobre os aspectos francamente negativos da conduta contratual dos Recorridos. Ou seja, nesta apreciação (que, de qualquer modo, não deveria fazer) o Tribunal </font><i><font>a quo</font></i><font> usou “dois pesos e duas medidas”.</font> </p><p><font>S) Se o Tribunal da Relação de Guimarães decidiu existir incumprimento, culposo e definitivo, por parte dos Recorridos da obrigação contratual essencial de pagamento das rendas acordadas e decidiu, em coerência, pela procedência do pedido de resolução com justa causa do contrato de cessão de exploração, não se entende como é que tal incumprimento não deva igualmente relevar para a aplicação da outra cláusula contratual (10.ª), expressamente acordada entre as partes para regular as consequências de um tal incumprimento.</font> </p><p><font>T) Ao chamar à colação a questão do replantio da vinha como justificativo para considerar “menos culposa” a conduta da recorrida CC, SA, em ordem a justificar a qualificação de “abusiva” da pretensão dos ora recorrentes em obterem a resolução do contrato de compra e venda, o Tribunal </font><i><font>a quo</font></i><font>, pura e simplesmente, ignorou a distinção (e as consequências jurídicas que dela advêm, nomeadamente para os recorridos) entre recursos judiciais com efeito suspensivo e com efeito devolutivo.</font> </p><p><font>U) A decisão recorrida parece louvar-se em juízos de equidade que, para além de se revelarem injustos no caso concreto, são legalmente inadmissíveis.</font> </p><p><font>V) A confirmação do Tribunal da Relação de Guimarães poderá resultar num insuportável locupletamento dos ora Recorridos à custa dos Recorrentes e, também, dos herdeiros destes, pois, um dia, por morte do último dos ora Recorrentes, a sociedade ora Recorrida poderá adquirir a plena propriedade da Quinta do P.. (um imóvel de elevadíssimo valor), tendo apenas pago três mil contos (o valor atribuído à raiz) e 17 rendas semestrais do contrato de cessão de exploração (as vencidas desde o início do contrato até ao primeiro semestre de 1998).</font> </p><p><font>W) Tal locupletamento seria, ele sim, um verdadeiro “abuso de direito”!</font> </p><p><font>X) Só a peticionada resolução do contrato de compra e venda poderá evitar esta situação de locupletamento dos Recorridos à custa dos Recorrentes e permitirá a reposição, no possível, do equilíbrio contratual.</font> </p><p><font>Y) Sem “os incidentes” a que o incumprimento dos Recorridos deu causa primeira, na normal vigência do contrato de cessão de exploração, até hoje, teriam recebido 29 rendas semestrais, sempre actualizadas, e receberiam ainda as que se vencessem até ambos falecerem.</font> </p><p><font>Z) É incerto, desde logo em função da alienação e oneração de bens imóveis a que os Recorridos procederam, que os Recorrentes consigam cobrar coercivamente os valores em que aqueles já foram condenados, quer no âmbito deste processo, quer no anterior, e que nunca foram liquidados voluntariamente (nem sequer em parte).</font> </p><p><font>AA) Termos em que, por a peticionada resolução do contrato de compra e venda não constituir um qualquer abuso de direito, antes se mostrar totalmente justa e proporcional, deve ser revogada a decisão tomada no acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães ora recorrido e confirmada, na sua totalidade, a sentença proferida em primeira instância».</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Sabido que o objecto dos recursos se delimita pelas conclusões das alegações (art. 635.º n.º 3 do NCPC), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (art. 608.º NCPC </font><i><font>in fine</font></i><font>), as questões a decidir, pela sua ordem lógica, são as seguintes:&nbsp; </font> </p><p><font> </font> </p><p><font>I) </font><i><font>Rectificação da matéria de facto fixada, por falta de inclusão na mesma da alínea b) da cláusula 6.ª do contrato de cessão de exploração outorgado por escritura pública junta aos autos;</font></i> </p><p><i><font> </font></i> </p><p><font>II) </font><i><font>Interpretação das declarações negociais e coligação de contratos;</font></i> </p><p><font> </font> </p><p><font>III) </font><i><font>Abuso do direito de resolução do contrato.</font></i> </p><p><font> </font> </p><p><font> </font> </p><p><b><font>II – Fundamentação de facto</font></b> </p><p><font>&nbsp;</font> </p><p><font>A) - Por escritura pública outorgada a 11 de dezembro de 1989, na Secretaria Notarial de ..., os Autores, como primeiros outorgantes, declararam que «com reserva de usufruto vitalício e sucessivo para eles, por inteiro, e pelo preço de três mil contos, vendiam à sociedade que os 2ºs outorgantes [DD e EE] representam “CC, …, SA”, o prédio denominado “Quinta do P..”, situado no lugar do ..., da freguesia ..., prédio este todo murado e que se compõe de duas parcelas; a parcela A de vinha, com ramadas e cruzetas, todas produtoras de uvas brancas; e a parcela B separada da parcela A por uma linha que, partindo do extremo sul da estufa, se dirige para poente, terminando no muro da quinta que margina com a estrada de acesso ao centro da freguesia, ou seja termina a trinta metros a sul do portão principal da Quinta, parcela esta situada a norte da parcela a, nela se encontrando a casa principal, a garagem, lojas e armazéns de arrumos, duas habitações mais pequenas, eira com espigueiro, tanque de irrigação, vacaria com anexos, alpendre, relvados com árvores de fruto e outras, roseiral, canteiros com flores e horta com videiras, a nascente da qual existe uma construção de trinta e cinco metros que serve de casa para pessoal e mais a sul uma estufa» e «que este prédio “Quinta do P..”, formado pelas duas referidas parcelas A e B, está descrito na Conservatória do Registo Predial de ..., sob o número zero, zero, cento e quarenta e nove, da freguesia ..., com registo de transmissão a favor deles vendedores pelas inscrições G - um, G – dois, G – três, G –quatro, G – Cinco e G – Seis e inscrito nos artigos setenta e sete e setenta e nove da matriz urbana e mil cento e dois da matriz rústica…» e «que já receberam dos segundos outorgantes o indicado preço». </font> </p><p><font>B) - Os Réus DD e EE, na qualidade de segundos outorgantes declararam «que para a sua representada aceitam este contrato». </font> </p><p><font>C) - Por escritura pública outorgada no mesmo dia 11 de dezembro de 1989, na mesma Secretaria Notarial, os Autores como primeiros outorgantes e os Réus DD e EE (que intervieram em seus próprios nomes e também na qualidade de administradores da Ré “CC …, S.A.”) como segundos outorgantes, declararam «que, pela presente escritura, eles primeiros outorgantes, na qualidade de usufrutuários, da denominada “Quinta do P..” cedem à sociedade representada pelos segundos “CC …”, a exploração de toda a sua parcela A, nas seguintes condições: (…) 3.ª- a) A sociedade fica responsável por todos os trabalhos de conservação, tratamento, plantio e reparações na parcela A, necessárias àqueles fins; (…) 6.º- a) Este contrato terá o seu início em um de janeiro de mil, novecentos e noventa e durará pelo período de DEZ anos, renovável automaticamente por iguais períodos de dez anos, sem que a isso se possam opor os primeiros outorgantes; 7.º - a) O valor da exploração é de quatro mil e quinhentos contos anuais, pagáveis cinquenta por cento até ao fim do mês de junho e os restantes cinquenta por cento até ao fim de dezembro de cada ano; b) O preço final sofrerá um aumento também anual, correspondente ao valor da inflação calculada sobre o preço dos bens de consumo fornecidos pelo Instituto Nacional de Estatística; c) A inflação será sempre acrescida ao valor da segunda prestação pagável até trinta e um de dezembro, ou seja, sobre a metade da prestação global do ano anterior já atualizada; 8.º - os segundos outorgantes, em seus nomes pessoais, vinculam-se como fiadores e principais pagadores da sociedade sua representada por todas as obrigações emergentes deste contrato e da lei, tanto no período inicial do contrato como das suas eventuais renovações; 9 – A falta de cumprimento deste contrato quer pela sociedade concessionária quer pelos segundos outorgantes em seus próprios nomes, por período superior a dezoito meses, será motivo para rescisão do contrato </font><i><font>ipso</font></i><font> </font><i><font>facto</font></i><font>, por parte dos primeiros outorgantes; 10.º - A falta de cumprimento deste contrato por parte da sociedade cessionária funciona ainda como condição resolutiva para a compra e venda, hoje efetuada da raiz da Quinta do P..». </font> </p><p><font>D) - Correu termos neste 1.º juízo a ação ordinária com o n.º 2/2002, interposta pelos aqui Autores contra os ora Réus, onde aqueles pediram «que seja declarada válida a rescisão do contrato de compra e venda e de cessão de exploração; a condenação dos 1.ª e 2.º réus no pagamento solidário das rendas e inflações correspondentes em falta, no valor de 14 224 984$00 acrescidas de juros de mora vencidos, no valor de 5 120 995$00 e dos vincendos, à taxa legal, até integral pagamento; a condenação dos mesmos réus no pagamento solidário de 813.847$00, a título de indemnização por danos patrimoniais, acrescidos de juros desde a citação até integral pagamento; que sejam declarados ineficazes as transmissões dos prédios dos 2.ºs réus quer à 3.ª ré quer aos 4.ºs réus, através das escrituras públicas referidas nos autos, e que os bens alienados sejam restituídos ao património dos 2.ºs réus» e onde os Réus deduziram reconvenção pedindo «que seja mantido considerado válido e eficaz o contrato de arrendamento rural, impropriamente designado na escritura como cessão de exploração; que a renda seja reduzida de acordo com a avaliação que vier a ter lugar; que a 1.ª ré só seja obrigada a pagar as rendas devidas e em atraso desde 31/12/1998 e até ao encerramento dos portões da propriedade, sem juros, deduzidas as importâncias correspondentes aos tratamentos e colheitas de que os autores se apropriaram; se assim não se entender, pedem … que, face à resolução ilícita do contrato pelos autores, sejam estes condenados a devolver à 1.ª ré as rendas entregues, no montante de 56 863 833$0, e ainda, a pagar uma indemnização por prejuízos materiais e à imagem da 1ª ré, a liquidar em execução de sentença». </font> </p><p><font>E) - Por sentença proferia a 20/07/2007, na acção referida em D), resultou provado que:</font> </p><p><font>«A) - Por escritura pública datada de 11 de dezembro de 1989, outorgada no 1.° Cartório Notarial de ..., os Autores, como primeiros outorgantes, declararam que “com reserva do usufruto vitalício e sucessivo para eles, por inteiro, e pelo preço de três mil contos, vendem à sociedade que os segundos outorgantes - os Réus DD e EE - representam, CC, …, SA., o prédio denominado Quinta do P.., situado no lugar do ..., da referida freguesia ..., prédio todo este murado e que se compõe de duas parcelas: a parcela A de vinha, com ramadas e cruzetas, todas produtoras de uvas brancas; e a parcela B separada da parcela A por uma linha que, partindo do extremo sul da estufa, se dirige para poente, terminando no muro da quinta que margina com a estrada de acesso ao centro da freguesia, ou seja, termina a trinta metros a sul do portão principal da Quinta, parcela esta situada a norte da parcela A, nela se encontrando a casa principal, a garagem, lojas e armazéns de arrumos, duas habitações mais pequenas, eira com espigueiro, tanque de irrigação, vacaria com anexos, alpendre, relvados com árvores de fruto e outras, roseiral, canteiros com flores e horta com videiras, a nascente da qual existe uma construção de trinta e cinco metros que serve de casa para pessoal e mais a sul uma estufa (…), descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o número zero zero cento e quarenta e nove, da freguesia ..., com registo de transmissão a favor deles vendedores pelas inscrições G-um, G-dois, G-três, G-quatro, G-cinco e G-seis e inscrito nos artigos setenta e sete e setenta e nove da matriz urbana e mil cento e dois da matriz rústica (. ..), e que já receberam dos segundos outorgantes o indicado preço", tendo os Réus DD e EE, na qualidade de segundos outorgantes, declarado que "para a sociedade sua representada aceitam este contrato". </font> </p><p><font>B) - Por escritura pública datada de 11 de dezembro de 1989, outorgada no 1.º Cartório Notarial de ..., os Autores, como primeiros outorgantes, e os Réus DD e mulher EE, que intervieram em seus próprios nomes e também na qualidade de administradores da Ré “CC, …, S.A.", como segundos outorgantes, declararam que “pela presente escritura, eles, primeiros outorgantes, na qualidade de usufrutuários da denominada Quinta do P.., cedem à sociedade representada dos segundos outorgantes «CC, …, S.A.» a exploração de toda a sua parcela A, nas seguintes condições: (…) 3º -a) A sociedade fica responsável por todos os trabalhos de conservação, tratamento, plantio e reparações na parcela A, necessárias àqueles fins; (…) 7°- a) O valor da exploração é de quatro mil e quinhentos contos anuais, pagáveis cinquenta por cento até ao fim do mês de junho e os restantes cinquenta por cento até ao fim de dezembro de cada ano; b) O preço anual sofrerá um aumento, também anual, correspondente ao valor da inflação calculada sobre o preço dos bens de consumo fornecido pelo Instituto Nacional de Estatística; c) A inflação será sempre acrescida ao valor da segunda prestação pagável até trinta e um de dezembro, ou seja, sobre a metade da prestação global do ano anterior já atualizada; 8°. - Os segundos outorgantes, em seus nomes pessoais, vinculam-se como fiadores e principais pagadores da sociedade sua representada por todas as obrigações emergentes deste contrato e da lei, tanto no período inicial do contrato como das suas eventuais renovações; 9º - A falta de cumprimento deste contrato quer pela sociedade cessionária quer pelos segundos outorgantes em seus próprios nomes, por período superior a dezoito meses, será motivo para rescisão </font><i><font>ipso</font></i><font> facto, por parte dos primeiros outorgantes; 10° 1 - A falta de cumprimento deste contrato por parte da sociedade cessionária funciona ainda como condição resolutiva para a compra e venda, hoje efetuada, da raiz da Quinta do P..". </font> </p><p><font>C) - Desde 1995, a 1°. Ré liquidava as prestações do “valor da exploração” com atrasos, solicitando sempre uma moratória e subdivisão em outras prestações.</font> </p><p><font>&nbsp;D) - A quantia de 4 536 896$00, referente à segunda prestação do “valor de exploração" de 1998, não foi paga. </font> </p><p><font>E) - A quantia de 254 067$00, referente à inflação do ano de 1998, não foi paga. </font> </p><p><font>F) - A quantia de 4 536 896$00, referente à primeira prestação do “valor de exploração" de 1999, não foi paga.</font> </p><p><font>&nbsp;G) – Os Autores enviaram à 1.ª Ré e aos 2°s. Réus, no dia 7 de janeiro de 2000, duas cartas registadas com aviso de receção, com vista a “rescindir” o acordo referido em B) e a “resolver” o acordo referido em A), ao abrigo das cláusulas nona e décima do acordo identificado em B), por violação das cláusulas 3°-a) e 7º deste acordo. </font> </p><p><font>H) - As cartas referidas em G) foram devolvidas aos Autores com a nota “não reclamadas". </font> </p><p><font>I) – Os Autores requereram a notificação judicial avulsa da 1.ª Ré e dos 2º.s Réus do teor das cartas referidas em G). </font> </p><p><font>J)L) - A 1ª. Ré foi notificada em 16 de fevereiro de 2000 e os 2°s. Réus foram notificados em 9 de fevereiro de 2000 (a Ré) e 11 de fevereiro de 2000 (o Réu). </font> </p><p><font>M) - Por escritura pública datada de 9 de setembro de 1997, outorgada no Cartório Notarial de ..., entre FF, em representação dos segundos Réus, e GG, na qualidade de procurador da sociedade comercial por quotas denominada “HH", foi declarado pelo primeiro que “pela presente escritura os seus constituintes vendem à sociedade que o segundo outorgante representa pelo preço total de dezassete milhões e quinhentos mil escudos, que já receberam, os seguintes bens: - pelo preço de onze milhões de escudos o prédio misto que por alterações supervenientes se compõe de casas de habitação, sendo uma de rés do chão e outra de rés do chão e primeiro andar com logradouro, com a área coberta de duzentos metros quadrados e a descoberta de três mil e oitenta metros quadrados, e Eido do ..., com a área de duzentos e vinte metros quadrados, sito no lugar do ..., da referida freguesia ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o número setecentos e setenta e dois, da respetiva freguesia, encontrando-se um terço indiviso registado a favor do vendedor pelas inscrições G-dois e G-três, inscrito na matriz sob os artigos … e … urbanos e … rústico. (…) - Pelo preço de dois milhões e quinhentos mil escudos, o seguinte mobiliário existente na casa de habitação inscrita na matriz sob o art. …: Na cave. Sala Grande - mobília de sala de jantar, composta por mesa, seis cadeiras, sete candeeiros, cinco sofás individuais, duas carpetes e mesa de apoio. Sala Pequena – um sofá de três lugares, uma carpete, duas mesas de apoio e um armário. Rés do chão: Capela: dez candeeiros, um altar, uma imagem de São José, uma imagem da Senhora do Sameiro, um crucifixo e uma imagem de Santo António; Cozinha - uma mesa, oito cadeiras, um frigorífico, uma máquina de lavar loiça, um fogão, uma prateleira e dois móveis de cozinha para louça; Sala de jantar - mobília composta por mesa, oito cadeiras, um aparador, dois sofás individuais, uma mesa de apoio, uma carpete, um móvel de secretária, três candeeiros de teto e um quadro; Quarto principal - uma cama, duas mesinhas de cabeceira, um guarda-fatos, um candeeiro de teto e uma cadeira; Segundo quarto - duas camas individuais, duas mesinhas de cabeceira, um candeeiro de teto, dois candeeiros de mesinha de cabeceira e urna cadeira; Terceiro quarto - uma cama, duas mesinhas de cabeceira, um candeeiro de teto, dois candeeiros de mesinha de cabeceira e uma cadeira; Primeiro andar: Três quartos - Primeiro: uma cama, uma mesinha de cabeceira e uma cadeira. Segundo: uma cama, duas mesinhas de cabeceira e um guarda-fatos. Terceiro - uma cama e duas mesinhas de cabeceira. E que pelo preço de quatro milhões de escudos, o seguinte imóvel: Prédio rústico denominado «C...››, com a área de dois mil setecentos e trinta e seis metros quadrados, sito lugar de Seara da referida freguesia ..., descrito na citada Conservatória sob o número oito da respetiva freguesia, registado a favor do vendedor pela inscrição G-dois, inscrito na matriz sob o art. … (...). Pelo segundo outorgante foi dito que para a sociedade que representa aceita o presente contrato". </font> </p><p><font>N) - Na Conservatória do Registo Predial de ..., mostra-se inscrita a favor dos 4°s. Réus desde 29 de julho de 1999 a aquisição do prédio rústico – C..., lote …, parcela de terreno para construção urbana - área 465 m2, a confrontar do norte com arruamento do loteamento, nascente com o lote dezassete, sul com herdeiros de II e poente com lote 19, aí descrito sob o n.° …, freguesia ..., por compra aos 2°s. Réus. </font> </p><p><font>&nbsp;O) – Na Conservatória do Registo Predial de ..., mostra-se inscrita a favor dos 4°s. Réus desde 29 de julho de 1999 a aquisição do prédio rústico - C..., lote …, parcela de terreno para construção urbana - área 580 m2, a confrontar do norte com arruamento do loteamento, nascente com o lote dezoito, sul com herdeiros de II e poente com lote 20, aí descrito sob o n°…, freguesia ..., por compra aos 2°s. Réus. </font> </p><p><font>P) - A escritura referida em M) foi celebrada pelos 2°s Réus com a expectativa de estes reaverem os prédios logo que a sua situação financeira o permitisse. </font> </p><p><font>1.º - A quantia de 4 663 929$00, referente à segunda prestação do “valor de exploração" de 1999, não foi paga.&nbsp; </font> </p><p><font>2.º - A quantia de 233 196$00, referente a inflação de 1999, não foi paga. </font> </p><p><font>5.º, 6.º, 7.º - No verão de 1999, a vinha encontrava-se com ervas daninhas, nomeadamente junça, algumas videiras estavam secas e havia arames e ferros partidos. </font> </p><p><font>8.º - Em abril de 2000, os Autores gastaram 196 455$00 em adubos e estrumes para recuperarem a vinha. </font> </p><p><font>9.º - Em novembro de 1999, os Autores gastaram 117 351$00 em arame para colocar na vinha.</font> </p><p><font>10.º - Nos trabalhos de recuperação da vinha, os Autores empregaram várias pessoas, a quem pagaram. </font> </p><p><font>11.º, 12.º - Desde o início do cultivo da parcela A da Quinta do P.., a 1ª. Ré dispunha um técnico para orientar o cuidado das vinhas, bem como de um funcionário experiente no ramo que orientava os trabalhos. </font> </p><p><font>13.º - O técnico responsável fazia visitas à vinha mais do que uma vez por mês. </font> </p><p><font>14.º, 15.° - Tal técnico orientava o funcionário referido na resposta conjunta aos quesitos 11.º e 12.º, que aí trabalhava em permanência. </font> </p><p><font>20.
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NjJ2u4YBgYBz1XKvEgxI
1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><br> <br> <font> </font><br> <font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça</font><br> <font> </font><br> <font> </font><br> <b><font>I – Relatório</font></b><br> <b><font> </font></b><br> <b><font>1. AA</font></b><font> intentou a presente ação declarativa sob a forma de processo comum contra </font><b><font>BB</font></b><font>, pedindo que: </font><br> <font>“a) seja declarado que é dono e legítimo proprietário do imóvel identificado no artigo 1º da petição inicial; </font><br> <font>b) em consequência, a Ré seja condenada a entregar-lhe imediatamente o mesmo imóvel, inteiramente livre de pessoas e das suas coisas; </font><br> <font>c) a Ré seja condenada a pagar-lhe uma indemnização decorrente da ocupação abusiva e não consentida que vem fazendo do imóvel, indemnização que deverá ter por base o valor locativo do imóvel no mercado livre de arrendamento, valor esse que entende não dever ser inferior a € 500/mês, devendo a indemnização ser calculada desde o início da ocupação abusiva e até à efetiva entrega da fração livre de pessoas e de coisas da Ré, liquidando o valor já em dívida desde o seu início, isto é, desde Maio de 2014, inclusive, em € 2.000, indemnização sobre cujo valor global devem acrescer juros de mora à taxa legal desde a citação até efetivo pagamento; </font><br> <font>d) a Ré seja condenada ao pagamento de uma indemnização por danos causados pela ocupação e deterioração do imóvel, cujo valor apenas poderá ser liquidado em função do estado em que a coisa for entregue, a relegar para o respetivo procedimento de liquidação”.</font><br> <font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; </font><br> <b><font> </font></b><div></div><b><font>Alega, em síntese,</font></b><font> que adquiriu metade daquele imóvel por sucessão hereditária resultante do óbito de sua mãe, tendo adquirido a outra metade por escritura pública de compra e venda ao seu pai, o qual tem registado a seu favor.</font><br> <font>Acontece que, com o seu consentimento viveu nesse imóvel, até ..., seu pai entretanto falecido, casado com a Ré, pelo que no dia do seu funeral solicitou a entrega do imóvel á ré, que não lho entregou até hoje.</font><br> <font>Acrescenta que a Ré não paga qualquer valor pela ocupação do imóvel, o qual tem um valor locatício actual de €500 pelo menos, além de que dessa ocupação decorre o desgaste e deterioração do imóvel, cujo valor só poderá ser liquidado em função do seu estado à data da entrega. </font><br> <font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; </font><br> <b><font>2. A Ré contestou,</font></b><font> dizendo que casou com o falecido pai do A em 10 de Maio de 1990, vivendo ambos como casal no referido imóvel.</font><br> <font>Padecendo o falecido marido de algumas enfermidades, nomeadamente de cegueira progressiva, a ré tratou-o com desvelo, proporcionando-lhe cuidados esmerados, pelo que o mesmo, agradecido, contemplou-a em testamento, legando-lhe o usufruto vitalício de toda a sua herança e, caso o seu filho discordasse desse usufruto, ou não o cumprisse, deixava-lhe a quota disponível de todos os seus bens.</font><br> <b><font>Deduziu ainda reconvenção pedindo: </font></b><br> <font>“a) que seja declarado nulo e de nenhum efeito o contrato de compra e venda em apreço nos autos, por virtude de o mesmo revestir as características de contrato simulado; </font><br> <font>b) cumulativamente, que o Réu seja condenado a reconhecer que tal contrato é simulado e, em consequência, nulo e de nenhum efeito jurídico; </font><br> <font>c) seja ordenado o cancelamento na Conservatória do Registo Predial de …, no prédio descrito com o nº ...-..., do registo correspondente à Ap. 77 de 2005.09.21 – compra, bem como o cancelamento da Ap. 78 de 2005.09.21-usufruto e ainda o cancelamento de quaisquer registos que venham a aparecer posteriores à entrada da ação, ficando do prédio, metade registado em nome do seu titular CC, passando a fazer parte do acervo da sua herança</font><br> <font> </font><div></div><font>d) cumulativamente, que o Réu seja condenado a reconhecer que metade do prédio nº ... pertence à herança por óbito de CC, fica sujeito aos regimes legais impostos pelo apanágio do cônjuge sobrevivo e pelo direito de habitação da casa de morada de família e direito de uso do recheio;&nbsp; </font><br> <font>e) o Réu seja condenado a pagar-lhe a quantia de € 500 pelas benfeitorias articuladas”. </font><br> <b><font>Alega para o efeito</font></b><font> que só tomou conhecimento da existência da escritura de venda da raiz da casa de morada de família após o falecimento do marido, sendo certo que não houve intenção deste de vender nem do Autor de comprar o imóvel, e que o declarante vendedor não recebeu a quantia de € 10.000 nem o comprador pagou qualquer montante, só acordando neste negócio para a prejudicar, a fim de a ver afastada da legítima, tanto que também se dirigiram ao banco onde o marido levantou todo o dinheiro de ambos e o confiou à guarda do Autor.</font><br> <font>Mais alega que após a morte do marido teve de proceder a extensas limpezas, despendendo a quantia de € 150 para conservação das partes interiores da habitação, e teve de adquirir tintas e contratou pessoal para proceder à pintura, no que despendeu € 250.00.</font><br> <font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; </font><br> <b><font>O Autor replicou,</font></b><font> argumentando que o progenitor cegou completamente, tornando-se totalmente dependente de terceiros para as tarefas do dia-a-dia e para se deslocar; que em 2001 o pai tomou conhecimento que a Ré mantinha uma relação extramatrimonial com um vizinho e, de forma mais ocasional, também relações de sexo com outros homens; que a Ré deixou de prestar ao seu pai qualquer cuidado ou atenção, pelo que passou a ser ele quem lhe prestava esses cuidados, sendo certo que o valor da reforma do progenitor era insuficiente para assegurar o pagamento das despesas mensais. </font><br> <font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; </font><br> <b><font>3. Tramitados regularmente os autos foi proferida a seguinte decisão:</font></b><br> <font>“Em face do exposto, o Tribunal: </font><div></div><font>I. Julgando a ação parcialmente provada e procedente: </font><br> <font>a) declara o Autor AA proprietário do prédio urbano constituído por casa de habitação com quintal, com a área coberta de 48 m2 e com a área descoberta de 278 m2, sito no Lugar do ..., da freguesia de ..., concelho de ..., inscrito na matriz sob o artigo ... e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº ...; </font><br> <font>b) condena a Ré BB: </font><br> <font>i) a entregar ao Autor, imediatamente, o prédio identificado em a) livre de pessoas e de coisas;&nbsp; </font><br> <font>ii) a pagar ao Autor, a título de indemnização pela ocupação do prédio, o montante mensal que vier a ser apurado em incidente de liquidação, correspondente ao seu valor locativo desde Maio de 2014 até à efetiva entrega livre de pessoas e de coisas; </font><br> <font>c) absolve a Ré do pedido formulado sob a alínea d). </font><br> <font>II. Julgando a reconvenção parcialmente provada e procedente: </font><br> <font>a) condena o Reconvindo AA a pagar à Reconvinte BB o montante que vier a ser apurado em incidente de liquidação relativamente à poda das duas árvores existentes no quintal do imóvel; </font><br> <font>b) absolve o Reconvindo dos restantes pedidos formulados pela Reconvinte. </font><br> <font>Custas da ação a cargo do Autor e da Ré na proporção de 9/10 e 1/10, respetivamente, e da reconvenção a cargo da Reconvinte e do Reconvindo na proporção de 9/10 e 1/10, respectivamente…”. </font><br> <font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; </font> <p><b><font>4.</font></b><font> Não se conformando com a decisão proferida, dela veio a ré interpor recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Guimarães, que por acórdão datado de 29 de abril de 2019, decidiu o seguinte:</font> </p><p><font>«Pelo exposto, </font><b><font>Julga-se procedente a Apelação e em consequência:</font></b><br> <b><font>Julga-se improcedente a acção</font></b><font> (relativamente a metade do imóvel reivindicado nos autos pelo A);</font><br> <b><font>Julga-se procedente a reconvenção</font></b><font> e em consequência:</font><br> <font>- Declara-se nulo o contrato de compra e venda em apreço nos autos;</font><br> <font> </font></p><div></div><font>- Ordena-se o cancelamento, no prédio descrito com o nº ...-..., do registo correspondente à Ap. 77 de 2005.09.21- compra, bem como o cancelamento da Ap. 78 de 2005.09.21- usufruto e ainda o cancelamento de quaisquer registos que venham a aparecer posteriores à entrada da acção».</font><br> <font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; &nbsp;</font> <p><b><font>5.</font></b><font> Inconformado, recorre o Autor para este Supremo Tribunal, formulando, nas suas alegações de recurso, as seguintes conclusões:</font> </p><p><font>«1. A decisão sobre a admissibilidade do uso de presunções judiciais pelo Tribunal da Relação depende do respeito, ou não, pelos pressupostos legalmente estabelecidos quanto ao exercício dos seus poderes: a utilização de presunções não pode ofender norma legal, ser ilógica, partir de factos não provados, alterar os factos provados que elege em factos-premissa de tais presunções, concluir por factos que contrariem as respostas afirmativas ou negativas decorrente da decisão inalterada proferida sobre a matéria de facto, ou que conduzam a factos não alegados.</font> </p><p><font>2. A decisão recorrida julgou provados, por presunção judicial, os seguintes factos:</font> </p><p><i><font>"O vendedor CC e o A (seu filho) não tiveram o intuito de realizar qualquer contrato de compra e venda que tivesse como objecto a (metade) da raiz do prédio identificado no nº 1 da petição inicial (.../... - ..., art.º ....° urbano - União das freguesias de ... e ...)”.</font></i> </p><p><i><font>“O CC não vendeu nem quis vender ao A a metade da raiz do referido prédio, assim como o A não comprou, nem quis comprar ao seu pai CC a metade da raiz do mesmo prédio”.</font></i> </p><p><i><font>“Tanto o CC como o AA acordaram em realizar tal contrato de compra e venda com o objectivo de desfalcarem todo o património do CC a fim de evitarem que, à sua morte, a R. apelante viesse a receber qualquer bem (património) em que se consubstanciasse a sua herança de cônjuge”.</font></i> </p><p><font>3. Para concluir, à luz das regras da experiência e do normal acontecimento da vida, dos juízos correntes de probabilidade, dos princípios de lógica corrente e dos dados da intuição humana, que se provaram tais factos, a decisão recorrida “pegou” nos seguintes factos que disse provados:</font> </p><p><i><font>«1. O A não pagou ao pai o preço da venda;</font></i></p><div><br> </div><br> <br> <i><font>2. A ré só soube da escritura de compra e venda após a morte do marido;</font></i> <p><i><font>3. Havia um testamento lavrado em 1996 que a instituía legatária do usufruto de toda a herança, incluindo a casa de habitação;</font></i> </p><p><i><font>4. O falecido marido dizia aos familiares da ré que queria que ela ficasse na casa após o seu decesso»</font></i> </p><p><font>4. O primeiro desses factos não constitui facto provado, não constando do elenco dos provados da sentença (que o Tribunal da Relação não modificou);</font> </p><p><font>5. Foi na verdade pela Ré colocada ao tribunal, em primeira instância, a questão de facto de saber se o vendedor (o pai do aqui Recorrente) recebeu ou não recebeu o preço e se o comprador pagou ou não pagou o preço constante da escritura, factos que alegou nos artigos 45 e 46 da sua Contestação. </font> </p><p><font>6. Apreciando essa questão de facto, o tribunal de primeira instância deu como provado apenas o seguinte:</font> </p><p><font>24. O Autor não entregou a CC o montante aludido em 1) [resposta aos artigos 45º e 46º da contestação].</font> </p><p><font>7.Tal decisão, proferida perante questão na qual de forma directa e expressa se pretendia apurar se o Autor pagou ao pai o preço da venda, e que concluiu que “O Autor não entregou a CC o montante aludido em 1)”, implica necessariamente que o tribunal </font><i><font>a quo</font></i><font>, ao utilizar como facto provado não o que resulta do facto 24 dos provados da sentença, mas o que dos artigos 45º e 46º da Contestação não ficou provado, utilizou um facto não provado.</font> </p><p><font>8. A diferença não é meramente de vocabular, mas qualitativa, com directa repercussão no domínio da própria qualificação jurídica: entregar um montante não é equivalente a pagar um preço; e pagar um preço também não implica necessariamente entregar um montante.</font> </p><p><font>9. Não tendo o TRG utilizado como objecto “das regras da experiência, dos juízos correntes de probabilidade, dos princípios de lógica corrente e dos dados da intuição humana” um facto provado, mas sim outro, por si livremente construído a partir da matéria de facto não provada alegada nos artigos 45º e 46º da Contestação, a decisão recorrida violou por manifesto</font></p><div><br> </div><br> <br> <font>erro de interpretação e aplicação o disposto no artigo 349º do Código Civil, desrespeitando os limites dentro lhe era admissível o uso de presunções judiciais.</font> <p><font>10. O terceiro desses factos 13 também não constitui facto provado, não constando do elenco dos provados da sentença (que o Tribunal da Relação não modificou);</font> </p><p><font>11. O “testamento lavrado em 1996” não se refere sequer a usufruto de uma casa de habitação.</font> </p><p><font>12. E o testador não era proprietário daquela casa de habitação, pelo que para além de o testamento o não dizer, ainda que ele fosse, à data da sua morte, comproprietário desse imóvel, nunca poderia por testamento constituir a favor de Recorrida um usufruo sobre imóvel, pelo que a deixa testamentária que institui a Recorrida como legatária da herança, nunca poderia ser interpretada de forma a acolher o facto não provado utilizado pelo Tribunal da Relação como base da sua presunção.</font> </p><p><font>13.Também por referência a este facto, há que concluir que não tendo o TRG utilizado como objecto “das regras da experiência, dos juízos correntes de probabilidade, dos princípios de lógica corrente e dos dados da intuição humana” um facto provado mas sim outro, por si modificado, que não consta dos elenco dos provados da sentença proferida em primeira instância nem do documento para que tal facto remete (o “testamento de 1996”), é manifesto que a decisão recorrida violou por erro de interpretação e aplicação o disposto no artigo 349º do Código Civil, desrespeitando os limites dentro dos quais lhe era admissível o uso de presunções judiciais.</font> </p><p><font>14.O quarto desses factos também não constitui facto provado, não constando do elenco dos provados da sentença (que o Tribunal da Relação não modificou);</font> </p><p><font>15.O que se encontra provado é o seguinte:</font> </p><p><font>20. CC dizia aos familiares da Ré que pretendia que esta ali continuasse a viver depois do seu decesso, sem companhia de outro homem [resposta ao artigo 17º da contestação].</font> </p><p><font>16.A formulação utilizada pelo TRG (de “ali continuar a viver após o seu decesso”) traduz um facto que é compatível, no plano lógico com a ideia de constituir um usufruto vitalício sobre o imóvel (independentemente de, como se disse, não ser isso nem poder ser isso </font></p><div><br> </div><br> <br> <font>o que resulta do testamento); a formulação que consta da decisão de facto (de “ali continuar a viver após o seu decesso sem companhia de outro homem) traduz uma condição incompatível com a perpetuidade que o TRG conferiu ao facto que utilizou.</font> <p><font>17. E desse facto condicional não pode emergir a mesma presunção que do facto incondicional e perpétuo, designadamente quanto ao facto de a venda ao Recorrente visar prejudicar a Recorrida, pois que aquele facto condicional significa que o pai do Recorrente em caso algum admitia como possível a atribuição de qualquer direito de usufruto ou até de simples habitação ou utilização do imóvel pela Recorrida, no caso de esta ter a companhia de outro homem.</font> </p><p><font>18.Também por referência a este facto, há que concluir que não tendo o TRG utilizado como objecto “das regras da experiência, dos juízos correntes de probabilidade, dos princípios de lógica corrente e dos dados da intuição humana” um facto provado mas sim outro, por si modificado, que não consta dos elenco dos provados da sentença proferida em primeira instância é manifesto que a decisão recorrida violou por erro de interpretação e aplicação o disposto no artigo 349º do Código Civil, desrespeitando os limites dentro dos quais lhe era admissível o uso de presunções judiciais.</font> </p><p><font>19.A decisão recorrida não modificou, por efeito do recurso interposto pela Ré agora aqui Recorrida, nenhum aspecto da decisão proferida sobre a matéria de facto, recurso que, nessa parte, improcedeu na sua totalidade</font> </p><p><font>20.Os factos 36, 37 e 39 resultaram exclusivamente da própria actividade do tribunal a quo que os julgou provados com base na utilização de presunções judiciais e não pela procedência da impugnação da decisão de facto pela Ré, ali Apelante.</font> </p><p><font>21.Consta da sentença da primeira instância, o seguinte:</font> </p><p><font>Não resultaram provados os factos alegados:</font> </p><p><font>- nos artigos 17º, 40º a 44º, 48º, da contestação;</font> </p><p><font>22. são os seguintes, os factos dos artigos 17º, 40º a 44º e 48º da Contestação: </font></p><div><br> <font>17</font> <p></p></div><br> <font>Sendo vontade do marido CC que a esposa BB a aí, na casa comum do casal (de habitação do casal), passasse até aos seus últimos dias (dela, BB a).</font><div><br> <font>40</font></div><br> <font>No entanto, o negócio narrado na escritura referida de 04 de Julho de 2005 não foi realizado (e muito menos nos moldes declarados).</font><div><br> <font>41</font></div><br> <font>De facto este contrato de compra e venda (o celebrado entre o A. e seu pai CC-como comprador e vendedor, respetivamente) não foi querido por qualquer dos outorgantes-comprador e vendedor).</font><div><br> <font>42</font></div><br> <font>Assim o vendedor CC e o comprador, o aqui A., não tiveram o intuito de realizar qualquer contrato de compra e venda que tivesse como objeto a raiz ou nua propriedade do prédio urbano identificado no n.º 1 da petição inicial (.../...-...; art.º ....º urbano União das freguesias de ... e ...).</font><div><br> <font>43</font></div><br> <font>O CC não vendeu, nem quis vender ao A. a ½ (metade) da raiz do referido prédio; </font><div><br> <font>44</font></div><br> <font>Assim como o A. não comprou, nem quis comprar ao CC a mesma referida ½ (metade) da raiz.</font><div><br> <font>48</font></div><br> <font>Há a considerar, concluindo, que tanto o vendedor CC como seu filho, o A., acordaram em realizar este negócio (contrato de compra e venda) com o intuito de enganar e prejudicar a R.;</font> <p><font>23. Existe manifesta e directa contradição entre os factos julgados não provados da contestação, acima transcritos e que ficaram imodificados e os factos provados por presunção judicial, transcritos na conclusão supra.</font></p><div><br> </div><br> <br> <font>24.Nessas circunstâncias, sendo as ilações contrárias a factos julgados não provados, julgamento que não foi pela decisão recorrida modificado, a decisão recorrida merece censura porquanto se está perante alteração não prevista no artigo 662º, nº 1 do CPC, devendo ser revogada.</font> <p><font>25.O facto provado presumido…</font> </p><p><font>“Tanto o CC como o AA acordaram em realizar tal contrato de compra e venda com o objectivo de desfalcarem todo o património do CC a fim de evitarem que, à sua morte, a R. apelante viesse a receber qualquer bem (património) em que se consubstanciasse a sua herança de cônjuge”.</font> </p><p><font>…corresponde a </font><b><u><font>facto não alegado</font></u></b><font> pela Ré, como resulta claro do cotejo do mesmo com o alegado pela Ré nos artigos 48, 49 e 50 da sua Contestação onde se refere ao intuito enganoso do Recorrente e de seu pai.</font> </p><p><font>26.O facto provado por presunção não tem natureza de facto instrumental resultante da instrução da caus, nem de facto complementar ou concretizador dos alegados e resultante da instrução da casa, nem facto notório, pelo que se não enquadra em nenhuma das previsões do nº 2 do artigo 5º do CPC.</font> </p><p><font>27.Nessa circunstância, tal facto provado pro presunção configura matéria de facto não alegada pelas partes, com violação do disposto nos artigos 5º, nº 1, 552º, nº 1, al. d) e 607º, nºs 3 e 4 do CPC, pelo que também por essa via a decisão recorrida violou, por manifesto erro de interpretação e aplicação o disposto no artigo 349º do Código Civil, devendo ser revogada.</font> </p><p><font>28.A razão lógica vista pelo tribunal recorrido para a partir dos factos que entendeu provados presumir outros que o conduziram no sentido de verificar o preenchimento da figura jurídica da simulação absoluta, está patente no seguinte excerto da decisão recorrida:</font> </p><p><font>Ou seja, pegando nos seguintes factos provados: </font><b><font>O A não pagou ao pai o preço da venda; A ré só soube da escritura de compra e venda após a morte do marido; Havia um testamento lavrado em 1996 que a instituía legatária do usufruto de toda a herança, incluindo a casa de habitação; O falecido marido dizia aos familiares da ré que queria que ela ficasse na casa após o seu decesso</font></b><font>, será razoável concluir, à luz das regras da experiência e do normal acontecimento da vida, que nenhuma das partes teve intenção de celebrar o declarado negócio de compra e venda da metade do imóvel onde vivia o casal.</font> </p><p><font> </font></p><div><br> </div><br> <br> <font>Tal só teve um único propósito, que foi o de retirar do património do falecido a metade do bem imóvel de que era proprietário em,</font><b><font> </font></b><b><i><font>para que a ré não pudesse herdar a parte que lhe competia</font></i></b><font>, como herdeira negócio legitimária do mesmo imóvel, </font><b><i><font>assim</font></i></b><i><font> </font></i><b><i><font>como retirar-lhe o direito ao usufruto vitalício que havia instituído a seu favor</font></i></b><b><font> </font></b><font>pelo testamento lavrado em 1996. &nbsp;</font> <p><font>29.O herdeiro legitimário não tem, vida do autor da sucessão, nenhum direito subjectivo aos bens deste, nem nenhum direito sobre esses bens, mas tão só uma expectativa jurídica.</font> </p><p><font>30.E o testamento, em vida do testador, também não confere direitos ao legatário nele mencionado, nem sequer uma expectativa jurídica.</font> </p><p><font>31.Por isso, relativamente a negócios onerosos feitos em vida do autor da sucessão que não se prove serem simulados não pode uma herdeira legitimária obter a anulação com o fundamento de que atingiram a legítima a que tem direito, ainda que se demonstre que foram concluídos com o propósito de a prejudicar.</font> </p><p><font>32.Ou seja: a intenção de prejudicar do herdeiro legitimário que possa estar na base de determinado comportamento, em vida, do autor da sucessão, porque se não repercute num direito de que o prejudicado seja titular (pois não tem nenhum direito nem à “herança” nem aos bens que a essa data existam), é irrelevante para determinar se tal acto foi ou não simulado.</font> </p><p><font>33.O resultado da venda ocorrida entre o Recorrente e o seu pai não modificou em absolutamente nada a posição jurídica de que a Recorrida à data era titular, pois que ela nenhum direito tinha a herdar esse bem, nem à data lhe competia qualquer parte na herança (que ainda não existia, pois que ainda se não tinha verificado o facto que determina a abertura da sucessão, isto é, a morte do ali vendedor…) tal como, em vida do testador, não era ela titular de nenhum “direito de usufruto instituído pelo testamento de 1996.”</font> </p><p><font>34.Se a intenção não produziu tal resultado, é ilógico que daquela intenção se conclua a simulação que no pressuposto da obtenção desse resultado pudesse existir.</font> </p><p><font>35.As inferências lógicas que conduzem o julgador desde factos conhecidos até à afirmação de factos desconhecidos que julga provados têm como limite intransponível a própria lei; se o processo de inferência lógica violar uma disposição legal, a inferência é inadmissível.</font></p><div><br> </div><br> <br> <font>36.No exercício do seu poder de fixar os factos materiais da causa com recurso a presunções judiciais, a decisão recorrida, para presumir provados os seguintes factos…</font> <p><i><font>"O vendedor CC e o A (seu filho) não tiveram o intuito de realizar qualquer contrato de compra e venda que tivesse como objecto a (metade) da raiz do prédio identificado no nº 1 da petição inicial (.../... - ..., art." ....° urbano - União das freguesias de ... e ...)”.</font></i> </p><p><i><font>“O CC não vendeu nem quis vender ao A a metade da raiz do referido prédio, assim como o A não comprou, nem quis comprar ao seu pai CC a metade da raiz do mesmo prédio”.</font></i> </p><p><i><font>“Tanto o CC como o AA acordaram em realizar tal contrato de compra e venda com o objectivo de desfalcarem todo o património do CC a fim de evitarem que, à sua morte, a R. apelante viesse a receber qualquer bem (património) em que se consubstanciasse a sua herança de cônjuge”.</font></i> </p><p><font> </font> </p><p><font>…como resultado lógico dos seguintes factos (isto é, enquanto inferência decorrente das regras da experiência, dos juízos correntes de probabilidade, dos princípios de lógica corrente e dos dados da intuição humana)…</font> </p><p><font> </font> </p><p><i><font>O A não pagou ao pai o preço da venda; A ré só soube da escritura de compra e venda após a morte do marido; </font></i><b><i><font>Havia um testamento lavrado em 1996 que a instituía legatária do usufruto de toda a herança, incluindo a casa de habitação; O falecido marido dizia aos familiares da ré que queria que ela ficasse na casa após o seu decesso</font></i></b> </p><p><i><font> </font></i> </p><p><font>…violou necessariamente o disposto nos artigos 2311º, nº 1, 2316º, nº 1, 2024º, 2031º, 2032º, nº 1 e 2050º, nº 2 do Código Civil, porquanto construiu uma simulação com base num prejuízo apenas possível em violação em tais normas legais isto é, com base num prejuízo que extraiu da intenção que atribuiu aos contraentes e não do resultado dessa intenção que por força das normas legais nunca poderia ter sido atingido, e das quais resulta juridicamente irrelevante essa intenção.</font> </p><p><font> </font></p><div><br> </div><br> <br> <font>37.No uso de presunções judiciais, o Tribunal da Relação desrespeitou, portanto, os pressupostos legalmente estabelecidos quanto ao exercício dos seus poderes, pelo que deve tal decisão, na medida em que julgou provados por presunção os factos enunciadas na conclusão 2 supra.</font> <p><font>38. E devendo soçobrar a alteração dos factos provados, pela revogação da decisão recorrida na medida em que julgou provados por presunção os factos acima enunciados, e mantendo-se intacta a decisão da matéria de facto que foi fixada pela primeira instância, não há motivo para questionar os efeitos jurídicos que da mesma foram extraídos e, portanto, a procedência da acção nos exactos termos que ali ficaram consignados».</font> </p><p><font> </font> </p><p><b><font>6.</font></b><font> A Ré apresentou contra-alegações, nas quais pugna pela manutenção do decidido, apresentando as seguintes conclusões:</font> </p><p><font>«1- Não ocorre qualquer das circunstâncias em que consistem os reparos que o recorrente pretende fazer à decisão sobre a matéria de facto constante do, aliás douto, acórdão recorrido.</font> </p><p><font>2- Não enferma de qualquer vício a, aliás douta, decisão do Tribunal da Relação de Guimarães na qual é fixada a matéria de facto dada como provada.</font> </p><p><font>3- Com tal matéria de facto e aplicando o direito vigente, não há mácula a apontar ao, aliás douto, acórdão recorrido.</font> </p><p><font>4- Devem ser julgadas improcedentes por não provadas as conclusões das alegações do recorrente,</font> </p><p><font>5- Pois que assim será feita INTEIRA JUSTIÇA.»</font> </p><p><font> </font> </p><p><b><font>7.</font></b><font> Sabido que o objeto do recurso, ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, se delimita pelas conclusões, a única questão a conhecer é a seguinte:</font> </p><p><font> </font></p><div><br> </div><br> <br> <font>- Saber se o recurso a presunções judiciais, pelo tribunal recorrido, para dar como provados os requisitos do negócio simulado, ofendeu qualquer norma legal, padece de evidente ilogicidade ou se partiu de factos não provados.</font> <p><font> </font> </p><p><font>Colhidos os vistos, cumpre decidir.</font> </p><p><font> </font> </p><p><b><font>II - Fundamentação</font></b> </p><p><b><font>A. A matéria de facto fixada pelas instâncias, após o aditamento de factos pelo Tribunal da Relação, é a seguinte:&nbsp; </font></b> </p><p><font>1. Por escritura pública celebrada no Cartório Notarial da Licenciada DD, sito na Rua ..., nº ..., 1º andar, ..., no dia 4 de Julho de 2005, CC, casado sob o regime da separação de bens com a Ré BB, declarou vender, pelo preço de € 10.000 ao Autor, seu filho único, reservando para si o usufruto, o direito de nua propriedade de metade do prédio urbano constituído por casa de habitação com quintal, com a área coberta de 48 m2 e com a área descoberta de 278 m2, sito no Lugar do ..., da freguesia de ..., concelho de ..., inscrito na matriz sob o artigo ... e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº ...do Livro ..., registado a seu favor pela inscrição ... do Livro ....</font> </p><p><font>2. Na escritura identificada em 1) o Autor declarou aceitar a venda, confirmando ser filho único do vendedor.</font> </p><p><font>3. CC faleceu a ... no estado de casado com a Ré.</font> </p><p><font>4. O prédio identificado em 1) encontra-se atualmente registado sob o nº ....</font></p><div><br> </div><br> <br> <font>5. O prédio identificado em 1) e 4) foi registado na proporção de metade a favor do Autor pela Ap. 76 de 21 de setembro de 2005, tendo por causa a sucessão por morte de EE.</font> <p><font>6. A aquisição referida em 1) foi registada a favor do Autor pela Ap. 77 de 21 de setembro de 2005.</font> </p><p><font>7. A Ré e CC celebraram casamento católico a 9 de maio de 1990 no regime imperativo de separação de bens.</font> </p><p><font>8. Por testamento outorgado a 16 de Janeiro de 1996 no Segundo Cartório Notarial de ..., CC declarou ter como únicos herdeiros legitimários sua mulher e um filho do primeiro casamento e legar a sua mulher o usufruto vitalício de toda a sua herança e, para o caso de aquele seu filho discordar desse le
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font> <p><b><font>I – Relatório</font></b> </p><p><b><font>Dra. AA</font></b><font> intentou a presente acção declarativa com processo ordinário contra </font><b><font>Igreja ...</font></b><font>, alegando, em síntese, que, no exercício da sua profissão de advogada, foi mandatada pela ré para prestar diversos serviços de consulta jurídica e de patrocínio judicial quer à própria associação ré, quer a outras entidades a ela ligadas, dela dependentes ou a ela pertencentes, o que a autora fez, até que a ré pôs fim à relação inesperadamente e sem qualquer justificação, tendo tal relação perdurado, ininterruptamente, desde 1992 a 1998, efectuando a autora, com dedicação total, os serviços que discrimina, cujo valor a ré não pagou, apesar de interpelada. </font> </p><p><font>Concluiu, pedindo a condenação da ré a pagar-lhe o valor desses serviços, no montante global de 62 956 248$00, acrescido de IVA e de juros à taxa legal, vencidos no montante de 5 246 350$00 e vincendos até integral pagamento.&nbsp; </font> </p><p><font>A ré contestou, impugnando o alegado na petição inicial e alegando que todos os serviços que a autora lhe prestou já se encontram pagos no âmbito de um contrato de avença celebrado entre as partes, tendo-lhe sido entregue a quantia global de 76 113 273 $00, sem que a autora tivesse emitido os correspondentes recibos, razão pela qual a ré pôs fim ao contrato, mas sem lograr que a autora lhe restituísse todos os documentos que tem na sua posse e que pertencem à contestante.&nbsp; </font> </p><p><font>Concluiu pedindo a improcedência da acção e a procedência da reconvenção, condenando-se a autora a emitir recibo de quitação no valor de 76 113 273 $00 com os legais descontos e a devolver todos os documentos que tenha na sua posse e pertençam à ré. Pediu ainda a condenação da autora como litigante de má fé em multa e indemnização. </font> </p><p><font>A autora replicou, opondo-se às excepções e à reconvenção, alegando que não foi celebrado contrato de avença, mas que lhe foi paga a quantia mensal de 150,00 euros, apenas relativa a serviços extrajudiciais, não incluindo os serviços judiciais nem os prestados às entidades ligadas à ré, sendo que quanto aos pagamentos que a ré já efectuou ao longo dos anos, sempre passou recibos, mas encontrando-se ainda por pagar a quantia peticionada na presente acção, a qual diz respeito a processos judiciais pendentes e a serviços prestados a outras entidades ligadas à ré; mais alegou que não tem na sua posse documentos pertencentes à ré.</font> </p><p><font>Concluiu, pedindo a improcedência do pedido reconvencional. </font> </p><p><font>Saneados os autos, procedeu-se a julgamento, tendo a autora formulado pedido de condenação da ré por litigância de má fé, em multa e indemnização, em virtude de ter vindo devolvida uma carta rogatória do Brasil para inquirição de uma testemunha arrolada pela ré, sem cumprimento, por na morada por esta indicada não ter sido localizada a testemunha (fls. 955) e tendo ainda formulado pedido de condenação da ré como litigante de má fé, em multa, em virtude de alegar falsamente que entidades a ela ligada e a ela pertencentes não lhe pertenciam (fls. 1757 e seguintes).</font> </p><p><font>A ré opôs-se a tais pedidos. </font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; Findo o julgamento, foi proferida sentença que julgou parcialmente procedentes a acção e a reconvenção, condenando a ré a pagar à autora a quantia de 664,54 euros acrescida de juros de mora às taxas legais desde 22/02/1998 até integral pagamento e condenando a autora a devolver à ré os dossiers identificados sob o n.° 144 da matéria de facto, bem como ao pagamento de multa de 2 UC e de indemnização a fixar, por litigância de má fé. </font> </p><p><font>Inconformada, a autora interpôs recurso da sentença, o qual foi admitido como apelação, com subida imediata, nos autos e efeito devolutivo.</font> </p><p><font>Por acórdão datado de 17 de Janeiro de 2013, o Tribunal da Relação de Lisboa decidiu o seguinte:&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; &nbsp; </font> </p><p><font>«Pelo exposto, acorda-se em julgar parcialmente procedente a apelação e decide-‑se:</font> </p><p><font>a) Revogar a sentença recorrida na parte que condenou a autora a entregar à ré os documentos referidos no artigo 144° dos factos provados, absolvendo a autora desse pedido.</font> </p><p><font>b) Revogar a sentença recorrida na parte que condenou a autora como litigante de má fé.</font> </p><p><font>c) Condenar a ré apelada como litigante de má fé na multa de 4 Ucs.</font> </p><p><font>d) Manter a sentença recorrida no restante.</font> </p><p><font>e) Condenar a apelante nas custas do incidente pela junção não admissível de documentos, fixando a taxa em 1 Uc»</font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; De novo inconformada, a autora recorre de revista, apresentando as seguintes conclusões: </font> </p><p><font>«1. Em primeiro lugar, o acórdão sub judice violou os arts. 706.º e 524.º do CPC ao não admitir os documentos juntos pela A. que se revelaram necessários em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância, em que foi posta em causa a credibilidade da tese da A., de trabalhar para as sociedades e rádios, durante bastante tempo, sem receber.</font> </p><p><font>2. Por outro lado, o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa enferma de nulidade por omissão de pronúncia quanto ao pagamento dos honorários devidos à autora pelos serviços prestados às sociedades, rádios e outra associação religiosa, que a ré nunca alegou ter pago, antes sempre negou qualquer ligação com tais entidades, tendo ficado largamente provado o contrário pela documentação que a autora juntou aos autos.</font> </p><p><font>3. Por outro lado, o acórdão sub judice entendeu indevidamente não condenar a ré como litigante de má fé por ter indicado uma morada errada do seu líder mundial, BB, a ser ouvido por carta rogatória enviada ao Brasil e posteriormente para os Estados Unidos da América, omitindo assim o seu dever de cooperação e levando ao enredar do processo durante mais de um ano, em violação do art. 456.º do CPC.</font> </p><p><font>4. Acresce que o acórdão ora recorrido não podia dar como provados factos constantes dos processos apensos, sem juntar cópias dos referidos elementos e sem dar cumprimento ao princípio do contraditório, sendo portanto tais provas nulas, tantos que tais factos se encontram assentes na al. N).</font> </p><p><font>5. Isto posto, o acórdão recorrido fez errada interpretação e aplicação da Lei substantiva, nomeadamente do ónus da prova previsto nos arts 342.º e 347.º do CC, das normas referentes ao contrato de prestação de serviço e de mandato, previsto nos arts 1154.º a 1184.º do CC, as normas do contrato de avença definidas nos DL 41/84, de 03.02 e DL 409/91, de 10.07, respectivamente nos arts. 17.º e 7.º, bem como do Estatuto da Ordem dos Advogados (antigo artigo 65.º e actual art 100.º) e do Regulamento dos Laudos de Honorários (art. 7.º).</font> </p><p><font>6. Com efeito, considerou o acórdão ora em apreço que: “nos termos do art. 342.º do CC cabia à A. provar os factos constitutivos do seu direito, ou seja, o acordo que celebrou com a ré e os respectivos contornos, forma de pagamento e valor da quantia mensal fixada.</font> </p><p><font>7. E à ré cabia provar os factos impeditivos do direito da autora, ou seja, cabia-lhe provar que o direito invocado pela autora não existia, por ter sido efectuado o respectivo pagamento.</font> </p><p><font>8. Ora, desde logo, a autora não logrou provar os factos constitutivos do seu direito, pois tendo sido pré-fixado um preço, teria de ter sido provado o montante desse preço e quais as prestações por ele abrangidas. E só perante essa prova – que não foi feita – se poderia aferir se estava efectuado o pagamento.</font> </p><p><font>9. Com efeito, é certo que cabe à ré o ónus de provar o pagamento – o que também não foi feito – mas antes teria a autora que definir qual era o seu direito, fazendo prova dos respectivos factos constitutivos, sendo certo que, por força do n.º 3 do art. 342.º do CC, em caso de dúvida, os factos devem ser considerados como constitutivos do direito”.</font> </p><p><font>10. Ora tal entendimento faz tábua rasa da causa de pedir da presente acção que é o pedido de condenação da ré a pagar os serviços judiciais prestados à ré e os serviços judiciais e extrajudiciais prestados às entidades a ela ligadas, com base numa nota de honorários enviada à ré, na qual estão discriminados todos os serviços prestados e os honorários correspondentes.</font> </p><p><font>11. Não tendo a ré impugnado nem os serviços prestados, nem o valor peticionado pelos mesmos, antes deduziu a excepção do pagamento de montante superior ao peticionado, através de um alegado contrato de avença que englobaria os serviços judiciais e extrajudiciais prestados à associação.</font> </p><p><font>12. Quanto aos serviços prestados às sociedades, às rádios e a outra associação religiosa, a Ré negou ter qualquer ligação com tais entidades, pelo que obviamente não poderia ter pago serviços prestados a entidades com as quais supostamente não teria qualquer ligação, antes instruiu a A. a demandar tais entidades juridicamente independentes.</font> </p><p><font>13. A A. replicou alegando que prestou serviços à ré quanto ao expediente diário da associação e que esta lhe pagou, juntando os recibos respectivos, e que nada têm a ver com o peticionado nestes autos.</font> </p><p><font>14. Ora não ficou provado qualquer acordo celebrado entre A. e Ré quanto a honorários, nomeadamente o pagamento de qualquer quantia mensal certa, nem quais os serviços que abrangeria – factos esses invocados pela ré como factos impeditivos do direito da A. ao recebimento dos honorários constantes da nota de honorários enviada à ré.</font> </p><p><font>15. Com efeito, os factos constitutivos do direito da autora são, salvo melhor opinião, e sem qualquer dúvida, os serviços jurídicos prestados à ré e às entidades a ela ligadas, discriminados na nota de honorários e o direito ao recebimento dos correspondentes honorários estipulados conforme os critérios orientadores do EOA. </font> </p><p><font>16. Aliás, foi nesse pressuposto que foi pedido pelo Tribunal de 1.ª instância um Laudo à ordem dos Advogados que veio conformar na íntegra os honorários peticionados. </font> </p><p><font>17. Pois se houvesse qualquer acordo de pagamento estipulado entre as partes, não seria enviada qualuqer nota de honorários, nem haveria lugar à emissão de um Laudo de Honorários.</font> </p><p><font>18. De igual modo, se houvesse uma pré-fixação de preço, jamais haveria necessidade de apensar aos presentes autos todos os processos em que a A. prestou serviços, pois os honorários já estariam fixados não sendo necessária qualquer valoração pelo Tribunal.</font> </p><p><font>19. Por outro lado, se existisse o alegado contrato de avença que a ré não provou, jamais a ré poderia prescindir dos serviços da autora de imediato, devendo conceder-lhe um aviso prévio de 60 dias.</font> </p><p><font>20. Acresce que, perante a prova legal plena produzida pelos recibos juntos aos autos e que não foram impugnados, não pode o Tribunal da Relação retirar com segurança que a autora não emitiu recibos de tudo o que recebeu, não só porque os montantes legíveis não abarcam todo o período em causa (não se compreendendo como, numa acção em que está em causa os pagamentos que recebeu, não houvesse o cuidado de juntar recibos legíveis) como também o facto de a autora ser sempre paga em dinheiro (nunca em cheque ou de qualquer outra forma que permitisse prova de pagamento) indicia uma vontade (provavelmente de ambas as partes) de que não fossem emitidos recibos.</font> </p><p><font>21. Ora, olvidou o acórdão recorrido que o que está em causa nestes autos não são os pagamentos que a autora recebeu, já que provou que os mesmos se referiam a outros serviços prestados quanto ao expediente diário da associação, mas antes os pagamentos que não foram feitos quanto aos serviços constantes da nota de honorários que não foram impugnados, nem o seu montante.</font> </p><p><font>22. Pelo que, salvo o devido respeito por melhor opinião, era a ré que deveria ter o cuidado de juntar aos autos os originais dos recibos que a autora lhe passou e que propositadamente e de má fé não juntou e não a autora que deveria juntar os duplicados dos recibos com mais de 10 anos que ainda tem responsabilidade de já não se encontrarem legíveis.</font> </p><p><font>23. É tempo de perguntar, mas afinal quem é que tem de provar o pagamento?</font> </p><p><font>24. Desde sempre e em qualquer contrato, quem tem de provar o pagamento é o devedor e não o credor.</font> </p><p><font>25. O credor apenas deve provar a fonte de onde emana a obrigação de pagamento que nos presentes autos decorre da celebração de um ou vários contratos de prestação de serviço, na modalidade de mandato, mandato esse forense com outorga de procurações, a favor da autora nos respectivos judiciais.</font> </p><p><font>26. Não ficou provado qualquer contrato de avença, pois a ré apenas logrou provar que “desde data não apurada passou a entregar à autora uma quantia mensal, de valor também não apurado, por conta de serviços que esta lhe prestou e que a autora passou alguns recibos referentes a algumas quantias que a ré lhe entregou a título de pagamento de serviços que lhe prestou”.</font> </p><p><font>27. O que se coaduna com o alegado e provado pela autora de que a ré solicitou a colaboração da A., designadamente em minutas de contratos de arrendamento de locais de culto ou de apartamentos para pastores, contratos-promessa e escrituras de compra e venda, registos na Conservatória do Registo Predial, averbamentos na Repartição de Finanças, pedidos de isenção de sisa, processo de mudança de destino, correspondência e apoio aos processos dos pastores no Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, ou seja, todo o expediente diário da associação – al. J) dos Factos Assentes e resposta ao art. 105.º da Base Instrutória e a ré pagou à A. esses serviços – resposta ao art. 105.º da Base Instrutória, o que se refere obviamente aos recibos juntos aos autos, nem existe qualquer outro meio de prova capaz de inquinar a força legal plena de tais documentos (vd. Art. 347.º do CC).</font> </p><p><font>28. Em pouco tempo, os processo judiciais da R. multiplicaram-se devido à actuação das câmaras municipais – resposta ao art. 102.º da Base Instrutória.</font> </p><p><font>29. Entretanto, a R. solicitou à A. a consulta e patrocínio judiciário de outras entidades directa ou indirectamente ligadas a ela, dela dependentes e a ela pertencentes – resposta ao art. 106.º da Base Instrutória.</font> </p><p><font>30. Ora, se tais factos aconteceram posteriormente como poderiam estar incluídos num alegado acordo verbal celebrado anteriormente, cujo montante se desconhece?</font> </p><p><font>31. Como quer a ré fazer crer que pagou à A. quantias astronómicas sem qualquer documento de quitação, nem que fosse um simples documento particular.</font> </p><p><font>32. Aliás ficou provado nos autos que a A. foi sempre paga em dinheiro, como a própria alegou desde o início, e como prevê o actual art. 100.º do EOA, antigo art. 65.º (nunca em cheque ou de qualquer outra forma que permitisse prova de pagamento) porque tal era o procedimento normal da ré, mesmo em relação a outros advogados, como confirmou o Dr. CC, e não por exigência da A., para se eximir a passar qualquer recibo.</font> </p><p><font>33Antes foi a A. que juntou aos autos todos os recibos que passou, contrariamente à ré que apenas juntou cinco recibos e alegou que a A. não lhe passou mais nenhum recibo, o que se provou ser falso.</font> </p><p><font>34. Como se provou ser falsa a alegação da ré de que não tinha qualquer ligação com as outras entidades para quem a A. prestou serviços, quando ficou largamente provado o contrário, pela documentação que a autora juntou aos autos.</font> </p><p><font>35. Como quer a ré fazer crer que pagou à A. os serviços prestados a outras entidades com as quais sempre negou ter qualquer ligação.</font> </p><p><font>36. Factos são que a ré sempre mentiu ao longo destes autos como ficou provado por documentos, quer quanto aos recibos emitidos pela A., quer quanto às entidades a ela ligadas.</font> </p><p><font>37. Tanto que o Tribunal da Relação de Lisboa entendeu que os depoimentos prestados pelas testemunhas da ré, DD, EE, FF, GG e HH devem ser apreciados com reserva, sendo a sua credibilidade algo frágil, uma vez que todas estas testemunhas depuseram insistentemente no sentido de que não havia qualquer ligação entre a ré e as várias entidades a quem a autora prestou serviços, quando ficou largamente provado o contrário.</font> </p><p><font>38. De igual modo, a ré mentiu ao alegar que a A. só passou 5 recibos quando a mesma provou que passou muitos mais que juntou aos autos.</font> </p><p><font>39. De tal forma que o acórdão recorrido alterou a matéria de facto dada como provada, entendendo que não ficou provado qualquer acordo, nem qualquer quantia mensal certa, nem quais os serviços abrangidos – factos esses excepcionados pela ré, a quem competia a sua prova, como factos impeditivos do direito da A. ao recebimento dos seus honorários.</font> </p><p><font>40. Ora, se a R. sempre mentiu quanto aos recibos passados pela A., quanto às entidades que lhe pertenciam, porque teria falado verdade quanto ao alegado acordo de pagamento e montante pago – que aliás também não provou.</font> </p><p><font>41. Pois tal acordo nunca existiu, limitando-se a ré a pagar à autora os serviços que esta já lhe tinha prestado quanto ao expediente diário da associação e a A. a passar os correspondentes recibos.</font> </p><p><font>42. Quanto aos restantes serviços prestados e na falta de convenção prévia reduzida a escrito, a A. enviou à ré a nota de honorários com discriminação dos serviços prestados e fixação de honorários de acordo com os critérios orientadores previstos no antigo artigo 65.º e actual 100.º do EOA.</font> </p><p><font>43. Nota de honorários essa que não foi impugnada pela ré, nem quanto aos serviços prestados, nem quanto ao respectivo montante.</font> </p><p><font>44. Critérios esses, porém, que a autora também provou nestes autos, quer quanto à importância dos serviços prestados – resposta ao art. 64.º da Base Instrutória, ao grau de criatividade intelectual da sua prestação e ao resultado obtido – als. O) a AAAA) dos factos assentes e ainda resposta aos arts 2.º a 55.º da Base Instrutória, ao tempo despendido – resposta aos arts 58.º a 64.º da Base Instrutória.</font> </p><p><font>45. Pois a forma mais vulgar de fixação dos honorários é a da apresentação da nota de despesas e honorários após a conclusão do mandato ou da prestação de serviços, através da aplicação dos critérios gerais previstos no n.º 3 do art. 100.º,</font> </p><p><font>46. Do confronto da actual redacção deste n.º 3 do art. 100.º com a do n.º 1 do art. 65.º do anterior EOA, regista-se a eliminação do factor “moderação” na ponderação da justa remuneração.</font> </p><p><font>47. A “moderação” era entendida como querendo significar justeza e adequação, evitando-se a carestia, excesso e exagero insuportável, preocupação que obviamente não devem os Advogados deixar de ter apesar daquela eliminação apesar daquela eliminação, já que ela deriva do papel dos Advogados como servidores da Justiça e do Direito (Vide sobre o tema, os Acórdãos do C. Superior de 10.05.52, ROA, 23, 166 e de 09.01.64, ROA, 24, 417.</font> </p><p><font>48. E cujo valor fixado foi confirmado na íntegra por Laudo da Ordem dos Advogados, requerido pelo tribunal de 1.ª instância, depois de o mesmo ter considerado provado o pagamento pela ré, de quantias mensais, cujo valor não foi possível apurar.</font> </p><p><font>49. Acabando por condenar a ré a pagar as despesas constantes da nota de honorários, mas nãoos respectivos honorários.</font> </p><p><font>50. Perguntar-se-á, então, como pode a nota de honorários servir de suporte ao pagamento das despesas e já não dos serviços aí discriminados;</font> </p><p><font>51. Perguntar-se-á, também, para quê pedir um Laudo à Ordem?</font> </p><p><font>52. Assim como, para quê apensar aos autos todos os processos em que o A. prestou serviços?</font> </p><p><font>53. E mais, depois de a Relação considerar como não provado o alegado acordo de pagamento invocado pela ré, bem como o pagamento, como pode não condenar a mesma a pagar à A. os serviços discriminados na nota de honorários, cuja fixação foi confirmada por Laudo?</font> </p><p><font>54. Pois é o próprio EOA que estipula que, na falta de convenção prévia, e, sublinha-se, reduzida a escrito, o advogado apresenta ao cliente a conta de honorários com discriminação dos serviços prestados, conforme a A. fez.</font> </p><p><font>55. Pois, não existem quaisquer dúvidas, que não ficou provado qualquer ajuste prévio de honorários quanto aos serviços aqui peticionados, que aliás sempre deveria ser reduzido a escrito, ou o pagamento de qualquer quantia mensal certa, não ficando provado qualquer contrato de avença.</font> </p><p><font>56. Com efeito, embora a lei seja omissa quanto às formalidades do contrato de avença, o EOA estipula a necessidade de ser reduzido a escrito.</font> </p><p><font>57. Aliás, em toda a jurisprudência, não existe um único contrato de avença de advogado verbal, pois de outra forma seria muito fácil ao cliente dizer que tudo está incluído e tudo está pago, como pretende fazer aqui a ré.</font> </p><p><font>58. A tal entendimento não obsta, salvo o devido respeito por melhor opinião, o facto alegado pelo Tribunal da Relação de Lisboa que relativamente aos processos judiciais cujo pagamento a A. requer porque se encontrariam ainda pendentes, alguns já não o estariam à data da propositura da acção – embora tais factos estejam assente na al. N).</font> </p><p><font>59. Pois olvida o acórdão recorrido que a A. tem de enviar a nota de honorários findo o mandato ou a prestação de serviços ou quando tal lhe seja solicitado.</font> </p><p><font>60. Ora, ficou provado que o trabalho era tanto que não havia tempo para elaborar notas de honorários, conforme foi confirmado pelo Dr. II que afirmou que quando cessou funções, enviou a nota de honorários, que estava muito atrasada, porque quando se trabalha não se tem tempo.</font> </p><p><font>61. Por outro lado, não teve em conta o acórdão </font><i><font>sub iudice</font></i><font> que a ré prescindiu dos serviços da A., em 28 de Janeiro de 1998, e a A. enviou a sua extensa e complexa nota de honorários à ré, em Fevereiro de 1998, menos de um mês depois, sendo que só intentou a presente acção de honorários, em 23 de Dezembro de 1998, quase um ano volvido sobre a data em que a ré prescindiu dos seus serviços, embora nunca tenha revogado nenhuma das procurações que outorgou a favor da A. nos processos judiciais apensos a estes autos.</font> </p><p><font>62. Assim dos 31 processos invocados na p.i. e apensos a estes autos, apenas seis terão vistos em correição anteriores ao ano de 1998, desconhecendo-se por não ter sido indicada a data exacta. Embora se reitere que a A. provou que, em todos eles, prestou os serviços discriminados na nota de honorários que enviou á ré quando cessou o mandato, sendo que a ré não impugnou os serviços prestados nem o valor pedido pelos mesmos a título de honorários, nem logrou provar o seu pagamento, que é o cerne da questão, e não provou esse pagamento, nem sequer a título de quantias mensais alegadamente entregues à A.</font> </p><p><font>63. Pretende o acórdão recorrido com tal entendimento descredibilizar a versão da autora, quando nenhum desses factos foi sequer alegado pela ré – havendo aqui um excesso de pronúncia.</font> </p><p><font>64. Isto posto, entendeu o acórdão ora em crise que o contrato pelo qual a autora se obrigou a praticar actos jurídicos por conta da ré é um contrato de mandato previsto no art. 1157.º do CC.</font> </p><p><font>65. A contrapartida devida por esses serviços corresponde aos honorários, que, se nada for convencionado, são fixados segundo a sensibilidade de cada advogado, sem prejuízo de obedecerem aos critérios orientadores constantes do EOA – o que é o caso.</font> </p><p><font>66. Podem, porém, as partes, ao abrigo do princípio da liberdade contratual, acordar que a contrapartida devida pelos serviços sucessivamente prestados seja remunerada mediante uma quantia certa mensal, caso em que o mandato terá as características também de um contrato de avença, podendo ainda ser acordado, ao abrigo do mesmo princípio da liberdade contratual, que, por força do critério pré-fixado, parte dos serviços seja remunerado por quantia fixa mensal e outra parte por quantia fixada de acordo com os critérios do EOA.</font> </p><p><font>67. E conclui que, se ficar provado que foi fixada uma quantia mensal para pagamento dos serviços da autora, mas não se provar, nem o montante dessa quantia, nem se a mesma abrange todos os serviços prestados ou apenas parte deles, tem de se considerar que a autora não logrou provar os factos constitutivos do seu direito.</font> </p><p><b><font>68</font></b><font>.</font><u><font> </font></u><b><u><font>Ora, contrariamente ao aqui referido, não ficou provado que foi fixada entre A. e ré uma quantia mensal para pagamento dos serviços da autora, pois não se apurou qualquer quantia mensal certa, sendo esse o elemento essencial do contrato de avença.</font></u></b> </p><p><b><font>69.</font></b><b><u><font> Apenas foi provado pela ré que, “desde data não apurada passou a entregar à autora uma quantia mensal, de valor também não apurado, por conta dos serviços que esta lhe prestou” (resposta ao artigo 68.º da Base Instrutória) e “que a autora passou alguns recibos referentes a algumas quantias que a ré lhe entregou a título de pagamento dos serviços que lhe prestou” (resposta ao art. 82.º da Base Instrutória).</font></u></b> </p><p><b><font>70.</font></b><b><u><font> Contudo, salvo o devido respeito por melhor opinião, a A. logrou provar que tais pagamentos se referiam aos serviços que prestou à ré quanto ao expediente diário da associação e que esta lhe pagou emitindo os correspondentes recibos, e que nada têm a ver com os serviços discriminados na nota de honorários.</font></u></b> </p><p><b><font>71. </font></b><b><u><font>Pois, também ficou provado pela A. que, em pouco tempo, os processos judiciais da ré se multiplicaram devido à actuação das Câmaras Municipais – resposta ao art. 102.º da base Instrutória.</font></u></b> </p><p><b><font>73.</font></b><b><u><font> Assim, salvo o devido respeito por melhor opinião não ficou provada qualquer fixação de honorários mensal por conta dos serviços prestados, mas apenas o pagamento de serviços já prestados conforme recibos juntos.</font></u></b> </p><p><b><font>74.</font></b><b><u><font> Aliás, o próprio acórdão </font></u></b><b><i><u><font>sub iudice</font></u></i></b><b><u><font> refere que dos recibos juntos não se pode extrair valores mensais e muito menos se tais valores diziam respeito a todo o trabalho ou se a parte dele.</font></u></b> </p><p><b><font>75.</font></b><b><u><font> Sendo, porém, curial concluir, para o declaratário médio, que jamais a A. poderia ter prestado todos os serviços discriminados na sua nota de honorários pelos valores constantes dos recibos juntos.</font></u></b> </p><p><b><font>76.</font></b><b><u><font> Quanto aos serviços discriminados na nota de honorários não existe qualquer convenção prévia reduzida a escrito, pelo que se aplicam os critérios orientadores do EOA, tendo sido confirmado na íntegra o valor peticionado por Laudo da Ordem. </font></u></b> </p><p><b><font>77.</font></b><b><u><font> Ora, o Laudo equivale a um parecer técnico quanto ao cumprimento das regras de fixação de honorários.</font></u></b> </p><p><b><font>78. </font></b><b><u><font>Vem o dito Laudo concluir: “em face dos valores em causa, do volume de trabalho desenvolvido e a sua variedade, nos mais diversos ramos do direito, junto de entidades administrativas e de vários tribunais, e em várias instâncias, conclui-se que a Sra Advogada requerida fixou honorários com moderação”. </font></u></b> </p><p><b><font>79. </font></b><b><u><font>Pelo que tendo a A. provado que prestou à ré os serviços discriminados na sua nota de honorários, bem como o montantes dos mesmos que foi fixado de acordo com os critérios orientadores do EOA, que também se encontram provados nos autos e confirmados por Laudo, como factos constitutivos do seu direito e não qualquer quantia mensal certa, que nem sequer está provada, e não tendo a ré logrado provar o respectivo pagamento, nem qualquer outro facto modificativo ou impeditivo do direito da autora, nomeadamente a existência de qualquer contrato de avença, já que o mesmo para existir pressupõe uma quantia mensal certa, que não está provada, pelo que muito menos o respectivo pagamento.</font></u></b> </p><p><b><font>80. </font></b><b><u><font>Assim, deverá a Ré ser condenada a pagar à A. o montante de honorários peticionado</font></u></b><b><font>.</font></b> </p><p><b><font>81. </font></b><b><u><font>Aliás, mesmo que a ré lograsse provar uma quantia mensal certa, o que não logrou fazer como reconhecer o acórdão recorrido, sempre teria que provar o seu pagamento, bem como o serviços abrangidos – o que também não logrou fazer.</font></u></b> </p><p><b><font>82. </font></b><b><u><font>Devendo tal facto ser valorado contra a ré e não contra a A.</font></u></b> </p><p><b><font>83. </font></b><b><u><font>Pois, é ao devedor que cumpre provar que cumpriu a obrigação e não o credor que tem de provar a sua inexecução.</font></u></b> </p><p><b><font>84. </font></b><b><u><font>Pois o pagamento em direito não se presume (Galvão Telles, Obrigações, 3.ª ed., 279).</font></u></b> </p><p><b><font>85. </font></b><b><u><font>Aliás, salvo o devido respeito por melhor opinião, não basta à ré provar que pagou qualquer quantia mensal não apurada, sempre deverá a ré provar que pagou a quantia peticionada, já que nem sequer a impugnou, antes alegou ter pago ainda mais do que o pedido – facto esse que não provou – como lhe competia (art. 342.º do CC).</font></u></b> </p><p><b><font>86. </font></b><b><u><font>Pois a ré não pôs em causa os serviços prestados pela A., que aliás esta provou na íntegra, nem o seu valor, antes deduziu como excepção um contrato de avença em que estariam pagos todos os serviços peticionados, no valor pedido, pelo que tem de provar tais factos impeditivos do direito da A. ao recebimento dos honorários, o que não logrou fazer.</font></u></b> </p><p><b><font>87. </font></b><b><u><font>Assim, não é à A. que compete provar qualquer acordo que celebrou com a ré e os respectivos contornos, forma de pagamento e valor da quantia mensal fixada, já que nunca invocou tais factos como constitutivos do seu direito ao recebimento de honorários pelos serviços prestados e discriminados na nota de honorários que enviou à ré.</font></u></b> </p><p><b><font>88. </font></b><b><u><font>Antes foi a ré que excepcionou tais factos, pelo que compete-lhe prová-los.</font></u></b> </p><p><b><font>89. </font></b><b><u><font>Acresce que não se entende como pode a ré oferecer 200.000 euros à A. para transacção quando supostamente nada lhe deve (documento que se protesta juntar logo que seja autorizado o levantamento do sigilo profissional).</font></u></b> </p><p><b><font>90. </font></b><b><u><font>Só nos resta concluir que é tão verdade que a ré pagou à A. os honorários correspondentes aos serviços discriminados na nota de honorários como que as entidades para quem a A. prestou serviços nada têm a ver com a ré.</font></u></b> </p><p><font>91. Motivo pelo qual a ré foi condenada e bem como litigante de má fé, só não se entendendo como o foi apenas em 4 UCs, quando fez o Tribunal perder anos a averiguar factos que foram falsamente impugnados.</font> </p><p><font>92. Quando a A. foi condenada a pagar 10 UCs por ter junto todos os documentos que provam a mentira da ré.</font> </p><p><font>93. Onde está afinal a justiça?</font> </p><p><font>94. Continuarão entidades como a ré a fazer um uso reprovável dos meios processuais, bastando com isso pagar 408 euros e tudo fica sanado.</font> </p><p><font>95. Pelo que o tribunal recorrido não fez correcta aplicação dos factos considerados provados nos termos do art. 722.º, n.º 2 do CPC.</font> </p><p><font>96. Com efeito, a determinação da vontade real das partes envolve matéria de facto, da exclusiva competência das instâncias, consubstanciando todavia matéria de direito, sindic
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><br> <font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;</font> <p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:&nbsp; </font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; </font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; </font><b><font>I - Relatório</font></b> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; </font><b><font>AA, </font></b><font>pessoa colectiva, com sede na Rua ..., nº …, freguesia de …, Ponta Delgada, instaurou acção declarativa com processo ordinário, contra:</font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; 1.º - </font><b><font>BB</font></b><font>, com sede na estrada de ..., nº ..., …, freguesia e concelho de Fátima;</font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; 2.º- </font><b><font>CC</font></b><font>, com a mesma sede;</font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; 3.º - </font><b><font>DD</font></b><font>, residente em ..., nº …, ..., ..., Sintra; e</font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; 4.º - </font><b><font>EE</font></b><font>, residente na Rua ..., nº …, Horta.</font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; Pedidos: </font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; Serem os RR condenados a:</font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;a) </font><i><font>Reconhecer o direito de propriedade do Autor sobre o prédio urbano sito na Rua …, nºs … e …, da freguesia da …, Coimbra, consistente em edifício para habitação de … e …º e …º andares e logradouro, com a área total de 335 m2, descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de Coimbra sob o nº … daquela freguesia, e inscrito na matriz respectiva sob o art.º …;</font></i> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; b) </font><i><font>Restituir de imediato o dito prédio ao A., livre e devoluto;</font></i> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; c) </font><i><font>Pagar ao A. a sanção pecuniária compulsória por cada dia de atraso na entrega do identificado prédio a contar da respectiva citação e até sua efectiva entrega, nos termos do disposto no art. 829º-A do CPC</font></i><font> (sic).</font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; Como fundamento, alegou que o prédio em causa está inscrito a seu favor na 1ª Conservatória do Registo Predial de Coimbra, pela Ap. 19 de 1994/05/20, encontrando-se o mesmo&nbsp; ocupado sem título nem legitimidade pelos RR os quais, apesar de várias vezes para tal instados, recusam-se a proceder à sua entrega ao Autor.&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; &nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; </font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;Citados, os RR contestaram, por excepção e impugnação, e deduziram pedido reconvencional. </font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; Excepcionaram a </font><i><font>litispendência</font></i><font>, por se encontrar pendente uma outra acção, com o nº 2153/06.5TBCBR, instaurada pela Ré BB contra o ora Autor, em que se discute a propriedade do prédio reivindicado; quanto ao mais, alegaram no essencial que a BB está na posse do prédio em causa desde finais da década de 70 do século XX, ininterruptamente, sem oposição de quem quer que seja, de forma pública, na convicção de que exerce um direito próprio, pelo que adquiriu a respectiva propriedade por usucapião. </font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; Em </font><i><font>reconvenção,</font></i><font> pede a condenação do Autor a reconhecer o direito de propriedade da Ré BB, e abster-se de qualquer acto de turbação da posse, ordenando-se igualmente o cancelamento de todas as inscrições a favor do Autor.</font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;Na réplica, o Autor rebateu a matéria da excepção e reconvenção, terminando como na petição inicial. </font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; Findos os articulados, foi proferido douto saneador-sentença que julgou verificadas as excepções de </font><b><font>caso julgado</font></b><font>, “reciprocamente a cada uma das pretensões deduzidas pelas partes – por força do decidido na acção ordinária nº 2153/06.5TBCBR, da 2ª secção da Vara Mista de Coimbra”, tendo em consequência </font><u><font>absolvido os RR da instância principal</font></u><font> e o Autor da instância reconvencional.</font> </p><p><font>Inconformado, apelou o Autor, para o Tribunal da Relação de Coimbra, que proferiu a seguinte decisão:</font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;«Em face do exposto, julga-se o recurso procedente e, em consequência, condenam-se os RR a reconhecer o direito de propriedade do A. sobre o prédio urbano composto de edifício para habitação de …, …º e …º andares e logradouro, sito em Coimbra, …, na Rua …, nºs … e … e logradouro, inscrito na matriz sob art. …. e descrito na Conservatória do Registo Predial de Coimbra sob o nº …., e a restituírem de imediato o dito prédio ao Autor, livre e devoluto.</font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; Custas pelos Recorridos.»</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Inconformada, interpõe a Ré </font><b><font>CC</font></b><font> recurso de revista neste Supremo Tribunal, em que formulou as seguintes conclusões:</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>a) Os demandados não têm posição jurídica autónoma em relativamente à BB – agindo a Fundação como sub-rogada e o DD e a EE como legais representantes daquelas – pelo que há identidade de partes entre as duas acções, verificando-se, por isso, a excepção de caso julgado e não mera autoridade de caso julgado;</font> </p><p><font>b) No Processo 2153/06.5TBCBR já foi condenada a BB a entregar o prédio ao AA, decisão que foi executada;</font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;c) Pelo que, seja por força da procedência da excepção de caso julgado, ou por inutilidade superveniente da lide – uma vez obtido naquela acção o resultado pedido nesta – sempre os RR, ora recorrentes, teriam que ser absolvidos da instância;</font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; d) A não ser assim, a reivindicação assenta em dois requisitos – a titularidade do direito de propriedade e a ocupação do prédio pelos demandados – fundamentando-se a decisão ora impugnada apenas na verificação do primeiro;</font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; e) Sem cuidar de verificar se há ocupação – quer esta assente em mera detenção ou noutro direito – pelos demandados, pelo que, </font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; f) Tal decisão é nula, nos termos dos arts 666.º e 615.º, n.º 1 do CPC, devendo, a não se julgar a instância supervenientemente inútil, ser declarado nulo ou anulado o douto acórdão recorrido, </font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; Assim se fazendo a costumada JUSTIÇA!»</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>O recorrido AA apresentou contra-alegações, em que pugna pela manutenção do decidido.</font> </p><p><font>Sabido que o objecto dos recursos se delimita pelas conclusões das alegações (art. 635.º n.º 3 do NCPC), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (art. 608.º NCPC </font><i><font>in fine</font></i><font>), são as seguintes as questões a decidir:</font> </p><p><font>1) - Absolvição da instância por excepção do caso julgado ou inutilidade superveniente da lide;</font> </p><p><font>2) - Nulidade do acórdão recorrido por violação dos arts. 666.º e 615.º, n.º 1 do CPC.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Colhidos os vistos, cumpre decidir.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>&nbsp;</font> </p><p><b><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; </font></b><b><font>II – Fundamentação de facto</font></b> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;O Tribunal da Relação considerou como relevantes para a decisão do recurso os seguintes elementos:</font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; </font><b><font>1</font></b><font>. Correu termos na 2ª secção das Varas de Competência Mista de Coimbra, a acção ordinária nº2153/06.5TBCBR, intentada por </font><b><font>BB</font></b><font>, contra o </font><b><font>AA,</font></b><font> em que com fundamento na usucapião, pedia a condenação do Réu a reconhecer a Autora como “</font><i><font>proprietária do prédio urbano, composto de edifício para habitação de …, …º e ..º andares, e logradouro, sito em Coimbra, .., na Rua …, nºs … e … (…), inscrito na matriz sob o art. 2474 e descrita na C.R.P. de Coimbra sob o nº ….</font></i><font>”;</font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;Por sentença de 15.07.2008 do Sr. Juiz daquele tribunal foi a acção julgada totalmente procedente, sendo “o Réu condenado a reconhecer a Autora – BB – como dona desse prédio”; determinou-se ainda o cancelamento da inscrição do registo de propriedade do imóvel a favor do Réu.</font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; A mesma sentença julgou improcedente a reconvenção, na qual o Réu AA pedia a condenação da Autora, BB, a reconhecer ser ele o proprietário do prédio em causa. </font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;</font><b><font>2</font></b><font>. Depois de proferida a sentença no número anterior, compareceu na Secretaria da Vara Mista de Coimbra, o Dr. FF, o qual, arrogando-se legal representante da Autora BB, declarou:</font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;- revogar a mandato judicial constituído no processo pela Autora;</font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;- desistir do pedido formulado na acção; confessar o pedido formulado pelo Réu em reconvenção.</font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; </font><b><font>3.</font></b><font> Por decisão do Sr. Juiz da Vara Cível de Coimbra, foi julgada válida a revogação do mandato e determinado que os autos aguardem por 30 dias a constituição pela autora na acção nº 2153/06 novo mandatário.</font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;</font><b><font>4</font></b><font>. Por despacho de 24.03.2010, transitado em julgado no dia 15.04.2010, decidiu-se o seguinte:</font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; “</font><i><font>Tendo transitado em julgado a decisão de fls. 671 a 679, cessam todas as notificações ao Sr. Dr. GG, uma vez que a A. é patrocinada nos autos exclusivamente pelo Sr. Dr. HH.</font></i> </p><p><i><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; Examinado o termo de fls. 598, atento a natureza disponível do direito e a qualidade de subscritor, julgo válida a desistência do pedido efectuado nos autos pela A. BB e confessado por esta o pedido reconvencional deduzido por AA e, consequentemente:</font></i> </p><p><i><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;Reconheço o AA como o legítimo proprietário do prédio urbano sito em Coimbra, …, na Rua …, nºs … e …, inscrito na matriz sob o art. …;</font></i> </p><p><i><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;Condeno a Reconvinda BB a entregá-lo imediatamente ao AA, livre e devoluto de pessoas e bens.</font></i> </p><p><i><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; Custas da acção e da reconvenção a cargo da Autora</font></i><font>.”</font> </p><p><font> </font> </p><p><font> </font> </p><p><b><font>III – Fundamentação de direito</font></b> </p><p><b><font> </font></b> </p><p><b><font>1.</font></b><font> O tribunal de instância, no despacho saneador-sentença, de 3 de Outubro de 2013, absolveu os réus da instância principal e o autor da instância reconvencional deduzida, julgando verificada a excepção de caso julgado material, entendendo que se verifica entre a presente acção e a acção n.º 2153/06 a tríplice identidade exigida pela lei como requisito do caso julgado: identidade de sujeitos, do pedido e da causa de pedir.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>O acórdão recorrido revogou a sentença e condenou os réus a reconhecer o direito de propriedade do AA sobre o prédio urbano em litígio e a proceder à restituição imediata do imóvel ao autor, livre e devoluto, entendendo não verificada a excepção do caso julgado, pois alguns dos réus na presente acção – CC, DD e EE – não foram condenados na acção n.º 2153/06, que apenas condenou a BB.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Vejamos os factos:</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>- A propriedade do prédio em litígio foi já discutida no processo n.º 2153/06.5TBCBR, em que a BB, agora ré, pedia o reconhecimento da posse e propriedade do referido prédio, invocando a aquisição por usucapião e pedindo o cancelamento da inscrição no registo predial a favor do AA, agora autor. Nesta acção, o AA deduziu pedido reconvencional em que pede o reconhecimento do seu direito de propriedade sobre esse mesmo prédio e a condenação da ré, BB, na sua restituição.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>- Por sentença de 15 de Julho de 2008 (fls. 39 a 48), foi julgada procedente tal acção e improcedente a reconvenção deduzida pelo réu, agora autor, declarando-se a BB, como proprietária do prédio urbano, sito em Coimbra, …., na Rua …, n.ºs … e ….</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>- Após proferida a aludida sentença, compareceu na secretaria do tribunal FF, que, arrogando-se a qualidade de representante legal da autora BB e apresentando documentos alegadamente comprovativos dessa qualidade, emitiu declarações colhidas em termo no processo, mediante as quais revogou o mandato judicial conferido ao mandatário constituído no processo – Dr. GG - desistiu do pedido formulado pela autora e confessou o pedido reconvencional formulado pelo réu na acção.</font> </p><p><font>Determinado o cumprimento do disposto no art. 39.º, n.º 1 do CPC, aquele causídico, continuando a assumir-se como mandatário da autora, veio pronunciar-se no sentido da nulidade ou inexistência do termo de desistência do pedido, da confissão do pedido reconvencional e da revogação do mandato, alegando, em síntese, que os instrumentos de representação são inválidos porque outorgados por quem não tem competência nem legitimidade para o efeito, já que a BB é uma associação privada de fiéis, sendo representada pela sua Superiora, não podendo o Bispo da Diocese substituir-se à vontade da Associação e, menos ainda, adoptar medidas de tutela substitutiva relativamente à administração e disposição dos seus bens. Juntou cópia dos estatutos e nova procuração, datada de 30 de Julho de 2008, emitida pela BB, representada pela Madre Superiora, EE.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>- Neste processo n.º 2153/06.5TBCBR, foi proferido despacho de 29 de Outubro de 2008 (fls. 183 a 190), julgando inteiramente válido o decreto do Prelado Diocesano D. II, Bispo de …, mediante o qual conferiu poderes ao Dr. FF para revogar a procuração conferida pela BB ao Sr. Dr. GG (fls. 200-201).</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>- Inconformada com esta decisão, a BB, representada por aquela Superiora, EE, interpôs agravo, defendendo a revogação do despacho recorrido e a sua substituição por outro que declare a BB uma associação privada de fiéis, tendo como única representante a sua Superiora, a qual administra e dispõe livremente dos seus bens, sem intervenção da autoridade eclesiástica, sendo, em consequência, ineficazes, por falta de representação, os actos de revogação do mandato e desistência do pedido e confissão da reconvenção praticados nos autos pelo Dr. FF.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>- O Tribunal da Relação negou provimento ao agravo e confirmou o despacho recorrido, em acórdão proferido em 29 de Setembro de 2009 (fls. 193 a 199).</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>- No processo n.º 2153/06.5TBCBR, em 24 de Março de 2010, foi proferida sentença homologatória de desistência do pedido e confissão do pedido reconvencional, transitada em julgado em 15 de Abril de 2010 (fls 370-371).</font> </p><p><font>&nbsp;</font> </p><p><font>&nbsp;- Na acção n.º 2153/06.5TBCB, a sentença homologatória referida reconheceu que o AA é o legítimo proprietário do prédio urbano sito em Coimbra, freguesia da …, na Rua …, n.ºs …. e …, inscrito na matriz sob o n.º …, e condenou a BB a entregar esse prédio imediatamente ao AA, livre e devoluto de pessoas e bens (fls. 370-371).</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>- Por apenso ao referido processo n.º 2153/06.5TBCBR, com data de 22 de Março de 2011, a CC e a BB, demandaram o AA, a Diocese de … e FF, em acção de anulação da desistência da acção e confissão da reconvenção, e respectiva decisão homologatória, nos autos em referência, na forma ordinária, nos termos e para os efeitos do n.º 2 do art. 301.º do CPC.</font> </p><p><font> </font> </p><p><b><font>2.</font></b><font> Para além da presente acção e do processo n.º 2153/06, que têm por objecto litígio em torno do direito de propriedade do mesmo prédio urbano, foram intentadas pelo AA contra a BB outras acções de reivindicação e providências cautelares em relação a outros bens, como decorre dos articulados destas duas acções, o que aumenta o risco de decisões contraditórias entre si quanto à natureza pública ou privada da associação de fiéis BB e quanto à questão da legitimidade para a representação da associação.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>No processo n.º 332/09.2TBPDL.L1.S1, em que estava em causa providência cautelar, intentada pelo AA contra DD e EE a propósito de outro imóvel ocupado pela BB, este Supremo Tribunal de Justiça, no acórdão de 22 de Fevereiro de 2011 (fls. 445 a 474) pronunciou-se a favor da natureza privada da associação de fiéis BB e da legitimidade de EE para actuar como sua representante, declarando a invalidade do acto de confissão judicial feito à revelia dos órgãos da associação privada BB. </font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Conforme se relata na sentença de 1.ª Instância, na providência cautelar n.º 590/09.2TBPDL, referenciada na petição inicial dos presentes autos, que deu origem à apelação n.º 1366/09.2TBPDL, o AA demandou a Superiora EE e DD, para que se abstivessem da prática de actos de registo, de administração ou oneração, ou execução de obras, em relação a vários bens, entre os quais o prédio agora em litígio nestes autos. Na apelação, veio a ser declarada extinta por inutilidade superveniente da lide a medida decretada quanto ao prédio urbano sito na Rua …, agora em litígio, e ordenado levantamento da medida decretada quanto ao referido bem. O Tribunal da Relação de Lisboa justifica tal decisão pelo facto de o prédio não ter sido incluído na pretensão da acção principal (a acção ordinária 1366/09.2TBPDL).</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Entende a Recorrente que a decisão de homologação da desistência do pedido e da confissão do pedido reconvencional, proferida no processo 2153/06, transitada em julgado, já reconheceu que o AA é o proprietário do imóvel e condenou a BB a proceder à respectiva entrega do bem, pelo que os réus devem na presente acção ser absolvidos da instância, por força da procedência da excepção de caso julgado ou por inutilidade superveniente da lide.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>A excepção de caso julgado constitui uma excepção dilatória, de conhecimento oficioso, que se traduz num pressuposto processual negativo cuja função consiste em impedir o prosseguimento do processo com o objectivo de evitar que o tribunal se veja na contingência de proferir decisão de mérito que contrarie ou repita uma outra, anterior e definitiva. </font> </p><p><font> </font> </p><p><font>O trânsito em julgado imprime à decisão carácter definitivo; uma vez transitada em julgado, a decisão não pode ser alterada. Ao caso julgado está, assim, inerente a ideia de imutabilidade ou de estabilidade. O fim do caso julgado é o de evitar a reprodução ou contradição de uma dada decisão transitada em julgado.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>A excepção do caso julgado traduz-se em «a definição dada à relação controvertida se impor a todos os tribunais quando lhes seja submetida a mesma relação, todos tendo de acatá-la, julgando em conformidade, sem nova discussão e de modo absoluto, com vista não só à realização do direito objectivo ou à actuação dos direitos subjectivos privados correspondentes, mas também à paz social» (cf. Manuel de Andrade, </font><i><font>Noções Elementares de Processo Civil</font></i><font>, Coimbra, pp. 305-306).</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>O caso julgado, a verificar-se, obsta a que o tribunal conheça do mérito da causa e conduz à absolvição da instância (art. 576.º, n.º 2 do CPC).</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Diz-se material o caso julgado, nos termos do art. 619.º do CPC, se a decisão recai sobre o mérito da causa, e, portanto, sobre a relação jurídica substancial.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>O caso julgado material tem força obrigatória dentro do processo e fora dele e por isso não pode ser alterado em qualquer acção nova que porventura se proponha sobre o mesmo objecto, entre as mesmas partes e com fundamento na mesma causa de pedir. A estabilidade ultrapassa as fronteiras do processo e portanto, além da preclusão operada no processo, produz-se a impossibilidade de a decisão ser alterada mesmo noutro processo, com a excepção da possibilidade da sua revogação ou modificação por meio dos recursos extraordinários de revisão (art. 696.º do CPC) para os casos em que o caso julgado se formou em circunstâncias patológicas ou anormais. </font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Para que o caso julgado se imponha fora do processo, vinculando o juiz e as partes, é indispensável que concorram os requisitos do art. 581.º do CPC, isto é, que entre a acção em que se formou o caso julgado e a acção em que se pretende fazer projectar a sua eficácia se verifiquem as três identidades previstas no artigo citado: sujeitos, pedido e causa de pedir.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>O art. 581.º do CPC define cada um dos requisitos do caso julgado da seguinte forma: </font> </p><p><font>«1 - Repete-se a causa quando se propõe uma acção idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir.</font> </p><p><font>2 - Há identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica.</font> </p><p><font>3 - Há identidade de pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico.</font> </p><p><font>4 - Há identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas acções procede do mesmo facto jurídico. Nas acções reais a causa de pedir é o facto jurídico de que deriva o direito real; nas acções constitutivas e de anulação é o facto concreto ou a nulidade específica que se invoca para obter o efeito pretendido».</font> </p><p><font> </font> </p><p><font> </font> </p><p><b><font>2.1 - Identidade de sujeitos</font></b> </p><p><font>&nbsp;</font> </p><p><font>A lei coloca este requisito no plano da qualidade jurídica ou da identidade do interesse jurídico, não relevando aqui a identidade física ou nominal, mas o interesse jurídico que a parte actuou no processo. </font> </p><p><font>Segundo o n.º 2 do art. 581.º do CPC, «há identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica».</font> </p><p><font>Tem entendido a jurisprudência que «as partes são as mesmas sob o aspecto jurídico desde que sejam portadoras do mesmo interesse substancial», não sendo exigível uma correspondência física dos sujeitos nas duas acções e sendo indiferente a posição que os sujeitos assumam em ambos os processos. </font> </p><p><font>Alberto dos Reis (</font><i><font>Código de Processo Civil Anotado,</font></i><font> 3.ª edição, 1981, pp. 101) entendia, a propósito do significado da expressão “sob o ponto de vista da qualidade jurídica”, que “As partes são as mesmas sob o aspecto jurídico desde que sejam portadoras do mesmo interesse substancial. O que conta, pois, para o efeito da identidade jurídica, é a posição das partes quanto à relação jurídica substancial (…)”.&nbsp;&nbsp; </font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Ora, o interesse jurídico feito valer pela autora BB, na primeira acção (n.º 2153/06.5TBCBR), é exactamente o mesmo interesse jurídico feito valer, na presente acção, em reconvenção pela BB e restantes réus, CC, e representantes legais de ambas as pessoas colectivas.&nbsp;&nbsp; </font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Neste sentido, os agora réus, na presente acção de reivindicação, são titulares de interesses conexos ou dependentes daqueles que o caso julgado definiu, estando sujeitos à eficácia do caso julgado proferido no processo n.º 2153/06, no qual foram homologadas a desistência da acção e a confissão do pedido reconvencional, reconhecendo-se a titularidade do direito de propriedade do AA e condenando-se a Ré BB à restituição do imóvel, por decisão de 24 de Março de 2010, transitada em julgado em 15 de Abril de 2010 (fls. 370-371).</font> </p><p><font>&nbsp;</font> </p><p><font>A aparente multiplicidade de partes na presente acção – a BB, a CC e respectivos representantes legais, EE e DD – não se traduz em sujeitos distintos: a ré Fundação encontra-se sub-rogada nos direitos da BB, sua instituidora (escritura de constituição da Fundação, a fls. 299-399; reconhecimento como pessoa colectiva de utilidade pública pela Direcção-Geral da Segurança Social, conforme declaração a fls. 524); a ré EE é a Madre Superiora e legal representante da ré BB (documento da autoria do Bispo da Diocese de …, a fls. 281), não alegando qualquer direito ou posse autónoma da posse daquela; o Réu DD é o representante da Fundação (fls. 331 a 334), não alegando qualquer direito ou posse em seu nome, mas apenas na qualidade de representante da Fundação, esta por sua vez, como sub-rogatária da BB.</font> </p><p><font>Em 19 de Outubro de 2005, no Cartório Notarial de Ourém, nas qualidades de que se arrogou de Superiora Geral da BB, EE outorgou procuração notarial a favor de DD, em que lhe conferiu poderes para a constituição de uma Fundação de natureza social, com fins meramente civis, bem como poderes para administrar e alienar bens. No uso dessa procuração, DD, em representação da BB, outorgou em 22 de Junho de 2006, no Cartório Notarial da Notária JJ, uma escritura pública em que instituiu uma fundação de solidariedade social que denominou CC, à qual afectou a quase totalidade do património da BB (fls. 299 a 309). Nos termos de tal escritura, a fls. 301, «(…) </font><i><font>a Fundação fica sub-rogada na titularidade de todas as relações jurídicas e patrimoniais daquela, incluindo todos os direitos que, como pessoa moral ou colectiva, ou por inerência, herança ou disposição dos seus membros, lhe pertençam ou venham a pertencer, por qualquer via ou título, designadamente imóveis ainda não registados a favor da congregação instituidora</font></i><font>».</font> </p><p><font>&nbsp;</font> </p><p><font>No primeiro processo (n.º 2153/06), a BB ocupa a posição de autora e o AA, a posição de réu. </font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Na presente acção, as posições inverteram-se, mas a questão discutida é a mesma, tal como os pedidos de cada uma das partes: a propriedade do prédio sito na Rua …, n.º … e n.º …, Freguesia da …, Coimbra, fazendo o AA derivar o direito de propriedade de inscrição registal a seu favor, e a BB, fundamentando a aquisição da propriedade do prédio na usucapião.</font> </p><p><font>&nbsp;</font> </p><p><font>De um ponto de vista substancial, estas novas partes – a Fundação e os representantes legais da BB e da Fundação (EE e DD) – inserem-se no mesmo interesse que já obteve solução no processo anterior intentado pela BB contra o AA, não representando estes novos réus um interesse autónomo em relação à BB.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Em consequência, seria um formalismo ou artifício inaceitável e contrário à segurança jurídica não considerar preenchido o requisito da identidade das partes e admitir que fosse discutida novamente, nesta acção, a titularidade do direito de propriedade com base nos mesmos factos.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Este Supremo Tribunal tem assumido uma posição de flexibilidade na interpretação dos requisitos legais do caso julgado, pronunciando-se no sentido da verificação da excepção de caso julgado material, mesmo nos casos em que estes requisitos não estejam formalmente verificados.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Veja-se o acórdão de 15-01-2013, processo n.º 816/09.2TBAGD.C1.S1, relatado pelo Conselheiro Fernandes do Vale: </font> </p><p><font> </font> </p><p><font>«O alcance e a autoridade do caso julgado não se podem confinar aos rígidos contornos definidos nos arts. 497.º e segs. do CPC para a excepção do caso julgado, antes se devendo tornar extensivos a situações em que, não obstante a ausência formal da identidade de sujeitos, pedido e causa de pedir, o fundamento e razão de ser daquela figura jurídica estejam, notoriamente, presentes» &nbsp;</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>No mesmo sentido, se orientou o acórdão deste Supremo Tribunal, de 24-04-1996, processo n.º 96B120, relatado pelo Conselheiro Costa Marques:</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>«I - A identidade jurídica dos sujeitos da relação jurídica, não tem, necessariamente, que coincidir com a identidade física, pois o que interessa é que estes actuem como titulares da mesma relação substancial, isto no que toca à litispendência e caso julgado.</font> </p><p><font>II - Ora, nas duas acções em causa, é a mesma relação material controvertida, sendo a mesma causa de pedir e o mesmo pedido, e há identidade de sujeitos, pois o Conselho Directivo da Comunidade dos Compartes dos Baldios …, actuando em nome próprio nessa relação controvertida nesta acção a mesma posição que nessa mesma relação da acção anterior é ocupada pela Junta de Freguesia …, actuando também em nome próprio, não interessando que esta Junta seja ou não parte legítima, pois a identificação dos sujeitos não tem qualquer relação com o problema da legitimidade».</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>E, ainda, entre outros, o acórdão deste Supremo tribunal de 2 de Novembro de 2006 (processo n.º 06B3027), relatado pelo Conselheiro Pereira da Silva, em cujo sumário se exarou o seguinte:</font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; &nbsp;</font> </p><p><font>«I - O que conta para a avaliação da existência, ou não, do requisito relativo à identidade de sujeitos é a posição das partes quanto à relação jurídica substancial, o serem portadoras do mesmo interesse substancial; tal identidade não fica comprometida ou destruída pelo facto de ocuparem as partes posições opostas em cada um dos processos, acontecer diversidade de forma de processo empregada nas duas acções ou serem de natureza díspar - uma declarativa, outra executiva - as acções em causa.</font> </p><p><font>II - Para haver identidade de pedido, como pressuposto da litispendência, tem que ser o mesmo o direito subjectivo cujo reconhecimento ou protecção se pede, independentemente da sua expressão quantitativa, não sendo, consequentemente, necessária, à luz do prescrito no art. 498.º, n.ºs 1 e 3, do CPC, rigorosa identidade formal entre os pedidos, antes se mostrando suficiente que seja coincidente o objectivo fundamental de que dependa o êxito de cada uma d
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><br> <font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;</font> <p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font> </p><p><font> </font> </p><p><b><font> </font></b> </p><p><b><font>I - Relatório</font></b> </p><p><b><font> </font></b> </p><p><b><font>Autores:</font></b> </p><p><font>- AA e mulher, BB.</font> </p><p><font> </font> </p><p><b><font>Réus:</font></b> </p><p><font>- CC e mulher DD; e</font> </p><p><font>- Caixa de EE, CRL.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Alegam os autores, em síntese, que celebraram com os 1.ºs réus um contrato promessa de compra e venda, mediante o qual prometeram comprar dois prédios que identificam, dos quais foram de imediato investidos na respetiva posse, tendo pago de sinal e princípio de pagamento um total de € 95.000,00.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Os promitentes vendedores recusam-se a celebrar o contrato definitivo, motivo pelo qual os autores deixaram de ter qualquer interesse na manutenção do referido contrato, pretendendo ser pagos do sinal em dobro.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Concluindo pela procedência da ação, pedem que:</font> </p><p><font>- se declare resolvido o contrato promessa de compra e venda celebrado em14 de Junho de 2012;</font> </p><p><font>- sejam os 1.ºs réus condenados a pagar aos autores a quantia de € 190.000,00, acrescida de juros à taxa legal, desde a citação até integral pagamento;</font> </p><p><font>- seja reconhecido aos autores o direito de retenção sobre os referidos prédios para garantia do seu crédito e juros vincendos;</font> </p><p><font>- sejam os réus condenados a reconhecer tal direito de retenção sobre os referidos prédios.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Na contestação que apresentou, afirma a Caixa de EE (adiante CEE) que o referido contrato promessa não passa de um estratagema planeado entre os outorgantes para os 1.ºs réus se eximirem às suas responsabilidades e não perderem os imóveis hipotecados, bem sabendo que estavam a prejudicar a CEE.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Neste sentido, nunca os autores entregaram qualquer quantia a título de sinal ou estiveram na posse dos referidos bens imóveis.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Conclui pois pela improcedência da ação e condenação dos autores e 1.ºs réus como litigantes de má fé.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Na réplica, reiteram os autores a sua versão dos factos, afirmando que tinham efetivamente conhecimento da existência da hipoteca, mas afirmavam os 1.ºs réus que o valor em dívida era muito inferior, tendo pois agido de boa fé, mantendo de resto disponibilidade para celebrar a escritura definitiva de compra e venda, mediante o pagamento do remanescente do preço acordado.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Procedeu-se a julgamento com observância do legal formalismo, não se tendo suscitado nem verificado quaisquer exceções, nulidades ou questões prévias de que cumprisse conhecer e que obstassem ao conhecimento do mérito da causa.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>A final foi proferida sentença que julgou a ação procedente nos seguintes termos:</font> </p><p><i><font>«1</font></i><font>.</font><i><font> Declara-se resolvido o contrato promessa de compra e venda, celebrado em 14 de Junho de 2012, entre os promitentes vendedores CC e mulher DD e os promitentes-compradores AA e mulher BB.</font></i> </p><p><i><font>2. Condenam-se os 1.ºs réus CC e mulher DD a pagar aos autores AA e mulher BB a quantia de €190.000,00 (cento e noventa mil euros), correspondente ao dobro do sinal, acrescida de juros à taxa legal, desde a citação até integral pagamento.</font></i> </p><p><i><font>3. Reconhece-se aos autores, para garantia do seu crédito e juros vincendos, o direito de retenção sobre os prédios objecto do contrato promessa:</font></i> </p><p><i><font>- prédio urbano, composto de casa de rés-do-chão e andar com um anexo, sito no ..., freguesia de ..., concelho de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º 41/19850805 e inscrito na respectiva matriz sob o artigo 963; e</font></i> </p><p><i><font>- prédio rústico, composto de vinha demarcada do Douro, oliveiras e árvores de fruto, sito no ..., freguesia de ..., concelho de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º … &nbsp;e inscrito na respectiva matriz sob o artigo15.</font></i> </p><p><i><font>4. Condenam-se todos os réus, CC e mulher DD, e Caixa de EE, CRL, a reconhecerem tal direito de retenção dos autores sobre os referidos prédios».</font></i> </p><p><font> </font> </p><p><font> </font> </p><p><font>A ré, instituição bancária, não se conformando com o decidido, interpôs recurso de apelação, em que impugnou a matéria de facto e colocou três questões de direito: 1) pressupostos da resolução do contrato de promessa de compra e venda e do direito de retenção; 2) violação do princípio da proporcionalidade e da confiança previstos nos artigos 18.º e 2.º da CRP, ao reconhecer o direito de retenção como garantia real prevalente à hipoteca; 3) litigância de má fé dos autores.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>O Tribunal da Relação de Guimarães proferiu acórdão, julgando improcedente a apelação e confirmando a decisão recorrida. &nbsp;</font> </p><p><font>Inconformada a ré interpõe recurso de revista excecional, ao abrigo das alíneas a) e b) do n.º 1 do art. 672.º do CPC, o qual foi admitido pela formação prevista no art. 672.º, n.º 3 do CPC, para que seja decidida a seguinte questão: </font><i><font>«(…) saber se a prevalência do direito de retenção do promitente comprador deve ser sempre reconhecida, ou apenas em determinadas situações, quais sejam aquelas em que o promitente comprador tenha contratado na qualidade de consumidor (quanto a quaisquer bens) e para a habitação própria e permanente (quanto a prédios urbanos)».</font></i> </p><p><font> </font> </p><p><font>Na sua alegação de recurso, a ré formula as seguintes conclusões:</font> </p><p><font>&nbsp;</font> </p><p><font>«</font><b><font>1-</font></b><font> A questão a que se reporta o litígio consiste na prevalência do direito de retenção reconhecido ao promitente-comprador com </font><i><font>traditio</font></i><font> sobre o direito do credor garantido por hipoteca. Uma vez que a hipoteca é a garantia geralmente utilizada para os financiamentos concedidos para aquisição de primeira habitação, evidente se torna que a questão em apreço é de maior relevância social, uma vez que se reporta a um bem de primeira necessidade e a um direito essencial da vida em sociedade (habitação) pois, na medida em que essa garantia não seja segura pode estar em causa a concessão/obtenção dos referidos financiamentos e a correspondente possibilidade de aquisição própria e a constituição de novas famílias, assim nos parecendo “estarem em causa interesses de particular relevância social” – al. b) do n.º1 do art. 672.º do CPC.</font> </p><p><b><font>2-</font></b><font> O mesmo se justifica pelo facto de a hipoteca ser a garantia mais utilizada para a maior parte dos financiamentos com muitas outras e as mais diversas finalidades, estando por isso em causa a segurança de uma grande porção do tráfego jurídico em geral.</font> </p><p><b><font>3-</font></b><font> Por outro lado, igualmente se nos antolha “estar em causa uma questão cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito” – al. a) do mesmo dispositivo legal, pois trata de saber se a prevalência do direito de retenção do promitente comprador deve ser sempre reconhecida, ou apenas em determinadas situações, quais sejam aquelas em que o promitente comprador tenha contratado na qualidade de consumidor (quanto a qualquer bem) e para a habitação própria permanente (quando a prédios urbanos).</font> </p><p><b><font>4-</font></b><font> Não deverá ser reconhecido o direito de retenção, muito menos com prevalência sobre a hipoteca previamente constituída a favor da recorrente, nem em relação ao prédio rústico, nem em relação ao prédio urbano, uma vez que a razão que levou o legislador a optar por essa prevalência, segundo o preâmbulo do DL 379/86, de 11 de Novembro, foi a protecção dos consumidores no mercado de habitação, por considerá-los a parte mais débil, sendo que tal </font><i><font>ratio</font></i><font> deve estar sempre presente na interpretação e aplicação dos normativos desse diploma a todos os casos concretos como o que constitui objecto da presente acção.</font> </p><p><b><font>5-</font></b><font> Este entendimento foi seguido pelo Ac. Do STJ, de 25/11/2014, que assentou a sua decisão no Ac. de Uniformização de Jurisprudência de 4/2014, de 20/03/2014, publicado no DR, I Série, n.º 95, de 19/05/2014, que apesar de não o dizer expressamente, não pode deixar de entender-se que se reporta </font><b><u><font>exclusivamente</font></u></b><font> ao promitente-comprador que detenha, simultaneamente, a qualidade de </font><u><font>consumidor</font></u><font>.</font> </p><p><b><font>6 -</font></b><font> Acresce que o legislador, ainda que no preâmbulo do referido Decreto-Lei, fez a distinção entre os prédios rústicos e urbanos e, entre estes, os destinados a habitação.</font> </p><p><b><font>7 -</font></b><font> Os AA. supostamente prometeram comprar um prédio rústico e um prédio urbano, assumindo expressamente que este não era para sua habitação, pois habitam na cidade de Amarante e referiram que nunca pernoitaram naquela casa, a qual, por isso, não seria para ser utilizada como habitação própria permanente, não estando assim abrangidos por aquela protecção criada pelo legislador, além de que, dos factos provados também não consta que a casa em questão fosse adquirida para esse fim.</font> </p><p><b><font>8 -</font></b><font> Quanto ao prédio rústico, para além de obviamente não se destinar à habitação, os AA. deixaram bem claro que o mesmo se destinava à exploração agrícola, chegando mesmo a concretizar que a sua intenção era nele implantar uma produção de cogumelos para comercializar, tal como referido pelas testemunhas que sobre isso depuseram e mostraram ter conhecimento e que merecem credibilidade ao Tribunal. </font> </p><p><b><font>9 -</font></b><font> Por tudo quanto fica exposto se conclui que os AA. na celebração do contrato-promessa em causa não contrataram na qualidade de consumidores, por isso não podendo beneficiar da referida protecção legal (direito de retenção) face ao incumprimento dos promitentes vendedores e em detrimento da hipoteca previamente constituída para garantia do crédito da recorrente.</font> </p><p><b><font>10.</font></b><font> Assim não se tendo entendido e decidido, tanto a sentença da 1.ª instância como o acórdão da Relação traduzem incorrecta interpretação e aplicação ao caso das pertinentes disposições legais, nomeadamente dos arts. 410.º, 755.º, 759.º do C. Civil, bem como violação dos princípios da confiança e da proporcionalidade e constantes dos arts. 2.º e 18.º, n.º 2 da CRP, respectivamente, pelo que,</font> </p><p><b><font>Após a “apreciação liminar sumária” prevista no art. 672.º do C.P.C., deve o presente recurso ser admitido e, na sua procedência, ser revogado o acórdão recorrido, bem como a sentença de 1.ª instância e em sua substituição ser proferida outra que julgue a acção totalmente improcedente, assim resultando, a nosso ver, devidamente aplicada a lei e realizada a Justiça».</font></b> </p><p><font> </font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Os autores não apresentaram contra-alegações.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Sabido que, ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, é pelas conclusões que se define o objeto do recurso, as questões a decidir são as seguintes:</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>I – </font><i><font>Pressupostos do direito de retenção do promitente-comprador, nomeadamente, a qualidade de consumidor deste; a natureza do prédio (urbano ou rústico); finalidade do prédio (habitação ou outra).</font></i> </p><p><font> </font> </p><p><font>II – </font><i><font>Constitucionalidade do regime jurídico fixado no art. 759.º, n.º 2 do CC que determina a prevalência do direito de retenção sobre o crédito hipotecário.</font></i> </p><p><font>&nbsp; </font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Colhidos os vistos, cumpre decidir.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font> </font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; </font><b><font>II – Fundamentação de facto</font></b> </p><p><font> </font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; </font><b><font>As instâncias fixaram a seguinte matéria de facto, que passamos a transcrever:</font></b> </p><p><font> </font> </p><p><font>«1. Encontram-se inscritos a favor dos primeiros réus os seguintes prédios:</font> </p><p><font>- i. Prédio urbano, composto de casa de rés-do-chão e andar com um anexo, sito no ..., freguesia de ..., concelho de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º…e inscrito na respectiva matriz sob o artigo …;</font> </p><p><font>- ii. Prédio rústico, composto de vinha demarcada do Douro, oliveiras e árvores de fruto, sito no ..., freguesia de ..., concelho de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º… e inscrito na respectiva matriz sob o artigo 15.</font> </p><p><font>2. Encontra-se constituída a favor da primeira ré uma hipoteca sobre o prédio descrito em A), i., inscrita no registo em 20.01.2009, convertida em definitiva em 04.02.2009, com fundamento num contrato de mútuo, para garantia da quantia de € 250 000,00, até ao montante máximo de € 350 000,00.</font> </p><p><font>3. Encontra-se constituída a favor da primeira ré uma hipoteca sobre o prédio descrito em A), ii., inscrita no registo em 20.01.2009, convertida em definitiva em 04.02.2009, com fundamento num contrato de mútuo, para garantia da quantia de € 250 000,00, até ao montante máximo de € 350 000,00.</font> </p><p><font>4. Em 14.06.2012, os autores declararam prometer comprar e os primeiros réus declararam prometer vender os prédios identificados em A), i. e ii., pelo valor de €150.000,00.</font> </p><p><font>5. Naquela data, os autores entregaram aos primeiros réus, a título de sinal, a quantia de € 60.000,00.</font> </p><p><font>6. E, em 26.06.2012, os autores entregaram aos primeiros réus, a título de reforço de sinal, a quantia de € 35.000,00.</font> </p><p><font>7. Os autores e os primeiros réus acordaram que a escritura pública de compra e venda seria celebrada até 15.09.2012.</font> </p><p><font>8. E, nesse momento, os autores entregariam aos primeiros réus a quantia de € 55.000,00.</font> </p><p><font>9. Era aos autores que cabia a marcação da mencionada escritura pública.</font> </p><p><font>10. A escritura pública de compra e venda foi marcada pelos autores para o dia 05.09.2012, pelas 10 horas, no Cartório do Dr. FF, em Lamego.</font> </p><p><font>11. No referido dia, os primeiros réus não compareceram na escritura pública de compra e venda.</font> </p><p><font>12. O primeiro réu comunicou ao autor que não podia pagar o valor garantido pelas hipotecas mencionadas em B) e C).</font> </p><p><font>13. Os autores ocupam os imóveis mencionados desde o dia 14.06.2012».</font> </p><p><font> </font> </p><p><font> </font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; </font><b><font>III – Fundamentação de direito</font></b> </p><p><font> </font> </p><p><b><font>1. </font></b><font>Entendeu o acórdão recorrido, confirmando a sentença do tribunal de 1.ª instância, que, para a aplicação do art. 755.º, al. f) do CC, basta a prova de que houve tradição, no sentido de transferência para o promitente-comprador do poder de facto sobre a coisa, assim lhe sendo permitida uma relação material com ela, e que, estando em causa dois prédios, um rústico e outro urbano, estes se subsumem à noção de coisa consagrada no artigo 755.º n.º 1 al. f) do C.Civil, não impedindo esta natureza dos prédios a qualidade de consumidor do promitente-comprador nem a aplicação do regime jurídico do art. 759.º, n.º 2 do CC.</font> </p><p><font> </font> </p><p><b><font>2.</font></b><font> Invoca o Banco, nas suas conclusões, que o art. 755.º, n.º 1, al. f) do CC deve ser interpretado restritivamente, tal como se entendeu no AUJ n.º 4/2014, de 20-03-2014, que decidiu que o direito de retenção só pode ser invocado contra o credor hipotecário pelo promitente-comprador que tenha a qualidade de consumidor e que esta qualidade exige que o prédio seja urbano e se destine à habitação dos promitentes-compradores.</font> </p><p><font> </font> </p><p><b><font>3.</font></b><font> O “Direito de retenção” regulado nos artigos 754º ss do Código Civil “consiste na faculdade que o devedor de uma coisa possui de a não entregar enquanto não for pago do crédito que por sua vez lhe assiste”. Por seu turno a hipoteca é também uma garantia real que concede aos credores o direito a serem pagos pelo valor de certos bens imóveis do devedor, estando os seus créditos devidamente registados. O DL n.º 379/86, de 11/11 alargou o “direito de retenção” a vários casos entre os quais nos cabe destacar o da alínea f) do nº 1 do artigo 755º do CC, o qual estatui que goza de tal direito “o beneficiário da promessa de transmissão ou constituição real que obteve a tradição da coisa a que se refere o contrato prometido sobre essa coisa, pelo crédito resultante do não cumprimento imputável à outra parte nos termos do artigo 442º”. Dispõe este normativo legal no seu nº 2: “Se quem constitui o sinal deixar de cumprir a obrigação por causa que lhe seja imputável, tem o outro contraente a faculdade de fazer sua a coisa entregue; se o não cumprimento do contrato for devido a este último, tem aquele a faculdade de exigir o dobro do que prestou, ou, se houve tradição da coisa a que se refere o contrato prometido, o seu valor, ou o do direito a transmitir ou a constituir sobre ela, determinado objetivamente, à data do não cumprimento da promessa, com dedução do preço convencionado, devendo ainda ser-lhe restituído o sinal e a parte do preço que tenha pago”.</font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; O direito de retenção tem sido concedido aos promitentes-compradores, entendendo-se que a constituição de sinal e a tradição da coisa têm subjacente uma forte confiança na firmeza e concretização do negócio, impondo-se, em consequência, com particular acuidade, defender o mais possível o exato cumprimento do contrato e que a execução específica não resulte inoperante mercê da alienação da coisa a terceiro, quando a promessa se encontre destituída de eficácia real. Nesta sequência, tem-se admitido que existe transmissão da posse do promitente-vendedor para o promitente-comprador, não por via do contrato-promessa mas por força do acordo negocial da </font><i><font>traditio</font></i><font> e da efetiva entrega da coisa. Neste caso o promitente-comprador, que recebe a coisa e a usa como se fosse sua, praticando sobre ela os atos materiais correspondentes ao exercício do direito de propriedade, é um verdadeiro possuidor em nome próprio.</font> </p><p><b><font> </font></b> </p><p><b><font>4.</font></b><font> O AUJ n.º 4/2014, nos casos em que o administrador da insolvência recusa o cumprimento do contrato-promessa obrigacional em que houve pagamento de sinal e tradição, procede a uma conciliação dos interesses em conflito, restringindo a proteção do promitente-comprador às situações em que ele tem a qualidade de consumidor.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>O Acórdão Uniformizador, de 20-03-2014 (proc. n.º 92/05.6TYVNG-M.P1.S1), relatado pelo Conselheiro Távora Vítor, uniformizou a seguinte orientação jurisprudencial: </font> </p><p><font>«No âmbito da graduação de créditos em insolvência </font><b><font>o consumidor promitente-comprador</font></b><font> em contrato, ainda que com eficácia meramente obrigacional com </font><i><font>traditio,</font></i><font> devidamente sinalizado, que não obteve o cumprimento do negócio por parte do administrador da insolvência, goza do direito de retenção nos termos do estatuído no artigo 755º nº 1 alínea f) do Código Civil».</font> </p><p><font>&nbsp;</font> </p><p><font>Defende o acórdão uniformizador uma interpretação restritiva da alínea f) do artigo 755º nº 1 do CC, de molde a que apenas se encontre protegido pela prevalência conferida pelo “direito de retenção” o promissário da transmissão de imóvel que obtendo a tradição da coisa seja simultaneamente um consumidor, definindo o conceito de consumidor, na nota 10, da seguinte forma: </font><b><font>«o promitente comprador é </font></b><b><i><font>in casu</font></i></b><b><font> um consumidor no sentido de ser um utilizador final com o significado comum do termo, que utiliza os andares para seu uso próprio e não com escopo de revenda»,</font></b><font> mas não exigindo expressamente que o prédio seja urbano e se destine a habitação.&nbsp; </font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Contudo, conforme afirma o acórdão da formação que admitiu esta revista excecional, a fls. 347-353, relatado pelo Conselheiro Nuno Cameira, «a uniformização jurisprudencial a respeito do direito de retenção se circunscreveu ao caso particular do promitente comprador que obteve a tradição do imóvel por parte do promitente vendedor insolvente, mas não o cumprimento do contrato pelo administrador de insolvência; e evidente se torna também que o conceito de consumidor não foi objecto da uniformização».</font> </p><p><font>&nbsp;</font> </p><p><b><font>5.</font></b><font> Fazendo uma resenha da jurisprudência deste Supremo Tribunal posterior ao AUJ n.º 4/2014, resulta o seguinte:</font> </p><p><font>No acórdão de 29-05-2014 (proc. n.º 1092/10.0TBLSD-G.P1.S1), relatado pelo Conselheiro João Bernardo, considerou-se que «Para efeitos do Acórdão proferido em revista ampliada em 20.3.2014, no processo n.º 92/05.6TYVNG-M.P1.S1, deve ser considerado consumidor o promitente-comprador que, na fração prometida comprar, tem um estabelecimento de venda ao público de artigos para o lar, que explora através duma sua sociedade com sede na mesma fração».</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; A fundamentação aduzida foi a seguinte:</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; A Lei n.º 24/96 define no artigo 2.º, n.º1, consumidor como “todo aquele a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos, destinados a uso não profissional, por pessoa que exerça com carácter profissional uma atividade económica que vise a obtenção de benefícios.”</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Já o Decreto-Lei n.º24/2014, de 14.2 define consumidor, pare efeitos deste normativo, como “a pessoa singular que atue com fins que não se integrem no âmbito da sua atividade comercial, industrial, artesanal ou profissional”.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Este Decreto-Lei transpôs a Diretiva n.º 2011/83/EU do Parlamento e do Conselho, de 25.10.2011, que, no artigo 2.º, define, para efeitos dela mesma:</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>“Consumidor: qualquer pessoa singular que, nos contratos abrangidos pela presente directiva, actue com fins que não se incluam no âmbito da sua actividade comercial, industrial, artesanal ou profissional;</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Profissional: qualquer pessoa singular ou coletiva, pública ou privada, que, nos contratos abrangidos pela presente directiva, actue, incluindo através de outra pessoa que actue em seu nome ou por sua conta, no âmbito da sua actividade comercial, industrial, artesanal ou profissional.”</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>É manifesto que todos estes textos legais conferem ao conceito de consumidor o sentido estrito.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Mas fica alguma dúvida sobre a opção pela distinção que fizemos dentro do conceito estrito, parecendo até pela definição de “profissional” constante da diretiva – que não passou para o texto de origem interna, mas que será de atender em obediência ao princípio da interpretação conforme – que a exclusão se situa só nos casos em que a aquisição, posse, ou uso faz parte da própria atividade profissional.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>A inclusão do consumidor no texto uniformizante apoiou-se, como da fundamentação consta, no que defende Miguel Pestana de Vasconcelos, em Cadernos de Direito Privado, n.º33, 3 e seguintes.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Este autor dedica ali a extensa nota de pé de página n.º 25 à noção de consumidor, sustentando que é ponderada e equilibrada, devendo “orientar o intérprete na concretização do consumidor para este efeito”, a definição resultante dos artigos 10.º, n.º1 e 11.º, n.ºs 1 e 2 do anteprojeto do Código do Consumidor.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>É, então, “consumidor a pessoa singular que actue para a prossecução de fins alheios ao âmbito da sua actividade profissional, através do estabelecimento de relações jurídicas com quem, pessoa singular ou colectiva, se apresenta como profissional.”</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Podendo estender-se o conceito às pessoas coletivas, se provarem que não dispõem nem deveriam dispor de competência específica para a transação em causa e desde que a solução se mostre de acordo com a equidade e às pessoas singulares que atuem na prossecução de fins que pertençam ao âmbito da sua atividade profissional, se provarem o que acaba de ser referido relativamente às pessoas coletivas.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>O próprio texto fundamentante do Acórdão Uniformizador fornece na nota n.º10 elementos que permitem vislumbrar o que se quis incluir e excluir quando se inseriu o conceito na parte da uniformização.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Ali se refere que:</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>“…Não sofre dúvida que o promitente-comprador é </font><i><font>in casu</font></i><font> um consumidor no sentido de ser um utilizador final com o significado comum do termo, que utiliza os andares para seu uso próprio e não com escopo de revenda.”</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Deste texto, conjugado com o que vimos referindo em abstrato, cremos poder concluir que do conceito de “consumidor” inserto no texto da uniformização só está excluído aquele que adquire o bem no exercício da sua atividade profissional de comerciante de imóveis.»</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>No acórdão 14-10-2014, relatado pelo Conselheiro João Camilo (986/12.2TBFAF-G.G1.S1), aplicou-se o conceito de consumidor do AUJ n.º 4/2014, definido conforme o n.º 1 do art. 2.º da Lei n.º 24/96, de 31-07, assim se excluindo o reconhecimento do direito de retenção por decorrer da matéria de facto provada que o promitente-comprador destinava as frações a revenda. </font> </p><p><font>&nbsp;</font> </p><p><font>No acórdão deste Supremo Tribunal, de 25-11-2014 (proc. 7617/11.6TBBRG-C.G1.S1), relatado pelo Conselheiro Fernandes do Vale, também proferido no contexto da especificidade teleológica do direito da insolvência, entendeu-se que «A uniformização operada pelo AUJ n.º 4/2004, de 20-03-2014, publicado no </font><i><font>DR</font></i><font>, I Série, n.º 95, de 19-05-2014, e acessível em </font><a><u><font>www.dgsi.pt</font></u></a><font>, reporta-se, exclusivamente, ao promitente-comprador que detenha, simultaneamente, a qualidade de consumidor. Esta deve ser entendida no seu sentido estrito, correspondente à pessoa que adquire um bem ou serviço para uso privado, de modo a satisfazer as necessidades pessoais e familiares, não abrangendo quem obtém ou utiliza bens e serviços para satisfação das necessidades da sua profissão ou empresa». </font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; Neste caso, a qualidade de consumidor foi recusada pelo facto de a promitente compradora ser uma sociedade por quotas e ter, portanto, a qualidade de comerciante.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>No acórdão deste Supremo Tribunal, de 30-04-2015 (1187/08.0TBTMR-A.C1.S1), relatado pelo Conselheiro Tomé Gomes, tendo a instituição bancária invocado na revista que o promitente-comprador não era consumidor, no âmbito de um procedimento declarativo de reclamação, verificação e graduação de créditos, deduzido em 08/11/2011, por apenso a uma execução instaurada em 2008, entendeu-se que «Tendo sido reclamado um crédito emergente do incumprimento definitivo de um contrato-promessa, ainda antes da prolação do AUJ do STJ n.º 4/2014, de 19/05/2014, sem que a reclamante tenha alegado a sua qualidade de consumidora, não tendo as partes nem as instâncias se debruçado sequer sobre tal questão, que só vem suscitada em sede de revista, tal questão assume a natureza de uma questão nova não estritamente jurídica de que já não cumpre conhecer», tendo assim o Supremo confirmado a decisão do Tribunal da Relação que reconheceu o direito de retenção ao promitente-comprador de três lojas de um prédio em construção.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>No acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 09-07-2015 (proc. n.º 1242/10.6YYPRT-A.P1.S1), relatado pelo Conselheiro Abrantes Geraldes, em que estava em causa um conflito entre um direito de retenção emergente do incumprimento de um contrato de promessa de compra e venda relativamente a um estabelecimento industrial e uma hipoteca legal para garantia de um crédito a alimentos devidos a filho (do promitente-vendedor, proprietário do imóvel) portador de deficiência, entendeu-se que a questão do conceito de consumidor não podia ser conhecida por não ter sido alegada a factualidade relacionada com a negação ou com a atribuição da qualidade de consumidor e carecerem os autos de elementos para apreciação dessa questão. Contudo, com base nos elementos histórico, sistemático e teleológico de interpretação, decidiu-se a favor da prevalência do crédito a alimentos sobre o direito de retenção por força da diferença substancial entre uma hipoteca voluntária, em causa nas situações tipo de conflito entre direito de retenção e crédito concedido por entidade financeira para a construção de edifícios para venda normalmente destinados a habitação, e uma hipoteca legal para garantir um crédito de alimentos, irrenunciável e indisponível (art. 2008.º do CC).&nbsp; </font> </p><p><font> </font> </p><p><font>O Supremo Tribunal, no acórdão de 17-11-2015 (processo n.º 1999/05.6TBFUN-I.L1S1), relatado pelo Conselheiro Fonseca Ramos, entendeu que, para definir os direitos em apreciação no recurso de revista do Banco recorrente, credor hipotecário, e dos recorridos promitentes-compradores com a tradição de seis frações prediais, se deve operar com o conceito de consumidor, interpretando a norma do art. 755º, nº1, f) do Código Civil, com o sentido acolhido no AUJ n.º 4/2014, de 20.3.2014.</font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; Aí se entendeu que «O conceito de consumidor que o referido AUJ acolheu foi o conceito restrito, funcional, segundo o qual consumidor é a pessoa singular, destinatário final do bem transaccionado, ou do serviço adquirido, sendo-lhe alheio qualquer propósito de revenda lucrativa» (Acórdão deste Supremo Tribunal, de 17-11-2015, processo n.º 1999/05.6TBFUN-I.L1S1). </font> </p><p><font>A qualidade de consumidor foi negada, no caso decidido neste acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, aos promitentes-compradores por não constarem no acórdão recorrido os elementos da mesma (as frações tinham sido revendidas e não se tinham destinado a uso familiar ou pessoal), nem o Tribunal da Relação recorreu a presunções judiciais para fixar, no caso concreto, o conceito consumidor, por exemplo, a partir do facto de no processo não constar a qualidade de comerciante dos promitentes-compradores. O Supremo entendeu, assim, que não podia substituir-se ao Tribunal da Relação para dar como provada a qualidade de consumidor.</font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;</font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; </font><b><font>6.</font></b><font> O acórdão uniformizador não é fonte de direito, nem tem força obrigatória geral como os antigos assentos, apesar de ser dotado de um particular poder de persuasão. </font> </p><p><font>A aplicação imediata do AUJ n.º 4/2014, defendida pelo acórdão deste Supremo Tribunal, de 17-11-2015, levanta, contudo, o problema dos processo
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><br> <b><font>&nbsp;&nbsp;</font></b> <p><font>Acordam na 1.ª Secção Cível do Supremo Tribunal de Justiça:</font> </p><p><b><font>&nbsp;</font></b> </p><p><b><font> </font></b> </p><p><b><font>I. Relatório</font></b> </p><p><b><font> </font></b> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; A 12 de Julho 2004, nos Juízos Cíveis do Porto, </font><b><i><font>AA</font></i></b><font> instaurou acção declarativa sob forma sumária contra a </font><b><i><font>BB, CRL</font></i></b><font> pedindo a condenação da ré a eliminar e reparar os defeitos descritos nos artigos 8.º a 102.º da petição inicial, todos do prédio urbano composto de casa de cave, rés-do-chão e andar sito na Rua ..., nºs …, freguesia de ..., concelho do Porto, descrito na Segunda Conservatória do Registo Predial do Porto sob o n.º ....</font> </p><p><font>Para fundamentar a sua pretensão o autor alegou, em síntese, que através de contrato de permuta celebrado a 12 de Julho de 1999 recebeu da ré um prédio que apresenta defeitos, os quais descreve, pretendendo que os mesmos sejam eliminados e reparados.</font> </p><p><font>A ré foi previamente citada a 14 de Julho de 2004 para, querendo, contestar, contestou excepcionando a caducidade da pretensão do autor, por referência à data de celebração da escritura de permuta que situa em 27 de Julho de 1999</font><a><u><font>[1]</font></u></a><font>, impugnou alguns dos factos alegados na petição inicial, deduziu incidente de intervenção provocada da sociedade </font><b><i><font>CC, SA</font></i></b><b><font>,</font></b><font> alegada construtora do imóvel dado em permuta ao autor e deduziu pedido reconvencional contra o autor pedindo a condenação deste ao pagamento à ré da quantia de €10.990,08 (Esc. 2.203.313$00), a título dos custos do empreendimento em que se insere o prédio adquirido pelo autor, bem como dos juros moratórios, à taxa máxima legal, desde a data do vencimento da obrigação até integral reembolso.</font> </p><p><font>O autor replicou alegando que teve conhecimento dos defeitos que invocou na petição inicial durante o ano de 2003, que o valor da permuta foi acordado aquando da celebração da escritura de permuta, não podendo a ré alterar unilateralmente o preço do contrato, pugnando assim pela improcedência da reconvenção.</font> </p><p><font>A ré treplicou alegando que caducou o direito do autor por falta de denúncia dos defeitos, com excepção dos referentes à ligação de saneamento, pugnou pela procedência da sua pretensão reconvencional e pediu a condenação do autor como litigante de má fé em multa e indemnização.</font> </p><p><font>Em 04 de Fevereiro de 2005, decidiu-se que o valor da causa era de € 16.605,67 e que por isso o processo seguia a forma ordinária, determinando-se, em consequência, a remessa dos autos às Varas Cíveis da Comarca do Porto.</font> </p><p><font>Em 17 de Maio de 2005, foi proferido despacho a admitir a intervenção acessória da sociedade </font><b><i><font>CC, SA</font></i></b><font> e decidiu-se não admitir a reconvenção deduzida pela ré.</font> </p><p><font>Depois de citada para os termos da causa, a </font><b><i><font>CC, SA</font></i></b><font> apresentou contestação, excepcionando a caducidade do eventual direito de regresso da ré contra si, porquanto, desde a data da entrega do prédio pela chamada à ré – 30-11-1998 – até à data da propositura da acção – 12-07-2004 – decorreram mais de cinco anos, e desde a data em que o autor tomou conhecimento dos invocados defeitos – 8-06-2002 – até 31-10-2003, data invocada pelo autor como sendo aquela em que foram denunciados à ré os defeitos, decorreu mais de um ano, concluindo pela caducidade do direito de denúncia e pela improcedência da acção.</font> </p><p><font>A audiência preliminar foi dispensada e foi elaborado despacho saneador tabelar, no qual foi relegada para final a apreciação e decisão sobre a excepção peremptória da caducidade invocada e procedeu-se à condensação da factualidade considerada relevante para a boa decisão da causa, discriminando-se a factualidade assente da controvertida, esta última a integrar a base instrutória.</font> </p><p><font>Após isso, as partes ofereceram os seus meios de prova, requerendo todas a gravação da audiência final e requerendo o autor a produção de prova pericial.</font> </p><p><font>Foi produzida a prova pericial requerida pelo autor.</font> </p><p><font>Após sete suspensões da instância, por acordo das partes, que totalizaram formalmente cento e oitenta dias, mas que significaram uma paragem do andamento dos autos de cerca de cinco anos, realizou-se a audiência de discussão e julgamento em quatro sessões, a última das quais para responder à matéria de facto vertida na base instrutória.</font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; Foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente por provada e, em consequência, condenou a ré a eliminar e reparar os defeitos a que aludem os itens 3º, 4º, 5º, 6º, 7º, 8º, 9º, 11º a 14º e 15º a 21º dos factos provados, absolvendo a ré da parte restante do pedido relativa à pretensão de eliminação e reparação dos defeitos a que aludem os pontos 30º e 42º da base instrutória.</font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; Inconformada com esta decisão, a ré interpôs recurso contra a mesma, recurso que foi admitido como de apelação, com subida imediata nos autos e no efeito meramente devolutivo. </font> </p><p><font>Por acórdão datado de 22 de Abril de 2013, o Tribunal da Relação do Porto decidiu declarar totalmente improcedente o recurso e confirmar a sentença recorrida.</font> </p><p><font>Irresignada, a ré interpôs recurso de revista contra o acórdão do Tribunal da Relação, recurso que foi admitido por lhe ser aplicável o Código de Processo Civil anterior ao Decreto-Lei 303/2007, de 24 de Agosto, que admite o direito ao recurso em casos de dupla conformidade.</font> </p><p><font>Na sua alegação de recurso, a ré apresentou as seguintes conclusões:</font> </p><p><font>«A Recorrente é uma Cooperativa de Construção e Habitação que visa, através da cooperação e entreajuda dos seus membros a satisfação, sem fins lucrativos, das necessidades habitacionais e ainda o fomento da cultura em geral e, em especial, dos princípios e prática do Cooperativismo e é no âmbito das suas especiais atribuições como Cooperativa de Construção e Habitação, que tem como objecto principal a promoção da construção ou a aquisição de fogos para a habitação dos seus membros, que se integra a transmissão de propriedade efectuada ao Recorrido do prédio em causa na acção.</font> </p><p><font>B. Assim, a Recorrente está isenta de custas nos termos da alínea f) do n° 1 do artigo 4º do Regulamento das Custas Processuais.</font> </p><p><font>C. A acção deu entrada em juízo a 12-07-2004 tendo a Ré sido citada por carta registada expedida nesse dia e recebida no dia 14-07-2004 pelo que «a denúncia dos defeitos a que aludem os itens 11° a 14°, 15° a 21° dos factos provados» no entender da Ré, aqui Recorrente, foi realizada para além «do prazo legal de garantia de 5 anos».</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>D. Isto porque dado o carácter reptício da declaração de denúncia não sendo esta eficaz não pode produzir os efeitos de impedimento da caducidade, ou seja se a eficácia da declaração se produz posteriormente ao prazo de caducidade não tem o mérito de impedir a caducidade.</font> </p><p><font>E. O Tribunal da Relação do Porto concluiu «pelo não conhecimento do recurso no segmento em que a recorrente veio suscitar a questão da caducidade da acção intentada pelo recorrido por ter sido intentada volvidos mais de seis meses sobre a data em que se efectivou a denúncia dos defeitos a que se referem os pontos 3.7 a 3.9 dos fundamentos de facto» do seu acórdão. </font> </p><p><font>F. Entende a Recorrente que ao decidir, quanto a esta matéria, da forma que o fez o tribunal recorrido viola com essa decisão o disposto nos artigos 264° e 668°, n° 1 alínea d) do Código de Processo Civil.</font> </p><p><font>G. Isto porque o Tribunal de primeira instância se pronunciou sobre o assunto porque a questão foi suscitada e estando em causa a apreciação do conteúdo dessa decisão e exercido o contraditório quanto a ela, tanto em primeira instância como no recurso, entendeu a Relação do Porto sobre ela não se pronunciar.</font> </p><p><font>H. Sem prescindir, quanto ao «segmento em que a recorrente veio suscitar a questão da caducidade da acção intentada pelo recorrido por ter sido intentada volvidos mais de seis meses sobre a data em que se efectivou a denúncia dos defeitos a que se referem os pontos 3.7 a 3.9 dos fundamentos de facto» do acórdão da Relação do Porto, ou seja em relação aos defeitos, a que aludem os itens 7º, 8º, 9º dos factos provados na sentença de primeira instância, a sua denúncia ocorreu em 3-11-2003.</font> </p><p><font>I. A acção deu entrada a 12-07-2004, ou seja mais de seis meses após a denúncia.</font> </p><p><font>J. Conclui-se assim que o Autor não intentou atempadamente a acção referente a esses defeitos. </font> </p><p><font>K. Pela subsunção dos factos nos termos da lei, designadamente os artigos 224° e seguintes e 913° e seguintes do Código Civil, deve proceder por provada a excepção da caducidade e como tal deve a Recorrente ser absolvida de todos os pedidos.</font> </p><p><font>L. A alegação de inconstitucionalidade feita pela Recorrente nas suas alegações perante o Tribunal da Relação do Porto refere-se à diferente interpretação do tribunal quanto ao carácter reptício da declaração de denúncia.</font> </p><p><font>M. Sobre esta questão o Tribunal da Relação do Porto não se pronunciou em concreto tendo vagamente referido: «No caso em apreço, não se divisa que a decisão recorrida tenha por qualquer forma afrontado o direito fundamental da recorrente de acesso ao direito. Os presentes autos quer em primeira instância, quer em segunda instância constituem a prova real de que não foi vedado à recorrente o acesso ao direito. Acesso ao direito não significa direito a uma decisão favorável ao postulante, como parece entender a recorrente, mas apenas que a pretensão formulada seja apreciada por um tribunal, imparcial, com todas as garantias de um processo equitativo.»</font> </p><p><font>N. Perante a disparidade da solução de direito verificada na mesma sentença onde quanto a uma questão se dá relevo à recepção da denúncia de uns defeitos e se menospreza a recepção da denúncia de outros, entende a Recorrente que existe uma violação do artigo 20° da Constituição da República Portuguesa designadamente quanto ao direito a que a causa seja objecto de decisão mediante processo equitativo.</font> </p><p><font>O. A súmula da decisão de primeira instância com a (não) apreciação da questão em causa pelo Tribunal da Relação do Porto viola o disposto no artigo 204° e o n° 2 do artigo 202° da Constituição da República Portuguesa já que incumbe aos tribunais assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, reprimir a violação da legalidade democrática e dirimir os conflitos de interesses públicos e privados, o que neste caso, no entendimento da Recorrente, não sucedeu.</font> </p><p><font>NORMAS JURÍDICAS VIOLADAS</font> </p><p><font>Artigos 224° e seguintes e 913° e seguintes do Código Civil</font> </p><p><font>Artigos 264° e 668°, n° 1 alínea d) do Código de Processo Civil</font> </p><p><font>Artigos 20°, 204° e o n° 2 do artigo 202° da Constituição da República Portuguesa</font> </p><p><font>TERMOS EM QUE,</font> </p><p><font>e com o Douto suprimento deste Tribunal, deverá conceder-se provimento ao presente recurso, revogando-se o acórdão recorrido e a sentença de primeira instância, julgando a acção improcedente e provada a excepção da Caducidade absolvendo-se a Ré, aqui Recorrente, de todos Pedidos».</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>As questões a decidir, tendo em conta que o objecto do recurso é delimitado pela recorrente nas conclusões das suas alegações (artigos 684.º, n.º 3 e 690.º n.ºs 1 e 4, ambos do Código de Processo Civil, na redacção aplicável a estes autos), sem prejuízo da apreciação de questões de conhecimento oficioso, são as seguintes:</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>1 - Nulidade por omissão de pronúncia (arts. 668.º, n.º 1, al. d) e 264.º do CPC), em virtude de o acórdão recorrido ter considerado questão nova a caducidade do direito de acção em prazo posterior a seis meses após a denúncia;</font> </p><p><font>2 - Caducidade do direito de denúncia dos defeitos, nos termos dos arts. 224.º e 913.º e seguintes do Código Civil;</font> </p><p><font>3 - Violação do direito a um processo equitativo conforme os artigos 20.º, 202.º, n.º 2 e 204.º da CRP.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font> </font> </p><p><font>O recorrido apresentou contra-alegações.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font> </font> </p><p><font> </font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; Colhidos os vistos, cumpre decidir.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font> </font> </p><p><font> </font> </p><p><font> </font> </p><p><font> </font> </p><p><b><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; II – Fundamentação de facto</font></b> </p><p><b><font> </font></b> </p><p><b><font> </font></b> </p><p><b><font> </font></b> </p><p><b><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; As instâncias deram como provados os seguintes factos, que se transcrevem&nbsp; conforme consagrados no acórdão recorrido:</font></b> </p><p><b><font> </font></b> </p><p><b><font> </font></b></p><div><br> <font>«3.1</font></div><br> <font>O autor adquiriu por permuta à ré, através de escritura pública datada de 12-07-1999, o prédio urbano composto de casa de cave, rés-do-chão, andar sito na Rua ..., nºs …, freguesia de ..., concelho do Porto, descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial do Porto sob o nº ... e inscrito na matriz urbana sob o artigo ... (alínea A dos factos assentes).</font><div><br> <font>3.2</font></div><br> <font>A ré adjudicou a construção da obra do prédio referido em A) à interveniente CC, SA (alínea B dos factos assentes).</font><div><br> <font>3.3</font></div><br> <font>O prédio referido em A), ao nível de ligações técnicas, padece de um declive muito reduzido do ramal domiciliário de esgotos, porquanto esse declive é de 0, 31% e não deveria ser inferior a 1%; esta pequena diferença de cotas entre o colector público e a soleira da CRL não tem justificação técnica (resposta ao artigo 1º da base instrutória).</font><div><br> <font>3.4</font></div><br> <font>Existe uma ligação de águas pluviais à rede de drenagem dos esgotos domésticos (Águas Residuais Domésticas) (resposta ao artigo 2º da base instrutória).</font><div><br> <font>3.5</font></div><br> <font>A caixa de águas pluviais está ligada ao sistema de esgoto e essa ligação determina o entupimento do sistema devido ao arrastamento de terras (resposta ao artigo 54º da base instrutória).</font><div><br> <font>3.6</font></div><br> <font>O tubo que leva o esgoto, o qual, é o ramal de saneamento que tem o declive de 0,31 % acima referido, determina que a meia cana que alimenta o sifão esteja permanentemente cheia de água, uma vez que aquele caimento não assegura a velocidade de escoamento e consequentemente potencia obstruções provocadas por elementos sólidos que circulam na conduta (resposta aos artigos 55º e 56º da base instrutória).</font><div><br> <font>3.7</font></div><br> <font>A caixa de saneamento tem tampa hidráulica e porque está ligada a uma caixa de visita, também com tampa hidráulica, a qual, por sua vez está ligada à grelha de águas pluviais da rampa de garagem, determina que se libertem cheiros através desta grelha (resposta ao artigo 57º da base instrutória).</font><div><br> <font>3.8</font></div><br> <font>Em data não apurada de Julho de 2003, mas anterior a 29 de Julho de 2003, os técnicos dos SMAS, verificaram que o caimento da ligação do esgoto do prédio tem um desnível de 0,31% entre a caixa de saneamento da residência do autor e a caixa de recepção, sendo tal declive inferior ao mínimo devido (1%) (resposta aos artigos 58º e 59º da base instrutória).</font><div><br> <font>3.9</font></div><br> <font>A solução para a falta de caimento do esgoto é construir o ramal de saneamento com inclinação que permita assegurar as boas condições de drenagem aos efluentes produzidos na moradia (resposta ao artigo 60º da base instrutória).</font><div><br> <font>3.10</font></div><br> <font>No dia 29-10-2003 o autor enviou uma carta registada à CNR, recebida por esta a 3-11-2003, na qual dizia ter recebido informações verbais dos SMAS, referindo a existência de irregularidades nas ligações de esgoto e saneamento efectuadas na sua casa, pelo que solicitava a respectiva eliminação e reparação (resposta ao artigo 61º da base instrutória).</font><div><br> <font>3.11</font></div><br> <font>No exterior do lote existem fissuras em todos os muros exteriores (resposta ao artigo 3º da base instrutória).</font><div><br> <font>3.12</font></div><br> <font>No exterior da casa existem as seguintes deficiências:</font> <p><font>- fissura na parede esquerda junto à esquina da frente;</font> </p><p><font>- fissuras na caixa exterior (parede esquerda) das janelas da escada; </font> </p><p><font>- fissuras na parede esquerda junto à esquina das traseiras;</font> </p><p><font>- fissura na ombreira direita da porta da garagem;</font> </p><p><font>- fissuras na parede da janela da suite;</font> </p><p><font>- fissuras na caixa da janela mais pequena da garagem;</font> </p><p><font>- fissuras na parede (banca) por cima da porta da entrada;</font> </p><p><font>- porta de entrada (madeira) descaída em resultado das juntas terem descolado;</font> </p><p><font>- fissura na parede frente às escadas;</font> </p><p><font>- fissura na parede da frente por baixo da janela da garagem;</font> </p><p><font>- fissuras nas paredes da janela de telhado (respostas aos artigos 4º a 6º da base instrutória).</font></p><div><br> <font>3.13</font></div><br> <font>Existem aberturas no pavimento de madeira (Lamparquet) em zonas localizadas no corredor e na sala (resposta ao artigo 7º da base instrutória).</font><div><br> <font>3.14</font></div><br> <font>No hall de entrada existe fissura no canto esquerdo, junto aos tijolos de vidro.</font> <p><font>Na sala existem as seguintes deficiências: há fissuras na parede direita, há manifestações de humidade na parede; há fissura na parede junto à porta do lado direito; há fissura na parede do fundo, junto à caixa do rolo da persiana.</font> </p><p><font>A soleira da janela do lado direito está partida.</font> </p><p><font>Na cozinha existem as seguintes deficiências: falta</font><a><u><font>[2]</font></u></a><font> manípulo da válvula de gás que alimenta o esquentador; o remate da válvula de gás do esquentador é deficiente.</font> </p><p><font>No quarto de banho do r/c existe fissura na coluna do lavatório, existe fissura na</font> </p><p><font>parede do fundo, do lado esquerdo da portada.</font> </p><p><font>Na caixa de escadas de acesso à cave existem as seguintes deficiências: as juntas</font> </p><p><font>da madeira das escadas estão abertas; há fissuras na parede lateral direita; há fissuras na parede lateral esquerda; há humidade na parede entre as janelas.</font> </p><p><font>Há humidade no hall ao fundo das escadas de acesso à cave.</font> </p><p><font>Há humidade e salitre nas paredes de garagem.</font> </p><p><font>Na caixa de escadas de acesso ao 1° andar existem as seguintes deficiências: há juntas da madeira das escadas abertas; há humidade na parede entre as janelas; há fissuras na parede lateral direita; há fissuras na parede lateral esquerda.</font> </p><p><font>No quarto de banho principal do 1º andar existem as seguintes deficiências: há azulejos (2) fissurados na parede esquerda junto ao canto do fundo; há azulejos (2) fissurados na parede da frente, junto à ombreira direita da porta (respostas aos artigos 8º, 9º, 10º, 11º, 12º, 13º, 14º, 15º, 16º, 17º, 18º, 19º, 20º, 21º, 22º, 23º, 24º 25º, 26º, 27º, 28º, 29º, todos da base instrutória).</font></p><div><br> <font>3.15</font></div><br> <font>Há fissura no tecto na zona da janela (resposta ao artigo 31º da base instrutória).</font><div><br> <font>3.16</font></div><br> <font>No quarto de banho da suite a junta está mal rematada no canto direito da parede do fundo (resposta ao artigo 32º da base instrutória).</font><div><br> <font>3.17</font></div><br> <font>E existe azulejo rachado na parede da frente, junto à ombreira esquerda da porta (resposta ao artigo 33º da base instrutória).</font><div><br> <font>3.18</font></div><br> <font>Na suite existem as seguintes deficiências:</font> <p><font>- há fissura no tecto junto ao armário embutido;</font> </p><p><font>- há fissura junto à ombreira direita do armário embutido;</font> </p><p><font>- há fissura na esquina formada pelo quarto de banho;</font> </p><p><font>- há fissura na parede esquerda junto da janela pequena;</font> </p><p><font>- há fissura no canto direito ao fundo (respostas aos artigos 34º a 38º da base instrutória).</font></p><div><br> <font>3.19</font></div><br> <font>No quarto da frente com varanda existem as seguintes deficiências:</font> <p><font>- há fissuras na parede da direita ao fundo;</font> </p><p><font>- há fissuras na parede de fundo, nos lados direito e esquerdo da portada;</font> </p><p><font>- há fissuras na esquina formada pelas paredes em frente da porta de entrada (respostas aos artigos 39º a 41º da base instrutória).</font></p><div><br> <font> </font> <p><font>3.20</font></p></div><br> <font>No quarto grande das traseiras existem as seguintes deficiências:</font> <p><font>- há fissuras na parede da direita, junto à porta</font><a><u><font>[3]</font></u></a><font>;</font> </p><p><font>- há fissuras na parede esquerda, junto ao canto esquerdo do fundo; </font> </p><p><font>- há fissura na parede esquerda, junto ao canto esquerdo do armário</font><a><u><font>[4]</font></u></a><font>; </font> </p><p><font>- há fissura na parede esquerda, na zona do comutador da luz (respostas aos artigos 43º a 46º da base instrutória).</font></p><div><br> <font>3.21</font></div><br> <font>No quarto pequeno das traseiras existem as seguintes deficiências:</font> <p><font>- há fissura na zona da esquina da parede da frente;</font> </p><p><font>- há fissura na parede por trás da porta;</font> </p><p><font>- há fissura junto à caixa de persiana da janela pequena;</font> </p><p><font>- há fissuras na parede do fundo, de ambos os lados da janela (respostas aos artigos 47º a 50º da base instrutória).</font></p><div><br> <font>3.22</font></div><br> <font>No dia 27 de Maio de 2002 ocorreu um entupimento do esgoto, com inundação do interior da garagem (resposta ao artigo 51º da base instrutória).</font><div><br> <font>3.23</font></div><br> <font>Foi chamada uma empresa que fez o desentupimento do tubo interior (resposta ao artigo 52º da base instrutória).</font><div><br> <font>3.24</font></div><br> <font>Em data não concretamente apurada deslocaram-se ao local técnicos do SMAS com equipamento técnico e fizeram limpeza da caixa de esgoto e da conduta (resposta ao artigo 53º da base instrutória)».</font> <p><font> </font> </p><p><b><font> </font></b> </p><p><b><font> </font></b> </p><p><b><font> </font></b> </p><p><b><font> </font></b> </p><p><b><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; III – Fundamentação de direito </font></b> </p><p><b><font> </font></b> </p><p><b><font> </font></b> </p><p><b><font>1.</font></b><font> </font><i><font>Nulidade por omissão de pronúncia (arts. 668.º, n.º 1, al. d) e 264.º do CPC), em virtude de o acórdão recorrido ter considerado questão nova a caducidade do direito de acção em prazo posterior a seis meses após a denúncia</font></i><font>;</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Foi a seguinte a decisão do acórdão recorrido e a respectiva fundamentação:</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>«A caducidade é de conhecimento oficioso e pode ser alegada em qualquer estado do processo se for estabelecida em matéria excluída da disponibilidade das partes (artigo 333º, nº 1, do Código Civil). Porém, se for estabelecida em matéria não excluída da disponibilidade das partes, como é o caso dos autos, a caducidade para ser conhecida carece de ser invocada por aquele a quem aproveita (artigos 333º, nº 2 e 303º, ambos do Código Civil), estando além disso sujeita à regra da preclusão dos meios de defesa prevista no artigo 489º do Código de Processo Civil.</font> </p><p><font>Na contestação a ora recorrente invocou de forma algo vaga a caducidade, abonando juridicamente essa defesa com o disposto no artigo 1220º e seguintes do Código Civil e do ponto de vista fáctico com a alegada celebração da escritura pública de permuta a 27 de Julho de 1999. A forma como vem enquadrada esta defesa da ora recorrente, ainda que de forma inconsequente em face dos dados de facto e jurídicos atendíveis, aponta no sentido de ter pretendido suscitar a caducidade do direito de denúncia dos defeitos na casa objecto de permuta por força do decurso do prazo quinquenal.</font> </p><p><font>Na sequência da réplica do recorrido em que este afirmou que teve conhecimento dos defeitos que denuncia durante o ano de 2003, a ora recorrente veio em tréplica invocar a caducidade do direito de denúncia, referindo para tanto que o autor (ora recorrido), com excepção para a ligação de saneamento, não denunciou as deficiências e vícios de construção, nem tão-pouco o alega ter feito, pelo que caducou o direito de denúncia dos mesmos e, consequentemente, o direito a propor a correspondente acção de indemnização. &nbsp;</font> </p><p><font>No presente recurso a recorrente suscita a caducidade da presente acção em virtude de ter sido interposta volvidos mais de seis meses sobre a data em que foi efectuada a denúncia dos defeitos a que se referem os pontos 3.7. a 3.9 dos fundamentos de facto, invocando em abono da sua pretensão o disposto no artigo 917º do Código Civil.</font> </p><p><font>A descrição sumária que antecede dos termos em que a ora recorrente suscitou a caducidade nos articulados que ofereceu permite-nos concluir, com segurança, que não colocou ao tribunal recorrido esta questão que vem agora suscitar em via de recurso. Na verdade, a única caducidade que foi arguida pela recorrente foi a decorrente da alegada falta de denúncia dos defeitos, seja no prazo quinquenal, seja por não ter observado o prazo anual de denúncia a contar do conhecimento dos defeitos. A referência à caducidade do direito de propor acção de indemnização surge em termos meramente consequenciais e por força apenas da caducidade do direito de denúncia dos defeitos.</font> </p><p><font>Ora, exceptuando o caso da verificação de nulidade da decisão recorrida por omissão de pronúncia (artigo 668º, nº 1, alínea d), do Código de Processo Civil), da existência de questão de conhecimento oficioso, da alteração do pedido, em segunda instância, por acordo das partes (artigo 272º do Código de Processo Civil) ou da mera qualificação jurídica diversa da factualidade articulada, os recursos destinam-se à reponderação de questões que hajam sido colocadas e apreciadas pelo tribunal recorrido, não se destinando ao conhecimento de questões novas. </font> </p><p><font>E não é a simples circunstância do tribunal </font><i><font>a quo </font></i><font>ter conhecido da questão que a recorrente ora suscita que basta para concluir que afinal não se trata de questão nova, pois que procedendo desse modo o tribunal </font><i><font>a quo </font></i><font>exorbitou dos seus poderes de cognição, incorrendo em excesso de pronúncia que apesar de não arguida não determina que o tribunal </font><i><font>ad quem</font></i><font> deva repetir a mesma ilegalidade e faça tábua rasa do princípio da preclusão dos meios de defesa previsto no artigo 489º do Código de Processo Civil.</font> </p><p><font>Por isso, no que respeita este segmento das conclusões do recurso da recorrente, por incidirem sobre uma questão nova – a questão da caducidade da acção em virtude da mesma não ter sido intentada nos seis meses seguintes à efectivação da denúncia dos defeitos, deve este tribunal abster-se de conhecer este fundamento do recurso.</font> </p><p><font>Por tudo quanto antecede, conclui-se pelo não conhecimento do recurso no segmento em que a recorrente veio suscitar a questão da caducidade da acção intentada pelo recorrido por ter sido intentada volvidos mais de seis meses sobre a data em que se efectivou a denúncia dos defeitos a que se referem os pontos 3.7 a 3.9 dos fundamentos de facto deste acórdão.»</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Como corolário do princípio da disponibilidade objectiva (arts. 264.º, n.º 1 e 664.º, 2.ª parte do CPC), o tribunal deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras (art. 660.º, n.º 2 do CPC). Isto é, o tribunal deve examinar toda a matéria de facto alegada pelas partes e analisar todos os pedidos formulados por ela, com excepção das matérias que sejam juridicamente irrelevantes ou cuja apreciação se torne inútil pelo enquadramento jurídico escolhido ou pela resposta fornecida a outras questões</font><a><u><font>[5]</font></u></a><font>. Por isso, é nula a decisão em que o tribunal deixa de se pronunciar sobre questões que devesse apreciar (art. 668.º, n.º 1, al. d), 1.ª parte do CPC), ou seja, quando se verifique uma omissão de pronúncia. Contudo, conforme tem destacado a doutrina, a noção de «questão» não se confunde com a de argumento jurídico. O tribunal apenas tem de se pronunciar sobre todas as questões colocadas pelas partes, mas não sobre todas as considerações, razões ou argumentos apresentados pelas partes, desde que não deixe de apreciar os problemas fundamentais e necessários à decisão da causa</font><a><u><font>[6]</font></u></a><font>.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>&nbsp;No pressuposto de que a caducidade dos defeitos da coisa é uma excepção peremptória que não é do conhecimento oficioso do tribunal, porque versa sobre direitos disponíveis, que dependem da invocação da parte, concluímos, depois de analisar as peças processuais, tal como o acórdão recorrido, que o meio de defesa invocado já precludiu pelo facto de não ter sido utilizado na contestação (art. 489.º, n.º 1 do CPC).</font> </p><p><font>Com efeito, na contestação a Ré alega a caducidade de forma vaga e genérica, no fim das alegações, afirmando a fls. 32, em jeito de conclusão, “deve considerar-se como provada e procedente a excepção da caducidade do pedido, nos termos dos artigos 1220 e seguintes do Código Civil e nos demais de direito que V.ª Ex.ª Doutamente suprirá, atenta a única data precisa, a da celebração da escritura, 27 de Julho de 1999».</font> </p><p><font>A argumentação da ré, na contestação, centrou-se na impugnação dos factos alegados pelo autor na petição inicial, na afirmação de que o autor não refere em que datas tomou conhecimento dos vícios para aferir eventuais excepções e no pedido de direito de regresso sobre a construtora cujo chamamento requereu. Em reconvenção descreve a relação entre cooperativa e cooperante de acordo com o Código Cooperativo, os Estatutos da Cooperativa e o Regulamento Interno e afirma dever o autor à ré uma parte do preço do imóvel, que reclama.</font> </p><p><font>Na verdade, a ré, na sua defesa, indica a data da escritura e invoca a caducidade do pedido, referindo-se ao facto de, na sua opinião, o prazo quinquenal para a interposição da acção já ter decorrido. A questão do prazo de seis meses para interpor a acção após a denúncia dos defeitos não foi invocada pela Ré na contestação, tendo apenas sido invocada, pela primeira vez, nas alegações de apelação. Na tréplica, a fls. 78, a recorrente limitou-se a responder à afirmação do autor de que teve conhecimento dos defeitos, durante o ano de 2003. Dos termos da tréplica não resulta que a vertente da caducidade prevista no art. 917.º (prazo de seis meses após a denúncia para a interposição da acção), aplicável ao caso dos autos por interpretação extensiva, tenha sido invocada. A Recorrente, tal como na contestação, limitou-se a alegar que o autor não tinha respeitado o prazo de um ano para a denúncia após o conhecimento dos defeitos, sem invocar o decurso do prazo de seis meses após a denúncia, a qual, consoante a matéria de facto provada (ponto 3.10 da matéria de facto), se verificou em No
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9TJ1u4YBgYBz1XKvpAuz
1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font> <p><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça</font> </p><p><font> </font> </p><p><b><font> </font></b> </p><p><b><font>I - Relatório</font></b><br> <font> </font> </p><p><b><font>1.</font></b><font> Por apenso à execução de sentença, que lhe move </font><b><font>“AA, Lda”</font></b><font> veio </font><b><font>BB</font></b><font> deduzir oposição à execução, mediante embargos, pugnando pela extinção da execução. </font><br> <font>Alega, para tanto, em suma, que: </font><br> <font>- é inepto o requerimento inicial por omitir o pedido; </font><br> <font>- ainda não se encontra verificada a condição de que depende a cessão da quota de que é titular o embargante, pelo que a obrigação é inexigível. </font></p><div><font> </font></div><br> <b><font>2.</font></b><font> A exequente/embargada veio apresentar contestação onde impugna toda a matéria trazida aos autos pelo embargante e advoga pela improcedência da exceção de ineptidão do requerimento inicial. </font><div><font> </font></div><br> <b><font>3.</font></b><font> Foi julgada improcedente a exceção da nulidade total do processo.</font><br> <b><font> </font></b> <p><b><font>4.</font></b><font> Foi fixado o valor da causa em €122 099,80. </font><br> <font> </font> </p><p><b><font>5.</font></b><font> Depois de realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença que julgou os embargos procedentes e determinou a extinção da execução.</font><br> <font> </font> </p><p><b><font>6.</font></b><font> Desta sentença recorre a embargada, defendendo a sua revogação e a execução da sentença para prestação de facto.</font><br> <font> </font> </p><p><b><font>7.</font></b><font> O Tribunal da Relação de Évora, por acórdão datado de 30 de maio de 2019, decide julgar procedente o recurso em função do que se revoga a sentença recorrida, devendo prosseguir a execução.</font><br> <font> </font> </p><p><b><font>8.</font></b><font> Inconformado, interpõe o embargante recurso de revista para este Supremo Tribunal, formulando, na sua alegação de recurso, as seguintes conclusões:</font><br> <u><font>&nbsp;</font></u> </p><p><font> </font><br> <font>A) O que está em causa no presente recurso é apurar se pelo facto da avaliação da sociedade Recorrida ter sido realizada apenas por dois peritos se deve ou não considerar verificada a condição estabelecida pelas partes na transação realizada no âmbito do processo nº 465/11.5TBMMN - é, portanto, uma questão de interpretação do clausulado da transação dada à execução, com o objetivo de fixar o sentido juridicamente relevante que as partes lhe pretenderam atribuir.</font><br> <font>B) O artº. 236º, nº 1 do Código Civil consagra a chamada "teoria da impressão do declaratário", segundo a qual a declaração negocial deve ser interpretada como um declaratário medianamente sagaz, diligente e prudente, a interpretaria, colocado na posição concreta do declaratário.</font><br> <font>C) É matéria de direito a interpretação da declaração negocial quando tiver de ser efetuada segundo o critério do nº 1 do artº 236º do CC, pelo que nada obsta a que o Supremo Tribunal de Justiça aprecie a decisão das instâncias inferiores em matéria de interpretação, quando essa decisão contrariar o disposto na citada norma legal.</font><br> <img><img><img><img><font>D) As partes, ao impor que a avaliação seja realizada por um colégio constituído por 3 peritos, pretendem salvaguardar que a perícia não ceda a interesses de qualquer uma delas, o que só pode ser assegurado através da intervenção na perícia de todos os peritos.</font><br> <font>E) &nbsp;O facto de as partes terem convencionado na transação que o colégio de peritos delibera por maioria não significa que a avaliação pode ser efetuada sem a intervenção de um dos peritos, uma vez que, a falta de qualquer deles na elaboração da perícia compromete irremediavelmente a garantia da sua imparcialidade, e, nesse sentido, contraria o objetivo da mesma, que é a obtenção de uma avaliação justa e equilibrada.</font><br> <font>F) Tendo em conta as circunstâncias atendíveis na interpretação dos negócios jurídicos - elemento literal, circunstâncias do tempo e lugar, as normas legais, a finalidade prosseguida pelo declarante, os interesses em jogo no negócio, a boa fé - deve concluir-se pela não verificação da condição aposta na transação em causa.</font><br> <font>G) Desde logo, o elemento literal, ao estabelecer-se expressamente na transação que a avaliação é efetuada por um colégio de peritos constituído por 3 elementos.</font><br> <font>H) Depois, as circunstâncias do tempo e lugar: o acordo das partes foi efetuado no âmbito de uma ação judicial em curso, na fase de discussão e julgamento, tendo as partes acordado na transação nos termos em que o fizeram para poderem intervir, em posição de igualdade e equidade, na determinação do justo valor da quota a ceder.</font><br> <font>I) As normas legais relativas à prova pericial, consagradas nos artºs 467º e segs. do CPC, sendo por referência ao regime aí estabelecido que as partes acordaram os termos da avaliação da sociedade, como o demonstram as referências na transação à perícia colegial, à obrigação de disponibilizar informação e ao relatório de avaliação a que se reportam os artºs 468º, n º 1, 481º e 484º do CPC.</font><br> <img><img><font>J) A finalidade prosseguida pelo declarante e os interesses em jogo no negócio: o Recorrente o que pretende obter com a transação é receber o justo valor da quota a ceder, o que implica que a avaliação da sociedade seja realizada com a intervenção dos 3 peritos.</font><br> <font>L) As regras da boa fé e o dever de diligência do declaratário normal impunham que, perante a ausência do perito designado pelo Recorrente, a Recorrida ou os demais peritos procurassem indagar junto do Recorrente se este estava disponível para aceitar a elaboração de um relatório em que o perito por si designado não interviesse, devendo solicitar-lhe, se tal não fosse viável, para designar novo perito atendendo à falta de colaboração do inicialmente designado.</font><br> <font>M) Sendo, todavia, mui douto, o Acórdão recorrido violou por erradas interpretação e aplicação as disposições legais anteriormente citadas, e as mais ao caso aplicáveis, o que constitui fundamento da revista, conforme prevê o artº 674º, nº 1, al. a) do CPC.</font> </p><p><font> </font><br> <font>Termos em que, com o douto suprimento de V.Exªs., Venerandos Conselheiros, deve ser dado provimento à revista, e, em consequência, ser revogado o douto Acórdão que julgou procedente o recurso interposto da decisão da 1ª Instância, com as legais consequências.</font> </p><p><font> </font><br> <font>Assim se fará a costumada JUSTIÇA!!»</font><br> <font> </font> </p><p><font> </font> </p><p><b><font>9.</font></b><font> A recorrida apresentou contra-alegações, nas quais pugna pela manutenção do decidido, com os seguintes fundamentos:</font><br> <font>«(…)&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; </font> </p><p><font>6. A transação judicial é, conforme estabelecido no n.º 1 do artigo 1248.º do Código Civil, o “contrato pelo qual as partes previnem ou terminam um litígio mediante recíprocas concessões”.</font> </p><p><font>7. Estabelecendo o n.º 2 do mesmo dispositivo legal que “as concessões podem envolver a constituição, modificação ou extinção de direitos diversos do direito controvertido”.</font> </p><p><font>8. Como contrato que é, a transação está sujeita ao princípio da liberdade contratual fixado no artigo 405º do Código Civil.</font> </p><p><font>9. De facto, estabelece este dispositivo legal que </font><i><font>“1. Dentro dos limites da lei, as partes têm a faculdade de fixar livremente o conteúdo dos contratos, celebrar contratos diferentes dos previstos neste código ou incluir nestes as cláusulas que lhes aprouver. 2. As partes podem ainda reunir no mesmo contrato regras de dois ou mais negócios, total ou parcialmente regulados na lei”</font></i><font>.</font> </p><p><font> </font><br> <font>10. Devendo as disposições nele estabelecidas serem interpretadas nos termos do n.º 1 do artigo 236º do Código Civil.</font> </p><p><font>11. Que estabelece que </font><i><font>“a declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele”</font></i><font>.</font> </p><p><font>12. Conjugado com o disposto no artigo 237º do Código Civil que impõe que </font><i><font>“em caso de dúvida sobre o sentido da declaração, prevalece, nos negócios gratuitos, o menos gravoso para o disponente e, nos onerosos, o que conduzir ao maior equilíbrio das prestações”</font></i><font>.</font><br> <font>13. E no artigo 239º do Código Civil que determina que </font><i><font>“na falta de disposição especial, a declaração negocial deve ser integrada de harmonia com a vontade que as partes teriam tido se houvessem previsto o ponto omisso, ou de acordo com os ditames da boa fé, quando outra seja a solução por eles imposta”</font></i><font>.</font> </p><p><font>14. Ou seja, interpretadas como verdadeiras declarações negociais que o são.</font> </p><p><font>15. Note-se que na transação judicial as partes acordam sobre o objeto do litígio, a questão<br> substantiva.</font> </p><p><font>16. E não sobre uma qualquer questão processual.</font> </p><p><font>17. </font><b><font>Ou seja, é um negócio substantivo e não meramente processual</font></b><font>.</font><br> <font>18. Transação esta, aqui em concreto, celebrada por dois advogados enquanto mandatários com poderes especiais das partes.</font> </p><p><font>19. </font><b><font>Advogados esses que, necessariamente sabem, ou têm de saber, que uma coisa é o objeto do litígio, a questão substantiva sobre a qual transacionaram e outra é o litígio em si, a questão processual sobre a qual não transacionaram, nem poderiam ter transacionado nada</font></b><font>.</font> </p><p><font>20. E transação esta que visa resolver um litígio antigo entre as partes.</font> </p><p><font>21. Visando-o resolver definitivamente, com a cessão da quota do executado/embargante à executada/embargada, através do estabelecimento de um preço a determinar pela avaliação.</font> </p><p><font>22. Sem necessidade de qualquer atividade processual, nestes ou noutros autos.</font> </p><p><font>23. Ora, na transação judicial em crise, as partes acordaram na realização de uma avaliação à sociedade por um colégio de peritos.</font> </p><p><font>24. Colégio de peritos esse constituído por 3 elementos.</font> </p><p><font>25. Que decide por maioria dos seus membros.</font> </p><p><font>26. Salvo melhor opinião, destas declarações negociais não resulta, como pretende fazer crer o executado/embargante, que as partes tenham acordado a realização de uma perícia, nos termos estabelecidos no Código de Processo Civil.</font> </p><p><font>27. Ou muito menos que o relatório de avaliação a apresentar teria de ser subscrito por todos os três peritos.</font> </p><p><font>28. Ou quaisquer regras destinadas à sua substituição ou tendentes a suprir eventuais faltas de colaboração nos trabalhos por parte de um dos intervenientes.</font> </p><p><font>29. Salvo melhor opinião, das declarações negociais das partes – avaliação por um colégio de peritos, composto por 3 elementos que decide por maioria – resulta a instituição de um órgão colegial independente.</font> </p><p><font>30. Órgão este que tem por missão realizar uma avaliação à empresa.</font> </p><p><font>31. E órgão este que decide por maioria.</font> </p><p><font>32. Ora, como em qualquer outro órgão colegial, público ou privado, como sejam os órgãos colegiais de sociedades comerciais, de uma associação, fundação e até de um condomínio, as decisões são tomadas pela maioria dos seus membros presentes.</font> </p><p><font>33. Conquanto estejam presentes, pelo menos, metade dos seus membros.</font> </p><p><font>34. Ora, no caso em apreço, o órgão colegial instituído pelas partes para o objetivo de realização de uma avaliação à sociedade decidiu por maioria dos seus membros presentes, estando presentes 2/3 dos seus membros.</font> </p><p><font>35. Pelo que a sua decisão é plenamente válida e tomada de acordo com o estabelecido pelas partes para o efeito.</font> </p><p><font>36. Assim sendo, como é, verificou-se a primeira das condições – avaliação da sociedade por colégio de peritos – destinada à venda da quota do embargante na sociedade embargada à própria embargada.</font> </p><p><font>37. Verificando-se também a segunda das condições – a realização de uma assembleia geral para formalização da cessão da quota do embargante na sociedade embargada à própria embargada – conforme resulta, desde logo, dos factos dados como provados nos pontos 5 e 6 da sentença ora recorrida»</font> </p><p> </p><p><font>&nbsp;</font><br> <b><font>10.</font></b><font> Sabido que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões do/a recorrente (artigos 635.º, nºs 3 e 4 e 639.º, nºs 1 e 3, do CPC), sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso, </font><b><font>a questão a decidir</font></b><font>, é a de saber qual o sentido juridicamente relevante das cláusulas da transação dada à execução, nos termos do artigo 236.º, n.º 1, do Código Civil, sobre os termos da avaliação da sociedade, através de um colégio de peritos, para o efeito de determinação do valor da quota social a ceder.</font><br> <font> </font><br> <font> </font><br> <font>Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.</font><br> <font> </font> </p><p><font>&nbsp; </font> </p><p><font>&nbsp;</font> </p><p><b><font>II – Fundamentação</font></b> </p><p><b><font> </font></b> </p><p><b><font> </font></b> </p><p><b><font>A - A matéria de facto é a seguinte:</font></b> </p><p><b><font>&nbsp;</font></b> </p><p><font>1. “AA, Lda, S.A.”, em 02.10.2017, intentou ação executiva contra BB, que corre termos neste juízo sob o n.º 1494/17.0T8MMN, para prestação de facto; </font> </p><p><font>2. A exequente deu à execução a sentença proferida no âmbito do processo ordinário de Anulação de Deliberações Sociais n.º 465/11.5TBMMN, que correu termos na anteriormente denominada secção de competência genérica, J2, da Instância Local de Montemor-o-Novo do Tribunal Judicial da Comarca de Évora, na qual figura como autor BB e como ré “AA, Lda”, junta aos autos principais com o requerimento executivo, cujo teor se dá aqui integralmente por reproduzido para todos os efeitos legais, que possui os seguintes dizeres relevantes para os presentes autos: </font> </p><p><i><font>“Na presente acção declarativa, sob a forma de processo ordinário, que o autor BB intentou contra “AA, Lda”, vieram as partes transigir sobre o objecto do presente litígio. </font></i> </p><p><i><font>«Atenta a qualidade dos intervenientes da transacção e, considerando que a matéria objecto dos presentes autos está na disponibilidade das partes, julgo válida e legal a transacção que antecede, que homologo por sentença, condenando as partes a cumpri-la nos seus precisos termos, atento o disposto nos artigos (…)”; </font></i> </p><p><font>3. A transação mencionada em 2., junta aos autos principais com o requerimento executivo, cujo teor se dá aqui integralmente por reproduzido para todos os efeitos legais, reza o seguinte com relevo para os autos: </font> </p><p><i><font>&nbsp;“(…) </font></i> </p><p><i><font>«3 – O autor cede a sua quota na ré, a quem esta indicar, pelo valor real da mesma à data de 26 de Maio de 2011, cujo valor nominal era de €137.393,75, e que correspondia a 25% do capital social àquela data. </font></i> </p><p><i><font>«4 – Para determinação do supra valor real da quota, as partes acordam a realização de uma avaliação à sociedade por um colégio de peritos. </font></i> </p><p><i><font>«5 – O colégio de peritos será constituído por um perito indicado pelo autor, um perito indicado pela ré e um terceiro indicado pelos peritos designados pelas partes. A indicação do perito do autor e da ré será feita no prazo de 5 dias. </font></i> </p><p><i><font>«6 – As partes obrigam-se a aceitar o valor de avaliação. </font></i> </p><p><i><font>«7 – O colégio de peritos deliberará por maioria. </font></i> </p><p><i><font>«8 – O colégio de peritos terá um prazo de 3 meses para realizar a avaliação a contar da data da escolha do 3.º perito. </font></i> </p><p><i><font>«9 – A ré obriga-se a facultar aos peritos, em tempo oportuno, todos os elementos e informações que estes lhe solicitarem para a realização da perícia. </font></i> </p><p><i><font>«10 – No mês seguinte ao da entrega do relatório da avaliação, as partes acordam em promover uma assembleia geral extraordinária para formalização da cessão de quotas. </font></i> </p><p><i><font>«11 – Caso o valor da quota do autor resultante da avaliação seja inferior às quantias já entregues pela sociedade ao autor por conta dessa quota, nada será devido pelo autor à ré, seja por conta da cessão, seja a qualquer outro título. </font></i> </p><p><i><font>«12 – Caso o valor da quota do autor resultante da avaliação seja superior às quantias já entregues pela sociedade ao autor por conta dessa quota, a ré pagará o excedente no prazo de 3 anos, em prestações mensais e sucessivas, de igual montante, com início no mês seguinte à assembleia prevista no ponto 10. (…)»; </font></i> </p><p><font>4. A exequente deu ainda à execução um relatório pericial elaborado na sequência do acordo mencionado em 3., em 01.02.2017, subscrito por CC, na qualidade de perito independente, e DD, na qualidade de perito da aqui exequente, junto aos autos principais cujo teor se dá aqui integralmente por reproduzido para todos os efeitos legais e do qual consta o seguinte com relevo para os autos: </font> </p><p><i><font>&nbsp;“(…) </font></i> </p><p><i><font>Avaliação: </font></i> </p><p><i><font>Deste modo, aplicando o método, o valor de avaliação da empresa é o seguinte: </font></i> </p><p><i><font>Valor dos capitais próprios na contabilidade em 28.052011 de 683 399,05 euros </font></i> </p><p><i><font>Valor do ajustamento aos capitais próprios: 235 000 euros. </font></i> </p><p><i><font>Valor da empresa:448 399,05 euros </font></i> </p><p><i><font>Outros dados </font></i> </p><p><i><font>Percentagem de capital detida pelo autor: 25% </font></i> </p><p><i><font>Montante atribuído ao Autor na Avaliação:112 099,80 euros </font></i> </p><p><i><font>Montante à data actual relevado na contabilidade da ré como saldo entregue ao sócio Autor do processo: 233 536,25 euros </font></i> </p><p><i><font>(…)”; </font></i> </p><p><font>5. A exequente juntou ainda ao requerimento executivo a acta n.º 93 referente à Assembleia Geral Extraordinária realizada pela exequente no dia 14.03.2017, que teve como ordem de trabalhos “Deliberar sobre uma proposta da gerência de aquisição como quota própria da quota do sócio Sr. BB em cumprimento do acordo de transacção judicial homologado por sentença nos autos que correram termos na secção de competência genérica – J2 da Instância Local de Montemor-o-Novo da Comarca de Évora sob o n.º 465/11.5TBMMN”, cujo teor se dá aqui integralmente por reproduzido para todos os efeitos legais;</font> </p><p><font>6. Na assembleia mencionada em 5., o executado apresenta uma declaração de voto no seguinte sentido: “(…) a deliberação da sociedade de adquirir a quota do sócio Sr. BB pelo valor da referida avaliação que não é válida, não pode produzir qualquer efeito, nem a mesma consubstancia qualquer negócio, designadamente, o da cessão da quota de que é titular o referido sócio, que expressamente declara não ceder a quota nas condições deliberadas (…)”; </font> </p><p><font>7. No âmbito do acordo mencionado em 3., a exequente designou como perito DD;&nbsp; </font> </p><p><font>8. O executado designou EE; </font> </p><p><font>9. Os peritos designados pelas partes reuniram-se no dia 14.11.2016, pelas 10h00, para procederem à escolha do terceiro perito; </font> </p><p><font>10. Nessa reunião acordaram a colocação, por cada um deles, de 2 nomes de possíveis peritos, num total de 4, em papéis dobrados, num pote, sendo o terceiro perito escolhido aleatoriamente de entre os 4 sugeridos; </font> </p><p><font>11. Coube a EE a escolha do papel sorteado; </font> </p><p><font>12. Tendo escolhido o papel que continha o nome CC, um dos peritos indicados por DD; </font> </p><p><font>13. A partir deste momento, nem DD nem CC conseguiram contactar EE, que não respondeu a quaisquer e-mails ou telefonemas que lhe foram dirigidos; </font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; 4. No dia 17.01.2017, CC enviou comunicação por correio eletrónico para ambas as partes, DD e EE, junto aos autos a fls. 12, cujo teor se dá aqui integralmente por reproduzido para todos os efeitos legais, do qual consta o seguinte com relevo para os autos: </font><i><font>“(…) Sugiro o próximo dia 1 de fevereiro as 10h00 nas instalações do Dr. DD com o objectivo de elaborar o relatório de perícia solicitado (…); </font></i> </p><p><font>15. Nesse mesmo dia, o executado responde à comunicação mencionada em 10. nos termos vertidos a fls. 12, cujo teor se dá aqui integralmente por reproduzido para todos os efeitos legais. </font> </p><p><font> </font> </p><p><font> </font> </p><p><b><font>II – Questão de direito</font></b> </p><p><b><font> </font></b> </p><p><b><font>1.</font></b><font> No caso vertente, autor e ré celebraram, no âmbito do processo nº 465/11.5TBMMN, um acordo de transação judicial homologado por sentença, relativo à determinação do valor da quota do autor, agora executado, para o efeito de a ceder à sociedade ré. Para determinação do valor real da quota, as partes acordaram a realização de uma avaliação à sociedade por um colégio de peritos, constituído por um perito indicado pelo autor, um perito indicado pela ré e um terceiro indicado pelos peritos designados pelas partes.&nbsp; </font> </p><p><font>Segundo a matéria de facto provada (facto n.º 3), a transação, junta aos autos principais com o requerimento executivo, afirma o seguinte com relevo para os autos: </font> </p><p><font>&nbsp;“(…) </font> </p><p><font>«3 – O autor cede a sua quota na ré, a quem esta indicar, pelo valor real da mesma à data de 26 de Maio de 2011, cujo valor nominal era de €137.393,75, e que correspondia a 25% do capital social àquela data. </font> </p><p><font>«4 – Para determinação do supra valor real da quota, as partes acordam a realização de uma avaliação à sociedade por um colégio de peritos. </font> </p><p><font>«5 – O colégio de peritos será constituído por um perito indicado pelo autor, um perito indicado pela ré e um terceiro indicado pelos peritos designados pelas partes. A indicação do perito do autor e da ré será feita no prazo de 5 dias. </font> </p><p><font>«6 – As partes obrigam-se a aceitar o valor de avaliação. </font> </p><p><font>«7 – O colégio de peritos deliberará por maioria. </font> </p><p><font>«8 – O colégio de peritos terá um prazo de 3 meses para realizar a avaliação a contar da data da escolha do 3.º perito. </font> </p><p><font>«9 – A ré obriga-se a facultar aos peritos, em tempo oportuno, todos os elementos e informações que estes lhe solicitarem para a realização da perícia. </font> </p><p><font>«10 – No mês seguinte ao da entrega do relatório da avaliação, as partes acordam em promover uma assembleia geral extraordinária para formalização da cessão de quotas. </font> </p><p><font>«11 – Caso o valor da quota do autor resultante da avaliação seja inferior às quantias já entregues pela sociedade ao autor por conta dessa quota, nada será devido pelo autor à ré, seja por conta da cessão, seja a qualquer outro título. </font> </p><p><font>«12 – Caso o valor da quota do autor resultante da avaliação seja superior às quantias já entregues pela sociedade ao autor por conta dessa quota, a ré pagará o excedente no prazo de 3 anos, em prestações mensais e sucessivas, de igual montante, com início no mês seguinte à assembleia prevista no ponto 10. (…)».</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Sucedeu que o perito designado pelo autor, agora recorrente, não compareceu à avaliação, tendo esta sido elaborada, contrariamente ao estipulado na transação, apenas por dois peritos, um perito designado pelos peritos das partes e um perito indicado pela sociedade.</font><br> <font> </font> </p><p><font>O tribunal de 1.ª instância julgou procedentes os embargos, nos termos do artigo 715.º, n.º 1, do CPC, decidindo que a execução não podia prosseguir porque faltava exequibilidade ao título, por entender que não estavam verificadas as duas condições acordadas pelas partes na transação:1) relatório de avaliação elaborado e aprovado nos termos da transação alcançada (avaliação da sociedade por um colégio de três peritos); 2) ata de assembleia geral extraordinária a realizar após a obtenção de relatório pericial válido. Concluiu, assim, que o princípio da autonomia privada impunha a realização de nova perícia nos termos previstos nas cláusulas da transação, para que a condição posta pelo autor para ceder a sua quota à sociedade fosse integralmente respeitada.</font><br> <font> </font> </p><p><font>Já o Tribunal da Relação de Évora, pelo contrário, destaca a finalidade principal da transação como um ato destinado a pôr fim a um conflito de interesses mediante concessões recíprocas (artigo 1248.º do Código Civil) e entende, diferentemente do tribunal de 1.ª instância, que o acordo das partes conforme definido na transação foi respeitado, pois estamos perante uma cessão da quota social de um sócio à sociedade, por um valor fixado por um colégio de peritos, que decidiu por maioria de 2/3. A circunstância de o perito indicado pelo sócio ter manifestado uma conduta irregular, e não ter participado na realização da perícia nem subscrito o relatório, não altera, segundo o tribunal recorrido, os dados do problema, pois o relatório foi aprovado pela maioria dos peritos, e, aplicando as regras comuns das deliberações dos órgãos colegiais, resulta que basta que exista um </font><i><font>quórum</font></i><font> deliberativo, que não tem de coincidir com o número total de membros do órgão, para que a deliberação, aprovada pela maioria (dois peritos), seja válida. Neste quadro, o tribunal recorrido equipara a ausência do perito indicado pelo sócio a um voto de discordância, insuscetível de invalidar a avaliação da sociedade feita pelos dois peritos, válida por aplicação da regra da maioria.</font><br> <font>&nbsp; </font> </p><p><font>O recorrente defende que as cláusulas da transação, interpretadas de acordo com os critérios do artigo 236.º, n.º 1, do Código Civil, desde logo o seu elemento literal (mas não só: também as circunstâncias de tempo e lugar, e as normas legais relativas à prova pericial, a finalidade e os interesses em jogo), assumem o significado de que uma das condições de validade do relatório pericial sobre a avaliação da sociedade é que ele seja elaborado por um colégio de peritos constituído por três elementos, para que os interesses de ambas as partes estejam representados e para garantir a imparcialidade da avaliação e o justo valor da quota a ceder.</font><br> <font> </font> </p><p><font>A sociedade recorrida, por seu turno, entende que o acórdão recorrido decidiu de forma correta, na medida em que resulta das declarações negociais das partes a instituição de um órgão colegial independente, com a missão de realizar uma avaliação à empresa e de decidir por maioria, sendo válido o relatório elaborado e aprovado por dois peritos, na medida em que estavam presentes 2/3 dos membros.</font><br> <i><font> </font></i> </p><p><i><font>Quid iuris?</font></i><br> <b><font> </font></b> </p><p><b><font>2.</font></b><font> Em primeiro lugar, urge questionar se a questão colocada consiste numa questão de direito cognoscível por este Supremo Tribunal. </font> </p><p><font>A transação é um contrato pelo qual as partes previnem ou terminam um litígio mediante recíprocas concessões (artigo 1248.º, n.º 1, do Código Civil). O facto de ter sido feita no âmbito de um processo judicial e homologada pelo tribunal não lhe retira a sua natureza contratual. Considerada como contrato, a transação está sujeita à disciplina dos contratos (artigos 405.º e ss) e ao regime geral dos negócios jurídicos (artigos 217.º e ss). Trata-se de um contrato oneroso, dado o carácter sinalagmático e correspetivo das concessões recíprocas, cujo fim é prevenir ou terminar um litígio.</font> </p><p><font>De acordo com a jurisprudência dominante, a interpretação das declarações negociais, segundo os critérios do artigo 236.º, n.º 1, do Código Civil, é uma questão de direito. </font> </p><p><font>Veja-se, por exemplo, entre outros, o Acórdão deste Supremo Tribunal, de 22-11-2012 (proc. n.º 1758/10.4TBVLG-A.P1.S1), em cujo sumário se afirma o seguinte: </font> </p><p><font>«I -Constitui jurisprudência firme deste Supremo Tribunal que não cabe nos seus poderes de cognição, por isso afastada se encontra do objecto do recurso de Revista, a fixação do sentido real da vontade das partes constituindo esta matéria de facto.</font> </p><p><font>II - Todavia, já se encontra dentro do âmbito de competência cognitiva deste Órgão, verificar se foram ou não observados os parâmetros legais condicionantes da função interpretativa da declaração negocial que é cometida ao Tribunal, na sua função jurisdicional de indagação, interpretação e aplicação das regras de direito, de harmonia com o preceituado no artigo 664º do CPCivil.</font> </p><p><font>III - Sendo a cessão de quotas um negócio formal, uma vez que deve ser obrigatoriamente reduzida a escrito, como resulta do nº1 do artigo 228º do CSComerciais, a sobredita interpretação deverá ser efectuada com recurso aos normativos insertos nos artigo 236º a 238º do CCivil, nomeadamente a que decorre do nº1 deste último dispositivo que impõe que a declaração não pode valer «(…)com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do documento, ainda que imperfeitamente expresso.»</font> </p><p><font>IV - Se do texto do documento denominado «contrato», que foi dado à execução como título executivo, constar </font><i><font>expressis verbis</font></i><font>, das suas cláusulas que na situação de não cumprimento da obrigação de pagamento de uma determinada quantia por parte do segundo outorgante este se obriga a ceder a sua quota ao primeiro e que se o terceiro e o quarto outorgantes dão o seu consentimento a esta cessão de quotas, apurando-se que a cessão de quota efectuada pelo aqui Recorrente/Executado, a favor do Recorrido/Exequente, se destinou a satisfazer o remanescente do empréstimo que aquele titulo executivo consubstancia, conjugando esta materialidade e fazendo-lhe aplicar aqueles mencionados critérios interpretativos, dúvidas não sobejam de que o credor, aqui Exequente/Recorrido deu o seu expresso assentimento a uma eventual dação em cumprimento, pois é este o único sentido que se poderá retirar do teor daquela cláusula décima terceira, soçobrando as razões que </font><i><font>ex adverso</font></i><font> se esgrimem no Acórdão recorrido, nomeadamente de que falhou a vontade daquele no acordo escrito que serviu de base à execução».</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Com efeito, o Supremo Tribunal de Justiça tem poderes para intervir e sindicar a interpretação de declarações negociais no que diz respeito à apreciação da observância dos critérios legalmente definidos, constantes do artigo 236.º do Código Civil, apenas a averiguação da vontade real dos declarantes se situa no domínio da matéria de facto, fora portanto do âmbito do recurso de revista (assim, por exemplo, entre outros, cfr. os acórdãos de 16-04-2009, Proc. n.º 08B2346; de 04-11-2010, Proc. n.º2916/05; , de 25 de Março de 2010, Proc. n.º 682/05. 7TBOHP.C1.S1;&nbsp; de 03-02-2011, Proc. n.º 6041/05.4TVLSB e de 14-06-2011, Proc. n.º 3222/05.4TBVCT; de 29-04-2014, Proc. n.º 2566/07.5TVLSB.L1; de 09-09-2014, Proc. n.º&nbsp;&nbsp; 5146/10.4TBCSC.L1.S1).</font><br> <font> </font> </p><p><b><font>3. </font></b><font>A transação, embora seja um ato homologado por sentença judicial, não deixa de ter subjacente um acordo entre as partes, expressão do princípio da autonomia privada e do direito dos sujeitos à auto-regulação dos seus interesses, estando as suas cláusulas sujeitas aos princípios e critérios de interpretação das declarações negociais, fixados no artigo 236.º do Código Civil, que aderiu à chamada tese da «impressão do declaratário normal». </font> </p><p><font>A doutrina concebe a interpretação co
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font> <p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font> </p><p><b><font> </font></b> </p><p><b><font> </font></b> </p><p><b><font>I - Relatório</font></b> </p><p><font> </font> </p><p><b><font>“AA - ..., Ld.ª”</font></b><font>, com sede na Rua ..., n.º …, Porto, veio deduzir oposição à execução para pagamento de quantia certa que lhe foi movida, bem assim a </font><b><font>BB, </font></b><font>e mulher,</font><b><font> CC, </font></b><font>com residência na Rua …, n.º …, …, ..., pelos Exequentes, </font><b><font>DD</font></b><font> e marido </font><b><font>EE</font></b><font> e ainda por </font><b><font>FF</font></b><font> e marido </font><b><font>GG</font></b><font>, já melhor identificados nos autos, em que estes últimos pretendem a cobrança coerciva dos referidos executados do montante de 402.033 euros, acrescido de juros de mora vencidos no valor de 7.353 euros, bem como dos vincendos até integral liquidação daquele primeiro quantitativo, oferecendo como títulos executivos, no que toca à oponente/executada, várias letras cujo aval nelas prestado lhe atribuiu.</font> </p><p><font>Sustentada a oposição à lide executiva, aduziu a sociedade executada ser parte ilegítima para ser demandada, posto o aval dado nas letras oferecidas à execução ter sido subscrito por quem não era seu sócio ou gerente, acrescentando que, a não ser assim entendido, sempre tal subscrição seria ilegal por envolver acto contrário ao seu objecto social, para além de contrariar os seus estatutos, algo que era do conhecimento dos exequentes, assim esse mesmo acto não a podendo vincular.</font> </p><p><font>Os exequentes apresentaram contestação em que rejeitaram a procedência das excepções assim aduzidas, tendo adiantado que o aval havia sido ratificado pela sociedade/oponente, quer por documento posterior àquele acto, quer pela efectivação de pagamentos respeitantes aos negócios subjacentes à emissão duma série de letras em que se integravam as dadas à execução; mais adiantaram que o aval prestado tinha a ver com empréstimos concedidos aos demais executados que, por sua vez, foram investidos na aquisição de matéria-prima para ser comercializada no estabelecimento da sociedade/executada, nessa medida sendo esse acto permitido, quer à luz do seu objecto social, quer dos seus estatutos (da sociedade/oponente).</font> </p><p><font>Após contingências várias que não importa aqui relevar, proferiu-se despacho saneador em que se julgou improcedente a excepção de ilegitimidade deduzida pela oponente/executada, fixou-se a matéria de facto tida como assente entre as partes e organizou-se base instrutória, peças estas que não sofreram reclamação.</font> </p><p><font>Veio a realizar-se julgamento, a que se seguiu sentença</font><b><font> </font></b><font>a julgar procedente a oposição deduzida à lide executiva, nessa medida se julgando extinta a execução intentada contra a sociedade/oponente.</font> </p><p><font>Inconformados, interpuseram os exequentes recurso de apelação, tendo o Tribunal da Relação do Porto confirmado a sentença recorrida, embora com um fundamento diferente.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; Inconformados, intentaram os recorrentes recurso de revista, no qual formularam as seguintes conclusões:</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>«A) A presente sentença viola o disposto na alínea c) e d) do nº 1 do artigo 615.º do CPC:</font> </p><p><font>B) O Tribunal considerou que o aval da sociedade AA não lhe era oponível porquanto esta não havia tacita ou expressamente validado a deliberação de prestar o aval, sendo que os executados BB e CC nunca o fizeram na qualidade de gerentes mas apenas em nome próprio.</font> </p><p><font>C) Ora compulsados os autos verifica-se que no local destinado ao aval os Executados BB e CC apuseram as suas assinaturas na qualidade de representantes da sociedade AA, prestando o seu aval a favor dos Executados.</font> </p><p><font>D) Salvo o devido respeito o tribunal tinha que se pronunciar sobre esta questão que decorre dos factos provados, mais concretamente do ponto D) e H).</font> </p><p><font>E) Sendo que tal omissão torna a decisão obscura.</font> </p><p><font>F) A sociedade pode opor a terceiros limitações de poderes resultantes do objecto social se provar que o terceiro tinha conhecimento de que o acto praticado não respeitava essa cláusula e se, entretanto, ela não tiver assumido o acto, por deliberação expressa ou tácita dos sócios, mas tal conhecimento não pode ser provado apenas pela publicidade dada ao contrato da sociedade (art. 260°).</font> </p><p><font>G) No presente caso, é evidente a ratificação pela sociedade em vários momentos:</font> </p><p><font>a. os Executados que agora invocam a inoponibilidade do aval aos Recorrentes avalizaram na qualidade de gerente e em nome pessoal as letras;</font> </p><p><font>b. os sócios já nessa qualidade e, como únicos sócios e gerentes, emitem uma declaração validando as declarações prestadas nas letras expressando o porquê das letras terem sido preenchidos numa data e a escritura realizada noutra; Na escritura em que na qualidade de únicos sócios da sociedade remetem o pagamento para as letras que se encontravam avalizadas por si como pessoas individuais e na qualidade de gerentes da Recorrida;</font> </p><p><font>c. Foram os Executados, únicos sócios da sociedade, quem pagou parte das referidas letras.</font> </p><p><font>H) Aliás vieram os executados alegar a ilegitimidade dos outorgantes do aval, neste caso, os Executados BB e CC, sendo que a mesma foi julgada improcedente.</font> </p><p><font>I) Ou seja, como pode o Tribunal considerar que a sociedade através dos seus gerentes BB e CC não assumiu a deliberação de forma expressa ou tácita, ou que os gerentes não tenham intervindo na relação cambiária em representação da Executada AA quando foram eles que apuseram as suas assinaturas prestando o aval em nome em representação da Executada AA.</font> </p><p><font>J) De forma expressa o referido aval foi prestado por aqueles que agora vêm alegar que o mesmo não lhes pode ser oponível num </font><i><font>"venire contra factum proprium”,</font></i> </p><p><font>K) e em claro abuso de direito. O que não se concede pois foram os Executados já na qualidade de gerentes a avalizar as letras e depois de o fazer a entregá-las aos Exequentes já na qualidade, não só de gerentes, mas de detentores da totalidade do capital social.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>O douto acórdão recorrido fez, nas circunstâncias concretas do caso </font><i><font>sub judice</font></i><font>, uma interpretação e aplicação inadequadas do art. 260.° do CSC, já que o mesmo deve ser enquadrado e julgado em conformidade e pela aplicação correctiva dos artigos 227°, 762° e 334° do CC.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Normas violadas: Violou assim o aresto em crise o disposto no artigo 260º do CSC e artigos 227°, 762° e 334° do CC.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente por não provado e, consequentemente, a decisão em crise ser revogada por outra que julgue a Oposição improcedente, ordenando o prosseguimento da Execução contra a Oposta.»</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Os recorridos apresentaram contra-alegações, em que pugnam pela manutenção do decidido.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; Sabido que o objecto dos recursos se delimita pelas conclusões das alegações (art. 635.º n.º 3 do NCPC), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (art. 608.º NCPC </font><i><font>in fine</font></i><font>), as questões a decidir são as seguintes:&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; </font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; I) </font><i><font>Da nulidade do acórdão recorrido por ambiguidade ou obscuridade na fundamentação (art. 615.º, n.º1, al. c) do CPC/2013) e por omissão de pronúncia (art. 615.º, n.º 1, al. d) do CPC/2013)</font></i> </p><p><i><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; </font></i><font>II)</font><i><font> Da vinculação da sociedade à subscrição do aval e do abuso do direito</font></i> </p><p><font> </font> </p><p><font> </font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; Colhidos os vistos, cumpre decidir.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font> </font> </p><p><font> </font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; </font><b><font>II – Fundamentação de facto</font></b> </p><p><b><font> </font></b> </p><p><b><font>Vem dada como apurada, pelas instâncias, a factualidade que se passa a enunciar: </font></b> </p><p><font> </font> </p><p><font>1 - No dia 3.5.2002, mediante escritura pública celebrada no 4.º Cartório Notarial do Porto, os executados CC e BB declararam confessar-se solidariamente devedores aos exequentes DD e EE da importância de 59.360 € que, naquela data, receberam de empréstimo, sem juros, pelo prazo de sete anos e sete meses, através do cheque n.º … sobre o “HH, S.A.” – doc. de fls. 16 a 20 da execução;</font> </p><p><font>2 - Declararam ainda os executados CC e BB que tal montante seria pago da seguinte forma: a quantia de 17.500 €, no dia 1/1/2005; a quantia de 41.860 €, em 91 prestações mensais, iguais e sucessivas, no valor de 460 € cada, vencendo-se a primeira no dia 30.5.2002 e as restantes em igual dia dos meses e anos subsequentes;</font> </p><p><font>3 - Das prestações referidas em 2, foram pagas aos exequentes DD e EE as que se venceram até 30.4.2003, num total de 5.520 €.</font> </p><p><font>4 - As restantes prestações encontram-se tituladas pelas letras de câmbio juntas a fls. 33 a 82 da execução, emitidas em 30.4.2002, sacadas pelo exequente EE, aceites pelos executados CC e BB e aparecendo no respectivo verso, acompanhadas da menção “por aval ao aceitante - a gerência - AA”, as assinaturas dos mesmos executados CC e BB;</font> </p><p><font>5 - No dia 3.5.2002, mediante escritura pública celebrada no 4.º Cartório Notarial do Porto, os executados CC e BB declararam confessar-se solidariamente devedores aos exequentes FF e GG da importância de 59.360 €, que, naquela data, receberam de empréstimo, sem juros, pelo prazo de sete anos e sete meses, através do cheque n.º … sobre o “Banco II” – doc. de fls. 21 a 25 da execução;</font> </p><p><font>6 - Declararam ainda os executados CC e BB que tal montante seria pago da seguinte forma: a quantia de € 17.500, no dia 1.1.2005; a quantia de € 41.860, em 91 prestações mensais, iguais e sucessivas, no valor de € 460 cada, vencendo-se a primeira no dia 30.5.2002 e as restantes em igual dia dos meses e anos subsequentes;</font> </p><p><font>7 - Das prestações referidas em 6, foram pagas aos exequentes GG e FF as que se venceram até 30.4.2003, num total de 5.520 €; </font> </p><p><font>8 - As restantes prestações encontram-se tituladas pelas letras de câmbio juntas a fls. 83 a 190 da execução, emitidas em 30.4.2002, sacadas pelo exequente GG, aceites pelos executados CC e BB e aparecendo no respectivo verso, acompanhadas da menção “por aval ao aceitante - a gerência - AA”, as assinaturas dos mesmos executados CC e BB;</font> </p><p><font>9 - No dia 3.5.2002, no 4.º Cartório Notarial do Porto, exequentes e executados CC e BB outorgaram escritura pública de aumento de capital, alteração do contrato de sociedade da oponente “AA” e cessão de quotas – doc. de fls. 26 a 32 da execução;</font> </p><p><font>10 - Mediante tal escritura, os exequentes FF e GG declararam ceder ao executado BB a quota, no valor nominal de € 180.000, de que a exequente FF era titular na sociedade oponente “AA - ..., Ld.ª”;</font> </p><p><font>11 - Mediante a mesma escritura, os exequentes DD e EE declararam ceder à executada CC a quota, no valor nominal de € 180.000, de que a exequente DD era titular na sociedade oponente “AA - ..., Ld.ª”;</font> </p><p><font>12 - Declararam ainda os exequentes que o preço global das cessões era de € 360.000, do qual receberam € 30.000, devendo os restantes € 330.000 ser pagos, sem acréscimo de juros, em 190 prestações mensais e sucessivas, representadas por igual número de letras, sendo 2 no valor de € 500 e as restantes 188 no valor de € 1.750 cada, com vencimento bimensal, vencendo-se a primeira no dia 30.5.2002 e as restantes em igual dia dos meses e anos subsequentes;</font> </p><p><font>13 - Mais declararam os exequentes reservarem a titularidade das quotas cedidas, até ao integral pagamento do preço;</font> </p><p><font>14 - Os exequentes FF e EE declararam ainda renunciarem às funções de gerência que exerciam na oponente “AA”;</font> </p><p><font>15 - Na mesma escritura, os executados CC e BB declararam aceitar as cessões de quotas, nos termos exarados;</font> </p><p><font>16 - Mais declararam constituir-se em assembleia-geral da oponente “AA” e nomear ambos os novos sócios nas funções de gerência da sociedade;</font> </p><p><font>17 - Declararam ainda alterar o contrato de sociedade, passando dele a constar que, para obrigar a sociedade em todos os seus actos e contratos, era suficiente a assinatura de um gerente;</font> </p><p><font>18 - Das prestações referidas em 12, foram pagas aos exequentes as que se venceram até 30.4.2003, num total de € 39.500;</font> </p><p><font>19 - As restantes prestações encontram-se tituladas pelas letras de câmbio juntas a fls. 191 a 354 da execução;</font> </p><p><font>20 - As letras de câmbio de fls. 191 a 270 e 353-354 foram emitidas em 30.4.2002, sacadas pela exequente DD, aceites pela executada CC e aparecendo no respectivo verso, acompanhadas da menção “por aval ao aceitante - a gerência - AA”, as assinaturas dos mesmos executados CC e BB;</font> </p><p><font>21 - As letras de câmbio de fls. 271 a 352 foram emitidas em 30.4.2002, sacadas pela exequente FF, aceites pelo executado BB e aparecendo no respectivo verso, acompanhadas da menção “por aval ao aceitante - a gerência - AA”, as assinaturas dos mesmos executados CC e BB; </font> </p><p><font>22 - A oponente “AA - ..., Ld.ª” tem como objecto social: comércio de ourivesaria, relojoaria, óptica, perfumaria e fotografia, mercador e importador – doc. de fls. 460 a 462;</font> </p><p><font>23 -&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; Até à celebração da escritura pública mencionada em 9, eram sócias da “AA” as exequentes DD e FF, sendo gerentes da sociedade os exequentes EE e FF;</font> </p><p><font>24 - Em 30.4.2002, os executados CC e BB não eram sócios, nem gerentes da oponente “AA”;</font> </p><p><font>25 - Em 3.5.2002, os exequentes e os executados CC e BB apuseram as suas assinaturas no documento de fls. 44-45, intitulado “declaração”;</font> </p><p><font>26 - Mediante tal documento, os exequentes e os executados CC e BB declararam que, tendo sido marcada escritura notarial de aumento de capital e cessão de quotas para o dia 30.4.2002 e tendo sido emitidas duas letras de € 500 e 188 letras de € 1.750, por motivos burocráticos só foi viável a outorga dessa escritura em 3.5.2002, na sequência do que acordam em atribuir àquelas letras todo o valor legal e contratual a que as mesmas se destinam, independentemente das datas de emissão e escritura nelas constantes não corresponderem à data real da escritura; </font> </p><p><font>27 - Em 3.5.2002, o exequente EE e os executados CC e BB apuseram as suas assinaturas no documento de fls. 474-475, intitulado “declaração”;</font> </p><p><font>28 - Mediante tal documento, o exequente EE e os executados CC e BB declararam que, tendo sido marcada escritura notarial de confissão de dívida para o dia 30.4.2002 e tendo sido emitidas uma letra de 17.500 e 91 letras de € 460, por motivos burocráticos só foi viável a outorga dessa escritura em 3.5.2002, na sequência do que acordam em atribuir àquelas letras todo o valor legal e contratual a que as mesmas se destinam, independentemente das datas de emissão e escritura nelas constantes não corresponderem à data real da escritura;</font> </p><p><font>29 - O art. 7.º do contrato de sociedade da oponente tem a seguinte redacção:</font> </p><p><font>“É expressamente proibido aos gerentes obrigar a sociedade em quaisquer actos ou contratos estranhos aos negócios sociais, tais como, letras de favor, fianças ou outros actos semelhantes”.</font> </p><p><b><font> </font></b> </p><p><b><font> </font></b> </p><p><b><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; III – Fundamentação de direito</font></b> </p><p><font> </font> </p><p><font> </font> </p><p><font>I – </font><i><font>Da nulidade do acórdão recorrido por obscuridade da fundamentação e por omissão de pronúncia</font></i> </p><p><i><font> </font></i> </p><p><b><font>1.1</font></b><font> - Alegam os recorrentes que o acórdão recorrido não se pronunciou sobre a questão de terem os executados subscrito o aval enquanto gerência da sociedade AA, padecendo, assim, o acórdão recorrido de uma nulidade por omissão de pronúncia e de uma nulidade por obscuridade nos fundamentos.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Mas não têm razão.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>O acórdão recorrido respondeu a esta questão, entendendo que na data da subscrição do aval – 30-04-2002 – os executados ainda não eram sócios nem gerentes da sociedade, não a podendo, portanto, vincular.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Veja-se o seguinte excerto do acórdão recorrido:</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>«Pois bem, no âmbito da problemática atinente à vinculação da sociedade, coloca-se previamente a questão de saber se o aval que vem prestado em nome da sociedade/oponente a favor dos aceitantes (no caso, os executados BB e mulher CC), sendo os exequentes portadores legítimos das respectivas letras (as dadas à execução), pode efectivamente àquela ser atribuído.</font> </p><p><font>Assim equacionamos esta questão prévia, tendo em conta – no seguimento, aliás, do que já vinha aduzido pela oponente na sua oposição – que a subscrição do aval se reportava à data da emissão das letras (30.4.2002), numa altura em que os executados BB e CC ainda não eram sócios-gerentes da sociedade/oponente, portanto não sendo os titulares dos poderes de representação da última e, nessa medida, também não podendo a sociedade/oponente considerar-se vinculada pelas assinaturas daqueles executados (art. 252, n.º 1 do CSC).</font> </p><p><font>Cremos que a subscrição do aval nos indicados termos é confirmada pela factualidade acima elencada, a importar a constatação de que aqueles identificados executados não detinham poderes para representar e vincular a sociedade oponente (não eram seus sócios ou gerentes) à data a que se reporta o dito aval, por isso também não podendo este considerar-se válido, bem assim ter-se a dita sociedade como obrigada cambiária».</font> </p><p><font>Decorre do n.º 2 do art. 660.º, do CPC (idêntico ao actual art. 608.º, n.º 2 do NCPC/2013) que o juiz «Deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras. Não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser conhecimento oficioso de outras». </font> </p><p><font>O acórdão padece do vício da nulidade por omissão de pronúncia, no caso de o juiz deixar de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar. </font> </p><p><font>Tem sido entendimento pacífico da doutrina e da jurisprudência, que apenas as questões em sentido técnico, ou seja, os assuntos que integram o </font><i><font>"thema decidendum",</font></i><font> ou que dele se afastam, constituem verdadeiras questões de que o tribunal tem o dever de conhecer para decisão da causa sob pena de incorrer na nulidade prevista nesse preceito legal. </font> </p><p><font>Como escreve Amâncio Ferreira, “trata-se de nulidade mais invocada nos tribunais originada na confusão que se estabelece com frequência entre questões a apreciar e razões ou argumentos aduzidos no decurso da demanda”</font><a><u><font>[1]</font></u></a><font>. E acrescenta, citando Alberto dos Reis</font><a><u><font>[2]</font></u></a><font>, que “são na verdade coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão socorrem-se a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista: o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão”. </font> </p><p><font>Importa, pois, distinguir as verdadeiras questões dos meros “raciocínios, razões, argumentos ou considerações”, invocados pelas partes e de que o tribunal não tenha conhecido ou que o tribunal tenha aduzido sem invocação das partes.</font> </p><p><font>A questão da forma como foi feita a assinatura dos executados no aval e do seu significado é, na verdade, apenas um argumento debatido no acórdão recorrido, sendo a questão de direito à qual se visa dar resposta a questão de saber se a sociedade está ou não vinculada ao aval.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Conforme se verifica, o acórdão recorrido deu resposta à questão que lhe foi colocada pelos apelantes e explicou porque é que entende que, não obstante o aval ter sido subscrito pela gerência da AA com a assinatura dos executados, não vincula a sociedade.</font> </p><p><font>O facto de essa resposta não ter sido coincidente com aquela que defendem os recorrentes não significa que tenha havido uma omissão de pronúncia. Trata-se apenas de um argumento, em relação ao qual o tribunal recorrido e os então apelantes têm um entendimento diferente.</font> </p><p><font> </font> </p><p><b><font>1.2 -</font></b><font> Alegam ainda os recorrentes que o acórdão recorrido é obscuro na sua fundamentação, padecendo da nulidade prevista na alínea c) do n.º 1 do art. 615.º do CPC/2013.</font> </p><p><font>Segundo o art. 615.º, n.º 1, al. c) do CPC/2013, o acórdão será nulo quando ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível.</font> </p><p><font>Esta situação verifica-se quando o pensamento do juiz, que se retira da análise da decisão, se afigura incompreensível ou imperceptível ou quando o sentido da decisão não seja unívoco, por ser susceptível de diversas interpretações ou comportar vários significados ou sentidos</font><a><u><font>[3]</font></u></a><font>.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Ora, o que o acórdão recorrido fez foi apenas admitir que, mesmo que assim se não entendesse, ou seja, mesmo que se considerasse que a assinatura dos executados foi aposta na sua qualidade de gerentes, a sociedade não está vinculada ao aval, por força da cláusula 7.ª do contrato social, que introduz limitações estatutárias à capacidade da sociedade, e que é oponível aos exequentes, enquanto sócios gerentes da mesma sociedade, que têm conhecimento da cláusula limitativa e não podem, por isso, ser considerados terceiros de boa fé, nos termos do art. 260.º do CSC.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>A técnica argumentativa usada, baseada em duas alternativas, para o caso de o tribunal de recurso não aceitar o primeiro fundamento – a falta da qualidade de gerentes dos executados no momento da subscrição do aval – não representa qualquer omissão de pronúncia, nem cria obscuridade na fundamentação, sendo perfeitamente legítima e perceptível a sua utilização conforme resulta do excerto que passamos a transcrever.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>«Apesar do assim expendido e para a hipótese de não ser de acolher tal asserção, sempre subsistiriam outros motivos para rejeitar a vinculação da sociedade/oponente pelo aval a esta imputável nos aludidos títulos.</font> </p><p><font>Tentemos demonstrar.</font> </p><p><font>É certo que os actos praticados pelos gerentes em conformidade com os poderes que a lei lhes confere vinculam a sociedade perante terceiros, ainda que tais actos sejam praticados em desconformidade com disposições estatutárias limitadoras dos poderes de representação – v art. 260, n.º 1 do CSC.</font> </p><p><font>Só assim não sucederá quando em causa estejam actos que desrespeitem cláusula estatutária atinente ao objecto social – v. n.º 2 o cit. art. 260.</font> </p><p><font>Daí que a cláusula estatutária constante do pacto da sociedade/oponente a que se reporta o Ponto 29 supra – “É expressamente proibido aos gerentes obrigar a sociedade em quaisquer actos ou contratos estranhos aos negócios sociais, tais como, letras de favor, fianças ou outros actos semelhantes” – não detém eficácia externa para ser oponível a terceiros, sendo por isso, de per si, insuficiente para justificar a não vinculação da sociedade quanto a actos nela integráveis.</font> </p><p><font>Mas, como atrás referimos, se estivermos perante acto que, para além desrespeitar cláusula expressa como a atrás transcrita, contender (contrariar) ainda com o objecto social, poderá o mesmo não vincular a sociedade, para tanto sendo exigível que se prove que o terceiro sabia ou não podia ignorar, tendo em conta as circunstâncias, que o acto não respeitava essa cláusula e se, entretanto, a sociedade o não assumiu por deliberação expressa ou tácita dos sócios.</font> </p><p><font>Equivale isto a afirmar que a sociedade pode invocar a ineficácia dos actos que ultrapassem os limites do objecto social, quando se verifiquem as duas apontadas condições – v. neste sentido, Coutinho de Abreu, in ob. cit., págs. 190 a 192 e Soveral Martins, in “Problemas do Direito das Sociedades”, págs. 489 a 491.</font> </p><p><font>Voltando-nos para o caso em presença, constata-se que o aval atribuído à sociedade/oponente – a dar-se como adquirida essa imputação – foi prestado no âmbito da constituição (confissão) de dívida por parte dos executados BB e mulher CC em relação aos apelantes/exequentes, bem assim na sequência da negociação da cessão das quotas que constituíam o capital social da sociedade/oponente e de que eram titulares as exequentes DD e FF, cessão essa realizada a favor daqueles executados. </font> </p><p><font>Ora, atenta a qualidade detida pelos exequentes na sociedade/oponente aquando dessa cessão de quotas – a DD e a FF eram sócias, sendo a última e o marido da primeira seus gerentes – enquanto o exequente GG era o marido da sócia/gerente FF, cremos não poder deixar de dar-se como adquirido para os autos que era do seu conhecimento (dos exequentes) não só o teor da aludia cláusula expressa a que acima aludimos (v. Ponto 29 supra), como ainda e principalmente que o mencionado acto de aval prestado nas letras dadas à execução não se inseria no objecto social da sociedade/oponente».</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Da análise da fundamentação do acórdão recorrido resulta claramente qual o enquadramento jurídico que o tribunal da Relação deu aos factos e quais os princípios e normas jurídicas utilizadas.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Em consequência, não se verificam as nulidades invocadas e improcedem as conclusões A) a E) dos recorrentes.</font> </p><p><b><font> </font></b> </p><p><b><font> </font></b> </p><p><font>II – </font><i><font>Da vinculação da sociedade à subscrição do aval e do abuso do direito</font></i> </p><p><b><font> </font></b> </p><p><b><font>1.</font></b><font> No caso </font><i><font>sub judice</font></i><font>, a sentença de 1.ª instância julgou a presente oposição provada e procedente, declarando extinta a execução, em relação à Sociedade AA, entendendo que, «não estando configurado que a opoente tenha prestado aval com o objectivo de obter vantagens de cariz económico, verifica-se ser nula tal prestação, por falta de capacidade de gozo, nos termos conjugados dos arts. 6.º, n.º 1 e 3 do Código das Sociedades Comerciais e 280.º, n.º 1 e 294.º do Código Civil».</font> </p><p><font>O acórdão recorrido confirmou a sentença mas com outro fundamento. </font> </p><p><font>Entendeu que não estava em causa uma limitação à capacidade de gozo da sociedade opoente, pois esta não logrou provar que a prestação de aval era um acto contrário ao seu fim e interesses, como lhe competia de acordo com as regras do ónus da prova, valendo, por falta de prova, a presunção de normalidade da prestação de garantias pessoais ou reais por uma sociedade comercial.</font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; O acórdão recorrido baseou a improcedência da apelação dos exequentes no facto de o aval, apesar de ter sido prestado pelos aceitantes que declararam fazê-lo em nome da sociedade como gerentes, na verdade, foi subscrito numa data em que os aceitantes ainda não tinham sido nomeados gerentes, concluindo, então, que estes actuaram em nome próprio.</font> </p><p><font>Entendeu o acórdão recorrido que a prestação de aval se reporta à data da emissão das letras (30 de Abril de 2002), constatando que os executados não detinham nesta data poderes para representar e vincular a sociedade (não eram seus sócios ou gerentes), não podendo, em consequência, considerar-se válido o aval nem ter-se a sociedade como obrigada cambiária.</font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; Considerou, ainda, o acórdão recorrido que o acto de prestação de aval em nome da sociedade viola a cláusula estatutária atinente ao objecto social, reproduzida no facto provado n.º 29 - «É expressamente proibido aos gerentes obrigar a sociedade em quaisquer actos ou contratos estranhos aos negócios sociais, tais como, letras de favor, fianças ou outros actos semelhantes» - podendo a sociedade invocar a ineficácia dos actos que ultrapassem os limites do objecto social, desde que se prove que o terceiro sabia ou não podia ignorar que o acto não respeitava essa cláusula e desde que entretanto a sociedade não o tenha assumido por deliberação expressa ou tácita dos sócios.</font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; &nbsp;O acórdão recorrido entendeu que, tendo em conta a qualidade dos exequentes aquando da cessão de quotas aos executados – uns eram sócios e outros gerentes da mesma sociedade – deve presumir-se serem os exequentes conhecedores dos estatutos da sociedade e das limitações decorrentes do objecto social.</font> </p><p><font>&nbsp;</font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; «Voltando-nos para o caso em presença, constata-se que o aval atribuído à sociedade/oponente – a dar-se como adquirida essa imputação – foi prestado no âmbito da constituição (confissão) de dívida por parte dos executados BB e mulher CC em relação aos apelantes/exequentes, bem assim na sequência da negociação da cessão das quotas que constituíam o capital social da sociedade/oponente e de que eram titulares as exequentes DD e FF, cessão essa realizada a favor daqueles executados. </font> </p><p><font>Ora, atenta a qualidade detida pelos exequentes na sociedade/oponente aquando dessa cessão de quotas – a DD e a FF eram sócias, sendo a última e o marido da primeira seus gerentes – enquanto o exequente GG era o marido da sócia/gerente FF, cremos não poder deixar de dar-se como adquirido para os autos que era do seu conhecimento (dos exequentes) não só o teor da aludia cláusula expressa a que acima aludimos (v. Ponto 29 supra), como ainda e principalmente que o mencionado acto de aval prestado nas letras dadas à execução não se inseria no objecto social da sociedade/oponente.</font> </p><p><font>Na verdade, retendo a nossa atenção nesse último aspecto, a prestação desse aval nos termos em que sucedeu não poderá deixar de considerar-se acto de mera garantia de que beneficiavam os exequentes sem qualquer contrapartida a favor da sociedade/oponente, a qual tem por objecto o comércio de ourivesaria, relojoaria, óptica, perfumaria e fotografia (assim se explicita na cláusula 2.ª do seu contrato social – v. fls. 426 dos autos).»</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Em consequência, entendeu o tribunal recorrido que estamos perante uma excepção à vinculação da sociedade aos actos praticados com terceiros, com base no art. 260.º, n.º 2 do CSC, considerando que os exequentes tinham conhecimento da limitação estatutária que proibia a sociedade de praticar actos de garantia pessoal ou real. </font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Nas alegações de revista, al
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0DKQu4YBgYBz1XKvjhtT
1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font> <p><br> </p><p><b><u><font>I. Relatório</font></u></b><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><font>“</font><b><font>AA, S. A.</font></b><font>”, com sede na Rua …, n.º …, Loja …, ..., ..., veio instaurar ação, sob a forma ordinária, contra:</font><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><font>1.º “</font><b><font>BB, Ld.ª</font></b><font>”, com sede na Rua ..., n.º ..., ..., ...;</font><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><font>2.º </font><b><font>CC</font></b><font>, residente na Rua ..., n.º ..., ...</font><br> </p><p><font>e</font><br> </p><p><font>3.º </font><b><font>DD</font></b><font>, residente na Rua ..., n.º ..., ...,</font><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><font>Pretende a autora a condenação solidária destes últimos a pagarem-lhe a quantia de €115.731,52, acrescida de juros de mora vencidos no montante de 8.654,94 euros, bem assim dos que se vencerem até integral liquidação daquele primeiro quantitativo.</font><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><font>Para o efeito e em síntese alegou que, por acordo celebrado em 27.7.2006, foi-lhe cedido um crédito que a sociedade “EE, Ld.ª” detinha sobre a 1.ª Ré, no montante de €115.731,52, o qual tinha por base o fornecimento de cortiça realizado pela cedente àquela Ré, conforme extrato de conta corrente e faturas juntas aos autos apensos de procedimento cautelar de arresto.</font><br> </p><p><font>Mais adiantou que os 2.º e 3.º Réus eram os únicos sócios da 1.ª Ré e, por documento particular datado de 2.9.2004, constituíram-se fiadores, através do seu aval pessoal dado a todas as compras feitas ou a efetuar pela 1.ª Ré até ao montante de €125.000,00 por isso se tornando responsáveis solidários pelo pagamento do crédito reclamado na ação.</font><br> </p><p><font>Os Réus, citados para os termos da ação, apresentaram contestação em que se defenderam por exceção e impugnação, no âmbito daquela defesa invocando que, a ser verdadeira a alegada cessão de créditos, os seus intervenientes visaram apenas dificultar a defesa dos Réus, bem assim permitir o desvio de bens e ocultar a atividade ilícita e fraudulenta da firma cedente.</font><br> </p><p><font>A isso acrescendo a circunstância de se encontrarem já pagas todas as faturas e notas de débito referentes a juros que a Autora considerou em sede de causa de pedir.</font><br> </p><p><font>Para além do que impugnou grande parte da alegação inicial, sendo falso que a dívida da 1.ª Ré tivesse origem no fornecimento de cortiça.</font><br> </p><p><font>Nessa medida concluindo pela improcedência da acção e imputando litigância de má fé à Autora, devendo esta ser condenada em multa e em indemnização a seu favor.</font><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><font>Replicou a Autora, rejeitando a defesa por exceção arguida pelos Réus e pediu a condenação destes no pagamento de multa e indemnização a seu favor, por litigância de má fé.</font><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><font>Findos os articulados, proferiu-se despacho saneador tabelar, fixou-se a matéria de facto tida como assente entre as partes e organizou-se base instrutória.</font><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><font>Após a realização de diligências probatórias, veio a concretizar-se audiência de julgamento, com gravação das provas, após o que foi a causa sentenciada nos termos que se passam a indicar:</font><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><font>a) Condenou-se a 1.ª Ré, entretanto declarada em estado de insolvência, a pagar à Autora a quantia de 115.731,52 euros, acrescida de juros de mora comerciais já vencidos até 16.3.2007, no montante de 8.186,22 euros, bem assim dos vincendos desde 17.3.2007 até integral pagamento daquele primeiro quantitativo;</font><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><font>b) Absolveram-se os demais Réus (2.º e 3.º) do pedido contra os mesmos&nbsp; formulado na ação. </font><br> </p><p><font>Inconformada com a absolvição dos 2.º e 3.º Réus, interpôs recurso de apelação a Autora, tendo o Tribunal da Relação decidido o seguinte:</font><br> </p><p><font>&nbsp;«Pelo exposto, decide-se julgar parcialmente procedente a apelação e, nessa medida, alterando-se a sentença recorrida, condenam-se ainda os 2.º e 3.º Réus CC e DD, solidariamente com a 1.ª Ré “BB”, a pagarem à Autora parte do valor das facturas n.ºs 2785, 2801 e 2806, cujas cópias se encontram juntas ao apenso de arresto, valor esse a liquidar em momento ulterior».</font><br> </p><p><font>Quanto ao mais, vai mantida a sentença recorrida».</font><br> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; </font><br> </p><p><font>O 2.º Réu, CC, não se conformando com o acórdão do Tribunal da Relação, vem do mesmo interpor recurso de revista, formulando, na sua alegação de recurso, as seguintes conclusões:</font><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><font>I – Inconforma-se o ora recorrente com o decidido no douto acórdão recorrido, porquanto entende que do documento por si subscrito em 02-09-2004, e no qual se pode ler que o ora recorrente, e demais subscritores, </font><i><font>“dão o seu aval como garantia”</font></i><font> não pode decorrer sua responsabilidade pelas quantias peticionadas nos autos.</font><br> </p><p><font>II – No que mais interessa, o douto acórdão considera que tal declaração negocial, interpretada de acordo com as regras dos artigos 236.º, n.º 1 e 238.º do CC, consubstancia fiança.</font><br> </p><p><font>III – Tal entendimento não pode proceder, desde logo porque tanto a recorrida como quem lhe cedeu o crédito sempre terem entendido o plasmado como aval, e porque deveria ser expectável ser esse o preciso sentido querido na emissão da declaração, dado a mesma ter sido emitida por pessoas com experiência no comércio, que reconhecem a diferença entre “aval” e “fiança”.</font><br> </p><p><font>IV – Mas, ainda que se descontasse a falta de rigor terminológico, certo é que o negócio constitutivo da obrigação padece de nulidade, por ser negócio contrário à lei (cfr. artigo 280.º do CC).</font><br> </p><p><font>V – Com efeito, resulta claro da construção da figura no Direito português e da opção geral do legislador pelo </font><i><font>“Vertragsprinzip” </font></i><font>que a fiança tem uma natureza especificamente contratual, dada a excepcionalidade dos negócios jurídicos unilaterais (cfr. artigo 457.º do CC),declarando, a esse propósito Varela, João de Matos Antunes (“Das Obrigações em geral”, II, volume, 4.ª edição, Livraria Almedina, Coimbra, 1992, a pág. 474) que “…a fiança deve resultar sempre de um acordo, seja entre o fiador e o credor….”; cfr., no mesmo sentido Mesquita, Henrique, “Fiança (parecer jurídico)”, </font><i><font>in</font></i><font> CJ, Ano IV, pág. 23 e ss, bem como o acórdão do STJ de 06/06/1990, “Actualidade Jurídica”, n.º 10/11, 1990, pág. 14; os Acórdãos do STJ de 10-11-1993 e 11-10-2011, in </font><a><u><font>www.dgsi.pt</font></u></a><font>).</font><br> </p><p><font>VI – Segue-se pois, que a aludida “fiança” sempre seria nula, pois resultante de a declaração negocial unilateral (a própria recorrida entende que a declaração é unilateral).</font><br> </p><p><font>VII – Com efeito, em ponto algum da matéria dada por provada se dá por assente a existência de acordo entre credor e devedor, ou entre fiador e credor.</font><br> </p><p><font>VIII – Assim, ao dar por assente que a declaração unilateralmente produzida pelo ora recorrente e pela outra subscritora, segundo a qual os mesmos “dão o seu aval pessoal como garantia às Firmas EE, Sociedade Unipessoal, Lda., em todas as compras feitas ou a efectuar pelo BB, …, Lda. e tituladas por factura até ao montante de cento e vinte e cinco mil euros” deve ser entendida como fiança, violou o douto acórdão recorrido o disposto nos artigos 280.º do CC; 294.º do CC; 236.º do CC; 238.º do CC; 457.º do CC.</font><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><font>Termos em que deverá o presente recurso ser dado como procedente e, por via disso, ser o douto acórdão recorrido revogado, no que concerne à consideração da referida declaração como consubstanciando fiança, prestada pelos respectivos subscritores à recorrida.</font><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><font>Assim se fazendo inteira e sã justiça».</font><br> </p><p><br> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; Notificada das alegações de recurso, a recorrida não apresentou contra-alegações. </font><br> </p><p><font>Sabido que, ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, o objeto do recurso é delimitado pelas respectivas conclusões, a questão a decidir reside no significado da declaração prestada pelo 2.º Réu e pela 3.ª Ré com o teor </font><i><font>“dão o seu aval como garantia”.</font></i><br> </p><p><i><font> </font></i><br> </p><p><font>Colhidos os vistos, cumpre decidir.</font><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><b><font>II – Fundamentação de facto</font></b><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><font>Vem dada como apurada, pelas instâncias, a factualidade que se passa a enunciar:</font><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><font>«1 - Os 2.º e 3.º Réus são os únicos sócios da 1.ª Ré; </font><br> </p><p><font>2 - No final do primeiro semestre de 2005, através de escrito particular, denominado de “Declaração de Dívida e Convenção de Cheques”, correspondente ao documento de fls. 44 dos autos de arresto apensados, a 1.ª Ré declarou o seguinte:</font><br> </p><p><font>“A firma ‘BB - … de ..., Ld.ª’ … declara, para os devidos efeitos, ter constituído uma dívida no valor de 106.606,27 Euros (+ juros à taxa de 5 %, o que perfaz a quantia de 109.271,27 Euros) a favor de ‘EE, Ld.ª’, representada pelo Sr. FF, em sequência de actos de comércio. </font><br> </p><p><font>Mais afirmamos que assumimos a referida dívida, bem como o seguinte plano de regularização da mesma: </font><br> </p><p><font>Cheque n.º&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; Banco&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; &nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;Valor&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; Data </font><br> </p><p><font>…………….&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; B……&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; 2.500 €&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; 31.7.05 </font><br> </p><p><font>…………….&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; B……&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; 2.500 €&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; 30.9.05 </font><br> </p><p><font>……………&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; B……&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; 2.500 €&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; 31.10.06 </font><br> </p><p><font>…………....&nbsp; &nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;B……&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; 2.500 €&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; 30.11.05 </font><br> </p><p><font>……………&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; &nbsp;&nbsp;B……&nbsp;&nbsp;&nbsp; &nbsp;&nbsp;99.271,27 €&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; 31.12.05.</font><br> </p><p><font>Mais declaro que os cheques que se apresentam, de que as referências, valores e datas escrevo em escrita manual pelo próprio punho, se destinam de forma irreversível a ser compensados, nas datas acima mencionadas, como forma de pagamento da assumida dívida, tendo sido entregues ao credor na presente data. </font><br> </p><p><font>P.S. Também declaramos que ficou acordado que no vencimento do cheque de 99.271,27 Eur. em 31.12.2005, e no caso de impossibilidade da liquidação integral deste cheque este será desdobrado”;</font><br> </p><p><font>3 - Por escrito particular, datado de 2.9.2004, correspondente ao documento de fls. 53 dos autos de arresto apensados, o 2. º Réu, como sócio-gerente da 1.ª Ré, e a 3.ª Ré, como sócia da 1.ª R., declararam que:</font><br> </p><p><font>“Dão o seu aval pessoal como garantia às Firmas ‘EE, …, Ld.ª’ e a ‘EE …, Ld.ª’, em todas as compras feitas ou a efectuar pela ‘BB, … de ..., Ld.ª’ e tituladas por factura até ao montante de cento e vinte e cinco mil euros”;</font><br> </p><p><font>4 - Carlos GG é presidente do conselho de administração da Autora e único sócio-gerente da “EE, Ld.ª”;</font><br> </p><p><font>5 - Por escrito particular, datado de 27.7.2006, denominado de “Contrato de Cessão de Créditos”, correspondente ao documento de fls. 30 e 31 dos autos de arresto apensados, a sociedade “EE, Ld.ª”, na qualidade de 1.ª outorgante, e a Autora “AA, S. A.”, na qualidade de 2.ª outorgante, declararam que: </font><br> </p><p><font>“Entre ambos os outorgantes é celebrado de livre e boa fé o presente contrato de cessão de créditos nos termos do seguinte clausulado: </font><br> </p><p><font>1.º - A 1.ª outorgante é detentora de um crédito sobre a firma ‘BB - …de ..., Ld.ª’… no montante de 115.731,52 €, titulada por cheque datado de 30.6.2006. </font><br> </p><p><font>2.º - A 2.ª outorgante, por sua vez, é credora da 1.ª outorgante da quantia total de 78.575,28 €. </font><br> </p><p><font>3.º - Pelo presente contrato, a 1.ª outorgante e como pagamento do seu débito à 2.ª outorgante, cede a esta a totalidade daquele crédito que detém sobre ‘BB - … de ..., Ld.ª’.</font><br> </p><p><font>4.º - A 2.ª outorgante aceita a presente cessão de créditos, dando quitação do montante ora recebido e declarando nada mais ter a receber por conta do seu crédito sobre a 1.ª outorgante. </font><br> </p><p><font>5.º - A presente cessão importa a transmissão para a 2.ª outorgante de todas as garantias e outros acessórios do crédito cedido. </font><br> </p><p><font>6.º - Em virtude desta cessão, a 1.ª outorgante deixa de ter interesse legítimo na conservação de quaisquer documentos probatórios do crédito por ela cedido e por isso obriga-se a fazer a entrega dos mesmos à 2.ª outorgante”;</font><br> </p><p><font>6 - A dívida da 1.ª R. para com a “EE, Ld.ª”, aludida na cláusula 1.ª do acordo descrito no Ponto 5 supra, teve origem no relacionamento comercial estabelecido entre as duas empresas, integrando pelo menos parte do fornecimento da cortiça a que se referem as facturas n.ºs 2785, datada de 2.9.2004, no valor de 3.272,50 €; 2801, datada de 28.9.2004, no valor de 3.534,50 €; e 2806, datada de 8.10.2004, no valor de 3.272,50 € – resp. ao ques. 2.º;</font><br> </p><p><font>7 – A declaração referida no Ponto 2 refere-se a “actos de comércio” praticados entre as sociedades em causa – resp. ao ques. 2.º;</font><br> </p><p><font>8 – Como o plano de pagamento mencionado no Ponto 2 não foi cumprido pela 1.ª Ré, no início de 2006 emitiu e entregou à “EE, Ld.ª” um cheque, datado para 30.6.2006, no valor de 115.731,52 €, para pagamento dos cheques entregues para titular os pagamentos acordados em tal plano, que, depositado no prazo de oito dias, veio devolvido por falta de provisão;</font><br> </p><p><font>9 – Através de carta registada com aviso de recepção, datada de 6.9.2006, recebida pela 1.ª R. em 8.9.2006, a Autora comunicou àquela o acordo descrito no Ponto 5;</font><br> </p><p><font>10 – Através de carta registada com aviso de recepção, datada de 20.9.2006, recebida pelo 2.º Réu em 26.9.2006, a Autora comunicou àquele o acordo descrito no Ponto 5; </font><br> </p><p><font>11 – Através de notificação judicial avulsa, em 9.11.2005, comunicou à 3.ª Ré o acordo descrito no Ponto 5; </font><br> </p><p><font>12 - A factura n.º …, no valor de 5.135,45 €, datada de 12.11.2003, foi paga através do cheque n.º 21143430, de 5.135,45 €;</font><br> </p><p><font>13 - A factura n.º …., no valor de 5.890,50€, datada de 14.10.2003, foi paga com o cheque n.º …, no valor de 5.890,50 €;</font><br> </p><p><font>14 - A nota de contabilidade n.º …, no valor de 709,35€, datada de 4.9.2003, foi paga em 24.9.2003, com o cheque n.º …;</font><br> </p><p><font>15 - O documento referido no Ponto 3 supra foi exigido pelo sócio gerente da “EE, Ld.ª” para continuar a fornecer cortiça até ao montante de 125.000 €; </font><br> </p><p><font>16 - Depois dessa data, 2.9.2004, só foram efectuadas mais duas compras, as referentes às facturas n.ºs … e ...;</font><br> </p><p><font>17 - A 1.ª R., por dificuldades de tesouraria e por não ter crédito na banca, tendo necessidade de proceder ao desconto de inúmeros cheques pré-datados provenientes do seu comércio, solicitou à “EE, Ld.ª” que descontasse tais cheques; </font><br> </p><p><font>18 - A “EE, Ld.ª”, por sua vez, fruto do seu giro comercial, detinha em carteira e descontadas na banca inúmeras letras de câmbio, que lhe haviam sido endossadas por clientes e aceites pela 1.ª Ré; </font><br> </p><p><font>19 - Empresas como “HH, Ld.ª”, “II, Ld.ª”, “JJ, Ld.ª”, “KK” e “LL, Ld.ª” vendiam rolhas de cortiça à 1.ª R. e esta pagava através do aceite de letras de câmbio; </font><br> </p><p><font>20 - Aquelas empresas, por sua vez, eram clientes da “EE, Ld.ª”, a quem compravam cortiça e procediam ao pagamento através do endosso das letras de câmbio aceites pela 1.ª R; </font><br> </p><p><font>21 - A 1.ª R., em consequência das ditas dificuldades de tesouraria, vinha reformando, directamente à “EE, Ld.ª”, que era endossada, essas letras de câmbio, sem pagar a respectiva amortização e despesas bancárias, que eram suportadas pela “EE, Ld.ª”;</font><br> </p><p><font>22 - A “EE, Ld.ª” acedeu a descontar e descontou inúmeros cheques pré-datados estrangeiros como forma de conseguir as amortizações não pagas das letras entretanto vencidas e das despesas bancárias suportadas, bem assim, por vezes, como modo de obter o pagamento de facturas respeitantes ao fornecimento de cortiça à 1.ª Ré;</font><br> </p><p><font>23 - Para pagamento dos fornecimentos de cortiça, a 1.ª Ré, por regra, emitia e entregava à “EE, Ld.ª” cheques pré-datados;</font><br> </p><p><font>24 - Relativamente a alguns desses cheques, chegada a data do respectivo vencimento, ou era solicitado para não serem depositados ou, sendo depositados, vinham devolvidos por falta de provisão». </font><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; </font><b><font>III - Fundamentação de direito</font></b><br> </p><p><b><font> </font></b><br> </p><p><b><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; </font></b><font>I -</font><b><font> </font></b><i><font>Alcance da declaração assinada pelo 2.º Réu e pela 3.ª Ré, em que estes afirmam que “dão o seu aval pessoal como garantia…”.</font></i><br> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; </font><br> </p><p><b><font>1.</font></b><font> O Tribunal de 1.ª instância entendeu que a garantia prestada, tal como designada (de “aval”) pelos declarantes, significava uma garantia própria duma obrigação cambiária, com regime próprio regulado na LULL, sendo, por isso, inaplicável ao caso em presença, desde logo por não estar em causa qualquer título cambiário. Entendeu também que aquela declaração não podia ser entendida como a prestação duma fiança, face aos seus dizeres. Para além disso, mesmo a entender-se essa declaração como a prestação duma fiança, sempre assistiria aos identificados Réus a possibilidade de recusarem o cumprimento nos termos do art. 638.º, n.º 1 do CC.</font><br> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;</font><br> </p><p><font>O Tribunal da Relação, interpretando a declaração no seu contexto, de acordo com os critérios plasmados no art. 236.º, n.º 1 do CC, entendeu que a aposição de tal garantia (aval) em escrito distinto dum título de crédito não significa necessariamente a constituição de um aval. No condicionalismo em que foi redigido o escrito, o Tribunal da Relação entendeu que um declaratário normal não deixaria de apreender as palavras naquele escrito vertidas como a assunção duma obrigação equivalente à prestação duma fiança, mesmo que expressa duma forma imperfeita ou tecnicamente incorreta. Entendeu também o acórdão recorrido que não constitui obstáculo à demanda na presente ação dos identificados Réus, na qualidade de fiadores, a circunstância de estarem a coberto do invocado benefício de excussão prévia, por referência ao prescrito no art. 638.º, n.º 1 do CC, pois, estando em causa garantia relativa a obrigação comercial afastado estaria a consideração de semelhante benefício, à luz do prescrito no art. 101.º do C. Comercial, do qual decorre o estabelecimento duma solidariedade imprópria entre o fiador e o devedor principal.</font><br> </p><p><b><font>2.</font></b><font> Para resolver o caso, importa estabelecer a diferença entre aval e fiança.</font><br> </p><p><font>O aval é o negócio jurídico cambiário através do qual uma pessoa (avalista ou dador de aval) garante o pagamento de uma letra por parte de um dos seus subscritores (avalizado).</font><br> </p><p><font>O aval representa assim uma nova obrigação cambiária, que tem por finalidade garantir ou caucionar obrigação cambiária idêntica e preexistente de um signatário de uma letra de câmbio.</font><br> </p><p><font>De um ponto de vista económico, o aval possui um fim semelhante à fiança. Contudo, o aval representa uma obrigação pessoal de garantia dotada de um regime jurídico próprio: a obrigação do avalista é autónoma, subsistindo no caso de a obrigação do avalizado ser nula por qualquer razão que não um vício de forma (art. 32.º, n.º 2, da LULL), enquanto a fiança é uma garantia de natureza acessória (art. 627.º, n.º 2, do CC).</font><br> </p><p><font>&nbsp;Ao passo que a fiança comum tem natureza subsidiária (benefício da prévia excussão do fiador: cf. art. 638.º do CC), a obrigação do avalista é solidária, respondendo este a par dos demais subscritores pelo pagamento integral da letra (art. 47.º, n.º 1 e 2, da LULL). A fiança tem um alcance bilateral (subrogação do fiador nos direitos do credor contra o afiançado: cf. art. 644.º do CC), enquanto a obrigação do avalista tem projeções plurilaterais, ficando aquele ainda sub-rogado nos direitos emergentes da letra contra os obrigados em face do avalizado (art. 32.º, n.º 3 da LULL). </font><br> </p><p><font>Embora o aval e a fiança sejam institutos distintos, preenchem ambos uma mesma função – a função de garantia – e a doutrina e a jurisprudência admitem que algumas regras da fiança se apliquem, por analogia, ao aval. É o caso da questão de saber se, em caso de uma pluralidade de avalistas (aval colectivo), o coavalista que pagou tem ou não um direito de regresso contra os co-avalistas. A doutrina e a jurisprudência têm aceitado ser o avalista titular de um direito de regresso relativamente aos demais coavalistas à semelhança do previsto para a pluralidade de fiadores (art. 650.º do CC) (cf. acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 24-10-2002, </font><i><font>CJ/STJ,</font></i><font> 2002, III, p. 121; acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/2012, de 5 de Junho, in DR, n.º 137, de 17-07-2012, 3796-3805; C. Vicente Cunha, Letras e Livranças: Paradigmas actuais e recompreensão de um regime, Coimbra, 2009, 304 e ss)</font><a><u><font>[1]</font></u></a><font>.&nbsp; </font><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><b><font>3.</font></b><font> A declaração escrita dos autos qualificou a obrigação de garantia assumida pelos subscritores como aval.</font><br> </p><p><font>Contudo, não foram respeitados os requisitos objetivos do aval. A declaração de aval deve ser assinada pelo avalista no verso de uma letra de câmbio ou em folha anexa (art. 31.º, n.ºs 1 e 2, da LULL). A mera assinatura aposta no rosto ou face anterior do título, que não seja a do sacador ou sacado, valerá também como aval (art. 31.º, n.º 3, da LULL. O aval assinado fora do local previsto na lei, em documento escrito exterior ao título cambiário, é nulo por vício de forma. Sendo nulo, não produz efeito </font><i><font>ab initio</font></i><font> (art. 286.º do CC), dado o regime jurídico severo da nulidade, não surgindo na esfera jurídica dos subscritores do aval qualquer obrigação de garantia pessoal.</font><br> </p><p><font>&nbsp;</font><br> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;Mas significará, então, que os subscritores do aval não assumiram obrigação de garantia alguma? </font><br> </p><p><font>Ou será possível, como entendeu o acórdão recorrido, conservar a validade do negócio jurídico em causa, e, em obediência ao princípio da autonomia privada, interpretar a declaração negocial, de acordo com os critérios fixados no art. 236.º, n.º 1, do CCivil e atribuir-lhe um sentido útil? </font><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;O método e os critérios de decisão adotados pelo acórdão recorrido são adequados. Uma declaração negocial pode ser objeto de interpretação, tendo em conta o contexto em que surgiu e outros fatores enumerados pela doutrina e pela jurisprudência, como a ambiência negocial, os usos, a forma como o negócio é executado, etc. </font><br> </p><p><font>A interpretação da declaração negocial, destinada a determinar a vontade hipotética das partes, é uma questão de direito que está dentro dos poderes cognitivos deste Supremo Tribunal.</font><br> </p><p><font>Segundo o acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 25 de Março de 2010, relatado pelo Conselheiro Sebastião Póvoas (processo n.º 682/05. 7TBOHP.C1.S1), «A vontade real constitui matéria de facto da exclusiva competência das instâncias. Já a vontade hipotética, por resultar do exercício interpretativo, na situação do n.º 1 do artigo 236.º do Código Civil, pode ser apurada pelo Supremo Tribunal de Justiça e deve coincidir com o sentido apreensível pelo declaratário normal (…)». &nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;</font><br> </p><p><font>A regra estabelecida no n.º 1 do art. 236.º é esta: o sentido decisivo da declaração negocial é aquele que seria apreendido por um declaratário normal, medianamente instruído e diligente, colocado na posição do declaratário real, em face do comportamento do declarante. Consagra-se uma doutrina objetivista – a teoria da impressão do declaratário – com duas excepções de natureza subjetivista: os casos em que não pode ser imputado ao declarante, razoavelmente, aquele sentido (art. 236.º, n.º 1, 2.ª parte), ou os casos em que o declaratário conhece a vontade real do declarante (art. 236.º, n.º 2).</font><br> </p><p><font>A interpretação da declaração negocial deve ser, assim, assumida como uma “operação concreta, integrada em diversas coordenadas”, tendo em conta “o conjunto do negócio, a ambiência em que ele foi celebrado e vai ser executado”</font><a><u><font>[2]</font></u></a><font>. </font><br> </p><p><font>Serão atendíveis todos os coeficientes ou elementos que um declaratário medianamente instruído, diligente e sagaz, na posição do declaratário efetivo, teria tomado em conta. A título exemplificativo, a doutrina refere os termos do negócio; os interesses que nele estão em jogo (e a consideração de qual seja o seu mais razoável tratamento); a finalidade prosseguida pelo declarante; as negociações prévias; as precedentes relações negociais entre as partes; os usos da prática; os modos de conduta por que, posteriormente, se executou o negócio concluído</font><a><u><font>[3]</font></u></a><font>.</font><br> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; O documento a interpretar está descrito no ponto 3 da matéria de facto e corresponde ao documento de fls. 53 dos autos de arresto apensados. Tem data de 2.9.2004. Nele, o 2. º Réu, como sócio-gerente da 1.ª Ré, e a 3.ª Ré, como sócia da 1.ª R., declararam que: “Dão o seu aval pessoal como garantia às Firmas ‘EE, Sociedade Unipessoal, Ld.ª’ e a ‘EE ,,,, Ld.ª’, em todas as compras feitas ou a efectuar pela ‘BB, … de ..., Ld.ª’ e tituladas por factura até ao montante de cento e vinte e cinco mil euros”;&nbsp; </font><br> </p><p><font>O contexto factual da emissão da referida declaração escrita e da sua subscrição pelos dois únicos sócios da sociedade devedora, foi o descrito no ponto 15 da matéria de facto: «O documento referido no Ponto 3 supra foi exigido pelo sócio gerente da “EE, Ld.ª” para continuar a fornecer cortiça até ao montante de 125.000 €».</font><br> </p><p><font>O 2.º Réu e a 3.ª Ré eram os únicos sócios da 1.ª Ré (facto provado n.º 1).</font><br> </p><p><font>Neste contexto, os subscritores tinham intenção de assumir dívidas alheias – as da sociedade (1.ª Ré) de que são os únicos sócios – e a declaração escrita junta aos autos foi a forma de o 2.º Réu e a 3.ª Ré conseguirem manter as relações comerciais (fornecimento de cortiça) com a sociedade EE, que já detinha vários créditos sobre a 1.ª Ré. </font><br> </p><p><font>Tendo por referência os dizeres apostos no documento cujo teor está descrito no facto provado n.º 3, sufragamos o entendimento do acórdão recorrido, segundo o qual a expressão “aval” não foi aqui usada no seu sentido literal, mas com o significado de uma garantia pessoal equivalente à fiança.&nbsp;&nbsp; </font><br> </p><p><font>Assim, a aposição de tal garantia (aval) em escrito distinto dum título de crédito não pode constituir um aval e, quer os subscritores, quer os destinatários da declaração, enquanto pessoas com experiência em negócios, não podiam deixar de saber que não sendo a declaração aposta num título cambiário, não podia ter o significado de um aval. </font><br> </p><p><font>No condicionalismo relativo às circunstâncias em que foi redigido o mencionado escrito, julgamos que um declaratário normal compreenderia as palavras vertidas naquele documento como a assunção duma obrigação equivalente à prestação duma fiança, uma vez que o objetivo da garantia prestada era, como resulta da factualidade assente, garantir o fornecimento da matéria-prima à sociedade devedora.</font><br> </p><p><font>&nbsp;A seguir-se a tese do recorrente, o declarado nesse escrito pelo 2.º Réu e pela 3.ª Ré não teria qualquer sentido útil, pois a prestação de aval não fazia qualquer sentido. Ora, não é crível que estando a continuação da sua relação comercial com a empresa EE, que lhe fornecia a cortiça, dependente da prestação desta garantia, o 1.º Réu prestasse uma obrigação de garantia de aval com vício de forma. Temos de entender, presumindo a boa fé de quem participa no tráfico jurídico, que os declarantes quiseram garantir pessoalmente as dívidas da sociedade até ao valor de 125.000,00 euros, conforme resulta do documento em litígio.</font><br> </p><p><font>Concluímos, tal como o acórdão recorrido, que os subscritores do documento tiveram intenção, através da mencionada declaração, de assumir a posição de garantes, enquanto fiadores, pelo pagamento de fornecimentos de cortiça a favor da 1.ª Ré.</font><br> </p><p><b><font>5.</font></b><font> Coloca todavia o recorrente uma outra questão conexa com a da qualificação jurídica da obrigação: sendo a declaração escrita junta aos autos constitutiva de uma obrigação de fiança, o negócio constitutivo da obrigação padece de nulidade, por ser negócio contrário à lei (artigo 280.º do CC), pois no Direito português a fiança tem uma natureza especificamente contratual, dada a excecionalidade dos negócios jurídicos unilaterais (art. 457.º do CC).</font><br> </p><p><font>A fiança apresenta-se como garantia pessoal típica, sendo regulada nos arts 627.º a 655.º do CC. </font><br> </p><p><font>Na fiança, um terceiro garante a satisfação do crédito ficando pessoalmente obrigado perante o credor (art. 627.º do CC). A obrigação deste terceiro, o fiador, tem o conteúdo da obrigação principal e cobre as consequências legais e contratuais do não cumprimento culposo da obrigação por parte do devedor (art. 634.º do CC).</font><br> </p><p><font>Apesar de a lei não o dizer expressamente a doutrina tem afirmado que o negócio que dá origem à fiança tem carácter necessariamente bilateral</font><a><u><font>[4]</font></u></a><font>.</font><br> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;Contudo, não pode dizer-se, como faz o recorrente, que o documento junto aos autos e cujo significado se discute seja um negócio jurídico unilateral. Impondo a lei a redução a escrito apenas da declaração do fiador, a contra-declaração de vontade (normalmente aceitação) do credor pode fazer-se por qualquer meio, verbal ou escrito,&nbsp; ou processar-se tacitamente, como nas fianças prestadas no comércio bancário, em que a aceitação, por parte do banco beneficiário da garantia que a exigiu como condição para financiamento, é tácita</font><a><u><font>[5]</font></u></a><f
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font> <p><font>Acordam na 1.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça:</font> </p><p> </p><p><b><font>I - Relatório</font></b> </p><p><i><font> </font></i> </p><p><b><font>AA</font></b><font> (a quem sucederam, por habilitação de herdeiros, BB, CC e DD) e mulher </font><b><font>BB, EE</font></b><font> e mulher </font><b><font>FF</font></b><font> (a quem sucederam, por habilitação de herdeiros, EE, GG e HH) e </font><b><font>II</font></b><font> e mulher </font><b><font>JJ, </font></b> </p><p><b><font> </font></b> </p><p><font>intentaram acção com processo declarativo e forma ordinária contra:</font> </p><p><i><font> </font></i><b><font>KK </font></b><font>e esposa </font><b><font>LL </font></b><font>e</font><b><font> MM </font></b><font>e esposa</font><b><font> NN,</font></b> </p><p><b><font> </font></b><font> </font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; </font><i><font>Pedido</font></i> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; 1º - Que se declare transmitido para os Autores AA e esposa BB, casados no regime de comunhão geral de bens, o direito de propriedade sobre 1/10 indiviso dos prédios: urbano, constituído por casa de 2 andares, inscrito na matriz predial sob o artº 103º, e urbano, constituído por edifício de rés-do-chão destinado a comércio, inscrito na matriz predial sob o artº nº …, ambos sitos no lugar de ..., freguesia de ..., concelho de Vª Nª de Famalicão, e formam o descrito na C.R.P. de Vª Nª de Famalicão sob o nº … daquela freguesia, registada a dita fracção a favor dos vendedores pela inscrição G-1.</font> </p><p><font>2º - Declarar-se transmitido para os AA. EE, casado com FF, no regime de comunhão de adquiridos, 1/20 indivisos dos prédios precedentemente identificados.</font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; 3º - Declarar-se transmitido para os AA. II, casado com JJ, no regime de comunhão de adquiridos, 1/20 indivisos dos prédios precedentemente identificados.</font> </p><p><i><font> </font></i> </p><p><i><font>Pedido Subsidiário</font></i> </p><p><font>Que sejam os RR. condenados a reconhecer os AA. AA e esposa BB como donos e legítimos proprietários de 1/10 avos indivisos dos prédios supra referidos, que adquiriram por usucapião, e ainda os mesmos RR. condenados a reconhecer os AA. EE (e mulher FF) e II (e esposa JJ), cada um deles como donos e legítimos proprietários de 1/20 avos indivisos dos prédios supra referidos, que igualmente adquiriram por usucapião.</font> </p><p><font> </font> </p><p><i><font>Tese dos Autores</font></i> </p><p><font>Os 1ºs e os 2ºs RR. são, cada um deles, donos de 1/5 indiviso dos prédios urbanos identificados no pedido. Por contrato promessa datado de 28/6/1974, prometeram tais RR. alienar as partes de que são titulares nos referidos prédios ao 1º Autor e ao antecessor (pai) dos 2º e 3ºs AA.</font> </p><p><font>Desde a referida data que os citados 1º Autor e o pai dos 2º e 3ºs AA., e, após, estes mesmos 2º e 3ºs AA., vêm detendo a posse efectiva e exclusiva dos prédios em causa, tendo pago integralmente o preço da aludida promessa.</font> </p><p><font>Os RR. vêm-se furtando a realizar a escritura definitiva, pelo que cabe fundamento para a execução específica do contrato.</font> </p><p><font> </font> </p><p><i><font>Tese dos Réus</font></i> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; Os AA. não alegam factos suficientes para a caracterização da posse que invocam.</font> </p><p><font>Igualmente não alegam os AA. factos suficientes para a caracterização da culpa na não realização do negócio definitivo.</font> </p><p><font>A lei da data da celebração do contrato ou da data do eventual incumprimento (a redacção inicial do Código Civil) não permitia, no caso concreto, a execução específica.&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; </font> </p><p><font>As obrigações invocadas, a cargo dos RR., encontram-se prescritas.</font> </p><p><font> </font> </p><p><i><font>Sentença</font></i> </p><p><font>O Mmº Juiz “a quo”, conhecendo de mérito quanto ao pedido principal, na procedência da excepção peremptória de prescrição, julgou a acção improcedente e absolveu os Réus do pedido; quanto ao pedido subsidiário, por ausência de factos bastantes, igualmente julgou o pedido improcedente, do mesmo absolvendo os Réus.</font> </p><p><font> </font> </p><p><i><font>Recurso de apelação</font></i> </p><p><font>Irresignados, os Autores recorrem para o Tribunal da Relação do Porto, que por acórdão datado de 20-10-2013, decidiu «Julgar improcedente, por não provado, o interposto recurso de apelação da Autora, e, em consequência, confirmar a douta sentença recorrida». </font> </p><p><font>&nbsp;</font> </p><p><font> </font> </p><p><font> </font> </p><p><i><font>Recurso de revista</font></i> </p><p><font>Novamente inconformados, recorrem os Autores para este Supremo Tribunal, apresentando, na sua alegação de recurso, as seguintes conclusões:</font> </p><p><font>«1.ª – Em sede de despacho saneador foi considerada a factualidade provada que por mera economia processual se dá aqui por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais e foram formulados 18 quesitos que constituem a base instrutória;</font> </p><p><font>2.ª – Após audiência de julgamento com prova gravada, o Mm.o Juiz </font><i><font>a quo</font></i><font> considerou como provados os quesitos 4.º, 14.º e 15.º, como não provados os quesitos 1.º, 2.º, 5.º, 7.º, 8.º, 9.º, 16.º, 17.º e 18.º e ainda mereceram respostas restritivas os quesitos 3.º, 6.º, 10.º, 11.º 12.º e 13.º, que aqui se dão por reproduzidos por mera economia processual e para todos os efeitos legais;</font> </p><p><font>3.ª O Mm.o Juiz </font><i><font>a quo</font></i><font> fundamentou a sua convicção para as respostas à matéria de facto nos elementos probatórios considerados à luz das regras de experiência comum, daquilo que as partes ao longo do processo e dos depoimentos das testemunhas prestados em audiência de julgamento, sendo que tal fundamentação se encontra no despacho saneador que também por mera economia processual se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais;</font> </p><p><font>4.ª Porém, a convicção formada pelo Mm.º Juiz </font><i><font>a quo</font></i><font> parece-nos estar completamente errada no que diz respeito às respostas dadas aos quesitos 3.º, 5.º, 6.º, 7.º, 8.º, 9.º, 10.º, 11.º e 12.º da base instrutória;</font> </p><p><font>5.ª A deslocação à Conservatória do Registo Predial de Famalicão visou não só fazer o trato sucessivo, ou seja, colocar os prédios em nome de todos os herdeiros e ainda prestarem declarações complementares necessárias e indispensáveis, seguindo-se a inevitável escritura notarial de compra e venda, facto que era do conhecimento de todos os promitentes vendedores e compradores;</font> </p><p><font>6.ª Assim, não foi minimamente levado em conta a confissão vertida nos arts. 11.º e 13.º da Contestação dos R.R., relativamente à </font><i><font>traditio</font></i><font> dos prédios para os AA.</font> </p><p><font>7.ª Na verdade, ficou provado que logo após a outorga do contrato promessa de compra e venda dos autos os AA. tomaram posse efectiva da parte ideal dos ditos prédios adquiridos aos promitentes vendedores, tendo logo de seguida cedido gratuitamente parte do prédio à testemunha OO para este ali instalar a sua oficina de bate chapas, bem como mais tarde deram de arrendamento por escritura pública notarial à PP, Lda., o rés do chão do prédio dos autos, bem como ainda recebiam as rendas dos inquilinos.</font> </p><p><font>8.ª Quanto às contribuições prediais, autárquicas e IMI, os autos fornecem todos os elementos para se perceber que quem sempre procedeu ao pagamento de tais contribuições foram os 1.ºs AA. e o pai dos 2.º e 3.º AA.</font> </p><p><font>9.ª Ao contrário do que alegaram os RR., provado ficou, que estes entregaram ao 1.º A., AA, os seus bilhetes de identidade e números de contribuinte para este poder marcar a escritura de compra e venda dos prédios dos autos.</font> </p><p><font>10.ª Nunca foi alegado pelos RR. que estes alguma vez tivessem solicitado aos 1.ºs AA. e ao pai do 2.º e 3.º AA. que estes prestassem contas relativas ao pagamento das contribuições prediais e ao recebimento das rendas dos prédios dos autos.</font> </p><p><font>11.ª – Os RR. ao invocarem a prescrição das obrigações então assumidas por estes configuram um autêntico abuso de direito, subsumível a um “</font><i><font>venire contra factum proprium</font></i><font>”. </font> </p><p><font>12.ª – O art.º 334.º do C.C. diz que é ilegítimo o exercício de um direito quando o titular excede manifestamente os limites impostos pelo boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.</font> </p><p><font>13.ª – O comportamento dos RR. e a alegação da prescrição consubstancia a referida figura jurídica do abuso de direito uma vez que se inscreve no contexto da violação do princípio da confiança que sucede quando o agente adopta uma conduta inconciliável com a expectativa adquirida pela contraparte em função do modo como antes sempre actuara.</font> </p><p><font>14.ª – Em boa verdade, os promitentes compradores actuaram sempre imbuídos de boa fé em sentido subjectivo, o qual terá de ter-se por definitivamente assente uma vez que resulta da factualidade provada que estes investiram determinante e intensamente na confiança que assim lhes foi incutida pelos promitentes vendedores, sendo certo que estes na pressuposição do cumprimento do contrato e como antecipação dos efeitos translativos do contrato definitivo assumiram condutas processuais sintonizadas, mencionadas nos autos e que têm de ser entendidas como legitimadoras da situação objectiva de confiança em que se colocaram os RR. e os promitentes vendedores de futuras atitudes e posturas antiéticas.</font> </p><p><font>15.ª – Na verdade, em consideração ao que ficou provado e ao exposto acima, o direito dos RR. de invocar a prescrição tem de haver-se por neutralizado por ser abusivo o seu exercício, o que se requer seja decidido.</font> </p><p><font>16.ª – Deste modo, quer o Mm.º Juiz </font><i><font>a quo</font></i><font> quer o acórdão do Tribunal da Relação do porto, ao aceitarem a extinção da obrigação dos RR. outorgarem a referida escritura de venda, por prescrição, não atendeu ao estatuído no art.º 334.º do C.C., violando-o frontalmente.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Subsidiariamente, e para o caso de V. Ex.ªs não o entenderem, o que só por mera hipótese se admite, sem prescindir e sem conceder:</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>17.ª – Dão-se aqui por reproduzidas para todos os efeitos legais, e, por mera economia processual, as conclusões atrás formuladas de 1.ª a 10.ª.</font> </p><p><font>18.ª – Assim, face ao vertido nas referidas conclusões, aos documentos dos autos, à contestação dos RR., não restam dúvidas que a posse dos AA. sobre a quota parte dos prédios adquirida por contrato promessa aos RR. no ano de 1974, por si e antepossuidores há mais de 20, 30, 40 anos, é titulada, de boa fé, pública, e pacífica.&nbsp; </font> </p><p><font>19.ª – Ao decidir na douta sentença que os AA. não tenham adquirido aos RR. a parte dos prédios que estes prometeram vender, o Mm.º Juiz </font><i><font>a quo</font></i><font> e o Tribunal da Relação do Porto, fez erradamente interpretação dos normativos constantes dos art.ºs 342.º nº1, 1287.º, 1251.º, 1259.º, 1260.º, 1261.º, 1262.º, 1263.º e 1269.º todos do Código Civil».</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; Os Réus apresentaram contra-alegações, em que defendem a inadmissibilidade de recurso, por se ter formado dupla conforme (art. 671.º, n.º 3 do Novo Código de Processo Civil, aplicável ao caso dos autos com base no art. 7.º da Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho) e em que pugnam pela manutenção da decisão do Tribunal da Relação do Porto.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; Contrariamente ao propugnado pelos réus, foi decidida a admissibilidade de recuso, pois apesar de a decisão do Tribunal da Relação do Porto ser posterior a 1 de Setembro de 2013, a data da instauração do processo é anterior a Janeiro de 2008, pelo que, segundo o art. 7.º, n.º 1 da Lei n.º 41/2013, de 26-06, última parte, a aplicabilidade imediata da lei nova, tem por excepção o regime da dupla conformidade previsto no art. 671.º do Novo Código de Processo Civil, e, por maioria de razão, o regime da dupla conformidade decorrente do Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto, pois tal significaria uma limitação do direito ao recurso imprevisível pelas partes, nos processos anteriores a 1 de Janeiro de 2008, em relação aos quais não existia qualquer regime de dupla conformidade.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font> </font> </p><p><i><font>Objecto do processo</font></i> </p><p><font>Sabido que, ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, o objecto do recurso é delimitado pelas respectivas conclusões, as questões a decidir são as seguintes:</font><br> <font>1) Alteração das respostas aos quesitos 3.º, 5.º, 6.º, 7.º, 8.º, 9.º, 10.º, 11.º e 12.º da base instrutória;</font><br> <font>2) Abuso do direito de invocar a prescrição das obrigações emergentes do contrato promessa na modalidade de “</font><i><font>venire contra factum proprium</font></i><font>”;</font><br> <font>3) Aquisição dos prédios prometidos vender por usucapião.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Colhidos os vistos, cumpre decidir.</font> </p><p><font> </font> </p><p><b><font>II – Fundamentação de facto</font></b> </p><p><b><font> </font></b> </p><p><b><font>São os seguintes os factos provados pelas instâncias:&nbsp; </font></b> </p><p><font>1. A - Os 1°s RR. são donos e legítimos proprietários de 1/5 de: - prédio urbano constituído por casa de dois andares, inscrito na matriz predial urbana sob o art. 103 e - prédio urbano constituído por edifício de rés-do-chão destinado a comércio, inscrito na matriz predial urbana sob o art° … (antigo …) ambos sitos no Lugar de ..., freguesia de ..., concelho de Vila Nova de Famalicão e formam o descrito na Conservatória do Registo Predial de Famalicão sob o nº. … (certidões matriciais juntas de fls. 9, 10 11 e registrais de fs. 13 a 15).</font> </p><p><font>2. B - Por sua vez, os 2°s RR. são igualmente donos e legítimos proprietários dos mesmos prédios atrás identificados, e, em igual proporção, ou seja, de uma quinta parte - idem.</font> </p><p><font>3. C - Em 28 de Junho de 1974, os 1°s e os 2°s RR. celebraram com os 1° e o pai dos 2° e 3° AA. um contrato promessa de compra e venda daqueles 2/5 dos prédios referidos - título do contrato promessa junto a fs. 16.</font> </p><p><font>4. D - O preço acordado foi de 432.000$00 por 3/5 dos prédios atrás identificados.</font> </p><p><font>5. E - Porque QQ, irmão dos RR., e esposa RR, também proprietários de 1/5 dos mesmos prédios, apesar de os seus nomes figurarem no dito contrato promessa na qualidade de promitentes vendedores, nada prometeram vender nem assinaram o referido contrato, terá que se excluir do preço global da venda constante do dito contrato promessa o preço referente à quota parte do QQ e esposa e o preço global dos 2/5 efectivamente prometidos vender pelos RR. passou a ser de apenas 288.000$00.</font> </p><p><font>6. F - No dia da celebração do dito contrato promessa de compra e venda, o 1° A. e o pai dos 2° e 30 M. pagaram aos RR. a quantia de 20.000$00, ou seja, 10.000$00 a cada um, como sinal e princípio de pagamento.</font> </p><p><font>7. G - Como consta do referido contrato promessa, a escritura de compra e venda teria lugar até ao dia 31 de Agosto de 1974, ficando a cargo dos promitentes-compradores o pagamento da sisa e da escritura.</font> </p><p><font>8. H - Entretanto, no dia 29 de Agosto de 1974, os 1º A e o pai dos 2º e 3° AA. acordaram com os RR. em prorrogar o prazo para a realização da escritura de compra e venda por 60 dias e …</font> </p><p><font>9. I - receberam, cada um dos RR., a quantia de 100.000$00 como reforço do sinal dado então pelos promitentes-compradores, conforme documento de fs. 17.</font> </p><p><font>10. J - Seguidamente, em 24 de Maio de 1976, os 1°s e os 2°s RR. receberam dos promitentes compradores a quantia de 34.000$00 cada casal, destinando-se tal quantia ao pagamento integral do preço da venda prometida dos 2/5 dos prédios atrás identificados e pertença dos RR., considerando-se, consequentemente, os RR. completamente pagos e satisfeitos, e acordando ainda que a escritura definitiva de compra e venda seria, efectivada dentro de 30 dias a contar da data do documento, ou seja, 24 de Maio de 1976, conforme documento de fs. 18.</font> </p><p><font>11. K - Em 16 de Dezembro de 1982, por escritura pública outorgada no segundo Cartório Notarial de Famalicão, o 1° A, o pai dos 2° e 3° AA e o irmão daqueles, QQ deram de arrendamento a PP - …, Limitada, o rés-do-chão do prédio urbano inscrito na matriz sob o art. … (antigo …), nos termos e condições de tal escritura constantes.</font> </p><p><font>12. L - Até ao presente, ultrapassada que está a data limite de 29 de Outubro de 1974, a escritura pública de compra e venda ainda não foi realizada.</font> </p><p><font>13. M - Os AA., em 27 de Janeiro de 2006, através do seu mandatário, remeteram aos RR as cartas registadas com aviso de recepção, juntas por fotocópia a fls. 28 e 29 que, sob a epígrafe «Assunto: Marcação de Escritura», os informava que a escritura de compra e venda iria ser marcada, faltando ultimar os registos na Conservatória do registo Predial de Famalicão, pelo que solicitava aos RR. que lhe fossem facultadas cópias dos bilhetes de identidade e do cartões de contribuinte…</font> </p><p><font>14. N - e manifestassem disponibilidade em termos de dia e hora para se poder marcar a escritura respectiva - documentos de fs. 28 e 29.</font> </p><p><font>15. O - Os RR. receberam estas cartas e nada disseram, mas entregaram cópias dos seus Bilhetes de Identidade e cartões de contribuinte - fs. 129 a 134 - e compareceram na Conservatória do Registo Predial de Famalicão onde prestaram as declarações fotocopiadas a fls. 176 a 179 .</font> </p><p><font>16. P - Também por cartas registadas com aviso de recepção, os AA., em 9 de Maio de 2006, também através do seu mandatário, notificaram os RR. para a escritura de compra e venda que teria lugar no dia 13 de Junho de 2006, pelas 15 horas, no Cartório Notarial de Matosinhos da Licenciada Dr.ª SS, sito na Rua ..., nº …, salas … e … (Galerias …), em Matosinhos, onde deviam comparecer acompanhados dos respectivos bilhetes de identidade e números de contribuinte - documentos de fs. 30 a 35.</font> </p><p><font>17. Q - No dia aprazado, os RR. não compareceram à escritura nem se fizeram representar, nem de qualquer modo justificaram a sua ausência - certidão de fs. 36/37.</font> </p><p><font>18. Os RR. deslocaram-se à Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Famalicão em 27.1.2006, onde prestaram as declarações para o registo dos referidos imóveis em comum e sem determinação de parte ou direito a favor de todos os herdeiros, conforme teor dos documentos de fls. 13 e s. e 176 a 179 dos autos, que aqui se consideram reproduzidos.</font> </p><p><font>19. A deslocação à Conservatória do Registo Predial de Famalicão (aI. O) e a assinatura das declarações complementares de registo aconteceu já em finais de Janeiro de 2006.</font> </p><p><font>20. O 1º A marido e o pai dos 2°s, enquanto foi vivo, juntamente com o QQ, vêm detendo os referidos prédios, na proporção de uma quinta parte indivisa, pacificamente, à vista de toda a gente, sem oposição ou interferência seja de quem for, como sua verdadeira propriedade, nessa proporção. O A. AA vem recebendo as rendas dos inquilinos, já desde antes de 1974.</font> </p><p><font>21. O A. AA solicitou o respectivo reembolso de quantias pagas a título de Contribuição Autárquica, conforme referido nos documentos de fls. 135 e a 139, que aqui se dão por reproduzidos.</font> </p><p><font>22. O prédio urbano em causa encontra-se em mau estado de conservação há mais de 10 anos, exceptuando o rés-do-chão onde ainda hoje existe um comércio.</font> </p><p><font>23. Já na altura da celebração do contrato promessa dos autos junto, RR. e AA. se encontravam, por razões de partilhas, incompatibilizados.</font> </p><p><font>24. E não mais falaram ou conviveram</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; </font> </p><p><b><font>III - Fundamentação de direito</font></b> </p><p><b><font> </font></b> </p><p><font> </font> </p><p><font>1) Alteração das respostas aos quesitos 3.º, 5.º, 6.º, 7.º, 8.º, 9.º, 10.º, 11.º e 12.º da base instrutória</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Solicitam os autores que este Supremo Tribunal reaprecie as respostas aos quesitos 3.º e 5.º a 12.º da base instrutória.</font> </p><p><font>É sabido que, relativamente à alteração da matéria de facto são muito restritos os poderes cognitivos do Supremo Tribunal de Justiça.</font> </p><p><font>O Supremo Tribunal de Justiça não é uma terceira instância, mas sim um tribunal de revista, com competência limitada à matéria de direito.</font> </p><p><font>Este Supremo Tribunal só conhece de questões de direito, aplicando à factualidade fixada pelas instâncias o respectivo regime jurídico, não tendo poderes cognitivos para alterar matéria de facto. Esta limitação justifica-se pela função de harmonização jurisprudencial sobre a interpretação e aplicação da lei que é característica e própria dos tribunais supremos. </font> </p><p><font>A intervenção do Supremo Tribunal de Justiça no âmbito do apuramento da matéria de facto relevante é residual e destina-se exclusivamente a apreciar a observância das regras de direito material probatório, previstas nos conjugados artigos 722.º, n.º 2, e 729.º, n.º 2, ambos do Código de Processo Civil, a mandar ampliar a decisão sobre a matéria de facto, nos termos do n.º 3 do artigo 729.º do mesmo diploma legal, ou a eliminar da matéria de facto asserções de conteúdo jurídico ou conclusivo (artigo 646.º, n.º 4, do Código de Processo Civil). </font> </p><p><font>Ou seja, este Supremo Tribunal de Justiça só pode conhecer do juízo de prova formado pela Relação, quanto à matéria de facto, quando esta deu como provado um facto sem a produção da prova considerada indispensável, por força da lei, para demonstrar a sua existência, ou quando ocorreu desrespeito pelas normas reguladoras da força probatória dos meios de prova admitidos no ordenamento jurídico.&nbsp; </font> </p><p><font>Como resulta dos arts.722.º, n.º 2, e 729.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil, a censura por este Supremo Tribunal de eventual erro na apreciação das provas está limitada à matéria sujeita a prova vinculada ou ao caso de desconsideração do valor legal das provas. </font> </p><p><font>Especificamente, o n.º 2 do artigo 722.º citado estabelece que «[o] erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto de recurso de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou fixe a força de determinado meio de prova». E o n.º 2 do indicado artigo 729.º dispõe que «[a] decisão proferida pelo tribunal recorrido quanto à matéria de facto não pode ser alterada, salvo o caso excepcional previsto no n.º 2 do artigo 722.º».</font> </p><p><font>O Supremo não pode, assim, controlar a prudente convicção das instâncias sobre a prova realizada pelas partes. Está-lhe, pois, vedado intervir onde prevaleça o princípio da livre apreciação da prova estabelecido no art. 655.º, n.º1 do citado diploma, exorbitando manifestamente da função que a lei lhe atribui a apreciação do maior ou menor valor concretamente atribuído à prova testemunhal (cf. art. 396.º Código Civil).</font> </p><p><font>&nbsp; Relativamente aos artigos 6.º a 12.º da base instrutória relativos à existência de posse efectiva e </font><i><font>animus</font></i><font> dos autores como proprietários, ao abandono do prédio pelos réus e ao pagamento do IMI, as respostas não podem ser alteradas porque a prova testemunhal, na falta de documentos que atestem o pretendido pelos autores, não pode ser reapreciada por este Supremo Tribunal, e porque os documentos juntos aos autos não demonstram que tenham sido os autores a pagar o IMI e que tenha sido lapso o envio das notas de pagamento para os réus.</font> </p><p><font>Quanto ao art. 3.º da base instrutória relativo à motivação dos réus com a deslocação à conservatória não se trata de uma questão de alteração da matéria de facto, &nbsp;mas de interpretação do facto provado, a qual será analisada na fundamentação de direito.</font> </p><p><font>Por último, na conclusão 6.º, solicitam os autores que se dê como provada, por confissão dos réus, a existência de </font><i><font>traditio </font></i><font>do bem objecto do contrato promessa com base no vertido nos artigos 11.º e 13.º da contestação, alterando-se a resposta ao artigo 5.º da base instrutória, o qual, perguntando «Logo após a assinatura do contrato promessa, em Junho de 1974, os RR entregaram os imóveis prometidos vender aos promitentes compradores, o 1.º A. e o pai dos 2.ºs AA., bem como ao referido QQ?», mereceu resposta de não provado.</font> </p><p><font>Nos artigos da contestação, que se passam a transcrever, os réus afirmam o seguinte:</font> </p><p><font>Artigo 11.º: «Isto não obstante a alegada </font><i><font>traditio</font></i><font> do bem objecto do contrato- promessa dos autos, a existir em “quota ideal”, já que os RR. prometeram vender apenas 2/5»;</font> </p><p><font>Artigo 13.º: «Enquanto promitentes-compradores os AA. encontram-se investidos prematuramente no gozo da coisa o qual lhe é concedido apenas e tão somente na expectativa da futura celebração do contrato prometido».</font> </p><p><font>&nbsp;Ora, para ser atribuído a estas declarações vertidas na contestação, o valor de confissão relativamente à existência de </font><i><font>traditio, </font></i><font>é necessário analisar o contexto em que foram proferidas, em confronto com o alegado pelos autores na petição inicial e com a decisão de fundamentação da matéria de facto. O único elemento de prova ponderado pelo tribunal de 1.ª instância a este propósito reside no envolvimento anormal de um dos autores em determinadas questões – por exemplo, a locação do prédio – mas que não foi valorado, porque considerado contraditório com o pedido feito em 2005, pelo mesmo autor, para inscrição de todos os comproprietários na matriz fiscal do prédio.</font> </p><p><font>Os artigos 11.º e 13.º da contestação surgem no contexto em que os réus rebatem os argumentos dos autores, invocados na petição inicial, relativamente à existência de posse para efeitos de usucapião. A defesa dos réus em relação a esta questão reside na impugnação do </font><i><font>animus </font></i><font>dos autores como proprietários, para efeitos de posse usucapível, mas não significa que confessem ter havido entrega dos imóveis aquando da celebração do contrato promessa. Os réus referem-se no art. 11.º à </font><i><font>traditio</font></i><font> como «a alegada </font><i><font>traditio</font></i><font>», o que indicia que não confessam a sua existência, mas que estão apenas a responder ao vertido na p.i. pelos autores. Neste contexto, o afirmado no art. 13.º - “Enquanto promitentes-compradores os AA encontram-se investidos prematuramente no gozo da coisa, o qual lhe é concedido apenas e tão somente na expectativa da futura celebração do contrato prometido”, tem que ser entendido, não como confissão de entrega do imóvel, mas como um argumento hipotético, segundo o qual mesmo a ter havido entrega (a alegada traditio), sempre essa entrega significaria apenas uma mera detenção e não uma posse com </font><i><font>animus</font></i><font> de propriedade. A reforçar esta tese, negam os réus, no art. 81.º da contestação, &nbsp;expressamente a existência de tradição - «Pelo que não existiu tradição dos imóveis», e no art. 82.º reafirmam que «Todos os actos materiais praticados pelos AA. foram sempre em nome de todos os comproprietários dos bens e por isso também dos RR., como resulta aliás dos documentos que os AA. juntam à p. i., quer respeitante à inscrição matricial quer na Conservatória», o que bem se entende, tendo em conta que estamos perante uma situação de compropriedade, em que cada consorte é titular de uma quota ideal e do direito ao uso integral da coisa.</font> </p><p><font>Pelo que, relativamente à existência de</font><i><font> traditio, </font></i><font>não podemos considerar que esta se tenha provado por confissão ou por acordo das partes, nem tem interesse para o caso, visto tratar-se de compropriedade, não sendo concebível a entrega de uma quota ideal.</font> </p><p><font>&nbsp;</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>2) Abuso do direito de invocar a prescrição das obrigações emergentes do contrato promessa na modalidade de “</font><i><font>venire contra factum proprium</font></i><font>”</font> </p><p><font>&nbsp;</font> </p><p><font>Os autores intentaram acção declarativa de condenação com processo comum e forma ordinária, pedindo que, na procedência da acção, sejam os réus condenados a reconhecer aos autores o direito à execução específica do contrato promessa de compra e venda celebrado em 28 de Junho de 1974.</font> </p><p><font>Defenderam-se os réus, entre outros argumentos, invocando a prescrição das obrigações emergentes do contrato promessa, por referência à data de 24 de Junho de 1976, que tinha sido acordada entre autores e réus como data de outorga da escritura.</font> </p><p><font>As instâncias decidiram no sentido da tese dos réus, declarando assim extinta, por prescrição, a obrigação dos réus outorgarem a referida escritura de compra e venda, com base no prazo de 20 anos previsto no art. 309.º do Código Civil, rejeitando o argumento dos Autores segundo o qual a invocação da prescrição constituía um abuso do direito nos termos do art 334.º do Código Civil.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>&nbsp;</font><b><font>2.1</font></b><font> Em relação à questão do abuso do direito, a fundamentação da sentença do tribunal de 1.ª instância foi a seguinte:</font> </p><p><font>«Entendemos ainda que não se verifica a excepção do art. 334.º do Código Civil. Não consta que alguma das partes tivesse as suas capacidades diminuídas nos mais de 29 anos que decorreram entre esse último acordo de fixação de prazo para a prestação em causa e o momento em que decidiram, só em 2006, passados mais de 9 anos do terminus do prazo do citado art. 309.º, fazer cumprir o negócio que tinham (percebe-se dos factos) perfeita noção que só se concretizaria com a realização do contrato prometido, com a então exigida forma escrita e pública de escritura».</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>O acórdão recorrido, rejeitando, também, a figura do abuso do direito, fundamentou-se na seguinte argumentação:</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>«A compatibilização desse instituto, p.e. na modalidade abrangente do </font><i><font>venire contra factum proprium</font></i><font> (supondo um facto próprio do visado a que se soma uma conduta abusiva, ainda que em exercício de um direito, sendo esse facto próprio contraditório com o direito que se exerce), pressupõe uma compatibilização prática com a prescrição do direito em termos que não podem ser muito amplos, pois que este instituto da prescrição encontra precisamente no decurso do tempo no exercício do direito (e na sanção para uma perturbante dilação de exercício) a sua razão de ser.</font> </p><p><font>Seria incongruente conferir ao visado pelo exercício do direito a possibilidade de invocar a prescrição extintiva e, ao mesmo tempo, retirar-lhe tal direito precisamente em face de, v.g., idêntico decurso do tempo decorrido para quem invoca a prescrição.</font> </p><p><font>Neste particular, a concepção do abuso não poderá prescindir de uma conduta provada paralela à invocação da prescrição, e que não deve envolver ou implicar interrupção dessa prescrição, designadamente pelo reconhecimento do direito – artº 325º CCiv.</font> </p><p><font>A esse respeito, os autos encontram-se completamente </font><i><font>in albis.</font></i> </p><p><font>Os Autores esgrimiram o exercício de um direito, fundado em contrato promessa celebrado em 1974. </font> </p><p><font>Não estavam assim de forma alg
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><br> <br> <font>Acordam na 1.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça:</font> <p><b><i><font> </font></i></b> </p><p><b><i><font> </font></i></b> </p><p><b><font>I - Relatório </font></b><font>&nbsp;</font> </p><p><b><font> </font></b> </p><p><b><font>AA,</font></b><font> viúva, residente na Rua …, n.º …, …º, …., Lisboa, </font><b><font>BB </font></b><font>e marido, </font><b><font>CC,</font></b><font> moradores na Rua ..., n.º …, Lisboa, e </font><b><font>DD, </font></b><font>viúva, residente na Rua …, n.º …, Sintra</font><a><u><sup><font>[1]</font></sup></u></a><font>, intentaram a presente acção, na forma de processo ordinário, contra </font><b><font>EE </font></b><font>e mulher, </font><b><font>FF,</font></b><font> moradores na Rua ..., n.º …, ….º Dt., Lisboa, pedindo:</font> </p><p><font>- O reconhecimento dos demandantes como titulares da comunhão hereditária, em que se inclui o prédio urbano descrito sob o n.º ..., a fls. … do Livro …, da 1.ª Conservatória do Registo Predial de Setúbal, denominado “...”, sito em ..., Arrábida, Setúbal, e dos demandados como não titulares de qualquer título legítimo ou legalmente válido que lhes permita habitar e permanecer no dito prédio;</font> </p><p><font>- A condenação dos demandados não só a devolver o prédio à massa hereditária, livre de pessoas e bens, como também a pagar à referida massa a quantia de 3.600.000$00, pela sua posse abusiva, que dura, pelo menos, há mais de um ano, e no mesmo montante anual ou doze avos deste, no valor de 300.000$00, no restante tempo em que dure a ocupação ilegítima</font><a><u><sup><font>[2]</font></sup></u></a><font>.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Os Réus, para além de contestar, deduziram reconvenção, pedindo, nomeadamente, que, tendo outorgado, com os demandantes/reconvindos, contrato-promessa de compra e venda, tendo como objeto mediato o identificado prédio, se profira sentença, em substituição da declaração negocial destes, que transfira a propriedade do mesmo, livre de quaisquer ónus ou encargos, para os reconvintes, alegando factos, que, em seu entender, fundamentam a procedência deste pedido.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Na sentença, julgou-se improcedente o pedido de restituição do mencionado imóvel e procedente a reconvenção, pelo que, em consequência, declarou-se “transferida para os RR., EE e FF a propriedade do imóvel identificado no contrato promessa junto aos autos e acima identificado”, condenando-se ainda “os AA. a pagar aos RR., até ao limite de € 44.844,09, o valor necessário para que estes procedam à expurgação da hipoteca que incide sobre o mencionado imóvel, fazendo-se o apuramento do mesmo em liquidação da sentença”. Condenou-se os autores por litigância por má fé ao pagamento de multa de 3 UC.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Inconformados com a sentença, recorreram os Autores/reconvindos para o Tribunal da Relação de Évora, que decidiu, julgando a apelação improcedente, manter a sentença recorrida.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Novamente inconformados, recorreram os Autores para este Supremo Tribunal de Justiça, apresentando os recorrentes as alegações que constam de fls. 1779 a 1784, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Os Réus, recorridos, contra-alegaram, defendendo que o recurso deve ser julgado totalmente improcedente e confirmado o acórdão recorrido.&nbsp; </font> </p><p><font>Sabido que, ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, o objecto do recurso é delimitado pelas respectivas conclusões, as questões a decidir são as seguintes: </font><br> <font>1) Nulidade do acórdão recorrido por omissão de pronúncia e condenação em objecto diverso do pedido;</font><br> <font>2) Invalidade e ineficácia do contrato promessa;</font><br> <font>3) Incumprimento definitivo do contrato promessa;</font><br> <font>4) Admissibilidade do recurso à execução específica;</font><br> <font>5) A actualização do preço.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Colhidos os vistos, cumpre decidir.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font> </font> </p><p><font> </font> </p><p><b><font>II – Fundamentação de facto</font></b> </p><p><b><font> </font></b> </p><p><font>Nas instâncias, foi considerado provado o seguinte quadro factual:</font> </p><p><b><font> </font></b> </p><p><font>1 - Sob o nº ... do Livro ..., da 1ª Conservatória do Registo Predial de Setúbal, está descrito o prédio urbano, moradia térrea, oito compartimentos, instalações sanitárias, três cubículos de despensa, serviço e sanitário de criada, compartimento de garagem, com a área coberta de 122 m2 e logradouro circundante com 778 m2, sito no ..., ... - Arrábida, freguesia de ..., em Setúbal, confrontando a Norte com MM, a Sul com NN, a Nascente com o oceano e a Poente com a estrada de serventia, com o valor patrimonial de 147.341$00, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 699 </font><i><font>(alínea a) da especificação)</font></i><font>;</font> </p><p><font>2 - E inscrito pela inscrição nº …, de 10 de Maio de 1968, a favor de OO, viúva, GG, casado com PP, AA, casada com QQ, BB, casada com CC, e DD, casada com RR, todos casados em comunhão de bens, a transmissão sem determinação de parte ou direito a herança indivisa, por óbito de seu marido e pai, SS </font><i><font>(alínea b) da especificação)</font></i><font>;</font> </p><p><font>3 - Sobre o imóvel referido está constituída uma hipoteca a favor do Crédito Predial Português, para garantia de um empréstimo, no valor de 900.000$00, concedido por esta instituição aos Autores, inscrita pela inscrição nº …, de 29 de Agosto de 1974 </font><i><font>(alínea c) da especificação)</font></i><font>;</font> </p><p><font>4 - OO faleceu em … de Abril de 19…, no estado de viúva de SS </font><i><font>(alínea d) da especificação)</font></i><font>; </font> </p><p><font>5 - OO deixou como seus únicos herdeiros, seus filhos GG, AA, casada com QQ, BB, separada judicialmente de pessoas e bens de CC, e DD, casada com TT </font><i><font>(alínea e) da especificação)</font></i><font>;</font> </p><p><font>6 - TT faleceu no dia … de Abril de 19…, no estado de casado com DD </font><i><font>(alínea f) da especificação)</font></i><font>;</font> </p><p><font>7 - QQ faleceu no dia 30 de Novembro de 1992, no estado de casado, mas de separado judicialmente de pessoas e bens de AA </font><i><font>(alínea g) da especificação)</font></i><font>;</font> </p><p><font>8 - Os Réus ocupam o prédio antes descrito, recusando-se a entregá-lo aos Autores </font><i><font>(alínea h da especificação)</font></i><font>;</font> </p><p><font>9 - Entre GG, como primeiro outorgante, e EE e mulher, FF, como segundo outorgantes, foi celebrado, em 5 de Outubro de 1978, o contrato promessa de compra e venda do imóvel antes descrito, no qual o primeiro outorgante declarou vender aos segundos, que declararam prometer comprar, o referido prédio, livre de quaisquer ónus ou encargos, pelo preço de 2.200.000$00 </font><i><font>(alínea i) da especificação)</font></i><font>;</font> </p><p><font>10 - Nos termos do contrato citado, a escritura pública seria marcada pelos Réus, depois de obterem um empréstimo no valor de 1.450.000$00 </font><i><font>(alínea j) da especificação)</font></i><font>;</font> </p><p><font>11 - No contrato promessa antes referido, foi adicionada uma cláusula, com vista ao reforço do sinal e prorrogando o prazo de celebração da escritura, por mais três meses, a contar da data da mesma </font><i><font>(alínea l) da especificação)</font></i><font>;</font> </p><p><font>12 - Em 31 de Janeiro de 1980, foi adicionada uma segunda cláusula ao referido contrato promessa, nos termos da qual os contraentes acordaram em os aqui Réus procederem ao reforço do sinal, mediante a entrega de 250.000$00 </font><i><font>(alínea m) da especificação)</font></i><font>;</font> </p><p><font>13 - No dia 28 de Julho de 1964, OO, viúva, AA, casada com QQ, BB, casada com CC, e DD, casada com RR, DD, casada com RR, e PP, casada com GG, outorgaram procuração a favor deste último, nos termos constantes do documento que consta de fls. 142 e 143 dos autos </font><i><font>(alínea n) da especificação)</font></i><font>;</font> </p><p><font>14 - A procuração, cuja cópia se mostra junta a fls. 145, 146 e 147, foi outorgada em 28 de Julho de 1964 </font><i><font>(alínea o) da especificação)</font></i><font>;</font> </p><p><font>15 - Os Réus passaram a ocupar, desde 5 de Outubro de 1978, o prédio acima referido, na sequência da autorização que lhes foi dada pelos Autores, no âmbito do aludido contrato promessa </font><i><font>(resposta ao artigo 2º. do questionário)</font></i><font>;</font> </p><p><font>16 - Tendo obtido da Caixa Geral de Depósitos a concessão de empréstimo, no valor de 1.450.000$00 </font><i><font>(resposta ao artigo 3º. do questionário)</font></i><font>;</font> </p><p><font>17 - A hipoteca acima referida não foi objecto de cancelamento </font><i><font>(resposta ao artigo 4º do questionário)</font></i><font>;</font> </p><p><font>18 - Por força do que a Caixa Geral de Depósitos se recusou a celebrar a escritura pública de mútuo e hipoteca, que se deveria realizar em simultâneo com a de compra e venda do prédio prometido vender </font><i><font>(resposta ao artigo 4º.- A do questionário)</font></i><font>;</font> </p><p><font>19 - O Réu marido, em vista do antes referido, protestou junto do interveniente GG </font><i><font>(resposta ao artigo 5º. do questionário)</font></i><font>;</font> </p><p><font>20 - O qual, alguns dias depois, o informou que o Crédito Predial Português não aceitava o distrato da mencionada hipoteca </font><i><font>(resposta ao artigo 6º. do questionário)</font></i><font>;</font> </p><p><font>21 - Na sequência do que, em 31 de Maio de 1979, foi adicionada a cláusula acima referida de reforço do sinal e prorrogação do prazo para a celebração da escritura, por mais três meses, a contar da mesma data </font><i><font>(resposta ao artigo 7º. do questionário)</font></i><font>;</font> </p><p><font>22 - O Crédito Predial Português não aceitou o distrate da mencionada hipoteca dentro do prazo estabelecido na cláusula antes referida </font><i><font>(resposta ao artigo 8º. do questionário)</font></i><font>;</font> </p><p><font>23 - Na acima referida segunda cláusula adicional, a pedido do interveniente GG, não ficou estabelecido novo prazo para a celebração da escritura, por o mesmo desconhecer quando é que conseguiria o acordo do Crédito Predial Português para o distrate da mencionada hipoteca </font><i><font>(resposta ao artigo 9º. do questionário)</font></i><font>;</font> </p><p><font>24 - Desde 31 de Janeiro de 1980, os Réus contactaram o interveniente GG, tendo-lhes sido sempre informado por este que a falta de acordo com o Crédito Predial Português se mantinha </font><i><font>(resposta ao artigo 10º do questionário)</font></i><font>;</font> </p><p><font>25 - No momento da celebração do contrato promessa, GG informou os Réus que intervinha no aludido acordo por si e em representação dos Autores </font><i><font>(resposta aos artigos 12º. e 13º. do questionário)</font></i><font>;</font> </p><p><font>26 - Os Réus procederam, desde 5 de Outubro de 1978, à pintura global, com isolante, da moradia </font><i><font>(resposta ao artigo 15º. do questionário)</font></i><font>;</font> </p><p><font>27 - E à retocagem de vernizes </font><i><font>(resposta ao artigo 16º. do questionário)</font></i><font>;</font> </p><p><font>28 - E à pintura de portas e janela </font><i><font>(resposta ao artigo 17º. do questionário)</font></i><font>;</font> </p><p><font>29 - E ao arranjo da escada exterior </font><i><font>(resposta ao artigo 18º. do questionário)</font></i><font>;</font> </p><p><font>30 - Os Réus fizeram as ligações de esgotos e fossa </font><i><font>(resposta ao artigo 20º. do questionário)</font></i><font>;</font> </p><p><font>31 - Os Réus procederam ainda ao arranjo do telhado, bem como à colocação de um algeroz novo, com montagem de andaimes, fixação de poleias em ferro zincado e de canalizações </font><i><font>(resposta aos artigos 21º. e 22º. do questionário)</font></i><font>;</font> </p><p><font>32 - Em 1992, os Réus mandaram executar a electrificação da casa para a ligação à rede da EDP e, em 1981, mandaram edificar um muro de sustentação de terras </font><i><font>(resposta aos artigos 23º. e 24º. do questionário)</font></i><font>;</font> </p><p><font>33 - Em 1983, procederam à edificação da escada com 30 metros e, em 1982, procederam à colocação de dois portões ao fundo do logradouro e pilares de cimento </font><i><font>(resposta aos artigos 25º. e 26º. do questionário)</font></i><font>;</font> </p><p><font>34 - Ainda nesse ano, mandaram construir um muro, pilares, dois portões e casa de gás na parte de cima da casa e vedar em volta daquela, metade com rede e outra metade com arame farpado, a cinco fiadas, com pilares de cimento armado </font><i><font>(resposta ao artigo 27º. do questionário)</font></i><font>;</font> </p><p><font>35 - Os termos do contrato promessa foram discutidos na presença da mãe dos Autores, OO </font><i><font>(resposta ao artigo 29º. do questionário)</font></i><font>;</font> </p><p><font>36 - A mãe dos Autores propôs aos Réus a venda de todo o recheio do imóvel dizendo-lhes que não fazia sentido comprarem a casa e não comprarem os móveis que eram específicos da casa </font><i><font>(resposta ao artigo 31º. do questionário)</font></i><font>;</font> </p><p><font>37 - Os Réus aceitaram e adquiriram os móveis pelo preço proposto -50.000$00 - que pagaram </font><i><font>(resposta ao artigo 32º do questionário)</font></i><font>;</font> </p><p><font>38 - Sendo esse facto do conhecimento dos Autores </font><i><font>(resposta ao artigo 33º.do questionário</font></i><font>);</font> </p><p><font>39 - Aquando da celebração do contrato promessa, os Autores BB e CC estavam separados de pessoas e bens </font><i><font>(reposta ao artigo 34º. do questionário)</font></i><font>.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font> </font> </p><p><b><font>III – Fundamentação de direito </font></b> </p><p><b><font> </font></b> </p><p><b><font>1. </font></b><i><font>Nulidade por omissão de pronúncia e por condenação em objecto diverso do pedido</font></i> </p><p><font> </font> </p><p><font>Alegam os Recorrentes a nulidade do acórdão, por omissão de pronúncia, nos termos dos arts. 668.º, n.º 1, al d) do CPC, dado que o Tribunal da Relação não se pronunciou sobre a actualização do preço nem sobre a litigância de má fé. Invocam, também, os Recorrentes, nos termos do 661.º, n.º 1 e 668.º, n.º 1, al. e) do CPC, a nulidade por condenação em objecto diverso do pedido, no que diz respeito à condenação dos autores à expurgação da hipoteca, a qual não foi solicitada pelos réus.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>a) Como corolário do princípio da disponibilidade objectiva (arts. 264.º, n.º 1 e 664.º, 2.ª parte do CPC), o tribunal deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras (art. 660.º, n.º 2 do CPC). Isto é, o tribunal deve examinar toda a matéria de facto alegada pelas partes e analisar todos os pedidos formulados por ela, com excepção das matérias que sejam juridicamente irrelevantes ou cuja apreciação se torne inútil pelo enquadramento jurídico escolhido ou pela resposta fornecida a outras questões</font><a><u><sup><font>[3]</font></sup></u></a><font>. </font> </p><p><font>A actividade de conhecimento do Tribunal é delimitada pelas conclusões da alegação do recorrente. Portanto, o Tribunal de recurso deve conhecer de todas as questões postas nas conclusões da alegação do recorrente, e só dessas. Por isso, é nula a decisão em que o tribunal deixa de se pronunciar sobre uma questão levantada pelas partes (art. 668.º, n.º 1, al. d), 1.ª parte do CPC), ou seja, quando se verifique uma omissão de pronúncia. É nula também a decisão que se pronuncie sobre uma questão que nenhuma das partes submeteu a julgamento e em relação à qual, nem a lei substantiva nem a lei processual, lhe atribui poder de apreciação oficiosa.</font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; Conforme tem destacado a doutrina, o tribunal não tem de se pronunciar sobre todas as considerações, razões ou argumentos apresentados pelas partes, desde que não deixe de apreciar os problemas fundamentais e necessários à decisão da causa</font><a><u><sup><font>[4]</font></sup></u></a><font>. </font> </p><p><font>O dever de pronúncia recai sobre questões, conforme delimitado nas conclusões das alegações, e não sobre os argumentos invocados pelas partes. </font> </p><p><font>Como diz o acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 15 de Setembro de 2011, processo n.º 455/07.2TBCCH.E1.S1 “importa não confundir o conceito da questão, com simples argumentos, razões ou motivos esgrimidos pelas partes em defesa das suas posições”.</font> </p><p><font>&nbsp;A actualização do preço é uma questão que teria de ser formulada na petição inicial, como pedido subsidiário, para o caso de o pedido principal improceder, ao abrigo do art. 437.º (alteração das circunstâncias) para o qual remete o art. 830.º, n.º 1, 2.ª parte, na redacção do Decreto-Lei 236/1980, e o n.º 3 da mesma disposição legal, na redacção de 1986. Ora, os autores não formularam este pedido nos articulados apresentados no Tribunal de 1.ª instância, mas apenas nas alegações do recurso de apelação. Trata-se, portanto, de uma questão nova, que a Relação não podia conhecer, pois os recursos visam modificar as decisões recorridas, e não criar decisões novas (cf. acórdão deste Supremo Tribunal, de 9 de Novembro de 1999, processo n.º 99A630). Acresce que, tendo sido a questão invocada na alegação de apelação, não foi enunciada nas conclusões, pelo que, também por este motivo, não poderia o Tribunal da Relação dela conhecer.</font> </p><p><font>&nbsp;</font> </p><p><font>Sendo assim, o acórdão recorrido não tinha qualquer dever de pronúncia em relação a esta questão, logo não estamos perante qualquer nulidade por omissão de pronúncia.</font> </p><p><font>Em relação à litigância por má fé, como questão autónoma relativamente aos regimes jurídicos do contrato promessa e da execução específica, esta devia ter sido alegada nas conclusões do recurso de apelação, para se verificar um dever de pronúncia do Tribunal da Relação. Ora, não constando das conclusões do recurso de apelação a enunciação desta questão, onde apenas se remete, de forma genérica, para a alínea b) da sentença, a propósito da condenação dos autores ao pagamento do valor da hipoteca, não existe, portanto, qualquer nulidade por omissão de pronúncia no acórdão recorrido, pelo facto de não se ter pronunciado sobre a condenação dos autores como litigantes de má fé.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Sendo assim, não procede o pedido dos recorrentes de nulidade, por omissão de pronúncia.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>b) Os Autores invocam, ainda, que o Tribunal de 1.ª instância e o Tribunal da Relação condenaram os recorrentes em objecto diverso do pedido, ao exigir-lhes o pagamento do valor necessário para o distrate da hipoteca que incide sobre o imóvel objecto de transmissão, no limite de 44.844, 09 euros.</font> </p><p><font>Mas não têm razão. Esta questão foi solicitada pelos reconvintes no art. 91.º da reconvenção, que passamos a transcrever:</font> </p><p><font>“Encontrando-se porém hipotecada a casa dos autos, os RR desde já requerem que as AA sejam condenadas a pagar-lhes a quantia correspondente ao valor da hipoteca e respectivos encargos e acréscimos legais de forma ser possível àqueles proceder ao distrate da referida hipoteca.”</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Ora, quando o Tribunal </font><i><font>a quo</font></i><font> condenou os autores no pagamento do valor necessário para o distrate da hipoteca, no limite de 44.844, 09 euros, decisão confirmada pelo acórdão recorrido, o que está a fazer é a aplicar o Direito, nos termos que são&nbsp; necessários para a solução do litígio, tal como peticionado pela parte.&nbsp; O facto de os reconvintes não terem invocado expressamente, no art. 91.º da reconvenção, a norma jurídica aplicável mas apenas a solução jurídica do caso, não tem por consequência que as instâncias tenham condenado em objecto diverso do pedido. É ao Tribunal que compete, perante o pedido da parte, seleccionar e aplicar as normas jurídicas. A condenação no pagamento do valor necessário para o distrate da hipoteca resulta directamente, quer da aplicação do art. 830.º, n.º 2, na redacção do Decreto-Lei n.º 236/1980, quer da aplicação do n.º 4 da mesma disposição legal, alterada pelo DL 379/86, ambas aplicáveis ao caso dos autos: a primeira porque integrada num diploma que contém uma disposição transitória, que o torna aplicável aos contratos-promessa cujo incumprimento seja posterior ao momento do seu início de vigência, e o segundo diploma por ser interpretativo do primeiro. </font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Pelo exposto, conclui-se, em consequência, que não estamos perante qualquer nulidade nem da sentença nem do acórdão. </font> </p><p><b><font> </font></b> </p><p><b><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; </font></b><font>Improcedem, assim, as conclusões a) a j) da alegação de recurso.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font> </font> </p><p><b><font>2. </font></b><i><font>Invalidade e ineficácia do contrato-promessa</font></i> </p><p><b><font> </font></b> </p><p><font>Sustentam os recorrentes, para fundamentar a invalidade do contrato promessa, que a procuração outorgada, em 28 de Julho de 1964, por OO a GG, com base na qual foi celebrado o contrato-promessa, em 5 de Outubro de 1978, em nome dos herdeiros do falecido SS, continha apenas poderes para alienar os bens que integravam a herança e não para alienar a meação da OO, viúva do falecido, SS, e que à data não era herdeira do marido, por estar em vigor o Código Civil de 1867 (art. 1969.º, n.º 4 do Código de Seabra). Sendo a meação e a herança patrimónios distintos, na perspectiva dos autores, não podia concluir-se que a procuração conferia poderes para a disposição de ambos os patrimónios, quando o teor literal do seu texto se refere apenas, de forma explícita e concreta, aos bens que compõem a herança de SS.</font> </p><p><font>De acordo com a tese dos recorrentes, o contrato promessa seria ineficaz, em relação à meação da viúva, Maria OO, porque baseado numa procuração sem poderes (art. 268.º CC) para alienar a totalidade do imóvel. Sendo assim, não haveria que discutir a questão do seu cumprimento ou incumprimento nem admitir a execução específica, devendo, antes, ser declarada a sua ineficácia.</font> </p><p><font>Entendeu o acórdão recorrido que os recorrentes não tinham razão e que a procuração encerrava poderes para a alienação da totalidade do imóvel, com base na relevância, como critérios de interpretação da declaração negocial, de elementos externos à mesma e do contexto em que esta foi proferida.</font> </p><p><font>Com efeito, OO outorgou a aludida procuração, “(…) na qualidade de viúva de SS com quem foi casada no regime de comunhão de bens” e não de herdeira - que, de facto, não era</font><a><u><sup><font>[5]</font></sup></u></a><font>-, como também discutiu com os réus os termos do contrato promessa na sua presença, tendo inclusive proposto aos ditos recorridos a aquisição de todo o recheio do imóvel, dizendo-lhes que não fazia sentido comprarem a casa e não comprarem os móveis específicos da casa, sugestão que foi a aceite</font><sup><font> </font></sup><font>(factos provados n.ºs 35 a 37), sendo estes factos do conhecimento dos Autores (facto provado n.º 38).</font> </p><p><font>O acórdão recorrido considerou que este comportamento da declarante, OO, conduziu, necessariamente, os recorridos/reconvintes, EE e mulher, FF, ao conhecimento da vontade real daquela – a venda da sua meação.&nbsp; </font> </p><p><font>As instâncias consideraram, assim, que a vontade real da outorgante era no sentido de alienação da totalidade do imóvel e não apenas da herança. Sendo assim, a consequência lógica é a de que o negócio jurídico/procuração deve valer de acordo com a vontade real, desde que esta, nos termos do art. 238.º, n.º 1, tenha um mínimo de correspondência no texto do respectivo documento ou que as razões determinantes da forma do negócio não se oponham a essa validade, segundo o art. 238.º, n.º 2.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Segundo o acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 25 de Março de 2010, relatado pelo Conselheiro Sebastião Póvoas (processo n.º 682/05. 7TBOHP.C1.S1), «A vontade real constitui matéria de facto da exclusiva competência das instâncias. Já a vontade hipotética, por resultar do exercício interpretativo, na situação do n.º 1 do artigo 236.º do Código Civil, pode ser apurada pelo Supremo Tribunal de Justiça e deve coincidir com o sentido apreensível pelo declaratário normal e, sendo o negócio formal, ter o mínimo de correspondência com o texto do documento “ainda que imperfeitamente expresso” (n.º 1 do artigo 238.º do Código Civil)». </font> </p><p><font>Ora, tratando-se da vontade real, não compete ao Supremo Tribunal conhecer da questão, limitando-se, então, a aceitar a posição das instâncias, considerando que a procuração incidiu sobre a totalidade do imóvel.</font> </p><p><font>Contudo, uma vez que este Supremo Tribunal pode conhecer da vontade hipotética, sempre se dirá que o art. 236.º, n.º 1 aceitou a tese da impressão do declaratário, valendo a declaração negocial de acordo com o sentido objectivo, que resulta da perspectiva de um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário. </font> </p><p><font>A lei deu, assim, prevalência à tutela da confiança sobre o princípio da autonomia privada. Contudo, a lei não tutela o declaratário real, mas um declaratário normal, colocado na situação do declaratário real, e que usa de uma diligência também normal, tendo em conta os usos dos negócios e o contexto em que foram celebrados. </font> </p><p><font>No art. 236.º, n.º 2, a lei apela à vontade real do declarante e ao seu conhecimento por parte do declaratário, afirmando que, sempre que o declaratário conheça a vontade real do declarante, é de acordo com ela que vale a declaração emitida. Trata-se do critério da </font><i><font>falsa demonstratio non nocet</font></i><font>, o qual significa que, na interpretação da declaração negocial, não prevalece o sentido literal das expressões linguísticas, mas sim o que as partes por elas entendem e querem dizer</font><a><u><sup><font>[6]</font></sup></u></a><font>. O Direito permite um código de comunicação, entre as partes, que não corresponde ao usualmente aceite, no espaço considerado</font><a><u><sup><font>[7]</font></sup></u></a><font>.</font> </p><p><font>A interpretação faz-se, respeitando o código de linguagem utilizado pelas partes – o que estas entendem e querem dizer quando dizem o que dizem – e fixando o seu sentido mediante o recurso ao critério normativo do declaratário normal, colocado na posição do declaratário real.</font> </p><p><font>Contudo, há que ter em conta, que, sendo a procuração um negócio formal, é-lhe aplicável o art. 238.º, que, no seu n.º 1, determina que, nos negócios formais, não vale a vontade real que não tenha um mínimo de correspondência com o texto da declaração. A doutrina e a jurisprudência têm entendido que, na interpretação de negócios formais, é admissível o recurso a elementos exteriores ao documento</font><a><u><sup><font>[8]</font></sup></u></a><font>. O n.º 2 do art. 238.º permite que prevaleça um sentido negocial sem respaldo na literalidade da declaração, desde que corresponda à vontade real das partes e que as razões da forma do negócio não se oponham a essa validade. Ora, no caso </font><i><font>sub iudice,</font></i><font> por se tratar de matéria de facto, aceita este Supremo Tribunal que a vontade real das partes foi aquela que as instâncias lhe imputaram – poderes para a alienação da totalidade do bem e não apenas da meação dos herdeiros – e que esse sentido está ainda expresso no texto, embora de forma imperfeita. Relativamente à questão de saber se existem razões de forma que se oponham a este sentido, entendemos que, sendo o principal motivo do estabelecimento de uma forma legal a segurança jurídica, esta exigência foi, no caso concreto, respeitada, dado o circunstancialismo social e jurídico que rodeou a procuração. </font> </p><p><font>Não há, assim, qualquer objecção a levantar à interpretação da declaração negocial efectuada pelas instâncias, de acordo com a qual, a procuração ao mencionar os “bens da herança” abrangia a totalidade dos bens, incluindo a meação do cônjuge do falecido nesses bens.</font> </p><p><font>&nbsp;Sendo assim, a procuração conferiu poderes de disposição, a GG, para alienar, não só os bens da herança de seu pai, mas também a meação de sua mãe, OO. Em consequência, o procurador actuou a coberto dos poderes que lhe foram conferidos pela procuração e o contrato-promessa não padece de qualquer ineficácia ou invalidade.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Improcedem, assim, as conclusões das alíneas k) a o) da alegação de recurso dos recorrentes.</font> </p><p><font>&nbsp;</font> </p><p><font> </font> </p><p><b><font>3. </font></b><i><font>Incumprimento definitivo como pressuposto da acção de execução específica</font></i> </p><p><b><font> </font></b> </p><p><font>Resolvida esta questão, passemos, então, ao problema de saber se a execução específica do contrato promessa exige a mora ou o não cumprimento definitivo, como pressuposto da sua admissibilidade.&nbsp; </font> </p><p><font>A execução específica requer ou o incumprimento definitivo, desde que o contrato prometido ainda seja possível, ou uma situação de mora, a qual exige uma interpelação prévia, nos termos do art. 805.º, n.º, 1, para os casos em que as partes não fixaram um prazo peremptório. </font> </p><p><font>Para que haja incumprimento definitivo é necessário que o devedor esteja em mora e que a mora se converta em incumprimento definitivo, através dos mecanismos previstos no art. 808.º. </font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Como de forma muito clara e precisa se tem entendido nesta 1.ª Secção (acórdãos de 28-6-2011, Relator: Conselheiro Sebastião Póvoas, processo n.º 7580/05. 2TBVNG.P1.S1) e de 28-01-2014 (Relator: Conselheiro Mário Mendes, processo n.º 954/05.OTCSNT.L1), o incumprimento definitivo (cuja eventual verificação haverá de relevar para efeitos da decisão a proferir) restringe-se a quatro situações:</font> </p><p><i><font>- </font></i><font>Recusa de cumprimento </font><i><font>(repudiation of a contract ou riffuto di adimpieri);</font></i><font> </font> </p><p><font>- Termo essencial (prazo fatal);</font> </p><p><font>- Cláusula resolutiva expressa (impositiva de irretractibilidade);</font> </p><p><font>- Interpelação admonitória</font> </p><p><font>- Perda de interesse do credor apreciada objectivamente</font><i><font>.</font></i> </p><p><font> </font> </p><p><font>&nbsp;No caso </font><i><font>sub iudice</font></i><font>, o contrato promessa não fixava um prazo essencial para o vencimento da obrigação, nem houve interpelação admonitória, a qual consiste na fixação, pelo credor, de um prazo razoável e peremptório, para que o devedor cumpra a obrigação, acompanhada da declaração intimativa de resolução automática do contrato.</font><sup><font>&nbsp; </font></sup><font>&nbsp;</font> </p><p><font>Tem-se entendido, na jurisprudência deste Supremo Tribunal (acórdão de 02-11-2006, processo n.º 06B3822), com base na posição de Baptista Machado</font><a><u><sup><font>[9]</font></sup></u></a><font>, que o conteúdo de tal declaração intimativa do credor deve conter os seguintes elementos:</font> </p><p><font>1) A intimação para o cumprimento;</font><sup><font> &nbsp;</font></sup> </p><p><font>2) A fixação de um termo peremptório para o cumprimento;</font> </p><p><font>3) A admonição ou cominação de que a obrigação se terá por definitivamente incumprida, se não se verificar o cumprimento dentro do prazo fixado. </font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Contudo, pode também ocorrer incumprimento definitivo, independentemente de mora ou de interpelação, quando um dos promitentes, mantendo-se a prestação ainda possível, declara ao outro, inequívoca e categoricamente, que não cumprirá o contrato. Foi o que sucedeu no caso </font><i><font>sub iudice. </font></i><font>Apesar de não se ter verificado qualquer interpel
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font> <p><font> </font> </p><p><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça</font> </p><p><font> </font> </p><p><font> </font> </p><p><font> </font> </p><p><b><font>I - RELATÓRIO </font></b> </p><p><font> </font> </p><p><b><font>“Condomínio do Edifício AA</font></b><font>” intentou ação contra </font><b><font>“BB – Construção Civil e Obras Públicas, SA”</font></b><font> e </font><b><font>“CC, SA”</font></b><font>, pedindo a condenação solidária das rés na reparação de todas as anomalias existentes no Edifício AA, discriminadas no artigo 13.º da petição inicial, como melhor consta do relatório elaborado por um engenheiro civil.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>&nbsp;Alegou, em síntese, que esses defeitos são originários do próprio imóvel e, no momento da compra e venda, encontravam-se ocultos e impercetíveis. Daquele relatório constam as recomendações com vista a uma correta reparação dos defeitos. As rés aceitam a existência dos defeitos, mas nunca os corrigiram.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>As rés contestaram e invocaram, além do mais e em síntese, a exceção perentória de caducidade, alegando que toda e qualquer anomalia teria que ter sido comunicada até ao dia 26 de Junho de 2012, data em que se completam os cinco anos desde a entrega do prédio. Apenas com a citação para os presentes autos, ocorrida em 07.11.2012, tiveram conhecimento da existência dos alegados defeitos no prédio.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Pugnam pela improcedência da ação, pedindo a absolvição do pedido.</font> </p><p><font>O autor replicou, argumentado, além do mais, que no âmbito das reuniões que se realizaram em Dezembro de 2011 e no ano de 2012, as rés reconheceram a existência dos defeitos denunciados e afirmaram pretender proceder à correção dos mesmos.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Termina, pedindo a improcedência da exceção.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>As rés treplicaram dizendo que o condomínio foi constituído a 12.07.2007, data em que foi constituída a propriedade horizontal. Mais alegam que a primeira assembleia de condóminos teve lugar no 30.07.2007, constituindo a ata nº 1.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Concluem como na contestação.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Foi proferida sentença que julgou verificada a exceção de caducidade do direito do autor e absolveu as rés do pedido.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Não se conformando com a sentença, dela recorreu o autor, tendo o Tribunal da Relação de Lisboa julgado improcedente a apelação e confirmado a sentença recorrida.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Novamente inconformado, interpõe o autor recurso de revista, que foi admitido como excecional, pela formação a que se refere o art. 672.º, n.º 3 do CPC.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Na sua alegação de recurso, formula as seguintes conclusões:</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>«1 – O douto acórdão da Relação confirmou a decisão da primeira instância, embora com base numa fundamentação essencialmente diferente.</font> </p><p><font>2 – Assim, depois de uma exposição quanto às possíveis orientações para a determinação do início da contagem do prazo de caducidade refere que “a sentença de 1ª instância aderiu à terceira orientação…”, referindo depois que “da nossa banda, cremos que a última orientação é a mais razoável…” </font> </p><p><font>3 – Discorre ainda: “Em consequência do que ficou dito, concluindo de forma diferente da douta sentença recorrida, diremos que o início do prazo de caducidade de 5 anos a que se refere o artº 1225º nº 1 do Código Civil ocorreu a 30 de Julho de 2007 e ainda que, no dia 24 de Outubro de 2012, data da propositura da acção, qualquer direito à eliminação dos defeitos no prédio denominado “Edifício AA”, já havia caducado, mas precisamente a 30 de Julho de 2012”.</font> </p><p><font>4 – E em conclusão, remata: “O prazo de caducidade estabelecido no artº 1225º nº 1 do Código Civil, relativamente à reclamação de defeitos verificados nas partes comuns de prédio constituído em propriedade horizontal inicia-se com a reunião da 1ª assembleia de condóminos e a nomeação de administrador”.</font> </p><p><font>5 – Terminando com a seguinte decisão: “Atento o exposto, julga-se improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida, embora pelas razões que acabaram de serem expostas”.</font> </p><p><font>6 – De facto, diversamente, em sede de 1.ª instância, apesar do tribunal ter decidido pela caducidade dos direitos do Condomínio, fê-lo tendo por referência a contagem do prazo de 5 anos de garantia a partir da entrega da maioria das fracções autónomas aos condóminos adquirentes.</font> </p><p><font>7 – Já o Tribunal da Relação entendeu ser de acolher a orientação que determina o início da contagem do prazo de 5 anos “com a transmissão dos poderes de administração das partes comuns para os condóminos, através da sua estrutura organizativa, reunindo em assembleia de condóminos e elegendo o seu administrador”.</font> </p><p><font>8 – O ora recorrente concorda com esta acepção, não concordando, no entanto, com a aplicação que foi feita para a contagem do prazo, nomeadamente a determinação do conceito de constituição de condomínio (a referida transmissão de poderes da administração das partes comuns para os condóminos…) e respectiva aplicação nem com a restrição de que a denúncia teria, necessariamente, de ocorrer dentro do aludido prazo de 5 anos.</font> </p><p><font>9 – (Má) aplicação, esse, que redundou na procedência da excepção da caducidade invocada pelas Rés.</font> </p><p><font>10 – No caso ora em análise o recorrente entende que a noção de constituição de condomínio corresponde à entrega das zonas comuns do prédio por parte do vendedor a uma organização dotada de órgãos próprios, independentes e autónomos relativamente a ele.</font> </p><p><font>11 – Sufragando, por completo, a posição defendida por Cura Mariano e melhor discriminada no texto das alegações, bem como toda a jurisprudência citada.</font> </p><p><font>12 – Ora entende, por isso e nomeadamente face à matéria dada como provada sob as alíneas alíneas R, S,T,U,V e W que, no caso em apreço, tal só sucedeu com a eleição da sociedade DD – gestão de Condomínios, Lda, em 29 de agosto de 2011.</font> </p><p><font>13 – Isto porque, antes disso, tendo em conta que os conselhos de administração das sociedades recorridas eram constituídos exactamente pelas mesmas pessoas do que os sócios gerentes da sociedade FF, eleita em 30 de Julho de 2007, não existiu qualquer autonomia nem distanciamento das sociedades construtora e vendedora, ora recorridas.</font> </p><p><font>&nbsp;14 - Se assim se entender, isto é, que o prazo do início da garantia só se iniciou em 29 de Agosto de 2011 – porque só aí passou a existir uma estrutura independente da construtora e vendedora -, o conhecimento, a denúncia e o intentar da acção/citação das rés ocorreram dentro do prazo de 5 anos.</font> </p><p><font>15 – Não se verificando qualquer dúvida quanto à não procedência da caducidade dos direitos do Condomínio.</font> </p><p><font>16 – Ainda que assim não se entenda, o que apenas se admite a título de mero exercício académico, sempre se dirá que, da mesma forma, não se verifica qualquer caducidade.</font> </p><p><font>17 – De facto, ainda que se tenha como ponto de partida a data de 30 de Julho de 2007, como sendo a da constituição do condomínio, sempre o conhecimento dos defeitos, em Dezembro de 2011, terá ocorrido dentro do aludido prazo de 5 anos.</font> </p><p><font>18 – O prazo de 5 ano apenas releva para o conhecimento dos defeitos.</font> </p><p><font>19 – A partir desse conhecimento acresce o prazo de um ano para a sua denúncia.</font> </p><p><font>20 – Porque os prazos em causa são independentes entre si.</font> </p><p><font>21 – Assim, no caso concreto, deverá contar-se, a partir de Dezembro de 2011, o prazo de 1 ano para a denúncia, tendo as rés, nesse âmbito, sido citadas do intentar da presente acção em 7 de Novembro de 2012.</font> </p><p><font>22 – Mostrando-se, por isso, cumpridos todos os prazos.</font> </p><p><font>23 – A denúncia de defeitos deverá considerar-se concretizada com o intentar da acção judicial, em particular, com a respectiva citação. </font> </p><p><font>24 – No entendimento do recorrente, face à prova existente no processo, em particular o registo predial de todas as fracções junto por requerimento datado de 25/6/2014 e, por isso, à factualidade considerada como provada, matéria em análise é aplicável o disposto no Decreto-Lei n.º 67/2003, de 8 de Abril com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 84/2008, de 21 de Maio – artigos 1ºA, 5º, nº 1 e 5º A, nº 2 – porque os proprietários das fracções pertencentes ao imóvel em causa são, na sua esmagadora maioria, consumidores e, caso assim não se entenda, sempre sem conceder, o disposto nos artigos 1225.º e 916.º do Código Civil. </font> </p><p><font>25 – Conforme se expôs, no caso do tribunal entender que se verifica a dupla conforme, sempre o presente recurso, em alternativa, deverá ser considerado excepcional, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 672.º, n.º 1, alíneas a), b) e c) do Código de Processo Civil.</font> </p><p><font>26 – Da matéria já exposta, resulta, facilmente, a sua relevância jurídica, cuja nova apreciação se torna indispensável para uma melhor aplicação do direito.</font> </p><p><font>27 – A caducidade do prazo de garantia, em especial a exacta determinação do seu início e as matérias nele contempladas – (se se aplica apenas ao conhecimento dos defeitos ou se à respectiva denúncia e intentar de acção judicial) implicam uma necessária clarificação para uma melhor aplicação do direito.</font> </p><p><font>28 – Na verdade, o caso em apreço é, simultaneamente, paradigmático e de enorme relevância social na medida em que, no presente, a sociedade portuguesa vive um período de ressaca pós construção e vendas massificadas e desenfreadas de fracções pertencentes a prédios em propriedade horizontal, com os inerentes problemas da falta de qualidade/adequação dos materiais e deficiência na execução que, depois, se vêm a revelar.</font> </p><p><font>29 – Estando, por isso, em causa, entre outros, os princípios da segurança jurídica e da confiança dos consumidores.</font> </p><p><font>30 – Por fim, há a referir que, nos termos do disposto no artigo 8.º, n.º 3 do Código Civil, há a preservar um tratamento igualitário entre casos análogos.</font> </p><p><font>31 – E, nessa decorrência, é de assinalar que o Acórdão da Relação de que ora se recorre se encontra em contradição com outro, já transitado em julgado, do Supremo Tribunal de Justiça – o Acórdão de 14/1/2014, Proc. n.º 378/07.5TBLNH.L1.S1 – no domínio da mesma legislação e questão fundamental de direito, em particular a questão de que o prazo dos 5 anos de garantia apenas releva para o conhecimento dos defeitos, que à denúncia de defeitos se aplica o prazo de um ano a contar do referido conhecimento (constituindo, por isso, um prazo autónomo), e, ainda, que a citação da construtora e vendedora no âmbito de acção judicial para correcção de defeitos se equipara, também, à denúncia dos defeitos, desde que efectivada no prazo de um ano após o seu conhecimento.</font> </p><p><font>32 – Face ao exposto, o tribunal da relação fez uma má aplicação da matéria de direito, violando a lei substantiva bem como a lei de processo, em particular relativamente aos artigos 5º, nº1 e 5.º A, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 67/2003, de 8 de Abril com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 84/2002, de 21 de Maio, e, caso assim não se entenda, o que não se concede, os artigos 916.º e 1225.º do Código Civil, bem como o previsto no aludido artigo 8.º, n.º 3 deste mesmo Código – artigo 674.º, n.º 1, alíneas a) e b) do Código de Processo Civil».</font> </p><p><font>&nbsp;</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Sabido que, ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, é pelas conclusões que se delimita o objeto do recurso, a única questão a decidir é a de saber se já decorreu, ou não, o prazo de caducidade para a responsabilidade do empreiteiro pela reparação/eliminação dos defeitos da obra.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font> </font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Colhidos os vistos, cumpre decidir.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font> </font> </p><p><font> </font> </p><p><font> </font> </p><p><font> </font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; </font><b><font>II – Fundamentação de facto</font></b> </p><p><b><font>&nbsp;</font></b> </p><p><b><i><font>Mostra-se assente a seguinte matéria de facto</font></i></b><b><font>:</font></b> </p><p><b><font> </font></b> </p><p><font>«A) A ré “CC, S.A” é uma sociedade que se dedica à construção civil e obras públicas - (artº 1º da PI). </font> </p><p><font>B) A ré “BB – Construção Civil e Obras Públicas, S.A.” é uma sociedade que se dedica à “construção civil e obras públicas, compra e venda de imóveis e revenda dos adquiridos para esse fim” - (artº 2º PI).</font> </p><p><font>C) No âmbito desta sua actividade comercial a ré “BB – Construção Civil e Obras Públicas, S.A.” adquiriu um prédio para construção e nele, na qualidade de dona da obra, mandou edificar o “Edifício AA”, localizado à Rua …, …, freguesia do …, concelho de …, descrito sob o nº …738 – … - (artº 3º PI).</font> </p><p><font>&nbsp;D) A empreiteira da obra foi a primeira ré, “CC, S.A.” - (artº 4º PI).</font> </p><p><font>E) A segunda ré, “BB – Construção Civil e Obras Públicas, S.A.”, procedeu à sua comercialização, vendendo-o a um público que adquiriu as suas fracções para usos não profissionais, mais precisamente para habitação - (artº 5º e 6º PI).</font> </p><p><font>F) O imóvel é constituído por dois blocos, com 54 fracções, sendo 52 destinadas a habitação e duas a estacionamento - (artº 7º PI).</font> </p><p><font>G) O condomínio do Edifício foi constituído no ano de 2007 - (artº 8º PI).</font> </p><p><font>H) Em 29 de Agosto de 2011, em Assembleia-geral de Condóminos foi eleita, como administradora do Condomínio, a “EE/DD, Gestão de Condomínios, Ldª” - (artº 9º PI).</font> </p><p><font>I) Em Dezembro de 2011, por solicitação da administração do condomínio, foi elaborado, por engenheiro civil, um relatório das Patologias do Edifício AA - (artº 11º PI).</font> </p><p><font>J) O teor do relatório referido em I. foi dado a conhecer aos condóminos, em sede de assembleia de condomínio, a 06 de Dezembro de 2011.</font> </p><p><font>K) O prédio localizado no Sítio da …, freguesia do …, concelho de …, descrito na Conservatória do Registo Predial de …, sob o nº …/…515, denominado de Edifício AA, apresenta as seguintes anomalias:</font> </p><p><font>1. Manchas de escorrências em paredes exteriores, com origem nos peitoris dos vãos; </font> </p><p><font>2. Fissuração de paredes de fachada; </font> </p><p><font>3. Fissuração de paredes de vedação de logradouros;</font> </p><p><font>4. Humidades ascensionais em paredes de fachada;</font> </p><p><font>5. Deficiente e/ou inexistente impermeabilização de pavimentos de logradouro;</font> </p><p><font>6. Degradação excessiva e destaque da pintura de varandas; </font> </p><p><font>7. Desgaste excessivo da betumação de ladrilhos do pavimento de logradouros; </font> </p><p><font>8. Fissuração em chaminés; </font> </p><p><font>9. Fissuração em paredes de circulações horizontais interiores comuns; </font> </p><p><font>10. Fissuração e desgaste excessivo de juntas do pavimento das garagens; </font> </p><p><font>11. Fissuração do pavimento das garagens; </font> </p><p><font>12. Fissuração em paredes das garagens; </font> </p><p><font>13. Fissuração em tectos das garagens; </font> </p><p><font>14. Humidades e eflorescências em tectos das garagens; </font> </p><p><font>15. Humidades e eflorescências em paredes das garagens; </font> </p><p><font>16. Humidades e eflorescências em tectos de arrecadação; </font> </p><p><font>17. Fugas na Canalização - (artº 13º PI).</font> </p><p><font>L) As anomalias referidas em K. são originárias do imóvel e no momento da compra e venda eram imperceptíveis - (artº 14º PI).</font> </p><p><font>M) As anomalias referidas em K) são decorrentes da utilização de materiais inapropriados, de uma execução deficiente da obra e uma preparação em obra desadequada - (artº 16º PI).</font> </p><p><font>N) A reparação das anomalias referidas em K) está orçada em € 90.000,00 e pode ser realizada num período máximo de seis meses - (artº 18º PI).</font> </p><p><font>O) A propriedade horizontal do prédio referido em K) foi constituída por escritura pública, celebrada em 12 de Julho de 2007 - (artº 2º da contestação).</font> </p><p><font>P) A Câmara Municipal de … emitiu, em 27/06/2007, alvará de licença de utilização do edifício referido em K) - (artº 4º da contestação).</font> </p><p><font>Q) As rés só tomaram conhecimento do relatório referido em I) em 07 de Novembro de 2012, ao serem citadas para a acção - (artº 14º da contestação).</font> </p><p><font>R) No dia 30 de Julho de 2007 foi realizada a primeira assembleia de condóminos do prédio referido em C) e K) tendo sido eleita administradora a “FF, Ldª” e mostrando-se a acta assinada por GG e HH - (artº 41º da réplica).</font> </p><p><font>S) A ré “BB- Construção Civil e Obras Públicos, S.A.” é sócia da “FF, Ldª” - ( artº 41º da réplica).</font> </p><p><font>T) Até 09/06/2009, II foi gerente da “FF, Ldª” - (artº 41º da réplica).</font> </p><p><font>U) A II, como gerentes da “FF, Ldª”, sucederam JJ e KK - (artº 41º da réplica).</font> </p><p><font>V) O conselho de administração da ré “BB- Construção Civil e Obras Públicas, S.A.” e da ré “CC, S.A.” é constituído por JJ e KK - (artº 41º da réplica).</font> </p><p><font>W) II integrou o conselho de Administração da ré “BB- Construção Civil e Obras Públicas, S.A.” e da ré “CC, S.A.” - (artº 41º da réplica).</font> </p><p><font>X) As anomalias referidas em K) foram detectadas em Dezembro de 2011.</font> </p><p><font>Y) Só na decorrência do relatório referido em I) é que a administração e os condóminos, em geral, tomaram conhecimento da totalidade dos defeitos existentes no Edifício - (artº 61º da réplica).</font> </p><p><font>Z) A presente acção deu entrada no tribunal em 24 de Outubro de 2012 - (artº 67º da réplica).</font> </p><p><font>AA) As rés foram citadas para a presente acção em 07 de Novembro de 2012 - (artº 68º da réplica).</font> </p><p><font>BB) Em 27/09/2007, já haviam sido vendidas as fracções designadas pelas letras “”, “D”, “G”, “J”, “M”, “O”, “P”, “R”, “V”,”H”, “J”, “L”, “N”, “R”, “T”, “U”, “Z”, “BB”, “I”, “Q”, “M”, “W”, “F”, “”, “N”, “Q”, “P” e “V”, do prédio referido em C., correspondentes a 512,74 da permilagem do prédio;</font> </p><p><font>CC) As fracções referidas em BB) correspondem ao valor declarado de € 476.848,70, no total do valor declarado do prédio de € 930.000,00».</font> </p><p><font> </font> </p><p><font> </font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; </font><b><font>III – Fundamentação de direito</font></b> </p><p><b><font> </font></b> </p><p><b><font>1. </font></b><font>A questão jurídica que se litiga, no caso dos autos, diz respeito apenas à repercussão do tempo nas relações jurídicas, ou seja, à caducidade do direito do comprador de coisa defeituosa denunciar os defeitos.</font> </p><p><font>A caducidade é a extinção do direito pelo seu não exercício durante certo tempo e o seu fundamento específico é a necessidade de certeza jurídica já que, como ensinava Manuel Andrade, “certos direitos devem ser exercidos durante certo prazo para que ao fim desse tempo fique inalteravelmente definida a situação jurídica das partes. É de interesse público que tais situações fiquem, assim, definidas duma vez para sempre com o transcurso do respectivo prazo” (cf. Manuel de Andrade, </font><i><font>Teoria Geral da Relação Jurídica</font></i><font>, vol. II, p. 464).</font> </p><p><font>&nbsp;</font> </p><p><font>A sentença do tribunal de 1.ª instância julgou procedente a exceção de caducidade do direito do autor e absolveu as rés do pedido, com o fundamento de que a contagem do prazo de garantia, de cinco anos a contar da entrega do imóvel, segundo o art. 1225.º do CC, se iniciou a 27 de setembro de 2007, com a entrega da maioria das frações autónomas aos condóminos adquirentes. Não tendo havido denúncia dos defeitos antes da data da propositura da ação, o prazo já tinha terminado em 27 de Setembro de 2012, pelo que à data da interposição da ação, 24 de outubro de 2012, já o direito estava extinto por caducidade.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; A sentença adotou a seguinte fundamentação:</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; «Entendemos, assim, que a tese mais razoável será aquela que entende que o momento a partir do qual se deve ter como efectuada a entrega do prédio, é aquele momento a partir do qual o vendedor deixa de ter poder para determinar ou influir sobre o curso das decisões dos condóminos constituídos em assembleia de interesses autónomos e identificados com os interesses comuns que passam a representar de modo orgânico e próprio plasmados nas deliberações que tomam.</font> </p><p><font>Este momento – da cisão/apartamento do vendedor do prédio vendido – pode coincidir, ou não, com a constituição da assembleia de condóminos. Relevante, para o seu início, é que o prédio esteja em condições de ser entregue à assembleia de condóminos para que esta possa exercer todos os direitos de fiscalização sobre as partes comuns, de forma livre, ou seja, sem que se encontre manietada pela circunstância de o construtor ou vendedor, enquanto detentor de uma percentagem maioritária do prédio, poder, de alguma forma, impedir o exercício de tais direitos, impossibilitando o exercício de direitos por parte da assembleia. </font> </p><p><font>Aqui chegados, importa referir que o facto de não estar devidamente constituída a administração do condomínio, por incúria dos condóminos em constituí-la formalmente, em nada afasta a circunstância de o prédio estar entregue aos condóminos, verificada que esteja a existência da detenção, pelos condóminos singulares, de um capital superior a 25% (pois que a assembleia de condóminos poderá ser convocada por, pelo menos, vinte e cinco por cento do capital investido e deliberar a propositura da acção colectiva (cfr. artigo 1431º, n.º2, do Código Civil).</font> </p><p><font>Analisados os factos supra elencados como provados, constatamos que, em 27/09/2007, haviam já sido vendidas fracções autónomas correspondentes a 512,74 da permilagem do prédio, ou seja, os condóminos não ligados às Rés possuíam já mais de metade da permilagem do prédio. Tais fracções equivaliam a um valor declarado de € 476.848,70, valor superior a 25% do capital investido (na medida em que da escritura pública de constituição da propriedade horizontal se extrai que o prédio possuía o valor declarado de € 930.000,00).</font> </p><p><font>Significa o que vem de dizer-se que em 27/09/2007 o prédio se encontrava em condições de ser entregue a uma administração do condomínio livre da influência das Rés, pois que desde essa data que se encontravam reunidos os pressupostos necessários à convocação de uma assembleia de condóminos e que esta possuía condóminos que, comparecendo e votando, possuíam a maioria dos votos, podendo, assim, eleger a administração de condomínio que mais confiança lhes merecesse.</font> </p><p><font>Entendemos, assim, que o prazo de garantia de cinco anos, se iniciou em 27/09/2007, pois que a partir desse momento as Rés deixaram de ter qualquer poder para influenciar o curso das decisões a tomar sobre o prédio.</font> </p><p><font>A ser assim, como entendemos que deve ser, concluímos que o prazo máximo de garantia estabelecido se esgotou em 28/09/2012, por aí se encontrarem decorridos os cincos anos que aos consumidores se mostram concedidos para exercer os seus direitos de reparação de vícios da coisa adquirida».</font> </p><p><font> </font> </p><p><font> </font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; O acórdão recorrido confirmou a sentença do tribunal de 1.ª instância, mas com uma fundamentação distinta:</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>«No que toca à excepção de caducidade, o regime aplicável à efectivação da responsabilidade do construtor empreiteiro pelos defeitos de um imóvel enquadráveis no artigo 1225º do Código Civil é o definido nesta disposição e não no artigo 926º</font><a><u><font>[1]</font></u></a><font>.</font> </p><p><font>O artigo 1225º do Código Civil, sob a epígrafe, (Imóveis destinados a longa duração), preceitua o seguinte:</font> </p><p><font>“ 1. Sem prejuízo do disposto nos artigos 1219º e seguintes, se a empreitada tiver por objecto a construção, modificação ou reparação de edifícios ou outros imóveis destinados por sua natureza a longa duração e, no decurso de cinco anos a contar da entrega, ou no decurso do prazo de garantia convencionado, a obra, por vício do solo ou da construção, modificação ou reparação, ou por erros na execução dos trabalhos, ruir total ou parcialmente, ou apresentar defeitos, o empreiteiro é responsável pelo prejuízo causado ao dono da obra ou a terceiro adquirente.</font> </p><p><font>2. A denúncia, em qualquer dos casos, deve ser feita dentro do prazo de um ano e a indemnização deve ser pedida no ano seguinte à denúncia.</font> </p><p><font>3. Os prazos previstos no número anterior são igualmente aplicáveis ao direito à eliminação dos defeitos, previstos no artigo 1221º.</font> </p><p><font>4. O disposto nos números anteriores é aplicável ao vendedor de imóvel que o tenha construído, modificado ou reparado”.</font> </p><p><font>O prazo estabelecido neste artigo é de caducidade.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Assim, o preceito aplica-se à ré “CC, SA”, na qualidade de construtora do prédio.</font> </p><p><font>E também se aplica à ré “BB – Construção Civil e Obras Públicas, SA”, na qualidade de dona da obra, ou de vendedora, por força do seu nº 4.</font> </p><p><font>Efectivamente, o nº 4 do artigo 1225º do Código Civil, introduzido pelo Decreto-Lei nº 267/94, de 25 de Outubro, veio estabelecer que as normas do contrato de empreitada que regulam a responsabilidade do empreiteiro pelos defeitos da obra se aplicam à compra e venda celebrado com o respectivo construtor do imóvel destinado a longa duração.</font> </p><p><font>Como refere Calvão da Silva, “este mesmo diploma legal – Decreto-Lei nº 267/94 –, além da expressa responsabilização do empreiteiro perante o terceiro adquirente do imóvel, dando nova redacção ao nº 1, in fine, do artigo 1225º, veio aplicar o regime estatuído pelo artigo 1225º ao vendedor de imóvel que o tenha construído, modificado ou reparado, aditando-lhe o novo nº 4, por forma a evitar que o empreiteiro se escude na relatividade da empreitada e sua ineficácia perante terceiros compradores. Desta sorte, quando, na compra e venda, o alienante tenha sido também o construtor do imóvel (vendedor e construtor), mas inexista e apesar de inexistir empreitada entre ele e o comprador, aos defeitos da coisa transmitida deve aplicar-se o regime do artigo 1225º e não o dos artigos 916º e 917”</font><a><u><font>[2]</font></u></a><font>.&nbsp; </font> </p><p><font> </font> </p><p><font>A questão que se coloca é a de saber a partir de que momento se conta o prazo de caducidade de cinco anos previsto no nº 1 do artigo 1225º do Código Civil: a partir de 27.09.2007, como foi decidido na sentença ou a partir de 29.08.2011 como vem alegado nas conclusões da apelação.</font> </p><p><font>&nbsp;</font> </p><p><font>Tratando-se de bens imóveis, por força do disposto no artigo 5º nº 1 do DL nº 67/2003, o consumidor pode exercer os direitos previstos neste diploma </font><u><font>no prazo de 5 anos a contar da entrega do bem</font></u><font>.</font> </p><p><font>Existem, assim, dois prazos: um para denunciar o defeito – artigo 5º nº 3 e 4 do diploma citado, na redacção anterior, ou artigo 5º-A nº 2 e 3, na redacção actualmente em vigor –, outro para intentar a acção judicial – artigo 5º nº 1.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Não tendo havido denúncia dos defeitos, há que averiguar, com vista à procedência ou improcedência da invocada excepção de caducidade, se se mostram decorridos mais de cinco anos desde a data da entrega do imóvel até ao momento em que a presente acção entra em juízo. </font> </p><p><font>E qual a data da entrega do imóvel? Ocorreu em 27-09-2007, como foi decidido na sentença ou em 29-08-2011 como alegam os apelantes?</font> </p><p><font>No caso dos autos está em causa a reclamação pelo autor, das anomalias verificadas nas partes comuns de um prédio urbano constituído em propriedade horizontal, construído pela 1ª ré, sendo dona da obra a 2ª ré, que procedeu depois à venda das respectivas fracções autónomas.</font> </p><p><font>Como refere Cura Mariano</font><a><u><font>[3]</font></u></a><font>, na opção pelo momento da entrega da obra como o momento em que se inicia o prazo de caducidade, o legislador teve em mente que seria esse o momento em que, normalmente o dono da obra ou o comprador, estariam em condições de exercer o seu direito. Haverá então de concluir que o </font><i><font>dies a quo</font></i><font> para o início do prazo de cinco anos previsto no artº 1225º nº 1 do CC é de facto o da entrega da construção, em termos que possibilitem o exercício do direito à verificação, e se for necessário, à reclamação da reparação dos vícios ou defeitos que a afectem.</font> </p><p><font>O momento em que o prédio é constituído em propriedade horizontal, ou em que é inscrito no registo, ou mesmo o momento da reunião da assembleia de condóminos, e da nomeação de administrador, serão apenas elementos de onde aquela conclusão se possa extrair.</font> </p><p><font>Mas o que será relevante, no confronto entre o empreiteiro e o dono da obra, será sempre o momento da </font><u><font>efectiva entrega da obra</font></u><font>, sendo que a partir daí haverá de atender ao disposto no referido artigo 329º do CC para se aferir do momento em que se pode afirmar que passou a ser possível o exercício do direito à reparação dos defeitos de que a mesma obra esteja afectada.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>No caso dos autos, estamos perante defeitos verificados nas áreas comuns do “Edifício AA”.</font> </p><p><font>Neste caso, a questão suscitou entendimentos divergentes, que podem no essencial, ser reconduzidos às </font><u><font>seguintes orientações</font></u><font>:</font> </p><p><font>a) O início do prazo de caducidade iniciar-se-ia com a primeira entrega de fracção autónoma a condómino adquirente; </font> </p><p><font>b) Com a última entrega de fracção autónoma a condómino adquirente; </font> </p><p><font>c) Com a entrega da maioria das fracções autónomas aos condóminos adquirentes; </font> </p><p><font>d) Com a transmissão dos poderes de administração das partes comuns para os condóminos, através da sua estrutura organizativa, reunindo em assembleia de condóminos e elegendo o seu administrador.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>&nbsp;(…)</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Da nossa banda, cremos que a última orientação é a mais razoável, pois entendemos que decisiva é a data em que o promotor fez a transmissão dos poderes de administração das partes comuns aos condóminos, o que só pode ter sucedido quanto estes constituíram a sua estrutura organizativa, reunindo em assembleia de condóminos e elegendo o seu administrador.</font> </p><p><font>Trata-se de orientação que vem sendo sufragada maioritariamente pelos tribunais superiores e de forma</font><a><u><font>[4]</font></u></a><font>.</font> </p><p><u><font>No caso dos autos provou-se, a este respeito, que:</font></u> </p><p><font>&nbsp;- A propriedade horizontal do prédio referido em K) foi constituída por escritura pública, celebrada em 12 de Julho de 2007 - (O).</font> </p><p><font>- No dia 30 de Julho de 2007 foi realizada a primeira assembleia de condóminos do prédio referido em C) e K) tendo sido eleita administradora a “FF, Ldª” (…) - (R).</font> </p><p><font>- A presente acção deu entrada no tribunal em 24 de Outubro de 2012 - (Z).</font> </p><p><font>- As rés foram citadas para a presente acção em 07 de Novembro de 2012 - (AA).</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Em consequência do que ficou dito, concluindo de forma diferente da douta sentença recorrida, diremos que o início do prazo de
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><br> <font> </font> <p><font>Acordam, em Conferência, no Supremo Tribunal de Justiça:</font> </p><p><b><font> </font></b> </p><p><b><font> </font></b> </p><p><b><font> </font></b> </p><p><b><font>I</font></b> </p><p><b><font> </font></b> </p><p><b><font>AA,</font></b><font> ..., residente na Avenida ..., n.º …, ….º …, ..., veio, por apenso ao processo de divórcio, pedir a alteração da regulação do exercício das responsabilidades parentais relativamente ao filho menor BB, nascido a … de … de …, contra o pai deste, </font><b><font>CC,</font></b><font> alegando que o regime acordado entre as partes em 1 de Março de 2010, no divórcio apenso, não justifica a obrigação do menor ficar a residir com a mãe em … ou em outro lugar não distante de … mais de 15 Km, pedindo a eliminação dessa restrição, bem como que o requerido pague a título de alimentos para o filho a quantia mensal de € 200,00, pedindo ainda que seja eliminada a cláusula que a obriga a pagar ao requerido € 50,00 mensais, por ter tido uma redução do salário e que todas as despesas passem a ser suportadas por ambos os progenitores.</font> </p><p><font>&nbsp;Citado, o requerido opôs-se às alterações peticionadas. </font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Realizada a conferência de pais, em 31 de Outubro de 2012, os progenitores acordaram:</font> </p><p><font>1. O pai estará com o menor quinzenalmente de sexta-feira a terça-feira de manhã indo busca-lo e pô-lo à escola. </font> </p><p><font>2. Na semana em que o menor não está ao fim de semana com o pai, este irá buscar o filho segunda-feira à escola, entregando-o no mesmo local terça-feira de manhã </font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; E foi decidido provisoriamente que “o pai passará a pagar as despesas de educação e vestuário do menor, as despesas de alimentação serão suportadas por cada progenitor quando o menor esteja com cada um deles, sendo eliminado a comparticipação da requerente com a quantia de € 50,00 mensais”. </font> </p><p><font>Notificados, os progenitores alegaram, mantendo as respectivas posições. </font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Realizado o julgamento, foi proferida a seguinte decisão: </font> </p><p><font> </font> </p><p><i><font>“Face ao exposto, julgo a ação parcialmente procedente e decido:</font></i> </p><p><i><font>1.- Homologar o acordo parcial firmado na conferência de pais, passando a vigorar as seguintes cláusulas: </font></i> </p><p><i><font>- O pai estará com o menor quinzenalmente de sexta-feira a terça-feira de manhã indo busca-lo e pô-lo à escola, respetivamente no fim e no início das suas atividades escolares. </font></i> </p><p><i><font>- Na semana em que o menor não está ao fim de semana com o pai, este irá buscar o filho segunda-feira à escola, entregando-o no mesmo local terça-feira de manhã. </font></i> </p><p><i><font>2. Eliminar o parágrafo único da cláusula terceira do regime originário que estabelece que a requerente deve pagar ao requerido € 50,00 mensais. </font></i> </p><p><i><font>3. Aditar a seguinte cláusula: </font></i> </p><p><i><font>O pai pagará as despesas de educação e vestuário do menor. </font></i> </p><p><i><font>Cada progenitor suportará as despesas de alimentação nos dias em que o menor estiver consigo”.</font></i> </p><p><font> </font> </p><p><font>Desta decisão recorreu a requerente </font><b><font>AA</font></b><font> para o Tribunal da Relação de Lisboa, que, por acórdão proferido a 22 de Maio de 2014, revogou parcialmente a sentença recorrida, decidindo o seguinte:</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>«Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar parcialmente procedente a apelação e, em consequência, alteram a decisão recorrida no seu ponto n.º3, fixando em € 200,00 (duzentos euros) o montante da prestação de alimentos a cargo do requerido, a favor do filho, quantia que deve entregar à mãe até ao dia 8 do mês a que respeita, mantendo no mais a decisão recorrida.</font> </p><p><font>Custas da apelação pela recorrente e recorrido, em partes iguais».</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;Inconformado, recorre de revista o réu, solicitando a este Supremo Tribunal de Justiça a revogação do acórdão recorrido e a reposição da sentença do tribunal de 1.ª instância.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>A Relatora, entendendo que não podia conhecer do objecto de recurso, notificou as partes para ao abrigo do art. 655.º, n.º 1 do CPC.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Na sequência de novas alegações do recorrente, a Relatora decidiu, por despacho singular, não admitir o recurso.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Notificado deste despacho que não admitiu o recurso, veio o recorrente, CC, nos termos do art. 652.º, n.º3 CPC, requerer que sobre tal matéria recaia acórdão, devendo, por tal, ser admitida a presente reclamação para a conferência, pelos fundamentos exarados a fls. 249 a 257, que aqui se consideram integralmente reproduzidos.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font> </font> </p><p><font>O processo, dada a sua simplicidade, não foi a vistos.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Cumpre decidir.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font> </font> </p><p><font> </font> </p><p><font> </font> </p><p><b><font>II</font></b> </p><p><b><font> </font></b> </p><p><font> </font> </p><p><b><font>1.</font></b><font> Entende o recorrente que a revista interposta assenta unicamente na ausência de qualquer pressuposto processual para a alteração do regime das responsabilidades parentais anteriormente fixado, por acordo, pelos progenitores, devidamente homologado judicialmente e no erro interpretativo do art. 2005.º, n.º 1 do CC quanto à forma de satisfação da obrigação de prestar alimentos pelo progenitor pai, não residente. Afirma o recorrente, «Em suma, tendo sido fixado por acordo dos progenitores, o cumprimento dos alimentos devidos ao menor em espécie, não pode o tribunal, ainda mais em sede de recurso, alterar tal forma de prestação, sob pena de violação do disposto no art. 2005.º, n.º1 CC. O Acórdão em crise, ao estabelecer uma prestação mensal pecuniária a cumprir pelo recorrente, viola o disposto nos arts. 2004.º, 2005.º, n.º 1 e 1905.º CC, pelo que deve ser revogado».</font> </p><p><font>Alega ainda que, «o que se pretende ver reconhecido é saber se, estando estabelecido um regime de regulação de responsabilidades parentais por acordo dos progenitores em processo de divórcio dos mesmos, acordo esse merecedor de sentença homologatória transitada em julgado, e presentada acção de alteração promovida pela progenitora mãe, que veio a ser indeferida por sentença que concluiu pela inverificação de modificações de circunstâncias que justificasse, no que aos alimentos respeita, a alteração pretendida; pode o mesmo regime ser alterado por acórdão da Relação que, em sede de apelação daquele veio a ser interposta, sem curar de se pronunciar sobre a verificação da quele pressuposto processual. É que havendo acordo dos progenitores, como houve, não se verificando condições objectivas da sua revisão, cremos que o Tribunal superior não pode alterar aquele regime assim determinado. O cordão viola ass o disposto no art. 1411.º, n.º 1 CPC (actual 988, n.º1 NCPC), 182.º OTM e 619.º, n.º 1 NCPC). Invoca, ainda, que não se verificando nem um incumprimento do acordo nem se tendo verificado circunstâncias supervenientes, nos termos do art. 182.º da OTM, falta os pressupostos processuais para a actuação do tribunal, o que significa que estamos em plena área vinculada e que esta questão deve ser conhecida pelo Supremo Tribunal de Justiça.</font> </p><p><font> </font> </p><p><b><font>2.</font></b><font> A propósito da questão da admissibilidade de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, nos processos de jurisdição voluntária, seguiremos de perto a orientação adoptada no acórdão deste Supremo Tribunal, de 25-06-2012 (processo 10102/09.2TCLRS.L1.S1), relatado pelo Conselheiro Sebastião Póvoas.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>A intervenção do Supremo Tribunal de Justiça nos processos configuráveis como de jurisdição voluntária cinge-se à apreciação dos critérios normativos de estrita legalidade subjacentes à decisão, de modo a verificar se se encontram preenchidos os pressupostos ou requisitos legalmente exigidos para o decretamento de certa medida ou providência, em aspectos que se não esgotem na formulação de um juízo prudencial ou casuístico, iluminado por considerações de conveniência ou oportunidade a propósito do caso concreto.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>O Supremo Tribunal de Justiça, enquanto tribunal especialmente encarregado de controlar a aplicação da lei, substantiva ou adjectiva, não pode, nos recursos interpostos em processos de jurisdição voluntária, apreciar medidas tomadas segundo critérios de conveniência e oportunidade. </font> </p><p><font>Com efeito, a escolha das soluções mais convenientes está intimamente ligada à apreciação da situação de facto em que os interessados se encontram; não tendo o Supremo Tribunal de Justiça o poder de controlar a decisão sobre tal situação. A lei restringiu a admissibilidade de recurso até à Relação. </font> </p><p><font> </font> </p><p><font>A verdade, todavia, é que esta limitação não implica a total exclusão da intervenção do Supremo Tribunal de Justiça nestes recursos; apenas a confina à apreciação das decisões recorridas enquanto estas aplicam a lei estrita. É, nomeadamente, o que se verifica, quer quanto à verificação dos pressupostos, processuais ou substantivos, do poder de escolher a medida a adoptar, quer quanto ao respeito do fim com que esse poder foi atribuído. </font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Tratando-se de pressupostos legais imperativamente fixados para que o juiz possa ponderar da conveniência e da oportunidade de decretar a medida que lhe foi requerida, cabe no âmbito dos poderes do Supremo Tribunal de Justiça e, portanto, deste recurso, a apreciação da respectiva verificação; é., pois, admissível o recurso mas com o âmbito assim delineado (cfr. ainda, e v.g., o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 20 de Outubro de 2010 – 327/08. 3TBENT.E1.S1). </font> </p><p><font> </font> </p><p><font>No citado acórdão, de 25-06-2012, foi considerada questão de legalidade a condenação de pai ausente ao pagamento de prestação de alimentos, por se tratar de um dever imposto aos pais pelos artigos 36.º n.º 5 da CRP e 1874.º e 1878.º n.º 1 do CC e 27.º n.º 1 da Convenção sobre os Direitos da Criança e da Recomendação do Conselho da Europa R (84) 4. Já a questão da quantificação do montante da pensão tem-se entendido ser uma questão de oportunidade ou de conveniência, que pertence exclusivamente às instâncias.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Como, de forma lapidar, julgou o Acórdão deste Supremo Tribunal de 15 de Maio de 2012 (Processo n.º 2792/08.OTBAMD.L1.S1), a recorribilidade, em sede de revista nos processos de jurisdição voluntária, limita-se à área que resulta do cumprimento de um dever/obrigação legal ou, seja do “emergir de critérios de legalidade estrita”. </font> </p><p><font> </font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; Estando em causa a determinação do montante da pensão, esta quantificação depende da apreciação casuística, pelas instâncias, de uma situação pessoal do obrigado, no cotejo com as necessidades do credor e, por isso, implica a emissão de juízos de equidade e de conveniência, estando sujeita às restrições recursórias da jurisdição voluntária.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font> </font> </p><p><b><font>3.</font></b><font> Em face do que ficou dito e da delimitação do âmbito do recurso feito pelo recorrente, restringido à questão de saber se o dever de alimentos a seu cargo se cumpre através de prestações em espécie ou pelo pagamento de um montante mensal de 200 euros, no qual foi condenado pelo acórdão recorrido, temos de concluir que a determinação da forma de prestação de alimentos – em espécie ou em prestações pecuniárias mensais – é uma questão que se rege por critérios de oportunidade e conveniência, tal como a questão da quantificação, consistindo, portanto, numa mera questão de facto que não cabe nos poderes cognitivos deste Supremo.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; Vejamos:</font> </p><p><font>&nbsp;</font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; Um acordo homologado por sentença judicial tem o mesmo valor de uma decisão judicial em que há litígio sanado pelo juiz, por sentença reguladora.&nbsp;&nbsp;&nbsp; </font> </p><p><font>E, nos processos de jurisdição voluntária, estas decisões são revisíveis a todo o tempo, com fundamento no incumprimento do acordo ou da decisão judicial ou em circunstâncias supervenientes ou que não foram alegadas por ignorância das partes. Daí que esta livre revisibilidade das decisões determinada pela lei não contenda com o valor da sentença transitada em julgado (art. 619.º, n.º 1 do NCPC), sendo sempre possível, que, no interesse da criança, as instâncias procedam a uma modificação do regulado.</font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; Relativamente ao conceito de circunstâncias supervenientes ou ignoradas no momento da decisão inicial, entendeu o acórdão recorrido que bastava, para que estes conceitos se preenchessem, a constatação de que a forma de alimentos em espécie, no quadro temporal (tempo passado por cada um dos pais com os filhos) e material dos pais (rendimentos de cada um), não satisfaz o interesse da criança, a isto se somando o facto de ser a mãe a progenitora residente que assume as orientações educativas relevantes e toma as decisões do dia-a-dia, acabando por assumir a maior parte das despesas. </font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; A forma como se processou a vida da família, depois do acordo homologado, demonstrou a insuficiência da prestação em espécie.</font> </p><p><font>Por outro lado, a mãe do menor fez o pedido de alteração baseada no facto de ter sofrido reduções salariais, que estão confirmadas pela matéria de facto, onde se verifica que em 2010 auferiu rendimento anual de 14.178,55, tendo sido reembolsada no valor de € 621,87; relativamente a 2011 a requerente declarou ter auferido € 14.079,73 tendo sido reembolsada em 683,36, e em Janeiro de 2013, a requerente auferiu em termos líquidos como remuneração pelo seu trabalho o valor de € 698,12.</font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; </font> </p><p><font>Os conceitos usados na lei (art. 182.º da OTM) são assim conceitos que, em relação à alteração da pensão de alimentos, remetem, sobretudo, para os factos relativos aos rendimentos dos pais e necessidades das crianças, elementos que constituem matéria de facto da exclusiva competência das instâncias, tal como quando está em causa a quantificação da pensão.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Pelo que decidimos não admitir o recurso. </font> </p><p><font> </font> </p><p><font> </font> </p><p><b><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; III – Decisão</font></b> </p><p><b><font> </font></b> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; Pelo exposto, decide-se em conferência, neste Supremo Tribunal de Justiça, indeferir a reclamação.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; Custas pelo recorrente.</font> </p><p><font> </font> </p><p> </p><p><font>Lisboa, 22 de Abril de 2015</font> </p><p> </p><p><font> Maria Clara Sottomayor (Relatora)</font> </p><p><font>Sebastião Póvoas</font> </p><p><font>Moreira Alves</font> </p><p><font> </font> </p></font><p><font><font>&nbsp; </font><b><font> </font></b></font></p>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font> <p> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font> </p><p><font> </font> </p><p><font> </font> </p><p><b><font>I – Relatório</font></b> </p><p><b><font> </font></b> </p><p><b><font>AA</font></b><font>, residente em ...,</font><b><font> </font></b><font>intentou a presente ação declarativa contra </font><b><font>BB – Banco BB</font></b><font>, com sede no ..., e </font><b><font>Banco CC – Banco CC</font></b><font>, com sede em Lisboa, pedindo a condenação solidária dos réus a pagar-lhe a quantia global de 191 647,50 €, acrescida de juros, à taxa legal de 5,553%, contados desde 26.1.2013 até integral pagamento. </font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Alegou, em síntese, ser titular de uma conta no balcão de ... do BB, na qual, a 25.1.2008, tinha depositado, pelo menos, € 150.000. Por sugestão da gerente do balcão e, após ter expressamente advertido que o investimento do dinheiro só seria feito se fosse 100% seguro, decidiu investir em papel comercial emitido pela CNE, S.A., que tinha uma rendibilidade anual garantida de 5,553% e o reembolso assegurado um ano após a aplicação, com a garantia do BB. Já em 2009 o BB efetuou o pagamento de juros, o que reforçou a sua confiança no produto. Porém, nada mais foi pago, sendo-lhe dito, pela gerente do balcão, que tinha havido problemas com a aplicação e estava a ser preparada uma reorganização ou remontagem do produto, sendo-lhe, contudo, garantido que o BB asseguraria o pagamento dos juros. Em 2011 foi negado o retorno do capital ao autor com o argumento que as aplicações de papel comercial CNE estavam congeladas por estar em curso um processo de reestruturação e compra do Banco. Nunca lhe foi facultada uma nota informativa sobre a natureza e funcionamento do papel comercial, sendo-lhe garantida a absoluta restituição do investimento, o mesmo sucedendo com todos os restantes clientes do Banco em .... Assim, o BB está obrigado a indemnizá-lo dos prejuízos que lhe causou.&nbsp; </font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; </font> </p><p><font>Contestou o Banco CC, alegando que, em virtude de operação de fusão, assumiu, na íntegra, a titularidade dos direitos e obrigações do BB, sendo juridicamente a mesma entidade coletiva, embora com a atual denominação. Que configurando o autor a sua intervenção como intermediação financeira, está prescrita a sua responsabilidade, nos termos do disposto no art. 324, nº 1, do Código dos Valores Mobiliários, considerando que o contrato de intermediação financeira ocorreu, no limite, em 25.1.2008. Que os juros foram pagos ao autor porque a CNE, entidade emitente do papel comercial, o habilitou com os montantes necessários para o efeito, já que sobre ela impendia a obrigação de pagamento. Que nunca assumiu a obrigação de pagamento de juros e de reembolso do capital investido pelo autor. Que o autor foi informado que, além da tradicional aplicação em depósito a prazo, havia a hipótese de adquirir um produto emitido por uma empresa pertencente ao mesmo grupo empresarial do BB, que oferecia um juro superior ao que rendiam os simples depósitos a prazo, sendo ainda informado que se tratava de produto com a garantia e segurança do próprio BB, uma vez que a empresa emitente era do mesmo grupo empresarial, sendo o seu capital detido exclusivamente pela DD – ..., …, S.A., entidade que também detinha a totalidade do capital social do BB. As informações prestadas eram verdadeiras à data, sendo então totalmente imprevista e imprevisível a nacionalização do capital do BB e a sua separação do universo a que a CNE pertencia.&nbsp; </font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Em réplica, o autor defendeu o prosseguimento da acção apenas contra o réu Banco CC, e quanto à prescrição alegou que o réu, através de vários atos e procedimentos, sempre prometeu que reembolsava o capital e juros, independentemente da natureza do produto e da intervenção da CNE, pelo que a invocação da prescrição do crédito traduz-se num manifesto abuso de direito, na vertente do </font><i><font>venire contra factum proprium</font></i><font>. Mesmo que assim não fosse, o certo é que a prescrição não se verificou, uma vez que, para o autor, o BB e a CNE eram uma e a mesma coisa. Daí que não se possa afirmar que aquele Banco tenha sido intermediário financeiro, intervindo nessa qualidade na operação bancária, razão pela qual não é aplicável o citado art. 324º do Código dos Valores Mobiliários. Até perto do Natal de 2011, altura em que o BB lhe negou a restituição do capital e juros, sempre prometeu ao autor o reembolso, embora com dilações e explicações relacionadas com a reorganização ou remontagem do produto. Só por essa altura é que teve a noção, ainda que de forma muito difusa e pouco aproximada, dos termos e da natureza do produto que negociou e só então lhe foi dito que as operações ou aplicações em papel comercial CNE estavam congeladas. Assim, qualquer prazo prescricional, a verificar-se, só se iniciou em Dezembro de 2011, não se verificando, por isso, a prescrição, atenta a data da instauração da acção. </font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Em sede de despacho saneador, o tribunal absolveu da instância o Banco CC – Banco CC, por julgar verificada a exceção de ilegitimidade passiva, determinando a alteração da denominação, no processo, do BB – Banco BB e do Banco CC – Banco CC para Banco EE, S.A. </font> </p><p><font> </font> </p><p><font>A final foi proferida sentença que julgou a ação improcedente e absolveu o Réu, Banco EE, do pedido. </font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Inconformado, o autor interpôs recurso de apelação, tendo o Tribunal da Relação de Coimbra, confirmado a decisão do tribunal de 1.ª instância, com um voto de vencida.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Novamente inconformado, o autor interpôs o presente recurso de revista, no qual formulou as conclusões exaradas a fls. 398 a 409, que aqui se consideram integralmente reproduzidas.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>O ré apresentou contra-alegações em que pugna pela manutenção do decidido.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Sabido que, ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, é pelas conclusões do recorrente que se define o objeto do recurso (arts. 639º, nº 1 e 635º, nº 4, do NCPC), as questões a apreciar, pela sua ordenação lógica, são as seguintes:&nbsp; </font> </p><p><font> </font> </p><p><font>I –</font><i><font> Qualificação jurídica da operação bancária;</font></i> </p><p><font>II – </font><i><font>O prazo de prescrição do art. 324.º, n.º 2 do CVM: início da contagem do prazo; interrupção da prescrição e renúncia à prescrição; dolo ou culpa grave do Banco; abuso do direito na invocação da prescrição pelo Banco.</font></i> </p><p><i><font> </font></i> </p><p><font>III – </font><i><font>Responsabilidade civil do intermediador financeiro pelos danos causados ao cliente</font></i> </p><p><font> </font> </p><p><font> </font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; Colhidos os vistos, cumpre decidir.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font> </font> </p><p><font> </font> </p><p><b><font>II – Fundamentação de facto</font></b> </p><p><b><font> </font></b> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; </font><b><font>As instâncias deram como provados os seguintes factos:</font></b> </p><p><font> </font> </p><p><font>«1. O autor é titular da conta nº 392 291 010 001, do Balcão de ... do «BB – Banco BB» [alínea A)]. </font> </p><p><font>2. No dia 25 de janeiro de 2008 tinha depositados nessa conta, pelo menos, € 150 000,00 [alínea B)]. </font> </p><p><font>3. Por sugestão da gerente desse balcão, FF, o autor decidiu aplicar esse dinheiro num produto que lhe concedesse uma taxa de juro favorável [alínea C)]. </font> </p><p><font>4. Foi-lhe então proposto pela dita gerente que investisse tal quantia em papel comercial emitido pela «CNE, S.A.», subscrevendo o autor o documento denominado “Comunicação Cliente” de fls. 7vº [alínea D)]. </font> </p><p><font>5. Na sequência dessa subscrição, em 2 de janeiro de 2009, o «BB – Banco BB» creditou-lhe € 1 937,68, a título de juros [alínea E)]. </font> </p><p><font>6. Em 4 de março de 2009, creditou-lhe mais € 2 400,00 desses juros [alínea F)]. </font> </p><p><font>7. Em 1 de abril de 2009, creditou-lhe novamente € 2 400,00, também a título de juros estipulados [alínea G)]. </font> </p><p><font>8. O «BB – Banco BB» recusa o reembolso do capital e juros respeitantes ao produto aludido em 4. e remete para o «CNE, S.A.», empresa que já foi declarada insolvente [alínea H)]. </font> </p><p><font>9. O «BB – Banco BB», na sequência de operação de fusão registada na competente Conservatória do Registo Comercial, tem hoje a denominação de «Banco EE, S.A.», mantendo assim, na íntegra, a titularidade de todos os direitos e obrigações daquele [alínea I)]. </font> </p><p><font>10. A Lei nº 62-A/2008, de 11 de novembro “nacionaliza todas as ações representativas do capital social do Banco BB, S.A., e aprova o regime jurídico de apropriação pública por via de nacionalização” [alínea J)]. </font> </p><p><font>11. Aquando do facto descrito em 3. e 4., o autor alertou expressamente a gerente da agência, FF, que só “investiria” aquele dinheiro se o rendimento e a recuperação dos valores aplicados fossem 100% seguros [ponto 1º]. </font> </p><p><font>12. Foi-lhe então assegurado por aquela gerente, que a aplicação descrita em 4. tinha uma rendibilidade anual garantida de 5,553% e que, sendo uma aplicação de uma empresa do grupo, estava assegurado o reembolso do capital e juros, não comportando qualquer risco [pontos 2º, 3º]. </font> </p><p><font>13. Ao tempo, o «BB – Banco BB» era uma instituição bancária que oferecia total confiança ao investidor [ponto 4º]. </font> </p><p><font>14. Confiando nessas informações, o autor aceitou então aplicar € 150 000,00 naquele papel comercial, em três tranches de € 50 000,00 cada, no dia 25 de janeiro de 2008, subscrevendo o documento aludido em 4., já previamente manuscrito por alguém da agência [ponto 5º]. </font> </p><p><font>15. Os pagamentos de juros aludidos em 5. a 7. reforçaram a confiança do autor que tinha apostado num produto credível e seguro [ponto 6º]. </font> </p><p><font>16. Além dos juros aludidos em 5. a 7., o «BB – Banco BB», ora réu «Banco EE, S.A.», não procedeu ao pagamento de mais nenhuns juros [ponto 7º]. </font> </p><p><font>17. Surpreendido com o facto, o autor procurou obter explicações, tendo-lhe sido dito que estava em curso uma reestruturação mas o reembolso estava assegurado [pontos 8º, 9º]. </font> </p><p><font>18. Como isso não voltou a suceder, em data não apurada, o autor pediu o retorno do capital, o que foi negado, remetendo o réu a responsabilidade para a «CNE, S.A.» [pontos 10º, 11º]. </font> </p><p><font>19. Nunca foi facultada ao autor uma nota informativa acerca da natureza e funcionamento desse produto, o papel comercial «CNE, S.A.» [ponto 12º]. </font> </p><p><font>20. As orientações e comunicações internas existentes no «BB – Banco BB», que este transmitia aos seus comerciais e respetivos balcões, consistiam em afirmar a segurança e fidelidade do produto em causa, a sua solidez, a sua rentabilidade que vinha demonstrada desde 2001, e assegurar que sendo a «CNE, S.A.» uma empresa pertencente ao grupo empresarial do Banco, este cobriria sempre a solvabilidade do produto [ponto 13º]. </font> </p><p><font>21. Sendo esta estratégia de sucesso veiculada internamente de forma reiterada [ponto 14º]. </font> </p><p><font>22. A nota de serviço (IS) nº 19/01, datada de 5 de fevereiro de 2003, cujo tema é “mercado de capitais” e subtema “papel comercial”, em vigor aquando da comercialização daquele produto, determinava que a entidade garante da solvabilidade do papel emitido era o “BB e/ou Banco GG” [ponto 15º]. </font> </p><p><font>23. À data da realização do investimento, a nacionalização do capital do Banco e a sua separação do universo «DD – ..., SGPS, S.A.» a que a «CNE, S.A.» pertencia era totalmente imprevista e imprevisível [ponto 19º]». </font> </p><p><b><font>Facto aditado pelo Tribunal da Relação:</font></b> </p><p><font>«24. Aquando da subscrição da aplicação aludida em 4., o autor foi informado que se tratava de produto com garantia de reembolso idêntica à do próprio Banco, uma vez que a empresa emitente – a «CNE, S.A.» – era do mesmo grupo empresarial em que o Banco se achava integrado».</font> </p><p><font> </font> </p><p><font> </font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; </font><b><font>II – Fundamentação de direito</font></b> </p><p><b><font> </font></b> </p><p><b><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; I – </font></b><i><font>Qualificação jurídica da operação bancária</font></i> </p><p><b><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; </font></b> </p><p><font>O acórdão recorrido qualificou a operação bancária entre o autor e o réu, como uma atividade de intermediação financeira.</font> </p><p><font>Entendemos, também, ser esta a natureza jurídica da operação.</font> </p><p><font>A intermediação financeira designa o conjunto de atividades destinadas a mediar o encontro entre oferta e procura no mercado de capitais, assegurando o seu regular e eficaz funcionamento.</font> </p><p><font>O papel comercial, cujo regime jurídico está definido no DL n.º 69/2004, de 25-‑03, está qualificado como um valor mobiliário de natureza monetária (cf. art. 1.º, n.º 1, do mesmo diploma) e é utilizado para suprir necessidades de liquidez imediata ou para servir de sucedâneo à emissão de garantias sobre contratos de concessão de crédito (cf. Paulo Câmara, </font><i><font>Manual de Direito dos Valores Mobiliários, </font></i><font>Almedina, Coimbra, 2011, p. 198)</font> </p><p><font>O Código dos Valores Mobiliários não define intermediação financeira, mas afirma quem são os intermediários financeiros e quais os serviços e atividades de investimento.&nbsp; &nbsp;</font> </p><p><font>O art. 289º, nº 1, a), do CVM estabelece que são atividades de intermediação financeira os serviços e atividades de investimento em instrumentos financeiros. Por sua vez, intermediários são, nos termos do art. 293º, nº 1, a), do mesmo diploma, as instituições de crédito (e as empresas de investimento) que estejam autorizadas a exercer atividades de intermediação financeira em Portugal. Finalmente, são serviços e atividades de investimento em instrumentos financeiros, segundo o art. 290º, nº 1, a) e b), do mesmo código, a receção e a transmissão de ordens por conta de outrem, bem como a execução de ordens por conta de outrem. &nbsp;</font> </p><p><font>Resulta dos factos provados 4., 12., 14. e 24, que o Autor fez um investimento de 150.000,00 euros em papel comercial emitido pela «CNE, S.A.» (empresa do mesmo grupo empresarial em que o Banco se achava integrado), adquirindo papel comercial da CNE junto do Banco Réu, a quem deu ordem de compra do mesmo, o que o Réu fez, por conta do Autor.</font> </p><p><font>Donde resulta que a qualificação jurídica da intervenção do Réu não pode deixar de ser considerada como um serviço e uma atividade de intermediação financeira e o contrato celebrado entre o autor e o réu um contrato de intermediação financeira enquanto categoria contratual autónoma aberta, representada por um conjunto de contratos financeiros que se encontram subordinados a um regime jurídico mínimo comum, e que têm a natureza de contratos comerciais celebrados entre um intermediário financeiro e um cliente (investidor) relativos à prestação de atividades de intermediação financeira (cf. Engrácia Antunes, «Os contratos de intermediação financeira», </font><i><font>BFDC,</font></i><font> vol. 85, 2009, p. 281-282). </font> </p><p><font>Estes contratos têm por objeto mediato não apenas os tradicionais valores mobiliários (ações, obrigações, unidades de participação, direitos destacados, etc.), mas genericamente qualquer tipo de instrumento financeiro, incluindo instrumentos monetários (bilhetes do tesouro, papel comercial, obrigações de caixa) e instrumentos derivados (futuros, opções, </font><i><font>swaps, forwards</font></i><font>, etc).</font> </p><p><font>&nbsp;</font> </p><p><b><font> </font></b> </p><p><font>II – </font><i><font>Prazo de prescrição (momento do início de contagem; dolo ou culpa grave)</font></i> </p><p><font>&nbsp;</font> </p><p><b><font>1. </font></b><font>Sobre o prazo de prescrição entendeu o acórdão recorrido que, no domínio da responsabilidade contratual do intermediário financeiro por negócio em que haja intervindo nessa qualidade, consagra o art. 324.º, n.º 2, do Código dos Valores Mobiliários, um prazo de prescrição de dois anos a partir da data em que o cliente tenha conhecimento da conclusão do negócio e dos respetivos termos (salvo dolo ou culpa grave), decidindo, quanto ao início de contagem do prazo, o seguinte: </font> </p><p><font> </font> </p><p><font>«Deve entender-se que estes dois requisitos se verificam se alguém subscreve uma aplicação em papel comercial em 25.1.2008, pelo montante de 150.000 euros (em 3 tranches de 50.000 euros), indicando-se no documento a remuneração anual do investimento, assim como a sua duração de 1 ano, mencionando-se concretamente que o vencimento/reembolso ocorria a 26.1.2009; ou seja, o negócio celebrado dava-se por executado nessa data de 26.1.2009, dia em que o A. receberia o capital e a remuneração, sendo a partir de tal data que se inicia a contagem do prazo de prescrição, por o mesmo a partir dessa data poder exercer o seu direito (art. 306º, nº 1, do CC), designadamente a reclamação do capital».</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; Afirma a citada norma do art. 324.º, n.º 2 do CVM que «</font><i><font>Salvo dolo ou culpa grave, a responsabilidade do intermediário financeiro por negócio em que haja intervindo nessa qualidade prescreve decorridos dois anos a partir da data em que o cliente tenha conhecimento da conclusão do negócio e dos respetivos termos</font></i><font>».</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; Importa, definir, para o efeito da aplicação desta norma, a partir de que momento se começa a contar o prazo de prescrição e o que se entende por dolo ou culpa grave como exceção que provoca a desaplicação do prazo curto previsto no CVM e o recurso ao prazo geral de prescrição de 20 anos consagrado no Código Civil para responsabilidade contratual.</font> </p><p><b><font>&nbsp;</font></b> </p><p><b><font>2.</font></b><font> O prazo de prescrição tem por fundamento a segurança jurídica do devedor e a penalização da negligência do credor, que não foi lesto na defesa dos seus interesses, criando expetativas no credor de que não exerceria o direito. </font> </p><p><font> </font> </p><p><font>No caso </font><i><font>sub judice</font></i><font>, demonstrou-se segundo o facto provado n.º 24 que «Aquando da subscrição da aplicação aludida em 4., o autor foi informado que se tratava de produto com garantia de reembolso idêntica à do próprio Banco, uma vez que a empresa emitente – a «CNE, S.A.» – era do mesmo grupo empresarial em que o Banco se achava integrado».</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>A escolha do produto foi do Banco, o que o autor aceitou com base na relação especial de confiança com a instituição bancária, segundo os factos provados 3. e 4. - «3. Por sugestão da gerente desse balcão, FF, o autor decidiu aplicar esse dinheiro num produto que lhe concedesse uma taxa de juro favorável [alínea C)]. 4. Foi-lhe então proposto pela dita gerente que investisse tal quantia em papel comercial emitido pela «CNE, S.A.», subscrevendo o autor o documento denominado “Comunicação Cliente” de fls. 7vº [alínea D)]».</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Nos termos dos factos 11., 12.,13. e 14., o autor só aceitou o investimento em face da informação de que não corria o risco de perder capital e se o rendimento fosse seguro, o que lhe foi assegurado pelo Banco:&nbsp; </font> </p><p><font>«11. Aquando do facto descrito em 3. e 4., o autor alertou expressamente a gerente da agência, FF, que só “investiria” aquele dinheiro se o rendimento e a recuperação dos valores aplicados fossem 100% seguros [ponto 1º]. </font> </p><p><font>12. Foi-lhe então assegurado por aquela gerente, que a aplicação descrita em 4. tinha uma rendibilidade anual garantida de 5,553% e que, sendo uma aplicação de uma empresa do grupo, estava assegurado o reembolso do capital e juros, não comportando qualquer risco [pontos 2º, 3º]. </font> </p><p><font>13. Ao tempo, o «BB – Banco BB» era uma instituição bancária que oferecia total confiança ao investidor [ponto 4º].</font> </p><p><font>14. Confiando nessas informações, o autor aceitou então aplicar € 150 000,00 naquele papel comercial, em três tranches de € 50 000,00 cada, no dia 25 de janeiro de 2008, subscrevendo o documento aludido em 4., já previamente manuscrito por alguém da agência [ponto 5º].</font> </p><p><font>15. Os pagamentos de juros aludidos em 5. a 7. reforçaram a confiança do autor que tinha apostado num produto credível e seguro [ponto 6º]».</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Afirma a lei que o prazo de prescrição de dois anos só começa a correr na data em que o cliente tenha conhecimento da conclusão do negócio e dos respetivos termos. </font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Ora, a data da conclusão do negócio e do conhecimento dos seus termos não pode ser a data em que o autor aceitou fazer o investimento em papel comercial emitido pela «CNE, S.A.» e subscreveu o documento denominado “Comunicação Cliente”. Pois, nesta data, 25 de janeiro de 2008 (facto provado n.º 14), a sua convicção, por violação do dever de informação do banco, era a de que este negócio tinha como elemento essencial que o investidor nunca perderia o capital investido, contrariamente ao que veio a suceder. A data a partir da qual começa a correr o prazo deve ser aquela em que ele conheceu os exatos termos do negócio, ou seja, em que tomou conhecimento da possibilidade da perda de capital. Afirma o facto provado n.º 18, que, em data não apurada, o autor pediu o retorno do capital, o que foi negado. </font> </p><p><font> </font> </p><p><font>O risco associado àquela aplicação concreta não foi, na representação do autor, provocada pela informação que lhe foi prestada pelo banco, um investimento de risco.&nbsp; </font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Os cidadãos depositam as suas economias nos Bancos porque estas instituições se revestem de uma especial confiança como guardiães dos seus valores.</font> </p><p><font>O autor alegou e provou que, ao ser-lhe proposto o investimento em causa, alertou expressamente a gerente da agência de que só investiria aquele dinheiro se o rendimento e a recuperação dos valores aplicados fosse completamente segura, tendo-lhe sido garantido que, tratando-se de uma aplicação de uma empresa do grupo, estava assegurado o reembolso do capital e juro, não comportando a operação qualquer risco.</font> </p><p><font>Mais alegou e provou que “nunca foi facultado ao autor uma nota informativa acerca da natureza e funcionamento desse produto, o papel comercial CNE S.A.” (facto provado n.º 19).</font> </p><p><font>O ónus da prova do decurso do prazo prescricional impende sobre o réu, ao abrigo do disposto no n.º 2 do art. 342.º do CC.</font> </p><p><font>Provado que o autor se limitou a assinar aquela “Comunicação Cliente”, e que nunca lhe foi fornecida qualquer nota informativa acerca das características do produto que se dispôs a adquirir, era à Ré que incumbia a prova da data a partir da qual o autor terá tido acesso a tais elementos.</font> </p><p><font>O autor alega que só no final de 2011 é que teve a noção, ainda que de forma difusa e pouco aproximada, dos termos e da natureza do produto que negociou com o BB e que só então lhe foi dito que as operações ou aplicações em papel comercial CNE, SA estavam congeladas. Sendo assim, tal reconhecimento não implica a prescrição do seu direito, pois a ação deu entrada em 8 de fevereiro de 2013, não tendo ainda decorrido dois anos. Quanto a esta matéria a ré limita-se a alegar que “Ainda que antes não soubesse exactamente as condições da subscrição do produto financeiro em causa, a verdade é que sabia que ele se vencia a 26-01-2009, e que nessa data deveria ter sido reembolsado do capital investido”.</font> </p><p><font>Não resultando dos factos provados, em que momento é que o autor teve conhecimento dos exatos termos e condições do produto por si adquirido através do réu, esta ausência de prova funcionará contra o réu, beneficiário do invocado prazo de prescrição, como exceção ao direito do autor.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Em consequência, não se pode ter por verificado o prazo de prescrição.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Coloca-se, ainda, a questão, no caso </font><i><font>sub judice</font></i><font>, de saber se nos encontramos perante uma atuação com dolo ou culpa grave do intermediário financeiro, em face da natureza particularmente intensa dos deveres legais de informação que sobre este impendem, nomeadamente, quanto aos riscos especiais nas operações a realizar e quanto à informação prévia a disponibilizar para permitir a tomada de uma decisão consciente.</font> </p><p><font>Ora, para definir o que se entende por dolo ou culpa grave no domínio da exceção ao prazo curto de prescrição previsto no art. 324.º, n.º 2 do CVM, temos que ter em conta a ponderação de interesses inerente à norma; as características da relação entre o banco e o cliente – a confiança especial depositada por este na instituição bancária; e os deveres de informação, lealdade, cuidado com valores alheios e boa fé do Banco em relação ao cliente.</font> </p><p><font>A graduação do grau de negligência (grave, leve e levíssima) terá de aferir-se pelo padrão de culpa consagrado no art. 304.º, n.º 2 do CVC, segundo o qual «nas relações com todos os intervenientes no mercado, os intermediários financeiros devem observar os ditames da boa-fé, de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência». </font> </p><p><font>Esta norma consagra um padrão de culpa que transcende o critério fixado no n.º 2 do art. 487.º, n.º 2 do CC, que tem como referência uma pessoa média, mas consiste antes no sujeito </font><i><font>diligentissimus</font></i><font>, em virtude de serem exigíveis a estas instituições os cuidados especiais que só as pessoas muito prudentes observam (cf. Gonçalo André Castilho dos Santos, </font><i><font>A responsabilidade civil do intermediário financeiro, </font></i><font>Almedina, 2008,</font><i><font> </font></i><font>p. 201). Deve ter-se também em conta os deveres de informação previstos no art. 312.º, n.º 1 do CVM relativamente ao período anterior à formação do contrato, destinados a garantir uma </font><i><font>“tomada de decisão esclarecida e fundamentada”</font></i><font> quanto aos </font><i><font>“riscos especiais envolvidos nas operações a realizar”</font></i><font>, dispondo esta norma que a extensão da obrigação de informar será tanto maior quanto menor o grau de conhecimentos e de experiência do cliente.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>O Código de Valores Mobiliários contém inúmeras normas de proteção ao investidor não qualificado, impondo ao intermediário financeiro o dever de obter informações acerca dos conhecimentos e experiência do cliente, com o objetivo de possibilitar efetivamente a avaliação de que o “cliente compreende os riscos envolvidos”, para então formar seu juízo acerca da adequação do investimento para o cliente, informando-o em conformidade (art. 314.º). Salienta-se também a imposição de que as informações previstas no n.º 1 do art. 312.º sejam prestadas por escrito, imposição que se estende à advertência a efetuar ao cliente de que determinada operação não é adequada ao seu perfil (art. 314.º, n.º 2).</font> </p><p><font>No caso presente, encontramo-nos perante o recurso a técnicas de venda agressivas, mediante a utilização de informação enganosa ou ocultando informação, com o intuito de obter a anuência do cliente a determinados produtos de risco que nunca subscreveria se tivesse conhecimento de todas as características do produto, nomeadamente se soubesse que nem sequer o capital investido era garantido.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>A qualificação da culpa do banco como grave constitui uma exceção ao prazo curto fixado no art. 324.º, n.º 2 do CVN, e remete-nos para o prazo geral de prescrição mais alargado (art. 309.º do CC), pelo que também por este motivo não prescreveu o direito do autor.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Não se verificando a exceção invocada pelo réu quanto ao prazo de prescrição, ficam precludidas o conhecimento das questões da interrupção e da renúncia à prescrição, bem como a do abuso do direito, passando-se ao conhecimento do mérito: a responsabilidade do intermediador pelos danos causados ao investidor.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font> </font> </p><p><font>III – </font><i><font>Responsabilidade civil do intermediador pelos danos causados ao cliente</font></i> </p><p><b><font> </font></b> </p><p><b><font>4.</font></b><font> Não tendo prescrito o direito do autor, importa agora conhecer do fundo da questão. Responderá o banco réu pelos danos que o autor sofreu?</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>A responsabilidade do intermediário financeiro, </font><i><font>in casu</font></i><font> um Banco, a que alude o artigo 314º do CVM, é uma responsabilidade contratual, cujos pressupostos estão definidos pelo artigo 798º do CC.</font> </p><p><font>Nos termos do art. 314.º, n.º 1: «Os intermediários financeiros são obrigados a indemnizar os danos causados a qualquer pessoa em consequência da violação de deveres respeitante ao exercício da sua atividade, que lhes sejam impostos por lei ou por regulamento emanado de autoridade pública».</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Tendo o Banco réu avançado para a aquisição do produto financeiro aqui em causa, sem observar os deveres de informação, torna-se responsável pelos prejuízos causados ao autor, nos termos do art. 314.º n.º 1 do Código de Valores Mobiliários, sendo certo também que não se mostra ilidida a presunção a que alude o n.º 2 do citado art. 314.º e que impende sobre o Banco Réu. </font> </p><p><font> </font> </p><p><font>É fonte de tal responsabilidade a violação do dever de informação a que estão obrigados os bancos, definido no artigo 75º, nº 1 do regime jurídico das instituições bancárias, aprovado pelo DL n.º 298/92, de 31-12 (artigo 77º, n.º 1 e 5, em face das redações introduzidas pelos DL n.º 1/2008 e 211-A/2008).</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Trata-se de uma modalidade de responsabilidade civil que se situa numa zona intermédia entre a responsabilidade contratual e a extracontratual, e que aqui qualificamos como responsabilidade contratual, aplicando-se em consequência o regime do art. 799.º do CC.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>O art. 77.º, n.º 1 do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras dispõe o seguinte:</font> </p><p><font>«As instituições de crédito devem informar com clareza os clientes sobre a remuneração que oferecem pelo fundos recebidos e os elementos caracterizadores dos produtos oferecidos, bem como sobre o preço dos serviços prestados e outros encargos a suportar pelos clientes».</font> </p><p><font>A culpa na responsabilidade contratual presume-se, nos termos do art. 799.º do CC. Esta norma, segundo Menezes Cordeiro, contém uma dupla presunção de ilicitude e de culpa. «Perante a falta de cumprimento, presume-se que: o devedor não cumpriu, violando as normas jurídicas que mandam cumprir – ilicitude; o devedor incorre no correspondente juízo jurídico de censura – culpa”» (cf. Menezes Cordeiro, </font><i><font>Direito Bancário</font></i><font>, 5.ª Edição revista a atualizada, Almedina, Coimbra, 2014, pp. 431-432).</font> </p><p><font>Na presença de um acordo entre o banqueiro e o seu cliente a «falta do resultado normativamente prefigurado implica presunções de culpa, de ilicitude e de causalidade» (cf. Menezes Cordeiro, </font><i><font>Direito Bancário,</font></i><font> </font><i><font>ob. cit.,</font></i><font> p. 432).</font> </p><p><font>Assim, numa situação de tipo obrigacional, a mera falta de informação do beneficiário responsabiliza
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GTJ1u4YBgYBz1XKv4Axz
1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><font> </font><br> <font> Acordam no Supremo Tribunal de Justiça</font> <p> </p><p><b><font> I – Relatório</font></b> </p><p> </p><p><b><font>1.</font></b><font> Em 13 de dezembro de 2016, </font><b><font>AA</font></b><font> intentou a presente ação declarativa com a forma de processo comum contra </font><b><font>BB, CC, DD e EE,</font></b><font> pedindo que: a) se declare a ineficácia da escritura de justificação feita pelos RR. (requerendo a comunicação à Notária Dra. FF da pendência da ação); b) se considerem impugnados para todos os efeitos legais os factos justificados na escritura de 6.6.2013 e respetiva retificação referente à aquisição pelos RR., por usucapião, das parcelas de terreno com a área total de 1042,70m2; c) se declare nula e de nenhum efeito essa escritura por violação das formalidades essenciais previstas no artigo 99º do Código do Notariado (CNot.); d) se ordene o cancelamento de quaisquer registos operados com base no documento aqui impugnado.</font><br> <br> <font>A fundamentar o peticionado, alegou, em síntese:</font><br> <font>A Autora, em 3.6.1981, adquiriu a nua propriedade do prédio misto denominado …, situado no …, descrito na CRP de Almada sob o n.º … (atualmente sob a ficha nº …/…), com a área total de 20.192m2, que confronta a Norte com a EN, a Sul com …., do Nascente com a sociedade de investimentos, e a …. com a …, que registou a seu favor.</font><br> <font>Em 27.4.1988, com a morte do usufrutuário, ficou na posse plena da propriedade, que começou a explorar integralmente, de forma pública, e sem oposição de ninguém.</font><br> <font>Ao organizar o pedido de loteamento e licenciamento junto da CM, a A. tomou conhecimento de que parte da sua propriedade (1042,70m2) tinha sido adquirida por usucapião com base em escritura de justificação notarial outorgada no Cartório da Dra. FF, em 6.6.2013, posteriormente retificada a 13.9.2013, com base em falsas declarações.</font><br> <font>Antes da celebração da escritura, a 1ªR. compareceu no referido Cartório e requereu a notificação prévia da Autora, com sede na Rua …, nº …, Grupo…, ….</font><br> <font>A carta para notificação foi remetida para a morada indicada em 1.4.2013, sendo que, naquela data, essa não era já a morada da sede da Autora, o que sucedia desde 28.9.2012. </font><br> <font>Não foram, assim cumpridas as formalidades legais exigíveis para a citação da A. interessada, o que determina a nulidade de todo o processado posterior, nos termos do artigo 99.º, n.º 5, do CNot., enfermando a escritura notarial de irregularidade por inobservância de formalidade essencial, ficando ferida de nulidade.</font><br> <font>O facto de ter sido promovida citação edital da A. em nada releva, porquanto foi indevidamente utilizada a citação edital, pois o paradeiro da A. não era desconhecido podendo ser facilmente constatável por consulta da certidão comercial, o que determina a falta de citação.</font><br> <font>As pretensões dos RR. teriam de ser levadas ao conhecimento do titular inscrito sob pena de ineficácia da escritura.</font><br> <br> <b><font>2.</font></b><font> Citados, contestaram os 1.ª, 3.º e 4.º RR., por impugnação, pugnando pela improcedência da ação, e consequente declaração de validade e eficácia da escritura de justificação celebrada pelos RR. em 6.6.2013 e retificada em 13.9.2013.</font><br> <font>Mais deram conhecimento do falecimento da 2ªR.</font><br> <br> <b><font>3.</font></b><font> Realizou-se audiência prévia, na qual, para além do mais, se proferiu o seguinte despacho: </font><i><font>“Entende a A. que a sua notificação prévia no âmbito do processo de justificação notarial padece de irregularidade, segundo aquela a notificação foi remetida pelo Cartório Notarial em 1 de Abril de 2013 para a R. …, nº … Grupo…, sendo que naquela data essa não era a morada da sede da A. No caso que ora cumpra apreciar, não vislumbramos que a notificação prévia padeça de alguma irregularidade. A notificação postal, sob registo e com aviso de recepção, foi expedida para a morada da sede da autora que constava do registo predial do prédio, tudo em conformidade com o disposto no art. 99, nºs 1 e 5 do Código de Notariado. Face à devolução de tal expediente postal, afigura-se-nos razoável que o Cartório Notarial tivesse procedido à notificação por éditos prevista no art. 99º, nº 7 do Código de Notariado. Contudo, mesmo que assim não se entendesse, entendemos que, à semelhança do que sucede com os processos de justificação das conservatórias, as irregularidades cometidas no processo de justificação notarial não podem ser invocadas em acção judicial em que se questiona o direito justificado (cfr. a este propósito o Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa de 15.11.2011, proferido no proc. 884/07.1TBLNH.L1-7, onde se conclui que as irregularidades respeitantes ao processo de justificação na conservatória não podem ser invocadas através de acção judicial em que se impugne o direito que subjaz ao registo). Pelo exposto, julgo improcedente, por não provada, a excepção dilatória de nulidade da notificação prévia no processo de justificação notarial deduzida pela autora”. </font></i><br> <br> <font>Em 4.7.2018, na sequência da apelação apresentada, foi proferido despacho a corrigir a decisão proferida, passando a constar que </font><i><font>“Pelo exposto, julgo improcedente, por não provada a arguição de nulidade da notificação prévia no processo de justificação notarial deduzida pela autora”.</font></i><br> <br> <b><font>4.</font></b><font> Inconformada com a decisão, apelou a Autora, tendo o Tribunal da Relação de Lisboa, por acórdão datado de 9 de abril de 2019, decidido o seguinte:</font><br> <i><font>«Pelo exposto, acorda-se em julgar procedente a apelação, revogando a decisão recorrida, que se substitui por outra a declarar a nulidade da escritura de justificação notarial outorgada em 6.6.2013 no Cartório Notarial de …, posteriormente rectificada a 13.9.2013, objecto dos presentes autos, ordenando-se o cancelamento dos registos operados com base na referida escritura».</font></i><br> <br> <b><font>5.</font></b><font> Inconformados, os réus interpõem recurso de revista, para este Supremo Tribunal, no qual formularam as seguintes conclusões:</font></p><div><b><font>«1.ª</font></b></div><font>Nos termos do disposto nas normas dos artigos 99º-5 do CN e do 117º-G-3 do CRPr, a notificação prévia do titular inscrito é feita nos termos gerais da lei processual civil, aplicada com as necessárias adaptações.</font><div><b><font>2.ª</font></b></div><font>As disposições atinentes à citação e à notificação, encontravam-se previstas nos artigos 228º e seguintes, em especial no artigo 255º- 1 do CPC.1961.</font><div><b><font>3.ª</font></b></div><font>Da aplicação dos citados preceitos do CPC.1961, em especial do artigo 255º-1, resulta que as notificações são feitas por carta registada dirigida para a sede da parte ou no domicílio escolhido para o efeito de as receber, presumindo-se feitas no terceiro dia posterior ao do registo ou no primeiro dia útil seguinte a esse quando não o seja.</font><div><b><font>4.ª</font></b></div><font>As citadas normas do CPC.1961 carecem em qualquer caso de ser sempre conjugadas com o regime geral das notificações do Código do Registo Predial, em especial com o estatuído no seu artigo 154º, que no seu nº 3, estipula que “a notificação não deixa de produzir efeito pelo facto de o expediente ser devolvido, desde que a remessa tenha sido feita para a morada indicada pelo notificando nos atos ou documentos apresentados no serviço de registo”.</font><div><b><font>5.ª</font></b></div><font>A autora foi notificada para a morada que constava do registo predial como sendo a da sua sede.</font><div><b><font>6.ª</font></b></div><font>Foi esta a morada que a autora indicou nos serviços de registo predial quando requereu a sua inscrição como titular do prédio.</font><div><b><font>7.ª</font></b></div><font>O registo predial constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define (artigo 7º do CPRr).</font><br> <div><b><font>8.ª</font></b></div><font>O registo predial faz presumir que os dados que dele constam estão corretos e atualizados.</font><div><b><font>9.ª</font></b></div><font>Ao contrário do que foi entendido no acórdão de que se recorre, não era exigível à Senhora Notária que tendo sido devolvida a carta que foi enviada para morada da sede da autora que constava no registo predial, esta tivesse de lançar mão do disposto no artigo 237º do CPC.1961 e proceder à citação do legal representante da autora, mediante carta registada com aviso de receção remetida para a sua residência ou local de trabalho.</font><div><b><font>10.ª</font></b></div><font>O Tribunal da Relação de Lisboa na decisão recorrida ao ter entendido que a Senhora Notária perante a carta devolvida, estava obrigada a proceder à citação do legal representante da autora para a sua residência ou local de trabalho, não interpretou, nem aplicou convenientemente e violou as normas constantes dos artigos 237º do CPC.1961 e do artigo 99º-5 do CN e dos artigos 154º-3 e 117º G-3 do CRPr.ª</font><div><b><font>11.ª</font></b></div><font>Tratando-se como se trata de domicílio indicado por escrito, pelo próprio titular ou seu representante (artigo 154º-3 do CRPr), há que entender que a morada que consta da inscrição no registo predial tem o estatuto de domicílio escolhido ou eletivo.</font><div><b><font>12.ª</font></b></div><font>A citação postal em processo civil tanto pode ser feita na sede das sociedades como em domicílio escolhido, nos termos das normas dos artigos 236º-1 e 467º-1 a) do Código de Processo Civil.</font><div><b><font>13.ª</font></b></div><font>A morada indicada na inscrição no registo predial constitui domicílio escolhido, para efeitos de notificação atinente àquele registo.</font><div><b><font>14.ª</font></b></div><font>É ónus do titular do registo predial mantê-lo atualizado, pelo que não pode prevalecer-se da falta de notificação que lhe tenha sido dirigida para a morada constante da citada inscrição registral.</font><div><b><font>15.ª</font></b></div><font>Impunha-se que o Tribunal da Relação na decisão recorrida tivesse considerado que a notificação que foi enviada à autora para a morada constante do registo predial, foi dirigida para o seu domicílio escolhido e é por isso foi válida e eficaz, não sendo exigível à Senhora Notária, que perante a devolução da carta de notificação, procedesse à citação do legal representante da autora, nos termos previstos no artigo 237º do CPC.1961 ou que fosse confirmar junto do RNPC a morada da sede da autora, nos termos do previsto no artigo 244º do CPC.1961.</font><div><b><font>16.ª</font></b></div><font>Ao não ter entendido desta forma, a decisão recorrida não interpretou, nem aplicou convenientemente o direito e violou a norma constante do artigo 154º-3 do CRPr e dos artigos 237º e 244º do CPC.1961.</font><br> <div><b><font>17.ª</font></b></div><font>A disciplina da notificação edital no âmbito dos processos de justificação notarial, tem sede própria, pois consta das normas do artigo 99º, nºs. 4 e 7 do CN e do artigo 117º-G, nº 6 do CRPr.</font><div><b><font>18.ª</font></b></div><font>O nº 4 do artigo 99º do CN estabelece que o notário, quando profere despacho a ordenar a notificação do titular inscrito, deve, desde logo, ordenar igualmente a notificação edital daquele, para o caso de se verificar a sua ausência em parte incerta. Verificada a ausência em parte incerta do titular inscrito, deve ser feita a sua notificação edital.</font><div><b><font>19.ª</font></b></div><font>A decisão recorrida, considera que no caso em apreço, a Senhora Notária antes de ordenar a notificação edital da autora, deveria ter observado as seguintes formalidades: 1º) enviar a carta de notificação para a morada da sede da autora constante do registo predial; 2º) tendo a carta sido devolvida, lançar mão do disposto no artigo 237° do CPC.1961 e proceder à citação do legal representante da autora; 3º) confirmar a morada da sede da autora junto do RNPC, nos termos do disposto no artigo 244° do CPC.1961 e enviar nova carta de notificação para a morada que consta do RNPC.</font><div><b><font>20.ª</font></b></div><font>A disciplina da notificação edital no âmbito dos processos de justificação notarial, tem regras próprias, constantes das normas do artigo 99°, n°s 4 e 7 do CN e do artigo 117°-G, n° 6 do CRPr e nenhuma destas normas impõe o cumprimento das formalidades que o Tribunal da Relação considera serem imperativas, designadamente, a citação do legal representante da autora e a confirmação da morada da sede da autora junto do RNPC.</font><div><b><font>21.ª</font></b></div><font>Se é certo que nos termos do disposto nas normas dos artigos 99°-5 do CN e do 117°-G-3 do CRPr, a notificação prévia do titular inscrito é feita nos termos gerais da lei processual civil, também nos parece claro que a lei processual civil, deve ser aplicada com as necessárias adaptações e que esta remissão para o código de processo civil deverá ser entendida como remissão para as normas que regulam o modo das notificações em geral e não para as normas que regulam a oportunidade e/ou modalidades da citação.</font><div><b><font>22.ª</font></b></div><font> As formalidades constantes dos artigos 237º e 244º do CPC.1961 que o Tribunal da Relação considera serem imperativas e que entende deveriam ter sido observadas pela Senhora Notária, não se aplicam às notificações no âmbito dos processos de justificação notarial.</font><div><b><font>23.ª</font></b></div><font>Não se nos afigura assim que fosse exigível à Senhora Notária que procedesse à citação do legal representante da autora e apurasse junto do RNPC se a morada da sede da autora que constava no registo predial estava ou não atualizada. Tal era um ónus da autora. Era à autora que incumbia manter a sua sede atualizada no registo predial.</font><div><b><font>24.ª</font></b></div><font>A autora foi notificada para a morada que constava do registo predial como sendo da sua sede. Foi esta a morada que a autora indicou no ato e nos documentos que apresentou junto dos serviços de registo predial, quando requereu a sua inscrição como titular do prédio e que nos termos do disposto no artigo 154º-3 do CRPr, tem o estatuto de domicílio escolhido ou eletivo.</font><div><b><font>25.ª</font></b></div><font>A autora foi deviamente notificada, tendo sido observadas e cumpridas todas as formalidades exigidas para a sua notificação enquanto titular inscrito, não se verificando qualquer irregularidade ou inobservância de formalidade essencial que afete a validade e legalidade da escritura de justificação.</font><div><b><font>26.ª</font></b></div><font>A notificação prévia da autora, foi devidamente efetuada, é válida e plenamente eficaz, observou e cumpriu integralmente as formalidades legalmente exigidas pelas normas constantes dos artigos 99º do CN, 117º-G e 154º-3 do CRPr.</font><div><b><font>27.ª</font></b></div><font>O acórdão recorrido deveria ter considerado que a notificação prévia da autora não padece de qualquer irregularidade, por a notificação postal desta ter sido expedida para a morada da sua sede que constava do registo predial do prédio, em conformidade com o disposto na norma do artigo 99º- 1 e 5 do CN e por face à devolução de tal expediente postal ter sido feita a sua notificação edital conforme previsto na regra do artigo 99º-4 e 7 do CN.</font><div><b><font>28.ª</font></b></div><font>O Tribunal da Relação de Lisboa ao não ter entendido desta forma, não interpretou, nem aplicou convenientemente e por isso violou as normas constantes dos artigos do artigo 99º, nº1, 4, 5 e 7 do CN e do artigo 117º-G, nº 6 do CRPr.</font><div><b><font>29.ª</font></b></div><font>Até à entrada em vigor do Decreto-Lei nº 273/2001, de 13 de outubro, a justificação podia ser feita por via judicial, nos termos do processo especial regulado pelo Decreto-Lei nº 284/84, de 22 de agosto.</font><div><b><font>30.ª</font></b></div><font>Com a entrada em vigor do Decreto-Lei nº 273/2001, de 13 de outubro, operou-se a transferência de competências em processos desta natureza dos tribunais judiciais para os conservadores do registo e notários.</font><div><b><font>31.ª</font></b></div><font>A partir de 01-02-2002 os tribunais judiciais deixaram assim de ter competência para apreciar procedimentos com esta finalidade, competências que são exclusivamente de notários e conservadores.</font><div><b><font>32.ª</font></b></div><font>É princípio geral do direito processual que cabe ao órgão que praticou o ato nulo apreciá-lo e suprir a nulidade, quando for o caso.</font><div><b><font>33.ª</font></b></div><font>É seguindo este princípio processual geral que sempre se tem entendido que as nulidades nos procedimentos que correm nos notários e conservatórias são arguidas junto de quem praticou o ato, apenas cabendo recurso judicial da decisão final.</font><div><b><font>34.ª</font></b></div><font>O Tribunal da Relação não tem competência para apreciar as nulidades ou outras irregularidades eventualmente cometidas na tramitação do processo de justificação notarial, a não ser em via de recurso.</font><div><b><font>35ª</font></b></div><font>O Tribunal da Relação de Lisboa na decisão recorrida ao não ter decidido desta forma e ter entendido que pode conhecer nesta ação das eventuais nulidades ou outras irregularidades cometidas na tramitação do processo de justificação notarial, não interpretou, nem aplicou convenientemente e violou a norma constante do artigo 101º do CN.</font><br> <br> <font>Nestes termos e de mais direito, </font><br> <b><font>Deve a decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Lisboa ser revogada e substituída por douta decisão que confirme a decisão do Tribunal da 1ª instância que julgou improcedente a exceção de nulidade da notificação prévia no processo de justificação notarial deduzida pela autora.</font></b><br> <b><font>Desta forma e como sempre,</font></b><font> </font><b><font>farão V. Exas. a habitual </font></b><div><b><font> JUSTIÇA!»</font></b><br> </div><br> <br> <b><font>6.</font></b><font> A Autora apresentou contra-alegações, pugnando pela manutenção do decidido, com base, em síntese, nos seguintes argumentos:</font><br> <font>1 – À notária era exigido, nos termos da lei processual civil, que notificasse o representante legal da autora na sua residência ou local de trabalho ou que consultasse a base de dados do RNPC para se inteirar da morada atual da sociedade (artigos 237.º e 244.º do CPC/1961).</font><br> <font>2 – Seguindo-se a via edital, sem estas diligências, deve ter-se por não efetuada a notificação que seguiu a via edital, em face do que se encontra consagrado nos artigos 195.º, n.º 1, alíneas c) e d), 233.º, 244.º e 248.º, todos do Código de Processo Civil, aplicáveis </font><i><font>ex vi</font></i><font> do n.º 5 do artigo 99.º do Código do Notariado.</font><br> <font>3 – Assim sendo, conclui a A. que esta irregularidade é equivalente à falta de citação prévia da autora (artigos 195.º, n.º 1, al. c) e 198.º, ambos do CPC/6), o que consubstancia nulidade da citação prévia a inquinar a escritura subsequentemente realizada (artigo 201.º, n.º 2, do CPC/61), pelo que o registo a favor dos réus tem de ser cancelado.</font><br> <font> </font><br> <font> Terminou a A. as suas conclusões, peticionando que não seja dado provimento ao recurso, mantendo-se </font><i><font>“in totum” </font></i><font>o douto acórdão recorrido. </font><br> <br> <b><font>7. </font></b><font>A magistrada do Ministério Público no Tribunal da Relação de Lisboa, em representação dos Herdeiros Incertos da Ré CC, notificada das alegações de Recurso de Revista interposto pelos co-Réus BB, DD e EE nos autos acima identificados, e em que é A. AA, vem dizer o seguinte: </font> <p><font>«A A. AA interpôs acção para declaração de ineficácia da escritura de justificação dos RR. e a nulidade da mesma escritura por violação das formalidades essenciais previstas no art. 99º do C. do Notariado.</font> </p><p><font>Por acórdão proferido por este Tribunal da Relação foi julgado procedente o recurso e decidido que no caso, ao determinar sem mais a citação edital da A. sem cumprimento do art. 237.º do CPC61, a Senhora Notária omitiu uma formalidade imposta por lei, o que consubstancia uma nulidade a inquinar a escritura subsequentemente realizada e, em consonância com o assim decidido, revogou a decisão recorrida e ordenou a sua substituição por outra a declarar a nulidade da escritura de justificação notarial outorgada em 6.6.2013 no Cartório Notarial de …, posteriormente rectificada a 13.9.2013, objecto dos presentes autos, ordenando-se o cancelamento dos registos operados com base na referida escritura.</font> </p><p><font>Os RR vêm agora interpor recurso de revista para esse Venerando Tribunal, pedindo a confirmação da sentença ora revogada.</font> </p><p><font>Assim, sem prejuízo do disposto no art. 634.º, n.º 2, do CPC, reitera-se a posição assumida na resposta à apelação de fls 16 e 17, oferecendo-se o merecimento dos autos, com a certeza que V. Exas farão como sempre Justiça!»</font> </p><p> </p><p><b><font>8.</font></b><font> Sabido que, ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, o objeto do recurso é delimitado pelas respetivas conclusões, as questões a apreciar são as seguintes: </font> </p><p><font>1. A validade da notificação prévia da autora </font><br> <font>2. A repercussão das irregularidades da notificação prévia na validade da escritura de justificação notarial. </font><br> <br> <font>Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.</font><br> <br> <br> <b><font>II – Fundamentação</font></b><br> <br> <b><font>A - Matéria de facto </font></b> </p><p><font>1. Em 28.03.2013 a 1ª R. pretendeu iniciar procedimento para fins de justificação notarial da aquisição por usucapião de quatro parcelas de terreno, com a área total de 1.042,70 m2 a desanexar do prédio inscrito na matriz rústica sob parte do artigo …, secção …, que compunha o prédio misto, sito na …, freguesia de …, concelho de …, descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de … sob o nº … do livro ….</font> </p><p><font>2. O prédio descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de … sob o nº … do libro …, estava inscrito a favor da A., que havia requerido essa inscrição pela Ap. 22 de 17-06-1981, com os seguintes dados de identificação SUJEITO ATIVO: “AA.”, com sede na Rua …, ao …, em ….</font> </p><p><font>3. Em 28.03.2013, a 1ªR. requereu verbalmente à Notária Dra. FF, a notificação prévia da autora enquanto titular inscrita, para fins de justificação notarial.</font> </p><p><font>4. Por despacho de 28.03.2013 a Notária Dra. FF deferiu a notificação prévia da A. requerida pela 1ªR.</font> </p><p><font>5. Através do mesmo despacho, em 28.03.2013, a Notária ordenou também a notificação edital da A., para o caso da notificação pessoal não ser realizada.</font> </p><p><font>6. Em 01.04.2013 a Notária Dra. FF expediu, para efeitos de notificação da A., carta registada com aviso de receção para a morada desta constante do registo predial.</font> </p><p><font>7. À data de 01.04.2013 a morada da A. constante do registo predial era a Rua …, …, ….</font> </p><p><font>8. A carta expedida pela Notária, referida em 7. foi devolvida em 02.04.2013, com a menção de “encerrada” e “sem recetáculo para o aviso”.</font> </p><p><font>9. Na sequência da devolução da carta enviada à A., a Notária, Dra. FF, realizou a notificação prévia edital da A., através de editais, cuja afixação, pelo prazo de 30 dias, solicitou à 2ª Conservatória do Registo Predial de …, à Junta de Freguesia de … e à Junta de Freguesia de …, em …, editais estes que foram afixados por aquelas entidades, respetivamente, em 23, 17 e 20 de Maio de 2013.</font> </p><p><font>10. Em 6.06.2013 os réus outorgaram no Cartório Notarial de … da Notária …, a escritura de justificação notarial.</font> </p><p><font>11. Desde 28.9.2012 que a sede da A. é na ….</font> </p><p> </p><p><b><font>B – Questões de direito</font></b> </p><p><b><font>1. Validade da notificação prévia</font></b> </p><p><b><font>1.1 - </font></b><font>A justificação notarial, para fins de registo predial, tem a sua regulamentação nos artigos 89.º a 101.º do CNot., sendo admitida nos casos previstos no artigo 116.º do CRPred.: 1 - </font><i><font>Justificação relativa ao trato sucessivo</font></i><font>, isto é, para se obter a primeira inscrição, ou, dito de outro modo, para estabelecimento do trato sucessivo (artigos 89.º do CNot. e 116.º, n.º 1 do CRPred.); 2 – </font><i><font>Justificação para reatamento do trato sucessivo</font></i><font> (artigo 90.º do CNot., e artigos 116.º, n.º 2 e 34.º, n.º 4, do CRPred.); e 3 - </font><i><font>Justificação para o estabelecimento do novo trato sucessivo</font></i><font> (artigos 91.º do CNot. e 116.º, n.º 3, do CRPred.).</font> </p><p><font>O recurso à justificação notarial com base na usucapião tanto pode ter lugar estando o prédio omisso no registo ou descrito, sem que sobre ele exista inscrição da transmissão, domínio ou posse, como quando essa inscrição exista.</font> </p><p><font>Para além da justificação para primeira inscrição, aparecem dois tipos de justificação:</font> </p><p><font>a) Justificação para «reatamento do trato sucessivo» nos casos em que a sequência das aquisições derivadas, ou transmissões intermédias desde o titular inscrito até ao atual, não tenha sido interrompida por abandono do proprietário e subsequente aquisição baseada em usucapião, mas se verifique a falta de algum título, por extravio, destruição ou outro motivo atendível (artigo 90.º do Código do Notariado, doravante, CNot.)</font> </p><p><font>b) Justificação para «estabelecimento do novo trato sucessivo» nos casos em que a cadeia das aquisições derivadas haja sido interrompida por abandono do proprietário e se torne necessário invocar as circunstâncias em que se baseia a aquisição originária (artigo 91.º do CNot.). </font> </p><p><font>Se porém existe um registo do «proprietário formal» sobre o bem - o titular inscrito - importa, por respeito ao princípio do trato sucessivo, justificar o nascimento do direito invocado. </font><br> <font>No caso de reatamento do trato sucessivo ou de estabelecimento de novo trato, quando se verificar a falta de título em que tenha intervindo o titular inscrito, a escritura não pode ser lavrada sem a sua prévia notificação, efetuada pelo notário, a requerimento do interessado na escritura. </font><br> <font>A escritura de justificação notarial constitui um meio para suprir no registo predial a intervenção do titular inscrito, implicando a usucapião novo trato sucessivo a partir do titular do direito assim justificado. Para o efeito, o justificante deve referir as circunstâncias em que baseia a aquisição originária, com dedução das transmissões que a tenham antecedido e das subsequentes.</font><br> <font>A escritura de justificação notarial é, assim, um mecanismo capaz de regularizar a situação registal de prédios em situações em que não exista plena conformidade entre o que formalmente se encontra declarado no registo e a titularidade dos direitos adquirida por via da usucapião decorrente da posse durante o período necessário em função das características da posse ou da natureza do bem em causa. </font><br> <font>A escritura de justificação notarial é um instituto que contribui para a paz social e para a justiça, na medida em que, nos casos em que os interessados encontram dificuldades no registo, derivadas da falta ou insuficiência dos documentos normalmente necessários, e estão impossibilitados de demonstrar o seu direito e, consequentemente, de transmitir ou onerar os seus bens, a lei permite-lhes a prova da aquisição por usucapião. Criou, assim, a lei uma providência de natureza excecional, a justificação, destinada a possibilitar o estabelecimento do princípio do trato sucessivo (inscrição prévia e continuidade das inscrições), sempre que os interessados não disponham de títulos que comprovem os seus direitos.</font><br> <font> Os processos de justificação constituem, portanto, um instrumento útil e prático para a atualização dos direitos publicitados pelos registos, desde que se verifiquem todos os seus pressupostos, analisados de acordo com o prudente juízo dos notários e dos conservadores, como juristas habilitados e especializados. Assim se permitindo que a justificação sirva para que os registos contribuam eficazmente para a segurança do comércio jurídico e para a diminuição dos conflitos. </font><br> <font>Tem sido reconhecido, no entanto, que se trata de um instrumento arriscado e do qual pode ser feito um uso abusivo, potenciando que se procurem justificar direitos sem que se verifiquem os pressupostos da usucapião. Neste sentido, este Supremo Tribunal proferiu o Acórdão Uniformizador nº 1/08, de 4-12-07, no qual se decidiu que, para que possam prevalecer os efeitos jurídicos projetados através da justificação notarial, </font><i><font>maxime</font></i><font>, a presunção da titularidade do direito real, recai sobre os justificantes o ónus da prova dos factos constitutivos do direito que pretenderam justificar para sustentar a alteração da inscrição registal. Como se afirma no Acórdão deste Supremo Tribunal, de 25-06-2015 (proc. n.º 17933/12.4T2SNT.L1.S2):</font><br> <font>«Assim, para além de a lei prever o antídoto que pode evitar os efeitos negativos do uso abusivo da justificação notarial, não podemos deixar de creditar a tal instrumento uma elevada dose de pragmatismo e de eficácia que confluem para o objectivo da regularização registral de prédios, através da obtenção de um instrumento formal sem as exigências, os custos e as demoras inerentes quer à acção de justificação judicial, quer à acção de simples apreciação positiva para reconhecimento do direito real por usucapião, meios processuais de natureza contenciosa.</font><br> <font>Relativamente aos casos verdadeiramente patológicos, os efeitos negativos para os titulares inscritos, cujos interesses podem ser afectados pela justificação notarial, acabam por ser atenuados com a atribuição do direito de acção que lhes permite confrontar judicialmente o justificante e onerá-lo com a prova dos factos justificativos da usucapião, à semelhança do que ocorreria numa acção de reconhecimento do direito real pela mesma via.</font><br> <font>A experiência demonstra, aliás, que o uso razoável daquele mecanismo facilita e simplifica a regularização tabular dos prédios num sistema como o nosso em que, essencialmente fora dos grandes meios urbanos, ainda não está generalizada a percepção das vantagens do cumprimento dos requisitos formais no que concerne aos negócios que têm por objecto prédios rústicos e urbanos (outorga de escritura pública e registo predial dos factos) ou em que, com elevada frequência, se verifica uma desconformidade entre os aspectos de ordem substancial ou material e os aspectos de ordem formal atinentes ao património imobiliário».</font><br> <br> <b><font>1.2</font></b><font> - Neste processo estamos perante a questão de saber se a notificação prévia efetuada ao titular inscrito é válida, e se, sendo irregular ou inválida, esse vício se repercute na eficácia da escritura de justificação notarial. </font><br> <font>O titular inscrito tem direito a proteção legal, exigindo a lei, nos casos em que não se prove que ele transmitiu o seu direito, a sua prévia notificação, visando dar a conhecer ao notificando a pretensão dos justificantes, para que aquele, querendo, a ela venha deduzir impugnação (artigo 99.º, n.º 1, do CNot.). A notificação prévia visa, assim, rodear a escritura de justificação de um mínimo de segurança e cautela, com o objetivo de evitar futuros litígios.</font><br> <font>Como afirma Mouteira Guerreiro, “Notas sobre as Justificações”, disponível para consulta, </font><a><u><font>www.fd.uc.pt/cenor</font></u></a><font>, pp. 8-9: «Na verdade, não há que presumir o abandono do direito por parte daquele titular inscrito. Pelo contrário, de harmonia com as presunções que o Código estabelece, designadamente no artigo 7º, ter-se-á de presumir que tal direito lhe continua a pertencer nos precisos termos em que o registo o define. Daí tornar-se essencial que antes de ser celebrada a escritura de justificação ou de decidido o processo, se proceda à notificação do titular inscrito - ou, no caso da sua ausência ou falecimento, à dos herdeiros – e neste caso permitindo
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IjKJu4YBgYBz1XKvgRjV
1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><br> <br> <p><b><font> </font></b> </p><p><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font> </p><p><font> </font> </p><p><font> </font> </p><p><b><font>I – Relatório</font></b> </p><p><font>&nbsp;</font> </p><p><b><font>AA,</font></b><font> divorciado, militar na reserva, residente na Av. ..., intentou em 5 de Agosto de 2014 ação declarativa de condenação contra </font><b><font>BB</font></b><font>, solteiro, repositor, residente na Av. … (casa dos pais), pedindo:</font> </p><p><font>a) Que o Réu seja proibido de permanecer em local público ou privado a uma distância de 500 m do Autor e do seu filho e dos seus bens, inclusivamente de ficar ou permanecer na casa onde os seus pais CC e DD habitam, dada a proximidade com a casa do Autor. </font> </p><p><font>b) Que o Réu seja proibido de se aproximar do Autor e de seu filho, seja em lugar de convívio, café ou via pública a uma distância de 500 m, sob pena de pagar ao Autor uma indemnização igual ou superior a 5.000.00 Euros. </font> </p><p><font>c) Em caso de não cumprimento das medidas acima referidas ser o Réu condenado no crime de desobediência p. e p. pelo artigo 348.º do Código Penal. </font> </p><p><font>d) Que o Réu seja condenado a pagar todos os danos causados no imóvel, propriedade do Autor, que virão a ser contabilizados em liquidação de sentença. </font> </p><p><font>e) Que o Réu seja condenado numa indemnização a título de danos morais num valor não inferior a 2.500.00 Euros. </font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Para tal alega, em síntese: </font> </p><p><font> </font> </p><p><font>1- O Autor é proprietário do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial do ... sob o n° 0068 da freguesia de ..., lote 01. </font> </p><p><font>2- No referido prédio, existem várias casas térreas, sendo o Autor proprietário de todas as casas, conforme consta do doc. 2, - Prédio U-005, Prédio U-004, Prédio U-003, Prédio U-001, Prédio U-0005, Prédio U-002. </font> </p><p><font>3- O Autor vive atualmente no prédio U-003, Vivenda .... </font> </p><p><font>4- O Prédio n° 6 - U-002 (casa 2) é propriedade do Autor e encontra-se arrendado aos pais do Réu CC e DD, que moram na vivenda n° 2, do referido lote 01. </font> </p><p><font>5- O Réu sempre viveu com os seus pais até à maioridade, tendo-se ausentado da casa dos seus pais durante 3 anos. </font> </p><p><font>6- No dia 8 de Fevereiro de 2014, pelas 14 horas, à porta da casa dos seus pais que são arrendatários do Autor, o Réu começou a ameaçar o Autor, proferindo a seguinte frase: «que a Polícia o ia buscar, eu tenho uma moradia de dois milhões de Euros na ... e estou aqui fechado neste quintal». </font> </p><p><font>7- O Autor sabendo que o Réu é pessoa conflituosa e tinha já internamentos por problemas psicológicos não respondeu e abandonou o local. </font> </p><p><font>8- Quando chegou, no mesmo dia, a casa, por volta das 21 horas, constatou que tinha os vidros partidos da janela do seu quarto, bem como a persiana e os vidros da janela do quarto do seu filho, estando também a parede esburacada em consequência de ter sido atingida por dois projéteis. </font> </p><p><font>9- O Autor, perante tais factos, foi perguntar o que se tinha passado, e encontrou outro arrendatário EE, que habita na casa 4, a quem perguntou se sabia o que se tinha passado. </font> </p><p><font>10- Este indivíduo relatou ao Autor que tinha ouvido tiros e tendo avistado o CC, perguntou-lhe o que se passava, ao que o mesmo respondeu "qual é o problema, estava a experimentar a caçadeira". </font> </p><p><font>11- O Autor teve conhecimento que posteriormente lhe foram apreendidas armas, porque o pai do Réu BB era caçador e até o Réu tinha licença para uso e porte de armas de caça. </font> </p><p><font>12- O Autor posteriormente contactou com a GNR que elaborou o Auto, tendo o Réu nesse dia desaparecido do local com a família só tendo sido localizado e identificado no dia seguinte. </font> </p><p><font>13- O Réu após ter efetuado os disparos contra o quarto do filho do Autor, foi entregar a arma a um amigo, FF, que é Militar da GNR. </font> </p><p><font>14- Este, mais tarde, entregou a referida arma junto das autoridades, afirmando que desconhecia os factos praticados pelo Réu CC, tendo de imediato entregue a referida arma no posto da GNR. </font> </p><p><font>15- O Réu assumiu ter efetuado os disparos contra a residência do Autor em conversa com o seu vizinho EE, confirmando que estava a "testar a arma". </font> </p><p><font>16- A arma utilizada pelo Réu encontra-se apreendida e está a correr um processo neste Tribunal pelos factos praticados pelo Arguido. </font> </p><p><font>17- Até ao momento o Autor não reparou a persiana, nem a janela, nem a parede onde são visíveis as marcas das balas. </font> </p><p><font>18- O Autor é divorciado e tem um filho, GG, com 11 anos, que passa com o mesmo fins-de-semana e outros dias de semana, assim como férias e feriados e dias de aniversário, conforme fixado em Acordo do Exercício do Poder Paternal, que correu termos no processo 178 de 2006 na Conservatória do Registo Civil do ... e já transitada em Julgado em 08/11/2006 (Doc. 4) </font> </p><p><font>19- Após a ocorrência destes factos, o menor recusa-se a ficar em casa do pai, não podendo este omitir a situação e temendo não só pela sua vida como pela vida do seu filho. </font> </p><p><font>20- Estes factos obrigam o Autor a ir ao ..., desde Fevereiro de 2014, para estar com o menor, onde este reside com a mãe, não podendo passar os fins-de-semana e férias com o menor na sua casa. </font> </p><p><font>21- O Réu continua a viver em casa dos pais e continua a ter uma atitude ameaçadora com o Autor. </font> </p><p><font>22- O Autor teme pela sua vida, pela do seu filho e até pelos demais inquilinos que vivem no lote 01. </font> </p><p><font>23- O Réu tem problemas psiquiátricos graves e já esteve internado devido a tais problemas, tendo já sido internado no Hospital Garcia de Orta na especialidade de psiquiatria. </font> </p><p><font>24- O Réu já esteve internado no ano de 2006, no Hospital Miguel Bombarda e posteriormente no Hospital Garcia de Orta em Almada, no entanto, o mesmo não toma medicação, o que o torna mais perigoso, não só para o Autor e sua família, como para a comunidade em geral. </font> </p><p><font>25- Perante os factos praticados pelo Réu, a sua mãe DD pediu o internamento compulsivo no Processo n° 45/14.3GBSXL-1ª Secção, que corre termos neste Tribunal, o que até agora não aconteceu. </font> </p><p><font>26- O Réu, para agravar a sua situação clínica, não toma a medicação e ingere álcool, o que o torna mais perigoso e imprevisível, o que constitui um perigo para a comunidade. </font> </p><p><font>27- O Réu sofre de esquizofrenia com comportamento delirante e paranóide, abusando do consumo do álcool. </font> </p><p><font>28- O Réu abandonou o centro de dia onde estava a ser acompanhado, tendo a própria mãe DD assumido que o filho não toma medicação. </font> </p><p><font>29- Está a correr processo contra o Réu na 1ª Secção do MP sob o n° 45/14.3GBSXL- 1ª Secção. </font> </p><p><font>30- No entanto, o Autor teme que a delonga de tal processo, acarrete um perigo não só para si e para a sua família, mas também para todos os que vivem no lote 01, que temem pela sua integridade física, devido à personalidade do Réu. </font> </p><p><font>31- O Autor está inibido de poder ficar com o seu filho em segurança em sua casa e de poder usufruir dos seus direitos como pai. </font> </p><p><font>32- A proximidade entre a casa do Autor e a casa que os pais do Réu habitam é "porta com porta". </font> </p><p><font>33- Não obstante, a mãe do Réu requerer o internamento compulsivo do seu filho, certo é que o mesmo permanece em casa dos pais onde toma as refeições e dorme, entrando e saindo do lote 01, sem quaisquer restrições. </font> </p><p><font>34- As autoridades policiais, embora tenham feito as diligências devidas, não podem dar segurança ao Autor diariamente, nem ao seu filho, nem aos demais vizinhos que habitam perto de casa onde os pais do Réu habitam. </font> </p><p><font>Dos danos morais</font> </p><p><font>35- O Autor vive em ansiedade e depressão, desde que tais factos ocorreram, agravadas pelas circunstâncias de não estar com o filho como fazia anteriormente. </font> </p><p><font>36- O filho do Autor tinha vontade e adorava estar na casa do pai, no seu quarto, com os seus brinquedos e livros e estar com a sua avó paterna, não o podendo fazer após a ocorrência de tais factos. </font> </p><p><font>37- O Autor teme pela sua vida e pela do seu filho e da sua mãe, pessoa de idade e que também vive nas proximidades, bem como de todas os que vivem no lote 01. </font> </p><p><font>38- O Autor em virtude do comportamento do Réu que disparou contra o quarto do filho é obrigado a deslocar-se ao ... para estar com o menor. </font> </p><p><font>39- O artigo 70° do Código Civil consagra que a lei protege os indivíduos contra qualquer ofensa ilícita ou ameaça à sua personalidade física e moral. </font> </p><p><font>40- Os artigos 25.º e 26.º da Constituição da República Portuguesa consagram o direito à integridade pessoal e ao desenvolvimento da personalidade. </font> </p><p><font>41- O artigo 27.º n° 1, da Constituição da Republica Portuguesa, consagra o direito à segurança. </font> </p><p><font>&nbsp;</font> </p><p><font>O Réu regularmente citado na sua pessoa, por carta registada com a/r, que assinou, veio, com apoio judiciário, contestar a ação. </font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Como questão prévia suscita o Réu a pretensão dos presentes autos aguardarem o desfecho de uma alegada ação de interdição que corre contra o Réu sob o nº 45/14.3GBSXL. Este pedido foi indeferido, por não se tratar de uma ação de interdição mas sim de um processo-crime pelo mesmo episódio onde o aqui Réu é acusado pela prática de um crime de dano com arma de fogo. </font> </p><p><font>&nbsp;</font> </p><p><font>&nbsp;O réu arguiu uma exceção dilatória que foi indeferida por decisão de 3-2-2015 com a refª 330453628.</font> </p><p><font>Aceita o que se alega nos artigos 1 a 4 da p.i., e impugna a factologia dos demais. Explica assim os acontecimentos: </font> </p><p><font>Quanto ao alegado em 6 da p.i., na realidade, o Autor questionou o aqui Réu sobre quando o mesmo deixaria o quintal e a casa arrendada pelos pais. O Réu limitou-‑se a responder de forma civilizada, não dando azo a mais conversa com o Autor.</font> </p><p><font>Quanto ao alegado em 8 da p.i., o Réu admite como parcialmente verdadeira a alegação. Explica ser proprietário de uma arma de caça, estando munido da respetiva licença de uso e porte e da apólice de seguro nº 0000000835, da SEGURO HH, que cobre a responsabilidade civil de caçador e o uso e porte ou detenção de arma de caça (doc. n.º 1). No dia 8 de Fevereiro de 2014, o Réu encontrava-se no quintal da casa dos seus pais a proceder à limpeza e manutenção da sua arma. Quando acidentalmente atingiu a tiro a persiana e os vidros de uma das janelas da casa do Autor. O Réu tem consciência que o acidente em questão provocou danos materiais na janela atingida. Razão pela qual se dirigiu à sua seguradora a fim de acionar o seguro de responsabilidade civil da arma de caça em questão. A seguradora requereu que o Autor entregasse um orçamento relativamente às reparações necessárias. O Autor já procedeu à entrega do documento solicitado, estando neste momento a aguardar uma resposta por parte da sua companhia de seguros. A reparação dos estragos causados está orçada em € 95,00 (noventa e cinco euros) acrescidos de IVA, conforme documento que ora se junta (doc.l). </font> </p><p><font>Nunca foi intenção do Réu disparar contra a habitação do Autor, razão pela qual impugnou o número 21 da p.i., visto que carece de fundamento. O incidente com a caçadeira foi ato isolado não havendo comportamentos, anteriores ou posteriores, do Réu que sustentem o receio alegado pelo Autor. Ademais, o Réu é um membro inserido na sociedade. </font> </p><p><font>Inexiste razão para os danos não patrimoniais peticionados pelo Autor porque inexiste dolo ou negligência grosseira que determinando a ilicitude do facto sejam merecedores de reparação. Acresce que é pedido que o Réu seja proibido de ficar ou permanecer na casa onde habitam os seus pais, atenta à proximidade com a casa do Autor. Porém, o Réu não tem condições próprias de subsistência, dependendo economicamente dos seus pais, uma vez que o seu trabalho é precário, desempenhando funções em </font><i><font>part-time</font></i><font> e auferindo a retribuição mensal não superior a € 250,00 (doc. n.º 3). O Réu tem mais familiares, nomeadamente irmãos, mas estes têm as respetivas vidas familiares organizadas, não tendo capacidade para receber mais um elemento em suas casas. Pelo que o Réu não tem alternativa e tem de morar com os seus pais. </font> </p><p><font>Juntou documentos. Entre eles um certificado de seguro de uma arma de caça marca Browning, com início às 0:00h de 1-4-2014 e termo às 24:00h de 31-5-2015, com a franquia mínima por sinistro de € 125,00. Destes documentos resulta que este seguro não cobre os eventuais danos dos acontecimentos dos autos, atenta a data destes, conforme alertou o Autor em tomada de posição constante de fls. 71.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>O referido documento nº 3, para prova da remuneração mensal, nunca chegou a ser junto ao processo.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Relativamente à arma de fogo consta dos autos – cfr. fls. 77, que, efetivamente ao tempo da alegação, o Réu era proprietário de uma espingarda marca Browning, modelo Gold, calibre 12, de funcionamento semi-automático, para cujo porte e uso estava licenciado. Depois dos acontecimentos dos autos teve lugar um processo de cassação da licença. A arma foi apreendida, recuperada, e promoveu-se a declaração da sua perda a favor do Estado.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>O objeto do processo foi alargado, tendo-se aditado dois factos, ao abrigo do artigo 5º, 2, b) do CPC - decisão de 3-2-2015 com a refª 330453628 – com o seguinte teor:</font> </p><p><font>Na acusação do processo-crime, por dano decorrente do disparo dos projéteis, o MP fez constar na descrição dos factos que «à data dos factos o arguido padecia de doença do foro mental "Esquizofrenia Paranóide" e no momento da sua prática encontrava-se em estado psicótico de contacto com a realidade, não lhe sendo possível distinguir a ilicitude dos factos praticados» e «Por esta razão, o arguido não teve o discernimento necessário para avaliar a gravidade dos seus actos».</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Saneou-se a causa. Identificou-se o objeto do litígio e enunciaram-se os temas da prova. </font> </p><p><font>Em audiência de discussão e julgamento, foram juntas aos autos as fichas clínicas do Réu elaboradas na consulta externa de Psiquiatria no Hospital Garcia de Orta, assim como o relatório pericial psiquiátrico elaborado para o processo-crime em que o aqui Réu é arguido pelo mesmo episódio - p. nº 45/14.3GBSXL. Trata-se de relatório e conclusões elaborados no Serviço de Clínica Forense do Gabinete ML da Península de Setúbal. Foram os documentos notificados às partes – ata a fls. 94 – 1ª linha. Como se alcança da gravação da prova, as partes tiveram conhecimento concreto de tais documentos, já após a inquirição das testemunhas.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>A audiência de discussão e julgamento foi gravada.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Foi proferido despacho sobre a matéria de facto provada e não provada.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Proferiu-se decisão de mérito que, a final, julgou a ação improcedente, absolveu o Réu dos pedidos e condenou o Autor nas custas. </font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Inconformado, recorre o Autor, recurso admitido como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos, e efeito meramente devolutivo. </font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Foi proferida decisão singular do Relator, com a seguinte parte dispositiva:</font> </p><p><font>&nbsp;</font> </p><p><font>«Julga-se a acção parcialmente procedente e em consequência, no que se condena:</font> </p><p><font>a) o Réu fica proibido de permanecer em local público ou privado a uma distância de 500 m do Autor e do seu filho e dos sem bens, inclusivamente de ficar ou permanecer na casa onde os seus pais CC e DD habitam, atenta à proximidade com a casa do Autor. </font> </p><p><font>b) o Réu fica proibido de se aproximar do Autor e de seu filho, seja em lugar de convívio, café ou via pública a uma distância de 500 m, sob pena de pagar ao Autor uma indemnização igual ou superior a 1.000.00 Euros. </font> </p><p><font>c) em caso de não cumprimento das medidas de a) e b)- onde se não inclui para estes efeitos o pagamento da indemnização - acima referidas o Réu pode vir a ser condenado no crime de desobediência p. e p. pelo artigo 348.º do Código Penal. </font> </p><p><font>d) o Réu vai condenado a pagar todos os danos causados no imóvel, propriedade do Autor, que virão a ser contabilizados em liquidação de sentença. </font> </p><p><font>O Réu vai absolvido do demais peticionado.</font> </p><p><font>&nbsp;</font> </p><p><font>Custas na 1ª instância (…).</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Transitada, comunique-se, a fim de serem tomadas providências adequadas de acompanhamento, à força policial da área de residência do Réu, à Segurança Social, ao Serviço Hospitalar onde o Réu vem sendo assistido melhor identificado nos elementos clínicos juntos, e à Câmara Municipal da área de residência do Réu, sobretudo ainda em ordem a providenciar-se pela urgente institucionalização do Réu». </font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Tendo o Réu reclamado para a Conferência, foi proferido acórdão pelo Tribunal da Relação que julgou confirmada a decisão singular. &nbsp;&nbsp;</font> </p><p><font>&nbsp;</font> </p><p><font>Inconformado, recorre o Réu para este Supremo Tribunal de Justiça, apresentando as seguintes conclusões:</font> </p><p><font>«1. Andou mal o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa ao efetuar uma errada interpretação do artigo que prevê o regime de inimputabilidade, revogando assim a decisão do Tribunal da 1.ª instância.</font> </p><p><font>2. O Tribunal “a quo” dá como provado, e bem, que o Recorrente padece de esquizofrenia com comportamentos delirantes e paranóides.</font> </p><p><font>3. Sendo esta uma doença do foro psiquiátrico e que tem como consequência “uma perda de contacto com a realidade (psicose), alucinações, delírios (crenças falsas), pensamento anormal e alteração do funcionamento social e laboral” (vide Ac. do Tribunal da Relação de Coimbra de 02/04/2009).</font> </p><p><font>4. O Tribunal “a quo” dá ainda como provado que doença retroage a data bastante anterior à data dos factos ora em litígio.</font> </p><p><font>5. Referindo que o mesmo esteve internado no ano de 2006 no Hospital Miguel Bombarda e posteriormente no Hospital Garcia de Orta.</font> </p><p><font>6. Considera, no entanto, o Tribunal “a quo” que pese embora seja o recorrente esquizofrénico, o mesmo não está considerado inimputável.</font> </p><p><font>7. Decisão essa que, salvo o devido respeito, não resulta de uma correta interpretação do artigo 448.º do Código Civil.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Senão vejamos,</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>8. Resulta de tal artigo que a regra geral no nosso ordenamento jurídico é a imputabilidade do agente, sendo este responsável pelas consequências dos próprios actos.</font> </p><p><font>9. No entanto, esta regra pode ser afastada quando se encontrem preenchidos os requisitos previstos no n.º 1 do artigo 488.º CC.</font> </p><p><font>10. A saber: a) O agente se encontre incapacitado de entender ou querer no momento da prática do facto, 2) tal incapacidade não tenha sido provocada culposamente pelo agente e 3) e esta não seja transitória.</font> </p><p><font>11. Ora, a esquizofrenia é uma doença do foro psiquiátrico que afecta a percepção do indivíduo, não tendo este real noção do seu comportamento e das consequências dos seus actos. </font> </p><p><font>12. Tal perda de noção é uma consequência directa da doença em causa e, como tal, alheia à vontade do indivíduo.</font> </p><p><font>13. Esta doença não tem até ao momento cura, pelo que o indivíduo que padeça da mesma se encontra permanente neste estado. </font> </p><p><font>14. Resulta claro, assim, que o Recorrente preenche os três requisitos legalmente previstos para a inimputabilidade, visto que no momento da prática do facto o mesmo padecia de esquizofrenia com comportamentos delirantes e paranóides, não tendo capacidade para entender ou querer, não se tendo colocando culposamente e transitoriamente nesse estado.</font> </p><p><font>15. Por outro lado, o n.º 2 do mesmo artigo estabelece como regra geral a presunção da inimputabilidade aos menores de sete anos e aos interditos por anomalia psíquica.</font> </p><p><font>16. Não esgotando, porém, naqueles, os casos em que a inimputabilidade pode ser decretada.</font> </p><p><font>17. O que tal disposição faz é tão-somente elencar duas situações em que há à partida tal presunção, sendo no entanto esta também ela ilidível mediante prova bastante em contrário.</font> </p><p><font>18. Pelo que, salvo melhor opinião, a inimputabilidade deve ser aferida mediante os critérios do n.º1, o que permite que não só os menores de sete anos e os interditos por anomalia psíquica sejam inimputáveis. </font> </p><p><font>19. Nestes termos, salvo o devido respeito, andou mal o Tribunal “a quo” na interpretação que fez desta norma, o que levou a uma decisão que, salvo melhor opinião, para além de violar a norma legal aplicável, prejudica gravemente os direitos do Recorrente a uma vida condigna e junto da sua família. </font> </p><p><font>20. Termos em que, se requer a revogação da decisão proferida pelo Tribunal “a quo”, sendo confirmada a decisão da 1.ª instância, e consequentemente, seja o Recorrente considerado como inimputável, improcedendo, consequentemente todos os pedidos do Autor».</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Sabido que, ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, é pelas conclusões do recorrente que se define o objeto do recurso, são duas as questões a decidir:</font> </p><p><font>I – </font><i><font>Requisitos da inimputabilidade nos termos do art. 488.º do Código Civil;</font></i><font> </font> </p><p><font>II – </font><i><font>Providências adequadas para evitar a consumação de ameaças à personalidade física e moral, ao abrigo do art. 70.º, n.º 2 do Código Civil.</font></i> </p><p><font> </font> </p><p><font> </font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Colhidos os vistos, cumpre decidir.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font> </font> </p><p><font> </font> </p><p><b><font>II - Fundamentação de facto</font></b> </p><p><b><font> </font></b> </p><p><b><font>No Tribunal da Relação, após modificação dos factos, dão-se como provados e não provados os seguintes factos: </font></b> </p><p><font> </font> </p><p><font>«FACTOS DA PETIÇÃO INICIAL DADOS COMO PROVADOS: </font> </p><p><font>1- O Autor é proprietário do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial do ... sob o n° 0068 da freguesia de ..., lote 01. </font> </p><p><i><font>- facto admitido por acordo – artigo 10º da contestação -</font></i> </p><p><font>2- No referido prédio, existem várias casas térreas, sendo o Autor proprietário de todas as casas, conforme consta do doc. 2 junto com a pi, - Prédio U-005, Prédio U-004, Prédio U-003, Prédio U-001, Prédio U-0005, Prédio U-002. </font> </p><p><i><font>- facto admitido por acordo – artigo 10º da contestação -</font></i> </p><p><font>3- O Autor vive actualmente no prédio U-003, Vivenda .... </font> </p><p><i><font>- facto admitido por acordo – artigo 10º da contestação -</font></i> </p><p><font>4- O Prédio n° 6 - U-002 (casa 2) é propriedade do Autor e encontra-se arrendado aos pais do Réu CC e DD, vivendo na vivenda n° 2, do referido lote 01. </font> </p><p><i><font>- facto admitido por acordo – artigo 10º da contestação -</font></i> </p><p><font>5- O Réu sempre viveu com os seus pais até à maioridade, tendo-se ausentado da casa dos seus pais durante 3 anos. </font> </p><p><i><font>- facto resultante da globalidade dos depoimentos orais produzidos -</font></i> </p><p><font>6- No dia 8 de Fevereiro de 2014, pelas 14 horas, à porta da casa dos seus pais que são arrendatários do Autor, o Réu começou a ameaçar o Autor, proferindo a seguinte frase: que a Polícia vai-te buscar; eu tenho uma moradia de dois milhões de Euros na ... e estou aqui fechado neste quintal. </font> </p><p><i><font>- vide página 126 a 127 do Relatório Pericial Psiquiátrico, declarações do Autor em audiência de Julgamento -</font></i> </p><p><font>7- O Autor sabendo que o Réu é pessoa conflituosa e tinha já internamentos por problemas psicológicos não respondeu e abandonou o local. </font> </p><p><i><font>- facto resultante das declarações do Autor na audiência -</font></i> </p><p><font>8- Quando chegou, no mesmo dia, a casa, por volta das 21 horas, constatou que tinha os vidros partidos da janela do seu quarto, tendo também atingido a persiana e os vidros da janela do quarto do seu filho, estando também a parede esburacada em consequência de ter sido atingida por dois projécteis. </font> </p><p><i><font>- facto resultante da globalidade dos depoimentos orais produzidos -</font></i> </p><p><font>9- O Autor, perante tais factos, foi perguntar o que se tinha passado, e encontrou outro arrendatário EE, que habita na casa 4, se sabia o que se tinha passado. </font> </p><p><i><font>- facto resultante das declarações do Autor e do depoimento da testemunha EE -</font></i> </p><p><font>10- Este indivíduo relatou ao Autor que tinha ouvido tiros e tendo avistado o CC, perguntou-lhe o que se passava, ao que o mesmo respondeu "qual é o problema, estava a experimentar a caçadeira". </font> </p><p><i><font>- facto resultante das declarações do Autor e do depoimento da testemunha EE -</font></i> </p><p><font>11- O Autor teve conhecimento de que posteriormente lhe foram apreendidas armas, porque o pai do Réu BB era caçador e até o Réu tinha licença para uso e porte de armas de caça. </font> </p><p><i><font>- facto resultante da globalidade dos depoimentos orais produzidos -</font></i> </p><p><font>12- O Autor posteriormente contactou com a GNR que elaborou o Auto, tendo o Réu nesse dia desaparecido do local com a família só tendo sido localizado e identificado no dia seguinte. </font> </p><p><i><font>- provado conforme certidão de fls. 78 e declarações do Autor -&nbsp; </font></i> </p><p><font>13- O Réu posteriormente, a ter efectuado os disparos contra o quarto do filho do Autor, foi entregar a arma a um amigo, FF, que é Militar da GNR. </font> </p><p><i><font>- provado conforme certidão de fls. 78, depoimento da testemunha EE e declarações do Autor-&nbsp; </font></i> </p><p><font>14- O mesmo mais tarde entregou a referida arma junto das autoridades, afirmando que desconhecia os factos praticados pelo Réu CC, tendo de imediato entregue a referida arma no posto da GNR. </font> </p><p><i><font>– provado conforme certidão de fls. 78 -&nbsp; </font></i> </p><p><font>15- O Réu assumiu ter efectuado os disparos contra a residência do Autor em conversa com o seu vizinho EE, confirmando que estava a "experimentar a caçadeira".</font> </p><p><i><font>&nbsp;- facto resultante das declarações do Autor e do depoimento da testemunha EE -</font></i> </p><p><font>16- A arma utilizada pelo R. encontra-se apreendida e está a correr um processo neste Tribunal pelos factos praticados pelo Arguido.</font> </p><p><i><font>- provado conforme certidão de fls. 78 -&nbsp; </font></i> </p><p><font>17- Até ao momento o Autor não reparou a persiana, nem a janela, nem a parede onde são visíveis as marcas das balas. </font> </p><p><i><font>- facto resultante da globalidade dos depoimentos orais produzidos</font></i><font> </font><i><font>-</font></i> </p><p><font>18- O Autor é divorciado e tem um filho, GG, com 11 anos que passa com o mesmo fins de semana e outros dias de semana, assim como férias e feriados e dias de aniversário, conforme fixado em Acordo do Exercício do Poder Paternal, que correu termos no processo 178 de 2006 na Conservatória do Registo Civil do ... e já transitada em Julgado em 08/11/2006. (Doc. 4) . </font> </p><p><i><font>– provado conforme acta da conferência e acordo de fls. 17 a 19 -</font></i> </p><p><font>19- Após a ocorrência destes factos, o menor recusa-se a ficar em casa do pai, não podendo este omitir a situação e temendo não só pela sua vida como pela vida do seu filho. </font> </p><p><i><font>- facto resultante dos depoimentos do Autor e testemunhas EE e II -</font></i> </p><p><font>20- Estes factos obrigam o Autor a ir ao ... desde Fevereiro de 2014, para estar com o menor, onde este reside com a mãe, não podendo passar os fins-de-semana e férias com o menor na sua casa. </font> </p><p><i><font>- facto resultante dos depoimentos do Autor e testemunhas EE e II -</font></i> </p><p><font>21- O Réu continua a viver em casa dos pais e continua a ter uma atitude ameaçadora com o Autor. </font> </p><p><i><font>- facto resultante dos depoimentos do Autor e testemunhas EE, II e JJ -</font></i> </p><p><font>22- O Autor teme pela sua vida, pela do seu filho e até pelos demais inquilinos que vivem no lote 71. </font> </p><p><i><font>- facto resultante dos depoimentos do Autor e testemunhas EE e II -</font></i> </p><p><font>23- O Réu tem problemas psiquiátricos graves e já esteve internado devido a tais problemas, tendo já sido internado no Hospital Garcia de Orta na especialidade de psiquiatria. </font> </p><p><i><font>- facto resultante dos depoimentos do Autor, testemunhas EE, II e JJ, documentos clínicos e exame pericial -</font></i> </p><p><font>24- O Réu já esteve internado no ano de 2006, no Hospital Miguel Bombarda e posteriormente no Hospital Garcia de Orta em Almada, no entanto, o mesmo não toma medicação o que o torna mais perigoso, não só para o Autor e sua família, como para a comunidade em geral. </font> </p><p><i><font>- facto resultante dos depoimentos do Autor, testemunhas EE, II e JJ, documentos clínicos e exame pericial -</font></i> </p><p><font>26- O Réu para agravar a sua situação clínica não toma a medicação e ingere álcool o que o torna mais perigoso e imprevisível, o que constitui um perigo para a comunidade. </font> </p><p><i><font>- facto resultante dos depoimentos do Autor, testemunha EE,&nbsp; documentos clínicos e exame pericial -</font></i> </p><p><font>27- O Réu sofre de esquizofrenia com comportamento delirantes e paranóide, abusando do consumo do álcool. </font> </p><p><i><font>- facto resultante dos depoimentos do Autor, testemunha EE,&nbsp; documentos clínicos e exame pericial -</font></i> </p><p><font>28- O Réu abandonou o centro de dia onde estava a ser acompanhado, tendo a própria mãe DD assumido que o filho não toma medicação. </font> </p><p><i><font>- facto resultante dos&nbsp; documentos clínicos e exame pericial -</font></i> </p><p><font>29- Está a correr processo contra o Réu na 1ª Secção do M. P. sob o n° 45/14.3GBSXL- 1ª Secção. </font> </p><p><i><font>- provado conforme certidão de fls. 77 e ss -&nbsp; </font></i> </p><p><font>30- No entanto, o Autor teme que a delonga de tal processo, acarrete um perigo não só para si e para a sua família e todos os que vivem no lote 71, temem pela sua integridade física, devido à personalidade do Réu. </font> </p><p><i><font>- facto resultante dos depoimentos do Autor, testemunhas EE e II -</font></i> </p><p><font>31- O Autor está inibido de poder ficar com o seu filho em segurança em sua casa e poder usufruir dos seus direitos como pai. </font> </p><p><i><font>- facto resultante dos depoimentos do Autor, testemunhas EE e II -</font></i> </p><p><font>32- A proximidade entre a casa do Autor e a casa que os pais do Réu habitam é "porta com porta". </font> </p><p><i><font>- facto resultante dos depoimentos do Autor, testemunhas EE e II -</font></i> </p><p><font>33- O Réu permanece em casa dos pais onde toma as refeições e dorme, entrando e saindo do lote 01, sem quaisquer restrições. </font> </p><p><i><font>- facto resultante dos depoimentos do Autor, testemunhas EE, JJ e II -</font></i> </p><p><font>34- As autoridades policiais, embora tenham feito as diligências competentes, não podem dar segurança ao Autor diariamente, nem ao seu filho, nem aos demais vizinhos que habitam perto de casa onde os pais do Réu habitam. </font> </p><p><i><font>- facto resultante dos depoimentos do Autor, testemunhas EE e II -</font></i> </p><p><fo
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font> <p><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font> </p><p><font>&nbsp;</font> </p><p><b><font>I – Relatório</font></b> </p><p><font> </font> </p><p><b><font>SAA, Lda,</font></b><font> instaurou acção declarativa, com forma ordinária, contra </font><b><font>BB, Lda</font></b><font> pedindo que se reconheça a resolução do contrato de empreitada e se condene a ré a pagar-lhe € 314.500, valor dos trabalhos de conclusão da empreitada, acrescidos de indemnização a liquidar posteriormente, pelos prejuízos que teve da não venda das moradias dentro do prazo acordado.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Alega, em síntese, que a ré se obrigou a construir duas moradias na Avenida de ..., …, ..., pelo preço total de € 414. 984, acrescido de IVA, sem qualquer adicional, no prazo de 90 dias, de acordo com o projecto de construção, conforme orçamento 1398/2006, de 16/01/2006. A ré não concluiu as moradias e desde Abril de 2008 que a ré se recusava a concluir as obras, exigindo o pagamento de trabalhos a mais no valor de € 13.017, valores esses que não eram devidos por a ré se ter obrigado a concluir a obra em 90 dias, sem receber qualquer quantia adicional.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>A autora requereu, em produção antecipada de prova, Inspecção Judicial às moradias, nas quais se verificou, em 06/10/2008, quais os aspectos das obras que faltavam concluir.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Em 20/10/2008, por carta, disse à autora que estava a ultimar os trabalhos nas vivendas; a autora aguardou 60 dias e como a ré não concluiu as obras, em 24/12/2008, comunicou-lhe que considerava o contrato incumprido e solicitava a entrega das moradias; a ré voltou a solicitar o pagamento de trabalhos a mais, os quais não são devidos por ela se ter obrigado a concluir as moradias sem quaisquer adicionais.</font> </p><p><font>A ré abandonou a obra em 7 de Janeiro de 2009, estando a obra ainda inacabada; para a conclusão da obra serão necessários € 314.500.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Em antecipação de prova requereu perícia à obra, não tendo havido unanimidade dos Srs. Peritos.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Se a obra fosse concluída nos prazos acordados a autora venderia as duas moradias pelo preço de € 500.000 cada uma, valor que devido à conjuntura económica não pode agora ser praticado.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Citada a ré contestou e deduziu reconvenção.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Confirma que em 03/03/08 aceitou concluir as duas moradias unifamiliares a que se refere o orçamento 1398/2006, no prazo de 90 dias a contar de 03/03/08, sem pagamento de qualquer quantia; a CC SA, anterior dona da obra, havia prescindido de determinados trabalhos: fornecimento e montagens de roupeiros com portas de carvalho; aquecimento, fornecimento e colocação de pedra Azulino Cascais nas paredes e pavimentos das casas de banho, substituição de vidros duplos por simples.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>A ré suspendeu os trabalhos porque a autora e anteriormente a CC não pagavam os trabalhos a mais executados pela ré nas vivendas, no valor de € 13 017,00, que discrimina.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Os Peritos, por maioria, concordaram que para terminar as obras seriam necessários € 34.011,25 .</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Em reconvenção, a ré pede a condenação da autora a pagar-lhe € 13.017,00, acrescidos de juros, correspondentes ao valor dos trabalhos a mais que realizou nas vivendas e que discrimina.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>A autora replicou.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Reitera que não era devido qualquer valor por trabalhos a mais para a conclusão das vivendas; nega que tenha prescindido dos trabalhos e acabamentos que a ré invoca.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Pede a condenação da ré como litigante de má-fé, no pagamento de multa, porque,</font> </p><p><font>afirma, que ela pede o pagamento de trabalhos que não executou e sabe que não tem direito a trabalhos a mais.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Realizou-se audiência preliminar, saneando-se o processo e condensando-se os autos, com a reclamação à seleção da matéria de facto por parte da autora, reclamação essa não atendida.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Realizou-se o julgamento e decidiu-se a matéria de facto, sem reclamações.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>A autora apresentou alegações escritas sobre o aspeto jurídico da causa.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Foi proferida sentença com o seguinte dispositivo:</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>«</font><i><font>Em face do exposto, decide-se julgar:</font></i> </p><p><i><font>A acção improcedente e, consequentemente, absolve-se a ré do pedido.</font></i> </p><p><i><font>A reconvenção parcialmente procedente e, consequentemente, condena-se a autora/reconvinda a pagar à ré a quantia de 9.289€, acrescida de juros de mora, desde a notificação da reconvenção, às taxas que resultem da aplicação da Portaria 597/2005, de 19/07».</font></i> </p><p><font> </font> </p><p><font>A Autora AA, LDA interpôs recurso de apelação, tendo o Tribunal da Relação julgado totalmente improcedente a apelação e confirmado a decisão recorrida, com custas pela Apelante.</font> </p><p><font>Novamente inconformada intenta a autora recurso de revista excecional para este Supremo Tribunal, com fundamento na contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão deste Supremo Tribunal, de 04-02-2010, o qual foi admitido pela formação constituída nos termos do n.º 3 do art. 672.º do CPC, ao abrigo da alínea c) do n.º 1 da mesma disposição legal.</font> </p><p><font>A Recorrente formula, na sua alegação de revista, 161 conclusões exaradas a fls. 690 a 706, que aqui consideramos integralmente reproduzidas.</font> </p><p><font>Terminam a sua alegação, requerendo a revogação do acórdão recorrido e a sua substituição por outro que admita o incumprimento definitivo da ré e julgue válida a resolução do contrato de empreitada pela Autora, bem como seja fixada indemnização a seu favor a liquidar em execução de sentença em virtude do incumprimento contratual.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>A Ré não apresentou contra-alegações.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Nas suas conclusões, a autora coloca duas questões:</font> </p><p><font>1. Que seja acrescentado à matéria de facto um facto novo com base no documento n.º 29, junto aos autos no articulado 76.º da petição inicial, o qual contempla a fixação de prazo admonitório que a autora-recorrente deu à ré para concluir a empreitada sob pena de incumprimento contratual, a cujo teor as instâncias não deram relevância nem o fizeram constar da factualidade provada.</font> </p><p><font>2. Interpretação da conduta da ré de paralisação das obras, como exceção de não cumprimento do contrato desproporcional à gravidade do incumprimento parcial imputado à autora ou como declaração inequívoca da vontade de não cumprir suscetível de gerar incumprimento definitivo.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Colhidos os vistos cumpre decidir.</font> </p><p><font> </font> </p><p><b><font>II – Fundamentação de facto</font></b> </p><p><b><font>As instâncias deram como provados os seguintes factos.</font></b> </p><p><font>«1°- DD, na qualidade de gerente de Ré BB, Lda, emitiu a declaração escrita, datada de 03/03/08, cuja cópia se mostra a fls. 87, na qual consta:</font> </p><p><font>“...declara ... que a sua representada se obriga perante a AA, Lda a:</font> </p><p><font>1. Liquidar as letras de câmbio aceites pela AA, Lda infra identificadas, e a entregar as mesmas a esta última até ao dia 30 de Abril de 2008:</font> </p><p><font>Letra de câmbio no montante de €45.000,00 com vencimento em 24.02.2008;</font> </p><p><font>Letra de câmbio no montante de € 9.694,64, com vencimento em 10.03.2008;</font> </p><p><font>c)-Letra de câmbio no montante de €16.789,23, com vencimento em 16.03.2008.</font> </p><p><font>2. Concluir a obra a que se refere o seu orçamento n.° 1398/2006, no prazo de 90 (noventa) dias, sem pagamento de qualquer quantia por parte da AA, Lda.(A)</font> </p><p><font>2°- A Ré emitiu o orçamento n.° 1398/2006, em 16/01/06, cuja cópia se mostra a fls. 79, do qual consta:</font> </p><p><font>“ De acordo com o pedido de V.ª Ex.ª junto enviamos o valor para a construção de duas moradias na EE, de acordo com os projectos apresentados.</font> </p><p><font>Os materiais são os descritos na memória descritiva.</font> </p><p><font>– Construção das duas moradias 391.465,00€</font> </p><p><font>– Construção duas churrasqueiras 9.826,00€</font> </p><p><font>3. – Execução reparação dos muros de vedação 13.693,00€,</font> </p><p><font>O valor total é de 414.984,00,</font> </p><p><font>Nos preços apresentados não está incluído o valor de IVA.</font> </p><p><font>Validade da proposta: 60 dias. Prazo de execução 11 meses.</font> </p><p><font>Condições de pagamento: a combinar. (B)</font> </p><p><font>3°- O orçamento foi aceite pela autora. (C)</font> </p><p><font>4°- Em 6/10/08 foi realizada inspecção judicial às vivendas, na qual foi constatado:</font> </p><p><font>“...Enumeram-se as obras que se encontram concluídas.</font> </p><p><font>A estrutura dos edifícios está toda efectuada bem como os telhados, à excepção do telhado das churrasqueiras.</font> </p><p><font>Todas as canalizações no interior das moradias encontram-se executadas, bem como electricidade, gás e esgotos.</font> </p><p><font>Existe em todas as divisões, excepto na cave da moradia B, revestimento em estuque nas paredes e tectos e as casas de banho e cozinhas encontram-se revestidas e com pavimento.</font> </p><p><font>Nas casas de banho só existe banheira e base de duche.</font> </p><p><font>As caves encontram-se rebocadas e com pavimento cerâmico.</font> </p><p><font>As moradias têm caixilhos e vidros nos vãos, excepto na moradia B (um vão na caixa de escada).</font> </p><p><font>As casas encontram-se rebocadas exteriormente, excepto as churrasqueiras.</font> </p><p><font>As portadas estão a ser colocadas neste momento.</font> </p><p><font>Todas as portas estão colocadas, incluindo as das garagens.</font> </p><p><font>O revestimento exterior, na globalidade, não está concluído.</font> </p><p><font>Encontram-se por concluir as seguintes obras:</font> </p><p><font>Colocação do caixilho no vão da caixa de escada da moradia B.</font> </p><p><font>Conclusão da rede de esgotos na cave, bem como gás e electricidade no exterior.</font> </p><p><font>Colocação das loiças sanitárias (excepto banheira e base de duche) e torneiras.</font> </p><p><font>Uma das casas de banho do rés-do-chão não tem revestimento em azulejo, encontra-se estucada, tem as canalizações colocadas, falta pavimento, aparelhos sanitários e torneiras.</font> </p><p><font>Colocação das aduelas e portas interiores.</font> </p><p><font>O pavimento flutuante não se encontra colocado.</font> </p><p><font>As casas encontram-se estucadas no interior.</font> </p><p><font>As cozinhas não têm o equipamento (só revestimento e respectiva</font> </p><p><font>canalização).</font> </p><p><font>Os roupeiros não se encontram colocados.</font> </p><p><font>Não se encontram colocadas as lareiras.</font> </p><p><font>Nas varandas não se encontram colocadas as guardas.</font> </p><p><font>A parte do terraço coberto não tem ainda pavimento e as paredes têm reboco.</font> </p><p><font>As escadas interiores devem ser concluídas e colocado o revestimento.</font> </p><p><font>Faltam as pérgulas dos terraços e faltam todos os acabamentos e remates inerentes ao fim da construção (no interior).</font> </p><p><font>Falta concluir a rede eléctrica.</font> </p><p><font>No exterior, os arranjos (revestimento) não se encontram executados.</font> </p><p><font>Somente em algumas partes, nomeadamente as escadas, patamares tardoz e alçados laterais têm revestimento.</font> </p><p><font>No alçado principal não se encontra concluído o revestimento.</font> </p><p><font>Faltam todos os arranjos exteriores, bem como muros e muretes. Falta fazer as churrasqueiras e o chão. (D)</font> </p><p><font>5º- Em 27/03/08, a ré, por referência ao orçamento 1398/06, refere ter realizado nas vivendas os seguintes trabalhos que considera não incluídos no orçamento:</font> </p><p><font>1 – Trabalho de canalizador na separação da tubagem de água entre o lote do lado e o das moradias 1.682,00 €</font> </p><p><font>2 – Trabalho de canalizador na reparação da rotura de água no jardim da moradia do lote ao lado 942,00 €</font> </p><p><font>3 – Vidros duplos (5/12/4) da caixilharia (estava considerado vidro simples de 5mm) 2.343,00€</font> </p><p><font>4 – Automatismo dos portões das garagens – 2 unidades (estava considerado manuais como os da rua) 1.385,00 €.</font> </p><p><font>5 – Abertura de vão nos quartos que dão para o terraço (na cobertura), incluindo a alteração de rede eléctrica e novo caixilho em alumínio lacado e vidro duplo – 2 unidades. 2.386,00 €</font> </p><p><font>6 – Execução do terraço no piso 1, incluindo a impermeabilização, betonilhas e mosaico no pavimento e descontando o valor da telha 4.279,00 €</font> </p><p><font>No valor total de: 13.017,00 €</font> </p><p><font>E refere trabalhos a mais não executados:</font> </p><p><font>1 – Execução de abertura de vão na sala para o terraço, incluindo a colocação de caixilharia lacada e vídeo duplo nos dois alçados e pavimento flutuante igual ao da casa 2 unidades (descontando o mosaico do pavimento se fosse terraço) 13.633,00 €</font> </p><p><font>2 – Fornecimento e colocação de móveis de cozinha em melamina branca superiores e inferiores, formando um L, incluindo o lava louça e a misturadora (continuam excluídos os electrodomésticos) – 2 unidades 9.988,00 €</font> </p><p><font>3 – Execução de muros de alvenaria para as floreiras de acordo com a planta de implementação, rebocados pelo lado exterior (excluindo terra de jardim e plantas), para as duas moradias. 9.625,00 €</font> </p><p><font>4 – Execução dos arruamentos em calçada com lancis em vidraço, de acordo com a planta de implementação 29.316,00 €</font> </p><p><font>No valor de: 62.562,00 €</font> </p><p><font>Requer que lhe sejam pagos os 13.017,00€ acrescidos de IVA e informa se forem requeridos trabalhos a mais ainda não realizados, o pagamento de 50% respectivos. (E)</font> </p><p><font>6°- Em 13/05/08, a ré comunica que irá manter a obra parada enquanto não for paga a factura de 13.017,00 € e a autora indique se adjudica ou não os restantes trabalhos a mais. (F)</font> </p><p><font>7°- Em 24/10/08 a ré comunica à Autora que estava a concluir os trabalhos das vivendas. (G)</font> </p><p><font>8°- Em 24/12/08, a gerente da autora comunicou à ré que por já terem passados 60 dias sobre a data em que a ré informa que está a concluir os trabalhos da vivenda, considera incumprido o contrato e determina que devolva de imediato a obra. (H)</font> </p><p><font>9°- Em Setembro de 2008, as obras de execução das vivendas referidas em B), estavam paradas e a ré fez depender a respectiva continuação do pagamento de 13 017€. (1°)</font> </p><p><font>10°- Houve pessoas interessadas em visitar as vivendas com vista a uma eventual compra. (2°)</font> </p><p><font>11°- A ré saiu da obra em Janeiro de 2009 na sequência da carta da autora referida em H). (3°)</font> </p><p><font>12º - Quando a ré saiu da obra faltavam concluir os seguintes trabalhos e aplicar os seguintes materiais:</font> </p><p><font>- </font><u><font>Pavimentos:</font></u> </p><p><font>- Assentamento de pavimento flutuante em laminado estratificado, incluindo manta;</font> </p><p><font>- Fornecimento e assentamento de cobertores de degraus em madeira de carvalho maciça;</font> </p><p><font>- </font><u><font>Paredes:</font></u> </p><p><font>- Assentamento de rodapé em mdf folheado de carvalho;</font> </p><p><font>- Pintura de paredes interiores a tinta plástica a 3 demãos;</font> </p><p><font>- Pintura de paredes exteriores a tinta areada, incluindo esfregaço e base;</font> </p><p><font>- Tectos: </font> </p><p><font>-Pintura de tectos e sancas a tinta plástica a 3 demãos;</font> </p><p><font>- </font><u><font>Carpintarias:</font></u> </p><p><font>- Fornecimento e montagem de corrimão em madeira de carvalho maciça;</font> </p><p><font>- Assentamento de painéis de revestimento nas portas de segurança;</font> </p><p><font>- Montagem de fechaduras e puxadores em portas interiores;</font> </p><p><font>- </font><u><font>Serralharias</font></u><font>:</font> </p><p><font>- Fornecimento e montagem de guardas exteriores em alumínio lacado;</font> </p><p><font>-Fornecimento e assentamento de portões exteriores em ferro metalizado e pintado a esmalte;</font> </p><p><font>- Porta de homem com 0,80 de largura;</font> </p><p><font>- Portão de viaturas com 3,00 de largura;</font> </p><p><font>- Montagem dos motores para accionamento eléctrico dos portões da garagem;</font> </p><p><font>- Águas e esgotos:</font> </p><p><font>- Fornecimento e montagens de louças incluindo todos os acessórios;</font> </p><p><font>- Sanitas com tanque, mecanismo e tampo;</font> </p><p><font>- Bidés;</font> </p><p><font>- Bases de chuveiro 80x80 cm;</font> </p><p><font>- Lavatórios;</font> </p><p><font>- Banheiras de 1,60 m;</font> </p><p><font>- Fornecimento e montagem de torneiras, incluindo todos os acessórios;</font> </p><p><font>- Misturadoras de lavatório e bidé;</font> </p><p><font>- Misturadores de chuveiro e banheira;</font> </p><p><font>- Torneiras de corte para sanitas;</font> </p><p><font>- Fornecimento de grupos de bombagem de esgotos para as águas pluviais e domésticas, incluindo todos os acessórios em caixas e tubagens já existentes;</font> </p><p><font>- </font><u><font>Diversos:</font></u> </p><p><font>- Remates, afinações e retoques finais em mosaicos, silicones, beirados, portas e outros</font> </p><p><font>- Limpeza final da obra. (4°)</font> </p><p><font>13°- No valor total de 34 011,25 €. (5°)</font> </p><p><font>14°- As moradias destinavam-se a ser vendidas pela Autora. (6°)</font> </p><p><font>15°- A autora não conseguirá vender as moradias pelo preço de 500 mil euros cada uma. (8°)</font> </p><p><font>16°- A anterior dona da obra havia prescindido de:</font> </p><p><font>Fornecimento e montagem de roupeiros com portas em carvalho;</font> </p><p><font>Aquecimento;</font> </p><p><font>Fornecimento e colocação de pedra “Azulino Cascais” nas paredes e pavimento das casas de banho. (9°) </font> </p><p><font>17°- Foram realizados os seguintes trabalhos não previstos no orçamento 1398/2006, a solicitação da autora:</font> </p><p><font>- Trabalho de canalizador na separação da tubagem de água entre o lote ao lado e o das moradias no valor de 1682,00;</font> </p><p><font>- Trabalho de canalizador na reparação da rotura de água no jardim da moradia do lote ao lado no valor de 942,00;</font> </p><p><font>- Abertura de vão nos quartos que dão acesso para o terraço na cobertura incluindo a alteração de rede eléctrica e novo caixilho em alumínio lacada e vidro duplo 2 unidades, no valor de 2.386,00;</font> </p><p><font>- Execução do terraço no piso 1, incluindo a impermeabilização, betonilhas e mosaico no pavimento e descontando o valor da telha, no valor de 4.279,00 (10° e 11°)».</font> </p><p><font> </font> </p><p><b><font>III – Fundamentação de direito</font></b> </p><p><b><font>&nbsp;1.</font></b><font> O acórdão recorrido entendeu que a suspensão da execução das obras era apenas uma &nbsp;situação de mora que não foi convertida em incumprimento definitivo, por não ter havido uma interpelação admonitória nem perda de interesse do credor, com a seguinte fundamentação:</font> </p><p><font>«Dispõe o art. 808º, nº 1 do Código Civil que: “</font><i><font>Se o credor, em consequência da mora, perder o interesse que tinha na prestação, ou esta não for realizada dentro do prazo que razoavelmente for fixado pelo credor, considera-se para todos os efeitos não cumprida a obrigação”.</font></i> </p><p><font>Portanto, nos termos deste nº 1, 2ª parte, perante uma situação de mora, a parte cumpridora pode fixar à outra parte um prazo suplementar razoável, dentro do qual a prestação deve ser cumprida sob pena de resolução automática do contrato. </font> </p><p><font>É o que se chama a interpelação admonitória, a qual deverá conter os seguintes elementos: </font> </p><p><font>- a intimação para o cumprimento; - fixação de um termo peremptório para o cumprimento; </font> </p><p><font>- a cominação de que a obrigação se terá por definitivamente não cumprida se não se verificar o cumprimento dentro desse prazo. </font> </p><p><font>Por seu turno, a perda de interesse na prestação é apreciada objectivamente, isto é, o credor não deve rejeitar a prestação a seu arbítrio, mas apenas com fundamento em interesses ou motivos dignos de tutela que serão, por via de regra, motivos ligados aos fins subjectivos do credor - aqueles fins a cuja satisfação ele destinava a prestação ( nº 2 do referido art. 808º).</font> </p><p><font>&nbsp;No caso em apreço está provado que:</font> </p><p><font>&nbsp;- A Ré requer que lhe sejam pagos 13.017,00€, acrescidos de juros, correspondentes ao valor dos trabalhos a mais que realizou nas vivendas e que discrimina.</font> </p><p><font>- em 13/05/08 a Ré comunicou que iria manter a obra parada enquanto não fosse paga a factura de 13.017,00 € e que a Autora indicasse se adjudicava ou não os restantes trabalhos a mais. </font> </p><p><font>-Em 24/12/08, a gerente da Autora comunicou à Ré que, por já terem passados 60 dias sobre a data em que a mesma informou que estava a concluir os trabalhos da vivenda, considerava incumprido o contrato e determinava que se devolvesse de imediato a obra.</font> </p><p><font>-Em Setembro de 2008, as obras de execução das vivendas referidas em B), estavam paradas e a Ré fez depender a respectiva continuação do pagamento de 13 017€. </font> </p><p><font>O que pode resultar desta factualidade é que a Ré/Apelada incorreu em mora, em simples mora ao paralisar a execução da obra.</font> </p><p><font>Para converter esta mora em incumprimento definitivo deveria a Apelante/Autora ter procedido à interpelação admonitória nos temos e com as formalidades acima indicadas. Tal não aconteceu.</font> </p><p><font>No caso, para haver perda de interesse na conclusão da empreitada, sempre apreciado este de forma objectiva, necessário era que o empreiteiro se recusasse definitivamente a não concluir a obra, ou não conseguisse, de todo em todo, por não ter capacidade técnica ou por outros motivos, continuar a mesma, convertendo-se aí a mora do devedor em incumprimento definitivo, imputável ao empreiteiro e, nesta situação, “já não se revela necessário o recurso à via judicial para o dono da obra poder, ele próprio, ou através de terceiro, efectuar as obras de reparação ou reconstrução, sem que perca o direito de reclamar do empreiteiro o pagamento do custo das obras” (João Cura Mariano, Responsabilidade Contratual do Empreiteiro pelos Defeitos da Obra, Almedina, 2004, p. 88 e 111). </font> </p><p><font>Deste modo, não se mostrando provado o incumprimento definitivo não podia a Apelante resolver o contrato».</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>A recorrente invoca um documento, junto com o art. 76.º da petição inicial e que não foi não considerado pelas instâncias, o documento n.º 29, ao qual atribui o valor de interpelação admonitória com virtualidade para gerar incumprimento definitivo.</font> </p><p><font> </font> </p><p><b><font>2. </font></b><font>A apreciação do documento n.º 29, com data de 30 de junho de 2008, após o incumprimento do prazo inicialmente fixado de 90 dias para a conclusão das moradias, como não foi impugnado pela ré (que até aceitou a sua veracidade na contestação e não negou tê-lo recebido), situa-se no domínio da prova vinculada, atribuindo-se ao mesmo o valor de confissão.</font> </p><p><font>Nele se afirma que no caso de a ré não entregar a obra dentro de 15 dias, se deve considerar resolvido o contrato:</font> </p><p><font>“Concedemos um prazo de 15 dias para V. Ex.ªs procederem à conclusão das obras e repararem os defeitos existentes nas mesmas, prazo findo o qual teremos de considerar definitivamente incumprido o contrato de empreitada”</font> </p><p><font>O teor do documento corresponde a uma interpelação admonitória, pois contém os elementos exigidos pela lei e pela jurisprudência: </font> </p><p><font>1 - a intimação para o cumprimento;</font> </p><p><font>2 - a fixação de um termo peremptório para o cumprimento; </font> </p><p><font>3 - a cominação de que a obrigação se terá por definitivamente não cumprida se não se verificar o cumprimento dentro desse prazo. </font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Contudo, o significado e os efeitos jurídicos a atribuir a este documento têm que ser enquadrados na factualidade provada. </font> </p><p><font>Nos termos do facto n.º 7.º, «Em 24/10/08, a ré comunica à Autora que estava a concluir os trabalhos das vivendas», e, segundo o facto n.º 8 «°- Em 24/12/08, a gerente da autora comunicou à ré que por já terem passados 60 dias sobre a data em que a ré informa que está a concluir os trabalhos da vivenda, considera incumprido o contrato e determina que devolva de imediato a obra». A resposta da autora significa que esta não considerou o contrato resolvido dentro do prazo de 15 dias a contar da receção da carta datada de 30 de junho, conforme a interpelação feita, o que permite concluir que houve entre as partes, entre junho e outubro, um acordo de manutenção do contrato, em sentido contrário ao que indicava a carta. Assim se explica, o diálogo posterior mantido entre as partes em outubro e em dezembro.</font> </p><p><font>Em consequência, os factos provados indicam que esta carta não teve efeito resolutivo, não se tendo extinguido o contrato na data nele prevista.</font> </p><p><font> </font> </p><p><b><font>3.</font></b><font> A recorrente coloca, ainda, a questão da recusa de cumprimento, alegando que o acórdão recorrido não abordou a questão do significado da paralisação da obra como vontade clara e inequívoca de não cumprimento, nem a questão de saber se a exceção de não cumprimento do contrato respeitava os critérios jurisprudenciais da boa fé e da proporcionalidade, questões alegadas no recurso de apelação e que a autora esgrimia desde a petição inicial.</font> </p><p><font>Deve, portanto, este Supremo proceder a uma reavaliação da matéria de facto, para decidir se a autora tem ou não razão quando entende que a paralisação das obras, como resposta a uma alegada falta de pagamento de 13.017 euros pela autora, constitui uma exceção de não cumprimento do contrato desproporcionada e contrária à boa fé, com o significado de recusa de cumprimento, tendo em conta o preço global acordado pela obra no valor de € 414. 984. </font> </p><p><b><font>4. </font></b><font>A jurisprudência deste Supremo Tribunal de Justiça, de que é exemplo o acórdão fundamento, de 4-02-2010 (proc. n.º 4913/05.5TBNG.P1.S1), relatado pelo Conselheiro Oliveira Rocha, tem entendido que o recurso à exceção de não cumprimento num contrato bilateral sinalagmático, quando está em causa um incumprimento parcial da outra parte, tem que obedecer a critérios de proporcionalidade e de boa fé, sob pena de a exceção de não cumprimento ser equivalente a um incumprimento definitivo.</font> </p><p><font>No citado acórdão de 4-02-2010, estabeleceu-se a seguinte orientação:</font> </p><p><font>&nbsp;«A excepção do não cumprimento do contrato, consagrada no art. 428.º do CC, é uma consequência natural dos contratos sinalagmáticos, pois, neles, cada uma das partes assume obrigações, tendo em vista as obrigações da outra parte, de sorte que se romperia o equilíbrio contratual, encarado pelas partes, se caso uma delas pudesse exigir da outra o cumprimento sem, por outro lado, ter cumprido o que se prestar a cumprir.</font> </p><p><font>No caso de incumprimento parcial, o alcance da excepção de não cumprimento do contrato deve ser proporcional à gravidade da inexecução, o que só poderá implicar uma recusa parcial por parte do credor; isto é, o credor poderá tão só suspender, parcial e proporcionalmente, a prestação, segundo o princípio da boa fé que deve presidir a toda a temática do cumprimento das obrigações.</font> </p><p><font>O dono da obra, perante a apresentação pelo empreiteiro - no tempo acordado - de duas facturas respeitantes às primeiras quatro fases da obra (que no total tinha sete), não pode, pura e simplesmente, recusar-se a pagar qualquer quantia, baseado no facto - comprovado - de que alguns dos trabalhos facturados ainda não foram executados. </font> </p><p><font>(…)</font> </p><p><font>A recusa pura e simples do autor-dono da obra em efectuar qualquer pagamento ao réu- empreiteiro, não obstante grande parte das obras relativas às quatro primeiras fases já se encontrar efectuada, apontando diversas razões que se mostraram totalmente infundadas - e apesar de ter conhecimento que o réu atravessava dificuldades financeiras -, inviabilizando qualquer outra solução para o litígio surgido, traduz um comportamento próprio de quem não quer ou não pode cumprir, possibilitando à contraparte a resolução válida do contrato sem precedência de interpelação admonitória».</font> </p><p><font>No acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 28-04-2009 (proc. n.º 09B0212), relatado pelo Conselheiro Santos Bernardino, sumariou-se o seguinte: </font> </p><p><font>«A oponibilidade da </font><i><font>exceptio</font></i><font> supõe, porém, além dos pressupostos enunciados no art. 428º/1 do CC, a não contrariedade à boa fé, que postula, nos contratos bilaterais, o respeito pela ideia da preservação do equilíbrio entre as obrigações sinalagmáticas e, neste campo, a regra da adequação entre a ofensa do direito do contraente que invoca a excepção e o exercício desta.</font> </p><p><font>Assim, uma prestação que padeça de significativo grau de incompletude ou de defeito justifica que o outro obrigado reduza a contraprestação a que se acha obrigado; mas só é razoável que recuse quanto se torne necessário para garantir o seu direito, isto é, a parte da sua prestação bastante para se garantir da parte não cumprida».</font> </p><p><b><font> </font></b> </p><p><b><font>5.</font></b><font> O contrato de empreitada é um contrato bilateral ou sinalagmático de que resultam prestações correspetivas ou correlativas (a obrigação de executar a obra e a do pagamento do preço), isto é, interdependentes, sendo uma o motivo determinante da outra e intercedendo entre ambas um nexo de causalidade e de reciprocidade. </font> </p><p><font>Ao contrato de empreitada aplicam-se as regras especiais para ele definidas nos arts. 1207.º e segs. do Código Civil, mas também as normas gerais relativas aos contratos e às obrigações com elas compatíveis.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>&nbsp; Um dos aspectos em que se exprime o sinalagma contratual, no contrato de empreitada – corolário do princípio geral da pontualidade (art. 406º do Código Civil) – é, do lado do empreiteiro, a execução da obra nos termos convencionados –“O empreiteiro deve executar a obra em conformidade com o que foi convencionado, e sem vícios que excluam ou reduzam o valor dela, ou a sua aptidão para o uso ordinário ou previsto no contrato.” – art. 1208º do Código Civil e, do lado do dono dela, a obrigação de, caso a aceite, pagar o preço. - “O preço deve ser pago, não havendo cláusula ou uso em contrário, no acto de aceitação da obra.”- nº2 do art. 1211º do citado diploma.</font> </p><p><font>«Todavia, nos contratos com prestações fraccionadas, o contraente credor de prestações vencidas pode invocar perante o seu devedor a excepção de não cumprimento do contrato para suspender a sua prestação – execução do remanescente da obra – até que lhe sejam pagos débitos correspondentes à parte já executada da obra, desde que essa actuação não exprima violação da actuação de boa fé» (cf. acórdão deste Supremo Tribunal, de 16-06-2015, proc. 3309/08.1TJVNF.G1.S1, relatado pelo Conselheiro Fonseca Ramos).</font> </p><p><font>O contrato de empreitada é um contrato de execução sucessiva, em que a obrigação do empreiteiro é de cumprimento contínuo e a obrigação do dono da obra de pagamento do preço, normalmente, é periódica ou fracionada. Por exemplo, se o empreiteiro inicia a obra e o dono desta não paga a primeira fração do preço no momento devido, pode o empreiteiro suspender a construção até que o dono da obra pague a referida fração do preço. Se o dono da obra cumpre de forma defeituosa uma determinada fase da construção, o dono da obra pode retardar o pagam
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font> <ul> <ul><font> </font> <p><b><font>I – Relatório</font></b> </p><p><b><font> </font></b> </p><p><font> </font> </p><p><b><font>AA</font></b><font>, residente na Avenida ..., …, ..., Lote ..., ..., intentou acção declarativa, sob a forma de processo comum ordinário, contra:</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>1.º </font><b><font>BB,</font></b><font> residente na Rua de ..., N.° …, ….° …, ...;</font> </p><p><font>2.º </font><b><font>CC</font></b><font>, residente na Avenida ..., N.° …, em ...;</font> </p><p><font>3.º </font><b><font>DD,</font></b><font> residente Avenida …, N.° …, ….° …, em ...;</font> </p><p><font>4.º </font><b><font>EE,</font></b><font> residente Rua ..., N° …, Bloco …° Dt°, Condomínio FF.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;Nessa acção, o autor pede a condenação dos réus no pagamento da quantia de €1.153,000,00, acrescida de juros de mora ou, subsidiariamente, daquela que for devida segundo as regras previstas no n.º 2 do artigo 1158.º do Código Civil.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Fundamentou o autor, no essencial, esta sua pretensão da seguinte forma:</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>1. No dia 17 de Julho de 2007, o GG, na altura em que o seu conselho de administração era por si presidido, celebrou um contrato com a 2.ª ré, representada pelo 1.º réu, obrigando-se a prestar assessoria a uma operação de alienação da sua participação no capital social do "Grupo HH".</font> </p><p><font>2. Nesse âmbito, o GG obrigou-se a preparar informação a apresentar aos interessados, à avaliação daquele Grupo, a identificar e seleccionar potenciais interessados, contactos com os mesmos, negociação de propostas e apoio na elaboração do contrato final.</font> </p><p><font>3. Foram acordados honorários de 30.000,00 euros pela estruturação da operação e 2% do "</font><i><font>equity value</font></i><font>" subjacente à operação, na proporção do capital adquirido, com um mínimo de 1.000.000,00 de euros.</font> </p><p><font>4. Em Novembro de 2008, o autor deixou de exercer as referidas funções no GG, e mantinha boas relações com os accionistas do Grupo HH, pelo que, no dia 28 desse mês, celebrou com os réus um acordo verbal, nos termos do qual passou a assumir as obrigações que anteriormente recaíam sobre o GG, bem como os réus aceitaram cumprir para com o autor nos termos que constavam do contrato celebrado com este banco.</font> </p><p><font>5. O autor realizou diversos contactos de intermediação e negociações, que descreveu, no cumprimento desse acordo verbal, em consequência das quais, no dia 15.02.2009, os sócios do Grupo HH chegaram a um acordo (contrato-promessa) que permitia aos réus venderem as suas participações pelo montante de 56.150.000,00 euros, na condição de os sócios compradores conseguirem obter as condições financeiras necessárias nos 3 meses seguintes.</font> </p><p><font>6. Não obstante as diligências que o autor continuou a manter, essas condições não foram reunidas dentro daquele prazo, mas, tendo-se mantido o interesse de todos, no dia 07 de Agosto de 2009, acabaram por ser celebrados os contratos de compra e venda, pelo preço acima indicado.</font> </p><p><font>7. Uma vez que os réus se recusam a pagar a remuneração acordada, o autor, na presente acção, pede a sua condenação no pagamento da mesma, no montante de 1.153.000,00 euros, acrescida de juros de mora ou, subsidiariamente, daquela que for considerada devida segundo as regras previstas no n.º 2 do artigo 1158.º do CC.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Citados, os réus apresentaram contestação, invocando que:</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>1. O acordo celebrado com o GG foi subscrito apenas pela 2.ª ré, que detinha cerca de 30% do capital social daquele Grupo, embora com representação pelo 1.º réu, sendo que os 3.º e 4.º réus até desconheciam a existência desse acordo.</font> </p><p><font>2. Os réus negam que tenham celebrado qualquer acordo com o autor, até porque um contrato com o conteúdo alegado por este sempre seria reduzido a escrito, para além de que o autor, em nome individual, nunca teria condições para assumir o conjunto de obrigações a que o GG se vinculou, esquecendo-se, também, que a 2.ª ré pagou ao Banco os 30.000,00 euros previstos no contrato.</font> </p><p><font>3. O 1.º réu manteve contactos frequentes com o autor sobre assuntos do GG, tendo mesmo integrado o conselho de administração da Privado Holding e, numa conversa, comunicou-lhe a situação de litígio existente entre a 2.ª ré e os restantes accionistas da HH, ocasião em que o autor lhe referiu que iria tentar interceder junto destes accionistas, com os quais mantinha boas relações, no sentido de se encontrar uma solução para o diferendo.</font> </p><p><font>4. O que iria fazer pela amizade que os ligava e como forma de compensar as perdas muito elevadas sofridas pela 2.ª ré em virtude de investimentos feitos no GG.</font> </p><p><font>5. Embora o autor tenha de facto mantido alguns dos contactos que alega, quer o contrato-promessa de Fevereiro, quer os contratos-promessa de Agosto - que, de resto, são independentes entre si e nem sequer foram subscritos pelas mesmas partes -, resultaram de aturadas negociações mantidas entre as partes e os respectivos advogados.</font> </p><p><font>Os réus, para além de entenderem que não assiste nenhum direito do autor a receber as quantias peticionadas, pediram a sua condenação como litigante de má-fé, em multa e indemnização.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Notificado, o autor apresentou articulado de réplica no qual reduziu o pedido para € 1.123.000,00 e juros de mora, redução que foi admitida.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Foi proferido o despacho saneador e realizada a condensação com a fixação dos Factos Assentes e a organização da Base Instrutória.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Foi levada a efeito a audiência de discussão e julgamento, após o que o Tribunal </font><i><font>a quo</font></i><font> proferiu decisão, constando do dispositivo da sentença o seguinte:</font> </p><p><font>&nbsp;</font> </p><p><font>"Nestes termos e com os fundamentos mencionados, julga-se a acção parcialmente procedente por provada e condenam-se os réus a pagar ao autor, na proporção do valor das participações vendidas, a remuneração que se vier a apurar em liquidação ulterior, acrescida de juros de mora à taxa legal, a partir dessa fixação até pagamento».</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Inconformados com o assim decidido, os Réus interpuseram recurso de apelação.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Por acórdão datado de 10 de Outubro de 2013, o Tribunal da Relação de Lisboa decidiu julgar procedente o recurso e revogar a decisão recorrida, absolvendo os réus/apelantes do pedido em que foram condenados.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Inconformado, recorre o Autor para este Supremo Tribunal de Justiça, apresentando, na sua alegação de recurso, as conclusões exaradas a fls. 1110 a 1115 e que aqui se consideram integralmente reproduzidas.</font> </p><p><font>&nbsp;</font> </p><p><font>Sabido que, de acordo com o disposto no artigo 635.º, 637.º e 639.º do Código de Processo Civil, é pelas conclusões da alegação do recorrente que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, sem prejuízo das questões de que o tribunal </font><i><font>ad quem</font></i><font> possa ou deva conhecer oficiosamente, as questões a conhecer são as seguintes:</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>I) Poderes do Tribunal da Relação para eliminar expressões conclusivas do facto provado n.º 42;</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>II) Qualificação jurídica do acordo entre o Recorrente e os Recorridos.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Os Recorridos apresentaram contra-alegações de revista, em que pugnam pela manutenção do acórdão recorrido e pela absolvição dos réus do pedido.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Colhidos os vistos, cumpre decidir.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font> </font> </p><p><b><font>II – Fundamentação de facto</font></b> </p><p><font> </font> </p><p><font>Foram dados como provados, pelas instâncias, os seguintes factos:</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>1. O A. foi o fundador do Banco GG, S.A., tendo exercido o cargo de Presidente do seu Conselho de Administração até 24 de Novembro de 2008, data em que, na sequência da intervenção do Banco de Portugal no GG, renunciou a esse cargo - alínea A).</font> </p><p><font>2. Até 7 de Agosto de 2009, a 2.ª R. foi proprietária dos seguintes activos em sociedades do denominado Grupo HH: - 441.252 acções ao portador, no valor nominal de € 5,00 cada, representativas de 30% do capital social da HH, II, S.A.; -15.750 acções nominativas, no valor nominal de € 5,00 cada, representativas de 21% do capital social da HH Gest, S.A.; - 6.000 acções ao portador, no valor nominal de € 5,00 cada, representativas de 3% do capital social da JJ, S.A.; - 31.800 acções ao portador, no valor nominal de € 5,00 cada, representativas de 15,9% do capital social da KK, S.A.; -12.000 acções ao portador, no valor nominal de € 5,0 cada, representativas de 5% do capital social da LL, S.A.; -1 quota, no valor nominal de € 14.963,94, representativa de 10% do capital social da MM, Lda. (em comunhão com os demais Réus); -140.4... unidades de participação, no valor nominal de € 4,988 cada, do Fundo de Investimento Imobiliário HH - alínea B).</font> </p><p><font>3. Dentro do Grupo HH, os vários accionistas detinham as seguintes posições relativas: a) NN - 40%; b) 2.ª R. - 30%; c) OO e PP -15% cada, perfazendo 30% - alínea E).</font> </p><p><font>4. Até àquela data, cada um dos demais RR. foi titular de 28.083 unidades de participação, no valor nominal de € 4,988 cada, do Fundo de Investimento Imobiliário HH e eram titulares de uma quota no valor nominal de € 14 963,94, na sociedade MM, Lda, em comunhão, na sequência do óbito de QQ - alínea C).</font> </p><p><font>5. No ano de 2005 eclodiu um conflito entre a 2.ª R. e os demais accionistas das sociedades do "Grupo HH", do qual resultaram dezenas de processos, pendentes nos Tribunais judiciais e arbitrais - alínea F).</font> </p><p><font>6. Por força das relações que mantinha com os interessados, o autor tinha conhecimento dessa situação de litígio - resposta ao n.° 44 da BI.</font> </p><p><font>7. O interesse da família RR em alienar as participações, bem como o acordo com o GG, a seguir mencionado, surgiram em virtude desse litígio - resposta ao n.° 45 da BI.</font> </p><p><font>8. Nos negócios relacionados com a HH, o 1° réu agia em nome da família, com conhecimento e autorização dos restantes réus, embora quer o autor quer os restantes accionistas soubessem que as decisões finais careciam de ser ratificadas por todos os membros da família - resposta ao n.° 1 da BI.</font> </p><p><font>9. No dia 17 de Julho de 2007, o GG e a 2.ª ré, que teve aconselhamento jurídico, celebraram o acordo junto aos autos como doc. n.° 2 da PI - resposta aos n°s 2 e 46 da BI.</font> </p><p><font>10. O Banco obrigou-se, além do mais que consta do contrato, a produzir um </font><i><font>"Information Memorandum",</font></i><font> com o intuito de permitir ao potencial investidor a tomada de uma decisão acerca do interesse na operação, o que deveria incluir, designadamente, informação relativa a (i) âmbito da transacção, (ii) enquadramento do negócio, (iii) gestão e organização, (iv) análise económico- financeira histórica, (v) principais linhas estratégicas de desenvolvimento do negócio e </font><i><font>business plan</font></i><font> de suporte às mesmas - resposta aos n°s 3 e 4 da BI.</font> </p><p><font>11. O Banco vinculou-se também a realizar, entre outras, as seguintes tarefas: identificação e selecção de potenciais entidades a apresentar o </font><i><font>"Information Memorandum"</font></i><font>; realização de contactos com as entidades seleccionadas no sentido de apresentar a oportunidade de investimento; negociação das condições da operação, que permitissem obter, numa primeira fase, uma proposta não vinculativa e, numa segunda fase, uma proposta vinculativa por parte do potencial investidor; coordenação do processo de </font><i><font>due dilligence</font></i><font>; apoio na elaboração do contrato e/ou de outro instrumento jurídico que formalizasse a operação - resposta ao n.° 6 da BI.</font> </p><p><font>12. Os honorários devidos ao GG seriam os seguintes:</font> </p><p><font>a) 30.000,00 euros pela estruturação da operação, incluindo os trabalhos de avaliação e elaboração de informação para potenciais investidores;</font> </p><p><font>b) 2% do </font><i><font>Equity Value</font></i><font> subjacente à operação, na proporção do capital adquirido, com um montante mínimo de € 1.000.000,00 - resposta ao n.° 7 da BI.</font> </p><p><font>13. Esta última parte dos honorários seria liquidada com a formalização do negócio, entendendo-se para o efeito a celebração de contrato de compra e venda e/ou contrato de opção e/ou qualquer outro instrumento jurídico que as partes viessem a convencionar para a transmissão das acções ou activos da empresa - resposta ao n.° 8 da BI.</font> </p><p><font>14. O acordo vigoraria até ao dia 30 de Junho de 2008, prorrogável por igual período, salvo denúncia por alguma das partes com 30 dias de antecedência - resposta ao n.° 9 da BI.</font> </p><p><font>15. Era aceite por todos que a alienação das participações da ré no Grupo HH, a verificar-se, teria lugar em conjunto com as participações, residuais, em nome dos outros réus - resposta ao n.° 5 da BI.</font> </p><p><font>16. O GG e a 2.ª ré acordaram depois, em 01 de Julho de 2008, que seria oportuno explorar a possibilidade de estruturar uma operação que permitisse a obtenção de uma posição maioritária no Grupo HH, prévia a uma eventual alienação a terceiro, e que essa posição maioritária seria obtida através da aquisição da participação financeira e créditos da 2.ª ré e da participação financeira (total ou parcial) e créditos dos accionistas OO e SS, por parte de um veículo a constituir pelo Grupo Privado Holding, designado "TT" - resposta ao n.° 10 da BI.</font> </p><p><font>17. Vinculando-se o Banco a iniciar negociações junto dos accionistas UU - resposta ao n.° 11 da BI. </font> </p><p><font>18. Pelos trabalhos de assessoria na estruturação e montagem da operação, incluindo a análise económico-financeira e condução do processo negocial, a TT obrigou-se a pagar ao GG uma comissão no valor correspondente a 2% sobre o valor de aquisição da participação financeira e créditos accionistas à accionista RR e aos accionistas UU, com o mínimo de dois milhões de euros - resposta ao n.° 12 da BI.</font> </p><p><font>19. Em cumprimento desse acordo, no dia 7 de Julho de 2008, o GG enviou uma missiva ao Dr. VV, na qualidade de representante dos Accionistas UU, na qual apresentou uma "proposta indicativa de aquisição da totalidade das participações detidas, directa e indirectamente, pelos Accionistas no Grupo HH, incluindo Créditos Accionistas" - resposta ao n.° 13 da BI.</font> </p><p><font>20. No dia seguinte, o referido Mandatário remeteu uma carta ao GG na qual esclareceu que não representava os interesses do Sr. OO em qualquer assunto, designadamente no Grupo HH, e informou que iria abster-se de dar seguimento à proposta apresentada pelo GG porquanto a mesma visava a participação conjunta da sua Cliente (PP) e do Sr. OO - resposta ao n.° 14 da BI.</font> </p><p><font>21. O GG não prosseguiu com as diligências antes referidas, tendo entrado na situação de crise que se tornou pública - resposta ao n.° 15 da BI.</font> </p><p><font>22. O autor tinha boas relações com os accionistas da HH, em especial com NN - resposta ao n.° 16 da BI.</font> </p><p><font>23. No contexto da relação de amizade existente entre o 1.º R. e o A., estes mantiveram diversos contactos durante o ano de 2008 e até inícios de 2009 - alínea G) e resposta ao n.° 43.</font> </p><p><font>24. Em data concretamente não apurada, situada entre os finais do mês de Novembro e os inícios de Dezembro de 2008, o autor ofereceu-se ao 1° réu para contactar o sócio da HH, NN, no sentido de apurar da disponibilidade deste para a compra - para si ou com outros sócios - da participação da família RR, oferecimento que aquele aceitou - resposta ao n.° 17 da BI.</font> </p><p><font>25. A posição do 1° réu que acaba de ser referida, obteve a concordância dos restantes réus - resposta ao n.° 19 da BI.</font> </p><p><font>26. Na sequência, e por volta daquela data, o autor contactou o referido NN, que se mostrou interessado em estabelecer negociações naquele sentido - resposta ao n.° 20° da BI.</font> </p><p><font>27. Em virtude da situação de litigiosidade ser crescente e sem fim à vista, com prejuízo para o Grupo e para todos os accionistas, essa solução ou uma semelhante, já era falada entre os interessados como uma das mais plausíveis, embora na altura, devido ao conflito, com escassas condições de desenvolvimento, se não tem havido a intervenção do autor - resposta ao n.° 20 da BI.</font> </p><p><font>28. De seguida, no mês de Dezembro de 2008 e nos inícios do mês de Janeiro seguinte, o autor, com vista à aproximação de posições, manteve vários contactos com o primeiro réu e com NN, com os quais discutiu, separadamente, aspectos referentes àquela operação - resposta ao n.° 21° da BI.</font> </p><p><font>29. E recebia as posições de cada uma das partes envolvidas na negociação, que transmitia à outra parte - resposta ao n.° 22 da BI.</font> </p><p><font>30. NN, por sua vez, transmitia essas posições aos sócios OO e SS, com os quais tinha relações de confiança, ou aos respectivos advogados &nbsp;- resposta ao n.° 22 da BI.</font> </p><p><font>31. Depois de as partes interessadas terem chegado à aproximação de posições sobre alguns aspectos essenciais do acordo, como o preço da venda, NN elaborou a minuta de contrato, cuja cópia foi junta com a petição inicial, que remeteu ao autor por e-mail de 02.01.2009, a fim de este a fazer chegar à família RR,</font> </p><p><font>para apreciação, o que o mesmo fez, minuta que posteriormente foi discutida pelos réus com os seus advogados - resposta ao n.° 23.</font> </p><p><font>32. No dia 09 de Janeiro de 2009, o autor convocou uma reunião na HH, em que também participou, onde foram discutidos aspectos relacionados com a concretização do negócio, e em que estiveram presentes os interessados e os advogados que lhes prestavam apoio jurídico, tendo sido acordado que estes iriam trabalhar na elaboração final do contrato-promessa - resposta ao n.° 24 da BI.</font> </p><p><font>33. Na sequência de tudo isso, bem como de outros contactos entretanto mantidos directamente pelos interessados e respectivos advogados, no dia 15 de Fevereiro de 2009, foi celebrado o contrato-promessa cuja cópia consta de fls. 628 e segs. dos autos - alínea D) e resposta ao n.° 25 da BI.</font> </p><p><font>34. Anteriormente, por carta de 19.01.2009, e depois da troca de e-mails de fls. 59 (entre o 1° réu e o autor), a ré rescindiu o contrato celebrado com o GG - resposta aos n°s 18 e 47° da BI.</font> </p><p><font>35. Os restantes réus eram mantidos informados pelo 1° réu dos principais desenvolvimentos dos contactos estabelecidos com NN e com os accionistas UU - resposta ao n.° 34 da BI.</font> </p><p><font>36. Entre os dias 15 de Fevereiro e 15 de Maio de 2009, o autor manteve contactos telefónicos com o 1° réu e com NN, com finalidade não apurada - resposta ao n.° 35 da BI.</font> </p><p><font>37. Antes do dia 15 de Maio, NN ainda contactou um dos advogados da família RR, no sentido de ser alargado o prazo de 3 meses, fixado no contrato promessa, para que os promitentes-compradores confirmassem o contrato - resposta ao n.° 63 da BI.</font> </p><p><font>38. Os promitentes-compradores acabaram por não confirmar o negócio dentro do prazo fixado no contrato-promessa, pelo que este ficou sem efeito - resposta ao n.° 68 da BI.</font> </p><p><font>39. Depois do dia 15 de Maio de 2009, o autor manteve contactos telefónicos com o 1° réu, com finalidade não apurada e, por mais de uma vez, quando contactava ou encontrava NN, referia-lhe as vantagens do negócio - resposta ao n.° 26 da BI.</font> </p><p><font>40. Entretanto, o clima de litigiosidade agravava-se e, em meados de 2009, por iniciativa dos interessados ou dos seus advogados, as negociações foram retomadas, entre eles, tendo culminado, no dia 07 de Agosto de 2009, com a celebração dos acordos escritos, através dos quais as participações da família RR no Grupo HH foram alienadas nos termos dos três contratos juntos a fls. 682 e segs. - resposta ao n.° 37 da BI.</font> </p><p><font>41. A celebração desses contratos exigiu diversas reuniões entre os interessados neles mencionados e os respectivos advogados - resposta ao n.° 71 da BI.</font> </p><p><font>42. </font><i><font>A intervenção do autor antes mencionada contribuiu para a abertura de diálogo entre os interessados e para a sua aproximação</font></i><font> - resposta ao n.ºs 38 e 75 .º da BI (Facto alterado pelo Tribunal da Relação de Lisboa).</font> </p><p><font>43. Depois da celebração desses contratos, o autor contactou o 1° réu no sentido de lhe ser paga uma quantia, concretamente não apurada, pelos honorários que considerava serem devidos pela sua intervenção, o que aquele recusou - resposta aos n°s 39° e 40° da BI.</font> </p><p><font>44. A 2.ª ré realizou investimentos no e através do GG, tal como o 1.º réu, que chegou a pertencer ao respectivo Conselho Consultivo até 2007 - resposta aos n°s 41 e 42 da BI.</font> </p><p><font>45. Os réus jamais aceitariam celebrar um acordo tal como foi alegado pelo autor (sem prejuízo, portanto, do que se provou), sem previamente consultarem os seus advogados, o que não sucedeu - resposta ao n.° 49 da BI.</font> </p><p><font>46. O autor não dispunha da organização e do apoio técnico inerentes ao contrato celebrado com o GG - resposta ao n.° 52 da BI.</font> </p><p><font>47. Em relação a contratos celebrados com instituições como o GG da altura, a remuneração acordada no contrato acima referido sob o n.° 9, embora situada num patamar elevado, está dentro dos valores praticados - resposta ao n.° 76 da BI.</font> </p><p><font>48. O GG emitiu em nome da ré as facturas juntas com a contestação sob os n°s 2 e 3.</font> </p><p><font>&nbsp;</font> </p><p><font> </font> </p><p><b><font>III – Fundamentação de direito</font></b> </p><p><b><font> </font></b> </p><p><font>I)</font><b><font> </font></b><i><font>Poderes do Tribunal da Relação para eliminar expressões conclusivas do facto provado n.º 42</font></i> </p><p><i><font> </font></i> </p><p><b><font>1.</font></b><font> No facto provado n.º 42 constava, antes da alteração a que procedeu o Tribunal da Relação, o seguinte:</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>«42. A intervenção do autor, antes mencionada, contribuiu de forma muito relevante para a abertura de diálogo entre os interessados e para a sua aproximação, sem as quais, na altura, dificilmente se teria chegado à celebração dos contratos referidos no número anterior».</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Após a eliminação das expressões de natureza conclusiva, o facto provado n.º 42 passou a ter a seguinte redacção:</font> </p><p><font>«42 - A intervenção do autor antes mencionada contribuiu para a abertura de diálogo entre os interessados e para a sua aproximação».</font> </p><p><font> </font><br> <font>Entendeu o acórdão recorrido que «De acordo com o disposto no artigo 646°, n° 4 do Código de Processo Civil, no julgamento da matéria de facto ter-se-ão por não escritas as respostas do tribunal sobre questões de direito. E, conforme tem sido entendimento doutrinário e jurisprudencial esta solução aplicar-se-á, por analogia, às respostas que constituam conclusões de facto, designadamente quando as mesmas têm a virtualidade de, por si só, resolverem questões de direito a que se dirigem - v. Lebre de Freitas, </font><i><font>Código de Processo Civil Anotado,</font></i><font> vol. 2°, 605­».</font> </p><p><i><font> </font></i> </p><p><font>a) </font><i><font>Poderes da Relação quanto à alteração da matéria de facto</font></i> </p><p><font> </font> </p><p><font>A reforma do Código de Processo Civil de 1995 alargou os poderes da Relação no que diz respeito à alteração da matéria de facto, evolução que se acentuou com a Reforma de 2013, ficando claro que os Tribunais da Relação têm autonomia decisória e competência para formar e formular a sua convicção mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou daqueles que se mostrem acessíveis</font><a><u><font>[1]</font></u></a><font>. </font> </p><p><font>Contudo, a Reforma de 2013 revogou o art. 646.º, n.º 4 do CPC, invocado pela acórdão recorrido na fundamentação da alteração ao facto n.º 42. </font> </p><p><font>Ora, referindo-se o acórdão recorrido à forma como foi elaborada e respondida a base instrutória e sendo a sentença de 1.ª instância e a decisão quanto à matéria de facto de data anterior à da entrada em vigor do Novo Código de Processo Civil, não se aplica, para determinar a validade ou invalidade do procedimento do tribunal da 1.ª instância, a nova lei processual, mas a lei vigente à data da prática do acto, portanto, a versão do Código de Processo Civil proveniente da redacção do DL n.º 303/2007, de 31 de Agosto.</font> </p><p><font>Diga-se ainda que, constituindo a possibilidade de eliminação de factos conclusivos equiparados a questões de direito uma prerrogativa dos tribunais superiores de longa tradição doutrinal e jurisprudencial, esta pode ser exercida mesmo que não esteja prevista expressamente na lei processual.</font> </p><p><font>&nbsp;</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>b) </font><i><font>Diferença entre matéria de facto e matéria de direito; factos conclusivos e juízos de facto</font></i> </p><p><font> </font> </p><p><font>Inerente à questão colocada nos autos, está, também, a questão de saber quais são os limites ao poder do juiz de 1.ª instância na fixação da matéria de facto e qual a distinção entre matéria de facto e de direito, uma das mais controversas da doutrina processualista e que mais problemas de fronteira coloca.&nbsp; </font> </p><p><font> </font> </p><p><font>O problema da distinção entre questões de facto e de direito tem sido tratado principalmente a propósito da linha de demarcação entre a competência dos tribunais de instância e a competência do Supremo Tribunal de Justiça, a qual está restringida a matéria de direito.</font> </p><p><font>No caso vertente, coloca-se o problema de saber se o Tribunal de 1.ª instância pode introduzir na matéria de facto juízos de valor ou expressões conclusivas e se a Relação tem poder para eliminar estas expressões da matéria de facto fixada pelo tribunal de 1.ª instância. O Supremo Tribunal de Justiça assume aqui um papel de sindicância sobre os poderes da Relação para alterar factos: admite-se que censure quer a forma como usa esses poderes, ao abrigo do art. 712.º do CPC, quer a sua recusa em usar os poderes atribuídos por esse preceito. Tem-se entendido, também, que está dentro dos poderes cognitivos deste Supremo Tribunal considerar como não escritas as respostas que excedam o âmbito das questões de facto formuladas e verificar se as instâncias exorbitaram ou não nas respostas dadas, embora se admita respostas restritivas ou explicativas. </font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Na formulação de Alberto dos Reis, «a) É questão de facto tudo o que tende a apurar quaisquer ocorrências da vida real, quaisquer eventos materiais e concretos, quaisquer mudanças operadas no mundo exterior; b) É questão de direito tudo o que respeita à interpretação e aplicação da lei»</font><a><u><font>[2]</font></u></a><font>. </font> </p><p><font>Segundo Karl Larenz, a “questão de facto” reporta-se ao que efectivamente aconteceu, enquanto a “questão de direito” se identifica com a qualificação do ocorrido em conformidade com os critérios da ordem jurídica</font><a><u><font>[3]</font></u></a><font>. </font> </p><p><font>Existe, contudo, um </font><i><font>continuum</font></i><font> entre matéria de facto e matéria de direito e não uma oposição absoluta entre ambos os conceitos, pois na concreta aplicação do direito acaba por verificar-se uma correlatividade entre ambos os elementos</font><a><u><font>[4]</font></u></a><font>.</font> </p><p><font>Há que partir, portanto, da unidade do caso jurídico </font><i><font>decidendo </font></i><font>e dos problemas jurídicos por si colocados, devendo distinguir-se dois tipos de questões: uma que se refere aos dados pressupostos pelo problema concreto – questão de facto – e outra que tem a ver com o </font><i><font>fundamento</font></i><font> e o </font><i><font>critério</font></i><font> do juízo e com o próprio e concreto </font><i><font>juízo decisório </font></i><font>– questão de direito</font><a><u><font>[5]</font></u></a><font>. Na matéria de facto concorrem não apenas dados empíricos, mas todos os pressupostos objectivos do problema colocado, por exemplo, elementos sócio-culturais e até jurídicos</font><a><u><font>[6]</font></u></a><font>.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Contudo, a tradição do nosso pensamento jurídico, no seguimento de Alberto dos Reis, considera que a actividade do juiz se circunscreve ao apuramento dos factos materiais, devendo evitar que no questionário entrem noções, fórmulas, categorias ou conceitos jurídicos, inserindo, apenas, nos quesitos e na matéria de facto assente, factos materiais e concretos</font><a><u><font>[7]</font></u></a><font>. Continua o autor, afirmando que «tudo o que sejam juízos de valor, induções, conclusões, raciocínios, valorações de factos, é actividade estranha e superior à simples actividade instrutória»</font><a><u><font>[8]</font></u></a><font>.</font> </p><p><font>Se na resposta a determinado quesito houver matéria de facto e matéria de direito, deve aproveitar-se a decisão na parte relativa à primeira e considerar-se não escrita na parte relativa à segunda. </font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Tem-se entendido, na jurisprudência e na doutrina, que as respostas do julgador de facto sobre matéria qualificada como de direito consideram-se não escritas e que se equiparam às conclusões de direito, por analogia, as conclusões de facto, isto é, os juízos de valor, em si não jurídicos, emitidos a partir dos factos provados</font><a><u><font>[9]</font></u></a><font>.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Para Teixeira de Sousa, «A selecção da matéria de facto não pode conter qualquer apreciação de direito, isto é, qualquer valoração segundo a interpretação ou aplicação da lei ou qualquer juízo, indução ou conclusão jurídica (cfr. STJ – 13/12/1983, BMJ 332, 437)</font><a><u><font>[10]</font></u></a><font>.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Abrantes Geraldes defende que “devem ser erradicadas da condensação as alegações com conteúdo técnico-jurídico de cariz normativo ou conclusivo, a não ser que, porventura, tenham simultaneamente uma significação corrente e da qual não dependa a resolução das questões jurídicas que no processo se discutem”</font><a><u><font>[11]</font></u></a><font>.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Em consequência, devem ser eliminadas da matéria de facto, quer a matéria de direito, quer a conclusão de facto ou expressões conclusivas que traduzam juízos de valor e que excedam a resposta de facto.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Os juízos ou conclusões de facto situam-se numa zona intermédia entre os puros factos e as questões de direito e encontram-se incluídos na legislação como parte integrante da hipótese legal de numerosas normas jurídicas, podendo nuns casos aproximarem-se mais de uma questão de facto e noutros de uma questão de direito. &nbsp;</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Como se tem defendido na jurisprudência deste Supremo Tribunal, «A linha divisória entre matéria de facto e matéria de direito não é fixa, dependendo em larga medida dos termos em que a lide se apresenta. A nível do julgamento da matéria de facto só são proibidos os juízos conclusivos que impliquem a apreciação e valorização de determinados acontecimentos à luz de uma norma jurídica» (acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 23-09-1997, Processo n.º 151/97, Relator: Conselheiro Sousa Inês). O que num caso pode ser facto ou juízo de facto, noutro pode ser juízo de direito</font><a><u><font>[12]</font></u></a><font>.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>A natureza conclusiva do facto pode ter um sentido normativo quando contém em si a resposta
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><b><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;</font></b><br> <b><font>&nbsp;</font></b><br> <div><br> <b><font>I – Relatório</font></b></div><br> <br> <b><font> </font></b><br> <p><b><font>&nbsp;1. AA</font></b><font>, Autora e Reclamante no processo em que é Ré a sociedade </font><b><font>FIDELIDADE- COMPANHIA DE SEGUROS, S.A.</font></b><font>, tendo sido notificada da decisão singular datada de 6 de outubro de 2021 proferida pelo Supremo Tribunal de Justiça, que não admitiu o recurso de revista, veio reclamar desta decisão para a Conferência nos termos do artigo 652º, nº 3, do Código de Processo Civil (CPC), através de extensas alegações que se consideram aqui integralmente transcritas, pugnando para que o recurso de revista seja admitido, invocando que as questões colocadas pela recorrente no seu recurso de revista ainda não foram tratadas, nem pela primeira instância, nem pelo Tribunal da Relação .... Mais alega que à data dos despachos proferidos por estas duas instâncias a recorrente se encontrava sem advogado, aguardando decisão definitiva da Ordem dos Advogados sobre o seu pedido de substituição de patrono nomeado. Invoca também que os despachos proferidos nos autos por estas duas instâncias são respostas às várias reclamações efetuadas pela Autora, visto a mesma não estar legalmente representada por um advogado e não poder suscitar questões de direito. Prossegue a reclamante, afirmando que, ao contrário do que é sustentado na decisão do Supremo Tribunal de Justiça, a Autora nunca poderia reclamar para a conferência ou recorrer para o Supremo Tribunal de Justiça das decisões proferidas pelas instâncias, porque não tinha advogado para o efeito. Em consequência, na sua perspetiva, não seria correto afirmar que as decisões proferidas já transitaram em julgado, uma vez que os prazos estiveram sempre interrompidos, quer quando os patronos oficiosos solicitavam escusa à Ordem dos Advogados, quer quando a Autora solicitava a substituição dos patronos nomeados à Ordem dos Advogados por quebra de confiança e incompatibilidade com os mesmos. Continua, afirmando que ambas as instâncias ignoraram o facto de a autora, agora reclamante, estar sem advogado, tendo o tribunal da primeira instância admitido o recurso de apelação feito por um advogado – Sr. Dr. BB – que já tinha pedido escusa, e após ter notificado a Autora no dia 17-06-2019 (fls. 437, vol.1), para se pronunciar se pretendia que estas alegações de recurso fossem desconsideradas, ao que a Autora respondeu afirmativamente como atesta o seu requerimento datado de 25-06-2019 (fls. 438 vol 1). Mais alega que a decisão singular do Supremo Tribunal de Justiça, de 06-10-2021, padece de várias omissões de pronúncia geradoras de nulidades, nos termos do artigo 615º, nº 1, alínea </font><i><font>d)</font></i><font> e face à violação clara dos artigos 13º e 20º da CRP, deve este recurso de revista ser admitido e julgado procedente e consequentemente o prazo para apresentação de recurso ordinário junto do Tribunal da Relação ... ser considerado interrompido, sendo fixado novo prazo para a apresentação das alegações de recurso a contar da notificação de nova decisão que assim o venha a decidir.</font><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><b><font>2.</font></b><font> O teor da decisão singular, que não admitiu o recurso de revista, foi o seguinte: </font><br> </p><div><br> <b><font>«I</font></b></div><br> <br> <b><font>1.</font></b><font> Veio a autora, AA, interpor recurso de revista do Acórdão do Tribunal da Relação ... de 14/01/2021, que julgou o recurso de apelação improcedente, confirmando a decisão recorrida.</font><br> <p><font>Pese embora a referência feita no requerimento de interposição de recurso decisão do tribunal da primeira instância, certo é que a recorrente, nas suas alegações, apenas se debruça sobre o Acórdão do Tribunal da Relação ..., o que, de resto, bem se compreende, por ser esta a única decisão sindicável por este Tribunal.</font><br> </p><p><font>O tribunal de primeira instância, julgando a ação improcedente, decidiu absolver a ré Fidelidade – Companhia de Seguros, S.A. do pedido formulado pela autora AA, tendo ainda absolvido as partes dos pedidos de condenação como litigantes de má-fé.</font><br> </p><p><font>Inconformada com a decisão do Tribunal da Relação, por entender que este nunca poderia ter admitido as alegações de recurso apresentadas pelo seu patrono oficioso, que não foram por si ratificadas, a autora veio, assim, apresentar o recurso de revista em apreço, alegando não se conformar </font><i><font>“com o douto Acórdão do Juízo Central Cível ... – J.…, datado de 15 de janeiro de 2019 e do despacho do Tribunal da Relação ... de 14 de janeiro de 2021”.</font></i><br> </p><p><font>Contudo, em sede de alegações de recurso, que se iniciam com um ponto </font><i><font>“I. Do objeto de recurso”</font></i><font>, a recorrente acaba por circunscrever o objeto do recurso ao Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação ... de 14/01/2021, que é, de resto, a única decisão suscetível de, em abstrato, ser sindicada por este Tribunal.</font><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><b><font>3. </font></b><font>As conclusões do recurso de revista foram as seguintes:</font><b><font> </font></b><br> </p><p><font>«A. Existindo substituição de patrono, quando nos encontrámos no âmbito do apoio judiciário, os prazos interrompem-se. </font><br> </p><p><font>B. O patrono anteriormente nomeado não se mantém em funções até a data da nomeação de novo patrono. </font><br> </p><p><font>C. Ao contrário do que dispõe o Acórdão do Tribunal da Relação ... do dia 14 de Janeiro de 2021, encontrando-se os prazos a correr para a prática de acto, o patrocinado não tem que se conformar com o advogado cuja relação de confiança se quebrou (devendo, no caso, ser aplicado o artigo 24º, nº 4 e 5, por força dos artigos 32º e 34 da Lei do Apoio Judiciário). </font><br> </p><p><font>D. Antes da apresentação das alegações pelo Sr. Dr. BB em nome da recorrente, a mesma requereu a sua substituição na manhã do dia 13 de Junho de 2019 e o patrono oficioso enviou as mesmas no final desse dia à revelia da recorrente. </font><br> </p><p><font>E. Como não foram ratificadas pela mesma, apesar de ser notificada pelo tribunal para o efeito, devem ser desconsideradas, nos termos do artigo 268º nº 3 e 4 do Código Civil;&nbsp;</font><br> </p><p><font>F. O douto Acórdão do Tribunal da Relação ... de 14 de mJaneiro de 2021, violou, pois, o disposto nos arts. 24º, n.ºs 4 e 5, al. a), e os artigos 32º e 34º, todos da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, republicada pela Lei n.º 47/2007, de 28 de Agosto e os artigos 13 e 20º da CRP, bem como o artigo 268º do Código Civil.&nbsp;</font><br> </p><p><font>G. Ao contrário do que sustenta o acórdão do Tribunal ... datado 14 de Janeiro de 2021, tal não se coaduna com a natureza e efeitos da ratificação da gestão: esta - ratificação - é a declaração de vontade pela qual alguém faz seu, ou chama a si, o acto jurídico realizado por outrem em seu nome, mas sem poderes de representação (Art. 2680 do CC) [A. Varela, Das Obrigações em geral, Vol. I, 5.ª ed., pág. 417.]. </font><br> </p><p><font>H. Quer o Tribunal da Relação ..., quer o Tribunal da Primeira Instância nunca poderiam ter admitido as alegações que não foram ratificadas pela parte, cometendo um erro grosseiro que gera uma nulidade de carácter oficiosa nos termos do artigo 674, nº 1 a) e b) do Código de Processo Civil, tendo como consequência legal a anulação de todos os actos praticados desde o dia 25 de Junho de 2019 até ao dia de hoje. </font><br> </p><p><font>I. No âmbito do apoio judiciário requerida a substituição de advogado e sendo esta indeferida, a decisão não é definitiva porque admite reclamação hierárquica nos termos dos artigos 193º e 197º do CPA. Ao ser deferida a reclamação no dia 20 de janeiro de 2020, os prazos em curso interromperam-se, reiniciando-se um novo prazo para a recorrente apresentar as alegações de recurso junto do Tribunal da Relação ... nos termos do artigo 24º, nº4 aplicável por força dos artigos 32º e 34º da Lei do Apoio Judiciário. </font><br> </p><p><font>J. Nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 20º da Constituição da República, a todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos e todos têm direito ao patrocínio judiciário e a fazer-se acompanhar por advogado perante qualquer autoridade. </font><br> </p><p><font>K. Constitui 'uma garantia imprescindível da proteção de direitos fundamentais',o direito de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva é - ele próprio - um direito fundamental (J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada,4.ª ed.,vol.i,Coimbra,2007, p. 408). </font><br> </p><p><font>L. Destarte, mal andariam as coisas, se a beneficiária de apoio judiciário incompatibilizada com o seu patrono oficioso fosse obrigada a continuar com o mesmo, isto é, prisioneira do mesmo ad eterno, apesar de ter solicitado a sua substituição à Ordem dos Advogados, violando-se gritantemente os artigos13º e 20º da CRP e o mesmo se passando vice –versa; ou seja o pedido de escusa de advogado nomeado, sempre fundado, não pode impedir a desvinculação de advogado em nome da liberdade. Se é verdade que a prestação de serviços jurídicos vive hoje próxima da relação de consumo por força de uma crescente despersonalização, também não é menos certo que a Ordem Jurídica concebe a relação advogado-cliente como uma relação baseada na confiança: «a relação entre o advogado e o cliente deve fundar-se na confiança recíproca», diz lapidarmente o n.º 1 do artigo 97.º do EOA. </font><br> </p><p><font>M. Ao contrário do que refere o Acórdão do Tribunal da Relação ... a confiança é um elemento tão fundamental nesta relação que funciona como fundamento autónomo da desvinculação contratual e como tal aplicável ao apoio judiciário em nome do princípio da igualdade e do acesso ao direito (artigos 13º e 20º da Constituição da República Portuguesa): a relação pode e deve cessar se esse suporte fiduciário entrar em crise, cumprindo os formalismos legais de pedido de substuição e junção aos autos desses pedidos </font><br> </p><p><font>N. O douto acórdão ao interpretar erradamente que a norma do artigo 24º, nº 4 e 5 da Lei do Apoio Judiciário não se aplica quer ao pedido de substituição de patrono, quer ao pedido de escusa, nos termos dos artigos 32º e 34 º da referida lei, (não tendo estes últimos a virtualidade de interromper o prazo que se encontrava em curso para efeitos de ser deduzido novo recurso e novas alegações de recurso), conduzindo, assim, à preclusão do direito de defesa da recorrente, viola, assim, o princípio do acesso ao direito e aos tribunais e o princípio da igualdade consagrados nos artigos 13º e 20º da Constituição da República Portuguesa, </font><br> </p><p><font>O. Por força dos artigos 13º e 20 da CRP e dos princípios que presidiram à elaboração da Lei do Apoio Judiciário, o artigo 24º, nº4 deve ser interpretado no sentido de se deve aplicar quer ao pedido de substituição de patrono, quer ao pedido de escusa, nos termos dos artigos 32º e 34º da referida lei. tendo a virtualidade de interromper o prazo que se encontrava em curso para efeitos de ser deduzido novo recurso e novas alegações de recurso. </font><br> </p><p><font>P. Deve, assim, o prazo para apresentação de recurso ordinário junto do Tribunal da Relação ..., ser considerado interrompido, sendo fixado novo prazo para a apresentação das alegações de recurso a contar da notificação de nova decisão que assim o venha a decidir. </font><br> </p><p><font>O douto acórdão viola, assim, os artigos 24, 32º 34º da Lei de Apoio judiciário e por conseguinte os artigos 13º e 20 da Constituição de República Portuguesa ao afirmar que os prazos não se interrompem com o pedido de substituição e com o pedido de escusa e viola também o artigo 268º, nº 1, 3 e 4 do Código Civil ao não considerar ineficaz as alegações não ratificadas pela recorrente. </font><br> </p><p><br> </p><p><font>Nestes termos, deve ser considerado nulo o acórdão acima referido e em consequência serem declarados nulos todos os actos a contar do dia 25 de Junho de 2019 até à presente data.</font><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><font>Assim, deve ser ordenado o desentranhamento das alegações enviadas pelo Sr. Dr. BB, e ser concedido novo prazo à recorrente para a apresentação das mesmas».</font><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><b><font>3.</font></b><font> Por despacho datado de 06 de maio de 2021, a Relatora ordenou a baixa do processo ao tribunal recorrido, a fim de que este tribunal se pronunciasse sobre a nulidade da decisão de retificação requerida pela Seguradora, Fidelidade, tendo o Tribunal da Relação indeferido a nulidade invocada, por despacho de 7 de junho de 2021.</font><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><b><font>4.</font></b><font> Tendo sido a autora notificada do despacho de 6 de maio de 2021, antecipando-se em relação à notificação prevista no artigo 655.º, n.º 2, do CPC, veio pronunciar-se sobre a questão prévia de admissibilidade do recurso de revista suscitada pela recorrida na sua resposta à alegação de recurso, pugnando para que o recurso seja admitido, em alegações que aqui se consideram transcritas.</font><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><font>Cumpre apreciar e decidir. </font><br> </p><p><font> </font><br> </p><div><br> <b><font>II</font></b></div><br> <br> <b><font>4.</font></b><font> Vejamos: </font><br> <p><font>Com efeito, nos termos do disposto no artigo 671.º, n.º 1, do CPC </font><i><font>“cabe revista para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão da Relação, proferido sobre decisão da 1.ª instância, que conheça do mérito da causa ou que ponha termo ao processo, absolvendo da instância o réu ou algum dos réus quanto a pedido ou reconvenção deduzidos”.</font></i><br> </p><p><font>Nos termos do disposto no artigo 671.º, n.º 3, do CPC não é admissível revista normal do acórdão que confirme, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão proferida na 1.ª instância, sem prejuízo dos casos em que o recurso é sempre admissível.</font><br> </p><p><font>No presente caso, o acórdão recorrido confirmou integralmente a decisão de 1.ª instância, não existindo qualquer voto de vencido.</font><br> </p><p><font>Também a fundamentação do acórdão recorrido não é “essencialmente diferente” da fundamentação da decisão da 1.ª instância.</font><br> </p><p><font>Saliente-se que o Acórdão do Tribunal da Relação ... decidiu sobre o recurso de apelação apresentado pela autora, tendo delimitado o seu objeto nos seguintes termos: </font><i><font>“Das conclusões formuladas, as quais delimitam o objeto do recurso, tem-se que a questão a resolver no âmbito do recurso prende-se com saber da nulidade da decisão por omissão de pronúncia.”</font></i><br> </p><p><font>Concluiu o referido aresto que a decisão da primeira instância não padecia do vício de nulidade apontado pela recorrente, tendo, consequentemente, julgado improcedente a apelação e mantido, na íntegra, a decisão recorrida.</font><br> </p><p><font>Assim, contrariamente ao que sustenta a autora nas alegações de recurso, o Tribunal da Relação ... não se debruça sobre a problemática relativa à interrupção dos prazos para apresentação de recurso em virtude da dedução de pedido de substituição de patrono por parte da autora.</font><br> </p><p><font>O segmento do Acórdão do Tribunal da Relação que é, a este propósito, citado pela recorrente no aludido ponto I. </font><i><font>[“As alegações que terão de ser atendidas, sob pena de a recorrente não poder apresentar novas alegações, por já se terem esgotado os prazos para o efeito, sendo certo que se encontra legalmente vedado à mesma a faculdade de suscitar questões de direito sem o acompanhamento de advogado/patrono”]</font></i><font> não contém qualquer juízo decisório recorrível.</font><br> </p><p><font>Em primeiro lugar, tal segmento encontra-se inserido no relatório do referido acórdão e surge como forma de contextualizar a tramitação do processado até àquele momento, mas não integrou o </font><i><font>thema decidendum</font></i><font>)</font><br> </p><p><font>Por outro lado, basta atentar nas vicissitudes processuais ocorridas nos autos a propósito da temática da substituição do patrono e respetiva implicação na contagem dos prazos processuais em curso, para facilmente se perceber que sobre esta concreta questão incidiram vários despachos, quer da primeira instância, quer do tribunal superior, que não foram impugnados pela recorrente.</font><br> </p><p><font>Neste contexto, não se pode, pois, considerar o referido excerto de texto do Acórdão da Relação, destacado pela recorrente nas suas alegações de recurso, como consubstanciando uma qualquer decisão nova do Tribunal da Relação ... sobre a questão, suscetível de impugnação em sede de recurso de revista.</font><br> </p><p><b><font> </font></b><br> </p><p><b><font>5.</font></b><font> Já quanto à apreciação da nulidade da sentença do tribunal de 1.ª instância, se é certo que não deixa esta de ser uma questão nova, distinta do mérito da causa, a verdade é que ao julgar não verificado o aludido vício, a decisão do Tribunal da Relação mais não está do que a confirmar a validade da decisão judicativa recorrida na sua integralidade.</font><br> </p><p><font>Segundo o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 1.10.2019 (620/14.6T8LSB.B.L1-A.S1), </font><i><font>“(…) o conceito de dupla conforme pressupõe a reapreciação sucessiva da mesma questão. Simplesmente, quando uma nulidade da sentença da 1ª instância é apreciada pelo Tribunal da Relação tal equivale para todos os efeitos a uma reapreciação sucessiva da mesma questão. </font></i><b><i><font>O que o Tribunal da Relação está a fazer quando julga improcedente uma nulidade da sentença da 1ª instância é confirmar a regularidade processual implicitamente assumida na própria sentença. Ou seja, está a decidir concordantemente com a decisão da 1ª instância sobre a sua não nulidade</font></i></b><i><font>. Isto, repare-se, é da própria natureza das coisas, pois que não se concebe que a sentença vá decidir expressa e antecipadamente que não é nula. Obviamente que ao ser proferida, a sentença está ela própria a reputar-se de não nula (ou seja, está a decidir implicitamente que não é nula). </font></i><b><i><font>Logo, também neste domínio estamos perante uma dupla conformidade do juízo decisório da 1ª instância e da Relação sobre a nulidade que foi apontada à sentença, o que é impeditivo da intervenção de mais um grau de jurisdição.”</font></i></b><i><font> </font></i><font>(sublinhado nosso).</font><br> </p><p><font>O mesmo aresto acrescenta ainda que </font><i><font>“De resto, e para sermos rigorosos, o decidido pelo acórdão recorrido quanto à nulidade da sentença da 1ª instância, vista a nulidade enquanto questão autónoma (de natureza processual), nem sequer é recorrível de revista, por não se subsumir à previsão do n.º 1 do art. 671.º do CPCivil. Neste segmento o acórdão recorrido nem conheceu do mérito da causa nem pôs termo ao processo, absolvendo da instância.”.</font></i><br> </p><p><font>Neste conspecto, assume-se como irrelevante que a recorrente venha invocar agora a nulidade do Acórdão do Tribunal da Relação ..., escudando-se nas alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 674.º do CPC, artigo que se debruça sobre os fundamentos da revista. Com efeito, para que um tal fundamento pudesse vir a ser apreciado, seria necessário que a revista fosse admissível, o que, pelos motivos acima elencados, entendemos não ser.</font><br> </p><p><font>No mesmo sentido, pronuncia-se ABRANTES GERALDES (in Recursos em Processo Civil, 6.ª edição, pág 419) quando refere que </font><i><font>“a mera invocação de nulidades decisórias não prejudica a existência de dupla conformidade”,</font></i><font> fazendo referência ao Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11.07.2019 (proc. n.º 843/17.6T8OVR-A.P1.S1), em que se concluiu que </font><i><font>“verificando-se nos autos uma situação de dupla conformidade de decisões impeditiva da admissibilidade da revista normal, não tendo sido requerida a revista excepcional (onde o conhecimento das nulidades integrariam o seu objecto), não há dúvida de que a mera arguição de nulidades da decisão não prejudica a existência da dupla conforme, cabendo a sua apreciação ao tribunal a quo, no caso, à Relação.”.</font></i><br> </p><p><font>Revertendo tais considerações para o caso sob escrutínio, e não se tratando de um caso em que o recurso é sempre admissível (v. artigo 629.º, n.º 2 do CPC), forçoso será concluir pela inadmissibilidade do recurso de revista, que deverá, assim, ser rejeitado.</font><br> </p><p><font>Acrescente-se que, no caso, não se equaciona a eventual admissibilidade da revista excecional, ao abrigo do disposto no artigo 672.º do CPC, visto que a recorrente não manifestou vontade de interpor aquele tipo de recurso.</font><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><b><font>6.</font></b><font> Sem prejuízo, sempre se dirá que a única questão suscitada no presente recurso de revista, tal como delimitada nas respetivas conclusões, se prende com a questão de saber se, por um lado, existindo um pedido de substituição de patrono na pendência de uma ação, os prazos processuais em curso se interrompem e se, por outro lado, devem ser consideradas as alegações de recurso apresentadas por advogado nomeado, cuja substituição a parte havia anteriormente requerido.</font><br> </p><p><font>Alega, em síntese, a autora que os prazos processuais em curso no momento em que a mesma apresentou pedido de substituição de patrono se interromperam e que, não tendo sido por si ratificadas as alegações de recurso apresentadas pelo anterior patrono, o recurso não devia ter sido admitido e apreciado pelo Tribunal da Relação .... Invoca, assim, a nulidade da decisão do tribunal superior, por violar os artigos 24.º, 32.º e 34.º da Lei de Apoio judiciário e por conseguinte os artigos 13.º e 20.º da Constituição de República Portuguesa, requerendo, a final, o desentranhamento das alegações enviadas pelo Sr. Dr. BB e a concessão de novo prazo para apresentação de novo recurso de apelação.</font><br> </p><p><font>Sucede que a questão que é reintroduzida pela recorrente nas alegações de recurso sob escrutínio já foi amplamente discutida nos autos, tendo sobre a mesma recaído diversas decisões, quer do tribunal da primeira instância, quer do tribunal da instância superior, que já transitaram em julgado porque não foram autonomamente impugnadas.</font><br> </p><p><font>Veja-se, por exemplo, o despacho proferido a 5.09.2019 pelo tribunal da primeira instância, onde foi decidido, para o que releva, o seguinte:</font><br> </p><p><i><font>“(…) A sentença final foi notificada às partes por carta expedida em 16 de janeiro de 2019. Por força dos pedidos de escusa (e de saída do sistema) apresentados em 19 de fevereiro de 2019 (fls. 401), 4 de março de 2019 (fls. 411) e 29 de abril de 2019 (fls. 419), o prazo de recurso (e de trânsito) foi sucessivamente interrompido.</font></i><br> </p><p><i><font>O último patrono nomeado, o Dr. BB, foi notificado da sua nomeação em 14 de maio de 2019 (fls. 422). Reiniciou-se, em tal data, o prazo de interposição de recurso (arts. 24.º, n.º 5, al. a), 32.º, n.º 1, 34.º, n.º 2, da LAJ). No dia 13 de junho de 2019, foi apresentado requerimento de interposição de recurso subscrito pelo Dr. BB (fls. 429).</font></i><br> </p><p><i><font>No mesmo dia da apresentação do requerimento de interposição de recurso referido, a autora, parte beneficiária do patrocínio oficioso, apresentou um comprovativo de um pedido de substituição de patrono (fls. 427). Este comprovativo deu entrada antes daquele requerimento.</font></i><br> </p><p><i><font>O pedido de substituição veio a merecer decisão de indeferimento por parte da Ordem dos Advogados (fls. 441). Significa isto que nenhum prazo se interrompeu com o mesmo (de 13 de junho de 2019), continuando a correr o prazo de recurso da sentença reiniciado em 14 de maio de 2019. Recorde-se que o pedido de substituição de patrono só suspende os prazos em curso se for deferido (art. 32.º, n.º 2, da LAJ). Não é o caso. (Acrescente-se, entre parêntesis, que esta interpretação não ofende a lei fundamental, podendo convocar-se aqui, até por maioria de razão, a posição adotada no caso próximo tratado no Ac. do TC n.º 487/2018).</font></i><br> </p><p><i><font>O prazo de recurso da sentença já terminou. Neste momento, não há qualquer prazo em curso para a autora praticar um ato processual (cuja suspensão ou interrupção possa ser equacionada). O mesmo é dizer, o pedido de substituição de patrono agora apresentado não tem qualquer efeito de natureza suspensiva dos termos processuais – ou de natureza interruptiva de (inexistentes) prazos em curso −, nada obstando ao conhecimento das questões pendentes.</font></i><br> </p><p><i><font>Oportunamente, foram apresentadas as alegações de recurso, em nome da parte patrocinada. No entanto, para além de requerer (improcedentemente) a substituição de patrono, a autora sustentou que as alegações apresentadas pelo Dr. BB devem ser desconsideradas, por terem sido apresentadas “à revelia da autora” (fls. 438).</font></i><br> </p><p><i><font>Os termos empregues pela autora neste requerimento não permitem concluir que a mesma pretende desistir do recurso interposto (art. 632.º, n.º 5, do CPC), sendo certo que ainda poderá manifestar tal intenção. Resta reconhecer aos atos processuais validamente praticados pelo patrono toda a sua eficácia. Aliás, é esta a doutrina sufragada pela Ordem dos Advogados na decisão junta a fls. 441 v..</font></i><br> </p><p><i><font>Notifique (incluindo diretamente à requerente de fls. 456).”.</font></i><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><font>Nesta sequência, foi admitido, no mesmo despacho, o recurso apresentado pelo patrono nomeado à autora.</font><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><font>Sobre este despacho não incidiu qualquer recurso, apenas outros requerimentos que foram sendo sucessivamente apresentados pela autora, que motivaram a prolação de outros despachos sobre a matéria, muitos dos quais se limitaram a enfatizar o mesmo entendimento, não acrescentando ou alterando o anteriormente decidido. É o caso dos despachos de 14.10.2019 e de 24.10.2019.</font><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><font>Adiante, na sequência de a autora ter requerido novamente a suspensão dos prazos em curso por se encontrar pendente a decisão da Ordem dos Advogados sobre o pedido de substituição do patrono nomeado e informado que não ratificava as alegações de recurso apresentadas pelo anterior patrono, o Relator do Tribunal da Relação ..., em 18.12.2019, proferiu despacho, onde consta que “(…) constitui nosso entendimento que não tem o beneficiário de apoio judiciário a faculdade de “interromper o processo” mediante a junção, quando lhe aprouver de novos requerimentos perante a segurança social ou outras entidades. Com efeito, a requerente já goza de apoio judiciário e está patrocinada nestes autos, sendo certo que lhe falece legitimidade para apresentar diretamente requerimentos que suscitem questões de direito. Ademais, as alegações de recurso já constam dos autos e a requerente não desiste do mesmo impondo-se, por isso, a sua apreciação. Assim sendo, indefere-se o requerido.”.</font><br> </p><p><font>&nbsp;</font><br> </p><p><font>E, em 22.01.2020, na sequência da nomeação de nova patrona à requerente, o Tribunal da Relação ... proferiu o seguinte despacho:</font><br> </p><p><i><font>“Tomei conhecimento do expediente junto.</font></i><br> </p><p><i><font>Uma vez que o prazo para interposição de recurso já decorreu, tendo o Ilustre Patrono agora substituído apresentado tempestivamente as respectivas alegações de recurso e dado que apenas ocorreu a substituição de patrono mantém-se a inscrição em tabela para 23.01.2019 tendo em consideração que o processo já se encontra pendente neste Tribunal da Relação ... desde o mês de Setembro do ano de 2019 devendo, todavia, ser dado conhecimento a referida inscrição, pela via mais expedita, à Ilustre Patrona agora nomeada.”.</font></i><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><b><font>7.</font></b><font> Sem prejuízo, pois, das várias vicissitudes processuais ocorridas com a substituição de patronos, que foram sendo sucessivamente nomeados à recorrente, o que temos por certo é que as decisões que foram sendo proferidas sobre a questão, das quais se destacam as acima citadas, ganharam força de caso julgado formal no processo, dado que das mesmas não foi interposto qualquer recurso (no caso das decisões da primeira instância) ou reclamação para a Conferência nos termos do disposto no artigo 652.º, n.º 3 do CPC (no caso dos despachos proferidos do Desembargador-Relator).</font><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><b><font>8.</font></b><font> Em consequência, também sob esta ótica, o recurso de revista se afigura como inadmissível.</font><b><font>»</font></b><br> </p><p><font>&nbsp;</font><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><font> </font><b><font>3.</font></b><font> Tendo a recorrente suscitado a nulidade por omissão de pronúncia desta decisão, pugnando pela admissibilidade do recurso de revista, por violação dos artigos 13.º e 20.º da CRP, cumpre apreciar e decidir.</font><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><b><font>II – Fundamentação</font></b><br> </p><p><b><font>1. </font></b><font>Invoca a recorrente, como fundamento da nulidade por omissão de pronúncia da decisão singular, que esta omitiu a referência aos despachos proferidos pelo Tribunal da Relação ... ocorridos desde o dia 22 de janeiro de 2021, elencando outros despachos &nbsp;proferidos pelas instâncias a propósito das interrupções de prazo invocadas pela recorrente, ao abrigo da Lei do Apoio Judiciário, requeridas na sequência dos sucessivos pedidos de substituição de patrono por parte da recorrente ou de escusa por parte dos advogados/as nomeados/as pela Ordem.</font><br> </p><p><font>&nbsp;Ora, esta questão da lei do apoio judiciário não foi a </font><i><font>ratio decidendi </font></i><font>da decisão singular de não admissibilidade do recurso, tendo esta decisão referido, a título meramente exemplificativo, como aliás frisou, alguns desses despachos apenas para ilustrar o que tinha sucedido no processo e reforçar o juízo de não admissibilidade do recurso de revista já proferido na primeira parte da decisão singular, por força da situação de dupla conformidade entre a sentença de 1.ª instância e o acórdão recorrido. Com efeito, a recorrente confunde na sua reclamação, como sucedeu também na sua resposta ao convite para se pronunciar sobre a questão prévia da admissibilidade do recurso, os requisitos de admissibilidade da revista (artigo 671.º do CPC) com a questão de mérito que pretende discutir: a lei do apoio judiciário.</font><br> </p><p><font>&nbsp;Esta questão da lei do apoio judiciário, ou seja, em concreto, a questão de saber se o acórdão da Relação, que aceitou e decidiu as alegações de apelação entregues por um advogado oficioso cuja substituição a recorrente pedira em momento anterior, é a questão que a recorrente suscita nas suas alegações de revista e que invoca para fundamentar a nulidade do acórdão recorrido, por violação da lei e da Constituição, em virtude de sucessivos erros de julgamento imputados ao tribunal de 1.ª instância nas respostas aos seus requerimentos a invocar a interrupção do prazo até nomeação de novo patrono pela Ordem dos Advogados. Para além destes erros de julgamento, invoca a recorrente um sucessivo vaivém do processo entre a 1.ª instância e o Tribunal da Relação, em que o juiz daquele tribunal, perante despachos do Tribunal da Relação em que se decide a baixa do processo à 1.ª instância, ordenava a sua subida, alegando que não podia responder aos requerimentos da reclamante sobre questões de direito, porque esta não se encontrava representada. Todavia, nulidades das decisões ou despachos do tribunal de 1.ª instância ou erros de julgamento cometidos por este tribunal, ao longo da tramitação do processo, não podem constituir objeto de revista, pelo que as questões suscitadas pela recorrente na presente reclamação (e nas alegações de revista) não podem ser objeto de recurso para o Supremo Tribunal.&nbsp; </font><br> </p><p><font>Conforme tem sido vindo a ser decidido por este Supremo Tribunal, as nulidades da sentença, bem como outras irregularidades ou erros de julg
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><b><font> </font></b> <p><font>&nbsp;&nbsp; &nbsp;Acordam no Supremo Tribunal de Justiça</font></p><div><br> <font> </font> <p><font> </font> </p><p><font> </font></p></div><br> <b><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; &nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;I - RELATÓRIO&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; </font></b> <p><b><font> </font></b> </p><p><b><font> </font></b> </p><p><b><font>AA, </font></b><font>residente na Rua …, … – ….º, Lisboa, intentou a presente acção declarativa, com processo ordinário, contra </font><b><font>BB</font></b><font>, residente na Av. …, nº …, Edifício ..., ….º …, Cascais, pedindo a sua condenação a pagar-lhe, como contrapartida pela utilização exclusiva que a ré faz da fracção identificada, o montante mensal de 750,00€, igual a metade da renda que poderia ser percebida pelo arrendamento da fracção, desde que a adquiriu por sucessão de seu pai até entrega, e, bem assim, na sanção pecuniária compulsória de 680,00€ mensais, montante que a autora suporta a título de pagamento do empréstimo, desde a citação até à sua desocupação, venda, ou adjudicação no processo de divisão de coisa comum, acrescidos de juros.</font> </p><p><font>Para tanto alega, em síntese, ser, com a ré, comproprietária de uma fracção de prédio imóvel destinada a habitação, adquirida por seu pai, entretanto falecido e de que é herdeira universal, e pela ré, mediante empréstimo que se encontra a pagar com a ré, sendo a sua quota parte de tal ónus no montante mensal de 680,00€, sucedendo que a fracção é habitada exclusivamente pela ré sem nada lhe pagar como sucedâneo da utilização de que a autora se encontra privada, quando essa fracção se estivesse no mercado de arrendamento renderia mensalmente o valor mínimo de 1.500,00€.</font> </p><p><font>A autora já instaurou acção de divisão de coisa comum respeitante à fracção, devendo a ré pagar a título de cláusula penal por cada mês de atraso na desocupação da mesma para se proceder à sua venda.</font> </p><p><font>A ré devidamente citada contestou, alegando, em síntese, que viveu em união de facto com o falecido pai da autora na fracção em causa, durante mais de dois anos consecutivos, pelo que tem direito real de habitação gratuita da fracção por cinco anos e direito de preferência na venda pelo mesmo prazo, pretensões que deduziu já em sede própria, assim devendo improceder a acção.</font> </p><p><font>A autora replicou impugnando a alegada união de facto, admitindo apenas a existência de uma relação terminada antes da morte do pai sem o carácter de identidade com a situação dos cônjuges. </font> </p><p><font>Foi suspensa a instância, por verificada prejudicialidade da acção nº 7339/04.4TBCSC que corria termos no 4.º Juízo Cível de Cascais, em que fora pedido o reconhecimento dos direitos decorrentes da invocada união de facto entre a ré e o pai da autora, cessada após junção aos autos de certidão, com nota de trânsito em julgado, da sentença proferida nessa acção, a qual foi julgada procedente e declarou que a ora ré goza do direito real de habitação por cinco anos sobre a fracção em causa nestes autos e, no mesmo prazo, do direito de preferência na sua venda.</font> </p><p><font>Foi proferido despacho de organização da matéria de facto assente e base instrutória, do qual não houve reclamações.</font> </p><p><font>Realizada a audiência de discussão e julgamento, fixada sem reparos a matéria de facto, foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente e, em consequência, condenou a ré a pagar à autora a quantia mensal de 650,00€, até ao final do respectivo mês, desde 9 de Julho de 2009, enquanto se mantiver a compropriedade e a ocupação exclusiva do imóvel, sendo as prestações vencidas acrescidas de juros de mora à taxa legal, desde o termo do mês correspondente e até pagamento, absolvendo a ré do demais pedido.</font> </p><p><font>Inconformadas, apelaram autora e ré, motivando o acórdão da Relação de Lisboa de 16/05/13 que, por unanimidade, decidiu julgar improcedente o recurso da autora e procedente o da ré, revogando a decisão recorrida na parte em que a condenou, consequentemente a absolvendo do pedido correspondente.</font> </p><p><font>Continuando irresignada, a autora pede revista. Nas alegações que apresenta formula as seguintes conclusões:</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>1ª - Considerando que:</font> </p><p><font>(a) Foi reconhecido à recorrida, o direito real de habitação da fração a que os autos se referem, pelo prazo de cinco anos, com início em 08-08-2004 e término em 08/08/2009;</font> </p><p><font>(b) Que, o conteúdo de tal direito não confere ao seu titular, o seu uso, gratuito do bem em causa, mas simplesmente o direito de usar daquela habitação, pelo prazo de cinco anos;</font> </p><p><font>(c) Considerando-se no caso, que aquela fração se estivesse arrendada desde tal data - 08/08/2004, renderia aos proprietários a título de renda mensal o valor de 1300,00€ e sendo a recorrente comproprietária de metade, tem o direito de receber da Ré e ora recorrida desde a data do óbito do seu Pai 650€ mensais até à data em que a recorrida desocupe a fração em causa, acrescida de juros vincendos à taxa legal.</font> </p><p><font>2ª - Tendo em vista o exposto na 2ª questão, </font><a></a><a></a><font>em face dos factos provados nas alíneas (E,F,I,L,S) da matéria de facto provada, considerando que o direito real de habitação reconhecido á recorrida terminou em 08/08/2009, e, dado que a mesma não desocupou a fração, entende-se que a título de sanção pecuniária compulsória, deve ser condenada tal como se pediu na ação, sendo no caso, o início de tal prestação devida após 08/08/2009, até à data em que a desocupe a fração em causa.</font> </p><p><font>3ª - A R. decisão recorrida, no entendimento da recorrente, violou as seguintes normas:</font> </p><p><font>(a) Do Código Civil: artigo 829°.A do CC quanto à sanção pecuniária compulsória e o art°. 1405°, totalmente desconsiderado na decisão recorrida.</font> </p><p><font>(b) Do Código de Processo Civil: artigo 659°, n°.2 e 3 na medida em que não aplicou si logísticamente a lei aos factos provados, produzindo-se uma decisão que, aos olhos da recorrente fere elementares regras de justiça material e formal, conferindo a uma das partes um enriquecimento ilegítimo e sem causa à custa do património da recorrente,</font> </p><p><font>Em face do exposto, Requer a V. Exas:</font> </p><p><font>1 Que, em face das conclusões apresentadas, seja o R. acórdão recorrido, revogado na parte da decisão de que se recorre;</font> </p><p><font>2 Que, em consequência se condene a recorrida:</font> </p><p><font>2.1 A pagar a prestação fixada de 650€ desde a data do óbito do Pai da Apelante - 08/08/2004, até à data em que aquela desocupar o andar;</font> </p><p><font>2.2. Que a recorrida seja condenada ainda a título de sanção pecuniária compulsória, no pagamento à Apelante do valor de 680,00€ com inicio em 08/08/2009, até à data da desocupação da fração.</font> </p><p><font>3 A que acrescem juros legais sobre tais quantias vencidas e vincendas, desde a data da citação no 1° caso e desde 08/08/2009 no segundo caso.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>A recorrida/ré contra-alegou pugnando pela manutenção do decidido.</font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir. </font></p><div><br> <font>●</font></div><br> <font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; É pelo teor das conclusões da recorrente que se afere o âmbito do recurso, à parte as questões de conhecimento oficioso (arts. 684.º nº 3 e 690.º, nº 1 do Código de Processo Civil</font><a><u><font>[2]</font></u></a><font> - CPC), e nelas suscitam-se as seguintes questões:</font> <p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; a) Se a ré deve pagar uma prestação mensal pelo uso e fruição do imóvel;</font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; b) Se a ré deve ser condenada a título de sanção pecuniária compulsória.&nbsp; </font></p><div><br> <font>●</font></div><br> <font> </font> <p><b><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; II-FUNDAMENTAÇÃO</font></b> </p><p><b><font> </font></b> </p><p><b><font> </font></b> </p><p><b><font>DE FACTO</font></b> </p><p><b><font> </font></b> </p><p><font>Vêm assentes os seguintes factos: </font> </p><p><font>A) A autora é filha de CC e de DD.</font> </p><p><font>B) CC faleceu em … de Julho de 20.., no estado civil de divorciado de DD.</font> </p><p><font>C) No dia 20 de Julho de 2004, por escrito notarial outorgado no 14.º Cartório Notarial de Lisboa, a autora declarou que: "(...) </font><i><font>O falecido não deixou testamento ou qualquer outra disposição de última vontade e, deixou como única herdeira a sua filha AA (...) Que não há, assim, pessoa alguma que, segundo a lei, prefira na sucessão à sobredita herdeira, ou que, com ela, concorra à herança aberta por óbito do mencionado CC</font></i><font>."</font> </p><p><font>D) Por escrito notarial datado de 18 de Dezembro de 2003, EE e FF, declararam vender, à ora ré e a CC, que declararam comprar, em comum, a fracção autónoma destinada exclusivamente a habitação, designada pelas letras "...", correspondente ao Bloco … Andar Porta …, com um estacionamento na terceira cave com o número setenta e quatro, do prédio urbano sito na Avenida …, lotes …, freguesia e concelho de Cascais, descrito na Primeira Conservatória do Registo Predial de Cascais, sob o n.º …, da referida freguesia, nos precisos termos constantes de fls. 23 a 29 dos presentes autos.</font> </p><p><font>E) Na data referida em D) e para aquisição da fracção autónoma aí identificada, a ré, CC e a Caixa Geral de Depósitos celebraram um acordo, que denominaram de "Contrato de empréstimo com hipoteca", nos precisos termos constantes de fls. 30 a 36, dos presentes autos.</font> </p><p><font>F) Encontra-se averbada na Conservatória do Registo Predial de Cascais, a aquisição a favor da ré e de CC, do prédio referido em D), pela Ap. 18/2003-11-04, por sucessão por compra.</font> </p><p><font>H) Encontra-se averbada na Conservatória do Registo Predial de Cascais, a aquisição de 1/2 a favor da autora, do prédio referido em D), pela Ap. 25/2004-09-27, por sucessão por de CC.</font> </p><p><font>I) Em substituição de seu pai, a autora paga à Caixa Geral de Depósitos, o valor mensal de €680,00, correspondente à sua quota-parte do valor devido para pagamento da obrigação derivada do acordo referido em E).</font> </p><p><font>J) A ré paga à Caixa Geral de Depósitos, o valor mensal de € 680,00, correspondente à sua quota-parte do valor devido para pagamento da obrigação derivada do acordo referido em E).</font> </p><p><font>K) A autora instaurou no Tribunal Judicial da Comarca de Cascais, acção especial de divisão de coisa comum, relativa à fracção referida em D), que corre termos no 4.º Juízo Cível com o n.º 7053/04.0TCSC.</font> </p><p><font>L) Desde da data referida em D), a ré tem usado e fruído a fracção autónoma aí identificada.</font> </p><p><font>M) A ré paga as contribuições devidas ao condomínio do prédio referido em D).</font> </p><p><font>N) A fracção autónoma referida em D) é destinada a habitação.</font> </p><p><font>O) E sita numa zona habitacional nobre e de forte valorização desta cidade, com quatro assoalhadas, em estado "novo", estacionamento para veículo automóvel e arrecadação.</font> </p><p><font>R) A ré é divorciada.</font> </p><p><font>S) Por sentença transitada em julgado, proferida em 21/02/2007, na acção declarativa com Processo Ordinário que correu termos sob o n.º 7339/04.4TBCSC, no 4.º Juízo Cível deste Tribunal, decidiu-se, nos precisos termos constantes da certidão junta aos presentes autos a fls. 135 a 146 e que aqui se reproduz na íntegra, além do mais que, “</font><i><font>a autora goza do direito real de habitação, pelo prazo de cinco anos, sobre a fracção autónoma correspondente ao nono andar porta C, do bloco três do prédio urbano sito na Avenida …, n.º …, Edifício ..., em Cascais, identificado em 7., e, no mesmo prazo, do direito de preferência na sua venda</font></i><font>”.</font> </p><p><font>T) A fracção autónoma pode ser arrendada por valor mensal não inferior a € 1.300,00.</font> </p><p><b><font> </font></b> </p><p><b><font>DE DIREITO</font></b> </p><p><b><font> </font></b> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; A) </font><u><font>Se a ré deve pagar uma prestação mensal pelo uso e fruição do imóvel</font></u> </p><p><font> </font> </p><p><font>Considera a recorrente que o reconhecimento à recorrida do direito real de habitação da fracção em causa, pelo prazo de cinco anos, com início em 08/08/04, confere-lhe o direito de usar aquela habitação, mas não de modo gratuito.</font> </p><p><font>Se essa fracção estivesse arrendada proporcionaria aos proprietários a título de renda mensal o valor de 1300,00€, e sendo a recorrente comproprietária de metade tem o direito de receber da recorrida, desde a data do óbito do seu pai, 650,00€ mensais até à data em que a ré desocupe a fracção em causa, acrescida de juros vincendos à taxa legal.</font> </p><p><font>Vejamos.</font> </p><p><font>A sentença da 1ª instância considerando que por decisão transitada em julgado proferida na acção ordinária n.º 7339/04.4TBCSC, do 4.º Juízo Cível, fora reconhecido à recorrida/ré a titularidade do direito real de habitação sobre o imóvel pelo período de cinco anos, até 8/07/09</font><a><u><font>[3]</font></u></a><font>, linearmente concluiu que durante esse quinquénio não teria de pagar qualquer quantia à comproprietária recorrente/autora pela ocupação da fracção. </font> </p><p><font>Mas por se alterar o enquadramento jurídico a partir de 9/07/09, estabeleceu o pagamento de 650,00€ mensais pela ocupação desde essa data, como decorrência do regime da compropriedade, mais precisamente do que dispõe o nº 1 do art. 1405.º do Código Civil (CC), e do art. 5.º da Lei nº 7/2001 de 11/05, com a redacção conferida pela Lei nº 23/10 de 30/08.</font> </p><p><font>A recorrente logo manifestou o seu desacordo com a exclusão do montante estabelecido para o período quinquenal inicial após a morte de seu pai, sustentando, tal como agora, que o direito real de habitação reconhecido conferia o direito de usar aquela habitação mas não de modo gratuito.</font> </p><p><font>A Relação não só não acolheu a sua tese como, indo mais longe, decidiu que igualmente para lá de 8/07/09 a sua pretensão não tinha procedência e revogou a decisão recorrida libertando a recorrida/ré da obrigação de pagar aquela quantia mensal de 650,00€.</font> </p><p><font>A questão tal como suscitada nesta revista foi colocada à Relação em termos idênticos, e bem resolvida no acórdão recorrido, com fundamentação adequada a que por isso se adere, nos termos do art. 713.º, nº 5, do CPC, dado que a recorrente nada acrescentou de inovador ao argumentário que expôs na apelação especialmente direccionado à mesma, insistindo no mesmo guião com alheamento do que aquele tribunal explanou na demonstração da sua improcedência. Importa tão somente precisar o que segue.</font> </p><p><font>A questão merece diferenciado tratamento temporal.</font> </p><p><font>Resulta do que vem assente na alínea S) dos factos descritos, que à recorrida/ré foi reconhecido o direito real de habitação da fracção, nos termos do artigo 4.º, n.º 1, da Lei 7/20011, desde a morte do pai da recorrente/autora, ocorrida em 8/07/04, e durante cinco anos, por demonstrada que foi a sua vivência em união de facto.</font> </p><p><font>Dispunha este normativo à data do referido decesso que “</font><i><font>Em caso de morte do membro da união de facto proprietário da casa de morada comum, o membro sobrevivo tem direito real de habitação, pelo prazo de cinco anos, sobre a mesma, e, no mesmo prazo, direito de preferência na sua venda</font></i><font> “</font><a><u><font>[4]</font></u></a><font>.</font> </p><p><font>É sabido que uma das mais relevantes medidas de protecção da união de facto foi conceder uma protecção temporária ao sobrevivente da união para evitar uma ruptura brusca na sua vida, com o consequente reconhecimento, </font><i><font>intuitu personae</font></i><font>, ao membro sobrevivo do direito real de habitação pelo prazo de cinco anos, e temos por óbvio que se o legislador lho confere quando a casa seja propriedade exclusiva do membro falecido por maioria de razão lhe confere esse mesmo direito quando ele seja seu comproprietário, por a casa ser pertença dos dois, como é o caso</font><a><u><font>[5]</font></u></a><font> (cfr. al. D) dos factos provados).</font> </p><p><font>A recorrente manifesta a sua discordância pela gratuitidade do uso expressando que a decisão absolutória implica um benefício económico injusto e indevido traduzido na circunstância de estar ela a pagar 680,00€ mensais para que a recorrida/ré habitasse o andar, sendo essa interpretação manifestamente contrária quer ao que se refere no art. 1405.º do CC quer à letra e espírito do artigo 4.º, n.º 1, da Lei 7/2001, mas não tem razão.</font> </p><p><font>Ao atribuir um direito real de habitação ao membro sobrevivo, o legislador concedeu-lhe um direito de uso da casa de morada disciplinado pelo artigo 1484.º, n.º 2 do CC. </font> </p><p><font>Daí decorre que tenha o “</font><i><font>usus</font></i><font>” e o “</font><i><font>fructus</font></i><font>” da coisa, mas apenas na medida das necessidades pessoais do seu titular e da família</font><a><u><font>[6]</font></u></a><font>, como direito real que é, diminutivo do direito do usufruto cuja conexão o legislador revela no art. 1490.º do CC, e não conforme direito pessoal como a locação, cuja natureza obrigacional aparenta influenciar a recorrente</font><a><u><font>[7]</font></u></a><font>.</font> </p><p><font>Sabendo-se que o direito de habitação é regulado pelo seu título constitutivo (art. 1485.º do CC), o presente direito real de habitação não deriva de um negócio jurídico, antes se constituiu por via de disposição legal, uma das várias permitidas (cfr. art. 1485.º do CC), na qual não se impôe ao beneficiário alguma limitação ou obrigação, nomeadamente alguma contraprestação monetária de carácter compensatório ou retributivo, para além das insertas nos arts. 1488.º e 1489.º do CC, ao passo que o arrendamento se estabelece exclusivamente pela via do contrato, que tem como um dos seus elementos essenciais a obrigação do locatário de pagar a renda (cfr. arts. 1022.º e 1038.º, al a) do CC), o que o revela como um contrato necessariamente oneroso, o que não sucede com aquele direito real.</font> </p><p><font>Como apropriadamente se escreveu no acórdão recorrido “</font><i><font>... o legislador não atribuiu ao membro sobrevivo da união de facto um direito a contratar um arrendamento nos cinco anos subsequentes ao decesso; também não entendeu reconhecer-lhe a faculdade de constranger o sucessor do companheiro falecido na titularidade do direito de propriedade à celebração de um contrato de constituição onerosa de um direito real de habitação.</font></i> </p><p><i><font>Contrariamente, o legislador reconheceu ao membro sobrevivo da união de facto o direito real de habitação por cinco anos. Esta natureza real estabelece uma ligação entre o titular do direito e a coisa de tal modo que «o direito real representa a afectação, realizada em certos termos, duma coisa aos fins de um sujeito»</font></i><font> “.</font> </p><p><font>Destituída, pois, de qualquer razoabilidade a analogia à hipotética qualidade de locadora a que a recorrente apela, por se estar perante uma situação bem diversa da de uma normal relação contratual de arrendamento</font><a><u><font>[8]</font></u></a><font>, mas perante a atribuição de um direito real com específico interesse que o legislador quis acautelar e assegurar</font><a><u><font>[9]</font></u></a><font>.</font> </p><p><font>Por sua vez, o pagamento que suporta das prestações do empréstimo contraído para aquisição da fracção decorre naturalmente de a recorrente suceder na posição de seu pai no contrato respectivo, e pretender manter a sua posição de comproprietária. Seria, sim, injusto impor à outra comproprietária a obrigação de lhe pagar um montante equivalente ao valor locatício por forma a minorar-lhe os custos da sua qualidade de consorte, custos que a recorrida também suporta, quando legalmente já tem a seu exclusivo cargo as reparações ordinárias, as despesas de administração e os impostos (art. 1489.º, nº 1 do CC). </font> </p><p><font>Portanto, no período compreendido entre 8/07/04 (data da morte do pai da recorrente) e até 8/07/09, tendo a recorrida/ré estado na fracção como titular do direito real de habitação conferido pelo art. 4.º, nº 1 da Lei nº 7/2001, não é devida alguma contrapartida financeira.</font></p><div><br> <font>●</font></div><br> <font>Esse direito extinguiu-se pelo decurso do respectivo prazo de 5 anos, assumindo a recorrida/ré a partir de 9/07/09 o exercício dos poderes de fruição inerentes à sua qualidade de comproprietária</font><a><u><font>[10]</font></u></a><font>.</font> <p><font>Também por esta via entende a recorrente que sendo comproprietária de metade tem o direito de receber da recorrida os mesmos 650,00€ mensais até à data em que ela desocupe a fracção em causa. De novo não lhe assiste razão.</font> </p><p><font>Recorrente e recorrida são comproprietárias da fracção em partes iguais, que se destina a habitação, mas só a primeira habita nela (D), L) e N) dos factos provados).</font> </p><p><font>&nbsp;Nos termos do artigo 1405.º nº 1 do CC os comproprietários participam separadamente nas vantagens e encargos da coisa, na proporção das suas quotas, e conforme o 1406.º, n.º 1 do CC, “na falta de acordo sobre o uso da coisa comum, a qualquer dos comproprietários é lícito servir-se dela, contanto que a não empregue para fim diferente daquele a que a coisa se destina e </font><i><font>não prive os outros consortes do uso a que igualmente têm direito</font></i><font>”.</font> </p><p><font>Como referem Pires de Lima e Antunes Varela</font><a><u><font>[11]</font></u></a><font> a cada um dos comproprietários, seja qual for a sua quota, é lícito servir-se dela, utilizá-la na totalidade e não apenas em parte (princípio da </font><i><font>solidariedade</font></i><font>), mas a possibilidade de uso integral da coisa, como se o contitular da propriedade fosse titular único, vale apenas como princípio </font><i><font>supletivo</font></i><font>. Em primeiro lugar há que respeitar o que houver sido acordado entre os interessados, acordo que tanto pode constar do título constitutivo da compropriedade, como de acordo posterior. </font> </p><p><font>Na falta de acordo, vigora o princípio do uso integral da coisa, sujeito, porém, a duas limitações: a primeira imposta pelo </font><i><font>fim </font></i><font>a que a coisa se destina, o comproprietário tem de subordinar o uso da coisa ao </font><i><font>fim concreto</font></i><font> (que pode resultar da lei, do título ou do acordo das partes) a que ela se destina, a segunda, resultante da concorrência do direito dos demais consortes, a impor que faculte aos outros consortes a possibilidade de igualmente se servirem dela, mas “</font><i><font>em relação às utilizações da coisa que os outros comproprietários possam fazer ou tenham necessidade de fazer</font></i><font>”.</font> </p><p><font>Revertendo estes princípios normativos ao caso em apreço, nada se mostra alegado e demonstrado no sentido de que tivesse sido estabelecido algum acordo quanto à utilização da fracção, nomeadamente o seu gozo indirecto através da locação</font><a><u><font>[12]</font></u></a><font>. </font> </p><p><font>Perante esta constatação, não sendo controversa a correcção do seu uso, na decisão recorrida concluiu-se que “</font><i><font>a autora haveria de alegar e provar que o facto de a Ré se encontrar a habitar a fracção autónoma a privava, a ela Ré</font></i><font> (trata-se de lapso, deve ler-se Autora)</font><i><font>, de uma concreta utilização</font></i><font>”</font><i><font>, </font></i><font>mas como o não fez era lícita a utilização que dela faz a recorrida.</font> </p><p><font>A isto contrapõe a recorrente que a recorrida ocupa a fracção “à total revelia e vontade da recorrente”, e que o recurso que faz à presente acção e à de divisão de coisa comum que intentou, ainda pendente, demonstram a sua oposição à permanência da recorrida no local. Só que esta invocação não tem o menor suporte. </font> </p><p><font>Que a fracção esteja a ser ocupada “à total revelia e vontade da recorrente”, não é o que resulta dos factos provados. Pode inclusive afirmar-se que a acção supõe o acordo da autora sobre a continuação da utilização exclusiva do imóvel por parte da ré, uma vez que confinou o seu pedido principal ao pagamento mensal de 750,00€ correspondente à utilidade económica decorrente desse uso, na medida da sua quota e como lenitivo da sua quota-parte do ónus que suporta perante o credor hipotecário, sem nunca alegar o que quer que fosse no sentido de que também pretendesse habitar a fracção ou que, na impossibilidade de habitação conjunta, pretendesse a sua locação. </font> </p><p><font>De facto, nunca a recorrente expressou a sua oposição a que a recorrida use a fracção, quando o poderia fazendo cessar essa utilização exclusiva</font><a><u><font>[13]</font></u></a><font>, antes se limitando a pedir um montante pecuniário como contrapartida pela ocupação exclusiva</font><a><u><font>[14]</font></u></a><font>. Somente agora na revista, claramente numa estratégia de colmatação da lacuna apontada no acórdão recorrido, expressou que essa ocupação seria contra a sua vontade e à sua revelia.</font> </p><p><font>Ora, o princípio da estabilidade da instância não permite uma mudança da causa de pedir, salvas as situações consignadas na lei (art. 268.º do CPC). Apenas pode ser alterada em conformidade com o disposto nos artigos 272.º e 273.º do CPC.</font> </p><p><font>Não ocorrendo esses casos, para lá de em outras circunstâncias, o autor está inibido de em sede de recurso argumentar com base em causa de pedir diferente da que referenciou no seu articulado inicial.</font> </p><p><font>Os recursos são meios de impugnação de decisões judiciais, pelos quais se procede ao reexame da matéria apreciada na decisão recorrida, e não meios de renovação da causa</font><a><u><font>[15]</font></u></a><font>. É imprescindível, conforme tem sido posto em relevo desde há muito tempo por toda a doutrina e jurisprudência</font><a><u><font>[16]</font></u></a><font>, que exista identidade entre a causa de pedir e a causa de julgar.</font> </p><p><font>Só interessa apurar se está, ou não, provada a causa de pedir que, nos termos dos articulados, se fixou, pois o tribunal apenas pode tomar conhecimento das questões postas pelas partes, e essas mesmo só no âmbito dos factos por elas articulados, embora não esteja vinculado às alegações das partes na qualificação jurídica da causa de pedir (art. 664.º do CPC).</font> </p><p><font>Como se sumariou no Acórdão deste Supremo Tribunal de 2/07/92, “</font><i><font>II - Da conjugação do disposto nos artigos 660, n. 2 e 664, ambos do Código de Processo Civil, resulta, de acordo com a teoria da substanciação, não ser lícito ao juiz, ao decidir, sair da causa de pedir invocada pelo autor.</font></i> </p><p><i><font>III - Quando o autor não consegue provar a causa de pedir em que fez assentar a procedência das suas pretensões, estas hão-de forçosamente improceder, dada a necessária identidade que deve existir entre a causa de pedir e a causa de julgar</font></i><font>”</font><a><u><font>[17]</font></u></a><font>.</font> </p><p><font>Também do intentar a acção de divisão de coisa comum não emana necessariamente que seja sinónimo de oposição à ocupação da fracção pela recorrida. Do que nela se trata é apenas encontrar uma forma de acabar com a indivisão da compropriedade, já que, em princípio, nenhum dos comproprietários é obrigado a permanecer nessa indivisão (cfr. nº 1 do art. 1412.º do CC), o que a recorrente justifica na petição por as suas relações com a recorrida serem inadequadas à continuidade da compropriedade (art. 8.º).</font> </p><p><font>Assim sendo, perante falta de acordo sobre o uso da fracção, mostrando-se correcta a utilização que da mesma é feita, e indemonstrada a privação da consorte/recorrente do seu uso a que tem direito, nos termos expostos, impõe-se o princípio do uso integral da fracção, ou seja, a licitude da utilização pela recorrida.</font> </p><p><font>Acertada, pois, a conclusão extraída no acórdão impugnado segundo o qual “</font><i><font>a licitude da utilização não permite julgar configurada uma situação de responsabilidade extracontratual fundada na ilicitude da conduta, não se verifica responsabilidade objectiva e inexiste fonte de responsabilidade contratual.</font></i> </p><p><i><font>Por outro lado, a licitude da utilização afasta a aplicação do instituto do enriquecimento sem causa - artigo 473.º, n.º 1, do CC.</font></i> </p><p><i><font>Entendemos, por isso, que não deve manter-se a condenação da Ré a pagar quantia mensal pela ocupação da fracção, antes deve ser absolvida de tal pedido</font></i><font>”.</font> </p><p><font>&nbsp;Sem dúvida que o pedido da recorrente tem que improceder.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>B) </font><u><font>Se a ré deve ser condenada a título de sanção pecuniária compulsória</font></u> </p><p><font> </font> </p><p><font>Sustenta a recorrente que em face dos factos provados nas alíneas (E, F, I, L, S) da matéria de facto provada, considerando que o direito real de habitação reconhecido à recorrida terminou em 08/08/09, dado que a mesma não desocupou a fracção, a título de sanção pecuniária compulsória deve ser condenada tal como pediu na acção, sendo o início de tal prestação devida após 08/08/09 e até à data em que a desocupe a fracção em causa.</font> </p><p><font>No corpo das alegações a recorrente clarifica a razão de ser deste seu singular pedido, explicitando que instaurou acção de divisão de coisa comum do bem em compropriedade e que está na disponibilidade da recorrida, de modo unilateral, pôr fim a tal regime, pelo que não o tendo feito deverá ser condenada, a título de cláusula penal, por cada mês de atraso no cumprimento da sua obrigação de proceder à divisão de coisa comum, ou desocupar o bem em causa para se proceder à sua venda, no pagamento de 680,00€, valor que corresponde ao montante da amortização mensal que suporta pelo mútuo bancário.</font> </p><p><font>É óbvio que as instâncias desatenderam este pedido. A Relação ponderou e decidiu que: </font> </p><p><font>&nbsp;“</font><i><font>Não se vê em que pode fundar-se a pretensão sabido que é que a sanção pecuniária compulsória prevista no n.º 1, do artigo 829.º-A, do CC, está estabelecida para a violação de decisões judiciais declarativas do direito, respondendo a preocupações variadamente manifestadas quanto à ausência de medidas que determinassem ao respeito pelo cumprimento das decisões judiciais, sobretudo em circunstâncias em que esse cumprimento dificilmente seria conseguido de forma cabal pelos meios coercitivos normais.</font></i> </p><p><i><font>Ora, nos autos a Autora não pediu a entrega da fracção o que desde logo leva a considerar que não possa determinar-se uma sanção para o incumprimento de uma decisão que neles não pode ser proferida.</font></i> </p><p><i><font>Ou seja, não havendo condenação, não pode haver sanção para o seu desrespeito </font></i><font>“.</font> </p><p><font>A recorrente insiste, mas em vão.</font> </p><p><font>De acordo com o n.º 1 do art. 829.º-A do CC, a sanção pecuniária compulsória aplica-se “</font><i><font>nas obrigações de prestação de facto infungível, positivo ou negativo, salvo nas que exigem especiais qualidades científicas ou artísticas do obrigado, o tribunal deve, a requerimento do credor, condenar o devedor ao pagamento de uma quantia pecuniária por cada dia de atraso no cumprimento ou por cada infracção, conforme for mais conveniente às circunstâncias do caso</font></i><font>”.</font> </p><p><font>É uma medida que entronca num sistema que tem ligações à "</font><i><font>astreinte</font></i><font>" em França, afastado dos modelos alemão (</font><i><font>Zwangsgeld/Zwangshalft e Ordnungsgeld/Ordnungshaft</font></i><font>) e anglo-americano (</font><i><font>contempt of Court</font></i><font>) que consagram meios de coerção pessoal e/ou patrimonial.</font> </p><p><font>Pretende-se com ela obter um meio que simultaneamente assegure o cumprimento das obrigações e o respeito pelas
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><font>ACORDAM OS JUÍZES QUE CONSTITUEM O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA</font><a><u><sup><font>[1]</font></sup></u></a><font>:</font><br> <font> </font> <p><font>“AA”, residente na R.. H… M…, Lote x, n.º xx, F…, V…, L…, propôs a presente acção declarativa comum, sob a forma de processo ordinário, contra “BB” e marido, “CC”, residentes na R… do M… V…, Lote xx, V… N… de M…</font><font>, pedindo que, na sua procedência, se declare a invalidade da procuração, outorgada em 26 de Janeiro de 2006, perante o Notário “DD”, na L…, pela autora, a favor da ré mulher [a], se declare a nulidade da escritura pública, outorgada a folhas x e y, do livro xx, do Cartório Notarial de L..., do Notário “EE” – escritura pública de compra e venda outorgada, em 2 de Fevereiro de 2006, pela ré mulher, pela qual esta, por si e em representação da autora, declarou vender a si própria o prédio urbano, composto por casa de habitação de c…, …, 1.º andar, logradouro e jardim, sito na R… H… M…, Lote x, n.º xx, F…, V…, L…, inscrito na respectiva matriz predial, sob o artigo XXXX°, e descrito na Conservatória do Registo Predial da L..., sob o n.º XXXX [b], sejam os réus condenados a reconhecer o direito de propriedade da autora sobre aquele prédio [c], se declare o direito de propriedade da autora sobre o referido prédio [d], e se ordene o cancelamento do registo efectuado pela segunda ré, sob a apresentação n.º 07, de 16 de Junho de 2006, na descrição predial urbana da Conservatória do Registo Predial da L..., sob o n.º XXXX/XXXXXXXX, e, subsidiariamente, em primeiro grau, para o caso de improcedência dos pedidos antecedentes, a autora pede a condenação dos réus a pagar-lhe o preço real e efectivo daquele prédio, no valor de 250.000,00 euros [e] e, também, subsidiariamente, mas, em segundo grau, para o caso de improcedência do pedido subsidiário antecedente, pede ainda a condenação dos réus a pagar-lhe o preço de 75.000,00 euros, pelo qual declararam adquirir o mencionado prédio. </font> </p><p><font>Com vista a lograr o êxito da sua pretensão e como fundamento da mesma, a autora alega, em síntese, que, no inicio de 2006, solicitou à ré mulher, que é filha de uma sua sobrinha, que diligenciasse, como sua procuradora, pela venda da sua casa de habitação, para, posteriormente, a autora dividir o produto dessa venda pela ré e por um outro sobrinho, tendo, para o efeito, em 26 de Janeiro de 2006, outorgado uma procuração, mas sem que se tivesse apercebido do respectivo conteúdo, nomeadamente, da expressão “negócio consigo mesmo”.</font> </p><p><font>A autora nunca teve intenção de vender a casa à ré, nem nunca foi esse o poder que quis facultar-lhe, sendo certo que esta nunca lhe disse que lhe iria comprar a casa de habitação.</font> </p><p><font>Porém, em 2 de Fevereiro de 2006, a ré mulher, munida da mencionada procuração, outorgou, em Lisboa, a aludida escritura de compra e venda, em que declarou vender, a si própria, o dito prédio, pelo preço de 75.000,00 euros, sendo certo que a autora nunca entregou o imóvel, nem tal lhe foi referido ou solicitado, nem recebeu qualquer preço, e que o valor mínimo da avaliação para venda do mesmo seria sempre de 250.000,00 euros, tendo a ré exorbitado os poderes que a autora lhe quis conferir, agindo contra a intenção e vontade da mandante. </font> </p><p><font>Na contestação, os réus concluem pela improcedência da acção, pedindo a condenação da autora como litigante de má fé, em multa e indemnização, bem como, para o caso de assim não se entender, a procedência da excepção de compensação, no montante de 13.261,73 euros, impugnando grande parte da factualidade descrita na petição inicial e alegando que a autora queria beneficiar a ré mulher, pretendendo que fosse esta a ficar com a sua casa, ao mesmo tempo que se queixava de falta de dinheiro, pelo que, para fazer face a despesas, existentes e futuras, a autora e a ré mulher acordaram em que a casa daquela seria vendida aos réus, pelo preço de 75.000,00 euros, preço esse que seria pago, de forma faseada, através da satisfação de despesas da autora.</font> </p><p><font>Que a autora disse que gostaria de ir viver junto dos réus e foi por sua vontade que outorgou a procuração, conhecendo as implicações do acto; que, tal como foi acordado entre aquele e estes, foi outorgada a escritura pública a favor dos RR., do que foi dado conhecimento à A. que ficou satisfeita e agradecida, tendo ficado também acordado que esta estaria na casa até querer; na sequência do assim acordado os réus liquidaram despesas da autora, no valor de 13.261,73 euros, fazendo-o por conta do preço da venda da casa.</font> </p><p><font>Porém, caso qualquer um dos pedidos da autora venha a proceder, deverá a mesma reembolsar os réus naquele aludido montante de 13.261,73 euros, ou, então, que este seja deduzido a qualquer montante que os réus venham a ser condenados a pagar. </font> </p><p><font>Na réplica, a autora defende a improcedência da excepção de compensação, impugnando muita da factualidade alegada pelos réus, e conclui como na petição inicial.</font> </p><p><font>A sentença julgou a acção, parcialmente, procedente e, em consequência, condenou a ré mulher, “BB”, a pagar à autora, “AA”, a quantia, subsidiariamente, peticionada, de €75.000,00 e, no mais, absolveu os réus do pedido, julgando ainda improcedente, por não provado, o pedido incidental de condenação, por litigância de má fé, deduzido pelos réus, absolvendo, por isso, a autora deste pedido.</font> </p><p><font>Desta sentença, a autora interpôs recurso, tendo o Tribunal da Relação julgado a acção, parcialmente, procedente e, em consequência, declarou a ineficácia, relativamente à autora, da compra e venda realizada pela ré mulher, através da escritura pública, outorgada em 2 de Fevereiro de 2006, a folhas x/y, do Livro xx do Cartório Notarial de L... do Notário “EE”, condenando os réus a reconhecerem o direito de propriedade da autora sobre o prédio urbano, sito na R.. H… M…, Lote x, nº xx, F…, V…, L…, inscrito na matriz predial, sob o artigo xxxx, e descrito na Conservatória do Registo Predial da L..., sob o nº xxxx, e ordenando o cancelamento do registo efectuado pela ré mulher, sob a presentação nº 07, de 16 de Junho de 2006, na descrição predial urbana da Conservatória do Registo Predial da L..., sob o nº xxxx/xxxxxxxx.</font> </p><p><font>Do acórdão da Relação de Coimbra, os réus interpuseram recurso de revista, terminando as alegações com o pedido da sua revogação integral, formulando as seguintes conclusões, que se transcrevem, na totalidade:</font> </p><p><font>1ª – Não podia a recorrente ser condenada em objecto diverso do pedido, já que os factos que levaram à condenação objecto do presente recurso, além de não terem sido formulados pela recorrida, nem sequer foram alegados na petição inicial ou até ao encerramento da discussão em 1ª instancia.</font> </p><p><font>2ª - A recorrida, como lhe competia, não alegou quaisquer factos concretos que consubstanciem a figura do abuso de representação.</font> </p><p><font>3ª - Até ao encerramento da discussão a recorrida não alterou o pedido ou a causa de pedir, pelo que a recorrente apenas teve oportunidade de contestar o pedido inicialmente deduzido e os factos inicialmente alegados, assim como produzir prova sobre os mesmos.</font> </p><p><font>4ª - À recorrente não lhe foi permitida, por que não era exigível, efectuar prova ou contra-prova sobre os factos que consubstanciam o alegado abuso de representação, tendo sido coarctada do direito ao contraditório.</font> </p><p><font>5ª - O Acórdão do S.TJ. de 23/01/2001 (DR, I-A, nº 34, de 09/02/2001) mencionado pela Relação de Coimbra em nada se assemelha ao caso em apreço, já que na situação referida no citado Acórdão do S.TJ., a parte, apesar de não ter formulado o pedido, tinha alegados factos que consubstanciavam o mesmo.</font> </p><p><font>6ª - A recorrida veio alterar a causa de pedir na fase de recurso, facto não permitido pela Lei Processual Portuguesa.</font> </p><p><font>7ª - O douto Acórdão da Relação de Coimbra violou a lei processual Portuguesa.</font> </p><p><font>8ª - Não há, no caso em apreço, qualquer abuso de representação, por não estarem preenchidos os respectivos requisitos.</font> </p><p><font>9ª - Conforme se decidiu no Acórdão do S.TJ. de 14.10.2004, in CJSTJ, 2004, 111-52: "o negócio consigo mesmo, não sendo excedidos os poderes contidos na procuração, não envolve abuso de representação ou representação sem poderes, sancionados com a ineficácia em relação ao representado".</font> </p><p><font>10ª - A recorrida não logrou provar que a recorrente, munida da procuração ao declarar vender a si própria o imóvel dos autos pelo preço de € 75.000,00 o tivesse sido feito contra a intenção e vontade da recorrida. (Vide resposta ao facto 6 da base instrutória).</font> </p><p><font>11ª - Como se decidiu em Ac. do S.T. J. de 27.05.2010: IV - Incumbe ao representado a prova do abuso e ainda que o representante sabia e tinha plena consciência de que o negócio não interessava ao representado.</font> </p><p><font>12ª - O texto da procuração é claro, dando poderes para a recorrida "(...) Vender ou prometer vender, pelo preço, condições e cláusulas que achar por convenientes a quem entender o prédio urbano, inscrito na matriz sob o artigo xxxx da freguesia de V…, concelho da L…, podendo fazer o negócio consigo mesmo. (...)".</font> </p><p><font>13ª - Conclui-se assim que a recorrida agiu conforme os poderes que lhe haviam sido conferidos, não tendo cometido qualquer abuso de representação.</font> </p><p><font>14ª - O facto de nunca ter sido exigido à recorrente que procedesse à entrega do imóvel afasta qualquer tentativa de alegação de abuso de representação.</font> </p><p><font>15ª - A recorrente conferiu poderes à recorrida, tendo esta actuado no uso desses poderes, fazendo-o em seu benefício, o que não lhe era proibido, tanto mais que o recorte dos poderes conferidos redundava claramente em seu benefício.</font> </p><p><font>A autora não apresentou contra-alegações.</font> </p><p><font>O Tribunal da Relação entendeu que se devem considerar demonstrados os seguintes factos, que este Supremo Tribunal de Justiça aceita, nos termos das disposições combinadas dos artigos 722º, nº 2 e 729º, nº 2, do Código de Processo Civil (CPC), mas reproduz, acrescentando-lhe, porém, a factualidade “que para a sua representada declara ter já recebido”, no ponto 4, D), com base no teor da escritura de compra e venda de folhas 35 a 37, e bem assim como no preceituado pelos artigos 369º, nº 1 e 371º, nº 1, do Código Civil, 659º, nº 3, 713º, nº 2 e 726º, do CPC:</font> </p><p><font>1. A autora tem 90 anos de idade, é viúva e não tem ascendentes ou descendentes – A). </font> </p><p><font>2. Mostra-se descrito, a favor da autora, o prédio urbano, composto por casa de habitação de cave, rés-do-chão e primeiro andar, com a área coberta de 230 m2 e área descoberta, de logradouro e jardim, de 539,5 m2, sita em R… H… M…, lote x, n.º xx, lugar de F…, freguesia de V…, concelho e comarca da L…, inscrito na respectiva matriz predial, sob o artigo xxxx.°, e descrito na Conservatória do Registo Predial da L..., sob o n.º xxxx – B).</font> </p><p><font>3. Em 26 de Janeiro de 2006, a autora outorgou, perante o Notário “DD”, na Av.ª S… S…, n.º xx, x.º dt.º, L…, procuração, constando da mesma que se destinava a: “vender ou prometer vender, pelo preço, condições e cláusulas que achar por convenientes a quem entender o prédio urbano, inscrito na matriz sob o artigo xxxx da freguesia de V…, concelho da L…, podendo fazer negócio consigo mesmo” – C).</font> </p><p><font>4. No dia 2 de Fevereiro de 2006, em Lisboa, a ré mulher, munida da procuração, referida em C), foi ao Cartório Notarial de L..., de “EE”, sito na Rua M… da S…, n.º .., x.º e x.º, e outorgou escritura de compra e venda, exarada a fls. xx e yy do Livro xx daquele Cartório Notarial, em que declara vender a si própria o prédio, identificado em B), pelo preço de 75.000,00 euros, que para a sua representada declara ter já recebido – D).</font> </p><p><font>5. A autora nunca entregou o imóvel objecto desta acção, nem isso, alguma vez, lhe foi referido ou solicitado, até à semana que antecedeu a entrada da presente acção – E).</font> </p><p><font>6. A casa de habitação referida foi construída, em 1999 – F).</font> </p><p><font>7. A moradia, referida em B), não é geminada, é de construção recente, com três andares e dimensão considerável, jardim e logradouro, e com localização junto ao Centro Urbano de V… da L…, em zona de construção de moradias – G).</font> </p><p><font>8. Os réus procederam ao pagamento do seguinte: </font> </p><p><font>- custas, no âmbito do processo 890-A/2002: 3.916,00 euros; </font> </p><p><font>- taxa de justiça, no âmbito do processo 890/2002: 480,00 euros; </font> </p><p><font>- provisão para honorários e despesas à mandatária: 1.100,00 euros; </font> </p><p><font>- pagamentos à Santa Casa da Misericórdia: 1.027,50 euros; </font> </p><p><font>- pagamento à empregada D. F…: 1.940,00 euros; </font> </p><p><font>- pagamento do registo de aquisição, a favor da autora: 234,73 euros – H). </font> </p><p><font>9. O valor da moradia, identificada em B), seria, então, de 193.677,50 euros - 5.°.</font> </p><p><font>10. O teor da procuração, referida em C), foi explicado, exaustivamente, à autora, e a expressão “negócio consigo mesmo” foi explicada, detalhadamente, pelo Sr. Dr. “DD”, tendo o mesmo perguntado, claramente, “É isto que quer?”, tendo a autora respondido, afirmativamente - 12</font><i><font>.°</font></i><font>. </font> </p><p><font> </font> </p><p><font>&nbsp; &nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;*</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Tudo visto e analisado, ponderadas as provas existentes, atento o Direito aplicável, cumpre, finalmente, decidir.</font> </p><p><font>As questões a decidir, na presente revista, em função das quais se fixa o objecto do recurso, considerando que o «thema decidendum» do mesmo é estabelecido pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, com base no preceituado pelas disposições conjugadas dos artigos 660º, nº 2, 661º, 664º, 684º, nº 3, 685º-A, nºs 1 e 2 e 726º, todos do CPC, são as seguintes: </font> </p><p><font>I – A questão da nulidade do acórdão.</font> </p><p><font>II – A questão do abuso de representação.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; &nbsp;&nbsp;I. DA NULIDADE DO ACÓRDÃO</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Alegam, desde logo, os réus que a autora não invocou factos concretos que consubstanciem a causa de pedir do abuso de representação, como fundamento da condenação proferida pelo acórdão recorrido, mostrando-se, assim, infundada a decisão do Tribunal da Relação, por ter condenado em objecto diverso do pedido, em virtude de aqueles não ter sido facultado o exercício do direito ao contraditório, nesta matéria, sendo certo que a causa de pedir não pode ser alterada, na fase de recurso.</font> </p><p><font>Por respeito ao princípio do dispositivo, estatuem os artigos 661º, nº 1 e 668º, nº 1, e), ambos do CPC, que “a sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objecto diverso do que se pedir”, ou seja, deve conter-se, em substância e quantidade, dentro do pedido formulado, sob pena de nulidade.</font> </p><p><font>No articulado inicial, a autora peticiona, além do mais, a declaração da invalidade da procuração outorgada, em 26 de Janeiro de 2006, perante o Notário, “DD”, na L..., pela autora, a favor da ré mulher.</font> </p><p><font>O acórdão recorrido, enfrentando, directamente, a questão, sem a rodear, não obstante o pedido de declaração de invalidade, declarou a ineficácia, relativamente à autora, da compra e venda realizada pela ré mulher, através da escritura pública outorgada, em 2 de Fevereiro de 2006, a folhas xx/yy, do Livro xx, do Cartório Notarial de L..., do Notário “EE”, sustentando-se no teor do Acórdão de Uniformização de Jurisprudência deste Supremo Tribunal de Justiça, que consagrou o entendimento de que “Tendo o autor, em acção de impugnação pauliana, pedido a declaração de nulidade ou a anulação do acto jurídico impugnado, tratando-se de erro na qualificação jurídica do efeito pretendido, que é a ineficácia do acto em relação ao autor (nº 1 do artº 616º do Código Civil), o juiz deve corrigir oficiosamente tal erro e declarar tal ineficácia, como permitido pelo artigo 664º do Código de Processo Civil”</font><sup><font> </font></sup><a><u><sup><font>[2]</font></sup></u></a><font>.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Por outro lado, preceitua o artigo 664º, do CPC, que “o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito; mas só pode servir-se dos factos articulados pelas partes, sem prejuízo do disposto no </font><a><font>artigo 264º</font></a><font>”.</font> </p><p><font>Efectivamente, se o Tribunal só pode pronunciar-se sobre os factos alegados pelas partes, excepto se forem notórios, se tiver conhecimento dos mesmos, por virtude do exercício das suas funções, se os dever invocar para declarar anormal o uso do processo ou se se tratar de factos instrumentais que resultem da instrução e discussão da causa, atento o disposto pelos artigos 264º, nº 2, 514º e 665º, do CPC, já quanto à subsunção da matéria de facto à norma jurídica, à determinação das normas legais a aplicar na decisão, quer quanto à estatuição, como às consequências de tal aplicação normativa, a actividade do juiz não sofre qualquer limitação, não estando adstrito a julgar de harmonia com as normas legais invocadas pelas partes, nem a dar-lhes a interpretação por elas, eventualmente, sugerida, de acordo com o princípio do «iura novit curia», conquanto que não altere a causa de pedir</font><a><u><sup><font>[3]</font></sup></u></a><font>, em cujos limites se deve manter.</font> </p><p><font>Aliás, a invalidade requerida pela autora é uma espécie do género ineficácia, decretada pelo acórdão recorrido, compreendendo a ineficácia, «lato sensu», todas as hipóteses em que, por causas intrínsecas ou extrínsecas, o negócio não deve produzir os efeitos a que tendia, enquanto que a invalidade é apenas a ineficácia que provém de uma falta ou irregularidade dos elementos internos (essenciais, formativos) do negócio</font><a><u><sup><font>[4]</font></sup></u></a><font>.</font> </p><p><font>Por seu turno, a autora, na petição inicial, invoca, como fundamento do pedido, que “o valor mínimo de avaliação para venda daquela moradia identificada no artigo 2º da p.i. sempre seria de 250000,00€” (18º), que “a ré exorbitou os poderes que a autora lhe quis conferir” (19º), que “tudo foi feito contra a intenção e vontade da autora” (20º), que ”a ré actuou contra a vontade e desígnios da autora” (29º) e que “a ré, ora, pretende embolsar para si o produto da venda da casa da autora, a que não tem direito”, tendo os réus podido contraditar esta factualidade, no articulado da contestação.</font> </p><p><font>Assim sendo, a autora alegou, oportunamente, na fase processual adequada, factos concretos que consubstanciam a causa de pedir do abuso dos poderes de representação, por parte da ré, como fundamento da condenação, que, consequentemente, não extravasou a órbita do pedido.</font> </p><p><font>&nbsp;Não ocorre, assim, a causa da nulidade do acórdão, a que aludem os artigos 661º, nº 1, 668º, nº 1, e) e 716º, nº 1, todos do CPC.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; II. DO ABUSO DE REPRESENTAÇÃO</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>II. 1. A representação consiste na realização de um negócio, em nome de outrem, para que, na esfera jurídica desse outrem se produzam os seus efeitos</font><a><u><sup><font>[5]</font></sup></u></a><font>, tratando-se de uma substituição na actividade jurídica em nome de outrem</font><a><u><sup><font>[6]</font></sup></u></a><font>.</font> </p><p><font>São requisitos imprescindíveis da existência da representação, tendentes à produção dos seus efeitos típicos, em conformidade com o disposto pelo artigo 258º, do Código Civil (CC), que o representante, declarando, em menor ou maior escala, uma vontade própria, conclua o negócio, em nome do representado (contemplatio domini), para que a ligação ao dono do negócio seja reconhecível, e que o acto realizado caiba dentro dos limites dos poderes conferidos ao representante, mas que não vale em relação a ele, que não é parte negocial, mas ao representado</font><a><u><sup><font>[7]</font></sup></u></a><font>.</font> </p><p><font>E o poder de representação provém da procuração, como acto instrumental, através da qual alguém atribui a outrem, voluntariamente, poderes representativos, atento o preceituado pelo artigo 262º, nº 1, do CC.</font> </p><p><font>Ora, os actos praticados por um representante com falta total de poderes representativos ou com excedência dos poderes que lhe foram atribuídos [representante sem poderes ou «falsus procurator»] são ineficazes, em relação à pessoa em nome da qual se celebrou o negócio, desde que por ela não sejam ratificados, nos termos do disposto pelo artigo 268º, nº 1, do CC.</font> </p><p><font>Por outro lado, há abuso dos poderes de representação, quando o representante, actuando embora dentro dos limites formais dos poderes que lhe foram outorgados, uma vez que este instituto pressupõe a existência de representação, ao contrário do que sucede na representação sem poderes, utiliza, conscientemente, esses poderes, em sentido, substancialmente, contrário ao seu fim ou às indicações do representado</font><a><u><sup><font>[8]</font></sup></u></a><font>.</font> </p><p><font>Com efeito, o negócio que uma pessoa, com abuso dos poderes de representação, celebre em nome de outrem, é ineficaz em relação a este, se não for por ele ratificado, desde que a outra parte conhecesse ou devesse conhecer o abuso, atento o estipulado pelos artigos 269º e 268º, nº 1, ambos do CC.</font> </p><p><font>Nesta situação genérica do abuso dos poderes representativos, o representante exerce, formalmente, o poder que lhe pertence, mas para realizar, não já o interesse do representado, mas sim um outro interesse, próprio ou alheio, contrastante com aquele, verificando-se um conflito de interesses, com sacrifício do interesse do representado pelo representante a outro interesse, sendo a representação utilizada para atingir um fim diverso daquele para que foi conferida.</font> </p><p><font>A isto acresce que o abuso de representação se apresenta ainda, para além da aludida formulação genérica do abuso dos poderes representativos, propriamente dito, numa formulação específica, que se verifica, no caso especial do denominado negócio consigo mesmo, em que o negócio é celebrado por uma só pessoa que intervém, simultaneamente, a título pessoal e como representante de outrem ou como representante, ao mesmo tempo, de mais de uma pessoa.</font> </p><p><font>Neste caso, o conflito de interesses é manifesto, porquanto o representante conclui o negócio consigo mesmo ou, relativamente a si próprio, agindo, ao mesmo tempo, pelo representado e, pessoalmente, por si ou por outro representado</font><a><u><sup><font>[9]</font></sup></u></a><font>. </font> </p><p><font>Efectivamente, o negócio celebrado pelo representante consigo mesmo, seja em nome próprio, seja em representação de terceiro, é anulável, a não ser que o representado tenha, especificadamente, consentido na celebração, ou que o negócio exclua, pela sua própria natureza, a possibilidade de um conflito de interesses, atento o preceituado pelo artigo 261º, nº 1, do CC.</font> </p><p><font>A primeira parte do normativo legal, acabado de transcrever, consagra a figura do negócio consigo mesmo «stricto sensu» ou do auto-contrato, ou seja, quando “o representado tenha, especificadamente, consentido na celebração”, de modo a não poder duvidar-se que o representado previu e quis consentir nele, porquanto, assim, deixa de existir o perigo de o representante poder prejudicar o representado.</font> </p><p><font>A isto acresce que as procurações que permitem ao procurador fazer negócios consigo mesmo são, livremente, revogáveis pelo representado, por simples vontade deste, excepto se, simultaneamente, das mesmas constar que são passadas, no interesse do próprio procurador (procuração in rem suam ou procurações, impropriamente, designadas por irrevogáveis), hipótese em que, só, então, ficam sujeitas ao regime previsto no artigo 265º, nº 3, do CC, ou seja, “não podem ser revogadas sem acordo do interessado salvo ocorrendo justa causa”.</font> </p><p><font>Com efeito, mesmo no caso em que a procuração é conferida, também, no interesse do próprio procurador, a mesma pode ser revogada, com acordo de ambos ou ocorrendo justa causa.</font> </p><p><font>E a revogação da procuração, como específica causa extintiva dos poderes representativos que contém, deve ser levada ao conhecimento de terceiros, por meios idóneos.</font> </p><p><font>II. 2. Efectuando uma síntese da factualidade relevante que importa considerar, ficou provado que, em 26 de Janeiro de 2006, a autora outorgou uma procuração, a favor da ré mulher, da qual constava que lhe concedia os necessários poderes para “vender ou prometer vender, pelo preço, condições e cláusulas que achar por convenientes a quem entender o prédio urbano, inscrito na matriz sob o artigo xxxx da freguesia de V…, concelho da L…, podendo fazer negócio consigo mesmo”, prédio esse composto por casa de habitação de cave, rés-do-chão e primeiro andar, com a área coberta de 230 m2 e área descoberta, de logradouro e jardim, de 539,5 m2, e que a ré, no dia 2 de Fevereiro de 2006, munida da aludida procuração, outorgou uma escritura de compra e venda, em que declarou vender, a si própria, o mencionado prédio, pelo preço de €75.000,00, mas cujo valor, então, era de €193.677,50.</font> </p><p><font>Na verdade, a autora, conferindo à ré poderes para vender o prédio, não lhe indicou o preço mínimo que desejava obter, as condições ou as cláusulas pelas quais a alienação deveria ser efectuada, sendo certo que esta, enquanto sua procuradora, vendeu o bem, por um preço bastante menor ao seu valor de mercado, equivalente a um valor inferior a cerca de 40% do mesmo, e, apesar de ter declarado que o preço já havia sido recebido pela autora, a ré não logrou demonstrar o seu pagamento à mesma, em cujo montante, aliás, foi condenada pela sentença proferida em 1ª instância, não tendo a ré interposto recurso do assim decidido.</font> </p><p><font>Deste modo, a autora que, à data da outorga da procuração à ré, tinha 78 anos de idade, era viúva e sem descendentes, não conceberia, por certo, que aquela, sua sobrinha, em quem confiara, a ponto de lhe conferir uma procuração com poderes de venda do prédio e a possibilidade de realizar um negócio consigo própria, aspirasse a um preço tão baixo</font><a><u><sup><font>[10]</font></sup></u></a><font>.</font> </p><p><font>Aliás, a ré não diligenciou no sentido de encontrar uma melhor proposta para a venda do prédio da autora, zelando com lealdade pelo cumprimento da procuração que lhe havia sido outorgada, na vila da L…, porquanto a alienação aconteceu, cinco dias após, em L…, provavelmente, ainda antes de a ré chegar a casa, já que reside em V… N…M….</font> </p><p><font>Por outro lado, como, lucidamente, se observa no acórdão recorrido, a “ausência de fixação do preço mínimo ou de quaisquer cláusulas ou condições, não podem ser interpretadas como manifestação de qualquer «animus donandi»”</font><i><font>.</font></i> </p><p><font>Porém, de acordo com a doutrina da impressão do destinatário, consagrada pelo artigo 236º, nº 1, do CC, “a declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele”, acrescentando o respectivo nº 2 que “sempre que o declaratário conheça a vontade real do declarante, é de acordo com ela que vale a declaração emitida”.</font> </p><p><font>Assim sendo, a expressão “pelo preço, condições e cláusulas que achar por convenientes”, constante do teor do aludido instrumento de procuração, deveria ter sido interpretada pela ré com o significado que lhe teria atribuído um declaratário normal, isto é, de “um preço equilibrado e justo”, porquanto ninguém, de boa fé, pode entender como “conveniente uma venda ao desbarato”</font><a><u><sup><font>[11]</font></sup></u></a><font>.</font><font> </font> </p><p><font>Apesar do silêncio da procuração em análise sobre o preço da venda, considerando a natureza sinalagmática do contrato de compra e venda e que o representante não pode ser o único intérprete dos interesses em conflito, sem que da sua actuação possam vir a resultar prejuízos para o representado</font><a><u><sup><font>[12]</font></sup></u></a><font>, só o preço real de mercado garante a lealdade de comportamento que o representante deve assumir, para poder, de boa fé, gerir a conflitualidade dos interesses em presença, de forma a estabelecer o necessário equilíbrio entre ambos.</font> </p><p><font>Como assim, o desnível verificado entre o valor venal do prédio [€193.677,50] e o preço pelo qual foi alienado [€75.000,00], é índice objectivo e seguro do abuso da representação</font><a><u><sup><font>[13]</font></sup></u></a><font>.</font> </p><p><font>Ora, confundindo-se, na hipótese em apreço, a situação de representante e de contraparte, que, naturalmente, conhecia do abuso dos seus poderes de representação, não se verifica a excepção da eficácia do negócio, em relação ao representado, como aconteceria se a outra parte não conhecia nem devia conhecer do abuso</font><a><u><sup><font>[14]</font></sup></u></a><font>.</font> </p><p><font>A relação pessoal de fidúcia do representado no representante, implicada na outorga de poderes representativos, na particular situação do autocontrato, requer uma empenhada e eficaz defesa dos interesses prosseguidos, devendo aquele agir com imparcialidade, probidade e moralidade, zelando os poderes que lhe foram conferidos pelo representado, que confiou na sua honesta actuação</font><a><u><sup><font>[15]</font></sup></u></a><font>.</font> </p><p><font>II. 3. A autora, através da presente acção, visa, além do mais, a declaração de invalidade da procuração que outorgou a favor da ré, a qual, não tendo logrado procedência, por decisão transitada em julgado, em sede de 1ª instância, não deixa de transparecer uma inequívoca afirmação da sua vontade de proceder à respectiva revogação. </font> </p><p><font>Deste modo, independentemente da existência de justa causa da revogação da procuração que, «in casu», se verifica, mas que não se mostraria necessária, porquanto a procuração não foi, também, conferida no interesse da ré, a autora procedeu, através da presente acção, de modo inequívoco, à sua revogação, o que poderia fazer, livremente, nos termos do disposto pelo artigo 265º, nºs 2 e 3, do CC.</font> </p><p><font>Não procedem, pois, com o devido respeito, as conclusões constantes das alegações dos réus, sendo certo, porém, que o vício de que padece o negócio, atento o preceituado pelo artigo 261º, nº 1, do CC, é o da anulabilidade e não o da ineficácia, conforme foi decidido pelo acórdão recorrido.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>CONCLUSÕES:</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>I - Se o Tribunal só pode pronunciar-se, por via de regra, sobre os factos alegados pelas partes, já quanto à subsunção da matéria de facto à norma jurídica, à determinação das normas legais a aplicar na decisão, quer quanto à estatuição e às consequências de tal aplicação normativa, não está adstrito ao princípio do dispositivo, conquanto que não altere a causa de pedir, em cujos limites se deve manter.</font> </p><p><font>II - O denominado negócio consigo mesmo, que é celebrado por uma só pessoa que intervém, simultaneamente, a título pessoal e como representante de outrem ou como representante ao mesmo tempo de mais de uma pessoa é anulável, a não ser que o representado tenha, especificadamente, consen
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font> <p><b><font>I. – Relatório.</font></b><br> <font>O arguido/recorrente, AA, impulsiona pedido de uniformização de jurisprudência, por estimar que o acórdão condenatório prolatado no Tribunal da Relação de Évora, em 10 de Maio de 2016, com reclamação decidida em 29 de Novembro de 2016, e transitado em julgado a 19 de Dezembro de 2016, se encontra em oposição/contradição sobre a mesma e essencial questão de direito decidida no acórdão da Relação do Porto, proferido, a 13 de Julho de 2016, no processo n.º 573/14.0T9VLÇ.P1.</font><br> <font>Dessume a pretensão formulada com o epítome conclusivo que a seguir queda extractado.</font><br> <font>“</font><i><font>a) O arguido foi acusado pelo MP por um crime de burla qualificado por se ter considerado o prejuízo patrimonial «consideravelmente elevado».</font></i><br> <i><font>b) O M.P. considerou que o que o valor do prejuízo coincide com o preço por que o ofendido comprou o automóvel – 21.000,00€.</font></i><br> <i><font>c) O arguido requereu a abertura de instrução e referiu que o montante que deverá ser considerado, como valor do prejuízo, para o efeito da incriminação pelo crime de burla não é o correspondente ao valor de 21.000,00€ pago pelo veículo conforme se articula na acusação, antes resulta da diferença do valor que o ofendido pagou com o valor de uma viatura automóvel com as mesmas características da viatura adquirida.</font></i><br> <i><font>d) Foi proferido despacho de pronúncia.</font></i><br> <i><font>e) Realizada audiência de julgamento foi proferida douta sentença pela Comarca de Faro, Olhão – Instância Local – Sec. Comp. Gen. ..., que o condena na pena de 250 dias de multa, à taxa diária de €5,00 pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de burla qualificada, previsto e punido pelos artigos 217.º, n.º 1, e 218.º, n.º 1, por referência ao artigo 202.º, alínea a), todos do Código Penal.</font></i><br> <i><font>f) O arguido interpõe recurso para o Tribunal da Relação de Évora em que pugna não só que o valor do prejuízo, para o efeito da incriminação pelo crime de burla não é o correspondente ao valor de 21.000,00€ pago pelo veículo, antes resulta da diferença do valor que o ofendido pagou com o valor de uma viatura automóvel com as mesmas características da viatura adquirida, mas também defende que por via disso que a incriminação deveria ser alterada.</font></i><br> <i><font>g) O douto acórdão do Tribunal da Relação de Évora, entendeu à semelhança do decidido pela 1.ª instância que o prejuízo para o efeito da incriminação pelo crime de burla é o correspondente ao valor que o ofendido pagou e esse equivale ao dano que este sofreu no seu património, acrescentando que “Em contrapartida, o património do recorrente ficou acrescido desse valor, sendo indiferente quanto tivesse pago pela prévia aquisição do veículo”, fls. 42.</font></i><br> <i><font>h) O que o legislador e todo o ordenamento jurídico estabelece é que na burla o bem jurídico protegido é o património, globalmente considerado e o prejuízo consiste na diferença de valor em que património ficou prejudicado.</font></i><br> <i><font>i) O douto acórdão do Tribunal da Relação de Évora que confirmou aquela condenação determina que que o prejuízo para o efeito da incriminação pelo crime de burla é o correspondente ao valor que o ofendido pagou e esse equivale ao dano que este sofreu no seu património</font></i><br> <i><font>j) O douto acórdão fundamento determina que o prejuízo patrimonial será sempre traduzido na diminuição do valor do património do ofendido que adquiriu um veículo por um valor superior, devido à adulteração da quilometragem. O património do ofendido ficou, assim, com um prejuízo equivalente ao valor da diferença entre o que pagou e o valor do bem que recebeu em troca.</font></i><br> <i><font>k) Consequentemente, não pode no caso presente prescindir-se de apurar a&nbsp; situação concreta do prejuízo causado ao ofendido e de atender à ao valor da diferença entre o que pagou e o valor do bem que recebeu em troca.</font></i><br> <i><font>l) Aplicando-se a jurisprudência do Tribunal da Relação do Porto, que deve vencer, deveria produzir-se acórdão de uniformização que estatuísse: “Para a determinação do prejuízo causado pelo crime de burla, há apenas que atender à diminuição do valor do património do ofendido, globalmente considerado, causado pela actuação do arguido, não podendo a condenação ter por base o valor que o ofendido pagou e esse equivaler ao dano que sofreu no seu património.”</font></i><br> <i><font>m) Por consequência, deve o douto acórdão do Tribunal da Relação de Évora ser revogado (…).</font></i><font>”</font> </p><p><font>Dissente do asserido pelo recorrente, a Distinta Magistrada do Ministério Público, junto do Tribunal da Relação de Évora, na resposta que fornece à pretensão, por (sic): “</font><i><font>I. AA, arguido nos autos nº 66/12.0TAOLH que correu termos na Instancia Local de Olhão, da comarca de Faro, dirigiu requerimento ao Supremo Tribunal de Justiça, ao abrigo do disposto no artº 437º nº 2 do C. P. Penal, pretendendo interpor recurso extraordinário para fixação de jurisprudência</font></i><b><i><font>, </font></i></b><i><font>do Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 10.05.2016, por este se mostrar em oposição com o proferido pelo Tribunal da Relação do Porto no Processo nº 573/14.0 T9VLG.P1, em 13.07.2016.</font></i><br> <i><font>II. De harmonia com o estatuído no artº 437º do C.P.Penal é admissível recurso extraordinário para fixação de jurisprudência quando, no domínio da mesma legislação e relativamente à mesma questão de direito, um tribunal de relação proferir acórdão que esteja em oposição com outro, da mesma ou de diferente relação, ou do Supremo Tribunal de Justiça e dele não for admissível recurso ordinário, salvo se a orientação perfilhada naquele acórdão estiver de acordo com a jurisprudência já anteriormente fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça (nº 2).</font></i><br> <i><font>III. Os acórdãos consideram-se proferidos no domínio da mesma legislação quando, durante o intervalo da sua prolação, não tiver ocorrido modificação legislativa que interfira, directa ou indirectamente, na resolução da questão de direito controvertida (nº3).</font></i> </p><p><i><font>IV. Só pode invocar-se, como fundamento do recurso, acórdão anterior transitado em julgado (id. nº 4), justificando o recorrente “a oposição que origina o conflito de jurisprudência“ (id. nº 438º nº 2).</font></i> </p><p><i><font>I. De harmonia com o preceituado no nº 1 do artigo 438º do C.P.Penal, o recurso de fixação de jurisprudência “é interposto no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado do acórdão proferido em último lugar”.</font></i><br> <i><font>II. Por sentença proferida no âmbito do processo comum nº 66/12.0TAOLH, que correu termos na Instancia Local de Olhão da Comarca de Faro, foi o ora recorrente condenado pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de burla qualificada, p. e p. pelo artº 217º nº 1 e 218º nº 1, por referencia ao artº 202º a), todos do C. Penal, na pena de 250 (duzentos e cinquenta) dias de multa, à razão diária de € 5,00 (cinco euros), o que perfaz a multa total de € 1.250,00 (mil duzentos e cinquenta euros), além de ter sido condenado a pagar ao demandante BB, a indemnização de € 20.300,00, sendo € 20.000,00 a titulo de indemnização por danos patrimoniais e € 300,00, a titulo de indemnização por danos não patrimoniais.</font></i><br> <i><font>III. Desta sentença foi interposto recurso pelo referido arguido, para o Tribunal da Relação de Évora, nele pedindo a respectiva revogação, impugnando a matéria de facto provada, a sua condenação pela prática dum crime de burla p. e p. pelo artº 217º do C. Penal e não pela prática dum crime de burla qualificada, p. e p. pelo artº 217 º e 218º nº 1,do C.Penal e reclamando a redução da dosimetria da pena. </font></i> </p><p><i><font>IV. Por acórdão de 10.05.2016, o Tribunal da Relação de Évora, decidiu, além do mais, “negar provimento ao recurso interposto pelo arguido e manter integralmente a sentença recorrida“.</font></i> </p><p><i><font>Para tanto, ponderou assim:</font></i> </p><p><i><font>“Para formar a sua convicção quanto aos factos provados e não provados supra&nbsp;&nbsp;&nbsp;elencados, o tribunal atendeu à prova documental junta aos autos (designadamente à ficha de registo automóvel de fls. 20 a 23, ao print das bases de dados do IMIT de fls. 24 a 26, às avaliações de veículos de fls. 33 a 38 e 369 a 380, à documentação relativa à compra do veículo&nbsp; pelo ofendido, de fls. 45 a 48 e 125 a 140, ao certificado de inspecção periódica de fls. 49, ao auto de exame directo de fls 51, à reportagem fotográfica de fls. 52 a 55, ao auto de devolução e informação da Leaseplan de fls. 59 e 60, à documentação relativa à compra do automóvel pelo arguido à Leiloeira de fls. 69 a 75, ao print e certidão do registo automóvel de fls. 113, 114 e 118, à factura de fls. 201, às fotocópias de fls. 212 a 225, à informação de fls. 342, ao fax de fls. 350, ao certificado de registo criminal de fls. 352 e 353 e ao relatório social de fls. 418 a 421), bem como à prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento analisada e conjugada, criticamente, à luz das regras da experiencia comum, de acordo, com o principio da livre apreciação da prova (artº 127º do CPP).</font></i> </p><p><i><font>Vejamos, concretamente:</font></i> </p><p><i><font>A convicção do tribunal quanto aos factos supra elencados nos pontos 1, 2 e 6 dos factos provados, assentou, desde logo, e essencialmente no teor de diversos documentos juntos aos autos, analisados e conjugados entre si, designadamente:</font></i> </p><p><i><font>Ficha de registo automóvel de fls. 20 a 23, print das bases de dados do IMIT de fls. 24 a 26, documentação relativa à compra do veículo pelo ofendido de fls. 45 a 48 e 125 a 140, certificado de inspecção periódica de fls. 49, auto de devolução e informação da Leaseplan de fls. 59 e 60, documentação relativa à compra do automóvel pelo arguido à Leiloeira de fls. 69 a 75, print e certidão, do registo automóvel, de fls. 113, 114 e 118 e factura de fls. 201.</font></i> </p><p><i><font>&nbsp;</font></i><i><font>Efectivamente, da conjugação dos referidos documentos decorre, sem margem para duvidas, a factualidade enunciada nos referidos pontos, sendo certo que, no que se refere à factualidade enunciada nos pontos 1 e 6 dos factos provados, a mesma foi, ainda e no essencial, confirmada pelo arguido em sede de audiência de discussão e julgamento.</font></i> </p><p><i><font>Do mesmo modo a factualidade enunciada no ponto 6, decorre também das declarações prestadas pelo demandante e do depoimento prestado pela testemunha CC, esposa do demandante, tendo ambos confirmado a mesma.</font></i> </p><p><i><font>Por seu turno, a convicção do tribunal quanto à factualidade enunciada nos pontos 7 e 8 dos factos provados, assentou nas declarações prestadas pelo demandante e no depoimento prestado pela já referida testemunha CC.</font></i> </p><p><i><font>Ambos, de forma coerente, segura e espontânea, merecendo, por isso, toda a credibilidade, atestaram que na data da aquisição do veículo o mesmo apresentava cerca de 62.000 Km., conforme vira no respectivo conta-quilómetros, o que fixaram em virtude de tal circunstância ter sido determinante para decidirem adquirir o veículo em questão em vez de outro que também viram na mesma ocasião e que apresentava um número superior de quilómetros percorridos. Mais foi atestado que foi o arguido quem mostrou o veículo ao demandante e sua esposa, lhes garantiu o bom estado do mesmo, em momento algum tendo referido que os quilómetros marcados no respectivo conta-quilómetros não eram reais.</font></i> </p><p><i><font>Foram ambos peremptórios em afirmar que só decidiram adquirir aquele veículo por terem ficado convencidos que o mesmo apenas tinha 62.000 Km, pois se soubessem que tinha mais quilómetros não o tinham adquirido, pois já não satisfazia as suas necessidades, nem se justificaria o recurso ao crédito que acabaram por contrair para aquisição do veículo.</font></i> </p><p><i><font>Apurada a factualidade já referida, da mesma decorre, necessariamente, a factualidade enunciada no ponto 4 dos factos provados.</font></i> </p><p><i><font>Pois que, se o arguido adquiriu, em 15 de Abril de 2009, o veículo automóvel em questão, marcando o mesmo 225.592 Km e em 12 de Maio de 2009 o vendeu indicando já 62.000 Km, impõe-se a conclusão de que, no período compreendido entre ambas as datas, alguém cuja identidade não se apurou e por modo também não apurado, mediante interferência no equipamento automático de contagem dos quilómetros percorridos, diminuiu o numero de quilómetros que o quadrante do automóvel indicava, de 225.592 Km para cerca de 62.000 Km pelo que o real desgaste do veiculo não tinha correspondência com o que constava do referido contador.</font></i> </p><p><i><font>Por outro lado, analisada a factualidade já apurada em conjugação com as regras da experiência e da normalidade, estamos também em condições de inferir que o arguido sabia da referida alteração no contador, da qual resultara a diminuição do numero de quilómetros exibidos, bem como da utilização que o veiculo tivera antes de ser por si adquirido, e quis e aproveitou tal adulteração para melhor poder transaccionar o automóvel, mais facilmente encontrando interessados na sua compra, decorrendo, por conseguinte, também provados, os factos elencados nos pontos 3 e 5 dos factos provados.</font></i> </p><p><i><font>Do mesmo modo, tem o tribunal a firme convicção, em face da prova produzida e já referida, quando analisada em conjugação com as regras da experiencia e da normalidade, que o arguido agiu em todos os momentos, de modo livre, deliberado e consciente, bem sabendo que o seu comportamento era proibido e punido por lei, com o propósito, que conseguiu de assim obter um enriquecimento ilegítimo resultante da venda do automóvel por um valor superior ao seu valor real, fazendo crer ao ofendido, que o automóvel apenas havia percorrido o numero de quilómetros exibidos no odómetro, apesar de bem saber que tal numero de quilómetros era muito inferior ao realmente percorrido pelo automóvel e que resultava da alteração do equipamento de contagem, tendo usado esse meio ardiloso para convencer o ofendido a adquirir o veiculo em questão, pelo preço de € 20.000,00, que o ofendido lhe entregou, o que jamais teria feito caso conhecesse o valor real dos quilómetros percorridos pelo mesmo, sofrendo desse modo, o prejuízo correspondente ao valor pago pelo veiculo, ou seja, à disposição patrimonial feita em favor do arguido.</font></i> </p><p><i><font>Tratando-se, a factualidade em questão (pontos 9 a 12 dos factos provados), de elementos da vida interior do agente, a prova dos mesmos terá de resultar, como sucede no caso em presença, de dados concretos que, com muita probabilidade, revelam aqueles factos internos, em conjugação com as regras da experiencia e daquele que é o padrão de actuação do homem médio.</font></i> </p><p><i><font>Assim, conjugada a demais factualidade apurada com as regras da experiencia e do normal agir, estamos em condições de inferir que o arguido actuou, sem qualquer interferência de elemento perturbador da capacidade intelectual e volitiva, com a intenção descrita supra, com conhecimento do significado da sua actuação e das circunstancias da mesma, bem como das consequência inerentes, conformando-se com tais consequências e querendo-as, conhecendo, de igual modo, a ilicitude da sua actuação.</font></i> </p><p><i><font>É certo que o arguido tendo optado por prestar declarações em sede de audiência de discussão e julgamento, negou, no essencial, a prática dos factos, que lhe são imputados, alegando não ter visto o número de quilómetros registados, nem no momento em que comprou o veículo, nem mais tarde, inclusivamente no momento da sua venda ao ofendido.</font></i> </p><p><i><font>Ora, uma tal versão dos factos, porque contraria de forma tão notória e evidente aquilo que decorre das regras da experiencia e da normalidade, tendo em consideração a actuação do homem médio quando colocado na posição do arguido, não pode convencer minimamente este tribunal.</font></i> </p><p><i><font>Não pode o tribunal acreditar que um comerciante de automóveis, designadamente alguém que se dedica à compra de veículos automóveis usados para a sua posterior venda, adquira um veículo usado sem atentar no número de quilómetros já percorrido pelo mesmo. Como é consabido, o numero de quilómetros percorridos por um veículo automóvel é não só um factor muito importante a considerar, quer por quem vende, quer por quem compra um veiculo automóvel usado, como é, aliás, factor determinante do seu preço e do seu valor de mercado, tal como esclareceu a testemunha Arménio Silva, Inspector da Policia Judiciaria, o qual afirmou que a quilometragem de um veiculo é característica primária, das mais importantes, a inserir no programa informático Eurotax, com base no qual se fazem as avaliações de veículos usados.</font></i> </p><p><i><font>E tal não podia ser ignorado pelo arguido, que se dedicava à actividade de comercialização de veículos automóveis usados.</font></i> </p><p><i><font>Pelo exposto, porque contrariadas de forma tão evidente, pelas regras da experiencia comum e da normalidade, conjugadas, estas, com a demais prova produzida, não pode o tribunal acreditar nas declarações assim prestadas pelo arguido.</font></i> </p><p><i><font>No que concerne ao prejuízo patrimonial (pontos 11 e 13 dos factos provados), tendo-se apurado que o ofendido só adquiriu o veículo em questão por estar convencido que o mesmo apenas tinha 62.000 Km, pois se soubesse que tinha mais quilómetros não o tinha adquirido, e que a disposição patrimonial feita pelo ofendido em favor do arguido, com vista à aquisição do veiculo aqui em questão foi de € 20.000,00, impõe-se concluir que esse foi o prejuízo patrimonial sofrido pelo ofendido, o qual é equivalente ao enriquecimento ilegítimo do arguido.</font></i><br> <i><font>Acresce considerar que, resultando provado que (ponto 14 dos factos provados), em contrapartida do valor dos € 20.000,00 entregue ao arguido para aquisição do veículo, o ofendido/demandante ficou com um veículo automóvel que, na prática, não dispõe de valor de mercado, por não poder ser comercializado, dada a circunstancia, de possuir um odómetro que foi alterado, dúvidas não restam quanto ao valor do prejuízo patrimonial decorrente da actuação ilícita do arguido.</font></i> </p><p><i><font>Com efeito, não se olvidando que o ofendido mantem na sua disponibilidade o veículo em questão, o qual utiliza diariamente, o certo é que, em termos de valor patrimonial, não sendo possível, na prática e em rigor, a sua comercialização pela circunstância referida, nenhum valor pode ser atribuído ao mesmo, em termos de mercado. E tal conclusão não resulta invalidada pelo teor das avaliações de veículos de fls. 33 a 38 e 369 a 38, nem pelo teor das fotocópias de fls. 212 a 225, pois que todos os valores numas e noutras constantes, variam em função das características do veículo e do numero de quilómetros que o mesmo tenha percorrido, omitindo-se, em todas as “avaliações”, a circunstância já referida de o mesmo dispor de um contador de quilómetros que foi adulterado e cuja reposição não se mostra possível, tornando, na pratica impossível a sua venda no mercado.</font></i> </p><p><i><font>Importa ainda referir, que a convicção do tribunal quanto à factualidade referida e constante do ponto 14 dos factos provados, decorre das declarações prestadas pelo demandante e dos depoimentos prestados pelas testemunhas&nbsp; CC e DD, responsável de oficina da Peugeot, tendo este atestado a impossibilidade de repor o numero real de quilometro num contador que tenha sido alvo de adulteração, como sucedeu com o contador do veiculo aqui em questão.</font></i> </p><p><i><font>A convicção do tribunal relativamente aos factos 15 dos factos provados, decorreu também das declarações prestadas pelo demandante e do depoimento prestado pela testemunha CC, os quais de forma clara, coerente e espontânea, afirmaram também a factualidade em questão.</font></i> </p><p><i><font>Do mesmo modo, foram valoradas as declarações prestadas pelo demandante e o depoimento prestado pela testemunha CC, para prova do facto elencado no ponto 16 dos factos provados, as quais foram corroboradas, neste aspecto, pelo depoimento prestado, de forma isenta e espontânea, pela testemunha EE companheiro de trabalho do demandante à data em questão.</font></i> </p><p><i><font>Para prova dos factos atinentes às condições pessoais e socieconomicas do arguido (pontos 17 a 26 dos factos provados), valorou o tribunal quer as declarações prestadas pelo arguido, as quais nesta parte, se mostraram credíveis, quer o teor do relatório social de fls. 418 a 421.</font></i> </p><p><i><font>Finalmente a prova dos antecedentes criminais do arguido – ponto 27 dos factos provados – resulta do teor do certificado de registo criminal de fls. 352 e 353 dos autos.</font></i> </p><p><i><font>I. Entende o recorrente que o acórdão do Tribunal da Relação de Évora (o acórdão recorrido) está em oposição com o acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 13/07/2016 (acórdão fundamento), Processo nº 573/14.0 T9VLG.P1, o qual sobre a mesma questão de direito, decidiu que o prejuízo patrimonial do ofendido traduz-se na diminuição do valor do seu património ao adquirir o veículo por um valor superior, devido à adulteração da quilometragem: o ofendido sofreu com um prejuízo equivalente ao valor da diferença entre o que pagou e o valor do bem que recebeu em troca.</font></i><br> <i><font>No acórdão fundamento, o Tribunal a Relação do Porto, foi chamado a decidir em recurso sobre a questão de saber se a prova produzida permite considerar provado, que o ofendido sofreu efectivamente um prejuízo patrimonial de valor exactamente igual ao enriquecimento ilegítimo obtido pelos arguidos, sendo que houve sempre e sem qualquer dúvida um prejuízo patrimonial, traduzido na diminuição do valor do património do ofendido que adquiriu um veículo por um valor superior, devido à adulteração da quilometragem. O património do ofendido ficou, assim, com um prejuízo equivalente ao valor da diferença entre o que pagou e o valor do bem que recebeu em troca. </font></i><br> <i><font>Consta expressamente do seu teor, e relativamente à matéria de facto, que: “Não há assim qualquer erro ou contradição: a diferença de valor resultante da adulteração do veículo foi de € 2.620,00, tendo em conta o valor pago pela ofendida (€ 8.720,00) e o valor atribuído ao seu veículo, a título de retoma (€4.280,00). Contudo, dado que o valor comercial do veículo retomado foi sobreavaliado, o prejuízo efectivo da denunciante foi de 1.340,00 euros. </font></i><br> <i><font>A sentença recorrida considerou que o prejuízo efectivo da ofendida foi apenas de € 1.340,00, pelas razões que ali explicou: o valor comercial da viatura retomada foi sobrevalorizado, pelo que o prejuízo da ofendida devia ser adequado à realidade. No entanto, a realidade era a de que o prejuízo efectivo se situava entre 840,00 euros e 1.340,00 euros, uma vez que o valor comercial (efectivo) do veículo retomado se situava ente 2.500,00 e 3.000,00 euros.</font></i><br> <i><font>Quanto ao prejuízo sofrido pelo ofendido, o mesmo resulta da prova feita sobre o valor do veículo vendido, tendo em conta os quilómetros realmente percorridos e os quilómetros adulterados. Essa diferença foi dada como provada no </font></i><i><u><font>ponto 17</font></u></i><i><font> e teve em atenção o valor comercial do veículo retomado, sobreavaliado pelos arguidos (valia entre €2.500,00/3.000,00 e foi adquirido por € 4.800,00). </font></i><br> <i><font>O que resulta da matéria de facto dada como provada é que o ofendido sofreu efectivamente um prejuízo patrimonial de valor exactamente igual ao enriquecimento ilegítimo obtido pelos arguidos. Note-se que, qualquer que tivesse sido o prejuízo efectivo (€ 840.00, € 1.340,00 ou € 2.620,00), houve sempre e sem qualquer dúvida um prejuízo patrimonial, traduzido na diminuição do valor do património do ofendido que adquiriu um veículo por um valor superior, devido à adulteração da quilometragem. O património do ofendido ficou, assim, com um prejuízo equivalente ao valor da diferença entre o que pagou e o valor do bem que recebeu em troca. </font></i> </p><p><i><font>Ou seja, ao contrário do defendido pelo recorrente, entendemos que o princípio subjacente à determinação e fixação do cálculo do prejuízo patrimonial sofrido pelo ofendido é rigorosamente o mesmo, quer o defendido no Acórdão recorrido, quer o sustentado no Acórdão fundamento: o prejuízo patrimonial sofrido pelo ofendido corresponde ao valor exactamente igual ao enriquecimento ilegítimo obtido pelo arguido.</font></i> </p><p><i><font>O prejuízo patrimonial, enquanto requisito da consumação do crime de burla, consiste num conceito objectivo e individual de dano patrimonial e de acordo com o qual “o prejuízo deverá determinar-se através da aplicação de critérios objectivos de natureza económica à concreta situação patrimonial da vítima, concluindo-se pela existência de um dano sempre que se observe uma diminuição do valor económico por referência à posição em que o lesado se encontraria se o agente não houvesse realizado a sua conduta” (cfr. Almeida Costa, in Comentário Conimbricense ao Código Penal, Coimbra Editora, Tomo II, pág. 284/285). </font></i> </p><p><i><font>Daqui decorre que o crime de burla é um crime de dano.</font></i> </p><p><i><font>O que difere entre ambos os acórdãos não é a abordagem da questão de direito, que do nosso ponto de vista, foi igualmente tratada. O que afasta ambos os acórdãos é a matéria de facto dada como provada, em cada um, e que diverge na substancia.</font></i> </p><p><i><font>Com efeito no Acórdão do Tribunal da Relação de Évora consta no ponto 14 dos factos provados: “Pois que, em contrapartida do valor de € 20.000,00 entregue ao arguido para aquisição do veículo, o demandante ficou com um veículo automóvel que, na prática, não dispõe de valor de mercado, por não poder ser comercializado, dada a circunstância de possuir um odómetro que foi alterado”.</font></i> </p><p><i><font>No acórdão do Tribunal da Relação do Porto consta no ponto 15 dos factos provados: “A diferença de valor entre o veiculo de marca Toyota …, matricula ..-LH-.., com 78.234hms, para o mesmo veiculo mas com 202.065krns é de € 2.620,00 (dois mil, seiscentos e vinte euros), considerando o preço acordado para a retoma do veículo entregue pela denunciante”.</font></i> </p><p><i><font>E no ponto 20 conta que: “O valor comercial do veículo da denunciante entregue para retoma se situava, à data dos factos, entre os €2500.00 a € 3000.00.</font></i> </p><p><i><font>&nbsp;Ora, como bem se salienta no Acórdão recorrido, o arguido vendeu ao ofendido/demandante o veiculo a que se reportam os autos, ciente que o mesmo tinha um odómetro que fora adulterado e que o numero real de quilómetros percorrido pelo carro era manifestamente superior ao exibido no equipamento de contagem dos quilómetros, pelo valor de € 20.000,00, que o ofendido entregou o arguido, o que causou no património do demandante um prejuízo correspondente ao valor efectivamente pago, equivalente ao enriquecimento ilegítimo do arguido.</font></i> </p><p><i><font>Acresce que o veículo adquirido pelo ofendido ficou sem valor de mercado, em virtude de não poder ser comercializado, face ao facto de possuir um contador de quilómetros que foi adulterado e que não consente a reposição, conforme atestado pelas testemunhas representantes da marca Peugeot.</font></i><br> <i><font>De onde, decorre sem grandes complexidades que o valor do prejuízo patrimonial sofrido pelo ofendido, foi causado pela actuação livre, deliberada e consciente do arguido e corresponde ao valor que efectivamente pagou pela viatura - €20.000,00 -, que entregou ao arguido, equivalente ao enriquecimento ilegítimo deste</font></i><font>.”</font><br> <font>Neste Tribunal, o Distinto Procurador-geral adjunto, emitiu parecer&nbsp; que se deixa transcrito na íntegra.</font> </p><p><font>“a)</font><b><font> </font></b><i><font>O arguido AA, em 13 de Janeiro de 2017, veio interpor recurso extraordinário para fixação de jurisprudência do acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 10 de Maio de 2016, proferido nos autos de Recurso Penal supra identificados, alegando que contraria o entendimento vertido no acórdão da Relação do Porto, de 13.07.2016, processo n.º 573/14.0T9VLG.P1.</font></i> </p><p><i><font>&nbsp;Alega, em síntese, que na apreciação da questão relativa ao prejuízo no crime de burla, o </font></i><i><u><font>acórdão recorrido</font></u></i><i><font> defendeu que «é o correspondente ao valor que o ofendido pagou e esse equivale ao dano que sofreu no património, acrescentando que “Em contrapartida, o património do recorrente ficou acrescido desse valor, sendo indiferente quanto tivesse pago pela prévia aquisição do veículo».</font></i> </p><p><i><font>&nbsp;Por seu turno, o </font></i><i><u><font>acórdão fundamento</font></u></i><i><font>, cuja interpretação defende, decidiu que, «”Para a determinação do prejuízo causado pelo crime de burla, há apenas que atender à diminuição do valor do património do ofendido, globalmente considerado, causado pela atuação do arguido, não podendo a condenação ter por base o valor que o ofendido pagou e esse equivaler ao dano que sofreu o seu património”».</font></i> </p><p><font>b) </font><i><font>Respondeu o Ministério Público</font></i><b><i><font> </font></i></b><i><font>(21-33), propondo a rejeição do recurso posto que «Entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento não ocorre, sobre a mesma questão de direito e no domínio da mesma legislação, oposição geradora de conflito de jurisprudência.»</font></i> </p><p><font>c)</font><b><i><font> </font></i></b><i><font>Segundo a certidão de fls. 35, o acórdão recorrido foi notificado aos sujeitos processuais por via postal expedida em 02 de Dezembro de 2016 (ao Ministério Público, por termo exarado naquela data).</font></i><br> <b><font>II </font></b> </p><p><font>a)</font><i><font> Como preceitua o artigo 438.º, n.º 1, do CPP, o recurso é interposto no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado do acórdão.</font></i> </p><p><i><font>&nbsp;Presumindo-se notificado a 7 de Dezembro de 2016 (terceiro dia útil posterior à expedição da carta), transitou a 19 de Dezembro de 2016</font></i><b><i><font> </font></i></b><i><font>(17, Sábado), ou seja, decorridos 10 dias, por não admitir recurso ordinário.</font></i> </p><p><i><font>&nbsp;Assim, o recurso interposto a 13 de Janeiro de 2017 inscreve-se naquele prazo, sendo, por isso, tempestivo.</font></i> </p><p><b><font>b)</font></b><font> </font><b><font>Da oposição</font></b><i><font>:</font></i> </p><p><i><font>&nbsp;Antecipando-se a conclusão final, acompanhamos a resposta da Ex. ma Procuradora-Geral Adjunta, entendendo-se, igualmente, que o recurso deve ser rejeitado por não se verificar a necessária oposição de julgados.</font></i> </p><p><i><font>&nbsp;Com efeito, é jurisprudência pacífica deste Supremo Tribunal que as expressões normativas soluções opostas relativas à mesma questão de direito constantes do artigo 437.º, 1 do Código de Processo Penal, exigem que essa mesma questão integre o objecto concreto e directo das duas decisões, objecto naturalmente fundado em circunstancialismo fáctico essencialmente idêntico do ponto de vista dos seus efeitos jurídicos.</font></i> </p><p><i><font>&nbsp;No caso dos autos, o </font></i><b><i><u><font>acórdão recorrido</font></u></i></b><i><font>, em apreciação da questão “</font></i><b><i><font>da qualificação do crime de burla</font></i></b><i><font>”, começa por referir que o recorrente, «em diferente visão quanto ao prejuízo do ofendido… defende que, em concreto, não deveria o crime de burla ser qualificado nos termos do art. 218.º do CP, reconduzindo-o à burla p. e p. pelo art. 217.º do mesmo Código. Alega que o prejuízo consiste na diferença de valor em que o património ficou prejudicado e a ter em conta que o ofendido/demandante terá desembolsado um valor pela compra do veículo, mas, em contrapartida, viu integrado no seu património o automóvel que comprou, que tem um valor, ainda que inferior ao preço».</font></i> </p><p><i><font>&nbsp;E na apreciação que fez, decide: &nbsp;«Todavia, não convence.</font></i> </p><p><i><font>&nbsp;Para além de que o montante do prejuízo se deu como assente, a invocação do recorrente, por
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font> <p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>1. – “AA – S.A.”, com sede em ... - Braga, intentou, no Tribunal Judicial da Comarca de Braga, acção declarativa contra “BB CONSTRUÇÃO CIVIL E OBRAS PÚBLICAS, Lda.” ou “BB, S.A.”, com sede em Luanda - Angola, pedindo que a Ré seja condenada a pagar-lhe:</font> </p><p><font>- a quantia de 69.206,69€, acrescida de juros vincendos sobre 66.311,25€, desde a data da petição inicial até efectivo pagamento;</font> </p><p><font>- a quantia de 4.875.035,00€, acrescida de juros desde a data da citação até efectivo pagamento;</font> </p><p><font>- o montante a liquidar de acordo com o alegado nos artigos 226.º a 246.º da petição inicial, o qual ascenderá, no mínimo, a 750.000,00€.</font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; Como fundamento das pretensões que formulou, a A. alegou, em síntese:</font> </p><p><font>&nbsp; - que celebrou com a Ré um contrato de empreitada, mediante o qual se obrigou a executar trabalhos de construção metálica em edifício que a Ré iria erguer em Luanda;</font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp; - que, com vista à execução da obra, que iniciou, encomendou diversos materiais e realizou despesas com&nbsp; a deslocação e transporte de pessoas e materiais;</font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp; - que, tendo encetado a execução dos trabalhos em 16-4-2010, a A. viu a “obra unilateralmente suspensa pela Ré, por motivos alheios à A.”, em 12-5-2010, a que se seguiu a imposição de que não entrasse em obra e a não aprovação do Auto de Medição;</font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp; - que, em consequência de tal actuação, deve ser indemnizada pelo trabalho que prestou, pelos custos, directos e indirectos, em que incorreu, e por todos os prejuízos causados, como os lucros que deixou de obter pela cessação injustificada do contrato, e, ainda, por danos de imagem.&nbsp;&nbsp;&nbsp; &nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; &nbsp;</font> </p><p><font>A Ré arguiu a incompetência do Tribunal, sustentando que a acção é da competência do Tribunal de Luanda, para o que invocou ter a sua sede nessa cidade de Angola, local onde também deveria ser realizada a obra em apreço, o que, de acordo com as normas dos artigos 65.º, n.º 1 e 74.º, n.º 1 do Código Processo Civil, justifica a atribuição de competência ao tribunal de Luanda, verificando-se incompetência absoluta do tribunal português.</font> </p><p><font>A Autora respondeu, alegando que o regime previsto nos arts. 65º-b) e 74.º, n.º 1, do Código Processo Civil permite que a Autora opte por interpor a acção no tribunal onde a obrigação devia ser cumprida, sendo que as obrigações cujo cumprimento visa obter na presente acção são pecuniárias e, por isso, o lugar do cumprimento é o domicílio do credor.</font> </p><p><font>Acrescenta que também se verificaria outra hipótese legal consagrada no artigo 65.º, uma vez que seria facilmente demonstrável a existência de dificuldade apreciável para Autora na propositura da acção em Luanda. </font> </p><p><font>No despacho saneador foi declarada a incompetência dos Tribunais Portugueses para apreciação e decisão da acção, absolvendo-se a Ré da instância, decisão que a Relação revogou, julgando competente o Tribunal Judicial de Braga. </font> </p><p><font>Agora é a Ré que interpõe recurso de revista, para pedir a reposição do decidido na 1ª Instância.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Para tanto, argumenta nas conclusões da alegação:</font> </p><p><font>“ (…);</font> </p><p><font>B) Face às conclusões do douto Acórdão, devem ser reapreciadas e decididas em sede de recurso as seguintes questões: </font> </p><p><font>(i) &nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; a de saber se as obrigações cujo cumprimento se visa obter na presente acção são pecuniárias e, por isso, o lugar do cumprimento é o do domicilio do credor nos termos do art. 774º do CC e, em consequência; </font> </p><p><font>(ii) &nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; a de saber se houve estipulação quanto ao lugar de cumprimento da obrigação peticionada nos autos ou se foi celebrado entre as partes um pacto de competência; </font> </p><p><font>Com efeito, </font> </p><p><font>C) Face à causa de pedir e ao pedido formulados pela Autora, ora Recorrente, não restam quaisquer dúvidas que, tal como refere o douto despacho, "a obrigação cujo incumprimento justifica o pedido indemnizatório consiste na obrigação decorrente para a ré da vinculação contratual no âmbito de contrato de empreitada cuja obra seria edificada em Angola” </font> </p><p><font>D) Pelo exposto e dada natureza das obrigações peticionadas, deverá concluir--se que a referida acção cabe na previsão legal do art. 74º nº 1 do CPC; </font> </p><p><font>E) Com efeito, o pedido formulado a final pela Autora, ora Recorrida reveste natureza indemnizatória pelo não cumprimento do alegado contrato de empreitada. </font> </p><p><font>F) Aliás se atentarmos nos factos alegados pela Autora que integram a sua causa de pedir não restam quaisquer dúvidas de que o pedido não se reduz à condenação no pagamento de uma obrigação pecuniária, mas ao reconhecimento do direito a ser indemnizada pelo alegado incumprimento do, também alegado, contrato de empreitada.</font> </p><p><font>(…); </font> </p><p><font>K) &nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; Pelo que, não restam dúvidas que se trata de uma acção destinada a exigir a indemnização pelo não cumprimento do alegado contrato de empreitada e, por conseguinte, subsumível na previsão do nº 1 do art. 74º do CPC e não da obrigação de pagamento de obrigações pecuniárias. </font> </p><p><font>(…);</font> </p><p><font>&nbsp;P) Pelo exposto, a Autora, ora Recorrida, ao intentar a presente acção perante o Tribunal da Comarca de Braga, violou as regras de competência internacional, o que determina a incompetência absoluta desse tribunal - art. 101º do CPC; </font> </p><p><font>(…);</font> </p><p><font>S) Refere, ainda, o douto Acórdão que: "Não se apura nos autos que as partes tenham fixado qualquer lugar para o cumprimento dessa obrigação, nem que tenham celebrado um pacto de competência." </font> </p><p><font>T) Ora, com o devido respeito, tal facto não corresponde aos factos até ao momento carreados para os autos! </font> </p><p><font>U) Na verdade e, sem conceder a hipotética existência do alegado contrato de empreitada, conforme pretende a Autora, ora Recorrida, sempre se diria que o Tribunal Judicial da Comarca de Braga seria, ainda, assim incompetente para a apreciação da presente acção. </font> </p><p><font>V) Com efeito, conforme resulta dos autos a Recorrida alega na sua petição inicial (art. 141º) que as cláusulas do alegado contrato foram fixadas em dois momentos: </font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; c. O primeiro em 14/09/2009, quando foi enviada pela A400 à Autora a </font> </p><p><font>alegada versão final do contrato e, </font> </p><p><font>d. O segundo, em 20/10/2009 quando a referida versão do contrato é entregue à A400 pela Autora, devidamente assinada pelo Presidente do Conselho de Administração da Autora, o Sr. Eng. KK. </font> </p><p><font>W) Pese embora não se aceite o alegado, se atentarmos aos referidos documentos, designadamente os docs nºs 25 e 30 juntos com a petição inicial, verifica-se na cláusula 15º sob a epígrafe "Litígios e Contencioso”: que se encontra designado o foro do Tribunal de Luanda. </font> </p><p><font>Y) Resulta da referida cláusula que "</font><i><font>1. A resolução e todas as divergências ou questões emergentes do contrato, sua interpretação e aplicação, procurarão ser resolvidas por ambos os outorgantes através da livre negociação de boa fé. 2. No caso de a faculdade prevista no número anterior não se revelar por si só suficiente para a resolução e a contento das partes, os CONTRAENTES convencionam como competente o Tribunal Judicial de Luanda.</font></i><font>" </font> </p><p><font>Z) Assim, por via de pacto atributivo de jurisdição e do art. 99.º do CPC, as partes atribuíram ao Tribunal da Comarca de Luanda a competência para dirimir o presente litígio. </font> </p><p><font>AA) Pelo exposto e, mais uma vez, salvo o devido respeito, não há dúvida que o douto Acórdão não teve presente este facto na sua decisão. </font> </p><p><font>AB) Na verdade, também por esta via, o Tribunal Judicial da Comarca de Braga seria incompetente para apreciar e decidir a presente acção, devendo a Ré ser absolvida da presente instância. (art.111.º/3 do CPC). </font> </p><p><font>AC) Pois, a infracção das regras de competência emergentes de pactos atributivos de jurisdição determina a incompetência relativa do tribunal, constituindo uma excepção dilatória (art. 108.º, 493.º e 494.º CPC).” </font> </p><p><font>A Recorrida respondeu.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Defendeu a manutenção do julgado pela Relação.</font> </p><p><font>Mais alegou que a Ré foi citada em Portugal e, quanto ao invocado pacto de competência, reiterou ser da Ré a inclusão unilateral da cláusula, devendo presumir-se a competência atribuída como alternativa à legal, sendo o mesmo, de qualquer modo, inválido, por não corresponder a um interesse sério de qualquer das Partes. </font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; 2. - As </font><b><font>questões </font></b><font>propostas para decisão são, como definidas pela Recorrente:</font> </p><p><font>&nbsp; - a de saber se as obrigações cujo cumprimento a Autora visa obter na acção são pecuniárias e, por isso, o lugar do cumprimento é o do domicílio do credor nos termos do art. 774º do CC; e,&nbsp;</font> </p><p><font>&nbsp;- a de saber se houve estipulação quanto ao lugar de cumprimento da obrigação peticionada e se foi celebrado entre as Partes um pacto de competência, válido e eficaz.</font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; 3. - </font><b><font>Elementos</font></b><font> </font><b><font>de</font></b><font> </font><b><font>facto</font></b><font>.</font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; </font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; A. - Dão-se aqui por reproduzidos, por razões de economia, os factos descritos no relatório desta peça relativos aos fundamentos da acção articulados na petição inicial;</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; B. - Na cláusula 15º do “</font><i><font>Contrato</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>Empreitada</font></i><font>”, com a redacção proposta pela Ré, que lhe foi devolvido depois de assinado pela Autora, sob a epígrafe "</font><i><font>Litígios</font></i><font> </font><i><font>e Contencioso</font></i><font>”, consta: "</font><i><font>1. A resolução e todas as divergências ou questões emergentes do contrato, sua interpretação e aplicação, procurarão ser resolvidas por ambos os outorgantes através da livre negociação de boa fé. 2. No caso de a faculdade prevista no número anterior não se revelar por si só suficiente para a resolução e a contento das partes, os CONTRAENTES convencionam como competente o Tribunal Judicial de Luanda.</font></i><font>" </font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; 4. - Do recurso e seu mérito.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; 4. 1. - Ponto prévio. </font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; O recurso apresenta-se com dois distintos fundamentos, a suscitar outras tantas questões, uma referente à competência convencional, invocando-se a violação de um pacto privativo de jurisdição, concorrente com a competência internacional legal, e a outra tendo por objecto esta última, isto é, a violação de regras ou normas legais que regem a competência internacional dos tribunais portugueses. </font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; O fundamento-questão relativo à violação da competência convencional, a decorrer, como pretendido, da validade e eficácia do pacto, a merecer resposta positiva prejudicará, necessariamente, a relevância da apreciação do outro fundamento – o da competência resultante da apreciação do critério legal – pois que fica logo extinta a relação de concorrência. </font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; Impõe-se, assim, a inversão da ordem por que a Recorrente colocou e enunciou as questões que elegeu como objecto do recurso, conhecendo em primeiro lugar do fundamento assente na infracção ao pacto e questões que envolve e só depois das questões atinentes aos critérios legais de competência (art. 660º-2-1ª parte, do CPC). </font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; 4. 2. - Competência internacional convencional.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; Em causa, quanto a este fundamento do recurso está, como adiantado, a apreciação e validade de um pacto de jurisdição. </font> </p><p><font>Estes, admitidos no art. 99º CPC, são, como consta do preceito, convenções através das quais as partes designam como internacionalmente competente para a apreciação de determinado litígio os tribunais de um Estado com o qual a relação jurídica controvertida tenha relação, ora retirado aos tribunais nacionais competência que lhe era atribuída pelas regras aplicáveis (pactos privativos), ora submetendo-lha em casos em que as mesmas regras a não contemplavam (pactos atributivos), mediante verificação de certos requisitos de natureza substantiva e formal, designadamente a confirmação do acordo por escrito (prova escrita), como previsto nos n.ºs 3 e 4 do mesmo preceito.</font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; Acresce que, quando os tribunais portugueses sejam competentes, segundo o regime legal aplicável, a atribuição convencional de competência aos tribunais de outro Estado (pacto privativo) só vale como tal se a atribuição for </font><i><font>exclusiva</font></i><font>, ou seja “quando retirar a competência legal concorrente aos tribunais portugueses, passando o tribunal escolhido a ser o único competente, “com exclusão de qualquer outro” (vd. LEBRE DE FREITAS, “</font><i><font>Código de Processo Civil, Anotado</font></i><font>”, vol. 1º, 181; SOFIA HENRIQUES, “</font><i><font>Os Pactos de Jurisdição</font></i><font>”, 85, nota (96) e 135). Se tal não acontecer mantém-se a competência concorrencial, podendo qualquer das jurisdições conhecer da causa. </font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; A violação da competência convencional internacional, decorrente do estipulado nos referidos pactos (art. 99º), tem como consequência a incompetência relativa do tribunal, excepção dilatória que determina a absolvição da instância – arts. 101º, 108º e 494º-a), todos do CPC.&nbsp;&nbsp;&nbsp; &nbsp;</font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; Ora, prevê o n.º 3 do art. 111º do mesmo Código que «das decisões proferidas na apreciação da matéria de incompetência relativa, incluindo a decisão final, só é admissível recurso até à Relação».</font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; Exclui, portanto, a lei, taxativamente, a possibilidade de conhecimento do objecto do recurso com fundamento na invocada infracção do convencionado no pacto privativo de jurisdição dos tribunais portugueses, tendo como definitiva a decisão resultante do acórdão do Tribunal da Relação, não deixando, assim, qualquer dúvida quanto à impossibilidade de inclusão dessa violação de competência na norma excepcional do art. 678º-2-a) do Diploma em referência, excepção claramente reservada à infracção de regras </font><i><font>legais</font></i><font> de competência internacional. &nbsp;</font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; Nestes termos, precedendo as questões de apreciação da validade formal da cláusula 15ª do “Contrato de Empreitada” e da concorrência de competências, em razão da alternatividade presumida, ergue-se a da impossibilidade de conhecimento do objecto do recurso, por inadmissibilidade e proibição legal do mesmo, a impor a respectiva rejeição.</font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; Não se conhece, portanto, do objecto do recurso na parte em que o mesmo vem fundado na infracção ao pacto de competência vertido na cláusula 15º do contrato.&nbsp; </font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; 4. 3. - Competência internacional legal.</font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; 4. 3. 1. - Coloca-se, agora, o problema de saber se as obrigações cujo cumprimento a Autora visa obter na presente acção são pecuniárias e, por isso, o lugar do cumprimento é o do domicílio do credor, nos termos do art. 774º do CC, para efeitos de utilização da faculdade de demandar a Ré fora da sua sede, ao abrigo do disposto no segundo segmento do n.º 1 do art. 74º CPC.</font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; Não se discute que a situação ajuizada apresenta conexão com a ordem jurídica angolana, por ser aí que estão domiciliadas, respectivamente, as Sociedades Autora e Ré, ora Recorrente. </font> </p><p><font>Para efeitos de determinação da competência dos tribunais portugueses importa determinar se apresenta também conexão relevante com a ordem jurídica portuguesa. </font> </p><p><font>Os elementos de conexão por que se afere a competência internacional dos tribunais portugueses encontram-se enunciados no art. 65.º-1 CPC.</font> </p><p><font>No caso, a Recorrente funda a sua pretensão na alínea b) - a possibilidade de instauração da acção nos tribunais portugueses só pode encontrar fundamento no princípio da coincidência - ou seja, enquanto os tribunais portugueses sejam também territorialmente competentes para a apreciação da causa, desconsiderando-se, por agora, os elementos de conexão das alíneas a), c) e d), que a Recorrida convoca na resposta.</font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; Sobre a relevância, a título principal, da conexão da al. b), as Partes e as decisões das Instâncias convergem, tal como na eleição da norma do art. 74º-1 CPC, como sendo a que contém o critério legal de determinação do foro competente, satisfazendo o dito princípio da coincidência. </font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; Na verdade, afastada a estipulação de competência convencional, é perante os termos da acção, tal como se encontra desenhada e balizada pela causa de pedir e pelo pedido, que tem de ser qualificada a obrigação em lide e determinado, segundo os critérios fixados pela lei substantiva, o lugar do respectivo cumprimento.</font> </p><p><font>4. 3. 2. - A Autora pretende ser indemnizada pela Ré, mediante a condenação desta a pagar-lhe certas quantias em dinheiro, por danos que esta lhe causou em virtude de incumprimento de um contrato de empreitada, que consistia na execução de obras em Luanda.</font> </p><p><font>Estão em causa, assim, na versão relevante, prejuízos decorrentes de despesas efectuadas e outros custos, bem como lucros cessantes, tudo causado pela suspensão unilateral da obra pela Ré e subsequentes “imposições” impeditivas da sua continuação, ou seja, uma situação de incumprimento, pela Ré, do contrato de empreitada, pois que não realizou a prestação a que se vinculara, recusando a da Autora, ainda que se integre a extinção do contrato na figura </font><i><font>sui generis </font></i><font>da desistência da obra (arts. 762º, 801º e 1229º, todos do C. Civil) </font> </p><p><font>De notar que, nos articulados que apresentaram, ambas as Partes fundamentam juridicamente as respectivas posições apenas em normas, de direito processual e substantivo, do sistema legal português. </font> </p><p><font>Adquirido que a questão decidenda se rege pela norma do art. 74º-1, vale dizer, que se está perante uma acção de “</font><i><font>indemnização pelo não cumprimento (…) ou resolução do contrato por falta de cumprimento</font></i><font>”, deveria ela “</font><i><font>ser proposta no tribunal do domicílio do réu, podendo o credor optar pelo Tribunal do lugar em que a obrigação deveria ser cumprida, quando o réu seja pessoa colectiva (…)”.</font></i><font> </font> </p><p><font>Tendo a Autora usado desta faculdade, importa saber se lhe era lícito fazê-lo a pretexto de as indemnizações pedidas constituírem obrigações que devessem se cumpridas no lugar do domicílio da Autora, enquanto credora numa obrigação pecuniária. </font> </p><p><font>Dizem-se pecuniárias, na definição de A. VARELA (“</font><i><font>Das Obrigações em Geral</font></i><font>”, 9ª ed., 874), as obrigações que, tendo por objecto uma prestação em dinheiro, visam proporcionar ao credor o valor que as respectivas espécies possuam como tais, consistindo o fim essencial da obrigação pecuniária proporcionar ao credor o </font><i><font>valor </font></i><font>incorporado nas espécies monetárias ou nas notas.</font> </p><p><font>Nas obrigações pecuniárias de quantidade ou soma a prestação devida é constituída por espécies representativas de um </font><i><font>instrumento geral de trocas</font></i><font>, e não por </font><i><font>bens de consumo</font></i><font>, sendo que, em regra, “a prestação a que o devedor fica adstrito no momento do </font><i><font>cumprimento</font></i><font>, é, </font><i><font>formalmente e nominalmente, </font></i><font>idêntica à prestação fixada no momento da </font><i><font>constituição da obrigação</font></i><font>, correspondendo a um crédito de </font><i><font>pura expressão monetária nominal</font></i><font>, atenta a consagração do denominado princípio nominalista (art. 550º C. Civil; A. e </font><i><font>ob. cit.</font></i><font>, 880). &nbsp;</font> </p><p><font>O não cumprimento de uma obrigação é fonte da obrigação de indemnização, devendo o devedor reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento danoso, sendo a indemnização fixada em dinheiro sempre que a reconstituição natural não seja possível – arts. 798º, 562º e 566º C. Civil.</font> </p><p><font>A indemnização em dinheiro, como prestação pecuniária, assume, pois, carácter subsidiário. </font> </p><p><font>Dela não faz parte, note-se, a realização coactiva da prestação contratualmente fixada, mas a reparação de prejuízos causados pela sua não realização. &nbsp; </font> </p><p><font>O art. 774º C. Civil prevê, como excepção ao princípio geral de cumprimento no domicílio do devedor (art. 772º), a regra segundo a qual “se a obrigação tiver por objecto certa quantia em dinheiro, deve a obrigação ser efectuada no domicílio que o credor tiver à data do cumprimento”. &nbsp;&nbsp;</font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; Ora, se bem pensamos, uma coisa é a indemnização pecuniária, a reflectir a valoração de certos prejuízos, em princípio calculado segundo a teoria da diferença, representando uma prestação pecuniária fixada pelo tribunal, outra, de natureza bem diferente, é uma prestação pecuniária, correspondente ao cumprimento de uma obrigação que, no momento da sua constituição, já a previra como tal.</font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; Uma coisa é, como consta da norma, a obrigação constituída entre as partes e a cumprir pelo devedor ter por objecto a prestação de certa quantia em dinheiro e outra será, crê-se, obter uma indemnização que tem por fonte um incumprimento da obrigação constituída, seja ou não dinheiro.</font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; Crê-se, pois, que é às obrigações pecuniárias, enquanto modalidade de obrigações tipificada no art. 550º C. Civil, isto é, em que originária ou geneticamente o devedor se constitui na obrigação de entregar ao credor uma quantia em dinheiro, que se refere o art. 774º, dele ficando excluídas as prestações pecuniárias que não integrem o conteúdo ou objecto imediato da relação jurídica obrigacional.</font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; A demonstrá-lo, parece poder invocar-se a doutrina do art. 775º que, ao eleger como critério relevante o domicílio do credor ao tempo da constituição da obrigação, facultando a inversão do lugar do cumprimento em caso de mudança de domicílio, tem em mente apenas as prestações pecuniárias relativas ao cumprimento de obrigações pecuniárias como tal originariamente constituídas.</font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; Depois, se bem se vê, a alternativa prevista no n.º 1 do art. 74º esvaziaria de conteúdo o seu primeiro segmento quanto às acções indemnizatórias – que não às de cumprimento -, que incidindo sobre reparações devidas pelo não cumprimento, cumprimento defeituoso ou resolução contratual, não visando o cumprimento coactivo das prestações contratuais ou a reparação dos defeitos, mediante prestação de facto, terão naturalmente por objecto pedidos de quantias ou somas pecuniárias por equivalente. </font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; A terminar, um argumento literal: a norma de direito adjectivo (art. 74º-1) alude ao “lugar onde a obrigação </font><i><font>deveria </font></i><font>ser cumprida”,</font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; Ora a “obrigação” será, no caso do contrato de empreitada, a de executar e permitir executar o programa contratual do contrato de empreitada, </font><i><font>maxime</font></i><font>, pagar o preço resultante dos autos de medição não justificadamente rejeitados e permitir o acesso à obra e respectiva execução. É essa, e não outra, a obrigação que “</font><i><font>deveria</font></i><font>” ser cumprida, e não o pagamento (convencionado) de uma quantia em dinheiro, designadamente as peticionadas, a fixar pelo tribunal como valor compensatório (pelo menos), </font><u><font>não em cumprimento da obrigação, mas por causa do seu incumprimento</font></u><font>. De lembrar, a este propósito, que, na anterior redacção, onde actualmente consta “deveria” (deveria ter sido, se tivesse sido, e não, por exemplo, deva ou deverá), o mesmo verbo estava no passado imperfeito “devia”, com o que se terá pretendido clarificar que a obrigação a que a norma se reporta é, em qualquer caso, a nela identificada, tendo agora por fonte o seu incumprimento contratual.</font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; Por último, ainda em sede de argumentação interpretativa, será de aditar que, como é sabido,</font><font> </font><font>as regras de competência internacional dos tribunais portugueses, a cuja revisão não escapou o art. 74º, foram objecto de adaptação, pela Reforma processual de 1995/96 (art. 4º-c) da Lei n.º 33/95, de 18-8, e DL n.º 329-A/95, de 12-12) ao regime das Convenções de Bruxelas e de Lugano, de 27 de Setembro de 1968 e de 16 de Setembro de 1988, respectivamente, que vigoram em Portugal desde 1 de Julho de 1992. </font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; Nestas, o art. 5º-1, com que procurou harmonizar-se o art. 74º-1, admite, em matéria contratual, como competência especial, a do tribunal “onde a obrigação foi ou deve ser cumprida”, redacção que, apenas com alteração de “deve” para “deva” passou para o Regulamento (CE) 2001 (art. 5º-1-a), agora com a clarificadora expressão que “no caso de prestação de serviços, o lugar (…) onde, nos termos do contrato, os serviços foram ou devam ser prestados (al. b)/2º travessão), consagrando o entendimento de que, para o efeito, </font><a></a><a></a><font>a obrigação relevante é sempre a obrigação primária gerada pelo contrato e não a secundária que nasça do seu incumprimento (cfr. LIMA PINHEIRO, “</font><i><font>Direito Internacional Privado</font></i><font>”, III, 82).</font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; Neste mesmo sentido, aponta, mais uma vez a interpretação conforme que a adaptação da reforma processual teve em vista e passa a valer como tal, nada autorizando diferente entendimento da norma em razão da posição do Estado estrangeiro perante o Estado português, já que não decorre directamente da aplicação do Tratado.&nbsp;&nbsp; &nbsp;&nbsp; </font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; Diferente poderia ser o tratamento, se não estivessem em causa obrigações ou prestações das Partes relativas à execução ou incumprimento do contrato mas, antes, obrigações que, embora entroncando nos efeitos da sua cessação, sendo liquidadas em determinados montantes pecuniários não assentassem na violação do cumprimento de qualquer obrigação integrada no sinalagma contratual, ou seja, em que, por exemplo, o fundamento dos pedidos supusesse o cumprimento do programa contratual, a licitude da extinção da relação contratual e efectiva extinção desta, assentando, para além e independentemente das vicissitudes do contrato, nos efeitos da sua cessação (ac. de 15-02-2005, proc.04A4419, do mesmo relator).</font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; Porém, porque, como se procurou demonstrar, se entende que assim não é, se conclui, como no acórdão de 11-11-2003 (proc. 03A3137), que, fundando-se o litígio no “injustificado cumprimento de um contrato de empreitada”, mesmo baseando-se “a pretensão indemnizatória da Autora na desistência, por parte da Ré, do cumprimento da dita empreitada, o factor de competência relevante é o lugar do cumprimento da obrigação litigiosa” (artigo 74º, nº. 1 do Código Processo Civil), que “é o lugar do cumprimento do dever de realizar a obra encomendada, ainda que distinto fosse o lugar da entrega”.</font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; Competentes, pois, serão os tribunais do Estado Angolano, por coincidirem os critérios do domicílio do réu e do lugar de cumprimento da obrigação litigiosa previstos em alternativa no n.º 1 do art. 74º CPC. </font> </p><p><font>4. 4. - A Recorrida procura, ainda, apoio para a posição que defende nos elementos e conexão acolhidos pelas alíneas a), c) e d) do dito art. 65º-1, questões cuja apreciação, independentemente da novidade e da ampliação expressa do objecto do recurso, a oficiosidade de conhecimento da matéria impõe. </font> </p><p><font>4. 4. 1. - Assim, em primeiro lugar, argumenta com o facto de a Recorrida ter sido “citada em território português, país onde tem a sua sede, ou uma sucursal, agência, filial ou delegação”.</font> </p><p><font>Tratar-se-ia de fazer actuar o </font><i><font>critério</font></i><font> </font><i><font>do</font></i><font> </font><i><font>domicílio</font></i><font> </font><i><font>do</font></i><font> </font><i><font>réu</font></i><font> que, como resulta do já afirmado, não concorre.</font> </p><p><font>Ora, a Recorrida, designadamente na resposta à arguição da excepção, limitou-se a defender a tese da competência do tribunal do seu domicílio, com fundamento na competência alternativa facultada pelo art. 74º-1, acrescentado apenas, que «facilmente seria demonstrável, como adiante se verá, a existência de “dificuldade apreciável” para a Autora na propositura da acção em Luanda». </font> </p><p><font>Depois, foi a Autora, ela mesma, que indicou a sede da Ré em Luanda – Angola, juntando mesmo a respectiva certidão comprovativa, emitida pela Conservatória do Registo Comercial de Luanda, onde foi tentada a citação que, após vicissitudes, veio a ser efectuada na pessoa de representante da Ré em Portugal.</font> </p><p><font>Sendo este último facto irrelevante, segundo os critérios legais de atribuição de competência – n.º 2 do art. 61º - , surge completamente destituída de fundamento – quer-se crer que será devida a lapso -, a alegação de que a Recorrida tinha em Portugal “sede ou sucursal, agência, filial ou delegação”.</font> </p><p><font>4. 4. 2. - Quanto à al. c) – </font><i><font>critério</font></i><font> </font><i><font>da</font></i><font> </font><i><font>causalidade</font></i><font> -, o que está em causa é a possibilidade de a acção poder ser intentada em Portugal quando aqui tenham sido praticados facto integradores da causa de pedir.</font> </p><p><font>Ora, desde logo por manifesta incompatibilidade com o que resulta da aplicação do critério da coincidência, teria de se ter por afastada a norma.</font> </p><p><font>Com efeito, recorda-se, tal como foi configurada pela Autora, a causa de pedir da acção é, no essencial, o incumprimento do contrato de empreitada, valida e eficazmente celebrado, e parcialmente executado, verificado em Luanda. &nbsp;&nbsp;&nbsp; </font> </p><p><font>4. 4. 3. - Por fim, o </font><i><f
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><font> </font><br> <font> </font><br> <font>ACORDAM OS JUÍZES QUE CONSTITUEM O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA</font><a><u><font>[1]</font></u></a><font>:</font><br> <font> </font><br> <font> </font><br> <font> </font> <p><font>“AA, Ldª”, com sede na Rua …, em …, e BB, residente em …, …, ..., propuseram a presente ação de impugnação paulíana, com processo comum, sob a forma ordinária, contra CC, residente na Rua …., lote …, …, S…, DD, residente na …, Rua …, Edifício …, …° andar …, em …, EE, residente no Edifício …, …° andar …, Rotunda de …, n° …, ..., e FF</font><b><font>, </font></b><font>com domicílio na Rua …, n°…, …, Lisboa, pedindo que, na sua procedência, se declare "a anulação do contrato de compra e venda da fração autónoma e se ordene o cancelamento da inscrição, a favor das rés DD e EE”, alegando, para tanto, em síntese, que o autor BB, entre 21 de Julho de 2000 e 13 de Junho de 2002, concedeu à ré CC diversos empréstimos, no total de €17.250.000$00 (€86.042,64), de que esta não pagou qualquer importância, sendo certo que a mesma ré, para se eximir ao pagamento das quantias emprestadas, em 12 de Dezembro de 2003, procedeu à venda de uma fração autónoma, a favor das rés DD e EE, suas amigas, tendo o réu FF intervindo no ato, em nome e representação das compradoras, pelo que, em consequência de tal venda, a aludida ré CC ficou impossibilitada de satisfazer o crédito do autor BB.</font> </p><p><font>Na contestação, os réus DD, EE e FF, arguem a ilegitimidade dos dois últimos, assinalando para tal que a ré EE interveio no acto apenas na qualidade de fiadora da adquirente, sua irmã, enquanto que o réu FF o fez, em representação da compradora, e, quanto ao fundo da causa, impugnam o conhecimento que lhes é atribuído relativo ao crédito do autor sobre a ré CC, concluindo com o pedido da improcedência da ação.</font> </p><p><font>Na réplica, os autores defendem a improcedência da exceção da ilegitimidade passiva, reclamando a condenação dos réus como litigantes de má-fé.</font> </p><p><font>No despacho unitário de folhas 178 e seguintes, julgou-se improcedente a exceção da ilegitimidade.</font> </p><p><font>&nbsp;A sentença</font><i><font> </font></i><font>julgou</font><i><font> “a acção parcialmente procedente por provada, condenando a 1ª </font></i><font>[CC] </font><i><font>e 2ª </font></i><font>[DD]</font><i><font> rés a reconhecerem o direito dos autores à restituição do imóvel acima identificado na medida do necessário para a satisfação dos créditos indicados, podendo o bem ser executado no património da 2ª ré, absolvendo as rés do restante pedido, absolvição que é total em relação aos restantes”.</font></i><br> <font>Desta sentença, apenas a ré CC interpôs recurso, tendo o Tribunal da Relação julgado procedente a apelação e, consequentemente, “</font><i><font>revogou a sentença impugnada, absolvendo também as rés CC e DD Isabel dos pedidos contra si formulados”</font></i><font>.</font><br> <font>Deste acórdão da Relação de Lisboa, os autores interpuseram agora recurso de revista, para este Supremo Tribunal de Justiça, terminando as alegações com o pedido da sua revogação e substituição por outro que mantenha e confirme, na íntegra, a sentença proferida, em primeira instância, deduzindo as seguintes conclusões que, integralmente, se transcrevem:</font><br> <font>1ª – Os recorridos intentaram no extinto Tribunal de Família e Menores e de Comarca de Cascais acção de impugnação pauliana contra a recorrente e outros, porquanto emprestaram diversas quantias à recorrente, e que esta, não pagou aos recorridos as quantias que estes lhe emprestaram e, em conluio com a segunda ré, vendeu-lhe uma fracção autónoma, único bem que detinha, para que os recorridos não pudessem cobrar o crédito de que eram credores com recurso à fracção autónoma.</font><br> <font>2ª - Acaba a primeira instância por condenar a recorrida e a segunda ré a reconhecer o direito dos autores á restituição do imóvel, na medida do necessário para a satisfação dos créditos dos recorridos, podendo o prédio ser executado no património da segunda ré.</font><br> <font>3ª - A recorrente interpôs recurso.</font><br> <font>4ª – De notar que a recorrente intervém, pela primeira vez, nestes autos, já na fase de recurso. Não contestou, não teve qualquer intervenção nos autos, nunca nada tendo dito.</font><br> <font>5ª - Alegando, em suma, no seu recurso:</font><br> <font>6ª - Que, sempre reconheceu a existência de um crédito perante os recorridos.</font><br> <font>7ª - Que, foi o facto de estar ciente das suas dívidas que motivou a alienação do imóvel.</font><br> <font>8ª - Que, nunca configurou a hipótese de prejudicar o crédito dos recorridos.</font><br> <font>9ª - Que, somente pretendeu proceder à liquidação de parle das suas dívidas, anteriores à dos recorridos.</font><br> <font>10ª - Que, inexistiu má-fé na actuação da recorrente.</font><br> <font>11ª - Pugnando, a fim, pela substituição da douta sentença recorrida por uma que absolvesse a recorrente.</font><br> <font>12ª - A recorrente não coloca em crise qualquer matéria de facto dada como assente e provada.</font><br> <font>13ª - A recorrente, nas suas alegações de recurso, em ordem a pôr em crise a douta sentença recorrida, não indica quais os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, nem quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão diversa da recorrida sobre a matéria de facto impugnada.</font><br> <font>14ª - A recorrente limita as suas alegações a um facto: que não estava de má-fé porque não teve consciência das consequências do seu acto de vender a fracção autónoma á ré DD.</font><br> <font>15ª - No entanto,</font><br> <font>16ª - O Tribunal da Relação de Lisboa, surpreendentemente, diga-se, veio a proferir Acórdão que julga a apelação procedente, revogando a sentença proferida em primeira instância, absolvendo a recorrida e a ré DD.</font><br> <font>17ª - Sumariando se</font><br> <font>18ª - </font><i><font>A má-fé, configurada no n°2 do artº 612º do Código Civil, não se basta com o mero conhecimento pelo adquirente de que “a vendedora tem dividas e que a venda do bem impede os credores de obter pagamento através do valor desse bem", porquanto tal eventualidade é o efeito necessário da alienação e ocorre quer o adquirente esteja de boa quer de má-fé.</font></i><br> <font>19ª – Porquanto,</font><br> <font>20ª - Entendeu o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa que, </font><i><font>"...ou seja, ao contrário do que foi entendido, a factualidade inventariada na sentença não preenche o requisito da má-fé como é configurado no nº2 do artº 612º do </font></i><font>C</font><i><font>ódigo Civil".</font></i><br> <font>21ª - Só que, mal andou.</font><br> <font>22ª - Na verdade, a sentença proferida em primeira instância não merecia qualquer reparo ou censura.</font><br> <font>««23ª - Sendo o objecto dos recursos delimitado pelas respectivas conclusões, pressuposto o objecto do processo delimitado em sede de articulados, como é consabido, são as conclusões da parte recorrente que definem o objecto e delimitam o âmbito do recurso, nos termos do disposto nos artigos 608°, n°2, 609°, 620°, 635", n°2 a 4, 639°, n°1, todos do NCPC.</font><br> <font>24ª - A Apelante, que, diga se, nem sequer contestou a acção na primeira instância, na sua alegação recursória, manifesta inconformismo (pela primeira vez) com a decisão que a condenou, pretendendo que se julgue improcedente a acção.</font><br> <font>25ª - Esse inconformismo, que tinha de resultar claro das suas conclusões de recurso, acaba por revelar-se numa enviesada impugnação da matéria de facto, porquanto refere-se a matéria dada como assunte.</font><br> <font>26ª - É incontornável que se esperava que a Apelante, se pretendia impugnar a decisão de tacto, esclarecesse/concretizasse, não só quais os factos concretos que, na sua óptica, o julgador julgou erradamente, como ainda quais as provas que, uma vez criticamente analisadas/valoradas, obrigavam a uma decisão diversa da adoptada em sede de decisão de facto, no sentido de delimitar, de forma motivada, o âmbito probatório da impugnação de facto.</font><br> <font>27ª - Claro é também que, neste âmbito, não poderia a parte recorrente demitir-se de, com referência a cada um dos factos que impugnasse, expressar qual a concreta resposta que deveria ser dada (em vez da que foi proferida).</font><br> <font>28ª - Com efeito, ao impugnar a decisão da matéria de facto, a recorrente, sob pena de rejeição, deve indicar sempre, para além dos concertos pontos de facto que considera incorretamente julgados, enunciando-os na motivação de recurso e sintetizando-os nas respectivas conclusões, os concretos meios probatórios que constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada impunham decisão diversa da adoptada quanto aos tactos impugnados, indicando com exactidão, se for o caso, as passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo da possibilidade de, por sua iniciativa, proceder à respectiva transcrição.</font><br> <font>29ª - Tal como não pode deixar de especificar, em concreto, qual a decisão que relativamente a cada um dos factos impugnados, deve ser proferida pelo Tribunal de Recurso.</font><br> <font>30ª - I. que, em sede de impugnação da decisão de facto, cabe ao Tribunal de recurso verificar se o juiz </font><i><font>a quo </font></i><font>julgou ou não adequadamente a matéria litigiosa, face aos elementos a que teve acesso, tratando-se, assim, da verificação quanto a um eventual erro de julgamento na apreciação/valoração das provas, aferindo-se da adequação, ou não, desse julgamento.</font><br> <font>31ª - Como ensina Abrantes Geraldes, </font><i><font>"A motivação de recurso é de geometria varável, dependendo tanto do teor da decisão recorrida como do objectivo procurado pelo recorrente, devendo este tomar em consideração a necessidade de aí sustentar os efeitos jurídicos que proclamará, de forma sintética, nas conclusões".</font></i><br> <i><font>32ª - </font></i><font>Assim sendo, constituindo as conclusões o mecanismo de delimitação do âmbito do recurso, delas deve constar o respectivo objecto, também em matéria de impugnação da decisão de facto, seja quanto ao âmbito factico da impugnação recursória (concretos pontos de facto impugnados, por incorrectamente julgados), seja quanto ao seu âmbito probatório (concretos meios de prova que, fundamentadamente, obrigam a decisão diversa da recorrida), seja, por fim, quanto ao concreto objectivo recursório visado (decisão a dever ser proferida quanto a cada questão de facto impugnada).</font><br> <font>33ª - Assim sendo,</font><br> <font>34ª - Em primeiro lugar, o Venerando Tribunal da Relação substituiu-se à Recorrente no que tange â apreciação da matéria de facto dada como assente e provada. Na verdade, a Recorrente não indica, nem de perto, qual a matéria de facto que considera erradamente apreciada.</font><br> <font>35ª - Além do mais, a recorrente apenas disserta sobre a sua própria má-fé e nunca, acerca da má-fé da adquirente e 2ª ré DD.</font><br> <font>36ª - E, nessa medida, o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa conheceu de questões que não podia tomar conhecimento, porquanto não foram alegadas pela recorrente e acaba por condenar em objecto diverso do pedido, porquanto se alicerça em questões diversas daquelas que foram alegadas pela recorrente.</font><br> <font>37ª - o que estava, apenas, em discussão era se se encontrava preenchido o requisito da má fé, a que alude o art° 612° do Código Civil.</font><br> <font>38ª - Ora,</font><br> <font>39ª - A este respeito, é forçoso referir, desde logo, que aquela disposição legal impõe que quer o devedor, quer o terceiro, estejam de má-fé.</font><br> <font>40ª - E, a recorrente nas suas singelas alegações de recurso, não se refere, nem por uma vez, ao adquirente, in casu, a 2ª Ré DD.</font><br> <font>41ª - Apenas discorre, sumariamente, que </font><i><font>"A Recorrente não teve consciência das consequências do sen acto".</font></i><br> <font>42ª - Ou seja, relativamente à má-fé da 2</font><sup><font>a</font></sup><font> Ré DD, a recorrente nada refere. Nem nada coloca em crise.</font><br> <font>43ª - Em todo o caso, o Tribunal </font><i><font>a quo, </font></i><font>quanto a esta temática, decidiu que se encontrava preenchido o requisito da má-fé.</font><br> <font>44ª - Dizendo que:</font><br> <font>45ª - </font><i><font>No que diz respeito ao requisito da má-fé (artigo 612º do CC), para sua verificação, basta "a mera representação da possibilidade da produção do resultado danoso em consequência da conduta do agente". — cfr. Almeida Costa. Impugnação Pauliana, in Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 127º, 276.</font></i><br> <font>46ª - Assim, esse requisito também se mostra verificado em relação às Iª e 2ª rês — factos nºs 9, 10 e 13.</font><br> <font>47ª - Afira-se, pois, os factos referidos:</font><br> <font>48ª - Facto 9°:</font><br> <font>49ª - Com a venda desse imóvel, a 1</font><sup><font>a</font></sup><font> ré sabia que os autores ficavam impossibilitados de cobrar o seu crédito.</font><br> <font>50ª - Facto 10</font><sup><font>o</font></sup><font>:</font><br> <font>51ª - Bem sabendo que desse modo obstava a que o autor recorresse à procuração para obter o reembolso das quantias que havia emprestado.</font><br> <font>52ª - Facto 13°:</font><br> <font>54ª - A ré DD sabia que a 1ª ré tinha dívidas e que a venda do imóvel impediria os credores de obter o pagamento das mesmas através do valor desse bem.</font><br> <font>55ª - Na verdade, com interesse para a prova destes factos relevou provado o quesito n° 25 da Base Instrutória, onde se lia:</font><br> <font>56ª - "A </font><i><font>fim de impedir o Autor de obter o reembolso de tais quantias, a 1ª Ré agiu de forma combinada com os demais Réus?".</font></i><br> <i><font>57ª - </font></i><font>A resposta a este quesito é a que consta do facto provado n°13, com a seguinte fundamentação:</font><br> <font>58ª - </font><i><font>"A Testemunha GG afirmou que contactava por diversas vestes com as duas primeiras rés, ocasiões em que assistia a conversas em que a 1ª ré se referia às suas dificuldades financeiras e dividas, inclusivamente para com o autor chegando a pedir ajuda á 2ª ré; esse depoimento mostrou-se credível, até porque a testemunha em relação a diversas perguntas sobre factos também favoráveis aos autores, declarou que não sabia; a testemunha referiu que a ré DD tinha morada em ... e vinha a Portugal durante largos períodos, ficando instalada na casa dos tintos, em virtude da relação estreita que tinha com a 1ª ré, de cujo filho era madrinha, e por quem tinha laços de afeição, até porque ela própria não tinha filhos; assim, o que foi dito pela testemunha e se provou também está confirme com as regras de experiência comum;..."</font></i><br> <i><font>59ª - </font></i><font>Tudo isto para dizer que o que ficou provado não é de todo inócuo, como o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa veio dizer, considerando-se provado que a 2</font><sup><font>a</font></sup><font> ré sabia que a recorrente tinha dívidas e que a venda da fracção autónoma impediria os credores de obter pagamento das mesmas através do valor desse bem.</font><br> <font>60ª - Não é inócuo porque se provou, concretamente, que a 2</font><sup><font>ª</font></sup><font> ré sabia que a recorrente tinha dívidas para com os recorridos e que o recorrido originário BB dispunha de uma procuração irrevogável para dispor da fracção autónoma, bem sabendo, também, a 2'ª ré, que a tracção autónoma era a totalidade do acervo patrimonial da recorrente.</font><br> <font>61ª - Não é inócuo porque se provou, concretamente, que a 2</font><sup><font>a</font></sup><font> ré sabia que o credor originário BB tinha intenção de lançar mão dos poderes insertos na procuração irrevogável, fazendo negócio consigo mesmo, passando a ser o proprietário da fracção autónoma, porquanto a recorrente não pagava aos recorridos as quantias que estes lhe haviam mutuado.</font><br> <font>62ª - Não é inócuo porque a 2</font><sup><font>a</font></sup><font> ré sabia, perfeitamente, que estava a comprar uma fracção autónoma à recorrente pelo preço exacto que esta devia ao banco credor hipotecário.</font><br> <font>63ª - Não é inócuo porque a 2</font><sup><font>a</font></sup><font> ré sabia, perfeitamente, que com o negócio da compra e venda, para além do pagamento ao credor hipotecário da recorrente, nada mais iria sobejar para pagar a quem quer que fosse.</font><br> <font>64ª - Não é inócuo porque a 2</font><sup><font>a</font></sup><font> ré era e é madrinha do filho da recorrente, tendo por este grande afecto, desejando proteger o afilhado do perigo de ficar "sem tecto" se o recorrido originário BB viesse a concretizar a ideia de recorrer aos poderes insertos na procuração irrevogável, celebrando negócio consigo mesmo e passando a ser o proprietário da fracção autónoma.</font><br> <font>65ª - Não é inócuo porque a 2</font><sup><font>a</font></sup><font> ré sabia, perfeitamente, que a recorrente iria continuar a residir na fracção autónoma em causa. Até simularam um contrato de arrendamento. Até simularam um contrato de compra e venda do recheio da fracção autónoma.</font><br> <font>66ª - Não é inócuo porque se provou que o procurador da 2</font><sup><font>a</font></sup><font> ré, que a representou na escritura pública de compra e venda era, nem mais nem menos, que o mandatário da recorrente que negociou com o recorrido originário BB o pagamento das quantias a este em dívida por banda da recorrente. Antes e depois da outorga da escritura pública de compra e venda.</font><br> <font>67ª - Não é inócuo porque a 2</font><sup><font>a</font></sup><font> ré bem sabia que o recorrido originário BB não era um credor "normal" da recorrente. Sabia a 2</font><sup><font>a</font></sup><font> ré que o recorrido originário BB beneficiava de uma procuração irrevogável outorgada pela recorrente, tendo por objecto a fracção autónoma em causa e para garantia do cumprimento do mútuo celebrado entre a recorrente e os recorridos.</font><br> <font>68ª - Não é inócuo porque a 2</font><sup><font>a</font></sup><font> ré bem sabia que se a fracção autónoma fosse vendida, a procuração irrevogável de que beneficiava o recorrido originário BB ficaria vazia de conteúdo, que o recorrido originário BB deixava de poder usar a procuração irrevogável, nada mais havendo no acervo patrimonial da recorrente que servisse para pagar ao recorrido originário BB.</font><br> <font>69ª - Decorre da própria lei e jurisprudência que este conhecimento por parte da 2'</font><sup><font>1</font></sup><font> ré não é inócuo.</font><br> <font>70ª - Não é inócuo porque, a par da recorrente, também a 2ª</font><i><font> </font></i><font>ré estava de má-fé.</font><br> <font>71ª - Com efeito, o artigo 612" do Código Civil postula a má-fé subjectiva, que compreende o dolo (nas diversas modalidades) e a negligência consciente, não sendo necessário demonstrar a intenção de originar prejuízo do credor.</font><br> <font>72ª - Esta má-fé, defini a o legislador como " a consciência do prejuízo que o acto causa para o credor ".</font><br> <font>73ª - Postula-se aqui a má fé subjectiva, também designada em sentido psicológico, que compreende o dolo (nas diversas modalidades) e a negligência consciente (mas já não a negligência inconsciente), não sendo necessário demonstrar a intenção de originar prejuízo ao credor (cf. ANTUNES VARELA, Das Obrigações 11, pág.450, MENEZES CORDEIRO, Da Boa Fé no Direito Civil, vol.l, pág.492 e segs., ALMEIDA COSTA, RLJ ano 12", pág.274 e segs.), Ac STJ de 12/2/81, BMJ 304, pág.358).</font><br> <font>74ª - Para tanto, basta a mera representação, o conhecimento negligente da possibilidade da produção do resultado (o prejuízo causado á garantia patrimonial do credor) em consequência da conduta do agente (cf., por ex., Ac do STJ, de 10/11/98, CJ, ano VI, tomo III, pág.106 e de 15/2/2000, CJ. ano VIII, tomo l, pag. 91, Ac STJ de 13/10/2011 (proc. n° 116/09), em www </font><a><u><font>dgsi.pt</font></u></a><font>).</font><br> <font>75ª - No entanto, é indispensável a má-fé bilateral, ou seja, no caso da compra e venda, tanto do vendedor, como do comprador, exigindo se a ambos a consciência do prejuízo que o acto causa ao credor, no momento da celebração do negócio.</font><br> <font>76ª - A este propósito, provou-se que a venda foi feita com a exclusiva finalidade de impossibilitar a satisfação patrimonial dos recorridos e todos os Réus tinham consciência de que a prejudicavam, o que tanto basta para a confirmação da má-fé, n.\ acepção definida.</font><br> <font>77ª - E, na verdade, o que é essencial e que o devedor e o terceiro tenham consciência do prejuízo que a operação causa aos credores, ainda que ao acto esteja subjacente qualquer outra intenção, </font><i><font>li, </font></i><font>neste plano, não é exigível a concertação entre devedor e terceiro adquirente (RP, 29-5-2007: </font><a><u><font>JTRP00040399.dgsi.net</font></u></a><font>).</font><br> <font>78ª - Aliás,</font><br> <font>79ª - Na impugnação pauliana é muito difícil surpreender directamente o conluio entre dois sujeitos para enganar ou prejudicar outrem, tendo eles, para tanto, concertado-se às ocultas e sendo, até, ambos. Réus na acção. Assim relevam especialmente nesta sede as presunções judiciais que se fundam em regras práticas da experiência comum, nos conhecimentos da vida e estão vocacionadas para o alcance da verdade material, nomeadamente nos casos em que a prova directa é muito difícil de conseguir. Numa impugnação pauliana, provados determinados factos é especialmente possível por via da presunção inferir outros, de molde a preencherem-se os requisitos de que depende a procedência da acção (RC, 30-10-2002: CJ, 2002, 4°-34).</font><br> <font>80ª - Portanto, a sentença proferida não padece de nenhuma das deficiências que lhe são apontadas no douto Acórdão recorrido.</font><br> <font>81ª - E, portanto, foram violadas as seguintes normas: al.) d) e al.) e) do n° 1 do art° 615°, art° 639° e art° 640°, todos do Código do Processo Civil, art° 610°, art° 611° e art° 612, todos do Código Ciivil.</font><br> <font>Nas contra-alegações, a ré conclui no sentido de que deve ser mantida a decisão constante do acórdão.</font><br> <font>O Tribunal da Relação entendeu que se devem considerar demonstrados os seguintes factos, que este Supremo Tribunal de Justiça aceita, nos termos das disposições combinadas dos artigos 674º, nº 3 e 682º, nº 2, do Código de Processo Civil (CPC), mas reproduz:</font><br> <font>1. Por instrumento notarial lavrado no dia 21 de Julho de 2000, a 1</font><sup><font>a</font></sup><font> ré constituiu como procurador o 1</font><sup><font>o</font></sup><font> autor, a quem conferiu, além do mais, poderes para vender a fracção autónoma designada pela letra "D", que corresponde ao terceiro piso - 1</font><sup><font>o</font></sup><font> andar esquerdo, com estacionamento na cave -, do prédio sito na Rua …, lote …, …, …, …, descrito na 2</font><sup><font>a</font></sup><font> Conservatória do Registo Predial de … sob o n.° … da referida freguesia, mais constando que a procuração era emitida também no interesse do mandatário, nos termos do artigo 1175° do CC, podendo ser celebrado negócio consigo mesmo – A).</font><br> <font>2.</font><b><font> </font></b><font>A 1</font><sup><font>a</font></sup><font> ré era dona do imóvel antes identificado, inscrito em seu nome no registo predial desde o dia 11.06.1996 – B).</font><br> <font>3. No dia 12 de Dezembro de 2003, foi celebrada escritura de compra e venda do mesmo imóvel, com mútuo e hipoteca, através da qual a 1</font><sup><font>a</font></sup><font> ré vendeu esse imóvel à segunda ré, que o comprou, pelo preço de 104.747,00, valor também emprestado pelo Bll.</font><br> <font>O 4</font><sup><font>o</font></sup><font> réu teve intervenção nessa escritura como representante das 2</font><sup><font>a</font></sup><font> e 3</font><sup><font>a</font></sup><font> rés, sendo que esta última assumiu obrigações de fiadora da 2</font><sup><font>a</font></sup><font> ré perante o mesmo Banco – C).</font><br> <font>4. Essa fração autónoma correspondia à residência permanente da 1</font><sup><font>a</font></sup><font> ré – D).</font><br> <font>5. Os autores, a pedido da 1</font><sup><font>a</font></sup><font> ré, que se encontrava em dificuldades financeiras,<br> emprestaram-lhe diversas quantias, que a mesma se comprometeu a devolver – 1º.</font><br> <font>6. Assim, os autores entregaram à 1</font><sup><font>a</font></sup><font> ré as quantias a que se referem os cheques por eles emitidos e juntos com a petição inicial – 2º.</font><br> <font>7. A mesma ré emitiu e entregou aos autores cheques nos montantes recebidos, para permitir o posterior reembolso dessas quantias – 3º.</font><br> <font>8. A 1</font><sup><font>a</font></sup><font> ré não chegou a reembolsar os autores de qualquer das quantias recebidas – 4º. </font><br> <font>9. Informando o autor que se apresentassem os cheques a pagamento os mesmos não teriam provisão – 5º.</font><br> <font>10. Nessa sequência, o autor contactou pessoalmente a 1</font><sup><font>a</font></sup><font> ré, solicitando-lhe o pagamento das quantias que lhe emprestara e comunicou-lhe que se não o fizesse, usaria a procuração de que era beneficiária para dispor da fracção – 6º.</font><br> <font>11. Chegou a haver contactos, em data concretamente não apurada, entre o autor e o 4</font><sup><font>o </font></sup><font>réu, sobre a dívida da 1</font><sup><font>a</font></sup><font> ré – 7º.</font><br> <font>12. Face à demora nesse pagamento, o autor, em Dezembro de 2004, veio a inteirar-se, junto da conservatória do registo predial, da celebração da escritura mencionada na alínea c) – 8º.</font><br> <font>13. Com a venda desse imóvel, a 1</font><sup><font>a</font></sup><font> ré sabia que os autores ficavam impossibilitados de cobrar o seu crédito – 9º.</font><br> <font>14. Bem sabendo que desse modo obstava a que o autor recorresse á procuração para obter o reembolso das quantias que havia emprestado – 10º.</font><br> <font>15. A 1</font><sup><font>a</font></sup><font> ré, continuou a residir na fração, mesmo depois da celebração da escritura – 11º.</font><br> <font>16. Depois da celebração da escritura, a 1</font><sup><font>a</font></sup><font> ré não entregou qualquer quantia a título de reembolso pelos referidos empréstimos – 12º.</font><br> <font>17. A ré DD sabia que a 1</font><sup><font>a</font></sup><font> ré tinha dívidas e que a venda do imóvel impediria os credores de obter o pagamento das mesmas através do valor desse bem – 13º.</font><br> <font>18. Com a alienação do imóvel, o autor ficou impossibilitado de obter o reembolso das quantias emprestadas.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; *</font> </p><p><font>Tudo visto e analisado, ponderadas as provas existentes, atento o Direito aplicável, cumpre, finalmente, decidir.</font> </p><p><font>As questões a decidir, na presente revista, em função das quais se fixa o objecto do recurso, considerando que o «thema decidendum» do mesmo é estabelecido pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, com base no preceituado pelas disposições conjugadas dos artigos 5º, 608º, nº 2, 609º, 635º, nºs 4 e 5, 639º e 679º, todos do CPC, são as seguintes:</font> </p><p><font>I – Da ilegal alteração pela Relação da matéria de facto que ficou demonstrada</font><b><font> </font></b><font>em primeira instância.</font> </p><p><font>II – Da nulidade do acórdão por condenação além do pedido.</font> </p><p><font>II – Da má-fé do terceiro adquirente a título oneroso.</font> </p><p><font>I. DA FALTA DE BASE LEGAL PARA A ALTERAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO PELA RELAÇÃO</font> </p><p><font>Dizem os autores, desde logo, que a ré CC, recorrente da apelação, não coloca em crise nas respectivas conclusões, qualquer matéria de tacto dada como assente e provada em primeira instância, limitando as suas alegações à questão da inexistência de má-fé, porque não teve consciência das consequências do seu acto de vender a fracção autónoma à ré DD, sem embargo de o acórdão recorrido ter </font><i><font>entendido que a factualidade inventariada na sentença não preenchia o requisito da má-fé, </font></i><font>substituindo-se à ré recorrente no que tange â apreciação da matéria de facto dada como assente e provada.</font> </p><p><font>Em primeiro lugar, a ré CC, no recurso de apelação, não suscitou a questão da alteração da decisão sobre a matéria de facto, sendo certo que, a este propósito, o acórdão recorrido considerou que </font><i><font>“nem a recorrente nem os recorridos (…) questionam o acerto da decisão de facto e, assim sendo, apenas nos cumpre avaliar se os factos convocados… preenchem a má-fé do artigo 612º co CC”</font></i><font>.</font> </p><p><font>Por outro lado, coerentemente, com o acabado de expor, o acórdão recorrido considerou provados, dando-os por reproduzidos, os mesmos factos em que tinha assentado a sentença recorrida.</font> </p><p><font>A partir de aqui, a construção dos autores quanto a esta questão da alegada “ilegal alteração pela Relação da matéria de facto que ficou demonstrada</font><b><font> </font></b><font>em primeira instância” é um mero exercício retórico de argumentação, desprovido de qualquer consistência e razoabilidade, não obstante, aí se devendo confinar a matéria da impugnação recursiva, poder existir um hipotético erro de julgamento quanto à apreciação e interpretação da matéria de facto e à sua subsequente subsunção ao Direito aplicável, mas que nada tem a ver, repete-se, com uma hipotética falta de base legal da alteração da matéria de facto.</font><b><font> </font></b> </p><p><font>II. DA NULIDADE DO ACÓRDÃO POR CONENAÇÃO ALÉM DO PEDIDO</font> </p><p><font>Alegam ainda os autores, implicitamente, que o acórdão é nulo, por conhecer de questões que não podia tomar apreciar, porque não foram alegadas pela recorrente da apelação, acabando por condenar em objecto diverso do pedido, no que concerne à má-fé da adquirente e 2ª ré DD.</font> </p><p><font>Nas conclusões da apelação da ré CC, esta diz que “inexistiu má-fé na actuação da recorrente I)”, que “o acto oneroso só está sujeito à impugnação pauliana se o devedor e o terceiro tiverem agido de má fé – cfr. artigo 612º do Código Civil J)” e ainda que “inexistindo má-fé, não pode haver aplicação dos normativos legais…M)”.</font> </p><p><font>Ora, bastaria este breve excerto das conclusões das alegação da apelação, se tal fosse sequer necessário como se o conhecimento do Direito ainda ou já não fosse um «poder-dever» do juiz, por força do preceituado pelo artigo 5º nº 3,&nbsp; do CPC, para justificar o conhecimento da má fé em reacção ao alienante e ao adquirente, ou não se tratasse de um binómio indissociável, como melhor se analisará em III, «infra».</font><br> <font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; III. DA MÁ-FÉ DO TERCEIRO ADQUIRENTE A TÍTULO ONEROSO</font><br> <font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; Sustentam, finalmente, os autores que as rés CC e DD se encontram de má-fé.</font><br> <font>O ponto fulcral da divergência entre as instâncias consiste em que a sentença afirma que para a presença do requisito da má-fé, basta </font><i><font>“a mera representação da possibilidade da produção do resultado danoso em consequência da conduta do agente, requisito que também se mostra verificado em relação às 1ª e 2º rés”</font></i><font>, enquanto que o acórdão recorrido diz que “</font><i><font>estando em causa um ato oneroso, não foi feita prova da má-fé atribuída à adquirente do bem</font></i><font>”, acrescentado, a este propósito, com a devida ênfase que o «sumário» lhe confere, que “</font><i><font>a má-fé, configurada no nº 2 do artigo 612º do Código Civil, não se basta com o mero conhecimento pelo adquirente de que a vendedora tem dívidas e que a venda do bem impede os credores de obter pagamento através do valor desse bem, porquanto tal eventualidade é o efeito necessário da alienação e ocorre quer o adquirente esteja de boa quer de má fé</font></i><font>”.</font><br> <font>Os autores propuseram a presente acção de impugnação pauliana com fund
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nTKYu4YBgYBz1XKvZSA4
1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><font>Relatório</font><br> <font>*</font><br> <font>No Tribunal Judicial da Comarca da Lourinhã, a</font><br> <font>ADMINISTRAÇÃO DO CONDOMÍNIO DO PRÉDIO SITO NO LARGO DA IGREJA, Nº ...., </font><br> <font>intentou a presente acção declarativa da condenação, com processo ordinário, contra</font><br> <font>1- AA,</font><br> <font>2- BB,</font><br> <font>3- CC e</font><br> <font>4- DD</font><br> <font>Alegando, em síntese, o seguinte:</font><br> <font>• Os 1º a 3º réus constituíram entre si, por escritura pública, a sociedade denominada "EE - Construções, Lda., tendo por objecto social a construção civil, compra e venda de propriedades e revenda dos adquiridos para esses fins;</font><br> <font>• Por escritura pública de 25-09-1998, os 1º a 3º réus, na qualidade de gerentes e em representação da sociedade EE - Construções, Lda., adquiriram por permuta para a sociedade o prédio urbano composto por lote de terreno para construção, para ser construído um edifício destinado a habitação e comércio, tendo FF e mulher GG recebido em troca uma fracção autónoma a constituir após a conclusão da dita construção; </font><br> <font>• A EE - Construção, Lda. construiu o prédio urbano sito no Largo da ..., freguesia e concelho da Lourinhã, o qual foi constituído em regime de propriedade horizontal; </font><br> <font>• A construção do prédio ficou concluída em 25-08-2000;</font><br> <font>• A construção do referido prédio decorreu sob a responsabilidade técnica do 4º réu;</font><br> <font>• A sociedade EE - Construções, Lda. procedeu à comercialização de todas as fracções do prédio;</font><br> <font>• No ano de 2002 venderam-se as quatro últimas fracções;</font><br> <font>• Por escritura de 17-12-2002, os 1º a 3º réus dissolveram a sociedade EE - Construções, Lda., muito antes de se esgotar o prazo da garantia (5 anos), agindo com dolo, com o propósito de enganar os adquirentes das fracções.</font><br> <font>• Os 1º a 3º réus não comunicaram a dissolução da sociedade aos proprietários das fracções autónomas, quer à autora;</font><br> <font>• Os condóminos do prédio elegeram uma primeira administração do condomínio em 13-09-2003;</font><br> <font>• Por notificação judicial avulsa, requerida pela A. em 10 de Maio de 2006, os réus foram notificados pessoalmente em 29-05-2006, 16-06-2006, 07-06-2006 e 08-06-2006, respectivamente, que a autora procedia à denúncia das anomalias/defeitos existentes nas partes comuns do prédio para que procedessem imediatamente à reparação/eliminação dessas anomalias/defeitos de acordo com relatório junto com a notificação;</font><br> <font>• As partes comuns do prédio apresentam anomalias estruturais e anomalias não estruturais, descritas no Relatório Preliminar, elaborado pela empresa “HH – Diagnóstico, Levantamento e Controlo da Qualidade em Estruturas e Fundação, Ld.ª”, datado de Março de 2006 e junto com as referidas notificações judiciais avulsas.</font><br> <font>Concluiu pedindo sejam os réus condenados a:</font><br> <font>1) Proceder/realizar ou mandar proceder/realizar, imediatamente, a expensas suas, à reparação/eliminação das anomalias/defeitos assinalados de acordo com a metodologia (estratégia) de intervenção definitiva do relatório/estudo junto; </font><br> <font>2) A proceder/realizar ou mandar proceder/realizar, a expensas suas, aos trabalhos de limpeza das partes comuns do prédio, imediatamente após a realização e concretização dos trabalhos mencionados;</font><br> <font>3) Não procedendo ou não realizando tais trabalhos, a expensas suas, pagar à autora a quantia necessária para ela mandar efectuar a reparação/eliminação dessas mesmas anomalias/defeitos, remetendo a fixação do montante da indemnização para execução de sentença;</font><br> <font>4) Não procedendo/não realizando tais trabalhos, a expensas suas, pagar à autora a quantia necessária para ela mandar efectuar os trabalhos de limpeza das partes comuns do prédio, imediatamente após a realização e concretização dos trabalhos antes referidos.</font><br> <font>A autora formulou, ainda, outros pedidos alternativos, (alíneas E,F,G,H e I, que aqui se dão por reproduzidos).</font><br> <font>*</font><br> <font>Citados regularmente, os réus contestaram.</font><br> <font>Na contestação dos 1º a 3º réus foram invocadas a excepção de ilegitimidade passiva e a excepção de caducidade, para o que se alegou, em suma:</font><br> <font>• Os defeitos eram do conhecimento da autora muito antes da notificação judicial avulsa e já haviam sido denunciados anteriormente;</font><br> <font>• Na interpelação feita em 10-09-2004, a administração do condomínio interpelava para os arranjos das anomalias exteriores do prédio e enunciava que eram causa directa dos problemas verificados nos interiores das fracções, que nessa data já estavam arranjadas;</font><br> <font>• Em cartas recebidas pelos 1º e 2º réus, enviadas pelo condómino II, em 27 e 25 de Novembro de 2003, já o mesmo denunciava as fissuras na parede exterior do prédio, pelo que tais defeitos tendo já sido denunciados ao 1º e 2º réus encontra-se o exercício desse direito há muito caducado;</font><br> <font>• A autora e todos os condóminos tiveram conhecimento dos defeitos desde o ano de 2003 e 2004; </font><br> <font>• Em 10-09-2004, por carta registada com aviso de recepção, a autora notificou a sociedade empreiteira da obra para até 30-09-2004 indicar a previsão da execução das obras ao nível dos defeitos exteriores do prédio, que eram origem de infiltrações;</font><br> <font>• A fracção "Q" foi entregue ao proprietário antes da obra estar dada como finda, de acordo com carta de 20-10-1999; </font><br> <font>• As fracções "M", "F" e "G" foram entregues a título pessoal aos 1º, 2° e 3º réus.</font><br> <font>• Por isso, o prazo de garantia de cinco anos expirou e o mesmo não coincide com a celebração da escritura.</font><br> <font>• Toda e qualquer anomalia de obra da responsabilidade dos réus, foi arranjada.</font><br> <font>Concluíram pela improcedência da acção. </font><br> <font>*</font><br> <font>O 4º réu invocou a excepção de ilegitimidade passiva e de caducidade, para o que alegou, em suma: </font><br> <font>A última fracção foi recepcionada no início do ano de 2001 (fracção "H"); As quatro últimas fracções foram entregues antes da obra estar formalmente concluída;</font><br> <font>Rejeita qualquer responsabilidade por defeitos no prédio. </font><br> <font>Concluiu pela improcedência da acção. </font><br> <font>*</font><br> <font>Na réplica, a autora defendeu a improcedência das excepções invocadas pelos réus, visto que, havendo dolo dos RR, o direito à eliminação dos defeitos, fica sujeito ao prazo de prescrição ordinária. Alegaram ainda que a invocação da excepção de caducidade é ilegítima por se traduzir em abuso de direito.</font><br> <font>*</font><br> <font>Foi proferido despacho saneador, no qual foi julgada procedente a excepção de caducidade da presente acção, absolvendo os réus do pedido.</font><br> <font>*</font><br> <font>*</font><br> <font>Inconformada, recorreu a A. para o tribunal da Relação de Lisboa.</font><br> <font>*</font><br> <font>Apreciada apelação, o Tribunal de recurso julgou-a improcedente, confirmando a decisão recorrida.</font><br> <font>*</font><br> <font>Novamente inconformada, volta a recorrer a A., agora de revista e para este S.T.J..</font><br> <font>*</font><br> <font>* *</font><br> <font>*</font><br> <br> <font>Conclusões </font><br> <font>*</font><br> <font>Apresentadas tempestivas alegações, formulou a recorrente os seguintes conclusões:</font><br> <font>*</font><br> <font>“1º - Vem o presente recurso do acórdão proferido a 07/02/2013 que julgou improcedente a apelação, confirmando a sentença recorrida proferida a 24/02/2010 que julgou procedente a excepção da caducidade da acção, absolvendo os RR. (ora recorridos) do pedido. Vejamos Então:</font><br> <font>2º- O papel a desempenhar pela jurisprudência será o de fazer uma adequada leitura dos textos normativos com interpretações idóneas a satisfazer as exigências da vida social.</font><br> <font>3º - Os Tribunais devem desprender-se de preocupações conceitualistas e visões sociais obsoletas que conduzam a decisões que a consciência social não compreende nem aceita. Ora, não pode esquecer-se que os tribunais se legitimam na vontade popular e em nome dela administram a justiça.</font><br> <font>4º - O Estado nos tempos de hoje não regula apenas a convivência pacífica entre todos os cidadãos. Preocupa-se em actuar a justiça social (artigo 2° da C.R.P.)</font><br> <font>5º - Aliás, basta ter presente a alteração legislativa preconizada pelo D. L. n° 84/2008, de 21 de Maio, em que no seu preâmbulo pode ler-se:</font><br> <font>«O Decreto-Lei n° 67/2003, de 8 de Abril, transpôs para o ordenamento jurídico interno a Directiva n° 1944/44/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de Maio, relativa a certos aspectos da venda de bens de consumo e das garantias a ela relativas.</font><br> <font>6º - Decorridos cinco anos sobre a entrada em vigor daquele decreto-lei considera-se necessário introduzir novas regras que permitam ajustar o regime à realidade do mercado e colmatar as deficiências que a aplicação daquele diploma/revelou.»</font><br> <font>7º - Os condóminos do prédio urbano identificado no artigo 3º da p.i. elegeram uma primeira administração do condomínio em 13/09/2003, considerando-se assim esta a data da entrega das partes comuns do imóvel e a partir da qual se conta o prazo de garantia de 5 anos.</font><br> <font>8º - Os RR. promoveram e executaram a dissolução e liquidação da sociedade construtora e vendedora antes mesmo de iniciado esse prazo de garantia de cinco anos quanto às partes comuns e muito antes (anos antes) de ter terminado esse prazo de garantia quanto às próprias fracções autónomas -</font><br> <font>9º - pois no que concerne à primeira das fracções a ser vendida (a fracção "P") terminaria 08/01/2006 e </font><br> <font>10° - no que concerne à antepenúltima em 13/11/2007 (fracção "Q") e às duas últimas em 10/12/2007 (fracções "F" e "G").</font><br> <font>11° - Na decisão proferida pelo M.J. de primeira instância não foi equacionada a problemática em discussão nos autos e que inequívoca e claramente é causa de pedir na presente acção e que diz respeito "à dissolução, partilha e liquidação da sociedade construtora-vendedora" e ao "dolo". Estes são elementos essenciais dos direitos invocados pela A. na acção, pelo que, integrando os factos a esse respeito, alegados pela A. a noção de dolo dos RR. (artigo 253° do Código Civil e 483° do C.P.C. - vid. nomeadamente artigos 35° e seguintes da petição inicial) e sendo as normas controvertidas nesta fase do processo, nunca poderia o despacho recorrido ter julgado procedente a excepção com fundamento na extemporaneidade da propositura da acção (o prazo seria de 20 anos) ou da denúncia dos defeitos (o que a A. estava dispensada de fazer).</font><br> <font>12° - Em caso de dolo, o comprador está dispensado de denunciar os defeitos e o exercício do seu direito está sujeito às regras gerais da prescrição e por isso ao prazo de 20 anos (ver artigos 298°, n° 1 e 309° ambos do Código Civil e "C.C. Anotado dos Profs. Pires de Lima e A. Varela em anotação ao artigo 916° do Código Civil).</font><br> <font>13° - Sendo profissionais da área, tinham e têm por obrigação construir e construir bem, devendo assim ser mais responsabilizados pelos defeitos da obra.</font><br> <font>14° - O vendedor e sobretudo o vendedor profissional (como é o caso dos autos) tem a obrigação de vender bem e, perante ele, o comprador encontra-se mais exposto do que o dono da obra perante o empreiteiro pois, como observa Dr. Moutinho de Almeida, o segundo tem a vantagem de poder fiscalizar a execução da obra (artigo 1209° do Código Civil).</font><br> <font>15° - O M. J. de primeira instância também não se pronunciou sobre o INSTITUTO DO ABUSO DE DIREITO oportuna e tempestivamente invocado pela A. (ora recorrente) e nessa sequência o Tribunal da Relação considerou verificar-se a nulidade de sentença e conheceu o invocado abuso de direito. No entanto,</font><br> <font>16° - entendeu que «No caso, os recorridos apenas reconhecem terem existido defeitos e que os repararam, mas o seu comportamento ao longo destes anos e que se encontra alegada nos autos em nada permitem concluir por uma conduta redutível ao abuso de direito nos termos supra explanados»</font><br> <font>17° - Os 1° e 3° RR. e face ao alegado no artigo 41° da contestação que apresentaram, actuando como ainda sócios e gerentes se tratassem da "EE - Construções, Lda.", apesar da mesma já há muito por eles e por comum acordo, ter sido dissolvida, liquidada e partilhada em 17/12/2002, com a respectiva inscrição que fizeram na Conservatória do Registo Comercial da Lourinhã em 16/01/2003, procederam à reparação dos defeitos/anomalias que haviam anteriormente sido denunciados, fizeram essa reparação dos defeitos/anomalias, inclusivamente na parte exterior no edifício, conforme se pode constatar aliás das diferenças de cor existentes no exterior do edifício, resultante aliás dos materiais que foram aplicados.</font><br> <font>18° - Isto que se acabou de mencionar também serve relativamente ao vertido no artigo 41° da contestação do 3º R., pois essas ditas anomalias/defeitos foram reparadas.</font><br> <font>19° - Os 1º a 3º RR. reconheceram a existência de defeitos/vícios de construção e assumiram a responsabilidade pela sua reparação.</font><br> <font>20° - Sucede, porém, que decorrente quer seja da deficiente e/ou má reparação das anomalias/defeitos e por conseguinte do seu reinício e agravamento quer seja também do aparecimento/surgimento de novas anomalias/defeitos, a verdade é que a realidade detectada é a constante no relatório junto aos autos pela A. (doc. 13 junto aos autos com a P.I. e que constituiu fls. 83 e seguintes dos autos)</font><br> <font>21° - Razão pela qual há "venire contra factum proprium" quando os 1º a 3º RR. aceitam perante a A. e os condóminos do prédio a existência de defeitos/vícios de construção,</font><br> <font>22° - inclusivamente tendo assumido anteriormente a responsabilidade pela sua reparação e depois na acção proposta pela A. invocam a caducidade da garantia.</font><br> <font>23° - Com efeito, sempre a invocação da excepção pelos RR., na contestação, se traduz num "venire contra factum proprium", que excede manifestamente os limites impostos pela boa-fé e, como tal, integra abuso de direito (artigo 334° do Código Civil).</font><br> <font>24° - Daí que essa invocação seja ilegítima, logo inatendível, e que também conduziria à improcedência da excepção.</font><br> <font>25° - Foram assim violadas as seguintes normas:</font><br> <font>- artigos 253°; 298°, n° 1 e 309°; 916°, n° 1 parte final; 334°; 483° e 1225° todos do Código Civil.</font><br> <font>26° - Termos em que o acórdão recorrido, deve ser substituído por outro em conformidade com o atrás exposto, por assim ser de INTEIRA JUSTIÇA”.</font><br> <br> <font>Os Factos </font><br> <font>*</font><br> <font>Como se vê dos autos, não foi produzida prova, de modo que alguns dos factos alegados se encontram controvertidos.</font><br> <font>Todavia, a factualidade não provada, não interfere na apreciação que vamos fazer do acórdão recorrido ou do saneador-sentença que confirmou, na medida em que não se ultrapassará o enquadramento factual ali tido em consideração, e também porque a solução das questões suscitadas passa essencialmente pela aplicação do direito.</font><br> <font>*</font><br> <font>* *</font><br> <font>*</font><br> <font>Fundamentação </font><br> <font>*</font><br> <font>Ao que resulta das conclusões, parece poder concluir-se que o que a recorrente põe em causa é a verificação da excepção de caducidade que as instâncias tiveram por procedente, quer porque a data a partir da qual se conta o prazo de garantia de 5 anos, deve ser a de 13/9/2003, altura em que foi eleita a 1ª administração do condomínio, quer porque, tendo os RR agido com dolo, estava a A. dispensada de denunciar os defeitos, podendo exercer o seu direito no prazo da prescrição ordinária (20 anos), quer ainda porque a invocação da excepção da caducidade se traduz, no caso, num “ venire contra factum proprium ” (abuso de direito).</font><br> <font>*</font><br> <font>Enquadrando a questão nos seus devidos parâmetros, verifica-se que a decisão da 1ª instância, aceitando que é controvertida a factualidade respeitante ao conhecimento dos defeitos da obra, assentou a sua argumentação na circunstância de poder ter como certa uma determinada data, alegada pela própria A., sendo que, com base nela, a excepção não podia deixar de proceder, independentemente de anteriormente a A. ter tido ou não conhecimento dos defeitos que invoca e quer ver eliminados.</font><br> <font>Teve então por inquestionável que “…pelo menos desde o dia 10 de maio de 2006 a A. conhecia os defeitos e, pelo menos nessa data procedeu à sua denúncia”.</font><br> <font>Concluiu, portanto, que, tendo a acção dado entrada em Juízo no dia 21 de Maio de 2007, teria sido intentada mais de um ano após a aludida denúncia. Daí a procedência da excepção, nos termos do Artº 1225º do C.C..</font><br> <font>*</font><br> <font>Por sua vez, o acórdão recorrido, no que respeita à verificação da caducidade, enveredou por complexa argumentação técnico-jurídica, acabando por não equacionar devidamente a questão, na medida em que aplicou ao caso o regime dos Art.ºs 916º e 917º do C.C., quando, ao que pensamos, o adequado será o regime do Artº 1225º do C.C.</font><br> <font>Quanto ao enquadramento fáctico, partiu da constatação que teve por provada de que o imóvel foi entregue, o mais tardar, no início de 2001.</font><br> <font>Assim decidiu:</font><br> <font>“ Aplicando o disposto nos art.ºs 916º e 917º do Código Civil, tendo em conta que se trata de um imóvel, o defeito deveria ter sido denunciado no ano seguinte ao do seu conhecimento ou nos cinco anos posteriores à entrega do imóvel ” </font><br> <font>… </font><br> <font>“ Portanto, aplicando o disposto no artº 917º do Código Civil, a acção deveria ter sido instaurada no prazo de cinco anos, na falta de denúncia dos defeitos, ou cinco anos e seis meses tendo a mesma existido…</font><br> <font>Deste modo, a acção deveria ter sido proposta o mais tardar em finais de Julho de 2006.</font><br> <font>Tendo a mesma sido instaurada em 21 de maio de 2007, o direito de acção já havia caducado ” </font><br> <font>*</font><br> <font>Por outro lado, as partes também não equacionam com precisão qual o regime aplicável, o que tudo redundou em particular confusão que urge esclarecer.</font><br> <font>*</font><br> <font>* *</font><br> <font>*</font><br> <font>Vejamos então.</font><br> <font>Alega a A. (administradora do condomínio) que o prédio constituído em regime de propriedade horizontal, aqui em causa, foi construído pela sociedade EE (da qual eram sócios e gerentes os 3 primeiros réus, sendo o 4º, o engenheiro responsável pela dita construção) que, posteriormente comercializou as respectivas fracções autónomas.</font><br> <font>Entretanto verificaram-se inúmeras deficiências de construção nas partes comuns do edifício, daí a pretensão da A. (a título principal) de ver eliminados e corrigidos tais defeitos da obra.</font><br> <font>Todavia, como a EE foi já dissolvida, em 17/12/2002, a A. demandou individualmente os Sócios (os 3 primeiros RR), como sucessores da extinta sociedade, e ainda o responsável técnico pela construção.</font><br> <font>*</font><br> <font>Portanto, o que está em causa nos presentes autos, tal como é apresentado pela A. é, no essencial, a reparação de defeitos verificados nas partes comuns de um edifício constituído em regime de propriedade horizontal, que foi construído e vendido pela extinta EE.</font><br> <font>É nesta perspectiva fáctica que se vão analisar as questões jurídicas suscitadas, independentemente da prova que se vier a fazer no processo, visto que, não podendo subsistir as decisões proferidas nos autos, o processo terá de seguir seus ulteriores e normais termos, como se verá.</font><br> <font>Os defeitos alegadamente existentes, verificam-se, evidentemente num imóvel destinado a longa duração, pelo que ao caso se aplica o regime estabelecido no Artº 1225º do C.C., que confere ao adquirente o direito de exigir ao vendedor/ construtor a eliminação dos defeitos ou a indemnização pelo prejuízo decorrente do vício de construção (v. nº 4 do preceito).</font><br> <font>Tenha-se na devida conta que o conceito de vendedor/construtor não deve ser interpretado num contexto puramente literal.</font><br> <font>Na verdade, como se observa no Ac. deste S.T.J. de 5/3/2013 (Proc° nº 085875) o que é relevante, não é tanto o ter-se materialmente desenvolvido a actividade de construção, mas sim ter-se o domínio da construção do imóvel, domínio esse desenvolvido no âmbito profissional.</font><br> <font>Conclui-se assim, tal como o Ac. citado, “…que o conceito de construtor que é utilizado no nº 4 do artigo 1225º do Código Civil é um conceito lato que tanto abrange o construtor directo como aquele que profissionalmente constrói mediante contratos com terceiros para vender a adquirentes/consumidores, entendidas no sentido do nº1 do artigo 2 da Lei nº 24/96 de 31 de Julho (Lei da Defesa dos Consumidores) ”.</font><br> <font>Só com a referida amplitude conferida ao conceito de vendedor/construtor se torna eficaz a protecção do consumidor/adquirente do imóvel que o D.L.267/94 lhe quis proporcionar com as alterações que introduziu no Artº 1225º do C.C.</font><br> <font>*</font><br> <font>Assente o campo de aplicação do Artº 1225º do C.C. vejamos como se articulam e funcionam os prazos de caducidade aí previstos.</font><br> <font>A simples leitura do preceito logo revela que ele contempla três prazos diferentes.</font><br> <font>Temos, antes de mais, o prazo de garantia (supletivo) de 5 anos, contados a partir da entrega do imóvel ao adquirente.</font><br> <font>Depois existe o prazo de 1 ano, a contar do conhecimento do defeito, para exercer o direito de denúncia.</font><br> <font>Finalmente há o prazo de 1 ano, subsequente à denúncia, dentro do qual terá de ser instaurada a acção destinada a exercitar o direito à eliminação dos defeitos ou à indemnização.</font><br> <font>*</font><br> <font>Convém notar que, diferentemente do que parece defender a A., o direito de acção não tem, necessariamente, de ser exercido no prazo de garantia.</font><br> <font>Dentro desse prazo apenas se tem de revelar o defeito, o que é completamente diferente. </font><br> <font>Assim, se o vício apenas surge ou é conhecido pelo adquirente do prédio após o decurso do prazo de garantia, já não poderá ser exercido o direito de denúncia da acção, uma vez que, do contrário, ficaria o vendedor/construtor indefinidamente sujeito à obrigação de reparar o vício, sendo certo que foi exactamente essa vinculação indefinida que o legislador pretendeu evitar com a fixação de um prazo de garantia. </font><br> <font>Mas, ao contrário, se o defeito apenas se torna conhecido no período final do prazo, mas antes de este se esgotar, então o adquirente dispõe do prazo de 1 ano, a partir do conhecimento, para exercer o direito de denúncia e de outro ano, subsequente à denúncia, para exercer o direito de acção.</font><br> <font>Claro que pode ocorrer a caducidade do direito à eliminação do defeito sem que se tenha esgotado o prazo de garantia.</font><br> <font>Basta que o adquirente, tendo conhecimento do vício não o denuncie no prazo de 1 ano a partir desse conhecimento, ou, tendo-o denunciado, não intente a acção no ano subsequente à denúncia.</font><br> <font>No entanto, cumpre referir que a denúncia pode ser dispensada no caso de o adquirente detectar o defeito dentro do prazo de garantia e intente a acção no prazo de um ano a partir desse conhecimento, pois, então, a citação para a acção funcionará como denúncia. </font><br> <font>*</font><br> <font>Significa isto que os referidos prazos são independentes entre si.</font><br> <font>*</font><br> <font>Quanto ao ónus da prova, neste tipo de acções, é pacífico que compete ao adquirente provar a existência dos alegados defeitos da obra, pertencendo ao vendedor/construtor provar que a acção foi intentada intempestivamente.</font><br> <font>*</font><br> <font>* *</font><br> <font>*</font><br> <font>Como se disse, o prazo de garantia de 5 anos, inicia-se com a entrega da coisa, pois é intuitivo que é a partir desse momento que o adquirente tem efectiva possibilidade de se aperceber da existência dos vícios construtivos, dado o contacto directo com o imóvel.</font><br> <font>Porém, nem sempre é fácil determinar o momento em que deve ter-se a obra por entregue para efeito de se fixar o “dias a quo” para a contagem do prazo de garantia.</font><br> <font>A dificuldade tem-se colocado quando estamos em presença, como é o caso, de um prédio constituído em regime de propriedade horizontal e os defeitos invocados se referem às partes comuns do edifício.</font><br> <font>Nestas situações frequentes, vários têm sido as soluções propostas, defendendo-se que a entrega do imóvel para os aludidos efeitos, deve ter-se por efectuada:</font><br> <font>-na data da constituição da propriedade horizontal,</font><br> <font>-quando o vendedor entrega a 1ª fracção ao condómino adquirente,</font><br> <font>-com a entrega da última fracção alienada,</font><br> <font>-com a entrega da maioria das fracções, ou</font><br> <font>-quando é instituída a administração do condomínio, seja por iniciativa do construtor/vendedor, seja por acção dos condóminos.</font><br> <font>*</font><br> <font>O critério interpretativo a adoptar, há-de passar, como diz Cura Mariano (Responsabilidade Contratual do Empreiteiro – 3ª ed.), pela consideração de que o direito dos condóminos sobre as partes comuns foge às regras gerais da compropriedade, assumindo uma configuração própria em que a vontade dos condóminos não é valorada individualmente, mas sim enquanto membros duma organização dotada de órgãos próprios que exprimem a vontade colectiva do grupo.</font><br> <font>Assim, decisivo será “…a data em que o construtor faz a transmissão dos poderes de administração das partes comuns aos condóminos, o que só pode ter sucedido quando estes constituíram a sua estrutura organizativa, reunindo em assembleia de condomínio e elegendo o seu administrador”. </font><br> <font>*</font><br> <font>É esta posição pacificamente seguida neste S.T.J. e que também aqui se adopta.</font><br> <font>*</font><br> <font>* *</font><br> <font>*</font><br> <font>Postos os princípios aplicáveis a casos como o dos autos, resta saber em que medida o direito definido se repercute nas decisões impugnadas, independentemente, como já se referiu, da factualidade que se tenha ou venha a ter por definitivamente provada.</font><br> <font>*</font><br> <font>Ora, desde logo, como se viu, o regime aplicável é o do Artº 1225º do C.C. e não o dos Art.ºs 916º e 917º, como decidiu o acórdão recorrido.</font><br> <font>*</font><br> <font>Por outro lado, a data a partir da qual se inicia a contagem do prazo de garantia nunca seria a da entrega do imóvel, que o acórdão reportou ao início de 2001.</font><br> <font>Como se deixou dito, a data a considerar será aquela em que a assembleia de condóminos reuniu pela 1ª vez e elegeu a 1ª administração do condomínio (13/09/2003, segundo a A.).</font><br> <font>*</font><br> <font>Logo, provado ou não que o edifício foi entregue no início de 2001, essa data é irrelevante, daí que a argumentação do acórdão recorrido não possa ser aceite, e, portanto, não pode concluir-se, com base nela, ter caducado o direito da acção da A.</font><br> <font>*</font><br> <font>Mas, estará correcta a argumentação do saneador-sentença, devendo, por isso, manter-se essa decisão?</font><br> <font>Salvo melhor opinião, também ela não pode subsistir.</font><br> <font>O Mmº Juiz considerou que, tendo a A. requerido, em 10 de Maio de 2006, a notificação judicial avulsa dos RR para repararem os defeitos que discriminou nesse mesmo requerimento, necessariamente, e pelo menos nessa data, teve conhecimento dos ditos defeitos, e os denunciou. </font><br> <font>Assim, ocorrendo a denúncia dos defeitos em 10 de Maio de 2006, quando em 21 de Maio de 2007 a acção deu entrada em Juízo, já tinha decorrido mais de 1 ano sobre a data da denúncia, daí a caducidade do direito de acção que decretou, sem necessidade de maiores averiguações. </font><br> <font>*</font><br> <font>No entanto, se é inquestionável que, pelo menos em 10 de Maio de 2006, o A. tinha conhecimento da existência dos defeitos que na mesma data denunciou, já não pode fazer-se coincidir a data da denúncia com a data em que esta foi requerida através de notificação judicial avulsa.</font><br> <font>A denúncia dos defeitos da obra, para efeitos do disposto no Artº 1225º do C.C. tem a natureza de uma declaração receptícia, que só produz os seus efeitos quando chega ao poder ou ao conhecimento do destinatário dentro do prazo a está sujeito, e, por outro lado, o prazo para denunciar os defeitos é um prazo de caducidade ao qual não tem qualquer aplicação o disposto no Artº 323º do C.C.</font><br> <font>*</font><br> <font>Não há que confundir a denúncia em si mesmo, que apenas se efectiva com a notificação do destinatário, com o meio material utilizado (por ex. carta, notificação J. Av.) para levar a efeito a dita notificação.</font><br> <font>*</font><br> <font>Nem o vendedor/construtor pode ter-se por notificado da denúncia do adquirente/consumidor, no momento em que, por exemplo, este requereu, através de N.J.A., a notificação daquele, nem o adquirente pode ver o prazo que a lei lhe concede para denunciar os defeitos da obra, afectado pela demora dos serviços judiciais na execução da notificação. </font><br> <font>Portanto, ao que nos parece, o momento em que deve ter-se por realizada a denúncia, e que é o momento que marca o início ou o “dies a quo” da contagem do prazo de 1 ano para o exercício do direito de acção, é aquele em que os RR foram efectiva e realmente notificadas (e não aquele em que foi requerida a notificação). </font><br> <font>*</font><br> <font>Ora, como está certificado nos autos, as ditas notificações ocorreram nos dias 7/6/2006, 8/6/2006, 16/06/2006 e 29/5/2006, daí que, conforme o acima explicado, só nessas datas a A. denunciou aos RR os defeitos aqui em causa.</font><br> <font>*</font><br> <font>Assim sendo, facilmente se conclui que, quando a A. intentou a presente acção, em 21 de Maio de 2007, não tinha ainda decorrido o prazo de 1 ano contado desde qualquer das datas da denúncia.</font><br> <font>Não pode, por isso, afirmar-se a caducidade da acção como se fez no saneador-sentença. </font><br> <font>*</font><br> <font>* *</font><br> <font>*</font><br> <font>Não procedendo a excepção da caducidade no enquadramento equacionado quer pelo saneador-sentença, quer pelo acórdão recorrido, é evidente que fica prejudicada a demais argumentação recursiva, que, por isso, aqui não é abordada.</font><br> <font>*</font><br> <font>Por outro lado, não podendo considerar-se a data de 10 de Maio de 2006 como sendo o início do prazo de 1 ano para a instauração da acção, nem podendo partir--se do início de 2001, para computar o prazo de garantia de 5 anos, como tudo resulta do que acima se deixou explicado, não é possível, na fase processual em que se encontram os autos, proferir decisão de mérito, visto que a grande parte da factualidade necessária para o efeito se encontra controvertida.</font><br> <font>*</font><br> <font>Por conseguinte, revogado o acórdão recorrido e anulado o saneador-sentença, devem os autos prosseguir seus ulteriores e normais termos.</font><br> <font>*</font><br> <font>* *</font><br> <font>*</font><br> <br> <font>Decisão:</font><br> <font>*</font><br> <font>Termos em que acordam neste S.T.J. em conceder revista e, em consequência, revogar o acórdão recorrido, anulam o saneador – sentença e determinam que os autos prossigam os seus ulteriores e normais termos processuais.</font><br> <font>*</font><br> <font>* *</font><br> <font>*</font><br> <br> <font>Custas pela parte ou partes que decaírem a final.</font><br> <font>*</font><br> <font>Lisboa, 14 de Janeiro de 2014</font><br> <font>Moreira Alves </font><br> <font>Alves Velho</font><br> <font>Paulo de Sá</font></font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font> <p><b><font> </font></b></p><div><br> <font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça</font> <p><font> </font></p></div><br> <font>A "AA ...", intentou acção declarativa de condenação, sob a forma de processo civil experimental, contra "BB" e CC pedindo a sua condenação solidária no pagamento da quantia de € 105 119,50, acrescida de juros contados à taxa legal em vigor para as operações comerciais da data de citação até efectivo e integral pagamento. </font> <p><font>Alegou em resumo, que, em 19/08/2011, a Ré, no âmbito da sua actividade de transporte rodoviário de mercadorias, contratou com "DD, L.da" o transporte de 4.323 pares de botas para homem, no valor total de €105 119,50; que a sociedade "EE" encomendara à "DD" vários pares de botas para homem nos tamanhos, cores e referências constantes da factura de fls. 13 e ss; que, de harmonia com as condições negociais estabelecidas entre a "DD" e a "EE", a venda em causa era "C.A.D.", isto é, a entrega do calçado ao destinatário seria efectuada contra efectivo pagamento da mercadoria, através de transferência bancária; que esta condição foi repetida e insistentemente comunicada à Ré, verbalmente e por escrito.</font> </p><p><font>&nbsp;A Ré não descarregou os 319 cartões na programada "Rhenus", transportando estes, e os restantes 102 para a Holanda, onde os entregou à "EE", em dia indeterminado posterior a 22 de Agosto de 2011 e sem prévia confirmação de pagamento por parte do expedidor; que os Réus agiram voluntária e intencionalmente contra as condições de venda e entrega estabelecidas e constantes das declarações "CMR", não cumprindo as obrigações emergentes do contrato de transporte a que se vincularam.</font> </p><p><font>Com a sua conduta, os Réus causaram à "DD" um prejuízo no valor de € 105 119,50, equivalente ao preço do calçado entregue, acrescido de juros contados, à taxa legal em vigor para as operações comerciais, desde a data de citação até integral pagamento.</font> </p><p><font>Em sede de legitimidade, justifica que, por meio de contrato com o teor de fls. 23 e ss., a sociedade "DD" lhe cedeu o crédito invocado na presente acção.</font> </p><p><font>&nbsp;Os Réus vieram contestar, excepcionando a ilegitimidade da Autora e a sua ilegitimidade para os termos da presente acção e contrapõem ter sido a sociedade "EE" quem contratou os serviços da Ré sociedade para efectuar o transporte dos autos, quem lhe deu todas as ordens e directrizes relativas a esse serviço de transporte e quem lhe pagou o respectivo serviço; que no dia 21/08/2011, a "EE" comunicou-lhes que a mercadoria deveria seguir toda para a Holanda e ser entregue nas suas instalações, o que levaram a efeito.</font> </p><p><font>Concluem pedindo a sua absolvição do pedido.</font> </p><p><font>No despacho saneador as partes foram julgadas legítimas.</font> </p><p><font>Foi, posteriormente, proferida sentença com o seguinte dispositivo. “Pelo exposto, julga-se a presente acção parcialmente procedente, por parcialmente provada e, em consequência: Condena-se a 1ª Ré “BB - ..., LDA” a pagar à Autora "AA, CRL" a quantia de € 105 119,50 (cento e cinco mil cento e dezanove Euros e cinquenta cêntimos), acrescida de juros&nbsp;&nbsp; de mora, às sucessivas taxas de juros comerciais, vencidos desde a data de citação da Ré e até efectivo e integral pagamento e Absolve-se o 2° Réu CC do pedido contra si formulado.”</font> </p><p><font>“BB, Lda.”, interpôs recurso, para a Relação do Porto. </font> </p><p><font>“A AA CRL” apresentou contra-alegações.</font> </p><p><font>A final, os Réus foram absolvidos da instância por ilegitimidade.</font> </p><p><font>A matéria de facto assente é a seguinte:</font> </p><p><font>1)&nbsp;&nbsp;&nbsp; A Ré sociedade dedica-se ao transporte rodoviário de mercadorias.</font> </p><p><font>2)&nbsp;&nbsp;&nbsp; No âmbito da sua descrita actividade, em 19/08/2011, a Ré "BB, L.da" comprometeu-se perante a sociedade comercial denominada "DD, L.da", com sede e estabelecimento na ..., a efectuar o transporte de 4.323 pares de botas para homem.</font> </p><p><font>3)&nbsp;&nbsp;&nbsp; Parte desse calçado foi acondicionado em 319 cartões e, outra parte, foi-o em 102 cartões, somando as mercadorias contidas nos dois cartões o valor total de € 105 119,50.</font> </p><p><font>4) A "DD, L.da" tinha acordado com a sociedade "EE", sedeada na Holanda, ..., que o preço do transporte seria suportado por esta.</font> </p><p><font>5) A sociedade "EE", sugeriu à Autora que fosse a Ré "BB" a efectuar o transporte dos autos.</font> </p><p><font>6)&nbsp;&nbsp;&nbsp; A "EE" pagou à Ré sociedade o preço a acordado entre ambas para tal transporte.</font> </p><p><font>7)&nbsp;&nbsp;&nbsp; A sociedade "EE" encomendara à "DD Lda" 5.345 pares de botas para homem nos tamanhos, cores, e referências que constam da factura n.° 110048, de 18/08/2011, no valor de € 130.408,00, com o teor de fls. 15, que aqui se dá por reproduzido.</font> </p><p><font>8)&nbsp;&nbsp;&nbsp; Alguns dias antes, a dita "EE" solicitou à "DD" a entrega de, apenas, 4.323 pares de botas, emitindo esta, em 22/12/2011, a correspondente nota de crédito, no valor de € 25.288,50, que tomou o n.° ..., com o teor de fls. 16, que aqui se dá por reproduzido.</font> </p><p><font>9)&nbsp;&nbsp;&nbsp; 0 carregamento, efectuado em 19/08/2011, abrangeu o indicado total de&nbsp;&nbsp; 4.323 pares de botas para homem, no valor conjunto de € 105.119,50 (€&nbsp; 130.408,00 - € 25.288,50), que ficaram ao cuidado da Ré a partir do referido dia.</font> </p><p><font>10)&nbsp; As indicadas sociedades "DD Lda" e "EE" combinaram entre si que 319 cartões seriam entregues à sociedade "FF, Lda", com domicílio na ..., que posteriormente se encarregaria de organizar o seu transporte com destino à Holanda, e que 102 cartões seriam entregues pela Ré directamente no domicílio da cliente da "EE", denominado "..., na Holanda.</font> </p><p><font>11)&nbsp; As indicadas sociedades "DD, Lda" e "EE" combinaram entre si que a venda era "C.A.D.", querendo com isto significar que, tanto a "FF" como o transportador, somente poderiam descarregar e proceder à entrega das mercadorias mediante confirmação prévia da "DD, Lda" nesse sentido, conferida após efectivo pagamento da mercadoria, no caso operado por meio de transferência bancária.</font> </p><p><font>12)&nbsp; Sem esta condição o carregamento e o transporte não teriam sido contratados e autorizados pela "DD, Lda".</font> </p><p><font>13)&nbsp; Esta condição foi comunicada pela "DD, Lda" à Ré sociedade e ao seu representante legal, verbalmente e por escrito.</font> </p><p><font>14)&nbsp; Chegado às instalações da "FF", na Maia, nesse mesmo dia 19/08/2012, o camião da Ré "BB" não pôde descarregar e entregar os 319 cartões porque as referidas instalações encontravam-se já encerradas para o fim-de semana.</font> </p><p><font>15)&nbsp; No domingo, dia 21/08/2011, a "EE" comunicou à Ré "BB" que a mercadoria que estava naquele camião deveria seguir toda para a Holanda e ser entregue nas suas instalações em “...”, incluindo a que se destinava inicialmente a ser entregue na "FF".</font> </p><p><font>16)&nbsp; No dia 22/08/2011, o representante da Ré informou a sócia gerente da "DD, Lda" de que não iria entregar os 319 cartões na "FF" e que procederia ao transporte dos 421 cartões para a Holanda.</font> </p><p><font>17)&nbsp; Para tanto invocou instruções, alegadamente por si recebidas da "EE", no sentido de transportar e entregar os 421 cartões na Holanda, sem passar pelo transitário "FF", a que daria cumprimento.</font> </p><p><font>18)&nbsp; Acrescentou o mencionado representante legal que a entrega das mercadorias seria feita absolutamente livre, que o mesmo é dizer, sem prévia confirmação do pagamento e autorização para tal.</font> </p><p><font>19)&nbsp; A "EE" informou a "DD", por escrito na manhã do dia 22/08/2011, da alteração do destino de parte da mercadoria que estava no camião da Ré “BB".</font> </p><p><font>20)&nbsp; 0 representante legal da Ré colocou as mercadorias em trânsito e transportou todos os cartões para a Holanda, onde os e entregou à "EE" em dia indeterminado posterior a 22 de Agosto de 2011.</font> </p><p><font>21)&nbsp; Uma vez na posse das mercadorias, a "EE" não pagou o preço das mesmas, no montante de € 105.119,50, aplicando-as no desenvolvimento da sua actividade.</font> </p><p><font>22)&nbsp; A 1ª Ré e o seu representante agiram pela forma acima descrita com o propósito de prejudicar a "DD, Lda" e favorecer a "EE".</font> </p><p><font>23)&nbsp; A "DD, Lda" e a aqui Autora celebraram, 22/03/2012, um contrato que apelidaram de "Contrato de Cessão de Créditos", com o teor de fls. 23 e ss., que aqui se dá por reproduzido.</font> </p><p><font>24)&nbsp; Em 24/07/2012, o mandatário da aqui Autora endereçou à Ré sociedade uma carta com o teor de fls. 27 e 28, que aqui se dá por reproduzido, a qual foi recebida por esta.</font> </p><p><font>A restante matéria de facto considerou-se como não provada, designadamente: </font> </p><p><font>-&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; Que, cerca das 09:00 horas do dia 22/08/2011, o representante legal da Ré, Vasco da Encarnação Cruz, aqui segundo Réu, tivesse contactado a sócia-gerente/da "DD Lda", GG, informando-a de que as mercadorias - em seu poder há três dias - ficariam retidas até que a "EE" lhe pagasse alguns serviços prestados que se encontravam em dívida;</font> </p><p><font>-&nbsp;&nbsp;Que, neste mesmo dia 22/08/2011, a sócio-gerente da "DD Lda" tivesse avisado o legal representante da Ré que deveria proceder, imediatamente, à devolução das mercadorias ou facultar a sua recolha ao expedidor...;</font> </p><p><font>-Que lhe tivesse apenas referido que iria contactara "EE";</font> </p><p><font>-&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; Que a sociedade estrangeira "EE", sediada na Holanda, tivesse contactado a Ré "BB" para efectuar o transporte dos autos, incumbência que esta aceitou;</font> </p><p><font>-&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; Que a representante da "DD, Lda" nunca tivesse comunicado à sociedade Ré qual o valor da mercadoria transportada e a cobrar da "EE".</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>A Autora pede revista alinhando as seguintes conclusões:</font> </p><p><font>— O contrato de cessão de créditos dos autos envolve o direito de a A., cessionária, accionar a ré "BB" e reclamar desta última o pagamento do crédito cedido, independentemente de a mesma Eé não figurar, expressa ou nominalmente, como “debitor cessus”, ou da natureza indemnizatória da obrigação;</font> </p><p><font>— Por um lado, o contrato consigna que a cessão implica a transferência a título definitivo para a 2º outorgante de todos e quaisquer direitos e obrigações emergentes dos créditos a que respeitam, e abrange as garantias associadas, as quais continuarão a assegurar o cumprimento desses créditos, em benefício da cessionária,</font> </p><p><font>— Por outro lado, o art.° 582.°, do C. Civil, estipula que a cessão do crédito importa a transmissão, para o cessionário, das garantias e outros acessórios do direito transmitido, que não sejam inseparáveis da pessoa do cedente;</font> </p><p><font>— O contrato e a lei confirmam, assim, a possibilidade de a A. demandar a R., sendo que as "garantias" e "acessórios" referenciados naquele preceito legal devem ser entendidos no sentido amplo, incluindo toda e qualquer situação jurídica directamente relacionada com o crédito, como é o caso;</font> </p><p><font>— Certo é, também, que a menção"13- EE .... com sede em ..., no montante de 105. 119. 50 € (P° 1374/11.3TAVFRV)” inscrita no Anexo 1, do contrato de cessão de créditos, engloba a alusão ao processo n.° 1374/11.3 TAVFR, nascido de uma queixa - crime movida pela cedente "DD" à BB e ao seu sócio, CC, com origem na entrega da mercadoria á "EE" á revelia da cláusula C.A.D., cujos termos correram pelo Tribunal de ...;</font> </p><p><font>— A inclusão do processo na dita menção demonstra, além do mais (entrega da mercadoria contra as indicações do transportador), que a ré, Jetromer, estava, como está, iniludivelmente associada (como devedora) ao crédito cedido;</font> </p><p><font>— Por isso, notificada da cessão, nos termos do artigo 583.°, n.º 1, do C.Civil, com explicitação da origem do crédito e dos motivos pelos quais era exigida a sua responsabilidade (doc. n.º 11, junto com a p.i.), a R., não ofereceu resposta, quando poderia e deveria fazê-lo se alguma coisa entendesse ter a opor;</font> </p><p><font>— A cessão tornou-se, assim, eficaz, perante a ré, pelo que a notificação equivale à sua aceitação, sendo que a mesma ré, mantém para com o cessionário do crédito a obrigação de agir de boa - fé, em consonância com o consignado no n.º 2, do art.º 762.°, do C. Civil;</font> </p><p><font>— Nessa conformidade, subsistindo a seu favor os demais meios de defesa oponíveis ao cedente (cfr. art.º 585.°. do C. Civil), não assiste à ré o direito de invocar a sua ilegitimidade que, em todo o caso, lhe falece;</font> </p><p><font>— Ora, em concreto, a realização/materialização do direito de crédito cedido passa inevitavelmente pela acção interposta contra a Ré, “BB”, de harmonia com os fundamentos da acção vertidos no pedido formulado pela A., decorrentes do preceituado no art.º 21.° da Convenção CMR (D.L. n.º 46.235, de 18.03.65);</font> </p><p><font>— O direito de a A. demandar a Ré, “BB”, é parte integrante do crédito cedido, acha-se exclusivamente conexionado com o mesmo e, mais do que um acessório, funciona como garantia ou meio para a sua realização;</font> </p><p><font>— Em sentido contrário, a decisão recorrida invoca conceitos como o de terceiro ou o da natureza da obrigação (obrigação de indemnização decorrente do instituto da responsabilidade civil previsto nos artigos 483.° e segs. do C. Civil, com as especificidades da Convenção Relativa ao Contrato de Transporte Internacional de Mercadorias);</font> </p><p><font>— Com o máximo respeito pelo meticuloso trabalho de ponderação e análise empregue pela(s) Ilustríssima(s) Desembargadora(s) no conhecimento do recurso deduzido pela Ré, aqui recorrida, tais conceitos não serão chamados à lide, porquanto não interferem com a legitimidade das partes, moldada pela cessão;</font> </p><p><font>— Assentando, nos termos do art.° 30.°, do CP. Civil, em que a A., aqui recorrente, tem interesse directo em demandar, e que a Ré, aqui recorrida, tem interesse directo em contradizer, decidiu bem o Tribunal de 1.ª Instância ao julgar as partes legítimas.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Não foram oferecidas contra-alegações.</font> </p><p><font>Colhidos os vistos cumpre conhecer.</font> </p><p><font>A conhecer.</font><br> <font>1- Cessão de créditos.</font><br> <font>2- Legitimidade.</font><br> <font>3- Conclusões.</font><br> <font> </font></p><div><font>*</font></div><font>1- </font><u><font>Cessão de créditos</font></u><br> <font> </font><br> <font>1-1- Importam algumas considerações sobre a figura da cessão de créditos antes de proceder à subsunção dos factos ao direito, em termos em lograr a decisão do recurso.</font><br> <font>Acompanhamos o Prof. Antunes Varela, que refere tratar-se do “contrato pelo qual o credor transmite a terceiro, independentemente do consentimento do devedor, a totalidade ou uma parte do seu crédito (artigo 577.º)” – in “Das Obrigações em geral”, II, 6.ª ed. 293.</font><br> <font>Refere ainda que “o termo cessão, tanto designa o acto (contrato) realizado entre cedente e cessionário, como o efeito fundamental da operação (a transmissão da titularidade do crédito)”, sendo que esta pode ser operada não só por via convencional, ou contrato de cessão, mas também por disposição de lei ou por decisão judicial (cf. o artigo 588.º CC).</font><br> <font>Para o Prof. Menezes Cordeiro (apud “Direito das Obrigações”, 2.º volume, 1994, p. 90 os requisitos da cessão são “um acordo entre o credor e o devedor; consubstanciada num facto transmissivo (fonte da transmissão); a transmissibilidade do crédito”.</font><br> <font>Mais detalhadamente, o Prof. Menezes Leitão nota serem “requisitos da cessão de créditos: a) um negócio jurídico a estabelecer a transmissão da totalidade ou de parte do crédito; b) a inexistência de impedimentos legais ou contratuais a essa transmissão; c) a não ligação do crédito, em virtude da própria natureza da prestação, à pessoa do credor.” (“Direito das Obrigações” II, 11.ª ed., p.14).</font><br> <font>A cessão pode ter causas diversas razão porque o Prof. Antunes Varela a apode de contrato “policausal” ou “polivalente” (ob. cit., 295), louvando-se no n.º 1 do artigo 578.º CC (“Os requisitos e efeitos da cessão entre as partes definem-se em função do tipo de negócio que lhe serve de base”).</font><br> <font>Na exegese deste preceito, continua o Prof. Menezes Leitão (agora, apud “Cessão de Créditos”, 17/20) afirmando que este tipo é um efeito do negócio – base em que se integra sendo através do regime deste que se vai determinar a forma e o regime jurídico aplicável, já que o negócio constitui uma forma de transmissão abstracta do crédito.</font><br> <font>Nesta linha, o Prof. Dias Marques (in “Noções Elementares de Direito Civil”, 7.ª ed., p. 188) ensina que a cessão de créditos “pode definir-se como a sucessão de um crédito por efeito de um negócio jurídico «inter vivos» (v.g. venda, doação, troca …) através do qual o credor transmite a um terceiro o seu direito”.</font><br> <font>A cessão não pode afectar, em termos de prejudicar, a posição que o devedor tinha para com o cedente, ainda que se tratasse de obrigação com vencimento posterior à cessão, desde que a sua constituição seja anterior ao conhecimento desta, ou sua coeva. (cf. Prof. A. Varela, ob. cit. 287 e nota 1; Prof. Vaz Serra, “Cessão de Créditos ou de Outros Direitos”, BMJ, 1955, 130; e Prof. Ribeiro de Faria, “Direito das Obrigações”, II, 2.ª ed., 539).</font><br> <font>Obviamente que ficam fora da defesa do devedor cedido as circunstâncias do negócio causa da cessão, outorgado entre cedente e cessionário, do qual resultou a transmissão do crédito e que apenas relevam entre estes (cf. Doutor Luis Pestana de Vasconcelos, in “Dos Contratos de Concessão Financeira [Factoring]”, apud “Studia Iuridica”, 43, BFDUC, 1999, 314).</font><br> <font>O que está absolutamente vedado é piorar-se a situação do devedor que continua a poder dispor dos meios de defesa de que podia lançar mão.</font><br> <font>Assim, e se, v.g., o devedor tiver um crédito (contra-crédito) sobre o cedente pode obter a compensação logo após a cessão ou, só mais tarde, quando o pagamento lhe for exigido pelo novo credor.</font><br> <font>1-2- Há ainda, e sobretudo pelo que acabámos de expor, impor-se ser dado conhecimento da cessão ao devedor pois é do seu interesse saber, em cada momento, quem é o seu credor, pois que, como regra, aprestação feita a credor aparente não tem eficácia liberatória.</font><br> <font>Como se julgou no Acórdão do STJ de 6 de Novembro de 2012 – 314/2002.S1.L1 – “que proteger a boa fé do devedor que confia na aparência de estabilidade subjectiva do contrato, frustrada pela omissão de informação do primitivo credor cedente. Se, nesse caso, cumpre perante este, cumpre perante quem crê ser ainda seu credor, não devendo, por isso, ser prejudicado (cfr. arts 707.º e 583.º - 2 C. Civil)”.</font><br> <font>E, de seguida, cita o Doutor Pestana de Vasconcelos “A Cessão de Créditos em Garantia e a Insolvência”, 405 – “… a lei protege a confiança do devedor nessa aparência, impedindo que, até ao momento em que teve conhecimento seguro da alteração no lado activo da relação, essa modificação da titularidade do crédito lhe seja oposta.” (cf. também, os Acórdãos do STJ de 4 de Maio de 2010 – 3117/08.0TVLSB.L1.S1; de 27 de Maio de 2004 – CJ – STJ Ano XII, Tomo 2, 75).</font><br> <font>1-3- O devedor não pode invocar, como defesa, factos posteriores ao conhecimento da cessão, ficando também excluídas as excepções conectadas com o negócio causa da cessão, entre cedente e cessionário, das quais resultou a transmissão do crédito. (cf. Prof.</font><sup><font>s </font></sup><font>Pires de Lima e A. Varela, “Código Civil Anotado”, I, 4.ª ed. 601).</font><br> <font>A lei impede assim que a modificação da obrigação quanto ao credor prejudique “a posteriori” os meios de defesa de que o devedor podia ter lançado mão, sempre considerando este como um terceiro em relação ao contrato de cessão e, por isso, não poder ver a sua situação agravada pela transferência do direito de crédito.</font><br> <font>Do que fica exposto e da matéria de facto atrás elencada, conclui-se ter havido um contrato de cessão de créditos, nos termos dos artigos 577.º, 583.º e 585.º do Código Civil (cf., e, por todos, o Prof. Almeida Costa – “Noções Elementares de Direito Civil”, 4.ª ed. 179 ss).</font><br> <font>2- </font><u><font>Legitimidade</font></u><font>.</font><br> <font> </font><br> <font>2-1- O aresto recorrido absolveu os Réus da instância por entender perfilar-se a excepção de ilegitimidade.</font><br> <font>E, nuclearmente, assim justifica o julgado:</font><br> <font>“Se atentarmos bem o que se diz é que a DD cedeu à autora os créditos que detinha sobre a EE e, efectivamente, do contrato cessão e referido anexo o que consta é, e tão só, o crédito da DD sobre EE., no montante de € 105.119,50.</font><br> <font>É o crédito correspondente à venda dos sapatos pela DD, cedente, à EE.</font><br> <font>Trata-se do crédito que a DD detém sobre a EE</font><br> <font>E, nesta linha de raciocínio, tudo estaria certo, em termos de legitimidade, se a autora demandasse a EE, figurando ela, Autora, agora como credora por via do contrato de cessão de créditos que operou a transferência da relação obrigacional pelo lado activo.</font><br> <font>Só que não é isso que se passa visto que a autora não vem demandar a EE mas antes a transportadora BB e o representante legal desta, CC.</font><br> <font>E, frisa-se, não consta do contrato de cessão qualquer crédito da DD contra estes.</font><br> <font>Portanto, não constando o referido crédito do objecto da cessão, não pode a cessionária vir invocá-lo.</font><br> <font>O equívoco reside na circunstância de, como se viu, a Autora vir alegar que os aqui RR., BB e o representante legal desta, CC agiram em violação das condições de entrega contratualmente estabelecidas e constantes, além do mais, das declarações CMR, entregando a mercadoria sem o recebimento do preço, o referido montante de € 105.119,50, o qual a EE não veio a pagar. Mas essa é outra controvérsia.” (…)</font><br> <font>“No caso prefigura-se, em relação aos RR, que a obrigação invocada é uma obrigação de indemnização decorrente do instituto da responsabilidade civil previsto nos artigos 483° e ss. do C.Civil. Será uma responsabilidade civil contratual com as especificidades da CONVENÇÃO RELATIVA AO CONTRATO DE TRANSPORTE INTERNACIONAL DE MERCADORIAS POR ESTRADA (CMR), nomeadamente, o artigo 21° que dispõe que "Se a mercadoria for entregue ao destinatário sem cobrança do reembolso que deveria ter sido percebido pelo transportador em virtude das disposições do contrato de transporte, o transportador tem de indemnizar o expedidor até ao valor do reembolso, salvo se proceder contra o destinatário", o artigo 27° referente aos juros e o artigo 33° que respeita à prescrição.” (…)</font><br> <font>“Estando em causa uma obrigação de indemnizar (emergente de responsabilidade civil), essa obrigação e respectivo direito de crédito não tem existência real sem que seja declarada a verificação do facto de que emerge esse crédito (a responsabilidade civil, (vide Ac.&nbsp; desta&nbsp;&nbsp; Relação&nbsp; de&nbsp; 03-11-2010,&nbsp; proc.&nbsp;&nbsp; 8607/08.1YYPRT-A.P1&nbsp;&nbsp; in </font><a><u><font>www.dgsi.pt</font></u></a><font>).</font><br> <font>Portanto, dependendo a responsabilidade civil (contratual ou extracontratual) de diversos requisitos que têm de ser judicialmente verificados (independentemente da presunção de culpa, em sede contratual, a que alude o artigo 799.°, n.° 1, do C.Civ.), com consequente arbitramento do montante indemnizatório adequado que ao caso couber, salvo casos de acordo entre as partes (lesante/devedor e lesado/credor), só por via de decisão judicial se poderá determinar se o crédito indemnizatório existe e a que montante ascende.” (…)</font><br> <font>“Isto posto, conclui-se que o contrato de cessão de créditos em que a autora estriba a sua legitimidade para a presente acção não abrange qualquer crédito de que os RR sejam devedores à cedente.</font><br> <font>A Autora vem demandar não um devedor da cedente pelo crédito objecto da cessão, o qual seria a EE, mas terceiros contra quem a cedente reclama um direito de indemnizatório, direito este que, para que a autora o pudesse invocar, teria:</font><br> <font>1º - de estar judicialmente reconhecido;</font><br> <font>2° e de ter sido objecto do contrato da cessão de créditos em que figura como cessionária.</font><br> <font>Temos de concluir que&nbsp; não&nbsp; existe&nbsp; entre&nbsp; autora&nbsp;&nbsp; e RR&nbsp; uma&nbsp; relação material controvertida e, consequentemente, um interesse directo da autora em agir e um interesse directo dos RR em contradizer- artigo 30° do CPC.</font><br> <font>Vale dizer que se verifica a excepção dilatória da ilegitimidade das partes, nos temos do disposto nos artigos 576° n°s 1 e 2 e 577.° al. e) do CPC, o que implica a absolvição dos RR da instância.”</font><br> <font> </font><br> <font>Tal interesse em agir (que a doutrina alemã denomina de necessidade de tutela jurídica) consiste essencialmente, como ensinam os Prof.</font><sup><font>s</font></sup><font> Antunes Varela, J.Miguel Bezerra e Sampaio e Nora (Manual de Processo Civil, 2.ª edição) "na necessidade de usar do processo, de instaurar ou fazer a acção", o que significa, dito de outra forma, que "o autor tem interesse processual quando a situação de carência em que se encontra, necessita de intervenção dos tribunais".</font><br> <font>Também, ensina o Prof. Manuel de Andrade, ser “o interesse em utilizar a arma judiciária - em recorrer ao processo. Não se trata de uma necessidade estrita, nem tão pouco de um qualquer interesse por vago e remoto que seja; trata-se de algo de intermédio: de um estado de coisas reputado bastante grave para o demandante, por isso tornando legítima a sua pretensão a conseguir por via judicial o bem que a ordem jurídica lhe reconhece (cf. Noções Elementares de Processo Civil, 2.ª edição, p. 79).</font><br> <font>Definido, assim, o interesse processual em agir, logo se vê que não se confunde com o pressuposto processual legitimidade.</font><br> <font>É certo que na letra da lei, o conceito de legitimidade passa pelo "interesse directo em demandar" (art.° 30.º do CPC), ou, pelo menos, por um interesse indirecto, nos casos de legitimação resultante do direito substantivo, mas, em qualquer caso, este interesse não se confunde com o interesse em agir, “visto que pode ter-se o direito de acção, por se ser o titular da relação material, ou por a lei especialmente permitir a intervenção processual a quem não é o titular daquela relação, e, todavia, perante as circunstâncias concretas do caso não existir qualquer necessidade de recorrer ao tribunal para definir, reconhecer ou fazer valer o direito (não há litígio, ninguém contesta o direito, não existem razões suficientemente ponderosas para justificar a intervenção do tribunal…)” </font><br> <font>Não havendo, pois, necessidade da demanda, não estando a parte carecida de intervenção do tribunal, pode ter legitimidade processual para discutir a questão, mas falta-lhe o interesse processual (isto é, o interesse em agir), e, sendo este um pressuposto processual, com autonomia, ainda que inominado, está vedado ao juiz o conhecimento do mérito (cf. Prof. Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declarativo, Vol. II, pp. 253/254) … e &nbsp;cf. Acórdão do STJ de 5 de Fevereiro de 2013 – 684/10.1YXLSB.L1.S1.</font><br> <font>2-2- Com o merecido respeito não se acompanha a argumentação explanada, no Acórdão posto em crise.</font><br> <font>A legitimidade processual tal como decorre do art.30° do Código do Processo Civil afere-se pela configuração que o Autor faz da acção na sua petição inicial.</font><br> <font>Diz o art.30° n°3 do CPC que "na falta de indicação da lei em contrário, são considerados titulares do interesse relevante para efeito de legitimidade os sujeitos da relação controvertida, tal como é configurada pelo autor".</font><br> <font>A legitimidade é um conceito de relação traduzindo a conexão entre o demandante e o objecto do processo.</font><br> <font>Numa primeira fase da sua construção a legitimidade apresenta-se como uma concepção complexa - abrangendo o conjunto de pressupostos subjectivos relativos às partes, e por vezes algumas condições da acção.&nbsp; </font><br> <font>Não enveredando pela explanação das teses já demasiado exauridas (que opuseram o Prof. Barbosa de Magalhães ao Prof. José Alberto dos Reis) temos como assente que a legitimidade processual, como os demais pressupostos processuais, é de averiguar em face da relação jurídica controvertida, tal como a desenha o autor.</font><br> <font>Da legitimidade processual distingue-se a legitimidade “ad actum”, que consiste no complexo que representa os pressupostos da titularidade, por um sujeito, de certo direito que invoque ou que lhe seja atribuído.</font><br> <font>A lei, a doutrina e a linguagem corrente falam em legitimidade para designar essas condições subjectivas da titularidade do direito.</font><br> <font>A falta delas dará lugar, na mesma terminologia, a uma ilegitimidade.</font><br> <font>Esta, porém, é uma figura diferente da legitimidade “ad processum”.</font><br> <font>A legitimidade posta em crise no Acórdão recorrido, é-o em sentido material atinente ao mérito da causa.</font><br> <font> </font><br> <font>2-3- Aqui chegados, e atendendo à exegese feita quanto à cessão de créditos e à legitimidade, podemos concluir que a questão que se coloca e parece ser a perspectiva acolhida no aresto recorrido, é a da legitimidade substantiva.</font><br> <font>Porém não foi isso que afirmou em remate o acórdão da Relação, qualificando a legitimidade como processual e tirando daí a absolvição da instancia do R.</font><br> <font>Nesta fase processual e ,havendo até um caso julgado formal quanto à legitimidade adjectiva – apreciada em termos concretos e não meramente tabelares- ,não poderia a Relação reapreciar essa legitimidade, nem este STJ pode qualificar de outro modo a legitimidade, dizendo-a material, sem violação da proibição da “reformatio in pejus” (cf Acordão do STJ de 2 de Junho de 2015-505/07.2TVLSB.L1.S1).</font><br> <font>Impõe-se, por isso, na procedência parcial do recurso, revogar o Acordão recorrido, devendo a Relação, sendo caso, apreciar a legitimidade material, e as demais questões suscitadas na Apelação e que foram consideradas prejudicadas, bem como aquelas que possa conhecer oficiosamente.</font><br> <font> </font><br> <font>3- </font><u><font>Conclusões</font></u><br> <font> </font><br> <font>Pode, então, concluir-se que:</font><br> <font>a) A cessão de créditos é uma forma de transmissão do direito de crédito, no todo ou parcialmente, que opera por acordo entre o credor e um terceiro.</font><br> <font>b) Reveste a natureza de contrato causal (policausal ou polivalente) não constituindo a mesma entre nós uma forma de transmissão abstracta do crédito, antes delimitando a posição jurídica inicial do cedente a posição jurídica obtida pelo cessionário transmissivo.</font><br> <font>c) O devedor não pode invocar, como defesa factos posteriores ao conhecimento da cessão, ficando também excluídas as excepções conectadas com o negócio causa da cessão, entre cedente e cessionário das quais resultou a transmissão do crédito.</font><br> <font>d) Os efeitos da cessão de créditos entre as partes, (o cedente e o cessionário) estão sempre dependentes do tipo de negócio que lhe serve de base, mas, em relação ao devedor, a eficácia depende de um de dois factores, ou seja, a notificação e aceitação.</font><br> <font>e) O devedor cedido pode impugnar, perante o adquirente do crédito, a sua existência e todas as excepções a que teria podido recorrer face ao cedente.&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; </font><br> <font>f) Configurada pelo Autor a relação jurídica, nomeadamente no que tocará posição que nela desempenham os respectivos sujeitos, não se põe a questão da legitimidade colocando-se apenas o problema de mérito.</font><br> <font>g) Numa primeira fase de construção da legitimidade ela apresenta-se como uma concepção complexa - a legitimidade aparece-nos como abrangendo o conjunto de pressupostos subject
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><br> <font> </font><br> <font> </font><br> <font> Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font><br> <font> </font><br> <font> </font><br> <font> </font><br> <font> </font><b><font>I- Relatório</font></b><font>:</font><br> <font> 1-1- </font><b><font>AA</font></b><font>, divorciado, residente na Av. … …, …° A, ...- Almada, propôs a presente acção com processo ordinário contra </font><b><font>BB </font></b><font>e</font><b><font> CC</font></b><font>, casados entre si no regime da comunhão de adquiridos e residentes na Rua ..., lote …, ..., em …, </font><i><font>pedindo</font></i><font> a condenação dos RR. no pagamento da quantia de Esc. 8.922.250$00, acrescidos de juros desde a citação, devendo ser declarados como tendo dado causa ao incumprimento do contrato de promessa que identifica e que com eles celebrou em 27/01/1992, por culpa exclusiva deles e ainda a sua condenação no pagamento duma indemnização - a liquidar em sede de liquidação de sentença - por despesas efectuadas por aquisições a favor do estabelecimento e por lucros cessantes, correspondente ao sinal prestado em dobro, considerando-se que foram os RR. que deram azo ao incumprimento do contrato por culpa exclusiva destes. </font><br> <font> Fundamenta este pedido, em síntese, dizendo que celebrou com os RR., em 27/01/1992, um contrato promessa bilateral tendo por objecto, a compra e venda de vários imóveis, a compra e venda de bens móveis (máquinas, equipamento e recheio de um estabelecimento), o arrendamento comercial ao A. das instalações dum estabelecimento comercial e a cessão ao A. da posição contratual dos promitentes vendedores ora RR. no referido estabelecimento, tendo entregue aos RR., a título de sinal e princípio de pagamento, a quantia total de Esc. 4.461.125$00 (Esc. 4.000.000$00 + Esc. 150.000$00 mensais, nos meses de Fevereiro, Março e Abril de 1992). Porém, veio a descobrir que todos os imóveis (prometidos comprar/vender) não estavam registados na Conservatória nem nas Finanças, porque foram ilegalmente construídos, razão pela qual nunca poderia ser celebrada a escritura pública de compra e venda (o contrato definitivo). O estabelecimento comercial cujas instalações lhe foram dadas de arrendamento não tinha as licenças necessárias para poder funcionar normalmente durante o ano de 1992 (as quais só mais tarde foram obtidas pelo A.), mas apenas para laborar até às 23,00 h, apesar de os RR. lhe terem garantido que tinham licenças para laborar até às 04,00 h da madrugada. As partes quiseram renegociar o contrato mas os RR. romperam as negociações em curso, invadiram o estabelecimento, retiraram à força a chave e impediram o A. ou alguém a seu mando de entrar no estabelecimento. </font><br> <font> Os RR. contestaram, por excepção e por impugnação. Por excepção, invocaram que o prazo inicialmente marcado (no contrato-promessa celebrado em 27/01/1992) para a celebração do contrato definitivo de compra e venda das fracções autónomas prometidas comprar/vender veio a ser alterado - num aditamento/alteração ao mesmo contrato-promessa reduzido a escrito assinado por ambas as partes em 1/02/1992 -, tendo deixado, a partir desse aditamento, de existir um prazo-limite para a realização das escrituras públicas de compra e venda. </font><br> <font> Por impugnação, alegaram, em resumo, que o estabelecimento comercial em causa tinha as licenças necessárias ao seu funcionamento, e que - no contrato promessa celebrado entre as partes - os RR. apenas se comprometeram a arranjar as licenças ao normal funcionamento. O A. deixou de pagar a renda estipulada no contrato-promessa como contrapartida da cedência da exploração do aludido estabelecimento e, por tal facto, sem que tivesse sido minimamente coagido a fazê-lo, entregou voluntariamente o estabelecimento aos RR.. O A. só mantinha interesse na manutenção do contrato com redução do preço do negócio, o que os RR. não aceitaram (não estando a tanto obrigados). </font><br> <br> <font> O A. replicou, respondendo à matéria da excepção deduzida pelos Réus, arguindo a falsidade do documento (intitulado "ADITAMENTO/ALTERAÇÃO DO CONTRATO-PROMESSA) junto pelos RR. com a sua contestação e alegando nunca ter assinado a proposta de alteração ao contrato-promessa originalmente celebrado que os RR. lhe apresentaram. De qualquer modo, os prazos previstos em tal documento para a outorga do contrato definitivo também não teriam sido cumpridos, pela simples razão de que o A. não podia celebrar as escrituras públicas de compra e venda, visto as construções não serem legais. </font><br> <br> <font> O processo seguiu os seus regulares termos posteriores, tendo-se proferido o despacho saneador, após o que se fixaram os factos assentes e se organizou a base instrutória, se realizou a audiência de discussão e julgamento, se respondeu à base instrutória e se proferiu a sentença.</font><br> <font> </font><br> <font> Nesta julgou-se a acção parcialmente procedente por parcialmente provada e, consequentemente, condenou-se os RR. a pagarem ao A. a quantia de € 44.393 (quarenta e quatro mil trezentos e noventa e três euros), equivalente ao sinal prestado em dobro.</font><br> <font> </font><br> <font> 1-2- Não se conformando com esta decisão, dela recorreram os RR. de apelação para o Tribunal da Relação de Lisboa, tendo-se aí concedido provimento à apelação, revogando-se a sentença recorrida e julgando-se a presente acção totalmente improcedente, por não provada.</font><br> <font> Mais se decidiu julgar procedente a arguição da nulidade, por indevida omissão de pronúncia da sentença recorrida, no que concerne à questão da litigância de má fé e, consequentemente, condenou-se o A./recorrido, como litigante de má fé, numa multa de 5 (cinco) Ucs. </font><br> <font> </font><br> <font> 1-3- Irresignado com este acórdão, dele recorreu o A. AA para este Supremo Tribunal, recurso que foi admitido como revista e com efeito devolutivo.</font><br> <font> O recorrente alegou, tendo das suas alegações retirado as seguintes conclusões:</font><br> <font> 1- O presente recurso de revista versa conceitual e obviamente apenas questões de direito, em função da prova produzida e dos preceitos legais aqui invocados, com o sentido unívoco em que o são; </font><br> <font> 2- O recorrente pretende começar por pôr de manifesto essa ostensiva desarmonia com a lei em que o acórdão recorrido incorre, ao admitir e valorar documentos que os recorridos juntaram só na fase das suas alegações e que, sendo por isso visivelmente extemporâneos, à face dos artigos 523º e s do CPC e ora 423º a 425º do NCPC, ocultaram durante mais de 20 anos e naturalmente nunca poderiam como não puderam presidir à prolação da sentença de .... </font><br> <font> 3- Seja como for e sem embargo, era aos recorridos que segundo o termo 3° do contrato dos autos cabia marcar a escritura definitiva e cobrir as despesas com a respectiva documentação, o que eles nunca fizeram; </font><br> <font> 4- Lendo o artigo 342º do Código Civil, os recorridos não observaram o ónus de provar testemunhal ou documentalmente quaisquer factos contrários ao recorrente, até para evitar a perda de algum beneficio que hipoteticamente os contemplasse, enquanto o recorrente isso sim logrou provar nesses moldes os factos constitutivos da sua causa de pedir e o direito que lhe assiste; </font><br> <font> 5- E com a sua inacção, os recorridos acabaram por sofrer as respectivas consequências negativas, justamente por os autos conterem prova suficiente da posição do recorrente e isto independentemente de essa prova ter sido trazida por este ou não; </font><br> <font> 6- Escrupulosa e pontualmente e de boa-fé, o recorrente entregou logo aos recorridos a primeira verba de 4 mil contos e ocupou o estabelecimento e as fracções e depois foi-lhes pagando uma renda de 150 contos em Fevereiro, Março, Abril seguintes; </font><br> <font> 7- O alvará sanitário de café e snack-bar era precário, por se tratar de comércio em edifício clandestino e as autoridades alertaram para o risco de o titular se sujeitar a sanções advenientes disso; </font><br> <font> 8- Nem pelo facto de o recorrido ter logrado pôr em nome do recorrente o alvará sanitário, este deixou de ser precário, paredes-meias com a então proclamada clandestinidade imobiliária e susceptível de desencadear sanções na altura sobre o recorrente; </font><br> <font> 9- Ainda nessa primavera, os recorridos apropriaram-se do estabelecimento tendo colocado neste um cadeado, não tendo havido por parte do recorrente entrega da chave coisíssima nenhuma; </font><br> <font> 10- Dimanando ainda da discussão e instrução da causa que essas graves anomalias e irregularidades verificadas quanto à totalidade da unidade predial e sua exploração e que o recorrente desconhecia sem obrigação em contrário desde o primeiro instante das negociações, não podem ser atribuíveis senão aos recorridos, então a prontidão com que aquele lhes foi entregando as vultuosas verbas combinadas e a boa-fé com que procurou a ou </font><i><font>trance </font></i><font>salvar o que para ele fundada e infelizmente passou a afigurar-se insalvável, são suficientes para acolher a sua tese nos autos e sufragar a justeza de todos os seus comportamentos, até segundo aquela diligência de um bom pai de família e aquela humana linha média que subjazem a todos os textos juscivilistas; </font><br> <font> 11- Tomando como linha orientadora os artigos definitórios 410º e 874°, o rigor no cumprimento de boa-fé das suas obrigações por parte do recorrente do artigo 406º e nº 2 do artigo 762°, o manifesto e evidente e humanamente compreensível desinteresse objectivo e subjectivo deste na manutenção da vigência do contrato, face ao clima adverso, hostil ou penoso de ilegalidade e de obstrução que lhe foi criado pelos recorridos ou a estes unicamente imputável capaz só por si de consubstanciar uma autêntica impossibilidade da prestação (nºs 1 dos 799º e 801º e 808°) conferindo ao recorrente o direito de resolução expresso por qualquer dos meios previstos na lei, a senhora juíza da 1ª instância outorgou e bem ao recorrente o direito a cobrar o dobro do que pagou (nº 2 do artigo 442º todos do mesmo Código); </font><br> <font> 12- A ilegalidade construtora de todo o conjunto imobiliário dos autos, pelo menos naquela altura, ressalta de inúmero elementos fornecidos por estes, quer na fase da tramitação, quer no debate final e que em momento algum deles os recorridos lograram infirmar; </font><br> <font> 13- Fechar o imóvel a cadeado, como ficou exuberantemente provado nos autos, não é uma forma válida ou eficaz de preservar qualquer interesse do recorrente na celebração do contrato definitivo e, bem ao invés, suficiente para qualquer pessoa colocada na posição dele de pronto se desmotivar, como lúcida e sabiamente sublinhou a senhora juíza de ..., </font><br> <font> 14- Tudo o que vem de ser escrito e suportado pela própria sentença, da primeira instância, não é minimamente afectado pele referenciado documento adicional, quer este exista ou não e ou tenha sido ou não assinado pelo recorrente, já que, mesmo a existir, ele recebe os mesmos juízos de realidade e de valor que merecem quer os termos contratuais iniciais, quer as consequências que resultam destes e das circunstâncias malsãs e perversas, imputáveis unicamente aos recorridos e que obstaram à normal condução do acordo até à sua válida e plena conclusão; </font><br> <font> 15- Aliás, a perícia só foi reactivada por insistência dos recorridos e o próprio ofício de fls. 228 da PJ não chegou a resultado algum; </font><br> <font> 16- Daqui advém que esse hipotético aditamento, sobre não introduzir a mínima alteração no tronco central dos autos nem no destino destes e ser por isso perfeitamente anódino, inócuo ou irrelevante, é insusceptível de subverter a tese justíssima do recorrente e do mesmo passo de o condenar como litigante de má-fé, como se lê no acórdão recorrido e </font><br> <font> 17- Não é nele que reside o eixo nuclear da questão essencial em discussão nestes autos e não tem nenhuma justificação nem sentido algum que por ele o recorrente suporte qualquer condenação suplementar como litigante ousado. </font><br> <font> Senhores Doutores Juízes Conselheiros deste Venerando Supremo Tribunal: </font><br> <font> Afigura-se real e sinceramente insólito o que vem de ser descrito: </font><br> <font> a. Cabia contratualmente (termo 3º do acordo dos autos) aos recorridos tratar de arranjar e pagar os documentos para uma escritura que deveriam ter atempado e nunca chegaram a realizar e não sem antes terem vedado o acesso do recorrente à unidade predial com um cadeado; </font><br> <font> b. Não juntaram aos autos durante mais de 20 anos essa documentação, pelo que, independentemente do seu carácter despiciendo </font><i><font>ad causam</font></i><font>, a senhora juíza de ... não a leu nem podia ter lido para proferir a sua douta sentença (artigo 659º do CPC e agora 607º do NCPC). </font><br> <font> c. Vêm a fazê-lo só agora com o respectivo recurso e a Relação acolhe-a e valera-a, contrariando frontalmente os mandamentos insertos nos artigos 523° e s do CPC e 423º a 425º do NCPC, o que é deveras surpreendente! </font><br> <font> Nestes termos e nos demais de direito e invocando o sábio suprimento de V. Exªs, deve o nem por isso menos douto acórdão recorrido ser revogado, por imponderação, inaplicação ou omissão, inadequada interpretação e ou violação </font><i><font>inter alia</font></i><font> das normas exaustivamente acima citadas e com o sentido inequívoco com que o são e daí reposta em plenitude a justa e mui bem elaborada sentença da primeira Instância, para todos os efeitos e com todas as consequências legais inerentes, pois assim se cumpre o direito e assim se faz JUS T I Ç A!</font><br> <br> <font> Não foram produzidas contra-alegações.</font><br> <font> </font><br> <font> Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir: </font><br> <font> </font><br> <font> </font><b><font>II- Fundamentação:</font></b><br> <b><font> </font></b><font>2-1- Uma vez que o âmbito objectivo dos recursos é balizado pelas conclusões apresentadas pelo recorrente, apreciaremos apenas as questões que ali foram enunciadas (art. 639º nºs 1 e 2 do Novo C.P.Civil).</font><br> <font> Nesta conformidade, serão as seguintes as questões a apreciar e decidir:</font><br> <font> - Valorização de documentos que os recorridos juntaram só na fase das suas alegações e alteração da resposta dada ao art. 3º da base instrutória, realizada pela Relação. </font><br> <font> - Litigância de má fé.</font><br> <font> </font><br> <font> 2-2- Vem fixada das instâncias a seguinte matéria de facto:</font><br> <font> 1) Em 27 de Janeiro de 1992, o autor celebrou com os réus o contrato promessa junto a fls. 5 a 9 e que aqui se dá por integralmente reproduzido; [al. A) da Especificação] </font><br> <font> 2) O objecto desse contrato promessa abrangia: compra e venda das fracções prediais nele identificadas; posse imediata das mesmas fracções por parte do autor; tomada de arrendamento pelo autor das instalações do estabelecimento comercial nele também identificado; propriedade, posse, uso e consumo dos móveis, máquinas e equipamentos, mercadorias e recheio do mesmo estabelecimento; cessão da posição contratual que os promitente vendedores e aqui réus possuíam no dito estabelecimento; [al. B) da Especificação] </font><br> <font> 3) Por conta do preço estipulado, como sinal e princípio de pagamento, o autor entregou aos réus a quantia acordada no ponto nº 1 da alínea a) da cláusula 2ª, de 4.000.000$00 (quatro milhões de escudos); [al. C) da Especificação] </font><br> <font> 4) Também segundo o acordado no dito contrato promessa, o autor entregou aos réus a quantia de 150.000$00, em cada um dos meses de Fevereiro, Março e Abril de 1992; [al. D) da Especificação] </font><br> <font> 5) Ainda em cumprimento daquele contrato promessa, o autor tomou posse do estabelecimento e das fracções prometidas vender, em 28 de Janeiro de 1992; [al. E) da Especificação] </font><br> <font> 6) A escritura pública referida na cláusula 3ª do contrato promessa em questão não foi celebrada no prazo aí indicado; [al. F) da Especificação] </font><br> <font> 7) O alvará de licença sanitária que o R. obteve, para o estabelecimento funcionar como café e snack-bar foi a "título precário” “por o estabelecimento estar instalado num edifício construído clandestinamente, sujeitando-se o titular do alvará a quaisquer sanções que possam advir da consequência daquela construção", cfr. teor de fls. 33 cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido; [resposta ao Quesito 1 ° do questionário] </font><br> <font> 8) Na 1ª instância havia sido dado como assente que “</font><i><font>a escritura pública referida em F) [isto é, na al. F) da Especificação] não poderia ser realizada porque nenhuma das fracções se encontrava legalizada; [resposta ao Quesito 3° do questionário]</font></i><font>”.</font><br> <font> </font><u><font>Facto considerado não escrito pela Relação</font></u><font> Parcialmente a matéria factual retirada irá ser reposta no presente acórdão.</font><br> <font> 9) A. e R. combinaram renegociar o contrato em termos que consta do aditamento de fls. 34; [resposta ao Quesito 4° do questionário] </font><br> <font> 10) Os RR. tomaram posse sobre o estabelecimento, tendo colocado um cadeado no mesmo, em data concretamente não apurada mas anterior a 17/6/1992; [resposta ao Quesito 5º do questionário] </font><br> <font> 11) Em 21 de Fevereiro de 1992, a Câmara Municipal de ... emitiu, em nome do réu marido, a licença para o estabelecimento denominado "...", objecto do contrato-promessa em litígio, funcionar até às 24 h 00, através dos alvarás de licença números 159 e 160; [Quesito 6°]. </font><br> <font> 13) O R. marido requereu à Câmara Municipal de ... o alvará de licença sanitário fosse averbado ao nome do A., o que se verificou por despacho de 28/2/1992; [resposta ao Quesito 7º do questionário] </font><br> <font> 14) O A. em 1 de Fevereiro de 1992 assinou com o R. um aditamento e alteração ao aludido contrato promessa, cuja cópia se acha a fls. 34, a qual se dá por integralmente reproduzida; [Quesito 14° do questionário] </font><br> <font> 13 a) Por essa alteração o prazo da escritura definitiva foi substituído por outro, no que concerne à escritura de promessa do prédio da Rua ..., n° .., … e …, em ..., onde funciona o bar; [Quesito 15° do questionário] </font><br> <font> 14 a) O A. enviou ao R. a carta de 1/4/1992, que a recebeu, e que consta de fls. 47 e 48 dos autos e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido. [resposta ao Quesito 20° do questionário].</font><br> <font> 15) O réu marido enviou ao Autor, em 15 de Abril de 1992, a carta constante de fls. 35 dos autos, acompanhada por documentos destinados a possibilitar a marcação notarial duma escritura pública de contrato-promessa com eficácia real tendo por objecto uma das fracções prometidas comprar/vender - a fracção "A" do prédio sito na Praceta ..., n° …, em ... (factualidade aditada pela Relação).</font><br> <font> 16) Relativamente à loja prometida vender, o Réu marido dizia naquela mesma carta que iria enviar os documentos respectivos e para o mesmo efeito (factualidade aditada pela Relação). </font><br> <font> 17) Tal carta e tais documentos foram recebidos pelo Autor, tendo-os ele devolvido ao réu em momento posterior (factualidade aditada pela Relação).-------------</font><br> <font> </font><br> <font> 2-3- Na presente revista o recorrente começa por mostrar o seu inconformismo em relação à posição que o douto acórdão recorrido tomou quanto a uns documentos juntos pelos promitentes-vendedores nas suas alegações da apelação. Segundo ele, tal junção na fase das alegações de recurso, é visivelmente extemporânea, à face ao disposto nos arts. 523º e s do CPC e 423º a 425º do NCPC, pelo que tais elementos não deveriam ser valorados.</font><br> <font> Com esta objecção o recorrente visa reagir à subtracção pela Relação do facto fixado no nº 8 da factualidade assente (resposta ao ponto 3º da base instrutória) e no qual havia sido exarado que “</font><i><font>a escritura pública referida em F) da Especificação não poderia ser realizada porque nenhuma das fracções se encontrava legalizada</font></i><font>”. </font><br> <font> Sublinhe-se que foi, precisamente, na circunstância de que as fracções prometidas comprar/vender seriam clandestinas e, como tal, insusceptíveis de serem objecto de escrituras públicas de compra e venda, que a sentença da 1ª instância fez assentar o incumprimento definitivo do contrato-promessa por parte dos promitentes-vendedores (e condenou estes no pagamento do sinal em dobro).</font><br> <font> A primeira e essencial questão que se coloca será a de saber se a Relação agiu correctamente ao dar como não escrita a (totalidade da) resposta àquele ponto 3º da base instrutória. É que tendo o acórdão recorrido dado como não escrita tal factualidade, o sustentáculo (essencial) em que se baseou a sentença de 1ª instância (e que o recorrente quer fazer ressurgir) para a sua decisão de incumprimento definitivo do contrato promessa por banda dos promitentes-vendedores, deixou de existir. </font><br> <font> Sobre o tema refere-se no acórdão ora impugnado:</font><br> <font> “</font><i><font>Sustentam os Apelantes que - contrariamente ao que foi dado como provado pelo tribunal "a quo" (na resposta dada ao Quesito 3º do questionário) – nada obstava à celebração duma escritura pública de compra e venda tendo por objecto as fracções autónomas prometidas comprar (vender - como o comprovam as cópias das escrituras de compra dos Recorrentes a Terceiro ora juntas pelos Recorrentes com as suas Alegações de recurso, das quais constam menções às licenças emitidas pela Câmara Municipal, Finanças e Certidões. Quid juris? Existisse ou não um impedimento de ordem legal à celebração do negócio definitivo (escritura pública de compra e venda) tendo por objecto os imóveis prometidos comprar-vender (no contrato-promessa de compra e venda celebrado entre as partes em 27/01/1992), decorrente da circunstância de esses imóveis não se encontrarem "legalizados" (o que quer que se pretenda dizer com este vocábulo), nunca poderia ser o tribunal "a quo", no contexto da resposta a um quesito onde se indagava se os Réus não diligenciaram a celebração da escritura pública prevista na cláusula 3ª do contrato­-promessa em questão, porque nenhuma as fracções prometidas vender se encontrava legalizada, dar como provado que "A escritura pública referida em F) [isto é, na al. F) da Especificação] não poderia ser realizada porque nenhuma das fracções se encontrava legalizada" [resposta ao Quesito 3° do questionário]. Desde logo porque a afirmação segundo a qual existe um impedimento de ordem legal à celebração duma escritura pública tendo por objecto um determinado imóvel constitui, em si mesma, uma asserção de índole tipicamente jurídica (e não factual) - o que consequência que uma tal resposta se tenha, "ipso jure", de considerar "não escrita" (ex vi do cito art. 646°-4 do CPC de 1961). Depois porque, in casu, não foi sequer junta aos autos (pelo Autor, a quem cabia o ónus da prova de tal facto, por si alegado na respectiva PI) nenhum documento autêntico (v.g. uma certidão emitida pela respectiva autarquia) que comprovasse o carácter clandestino dos imóveis prometidos comprar/vender, sendo certo que a prova de que determinado imóvel é clandestino (isto é, de que a construção nele edificada não se encontra licenciada pela Câmara Municipal competente) só pode ser feita através da apresentação duma certidão emitida pela entidade competente para licenciar a construção de edifícios urbanos. Consequentemente, nunca o tribunal "a quo" poderia bastar-se - como se bastou - com o depoimento da testemunha DD … dum Alvará de licença sanitária emitido em 4 de Novembro de 1982 … - isto é, cerca de 10 anos antes da celebração do contrato-promessa - para dar como provado que os imóveis prometidos comprar/vender eram insusceptíveis de serem objecto de escrituras públicas de compra e venda. De resto, os documentos juntos pelos Apelantes com as respectivas alegações de recurso (duas escrituras públicas de compra e venda celebradas em 24/07/1991 e em 18/03/1992, tendo por objecto precisamente as duas fracções autónomas prometidas comprar/vender no contrato-promessa assinado entre as partes em 27/01/1992…) são a prova cabal de que, afinal, esses imóveis podiam (em 1991/1992) ser objecto de escrituras públicas de compra venda, o que tudo nos conduz à inevitável conclusão de que a resposta dada, em 1ª instância, ao aludido Quesito 3° do questionário não pode deixar de ser considerada "não escrita”, nos termos do cito art. 646°-4 do CPC de 1961</font></i><font>”.</font><br> <font> Quer dizer, a resposta à aludida circunstância foi dada como não escrita, em primeiro lugar por se tratar de uma asserção de índole tipicamente jurídica (e não factual). Além disso, por o A., a quem cabia o ónus da prova do facto indagado (e, por si alegado na p.i), não ter feito qualquer prova, designadamente juntando documento autêntico (v.g. uma certidão emitida pela respectiva autarquia) que comprovasse o carácter clandestino dos imóveis prometidos comprar/vender, sendo que tal prova só poderia ser feita através da apresentação duma certidão emitida pela entidade competente para licenciar a construção de edifícios urbanos. Por fim, porque através dos documentos juntos pelos apelantes (RR) com as respectivas alegações de recurso (duas escrituras públicas de compra e venda tendo por objecto precisamente as duas fracções autónomas prometidas comprar/vender no contrato-promessa assinado entre as partes em 27/01/1992) se demonstrava que, afinal, esses imóveis podiam ser objecto de escrituras públicas de compra venda.</font><br> <font> Significa isto que somente para esta dedução a Relação valorizou os ditos documentos.</font><br> <font> No artigo da base instrutória em questão perguntava-se se “</font><i><font>os Réus não diligenciaram a celebração da escritura pública prevista na cláusula 3ª do contrato­-promessa em questão, porque nenhuma as fracções prometidas vender se encontrava legalizada</font></i><font>”, tendo-se respondido que “</font><i><font>a escritura pública referida em F) [isto é, na al. F) da Especificação] não poderia ser realizada porque nenhuma das fracções se encontrava legalizada</font></i><font>”.</font><br> <font> Como é sabido, segundo o art. 646º nº 4 do C.P.Civil então em vigor, deveriam ter-se como não escritas as respostas do tribunal sobre questões de direito, impondo ainda o art. 511º nº 1 do mesmo diploma que as circunstâncias conclusivas não deveriam fazer parte do acervo da factualidade dada como provada.</font><br> <font> Por conseguinte se aquelas circunstâncias forem consideradas questões de direito ou constituam factos conclusivos, então não deveriam ter sido respondidas e, por isso, a Relação terá agido de forma correcta.</font><br> <font> Não se poderá, porém, deixar de se sublinhar que, como tem vindo a ser entendido pela generalidade da jurisprudência deste S.T.J., expressões jurídicas correntemente utilizadas na linguagem vulgar podem, quando a qualificação usada não for controvertida, integrar o elenco da matéria de facto provada. Neste sentido referiu-se, em sumário, no acórdão deste STJ de 07-07-2010, Proc. nº 1207/08.8TBFAF.G1.S1: “</font><i><font>pode acontecer que o juízo de valor sobre a matéria de facto corresponde ele próprio a uma regra da vida ou da experiência que a norma tome como elemento constitutivo do direito, funcionando com um puro facto</font></i><font>”.</font><br> <font> Por outro lado, como se afirma no acórdão deste Supremo de 14-6-2011 (</font><a><u><font>www.dgsi.pt/jstj/nsf</font></u></a><font>), invocando Lopes do Rego (</font><i><font>in</font></i><font> Comentários ao Código de Processo Civil Anotado”, Volume I, 2.ª edição, 2004, p. 536</font><font>)</font><font> “</font><i><font>deve existir alguma flexibilidade na definição do conceito de “questões de direito”, relativamente aos pontos da base instrutória que contenham matéria conclusiva, embora estranha ao thema decidendum, que envolvam expressões correntes susceptíveis de serem interpretadas em função de um sentido comum (desprovido de significado exclusivamente jurídico) ou que permitam uma resposta restritiva ou explicativa que comporte os elementos de facto suficientes</font></i><font>”.</font><br> <font> Como tem vindo a ser entendido neste STJ, no caso de eliminação de matéria de direito ou conclusiva existente numa resposta a um quesito, tal não implica, necessariamente, que não se possa considerar o resto dessa resposta, desde que esta contenha elementos de natureza material e concreta (neste sentido vide, entre outros, o acórdão deste STJ de 14-6-2011 já referido).</font><br> <font> Postos estes pressupostos vejamos o caso dos autos. </font><br> <font> A nosso ver, a resposta em questão contem duas componentes independentes, a primeira consiste na asserção da impossibilidade legal das partes na realização da escritura, matéria evidentemente conclusiva e de conteúdo jurídico (já que tal desfecho depende de ponderações de direito e de juízos de valor dedutivos), a segunda na afirmação de que nenhuma das fracções se encontrava legalizada, matéria patentemente factual (pois constitui uma materialidade objectiva) e não de índole jurídica. Mais concretamente, a primeira parte da resposta tem uma componente conclusiva, na medida em que de um facto (não legalização das fracções) retira consequências legais, a impossibilidade de realizar a escritura pública. Já a segunda parte da resposta faz uma afirmação de conteúdo patentemente factual, a de que nenhuma das fracções se encontrava legalizada (isto é, eram desprovidas dos requisitos legais que deveriam presidir à sua edificação).</font><br> <font> Por conseguinte, se bem que se devesse extrair da resposta, com base nos dispositivos adjectivos invocados no acórdão recorrido, aquele elemento, já não se poderia retirar daí o dito segundo elemento, ou seja, a asserção de que nenhum dos imóveis se encontrava legalizado. </font><br> <font> Deve, assim, repor-se e ter-se como assente este circunstancionalismo. De resto, se bem atentarmos, a ilegalidade dos imóveis aquando da realização de negócio é também aflorado no facto assente sob o nº 7, designadamente onde se afirma que “</font><i><font>o alvará de licença sanitária que o R. obteve, para o estabelecimento funcionar como café e snack-bar foi a "título precário” por o estabelecimento estar instalado </font></i><i><u><font>num edifício construído clandestinamente</font></u></i><font>” (sublinhado nosso).</font><br> <font> A argumentação que o aresto formulou de seguida para justificar a posição que assumiu quanto à resposta ao dito quesito, teve a ver com considerações sobre a produção de prova em concreto, argumentação desencadeada pela posição assumida pelos apelantes (promitentes-vendedores) tendente a infirmar a resposta dada a tal ponto da base instrutória, argumentos que, porém, não poderemos acompanhar. É que não podemos aceitar que o carácter clandestino dos imóveis só pudesse ser provado por documento autêntico (a juntar pelo A. promitente/comprador) já que em lugar algum a lei exige para a prova da clandestinidade de um prédio, tal tipo de prova (cfr. art. 364º nº 1). Somente o inverso acontece, ou seja, a existência de uma licença de construção apenas é demonstrável, patentemente, através dessa mesma licença. Acresce que sendo da incumbência do promitente/vendedor a obtenção de licença de construção, a nosso ver, seria sempre a ele que incumbiria juntar a mesma ao processo, caso existisse. Era, pois, a esse promitente que incumbia o ónus de fazer juntar aos autos documento comprovativo da existência da licença de construção que afastasse a clandestinidade do prédio.</font><br> <font> A junção de documentos demonstrativos da realização de escrituras públicas (posteriores) quanto aos imóveis em questão, para além de nos parecer essa incorporação intempestiva (arts. 423º e segs. do N.C.P.C.), resulta destituída de interesse a discussão sobre o tema, pelas razões que aduziremos adiante.</font><br> <font> Voltando atrás e reintroduzindo parcialmente a matéria factual retirada pela Relação temos como assente que “</font><i><font>nenhuma das fracções se encontrava legalizada</font></i><font>”, isto é, deve ter-se como demonstrado que os imóveis, aquando da realização do contrato-promessa eram clandestinos, estavam construídos sem as necessárias
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vTKKu4YBgYBz1XKvYhg0
1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><font> </font> <p><font> </font><br> <font>ACORDAM OS JUÍZES QUE CONSTITUEM O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA</font><a><u><font>[1]</font></u></a><font>:</font><br> <font> </font><br> <font> </font><br> <font>AA propôs a presente ação, com processo comum, sob a forma ordinária, contra a “Companhia de Seguros BB, SA”, ambos, suficientemente, identificados nos autos, pedindo que, na sua procedência, esta seja condenada a pagar-lhe, a título de indemnização pelos danos resultantes do acidente de viação inframencionado, a quantia de €45000,00, pelos danos emergentes da perda total do veículo de sua propriedade, conduzido pelo falecido marido da autora CC, e custos de aquisição de um veículo equivalente, a quantia de €3250,00, pelos danos emergentes da perda dos animais transportados, a quantia de €99112,35, pelas despesas emergentes e lucros cessantes, a quantia de €2275,00, relacionada com o parqueamento da viatura, com juros de mora, desde a citação, para além dos danos que ocorram, após a citação, mormente, com o avolumar dos danos emergentes e lucros cessantes, invocando, para o efeito, factos pertinentes.</font><br> <font>Na contestação, a ré, admitindo que o acidente ocorreu como é descrito na petição inicial, impugna a generalidade dos danos alegados pelo autor, concluindo no sentido de que a ação deve ser julgada improcedente, por não provada, na parte que excede a confissão efetuada.</font><br> <font>A sentença, no segmento que interessa considerar, julgou a ação, parcialmente, procedente, condenando a ré seguradora a pagar ao autor AA, a título de danos materiais, a quantia de €10.000,00 (dez mil euros), acrescida de juros de mora, à taxa supletiva legal, desde a data da citação e até integral pagamento.</font><br> <font>Desta sentença, o autor AA interpôs recurso, com subsequente apresentação de alegações, tendo o Tribunal da Relação julgado improcedente a apelação e, em consequência, confirmou a decisão impugnada.</font><br> <font>Do acórdão da Relação de Évora, o autor AA interpôs agora recurso de revista, terminando as alegações com o pedido da sua revogação, formulando as seguintes conclusões, que se transcrevem, integralmente:</font><br> <font>1ª – O ora Recorrente na conclusão IV das suas alegações em sede de Recurso de Apelação refere que: </font><i><font>«Destarte, julgamos que a resposta aos quesitos</font></i><font> - </font><i><font>13 deverá ser alterada/modificada, dando como provado que </font></i><font>- </font><i><font>Dos elementos documentais juntos aos autos (</font></i><a><i><font>fls.Jls.305</font></i></a><i><font> e 307, 309, 312, 313, 315, 356 a 391, 393 a 406, 889 a 1096), bem como, da produção de prova testemunhal, resulta que o Autor tem necessidade de contratar "fretes" de transporte de gado vivo por si adquirido ou vendido, e ainda na gestão normal da sua presente actividade de criador de gado.».</font></i><br> <font>2ª - No quesito 12 provar-se-á ou não se o Autor teve que contratar os serviços de outras empresas, incluindo a que detém participação social. No quesito 13 provar-se-á ou não se o Autor contratou com «terceiros» a realização de fretes. A relevância desta «pequena-grande» distinção releva no âmbito da própria fundamentação do Acórdão dada à resposta do quesito 13 «a sua resposta está dependente da solução encontrada pelo A. Dentro de uma outra empresa de que é proprietário e a que a Sra. Juiz não deixou de aludir (...)».</font><br> <font>3ª </font><i><font>- </font></i><font>O Acórdão da Relação, não se pronunciou sobre a matéria do quesito 12, nem sequer apreciou a distinção existente entre o quesito 12 e o 13, e que importam uma apreciação distinta e bem diversa da fundamentação dada.</font><br> <font>4ª - A nulidade de omissão de pronúncia prevista no art.615° n°1 alínea d) aplicável à 2</font><sup><font>a </font></sup><font>instância por força do disposto no art. 666° n°1 traduz-se no incumprimento, por parte do Julgador do dever prescrito no n°2 do art.608° todos do Cód. Proc. Civil,</font><i><font> </font></i><font>que é o de resolver todas as questões submetidas à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras. Não se trata dos argumentos ou razões jurídicas invocadas pelas partes. Ao invés trata-se das pretensões formuladas ou a elementos inerentes ao pedido e à causa de pedir.</font><br> <font>5ª - Pelo que, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 684° n°2 do Cód. Proc. Civil, deverá decretar-se a baixa do processo ao Tribunal da Relação com base na omissão da pronúncia, e de forma restritiva ser proferida reforma do acórdão cuja anulação ora se invoca e se requer, com subsequente apreciação da matéria ínsita ao quesito 12, cuja matéria não foi distintivamente apreciada face à matéria do quesito 13.</font><br> <font>6ª</font><i><font> - </font></i><font>Toda a prova contabilística abundantemente junta aos autos pelo Recorrente, a par da prova documental reunida pelos Srs. Peritos, acrescido de todos os movimentos bancários (o Apelante prescindiu do sigilo bancário) juntos aos autos de fls.358 a 391 pela própria BANCO CAIXA DD [com o canhoto identificativo onde foi depositado os cheques], e ainda todas as declarações oficiais para efeitos tributários de fls. 1029 a 1090, demonstram que o Recorrente expôs totalmente a sua escrituração comercial nos presentes autos, denunciando nada ter a esconder ao Tribunal nem à parte contrária.</font><br> <font>7ª - Contra ela [prova documental e oficial], a Recorrida não produziu qualquer tipo de prova.</font><br> <font>8ª - Importa articular com os critérios legais da repartição do ónus de prova, os critérios legais de eficácia probatória (regras probatórias fixadas em abstracto), na</font><b><font> </font></b><font>medida em que o ónus de contraprova ou carece de prova principal, a chamada prova do contrário em oposição à prova legal plena nos termos do art° 347° Cód. Civil, ou de simples contra-prova indirecta, nos termos do art° 346° Cód. Civil, bastando, neste caso, que a parte não sujeita ao ónus subjectivo lance a dúvida sobre os factos que ao outro incumbe provar.</font><br> <font>9ª - Na apreciação da força probatória da documentação contabilística, art° 44° n° 1 C. Comercial - não revogado pelo DL 262/86 de 2.9 que aprovou o Código das Sociedades Comerciais - importa atender ao princípio da indivisibilidade da declaração, cfr. art°s. 376° n° 1 e 2 e 360° Cód.Civil.</font><br> <font>10ª - Na medida em que as provas têm por função a demonstração da realidade dos factos, cfr. art° 341° Cód. Civil, não é juridicamente admissível postergar as normas de direito probatório e os critérios legais de eficácia probatória dos meios de prova, salvo em caso de disposição legal expressa nesse sentido, na exacta medida em que o princípio da livre apreciação das provas cede perante o principio da prova legal, isto é, cede perante provas com valoração legalmente tabelada, v.g. presunções legais, documentos e confissão - vd. Anselmo de Castro in "Direito Processual Civil Declaratório" Almedina, Vol III, págs. 308/309; Manuel de Andrade in "Noções Elementares de Processo Civil" Coimbra Editora/1979, págs. 211/212.</font><br> <font>11ª - Quer o Tribunal a quo quer a Relação confundiram a validade intrínseca dos documentos contabilísticos e bancários, os quais por si só expressam e comprovam as declarações e os factos neles contidos, com a exigibilidade ou não dos danos reclamados.</font><br> <font>12ª - A Relação, sem fundamentar ou evidenciar os elementos probatórios adversos, desconsiderou todos os movimentos bancários, efectivamente realizados e bem expressos nas cópias dos cheques originais junto aos autos pela própria BANCO CAIXA DD e que contêem o carinho da sua passagem pela câmara de compensações, e reflectidos contabilisticamente.</font><br> <font>13ª - A todos estes elementos documentais não foi produzida QUALQUER contraprova relativa à sua autenticidade ou validade.</font><br> <font>14ª - A matéria ínsita aos artigos 14°, 20 a 23.2, 135 e 136 da base instrutória não diz respeito à condição directa, adequada, necessária e causal da realização de tais despesas e encargos como consequência do evento danoso causado pelo sinistro. Apenas é indagado se despendeu determinadas quantias, por conta de tais transportes, e naturalmente o custo de tais serviços.</font><br> <font>15ª - Vale, isto por dizer, que independentemente da qualificação e integração jurídica que sobre tais elementos de prova possa ser feita em sede de enquadramento jurídico a despeito do nexo causal ou não, que possa ser aferido sobre o dano causado pelo sinistro e tais despesas, certo é que, a formulação dos quesitos não se encontra efectuada de moldes a se pretender estabelecer uma condição sine qua non com a produção do evento lesivo.</font><br> <font>16ª - O fito de tais perguntas destinam-se apenas e tão só a apurar a existência ou não, da realização de tais despesas e encargos, e claro da respectiva quantificação.</font><br> <font>17ª - A resposta dada pela Relação [idêntica à do Tribunal a quo] reduz a NADA a existência legal e real, não só para efeitos comerciais como tributários de tais elementos documentais.</font><br> <font>18ª - É, um nítido excesso de interpretação, traduzindo-se numa conclusão sobre a qual, não existe UM único elemento de contra-prova produzido.</font><br> <font>19ª - Catapultar a análise de tais elementos para a sua inexistência técnica, legal e jurídica é admitir e assumir uma total repulsa à sua própria existência, sem que para tal haja fundamentação de facto ou de direito possível.</font><br> <font>20ª - As análises às declarações fiscais derivadas de elementos colhidos na escrita contabilística de um contribuinte, se realizadas tecnicamente, de acordo com os preceitos da revisão, merecem, em principio, relativa fé, valendo como elemento de prova, se a matéria é levada à esfera judicial. Foi este o critério usado na prova pericial que envolveu dois elementos da Ordem dos Revisores Oficiais de Contas.</font><br> <font>21ª - Também alicerça a questão o facto da força probatória dos livros e escrituração comerciais, estar assegurada pelo Código Comercial, art. 44° e segs.</font><br> <font>22ª - Trata-se de uma prova "pré-constituída" porque é preparada para em eventualidade futura vir a servir como um instrumento a ser acatado como verdadeiro, sendo esta uma prerrogativa dos empresários e gestores.</font><br> <font>23ª - Nos presentes autos não foram apreciados ou apresentados quaisquer factos ou documentos que invalidem a escrituração comercial do Apelante.</font><br> <font>24ª - In casu, não foram produzidos elementos de prova que contrariem um só dos documentos apresentados, nem um só item destes constantes.</font><br> <font>25ª - No caso dos autos, o Recorrente foi alvo de perícia, que confirmou TODOS os elementos/factos alegados.</font><br> <font>26ª - Ora as declarações fiscais feitas de acordo com os critérios exigíveis são instrumentos naturais e idóneos de prova que evidenciem com clareza a situação patrimonial e as mutações neste contidas.</font><br> <font>27ª - Dos autos NENHUM facto emerge, quer documental quer testemunhal, que permitisse às instâncias concluir pelo inverso. E este tipo de prova não se faz com regras de experiência comum ou facto notórios. É necessário a alegação concreta de uma factologia real, palpável, documentalmente visível para que o confronto e o contraditório possa ser exercido.</font><br> <font>28ª - De igual modo, não é possível, mesmo com recurso a uma qualquer interpretação extensiva e lata de uma conceito suficientemente aberto e difuso da livre apreciação da prova, que permita ao Julgador a quo formular uma "convicão" de que a contabilidade do Apelante não é real e verdadeira.</font><br> <font>29ª - Para fundamentar tal convicção não basta a subjectividade impressionista da convicção. Necessário se torna sustentar com elementos concretos, de igual medida, espécie e natureza, isto é, "contabilísticos ou tributários" dos quais se possa inferir a formulação de um juízo de valor.</font><br> <font>30ª - Não é possível concluir com singela simplicidade pela não admissibilidade probatória, sem contrapor elementos de facto efectivos e concretamente esclarecidos. Não basta um «Não Provado» com recursos a «sensações» bem expressas na fundamentação quando a dado momento se refere «a sua resposta está dependente da solução encontra pelo A. Dentro de uma outra empresa de que é proprietário e a Senhora Juiz não deixou de aludir conforme citação (...) Assim sendo, a resposta dada (não provada) em nada colide com o relatório pericial e bem assim com a documentação relativa aos fretes alegados».</font><br> <font>31ª - A escrita contabilística é uma confissão ampla de factos por parte do contribuinte, que precisa ser examinada de per si quando à questão e objectivar os factores sujeitos a correcção ou mesmo a expurgação, por inexistentes ou errados. É preciso ainda considerar que os livros e as declarações fiscais são decorrências de documentos e que estes os são de factos. O douto Acórdão ora posto em crise violou expressamente a força probatória dos livros e escrituração comercial - art.44° e segs. do Cód. Comercial, e bem assim, os princípios subjacentes ao ónus de prova - art.342° n°2 do Cód. Civil, porquanto, não foi demonstrado nem alegado qualquer elemento de facto contrário ao invocado pelo Autor ou que tenha resultado da prova produzida. Tais elementos traduzem-se em Prova Legal dos factos sobre os quais recaem.</font><br> <font>32ª - «Dano em sentido jurídico ê, segundo Fischer, todo o prejuízo que o indivíduo, sujeito de direito, sofre na sua pessoa e bens jurídicos, com excepção dos causados pelo próprio prejudicado»</font><i><sup><font>4</font></sup></i><i><font> </font></i><font>conforme é citado por Manuel Gomes da Silva </font><i><font>in </font></i><font>O Dever de Prestar e o Dever de Indemnizar, Vol. I, pág. 64, 1944. O dano é privação dum ou mais benefícios, concretamente considerados </font><i><font>(frustração dum ou mais fins em especial) </font></i><font>ou de uma generalidade de benefícios </font><i><font>(perda da utilidade dum bem), </font></i><font>motivada pela colocação do bem, com o qual era lícito ao prejudicado atingir esse benefício, em situação de ele não poder utilizar para tal fim.</font><br> <font>33ª - Demonstrado que o dano se relaciona directamente com a utilização dum bem para alcançar um fim, está naturalmente indicado examinar quais as relações dele com a violação do direito, pois é sabido que o bem e o fim são as pedras angulares da noção de direito subjectivo. Consiste este na afectação jurídica dum bem à realização dum ou mais fins duma pessoa individualmente considerada. A violação do direito há-de verificar-se, portanto, pela desvinculação do bem ao fim.</font><br> <font>34ª - O Autor/Recorrente demonstrou o pagamento desde a data do sinistro (24.06.2002) até à data do início do julgamento (23.06.2010) do valor de 401.902,18€ relativo a fretes pagos por conta de transporte de gado, por si criado e comercializado, tendo suportado 75.152,21€ a título de IVA relativo a tais transportes.</font><br> <font>35ª - E nem se diga que o Autor com recurso aos seus próprios meios resolveu o problema, porquanto, pagou e celebrou com «terceiros» o aluguer de veículo, tal como resulta dos autos e de toda a prova produzida, sem sequer ter havido um só ponto contrário a tal demonstração dos danos emergentes.&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; </font><br> <font>36ª - Deverá ser esta a medida da reparação ressarcitória a título de danos emergentes a que a Recorrida deverá ser condenada a suportar.</font><br> <font>37ª - A Relação com base no facto provado de que o veículo do Recorrente, antes do sinistro, tinha um valor comercial de 10.000,00€, tendo na sequência do evento lesivo sofrido danos tecnicamente irreparáveis, entende manter o valor da perda sofrido pelo Autor, ao valor do veículo à data dos factos. Entender que o dano do lesado se cinge ao valor do bem perdido antes do produção do facto danoso é ignorar totalmente o sentido e o valor da utilidade económica que o lesado usava, fruía e disponha</font><b><i><font> </font></i></b><font>com a existência de tal bem. O artigo 562° do Código Civil estabelece o princípio da reposição natural quanto à indemnização: o dever de se reconstituir a situação anterior à lesão, isto é, o dever de reposição das coisas no estado em que estariam, se não se tivesse produzido o dano. A reposição natural, conforme sublinha Vaz Serra, "não supõe necessariamente que as coisas são repostas com exactidão na situação anterior: é suficiente que se dê a reposição de um estado que tenha para o credor valor igual e natureza igual aos que existiam antes do acontecimento que causou o dano. Com isto, fica satisfeito o seu interesse". E acrescenta: "É discutível se o credor pode exigir que o devedor substitua o velho pelo novo, indemnizando ele credor a diferença de valor.</font><br> <font>Enquanto uns defendem esse critério, outros impugnam-no. E assim que Enneccesus - Lehmann, contra Ocrtmann, julgam que tal critério não é equitativo e que, se o devedor quiser, pode repor o velho pelo novo, mas sem direito de reclamar a diferença de valor. E deverá admitir-se, sem mais, o critério expresso no adágio popular: "quem estraga velho, paga novo". E acrescenta ainda: "Em regra, não é razoável que tenha de adquirir um objecto já usado e com valor igual ao que perdeu. Temos, portanto, que, para a reparação do dano, deve dar-se o preço do objecto a adquirir para substituir o outro: "Como, porém, o credor vem assim a obter um lucro, deve dar ao devedor a diferença de valor... quando isso não representar um encargo não -equitativo para ele credor... Cabe ao Juiz apreciar, em fase das circunstâncias se é ou não equitativa esta solução..."</font><i><font> (Obrigação de Indemnização, in Boletim Ministério da Justiça n. 84, páginas 132 a 138). </font></i><font>Esta posição de Vaz Serra, resultante da análise de abundante doutrina estrangeira, formada perante o estatuído legalmente nos respectivos países, não obteve inteira consagração legal no nosso Código de 1966. Por um lado, o artigo 566° n°1 manda, em princípio, reparar o dano mediante a reconstituição natural: "se o dano (real) consistiu na destruição ou no desaparecimento de certa coisa, ou ainda em estragos nela produzidos, há que proceder à aquisição de uma coisa da mesma natureza e a sua entrega ao lesado, ou ao conserto (reparação) ou substituição da coisa por conta do Agente" </font><i><font>(Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, vol. I, 6. edição, página 875).</font></i><br> <font>38ª - Caso esse dano não tenha valor haverá que atender ao artigo 566 n°3 que prescreve que "se não puder ser averiguado o valor exacto dos danos, o Tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados".</font><i><font> </font></i><font>Nestes casos - o da não determinação (prova) do valor dos danos - os danos têm de ser apreciados equitativamente.</font><br> <font>39ª - A apreciação equitativa vem a significar que o Julgador não está vinculado à observância rigorosa do direito aplicável à espécie vertente;</font><b><font> </font></b><font>tem a liberdade de subtrair-se a esse enquadramento rígido e proferir a decisão que lhe parecer mais justa, ou seja, o Juiz funciona como um árbitro, ao qual lhe fosse conferido o poder de julgar </font><i><font>"ex aequo et bono". </font></i><font>A equidade funda-se, em suma, em razões de conveniência, de oportunidade, e, principalmente, de justiça concreta.</font><br> <font>40ª - Perante os enunciados princípios, em conjugação com a factualidade, temos de precisar que o Autor ora Recorrente tem direito a ser indemnizado pelo valor da viatura antes de acidentada (acrescido, naturalmente, dos juros de mora fixados e não discutidos)</font><i><font> </font></i><font>e, ainda, pelo dano que sofreu, consistente em não poder manter o seu veículo em circulação, com a devida reparação.</font><br> <font>41ª - Mas regras do artigo 566° n°1 do Cód. Civil não respeitam a limitação de indemnização mas sim à determinação dos casos em que é licito substituir a reconstituição natural por uma indemnização em dinheiro.</font><b><i><font> </font></i></b><font>O disposto no artigo 566° n°1</font><i><font> </font></i><font>do citado diploma não pode funcionar como um meio de o devedor lograr a redução da indemnização devida ao credor.</font><br> <font>42ª - Assim, na espécie, não resulta que exista desproporção entre o interesse do lesado, credor da indemnização, e o custo de aquisição de uma outra semelhante. A desproporção verifica-se, pelo contrário, entre a indemnização que é atribuída ao credor pelo Tribunal e o seu interesse legítimo, visto que não resulta que o credor possa com aquela quantia em dinheiro adquirir um veículo equivalente, e especialmente adaptado ao uso que lhe é destinado.</font><br> <font>43ª - Ora a mera atribuição do valor do veículo antes do sinistro representa um juízo punitivo para o credor, uma injustificada redução da indemnização visto que não existe culpa do lesado.</font><br> <font>44ª - Finalmente, nada, à luz da equidade e da boa-fé, justifica que, a pretexto de se substituir a reconstituição natural por indemnização em dinheiro, o devedor pague menos daquilo que deve. A equidade segundo a boa-fé pode, em muitos casos, justificar a validade da velha máxima de que </font><i><font>"quem estraga velho paga</font></i><font> </font><i><font>novo". </font></i><font>Se ao lesado é estragado um fato com algum uso, mas que lhe pode servir perfeitamente não lhe é exigível que receba a título de indemnização uma quantia que apenas chegará para, num adelo, adquirir um fato usado sabe-se lá por quem </font><i><font>(Cfr. Dário de Almeida, in "Manual de Acidentes de</font></i><font> </font><i><font>Viação", 1. edição, páginas 341 e 342).</font></i><br> <font>45ª</font><i><font> - </font></i><font>Precisamente, na espécie, onde o Recorrente destinava o veículo ao exercício da sua profissão, não podendo trabalhar sem a respectiva substituição por um outro, é a equidade segundo a boa fé que não permite, antes reprova, a limitação da indemnização.</font><br> <font>46ª</font><i><font> - In casu, </font></i><font>a viatura XX-61-XX à data do sinistro tinha um valor comercial de 10.000,00€ (facto provado 26</font><i><font>). </font></i><font>A viatura sofreu danos tecnicamente irreparáveis, isto é, perda total (facto provado 27)</font><i><font>. </font></i><font>A actividade do Apelante depende da propriedade do veículo (facto provado 30°)</font><i><font>. </font></i><font>O custo de aquisição de um veículo equivalente, fixa-se entre os 52.000,00€ e 62.000,00€ (facto provado 35).</font><br> <font>47ª </font><i><font>- </font></i><font>Sucede que a Recorrida não logrou sequer fazer contra-prova do quantum necessário à aquisição de um veículo equivalente,</font><i><font> </font></i><font>nem sequer a isso se referiu em toda a sua defesa. Para esta, liquidar o valor venal em singelo seria o bastante.</font><br> <font>48ª - Assim, com recurso à equidade deverá ser o Recorrente integrado com um valor suficiente para poder adquirir no mercado um veículo que possa desempenhar as funções do anterior,</font><i><font> </font></i><font>que recorde-se, necessita de uma específica adaptação técnica atento o destino que lhe dado - transporte de gado vivo, e para o qual necessita de homologação pela Direcção Geral de Veterinária.</font><br> <font>49ª - Julga-se adequado o recurso ao princípio da diferença em sede ressarcitória, atribuindo ao Autor um justo valor equitativo, suficiente a reparar o dano por este sofrido, reintegrando-o no estado anterior à produção do facto danoso. O valor peticionado pelo Apelante de 45.000,00€ afiguras-se equitativamente adequado, destinando-se a reintegrar na sua esfera jurídica deste, a quantia suficiente para adquirir em condições de normalidade de facto (mercado)</font><i><font> </font></i><font>uma outra viatura que satisfaça o fim útil e económico que o Autor conferia ao veículo sinistrado.</font><br> <font>50ª - O lucro cessante pressupõe que o lesado tinha, no momento da lesão, um direito ao ganho que se frustou, ou melhor a titularidade de uma situação jurídica que, mantendo-se, lhe daria direito a esse ganho. O prejuízo haverá de ser estabelecido à luz do disposto no art.566° n°2 do Cód. Civil, e assim, perfilhando-se a solução legal, o prejuízo será avaliado à luz do «dano concreto».</font><br> <font>51ª - Isto é, entendido como frustração efectiva das utilidades do bem. O prejuízo só existirá quando, havendo lesão, o respectivo titular não consegue, na realidade, usufruir das utilidades do bem, ou só consegue satisfazer essas utilidades com maior esforço, hipótese em que o prejuízo consiste nesse maior esforço.</font><br> <font>52ª - O Autor teve no decurso destes últimos anos que (a) Suportar a perda de ganho, pelo facto de não possuir um veículo, o qual é essencial para o exercício da sua actividade - relatório pericial e (b) Teve um encargo acrescido de suportar a contratação com terceiros de contínuos alugueres de veículo.</font><br> <font>53ª - Ora o critério jurídico do art° 564° n° 1 Cód. Civil tem como momento temporal de referência a data da lesão e atende à perda ou diminuição de valores patrimoniais de que o lesado já era titular (dano emergente) por contraposição aos benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão, à falta de aquisição de um acréscimo patrimonial (lucro cessante)</font><i><font>.</font></i><br> <font>54ª</font><i><font> - </font></i><font>Não deixando entre parêntesis as dificuldades da distinção entre dano emergente e lucro cessante, tanto no plano dos factos como no plano jurídico e de que nos dá sobejamente conta a doutrina, o exposto significa a opção por configurar o dano emergente como "frustração de vantagem já existente", o lucro cessante como "não concretização duma vantagem que, doutra forma, operaria" (A. Menezes Cordeiro); dano emergente como "privação de um bem existente" contraposto a lucro cessante como "privação de um bem que se esperava adquirir e não se adquiriu" (Castro Mendes): dano emergente como "diminuição de valores já existentes no património do lesado", lucro cessante como "acréscimo patrimonial frustrado" (Almeida Costa); dano emergente, o "prejuízo causado nos bens ou direitos já existentes na titularidade do lesado à data da lesão", lucro cessante os "benefícios que o lesado deixou de obter por causa do facto ilícito, mas a que ainda não tinha direito à data da lesão" (Antunes Varela) in Paulo Mota Pinto, Interesse contratual negativo e interesse contratual positivo,</font><i><font> </font></i><font>Vol. I, Coimbra Editora/ 2008, pág. 680; Vol. II, págs., 1088/1092.</font><br> <font>55ª - Destarte, somente com recurso à equidade, se pode entender o arbitramento de uma indemnização</font><b><font> </font></b><font>(arts. 564° n°1, 566° n°3 e</font><b><font> </font></b><font>569° 1</font><sup><font>a </font></sup><font>parte todos dos Cód. Civil)</font><i><font> </font></i><font>a título de lucro cessante.</font><br> <font>56ª - A fórmula proposta pelo recorrente, na senda do pedido primitivo </font><i><font>[Danos que supervenientemente ocorram], </font></i><font>parte do seguinte pressuposto:</font><br> <font>- Atendendo a que em 2005 o Autor reconduziu a sua actividade, estabilizando-a apenas como criador de gado (que já o era desde 2001 fls.309 a 315) em face da impossibilidade de dispor de um veículo permanente para transporte de gado para o exercício da actividade de comerciante, levou a que o mesmo passasse a ter um volume de proveitos em média de 346.000,00€;</font><br> <font>- Isto por contraposição a um volume de proveito que rondaria cerca de 2.000.000,00€ antes de 2005;</font><br> <font>- O Apelante sugere a divisão do volume médio actual por ano de proveitos por 8 anos já decorridos, fixando-se em 43.250,00€;</font><br> <font>- Por sua vez, este valor deverá ser multiplicado pelo número de anos decorridos entre 2005 até efectivo e integral pagamento por parte da Ré Seguradora.</font><br> <font>&nbsp;&nbsp;&nbsp; &nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; 57ª - Com recurso à equidade, julga-se equitativo a fixação de um valor ressarcitório de 346.000,00€ a título de lucros cessantes.</font><br> <font>&nbsp;&nbsp;&nbsp; &nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; A ré não apresentou contra-alegações.</font><br> <font> </font><br> <font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; &nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;*</font><br> <font>Tudo visto e analisado, ponderadas as provas existentes, atento o Direito aplicável, cumpre, finalmente, decidir.</font><br> <font>As questões a decidir, na presente revista, em função das quais se fixa o objeto do recurso, considerando que o «thema decidendum» do mesmo é estabelecido pelas conclusões das respetivas alegações, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, com base no preceituado pelas disposições conjugadas dos artigos 5º, 608º, nº 2, 609º, 635º, nºs 4 e 5, 639º e 679º, todos do Código de Processo Civil (CPC), são as seguintes: </font><br> <font>I – A questão da nulidade do acórdão, por omissão de pronúncia, com reflexo na alteração da decisão sobre a matéria de facto.</font><br> <font>II – A questão da desconsideração da força probatória dos documentos e das regras do ónus da prova, com reflexo na alteração da decisão sobre a matéria de facto.</font><br> <font>III – A questão dos danos emergentes. </font><br> <font>IV - A questão da medida da reparação ressarcitória dos danos emergentes, em caso de perda total.</font><br> <font>V – A questão dos lucros cessantes. </font> </p><p><font>I. DA OMISSÃO DE PRONÚNCIA COM REFLEXO NA ALTERAÇÃO DA DECISÃO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO</font><br> <font>I. Entende o autor que</font><i><font> o a</font></i><font>córdão é nulo, por omissão de pronúncia sobre a matéria do quesito 12, e sobre a distinção existente entre os quesitos 12 e 13, pelo que, “</font><i><font>nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 684° n°2 do Cód. Proc. Civil, deverá decretar-se a baixa do processo ao Tribunal da Relação, </font></i><font>e de </font><i><font>forma restritiva ser proferida reforma do acórdão cuja anulação ora se invoca </font></i><font>e </font><i><font>se requer</font></i><font>, com </font><i><font>subsequente apreciação da matéria ínsita ao quesito 12, </font></i><font>cuja matéria não foi </font><i><font>distintivamente apreciada face à matéria do quesito 13”.</font></i><br> <font>O acórdão recorrido, a respeito da matéria da arguição desta nulidade, considerou que, “</font><i><font>relativamente ao quesito 13.º…, a sua resposta está dependente da solução encontrada pelo A. dentro de uma outra empresa de que é proprietário e a que a Senhora Juiz não deixou de aludir conforme citação acima transcrita. Assim sendo, a resposta dada (não provada) em nada colide com o relatório pericial de fls. 394 e ss e bem assim com a documentação relativa aos fretes alegados (fls. 305 a 309, 358 a 391, etc)”</font></i><font>.</font><br> <font>No que concerne à matéria do quesito 12º, que foi dada como provada e, aliás, aludida, circunstancialmente, no acórdão recorrido, quando fala “</font><i><font>Conforme resulta da Prova Pericial, o Tribunal a quo deu como provado (artigo 12º) a realização pelo Autor de transportes de gado vivo entre os anos de 2002 a 2005</font></i><font>”, a mesma não foi, diferencialmente, apreciada, em confronto com a matéria do quesito 13º, porque tal não foi, desde logo, suscitado pelo autor, nas suas alegações da apelação.</font><br> <font>Deste modo, o acórdão impugnado conheceu da matéria do quesito 13º e não alterou a matéria do quesito 12º, por tal não lhe ter sido solicitado.</font><br> <font>Assim sendo, não ocorre a nulidade do acórdão, por omissão de pronúncia, a que se referem os artigos 615º, nº 1, d), 666º, nº 1 e 608º, nº 2, não importando, consequentemente, determinar a reforma do acórdão, nos termos do estipulado pelo artigo 684º, nº 2, todos do CPC.</font> </p><p><font>II. DA DESCONSIDERAÇÃO DO PRINCÍPIO DA PROVA LEGAL E DAS REGRAS DO ÓNUS DA PROVA COM REFLEXO NA ALTERAÇÃO DA DECISÃO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO</font><br> <font>II.1. Alega o autor, neste particular, que </font><i>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><br> <p> </p><p><font>ACORDAM OS JUÍZES QUE CONSTITUEM O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA</font><a><u><font>[1]</font></u></a><font>:</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>“AA – TRANSACÇÕES IMOBILIÁRIAS, LDA”, com a atual denominação de “BB – Investimentos Imobiliários, S.A.”, propôs a presente acção declarativa, sob a forma de processo ordinário, contra “Rede Ferroviária Nacional Refer – EP”, pedindo que, na sua procedência, a ré seja condenada, em alternativa, a celebrar a escritura, sob a égide da execução específica [a] a devolver à autora o dobro do que esta prestou, mais os €250.000,00, mencionados, supra, em 202 e 203</font><i><font> </font></i><font>(custos que a autora teve de suportar, ao nível dos projectos, das taxas municipais e de tudo o mais que despendeu na prossecução dos dois processos de licenciamento incidentes sobre o decorrente prédio urbano)</font><i><font>, </font></i><font>tudo acrescido de juros de mora, à taxa máxima legal, agora e no futuro, desde a citação e até pleno cumprimento, alegando, para tanto, em síntese, que celebrou com a ré, no dia 2 de março de 1996, um contrato–promessa, no qual esta prometeu vender uma parcela de terreno, com a área de 8.119m2, que, apesar de só incluir bens imóveis não adstritos ao serviço público ferroviário, estava afeta ao domínio público, mas cuja desafetação e inscrição no registo predial a ré ficou incumbida de realizar, de acordo com o clausulado do mesmo contrato, e a autora prometeu comprar, pelo preço de 200.000.000$00.</font> </p><p><font>Mais ficou a ré obrigada a promover a desocupação das casas de função na parcela de terreno, sendo que, decorrido um ano contado da data da assinatura do contrato sem que aquelas condições ocorressem, o contrato caducaria, automaticamente, com a obrigação de devolução, em singelo, da quantia entregue pela autora, salvo se esta manifestasse, de forma expressa, a sua vontade de manutenção do contrato, e, caso ainda assim, no prazo de um ano, após esta manifestação, não se verificassem as condições de eficácia, operar-se-ia a caducidade automática do contrato.</font> </p><p><font>Tendo a ré logrado a desafetação do domínio publico e a inscrição no registo predial, não procedeu à desocupação das casas de função, antes de decorridos os aludidos prazos de caducidade, não obstante, mesmo assim, as partes terem decidido pela prossecução do contrato, sendo que as diversas reuniões e correspondência mantidas traduzem esta conduta das partes, tal como todas as diligências desenvolvidas, em ordem à desocupação das casas de função, que culminaram com a saída dos seus ocupantes, em finais de Maio, inícios de Junho de 2008.</font> </p><p><font>No entanto, a ré, apesar de desonerada de promover a referida desocupação, acabou por responder à autora, declarando não aceitar que a desocupação fosse concedida, através da entrega de dinheiro pela autora aos funcionários da REFER, recusando-se a celebrar a escritura.</font> </p><p><font>Na contestação, a ré invoca, em suma, a excepção de incompetência do tribunal, em razão da matéria, arguindo ainda a exceção de caducidade, por se mostrarem ultrapassados os prazos que o contrato-promessa previa, a menos que ocorresse manifestação de interesse, por parte da ré, na manutenção do contrato, antes do decurso do prazo de caducidade, o que não aconteceu.</font> </p><p><font>Na réplica, a autora defende a improcedência das exceções de incompetência e de caducidade.</font> </p><p><font>No despacho saneador, foi julgada improcedente a exceção de incompetência, em razão da matéria, e foi relegado para momento ulterior a apreciação e decisão da exceção de caducidade.</font> </p><p><font>A sentença </font><i><font>“decid(e-se)iu, na procedência da excepção peremptória de abuso de direito, na modalidade de «venire contra factum proprium» e parcial procedência desta acção, declarar resolvido o contrato-promessa celebrado entre a Autora BB – Investimentos Imobiliários, SA, ex AA – Transacções Imobiliárias, Lda. e a Ré Rede Ferroviária Nacional Refer – EP., e, consequentemente, condenar a Ré a pagar à Autora a quantia de € 1.447.115,00, acrescida de juros à taxa legal”.</font></i> </p><p><font>Desta sentença, a ré interpôs recurso de apelação independente e a autora recurso de apelação subordinado, tendo o Tribunal da Relação decidido</font><i><font>, “na procedência da excepção peremptória de abuso de direito, na modalidade de «venire contra factum proprium» e parcial procedência desta acção, [1.] declarar resolvido o contrato-promessa celebrado entre a Autora BB – Investimentos Imobiliários, SA, ex AA – Transacções Imobiliárias, Lda. e a Ré Rede Ferroviária Nacional Refer – EP., e, consequentemente, condenar a Ré a pagar à Autora a quantia de €1.197.115,00, acrescida de juros de mora vencidos, à taxa legal sucessivamente vigente, nos termos previstos no art.º 559.º do CC, ex vi art.º 102.º § 2.º do Cód. Comercial, desde a citação da ré, em 02-09-2008, até efectivo e integral pagamento; e [2.] condenar a ré a pagar à autora a quantia que se vier a liquidar relativa a compensação dos valores despendidos pela Autora e constantes dos pontos 17, 31, 33 e 54, até ao limite de € 250.000,00”.</font></i> </p><p><font>Deste acórdão da Relação de Lisboa, a ré interpôs agora recurso de revista, terminando as alegações com o pedido da sua revogação, na parte em que condena a ré no pagamento de indemnização adicional à autora, a liquidar, com o limite de €250000,00, formulando as seguintes conclusões que, parcialmente, no segmento que ainda interessa considerar para o julgamento do objeto da revista, se transcrevem:</font> </p><p><font>1ª – (18</font><sup><font>a</font></sup><font>) Relativamente ao recurso de apelação subordinado da A. e que o acórdão recorrido julgou procedente revogando-se a decisão de 1</font><sup><font>a</font></sup><font> instância, decidiu-se que, por existir abuso de direito por parte da R. recorrente, está a mesma obrigada ao pagamento dos investimentos realizados pela A. no pressuposto da celebração do contrato de venda, a liquidarem momento ulterior.</font> </p><p><font>2ª – (19ª) Ora, desde logo, a matéria apurada é totalmente omissa a esse respeito, nada se tendo apurado ou provado a esse propósito, pelo que se trata aqui de uma condenação sem fundamento nos factos provados.</font> </p><p><font>3ª – (20ª) Além disso as partes não estipularam qualquer indemnização em caso de incumprimento contratual, pelo que não poderia a A. receber mais do que o sinal em dobro, tendo, assim, a decisão recorrida violado o disposto no artigo 442 n° 4 do C. Civil.</font> </p><p><font>4ª – (21ª) Além de, da matéria provada, não poderia a A. deixar de ter incerteza quanto à realização da escritura, pelo que a sentença recorrida ao determinar que a recorrente tem de indemnizar a A., além da devolução do sinal em dobro, violou os artigos 227, 334 e 442 n° 2 e 4 do C. Civil.</font> </p><p><font>Nas suas contra-alegações, a autora defende que deve ser rejeitado o recurso ou, caso assim se não entenda e, em qualquer circunstância, deve ser negado provimento ao mesmo, mantendo-se o acórdão recorrido.</font> </p><p><font>O Tribunal da Relação entendeu que se devem considerar demonstrados os seguintes factos, que este Supremo Tribunal de Justiça aceita, nos termos das disposições combinadas dos artigos 674º, nº 3 e 682º, nº 2, do Novo Código de Processo Civil (CPC), mas reproduz:</font> </p><p><font>1. A autora dedica-se à compra, venda e construção de imóveis.</font> </p><p><font>2. A ré tem por objeto a gestão da parte imobiliária da rede ferroviária portuguesa.</font> </p><p><font>3. A CP-Caminhos de Ferro Portugueses, E.P. (“CP”) tinha, sob sua jurisdição, uma parcela de terreno, localizada em …, com a área total de 8.119 m2, que, apesar de só incluir bens imóveis não adstritos ao serviço ferroviário, estava afeta ao domínio público.</font> </p><p><font>4. Para além da aludida afetação, a referida parcela estava livre de quaisquer ónus ou encargos.</font> </p><p><font>5. A “CP”, através da INVESFER-Promoção e Comercialização de Terrenos e Edifícios, S.A. (“INVESFER”), apresentou à Câmara Municipal de … (“CM…”) um Pedido de Informação Prévia, nos termos do Decreto-Lei n.º 445/91, de 20 de Novembro.</font> </p><p><font>6. O qual foi aprovado por aquela Edilidade, através do ofício n.º …547, de 09/05/95.</font> </p><p><font>7. “CP” e a autora., em 1996-03-02, outorgaram um contrato, por força do qual aquela prometeu vender a esta, que prometeu comprar, a referida parcela, pelo preço de 200.000.000$00, através da subscrição do documento junto, sob o nº 5, a fls. 64 e segs.</font> </p><p><font>8. E sob as seguintes condições:</font> </p><p><font>«a) A Promitente Vendedora vai solicitar a desafectação do domínio público da parcela de terreno identificada, através do Despacho Conjunto dos Ministros das Finanças e das Obras Públicas, Transportes e Comunicações;</font> </p><p><font>b) Obtido o despacho mencionado no número Um anterior e de acordo com a previsão do artigo 1.º do diploma citado, a Promitente Vendedora, ao abrigo do disposto no artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 269/92, promoverá a inscrição matricial e a descrição predial do imóvel que nele vier a ser identificado;</font> </p><p><font>c) A CP promoverá a desocupação das casas na parcela de terreno identificada, para que a mesma possa ser transmitida livre de pessoas e bens».</font> </p><p><font>9. E sujeito a prazos sucessivos de caducidade:</font> </p><p><font>«d) A plena eficácia do presente Contrato-Promessa depende, cumulativamente, do acto de desafectação do domínio público ferroviário, nos termos previstos no Decreto-Lei n.º 269/92, de 28 de Novembro, e dos actos a que se referem os números Dois e Três da Cláusula Segunda;</font> </p><p><font>e) A não verificação no prazo de 12 (doze) meses, contados da data da assinatura do presente Contrato-Promessa, da condição referida no número anterior, determina a caducidade automática deste instrumento, sem necessidade de qualquer declaração judicial, com a obrigação da devolução em singelo, pela Promitente Vendedora, da quantia recebida correspondente ao pagamento referido na Cláusula Quarta, salvo se a Promitente Compradora manifestar de forma expressa a sua vontade de manutenção do Contrato;</font> </p><p><font>f) Não se verificando as condições de eficácia, e tendo decorrido doze meses sobre a manifestação de vontade a que se refere o número anterior, operar-se-á a caducidade automática do presente Contrato, nos mesmos termos nele previstos;».</font> </p><p><font>10. Todas as condições estavam a cargo da “CP”.</font> </p><p><font>11. Quanto às duas primeiras – alíneas a) e b) – a “CP”, depois de ter sido atendida a desafetação da referida parcela do domínio público, em 1997-04-11, através de despacho ministerial, promoveu as atinentes inscrição matricial e descrição predial.</font> </p><p><font>12. Esta última aconteceu, em 1997-10-01.</font> </p><p><font>13. Entretanto, só depois de excedido o primeiro prazo de caducidade [precisamente em 1997-03-02 (cfr. ponto Dois da Cláusula Sétima], é que a desafetação [cfr. 26., a)] e o registo [cfr. 26., b)] do decorrente prédio urbano ocorreram.</font> </p><p><font>14. A primeira cerca de um mês e meio.</font> </p><p><font>15. &nbsp;O segundo sete meses, aproximadamente.</font> </p><p><font>16. E excedido o segundo prazo de caducidade [precisamente em 1998-03-02 (cfr. ponto Três da Cláusula Sétima)] as desocupações [cfr. 26., c)] não foram consumadas.</font> </p><p><font>17. A autora, por si ou através da sua mandatária, praticou os seguintes actos:</font> </p><p><font>a) O pagamento dos reforços do sinal, estipulados nas alíneas b) e d) da Cláusula Quinta, em Fevereiro (não obstante o primeiro prazo de caducidade) e Dezembro de 1998 (apesar do segundo prazo de caducidade), respectivamente;</font> </p><p><font>b) Comunicações telefónicas, postais e via fax, que dirigiu à “CP” (directamente ou através da “INVESFER”);</font> </p><p><font>c) Reuniões com a “CP” (directamente ou através da “INVESFER”);</font> </p><p><font>d) Apresentação de requerimentos e documentação na “CM…”, destinados aos dois processos de licenciamento encetados pela “CP” (ou através da “INVESFER”).</font> </p><p><font>18. A “CP”, por si ou através da “INVESFER”, praticou os seguintes actos:</font> </p><p><font>e) A quitação concedida aos reforços de sinal, estipulados nas alíneas b) e d) da Cláusula Quinta;</font> </p><p><font>f) As comunicações telefónicas, postais e via fax, que dirigiu à A. (directamente ou através da mandatária);</font> </p><p><font>g) As reuniões que teve com a A. (directamente ou através da mandatária);</font> </p><p><font>h) O despoletar dos dois processos de licenciamento na “CM…”, bem como a apresentação de vários requerimentos e documentação nesta, destinados àqueles.</font> </p><p><font>19.</font><i><font> </font></i><font>Em 2005-04-28, a mandatária da autora enviou carta à ”INVESFER” onde:</font> </p><p><font>a)-lamentou a falta de resposta à carta mencionada supra em 53;</font> </p><p><font>b)-deu conta da indisponibilidade da A. para continuar em impasse, depois de ter pago mais do que 500.000,00 €, e da pretensão da mesma de celebrar a escritura, com o pagamento do remanescente do preço em simultâneo;</font> </p><p><font>c)-assegurou recurso à via judicial se não fosse correspondida no prazo de 15 dias.</font> </p><p><font>20. Em 2006-06-06, a mandatária da autora enviou fax à R., onde aproveitou para salientar:</font> </p><p><font>a)-Em reunião de Novembro de 2005 foi acordado com a Administração da INVESFER, S.A. fazer a escritura de compra e venda até ao mês de Janeiro do presente ano de 2006;</font> </p><p><font>b)-para tal elaborámos minuta de escritura que, segundo temos sido informados pela assessora jurídica Dr.ª CC, está a ser apreciada pelos Serviços Jurídicos da REFER desde há cerca de 6 meses (Novembro a Maio);</font> </p><p><font>c)-tal situação é manifestamente insustentável face ao normal funcionamento das instituições e às legítimas expectativas dos operadores económicos.</font> </p><p><font>21. Bem como para solicitar informações sobre:</font> </p><p><font>a)-a desocupação das casas existentes no decorrente prédio urbano;</font> </p><p><font>b)-se a escritura poderia ser marcada para qualquer dia do mês de Junho subsequente;</font> </p><p><font>c)-quem iria outorgar a escritura como entidade vendedora.</font> </p><p><font>22. Em 2006-09-28, a mandatária da autora enviou fax à ré, onde disse:</font> </p><p><font>a)-Temos em mão um contrato promessa que tem todas as condições para que seja feita a escritura pública de compra e venda;</font> </p><p><font>b)-O projecto camarário de obras está aprovado e foram apresentadas as telas finais dos projectos de especialidade;</font> </p><p><font>c)-Com a INVESFER (Eng. DD) foi elaborada uma minuta de escritura que vos foi enviada em Novembro de 2005 para apreciação;</font> </p><p><font>d)-A escritura já esteve marcada por duas vezes em Cartório Notarial de … conforme referi ao Colega e, por falta de análise da minuta pela REFER, não foi ainda possível a sua outorga;</font> </p><p><font>e)-Estamos na disposição de alterar essa minuta, caso assim o entendam;</font> </p><p><font>f)-Porém, torna-se insustentável continuar a telefonar para o V/gabinete, que após as nossas duas conversas de Junho, Julho, não tem capacidade para nos devolver as chamadas (já fizemos mais de 20 telefonemas nestes três meses) e, como não estou habituada a que os Colegas não respondam ... permitam-me que estranhe este comportamento;</font> </p><p><font>g)-Os nossos clientes têm todo o interesse em ver concluído este negócio e pagar a parte restante do imóvel;</font> </p><p><font>h)-Por isso sugiro que marquemos uma reunião, pessoalmente, nas vossas instalações, a fim de se ultimar algum pormenor e podermos outorgar a escritura durante o mês de Outubro, para o que solicito urgência.</font> </p><p><font>23. Em 2006-10-10, a mandatária da autora enviou fax à ré, onde solicitou resposta ao fax mencionado supra, que anexou.</font> </p><p><font>24. Em 2006-12-04, a mandatária da autora enviou fax à ré, com conhecimento à ”INVESFER”, onde, como ponto da situação:</font> </p><p><font>a)-deu conta do contrato e anexou uma cópia do mesmo;</font> </p><p><font>b)-salientou o desenvolvimento do projecto de construção para o decorrente prédio urbano, que tinha dado entrada na “CM…”, aproximadamente há mais de onze anos;</font> </p><p><font>c)-chamou à colação o facto de tal projecto, depois de várias e sucessivas modificações, estar licenciado e com os projectos de especialidade concluídos;</font> </p><p><font>d)-advertiu que na reunião efectivada entre si e a ”INVESFER”, em 2005-11-21, foi feita a minuta da escritura com as indicações da administração desta, a qual seguiu para a R., em ordem a ser analisada;</font> </p><p><font>e)-lamentou não ter tido qualquer resposta a propósito;</font> </p><p><font>f)-juntou faxes supra mencionados.</font> </p><p><font>25. Em 2007-06-21, a ”INVESFER” enviou fax ao mandatário da autora, onde disse que todos os assuntos relacionados com o referido Contrato devem ser tratados directamente com a REFER.</font> </p><p><font>26. Em 2007-07-02 o mandatário da autora reencaminhou o fax mencionado supra para a ré.</font> </p><p><font>27. As partes reuniram-se, em 2007-07-18.</font> </p><p><font>28. Na reunião de 18/07/2007, chegou-se à conclusão de que, em relação aos meios alternativos de desocupação das casas existentes no decorrente prédio urbano, o único viável era o da saída dos ocupantes daquelas tout court.</font> </p><p><font>29. O mandatário da autora ficou incumbido de formalizar proposta nesse sentido e recebeu luz verde da ré, com vista a contatar os ocupantes das casas existentes no decorrente prédio urbano, em ordem a negociar a concretização daquela.</font> </p><p><font>30. O Inspector da ré da zona de … mediou a marcação de encontros e viabilizou os números de telefone.</font> </p><p><font>31. Houve encontros, reuniões no Gabinete do Chefe da Estação e no escritório do mandatário da autora, e contactos telefónicos.</font> </p><p><font>32. Subsequentemente, o mandatário da autora, no âmbito de contacto telefónico entre si e o mesmo director da ré, apresentou a proposta.</font> </p><p><font>33. A autora decidiu subrogar-se à ré no pagamento das compensações estipuladas na proposta, de forma àquela segunda não ter o menor argumento contra a celebração da escritura, e, como tal, o mandatário da autora, em 2008-01-08, enviou fax à mesma, onde disse:</font> </p><p><font>«a)-Na sequência do nosso fax de 2007-12-05 vimos por este meio informar os passos que a nossa cliente foi tomando e reformular a nossa proposta em função dos mesmos.</font> </p><p><font>I. Além dos ocupantes das casas no terreno objecto do contrato sob epígrafe terem-se comprometido a desocupá-las, em definitivo, livre de pessoas e bens, a nossa cliente conseguiu que cada um assinasse um documento ...</font> </p><p><font>“Confirmação/Declaração/Compromisso”, em cujo teor consta ... : ...por ocupar o Edifício da CP ... em …, a título precário, confirma ter deixado de subsistir todas as razões sociais que levaram a Companhia ... a autorizar tal situação de facto, razão pela qual se compromete a restituir na íntegra e em definitivo, livre de quaisquer pessoas e bens, o supra referido imóvel, dentro do prazo de seis meses, a contar da data da assinatura da presente, contra o recebimento de 6.000,00 € ..., por conta do custo das obras de conservação que teve de levar a cabo nos cerca de 22 anos de ocupação;</font> </p><p><font>II. Ou seja, a desocupação definitiva, livre de pessoas e bens, das casas no terreno objecto do contrato sob epígrafe já é um facto;</font> </p><p><font>III. Neste contexto, a minha cliente, porque, ainda por cima, conseguiu uma redução muitíssimo significativa da contrapartida de cada uma das desocupações [14.000,00 € (42.000,00 € no global)], decidiu reformular a sua proposta nos termos seguintes:</font> </p><p><font>-A AA assume o pagamento das três contrapartidas no valor global de 18.000,00 €, apesar da desocupação definitiva, livre de pessoas e bens, das casas no terreno objecto do contrato sob epígrafe estar a cargo da CP;</font> </p><p><font>-A CP designará o Cartório Notarial e a data da outorga da escritura pública do contrato sob epígrafe, a qual, pela AA, poderá ser em 2008-02-28 ...;</font> </p><p><font>-A AA pagará o remanescente do preço aquando da outorga indicada no ponto anterior.</font> </p><p><font>IV. Esta reformulação constitui o último esforço da minha cliente no sentido da concretização do contrato sob epígrafe, já com cerca de 12 anos de vida, corolário, aliás, de muitos outros que foi levando a cabo ao longo de tamanha imensidão temporal;</font> </p><p><font>V. Nada mais barra, pois, o caminho até à outorga da escritura pública do contrato sob epígrafe e com a ocorrência desta os legítimos interesses de ambas as partes serão finalmente acautelados.</font> </p><p><font>VI. É, assim, com um sentimento de “dever cumprido” que a minha cliente fica a aguardar prezadas notícias.»</font> </p><p><font>34</font><i><font>. </font></i><font>A ré enviou carta à autora, em 2008-01-11, dizendo:</font> </p><p><font>...conforme já havia esta Empresa realçado, nas reuniões que efectuou com os representantes da AA, em 18 de Julho e 12 de Setembro do corrente ano, a desocupação das casas de função em causa só poderá efectuar-se por via da transferência dos trabalhadores no activo para outras casas, igualmente de função sem o direito a qualquer contrapartida.</font> </p><p><font>35. Para, seguidamente, asseverar que:</font> </p><p><font>a)-o mecanismo proposto para a desocupação não pode ser aceite pela REFER, por manifesta divergência do estipulado na promessa de compra e venda no que concerne com a desadequação do negócio ao que havia sido estabelecido e ainda por razões de natureza jurídica da REFER, enquanto Entidade Pública Empresarial;</font> </p><p><font>b)-Em face da reconhecida impossibilidade de celebração do contrato definitivo, o que já ocorre há mais de dez anos, não nos resta outra alternativa que não seja a suscitação da caducidade do contrato-promessa de compra e venda sob condição celebrado no dia 2 de Março de 1996;</font> </p><p><font>c)-Esta caducidade contratual opera por não se verificarem as condições de eficácia do contrato promessa em causa, obrigando-se a REFER à devolução do sinal prestado pela AA em singelo;</font> </p><p><font>d)-Nesta conformidade, deverão V. Ex.ªs nos trinta dias seguintes à recepção da presente missiva, levantar o cheque no montante de quinhentos e noventa e oito mil quinhentos e cinquenta e sete euros e quarenta e cinco cêntimos, no valor global do sinal e reforços de sinal efectuados pela AA, na Direcção do Património Imobiliário da REFER, sita na Estação de …, procedendo-se, no momento do levantamento do cheque à assinatura de um acordo de revogação do contrato-promessa em questão, para os devidos efeitos da contabilização, nas duas empresas das transferências de valores.</font> </p><p><font>36. A Cláusula Sétima do contrato previa prazos sucessivos de caducidade [cfr., 27., d) a e)], dependentes da efetivação de algumas condições [cfr. 26, a) a c)], de funcionamento automático, caso estas não se verificassem.</font> </p><p><font>37. Já depois dos prazos de caducidade, a mandatária da autora elaborou uma minuta, com sucessivas indicações da “INVESFER” (Eng. DD)], que continha algumas cláusulas em manifesta divergência com as do contrato, na medida em que as mesmas previam:</font> </p><p><font>a)-a celebração da escritura com as casas existentes no decorrente prédio urbano ocupadas;</font> </p><p><font>b)-a dilação do pagamento do remanescente do preço até à desocupação plena dessas casas, nunca por mais de 180 dias;</font> </p><p><font>c)-a caução desse pagamento por garantia bancária;</font> </p><p><font>d)-a compensação da indemnização que a R viesse a ter de pagar à A. por causa dessas casas, no valor máximo de 500.000,00 euros, com esse pagamento.</font> </p><p><font>38. A “INVESFER” submeteu a minuta à apreciação da ré, desde 2005-12-05, pelo menos.</font> </p><p><font>39. Em 18 de Julho de 2007, teve lugar reunião entre o mandatário da autora e a ré, no seio da qual foi discutida a questão atinente à desocupação das casas de função (5., 6., 21., 22. e 26. da Base Instrutória).</font> </p><p><font>40. Em 2005-01-14, sucedeu reunião no seio da qual:</font> </p><p><font>a)-foi reiterado o interesse de A. e R. na manutenção do contrato;</font> </p><p><font>b)-A mandatária da A. pediu à ”INVESFER” notícias sobre a data de desocupação das casas existentes no decorrente prédio urbano;</font> </p><p><font>c)-A mandatária da A. pediu os documentos necessários para a escritura e a marcação desta, o mais depressa possível, em ordem ao cumprimento do contrato;</font> </p><p><font>d)-A mandatária da A. disponibilizou-se para negociar uma promessa de compra e venda com a ”INVESFER”, relativamente a uma das fracções a construir no decorrente prédio urbano, depois da outorga da escritura (7.).</font> </p><p><font>41.</font><i><font> </font></i><font>Em 2005-08-02, a mandatária da autora enviou carta à ”INVESFER”, onde chamou à atenção desta sobre essas questões [cfr. 52., a) a d)] e insistiu no cumprimento em relação às que a mesma se havia comprometido (8.).</font> </p><p><font>42. Em 10.10.2005, a autora foi informada que a ré havia assumido a posição da ‘’CP’’ no contrato, por força da transmissão mencionada (9.).</font> </p><p><font>43. Em 2005-10-10, a ”INVESFER” enviou fax à mandatária da autora, onde pediu reunião, em ordem a ser encontrada a solução para a concretização do contrato (10).</font> </p><p><font>44. Em 2005-10-17, teve lugar uma reunião no seio da qual:</font> </p><p><font>a)-a ”INVESFER” comprometeu-se a entregar à mandatária da A. a identificação do decorrente prédio urbano, em termos fiscais e registais;</font> </p><p><font>b)-ficou marcada nova reunião para ultimar os elementos da escritura;</font> </p><p><font>c)-a mandatária da A. pediu à ”INVESFER” informação acerca da desocupação das casas existentes no decorrente prédio urbano (11.).</font> </p><p><font>45. Em 2005-11-07, a mandatária da autora enviou fax à ”INVESFER”, onde chamou à atenção desta sobre essas questões [cfr. 56., a) a c)] e insistiu no cumprimento em relação às que a mesma se havia comprometido (12.).</font> </p><p><font>46. Em 2005-11-08, a ”INVESFER” enviou fax à mandatária da autora, onde:</font> </p><p><font>a)-informou que já tinha requisitado a certidão do registo predial e a caderneta do decorrente prédio urbano;</font> </p><p><font>b)-transmitiu, preliminarmente, as informações constantes nos documentos mencionados na alínea anterior, de modo a permitir a preparação da próxima reunião de dia 14 de Novembro bem como da própria escritura a celebrar em breve;</font> </p><p><font>c)-Informou acerca do ponto da situação relativo às casas existentes no decorrente prédio urbano relativamente às casas cinco estavam ocupadas, duas das quais já não estavam ao serviço nem da CP nem da REFER (13.).</font> </p><p><font>47.</font><i><font> </font></i><font>A mandatária da autora enviou fax à INVESFER, sugerindo o adiamento da reunião de 14.11.2005 para 21.11.2005, invocando como fundamento a falta de envio pela ré dos elementos documentais necessários para a elaboração da minuta da escritura (14.).</font> </p><p><font>48. Em 2005-12-05, a mandatária da autora enviou fax à ”INVESFER”, onde seguiu em anexo a planta da zona do decorrente prédio urbano, a pedido daquela segunda (15.).</font> </p><p><font>49. Em 2005-12-20, a mandatária da autora enviou fax à ”INVESFER”, onde pediu informação sobre os aspectos pendentes com vista à realização da escritura (16.).</font> </p><p><font>50. Em 2005-12-23, a ”INVESFER” enviou fax à autora onde informou, no tocante ao ponto de situação relativamente à preparação da escritura, que:</font> </p><p><font>a)-a minuta foi enviada para a REFER para aprovação pelo Conselho de Administração, que aguardamos;</font> </p><p><font>b)-quanto às questões da actualização das confrontações e da isenção de licença de utilização, aguardamos neste momento resposta por parte da Câmara Municipal de … aos requerimentos enviados com vista a solucionar os dois problemas (17.).</font> </p><p><font>51. Em 2006-02-21, a mandatária da autora enviou fax à ”INVESFER”, onde remeteu em anexo um requerimento para solicitar a prorrogação do prazo no processo de loteamento, com vista a ser recolhida a assinatura daquela, para, de seguida, fazer a apresentação do mesmo na “CM…” (18.).</font> </p><p><font>52. Em 2006-02-23, a ”INVESFER” enviou carta à mandatária da autora, para devolver o requerimento mencionado, devidamente assinado (19.).</font> </p><p><font>53. Em 14.06.2007, o mandatário da autora enviou fax à INVESFER a sugerir a realização de uma reunião entre os advogados dos contraentes com o objetivo de discutir alguns acertos tendentes à celebração da escritura pública (20.).</font> </p><p><font>54. Na sequência da reunião mencionada em AL)., um dos directores da ré que esteve presente na mesma, acertou com o mandatário da autora uma deslocação conjunta às casas daquela, localizadas nas estações de Dois Portos, … e …, em ordem a verificarem se algumas delas estavam em condições de acolher os ocupantes das casas existentes no decorrente prédio urbano (23).</font> </p><p><font>55. Os funcionários da CP e da REFER acederam em sair das casas de função, após, cada um, ter recebido da autora a quantia de €6.000,00, tendo-as, efectivamente, devolvido à ré (28., 33., 35., 36. e 38.).</font> </p><p><font>56. O mandatário da autora converteu a proposta em documento escrito que, em 2007-12-05, foi enviado para a R., por fax:</font> </p><p><font>a)-Estabelecer acordo de desocupação definitiva, livre de pessoas e bens, das casas ocupadas por funcionários da CP, com cada um destes, contra o pagamento de 20.000,00 € (vinte mil euros), para cada um, a título de obras de conservação;</font> </p><p><font>b)-Esses pagamentos, no valor de 60.000,00 € (sessenta mil euros), deverão ser levados a cabo por V. Ex.ªs ou então por nós desde que imputado no valor que vamos ter de pagar aquando da outorga do contrato definitivo;</font> </p><p><font>c)-Celebração do contrato definitivo a partir da desocupação plena referida no ponto 1 (29.).</font> </p><p><font>57.</font><i><font> </font></i><font>Tendo a autora proposto, em 5/12/07, o pagamento de €20.000,00 (vinte mil euros), a cada funcionário, pela desocupação das casas de função da ré, na totalidade €60.000,00 (sessenta mil euros) a cargo da ré ou imputado no valor que faltava pagar (com referência ao contrato-promessa) e, formalização da transmissão da propriedade do imóvel para a autora, após a desocupação da totalidade dos imóveis (41.).</font> </p><p><font>58. Em 2008-01-22, a autora enviou à ré, pelo seu mandatário, carta com o seguinte teor:</font> </p><p><font>«I-Enquadramento da questão do ponto de vista contratual...</font> </p><p><font>1-Em 1996-03-02, a n/cliente, AA, Lda., prometeu comprar à CP – Caminhos-de-ferro Portugueses, E.P., que prometeu vender, o prédio misto composto de casa em alvenaria com dois pavimentos para habitação; torre em alvenaria com dois pavimentos para habitação, barracão em alvenaria com um pavimento amplo para cocheira de carruagens e logradouro, com a área coberta de 1.246,38 m2 e a área descoberta de 6.872,62 m2, a confrontar Norte e Nascente com Caminho-de-ferro (Linha do Oeste): Sul e Poente com Caminho de Ferro (Linha do Oeste) e Rua …, descrita na Conservatória do Registo Predial de …, sob o n.º …579, da freguesia de …, concelho de …, e inscrito na matriz respectiva, sob o artigo …04.º, da dita freguesia de ….</font> </p><p><font>2-No n.º Dois da cláusula segunda do contrato indicado supra em 1., a “CP” declarou que a mencionada parcela de terreno inclui bens imóveis que não se encontram adstritos ao serviço público ferroviário e, como tal, de acordo com a previsão do art. 9.º do Decreto-Lei n.º 269/92, de 28 de Dezembro, e nos termos ai previstos podem ser desafectados do domínio público ferroviário e, posteriormente, alienados.</font> </p><p><font>3-Do n.º Três da mesma cláusula do contrato indicado supra em 1., resulta, no tocante à mencionada parcela de terreno, que a “CP”, através da Invesfer - Promoção e Comercialização de Terrenos e Edifícios, S.A., apresentou à Câmara Municipal de … pedido de informação prévia nos termos do Decreto-Lei n.º 445/91, de 20 de Novembro, o qual foi aprovado por
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7jKQu4YBgYBz1XKvuxvS
1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><br> <b><font> </font></b> <p><b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font></b> </p><p><font> </font> </p><p><b><font>I – AA– ..., Ldª intentou</font></b><font> acção declarativa com processo comum, sob a forma ordinária, contra </font><b><font>BB, Ldª</font></b><font> pedindo a condenação da R. no pagamento de uma indemnização por danos emergentes e lucros cessantes, no total de € 479.329,73; de uma indemnização por danos de imagem, no valor de € 10.000,00, sempre com juros de mora e ainda a considerar ilegais, ou abusivos e ilegítimos, os aumentos das taxas de manutenção, declarando-os sem efeito. </font> </p><p><font>Subsidiariamente pediu para ser considerada nula a cláusula 15º n.º 2 do contrato, devendo a R. restituir à autora o montante correspondente ao período em falta até ao termo do contrato, no valor de € 83.144,32, mais juros de mora a contar da data de comunicação da resolução.</font> </p><p><font>Ainda subsidiariamente, e para o caso de ser válida a resolução do contrato, a autora entende que a ré lhe deverá devolver a parte do preço pago correspondente ao tempo que falta até ao termo do contrato.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Alegou em síntese que CC e a Ré BB, Ldª celebraram, no dia 28 de Julho de 1999, um contrato tipo de </font><i><font>promessa de cessão do direito de utilização de um estabelecimento na ...</font></i><font>, referente ao espaço </font><i><font>“ L … do Edifício ... “</font></i><font>, pelo prazo de 25 anos e preço de 22.560.000$00 (€ 112.528,81), mais IVA, que foi integralmente pago, adiantando que o</font><b><font> </font></b><font>referido CC se decidiu a celebrar esse contrato porque a Ré lhe garantiu que a M.... seria um empreendimento constituído por largas dezenas de estabelecimentos, com conceito integrado e global, acessos adequados, entre os quais um parque de estacionamento subterrâneo e um acesso pedonal com um nível elevado, arranjos paisagísticos, uma zona de marcas de alta costura, lavandaria automática e supermercado, bem como lojas âncora, tudo combinado com uma ampla promoção e tudo suportado pela maqueta exibida e material publicitário.</font> </p><p><font>Segundo a A a R garantiu ainda que as taxas de manutenção seriam reduzidas (2.400$00/m2/ano) e que não seria autorizada a abertura de lojas que prosseguissem a mesma actividade da autora, no mesmo edifício.</font> </p><p><font>Refere igualmente que no dia 23 de Maio de 2000, o referido &nbsp;CC transmitiu à sociedade autora, constituída por si e pela mulher, a totalidade dos direitos e deveres emergentes do contrato antes mencionado, que a autora celebrou porque teve como boas as garantias dadas pela ré e acima mencionadas – que também constituem obrigações legais decorrentes da Concessão -, mas que a mesma não veio a cumprir.</font> </p><p><font>Com efeito a R. apenas construiu o parque de estacionamento no ano de 2008, pelo que, até essa data, o estacionamento foi feito em frente dos espaços comerciais, com prejuízo para a fruição do espaço, o que contribuiu para afastar o público da M...., e foi agravado quando a ré decidiu cobrar um valor exagerado pelo estacionamento, bem como pela falta do acesso pedonal; que o arranjo paisagístico apenas em 2009 estava a ser implementado, nunca foi instalada qualquer zona de moda, a lavandaria e o supermercado apenas existiram temporariamente, e apenas cerca de 35% dos estabelecimentos iniciaram actividade, valor que nunca ultrapassou os 45%, com a ré a deixar de fazer qualquer promoção da M.....</font> </p><p><font>Acrescenta que a limpeza, a sinalética e a iluminação também eram deficientes, o mesmo acontecendo com a vigilância e a segurança, o que deu origem a cenas de vandalismo, tudo situações que afastaram público da M.... e que por outro lado, a loja da autora sofre de maus cheiros, que a R também passou a arrendar espaços comerciais por períodos curtos, tendo também permitido a abertura no Edifício ..., de dois outros estabelecimentos com a mesma actividade da autora, com prejuízo para as vendas. </font> </p><p><font>Todas as situações descritas tiveram como consequência, segundo a A, diminuição do seu volume de negócios, impedindo-a de obter as receitas projectadas, para além de terem prejudicado a sua imagem perante os devedores.</font> </p><p><font>Em relação às taxas de manutenção, alega a A, que, em Janeiro de 2000, a R procedeu inesperadamente ao seu aumento para 13.600$00/m2/ano, ou seja, da ordem dos 500%, não tendo apresentado nessa ocasião ou posteriormente qualquer explicação plausível para esse aumento, para além de ter dito que o valor inicialmente previsto se tinha devido a um lapso seu, a um erro na previsão dos custos.</font> </p><p><font>Afirma que tanto o CC como ela pagaram sempre essas taxas pelo valor inicialmente acordado, actualizado, e pediram insistentemente esclarecimentos sobre as razões que teriam conduzido ao seu aumento o qual considera ilegal e abusivo, por não ser proporcional nem adequado ao custo dos serviços prestados, por contrariar as regras da boa-fé e da proibição do abuso de direito, bem como a confiança suscitada pela ré, e por não ter sido fundamentado, até porque não existiu alteração em relação aos serviços abrangidos.</font> </p><p><font>Afirmando que se soubessem que viriam a ocorrer as situações antes descritas, nem ela nem o CC teriam celebrado o contrato e nunca o teriam feito nas condições em que tal aconteceu indica que através de carta de 13 de Outubro de 2009, a R veio comunicar-lhe a resolução do contrato, com fundamento na falta de pagamento das taxas fixadas, o que a autora não aceitou. </font> </p><p><font>Conclui que o alegado incumprimento de uma obrigação secundária nunca seria suficiente para levar à resolução do contrato e que o artigo 15 do contrato, pelo seu conteúdo genérico, nada acrescenta à regulamentação legal, para além de ter havido abuso de direito na resolução do contrato.</font> </p><p><b><font> </font></b> </p><p><b><font>Na contestação,</font></b><font> a R. invocou a excepção de incompetência material deste tribunal no que diz respeito ao pedido formulado pela autora sobre a ilegalidade da fixação das taxas de manutenção.</font> </p><p><font>Para além disso afirma que as obrigações assumidas perante a autora são apenas aquelas que constam do contrato celebrado no dia 28 de Julho de 1999, nas quais não se incluem a generalidade das situações invocadas pela autora, que também não resultam do contrato de concessão e que algumas das situações invocadas pela autora traduzem obrigações da ré mas apenas perante o Estado, emergentes da concessão.</font> </p><p><font>Afirma que a M.... tem em funcionamento largas dezenas de lojas, sujeitas a regras impostas pela ré, em número superior ao indicado pela autora e suficiente para garantir a continuidade da sua exploração comercial, sendo que a ré tudo tem feito para a abertura das restantes e que o actual acesso pelo Passeio M.... pertence à CMC, que o construiu, e está fora da área concessionada acrescentando que esse acesso pedonal existia na ocasião abertura da M.....</font> </p><p><font>Em relação ao parque de estacionamento subterrâneo, apenas em 2007 é que a CMC lhe entregou o terreno necessário para a sua construção e por outro lado, existia estacionamento suficiente no interior da M...., em moldes que já estavam previstos no projecto da M.....</font> </p><p><font>Acrescenta que a M.... sempre teve palmeiras e zonas verdes, que foram aumentando ao longo dos anos, em particular em 2008, sendo a ré livre de dispor dos espaços da M.... lavandaria e o supermercado também existiram, tratando-se de equipamentos destinados ao uso dos utentes das embarcações e não dos lojistas e que tem feito promoção da M...., promovendo as acções que descreve na contestação com pormenor, ao contrário da autora em relação ao seu estabelecimento.</font> </p><p><font>Por outro dado a iluminação e a sinalética sempre foram adequadas e o horário comercial até às 2 horas, sendo certo que a violação desse horário foi uma das causas dos distúrbios ocorridos na M.... a seguir à sua abertura e a que a ré pôs cobro, nomeadamente com reforço da presença policial; do mesmo modo, a segurança e limpeza foram as adequadas, existindo um sistema de câmaras de vigilância, remodelado em 2008.</font> </p><p><font>No que diz respeito às taxas de manutenção, a ré defende que actuou no âmbito dos poderes atribuídos pela Concessão e com observância dos requisitos legais, tendo procurado que os seus valores sejam equivalentes ao custo dos serviços prestados, acrescentando que as taxas se destinam a cobrir as despesas que tem com a exploração da M...., em especial com as partes comuns.</font> </p><p><font>A previsão feita pela ré para o ano de 1999 veio a verificar-se errada e a ré fez uma nova previsão para o ano seguinte, corrigindo-a, tendo cobrado nos anos seguintes valores próximos.</font> </p><p><font>Conclui que tinha fundamento para resolver o contrato e que os pedidos formulados pela autora carecem totalmente de fundamento, até porque a mesma, quando celebrou o contrato de cessão com o primitivo contraente, conhecia a situação concreta em que se encontrava a M.....</font> </p><p><font>Em reconvenção pede a condenação da autora no pagamento dos valores de taxas em dívida, no total de € 11.386,89, acrescido de juros de mora comerciais; no pagamento de uma indemnização mensal de € 1.204,67, pela ocupação da loja após a extinção do contrato, além dos juros de mora, bem como das indemnizações vincendas até à entrega da loja, que também deve ser decretada.</font> </p><p><font>Na réplica, a autora alega que a cláusula 18º do contrato é contrária à boa-fé e proibida e defende a competência dos tribunais comuns para conhecer do pedido formulado e que, por outro lado, se a resolução do contrato fosse considerada válida, a não devolução das prestações correspondentes ao período em que o contrato não vigorou traduziria o exercício do direito de uma forma que excede manifestamente a boa-fé.</font> </p><p><font>A autora contestou o pedido reconvencional, e invocando a prescrição das taxas anteriores a 23 de Janeiro de 2005. </font> </p><p><font>Defendeu a improcedência desse pedido, pelos motivos já alegados na petição inicial, acrescentando que a ré vem defender que as taxas cobradas afinal não se destinam a suportar os custos com os serviços prestados, mas os custos com as partes comuns e com a exploração da M...., como são muitos daqueles que a ré enumera no artigo 491, onde inclui a renda paga ao Estado, custos com pessoal, amortizações, fornecimentos ou seguros.</font> </p><p><font>Na tréplica, a ré nega fundamento para a excepção de prescrição bem como para o pedido de condenação como litigância de má-fé formulado pela autora. </font> </p><p><font>Procedeu-se ao saneamento dos autos</font><b><font> julgando-se improcedente a excepção de incompetência absoluta do tribunal,</font></b><font> suscitada pela Ré na sua contestação - reconvenção. </font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Foi proferida sentença que julgou procedente a acção e, em consequência, condenou a ré a pagar à autora uma quantia, a liquidar em momento ulterior, pelos prejuízos sofridos pela autora, nos termos acima mencionados sob a alínea e) n.º 10, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até pagamento; a ver declarado que a fixação e cobrança das taxas, no ano de 2000 e em todos os anos seguintes até à data em que a ré declarou a resolução do contrato, foi ilegal e que a autora não está obrigada ao seu pagamento; bem como a reconhecer que a resolução do contrato foi inválida e não produziu efeitos; julgou integralmente improcedente o pedido reconvencional, com absolvição da reconvinda.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>A R apresentou recurso de apelação na sequencia do qual viria a ser proferido acórdão no qual se decidiu julgar</font><b><font> parcialmente procedente a apelação, revogando-se a decisão recorrida e, em consequência, absolver a Ré BB ... de todos os pedidos contra ela formulados pela A. AA, ..., S.A; julgar parcialmente procedente a apelação no que respeita ao pedido reconvencional oportunamente formulado, declarando-se validamente resolvido, por falta de pagamento integral das taxas previstas no contrato de utilização de estabelecimento comercial na ..., com a condenação da autora/reconvinda na imediata entrega à Ré/reconvinte da loja, livre e desocupada, e no pagamento dos valores de taxas em dívida (em conformidade com o valor fixado pela concessionária), referentes aos anos de 2002 em diante, acrescido de juros de mora comerciais até efectivo e integral pagamento; declarar ainda a licitude da cláusula 15ª, nº 2 do contrato em questão; confirmar-se a decisão recorrida quanto à improcedência da parte sobrante do pedido reconvencional (incluindo a procedência da excepção de prescrição no pagamento das taxas relativas aos anos de 2000 e de 2001). </font></b> </p><p><b><font> </font></b> </p><p><b><font>II. Deste acórdão foi pela A interposto o presente recurso de revista.</font></b> </p><p><font>Alegou a A/recorrente (AA) da forma constante da alegação de fls. 4384 a 4471 dos autos, cujo teor se dá por reproduzidos para todos os efeitos legais.</font> </p><p><font>Contra-alegou a recorrida (BB) pela forma constante de 4503 a 4516, igualmente se dando por reproduzido todo o teor do documento apresentado.</font> </p><p><font>Em face do teor das conclusões da alegação resultam colocadas as questões seguintes (cujo desenvolvimento e análise será efectuado em local próprio):</font> </p><p><b><font> </font></b> </p><p><b><font>III – FACTOS PROVADOS.</font></b> </p><p><b><u><font>Relativos ao contrato de concessão e regulamento de exploração</font></u></b><b><font>.</font></b> </p><p><font>1º - Depois da aprovação, através do DL n.º 335/1991, de 7 de Setembro, das bases gerais da construção e exploração da ..., por uma entidade privada, mas em regime de serviço público, e da realização de concurso, no dia 21 de Setembro de 1995, o Estado Português (representado pela Enatur), celebrou com a ré BB, o respectivo Contrato de Concessão, cuja cópia consta de fls. 301 e seguintes dos autos, e no qual foram reproduzidas, no essencial, as referidas bases gerais da concessão - documentos juntos.</font> </p><p><font>2º - Do conteúdo do DL n.º 335/91 (diploma ao qual se referem todas as </font><i><font>“Bases”</font></i><font> a seguir mencionadas) e do contrato de concessão (ao qual se referem todas as </font><i><font>“Cláusulas”</font></i><font> a seguir indicadas), retiram-se os seguintes aspectos:</font> </p><p><font>a) - Sobre </font><i><font>“as normas reguladoras da concessão”,</font></i><font> constou da Cláusula 3ª: </font><i><font>“A Concessão e as relações entre a entidade concedente e a empresa concessionária serão reguladas pelas cláusulas contratuais, pelo Regulamento de Exploração e Utilização da ..., pelo Decreto-Lei n.º 335/91 … e na falta de disposição contratual ou legal específica, pelos princípios gerais vigentes em matéria de Concessão de exploração de bens, de serviços públicos e de obras públicas...”</font></i> </p><p><font>- E no n.º 3 da Cláusula 5ª, constou:</font> </p><p><i><font>“Em caso de divergência entre o disposto no presente Contrato e qualquer dos documentos ou diplomas referidos na Cláusula 3ª … aplicar-se-á, sem prejuízo de normas legais de natureza imperativa, o disposto no presente Contrato. Em caso de omissões do presente Contrato aplicar-se-á sucessivamente o disposto nos documentos e diplomas referidos na Cláusula 3ª e nas alíneas a) e b) do número anterior.”</font></i><font> (alíneas referentes ao concurso internacional).</font> </p><p><font>b) – Nos termos da Base I e da Cláusula 4ª, a </font><i><font>"concessão"</font></i><font> teve como objecto "a construção e exploração, em regime de serviço público regular e contínuo, de uma M.... para apoio à navegação e abrigo portuário de embarcações de recreio, bem como as instalações e serviços de natureza comercial e industrial operacionais, complementares e acessórios que possam contribuir para a melhor prossecução desse objectivo, denominando-se o complexo </font><i><font>"...."</font></i><font>.</font> </p><p><font>c) – Na Base I e na Cláusula 7ª, constou que entre as </font><i><font>"obrigações da concessionária relativas à construção"</font></i><font> compreenderam-se as de </font><i><font>"elaborar os projectos de execução, realizar todas as obras e fornecer todos os serviços, equipamentos, utensílios e, bem assim, quaisquer bens que sejam necessários à realização do objecto da concessão, em conformidade com os projectos, estudos e o caderno de encargos elaborados pela entidade concedente";</font></i><font> e de </font><i><font>"realizar as obras necessárias aos acessos à M.... e à sua integração na zona envolvente."</font></i> </p><p><font>d) – Mais constou da Base XII e da Clausula 16º, n. 1, que </font><i><font>"A ... será explorada em regime de serviço público, de forma regular e contínua, nos termos fixados no contrato de concessão e em conformidade com o disposto no respectivo regulamento de exploração e utilização."</font></i> </p><p><font>e) - E que </font><i><font>"A exploração da M.... em regime de serviço público obriga a concessionária a: a) Fazer funcionar regular e continuamente o estabelecimento da concessão; b) Prestar aos utentes os serviços que integram o objecto da concessão, sujeito ao pontual pagamento das tarifas previstas...”</font></i><font> (esclareça-se que esta última parte apenas consta do contrato); </font><i><font>“c) Assegurar que os serviços sejam prestados com a maior segurança, eficiência e economia, segundo métodos racionais e técnicas actualizadas, por forma a garantir prestações de qualidade"</font></i><font> (do diploma consta ainda: </font><i><font>“…e de preços compatíveis e concorrentes com estabelecimentos similares”</font></i><font>) - Base XIII e Cláusula 17ª.</font> </p><p><font>f) – De acordo com a Base XV e a Cláusula 19ª, entre as </font><i><font>"obrigações da concessionária relativas à exploração",</font></i><font> compreendem-se, entre outras, as seguintes: </font><i><font>"Praticar todos os actos respeitantes à administração da M.... e à conservação dos seus espaços, edifícios e equipamentos... Velar pela guarda e conservação de pessoas e bens..."</font></i> </p><p><font>g) – Em relação ao </font><i><font>“Regulamento de exploração e utilização da M....”,</font></i><font> a Base XVI, n.º 2, estabelecia que </font><i><font>“Do regulamento... deverão constar as normas as normas respeitantes à execução de todas as operações a efectuar na M.... e às condições de prestação dos respectivos serviços, designadamente as expressamente indicadas no contrato de concessão”.</font></i> </p><p><font>h) – E sobre o mesmo Regulamento, o n.º 2 da Cláusula 20ª do contrato de concessão, estabelecia que </font><i><font>“O Regulamento deverá estar aprovado até um ano antes da data prevista para a entrada em funcionamento da M.......”</font></i> </p><p><font>i) - Sobre </font><i><font>“a cobrança de tarifas pela concessionária”</font></i><font>, constou da Base XVII e da Cláusula 21, o seguinte:</font> </p><p><i><font>"1. A concessionária terá direito de cobrar taxas pelos serviços que prestar no âmbito da concessão e pela utilização das instalações e equipamentos da M.....</font></i> </p><p><i><font>"2. O valor das referidas taxas, bem como as respectivas regras gerais de aplicação, será fixado na tabela de tarifas.</font></i> </p><p><i><font>"3. A tabela de tarifas referida no número anterior, bem como as suas revisões, será livremente fixado pela concessionária, que delas dará conhecimento ao concedente antes da sua entrada em vigor.</font></i> </p><p><i><font>“4. A concessionária não poderá cobrar quaisquer taxas que não constem da tabela de tarifas nem aplica-las por forma diferente daquela que dela constar ou onerar, por qualquer outra forma, o preço dos serviços ou da utilização das instalações.”</font></i> </p><p><font>j) – Sobre a </font><i><font>“conservação dos bens afectos à concessão”</font></i><font>, constou da Base XX e da Cláusula 24ª o seguinte:</font> </p><p><i><font>“1. A concessionária obriga-se a manter em permanente estado de bom funcionamento, conservação e segurança os bens que constituem o estabelecimento e a substituir, de sua conta e responsabilidade, todos os que se destruírem ou mostrarem inadequados para os fins a que se destinam por desgaste físico, avaria, deterioração ou por se tornarem obsoletos (...)</font></i> </p><p><i><font>“4. Para ocorrer aos encargos emergentes das obrigações de reparação, conservação e reapetrechamento, deverá a concessionária afectar parte dos lucros anuais à constituição de um fundo de conservação e renovação (...)”</font></i> </p><p><font>3º - O Regulamento de Exploração e Utilização da M.... veio a ser aprovado por Despacho Conjunto n.º 734/2001, publicado no DR II série, de 9 de Agosto de 2001, portanto, cerca de dois anos depois da abertura da M.....</font> </p><p><font>4º - Deste Regulamento consta, nomeadamente:</font> </p><p><font>a) – </font><i><font>“O presente Regulamento está sujeito às normas constantes do contrato de concessão... bem como às disposições do Decreto-Lei n.º 335/91, de 7 de Setembro... e, na falta de disposição contratual ou legal específica, pelos princípios gerais vigentes em matéria de concessão de exploração de bens, de serviços públicos e de obras públicas...”</font></i><font> - artigo 1º, n.º 2.</font> </p><p><font>b) – </font><i><font>“</font></i><b><i><font>A ..., na qual se incluem os estabelecimentos comerciais, é um conceito integrado e global</font></i></b><i><font> que necessita de uma acção permanente de todos os seus agentes, em benefício mútuo, baseada em princípios, designadamente, de harmonização de imagem, política promocional e de animação, continuidade de exploração e fomento da ocupação plena, o que constitui condição essencial para o êxito e bom desenvolvimento da .... A manutenção da AC (área comercial) deve ser objecto de especial atenção, designadamente quanto à harmonização das suas características técnicas, qualidade dos materiais empregues e demais elementos que a constituem.”</font></i><font> – artigo 4º, n.º 2.</font> </p><p><font>c) – O artigo 26º, em relação a </font><i><font>“Taxas”</font></i><font>, reproduz o que consta das Bases Gerais da Concessão e do Contrato de concessão, e acima mencionado, com excepção do n.º 3, que contém a seguinte alteração:</font> </p><p><i><font>“3. A tabela de tarifas referida no número anterior, as suas revisões, bem como o elenco dos serviços prestados, serão livremente fixadas pela concessionária, que delas dará conhecimento à ENATUR...”</font></i> </p><p><font>d) – O artigo 28º (sobre </font><i><font>"pagamentos</font></i><font>") dispôs:</font> </p><p><i><font>"O pagamento de todas e quaisquer taxas devidas, designadamente as taxas de conservação, manutenção, reparação, limpeza, promoção geral, vigilância, publicidade, animação, fornecimento de energia eléctrica, cargas e descargas, lixo, água, telefone e de quaisquer outros serviços prestados será efectuado mediante a apresentação de facturas nos prazos e condições previstos na mesma."</font></i> </p><p><font>e) O artigo 38º, n.º 2 estabelece o seguinte:</font> </p><p><i><font>“A manutenção, fiscalização, conservação e reparação das áreas de circulação, dependências, máquinas, equipamentos e outras instalações de uso comum serão feitas pela concessionária, segundo o seu exclusivo critério...”</font></i> </p><p><font>f) – O artigo 40º, sobre </font><i><font>“Serviços”</font></i><font>, refere:</font> </p><p><i><font>“1. A concessionária poderá, sempre que entender necessário, conveniente ou adequado ao bom e regular funcionamento da M...., estabelecer serviços obrigatórios cujos custos serão suportados pelos titulares de um direito de uso exclusivo de posto de acostagem, de um direito de utilização de estabelecimento comercial ou de quaisquer outros direitos acordados contratualmente com a concessionária, segundo critérios e normas estabelecidos pela mesma.</font></i> </p><p><i><font>“2. Aos custos referidos no número anterior aplica-se o previsto nos artigos 26º, 27º e 28º.”</font></i> </p><p><font>5º - O Estado Português transferiu entretanto para a CMC, através da Fortaleza …, E.M., os poderes de entidade concedente, em sua representação – alíneas e) e f) dos fatos assentes.</font> </p><p><font>6º - A BB construiu (através de empreiteiras) e explora a ... – alínea g).</font> </p><p><font>7º - A ... é composta por um porto de recreio, com uma área terrestre na qual existem instalações para autoridades (SEF, GNR, Capitania do Porto de …), uma estação salva vidas do ISN, heliporto, posto de abastecimento de combustíveis para automóveis e embarcações, zona de alajem de embarcações, zona de reparação e manutenção de embarcações, lojas, escritórios, zonas técnicas, espaços verdes e áreas de circulação e estacionamento, entre outras – alínea h).</font> </p><p><font>8º - E foi inaugurada em 9 de Agosto de 1999 – alínea i).</font> </p><p><font>9º - A Loja … da ... fica situada no Edifício ... (edifício mais a Sul no molhe central da ...), tem 29,5 m2, com saída e montra para a via de circulação entre o Edifício ... e o Edifício Molhe Central e uma segunda saída para a área técnica (estaleiro) da ... – alíneas l) e m) dos fatos assentes.</font> </p><p><b><u><font>Relativos à negociação e celebração do contrato de cessão de direito de utilização</font></u></b><b><font>:</font></b> </p><p><font>10º - Por documento escrito, cuja cópia consta a fls. 84 e segs. dos autos, denominado </font><i><font>“Contrato Promessa de Cessão de Direito de Utilização de Estabelecimento Comercial na ...”,</font></i><font> datado de 28 de Julho de 1999, a R. declarou prometer ceder a CC, que declarou prometer aceitar, o direito de utilização do estabelecimento comercial identificado com o n.º L … do Edifício ... sito na ..., pelo prazo de 25 (vinte e cinco) anos a contar da data da entrega e pelo preço de Esc.: 22.560.000$00 (correspondente a € 112.528,81), acrescido de IVA à taxa então em vigor (17%) - preço fixado na </font><i><font>"cláusula quinta"</font></i><font> do contrato - que foi totalmente pago pelo referido CC – alínea o).</font> </p><p><font>11º - Entre os </font><i><font>"Considerandos"</font></i><font> desse contrato consta:</font> </p><p><i><font>"4. Ambas as partes reconhecem que o conceito da ..., na qual se incluem os espaços comerciais, é um </font></i><b><i><font>conceito integrado e global</font></i></b><i><font>, que necessita de uma acção permanente e conjunta de todos os seus agentes em benefício mútuo, baseada em princípios de designadamente, harmonização da imagem, política promocional e de animação, continuidade da exploração e fomento da ocupação plena.</font></i> </p><p><i><font>"5. As partes reconhecem e declaram que a materialização dos referidos princípios mediante a sua inclusão neste contrato e nos contratos análogos ao presente subscritos por outros cessionários da M...., e a sua observância durante a vigência dos mesmos, constitui uma condição essencial para o êxito e bom desenvolvimento do conceito da ... e uma base de apoio mútuo para o desenvolvimento de cada um dos projectos individuais."</font></i> </p><p><font>12º - Aquele espaço destinava-se a ser usado na actividade de </font><i><font>"apetrechos náuticos e assistência náutica",</font></i><font> nos termos da cláusula 3ª do contrato.</font> </p><p><font>13º - Na cláusula 8ª do contrato, constou: </font><i><font>"O promitente cessionário deverá manter o estabelecimento comercial incluindo todas as instalações e equipamentos em bom estado de uso e conservação… sendo da (sua) responsabilidade os custos e despesas necessários à sua reparação."</font></i> </p><p><font>14º - Em relação a </font><i><font>“taxas de manutenção”</font></i><font>, constou do n.º 1 da Cláusula 9ª do contrato:</font> </p><p><i><font>“… o cessionário satisfará, na proporção que lhe corresponda, as taxas de manutenção e demais serviços prestados no âmbito da exploração da ..., tais como vigilância, limpeza ou promoção geral, de acordo com o disposto no Regulamento de Exploração … nos tarifários aplicáveis e outras normas regulamentares que venham a ser aprovadas … que são, na presente data, os que constam no Anexo 4 ao presente…”</font></i> </p><p><font>15º - Na cláusula 10ª, referente a </font><i><font>"Seguros",</font></i><font> consta que o cessionário será responsável pelos danos causados </font><i><font>"aos espaços e estabelecimentos comerciais ou outras instalações confinantes com o seu estabelecimento comercial"</font></i><font> e que deverá celebrar e manter um </font><i><font>"seguro de responsabilidade civil … no montante mínimo de 50.000.000$00, no qual a BB será identificada como beneficiária."</font></i><font> </font> </p><p><font>16º - A Cláusula 11ª do mesmo contrato refere-se à preservação da </font><i><font>"imagem exterior"</font></i><font> da M...., como </font><i><font>"bem valioso e essencial ao bom desenvolvimento das actividades nela prosseguidas."</font></i> </p><p><font>17º - E a Cláusula 12ª estabelece a obrigação de a cessionária (tal como aconteceu com os restantes) iniciar a actividade, no prazo máximo de 6 meses após a entrega, e a mantê-la de forma permanente, segundo os horários fixados no Regulamento, sob cominação de resolução do contrato e de uma penalidade diária de Esc.5.000$00 (cinco mil escudos), na moeda então em vigor.</font> </p><p><font>18º - Na cláusula 13ª (obrigações relativas à concessão) constou que </font><i><font>"o promitente cessionário declara aceitar e obriga-se a cumprir … as disposições do Contrato de Concessão que lhe sejam aplicáveis..."</font></i> </p><p><font>19º - A cláusula 15ª (resolução-cessação-execução específica) refere:</font> </p><p><i><font>"1. O incumprimento de qualquer das disposições do presente contrato e, em particular, a falta de pagamento de qualquer dos montantes referidos na cláusula 5 supra, que não tenha sido sanada no prazo de 30 dias … conferirá à parte adimplente o direito de resolver o presente contrato …sem prejuízo do direito de indemnização ou compensação por danos...</font></i> </p><p><i><font>"2. No caso de resolução do presente contrato por causa imputável ao promitente cessionário, e sem prejuízo do direito de indemnização … a BB terá direito a cobrar, desde logo, a totalidade dos montantes devidos até à data inicialmente prevista do termo de duração do contrato, e não terá qualquer obrigação de devolução de quaisquer montantes que tenha recebido por parte do promitente cessionário por referência à referida data do termo do contrato (...)"</font></i> </p><p><font>20º - E a cláusula 18ª: </font><i><font>"o presente contrato constitui o acordo total entre as partes, apenas podendo ser alterado, modificado ou aditado por acordo escrito, constituindo as referidas alterações ou modificações, aditamentos ao presente contrato."</font></i> </p><p><font>21º - Desse contrato constou um anexo, a fls. 103 dos autos, com o título de </font><i><font>"Previsão das Taxas de Manutenção para 1999",</font></i><font> onde constavam </font><i><font>“Tarifas de conservação e condomínio para espaços em cessão de uso”</font></i><font>, que eram de </font><i><font>"2.400$00/m2/ano"</font></i><font>, para os espaços comerciais, e de </font><i><font>"500$00/m2/ano",</font></i><font> para os terraços, mais constando que se excluíam os consumos de ar condicionado, água e electricidade.</font> </p><p><font>22º - O anexo antes referido foi elaborado e entregue pela ré e correspondia à informação prestada na ocasião – resposta ao nº 14 da BI.</font> </p><p><font>23º - As taxas de manutenção eram um aspecto que CC considerava importante - mesma resposta.</font> </p><p><font>24º - Com excepção do preço, as cláusulas daquele contrato foram elaboradas exclusivamente pela ora R., sem prévia negociação individual, que esta não admitiu, sendo que o referido CC se limitou a assinar o contrato – resposta ao n.º 1 da BI.</font> </p><p><font>25º - O referido contrato promessa tipo foi celebrado na sequência da proposta de negócio/pré-reserva de espaço comercial, pré-elaborada pela ora R., também sem negociação prévia individual, e assinada por esta e por CC em 28 de Junho de 1999, conforme doc. n.º 4 junto com a petição – resposta ao n.º 2 da BI.</font> </p><p><font>26º - Na altura da negociação e da celebração do contrato, a R. dizia aos interessados, como fez em relação a CC, que a ... seria constituída por largas dezenas de lojas, integradas em term
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7zKcu4YBgYBz1XKvZiJ0
1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><br> <p><font>ACORDAM OS JUÍZES QUE CONSTITUEM O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA</font><a><u><sup><font>[1]</font></sup></u></a><font>:</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Os autores AA, BB e CC, DD e EE, FF, GG e II, herdeiros de JJ, propuseram a presente acção declarativa, com processo comum, sob a forma ordinária, contra KK e LL, MM e NN, OO e PP e QQ, pedindo que, na sua procedência, estes sejam condenados a reconhecerem os autores como titulares de prédio que identificam [a], a reconhecerem que, neste prédio, não existe nem está constituído qualquer encargo ou direito de servidão, designadamente de passagem, em benefício do prédio dos réus [b], a absterem-se de utilizar o logradouro do referido prédio para passarem para a sua casa e logradouro [c], a pagarem-lhes uma indemnização pelos prejuízos causados, em quantia a fixar em execução de sentença [d], a pagarem-lhes a sanção compulsória, no valor de €50,00, por cada dia de atraso no cumprimento da respectiva sentença [e], e, subsidiariamente, caso venha a ser provada a existência daquela servidão, a declarar-se a sua extinção, por desnecessidade [f].</font> </p><p><font>Como fundamento da sua pretensão, alegam, em síntese, factos tendentes ao reconhecimento do direito de propriedade que reclamam, bem assim como que a parte habitável e o logradouro do prédio em causa, à semelhança e na continuidade de quatro habitações em tudo idênticas, uma das quais pertencente aos réus, são uma única e só realidade, ligadas, começando uma logo no fim da outra, situação que os réus desrespeitaram, despedaçando as grades e ocupando parte do logradouro do prédio que lhes não pertence.</font> </p><p><font>Na contestação, os réus concluem pela improcedência da acção, excepcionando a ilegitimidade passiva de LL e PP, e impugnam a versão apresentada pelos autores.</font> </p><p><font>Na réplica, os autores reiteram a versão constante da petição inicial.</font> </p><p><font>No despacho saneador, foi julgada improcedente a excepção da ilegitimidade passiva.</font> </p><p><font>A sentença julgou a acção, parcialmente, provada e, nessa parte, procedente, pelo que, reconhecendo os autores como legítimos proprietários do prédio, identificado no artigo 2º da petição, declarou a não existência de qualquer servidão ou encargo, designadamente de passagem, pelo prédio dos autores, em benefício do prédio dos réus [I], condenou os réus a absterem-se de utilizar o logradouro dos autores para passar para sua casa e respectivo logradouro [II], condenou os réus no pagamento, aos autores, de indemnização, cujo quantitativo venha a liquidar-se em execução de sentença [III] e absolveu os mesmos réus de tudo quanto o mais contra eles é peticionado [IV].</font> </p><p><font>Desta sentença, os réus interpuseram recurso, tendo o Tribunal da Relação julgado procedente a apelação e, em consequência, revogou a decisão impugnada, julgando ainda improcedente a acção, com a absolvição dos réus dos pedidos formulados pelos autores.</font> </p><p><font>Do acórdão da Relação de Coimbra, os autores interpuseram agora recurso de revista, terminando as alegações com o pedido da sua revogação, substituindo-se por outro que confirme a decisão da 1ª instância e julgue procedente o pedido ou, em caso de confirmação da existência da servidão, que esta seja declarada extinta, por desnecessidade, formulando as seguintes conclusões, que, integralmente, se transcrevem:</font> </p><p><font>1ª - Os R.R. alegaram nos artigos 29°. e 30°. da contestação que em relação ao "passadiço" são donos e possuidores e "convictos de que exercem direito próprio nomeadamente que são comproprietários de tal passadiço, pelo que o adquiriram, em comum e partes iguais por usucapião".</font> </p><p><font>2ª - Sendo a usucapião a causa de aquisição de compropriedade não se pode com base nela dar como constituída a servidão de passagem sobre o imóvel (logradouro dos A. A.) como é da jurisprudência (Ac. RE de 29/3/90 e da doutrina (Código Civil Anotado Vol. II, Pag. 66 de Pires de Lima).</font> </p><p><font>3ª - Não tendo os R.R. deduzido pedido reconvencional não é possível nesta acção considerar demonstrada a constituição e o reconhecimento de uma servidão legal de passagem.</font> </p><p><font>4ª - A aquisição por usucapião de tal servidão além dos pressupostos legais, exige-se que seja pedido o seu reconhecimento por reconvenção uma vez que se trata de uma faculdade (Artigo 1287° do Código Civil).</font> </p><p><font>5ª - O prédio urbano dos R.R. mesmo com o logradouro não é um prédio encravado, tem uma porta para a Rua Principal e tem uma porta que dá acesso ao logradouro.</font> </p><p><font>6ª - Além disso uma servidão só pode constituir-se sobre prédios rústicos vizinhos, o que não é o caso uma vez que estão em causa prédios urbanos, característica urbana que acompanha mesmo os logradouros um vez que estes fazem parte integrante das casas 9 (R.R.) e 10 (A.A.).</font> </p><p><font>7ª - O Acórdão recorrido viola o disposto no artigo 1550°. do Código Civil.</font> </p><p><font>8ª - Os habitantes das casas 7, 8 e 9 (R.R.) utilizam por vezes como passagem e acesso às ditas casas uma faixa de terreno colocada logo de seguida à parede exterior da casa, como ficou provado (n°. 8 dos factos provados na enumeração da Relação).</font> </p><p><font>9ª - Esta situação de utilização por vezes afasta a posse própria de usucapião que deve ser mantida por certo lapso de tempo, o que não é o caso, violando-se assim o disposto no Artigo 1287° do Código Civil.</font> </p><p><font>10ª – Os A.A. vêm pontualmente discordando da utilização do seu logradouro como passagem dos R.R., o que constitui oposição que afasta a posse pacífica de tal utilização.</font> </p><p><font>11ª - Designadamente os A.A. construíram uma vedação que os R.R. destruíram em 25/7/2005 (n°s. 9 e 22 dos factos provados na enumeração da Relação e documento - Participação-Crime junta na Audiência de Julgamento de 10/02/2011).</font> </p><p><font>12ª - A oposição e discordância pontual dos A.A. com a falta de convicção dos R.R. de exercerem um direito de passagem a título de servidão pelo logradouro impedem a posse própria para usucapião como titulares de um direito de servidão.</font> </p><p><font>13ª - O art°. 323°, ex vi do art°. 1292° do Código Civil não é aplicável ao caso presente onde nem sequer há posse válida para usucapir por falta de elementos essenciais já descritos.</font> </p><p><font>14ª - Com a oposição e falta de convicção nem sequer correu o prazo de usucapião ou de aquisição prescritiva, pelo que não se interrompe um prazo que nem sequer está a decorrer. Esta é uma das situações salvaguardadas pelo disposto no art°. 1292° do Código Civil quando se refere a "com as necessárias adaptações".</font> </p><p><font>15ª - O Acórdão recorrido viola ou interpreta erradamente também os art°s. 1292° e 323° do Código Civil.</font> </p><p><font>16ª - Ainda assim e sem prescindir, a participação-crime provada por documento junto aos autos e não impugnado, com pedido de procedimento criminal, constituição de assistente e manifestação da intenção de pedir uma indemnização é meio idóneo para interromper a prescrição, a posse aquisitiva ou a usucapião, caso tivesse começado a decorrer o prazo o que não se verifica.</font> </p><p><font>17ª - Não há "corpus" nem "animus" da parte dos R.R. para aquisição de servidão de passagem por usucapião.</font> </p><p><font>18ª - Sem prescindir,</font><b><font> </font></b><font>caso o Supremo Tribunal de Justiça decida confirmar a existência de servidão de passagem, o que só por hipótese se considera, deverá o Supremo Tribunal apreciar e decretar a extinção de tal servidão por desnecessidade.</font> </p><p><font>19ª - Os R.R. não têm necessidade da dita servidão para acederem e usufruírem com suficiência a sua casa e logradouro.</font> </p><p><font>20ª - E esta desnecessidade está provada nas alíneas C) e D) dos factos assentes e resposta ao quesito 4° da base instrutória, que aqui se dão como reproduzidos.</font> </p><p><font>21ª - A fundamentação para a improcedência deste pedido subsidiário não tem consistência nem razão quer sob o ponto de vista factual quer jurídica. Assim,</font> </p><p><font>22ª - Os R.R. podem sem qualquer sacrifício aceder à sua casa pela porta principal, os funcionários da Câmara Municipal de Manteigas podem muito bem e sem qualquer dificuldade fazer a leitura do contador entrando pela porta principal e até acederem ao logradouro pela porta da cozinha e a dificuldade ou impossibilidade da entrada de eletrodomésticos pela porta principal prevista na resposta ao quesito 12° da base instrutória é matéria conclusiva, pelo que deverá dar-se como não escrita.</font> </p><p><font>23ª - Além de que tal resposta é demasiado genérica para ter qualquer interesse útil. Não se indicam nem se provou as medidas das duas portas (principal e das traseiras para o logradouro), de qualquer das portas interiores da casa, não se indicam, não se alegam nem ficam provadas as medidas da cozinha, quais os eletrodomésticos que os R.R</font><i><font>. </font></i><font>utilizam, suas medidas e se alguma vez os R.R. utilizaram tal passagem para introduzir eletrodomésticos na sua casa.</font> </p><p><font>24ª - Aliás, tal fundamentação não obedece aos princípios da adequação e proporcionalidade para constituição de uma servidão para passar um eletrodoméstico, o que se faz de muitos em muitos anos e é da experiência universal que não se constitui uma servidão para passar um frigorífico ou um fogão. Aliás, se na porta principal não passa um de maiores dimensões sempre é exigível aos R.R. adquirirem equipamentos de cozinha, designadamente eletrodomésticos ou outros móveis que possam entrar na casa pela porta principal.</font> </p><p><font>25ª - A decisão quanto a este pedido subsidiário ofende o disposto no art° 1564° uma vez que não é previsível quando se tenha de substituir um frigorífico, nem fica provado nem foi alegado se alguma vez os R.R. já utilizaram a dita passagem para passar com qualquer eletrodoméstico, o que eventualmente nunca aconteceu, defendendo-se uma servidão sem qualquer necessidade.</font> </p><p><font>26ª - Finalmente sempre se dirá que o incómodo da passagem é extremamente superior ao benefício do prédio dominante, e em caso de necessidade comprovada sempre os R.R. poderiam deitar mão da passagem forçada momentânea (Art°. 1349° do Código Civil) se os A.A. não dessem o seu consentimento, e que efetivamente não deixariam de dar.</font> </p><p><font>27ª - O Venerando Tribunal da Relação de Coimbra violou ou interpretou erradamente o disposto nos art°s. 1251°, 1263°, 1287°, 1290°, 1292°, 1543°, 1544°, 1548°, 1565°, 1569°, n°s 2 e 3 e 323°, n°s 1 e 4 do Código Civil, disposições legais que devem ser aplicadas e interpretadas no sentido acima exposto.</font> </p><p><font>Nas suas contra-alegações, os réus concluem no sentido de que deve ser denegada a pretendida revista, confirmando-se o douto acórdão recorrido.</font> </p><p><font>O Tribunal da Relação entendeu que se devem considerar demonstrados os seguintes factos, que este Supremo Tribunal de Justiça aceita, nos termos das disposições combinadas dos artigos 722º, nº 2 e 729º, nº 2, do Código de Processo Civil (CPC), mas reproduz:</font> </p><p><font>1. Encontra-se descrito, na Conservatória do Registo Predial de Manteigas, sob o n.º …, da freguesia de ..., concelho de Manteigas, o prédio urbano designado como Casa n.º … – “...” – casa destinada a habitação, composta de rés-do-chão e 1º andar, com superfície coberta de 41,90m2 e logradouro de 73,65m2, confrontante de Norte com proprietário, de Sul com Santa Casa da Misericórdia, e de Nascente com proprietário, de Poente com Casa n.º …, inscrito na respectiva matriz predial urbana da aludida freguesia de ..., sob o artigo ….</font> </p><p><font>2. A propriedade de tal prédio encontra-se inscrita por aquisição, em comum e sem determinação de parte ou direito, a favor dos autores AA, BB, DD, FF, e GG, por dissolução da comunhão conjugal e sucessão legítima, por óbito de JJ, tendo advindo a JJ, casado com AA, por compra ao Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social.</font> </p><p><font>3. Encontra-se descrito, na Conservatória do Registo Predial de Manteigas, sob o n.º …, da freguesia de ..., concelho de Manteigas, o prédio urbano, designado como Casa n.º … – “...” – casa destinada a habitação, composta de rés-do-chão e 1º andar, com superfície coberta de 41,90m2 e logradouro de 73,65m2, confrontante de Norte com proprietário, de Sul com Santa Casa da Misericórdia, de Nascente com Casa n.º …, de Poente com Casa n.º …, inscrito na respectiva matriz predial urbana da aludida freguesia de ..., sob o artigo 906º-C.</font> </p><p><font>4. A propriedade de tal prédio encontra-se inscrita por aquisição, em comum e sem determinação de parte ou direito, a favor dos réus RR, KK, MM, OO, e QQ, por dissolução de comunhão conjugal e sucessão legítima, por óbito de SS, tendo advindo a RR, casado com SS, por compra ao Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social.</font> </p><p><font>5. A casa, referida em 3, tem uma entrada pelo lado norte, proveniente da rua pública.</font> </p><p><font>6. Nas traseiras casa, referida em 3, existe e sempre existiu uma porta que dá acesso ao respectivo logradouro.</font> </p><p><font>7. Em 23 de Maio de 2005, os réus requereram a notificação judicial avulsa da autora AA para “se abster de qualquer acto que obstaculize o exercício dos referidos direitos de propriedade e de passagem e, designadamente, de iniciar qualquer construção (muro, gradeamento ou outro) que impeça o acesso dos requerentes à casa sua propriedade, pela indicada passagem”, conforme consta de fls. 82 a 84 e que se deu por, integralmente, reproduzido.</font> </p><p><font>8. Donos da casa nº 10, por si e pelos anteriores possuidores, já há mais de vinte anos que os autores utilizam tal casa; habitando-a, nela confeccionando refeições, comendo, recebendo visitas, dormindo, conservando-a, e cultivando o respectivo logradouro, com diversos vegetais que, com rigor, não foi possível apurar, tudo fazendo, de forma pública, pacífica e, continuadamente, à vista de todos e sem oposição de quem quer que seja, na convicção de utilizarem tal prédio como coisa sua e exercerem um direito próprio de proprietários, com a única excepção de suportarem – contrariados – que os habitantes das casas nºs …, … e …, por vezes, utilizem, como passagem e acesso às suas ditas casas, uma faixa de terreno, com cerca de um metro a metro e meio de largura, colocada logo de seguida à parede exterior da casa.</font> </p><p><font>9. Com o acordo de todos os réus, um serralheiro, a mando de TT, cortou e retirou uma rede em ferro que servia de vedação do logradouro da casa nº …, e que impedia a passagem dos donos das casas nºs …, … e .. para acederem, directamente, da rua ao logradouro das suas casas e, daí, para o interior das mesmas, o que causou estragos cujo valor não foi possível apurar.</font> </p><p><font>10. A entrada norte do prédio, referido em 3, tem uma porta que dá acesso a todas as divisões da casa, designadamente, à cozinha e casas de banho.</font> </p><p><font>10-A. A sul, as casas nºs .., …, … e … têm uma faixa de terreno, com cerca de um metro a metro e meio de largura, colocada logo de seguida às paredes exteriores, com início num terreno autárquico, a nascente dessas mesmas casas, e que, se utilizada como passadiço, permite o acesso às casas, através dos respectivos quintais.</font> </p><p><font>11. Tal faixa de terreno prolonga-se, para Poente, num comprimento de cerca de trinta metros, com cerca de um metro a metro e meio de largura, colocada logo de seguida às paredes exteriores das casas, que os donos das casas cimentaram e/ou empedraram, na parte que lhes respeita, estando, assim, visualmente, demarcado, e ostentando ligeiro desnível relativamente à parte do logradouro que tem solo de terra.</font> </p><p><font>12. Para ligação ao colector geral de esgotos, cada casa tem sua caixa, todas as quatro colocadas, precisamente, nessa faixa de terreno; para o seu desentupimento, e para se aceder às respectivas caixas e ligações ao colector geral, é necessário trabalhar sobre a faixa de terreno.</font> </p><p><font>13. Passando por sobre essa faixa de terreno, em termos e por trajecto que não foi possível fixar com rigor, seguia, há tempo, uma levada, que trazia água vinda de distante, e recebia, também, as descargas das águas pluviais.</font> </p><p><font>14. Os funcionários da Câmara que fazem a leitura dos contadores da água passam por sobre tal faixa de terreno para realizar as leituras das quatro casas; o contador de água da casa nº … encontra-se na parede exterior, virado para o logradouro da casa, e acessível para leitura a partir da faixa de terreno.</font> </p><p><font>15. Os habitantes das várias casas utilizam tal faixa de terreno – na parte colocada exactamente em frente às respectivas habitações – para colocação de botijas de gás e tanques de lavar roupa; para substituir as botijas de gás, acedem, normalmente, através da faixa de terreno.</font> </p><p><font>16. Utilizando essa faixa de terreno, e as portas de acesso aos logradouros, poderão ser instalados, nas cozinhas de cada uma das quatro casas, electrodomésticos que, pelas suas dimensões, não podem ser colocados nas cozinhas a partir das entradas principais das casas, através da rua e pelas portas que dão para norte.</font> </p><p><font>17. A partir das cozinhas e casas de banho, cada uma das quatro casas tem as já referidas portas e, também, janelas, de dimensões que não foi possível fixar com rigor, colocadas a menos de um metro e oitenta do chão, portas e janelas essas que deitam, directamente, para os quatro logradouros, que se iniciam com a faixa de terreno em causa.</font> </p><p><font>18. Há mais de vinte anos que a referida faixa de terreno se encontra, visualmente, demarcada, relativamente ao restante espaço de logradouro, que aí estão instaladas as caixas de esgoto, que os funcionários da Câmara utilizam a faixa de terreno para proceder à leitura dos consumos, que os habitantes depositam as botijas de gás e colocam os tanques de lavar roupa e àquelas acedem nos termos já referidos, e que, também, desde há mais de vinte anos, que estão abertas as referidas portas e janelas.</font> </p><p><font>19. Há mais de vinte anos que, por si e seus antecessores, à vista de toda a gente, nomeadamente dos habitantes e proprietários vizinhos, quer os réus quer os proprietários das outras três casas acedem, continuadamente, e sempre que o pretendem, aos seus prédios, habitações e logradouros, pela referida faixa de terreno, convictos de que têm o direito de o fazer, e – à excepção dos autores, que vêm, pontualmente, discordando dessa utilização – sem qualquer outra oposição.</font> </p><p><font>20. Funcionários do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social disseram aos compradores, aquando da venda das quatro casas, que a faixa de terreno em disputa serviria de passagem e acesso a todas as moradias e quintais.</font> </p><p><font>21. Os réus e os proprietários das casas nºs 7 e 8 têm, há mais de vinte anos e até ao presente, continuadamente, à vista de toda a gente e sem qualquer oposição, reconstruído e conservado, cada um deles, a parte da faixa de terreno que integra o seu próprio logradouro – a saber, a parte que está ligada às paredes exteriores de cada uma das suas habitações – convictos de que o devem fazer.</font> </p><p><font>22. TT mandou cortar a rede em ferro porque ela impedia a sua passagem para aceder, directamente, da rua ao logradouro da sua casa e, daí, para o interior da mesma.</font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; &nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;*</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Tudo visto e analisado, ponderadas as provas existentes, atento o Direito aplicável, cumpre, finalmente, decidir.</font> </p><p><font>As questões a decidir, na presente revista, em função das quais se fixa o objecto do recurso, considerando que o «thema decidendum» do mesmo é estabelecido pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, com base no preceituado pelas disposições conjugadas dos artigos 660º, nº 2, 661º, 664º, 684º, nº 3, 690º e 726º, todos do Código de Processo Civil (CPC), são as seguintes:</font> </p><p><font>I – A questão da aquisição da servidão predial de passagem, por usucapião, a favor do prédio dos réus.</font> </p><p><font>II – Eventualmente, para a hipótese de se entender que os réus adquiriram uma servidão predial de passagem, por usucapião, sobre o prédio dos autores, a questão da sua extinção, por desnecessidade. </font><br> <font> </font><br> <font>&nbsp;&nbsp; I. DA AQUISIÇÃO DA SERVIDÃO DE PASSAGEM POR USUCAPIÃO</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; I. 1. O cerne do pedido formulado pelos autores, de que os demais constituem meros corolários ou pressupostos não significantes, consiste na condenação dos réus a reconhecerem aqueles como titulares do prédio que identificam e que sobre o mesmo não existe nem está constituído qualquer encargo ou direito de servidão, designadamente de passagem, em benefício do prédio dos réus.</font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; Trata-se de uma acção negatória de servidão, que é uma acção de simples apreciação ou declaração negativa, que tem por fim, unicamente, a declaração da inexistência de um direito ou de um facto, nos termos do disposto pelo artigo 4º, nº s 1 e 2, a), do CPC, com vista a por termo a uma situação de incerteza jurídica objectiva, que nada tem a ver com a simples dúvida existente no espírito do autor, desde que se não projecte no exercício normal dos seus direitos, perante uma posição jurídica actual</font><a><u><sup><font>[2]</font></sup></u></a><font>.</font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; A sentença do tribunal de 1ª instância defendeu que se não constituiu, em benefício do prédio dos réus, uma servidão predial ou uma servidão legal de passagem, nomeadamente, com base em usucapião ou por destinação do pai de família, com a consequente procedência da acção.</font> </p><p><font>O acórdão recorrido, considerando que não havendo sido invocada pelos réus a constituição voluntária de uma servidão legal de passagem, e não tendo estes deduzido pedido reconvencional com vista a obter a sua declaração, através de sentença judicial, não é possível, nesta acção, considerar demonstrada a constituição de uma servidão legal de passagem, e, em sintonia com aquela sentença, entendeu que “não se mostram provados os requisitos necessários ao reconhecimento da constituição do direito de servidão a favor do prédio dos réus por destinação de pai de família”.</font> </p><p><font>Porém, diversamente da referida sentença, o Tribunal «a quo» conclui que os “réus adquiriram um direito de servidão de passagem pelo logradouro do prédio dos autores, por usucapião”.</font> </p><p><font>I. 2. Para a existência de uma servidão de passagem, entenda-se servidão predial, enquanto servidão voluntária, a que se reporta o artigo 1547º, nº 1, não se exige o «encravamento», isto é, não é necessário que o prédio dominante esteja encravado, ou seja, que não tenha qualquer espécie de comunicação, ou uma comunicação, excessivamente, incómoda ou dispendiosa, com a via pública, como resulta do estipulado pelos artigos 1543º e 1544º, porquanto importa não confundir a servidão predial voluntária de passagem com a servidão legal de passagem, em benefício de prédio encravado, que apenas pode aproveitar aos “prédios que não tenham comunicação com a via pública, nem condições que permitam estabelecê-la sem excessivo incómodo ou dispêndio”, ou que tenham “comunicação insuficiente com a via pública, por terreno seu ou alheio”, em conformidade com o estipulado pelo artigo 1550º, nºs 1 e 2, todos do Código Civil (CC).</font> </p><p><font>Assim sendo, desde que verificados os necessários pressupostos legais, é possível a constituição de uma servidão predial voluntária de passagem, por usucapião, nos termos das disposições combinadas dos artigos 1547º, nº 1, 1543º e 1544º, todos do CC.</font> </p><p><font>Deste modo, pese embora alguma imprecisão terminológica nos supratranscritos dois parágrafos do acórdão recorrido, apesar de se não haver demonstrado a constituição de uma servidão legal de passagem, em benefício de prédio encravado é, não obstante, possível a constituição de uma servidão predial voluntária de passagem, por usucapião, uma vez observados os necessários requisitos legais, como se disse, que passarão a ser analisados, desde logo, em função das conclusões apresentadas pelos autores.</font> </p><p><font>I. 3. Dizem os autores que, não tendo os réus deduzido pedido reconvencional, não é possível, nesta acção, considerar demonstrada a constituição e o reconhecimento de uma servidão de passagem.</font> </p><p><font>Sendo admissível a reconvenção, nas</font><font> </font><font>acções de simples apreciação negativa, desde que o pedido do réu emerja do facto jurídico que serve de fundamento à acção ou à defesa, atento o disposto pelo artigo 274º, nºs 1 e 2, a), do CPC, tal é a situação exibida pelos autos, em que, face à factualidade articulada pelos autores, tendente a demonstrar a procedência da acção negatória de servidão, os réus contrapõem com a invocação de outros factos capazes de viabilizar a constituição de uma servidão de passagem, isto é, o pedido dos réus emerge do facto jurídico que serve de fundamento à acção.</font> </p><p><font>Efectivamente, muito embora os réus, na contestação, não tenham formulado pedido reconvencional, a oposição contestatória da usucapião constitutiva de um direito de servidão basta-se com a defesa por excepção, cuja invocação pode ser implícita ou tácita, desde que sejam alegados os correspondentes factos, por forma, claramente, evidenciadora de que aqueles pretendem exercer esse direito, não necessitando de assumir a modalidade da contestação-reconvenção</font><a><u><sup><font>[3]</font></sup></u></a><font>.</font> </p><p><font>Ora, os réus, na contestação, invocaram ter adquirido o direito de servidão da passagem pelo passadiço, por via da usucapião, encontrando-se, portanto, preenchido o requisito processual habilitante da aquisição desse direito real limitado, em que se traduz o alegado direito de servidão, como meio de, cumprindo o ónus da prova que, nas acções de simples apreciação negativa, compete ao réu, com base no disposto pelo artigo 343º, nº1, do CC, poderem frustrar a pretensão dos autores.</font> </p><p><font>I. 4. Alegam ainda os autores, implicitamente, que, em virtude de o prédio urbano dos réus, mesmo com o logradouro anexo, não ser um prédio encravado, porquanto tem uma porta para a Rua … e uma outra porta que dá acesso aquele logradouro, não pode, portanto, beneficiar da correspondente servidão de passagem.</font> </p><p><font>Preceitua o já citado artigo 1550º, nº 1, do CC, que “os proprietários de prédios que não tenham comunicação com a via pública, nem condições que permitam estabelecê-la sem excessivo incómodo ou dispêndio, têm a faculdade de exigir a constituição de servidões de passagem sobre os prédios rústicos vizinhos”, acrescentando o respectivo nº 2, que “de igual faculdade goza o proprietário que tenha comunicação insuficiente com a via pública, por terreno seu ou alheio”.</font> </p><p><font>Deste modo, sendo o prédio urbano dos réus um prédio relativamente encravado, uma vez que, idealmente, “tem comunicação insuficiente com a via pública”, porquanto dispõe de uma porta que deita para a Rua …, ou seja, tem comunicação para a via pública, é susceptível de beneficiar, na qualidade de prédio dominante, da “faculdade de exigir a constituição de servidões de passagem” sobre o prédio dos autores, obviamente, quando forem observados os pressupostos legais em apreço, sendo certo que, quer o encrave absoluto, quer o encrave relativo são fonte da constituição de servidão de passagem.</font> </p><p><font>Não obstante, no âmbito da servidão predial de passagem, em que se move a matéria excepcional deduzida pelos réus, sempre seria possível a constituição de uma servidão voluntária, em benefício do proprietário de um prédio não encravado, absoluta ou relativamente.</font> </p><p><font>I. 5. Além do mais, dizem os autores que uma servidão só pode constituir-se sobre prédios rústicos vizinhos,</font><b><font> </font></b><font>o que não é o caso do prédio daqueles, pois que se trata de um prédio urbano, característica esta de que participa o respectivo logradouro, uma vez que este faz parte integrante das casas.</font> </p><p><font>Na verdade, o artigo 1550º, nº 1, do CC, em análise, preceitua que “os proprietários de prédios que não tenham comunicação com a via pública, nem condições que permitam estabelecê-la sem excessivo incómodo ou dispêndio, têm a faculdade de exigir a constituição de servidões de passagem sobre os prédios rústicos vizinhos”, enquanto que o seu nº 2, complementa que “ de igual faculdade goza o proprietário que tenha comunicação insuficiente com a via pública, por terreno seu ou alheio”.</font> </p><p><font>Conforme decorre do preceito legal, acabado de transcrever, a servidão legal de passagem só recai sobre os prédios rústicos, não onerando os prédios urbanos, por se entender que a solução oposta colidiria com a intimidade de que deve rodear-se a habitação ou domicílio</font><a><u><sup><font>[4]</font></sup></u></a><font> ou com as exigências próprias do exercício da actividade instalada no prédio.</font> </p><p><font>Com efeito, entendia-se, já no domínio do direito anterior ao actual Código Civil de 1967, que a “servidão se poderia tornar ainda particularmente incómoda ou excessivamente onerosa para o dono do prédio serviente, quando a passagem houvesse de fazer-se através de certos tratos de terreno situados junto de prédios urbanos, que sejam um complemento estes”</font><a><u><sup><font>[5]</font></sup></u></a><font>, sem embargo de o actual artigo 1551, nº 1, do CC, «a contrario sensu», permitir a constituição de servidões de passagem sobre “quintas muradas, quintais, jardins ou terreiros adjacentes a prédios urbanos”.</font> </p><p><font>De todo o modo, esta é uma situação que resulta do exercício potestativo do direito do proprietário do prédio dominante, que não aquela que se encontra subjacente à excepção invocada pelos réus, que se enquadra, como já se disse, no âmbito da constituição de uma servidão voluntária.</font> </p><p><font>I.6. Sustentam, igualmente, os autores que, tendo os réus alegado que, em relação ao "passadiço", são donos e possuidores e "convictos de que exercem direito próprio nomeadamente que são comproprietários de tal passadiço, pelo que o adquiriram, em comum e partes iguais por usucapião"</font><b><font> </font></b><font>e,</font><b><font> </font></b><font>sendo a usucapião a causa de aquisição da compropriedade, não se pode, com base nela, dar como constituída a servidão de passagem sobre o</font><b><font> </font></b><font>logradouro daqueles.</font> </p><p><font>Efectivamente, os réus invocam ter adquirido a compropriedade do logradouro anexo ao seu prédio urbano, por usucapião, mas, também, o direito de servidão voluntária de passagem, em benefício do seu prédio, sobre o aludido logradouro, adjacente ao prédio dos autores, igualmente, através da via da usucapião, o que significa que, com base neste mesmo instituto, reclamam ter adquirido a compropriedade do logradouro e, independentemente desta, o direito de servidão predial de passagem sobre o mesmo.</font> </p><p><font>A usucapião traduz-se na faculdade do possuidor, através da posse do direito de propriedade ou de outros direitos reais de gozo, mantida por certo lapso de tempo, adquirir, salvo disposição em contrário, o direito a cujo exercício corresponde a sua actuação, de acordo com o preceituado pelo artigo 1287º, do CC.</font> </p><p><font>Quer isto dizer que o possuidor goza da faculdade de adquirir o direito a cujo exercício corresponde a sua actuação, razão pela qual havendo na posse uma “actua[ção] por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de outro direito real” [corpus], conforme decorre do disposto pelo artigo
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><br> <br> <font> </font><b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font></b><br> <br> <br> <font> </font><b><font>I.</font></b><br> <font> AA intentou, no Tribunal Judicial da Comarca da Póvoa de Varzim, acção ordinária de condenação contra V... Lazer – Empresa Municipal de Gestão de Equipamentos Desportivos e de Lazer, E.M., pedindo a sua condenação no pagamento de 216.158,56 €, em consequência dos danos, patrimoniais e não patrimoniais, sofridos com a morte do seu filho, ocorrida nas piscinas exploradas pela R. quando ali praticava natação na modalidade de apneia.</font><br> <br> <font> A R. contestou, defendendo a sua total irresponsabilidade no ocorrido e pedindo, portanto, a improcedência da acção, não deixando, no entanto, de sublinhar que os montantes peticionados se mostravam excessivos.</font><br> <br> <font> Seguiu-se a apresentação da réplica, saneamento e condensação dos factos, provados e a provar, e, finalmente, o julgamento.</font><br> <font> Findo este, foi proferida sentença, pelo Juiz de Círculo de Vila do Conde, a julgar a acção parcialmente procedente e, em consequência, a condenar a R. no pagamento ao A. da importância global de 83.608,56 € e respectivos juros.</font><br> <br> <font> Inconformada, apelou a R. para o Tribunal da Relação do Porto que, por acórdão de 12 de Março do corrente ano, no provimento parcial do recurso, fixou a indemnização devida pela R. ao A. em 41.018,03 € e juros.</font><br> <br> <font> Continuando irresignada, a R. pede, ora, revista do aresto ali proferido, o que fez a coberto das seguintes conclusões com que fechou a sua minuta:</font><br> <font>- O acórdão recorrido, ao convolar em culpa efectiva a culpa presumida da ora recorrente, fixada na decisão da 1ª instância, incorreu em nulidade, nos termos do disposto no artigo 668°, nº 1, alínea d), 2ª parte, do Código de Processo Civil, por excesso de pronúncia, tendo ainda havido violação da proibição da </font><i><font>“reformatio in peius” </font></i><font>(artigo 684°, nº 4, do referido Código). </font><br> <font>- Na apelação oportunamente interposta, a ora recorrente não pôs em crise o julgamento do Juiz </font><i><font>a quo </font></i><font>de que tinha aplicação ao caso dos autos a presunção de culpa consagrada no nº 2 do artigo 493° do Código Civil – não podia, pois, o acórdão recorrido, excedendo o âmbito da sua competência decisória, agravar a culpa da ora recorrente no âmbito do recurso que a mesma interpôs. </font><br> <font>- Quando sofreu o acidente, o malogrado BB encontrava-se a praticar apneia, sozinho, em violação da mais elementar regra da prática de tal actividade, por natureza muito perigosa e arriscada. </font><br> <font>- De acordo com o que é difundido pelas entidades/organismos da área do mergulho, constitui regra de ouro, transmitida a qualquer iniciante da actividade – e que era do conhecimento do BB –, nunca praticar apneia sozinho e só o fazer se estiver em adequadas condições físicas. </font><br> <font>- O BB não comunicou a qualquer funcionário ou representante da R./recorrente que iria praticar apneia. </font><br> <font>- A prática da apneia é, generalizada e consensualmente, considerada um desporto de risco, comparado ao pára-quedismo, voo livre, corridas de automóveis, esqui e outros “desportos radicais”, ou seja, uma actividade que envolve especiais, múltiplos e graves riscos para a saúde e vida de quem a pratica, exigindo a respectiva prática o respeito de apertadíssimas normas de segurança, designadamente da regra elementar de não haver a prática da apneia sem acompanhamento individual, permanente e o mais próximo possível, ou seja, dentro de água. </font><br> <font>- O malogrado BB era mergulhador federado, sendo do seu conhecimento os perigos/riscos da prática da actividade em causa e as regras elementares de segurança que tinham de ser respeitadas para essa prática. </font><br> <font>- Com esse conhecimento (apesar dele), o BB, de modo consciente e voluntário, esclarecido do perigo que corria, optou por praticar apneia e por praticá-la desacompanhado, ou seja, em violação da mais elementar regra de segurança da modalidade – expôs-se, pois, conscientemente, a um perigo típico conhecido e acrescido, sem a isso ser obrigado (“actuação por risco próprio'”), assumindo necessariamente os riscos implicados na prática perigosa em causa (“assunção do risco”). </font><br> <font>- Estamos, assim, no caso dos autos, no campo da auto-responsabilidade pelo risco – o dano é natural e necessariamente imputado apenas ao lesado (é o comportamento do lesado que é causa da produção do dano), que suportará os efeitos negativos da liberdade de se poder prejudicar ou de querer assumir os riscos –, e não da responsabilidade por factos ilícitos.</font><br> <b><font>- </font></b><font>Na verdade, os factos provados nos presentes autos evidenciam que não pode ser imputada à R./recorrente a ocorrência do acidente, não estando, relativamente a esta, reunidos os pressupostos, cumulativos, da responsabilidade civil por factos ilícitos (artigos 483° e seguintes do Código Civil). </font><br> <b><font>- </font></b><font>Falta, desde logo, o pressuposto da existência de um facto ilícito – não houve, no caso, qualquer actuação omissiva ilícita da ora recorrente. </font><br> <b><font>- </font></b><font>Também se não verifica, no caso, o indispensável pressuposto do nexo de causalidade – não há uma ligação causal do dano ao mero exercício da actividade de exploração comercial de uma piscina aberta ao público (não está aqui em causa uma responsabilidade objectiva, pelo risco, não dispensando a presunção de culpa a que se refere o artigo 493°, nº 2, do Código Civil a prova dos factos de onde resulte o nexo de causalidade entre o facto ilícito e o dano), sendo a conduta da malograda vítima a adequada à produção de um dano do tipo do por esta sofrido. </font><br> <b><font>- </font></b><font>Não podendo ser imputada à R./recorrente a ocorrência do acidente dos autos, não pode esta ser condenada à reparação de quaisquer danos emergentes do mesmo. </font><br> <font>- O acórdão recorrido violou, assim, o disposto nos artigos 483° e seguintes do Código Civil. </font><br> <font>SEM PRESCINDIR, </font><br> <font>-</font><b><font> </font></b><font>A haver responsabilidade da R./recorrente no sinistro que vitimou o BB (o que não se concede, mas se considera por cautela de patrocínio), essa responsabilidade decorrerá apenas do funcionamento da presunção de culpa, consagrada no nº 2 do artigo 493° do Código Civil. </font><br> <font>-</font><b><font> </font></b><font>Nos termos previstos no nº 2 do artigo 570º do Código Civil, "se a responsabilidade se basear numa simples presunção de culpa, a culpa do lesado, na falta de disposição em contrário, exclui o dever de indemnizar” – ­consumpção da culpa presumida pela culpa do lesado. </font><br> <font>-</font><b><font> </font></b><font>Conforme, inequivocamente, resulta dos factos provados nos presentes autos, foi em consequência de uma actuação consciente, extremamente perigosa, temerária e reprovável, porque contrária ao mais elementar sentido de prudência, da própria vítima que se produziu o infeliz resultado danoso. </font><br> <font>-</font><b><font> </font></b><font>O sinistro ocorreu, pois, por culpa da malograda vítima. </font><br> <font>-</font><b><font> </font></b><font>Baseando-se a responsabilidade da R./recorrente em simples presunção de culpa, a verificada culpa do lesado exclui o dever daquela de indemnizar, nos termos do disposto no referido nº 2 do artigo 570° do Código Civil. </font><br> <b><font>- </font></b><font>Ao assim não decidir, o acórdão, ora posto em crise, violou o disposto nos artigos 493º, nº 2, e 570º, nº 2, do Código Civil. </font><br> <b><font>- </font></b><font>Caso assim se não entenda (o que se considera por mera cautela de patrocínio), sempre se imporá concluir que estamos, no caso, perante uma situação de concausalidade ou concorrência causal – concurso de condutas do lesante e do lesado –, que cai no âmbito do nº 1 do artigo 570° do Código Civil. </font><br> <b><font>- </font></b><font>No caso concreto, a aplicação do referido nº 1 do artigo 570º à situação </font><i><font>sub judice </font></i><font>implicará a exclusão da indemnização. </font><br> <b><font>- </font></b><font>A conduta do lesado, que pôs em movimento o processo provocador do acto danoso e assumiu expressão quer activa – exposição imprevidente a um “dano provável” – quer omissiva – inércia em adoptar os cuidados razoáveis para evitar os efeitos danosos –, justifica a imputação unilateral do dano. </font><br> <b><font>- </font></b><font>A entender-se, no quadro do referido artigo 570º, nº 1,</font><b><font> </font></b><font>que a concorrência das culpas de lesante e lesado não é de molde a justificar a exclusão da indemnização (o que não se aceita, mas se considera por mera cautela de patrocínio), sempre se imporá a redução da indemnização, com fixação da contribuição do lesado para o evento danoso numa percentagem mínima de setenta e cinco por cento – avaliada a “culpa” do lesado na produção do evento danoso, a colocação em perigo de bens próprios, voluntária e intencionalmente, merecerá uma censura muito elevada, isto é, tem de ser adequadamente valorada a particular intensidade da conduta auto-danosa do lesado. </font><br> <b><font>- </font></b><font>Assim, ao concluir, como concluiu, pela atribuição de igual proporção quanto à responsabilidade do malogrado BB e da ora recorrente, para os termos do referido artigo 570°, nº 1, do Código Civil, e pela consequente redução da indemnização a um valor correspondente a 50% da que seria devida caso houvesse culpa exclusiva da R./recorrente, o acórdão recorrido violou o disposto no mencionado preceito legal. </font><br> <font>SEMPRE SEM PRESCINDIR, </font><br> <b><font>- </font></b><font>Salvaguardado o devido respeito por diverso entendimento, afigura-se à ora recorrente, considerada a factualidade provada e todas as circunstâncias do caso, que os valores arbitrados a título de danos não patrimoniais são excessivos, tendo a decisão recorrida violado o disposto nos artigos 494° e 496º, nº 3, do Código Civil. </font><br> <b><font>- </font></b><font>No que respeita aos danos não patrimoniais, apresentam-se, no caso, como justas e adequadas as seguintes compensações máximas (antes de qualquer redução): pela lesão do direito à vida do BB, 35.000,00 €; pelos danos morais sofridos pelo A., 10.000,00 €. </font><br> <b><font>- </font></b><font>O montante de 14.963,94 €, já pago ao A. pela Companhia de Seguros A... Portugal, S. A. (por força de contrato de seguro contratado pela R./recorrente - </font><i><font>cfr</font></i><font>. ponto 43 da factualidade provada), terá de ser deduzido ao montante da indemnização pela perda do direito à vida a cargo da ora recorrente e não, conforme decidido no acórdão ora posto em crise, ao valor total da indemnização desse dano. </font><br> <br> <font> O recorrido não contra-alegou.</font><br> <br> <font> </font><b><font>II. </font></b><br> <font>As instâncias deram como provados os seguintes factos:</font><br> <font>1 - BB , filho de AA (o A.), nascido a 16.10.1945, e de A...V...dos S..., nasceu a 19.12.1971. </font><br> <font>2 - AA declarou, por escritura pública, no dia 22.07.2004, que, no dia 15.03.2004, havia falecido BB, no estado de solteiro, sem descendentes, sem testamento ou qualquer outra disposição de última vontade, tendo-lhe sucedido como único herdeiro o declarante, seu pai.</font><br> <font>3 - No dia 14 de Março de 2004, cerca das 17 horas, BB deslocou-se às piscinas municipais da Póvoa de Varzim, a fim de aí permanecer algum tempo a nadar e a praticar “apneia” na piscina de banhos livres.</font><br> <font>4 - Na altura referida no ponto anterior, o BB deslocou-se às referidas piscinas na companhia de um seu primo, P...F...B...G...M....</font><br> <font>5 - E ali permaneceu a nadar na companhia do seu primo, durante um período de tempo não concretamente apurado, mas não superior a uma hora.</font><br> <font>6 - De seguida, o referido P... deslocou-se à sauna, num outro compartimento do complexo, sendo que o BB permaneceu a nadar na piscina.</font><br> <font>7 - Após ter saído da sala da sauna, o referido P... dirigiu-se à piscina e não encontrou aí o BB.</font><br> <font>8 - Na altura referida no ponto anterior, o P... apenas viu na piscina a nadar umas pessoas que não conhecia e foi ao balneário procurar o BB, mas, como não o encontrou, foi novamente procurá-lo na piscina.</font><br> <font>9 - O BB estava a praticar “apneia” na piscina olímpica da R. quando sofreu um acidente, cerca das 19,20 horas.</font><br> <font>10 - Dois utentes da piscina, que se encontravam no topo poente da piscina olímpica, ao aperceberem-se que estava a ocorrer algo de errado com o BB, retiraram o corpo deste de dentro da piscina e verificaram que o mesmo estava inconsciente. </font><br> <font>11 - De imediato, os dois referidos utentes da piscina pediram ajuda.</font><br> <font>12 - Do quadro de pessoal das piscinas faz parte um nadador salvador, que não se encontrava na área da piscina olímpica.</font><br> <font>13 - Na altura referida em 9 supra, encontrava-se de serviço no complexo de piscinas da R., aqui em causa, o nadador salvador P...S..., que exercia a vigilância da piscina olímpica e na área de repouso, da sauna e banho turco, localizada na lateral da piscina de aprendizagem, situada imediatamente a nascente da piscina olímpica.</font><br> <font>14 - Na sequência do referido em 11 apareceu o nadador salvador, vindo de uma outra parte do complexo, onde se inseria a piscina de aprendizagem.</font><br> <font>15 - Quando os dois utentes da piscina pediram ajuda, deslocou-se ao local o P...S... que, naquele instante, se encontrava na piscina de aprendizagem.</font><br> <font>16 - Verificado o estado do BB, que havia sido retirado da água, o nadador salvador iniciou o procedimento de primeiros socorros.</font><br> <font>17 - Na mesma altura referida em 9 supra, no aludido complexo de piscinas, encontrava-se o funcionário da R., L...C..., detentor do curso de nadador salvador.</font><br> <font>18 - Foi alertado o funcionário da R., L...C..., que, encontrando-se também na piscina de aprendizagem, se dirigiu de imediato ao local para auxiliar o colega P...S... nos primeiros socorros ao BB.</font><br> <font>19 - A piscina de aprendizagem situa-se imediatamente a nascente da piscina olímpica, sendo separada desta por um vidro.</font><br> <font>20 - A piscina de aprendizagem estava vazia.</font><br> <font>21 - A recepção da R. foi contactada para que chamassem a ambulância, o que foi imediatamente efectuado.</font><br> <font>22 - O I.N.E.M. foi chamado ao local.</font><br> <font>23 - Os referidos P...S... e L...C... fizeram reanimação cardio-pulmonar ao BB até à chegada da ambulância.</font><br> <font>24 - Os médicos do I.N.E.M., quando chegaram junto do BB, começaram logo a prestar-lhe os primeiros socorros, que incluíram massagens cardíacas.</font><br> <font>25 - No dia aludido em 3 supra, o BB foi transportado ao Hospital da Póvoa de Varzim, onde permaneceu não mais de uma hora, e cerca das 21 horas, foi transportado para o Hospital Pedro Hispano, em Matosinhos, onde permaneceu nos cuidados intensivos, até às 19 horas do dia 15 de Março de 2004.</font><br> <font>26 - O BB faleceu nos cuidados intensivos do Hospital Pedro Hispano, em Matosinhos, no dia 15 de Março de 2004, cerca das 19 horas.</font><br> <font>27 - A morte do referido BB foi devida a asfixia por afogamento.</font><br> <font>28 - As entidades e organismos da área do mergulho difundem a regra, que transmitem a todos os iniciantes da actividade, de que nunca se deve praticar “apneia” sozinho e que só a deve praticar quem se encontrar em adequadas condições físicas, o que era do conhecimento do BB.</font><br> <font>29 - O BB não comunicou a qualquer funcionário ou representante da R. que iria praticar “apneia”.</font><br> <font>30 - O BB era mergulhador federado.</font><br> <font>31 - O P...M... informou que o BB tinha tido alguns problemas pulmonares.</font><br> <font>32 - Durante todo o período que decorreu entre o sinistro em causa e o falecimento do BB, este não esteve consciente.</font><br> <font>33 - O BB era uma pessoa activa, dinâmica, trabalhadora, era querido por todos com quem convivia e tinha amigos.</font><br> <font>34 - Com a morte do Armando, o A. ficou traumatizado, uma vez que aquele era o seu único filho.</font><br> <font>35 - O A. pagou o valor de 1.560 € de despesas com o funeral do BB.</font><br> <font>36 - E pagou 12,50 € de despesas hospitalares.</font><br> <font>37 - O BB era empregado de escritório na empresa D... Informático – Equipamentos e Serviços, Lª e auferia o salário mensal de 586,13 €.</font><br> <font>38 - O BB vivia juntamente com o A. e a mulher deste.</font><br> <font>39 - O BB contribuía para as despesas da casa com a quantia mensal de 250 €.</font><br> <font>40 - O BB iria continuar a contribuir para as despesas da casa pelo menos enquanto vivesse juntamente com o A. e a mulher deste.</font><br> <font>41 - O A. e a esposa têm um rendimento anual líquido de 3.414 €.</font><br> <font>42 - As despesas anuais do A. e da sua mulher com a alimentação, vestuário e saúde ascendem a valor superior ao aludido no ponto anterior.</font><br> <font>43 - A R. participou o sinistro em causa à Companhia de Seguros A..., Portugal, S.A., que havia celebrado contrato de seguro de acidentes pessoais dos utentes das instalações desportivas da R., tendo aquela seguradora pago, ao A., a quantia de 14.963,94 €.</font><br> <br> <font> </font><b><font>III.</font></b><br> <font> </font><i><font>Quid iuris?</font></i><br> <font> Das conclusões apresentadas pela recorrente resulta que a mesma colocou à nossa consideração, para decisão, as seguintes questões:</font><br> <font>1ª – Terá a Relação do Porto, ao desconsiderar a culpa presumida, consagrada na sentença da 1ª instância, e valorando a conduta da R. como integradora de culpa efectiva, em concorrência, aliás, com a conduta da própria vítima, cometido a apontada nulidade prevista no artigo 668º, nº 1, alínea d) do Código de Processo Civil?</font><br> <font>2ª – A matéria de facto dada como provada permite concluir pela responsabilidade da recorrente?</font><br> <font>3ª – A dar-se como assente este último ponto, os valores indemnizatórios fixados pela Relação do Porto são os mais conformes?</font><br> <br> <font> Analisemos, pois, as questões enunciadas.</font><br> <br> <font> 1ª Questão – Da arguida nulidade prevista no artigo 668º, nº 1, alínea d), do Código de Processo Civil.</font><br> <br> <font> De acordo com este preceito, parte final, a decisão é nula se o juiz conhecer de questões de que não devia tomar conhecimento.</font><br> <font> Na perspectiva da recorrente, tendo a 1ª instância chegado à conclusão de que o acidente se verificou por sua culpa, presumida nos termos previstos no artigo 493º, nº 2, do Código Civil, e não tendo sido posto em causa, esse juízo valorativo em sede de recurso de apelação, nunca poderia a Relação ter convolado a culpa presumida para efectiva.</font><br> <font> Na tese da recorrente, esta convolação representa uma pura </font><i><font>reformatio in peius</font></i><font>, o que não é consentido pelo nº 4 do artigo 684º do Código de Processo Civil. Mas não tem a mínima razão: esquece, com efeito, que na indagação, interpretação e aplicação das normas jurídicas, o juiz não está sujeito às alegações das partes, facto este bem expresso no artigo 664º do Código de Processo Civil (consagração do brocardo </font><i><font>iura novit curia</font></i><font>). </font><br> <font> Este conhecimento oficioso da norma jurídica tem como limite, como salienta José Lebre de Freitas, “os casos em que a lei substantiva torna dependente da vontade do interessado a invocação de um direito ou de uma excepção, bem como aqueles em que a lei processual coloca na exclusiva disponibilidade da parte a invocação da falta de um pressuposto (art.495), do vício dum acto processual (art. 203) ou a extinção dos efeitos do acto (…)”, ou seja, “de casos em que a declaração do interessado constitui elemento da previsão da norma, sem o qual o seu efeito não se produz” (Introdução ao Processo Civil – Conceito e Princípios Gerais – páginas 115 e 116).</font><br> <font> Está bem patente que este regime excepcional apontado não se verifica no caso presente. Aqui, a R. pugnou, desde o início, pela sua absolvição, e as instâncias foram contrariando essa sua pretensão, dizendo, uma vez, que tinha tido culpa presumida na produção do acidente, e, na outra, que a sua culpa era mesmo efectiva: as instâncias limitaram-se a qualificar a sua conduta, do ponto de vista jurídico, face à factualidade dada como provada.</font><br> <font> Bem ou mal? – É ponto que, naturalmente, está ligado à análise da 2ª questão enunciada.</font><br> <br> <font> 2ª – Da eventual responsabilidade da recorrente na produção do acidente ajuizado.</font><br> <font> Face à factualidade dada como provada, as instâncias responsabilizaram a R. em termos de responsabilidade extracontratual: a 1ª instância, nos termos consagrados no artigo 493º, nº 2, do Código Civil – “tratando-se de piscina aberta ao público em geral, a utilização da piscina por todos aqueles que pagaram o ingresso é, desde logo em abstracto, uma actividade perigosa quando em funcionamento, devendo, por isso, ter-se em conta o risco que a ausência de vigilância da sua utilização pode causar” –, na justa medida em que, lhe incumbia ilidir a presunção ali consagrada não o conseguiu; já a Relação do Porto, mui embora tenha considerado a exploração da actividade da R. como perigosa, “por envolver riscos acrescidos dos respectivos utentes”, acabou por afirmar a culpa efectiva desta, já que se impunha “a tomada de medidas adequadas a evitar possíveis danos, aí se incluindo a manutenção da falada vigilância, o que, no caso, não poderá dar-se como existente”, acabando por co-responsabilizar a R., na base de culpa efectiva, por via da omissão do dever de vigilância.</font><br> <font> Que dizer de tudo isto?</font><br> <font> Em 1º lugar, e analisando a posição da Relação, não vemos como se pode defender a culpa efectiva da R. a partir da omissão do dever de vigilância. Com efeito, a responsabilização de alguém por omissão terá sempre de resultar da violação de um dever imposto por negócio jurídico (ex.: dever de vigilância do educador de infância do estabelecimento de educação a quem os pais confiaram a guarda do menor) ou por lei (como acontece nos casos previstos nos artigos 491º, 492º e 493º do Código Civil).</font><br> <font> Com efeito, como salienta Luís Manuel de Teles de Menezes Leitão, no caso de responsabilização do agente por omissão, exige a lei, ao lado do dever genérico de não lesar os direitos alheios (</font><i><font>neminem laedere</font></i><font>), algo mais, a sua oneração com um dever específico, imposto por contrato ou pela própria lei, de praticar o acto omitido (Direito das Obrigações, Volume I, 4ª edição, página 272).</font><br> <font> A R. só poderia, então, ser responsabilizada a título de culpa presumida, considerando-se, como se considerou, que houve violação do dever de vigilância.</font><br> <font> Afigura-se-nos, portanto, contraditória a posição da Relação ao considerar, ao mesmo tempo, a actividade da R. como perigosa, culpabilizando esta em termos de omissão, nos termos do artigo 486º do Código Civil, e, concomitantemente, (aqui é que está a contradição) prefigurando a sua culpa como sendo efectiva.</font><br> <font> Mas, estaremos, na verdade, perante um caso de culpa presumida, por força da omissão do dever de vigilância da R.?</font><br> <font> Entendemos que não.</font><br> <font> A lei não define (e bem: essa é tarefa da doutrina e da jurisprudência) o que é uma actividade perigosa, nos termos em que a contempla no nº 2 do artigo 493º do Código Civil.</font><br> <font> Na lição de Mário Júlio de Almeida Costa, deve tratar-se de actividade que, pela sua própria natureza ou pela natureza dos meios utilizados, “tenha ínsita ou envolva uma probabilidade maior de causar danos do que a verificada nas restantes actividades em geral” (Direito das Obrigações, 9ª edição, página 538).</font><br> <font> Do mesmo modo, Antunes Varela sublinha a ideia de que “o carácter perigoso da actividade (causadora dos danos) pode resultar, …, ou da própria natureza da actividade (fabrico de explosivos, confecção de peças pirotécnicas, navegação aérea, etc.) ou da natureza dos meios utilizados (tratamento médico com ondas curtas ou com raios X, corte de papel com guilhotina mecânica, tratamento dentário com broca, etc.) ou até, da natureza inflamável dos materiais guardados e que exigem certos cuidados (Das Obrigações em geral, Vol. I, 8ª edição, página 606 e nota 1).</font><br> <font> A jurisprudência tem trabalhado este conceito de “actividade perigosa”, incluindo no mesmo casos de monda química por meios aéreos, de construção de barragens, de fabricação de produtos pirotécnicos, de abate de árvores, de utilização de explosivos, de realização de escavações no sopé de encosta por máquinas escavadoras, de organização de karting e de lançamento de fogo de artifício (exemplos citados por Luís Manuel de Teles de Menezes Leitão, na nota 672, a fls. 308 e 309, da obra supra citada).</font><br> <font> Ora, vistas bem as cousas, não nos parece que a simples actividade de exploração de uma piscina envolva uma probabilidade maior de causar danos do que a verificada nas restantes actividades em geral.</font><br> <font> Tal como num ginásio se podem praticar diversas disciplinas, umas mais simples e outras mais complicadas, envolvendo estas mais riscos do que aquelas – a prática de um qualquer desporto envolve sempre um perigo de dano – não aceitamos que se considere a prática da natação, melhor a exploração de um estabelecimento comercial cujo objecto é a natação, como uma actividade perigosa. </font><br> <font>Pode haver na natação certas e determinadas disciplinas cuja prática não está ao alcance de qualquer um dos utilizadores das piscinas, serem mesmo perigosas, por envolver certos e determinados cuidados, mas isso não permite qualificar a actividade de quem explora as piscinas como sendo perigosa.</font><br> <font> Em qualquer desporto, seja ele o futebol, o hóquei, atletismo, ginástica, há sempre certas jogadas, determinados lances ou disciplinas que podem pôr, e, às vezes, põem mesmo, em perigo os seus praticantes. Nem por isso estamos legitimados a dizer que a sua prática é perigosa, nos termos contemplados no citado artigo 493º, nº 2, do Código Civil.</font><br> <font> Definitivamente, pois, não aceitamos como certa a posição da Relação do Porto que considerou a actividade de exploração de piscinas como perigosa. Isto sem embargo de ter como perigosa a prática da apneia.</font><br> <font> Assim sendo, e dentro do ângulo de responsabilização perspectivado pelas instâncias, cabe-nos perguntar se está, na realidade, provada a culpa efectiva da R. e, na hipótese afirmativa, em que termos ou proporções.</font><br> <font> Caídos estamos, pois, na previsão e análise do artigo 483º do Código Civil.</font><br> <font> Nesta medida, cabe ao lesado a alegação e subsequente prova de que houve culpa do autor da lesão (artigo 487º, nº 1, do Código Civil).</font><br> <font> Mas não só a prova da culpa, como elemento constitutivo do direito invocado, mas todos os demais contemplados na previsão do artigo 483º do Código Civil.</font><br> <font> Incumbe-nos, pois, analisar a factualidade dada como provada e, só depois, retirarmos as devidas conclusões.</font><br> <font> Vejamos.</font><br> <font> A morte da vítima ficou a dever-se a asfixia por afogamento.</font><br> <font> Ela tinha-se deslocado às piscina exploradas pela R. para nadar e praticar apneia na piscina de banhos livres, ela que era um mergulhador federado (com a obrigação de conhecer os “terrenos que pisava”), que tinha problemas pulmonares, e que não comunicou a ninguém a sua intenção de ir praticar tal modalidade, certo que as entidades e organismos da área do mergulho difundem a regra que transmitem a todos os iniciantes da actividade de que nunca se deve praticar apneia sozinho e que só a deve praticar quem se encontrar em adequadas condições físicas, o que era do seu próprio conhecimento.</font><br> <font> Isto chega para podermos concluir, afoitamente, que a produção do acidente se ficou a dever apenas e só à própria vítima, o que acarreta a total irresponsabilidade da R. na produção do acidente.</font><br> <font> Com efeito, ele, praticante federado, sabedor do perigo (a modalidade é, efectivamente, perigosa) não avisou qualquer funcionário ou, até, qualquer outra pessoa que ia praticar tal modalidade, a ponto de haver pessoas a nadar na dita piscina e que não deram conta de nada, sendo que dois desses utentes, que se encontravam no topo poente da piscina, quando se aperceberam que algo de errado estava a ocorrer com a vítima, retiraram o seu corpo da água e verificaram que o mesmo estava inconsciente, certo até que tinha, então, problemas de saúde a dificultar-lhe a tarefa.</font><br> <font> Nesta conformidade, ou seja, na perspectiva de que a responsabilidade da R. teve por base o instituto da responsabilidade extracontratual, não podemos deixar de, contrariando a posição das instâncias, dar inteira razão à recorrente.</font><br> <font> Uma outra poderia ser a perspectiva: responsabilizar a R. em termos da responsabilidade contratual.</font><br> <font> Acontece, porém, que os factos nada permitem concluir a este respeito.</font><br> <font> Mas, mesmo que estivesse provada matéria que permitisse concluir pela responsabilidade contratual, ou seja, pela quebra de sinalagma correspondente ao pagamento de um qualquer preço por parte da R.-recorrente, a conclusão importante a tirar era a de que a presunção do artigo 799º, nº 1, do Código Civil estava definitivamente ilidida, em face da matéria de facto provada e acabada de sublinhar.</font><br> <font> Sendo assim, como é, efectivamente, prejudicada fica qualquer outra consideração a respeito dos demais elementos constitutivos da responsabilidade civil, incluindo a apreciação dos montantes dos danos invocados (artigo 660º, nº 2, do Código de Processo Civil).</font><br> <br> <font> </font><b><font>IV.</font></b><br> <font> Em conformidade com o exposto, concede-se a revista, julgando, portanto, a acção totalmente improcedente com a consequente absolvição da R.-recorrente do pedido.</font><br> <font> Custas totais a cargo ao A.-recorrido.</font><br> <br> <font> </font><b><font>§§§</font></b><br> <br> <font>Lisboa, aos 13 de Outubro de 2009</font><br> <br> <font>Urbano Dias (Relator)</font><br> <font>Paulo Sá</font><br> <font>Mário Cruz</font></font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font> <p><font>ACORDAM OS JUÍZES QUE CONSTITUEM O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA</font><a><u><font>[1]</font></u></a><font>: </font> </p><p><font> </font> </p><p><font>AA propôs a presente ação declarativa, sob a forma de processo comum, contra o Estado Português, representado pelo Ministério Público, pedindo que, na sua procedência, o réu seja condenado a pagar-lhe a quantia de €13.000,00 (treze mil euros) de indemnização, por danos patrimoniais (i), a quantia de €287.000,00 (duzentos e oitenta e sete mil euros) de compensação, por danos não patrimoniais (ii) e juros de mora, à taxa legal, desde a data da citação até integral pagamento (iii), invocando, para tanto, em síntese, que foi condenado pela alegada prática de um crime de tráfico de estupefacientes e de um crime de detenção de arma proibida, no âmbito de um processo criminal do 1</font><sup><font>o</font></sup><font> Juízo Criminal do Tribunal de Almada, na pena de 6 (seis) anos e 6 (seis) meses de prisão, prisão esta que só foi possível porquanto um indivíduo, de alcunha "N....", ludibriou o núcleo de investigação criminal da GNR com uma falsa identidade.</font> </p><p><font>A data da detenção e condução ao estabelecimento prisional foi alvo de observações jocosas e sentiu a desconfiança dos seus familiares quanto à sua inocência.</font> </p><p><font>Esteve privado de liberdade durante dois meses e sete dias, no Estabelecimento Prisional de Lisboa, até que foi libertado e conduzido a interrogatório judicial, no decurso do qual se concluiu que não era o verdadeiro perpetrador dos factos.</font> </p><p><font>Sofreu o isolamento forçado da prisão, ficou privado do convívio com familiares e amigos, foi forçado a permanecer num ambiente hostil, tendo-se sentido impotente perante a injustiça de que estava a ser alvo, sendo certo que é de condição humilde e semi-analfabeto.</font> </p><p><font>A sua mulher foi obrigada a mudar de habitação, por não dispor de dinheiro para pagar a renda da casa onde viviam e perdeu uma pequena horta que explorava, junto da sua casa, por falta de rega e de cuidados.</font> </p><p><font>Na contestação, o réu Estado Português concluiu pela improcedência da ação e pela sua absolvição do pedido, por se não verificarem os pressupostos essenciais da responsabilidade civil, por erro judiciário, impugnando, parcialmente, a factualidade articulada, ao invocar que os danos alegados pelo autor são devidos à conduta de terceiro e à do próprio autor, que nada fez quando preso e conduzido à cadeia, não tendo, nomeadamente, lançado mão da providência de «habeas corpus», prevista no artigo 222°, do Código de Processo Penal, ou de um simples requerimento, dando conta do erro de identidade.</font> </p><p><font>Apercebeu-se da tramitação do processo criminal, à ordem do qual o autor foi detido, alegando que o acórdão condenatório foi dado como transitado em julgado, em diversos momentos, face ao grande número de arguidos acusados e condenados.</font> </p><p><font>A sentença </font><i><font>“julgou parcialmente procedente o pedido formulado pelo autor e, nessa medida, condenou o réu a pagar-lhe a quantia de Euros 45.000, 00 (quarenta e cinco mil euros) de compensação por danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora, calculados à taxa legal de juros civis, desde a data desta sentença até integral pagamento [I]”</font></i><font> e </font><i><font>“julgou, na restante parte, improcedente o pedido formulado pelo autor e do mesmo absolver o réu”.</font></i> </p><p><font>Desta decisão, o réu Estado Português interpôs recurso de apelação, tendo o Tribunal da Relação “</font><i><font>julgado totalmente improcedente a apelação e confirmado, na íntegra, a decisão recorrida”.</font></i> </p><p><font>Deste acórdão da Relação de Lisboa, o réu Estado Português interpôs agora recurso de revista, para este Supremo Tribunal de Justiça, concluindo as alegações com a formulação das seguintes conclusões que, integralmente, se transcrevem:</font> </p><p><font>1ª - O direito à liberdade encontra-se constitucionalmente garantido, entre outros preceitos, no art.° 27.°, da Constituição da República Portuguesa, o qual no seu n.° 5, remete para lei ordinária os termos em que deve ser efectivado o direito de indemnização de pessoa lesada em virtude de privação ilegal da liberdade.</font> </p><p><font>2ª - Segundo a referida norma, na redacção introduzida pelo art.° 13.° da Lei n.° 67/2007 de 31 de Dezembro, só se verificam os pressupostos do direito de indemnização por prisão ilegal - ou sua manutenção - quando a detenção ou prisão sejam </font><i><font>manifestamente ilegais ou se verifique </font></i><font>prisão injustificada por </font><i><font>erro grosseiro na apreciação dos pressupostos de facto de que dependia.</font></i> </p><p><font>3ª</font><i><font> - </font></i><font>Encontramo-nos, assim, no âmbito da responsabilidade civil extra-contratual do Estado por acto ilícito da função jurisdicional, em resultado de prisão manifestamente ilegal ou prisão injustificada</font><i><font> </font></i><font>em determinadas circunstâncias.</font> </p><p><font>4ª - O conceito de ilegalidade manifesta, como resulta da jurisprudência citada, deve ser entendido como aquela que é patente, evidente em si mesma, notória no sentido de resultar dos seus próprios termos.</font> </p><p><font>5ª</font><i><font> - </font></i><font>Como resulta da lei processual penal, a prisão só pode ser<br> considerada manifestamente ilegal,</font><i><font> </font></i><font>quando seja manifestamente evidente<br> na situação, isto é, quando efectuada com violação dos art.°s 254.° a 257.°,<br> 202.° n° 1 e 215.°, todos do Código de Processo Penal.</font> </p><p><font>6ª - Poder-se-á concluir que só por lapso do Tribunal, decorrente de má atenção no que à filiação do Autor diz respeito, mas não negligência grosseira ou clamorosa, ocorreu a detenção do arguido nas circunstâncias já descritas.</font> </p><p><font>7ª - O valor de €45.000,00, fixado no douto acórdão e na sentença da 1.</font><sup><font>a</font></sup><font> instância, é excessivo, por não atender às circunstâncias concretas do caso, ao nível de vida da generalidade dos cidadãos do nosso país e aos valores habitualmente atribuídos por tradição pela jurisprudência portuguesa, quase pacificamente.</font> </p><p><font>8ª - Sempre haveria que valorar todas as circunstâncias que rodearam a prisão e que resultam dadas como assentes no douto acórdão em apreço, na determinação da indemnização a aplicar-lhe.</font> </p><p><font>9ª - A valoração a atribuir ao bem jurídico a proteger com as normas em causa, ou seja a liberdade, e apesar de se atentar no facto de o Autor ter sido alvo de desconfiança quanto à sua inocência por parte de familiares, deve ser atenuada perante todas as restantes circunstâncias dadas como provadas, nomeadamente, a pouca discrepância na identidade constante dos autos em análise do ponto de vista criminal, e, até o exame feito ao passaporte n.° ......, de o Autor é titular.</font> </p><p><font>10ª - O Autor esteve preso durante dois meses e sete dias, tendo concorrido para tal, por falta de diligência, pelo que, a quantia indemnizatória que lhe foi arbitrada é manifestamente desproporcionada e desajustada aos danos sofridos, sendo exorbitante, tanto mais que não está em causa uma vida humana.</font> </p><p><font>11ª - A gravidade do dano deve ser aferida através de um padrão objectivo e realista, tendo em consideração as circunstâncias do caso concreto, resultando dos art.°s 494.° e 496.° n.° 3, ambos do Código Civil os critérios legais a que se deve atender, no cálculo da indemnização por danos morais.</font> </p><p><font>12ª - O critério da equidade remete para uma operação intelectual complexa que deverá atender ao circunstancialismo do caso concreto, com referência aos factores contidos no art.° 494.° do Código Civil, os quais referenciam valorações éticas como a boa ponderação, o senso prático e a justa medida das coisas (veja-se a jurisprudência citada).</font> </p><p><font>13ª - Entende a jurisprudência que se deve ainda atender, para além do circunstancialismo do caso concreto, à situação social e económica e sensibilidade do lesado, ao sofrimento por ele suportado, à gravidade da lesão e demais circunstâncias do caso, obedecendo a critérios de equidade - (art.°s 494.° e 496.° n.° 3, ambos do Código Civil - veja-se jurisprudência citada).</font> </p><p><font>14ª - A jurisprudência tem entendido que a fixação equitativa da<br> indemnização se deve entender no sentido de que, para além dos factores<br> enunciados, se deverão ter em conta os valores habitualmente atribuídos<br> pelos Tribunais noutros casos (cf. igualmente a jurisprudência citada).</font> </p><p><font>15ª - Resulta igualmente dos preceitos do Código Civil citados que, em<br> caso de </font><i><font>mera culpa, </font></i><font>como poderá ser considerada a situação que se<br> verifica no caso em apreço, o valor da indemnização a atribuir ao lesado<br> pode ser fixada equitativamente e ser especialmente reduzida, daí, entendermos que a indemnização a atribuir se deve situar entre os €10.000,00 e os €20.000,00.</font> </p><p><font>16ª - Tratando-se de uma indemnização de natureza meramente<br> compensatória, não pode resultar num enriquecimento despropositado do<br> lesado, devendo corresponder ao dano sofrido.</font> </p><p><font>17ª - Não deve o Estado Português ser condenado a uma indemnização<br> que se considera ser manifestamente exorbitante, tal montante deverá ser<br> reduzido equitativamente aos danos morais verificados.</font> </p><p><font>18ª - O valor fixado no douto acórdão em apreço é tanto mais<br> desproporcionado quanto se pode concluir, como já referido, que o Autor<br> esteve detido alguns dias, devendo ser reduzido, nos termos expostos.</font> </p><p><font>19ª - O douto acórdão em apreço fez errada interpretação e aplicação<br> das normas contidas nos art.°s 27.° da Constituição da República<br> Portuguesa e nos art.°s 494.° e 496.° n.° 3, ambos do Código Civil, e, ainda,<br> dos art.°s. 203.° e 216.°, ambos da Constituição da República, e, na lei<br> ordinária os art.°s 4.° e 5.° ambos do Estatuto dos Magistrados Judiciais,<br> e, art.°s. 3.° e 4.° da Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais, pelo que, deve<br> ser revogado e substituído por outro nos termos expostos.</font> </p><p><font>Nas suas contra-alegações, o autor sustenta que o recurso interposto deve ser declarado inadmissível.</font> </p><p><font>O Tribunal da Relação entendeu que se devem considerar demonstrados os seguintes factos, que este Supremo Tribunal de Justiça aceita, nos termos das disposições combinadas dos artigos 674º, nº 3 e 682º, nº 2, do Código de Processo Civil (CPC), mas reproduz:</font> </p><p><font>1. O autor, que tem o nome de AA, nasceu no dia............., na freguesia de ........, em ......., é filho de BB e CC, e titular do cartão do cidadão emitido pelo Estado Português, com o n.º 000000.</font> </p><p><font>2. No processo comum perante Tribunal Colectivo, que correu termos sob o n.º 3465/09.1 TAALM, junto do 1 ° Juízo Criminal do Tribunal da Comarca de Almada, foi lido, no dia 1........... um acórdão que condenou um arguido, de nome AA, solteiro, natural de C......e, nascido em ....., filho de BB e de DD, residente ..... Terras ......., C......, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punível, pelo art.º 21°, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, na pena de seis anos e quatro meses de prisão, e, por um crime de detenção de arma proibida, previsto e punível, pelo art.º 86°, n.º 1, alínea d), da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, na pena de seis meses de prisão, e, em cúmulo jurídico, na pena única de seis anos e seis meses de prisão. </font> </p><p><font>3. O arguido desses autos, por nunca ter comparecido em nenhuma das sessões da audiência de julgamento, foi julgado na sua ausência, tendo a sua defesa sido assegurada pelo defensor nomeado.</font> </p><p><font>4. O acórdão, acima mencionado, foi dado como transitado quanto ao arguido AA, apesar de ele não ter sido notificado do mesmo. </font> </p><p><font>5. O referido NUIPC 3465/09.1TAALM foi iniciado, a partir de uma certidão extraída do NUIPC 1576/08.0GEALM.</font> </p><p><font>6. Ao NUIPC 3465/09.1AALM encontram-se apensos os inquéritos com os números 1093/10.GEALM, 1249/10.3GEALM e 1224/10.8GEALM.</font> </p><p><font>7. No NUIPC 1224/10.8GEALM foi lavrado auto de notícia que referia suspeitas da prática de um crime de tráfico de estupefacientes, por parte de um indivíduo, de alcunha "N....", tendo sido junta aos mesmos autos uma ficha biográfica da Polícia Judiciária, que aludia a um indivíduo de nome AA, filho de BB e de DD, nascido em...., residente no Bairro ......,......, C.......</font> </p><p><font>8. No NUIPC 1093/10.GEALM, esse indivíduo apresentou um passaporte, datado de ......, com o n.º ......, emitido pela República de C......e, que ostentava o nome AA e dava este como filho de BB e de CC, natural da Ilha de......, C......e, nascido em .......</font> </p><p><font>9. Nos mesmos autos foram detetadas discrepâncias entre os elementos biográficos fornecidos pelo indivíduo que foi identificado como AAe os constantes do passaporte atrás mencionado, razão pela qual este passaporte foi sujeito a exame pericial quanto à sua autenticidade, tendo-se concluído que era autêntico.</font> </p><p><font>10. No NUIPC1249/10.3GEALM, foi lavrado auto de notícia relativo à suspeita da prática de um crime de tráfico de estupefacientes, por um indivíduo de nome AA, com a alcunha de "N....", nascido em...., filho de BB e de DD, portador do passaporte n.º ......, emitido em ......, pela República de C......e, residente nas Terras do ......, n.º .............. C.......</font> </p><p><font>11. Esse indivíduo prestou termo de identidade e residência, no qual se identificou com os elementos referidos na alínea anterior.</font> </p><p><font>12. Nos mesmos autos, o referido indivíduo foi sujeito a interrogatório judicial, em 17 de Dezembro de 2010, tendo-se identificado de igual forma.</font> </p><p><font>13. No dia 3 de Maio de 2013, foi junta ao NUIPC 3465/09.1AALM uma informação da Embaixada da República de C......e, da qual consta </font><i><font>“( .. .) temos </font></i><font>a </font><i><font>honra de informar que, aquando do último contacto havido com esta Embaixada, </font></i><font>o </font><i><font>Sr. AA, declarou </font></i><font>a </font><i><font>seguinte morada: ...............".</font></i> </p><p><font>14.</font><i><font> </font></i><font>Nos mesmos autos e, no dia 21 de Maio de 2013, na sequência de despacho ordenando a realização de pesquisas com vista à localização do arguido AA, foi junta aos autos a informação da base de dados do registo civil de fls. 347, que aqui se dá por reproduzida e que se refere ao autor desta ação.</font> </p><p><font>15. Ainda nos mesmos autos, no dia 2..........., foram emitidos mandados de detenção para cumprimento de pena, com a seguinte identificação da pessoa a deter: </font><i><font>"AA filho (a) de BB </font></i><font>e </font><i><font>de CC, natural de C......e </font></i><font>(…) </font><i><font>nascido </font></i><font>em </font><i><font>........... </font></i><font>(…) </font><i><font>passaporte - ........... domicílio: Rua ..................”</font></i><font>.</font> </p><p><font>16. No cumprimento desses mandados, no dia 28 de Maio de 2013, pelas 22.00 horas, o autor foi detido e conduzido ao Estabelecimento Prisional de Lisboa.</font> </p><p><font>17. No dia ..........., o autor foi notificado, nesse estabelecimento prisional, da liquidação da pena aplicada ao arguido AA, no NUIPC 3465/09.1AALM.</font> </p><p><font>18. No estabelecimento prisional recebeu a visita do seu Advogado, em 26 de Junho de 2013, e, em 12 de Julho de 2013, tendo informado o mesmo que estava inocente.</font> </p><p><font>19. O referido Sr. Advogado não acreditou no autor e apresentou, em nome deste, requerimento de interposição de recurso do acórdão referido no n.º 2, com alegações, nos termos que constam de fls. 28 a 29, e que aqui se dão por reproduzidos.</font> </p><p><font>20. No dia 1 de Agosto de 2013, no NUIPC 3465/09.1AALM, foi proferida, pela Sra. Procuradora Adjunta de turno, a promoção certificada a fls. 364 e 365, que aqui se dá por reproduzida, na qual se requeria: a notificação ao "arguido" do acórdão condenatório proferidos nos autos; a restituição do mesmo à liberdade, de imediato; e, em simultâneo, a emissão de mandados de detenção, fora de flagrante delito, para apresentação do arguido a interrogatório judicial, com vista à apreciação do seu estatuto coativo.</font> </p><p><font>21. No mesmo dia, foi proferido, nesses autos, o despacho certificado a fls. 366, que aqui se dá por reproduzido, que ordenou, com base nos fundamentos que do mesmo constam, a imediata libertação do autor e a emissão dos mandados de detenção promovidos.</font> </p><p><font>22. No dia 2 de Agosto de 2013, o autor foi ouvido em interrogatório judicial, conforme consta do auto de fls. 137 a 143, que aqui se dá por reproduzido, tendo-se concluído que não era a pessoa constituída como arguido, no NU IPC 3465/09.1 AALM, mas sim o titular do passaporte que essa pessoa tinha consigo, pelo que tinha ocorrido um erro de identidade, tendo-se ordenado a imediata restituição do autor à liberdade, o que foi cumprido.</font> </p><p><font>23. O autor esteve preso durante dois meses e sete dias.</font> </p><p><font>24. O mesmo foi alvo desconfiança quanto à sua inocência, por parte de familiares (art.º 2° dos temas de prova).</font> </p><p><font>25. O mesmo nunca tinha estado preso, tendo sempre trabalhado, na abertura de estradas e valas, construção de lancis e alcatroamento, a altas temperaturas (art.º 3° dos temas da prova).</font> </p><p><font>26. O autor é de condição humilde, semi-analfabeto, e reside, na Pontinha, tendo já residido, em ..........., .......... (art.º 4° dos temas da prova).</font> </p><p><font>27. A perspetiva de ter que cumprir seis anos de prisão deixou o autor aterrorizado (art.º 5° dos temas da prova).</font> </p><p><font>Foram, também, declarados como não provados os seguintes factos:</font> </p><p><font>a) Aquando da sua detenção, o autor foi alvo de observações jocosas, por parte da autoridade policial, quando protestou a sua inocência e o desconhecimento da localidade da C...... onde decorreram os factos julgados no NUIPC 3465/09.1AALM (art.º 1° dos temas da prova).</font> </p><p><font>b) Nos bairros periféricos de Lisboa, os cidadãos nascidos em C......e são sujeitos a abusos de alguns agentes da autoridade, tendo sido esse facto que levou o autor a resignar-se perante a sua prisão e a sentir-se impotente perante a injustiça da mesma (art.º 4° dos temas da prova).</font> </p><p><font>c) O Estabelecimento Prisional de Lisboa tem capacidade para 700 reclusos e, à data em que o autor esteve preso, alojava cerca de 1.100 reclusos (art.º 6° dos temas da prova).</font> </p><p><font>d) O mesmo (</font><i><font>estabelecimento</font></i><font>) é deficitário na assistência médica e medicamentosa que presta, sendo a alimentação dos reclusos deficiente (art.º 7° dos temas da prova).</font> </p><p><font>e) Nesse estabelecimento, a segurança não é garantia pelos guardas prisionais, mas pelo bandido mais forte e endinheirado que impõe pela brutalidade física e psicológica, o que deixou o autor aterrorizado (art.º 8° dos temas da prova).</font> </p><p><font>f) Por causa da prisão do autor, a mulher do mesmo, por não ter dinheiro para pagar a renda, foi obrigada a mudar da casa onde habitavam, composta por 2 quartos, 1 cozinha e uma casa de banho, para uma casa de uma só divisão (art.º 9° dos temas da prova).</font> </p><p><font>g) Pela mesma razão, a horta que o autor explorava junto da sua residência se tivesse perdido, por falta de rega e trabalho, tendo o demandante ficado privado desse componente da sua subsistência (art.º 10° dos temas da prova).</font> </p><p><font>h) O acórdão condenatório foi dado como transitado em julgado, em razão do grande número de arguidos acusados e condenados nos autos (art.º 11</font><sup><font>0</font></sup><font> dos temas da prova).</font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; &nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;*</font> </p><p><font>Tudo visto e analisado, ponderadas as provas existentes, atento o Direito aplicável, cumpre, finalmente, decidir.</font> </p><p><font>A única questão a decidir, na presente revista, em função da qual se fixa o objeto do recurso, considerando que o «thema decidendum» do mesmo é estabelecido pelas conclusões das respetivas alegações, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, com base no preceituado pelas disposições conjugadas dos artigos 5º, 608º, nº 2, 609º, 635º, nºs 4 e 5, 639º e 679º, todos do CPC, consiste em saber qual o valor compensatório a fixar pelos danos não patrimoniais sofridos pelo autor.</font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; DO «QUANTUM» DO VALOR COMPENSATÓRIO DOS DANOS NÃO PATRIMONIAIS</font> </p><p><font>I. 1. Defende o réu que o valor de €45.000,00, fixado pelo douto acórdão e na sentença de 1.</font><sup><font>a</font></sup><font> instância, é excessivo, e, manifestamente, desproporcionado e desajustado, face aos danos sofridos pelo autor e à situação de mera culpa verificada, devendo ser, equitativamente, estabelecido, e, especialmente, reduzido, a um valor situado entre os €10.000,00 e os €20.000,00.</font> </p><p><font>Estipula o artigo 27º, da Constituição da República Portuguesa (CRP), no seu nº 1, que “todos têm direito à liberdade e à segurança”, acrescentando o seu nº 2 que “ninguém pode ser total ou parcialmente privado da liberdade, a não ser em consequência de sentença judicial condenatória pela prática de ato punido por lei com pena de prisão ou de aplicação judicial de medida de segurança”, sendo que, acrescenta o respetivo nº 4, “toda a pessoa privada de liberdade deve ser informada imediatamente e de forma compreensível das razões da sua prisão ou detenção e dos seus direitos”, sem prejuízo de que “a privação da liberdade contra o disposto na </font><a><font>Constituição</font></a><font> e na lei constitui o Estado no dever de indemnizar o lesado nos termos que a lei estabelecer”, conforme se conclui no correspondente nº 5, final.</font> </p><p><font>Dispõe ainda, a este propósito, o artigo 13º, da Lei n.º 67/2007, de 31 de Dezembro, no seu nº 1, que “sem prejuízo do regime especial aplicável aos casos de sentença penal condenatória injusta e de privação injustificada da liberdade, o Estado é civilmente responsável pelos danos decorrentes de decisões jurisdicionais manifestamente inconstitucionais ou ilegais ou injustificadas por erro grosseiro na apreciação dos respetivos pressupostos de facto”, acrescentando o correspondente nº 2 que “o pedido de indemnização deve ser fundado na prévia revogação da decisão danosa pela jurisdição competente”.</font> </p><p><font>Por outro lado, preceitua o artigo 22º, da CRP, que “o Estado e as demais entidades públicas são civilmente responsáveis, em forma solidária com os titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes, por ações ou omissões praticadas no exercício das suas funções e por causa desse exercício, de que resulte violação dos direitos, liberdades e garantias ou prejuízo para outrem”.</font> </p><p><font>O princípio geral da responsabilidade do Estado por facto da função jurisdicional, contido no artigo 22º, da CRP, transcrito, deve valer “sempre que das ações ou omissões ilícitas praticadas por titulares de órgãos jurisdicionais do Estado, seus funcionários ou agentes resultem violações de direitos, liberdades e garantias ou lesões de posições jurídico-subjetivas (ex: prisão preventiva ilícita, prescrição de procedimento, não prolação de uma decisão jurisdicional num prazo razoável)”, mas sem contemplar, consequentemente, a chamada responsabilidade por atos lícitos</font><a><u><font>[2]</font></u></a><font>.</font> </p><p><font>Porém, a não se entender que o âmbito do artigo 22º, se cinge à responsabilidade do Estado pela pratica de atos ilícitos, então, este preceito constitucional consagraria, genericamente, o dever de indemnização, por lesão de direitos, liberdades e garantias, não se confinando aos limites da responsabilidade do Estado por atos ilícitos, de natureza legislativa ou jurisdicional, podendo apenas a lei exigir certos requisitos quanto ao prejuízo ressarcível, ao passo que o artigo 27º, nº 5, configuraria, expressamente, o princípio da indemnização</font><b><font> </font></b><font>pelos danos, nos casos de privação inconstitucional ou ilegal da liberdade (ex: prisão preventiva injustificada, prisão ordenada por autoridade judicial sem o «processo devido»), o que representa o alargamento da responsabilidade civil do Estado, estabelecida pelo artigo 22º, a factos ligados ao exercício da função jurisdicional, mas não se restringindo esta responsabilidade ao clássico erro judiciário, a que alude o artigo 29º, nº 6, todos da CRP</font><a><u><font>[3]</font></u></a><font>.</font> </p><p><font>Por outro lado, dispõe o artigo 27º, nº 5, do mesmo diploma fundamental, como já se disse, que “a privação da liberdade contra o disposto na </font><a><font>Constituição</font></a><font> e na lei constitui o Estado no dever de indemnizar o lesado nos termos que a lei estabelecer”.</font> </p><p><font>Assim sendo, não é de afastar a imputação ao Estado, a que alude o artigo 22º, da CRP, de uma responsabilidade objetiva geral por atos lícitos praticados no exercício da função jurisdicional, em termos de abranger, para além do clássico erro judiciário, a legítima administração da justiça, no âmbito do regime geral ou comum da responsabilidade civil extra-contratual, prevista nos artigos 483º e 562º, ambos do CC.</font> </p><p><font>Não há, portanto, incompatibilidade, mas antes complementaridade, entre a previsão genérica, constante do artigo 22º, e a previsão específica do artigo 27º, nº 5, representando este último um alargamento da responsabilidade civil do Estado, por atos da função jurisdicional, já consagrada naquele anterior normativo constitucional, isto é, no quadro do mesmo instituto jurídico da responsabilidade civil do Estado, regulando o artigo 22º essa responsabilidade, em geral, ao passo que o artigo 27º, nº 5, todos da CRP, disciplina-a para a situação específica de «privação da liberdade contra o disposto na Constituição e na lei»</font><a><u><font>[4]</font></u></a><font>.</font> </p><p><font>Deste modo, torna-se aplicável o regime geral da responsabilidade civil objetiva direta do Estado, por atos lícitos praticados no exercício da função jurisdicional, determinantes de lesão grave do direito de liberdade, com base no disposto pelos artigos 22º, da CRP e 13º, nº 1, da Lei nº 67/2007, de 31 de Dezembro</font><a><u><font>[5]</font></u></a><font>. </font> </p><p><font>I. 2. Assim, o arguido que tiver sofrido prisão pode requerer, perante o tribunal comum de jurisdição cível competente</font><a><u><font>[6]</font></u></a><font>, indemnização pelos danos sofridos pela privação de liberdade, quando esta for ilegal, o que pressupõe a existência de uma decisão judicial que declarou a ilegalidade da privação de liberdade e, em consequência, revogou essa mesma privação de liberdade.</font> </p><p><font>E não se questionando a necessidade de correção das sentenças injustas, a discussão coloca-se em saber em que casos se deve admitir a reparação</font><a><u><font>[7]</font></u></a><font>, sendo certo que o direito à reparação resulta de um princípio geral de tutela de direitos fundamentais invioláveis, nomeadamente, a liberdade pessoal.</font> </p><p><font>A reparação baseia-se no sacrifício imposto ao particular, em favor da coletividade, cuja inocência, posteriormente, declarada, sem atentar com a legitimidade do ato jurisdicional, revela um dano anormal, inexigível e grave</font><a><u><font>[8]</font></u></a><font>, em atenção a um interesse superior, gravidade esta que se traduz na sua inocência e na violação do interesse coletivo na boa administração da justiça, que torna obrigatória a exigência de uma justa indemnização, porquanto a privação injustificada da liberdade, constituindo uma «expropriação da liberdade», não consente, no âmbito do nosso diploma fundamental, um tratamento mais desfavorável do que a «expropriação da propriedade»</font><a><u><font>[9]</font></u></a><font>.</font> </p><p><font>Com efeito, as autoridades judiciárias, por mais zelosas que procurem ser no cumprimento dos seus deveres, estão sempre sujeitas a alguma margem de erro, relevando, apenas, para a lei, com vista a fundamentar a responsabilidade do Estado e o consequente direito à indemnização, o erro grosseiro, que é aquele em que um agente, minimamente, cuidadoso não incorreria, e a ilegalidade manifesta, que é aquela que se torna evidente, mesmo numa apreciação superficial.</font> </p><p><font>Na verdade, o cidadão não tem, apenas, um mero direito à tutela judicial efetiva, mas, também, a uma tutela judicial justa, não viciada por erro</font><a><u><font>[10]</font></u></a><font>.</font> </p><p><font>A ilegalidade da prisão exige, como pressuposto indemnizatório do lesado, a violação de uma obrigação legal, verificada em qualquer fase do procedimento, que corresponde a um estado de «injustiça formal».</font> </p><p><font>Devendo a conduta do juiz que decreta a condenação em prisão observar os pressupostos de facto e de direito de que depende, mostra-se viciada por erro grosseiro na sua apreciação, que contende com a «injustiça material», geradora de uma hipótese de responsabilidade por ato lícito, de que podem resultar, mas não, necessariamente, prejuízos anómalos ou de particular gravidade</font><a><u><font>[11]</font></u></a><font>, quando se comprova que o arguido não só não foi agente do crime pelo qual vem a ser condenado e, posteriormente, preso, mas antes alvo de um erro de identidade, dolosamente, ciado pelo verdadeiro autor material do mesmo, que usurpou da sua real identificação. </font> </p><p><font>I. 3. O erro só pode traduzir uma desconformidade entre a decisão e a realidade, fáctica ou normativa, desconformidade que deve ser manifesta, patente e incontestável, no sentido de conduzir a conclusões absurdas ou ilógicas, sendo estas as que são contrárias à normalidade do processo de tutela e garantia dos direitos</font><a><u><font>[12]</font></u></a><font>.</font> </p><p><font>Porém, a lei refere-se a pressupostos de facto e não a pressupostos de direito, afastando, assim, o cometimento de um erro de direito, em qualquer uma das suas modalidades, isto é, erro na aplicação, erro na interpretação ou erro na qualificação, com o objetivo, aliás, de preservar a independência dos juízes na administração da justiça.</font> </p><p><font>E o erro de facto é aquele que versa sobre qualquer circunstância que não seja a existência ou o conteúdo de uma norma jurídica [erro na interpretação] ou ainda sobre a sua aplicação, sendo o erro grosseiro aquele que é indesculpável, no sentido de escandaloso, crasso, supino, cometido contra todas as evidências e no qual incorre quem atua sem os conhecimentos ou a diligência exigíveis, que procede de culpa grave do errante, em que não teria caído uma pessoa dotada de normal inteligência, experiência e circunspeção</font><a><u><font>[13]</font></u></a><font>.</font> </p><p><font>Erro grosseiro será, igualmente, o ato temerário, isto é, aquele que, perante a factualidade exposta aos olhos do jurista e contendo uma duplicidade tão grande no seu significado, uma ambiguidade tão saliente no seu lastro probatório indiciário, não justifica uma medida gravosa de privação de liberdade.</font> </p><p><font>Mas, o princípio da liberdade individual e bem assim como a constitucionalização da responsabilidade do Estado, por ato lícito violador de direitos fundamentais, decorrente do artigo 22º, da CRP, não permitem restringir o erro grosseiro a um erro inerente ao juízo do agente, porquanto engloba, também, o erro grave na atividade investigatória do Estado, como acontece com aquele que se traduz na condenação de arguido que não foi agente do crime ou que não assumiu qualquer forma de participação no mesmo</font><a><u><font>[14]</font></u></a><font>.</font> </p><p><font>E, sendo o erro inseparável do juízo, constituindo, inclusivamente, o processo um conjunto de precauções contra a sua existência</font><a><u><font>[15]</fon
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><br> <br> <font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; </font> <p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; </font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; &nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; </font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; </font><b><font>I- Relatório</font></b><font>:</font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; 1-1- AA, representado por sua mãe, BB, propôs a presente acção com processo ordinário contra </font><b><font>... – Companhia de Seguros SA</font></b><font>, </font><i><font>pedindo</font></i><font> que esta seja condenada a pagar ao Banco ... Imobiliário SA, a quantia de 84.644,89 €, a ele, A., a quantia de 14.000 € respeitante às prestações pagas ao Banco ... Imobiliário SA até à data da propositura da acção acrescida de juros de mora vencidos e vincendos até integral pagamento e ainda o montante que vai continuar despender no pagamento das prestações vincendas ao Banco ... SA, até sentença proferida com trânsito em julgado.</font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; Alegou, em síntese que é o único e universal herdeiro do seu pai CC, sendo que o seu pai celebrou dois contratos de mútuo para aquisição de uma habitação com o Banco ... Imobiliário SA. No âmbito desse contrato celebrou com a R. um “seguro de vida” nos termos do qual o beneficiário é o Banco ... Imobiliário SA no caso da sua morte. O seu pai faleceu em Novembro de 2003 mas a R. recusa-se a pagar o capital em dívida ao Banco. Aquando do celebração do contrato de seguro a R. não deu a conhecer ao pai do A. as condições gerais ou as especiais que regem o mesmo, desrespeitando assim os deveres de transparência e informação a que a R. se encontra obrigada por força do art. 171º do DL 102/94 de 20/4 e do art. 2º do DL 176/95 de 26/7.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; A R. contestou, alegando em resumo, que não pagou o montante do crédito concedido e ainda em dívida à data da morte do pai do A. porque os herdeiros, apesar de para tal solicitados, nunca lhe enviaram a documentação necessária para o efeito – certificado de óbito da pessoa segura, comprovativo da qualidade de beneficiário e atestado médico indicando as causas e evolução da doença ou lesão que lhe causou a morte – face ao disposto no art. 23º das condições gerais da apólice. A não entrega de tais documentos constitui condição resolutiva da regularização do sinistro. Pode haver uma causa de nulidade do contrato de seguro uma vez que o falecido, na data de outorga do contrato, declarou que não sofria de qualquer doença. Só o empréstimo relativo à quantia de 12.500.000$00 está abrangido pelo contrato de seguro, uma vez que só esse empréstimo se destinou à aquisição de habitação. Desde o início que o pai do A. foi informado do teor do contrato de seguro.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; Na réplica o A. alegou que entregou à R. todos os documentos que tinha na sua posse e que esta nunca lhe comunicou a intenção de resolver o contrato de seguro.</font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; </font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; O processo seguiu os seus regulares termos posteriores, tendo-se proferido o despacho saneador, após o que se fixaram os factos assentes e se organizou a base instrutória, se realizou a audiência de discussão e julgamento, se respondeu à dita base instrutória e se proferiu a sentença.</font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; </font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; Nesta julgou-se a acção improcedente por não provada. </font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; &nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; &nbsp;</font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; 1-2- Não se conformando com esta decisão, dela recorreu o A. de apelação para o Tribunal da Relação do Porto tendo-se aí, por acórdão de 21-11-2011, julgado improcedente o recurso, confirmando-se a sentença recorrida.</font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; </font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; 1-3- Irresignado com este acórdão, dele recorreu o A. para este Supremo Tribunal, recurso que foi admitido como revista e com efeito devolutivo.</font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; </font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; O recorrente alegou, tendo das suas alegações retirado as seguintes conclusões:</font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; I- Vai o presente recurso do, aliás douto, Acórdão do Venerando Tribunal da Relação do Porto, que decidiu julgar improcedente o recurso de apelação interposto pela Recorrente da sentença proferida a 16/9/2010, pela 2ª Vara Mista de Vila Nova de Gaia. </font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; II- No presente processo o contrato de seguro celebrado em virtude do crédito à habitação, é um contrato de adesão, integrado por cláusulas contratuais gerais, sujeitas ao regime do Dec-Lei nº 446/85, de 25/X, sendo certo que, por esse facto, devem considerar-se excluídas as cláusulas contratuais gerais contidas no contrato, limitativas dos direitos da Recorrente, quando não tenha sido cumprido o dever de informação resultante, quer do regime do contrato de seguro, quer do regime instituído pelo Dec-Lei nº 446/85, como foi o caso. &nbsp;</font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; III- Isto é, estamos perante um seguro de grupo contributivo, tendo o falecido pai do Recorrente aderido ao mesmo, com recurso a cláusulas padronizadas, previamente elaboradas pela seguradora, que o falecido pai do Recorrente se limitou a aceitar, sendo aplicável aos autos o regime jurídico instituído pelo Dec-Lei 446/85, de 25/10, com as alterações introduzidas pelo Dec-Lei 220/95, de 31 /08 e Dec-Lei 249/99 de 07/07, uma vez que é o segurado - e não a entidade bancária - que contribui com o pagamento do prémio do contrato, regendo-se, em primeiro lugar, pelas condições (gerais, especiais e particulares) da respectiva apólice e na sua falta ou insuficiência, pela lei comercial - art. 427° do Cód. Comercial - e pela lei civil, relevando, ainda, o disposto no Dec-Lei 176/95 de 26 de Julho, com as alterações e aditamento introduzidos pelo Dec-Lei 60/2004 de 22 de Março [Não é aplicável aos autos o novo Regime Jurídico do Contrato de Seguro (RJCS) introduzido pelo Dec-Lei 72/2008 de 16 de Abril que entrou em vigor em 1 de Janeiro de 2009. Assinala-se, no entanto, que não se encontram diferenças significativas no conceito de seguro de grupo, como resulta do confronto do art. 76° do novo diploma com o art. 1°, alínea g) do Dec-Lei 176/95 ]. </font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; IV- E, não sendo o contrato em discussão nos presentes autos, um seguro facultativo, constitui um contrato de adesão, sujeito, genericamente, ao regime da Lei das Cláusulas Contratuais Gerais, ou seja, aqueles cujas cláusulas são elaboradas sem prévia negociação individual e que proponentes ou destinatários indeterminados se limitam a subscrever ou aceitar. </font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; V- Nos contratos de adesão, onde vigoram as cláusulas contratuais gerais, uma das partes tem uma posição social ou económica mais relevante, que lhe serve de justificação para impor a situação à outra parte; Nas cláusulas contratuais gerais é manifesta a impossibilidade fáctica de uma das partes exercer a sua liberdade de estipulação, que fica assim apenas na mão da outra parte. </font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; &nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; VI- No que respeita ao risco de desconhecimento das cláusulas pelo aderente -, que e o que importa in casu, a fim de o combater impõe o artigo 5º do citado DL 446/85 o dever de comunicação prévia, e na íntegra, ao aderente, das cláusulas contratuais gerais que a empresa pretenda fazer inserir no contrato (nº 1). </font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; VII- Esta comunicação deve ser feita de modo adequado e com a devida antecedência, procurando o legislador, deste modo, possibilitar ao aderente o conhecimento antecipado da existência das condições gerais que irão integrar o contrato, bem como o conhecimento do seu conteúdo, exigindo-lhe, para esse efeito, também a ele, um comportamento diligente (nº 2). &nbsp;</font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; VIII- Para além da exigência de comunicação adequada e efectiva, surge ainda a exigência de informar a outra parte, de acordo com as circunstâncias, de todos os aspectos compreendidos nas cláusulas contratuais gerais cuja aclaração se justifique (artigo 6°, nº 1) e de prestar todos os esclarecimentos razoáveis solicitados (artigo 6°, nº 2). </font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; IX- Aqui chegados, ao indubitável dever de informação, recorde-se que o artigo 4° da douta Base Instrutória, que continha a seguinte materialidade "Desde o início que o falecido foi informado do teor do contrato de seguro de vida celebrado com a Ré”, mereceu a resposta de “Não Provado”. </font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; X- A ausência de regulamentação específica (o facto de não haver qualquer referência alusiva ao dever de comunicação e de informação), remete-nos para as estipulações da lei e, de harmonia com a jurisprudência e doutrina citadas entre a demais abundante no mesmo sentido, a obrigação de informar/comunicar os segurados sobre as cláusulas constantes da Condições Gerias e da Condições Particulares do seguro de grupo em questão, incumbia à Recorrida/ Seguradora - tal como estatui o nº 3 do supra citado art. 5 do DL 446/85, "o ónus de prova da comunicação adequada e efectiva cabe ao contratante que submeta a outrem as cláusulas contratuais gerais". </font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; XI- Ónus de prova esse que, aliás, é uma decorrência do regime geral consagrado no art. 342, nº 1, do CC. </font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; XII- Ora, retomando a perspectiva a que acima nos referimos, quanto à relação tripartida que caracteriza o contrato de seguro de grupo, temos que o preceito aludido tem a virtualidade de definir a cargo de quem - entre o tomador de seguro e a seguradora - fica o dever de informação sobre as coberturas abrangidas, no que ao caso interessa. </font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; XIII- Sendo que, no caso em apreço, não se apurou que a cláusula em causa­ cláusula 5° das Condições Particulares da apólice -, tenha sido comunicada ao falecido pai do Recorrente, existindo, por isso, manifesta violação do disposto nos arts. 5° e 6° do Decreto Lei que regula as cláusulas contratuais gerais, sendo certo ainda que tal dever de informação incumbia, indubitavelmente à Recorrida/Seguradora, e que não o fez, colocando, assim, o falecido pai do Recorrente numa posição que o impossibilitou um efectivo conhecimento do contrato - cujas condições não negociou e que lhe foram apenas apresentadas, não tendo, como mero aderente, o poder de conformar de forma diferente o conteúdo contratual, temos que, a dita violação de tal dever de informação, determina a exclusão das respectivas cláusulas do contrato, nos termos do art. 8° alíneas a) e b), vigorando na parte afectada as normas supletivas aplicáveis, com recurso, se necessário, às regras de integração dos negócios jurídicos, nos termos do art. 9°, nº 1. </font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; XIV- Isto é, in casu, não se tendo provado que o conteúdo da cláusula aludida foi comunicado ao segurado, tem de concluir-se pela exclusão da cláusula respectiva e, consequentemente, pela inoponibilidade da mesma ao segurado. </font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; XV- Por outro lado, e no que concerne à alegada e apreciada excepção de não cumprimento, é jurisprudencial e doutrinalmente pacífico que só é possível a aplicação deste instituto aos casos em que a prestação em falta (dentro do feixe dos direitos e deveres contratuais em concreto) se mostre e emirja como essencial e já não como acessória. </font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; XVI- Todavia, tal excepção prevista no artigo. 428º do C.C. é aplicável a todos os contratos bilaterais, independentemente da estrutura particular assumida pelo sinalagma em algumas categorias desses contratos, só que, apenas pode ser invocada entre obrigações não abrangidas pela relação sinalagmática, sendo que, a falta de apresentação de parte da documentação mencionada em cláusula especial (não dada a conhecer nem explicada ao falecido pai do Autor, recorde-se), não legitima a recusa da seguradora em pagar o capital seguro, (tal qual não se mostrava legítima a recusa do segurado em pagar o prémio por falta de pagamento de qualquer indemnização por parte da seguradora). </font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; XVII- De facto, salvo o devido respeito, parece-nos que não pode a falta de cumprimento de uma servir de fundamento para a recusa no cumprimento da outra. Não se mostra como elo de ligação e interdependência entre as duas prestações. </font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; XVIII- Por tudo o exposto se conclui que, ao decidir como decidiu, violou o Venerando Tribunal da Relação do Porto o disposto nos arts. 1°, 5°, 6° e 8° do DL nº 446/85, de 25/10 (diploma a que pertencerão os demais preceitos legais a citar nesta questão sem outra indicação de origem), na redacção introduzida pelos DL nº 220/95, de 31/01, e na 249/99, de 7/7, arts. 1° e 9° do D.L. 222/2009, de 11/09 e 342°, 227°, 762°, e 428° do Código Civil. </font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; Nestes termos, e nos melhores de direito que Vªs Exas. melhor suprirão, deve ser dado provimento ao presente recurso e, por via disso, ser revogada a douta decisão recorrida, substituindo-a por outra que contemple as conclusões supra aduzidas, tudo com as legais consequências. </font> </p><p><font> </font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; A recorrida contra-alegou</font><a><u><sup><font>[1]</font></sup></u></a><font>, pronunciando-se pela confirmação do acórdão recorrido.</font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; </font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir: </font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; </font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; </font><b><font>II- Fundamentação:</font></b> </p><p><b><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; </font></b><font>2-1- Uma vez que o âmbito objectivo dos recursos é balizado pelas conclusões apresentadas pelo recorrente, apreciaremos apenas as questões que ali foram enunciadas (arts. 690º nº 1 e 684º nº 3 do C.P.Civil). </font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; Nesta conformidade, serão as seguintes as questões a apreciar e decidir:</font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; - Se deve ter aplicação ao presente caso o regime jurídico do Dec-Lei 446/85, de 25/10 (cláusulas contratuais gerais).</font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; - Se o dever de informação incumbia à recorrida/Seguradora.</font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; - Se não ocorre a excepção de não cumprimento por parte da R. Seguradora.</font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; </font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; 2-2- Vem fixada das instâncias a seguinte matéria de facto:</font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; 1- No dia 30 de Novembro de 2003, faleceu CC.</font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; &nbsp;2- CC é o pai do A. AA.</font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; 3- CC, adquiriu por escritura celebrada no dia 25 de Maio de 1999 no, então, 2º Cartório Notarial do Porto, a fracção autónoma designada pela letra “AD”, 2º andar esquerdo, bloco 5, do prédio sito à ..., Vila Nova de Gaia, destinada a habitação, descrito na competente Conservatória do Registo Predial sob o número zero mil trezentos e vinte e oito, pelo preço de Esc. 12.500.000$00/€ 62.349,74, conforme resulta da escritura pública de compra e venda junta a fls. 22 e ss.</font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; 4- Tal habitação foi adquirida com recurso a empréstimo bancário com hipoteca registada a favor do Banco ... Imobiliário S.A., conforme resulta do documento de fls. 30 e ss.</font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; 5- No âmbito da aquisição referida em 3), CC contraiu dois empréstimos, ambos no Banco ... Imobiliário, um no valor de Esc. 12.500.000$00/€ 62.349,74 e outro no valor de Esc. 7.200.000$00/€ 35.913.45. </font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; 6- No âmbito daquela aquisição o CC celebrou um contrato de seguro com a R. titulado pela apólice 2-1-04-190353/02 - certificado nº 205489, do ramo vida, com cobertura sobre a morte ou invalidez absoluta e permanente daquele CC, com o capital global de Esc. 19.700.000$00 e tomador o “Banco ... Imobiliário, S.A”, com inicio em 25-05-99, tudo conforme consta do documento de fls. 55 aqui reproduzido.</font> </p><p><font>Tal contrato está submetido às condições particulares de fls. 124 e ss. e gerais de fls. 127 e ss.</font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; 7- O prémio correspondente a tal apólice foi pontualmente pago até à morte do CC.</font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; 8- A morte do CC foi comunicada à R. e à administração do Banco ... Imobiliário S.A. através de carta de 18 de Dezembro de 2003.<br> &nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; 9- Em resposta a R. escreveu, em 2 de Janeiro de 2004 aos herdeiros do CC, a carta na qual solicita o envio dos seguintes documentos:</font> </p><p><font>- certificado de óbito, donde constem as causas da morte; <br> - relatório do médico assistente donde conste a data do início e a evolução da patologia que levou ao falecimento.</font> </p><p><font>ou</font> </p><p><font>- auto de ocorrência ou relatório de autópsia com indicação da taxa de alcoolemia (se acidente de viação);</font> </p><p><font>&nbsp;- cópia da habilitação de herdeiros da pessoa segura, bem como fotocópias dos BI e dos CC dos respectivos herdeiros.</font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; 10- Em resposta apenas foi enviada à R. o assento de óbito.<br> &nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; 11- As quantias referidas em E) destinaram-se, ambas, à aquisição da fracção referida em 3).</font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; 12- O montante em divida relativamente aos empréstimos referidos em E) era, em 14-09-2006, de euros 54.531,96 e euros 31.462,12 respectivamente e, em 5-09-2009, era de euros 50.865,54 e 29.444,15.<br> &nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; 13- Os representantes do A. não enviaram os documentos solicitados referidos em 9), para além do assento de óbito, em virtude de não os terem na sua posse. ------------------------------------------</font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; </font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; 2-3- No douto acórdão recorrido, de essencial, considerou-se que a adesão de CC, pai do A., ao seguro de grupo em questão, ocorreu em 25/05/1999, pelo que ao presente litígio será aplicável o DL 176/95 de 26 de Julho (alterado pelos DL 60/2004 de 22/3 e 357-A/2007 de 31/10)</font><a><u><sup><font>[2]</font></sup></u></a><font>. Trata-se de um seguro de grupo contributivo, sendo que resulta do contrato que as «Condições Gerais» e as «Condições Particulares» estavam já elaboradas quando CC aderiu ao seguro, não podendo influenciar o seu conteúdo, pelo que se estava perante cláusulas contratuais gerais (art. 1º do DL 446/85 de 25/10). Nos termos do art. 5º deste diploma, as cláusulas contratuais gerais devem ser comunicadas na íntegra aos aderentes que se limitem a subscrevê-las ou a aceitá-las, sendo que a comunicação deve ser realizada de modo adequado e com a antecedência necessária para que, tendo em conta a importância do contrato e a extensão e complexidade das cláusulas, se torne possível o seu conhecimento completo e efectivo por quem use de comum diligência e sendo que o ónus da prova da comunicação adequada e efectiva cabe ao contratante determinado que submeta a outrem as cláusulas contratuais gerais. De acordo com o art. 8º al. a) do mesmo diploma legal consideram-se excluídas dos contratos singulares as cláusulas que não tenham sido comunicadas nos termos do art. 5º. Acrescentou-se que, no caso concreto, não está provado que as cláusulas constantes das Condições Gerais e das Condições Particulares deste contrato de seguro de grupo não tenham sido comunicadas ao aderente CC mas também não está provado que tenham sido comunicadas. Também não resulta do aludido contrato de seguro que a obrigação de informar os segurados tenha sido assumida pela seguradora. Porém, o tomador, Banco ... Imobiliário SA não foi demandado nestes autos pelo que obviamente não pôde fazer prova do eventual cumprimento daquela obrigação. Ora, existindo norma especial sobre o dever de informação nos contratos de seguro de grupo e sobre o respectivo ónus da prova é a ela que haverá a atender para se poder, ou não, opor à seguradora a sua violação. No caso, caberia, nos termos do art. 4º nº 1 do dito Dec-Lei 176/95, ao tomador a informação sobre as coberturas e exclusões contratadas, não podendo, assim, ser imputada à seguradora - nem ser-lhe oposta – a violação do dever de comunicação. Por isso, se concluiu não se ver como responsabilizar a seguradora por um acto ilícito cometido pelo tomador do seguro. Acrescentou-se que a haver violação desse dever de informar, pode o A. pedir responsabilidades a quem o não cumpriu, demandando-o. No sentido indicado referenciou vários acórdãos deste STJ. Em consequência, a Seguradora pode opor ao recorrente a falta de cumprimento, por parte deste, da obrigação prevista no art. 23º das Condições Gerais do contrato de seguro de entregar atestado médico indicando as causas e evolução da doença ou lesão que causou o falecimento. </font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; A estes fundamentos contrapõe o recorrente que o presente processo o contrato de seguro, celebrado em virtude do crédito à habitação, é um contrato de adesão, integrado por cláusulas contratuais gerais, sujeitas ao regime do Dec-Lei nº 446/85, de 25/X, sendo certo que, por esse facto, devem considerar-se excluídas as cláusulas contratuais gerais contidas no contrato, limitativas dos direitos do recorrente, quando não tenha sido cumprido o dever de informação resultante, quer do regime do contrato de seguro, quer do regime instituído pelo Dec-Lei nº 446/85, como foi o caso. Estamos perante um seguro de grupo contributivo, tendo o falecido pai do recorrente aderido ao mesmo, com recurso a cláusulas padronizadas, previamente elaboradas pela seguradora, que o falecido se limitou a aceitar, sendo, assim, aplicável aos autos o regime jurídico instituído pelo Dec-Lei 446/85, de 25/10, com as alterações introduzidas pelo Dec-Lei 220/95, de 31 /08 e Dec-Lei 249/99 de 07/07. É o segurado - e não a entidade bancária - que contribui com o pagamento do prémio do contrato, regendo-se, em primeiro lugar, pelas condições (gerais, especiais e particulares) da respectiva apólice e na sua falta ou insuficiência, pela lei comercial - art. 427° do Cód. Comercial - e pela lei civil, relevando, ainda, o disposto no Dec-Lei 176/95 de 26 de Julho, com as alterações e aditamento introduzidos pelo Dec-Lei 60/2004 de 22 de Março. Não sendo o contrato em discussão nos presentes autos, um seguro facultativo, constitui um contrato de adesão, sujeito, genericamente, ao regime da Lei das Cláusulas Contratuais Gerais, ou seja, aqueles cujas cláusulas são elaboradas sem prévia negociação individual e que proponentes ou destinatários indeterminados se limitam a subscrever ou aceitar. Nestes contratos e no que respeita ao risco de desconhecimento das cláusulas pelo aderente, impõe o artigo 5º do citado DL 446/85 o dever de comunicação prévia e na íntegra, ao aderente, das cláusulas contratuais gerais que a empresa pretenda fazer inserir no contrato (nº 1), sendo que esta comunicação deve ser feita de modo adequado e com a devida antecedência, procurando o legislador, deste modo, possibilitar ao aderente o conhecimento antecipado da existência das condições gerais que irão integrar o contrato, bem como o conhecimento do seu conteúdo, exigindo-lhe, para esse efeito, também a ele, um comportamento diligente (nº 2). Para além da exigência de comunicação adequada e efectiva, surge ainda a exigência de informar a outra parte, de acordo com as circunstâncias, de todos os aspectos compreendidos nas cláusulas contratuais gerais cuja aclaração se justifique (artigo 6°, nº 1) e de prestar todos os esclarecimentos razoáveis solicitados (artigo 6° nº 2). O artigo 4° da douta Base Instrutória, que continha a seguinte materialidade "Desde o início que o falecido foi informado do teor do contrato de seguro de vida celebrado com a Ré”, mereceu a resposta de “Não Provado”, pelo que a ausência de regulamentação específica (o facto de não haver qualquer referência alusiva ao dever de comunicação e de informação), remete-nos para as estipulações da lei e, assim, incumbia à Seguradora - tal como estatui o nº 3 do supra citado art. 5 do DL 446/85, "o ónus de prova da comunicação adequada e efectiva cabe ao contratante que submeta a outrem as cláusulas contratuais gerais", sendo que, no caso em apreço, ela, Seguradora, o não fez, colocando, assim, o falecido pai do recorrente numa posição que o impossibilitou um efec
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><font> </font><br> <font> Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font><br> <font> </font><br> <font> </font><br> <font> I- Relatório:</font><br> <font> 1-1- AA</font><b><font> </font></b><font>(entretanto falecida tendo os outros AA. sido habilitados para ocuparem o seu lugar na lide), BB e</font><b><font> </font></b><font>CC, residentes na África do Sul, propuseram a presente acção com processo ordinário contra Banco DD S.A.,</font><b><font> </font></b><font>com sede na Rua J… D…, …/…, Porto, </font><i><font>pedindo</font></i><font> que o R. seja condenado a pagar-lhes a quantia indevidamente subtraída acrescida de indemnização por lucros cessantes, correspondente aos juros à taxa anual que se vencerem desde a data dos pagamentos/transferências indevidos, até efectivo e integral pagamento. </font><br> <font> Fundamentam este pedido, em síntese, dizendo que são os únicos herdeiros de EE, sendo que o R. resultou da fusão do Banco P… do A… (B…) e sua incorporação no banco R.. Em 1982, o dito EE procedeu à abertura de duas contas bancárias junto do BPA. Por residir na África do Sul, o falecido EE constituiu seu procurador o irmão, FF, que sempre actuou com zelo na defesa dos interesses do seu representado. A R. debitou nas contas bancárias, indevidamente, quantias, entre finais de 1997 e início de 1998, traduzidas em levantamentos e transferências não autorizadas, no montante global de 9.200.083$00. </font><br> <font> O R. contestou por excepção, invocando a prescrição do direito de indemnização reivindicado pelos AA.. Acrescenta que todas as ordens de transferência e cheques foram assinadas pelo procurador do A., tendo conferido por semelhança as assinaturas. O beneficiário das ordens de transferências e dos cheques foi um neto do procurador, FF. </font><br> <font> Termina </font><i><font>pedindo </font></i><font>que a excepção de prescrição seja julgada procedente, absolvendo-se o R. da instância; caso assim se não entenda deve a acção ser julgada improcedente e deferida a intervenção acessória provocada de FF. </font><br> <font> Os AA. replicaram sustentando que o prazo de prescrição aplicável será o da responsabilidade contratual (art. 309º), pelo que não ocorre a excepção. Acrescentaram dizendo que o procurador, FF, informou que não havia assinado os cheques e as ordens de transferência.</font><br> <font> Concluíram como na petição inicial.</font><br> <font> Foi admitida a intervenção requerida e ordenada a citação do interveniente.</font><br> <font> O processo seguiu os seus regulares termos posteriores, tendo-se proferido o despacho saneador, onde se julgou improcedente a excepção da prescrição invocada pelo R., após o que se fixaram os factos assentes e se organizou a base instrutória, se realizou a audiência de discussão e julgamento, se respondeu à base instrutória e se proferiu a sentença.</font><br> <font> </font><br> <font> Nesta julgou-se a acção procedente por provada, proferindo-se a seguinte condenação:</font><br> <font> “Os AA. têm direito a ser indemnizados do valor descontado das ditas contas de depósito, no montante (actual correspondente) de €45.889,41, acrescido de juros à taxa calculados à taxa legal (arts. 804, 805 nº 2 c) e 806 do C.C.), nos seguintes termos:</font><br> <font> Sobre - Esc. 1.300.000$00 (correspondentes ao contravalor de € 6 484,37), acrescidos de juros, desde 12.12.1997 até 16.04.1999, à taxa de 10%; desde 17.04.1999 até 30.04.2003, à taxa de 7%; desde 01.05.2003, à taxa de 4%; </font><br> <font> - Esc. 1.300.000$00 (correspondentes ao contravalor de € 6 484,37) , acrescidos de juros, desde 26.12.1997 até 16.04.1999, à taxa de 10%; desde 17.04.1999 até 30.04.2003, à taxa de 7%; desde 01.05.2003, à taxa de 4%; </font><br> <font> - Esc. 180.000$00(correspondentes ao contravalor de € 897,84), acrescidos de juros, desde 14.01.1998 até 16.04.1999, à taxa de 10%; desde 17.04.1999 até 30.04.2003, à taxa de 7%; desde 01.05.2003, à taxa de 4%; </font><br> <font> - Esc. 160.000$00(correspondentes ao contravalor de € 798,08), acrescidos de juros, desde 15.01.1998 até 16.04.1999, à taxa de 10%; desde 17.04.1999 até 30.04.2003, à taxa de 7%; desde 01.05.2003, à taxa de 4%; </font><br> <font> - Esc. 215.000$00 (correspondentes ao contravalor de € 1 072,42), acrescidos de juros, desde 20.01.1998 até 16.04.1999, à taxa de 10%; desde 17.04.1999 até 30.04.2003, à taxa de 7%; desde 01.05.2003, à taxa de 4%; </font><br> <font> -Esc. 5.000.000$00 (correspondentes ao contravalor de € 24 939,89), acrescidos de juros, desde 06.02.1998 até 16.04.1999, à taxa de 10%; desde 17.04.1999 até 30.04.2003, à taxa de 7%; desde 01.05.2003, à taxa de 4%; </font><br> <font> - Esc. 1.045.083$20 (correspondentes ao contravalor de € 5 212,85), acrescidos de juros, desde 12.05.1998 até 16.04.1999, à taxa de 10%; desde 17.04.1999 até 30.04.2003, à taxa de 7%; desde 01.05.2003, à taxa de 4%” </font><br> <i><font> </font></i><font> Não se conformando com esta decisão, dela recorreu o R. de apelação para o Tribunal da Relação de Lisboa, tendo-se aí, por acórdão de 5-05-2009, julgado improcedente o recurso, confirmando-se a sentença recorrida.</font><br> <font> 1-2- Irresignado com este acórdão, dele recorreu o R. para este Supremo Tribunal, recurso que foi admitido como revista e com efeito devolutivo.</font><br> <font> O recorrente alegou, tendo das suas alegações retirado as seguintes conclusões:</font><br> <font> 1ª- Só há responsabilidade civil contratual se houver incumprimento culposo da obrigação, cabendo ao devedor que agiu sem culpa, sendo que esta é apreciada segundo critério de um bom pai de família, em face das circunstâncias do caso.</font><br> <font> 2ª- A questão da apreciação da culpa é de direito, pelo que importa considerar no caso concreto todas as circunstâncias dos autos.</font><br> <font> 3ª- O contrato em causa nos autos não é o contrato de abertura de conta ou de depósito, mas o contrato ou convenção de cheque estabelecido entre o titular da conta e o Banco, pelo que é o regime da responsabilidade civil contratual que se aplica e não o regime da responsabilidade pelo risco;</font><br> <font> 4ª- Por força da convenção de cheque, tinha o Banco a obrigação de verificar se as assinaturas constantes dos cheques e das ordens de pagamento conferiam com a assinatura do titular da conta ou de quem validamente o representasse; </font><br> <font> 5ª- Ficou provado que o Banco conferiu, através da ficha de assinaturas constante dos seus registos, todas as assinaturas e achou-as conformes, por semelhança, com a de FF; </font><br> <font> 6ª- Os funcionários do Banco que, em momentos distanciados no tempo e em diferentes balcões, foram confrontados com as ordens de pagamento expressas nos cheques e nas ordens de transferência, antes de as executarem, cumpriram a obrigação que sobre eles impendia de conferir as assinaturas apostas nesses documentos com a assinatura autorizada, tendo concluído que as mesmas se mostravam conformes com esta por semelhança; </font><br> <font> 7ª- Ou seja, os funcionários do Banco executaram, como lhes cumpria, e relativamente a todos os títulos, a operação de verificação das assinaturas, o exame comparativo, e finalmente a conclusão, formando um juízo de conformidade por semelhança. </font><br> <font> 8ª- Deram comprovadamente cumprimento ao seu dever de diligência, efectuando a observação directa dos títulos com base na sua experiência, nos seus conhecimentos e na sua própria capacidade profissional, nada mais lhes sendo exigível, pelo que não são merecedores de qualquer juízo de reprovabilidade ou censura;</font><br> <font> 9ª- Os bancos não estão obrigados a ter peritos em grafologia ao seu serviço, nem a estar especialmente apetrechados em tecnologias científicas para detectar eventuais falsificações, mas mesmo que estivessem, tal não seria suficientemente seguro e concludente, como o comprovam as dificuldades, contradições e insuficiências amplamente demonstradas na atribulada perícia realizada nos autos por um credenciado Laboratório Científico;</font><br> <font> 10ª- O critério do bom pai de família, ou do homem médio, não pressupõe um grau extraordinário, ou excepcional, de diligência, mas uma diligência normal, adequada aos vários campos de actuação, no caso, da actividade bancária;</font><br> <font> 11ª- Os funcionários bancários, como os dos autos, são preparados para verificarem com cuidado os títulos e papéis que diariamente têm de tratar e processar, e dispõem de experiência, conhecimentos e capacidade para efectuarem a operação de conferência de assinaturas;</font><br> <font> 12ª- Nessa conferência, não lhes é exigível uma diligência extraordinária ou excepcional, mas apenas aquela que corresponde ao padrão profissional médio de um funcionário bancário normalmente apto e capaz; </font><br> <font> 13ª- Assim, não tendo os funcionários que, no caso dos autos, procederem à conferência das assinaturas e as acharam conformes por semelhança, experimentado quaisquer dúvidas ou reservas quanto à veracidade das mesmas, ou detectado nos títulos qualquer anomalia ou adulteração, ou tido qualquer indício de fraude, não tinham os mesmos nenhum fundamento para recusar o pagamento, tanto mais que o pagamento é a obrigação principal decorrente do contrato de cheque, sendo as demais acessórias;</font><br> <font> 14ª- Não era exigível daqueles funcionários - e foram vários e em momentos bem distanciados no tempo - que fossem além da conferência atenta das assinaturas, como fizeram, concluindo pela sua conformidade por semelhança com a da ficha, como de resto qualquer observador atento pode concluir;</font><br> <font> 15ª- Não lhes era exigível um juízo de certeza da autenticidade das assinaturas, mas um juízo de certeza da conformidade por semelhança das mesmas, que evidentemente formularam;</font><br> <font> 16ª- Não pode prevalecer o preconceito de que os bancos, como entidades economicamente mais fortes, devem sempre suportar os danos resultantes de cheques falsificados, antes devendo a sua conduta ser apreciada nos termos da responsabilidade civil contratual; </font><br> <font> 17ª- Da convenção de cheque resultam deveres recíprocos, cabendo ao titular da conta a obrigação de zelar pela guarda e segurança dos cheques, devendo avisar o banco de qualquer circunstância anormal ou de risco, nomeadamente examinando a movimentação da conta através dos extractos mensais, e sendo certo que no caso dos autos as ordens de pagamento decorreram durante seis meses, sem que nada fosse denunciado a nível dos movimentos da conta; </font><br> <font> 18ª- O Banco recorrente não foi avisado nem alertado para qualquer situação menos clara, conferiu as assinaturas e achou-as conformes por semelhança com a assinatura autorizada, pelo que nenhum fundamento tinha para não cumprir o dever principal de executar as ordens de pagamento; </font><br> <font> 19ª- A semelhança das assinaturas era evidente, sendo as eventuais dissemelhanças invisíveis, a ponto de os relatórios periciais constantes dos autos conterem todos a menção de não ser de excluir que as assinaturas fossem do FF; e de o próprio EE as considerar parecidas com a do procurador, seu irmão; e de o auditor do Banco, ouvido em julgamento, ter confirmado expressamente tal semelhança; </font><br> <font> 20ª- Não havia circunstâncias estranhas a considerar, os títulos eram os fornecidos pelo Banco, não continham vícios nem adulterações, o beneficiário tinha o apelido de AA, BB, CC, EE, FF, GG, os fundos ordenados pagar eram depositados em conta do beneficiário, e não levantados em dinheiro, enfim, nenhuma suspeita se justificava; </font><br> <font> 21ª- Os AA juntaram ao processo, como se fossem verdadeiros, documentos que se provou terem sido grosseiramente falsificados, e que os A sabiam ser falsos, tentando dessa forma prejudicar a posição processual do Banco, o que é bem revelador da consciência que os AA tinham da fragilidade da sua posição, e da sua má fé, bem assim da boa fé do Banco; </font><br> <font> 22ª- O beneficiário dos cheques e ordens de pagamento era neto do procurador FF, com ele residindo e tendo acesso privilegiado aos cheques e dados da conta; </font><br> <font> 23ª- Mostra-se provado nestes autos que a falta de cumprimento não ficou a dever-se a culpa do Banco recorrente: o Banco ilidiu a presunção mostrando não ter procedido com culpa, porquanto os seus funcionários actuaram, na conferência das assinaturas, com a diligência exigível de um profissional bancário normalmente experiente, capaz e competente, não havendo, face às concretas circunstâncias do caso, nenhuma razão para deles exigir um padrão de diligência excepcional, extraordinário ou anormal;</font><br> <font> 24ª- Não o tendo assim entendido, o acórdão recorrido violou, entre outros, os artigos 483°, 487°, 798° e 799° do Código Civil.</font><br> <font> Os recorridos contra-alegaram, pronunciando-se pela confirmação do acórdão recorrido.</font><br> <font> Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir: </font><br> <font> II- Fundamentação:</font><br> <b><font> </font></b><font>2-1- Uma vez que o âmbito objectivo dos recursos é balizado pelas conclusões apresentadas pelo recorrente, apreciaremos apenas as questões que ali foram enunciadas (arts. 690º nº 1 e 684º nº 3 do C.P.Civil). </font><br> <font> Nesta conformidade, será a seguinte a questão a apreciar e decidir:</font><br> <font> - Se falta de cumprimento da obrigação não ficou a dever-se a culpa do Banco.</font><br> <font> 2-2- Vem fixada das instâncias a seguinte matéria de facto:</font><br> <font> A) Por escritura pública de fusão outorgada em 23.06.2000, o “Banco DD, S.A.”, incorporou o “Banco P… A…, S.A.”; </font><br> <font> B) Em 1982, EE procedeu à abertura de duas contas bancárias no Banco P… A…, na dependência sita em Algés, às quais foram atribuídos os seguintes números: …8 e …9; </font><br> <font> C) EE, a fim de movimentar as contas, solicitou junto daquela instituição bancária o processamento de cheques sob aquelas contas, ao que a mesma acedeu; </font><br> <font> D) EE residia na África do Sul, sendo por tal motivo que emitiu a procuração imediatamente infra referida, a fim de possibilitar a gestão corrente do seu património localizado em Portugal; </font><br> <font> E) EE emitiu em 22.09.1983, tendo a sua assinatura sido, presencialmente reconhecida pelo Consulado Geral de Portugal, em 26.09.1983, uma procuração a favor de FF e HH, com, entre outro, o seguinte teor: “; depositar e levantar capitais em Bancos, Casas Bancárias e outros estabelecimento de Crédito, assinando recibos ou cheques”. </font><br> <font> F) Da supra identificada conta nº …5, foram sacadas as seguintes quantias, a favor de FF: </font><br> <font> Esc. 1.300.000$00, em 12.12.1997, através de um cheque nº 76542796; </font><br> <font> Esc. 1.300.000$00, em 26.12.1997, através de um cheque nº 76542797; </font><br> <font> Esc. 180.000$00, em 14.01.1998, através de um cheque nº 76542800; </font><br> <font> Esc. 160.000$00, em 15.01.1998, através de um cheque nº 76542801 e </font><br> <font> Esc. 215.000$00, em 20.01.1998, através de um cheque nº 76542802. </font><br> <font> G) E da acima identificada conta nº …8, foram sacadas as seguintes quantias: </font><br> <font> Esc. 5.000.000$00, em 06.02.1998, </font><br> <font> Esc. 1.045.083$20, em 12.05.1998, ambas por transferência bancária, a favor de FF. </font><br> <font> H) As assinaturas apostas nos cheques referidos em F), quer as ordens referidas em G), que possibilitaram as transferências bancárias não correspondem à assinatura de FF; </font><br> <font> I) A R. conferiu, através da ficha de assinaturas constante dos seus registos, todas as assinaturas e considerou-as conformes, por semelhança, com as de FF; J) EE faleceu no dia 18.07.1999 com 79 anos de idade e no estado de casado com AA;</font><br> <font> K) Por escritura pública de Habilitação de Herdeiros outorgada em 14.02.2000 no 21° Cartório Notarial de Lisboa, A… J… S… T…, J… C… P… P… e A… M… F… da S… B… declararam que, no dia 18.07.1999, faleceu EE, natural de Lourenço Marques, Moçambique, no estado de casado em únicas núpcias de ambos e sob o regime da separação de bens com AA. Mais declararam que o falecido não deixou testamento ou qualquer outra disposição de última vontade, tendo-lhe sucedido como únicos herdeiros legitimários sua referida mulher e seus filhos CC e BB;</font><br> <font> L) As supostas cartas juntas são falsas, não passando de grosseiras montagens a partir de papel com o logótipo do então Banco P… A…; </font><br> <font> M) Os subscritores das cartas, cujos nomes são seguramente fictícios, não são nem nunca foram funcionários do Banco.</font><br> <font> N) O suposto processo de inquérito, ou de averiguações, ou de acção fiscalizadora, referido nas cartas, nunca existiu. </font><br> <font> 2-3- A presente acção foi interposta pelos AA. com o fundamento de que em 1982, EE (de que os AA. são sucessores) procedeu à abertura de duas contas bancárias junto do BPA (de que o R. é sucessor). Sucede que R. debitou nas contas bancárias, indevidamente, quantias, traduzidas em levantamentos e transferências não autorizadas, no montante global de 9.200.083$00, importância de que se querem ver ressarcidos.</font><br> <font> O Banco, por sua vez, na sua contestação sustenta que todas as ordens de transferência e cheques foram assinadas pelo procurador do A., tendo ele, Banco, conferido por semelhança as assinaturas.</font><br> <font> Face à factualidade dada como provada, a 1ª instância entendeu que o Banco R., ao ter provado que apenas fez a conferência das assinaturas por semelhança, não logrou afastar a presunção de culpa que sobre si impendia, razão por que, encontrando-se preenchidos todos os pressupostos da obrigação de indemnizar, acabou por proceder à condenação do R. nos termos acima referenciados.</font><br> <font> A Relação aceitou a posição da sentença recorrida, concluindo que “porque ocorreu o incumprimento de um exigível dever de cuidado e dessa violação de disposição legal destinada a proteger interesses alheios… resultaram, directa e necessariamente, prejuízos para um lesado que, tanto quanto resulta dos autos, em nada contribuiu para ocorrência do evento (arts. 483º nº 1, 486º, 570º a 572º e 564º nº 1 do Código Civil), forçoso se torna concluir que tem mesmo que improceder a pretensão formulada em sede de recurso, havendo, ao invés, que aqui sufragar o julgamento feito em 1ª instância”. Por isso, julgou improcedente a apelação.</font><br> <font> Na presente revista o Banco R. continua a porfiar pela sua ausência de culpa pelo sucedido, tendo logrado afastar, no seu entender, a presunção de culpa que sobre si impendia. Com efeito, por força da convenção de cheque, tinha o Banco a obrigação de verificar se as assinaturas constantes dos cheques e das ordens de pagamento conferiam com a assinatura do titular da conta ou de quem validamente o representasse, tendo ficado provado que o Banco conferiu, através da ficha de assinaturas constante dos seus registos, todas as assinaturas e achou-as conformes, por semelhança, com a de FF, através de seus funcionários. Estes executaram, como lhes cumpria, e relativamente a todos os títulos, a operação de verificação das assinaturas, o exame comparativo, e finalmente a conclusão, formando um juízo de conformidade por semelhança, dando, assim, cumprimento ao seu dever de diligência, efectuando a observação directa dos títulos com base na sua experiência, nos seus conhecimentos e na sua própria capacidade profissional, nada mais lhes sendo exigível, pelo que não são merecedores de qualquer juízo de reprovabilidade ou censura. Os bancos não estão obrigados a ter peritos em grafologia ao seu serviço, nem a estar especialmente apetrechados em tecnologias científicas para detectar eventuais falsificações, mas mesmo que estivessem, tal não seria suficientemente seguro e concludente, como o comprovam as dificuldades, contradições e insuficiências amplamente demonstradas na atribulada perícia realizada nos autos por um credenciado Laboratório Científico. O critério do bom pai de família, ou do homem médio, não pressupõe um grau extraordinário, ou excepcional, de diligência, mas uma diligência normal, adequada aos vários campos de actuação, no caso, da actividade bancária, pelo que aos funcionários bancários, como os dos autos, não lhes é exigível uma diligência extraordinária ou excepcional, mas apenas aquela que corresponde ao padrão profissional médio de um funcionário bancário normalmente apto e capaz, não lhes sendo exigível que fossem além da conferência atenta das assinaturas, como fizeram, concluindo pela sua conformidade por semelhança com a da ficha, como de resto qualquer observador atento pode concluir. Não lhes era, pois, exigível um juízo de certeza da autenticidade das assinaturas, mas um juízo de certeza da conformidade por semelhança das mesmas, que evidentemente formularam. Não pode prevalecer o preconceito de que os bancos, como entidades economicamente mais fortes, devem sempre suportar os danos resultantes de cheques falsificados, antes devendo a sua conduta ser apreciada nos termos da responsabilidade civil contratual. Da convenção de cheque resultam deveres recíprocos, cabendo ao titular da conta a obrigação de zelar pela guarda e segurança dos cheques, devendo avisar o banco de qualquer circunstância anormal ou de risco, nomeadamente examinando a movimentação da conta através dos extractos mensais, e sendo certo que no caso dos autos as ordens de pagamento decorreram durante seis meses, sem que nada fosse denunciado a nível dos movimentos da conta.</font><br> <font> Vejamos:</font><br> <font> Estabelece o art. 3º da Lei Uniforme Relativa ao Cheque que “o cheque é sacado sobre um banqueiro que tenha fundos à disposição do sacador e em harmonia com convenção expressa ou tácita, segundo o qual o sacador tem o direito de dispor desse fundos por meio de cheque…”.</font><br> <font> Perante esta norma, vem sendo entendido pela doutrina (1) e jurisprudência (2) que na base da emissão de um cheque, ocorrem duas distintas relações jurídicas: a relação de provisão e o contrato ou convenção de cheque (3). A emissão de cheques pressupõe a existência no banco sacado de fundos (provisão) (4) de que o sacador ou emitente aí disponha. Para além da existência de fundos no banco sacado, a possibilidade de emissão de cheque, depende ainda da realização do acordo de contrato ou convenção de cheque, mediante a qual é concedido ao titular da provisão, pelo banco, o direito de dispor de numerário através da emissão de cheques. Mediante este contrato (ou convenção), o banco assume a obrigação de efectuar o pagamento do numerário inscrito no cheque, desde que, evidentemente, o sacador possua na sua conta bancária, os necessários fundos.</font><br> <font> A conta bancária estabelece-se, como diz Pinto Furtado (5) em “sistema contabilístico de conta corrente, com créditos dos depósitos realizados que, como tal, poderão depois ser levantados pelo depositante, levando-se-lhes a débito…”. Ou seja, os depósitos (e demais fundos positivos) são lançados como créditos e os levantamentos feitos (através de cheques ou através de outra forma de movimentação monetária convencionada) como débitos. Evidentemente que só atingirão a atributo de créditos, os capitais efectivamente realizados. Por isso é que, como é sabido, um depósito de um cheque numa conta bancária é desde logo assumido como saldo contabilístico mas não como saldo disponível, só passando a ter esta índole após boa cobrança. </font><br> <font> Na base dos ditos contratos, está um contrato de depósito bancário e precedendo este, um contrato de abertura de conta.</font><br> <font> Como se refere no acórdão deste STJ de 19-12-2006 (6) “a abertura de conta é, normalmente, a génese da relação bancária complexa entre banqueiro e o seu cliente, traçando o “cenário” factual e legal do seu relacionamento, o qual se deve pautar por deveres de conduta, derivados da boa fé, dos usos bancários e dos acordos particulares que celebrarem, à luz do princípio da liberdade contratual”. Quer dizer, este contrato formata a relação bancária que se estabelece entre o banqueiro e o cliente, originando-se com a respectiva concretização, direitos e deveres recíprocos baseados naqueles princípios.</font><br> <font> Por sua vez, depósito bancário tem vindo a ser definido como um contrato “pelo qual uma pessoa entrega determinada quantidade de dinheiro a um banco, que adquire a respectiva propriedade e se obriga a restituí-lo no fim do prazo convencionado ou a pedido do depositante”(7). Ou como o define Meneses Cordeiro “como depósito feito, em dinheiro, por um cliente – depositante - junto dum banqueiro – o depositário”(8) </font><br> <font> Porque não interessa para a solução jurídica a dar à presente questão, abstemo-nos de analisar a natureza jurídica deste contrato, limitando-nos a dizer que, como tem vindo a ser entendido neste Supremo Tribunal, trata-se de um depósito irregular e como tal, ser-lhe-ão aplicáveis, na medida do possível, as normas relativas ao contrato de mútuo (arts. 1185º, 1205º e 1206º)(9). Importante será salientar-se que mediante este contrato constitui obrigação do banqueiro arrecadar a quantia depositada e restitui-la findo o prazo acordado ou a pedido do depositante, nos termos convencionados.</font><br> <font> Para o caso dos autos haverá que focarmos a nossa atenção no contrato ou convenção de cheque, mediante a qual, como já se disse, é concedido ao titular da provisão, pelo Banco, o direito de dispor de numerário através da emissão de cheques. Através deste contrato, o Banco permite ao depositante o acesso aos fundos disponíveis na sua conta, donde se infere que a convenção obriga o Banco a pagar os cheques emitidos pelo titular do depósito.</font><br> <font> A questão que se coloca no caso vertente é a de saber se o Banco R. ao pagar os ditos cheques e ao aceitar e dar seguimento às referenciadas transferências não autorizadas, agiu, ou não, com culpa.</font><br> <font> Como resulta do disposto Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (Dec-Lei 298/92 de 31/12), designadamente do seu art. 74º “nas relações com os clientes, os administradores e empregados das instituições de crédito devem proceder com diligência, neutralidade, lealdade e descrição e respeito consciencioso dos interesses que lhes estão confiados”.</font><br> <font> Daqui advém, para o que aqui importa, que os empregados bancários, no exercício das suas funções devem agir com empenho e zelo de forma a proteger os interesses que lhes são confiados, designadamente as legitimas expectativas dos clientes do Banco. </font><br> <font> Também o art. 73º do mesmo diploma estabelece que “as instituições de crédito devem assegurar aos clientes, em todas as actividades que exerçam, elevados níveis de competência técnica, dotando a sua organização empresarial com os meios materiais e humanos necessários para realizar condições apropriadas de qualidade e eficiência”.</font><br> <font> Estes procedimentos gerais, de que resultam obrigações para a entidade bancária, envolvem uma atitude dinâmica e não passiva, uma actividade constante de promoção, vigilância e preservação dos interesses dos clientes, o que implica o emprego de um apertado sistema de controlo e supervisão. Dentre as obrigações inerentes à actividade bancária, haverá a salientar a outorga aos clientes da garantia de protecção dos fundos confiados.</font><br> <font> Como se refere de forma correcta na douta sentença de 1ª instância, “exercendo os bancos uma actividade que se traduz, além do mais, na guarda de numerário e de outros valores, são responsáveis pela conjugação de meios humanos e materiais que evitem os efeitos de comportamentos ilícitos, tanto mais que, tendo em conta o modo como se encontra organizada a actividade bancária, a gestão de recursos, a verificação de formalismo das operações bancárias e contabilísticas e o controle de erros ou fraudes constituem tarefas da sua exclusiva responsabilidade”.</font><br> <font> Pese embora impendam sobre a entidade bancária estas obrigações e imposições, o certo é que o Banco R. efectuou, indevidamente, o pagamento dos cheques e aceitou dar seguimento às referenciadas transferências não autorizadas. </font><br> <font> As instâncias entenderam mover-se, no tratamento jurídico do pleito, com base na responsabilidade contratual. Também os AA. buscam a responsabilidade do R. nesta forma de responsabilidade.</font><br> <font> Em qualquer relação contratual os contraentes devem proceder segundo os ditames da boa fé (art. 762º do C.Civil, diploma de que serão as disposições a referir sem menção de origem).</font><br> <font> Como princípio geral, estabelece o art. 798º que “o devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação torna-se responsável pelo prejuízo que causa ao credor”.</font><br> <font> Faz, portanto, a lei depender a obrigação de indemnizar, da efectivação de prejuízos, sendo que estes compreendem os danos emergentes e os lucros cessantes (10). </font><br> <font> Refere o art. 799º nº 1 que “incumbe ao devedor provar que a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso da obrigação não procede de culpa sua”.</font><br> <font> Estabelece-se aqui uma presunção de culpa do incumpridor. Tem, pois, o devedor o ónus de provar que o incumprimento da obrigação não decorreu de culpa sua. Como refere a este propósito Galvão Telles “o devedor terá que provar que foi diligente, que se esforçou por cumprir, que usou daquelas cautelas e zelo que em face das circunstâncias do caso empregaria um bom pai de família…</font><i><font> (arts. 487º e 799º nº 2). </font></i><font>Ou, pelo menos, que não foi negligente, que não se absteve de tais cautelas e zelo, que não emitiu os esforços exigíveis – os que também não omitiria uma pessoa normalmente diligente”(11). </font><br> <font> É precisamente sobre a culpa que o recorrente mostra o seu inconformismo. Todos os outros requisitos da obrigação de indemnizar, porque não questionados na revista, não serão objecto de apreciação, limitando-nos a afirmar a seu preenchimento.</font><br> <font> O Banco aceita a presunção de culpa que sobre si impende, decorrente do referido art. 799º nº 1. No seu prisma, porém, a presunção terá sido ilidida, pelas razões e argumentos já acima referidos.</font><br> <font> As instâncias não aceitaram este entendimento. Designadamente na douta sentença de 1ª instância lançou-se mão a diversos acórdãos deste Supremo Tribunal, cuja doutrina é, em síntese, a seguinte: No caso de pagamento de cheque falsificado, o Banco só se liberta da responsabilidade provando que não teve culpa e que o pagamento foi devido a comportamento culposo do depositante, sendo necessário que a culpa do depositante se sobreponha ou anule a responsabilidade do banco.(12)</font><br> <font> Ultimamente o STJ foi chamado a pronunciar-se sobre questões idênticas à dos autos, tendo decidido, de forma persistente em idêntico sentido, isto é, o banco só ilide a presunção de culpa no pagamento de cheques falsificados se provar culpa do cliente, já que lhe é exigível um graus elevado de meios técnicos de preparação para detectar falsificações (13). Em sentido semelhante defende Sofia Galvão que é dever essencial absoluto da entidade bancária a verificação da assinatura, sendo que “o Banco só se liberta da responsabilidade se conseguir provar que, mesmo cumprindo escrupulosamente tal dever, não podia ter dado pela falsificação”.(14)</font><br> <font> No caso dos autos, o R. limitou-se a conferir, através da ficha de assinaturas constante dos seus registos, todas as assinaturas e considerou-as conformes, por semelhança, com as de FF (vide facto provado sob a alínea I)) (15). Atendendo ao que acima se disse relativamente à obrigação dos bancos de vigilância activa e preservação dos interesses dos clientes através de um apertado sistema de controlo e supervisão, somos em crer que a simples observação de assinaturas através de semelhança, não é de molde a afastar a presunção de culpa que sobre si impende. É que com o progresso dos meios técnicos, designadamente informáticos, será de exigir aos bancos a sua utilização para um maior rigor na vigilância dos fundos que lhes são confiados. A comparação de assinaturas feitas a olho nu por funcionário, parece-nos prática falível e não consentânea com os meios tecnológicos de que uma entidade bancária deveria dispor nos dias de hoje, para evitar que ilegitimamente outros se apropriem de numerário de seus clientes. </font><br> <font> Pa
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><br> <div><br> <b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font></b></div><br> <br> <b><font> </font></b><br> <p><b><font>1 – Relatório.</font></b><br> </p><p><br> </p><p><font>Nos Juízos de Competência Cível de ..., </font><b><u><font>AA, BB, CC, DD, EE, FF, GG, HH, II, JJ, LL, MM, NN, OO, PP, QQ e RR</font></u></b><font> intentaram acção de condenação, com processo comum, contra </font><b><u><font>"SS - Cooperativa de Ensino, CRL", pedindo que:</font></u></b><br> </p><p><font>- sejam declaradas nulas as disposições estatutárias da cooperativa – 9ª;</font><br> </p><p><font>- seja a R. condenada a admiti-los como seus cooperadores contra o pagamento dos títulos de capital previstos estatutariamente e do valor da jóia previsto anteriormente àquela alteração estatuária (ou outro valor equitativamente fixado); e </font><br> </p><p><font>- seja a R. condenada a pagar-lhes a quantia de 10 000 € por cada mês de atraso na sua admissão, a título de sanção pecuniária compulsória.</font><br> </p><p><font>Para o efeito, alegaram que são trabalhadores da R. e que pretendem assumir a qualidade de seus membros cooperadores, reunindo todos os requisitos estatutariamente previstos. </font><br> </p><p><font>Porém, por deliberação da Assembleia Geral da R., ocorrida em 2005, foram alterados os estatutos desta última, resultando dessa alteração a fixação, para admissão de novos membros, de uma jóia no valor de 150 000 €.</font><br> </p><p><font>Defendem os AA. que tal norma estatutária viola os princípios da liberdade de acesso e da equidade previstos no Código Cooperativo, pois coarcta, na prática, a entrada de novos membros na cooperativa, sendo desproporcional o valor fixado em relação ao valor dos títulos de capital. </font><br> </p><p><font>A ré contestou, rejeitando que tais disposições estatutárias importem a violação daqueles princípios, concluindo pela razoabilidade do valor em causa, tendo em consideração a situação económico-financeira de que beneficia a cooperativa. </font><br> </p><p><font>Mais alega que está em causa a mera anulabilidade da deliberação da Assembleia Geral que aprovou a alteração dos estatutos da ré, pelo que os AA. carecem de legitimidade para a presente acção por não serem seus membros, além de que a invocação dessa invalidade sempre seria intempestiva.</font><br> </p><p><font>Após réplica e tréplica, foi proferido despacho saneador, onde se indeferiu a excepção da ilegitimidade activa, e, ainda, despacho identificando o objecto do litígio e enunciando os temas da prova.</font><br> </p><p><font>Entretanto, foi julgada extinta a instância quanto aos autores HH e EE, por ilegitimidade superveniente.</font><br> </p><p><font>Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença, julgando a acção improcedente.</font><br> </p><p><font>Inconformados, os autores interpuseram recurso de apelação daquela sentença, o qual foi julgado procedente, tendo o acórdão da Relação revogado a sentença apelada e julgado «nula a cláusula 9ª, nº1, do Estatuto da ré (com a reposição da cláusula anterior ou, quando muito, a sua alteração, fixando-se para a jóia o valor de € 1.000,00)».</font><br> </p><p><font>Desse acórdão, interpuseram recursos de revista os autores e a ré.</font><br> </p><p><font>Produzidas as alegações e colhidos os vistos legais, cumpre decidir.</font><br> </p><p><b><font>2 – Fundamentos.</font></b><br> </p><p><b><font>2.1. No acórdão recorrido consideraram-se provados os seguintes factos:</font></b><br> </p><p><font>1 - A Ré é uma cooperativa do ramo de ensino que tem como fim ministrar educação pré-escolar, educação escolar e educação extra-escolar, cursos técnicos, cursos de formação profissional, prestar serviços para formação cultural, social e profissional dos seus membros, trabalhadores e respectivos familiares e concorrer para a investigação, tendo sido constituída por escritura pública de 15 de Julho de 1975. </font><br> </p><p><font>2 - A Ré, quanto ao objecto, é uma cooperativa polivalente. </font><br> </p><p><font>3 - E quanto aos membros é uma cooperativa de prestação de serviços. </font><br> </p><p><font>4 - Os fundadores da cooperativa visavam, pelo seu trabalho e entreajuda mútua, ministrar a educação e o ensino. </font><br> </p><p><font>5 - Para, através dessa actividade, satisfazerem as suas necessidades e aspirações económicas e sociais. </font><br> </p><p><font>6 - Assim, a prestação de trabalho à Ré é condição necessária para a obtenção e manutenção do estatuto de cooperador. </font><br> </p><p><font>7 - Nos termos do artigo 6º dos seus estatutos, o capital social da Ré é variável e ilimitado, estando representado por títulos de € 50,00 cada, sendo certo que aquando da constituição da cooperativa cada título valia Esc. 500$00, cerca de € 2,5. </font><br> </p><p><font>8 - Nos termos do art. 10º dos seus estatutos, podem ser membros efectivos da Ré (ou seja, seus cooperadores) os seus trabalhadores que tenham desempenhado de forma real e continuada, por mais de 3 anos, actividade profissional ao seu serviço (sendo que, inicialmente, era exigido apenas um ano de trabalho). </font><br> </p><p><font>9 - Os AA. são trabalhadores da Ré, com quem celebraram contratos de trabalho, exercendo funções como professores. </font><br> </p><p><font>10 - Tendo sido admitidos em: </font><br> </p><p><font>- A A. AA em 1 de Setembro de 1991; </font><br> </p><p><font>- A A. BB em 1 de Setembro de 1991; </font><br> </p><p><font>- A A. CC em 1 de Setembro de 1994; </font><br> </p><p><font>- A A. DD em 24 de Maio de 2004; </font><br> </p><p><font>- o A. EE em 1 de Outubro de 1991; </font><br> </p><p><font>- O A. FF em 2 de Outubro de 1995; </font><br> </p><p><font>- A A. GG em 17 de Outubro de 1983; </font><br> </p><p><font>- A A. HH em 16 de Novembro de 1994; </font><br> </p><p><font>- A A. II em 1 de Outubro de 2001. </font><br> </p><p><font>- A A. JJ em 14 de Outubro de 1989; </font><br> </p><p><font>- A A. LL em 10 de Setembro de 1988; </font><br> </p><p><font>- A A. MM em 1 de Setembro de 1991; </font><br> </p><p><font>- A A. NN em 1 de Outubro de 1988; </font><br> </p><p><font>- A A. OO em 1 de Setembro de 1993; </font><br> </p><p><font>- A A. PP em 3 de Novembro de 1986; </font><br> </p><p><font>- A A. QQ em 1 de Setembro de 1994; e </font><br> </p><p><font>- A A. RR em 1 de Setembro de 1993. </font><br> </p><p><font>11 - Nenhum dos AA. tem o estatuto de cooperador da Ré. </font><br> </p><p><font>12 - A Ré exerce a sua actividade em dois polos, sendo um em … e outro em …, freguesias do concelho de …. </font><br> </p><p><font>13 - Para lá da sua própria actividade, a Ré também desenvolve outra actividade comercial no mesmo ramo através de uma sociedade de que é sócia, TT, LDA., com sede em …, …, na qual é detentora de uma quota correspondente a 1/3 do capital social. </font><br> </p><p><font>14 - Esta sociedade é proprietária de um conhecido e antigo (anterior à fundação da Ré) estabelecimento de ensino, denominado EXTERNATO UU. </font><br> </p><p><font>15 - Para lá dos AA. trabalham, hoje, na Ré cerca de 360 pessoas, sendo 225 professores e 135 trabalhadores administrativos, auxiliares e outros. </font><br> </p><p><font>16 - Dessas cerca de 360 pessoas, 115 são cooperadores. </font><br> </p><p><font>17 - Actualmente, 75 dos 225 professores são cooperadores. </font><br> </p><p><font>18 - Até ao ano de 2005, tal como hoje, de acordo com os estatutos e o regulamento interno, o acesso à condição de cooperador, para lá do já referido número de anos ao serviço da Ré, estava dependente de: </font><br> </p><p><font>a) Apresentação de pedido pelo interessado, pedido que teria que ser, também, subscrito por dois cooperadores. </font><br> </p><p><font>b) Aprovação da admissão pela Direcção. </font><br> </p><p><font>c) Ratificação da decisão de admissão pela Assembleia Geral, ratificação que para ocorrer teria e terá que obter o apoio (não oposição) de 2/3 dos votos. </font><br> </p><p><font>d) Em caso de recusa pela Direcção o interessado podia e pode interpor recurso para a Assembleia, considerando-se admitido desde que obtenha 2/3 dos votos. </font><br> </p><p><font>e) Subscrição de 10 títulos de capital, no valor de € 50,00 cada, ou seja um total de € 500,00. </font><br> </p><p><font>f) Pagamento de uma jóia. </font><br> </p><p><font>19 - O valor da jóia exigida teve a seguinte evolução: </font><br> </p><p><font>a) No momento da fundação, era de Esc. 10.000$00 ou €50,00. </font><br> </p><p><font>b) De 1983 até 2004, era de € 200,00. </font><br> </p><p><font>c) A partir de 2005, nas circunstâncias abaixo referidas, passou a ser de €l50.000,00. </font><br> </p><p><font>20 - Por outro lado, relativamente à subscrição de capital, foi a seguinte a evolução: </font><br> </p><p><font>a) Desde a fundação até 2005, 40 títulos de Esc. 500$00 cada, ou seja, cerca de €100,00. </font><br> </p><p><font>b) A partir de 2005, 10 títulos de €50.00 cada, ou seja €500,00. </font><br> </p><p><font>21 - Em Assembleia Geral realizada em 9 de Abril de 2005, a Ré deliberou alterar os seus Estatutos. </font><br> </p><p><font>22 - Foi alterada a redacção do nº 1 do artigo 9º dos Estatutos, alteração de que resultou que para a admissão de novo cooperador passasse a ser exigido o pagamento de uma jóia no valor de € l50.000,00. </font><br> </p><p><font>23 - Na mesma ocasião, ao mesmo artigo 9º foi aditado o nº 4, que estabelece que não há lugar ao pagamento de jóia nos casos em que a admissão do cooperador ocorra pela via da transmissão, "inter vivos" ou "mortis causa", dos títulos de capital. </font><br> </p><p><font>24 - Ou seja, só para a admissão de um novo membro, que não ocorra pela via da transmissão dos títulos, é que é exigido o pagamento de jóia e no valor de €150.000,00. </font><br> </p><p><font>25 - Também na assembleia acima referida, foi deliberado alterar o artº 8° dos estatutos com a introdução dos seus nºs 2 e 3. </font><br> </p><p><font>26 - Nos termos da referida alteração, qualquer cooperador pode transmitir a sua quota para um filho ou um sobrinho, mesmo que de tenra idade, o qual beneficiará do estatuto de cooperador, ainda que na situação de suspensão (suspensão que em abstracto pode ser por 20 ou mais anos), até uma eventual entrada ao serviço da Ré. </font><br> </p><p><font>27 - Nos termos do n° 1 do artigo 7.° dos Estatutos, cada membro apenas se obriga a subscrever um mínimo de 10 títulos de capital. </font><br> </p><p><font>28 - Sendo certo que, atento o princípio de "um homem um voto" previsto no art. 51° do Código Cooperativo, ninguém tem interesse em subscrever, e não subscreve, mais títulos de capital. </font><br> </p><p><font>29 - De acordo com o artigo 6.° dos Estatutos, o valor unitário de cada título é de €50,00. </font><br> </p><p><font>30 - Mantiveram-se iguais e inalteradas as condições de realização do capital e da jóia, previstas no n° 2 do art. 7° e do nº2 do art. 9° dos estatutos, ou seja, a realização, no acto de admissão, de 25% do valor de cada título subscrito e da jóia e o restante no máximo de 15 prestações mensais Iguais e sucessivas. </font><br> </p><p><font>31 - A R. beneficiou de regime fiscal próprio do sector cooperativo, bem como de outros apoios do Estado. </font><br> </p><p><font>32 - A Ré ministra o ensino a cerca de 3300 alunos, </font><br> </p><p><font>33 - Actividade que é exercida em instalações próprias, de excelente qualidade e com valor superior a uma dezena de milhões de euros. </font><br> </p><p><font>34 - O património da R., incluindo imobiliário e reservas, ascende a mais de 10 milhões de euros. </font><br> </p><p><font>35 - A actividade desenvolvida pela Ré sempre lhe proporcionou lucros, à excepção do ano de 2011. </font><br> </p><p><font>36 - Ao longo dos anos, à excepção do ano de 2011, aos cooperadores, para lá do pagamento dos salários ou adiantamentos por conta de excedentes (lucros), a Ré sempre distribuiu, anualmente, excedentes em dinheiro. </font><br> </p><p><font>37 - Os benefícios atribuídos aos cooperadores consistem, nomeadamente, em:</font><br> </p><p><font>- complemento do salário em caso de baixa médica, </font><br> </p><p><font>- seguro de doença, </font><br> </p><p><font>- seguro de vida, </font><br> </p><p><font>- empréstimos em dinheiro, </font><br> </p><p><font>- seguro de acidentes pessoais, </font><br> </p><p><font>- subsídio de 30% por prestação de serviços da cooperativa aos membros e agregado familiar, </font><br> </p><p><font>- bolsas de estudo para os filhos (ensino secundário), </font><br> </p><p><font>- direito de preferência para os descendentes na admissão de trabalhadores. </font><br> </p><p><font>38 - Os cooperadores beneficiam ainda do consequente pagamento de trabalho complementar (para lá das 22 horas semanais). </font><br> </p><p><font>39 - Nos primeiros anos, até ao início da década de 80, a participação dos trabalhadores na vida da cooperativa foi estimulada e foi permitida a entrada de novos cooperadores. </font><br> </p><p><font>40 - Como forma de promover o espírito cooperativo foi mesmo valorizada a presença dos trabalhadores não cooperadores nas assembleias, ainda que sem direito a voto. </font><br> </p><p><font>41 - Com o crescimento da actividade da Ré, o crescimento do seu património e o crescimento dos seus excedentes (lucros), com o consequente aumento da possibilidade de, sob as mais diversas formas, distribuir tais excedentes pelos seus membros, a Direcção manifestou que não havia interesse em admitir novos cooperadores. </font><br> </p><p><font>42 - O que aconteceu na década de 80. </font><br> </p><p><font>43 - Nos primeiros anos da década de 80, os não cooperadores deixaram de poder estar presentes nas assembleias. </font><br> </p><p><font>44 - Até 1988, todos aqueles que demonstraram intenção de obter estatuto de cooperador lograram alcançar tal desiderato. </font><br> </p><p><font>45 - Em 1988 ocorreu a entrada de novos membros, em número não concretamente apurado; </font><br> </p><p><font>46 - Neste ano, alguns pretendentes a alcançar tal estatuto não o lograram alcançar por deliberação da assembleia geral. </font><br> </p><p><font>47 - Entre 1988 e 2005, não existiu qualquer pedido formal para a entrada de novos cooperantes. </font><br> </p><p><font>48 - Em 2005 entraram 4 membros não admitidos em 1988, pagando cada um deles, a título de jóia, a quantia de €50.000, nos moldes infra explicitados; </font><br> </p><p><font>49 - Os membros da Direcção da R. recebem complementos remuneratórios pelo exercício dos cargos. </font><br> </p><p><font>50 - A Ré sempre teve necessidade de manter regularmente um corpo de professores em número nunca inferior a 230. </font><br> </p><p><font>51 - Depois de estabelecido o valor de 150.000,00 € a título de jóia, não mais houve qualquer admissão de novos cooperadores. </font><br> </p><p><font>52 - Um conjunto de cerca de 70 trabalhadores, entre os quais 11 dos AA., dirigiu uma petição à direcção da Ré, constante de fls. 239 e segs., para que fosse adoptado um valor acessível a título de jóia. </font><br> </p><p><font>53 - Petição que não teve qualquer consequência, tanto mais que vieram a saber que os estatutos, afinal, já tinham sido alterados. </font><br> </p><p><font>54 - Todos os AA. têm interesse em obter tal estatuto, tendo demonstrado à R. esse interesse. </font><br> </p><p><font>55 -Todos os AA. são trabalhadores da Ré há mais de 3 anos, prestando o seu trabalho com zelo, dedicação e assiduidade. </font><br> </p><p><font>56 - Todos estão dispostos a subscrever os títulos de capital necessários à sua admissão como cooperadores. </font><br> </p><p><font>57 - Todos reúnem as habilitações literárias e profissionais necessárias para leccionar as disciplinas que têm leccionado ao longo dos anos, trabalho que sempre prestaram com o apreço de colegas, alunos e encarregados de educação. </font><br> </p><p><font>58 - A Ré, desde a admissão dos AA., sempre teve, e continua a ter, necessidade do seu trabalho. </font><br> </p><p><font>59 - Os AA. sempre manifestaram interesse pela vida da Ré e conhecem os seus estatutos e regulamentos, que se obrigam a acatar, sem prejuízo do que abaixo alegam. </font><br> </p><p><font>60 - Os AA. estão disponíveis para pagar, como condição da sua admissão, a jóia que foi exigida aos actuais cooperadores, ou outra que se revele equitativa. </font><br> </p><p><font>61 - O "Externato UU" tem cerca de 1.200 alunos e funciona em instalações próprias de excelente qualidade. </font><br> </p><p><font>62 - Os benefícios atribuídos aos cooperadores consistem ainda, nomeadamente, em:</font><br> </p><p><font>- complemento de invalidez e reforma </font><br> </p><p><font>- complemento de invalidez e reforma, sob a forma de plano de poupança reforma, </font><br> </p><p><font>- bolsas de estudo para os filhos (ensino superior), </font><br> </p><p><font>- subsídio de alimentação, em valor muito superior ao estabelecido na legislação em vigor. </font><br> </p><p><font>63 - Só por si o subsídio de refeição atingiu mais de € 150,00 mensais. </font><br> </p><p><font>64 - Para lá dos excedentes, e dos benefícios acima referidos, os cooperadores gozam de preferência na escolha dos horários de trabalho e da extensão dos mesmos. </font><br> </p><p><font>65 - Sendo normal os cooperadores terem horários que excedem as 25 e 30 horas, mesmo em disciplinas em que outros trabalhadores (não cooperadores) vêem o seu contrato de trabalho cessar por alegada falta de horário. </font><br> </p><p><font>66 - Os cooperadores gozam, também, de tratamento mais favorável na manutenção dos postos de trabalho relativamente aos trabalhadores não cooperadores, mesmo que estes tenham muito maior antiguidade e mesmo que os cooperadores acumulem o trabalho na cooperativa com o ensino público. </font><br> </p><p><font>67 - A Direcção da Ré, como os seus restantes órgãos, desde a fundação, tem tido como titulares um núcleo reduzido de pessoas que se foram revezando. </font><br> </p><p><font>68 - A vontade, maioritária (mais de 2/3), manifestada pelos restantes cooperadores, quer informalmente, quer quando reunidos em Assembleia Geral, também sempre foi no sentido de não admitir mais membros. </font><br> </p><p><font>69 - Entre a hipótese de pagar, só de jóia, € 150.000,00, e a de fazer a compra, a um já cooperador, de títulos de capital, sem tal pagamento, qualquer interessado optará pela segunda hipótese. </font><br> </p><p><font>70 - Apenas se têm transmitido os títulos já existentes, quer de pais para filhos, sobrinhos ou outros parentes, quer através de negócios com terceiros. </font><br> </p><p><font>71 - Os valores de transmissão dos títulos entre terceiros são inferiores aos € 150.000,00 agora exigidos a título de jóia. </font><br> </p><p><font>72 - Aquando da alteração estatutária ocorrida em 2005, foi também introduzida uma disposição transitória, prevista no artº 380º dos estatutos. </font><br> </p><p><font>73 - Relativamente aos trabalhadores que no ano de 1988 viram a sua admissão recusada, e apenas quanto a esses, por aquela disposição transitória ser-lhes-ia, excepcionalmente, permitido, mas apenas em 2005, aceder ao estatuto de cooperadores, desde que pagassem uma jóia de €50.000,00. </font><br> </p><p><b><font>2.2. São as seguintes as questões que importa apreciar nos presentes recursos:</font></b><br> </p><p><b><font>1ª – saber se a norma estatutária da ré, que alterou o valor da jóia (de € 200,00 para € 150.000,00) – art.9º, nº1 – é nula;</font></b><br> </p><p><b><font>2ª – saber se, ao julgarem-se improcedentes os demais pedidos dos autores, ocorre a nulidade da al.c), do nº1, do art.615º, do CPC, ou erro de julgamento, por violação do art.3º, do Código Cooperativo.</font></b><br> </p><p><font>Uma vez que a 1ª questão foi suscitada pela ré, começaremos por analisar o seu recurso, passando-se, depois, à análise do recurso dos autores, onde foi suscitada a 2ª questão atrás enunciada.</font><br> </p><p><b><font>2.3. REVISTA DA RÉ</font></b><br> </p><p><b><font>2.3.1. A recorrente remata as suas alegações com as seguintes conclusões:</font></b><br> </p><p><font>1 - No que importa ao âmbito do presente recurso, o Acórdão recorrido considerou que a cláusula 9ª n.º 1, dos Estatutos da aqui Recorrente, ao fixar o valor da joia em 150.000,00€, é nula por violação da disposição do artigo 3º do Código Cooperativo, uma vez que o valor em causa se mostra desproporcional e motivado apenas pelo objetivo de impedir o acesso a novos membros.</font><br> </p><p><font>2 - Enquanto nas versões do Código Cooperativo de 1980 e de 1983, existia, na redação do respetivo artigo 25º, a definição legal de um valor máximo de jóia, em função do capital social, a verdade é que tal deixou de ocorrer já com a versão do Código Cooperativo aprovada pela Lei n.º 51/96, de 7 /9 (situação que se mantém, acrescente-se agora, na versão do Código Cooperativo de 2015, aprovado pela Lei n.º 119/2015, de 31/8).</font><br> </p><p><font>3 - A opção do legislador quanto a este ponto, a partir de 1996, foi pois no sentido claro de permitir aos membros de cada cooperativa a livre fixação do valor da jóia.</font><br> </p><p><font>4 - Mas foi também no sentido de desvincular o valor da joia de qualquer relação (de equivalência ou outra) com o valor do capital.</font><br> </p><p><font>5 - Tal quadro legal torna portanto perfeitamente legítima a deliberação social da assembleia geral da Recorrente, de 9/4/2005, pela qual foi conferida a redação visada da cláusula 9ª n.º 1, dos Estatutos da Recorrente.</font><br> </p><p><font>6 - Mas não só legítima, corno sem censura, nem sombra de discriminação, ao contrário daquilo que o Acórdão recorrido entendeu.</font><br> </p><p><font>7 - O valor definido, embora objetivamente suscetível de condicionar o acesso é perfeitamente adequado àquela que é a realidade institucional, patrimonial, económica e financeira da cooperativa aqui Recorrente e que resulta, designadamente, dos factos 12, 13, 14, 15, 16, 17, 19, 20, 32, 33, 34, 35 e 36 dados como provados.</font><br> </p><p><font>8 - A Recorrente tornou-se uma estrutura empresarial de grande dimensão, o que não pôde nem pode deixar de ter consequências na sua própria realidade e organização.</font><br> </p><p><font>9 - Os novos membros vão aceder a essa realidade institucional, patrimonial, económica e financeira concreta, construída e suportada pelos membros atuais, com tudo o que ela representa e assegura.</font><br> </p><p><font>10 - Daí que seja adequado e proporcionado o valor fixado, assim também se exprimindo, numa versão substantiva, o princípio da participação económica dos membros, atento até o destino legalmente imposto às jóias pagas (reservas obrigatórias) e a sua relevância para a sustentabilidade e o desenvolvimento da cooperativa.</font><br> </p><p><font>11 - O Acórdão recorrido entende ser irrelevante tal quadro institucional e patrimonial, uma vez que os novos membros não vão participar, como membros da cooperativa, nos ativos daquela.</font><br> </p><p><font>12 - Mas tal encerra, com o devido respeito, um equívoco.</font><br> </p><p><font>13 - Se é certo que os novos membros não vão participar nos ativos da cooperativa no sentido da participação nos lucros de uma sociedade comercial, não é menos certo que a estrutura patrimonial, económica e financeira concreta da cooperativa assegura e induz condições de muito maior segurança e estabilidade, sendo evidente que os novos membros em muito beneficiam, aquando da sua entrada, dessa circunstância.</font><br> </p><p><font>14 - O Acórdão recorrido, na sua ponderação, desconsidera por completo tal realidade e as suas consequências.</font><br> </p><p><font>15 - A alteração do valor da jóia em causa e a fixação do valor de 150.000,00€ mais não fez do que ajustar, no quadro cooperativo, essa componente da entrada de novos membros à concreta realidade e à concreta dimensão da cooperativa aqui Recorrente.</font><br> </p><p><font>16 - Assim se protegendo e beneficiando, num nível razoável e justo, os interesses da própria cooperativa.</font><br> </p><p><font>17 - E sem que daí seja legítimo partir para a imputação de que se está a confundir a realidade cooperativa com a realidade das sociedades comerciais, ou de que tal fere princípios cooperativos primordiais e intocáveis.</font><br> </p><p><font>18 - Sendo em todo o caso certo, por outro lado, que o eventual constrangimento no acesso é baseado numa razão universal e objetiva, sem qualquer arbítrio ou marca discriminatória.</font><br> </p><p><font>19 - Em nada se violando, portanto, o disposto no artigo 3º do Código Cooperativo de 1996.</font><br> </p><p><font>20 - Acresce que o Acórdão recorrido, ao desconsiderar a realidade institucional, patrimonial, económica e financeira da Recorrente, na operação de interpretação e aplicação do artigo 3º do Código Cooperativo de 1996, mostra-se até arredio da boa interpretação contemporânea neste preciso domínio do direito cooperativo.</font><br> </p><p><font>21 - Com efeito, se atentarmos no Código Cooperativo atualmente vigente, aprovado pela já referida Lei n.º 119/2015, de 31/8 (e que revogou precisamente o Código Cooperativo de 1996), podemos concluir que as alterações mais significativas, estruturais e nucleares contendem precisamente com a dimensão empresarial das cooperativas e com o incremento dessa dimensão no quadro organizativo das próprias cooperativas.</font><br> </p><p><font>22 - Veja-se, nesse sentido, por exemplo, o surgimento e o reconhecimento da figura do membro investidor, assumindo a qualidade de não cooperador (artigo 21° do Código de 2015), como verdadeiro membro capitalista.</font><br> </p><p><font>23 - Ou, no mesmo sentido, a consagração da possibilidade do voto plural (artigo 41º do Código Cooperativo de 2015).</font><br> </p><p><font>24 - Assim como no domínio dos modelos de governação cooperativa, sendo que a estrutura orgânica das cooperativas sofre significativa alteração, com substancial modificação neste domínio, com evidente aproximação aos modelos de governação societária.</font><br> </p><p><font>25 - Ou, finalmente mas ainda apenas no domínio dos exemplos, com a supressão da norma que impedia a adoção da forma jurídica cooperativa quando a associação implicasse a integração de pessoas coletivas lucrativas, concretamente sociedades comerciais (artigo 8 do Código).</font><br> </p><p><font>26 - Esta última alteração, consagrando precisamente o Princípio da Liberdade de Associação Cooperativa, diz bem quanto ao sentido da evolução normativa e quanto ao desajuste de qualquer abordagem de recíproca e absoluta rejeição entre a realidade cooperativa e a realidade societária.</font><br> </p><p><font>27 - O Código Cooperativo de 2015 opera precisamente alterações estruturais nesse domínio do reconhecimento, quanto à organização e funcionamento das cooperativas, da relevância da realidade institucional, patrimonial, económica e financeira que as mesmas representam e constituem.</font><br> </p><p><font>28 - Tal sentido da evolução legislativa não pode deixar de constituir um padrão de compreensão sistémico nas operações de interpretação e aplicação das normas de direito cooperativo, como é designadamente: a do artigo 3º do Código Cooperativo de 1996.</font><br> </p><p><font>29 - No entanto, o Acórdão recorrido mostra-se indiferente à concreta realidade institucional, patrimonial, económica e financeira da Recorrente, negando-lhe a relevância central e decisij que a mesma tem na sustentação e fundamentação da alteração do valor da joia, sem qualquer desrespeito pelo princípio do livre acesso ou adesão, ou sem qualquer discriminação ou desproporção.</font><br> </p><p><font>30 - Também se discorda da ponderação estabelecida pelo Acórdão recorrido para concluir pelo valor desproporcional da joia fixada pela assembleia geral da Recorrente.</font><br> </p><p><font>31 - O Acórdão recorrido toma como critério e referência a comparação da evolução do valor da joia e da evolução do valor da entrada em títulos de capital.</font><br> </p><p><font>32 - Para daí concluir pela existência de clara desproporcionalidade, atentatória dos princípios da liberdade de admissão e da equidade económica entre os membros da cooperativa, configurando-se o novo valor da joia como impeditivo do acesso a cooperador a qualquer trabalhador seu e, além disso, como discriminatório, porque absolutamente desproporcional relativamente ao que foi exigido aos atuais membros (página 35 do Acórdão recorrido).</font><br> </p><p><font>33 - Sucede, antes de mais, que não existe qualquer suporte normativo para a adoção de tal critério e referência entre valor da joia e valor da entrada em títulos de capital.</font><br> </p><p><font>34 - Mas acresce, por outro lado, que a alteração introduzida pelo Código de 1996, precisamente no sentido de deixar a fixação do valor da joia na disponibilidade de cada cooperativa, inviabiliza, pela própria natureza normativa das prescrições em causa, a adoção de qualquer critério ou referência comparativa entre o valor da joia e o valor da entrada em títulos de capital.</font><br> </p><p><font>35 - O Acórdão recorrido, ao adotar tal critério, mostra-se assim destituído de qualquer fundamentação legal válida.</font><br> </p><p><font>36 - Finalmente, o Acórdão recorrido ancora também o seu juízo de invalidade da norma do artigo 9º, n.º 1, dos Estatutos da Recorrente, por entender que a alteração que fixou o novo valor da joia se mostra motivada apenas pelo objetivo de impedir o acesso a novos membros.</font><br> </p><p><font>37 - Tal conclusão constitui apenas um juízo de valor, traduzindo um processo de intenção que não parece aceitável.</font><br> </p><p><font>38 - O Acórdão recorrido conclui assim mas sem qualquer facto objetivo que o suporte ou no qual, ao menos, possa encontrar amparo ainda que indireto.</font><br> </p><p><font>39 - Razão pela qual tal fundamento de decisão também não poderá proceder.</font><br> </p><p><font>40 - O Acórdão recorrido procedeu, em face do alegado, a uma incorreta interpretação e aplicação da norma que constitui o artigo 3º do Código Cooperativo de 1996, norma essa que assim se mostra violada pelo Acórdão recorrido.</font><br> </p><p><font>41 - A norma do artigo 9º, n.º 1, dos Estatutos da Recorrente, visada na ação, com a alteração que fixou em 150.000,00€ o novo valor da joia, dever ser considerada e julgada válida.</font><br> </p><p><b><font>2.3.2. Os recorridos contra-alegaram, concluindo nos seguintes termos:</font></b><br> </p><p><font>1 - Todos os Recorridos reúnem todas as condições necessárias para que sejam admitidos como membros/cooperadores da Recorrente.</font><br> </p><p><font>2 - Todos os Recorridos pretendem ser admitidos como membros/cooperadores da Recorrente, todos tendo já manifestado a vontade nesse sentido.</font><br> </p><p><font>3 - Até 1988 a Recorrente admitiu todos os trabalhadores que a tal se candidataram.</font><br> </p><p><font>4 - Até à década de 80 a Recorrente sempre estimulou os não cooperadores a participar na vida da cooperativa, permitindo a sua participação nas assembleias gerais.</font><br> </p><p><font>5 - Em 1988 a Recorrente já não admitiu todos os candidatos a cooperadores, que tinham todas as condições para serem admitidos.</font><br> </p><p><font>6 - A motivação da Recorrente para, a partir de 1988, não admitir novos cooperadores residiu e reside na vontade de manter a possibilidade de, sob as mais diversas formas, distribuir entre os seus actuais membros/cooperadores os lucros/ excedentes da sua actividade.</font><br> </p><p><font>7 - Está provado que desde 1988, ou seja, há 28 anos, com excepção de quatro membros admitidos ao abrigo da disposição transitória dos estatutos (artº. 38º.) nenhum novo membro é admitido.</font><br> </p><p><font>8 - Depois de 1988, com excepção resultante da entrada dos 4 novos membros que, em 2005, ao abrigo da disposição transitória, foram admitidos, contra o pagamento de uma joia de 50.000,00€, nenhum outro membro foi admitido de novo, pelo que o capital e a composição da Recorrente se mantêm inalterados, contrariando o disposto nos artº. 2º. e 18º. do C. Cooperativo e o princípio da adesão voluntária e livre (artº. 3º. do C. Cooperativo ou principio da porta aberta).</font><br> </p><p><font>9 - Desde 1988 que, com excepção da variação resultante dos 4 novos membros que, em 2005, foram admitidos, ao abrigo da disposição transitória, contra o pagamento de uma joia de 50.000,00€, a única alteração à composição da Recorrente decorre de transmissão de títulos de cooperad
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><font> </font><div><br> <font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça</font> <p><font> </font></p></div><br> <font>AA, BB, CC, DD, EE e FF (estes que sucederam nos direitos de GG) intentaram acção declarativa, com processo ordinário contra HH - Companhia de Seguros, SA., Fundo de Garantia Automóvel do Instituto de Seguros de Portugal, II e&nbsp; JJ.</font> <p><font>Pediram a condenação dos Réus no pagamento das seguintes quantias:</font> </p><p><font>a) Ao primeiro, a titulo de danos patrimoniais, as despesas de tratamentos e outras ainda não contabilizadas e as contabilizadas pelos Organismos que prestaram e continuam a prestar assistência, indemnização que se venha a fixar em execução de sentença e uma pensão vitalícia ou indemnização única se legalmente admissível, por incapacidade, de acordo com a avaliação que vier a ser fixada acrescida de danos não patrimoniais no valor de € 100.000,00.</font> </p><p><font>b) Ao segundo, a titulo de danos patrimoniais, as despesas de tratamentos e outras ainda não contabilizadas e as contabilizadas pelos Organismos que prestaram e continuam a prestar assistência, indemnização a fixar em execução de sentença, uma pensão vitalícia, ou indemnização única se legalmente admissível, por incapacidade, de acordo com a avaliação que vier a ser efectuada, acrescida de danos não patrimoniais a quantia&nbsp; de&nbsp; € 100.000,00;</font> </p><p><font>c) À terceira, a titulo de danos não patrimoniais, a quantia de € 160.000,00, bem como deve ser indemnizada a Segurança Social que terá procedido ao reembolso das despesas do funeral.</font> </p><p><font>d) À quarta, a título de danos não patrimoniais, a quantia de € 170.000,00, atendendo a que o filho era um suporte importante e imprescindível no sustento da família, bem como deve ser indemnizada a Segurança Social que terá procedido ao reembolso das despesas do funeral.</font> </p><p><font>e) Ao quinto, a titulo de danos não patrimoniais, a quantia de € 150.000,00, bem como deve ser indemnizada a Segurança Social, que reembolsou as despesas do funeral.</font> </p><p><font>Alegaram, nuclearmente, que, no dia 26 de Setembro de 2004, pelas 18 horas e 15 minutos, na ..., ocorreu um acidente de viação em que interveio o veículo de matrícula ...-LG, conduzido pelo Réu JJ, pertencente à Ré II, de que resultaram lesões corporais graves para o AA, BB, LL, MM e o NN que provocou a morte de três das vítimas.</font> </p><p><font>Mais alegaram que a Companhia de Seguros ... rejeitou a responsabilidade pela reparação dos danos decorrentes do acidente.</font> </p><p><font>Foi junta certidão do processo-crime, com a sentença, que condenou o Réu JJ, além do mais, como autor material de crimes de homicídio negligente e de ofensa à integridade física.</font> </p><p><font>Terminam pedindo a procedência da acção.</font> </p><p><font>Citada, a Ré Companhia de Seguros veio invocar a nulidade do contrato de seguro com fundamento na omissão, pela II, aquando da celebração do contrato, quer do verdadeiro condutor habitual, quer das alterações das características do veículo.</font> </p><p><font>Mais refere que acidente em questão não &nbsp;pode considerar-se de viação, já que ocorreu no âmbito de corridas de despiques e exibições ilegais organizadas pelos “...”. .</font> </p><p><font>Finalmente, alega que ignora os factos por não serem do seu conhecimento pessoal e que reputa de exagerados os valores peticionados.</font> </p><p><font>Termina pedindo a absolvição do pedido.</font> </p><p><font>A Ré II contestou, invocando a sua ilegitimidade por ter transferido a responsabilidade civil pelos danos emergentes de acidente de viação causados pelo veículo de matrícula ...-LG para a Companhia de Seguros ...; impugnou, por desconhecimento, os factos alegados na petição inicial, os danos e reputa exagerados os valores; e alegou ainda que o OO utilizou o veículo sem a sua autorização ou conhecimento, assim como a utilização que dele fazia o Réu JJ não era do seu conhecimento nem consentimento, pedindo, em conformidade, a sua absolvição da instância ou do pedido.</font> </p><p><font>Por sua vez, o Réu Fundo de Garantia Automóvel invocou a sua ilegitimidade por existir seguro válido e eficaz, à data dos factos, a ilegitimidade da Autora CC por não estar acompanhada do pai da vítima, a falta de personalidade jurídica do GG já falecido à data da instauração da acção; e impugnou a versão dos factos por não serem do seu conhecimento, reputando exagerados os valores dos pedidos, tanto mais que as vítimas se colocaram voluntariamente numa situação de risco acrescido e, por último, que a decisão proferida no processo comum colectivo não lhe pode ser oponível.</font> </p><p><font>Conclui no sentido da sua absolvição.</font> </p><p><font>O Réu JJ não contestou a acção.</font> </p><p><font>Foi admitida a apensação a estes autos da Acção Sumária instaurada pelo Centro Hospitalar de ..., EPE, contra a Zurich - Companhia de Seguros, pedindo a condenação desta no pagamento da quantia de €17.119,33, acrescida de juros de mora desde a data da citação até integral pagamento, referente a despesas com a assistência prestada às vítimas do acidente.</font> </p><p><font>A Ré Companhia de Seguros na sua contestação a este pedido também veio suscitar a nulidade do contrato de seguro e ainda que o sinistro ocorreu no âmbito de uma corrida de despique que se destinava à exibição de veículos e habilidades de condução dos respectivos condutores, situação que se enquadra nas provas desportivas e, por isso, está excluída do seguro obrigatório do ramo automóvel.</font> </p><p><font>&nbsp;Mais alegou que, no local do sinistro, não existia qualquer barreira ou meio de segurança que evitasse ou diminuísse os riscos das vítimas serem embatidas pelos veículos em despique, o que era do conhecimento destas.</font> </p><p><font>Por último, impugnou os factos alegados por não serem do seu conhecimento.</font> </p><p><font>O Centro Hospital de ... requereu a intervenção principal provocada do Fundo de Garantia Automóvel, de II e de JJ, a qual foi admitida.</font> </p><p><font>Os chamados &nbsp;apresentaram contestações. </font> </p><p><font>Findo os articulados foi proferido despacho saneador, tendo sido declaradas improcedente as excepções. </font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Após a audiência de julgamento foram provados os seguintes factos:</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>1- A Estrada da ..., junto à fábrica da ..., situada na Quinta do Anjo, concelho de Palmela, era conhecida com um local frequentado por condutores de rua — “street racers”.</font> </p><p><font>2- Nesse local, aos fins-de-semana, durante a tarde e à noite, decorriam concentrações de veículos motorizados, alguns deles alterados em termos estéticos e mecânicos, ali ocorrendo corridas com acelerações e despiques entre os condutores de tais veículos a que assistiam entusiastas da modalidade.</font> </p><p><font>3- Essas corridas de veículos motorizados ocorriam espontaneamente entre os presentes no local, não sendo autorizadas pelas entidades competentes para o efeito, nem tomadas quaisquer medidas de segurança que garantissem a integridade física quer dos intervenientes quer das pessoas que assistiam, que no dia em questão, se posicionavam ao longo da estrada, embora em maior número no final e no início dessa estrada.</font> </p><p><font>4- As vítimas tinham conhecimento que não existia qualquer barreira ou outro meio de segurança que evitasse ou diminuísse o risco de serem embatidas pelos veículos em situações de despiste.</font> </p><p><font>&nbsp;5- As vítimas não desconheciam que essas corridas não eram permitidas e estavam cientes dos riscos inerentes a tal actividade.</font> </p><p><font>6- No local, a Estrada da Lear, configura uma recta, com 1.286 metros de comprimento e 10 metros de largura, com visibilidade, com pavimento betuminoso, sem bermas.</font> </p><p><font>7- No dia do sinistro estava bom tempo e o piso seco e limpo.</font> </p><p><font>8- O limite máximo de velocidade permitida para o local é de 90 km/hora</font> </p><p><font>9- O OO dirigiu-se para o local no veículo ligeiro de passageiro de marca Peugeot 106 GTI, de matrícula ...-LG, pertencente a II.</font> </p><p><font>10- Nas circunstâncias referidas em 11) o Carlos Manuel Fonseca deixou o Réu JJ conduzir o veículo Peugeot 106 GTI, de matrícula ...-LG.</font> </p><p><font>11- No dia 26 de Setembro de 2004, cerca das 18 horas e 15 minutos, na Estrada da Lear, junto à fábrica da Lear, o Réu JJ conduzia o veículo automóvel ligeiro de passageiros, de matrícula veículo ...-LG.</font> </p><p><font>12- Por seu turno, nas mesmas circunstâncias de tempo e lugar, PP conduzia o veículo Peugeot 205 GTI, Hgeiro de passageiros, de matrícula JF-...</font> </p><p><font>13- Nas circunstâncias referidas em 11) o Réu JJ não era titular de condução de condução nem possuía conhecimentos, experiência e destreza na condução.</font> </p><p><font>14- O Réu JJ e o PPcolocaram os veículos de matrícula ...-LG e JL-... no início da recta, atento o sentido Norte/Sul, e arrancaram acelerando-os.</font> </p><p><font>&nbsp;15- No fim da recta efectuaram manobra de inversão de marcha, passando a circular no sentido Sul/Norte, voltaram a acelerar os dois veículos atingindo velocidades superiores a l00km/hora.</font> </p><p><font>16-&nbsp; No decurso dessa corrida o arguido JJ ao aproximar-se do aglomerado de pessoas posicionado do lado direito da estrada, alguma das quais se encontravam fora da faixa de alcatrão, atento o sentido Sul/Norte apercebeu-se que o PP que ia à sua frente estava a travar.</font> </p><p><font>17-&nbsp; O JJ reduziu a velocidade para terceira e travou mas perdeu o controlo do veiculo, guinando para lado direito da estrada, atento o sentido de marcha em que seguia, saiu da estrada e embateu no aglomerado de pessoas que estavam a assistir e nos veículos motorizados estacionados no local.</font> </p><p><font>18-&nbsp; Em consequência do sinistro a LL, que contava 23 anos de idade, sofreu arrancamento completo do membro inferior direito e destruição completa de todos os órgãos do abdómen inferior (intestinos, bexiga, ovário, útero e toda a região perineal), lesões que foram causa directa e necessária da sua morte.</font> </p><p><font>19- Em resultado do embate, o QQ, de 24 anos de idade, sofreu fractura do occipital, parietal direito e temporais, hemorragia intracraniana, fractura de ambas as pernas e do cotovelo e ombro direitos, lesões estas que foram causa directa e necessária da sua morte.</font> </p><p><font>20- Em resultado do embate o RR, que contava 15 anos de idade, sofreu fractura das segunda e terceira vértebras da coluna cervical, hemorragia sub-dural difusa, fractura da perna direita e dos primeiro, segundo, terceiro e quarto arcos costais da grelha costal esquerda e hemotórax à esquerda que foram causa directa e necessária da sua morte.</font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;</font> </p><p><font>21- Em consequência do acidente o BB, de 22 anos de idade, sofreu traumatismo craniano e renal e fractura do ramo Ilio-Púbico e Isquiopúbico à esquerda; fractura da diáfise do fémur direito, escoriações da face posterior da perna esquerda, fractura renal direita com liquido peri-renal.</font> </p><p><font>22- O BB foi submetido a duas intervenções cirúrgicas à fractura da diáfise do fémur direito.</font> </p><p><font>23- E foi sujeito a plano de recuperação fisiátrica.</font> </p><p><font>24- Em avaliação médico-legal, efectuado no dia 23 de Novembro de 2015, a que foi submetido a vitima BB resulta que:</font> </p><p><font>- A data da consolidação médico-legal das lesões é fixável em 2/05/2006.</font> </p><p><font>- O Défice Funcional Temporário Total fixável num período de 29 dias.</font> </p><p><font>- O Défice Funcional Temporário Parcial fixável num período de 555 dias.</font> </p><p><font>- Repercussão Temporária na Actividade Profissional Total fixável em 584 dias.</font> </p><p><font>- Défice Funcional Permanente da Integridade Físico Psíquica fixável em 5 pontos, compatíveis com o exercício da actividade habitual - (embalador) – mas implicam esforço suplementar.</font> </p><p><font>25- Em resultado do embate o AA, de 17 anos de idade, estudante, sofreu traumatismo da perna direita.</font> </p><p><font>26- Em avaliação médico-legal, efectuado no dia 23 de Novembro de 2015, a que foi submetido a vitima AA resulta que:</font> </p><p><font>- A data&nbsp;&nbsp; da&nbsp;&nbsp; consolidação&nbsp;&nbsp; médico-legal&nbsp;&nbsp; das&nbsp;&nbsp; lesões&nbsp;&nbsp; é&nbsp;&nbsp; fixável&nbsp;&nbsp; em 10/01/2005.</font> </p><p><font>- O Défice Funcional Temporário Total fixável num período de 19 dias.</font> </p><p><font>- O Défice Funcional Temporário Parcial fixável num período de 118 dias.</font> </p><p><font>- Repercussão Temporária na Actividade Escolar Total fixável em 11 dias.</font> </p><p><font>- Repercussão Temporária na Actividade Escolar Parcial fixável em 96 dias.</font> </p><p><font>27- O BB foi submetido a intervenção cirúrgica ortopédica.</font> </p><p><font>28- E sujeitou-se a tratamentos fisiátricos.</font> </p><p><font>29- Em consequências das lesões que sofreram o BB e o AA foram sujeitos a internamento hospitalar.</font> </p><p><font>30- As vítimas LL, NN, QQ faleceram no estado civil de solteiros, sem descendentes e viviam com os progenitores.</font> </p><p><font>31- Pelos factos acima descritos, e no âmbito do Processo Comum Colectivo n.° 449/04.0GTSTB, da Vara Mista do Tribunal de Setúbal, o Réu JJ foi condenado, além do mais, como autor material de crimes de homicídio negligente, na forma grosseira, de ofensa à integridade física, de condução sem habilitação legal e de condução perigosa na pena única de 5 anos e 6 meses de prisão.</font> </p><p><font>32- Após o acidente, o estabelecimento de saúde Hospital Ortopédico ..., no exercício da sua actividade de sua actividade de hospital público, prestou assistência médica e hospitalar ao BB e ao AA devido às lesões corporais sofridas por estes em consequência da colisão.</font> </p><p><font>33- Em despesas de consultas, internamento e procedimentos médicos, identificados nos documentos de fls. 4 a 16, que aqui se dão por integralmente reproduzidos, o Centro Hospitalar despendeu a quantia de € 17.157,23.</font> </p><p><font>34 - A responsabilidade civil emergente de acidentes de viação em que interviesse o veículo Peugeot de matrícula ...-LG, tinha sido transferida pela sua proprietário a II para a Ré ...-Companhia de Seguros, SA., através de contrato de seguro titulado pela apólice Provisória n° 910011. </font> </p><p><font>35- A seguradora não tinha conhecimento que o veículo LG participava nessa corrida de rua.</font> </p><p><font>36- O veículo de matricula ...-LG apresentava uma barra transversal de compressão sobre o motor e divergência de dimensões de pneumáticos.</font> </p><p><font>37- Na Ré ... existem normas internas para se recusarem seguros automóveis em casos de elevado risco.</font> </p><p><font>38- A Ré II tinha outro veículo que usava nas necessidades de deslocação.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Mais nenhum dos outros factos alegados se provaram em audiência de julgamento.</font> </p><p><font>Nomeadamente não ficou demonstrado que:</font> </p><p><font>a)- O AA ficou a padecer de incapacidade permanente.</font> </p><p><font>b)- A estrada da Lear é também conhecida por recta do picanço.</font> </p><p><font>c)- O veículo ...-LG, destinava-se a ser utilizado pelo OO, namorado da filha da Ré II..</font> </p><p><font>e)- Que tinha menos de 25 anos à data do acidente.</font> </p><p><font>f)- O veículo ..-LG, era utilizado, com muita frequência e autonomia, pelo OO.</font> </p><p><font>g)- No dia em questão a II não facultou a posse uso ou fruição da viatura a pessoa alguma e desconhecia que a viatura estava a ser utilizada.</font> </p><p><font>h)- A II não conhece nem nunca falou com o JJ, nem o autorizou, expressa ou tacitamente, a utilizar o veículo.</font> </p><p><font>i)- A II desconhecia que o JJ não possuía licença de condução.</font> </p><p><font>j)- No dia do acidente o OO aproveitou-se da ausência da II e à sua revelia utilizou o veículo e deslocou-se para o local do acidente.</font> </p><p><font>k)- O veículo destinava-se à filha que à data do acidente nem sequer tinha carta de condução.</font> </p><p><font>1)- O acidente ocorreu propriedade privada cujo acesso não era livre ao trânsito público, o dono não autorizava esses eventos nem o acesso ao local dos veículos.</font> </p><p><font>m)- O veículo ...-LG, quando se deu o acidente tinha jantes, pedais de competição, rebaixamento da suspensão, escape de altp rendimento peças que não constavam das peças de serie do veículo, o que não foi comunicado à seguradora.</font> </p><p><font>n) Se a Zurich soubesse tais factos não tinha celebrado o seguro.</font> </p><p><font>o) - Nessa corrida os veículos LG e JF atingiram velocidades de cerca de 140/150 km/hora.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>A final, foi proferido o seguinte segmento decisório:</font> </p><p><font>“1) - Condenar a Ré ... - Companhia de Seguros, S. A., a pagar à Autora CC, a quantia total de €56.000,00 (cinquenta e seis mil euros) danos não patrimoniais.</font> </p><p><font>2)- Condenar a Ré HH -Companhia de Seguros, S. A., a pagar à Autora DD, a quantia total de €56.000,00 (cinquenta e seis mil euros) danos não patrimoniais.</font> </p><p><font>3)- Condenar a Ré HH — Companhia de Seguros, S. A., a pagar aos Autores EE e FF, a quantia total de €56.000,00 (cinquenta e seis mil euros) por danos não patrimoniais, sendo esta quantia a repartir pelos demandantes, de acordo com a sucessão legitimaria.</font> </p><p><font>&nbsp;4)- Condenar a Ré HH— Companhia de Seguros, S. A., a pagar ao demandante AA, a quantia de €14.000,00 (quatorze mil euros) por danos não patrimoniais.</font> </p><p><font>5)- Condenar a Ré HH — Companhia de Seguros, S. A., a pagar ao Autor BB a quantia de € 21.000,00 (vinte e um mil euros) por danos não patrimoniais.</font> </p><p><font>6) - Condenar a Ré Companhia de Seguros HH a pagar ao Centro Hospital a quantia de €17.119,33 (dezassete mil cento e dezanove euros e trinta e três cêntimos), a título de danos patrimoniais, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a data da citação até integral pagamento.</font> </p><p><font>7)- Absolver os Réus do demais pedido.</font> </p><p><font>8)- Custas a cargo dos Autores e da Companhia de Seguros na proporção do decaimento, sendo as custas do pedido formulado pelo Centro Hospitalar a cargo da Ré Companhia de Seguros.”</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>A Ré seguradora veio interpor revista “per saltum” directamente para este STJ – culminando a sua alegação com as seguintes conclusões: </font> </p><p><font>1- Da matéria de facto dado como provada resulta claramente que o acidente dos autos não se tratou de um acidente de viação coberto pelo seguro automóvel da Recorrente,</font> </p><p><font>2- Sendo certo que na douta sentença recorrida não se faz qualquer referência à alegação da Recorrente de que o acidente não estava coberto, por força da exclusão prevista no art° n° 7 n° 4-e) do Dec-Lei 522/85 de 31 de Dezembro, vigente à data do acidente.</font> </p><p><font>3- 0 acidente dos autos ocorreu no dia 26 de Setembro de 2004, na Estrada da "Lear", mais conhecida como recta do Picanço.5, essa Estrada situava-se no acesso ao Parque Industrial da Quinta da Marquesa não era portanto uma estrada de circulação normal,</font> </p><p><font>4- O local era frequentemente utilizado para corridas, despiques e exibições ilegais organizadas pelos "Street - racers" (designação corrente dos participantes destes eventos), tendo as autoridades sido chamadas por diversas vezes para se dirigirem ao local por esse motivo, a fim de serem extintas essas atividades.</font> </p><p><font>5- 0 proprietário do local não autorizava a realização desses eventos, nem o acesso ao local dos veículos intervenientes no acidente dos autos.</font> </p><p><font>6- As ditas corridas, exibições e acelerações eram feitas sem ser dado qualquer conhecimento prévio ao proprietário e sem o consentimento dele, sendo parte integrante desses eventos o caráter clandestino e a "adrenalina" da proibição desses encontros.</font> </p><p><font>7- Os intervenientes no acidente deslocaram-se para o local com a intenção de assistir e participar activamente nessas competições.</font> </p><p><font>8- O acidente ocorreu numa dessas corridas, entre o LG e o veículo Peugeot ...</font> </p><p><font>9- As vítimas do acidente assistiam às corridas e ou exibições dos carros junto à parte asfaltada da recta.</font> </p><p><font>10- Não existindo qualquer barreira ou outro meio de segurança que evitasse ou diminuísse o risco de serem embatidos pelos veículos em despique.</font> </p><p><font>11- As vítimas do acidente eram conhecedoras desses riscos, estavam conscientes dos mesmos e sabiam que as corridas e despiques a que assistiam não eram permitidas.</font> </p><p><font>12- A assistência às corridas, que era normalmente numerosa, era parte componente quase integrante e determinante desses despiques.</font> </p><p><font>13- As vítimas do acidente dos autos não estavam ali inocentemente, nem casualmente.</font> </p><p><font>14- A segurada da HH não teve sequer conhecimento de que o OO iria participar com o LG nessas corridas.</font> </p><p><font>15- O acidente dos autos não foi acidente de viação coberto pelo seguro do ramo automóvel.</font> </p><p><font>16- O seguro do LG tratava-se apenas, como já se referiu, do seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel, esse seguro visava garantir a responsabilidade decorrente da circulação do veículo perante terceiros.</font> </p><p><font>17- Do conjunto normativo sobre o seguro obrigatório (Dec- Lei 522/85 de 31 de Dezembro) e do Clausulado da Apólice Uniforme do Seguro Automóvel resulta claro que o objecto do seguro se destina aos acidentes de viação ocorridos na utilização normal e corrente dos veículos.</font> </p><p><font>18- A situação e actividade dos veículos quando se deu o acidente não se enquadra nesses riscos que o seguro obrigatório automóvel visa proteger, a situação enquadra-se nas provas desportivas.</font> </p><p><font>&nbsp;19- Os acidentes ocorridos em provas desportivas estavam excluídos das garantias do seguro - art° 7°n° 4-e) do cit. Dec-Lei 522/85.</font> </p><p><font>20- Ao aceitar um seguro automóvel a seguradora não pode contar que o veículo vá participar em provas desportivas, nomeadamente em provas ilegais.</font> </p><p><font>21- Se o seguro automóvel cobrisse esse tipo de acidentes daria cobertura a uma actividade ilegal, extremamente perigosa, que se deve reprimir vigorosamente e não proteger, mesmo que indirectamente até porque os respectivos contratos de seguro seriam nulos, nos termos do disposto no n°2 do art° 280° do Cód. Civil, por serem contrários à ordem pública ou ofensivos dos bons costumes.</font> </p><p><font>22- Os acidentes ocorridos em provas desportivas estavam excluídos das garantias do seguro - art° 7°n° 4-e) do cit. Dec-Lei 522/85.</font> </p><p><font>23- E a Douta sentença recorrida peca por não ter aplicado essa exclusão como devia.</font> </p><p><font>24- 0 valor da presente causa é superior à alçada da Relação.</font> </p><p><font>25- 0 valor da sucumbência é superior a metade da alçada da Relação.</font> </p><p><font>26- No presente recurso, suscitam-se apenas questões de direito.</font> </p><p><font>&nbsp;</font> </p><p><font>Contra-alegaram o Fundo de Garantia Automóvel e o Centro Hospitalar de Setúbal EPE, em defesa do julgado.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Após terem sido corrigidos lapsos materiais da sentença o processo foi remetido a este STJ.</font> </p><p><font>Foram colhidos os vistos.</font> </p><p><font>Conhecendo.</font> </p><p><font>1_ Revista “per saltum”.</font> </p><p><font>2_Seguro de responsabilidade civil automóvel.</font> </p><p><font>3_Conclusões</font> </p><p><font> </font> </p><p><font> </font><br> <font>1- Revista “per saltum”.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>1-No Acórdão do STJ de 29.11.2016 – 7825/11.0TBCSC.L1.S1 desta mesma Conferência escreveu-se:</font> </p><p><font>“Na dogmática recursóría, o recurso "per saltum" nada mais é do que uma revista, interposta directamente da decisão de 1.ª Instância sem que, no percurso, tenha de se sujeitar ao escrutínio do Tribunal da Relação.</font> </p><p><font>No "iter" entre a l.ª Instância e o STJ não se topa com uma apelação, muito embora a recorribilidade esteja limitada às decisões elencadas no n.° 1 - alíneas a) e b) - do artigo 644.° do Código de Processo Civil e à verificação dos requisitos do n.° 1 do artigo 678.°.</font> </p><p><font>Certo, porém, que destes últimos os elencados nas alíneas a) e b)[respectivamente, valor e sucumbência excepcionam, de certo modo, a regra do n.° 1 do artigo 629.° do CPC, uma vez que, enquanto aqui o valor tem de ser, apenas, superior à alçada do tribunal "a quo", e a sucumbência de valor superior a metade da alçada desse tribunal, no recurso "per saltum" essas alçada e sucumbência são sempre as da Relação.</font> </p><p><font>Outrossim, para a admissibilidade desse recurso exige-se que, nas suas alegações, as partes só suscitem questões de direito, (alínea c) do n.° 1 do artigo 678.°) o que se compreende por ser regra estar vedado, ao STJ, o conhecimento de matéria de facto.</font> </p><p><font>Finalmente, e nos termos da alínea d) do n.° 1 do mesmo preceito, as partes não podem impugnar “quaisquer decisões interlocutórias” se a decisão recorrida puser termo à causa, a “procedimento cautelar ou incidente processado autonomamente” ou se tratar a decisão em crise por "despacho saneador que, sem por termo ao processo, decida do mérito da causa ou absolva da instância o réu ou algum dos réus quanto a algum dos pedidos”, (cfr. o n.° 1 do artigo 644.° CPC).</font> </p><p><font>É que, nestes últimos casos, ocorre o termo da causa nesses segmentos, salvo se os mesmos forem de trânsito (interlocutórios).</font> </p><p><font>Todos os requisitos enumerados são cumulativos.</font> </p><p><font>1-2- O recurso "per saltum", tem, como primeira vantagem para o recorrente garantir uma maior celeridade no julgamento, já que é ultrapassada uma fase que, poderia vir a revelar-se inútil se limitada a discutir uma questão de direito que depois seria reapreciada pelo STJ.</font> </p><p><font>Por outro lado, contorna-se o obstáculo da verificação de uma dupla conforme - n.° 3 do artigo 671.° do CPC - que, ou inviabilizaria, desde logo, a revista ou, por intervenção da Formação a que se refere o n.° 3 do artigo 672.°, mais retardaria o julgamento pelo STJ ou até o bloquearia em definitivo.</font> </p><p><font>Assim se compreende a utilidade do recurso "per saltum". (cfr., no sentido de criticar a figura, o Conselheiro Amâncio Ferreira in "Manual dos Recursos em Processo Civil", 9a edição, p. 273 ss).</font> </p><p><font>O respectivo processamento será nos seguintes termos: interposição, também, e logo, nos termos e com a ritologia, dos artigos 637.° n.° 2 e 639.° do Código de Processo Civil; segue-se o despacho liminar do juiz "a quo" de acordo com o artigo 641.°, que, caso se trate de interpelação "per saltum", conterá uma análise dos requisitos do n.° 1 do artigo 678.° CPC, na parte coincidente com o n.° 2 do artigo 641.° e uma análise sumária dos restantes, mas estes só se exuberantemente inverificados.</font> </p><p><font>Assim, este despacho cabe na alínea a) do n.° 2 do citado artigo 641.° e, caso seja positivo, são-lhe aplicáveis as restrições do n.° 5 da norma, sem prejuízo do que dispõe o n.° 4 do artigo 678.°.</font> </p><p><font>No caso de ser negativo só pode ser impugnado "através da reclamação prevista no artigo 643.°" (n.° 6 do artigo 641.°.”</font> </p><p><font>“In casu” a recorrente foi apodíctica na afirmação de que “no presente recurso suscitam-se apenas questões de direito” e que o valor da acusa é “superior à alçada da Relação” e, finalmente, que “o valor da sucumbência é superior a metade” daquela alçada.</font> </p><p><font>Nada obsta, em consequência, ao conhecimento do recurso como “per saltum”.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>2- Seguro de responsabilidade civil automóvel</font> </p><p><font>2.1. O Decreto-Lei n.º 522/85, de 31 de Dezembro – expressamente revogado pelo artigo 94.º do Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21 de Agosto – instituiu o seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel dispondo que (à excepção dos “veículos de caminho de ferro, bem como das máquinas agrícolas não sujeitas a matrícula”) todo aquele “que possa ser civilmente responsável pela reparação de danos patrimoniais e não patrimoniais decorrentes de lesões” causadas a terceiros por um veículo terrestre a motor deve, para que esse veículo possa circular, “encontra-se coberta por um seguro que garanta essa mesma responsabilidade” (artigo 1.º).</font> </p><p><font>O citado Decreto-Lei n-º 291/2007 aprovou novo diploma, agora com transposição para a ordem jurídica interna da Directiva n.º 2005/14/CE, (5.ª Directiva) do Parlamento Europeu e do Conselho, que alterou as Directivas n.º 72/166/CEE, 84/5/CEE, 88/357/CEE, 90/232/CEE, do Conselho e 2000/26/CE.</font> </p><p><font>Esta nova regulamentação, com o acolhimento dos citados instrumentos do direito da União Europeia representa uma evolução da dogmática do seguro de responsabilidade civil e, como se refere no Acórdão do TJUE de 4 de Setembro de 2014 (P.C. – 16213 – caso Vnuk) é demonstrativa que o objectivo primeiro é a “protecção das vítimas dos acidentes causados por veículos” o que “foi constantemente prosseguido e reforçado pelo legislador da União”.</font> </p><p><font>Assim se dá coerência ao objectivo do seguro de responsabilidade civil que é garantir o ressarcimento dos danos sofridos pelas vítimas, e impedir que sejam confrontadas com situações de insolvabilidade do lesante ficando desprotegidas e sem possibilidade de verem reconstruida a sua situação anterior ao evento.</font> </p><p><font>O seguro desempenha, assim, uma relevante função social a ser vista na perspectiva do lesado, sendo por isso considerado por grande parte da doutrina um contrato a favor de terceiro.</font> </p><p><font>&nbsp;Certo, porém, que num rigor conceptual o seguro de responsabilidade civil não integrará um contrato a favor de terceiro já que, e além do mais, da apólice não se retira a pessoa do beneficiário (como, v.g., acontece nos seguros de vida).</font> </p><p><font>Recorde-se que o Prof. Vaz Serra (in “Fundamento da Responsabilidade Civil [em especial, responsabilidade por acidentes de viação e por intervenções lícitas] “BMJ 5, 322) refere que o contrato de seguro “pode ser celebrado de modo a constituir-se o segurador em obrigação para com a vítima do acidente, havendo então um contrato a favor de terceiro (o lesado)” – p. 223; cf. ainda, do mesmo Mestre, “Contratos a favor de terceiro, contrato de prestação por terceiro”, BMJ 29-229.</font> </p><p><font>&nbsp;No sentido de o contrato ser sempre a favor de terceiro, veja-se o Prof. Antunes Varela”, “Das Obrigações em Geral”, I, 409, n.º 1 e 417, o Cons. Moitinho de Almeida (apud “O Contrato de Seguro no Direito Português e Comparado”, 1971, 291, nota 63) &nbsp;que acaba por admitir poder tratar-se de um contrato a favor de terceiro se tal resultar da intenção expressa das partes.</font> </p><p><font>&nbsp;Mas o Cons. Bettencourt de Faria mostra-se contra esse entendimento, negando que este tipo de seguro possa ser a favor de terceiro (“Conceito e natureza jurídica do contrato de seguro” 1978, CJ-3, p. 785 ss).</font> </p><p><font>Porém, e como refere a Doutora Margarida Lima Rego (in “Contrato de Seguros e Terceiros – Estudos de Direito Civil”, 2010, p. 623) “dos contratos a favor de terceiro, deverão distinguir-se os contratos com eficácia protectora de terceiro” (…) “A especificidade destes contratos, por comparação com os verdadeiros contratos obrigacionais a favor de terceiro, reside, em primeiro lugar, de o terceiro não ter o direito de fazer valer os termos do contrato – o que não significa que o efeito protector não possa relacionar-se com o incumprimento de deveres nele estipulados”. Mas, mais adiante, e reportando-se especificamente aos seguros de responsabilidade civil (ob. cit. 652/653):</font> </p><p><font>“O mesmo é dizer que se todos os seguros de responsabilidade civil podem ser gizados como contratos a favor de terceiro, no sentido, desta feita, de que em todos podem as partes estipular a atribuição ao terceiro lesado de um direito de exigir ao segurador ao cumprimento da sua obrigação de prestar, também poderão não ser
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font> <p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>1. - AA instaurou acção declarativa contra BB e marido, CC, DD e “EE - …, Lda.” pedindo que os Réus fossem solidariamente condenados:</font> </p><p><font>&nbsp; a) Na eliminação dos defeitos no imóvel que comprou aos primeiros e foi construído pelos segundos ou, caso a mesma não seja possível, na realização de nova construção;</font> </p><p><font>&nbsp; b) No pagamento da quantia de 50,00€ por cada dia de atraso na eliminação dos defeitos ou realização de obra nova;</font> </p><p><font>&nbsp; c) No pagamento da quantia que se vier a liquidar no decurso da acção e/ou em execução de sentença, relativa ao preço das reparações urgentes e necessárias à eliminação dos defeitos, designadamente reparação estrutural e do exterior, artes de pedreiro, trolha e pintura;</font> </p><p><font>&nbsp; d) No pagamento da quantia a liquidar no decurso da acção e/ou em execução de sentença, pelo custo do alojamento alternativo e transportes do seu agregado familiar que o Autor vier a suportar no decurso das obras de reparação;</font> </p><p><font>&nbsp; e) No pagamento da quantia de 7.5000,00€, por danos não patrimoniais sofridos.</font> </p><p><font>Como fundamento, alegou, em síntese, que comprou aos Réus BB e BB um prédio urbano constituído por moradia e logradouro; que esses Réus contrataram com o Réu DD a construção de tal moradia; que este Réu, na vigência da construção da moradia, cedeu a sua posição contratual à Ré “EE, Lda.”, que terminou a construção; e, que esta apresenta vícios estruturais e defeitos de construção.</font> </p><p><font>Os Réus BB e BB contestaram, impugnando os factos alegados pelo Autor e requerendo a intervenção principal provocada de FF, director técnico da obra; GG, autor do projecto de arquitectura; HH, autor do projecto de infra-estruturas; DD e “EE – …, Lda.”, empreiteiros e executores das artes de pedreiro e trolha; II, executor da pintura; JJ, executor da obra de electricista; “... - Instalações Sanitárias, Lda.”, executor das instalações sanitárias; KK, responsável pela obra de carpintaria; e, de LL, responsável pela obra de serralheiro. </font> </p><p><font>Os Réus DD Réus e Sociedade contestaram, invocando a ilegitimidade desta e a caducidade do direito de acção. Impugnaram alguns dos factos alegados na petição e declinaram a responsabilidade, a pretexto de a construção efectuada ter obedecido ao projecto de estruturas e, na parte em que tal não aconteceu, mediante opção pelo projecto de arquitectura foi cumprido o determinado pelo dono da obra, entretanto alertado pelo Réu para a incompatibilidade dos projectos, após audição dos projectistas.&nbsp; &nbsp;</font> </p><p><font>As intervenções foram admitidas, a título principal e acessório, e os Intervenientes apresentaram as respectivas contestações. </font> </p><p><font>O Autor replicou e requereu a ampliação da causa de pedir, alegando que, desde a propositura da acção, ocorreram novas patologias na moradia, que descreveu.</font> </p><p><font>MM, mulher do A., requereu a sua intervenção principal espontânea, que foi admitida. </font> </p><p><font>Pelo A. e pela Interveniente foi deduzido o incidente de liquidação do pedido genérico de pagamento relativo ao preço das reparações urgentes e necessárias à eliminação dos defeitos, designadamente reparação estrutural e do exterior, artes de pedreiro, trolha e pintura, que converteram na quantia de 70.497,87€. </font> </p><p><font>Percorrida a tramitação subsequente, foi proferida sentença que condenou solidariamente os Réus BB e BB e o Réu DD a:</font> </p><p><font>&nbsp; - Eliminarem os defeitos enumerados nos Pontos 31 a 47, 50 a 53, 56 a 57, 67 a 83 e 94 a 101, todos da matéria de facto dada como apurada, que não se encontrassem prejudicados pelas obras realizadas pelo Autor e mencionadas nos Pontos 104 a 108 daquela matéria de facto;</font> </p><p><font>&nbsp; - Pagarem ao Autor a quantia de € 70.479,87, correspondente ao despendido por aquele na realização de reparações urgentes e necessárias;</font> </p><p><font>&nbsp; - Pagarem ao Autor a quantia que for determinada em execução de sentença pelos custos de realojamento daquele e seu agregado familiar durante o período em que decorrerem aquelas obras de ampliação;</font> </p><p><font>&nbsp; - Pagarem ao Autor a quantia de € 7.500,00, a título de danos não patrimoniais. </font> </p><p><font>Os Réus recorreram, tendo a Relação anulado o julgamento sobre a matéria de facto e ordenado a sua ampliação.</font> </p><p><font>Ampliada a base instrutória, teve lugar o respectivo julgamento e foi proferida nova sentença que:</font> </p><p><font>&nbsp; 1. Condenou os Réus BB e marido, CC na obrigação de, em seis (6) meses, eliminarem os defeitos descritos sob os números 4), 5), 6), 7), 8), 9), 10), 11), 12), 13), 14), 15), 16), 17), 18), 19), 20), 23), 24), 25), 26), 29), 30), 40), 41), 42), 43), 44), 45), 46), 47), 48), 49), 50), 51), 52), 53), 54), 55), 56), 68), 69), 70), 71), 72), 73), 74) e 75), que se não encontrem prejudicadas pelas obras efectuadas pelo Autor e descritas sob os números 78), 79), 80) e 82), todos da parte II da sentença;</font> </p><p><font>&nbsp; 2. Condenou os referidos Réus a pagar ao Autor marido a quantia de € 70.479,87 (setenta mil e quatrocentos e setenta e nove euros e oitenta e sete cêntimos);</font> </p><p><font>&nbsp; 3. Condenou os mesmos Réus a pagar ao Autor marido a quantia referente ao custo de realojamento do Autor marido e seu agregado familiar durante as obras de reparação que se determinar em execução de sentença;</font> </p><p><font>&nbsp; 4. Condenou os mesmos Réus a pagar ao Autor marido a quantia de € 7.500,00 (sete mil e quinhentos euros), a título de danos não patrimoniais;</font> </p><p><font>&nbsp; 5. Absolveu os referidos Réus do demais peticionado.</font> </p><p><font>&nbsp; 6. Absolveu os Réus “EE - Construções, Ldª”, e DD dos pedidos. </font> </p><p><font>Mediante apelação do Autor, a sentença foi revogada, decidindo-se no acórdão ora impugnado:</font> </p><p><font>&nbsp; A) Condenam-se os Réus BB e marido CC e o réu DD, solidariamente, na obrigação de, em seis (6) meses, eliminarem os defeitos descritos nas respostas aos quesitos 4º, 5º, 6º, 7º, 8º, 9º, 10º, 11º, 12º, 13º, 14º, 15º, 16º, 17º, 18º, 19º, 20º, 23º, 24º, 25º, 26º, 29º, 30º, 40º, 41º, 42º, 43º, 44º, 45º, 46º, 47º, 48º, 49º, 50º, 51º, 52º, 53º, 54º, 55º, 56º, 68º, 69º, 70º, 71º, 72º, 73º, 74º e 75º, que se não encontrem prejudicadas pelas obras efectuadas pelo Autor e descritas nas respostas aos quesitos 78º, 79º, 80º e 82º;</font> </p><p><font>&nbsp; B) Condenam-se os referidos Réus, solidariamente, a pagar ao Autor AA a quantia de € 70.479,87 (setenta mil e quatrocentos e setenta e nove euros e oitenta e sete cêntimos);</font> </p><p><font>&nbsp; C) Condenam-se os mesmos Réus, solidariamente, a pagar ao referido Autor a quantia referente ao custo de realojamento do Autor e seu agregado familiar durante as obras de reparação que se determinar em execução de sentença;</font> </p><p><font>&nbsp; D) Condenam-se os mesmos Réus, solidariamente, a pagar àquele Autor a quantia de € 7.500,00 (sete mil e quinhentos euros) a título de danos não patrimoniais;</font> </p><p><font>&nbsp; E) Absolvem-se os referidos Réus do demais peticionado;</font> </p><p><font>&nbsp; F) Absolve-se a Ré “EE - Construções, Ldª” dos pedidos. </font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; Agora é o Réu DD a pedir revista, pretendendo ver revogado o acórdão e ser absolvido dos pedidos contra si formulados.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; Das extensas e repetitivas “conclusões” com que encerrou a sua alegação, selecciona-se o conjunto argumentativo que se transcreve:</font> </p><p><font>“ (…); </font> </p><p><font>f) Estando determinadas e provadas as causas para os danos verificados no interior da moradia (Facto 96); - estando determinadas e provadas as causas para os danos verificados no exterior da moradia (Facto 97); - e que tais causas. umas e outras. nada têm que ver com a execução das artes de pedreiro e trolha (Facto 98).é imperativo concluir que nada se atribui à actividade de execução de tais artes, bem ao contrário, tão só à concepção da obra - ao que o ora recorrente é totalmente alheio;</font> </p><p><font>g) Decorre, pois, da matéria de facto dos autos um dado inexorável e inultrapassável: o de que as causas para os danos verificados na moradia dos autos nada têm que ver com a execução das artes de pedreiro e trolha. - Cfr. alíneas CC), DD) da Matéria Assente e respostas aos quesitos 96, 97 e 98; </font> </p><p><font>h) Assim sendo, pode e deve afirmar-se que o recorrente DD ilidiu a presunção que sobre si recaía, na medida em que, demonstrou que o cumprimento defeituoso da obrigação não procede de culpa sua!; </font> </p><p><font>i) Assim não entendeu o Acórdão recorrido quando afirma: "(...) É certo que está provado que as causas dos danos na moradia nada têm que ver com a execução das artes de pedreiro e trolha. Porém, tal não tem relevância porque o que foi causal dos danos na moradia (além do mais que acima se descreveu) não foi a má execução daquelas artes, mas sim a execução de uma parte da obra em desconformidade com o projecto de estruturas - cfr. fls. 2411;</font> </p><p><font>j) Tal ilação, além de surgir despida de qualquer tipo de fundamentação, é despropositada e não encontra o mínimo de correspondência na matéria de facto provada; </font> </p><p><font>k) Contraria frontalmente o afirmado por peritos dotados de especiais conhecimentos técnicos - que afastaram a responsabilidade do aqui recorrente - e com os quais, o mesmo Acórdão recorrido acabou por concordar, ao não alterar a matéria de facto!!! - cfr. fls. 2406; </font> </p><p><font>l) O Acórdão recorrido entra em contradição nos seus próprios termos quando diz, "não foi a má execução daquelas artes, mas a execução de parte da obra em desconformidade com o projecto de estruturas ­demais que deixou provado que "as causas apontadas para todos os danos verificados no interior e no exterior da moradia, nada têm que ver com a execução das artes da pedreiro e trolha;</font> </p><p><font>m) Na actividade de execução das artes de pedreiro e trolha, integra-se toda a acção do empreiteiro em obra, incluindo, pois, a de interpretar e seguir projectos; </font> </p><p><font>n) A execução (das artes) constitui o conjunto de acções, comportamentos, cumprimentos, observâncias, tendentes à realização de um determinado resultado: "execução": "acto, efeito ou modo de executar, realização; observância, acabamento"; </font> </p><p><font>o) Por outro lado, o Acórdão recorrido ainda se revela infeliz quando afirma: "Daquela factualidade resulta que os danos na moradia se devem a erros de concepção, nomeadamente no projecto de estruturas. e a erros de execução. Mais resulta que o projecto de estruturas não foi cumprido, em parte, sendo que, nessa parte, se deu cumprimento ao projecto de arquitectura: ou seja, verificando-se uma divergência entre o projecto de estruturas e o projecto de arquitectura, optou-se por dar cumprimento a este último - o que também contribuiu para os danos"; </font> </p><p><font>p) É inaceitável aceitar que possa contribuir para os danos o cumprimento ou a prevalência do projecto de arquitectura sobre o projecto de estruturas, quando é o próprio Acórdão recorrido a concluir, a afirmar, que os danos na moradia se devem a erros de concepção no projecto de estruturas; </font> </p><p><font>q) Não pode ser censurada a conduta do recorrente que deu prevalência ao projecto de arquitectura sobre o de estruturas quando este último padece de erros de concepção; </font> </p><p><font>r) O Acórdão recorrido descentrou-se totalmente das alíneas CC), DD) da Matéria Assente e das respostas aos quesitos, 96, 97, 98 que transcreveu de fls. 2408 a 2410, limitando-se a tirar ilações dos Factos constantes da Alínea BB) da Matéria Assente e das respostas aos quesitos 91 e 92; </font> </p><p><font>s) Factos estes que não permitem, de modo algum, suportar que o seu conteúdo foi causal para a ocorrência dos danos apurados na moradia dos autos; </font> </p><p><font>t) Tanto mais que, provadas as causas para todos os indicados danos verificados no interior e no exterior da moradia (Pontos 96 e 97), ficou dado por inequivocamente demonstrado que tais danos nada tiveram que ver com a execução das artes do aqui recorrente (Ponto 98); </font> </p><p><font>u) Ademais, o conteúdo dos Pontos 91 e 92 teve, também ele, origem nos mesmos Peritos (dotados de especiais conhecimentos técnicos) que, instados a responder ao quesito 98, negaram, sem margem para dúvidas, a relação de causa/efeito entre a actuação do empreiteiro DD e a existência daqueles danos - cfr. fls. 1917 a 1919; </font> </p><p><font>v) Por isso, bom é lembrar que, no Julgamento da Matéria de Facto, o Julgador da lª instância - forçosamente munido da oralidade e da imediação de que o Tribunal a quo não dispõe - tenha fundamentado as suas respostas "exclusivamente no teor do relatório pericial efectuado para tal efeito, constante de fls. 1917 a 1933. (. ..), em conjugação com os esclarecimentos prestados em sede de discussão da causa" - cfr. Julgamento da Matéria de Facto de 29.10.2010, a fls. dos autos; w). Respostas factuais essas que, foram totalmente mantidas pelo Acórdão recorrido!; </font> </p><p><font>x) "(. .. ) O que o acórdão recorrido fez (. . .) foi retirar ilações de factos alegados e provados (artigo 349º do Código Civil), invocando as regras da experiência e do senso comum.(...)"; </font> </p><p><font>y) Mas, ao proceder dessa forma, sem modificar o julgamento dos quesitos 96, 97 e 98, o acórdão recorrido veio dar como provado, por dedução, um nexo de causalidade que, submetido a prova directa em primeira instância, não foi tido como provado e, pior, que colide com os Factos Provados sob os já referidos Pontos 96, 97 e 98; </font> </p><p><font>z) "(...) Não se entendendo desta forma, tornar-se-ia contraditória a decisão sobre a matéria de facto considerada na sua globalidade, fazendo subsistir julgamentos opostos quanto aos mesmos pontos de facto. (...)"; </font> </p><p><font>aa) O conteúdo gramatical da resposta ao quesito 98 não permite outra interpretação que não seja a da exclusão da responsabilidade do recorrente.</font> </p><p><font>bb) E, se o Tribunal a quo a aceitou, não pode depois vir negar o seu próprio julgamento, sob pena de insanável contradição entre a decisão e seus fundamentos e erro de julgamento;</font> </p><p><font>cc) E foi por causa daquele conteúdo gramatical, daquela redacção, que o Julgador da lª instância fundamentou a absolvição do aqui recorrente que se colhe da sentença de lª instância;</font> </p><p><font>dd) "(. .. ) Tem assim de se concluir que não pode considerar-se provado o nexo de causalidade em discussão neste recurso (. . .) ";</font> </p><p><font>ee) O acórdão recorrido acabou por decidir em manifesta e frontal contradição com a decisão de facto por si julgada, ou seja, os fundamentos da decisão estão em oposição com a decisão em si mesma, o que conduz à nulidade prevista na alínea c) do nº 1 do artigo 668º do CPCivil ex vi art. 716° nº 1 do CPCivil; </font> </p><p><font>ff) Ou, assim não se entendendo, sempre ocorreu erro de julgamento fundado em erro de interpretação ou de aplicação, pelo menos, dos artigos 563°, 342º n.º1 e 799º do CCivil sobre a decisão de facto;</font> </p><p><font>(…);</font> </p><p><font>ii) Ao dar como provada a matéria contida nos Pontos 96 e 97, nada se atribui à actividade de execução;</font> </p><p><font>jj) E não há qualquer prova de que empreiteiro das artes de pedreiro e trolha não tenha cumprido as regras da arte, como não há prova de que a omissão de um qualquer dever de aviso ou chamada de atenção para a desconformidade entre projectos seja a causa para a verificação dos danos no caso concreto. Que não foi, face aos Pontos 96, 97 e 981; </font> </p><p><font>kk) O douto acórdão dá uma resposta em matéria de facto: Tais causas [para os danos) nada têm a ver com execução das artes de pedreiro e trolha" - Ponto 98º - as artes de cuja execução estava incumbido o ora recorrente - cfr. EE) da matéria especificada; </font> </p><p><font>ll) Não há demonstração que foi por qualquer violação de dever de diligência do empreiteiro das artes de pedreiro e trolha, segundo os padrões do "bonus pater famílias" que houve defeitos; </font> </p><p><font>(…); </font> </p><p><font>pp) A douta decisão recorrida, apesar de falar em culpa, não pretende reportar-se ao nexo de imputação subjectiva, antes sim à causalidade adequada entre a actuação do recorrente e o resultado; (…);</font> </p><p><font>(…); </font> </p><p><font>tt) Considerar que, para além de desresponsabilizado expressamente o recorrente por via de Factos Provados, se pretende responsabilizar o mesmo recorrente por trabalhos em áreas de que estava expressa contratualmente desobrigado - assumindo que os AA. tiveram um dano, que provavelmente não sofreriam se não tivesse ocorrido lesão pelo recorrente - é tirar uma conclusão de direito que colide com a base fáctica, o que integra nova nulidade do artigo 660º nº1, alínea c) do CPC ex-vi art. 716° nº 1 do CPCivil, ou, fazer errada interpretação (ou não aplicação) do regime do artigo 563° do CCivil.</font> </p><p><font>uu) O artigo 563°do Código Civil consagrou a doutrina da causalidade adequada, na formulação negativa nos termos da qual a inadequação de uma dada causa para um resultado deriva da sua total indiferença para a produção dele, que, por isso mesmo, só ocorreu por circunstâncias excepcionais ou extraordinárias;&nbsp; </font> </p><p><font>vv) No caso concreto e mediante a certeza dos factos demonstrados sob os quesitos 96, 97 e 98, resulta claro e seguro que o recorrente DD ilidiu a presunção de culpa contida no nº 1 do art. 799º do CC, porquanto provou literalmente que o cumprimento defeituoso da obrigação não procedeu de culpa sua; (…);</font> </p><p><font>ww) Face à factualidade provada, ocorreu manifesto erro de julgamento consistente no erro de aplicação ou interpretação da norma do artigo 799º&nbsp; nº 1 do Código Civil; (…);</font> </p><p><font>(…);</font> </p><p><font>bbb) Mediante a factualidade demonstrada sob os Pontos 96, 97 e 98, o recorrente, não só ilidiu a presunção de culpa, como logrou fazer a prova de que as causas das deficiências apontadas têm na sua origem vícios de concepção; </font> </p><p><font>ccc) Em nosso humilde parecer, os vícios de concepção, ou de projecto, não se integram na noção de "vícios da construção ou do solo ou defeitos" prevista no nº 1 do art. 1225° do CCivil: o arquitecto não responde, ao abrigo deste preceito. Seria justo equacionar que, cumprindo o empreiteiro, mesmo que na íntegra, tudo o que foi projectado por outrem, tenha de responder perante o terceiro adquirente quando o próprio arquitecto não responde face a terceiros? </font> </p><p><font>ddd) Destarte ocorreu erro de interpretação e/ou aplicação do artigo 1225° nº 1 do Código Civil;</font> </p><p><font>eee) A condenação dos RR. donos de obra e do ora recorrente referida em I supra, resultou solidária - ao abrigo do citado preceito do artigo 1225° nº&nbsp; 1 do CCivil; </font> </p><p><font>(…);</font> </p><p><font>kkk) A solidariedade invocada no Acórdão recorrido, não só não resulta da lei - regime ou instituto da empreitada - como não resulta da vontade das partes; </font> </p><p><font>lll) Ocorreu violação, seja do disposto no artigo 513°, seja das regras do instituto da empreitada - cfr. arts. 1207º&nbsp; a 1230º - em particular do invocado art. 1225° nº 1 do Código Civil, que manifestamente não prevê solidariedade. </font> </p><p><font>&nbsp;Em face do exposto, o acórdão recorrido: </font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; é duplamente nulo por oposição entre os fundamentos e a decisão (art. 668° 1- c) CPCivil); e,</font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp; violou, por errada aplicação, interpretação e determinação (consoante as normas), as regras substantivas pelo menos dos arts. 563°, 342° nº 1, 799° nº 1, 1225° nº 1 e 513°, todos do Código Civil”.</font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; Os Recorridos responderam em apoio do julgado.</font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; 2. - Para apreciação e decisão, perfilam-se as seguintes </font><b><font>questões</font></b><font>:</font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; - Se o acórdão recorrido está ferido de nulidades, por oposição entre os fundamentos e a decisão;</font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; - Se inexiste responsabilidade do Recorrente pelos defeitos na construção e respectivas consequências; e,</font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; - Se, em caso de responsabilidade do empreiteiro, esta é solidária com a dos Réus, donos da obra e vendedores do prédio, para com o Autor, seu adquirente.&nbsp;&nbsp;&nbsp; </font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; 3. - No acórdão recorrido ficou fixada a </font><b><font>matéria</font></b><font> </font><b><font>de</font></b><font> </font><b><font>facto</font></b><font> que, a seguir, se transcreve.</font> </p><p><font>&nbsp;</font> </p><p><font>“Por escritura pública outorgada no dia 27.12.99, o autor marido declarou comprar aos réus BB e marido, CC, que declararam vender, o prédio urbano constituído por casa de cave, rés do chão, andar, vão do telhado e logradouro, sito na Rua da …, nºs … e …, freguesia …, concelho de Vila Nova de Gaia, descrito na 2ª CRP de Vila Nova de Gaia sob o nº …. (A)</font> </p><p><font>No prédio em causa está implantada uma moradia mandada construir pelos 1ºs réus que, para o efeito, contrataram com terceiros a elaboração dos respectivos projectos de arquitectura e de engenharia, nas especialidades, e contrataram o 2º réu, empreiteiro, para a construção da obra. (B)</font> </p><p><font>Por escrito denominado DECLARAÇÃO, datado de 11.03.97 e assinado pela ré BB, na qualidade de proprietária do lote nº 6, e pelo réu DD, na qualidade de construtor civil, o segundo declarou que se responsabilizava por:</font> </p><p><font>- desaterro, fundações, sapata nos pilares e sobre uma viga de betão (cinta) as paredes de betão, </font> </p><p><font>- pilares e vigas com o respectivo ferro, conforme os cálculos,</font> </p><p><font>- betão vibrado em todas as partes de betão maciço, paredes de betão com 20 cm,</font> </p><p><font>- leva quatro placas, duas de piso, um tecto e uma cobertura;</font> </p><p><font>- paredes exteriores 15+11, com placa wallmate da Renel,</font> </p><p><font>- padieiras sobre portas e janelas,</font> </p><p><font>- divisões interiores com tijolo de 9 cm,</font> </p><p><font>- muros de vedação com blocos de 15 cm,</font> </p><p><font>- a telha será aplicada sobre placas de roofmate estriado, telha lusa,</font> </p><p><font>- abrir todas as ranhuras necessárias para picheleiro e electricista,</font> </p><p><font>- duas janelas tipo Velux no sótão,</font> </p><p><font>- placas de wallmate nos terraços em cima das telas,</font> </p><p><font>- pavimentos da cave, passeios à volta da casa serão feitos com uma camada de betão e revestido a tijoleira,</font> </p><p><font>- toda a obra por fora fica serzitada e areado fino,</font> </p><p><font>- no r/c e 1º andar as paredes estanhadas e tectos estucados com moldura a escolha, os chãos levarão enchimento de leca,</font> </p><p><font>- aplicação de pladur nos tectos conforme projecto,</font> </p><p><font>- na cave e sótão as paredes e tectos estanhados,</font> </p><p><font>- na cozinha, quartos de banho, haal, sala, sótão, garagem, cave, lavandaria, levam tijoleira,</font> </p><p><font>- assentamento de pedras e afins (soleiras),</font> </p><p><font>- serezitar os chãos para evitar humidades na cozinha, lavandaria e quartos de banho,</font> </p><p><font>- saneamento será constituído com caixa de ligação e visita para colector que se encontra no arruamento, tampas hidráulicas, nas águas limpas e sujas, </font> </p><p><font>- o passeio da frente levará vetemona e será executado conforma a CMVNG,</font> </p><p><font>- pavimento à volta da casa será revestido com tijoleira,</font> </p><p><font>- na garagem aplicação de azulejo à altura de 1,20 m,</font> </p><p><font>- na união das duas vivendas aplicação de Lá de Rocha 4 cm de espessura 70 kg densidade,</font> </p><p><font>- fornecimento de luz, água, alvará, responsabilidade técnica para a habitabilidade,</font> </p><p><font>- e todos os outros serviços que entretanto forem acordados. (C)</font> </p><p><font>Mais declararam que toda a mão-de-obra e materiais eram da responsabilidade do construtor civil, não sendo da responsabilidade do empreiteiro as soleiras de mármore e afins, azulejos, tijoleiras, picheleiro electricista, carpinteiro de acabamento, pintura e serralheiro. (D)</font> </p><p><font>O réu DD acordou com o réu BB a execução das obras das artes de pedreiro e trolha na moradia, tendo o segundo fornecido as tijoleiras, mosaicos, azulejos, mármores e granitos. (EE)</font> </p><p><font>FF foi director técnico da obra, GG foi o autor do projecto de arquitectura, HH foi o autor do projecto de infra-estruturas, II efectuou a pintura, JJ a obra de electricista, ... – Instalações Sanitárias, Ldª, executou a obra de instalações sanitárias (pichelaria, canalizações, condutas de gás, instalação de caldeiras e louças sanitárias), KK efectuou a obra de carpinteiro e LL a obra de serralheiro. (AA)</font> </p><p><font>A construção terminou em meados de 1999. (3º)</font> </p><p><font>Depois de [o autor] já se encontrar a residir no prédio o imóvel apresentou as seguintes anomalias construtivas:</font> </p><p><font>I – </font><u><font>No exterior do prédio</font></u> </p><p><font>Todas as três fachadas exteriores do prédio apresentam fissuras com espessuras superiores a 2 mm, com vários metros de comprimento e que têm vindo a agravar-se com o decurso do tempo, que se desenvolvem quer na horizontal, quer na vertical, quer obliquamente. (4º)</font> </p><p><font>Tais fissuras têm escorrimentos, sendo uns de cor escura e outros amarelados. (5º)</font> </p><p><font>Consequência disso, nalguns segmentos, o revestimento final em tinta das paredes exteriores da casa já não existe ou está “descascado”. (6º)</font> </p><p><font>A madeira utilizada como revestimento nos tectos falsos dos alpendres do prédio apresenta sinais de empenamento e mesmo apodrecimento. (7º)</font> </p><p><font>As fissuras acima referidas nas paredes exteriores permitem que a água escorra pelo interior e ao longo das paredes exteriores do prédio, desaguando nesses tectos falsos, em madeira, dos alpendres, o que determina o apodrecimento dessas madeiras. (8º)</font> </p><p><font>O revestimento de placas de mármore, de cor beije, das paredes exteriores no rés-do-chão apresenta fissuras e com manchas de humidade. (9º)</font> </p><p><font>Os muros de vedação e o alpendre de entrada no prédio apresentam também “bolhas”, “tinta descascada” e ainda escorrências de cor escura. (10º)</font> </p><p><font>Também nos dois portões exteriores do prédio e na porta da cabine para as botijas de gás a tinta já está descascada, sendo certo que foram já objecto de reparação, tendo sido aplicada apenas uma demão de pintura, excepto nas superfícies internas, nas quais foi apenas aplicado o “primário da tinta”. (11º)</font> </p><p><font>As chaminés existentes na cobertura estão fissuradas. (12º)</font> </p><p><font>II – </font><u><font>No interior do prédio</font></u> </p><p><font>No sótão da casa, todos os tectos e paredes têm manchas extensas de humidade e bolor, com fissuras de grande espessura e dimensão verificando-se, nalguns casos, o esboroamento e perda do material de reboco e revestimento. (13º)</font> </p><p><font>No tecto e nas paredes da caixa das escadas, há também grandes manchas de humidade, o que se verifica, principalmente, no lado Norte, nas paredes que separam este do prédio geminado, por insuficiente isolamento da junta de dilatação respectiva. (14º)</font> </p><p><font>Nas paredes interiores dos quartos da casa há sinais evidentes de humidade, traduzidos não só por alteração da cor, alteração do brilho, destacamento e saponificação da pintura, mas ainda pelo aparecimento de bolor de cor branca, esverdeada e acastanhada - à excepção da parede sul do quarto nascente/sul - distribuído paralelamente aos rodapés e existe também nas áreas adjacentes às forras de madeira dos vãos das janelas. (15º)</font> </p><p><font>Existe também humidade nestes revestimentos em madeira da caixilharia das janelas. (16º)</font> </p><p><font>No rés-do-chão do prédio, há fissuras amplas e extensas nas paredes do hall da entrada e da sala. (17º)</font> </p><p><font>O tecto da cozinha tem uma mancha de cor escura e brilhante. (18º)</font> </p><p><font>As forras de madeira da janela do quarto de banho de serviço têm a cor alterada, estão húmidas. (19º)</font> </p><p><font>Na cave do prédio há infiltração de água da chuva nas paredes que atinge vários litros/dia, durante os períodos de pluviosidade mais intensa, prolongando-se durante vários dias após a paragem da mesma. (20º)</font> </p><p><font>Por via disso, como a instalação eléctrica está embutida no tecto, o autor teve de desligar a respectiva fase de rede de iluminação para evitar a ocorrência de curto-circuitos. (21º)</font> </p><p><font>Nos períodos de chuva, o autor é obrigado a colocar recipientes no chão dos compartimentos da cave, pelo que não pode utilizá-la para efeito algum. (22º)</font> </p><p><font>Face à humidade permanente neste piso do prédio, quer o tecto, quer as paredes, estão cobertos de bolor. (23º)</font> </p><p><font>Nesse piso do prédio, na área do tecto afectada pela embebição hídrica, não existe qualquer revestimento do reboco do tecto e das paredes. (24º)</font> </p><p><font>O disjuntor geral dispara sempre que se ligam luzes exteriores de parede em dias de chuva. (25º)</font> </p><p><font>Existe uma má distribuição de fases eléctricas na cozinha, que leva, também, a frequentes disparos do disjuntor geral, com a consequente falta de energia eléctrica em toda a casa. (26º)</font> </p><p><font>Parte das anomalias descritas em 4º a 26º foram denunciados pelo autor aos 1ºs réus, verbalmente, logo no Inverno de 1999, altura em que apareceram as primeiras infiltrações de água da chuva. (E)</font> </p><p><font>O réu BB deu conhecimento das denúncias de vícios e defeitos efectuadas pelo autor e referidas na alínea E) ao réu DD e que respeitavam à parte que aquele executou na obra. (27º)</font> </p><p><font>No Verão de 2000, os réus DD e EE – Construções, Ldª, procederam a uma intervenção na moradia de cerca de 15 dias que consistiu, essencialmente, no seguinte:</font> </p><p><font>- picaram o reboco;</font> </p><p><font>- trataram as fissuras que apresentavam maiores dimensões nas paredes exteriores;</font> </p><p><font>- taparam com massa de silicone;</font> </p><p><font>- pintaram a área intervencionada;</font> </p><p><font>- procederam à reparação do tecto da cave, que foi raspado, emassado e pintado. (F)</font> </p><p><font>Uma vez que a pintura no exterior do prédio incidiu apenas sobre as áreas em que houve fissuras, o autor desde logo reclamou que as fachadas deveriam ser igualmente pintadas, quer junto dos réus BB e BB, quer junto dos réus DD e EE, Ldª. (G)</font> </p><p><font>Todos aceitaram a reclamação do autor referida em G). (28º)</font> </p><p><font>Chegado o Inverno de 2000, pioraram as infiltrações de água no prédio do autor e apareceram novas fissuras e escorrimentos de cor escura nas fissuras que haviam sido objecto da intervenção dos réus no Verão anterior. (29º)</font> </p><p><font>No interior do prédio a humidade era ainda superior à existente no Inverno anterior. (30º)</font> </p><p><font>Nessa altura, o autor reclamou novamente a todos os réus os defeitos e vícios do prédio, acima descritos. (31º)</font> </p><p><font>Chegado o Inverno de 2000, o réu BB e o réu DD deslocaram-se diversas vezes ao prédio para verificar as suas patologias, tendo na última visita, em Fevereiro de 2001, e passado uma semana, por indicação desses réus, sido o prédio vistoriado por um irmão do réu DD, que executa trabalhos de isolamento, um engenheiro responsável pela marca do produto que aquele iria aplicar e o réu BB. (H)</font> </p><p><font>Nessa altura, o prédio foi medido para ser orçamentada a reparação que, à data, as partes intervenientes acreditavam passar
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><br> Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:<br> <br> A, veio intentar a presente acção com processo comum sob forma ordinária contra B, no Tribunal Judicial de Cascais, pedindo que seja reconhecido como filho do Réu, ordenando-se o consequente averbamento ao seu assento de nascimento;<br> Alega para tanto e em síntese que sua mãe, no período compreendido entre 19 de Agosto e 16 de Dezembro de 1975, manteve relações sexuais de cópula completa com o Réu e , em consequência delas engravidou e deu à luz o Autor, no dia 14 de Junho de 1976;<br> Na contestação apresentada o, Réu, em resumo, nega ter mantido relações sexuais com a mãe do Autor, impugnando dessa forma a sua paternidade;<br> Elaboradas a especificação e o questionário, foi ordenado exame hematológico, formulando para esse efeito as partes quesitos que foram, como tal admitidos;<br> E, realizada a perícia do respectivo relatório reclamou o Réu, acusando-o de deficiência nas respostas aos quesitos que havia formulado no que foi desatendido;<br> Desse despacho, agravou ele, oportunamente;<br> Procedeu-se a audiência de julgamento e decidida a matéria de facto por acórdão do Tribunal Colectivo, foi proferida sentença que julgando a acção procedente, declarou que o Autor é filho do Réu, devendo proceder-se ao averbamento da paternidade no seu assento de nascimento;<br> Interpôs, então, o Réu competente apelação; <br> No Tribunal da Relação de Lisboa veio a ser prolatado Acórdão, no qual se negou, porém, provimento aos ditos tais recursos, confirmando-se, consequentemente, o despacho e a sentença impugnados;<br> Inconformado, ainda, o Réu, recorreu desse Aresto, o que constitui, o objecto da presente revista, para este Supremo;<br> Alegando, para o efeito, veio a formular as seguintes conclusões;<br> A) A presente acção é a repetição da que o M.º P.º intentou em Caminha e cujas principais peças estão certificadas nos autos;<br> São as mesmas partes, o pedido e a causa de pedir;<br> B) O artigo 1813º, do C.C. é materialmente inconstitucional porque ofende o princípio da intangibilidade do caso julgado decorrente dos artigos 2º, 202º, n.º 1, 207º, 205º, n.º 2, e 282º n. 2º da Constituição;<br> C) Ao aplicarem ainda que implicitamente o artigo 1813º do C.C. a decisão proferida em 1.ª instância e o Acórdão recorrido violaram as disposições constitucionais referidas na alínea B) destas conclusões, e ainda, os ns.º 1 e 2, dos artigos 497º, 498º, alínea i) do 494º, e 495º do C.P.C., tudo por não terem aplicado essas disposições legais;<br> - Termina, pelo provimento do presente recurso e sua absolvição da instância e, a mera declaração genérica, no saneador, da inexistência de excepções não formar caso julgado; <br> - o Autor, recorrido, contra-alegou, concluindo, pela improcedência do recurso e consequente manutenção do Acórdão recorrido e, suscitando, ainda, a questão prévia da impossibilidade do conhecimento daquele, pelo STJ;<br> - Neste Tribunal, e na sua vista, o Ilustre Procurador Geral da República, Adjunto, nada se lhe ofereceu requerer;<br> - Foram recorridos, os vistos, dos Excelentíssimos Conselheiros Adjuntos;<br> - Apreciando:<br> - Como constitui entendimento genérico e pacífico são as conclusões das alegações das recorrentes que delimitam, em princípio o âmbito e o objecto dos recursos, com ressalva da matéria de conhecimento oficioso; <br> - Tal no quadro dos artigos 684º, ns.º 3 e 4 e 690º n.º 1, do C.P.C.;<br> - Nesse sentido, também e designadamente, os Acórdãos deste S.T.J., de 18 de Outubro de 1986, BMJ, 360º, 354, e da Relação de Lisboa, de 12 de Abril de 1989, Co. Jur., 1989, 2., 143, entre outros;<br> - Assim sendo, já e outrosssim, os Professores A. dos Reis, Anotado, 5.ª, 308, 309 e 363 e Castro Mendes Direito Processual Civil, 3.º, 65, e ainda Dr. Rodrigues Bastos, Notas, 3.º, 286 e 289, se manifestaram, também;<br> - Todavia, tal não significa nem impõe que cumpra conhecer de todos os argumentos produzidos nas ditas alegações, mas apenas e somente das questões, essenciais, suscitadas nelas;<br> - Nesse alcance e significado, o referido Dr. Rodrigues Bastos, outrossim, na sua aludida obra, 3.ª, 147, assim como, entre outros, o Ac. deste S.T.J. de 15 de Setembro de 1989, B.M.J., 480º, 496º;<br> - Por sua vez, e em termos fácticos nas Instâncias, foram dados como assentes, os seguinte pontos:<br> - Da especificação:<br> A) No dia 14 de Junho de 1976, nasceu na freguesia dos Mártires, em Lisboa, o ora Autor, A;<br> B) O mesmo foi registado como filho C;<br> C) C nasceu no dia 2 de Fevereiro de 1955;<br> D) O Réu B nasceu no dia 26 de Julho de 1955;<br> E) Em 23 de Abril de 1977 deu entrada no Tribunal Judicial da Comarca de Caminha a petição inicial de uma acção de investigação de paternidade intentada pelo M.º P.º contra o ora Réu, acção a que se refere a certidão de fls. 75 e seguintes, e que veio a terminar pela improcedência, conforme sentença de fls. 75 e 76;<br> As respostas, aos quesitos:<br> 1- O Réu e a mãe do Autor conheceram-se em Lisboa, na primeira metade do ano de 1975;<br> 2- Ambos se encontravam, por vezes na pastelaria Roma, sita em Lisboa, juntamente com outros jovens;<br> 3- A mãe do Autor era estudante, frequentando o curso complementar de Artes dos Tecidos, na Escola António Arroio.;<br> 4- Na altura o Réu frequentava o curso de medicina;<br> 5- Durante o verão de 1975, a mãe do Autor esteve afectada de depressão;<br> 6- A mesma andou a ser medicada, após consulta médica;<br> 7- O Réu e a mãe do Autor mantiveram namoro, que existia em 20 de Setembro de 1975;<br> 8- A mãe do Autor vivia com os pais;<br> 9- No dia 20 de Setembro de 1975 D, um dos jovens com quem por vezes se encontravam na pastelaria Roma festejou o seu aniversário numa "Boite" denominada "X", sita em Lisboa;<br> 10- O Réu e a mãe do menor deslocaram-se juntos a essa festa;<br> 11- A festa acabou por volta das 3 horas da madrugada do dia 21;<br> 12- Depois de saírem da festa o Réu e a mãe do Autor mantiveram relações sexuais de cópula completa;<br> 13- Depois disso, o Réu e a mãe do Autor ainda se continuaram a encontrar;<br> 14- Em consequência das relações sexuais mantidas com o Réu, a mãe do menor engravidou;<br> 15- Vindo a dar à luz, no termo de período normal de gestação, uma criança do sexo masculino, o ora Autor;<br> 16- No período compreendido entre 19 de Agosto e 16 de Dezembro de 1975, a mãe do Autor não manteve relações sexuais com qualquer outro homem;<br> 17- Também não lhe foi conhecido qualquer namoro;<br> Ponderando, ora, sobre o recurso, deduzido, agora, pelo réu, é de constatar, que o mesmo, contempla, somente, uma única questão; <br> E que consiste em saber, se ocorre, nos autos, a excepção de caso julgado, em função de, no entendimento do recorrente, o artigo 1813º, do C.C., estar ferido de inconstitucionalidade, material; <br> Previamente, contudo, importará, ainda, apreciar a questão, colocada pelo recorrido e no prisma, de que, em sede de recurso de revista, este Supremo, não pode, apreciar questões novas; <br> Com efeito, a competência do S.T.J., nessa sede, acha-se definida, no artigo 721º do C.P.C., e constitui jurisprudência pacífica que na mesma, é vedado, a este tribunal, o conhecimento, de questões, que não foram objecto, de censura pela Relação;<br> Nesta óptica, entre outros, o Ac. deste S.T.J., de 13 de Abril de 1994, B.M.J., 436º, 398, ao abordar esse sector de delimitação da via de recurso;<br> Na verdade, os recursos, visam a revisão da legalidade ou ilegalidade, duma decisão judicial e não se destinam, portanto, a obter do tribunal "ad quem" decisões sobre questões novas;<br> Porém, se tal é, em princípio, relevante, terá, outrossim, de se perfilhar que existe a ressalva, de se tratar de questões, cuja índole envolva conhecimento oficioso; <br> E como, aliás, tem sido, também, o sentido expresso da referida jurisprudência, pacífica;<br> Ora, "in casu", a questão levantada no presente recurso, e por um lado, e reportando-se a matéria de eventual "inconstitucionalidade", reveste, inequivocamente natureza de conhecimento oficioso, e posto que os tribunais, devem apreciá-la, se, colocada;<br> Por outro, acontece também, que a referência à base, da anterior acção, estava já especificada, como se vê, da respectiva alínea E);<br> Donde que, ao fim e ao resto, não se encontre uma "novidade", no sentido pleno, do termo, ao menos;<br> Ou seja, a aplicabilidade que se discute do artigo 1813º do C.C., não deixou, de facto, de ser encarada, se bem que de forma implícita pelas instâncias,<br> Em conformidade, e mesmo ponderando que, em última análise, o tema, poderá ser da competência específica, do Tribunal Constitucional, perfilha-se, contudo, e para já o dever conhecer-se, de imediato, dessa questão;<br> Daí, que, se entenda, julgar, improcedente a questão prévia levantada pelo recorrido, nas suas contra-alegações, o que implica assim, o conhecimento do recurso;<br> E fazendo-o, importará, nessa sede, fazer a apreciação, dos dispositivos da lei civil, que disciplinam, a matéria, nomeadamente, os artigos 1864º e 1865º, n.º 5, do C.C.;<br> E, para concluir, que nas acções de averiguação oficiosa da paternidade, avulta e predomina, o interesse geral e de ordem pública, que ao Estado cabe defender por intermédio do M.º P.º;<br> Por sua vez, e no tocante, já, à acção de investigação da paternidade, de índole e natureza facultativa, a sua regulamentação, está prevista, nos artigos 1869º e 1813º, daquele diploma substantivo;<br> Previsto este último, onde se consagra que a improcedência da acção oficiosa, não obsta a que seja intentada nova acção de investigação, ainda que fundada nos mesmos factos;<br> Neste enquadramento, será de considerar, legítima, a conclusão, de que tal dispositivo legal, integra e constitui, portanto, uma excepção, ao regime geral constante do artigo 674º do C.P.C., e o qual define o âmbito subjectivo do caso julgado em acções de Estado;<br> Com efeito, o legislador, ao contemplar tal sede, por certo, que pretendeu que a dita averiguação oficiosa, inspirada pelo interesse público da filiação, não diminuísse, todavia, o tradicional direito do investigante particular, empenhado na constituição do estado jurídico de filho;<br> Nessa expressão, também, o Professor Guilherme de Oliveira, Estabelecimento da Filiação, 35;<br> E no caso, até, a Lei surge, clara e inequívoca, e na medida em que, mediante o dispositivo inserido no artigo 1868º, do C.C., remete para o citado 1813º do mesmo texto legal; <br> Isto é, permite, que se intente, nova acção de investigação de paternidade, ainda que fundada nos mesmos factos e, não obstante, a acção oficiosa tenha sido julgada improcedente; <br> E sendo assim, com tal enquadramento legal, é evidente que se constituiu, um notório, regime de excepção, aos princípios disciplinares, do instituto do caso julgado;<br> De resto, aquele regime excepcional tem inteira justificação, não só na ponderação dos direitos que se acham em causa, como, também na possibilidade que confere de, mediante a acção de natureza particular, se viabilizar, um apuramento, fáctico, porventura, mais avançado;<br> Isto é, possibilitando-se, uma investigação, não atingível na acção oficiosa, e no quadro, inevitável nesta, do distanciamento do M.º P.º, face ao concretismo da situação;<br> E ao invés, precisamente, do que, por via de regra acontece com os particulares na moldura do interesse destes, que, sempre, se encontrará presente; <br> Assunção essa, aliás e também, que tem sido defendida neste Supremo, numa opção jurisprudencial genérica;<br> E de que é exemplo, entre outros, o Acórdão, de 3 de Novembro de 1994, Co. Jur., 1994, 3.º, 115, ao focar tal interesse, como específico, e autónomo;<br> Na verdade, a eficácia do caso julgado, assume-se, como meramente relativa e, posto que, em princípio, abrange, só, as partes, que intervieram na acção;<br> E se é certo, que nas acções sobre o estado das pessoas, o âmbito daquele instituto, é extensível, a terceiros, se houve oposição destes, essa regra, todavia, sofre a excepção prevista no artigo 1813º do C.C.;<br> E por se dever entender, que o caso julgado formado, aí, pela improcedência da acção de investigação oficiosa de paternidade, proposta pelo M.º P.º, contra o Réu que deduza oposição não vincula o filho, por este ser terceiro, naquela acção; <br> Daí, que este, possa, obviamente, intentar uma nova acção, de investigação de paternidade;<br> Mesmo, que fundada nos mesmos factos, e por inexistir, caso julgado, como se explicitou;<br> Nesse significado, outrossim, o Dr. Oliveira e Silva, Filiação, 50, assim, como, o Professor Pereira Coelho, Filiação, 63, e o Dr. Jacinto Bastos, Direito de Família, 4.º, 124, ao reportarem-se, também, em termos genéricos, a tal sede;<br> Acresce, que à pretensão, do recorrente, na invocação, da "inconstitucionalidade" do dito artigo 1813º, do C.C., e por violação, do n.º 1, do artigo 202º, da C.R.P., não assiste, qualquer fundamento;<br> Com efeito, segundo o dito preceito constitucional, os Tribunais, são os órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo, e, função jurisdicional, essa, que é feita, com independência, e, sendo as suas decisões obrigatórias, para todos, no quadro, dos artigos 209º e 205º, n.º 2, da referida Lei Fundamental;<br> Ora, a disposição inserida no artigo 1813º, do C.C., não se revela viciada, em termos constitucionais, como sustenta o recorrente, traduzindo, antes, a tradução na Lei civil, dos princípios, de incidência constitucional, que encontram a sua consagração, nos artigos 36º, 68º e 69º da C.R.P.;<br> E no que respeita, à matéria, de direitos fundamentais, no âmbito da família, casamento, filiação, maternidade, paternidade, e infância;<br> Por outro lado, uma integração, violadora, do espírito e da letra constitucional, só aconteceria no caso de suceder, em concreto, uma derrogação da protecção, garantístico, que informa, os dispositivos, da (C.R.P.), e tal não, se verifica, aqui;<br> Nesse alcance, e ensinamento, expendido pelo Professor Gomes Canotilho, Direito Constitucional, 5.ª Ed., 379 e, entre outros, o Ac. do Tribunal Constitucional, de 19 de Junho de 1996, n.º 786/96, DR., II, de 20 de Agosto de 1996, e página 11660, também;<br> De resto, acresce ainda, que a acção "sub-judice", e como advém da simples consulta dos respectivos elementos, não é uma mera "repetição", da acção acontecida, na comarca de Caminha, e por ter envolvido, uma indagação fáctica, e investigatória, portanto bem mais ampla; <br> E sendo, outrossim, de ponderar, que, na de natureza oficiosa, é como se alcança de fls. 76 verso, ocorreu, apenas, uma situação, de falta de prova, da filiação, natural ou biológica;<br> Não, sem que tal, obviamente, configurasse, desde logo, e em si, a inviabilidade, da dita investigação, mais ampla e fundada, através da iniciativa privada, do interessado; <br> O que é, precisamente, a "ratio legis", do aludido artigo 1813º, como e pôs em relevo; <br> Por todo o exposto, pois, e sem necessidade até, de mais considerandos, será legítima a conclusão de que tal dispositivo, não é materialmente inconstitucional;<br> Bem como, que o mesmo, não ofende, o princípio do caso julgado;<br> Assim sendo, torna-se evidente, a improcedência genérica, das conclusões alegativas do recorrente;<br> Inexistindo, consequentemente, a violação, normativa, invocada e veiculada nas normas;<br> Donde, que face à, necessária negação, da revista, ora em apreço, e quanto à sua única e exclusiva questão se tenha de confirmar o Acórdão recorrido, face à bondade do mesmo, e que aqui se dá por reproduzido, e que aliás, directamente, não foi impugnado;<br> Em conformidade, portanto, nega-se, a revista, confirmando-se, "in totum", o aliás douto Acórdão recorrido;<br> Custas, pelo Réu, recorrente.<br> <br> <br> Lisboa, 26 de Junho de 2001<br> Lemos Triunfante,<br> Reis Figueira,<br> Torres Paulo.<br> <br> 1.º Juízo T. Judicial Cascais - P. 68/96.<br> T. Relação de Lisboa - P. 6019/99 - 7.ª Sec.</font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><br> Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:<br> <br> Em 6 de Maio de 1996, A instaurou, no tribunal de círculo de Santo Tirso, acção com processo ordinário contra o Estado, pedindo a condenação deste a pagar-lhe a quantia de 18700000 escudos, acrescida de juros a partir da citação, como indemnização por todos os danos por ele sofridos com a sua prisão preventiva decretada ilegal e injustificadamente.<br> Contestou o réu no sentido de ser absolvido do pedido.<br> Replicou o autor para manter a sua posição inicial.<br> No saneador-sentença foi a acção julgada improcedente e, consequentemente, o réu absolvido do pedido.<br> Inconformado, recorreu o autor.<br> O Tribunal da Relação do Porto, pelo acórdão de folhas 1211 e seguintes, datado de 26 de Outubro de 1999, sem qualquer voto de vencido, julgou improcedente a apelação e confirmou a decisão da 1. instância.<br> Ainda não conformado, o autor interpôs o presente recurso de revista, em cuja alegação formula as conclusões seguintes:<br> 1. O douto julgador "a quo" limitou-se a seleccionar os factos adequados à solução jurídica que adoptou na sua sentença, tendo omitido todos os factos relacionados com a tese do autor, plausível em termos de direito;<br> 2. Pelo que tais factos deverão ser seleccionados para serem tomados em conta na decisão final, independentemente da solução jurídica que for adoptada: artigos 2 a 34, 36 a 38, 40, 44, 45, 48, 49, 52, 56 a 110 da petição inicial e 6, 8 a 14 da resposta;<br> 3. Também, ilicitamente, a douta sentença em apreço padece da omissão de pronúncia em relação à inconstitucionalidade do artigo 225 do Código de Processo Penal, tendo em conta o disposto nos artigos 1, 2, 3, 9, 25, 27, 28, 29 e 32 da Constituição;<br> 4. Principalmente com violação clamorosa do disposto na alínea a), n. 3 do artigo 27 da Constituição ("fortes indícios de prática de crime doloso");<br> 5. O autor foi acusado e mantido em prisão sob imputação de crimes de passagem de moeda falsa, corrupção activa, não promoção dolosa, violação do segredo de justiça e favorecimento pessoal, nos quais a acusação foi totalmente omissa de factos;<br> 6. Os únicos "indícios" foram os resultantes de sete telefonemas ou tentativas de telefonemas, dois deles ilegais (sem a caução prévia de um despacho judicial);<br> 7. Que nada permitiu concluir sobre a prática de crime de tráfico de estupefacientes; <br> 8. Só em ambiente de histeria e desiquilíbrio emocional das forças policiais, a rondar a parvoíce legal, é que o autor (e outros 20 arguidos absolvidos) é que foi possível mantê-lo em prisão preventiva;<br> 9. Num Estado de Direito - que seja, pelo menos, pessoa de bem! - não é admissível desculpabilizar gravíssimos comportamentos policiais, com a complacência do poder judicial;<br> 10. Os fins não justificam os meios;<br> 11. Os factos constantes das gravações nunca poderiam consistir "fortes indícios" da prática de um dos crimes de que o autor fora acusado; a decisão de prisão preventiva do autor foi arbitrária;<br> 12. Foi violado o princípio constitucional da presunção de inocência do arguido;<br> 13. Após a absolvição a presunção de inocência do arguido não pode ser posta em causa, nomeadamente para o efeito de atribuição de uma indemnização por prisão preventiva injusta;<br> 14. Foram violadas as disposições já referidas, nomeadamente dos artigos 511, 668, 659 e seguintes do Código de Processo Civil, 1, 2, 3, 9, 25, 27, 28, 29, 32, 208 da Constituição, 5 da C.E.D. Homem e artigo 3 do seu Protocolo Adicional n. 7 e mais disposições legais aplicáveis.<br> Contra-alegando, o recorrido pugna pela manutenção do julgado.<br> Colhidos os vistos, cumpre decidir.<br> A matéria de facto a ter em conta é a fixada pelas instâncias, ordenada pela Relação no acórdão recorrido, para cujos termos se remete, ao abrigo do disposto no artigo 713, n. 6, aplicável por força do artigo 726, ambos do Código de Processo Civil.<br> Como se sabe, são as conclusões insertas na respectiva alegação que delimitam o objecto do recurso (artigos 684, n. 1, e 690, n. 3, do Código de Processo Civil).<br> Com excepção das 12. e 13., as conclusões da alegação do presente recurso são iguais às formuladas no recurso de apelação, cujo objecto foi já conhecido e decidido no acórdão da Relação.<br> A Relação decidiu - e bem - que não se torna necessário apurar quaisquer outros factos para decretar a improcedência do pedido formulado pelo autor; que não houve omissão de pronúncia quanto à inconstitucionalidade do artigo 225 do Código de Processo Penal, que voltou a apreciar e a afastar; que o autor não tem o direito que invoca - direito a indemnização pela prisão preventiva que sofreu.<br> A fundamentação do acórdão recorrido, devidamente estruturado, e que o recurso de revista não abala, pois ele dirige-se mais à sentença da 1. instância do que ao acórdão recorrido, justifica a legalidade da solução encontrada, sendo, por isso, de confirmar.<br> Assim, bem nos poderiamos limitar a remeter para os fundamentos do acórdão recorrido, no seguimento da igualmente bem fundamentada decisão da 1. instância, nos termos dos artigos 713, n. 5, e 726 do Código de Processo Civil.<br> Não deixaremos, no entanto, de tecer algumas mais considerações.<br> Entende o recorrente que o artigo 225 do Código de Processo Penal é inconstitucional por brigar com o disposto nos artigos 1, 2, 3, 9, 25, 27, 28, 29 e 32 da Constituição.<br> Não lhe assiste, porém, razão.<br> O referido artigo 225, uma norma de direito material, embora inserida no Código de Processo Penal, regula o direito a uma indemnização a favor de pessoa que tenha sofrido uma prisão preventiva ilegal ou injustificada.<br> Nos termos do seu n. 1, "quem tiver sofrido detenção ou prisão preventiva manifestamente ilegal pode requerer... indemnização dos danos sofridos com a privação da liberdade".<br> Estão aqui previstas não só as detenções ou prisões preventivas realizadas por quaisquer autoridades administrativas ou policiais como ainda por magistrados judiciais sem a necessária competência legal ou agindo à margem dos princípios da sua função.<br> Nada disto sucede no caso dos autos, pois a prisão preventiva do ora recorrente foi ordenada no âmbito de processo criminal instaurado e pelo juiz competente, no exercício das suas funções.<br> O direito invocado pelo recorrente só podia, pois, ancorar-se no n. 2 do mesmo artigo 225, que preceitua assim: "O disposto no número anterior aplica-se a quem tiver sofrido prisão preventiva que, não sendo ilegal, venha a revelar-se injustificada por erro grosseiro na apreciação dos pressupostos de facto de que dependia, se a privação da liberdade lhe tiver causado prejuízos anómalos e de particular gravidade. Ressalva-se o caso de o preso ter concorrido por dolo ou negligência, para aquele erro".<br> Exige-se, pois, a verificação dos pressupostos seguintes:<br> 1. Revelação da prisão preventiva injustificada por erro grosseiro na apreciação dos factos de que dependia;<br> 2. Existência de prejuízos anómalos e de particular gravidade causados pela privação da liberdade.<br> Tais pressupostos não se verificam no caso dos autos, pois, face aos indícios recolhidos ao longo do processo criminal, que constam da matéria de facto dada como provada, justificava-se legalmente a prisão preventiva decretada pelo respectivo juiz, não se detectando qualquer erro, e muito menos grosseiro, na medida judicial tomada.<br> E não se diga, como o faz o recorrente, que os pressupostos exigidos pelo n. 2 do artigo 225 do Código de Processo Penal para a obtenção do direito a uma indemnização por uma prisão preventiva sofrida são inconstitucionais.<br> De todas as normas invocadas pelo recorrente para nelas alicerçar a inconstitucionalidade do artigo 225 do Código de Processo Penal, há apenas que atentar no n. 5 do artigo 27 da Constituição, pois todas as restantes aludidas no recurso não oferecem mais garantias ao cidadão que foi sujeito a prisão preventiva.<br> Nos termos do n. 5 do artigo 27 da Constituição, "a privação da liberdade contra o disposto na Constituição e na lei constitui o Estado no dever de indemnizar o lesado nos termos que a lei estabelecer".<br> Não se vê que o falado artigo 225 do Código de Processo Penal esteja em oposição com o referido artigo 27, n. 5, da Constituição.<br> O Tribunal Constitucional já se pronunciou sobre esta questão no acórdão n. 160/95, de 15 de Março de 1995, publicado no Boletim do Ministério da Justiça, Suplemento, Acórdão do Tribunal Constitucional, Novembro de 1994" - Abril de 1995, páginas 584 e seguintes.<br> Dele se transcreve o seguinte:<br> "Como também ficou dito no citado acórdão n. 90/84, trata-se aqui de situações em que a Constituição deixa deliberada e intencionalmente dependente do legislador - dito de outro modo: em que remete para o legislador - a efectivação de um certo princípio, ou do direito por este reconhecido". E mais adiante: "...ao fazê-lo, o legislador constitucional não apenas atribui ao legislador ordinário um específico encargo, mas, verdadeiramente, lho reserva.<br> O legislador, portanto, cumpriu a directiva constitucional no n. 1 do artigo 225, prevendo aí os casos de detenção ou prisão preventiva manifestamente ilegal e distinguindo no n. 2 os casos em que ela não é ilegal. Não lhe estava vedado pelo legislador constitucional seguir esse caminho, pois o n. 5 do artigo 27 limita-se a prever a privação da liberdade contra o disposto na Constituição e na lei, derivando, no plano da responsabilidade civil, o dever de indemnizar por parte do Estado de actuações lícitas ou ilícitas dos órgãos intervenientes nessa privação da liberdade".<br> A Constituição reserva, pois, ao legislador ordinário a tipificação dos casos em que é dever do Estado indemnizar um cidadão que sofreu prisão preventiva fora dos casos previstos na lei.<br> Foi o que sucedeu com o artigo 225 do Código de Processo Penal, que, assim, não sofre de qualquer inconstitucionalidade.<br> E porque o recorrente não provou os pressupostos fixados na lei para a existência do invocado direito a ser indemnizado por ter sofrido uma prisão preventiva, a acção nunca podia proceder.<br> Tal conclusão não briga com o princípio da presunção de inocência do arguido, que também não acarreta automaticamente o dever de indemnizar por parte do Estado a todo aquele que, mantido em prisão preventiva, vem, a final, a ser absolvido.<br> Apesar de os indícios recolhidos no processo criminal justificarem a prisão preventiva e levarem à suposição de o arguido vir a ser condenado, ele não deixa de se presumir inocente. Por assim ser é que, não se fazendo prova cabal dos factos integrantes do crime ou crimes por que foi recebida a acusação, ficando-se apenas pelos indícios, o arguido tem necessariamente de ser absolvido.<br> Como se diz no acórdão recorrido, citando o acórdão deste Supremo Tribunal de 17 de Outubro de 1995, Col. Jur., Acórdãos do S.T.J., ano III, tomo 3, página 65, "a prisão preventiva não é injustificada, e muito menos por erro grosseiro, só porque o interessado vem a ser absolvido".<br> Não se mostram, pois, violadas quaisquer disposições legais no acórdão recorrido.<br> Nestes termos, e remetendo também para os fundamentos do acórdão impugnado, nega-se a revista.<br> Custas pelo recorrente, sem prejuízo do apoio judiciário concedido.<br> <br> Lisboa, 4 de Abril de 2000<br> Tomé de Carvalho,<br> Silva Paixão ,<br> Silva Graça.<br> <br> Tribunal Judicial de Santo Tirso - Processo n. 147/96 - 2. Secção.<br> Tribunal da Relação do Porto - Processo n. 1049/99 - 2. Secção. </font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><br> <br> <font>Revista nº 6091/03.5TVLSB.L1.S1</font> <p><font>Acção com Processo Ordinário</font> </p><p><font>Comarca … – … – Inst. Central – Secção Cível – J2</font> </p><p><font>Relação … – 6ª Secção Cível</font> </p><p><font>Supremo Tribunal de Justiça – 1ª Secção Cível</font> </p><p><font> </font> </p><p><font> </font> </p><p><font>ACORDAM OS JUÍZES QUE CONSTITUEM O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA</font><a><u><font>[1]</font></u></a><font>:</font> </p><p><font> </font> </p><p><font> </font><br> <font>AA, entretanto, falecida e representada pelos herdeiros habilitados BB, CC e DD, propôs a presente acção declarativa, com processo ordinário, contra EE, entretanto, falecido e representado pelos herdeiros habilitados FF e GG,</font><b><font> “</font></b><font>HH, Lda”, “II”, representada pelo seu Presidente, JJ e, actualmente,</font><b><font> “</font></b><font>SEGURO KK, SA”, todos, suficientemente, identificados, alegando, pedindo que, na sua procedência, os réus sejam condenados, solidáriamente, a pagar-lhe a quantia de 26 496,00 euros, alegando, para tanto, e, em síntese, que no dia 6 de Setembro de 1999, no decurso das festas de Nossa Senhora da Saúde, em …, quando o réu EE, ao serviço da ré HH, Lda, que lhe havia sido encomendado pela ré II, e segurado pela ré </font><b><font>“</font></b><font>SEGURO KK, SA”, procedia ao lançamento de fogo de artifício, tombou uma caixa de bombas pirotécnicas que explodiram e dispararam na horizontal, junto ao chão, atingindo a autora, que se encontrava a assistir ao espectáculo, no local destinado ao público, atrás das grades de segurança, causando-lhe diversos ferimentos, no membro inferior direito, que lhe determinaram despesas em tratamentos, consultas, exames médicos, taxas moderadoras e medicação, no valor global de 29 943$00 (1496,11 euros) e sofrimentos que avalia em 25 000,00 euros, pelos quais são responsáveis os réus, nos termos do artigo 493° n°2 do CC.</font><br> <font>Na sua contestação, os réus EE e HH, Lda arguiram a exceção da prescrição, impugnando os danos invocados e os valores peticionados e alegando que foram tomados todos os cuidados exigíveis e previsíveis, pois a operação de lançamento de fogo de artifício encontrava-se licenciada pela II, os contestantes estavam habilitados para a tarefa, foi feita a participação à PSP e à corporação de bombeiros, que estiveram no local, o qual foi isolado com a colocação de um gradeamento a uma distância adequada, a II celebrou contrato de seguro com a 4</font><sup><font>a</font></sup><font> ré e, por outro lado, as caixas com o material pirotécnico foram colocadas no chão para evitar que pudessem cair e explodir, processando-se o lançamento do fogo directamente das caixas até que, por razão ignorada, mas que se supõe originada pela trepidação do rebentamento de um foguete, uma das caixas tombou para ao lado e um dos foguetes saiu na horizontal dirigindo-se para um sector onde se encontravam pessoas, tendo o réu EE imediatamente levantado a caixa impedindo que mais foguetes pudessem ser lançados na direcção do público e tendo a autora sido prontamente assistida no local pelos bombeiros e conduzida ao hospital, concluido com o pedido da improcedência da acção e da absolvição do pedido.</font><br> <font>Na sua contestação, a ré II arguiu a ilegitimidade passiva e a prescrição e impugnou a versão da petição inicial e os danos invocados, alegando ainda que foram tomadas todas as cautelas exigíveis, pois foram contratados o 1</font><sup><font>o e a</font></sup><font> 2</font><sup><font>a</font></sup><font> ré, ambos com larga experiência de actividade pirotécnica, foram erguidas barreiras de proteção metálica à frente do palco e foram convocados os bombeiros e a PSP, concluido pela procedência das excepções e a absolvição da instância ou do pedido.</font><br> <font>Finalmente, a ré seguradora, na sua contestação, arguiu a excepção da prescrição e ainda o limite do capital seguro, bem como a existência de outros lesados, por conta dos quais já efectuou pagamentos, com a consequente diminuição do capital seguro disponível, concluindo com o pedido de procedência da exceção da prescrição oun que o julgamento ocorra de acordo com a prova a produzir e tendo em conta as excepções fundadas no contrato de seguro.</font><br> <font>Na réplica, a autora opôs-se às exceções cdeduzidas.</font><br> <font>No despacho saneador, foram julgadas improcedentes as exceções da ilegitimidade e da prescrição.</font><br> <font>A sentença julgou </font><i><font>“a acção parcialmente procedente e (após rectificação que eliminou a condenação em juros) condenou (a) solidariamente os réus FF, LL, HH, Lda e II de … a pagar aos autores a quantia de 25 498,80 euros; (b) a ré SEGURO KK, SA a pagar aos autores, solidariamente com a ré II de …, a quantia atrás referida, até ao limite de 4 271,17 euros”</font></i><font>.</font><br> <font>Desta sentença, a ré “II de …”, interpôs recurso de apelação, com subsequente apresentação de alegações, tendo o Tribunal da Relação “julgado improcedente a apelação e confirmado a sentença recorrida”.</font> </p><p><font>Deste acórdão da Relação de …, a ré “II de …”, interpôs agora recurso de revista, para este Supremo Tribunal de Justiça, concluindo as alegações com as seguintes conclusões que, integralmente, se transcrevem:</font> </p><p><font>1ª - O lançamento e queima de fogos-de-artifício, à data dos factos, eram regulados por lei especial, concretamente o Decreto-Lei n.° 376/84 de 30/11, a qual, nesta qualidade, afasta desde logo a aplicação direta do artigo 493.°, n.° 2, do Código Civil.</font> </p><p><font>2ª - Dispõe, </font><i><font>inter alia. </font></i><font>o art.° 38.°, n.° 1 do decreto-lei que precede que o fogo deve ser lançado por pessoas tecnicamente habilitadas, devendo o seu lançamento ser feito sem perigo ou prejuízos para terceiros.</font> </p><p><font>3ª - </font><i><font>O </font></i><font>art.° 493 n.° 2 do C. Civil, não se aplica à II, que é mera organizadora da festividade, não exerceu qualquer "atividade perigosa", não recaindo sobre ela qualquer presunção de culpa que </font><i><font>de\/a </font></i><font>ilidir.</font> </p><p><font>4ª - Quem exerceu, no caso em concreto a atividade perigosa de manuseamento e lançamento de fogo-de-artifício foi o respetivo lançador, sendo que a recorrente/II unicamente encomendou à empresa, 2.</font><sup><font>a</font></sup><font> ré, foguetes, material pirotécnico e a prestação de um serviço, o lançamento de fogo.</font> </p><p><font>5ª - </font><i><font>A </font></i><font>palavra "quem" </font><i><font>ínsita </font></i><font>no aludido art.° 493.°, n.° 2 refere-se ao agente, aquele que, com&nbsp;&nbsp; a&nbsp;&nbsp; sua&nbsp;&nbsp; atuação,&nbsp;&nbsp; causou&nbsp;&nbsp; os&nbsp;&nbsp; danos,&nbsp;&nbsp; </font><i><font>in&nbsp;&nbsp; casu.&nbsp;&nbsp; ao&nbsp;&nbsp; </font></i><font>lançador&nbsp;&nbsp; do&nbsp;&nbsp; fogo&nbsp;&nbsp; e&nbsp;&nbsp; à&nbsp;&nbsp; empresa&nbsp;&nbsp; de pirotecnia para quem ele trabalhava.</font> </p><p><font>6ª - Se se considerar que a argumentação que precede nâo colhe, vale contra a II e o seu presidente a presunção de culpa estatuída no artigo 493.°. n.° 2.</font> </p><p><font>7ª - As festividades de Nossa Senhora da Saúde, em …, contaram com a presença de agentes da PSP de … (facto provado sob 2 da sentença </font><i><font>recorrida); </font></i><font>que controlavam o local da festa (facto provado sob 3 da sentença recorrida) e a quem a II pagou os respetivos serviços, cfr. documento não impugnado de fls. 215; a II requereu e obteve a licença de lançamento de fogo-de-artifício (facto provado sob 4 da </font><i><font>sentença recorrida); </font></i><font>tal comissão contratou com o primeiro réu e com a empresa 2.° ré, aquele por ser trabalhador com muitos anos de atividade </font><i><font>pirotécnica </font></i><font>e esta por </font><i><font>ser </font></i><font>uma empresa credível no mesmo ramo (facto provado sob 5 </font><i><font>da </font></i><font>sentença recorrida); foram erguidas barreiras de protecção metálica, à frente do palco, no Largo ..., em …, para que entre o palco e o local do lançamento do fogo, não houvesse público de permeio (factos provados sob 6 e 7 da sentença recorrida); o palco tinha uma estrutura metálica revestida na parte superior e no tardoz a chapa galvanizada (facto </font><i><font>provado </font></i><font>sob 8 </font><i><font>da </font></i><font>sentença recorrida); no local encontravam-se ainda os Bombeiros Voluntários de …, com o seu chefe, e diverso material: uma viatura de combate a incêndios e ambulância (facto provado sob 9 </font><i><font>da </font></i><font>sentença </font><i><font>recorrida), </font></i><font>que foram previamente informados pela II e ajudaram "com as restantes autoridades presentes a delimitar a zona de lançamento, </font><i><font>criando para o </font></i><font>efeito </font><i><font>barreiras de </font></i><font>protecção", </font><i><font>vide </font></i><font>documento não impugnado de fls. 208.</font> </p><p><font>8ª - Não </font><i><font>era </font></i><font>exigível à II que tomasse mais providências do que as que efetivamente tomou, pelo que a haver responsabilidade desta sempre a mesma teria que ser baseada na culpa.</font> </p><p><font>9ª - </font><i><font>A </font></i><font>forma como o sinistro ocorreu encontra-se descrita </font><i><font>na </font></i><font>sentença </font><i><font>recorrida, </font></i><font>sob factos provados 14 a 17, 20, 56, 57 e 60.</font> </p><p><font>10ª - Ficou provado que foi o primeiro réu que, a dado passo, ao lançar o fogo-de-artifício, permitiu que caísse uma caixa de foguetes, por falta de estabilização no solo, os quais depois dispararam </font><i><font>na </font></i><font>horizontal, junto </font><i><font>ao </font></i><font>chão, em vez de subirem </font><i><font>na </font></i><font>vertical, e rebentaram contra o público assistente, assim atingindo a primitiva autora, dando origem ao acidente (pontos 10° e 12° a 16° do elenco factual).</font> </p><p><font>11ª - Foi tal falta de estabilização, seguida do tombo da caixa de foguetes e posterior projeçao e rebentamento dos foguetes que foi causa adequada do sinistro.</font> </p><p><font>12ª - </font><i><font>A </font></i><font>II não tinha que intervir no processo de lançamento dos foguetes, mas </font><i><font>ainda </font></i><font>que interviesse </font><i><font>não </font></i><font>evitava que os mesmos fossem lançados, com os resultados danosos </font><i><font>daí </font></i><font>advenientes.</font> </p><p><font>13ª - </font><i><font>A II</font></i><font> não tem qualquer poder de controlo ou fiscalização sobre o processo de lançamento dos foguetes, mas ainda que tivesse esse poder tal facto não se mostra sequer alegado nos autos.</font> </p><p><font>14ª - Só após o início do lançamento dos foguetes se consegue observar se a caixa dos foguetes está, ou não, estabilizada no solo, e ainda que se </font><i><font>queira </font></i><font>intervir, caso a caixa não esteja estabilizada no sol, isso não trava o processo de lançamento dos foguetes, uma vez acendido o rastilho </font><i><font>(vide </font></i><font>resposta dada aos pontos 56, 57 e 60).</font> </p><p><font>15ª - </font><i><font>A </font></i><font>II não tem que controlar ou dar instruções sobre a queima e lançamento de fogo-de-artifício a especialistas nessa arte.</font> </p><p><font>16ª - </font><i><font>O </font></i><font>acórdão sob recurso refere que a falta de estabilização </font><i><font>no </font></i><font>solo das caixas de foguetes se trata de uma imperícia pessoal do </font><i><font>lançador </font></i><font>que a II podia controlar e prever para evitar o sinistro, não concretizando, contudo, um único dever de </font><i><font>cuidado </font></i><font>ou conduta que esta tenha omitido.</font> </p><p><font>17ª - Resulta dos factos provados que o acidente ocorreu por falha humana do fogueteiro, 1.° réu, que deixou cair uma </font><i><font>caixa </font></i><font>com bombas pirotécnicas, uma vez que, durante o lançamento dos foguetes, não logrou estabilizar no solo essa </font><i><font>caixa.</font></i> </p><p><i><font>18ª - O art.° </font></i><font>493.° do </font><i><font>CC </font></i><font>consagra uma excepção quanto ao ónus da prova de um dos elementos da responsabilidade civil subjectiva — a culpa — e </font><i><font>não </font></i><font>quanto aos restantes elementos, designadamente a ilicitude e o nexo de causalidade entre o facto e o dano.</font> </p><p><font>19ª - </font><i><font>Perante </font></i><font>os factos provados é manifesto que a aqui </font><i><font>recorrente não teve </font></i><font>qualquer intervenção no processo causal que deu origem aos danos, e mesmo que se entendesse que teve, sempre o pirotécnico, 1.* réu, e a empresa pirotécnica, 2.° ré, enquanto entidades especializadas teriam um dever </font><i><font>acrescido de </font></i><font>tudo fazer para os </font><i><font>evitar.</font></i> </p><p><i><font>20ª - </font></i><font>Assim, </font><i><font>ainda que se entenda que o </font></i><font>aludido art.° 493.°, n.° 2 se aplica à II e ao seu presidente,&nbsp; consideramos que estes&nbsp; ilidiram a presunção de culpa que impende sobre eles.</font> </p><p><font>21ª - Os factos provados não permitem que a Relação reverta contra a II, a falta de estabilização das bombas pirotécnicas, posterior queda de uma dessas caixas e o rebentamento do engenho explosivo causador dos danos, uma vez que se estabelece um nexo causal rigoroso entre a falta de </font><i><font>cuidado </font></i><font>imputada ao lançador do fogo e os danos que o foguete provocou.</font> </p><p><font>22ª - Ainda que se considere que a II é responsável pelo sinistro a sua responsabilidade </font><i><font>não é </font></i><font>do mesmo grau que a responsabilidade do fogueteiro e </font><i><font>da </font></i><font>empresa fornecedora dos foguetes, onde ele trabalhava.</font> </p><p><font>23ª - Há uma desproporção de culpas, resultante da não profissionalização </font><i><font>da </font></i><font>II e do seu presidente contraposta à especificidade de conhecimentos para ser levado a cabo o espetáculo de fogo-de-artifício.</font> </p><p><font>24ª - Esta disparidade de situações não pode passar indiferente ao julgador para cuja sensibilidade apela o artigo 494.°, quer considerando o grau de culpa, quer as demais circunstâncias do caso.</font> </p><p><font>25ª - Se se condenar a II a indemnização que lhe couber não deve ultrapassar os15% do total a que têm direito os autores.</font> </p><p><font>26ª - O processo não dispõe de factos que, mesmo com </font><i><font>recurso </font></i><font>à equidade, justifiquem a atribuição de uma indemnização por danos não patrimoniais no valor de 25.000 €.</font> </p><p><font>27ª - Até porque as lesões que a primitiva autora sofreu são superficiais, considerando-se adequada uma compensação, a título de danos não patrimoniais, não superior a 12.500 euros.</font> </p><p><font>28ª - Termos em que - por a II não ter culpa no sinistro em questão, caso assim se não entenda, por ter ilidido a presunção de culpa </font><i><font>que </font></i><font>sobre ela impendia - deve o presente recurso ser julgado procedente e em consequência deve o douto acórdão sob revista </font><i><font>ser revogado </font></i><font>na parte em que condenou a apelante a pagar solidariamente com os outros réus os quantitativos referidos na decisão da 1.ª instância, que o </font><i><font>acórdão recorrido </font></i><font>confirmou, substituindo-se por outro que a absolva de tal pedido.</font> </p><p><font>29ª - Se assim se não entender, o douto </font><i><font>acórdão </font></i><font>sob revista deverá ser revogado e substituído por outro que não condene a II em mais de 15% </font><i><font>do </font></i><font>total a que têm direito </font><i><font>os </font></i><font>autores e que não atribua aos danos não patrimoniais que a primitiva autora sofreu uma quantia superior a 12.500 euros.</font> </p><p><font>30ª - O acórdão recorrido violou todas as disposições de direito substantivo e adjectivo enunciadas nestas conclusões.</font> </p><p><font>Nas suas contra-alegações, os autores habilitados, concluem no sentido de que deve ser mantido o doto acórdão recorrido.</font> </p><p><font>O Tribunal da Relação entendeu que se devem considerar demonstrados os seguintes factos, que este Supremo Tribunal de Justiça aceita, nos termos das disposições combinadas dos artigos 674º, nº 3 e 682º, nº 2, do Código de Processo Civil (CPC), mas reproduz:</font> </p><p><font>1. No dia 6 de Setembro de 1999, pelas 01h l5m, no encerramento das Festas de Nossa Senhora da Saúde, que decorriam no largo ..., em …, houve lançamento de fogo-de-artifício (alínea A) dos factos assentes).</font> </p><p><font>2. E, no local da Festa, encontravam-se ainda agentes da PSP de ... (resposta ao art° 70°) da base instrutória).</font> </p><p><font>3. O local era controlado pela Polícia de Segurança Pública (resposta ao art° 54°) da base instrutória).</font> </p><p><font>4. A II requereu e obteve a licença de lançamento de fogo-de-artifício (resposta ao art° 65°) da base instrutória).</font> </p><p><font>5. Tal comissão contratou com o 1</font><sup><font>o</font></sup><font> Réu e com a 2</font><sup><font>a</font></sup><font> Ré aquele por ser trabalhador com longos anos de actividade pirotécnica e esta empresa credenciada no mesmo ramo (resposta ao art° 66°) da base instrutória).</font><br> <font>6. Foram erguidas barreiras de protecção metálicas, à frente do palco, no Largo ..., em ... (resposta ao art° 67°) da base instrutória).</font><br> <font>7. Para que entre o palco e o local de lançamento do fogo, não houvesse público de permeio (resposta ao art° 68°) da base instrutória).</font><br> <font>8. O palco tinha uma estrutura metálica revestida na parte superior e no tardoz a chapa galvanizada (resposta ao art° 64°) da base instrutória).</font><br> <font>9. No local encontravam-se ainda os Bombeiros Voluntários de ..., com o seu chefe, e diverso material: uma viatura de combate a incêndios e ambulância (resposta ao art° 69°) da base instrutória).</font><br> <font>10. O fogo-de-artifício havia sido encomendado pela 3</font><sup><font>a</font></sup><font> Ré II - … (resposta ao art° 3</font><sup><font>o</font></sup><font>) da base instrutória).</font><br> <font>11. Era o 1</font><sup><font>o</font></sup><font> Réu quem procedia ao lançamento de fogo-de-artifício (resposta ao art° 1</font><sup><font>o</font></sup><font>) da base instrutória).</font><br> <font>12. Estando ao serviço da 2</font><sup><font>a</font></sup><font> Ré (resposta ao art° 2</font><sup><font>o</font></sup><font>) da base instrutória).</font><br> <font>13. As caixas contendo o material pirotécnico foram colocadas no chão (resposta ao art° 55°) da base instrutória).</font><br> <font>14. Enquanto o 1</font><sup><font>o</font></sup><font> Réu procedia ao lançamento de fogo-de-artifício, uma caixa de bombas pirotécnicas tombou (resposta aos art°s 4</font><sup><font>o</font></sup><font>) e 59° da base instrutória).</font><br> <font>15. Tendo as mesmas explodido e disparado na horizontal, junto ao chão (resposta ao art° 5</font><sup><font>o</font></sup><font>) da base instrutória).</font><br> <font>16. Em vez de na vertical e para o ar, como seria normal (resposta ao art° 6</font><sup><font>o</font></sup><font>) da base instrutória).</font><br> <font>17. Na ocasião, um dos foguetes (bomba pirotécnica), em vez de subir na vertical, saiu disparado para o lado e foi cair no palco, atingindo, entre outros, a Autora (alínea B) dos factos assentes).</font><br> <font>18. Algumas dessas bombas, para além da referida em B), foram embater no palco (resposta ao art° 7</font><sup><font>o</font></sup><font>) da base instrutória).</font><br> <font>19. Outras atingiram a A. no membro inferior direito, abaixo do joelho e no tornozelo (resposta ao art° 9</font><sup><font>o</font></sup><font>) da base instrutória).</font><br> <font>20. A A. encontrava-se no local destinado ao público, atrás das grades de segurança colocadas para o efeito no local (resposta ao art° 10</font><sup><font>o</font></sup><font>) da base instrutória).</font><br> <font>21. Assistindo ao fogo-de-artifício (resposta ao art° 11</font><sup><font>o</font></sup><font>) da base instrutória).</font><br> <font>22. A Autora foi prontamente assistida no local, pelos Bombeiros (resposta ao art° 63°) da base instrutória).</font><br> <font>23. Em consequência do sucedido, foi a A. transportada para o HOSPITAL MM (resposta ao art° 12°) da base instrutória).</font><br> <font>24. Onde permaneceu desde as 01h28m do dia 06/09/1999, até às 03h53m do mesmo dia (resposta ao art° 13°) da base instrutória).</font><br> <font>25. A A. exibia ferimentos múltiplos no membro inferior direito (resposta ao art° 14°) da base instrutória).</font><br> <font>26. Em resultado destes ferimentos, a A. foi sujeita a diversas consultas e tratamentos diários ao longo de vários meses (resposta ao art° 15°) da base instrutória).</font><br> <font>27. Para drenagem das feridas e colocação de pensos (resposta ao art° 16°) da base instrutória).</font><br> <font>28. Ficando ausente do trabalho pelo período de 180 dias (resposta ao art° 17°) da base instrutória).</font><br> <font>29. Metade do qual com a perna em absoluto descanso (resposta ao art° 18°) da base instrutória).</font><br> <font>30. E no restante, não podendo locomover-se sem ajuda de auxiliares de marcha (resposta ao art° 19°) da base instrutória).</font><br> <font>31. Como cozinheira, a A. necessita de permanecer grande parte do dia em pé (resposta ao art° 20°) da base instrutória).</font><br> <font>32. Função que, nas actuais circunstâncias, condiciona a sua capacidade de trabalho (resposta ao art° 21°) da base instrutória).</font><br> <font>33. O que causa grande transtorno à pequena empresa familiar que possui com o seu marido (resposta ao art° 23°) da base instrutória).</font><br> <font>34. A A. sofre dores (resposta ao art° 26°) da base instrutória).</font><br> <font>35. A A. ostenta duas cicatrizes no membro inferior direito, uma na região popliteia, medindo aproximadamente 11 cm x 5 cm e um complexo cicatricial fibrótico na região posterior da articulação tíbio-társica direita, medindo aproximadamente 7 cm x 8 cm (resposta aos art°s 28°), 29°), 39°), 40° e 41°) da base instrutória).</font><br> <font>36. Razão pela qual, desde então, usa somente saias até aos pés (resposta ao art° 30°) da base instrutória).</font><br> <font>37. O que lhe causa tristeza (resposta ao art° 31°) da base instrutória).</font><br> <font>38. A Autora despendeu 96.000$0G7 € 478,85 (quatrocentos e setenta e oito euro e oitenta e cinco cêntimos) em tratamentos (resposta ao art° 32°) da base instrutória).</font><br> <font>39. Despendeu valor não concretamente apurado em tratamentos médicos (resposta ao art° 33°) da base instrutória).</font><br> <font>40. A A. suportou 4.000S00, que corresponde a € 19,95 de taxas moderadoras hospitalares (resposta ao art° 34°) da base instrutória).</font><br> <font>41. Bem como valor não concretamente apurado em medicação (resposta ao art° 35°) da base instrutória).</font><br> <font>42. A A. teve dores insuportáveis, pois os foguetes queimaram-lhe a carne nas zonas atingidas (resposta ao art° 37°) da base instrutória).</font><br> <font>43. A A. durante os tratamentos teve sempre dores (resposta ao art° 38°) da base instrutória).</font><br> <font>44. A Autora deixou de fazer praia em virtude da vergonha que sente (resposta aos art°s 42°) e 43°) da base instrutória).</font><br> <font>45. Por contrato de seguro do Ramo Responsabilidade Civil - Outros, celebrado com a II/ IGREJA NN de …, titulado pela apólice 30.831, em vigor à data do sinistro, a SEGURO KK, S.A. assumiu a responsabilidade por danos causados a terceiros em consequência do lançamento de fogo-de-artifício, foguetes e morteiros, nos dias 3 de Junho e 3, 4, 5 e 6 de Setembro de 1999 (alínea C) dos factos assentes).</font><br> <font>46. Nos termos da mencionada apólice, foi contratado um capital máximo por sinistro e período do contrato de 2.000.000$00 (€ 9.975,95), ficando a cargo do segurado a franquia de 5.000$00 (€ 24,94) - cf. documento de fls. 63 cujo teor se dá integralmente por reproduzido (alínea D) dos factos assentes).</font><br> <font>47. No acidente em causa sofreram também danos pessoais OO, PP e QQ (resposta ao art° 45°) da base instrutória).</font><br> <font>48. Assim como sofreram danos patrimoniais RR e SS (resposta ao art° 46°) da base instrutória).</font><br> <font>49. Por conta de tais danos, a 4ª Ré pagou já 1143706$00, que corresponde a €5704,78 (resposta ao artº 47º) da base instrutória). </font><br> <font>50. Os foguetes estavam dentro de caixas e o lançamento era feito com as caixas no chão, sendo as caixas compartimentadas, contendo um foguete em cada compartimento, com um único rastilho que, acendido, fazia rebentar um foguete de cada vez, passando de um compartimento para o outro, sem possibilidade de parar o processo e, à medida que rebentavam os foguetes, a caixa em causa ia abanando cada vez mais, por ir perdendo peso, até que tombou para o lado com a trepidação de um dos foguetes (respostas aos artigos 56), 57) e 60) da base instrutória).</font><br> <font>Por seu turno, foram declarados como não provados os seguintes factos:</font><br> <font>8</font><sup><font>o</font></sup><font>) Incendiando-o parcialmente.</font><br> <font>22°) Trabalhando dia sim, dia não.</font><br> <font>24°) Pois, em consequência da sua impossibilidade de trabalhar assiduamente, o marido da Autora viu-se na contingência de contratar quem a substituísse.</font><br> <font>25°) Facto que constitui uma despesa adicional, na ordem dos € 350 mensais.</font><br> <font>26°) - parte - A Autora sofre falta de sensibilidade e dormência na perna, abaixo do joelho e no tornozelo.</font><br> <font>27°) O que implica o uso permanente de meias de descanso, quer de Verão, quer de Inverno.</font><br> <font>44°) Mas também porque a exposição solar é prejudicial às cicatrizes que ostenta.</font><br> <font>48°) Em 10 de Agosto de 1999, a 4</font><sup><font>a</font></sup><font> Ré pagou a título de indemnização, a TT, a quantia de 18.000$00/€ 89,78.</font><br> <font>49°) Por processo de sinistro ocorrido em 3 de Junho de 1999, no âmbito da mesma apólice.</font><br> <font>50°) O local onde o fogo estava a ser lançado foi isolado.</font><br> <font>51°)....guardando-se a distância necessária.</font><br> <font>52°)... com gradeamento de segurança apropriado, em ferro.</font><br> <font>53°)... por forma a manter a população que assistia ao espectáculo longe desse local. </font><br> <font>58°) Quando estava a terminar o lançamento...</font><br> <font>61°) O 1</font><sup><font>o</font></sup><font> Réu era profissional do ramo há muitos anos.</font><br> <font>&nbsp;62°) Pessoa competente e bastante experiente.</font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; *</font><br> <font>Tudo visto e analisado, ponderadas as provas existentes, atento o Direito aplicável, cumpre, finalmente, decidir.</font><br> <font>As questões a decidir, na presente revista, em função das quais se fixa o objeto do recurso, considerando que o «thema decidendum» do mesmo é estabelecido pelas conclusões das respetivas alegações, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, com base no preceituado pelas disposições conjugadas dos artigos 5º, 608º, nº 2, 609º, 635º, nºs 4 e 5, 639º e 679º, todos do CPC, são as seguintes:</font><br> <font>I – A questão da aplicação à ré II do regime das actividades perigosas.</font><br> <font>II – A questão da ilisão da presunção de culpa.</font><br> <font>III – A questão da definição do grau de comparticipação da ré na responsabilidade pela produção dos danos verificados.</font><br> <font>I. DA APLICABILIDADE DO REGIME DAS ACTIVIDADES PERIGOSAS À RÉ II</font> </p><p><font>Alega a ré que lhe é inaplicável o disposto pelo artigo 493, n.° 2, do Código Civil (CC), porque é uma mera organizadora da festividade, não exercendo qualquer "atividade perigosa", não recaindo sobre si qualquer presunção de culpa que deva</font><i><font> </font></i><font>ilidir, referindo-se o normativo legal em apreço ao agente, que é aquele que, com a sua atuação, causou os danos, </font><i><font>in casu, o </font></i><font>lançador do fogo e a empresa de pirotecnia para quem trabalhava, pois que a ré “II, ...”, unicamente, encomendou à ré </font><b><font>“</font></b><font>HH, Lda”, foguetes, material pirotécnico e a prestação de um serviço, o lançamento de fogo.</font> </p><p><font>Preceitua o artigo 493º, nº 2, do CC, que “</font><font>quem causar danos a outrem no exercício de uma actividade, perigosa por sua própria natureza ou pela natureza dos meios utilizados, é obrigado a repará-los, excepto se mostrar que empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de os prevenir”.</font> </p><p><font>Não definindo a lei o que deve entender-se por actividade perigosa, apenas conexiona, genericamente, essa perigosidade com a própria natureza da atividade ou dos meios utilizados pelo agente, como acontece com o lançamento e queima do fogo de artifício, legalmente, sujeito à observância de determinados preceitos legais.</font> </p><p><font>O lançamento e queima de fogo de artifício, à data dos factos, regia-se pelo artigo 38º, nº1, do Anexo do DL nº 376/84, de 30 de novembro, que estabelecia que “o lançamento de foguetes ou a queima de quaisquer outros fogos de artifício só poderá ser feito, por pessoas tecnicamente habilitadas, indicadas pelos técnicos responsáveis das fábricas de pirotecnia ou oficinas pirotécnicas, mediante licença concedida pela autoridade policial de cada Município à entidade ou pessoa interessada, na qual serão indicados os locais onde o fogo deve ser guardado e onde deve ser feito o seu lançamento ou a sua queima, sem perigo ou prejuízos para terceiros”.</font> </p><p><font>As actividades perigosas</font><b><font> </font></b><font>são aquelas que, mercê da sua natureza ou da natureza dos meios utilizados criam para os terceiros um estado de perigo, isto é, a possibilidade ou, ainda mais, uma probabilidade maior do que a normal derivada das outras actividades, em geral, de causar danos”</font><a><u><font>[2]</font></u></a><font>.</font><b><font> </font></b> </p><p><font>A actividade de queima ou o lançamento de fogo de artifício é, assim, inquestionavelmente, uma actividade perigosa, pela sua própria natureza, sendo-lhe aplicável o disposto no artigo 493º, nº.2, do CC, não se regendo pelos princípios da responsabilidade objetiva</font><a><b><u><font>[3]</font></u></b></a><font>.</font> </p><p><font>A isto acresce que a ré “II”, enquanto comissão especial constituída para promover a execução de festejos populares, embora não tenha pedido o reconhecimento de personalidade jurídica da associação, é passível de causar danos a outrem no exercício de uma actividade, perigosa por sua própria natureza ou pela natureza dos meios utilizados, de modo a implicar que os seus membros respondam, pessoal e solidariamente, pelas obrigações contraídas em nome dela, e pela prática de actos ilícitos que lhe sejam imputáveis, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 199º, 200º, nºs 1 e 2, 158º, nº 1, «a contrario» e 493º, nº 2, todos do CC.</font> </p><p><font>Com efeito, a existência, na vida social, de organizações de facto, que não chegam a adquirir personalidade, leva a considerá-las «centros autónomos de algumas relações jurídicas», relativamente às esferas jurídicas daqueles que concorrem para as formar, compreendendo-se nesta categoria aqueles agrupamentos cujo objeto não é económico e que se conhecem sob a designação de comissões, as quais costumam constituir-se para finalidades, totalmente, contingentes ou transitórias.</font> </p><p><font>Nas associações não reconhecidas predomina, como nas associações com personalidade jurídica, o elemento pessoal, enquanto que, nas comissões especiais, prevalece o elemento patrimonial</font><a><u><font>[4]</font></u></a><font>.</font> </p><p><font>Aliás, a ré “II de …”, na qualidade de entidade ou pessoa interessada na realização dos festejos populares que incluiriam o lançamento de fogo de artifício, requereu a concessão de licença para o efeito
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font><br> <font> </font><br> <font> </font><br> <font>1. No âmbito da regulação do exercício das responsabilidades parentais respeitantes a AA e BB, nascidos em 3/10/1999 e 29/12/2003, respectivamente, filhos de CC e DD, ficou este obrigado, por decisão de 7/7/2010, a pagar, mensalmente, a cada um dos menores a quantia de € 63, a título de alimentos, sendo tal prestação actualizável anualmente em função do índice de inflação.</font><br> <font> 2. Não tendo o requerido DD pago qualquer das indicadas prestações, o Ministério Público, em 28/2/2012, intentou este incidente de incumprimento de prestação de alimentos devidos aos menores, para os efeitos previstos no art. 181º da OTM.</font><br> <font>3. Nestes autos, depois de verificado tal incumprimento, foi proferida decisão em 14/9/2012, determinando que o Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos aos Menores (FGADM) procedesse ao pagamento de € 100 mensais a cada um dos menores.</font><br> <font>4. A decisão identificada em 3. não foi objecto de impugnação, tendo o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social informado que tinha iniciado o pagamento da prestação de alimentos de € 200, com referência a Outubro de 2012.</font><br> <font>5. Por decisões proferidas nos autos a 16/9/2013 e a 13/11/2014, respectivamente, foi determinado que o FGADM continuasse a proceder ao pagamento da aludida quantia mensal de € 200, por se considerarem renovados os pressupostos subjacentes à intervenção do referido Fundo.</font><br> <font>6. Em 7/1/2016, a Sra. Juíza proferiu a decisão do seguinte teor: «Atento o disposto no art.º 9.º, n.º 4 do DL nº164/99 de 13.05 e o teor da prova junta, bem como da promoção que antecede, consideram-se validamente renovados os pressupostos subjacentes à intervenção do Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores (FGADM) (…)». </font><br> <font>7. O Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social interpôs apelação dessa decisão, sustentando, à luz da interpretação entretanto fixada pelo AUJ de 19/3/2015, a falta de suporte legal da manutenção da prestação alimentícia a cargo do FGADM, no valor mensal global de € 100 para cada menor, por ser de montante superior à fixada ao progenitor incumpridor (€ 63). </font><br> <font>8. A Relação de Guimarães julgou improcedente o recurso por ter ponderado: a decisão recorrida limitara-se a aferir da manutenção dos pressupostos subjacentes à atribuição da prestação de alimentos em pagamento (a já fixada por decisão judicial pretérita), não se tendo debruçado sobre a adequação do respectivo montante, que, por isso, emergia então como uma questão “nova”; a decisão que fixara a prestação de alimentos em pagamento (a cargo do FGADM) jamais fora discutida, pelo que, estando coberta pelo caso julgado, passou a ter força obrigatória dentro do processo. </font><br> <font> </font><br> <font>O Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social interpôs recurso de revista do acórdão da Relação, delimitando o seu objecto com conclusões que colocam as questões de saber se:</font><br> <font>1ª) – O recurso é admissível porque o acórdão recorrido foi proferido contra jurisprudência uniformizada do STJ e em contradição com o acórdão da Relação de Lisboa de 16/2/2016, já transitado, proferido no p. 2477/06.1TMSNTR-D.L2 (fls. 254 a 271), no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito.</font><br> <font>2ª) – A decisão supra mencionada em 6., proferida após a prolação do citado AUJ, deveria ter alterado a prestação de alimentos a cargo do FGADM para montante não superior ao que fora fixado para o progenitor incumpridor.</font><br> <font> </font><br> <font>Nas suas contra-alegações, o Ministério Público suscitou a questão da inadmissibilidade do recurso, por não se verificar a oposição expressa entre os acórdãos invocados, e defendeu ter transitado a decisão referida em 3., de 14/9/2012. </font><br> <font>«</font><br> <font>Importa apreciar as questões enunciadas e decidir, para o que releva o supra relatado.</font><br> <font> </font><br> <font>1. A questão prévia.</font><br> <font>Alega o recorrente que o recurso deve ser admitido, ao abrigo do art. 629º, nº 2, c) e d) do CPC, porque a decisão recorrida contradiz a jurisprudência uniformizada do Supremo Tribunal de Justiça e o decidido pela Relação de Lisboa no citado acórdão de 16/2/2016, respectivamente.</font><br> <font>A apontada contradição entre a jurisprudência assumida no citado AUJ e a decisão de 1ª instância, confirmada pela Relação, constitui, justamente, o cerne da censura que o recorrente dirige a esta. Por isso, confundindo-se a verificação da pertinência dessa contradição com o objecto do próprio recurso, sempre este teria que ser admitido para apreciar tal questão.</font><br> <font>Mesmo que assim não fosse e pese embora a inteira acuidade, em abstracto, do argumentado pelo Ministério Público ([1]), pensamos que se verifica, no caso concreto, uma efectiva oposição expressa entre a decisão recorrida e o acórdão da Relação de Lisboa invocado pelo recorrente. Vejamos.</font><br> <font>Neste último acórdão, segundo se retira do respectivo teor, foi reponderada uma decisão de 1ª instância datada de 5/6/2015, que renovara a prestação a favor de uma menor e a cargo do FGADM, de montante, anteriormente fixado, superior àquele por que ficara vinculado o obrigado originário. Ora, a Relação revogou tal decisão nessa parte, mantendo apenas a prestação a cargo do FGADM pelo montante equivalente ao devido pelo obrigado incumpridor.</font><br> <font>Portanto, ainda que se reconheça a dificuldade, no caso, em divisar a (diluída) fronteira entre oposição expressa e oposição implícita de acórdãos, é indubitável que estamos perante duas decisões que se debruçaram sobre situações, que, sendo diferentes, têm contornos e particularidades inteiramente idênticas.</font><br> <font>É certo que o aresto da Relação de Lisboa não enfrentou, sequer, qualquer dos fundamentos ou argumentos em que a Relação de Guimarães estribou o seu julgamento e consistentes – relembramos – em jamais ter sido discutido, antes da apelação, a questão do montante da prestação de alimentos a cargo do FGADM e em estar coberta pelo caso julgado a decisão que o fixara. Portanto, nesta estrita perspectiva, aparenta não existir contradição, pelo menos explícita, entre os fundamentos de ambas as decisões em confronto.</font><br> <font>Todavia, propendemos a entender que também esta problemática deve ser vista sob o prisma do comando ínsito no art. 608º do CPC, segundo o qual, como vem sendo entendido, a expressão «questões» se prende com as pretensões que os litigantes submetem à apreciação do tribunal e as respectivas causas de pedir, mas, de modo algum se pode confundir com as razões (de facto ou de direito), os argumentos, os fundamentos, os motivos, os juízos de valor ou os pressupostos em que se funda a controvérsia. Assim sendo, a aferição da existência da oposição expressa há-de ser feita em relação à questão ou questões concretamente decididas nas decisões e não aos argumentos ou fundamentos nelas utilizados, asserção cuja pertinência se mantém ainda que uma das decisões não expresse inteiramente o raciocínio lógico que lhe esteve subjacente, até porque, normalmente, se deve à assunção, explícita ou implícita, de diferentes fundamentos jurídicos a obtenção de uma distinta solução para a idêntica questão de direito concretamente suscitada, por serem esses fundamentos que condicionam, «de forma decisiva e determinante, a decisão proferida num e noutro acórdão» ([2]).</font><br> <font>Ora, a essa luz, é inegável que ambos os acórdãos, independentemente da argumentação que utilizaram, decidiram de modo radicalmente discordante a análoga questão fundamental de direito, fazendo das mesmas disposições legais uma interpretação e aplicação opostas.</font><br> <font> </font><br> <font>2. O montante da prestação a cargo do FGADM.</font><br> <font>Segundo o recorrente, a decisão de 7/1/2016 (mencionada em 6.), proferida após a prolação do citado AUJ, deveria ter alterado para montante não superior ao fixado para o progenitor incumpridor a prestação de alimentos em pagamento (a cargo do FGADM), estipulada pela decisão de 14/9/2012, sucessivamente renovada por decisões proferidas em 16/9/2013 e 13/11/2014, todas elas transitadas em julgado (cf. pontos 3 a 5). O recorrente sustenta essa sua tese no argumento de que aquela decisão de 14/9/2012 seria alterável pela de 7/1/2016, por ser esta uma nova decisão final e ser proferida em processo de jurisdição voluntária.</font><br> <font>Salvo o devido respeito, essa tese não tem bom amparo, pelas razões que passamos a sintetizar.</font><br> <font> </font><br> <font>2.1. O acórdão de 19/3/2015 (p. 252/08.8TBSRP-B-A.E1.S1-A), in DR, I, 85, de 4/5/2015, uniformizou jurisprudência nos termos seguintes: «Nos termos do disposto no artigo 2° da Lei n. 75/98, de 19 de Novembro, e no artigo 3° n° 3 do DL n.º 164/99, de 13 de Maio, a prestação a suportar pelo Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores não pode ser fixada em montante superior ao da prestação de alimentos a que está vinculado o devedor originário».</font><br> <font>Como se sabe, o interesse da certeza do direito, propiciada pela uniformidade e previsibilidade da jurisprudência e, por consequência, da unidade interpretativa e aplicativa do direito ([3]) recomenda que sobre questões objecto de controvérsia jurisprudencial seja estabelecida a interpretação a perfilhar pelos tribunais, incluindo o próprio Supremo. Embora não seja vinculativo, o sentido interpretativo alcançado por via dessa jurisprudência qualificada, afirmada nos acórdãos uniformizadores, dado o seu valor reforçado, só pode ser arredado na concreta resolução da questão de direito, mediante uma fundamentação convincente, baseada, designadamente, no desenvolvimento de argumentos novos e de grande peso relativo, que, porventura, não tenham sido ponderados aquando da uniformização e susceptíveis de desequilibrar os termos da discussão jurídica contra a solução anteriormente perfilhada ou tornar, assim, patente que a evolução jurisprudencial e doutrinal alterou significativamente o consenso formado ([4]).</font><br> <font>Porém, como veremos, o fulcro da questão posta neste recurso consiste em averiguar se a Sra. Juíza de 1ª instância, ao proferir a discutida decisão (de 7/1/2016), deveria (ou poderia), realmente, reduzir o montante da prestação que estava a ser suportada pelo Estado, com fundamento na jurisprudência entretanto uniformizada pelo STJ. </font><br> <font> </font><br> <font>2.2. Também convergimos com o entendimento expresso pela recorrente quanto à natureza, dita de jurisdição voluntária, do processado em que foi prolatada a decisão criticada, embora se conheça a falta de total consenso sobre a matéria ([5]). </font><br> <font>Com efeito, ao instituir na nossa ordem jurídica a garantia pelo Estado da subsistência dos menores, perante a falta ou o incumprimento das pessoas que, normalmente, o deveriam fazer, o legislador careceu de, em parte, disciplinar, específica e avulsamente (através das regras previstas nos arts. 3º da Lei 75/98 e 9º, nº 4, do DL nº 164/99), a tramitação do incidente de garantia dos alimentos a cargo do FGADM, fazendo-a inserir no procedimento de incumprimento do devedor originário, que estava previsto no art. 189º da OTM ([6]). </font><br> <font>Contudo, não se vislumbram que eventuais propósitos, evidentemente não explicitados, poderia ter o legislador para conferir à específica tramitação criada por essa via a veste dum processo especial avulso com natureza diversa da do processado ou incidente em que passou a ser inserida, sendo essa natureza, como se sabe, a inerente aos processos ditos de jurisdição voluntária, como sucede com o processo de regulação das responsabilidades parentais e os seus incidentes (art. 150º da OTM ([7])). E, ainda menos, atingimos que possíveis razões levariam o legislador a subtrair o julgamento deste novo incidente – que, insistimos, é enxertado em processo de jurisdição voluntária – ao critério definido no art. 987º do CPC, ou seja, ao predomínio da equidade sobre a legalidade estrita, à não sujeição do julgador, nas suas resoluções, a critérios normativos rigorosamente fixados, nem sempre aptos à obtenção das soluções ética e socialmente ajustadas. </font><br> <font> </font><br> <font>2.3. Se, até aqui, no essencial, nos mantivemos em sintonia com o sentido da argumentação expendida no recurso, já não acompanhamos a ilação que a recorrente, aparentemente, daí retira sobre a incondicional alterabilidade das resoluções tomadas em tal incidente, que, pelo que se nos afigura, assenta num equívoco. </font><br> <font>Na verdade, o caso julgado forma-se no processo chamado de jurisdição voluntária nos mesmos termos em que se forma nos demais processos (ditos de jurisdição contenciosa) e com a mesma força e eficácia. Apenas sucede é que as resoluções tomadas no âmbito do incidente em apreço, como as decisões proferidas nos demais processos de jurisdição voluntária, apesar de cobertas pelo caso julgado, não possuem o dom da “irrevogabilidade”, pois podem ser modificadas com fundamento num diferente quadro factual superveniente que justifique a alteração (como se admite no normativo contido no art. 988º do CPC ([8])). </font><br> <font>Como parece evidente, sob pena de desrespeito do prestígio dos tribunais, da certeza do direito e da prevenção do risco da decisão inútil ([9]), a especificidade ora dilucidada não faz desaparecer a eficácia do caso julgado da decisão anteriormente produzida em processo de jurisdição voluntária. Tal particularismo apenas sujeita o caso julgado a uma espécie de cláusula rebus sic stantibus e, por isso, a uma eventual condição temporal. </font><br> <font>E, por outro lado, para além de o princípio da alterabilidade das resoluções tomadas em processos de jurisdição voluntária não ter carácter absoluto, devendo, pois, ser aplicado com especial prudência, as «circunstâncias supervenientes», a que o preceito citado alude, justificativas da modificação daquela anterior decisão, hão-de reconduzir-se aos factos em si mesmos, a realidades sobrevindas, com reflexo na alteração substancial da «causa de pedir» – no conceito previsto no art. 581º do CPC –, nada tendo a ver com a eventual posterior invocação de uma diversa qualificação atribuída àqueles factos ou com uma diferente interpretação jurídica sobre situações de facto. Assim sendo, a publicitação do citado acórdão uniformizador não constitui alteração da situação de facto existente no momento da decisão inicial.</font><br> <font>Ora, sem a eventual demonstração de «circunstâncias supervenientes», a Sra. Juíza não tinha de se pronunciar – e não o fez – sobre o montante da prestação decidido em 14/9/2012, o qual se mantém tal como desde que foi fixado e o FGADM vem pagando desde Outubro de 2012. Aliás, também não foram objecto de impugnação, quer essa decisão quer qualquer das que, posteriormente, procederam à reanálise anual da manutenção dos pressupostos desse encargo. Além disso, como mera decorrência do exposto, sem a demonstração de um eventual diferente quadro factual superveniente e a subsequente pronúncia judicial sobre o mesmo não se verifica nessas sucessivas reanálises anuais (obrigatórias) a “novidade” decisória a que o recorrente se refere.</font><br> <font>Portanto, quanto àquele segmento (montante da prestação alimentícia) da decisão proferida em 14/9/2012 verifica-se, a nosso ver, caso julgado, que tem de ser respeitado, nos específicos termos supra enunciados.</font><br> <font>É claro, por conseguinte, que, sem a pronúncia sobre um (eventual) diferente quadro factual superveniente e com fundamento exclusivo na interpretação jurídica entretanto estabelecida através do falado AUJ de 19/3/2015, a Sra. Juíza da 1ª instância, ao proceder à reapreciação anual dos pressupostos que estiveram na base da intervenção do FGADM, não deveria nem poderia alterar, quanto ao montante da prestação, a decisão (transitada em julgado) que determinara essa intervenção. </font><br> <font>Acresce, por fim, que o que o recorrente pôs em causa na apelação – e só nesta o fez – foi o montante da prestação de alimentos, não a manutenção dos pressupostos atinentes à respectiva responsabilidade. Por isso, tal como observou a Relação, o recorrente apenas no recurso suscitou essa «questão nova», sobre a qual também não se pronunciara a Sra. Juíza. </font><br> <font> </font><br> <font>Tudo visto, improcede o recurso.</font><br> <font>«</font><br> <font>Síntese conclusiva:</font><br> <font>1. A aferição da existência da oposição expressa entre acórdãos há-de ser feita em relação à questão ou questões concretamente decididas nas decisões e não aos argumentos ou fundamentos nelas utilizados, pelo que deparamos com uma efectiva oposição expressa entre o acórdão recorrido e o de uma outra Relação se ambas as respectivas decisões, debruçando-se sobre situações com contornos e particularidades inteiramente idênticas, solucionaram de modo radicalmente discordante a análoga questão fundamental de direito, fazendo das mesmas disposições legais uma interpretação e aplicação opostas, independentemente da argumentação que utilizaram ou de numa das decisões não estar inteiramente expresso o raciocínio lógico que lhe esteve subjacente, porque, normalmente, deve-se à assunção, explícita ou implícita, de diferentes fundamentos jurídicos a obtenção de uma distinta solução para a idêntica questão de direito concretamente suscitada.</font><br> <font>2. É o interesse da certeza do direito, propiciada pela uniformidade e previsibilidade da jurisprudência e, por consequência, da unidade interpretativa e aplicativa do direito que recomenda que sobre questões objecto de controvérsia jurisprudencial seja estabelecida a interpretação a perfilhar pelos tribunais, incluindo o próprio Supremo, a qual só poderá ser arredada mediante uma fundamentação convincente e baseada no desenvolvimento de argumentos novos e de grande peso relativo, susceptíveis de desequilibrar os termos da discussão jurídica contra a solução anteriormente perfilhada e que tornem patente que a evolução jurisprudencial e doutrinal alterou significativamente o consenso formado.</font><br> <font>3. Não existem razões para que à tramitação do incidente da garantia dos alimentos a cargo do FGADM, embora estabelecida, em parte, em regras avulsas (arts. 3º da Lei 75/98 e 9º, nº 4, do DL nº 164/99), seja conferida natureza diversa da do processado ou incidente de incumprimento do devedor originário (art. 189º da OTM e, agora, art. 48º do RGPTC, aprovado pela Lei 141/2015 de 8/9), em que passou a ser inserida, sendo essa natureza a inerente aos processos ditos de jurisdição voluntária, como sucede com o processo de regulação das responsabilidades parentais e os seus incidentes (art. 150º da OTM e, agora, art. 12º do RGPTC). E, como tal, não está o julgamento desse novo incidente – enxertado em processo de jurisdição voluntária – subtraído ao critério definido no art. 987º do CPC, ou seja, ao predomínio da equidade sobre a legalidade estrita, à não sujeição do julgador, nas suas resoluções, a critérios normativos rigorosamente fixados, nem sempre aptos à obtenção das soluções ética e socialmente ajustadas. </font><br> <font>4. O caso julgado forma-se no processo chamado de jurisdição voluntária nos mesmos termos em que se forma nos demais processos e com a mesma força e eficácia. Apenas sucede que as resoluções naqueles tomadas, apesar de cobertas pelo caso julgado, não possuem o dom da “irrevogabilidade”, pois podem ser modificadas com fundamento num diferente quadro factual superveniente que justifique a alteração (como o admite o art. 988º do CPC). </font><br> <font>5. As «circunstâncias supervenientes», a que o preceito citado alude, justificativas da alterabilidade das resoluções tomadas em processos de jurisdição voluntária hão-de reconduzir-se aos factos em si mesmos, a realidades sobrevindas, com reflexo na alteração substancial da «causa de pedir» – no conceito previsto no art. 581º do CPC –, nada tendo a ver com a eventual posterior invocação de uma diversa qualificação atribuída àqueles factos ou com uma diferente interpretação jurídica sobre situações de facto. Assim sendo, para tal efeito, a publicitação dum acórdão uniformizador de jurisprudência não constitui alteração da situação de facto existente no momento da decisão inicial.</font><br> <font>6. Por conseguinte, sem a eventual demonstração de «circunstâncias supervenientes» e, por isso, sem a pronúncia sobre esse (eventual) diferente quadro factual superveniente, não deve nem pode o juiz, com fundamento exclusivo na interpretação jurídica entretanto estabelecida através dum AUJ, alterar a anterior decisão transitada em julgado. </font><br> <font>«</font><br> <font> </font><br> <font>Decisão:</font><br> <font>Pelo exposto, acorda-se em negar a revista, confirmando-se o acórdão recorrido.</font><br> <font> </font><br> <font>Custas pela recorrente. </font><br> <font> </font><br> <font> </font><br> <font>Lisboa, 13 de Setembro de 2016</font><br> <font> </font><br> <br> <font>Alexandre Reis (Relator)</font><br> <font> </font><br> <font>Sebastião Póvoas</font><br> <font> </font><br> <font>Paulo Sá</font><br> <font> _____________________</font><br> <br> <font>[1] Que lembrou, com apoio no Ac. deste Tribunal de 13-07-2010 (4210/06.9TBGMR.S1 – Hélder Roque) que a «oposição deve incidir sobre decisões expressas, não sendo suficiente uma diversidade, meramente implícita ou pressuposta».</font><br> <font>[2] V. ac. do STJ de 13/7/2010 (4210/06.9TBGMR.S1 – Hélder Roque).</font><br> <font>[3] Cf. art. 8º nº 3 do CC.</font><br> <font>[4] Neste sentido, os Acs. Deste Tribunal de 12/5/2016 (982/10.4TBPTL.G1-A.S1 – Abrantes Geraldes) e de 11-09-2014 (3871/12.4 TBVFR-A.P1.S1 – Bettencourt Faria), este, com o sumário: «Não basta não se concordar com o entendimento de um acórdão uniformizador. Para decidir em sentido contrário é necessário trazer uma argumentação nova e ponderosa, quer pela via da evolução doutrinal posterior, quer pela via da actualização interpretativa».</font><br> <font>[5] Em sentido oposto ao explicitado, v. os acórdãos da RG de 8/10/2015 (3901/04.3TBBCL.G1 – Isabel Silva) e da RP de 7/4/2016 (988/09.6TMPRT-A.P2 – Fernando Samões).</font><br> <font>[6] E, agora, no art. 48º do RGPTC, aprovado pela Lei 141/2015 de 8/9.</font><br> <font>[7] Agora, art. 12º do RGPTC.</font><br> <font>[8] «Nos processos de jurisdição voluntária, as resoluções podem ser alteradas, sem prejuízo dos efeitos já produzidos, com fundamento em circunstâncias supervenientes que justifiquem a alteração».</font><br> <font>[9] Em suma, de que «o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou reproduzir uma decisão anterior» (580º nº 2 do CPC).</font></font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><font> </font> <p><font>Acordam, na 1ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça:</font></p><div><br> <font> I</font></div><br> <font> </font> <p><font>1. Em 8.4.2015, os Executados, </font><i><font>AA S.A..</font></i><font> e outros, deduziram, com fundamento na alínea g) do art. 729º do CPC, embargos à execução que lhes fora movida por </font><i><font>BB, SGPS, S.A.</font></i><font>, alegando, como factos supervenientes essenciais, que o acórdão do tribunal arbitral, de 14.7.2009, que titula a execução, embora transitado em julgado, veio a ser alterado por outro de 26.3.2015, na sequência de </font><i><font>ação arbitral modificativa</font></i><font> daquele primeiro acórdão, por eles instaurada, acórdão esse que, julgando a ação parcialmente procedente, reduziu o montante da indemnização anteriormente fixada e alterou a fórmula de cálculo dos juros; pedem, em primeira linha, que seja declara extinta a instância executiva por impossibilidade superveniente da lide, com imediata libertação da garantia bancária prestada e, subsidiariamente, a redução da quantia exequenda, com correspondente reflexo no montante da garantia. </font> </p><p><font>Esteve a instância suspensa até ao trânsito em julgado do acórdão deste tribunal, ASTJ de 22.9.2016, a confirmar a improcedência da ação de anulação do segundo acórdão arbitral, de 26.3.2015, entretanto instaurada pela aqui Embargada.</font> </p><p><font> Foi, a final, proferida decisão, a julgar </font><i><font>«procedentes os embargos e, em consequência, extinta a execução na parte que excede o valor devido pelos executados, calculado em conformidade com o decidido no acórdão arbitral de 26/03/2015»</font></i><font>.</font> </p><p><font>2. Apelaram os Embargantes, tendo a Relação julgado o recurso improcedente e confirmado a sentença da 1ª instância (junto, antes do início da fase de julgamento, parecer por cada uma das Partes).</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>3. Pedem os mesmos revista, formulando, na alegação, as seguintes conclusões:</font> </p><p><i><font>«A) O presente recurso tem como objecto saber se, após acção modificativa de anterior acórdão arbitral que condenou em danos futuros, subsistem ou não dois títulos executivos eficazes, um decorrente do primeiro acórdão e outro decorrente do segundo acórdão, ambos transitados em julgado; se apenas mantém eficácia o primeiro acórdão ainda que modificado pelo segundo; ou se é o segundo acórdão que sucede ao primeiro como título executivo provocando a perda da sua força executiva; </font></i> </p><p><i><font>B) Sendo evidente que a fundamentação do Acórdão recorrido é essencialmente diferente da sustentada na sentença da 1ª instância deverá ser admitida a presente revista ao abrigo do disposto no artigo 671°, nº 3 do CPC; </font></i> </p><p><i><font>C) Na verdade, enquanto a fundamentação da sentença da 1ª instância assentou fundamentalmente na analogia com o regime dos recursos, o Acórdão recorrido rejeitou esta tese e sustenta que a "a situação é idêntica à que ocorreria se o embargante invocasse nos embargos, enquanto exceção peremptória, tais circunstâncias supervenientes, levando a uma redução do montante da quantia exequenda"; </font></i> </p><p><i><font>D) Caso assim se não entenda, sempre será admissível a revista excecional prevista no artigo 672°, n° 1, alíneas a) e b), do CPC, porquanto se encontram verificados os respetivos requisitos; </font></i> </p><p><i><font>(…); </font></i> </p><p><i><font>G) Da análise do Acórdão recorrido resulta que este desvaloriza todo o processado na fase declarativa da ação modificativa de caso julgado, chegando mesmo a afirmar que "[na] verdade e em nosso entender nem sequer se pode falar de modificação de caso julgado", apesar da pronúncia do STJ que confirmou o acórdão modificativo; </font></i> </p><p><i><font>H) Pretende, desta forma, o Tribunal a quo justificar o seu entendimento de que a situação dos autos, como conclui a final, é "idêntica à que ocorreria se o embargante invocasse nos embargos, enquanto excepção peremptória, tais circunstâncias supervenientes, levando a uma redução do montante da quantia exequenda";</font></i> </p><p><i><font>I) Trata-se de retomar uma antiga argumentação da Recorrida que, nas diversas instâncias do processo declarativo, sempre procurou fazer valer, sem sucesso, a tese da impropriedade do meio processual em causa - ação modificativa de caso julgado - por defender que os Recorrentes deveriam ter colocado a questão da superveniência dos factos invocados na ação executiva; </font></i> </p><p><i><font>K) A discussão em torno da adequação do meio processual utilizado - ação modificativa de caso julgado por factos supervenientes - está definitivamente assente, com força de caso julgado, pelo que são irrelevantes e inoportunas as considerações que o Tribunal a quo vem agora fazer sobre tal questão; </font></i> </p><p><i><font>L) Vem ainda o Acórdão recorrido levantar outra hipótese ao dizer que, no caso dos autos, "sempre poderia ocorrer a cumulação de execuções, prevista no artigo 711º nº1 do CPC (...)"; </font></i> </p><p><i><font>M) Acontece, porém, que a cumulação sucessiva de execuções pressupõe a existência de dois títulos eficazes e autónomos, cada um respeitante a uma obrigação exequenda, o que no caso concreto não se verifica; </font></i> </p><p><i><font>N) O Acórdão arbitral de 2009 perdeu a sua força executiva pela superveniência do Acórdão arbitral de 2015 que regulou exaustivamente, </font></i><font>ex novo,os segmentos condenatórios</font><i><font>, adaptando-os à nova realidade; </font></i> </p><p><i><font>O) Esta outra "ficção" aventada pelo Tribunal a quo, ao conduzir à execução dos dois Acórdãos arbitrais, iria permitir o locupletamento da Recorrida à custa dos Recorrentes, por lhe permitir "receber" o que já não lhe é devido, atendendo ao desvio entre o prognóstico e a realidade confirmada no Acórdão arbitral de 2015; </font></i> </p><p><i><font>P) Não pode o Tribunal </font></i><font>a quo</font><i><font> decidir com base em juízos hipotéticos que ele próprio formula e que estão totalmente desfasados da "realidade" dos autos e em contradição com decisões já transitadas em julgado; </font></i> </p><p><i><font>Q) Para sustentar a subsistência do Acórdão arbitral de 2009, o Tribunal </font></i><font>a quo</font><i><font> vem ainda afirmar que permanecem intocadas "as partes do acórdão que absolve os ora recorrentes de vários dos pedidos formulados"; </font></i> </p><p><i><font>R) Dado que, numa execução, só lhe servem de base as decisões condenatórias ou os segmentos condenatórios, é totalmente irrelevante para a discussão, no contexto da ação executiva, o argumento de que o Acórdão arbitral de 2009 permanece intocado relativamente à absolvição dos pedidos; </font></i> </p><p><i><font>S) Contrariamente ao decidido pelo Tribunal </font></i><font>a quo</font><i><font>, o Acórdão arbitral de 2009 não subsiste enquanto título executivo após a emissão do Acórdão arbitral de 2015; </font></i> </p><p><i><font>U) A "transferência" do segmento decisório do Acórdão arbitral de 2009 para o Acórdão arbitral de 2015 (a condenação no pagamento de juros sobre € 5.000.000) e a estipulação de "balizas" temporais (a condenação só operava entre a data do Acórdão de 2009 e 29 de Março de 2012) revelam os fins da ação modificativa: a pronúncia de uma decisão em conformidade com a factualidade superveniente e a eliminação da eficácia da decisão arbitral de 2009, proferida com base em juízos de prognose; </font></i> </p><p><i><font>V) Na verdade, o confronto do dispositivo das duas decisões demonstra que a pronúncia do Acórdão, no ano de 2015, à luz da factualidade superveniente, tornou irrelevante a subsistência da "predecessora" para efeitos executivos; mesmo com respeito à obrigatoriedade do pagamento de juros vencidos sobre o capital indemnizatório de € 5.000.000, resultante da anterior prognose, o Acórdão arbitral de 2015 incorporou-a, estipulando, ex novo, vigência temporal limitada até 29.03.2012; </font></i> </p><p><i><font>X)</font></i><b><i><font> </font></i></b><i><font>O tratamento processual a conferir, na ação executiva, a dois acórdãos arbitrais transitados em julgado reportados a momentos temporais diversos, com duas causas de pedir diversas, mas com idêntica génese, decorre da interpretação do dispositivo do segundo acórdão por ser este o que está atualizado face aos novos factos que vieram demonstrar que o primeiro acórdão assentou num erro de prognose; só esta via permite dar resposta cabal a qualquer situação que possa vir a verificar-se no futuro em resultado de uma decisão modificativa de caso julgado por erro de prognose; </font></i> </p><p><i><font>Y) Ora, da fundamentação do Acórdão arbitral de 2015 decorre a intenção, por parte dos Juízes-árbitros, de definir toda a obrigação exequenda, tornando irrelevante a subsistência do Acórdão de 2009 como título executivo; </font></i> </p><p><i><font>Z)</font></i><b><i><font> </font></i></b><i><font>No caso </font></i><font>sub judice</font><i><font>, o Acórdão arbitral de 2009 não padece de qualquer vício intrínseco, mas a superveniência de uma decisão que modificou o decidido, tornou-o ineficaz e inexequível (cfr. al. a) do artigo 729.°, ex vi artigo 730.° do CPC); </font></i> </p><p><i><font>AA) Por outro lado, se do acórdão modificativo resultar uma subversão completa do decidido anteriormente, compondo o litígio de forma diversa em resultado de factos supervenientes que a isso conduzem, então é por demais evidente que que o primeiro acórdão perderá eficácia enquanto título executivo; </font></i> </p><p><i><font>BB) Em contrapartida, se o acórdão modificativo considerar não provada e, por isso, improcedente a ação modificativa de caso julgado, então o título executivo resultante do primeiro acórdão manterá toda a eficácia; </font></i> </p><p><i><font>CC) Não pode ser aqui invocado o princípio da economia processual para justificar a não extinção da execução que se encontra pendente, já que tal princípio só pode ser invocado se normas legais e princípios jurídicos não impuserem solução contrária; </font></i> </p><p><i><font>DD) Acresce que a solução que se preconiza assegura ainda a justiça material que deve ser prosseguida pelos tribunais; </font></i> </p><p><i><font>EE) Dado que a Recorrida passou a ter um novo título executivo que lhe assegura parte dos direitos de crédito atribuídos pelo primeiro Acórdão arbitral, a extinção da ação executiva pendente apenas lhe acarreta, como prejuízo, algum atraso na satisfação da obrigação exequenda, embora com a salvaguarda do contínuo vencimento dos juros com uma elevada taxa; </font></i> </p><p><i><font>FF) Já a prossecução da execução causa uma injustificada e desproporcionada onerosidade aos Recorrentes pois continuam a ter de suportar todos os custos a ela inerentes, designadamente os relativos à prestação de uma garantia bancária de valor elevado por ter sido calculado a partir do reconhecimento de uma obrigação de € 5.000.000,00 que, entretanto, o segundo Acórdão arbitral veio fixar em € 2.000.000,00; </font></i> </p><p><i><font>GG) Por último, que a perda de eficácia do título executivo decorrente do Acórdão arbitral de 2009, tornando-o inexequível, acarreta necessariamente a extinção da instância por impossibilidade/inexequibilidade superveniente (artigo 277°, alínea e) do CPC).»</font></i> </p><p><font> </font> </p><p><font>Contra-alegou a Recorrida, defendendo a liminar rejeição do recurso, seja como revista ordinária, dado verificar-se uma situação de </font><i><font>dupla conforme</font></i><font>, seja como revista excecional, como vem subsidiariamente pedido; quanto ao mérito, conclui pela improcedência do recurso, sustentando a inexistência de impossibilidade superveniente da execução e, relativamente à justiça material, remetendo para anterior parecer junto, considerando que a extinção do processo executivo feriria o direito à tutela jurisdicional efetiva do credor/exequente e lhe causaria graves prejuízos.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>4. Notificados os Recorrentes para se pronunciarem sobre a suscitada inadmissibilidade do recurso, vieram os mesmos reiterar o entendimento acerca da não verificação, no caso, de </font><i><font>dupla conforme.</font></i> </p><p><font> </font> </p><p><font>5. Vistos os autos, cumpre decidir.</font> </p><p><font> </font></p><div><br> <font> </font> <p><font>II</font></p></div><br> <font> </font> <p><font>6. </font><u><font>Questão Prévia (da admissibilidade do recurso).</font></u> </p><p><font> </font> </p><p><font>6.1. Em causa o preenchimento normativo do conceito </font><i><font>«</font></i><font>fundamentação essencialmente diferente</font><i><font>»</font></i><font>, contido no nº 3 do art. 671º do CPC.</font> </p><p><font>Preenchimento operado na jurisprudência do STJ no sentido de quando </font><i><font>«forem diversificados os caminhos percorridos por ambas </font></i><font>[as decisões]</font><i><font> até à sua idêntica solução final»</font></i><font>, </font><i><font>«a confirmação da sentença na 2.ª Instância assenta num enquadramento normativo absolutamente distinto daquele que foi ponderado na decisão da 1.ª Instância»</font></i><font>, </font><i><font>«a solução jurídica do pleito prevalecente na Relação tenha assentado, de modo radicalmente ou profundamente inovatório, em normas, interpretações normativas ou institutos jurídicos perfeitamente diversos e autónomos dos que haviam justificado e fundamentado a decisão proferida na sentença apelada – ou seja, quando tal acórdão se estribe decisivamente no inovatório apelo a um enquadramento jurídico perfeitamente diverso e radicalmente diferenciado daquele em que assentara a sentença proferida em 1ª instância» (entre outros, ASTJ de 28.4.2014, 18.9.2014, 20.11.2014, 8.1.2015, 19.2.2015, 30.4.2015, 28.5.2015, 16.6.2016, todos disponíveis em </font></i><a><i><u><font>www.dgsi.pt</font></u></i></a><i><font>).</font></i> </p><p><font> </font> </p><p><font>6.2. No caso dos autos, ambas as decisões, perante a prolação e o trânsito em julgado do segundo acórdão arbitral de 2015, entenderam que não se verificava a inexequibilidade do primeiro acórdão de 2009, que servia de base à execução, com a consequente extinção da instância, por superveniente impossibilidade da lide [CPC, arts. 729º, alínea a) e 277º, alínea e)].</font> </p><p><font>Ambas as decisões afirmam a </font><i><u><font>persistência do título, embora modificado</font></u></i><font>; ambas acentuam a </font><i><font>complementaridade </font></i><font>existente entre os dois acórdãos em causa – e rejeitam a tese da </font><i><font>autonomia</font></i><font>, sustentada pelos Embargantes/Recorrentes.</font> </p><p><font>Mas, enquanto a 1ª instância funda tal complementaridade, por analogia, à que </font><i><font>«resulta da modificação da sentença objecto de recurso com efeito devolutivo. E neste caso a lei o que determina é que a execução se extingue ou modifica em conformidade com a decisão definitiva (art. 704.º do CPC)»</font></i><font>, já no acórdão da Relação vem expressamente referido que </font><i><font>«discordamos da analogia que aflora na sentença recorrida entre o presente caso e a situações dos recursos numa acção»</font></i><font>, firmando-se o entendimento de que </font><i><font>«a obrigação dos executados, decorrente do incumprimento do contrato promessa e da cláusula deste que prevê uma cláusula penal, foi fixada no acórdão arbitral de 2009 e permanece intocada. O seu montante é que foi reduzido pelo acórdão de 2015 (…) o título executivo continua a ser o Acórdão Arbitral de 2009, com a redução da quantia exequenda face à redução do </font></i><font>quantum</font><i><font> indemnizatório decorrente dessa cláusula penal»</font></i><font>.</font> </p><p><font>Tendo a redução da quantia exequenda sido determinada pela ocorrência de circunstâncias supervenientes, escreve-se no acórdão recorrido, a concluir: </font><i><font>«A situação é idêntica à que ocorreria se o embargante invocasse nos embargos, enquanto excepção peremptória, tais circunstâncias supervenientes, levando a uma redução do montante da quantia exequenda»</font></i><font>.</font> </p><p><b><font>O fundamento</font></b><font> (ou </font><i><font>o fundamento do fundamento</font></i><font>) </font><b><font>das duas decisões concordantes assenta em dois quadros normativos distintos, distinção vincada, ela própria, no passo transcrito do acórdão da Relação</font></b><font>: no primeiro caso, por analogia com a situação conformada no nº 2 do art. 704º do CPC; no segundo, embora sem indicação da pertinente disposição legal, por equiparação à oposição à execução com fundamento em exceção perentória ulteriormente verificada (e provada por documento).</font> </p><p><font>Indagar se a distinção estabelecida é sobretudo aparente, mostrando-se meramente instrumental o modo como, diferentemente, nas duas decisões concordantes, se pretendeu captar as modificações de facto repercutidas na redução da indemnização, aquelas e esta tituladas pelo segundo acórdão arbitral, respeitará, a ter lugar, já ao conhecimento do recurso.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>6.3. Não se verificando o requisito negativo previsto na segunda parte do nº 3 do art. 671º do CPC, importa conhecer do recurso.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>7. Consideradas as transcritas conclusões da alegação dos Recorrentes (CPC, arts. 635º, nº 4 e 639º, nºs 1 e 2), a questão a decidir no presente recurso unicamente respeita a </font><b><font>saber se os embargos interpostos, com fundamento em novo acórdão arbitral modificativo do caso julgado formado sobre o anterior, constituindo este o título da execução, devem determinar a respetiva inexequibilidade, por extinção da obrigação por ele titulada</font></b><font>, com a consequente extinção da instância executiva, por superveniente impossibilidade da lide [CPC, arts. 729º, alínea a), g) e 277º, alínea e)] – e não, como fora objeto de pedido subsidiário nos embargos e vem decidido pelas instâncias, apenas a extinção parcial da execução, no que excede o valor estabelecido no novo acórdão arbitral.</font> </p><p><font>A questão relativa à eventual aplicação ao caso do regime previsto no art. 711º, nº 1 do CPC [conclusões L) e ss. da alegação dos Recorrentes], argumento </font><i><font>ex abundanti cautela</font></i><font> constante do acórdão recorrido, mostrar-se-á prejudicada.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>8. Vem fixada pelas instâncias a seguinte matéria de facto (transcreve-se do acórdão recorrido):</font> </p><p><i><font>«1) A execução, instaurada em 5.2.2010, tem como título executivo o acórdão do Tribunal Arbitral, cuja cópia está a fls.15 a 155 dos autos de execução, datado de 14.7.2009, e que, entre o mais, condenou os réus, ora executados a pagar à autora, ora exequente, o montante de cinco milhões de euros nos quais se incluem os danos emergentes no valor de € 656.386,83, acrescidos de juros desde a citação dos réus às taxas resultantes da aplicação do art. 102º § 3 do Código Comercial.</font></i> </p><p><i><font>&nbsp;2) Na pendência da execução, em 11.2.2014, os embargantes instauraram, em tribunal arbitral, contra a embargada, urna acção, a que chamaram "acção arbitral modificativa do acórdão arbitral proferido em 14.7.2009", pedindo a modificação do acórdão dado à execução, modificação traduzida nos pedidos elencados nas alíneas a) a e) de fls.18 do acórdão cuja certidão está junta a fls.22 a 104 dos embargos.</font></i> </p><p><i><font>3) Nessa acção foi proferido, em 26 de Março de 2015, acórdão pelo tribunal arbitral, constante da certidão referida no ponto anterior e que decidiu </font></i><font>"1. Julgar a acção parcialmente procedente e reduzir o montante da pena estabelecida na cláusula penal de indemnização fixada, no anterior acórdão arbitral, em € 5.000.000 (nos quais se incluem os danos emergentes de € 656.386,83) para € 2.000.000 (nos quais se incluem os danos emergentes de € 656.386,83), acrescida de juros de mora sobre o montante € 2.000.000 calculados às taxas que resultarem da aplicação do art.102º § 3, do Código Comercial. 2. Decidir que a redução da pena determinada nos termos do número anterior produz efeitos a contar de 29 de Março de 2012. Nestes termos: a) Os demandantes continuarão obrigados a pagar à demandada, desde 14 de Julho de 2009 (data do acórdão arbitral) até 29 de Março de 2012, juros sobre € 5.000.000, calculados às taxas que resultem da aplicação do art.102º § 3, do Código Comercial; b) Os demandantes ficarão obrigados a pagar à demandada € 2.000.000, acrescidos, a contar de 29 de Março de 2012, de juros sobre este montante, calculados às taxas que resultem da aplicação do art. 102º § 3, do Código Comercial."</font><i><font>.</font></i> </p><p><i><font>4) A exequente instaurou acção de anulação do acórdão referido no ponto anterior, a qual foi julgada improcedente por acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, junto a fls. 172 verso a 186 verso, confirmado pelo acórdão do STJ de 22.9.2016, certificado a fls. 305 a 327, transitado em julgado em 10.10.2016»</font></i><font>.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>9. </font><b><font>O fundamento à oposição à presente execução baseada em acórdão arbitral há-de buscar-se no quadro taxativamente definido nos arts. 730º e 729º do CPC</font></b><font> [manteve-se o quadro constante dos arts. 814º, nº 1 e 815º do código anterior, apenas com os aditamentos atualmente contidos na alínea h) do art. 729º e na última parte do art. 730º, no caso irrelevantes].</font> </p><p><font>Os Embargantes, na sua petição, </font><b><font>invocaram o fundamento previsto na alínea g) do art. 729º</font></b><font> (q</font><i><font>ualquer facto extintivo ou modificativo da obrigação, desde que seja posterior ao encerramento da discussão no processo de declaração e se prove por documento</font></i><font>), tendo, para tanto, junto certidão do novo acórdão arbitral de 2015.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>9.1. </font><b><font>O novo acórdão arbitral de 2015</font></b><font>, uma vez que o ASTJ de 22.9.2016 veio definitivamente a julgar improcedente a impugnação instaurada pelos ora Embargados, mostra-se transitado.</font> </p><p><font>A questão da idoneidade de uma ação arbitral, modificativa – com base na alegada superveniência de factos essenciais – de um precedente acórdão arbitral, transitado em julgado (2ª questão prévia apreciada no acórdão arbitral de 2015, fls. 36/8) ficara logo decidida no acórdão da Relação, nessa parte não objeto da revista, nos seguintes termos, transcritos no acórdão do Supremo:</font> </p><p><i><font>«(…) não vemos como poderá ser recusada a possibilidade de uma decisão jurisdicional ser modificada se os factos em que assentou vierem a sofrer alteração relevante posterior, designadamente, deixando de se verificar. Sendo evidente que o trânsito em julgado da decisão não tem a virtualidade de conformar a realidade ao que nela foi pressuposto. E se alteração da realidade relevante, verificada na pendência da causa, deve ser atendida na decisão a proferir, se for oportunamente invocada pela parte interessada, também devem poder ser atendidas as alterações de facto supervenientes, que contendam com a verificação dos pressupostos de facto da decisão já proferida, mesmo depois transitada. Como se ponderou no acórdão ora impugnado, é apodítico que uma tal situação é merecedora de tutela jurisdicional e, por conseguinte, não deve deixar de ser reconhecido o correspondente direito de ação. (…) Sendo esse direito de ação que foi exercido pelos ora réus e reconhecido pelo acórdão agora impugnado»</font></i><font>.</font> </p><p><font>Impugnado o acórdão arbitral de 2015, foi, pois, por decisão judicial transitada, validada a tese da submissão do caso julgado ao princípio </font><i><font>rebus sic stantibus</font></i><font>, amplificando-se o quadro de previsão estritamente definido nos arts. 282º e 619º, nº 2 do CPC (sobre este ponto, em geral, M. Teixeira de Sousa, </font><i><font>Estudos Sobre O Novo Processo Civil</font></i><font>, 2ª ed., pp. 586/7) e ratificada a idoneidade da propositura da ação com tal objeto, como viera entendido naquele mesmo acórdão.</font> </p><p><font>Não cabendo, obviamente, de novo </font><i><font>sindicar </font></i><font>o acórdão arbitral produzido, </font><b><font>importa </font></b><b><i><font>interpretá-lo</font></i></b><b><font>, em vista, designadamente, do âmbito de previsão da citada alínea g) do art. 729º do CPC</font></b><font>, a cuja luz foi processualmente assumido como fundamento dos embargos.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>9.2. A ação modificativa do caso julgado formado sobre a anterior decisão arbitral de 2009, com base na alegada superveniência de factos essenciais, como referido, foi tida como admissível no acórdão arbitral de 2015, ponderada a </font><i><font>«excepcionalidade da situação»</font></i><font> (fls. 38 do acórdão).</font> </p><p><font>Essa nova ação, em tese examinada em </font><i><font>Acção Modificativa do Caso Julgado Arbitral: Um Meio de Impugnação Esquecido</font></i><font>, Paula Costa e Silva e Nuno Trigo dos Reis, ROA, Abril/Junho 2014, pp. 433/4 (realces acrescs.), </font><i><font>«(…) dirigida à modificação dos efeitos da decisão transitada em julgado </font></i><b><i><font>desvela, no fundo, uma solução de superveniência qualificada</font></i></b><i><font>, em que, sob a forma de uma nova instância, são “introduzidas” as novas alegações de facto </font></i><b><i><font>relevantes para o proferimento de uma decisão adequada à realidade presente, com eficácia </font></i></b><b><font>ex nunc</font></b><i><font>. (…) o objeto da nova ação confinar-se-á à </font></i><b><i><font>rediscussão da decisão pretérita nos estritos limites em que o desvio no decurso da realidade nela pressuposta a atinja</font></i></b><i><font>. Tudo quanto se mantenha, porque não atingido pela erosão dos fundamentos da decisão, não pode ser reapreciado e decidido. </font></i><b><i><font>A decisão não será revogada e substituída por outra: ao invés, mantendo-se necessariamente incólumes os seus fundamentos jurídicos, proceder-se-á a uma adaptação do decidido à nova realidade</font></i></b><i><font>»</font></i><font>.</font> </p><p><u><font>Com o referido alcance deve ser interpretado o acórdão arbitral de 2015</font></u><font>: o acórdão, ao examinar a cláusula penal (cláusula 11ª do contrato-promessa), em vista a comprovar a existência de factos supervenientes que alteraram as circunstâncias que haviam determinado o cômputo da pena, com base em juízos de prognose, teve como assente que </font><i><font>«o facto identificado com características úteis de superveniência é o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 29 de Março de 2012. Já o Plano de Pormenor para o Parque Mayer, revestindo-se embora dessa potencialidade, não interferiu no cômputo da pena»</font></i><font> (fls. 78 do acórdão).</font> </p><p><font>Reafirmou, reportando-se ao anterior acórdão de 2009, que </font><i><font>«</font></i><b><i><font>o princípio de intangibilidade do julgado obriga a que aquela decisão se mantenha incólume</font></i></b><i><font>, estando excluída qualquer possibilidade de, directa ou reflexamente, apreciar ou sindicar eventuais erros de julgamento» </font></i><font>(</font><i><font>ibidem</font></i><font>; realce acresc.).</font> </p><p><font>E, mais à frente (fls. 79 do acórdão; realces acrescs.), quanto à </font><i><font>«</font></i><b><i><font>natureza da presente acção cujo objecto é a modificação do caso julgado constituído pela primeira decisão arbitral. O Tribunal Arbitral só pode mover-se num espaço de apreciação confinado à cláusula penal que tem como pressuposto, no caso </font></i></b><b><font>sub judice</font></b><b><i><font>, a existência de factos supervenientes</font></i></b><i><font> e, como quadro de referência, dada a excepcionalidade da situação, a equidade. </font></i><b><i><font>Neste contexto, o respeito pela intangibilidade da decisão arbitral exige que a modificação do julgado apenas opere a partir da data do facto superveniente</font></i></b><i><font>. De outro modo, a modificação traduzir-se-ia na revogação parcial da decisão arbitral, ao arrepio das circunstâncias históricas em que foi proferida que não tiveram nem podiam ter em consideração aquele facto.»</font></i> </p><p><b><font>Deve, pois</font></b><font>, atenta a tipologia da ação e os apontados termos em que se manifesta, </font><b><font>ser o acórdão de 2015 interpretado como complementarmente subordinado à anterior decisão arbitral, no respeito do caso julgado sobre aquela formado, como tal circunscrevendo-se, em matéria da operada redução do montante da pena estabelecida na cláusula penal, à </font></b><b><i><font>«correção do juízo de prognose e a reposição da conformidade entre a</font></i></b><b><font> realidade tal como pretérita e intraprocessualmente pressuposta</font></b><b><i><font> e a </font></i></b><b><font>realidade tal como intraprocessual e postumamente provada</font></b><b><i><font>»</font></i></b><font> (</font><i><font>Acção Modificativa…</font></i><font>, cit., pág. 429).</font> </p><p><b><font>9.3. A disposição mantida na alínea g) do art. 729º do CPC atual, nas palavras</font></b><font> de Alberto dos Reis, então com referência ao nº 9 do art. 813º do CPC de 1939 (</font><i><font>Processo de Execução</font></i><font>, vol. 2º, pp. 28/9), enuncia, em contraponto aos </font><i><font>fundamentos específicos</font></i><font> precedentemente previstos, um </font><i><u><font>fundamento de carácter genérico</font></u></i><font>.</font> </p><p><font>Os dois requisitos exigidos – que o facto seja posterior ao encerramento da discussão no processo de declaração e que se prove por documento – visam </font><i><font>«evitar, por um lado, que o processo executivo sirva para destruir o caso julgado, para invalidar o benefício que a sentença atribuiu ao exequente»</font></i><font>, articulando-se a data referenciada com o disposto na parte final do nº 1 do art. 611º do CPC e </font><i><font>«por outro lado, obstar a que a oposição à execução se converta numa renovação do litígio a que pôs termo a sentença que se executa»</font></i><font>.</font> </p><p><font>A admissibilidade da oposição com fundamento na ocorrência de factos extintivos ou modificativos posteriores é, nos seguintes termos, evidenciada: </font><i><font>«O caso julgado tem de ser respeitado e acatado; mas pode suceder que a situação jurídica apreciada e declarada pela sentença já não corresponda à realidade jurídica no momento em que se promove a ação executiva»</font></i><font>.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>9.4. </font><b><font>Razões de justiça material e de adequação processual, de economia e de aproveitamento dos atos, convergem na previsão da norma contida na alínea g) do art. 729º do CPC e na constatada amplitude com que ela é enunciada</font></b><font>.</font> </p><p><font>Razões essas igualmente subjacentes à admissibilidade da figura da </font><i><font>ação modificativa do caso julgado arbitral</font></i><font>, donde emerge o acórdão de 2015, fundamento constituído dos presentes embargos, à luz da disposição legal em causa – disposição invocada na petição.</font> </p><p><b><font>Não se discutindo os requisitos exigidos na previsão normativa, quanto ao momento de produção e à forma, o acórdão arbitral </font></b><b><i><font>modificativo</font></i></b><b><font> do anterior integra-se como </font></b><b><i><font>facto (jurídico) modificativo</font></i></b><font> – e não </font><i><font>extintivo</font></i><font> –, </font><b><font>como claramente decorre da sua examinada natureza e condicionado alcance</font></b><font> (</font><i><font>supra</font></i><font>, 9.2).</font> </p><p><font>A apontada </font><i><font>autonomia</font></i><font> de que se reveste o novo acórdão arbitral, enquanto </font><i><font>facto jurídico modificativo</font></i><font> a fundar os presentes embargos, respeita à </font><i><font>forma e conteúdo</font></i><font> legalmente estabelecidos (art. 42º da LAV) – e não à autónoma conformação e alcance. </font> </p><p><font>O segundo acórdão arbitral, como acima referido, não revoga o anterior, nem extingue a obrigação por este titulada.</font> </p><p><b><font>O acórdão arbitral de 2009 persiste como </font></b><b><i><font>título fundador da execução</font></i></b><b><font>, apenas sofrendo a alteração quantitativa nele produzida pelo acórdão arbitral de 2015 (o </font></b><b><i><font>acórdão modificativo</font></i></b><b><font>), de tal modo que a execução só poderá prosseguir nos termos des
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><br> <br> <p><font> </font> </p><p><font> </font> </p><p><font>ACORDAM OS JUÍZES QUE CONSTITUEM O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA</font><u><sup><font>[1]</font></sup></u><font>:</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>AA, residente na ..., propôs a presente acção declarativa, com processo comum, sob a forma ordinária, contra BB, com domicílio na Rua ..., pedindo que, na sua procedência, este seja condenado a pagar-lhe, a titulo de alimentos, uma quantia mensal de €550,00, alegando, para o efeito, e, em síntese, que o casamento da autora e do réu foi dissolvido, por divórcio por mútuo consentimento, decretado por sentença, transitada em julgado, proferida em 28 de Junho de 2007, tendo ambos, então, acordado que, até à data da partilha, que ocorreu, em 10 de Março de 2009, o réu entregaria à autora a quantia mensal de €550,00, até ao dia 8 de cada mês.</font> </p><p><font>Porém, a autora necessita de alimentos para fazer face às suas despesas normais de subsistência, no valor mensal aproximado de €535,00, uma vez que, tendo deixado de receber a renda de um imóvel de que era senhoria, ficou privada do seu único rendimento, a que acresce que sofre de depressão nervosa e tem a seu cargo um filho, que frequenta a universidade, enquanto que o réu goza de uma situação económica desafogada.</font> </p><p><font>Na contestação, o réu conclui pela improcedência da acção, invocando, designadamente, que tem um rendimento mensal de €1.960,00 e despesas médias, no valor mensal de €1.526,00, suportado ainda as despesas de saúde do filho, no valor de €30,00, por mês, enquanto que, por seu turno, a autora é detentora de imóveis que pode converter em lucros, através da venda ou do arrendamento, não necessitando de alimentos prestados pelo réu.</font> </p><p><font>A sentença julgou a acção, parcialmente, procedente por provada e, em consequência, condenou o réu BB a pagar, a título de alimentos, à autora AA, a prestação mensal de €250,00, até ao dia 10 do mês a que disser respeito, acrescida da quantia de €50,00, por mês, até à amortização das prestações alimentares já vencidas.</font> </p><p><font>Desta sentença, o réu interpôs recurso, tendo o Tribunal da Relação julgado procedente a apelação e, em consequência, revogou a decisão impugnada, julgando a acção improcedente e absolvendo-o do pedido formulado pela autora.</font> </p><p><font>Do acórdão da Relação de Coimbra, a autora interpôs agora recurso de revista, terminando as alegações com o pedido da sua revogação, mantendo-se a decisão proferida em 1ª instância, e formulando as seguintes conclusões, que se transcrevem, integralmente:</font> </p><p><font>1ª – Nos presentes autos foi proferida sentença, que julgou a acção parcialmente procedente por provada, condenando o réu a pagar a título de alimentos à autora a prestação mensal de 250,00€ (duzentos e cinquenta euros), prestação a ser paga até ao dia 10 do mês a que disser respeito, acrescida da quantia de cinquenta euros por mês até amortização das prestações alimentares já vencidas;</font> </p><p><font>2ª – O réu não conformando, recorreu da presente sentença para o Venerando Tribunal da Relação de Coimbra. Na pendência daquele recurso, a autora interpôs a respectiva execução por alimentos que se encontra a decorrer.</font> </p><p><font>3ª - O Venerando Tribunal da Relação de Coimbra decidiu revogar a sentença proferida pelo Tribunal "a quo", com fundamento em que, "nada se apurou quanto à impossibilidade da A. prover ao seu sustento, nomeadamente que esteja impossibilitada de trabalhar ou que não seja possível rentabilizar ou alienar o seu património imobiliário no sentido de obter meios que lhe permitam prover, por si só, ao seu sustento”.</font> </p><p><font>4ª - Com todo o respeito, a recorrente discorda desta decisão, parecendo-nos que o Venerando Tribunal laborou em erro, violando assim o disposto no artigo 2016° do CC, pois que não teve em conta todos os elementos do processo e que conduzem a uma decisão diversa.</font> </p><p><font>5ª - Dos presentes autos e sentença resultam as razões de facto, que o Tribunal a quo se baseou para concluir que a autora não tem condições para prover ao seu sustento, designadamente, mediante o desempenho de uma profissão ou rentabilização do seu património.</font> </p><p><font>6ª - Pois para além dos factos que o Venerando Tribunal se refere,</font> </p><p><font>ficou ainda atestado outros factos, designadamente:</font> </p><p><font>a) Que o inquilino da recorrente referente às lojas (verbas 32 e 33) que lhe ficaram adjudicadas deixou de pagar a renda desde finais de 2009, cuja acção de despejo se encontrava a correr e cfr. documento ora junto aos autos;</font> </p><p><font>b) Que o recorrido se obrigou a vender a moradia que ficou adjudicada pela metade com a autora, sendo que ao valor global de venda do imóvel seria deduzido o passivo/crédito que o réu ficou a pagar e o remanescente dividido por ambos na proporção de metade.</font> </p><p><font>c) Mais, consta da fundamentação da sentença, relativamente à "capacidade de trabalho" da autora que sempre foi doméstica e que "não possui quaisquer qualificações profissionais, nem idade que lhe permitam iniciar uma actividade profissional, acrescido das dificuldades e crise vivida em geral nesta área e pela sociedade".</font> </p><p><i><font>7ª - </font></i><font>A douta sentença conclui expressamente que "a factualidade</font> </p><p><font>provada, forçosamente evidencia a necessidade da A. de receber</font> </p><p><font>alimentos", após ajuizar sobre a insubsistência da autora, designadamente,</font> </p><p><font>que esta tem como despesas mensais valores de cerca de 530 euros, que</font> </p><p><font>não vive nem de forma inadequada, nem desajustada, entendendo o</font> </p><p><font>douto tribunal que este valor atinge quase o limiar da pobreza.</font> </p><p><font>8ª - Sendo certo que, a autora após a partilha, por ora, tem como único</font> </p><p><font>rendimento o Rendimento Mínimo de Inserção.</font> </p><p><font>9ª - Quanto à questão do património imobiliário, a autora também</font> </p><p><font>demonstrou ao Tribunal, quanto às lojas, que o arrendatário entretanto</font> </p><p><font>deixou de pagar a renda (encontrando-se a correr a respectiva acção de</font> </p><p><font>despejo e cfr. documento que foi junto aos autos) e que a outra</font> </p><p><font>metade da casa que a alimentanda possui com o recorrente,</font> </p><p><font>corresponde à actual moradia onde este vive.</font> </p><p><font>10ª - Sendo que, no acordo de partilha, o recorrente se obrigou a</font> </p><p><font>proceder à sua venda, sendo que até lá teria de suportar,</font> </p><p><font>necessariamente, a respectiva prestação bancária (facto igualmente</font> </p><p><font>provado) e que ao valor da venda seria amortizado o valor suportado</font> </p><p><font>pelo réu nas prestações bancárias e o remanescente seria então dividido</font> </p><p><font>entre si.</font> </p><p><font>11ª - O recorrido até à presente data nada diligenciou na venda, por não ser do seu interesse, visto que é nessa "mansão" que se encontra a viver.</font> </p><p><font>12ª - Não podendo deixar de realçar o facto provado, em nosso entender relevante de que, o próprio recorrente no Acordo de Divórcio desde logo reconheceu o Direito a Alimentos à recorrida no valor de 550,00 €, já nessa altura o réu tinha total noção das suas necessidades e dificuldades económicas.</font> </p><p><font>13ª - E, nesta parte cita-se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 05.11.1997 onde foi decidido: "que os alimentos provisórios fixados na acção de divórcio perduram, enquanto não se encontrarem os definitivos, numa acção própria".</font> </p><p><font>14ª - Ao contrario do que é referido, o Tribunal "a quo" naquela sentença, não decidiu conferir à alimentanda o mesmo nível de vida que tinha à data do casamento, mas somente assegurar, na medida do estritamente indispensável, uma sobrevivência condigna.</font> </p><p><font>15ª - Pelo que é nosso entender que a douta sentença não merece qualquer reparo, é clara quanto aos seus fundamentos, tomou em linha de conta a idade das partes, o estado de saúde, a impossibilidade da autora em arranjar trabalho, os rendimentos e despesas de cada um, fazendo uso e aplicação da lei e de acordo com a orientação jurisprudencial dos tribunais.</font> </p><p><font>16ª - Já, o contrário se verifica relativamente ao acórdão recorrido que, se limita a apreciar parcial e genericamente a pretensão do recorrente, não tendo aferido de toda a factualidade e realidade, incorrendo em erro de julgamento e violando a lei, pois que ignora os restantes elementos factuais relativamente à incapacidade profissional e de rentabilização do património pela autora, contrariando os elementos e factos que foram objecto de análise e julgamento pelo tribunal.</font> </p><p><font>17ª - Resulta claro que toda a vida da autora foi doméstica, não tem</font> </p><p><font>quaisquer qualificações profissionais e que a esta realidade se alia os</font> </p><p><font>factos do conhecimento geral como o elevado desemprego e crise</font> </p><p><font>económica que o país atravessa.</font> </p><p><font>18ª - A sua situação económica é tão débil que até lhe foi,</font> </p><p><font>entretanto, atribuído rendimento mínimo de inserção que o Estado lhe</font> </p><p><font>assegura,</font> </p><p><font>19ª - Que em nosso entender deverá ser o ex-conjuge a suportar, pois para esta situação pessoal da autora contribuiu os anos de casamento em que esta nunca teve qualquer actividade profissional, dedicando-se inteiramente à casa, marido e seus filhos e que está claramente na génese desta obrigação de alimentos.</font> </p><p><font>20ª - Restando ainda dizer que, quanto ao património que a autora recebeu pelo divórcio, foi precisamente o que não gerava rendimento, ao contrário do réu que ficou com a loja chinesa, fonte de rendimento do casal.</font> </p><p><font>21ª - A autora ficou com duas pequenas lojas (que de facto, se trata de uma única loja) que esteve arrendada e que ainda hoje a recorrente aguarda o pagamento das rendas, não obstante o facto de actualmente se tratar de mais uma loja, como muitas daquela rua, que se encontram por arrendar ou vender, atento a crise instalada.</font> </p><p><font>22ª - E, a outra metade da ''mansão" trata-se da casa que o</font> </p><p><font>recorrido habita e que em sede de partilha, ficou na obrigação de</font> </p><p><font>proceder à sua venda, deduzir os encargos e dividir o remanescente com</font> </p><p><font>a autora, o que até à presente data não sucedeu.</font> </p><p><font>23ª - A verdade é que o bem imóvel que sempre gerou rendimento ficou para o recorrido (trata-se da loja chinesa a fls. dos autos), com uma renda mensal de cerca de 1000 € ou mais, a que acresce a sua pensão auferida da Suíça e, que claramente demonstram que o recorrido tem todas as condições para pagar estes alimentos à autora ora recorrente;</font> </p><p><font>24ª - Face a todo o exposto, é nosso entender, que o douto acórdão deverá ser revogado por outro, por padecer de erro de julgamento e violar a lei, pois que não teve em conta factos provados e julgados, que resultam do processo e da sentença, alienando um principio fundamental que é o da imediação e da justiça e ignorando a difícil conjectura económica, como a grave crise de desemprego e rentabilização patrimonial que o país atravessa.</font> </p><p><font>25ª - A autora demonstrou e provou em tribunal a sua situação de insubsistência, encontrando-se em condições de beneficiar do Direito a Alimentos, nos termos e de acordo com o artigo 2016° do CC.</font> </p><p><font>Nas suas contra-alegações, o réu sustenta que deve ser negado provimento ao recurso, ratificando-se, integralmente, o douto acórdão recorrido.</font> </p><p><font>O Tribunal da Relação entendeu que se devem considerar demonstrados os seguintes factos, que este Supremo Tribunal de Justiça aceita, nos termos das disposições combinadas dos artigos 722º, nº 2 e 729º, nº 2, do Código de Processo Civil (CPC), mas reproduz, acrescentando-se, porém, dois novos factos, sob os nºs 23 e 24, com base no disposto pelos artigos 371º, nº 1, do Código Civil, 659º, nº 3, 713º, nº 2 e 726º, do CPC:</font> </p><p><font>1. Por sentença proferida, em 28 de Junho de 2007, e transitada em julgado, no processo de divórcio litigioso que coreu termos com o n.º 1299/06.4TBTMR, no 3°Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Tomar, foi declarado o divórcio entre a autora e o réu. </font> </p><p><font>2. Por acordo das partes, o divórcio foi convolado em mútuo consentimento, tendo-se acordado que o réu ficava obrigado a entregar à autora o montante mensal de €550,00, a título de alimentos, até ao dia 8 de cada mês, mantendo-se esta obrigação, até à partilha dos bens. </font> </p><p><font>3. A partilha ocorreu, a 10 de Março de 2009, por sentença homologatória proferida nos autos de inventário.</font> </p><p><font>4. Segundo o acordo apresentado, os bens do casal foram partilhados, nos seguintes termos: </font> </p><p><font>1. À autora foram adjudicados: </font> </p><p><font>- Os móveis identificados na relação de bens com as verbas n.ºs 1 a 12; </font> </p><p><font>- A fracção autónoma, na Alameda 1 de Março, correspondente à verba n.º 29; </font> </p><p><font>- As fracções autónomas, na R. ..., correspondentes às verbas n.ºs 32 e 33; </font> </p><p><font>- A metade indivisa do prédio misto, sito em “Vale Donas”, correspondente à verba n.º 30; </font> </p><p><font>2. Ao réu foram adjudicados: </font> </p><p><font>- Os móveis identificados na relação de bens com as verbas n.º 13 a 28 e 34; </font> </p><p><font>- A fracção autónoma, sita na Rua ..., correspondente à verba n.º 31; </font> </p><p><font>- A metade indivisa do prédio misto, sito em “Vale Donas”, correspondente à verba n.º 30; </font> </p><p><font>3. O réu assumiu a obrigação do pagamento da verba n.º 1 do passivo, correspondente a um crédito hipotecário que, em 5 de Fevereiro de 2009,</font><i><font> </font></i><font>ascendia a €98.863,32. </font> </p><p><font>5.</font><b><font> </font></b><font>O réu recebe uma reforma da Suíça. </font> </p><p><font>6. E recebe a renda mensal de uma loja de artigos chineses, sita</font><b><font> </font></b><font>na Avª. .., em Tomar. </font> </p><p><font>7. O réu foi notificado pelo inquilino para o efeito de terminar o arrendamento, em 31 de Julho de 2010.</font> </p><p><font>8. O réu paga para a amortização do passivo, identificado em D), a quantia mensal de €582,37.</font> </p><p><font>9. Gasta em alimentação €480,00/mês.</font> </p><p><font>10. Despende por mês: </font> </p><p><font>- €50,00, em artigos de higiene; </font> </p><p><font>- €100,00, em electricidade da Quinta de “Vale Donas”; </font> </p><p><font>- €150,00, em gasóleo e mão-de-obra, na Quinta de “Vale Donas”; </font> </p><p><font>- €91,50, em gás; </font> </p><p><font>- €12,00, em água </font> </p><p><font>10. O réu tem andado em tratamento de psiquiatria, sendo acompanhado, periodicamente, o que implica um gasto, em consultas e medicação, de €70,00/mês. </font> </p><p><font>11. Devido a um acidente de viação sofrido, está incapacitado para o trabalho.</font> </p><p><font>12. Suporta despesas de saúde com o filho, que rondam €30,00/mês.</font> </p><p><font>13. Paga, por mês, a importância de €45,00, para arranjo e consertos de máquinas agrícolas da Quinta de “Vale Donas”.</font> </p><p><font>14. A autora é e sempre foi doméstica. (art.º 1º).</font> </p><p><font>15. Actualmente, a autora recebe a quantia de €234,08 euros mensais do RMI (art.º 2º).</font> </p><p><font>16. O inquilino da autora deixou de pagar a renda, desde finais de 2009. (art.º 3º).</font> </p><p><font>17. Em regra, a autora gasta:</font> </p><p><font>- Despesa anual de condomínio 347,60 euros; </font> </p><p><font>- Despesa mensal de água, cerca de 12 euros; </font> </p><p><font>- Despesa mensal de gás, cerca de 30 euros; </font> </p><p><font>- Despesa mensal de electricidade, cerca de 30 euros; </font> </p><p><font>- Despesa mensal de telefone 55,34 euros; </font> </p><p><font>- Despesa mensal de televisão 23,94 euros. (art.º 4º).</font> </p><p><font>18. Nas despesas de alimentação e vestuário, a autora gasta €350,00, por mês. (art.º 6º).</font> </p><p><font>19. A reforma que o réu recebe, actualmente, é de cerca de €1.120,00 euros mensais. (art.º 7º).</font> </p><p><font>20. O réu recebia de renda a quantia de mil euros mensais e, a partir de Fevereiro do corrente ano, a renda é de 850 euros. (art.º 8).</font> </p><p><font>21. O réu vive numa moradia, sita em Vale Donas. (art.º 9º).</font> </p><p><font>22. A autora e o réu celebraram o acordo de folhas 55, nos termos do qual o passivo pago pelo réu, referido em H), será deduzido, na sua totalidade, ao valor global da venda do imóvel que o réu se obrigou a vender, sendo o remanescente dividido por ambos, na proporção de metade. </font> </p><p><font>23. A autora e o réu casaram um com o outro, no dia 9 de Fevereiro de 1980 – Documento de folhas 13 a 16.</font> </p><p><font>24. A autora reside, na Alameda 1 de Março, nº 3, 4º drt., Tomar – Documentos de folhas 2, 3 e 10.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>&nbsp;Tudo visto e analisado, ponderadas as provas existentes, atento o Direito aplicável, cumpre, finalmente, decidir.</font> </p><p><font>A única questão a decidir, na presente revista, em função da qual se fixa o objecto do recurso, considerando que o «thema decidendum» do mesmo é estabelecido pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, com base no preceituado pelas disposições conjugadas dos artigos 660º, nº 2, 661º, 664º, 684º, nº 3, 685º-A e 726º, todos do CPC, consiste em saber se a autora se encontra numa situação de carência de alimentos que justifique a fixação de uma prestação mensal, a seu favor, a cargo do requerido, seu ex-marido.</font><br> <font> </font><br> <font>DA CARÊNCIA DA PRESTAÇÃO ALIMENTAR APÓS O DIVÓRCIO</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>1. Está provado que o casamento entre a autora e o réu foi dissolvido, em consequência de divórcio, por mútuo consentimento, proferido por sentença, datada de 28 de Junho de 2007, transitada em julgado, tendo, posteriormente, por acordo entre ambos, sido estabelecido que o réu ficava obrigado a entregar à autora, a título de alimentos, o montante mensal de €550,00, até à partilha dos bens, que ocorreu a 10 de Março de 2009, por sentença homologatória proferida nos autos de inventário.</font> </p><p><font>Porém, a autora, em 16 de Março de 2010, deu entrada em juízo à presente acção, invocando continuar carecida de alimentos, não só para fazer face às suas despesas normais de subsistência, como, também, para satisfazer as despesas inerentes ao seu estilo de vida.</font> </p><p><font>2. A obrigação de prestação de alimentos entre ex-cônjuges, na sequência de divórcio, a que alude o artigo 2016º, do Código Civil (CC), constitui um efeito jurídico novo, que se radica na dissolução do casamento, mas cujo fundamento deriva da recíproca solidariedade pós-conjugal</font><u><sup><font>[2]</font></sup></u><font>.</font> </p><p><font>Os princípios mais emblemáticos do novo regime dos alimentos entre ex-cônjuges, posteriormente ao divórcio, constam agora dos artigos 2016º e 2016º-A, do CC, em resultado da nova redacção introduzida pela Lei nº 61/2008, de 31 de Outubro, enquanto expressão da regra geral que atribui carácter excepcional ao direito a alimentos entre cônjuges, expressamente, limitado e de natureza subsidiária.</font> </p><p><font>Assim, muito embora o artigo 2016º, do CC, no seu nº 2, estatua que “qualquer dos cônjuges tem direito a alimentos, independentemente do tipo de divórcio”, o seu nº 3 afirma que esse direito “por razões manifestas de equidade…, pode ser negado”, depois de afirmar, no respectivo nº 1, que “cada cônjuge deve prover à sua subsistência, depois do divórcio”, sendo esse direito preterido em relação “…a qualquer obrigação de alimentos relativamente a um filho do cônjuge devedor”, como se afirma no nº 2, do artigo 2016º-A, do mesmo diploma legal.</font> </p><p><font>Deste modo, e como decorre da sequência dispositiva dos artigos 2016º e 2016º-A, ambos do CC, a regra geral, em matéria de alimentos entre ex-cônjuges, depois do divórcio ou da separação judicial de pessoas e bens, é a de que “cada cônjuge deve prover à sua subsistência”, sendo a excepção o direito a alimentos, a que “qualquer dos cônjuges tem direito”, se “por razões manifestas de equidade não [lhe] for negado”.</font> </p><p><font>Com efeito, o artigo 2016º, do CC, no seu nº 1, c), na antecedente versão que resultava do DL nº 496/77, de 25 de Novembro (Reforma de 1977), na parte que agora interessa considerar, dispunha que “têm direito a alimentos, em caso de divórcio, qualquer dos cônjuges, se o divórcio tiver sido decretado por mútuo consentimento ou se, tratando-se de divórcio litigioso, ambos forem considerados igualmente culpados”, embora “excepcionalmente, [pudesse] o tribunal, por motivos de equidade, conceder alimentos ao cônjuge que a eles não teria direito, …”, consoante resultava do respectivo nº 2.</font> </p><p><font>Por isso, é que o cumprimento do específico dever conjugal de assistência, contemplado pelos artigos 1672º, 1675º e 2015º, pressupondo a não dissolução ou a não interrupção do vínculo matrimonial, se distinguia do cumprimento da obrigação geral de alimentos, de natureza individual, a que se reportam os artigos 2003º e seguintes e 2016º, todos do CC, na hipótese de divórcio ou de separação judicial de pessoas e bens.</font> </p><p><font>Efectivamente, a obrigação de prestação de alimentos só existe, em princípio, na vigência da sociedade conjugal, mesmo que não assuma a sua plenitude, como acontece na hipótese da separação de facto, pelo que, Independentemente do tipo de divórcio, o direito a alimentos pode ser negado, por razões manifestas de equidade, porquanto, por regra geral, como já se disse, “cada cônjuge deve prover à sua subsistência, depois do divórcio”, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 1675º, nºs 1, 2 e 3, 2015º e 2016º, nºs 1, 2 e 3, todos do CC.</font> </p><p><font>É que a obrigação alimentar genérica, na situação de dissolução ou de interrupção do vínculo conjugal, afere-se, agora, com a Reforma de 1977, tão-só, pelo que é indispensável ao sustento, habitação e vestuário, não abrangendo já, como resultava do modelo antecedente, o dever de assegurar um nível de vida correspondente à condição económica e social da respectiva família</font><u><sup><font>[3]</font></sup></u><font>, com a mesma extensão que teria, se os cônjuges continuassem a viver em comum</font><u><sup><font>[4]</font></sup></u><font>.</font> </p><p><font>Com efeito, esta obrigação alimentar genérica não apresentava, então, em resultado da Reforma do Código Civil de 1977, posterior à Constituição de 1976, uma feição indemnizatória, pois que já não tinha subjacente o dever recíproco e simultâneo de assistência de um dos cônjuges para com o outro, na constância do matrimónio, nem sequer a existência da culpa, única ou principal, do ex-cônjuge, mas apenas um direito de crédito da pessoa carente, de carácter alimentar, sobre outra pessoa, sujeita a um critério de dupla proporcionalidade, quer em função dos meios do que houver de prestá-los, quer da necessidade daquele que houver de recebê-los, com o limite fixado pela possibilidade de o alimentando prover à sua subsistência, em conformidade com o disposto pelos artigos 2004º, nºs 1 e 2 e 2016º, nºs 1, 2 e 2, do CC.</font> </p><p><font>Por isso, a obrigação alimentar genérica, na situação de dissolução do vínculo conjugal, prosseguia, tão-só, o objectivo de fazer face às carências económicas do credor, a suprir em função dos meios económicos suficientes do obrigado, apenas recaindo sobre este o dever de o manter, ou seja, de lhe proporcionar o que é indispensável ao sustento, habitação e vestuário, em conformidade com o estipulado pelo artigo 2003º, do CC, mas não já o suficiente para o credor satisfazer as exigências de vida correspondentes à condição económica e social da família</font><u><sup><font>[5]</font></sup></u><font>, e nem sequer a obrigação de alimentos do requerido se baseava já na medida necessária para manter a sociedade conjugal, de acordo com o padrão de vida social próprio de cada casal</font><u><sup><font>[6]</font></sup></u><font>.</font> </p><p><font>Efectivamente, a insuficiência de meios do ex-cônjuge não pode derivar, mecanicamente, da impossibilidade de, na sequência do divórcio, ser mantido num estalão de vida análogo ao existente antes da dissolução do matrimónio, ou, dito de modo diferente, o factor decisivo para a concessão e a medida dos alimentos não resulta da eventual deterioração da situação económica e social do carecido, após o divórcio.</font> </p><p><font>Na verdade, o cônjuge divorciado não tem o direito adquirido de exigir a manutenção do nível de vida existente ao tempo em que a comunidade do casal se mantinha, o que significa que o dever de assistência, enquanto existir a comunhão duradoura de vida, tem uma extensão muito maior do que o cumprimento do mero dever de alimentos, quando essa comunhão tiver cessado</font><u><sup><font>[7]</font></sup></u><font>.</font> </p><p><font>De facto, quando o ex-cônjuge não careça que o outro lhe preste alimentos, em virtude dos rendimentos do trabalho ou dos seus bens lhe assegurarem, suficientemente, a manutenção, cessará aquele dever, por parte do outro</font><u><sup><font>[8]</font></sup></u><font>, o que acontece, igualmente, caso em que aquele deve considerar-se obrigado à aquisição de meios de subsistência, quando, por exemplo, tiver o dever de continuar a actividade produtiva que já desenvolvia, ao tempo da coabitação, por o rendimento do trabalho do outro, já, então, não ser suficiente para satisfazer as necessidades familiares, ou, por deixar de se ocupar da vida doméstica do mesmo</font><u><sup><font>[9]</font></sup></u><font>.</font> </p><p><font>Ao redigir o artigo 2016º-A, nº 1, do CC, não teve o legislador português como intenção colocar o ex-cônjuge carecido de alimentos numa posição idêntica, do ponto de vista financeiro, aquela que desfrutaria se o casamento não tivesse sido dissolvido, desmistificando uma certa expectativa jurídica de garantia da auto-suficiência, durante e após a dissolução do matrimónio, que consubstanciaria o casamento como um verdadeiro «seguro de vida», por não ser «concebível a manutenção de um status económico atinente a uma relação jurídica já extinta»</font><u><sup><font>[10]</font></sup></u><font>, até porque não se pode subestimar a ideia básica, hoje vigente neste âmbito do Direito da Família, de que “cada cônjuge deve prover à sua subsistência, depois do divórcio”, porquanto o direito a alimentos pode ser negado, por razões manifestas de equidade.</font> </p><p><font>É que o direito do cônjuge a uma existência, economicamente, autónoma e condigna, já não é, presentemente, uma realidade a tomar em consideração nas situações posteriores ao divórcio, pois que a duração do casamento, a colaboração prestada à economia do casal, a idade, o estado de saúde dos cônjuges, as suas qualificações profissionais e possibilidades de emprego, o tempo que terão de dedicar, eventualmente, à criação de filhos comuns, os seus rendimentos e proventos, um novo casamento ou união de facto e, de um modo geral, todas as circunstâncias que influam sobre as necessidades do cônjuge que recebe alimentos e as possibilidades daquele que os presta, a que alude o nº 1, do artigo 2016º-A, do CC, são apenas «índices» do critério da fixação do montante dos alimentos e não a «razão de ser» da existência do direito do autor do pedido.</font> </p><p><font>Com efeito, a «datio» da mulher, no Direito Romano, no acordo negocial ou «desponsatio» que envolvia o casamento, e que reclamava um preço a pagar pelo marido, que consistia no encargo para este em assegurar a sua manutenção, pertence já ao passado do Direito Matrimonial</font><u><sup><font>[11]</font></sup></u><font>.</font> </p><p><font>3. Analisando, criticamente, a prova que ficou consagrada, importa reter que a autora e o réu constituíram uma sociedade conjugal, durante cerca de vinte e sete anos, encontrando-se, actualmente, divorciados, por mútuo consentimento.</font> </p><p><font>Na sequência do acordo quanto aos bens comuns do casal, prévio ao divórcio por mútuo consentimento decretado, foi efectuada a partilha, nos termos da qual foram adjudicados à autora, além do mais, a fracção autónoma, situada na ..., as fracções autónomas, localizadas na Rua ..., e a metade indivisa do prédio misto, sito em “Vale Donas”, e ao réu, entre os demais, a outra metade indivisa deste último prédio, e a fracção autónoma, sita na Rua ..., tendo este último, em contrapartida, assumido a obrigação do pagamento da verba n.º 1 do passivo, correspondente a um crédito hipotecário que, em 5 de Fevereiro de 2009, ascendia a €98.863,32.</font> </p><p><font>Por outro lado, a autora, que sempre foi doméstica, vive num dos imóveis que lhe foi adjudicado na partilha dos bens comuns, recebendo, actualmente, a quantia de €234,08 euros mensais, a título de rendimento mínimo de inserção, e o montante de €300,00 de um arrendamento, cujo inquilino deixou de pagar a respectiva remuneração mensal, desde finais de 2009, sendo certo que apresenta despesas em condomínio, água, gás, electricidade, telefone, televisão, alimentação e vestuário, no montante mensal médio de €530,24.</font> </p><p><font>Por seu turno, o réu vive numa moradia, sita em Vale Donas, cuja metade indivisa lhe pertence, e a restante à autora, encontrando-se incapacitado para o trabalho, devido a um acidente de viação sofrido, recebe uma reforma da Suíça, de cerca de €1.120,00 euros mensais e €850,00 euros mensais de um arrendamento.</font> </p><p><font>Porém, o réu paga, para amortização do passivo, o quantitativo mensal de €582,37 e despende em alimentação, artigos de higiene, electricidade, gasóleo, mão-de-obra, arranjo e consertos de máquinas agrícolas, na Quinta de “Vale Donas”, gás e água, consultas, medicação de tratamentos de psiquiatria e despesas de saúde com o filho, o montante mensal médio de €1028,50.</font> </p><p><font>Assim sendo, quanto ao respectivo quadro de suporte económico, a autora apresenta €234,08 euros de rendimento mensal e um montante mensal médio de despesas de €530,24, o que equivale a um «deficit» de €296,16, enquanto que o réu recebe rendimentos mensais de €1.970,00 e suporta despesas mensais de €1610,87, o que corresponde a um «superavit» de €359,13.</font> </p><p><font>Como assim, a situação deficitária da autora, após abater as despesas fixas ao seu rendimento mensal certo, não lhe permite satisfazer os encargos domésticos essenciais à manutenção da sua pessoa e da casa própria onde habita, a menos que, no âmbito da profissão de doméstica que sempre exerceu, passe a desempenhar esta actividade, por conta de outrem, numa área de serviços em que o mercado de trabalho se não afigura ainda saturado e, muito menos, esgotado, como única via de não retirar ao réu o mínimo de subsistência a que, igualmente, tem direito, e até a obviar a que este possa deixar de cumprir a amortização do passivo hipotecário do casal a que se comprometeu.</font> </p><p><font>Se não é exigível que a autora aliene o seu património imobiliário, constituído pela casa onde vive, pela metade indivisa da casa onde habita o réu e, por fim, pela fracção cujo arrendamento deixou de ser pago pelo inquilino, mas que, eventualmente, poderá, no futuro, face ao ressurgimento do mercado da locação, vir a reverter em seu benefício, quer em virtude dos actuais valores venais da propriedade, mas, em especial, porque tal implicaria, a prazo, ficar exaurida de património e, portanto, do rendimento potencial que o mesmo é capaz de proporcionar, e até ficar privada do direito à habitação da fracção onde vive, outrotanto acontece com a continuação do cumprimento pelo réu da prestação alimentar ora em execução, que poderia comprometer o seu património pessoal e o património de ambos, relativamente à que foi a casa de morada de família, cujas responsabilidades do crédito hipotecário garante, se visse reduzido o seu rendimento disponível.</font> </p><p><font>É que a autora, ao contrário do que alega, não demonstrou que, em virtude da idade ou das suas condições de saúde, não tenha capacidade para iniciar o exercício de uma actividade profissional por conta de outrem.</font> </p><p><font>Relativamente ao réu, apresenta um saldo positivo de exercício bastante inferior ao salário mínimo nacion
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><b><font>Revista nº 409/08.1TBVIS.C1.S1.</font></b> <p><b><font>Recorrentes:</font></b><font> AAe mulher BB.</font> </p><p><b><font>Recorridos:</font></b><font> CC e mulher DD.</font> </p><p><font> </font> </p><p><b><font>I. – Relatório.</font></b><br> <font>1. Desavindo com a decisão proferida no Tribunal da Relação de Coimbra, de 5 de Abril de 2011, em que, na procedência da apelação interposta da decisão proferida no 1.º Juízo Cível do Tribunal da comarca de Viseu, de 12 de Junho de 2010, decidiu: “[R]evogar a decisão recorrida na parte em que condenou os réus a pagarem solidariamente aos autores a quantia de € 15.000,00 – quinze mil euros - a título de redução do preço da fracção; [C]ondenar os réus a pagarem aos autores a quantia que se vier a liquidar em execução de sentença, a título de redução do preço da fracção por venda de coisa defeituosa nos termos do artigo 913º do CC, até ao montante de € 17.500,00; e [m]anter, no mais, a sentença recorrida – </font><i><u><font>que, de resto, não foi objecto de recurso</font></u></i><font> - pelo que nessa parte transitou em julgado”, recorrem, de revista, os Réus, AA e mulher, BB, havendo a considerar para a decisão a proferir os seguintes: </font> </p><p><b><font>I.1. – Antecedentes Processuais</font></b><font>.</font> </p><p><font>CCr e mulher DD intentaram contra AA e mulher BB acção com processo ordinário, tendo pedido a sua condenação, no pagamento do montante global de €27.800,00, acrescido de juros desde a citação até integral pagamento.</font> </p><p><font>Para o pedido que formulam alegaram que são donos e legítimos proprietários de uma fracção autónoma, designada pelas letra ..., correspondente ao ...º andar direito, destinada a habitação do prédio urbano constituído em propriedade horizontal, sito às Pedras Alçadas, designado por lote ..., da freguesia de Coração de Jesus, concelho de Viseu, descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de Viseu sob o nº ..., da referida freguesia. </font> </p><p><font>O prédio em questão veio à sua posse dos Autores, por o haverem adquirido aos réus mediante escritura de compra e venda celebrada no ...º Cartório Notarial de Viseu em 8 de Abril de 2005, pelo preço de 135.000,00 euros. </font> </p><p><font>Do prédio supra referido faz parte uma garagem, na sub-cave, piso -2 com acessos fáceis e normais. </font> </p><p><font>O 1º réu é empresário em nome individual e dedica-se com carácter lucrativo à actividade da construção civil e tendo sido ele quem construiu o prédio onde se encontra inserida a fracção autónoma dos autores.</font> </p><p><font>A fracção autónoma foi adquirida quando as obras, ao nível das garagens ainda não estavam todas concluídas, o que obrigava os autores a parquear a sua viatura no exterior, o que de resto sucedia com os restantes proprietários das fracções vizinhas. </font> </p><p><font>No mês de Agosto de 2006, os Autores, tentaram introduzir o seu veículo na garagem, não o tendo conseguido, dado que o acesso inviabiliza uma circulação isenta de riscos, tornando-a totalmente impérvia. Na verdade, a rampa de acesso segue em linha recta num percurso de 8,30 metros, com um pequeno declive, de seguida encontra uma curva cujas paredes laterais medeiam aproximadamente 5215 mm, curva essa com acentuadíssimo declive. Seguindo o trajecto à garagem, segue-se uma segunda curva de largura não superior a 4240mm, curvas que tornam o acesso à garagem intransitável. </font> </p><p><font>Na denúncia da situação, os autores, remeteram uma carta em 11 de Setembro de 2006.</font> </p><p><font>Para tentarem solucionar a situação denunciada os réus dirigiram-se ao imóvel para tentarem remediar o acesso, tentando suprimir as curvas que acima se identificaram. </font> </p><p><font>Os Réus, de acordo com parecer técnico, procederam a um corte passando a segunda curva a ter a largura de 4220mm.</font> </p><p><font>A realização das obras levou os autores a crer que o problema poderia estar resolvido, no entanto, continuaram sem poder circular e aceder à garagem. No plano técnico, as curvas não poderiam sofrer uma ampliação mais drástica, dado que os pilares onde as mesmas estavam ineridas se constituírem como vigas de suporte do edifício e consequentemente não podiam ser alteradas e/ou modificadas na sua estrutura fundante.</font> </p><p><font>Os autores tentaram, posteriormente, fazer essas curvas mas embatem com o carro na parede lateral os que os obrigou a despender em pintura a quantia de € 300,00.</font> </p><p><font>Não tendo logrado aceder à garagem ocasionou que tenham sido compelidos a estacionar o veículo na rua.</font> </p><p><font>A impossibilidade e/ou dificuldade de acesso à garagem da fracção que adquiriram, provoca a desvalorização da fracção adquirida, sendo que, para além disso, têm sofrido muitos incómodos.</font> </p><p><font>Os incómodos sofridos são computados em 5.000,00 euros, sendo que a desvalorização da fracção sem acesso à garagem, até porque a correcção dos defeitos tecnicamente impossível, não deve ser fixada em valor inferior a € 17.5000,00 e da quantia paga devem, ainda, os réus restituírem a quantia de € 10.000,00</font> </p><p><font>Concluem que, na procedência da acção, os réus sejam condenados no pagamento do montante global de €27.800,00, acrescido de juros desde a citação até integral pagamento.</font> </p><p><font>Na contestação, incoam os réus por excepcionar o direito à acção, pela caducidade, uma vez que os autores tendo os defeitos sido denunciados em Setembro de 2006 e a acção e a acção sido proposta em janeiro de 2008, terá caducado o respectivo direito.</font> </p><p><font>Por via impugnativa alegaram que contrataram a construção do prédio à Edificadora EE, Lda. que executou o projecto tal como elaborado pelo Eng.º FF. </font> </p><p><font>Foi verificada a conformidade da obra com o projecto, daí que tenha sido emitida a licença de habitabilidade. </font> </p><p><font>A obra terminou em 9 de Outubro de 2004 data a partir da qual podia ser verificada. Em determinada altura e com a supervisão do pai do autor foi colocado um pavimento em granito na garagem da sua fracção, tendo os materiais circulado em viatura pelo único acesso existente. </font> </p><p><font>Sustentam que o acesso às garagens é transitável e as fracções têm-se valorizado.</font> </p><p><font>Concluem pela improcedência da acção e consequente absolvição dos réus do pedido.</font> </p><p><font>Na réplica, refutam os autores a caducidade e concluem como na petição.</font> </p><p><font>Por despacho de folhas 95 foi fixado à acção o valor de € 32.800,00</font> </p><p><font>No despacho saneador julgou-se a instância válida e regular e relegou-se para final o conhecimento da excepção peremptória da caducidade.</font> </p><p><font>Consignaram-se os factos assentes e elaborou-se a base instrutória que não foram objecto de reclamações.</font> </p><p><font>Foi elaborada sentença que julgou a acção parcialmente procedente por provada e consequentemente condenou os réus solidariamente a pagarem aos autores as seguintes quantias:</font><br> <i><font>A. “€ 15.000,00 relativa à redução do preço da fracção, acrescida de juros de mora calculados à taxa legal desde a citação até integral pagamento.</font></i><br> <i><font>B. &nbsp;€ 300,00 relativa à pintura do veículo acrescida de juros de mora calculados à taxa legal desde a citação até integral pagamento </font></i><br> <font>C. </font><i><font>€ 3.500,00 relativa a danos morais, acrescida de juros de mora calculados à taxa legal desde a data da presente sentença até integral pagamento</font></i><font>.”</font> </p><p><font>Da decisão proferida em 1.ª instância foi interposto recurso para o tribunal da Relação de Coimbra que em douto acórdão datado de 5 de Abril de 2011, viria a:</font> </p><p><i><font>“1. [R]evogar a decisão recorrida na parte em que condenou os réus a pagarem solidariamente aos autores a quantia de € 15.000,00 – quinze mil euros - a título de redução do preço da fracção.</font></i> </p><p><i><font>2. [c]ondenar os réus a pagarem aos autores a quantia que se vier a liquidar em execução de sentença, a título de redução do preço da fracção por venda de coisa defeituosa nos termos do artigo 913º do CC, até ao montante de € 17.500,00. </font></i> </p><p><i><font>3. [m]anter a sentença recorrida – que, de resto, não foi objecto de recurso - pelo que nessa parte transitou em julgado.”</font></i> </p><p><font>Da decisão foi interposta decisão que decidiu </font><i><font>“[R]evogar a decisão recorrida na parte em que condenou os réus a pagarem solidariamente aos autores a quantia de € 15.000,00 – quinze mil euros - a título de redução do preço da fracção; [C]ondenar os réus a pagarem aos autores a quantia que se vier a liquidar em execução de sentença, a título de redução do preço da fracção por venda de coisa defeituosa nos termos do artigo 913º do CC, até ao montante de € 17.500,00; e [m]anter, no mais, a sentença recorrida – </font></i><i><u><font>que, de resto, não foi objecto de recurso</font></u></i><i><font> - pelo que nessa parte transitou em julgado</font></i><font>.”</font> </p><p><b><font>I.2. – Quadro conclusivo.</font></b> </p><p><font>Para o pedido que requestam a este tribunal dessumem os recorrentes o quadro conclusivo que a seguir queda transcrito.&nbsp;&nbsp; </font> </p><p><i><font>“1.ª - Os prazos de caducidade das acções relativas a defeitos em imóveis não foram definidos pela Directiva Europeia n.º 1999/44/CE de 25-05-99, que apenas respeitava à venda de bens móveis corpóreos e nada impunha aos estados nacionais quanto aos imóveis. </font></i> </p><p><i><font>2</font></i><i><sup><font>a</font></sup></i><i><font> – Na nossa lei, e até 2008, o prazo de caducidade para a propositura de acções relativas a defeitos em imóveis, era de seis meses após a denúncia; pelo que tendo a acção dos autos sido proposta já depois de decorrido esse prazo, a mesma deve improceder. </font></i> </p><p><i><font>3</font></i><i><sup><font>a</font></sup></i><i><font> – O art. 5° - A, que DL 84/2008 aditou ao DL 67/2003, é uma disposição inovadora e não correctiva. Nada constando da Directiva a propósito de imóveis nada havia, nessa parte, que corrigir no que tocava à sua transposição. </font></i> </p><p><i><font>5</font></i><i><sup><font>a</font></sup></i><i><font> – A interpretação, feita na decisão recorrida, de que o legislador quis com a Lei 67/2003 alargar os prazos de denúncia e propositura da acção no caso de defeitos em imóveis, </font></i><i><u><font>para assim corrigir um erro de transposição da Directiva</font></u></i><i><font>, não tem apoio nem no texto da directiva nem no da lei nacional. </font></i> </p><p><i><font>6</font></i><i><sup><font>a</font></sup></i><i><font> – Tal interpretação redunda em verdadeira actividade legislativa, vedada ao intérprete e colide com o princípio constitucional da separação de poderes e da vinculação dos Tribunais à lei, sendo, portanto inconstitucional por violação dos art. 111 ° e 203° da CRP. </font></i> </p><p><i><font>Do mesmo modo, </font></i> </p><p><i><font>7</font></i><i><sup><font>a</font></sup></i><i><font> – Não existindo qualquer conflito jurisprudencial quanto à contagem desses prazos no que toca aos </font></i><i><u><font>imóveis</font></u></i><i><font>, a consideração de que o DL 28/2008 foi lei interpretativa em relação à Lei 67/2003, violaria o princípio da não retroactividade das leis, o disposto no art. 13°/1 do C. Civil e redundaria igualmente em actividade legislativa, vedada por aqueles princípios constitucionais que, com ela, sairiam também violados. </font></i> </p><p><i><font>8</font></i><i><sup><font>a</font></sup></i><i><font> – Violou o Tribunal recorrido, ao acolher a decisão da 1.ª instância e nesta parte o disposto nos arts. 5.º/4 do DL 67/2003, 298.º/2, 329.º, 331.º, 333.º/2 e 303° todos do C. Civil. </font></i> </p><p><i><font>9</font></i><i><sup><font>a</font></sup></i><i><font> – Os factos demonstram que os AA sabiam da existência da desconformidade que alegavam nos autos antes da compra; ou, </font></i><b><i><font>pelo menos, </font></i></b><i><font>que a não podiam razoavelmente ignorar. </font></i> </p><p><i><font>10</font></i><i><sup><font>a</font></sup></i><i><font> – Por tal razão deveria ser-lhes negado o direito à reparação nos termos do n.º 3 do art. 2° do DL 67/2003 que a decisão recorrida, ao acolher a da primeira instância, violou. </font></i> </p><p><i><font>11.ª - As regras da experiência comum impõem a conclusão de que quem, antes da compra sabe que há uma desconformidade, verifica a conformidade antes de formalizar a compra; e, se não estiver satisfeito, não compra ou renegoceia o preço, como aliás lhe é imposto pela boa fé na contratação. </font></i> </p><p><i><font>12.</font></i><i><sup><font>a</font></sup></i><i><font> – Age de má fé, e sem merecer a tutela do direito, quem opta por comprar nessas condições e só depois vem pedir a redução do preço, por isso representar uma actuação do lesado decisiva para a produção do dano. </font></i> </p><p><i><font>13.ª</font></i><i><sup><font>a</font></sup></i><i><font> – Tendo sido colocada à Relação a questão de que face a esse enquadramento deveriam improceder todos os pedidos dos AA; esta, ao não ter dela conhecido, por ter considerado que a mesma lhe não foi colocada, incorreu na nulidade cominada pelo art. 668°/1- d) ex vi art. 722°/ 1 - c) do CPC. </font></i> </p><p><i><font>Termos em que, </font></i> </p><p><i><font>Deve o presente recurso ser julgado procedente, revogando-se o douto Acórdão em recurso que deverá ser substituída por decisão que absolva os RR dos pedidos com todas as consequências legais.”</font></i><font> </font> </p><p><font>Nas contra-alegações os recorridos concluem que: </font> </p><p><i><font>“1- A falta de transposição dos prazos constantes no art. 5.º da Directiva 1999/44/CE para o DL n.º 67/2003 determinou que o legislador fizesse uma interpretação correctiva através do DL n.º 84/08, de 21/05, que veio alterar aquele diploma legal, aditando-lhe norma que estabelece os prazos de caducidade em conformidade com aquela directiva; </font></i> </p><p><i><font>2- Pelo que é de três anos a contar da denúncia, o prazo para a caducidade dos direitos dos consumidores, no confronto com profissionais, quando se trate da compra e venda de um imóvel defeituoso; </font></i> </p><p><i><font>3- Relativamente ao prazo de caducidade de seis meses do direito de propositura de acção, previsto no revogado n.º 4 do art. 5.º do DL 67/2003, impõe-se uma interpretação correctiva deste diploma, por o mesmo não se achar em conformidade com o prazo de dois anos estabelecido no art. 5.º, n.º1, da Directiva Comunitária n.º 1999/44/CE; </font></i> </p><p><i><font>4- Pois que só assim se poderá assegurar o interesse dos indivíduos na estabilidade e coerência da ordem jurídica e na segurança do comércio jurídico; </font></i> </p><p><i><font>5- É sobre os réus que recai o ónus da prova de qualquer facto impeditivo, modificativo ou extintivo do direito invocado pelo autor. Prova esta que os réus não lograram fazer e que, por isso, deve ser valorada contra si e a favor dos autores, </font></i> </p><p><i><font>6- A mera informação prestada pelos técnicos de construção civil aos autores sobre a impossibilidade de suavizar ainda mais as curvas de acesso à garagem, não significa ipsis verbis que os autores estavam impedidos de aceder à garagem ou que tal acesso implicaria uma manobra de muito difícil execução. </font></i> </p><p><i><font>7 - Ou seja, a simples transmissão de tal informação não basta só por si para que se considere que, pelo menos, os autores não podiam razoavelmente ignorar tal desconformidade. Pois que, </font></i> </p><p><i><font>8- As esquinas de acesso à garagem foram, efectivamente, cortadas, o que só por si bastou para suavizar as curvas e criar nos autores a convicção</font></i><b><i><font> </font></i></b><i><font>de que o problema estava resolvido, até porque nada mais poderia ser feito. </font></i> </p><p><i><font>9- 0s RR. não lograram provar que os autores tinham, de facto, conhecimento sobre a desconformidade do bem, uma vez que é sobre os mesmos que impende um dever específico de informação (clara, objectiva e adequada); </font></i> </p><p><i><font>Termos em que deve este Tribunal manter o decidido pelo douto Acórdão em recurso e assim se fará a acostumada JUSTIÇA!</font></i><font> “</font> </p><p><b><font>II.3. – Questões a merecer apreciação</font></b><font>.</font> </p><p><font>- Nulidade do acórdão (omissão de conhecimento de pedidos formulados na apelação);</font> </p><p><font>- Caducidade; Denúncia de defeitos em imóveis; Prazo estipulado na Directiva n.º 1999/44/CE; artigos 3.º e 5.º, n.º 4 do DL n.º 67/2003 e DL n.º 84/2008; </font> </p><p><font>- Inconstitucionalidade por violação dos artigos 111.º e 203.º da Constituição da República.&nbsp; &nbsp;&nbsp;</font> </p><p><b><font>II. - FUNDAMENTAÇÃO</font></b><font>.</font> </p><p><b><font>II.A. – DE FACTO</font></b><font>.</font> </p><p><font>As instâncias deram por adquirida a matéria de facto que a seguir queda extractada.</font><br> <b><i><font>1. </font></i></b><i><font>“Por escritura pública de compra e venda celebrada no...º Cartório Notarial de Viseu, em 8 de Abril de 2005, os autores compraram aos réus, pelo preço de cento e trinta e cinco mil euros, a fracção autónoma, designada pela letra ..., correspondente ao...° andar direito, destinada a habitação do prédio urbano, com tudo a que a compõem</font></i><a><b><i><u><sup><font>[1]</font></sup></u></i></b></a><i><font>, constituído em propriedade horizontal sito as Pedras Alçadas, designado por lote ..., da freguesia de C... de J..., concelho de Viseu, descrito na Conservatória do Registo Predial de Viseu sob o nº ..., da referida freguesia (alínea A) dos factos assentes).</font></i><br> <b><i><font>2. </font></i></b><i><font>Da fracção aludida em A), faz parte uma garagem na sub-cave, no piso -2 (alínea C) dos factos assentes).</font></i><br> <b><i><font>3. </font></i></b><i><font>A compra e venda a que aludem os autores foi precedida de negociações, tendo estes sinalizado o preço em 14/12/2002, por cheque cuja cópia foi junta como documento nº 1 com a contestação (alínea L) dos factos assentes).</font></i><br> <b><i><font>4. </font></i></b><i><font>O réu edificou o prédio onde se encontra inserida a fracção autónoma referida em A), contratando a respectiva construção à Edificadora EE, Ld.ª, com sede na Av. ... de ..., ..., ...º, em Lisboa (resposta ao quesito 1º).</font></i> </p><p><i><font>No cômputo geral, esta executou o projecto da obra, tal como havia sido elaborado pelo gabinete técnico do Eng. FF, em Viseu, e tinha sido aprovado pela Câmara Municipal de Viseu, que licenciou tal construção (resposta ao quesito 42º).</font></i><br> <b><i><font>5. </font></i></b><i><font>A construção terminou por volta de Outubro/Novembro de 2004 e a partir dessa data ficou em condições de poder ser verificada (resposta ao quesito 44º). </font></i><br> <b><i><font>6. </font></i></b><i><font>Nessa altura, os autores deslocaram-se ao prédio e garagem várias vezes, tendo solicitado que lhes fosse permitido colocar nesta um pavimento em granito sobre o que estava aplicado, o que foi consentido pelos réus (resposta ao quesito 45º).</font></i><br> <b><i><font>7. </font></i></b><i><font>Antes da celebração da escritura, os autores solicitaram ao encarregado da obra que lhes indicasse um funcionário que, "fora de horas", pudesse colocar um novo rodapé, rematando aquele pavimento, o que foi feito (resposta ao quesito 47º).</font></i><br> <b><i><font>8. </font></i></b><i><font>Ainda antes do final desse ano, homens a mando dos autores, com a supervisão do pai do autor, procederam à colocação de um pavimento em granito na garagem da sua fracção (resposta ao quesito 46º).</font></i><br> <b><i><font>9. </font></i></b><i><font>Por volta de Janeiro de 2005, o autor queixou-se ao réu que não conseguia aceder com um veículo à garagem (resposta ao quesito 12º).</font></i><br> <b><i><font>10. </font></i></b><i><font>O réu disponibilizou-se então para rectificar tal impedimento (resposta ao quesito 13º).</font></i><br> <b><i><font>11. </font></i></b><i><font>Em meados de Fevereiro de 2005, o réu deu ordens à empresa construtora para executar trabalhos no sentido de melhorar o acesso às garagens (resposta ao quesito 14º). </font></i><br> <b><i><font>12. </font></i></b><i><font>Os réus tentaram suavizar as curvas supra referidas, cortando as respectivas esquinas, o que sucedeu em meados de Março de 2005 (resposta ao quesito 15º).</font></i><br> <b><i><font>13. </font></i></b><i><font>Os autores tiveram a informação pelos técnicos da construção civil que ali se encontraram que as duas curvas de acesso à referida garagem não poderiam ser ampliadas, porque nas mesmas se encontravam vigas de suporte do edifício (resposta ao quesito 17º).</font></i><br> <b><i><font>14. </font></i></b><i><font>E tais vigas não poderiam ser destruídas, em prol do alargamento do acesso, tendo a 2ª curva ficado com a esquina interior em forma arredondada (resposta aos quesitos 18º e 20º).</font></i><br> <b><i><font>15. </font></i></b><i><font>A Câmara Municipal emitiu a licença de habitabilidade/utilização em Março de 2005, após verificada, no cômputo geral, a conformidade entre o projecto e a construção edificada (resposta ao quesito 43º).</font></i><br> <b><i><font>16. </font></i></b><i><font>Quando os autores adquiriram a referida fracção, ainda se encontravam materiais das obras espalhados por algumas garagens e respectivos acessos do prédio, sem que os autores pudessem entrar, circular e aparcar o seu veículo livremente (resposta aos quesitos 3º e 4).</font></i><br> <b><i><font>17. </font></i></b><i><font>Volvidos cerca de 4 meses, é que essa zona foi limpa e tirados todos os obstáculos para a sua livre circulação (resposta ao quesito 5º).</font></i><br> <b><i><font>18. </font></i></b><i><font>O veículo dos autores permaneceu entretanto no aparcamento exterior (resposta ao quesito 6º).</font></i><br> <b><i><font>19. </font></i></b><i><font>Mais tarde, no final do ano de 2005, os autores tentaram introduzir o seu veículo na dita garagem e verificaram que tal era uma manobra de muito difícil execução (resposta ao quesito 7º).</font></i><br> <b><i><font>20. </font></i></b><i><font>O acesso inicial da garagem segue em linha recta num percurso de aproximadamente 8,30m, tendo sempre um pequeno declive (alínea D) e E) dos factos assentes).</font></i><br> <b><i><font>21. </font></i></b><i><font>De seguida, encontra uma curva, cujas paredes laterais medeiam uma distância de aproximadamente 5215mm (alínea F) dos factos assentes).</font></i><br> <b><i><font>22. </font></i></b><i><font>A curva referida em F) é em declive (resposta ao quesito 8º).</font></i><br> <b><i><font>23. </font></i></b><i><font>Seguindo o trajecto do acesso à dita garagem, passa-se por uma segunda curva, cuja largura, no seu ponto mais estreito, é aproximadamente de 4240mm (resposta ao quesito 9º).</font></i><br> <b><i><font>24. </font></i></b><i><font>Devido a tais curvas, os autores muito dificilmente conseguem introduzir o seu veículo na dita garagem (resposta ao quesito 10º).</font></i><br> <b><i><font>25. </font></i></b><i><font>Mesmo após as referidas obras, qualquer veículo com dimensões que rondem os 4,50 metros de comprimento apenas consegue aceder à garagem dos autores com muita dificuldade, sendo necessária perícia e destreza acima da média por parte do respectivo condutor (resposta ao quesito 21º).</font></i><br> <b><i><font>26. </font></i></b><i><font>Da impossibilidade de acesso à garagem após as obras, os réus foram informados (resposta ao quesito 22º).</font></i><br> <b><i><font>27. </font></i></b><i><font>Após as obras supra referidas, os autores já tentaram fazer essas curvas e embateram com o seu carro na parede lateral (resposta ao quesito 26º).</font></i><br> <b><i><font>28. </font></i></b><i><font>Na pintura do mesmo gastaram cerca de 300,00€ (resposta ao quesito 27º).</font></i><br> <b><i><font>29. </font></i></b><i><font>O veículo dos autores tem ficado sempre estacionado na rua, o que faz com que a pintura e os órgãos mecânicos, principalmente no Inverno, fiquem mais expostos às adversidades climatéricas, deteriorando-se mais rapidamente (resposta aos quesitos 28º a 30º).</font></i><br> <b><i><font>30. </font></i></b><i><font>A aquisição da mencionada fracção por parte dos autores visou não só a sua habitação permanente, como também o parqueamento da sua viatura (resposta ao quesito 32º).</font></i><br> <b><i><font>31. </font></i></b><i><font>Não fosse a existência da garagem, os autores não teriam comprado a dita fracção (resposta ao quesito 31º).</font></i><br> <b><i><font>32. </font></i></b><b><i><font>O apartamento dos autores com acesso à garagem muito difícil, bem como a sua não funcionalidade, desvaloriza a fracção</font></i></b><a><b><i><u><sup><font>[2]</font></sup></u></i></b></a><i><font> (resposta ao quesito 35º).</font></i><br> <b><i><font>33. </font></i></b><i><font>O não uso da garagem deixa os autores sem entrada directa para o imóvel, tendo de se deslocar pelo exterior para entrarem no prédio (resposta ao quesito 33º).</font></i><br> <b><i><font>34. </font></i></b><i><font>Os autores têm crianças e tal facto traz-lhes incómodos (resposta ao quesito 34º).</font></i><br> <b><i><font>35. </font></i></b><i><font>No edifício onde se encontra a fracção supra referida, foi aberto um bar (alínea J) dos factos assentes).</font></i><br> <b><i><font>36. </font></i></b><i><font>O bar referido em J) traz durante a noite muitos clientes jovens (resposta ao quesito 36º).</font></i><br> <b><i><font>37. </font></i></b><i><font>Por vezes, durante a madrugada, ouvem-se garrafas a partir, motas a circular e algum barulho (resposta aos quesitos 37º e 38º).</font></i><br> <b><i><font>38. </font></i></b><i><font>A factualidade supra referida preocupa os autores pois receiam que algo possa estragar ou danificar o seu veiculo (resposta ao quesito 39º).</font></i><br> <b><i><font>39. </font></i></b><i><font>A fracção C - com garagem no mesmo piso da dos autores e a mesma tipologia, mas em piso inferior foi adquirida aos réus por €128.960,00 e foi vendida em 09 de Agosto de 2007 por € 175.000,00. (alínea M) dos factos assentes).</font></i><br> <b><i><font>40. </font></i></b><i><font>A fracção C referida na supra alínea M) e após a aquisição pela inicial proprietária, D. GG, sofreu alterações a nível de um arquitecto, que alterou e enriqueceu o mesmo apartamento e o valorizou (resposta ao quesito 40º).</font></i><br> <b><i><font>41. </font></i></b><i><font>O autor enviou ao réu que recebeu uma carta registada com A/R datada de 11/09/2006 com o seguinte teor: No passado dia 8 de Abril de 2005 celebrei com V. Ex.ª uma escritura pública de compra e venda no 1º Cartório Notarial de Viseu. Através da mesma adquiri a fracção autónoma, designada pela letra "F", correspondente ao segundo andar direito, destinada a habitação, com tudo a que a compõe, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, sito as Pedras Alçadas, designado por lote ..., freguesia de C... de J..., concelho de Viseu, omisso na matriz mas feita a participação para a sua inscrição no ...° Serviço de Finanças de Viseu em 25/02/2005, ao qual foi dado o artigo provisório P..., com o número de registo ..., descrito na ...ª Conservatória do Registo Predial de Viseu sob o n.º ..., da freguesia de Coração de Jesus. Tal fracção é constituída pela casa de habitação e por uma garagem. Acontece porém que se torna impossível aceder à garagem, não podendo estacionar lá o meu veículo. É que, como alias e do seu conhecimento, o acesso do exterior a minha garagem é constituído por uma curva cuja sua intensidade se forma intransitável. E nesse sentido a minha garagem não pode ser utilizada para o fim a que se destina. Verifico das conversações que têm sido efectuadas com os representantes de V. Exas. que também eles não conseguem estacionar um carro na minha garagem. Denuncio-lhe desta forma tal defeito e agradeço que o Sr. faça diligências no sentido de ter rectificado, no prazo de 10 dias tal defeito. Caso contrario terei que seguir vias judiciais. Atenciosamente (alínea G) dos factos assentes).</font></i><br> <b><i><font>42. </font></i></b><i><font>O 1° réu é empresário em nome individual e dedica-se com carácter lucrativo à actividade de construção civil (alínea B) dos factos assentes).</font></i><br> <b><i><font>43. </font></i></b><i><font>A actividade do réu marido é a actividade de sustento da família e a ré mulher beneficia com a construção e vendas celebradas pelo réu marido (alíneas H) e I) dos factos assentes).”</font></i> </p><p><b><font>II.B. – DE DIREITO.</font></b> </p><p><b><font>II.B.1. – Nulidade do acórdão.</font></b> </p><p><font>Tratando-se de uma questão adjectiva a que o tribunal terá de atender e, na eventualidade de poder vir a proceder, ainda assim deva, nos termos do artigo 715.º do CPC, conhecer do recurso, por uma questão de metodologia, tomar-se-á conhecimento da questão fulcral do recurso, a saber a excepção de caducidade, e só na improcedência desta se tomará conhecimento da nulidade oposta ao aresto revidendo.</font> </p><p><b><font>II.B.2 – Caducidade; Denúncia de defeitos em imóveis; Prazo estipulado na Directiva n.º 1999/44/CE; artigos 3.º e 5.º, n.º 4 do DL n.º 67/2003 e DL n.º 84/2008.</font></b> </p><p><font>A discordância trazida pelos recorrentes – repristinada da apelação que levaram até ao Tribunal da Relação – prende-se com a aplicação ao caso do disposto no artigo 5.º-A do Dec. Lei n.º 84/2008, de 21 de Maio. </font> </p><p><font>Para os recorrentes não é compaginável com a regra da não retroactividade das leis a aplicação dos prazos fixados para o exercício do direito à acção no caso de ter sido operada a denúncia do defeitos de uma coisa imóvel. Em apertadas razões, porque a Directiva 1999/44/CE não é aplicável aos bens imóveis, depois porque se não pode entender que a norma introduzida pelo artigo 5.º-A do Dec. Lei 84/2008 possa ser assumida como uma norma correctiva ou interpretativa do primevo Dec. Lei que havia procedido à transposição da mencionada directiva para a ordem jurídica interna – Dec. Lei n.º 67/2003, de 8 de Abril – e com isso o legislador quisesse aumentar ou fixar prazos que não estavam insertos neste diploma. </font> </p><p><font>Na justificação de motivos do Decreto-lei n.º 84/2008. de 21 de Maio escreveu-se que “</font><i><font>O Decreto -Lei n.º 67/2003, de 8 de Abril, transpôs para o ordenamento jurídico interno a Directiva n.º 1999/44/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de Maio, relativa a certos aspectos da venda de bens de consumo e das garantias a ela relativas.</font></i> </p><p><i><font>Foi, então, estabelecido um conjunto de regras que disciplinam o regime das garantias, legais e voluntárias, que tem contribuído para o reforço dos direitos dos consumidores nesta matéria.</font></i> </p><p><i><u><font>Decorridos cinco anos sobre a entrada em vigor daquele decreto-lei considera -se necessário introduzir novas regras que permitam ajustar o regime à realidade do mercado e colmatar as deficiências que a aplicação daquele diploma revelou</font></u></i><i><font>.(O sublinhado é nosso) </font></i> </p><p><i><font>(…)</font></i> </p><p><i><font>Estabelece-se, também, um novo prazo de dois e de três anos a contar da data da denúncia, conforme se trate, respectivamente, de um bem móvel ou imóvel, para a caducidade dos direitos dos consumidores. Esta diferenciação de prazos justifica -se atendendo ao bem em causa e à complexidade de preparação de uma acção judicial consoante se trate de um bem móvel ou imóvel. O decreto-lei estabelece, ainda, um prazo de dois ou de cinco anos de garantia para o bem sucedâneo, substituto, do bem desconforme se se tratar, respectivamente, de um bem móvel ou imóvel e consagra a transmissão dos direitos conferidos pela garantia aos terceiros adquirentes do s bem</font></i><font>.</font> </p><p><font>No seu artigo 1.º, o Dec. Lei n.º 84/2008, de 21 de maio, incoa por anunciar que “</font><i><font>O presente decreto-lei procede à transposição para o direito interno da Directiva n.º 1999/44/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de Maio, relativa a certos aspectos da venda de bens de consumo e das garantias a ela relativas, com vista a assegurar a protecção dos interesses dos consumidores.</font></i><font>”</font> </p><p><font>Anunciado o propósito e operadas as modi
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font> <p><b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font></b> </p><p><b><font> </font></b> </p><p><b><font>1 – Relatório.</font></b> </p><p><font>Na 1ª Secção Cível da Instância Central da Comarca de Lisboa, AA instaurou, em 13/1/14, acção declarativa de condenação com processo comum contra B...– B..........., S.A. e contra BB e CC, pedindo a condenação solidária dos réus a pagarem-lhe uma indemnização por danos decorrentes do não pagamento do cheque no montante de € 189.997,51, já incluídos os juros de mora desde 24/1/11 até 31/1213, bem como todos os que se vencerem até efectivo e integral pagamento.</font> </p><p><font>Pede, ainda, a autora a condenação solidária dos 2º e 3º réus a pagarem-lhe uma indemnização por danos morais no valor de € 10.000,00, acrescida dos juros à taxa legal desde a data da citação até efectivo e integral pagamento.</font> </p><p><font>Para o efeito, alega que celebrou contrato promessa de compra e venda com a sociedade de construção e urbanização Q............ de que os 2º e 3º RR. eram gerentes, para aquisição de duas fracções de um prédio então em construção, pelo preço de € 370.000,00, tendo entregue a título de sinal, em 08/06/08, o montante de€ 185.000,00. </font> </p><p><font>Mais alega que, como garantia de devolução do sinal em caso de resolução do contrato, a promitente vendedora, procedeu à entrega à A. de um cheque subscrito pelos 2º e 3° RR. no montante de€ 185.000,00, sem data, para que esta em caso de incumprimento o datasse e cobrasse. </font> </p><p><font>Alega ainda que o referido contrato promessa foi incumprido pela promitente vendedora, que nunca convocou a A. para a escritura, tendo ocorrido o incumprimento definitivo do contrato, pelo que a A. datou o cheque e apresentou-o a pagamento no prazo de oito dias a contar da data dele constante, tendo o 1 º R. recusado o pagamento indicando como motivo "cheque revogado com justa causa-extravio". </font> </p><p><font>Mais alega que a comunicação só poderia ter sido efectuada pelos 2º e 3º RR., bem sabendo que tal declaração era falsa, visando impedir o pagamento do cheque, lançando a suspeita sobre o crédito e honra da A. e que o 1 º R. não podia desconhecer a falsidade de tal declaração, impondo-se-lhe ainda o dever legal de exigir junto da sociedade sacadora o comprovativo do alegado extravio, não actuando com a diligência de um gestor consciencioso. </font> </p><p><font>Alega que esta actuação indicia antes a falta de fundos na conta do devedor e que o 1 º R., ao aceitar a declaração de extravio, permitiu que a sociedade devedora não ficasse obrigada a regularizar a situação, impediu a falta de comunicação da devolução de cheque por falta de provisão ao Banco de Portugal e privou a A. dos meios normais legais para pressionar a devedora ao pagamento, nomeadamente de o utilizar como título executivo ou de o apresentar de novo a pagamento. </font> </p><p><font>Mais alega que, tendo intentado a notificação judicial avulsa da sociedade Q...... Lda., veio posteriormente a ter conhecimento da sua insolvência, tendo a A. reclamado na insolvência os seus créditos, reconhecidos pelo administrador pelo montante de € 167.479,50, estando a insolvência em fase final de liquidação e não tendo a A. recebido quaisquer valores inerentes ao cheque. </font> </p><p><font>Por último, alega que sofreu danos materiais e morais com a conduta dos RR. e que o 1 º R. responde pela omissão dos seus deveres de diligência, agindo com culpa e que os demais RR. respondem a título pessoal, enquanto representantes da sociedade e a título individual pelos crimes de falsificação de documento, de burla e de difamação. </font> </p><p><font>O .... contestou em 24/2/14, alegando que nunca lhe foi transmitido pelos demais RR. qualquer extravio de cheque, mas antes a sua anulação, com o fundamento de a data de validade do cheque estar ultrapassada, o que fizeram por comunicação datada de Julho de 2009, sendo a data de validade do cheque de 09/03/09. </font> </p><p><font>Alega que devido a esta comunicação, o Banco R. decidiu devolver este cheque, logo que fosse apresentado a pagamento, com fundamento em "apresentação fora de prazo". </font> </p><p><font>Mais alega que, em Julho de 2009, o sistema operativo do .... só tinha duas opções disponíveis para alerta de não pagamento - cheque anulado ou cheque extraviado - não podendo o funcionário do .... utilizar a primeira opção, por não ter o cheque em seu poder, tendo assim optado pela utilização da segunda opção, como alerta para não pagamento, caso o cheque viesse ser apresentado. </font> </p><p><font>Alega ainda que apresentado o cheque a pagamento em Janeiro de 2011, o serviço de compensação do ...., constatando o alerta introduzido no sistema, veio a devolver o cheque com esse fundamento, por desconhecimento das verdadeiras razões para devolução do cheque em causa. &nbsp;</font> </p><p><font>Por último alega que o Banco pode recusar o pagamento e devolver o cheque, quando não tenha sido observado o respectivo prazo de validade, sendo que neste caso o cheque foi datado e apresentado a pagamento para além do prazo de validade que dele constava o que era do conhecimento da A., porque constante em dizeres legíveis no próprio impresso de cheque. </font> </p><p><font>O 2º réu BB também contestou, em 5/5/14, alegando que</font><font>, quer o cheque quer a declaração junta pela A., foram assinados por si na qualidade de legal representante da firma Q...... Lda., expirando o cheque em 09/03/2009. </font> </p><p><font>Mais alega que nunca a referida sociedade acordou com a A. o preenchimento da data do cheque em apreço, tendo emitido e entregue o cheque na convicção de que este serviria de garantia de pagamento, no caso de qualquer das partes utilizar o direito de resolução do contrato promessa, o que nunca veio a acontecer. </font> </p><p><font>Alega ainda, que a data limite para outorga do contrato prometido era o dia 09/03/09, razão pela qual a A. poderia preencher a data de emissão do cheque até essa data, conquanto fosse operada a resolução do contrato. </font> </p><p><font>Mais alega que a sociedade acordou com a A. na venda das fracções em causa a um terceiro, devolvendo posteriormente o sinal entregue, devolução que não ocorreu por dificuldades financeiras da sociedade, a qual efectuou contactos e negociações com a A. no sentido de proceder ao pagamento em espécie, o que foi aceite apenas parcialmente por esta. </font> </p><p><font>Por último, alega que nunca houve intenção de prejudicar a A. e que a comunicação ao banco alertando para o prazo de validade do cheque, se deveu a ter sido atingido este prazo, sem que o cheque tivesse sido presente a pagamento ou estivessem reunidas as condições para o ser e que os créditos da A. o são sobre a referida sociedade, reclamados já na insolvência da mesma, não existindo qualquer facto pessoal dos RR. que os constitua no dever de indemnizar a A. </font> </p><p><font>Por requerimento de 25/2/15, o ...., alegando que, depois da apresentação da sua contestação, ocorreu um evento que fundamenta a sua ilegitimidade substantiva, já que, por Deliberação do Conselho de Administração do Banco de Portugal (BP) de 3/8/2014, foi sujeito à aplicação de uma medida de resolução, por via da qual a responsabilidade eventualmente em causa nestes autos se transferiu para a sociedade B.........., S.A. (NB), nova entidade constituída nesse momento, requer que esta última seja investida na posição processual anteriormente assumida pelo requerente .....</font> </p><p><font>Sobre esse requerimento recaiu o </font><b><u><font>despacho proferido em 11/3/2015</font></u></b><font>, que determinou a substituição nestes autos do .... pelo NB, ao abrigo do disposto no art.269º, nº2, do CPC.</font> </p><p><font>Por requerimento de 7/4/2015, o NB pediu a reforma daquele despacho, por entender que não podia ter sido efectuada a aludida substituição processual com base no citado artigo.</font> </p><p><font>Tal requerimento foi indeferido por despacho de 13/4/2015, onde se considerou que os fundamentos invocados não se integram no conceito de reforma, quer dos despachos, quer das sentenças.</font> </p><p><font>Entretanto, foi admitida a alteração da causa de pedir requerida pela autora, no sentido de deixar de se ter por fundamento da responsabilidade dos réus singulares o ilícito decorrente de falsificação de documento, devendo a declaração de extravio ser tomada por declaração de anulação.</font> </p><p><font>Após o saneador, foi proferido despacho onde se identificou o objecto do litígio e se mencionaram os temas da prova.</font> </p><p><font>Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida </font><b><u><font>sentença, em 14/1/2016</font></u></b><font>, julgando a acção parcialmente procedente e condenando o NB a pagar à autora a quantia de € 166.300,00, acrescida de juros vencidos e vincendos à taxa legal de 4% desde 24/1/11 até integral pagamento, tendo os demais réus sido absolvidos do pedido, sendo que, tal sentença foi notificada ao NB em 25/1/16.</font> </p><p><font>Antes dessa notificação, porém, por requerimento de 20/1/16, o NB, invocando as deliberações do BP de 29/12/15, publicadas no site do BP em 13/1/16, havia pedido que se determinasse a substituição da posição de sujeito processual passivo, ora ocupada pelo NB, pelo .....</font> </p><p><font>Sobre este requerimento não chegou a recair qualquer despacho, já que, entretanto, o NB, ao ser notificado da sentença da 1ª instância, interpôs recurso de apelação da mesma, bem como do referido despacho de 11/3/15.</font> </p><p><font>Foi, então, proferido o </font><b><u><font>Acórdão da Relação de Lisboa, de 29/11/16</font></u></b><font> (fls.605 e segs.), onde, na procedência do recurso interlocutório, se decidiu:</font> </p><p><font>- revogar o despacho recorrido;</font> </p><p><font>- absolver o NB da instância;</font> </p><p><font>- anular todos os actos praticados nos autos a partir da substituição do .... pelo NB, nos termos do art.269º, do CPC;</font> </p><p><font>- ordenar o prosseguimento dos autos contra o ...., precisamente a partir daquele momento processual em que foi substituído pelo NB.</font> </p><p><font>Inconformada, a autora interpôs recurso de revista daquele acórdão.</font> </p><p><font>Produzidas as alegações e colhidos os vistos legais, cumpre decidir.</font> </p><p><b><font>&nbsp;2 – Fundamentos.</font></b> </p><p><b><font>2.1. A autora-recorrente remata as suas alegações com as seguintes conclusões:</font></b> </p><p><b><font>Deliberações do Banco de Portugal, de 03.08.2014 e de 11.08.2014 </font></b> </p><p><font>1. Não se trata, nos presentes autos, de </font><i><font>"sindicar a validade formal e substancial da deliberação do Banco de Portugal"</font></i><font>, mas sim de </font><u><font>interpretar</font></u><font> e </font><u><font>aplicar</font></u><font> essa mesma deliberação - atividade que compete exclusivamente aos Tribunais [aqui comuns], para uma correta aplicação do Direito ao caso concreto; </font> </p><p><font>2. O Tribunal da Relação de Lisboa, independentemente da validade formal ou substancial da deliberação do Banco de Portugal, tinha que a </font><u><font>interpretar e aplicar</font></u><font>, por forma a aferir se, no âmbito da mesma, se pode enquadrar ou não o direito [de crédito] da aqui A. e Recorrente; </font> </p><p><font>3. A primeira conclusão a ser retirada, decorrente dos pontos 11, 12 e 16 da deliberação do Banco de Portugal, de 03.08.2014, é a de que, com a criação do B.........., o Banco de Portugal teve em vista a sucessão, nos direitos e </font><u><font>obrigações</font></u><font> do ...., para todos os efeitos legais e contratuais; </font> </p><p><font>4.A segunda conclusão a ser retirada dos referidos pontos 11, 12 e 16 da deliberação do Banco de Portugal, de 03.08.2014, assim como da ordem com que vêm enumeradas [elemento sistemático] e conteúdo [elemento racional] das exceções [subalíneas i] a vii]] elencadas no alínea b] do Anexo 2], é a de que o objetivo das mesmas é proteger o B.......... da exposição ao universo do </font><u><font>Grupo E........&nbsp;(G....) e seus acionistas, obrigacionistas e administradores</font></u><font>. Deste modo as exceções impostas nas subalíneas i] a vii] têm de ser vistas neste contexto, ou seja, em tudo o que se relacione com o </font><u><font>G....., os seus acionistas, obrigacionistas, administradores e entidades do seu universo;</font></u> </p><p><font>5. É que, vem a referida subalínea, no seguimento das anteriores, motivada [elemento racional] na necessidade de proteção do B.......... do G...e não do </font><u><font>cidadão comum </font></u><font>- como é o caso da aqui A. e Recorrente - , que manteve uma normal relação comercial com o ...., o qual, por sua vez, atuou no âmbito da sua normal atividade bancária- no caso, como banco sacado; </font> </p><p><font>6. Em qualquer caso, mesmo que se entendesse que a subalínea v] se aplicava também ao dito cidadão comum - o que por mero hipótese se pondera, sem se conceder - sempre se diria que não está em causa nos presentes autos uma </font><u><font>"fraude"</font></u><font> ou "violação de disposições ou determinações </font><u><font>regulatórias,</font></u><font> penais ou </font><u><font>contraordenacionais</font></u><font>"; </font> </p><p><font>7. O que está em causa é a violação de um direito ou interesse protegido do sacador do banco pelos artigos 32.º da Lei Uniforme do Cheque [LUCH] - do ramo do </font><u><font>Direito</font></u><font> </font><u><font>Comercial</font></u><font> - e 483 º n.º 2 do Código Civil - do ramo do </font><u><font>Direito Civil</font></u><font> - no âmbito do normal exercício da atividade bancário por parte do ....; </font> </p><p><font>8. O cheque objeto dos autos foi sacado sobre uma conta contratualizada entre o B...e a "Sociedade de Urbanização e Construção, Q......., Lda.", sediado naquele banco. As relações inerentes à convenção de cheque entre o B... e a dita sociedade estendem-se às relações do banco com terceiros - nomeadamente à aqui A. e Recorrente - no que concerne aos direitos e deveres em matéria de pagamento de cheques emitidos sobre aquela conta; </font> </p><p><font>9. O Tribunal de l.ª Instância não considerou estar em causa o cometimento de uma "fraude" ou a "violação de disposições ou determinações regulatórias, penais ou contraordenacionais" por parte do ...., mos sim o mero incumprimento por parte deste de deveres no decurso da atividade bancária, como acontece em variados e normais situações do giro bancário; </font> </p><p><font>10. O Tribunal de l.ª Instância considerou que houve </font><u><font>erro</font></u><font> do .... ou dos funcionários deste no tratamento do cheque dos autos. A norma violada foi a constante do artigo 32.º da LUCH - sendo o banco responsável nos termos previstos no artigo 14.º, 2.ª parte, do Decreto n.º 13004 - e do artigo 483.º, n.º 1, do Códiqo Civil. Estamos, assim, no domínio do </font><u><font>Direito Comercial e do Direito Civil</font></u><font>, mais propriamente, da responsabilidade civil por violação de um direito ou interesse legalmente protegido da A. e Recorrente; </font> </p><p><font>11. Isto é, a sentença acima referida não condenou o B.......... por "violação de disposições ou determinações </font><u><font>regulatórias, penais</font></u><font> ou </font><u><font>contraordenacionais</font></u><font>", mas sim por violação de normas dos ramos do Direito Comercial e Civil; </font> </p><p><font>12. O Banco de Portugal, ao transferir, no âmbito da resolução do ...., toda a atividade deste para o B.........., com exceção da associada às outras entidades do </font><u><font>GES</font></u><font>, transferiu para o B.......... toda a atividade inerente à conta bancária da "Sociedade de Urbanização e Construção, Q......, Lda." e, como não podia deixar de ser, incluindo quaisquer responsabilidades com ela conexas; </font> </p><p><font>13. Em face do teor da sentença proferida pelo Tribunal da l.ª Instância, que condena com base na LUCH, não há qualquer razão que justifique a manutenção da dívida no ...., ao invés de a transferir para o B..........; </font> </p><p><font>14. Assim, a responsabilidade dos presentes autos não é uma responsabilidade que caiba na subalínea v] do alínea b] do Anexo 2 e, portanto, foi efetivamente transferida para o B........... De onde se conclui que a responsabilidade decorrente do não pagamento do cheque se transferiu para o B.........., devendo, por isso, ser totalmente revogado o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, que decidiu absolver da instância o R. B.........., SA., confirmando-se assim, o teor do despacho proferido em 11.03.2015 pelo Tribunal da l.ª Instância, quanto à substituição do B...SA. pelo B.........., SA, como parte (Réu] nesta ação; </font> </p><p><b><font>Deliberação do Banco de Portuqal, de 29.12.2015</font></b> </p><p><font>15. O que assistimos, na realidade, com a deliberação tomada pelo Banco de Portugal, em 29.12.2015, foi a uma pessoa coletiva de direito público (administração], no exercício da função administrativa do Estado, substituir-se ao juiz, quando estava em causa o proferimento de decisões judiciais; </font> </p><p><font>16. Com o referida deliberação</font><sub><font>,</font></sub><font> veio o Banco de Portugal criar uma espécie de "catálogo", no qual insere processos em que os juízes devem decidir pela legitimidade do B... em vez do B..........[!]; </font> </p><p><font>17. O que decorre da nossa lei - nomeadamente do Código do Processo nos Tribunais Administrativos - é que os tribunais </font><u><font>julgam</font></u><font> do cumprimento pela administração das normas e princípios jurídicos que a vinculam e não o contrário, isto é, não é a administração [Banco de Portugal] que </font><u><font>julga</font></u><font> as ações pendentes nos tribunais ou quem é parte nelas</font><sub><font>,</font></sub><font> que visam dirimir conflitos entre particulares; </font> </p><p><font>18. É aos tribunais que incumbe não só decidir litígios </font><u><font>entre particulares</font></u><font>, no âmbito de interesses privados - como é o caso dos presentes autos, em que se contrapõem interesses de uma entidade bancária [seja ela o B....ou o B..........] e da A. e Recorrente -</font><sub><font>,</font></sub><font> como também conflitos de </font><u><font>interesses públicos e privados</font></u><font>; </font> </p><p><font>19. É aos tribunais que cabe decidir se esse interesse público se deve sobrepor ao interesse privado, caso a caso, designadamente em cada processo judicial em curso. Que o Banco Portugal manifeste a sua vontade em pretender colocar e retirar o B... o B.......... de processos judiciais em curso, é uma coisa; que essa vontade seja imposta aos tribunais é outra bem diferente; </font> </p><p><font>20. Por outro lado, conforme decorre do artigo 205.º da CRP, são as decisões dos tribunais que se impõem a quaisquer outros entidades e não o contrário, isto é, que as decisões de autoridades administrativas [aqui do Banco de Portugal] se impõem aos tribunais; </font> </p><p><font>21. Uma deliberação que imponha aos tribunais uma decisão quanto à legitimidade processual do .... ou do B.......... nos processos que constam do referido "catálogo" torna, desde logo, a deliberação de 29.12.2015 absolutamente inconstitucional, ou nula, por violação direta dos princípios do Estado de Direito e da separação de poderes, consagrados nos artigos 2.º, lll.º, 202.º e 205.º da CRP; </font> </p><p><font>22. Aquilo a que assistimos, na realidade, é a uma inaceitável ingerência do poder administrativo no poder judicial, a qual colide, também, com o princípio da independência deste, consagrado no artigo 203.º da CRP; </font> </p><p><font>23. Por isso, não pode o conselho de administração do Banco de Portugal reunir-se para deliberar sobre quais os processos judiciais pendentes em que deve ser dada legitimidade processual ao ...., absolvendo-se da instância o B........... Essa é uma tarefa que compete aos tribunais, no âmbito do exercício da Função jurisdicional, que lhe está constitucionalmente cometida.</font> </p><p><font>24. Ao Banco de Portugal cumpre a tarefa de proferir deliberações de resolução de bancos nacionais. Aos tribunais cumpre interpretar essas mesmas deliberações – interpretação legislativa, com recurso aos elementos literal, sistemático e racional – e decidir pela sua aplicação ou não ao caso concreto.</font> </p><p><font>25. Além disso, o "catálogo" de processos constante da deliberação do Banco de Portugal, de 29.12.2015, surge depois da resolução do ...., quando vários processos judiciais já estavam em curso, alguns deles com decisões judiciais proferidas, habilitando o B.......... nos processos no lugar do .... ou decidindo do mérito da causa condenando o B.......... no cumprimento de obrigações, como no caso dos autos; </font> </p><p><font>26. O que quer dizer que a referida decisão do Banco de Portugal surge convenientemente, para alterar a composição subjetiva dos litígios em curso, pondo ainda em causa a confiança que as partes têm no decurso da marcha processual, "desviada" para a "absolvição do B.......... e sem qualquer fundamento, o que viola o princípio do Estado de direito, ínsito no artigo 2º da CRP; </font> </p><p><font>27. 0 exposto vale, igualmente, para as normas ao abrigo das quais o Banco de Portugal tomou as deliberações em apreço. Nesse sentido, os artigos 144.º e seguintes, do RGICSF não podem ser interpretados e aplicados como permitindo ao Banco de Portugal determinar em que processos judiciais concretos o banco resolvido [aqui o ....] é parte ou é substituído pelo banco novo [o B..........], muito menos quando esses processos estão em curso, o banco novo já substituiu o banco resolvido e há decisão condenatória do banco novo no cumprimento de obrigações, sob pena dessas normas serem inconstitucionais por violação daquelas disposições constitucionais; </font> </p><p><font>28. Assim, e por maioria de razão, tendo o Tribunal da Relação de Lisboa sustentado a decisão recorrido na deliberação do Banco de Portugal, de 29.12.2015 - não o fazendo de forma expressa, mas subscrevendo a posição adotada em sede de alegações de recurso, pelo R. e aí Recorrente B.......... -, feriu-a inelutavelmente de inconstitucionalidade, ou de nulidade, por violação daquelas disposições constitucionais, cuja declaração aqui se reclama, para todos os efeitos legais: </font> </p><p><font>29. Mas não é só pela violação do princípio da separação de poderes que a deliberação do Banco de Portugal, de 29.12.2015, e, consequentemente, a decisão recorrido, padecem de inconstitucionalidade, ou de nulidade; </font> </p><p><font>30. O Banco de Portugal tomou a deliberação de 29.12.2015 com base num alegado interesse público. Compreende-se que haja interesse público em libertar o B.......... dos "ativos de má qualidade" relacionados com a exposição do B.... ao G...., e aos seus acionistas, obrigacionistas, administradores e entidades do seu universo -, que alegadamente contribuíram para o descalabro económico-financeiro do banco; </font> </p><p><font>31. Acontece, porém, que o direito [de crédito] da R. e Recorrente não é um "ativo de má qualidade", antes pelo contrário, decorre da normal atividade bancária do B...., e não de uma hipotética relação com o G..... seus acionistas, obrigacionistas, administradores e entidades do seu universo. Ou, por outro, se é um "ativo de má qualidade", o Banco de Portugal, até à presente data, não o disse expressamente; </font> </p><p><font>32. Não basta ao Banco de Portugal dizer que é do interesse público. É preciso demonstrá-lo inequivocamente, sob pena da decisão ser considerada – como o é pela aqui A. e Recorrente - arbitrária;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; </font> </p><p><font>33. Ora, o Banco de Portugal nem fundamentou a decisão de inserir o número do processo a que respeitam os presentes autos no "catálogo" dos processos que devem ficar no ...., nem notificou a A. e Recorrente da decisão de inclusão do processo no dito catáloqo - só vindo a mesma a ter conhecimento da existência desse "católogo'' por via das alegações de recurso do R. B..........; </font> </p><p><font>34. Assim, o Banco de Portugal violou igualmente os deveres de fundamentar e comunicar à A. e Recorrente o ato administrativo que afetou diretamente o seu direito, consagrados no artigo 268.º, n.º l e 3 da CRP; </font> </p><p><i><font>35.</font></i><font> E, conforme decorre do artigo 18.º, n.º l da CRP, </font><i><font>"Os preceitos constitucionais respeitantes a direitos, liberdades e garantias são diretamente aplicáveis e vinculam as entidades públicas e privadas "; </font></i> </p><p><font>36. Pelo exposto, tendo o Tribunal da Relação de Lisboa sustentado a decisão recorrida na deliberação do Banco de Portugal, de 29.12.2015 - não o fazendo de forma expressa, mas subscrevendo a posição adotada em sede de alegações de recurso, pelo R. e aí Recorrente B.......... -, feriu-a inelutavelmente de inconstitucionalidade, ou de nulidade, por violação das referidas disposições constitucionais, cuja declaração aqui se reclama, para todos os efeitos legais. </font> </p><p><font>Termos em que, e nos demais de Direito, com o douto suprimento de V. Exas., deverá o presente recurso ser julgado totalmente procedente e, consequentemente: </font> </p><p><font>a) Ser mantido o despacho proferido pelo Tribunal de l.ª Instância de 11.03.2015, o qual ordenou a substituição do B...., SA. pelo B.........., SA. como parte [Réu] nesta ação, </font> </p><p><font>E, consequentemente</font> </p><p><font>b) Ordenar-se a baixa dos autos ao Tribunal da Relação de Lisboa, para apreciação dos fundamentos do recurso principal interposto pelo R. B.........., SA.</font> </p><p><b><font>2.2. O recorrido NB contra-alegou, concluindo nos seguintes termos:</font></b> </p><p><font>1ª - De acordo com o artigo 1.º da Lei Orgânica do B...., aprovada pela Lei 5/98, de 31 de Janeiro, </font><i><sup><font>“</font></sup></i><i><font>0 Banco de Portugal é uma pessoa colectiva de direito público, dotada de autonomia administrativa e financeira e património próprio”. </font></i> </p><p><font>2ª - E nos termos do artigo 17.</font><sup><font>º</font></sup><font> A dessa mesma Lei Orgânica </font><i><font>"compete</font></i><i><u><font> </font></u></i><i><font>ao Banco de Portugal desempenhar as funções de autoridade de resolução nacional, incluindo, entre outros poderes previstos na legislação aplicável, os de elaborar planos de resolução, aplicar medidas de resolução e determinar a eliminação de potenciais obstáculos à aplicação de tais medidas, nos termos e com os limites previstos na legislação aplicável". </font></i> </p><p><font>3.ª - Essa legislação aplicável é aquela que consta do RGICSF, e que em 03.08.2014 constituía o Capítulo IV - Resolução - do Título VIII - Intervenção correctiva, administração provisória e resolução (artigos 145.º A a 145.º-Q). </font> </p><p><font>4.ª - Assim, o Conselho de Administração do Banco de Portugal, enquanto Autoridade de Resolução Nacional, decidiu, em 03.08.2014, no usos dos poderes que legalmente lhe foram conferidos, aplicar ao .... a Medida de Resolução, prevista, ao tempo em que foi proferida, no artigo 145.2-A do RGICSF, nos termos do qual </font><i><font>"o Banco de Portugal pode aplicar, relativamente às instituições de crédito com sede em Portugal a medida de resolução, nos termos do presente capítulo (o mencionado capítulo IV), com o objectivo de prosseguir qualquer das seguintes finalidades: </font></i> </p><p><i><font>a) Assegurar a continuidade da prestação dos serviços financeiros essenciais; </font></i> </p><p><i><font>b) Acautelar o risco sistémico; </font></i> </p><p><i><font>c) Salvaguardar os interesses dos contribuintes e do erário público; </font></i> </p><p><i><font>d) Salvaguardar a confiança dos depositantes." </font></i> </p><p><font>5.ª - O prosseguimento dessas finalidades com a medida de resolução aplicada ao .... estão bem patentes nos considerandos da deliberação do BdP de 03.08.2014, que dão conta de uma situação insustentável e inadiável de falta de liquidez do B...., provocada por várias razões que ali se referem, entre elas, a decisão do B... de suspensão do B..., como contraparte de operações de política monetária, o que passou a impedir o B... de recorrer ao financiamento junto do B.... </font> </p><p><font>6.ª - Factos aqueles que, segundo o B..., colocaram o B... numa situação de risco sério e de grave incumprimento a curto prazo das suas obrigações, o que poderia desembocar numa entrada em processo de liquidação, </font><i><font>"o que representaria um enorme risco sistémico e uma séria ameaça para a estabilidade financeira"</font></i><font> (vide considerando 7. da deliberação). </font> </p><p><font>7.ª - A Medida de Resolução adaptada em 03.08.2014, teve como objectivo salvaguardar o interesse público, que sairia fortemente abalado com uma situação de o B...entrar em processo de liquidação, devido às inultrapassáveis faltas de liquidez em que se encontrava, que não lhe permitiriam honrar os seus compromissos, o que geraria danos irreparáveis para a generalidade dos depositantes, lançando a destabilização financeira e o alastramento da falta de confiança dos cidadãos e das empresas no sistema financeiro em geral, com graves consequências de dimensão imprevisível, nomeadamente de elevada perturbação no funcionamento da economia e prejuízos para o erário público. </font> </p><p><font>8.ª - No âmbito daquela medida de resolução do B..., o BdP deliberou criar o B.........., como um banco de transição e de transferir para o mesmo um </font><b><u><font>conjunto concreto</font></u></b><font> de activos, passivos, elementos extra patrimoniais e activos sob gestão do B..., que foram elencados no Anexo 2 àquela deliberação. </font> </p><p><font>9.ª - No uso dos seus poderes como autoridade de resolução nacional, por deliberação de 11 de Agosto de 2014, o B... procedeu ao ajustamento e clarificação do perímetro dos activos, passivos, elementos extra patrimoniais e activos sob gestão do B..., transferidos deste para o B........... </font> </p><p><font>10.ª - E, em 29.12.2015, o Bd... procedeu a novos ajustamentos e clarificações daquele perímetro, aprovando as seguintes duas Deliberações: </font> </p><p><font>a) Deliberação relativa à clarificação e tratamento de responsabilidades contingentes e desconhecidas ou incertas, nos termos da subalínea (v) da alínea (b) do n.º 1 do Anexo 2 da deliberação do Banco de Portugal de 03.08.2014, bem como à sua retransmissão para o B..., no caso de entretanto ter ocorrido, em alguma situação, a transferência daquelas responsabilidades contingentes e desconhecidas para o B.......... ("Deliberação Contingências"). </font> </p><p><font>b) Deliberação que procede a um novo ajustamento do perímetro dos activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão, transferidos do B... para o B.........., actualizando e consolidando o texto do Anexo 2 à Deliberação do Bd... de 03.08.2014, que define aquele perímetro - "Deliberação Perímetro"]. </font> </p><p><font>11.ª - A "Deliberação Contingências" procedeu, em particular, àquelas clarificações, constando da respectiva fundamentação o facto de o B... ter considerado </font><i><font>"ser proporcional e de interesse público não transferir para o banco de transição as responsabilidades contingentes ou desconhecidas do B... (incluindo responsabilidades litigiosas relativas ao contencioso pendente e responsabilidades ou contingências decorrentes de fraude ou da violação de disposições ou determinações regulatórias, penais ou contra­ordenacionais), independentemente de se encontrarem ou não registadas na contabilidade do B... nos termos da subalínea (v) a (vii) da alínea (b) do n.!l 1 do Anexo 2 da Deliberação de 3 de agosto, uma vez que a certeza relativamente às responsabilidades do banco de transição é essencial para garantir a continuidade das funções críticas desempenhadas pelo B.......... e que anteriormente tinham sido desempenhadas pelo B...."</font></i><font> (vide n.º 7). </font> </p><p><font>12.ª - Considerou também aquela deliberação ser importante </font><i><font>"clarificar que o Banco de Portugal, enquanto autoridade pública de resolução, decidiu e considera que todas as responsabilidades contingentes e desconhecidas do B... (incluindo responsabilidades litigiosas relativas ao contencioso pendente e responsabilidades ou contingências decorrentes de fraude ou da violação de disposições ou determinações regulatórias, penais ou contra-ordenacionais}, independentemente de se encontrarem ou não registadas
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><font> </font><br> <font> </font><br> <b><font> </font></b><br> <b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font></b><br> <font> </font><br> <b><font>I - AA demandou BB - BB SA, CC, SA e&nbsp; DD</font></b><font>, pedindo a condenação das 1ªa e 2ª RR a emitirem em todos os seus serviços noticiosos de um dia, texto lido pelo 3.°R, informando que todas as imputações feitas ao A relativamente ao caso de pedofilia dos Açores e noticiadas pela BB e BB Notícias nos dias que indica eram falsas, manifestando desculpas pela ofensa à honra e dignidade do A e, solidariamente com o 3º R, a pagarem ao A a quantia de 65.758,976, a título de danos patrimoniais e, ainda, quantia nunca inferior a 400.000,00€ a título de danos não patrimoniais, acrescidos de juros moratórios à taxa supletiva, actualmente de 4%, a partir da citação e até integral pagamento.</font><br> <font>Alega, para tanto, que exerceu a sua profissão de advogado até 2.02.2000, actividade profissional que suspendeu voluntariamente para desempenhar as funções de Secretário Regional do Ambiente no VII Governo Regional dos Açores, reassumindo funções como Secretário Regional da Agricultura e Pescas do VIII Governo Regional, na sequência das eleições à Assembleia Regional dos Açores, em Outubro de 2000, funções essas que exerceu até 8 de Dezembro de 2003, data em que foi exonerado do cargo, a seu pedido, motivado pelas notícias difundidas nos canais de televisão BB e BB Notícias nos dias … e … de … que o indiciavam como implicado no processo de pedofilia que então se encontrava em investigação na Ilha de São Miguel, publicamente conhecido como o caso da garagem do F....</font><br> <font> </font><br> <font> </font><br> <font>O canal de televisão BB e BB Notícias são propriedade e explorados, respectivamente pela 1ª e 2ª RR, sendo que o 3. ° R, trabalha na Região dos Açores, por conta e sob as ordens das mesmas RR, prestando serviços a ambas, elaborando reportagens, que o identificam como o seu "correspondente dos Açores".</font><br> <font>No exercício das suas funções, o 3. ° R transmitiu às 1.a e 2.a RR informações sobre o alegado indiciamento do envolvimento do A. nos factos em investigação no referido processo, consubstanciados na prática de actos de abuso sexual de menores e/ou práticas homossexuais com adolescentes, relatando de viva voz e ao vivo notícias, reportagens e comentários nos mesmos canais.</font><br> <font>O A. no dia 6 de Dezembro, estando ausente do país em gozo de férias recebeu no seu telemóvel várias mensagens de pessoas residentes nos Açores e em Portugal Continental manifestando-lhe solidariedade e lamentando as notícias divulgadas publicamente nos serviços noticiosos.</font><br> <font>Efectivamente, as BB e BB Notícias abriram os seus serviços noticioso no dia … e todos os serviços noticiosos do dia … de … com grandes "chamadas" para o caso de pedofilia dos Açores, aludindo a um trabalho de investigação que teria sido realizado em São Miguel, pela BB e ..., e embora não mencionassem o nome do A divulgaram características pessoais de um personagem que estaria envolvido como tendo abusado sexualmente de menores e praticara actos homossexuais com jovens, que qualquer cidadão médio e de mediana informação identificava e identificou como sendo o A. a pessoa que era objecto das notícias.</font><br> <font>No dia 8 de Dezembro continuaram as notícias sobre o processo de pedofilia então em investigação, e comentários sobre a demissão do A. de Secretário Regional da Agricultura e Pescas, mantendo a insinuação que o A. seria um dos investigados e praticantes dos actos de pedofilia e práticas homossexuais e envolvido no processo.</font><br> <font> </font><br> <font> </font><br> <font>Foi manifesta a intenção dos RR, em especial do 3. ° R, natural e residente em S. Miguel, em de forma insidiosa, desacreditar o A. e em ofender a sua honra e dignidade pessoal e de homem público, designadamente de governante.</font><br> <font>Na edição das 10 h da BB Notícias, no dia … de … foi emitida com destaque a notícia que dos 12 suspeitos de abuso sexual de menores só quatro não tinham ficado em prisão preventiva, caso do Secretário Regional da Agricultura que se demitiu do Governo, e saído do Tribunal já perto das três da manha, sendo falso que o A. tenha estado no Tribunal naquele dia, tenha sido interrogado, fosse arguido, ou suspeito naquele processo ou em qualquer outro de quaisquer actos que estavam ou estiverem a ser investigados.</font><br> <font>O teor e a gravidade dos factos que nas notícias foram imputados ao A. levaram a que não tivesse condições para manter a sua participação no governação da Região, sentiu que a sua honra, o seu bom nome e a sua dignidade pessoal estavam a ser brutalmente vilipendiados, ao mesmo tempo que estava a ser posta em causa a autoridade como governante, a sua imagem de homem público, e penalizando a própria imagem do Governo Regional dos Açores.</font><br> <font>As notícias mantidas pela BB e BB Notícias e pelo 3. ° R, durante dias seguidos, criaram a convicção em muitas pessoas de que o A teria de facto praticado os actos pedófilos denunciados, causando-lhe profundo desgosto, enorme mágoa e incontida revolta, pela sua falsidade e crueldade.</font><br> <font>Ainda hoje o A. sofre as consequências de tão nefasto episódio criado pelos RR, e sofrerá sequelas até ao resto dos seus dias, pois com as insinuações veladas que lhe foram feitas, jamais terá condições de exercer qualquer cargo público na Região Açores.</font><br> <font> </font><br> <font> </font><br> <font>Assim os danos não patrimoniais sofridos pelo A. integram, por um lado a ofensa à sua honra, bom nome e dignidade e integridade moral, a que corresponder compensação não inferior a 200.000,006, e por outro, o sofrimento, vergonha e humilhação, correspondendo a uma compensação não inferior a 200.000,00€.</font><br> <font>Suportou ainda o A danos patrimoniais, no âmbito do exercício da sua profissão de advogado que retomou, tendo um prejuízo imediato e efectivo, num só ano civil, ano 2004, a título de lucros cessantes, de 65.758,976.</font><br> <b><font>A responsabilidade pelo ressarcimento dos danos cabe à 1ª e 2ª RR, bem como ao 3° R, de forma solidária, uma vez que as notícias foram o resultado de uma investigação de trabalhadores da 1ª R. ao serviço da BB, ou de prestadores de serviços, por ela contratados, entre eles o 3. ° R e foram divulgadas pelos referidos canais de televisão de sua propriedade e por elas exploradas.</font></b><br> <b><font> </font></b><br> <font>Contestaram os RR invocando a ilegitimidade passiva das 1ª e 2ª RR e impugnando o factualismo aduzido.</font><br> <font> </font><br> <font>Foi proferido despacho saneador, no qual foi considerado sem qualquer efeito o articulado de réplica de fls. 145 a 154 dos autos, sendo apenas atendido no que se refere aos artigos 1. ° a 30.°, e julgada improcedente a excepção da ilegitimidade passiva das 1ª e 2ª RR.</font><br> <font>Inconformadas vieram o A (quanto à admissibilidade parcial da réplica) e as RR (quanto à decisão sobre a legitimidade) interpor recursos de agravo.</font><br> <font> </font><br> <b><font> </font></b><br> <b><font>II.</font></b><font> Realizado julgamento, foi proferida sentença que condenou a R. BB SA a pagar ao A a quantia de 145.758,97€ e solidariamente com o R. DD, 40% de tal quantia, montante em que este foi igualmente condenado; condenou a R. BB, SA a facultar ao autor a rectificação ou direito de resposta, no noticiário com maior audiência, quer da BB, quer da BB Notícias.</font><br> <font>Foram ainda os RR condenados, o R. DD na proporção de 40% e solidariamente com a BB SA, no pagamento de juros sobre a quantia referia, desde a citação até efectivo e integral pagamento.</font><br> <font>Inconformados vieram os RR interpor recurso de apelação.</font><br> <font> </font><br> <b><font>III. </font></b><font>Foi proferido, pelo Tribunal da Relação de Lisboa, acórdão que, dando provimento ao recurso, condenou a R BB a pagar ao A a quantia de € 10000,00, acrescida de juros de mora legais desde a citação e absolveu o R DD.</font><br> <font> </font><br> <b><font>Desta decisão foram, por A e R, interpostos recursos de revista.</font></b><br> <font>Alega, em síntese, o </font><b><i><font>recorrente A (AA)</font></i></b><font> que:</font><br> <font>- foi feita no acórdão uma errada interpretação dos factos ao considerar-se que não tinham sido imputados ao recorrente (questão de haver ou não identificação do recorrente) actos desonrosos e de natureza criminal que, sendo falsos, ofendem a honra e o bom nome de qualquer cidadão (alega errada interpretação do disposto nos artigos 180º CPenal, 70º CCivil e 25º e 26º CRP), para além de errada qualificação jurídica;</font><br> <font>- num segundo momento foi afirmado que a demissão do recorrente do cargo de Secretário Regional do Governo dos Açores estava relacionado com o escândalo de pedofilia continuando-se, assim, a imputar-lhe actos desonrosos e censuráveis, ofensivos da sua honra e bom nome; </font><br> <font> </font><br> <font>- houve violação do direito à honra e bom nome do recorrente não só num primeiro momento como também na continuidade dos comentários produzidos e difundidos;</font><br> <font>- a imputação publica de factos, ainda que sob a forma de suspeita, relativos à vida privada de cidadão que exerce funções publicas e que se vieram a verificar não corresponderem à verdade, constitui manifesta ofensa ao seu direito á honra e bom nome, sendo por isso ilícita a sua divulgação ( violação do disposto nos artigos 10º da CEDH, 25º, 26º e 37º nº 4 da CRP, 12º da DUDH, 70º CCivil, 14º alínea a) do Estatuto dos Jornalistas – Lei 1/99, artigo 3º da Lei de Imprensa …;</font><br> <font>- a gravidade dos danos não patrimoniais deve ser aferida objectivamente, tendo como função a compensação pelos incómodos físicos e psicológicos e prejuízos de natureza moral e espiritual com alcance significativo e não meramente simbólico;</font><br> <font>- houve consequências danosas a nível patrimonial que devem ser indemnizadas, nomeadamente os rendimentos deixados de receber em virtude do pedido de exoneração apresentado;</font><br> <font>- a responsabilidade pela reparação dos danos é de todos os recorridos (RR pessoas colectivas nos termos decorrentes do acórdão e R DD por ter sido este que proferiu as afirmações que permitiram a identificação do recorrentes.</font><br> <font> </font><br> <font>Por outro lado, alega, igualmente em síntese, a </font><b><i><font>recorrente R</font></i></b><font> </font><b><i><font>BB – BB, SA </font></i></b><font>que:</font><br> <font>- é com a responsabilidade subjectiva da pessoa do director referido no nº 2 do artigo 31º da Lei nº 32/2003, de 22 de Agosto (Lei da Televisão temporalmente aplicável) – </font><i><font>e não com a responsabilidade do jornalista autor do escrito ou imagem - </font></i><font>que deve ser objectivamente responsabilizada a empresa proprietária da antena, nos termos do que dispões o artigo 500º CCivil;</font><br> <font> </font><br> <font> </font><br> <font>-os pressupostos legais de aplicação do disposto no artigo 500º nº 1 devem verificar-se entre a empresa jornalística e o director e não entre aquela e os demais jornalistas da empresa, em relação aos quais se não verificam os pressupostos para existência de uma relação de comissão;</font><br> <font>- a lei consagra apenas a responsabilidade solidária entre a empresa jornalística e o responsável pela transmissão de conteúdos previamente gravados sendo que, por força do estatuído no nº 1 do artigo 500º a responsabilidade objectiva da empresa só existirá se houver responsabilidade subjectiva do comissário (o dito responsável), nos termos do artigo 483º nº 1 CCivil;</font><br> <font>- o agente (responsável pela transmissão dos referidos conteúdos) que alegadamente praticou os factos ilícitos de 9/1/2004, não se encontra demandado nos autos e inexiste provada matéria que permita concluir que agiu com culpa;</font><br> <font>- a um pivot de jornal de televisão, que lê textos com recurso a teleponto não cabe a verificação da veracidade dos textos nem, no caso, há prova de que o texto fosse conhecido do jornalista, que este era responsável pela transmissão do programa informativo ou podia impedir a transmissão;</font><br> <font>- o facto de a recorrente ter admitido nos autos a existência de um lapso na noticia não basta ou pode substituir a exigência legal de verificação de imputação de facto desvalioso a um agente concreto, violando o acórdão recorrido o regime legal dos artigos 353 nº 2 CCivil (</font><i><font>capacidade e legitimação da confissão) </font></i><font>e 298, nº 1 CProcesso Civil;</font><br> <font>- a culpa do agente comissário e respectivo grau, e a situação socioeconómica do lesante e do lesado não foram discutidas nem estão provadas o que, uma vez que se não presumem, obsta uma correcta e equitativa fixação de eventual montante indemnizatório;</font><br> <font> </font><br> <font>- não há, por outro lado, elementos que permitam a fixação de nexo de causalidade entre os factos e os danos.</font><br> <font> </font><br> <font>Houve contra-alegações.</font><br> <font> </font><br> <b><font>IV. Matéria de facto</font></b><br> <font>A.O A., AA, nasceu no dia … de … de 19.., na freguesia de …, em Ponta Delgada (cf. certidão de registo de nascimento a fls. 27 dos autos);</font><br> <font>B.O A. fixou residência em Ponta Delgada em 19…;</font><br> <font>C. Iniciando a profissão de Advogado em 19…, que exerceu até ……..00;</font><br> <font>D. Actividade profissional que suspendeu para exercer as funções de Secretário Regional do Ambiente no VII Governo Regional dos Açores;</font><br> <font>E. O A. cessou tais funções no final do respectivo mandato, em Outubro de 2000, com as eleições a Assembleia Regional dos Açores;</font><br> <font>F.... Nas quais foi candidato a deputado a mesma Assembleia Regional, nas listas do Partido Socialista, tendo sido eleito;</font><br> <font>G. Na sequência dessas eleições foi convidado e assumiu as funções de Secretario Regional da Agricultura e Pescas do VIII Governo Regional dos Açores; </font><br> <font>H. Funções que exerceu ate 8 de Dezembro de 2003, data em que foi exonerado do cargo, a seu pedido, pelo Presidente do Governo Regional dos Açores; </font><br> <font>I. O canal de televisão BB pertence e é explorado pela Ia ré, "BB, S.A.";</font><br> <font>J. O canal de televisão BB Noticias pertence e é explorado pela 2ª ré, "CC, S.A."; (actualmente integrado por ato de fusão documentado nos autos, na BB, S.A.); </font><br> <font>K. O 3. ° R., DD, trabalha na Região Açores, por conta e sob as ordens das duas primeiras RR., e presta serviços a ambas, elaborando reportagens para as mesmas que o identificam como seu "correspondente" nos Açores; </font><br> <font>L. No exercício dessas suas funções, o 3." R realizou reportagens nos mesmos canais de televisão, em … e … de … de 20… e … de … de 20…, e … de … de 20… na BB Noticias;</font><br> <font>M. A BB e a BB Noticias abriram os seus serviços noticiosos do dia … e todos os serviços noticiosos do dia … de … de 20… com grandes "chamadas" para o caso de "pedofilia dos Açores";</font><br> <font>N. E invocando como fonte das noticias um trabalho de investigação que teria sido realizado em São Miguel pela BB e "...";</font><br> <font>O. Fazendo comparações do caso ao "processo Casa Pia", também em investigação no Continente Português, afirmando-se que se tratava de uma "rede de pedofilia" e que um individuo já detido na Ilha de São Miguel era conhecido como o "... dos Açores";</font><br> <font>P. As "chamadas" emitidas nos serviços noticiosos da BB e da BB Noticias nos dias … e … de … de 20…, após a informação sobre o "processo de pedofilia", reportando: "Notáveis dos Açores envolvidos no escândalo" referiam, como a transmitida no dia … de … de 20…, pelas 20h, pela BB, no "Jornal …": "Na última semana, uma equipa de jornalistas da BB e do ..., ouviu diversos testemunhos na Ilha de São Miguel. A maioria dos jovens fala nos mesmos nomes, são nomes que a polícia também está a investigar. Na lista de suspeitos estão políticos no activo conhecidos de todo o País, há também professores, um padre, um magistrado, dois médicos, um arquitecto, um advogado e vários empresários."; </font><br> <font>Q. Estes títulos faziam a chamada de atenção para que o maior número de pessoas não perdesse o desenvolvimento das notícias que se seguiam;</font><br> <font>R. No desenvolvimento da notícia, é mencionada existência de uma "rede de pedofilia" nos Açores e, em especial, na Ilha de São Miguel;</font><br> <font>S. No dia … de … de 20…, pelas 20h, foi transmitida pela BB, no "Jornal …", a uma notícia, de autoria do R. DD, interpolada por duas entrevistas de rua.</font><br> <font>Com o rodapé a mencionar "Pedofilia nos Açores envolve notáveis da ilha", no desenvolvimento do serviço noticioso da noite, o R. DD, de viva voz e tendo como pano de fundo o Palácio da Conceição (edifício conhecido como sendo a sede do Governo Regional dos Açores), afirma</font><font>:</font><font> "</font><i><font>A investigação BB / ... recolheu e registou inúmeras referências ao envolvimento de figuras de destaque na sociedade, mas também no plano institucional da região, e entre estas a referência ao envolvimento de um membro do actual Governo Regional. Um político, portanto no activo, e governante</font></i><b><i><font>.</font></i></b><i><font> </font></i><font>Daí a extrema gravidade deste caso.</font><br> <font>Junto do PS e junto do Governo Regional fomos informados de que não vai haver qualquer comentário, por enquanto. Não há comentários oficiais, mas como é óbvio, nas ruas e na casa dos açorianos não se fala de outra coisa.</font><br> <font>&nbsp;(Entrevistado 1) - "Bem é ...sempre houve, só que antes as pessoas calavam-se, estava tudo muito mais encoberto, hoje bem bom que as pessoas estão muito mais despertas, mais abertas, isso não pode continuar, em lado nenhum."</font><br> <font>(Entrevistado 2) - "Eu acho que é um grande escândalo, pois eu tenho crianças, sou mãe, tenho crianças e é uma coisa que nem palavras se tem para falar."</font><br> <font>(DD) - "A delicadeza do caso pode-se avaliar também, pelo facto do Ministério Público nos ter informado que neste caso e ao contrário do que aconteceu com o caso Casa Pia, neste caso o Ministério Publico não quer, nem vai revelar sequer o nome do procurador que está a conduzir este processo."</font><br> <font>T. </font><b><font>No dia … de … de 20…, pelas 20h, foi transmitida pela BB, no "Jornal … ", a seguinte reportagem, de autoria da jornalista EE:</font></b><br> <font>"FF - A cascata da Poça da Beja é um dos locais paradisíacos de São Miguel. Para muitos dos jovens dos bairros pobres da ilha este é também um ponto de encontro. Por isso, muitos adultos procuram este local para assediar pessoalmente os menores. GG tinha 8 anos quando começou nestas andanças. Foi na cascata que conheceu gente ilustre dos Açores.</font><br> <font>"GG" - É costume dos micaelenses. São doidos por orgias. E então, a Poça da Beja, ultimamente, é demais.</font><br> <font>FF - Foi também na cascata que HH, amigo de GG, conheceu um médico muito conhecido na ilha.</font><br> <font>"HH" - Nunca o vi na casa dele...nunca o vi na casa dele, simplesmente apanhava-o muitas vezes era na Poça da Beja, nos bacanais, em que ele entrava por lá adentro com três, quatro, cinco miúdos por lá adentro. Depois tive um amigo que disse que foi para a casa dele, no ..., que tinha uma casa com piscina. Entrava lá, que fazia sempre em grupo...</font><br> <font>FF - O médico de que HH fala, está agora a ser investigado depois da detenção de II, mais conhecido por F..., preso o mês passado, pela alegada prática de abuso sexual de menores e lenocínio. F... seria o angariador de menores para gente importante da ilha.</font><br> <font>"Entrevistado" - Eles telefonavam para lá, a saber se tinha lá miúdos...e o F... dizia que sim e eles apareciam no mesmo momento. Entravam...o F... escolhia os miúdos que queriam. Dizia "Ah, sim, sim." Eles iam para uma casinha que tinha no quintal e aí acontecia depois.</font><br> <font>EE - Portanto, era na casinha do quintal e não na garagem. Entrevistado" - Também na garagem. EE - Mas toda a gente? As pessoas viam-se umas às outras ou não?</font><br> <font>"Entrevistado" - Não era sempre, mas, às vezes, viam. EE - Estiveste em situações em que vias outras pessoas? "Entrevistado" - Muitas vezes, eu vi. Foi aí que me apercebi que havia actos sexuais e o que acontecia na garagem.</font><br> <font>FF - JJ é filho de gente pobre, tinha 10 anos quando foi abusado a primeira vez, foram os colegas mais velhos que lhe ensinaram os truques e as zonas de engate da ilha.</font><br> <font>EE - Conheceste pessoas importantes aqui dos Açores?</font><br> <font>"JJ" - Médicos, advogados, mas não sei dizer o nome ao certo. Mas já fui com médicos, advogados...não me lembro dos nomes, mas....</font><br> <b><font>FF - Aos 13 anos, JJ já reconhecia os homens que o procuravam, e foi no antigo porto de pesca na Calheta, onde vivia que conheceu um advogado que viria a pertencer ao Governo Açoriano.</font></b><br> <font>"JJ" - Se não me engano, foi perto da minha casa, ao pé da marina, naquelas ruas ali. O carro deu-me sinal e eu fui.</font><br> <font>EE - Que carro é que ele tinha?</font><br> <font>"JJ" - Já não me lembro, que eu não sou muito de saber marcas de carros, mas acho que o carro era preto, se não me engano. Era uma cor escura. EE - E foram para onde? "JJ" - Nós? Fomos para a praia do Livramento.</font><br> <font> </font><br> <font>"Entrevistado" - Eu fui para a casa dele, e ele disse que tinha uma mesa de bilhar, para jogar. Eu fiquei logo maluco para jogar. E eu fui jogar. E durante o jogo, ele começou-me a tocar. Eu não disse nada, a primeira vez é que eu levei um susto. Isso é verdade que eu levei um susto. Disse: "Porra, o que é que esse homem vai me fazer?". Fiquei meio desorientado. E ele disse-me: "Eu vou-te dar tanto dinheirinho bom que vais ficar maluco". Foi mesmo assim. Eu não me esqueço das palavras daquele porra.</font><br> <font>"Entrevistado" - Ele costumava-me levar, não sei se é onde ele morava, para uma casa para os lados do …, uma casa enorme, com vários quartos, já uma casa antiga. E também, entrava, só conheci um pouco da sala e conheci, das vezes que estive com ele, o quarto dele.</font><br> <font>FF - A maioria dos testemunhos dos jovens ouvidos pela BB e pelo ..., referem sempre os mesmos nomes, falam de governantes, autarcas, médicos, um magistrado, dois professores, vários empresários e até um padre.</font><br> <font>"Entrevistado"- A partir daí, o padre ligava-me todos os dias, saíamos todos os dias, e a gente ia para discotecas, ia para restaurantes, e pronto. Posso dizer que fui, durante um período de tempo, um chulo, porque eu com ele não gastava nada. Era só ele, só ele.... Portanto, o que ele me fez faz ainda mais a outros.</font><br> <font>FF - A maioria destes jovens admite ter começado a receber dinheiro em troca de favores sexuais. Era a maneira de fugir à pobreza que afecta grande parte da população de São Miguel. KK, nasceu na …. A pobreza também lhe bateu á porta. Começou a ser rondado por adultos com capricho aos 8 anos.</font><br> <font>"KK" - Nós aos 8 anos tínhamos de ser muito bichonas, porque não sei se era para dar prazer a eles ou para dar vontade de ir connosco para a cama ou por uma coisa assim, mas tínhamos de mostrar certas coisas femininas, tipo o máximo traje de mulher, assim...qualquer coisa assim.</font><br> <font> </font><br> <font>Os meus pais sabiam, mas fingiam à parte de que não sabiam de nada, porque eu aparecia com o dinheiro ou aparecia com qualquer coisa que eles não podiam dar, mas pronto, como é tudo famílias pobres e gente que não... que anda sempre muito fechada, então...ficavam ali e não diziam nada.</font><br> <font>FF - Na ilha de São Miguel, o assédio a crianças sempre se fez às claras. Os menores eram abordados nos jardins públicos e até nas escolas. Muitos foram vítimas dos próprios professores.</font><br> <font>"Entrevistado" - Foi o de Filosofia, uma das vezes disse para eu ir à casa dele, para apanhar qualquer coisa, fruta, e ele começou-me a apalpar, começou-me a dar uns beijinhos no pescoço, depois levou-me para uma falsa, lá no fundo da casa dele, uma falsa que lá tinha, e empurrou-me para cima da cama...</font><br> <font>"Entrevistado" - Já tinha sido assediado por um professor de Geometria Descritiva, tive muitas vezes que (...), nunca conseguimos nada, nunca conseguiu nada, então no liceu onde estudava eu encontrei-o, desde então começou-me a falar, a cumprimentar e muitas vezes dava-me boleia para casa e eu aceitava e muitas das vezes pelo caminho levava-me para casa dele, ele convidava e eu aceitava íamos para casa dele e tínhamos relações, isso aconteceu 3 ou 4 vezes.</font><br> <font>FF - Os jardins de São Francisco, em Ponta Delgada e o Jardim do Rosário, na Lagoa, eram locais onde os menores eram aliciados. Mas até um armazém, onde se preparavam comícios partidários servia.</font><br> <font>"Entrevistado" - Muitas vezes a gente estava lá no armazém que é que era, não sei se é mandatário ou que é que era, eu sei que dizia-se que naquela altura era o braço direito do (...). Ele é que tomava conta dos armazéns e eu ia para lá fazer as bandeiras do PSD, separar os autocolantes, carregar as carrinhas, e no final, às tantas da manhã, via-se (...) por exemplo, a pegar um ou dois miúdos de lá de dentro e dizer que ia leva-los a casa e …</font><br> <font> </font><br> <font>"Entrevistado" - Já me conhecia de vista,&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; do palacete, da Lagoa, uma vez estava a sair da escola, dá-me sinal, acena-me com a cabeça, acena a dizer que vai parar o carro, parou o carro mais à frente. Entrei e levou-me para o lado do Aeroporto, para um lado da relva, para um descampado, onde tivemos relações dentro do carro.</font><br> <font>FF - De acordo com alguns testemunhos, este ex-governante era uma das figuras que frequentavam a garagem do F.... Aqui a diferença de classes não existia. Encontravam-se políticos, médicos, mas também construtores civis.</font><br> <font>"Entrevistado" - Conheci um empreiteiro, um empreiteiro de construção civil da …, mora na …. Muitas vezes estive com ele, conhecemos na …, muitas vezes ele parava o carro, dava-me sinal, eu acedia, muitas vezes eu ia com ele tinha na altura um Jipe …, ele morava no …, numa vivenda, uma moradia ao lado do "…", aquilo é mais a …, morava lá, e muitas vezes sempre que eu ia com ele, muitas vezes íamos para uma garagem, na altura essa garagem tinha material de construção civil, esse armazém, essa garagem ficava para os lados do …, dos armazéns que havia no caminho para o ..., muitas vezes encontrávamo-nos lá, nessa altura ele dava-me 3, 4 contos e na última vez que estive com ele fomos a um teatro que estava em construção em Ponta Delgada, na última vez que estive com ele estivemos lá e nessa altura ele deu-me 10 contos.</font><br> <font>FF - O abuso sexual de menores nos Açores não se resume à garagem de F.... O sentimento de impunidade ultrapassava a noção de crime, e muitos destes senhores, levavam as crianças para as suas próprias casas. É o caso de um autarca. </font><br> <font>"Entrevistado" - Um amigo meu, da mesma idade do que eu, o GG, estávamos ...fomos para casa na véspera da passagem de ano, fomos à noite para Ponta Delgada, e a caminho da Lagoa, nós íamos para casa, a caminho da paragem, ele passa e oferece-nos boleia. Eu e o meu amigo aceitamos e fomos para casa com ele. Ao chegar a …, ele convidou-nos para ir a casa dele. Então nós fomos a casa dele, eu e o meu amigo, conhecemos a casa, estivemos a beber um....</font><br> <font>EE - Como é que era a casa dele em …, lembra-se?</font><br> <font>"Entrevistado" - Para entrar na casa tínhamos de subir umas escadas, tinha um hall de entrada, tinha uma sala grande, eu e o meu amigo estivemos a beber um licor de Porto, na altura, de seguida fomos para o quarto dele. Estivemos os três na cama, estivemos a fazer amor uns com os outros...</font><br> <font>FF - Os luxos dos carros e das casas dos adultos com que alegadamente tiveram relações sexuais deslumbrava as crianças, muitos destes jovens descrevem a casa de um conhecido magistrado.</font><br> <font>"Entrevistado" - Era o que pagava mais dinheiro, eu recebia o dinheiro e dava ao LL. FF - Há que recordar também o arquiteto, que os levava para o ateliê.</font><br> <font>"Entrevistado" - Havia um arquiteto em Ponta Delgada, também já nos conhecíamos a mim e ao meu amigo GG, ao sairmos do Liceu íamos muitas vezes pela Avenida passear, muitas vezes ele passava e dava-nos sinal, umas vezes dava sinal a mim, outras vezes dava sinal ao meu amigo, ele aí depois ia para casa dele, nos íamos atrás, eu ia atrás, então subíamos </font><br> <font>com ele até à casa dele, e estávamos num quarto, que devia ser local de trabalho dele e fazíamos em pé ou então sentados.</font><br> <font>FF - O escândalo da Casa Pia em Lisboa deverá ter despertado consciências e incentivado queixas sobre práticas recorrentes de pedofilia nos Açores, que durante anos foram ignoradas.</font><br> <font> </font><br> <font>MM (Coordenador PJ Açores) - As pessoas começaram a tomar consciência do facto, a ver que ele tem uma maior abrangência do que efectivamente pensariam, e para além disso, penso também que tomaram consciência que, só trazendo, só participando, é que se poderia avançar mais qualquer coisa nesta área. Por outro lado, penso também que se olha para estas vítimas, deste tipo de crime em concreto, penso que, de uma maneira diferente. </font><br> <font>Diferentes em que aspecto? Encarando-as como alguém que está a dizer, pelo menos à partida, verdades. E como tal, não podem ser punidas uma segunda vez, chamando-as mentirosas.</font><br> <font>FF - O escândalo está a abalar a sociedade açoriana, um meio fechado, muito marcado pela pobreza. É nos bairros mais pobres que estas crianças são angariadas. "Entrevistado" - Eu chamo isto de chulo. Acho que toda a gente chama chulo. Porque a gente aqui diz que o chulo é a pessoa que mete o outro na prostituição. Eu não gosto...eu não me quero chamar prostituto. Eu odeio esse nome."; </font><br> <font>U. Provado o que consta do ponto T; </font><br> <font>V. Provado o que consta da resposta ao Ponto S; </font><br> <font>W. Provado o que consta da resposta ao Ponto S; </font><br> <font>X. Provado o que consta do ponto T;</font><br> <b><font>Y. No dia … de … nos serviços noticiosos de ambos os canais televisivos o "escândalo de pedofilia nos Açores" foi novamente notícia de abertura, em destaques iniciais, transmitindo a BB, no "… Jornal", pelas 13h, a seguinte notícia, de autoria do R. DD, interpolada por entrevistas de rua:</font></b><br> <b><font>Jornalista - "Até agora, as autoridades políticas tem mantido um pesado silêncio sobre o assunto. </font></b><br> <font>DD - O caso da pedofilia dos Açores é um escândalo para o cidadão comum.</font><br> <font>Entrevistado (Idoso) - É um escândalo cá para a vila, é um escândalo...</font><br> <font>Entrevistado (Idosa) - É uma vergonha, isto é um caso que já aborrece quem ouve, e não sei como estará quem o pratica...</font><br> <font>Entrevistado (Idoso) - Pois está-se a divulgar tanto, eu sinto-me envergonhado com esta situação, não gosto desta situação, eu detesto esta pedofilia...</font><br> <font>Entrevistado (Jovem) - Sinceramente, eu nunca pensei que isso houvesse cá nos Açores, mas, infelizmente, existe...</font><br> <font>DD - Nas ruas é assim, mas nos gabinetes permanece o silêncio, não há ainda qualquer reacção oficial ao alegado envolvimento de figuras políticas neste caso. O Parlamento Regional vai reunir na próxima semana, para aprovar o Plano e Orçamento de 2004 e aí sim o ambiente vai estar marcado por este escândalo. O Governo vai estar de estar presente.</font><br> <b><font>Algumas das figuras apontadas nas denúncias passaram este fim-de-semana prolongado bem longe dos Açores, e no plano da investigação judicial não há qualquer dado novo.</font></b><br> <font>Z. Provado o que consta do ponto Y;</font><br> <font>AA. Provado o que consta do ponto Y;</font><br> <font>AB. Provado o que consta do ponto Y;</font><br> <font>AC. Tais notícias e reportagens foram repetidas nos diversos serviços noticiosos da BB do dia … de …, e foram retransmitidas nos serviços noticiosos da BB Noticias ao longo do dia;</font><br> <font>AD. No dia … de … de 20…, pelas 20h, foi transmitida pela BB, no "Jornal …", como notícia de abertura:</font><br> <font> Jornalista - O Se
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><b><font> </font></b> <p><b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font></b> </p><p><font> </font> </p><p><b><font>I ─ A..., SGPS, S.A. </font></b><font>veio intentar a presente acção declarativa, com processo comum, ordinário, de anulação de decisão arbitral, contra</font><b><font> H..., Hospitais Portugueses, S.A, </font></b><font>pedindo a anulação da identificada decisão do tribunal arbitral, constituído pelos Srs. Drs. AA, BB e CC, proferida, no Porto, em 25 de Novembro de 2009.</font> </p><p><font> Como fundamentos da pretendida anulação da referida decisão arbitral, alega a autora, em suma que:</font> </p><p><font> A) Quanto ao processo de constituição do tribunal arbitral: </font> </p><p><font>a) Houve falta de notificação para arbitragem de todas as partes da convenção de arbitragem, porquanto a ré apenas dirigiu a notificação de arbitragem à aqui autora, excluindo os demais sujeitos (vendedores das identificadas acções) do processo de constituição do tribunal arbitral;</font> </p><p><font>b) Houve violação do princípio do contraditório no processo de nomeação de árbitro pelo Sr. Presidente do Tribunal da Relação do Porto, já que este último não ouviu previamente a autora, para se pronunciar sobre o requerimento de nomeação de árbitro, apresentado pela ora ré, junto do Sr. Presidente do Tribunal da Relação do Porto;</font> </p><p><font>c) Houve falta de verificação dos pressupostos da nomeação judicial de árbitro, porquanto esta ocorreu sem que fossem ouvidas todos os sujeitos de uma das partes (vendedores) da convenção de arbitragem, sendo que a autora havia designado, ainda que de forma condicional, o “seu” árbitro Dr. DD, não ocorrendo portanto a necessidade de se proceder à nomeação judicial de árbitro;</font> </p><p><font>B) Houve, igualmente, violação do princípio da igualdade de tratamento das partes, porquanto a ré teve uma segunda oportunidade na designação do seu árbitro, o mesmo não acontecendo com a aqui autora, a quem não lhe foi dada a oportunidade para renunciar à condição que apusera à designação do “seu” árbitro, tornando esta designação firme ou até designar um outro árbitro;</font> </p><p><font>C) Quanto aos fundamentos de anulação relativos à (in)competência do tribunal arbitral:</font> </p><p><font>a) Ocorreu a caducidade da convenção de arbitragem, por esgotamento do prazo de constituição do tribunal arbitral, porquanto no momento em que este se efectivamente constituiu já havia decorrido o prazo de três meses a contar da indicação do primeiro árbitro e, como tal, já as partes poderiam recorrer ao tribunal judicial competente para a resolução do litígio em causa, tal como o contratualmente acordado sob a Cláusula 13.7. do contrato de compra e venda em causa; </font> </p><p><font>b) Ocorreu caducidade da convenção de arbitragem, por esgotamento do prazo de designação do árbitro substituto da ré, na medida em que a ré só notificou a autora do árbitro que designava em substituição do que renunciara, depois do prazo de dez dias de ter tido conhecimento de que o árbitro que designara, renunciava a tal cargo; </font> </p><p><font>c) Ocorreu caducidade da convenção de arbitragem por esgotamento do prazo de designação do árbitro substituto do árbitro presidente, uma vez que este só foi designado pelos outros dois árbitros muito depois do mesmo prazo de dez dias que os mesmos tinham para o efeito;</font> </p><p><font>d) Inexiste qualquer convenção de arbitragem relativa ao litígio, tal como o tribunal arbitral o considerou configurado, pois que o tribunal arbitral tomou a acção como proposta contra a autora, com base no incumprimento por parte desta de algumas declarações unilaterais que prestara no configurado contrato de compra e venda, e não enquanto parte “vendedora” no mesmo contrato, parte essa que é “plural”, pois que a mesma é composta por outros dois vendedores, </font> </p><p><font>D) Quanto aos fundamentos de anulação relativos aos poderes de cognição do tribunal arbitral, houve questões que o tribunal arbitral não se pronunciou mas que devia ter apreciado, designadamente sobre a questão da caducidade da convenção de arbitragem, resultante do não cumprimento do prazo para a substituição do árbitro que havia sido inicialmente designado pela ré; bem como sobre a questão da violação do contraditório no processo de nomeação judicial de árbitro. </font> </p><p><font> A ré contestou, rebatendo todos os fundamentos apontados pela autora para anulação da decisão arbitral em causa, tendo concluindo pela improcedência da acção e a ré absolvida do pedido.</font> </p><p><font> A autora juntou, ainda, a fls. 592 e segs, parecer emitido pelo Sr. Prof. Doutor José Lebre de Freitas, intitulado “O direito da parte à designação do árbitro e o princípio do contraditório na nomeação pelo Presidente do Tribunal da Relação do Porto”.</font> </p><p><font> De igual modo, a ré, a fls. 654 e ss, juntou parecer elaborado Pelo Sr. Prof. Doutor Miguel Teixeira de Sousa, intitulado “Nulidade da designação do árbitro da parte; Procedimento da nomeação do árbitro pelo Presidente da Relação”.</font> </p><p><font> Entendendo que o processo continha todos os elementos que permitiam conhecer de imediato do mérito da causa passou o julgador </font><i><font>a quo</font></i><font> a fazê-lo, proferindo saneador-sentença – artigos 510.º, n.</font><sup><font>os</font></sup><font> 1, b), e 3, do CPC –, decidindo (dispositivo):</font> </p><p><font>“Pelo exposto, julgo a presente acção totalmente improcedente, nos termos sobreditos, deste modo se mantendo na íntegra a referida decisão arbitral. </font> </p><p><font>Custas pela autora. </font> </p><p><font>Valor da acção: o indicado pela autora de € 623.893,70.”</font> </p><p><font> Inconformada, a A. apelou, sem êxito, uma vez que a Relação julgou a apelação improcedente, confirmando a decisão recorrida.</font> </p><p><font> Novamente inconformada, interpôs a A. recurso de revista excepcional, tendo formulado, em síntese, as seguintes conclusões:</font> </p><p><font> “I. Considerando a novidade, a dificuldade, a complexidade, a controvertibilidade, o relevo, a importância e a nobreza jurídico-dogmática das questões que compõe o objecto do recurso (sobretudo daquelas que dizem respeito à natureza de intervenção do tribunal judicial no processo de constituição do tribunal arbitral), a sua admissão é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.</font> </p><p><font>II. A falta de notificação para arbitragem de todas as partes da convenção de arbitragem, como sucedeu no caso dos autos, traduz-se na violação do disposto no art. 11.º/1 da LAV, constituindo uma irregularidade no processo de constituição do tribunal arbitral.</font> </p><p><font>III. No caso em que uma das partes da convenção de arbitragem seja plural, a todos os sujeitos que a compõem deve ser dirigida a notificação para arbitragem, sobretudo se, como sucede nos autos, se trata de obrigação solidária e indivisível.</font> </p><p><font>IV. Admitir a não coincidência entre as partes do litígio e as partes da convenção de arbitragem é o mesmo que admitir que o tribunal arbitral possa julgar litígios para os quais não tem competência (por estarem fora do âmbito da convenção de arbitragem).</font> </p><p><font>V. No processo de nomeação de árbitro pelo Presidente do Tribunal da Relação, previsto no art. 12.º da LAV, é obrigatória a observância do contraditório, devendo ser dada ao requerido a oportunidade de se pronunciar sobre o requerimento de nomeação.</font> </p><p><font>VI. O processo de nomeação de árbitro pelo Presidente do Tribunal de Relação é um processo de suprimento inominado, com a natureza de um processo de jurisdição voluntária.</font> </p><p><font>VII. A audição do requerido sempre seria imposta pelo princípio geral do contraditório, consagrado no art. 3.º/1 do CPC.</font> </p><p><font>VIII. Mesmo que, por hipótese, se entendesse que o requerimento de nomeação judicial de árbitro apenas daria origem a um simples </font><i><font>procedimento administrativo</font></i><font>, e não a um verdadeiro processo (ainda que de jurisdição voluntária), sempre a prévia audição do requerido seria imposta pelo disposto nos arts. 6.º, 8.º e 100.º/1 do Código de Procedimento Administrativo. </font> </p><p><font>IX. Os princípios gerais do CPA, entre os quais se contam os da imparcialidade e da participação, que impõem o direito de audiência prévia (art. 2.º/6 e 7 do CPA), são aplicáveis, sem excepções, a todos os procedimentos especiais.</font> </p><p><font>X. Ao contrário do que consideram os Senhores Juízes Desembargadores, o n.º 7 do art. 2.º do CPA não exclui a aplicação a procedimentos administrativos especiais dos princípios gerais do procedimento administrativo, designadamente os princípios da participação e da imparcialidade.</font> </p><p><font>XI. Interpretada no sentido de que “não obriga nem vincula (...) a qualquer audição prévia de todos os interessados”, a norma do art. 12.º da LAV é manifestamente inconstitucional, por violação grosseira do disposto no art. 20.º/4 da Constituição da República Portuguesa, no segmento em que consagra o </font><i><font>direito a um processo equitativo</font></i><font>.</font> </p><p><font>XII. Assim como, pela mesma razão, seria jurídico-constitucionalmente inadmissível qualquer interpretação do art. 201.º/1 do CPC que tivesse o efeito de excluir a qualificação da violação do contraditório como nulidade processuaL</font> </p><p><font>XIII. Como juridíco-constitucionalmente inadmissível seria, ainda e sempre pela mesma razão (violação do direito a um processo equitativo consagrado no art. 20.º/4 da CRP), qualquer interpretação que levasse ao resultado de não se considerar a violação do contraditório no processo de nomeação judicial de árbitro como um irregularidade na constituição do tribunal arbitral, para os efeitos do art. 27.º/1-b) da LAV. </font> </p><p><font>XIV. Como inconstitucional seria, se acaso se considerasse que o art. 12.º da LAV prevê um “procedimento (judicial) administrativo”, interpretar, como faz o tribunal recorrido, o art. 2.º/7 do CPA no sentido de ele determinar a não aplicação do direito de audiência prévia a procedimentos administrativos especiais, por ostensiva violação do princípio da imparcialidade da administração pública, consagrado no art. 266.º/2 da Constituição da República Portuguesa.</font> </p><p><font>XV. A preponderância do princípio da autonomia privada no domínio da arbitragem voluntária impõe a observância do contraditório no processo de nomeação judicial de árbitro.</font> </p><p><font>XVI. Se é da essência da arbitragem voluntária que as partes confiem a resolução dos conflitos que as dividem a terceiros, retirando-a da alçada dos tribunais judiciais, impõe-se que a elas se reserve, até onde for possível, a escolha desses terceiros.</font> </p><p><font>XVII. Na verdade, a audição da parte requerida constituirá, pelo menos, uma última oportunidade para que ela própria, de acordo com os seus critérios e preferências, designar o “seu” árbitro.</font> </p><p><font>XVIII. Corresponde ao entendimento largamente dominante na doutrina a tese de que a relação entre o árbitro e a parte é de natureza contratual (mandato especial), mesmo nos casos de nomeação judicial.</font> </p><p><font>XIX. Seria, pois, inconcebível que a parte requerida, no processo de nomeação judicial de árbitro, pudesse ver-se contratualmente ligada a um árbitro (com os deveres e direitos que isso implica), sem ser previamente ouvida sobre a matéria.</font> </p><p><font>XX. Não se verifica, no caso, um dos pressupostos essenciais da nomeação judicial de árbitro, nos termos do art. 12.º da LAV: a falta de designação pela parte na convenção de arbitragem.</font> </p><p><font>XXI. Na verdade, a recorrente, embora apondo uma condição suspensiva, designou o seu árbitro.</font> </p><p><font>XXII. Não há nenhuma norma legal, nem nenhum princípio geral, que proíba a aposição de condições a actos processuais das partes, designadamente o acto de designação de árbitro.</font> </p><p><font>XXIII. Mesmo que se entendesse como incondicionável o acto de designação de árbitro, a aposição de uma condição não geraria, nunca, a consequência da nulidade da designação, mas apenas da própria condição, que se teria por não escrita.</font> </p><p><font>XXIV. Por faltar a analogia a que se refere o art. 295.º do CC, o art. 271.º/2 não se aplica às condições apostas em simples actos jurídicos (aqui se incluindo os simples actos processuais).</font> </p><p><font>XXV. De todo o modo, e sob pena de perversão da </font><i><font>ratio</font></i><font> da norma do art. 271.º/2 do CC, que, derrogando a regra geral do art. 292.º do CC, visa proteger a vontade presumível do declarante, nunca daquela norma poderia retirar-se a consequência de que da aposição de uma condição no acto de designação de árbitro (na hipótese de se defender a tese da sua incondicionabilidade) resultaria a nulidade da própria designação.</font> </p><p><font>XXVI. Pois que, no caso da nomeação de árbitro sujeita a condição, é evidente para qualquer um que a vontade presumível do declarante (aquela vontade que qualquer declaratário normal lhe atribuiria), para o caso de não poder valer a condição, vai no sentido da manutenção da nomeação, pois é óbvia a preferência de qualquer litigante (preferência reconhecível para um declaratário normal) por um colégio arbitral que integre um árbitro designado por si, em vez de outro que seja nomeado pelo tribunal.</font> </p><p><font>XXVII. O facto de, ao contrário do que sucedeu com a recorrida (quando renunciou o árbitro que designara), não se ter dado à recorrente a oportunidade de nomear um novo árbitro – ou, ao menos, a oportunidade de renunciar à condição que apusera na designação do “seu” árbitro –, configura uma violação do princípio da igualdade de tratamento das partes no decurso do processo de constituição do tribunal arbitral.</font> </p><p><font>XXVIII. Não pode interpretar-se rigidamente o art. 13.º da LAV, cingindo a substituição aos árbitros cuja designação fique sem efeito.</font> </p><p><font>XXIX. A valer com esse sentido (impeditivo, para uma das partes, da possibilidade de designação de novo árbitro, ou ao menos, de conversão em pura de uma designação condicionada de árbitro, depois da renúncia de dois dos três árbitros e de uma segunda designação pela outra parte), o art. 13.º da LAV violaria o </font><i><font>princípio constitucional da proporcionalidade</font></i><font>, na medida em que a substituição do árbitro falecido ou impossibilitado, bem como a do que se escuse ou cuja designação fique sem efeito, segundo as normas aplicáveis à nomeação ou designação, implicando a manutenção em funções dos restantes, em vez da total reconstituição do colégio arbitral, visa, de um lado, aproveitar os actos já praticados e, de outro lado, complicar o menos possível a tramitação processual – finalidades que estavam fora de questão no caso dos autos, uma vez que a actividade anterior do tribunal arbitral se esgotara no estabelecimento de regras do procedimento a seguir e na notificação das partes para apresentarem os seus articulados.</font> </p><p><font>XXX. E, com esse sentido, o art. 13.º da LAV violaria o </font><i><font>direito de acesso de acesso à justiça</font></i><font>, consagrado no art. 20.º da CRP, na </font><i><font>vertente de igualdade de armas</font></i><font>, na medida em que, concretamente, resulta em negar à ora recorrente a faculdade de tornar firme a designação do “seu” árbitro (ou até de designar um outro árbitro) ao mesmo tempo em que é reconhecido à ora recorrida o direito de substituir um árbitro cuja ligação ao seu grupo de empresas em que se integra podia constituir fundamento de suspeição.</font> </p><p><font> Eis, assim, Senhores Juízes Conselheiros, as razões pelas quais se pede a V.Exas., admitam e julguem procedente a presente revista, revogando a decisão recorrida, e substituindo-a, em consequência, por outra que anule o acórdão arbitral de que se trata nos autos.”</font> </p><p><b><font> </font></b><font>A recorrida, sustenta, em contralegações, a rejeição da revista excepcional, ou a sua improcedência.</font> </p><p><font> Tendo a recorrente apresentado, posteriormente às suas alegações, um parecer subscrito pela Professora Doutora Paula Costa e Silva, sob o tema Preterição do Contraditório e Irregularidade de Constituição de Tribunal Arbitral, a recorrida pronunciou-se pela não admissão do acima referido parecer, dada a sua extemporaneidade, ou, a assim se não entender, ser dada à recorrida a possibilidade de responder ao mesmo.</font> </p><p><font> O recurso foi recebido como revista excepcional.</font> </p><p><font> Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir. </font> </p><p><font> </font><b><font>II </font></b><font>– Na 1.ª instância, tendo em conta a prova documental junta aos autos, a falta de impugnação da mesma e o acordo existente entre as partes quanto aos factos alegados, consideraram-se provados os seguintes factos, com relevo para a decisão da causa: </font> </p><p><font> 1. A ré é uma sociedade comercial que tem por objecto o exercício da actividade de assistência médica hospitalar, em todos os seus ramos; </font> </p><p><font>2. Em 21 de Dezembro de 2005, eram detentores de acções representativas do capital social da ré as seguintes entidades e pessoas: </font> </p><p><font>2.1. A autora, que detinha 9.851.075 acções, representativas de 53,25% do capital social da ré; </font> </p><p><font>2.2. A “...G...”, que detinha 7.392.317 acções, representativas de 39,96% do capital social da ré; </font> </p><p><font>2.3. EE, que detinha 137.443 acções, representativas de 0,74% do capital social da ré; </font> </p><p><font>2.4. FF, que detinha 126.875 acções, representativas de 0,67% do capital social da ré; </font> </p><p><font>2.5. GG, que detinha 124.350 acções, representativas de 0,67% do capital social da ré; </font> </p><p><font>3. Através de contrato celebrado, por escrito particular, em 21 de Dezembro de 2005, intitulado “Contrato de Compra e Venda de Acções da H... – Hospitais Portugueses, S.A.”, as entidades e pessoas referidas no n.º 2. declararam vender, “de forma una”, as acções representativas de 90% do capital social da ré de que eram titulares ao Banco Espírito Santo de Investimento, SA (BESI) e à Espírito Santo Saúde – SGPS, SA (ESS), que as declararam comprar, pelo preço unitário de € 6,7838 (cfr. doc. de fls. 38 a 50, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido); </font> </p><p><font>4. De acordo com a cláusula 2.3. do mesmo “Contrato de compra e venda de acções H... – Hospitais Portugueses, S.A.”, aqui ré, os compradores actuavam “de forma não solidária e participam nos direitos e obrigações para eles decorrentes do (...) contrato na proporção de 80% para o BESI e 20% para a ESS, incluindo em relação à compra e venda das Acções acima prevista”; </font> </p><p><font>5. Em 28 de Dezembro de 2005, o BESI e a ESS cederam a sua posição no contrato de compra e venda das acções representativas do capital social da ré à sociedade “R... – Unidades de Saúde, S.A.”; </font> </p><p><font>6. Em 29 de Dezembro de 2005, por escrito particular, foi celebrado entre a “R..., S.A.” e os vendedores um acordo de alteração do contrato de compra e venda de acções representativas do capital social da ré, designado “Aditamento ao contrato de compra e venda de acções da H... – Hospitais Portugueses, S.A.” (cfr. doc. de fls. 51 a 58, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido); </font> </p><p><font>7. Por efeito desse “aditamento”, saíram do contrato as accionistas FF e GG, nele permanecendo a autora, a “...G...” e EE, que vendiam, agora à “R..., SA,” um total de 16.650.000 acções, representativas de 90% do capital social da ré; </font> </p><p><font>8. Por deliberação de 22 de Agosto de 2007, registada em 04 de Setembro do mesmo ano, a “R..., S.A.” fundiu-se na ré; </font> </p><p><font>9. A ré, por força da referida fusão, passou, pois, a ser sujeito do contrato que tivera por objecto a compra e venda das acções representativas do seu próprio capital social; </font> </p><p><font>10. O capital social da ré é actualmente detido, a 100%, pela ESS; </font> </p><p><font>11. No texto do contrato de compra e venda de acções representativas do capital social da ré, as partes (de um lado, como vendedores, a autora, “...G...” e EE; do outro lado, como compradora, depois da cessão da posição contratual e da fusão a que se fez referência, a própria ré), na cláusula 13., com a epígrafe “Lei Aplicável e Arbitragem”, estipularam o seguinte: </font> </p><p><font>“13.1. O presente Contrato reger-se-á e será interpretado de acordo com a lei portuguesa. </font> </p><p><font>13.2. As Partes manifestam o seu empenho no bom relacionamento entre si, e acordam que, constatada por qualquer uma delas a existência de um litígio ou diferendo relativo à interpretação, integração, execução ou cumprimento do presente contrato, será o mesmo, em primeiro lugar, objecto de uma tentativa de resolução amigável. </font> </p><p><font>13.3. Caso o diferendo não seja resolvido de forma consensual no prazo de 15 (quinze) dias a contar da data da remissão do litígio para as outras Partes para a tentativa de resolução amigável, será o mesmo dirimido por arbitragem de acordo com o disposto nos números seguintes. </font> </p><p><font>13.4. A arbitragem será realizada por um Tribunal constituído nos termos da presente cláusula e, supletivamente, de acordo com a Lei n.º 31/86, de 29 de Agosto. </font> </p><p><font>13.5. O Tribunal será constituído por um árbitro único, se as Partes acordarem na respectiva designação no prazo de 10 dias ou, na falta desse acordo, cada uma das Partes designará, no prazo de 10 dias, um árbitro, designando estes o terceiro árbitro, que presidirá. Na falta de acordo quanto a tal designação no prazo de 10 dias, o árbitro Presidente será designado pelo Bastonário da Ordem dos Advogados, a requerimento de qualquer uma das Partes, o qual se deverá pronunciar no prazo de 5 dias a contar da data em que lhe for requerida a indicação do árbitro. </font> </p><p><font>13.6. O Tribunal Arbitral considera-se constituído na data em que o terceiro árbitro aceitar a sua nomeação e o comunicar às Partes. </font> </p><p><font>13.7. Se decorrerem mais de três meses sobre a data de indicação do primeiro árbitro sem que o Tribunal Arbitral se encontre constituído, pode qualquer das Partes recorrer ao tribunal judicial competente para a resolução do litígio em causa. </font> </p><p><font>13.8. O objecto do litígio será o que resultar da petição do demandante ou demandantes e da eventual reconvenção do demandado ou demandados.</font> </p><p><font>13.9. As decisões do Tribunal Arbitral devem ser proferidas no prazo máximo de 4 (quatro) meses a contar do termo da instrução do processo ou do encerramento da audiência de discussão e julgamento, se a esta houver lugar. </font> </p><p><font>13.10. O Tribunal Arbitral funcionará no Porto, no local que for escolhido pelo árbitro único ou pelo árbitro Presidente (…), funcionado o Tribunal de acordo com as regras fixadas no Contrato, com as regras estabelecidas pelo próprio Tribunal Arbitral e ainda, subsidiariamente, pelo disposto na Lei n.º 31/86, de 29 de Agosto. </font> </p><p><font>13.11. O Tribunal Arbitral julgará segundo o direito constituído português e da sua decisão não haverá recurso.” </font> </p><p><font>12. Na cláusula 6.2. do mesmo contrato, sob a epígrafe “A A... declara aos Compradores que, na presente data e na Data do Closing”, ficou consignado designadamente que: </font> </p><p><font>“ (…) </font> </p><p><font>c) os documentos contabilísticos da H... reportados a 30 de Junho de 2005, apensos ao presente Contrato como Anexo 3, foram elaborados de acordo com os princípios legais contabilísticos portugueses, de forma consistente com os exercícios anteriores, e revelam de uma forma clara e verdadeira a situação contabilística, financeira, patrimonial e fiscal da H... à data a que os mesmos se reportam incluindo a prestação pela sociedade de quaisquer garantias, avais, fianças, hipotecas, penhores ou a constituição de quaisquer ónus ou encargos sobre os seus activos. </font> </p><p><font>d) a H... não se encontra em violação ou incumprimento significativo de quaisquer leis, regulamentos, ou decisões administrativas ou judiciais ou de obrigações contratualmente assumidas, que possa ter um impacto negativo sobre a empresa”; </font> </p><p><font>(…) </font> </p><p><font>f) a H... apresentou sempre, de forma adequada e tempestiva, todas as declarações fiscais e relativas à segurança social, cumprindo todas as suas obrigações fiscais e perante a segurança social e tendo todos os impostos e contribuições devidos sido liquidados.</font> </p><p><font>(…) </font> </p><p><font>i) à data de 30 de Novembro de 2005 não existiam outros trabalhadores ou prestadores de serviços da H... para além dos constantes do Anexo 4, do qual consta a correcta identificação das respectivas categorias profissionais, retribuição e demais prestações retributivas, antiguidade e tipo de vínculo jurídico-laboral”; </font> </p><p><font>13. Mais ficou consignado sob a cláusula 6.3. que “Os Vendedores declaram aos Compradores que as declarações constantes do número 6.1. são prestadas pelos mesmos de boa fé, não constituindo, por parte destes, quaisquer artifícios ou sugestões que possam induzir o Comprador em erro quanto à sua vontade de contratar e de adquirir as Acções, nomeadamente para efeito do disposto nos artigos 251º a 253º do Código Civil”; </font> </p><p><font>14. Através de carta de 21 de Janeiro de 2008, a ré, na sequência de uma fiscalização da Autoridade para as Condições de Trabalho, com fundamento naquilo que a autora havia declarado naquela cláusula 6.2. (al. d), e que se manteve por força da cláusula 4. do respectivo “Aditamento”, notificou a autora para o efeito de resolução amigável do litígio relativo à “ausência de pagamento das diuturnidades aos trabalhadores da H... – Hospitais Portugueses, S.A. (“H...”), diuturnidades essas devidas desde 1992 até 2006 ao abrigo do Acordo Colectivo de Trabalho” (cfr. doc. de fls. 143 a 147, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido); </font> </p><p><font>15. A autora respondeu, através da carta datada de 5 de Fevereiro de 2008 (cfr. doc. de fls. 148 a 149, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido); </font> </p><p><font>16. Por carta de 19 de Fevereiro de 2008, a ré respondeu à carta anterior da autora (cfr. doc. de fls. 150 a 151, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido); </font> </p><p><font>17. Por carta datada de 25 de Março de 2008, a ré notificou a autora da intenção de instaurar acção arbitral para resolução do litígio, indicando como árbitro único o Dr. HH (cfr. doc. de fls. 152, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido); </font> </p><p><font>18. Por carta datada de 7 de Abril de 2008, a autora respondeu à carta da ré, salientando, por um lado, “a necessidade de, na instância arbitral, estarem presentes, como partes, todos os vendedores, uma vez que, entre outras razões, as acções objecto do contrato que inclui a cláusula compromissória foram vendidas, nos termos da respectiva cláusula 2.1., “de forma una”; discordando, por outro lado, relativamente ao árbitro único proposto pela ré, o Dr. HH, que não aceitou (cfr. doc. de fls. 153, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido); </font> </p><p><font>19. Respondeu a ré, por meio de carta datada de 14 de Abril de 2008, onde, além de discordar da necessidade de estarem presentes na arbitragem todos os vendedores, salientando que “É a V. Exas. que imputamos responsabilidade pelos factos descritos na nossa comunicação de 25 de Março de 2008, sendo claro da leitura do contrato a inexistência de qualquer previsão de litisconsórcio necessário, que obrigasse a H... – Hospitais Portugueses, S.A., a demandar conjuntamente todos os vendedores. Nesse sentido aponta a Cláusula 6.2. do Contrato.”; designava ainda o Dr.II para integrar o tribunal arbitral colegial, aguardando a indicação do segundo árbitro pela autora (cfr. doc. de fls. 154, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido); </font> </p><p><font>20. Através de carta datada de 22 de Abril de 2008, a autora insistia na necessidade de o processo arbitral envolver todos os vendedores, e designava como árbitro o Sr. Dr. DD, sob a condição do assentimento dos demais vendedores, que com ela condividiam o direito de designar um árbitro (devendo também ser notificados para o exercerem) – cfr. doc. de fls. 155 a 157, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido); </font> </p><p><font>21. A ré respondeu com a carta de 30 de Abril de 2008, reiterando a sua discordância relativamente à posição da autora quanto à “matéria da legitimidade passiva”, salientando que “nos moldes do Contrato de Compra e Venda de Acções, são V. Exas. os responsáveis pela garantia que entendemos accionar, pelo que prosseguiremos com a acção arbitral nos moldes já anteriormente enquadrados” (cfr. doc. de fls. 162, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido);</font> </p><p><font>22. Em 6 de Maio de 2008, a ré enviou uma carta à autora, referindo-se ao facto de o Sr. Dr. DD ter informado o Dr. II da natureza condicional da sua designação, comunicando também que considerava que uma indicação condicional de um árbitro equivale a uma não indicação de árbitro, concluindo com a informação de que “caso não recebamos nas nossas instalações de uma indicação incondicional de um árbitro por parte de V. Exas. até ao próximo dia 14 de Maio, accionaremos os mecanismos supletivos de indicação de árbitro.” (cfr. doc. de fls. 163, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido); </font> </p><p><font>23. Através de carta de 9 de Maio de 2008, a autora relembrava a condição a que ficara sujeita a designação do “seu” árbitro, ou seja sujeita ao “assentimento dos demais vendedores, que condividem connosco o direito de designar um árbitro” (cfr. doc. de fls. 164, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido); </font> </p><p><font>24. Por meio de carta datada de 14 de Maio de 2008, a autora, respondendo à carta da ré de 6 de Maio, realçava que a condição que havia aposto à designação do seu árbitro nada tinha que ver com a questão da competência do tribunal arbitral, nem com a matéria da legitimidade das partes, sendo pertinente, antes, ao procedimento de constituição do próprio tribunal arbitral; realçava também a autora, na mesma carta, a necessidade de, tratando-se de vários vendedores, a notificação prevista no art. 11.°/1 da LAV dever ser dirigida a todos eles (cfr. doc. de fls. 165 e 166, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido); </font> </p><p><font>25. Em 21 de Maio de 2008, a ré, requereu ao Exm.º Sr. Presidente do Tribunal da Relação do Porto a nomeação de um árbitro “para integrar o colégio de árbitros que irá dirimir a arbitragem instaurada pela requerente contra A..., SGPS, S.A.”, em substituição do árbitro que deveria ter sido indicado pela autora (cfr. doc. de fls. 167 a 174, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido); </font> </p><p><font>26. Para o efeito, a ré juntou ao requerimento de nomeação de árbitro todos os contratos relevantes e toda a documentação trocada entre as partes tendente à constituição do tribunal arbitral;</font> </p><p><font>27. O Exm.º Sr. Presidente do Tribunal da Relação do Porto convidou a Faculdade de Direito da Universidade do Porto a indicar o nome de uma pessoa que pudesse desempenhar as funções de árbitro, tendo o Sr. Presidente do Conselho Directivo daquela Faculdade indicado, em 6 de Junho de 2008, o Mestre CC (cfr. doc. de fls. 529); </font> </p><p><font>28. O Exm.º Sr. Presidente do Tribunal da Relação do Porto aceitou esta indicação e, através de despacho de 9 de Junho de 2008, nomeou o Sr. Dr. CC para integrar o colégio de árbitros (cfr. doc. de fls. 175 a 177, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido); </font> </p><p><font>29. O Exm.º Sr. Presidente do Tribunal da Relação do Porto não concedeu à ali requerida (aqui autora) qualquer possibilidade de se pronunciar sobre o requerimento de nomeação de árbitro apresentado pela aqui ré; </font> </p><p><font>30. Uma vez notificada desse despacho de nomeação, a autora arguiu a nulidade processual resultante da falta de citação e de violação do princípio do contraditório, suscitando também a inconstitucionalidade do art. 12.º da LAV, se interpretado no sentido de dispensar o contraditório, por violação do direito a um processo equitativo, consagrado no art. 20.º/4 da CRP (cfr. doc. de fls. 178 a 181, cujo teor se dá aqui por
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><div></div><font>No Tribunal Judicial da Comarca de Viana do Castelo.</font><br> <u><font>AA,</font></u><font> intentou a presente acção declarativa de condenação, com processo ordinário, contra </font><br> <u><font>BB – Companhia de Seguros S.A.,</font></u><br> <font>Alega resumidamente que, no dia 25/11/2004, foi vítima de um acidente de viação em que foram intervenientes o ciclomotor de passageiros de marca Piaggio, modelo TYPHOON-50 2T, de matrícula 00-00-00, conduzido pela A., sua proprietária e o veículo automóvel ligeiro/misto, de matrícula 00-00-00, segurado na Ré.</font><br> <font>O acidente ocorreu por culpa exclusiva do condutor do CX (descreve a pertinente factualidade).</font><br> <font>Desse acidente resultaram para a A. numerosos ferimentos e perdas materiais (que igualmente concretiza em pormenor).</font><br> <font>Termina pedindo a condenação da Ré a pagar-lhe as seguintes indemnizações parcelares:</font><br> <font>- a título de </font><u><font>danos patrimoniais</font></u><font> a quantia global de </font><u><font>7.202,39</font></u><font> € (abrange </font><u><font>4.260.69</font></u><font> referente às I.T.P., temporárias e permanentes, </font><u><font>941.70€</font></u><font> referente ao valor dos objectos danificados com o acidente, </font><u><font>1.250 €</font></u><font> correspondente ao valor do ciclomotor à data do acidente, visto ter ficado irrecuperável e </font><u><font>750€</font></u><font> de propinas que teve de pagar para repetir duas cadeiras).</font><br> <font>- a título de </font><u><font>danos não patrimoniais,</font></u><font> pelos ferimentos, suas sequelas e dores, a quantia de </font><u><font>30.000.00€.</font></u><br> <font>- pela privação do uso do seu veículo logo que pôde usá-lo (isto é, durante o período em que sofreu de incapacidade parcial de 40%, 20% e 10%) até ser ressarcida pela Ré de modo a poder adquirir novo meio de transporte, peticiona uma indemnização que deve ser calculada à razão de </font><u><font>20€ por cada dia de privação.</font></u><br> <font>Tudo acrescido dos juros legais desde a citação até integral pagamento.</font><br> <font>Contestou a Ré.</font><br> <font>Aceitou alguns danos patrimoniais, impugnando outros, assim como impugnou os danos não patrimoniais e pela privação do uso.</font><br> <font>Não discutiu a culpa do seu segurado, antes a aceitando.</font><br> <font>Alegou, designadamente que o valor do ciclomotor, cuja perda total foi considerada, era, na data do acidente e antes dele, de apenas 700€, valendo os salvados 150€, sendo certo que por carta remetida à A. em 11/4/2005, a Ré lhe deu a conhecer esses valores, pondo-lhe à disposição a quantia de 550€, ficando os salvados para a A, o que ela recusou. Assim, a demora em receber tal indemnização só à A. pode ser imputada.</font><br> <font>Alega também que a paralisação do veículo não é um dano que, só por si, deva ser indemnizado, sendo necessário que se prove a existência de um dano concreto decorrente dessa paralisação.</font><br> <font>Replicou a A.</font><br> <font>Em 30/1/2008 a Ré veio requerer a consignação em depósito da quantia de 5.497.69€, correspondente aos danos emergentes (4.260.69€), abrangendo, ainda, os 550€ julgados devidos pela perda do veículo e </font><u><font>685€</font></u><font> a título simbólico pela privação do uso do veículo destruído no acidente.</font><br> <font>Em 20/8/2008 a A. recebeu o valor consignado em depósito (5.495.69€).</font><br> <font>Elaborou-se despacho saneador, fixaram-se os factos assentes e organizou-se a base instrutória.</font><br> <font>Instruídos os autos e lida a decisão de facto, proferiu-se sentença final que julgou a acção parcialmente procedente, condenando a Ré a pagar à A:</font><br> <font>- </font><u><font>6.502.39€ a título de danos patrimoniais</font></u><font> (sendo </font><u><font>4.260.69€</font></u><font> pelas incapacidades parciais para o trabalho, </font><u><font>550€</font></u><font> pelo valor comercial do veículo, deduzido já do valor dos salvados, </font><u><font>941.70€ </font></u><font>pela deterioração de diversas peças de vestuário o outros objectos e </font><u><font>750€ </font></u><font>de propinas).</font><br> <font>- A esta quantia deduziu a de </font><u><font>4.810.69</font></u><font> consignada em depósito e já entregue à A.</font><br> <font>- A título de </font><u><font>dano não patrimonial, </font></u><font>a quantia de 685€ pela privação do uso do veículo que a Ré também consignara e foi já entregue à A. e </font><u><font>20.000.00€</font></u><font> pelos ferimentos sofridos no acidente, suas sequelas e correspondentes sofrimentos.</font><br> <font>- Fixou os juros de mora desde a citação em relação aos danos patrimoniais e desde a sentença sobre os não patrimoniais.</font><br> <font>Recorreram a A. e a Ré, tendo a primeira impugnado, vários pontos de facto tidos por incorrectamente julgados.</font><br> <font>Conhecendo da apelação da A. a Relação reapreciou a prova gravada, tendo alterado alguns dos pontos de facto impugnados, mantendo outros; fixou em </font><u><font>30.000</font></u><font>€ os danos não patrimoniais emergentes dos ferimentos sofridos no acidente, dores que provocaram à A. e respectivas sequelas; fixou em 700€ (sem descontar os salvados, que ficarão para a seguradora, a menos que a A. pretenda ficar com eles) a indemnização a pagar pela perda total do ciclomotor; fixou, finalmente, a título de indemnização pela privação do uso do veículo, recorrendo à equidade, em 1.500€.</font><br> <font>- No mais, manteve o decidido.</font><br> <font>-Quanto aos juros não alterou o decidido pela sentença de 1ª instância, mas determinou </font><u><font>que não são devidos juros sobre o montante consignado pela Ré e já recebido pela A.</font></u><br> <font>Porém, </font><u><font>quanto à quantia consignada relativa a danos patrimoniais os juros serão contados até à data da consignação.</font></u><br> <font>Quanto ao montante dos danos não patrimoniais os juros fixados incidirão apenas sobre a quantia ainda em dívida.</font><br> <font>Novamente inconformadas, voltam a recorrer quer a A. quer a Ré, agora de revista e para este S.T. J .</font><div></div><u><font>Conclusões</font></u><br> <font>Oferecidas tempestivas alegações, formularam as recorrentes as seguintes conclusões:</font><div><u><font>Conclusões</font></u><br> <u><font>da</font></u><br> <u><font>Revista</font></u><br> <u><font>Da</font></u><br> <u><font>Autora</font></u></div><font> </font><br> <font>1 - A recorrente não se conforma com a decisão do Tribunal recorrido no que concerne a dois aspectos: ao não ter fixado um quantitativo diário de 20 euros quanto à privação de uso do ciclomotor e ao não ter fixado, na decisão, a condenação da ré no pagamento da quantia de €1500,00 a título de danos patrimoniais relativos à privação de uso do ciclomotor, em desconformidade com a fundamentação.</font><br> <font> </font><br> <font>2 - O Tribunal recorrido considerou que a recorrente poderia recusar a proposta apresentada pela recorrida, uma vez que, "o valor oferecido era inferior ao valor real do bem, à autora não podia ser imposto que ficasse com os salvados, devendo ser-lhe oferecido valor que lhe possibilitasse a substituição imediata do bem por outro de idênticas características''.</font><br> <br> <font>3 - Considerou que resultou provado que, a recorrente continua, até à data de hoje, privada do uso do seu motociclo ou de outro que o pudesse substituir; que, era com esse veículo que a recorrente se fazia transportar todos os dias de e para o trabalho e escola; e que, por se encontrar privada do ciclomotor, a recorrente pede boleia a amigos e familiares e usa transportes públicos, o que lhe causa incómodos e transtornos.</font><br> <br> <font>4 - Entende o Tribunal recorrido que, "a privação do uso é indemnizável (...), pois constitui indubitavelmente um dano. (...) Quando não quantificado, deve recorrer-se ao disposto no artigo 566°3 n°3 do C.C., determinando-se a indemnização de acordo com a equidade", o que a recorrente concorda.</font><br> <br> <font>5 - A recorrente não concorda na parte em que, o Tribunal recorrido considera que, o "valor pretendido pela recorrente se mostra excessivo", alegando que o valor locativo de um ligeiro é superior ao de um motociclo; que, &lt;(o veículo era utilizado era utilizado sobretudo nos dias úteis" e que, a recorrente "logrou de forma satisfatória e sem grandes custos para si a substituição do veículo", fixando um determinado montante - €1500,00, ao invés de fixar um valor diário, tal como é reclamado pela recorrente.</font><br> <font>6 - A recorrente reclama da recorrida o pagamento da quantia diária de 20 euros, desde á data de 22/06/2005, até efectivo e integral pagamento, acrescido de 30 dias, considerando que, a privação do uso do veículo origina a perda das utilidades que o mesmo é susceptível de proporcionar, perda essa que, não tendo sido oportunamente reparada (mediante a forma natural de reconstituição, com a entrega de um veículo substitutivo), impõe a compensação do lesado na medida equivalente - artigos 562°, 563°, 564° e 566° do CC.</font><br> <font>7 - Tem sido entendido (cf, p.e, A, Geraldes, ob. cit, p.53 e Ac RP 5Fev 04 cit) que, regra geral e salvo casos excepcionais (em que se reconheça que a falta do veículo causou danos anormalmente avultados ou, inversamente, não provocou dano algum), a privação do veículo de que o lesado habitualmente fazia uso deve ser compensada por referência à quantia que seria necessária para o aluguer de outro do características semelhantes ao sinistrado, prática que, à luz de um critério baseado nas regras da experiência, nos parece perfeitamente justa e equilibrada (lembre-se que nos situamos no âmbito dos danos não patrimoniais, em cujo ressarcimento a equidade assume particular relevância).</font><br> <font>8 - E é assim que, no caso concreto, chegamos a um valor compensatório diário na ordem dos € 20,00, tal como reclamado pela recorrente, o qual é devido desde a data em que a recorrente, após o acidente, passou a ter possibilidade de utilizar o veículo - 22 de Junho de 2005 - até ao fim do período temporal que razoavelmente seja de reputar como necessário para que a mesma encontre no mercado veículo idêntico (Ac RC 2Dez 03 cit), que se calcula em cerca de 30 dias.</font><br> <br> <font>9 - Entende a recorrente que, se o Tribunal recorrido considera que o valor locativo de um ligeiro é inferior ao valor locativo de um motociclo com as características do da recorrente, então deveria ter fixado o valor diário do aluguer de um motociclo.</font><br> <font>10- A recorrente não concorda com o entendimento do Tribunal recorrido de que ao fixar um valor diário poderia ser considerado abuso de direito, uma vez que, considera que existe abuso de direito quando o exercício de um direito se afasta da finalidade para a qual esse direito foi criado.</font><br> <br> <font>11- Assiste à recorrente o direito de ser indemnizada a título de privação de uso de veículo, o qual lhe é reconhecido pelo Tribunal recorrido.</font><br> <br> <font>12- Recai sobre a recorrida o dever colocar à disposição da recorrente um veiculo de substituição ou a quantia que lhe permita adquirir no mercado um veículo em iguais condições, não podendo aquela pretender beneficiar das vantagens inerentes aos pagamentos de seguros e depois não cumprir com as suas obrigações. Como alguém disse, "quem usa os cómodos deve suportar os incómodos".</font><br> <br> <font>13- Recai sobre a recorrida a responsabilidade pelo agravamento dos danos derivados da demora em actuar como devia. Na verdade, a recorrida não colocou qualquer veículo de substituição à disposição da recorrente, nem ofereceu a quantia suficiente para que a recorrente pudesse adquirir um no mercado. Se existe agravamento de danos derivados da demora, eles se devem à actuação da recorrida, que até à presente data, poderia ter impedido, e não o fez.</font><br> <br> <font>14- O montante consignado em depósito era relativo a danos não patrimoniais distintos dos inerentes à privação de uso, não sendo a recorrente obrigada a utilizar esses montantes para adquirir um motociclo quando eles de destinam a um outro fim.</font><br> <br> <font>15- De qualquer modo, sem prescindir, sempre se teria de contabilizar o período até 20/05/2008, durante o qual, a recorrente ficou privada do uso do motociclo.</font><br> <br> <font>16- Sem prescindir, no caso de assim não se entender, a recorrente entende que é manifestamente insuficiente a quantia fixada pelo Tribunal recorrido - 1500,00 euros.</font><br> <br> <font>17- Resulta da matéria provada que a recorrente utilizava, diariamente, o veículo e não apenas nos dias úteis - matéria dada como provada - 33 - pelo Tribunal da 1ª instância.</font><br> <br> <font>18- Não corresponde à verdade que a recorrente tenha conseguido com facilidade e. sem grandes custos para si a substituição do veículo, uma vez que, considerando a importância que tem possuir um meio de transporte próprio face "às exigências da vida actual, o facto de ter. de depender da possibilidade e boa vontade dos outros, causa-lhe dificuldades enormes, colocando em causa a sua independência, assim como a dos outros.</font><br> <font> </font><br> <font>19 - A quantia fixada é manifestamente insuficiente, permitindo à recorrida, em situações futuras, ponderar se deve cumprir ou não o seu dever de entregar um veículo de substituição ou entregar a quantia suficiente para que o segurado adquira um veículo no mercado.</font><br> <br> <font>20 - Ao decidir deste modo, o Tribunal recorrido violou os artigos 562°, 563°, 564° e 566° do CC.</font><br> <br> <font>21- Sem prescindir, e caso entendam manter a quantia fixada pelo Tribunal recorrido, deverá a mesma constar da decisão.</font><br> <br> <font>22- O Tribunal recorrido decidiu "julgar parcialmente procedente a apelação da autora, improcedente a apelação da ré, alterando a decisão no que respeita ao valor arbitrado a título de danos não patrimoniais, fixando-se o valor devido em 30.000,000 e quanto aos patrimoniais acrescentando-lhe €150.</font><br> <font>No que tange aos Juros, e relativamente ao montante recebido pela autora a 20/05/2008 relativo aos danos patrimoniais, os juros serão contados apenas até essa data.</font><br> <font>Quanto ao montante relativo a título de danos não patrimoniais, os juros fixados apenas incidirão sobre a quantia ainda em divida.</font><br> <font>No mais confirma-se a decisão.</font><br> <font>Custas nesta relação quanto à apelação da autora, por esta e recorrida na proporção de respectivamente 1/3 e 2/3, pela apelação da ré, em.partes iguais."</font><br> <br> <font>23- Na fundamentação, no que diz respeito à privação de uso do ciclomotor, o Tribunal recorrido considerou que em face deste quadro e atento sobretudo o dano decorrente do despojamento das utilidades que extraia do bem afigura-se-nos adequado fixar um determinado montante, ao invés de um valor diário, afigurando-se no quadro do circunstancialismo provado como adequado o valor de €1.500."</font><br> <br> <font>24- Confrontando a decisão com a fundamentação constata-se que na decisão não se encontra fixada a condenação da Ré no pagamento da quantia de €1.500,00 a título de danos patrimoniais relativos à privação de uso do ciclomotor, o que nos parece que consiste num mero lapso do Tribunal recorrido - artigo 667° do C.P.C.</font><br> <br> <font>25 - Face ao exposto, mais consentâneo com a fundamentação apresentada pelo Tribunal recorrido seria fixar na respectiva decisão a condenação da Ré no pagamento da quantia de €1.500,00 a título de danos patrimoniais relativos à privação de uso do ciclomotor.</font><br> <br> <font>Termos em que, e nos mais de direito, deverá ser revogado o acórdão recorrido e substituída por outra que julgue a acção totalmente procedente, condenando a recorrida conforme peticionado pela recorrente, com. todas as consequências legais. Assim decidindo farão</font><br> <font>JUSTIÇA,</font><div></div><font>Não foram apresentadas contra-alegações.</font><div><br> <u><font>Conclusões</font></u><br> <u><font>da</font></u><br> <u><font>Revista</font></u><br> <u><font>da</font></u><br> <u><font>Ré-Seguradora</font></u></div><br> <font>1 - A ora recorrente não se conforma com a decisão proferida pelo Douto Tribunal da Relação, quanto ao valor indemnizatório atribuído à recorrida a título de danos não patrimoniais, por manifestamente desadequados, contrariando os critérios de equidade pugnados no disposto no artigo 496.°, n°3 do Código Civil.</font><br> <font>2 - A ora recorrente não desconsidera as lesões corporais da ora recorrida, nomeadamente, as várias intervenções cirúrgicas a que foi submetida e todo o período de recuperação que se seguiu.</font><br> <font>4 - No relatório pericial, fixou-se o dano estético da recorrida no grau 2, numa escala de 7, o que não se afigura com a gravidade e reais consequências que se lhe pretende atribuir.</font><br> <font>5 - A ora recorrente entende que o montante de € 30.000,00 atribuído a título de danos não patrimoniais é exagerado, desajustando-se dos princípios de equidade e razoabilidade, bem como, tendo em conta outros casos semelhantes, não obstante, de maior gravidade, em que a jurisprudência tem atribuído iguais montantes de indemnização.</font><br> <font>6 - Afigura-se, assim, mais justo, equitativo e adequado, a atribuição do valor de € 10.000,00 a titulo de indemnização por danos não patrimoniais.</font><br> <font>7 - Relativamente ao pedido de paralisação, não é um dano em si mesmo que justifique por si a atribuição de uma indemnização, o que significa que o lesado terá de provar que existe um dano concreto decorrente daquela paralisação.</font><br> <font>8-0 valor agora fixado a título de paralisação do veículo se afigura excessivo, por violação ao critério de equidade estabelecido no artigo 566°, n.° 3 do Código Civil.</font><br> <font>9 - A considerar o valor de 700€, sem deduzir o valor do salvado, então a ora recorrida terá de entregar o salvado nos serviços da ora recorrente.</font><br> <br> <font>Nestes termos e nos melhores de direito, que V. Exas. Mui doutamente suprirão, deve ser dado provimento ao presente recurso e, consequentemente, condenando parcialmente no pedido a ora Recorrente, fazendo-se assim</font><br> <font>JUSTIÇA</font><div><br> <font>Contra-alegou o a. pronunciando-se pela improcedência do recurso</font><br> </div><br> <u><font>Os Factos</font></u><div></div><font>A Relação, após reapreciação da prova, </font><u><font>fixou a seguinte matéria de facto.</font></u><br> <font>1.Em 25/11/2004, cerca das 17h 45m, na EN 202, ao Km 6,3-Serreleis, em Viana do Castelo, a A. conduzia o ciclomotor de marca Piaggio, modelo TYPHOON 50 2T, de matrícula 00-00-00, de que é proprietária, no sentido Serreleis/Viana do Castelo (A);</font><br> <font>2.Nessa altura circulava no local o veículo ligeiro/misto, de matrícula 00-00-00, no sentido Viana do Castelo/Serreleis, propriedade de CC &amp; Filhos, Lda, com sede na R..............., ..-.., Viana do Castelo, conduzido por DD, solteiro, residente no Lugar da........ Cardieios, Viana do Castelo, funcionário daquela. O condutor conduzia o referido veículo ao serviço da CC &amp; Filhos, Lda, com o seu conhecimento e autorização e sob a sua "direcção efectiva" (B e-C);</font><br> <font>3.Aproximadamente ao Km 6,3, ao chegar ao cruzamento com a Rua do ....... e a Rua............., o referido condutor, acto contínuo, sem parar e sem dar o ponto de intercepção das duas vias à esquerda, efectuou a manobra de mudança de direcção para esse lado, invadindo a faixa contrária, com destino à Rua dos Reais, numa altura em que a A. circulava, no sentido Serreleis/Viana do Castelo, embatendo com a parte frontal, lado esquerdo, do CX na parte frontal do ciclomotor (D e E);</font><br> <font>4.Com a colisão, o ciclomotor enfaixou-se debaixo do CX e a A. embateu no pára-brisas do veículo, sendo projectada a cerca de 4,5 m de distância do local de embate. Após o embate, o CX imobilizou-se na hemi-faixa direita, atento o sentido Serreleis/Viana do Castelo, com a parte traseira, lado direito, a 0,50 m do eixo da via e o lado direito frente a 0,70m do eixo da via (F e G);</font><br> <font>5.À data do acidente, a CC &amp; Filhos, Lda, havia transferido para a R. a responsabilidade civil emergente de acidente de viação causados pelo CX, por contrato de seguro titulado pela apólice n° 0000000000 que então se encontrava válido e eficaz (H);</font><br> <font>6.Em 23/06/2005 a A. iniciou a actividade laboral com uma ITP de 40%. Permaneceu em ITA durante 58 dias. Em 16/11/2006, iniciou período de ITP de 20%. De 23/12/2006 a 08/01/2007 passou a uma ITP de 10%, data em que .foi considerada clinicamente curada (l.a.L); </font><br> <font>7.À data do acidente a A. trabalhava para as Confecções N...... &amp;..........., Lda,. com sede no Lugar da .........., Serreleis, Viana do Castelo, onde desempenhava funções de costureira. O seu vencimento era de € 385,90, acrescido, de um subsídio de alimentação de € 48,96/mês, acrescido de € 35,66 a título de outras remunerações (M e N);</font><br> <font>8.Em consequência da sua doença e incapacidade para trabalhar durante o período de ITA, a A. deixou de auferir a quantia de € 4.562,88 (€ 470,52 : 30 dias x 291). Durante o período de ITP a 40% deixou de auferir a quantia de € 2.689,83 (€ 470,52 : 30 dias x 40% x 429 dias). No período de ITP a 20% deixou de auferir a quantia de € 116,18 (€ 470,52 : 30 dias x 20% x 37 dias).</font><br> <font> No período de ITP a 10% deixou de aferir a quantia de € 26,69 (€ 470,52 : 30 dias x 10% x 17 dias) (O a R);</font><br> <font>9.No processo n° 762/05.9TBVCT do Tribunal do Trabalho de Viana do Castelo, e a propósito do acidente dos autos, a título de incapacidades temporárias a A. já recebeu da Companhia de Seguros Fidelidade-Mundial, S.A, as seguintes quantias: € 3.603,06 (€ 2.587,76; € 297,16 e € 718,14) relativamente a LTA; € 2.124,68 (€ 1.307,50; € 817,18) a título de ITP 40%; €91,63 a título de ITP 20%; e € 21,05 a título de ITP 10% (S);</font><br> <font>10.Das lesões descritas, tendo em conta a Tabela Nacional de Incapacidades para Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais (Cap. li 1.5c), resultaram sequelas "graves" para a A., que se consubstanciam numa incapacidade parcial permanente de 8%, como, aliás, foi atribuída no âmbito do processo de acidente de trabalho supra referido (T);</font><br> <font>11.No âmbito do mesmo, a título de IPP a A. já recebeu da Companhia de Seguros Fidelidade-Mundial, SA, a quantia de € 5.948,18 (U);</font><br> <font>12.Em consequência do acidente resultaram danos no ciclomotor, sendo que á R- o considerou como "perda total" (V);</font><br> <font>13.A R. enviou, em 11/04/2005, a A. a carta de fl.110 dos autos, transmitindo-lhe que o ciclomotor foi considerado "perda total", sendo-lhe atribuído o valor venal de € 700,00 e ao salvado € 150,00, colocando à disposição da A. o valor de € 550,00, ficando o salvado na posse do proprietário, proposta que a A. recusou (W);</font><br> <font>14.Em consequência directa e necessária do acidente, resultou para a A. fractura do rádio direito, fractura" do cúbito esquerdo, TEC com laceração frontal e fractura do fémur esquerdo (1);</font><br> <font>15.Do local do acidente foi transportada de ambulância para o Centro Hospitalar do Alto Minho, em Viana do Castelo, onde deu entrada no Serviço de Urgência com hematoma periorbitário, ferimentos na região frontal, dores "intensas" a nível do punho direito, bacia e membro inferior esquerdo (2);</font><br> <font> 16.Os referidos exames revelaram fractura do rádio direito, fractura do cúbito esquerdo, TEC com laceração frontal e fractura do fémur esquerdo (3);</font><br> <font>17.No mesmo dia foi submetida a redução aberta e osteossíntese com placa AO e parafusos do rádio direito e fémur esquerdo. Foi suturada a ferida frontal (testa e queixo) e dos membros afectados. Durante o internamento fez vários exames radiológicos de controlo (4 a 6);</font><br> <font>18.(alterado) Sofreu dores valorizadas em 5, do ponto de vista médico-legal, em termos de “quantum doloris.”. Teve de permanecer na mesma posição durante várias semanas, o que lhe acarretou dores e incómodos. Teve de fazer a sua higiene diária e necessidades fisiológicas na cama. Usou fraldas. A alimentação era administrada por terceira pessoa. Colocou tala gessada no antebraço direito e luva gessada no esquerdo (7 a 12);</font><br> <font>19.Em 7/12/04 teve alta clínica, após a qual foi para casa onde permaneceu em repouso. Continuou imobilizada, a fazer a sua higiene diária e necessidades fisiológicas na cama, incapaz de se alimentar, dependendo permanentemente de uma terceira pessoa. Continuou a ser medicada e, entretanto, iniciou tratamentos de fisioterapia (13 a 15);</font><br> <font>20.Devido às lesões sofridas a nível dos membros superiores, a A. estava impedida de usar muletas ou canadianas, e tinha de se deslocar de cadeira de todas. Quando a solidificação dos ossos dos membros superioreso permitiu, passou a utilizar canadianas, sem as quais não conseguia andar, nem pôr-se de pé; mesmo com estas caía e movimentava-se com dificuldade e esforço (16 a 18);</font><br> <font>21.Em 12/04/05 foi submetida a cirurgia plástica à face (testa e queixo). Em 15/03/2006 foi submetida a cirurgia para extracção de material de osteossíntese. Posteriormente, em 24/10/2006, foi novamente intervencionada cirurgicamente (cirurgia plástica) à perna, o que importou 24 dias de ITA.</font><br> <font>Continuou a necessitar de tratamento fisiátrico durante mais 2 meses (19 a 22);</font><br> <font> 22.Ainda como consequência directa do acidente, a A. apresenta as seguintes sequelas: Crânio: cicatriz dismórfica de 4x6cm na região frontal; Face: cicatriz inframentoniana de 4 cm; Membro superior direito: cicatriz de 8 cm na face lateral do antebraço; Membro inferior esquerdo: cicatriz de 25 cm na face lateral da coxa. Perímetros iguais de 55 cm bilateralmente. Estas sequelas são definitivas e irreversíveis e desfeiam a A. esteticamente (23 e 24);</font><br> <font>23.A A. sente dores nas zonas afectadas, sobretudo nas mudanças climatéricas e quando tem necessidade de fazer esforços (25);</font><br> <font>24.Antes do acidente a A. era uma pessoa alegre, bem disposta e sem qualquer complexo em relação ao seu corpo. Devido às cicatrizes que resultaram do acidente, a A. tornou-se complexada, deixou de vestir roupas que possam exibir as partes do corpo afectadas, designadamente sais curtas ou calções e deixou de ir para a praia (26 e 27);</font><br> <font>25.Devido ao acidente e pelo facto de necessitar da presença e auxílio permanente de uma terceira pessoa, a A. foi obrigada a ir viver para a casa da sua mãe. Devido a problema de espaço, o marido da A. não dormia na casa da mãe desta, o que significou desgosto para o casal que iniciara recentemente a vida em comum (28 e 29);</font><br> <font>26.Dada a proximidade da época natalícia, a ocorrência do acidente motivou alteração no modo como essa época era normalmente vivida pela A. e restante família (30);</font><br> <font>27.A A. frequentava o Rancho Folclórico de Perre há mais de 6 anos. Por causa do acidente deixou de poder dançar, quer pelas dores sentidas quer pelo medo de eventuais quedas, situação que lhe provocou desgosto e mágoa (31e32);</font><br> <font>28.Alterado: Com o acidente, as lesões e a doença que sofreu, as hospitalizações a que foi submetida, as cirurgias e tratamentos que teve de efectuar, e as limitações e as sequelas de que ficou a padecer, a A. sofreu susto e trauma, sendo que na altura do acidente, por causa deste e das lesões provocadas, temeu pela sua vida integridade física e o susto e trauma foram enormes; suportou prolongados esforços, incómodos, dores (de grau 5), preocupações, mal-estare tristeza (33);</font><br> <font>29.Devido ao acidente, a A. não pôde fazer as cadeiras na época de exames de Janeiro de 2005, onde tinha a possibilidade de as fazer em quatro fases, de modo que não pôde transitar para o 4º e último ano do citado curso. A A. é uma pessoa responsável, trabalhadora e exigente com ela própria, empenhada e orgulhosa do curso que estava a tirar, e tal atraso causou-lhe desgosto e tristeza. Em consequência dos factos descritos, a A. teve que frequentar o ano lectivo 2005/2006 para fazer as cadeiras que ficaram em atraso, obrigando-a ao pagamento de propinas no valor de € 750,00 (34 a 37);</font><br> <font>30.Aquando do acidente foram danificados vários objectos pertencentes à A. e que esta transportava consigo: capacete no valor de € 75,00, um par de sapatos de vela no valor de € 40,00, um anel de ouro branco com pedra quadrada lilás, com valor de aquisição de € 180,00, umas calças Lee no valor de € 60,00, uma camisola de marca Quebramar no valor de € 64,00, um Kispo azul no valor de € 40,00, um fio de ouro no valor de € 80,00, uma máquina calculadora marca Casio - Modelo Pocket Computer FX - 880p no valor de € 175,00, uma camisola de gola alta no valor de € 20,00, um telemóvel marca Siemens C55 no valor de € 109,90, e uns óculos no valor de € 97,80 (38);</font><br> <font>31.O ciclomotor, encontra-se depositado, por ordem da R na "Garagem Central", sita em Santa ........... A R. não autorizou o seu conserto (39 e 40);</font><br> <font>32.O ciclomotor em apreço, no estado de novo, custou à A. 317.501 $00 (€ 1.583,68). À data do acidente o seu valor comercial ascendia a € 700,00 (41 e 42); 33.Desde o acidente a A. está privada do uso do ciclomotor. Era com este que a A. se fazia transportar todos os dias de e para o trabalho e escola. Por se encontrar privada do uso do ciciomotor, a A. pede boleia a amigos e familiares e usa transportes públicos, o que lhe causa incómodos e transtornos (43 a 47);</font><br> <font>34. A reparação do ciclomotor ascende a € 2.072,50. Os seus salvados valem €150,00 (48 e 49);</font><br> <font>35. A A. nasceu em 01/01/1975 (doe. fl.61).</font><br> <u><font>Fundamentação</font></u><font>.</font><br> <font>É pelas conclusões que se fixa o objecto do recurso.</font><br> <font>Vejamos, pois, quais as questões colocadas pelos recorrentes.</font><br> <font>Como se vê das respectivas conclusões a questão essencial suscitada </font><u><font>pela A.</font></u><font> respeita à indemnização fixada pela Relação em consequência </font><u><font>da privação do uso</font></u><font> do seu ciclomotor.</font><br> <font>Tal indemnização foi fixada, por recurso à equidade, </font><u><font>em 1.500€</font></u><font>, mas a recorrente entende que devia ter sido fixado um quantitativo diário de 20€, ao que parece, desde a altura em que a A. estaria em condições de utilizar o veículo (o que terá acontecido cerca de Junho de 2005) até integral ressarcimento pela sua perda.</font><br> <font>A não ser assim, isto é, a manter-se a indemnização em 1.500€, tal como a fixou a Relação, então essa quantia deverá constar da parte decisória do acórdão, o que não acontece.</font><br> <font>Por sua vez, a discordância </font><u><font>da Ré/recorrente,</font></u><font> tem igualmente a ver com a referida </font><u><font>indemnização pela privação do uso do veículo</font></u><font>, sendo sua opinião que, no caso, nenhuma indemnização é devida a este título visto que </font><u><font>a A. não demonstrou que essa privação lhe provocou qualquer dano concreto, seja dano emergente ou lucro cessante.</font></u><br> <font>De qualquer modo, seria sempre exagerado o 1.500€ fixadas a este título pelo acórdão recorrido.</font><br> <u><font>Discorda igualmente dos 30.000.00€ fixados a título de danos morais,</font></u><font> julgando que a indemnização equilibrada para os ressarcir seria a </font><u><font>de 10.000.00€.</font></u><br> <font>Finalmente em seu entendimento, </font><u><font>a indemnização que é devida, pela perda total do veículo</font></u><font> </font><u><font>não pode ser fixada em 700€ visto que os salvados fiaram na posse da A</font></u><font>.</font><br> <font>Portanto, ou </font><u><font>se mantém essa indemnização, passando os salvados à propriedade da Ré</font></u><font> ou </font><u><font>se deduz o respectivo valor </font></u><font>(150€), </font><u><font>ficando eles a pertencer à A.</font></u><br> <font>Cumpre decidir.</font><div><u><font>Revista da A.</font></u><br> </div><br> <font>Comecemos por analisar </font><u><font>a questão da indemnização pela privação do uso</font></u><font>, aliás comum a ambos os recursos.</font><br> <font>É, como se sabe, assunto em que existe divergência na nossa jurisprudência.</font><br> <font>Na verdade, enquanto uns entendem que a atribuiç
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><font> Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: </font><br> <br> <font> 1. - AA-“N...- Transacções Imobiliárias, Lda.” instaurou acção declarativa contra Rede Ferroviária Nacional - REFER, E.P.”, pedindo que, com base em incumprimento, por parte da Ré, de contrato-promessa de compra e venda de imóvel, seja esta condenada, em alternativa, a:</font><br> <font>«a) - celebrar a escritura, sob a égide da execução específica;</font><br> <font>b)- a devolver à A. o dobro que esta prestou, mais os 250.000,00 mencionados supra em 202., 203., tudo acrescido de juros de mora, à taxa máxima legal, desde a citação e até pleno cumprimento».</font><br> <br> <font>A Ré contestou, arguindo, ao que aqui releva, a incompetência absoluta, em razão da matéria, do Tribunal a quo, por entender que tal competência cabe aos Tribunais Administrativos.</font><br> <br> <font>No despacho saneador julgou-se improcedente a arguida excepção de incompetência.</font><br> <br> <font>A Ré apelou mas a Relação manteve o julgado.</font><br> <br> <br> <font>Inconformada com a decisão, recorreu novamente a Ré, invocando fundamentos de revista excepcional, que viu atendidos.</font><br> <br> <font>Com vista ao reconhecimento da competência da justiça administrativa, argumentou nas conclusões da alegação:</font><br> <font>“</font><font>1ª. (…);</font><br> <font>2ª. Está em causa a definição da jurisdição materialmente competente para a questão relativa a alegado incumprimento, por parte da recorrente, enquanto entidade pública, de um contrato-promessa relativo a imóvel, celebrado entre a recorrente e a recorrida;</font><br> <font>3ª. O Tribunal recorrido, considerou que a jurisdição competente é a jurisdição comum, dado que não se aplica aqui o art. 4º n.º 1 alínea f) do ETAF, na redacção emergente da lei 13/02 e 107-D/2003, porque os intervenientes não quiseram submeter o contrato a um regime substantivo de direito público; </font><br> <font>4ª. Porém, como resulta do preâmbulo da proposta de lei 93/VIII, foi intenção inequívoca do legislador atribuir competência aos tribunais administrativos para as questões relativas a contratos em que, pelo menos, um dos contraentes seja uma entidade pública, independentemente de terem submetido o contrato a um regime de direito público ou direito privado, o que não foi derrogado pela proposta de lei 102/IX. </font><br> <font>5ª. Aliás, estabelece-se aqui um paralelismo com a responsabilidade civil extracontratual em que, independentemente de estar em causa um acto de gestão pública ou gestão privada, a apreciação das questões relacionadas com essa responsabilidade é da competência exclusiva dos tribunais administrativos, art. 4º n.º 1 alínea G) do ETAF. </font><br> <font>6ª. E, de outra forma, seria uma incoerência legislativa que a apreciação da responsabilidade de pessoas colectivas de direito público, oscilasse entre a jurisdição comum e administrativa, conforme se tratasse de responsabilidade contratual ou extracontratual. </font><br> <font>7ª. Assim, a decisão recorrida, ao considerar como competente a jurisdição comum, violou o disposto no art. 4º n.º 1 alínea F) do ETAF, na redacção actualmente vigente, o que acarreta, também, a absolvição da recorrente da instância, nos termos das disposições conjugadas dos arts. 105º n.º 1, 493º n.° 2 e 494º alínea a) do C.P.C.</font><font>”</font><br> <br> <font> Não houve resposta.</font><font> </font><br> <font> </font><br> <br> <br> <br> <br> <font>2. - A </font><b><font>questão</font></b><font> a apreciar e decidir é a de determinar se a competência para o conhecimento do litígio emergente do incumprimento de um contrato-promessa de compra e venda de imóvel, celebrado entre uma sociedade comercial e uma empresa pública e que as partes não submeteram a regime de direito substantivo público, é de atribuir à jurisdição administrativo, por subtraída ao foro comum.</font><br> <br> <br> <br> <br> <br> <font>3. - Os elementos a considerar são os seguintes:</font><br> <br> <font> - AA-“N...”, sociedade comercial de direito privado, instaurou acção contra a “Refer”, pessoa colectiva de direito público, em que pediu a condenação desta a celebrar escritura de compra e venda de uma parcela de terreno, em execução específica do contrato-promessa celebrado entre as Partes ou, em alternativa, a devolver-lhe o dobro do que a A./promitente-compradora prestou;</font><br> <font>- Alegou, como fundamento das pretensões formuladas, falta de cumprimento, pela Ré, de várias cláusulas do contrato-promessa tendentes à celebração do contrato-prometido.</font><br> <br> <br> <br> <br> <br> <font> 4. - Mérito do recurso:</font><br> <br> <font>4. 1. - A competência em razão da matéria afere-se, em princípio, pelos termos em que o autor propõe ao tribunal que decida a questão, configurada pela qualidade ou natureza das partes, pelo pedido e pela causa de pedir. </font><br> <br> <font> Segundo os art. 18º da Lei 3/99, de 13/1 (LOFTJ) - </font><font>redacção que se mantém na Lei n.º 52/2008, de 28/8 (art. 26º-1 -</font><font> e 66.º CPC, as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional são da competência dos tribunais judiciais.</font><br> <font> Assim, a atribuição de competência a tribunal de jurisdição especial depende da verificação de um duplo pressuposto: - o objecto da acção e a existência de uma norma específica atributiva de competência à jurisdição especial.</font><br> <font> Daí que a competência dos tribunais comuns seja genérica ou residual, cabendo-lhes conhecer de todas as causas cuja apreciação não esteja atribuída por lei a alguma jurisdição especial.</font><br> <br> <br> <font> Aqui em causa está, como dito, a competência dos tribunais administrativos que a Recorrente entende estar-lhe deferida pelas normas constantes do art. 4º-1-f) do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF), aprovado pela Lei n.º 13/2002, de 19/2, na redacção emergente da Lei n.º 107-D/2003, de 31/12. </font><br> <br> <font> Intentada, como o foi, a acção em 2008 é aplicável à determinação da competência do foro administrativo o preceito invocado pela Recorrente, em vigor desde 1 de Janeiro de 2004.</font><br> <br> <br> <br> <font> 4. 2. - Aos tribunais administrativos compete, segundo a Constituição da República (art. 213º-3), o julgamento das acções e recursos contenciosos que tenham por fim dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas.</font><br> <font> O ETAF, definindo genericamente a competência dos tribunais administrativos, acolhe e reproduz, em seu art. 1º-1, a norma da Lei Fundamental, declarando-os “os órgãos de soberania com competência para administrar justiça em nome do povo, nos litígios emergentes das relações jurídicas administrativas”.</font><br> <font> Depois, o art. 4, em cujo n.º 1 se insere a, aqui de controvertida interpretação, al. f), elenca a título exemplificativo vários tipos de litígios cujo objecto os insere na esfera de competência da justiça administrativa, do mesmo passo que, em seus n.ºs 2 e 3, exclui outros, tudo agora sem qualquer referência ao critério de definição de competências, adoptado pelo anterior ETAF (arts. 3º, 4º e 51º), a assentar em actos de gestão pública ou de gestão privada, ou a acções que tivessem por objecto questões de direito privado. </font><br> <font> </font><br> <font> Constata-se, assim, que o critério em causa, de conteúdo material, entronca agora em conceitos como a relação jurídica administrativa e a função administrativa.</font><br> <font> Haverá de deparar-se com uma relação jurídica em que um dos sujeitos, pelo menos, seja ente público (Administração, intervindo com poderes de autoridade, com vista à realização do interesse público), regulada por normas de direito administrativo. </font><br> <br> <br> <font> </font><br> <font> 4. 3. - Na concreta situação ocorre que:</font><br> <font>A Recorrente é uma pessoa colectiva de direito público (art. 2º-1 do DL n.º 104/97, de 29/4), sendo a Recorrida uma pessoa colectiva (sociedade comercial) de direito privado;</font><br> <font> O objecto do litígio consiste na determinação e efectivação da responsabilidade contratual da Recorrente, com fundamento em incumprimento de contrato-promessa de compra e venda de imóvel, com pedido de execução específica ou devolução do sinal e indemnização;</font><br> <font>O art. 4º, n.º1, al. f), do ETAF estabelece competir aos tribunais da jurisdição administrativa a apreciação de litígios que tenham por objecto “</font><i><font>Questões relativas à interpretação, validade e execução de contratos de objecto passível de acto administrativo, de contratos especificamente a respeito dos quais existam normas de direito público que regulem aspectos específicos do respectivo regime substantivo, ou de contratos em que pelo menos uma das partes seja uma entidade pública ou um concessionário que actue no âmbito da concessão e que as partes tenham expressamente submetido a um regime substantivo de direito público</font></i><font>;</font><br> <font>As Partes nenhuma referência fizeram à submissão da execução contratual a um regime substantivo de direito público, não divergindo no sentido de lhe ser aplicável e consequentemente, dever ser apreciado segundo as normas da lei civil ordinária.</font><br> <br> <font>Neste contexto, a Recorrente, sem pôr em causa a não enquadrabilidade da questão decidenda na acção na previsão das duas primeiras hipóteses contempladas no preceito – questões relativas a contratos de objecto passível de acto administrativo e questões relativas a contratos especificamente a respeito dos quais existam normas de direito público que regulem aspectos específicos do respectivo regime substantivo -, insere-a no segmento final do preceito enquanto “contrato em que pelo menos uma das partes seja uma entidade publica ou um concessionário que actue no âmbito da concessão e que as partes tenham expressamente submetido a um regime substantivo de direito publico”.</font><br> <font>Necessário será apenas, e também suficiente, na perspectiva da Recorrente, ser entidade pública uma das partes, como </font><i><font>in</font></i><font> </font><i><font>casu</font></i><font> sucede.</font><br> <font>Assim, concretizando melhor, será desnecessário o acto das partes de submissão do contrato um regime substantivo de direito público.</font><br> <br> <br> <font>4. 4. - O ponto em discussão fica, então, circunscrito à questão de saber se cabem na previsão da parte final da al. f) os contratos submetidos a um regime substantivo de direito privado, pela única circunstância de um dos sujeitos ser uma entidade pública, desinteressando estender a discussão às outras situações contempladas no artigo e na alínea.</font><br> <br> <font>A doutrina administrativista vem afirmando, ao que sabemos sem divergências, que a al. f) do n.º 1 do art. 4º contempla, para efeito de atribuição de competência á jurisdição administrativa, três categorias ou espécies de contratos administrativos, identificáveis segundo um critério substantivo ou de materialidade administrativa.</font><br> <font>Assim, sem os designar conceptualmente como contratos administrativos, a lei engloba numa primeira categoria os “contratos de objecto passível de acto administrativo”, isto é, aqueles cujos efeitos poderiam também ser alcançados por acto administrativo, na segunda inclui os contratos especificamente regulados por normas de direito público, ou seja, os contratos administrativos típicos e, finalmente, na terceira categoria, acolhe os “contratos que as partes tenham expressamente submetido a um regime substantivo de direito público” pelas partes, uma das quais, pelo menos, seja uma entidade pública ou um concessionário a actuar no âmbito da concessão, os denominados “</font><i><font>contratos administrativos atípicos</font></i><font>”, sem objecto passível de acto administrativo (cfr., sobre o ponto, FREITAS DO AMARAL e AROSO DE ALMEIDA, “</font><i><font>Grandes Linhas da Reforma do Contencioso Administrativo</font></i><font>”, 34/35 e 39 e ss.; FERREIRA DE ALMEIDA, “</font><i><font>Direito Processual Civil</font></i><font>”, I, 321; M. AROSO DE ALMEIDA, “</font><i><font>O Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos</font></i><font>”, 104 e ss; MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA e RODRIGO ESTEVES DE OLIVEIRA; “</font><i><font>Código de Processo nos Tribunais Administrativos</font></i><font>”, 53 e ss.; e, SÉRVULO CORREIA, “</font><i><font>Direito do Contencioso Administrativo</font></i><font>”, I, 715/716).</font><i><font> </font></i><br> <br> <font>Referindo-se especialmente a esta última categoria, escreve, muito impressivamente, Aroso de Almeida (</font><i><font>loc. cit</font></i><font>. 105), também citado no acórdão impugnado: “</font><font>O que, nessa última parte, o preceito tem, quanto a nós, em vista é cobrir os contratos administrativos atípicos sem objecto pas­sível de acto administrativo - isto é, contratos que não visam subs­tituir a emissão de um acto administrativo nem correspondem a um tipo específico, legalmente previsto e regulado, mas que correspondem ao conceito genérico de contrato administrativo que o CPTA enuncia no seu art. 178º, n.º1 - mas só desde que as partes os tenham expressamente submetido a um regime substantivo de direito público. </font><br> <font>Com o art. 4 °, n.º 1 alínea f), o ETAF, evitando propositadamente a fórmula "</font><i><font>contrato</font></i><font> </font><i><font>administrativo</font></i><font>", procura </font><i><font>densificar</font></i><font> o conceito através da referência a cada um dos três elementos que o integram, ou seja, às três categorias em que a figura se desdobra: contratos típicos, contratos atípicos com objecto passível de acto administrativo e contratos atípicos com objecto passível de contrato de direito privado. </font><br> <font>Como é sabido, é exclusivamente em relação a contratos pertencentes à terceira e última destas categorias que tradicionalmente se colocam dificuldades quanto a saber se determinado contrato deve ser qualificado como um contrato administrativo ou como um contrato de direito privado. Por conseguinte, é apenas em rela­ção a essa terceira categoria que o ETAF inova, ao fazer depender a competência dos tribunais administrativos para julgar questões relativas à interpretação, validade e execução de contratos adminis­trativos atípicos do requisito de as partes terem expressamente submetido o contrato a um regime substantivo de direito público. </font><br> <font>Como já noutra ocasião se fez notar, ao </font><i><font>objectivizar</font></i><font>, deste modo, o critério tradicional, o ETAF pretendeu introduzir alguma clareza neste domínio, dele afastando a aplicação de critérios ambíguos. Com o que, a nosso ver, dá um decisivo contributo para a própria clarificação do conceito de contrato administrativo, que deve passar pelo reconhecimento de que os contratos atípicos cujo objecto pudesse ser objecto de um contrato de direito privado só devem ser qualificados como contratos administrativos - com a conse­quente submissão à apreciação cios tribunais administrativos em caso de litígio - quando as partes expressamente lhe atribuam essa natureza, através da submissão do contrato à aplicação de normas de direito público. E, portanto, pelo reconhecimento de que, na ausência de tal estipulação expressa, os contratos atípicos que não tenham objecto passível de acto administrativo devem deixar de ser qualificados como contratos administrativos</font><font>”.</font><br> <font> </font><br> <font> Convergentemente, ESTEVES DE OLIVEIRA (</font><i><font>ob. cit., </font></i><font>57), depois de afirmar serem “</font><font>igualmente administrativos, nos termos da al. f) os contratos que as partes tenham expressamente submetido a um regime substantivo de direito administrativo, mesmo que não houvesse lei a prevê-lo – o que significa que a vontade das partes passa a ser também fonte de administratividade do contrato</font><font>”</font><font>, acrescenta ser ainda “</font><font>necessário que uma das partes tenha </font><i><font>capacidade específica de vinculação jurídico-administrativa</font></i><font>”, para concluir ser “</font><font>necessário que as partes se tenham remetido (expressa e) </font><i><font>capazmente </font></i><font>para um regime destes</font><font>”.</font><br> <br> <font> Também na Jurisprudência, o acórdão do Tribunal dos Conflitos, de 04/11/2009 – proc. n.º 013/09, chamado a dirimir um conflito negativo de jurisdição em processo cujo objecto era uma questão de incumprimento de contrato intentada por uma sociedade comercial contra uma empresa pública, em situação análoga, se não mesmo identificável com a deste recurso, depois de ponderar que na al. f) do art. 4º estão previstos os “contratos administrativos”, porque o contrato em causa não era regulado por normas de direito público, “apesar de uma das partes ser uma empresa pública, a verdade é que as partes não submeteram o contrato a um regime substantivo de direito público” e, por isso, não emergindo o contrato de uma relação contratual de direito administrativo (al. f)), concluiu-se que a lei não atribuía a competência para julgar a causa aos Tribunais Administrativos.</font><br> <br> <font> </font><br> <font>Pode, assim, concluir-se que relevante será, então, como decorre da natureza substantiva ou material do critério adoptado na alínea f), a existência de convenção das partes no sentido da submissão do contrato a um regime material de direito administrativo, obviamente desde que uma delas, pelo menos, tenha a necessária capacidade para o efeito (ente público), que não a mera intervenção o ente público como sujeito da relação contratual. Esta é necessária, mas a montante, como condição de “capacidade específica de vinculação” na estipulação remissiva de atribuição de administratividade substantiva ao contrato.</font><br> <br> <br> <br> <font>4. 5. - Resta referir, respondendo agora directamente à argumentação da Recorrente fundada nas propostas de lei que estiveram na origem do ETAF, primeiro da Lei n.º 13/2002 (proposta 93/VIII) e depois da Lei n.º 107-D/2003 (proposta 102/IX), que não só o conteúdo das mesmas autoriza, ao menos a nosso ver, a afirmação vertida na conclusão 4ª, pois que anunciar-se que “</font><i><font>A jurisdição administrativa passa também a ser competente para a apreciação de todas as questões relativas a contratos celebrados por pessoas colectivas de direito público (…)</font></i><font>” não é o mesmo que atribuir essa competência “</font><i><font>para as questões relativas a contratos em que, pelo menos, um dos contraentes seja uma entidade pública, independentemente de terem submetido o contrato a um regime de direito público ou de direito privado (…)</font></i><font>”, desde logo porque no texto da proposta se aludiu a contratos “celebrados </font><u><font>por</font></u><font> </font><u><font>pessoas</font></u><font> colectivas de direito público” e não a contratos em que </font><u><font>um</font></u><font> </font><u><font>dos</font></u><font> </font><u><font>sujeitos</font></u><font> seja ente público, como também a alínea f) foi objecto de alteração pela dita Lei n.º 107-D/2003 sem qualquer específica referência do legislador no sentido do entendimento proposto pela Recorrente.</font><br> <font>Acresce que a Recorrente não tem em conta a segunda parte do texto do parágrafo que invoca, donde resulta coisa bem diferente da que pretende, sendo que, de qualquer maneira, a interpretação por si proposta seria ainda menos defensável no domínio da redacção inicial do ETAF 2002, pois que o segmento do preceito ora em discussão nem sequer aludia ao requisito condicionante de um dos sujeitos do contrato ser uma entidade pública, que a Recorrente pretende ver erigido a pressuposto único da determinação da competência, mas, bem ao contrário, previa (como continua a prever) claramente, mas </font><u><font>apenas</font></u><font>, o pacto de atribuição de administratividade material ao regime do contrato, ao estabelecer como requisito </font><u><font>único</font></u><font> “que as partes tenham expressamente submetido a um regime substantivo de direito público”.</font><br> <br> <font>Com a alteração da redacção introduzida em 2003 ter-se-á procurado deixar claro que ficava subtraída à jurisdição administrativa a apreciação de matéria relativa a contratos celebrados entre sujeitos privados, mesmo quando remetessem para regimes substantivos de direito público, litígios cujo objecto extravasa a genérica previsão do art. 1º-1 do ETAF e das normas Constitucionais (art. 212º-3, cit.) com que a norma de direito ordinário tem de conformar-se e à luz das quais tem de ser interpretada.</font><br> <br> <font> </font><br> <font> </font><br> <font>4. 6. - Mantêm-se, consequentemente, as </font><b><font>conclusões</font></b><font> acima avançadas, assim sintetizáveis: </font><br> <font>- Necessária para atribuição da competência à jurisdição administrativa para a apreciação de litígios relativos a contratos, ao abrigo da norma constante do último segmento do art. 4º-1-f) do ETAF, é sempre a convenção das partes no sentido da submissão do contrato a um regime material de direito administrativo, concedendo-lhe natureza administrativa substantiva;</font><br> <font>- Cabe aos tribunais judiciais comuns, como jurisdição de competência genérica ou residual, o conhecimento do litígio emergente do incumprimento de um contrato-promessa de compra e venda de imóvel, celebrado entre uma sociedade comercial e uma empresa pública, não submetido pelas partes a um regime de direito substantivo público.</font><br> <br> <br> <br> <br> <font> 5. - Decisão.</font><br> <br> <font> Em conformidade com o exposto, acorda-se em:</font><br> <font> - Julgar improcedente o recurso;</font><br> <font> - Confirmar a decisão impugnada; e</font><br> <font> - Condenar a recorrente nas custas.</font><br> <br> <font> </font><br> <br> <font>Supremo Tribunal de Justiça,</font><br> <br> <font>Lisboa, 21 Setembro de 2010. </font><br> <br> <br> <font>Alves Velho (relator)</font><br> <font>Moreira Camilo</font><br> <font>Urbano Dias </font><br> <font> </font><br> <font> </font></font>
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CjKku4YBgYBz1XKvPyaS
1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font> <p><font>ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES QUE CONSTITUEM O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA</font><a><u><font>[1]</font></u></a><font>:</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>AA e esposa, BB, propuseram a presente acção declarativa, com processo comum, sob a forma ordinária, contra CC e esposa, DD, e EE e esposa, FF, todos, suficientemente, identificados nos autos, pedindo que, na sua procedência, os réus sejam condenados a demolirem, a expensas suas, as obras efectuadas nas partes comuns do prédio urbano, em regime de propriedade horizontal, localizado na Rua …, nº …, em Ourém, e a reporem o mesmo, no estado em que antes se encontrava, invocando, para tanto, que adquiriram, no dia 18 de Fevereiro de 1985, e habitarem a fracção … daquele prédio, constituído por seis fracções autónomas, identificadas de … a …, que tem, em toda a parte frontal, ao nível do 2º andar, um terraço que serve de cobertura à parte correspondente do 1º andar, sendo certo que os réus CC e cônjuge, que adquiriram a fracção …, no dia 3 de Agosto de 1987, e EE e cônjuge, que adquiriram a fracção …, no dia 7 de Outubro de 1999, procederam à abertura, nas respectivas fracções, de uma porta para o terraço, fecharam a porta que lhe dava acesso pelas escadas interiores do prédio, impedindo, assim, os restantes condóminos de lhe aceder, tendo ainda efectuado uma cobertura no terraço, vedando parte dele, em sistema de marquise, de modo a deixar de haver claridade, no interior do prédio, que antes entrava pelo envidraçado do terraço, sendo agora necessário, para circular pelas escadas comuns, usar a luz eléctrica, tanto de noite como de dia.</font> </p><p><font>Na contestação, os réus EE e cônjuge alegam que não fizeram quaisquer obras na sua fracção, mas antes que as mesmas foram realizadas pelo anterior proprietário e construtor do prédio, GG, tendo consistido apenas na cobertura da varanda, sendo certo que, na escritura de constituição da propriedade horizontal, consta que a sua fracção é constituída por uma varanda, não se encontrando nela qualquer referência ao terraço, e que o espaço físico indicado pelos autores não é um terraço de cobertura, mas um terraço intermédio, que não se incluiu nas partes comuns do edifício. </font> </p><p><font>Em sede reconvencional, a que imprimiram carácter subsidiário, os réus EE e cônjuge pedem a declaração de aquisição, por usucapião, do espaço físico que os autores designam por terraço, alegando, para o efeito, que, por si e seus antecessores, GG e cônjuge, HH, estão na posse daquele espaço, por forma exclusiva, em nome próprio, sem oposição, nem interrupção, à vista de toda a gente, e de boa fé.</font> </p><p><font>Por seu turno, os réus CC e cônjuge, na sua contestação, alegam, em síntese, que, no prédio, nunca existiu qualquer terraço, mas que, há 17 ou 18 anos, em virtude de os autores reclamarem, junto do construtor GG, a existência de infiltrações de água pela varanda superior à sua fracção, tapou a mesma com uma estrutura de madeira e cobertura em telha, e, continuando a acontecer as infiltrações, procederam a obras de resguardo do parapeito da varanda, com a tipologia de marquise, que foram licenciadas pela Câmara Municipal, em 1995. </font> </p><p><font>Em reconvenção, estes réus CC e cônjuge pediram a condenação dos autores a reconhecer que são os únicos donos e legítimos possuidores da fracção E, com todos os seus pertences, incluindo a varanda e/ou espaço que aqueles designam por terraço, com fundamento no facto de possuírem aquele espaço, em nome próprio, à vista de toda a gente, ininterruptamente, sem oposição e de boa fé, tendo-o adquirido por usucapião.</font> </p><p><font>Foi admitido, a requerimento dos autores, a intervenção principal provocada passiva de GG e cônjuge, HH, que ofereceram articulado próprio de contestação.</font> </p><p><font>A sentença absolveu os chamados do pedido e os autores dos pedidos reconvencionais, mas condenou os primitivos réus, CC e cônjuge, DD, e EE e cônjuge, FF, a expensas suas e, no prazo de 90 dias, contado do trânsito em julgado desta sentença, a procederem à demolição das marquises que se encontram implantadas no terraço de cobertura, contíguo às fracções E e F), a que correspondem os segundo andar direito e segundo andar esquerdo, respectivamente, do prédio urbano, sito na Rua …, nº …, em Ourém, e a taparem as aberturas que fizeram, em cada uma das suas fracções E e F, desde o respectivo interior para os terraços de cobertura, por forma a que, onde agora existem portas, passem a existir janelas, tal como ilustrado na planta junta aos autos a folhas 25.</font> </p><p><font>Desta sentença, os réus CC e esposa interpuseram recurso de apelação, que foi julgado deserto, relativamente aos réus EE e esposa, tendo o Tribunal da Relação julgado, parcialmente, procedente aquele recurso de apelação dos réus CC e esposa, DD, e, consequentemente, revogou a sentença impugnada, na parte em que absolveu os autores AA e esposa, BB, do pedido reconvencional por eles deduzido, absolvendo, porém, estes últimos da instância reconvencional, mantendo, quanto ao mais, a decisão impugnada.</font> </p><p><font>Do acórdão da Relação de Coimbra, os mesmos réus CC e esposa, DD, interpuseram agora recurso de revista, terminando as alegações com a formulação das seguintes conclusões que, integralmente, se transcrevem:</font> </p><p><font>1ª - Da escritura de constituição de propriedade horizontal de 29/11/1983 resulta que a fracção "E", corresponde ao segundo andar direito é composta por duas assoalhadas, cozinha, casa de banho corredor e varanda, com o valor relativo de 13,50% do valor total do prédio.</font> </p><p><font>&nbsp;2</font><sup><font>ª </font></sup><font>- O que prevalece é o consta do título constitutivo de propriedade horizontal, uma vez que o mesmo tem eficácia real, erga omnes.</font> </p><p><font>&nbsp;3</font><sup><font>ª </font></sup><font>- Contra este entendimento, não se invoque o disposto no n° 3 do art. 1418 do Código Civil, porque tal normativo não existia à data da constituição da propriedade horizontal dos autos.</font> </p><p><font>4ª - No caso concreto, a escritura de constituição de propriedade horizontal, preenche os requisitos legais do artigo 1418 do CC vigente à data, não podendo ser considerada nula com base numa norma cuja entrada em vigor ocorreu em momento posterior.</font> </p><p><font>5ª </font><sup><font>&nbsp;</font></sup><font>- Por&nbsp; outro&nbsp;&nbsp; lado,&nbsp;&nbsp; os&nbsp;&nbsp; projectos&nbsp; de&nbsp;&nbsp; arquitectura&nbsp; foram, &nbsp;apreciados&nbsp;&nbsp; pela&nbsp;&nbsp; Câmara Municipal de Ourém, à luz das regras do direito do urbanismo e do ordenamento do território e não, de acordo com as normas aplicáveis às relações jurídicas entre particulares.</font> </p><p><font>6</font><sup><font>ª </font></sup><font>- Não podendo ser convocados para sustentar qualquer decisão nos presentes autos.</font> </p><p><font>7</font><sup><font>ª </font></sup><font>- Com efeito, naquela altura era irrelevante a afectação das coisas assinalada no projecto de arquitectura.</font> </p><p><font>8</font><sup><font>ª </font></sup><font>- Aliás, a manter-se o acórdão perguntar-se-á então, onde se situa a varanda que os recorrentes adquiriram e que consta dos títulos.</font> </p><p><font>9ª - Mais, na decisão em recurso afirma-se que uma varanda é "a obra saliente do paramento exterior a fachada ao nível de portas ou janelas que estabelecem a comunicação com o interior dotada de guarda, grade ou balaustrada".</font> </p><p><font>10ª - Dos documentos n°s 1 e 2 que se juntam, e do projecto do alçado lateral esquerdo, constata-se que, o espaço em causa tem de ser qualificado como varanda.</font> </p><p><font>11ª - Trata-se de uma obra, com uma parte saliente à fachada do prédio com grades de protecção, tendo a mesma comunicação através de uma janela da fracção "E".</font> </p><p><font>12ª - E, contra este entendimento, não se diga que o acesso ao referido espaço era assegurado por duas portas situadas no topo das escadas interiores do edifício que dão acesso a todas as fracções autónomas.</font> </p><p><font>13ª - Esta argumentação é falaciosa, uma vez que num prédio com vários andares, todas as entradas para as fracções autónomas se fazem, habitualmente, pelas escadas interiores,</font> </p><p><font>14ª - Sendo certo que em nenhuma das disposições legais que regulam a propriedade horizontal se proíbe a possibilidade de uma fracção autónoma ser dotada de duas portas distintas.</font> </p><p><font>15ª - Assim, sendo a varanda é parte integrante da fracção autónoma dos recorrentes, aplica-se o preceituado no artigo 1422° do CC.</font> </p><p><font>16ª - A construção da marquise foi efectuada pelos RR no ano de 1995.</font> </p><p><font>17ª - Assim, aplica-se o n° 2 do artigo 1422° do Código Civil, com a redacção introduzida pelo Decreto-Lei n° 267/94 de 25 de Agosto, onde apenas se prevê que é especialmente vedado aos condóminos prejudicar, com obras, a linha arquitectónica ou arranjo estético do edifício.</font> </p><p><font>18ª - As obras efectuadas pelos recorrentes não colidem com este preceito legal. Senão vejamos:</font> </p><p><font>19ª - Na verdade, o único espaço com características idênticas à varanda dos RR é, precisamente, a varanda dos co-Réus, que também foi fechada em marquise.</font> </p><p><font>20ª - Sendo que, as construções foram efectuadas, para prevenir as humidades e condensações nos andares inferiores do prédio, no topo do edifício e apresentam-se enquadradas de forma harmoniosa na fachada do edifício.</font> </p><p><font>21ª - Por conseguinte, nunca se poderá afirmar que prejudicaram os proprietários das demais fracções.</font> </p><p><font>22ª - Acresce que, no n° 3 daquela norma prevê-se ainda que "as obras que modifiquem a linha arquitectónica ou o arranjo estético do edifício podem ser realizadas se para tal se obtiver prévia autorização da assembleia de condóminos, aprovada pela maioria representativa de dois terços do valor total do prédio".</font> </p><p><font>23ª - À data da realização das mesmas os recorrentes eram proprietários das fracções "A" e "E" do prédio e os proprietários das fracções "B" e "F" consentiram na sua realização.</font> </p><p><font>24ª - O valor total do prédio que estas quatro fracções representam cifra-se em 63,50%.</font> </p><p><font>25ª - A este valor terá de acrescer a percentagem de 18,25% da fracção "C" do prédio,</font> </p><p><font>26ª - Pois em 01/01/1999 o proprietário desta fracção anuiu e confirmou a obra (ratificação tácita) efectuada pelos recorrentes.</font> </p><p><font>27ª - Pelo exposto, conclui-se que o local onde os recorrentes efectuaram as obras deve ser qualificado como fazendo parte integrante da sua fracção autónoma e que tais obras foram efectuadas com a aprovação de dois terços do valor total do prédio, pelo que, inexiste qualquer ilegalidade que possa sustentar a sua demolição.</font> </p><p><font>28ª - Sem prescindir, sempre se dirá que, sendo o título constitutivo de propriedade horizontal parcialmente nulo, importa proceder à aplicação do disposto no artigo 293° do Código Civil, convolando-o.</font> </p><p><font>29ª - O título constitutivo deve ser modificado de acordo com a vontade que o outorgante teria se tivesse previsto a sua desconformidade com o disposto no artigo 1421° do CC.</font> </p><p><font>30ª - Assim, tendo o construtor/primitivo proprietário do prédio, GG (e mulher) considerado que tal espaço integrava a fracção autónoma, caso o mesmo tivesse previsto a nulidade deste acto, sempre teria afectado o mesmo ao uso exclusivo dessa fracção "E".</font> </p><p><font>31ª - Este entendimento suporta-se, no texto da escritura pública de constituição de propriedade horizontal, no documento camarário que atesta a conformidade do edifício aos requisitos da propriedade horizontal, ainda no alvará de licença de utilização n° 220-A de 1983 emitido pela Câmara Municipal de Ourém, onde se menciona que o referido terraço se encontra adstrito à fracção da propriedade dos recorrentes (fls. 324 dos autos), no facto de o logradouro ter sido afectado ao uso exclusivo das fracções do rés-do-chão e na actuação do mesmo que também fechou a varanda em marquise.</font> </p><p><font>32ª - Desta feita, as obras efectuadas pelos recorrentes integram-se no disposto no n° 1 do artigo 1425° do CC, dependendo da aprovação de dois terços do valor total do prédio.</font> </p><p><font>33ª – O Tribunal de Primeira Instância apenas menciona que as obras não foram aprovadas pela totalidade dos condóminos.</font> </p><p><font>34ª - Por conseguinte, há, nesta matéria uma relevante omissão de pronúncia.</font> </p><p><font>35ª - Mais, dos elementos de prova constantes dos autos resulta que para além dos recorrentes, anuíram na realização das obras de cobertura do terraço, os proprietários das fracções "B" e "F" (cfr. fls 306 e 307 dos autos).</font> </p><p><font>36ª - Acresce que, para além de ser proprietário da fracção "E", a data da realização das obras, os recorrentes eram também proprietários da fracção autónoma designada pela letra "A".</font> </p><p><font>37ª - Assim, do somatório do valor relativo das fracções "B", "F", "E" e "A" resulta um valor de 63,50% do total do prédio.</font> </p><p><font>38ª - Mas, o proprietário da fracção "C" também ratificou e confirmou as obras, pelo menos em 1999.</font> </p><p><font>39ª - Assim, apesar das obras não terem sido objecto de discussão em assembleia de condóminos, foram objecto de ratificação pelos demais condóminos, com respeito pela maioria qualificada de dois terços.</font> </p><p><font>40ª - Sem embargo, caso se considere que o título é parcialmente nulo, importa esclarecer que na escritura de aquisição da fracção a favor dos RR consta claramente que estes adquiriram o segundo andar direito do prédio com a área de 71 metros quadrados.</font> </p><p><font>41ª - Sendo 48 metros quadrados de superfície coberta e 23 metros quadrados de área descoberta, conforme consta da certidão de teor matricial de fls 14 a 16 dos autos.</font> </p><p><font>42ª - Documento este que era do conhecimento dos RR, na medida em que instrui a escritura de compra e venda outorgada em 03/08/1987.</font> </p><p><font>43ª - Para além disso, figurando uma varanda no título de constituição de propriedade horizontal como fazendo parte integrante da fracção e sendo esta anterior à aquisição dos RR, estes adquiriram a fracção com a fundada convicção de que da mesma fazia parte a varanda.</font> </p><p><font>44ª - Assim, actuando de boa fé, adquiriam a título oneroso a propriedade daquela área descoberta.</font> </p><p><font>45ª - Razão pela qual, qualquer declaração de nulidade, não lhes é ou será oponível, por força do disposto no artigo 291° do CC.</font> </p><p><font>46ª - Na verdade, os recorrentes são terceiros de boa fé, em relação aos demais condóminos do prédio. Porquanto:</font> </p><p><font>47ª - Adquiriram a fracção com uma varanda e procederam ao respectivo registo da aquisição na Conservatória do Registo Predial de Ourém.</font> </p><p><font>48ª - Assim, estamos perante duas aquisições sobre a mesma parte do imóvel, sendo, portanto os recorrentes qualificados como terceiros.</font> </p><p><font>49ª - Pelo que a nulidade do título, com fundamento de que a parte descoberta da fracção autónoma é parte comum do prédio, não lhes poderá ser oponível, pois os ora recorrentes desconheciam essa nulidade.</font> </p><p><font>50ª - Mais, os presentes autos, nem sequer foram iniciados nos três anos seguintes à conclusão do negócio.</font> </p><p><font>51ª - Assim se conclui que a decisão recorrida violou por erro de interpretação e aplicação o disposto nos artigos, 291°, 293°, 1418°, 1422° e 1425°, todos do Código Civil.</font> </p><p><font>Nas suas contra-alegações, os autores sustentam que a revista deve ser julgada, totalmente, improcedente, mantendo-se a decisão recorrida.</font> </p><p><font>O Tribunal da Relação entendeu que se devem considerar demonstrados os seguintes factos, que este Supremo Tribunal de Justiça aceita, nos termos das disposições combinadas dos artigos 722º, nº 2 e 729º, nº 2, do Código de Processo Civil (CPC), mas reproduz:</font> </p><p><font>&nbsp;1. No dia 29 de Novembro de 1983, na Secretaria Notarial de Vila Nova de Ourém, GG e mulher, HH, declararam o seguinte: </font><br> <font>«Que são donos e legítimos possuidores de um prédio urbano de rés-do-chão, primeiro e segundo andares, situado na Rua …, nesta vila, freguesia e concelho de Vila Nova de Ourém, descrito na Conservatória do Registo Predial deste concelho, sob o número vinte e seis mil e cinquenta e dois, (…); </font> </p><p><font>«Que o referido prédio satisfaz todos os requisitos para nele ser constituída a propriedade horizontal, sendo composto pelas seguintes seis fracções autónomas, independentes, distintas e isoladas, entre si: </font> </p><p><font>«Fracção A - rés-do-chão direito (…); </font> </p><p><font>«Fracção B - rés-do-chão esquerdo (…); </font> </p><p><font>«Fracção C - primeiro andar direito (…); </font> </p><p><font>«Fracção D - primeiro andar esquerdo, composto por três assoalhadas, cozinha, casa de banho, corredor e varanda, com o valor relativo de dezoito vírgula vinte e cinco do valor total do prédio (…); </font> </p><p><font>«Fracção E - segundo andar direito, composto por duas assoalhadas, cozinha, casa de banho, corredor e varanda, com o valor relativo de treze vírgula cinco do valor total do prédio (…); </font> </p><p><font>«Fracção F - segundo andar esquerdo, composto por duas assoalhadas, cozinha, casa de banho, corredor e varanda, com o valor relativo de treze vírgula cinco do valor total do prédio (…); </font> </p><p><font>«Que todas as referidas fracções se destinam a habitação». </font> </p><p><font>«Que o logradouro do prédio com cerca de setenta e cinco metros quadrados pertence exclusivamente às duas fracções do rés-do-chão, metade para cada uma». </font> </p><p><font>«Que, pela presente escritura, instituem no prédio o regime de propriedade horizontal, com as seis fracções autónomas que ficaram individualizadas, todas com saída própria para uma parte comum do prédio» (certidão da escritura de constituição de propriedade horizontal relativa ao prédio, sito na Rua ..., n° … - A, em Ourém, junta aos autos de fls. 26 a 28, dada por, integralmente, reproduzida e alínea G) da matéria assente).&nbsp; </font> </p><p><font>2. O prédio urbano, sito na Rua ..., nº … - A, em Ourém, encontra-se inscrito, na Repartição de Finanças de Ourém, composto por rés-do-chão, esquerdo e direito; primeiro andar, esquerdo e direito e segundo andar, esquerdo e direito, sendo o primeiro andar esquerdo composto por três assoalhadas, cozinha, casa de banho, corredor e varanda; o segundo andar direito, por duas assoalhadas, cozinha, casa de banho, corredor e varanda e o segundo andar esquerdo, por duas assoalhadas, cozinha, casa de banho, corredor e varanda (teor da certidão emitida pela Repartição de Finanças de Ourém, junta aos autos a fls. 14 a 16, relativamente ao prédio urbano, sito na Rua ... nº … - A, em Ourém e alínea B) da matéria assente). </font> </p><p><font>3. Na Conservatória do Registo Predial de Ourém, encontra-se descrito, sob o nº …, o prédio urbano, sito na Rua ... nº … - A, rés-do-chão, primeiro e segundo andares, a confrontar do Norte, com II, do Nascente, com Rua ..., do Sul, com JJ, e do Poente, com o Bairro …, inscrito na matriz, sob o artigo …, e, em regime de propriedade horizontal, inscrita, desde 28 de Agosto de 1984, sendo constituído pelas fracções …, …, … e …, com a permilagem de 18,25%, cada, e pelas fracções … e …, com a permilagem de 13,50%, cada (teor da certidão emitida pela Conservatória do Registo Predial de Ourém, relativa ao prédio urbano, sito na Rua ..., nº …- A, em Ourém, dado por reproduzido, e alínea A) da matéria assente). </font> </p><p><font>4. O primeiro andar esquerdo deste edifício encontra-se inscrito, na mesma Conservatória do Registo Predial de Ourém, em nome dos autores AA e mulher, BB, desde 11 de Setembro de 1984, «por compra a GG e mulher, HH» (teor da certidão emitida pela Conservatória do Registo Predial de Ourém, relativa ao prédio urbano, sito na Rua ..., n° … – A, em Ourém, dado por reproduzido, e alínea A) da matéria assente). </font> </p><p><font>5. O segundo andar esquerdo deste edifício encontra-se inscrito, na mesma Conservatória do Registo Predial de Ourém, em nome dos réus EE e mulher, FF, desde 23 de Junho de 2000, «por compra a GG e mulher, HH» (teor da certidão emitida pela Conservatória do Registo Predial de Ourém, relativa ao prédio urbano, sito na Rua ..., na … – …, em Ourém, dado por reproduzido, e alínea A) da matéria assente). </font> </p><p><font>6. O segundo andar direito deste edifício destina-se a habitação e encontra-se inscrito, na mesma Conservatória do Registo Predial de Ourém, em nome dos réus KK e mulher, DD, desde 7 de Maio de 1987, «por compra a GG e mulher, HH» (teor da certidão emitida pela Conservatória do Registo Predial de Ourém, relativa ao prédio urbano, sito na Rua ..., n° …, em Ourém, dado por reproduzido, e alínea A) da matéria assente). </font> </p><p><font>7. Em reunião ordinária privada da Câmara Municipal de Ourém, realizada no dia 6 de Setembro de 1983, aquela entidade certificou que as fracções autónomas …, …, .., …, .. e .. do prédio urbano, sito na Rua ..., n" .. ., em Ourém, a que aludem as alíneas A), B) e G) da matéria assente, são independentes, distintas entre si, todas com saída própria para uma parte comum do prédio, cada uma delas, com a composição já descrita naquelas alíneas A), B) e G) da matéria assente (cópia de parte da acta de reunião ordinária privada da Câmara Municipal de Ourém, realizada no dia 6 de Setembro de 1983, dada por reproduzida, e alínea J) da matéria assente). </font> </p><p><font>8. No dia 18 de Janeiro de 1985, no Cartório Notarial de Vila Nova de Ourém, GG e mulher, HH, declararam vender aos autores AA e mulher, BB, os quais declararam comprar àqueles, pela importância de 1.700.000$00, a fracção autónoma, designada pela letra «D», correspondente ao primeiro andar esquerdo do prédio urbano, afecto ao regime de propriedade horizontal, identificado em A) da matéria assente (certidão da escritura pública de compra e venda e mútuo com hipoteca, de fls. 17 a 19, dada por reproduzida, e alínea C) da matéria assente). </font> </p><p><font>9. No dia 3 de Agosto de 1987, nas instalações da Caixa Geral de Depósitos de Ourém e perante o Notário, GG e mulher, HH, declararam vender aos réus CC e mulher, DD, os quais declararam comprar àqueles, pela importância de 1.800.000$00, a fracção autónoma, designada pela letra «E», correspondente ao segundo andar direito do prédio urbano, afecto ao regime de propriedade horizontal, identificado em A) da matéria assente (certidão da escritura pública de compra e venda e mútuo com hipoteca, de fls. 20 e 21, dada por reproduzida, e alínea D) da matéria assente). </font> </p><p><font>10. No dia 7 de Outubro de 1999, na Secretaria Notarial de Tomar, GG e mulher, HH, declararam vender aos réus EE e mulher, FF, os quais declararam comprar àqueles, pela importância de 3.500.000$00, a fracção autónoma, designada pela letra «…», correspondente ao segundo andar esquerdo do prédio urbano, afecto ao regime de propriedade horizontal, identificado em A) da matéria assente (certidão da escritura pública de compra e venda e mútuo com hipoteca, de fls. 22 a 24, dada por reproduzida, e alínea E) da matéria assente). </font> </p><p><font>11. A Câmara Municipal de Ourém emitiu, em nome de CC, o alvará de licença de utilização, para habitação, de fracção autónoma, designada pela letra «…», correspondente ao segundo andar direito do prédio urbano, sito na Rua ..., nº …, em Ourém, em 28 de Novembro de 1995 (cópia do documento, junto aos autos a fls. 69, dado por, integralmente, reproduzido, e alínea K) da matéria assente). </font> </p><p><font>12. Dou por, integralmente, reproduzido o teor do documento de fls. 25 - planta relativa ao segundo andar do prédio urbano, aludido em A) e B) da matéria assente (alínea F) da matéria assente). </font> </p><p><font>13. No projecto camarário nº 2427/81, que previa a ampliação do edifício com a construção de um segundo andar, em alteração ao projecto inicial, com o nº 817/78, que previa a construção de um edifício de rés-do-chão e primeiro andar, este segundo andar apresenta-se recuado em relação ao primeiro andar e ao rés-do-chão (resposta ao nº 1 da base instrutória). </font> </p><p><font>14. Existem dois terraços, previstos no projecto camarário nº 735/82, este de alterações ao projecto nº 2427/81, sendo um, do lado esquerdo e outro, do lado direito, ao nível do alçado principal do edifício e do respectivo segundo andar, ocupando toda a parte frontal do mesmo (resposta ao n° 2 da base instrutória). </font> </p><p><font>15. Esses terraços servem de cobertura à parte correspondente do primeiro andar (resposta ao n° 3 da base instrutória). </font> </p><p><font>16. O acesso a tais terraços fazia-se pelas escadas interiores que dão acesso a todas as fracções do edifício (resposta ao nº 4 da base instrutória). </font> </p><p><font>17. No cimo destas escadas, existiam e existem duas portas, que, quando tinham uma parte em vidro, propiciavam a entrada de luz e claridade para o interior das escadas de acesso a todas as fracções (resposta ao nº 5 da base instrutória). </font> </p><p><font>18. Os réus CC e DD procederam à realização de obras de fecho do parapeito da varanda sobre as fracções do segundo andar (E e F), obras essas consistentes na edificação de marquise (alínea L) da matéria assente).</font> </p><p><font>19. GG efectuou obras no espaço aberto, sito no alçado principal do edifício, em frente à fracção …), correspondente ao segundo andar esquerdo, e KK efectuou obras no espaço aberto, sito no alçado principal do edifício, em frente à fracção .., correspondente ao segundo andar direito (resposta ao nº 8 da base instrutória).</font> </p><p><font>20. Procederam, cada um deles, à abertura de uma porta da respectiva fracção para o terraço (resposta ao nº 9 da base instrutória).</font> </p><p><font>21. Que permite agora o acesso directo ao terraço, por cada um das fracções …) e …) (resposta ao nº 10 da base instrutória).</font> </p><p><font>22. Antes dessas obras, não existia ligação directa entre cada uma das fracções … e … (resposta ao nº 14 da base instrutória).</font> </p><p><font>23. Os réus fizeram uma cobertura no terraço e vedaram-no em sistema de marquise (resposta ao n° 19 da base instrutória). </font> </p><p><font>24. Os réus CC e DD procederam à cobertura do terraço, com telha lusa vermelha, o qual está, lateralmente, tapado com janelas de alumínio, dando lugar a uma sala de estar (resposta ao nº 35 da base instrutória).</font> </p><p><font>25. No projecto de construção com o n° 735/82 e antes de terem sido efectuadas as obras, a que aludem os nºs 8 a 10, as fracções do segundo andar do edifício não tinham acesso directo do respectivo interior para cada um dos terraços e, na escritura de constituição em propriedade horizontal, as fracções E e F, correspondentes ao 2º andar esquerdo e direito, têm, cada uma, uma varanda (resposta ao nº 6 da base instrutória).</font> </p><p><font>26. Na escritura de constituição do edifício em propriedade horizontal, os espaços de terraço vedados pelos réus, pela forma descrita em 8 a 10, 19 e 35, estão designados como varandas (resposta ao n° 44 da base instrutória). </font> </p><p><font>27. Depois de terem sido substituídos os vidros das portas, a que alude o nº 5, por alumínio, deixou de existir claridade nas escadas de acesso às fracções do edifício (resposta ao n° 20 da base instrutória). </font> </p><p><font>28. Para se circular agora pelas escadas comuns é necessário usar a luz eléctrica, quer de dia, quer de noite (resposta ao nº 21 da base instrutória).</font> </p><p><font>29. A partir de data não, concretamente, apurada, as portas que, desde o patamar da escada de acesso a todas as fracções, ao nível do segundo andar, davam acesso aos terraços ou varandas, passaram a estar fechadas à chave (resposta ao n° 11 da base instrutória).</font> </p><p><font>30. Antes das obras, o acesso ao terraço era feito pelas escadas comuns e agora é necessário passar pelo interior das fracções … e … (resposta ao nº 13 da base instrutória). </font> </p><p><font>31. Os réus CC e DD apresentaram à Câmara Municipal de Ourém um projecto de licenciamento das obras, a que aludem os nºs 8 a 10 (resposta ao nº 36 da base instrutória). </font> </p><p><font>32. As obras, a que aludem os nºs 8 a 10, da autoria de GG, não foram licenciadas pela Câmara Municipal de Ourém, e que as que foram realizadas por CC não foram, na sua totalidade, autorizadas pela mesma Câmara Municipal (resposta ao n° 23 da base instrutória).</font> </p><p><font>33. As obras levadas a cabo pelos réus não foram autorizadas pela totalidade dos restantes condóminos (resposta ao n° 22 da base instrutória).</font> </p><p><font>34. As obras em apreço nos autos foram levadas a cabo, no ano de 1995, pelo menos (resposta ao nº 24 da base instrutória). </font> </p><p><font>35. Pelo menos, desde 1997, que os autores conhecem as obras levadas a cabo pelos réus GG e CC (resposta ao n° 37 da base instrutória).</font> </p><p><font>36. Os autores passaram por aquele espaço para colocarem no telhado do prédio antenas de televisão e a antena parabólica (resposta ao n° 18 da base instrutória).</font> </p><p><font>37. Desde que compraram as respectivas fracções, os réus vêm utilizando o espaço físico dos terraços e, após terem sido realizadas as obras, a que se referem os nºs 8 a 10 e 35, fazem-no, de forma exclusiva (resposta aos nºs 27 e 45 da base instrutória).</font> </p><p><font>38. Desde há 15 ou 16 anos, os autores começaram a reclamar, junto do construtor do prédio, GG, a existência de infiltrações de água pela varanda da fracção sobre a sua situada (resposta ao nº 30 da base instrutória).</font> </p><p><font>39. A Câmara Municipal de Ourém, em reunião de 2 de Dezembro de 1998, tomou posição sobre um requerimento do condomínio do prédio urbano, sito na Rua ..., n° …, em Ourém, a dar conhecimento de que KK efectuou obras, na parte comum do prédio, sem autorização, e a pedir que as mesmas sejam vistoriadas, nos seguintes termos: </font> </p><p><font>«A Divisão de Habitação e Urbanismo, ouvida sobre o assunto, prestou a seguinte informação: "após várias tentativas para visitar o andar do edifício da Rua ..., nº …, foi hoje possível fazê-lo, pelo que se informa: 1. as obras autorizadas (licença n° …) para o 2° andar Dto. (Fracção …), foram licenciadas com a condição de o requerente obter autorização do condomínio do prédio para a realização das obras constantes do projecto. 2. Verificou-se que não foi respeitado o projecto aprovado, tendo sido coberta e fechada uma área superior à que foi autorizada (mais 6 m2). 3. Verificou-se ainda que no segundo andar esquerdo foram também realizadas obras, à semelhança das que acima se referem. Para o 2° esqº. Não há qualquer licenciamento e com as obras feitas ficou vedado o acesso à cobertura. À consideração superior». </font> </p><p><font>«Parecendo que, de todas as informações colhidas, ressalta que as obras ilegais se situam em partes comuns do edifício, a Câmara entende que a administração do condomínio deverá desenvolver as necessárias diligências para a regularização da situação. Deverão os serviços municipais competentes informar os interessados em conformidade» (documento de fls. 29 a 32, dado por, integralmente, reproduzido, e alínea H) da matéria assente).</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; &nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;*</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Tudo visto e analisado, ponderadas as provas existentes, atento o Direito aplicável, cumpre, finalmente, decidir.</font> </p><p><font>As questões, eventualmente, a decidir, na presente revista, em função das quais se fixa o objecto do recurso, considerando que o «thema decidendum» do mesmo é estabelecido pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, com base no preceituado pelas disposições conjugadas dos artigos 660º, nº 2, 661º, 664º, 684º, nº 3, 690º e 726º, todos do CPC, são as seguintes</font> </p><p><font>I – A questão da natureza jurídica do espaço fronteiro à fração autónoma de
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><br> <p><font>Acordam, na 1ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça:</font> </p><p><font> </font></p><div><br> <font>I</font></div><br> <font> </font> <p><font>1. AA instaurou a presente acção declarativa, pedindo a condenação de (i) BB, (ii) </font><i><font>CC, Lda.</font></i><font> e (iii) o Fundo de Garantia Automóvel (FGA), a pagarem-lhe a quantia de EUR 239.556, acrescida de quantias que se vierem a liquidar, por danos decorrentes de acidente de viação, bem como de juros vencidos e vincendos.</font> </p><p><font>Alegou ter o acidente ocorrido no dia 19 de Abril de 2011, quando o veículo conduzido pelo 1º R., matrícula ...-DT-..., sem seguro válido, saiu de um caminho particular, tendo virado à esquerda e invadido a via de trânsito, indo embater no motociclo, matrícula ...-IU-..., sua pertença e por si conduzido, que aí circulava. </font> </p><p><font>O 3º R. contestou, impugnando toda a matéria e invocando que o acidente dos autos foi também acidente de trabalho, relativamente ao qual o A. foi ressarcido pela respetiva companhia de seguros, pelo que não pode o FGA responder pelos danos alegados.</font> </p><p><font>Os 1º e 2º RR. contestaram, impugnando a dinâmica do acidente, alegando que o Autor seguia em contra-mão e que o embate ocorreu na via de trânsito relativa ao sentido oposto aquele em que o Autor seguia; ainda que assim não fosse, o 1.º R. provinha de uma via equiparada a via pública e apresentava-se pela direita, pelo que o Autor sempre teria que lhe ceder passagem, o que não fez, tendo o acidente ocorrido por culpa exclusiva do Autor.</font> </p><p><font>Proferida, a final, sentença, julgando a ação parcialmente procedente e &nbsp;condenando os RR. a pagarem ao A. as seguintes quantias: </font><i><font>«a. €24.220,42 (vinte e quatro mil, duzentos e vinte euros e quarenta e dois cêntimos), já deduzida das importâncias pagas a título de indemnização em sede de acidente de trabalho, acrescida de juros de mora contados à taxa legal supletiva de 4 % ao ano (Portaria nº 291/2003, de 08 de Abril, em vigor desde 01 de Maio de 2003), contados desde 3 de Setembro de 2013; b. €15.996 (quinze mil, novecentos e noventa e seis euros), acrescida de juros de mora contados à taxa legal supletiva de 4 % ao ano (Portaria nº 291/2003, de 08 de Abril, em vigor desde 01 de Maio de 2003), contados desde 3 de Setembro de 2013; c. €17.500 (dezassete mil e quinhentos euros), acrescidos de €35.000 (trinta e cinco mil euros), acrescidos de € 200 (duzentos euros) e de €300 (trezentos euros), acrescidas de juros de mora contados à taxa legal supletiva de 4 % ao ano (Portaria nº 291/2003, de 08 de Abril, em vigor desde 01 de Maio de 2003), contados desde esta decisão e até efectivo e integral pagamento»</font></i><font>.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>2. Apelaram os RR., além de arguirem nulidades da sentença, impugnando a matéria de facto e os montantes indemnizatórios arbitrados.</font> </p><p><font>A Relação julgou parcialmente procedentes os recursos e fixou as indemnizações, a serem solidariamente pagas pelos RR., nos seguintes termos:</font> </p><p><i><font>«1. A título de dano biológico a quantia de EUR 12.000,00 (doze mil euros).</font></i> </p><p><i><font>2. a) Relega-se para ulterior liquidação o dano resultante da perda do abono de viagem em motociclo no valor de EUR 365,51 por mês.</font></i> </p><p><i><font>b) Relega-se para ulterior liquidação o dano resultante de perdas salariais durante o período de incapacidade para o trabalho até ao limite do pedido (EUR 15.996,00).</font></i> </p><p><i><font>A estas quantias será deduzida a indemnização já recebida pelo Autor a título de acidente de trabalho, mencionadas no facto provado n.º 72.</font></i> </p><p><i><font>3. A título de danos não patrimoniais, a quantia de EUR 12.500,00 (doze mil e quinhentos euros).</font></i> </p><p><i><font>4. Revoga-se a sentença na parte em que atribuiu a verba de EUR 300,00 (trezentos euros) a título de pagamento de despesas relativas à contratação de uma terceira pessoa.</font></i> </p><p><i><font>5. Quanto ao resto mantém-se a sentença.</font></i> </p><p><i><font>(…)»</font></i><font> </font> </p><p><font> </font> </p><p><font>3. O A., bem como os 1º e 2º RR., pedem, agora, revista.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>3.1. Conclui o A. nas suas alegações de recurso:</font> </p><p><i><font>«1.ª – A Incapacidade Permanente Geral de que o recorrente ficou a padecer (6 pontos), sendo fortemente limitativa do exercício da sua atividade profissional, na qual exige esforços acrescidos, mas não implicando perda de rendimentos, deverá ser indemnizada como dano biológico, de natureza extra-patrimonial;</font></i> </p><p><i><font>2.ª – Apesar disso, tal indemnização deverá, tal como tem sido entendimento dominante na jurisprudência dos nosso Tribunais, representar um capital que, em abstrato, proporcione a reposição da perda de potencial de ganho do lesado;</font></i> </p><p><i><font>3.ª – Ultimamente, tem-se entendido – e bem – que o lesado precisa de manter o nível de rendimento enquanto viver, mesmo para além da idade da reforma;</font></i> </p><p><i><font>4.ª – É, com efeito, depois do final da vida ativa que o lesado mais necessidades tem e mais precisa de manter um nível de rendimentos que lhe permita satisfazer essas suas necessidades suplementares;</font></i> </p><p><i><font>5.ª – Será adequado, na esteira do que tem sido decidido pelo nossos Tribunais Superiores, que, em casos como o presente, se recorra, como auxiliar de cálculo da indemnização pelo dano material emergente da IPG, à fórmula de cálculo utilizada no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 04/04/1995 – CJ – Ano XX – Tomo II;</font></i> </p><p><i><font>6.ª – Esta fórmula, na verdade, tem em conta vários fatores relevantes, tais como a progressão na carreira, a erosão monetária, e o crescimento dos rendimentos salariais;</font></i> </p><p><i><font>7.ª – Os valores assim encontrados deverão, depois, ser temperados à luz das circunstâncias concretas de cada caso e da equidade;</font></i> </p><p><i><font>8.ª – Através da mencionada fórmula, considerando o salário auferido pelo recorrente, de € 2.193,32, que tinha 49 anos à data do acidente, a incapacidade permanente parcial de 6 pontos, e o período de vida até aos 85 anos e a progressiva baixa da taxa de juro (neste momento e face à realidade atual, inferior a 2%) encontramos um capital de aproximadamente € 47.000,00;</font></i> </p><p><i><font>9.ª – Haverá, porém, que levar em conta que é previsível as sequelas de que padece o recorrente se agravem com o decorrer dos tempos;</font></i> </p><p><i><font>10.ª – Afigura-se-nos, pois, que será justo e equilibrado, temperar o valor encontrado por aplicação da citada fórmula matemática e atribuir ao recorrente, como compensação pelo dano biológico inerente à IPG de 6 pontos que o afeta dano extrapatrimonial) a indemnização de € 50.000,00;</font></i> </p><p><i><font>11.ª – Quanto ao valor fixado para ressarcimento dos danos não patrimoniais (€ 12,500,00) entendemos que o mesmo é manifestamente exíguo, atendendo à gravidade dos danos que o recorrente padeceu e às suas sequelas permanentes;</font></i> </p><p><i><font>12.ª – Deve, neste particular, atender-se às consequências físicas e morais que para o recorrente resultaram do acidente, sendo aqui manifestamente relevante que tinha apenas 49 anos à data do evento, ao elevado grau do quantum doloris e à previsibilidade de agravamento sequelar;</font></i> </p><p><i><font>13.ª – Recorrendo, pois e uma vez mais, à equidade e tendo em consideração as concretas circunstâncias do caso em apreço, temos que a justa e equilibrada indemnização, adequada a compensar os danos não patrimoniais sofridos, deverá corresponder ao montante de € 40.000,00;</font></i> </p><p><i><font>16.ª – O douto acórdão recorrido violou, entre outras normas, os artºs 483.º, 496.º, n.º 1, 562.º, 564.º e 566.º, todos do Código Civil.»</font></i> </p><p><font> </font> </p><p><font>3.2. Os 2º e 3º RR. concluem do&nbsp; seguinte modo:</font> </p><p><i><font>«A) O tribunal a quo afastou a presunção de culpa resultante da aplicação do disposto no n.º 3 do art.º 503.º do Código Civil, na sequência do sustentado pelos réus no recurso que interpuseram da decisão proferida pela primeira instância, pelo que a responsabilidade pelo acidente passou a ter de ser apurada com base na culpa efetiva, recaindo sobre o autor o ónus da prova dos factos integradores do seu pretenso direito.</font></i> </p><p><i><font>B) De acordo com o disposto no artigo 487.º n.º 1 do Código Civil, a prova da culpa do lesante na produção do evento danoso incumbe ao lesado.</font></i> </p><p><i><font>C) No caso em apreço, e relativamente à dinâmica da eclosão do sinistro resultou provado que: (a) no local onde ocorreu a colisão entre o motociclo conduzido pelo Autor e o veículo automóvel conduzido pelo 1.º Réu, a faixa de rodagem tem uma largura de 7,10 metros – cfr. alínea 10) dos factos dados como provados; (b)&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; sendo assim, possível fixar o eixo da faixa de rodagem nos 3,55 metros; (c)&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; contudo, o embate deu-se a 2,20m da berma esquerda e a 4,90 metros da berma direita atendendo ao sentido de marcha do motociclo conduzido pelo autor - cfr. alínea 17) dos factos dados como provados - &nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;pelo que é forçoso concluir, que o embate se deu em manifesta contramão daquele que era o sentido de marcha empreendido pelo autor.</font></i> </p><p><i><font>D) O acidente deveu-se única e exclusivamente à violação, por parte do autor, das regras do Código da Estrada que o obrigavam à circulação pela metade direita da faixa de rodagem, designadamente do disposto no n.º 1 do art.º 13.º daquele diploma.</font></i> </p><p><i><font>E) Não houve qualquer concurso de risco do veículo conduzido pelo réu BB, que seguia numa correta linha de marcha, ocupando a sua metade direita da faixa de rodagem, o mesmo não sucedendo com o autor que, no momento do embate seguia em manifesta contramão.</font></i> </p><p><i><font>F) O tribunal a quo sustenta uma tese, quanto à dinâmica do acidente, que não tem qualquer suporte na matéria de facto dada como provada. </font></i> </p><p><i><font>G) Nenhum facto dado como provado permite concluir que o autor se tenha desviado da sua trajetória instantes antes do embate e muito menos que o tenha feito por um qualquer motivo alheio à sua vontade.</font></i> </p><p><i><font>H) No que tange à dinâmica do acidente o tribunal a quo apenas podia cingir-se aos factos dados como provados e daí ter extraído as consequências jurídicas, mas aquilo que fez, foi ir mais longe do que os próprios factos o permitem, pois adiantou hipóteses pretensamente justificativas da colisão que os factos provados nem sequer abordam.</font></i> </p><p><i><font>I) Numa via com uma largura de 7,10m e atendendo ao local onde se deu o embate e onde ficaram depositados os plásticos daí resultantes [a 4,90 m da berma] – cfr. factos dados como provados sob os n.ºs 10 e 17 – e não tendo sido dados como provados quaisquer factos relativos aos motivos pelos quais o autor não pôde voluntariamente prosseguir a marcha na sua via de trânsito que estava livre e desimpedida – cabia-lhe fazer a prova de que o embate na sua contramão não resulta de culpa sua. Prova essa que o autor não logrou fazer como lhe competia.</font></i> </p><p><i><font>J) Está assente nos autos - factos dados como provados sob os n.ºs 10 e 17 – que foi o autor quem invadiu a faixa de rodagem do réu Jorge e lhe foi embater na mão de trânsito deste.</font></i> </p><p><i><font>K) A responsabilidade pela verificação do sinistro, não pode senão, deixar de ser assacada, e em exclusivo, à conduta do autor.</font></i> </p><p><i><font>L) Decorre do disposto no art.º 3.º n.º 2 do Código da Estrada, os condutores devem, por um lado, abster-se de atos que comprometam a segurança ou a comodidade dos utentes da via, e, por outro, em conformidade com o preceituado no art.º 11.º, n.º 2, do mesmo diploma, abster-se da prática de quaisquer atos que sejam suscetíveis de prejudicar o exercício da condução com segurança. </font></i> </p><p><i><font>M) O Autor, não atentou, ainda, no circunstancialismo envolvente, nomeadamente às condições atmosféricas desfavoráveis [cfr. factos dados como provados sob os n.ºs 3 e 9] e ao piso de calçada de paralelo, com desnível (atento o seu sentido de marcha) e molhado [cfr. factos dados como provados sob os n.ºs 6, 7 e 9], tendo atuado com desconsideração pelos deveres que sobre si, no momento, impendiam, em termos de condução estradal.</font></i> </p><p><i><font>N) Quando um condutor age objetivamente por forma a que o seu comportamento seja enquadrável no espectro das condutas passíveis de causar acidentes do tipo daqueles que a lei quer evitar ao tipificá-las como infrações, deve imputar-se a responsabilidade a esse condutor, por presunção, quer natural, quer juris tantum da culpa (negligência) em concreto do autor da contraordenação – cfr. Ac. STJ, 21/2/61, 6/1/87 e 7/11/00, in BMJ 104º-417, 363º-488 e CJ/STJ VIII-II-104 e ainda do STJ de 3 de Junho de 2003, Sumários de Junho de 2003, e Ac. do S.T.J., de 18/0304, com o nº do documento SJ200403180006752, in </font></i><i><font>www.dgsi.pt</font></i><i><font>.</font></i> </p><p><i><font> </font></i> </p><p><i><font>O) Aos condutores de veículos – mormente ao 1.º réu BB - não é exigível que contem com os comportamentos contravencionais ou imprudentes dos outros utentes da estrada, como fez o autor – cfr. Ac. da Relação de Évora de 14/07/92, C. J., 1992, Vol. 4, pg. 313.</font></i> </p><p><i><font>P) Da matéria de facto dada como provada nada aponta para que tenha sido por causa de qualquer conduta empreendida pelo 1.º réu que o sinistro ocorreu. Sendo que era ao autor a quem cabia fazer tal prova e que reconhecidamente não fez.</font></i> </p><p><i><font>Q) O que atestam os factos dados como provados é que foi o próprio autor que se revelou imprevidente e, ao atuar do modo descrito, omitindo diligências que lhe seriam exigíveis e com as quais, eventualmente, até teria sido possível evitar o dano, contribuiu, de modo decisivo, para a verificação do sinistro, atuando com culpa evidente, ficando a eclosão do sinistro a dever-se de modo exclusivo à sua conduta.</font></i> </p><p><i><font>R) A conduta do autor apresenta-se, ela mesma, só por si, suficiente e adequada à produção do acidente, porque desrespeitadora da obrigatoriedade que sobre si recaía de transitar o mais próximo possível das bermas e passeios.</font></i> </p><p><i><font>S) Sobre o autor recaía a proibição de circular em sentido oposto ao estabelecido – como fazia no momento em que se deu o embate -, o que só por si configura uma contraordenação estradal grave nos termos das disposições conjugadas dos art.ºs 13.º n.º 4 e 145.º n.º 1 alínea a) do Código da Estrada.</font></i> </p><p><i><font>T) A matéria de facto dada como provada permite demonstrar exatamente o contrário da tese sufragada pelo autor e acolhida pelo tribunal a quo, isto é, de que a produção do acidente se deu por sua única e exclusiva culpa à qual os réus são absolutamente alheios.</font></i> </p><p><i><font>U) A violação das regras estradais por parte do autor, sem que resulte dos factos provados qualquer justificação que funcionasse a seu favor, nomeadamente a involuntariedade da sua conduta, faz presumir ela própria a sua culpa na produção do sinistro.</font></i> </p><p><i><font>V) O tribunal a quo imputou a responsabilidade pelo acidente ao réu Jorge, pela circunstância deste ter violado o dever que resultava da regra contida na alínea a) do art.º 31.º do Código da Estrada, onde se determinava que “Deve sempre ceder passagem o condutor: a) Que saia de um parque de estacionamento, de uma zona de estacionamento de combustível ou de qualquer prédio ou caminho particular;…”, considerando, ainda, que “No caso dos autos, a via por onde circulava o réu Jorge antes de entrar na Rua da Boavista era um caminho particular (…)”.</font></i> </p><p><i><font>W) A qualificação da via em causa nos autos, tal como o fez o tribunal a quo, entra em rota de colisão com a Jurisprudência fixada por este S.T.J. no Assento n.º 7/89 de 19-04-1989, publicado no Diário da República n.º 126, I.ª Série, de 02-06-1989, segundo o qual: “É suficiente para que uma coisa seja pública o seu uso directo e imediato pelo público, não sendo necessária a sua apropriação, produção, administração ou jurisdição por pessoa colectiva de direito público. Assim, um caminho é público desde que seja utilizado livremente por todas as pessoas, sendo irrelevante a qualidade da pessoa que o construiu e prove a sua manutenção. (…) Basta, portanto, para a qualificação de um caminho como público o facto de certa faixa de terreno estar afecta ao trânsito de pessoas sem discriminação.” – sublinhado e negrito nossos.</font></i> </p><p><i><font>X) Atento o ponto 14.º dos factos provados, é forçoso concluir que a via em causa é uma via de comunicação terrestre do domínio privado aberta ao trânsito público, sendo, por conseguinte de qualificar como via equiparada a pública nos termos e para os efeitos previstos na alínea v) do art.º 1.º do Código da Estrada.</font></i> </p><p><i><font>Y) Ao qualificar-se aquela via como via privada equiparada a via pública fica, desde logo, afastada a aplicabilidade do disposto na alínea a) do n.º 1 do art.º 31.º do Código da Estrada, uma vez que em causa não está um caminho particular.</font></i> </p><p><i><font>Z) Nos termos das disposições conjugadas dos art.ºs 1.º alínea v), 2.º n.º 2 e 30.º n.º 1 do Código da Estrada era o autor que deveria ter cedido a passagem ao réu BB porque este se lhe apresentou pela direita proveniente de uma via privada equiparada a pública, gozando, nessa medida, de prioridade de passagem, não o tendo feito, a referida transgressão perpetrada pelo autor seria, também ela, de modo exclusivo, causal do acidente.</font></i> </p><p><i><font>AA) Não obstante sufragarmos o entendimento segundo o qual a matéria de facto dada como provada é insuficiente para permitir condenar os réus recorrentes, pois estes nenhuma culpa tiveram na produção do acidente em causa nos autos – o qual se deveu única e exclusivamente a culpa do autor – e por via disso nada terão os réus de indemnizar o autor seja a que título for, o certo é que se esse não vier a ser o entendimento de Vossas Excelências, então, sempre se constata que os valores indemnizatórios arbitrados pelo tribunal a quo se revelam excessivos.</font></i> </p><p><i><font>AB) Improcedendo a pretensão dos réus quanto à absolvição total do pedido sobre si formulado, sempre deveria este tribunal de recurso reduzir o montante indemnizatório a título de dano biológico a quantia não superior a 4.247,64 € (quatro mil, duzentos e quarenta e sete euros e sessenta e quatro cêntimos), por se mostrar mais razoável e proporcional.</font></i> </p><p><i><font>AC) Atenta a ausência absoluta de alegação de factos constitutivos do pretenso direito por parte do autor, com a correspondente ausência absoluta de prova nesse sentido, deveria o tribunal a quo ter absolvido os réus do pagamento ao autor de qualquer quantia indemnizatória a título de perda de rendimento ao invés de remeter a liquidação de tal pretenso dano para liquidação posterior nos termos do disposto no n.º 2 do art.º 358.º do C.P.C..</font></i> </p><p><i><font>AD) Não constam da factualidade provada factos capazes de permitir o apuramento de qualquer dano por perdas salariais, pelo que a consequência deveria ter sido a absolvição dos réus quanto a essa parte do pedido formulado pelo autor e não premiá-lo com a remessa para liquidação posterior.</font></i> </p><p><i><font>AE) A opção do tribunal a quo que remete para liquidação posterior, encarna assim, por um lado, a violação dos princípios do contraditório e da igualdade das partes previstos nos art.ºs 3.º n.º 3 e 4.º do C.P.C. e, pelo outro, a violação das regras do ónus da prova tal como elas se mostram estabelecidas no n.º 1 do art.º 342.º do Código Civil, segundo o qual “Àquele que invocar um direito cabe fazer prova dos factos constitutivos do direito alegado.”.</font></i> </p><p><i><font>AF) Improcedendo a pretensão dos réus quanto à absolvição total do pedido sobre si formulado, sempre deveria este tribunal de recurso absolve-los do pagamento ao autor de qualquer quantia indemnizatória a título de perdas salariais.</font></i> </p><p><i><font>AG) Nos termos do disposto no artigo 496.º n.º 1 do Código Civil na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais, que pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito, sendo que, por força do n.º 3 do mesmo preceito legal, “o montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494º; no caso de morte, podem ser atendidos não só os danos não patrimoniais sofridos pela vítima, como os sofridos pelas pessoas com direito a indemnização nos termos número anterior.”</font></i> </p><p><i><font>AH) Não obstante não nos cansarmos de referir que o acidente em causa nos autos foi causado por culpa exclusiva do próprio autor, o certo é que ainda que assim não tivesse sido, então o valor de 12.500,00 (doze mil e quinhentos euros) fixado no acórdão recorrido sempre se mostraria excessivo para o compensar dos alegados danos não patrimoniais sofridos.</font></i> </p><p><i><font>AI) A atribuição de uma indemnização a título de danos não patrimoniais ao autor, em montante não superior a 7.500,00 € (sete mil e quinhentos euros) sempre se mostraria muito mais ajustada e adequada, do que aquela de 12.500,00 (doze mil e quinhentos euros) fixada pelo tribunal a quo.</font></i> </p><p><i><font>AJ) Improcedendo a pretensão dos réus da absolvição total do pedido, sempre deveria este tribunal de recurso reduzir o montante indemnizatório a título de danos não patrimoniais a quantia não superior a 7.500,00 € (sete mil e quinhentos euros), por se mostrar mais razoável e proporcional.</font></i> </p><p><i><font>AK) O douto acórdão recorrido violou, entre outros, o disposto nos art.ºs 342.º n.º 1, 487.º n.º 1, 496.º, 505.º, 562.º, 564.º n.º 2, 566.º, 570.º do Código Civil, art.ºs 1.º alínea v), 2.º n.º 2, 3.º n.º 2, 11.º n.º 2, 13.º n.º 1 e 4, 30.º n.º 1, 145.º n.º 1 alínea a) do Código da Estrada e art.ºs 3.º n.º 3, 4.º e 358.º n.º 2 do Código de Processo Civil.»</font></i> </p><p><font> </font> </p><p><font>3.3. O 3º R. (FGA), em contra-alegações ao recurso do A., defende a manutenção do decidido no acórdão da Relação.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>3.4. O A., nas contra-alegações apresentadas, suscita a questão de verificação de </font><i><font>dupla conforme</font></i><font>, para os efeitos previstos no nº 3 do art. 671º do CPC, quanto aos segmentos decisórios respeitantes à culpa e responsabilidade do acidente e aos montantes indemnizatórios fixados, estes reduzidos, em benefício dos RR., no acórdão da Relação.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>4. Vistos os autos, cumpre decidir.</font></p><div><br> <font> </font> <p><font>II</font></p></div><br> <font> </font> <p><font>5. Importa, previamente, examinar a questão da admissibilidade do recurso dos 1º e 2º RR. (</font><i><font>supra</font></i><font>, 3.4).</font> </p><p><font>5.1. O acórdão da Relação, tal como a sentença da 1ª instância, imputou exclusivamente ao 1º R. a culpa e a responsabilidade na produção do acidente. </font> </p><p><font>Mas é diferente – </font><i><font>essencialmente diferente</font></i><font> – a motivação da decisão expressa no acórdão da Relação.</font> </p><p><font>Como observam os 1º e 2º RR., em resposta à arguição do A., enquanto na sentença da 1º instância se assentara na </font><i><font>culpa presumida</font></i><font> (CC, art. 503º, nº 3), no acórdão da Relação, como no mesmo se escreve, </font><i><font>«A responsabilidade é imputável exclusivamente ao réu Jorge, com base em culpa provada, efectiva, e não com base em culpa presumida»</font></i><font>.</font> </p><p><font>Deve, pois, nesta parte, conhecer-se do recurso daqueles RR. [conclusões A) a Z) e, parcialmente, AK) da respetiva alegação].</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>5.2. Quanto às indemnizações fixadas no acórdão da Relação, cujos valores os RR. Recorrentes acham, por um lado, </font><i><font>excessivos</font></i><font>, relativamente às indemnizações por dano biológico e por danos não patrimoniais; por outro lado, indevidos, por incumprimento por parte do A. do ónus de alegação respetiva, no que respeita aos danos patrimoniais, por perda de rendimento e perdas salariais.</font> </p><p><font>O acórdão da Relação, ao reduzir as indemnizações, nos dois primeiros casos (de €27.000 para €12.000, quanto ao dano biológico; de €17.500 para €12.500, relativamente aos danos não patrimoniais) e ao relegar para execução de sentença o apuramento da redução, nos outros dois (quanto à perda de rendimento – o </font><i><font>abono de viagem em motociclo</font></i><font>, que o A. auferia –, ao total de €35.000, fixado pela 1ª instância, deverão ser abatidos os custos de aquisição/amortização, utilização e manutenção do veículo, a cargo do A., que se vierem a apurar, reportados ao período de afastamento, definitivo ou não, do giro rural de carteiro; quanto às perdas salariais, reduzidas à parte líquida de que foi efetivamente privado, tal como vem decomposta no nº 45 dos factos provados), proferido sem voto de vencido, não apresente uma </font><i><font>fundamentação essencialmente diferente</font></i><font> da manifestada na sentença da 1ª instância, no sentido repetidamente explanado pelo STJ, de que a confirmação da sentença não assenta num </font><i><font>enquadramento normativo absolutamente distinto daquele que foi ponderado na decisão da 1.ª Instância</font></i><font> (acs. de 28.4.2014, 18.9.2014, 20.11.2014, 8.1.2015, 19.2.2015, 30.4.2015, 28.5.2015, 16.6.2016, publicados em </font><a><u><font>www.dgsi.pt</font></u></a><font>).</font> </p><p><font>É certo que o acórdão apenas </font><i><font>parcialmente</font></i><font> confirma as obrigações pecuniárias estabelecidas na sentença da 1ª instância, mas </font><i><font>operando a sua redução</font></i><font> (não a quantificando, desde logo, nos casos em que não dispunha de elementos para tanto), resultando, pois, numa </font><i><font>decisão mais favorável</font></i><font> para os RR.</font> </p><p><font>Situação abarcada na previsão de </font><i><font>dupla conforme</font></i><font>, para os efeitos previstos no nº 3 do art. 671º do CPC, conforme interpretação teleológica suportada na letra do preceito (CC, art. 9º, nº 2), na jurisprudência reiterada deste tribunal (acs. 29.1.2014, Proc. 6147/09.0TVLSB.L1.S1-A; de 7.5.2014, Proc. 444/10.0TBMCD.C1.S1; de 12.1.2017, Proc. 3931/12.1TBBCL.G1.S1 – sumários disponíveis em </font><a><u><font>www.stj.pt</font></u></a><font>).</font> </p><p><font>Termos em que não se conhece, nesta outra parte do recurso dos RR. [conclusões AA) a AJ) da respetiva alegação].</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>6. No que respeita às indemnizações por dano biológico e por danos não patrimoniais, nos montantes agora indicados pelo A. (de €50.000 e de €40.000, respetivamente), tendo este anteriormente aceite as quantias arbitradas em 1ª instância (pela mesma ordem, de €27.000 e de €17.500), ter-se-á a pretensão limitada a estes últimos valores.</font> </p><p><font> </font></p><div><br> <font>III</font></div><br> <font> </font> <p><font>7. Consideradas, com as delimitações indicadas (</font><i><font>supra</font></i><font>, 5.2 e 6), as transcritas conclusões das alegações dos Recorrentes, para os efeitos previstos nos nºs 1 e 2 do art. 639º do CPC, são questões a decidir no presente recurso: (i) determinação do responsável pela produção do acidente – conclusões a) a Z) da alegação dos 1º e 2º RR.; (ii) fixação das indemnizações (ii.i) por dano biológico e (ii.ii) por danos não patrimoniais – conclusões 1ª a 10ª e 11º a 16º da alegação do A.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>8. Vem firmada pela Relação a seguinte matéria de facto (transcreve-se do acórdão recorrido):</font> </p><p><i><font>«1 - No dia 19 de Abril de 2011, pelas 16h00, ocorreu um embate entre um veículo automóvel e um motociclo na Rua ..., tendo a traseira do automóvel ficado imobilizada 1,60 metros para além da linha de intercepção, considerando o sentido ..., entre a Rua da ... e o caminho referido abaixo no facto n.º 12, na freguesia de ...</font></i> </p><p><i><font>2 - Nesse embate intervierem o veículo ligeiro de mercadorias de matrícula ...-DT-..., conduzido por BB, ora R. e o motociclo de matrícula ...-lU-..., conduzido peso A., seu dono.</font></i> </p><p><i><font>3 - As condições meteorológicas apresentavam chuvisco.</font></i> </p><p><i><font>4 - Não obstante, existirem boas condições de visibilidade.</font></i> </p><p><i><font>5 - E boas condições de luminosidade.</font></i> </p><p><i><font>6 - No local onde ocorreu o embate o piso apresentava-se em calçada de paralelo.</font></i> </p><p><i><font>7 - Com desnível.</font></i> </p><p><i><font>8 - Sendo descendente no sentido de marcha empreendido pelo motociclo conduzido pelo Autor.</font></i> </p><p><i><font>9 - O piso encontrava-se, molhado por força das condições meteorológicas que se faziam sentir naquela altura. </font></i> </p><p><i><font>10 - No local onde ocorreu a colisão entre o motociclo conduzido pelo Autor e o veículo automóvel conduzido pelo 1.º Réu, a faixa de rodagem tem uma largura de 7,10 metros, sendo a circulação ascendente, atento o desnível da faixa de rodagem naquele local, para quem se dirige para ....</font></i> </p><p><i><font>11 - Nesse dia, hora e local, o A. transitava pela Rua ..., no sentido ..., tripulando o aludido motociclo.</font></i> </p><p><i><font>12 - Foi-se aproximando do local onde, a margem da rua e do lado direito dela, considerando ainda o sentido em que circulava, se situa um edifício no qual se encontra instalada uma unidade Industrial pertencente a CC, Lda., aqui 2.ª R. </font></i> </p><p><i><font>13 - O DT provinha do caminho particular que dá acesso à empresa referida em 4).</font></i> </p><p><i><font>14 - Esse caminho, que foi construído em solo da 2.ª R por esta, dá acesso às instalações da 2ª R e é usado há mais de 12 (doze) anos, diariamente, pelos clientes e fornecedores dessa empresa e de uma outra empresa, nele circula todo o tipo de veículos, designadamente, motociclos, veículos ligeiros e pesados, sem quaisquer restrições.</font></i> </p><p><i><font>15 - Este pretendia voltar a sua esquerda para seguir viagem pela Rua da Boavista, no sentido Amarante - Vila Meã. </font></i> </p><p><i><font>16 - O embate ocorreu entre a frente, do lado do passageiro, do ...-DT-... e a parte lateral direita do motociclo ...-lU-....</font></i> </p><p><i><font>17 - Ficaram depositados diversos plásticos partidos, pertencentes ao motociclo, a 2,20m da berma esquerda e a 4,90 metros da berma direita atendendo ao sentido de marcha do motociclo conduzido pelo Autor, local onde se deu o embate, tendo a carrinha ficado imobilizada com a quina da frente, do lado do condutor, a 2,70 m da berma direita, considerando também o sentido de marcha do Autor.</font></i> </p><p><i><font>18 - Após o embate, o motociclo conduzido pelo Autor ficou imobilizado a cerca de 15 metros do local onde ficaram os plásticos partidos.</font></i> </p><p><i><font>19 - Para trás do veículo conduzido pelo 1.º Réu.</font></i> </p><p><i><font>20 - O veículo ...-DT-... pertencia a «CC, Lda.» aqui 2.ª Ré.</font></i> </p><p><i><font>21 - O A. logo após o acidente, foi assistido, no local, pelos serviços do INEM, que lhe prestaram os primeiros socorros. o imobilizaram em plano duro e com colar cervical o transportaram ao Hospital do Padre Américo, em Penafiel.</font></i> </p><p><i><font>22 - Nesta unidade hospitalar, o A. foi assistido nos serviços de urgência. </font></i> </p><p><i><font>23 - O A. foi submetido a exames, incluindo RX, tendo-lhe sido diagnosticadas: a) fractura luxação do acetábulo direito; b) ferida no terço proximal da perna direita.</font></i> </p><p><i><font>24 - Nesse mesmo hospital, o A. fez tratamento conservador da fractura luxação, com redução incruenta e tracção esquelética aos côndilos.</font></i> </p><p><i><font>25 - Ficou o A. internado no serviço de ortopedia do dito hospital, onde manteve tratamentos.</font></i> </p><p><i><font>26 - Em 20/05/2011, após 32 dias de internamento, o A. teve alta hospitalar. </font></i> </p><p><i><font>27 - Regressou a casa.</font></i> </p>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; </font> <p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; </font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; </font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; </font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; </font><b><font>I- Relatório</font></b><font>:</font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; 1-1- </font><b><font>AA</font></b><font> e </font><b><font>BB</font></b><font>, intentaram a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo ordinária, contra CC– …, Ldª, com sede no Lugar de ..., ..., ..., cuja posição processual foi adquirida, na pendência da acção, pelo </font><b><font>DD, S.A.</font></b><font>, com sede na..., nº …, no …, bem como contra </font><b><font>EE</font></b><font> e mulher, </font><b><font>FF</font></b><font>, residentes na Rua ..., nº …, …, em ..., ..., tendo sido chamados a intervir, na pendência da acção, como intervenientes principais ao lado dos RR. originários, na qualidade de trespassários, </font><b><font>GG</font></b><font> e mulher, </font><b><font>HH</font></b><font>, residentes na Rua da ..., Nº … e …, em ..., ..., alegando, em síntese, que:</font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; São donos de uma fracção autónoma de um prédio urbano, onde instalaram a sua residência permanente, sendo a R. CC dona de uma outra fracção no mesmo prédio correspondente a um estabelecimento destinado a comércio e/ou restaurante na cave e no rés-do-chão, fracção essa que a R. prometeu vender aos 2ºs RR. Estes, após realização de obras e obtenção do licenciamento camarário, destinaram a fracção à actividade de fabrico próprio de pastelaria e panificação, não autorizada pelo título constitutivo da propriedade horizontal, desenvolvendo por isso uma actividade que lhes está vedada pelo título; a sua fracção é contígua à fracção dos RR., sobrepondo-se a esta. Os equipamentos usados pelos RR. no fabrico de pastelaria e panificação, em especial o sistema elevatório, bem como o pessoal afecto ao seu manuseamento, provocam ruído susceptível de ser ouvido na sua fracção, perturbando o seu descanso, especialmente ao início da manhã, nos fins-de-semana e nos feriados, causando ainda vibrações e riscos de incêndio, bem como cheiros persistentes, actos incompatíveis com o seu bem-estar. O estabelecimento em questão provoca ainda uma desvalorização comercial do edifício, que afecta o valor económico das fracções.</font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; Concluem </font><i><font>pedindo</font></i><font> que sejam os RR. solidariamente condenados:</font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; A não utilizar a fracção autónoma “...” para actividade de fabrico próprio de pastelaria e panificação. Se assim não for entendido, o que só por mero dever de patrocínio se concede, a não utilizar a fracção autónoma “...” para a actividade de fabrico de pastelaria e panificação antes das 08,00 horas aos fins de semana e feriados e antes das 07.30 horas aos dias úteis, e a não utilizarem, em ocasião alguma, o sistema elevatório identificado no presente articulado.</font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; </font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; Regularmente citados, vieram os RR. deduzir contestação.</font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; A R. CC veio excepcionar a incompetência do tribunal, invocando que ao estabelecimento instalado no edifício em discussão, incluindo a alteração de uso originariamente previsto para a fracção, foi licenciado pela autoridade administrativa competente, sendo o processo da exclusiva competência da jurisdição administrativa e impugna, ainda, a matéria alegada pelos AA., referindo que a actividade desenvolvida pelos RR. na fracção em discussão não pode ser classificada como actividade industrial, estando sujeito ao regime jurídico dos estabelecimentos de restauração e bebidas, encontrando-se a actividade exercida autorizada pelo estatuto do condomínio, sendo lícita; mais alega que os AA. sabiam que podia ser aberta na fracção uma actividade de restauração, que é similar à actividade desenvolvida pelos RR., actuando os AA. de forma abusiva e com má-fé.</font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; Os 2ºs RR. sustentaram que a actividade por si desenvolvida não é uma actividade industrial, estando enquadrada na finalidade da fracção, sendo o seu fim reconhecido pelo estatuto do condomínio; em relação aos prejuízos alegados pelos AA., invocam que toda a fracção foi objecto de insonorização, não sendo audíveis na habitação dos AA. os equipamentos usados na fracção ou o pessoal afecto ao seu manuseamento; quanto ao monta-cargas, o seu ruído deveu-se a uma deficiência do equipamento, que teve entretanto intervenção da empresa que o colocou, não havendo, por outro lado, qualquer ligação entre a fracção dos AA. e a área de fabrico do estabelecimento dos RR., inexistindo qualquer dos riscos ou fontes de desvalorização que os AA. imputam o estabelecimento dos RR.</font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; Concluem </font><i><font>pedindo </font></i><font>a improcedência da acção.</font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; </font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; Os AA replicaram, pugnando pela improcedência da excepção de incompetência material arguida pela R. CC, alegando, ainda, que a legislação invocada pelas RR. que regulamenta a instalação e o funcionamento de restauração e bebidas não revogaram as normas de natureza civil que regulamentam a propriedade horizontal, sendo a actividade de fabrico de pão manifestamente industrial.</font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; Terminam </font><i><font>pedindo</font></i><font> a improcedência das excepções, no mais mantendo o alegado e peticionado na petição inicial.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; Foi designada data para tentativa de conciliação das partes, que se frustrou.</font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; Por despacho de fls. 165 e segs. foi apreciada a excepção da incompetência material arguida, que foi indeferida e, de seguida, procedeu-se à elaboração do despacho saneador e à selecção dos factos assentes e dos controvertidos.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; Foi tramitada por apenso a habilitação de adquirente, referente ao habilitado DD, no contexto do qual foi proferida sentença julgando efectuada a habilitação.</font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; Foi admitida a intervenção dos chamados, enquanto trespassários e actuais responsáveis pela exploração do estabelecimento em discussão, contra quem foi deduzido, a fls. 543 e segs., incidente de intervenção principal.</font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; </font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; Teve então lugar a audiência de discussão e julgamento, com observância das formalidades legais, finda a qual se respondeu à matéria de facto e se proferiu a sentença.</font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; Nesta julgou-se a acção totalmente procedente por provada e, em consequência, condenou-se solidariamente os RR. a não utilizarem a fracção autónoma “...” para actividade de pastelaria e panificação.&nbsp;&nbsp;&nbsp; &nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; </font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; </font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; 1-2- Não se conformando com esta decisão, dela recorreram os RR. EE e mulher FF e os intervenientes DD e GG e mulher, de apelação para o Tribunal da Relação do Porto tendo-se aí, por acórdão de 25-10-2012, julgado improcedentes os recursos, confirmando-se a sentença recorrida.</font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; </font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; 1-3- Continuando irresignados com este acórdão, dele recorreram o DD, FF e GG e mulher para este Supremo Tribunal, recursos que foram admitidos como revistas e com efeito devolutivo.</font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; &nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; </font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; O recorrente DD alegou, tendo das suas alegações retirado as seguintes conclusões:</font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; 1ª- O presente recurso tem por objecto reapreciar duas questões de direito: </font><i><u><font>uma,</font></u></i><font> relacionada com a admissibilidade de ser desenvolvida uma actividade de fabrico próprio de pastelaria e panificação numa fracção que, de acordo com o respectivo título constitutivo de propriedade horizontal, está afecta à finalidade de </font><i><font>"comércio e/ou restaurante"; </font></i><i><u><font>outra</font></u></i><i><font>,</font></i><font> que consiste em saber se o comportamento dos Autores que, aquando da aquisição da sua fracção, sabiam que na fracção "..." poderia vir a ser desenvolvida uma actividade de serviços - tal como veio a acontecer - consubstancia um exercício abusivo de direito (se direito houvesse); </font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; 2º- Constituindo entendimento pacífico que, neste contexto, a expressão </font><u><font>restaurante</font></u><i><font> "envolve a actividade de produção e transformação de mercadorias, sendo considerada como uma actividade industrial </font></i><font>", dúvidas não subsistem de como a actividade de fabrico próprio de pastelaria e panificação se inclui nesta definição; </font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; 3º- Isto porque a actividade de fabrico próprio de pastelaria e panificação não é mais de que uma actividade de produção e transformação de mercadorias - </font><i><font>mercadorias </font></i><font>estas que se reconduzem à própria massa de pão e de bolos; </font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; 4º- Contra isto não vinga o único argumento vertido no acórdão recorrido de que entender-se que a actividade de pastelaria e panificação está abrangida no título constitutivo que prevê uma actividade de restaurante põe em causa a tranquilidade dos que no imóvel vivem: </font><i><font>primeiro, </font></i><font>porque não são raros os restaurantes que também produzem o seu próprio pão, à mesmíssima hora que o fazem as padarias ou pastelarias, </font><i><font>segundo, </font></i><font>porque a maioria dos restaurantes obtêm licença para estarem abertos até horas tardias provocando ruído; </font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; 5°- De qualquer forma, no caso dos autos, a actividade de fabrico próprio de pastelaria e panificação desenvolvida na fracção "..." não produz qualquer ruído que possa perturbar o descanso dos Recorridos - isto porque apenas foi dado como provado que a utilização do "monta pratos" de onde provinha o ruído que incomodava os Recorridos foi interditada por decisão cautelar; </font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; 6°- Não obstante, uma coisa é certa: não é o factor </font><i><u><font>horário</font></u></i><font> que delimita o fim que pode ser desenvolvido numa determinada fracção, mas sim o factor </font><i><u><font>actividade</font></u></i><font> - e, insista-se, no caso dos autos essa actividade reconduz-se à produção e transformação de mercadorias só diferindo do restaurante quanto ao tipo de </font><i><font>mercadorias; </font></i> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; 7°- De todo o modo, constituindo facto provado nos autos que os Recorridos quando adquiriram as suas fracções, sabiam que na fracção "..." poderia ser instalado um estabelecimento destinado a comércio/serviços - e não um estabelecimento destinado a comércio e/ou restaurante, tal como previsto no título constitutivo - a sua ponderação, omitida no acórdão recorrido, conduz, a um só tempo, à sua nulidade uma vez que deixou de se pronunciar sobre questão sobre a qual recaia a obrigação de o fazer e à sucumbência da decisão nele vertida; </font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; 8°- Se a expressão </font><i><font>serviços </font></i><font>engloba a actividade de fabrico de pastelaria e panificação, apodíctico é concluir que a actividade desenvolvida na fracção "..." está a coberto de um licenciamento administrativo - licenciamento este para comércio e/ou serviços. </font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; 9°- Proibindo a al. c) do n° 2 do art</font><sup><font>.</font></sup><font> 1422º do Cód. Civil que possa ser dado um fim diverso ao que está previsto no título constitutivo da fracção e sendo a sua </font><i><font>ratio </font></i><font>proteger as legítimas expectativas daqueles que venham a adquirir uma fracção que lhe é contígua, está bom de ver que os Recorrentes, aquando da compra da sua fracção, não podiam legitimamente esperar que não se desenvolvesse na fracção "..." uma actividade de fabrico de pastelaria e panificação; </font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; 10º- O comportamento dos Recorridos, ao colocarem em causa a actividade de fabrico próprio de pastelaria e panificação que se está a desenvolver na fracção "...", actividade esta de que estavam cientes de que se poderia vir a ter lugar e que não constituiu motivo impeditivo no momento da aquisição da sua fracção, volvidos sete anos da data em que adquiriram a sua fracção, é de todo abusivo integrando-se num </font><i><font>venire contra factum proprium. </font></i> </p><p><b><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; 11º-</font></b><font> De facto, não estamos perante uma utilização unilateral do condómino contrária ao título constitutivo da propriedade horizontal, senão e apenas perante a aplicação a um destino consentido pelos Recorridos, o que levou, aliás, a que a padaria/pastelaria funcionasse durante mais de um ano, licenciada pela Câmara, até à propositura da acção. </font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; 12ª- Decidindo como decidiu, o acórdão recorrido, no errado julgamento que efectuou, violou o disposto nos arts. 334° e 1422° n° 2 al. c) do Código Civil, e no art. 660° n° 2 do Cód. Proc. Civil: impõe-se, pois, a sua revogação e substituição por acórdão que, julgando improcedente a acção, absolva o DD do pedido com todas as legais consequências. </font> </p><p><font> </font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; A Recorrente FF alegou também, tendo retirado as seguintes conclusões:</font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; A) Entenderam os Venerandos Desembargadores a quo manter a douta sentença recorrida de condenar, entre outros, a aqui Recorrente a não utilizar a fração autónoma J para a atividade de fabrico de pastelaria e panificação, com fundamento em que esta atividade, determina a destinação da fração a um fim contrário àquele que é autorizado pelo título constitutivo de propriedade horizontal. </font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; B) Entende o Venerando Tribunal da Relação do Porto que a atividade de fabrico próprio de pastelaria e panificação é uma atividade industrial expressamente excluída da fração ... em causa nos presentes autos. </font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; C) Salvo o devido respeito, a interpretação dada não é correta, </font><i><font>violando-se </font></i><font>o disposto no art.</font><sup><font> </font></sup><font>1422</font><sup><font>º</font></sup><font>, 2 c) CC. &nbsp;</font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; D) A questão é pois saber a de saber se a atividade de fabrico próprio de padaria e panificação </font><i><font>viola </font></i><font>o destino da fração </font><i><font>previsto </font></i><font>no título constitutivo da propriedade horizontal de fração ... em causa nos presentes autos. </font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; E) Reiteramos o entendimento que não é </font><i><font>violador </font></i><font>desse título, por duas ordens de razões, a saber: </font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; F) a) Entende-se, primeiro, que a atividade de fabrico próprio de padaria e panificação não é qualificável como atividade industrial para efeitos de integração e interpretação do destino da fração definido no título </font><i><font>constitutivo </font></i><font>da propriedade horizontal. </font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; G) b) Em segundo, e sem prescindir, entende-se não </font><i><font>haver violação </font></i><font>do destino da fração por interpretação do título constitutivo e da intenção do seu autor, ainda que considerada a atividade de fabrico de pastelaria e panificação com atividade industrial.</font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; H) Do primeiro argumento: ao contrário do entendimento sufragado na douta sentença e posteriormente confirmado pelos Venerandos Desembargadores, reitera-se o entendimento que a legislação e regulamentação citada pela recorrente em abono da tese de que a atividade </font><i><font>desenvolvida </font></i><font>não tem cariz industrial não é, nem pode ser inócua ou irrelevante no contexto da integração e interpretação do destino da fração conforme definido no título constitutivo. </font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; I) A regulamenteção referida é verdadeiramente integradora do regime da propriedade horizontal quando ao que ao destino das frações se refere e nessa perspectiva deve ser utilizada para fazer uma interpretação atual e atualizada, permitindo a tão desejada aproximação à realidade. </font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; J) </font><i><font>Conforme se referira anteriormente: Na verdade, a propriedade horizontal é um direito novo, diferente e distinto da propriedade singular e que implica um estatuto jurídico completamente separado desta, estatuto esse que se corporiza no título constitutivo e nas normas supletivas da lei civil". </font></i><font>(3) (Acórdão STJ 22.04.2004) </font><i><font>( ... ) É, "no entanto, preciso ter presente </font></i><font>o </font><i><font>que, porventura, se ache regulado noutras disposições legais ou regulamentares que com a matéria em apreço tenham alguma conexão, conforme sucede </font></i><font>com o </font><i><font>Regulamento Geral das Edificações Urbanas, aprovado pelo Dec-Lei nº </font></i><font>38.832 </font><i><font>de </font></i><font>7 </font><i><font>de Agosto de </font></i><font>1951". </font><i><font>(acórdão STJ, nunca pode </font></i><font>o </font><i><font>fim da fracção ser diverso do constante da respectiva licença camarária de utilização, pelo que, na verdade, tal fim ou destino não está (nem pode estar) na livre disponibilidade do respectivo proprietário, antes estando submetido aos regulamentos de construção e licenciamento. </font></i><font>- </font><i><font>Todas estas limitações impostas aos proprietários, em âmbito de propriedade horizontal, visam, assim, salvaguardar também aqueles interesses de ordem público atrás referidos: interesses públicos e colectivos, relacionados com condições de salubridade, estética e segurança dos edifícios assim como das condições estéticas, urbanísticos e ambientais, ainda mais prementes nos grandes centros urbanos, onde proliferam os edifícios em propriedade horizontal". </font></i><font>(idem) </font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; k) Impõe-se, pois, conjugar o conceito civilístico com o do regime de edificação e licenciamento de imóveis/fracções autónomas pois o que está em causa é a aptidão para no imóvel já identificado nos autos, a Recorrente exercer uma actividade económica atendendo ao fim da fração. </font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; L) O Decreto-Lei n.º 57/2002, de 11 de Março, no seu preâmbulo, adapta o regime jurídico da instalação e do funcionamento dos estabelecimentos de restauração ou de bebidas previsto no Decreto-Lei n.º 168/97, de 4 de Julho, ao novo regime jurídico da urbanização e da edificação </font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; M) Este Decreto-lei faz a republicação do Decreto-Lei n.º 168/97, de 4 de Julho, com um anexo com as devidas alterações: o número 4 do artigo 1º do capítulo I do anexo ao DL 168/97, determina que os estabelecimentos a que se refere (restauração ou bebidas) ficam sujeitos não ao regime do licenciamento do exercício da atividade industrial previsto no Decreto Regulamentar 25/93, mas ao regime da instalação previsto no presente diploma, isto é, do Decreto Lei 57/2002. </font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; N) O Decreto-Lei n.º 69/2003, de 10 de Abril, estabelece um novo regime legal para o exercício da actividade industrial, determinando que os estabelecimentos industriais, para efeitos da definição do respectivo regime de licenciamento, são classificados do tipo 1 ao tipo 4, nos termos a fixar em diploma regulamentar. </font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; O) O Decreto Regulamentar n.º 8/2003, de 11 de Abril, no artigo 1.º âmbito de aplicação do seu anexo - Regulamento do Licenciamento da Actividade Industrial - diz o seguinte: "Para efeitos deste Regulamento, consideram-se atividades industriais as incluídas nas divisões 10 e 12 a 37 da Classificação Portuguesa das Atividades Económicas, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 182/93 de 14 de Maio (CAE - rev.2), bem como as incluídas nas divisões 40 e 55, respectivamente sob os nºs 40302 e 55520, do referido diploma legal, com excepção das actividades neste identificadas sob os nºs 221, 2223, 2224, 2225, 223 e 2461". </font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; P) Este Decreto Regulamentar </font><u><font>revoga</font></u><font> os Decretos Regulamentares nºs 61/91 e 25/93, respectivamente de 27 de Novembro e de 17 de Agosto. </font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; Q) Desta forma, está bem clara a </font><u><font>exclusão da atividade </font></u><font>objecto de análise (estabelecimento de bebidas com fabrico de pastelaria/panificação), cujo CAE é 55405, </font><u><font>da atividade industrial</font></u><font>,</font><b><font> </font></b><font>o que vem reforçar que, de facto, não se trata de uma atividade industrial. </font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; R) A Portaria n.º 464/2003, de 6 de Junho, classifica os estabelecimentos industriais e define a entidade coordenadora do processo de licenciamento industrial, revogando, ainda, a Portaria n.º 744-8/93, de 18 de Agosto, uma vez mais se verificando que o CAE 55405 do estabelecimento que se pretende instalar não consta da Tabela n.º 2 anexa ao presente diploma (Portaria 464/2003). </font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; S) Por todo o exposto, conclui-se que o estabelecimento de bebidas </font><u><font>com fabrico de pastelaria/panificação</font></u><font> (com uma área de lar de forno de 4,5 m2) não pode ser classificado como indústria, trata-se de um estabelecimento previsto no regime jurídico dos estabelecimentos de restauração e bebidas. </font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; T) A exclusão da atividade de fabrico de pão e de produtos de pastelaria como industrial decorre da não verificação dos "riscos e inconvenientes resultantes da exploração dos estabelecimentos industriais" - art. 1º do DL 69/2003 de 10.04.2003. </font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; U) Por outras pa...s, a definição de uma atividade como industrial ou comercial foi realizada para efeitos da sua classificação - nos termos supra referidos - atendendo aos elementos de risco que a mesma comporta no seu exercício, por exemplo em termos de potência da energia eléctrica utilizada, potência térmica, poluição, manuseamento de substâncias perigosas, entre outras. </font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; V) Quanto à classificação como atividade comercial: O Decreto-Lei 57/2002 de 11 de Março faz a republicação, com alterações, do DL 168/97 de 4 de Julho: O regime jurídico da instalação e do funcionamento dos estabelecimentos de restauração ou de bebidas regulado pelo Decreto-Lei n.º 168/97, de 4 de Julho, e alterado pelos Decretos-Leis nºs 139/99, de 24 de Abril, e 222/2000, de 9 de Setembro, necessita de ser alterado por forma a compatibilizá-Io com o novo regime jurídico da urbanização e edificação, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de Dezembro, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 177/2001, de 4 de Junho. </font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; X) O número 4 do artigo 1.º do capítulo I do anexo ao DL 168/97, determina que os estabelecimentos a que se refere (restauração ou bebidas) ficam sujeitos não ao regime do licenciamento do exercício da atividade industrial previsto no Decreto Regulamentar 25/93, mas ao regime da instalação previsto no presente diploma, isto é, do Decreto Lei 57/2002. </font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; z) Os estabelecimentos referidos nos nºs 1 e 2 podem dispor de instalações destinadas ao fabrico próprio de pastelaria, panificação e gelados enquadrados na classe D do Decreto Regulamentar n.º 25/93, de 17 de Agosto, ficando assim sujeitos não ao regime do licenciamento do exercício da atividade industrial previsto naquele diploma, mas ao regime da instalaç
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><br> <div><br> <b><font>Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça</font></b></div><br> <font>AA intentou acção, com processo ordinário, contra BB e Estado Português, tendo posteriormente sido chamado a intervir principalmente, como associado do 1.º Réu, CC.</font> <p><font> Pediu a condenação solidária dos demandados a pagarem-lhe a quantia de 35718,30 euros, acrescida de juros de mora (à taxa anual de 4%) desde a citação, bem como a reconhecê-lo proprietário do tractor e da máquina de descascar eucaliptos identificados nos autos.</font> </p><p><font>Os Réus contestaram tendo o BB deduzido reconvenção e pedido a acima referida intervenção principal daquele que afirmou ser o dono dos bens.</font> </p><p><font>O Estado excepcionou a incompetência absoluta dos tribunais comuns por entender ser a jurisdição administrativa.</font> </p><p><font>O chamado CC contestou em termos semelhantes ao Réu BB e deduziu reconvenção a pedir a declaração de dono dos bens e a respectiva restituição.</font> </p><p><font>A excepção de incompetência foi julgada improcedente.</font> </p><p><font>A final, foi proferida sentença que também julgou a acção improcedente e absolveu os Réus do pedido; mais julgou improcedente o pedido reconvencional deduzido pelo Réu BB e dele absolveu o Autor; julgou ainda procedente a reconvenção deduzida pelo interveniente e condenou o Autor a reconhecê-lo como dono do tractor e da máquina de descascar eucaliptos; declarou ineficaz, em relação ao CC, o contrato de compra e venda celebrado pelo AA que teve por objecto aqueles bens; condenou este a entregar ao CC os referidos bens, abstendo-se de lhe perturbar o respectivo direito de propriedade; determinou o cancelamento do registo de aquisição, na CRA, do tractor a favor do Autor.</font> </p><p><font>Desta sentença do Tribunal Judicial da Comarca de Figueiró dos Vinhos, o demandante apelou para a Relação de Coimbra que julgou improcedente o recurso.</font> </p><p><font>Vem agora, por inconformado, pedir revista, assim concluindo a sua alegação:</font> </p><p><font>1 - A apresentação de queixa-crime significou no caso a violação do direito de propriedade, o acautelar da mesma, ter deduzido a devolução das duas máquinas, conforme decorre dos autos. </font><br> <font>Violou por isso o Tribunal a quo o art 7 do C.P.P. conjugado com o art 4 do CPP com remissão do art. 137 do CPC, uma vez que o processo penal tem suficiência para a entrega das máquinas, sendo a reivindicação autónoma de tais bens ato processual inútil. </font><br> <font>2 - Não foi alegada a má-fé do recorrente, pelo que a compra dos dois bens feitos por este e atento o lapso de tempo decorrido sem se registar a acção e porque o tractor é um bem sujeito a registo, o recorrente goza da eficácia da compra conforme art. 291 n.º 2 a contrario do CC. </font><br> <font>3 - O recorrido DD nunca pode usucapir o direito de propriedade conforme decorre do art. 1268 do C.C. porque tal era reduzir a nada a eficácia dos 3 casos julgados reproduzidos a folhas supra citados e em que é reconhecido o BCP como proprietário das 2 máquinas em momento que o nexo temporal leva à impossibilidade em usucapir, pois a acção entrou em 2007 e em 19/03/2001 (folhas 153) o proprietário era o Banco. </font><br> <font>4 - A interpretação e aplicação do Tribunal a quo relativamente ao art. 1268 do CC mostra-se inconstitucional na medida em que proferiu acordo violando os casos julgados invocados nos casos supracitados em violação grosseira do n.º 2 do artigo 205.º do Código do Registo Predial.”</font> </p><p><font>Pede, em consequência, a revogação do Acórdão recorrido e procedente o pedido mas “remetendo-se para execução de sentença os prejuízos que o mesmo teve por lhe ter sido retirada a posse e a sua disposição.</font> </p><p><font>Contra alegou o Ministério Público, em representação do Estado, pedindo a manutenção do acórdão “com a subsequente improcedência do pedido formulado contra o Estado Português.”</font> </p><p><font>As instâncias deram por assente o seguinte </font><b><font>quadro de facto</font></b><font>:</font><br> <br> <font>1) Encontra-se consignado no título de registo de propriedade do veículo de matrícula GN-...-... que, em 1998/08/04, o mesmo se encontrava averbado a EE (documento a fls. 48, não impugnado) — alínea A) dos factos assentes. </font><br> <font>2) Por volta de 1999/2000, GN e uma máquina de descascar eucaliptos de marca HYPNO, de cor vermelha, eram utilizadas pela Sociedade de Madeiras V..., Lda., que destinava tal equipamento ao corte e descasque de pinheiros e eucaliptos — alíneas B) e C) dos factos assentes. </font><br> <font>3) A máquina de descascar foi objecto, em 21/09/99, de um contrato de locação financeira, com o conteúdo de fls. 126 a 132 dos autos, sendo locadora a sociedade Leasing Atlântico, S.A., e locatária a sociedade V..., Lda. Esta máquina tinha sido vendida à locadora por EE que, na mesma altura, vendeu o tractor à sociedade V..., Lda. — resposta aos quesitos 4°, 5° e 62.°. </font><br> <font>4) Em data não apurada, mas não posterior a 8/03/2002, entre a empresa V..., Lda., através dos seus representantes, e DD foi acordado que este adquiria àquela empresa o tractor e máquina a que se alude em 2), tendo ficado combinado, nesse momento, que o comprador pagaria, como preço acordado, uma quantia que não foi possível apurar, mas situada entre € 20.000,00 e € 22.500,00, onde se incluíam os valores ainda em dívida referentes ao contrato de locação financeira referido em 3). Referente a tal acordo, em 8/03/2002 foi elaborada a declaração com o conteúdo de fls. 327 dos autos, cujo conteúdo se dá aqui por reproduzido, declaração essa assinada por EE, na qual consta que “a máquina de descascar (descascadeira) adquirida à F... — Leiria, pela firma V..., passará a ser propriedade do Sr. DD logo que este acabe de pagar a quantia de 800.000$00 (€ 3 990,38) à F...”. DD, depois de pagar o valor restante acordado, entregou um cheque à Leasing Atlântico, S.A., locadora da máquina, para pagamento da quantia que se encontrava em dívida a esta, cheque este que, no entanto, não veio a ser apresentado a pagamento pelo facto de o contrato ser dado definitivamente como não cumprido por essa empresa, que interpôs mais tarde, por esse facto, processo judicial contra a locatária (V..., Lda.), o qual veio a findar nos termos da transacção homologada por sentença cujo conteúdo consta de fls. 346 e 347 dos autos — sentença proferida em 27/09/2004, tendo a locadora declarado cumprido o contrato, com o recebimento da quantia de € 3800,00, nada mais tendo a exigir uma da outra no que ao objecto da acção diz respeito — resposta ao quesito 25°. </font><br> <font>5) No seguimento do referido em 4), DD, no convencimento de que tinha pago já todo o preço acordado, foi buscar a máquina e o tractor às instalações da empresa V..., Lda., levando-os para as suas instalações, bem como o livrete e o registo de propriedade do GN — respostas aos quesitos 26° e 27°. </font><br> <font>6) Após o referido em 5), DD passou a utilizar o tractor e a máquina no descasque de madeira, procedendo à realização das operações necessárias à sua manutenção e funcionamento, o que fez sem oposição de ninguém e na convicção de que tais equipamentos eram de sua propriedade — resposta aos quesitos 28° a 31°. </font><br> <font>7) Em data não apurada do ano de 2002, situada depois do referido em 4) a 6), porque DD devesse ao réu BB a quantia de € 15.000,00, entregou a este, como o seu acordo, o tractor e a máquina referidas para pagamento daquela dívida, considerando ambos que, com este acordo, aquela dívida ficou liquidada e que o tractor e a máquina ficaram a ser propriedade do Réu BB — resposta aos quesitos 32° e 33°. </font><br> <font>8) Face ao referido em 7), DD entregou ao réu BB esse equipamento, acompanhado do livrete e registo de propriedade da GN. A partir de então, BB, pese embora o destinasse a revenda, passou a utilizar o equipamento no corte e descasque de pinheiros e eucaliptos, procedendo, quando necessário, à substituição de óleos, peças e guardando o equipamento de modo a protegê-lo dos factores climatéricos, sem a oposição de alguém e convicto de que o equipamento lhe pertencia — respostas aos quesitos 34° a 38°. </font><br> <font>9) Em data não apurada, situada no final do ano de 2002, o réu BB acordou com o interveniente CC a venda a este do tractor e da máquina, pelo preço de € 15.000,00, sendo que não foram entregues os documentos do tractor ao interveniente nesse momento, mantendo-os o réu BB em seu poder como forma de garantir que lhe fosse pago todo o preço acordado, e, mesmo depois de ter recebido todo o preço, como recebeu, continuou este réu a deter tais documentos, não os tendo entregue ao interveniente — resposta aos quesitos 40° a 42°. </font><br> <font>10) Após, CC transportou tractor e a máquina descascadora para Góis, onde habita, destinando-os para o corte e descasque de pinheiros e eucaliptos, desde a sua aquisição até Maio de 2006, procedendo, quando necessário, à substituição de óleos, peças e guardando-os de modo a protegê-los dos factores climatéricos, até aí sem a oposição de alguém e convicto de que lhe pertenciam — respostas aos quesitos 43° a 47°-A. </font><br> <font>11) Em data não determinada de Maio de 2006, o tractor e a máquina foram entregues pelo interveniente CC a FF, pelo facto de este ter exigido essa entrega, mostrando-lhe documentos que a justificariam, não tendo aquele (o interveniente), por sua vez, qualquer documento que comprovasse o mencionado supra em 9). O referido FF levou o tractor e a máquina para próximo do local das antigas instalações da sociedade V..., Lda., local de onde foram retirados, em momento não apurado, mas anterior a 16/06/2006, por pessoa não concretamente determinada — resposta ao quesito 18°. </font><br> <font>12) Em 14/06/2006, foi acordada a venda do tractor e da máquina ao autor, tendo sido elaborada, por essa razão, a declaração junta a fls. 282 dos autos, cujo conteúdo se dá aqui por reproduzido, e que foi assinada por FF e EE. Tal ocorreu num momento em que a sociedade V..., Lda. já tinha encerrado a sua actividade, o que ocorreu em 31/12/2003 — resposta aos quesitos 1° e 2°. </font><br> <font>13) No seguimento do referido em 12), o autor pagou a quantia de € 30.000,00 — resposta ao quesito 3°. </font><br> <font>14) Em 2006/07/16, o autor apresentou no Posto Territorial da GNR queixa contra BB, dizendo que o mesmo, entre as 00h00m e as 06h00m desse dia, na Serração do “V...”, em Castanheira de Pêra, teria furtado um veículo agrícola de matrícula GN-...-... e uma máquina de descascar eucaliptos de marca HYPNO de cor vermelha e preta, transportando-os de seguida para o seu estaleiro, situado em Valinha da Fontinha, também em Castanheira de Pêra (documento a fls. 63, não impugnado - auto de denúncia por furto) — alínea F) dos factos assentes. </font><br> <font>Tal queixa originou os autos de inquérito que correram termos nos Serviços do Ministério Público junto deste Tribunal sob o n° 65/06.1 GBFVN — alíneas F) e G) dos factos assentes. </font><br> <font>15) Naquele mesmo dia, 2006/07/16, e com referência a esses autos, foi elaborado um “auto de diligências”, onde militares da GNR fizeram consignar que “foi inquirido em auto de declarações o Sr. BB e por aquele foi dito que efectivamente tinha sido ele que tinha ido buscar o tractor hoje, pelas 07h00m, declarando ser seu. Por ser do conhecimento deste Comando que já decorreram, pelo menos, dois processos no Tribunal de Ferreira do Zêzere, respeitantes ao equipamento em questão, desconhecendo-se o resultado daqueles, a máquina ter sido depositada em local bem visível (EN 236-1), apenas se procedeu à respectiva apreensão, nomeando-se como fiel depositário o Sr. BB” (documento de fls., 66, não impugnado) — alínea H) dos factos assentes. </font><br> <font>16) Também em 2006/07/16, e com referência a esses autos, foi elaborado um “auto de apreensão de veículo automóvel”, onde se diz que nesse dia, no local da Valinha da Fontinha, em Castanheira de Pêra, a GNR procedeu à apreensão da GN (documento a fls., 68, não impugnado), (…) consignando, ainda, que tanto AA como BB alegavam, naquele momento, e perante os militares da GNR, ser os donos da GN, tendo este último sido constituído seu fiel depositário, por banda dos mesmos militares — alíneas I) e J) dos factos assentes. </font><br> <font>17) O réu BB, no seguimento do referido supra em 9), tinha na sua posse o livrete e o título de registo de propriedade do tractor — resposta ao quesito 60°. </font><br> <font>18) No dia 2006/07/16, pelas 18h00m, foi elaborado um “acto de declarações”, consignando-se como declarante BB, no âmbito desse mesmo processo (documento a fls. 69, não impugnado). Aí se menciona que o mesmo BB declarou então, perante os militares da GNR ali presentes, que “efectivamente foi ele que foi buscar hoje, pelas sete horas, o tractor e a descascadora junto à Serração do V..., nesta vila de Castanheira de Pêra, local bastante visível em virtude de ser uma Urbanização e que na altura em que estava a carregar o tractor passou bastantes pessoas, nomeadamente no Lugar de Vilar. Que o tractor e a descascadora se encontravam na via pública e serem de sua pertença, porquanto recebeu-os há cerca de cinco/seis anos, em troca de uma dívida de quinze mil euros, ao Sr. DD (...) dinheiro esse que serviu para pagamento do tractor ao Sr. FF. Que na altura o referido Sr. DD entregou-lhe o livrete e título de registo de propriedade do tractor. Esclarece mais que em 2002 vendeu o tractor e a descascadora ao Sr. CC (...) por quinze mil euros. Entretanto, o Sr. CC contactou o depoente, dizendo que um senhor de nome FF lhe tinha ido buscar a máquina que se encontrava estacionada num estaleiro de um vizinho. Disse, ainda, que caso o tractor e a descascadora não fossem seus não os ia pôr no seu estaleiro, que fica junto à Estrada Nacional n° 236-1 à vista de toda a gente. A pergunta feita qual o motivo porque o tractor se encontra registado em nome do Sr. AA (...) disse desconhecer, porquanto já contactou o Sr. EE (...) e por aquele foi dito, apenas, ter passado uma declaração de venda ao Sr. DD. Também o Sr. DD informou-o que efectivamente tinha uma declaração de venda passada pelo Sr. Sérgio, mas que desconhece onde a tem guardada” — alíneas K) e L) dos factos assentes. </font><br> <font>19) Encontra-se junto aos referidos autos de inquérito um documento intitulado “certificado de matrícula”, emitido a favor de Sociedade de Madeiras V..., Lda., em 2006/04/03 e com validade até 2006/10/11, referente ao GN (documento a fls. 67, não impugnado — alínea M) dos factos assentes. </font><br> <font>20) Nesse mesmo inquérito, o autor foi ouvido em declarações na qualidade de lesado — resposta ao quesito 7°. </font><br> <font>21) Em 2007/02/12, o Ministério Público decidiu-se pelo arquivamento daqueles autos de inquérito, por insuficiência de indícios da prática de qualquer crime (documento a fls. 71, não impugnado). Esta decisão de arquivamento não foi objecto de instrução judicial ou de intervenção hierárquica (documento a fls. 70, não impugnado) — alíneas N) e O) dos factos assentes. </font><br> <font>22) Em 2007/03/16, o Magistrado do Ministério Público determinou o levantamento da apreensão efectuada do veículo GN e a sua entrega a AA, nos termos do artigo 186.° do Código de Processo Penal (documento a fls. 5 não impugnado) — alínea P) dos factos assentes. </font><br> <font>23) Em 2007/04/04, a GN e a referida máquina de descascar eucaliptos foram entregues ao Autor, no âmbito do mesmo inquérito — alínea Q) dos factos assentes. </font><br> <font>24) No decurso do mencionado processo, o autor procedeu à junção de um certificado de registo provisório de matrícula referente ao tractor GN-...-..., emitido em 11/07/2006 e com validade até 11/10/2006, onde figura como titular do certificado a Sociedade de Madeiras do V..., Lda., cuja cópia consta de fls. 68 dos autos. Foi emitido, com data de 11/09/2006, certificado de registo definitivo do mesmo tractor, figurando o Autor nesse como titular desse certificado — resposta aos quesitos 8°, 9° e 10°. </font><br> <font>25) O autor nunca requereu, no inquérito n° 65/06.1GBFVN, que a GN e a máquina descascadora lhe fossem entregues — resposta ao quesito 60°. </font><br> <font>26) Em 2006/09/11, a Direcção Geral de Viação e a Direcção Geral dos Registos e do Notariado emitiram um documento intitulado “certificado de matrícula”, referente ao veículo agrícola de matrícula GN-...-..., e cujo titular é o autor, AA (documento a fls. 15, não impugnado) — alínea D) dos factos assentes. </font><br> <font>27) Aliás, a GN encontra-se descrita a favor de AA na Conservatória do Registo Automóvel, através da apresentação n° 512, de 20Q6/07/3 1 (documento a fls. 180, não impugnado) — alínea E) dos factos assentes. </font><br> <font>28) O autor, após o referido supra em 12), pretendia operar com a máquina e o tractor, na descasca de eucaliptos, em explorações florestais de outras pessoas, tendo acordado, com os respectivos proprietários, fazê-lo em explorações de J...S..., A...N..., M...S..., dispersas pelos concelhos de Castanheira de Pêra, Figueiró dos Vinhos e Pedrógão Grande — resposta aos quesitos 11° a 14° e 49°. </font><br> <font>29) Aquando do referido em 27), foi acordado o pagamento ao autor de € 5,00 por cada m3 de madeira descascada — resposta ao quesito 16°. </font><br> <font>30) A deslocação da GN e da máquina descascadora de um local de trabalho para outra pressupõe a utilização de veículos pesados de transporte — resposta ao quesito 48°. </font><br> <font>31) O tractor e a máquina descascadora operam diariamente durante um número variável e não determinado de horas e têm produtividade não concretamente determinada — respostas aos quesitos 17° e 57°. </font><br> <font>32) Os equipamentos consomem quantidade não determinada de combustível — resposta ao quesito 20°. </font><br> <font>33) Para operar com o tractor e a máquina, caso se contrate pessoa ou pessoas para o fazer, despendem-se quantias variáveis para suportar os salários — resposta ao quesito 21°. </font><br> <font>34) Os custos de manutenção do tractor e da máquina são de valor não concretamente apurado — resposta ao quesito 22°. </font><br> <font>35) O autor pagou a quantia de € 399,30 referente a intervenções efectuadas no tractor — resposta aos quesitos 23° e 24°. </font><br> <font>36) Basta uma pessoa para operar com o tractor e máquina, sendo, no entanto, necessário que outra ou outras pessoas procedam ao prévio corte e diligências para arrastamento das árvores, bem como para a operação de empilhamento dos toros descascados para posterior carregamento — resposta aos quesitos 55° e 56°.</font><br> <font> </font> </p><p><font>Foram colhidos os vistos.</font> </p><p><font>Conhecendo,</font><br> <font>1- Poderes do Supremo Tribunal de Justiça</font><br> <font>2- Base instrutória e respostas.</font><br> <font>3- Conclusões.</font> </p><p> </p><p><b><font>1 Poderes do Supremo Tribunal de Justiça </font></b> </p><p><font>O princípio de que o objecto do recurso fica limitado pelas conclusões da alegação do recorrente (artigo 684.º do Código de Processo Civil) tem algumas, e não pouco importantes, excepções.</font> </p><p><font>Daí que o Tribunal “ad quem” possa decidir as questões substantivas de conhecimento oficioso e deva conhecer as adjectivas em relação às quais a lei impõe cognoscibilidade “ex officio”.</font> </p><p><font>Há, porém, um “tertium genus” constituído por aquelas que as partes não submeteram à apreciação em recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 660.º do Código de Processo Civil e que, como regra, não sendo de conhecimento oficioso, e para as quais o Tribunal não é, em princípio, competente mas que, no caso concreto, pode, e deve, sobre elas decidir oficiosamente.</font> </p><p><font>Tais são, geralmente, de natureza adjectiva mas com tão íntima conexão sobre o mérito que acabariam por condicionar o julgamento do recurso, em sede substantiva, se não fossem, desde logo, apreciadas.</font> </p><p><font>Vejamos, então, com a nota de que, ponderando a data de instauração da lide, nos reportamos às normas processuais anteriores à redacção do Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto.</font><br> <font>1.1 Comecemos por enfatizar que o papel do Supremo Tribunal de Justiça, no tocante à matéria de facto, é muito restrito.</font> </p><p><font> Pode, apenas, sindicar a observância das regras de direito probatório material, nos termos do n.º 2 do artigo 722.º do Código de Processo Civil, ou mandar ampliar a decisão sobre a matéria de facto, para construir base suficiente da decisão de direito ou se ali forem encontradas contradições susceptíveis de inviabilizarem a decisão jurídica do pleito. (n.º 3 do artigo 729.º).</font> </p><p><font>É então que este Supremo Tribunal reenvia o processo ao juízo “a quo”, definindo, desde logo, o direito aplicável se, mau grado aquelas deficiência/contradição o permitirem definir, ou deixando tal subsunção para a Relação (ou 1.ª Instância, no caso de recurso “per saltum”), após a ampliação ordenada ou a eliminação das contradições topadas.</font> </p><p><font>Afinal, é o que resulta do artigo 26.º da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais (aprovada pela Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro) ao dispor que o Supremo Tribunal de Justiça conhece apenas matéria de direito aplicando aos factos definitivamente fixados pelo tribunal “a quo” o pertinente regime jurídico.</font> </p><p><font>E, o cerne dos artigos 722.º, n.º 2 e 729.º, n.º 2 do Código de Processo Civil só excepciona esse princípio nas situações acima referidas, ou seja, e nuclearmente, quando houver ofensa de disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou fixe a força probatória de determinado meio de prova.</font> </p><p><font>Os poderes do n.º 3 do artigo 729.º da lei adjectiva são dos poucos poderes próprios do Supremo Tribunal de Justiça em matéria de facto e estão “funcionalmente orientados para um correcto enquadramento jurídico do pleito” permitindo ultrapassar deficiências ou insuficiências na descrição de facto fixada pelas instâncias e que inviabilizam a correcta decisão jurídica do litigio.” (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16 de Dezembro de 2010 – 5889/05. 4TBAVR.C1.S1).</font> </p><p><font>É o “tertium genus” acima acenado.</font> </p><p><font>Mas para que o princípio-base do primado de conhecimento de direito seja válido, na dogmática do reenvio atrás afirmado (n.º 3 do artigo 729.º do Código de Processo Civil), essencial é que o elenco dos factos provados presente ao Supremo Tribunal constitua um todo coerente e tenha sido obtido na sequência de um escrupuloso acatamento das regras básicas que regem a elaboração e as respostas à base instrutória.</font><br> <font>1.2 E quais são essas regras básicas?</font> </p><p><font>A primeira é que cada artigo da base instrutória (o antes apodado de quesito) tenha sido redigido tendo em conta o “distinguo” entre facto, direito e conclusão, acolhendo apenas o facto simples e, como se disse no Acórdão de 19 de Dezembro de 2006 – 06 A4115 – desta Conferência, “arredando da base instrutória os conceitos de direito – salvo os que transitaram para a linguagem corrente, por assimilados pelo cidadão comum por corresponder a um facto concreto – e conclusões que mais não são do que a lógica ilação de premissas.”</font> </p><p><font>A segunda é que o questionário deve constituir um todo coerente, não dicotómico, com moderação de formulações alternativas a propiciarem remissões ou confronto entre respostas positivas e negativas (estas equivalentes à ausência da pergunta) o que propicia contradições na lógica discursiva final.</font> </p><p><font>Por último, as respostas terão de ser claras, coerentes, congruentes, minuciosas mas, embora podendo ser simples, restritivas ou explicativas, têm de conter-se nos factos articulados, admitindo nestes os instrumentais (aqui, o n.º 3 do artigo 264.º do Código de Processo Civil).</font> </p><p><font>Se tais regras não forem respeitadas, o Supremo Tribunal de Justiça pode ver-se confrontado com um conjunto de “factos” que não traduz perfeitamente o alegado pelas partes ou que distorce, exceda ou limite, notoriamente, o que o julgador quis saber para decidir e, portanto, quesitou.</font><br> <font>1.3 “In casu”, iremos abordar por ser o que aqui releva, as respostas excessivas.</font> </p><p><font>Quanto a estas, é geralmente entendido que deve procurar cindir-se o que se contém no perguntado e o que o transcende.</font> </p><p><font>Logrando-se essa cisão, tem-se por não escrito o segmento excrescente.</font> </p><p><font>Não sendo possível, há que apurar se a resposta se traduz na criação de factos novos e, então, será completamente eliminada.</font> </p><p><font>Mas é, ainda, possível a situação em que a resposta origine uma colisão com a coerência de tudo o que foi quesitado e, mais do que esclarecer, confunda não só o julgador como, e sobretudo, as partes (afinal os verdadeiros destinatários da decisão).</font> </p><p><b><font>2- Base instrutória e respostas.</font></b> </p><p><font>Na selecção da matéria de facto assente e na base instrutória (fls. 250 a 259) procurou-se trazer para os autos a posição das partes e os factos pertinentes alegados.</font> </p><p><font> Mas nas respectivas respostas (fls. 547 a 552 e 562) tudo se desvirtuou, com afirmações conjuntas, excessivas e a conterem conceitos de direito tudo a tornar o acervo final confuso e contraditório.</font> </p><p><font>Vejamos o exemplo mais nítido (do qual, aliás, o recorrente se apercebeu na apelação).</font> </p><p><b><font>Quesito 25</font></b><font>° — Por volta do ano de 2001, FF, em nome da Empresa de Madeiras V..., Lda., declarou vender a DD, que, por sua vez, declarou comprar, a referida GN, bem como a descascadora de eucaliptos? </font> </p><p><b><font>Resposta</font></b><font>: provado apenas que, em data não apurada, mas não posterior a 8/03/2002, entre a empresa V..., Lda., através dos seus representantes, e DD foi acordado que este adquiria àquela empresa o tractor e máquina a que se alude na alínea B) dos factos assentes, tendo ficado combinado, nesse momento, que o comprador pagaria, como preço acordado, uma quantia que não foi possível apurar, mas situada entre € 20.000,00 e € 22.500,00, onde se incluíam os valores ainda em dívida referentes ao contrato de locação financeira a que se alude na resposta aos quesitos 4.° e 5.°. Provado, ainda, que, referente a tal acordo, em 8/03/2002, foi elaborada a declaração com o conteúdo de fls. 327 dos autos, cujo conteúdo se dá aqui por reproduzido, declaração essa assinada por EE, na qual consta que “a máquina de descascar (descascadeira) adquirida à F... — Leiria, pela firma V..., passará a ser propriedade do Sr. DD logo que este acabe de pagar a quantia de 800.000$00 (€ 3 990,38) à F...”. Provado, por último, que DD, depois de pagar o valor restante acordado, entregou um cheque à Leasing Atlântico, S.A., locadora da máquina, para pagamento da quantia que se encontrava em dívida a esta, cheque este que, no entanto, não veio a ser apresentado a pagamento pelo facto de o contrato ser dado definitivamente como não cumprido por essa empresa, que interpôs, mais tarde, por essa razão, processo judicial contra a locatária (V..., Lda.), o qual veio a findar nos termos da transacção homologada por sentença cujo conteúdo consta de fls. 346 e 347 dos autos. </font> </p><p><font>Esta resposta vai muito para além do perguntado (fazendo incluir uma data; quem emitiu a declaração negocial de “V...”; a existência e o montante de um preço; outro negócio (com um conceito de direito, “locação financeira”); remissão para a resposta conjunta aos quesitos 4.º e 5.º [note-se que o que se perguntava no </font><u><font>quesito 4.</font></u><font>º (“A referida GN e a máquina de descascar eucaliptos haviam antes pertencido ao Banco Comercial Português?”) e no </font><u><font>quesito 5</font></u><font>.º (“Sendo que, por volta de 1999/2000 um seu representante as declarou vender, e um representante da Sociedade de Madeiras V... Lda. as declarou comprar?”) tendo a resposta conjunta sido: Quesitos 4.º e 5.º da base instrutória: provado apenas que a máquina de descascar tinha sido objecto, em 21/09/99, de um contrato de locação financeira, com o conteúdo de fls. 126 a 132 dos autos, sendo locadora a sociedade Leasing Atlântico, SA, e locatária a sociedade V..., Lda.”!!]; remissão para o documento de fls. 327, a transcender nitidamente ao perguntado e que não fora antes autonomizado e sujeito a prova; finalmente, (“provado por último”) a referência a um cheque e a um não pagamento, matéria que também não cabia na economia do quesito.</font> </p><p><font>Mas a resposta ao quesito seguinte é também esclarecedora de patente excesso:</font> </p><p><b><font>Artigo 26.º</font></b><font> - Tendo sido, então, entregue a este último esse equipamento , que o transportou para Ferreira do Zêzere? </font> </p><p><b><font>Resposta</font></b><font>: provado que, no seguimento do referido na resposta ao quesito 25.º, DD, no convencimento de que tinha pago já todo o preço acordado, foi buscar a máquina e o tractor às instalações da empresa V..., Lda., levando-os para as suas instalações.</font> </p><p><font>A referência à resposta ao quesito anterior (que, como se viu, é insustentável, o que mais lhe alarga o já enorme âmbito) e ao elemento subjectivo, não perguntado não permitem que se aproveite este quesito, tal qual..</font> </p><p><font>Ou seja, quando como é o caso ( sobretudo da resposta ao artigo 25.º, e também ao 26.º que para ela remete) a resposta é demasiado exuberante (excessiva), o Supremo Tribunal ou a cinde, se possível, e então aproveita a parte não excrescente, cruzando a ténue linha do julgamento do facto ou a dá totalmente por não escrita e passa a conhecer de direito, com o risco de desaproveitar o segmento saudável assim prejudicando as partes.</font> </p><p><font>Nesta dúvida, e para não correr o risco de interferir no julgamento de facto, o que nos está vedado, mas perante respostas confusas, com conceitos de direito e a dificultarem a decisão final por ausência de matéria factual (clara, congruente e explicita) susceptível de ser boa premissa menor do silogismo judiciário, entendem que será caso de considerar a situação vertente como equiparada à falta de elementos de facto impeditivo de fixar com precisão o regime jurídico a aplicar.</font> </p><p><font>É que no exercício dos poderes do n.º 3 do artigo 729.º do Código de Processo Civil, o Supremo Tribunal de Justiça mais não está do que a “sindicar autonomamente a coerência lógico-juridica e a suficiência da decisão sobre a matéria de facto” (cfr. o citado Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 16/12/2010).</font> </p><p><b><font>3- Conclusões</font></b> </p><p><font>Pode concluir-se que:</font><br> <font>a) Mau grado a limitação do objecto do recurso pelo recorrente, o Tribunal “ad quem” pode conhecer as questões substantivas de conhecimento oficioso e deve conhecer as adjectivas em relação às quais a lei impõe a cognoscibilidade “ex officio”.</font><br> <font>b) Há um “tertium genus” constituído pelas questões que, embora não inseridos no âmbito do recurso, o Tribunal pode conhecê-las por, embora adjectivas, se conectarem intimamente com o mérito, o que acontece com as previstas no n.º 3 do artigo 729.º do Código de Processo Civil.</font><br> <font>c) Cumpre às instâncias apurar a matéria de facto relevante para a solução do litígio, só a Relação podendo emitir um juízo de censura sobre o apurado na 1.ª instância.</font><br> <font>d) Salvo situações de excepção o Supremo Tribunal de Justiça só conhece matéria de direito, sendo que, no âmbito do recurso de revista, o modo como a Relação ficou os factos materiais só é sindicável se foi aceite um facto sem produção do tipo de prova para tal legalmente imposto ou tiverem sido incumpridos os preceitos reguladores da força probatória de certos meios de prova.</font> </p><p><font>e) Mas para que este principio, na sua conjugação com o do reenvio (n.º 3 do artigo 729.º do Código de Processo Civil) seja válido, essencial é que o elenco dos factos provados presente ao Supremo Tribunal tenha sido obtido na sequência de um escrupuloso acatamento das regras básicas que regem a elaboração e as respostas à base instrutória.</font> </p><p><font>f) Cada artigo da base instrutória deve ser redigido tendo em conta o “distinguo” entre facto, direito e conclusão, acolhendo apenas, o facto simples e arredando os conceitos de direito – salvo os
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font> <p><b><u><font>I. RELATÓRIO</font></u></b><br> <font>&nbsp;</font><br> <font>O Autor </font><u><font>AA</font></u><font>, casado, residente na Avenida ..., nº …, Edifício ... .., …º, …, ..., ..., intentou, em 03-05-2010, no 5º. Juízo Cível da Comarca de ..., acção declarativa, constitutiva, com processo comum, sob forma ordinária, contra os Réus </font><u><font>BB</font></u><font>, casado, residente na Avenida ... nº …º, …, ..., e </font><u><font>CC</font></u><font>, casado, residente na Rua ..., nº …, ..., ....</font><br> <font>Formulou o seguinte pedido: “deve a presente acção ser julgada provada e procedente e, em consequência, ser declarada a anulação do testamento outorgado pelo falecido DD, no dia 7 de Abril de 2008, no Cartório Notarial de EE, sito em ..., com todas as legais consequências, nomeadamente a de condenar os réus a restituírem à herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de DD, todos os bens que integram o respectivo acervo patrimonial hereditário, tal como se esse testamento nunca tivesse existido.”</font><br> <font>Invocou como causa de pedir: Incapacidade (acidental) do testador, no momento da outorga do testamento, para entender o sentido da sua declaração e falta do livre exercício da vontade.</font><br> <font>Alegou, em </font><u><font>fundamento</font></u><font>, que seu Tio paterno, DD, outorgou testamento instituindo únicos e universais herdeiros ambos os Réus (irmãos) e, no caso de algum destes não lhe sobreviver, como substitutos, a respectiva mulher e filho (cunhada e sobrinho), tendo-o feito em momento em que estava incapacitado de entender o sentido e de querer o que no acto declarou e ficou exarado, e, por isso, contrariando a vontade que sempre manifestou de não testar em tais termos, pois sofria de doença de Alzheimer, já numa fase adiantada e de demência, e para tal disposição tendo sido induzido. </font><br> <font>Uma vez citados, os RR </font><u><font>contestaram</font></u><font>, conforme fls. 38 a 53, por impugnação, defendendo que o </font><i><font>de cujus </font></i><font>manifestou a sua vontade de forma livre, esclarecida, consciente, e segundo o seu propósito, pugnando pela improcedência da acção.</font><br> <u><font>Replicou</font></u><font> o autor, a pretexto de os RR terem excepcionado, refutando a versão fáctica daqueles e concluindo como na petição inicial. </font><br> <font>Proferido saneador tabelar, organizou-se o rol dos “Factos Assentes” e enumeraram-se, na Base Instrutória, os controvertidos (fls. 71 a 82) – sem reclamação. </font><br> <font>Após realização da audiência de julgamento, foi respondida a matéria de facto que tinha ficado controvertida e pendente de prova – cfr. fls. 224 a 241 – após o que foi prolatada decisão – cfr. fls. 243 a 262 – em que foi decido julgar a acção improcedente e, em consequência, absolver os Réus do pedido.&nbsp; </font> </p><p><font>Irresignado, interpôs o demandante recurso de apelação, tendo o Tribunal da Relação do Porto, por acórdão de 15 de Dezembro de 2012 – cfr. fls. 316 a 424 – decidido: A) – [Alterar] a matéria de facto nos termos sobreditos, prevalecendo a fixada no elenco organizado sob o número 6., supra; B) – [Revogar] a sentença recorrida e julga-se procedente, por provada, a acção, e, por isso, declara-se anulado o testamento outorgado pelo falecido DD, no dia 7 de Abril de 2008, no Cartório Notarial de EE, sito em ..., com todas legais consequências, nomeadamente condenando-se os RR a restituírem à herança aberta por óbito dele todos os bens integrantes do acervo patrimonial hereditário.”</font><br> <font>Da decisão cujo decreto quedou extractado, recorrem os demandados, tendo condensado os fundamentos – cfr. fls. 433 a 523 – no epítome conclusivo que a seguir queda extractado.&nbsp; </font><br> <b><font>I.A. – Quadro Conclusivo</font></b><font>.</font> </p><p><font>“I. O Venerando Supremo Tribunal de Justiça só conhece matéria de direito, salvo situações de excepção legalmente previstas, contudo, o modo como a Relação fixou os factos materiais não deixa de ser sindicável por este Venerando Tribunal </font><i><font>ad quem </font></i><font>se foram aceites factos sem produção do tipo de prova legalmente imposto ou tiverem sido incumpridos os preceitos reguladores da força probatória de certos meios de prova. </font> </p><p><font>II. As regras do ónus da prova constituem matéria de direito sindicável pelo Venerando Supremo Tribunal de Justiça, porquanto neste conspecto estamos perante uma questão de direito de saber em que sentido deve o tribunal decidir (por força da aplicação das regras de direito) no caso de não se provarem determinados factos. </font> </p><p><font>III. Ainda que se admita, legitimamente, o recurso a presunções judiciais, como elementos de formação da convicção, por forma a revelar a verdade judiciária, não é através da mera elaboração teórica que tal deve ser alcançado, mas antes através da relacionação e interligação de factos indirectos, mas objectivos, cuja prova se mostrou segura, que, pese embora, serem factos meramente circunstanciais, instrumentais e indiciários, através de uma operação de raciocínio lógico-dedutivo, norteada e sustentada nas regras da experiência, conduzam a juízos convincentes com o grau de certeza que as provas devem proporcionar, sob pena do recurso a essas presunções judiciais se transformar em mera arbitrariedade ou reconduzir a meros juízos especulativos. </font> </p><p><font>IV. Para que opere a inversão do ónus da prova, de acordo como disposto no art.º 344.º, do Código Civil, é necessário que:</font> </p><p><font>&nbsp;- Exista presunção legal, dispensa ou liberação do ónus da prova, ou convenção válida ou disposição legal nesse sentido; Ou que, </font> </p><p><font>- A contraparte tenha, culposamente, tornado impossível a prova ao onerado. </font> </p><p><font>V. O tribunal </font><i><font>a quo, </font></i><font>através do recurso a presunções judiciais, numa operação lógico-dedutiva pretensamente assente nos factos circunstanciais, instrumentais, indiciários e na prova indirectamente produzida, alterou a decisão da 1.ª instância sobre o concreto ponto da matéria de facto alinhado na Base Instrutória sob o quesito 7, de "Não provado" para "O falecido DD registava uma diminuição do pensamento abstracto". </font> </p><p><font>VI. O pensamento abstracto é a capacidade que temos de idealização de determinado corpo, objecto, forma ou conceito, isto é, de relacionar e associar ideias às coisas, de conceptualizar ideias ou representações mentais, através de estímulos externos recebidos pelos órgãos sensoriais ou de lembranças evocadas da memória ou simplesmente de mensagens provenientes de locais indeterminados nos recônditos da mente e sem qualquer traço de lembrança consciente. </font> </p><p><font>VII. O tribunal </font><i><font>a quo </font></i><font>extraiu o seu juízo e assentou a sua conclusão em factos que não estão directa ou sequer indirectamente ligados à capacidade ou dificuldade do indivíduo operar conceptualmente e de cogitar relações dessa índole, factos esses que nem sequer indiciariamente permitem sustentar com um mínimo de certeza e de segurança a pretensa perda ou diminuição do pensamento abstracto. </font> </p><p><font>VIII. Dos factos indirectos (circunstanciais e instrumentais) a que o tribunal </font><i><font>a quo </font></i><font>recorreu para sustentar a sua decisão no que concerne ao concreto ponto da matéria de facto controvertida em questão, não é possível aferir ou extrair, com segurança e um mínimo de certeza, segundo as regras do raciocínio lógico escoradas em juízos de experiência e de normalidade, a verificação ou demonstração do respectivo e concreto ponto da matéria de facto em apreço. </font> </p><p><font>IX. O recurso aos métodos de prova meramente indiciária ou indirecta e à presunção judicial, do modo como foi efectuado pelo tribunal </font><i><font>a quo </font></i><font>para concluir pela alteração e pela resposta que deu ao concreto ponto da matéria de facto controvertida em apreço – quesito 7 –, viola o disposto nos arts. 341.º, 342.º, 344.º, 349.º e 351.º, do Código Civil, bem como o disposto nos arts. 516.º e 712.º, n.º 2, do Código do Processo Civil, fazendo uma errada interpretação e aplicação dos respectivos preceitos legais, os quais, numa correcta interpretação e aplicação, impõem que não se altere a resposta dada ao concreto ponto da matéria de facto em causa pela 1.ª instância nos moldes ou com os fundamentos sustentados pela Relação. </font> </p><p><font>X. O tribunal </font><i><font>a quo, </font></i><font>através do recurso a presunções judiciais, numa operação lógico-dedutiva pretensamente assente nos factos circunstanciais, instrumentais, indiciários e na prova indirectamente produzida, alterou a decisão do tribunal de 1.ª instância sobre o concreto ponto da matéria de facto alinhado na Base Instrutória sob o quesito 23, de "Provado apenas que chegou a perder a noção dos dias da semana" para "Provado, apenas, que chegou a perder a noção das horas e dos dias das semanas". </font> </p><p><font>XI. Os factos indirectos ou indiciários a que o tribunal </font><i><font>a quo </font></i><font>recorreu para estear a sua decisão sobre o concreto ponto da matéria de facto em causa, de acordo com o raciocínio lógico e segundo as regras da experiência que se impõem, não permitem, de forma segura e com um mínimo de certeza, concluir pela verificação da respectiva realidade fáctica. </font> </p><p><font>XII. O recurso aos métodos de prova meramente indiciária ou indirecta e à presunção judicial, do modo como foi efectuado pelo tribunal </font><i><font>a quo </font></i><font>para concluir pela alteração e pela resposta que deu ao concreto ponto da matéria de facto controvertida em apreço – quesito 23 –, viola o disposto nos arts. 341.º, 342.º, 344.º, 349.º e 351.º, do Código Civil, bem como o disposto nos arts. 516.º e 712.º, n.º 2, do Código do Processo Civil, fazendo uma errada interpretação e aplicação dos respectivos preceitos legais, os quais, numa correcta interpretação e aplicação, impõem que não se altere a resposta dada ao concreto ponto da matéria de facto em causa pela 1.ª instância nos moldes ou com os fundamentos sustentados pela Relação. </font> </p><p><font>XIII. O tribunal </font><i><font>a quo </font></i><font>alterou a decisão do tribunal de 1.ª instância sobre os concretos pontos da matéria de facto alinhados na Base Instrutória sob os quesitos 55, 56 e 57, de "Não Provado" para "Provado", "Provado", "Provado, apenas, que nem conseguia preparar um acto notarial". </font> </p><p><font>XIV. Os factos indirectos ou indiciários a que o tribunal </font><i><font>a quo </font></i><font>recorreu para estear a sua decisão sobre os concretos pontos da matéria de facto em causa, ainda que conjugados e interligados do modo como o tribunal </font><i><font>a quo </font></i><font>considerou, de acordo com o raciocínio lógico segundo as regras da experiência que se impõem, não permitem, de forma segura e com um mínimo de certeza, concluir pela verificação da respectiva realidade fáctica. </font> </p><p><font>XV. O recurso aos métodos de prova meramente indiciária ou indirecta e à presunção judicial, do modo como foi efectuado pelo tribunal </font><i><font>a quo </font></i><font>para concluir pela alteração e pela resposta que deu aos concretos pontos da matéria de facto controvertida em apreço - quesitos 55, 56 e 57 -, viola o disposto nos arts. 341.º, 342.º, 344.º, 349.º e 351.º, do Código Civil, bem como o disposto nos arts. 516.º e 712.º, n.º 2, do Código do Processo Civil, fazendo uma errada interpretação e aplicação dos respectivos preceitos legais, os quais, numa correcta interpretação e aplicação, impõem que não se altere a resposta dada aos concretos pontos da matéria de facto em causa pela 1.ª instância nos moldes ou com os fundamentos sustentados pela Relação. </font> </p><p><font>VXI. O tribunal </font><i><font>a quo </font></i><font>alterou a decisão do tribunal de 1.ª instância sobre os concretos pontos da matéria de facto alinhados na Base Instrutória sob os quesitos 54 – que depois da fusão do quesito 15 passou a constar com a seguinte redacção: "Que o incapacitava, no momento em que foi outorgado o testamento, de entender o sentido da sua declaração e que impedia o livre exercício da sua vontade" –, 69, 70, 71 e 72, de "Não Provado" para "Provado". </font> </p><p><font>XVII. Tendo concluído que: "se a </font><u><font>incapacidade</font></u><font> aludida no art. 2199.º se refere a uma </font><u><font>deficiência psíquica ou psicológica,</font></u><font> em termos de </font><u><font>inaptidão natural</font></u><font>, falta de </font><u><font>discernimento</font></u><font> para entender o significado do que se comunica, e se a </font><u><font>indução</font></u><font> comporta actos destinados a influenciar ou condicionar o exercício livre da vontade, </font><u><font>parece que tais factos podem ser perguntados e, em princípio, ser respondidos</font></u><font>". </font> </p><p><font>XVIII. Os respectivos quesitos comportam ou encerram meros juízos conclusivos ou meras questões e conclusões de direito. </font> </p><p><font>XIX. Contrariamente ao que se sustentou no acórdão recorrido, os quesitos em apreço não devem constar da base instrutória por não conterem ou traduzirem, directa ou indirectamente, matéria de facto controvertida, antes contendo um juízo que opera já na esfera de apreciação do mérito. </font> </p><p><font>XX. O tribunal a </font><i><font>quo </font></i><font>violou o disposto no art. 511.º, n.º 1, do CPC, tendo feito uma errada interpretação e aplicação do respectivo preceito legal que, numa correcta interpretação e aplicação, impõe que se excluam os respectivos quesitos 54 (que depois da fusão do quesito 15 passou a constar com a seguinte redacção: "Que o incapacitava, no momento em que foi outorgado o testamento, de entender o sentido da sua declaração e que impedia o livre exercício da sua vontade"), 69, 70, 71 e 72, da base instrutória e do elenco dos concretos pontos da matéria de facto a considerar. </font> </p><p><font>XXI. Sem prescindir, ainda que se entenda que os quesitos em apreço consubstanciam matéria de facto ou juízos de facto, que, por conseguinte, devem ser levados e mantidos na base instrutória e considerados no elenco dos concretos pontos da matéria de facto, o tribunal a </font><i><font>quo cimentou</font></i><font> a sua decisão sobre os concretos pontos da "matéria de facto" ou sobre os quesitos em causa através do recurso a presunções judiciais por meio de factos indirectos (factos circunstanciais, instrumentais ou meramente indiciários) e através do recurso à inversão do ónus da prova. </font> </p><p><font>XXII. Dos factos conhecidos, contrariamente ao entendimento sustentado pelo tribunal </font><i><font>a quo, </font></i><font>não resulta indiciado ou evidenciado qualquer sintoma característico das 2:ª</font><i><font>, </font></i><font>3.ª e 4.ª fases da doença de Alzheimer conforme as mesmas são catalogadas e caracterizadas segundo a Wikipédia. </font> </p><p><font>XXIII. O tribunal a </font><i><font>quo </font></i><font>partiu da conclusão, errada, de que o falecido DD já estaria num estado intermédio da doença, com as suas funções cognitivas e volitivas já muito diminuídas, para depois procurar "ajustar" a matéria de facto conhecida e provada a essa sua conclusão, numa completa inversão das regras do raciocínio lógico que parte da premissa maior para chegar premissa menor e à conclusão. </font> </p><p><font>XXIV. Da realidade fáctica conhecida impõe-se inferir ou concluir que ao falecido DD foi diagnosticada a doença de Alzheimer e que, aquando da feitura do testamento, essa doença ainda estava num estado muito incipiente ou inicial que não o incapacitava de entender o sentido das suas declarações nem o privava do livre exercício da sua vontade. </font> </p><p><font>XXV. O tribunal </font><i><font>a quo </font></i><font>sob o pretexto do recurso a presunções judiciais, sustentou a sua decisão em juízos presuntivos assentes em meras especulações, as quais não resultam de uma actividade lógico-experencial de indução devidamente sustentada em factos objectivos e seguros que, ainda que indirectamente e segundo um juízo de experiência, possam suportar a respectiva convicção e conduzir a uma decisão plausível e boa. </font> </p><p><font>XXVI. Para além do incorrecto uso e aplicação das presunções judiciais, o tribunal a </font><i><font>quo </font></i><font>fez tábua rasa da motivação ou fundamentação da decisão da 1.ª instância sobre a matéria de facto e foi muito para além da realidade material conhecida, sustentando uma realidade meramente suposta e presumida assente na ideia preconcebida de que o falecido DD estava já num avançado estado da doença de Alzheimer. </font> </p><p><font>XXVII. O acto em causa – feitura de testamento pelo falecido DD – tendo sido praticado perante um Notário, está investido de especial fé pública e valor probatório no que concerne à sã capacidade de querer e de entender do testador, bem como no que concerne à liberdade do exercício dessa sua vontade. </font> </p><p><font>XXVIII. O ónus da prova dos factos reveladores de uma situação de incapacidade de facto do testador para entender o sentido da sua declaração ou de uma situação de o mesmo não ter o livre exercício da sua vontade por qualquer causa, ainda que transitória, susceptível de integrar a previsão legal plasmada no artigo 2199.º, do Código Civil, cabe ao autor, interessado na anulação do testamento, porquanto se tratam de factos constitutivos do seu direito (de invalidação do acto). </font> </p><p><font>XXIX. Tratando-se de acto (testamento) celebrado perante notário, um funcionário especializado que goza de fé pública, cuja presença, aditada às duas testemunhas que devem presenciar o acto, constitui uma primeira e qualificada garantia de que o testador gozava ainda, no momento em que foi revelando a sua vontade, de um mínimo bastante de capacidade anímica para querer e entender o que afirmou ser sua vontade, e que essa vontade foi livremente exercida, o ónus da prova que impende sobre o autor interessado na respectiva anulação não deixa de estar reforçado, pelo que, será ele, e não os réus, a suportar as consequências da falta de prova. </font> </p><p><font>XXX. E, no caso </font><i><font>sub judice, </font></i><font>contrariamente ao que é sustentado no acórdão recorrido, não se verificam os pressupostos legais de que depende a inversão do respectivo ónus da prova, prescritos no art.º 344.º, do CC. </font> </p><p><font>XXXI. Não é suficiente, para operar a inversão do ónus da prova, que a prova dos factos integradores dos vícios da vontade - incapacidade para entender o sentido da sua declaração - ou da privação do livre exercício da vontade do testador seja difícil ou que a parte contrária esteja em melhor condições para fazer prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos da pretensão do autor. </font> </p><p><font>XXXII. O recurso aos métodos de prova meramente indiciária ou indirecta e à presunção judicial, bem como à inversão do ónus da prova, do modo como foi efectuado pelo tribunal </font><i><font>a quo </font></i><font>para concluir pela alteração e pela resposta que deu aos concretos pontos da matéria de facto controvertida em apreço - quesitos 54 (depois da fusão do quesito 15, 69, 70, 71 e 72 -, viola o disposto nos arts. 341.º, 342.º, 344.º, 349.º e 351.º, do Código Civil bem como o disposto nos arts. 516.º e 712.º, n.º 2, do Código do Processo Civil fazendo uma errada interpretação e aplicação dos respectivos preceitos legais, os quais, numa correcta interpretação e aplicação, impõem que não se altere a resposta dada aos concretos pontos da matéria de facto em causa pela 1.ª instância nos moldes ou com os fundamentos sustentados pela Relação. </font> </p><p><font>XXXIII. O tribunal </font><i><font>a quo </font></i><font>sustentou que, as alterações que efectuou na decisão sobre a matéria de facto, a respectiva fundamentação, toda a demais prova disponível nos autos e, de modo a evitarem-se contradições (pré-existentes ou geradas com a alteração da decisão obrigam a alterar, ao abrigo do art.º 712.º, n.º 1, al. a) e n.º 4 - este a </font><i><font>contrario sensu </font></i><font>-, do CPC, as seguintes respostas: </font> </p><p><font>"Quesito 35: Provado. </font> </p><p><font>Quesito 73: Provado, apenas, que o falecido DD figurava como gerente da Residencial ..., mas a gestão era feita conforme resulta da resposta ao quesito 35. </font> </p><p><font>Quesito 74 a 77: Não Provado. </font> </p><p><font>Quesito 80: Provado, apenas o que consta das respostas aos quesitos 22e 32. </font> </p><p><font>Quesito 86: Provado, apenas, que o DD não perdeu a noção do mês ou do ano em que se encontrava. </font> </p><p><font>Quesito 87: Não Provado. </font> </p><p><font>Quesito 88: Provado. </font> </p><p><font>Quesito 99: Não Provado.". </font> </p><p><font>XXXIV. O tribunal </font><i><font>a quo </font></i><font>recorreu, uma vez mais, a meras presunções judiciais, para alterar a resposta aos quesitos 35, 73, 74 a 77 e 87, que, não estando devidamente sustentadas nos factos conhecidos e na prova efectivamente produzida, não permitem um juízo com a certeza e segurança que se impõe, mas antes revelam um juízo meramente arbitrário e especulativo. </font> </p><p><font>XXXV. A resposta dada pela 1ª instância aos quesitos 80, 86, 88 e 99, não apresenta quaisquer contradições em relação aos demais factos provados, pelo que não se verifica o respectivo pressuposto legal – contradição entre os concretos pontos da matéria de facto provados – para que o tribunal </font><i><font>a quo </font></i><font>altere essa mesma resposta aos respectivos e concretos pontos da matéria de facto. </font> </p><p><font>XXXVI. O recurso aos métodos de prova meramente indiciária ou indirecta e à presunção judicial, bem como a sustentação de contradição entre os factos provados, do modo como foi efectuado pelo tribunal </font><i><font>a que </font></i><font>para concluir pela alteração e pela resposta que deu aos concretos pontos da matéria de facto controvertida em apreço – quesitos 35, 73, 74 a 77, 80, 86, 87, 88 e 99 –, viola o disposto nos arts. 341.º, 342.º, 344.º, 349.º e 351.º, do Código Civil, bem como o disposto nos arts. 516.º e 712.º, n.º 2, do Código do Processo Civil, fazendo uma errada interpretação e aplicação dos respectivos preceitos legais, os quais, numa correcta interpretação e aplicação, impõem que não se altere a resposta dada aos concretos pontos da matéria de facto em causa pela 1.ª instância nos moldes ou com os fundamentos sustentados pela Relação. </font> </p><p><font>XXXVII. O tribunal </font><i><font>a que </font></i><font>sustentou que, ainda que se entenda que a matéria ínsita nos quesitos 54 (na redacção alterada e refundida com o 15), 55 a 57, e 69 a 72, encerra juízos de valor, conclusões, raciocínios, valorações de factos, a operar por meio de presunções, com base nos arts. 349.</font><sup><font>Q</font></sup><font> e 351.</font><sup><font>Q</font></sup><font>, do CC, e são actividade estranha àquela decisão e só devem ter lugar na sentença, ainda assim, os pressupostos (factos base), os critérios legais (arts. 349.º e 351.º, do CC), o percurso avaliativo, lógico-dedutivo e argumentativo, bem como o resultado não seriam diferentes, em substância, dos expendidos e conseguidos nos pontos 4.1, 4.4, 4.5 e 4.6, que reitera. </font> </p><p><font>XXXVIII. E, concluiu que, por conseguinte, o percurso terminaria com a conclusão – a partir dos factos circunstanciais, instrumentais, indiciários, apurados, em que avulta a doença e o estado de demência do falecido e a actuação dos RR, de que, em conformidade com as regras da experiência e não tendo sido destruídas por aquelas presunções de facto dali extraíveis mediante prova de que o falecido DD se encontrava, contra todos os indícios, no pleno gozo das suas capacidades – efectivamente incapaz de entender o sentido da sua declaração e não tinha o livre exercício da sua vontade quando outorgou o testamento. </font> </p><p><font>XXXIX. Contrariamente ao sustentado pelo tribunal </font><i><font>a </font></i><font>quo, dos factos circunstanciais, instrumentais e meramente indiciários, conhecidos, não é possível concluir, segundo um raciocínio lógico pautado pelas regras da experiência, com a segurança e certeza exigíveis à prova e ao convencimento da bondade da decisão, que, no acto da feitura do testamento o falecido DD estava incapacitado de entender o sentido da sua declaração e não tinha o livre exercício da sua vontade. </font> </p><p><font>XL.O tribunal </font><i><font>a quo </font></i><font>estribou a sua convicção em meras conjecturas resultantes de construções mentais meramente teóricas, condicionadas pelo falso convencimento de que o falecido DD se encontrava em estado avançado da doença de Alzheimer, sem qualquer base sólida de facto que, de acordo com uma operação de raciocínio lógico-dedutivo, pautada pelas regras da experiência de vida, lhe permitissem, de forma convincente e segura, extrair ou inferir tal suposta realidade e chegar à uma verdade judiciária devidamente sustentada e fundamentada, de forma plausível e credível. </font> </p><p><font>XLI. O tribunal </font><i><font>a quo </font></i><font>não levou na devida linha de conta que, tendo o testamento sido realizado na presença de uma notária e presenciado pelas duas testemunhas, conforme legalmente prescrito, não pode deixar de se entender que existe uma forte presunção de que o testador tem aptidão para entender o que declara e que essa declaração de vontade é livremente exercida e que o ónus da prova dos factos integradores dos vícios invocados recai sobre o autor, pelo que, será ele, e não os réus, a suportar as consequências da falta de prova. </font> </p><p><font>XLII. O tribunal </font><i><font>a quo </font></i><font>fez uma errada interpretação e uma errada aplicação do disposto nos artigos 341.º, 342.º, 344.º, 349.º e 351.º, do Código Civil, bem como do disposto no art. 516.º,do Código do Processo Civil, violando estes preceitos legais, os quais, numa correcta interpretação e aplicação, impõem que se conclua que, dos factos circunstanciais, instrumentais, indiciários, apurados, não é possível concluir que o falecido DD, no acto da feitura do testamento em causa, se encontrava incapacitado de entender o sentido da sua declaração e não tinha o livre exercício da sua vontade. </font> </p><p><font>XLIII. Na situação </font><i><font>sub judice </font></i><font>estamos perante a questão da realidade fáctica consubstanciar ou não a incapacidade acidental do testador, prevista no art. 2199.º, do CC, isto é, se na data da realização do testamento o falecido DD estava ou não incapacitado de entender o sentido da sua declaração e se tinha ou não o livre exercício da sua vontade por qualquer causa, ainda que transitória. </font> </p><p><font>XLIV. A incapacidade relevante, para efeitos do disposto no art. 2199.º, do CC, é apenas a que existe ao tempo da feitura do testamento, não sendo de atender a outro momento, anterior ou posterior. </font> </p><p><font>XLV. O art. 2199.º, do Código Civil, prescreve proposições de direito, a concluir de factos alegados e provados pelas partes. </font> </p><p><font>XLVI. O ónus da prova dos factos reveladores da situação do testador, no momento da feitura do testamento, se encontrar incapacitado de entender o sentido da sua declaração e não ter o livre exercício da sua vontade, impende sobre o interessado na anulação do testamento, por se tratar de factos constitutivos do direito alegado, atento o disposto no artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil. </font> </p><p><font>XLVII. Tendo o testamento em apreço sido realizado na presença de uma notária e presenciado pelas duas testemunhas instrumentárias, não pode deixar de se entender que existe uma forte presunção de que o testador tinha aptidão para entender o que declarou e que essa declaração de vontade foi livremente exercida, sendo certo que o ónus da prova dos factos integradores dos vícios invocados recai sobre o autor, pelo que, será ele, e não os réus, a suportar as consequências da falta de prova, nos termos do disposto no artigo 516.º, do CPC. </font> </p><p><font>XLVIII. Pese embora o autor tenha logrado provar que, cerca de ano e meio antes da realização do testamento, foi diagnosticada a doença de Alzheimer ao falecido DD e que o mesmo passou a ser medicado, bem como os factos do DD ter passado a revelar alguma apatia, alguns esquecimentos (muito esporádicos no dizer da testemunha GG que os associou à idade e aos medicamentos que tomava), bem como debilidade e fragilidade física (a que as testemunhas FF e GG associaram à perda do paladar e à falta de apetite), </font><u><font>não provou</font></u><font> que, no momento em que o testamento foi realizado o testador encontrava-se incapacitado de entender o sentido da sua declaração ou não tinha o livre de exercício da sua vontade. </font> </p><p><font>XLIX. O acórdão recorrido fez errada interpretação e errada aplicação do disposto nos artigos 342.º, n.º 1 e 2199.º, do Código Civil, bem como do disposto no art.º 516.º, do Código do Processo Civil, violando estes preceitos legais, os quais, numa correcta interpretação e aplicação impõem que se julgue não se verificarem, na situação </font><i><font>sub judice, </font></i><font>as proposições de direito previstas no art.º 2199.º, do Código Civil, isto é, que o testador, no momento da realização do testamento, estivesse incapacitado de entender o sentido da sua declaração ou não tivesse o livre exercício da sua vontade, e, por conseguinte, o testamento em apreço não está inquinado de qualquer vício que importe a respectiva anulabilidade.” </font> </p><p><font>Contra-alegaram os demandantes, tendo condensado o epítome conclusivo que a seguir queda extractado: </font> </p><p><font>“1. O Acórdão recorrido não merece reparo ou censura; </font> </p><p><font>2. Clamando por uma inadequada aplicação do regimes substantivos e processuais de presunções e de inversão do ónus da prova, ao mesmo tempo que chamam á colação a reapreciação da prova testemunhal, os </font><b><font>RR </font></b><font>mais não fazem do que pedir uma alteração da matéria de facto em sendo grau de jurisdição, facto que não é permitido por lei; </font> </p><p><font>3. O facto de os </font><b><font>RR </font></b><font>terem faltado á verdade, de o Réu BB ter tentado influenciar a testemunha FF e de no relatório de autópsia constar que o falecido DD tinha histórico de graves lapsos de memória, constitui uma realidade presente ao longo de toda a discussão, que deve, a final, pesar na manutenção da decisão recorrida. </font> </p><p><font>4. A fundamentação para a alteração da matéria de facto, não merece reparo ou censura. </font> </p><p><font>5. É facto comprovado que, num quadro em que o falecido DD sofria de Alzheimer, registava no momento da sua morte fortes lapsos de memória, tinha o cartão multibanco confiado a terceiros, não tinha força para sair de casa e registava perda de iniciativa, incapaz de prover pela administração a si próprio de medicamentos, tendo morrido nos termos documentados nos autos, no momento da celebração do testamento, o falecido DD tinha perda de pensamento abstracto, tanto mais que este é um dos corolários da doença de Alzheimer </font> </p><p><font>6. O Tribunal da Relação fixou bem e fundadamente o facto de que o falecido perdia a noção dos dias e horas da semana; para além dos motivos invocados na fundamentação respectiva, há que ter em conta que se o falecido DD não conseguia prover pela administração atempada da sua própria medicação (resposta ao quesito 38) não há como contrariar a fixação deste facto; </font> </p><p><font>7. A afirmação de que o falecido DD não conseguia deslocar-se sozinho, fazer telefonemas ou agendar conferências está bem e devidamente fundamentada no acórdão recorrido. Do contrário nem tal era necessário á vista das explicações (interessadas) do Réu BB sobre a diferença entre uma doação e um testamento. </font> </p><p><font>8. Não tendo os RR reclamado da selecção da matéria de facto, estão agora impedidos de discutir o acerto da inclusão do quesito 54.º, que, de qualquer forma, seja como juízo conclusivo, seja como facto a provar, tem que ser objecto de apreciação por parte do julgador. </font> </p><p><font>9. É relevante para a matéria em discussão o facto de ter sido admitido como interveniente na qualidade de testemunha, para além do advogado que agendou o acto notarial em questão, pessoa desconhecida do falecido DD. </font> </p><p><f
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font> <p><b><u><font>Relatório</font></u></b></p><div><br> <font>*</font></div><br> <font>No Tribunal Judicial da Comarca de Vila Verde,</font> <p><b><u><font>AA</font></u></b><font>, por si e em representação dos seus filhos menores,</font> </p><p><b><u><font>BB</font></u></b><font> e</font> </p><p><b><u><font>CC</font></u></b><font>,</font> </p><p><font>intentou a presente acção declarativa de condenação, com processo ordinário, contra o</font> </p><p><b><u><font>Fundo de Garantia Automóvel</font></u></b><font> (F.G.A.), pedindo a condenação do R. a pagar-lhes a indemnização global de 563.237,00€ + juros de mora, desde a citação, a título dos danos que sofrerem em consequência de um acidente de viação ocorrido em 23/7/2005, no qual perdeu a vida </font><b><u><font>DD</font></u></b><font>, marido e pai dos AA..</font></p><div><br> <font>*</font></div><br> <font>Alegaram, desde logo, na petição inicial, que o veículo causador do acidente era um veículo automóvel de marca Audi 3, de cor azul escura e de matrícula Luxemburguesa, que, porém, não foi possível identificar.</font> <p><font>Portanto, o veículo causador do acidente, bem como o seu condutor, são desconhecidos.</font></p><div><br> <font>*</font></div><br> <font>Contestou o R., arguindo, antes de mais, a sua legitimidade para ser demandada, porquanto, face ao disposto no Art.º 21º do D.L. 522/85 de 31/12, ao contestante só cumpre indemnizar, verificando-se os demais pressupostos, quando se trate </font><u><font>&nbsp;de acidente provocado por veículo matriculado em Portugal ou em país que não tenha aderido à Convenção Complementar entre Gabinetes Nacionais</font></u><font>.</font> <p><font>Assim, alegando a A. que o veículo causador do acidente, tinha matrícula Luxemburguesa, país da CEE, aderente a dita Convenção, a Ré não tem a obrigação de indemnizar, pelo que é parte ilegítima.</font></p><div><br> <font>*</font></div><br> <font>No saneador conheceu-se da invocada excepção, decidindo-se pela sua improcedência e consequentemente, pela legitimidade passiva do R., uma vez “... que só a concreta identificação da matrícula poderia legitimar a intervenção do Gabinete Português da Carta Verde” e sendo assim, a indemnização tinha de ser pedida ao F.G.A..</font><div><br> <font>*</font></div><br> <font>Inconformado, recorreu o R. dessa parte do saneador, recurso que foi admitido como de agravo, a subir diferidamente, em separado e com efeito meramente devolutivo.</font><div><br> <font>*</font></div><br> <font>Prosseguiram os autos seus termos normais, até final, tendo subido o agravo retido conjuntamente com a apelação da sentença final.</font><div><br> <font>*</font></div><br> <font>Apreciado o agravo, a Relação de Guimarães julgou-o procedente, declarando, o R. parte ilegítima, que, por isso, absolveu da instância.</font><div><br> <font>*</font></div><br> <font>É deste acórdão que recorrem os AA., de agravo (continuado) para este S.T.J..</font><div><br> <font>*</font> <p><font>*&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; *</font> </p><p><font>*</font></p></div><br> <b><u><font>Conclusões</font></u></b><div><br> <font>*</font></div><br> <font>Oferecidas tempestivas alegações, formularam os recorrentes as seguintes conclusões:</font><div><br> <font>*</font> <p><font> </font></p></div><br> <b><u><font>Conclusões do agravo dos AA.</font></u></b><div><br> <font>*</font></div><br> <font>«</font><i><font>1- O tribunal da Relação de Guimarães, no acórdão revidendo violou as seguintes normas jurídicas: n.° 1 do Art. 1°, a ai a) do n.° 1 do Art. 21°, o n.° 8 do Art. 29°, o n.° 1 do art. 30°, o n.° 1 do art. 31° do Dec. -Lei n.° 522/85, com a redacção que lhe foi dada pelo Dec- Lei n.° 122-A/86 de 30/05; 1° e n.° 2 do Art. 26° do CPC,; o n.° 1 do Art. 57°, o n.° 1 do Art. 117° e o n.° 1 do art. 118° do CE ou o seu corresponde actual; ª Directiva do Conselho das Comunidades Europeias de 30-12-1983 (84/5 CEE (do preâmbulo), o n.° 4 do artigo 1° da Directiva 2000/26 CE do Parlamento Europeu e do Conselho, datada de 16/05/2000</font></i> <p><i><font>2- As recorrentes, em nenhum momento da sua p.i., lograram identificar o condutor do veículo automóvel marca Audi A3 que causou o acidente de viação em mérito.</font></i> </p><p><i><font>3- Mais alegaram as recorrentes expressamente que o responsável civil é desconhecido ou não foi identificado, tendo para tanto alegado factos instrumentais susceptíveis de demonstrar tal facto, e da dinâmica do acidente, inclusive com a produção de testemunha.</font></i> </p><p><i><font>4- As recorrentes alegaram expressamente que são terceiros para efeitos de responsabilização, por intervenção, no acidente de viação em mérito, em que foi interveniente do condutor do veículo marca Audi A3 de cor azul escura e de matrícula luxemburguesa nunca concretamente identificada, apesar do seu activo comportamento nesse sentido.</font></i> </p><p><i><font>5- Também em nenhum momento dos autos se identificou, pelo que não podia o tribunal ad quem, colocando-se numa posição do homem médio e num juízo de prognose concluir que ao falar-se de uma matrícula luxemburguesa se estava a responsabilizar, um concreto responsável civil, pelo acidente em mérito e uma concreta matrícula do veículo nele interveniente.</font></i> </p><p><i><font>6- O recorrido Fundo de Garantia Automóvel é parte legítima para contradizer, na presente relação material controvertida, tal como ela é configurada pelas recorrentes e por isso responsável, pelo pagamento da indemnização peticionada, dado que o aludido veículo automóvel marca Audi A3, estava sujeito a contrato de seguro obrigatório e foi posto a circular, no nosso país.</font></i> </p><p><i><font>7- Numa interpretação a contrario à presente situação e encontrando-se matriculado, em França ou em qualquer outro país membro da U.E. ou de um dos países onde exista gabinete, para ser demanda pelo Gabinete Português da Carta Verde, o veículo interveniente no acidente, cujo condutor e proprietário foi responsável pelo mesmo e não possuindo este qualquer seguro válido, relativo à circulação daquele, não compete ao F.G.A. responder pelo ressarcimento dos danos emergentes do referido veículo.</font></i> </p><p><i><font>8- O Fundo de Garantia Automóvel é o organismo criado a nível do direito comunitário, para responder a situações, em que não é concretamente identificado nem o condutor do veículo automóvel sinistrado, nem a sua concreta matrícula, e a Directiva 2000/26 C.E do Parlamento Europeu e do Conselho, datada de 16/05/2000, é aplicável directamente em Portugal, à data dos factos, independentemente de transposição ou não, para a nossa ordem jurídica.</font></i> </p><p><i><font>9- O Tribunal da Relação, julgou, salvo o devido respeito, incorrecta e inadequadamente procedente a excepção dilatória de ilegitimidade, invocada pelo recorrido Fundo de garantia Automóvel.</font></i> </p><p><i><font>10- A legitimidade/responsabilidade, no presente caso do Fundo de Garantia Automóvel é delimitada, essencialmente pelos danos cuja indemnização é garantida, o que importa para efeitos de responsabilidade, porque na esfera de terceiros (autores), o direito a indemnizações decorrentes de acidentes originados por veículos sujeitos ao seguro obrigatório e pressuposto necessário para que a referida entidade assegure a satisfação das indemnizações por...morte..., surge quando o responsável seja desconhecido, ou o seu condutor/responsável civil pelo sinistro.</font></i> </p><p><i><font>11 -Assim, o ónus da prova de que o veículo automóvel (desconhecido) beneficiava de um seguro válido e eficaz, é o recorrido, o que não logrou fazer e in casu, resulta dos autos inequívoca e claramente que as autoras desconheciam o responsável e elegeram factos instrumentais nesse sentido sendo que o veículo é identificado primordialmente pela matrícula, mas as autoras alegaram que desconhecem a matricula concreta do veículo automóvel que interveio no sinistro.</font></i> </p><p><i><font>12-Deve pois ser revogada a decisão prolatada pelo Acórdão da Relação de Guimarães, substituindo-a por outra de sinal contrário e que reponha o sentido da decisão do despacho saneador, tirada na Ia Instância.</font></i> </p><p><i><font>13-Se assim, se não entender deve convidar-se, ao abrigo do princípio da oficiosidade e da justa composição do litígio, as recorrentes a completar, corrigir e ou ampliar a matéria de facto, na p. i., que consubstancie atinentes à falta da concreta identificação do condutor do veículo automóvel que interveio no sinistro em matéria e à impossibilidade de identificação da concreta matrícula.</font></i> </p><p><i><font>TERMOS em que e sempre com o mui douto suprimento de VOSSAS EXCELÊNCIAS se REQUER se dignem julgar procedente por provado o presente recurso de agravo, revogando o acórdão da Relação de Guimarães que julgou procedente por provada a excepção dilatória da ilegitimidade do recorrido FUNDO DE GARANTIA AUTOMÓVEL e substituindo-a por outra de sinal contrário que reponha a decisão de legitimidade do recorrido proferida no despacho saneador, na primeira instância, mandando-se prosseguir os autos, para os seus termos ulteriores e sempre sem prejuízo de se convidar as recorrentes a completar, corrigir e ou ampliar a matéria de facto, na p. i., que consubstancie atinentes à falta da concreta identificação do condutor do veículo automóvel que interveio no sinistro em matéria e à impossibilidade de identificação da concreta matrícula,</font></i> </p><p><i><font>Com o que assim farão VOSSAS EXELÊNCIAS A HABITUAL E PONDERADA JUSTIÇA.</font></i><font>».</font></p><div><br> <font>*</font></div><br> <font>O R. apresentou contra-alegações, defendendo a confirmação do acórdão recorrido.</font><div><br> <font>*</font> <p><font>*&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; *</font> </p><p><font>*</font></p></div><br> <b><u><font>Os Factos</font></u></b><div><br> <font>*</font></div><br> <font>Com interesse para a decisão do agravo, a factualidade a ter em conta é apenas a que acima se descreveu, no antecedente relatório, designadamente, o facto de o veículo causador do acidente </font><u><font>ter matrícula do Luxemburgo</font></u><font>, a qual, porém, não foi possível identificar.</font><div><br> <font>*</font> <p><font>*&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; *</font> </p><p><font>*</font></p></div><br> <b><u><font>Fundamentação</font></u></b><div><br> <font>*</font></div><br> <font>À data do acidente, a lei aplicável era, ainda, o D.L. 522/85, com as respectivas alterações introduzidas pelo D.L. 122-A/86 de 30/5. (o D.L. 291/2007 de 21 de Agosto, que o substituiu só entrou em vigor 60 dias após a sua publicação).</font> <p><font>É pois a referida legislação a aplicável ao caso concreto.</font></p><div><br> <font>*</font></div><br> <font>Determina o Art.º 21º do D.L. 522/85:</font> <p><b><font>n.º 1</font></b><font> “</font><i><font>Compete ao Fundo de Garantia Automóvel satisfazer, nos termos do presente capítulo, as indemnizações decorrentes de acidentes originados por veículos sujeitos ao seguro obrigatório e que sejam matriculados em Portugal ou em países terceiros em relação à Comunidade Económica Europeia que não tenham gabinete nacional de seguros, ou cujo gabinete não tenha aderido à Convenção Complementar entre Gabinetes Nacionais”.</font></i> </p><p><b><font>n.º 2</font></b><font> “</font><i><font>O Fundo de Garantia Automóvel garante, por acidente originado pelos veículos referidos no número anterior, a satisfação das indemnizações por:</font></i> </p><p><i><font>a) Morte ou lesões corporais, quando o responsável seja desconhecido ou não beneficie de seguro válido, ou for declarada a falência da seguradora;</font></i> </p><p><i><font>b) Lesões materiais, quando o responsável, sendo conhecido, não beneficie de seguro válido ou eficaz</font></i><font>”.</font> </p><p><b><font>n.º 3</font></b><font> “</font><i><font>Só aproveitam do benefício do Fundo de Garantia Automóvel os lesados por acidentes ocorridos em Portugal Continental e nas Regiões Autónomas da Madeira e dos Açores”.</font></i></p><div><br> <font>*</font></div><br> <font>Por outro lado, a respeito da legitimidade processual das partes, determina o Art.º 29º n.º 8 que:</font> <p><font>“</font><i><font>Quando o responsável civil por acidente de viação for desconhecido, pode o lesado demandar directamente o Fundo de Garantia Automóvel</font></i><font>”.</font></p><div><br> <font>*</font></div><br> <font>Estabelece, por sua vez o Art.º 2º do D.L. 122-A/86 de 30/5 que:</font> <p><font>“</font><i><font>Compete ao Gabinete Português do Certificado Internacional de Seguro ...... a satisfação das indemnizações devidas, nos termos legais e regulamentares do seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel, aos lesados por acidentes causados por veículos matriculados noutros Estados membros da Comunidade Económica Europeia ou em países terceiros cujos gabinetes nacionais tenham aderido à referida Convenção Complementar, bem como por veículos matriculados noutros países que sejam portadores de um documento válido justificativo da subscrição num Estado membro de um seguro de fronteira</font></i><font>”.</font></p><div><br> <font>*</font></div><br> <font>Portanto, a regra é a de que o F.G.A. só pode ser responsabilizado, verificando-se o requisito geral previsto no n.º 1 do Art.º 22º, isto é, tratando-se de acidente </font><u><font>ocorrido em Portugal, na Madeira ou nos Açores</font></u><font>, quando </font><u><font>o veículo causador do acidente esteja sujeito ao regime de seguro obrigatório</font></u><font> e se </font><u><font>encontre matriculado em Portugal</font></u><font>, ou em </font><u><font>países terceiros</font></u><font> (não integrados na CEE) </font><u><font>que não tenham gabinete nacional, ou cujo gabinete não tenha aderido à Convenção Complementar entre Gabinetes Nacionais</font></u><font>.</font><div><br> <font>*</font></div><br> <font>Só que, esta regra geral não pode ter aplicação quando esteja em causa indemnização por morte ou lesão corporal e o </font><u><font>responsável civil for desconhecido</font></u><font> (como acontece no caso concreto), hipótese expressamente prevista n.º 2 a) – primeira parte – do D.L. 522/85.</font> <p><font>Nestas situações, o preceito não pode ser interpretado de forma exclusivamente literal, sem preocupação da sua integração sistemática, sob pena de ficar inutilizado o alcance da norma, o que seria absurdo.</font></p><div><br> <font>*</font></div><br> <font>De facto, sendo desconhecido, quer o responsável civil, quer o veículo causador do sinistro (situações que, regra geral, se cumulam, até porque, na normalidade dos casos, o desconhecimento do responsável deriva de não identificação do veículo. Talvez por isso mesmo é que a 2ª Directiva do Conselho de 30/12/1963, que o D.L. 522/85 quis transpor para o direito interno, se refira exactamente a </font><u><font>veículos não identificados</font></u><font>), como exigir ao lesado que prove os requisitos gerais do n.º 1 do Art.º 22º do citado diploma?</font> <p><font>Como poderá ele provar que se trata de um veículo sujeito a seguro obrigatório e que se encontra matriculado em Portugal ou em países terceiros em relação à CEE, que não tenham gabinete nacional de seguro ou cujo gabinete não aderiu à Convenção Complementar?</font> </p><p><font>É, óbvio, que, não estando o veículo identificado, tal prova é, simplesmente impossível, pelo que, numa interpretação literal do preceito, o lesado, nessas circunstâncias, nunca beneficiaria da cobertura que, todavia, o n.º 2 do Art.º 22º lhe atribui, o que redundaria num absurdo, tendo em conta a razão de ser do preceito, além de ser contraditório com o disposto no art.º 29º n.º 8, que, sem qualquer restrição, confere ao lesado o direito de demandar directamente o F.G.A., quando o responsável for desconhecido.</font> </p><p><font>Acresce que tal interpretação, violaria as regras constantes dos acordos internacionais a que Portugal aderiu (e que são vinculativos para os Estados aderentes), designadamente a já referida 2ª Directiva do Conselho que expressamente determina que “cada Estado membro deve criar ou autorizar a criação de um organismo que tenha por missão reparar, pelo menos dentro dos limites da obrigação do seguro, os danos materiais ou corporais causados por veículos não identificados ...”, sabido, para mais, que esses organismos são exactamente os Fundos de Garantia Automóvel, entretanto implementados pelos Estados aderentes.</font></p><div><br> <font>*</font></div><br> <font>A interpretação da lei não há-de ser exclusivamente literal, antes deve reconstituir o pensamento legislativo, tendo em conta a unidade do sistema e as circunstâncias em que a lei foi elaborada.</font> <p><font>No caso, há que considerar o contexto internacional de adesão de Portugal à Comunidade Europeia e as Directivas do Conselho, aliás vinculativas para os estados membros e as Decisões da Comissão, todas dirigidas no sentido de garantir ao lesado indemnização pelos danos causados por veículos não identificados, através de organismos para esse efeito criados, e que, entre nós e, sem dúvida, o F.G.A..</font></p><div><br> <font>*</font></div><br> <font>Assim, perante tal situação (como é a dos autos) pode dizer-se, parafraseando o Ac. da R.L. de 18/1/1996 – Col. J. 1996 – I – 90 e seg. – ).</font> <p><font>“São duas as soluções possíveis: </font> </p><p><font>uma, formalista, ao arrepio do Direito Comunitário e incoerente com o n.º 8 do art.º 29º (para quê demandar o F.G.A.?), nos termos da qual o “Fundo” não garante qualquer indemnização, designadamente por morte ou lesões corporais, quando o responsável for desconhecido; outra, conforme o direito comunitário (cofr. J.J. Ferreira Alves, in Lições de Direito Comunitário, I, 1989 – Coimbra Editora, máxime 174 e 246), segundo a qual, em caso de morte ou de lesões corporais, o “Fundo” garante sempre a indemnização devida, mesmo quando, por ser desconhecido o responsável, não possa inferir-se que o acidente foi causado por veículo sujeito a seguro obrigatório”, acrescentando-se, ou não possa provar-se que se encontra matriculado em Portugal ou em países em que não existe gabinete ou que a ele não tenham aderido.</font></p><div><br> <font>*</font></div><br> <font>Como resulta de acima exposto, é pela segunda solução que, decididamente optamos.</font> <p><font>(no sentido proposto confronte, além do acórdão já citado, ainda:</font> </p><p><font>- Ac. do S.T.J. de 11/11/99 – Col./STJ – 1999 – VII – 86/88</font> </p><p><font>- Ac. do S.T.J. de 3/5/2000 – BMJ – 497 – 339/342 e</font> </p><p><font>- Ac. do S.T.J. de 9/3/2004 – Col./STJ – 2004 – I – 123/124.</font></p><div><br> <font>*</font> <p><font>*&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; *</font> </p><p><font>*</font></p></div><br> <font>Mas, postas estas prévias considerações, não fica resolvida a questão concreta que nos ocupa.</font><div><br> <font>*</font></div><br> <font>Como se viu, os AA. alegaram que o veículo causador do sinistro tinha matrícula Luxemburguesa, situação que, segundo alega o R., veio a ter-se por provado em sede de julgamento.</font> <p><font>Consequentemente, estaria provado que o veículo em questão, apesar de não estar identificado, tinha matrícula do Luxemburgo, o que, na tese do R., seria suficiente para afastar a sua responsabilidade e legitimidade.</font></p><div><br> <font>*</font></div><br> <font>A força do argumento é, apenas, aparente.</font><div><br> <font>*</font></div><br> <font>Por um lado, a afirmação dos AA., de que a matrícula do veículo em causa era do Luxemburgo, por si só, é irrelevante para demonstrar a nacionalidade da matrícula, visto que o veículo permanece desconhecido e a sua matrícula por identificar.</font> <p><font>Na verdade, é do senso comum que a determinação da nacionalidade de uma qualquer matrícula aposta num determinado veículo, passa necessariamente, pela sua concreta identificação, ao menos parcial, pelo conhecimento dos símbolos (ou alguns deles) concretos que dela constam, sem o que, dizer-se, pura e simplesmente, que uma matrícula desconhecida é deste ou daquele país, não passa de afirmação gratuita, de uma mera conclusão não fundamentada, enfim, de um contra-senso, que não pode relevar como prova do que quer que seja.</font></p><div><br> <font>*</font></div><br> <font>Por outro lado, se, como informa o R., perante a alegação dos AA., foi formulado o correspondente quesito ao qual se terá respondido positivamente, então, tal resposta não pode senão ter-se por não escrita, já que manifestamente conclusiva, porque, contendo a conclusão, não contém a factualidade concreta da qual aquela resultaria.</font> <p><font>Assim, a existir tal resposta, ela não tem qualquer valor factual, não podendo ser atendida na decisão.</font> </p><p><font>Ao caso de resposta conclusiva aplica-se analogicamente o regime do Art.º 646º n.º 4 do C.P.C., como é jurisprudência corrente, e já ensinava Alberto dos Reis (cofr. C.P.C. anotado).</font></p><div><br> <font>*</font></div><br> <font>Portanto, estamos perante a hipótese prevista no Art.º 22º n.º 2 alínea a) do D.L. 522/85, interpretado no sentido acima exposto.</font> <p><font>Consequentemente, não pode exigir-se ao lesado que prove os pressupostos genéricos previstos no n.º 1 do preceito, por se tratar de uma impossibilidade lógica, bastando, por isso, que sejam desconhecidos o responsável e o veículo, para garantir a cobertura do F.G.A., verificados, naturalmente, os pressupostos gerais de responsabilidade civil, com base na culpa ou no risco.</font></p><div><br> <font>*</font></div><br> <font>E, diga-se ainda, que seria sempre o F.G.A. o responsável pela indemnização, mesmo que fosse de aceitar (e não é) estar provado que o veículo causador do acidente possuía matrícula Luxemburguesa.</font> <p><font>É que, mesmo então, permanece desconhecida, não identificada, tal matrícula, razão porque nunca poderia ser responsabilizado o Gabinete Português da Carta Verde, como sugere o R..</font> </p><p><font>De facto, como se decidiu no Ac. deste S.T.J. de 9/3/2004, já acima citado “</font><i><font>nos termos da Convenção Complementar Entre Gabinetes de 12/12/73, para que um veículo seja considerado matriculado num Estado membro da CEE exige-se que ele tenha o seu estacionamento habitual no território desse Estado, considerando-se como o tendo aqueles que aí se encontrem matriculados, ou seja, aqueles que ostentem chapa de matrícula que conste dos registos desse Estado.</font></i> </p><p><i><font>Por conseguinte o Gabinete Português da Carta Verde só pode ser accionado quando o demandante puder identificar concreta e completamente a matrícula do veículo causador do acidente (e desde que essa matrícula se enquadre em uma das três situações previstas na parte final do ... Art.º 2º do D.L. 122º-A/86).</font></i> </p><p><i><font>Quando a matrícula do veículo causador do acidente não pôde ser assim identificada — como é o caso dos autos em que se alega apenas ser de «matrícula espanhola» —, isto é, quando o responsável (ou co-responsável) é desconhecido, então só o Fundo de Garantia Automóvel poderá ser accionado (no caso de morte ou de lesões corporais)</font></i><font>”</font></p><div><br> <font>*</font></div><br> <font>Como se vê, trata o acórdão citado de uma situação idêntica à dos autos, encontrando a solução que nos parece ser aquela que, também aqui se impõe, pelas razões que acima se explicitaram.</font><div><br> <font>*</font></div><br> <font>Procede, pois, o agravo dos AA. devendo o R. F.G.A. ser declarado parte legítima.</font><div><br> <font>*</font> <p><font>*&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; *</font> </p><p><font>*</font> </p><p><font>*</font> </p><p><font>*</font> </p><p><font> </font></p></div><br> <b><u><font>Decisão</font></u></b><div><br> <font>*</font></div><br> <font>Termos em que acordam neste S.T.J. em dar provimento ao agravo e, consequentemente, revogam o acórdão recorrido, </font><u><font>decidindo-se que o R. Fundo de Garantia Automóvel é parte legítima para esta acção</font></u><font>, devendo os autos prosseguir seus ulteriores termos.</font><div><br> <font>*</font></div><br> <font>Custas pelo R., F.G.A.</font><div><br> <font>*</font></div><br> <font>Lisboa, 18 de Dezembro de 2012</font> <p><font> </font> </p><p><font>Moreira Alves (Relator)</font> </p><p><font>Alves Velho</font> </p><p><font>Paulo Sá</font> </p></font><p><font><font> </font></font></p>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><font>ACORDAM OS JUÍZES QUE CONSTITUEM O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA</font><font> (1)</font><font>:</font><br> <br> <br> <br> <font>AA, residente na T... J... de D..., nº ..., O... do H.., propôs a presente acção declarativa, com processo comum, sob a forma ordinária, contra BB-“Companhia de Seguros I... B... SA”, com sede na Rua A... H..., nº .., Lisboa, pedindo que, na sua procedência, a ré seja condenada a pagar ao autor a quantia de €76.814,00 (setenta e seis mil oitocentos e catorze euros), acrescida de juros, à taxa legal, a contar da citação e até integral cumprimento, alegando, para tanto, em resumo, que, na qualidade de bombeiro voluntário da Associação dos Bombeiros Voluntários de O... do H..., com a categoria de motorista, desde 3 de Setembro de 2002, inscrito no Comando Distrital de Operações de Socorro de Coimbra do Serviço Nacional de Bombeiros, conduzia, no passado no dia 10 de Outubro de 2005, um veículo de transporte de doentes, com a matrícula ...-...-RV, tendo perdido o controlo da viatura, despistando-se e, por força desse acidente, sofreu diversas lesões de que resultou para si uma situação de invalidez permanente, acrescentando que é beneficiário de seguro de acidentes pessoais, celebrado entre o Município de O... do H... e a ré, e que, até à data, não obstante as comunicações legais, esta ainda não efectuou qualquer pagamento, no âmbito deste contrato.</font><br> <font>Na contestação, a ré defende-se, por impugnação, alegando, também, em síntese, que o autor não está abrangido pelo contrato de seguro de acidentes pessoais dos bombeiros, em que é tomador o Município de O... do H... e seguradora a ora ré, relativo à apólice n° B..., mas sim pela apólice do contrato de acidentes de trabalho, nos termos do qual lhe vem pagando, e isto porque o autor era, à data do acidente, trabalhador subordinado da Associação de Bombeiros, exercendo a actividade de motorista, sendo certo que, enquanto trabalhador remunerado ao serviço daquela Associação, encontrava-se abrangido pelo contrato de acidentes de trabalho, titulado pela apólice n° 0..., no âmbito do qual a ré já efectuou os pagamentos devidos.</font><br> <font>A isto acresce, continua a ré, que o contrato de seguro de acidentes pessoais em apreço exclui do núcleo da sua garantia o autor, enquanto motorista dos quadros da Associação de Bombeiros, atento o disposto na cláusula 1a, b), das condições especiais da apólice n° B..., que titula o contrato em apreço, celebrado entre a ré e o Município de O... do H..., pois tal cláusula afasta do conceito "segurados" os bombeiros, com as categorias ali enumeradas, obrigados por lei a contratar o seguro de acidentes de trabalho, ou seja, faz depender a aplicação desse contrato da circunstância de tais pessoas não serem obrigadas por lei a contratar o seguro de acidentes de trabalho, terminando com o pedido da improcedência da acção.</font><br> <font>Na réplica, o autor sustenta que o legislador pretendeu garantir ao bombeiro os direitos advenientes, quer do seguro de acidentes de trabalho, quer do seguro de acidentes pessoais, como reflecte a própria ostensiva cumulação do seguro de acidentes pessoais com a pensão de preço de sangue.</font><br> <font>A sentença condenou a ré a pagar ao autor a quantia de setenta e seis mil oitocentos e catorze euros (€76814,00), acrescida de juros legais, actualmente, à taxa de 4%, desde 11 de Outubro de 2006 e até efectivo e integral pagamento, descontados, neste montante, os quantitativos pagos ao abrigo do contrato de seguro por acidente de trabalho.</font><br> <font>Desta sentença, o autor e a ré interpuseram recurso, tendo o Tribunal da Relação julgado improcedentes ambas as apelações, confirmando a decisão impugnada.</font><br> <font>Deste acórdão da Relação de Coimbra, o autor e a ré interpuseram agora recurso de revista, terminando as alegações com a formulação das seguintes conclusões, que, integralmente, se transcrevem:</font><br> <font> O AUTOR:</font><br> <font>1ª – O Tribunal da Relação de Coimbra não apreciou materialmente as normas jurídicas invocadas nem os fundamentos nelas alicerçado, limitando-se a proferir decisão sobre fundamentos parciais de índole formal invocados como a existência ou não de compensação de créditos e a violação do princípio da intangibilidade do caso julgado, olvidando o fundamento principal sobre o qual recaiu a pretensão do recorrente, i. e., a possibilidade de cumulação real e efectiva dos dois contratos de seguros referidos nos autos sem desconto (cfr. conclusão 3ª do recurso de apelação).</font><br> <font>2ª – O seguro de acidentes de trabalho é um seguro de coisas, real ou contra danos, porque se destina a cobrir o prejuízo efectivo que dos acidentes pode resultar para o património da entidade patronal, objectivamente responsável pelo ressarcimento referente à redução da capacidade de ganho do seu trabalhador acidentado.</font><br> <font>3ª – O seguro de acidentes pessoais é um seguro de pessoas, incidindo sobre a vida, a integridade física ou a situação familiar das pessoas, não tendo natureza indemnizatória, pelo que o valor, o capital, é, normalmente, fixado no início do contrato e não corresponde ao valor real dos danos sofridos pelo lesado, sendo compensatórios de lesões de natureza não patrimonial referentes à vida ou à integridade física em si mesmas e directamente consideradas e não à respectiva repercussão em termos da capacidade de ganho do lesado.</font><br> <font>4ª - Ao prever no artº 6º, nº 1 do DL nº 35746 de 12 de Julho de 1946, que os “Municípios procederão obrigatoriamente ao seguro contra acidentes pessoais dos bombeiros profissionais e voluntários previsto na alínea e) do nº 1 do art. 6º da Lei nº 21/87, de 20 de Junho, “desde que aqueles constem dos quadros homologados do Serviço Nacional de Bombeiros, o legislador não pretendeu apenas garantir um mínimo de protecção aos bombeiros, à falta de qualquer outra cobertura infortunística, mas quis efectivamente atribuir o direito cumulativo a cobertura adicional derivada do contrato de seguros por acidentes pessoais, sem que houvesse desconto ou compensação entre ambos os seguros.</font><br> <font>5ª – Para que se alcance tal conclusão, basta atender ao facto de aquela obrigação legal dos Municípios valer não só para o caso dos bombeiros voluntários, mas também para bombeiros profissionais, como os sapadores ou os municipais, estes últimos, aliás, expressamente abrangidos na apólice referida nos autos, sendo que, dado o seu vínculo jurídico-administrativo, não se pode defender, em face do actual quadro legal que regula a relação jurídica de emprego público, que os bombeiros sapadores ou os bombeiros municipais não tenham uma cobertura infortunística.</font><br> <font>6ª – Sendo inaceitável, ao abrigo do princípio da igualdade, que, admitindo tal cobertura cumulativa adicional para os bombeiros profissionais, o legislador excluísse da referida protecção os bombeiros voluntários quando também assalariados do corpo de bombeiros.</font><br> <font>7ª – O seguro múltiplo não é, por si só, ilícito: o artigo 434º do Código Comercial, que apenas se aplica aos seguros reais, proíbe somente que, por força de segundo seguro pelo mesmo tempo e risco de determinado objecto, venha o beneficiário a obter lucros, quando, in casu, os danos cobertos pelos dois seguros não são de natureza idêntica, nem a natureza jurídica dos seguros de acidentes de trabalho e de acidentes pessoais é a mesma.</font><br> <font>8ª – Como se refere na nota 6 do acórdão do STJ de 21.04.2009 (Relator Juiz Conselheiro Fonseca Ramos), “Nada impede, como ademais sucede no caso em apreço, que uma mesma pessoas seja a um tempo segurado num seguro de acidentes pessoais e num seguro de acidente de trabalho dada a natureza diferente de um e outro dos seguros, como é geralmente considerado o seguro de acidentes pessoais [os que afectam a vida, a integridade física ou a situação familiar das pessoas seguras] não tem natureza indemnizatória; os seguros de prestação indemnizatória [seguros de danos] são aqueles em que a prestação da seguradora consiste num valor a determinar a partir dos danos resultantes do sinistro e seguros de prestação convencionada são aqueles cujo conteúdo e montante estão previamente definidos, dependendo apenas a sua realização da verificação de determinado facto”.</font><br> <font>9ª – Por força do artigo 35º da Lei nº 100/97, os créditos provenientes do direito às prestações estabelecidas por aquela lei são inalienáveis, impenhoráveis e irrenunciáveis, não podendo operar a compensação de créditos, ao abrigo do disposto no artigo 853º, nº 1, b) do Código Civil.</font><br> <font>10ª – Considerando que o efeito útil do impugnado segmento decisório é a preclusão dos feitos jurisdicionais da sentença do Tribunal do Trabalho de Coimbra junta aos autos que condenou a aqui recorrida ao cumprimento da pensão anual e vitalícia por responsabilidade por acidentes de trabalho, violou a sentença recorrida o princípio da intangibilidade da sentença do Tribunal do Trabalho de Coimbra que se encontra a coberto do disposto no nº 1 do artigo 671º do CPC, segundo o qual a decisão sobre a relação material controvertida fica tendo força obrigatória dentro do processo e fora dele, salvo se for objecto de recurso extraordinário de revisão ou de oposição de terceiro.</font><br> <font>11ª – O Tribunal de Comarca deveria, pelo exposto na conclusão anterior, in fine, considerar-se materialmente e hierarquicamente incompetente para ordenar a referida compensação de créditos, valoração que o Tribunal da Relação não fez.</font><br> <font>12ª – Ao decidir em termos contrários, violou a sentença as normas legais contidas nos artigos 1º do DL nº 36/94, do artigo 28º, nº 1, do DL nº 214/89 e 1º da Portaria nº 35/99, o artigo 434º do Código Comercial, os artigos 405º e 853º, nº 1, b) do Código Civil, o artigo 35º da Lei nº 100/97 e os artigos 66º, 70º e ss., e 671º, nº 1, do CPC, devendo o recurso ser julgado procedente e, consequentemente, revogado o acórdão que confirmou o segmento impugnado da sentença em que se previa o “desconto” das quantias pagas ao autor ao abrigo do contrato de seguro de acidentes de trabalho.</font><br> <font> A RÉ:</font><br> <font>1ª – Da interpretação literal do corpo da cláusula que exclui a garantia do seguro de acidentes pessoais no caso de existir contrato de seguro de acidente de trabalho resulta que nela estão incluídos não só os médicos, farmacêuticos e enfermeiros, mas ainda o pessoal dos corpos associativos e municipais de bombeiros, dado que a vírgula colocada entre “enfermeiros” e “quando” quis precisamente incluir todas estas categoriais profissionais.</font><br> <font>2ª – Por outro lado, não sendo os médicos, farmacêuticos e enfermeiros pertencentes aos quadros homologados pelo Serviço Nacional de Bombeiros, não fazia nenhum sentido que aquele grupo profissional aparecesse isolado, objecto de uma tutela que não respeitasse a todas as demais pessoas indicadas na cláusula, só se entendendo a sua inserção na cláusula desde que diga respeito a todos aqueles grupos profissionais que não estão abrangidos pelo seguro de acidentes de trabalho.</font><br> <font>3ª – O seguro em apreciação nos autos destinou-se aos bombeiros voluntários que à data da sua celebração não estavam abrangidos pelo seguro de acidentes de trabalho, justificando-se assim a sua protecção por seguro de acidentes pessoais devido à falta de tutela por aquele seguro.</font><br> <font>4ª – A decidir como decidiu violou o Tribunal recorrido o artigo 405º do Código Civil e os artigos 425º e seguintes do Código Comercial, devendo, na procedência da revista, revogar-se o acórdão recorrido, substituindo-se por outro que acolha a interpretação exposta.</font><br> <font>Em sede de contra-alegações, que apenas o autor apresentou, este conclui no sentido de que deve ser mantido o acórdão, no segmento censurado pela ré, sem prejuízo do que se encontra impugnado no recurso por si interposto.</font><br> <font>O Tribunal da Relação entendeu que se devem considerar demonstrados os seguintes factos, que este Supremo Tribunal de Justiça aceita, nos termos das disposições combinadas dos artigos 722º, nº 2 e 729º, nº 2, do Código de Processo Civil (CPC), mas reproduz, acrescentando-lhe factos suplementares, sob os nºs 39 e 40, com base no teor da sentença proferida pelo Tribunal do Trabalho e no documento das condições gerais do seguro de acidentes pessoais, atento o disposto pelos artigos 369º, nº 1, 371º, nº 1, 373º, nº 1 e 376º, nº 1, do Código Civil, 659º, nº 3, 713º, nº 2 e 726º, do CPC:</font><br> <font>1. O autor ocupa, desde 3 de Maio de 1978 a 2 de Setembro de 2002, a categoria de Bombeiro de 3ª classe, na Associação de Bombeiros Voluntários de O... do H... - A).</font><br> <font>2. E, desde 3 de Setembro até à presente data, a categoria de motorista - B).</font><br> <font>3. O autor encontra-se inscrito, no Comando Distrital de Operações de Socorro de Coimbra do Serviço Nacional de Bombeiros, com o n.° mecanográfico 0...- C).</font><br> <font>4. No dia 10 de Outubro de 2005, o autor, ao serviço da Associação dos Bombeiros Voluntários de O...H..., conduzia o veículo de transporte de doentes, com a matrícula ...-...-RV, de marca M... B..., pela Estrada Nacional n.°..., no sentido O... do H...– Coimbra – D).</font><br> <font>5. Transportando uma doente menor, de nome BB, com 4 anos de idade, e dois acompanhantes desta, sua mãe, CC, e seu irmão menor, DD - E).</font><br> <font>6. Em virtude de naquela data decorrerem obras, na Estrada Nacional n.° ..., o autor efectuou um desvio pela Estrada Municipal que liga V... do A... a S..., na Serra de S... P... D... - F).</font><br> <font>7. Aquela via é bastante sinuosa – G).</font><br> <font>8. Nesse dia chovia e o piso encontrava-se molhado - H).</font><br> <font>9. O autor circulava nessa via, a uma velocidade não superior a 40 K/hora - I).</font><br> <font>10. Por volta das 14,15 horas, por motivo que o autor desconhece, perdeu o controlo do veículo - J).</font><br> <font>11. Tendo-se despistado - K).</font><br> <font>12. E caído numa ravina, de cerca de 50 metros de altura - L).</font><br> <font>13. Tendo o veículo ficado imobilizado num caminho de terra batida existente no fundo dessa ravina - M).</font><br> <font>14. No dia do acidente, foi o autor assistido, nos Hospitais da Universidade de Coimbra /HUC – N).</font><br> <font>15. No dia 10 de Outubro de 2005, o autor exercia a actividade de motorista, por conta, sob a direcção e autoridade da Associação dos Bombeiros Voluntários de O...H..., sua entidade empregadora, conduzindo o veículo de transporte de doentes, de marca Mercedes Benz, com a matrícula ...-...-RV - O).</font><br> <font>16. O autor era trabalhador subordinado da referida Associação de Bombeiros e auferia, mensalmente, por conta da mesma, a quantia mensal de 582,00€, como motorista - P).</font><br> <font>17. Nessa actividade subordinada competia-lhe, designadamente, proceder ao transporte de doentes, como era o caso - Q).</font><br> <font>18. Enquanto trabalhador remunerado, ao serviço da Associação dos Bombeiros Voluntários de O...H..., o autor encontrava-se abrangido pelo contrato de acidentes de trabalho, titulado pela apólice n° 0..., em que é tomadora aquela Associação de Bombeiros e seguradora a ora ré - R).</font><br> <font>19. No âmbito desse contrato de acidentes de trabalho, a ré já pagou ao autor as quantias constantes dos documentos de fls. 45 e 47, que se dão por reproduzidos, para todos os efeitos legais - S).</font><br> <font>20. Foi celebrado seguro de acidentes pessoais entre o Município de O... do H... e a ré, titulado pela apólice n° BO... - T).</font><br> <font>21. Nas condições especiais do seguro de acidentes pessoais relativos a bombeiros, juntas pelo autor, consta do seu texto como pessoas seguras, no seu artigo 1º «o pessoal dos Corpos Associativos e Municipais de Bombeiros, pertencentes ao comando, ao quadro activo, às categorias de aspirante, motorista e maqueiro (socorrista) do quadro auxiliar, os cadetes e ainda os médicos, farmacêuticos e enfermeiros, quando não obrigados por Lei a contratar o Seguro de “Acidentes de Trabalho”, quando conste de quadros homologados pelo Serviço Nacional de Bombeiros, bem como os elementos dos corpos gerentes das Associações de Bombeiros», (cfr. documento junto aos autos a fls. 28, que aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais) - U).</font><br> <font>22. À data do acidente, o autor era trabalhador por conta de outrem, exercendo a sua actividade remunerada, como motorista, ao serviço da Associação de Bombeiros de O... do H... - V).</font><br> <font>23. O sinistro em questão está coberto pela apólice de acidentes de trabalho, em consequência do contrato celebrado entre a ré e a entidade patronal do autor - W).</font><br> <font>24. Em consequência deste acidente, o autor sofreu politraumatismo craniano, luxação acrómio-clavicular direita e fractura LI com instalação de paraplegia – 1º.</font><br> <font>25. Apresentando quadro de paraplegia com nível sensitivo T7 e EG=15 – 2º.</font><br> <font>26. O autor foi internado, no Serviço de Neurotraumatologia, e foi submetido a intervenção cirúrgica para fixação transpedicular T12-L2 – 3º.</font><br> <font>27. Em 18 de Novembro de 2005, o autor foi submetido a uma ressonância magnética que revelou anomalia da emissão de sinal da medula cervico-dorsal com hipersinal em T2 e sinal heterogéneo com componente discretamente hipertenso em Tl - 4º.</font><br> <font>28. Em 7 de Dezembro de 2005, o autor foi internado, no Centro de Medicina de Reabilitação da Região Centro Rovisco Pais, na Tocha, para programa de reabilitação intenso – 5º.</font><br> <font>29. Naquela data apresentava o seguinte quadro: a) Tetraplegia AIS A com nível motor e sensitivo à direita Tl, sensitivo à esquerda Tl e motor à esquerda C8, score motor 46/100, score sensitivo álgico 24/112; b) Flacidez dos membros inferiores, com ausência de reflexos osteotendinosos nos membros inferiores e reflexos osteotendinosos vivos e simétricos nos membros superiores; c) Tinha equilíbrio sentado estático pouco eficaz, mesmo com prótese de tronco Taylor-Knight; d) Vinha algaliado em drenagem livre e não tinha treino intestinal instituído; e) Estava dependente na maioria das actividades da vida diária (cfr. doc. n.° 2) – 6º.</font><br> <font>30. Em 8 de Abril de 2006, os serviços médicos deste hospital deram alta ao autor, que mantinha quadro neuro-motor sobreponível ao da data de internamento, com os mesmos scores motores e sensitivos – 7º.</font><br> <font>31. Mantinha flacidez e ausência de reflexos osteo-tendinosos dos membros inferiores – 8º.</font><br> <font>32. Tinha equilíbrio sentado estático razoável, sendo o dinâmico deficiente – 9º.</font><br> <font>33. O autor apenas conduz cadeira de rodas de forma autónoma, em pisos regulares sem desníveis – 10º.</font><br> <font>34. Alimenta-se por mão própria após preparação dos alimentos – 11º.</font><br> <font>35. Ajuda no vestuário de metade superior e é quase independente na auto-algaliação - 12°.</font><br> <font>36. O autor é dependente de terceiros nas restantes actividades da vida diária - 13°.</font><br> <font>37. O autor encontra-se afectado por uma invalidez permanente derivada da tetraplegia supra descrita - 14°.</font><br> <font> 38. O sinistro foi participado, em 12 de Outubro de 2006, pelo Presidente da Câmara de O... do H... – 15º.</font><br> <font>39. O autor propôs contra a Associação de Bombeiros Voluntários de O... do H... e a aqui ré “Companhia de Seguros Império Bonança, SA”, acção com processo especial emergente de acidente de trabalho, em cujo dispositivo se condenou esta seguradora</font><i><font> </font></i><font>a pagar ao autor, sem prejuízo dos juros que se mostrem devidos (artigo 135.°, do Código de Processo do Trabalho - CPT): i) a quantia de 100,00€, a título de transportes ao tribunal; ii) a pensão anual e vitalícia, com início em 12 de Outubro de 2006, no montante de 5.397,45€; e iii) o subsídio por elevada incapacidade, no montante de 4.242,80€; iv) o subsídio para a adaptação da habitação, no montante de 4.496,40€; v) a quantia mensal de 231,54€, a título de prestação suplementar pela necessidade de assistência de terceira pessoa, com início em 12 de Outubro de 2006, actualizável em Janeiro de cada ano, de acordo com o aumento da retribuição mínima mensal garantida [a]; e se condenou a entidade empregadora, Associação de Bombeiros Voluntários de O... do H...,</font><i><font> </font></i><font>a pagar ao autor, sem prejuízo dos juros que se mostrem devidos (artigo 135°, do CPT): i) a pensão anual e vitalícia, com início em 12 de Outubro de 2006, no montante de 613,74€; e ii) o montante de 433,80€, a título de indemnizações por incapacidades temporárias [b] – Documento de folhas 120 a 124.</font><br> <font>40. A ré, uma vez paga a indemnização relativamente a despesas de tratamento, de repatriamento e de funeral, fica sub-rogada, até à concorrência da quantia indemnizada, em todos os direitos do tomador de seguro e da pessoa segura, contra terceiro responsável pelos prejuízos, obrigando-se aqueles a praticar o que necessário for para efectivar esses direitos – artigo 34º, nº 1, das condições gerais do seguro de acidentes pessoais constantes de folhas 16 a 25. </font><br> <br> <font> *</font><br> <br> <font>Tudo visto e analisado, ponderadas as provas existentes, atento o Direito aplicável, cumpre, finalmente, decidir.</font><br> <font>As questões a decidir, na presente revista, em função das quais se fixa o objecto do recurso, considerando que o «thema decidendum» do mesmo é estabelecido pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, com base no preceituado pelas disposições conjugadas dos artigos 660º, nº 2, 661º, 664º, 684º, nº 3, 690º e 726º, todos do CPC, são as seguintes:</font><br> <font>I – A questão da intangibilidade do caso julgado formado pela sentença do Tribunal do Trabalho.</font><br> <font>II – A questão da competência do tribunal, em razão da matéria e da hierarquia.</font><br> <font>III – A questão do âmbito de aplicação pessoal do contrato de seguro.</font><br> <font>IV - A questão da cumulação real do contrato de seguro de acidentes de trabalho com o contrato de seguro de acidentes pessoais.</font><br> <br> <font>I. DA INTANGIBILIDADE DO CASO JULGADO FORMADO PELA SENTENÇA DO TRIBUNAL DO TRABALHO</font><br> <br> <font>Defende o autor que a sentença do Tribunal do Trabalho de Coimbra que condenou a aqui ré no cumprimento da pensão anual e vitalícia, por responsabilidade por acidentes de trabalho, não pode ser posta em causa pela sentença proferida nos presentes autos, sob pena de violação do princípio da intangibilidade do caso julgado.</font><br> <font>A excepção do caso julgado tem por fim evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior e pressupõe a repetição de uma causa, depois de a primeira ter sido decidida por sentença que já não admite recurso ordinário, atento o disposto pelo artigo 497º, nºs 1 e 2, do CPC.</font><br> <font>Ora, a causa repete-se quando se propõe uma acção idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir, acontecendo a identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica, a identidade de pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico e, finalmente, a identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas acções procede do mesmo facto jurídico, conforme preceitua o artigo 498º, nºs 1, 2 e 3, do CPC.</font><br> <font>Porém, quer na acção especial emergente de acidente laboral que correu termos no Tribunal do Trabalho, quer na presente acção com processo comum baseada num contrato de seguro de acidentes pessoais, as partes não são, rigorosamente, as mesmas, pelo lado passivo da relação jurídica, e o pedido e a causa de pedir são distintos, pelo que inexiste identidade de sujeitos, de pedido e de causa de pedir e, consequentemente, não se verifica a excepção dilatória do caso julgado, susceptível de obstar à apreciação do seu objecto na presente acção, nos termos do disposto pelos artigos 493º, nºs 1 e 2 e 494º, nº 1, i), do CPC.</font><br> <br> <font> II. DA COMPETÊNCIA EM RAZÃO DA MATÉRIA E DA HIERARQUIA</font><br> <br> <font>II. 1. Por outro lado, o autor sustenta ainda que o Tribunal comum de Comarca deveria considerar-se, material e hierarquicamente, incompetente, para ordenar a compensação de créditos, ou seja, por ter “condenado a ré a pagar ao autor a quantia de setenta e seis mil oitocentos e catorze euros (€76814,00)…, descontado, neste montante, os quantitativos pagos ao abrigo do contrato de seguro por acidente de trabalho”.</font><br> <font>Para que o Tribunal possa decidir sobre a procedência ou o mérito de um pedido, é, desde logo, indispensável que a acção seja proposta perante o Tribunal competente para a sua apreciação, o que significa que a competência é um pressuposto processual que se determina pelo modo como o autor configura o pedido e a respectiva causa de pedir, que importa analisar antes de se conhecer do fundo da causa, de que depende poder o Juiz proferir decisão de mérito sobre a mesma, condenando ou denegando a providência judiciária requerida pelo demandante</font><font> (2)</font><font>, mas, também, que deve haver uma relação directa entre a competência e o pedido</font><font>(3)</font><font>.</font><br> <font>Com efeito, os pressupostos processuais constituem as condições mínimas de que depende o exercício da função jurisdicional e, no caso da competência, visam assegurar a justiça da decisão, a garantia de que a mesma é dimanada do Tribunal mais idóneo</font><font>(4)</font><font>.</font><br> <font>Em consonância com o princípio da existência de um nexo jurídico directo entre a causa e o Tribunal, a competência afere-se pelo “quid disputatum” ou “quid decidendum”, em antítese com aquilo que, mais tarde, será o “quid decisum”, isto é, a competência determina-se pelo pedido do autor, o que não depende da legitimidade das partes, nem da procedência da acção, mas antes dos termos em que a mesma é proposta, seja quanto aos seus elementos objectivos, como acontece com a natureza da providência solicitada ou do direito para o qual se pretende a tutela judiciária, seja quanto aos seus elementos subjectivos</font><font> (5)</font><font>.</font><br> <font>II. 2. Por outro lado, a competência material dos tribunais civis é aferida, por critérios de atribuição positiva, segundo os quais pertencem à competência do tribunal civil todas as causas cujo objecto seja uma situação jurídica regulada pelo direito privado, nomeadamente, civil ou comercial, e por critérios de competência residual, nos termos dos quais se incluem na competência dos tribunais civis todas as causas que, apesar de não terem por objecto uma situação jurídica fundamentada no direito privado, não são, legalmente, atribuídas a nenhum outro tribunal</font><font> (6)</font><font>.</font><br> <font>Por isso, os tribunais judiciais são os tribunais com competência material residual, a quem pertence o conhecimento das causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional, princípio este que se encontra plasmado no texto dos artigos 66º, do CPC, e 18º, nº 1, da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais (LOFTJ), quando estabelecem que "são da competência dos tribunais judiciais as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional”.</font><br> <font>Por seu turno, no âmbito dos tribunais judiciais, são os tribunais de competência especializada cível aqueles que possuem competência residual, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 34º, 57º, nº 1 e 94º, da LOFTJ, resultando do texto deste último normativo legal a concretização acabada do mesmo princípio, ao preceituar que "aos juízos de competência especializada cível compete a preparação e o julgamento dos processos de natureza cível não atribuídos a outros tribunais".</font><br> <font>Ora, aos tribunais de competência genérica, que são todos os tribunais de primeira instância, cujos poderes não se encontram espartilhados em áreas de competência especializada ou de competência específica, como acontece, na hipótese em apreço, com o Tribunal Judicial da Comarca de O... do H..., não pertenceria, segundo o autor, a competência material para o conhecimento do pleito, no segmento em que operou, no quantitativo da condenação de €76814,00, o desconto do montante em que a ora ré foi condenada a pagar ao aqui autor, através da sentença proferida no âmbito da acção laboral.</font><br> <font>Efectivamente, cabendo aos Tribunais comuns de Comarca a competência material para o conhecimento do objecto da presente acção, como decorre do estipulado pelas disposições dos artigos 66º, do CPC, e 18º, nº 1, da LOFTJ, já citadas, e ainda do artigo 85º, «a contrario», deste último diploma legal, a dedução ou abatimento operada pela sentença proferida pelo Tribunal comum e confirmada pelo acórdão recorrido, que se não confunde com o instituto da compensação, enquanto causa de extinção parcial das obrigações, como decorre do estipulado pelo artigo 847º, do Código Civil, não constitui violação das regras próprias da competência em razão da matéria.</font><br> <font>Aliás, é o que acontece nos tribunais comuns de comarca, no âmbito das acções emergentes de acidente de viação que são, simultaneamente, de trabalho, com vista à fixação do montante indemnizatório devido ao lesado, em que a este é lícito optar por uma das indemnizações concorrentes, por não ser permitida a cumulação de ambas, só podendo receber da segunda o que for necessário para completar o ressarcimento do dano que não tenha obtido, na totalidade, através da eleita.</font><br> <font>A isto acresce que podendo a incompetência absoluta ser arguida pelas partes e devendo ser suscitada, oficiosamente, pelo tribunal, em qualquer estado do processo, enquanto não houver sentença com trânsito em julgado proferida sobre o fundo da causa, a violação das regras de competência, em razão da matéria, que apenas respeitem aos tribunais judiciais, só pode ser arguida, ou, oficiosamente, conhecida, até ser proferido o despacho saneador, ou, não havendo lugar a este, até ao início da audiência de discussão e julgamento, em conformidade com o estipulado pelo artigo 102º, nºs 1 e 2, do CPC.</font><br> <font>Assim sendo, respeitando a alegada questão de incompetência, em razão da matéria, apenas aos tribunais judiciais, e não tendo a mesma sido suscitada, até ser proferido o saneador, ainda que se possa contra-argumentar que, até então, seria uma questão, meramente virtual, já não pode agora ser objecto de apreciação e decisão, nesta sede processual.</font><br> <font>II. 3. Por outro lado, alega o autor que o Tribunal de Comarca deveria considerar-se, hierarquicamente, incompetente para ordenar a referida compensação de créditos, valoração que o Tribunal da Relação não fez.</font><br> <font>O princípio da competência, em razão da hierarquia, consagrado pelo artigo 19º, nº 1, da LOFTJ, consubstancia-se no facto de os tribunais judiciais se encontrarem escalonados, para o efeito de recurso das suas decisões, por forma a que não possa uma decisão ser alterada senão por um tribunal posicionado em escalão, hierarquicamente, superior, ou, então, quando, devendo uma causa ser decidida, em primeira instância, tenha sido submetida, directamente, à instância imediata.</font><br> <font>Porém, no caso em apreço, não se comportando o Tribunal de Comarca, perante o Tribunal do Trabalho, como um tribunal de recurso, não tendo alterado o decidido por este último, limitando-se a eleger entre as indemnizações provenientes do seguro de acidentes de trabalho e do seguro de acidentes pessoais, com vista à fixação do montante ressarcitório devido ao lesado, uma delas, não existe qualquer violação do princípio da competência, em razão da hierarquia.</font><br> <font>Não infringiu, pois, o acórdão recorrido, ao decidir como o fez, as disposições legais invocadas pelo autor ou outras de que, oficiosamente, importe conhecer, no âmbito do ordenamento processual civil ou da organização judiciária.</font><br> <font> </font><br> <font> III. DO ÂMBITO DE APLICAÇÃO PESSOAL DO CONTRATO DE SEGURO</font><br> <br> <font>Diz a ré que o seguro em apreciação nos autos não se aplica ao autor, porquanto à data da sua celebração este esta
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zTJ_u4YBgYBz1XKvIhEL
1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><b><font> </font></b> <p><b><font> </font></b> </p><p><b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font></b> </p><p><b><font> </font></b> </p><p><b><font>1 – Relatório.</font></b> </p><p><font>No 3º Juízo Cível do Tribunal do ..., AA requereu que se procedesse a inventário judicial para partilha da herança aberta por óbito de BB, alegando que este faleceu no dia 9/5/19, na freguesia do ... (...) e que tinha residência também no ....</font> </p><p><font>Mais alega que o falecido fez testamento e deixou bens, sendo que, como herdeiras legitimárias, deixou, além do cônjuge CC, as suas três filhas, DD (requerente do inventário), EE e FF.</font> </p><p><font>Para cabeça de casal, indicou a viúva do inventariado.</font> </p><p><font>Esta foi nomeada cabeça de casal nos autos, tendo prestado declarações nessa qualidade, pedindo, a final, um prazo não inferior a 30 dias para a junção da relação de bens.</font> </p><p><font>Porém, tendo-lhe sido concedido o prazo de 30 dias para apresentar aquela relação, veio a cabeça de casal invocar a impossibilidade superveniente da lide, alegando que, no caso, é aplicável à sucessão por morte a lei britânica e que, tendo o falecido disposto validamente, por testamento, da totalidade dos seus bens, não existe qualquer património a partilhar.</font> </p><p><font>Notificadas as demais interessadas para se pronunciarem, as herdeiras DD e FF vieram dizer que entendem haver lugar a inventário.</font> </p><p><font>Foram juntos Pareceres por parte da cabeça de casal e daquelas duas outras herdeiras.</font> </p><p><font>Seguidamente, foi proferida decisão, julgando extinta a instância por inutilidade superveniente da lide, dada a inexistência de bens a partilhar.</font> </p><p><font>Inconformadas, as herdeiras DD e FF interpuseram recurso de apelação daquela decisão, tendo, então, sido proferido o Acórdão da Relação de 7/3/17, que, julgando procedente a apelação, revogou a decisão recorrida e determinou o prosseguimento do processo de inventário em causa.</font> </p><p><font>Inconformada, a cabeça de casal interpôs recurso de revista daquele acórdão.</font> </p><p><font>Produzidas as alegações e colhidos os vistos legais, cumpre decidir.</font> </p><p><b><font>2 – Fundamentos.</font></b> </p><p><b><font>2.1. No acórdão recorrido consideraram-se provados os seguintes factos:</font></b> </p><p><b><font>1.</font></b><font> BB</font><b><font> </font></b><font>faleceu em ... de 2010 no ... no estado de casado com CC</font> </p><p><b><font>2.</font></b><font> O falecido nasceu em Portugal, no dia ... de 1941, no sítio de ...</font> </p><p><b><font>3.</font></b><font> Consta do assento de nascimento que: “</font><i><font>Em virtude de declaração de opção de nacionalidade, prestada perante a Câmara Municipal do ..., no dia dois do corrente, pelo pai do registado, </font></i><i><u><font>este passa a seguir a nacionalidade inglesa</font></u></i><i><font>, como consta do respetivo termo lavrado no livro competente desta Conservatória, sob o número 64” </font></i><font>(sublinhado nosso).</font> </p><p><b><font>4.</font></b><font> O falecido outorgou testamento cerrado, em 1 de Março de 2010, notarialmente aprovado em 2 de Março de 2010 com o seguinte conteúdo: </font><i><font>“Lego à minha esposa CC,(…) todos os meus bens móveis, bem como todos os meus bens imóveis situados na Região autónoma da ... e no reino Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte, que à data da minha morte me pertençam, no todo ou em parte, naqueles se incluindo os direitos de crédito (e respectivas garantias que estejam associadas aos mesmos) de que sou titular, e que subsistam à data do meu falecimento, emergentes dos contratos particulares que passo a identificar: Um. O celebrado entre mim e a sociedade “GG”, pessoa colectiva número cinco, um, um, dois, oito, zero, zero, sete, seis, com sede na cidade do ..., aos seis dias do mês de Dezembro do ano de 2007, nos termos do qual vendi à referida sociedade anónima, pelo preço global de três milhões e cento e cinquenta e um mil euros, quatrocentos e sessenta e quatro mil acções ordinárias da Série “A” de que era titular na sociedade “HH”, pessoa colectiva número cinco, um, um, zero, zero ,um, sete, cinco, quatro, com sede no .... Dois, O celebrado entre mim e a sociedade “II”, pessoa colectiva número cinco, um, um, dois, cinco, três, oito. Nove , três, com sede na sociedade do ..., aos seis dias do mês de Dezembro do ano de dois mil e sete, nos termos do qual vendi à referida sociedade anónima, pelo preço global de cinco milhões e setecentos e vinte e um mil euros, trezentos e dez mil acções preferenciais da série “C”, de que era titular na referida sociedade “HH”. E bem assim, o direito de preenchimento das livranças que se encontram anexas aos contratos identificados em “um” e “dois” deste </font></i><font>testamento, nos termos que constam do denominado “Anexo 3” dos referidos contratos. Como consta do meu assento de nascimento e seus averbamentos, sou de nacionalidade britânica, pelo que posso dispor livremente de todos os meus bens, de harmonia com a lei inglesa, que pretendo que seja aplicada, com afastamento de qualquer outra, e em conformidade com o disposto no Código Civil português.”</font> </p><p><b><font>5. </font></b><font>O testamento a que se alude em 4. foi redigido e assinado na cidade do ..., onde residia o testador, como do mesmo e da certidão de óbito consta (fls. 94 e 8, respectivamente).</font> </p><p><b><font>6.</font></b><font> BB casou com II, no dia 17.06.1970, na área da 3ª CRC de Lisboa, tendo sido decretada a separação de pessoas e bens entre os cônjuges por sentença de 27.11.1974, convertida em divórcio por sentença de 21.11.1975 – fls. 130 a 132.</font> </p><p><b><font>7.</font></b><font> BB casou com JJ, no dia 4.03.1976, no Registo Civil de Westminster, Inglaterra, tendo sido decretado o divórcio entre os cônjuges por decisão da CRC de 7.01.2008 – fls. 130 a 132.</font> </p><p><b><font>8.</font></b><font> BB casou com CC, no regime de separação de bens, no dia 17.8.2009, no ..., constando da certidão de casamento como morada do ...e da 2ª ... – fls. 133 a 137.</font> </p><p><b><font>9.</font></b><font> CC é natural da ....</font> </p><p><b><font>10.</font></b><font> AA nasceu no dia 8.1.1972, na freguesia do ... (São Pedro), concelho do ..., e é filha de BB e de ... – fls. 142.</font> </p><p><b><font>11.</font></b><font> EE nasceu no dia ....1976, na freguesia do ... (São Pedro), concelho do ..., e é filha de BB e de JJ– fls. 147.</font> </p><p><b><font>12.</font></b><font> No assento de nascimento da EE encontram inscritos os seguintes averbamentos:</font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; - Averbamento nº 1, de 2008-10-30 - Perdeu a nacionalidade portuguesa nos termos da alínea da base dezoito da Lei nº 2098 de 29 de Julho de 1959, por efeito de declarações prestadas pelos pais. Boletim nº 133. Maço 6. Ano 1978. Em 29 de Março de 1978;</font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; - Averbamento nº 2, de 2008-10-30 - Casou catolicamente com LL, em 8 de Julho de 2006, na freguesia do ... (São Pedro), concelho do ... e alterou o nome para EE , por efeito do casamento. Assento nº 280 de 2006 da Conservatória do .... Em 14 de Julho de 2006.</font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; - Averbamento nº 3, de 2008-11-04 - Adquiriu a nacionalidade portuguesa nos termos do artigo 4º da Lei nº 37/81 de 3 de Outubro. Processo nº 11000-P/2008 da Conservatória dos Registos Centrais de Lisboa. (fls. 148).</font> </p><p><b><font>13.</font></b><font> FF nasceu no dia ....1981, na freguesia do ... (São Pedro), concelho do ..., e é filha de BB e de JJ – fls. 152.</font> </p><p><b><font>14.</font></b><font> No assento de nascimento da FF encontra-se inscrito o seguinte averbamento: - Averbamento nº 1, de 2008-07-30 Casou catolicamente com MM, em 26 de Julho de 2008, na freguesia do ... (São Pedro), concelho do ... e alterou o nome para FF ..., por efeito do casamento. Assento nº 608 de 2008 da Conservatória do ... (fls. 153). </font> </p><p><b><font>15.</font></b><font> AA, EE ... e FF ... foram registadas nos serviços consulares britânicos – fls. 165 a 176.</font> </p><p><b><font>16.</font></b><font> AA e FF ... residem em Lisboa, vivendo ... em Londres.</font> </p><p><b><font>2.2. A recorrente remata as suas alegações com as seguintes conclusões:</font></b> </p><p><font>1. De acordo com o art. 62.º do código civil, conjugado com o art.31.º/1 do mesmo diploma, a sucessão por morte, quer voluntária quer legal, é regida pela lei nacional do autor da sucessão ao tempo do falecimento deste. No caso em apreço, resulta da conjugação dos arts. 62.º, 31.º/1 e 20.º do Código Civil, bem corno da integração da lacuna suscitada pelo art. 20.º/2 do código civil com base no princípio da conexão mais estreita com um dos sistemas vigentes dentro da ordem jurídica da nacionalidade, que é aplicável o direito do inglês.</font> </p><p><i><font>2.</font></i><font> A lei inglesa considera-se competente para reger a sucessão mobiliária, bem como a sucessão quanto aos imóveis situados em Inglaterra. O retorno para a lei portuguesa quanto aos imóveis situados em Portugal não é de aceitar perante o disposto no art. 18.</font><sup><font>0</font></sup><font>/1 do código civil. Mesmo que se adotasse a posição contrária, o retorno seria paralisado pelo disposto no art. 19.</font><sup><font>0</font></sup><font>/1 do código civil. Por estas razões, a lei inglesa é chamada a reger toda a sucessão.</font> </p><p><i><font>3.</font></i><font> A aplicação do direito inglês à sucessão do de cujus radica em valores básicos e princípios fundamentais do direito internacional privado (mormente o princípio da conexão mais estreita, o princípio da personalidade dos indivíduos e o princípio democrático), é postulada pela justiça deste ramo do direito e, por esta via, pela justiça da ordem jurídica.</font> </p><p><i><font>4.</font></i><font> As disposições testamentárias feitas pelo de cujus são válidas e eficazes perante o direito inglês, razão por que as filhas, em caso de necessidade, poderão requerer da herança atribuições patrimoniais para o seu sustento, conforme o permite a lei inglesa no Inheritance (provision for family and dependants) act 1975.</font> </p><p><i><font>5.</font></i><font> A ordem publica é uma clausula geral, de caracter excecional, impreciso e atual, que vai evoluindo e possui um conteúdo indeterminado, </font><u><font>que terá que ser aferida em concreto, perante cada caso, e em função das circunstâncias da realidade histórica e social.</font></u> </p><p><i><font>6.</font></i><font> A cláusula de ordem pública internacional caracteriza-se pela sua excecionalidade: esta cláusula só intervém como limite à aplicação do direito estrangeiro quando a solução dada ao caso for não apenas divergente da que resultaria da aplicação do direito português, mas também </font><u><font>manifestamente intolerável.</font></u> </p><p><font>7. A ordem pública internacional não pode ser confundida com a ordem pública interna: os princípios e regras veiculados pela ordem pública internacional representam um núcleo muito mais restrito do que aqueles que subjazem à ordem pública de direito material. As regras e princípios imperativos da lei ordinária só excecionalmente relevam para a reserva de ordem pública internacional.</font> </p><p><font>8. O direito à legítima atribuído pela lei portuguesa aos descendentes do autor da sucessão é de ordem pública interna, e não matéria de ordem pública internacional pelo que, ao concluir em sentido diverso o acórdão recorrido violou o artigo 22 nºl do CC.</font> </p><p><font>9. O direito à legitima estabelecido na lei portuguesa representa uma opção político­-legislativa </font><u><font>sem fundamento constitucional </font></u><font>que limita o direito fundamental de disposição da propriedade e que tende hoje a ser crescentemente posta em causa.</font> </p><p><font>10. Não ficaram demonstrados nos autos quaisquer factos e/ou circunstâncias de onde resulte o caracter intolerável da aplicação da lei inglesa à presente sucessão. Pelo que, não ficando demonstrado que a solução da lei inglesa é manifestamente intolerável face a este caso concreto, não se pode concluir pela violação da ordem pública internacional do estado português, como o faz o acórdão recorrido, que também por este fundamento violou o artigo 22 nºl e 31 ° do CC e ainda o artigo 62° da CRP.</font> </p><p><font>11. O instituto da legítima não constitui um princípio fundamental da ordem pública internacional portuguesa. É este o entendimento da melhor jurisprudência dos nossos tribunais superiores e da doutrina intemacionalprivatístiva portuguesa. O mesmo entendimento se tem vindo a impor na generalidade dos sistemas jurídicos em que a questão se tem colocado (por consagrarem, no seu direito material interno, o direito dos filhos à legítima). Ao entender em sentido diferente o acórdão recorrido violou também por esta razão que acresce ás demais, o artigo 22 nºl do Código Civil.</font> </p><p><font>12. Mesmo que se entendesse que a privação da legítima poderia constituir uma violação da ordem pública internacional portuguesa caso o único elemento de estraneidade fosse a nacionalidade do de </font><u><font>cuius </font></u><font>- o que só por mera hipótese académica se admite -, teria de se reconhecer que no caso em apreço há outros elementos de estraneidade muito importantes.</font> </p><p><font>13. O acórdão recorrido violou ainda o 62° nºl da Constituição da Republica Portuguesa ao limitar a transmissão da propriedade privada por sucessão, em violação deste principio constitucional.</font> </p><p><font>14. A lei inglesa aplicável, contem disposições -aplicáveis quer em caso de sucessão testamentária ou não- que protegem determinadas pessoas, nomeadamente os filhos, no caso de terem sido privados de bens e capacidade financeira por óbito do de cujus. Essas disposições são entre outras as contidas no inheritance ( provision for family and dependants) act 1975, secção 1 e 2.</font> </p><p><font>15. Ainda que o acórdão considerasse haver violação da reserva de ordem publica internacional do estado português deveria ter indagado acerca da existência das normas mais apropriadas da legislação inglesa, estando-lhe vedada a aplicação imediata da lei material portuguesa, o que só poderia acontecer a titulo subsidiário, na falta de preceitos apropriados da lei inglesa. Ao aplicar de imediato a lei portuguesa o acórdão recorrido violou o artigo 22º nº2 do CC.</font> </p><p><font>16. E o acórdão recorrido não curou de interpretar e averiguar o contéudo da lei estrangeira, e as normas mais apropriadas dessa lei competente, nomeadamente o contido no inheritance ( provision for family and dependants) act 1975, secção 1 e 2, limitando-se a remeter sem mais para a lei material portuguesa, pelo que, ao omitir tal averiguação o acórdão recorrido violou também e por estas razões o artigo 22º nº2 e o artigo 23º do código civil.</font> </p><p><font>17. Em suma, as disposições testamentárias feitas pelo de cujus são plenamente válidas e eficazes na ordem jurídica portuguesa. Ao não o considerar a sentença recorrida violou o artigo 62° do CC.</font> </p><p><font>18. Consequentemente, estando a sucessão do "de cujus" abrangida pelas disposições testamentárias, não existe herança a partilhar, pelo que os presentes autos devem ser julgados extintos por inutilidade superveniente da lide. Ao não o considerar o acórdão recorrido violou o artigo 277° do CPC.</font> </p><p><font>Termos em que o acordão recorrido deve ser substituído por outro que considere que, considerando a aplicação da lei inglesa à sucessão de BB determine que tal não envolve ofensa dos princípios de reserva da ordem publica international do Estado Português e, consequentemente, ordene a extinção dos autos por inutilidade superveniente da lide.</font> </p><p><b><font>2.3. As recorridas contra-alegaram, concluindo nos seguintes termos:</font></b> </p><p><font>A. A alegação da Recorrente, no que concerne a determinação da Lei aplicável à sucessão do de cujus, baseia-se praticamente em exclusivo no entendimento de que, tendo o falecido nacionalidade britânica e dispondo o artigo 62º do Código Civil que a sucessão por morte é regulada pela lei pessoal do autor da sucessão, impõe-se concluir que é aplicável ao caso em apreço a lei inglesa.</font> </p><p><font>B. Tal entendimento, no que ao caso concreto diz respeito, constitui uma tremenda injustiça, sendo violadora, não apenas da Lei, substantiva e processual, como dos mais basilares princípios orientadores do ordenamento jurídico português.</font> </p><p><font>C. Basta uma leitura das alegações da Recorrente e do parecer pela mesma junto, para verificar que as mesmas apresentam vários "saltos de lógica", baseando-se, em vários casos, em determinações factuais pouco precisas e mesmo incorrectas (como seja a questão fulcral da nacionalidade das filhas do inventariado ou a definição da residência habitual deste).</font> </p><p><font>D. Sendo a lei pessoal, nos termos do disposto no artigo 31° do Código Civil, a lei da nacionalidade, é entendimento da Recorrente, que será a lei inglesa a aplicável à sucessão por morte de BB</font> </p><p><font>E. Sucede que, tal entendimento não se coaduna, salvo melhor entendimento, com as circunstâncias específicas do caso sub judíce e com as disposições concretas da Lei, em matéria de normas de conflitos.</font> </p><p><font>F. Ao remeterem para o direito da nacionalidade, as regras de conflitos do nosso sistema jurídico apontam para o direito de um Estado que não possui um ordenamento jurídico unitário. Ou seja, uma questão que podia revelar-se de grande simplicidade - determinação da lei pessoal do inventariado nos termos, conjugadamente, do disposto nos artigos 62° e 31°, nº 1 do Código Civil - traduz, no caso concreto sub judíce, um factor de complexidade adicional, uma vez que o inventariado é nacional de um Estado em que coexistem diferentes ordenamentos jurídicos locais, o denominado ordenamento jurídico plurilegislativo.</font> </p><p><font>G. Sendo este o caso, impõe-se a apreciação da questão concreta em decisão com recurso às normas legais aplicáveis, i.e. com recurso ao disposto no artigo 20° do Código Civil, o qual prevê, precisamente, os critérios de decisão a adaptar no tipo de situação em apreço.</font> </p><p><font>H. Assim, decorre da norma em questão (artigo 20° do Código Civil) que o nosso ordenamento jurídico estabelece um mapa claro a seguir na eventualidade de estarmos perante a atribuição de competência em razão da nacionalidade, sendo esta a de um Estado em que coexistem diferentes sistemas legislativos, a saber: (i) em primeiro lugar, deve averiguar-se se o direito interno do Estado da nacionalidade determina, para o tipo de caso específico em análise, qual o sistema aplicável; (ii) em segundo lugar e caso o referido em (i) não ocorra, determina a Lei que deve recorrer-se ao direito internacional privado do Estado em apreço, ou seja, devem aplicar-se aos conflitos de leis interlocais os princípios aplicáveis no Estado à solução dos conflitos de leis em situações privadas internacionais; (iii) em terceiro lugar e caso não tenha sido possível recorrer a qualquer das formas previstas em (i) e (ii), a Lei é clara ao determinar que </font><b><u><font>deverá considerar-se como lei pessoal a lei da residência</font></u></b><b><font> </font></b><b><u><font>habitual</font></u></b><font>, ou seja, que deverá abrir-se uma excepção à regra geral do artigo 31° nº 1 do Código Civil quanto à determinação da lei pessoal do interessado.</font> </p><p><font>I. Conforme é aliás plenamente reconhecido pela Recorrente nas suas alegações, o Reino Unido é precisamente um dos casos em que se revela impossível, por inexistente, o recurso a regras unificadas de direito interlocal e de regras de conflitos num sistema internacional privado, o que obriga, precisamente, ao recurso à solução prevista na parte final do nº 2 do artigo 20° do Código Civil.</font> </p><p><font>J. Como resulta claramente do ensinamento de Baptista Machado, estamos perante uma </font><b><u><font>escolha concreta e expressa do legislador</font></u></b><font>, depois de ponderadas as diversas soluções possíveis para os casos em apreço, i.e., o legislador português, em face das diversas opções que podiam legitimamente ter sido adaptadas no que concerne a determinação do direito material aplicável (como sejam a aplicabilidade da lei vigente na capital do Estado da nacionalidade ou da tentativa de determinação da subnacionalidade do interessado) </font><b><u><font>optou por definir como lei pessoal a lei da residência habitual do interessado</font></u></b><font>, sempre que a lei da nacionalidade do mesmo remetesse para um ordenamento de um Estado plurilegislativo onde não existem normas de conflitos de direito inter-regional ou de direito internacional privado comuns às várias circunscrições legislativas.</font> </p><p><font>K. Esta determinação legal </font><b><u><font>impõe</font></u></b><b><font>,</font></b><font> salvo o devido respeito, que no caso concreto sub judice se tivesse concluído que a lei pessoal do inventariado é a lei do Estado onde o mesmo tinha a sua residência habitual, ou seja, a Lei Portuguesa.</font> </p><p><font>L. Assim sendo, é desde logo inaceitável a alegação da Recorrente no sentido da tese defendida por Isabel de Magalhães Collaço e Lima Pinheiro no sentido de que só releva a residência habitual dentro do Estado da nacionalidade.</font> </p><p><font>M. Sem prejuízo da discussão doutrinária sobre a melhor solução legislativa para o problema e, consequentemente, sobre as vantagens claras em termos de segurança jurídica e previsibilidade das soluções encontradas, dúvidas </font><b><u><font>não podem existir sobre a escolha do</font></u></b><b><font> </font></b><b><u><font>legislador</font></u></b><font>.</font> </p><p><b><font>N.</font></b><font> No mesmo sentido da maioria da doutrina nacional e em respeito pela </font><b><u><font>solução escolhida pelo legislador</font></u></b><font>, impbrta ainda salientar que a defesa da tese constante da alegação da Recorrente ignora igualmente o parecer apresentado nos presentes autos, da autoria do Prof. Luís Barreto Xavier.</font> </p><p><b><font>O.</font></b><font> A noção de prevalência da nacionalidade na determinação da lei pessoal é acolhida no ordenamento jurídico português como uma opção entre duas possíveis (nacionalidade e residência habitual) e não como uma radical prevalência da nacionalidade sobre a residência habitual.</font> </p><p><b><font>P.</font></b><font> Aliás, no sentido de que há vantagens e desvantagens quer da conexão nacionalidade quer da conexão residência habitual se pronunciou o próprio Professor Doutor Lima Pinheiro nas suas lições, ao referir expressamente que "Será antes de concluir que </font><b><u><font>tanto a lei da nacionalidade como a lei da residência habitual</font></u></b><u><font> </font></u><font>devem desempenhar um papel na definição do estatuto pessoaf' (sublinhado e realce nosso).</font> </p><p><b><font>Q.</font></b><font> De facto, no que concerne a aplicação da lei do país da residência habitual como lei pessoal, importa deixar claro que não existe nenhum factor que possa determinar tal solução como inaceitável ou chocante. Bem pelo contrário, ignorar que a residência habitual desempenha, no nosso sistema jurídico, tal como em muitos outros, uma importância fundamental, estando, em todos os campos relativos aos elementos de conexão, ao mesmo nível que a lei da nacionalidade.</font> </p><p><b><font>R.</font></b><font> Da mesma forma e pese embora seja inaplicável ao caso sub judice o Regulamento nº 650/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 4 de Julho de 2012, relativo à competência, à lei aplicável, ao reconhecimento e execução das decisões, e à aceitação e execução dos actos autênticos em matéria de sucessões e à criação de um Certificado Sucessório Europeu, na medida em que o mesmo passou a ser aplicável em Portugal apenas nos casos de pessoas falecidas a partir de 17 de Agosto de 2015, a verdade é que, dando primazia à lei escolhida pelo autor da sucessão, remete, em igualdade de circunstâncias para "as regras do direito internacional privado em vigor no momento em que a escolha foi feita, </font><b><u><font>no Estado em que o falecido tinha a sua residência habitual </font></u></b><font>ou em qualquer dos </font><b><u><font>Estados de que era nacionaf' </font></u></b><font>(sublinhados e realces nossos), conforme artigo 83° nº 2 do mesmo.</font> </p><p><b><font>S.</font></b><font> Ou seja, o facto de o legislador português ter escolhido como lei pessoal a lei da nacionalidade, não significa, nem pode ser entendido, como significando que a lei da residência habitual não constitui uma escolha perfeitamente válida e justificável em termos de estatuto pessoal. Bem pelo contrário, muitos casos concretos - entre os quais o caso sub judice,</font><u><font> </font></u><font>conforme intra se demonstrará - apontam precisamente em sentido contrário, uma vez que, em não poucas situações, a ligação, </font><b><u><font>o vínculo, entre uma pessoa e o Estado onde a mesma escolheu estabelecer-se e residir com carácter de ermanência e estabilidade</font></u></b><font>, é muito mais relevante e significativo do que o vínculo de natureza política decorrente da nacionalidade.</font> </p><p><font>T. E não se diga, conforme pretende defender a Recorrente - em verdadeiro "salto de mágica" - que o falecido tinha residência tanto em Portugal como no Reino Unido.</font> </p><p><font>U. Saliente-se, aliás, que no acórdão recorrido foi expressamente fixado, ao abrigo do disposto no artigo 607º, nº 4 do CPC, ex vi artigo 663°, nº 2 do mesmo Código, que </font><i><font>"O testamento a que se alude em 4. foi redigido e assinado </font></i><b><i><u><font>na cidade do ..., onde residia o testador</font></u></i></b><i><font>, como do mesmo e da certidão de óbito consta (fls. 94 e 8, respectivamente)."</font></i><font> (sublinhado e realce nosso).</font> </p><p><b><font>V.</font></b><font> Assim sendo, não é possível alegar, em sede de recurso de revista, que o inventariado tinha residência habitual em ambos os Estados, uma vez que, conforme factualidade assente pelo Tribunal da Relação de Lisboa, </font><b><u><font>está demonstrado que o inventariado tinha</font></u></b><b><font> </font></b><b><u><font>residência habitual exclusivamente em Portugal</font></u></b><b><font>.</font></b> </p><p><font>W. Conforme resulta da factualidade assente, para além de BB ter </font><b><u><font>nascido em Portugal</font></u></b><u><font> </font></u><font>(mais precisamente no ...) </font><b><u><font>onde a sua família residia estavelmente há várias gerações</font></u></b><font>, residiu aí praticamente durante toda a sua vida e </font><b><u><font>aí faleceu</font></u></b><font>. Contrariamente, atente-se que o inventariado residiu no Reino Unido durante curtos períodos de tempo da sua vida, motivados por questões específicas como os estudos, embora tenha retornado sempre a Portugal, onde </font><b><u><font>desenvolveu a sua actividade empresarial, onde constituiu família</font></u></b><u><font> </font></u><font>e onde, conforme acima se referiu, </font><b><u><font>veio a morrer</font></u></b><font>.</font> </p><p><font>X. Acresce que o próprio testamento em causa nos presentes autos foi redigido e assinado na cidade do ... (cfr. ponto 5 dos factos assentes do acórdão recorrido) e está escrito em língua portuguesa.</font> </p><p><font>Y. Saliente-se, ainda, que </font><b><u><font>as únicas três filhas do inventariado nasceram igualmente no ...</font></u></b><font>, tendo duas delas </font><b><u><font>nacionalidade (exclusiva) portuguesa </font></u></b><font>e uma dupla nacionalidade (portuguesa e britânica) em virtude de casamento com nacional britânico, sendo que apenas esta última reside fora de Portugal.</font> </p><p><font>Z. Aliás, quanto à questão da nacionalidade das filhas do inventariado - questão fulcral para a boa decisão da presente causa - importa deixar claro que a alegação da Recorrente e o parecer do Exmo. Senhor Professor Doutor Lima Pinheiro baseiam-se numa falsidade.</font> </p><p><font>AA. Com efeito, </font><b><u><font>duas das três filhas do inventariado têm nacionalidade exclusiva</font></u></b><b><font>. </font></b><b><u><font>Ou seja, apenas uma das três filhas do inventariado tem dupla</font></u></b><b><font> </font></b><b><u><font>nacionalidade</font></u></b><font>, conforme resulta claro dos assentos de nascimento das mesmas que foram juntos aos autos.</font> </p><p><font>BB. Resulta da factualidade concreta em questão que o elemento de conexão decorrente da residência habitual do inventariado - que era indiscutivelmente Portugal - é extremamente significativo, sendo alias perfeitamente aceitável considerar que comporta um carácter de maior relevância e significado do que a nacionalidade do mesmo.</font> </p><p><font>CC. Resulta do disposto no nº 1 do artigo 22° do Código Civil que, mesmo que a norma de conflitos nacional aponte para a aplicação ao caso concreto de determinada lei estrangeira, esta não será aplicada se, dessa mesma aplicação, resultar um efeito manifestamente ofensivo dos princípios fundamentais da ordem pública internacional do Estado português.</font> </p><p><font>DD. Na impossibilidade de recorrer a uma lista de princípios ou normas fundamentais concretizadoras do conceito de ordem pública internacional do Estado português, cumpre apreciar qual a consequência da aplicação da lei inglesa ao caso concreto em decisão.</font> </p><p><font>EE. Tal como nos ensina a melhor e unânime Doutrina, para apurar se a aplicação de determinada lei estrangeira passa o crivo da ordem pública internacional do Estado português, é fundamental ter em consideração as </font><b><u><font>características do caso concreto</font></u></b><font>, em particular no que concerne os elementos de conexão do mesmo ao Estado português.</font> </p><p><font>FF. Caso se admitisse que a lei aplicável à sucessão por morte do inventariado é a lei inglesa, conforme resulta do postulado na alegação da Recorrente - o que se considera a mero benefício de raciocínio, sem conceder - estaríamos perante a aplicação de um direito que desconhece o instituto da sucessão legitimária, prevendo, antes, uma total amplitude na liberdade de testar do de cujus.</font> </p><p><font>GG. Ou seja, independentemente de o de cujus deixar cônjuge, descendentes e/ou ascendentes, estaríamos perante a aplicação de um direito sucessório que em nada limitaria a capacidade de testar, inclusive possibilitando, em termos práticos, o "deserdar" de todos os seus descendentes, conforme sucede no caso em apreço.</font> </p><p><font>HH. Dúvidas não podem existir de que o direito sucessório português e, em particular, a sucessão legitimária fazem parte do quadro fundamental da nossa ordem jurídica, conforme tem vindo também a ser defendido pela maioria e mais ajuizada jurisprudência.</font> </p><p><font>II. Se é certo que ninguém coloca em causa a excepcionalidade da intervenção da cláusula de ordem pública internacional, é igualmente certo que não é questionável a possibilidade de um tribunal entender que a aplicação do direito estrangeiro ao caso concreto colide com a unidade essencial do ordenamento jurídico do foro, sendo, por essa razão, incompatível com a ordem pública nacional.</font> </p><p><font>JJ. No apuramento da verificação de uma violação da ordem pública internacional, deve ter-se em conta todos os vectores fundamentais do ordenamento jurídico nacional, nos quais tem natural relevância a Constituição, o Direito da União Europeia, o direito convencional, mas também outros </font><b><u><font>valores e princípios jurídicos axiais do direito interno, ainda que não expressamente consagrados na Constituição ou em direito supranacional</font></u></b><b><font>.</font></b> </p><p><font>KK. Os valores e princípios que conformam a Ordem Pública Internacional do Estado são, embora mutáveis, por acompanhamento das alterações sociais e culturais ao longo dos tempos, são tanto mais claros e efectivos quando correspondem à verdadeira genética do sistema em que se inserem, fazendo assim parte dos quadros fundamentais do sistema jurídico e da visão que todos, enquanto comunidade social organizada, temos desse mesmo sistema.</font> </p><p><font>LL. A legítima hereditária dos herdeiros forçosos (integradora do conceito de ordem pública) </
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><br> <b><font>Processo n.º 1880/10.7TVLSB.L1.S1</font></b><a><b><u><font>[1]</font></u></b></a> <p><b><font> </font></b> </p><p><b><font> </font></b> </p><p><b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font></b> </p><p><b><font> </font></b> </p><p><b><font> </font></b> </p><p><b><font>I – AA – CONSTRUÇÃO CIVIL, ..., L.DA, </font></b><font>instaurou acção com processo ordinário, contra</font><b><font> BANCO BB, S.A, </font></b><font>pedindo que:</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>a) Se declare que o contrato celebrado e pretendido pela Autora com o Banco Réu configura um contrato de refinanciamento de juros;</font> </p><p><font>b) Que se reconheça judicialmente que, de tal contrato, com data de 19 a 23/06/2008, a autora nada deve ao banco Réu designadamente a quantia que consta do documento (…) designado de </font><b><font>Resolução do Contrato Quadro para Operações Financeiras e do Contrato de Permuta de Taxa de Juro,</font></b><font> n/ref.ª ....001, 19 de Junho de 2008 (segundo ampliação de fls. 538); </font> </p><p><font>c) Que o Banco Réu, nunca elucidou a Autora do conteúdo e consequências do contrato titulado por “Confirmação de Contrato de Permuta de Juros”, e que, em consequência, sejam afastadas do contrato ora junto como documento 6, todas as suas cláusulas contratuais gerais não comunicadas nem explicadas e, consequentemente proibidas, como é o caso, da fixação das taxas de juro, dos prazos fixados e do tipo de contrato de risco.</font> </p><p><font>d) Que, em consequência se declare a nulidade do contrato celebrado em 19-06-2008, por dolo do Banco Réu, que levou a autora a emitir uma declaração desconforme com a vontade real devido ao dolo dos representantes do banco, com as legais consequências;</font> </p><p><font>e) Que, o contrato celebrado com o banco Réu datado de 19-06-2008 seja declarado nulo por ser contrário aos bons costumes a que se refere o artigo 280.º, e 281.º, do CC.</font> </p><p><font>Na eventualidade de não procederem os anteriores pedidos:</font> </p><p><font>1. Que, tendo em vista o disposto no artigo 437.º do CC, se declare resolvido o contrato celebrado em 19-06-2008, por alteração anormal e imprevisível das circunstâncias existentes à data da celebração do contrato e que levou as partes a emitir aquela concreta declaração, com as legais consequências.</font> </p><p><font>Ou:</font> </p><p><font>2. Caso se verifique a improcedência do anterior pedido, que se proceda à redução do negócio jurídico do contrato no que se refere ao valor da taxa de juro a suportar pelo suposto contraente AA, devendo, neste caso, reduzir-se o valor a suportar pela autora, para a taxa de 0,40% – valor diferencial existente à data da assinatura do contrato para aquela operação financeira idealizada pelo Réu, visto ser manifestamente injusto e desproporcional que tal circunstância excepcional e imprevista fosse suportada por quem afinal não contribuiu com qualquer manifestação de vontade para a sua formação negocial e contratual;</font> </p><p><font>3. Que, no caso do pedido em 3, aquela taxa de 0,40% apenas seja aplicada ao contrato desde a data do contrato – 19-06-2008, até à data em que se verificaram as alterações substanciais nas taxas de juro ou seja fins de Setembro de 2008, consequentemente, durante um trimestre.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Contestou o Réu, pedindo a improcedência da acção e replicou a Autora.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Foi proferida sentença que, julgando a acção procedente, declarou a nulidade do contrato celebrado entre a Autora e o Réu, em 19/6/2008, sob a denominação de “Contrato de Permuta de Taxa de Juro” e confirmado como “Confirmação de Contrato de Permuta de Taxa de Juros”, com a referência ....001, bem como a nulidade da liquidação efectuada pelo Réu, no valor de € 1.136.929,58, em 7/9/2010, reconhecendo que a Autora nada deve a título de responsabilidades de pagamento. </font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Inconformado, apelou o Réu. </font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Contra alegou a Autora, vindo ampliar o âmbito do recurso, a título subsidiário.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>A Relação veio a decidir, negar provimento ao recurso e, em consequência, confirmar a sentença recorrida, considerando prejudicadas as questões suscitadas na ampliação.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Continuando inconformada, veio o R. interpor recurso de revista excepcional, a qual foi admitida. </font> </p><p><font> </font> </p><p><font>São as seguintes as conclusões formuladas pela A. no seu recurso:</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>1ª A presente revista excecional é interposta, ao abrigo do art. 672.º do CPC, com os fundamentos que a seguir se indicam, da decisão do Tribunal da Relação de Lisboa que, com fundamentação idêntica à do tribunal de primeira instância, negou provimento ao recurso apresentado pelo Banco Réu da decisão desse tribunal que considerou a ação totalmente procedente, declarando a nulidade do contrato de permuta de taxa de juro celebrado, em 19 de junho de 2008, entre a Autora, ora Recorrida, e o Banco Réu, ora Recorrente, com base na suposta violação pelo Banco Réu dos deveres de informação e esclarecimento previstos no Código dos Valores Mobiliários (arts. 7.º e 312.º a 312.º-G), considerando que as advertências constantes dos diversos documentos de formalização da operação de permuta de taxa de juro constituem cláusulas contratuais gerais e que o Banco Réu não fez a prova, que lhe competia, de ter prestado a explicação das referidas cláusulas. </font> </p><p><font>2ª A questão fundamental em discussão nos presentes autos diz respeito aos deveres de informação pré-contratual que impendem sobre intermediários financeiros em relação aos seus clientes, contrapartes em contratos de swap, e comporta em si mesma quatro sub- ‑questões: </font> </p><p><font>a) Invocando uma parte (por via de ação ou de exceção) que a outra parte não cumpriu um dever de informação pré-contratual (incumprimento esse de que resulte a invalidade do contrato ou o dever de indemnizar), a quem compete o ónus da prova, perante o art. 342 do CC? </font> </p><p><font>b) Do regime das cláusulas contratuais gerais/contratos de adesão resulta resposta diversa da resposta à pergunta anterior? </font> </p><p><font>c) Do regime do Código dos Valores Mobiliários resulta resposta diversa da resposta à primeira pergunta? </font> </p><p><font>d) Qual o conteúdo ou extensão da prova a cargo do Banco permutante quanto ao cumprimento do dever de informação pré-contratual durante a negociação de um contrato de permuta de taxa de juro ou, dito de outra forma, em que condições se deve considerar cumprido tal dever de informação?</font> </p><p><font>3ª Vale a pena precisar que o Tribunal recorrido, ao contrário do tribunal de 1 ª instância, ignorou a questão do ónus da prova do dever de informação a cargo de quem utilize cláusulas contratuais gerais, ancorando a decisão de condenação do Banco Réu na aplicação direta do disposto no artigo 342, n.º 2, do CC, entendendo que, por força de tal disposição, caberia ao Banco Réu a prova do cumprimento do dever de informação. </font> </p><p><font>4ª Embora de forma pouco clara, na base da decisão proferida pelo Tribunal recorrido parece estar o entendimento de que do regime do Código dos Valores Mobiliários resultaria um agravamento quanto ao grau de exigência da prova a cargo do Banco Réu. </font> </p><p><font>5ª O Tribunal recorrido considerou a matéria provada nos autos, designadamente a referida nos pontos 41 a 46, insuficiente para se considerar cumprido o dever de informação a cargo do Banco Réu. </font> </p><p><font>6ª O tratamento que o Tribunal da Relação deu à questão fundamental em discussão nos autos, nas suas 4 sub-questões, é incompleto, pouco claro, constitui má aplicação do direito e está em contradição com outras decisões do Tribunal da Relação de Lisboa e do Supremo Tribunal de Justiça. </font> </p><p><font>7ª De acordo com a regra geral constante do art. 342.º do CC, competiria à Autora a prova (enquanto facto constitutivo do direito de ver declarada a nulidade do contrato de permuta de taxa de juro) de que o Banco Réu não cumpriu os deveres de prestação de informação a que se encontra sujeito. </font> </p><p><font>8ª Por força do regime das cláusulas contratuais gerais/contratos de adesão, designadamente por força do disposto no artigo 5.º da Lei das Cláusulas Contratuais Gerais, o ónus da prova de prestação de informação adequada e efetiva passa a estar a cargo do Banco Réu. </font> </p><p><font>9ª O regime do Código dos Valores Mobiliários referente aos deveres de informação apenas regula o objeto do dever de informação, mas nada dispõe sobre o ónus da prova do cumprimento de tal dever (designadamente não agrava as exigências para efeitos dessa prova). </font> </p><p><font>10ª O dever de prestação de informação na negociação de contrato de permuta de taxa de juro é uma obrigação de meios, devendo considerar-se cumprido quando se demonstre ter sido prestada, informação verbal e escrita, sobre o modo de funcionamento, efeitos, diversos cenários possíveis e possibilidade de perdas, bastando-se ainda o cumprimento do dever de comunicação com a mera remessa do contrato, com todo o seu clausulado, ao aderente para que este o devolva firmado, na medida em que, com a entrega do contrato, tem este a efetiva e real possibilidade de ler e analisar todas as cláusulas e de pedir os esclarecimentos que entenda necessários para a sua exata compreensão. </font> </p><p><font>11ª É da decisão do Tribunal da Relação de Lisboa que respondeu deficientemente à questão (ou às 4 sub-questões) em discussão nestes autos que o Banco Recorrente apresenta o presente recurso de revista excecional com os 3 fundamentos previstos no art. 672.º, n.º 1, do CPC. </font> </p><p><font>12ª A questão em discussão nos presentes autos não é mero litígio privado em que estejam em causa apenas interesses materiais de Autora e Réu, constituindo (i) questão cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito e (ii) matéria em que estão em causa interesses de particular relevância social. </font> </p><p><font>13ª A questão dos autos não é resolúvel (pelo menos corretamente) sem recurso a complexas operações de natureza jurídica e encerra em si mesma uma controvérsia com capacidade de expansão, que extravasa os limites da situação em apreço, podendo repetir-se (mais exatamente, repetindo-se) num número não determinado de outras situações (contemporâneas e futuras). </font> </p><p><font>14ª A análise das finalidades, extensão e forma de execução dos deveres de informação que impendem sobre intermediários financeiros em relação aos seus clientes, contrapartes em contratos de swap, e a análise do ónus da prova quanto ao cumprimento de tais deveres, envolvem singular complexidade, obrigam a análise casuística e ao confronto de várias normas legais, designadamente as previstas nos artigos 7.º e 312.º a 312.º-G do Código dos Valores Mobiliários, artigos 5.º a 7.º da Lei das Cláusulas Contratuais Gerais e artigo 342.º do Código Civil. </font> </p><p><font>15ª A relevância jurídica da questão em discussão nos presentes autos resulta também evidente pelo facto, público e notório, de existirem várias centenas de processos em curso nos tribunais portugueses nos quais se discutem contratos de teor idêntico ao dos autos e questões em tudo iguais às discutidas nestes autos. </font> </p><p><font>16ª A questão em discussão nestes autos foi, salvo melhor opinião, resolvida de modo errado quer pelo tribunal de 1 ª instância, quer pelo Tribunal da Relação de Lisboa, traduzindo uma má aplicação do direito (violando, designadamente, as citadas normas constantes dos artigos 7.º e 312.º a 312.º-G do Código dos Valores Mobiliários, artigo 5.º a 7.º da Lei das Cláusulas Contratuais Gerais, artigo 342.º do Código Civil e artigo 659.º, n.º 3 do CPC) em termos extremos que justifica, face à relevância da questão, a intervenção desse Supremo Tribunal para uma melhor aplicação do direito (podendo até justificar-se julgamento ampliado da revista, nos termos do art. 686.º do CPC). </font> </p><p><font>17ª Sendo uma questão controversa, complexa, cuja solução jurídica exige estudo e reflexão, mostra-se conveniente a intervenção desse Supremo Tribunal que permita a construção de doutrina que seja válida em casos semelhantes aos dos autos, estabelecendo interpretação adequada das normas que impõem deveres de informação aos intermediários financeiros. </font> </p><p><font>18ª Tal intervenção desse Supremo Tribunal justifica-se ainda pelo facto de estarem em causa interesses de particular relevância social, sendo facto público e notório o impacto muito significativo gerado na comunidade social pela matéria em discussão nestes autos (e em centenas de processos de teor similar). </font> </p><p><font>19ª Em reforço da particular relevância social deste tipo de matérias recorde-se que, além dos tribunais, também as entidades com poderes de supervisão se têm vindo a pronunciar sobre as mesmas e a própria prática seguida pelos intermediários de serviços financeiros não está imune às orientações jurisprudenciais e das entidades de regulação sobre estas matérias, revestindo-se a questão de elevada relevância social para instituições financeiras e agentes económicos. </font> </p><p><font>20ª À face do referido nas conclusões 15 a 19 supra, resulta de forma clara a admissibilidade do recurso de revista excecional ao abrigo das alíneas a) e b) do n.º 1 do art. 672 do CPC. </font> </p><p><font>21 ª O Acórdão recorrido, ao considerar não ter sido feita a prova do cumprimento do dever de informação por parte do Banco Réu/Recorrente (apesar da matéria dada como provada constante dos pontos 19, 20, 27, 28, 32, 34, 36, 37, 38, 39, 40 e, em especial, dos pontos 41 a 46), está em contradição com outras decisões do Tribunal da Relação de Lisboa e do Supremo Tribunal de Justiça. </font> </p><p><font>22ª Em especial, o Acórdão recorrido está em contradição com o que foi decidido pelo Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, datado de 17.2.2011, proferido no âmbito de providência cautelar não especificada com o n.º de processo 2408/10.4 TVLSB (relator: Desembargador Luís Correia de Mendonça). </font> </p><p><font>23ª Do citado Acórdão da Relação de Lisboa resulta que as condições suficientes para que se deva considerar cumprido o dever de informação pré-contratual são manifestamente menos exigentes que aquelas que ficaram provadas nestes autos. </font> </p><p><font>24ª Na verdade, no Acórdão recorrido entendeu-se que, não obstante as reuniões havidas para explicação das operações de permuta de taxa de juro entre representantes da Autora e do Réu e as advertências quanto a riscos constantes quer dos documentos de apresentação das operações, quer dos próprios contratos, o Banco Réu não cumpriu os deveres de informação a que se encontrava adstrito, ao passo que no seu Acórdão datado de 17.2.2011 (acórdão-fundamento), em situação idêntica de negociação e celebração de contrato de swap entre o mesmo banco e um outro cliente, o Tribunal da Relação de Lisboa considerou não ter havido violação do dever de informação, dando-se aqui por reproduzida a transcrição feita no ponto B destas alegações da fundamentação do Acórdão, a qual espelha a referida contradição com o Acórdão recorrido. </font> </p><p><font>25ª À luz do que foi entendido no acórdão-fundamento, a matéria provada nestes autos constante dos pontos 19, 20, 27, 28, 32, 34, 36, 37, 38, 39, 40 e, em especial, dos pontos 41 a 46 levaria à conclusão de que o Banco Réu logrou fazer a prova do cumprimento do dever de prestação de informação a que estava sujeito no âmbito da contratação da operação de permuta de taxa de juro dos autos. </font> </p><p><font>26ª Do referido nas conclusões 21 a 24 supra resulta de forma clara a admissibilidade do recurso de revista excecional ao abrigo da alínea c) do n.º 1 do art. 672 do CPC com fundamento em contradição do Acórdão Recorrido com o do Tribunal da Relação de Lisboa, datado de 17.2.2011, proferido no âmbito de processo em que se discutia a mesma questão fundamental de direito. </font> </p><p><font>27ª Acresce que o Acórdão recorrido está também em contradição com outras decisões do Tribunal da Relação de Lisboa e do Supremo Tribunal de Justiça, a saber: </font> </p><p><font>a) acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 24.3.2011, proferido no âmbito do processo 1582/07.1 TBAMT-B.P1.S1 (relator – Conselheiro Granja da Fonseca); </font> </p><p><font>b) acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, datado de 25.9.2012, proferido no âmbito do processo n.º 2408/10.4TVLSB.Ll-7 (relator: – Desembargador Luís FF); </font> </p><p><font>c) acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, datado de 13.5.2013, proferido no âmbito do processo 309.11.8TVLSB.L1-7 (relatora – Desembargadora Maria do Rosário Morgado); </font> </p><p><font>d) Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 24.5.2007, proferido no âmbito do processo 07 A1337 (relator – Desembargador Sebastião Póvoas) </font> </p><p><font>28ª De todos os acórdãos acima referidos resulta um entendimento contraditório com o constante do Acórdão recorrido quanto à questão de saber em que condições se deve considerar cumprido o dever de informação que impendia sobre o Banco Réu/Recorrente. </font> </p><p><font>29ª É, assim, admissível o presente recurso de revista excecional com os 3 fundamentos constantes do n.º 1 do art. 672 do CPC. </font> </p><p><font>30ª Da matéria de facto considerada provada constante dos pontos 2, 6, 9, 19, 20, 27, 28, 32, 34, 36, 37, 38, 3, 40 e 41 a 46 é possível retirar várias conclusões decisivas para que se deva considerar cumprido o dever de informação a que o Banco Réu/Recorrente estava obrigado. </font> </p><p><font>31ª A operação de permuta de taxa de juro cuja validade a Autora impugna não foi uma operação isolada; entre Autora e Réu foram celebradas três operações, a primeira em 2005 e a terceira em 2008. </font> </p><p><font>32ª Previamente à celebração de cada uma dessas operações tiveram lugar reuniões com a presença de representantes da Autora e do Banco Réu; nenhuma operação foi contratada sem que previamente tivesse tido lugar reunião para discussão dos seus termos. </font> </p><p><font>33ª Nas reuniões que precederam a formalização das 3 operações de permuta de taxa de juro, foram feitas apresentações nas quais foram utilizados documentos para explicação dos contornos, objetivos e forma de funcionamento das operações propostas. </font> </p><p><font>34ª Dos documentos utilizados para apresentação da segunda e terceira operações de permuta de taxa de juro constavam, além do mais, elenco das vantagens e riscos das operações, com expressa menção a perdas.</font> </p><p><font>35.ª Dos mesmos documentos utilizados para apresentação da segunda e terceira operações de permuta de taxa de juro constavam advertências apelando a que qualquer tomada de decisão fosse ponderada e devidamente fundamentada em análise crítica. </font> </p><p><font>36ª Nas reuniões de explicação das operações de permuta de taxa de juro esteve presente em representação da Autora uma pessoa com formação superior (engenharia) e com bastante experiência de negócios no setor imobiliário. </font> </p><p><font>37ª Todos os documentos de formalização das operações de permuta de taxa de juro contêm expressas advertências quanto ao risco; a advertência quanto aos riscos da operação de permuta de taxa de juro celebrada em 19 de junho de 2008 constante do documento "confirmação de contrato de permuta de taxa de juro" (ponto 12 da matéria provada), que foi reproduzido na sentença do tribunal de primeira instância (pg. 26) não constitui uma cláusula entre várias cláusulas do contrato, sendo antes um texto destacado, colocado imediatamente acima do campo para assinatura pela Autora, em bold e perfeitamente legível contendo os seguintes dizeres:</font> </p><p><font>38ª Na declaração referida na conclusão anterior pode ler-se: "Declaramos a aceitação integral da presente operação e a vinculação nos precisos termos dela constantes, correspondendo o negócio nela titulado ao que por nós é efectivamente pretendido, nos termos exactos da nossa declaração do ponto 9 da presente Confirmação.</font> </p><p><font>Igualmente declaramos estar plenamente conhecedores do conteúdo e do risco da operação, tendo-nos sido prestadas pelo Banco todas as informações e esclarecimentos solicitados, nomeadamente sobre o facto de podermos, no caso de evolução das condições de mercado não serem favoráveis, registar uma perda financeira com a operação".</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Conclui no sentido da admissão e provimento do recurso, revogando-se a decisão recorrida nos termos propugnados. </font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Houve contralegações, em que foi formulado o pedido de ampliação do objecto do recurso para a situação de atendimento da tese do recorrente, em termos semelhantes ao que se fizera na apelação:</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>1.ª Conforme se expôs na 3ª Questão dos factos e dos argumentos jurídicos ali referidos dados como provados nas anteriores instâncias, na jurisprudência dos tribunais ali referida, o R, acórdão proferido no tribunal da Relação de Lisboa, não enferma de qualquer dos vícios que por conveniência o recorrente invoca. </font> </p><p><font>2.ª Na verdade, da prova que nas instâncias se deu como provada, outra não poderia ser a consequência jurídica tal como aliás, as decisões dos tribunais judiciais e arbitrais tem conhecido e decidido com especial realce para o acórdão proferido no tribunal arbitral em que os juízes árbitros, por unanimidade, em decisão transitada, declararam os contratos ali referidos de "NULOS", exatamente pela verificação dos vícios (grave incumprimento dos deveres de prévia informação e comunicação formalmente consagrados nos artigos 5º, e 6º, 8º, a) e 9º, n.º 2 da LCCG.), tal como as decisões judiciais o reconheceram, concretizados de acordo com os aludidos preceitos do CVM que lhe foram apontados no R, acórdão recorrido e salientado vem na decisão de primeira instância, integralmente mantida no tribunal superior.</font> </p><p><font>3.ª Consequentemente, entende-se que a R. decisão proferida no Tribunal "a quo", não enferma de qualquer dos vícios que o recorrente por mero interesse lhe aponta, visto que: </font> </p><p><font>a) Quer a solução jurídica imposta pelas normas substantivas do Código de Mercado dos Valores Mobiliários a que a sentença se refere; </font> </p><p><font>b) Quer a solução jurídica com base no regime das cláusulas contratuais gerais do contrato de fls. 29 e segs. e 255, implicam a mesma consequência legal, extraída como foi na R. decisão impugnada, não havendo no caso, qualquer contradição na decisão, antes os factos concretos referentes ao contrato celebrado em 23/6/2008, levavam a tal conclusão constante da R, decisão recorrida. </font> </p><p><font>Na eventualidade de não ser esse o entendimento deste Vdº, tribunal, deverá ser ordenada a baixa do processo ao tribunal " a quo", em face do disposto no art.º 636º, do C.P.C, para ali se conhecer da ampliação do Recurso apresentado pela recorrida. </font> </p><p><font>4.ª Considerando o exposto na 4ª, questão pontos "II e III", entende-se que este V.do Tribunal, ao abrigo do disposto no artigo 662.º, n.º 1, e 2 do CPC, deverá considerar provada, a matéria factual constante da certidão da CMVM, que se encontra junta a fls. 652 a 673, vs., com interesse para os autos, porquanto trata-se de um documento de prova plena e designadamente: </font> </p><p><font>(a) Que o tipo de contrato a que os autos se referem, não é adequado ao cliente sem específica formação na área financeira, em face da sua extrema complexidade; </font> </p><p><font>(b) Que, em face da prova produzida, de natureza vinculada, a informação transmitida pelo banco e contemplada no contrato, apenas aludia à perspetiva de subida das taxas de juro, quando, à época da sua celebração (Junho de 2008), já ocorria a tendência de descida da taxa de juros, informação não transmitida ao cliente. </font> </p><p><font>(c) Que, no referido contrato, não era prestada ao cliente, informação qualificada sobre a interligação entre o contrato de swap e o custo de endividamento que aquele se destinava a cobrir; </font> </p><p><font>(d) Não era indicado no contrato, o RISCO em que o cliente incorreria num cenário de descida de taxa de juros; </font> </p><p><font>(e) No contrato de swap celebrado após a tendência de descida das taxas de juros, o banco não informou o cliente e aqui recorrida de tal facto, em clara violação dos deveres contratuais e legais; </font> </p><p><font>(f) O contrato de swap celebrado pelo banco não continha qualquer barreira que limitasse a responsabilidade do cliente no caso de descida da taxa de juros indexante do contrato.</font> </p><p><font>(g) O banco ora Apelante violou os deveres consagrados no artigo 7.º, 304.º, 309.º, 312.º, A, B, C, E e 314.º da CVM, quanto aos deveres de Informação prévia, verdadeira, completa, atual, clara, objetiva, licita, lealdade, transparência, isenção e de conflito de interesses que não respeitou, bem como não cumpriu com as suas obrigações legais a que se refere o artigo 5º, e 6º, do regime jurídico das CCG tal como reconhecido foi nas anteriores decisões, o que por si só acarreta a nulidade do contrato. </font> </p><p><font>(h) A prova de tais factos está contemplada na certidão da CMVM constante dos autos a fls. 652 e 680 e bem assim nos acórdãos que ora se juntam que demonstram tal factualidade reconhecida em outros acórdãos tal como acima se demonstra. </font> </p><p><font>5.ª Em face do exposto na 4ª, questão ponto nº. "III", deverá modificar-se a resposta à seguinte matéria de facto. </font> </p><p><font>Quesito 3.º Provado </font> </p><p><font>Base da prova: </font> </p><p><font>• Certidão da CMVM de fls. 652 a 673vs. </font> </p><p><font>• Inversão do ónus de prova por se tratar de "CCG", cujo ónus de prova se impõe à parte que dela pretende fazer uso. </font> </p><p><font>Quesito 6.º Provado </font> </p><p><font>Base da prova: </font> </p><p><font>• Depoimentos testemunhais de: CC, (Falas 0226 a 0322) DD (Falas 0300 a 1910) e EE (Falas 1530;2940), cujos depoimentos se identificaram e transcreveram acima e que constam nos registos áudio do CD. </font> </p><p><font>Quesito 7.º Provado </font> </p><p><font>Base da prova: </font> </p><p><font>• Depoimento da testemunha EE, cuja passagem do depoimento se indicou a falas 3520 e cuja credibilidade não foi posta em causa. </font> </p><p><font>Quesito 29.º</font> </p><p><font>Entende-se que, pelos motivos expostos, a resposta a este facto deve ser alterada para "provado apenas o que consta da alínea I da matéria assente".</font> </p><p><font>– Base da prova – certidão da CMVM constante de fls. 652 e segs. </font> </p><p><font>Quesito 32.º </font> </p><p><font>Deverá ser modificada a resposta para "provado apenas o que consta da alínea I a matéria assente". </font> </p><p><font>– Base da prova – certidão da CMVM </font> </p><p><font>Quesito 34.º e 35.º </font> </p><p><font>Deverá ser modificada a resposta para "provado apenas o que consta das alíneas J e K da matéria de facto assente". </font> </p><p><font>6.ª Tendo em vista a 4ª, questão apresentada e no n.º 2 do pedido na ação, (quanto à modificação do contrato por alteração das circunstâncias) deve o pedido em causa ser julgado procedente, por provado, com as legais consequências, prevenindo-se hipoteticamente, a situação legal contemplada na parte final do nº 2 do artigo 636º do CPC, verificada que está a factualidade que consubstancia a alteração dos factos que levaram a recorrida a contratar tal como se considerou justificado no Ac do "STJ" acima transcrito de 10-10-2013. </font> </p><p><font>Em face do exposto, </font> </p><p><font>Requer a V. Ex.as: </font> </p><p><font>1. Que, o Recurso de Revista, tal como acima se tentou demonstrar não merece provimento e, em consequência, seja julgado improcedente, com as legais consequências; </font> </p><p><font>No entanto, por mera cautela de patrocínio, não sendo esse o entendimento deste Vdº, Tribunal e, em face da </font><b><font>ampliação do recurso</font></b><font> apresentado: </font> </p><p><font>2. Ao abrigo do disposto no artigo 636.º do CPC, requer que seja ordenada a baixa dos autos ao tribunal da Relação para conhecimento do objeto que constitui a ampliação do recurso apresentado, e, designadamente: </font> </p><p><font>2.1) Tendo em vista o disposto no artigo 662º, do CPC, considerando, no caso, que a certidão junta aos autos a fls. 652 a 673,vs, constitui um documento autêntico e de prova vinculada (cf. artigo 369.º e 371.º do CC), deverá dar-se por provada a factualidade constante do documento, nos autos. </font> </p><p><font>2.2) Que, em face da matéria de facto constante da base instrutória, se responda da forma que se propôs na 4.ª conclusão. </font> </p><p><font>2.3) </font><b><font>Concluindo-se pela procedência do primeiro pedido constante da petição da ação de fls. 538 (alteração do pedido).</font></b><font> </font> </p><p><b><font>Ou </font></b> </p><p><b><font>SUBSIDIÁRIAMENTE</font></b><font> </font> </p><p><font>2.3.) Que, em face do exposto na </font><b><font>4ª conclusão, o pedido n.º 2</font></b><font> constante do articulado da ação de fls. </font><b><font>299</font></b><font>, em face da prova produzida e demonstrada seja o mesmo julgado procedente, por provado, com as legais consequências ali requeridas. </font> </p><p><font>2.4.) Tal como aliás se decidiu no Ac. do STJ acima transcrito, que considerou a factualidade em causa, justificação para tal solução jurídica reclamada subsidiariamente pela recorrida, com as legais consequências. </font> </p><p><font>3. Na eventualidade de V.Exas, consideram útil ou conveniente a junção de documento mais legível do que aquele que ora se junta como documento 1, referente ao acórdão do tribunal arbitral, tendo em vista que a recorrida não consegue obter certidão por alegadamente só ser fornecido através de pedido do tribunal ou da própria parte (naquele processo), nos termos do disposto no artigo 429º, e 432º, requer que o recorrente seja notificado para proceder à sua junção ou; não o fazendo, deverá notificar-se a Câmara de Comércio de Lisboa, com sede na Rua das Portas de Santo Antão, em Lisboa, para enviar a estes autos certidão do acórdão com a certificação do trânsito em julgado. </font> </p><p><font>4. Requer a junção aos autos de dois documentos por força do recurso de revista excecional apresentado pelo recorrente. </font> </p><p><font>Na manutenção da R. decisão proferida e ora "sub judice", farão V. Ex.as JUSTIÇA.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>O Recorrente ainda apresentou resposta ao pedido de ampliação do recurso.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>A Formação admitiu a revista extraordinária, com fundamento na alínea a) do n.º 1 do artigo 672.º do CPC.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Colhidos os vistos cumpre apreciar e decidir. </font> </p><p><font> </font> </p><p><b><font>II –</font></b><font> Fundamentação</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>A) De Facto</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Da discussão da causa na 1.ª instância resultaram provados os seguintes factos:</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>1. A autora contraiu um empréstimo junto do Banco FF, S.A. para construção do «GG», tendo-se obrigado como contrapartida a pagar juros a título de remuneração do capital.</font> </p><p><font>2. A Autora e o Réu celebraram, em 17.03.2005, acordo escrito denominado «Confirmação de Contrato de Permuta de Taxa de Juro», com a Refª ..., importância nominal indicada de € 5.000.000, com início em 1.03.2005 e vencimento em 1.09.2007, conforme condições gerais e particulares de fls. 209 a 214 cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido.</font> </p><p><font>3. No âmbito deste acordo, o réu creditou na conta de depósitos à ordem titulada pela A. o valor global de € 259.854,44, escalonado do seguinte modo:</font> </p><p><font>01.06.2005 – € 40.071,11;</font> </p><p><font>01.09.2005 – € 39.917,78;</font> </p><p><font>01.12.2005 – € 39.610,28;</font> </p><p><font>01.03.2006 – € 43.412,50;</font> </p><p><font>01.06.2006 – € 46.728,33;</font> </p><p><font>01.09.2006 – € 50.114,44.</font> </p><p><font>4. No âmbito deste acordo, a autora entregou ao réu as seguintes importâncias no total de € 295.893,75:</font> </p><p><font>01.12.2006 – € 73.368,75;</font> </p><p><font>02.03.2007 – € 72.562,50;
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zTKSu4YBgYBz1XKvGRz6
1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><br> <b><font>Processo n.º 3588/10.4TBOER-B.L1.S1</font></b><a><b><u><font>[1]</font></u></b></a> <p><b><font> </font></b> </p><p><b><font> </font></b> </p><p><b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font></b> </p><p><font> </font> </p><p><font> </font> </p><p><b><font>I – </font></b><font>Na acção de restituição de posse que </font><b><font>AA, </font></b><font>na qualidade de cabeça de casal da herança aberta por óbito de</font><b><font> BB </font></b><font>contra</font><b><font> CC </font></b><font>foi proferida, em audiência preliminar em 15/4/2013, despacho em que, ao abrigo do disposto nos art.ºs 508.º, n.º 1, al. a) e 265.º, n.º 2 do CPC convidou o Autor para, no prazo de 10 dias suprir a ilegitimidade activa, por a lei (art.º 2091.º do CCiv) impor o litisconsórcio activo de todos os herdeiros interessados</font><b><font>.</font></b> </p><p><b><font> </font></b> </p><p><font>Inconformada com a decisão, dela apelou a Ré.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Não houve contra-alegações.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Por despacho do Relator de 24/4/2014 ordenou-se o contraditório das partes sobre a excepção dilatória inominada que resultará da procedência parcial do recurso, no segmento de que a acção se funda no art.º 2088.º do CCiv, para o qual o cabeça-de-casal tem legitimidade activa exclusiva, cargo esse que, sendo inicialmente desempenhado por AA passou a ser exercido pela Ré CC, o que inviabiliza o prosseguimento da acção.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Sobre tal se pronunciou CC que, em suma, refere: </font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Questão prévia: o recorrido exerceu legitimamente as suas funções como cabeça-de-casal sem afrontar qualquer disposição legal entre 5/3/09 e 18/10/2011; por ter deixado de ter legitimidade para tanto desistiu da instância relativamente ao pedido de restituição da posse das fracções discriminadas em fls. 48/49, requerendo que os autos prosseguissem relativamente às indemnizações reivindicadas à recém-nomeada cabeça-de-casal;</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>O despacho é inapreensível, porquanto ao considerar que a acção se funda no art.º … do CCiv oblitera o termo de desistência de fls. 181, porquanto o apelado desistiu da instância relativamente ao pedido deduzido a fls. 48/49, no sentido de devolução das fracções cuja posse a actual cabeça-de-casal detinha, mas, se se quiser perspectivar a situação no âmbito das excepções, poderá argumentar-se que ocorre uma excepção peremptória de carácter substantivo que impediu o apelado de prosseguir a acção de restituição da posse, daí o termo da desistência de fls. 181; a situação em causa não impede que a acção prossiga relativamente ao pedido múltiplo que foi deduzido na p.i. e não foi afectado pela substituição ilegal do cabeça de casal, a indemnizações reivindicadas à actual cabeça de casal pelo gozo indevido das fracções de que se apossou e a substituição do cabeça-de-‑casal não tem efeitos retroactivos, como erradamente, pretende a apelante e é sobre esta questão que o Tribunal Superior se tem de pronunciar </font> </p><p><b><font> </font></b> </p><p><font>A final, a Relação de Lisboa veio a proferir acórdão: </font> </p><p><font>a) a julgar parcialmente procedente a apelação e, consequentemente, revogar a decisão recorrida por não haver lugar ao litisconsórcio necessário activo e improcedente quanto ao julgamento da ilegitimidade do Autor na medida em que Autor na acção dos autos é o cabeça-de-casal e esse tem, como acima se disse, legitimidade para a acção e,</font> </p><p><font>b) a considerar que ocorre, no caso dos autos, a excepção dilatória inominada traduzida na circunstância de se ter passado a reunir na mesma pessoa física, a que passou a exercer o cargo de cabeça-de-casal da herança, autora da acção, e a Ré da acção, excepção essa que é insuprível, absolvendo-se a Ré da instância, por força das disposições conjugadas dos art.</font><sup><font>os</font></sup><font> 493.º, n.º2, 494.º e 495.º do CPC.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Interpôs, o A. recurso, ora de revista, recurso que foi admitido.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Nas suas alegações, formula as seguintes conclusões:</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>1. O acórdão recorrido é nulo, nos termos do art.º 716 n.º 1 do C.P.C, uma vez que os fundamentos de Direito invocados, os art.ºs 493/2, 494 e 495 do C.P.C. que regulam, expressamente, as exceções dilatórias, são inaplicáveis à questão em apreço.</font> </p><p><font>2. O Recorrente deixou de exercer o Cabeçalato em 18 de Outubro de 2011. </font> </p><p><font>3. Até essa data, exerceu todos os poderes de administração que a lei lhe facultou, designadamente por via judicial, pois a ação em questão foi intentada em 19 de maio de 2010. </font> </p><p><font>4. Assim, o acórdão recorrido violou o disposto no art.º 2087 do C.Civ</font> </p><p><font>5. O Recorrente encontra-se sujeito aos deveres que impenderam sobre o Cabeça de Casal e, até com uma ação de prestação de contas pendente em Juízo, pelo que a impossibilidade de exercer os seus Direitos, no período em exerceu o cabeçalato, acabaria por impossibilitar e comprometer a defesa da ação de prestação de contas em que é Réu.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Houve contralegações, nas quais se defendeu a improcedência do recurso.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Cumpre apreciar e decidir. </font> </p><p><font> </font> </p><p><b><font>II – Fundamentação</font></b> </p><p><b><font> </font></b> </p><p><b><font>II.1. </font></b><font>Foi considerada relevante a seguinte factualidade:</font> </p><p><b><font> </font></b> </p><p><font>1. É do seguinte teor o despacho recorrido de 15/4/2013 proferido no referido processo 3588/10.4TBOER a correr termos no 3.º Juízo do Tribunal de Oeiras: </font> </p><p><font> </font> </p><p><font>"Conforme supra exarado, os pedidos do Autor fundam-se no disposto nos art.ºs 2078 e 2091 do CCiv. Decorre do processado que o Autor veio aos autos apresentar a desistência da instância sob o pedido apresentado sob a al. a) alegando que já não teria interesse no mesmo, uma vez que deixou de exercer o cabeçalato. A Ré, notificada da desistência pelo Autor e ao abrigo do disposto no art.º 296, n.º 1, do CPC, veio declarar que não aceitava a desistência apresentada, faculdade legal que lhe assiste, uma vez que já havia deduzido contestação. Ora, não obstante tenha existido uma desistência da instância que não foi aceite pela outra parte contrária quanto ao pedido deduzido sob a al. a), há que considerar que no caso vertente, atenta a concreta caracterização do pedido em apreço, não obstante a não aceitação da desistência da instância, o Tribunal tem aqui que considerar, pelo menos, a existência de uma inutilidade superveniente quanto a esse pedido concreto, uma vez que nunca poderia a final condenar a Ré no mesmo, atento o já declarado nos autos pelo Autor. Assim, conforme já havíamos supra aduzido, a presente acção assenta nos normativos constantes dos art.ºs 2075 e 2091 do CCiv, em concreto a al. a) radica no art.º 2075 e seguintes e as als. b) e c) no previsto no art.º 2091 do CCiv. Ora, se para o pedido deduzido sob a al. a) o CCiv prevê expressamente que sendo vários os herdeiros qualquer deles tem legitimidade para pedir separadamente a totalidade dos bens em poder do demandado, sem que este possa opor-lhe que tais bens lhe não pertencem por inteiro, já no que concerne ao art.º 2091 este sob a epígrafe "exercício de outros direitos" prescreve que fora dos casos declarados nos artigos anteriores, e sem prejuízo do disposto no art.º 2078 os direitos relativos à herança só podem ser exercidos conjuntamente por todos os herdeiros ou contra todos os herdeiros – n.º 1 do normativo sob transcrição. A título do referido sobre esta matéria, podemos citar aqui de forma exemplificativa o acórdão do Tribunal a Relação de Évora de 14/10/04 consultado em </font><font>www.dgsi.pt</font><font>, no qual foi Relatora a Ex.ma Desembargadora Dr.ª Maria Alexandra constando do sumário sob os pontos III e IV respectivamente, que: "o art.º 2078 do CCiv refere-se à legitimidade activa nas acções de petição de herança reconhecendo a qualquer dos herdeiros o poder de reivindicar os bens da herança, desacompanhados dos restantes co-herdeiros, caso só alguns herdeiros instaurem uma acção de condenação de um Réu a pagar-lhe uma indemnização por perdas e danos resultantes da ocupação de um prédio pertencendo ao acervo hereditário, já deparamos com uma ilegitimidade activa pois a lei impõe o litisconsórcio necessário de todos os herdeiros, nos termos do art.º 2091 do CCiv. Assim sendo, resultando dos autos que apenas um dos herdeiros se encontra a demandar a Ré na presente acção, decorrendo, ainda, do processado que, para além do Autor e para além da Ré, existem outros herdeiros interessados e, atendendo ao supra exarado, à ora utilidade de apreciação dos pedidos constantes nas als. b) e c) o Tribunal ao abrigo do disposto no art.º 508, n.º 1, aI. a) e 265, n.º 2 do CPC convida o Autor, para, querendo, no prazo de 10 dias, suprir a apontada ilegitimidade activa, suscitando a intervenção principal a seu lado dos demais herdeiros interessados."</font> </p><p><font>2. Está, ainda, documentalmente provado, com interesse o seguinte: </font> </p><p><font>• O Autor propôs contra a Ré acção declarativa com processo comum ordinário "ao abrigo do disposto nos art.ºs 2088 e 1278, para restituição de posse e dos art.ºs 562 e 483 e ss todos do Código Civil... " Pedindo a condenação da Ré ao abrigo do disposto no art.º 2088 do CCiv a abrir mão das fracções "…” e "…" que correspondem respectivamente ao 9.º andar esquerdo do prédio urbano sito na Av. … n.º …, em … e ao …º andar … do prédio urbano sito na Praceta …, n.º …em … e que se encontram descritas na 2.ª Conservatória do Registo Predial de … sob os n.º … &nbsp;e … das freguesias de … e de … respectivamente e o Autor investido judicialmente na posse de ambas as fracções atenta a sua qualidade de cabeça-de-casal aberta por óbito de BB (a); condenar-se a Ré no pagamento da importância total de €32.627,27 que se reporta aos frutos civis produzidos pelas duas fracções e, ainda, nas despesas de condomínio e de encargos fiscais, suportados pela Herança, durante o período em que a Ré se apossou abusiva e ilegitimamente de' ambas as fracções e ainda nos juros legais contados a partir da data da citação para os termos da presente acção à taxa legal (b) condenar-se a Ré in futurum ao abrigo do disposto no art.º 472/1 do C.P:C. no pagamento dos frutos civis vincendos de cada uma das fracções, bem como nas despesas dos condomínios e respectivos encargos fiscais de cada uma das fracções, à razão de €1.211,91 por mês, relativamente à fracção de … e de € 369,49 por mês relativamente à fracção de … (c). </font> </p><p><font>• Como fundamento do pedido em suma diz o Autor que ele e a Ré são herdeiros legítimos de BB que faleceu em 3/2/08 e teve residência na Avenida …, n.º … em …; a Ré que esteve emigrada no ... desde 1978 com raras visitas a Portugal, reside actualmente no ..., não esteve presente no funeral da mãe nem em qualquer cerimónia fúnebre a ela relativa mas em 18/2/08 apareceu inopinadamente a reivindicar o cabeçalato da herança instalou-se naquela última morada da falecida mãe, sem pedir autorização aos demais herdeiros, passou a gozar a fracção de forma exclusiva, envolveu-se com uma senhora DD com quem passou a coabitar naquela residência até Abril de 2008 período durante o qual se procedeu à inventariação do recheio da casa da falecida; a mulher do- Autor após o falecimento de BB, mudou o canhão da fechadura da porta da entrada da residência e entregou a cada um dos herdeiros um exemplar da chave, mas em 24/4/08 a Ré sem dar conhecimento a qualquer um dos outros herdeiros decidiu colocar na porta da entrada do andar de … uma nova fechadura impossibilitando, assim, o acesso dos demais herdeiros àquele andar, inclusive para remover os bens móveis que integravam os lotes de bens que já haviam sido partilhados e, a partir dessa data a fracção tem estado ao serviço exclusivo da Ré; em Maio de 2008 a Ré regressou ao ..., regressando ao andar em Setembro de 2008 mantendo-se em Portugal até Novembro de 2008, regressando, depois, ao ..., em 10/2/09 o Autor intentou processo de inventário a fim de por termo à comunhão hereditária da falecida BB que corre termos em … no qual foi designado cabeça-de-casal daquela herança do Autor AA; em 1512/09 a Ré ressurge em … acompanhada do seu marido, instalam-se naquela residência e aí permanecem até 29/3/098, regressando, nessa data ao ... nesse período deslocando-se a … onde existe um outro prédio da herança cujas chaves exclusivamente a mencionada CC possui tendo sido baldadas todas as diligências no sentido do cabeça-de-casal por cobro a estes desmandos da Ré, impedindo o Autor de exercer o seu múnus; a actuação da Ré causa prejuízo ao património hereditário na medida em que o prédio de … que é um T5 bem situado junto à estação, servido de transportes públicos, se fosse arrendado, teria sido arrendado com um rendimento anual mínimo de 12.000,00 EUR, sendo que a herança suporta despesas de condomínio dessa fracção de 1.559,00 EUR e fiscais de 926,02 EUR e 57,91 EUR de taxa de esgotos, sendo que a herança de que o Autor é cabeça-de-casal, é credora da Ré no valor de 30.297,77 EUR, por outro lado a fracção de … é um TO que se fosse arrendada a renda anula seria de 3.900 EUR/ano, suportando-a herança anualmente a importância de 287,88 EUR de despesas de condomínio e encargos fiscais anuais de 246,46 EUR, pelo que nesta data deve a Ré à herança a quantia de 4.433,88 EUR </font> </p><p><font>• A Ré veio contestar essa acção excepcionando a ilegitimidade do Autor para a propositura da acção na medida em que no processo de inventário apresentou oposição à nomeação do Autor como cabeça-de-casal por entender ser ela a cabeça-de-casal, sendo previsível a substituição do cabeçalato pela Ré razão pela qual deve ser suspensa a instância; excepcionou, também, a caducidade da acção possessória relativamente à fracção de … por ter decorrido o prazo de um ano sobre a data da mudança da fechadura, O Autor nunca viu inconveniente em a Ré ficar na casa de … tendo as chaves sido entregues pelo Autor, numa reunião de família de 18/2/2008 a Ré afirmou que iria exercer o cabeçalato por ser a mais velha e que permaneceria em Portugal o tempo necessário para o exercício dessa função, tendo o Autor e os demais herdeiros aceite o exercício do cargo pela Ré, a Ré solicitou elementos ao Autor para iniciar as obrigações fiscais que se encontravam por cumprir, o Autor remeteu-se ao silêncio e entregou quatro dossiers sem qualquer elemento; na reunião de 9/2/08 ficou definido e corroborado na reunião subsequente de 18/2/09 que se procederia à divisão dos saldos das contas bancárias e dos móveis e à venda dos imóveis à medida que se encontrassem devolutos, sendo o produto da venda distribuído pelos quatro herdeiros, nessa reunião fi. Ré comunicou que pretendia exercer as funções de cabeça-de-casal, o Autor entregou uma lista que, segundo o Autor continha todos os bens móveis que se encontravam no quarto de dormir, a contestante aceitou a lista e com a colaboração da D. DD e de um avaliador organizaram 4 lotes de idêntico valor, paralelamente contactou um escritório de advogados para diligenciar pelo cumprimento das obrigações fiscais e registrais e para proceder ao apuramento dos movimentos bancários realizados pelo Autor, tendo aquele escritório delegado na Dr.ª EE os poderes conferidos o que esta realizou; relativamente às 5 fracções da herança todas construídas depois de 1951 tornou-se obrigatória a junção das plantas de localização, telas finais e licença de utilização com preenchimento do modelo 1, campos 59 e 60 com as áreas bruta dependente e área bruta privativa com medição exacta da área de acordo com as telas finais, assim como junto do CMVM foi necessário obter certidão dos activos financeiros com indicações de valores para além da junção dos respectivos extractos bancários, juntou esses documentos na Repartição de Finanças e procedeu à demonstração formal junto das 3w entidades bancárias do falecimento do titular das contas e do cumprimento das obrigações tributárias em sede de IS-Imposto de Selo, indispensáveis à desmobilização das contas e resgate das aplicações financeiras; a 23/4/08 o Autor contrariamente ao que se comprometera, recusou-se a facultar documento ou a prestar informação; aos 17/6/08 o Autor, enquanto acto preparatório do inventário que se seguiria para partilha dos bens da herança de BB requereu o arrolamento dos móveis existentes na residência da falecida e providência cautelar inominada para que as funções de depositário dos bens e as de cabeça-de-casal fossem confiadas ao Requerente, a qual, por decisão de 14/4/09 veio a ser julgada improcedente, em 10/2/09 o Autor e António Tamagnini requereram a designação para o exercício do cargo de cabeça-de-casal o ora Autor, o que foi impugnado; a contestante até 30/09/09 data em que foi citada para o inventário que está pendente e em compromisso de honra do ora Autor, desempenhou com conhecimento e aceitação de todos os herdeiros as funções de cabeça-de-casal, até pelo facto de ser a filha mais velha da falecida tendo administrado a herança, pelo que os actos que praticou foram-no legitimamente, não se podendo sequer asseverar a existência de acto de esbulho que implica o apossamento indevido de um bem contra a vontade do legítimo possuidor ou a prática de actos ilegítimos que impeçam o possuidor da aceder ao mesmo e por isso deve encarar-se com naturalidade da mudança da fechadura pela Ré por forma a obstar à entrada de terceiros na fracção autónoma assim como a obstar a que o Autor na sua ausência ou de testemunhas levantasse bens móveis permitindo-lhe depois invocar falsamente a sua falta, pelo que inexistem elementos que permitam concluir pela acção possessória do art.º 2088 do CCiv, até porque nenhum dos herdeiros quer celebrar contratos de arrendamento e dessa forma onerar o património da herança, não havendo assim qualquer prejuízo, sequer direito á indemnização pelas despesas decorrentes do Imposto Municipal sobre Imóveis e Condomínio das fracções que consistem em encargos da herança e são da responsabilidade desta nos termos do art.º 2068 do Cciv; </font> </p><p><font>• Houve incidente de intervenção do co-herdeiro FF nos termos do art.º 325/1 por ser o possuidor das novas chaves das fechaduras que a Ré mandou substituir. </font> </p><p><font>• Houve Réplica onde o Autor sustenta que a acção é uma acção de restituição da posse das duas fracções que se encontram indevidamente na posse da Ré deduzida ao abrigo dos art.ºs 1278 e 2088/1 do CCiv e também de condenação na indemnização cível pela apropriação ilegítima das referidas fracções, por a posse da Ré ser ilegítima e estar assim obrigada a indemnizar a herança de acordo com as regras dos art.ºs 1275 do CCiv; devem as excepções ser julgadas improcedentes; reitera que nenhuma das fracções que estão devolutas após o decesso da de cujus foi posta à venda por exclusiva culpa da Ré, não obstante terem aparecido compradores, a actividade da Dr,ª EE teve de ser ratificada e rectificada pelo Autor que pagou as multas correspondentes aos erros. </font> </p><p><font>• Em resposta ao requerimento do incidente de intervenção de FF a Ré veio dizer que se limitou a pedir ao mesmo que guardasse as chaves, não tendo qualquer interesse em contradizer, devendo ser julgado improcedente o incidente; na Tréplica reitera o que referiu na contestação e a improcedência dos pedidos do Autor. </font> </p><p><font>• Nessa referida acção sob o n.º 3588/1O.4TBOER o Autor CC, por termo de 2/12/2011, veio desistir da instância relativamente ao pedido formulado na petição inicial e constante da alínea a) por no dia 18/10/2011 ter deixado de assumir o cabeçalato na herança por morte de sua mãe, mais pedindo que a condenação in futurum constante da alínea c) da petição inicial deixe de ser uma obrigação pura mas sim até 18/10/2011, data em que se extinguiu a legitimidade do Autor para deduzir o pedido constante da petição inicial. </font> </p><p><font>• No processo de inventário sob o n.º 1076/09 a correr termos no 4.º Juízo de Competência Cível de Lisboa, na sequência do incidente de impugnação da legitimidade do cabeça-de-casal AA, foi decidido, aos 8/11/2010 remover AA do cabeçalato e nomear em sua substituição CC, conforme consta de fls. 186/192 cujo teor aqui na íntegra se reproduz; </font> </p><p><font>• Essa decisão de 8/10/2010 transitou em julgado, estando pendente incidente de remoção do cabeça-de-casal CC, naquele despacho nomeado, conforme informação de fls. 197.</font> </p><p><font> </font> </p><p><b><font>II.2. – </font></b><font>Como se sabe, o âmbito do objecto do recurso é definido pelas conclusões dos recorrentes (art.º 684.º, n.º 3, e 690.º, n.</font><sup><font>os</font></sup><font> 1 e 3, do CPC), importando ainda decidir as questões nela colocadas e bem assim, as que forem de conhecimento oficioso, exceptuadas aquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras – art.º 660.º, n.º 2, também do CPC. </font> </p><p><font> </font> </p><p><font>São, consequentemente, apenas objecto do recurso as seguintes:</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>a) Nulidade do acórdão por violação do comando do artigo 668.º, n.º 1, al. b), do Código de Processo Civil;</font> </p><p><font>b) Violação do artigo 2087.º do CC.</font> </p><p><font> </font> </p><p><b><font>II.3. </font></b> </p><p><font>Começaremos pela nulidade, dada a sua precedência lógica e prejudicialidade relativamente às restantes (artigos 726.º, 713.º, n.º 2 e 660.º do Código de Processo Civil).</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Entende o R. recorrente que a sentença é nula, sem apontar claramente um dos casos de nulidade, nos termos do art. 668.º, n. º 1, do Código de Processo Civil.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>No fundo, o recorrente entende que a fundamentação de direito é errada, porquanto os artigos 493/2, 494 e 495 do C.P.C. se não aplicam ao caso vertente.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Isto não configura a falta de fundamentação a que se refere a alínea b) do n.º 1 do artigo 668.º do Código de Processo Civil], porquanto, como é jurisprudência uniforme, só existe tal nulidade no caso de falta absoluta de fundamentação e não no caso de mera insuficiência ou deficiência da mesma (v. por todos o Acórdão do STJ de 8 de Janeiro de 1992, in </font><i><font>BMJ</font></i><font> n.º 413, p. 360). </font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Também não se vê como a razão apontada pudesse justificar o preenchimento das nulidades das alíneas c) d) e e) do mesmo n.º e artigo.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>No fundo o que o recorrente diz é que foi feita uma má aplicação do direito ou seja, que, na sua perspectiva, foi cometido um erro de direito. </font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Isso, podendo ser objecto do recurso, não configura, no entanto, qualquer nulidade.</font> </p><p><font> </font> </p><p><b><font>II.4. – </font></b><font>Sobre a segunda questão que passa a incidir sobre a totalidade da fundamentação de direito do despacho, parece-nos evidente a sem razão do recorrente.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>A legitimidade processual é acima de tudo uma posição perante uma determinada pretensão deduzida em juízo.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>A legitimidade do Autor ou autores afere-se pelo interesse em demandar que, por sua vez se exprime pela utilidade derivada da procedência da acção (art.º 26.º, n.ºs 1 e 2 do CPC); na falta de indicação da lei em contrário, e aqui a lei substantiva não dispõe de forma contrária ou diversa (cfr. art.º 286.º do CCiv), são considerados titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação controvertida, tal como é configurada pelo Autor (art.º 26.º, n.º 3 do CPC). </font> </p><p><font> </font> </p><p><font>A acção foi intentada pelo cabeça-de-casal e fundada no art.º 2088.º do CCiv. Não é a pessoa em concreto que está em causa nessa legitimidade </font><i><font>ad causam</font></i><font> é a função de cabeça de casal que pode ser exercida por pessoas diferentes ao longo do tempo durante o qual os respectivos poderes e deveres se mantêm.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Ora a legitimidade processual para a acção afere-se com referência ao momento da propositura da acção, sendo que nessa ocasião o cabeçalato estava deferido ao Autor, pelo que não se controverte a sua legitimidade.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Entendeu-se no acórdão recorrido que o pedido indemnizatório formulado se estriba muito justamente na alegada posse ilegítima por parte da Ré pelo que aquele não tem autonomia, o que justifica que o cabeça-de-casal possa formular ambos os pedidos conjuntamente, não sendo consentâneo com a economia processual que o cabeça-de-casal tenha apenas legitimidade para a acção de restituição da coisa, intentando a respectiva acção e que tenham já de ser todos os herdeiros, nos termos do art.º 2091 do CCiv, a intentar acção subsequente à precedente e procedente acção do cabeça-de-casal, com vista a obter uma indemnização pela reconhecida ocupação ilegítima. </font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Porém, a perda da qualidade de cabeça-de-casal por parte do A. inicial fez com que a legitimidade se radicasse no novo cabeça-de-casal, mesmo para o pedido de indemnização a favor da herança e derivado do alegado esbulho.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>É até de considerar inválida a desistência relativamente à restituição de posse, porquanto a legitimidade é do cabeça de casal que o desistente deixou de ser e porque, se se devesse entender que o pedido de restituição de posse deixara de subsistir já não faria sentido considerar autonomamente o pedido indemnizatório, sem ser com fundamento no artigo 2091.º do CC (aqui divergimos do entendimento sufragado no acórdão recorrido).</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Porém, ocorre uma dificuldade superveniente, decorrente de os interesses da herança serem defendidos pelo cabeça de casal que, em contrapartida, como réu, terá naturalmente propensão a defender os seus interesses pessoais, opostos ou contraditórios com aqueles.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Será possível encontrar no ordenamento jurídico forma de contornar esta dificuldade?</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Existe a norma do art.º 2074.º, n.º 3 do CCiv (no capítulo encargos da herança) que estatui: "Se houver necessidade de fazer valer em juízo os direitos e obrigações do herdeiro e este for o cabeça-de-casal, será nomeado à herança para esse fim um curador especial".</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Se, por qualquer circunstância, houver necessidade de recorrer a juízo para cobrar o crédito da herança contra o herdeiro, ou o crédito do herdeiro contra a herança e o herdeiro, seja ele o credor ou o devedor, for o cabeça-de-casal, nomear-se-á para a acção de cobrança judicial um curador especial, para não se colocar o cabeça-de-casal na posição difícil e ingrata de representar simultaneamente duas posições contrárias ou interesses.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>A situação concreta dos autos não está expressamente regulada na lei. </font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Muito embora diferentes as situações em apreço e aquela para a qual foi pensada a norma do art.º 2074.º, n.º 3 do CCiv, será que as razões justificativas da regulamentação do art.º 2074.º, n.º 3 do CCiv procedem em relação ao caso em apreço, por forma a poder aplicar-se analogicamente?</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>O art.º 2074.º do CCiv tem a ver com o exercício dos direitos e obrigações que o herdeiro tinha para com o falecido, naturalmente em vida dele, direitos e obrigações que, por força do seu n.º 1 se conservam em relação à herança e até à liquidação e partilha, podendo tal exercício ser conflituante, se o herdeiro for o cabeça-de-casal.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>No caso vertente não existia, no início do processo, qualquer conflito entre a pessoa que exercia o cabeçalato e a herdeira Ré, mas esse conflito passou a existir a partir do momento em que a pessoa que passou a exercer o cabeçalato e a Ré são uma e a mesma.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Entendeu-se no acórdão recorrido que as razões justificativas do art.º 2074.º, n.º 3, do CCiv se impõem-se no início do processo, ou seja, quem intenta a acção não é o cabeça-de-casal em representação da herança antes a herança representada pelo curador especial, ou seja, na hipótese do art.º 2074.º,n.º 3 do CCiv não ocorre a legitimidade do cabeça-de-casal para intentar a acção, antes ao curador especial, desde o seu início.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Entendemos que é possível configurar a situação em que um herdeiro reclama da herança um seu direito ou a herança reclama dele uma obrigação, sendo que, no momento da propositura da acção, o herdeiro não era cabeça de casal, tendo passado a sê-lo posteriormente. </font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Parece-nos que a norma não deixa de se aplicar, não se nos afigurando sequer, estarmos perante uma aplicação analógica.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Embora no caso do artigo 2074.º haja já uma obrigação ou um direito constituído relativamente ao </font><i><font>de cujus</font></i><font> o que aqui não acontece, o que o artigo 2074.º visa resolver é o impasse decorrente de o cabeça de casal ter que assumir em determinada acção a defesa de dois interesses incompatíveis, situação que aqui também se coloca. </font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Ao contrário do decidido no acórdão recorrido temos que se justifica plenamente aplicar ao caso presente a referida regra por analogia, ou seja, determinar-se que a posição da cabeça de casal como A. (na defesa dos interesses que lhe incumbem nos termos do artigo 2088.º) seja assumida por um curador especial.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font> </font> </p><p><b><font>III –</font></b><font> Termos em que se acorda em conceder a revista, revogando a decisão recorrida que decretou a absolvição da instância e determinando que a acção prossiga os seus ulteriores termos, sendo a posição do A. assegurada por um curador especial.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Custas a determinar a final.</font> </p><p><font> </font></p><div><br> <font>Lisboa, 12 de Março de 2015</font> <p><font> </font></p></div><br> <font>Paulo Sá (Relator)</font> <p><font>Garcia Calejo</font> </p><p><font>Helder Roque</font> </p><p><font> </font> </p></font><p><font><font>___________________</font><br> <a><u><font>[1]</font></u></a><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; N.º 681</font><br> <font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; Relator:&nbsp;&nbsp;&nbsp; Paulo Sá</font><br> <font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; Adjuntos: Garcia Calejo e</font><br> <font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; &nbsp;&nbsp; Hélder Roque<br> </font></font></p>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><br> <font> </font><br> <font>ACORDAM OS JUÍZES QUE CONSTITUEM O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA</font><a><u><sup><font>[1]</font></sup></u></a><font>:</font><br> <font> </font><br> <font> </font><br> <font> </font> <p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; “AA, SA”, propôs a presente acção declarativa, com processo comum, sob a forma ordinária, contra BB e CC, tendo sido chamados a intervir como associados dos réus, DD, EE, FF e GG, todos, suficientemente, identificados nos autos, pedindo que, na sua procedência, os réus sejam condenados a pagar à autora a quantia de €400 586,05, acrescida de juros de mora, já vencidos, no valor de €25 512.51, e dos juros de mora vincendos, calculados às taxas supletivas legais, sucessivamente, em vigor, desde 28 de março de 2009 e até efectivo e integral pagamento, invocando, para o efeito, que o crédito reclamado tem origem em fornecimentos de bens pela mesma realizados, entre 15 de setembro de 2006 e 31 de julho de 2008, a um estabelecimento comercial, denominado “HH”, da titularidade de “II, Herdeiros”, e em despesas respeitantes a encargos com desconto de letra não paga.</font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; O contrato de fornecimento de bens de que resultou a aludida quantia em dívida foi celebrado com o cabeça-de-casal da herança, aberta por óbito de II, ocorrido a 17 de novembro de 2003, tendo, entretanto, ocorrido a partilha da referida herança, homologada por sentença transitada em julgado, a 24 de julho de 2008, por força da qual a referida “HH” foi transmitida à ré BB.</font> </p><p><font>&nbsp;Para além dos réus demandados, inicialmente, foram chamados à acção, em intervenção principal, os outros herdeiros susceptíveis de serem responsabilizados.</font> </p><p><font>Para suportar a responsabilidade solidária pela dívida, por parte do réu BB, a autora alega que este é avalista e subscritor dos títulos de crédito emitidos para pagamento da dívida ora peticionado, e que tais títulos de crédito não foram satisfeitos.</font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; Na contestação, os réus impugnam os factos alegados na petição inicial, concluindo pela improcedência da acção.</font> </p><p><font>Os chamados foram citados e todos, com excepção do chamado JJ, apresentaram articulados, através dos quais declaram fazer seus os articulados do réu BB. </font> </p><p><font>A sentença julgou a acção, parcialmente, procedente, e, em consequência, condenou a co-ré BB a pagar à autora a quantia de €400 586,05 (€368127,89 + 32 458,16), acrescida de juros de mora, à taxa legal a que alude o proémio do artigo 102º, parágrafo 3º, do Código Comercial, já vencidos, no valor de €25 512,51, e dos vencidos e vincendos, desde 28 de março de 2009 até efectivo e integral pagamento, e condenou o co-réu CC e os chamados, na proporção das respectivas quotas hereditárias, no pagamento do aludido quantitativo, caso a autora não consiga obter tal pagamento pelos valores do estabelecimento comercial.</font> </p><p><font>Desta sentença, a ré BB interpôs recurso, tendo o Tribunal da Relação julgado improcedente a apelação, confirmando a decisão recorrida.</font> </p><p><font>Do acórdão da Relação do Porto, a ré BB interpôs agora recurso para este Supremo Tribunal de Justiça, que foi admitido como revista excecional, terminando as alegações com o pedido da sua revogação, por violação do disposto no artigo 2098º, nº 1, do Código Civil, condenando-se a mesma a parar à autora, somente, a quantia de um terço do valor da dívida reclamada, competindo ou outros dois terços aos restantes herdeiros, na respetiva proporção, deduzindo as seguintes conclusões que, integralmente, se transcrevem:</font> </p><p><font>1ª - O estabelecimento comercial, no caso concreto desta herança não é um património autónomo separado dos restantes bens daquela.</font> </p><p><font>2ª - A divida dos presentes autos não foi relacionada no inventário, por óbito da inventariada.</font> </p><p><font>3ª - Pelo que era impossível aos herdeiros pactuar sobre a sua forma de pagamento.</font> </p><p><font>4ª - Os estudos e aresto citados no Acórdão recorrido, por remissão para a sentença da 1</font><sup><font>a</font></sup><font> instância tiveram em conta preceitos legais revogados à data do decesso da inventariada.</font> </p><p><font>5ª - O objectivo do inventário e da partilha é o de promover a igualdade dos sucessores.</font> </p><p><font>6ª - O Acórdão recorrido, ao desaplicar o disposto no artigo 2098°, n° 1 do Código Civil, fez incorrecta interpretação e aplicação da lei violando o citado princípio de igualdade.</font> </p><p><font>Nas contra-alegações, a autora entende que o presente recurso deve ser julgado, totalmente, improcedente, mantendo-se a decisão impugnada.</font> </p><p><font>O Tribunal da Relação entendeu que se devem considerar demonstrados os seguintes factos, que este Supremo Tribunal de Justiça aceita, nos termos das disposições combinadas dos artigos 722º, nº 2 e 729º, nº 2, do Código de Processo Civil (CPC), mas reproduz:</font> </p><p><font>1. A autora é uma sociedade comercial que se dedica à distribuição, comércio de drogaria, perfumaria, produtos químicos e farmacêuticos e prestação de serviços, bem como transporte e distribuição de mercadorias, nomeadamente farmacêuticas, por conta de outrem (conforme resulta da certidão de registo comercial que se encontra disponível com o código de acesso 2638-2681-8639 no endereço </font><a><u><font>www.portaldaempresa.pt</font></u></a><font>).</font> </p><p><font>2. Em 15 de fevereiro de 2008, foi emitida nova letra para pagamento do montante global de €368.127,89 (€199.886,33+€168.241,56), com vencimento a 15 de agosto de 2008, sacada sobre “II, Herdeiros” e subscrita e avalisada pelo 2º réu, a qual não foi paga, na referida data de vencimento, nem até à presente data.</font> </p><p><font>3. A “HH” é um estabelecimento comercial que, a partir de 3 de janeiro de 1997, passou a pertencer, em exclusividade, à farmacêutica, então, viúva, II.</font> </p><p><font>4. Esta faleceu, a 17 de novembro de 2003, e sucederam-lhe os seus dois filhos, ora réus e como herdeiros testamentários, os seus quatro netos, filhos do 2º réu, a quem, por testamento, em conjunto e partes iguais, ela deixou a quota disponível da herança.</font> </p><p><font>5. Esta herança era composta por diversos bens móveis e imóveis, entre os quais se incluía aquele estabelecimento comercial.</font> </p><p><font>6. Em 18 de novembro de 2005, a 1ª ré requereu, no Tribunal Judicial da Comarca de Viseu, a instauração de um processo de inventário dessa herança, o qual, passou aí a correr termos, no 4º Juízo Cível, sob o nº de processo 4836 / 05.8 TBVIS.</font> </p><p><font>7. O 2º réu, por ser o filho mais velho da inventariada, foi nomeado para exercer o cargo de cabeça-de-casal, prestando o devido juramento, em 17 de fevereiro de 2006.</font> </p><p><font>8. Pelo menos, a partir de 17 de fevereiro de 2006 e até à liquidação e partilha definitivas da herança, o 2º réu passou a gerir e a administrar os bens que faziam parte daquela herança.</font> </p><p><font>9. O 2º réu abriu, sozinho, na agência de ... da ..., a conta nº ... …m, cuja titularidade foi atribuída a “II, Herdeiros” e que só o 2º réu podia movimentar.</font> </p><p><font>10. No processo de inventário não foi relacionada qualquer dívida ou crédito relativos á actividade prosseguida na Farmácia.</font> </p><p><font>11. Em 30 de julho de 2007, a 1ª ré apresentou nos autos de inventário, a que se refere a matéria assente, um requerimento cujo teor consta do documento nº 4, junto à contestação do 1º réu.</font> </p><p><font>12. No dia 16 de janeiro de 2008, a 1ª ré celebrou com “KK, Lda” um contrato-promessa de trespasse, pelo qual a 1ª ré prometeu trespassar à referida sociedade e esta prometeu tomar de trespasse o referido estabelecimento de farmácia, se, por acordo ou licitações e até ao valor máximo de €13000 000,00, a 1ª ré viesse a obter a adjudicação dessa farmácia no processo de inventário, atrás identificado.</font> </p><p><font>13. O preço fixado nesse contrato-promessa para o trespasse foi de €1300 000,00, incluindo activo e passivo.</font> </p><p><font>14. Na cláusula 11ª, parágrafo único, desse contrato-promessa, consta que “quer a 1ª ré quer os promitentes-trespassários já tinham obtido informações contabilísticas sobre a farmácia e que só se da análise das contas da farmácia se viesse a verificar a existência de um passivo ou de encargos substancialmente desajustados ao activo, não previsíveis e demonstrativos da lesão intencional dos interesses da herança por parte do cabeça-de-casal é que a 1ª ré se comprometeu a encetar acções judiciais destinadas a (…) repor o equilíbrio pressuposto nesse contrato”.</font> </p><p><font>15. Em 25 de janeiro de 2008, realizou-se no inventário a conferência de interessados e foram feitas licitações, tendo a Farmácia sido licitada pela 1ª ré, pelo valor de €1300 000,00.</font> </p><p><font>16. Por sentença de 10 de julho de 2008, transitada em julgado em 24 desse mês, a propriedade exclusiva da Farmácia foi, definitivamente, adjudicada à 1ª ré.</font> </p><p><font>17. No dia 14 de agosto de 2008, a 1ª ré transmitiu a referida farmácia para a sociedade, atrás identificada, pelo preço de €1300000,00.</font> </p><p><font>18. No contrato de trespasse, os outorgantes declararam, expressamente, que o estabelecimento (…) denominado “HH” era trespassado para a sociedade adquirente tal como foi adjudicado no referido processo à ora 1ª ré e com todos os elementos que o integravam.</font> </p><p><font>19. Na letra, mencionada no item 7º da matéria assente, o sacado é mencionado como sendo “II, Herdeiros”.</font> </p><p><font>20. E, no lugar destinado à assinatura do aceitante, consta um carimbo identificador da “HH - ...” e da sua Directora Técnica.</font> </p><p><font>21. A ora ré requereu, em 16 de fevereiro de 2006, que o 2º réu prestasse, por apenso aquele inventário, as contas da sua administração da herança, enquanto cabeça-de-casal, e a que estava obrigado a prestar, anualmente.</font> </p><p><font>22. Por despacho judicial, foi desapensado o apenso de prestação de contas, prosseguindo, autonomamente, no 3ºJuízo daquele Tribunal, com o nº 3818/06.7. </font> </p><p><font>23. Em 01 de julho de 2007, foi emitida uma letra, no montante de €199.886,33, com vencimento a 01 de janeiro de 2008, sacada sobre “II, Herdeiros” e subscrita e avalizada pelo 2º réu.</font> </p><p><font>24. A letra, a que alude o item 2 da matéria assente, não foi paga.</font> </p><p><font>25. No exercício da sua actividade, a autora forneceu diversos bens ao estabelecimento comercial, designado por “HH”, cujo pagamento permanece em dívida - 1º.</font> </p><p><font>26. A autora forneceu ao aludido estabelecimento bens, nas datas a seguir indicadas:</font> </p><p><font>RESUMO DE FACTURA </font> </p><p><font>N.º&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; DATA&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; VALOR</font> </p><p><font>…-------- 15-09-2006- ---------- € 3.110,93</font> </p><p><font>… --------30-09-2006--------- € 12.246,60</font> </p><p><font>…--------- 15-10-2006---------- € 15.522,02</font> </p><p><font>… ---------31-10-2006 ---------- € 19.671,49</font> </p><p><font>…----------15-11-2006 ----------- € 12.151,41</font> </p><p><font>… ---------30-11-2006 -----------€ 19.227,58</font> </p><p><font>… -----------15-12-2006 ----------€ 14.769,06</font> </p><p><font>…---------- 31-12-2006 -----------€ 15.898,58</font> </p><p><font>… ----------15-01-2007 -----------€ 19.351,30</font> </p><p><font>…-----------31-01-2007----------- € 18.274,37</font> </p><p><font>… ----------15-02-2007----------- € 9.568,86</font> </p><p><font>… ----------28-02-2007 -----------€ 8.913,21</font> </p><p><font>…---------- 15-03-2007 ---- -------€ 11.683,96</font> </p><p><font>… ----------31-03-2007------------ € 19.496,96</font> </p><p><font>- No total de € 199.886,33 - 2º.</font> </p><p><font>27. Após 01 de julho de 2007, a autora forneceu ao mesmo estabelecimento os bens, nas datas a seguir indicadas:</font> </p><p><font>RESUMO DE FACTURA</font> </p><p><font>&nbsp;N.º&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; DATA&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; VALOR</font> </p><p><font>…. /31-07-2007/ € 8.008,95</font> </p><p><font>… /15-08-2007 € 6.068,94</font> </p><p><font>…/31-08-2007 € 8.155,39</font> </p><p><font>… /31-08-2007 € 9.520,38</font> </p><p><font>… /15-09-2007 € 6.181,44</font> </p><p><font>… /30-09-2007 € 13.228,55</font> </p><p><font>…. /15-10-2007 € 10.869,08</font> </p><p><font>… / 31-10-2007 € 11.780,57</font> </p><p><font>…. /15-11-2007 € 10.267,69</font> </p><p><font>…/15-11-2007 € 693,32</font> </p><p><font>… /22-11-2007 € 52,03</font> </p><p><font>… /30-11-2007 € 11.685,49</font> </p><p><font>… /30-11-2007 € 314,59</font> </p><p><font>… /15-12-2007 € 11.107,44</font> </p><p><font>… /15-12-2007 € 52,03</font> </p><p><font>…. /31-12-2007 € 12.736,21</font> </p><p><font>… /15-01-2008 € 13.965,71</font> </p><p><font>… /31-01-2008 € 21.700,68</font> </p><p><font>… /15-02-2008 € 11.853,07</font> </p><p><font>no total de € 168.241,56 - 3º.</font> </p><p><font>28. O montante da letra, emitida em 01 de julho de 2007, ainda não foi pago - 4º.</font> </p><p><font>29. Em 02 de abril de 2008, a autora debitou ao mesmo estabelecimento os encargos, no montante de €14.940,03 - 5º.</font> </p><p><font>30. Posteriormente à emissão da referida letra, a autora ainda forneceu à “HH” bens, no valor de €19.966,58, tendo procedido ao abatimento do valor total de €2.448,45 - 6º.</font> </p><p><font>31. O 2º réu preencheu e entregou à autora dois cheques, no valor de €16.207,83, cada um, sendo um, datado de 11 de agosto de 2008, e o outro, datado de 11 de setembro de 2008 - 7º.</font> </p><p><font>32. Tais cheques não foram pagos, em virtude de a conta sacada de “II, Herdeiros” ter sido, entretanto, encerrada, pelo 2º réu - 8º.</font> </p><p><font>33. Os fornecimentos efectuados pela autora ao estabelecimento de farmácia em causa ocorreram, entre 1 de setembro de 2006 e 31 de setembro de 2006, no valor de €112 597,09, entre 1 de janeiro de 2007 e 31 de dezembro de 2006, no valor de €87 288,66, entre 15 de julho e 31 de dezembro de 2007, no valor de €120722,10, entre 1 de Janeiro de 2008 a 15 de Fevereiro de 2008, no valor de €47 519,46, e entre 1 de maio de 2008 e 15 de maio de 2008, no valor de €19 641,04 e, em 15 de julho de 2008, no valor de € 325,54 – 9º.</font> </p><p><font>34. A letra, a que alude o item 23º da matéria assente, foi emitida para pagar o montante, então, devido à autora, pela HH, mais concretamente, €199.886,33 - 10º.</font> </p><p><font>35. A letra, a que alude o item 2 da matéria assente, foi emitida para pagamento do montante global de €368.127,89 (€199.886,33 + € 168.241,56) - 11º.</font> </p><p><font>36. Os encargos, a que alude o quesito 5º da base instrutória, respeitam ao desconto da letra, referida no item 2º da matéria assente - 12º.</font> </p><p><font>37. Para pagar fornecimentos feitos à HH, designadamente, o valor referido na resposta ao quesito 6º, acrescido do valor referido na resposta ao quesito 5º, deduzidos do valor de €2 448,45, o 2º réu preencheu e entregou à autora os dois cheques ali referidos, no valor de €16.207,83, cada, sendo um datado de 11 de agosto de 2008 e o outro datado de 11 de setembro de 2008 - 13º.</font> </p><p><font>38. Os fornecimentos, a que se alude na questão 9ª, destinaram-se, exclusivamente, à actividade comercial da “ Farmácia” – 14º.</font> </p><p><font>39. Para acautelar os seus interesses, a autora procurou obter um título representativo da dívida da Farmácia - 19º.</font> </p><p><font>40. Nessa sequência, foi emitida a letra, a que alude o item 23º da matéria assente - 20º.</font> </p><p><font>41. Após ser emitida a letra, a que alude o item 23º da matéria assente, e, a partir de inícios de julho de 2007, a autora retomou os fornecimentos, sem receber qualquer quantia para pagamento da letra – 21º, 22º, 23º e 24º.</font> </p><p><font>42. A autora não recebeu qualquer pagamento por tais fornecimentos - 25º.</font> </p><p><font>43. A autora foi informada sobre o resultado das licitações ocorridas nos autos de inventário - 26º e 27º.</font> </p><p><font>44. A partir de 15 de fevereiro de 2008, a autora suspendeu os fornecimentos à referida farmácia - 28º.</font> </p><p><font>45. Provado apenas o que consta do item 2º da matéria assente - 29º, 30º, 35º.</font> </p><p><font>46. Provado apenas o que consta das respostas aos quesitos 2º, 3º, 6º e 28º - 31º, 32º e 33º.</font> </p><p><font>47. Provado apenas que, durante a 1ª quinzena de Maio, a autora voltou a fornecer a Farmácia. – 44º.</font> </p><p><font>48. Provado apenas que a soma dos valores titulados pelos cheques, a que alude a resposta ao quesito 7º, corresponde a €32 415,66 - 36º, 37º e 38º.</font> </p><p><font>49. Provado apenas que, quando a ora ré se apresentou na conferência de interessados, pelo menos, conhecia as contas apresentadas pelo cabeça de casal naquele processo de prestação de contas, limitado ao período decorrido entre 17 de novembro de 2003 e 17 de fevereiro de 2006.- 39º.</font> </p><p><font>50. Provado apenas que, na data das licitações, a 1ª ré não conhecia os valores dos fornecimentos feitos pela autora, a partir de 17 de fevereiro de 2006 - 41º e 42º.</font> </p><p><font>51. Provado que, na data das licitações, a 1ª ré não estava informada sobre o modo como o 2º réu administrava a herança e a farmácia, após 17 de fevereiro de 2006 - 43º.</font> </p><p><font>52. Provado apenas que o cabeça-de-casal, ao aceitar e ao avalizar a letra de €368127,89, sabia que a farmácia tinha sido licitada pela 1ª ré, no processo de inventário, a que alude o item 6º da matéria assente. – 44º e 45º.</font> </p><p><font>53. Provado que, em 1 de agosto de 2008, a 1ª ré tomou conhecimento, através da autora, dos valores que a “HH” devia á autora e que esta reclama nesta acção - 47º.</font><br> <font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; &nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;*</font><br> <font>Tudo visto e analisado, ponderadas as provas existentes, atento o Direito aplicável, cumpre, finalmente, decidir.</font><br> <font>As questões a decidir, na presente revista, em função das quais se fixa o objecto do recurso, considerando que o «thema decidendum» do mesmo é estabelecido pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, com base no preceituado pelas disposições conjugadas dos artigos 660º, nº 2, 661º, 664º, 684º, nº 3, 685º-Aº e 726º, todos do CPC, são as seguintes: </font> </p><p><font>I – A questão da natureza jurídica do estabelecimento comercial.</font> </p><p><font>II – A questão da violação do princípio da igualdade.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; &nbsp;&nbsp;I – DA NATUREZA JURÍDICA DO ESTABELECIMENTO COMERCIAL</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>&nbsp; Diz a ré recorrente que o estabelecimento comercial, no caso concreto desta herança, não é um património autónomo separado dos restantes bens daquela e, não tendo a divida do estabelecimento comercial sido relacionada no inventário, por óbito da inventariada, era impossível aos herdeiros pactuar sobre a sua forma de pagamento.</font> </p><p><font>O estabelecimento comercial é um bem mercantil, que engloba o complexo de bens e direitos que o comerciante afeta à exploração da sua empresa, e que apresenta uma utilidade, uma funcionalidade e um valor próprios, distintos de cada um dos seus componentes e que o direito trata, unitariamente</font><a><u><sup><font>[2]</font></sup></u></a><font>.</font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; E, tratando-se de um bem suscetível de ser objeto de relações jurídicas, está integrado por um conjunto de bens autónomos, porque é constituído por alguns elementos que não são coisas, designadamente, os créditos, débitos e contratos, é ainda uma universalidade de direito mobiliária</font><a><u><sup><font>[3]</font></sup></u></a><font>, «sui generis»</font><a><u><sup><font>[4]</font></sup></u></a><font>, de natureza funcional</font><a><u><sup><font>[5]</font></sup></u></a><font>, «maxime», quando pertence a uma sociedade, dada a sua criação legal</font><a><u><sup><font>[6]</font></sup></u></a><font>.</font> </p><p><font>Com efeito, o estabelecimento comercial é, para além de uma unidade económica, uma unidade jurídica objetiva, porquanto o Direito não se limita a ver as coisas em singular, mas antes o todo, como algo de distinto da mera pluralidade das partes componentes, suscetível de admitir a existência de um direito autónomo</font><a><u><sup><font>[7]</font></sup></u></a><font>.</font> </p><p><b><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; </font></b><font>Em caso de morte do titular do estabelecimento comercial e da subsequente instauração do processo de inventário, o cabeça-de-casal “indicará o valor que atribui a cada um dos bens”, que deverá ser um valor líquido, quando se trate, nomeadamente, de “direitos de crédito ou de outra natureza”, onde se inclui o estabelecimento comercial, nos termos do disposto pelo artigo 1346º, nºs 1 e 3, a), «a contrario», do CPC</font><a><u><sup><font>[8]</font></sup></u></a><font>.</font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; Efetivamente, o valor que para a universalidade resulta do balanço é o seu valor líquido, pois que a função do balanço é revelar a verdadeira situação do estabelecimento, no termo de cada exercício, separando as verbas do ativo das verbas do passivo.</font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; Diversamente, se as dívidas do estabelecimento, acusadas pelo respetivo balanço, formassem um todo com o restante passivo hereditário, para o efeito de serem distribuídas por todos os co-herdeiros, na proporção da parte do ativo que viesse a caber a cada um, já o cumprimento da obrigação do cabeça-de-casal, prevista pelo artigo 1346º, nº 1, do CPC, se objectivaria num valor ilíquido, em que o passivo se não deduziria ao ativo.</font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; Mas, se, entretanto, os resultados das licitações vierem a corrigir a avaliação que serviu de base aquela indicação do valor líquido do estabelecimento, para efeitos da adjudicação a um dos interessados, deverá o estabelecimento ser transferido para o respetivo adjudicatário com as dívidas inerentes, por não ser de aplicar o regime comum da responsabilidade dos co-herdeiros pelo passivo hereditário, segundo o qual “etectuada a partilha, cada herdeiro só responde pelos encargos em proporção da quota que lhe tenha cabido na herança”, constante do artigo 2098º, nº 1, do Código Civil (CC), que se reporta à situação do pagamento dos encargos, após a herança partilhada, sob pena de enriquecimento do adjudicatário à custa dos outros interessados. &nbsp;&nbsp;</font> </p><p><font>Deste modo, o adjudicatário do estabelecimento comercial será o único responsável pela assunção do passivo verificado, sem prejuízo de os credores, em caso de insuficiência dos bens entregues aquele interessado incumbido do pagamento, poderem fazer excutir os restantes bens que foram adjudicados aos demais interessados, subsidiariamente, nos termos do disposto pelo artigo 2098º, nº 2, do CC</font><a><u><sup><font>[9]</font></sup></u></a><font>.</font> </p><p><font>E, como o que se transfere, por morte do titular, não são os elementos do conjunto, individualmente, considerados, mas antes o estabelecimento comercial, no seu todo, a aderência das dívidas ao mesmo é um sinal seguro da sua natureza unitária.</font> </p><p><font>A isto acresce que a natureza do estabelecimento, enquanto unidade económica e jurídica, resulta, igualmente, do disposto pelos artigos 1109º, do CC, a propósito da qualificação do contrato de locação de estabelecimento, 21º e 22º, do Estabelecimento Individual de Responsabilidade Limitada, e 8º, do Código do Registo Comercial, que disciplinam os fatos relativos a estabelecimentos individuais de responsabilidade limitada sujeitos a registo. </font> </p><p><font>Sendo o estabelecimento comercial uma universalidade, deve ser relacionado e descrito, como uma verba única, como já o era quando em poder do autor da herança., permanecendo como unidade, à sua morte, e como unidade continua, enquanto explorado pelo cabeça-de-casal, até ao momento de ser partilhado.</font> </p><p><font>Por isso, não pode o cabeça-de-casal deixar de descrever o estabelecimento em globo, ainda que, para tanto, não colha a unanimidade dos interessados</font><a><u><sup><font>[10]</font></sup></u></a><font>, pois que, em caso contrário, tal implicaria a destruição de uma unidade, o que a lei proíbe, e que nada tem a ver com a questão do apuramento das responsabilidades da herança ou do adjudicatário em licitações, ou de ambos, para com os credores do estabelecimento…que o eram ao tempo da morte do inventariado…</font><a><u><sup><font>[11]</font></sup></u></a><font>.</font> </p><p><font>De igual modo, em relação às restantes dívidas da herança, também por elas responderá o adjudicatário do estabelecimento, subsidiariamente, se os bens atribuídos aos demais herdeiros forem insuficientes para o pagamento das dívidas a seu cargo</font><a><u><sup><font>[12]</font></sup></u></a><font>. </font> </p><p><font>&nbsp;Se, pelo menos, para os efeitos indicados, a lei concebe o estabelecimento comercial como uma verdadeira unidade, o que se transfere, por morte do seu titular, não são os elementos do conjunto, individualmente, considerados, pois, apenas se o fossem, o passivo da empresa não teria qualquer autonomia, porquanto como simples parcela do passivo hereditário, todos os interessados respondiam por ele, nos termos comuns.</font> </p><p><font>Porém, como tal não sucede, carece de fundamento legal a posição da ré, segundo a qual o estabelecimento comercial, no caso concreto desta herança, não é um património autónomo separado dos restantes bens daquela. </font> </p><p><font> </font> </p><p><font>&nbsp; &nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;II. DA VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA IGUALDADE </font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; </font> </p><p><font>Alega ainda a ré BB que, sendo objectivo do inventário e da partilha promover a igualdade dos sucessores, o acórdão recorrido, ao desaplicar o disposto no artigo 2098°, n° 1, do CC, fez incorrecta interpretação e aplicação da lei, violando o princípio da igualdade.</font> </p><p><font>Preceitua o artigo 2098º, nº 1, do CC, que “efectuada a partilha, cada herdeiro só responde pelos encargos em proporção da quota que lhe tenha cabido na herança”.</font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; O processo de inventário destina-se, quando houver necessidade de realizar a partilha judicial, a por termo à comunhão hereditária, atento o disposto pelo artigo 1326º, nº 1, 1ª parte, do CPC.</font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; Assim sendo, depois do objetivo de descrever e avaliar os bens, a finalidade primacial do inventário-divisório consiste em obter a partilha dos mesmos.</font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; O processo de inventário tem natureza complexa, pois que se o Juiz é solicitado para autenticar o deliberado pelos interessados, sem oposição de ninguém, é um processo gracioso, onde se torna desnecessária a decisão daquele, mas se, pelo contrário, os interessados não estão de acordo, o processo transforma-se em contencioso, e o Juiz é forçado a decidir</font><a><u><sup><font>[13]</font></sup></u></a><font>.</font> </p><p><font>E a fase das licitações, de natureza, marcadamente, contenciosa, pela qual o processo de inventário a que se reportam os presentes autos passou, embora, tendencialmente, destinada a favorecer a igualdade dos quinhões hereditários, tem apenas uma função retificadora ou aquisitiva, em que os co-herdeiros aumentam, a seu arbítrio, o valor dos bens descritos e avaliados, obrigando-se a levá-los no seu quinhão hereditário pelo preço que licitam</font><a><u><sup><font>[14]</font></sup></u></a><font>.</font> </p><p><font>Porém, nem mesmo esta fase crucial das licitações, em processo de inventário, destinada, tendencialmente, à igualização dos diversos quinhões hereditários, permite ao Juiz uma intervenção propiciadora da plena observância do estatuto da igualdade substancial dos interessados.</font> </p><p><font>Por seu turno, o disposto pelo artigo 2098º, nº 1, não foi infringido, porquanto o seu campo de aplicação se circunscreve ao “pagamento dos encargos após a partilha da herança”, enquanto que a situação fática subjacente contende com a responsabilidade pelos encargos, por parte da herança indivisa, consagrada pelo artigo 2097º, ambos do CC.</font> </p><p><font>Não se mostra, pois, violado o princípio constitucional da igualdade, consagrado pelo artigo 13º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa.</font> </p><p><font>Improcedem, assim, as conclusões constantes das alegações da revista da ré BB, sendo certo que eventuais anomalias que tenham ocorrido na partilha não são oponíveis à autora, mas, tão-só, invocáveis nas relações internas entre os co-herdeiros, no âmbito do exercício de um eventual direito de regresso.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; CONCLUSÕES:</font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; </font> </p><p><font>I - O estabelecimento comercial é, para além de uma unidade económica, uma unidade jurídica objetiva, porquanto o Direito não se limita a ver as coisas em singular, mas antes o todo, como algo de distinto da mera pluralidade das partes componentes, suscetível de admitir a existência de um direito autónomo.</font> </p><p><font>II – O valor que para a universalidade resulta do balanço é o seu valor líquido, pois que a função do balanço é revelar a verdadeira situação do estabelecimento, no termo de cada exercício, separando as verbas do ativo das verbas do passivo.</font> </p><p><font>III - Se os resultados das licitações vierem a corrigir a avaliação que serviu de base à indicação do valor líquido do estabelecimento, para efeitos da adjudicação a um dos interessados, deverá o estabelecimento ser transferido para o respetivo adjudicatário com as dívidas inerentes, único responsável pela assunção do passivo verificado, sem prejuízo de os credores, em caso de insuficiência dos bens entregues aquele interessado incumbido do pagamento, poderem fazer excutir os restantes bens que foram adjudicados aos demais interessados, subsidiariamente, nos termos do disposto pelo artigo 2098º, nº 2, do CC.</font> </p><p><font>IV - Não é de aplicar o regime comum da responsabilidade dos co-herdeiros pelo passivo hereditário, constante do artigo 2098º, nº 1, do CC, que se reporta à situação do pagamento dos encargos, após a herança partilhada, sob pena de enriquecimento do adjudicatário à custa dos outros interessados.&nbsp;&nbsp; </font> </p><p><font>V - A fase de licitações, em processo de inventário, embora, tendencialmente, destinada a favorecer a igualdade dos quinhões hereditários, tem apenas uma função retificadora ou aquisitiva, não permitindo ao Juiz uma intervenção propiciadora da plena observância do estatuto da igualdade substancial dos interessados.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>DECISÃO</font><a><u><sup><font>[15]</font></sup></u></a><font>:</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Por tudo quanto exposto ficou, acordam os Juízes que constituem a 1ª secção cível do Supremo Tribunal de Justiça, em negar a revista, confirmando o douto acórdão recorrido.</font> </p><p><font>&nbsp;</
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font> <p><b><font>Recorrente</font></b><font>: - AA</font> </p><p><b><font>Recorrido</font></b><font>: - BB e marido CC</font> </p><p><font> </font><b><font>I. - RELATÓRIO.</font></b> </p><p><font>Desavindo com a decisão proferida, em 10 de Fevereiro de 2011, pelo Tribunal da Relação do Porto, em que, na improcedência da apelação interposta da decisão proferida no tribunal de Gondomar, confirmou (parcialmente) a decisão proferida neste tribunal, [</font><a><u><sup><font>[1]</font></sup></u></a><font>] recorre, de revista, para este tribunal, havendo que considerar para a decisão a proferir os seguintes:</font> </p><p><b><font>I.1. – Antecedentes Processuais</font></b><font>.&nbsp;&nbsp; &nbsp;&nbsp;&nbsp;</font> </p><p><font>BB e marido CC, residentes na Rua .............., nº. ...., S. ......, Gondomar, intentaram a presente declarativa de condenação com processo ordinário contra AA, divorciado, residente na Travessa .............., nº. ....., Valbom, Gondomar, com fundamento no instituto da acessão industrial imobiliária, tendo dessumido o sequente pedido: “</font><i><font>deve a presente acção ser julgada procedente por provada, e em consequência, pedem que o Réu seja condenado a:</font></i> </p><p><i><font>a) Reconhecer que a construção que edificou na construção dos Autores, melhor identificado no item 1 da PI </font></i><font>[casa de habitação de dois pavimentos, sita na Rua ................, na freguesia de S. ......, município de Gondomar, a confrontar do Norte com o proprietário, do Sul com herdeiros de DD e Outros, do Nascente com Estrada Nacional e do Poente com caminho público, inscrita na matriz da referida freguesia sob o art. 1544º.]</font><i><font>, é pertença destes, porquanto, são estes os donos do terreno;</font></i> </p><p><i><font>b) Entregar o referido andar aos aqui Autores livre, desimpedido e totalmente devoluto de pessoas e bens;</font></i> </p><p><i><font>c) Deve ainda o Tribunal fixar o valor das obras edificadas pelo Réu à data da sua incorporação na propriedade dos Autores, a fim que estes o indemnizem pelo justo valor das mesmas</font></i><font>”.</font> </p><p><font>Como factos constitutivos do direito potestativo que invocaram, alegaram, em síntese, que são proprietários de um prédio urbano, composto de casa de habitação de dois pavimentos, inscrito na Matriz sob o artigo 1544º., adquirido por herança (deixada pelos pais da Autora e do Réu); </font> </p><p><font>- o prédio referido anteriormente foi-lhes adjudicado no Inventário “</font><i><font>com o ónus de que existia à época, como hoje existe, um andar construído pelo aqui Réu sobre parte – um armazém –</font></i><font>” que, por sua vez, faz parte desse mesmo prédio (com 168 m2 de superfície coberta e 284 m2 de superfície descoberta); </font> </p><p><font>- o andar referido no item antecedente possuía área de 70 m2, foi edificado “</font><i><font>sobre parte de 168 m2 de construção</font></i><font>”, por volta de 1975, “</font><i><font>de boa fé</font></i><font>”, com “</font><i><font>conhecimento e autorização</font></i><font>” dos anteriores proprietários, e, portanto, está implantado sobre o “</font><i><font>património</font></i><font>” (“</font><i><font>terreno e armazém</font></i><font>”) que foi dos </font><i><font>de cujus </font></i><font>e hoje é dos Autores; </font> </p><p><font>- o valor do mencionado andar “</font><i><font>é (…) muito inferior às benfeitorias já existentes no terreno e até ao mesmo terreno, estimando-se que o valor do andar edificado pelo Réu seja, actualmente como à data da «incorporação», cerca de 1/10 do valor do terreno em construção pertença dos Autores</font></i><font>”; </font> </p><p><font>- pelo que se verificam-se os requisitos da </font><i><font>acessão industrial imobiliária</font></i><font>, nos termos do nº. 3, do artigo 1340º., CC, visto que o andar foi construído “</font><i><font>na parcela de terreno dos Autores</font></i><font>”, pretendendo, os AA, com esse fundamento e por meio desta acção, exercer o seu </font><i><font>direito potestativo </font></i><font>de adquirir (e unificar com a sua) a propriedade do andar, propondo-se pagar ao Réu, como indemnização, o valor das obras ao tempo da sua realização, valor este a fixar pelo Tribunal.</font> </p><p><font>O Réu foi citado e veio apresentar contestação na qual se defendeu por impugnação, excepcionou e formulou pedido reconvencional, nos seguintes termos e em síntese:</font> </p><p><font>-Foi também o Réu quem, há mais de 30 anos, construiu, “de raiz”, o </font><i><font>armazém</font></i><font> sobre o qual se encontra implantado o questionado </font><i><font>andar</font></i><font> e que, antes não existia; aquilo que os AA chamam o </font><i><font>armazém</font></i><font> mais não era do que um </font><i><font>pequeno</font></i><font> </font><i><font>anexo</font></i><font>, constituído apenas pelas paredes respectivas e por uma cobertura em placas de zinco, insusceptível de sobre eles se construir o que quer que fosse, tanto que o Réu, para poder construir o andar, teve de nele implantar fundações e placas (</font><i><font>térrea</font></i><font>, </font><i><font>do meio</font></i><font> e </font><i><font>de tecto</font></i><font>); </font> </p><p><font>- assim, tanto aquilo que hoje é um armazém – não da propriedade dos AA – como o andar sobre ele construído resultaram de obra realizada pelo Réu e constituem “</font><i><font>um todo uno, único e indissociável, propriedade do Réu</font></i><font>”; </font> </p><p><font>- daí que o Réu tenha adquirido, por </font><i><font>usucapião</font></i><font>, um </font><i><font>direito de superfície</font></i><font> sobre o terreno em que está edificado esse “</font><i><font>conjunto</font></i><font>”, inexistindo, em consequência, a invocada </font><i><font>acessão industrial imobiliária</font></i><font>; </font> </p><p><font>- desde há mais de 30 anos que o Réu “</font><i><font>tem estado na posse e fruição</font></i><font>” da “</font><i><font>construção</font></i><font>”, “</font><i><font>praticando, reiteradamente, todos os actos materiais significativos da sua posse, reparando-o, pagando as respectivas contribuições, etc., posse essa que exerce à vista de toda a gente, contínua e ininterruptamente, colhendo todas as utilidades e benefícios, pacificamente, isto é, sem oposição de quem quer que seja, sempre na convicção de que a construção aludida lhe pertence, na certeza de que jamais estaria a lesar interesses de outrem, ou seja, sobre a mesma exercendo todos os poderes próprios de um proprietário …tendo-se iniciado e mantido sem qualquer violência sendo, por isso, pacífica, pública, de boa fé e com justo título</font></i><font>”.</font> </p><p><font>Além disso, “</font><i><font>o custo do armazém e andar eram, à data da sua construção</font></i><font> [armazém e andar], </font><i><font>substancialmente superior ao custo da parcela de terreno incorporada</font></i><font>”, pelo que não têm os AA o direito de adquirir [o andar] por acessão, antes e com tal fundamento esse direito [de adquirir o terreno] pertence ao Réu.</font> </p><p><font>Mais refere que mesmo que assim se não entenda, sempre o valor a pagar pelos Autores pelas obras teria de ser devidamente actualizado.&nbsp; </font> </p><p><font>Em sede reconvencional formulou o seguinte pedido: </font> </p><p><i><font>“Reconhecer-se que o Réu/reconvinte é proprietário do direito de superfície sobre o terreno onde se encontra implantada a construção por si levada a efeito (andar e armazém);</font></i> </p><p><i><font>Condenar-se os Autores/Reconvindos a assim o reconhecerem e a absterem-se de praticar actos susceptíveis de violar tal direito do Réu/reconvinte.</font></i> </p><p><i><font>Ou, se assim não se entender, ser o pedido reconvencional formulado subsidiariamente julgado procedente por provado e, em consequência:</font></i> </p><p><i><font>Serem os Autores/Reconvindos condenados a reconhecer que a construção levada a efeito pelo Réu/reconvinte, constituída por andar e armazém, sendo um todo uno e inseparável, é de valor superior ao terreno incorporado e, por isso, pertença do Réu/reconvinte;</font></i> </p><p><i><font>Serem os Autores/Reconvindos condenados a entregar ao Réu/reconvinte o dito prédio, livre de pessoas e bens;</font></i> </p><p><i><font>Deverá o Tribunal fixar o valor das obras edificadas pelo Réu/reconvinte e do terreno incorporado, à data da construção das mesmas, a fim de que este indemnize os Autores/Reconvindos pelo justo valor, tudo com as legais consequências.”</font></i> </p><p><font>Os Autores apresentaram Réplica, na qual, sobretudo e além do mais, impugnam a alegada inexistência do armazém e que este tenha sido construído pelo Réu (pois que já no vão do respectivo telhado o pai da A. e do Réu tinha instalada uma colchoaria, ele fora licenciado pela Câmara através do processo 317/58, no projecto de construção do andar apresentado pelo Réu já estão descritas as obras então existentes e, sobretudo, o armazém, e este está referido no inventário); </font> </p><p><font>- desde a adjudicação no inventário, sempre os AA, sobre o terreno e o armazém, “</font><i><font>exercem e praticam … todos os actos materiais significativos da sua posse, reparando-o, pagando as suas contribuições e impostos…à vista de toda a gente…contínua e ininterruptamente, colhendo todas as utilidades e benefícios, pacificamente, sem oposição de quem quer que seja, sempre na convicção de que o terreno e armazém lhe pertence</font></i><font>”; </font> </p><p><font>- nunca sobre o armazém exerceu o Réu qualquer posse.</font> </p><p><font>Terminam requerendo a condenação do Réu como litigante de má-fé em multa e indemnização, “</font><i><font>condigna a apurar no douto e prudente arbítrio do Tribunal</font></i><font>”.</font> </p><p><font>O Réu, pronunciou-se sobre os documentos e sobre a questão da litigância de má-fé, mantendo que deles se extrai que o Réu não construiu apenas o andar mas também o próprio armazém e impugnando o mais pelos AA alegado na tréplica e requerendo também, àquele título, a condenação dos AA em multa e indemnização condignas.</font> </p><p><font>Apresentados nos autos vários requerimentos pelas partes a pretexto do registo da acção e da reconvenção, foi proferido despacho de aperfeiçoamento e, na sequência deste, apresentada, pelos AA, </font><u><font>nova petição</font></u><font> e, pelo Réu, </font><u><font>nova contestação-reconvenção.</font></u> </p><p><font>Seguiu-se nova Réplica e nova resposta aos documentos apresentados</font><i><font>.</font></i> </p><p><font>Foi proferido despacho que saneou o processo, elencou a Matéria de Facto Considerada Assente e organizada a Base Instrutória com os factos ainda controvertidos.</font> </p><p><font>Indicados e produzidos os meios de prova tidos por pertinentes, realizou-se a audiência de julgamento, na qual e como se verifica da respectiva acta, foram observadas todas as formalidades legais.</font> </p><p><font>O Tribunal respondeu aos quesitos da Base Instrutória, sendo certo que tal decisão sobre a matéria de facto não foi objecto de qualquer reclamação das partes.</font> </p><p><font>Foi então proferida sentença, </font><u><font>que julgou do seguinte modo</font></u><font>:</font> </p><p><font>Nos termos e com os fundamentos expostos, o Tribunal julgou procedente, por provada, a presente acção, e, em consequência, condenou o Réu AA a reconhecer que os AA. BB e marido CC são proprietários, por o terem adquirido por acessão industrial imobiliária, do andar referido em 3.1.3, 3.1.4 e 3.2.2, construído sobre o armazém referido em 3.1.3, 3.1.6, 3.2.1 e 3.2.2 integrante do prédio identificado em 3.1.1 e 3.1.2, e a entregar-lho (o andar) livre de pessoas e coisas, na condição de estes indemnizarem aquele pelo valor – a depositar nos autos no prazo de 10 dias a contar do trânsito em julgado da sentença que, após liquidação, o fixar, sob pena de caducidade do direito de adquirir ora aqui reconhecido e de eventual condenação como litigantes de má fé – das obras de construção de tal andar ao tempo da sua incorporação, devendo ter-se em conta, além do referido em 3.2.6, 3.2.7 e 3.2.11, que a construção do andar ocorreu por volta de 1975, que este tem, pelo menos, a área de 70 m2, que para levar a cabo tal construção o Réu teve de construir a laje do tecto do armazém, e, ainda, que tal valor deve ser actualizado em função dos índices de preços publicados pelo Instituto Nacional de Estatística e em relação ao momento do seu </font><i><font>depósito no processo</font></i><font> e considerando aquela data.</font> </p><p><font>Mais julgou totalmente improcedente, por não provada, a reconvenção, e, em consequência, absolveu os Autores BB e marido CC do pedido (principal e subsidiário) contra eles formulado pelo Réu AA.</font> </p><p><font>Em via de recurso pretendeu o Réu, ver sujeitas à sindicância do tribunal de 2.ª instância, as seguintes questões: </font> </p><p><font>“</font><i><font>1ª) A de saber se da previsão legal do artigo 1340º do Código Civil se devem ter por excluídos os prédios urbanos; </font></i> </p><p><i><font>2ª) A de saber se cabia aos Autores e ora Apelados, a alegação e a prova da aquisição originária do direito de propriedade relativamente ao armazém melhor referido nos nºs 3, 6., 8.e 9. da matéria de facto tida como provada e se no caso concreto, os mesmos lograram fazer tal prova; </font></i> </p><p><i><font>3ª) A de saber se o custo do mesmo armazém e do andar melhor descrito nos nºs 3, 4.e 9. da matéria de facto tida como provada, era à data da sua construção, superior ao valor da parcela de terreno incorporada antes das obras realizadas; </font></i> </p><p><i><font>4ª) A de saber se o Réu e ora Apelante, logrou provar todos os pressupostos de facto e de direito do direito de superfície que alega e relativamente às obras por si realizadas e já antes melhor descritas; </font></i> </p><p><i><font>5ª) A da possibilidade do Réu e ora Apelante adquirir por acessão imobiliária a propriedade da totalidade do terreno em apreço, por ter ficado provado que á data da sua construção, o valor do armazém e do andar já antes melhor descritos, era superior ao valor da parcela de terreno onde se incorpora; </font></i> </p><p><i><font>6ª) A que diz respeito á condenação do Réu e ora Apelante como litigante de má fé.”</font></i><font> </font> </p><p><font>Por douto acórdão proferido na Relação do Porto, em 10 de Fevereiro de 2011, foi decidido: </font><i><font>“Pelo exposto, julga-se parcialmente procedente o presente recurso de Apelação e, em conformidade, absolve-se o Réu do pedido de condenação como litigante de má fé.</font></i> </p><p><i><font>&nbsp;No mais, mantém-se a decisão recorrida</font></i><font>”. [</font><a><u><sup><font>[2]</font></sup></u></a><font>]</font> </p><p><font>È desta decisão que os Autores, irresignados, trazem a presente revista, para que o que alinham o sequente:&nbsp; </font> </p><p><b><font>I.2. - QUADRO CONCLUSIVO. </font></b> </p><p><font>Para o recurso que interpuseram, conclui, o Réu/recorrente, com o sumário conclusivo que a seguir queda extractado. </font> </p><p><i><font>“I – Vem o presente recurso do, aliás douto, Acórdão do Venerando Tribunal da Relação do Porto, que decidiu julgar parcialmente procedente o recurso de apelação interposto pelo Recorrente da sentença proferida a 23 de Fevereiro de 2010, pela 1.º Juízo Cível de Gondomar. </font></i> </p><p><i><font>II – Encontra-se dado como assente pelo douto Tribunal "a quo", nomeadamente, que o Recorrente AA construiu um andar "sobre um armazém que faz parte da verba n.º 5 da descrição, andar esse pertencente ao referido AA", sendo que tal andar "</font></i><i><u><font>está construído sobre tal armazém</font></u></i><i><font>" (factos provados n.ºs 3.1.3 e 3.2.2.) sublinhado nosso. </font></i> </p><p><i><font>III – Está assente, portanto, que o andar construído pelo Recorrente e que os Recorridos pretendem adquirir por via de acessão imobiliária, o foi sobre </font></i><i><u><font>um armazém </font></u></i><i><font>e não sobre um terreno. </font></i> </p><p><i><font>IV – Ora, "a totalidade do prédio a que alude o art. 1340.º do C. Civil, atentos os fins da acessão, só pode considerar-se como sendo a nova unidade económica formada pelo terreno e pela construção edificada, já que é apenas relativamente a estes que existe o conflito de direitos que a lei quer resolver» ­Ac. ReI. Coimbra de 16/3/2010, proferido no processo n.º 301/04.9TBSPS, disponível in </font></i><i><font>www.dgsi.pt</font></i> </p><p><i><font>V – A lei é bem clara quando fala em terreno, pelo que em tal conceito não se poderá incluir, ainda que com recurso à interpretação extensiva, os prédios urbanos. </font></i> </p><p><i><font>VI – Quisesse o legislador abranger os prédios urbanos e teria certamente previsto essa hipótese taxativamente. </font></i> </p><p><i><font>VII – O art. 1340.º do CC não se mostra assim, aplicável aos casos em que se verifique a construção por um terceiro de um andar sobre um prédio urbano de outrem, não se encontrando qualquer referência à incorporação de uma obra em prédio urbano alheio, nos arts. 1339.º a 1343.º do Código Civil, </font></i> </p><p><i><font>VIII – mas sim e tão só "em terreno alheio" – arts. 1340.º, n.ºs 1 e 4, 1341.º (epígrafe), 1342.º, n.º 1, e 1343°. </font></i> </p><p><i><font>IX – Ou seja, a única referência a "prédio" que se encontra, decorre do n.º 1 do citado art. 1340.º, pelo que, ter-se-á então, de considerar que, atenta a definição categorial dos prédios levada a cabo pelo legislador no art. 204.º, n.º 2, do Código Civil, </font></i> </p><p><i><font>X – e o teor do n.º 1 do art. 9.º da mesma Codificação, a figura jurídica da acessão industrial imobiliária é de exclusiva aplicação àquelas situações em que haja lugar à implantação de uma obra, sementeira ou plantação, por parte de um terceiro, em prédio rústico pertencente a outrem. </font></i> </p><p><i><font>XI – A lei e a jurisprudência prevêem claramente que a nova "unidade económica" deverá ser formada pelo terreno e pela construção edificada. </font></i> </p><p><i><font>XII – O andar construído pelo Recorrente foi-o sobre um armazém, sendo com esse armazém que a nova construção formou uma nova unidade económica e não com o terreno alegadamente propriedade dos Recorridos. </font></i> </p><p><i><font>XIII – Resulta provado que, no exercício dos poderes de facto sobre a construção e edificação que o Recorrente levantou, sobre o armazém, agindo com a firme intenção de actuar com esses poderes como titular do direito de superfície, encontrando-se demonstrado o requisito do animus possidendi, </font></i> </p><p><i><font>XIV – o que permite, se por mais não fosse, ter-se aquele constituído por usucapião a favor do Recorrente, um direito de superfície sobre as dita construção e edificação. </font></i> </p><p><i><font>XV – Ora, a construção em apreço ocorreu há mais de 30 anos, por volta de 1975, altura desde a qual o Réu tem estado na posse e fruição da mesma, praticando, reiteradamente, todos os actos materiais significativos da sua posse, reparando-o, pagando as respectivas contribuições, à vista de toda a gente, continua e ininterruptamente, colhendo todas as utilidades e benefícios, sem oposição de quem quer que seja, sempre na convicção de que a construção aludida lhe pertence, na certeza de que jamais estaria a lesar interesses de outrem, ou seja, sobre a mesma exercendo todos os poderes próprios de um proprietário - ponto 3.1.5 dos factos provados. </font></i> </p><p><i><font>XVI – É manifesta, assim, a aquisição do direito de superfície por usucapião, a qual deveria ter sido declarada procedente. </font></i> </p><p><i><font>XVII – Deste modo, urge convocar neste momento de forma resumida o ponto 3.1.3 da douta sentença dos factos provados: «(…) conforme auto de adjudicação, mormente da conferência de fls. 8 e seguintes o prédio descrito na cláusula anterior na relação de bens ( ... ) fica esclarecido que a referida adjudicação </font></i><i><u><font>não abrange um andar construído pelo interessado AA sobre um armazém </font></u></i><i><font>que faz parte do prédio da verba n.º 5 da descrição, andar esse pertencente ao referido AA", (...) os proprietários do prédio da verba n.</font></i><i><sup><font>º</font></sup></i><i><font> 5 não poderão prejudicar as vistas das janelas do andar do interessado AA, o sublinhado é nosso. </font></i> </p><p><i><font>XVIII – A verdade é que foi reconhecido pelos Recorridos o direito de propriedade do andar em causa, obrigando-se ainda a não limitar o seu direito de propriedade não podendo prejudicar as vistas das janelas do andar do Réu. </font></i> </p><p><i><font>XIX – Com a presente acção, mudam a sua opinião, reivindicando a entrega do referido andar livre e devoluto, peticionando o reconhecimento da propriedade sobre aquele bem imóvel por via da acessão imobiliária industrial. </font></i> </p><p><i><font>XX – bem sabendo, que o Recorrente há mais de trinta anos que o construi, que igualmente faz dele a sua habitação, </font></i> </p><p><i><font>XXI – ora, tal acção, constitui actuação contra factum proprium, manifestamente ofensiva dos limites impostos pela boa fé e em clamorosa violação do princípio da confiança, ou seja, em claro abuso de direito. </font></i> </p><p><i><font>&nbsp;Tal descrição, refere-se aos autos de Inventário e consequente auto de adjudicação, tendo presente as partilhas que ambas partes levaram a efeito aquando do óbito dos pais da primeira Autora. </font></i> </p><p><i><font>XXII – E, tal abuso de direito é de conhecimento oficioso. </font></i> </p><p><i><font>XXIII – A expressão "venire contra factum proprium" significa vedação do comportamento contraditório, baseando-se na regra da pacta sunt servanda. Ou seja, existem dois comportamentos da mesma pessoa, lícitos em si e diferidos no tempo. O primeiro – factum proprium – é, porém, contrariado pelo segundo </font></i> </p><p><i><font>XXIV – Resulta provado, das respostas à matéria de facto a existência do reconhecimento por parte dos Recorridos pertencer o andar ao Recorrente que o construiu e frui há mais de 30 (trinta) anos, </font></i> </p><p><i><font>XXV – ora, foi este comportamento tido pelos Recorridos, ampliado ainda pela limitação do seu próprio direito de propriedade, tendo presente que ficou acordado não poderem estes prejudicar as vistas das janelas do andar do Recorrente, originou uma efectiva e concreta situação de confiança, originada pelas relações de amizade e familiares que as partes mantinham, </font></i> </p><p><i><font>XXVI – confiança no que concerne a efectiva utilização do bem imóvel edificado e conservado ao longo de mais de 30 (trinta) anos, bem como, a imputação aos Recorrentes da confiança na estabilidade do "factum proprium", </font></i> </p><p><i><font>XXVII – já que, foram eles Recorridos, que no auto de adjudicação em sede de inventario foi atribuído o prédio ao Recorrente com o consequente reconhecimento do direito de propriedade. </font></i> </p><p><i><font>XXVIII – Os Recorridos na acção de reivindicação que intentaram contra o Recorrente, agiram claro abuso de direito. </font></i> </p><p><i><font>XXIX – Assim, ao decidir como decidiu, violou o Venerando Tribunal da Relação do Porto o disposto nos arts. 9.º, 334.º, 342.º, 1316.º, 1317.º, 1325.º, 1326.º, 1340.º, 1524.º, 1525.º, 1526.º, 1528.º do Código Civil e arts. 266.º, 266.º A e 456.º do Código de Processo Civil.” </font></i> </p><p><font>Em resposta, os Réus/recorridos rematam a respectiva argumentação com o quadro conclusivo sequente.&nbsp; </font> </p><p><font>“</font><i><font>1 - Alega o Recorrente nas suas Conclusões de I a XII que não existe fundamento legal para ocorrer a acessão imobiliária no caso em apreço, argumentando que o art. 1340.º do Cód. Civil não pode ser interpretado extensivamente no sentido de incluir no conceito de terreno os prédios urbanos, e por conseguinte tendo sido dado por assente que o andar que construiu não está implantado sobre o solo, mas, sobre um armazém, entende este que não se encontra preenchido o primeiro requisito para ocorrer a acessão imobiliária – ou seja, a construção de obra em terreno alheio. Acontece que, </font></i> </p><p><i><font>2 - Fenece qualquer razão legal à argumentação do Recorrente, aliás, diga-se que este foi o primeiro problema que a douta sentença da 1.ª Instância e o Acórdão ora em crise descortinaram, e que de forma cabal resolveram. Pois, </font></i> </p><p><i><font>3 - Veja-se que apesar do Recorrente se ter suportado quer de doutrina, como de jurisprudência para fundamentar a sua tese, o certo é que, lida a douta sentença o Acórdão ora em crise verifica-se que se apoiaram as suas decisões na Jurisprudência actual do STJ, os quais reflectem a posição maioritária da doutrina. Aliás, </font></i> </p><p><i><font>4 - Diga-se, com o devido respeito, que é de tudo obsoleta a interpretação que o Recorrente faz do conceito terreno no itens VI a IX das suas conclusões face à actualidade, já que, é de todo irrisório que actualmente se entendesse que acessão imobiliária só fosse possível se a obra adquirir estivesse incorporada somente em prédio rústico como defende aquele. Aliás, </font></i> </p><p><i><font>5 - É público e sabido que o espírito da acessão imobiliária caracteriza-se pela natureza inovadora e transformadora das obras que podem ter lugar em prédio alheio / seja unicamente solo / seja em construção existente / desde que não sejam obras de melhoramento e de reparação (RP / 4-3- 1997: BMJ / 465.º- 638). Daí que, </font></i> </p><p><i><font>6 - Além da jurisprudência citada na douta sentença, outros mais arestos existem nesse sentido, os quais se passam a enunciar: STJ, 17-3-1998:AC/ STJ, 98, 1° - 134 e STJ, 17-3-1998: BMJ, 475 - 690. Além de que </font></i> </p><p><i><font>7 - Como defende o grão Mestre Prof.° Antunes Varela na RLJ, ano 132, a pág, o instituto da acessão cobre igualmente quer as coisas móveis como as imóveis. Além de que, </font></i> </p><p><i><font>8 - Atento o disposto no artigo 204.º, n.º1, alínea a) do Código Civil, a categoria de coisas imóveis abrange indistintamente quer os terrenos ou prédios rústicos quer os prédios urbanos. </font></i> </p><p><i><font>9 - Por outro lado, considerou igualmente o Acórdão, e bem, que o facto do andar em apreço ter sido construído sobre um armazém e não sobre um terreno, não impede a aplicação ao caso em apreço do disposto no artigo 1340.º, n.ºs 1 e 3 do Código Civil. </font></i> </p><p><i><font>10 -</font></i><b><i><font> </font></i></b><i><font>E isto porque, como foi dado como provado (pontos 1 e 2 da matéria dada como provada), "o prédio alheio aqui em vista é - considerado a sua totalidade - a casa de habitação de dois pavimentos, sita na Rua ................, S. ......, em Gondomar, inscrita na Matriz sob o artigo 15440, descrita na CRP sob o n.º 0000000, a f/s. 119-Vo, do livro 8-36, e do qual faz parte o armazém”;</font></i> </p><p><i><font>&nbsp;11 - Além do mais, é inquestionável que o aduzido prédio, na parte excedente ao armazém e andar, é propriedade dos AA (cf. Ponto 1 dos factos provados), aliado ao facto de ter ficado igualmente assente que o dito armazém dele é parte integrante. </font></i> </p><p><i><font>12 - Aliás, é isso que resulta do Ponto 3 da matéria de facto provada, o qual relata o que se descreveu no inventário no qual eram co-interessados Recorridos e Recorrente, e onde foi reconhecido que o andar era pertença deste último. Mais, </font></i> </p><p><i><font>13 – resultou ainda da descrição efectuada no aludido inventário que o andar pertença do Recorrente está construído no mesmo terreno onde foi edificada a casa pertença dos Recorridos, encontrando-se fisicamente encostado e unido a uma parte da mesma e com ela tendo comunicação interna através da cozinha e uma ligação por escada exterior (ponto 2 dos factos provados) . Contudo, </font></i> </p><p><i><font>14 - o mais importante de tudo, é que a laje de tecto do armazém pertença dos Recorridos constitui o pavimento do andar do Recorrente, formando ambos um corpo construtivo único e inseparável (vide ponto 17 da matéria de facto provada) tendo o seu licenciamento sido pedido por EE, pai da Autora e do Réu (ponto 7 da mesma matéria de facto dada como provada ). </font></i> </p><p><i><font>15 - Pelo exposto, deve-se ter como assente que está verificado in casu o pressuposto básico da acessão imobiliária, já que o Recorrente, com o seu trabalho, ligou coisas suas (materiais de construção e outras) a um prédio alheio, coisas essas que se incorporaram e confundiram de forma permanente e material assim se criando um andar de habitação com funcionalidade e relevo económico autónomos, mas indissociável do armazém sobre o qual foi construído. </font></i> </p><p><i><font>16 - Assim, decidiu o douto Acórdão, e bem, que "Deste modo é de concluir que o facto do aludido andar não estar incorporado no solo, não constitui obstáculo à pretensão dos Autores/Apelados, razão pela qual e sem mais, improcede a primeira das pretensões recursivas do Réu e ora Apelante”. </font></i> </p><p><i><font>17 - Aliás, esta é a questão fulcral, pela qual defendemos que os argumentos do voto de vencido, no que respeita ao entendimento de que no caso sub judice não se encontra preenchido o pressuposto básico da acessão, são destituídos de razão legal. Porquanto, </font></i> </p><p><i><font>18 - esquece-se aquele voto de vencido, de que o andar e armazém não podem ser dissociados um do outro , pois , como acima referido, a laje do tecto de um, constitui o chão do outro, pelo que, se pergunta onde está a autonomia de cada um ???.Além de que, </font></i> </p><p><i><font>19 - com o devido respeito, esquece-se aquele voto de vencido que o andar do Recorrente está implantado sobre o armazém, e faz parte integrante do resto do prédio propriedade dos Recorrentes encontrando-se fisicamente ligado com a casa, pelo que, de novo se pergunta onde está a autonomia dele ???. </font></i> </p><p><i><font>20 - A realidade é que, não deve ser esquecido, e parece que o Recorrente e o voto de vencido se esqueceram, é que apesar de ter sido dado como provado nos itens 3.1.1, 3.1.2 e 3.1.3 da especificação e 3.2.1 da resposta à base instrutória, o armazém onde aquele incorporou o andar é pertença dos Recorridos, o qual está incorporado no solo do prédio, também este pertença deles. </font></i> </p><p><i><font>Pelo exposto, </font></i> </p><p><i><font>21 - ao decidir, como decidiu quanto a esta questão, o douto Acórdão reflecte a posição maioritária da doutrina, aliás, diga-se , com o devido respeito, que é de tudo obsoleta a interpretação que o Recorrente faz do conceito terreno no itens 13 a 25 das suas Alegações face à actualidade, já que, é de todo irrisório que actualmente se entendesse que acessão imobiliária só fosse possível se a obra adquirir estivesse incorporada somente em prédio rústico como defende aquele. Na verdade, </font></i> </p><p><i><font>22 - Para argumentar a existência do direito de superfície, parte o Recorrente de uma falsa premissa nos itens XIII a XVI das suas conclusões, ou seja de que foi o construtor do armazém e de que é seu proprietário. Pois, </font></i> </p><p><i><font>23 - in casu não se verificam preenchidos os requisitos legais do direito de superfície, mormente, o preceituado nos artigos 1524.º e 1525.º do Cód. Civil, porquanto, resultou provado que o Recorrente não construiu o armazém, sendo que aquilo que construiu limita-se ao andar que implantou sobre aquele armazém, propriedade dos Recorridos. Por outro lado, </font></i> </p><p><i><font>24 - a construção efectuada pelo Recorrente não está implantada sobre o solo do prédio dos Recorridos, mas está sobre o armazém destes, logo em contradição com o estipulado e previsto nos artigos 1524.º e seguintes do Cód. Civil. Na realidade, </font></i> </p><p><i><font>25 - como bem refere o Recorrente “o art. 1524.º aponta inequivocamente, como elemento fundamental típico e especifico da superfície, a relação do superficiário com o solo . É esse, de facto, não só o aspecto essencial, mas o elemento irredutível da superfície...". Ora, </font></i> </p><p><i><font>26 - reportando-nos ao caso em apreço verifica-se que tendo resultado claramente provado que o armazém não foi construído pelo Recorrente , nem dele é proprietário, então o andar que implantou não foi sobre o solo. Além do mais, </font></i> </p><p><i><font>27 - nunca poderia o Recorrente invocar a aquisição do direito de superfície sobre o terreno dos Apelados pelo instituto do usucapião, quando nunca esteve na posse nem do terreno, nem do armazém sobre o qual implantou o seu andar. A verdade é que, </font></i> </p><p><i>
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