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QTJuu4YBgYBz1XKvRwf4 | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><br>
<b><font> </font></b>
<p><b><font>Proc. </font></b><b><font>º 2719/18.0T8AVR.L1.S1</font></b>
</p><p><br>
</p><p><font> </font></p><div><br>
<font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça</font>
<p><font> </font></p></div><b><font>I. Relatório</font></b>
<p><b><font>1. AA. </font></b><font>e </font><b><font>BB.,</font></b><font> residentes habitualmente na ……… instauram a acção declarativa de condenação contra </font><b><font>NOVO</font></b><font> </font><b><font>BANCO,</font></b><font> </font><b><font>S.A.</font></b><font>, alegando, em</font><b><font> </font></b><font>resumo: </font>
</p><p><font>Os AA. são cidadãos portugueses emigrados na …… há cerca de 33 e 26 anos. A escolaridade é o 9º ano e vivem apenas do seu trabalho. Os AA foram persuadidos a investir em obrigações lançadas por um banco islandês, “Landsbanki islands h6,25%”. Adquiriram 343.000 Obrigações, tendo despendido € 333.284,50. Obrigações essas que, até à sua maturidade, proporcionariam juros de 6,25%.</font>
</p><p><font>Por idêntico modo e com idênticas garantias de “risco zero” investiram em obrigações emitidas por outro banco islandês “Kaupthing Bank hf 6,75%”. Adquiriram 65.000 Obrigações, tendo despendido € 59.842,50. Obrigações essas que, até à sua maturidade, proporcionariam juros de 6,75%.</font>
</p><p><b><font> </font></b>
</p><p><font>Em 2007, é criada em nome dos AA. uma “conta empréstimo conta corrente” para os custos de construção da casa. Em resultado das preditas operações os AA., em Janeiro de 2008, deviam a apontada quantia, mas as suas obrigações com “risco zero” já só valiam 379.413,80.€ , o que ainda piorou.</font>
</p><p><font>O BES vem a propor aos AA. um negócio para os compensar pelas perdas que os mesmos vinham a registar nas “obrigações seguras” dos bancos islandeses, entretanto falidos, entretanto nacionalizados; um acordo pelo qual os AA. entregavam ao BES as Obrigações dos bancos islandeses (Landsbanki e Kaupthing) e receberiam em troca 350.000 Obrigações ESFG emitidas pelo Espírito Santo Finantial Group, Ltd, com o valor nominal de €1,00 e vencimento em 2017. Sendo de € 339.182,57 o valor atribuido às Obrigações islandesas o diferencial para o valor nominal das Obrigações ESFG (€ 350.000,00) de 10.817,43 veio a ser suportado à razão de 68% para o A. e os restantes 32% para o BES, em função da cotação destas Obrigações. Assim, o A. entregou ao BES obrigações altamente desvalorizadas, avaliadas em € 339.182,57 e recebeu em troca 350.000 Obrigações ESFG que valeriam 350.000,00 € ao tempo do seu vencimento em 2017, mas que, ao tempo da troca, possuíam um valor em cotação de 238.000,00, ainda entregando o A. ao BES acrescidos € 7.355,85. </font>
</p><p><font>Ainda no mesmo contexto de solução do problema criado aos AA. pelo BES, entre 2011/2012, veio a ser alcançada uma outra solução que o mesmo BES concretizou primeiro, comunicou depois e, em seguida negociou...</font>
</p><p><font>a) Pela venda das Obrigações ESFG, em 14 de Novembro de 2011, à cotação de 41,97%, resultando num montante de € 155.742,42 que foi creditado ao A.;</font>
</p><p><font>b) Pela compra, em 30 de Novembro de 2011, de 514.000 credit linked notes (CLN) BES Finance LTD. 6 % 2021 (ISIN XS0712907863) à cotação de 50,18% pelo montante de € 257.935,20, obrigações essas com o valor nominal de1,00 e vencimento no mesmo dia de 2021;</font>
</p><p><font>c) Pelo aumento do valor do financiamento inicial, até ao valor de € 382.000,00, repercutindo o saldo negativo entre o valor da venda das Obrigações ESFG e a compra das Obrigações BES Finance 2021, no valor de € 102.192,78. </font>
</p><p><font>d) As partes acordaram, já em 2012, na prestação de penhor financeiro das Obrigações BES Finance 2021;</font>
</p><p><font>e) Os juros credores (a pagar pelo Banco por força da titularidade das Obrigações) e devedores (contrato de financiamento em conta corrente) foram fixados à taxa igual de 6%, de sorte que os juros credores a receber compensassem os devedores, sobrando o saldo para que os AA. Dele fizessem o que lhes aprouvesse.</font>
</p><p><font>A referida aquisição de obrigações BES Finance 2021 veio a ser repercutida na conta de depósitos à ordem nº …….. dos AA., em 6 de Dezembro de 2011, então sendo imputado a débito o valor de € 257.935,20.</font>
</p><p><font>Temos assim que ao tempo da concretização do que viria, no ano seguinte, a ser acordado, os AA. ficaram devedores de: </font>
</p><p><font>€ 249.100,00 anteriores (construção da casa);</font>
</p><p><font>€ 101.806,54 correspondentes ao salvo devedor resultante da aquisição das obrigações BES Finance 2021.</font>
</p><p><font>Os AA., persuadidos pelos funcionários do Réu da existência real e incontornável de novo cenário de fatal descalabro, resolveram vender, a 4/9/2017, tendolhes sido creditados 89% do valor nominal das 514.000 Obrigações, ou seja € 457.460,00.</font>
</p><p><font>Porém, o maior interessado na venda das obrigações era o próprio Réu, uma vez que de tal venda, ao que os AA. apuraram dependia a entrada no seu capital do fundo “Lone Star”.</font>
</p><p><font>Todo este procedimento do R causou-lhes danos da mais variada natureza.</font>
</p><p><font>Terminam, pedindo a condenação do R a:</font>
</p><p><font>1 Reconhecer ter violado grave, culposa e abundantemente os seus deveres para com os AA., mormente os de lealdade e informação, cabendo-lhe por isso restituir, reparar e indemnizar os danos por eles sofridos e que tiveram como causa adequada a sua conduta.</font>
</p><p><font>2 Como consequência e nos limites do juízo anterior, deve o Réu ser condenado também a pagar aos AA.:</font>
</p><p><font>a) € 11.193,66, correspondentes ao valor que o Réu cobrou a mais, a título de juros remuneratórios, desde Dezembro de 2011 até 2017, respeitantes ao contrato de abertura de crédito em conta corrente, correspondentes à multiplicação do excesso anual de 1.865,61€.</font>
</p><p><font>b) Quantia não inferior a € 6.500,00 (art. 569º CC), com referência às comissões indevidamente pagas pelos AA.,</font>
</p><p><font>c) Quantia não inferior a € 1.500,00 (art. 569º CC), respeitante aos impostos indevidamente cobrados e resultantes quer dos movimentos bancários efectuados pelo BES (a que o Réu sucede) e pelo Réu, por si, sem a vontade dos AA. e em seu detrimento, quer dos juros cobrados em excesso sobre a quantia efectivamente em dívida (€ 350.906,54 e não € 382.000,00), ainda desde Dezembro de 2011 até ao presente.</font>
</p><p><font>d) Deve ainda o Réu ser condenado a entregar, em 30 de Novembro de 2021, € 56.450,00€ correspondentes à diferença entre o valor da venda operada em 4 de Setembro de 2017, das 514.000 obrigações NB Finance 2021, € 457.460,00 e o seu valor nominal e de reembolso que teria na apontada data de 2021.</font>
</p><p><font>e) Deve também o Réu e até 30 de Novembro de 2021, ser condenado a entregar aos AA. a quantia de juros remuneratórios que estes receberiam se não tivessem sido levados a vender nas aludidas circunstâncias, ou seja 30.840,00 anuais, valor de prejuízo este que se cifra em cerca de € 7.000,00 em 2017 e nos referidos € 30.840,00 nos anos de 2018 a 2021 (€ 123.360,00) , no total de € 130.360,00.</font>
</p><p><font>3 Também a liquidação do empréstimo e cobrança de juros e impostos operada pelo Réu indevidamente em 2 de Maio de 2018 e referida no precedente art. 120º deve ser julgada nula e, em consequência, ser:</font><br>
<font>a) Devolvido aos AA. o montante de € 400.142,45;</font><br>
<font>b) Ser mantido o empréstimo em contacorrente até ao montante de € 382.000,00, com montante efectivamente empregue, desde Dezembro de 2011 até Julho de 2018, de € 350.906,54. com taxa de juros anual de 6% e vencimento em 30 de Novembro de 2021. </font>
</p><p><font>4 No montante correspondente à aplicação da taxa legal de juros moratórios sobre as quantias elencadas nos pontos 2 alíneas a), b), e c) e 3 alínea a), devendo estes ser contabilizados desde a citação até integral pagamento. </font>
</p><p><font>5 Nas custas e demais despesas a que a presente lide dê lugar.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font>2.</font></b><font> O R contestou, alegando, em síntese:</font>
</p><p><font>- na medida em que os Autores aqui imputem originariamente ao BES uma alegada responsabilidade decorrente (i) da intermediação financeira de quaisquer dos seus investimentos passados ou (ii) do suposto incumprimento de normas reguladoras da actividade bancária e das relações com clientes, há hoje vasta e pacífica jurisprudência no sentido de que essa responsabilidade nunca teria sido transmitida ao Réu pela Medida de Resolução,</font>
</p><p><font>Certo é que o BES e o Réu são entes jurídicos absolutamente autónomos e, como decorre dos melhores princípios, o Réu só responde pelos actos que lhe são efectivamente imputáveis e por nenhuns outros. </font>
</p><p><font>O único segmento da Petição Inicial que releva para o Réu é aquele que se refere a “factos” ocorridos após 3 de Agosto de 2014.</font>
</p><p><font>Em 3 de Agosto de 2014 o Réu “recebeu”, por efeito da Medida de Resolução, a generalidade do envolvimento contratual bancário dos Autores com o BES, nos termos do qual as posições eram as seguintes:</font>
</p><p><font>(a) O Réu era credor de um financiamento por via de crédito em conta corrente com utilização pelos Autores, à data, do valor de 362.200,00 (trezentos e sessenta e dois mil e duzentos euros) (Cfr. Documento n.º 1, que se junta e se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais); e</font>
</p><p><font>(b) Os Autores eram credores do Réu ao abrigo da sua titularidade de 514.000 Credit Linked Notes (CLN) BES Finance LTD 6% 2021 (que passaram, entretanto, e denominar-se NB Finance LTD 6% 2021) (doravante, as “Obrigações”), quer quanto ao pagamento de juros de cupão, quer quanto ao reembolso, na maturidade, do respectivo valor nominal.</font>
</p><p><font>Entretanto, teve início o processo de venda do Réu, no âmbito do qual a Lone Star, potencial adquirente, havia acordado com o BdP que seria pressuposto da aquisição um exercício prévio de gestão de passivos (“LME” – Liability Management Exercise) do Réu, nos termos do qual, de forma necessariamente simplista, o Réu proporia aos credores de diversos instrumentos de dívida de que era emitente a alteração dos respectivos termos e condições, de forma a que os mesmos passassem a contemplar uma call option a favor do Réu,</font>
</p><p><font>Seja como for, ainda antes da conclusão do LME, em termos muito sintéticos a desenvolver infra, dois cenários potenciais se colocavam:</font>
</p><p><font>(a) A obtenção das maiorias necessárias em sede de assembleias de obrigacionistas que permitissem a alteração dos termos e condições dos diversos instrumentos de dívida, caso em que os titulares de cada série ficariam vinculados à decisão, ainda que não tivessem votado a favor, e, portanto, sujeitos ao reembolso antecipado por iniciativa do Réu;</font>
</p><p><font>(b) A não obtenção das maiorias necessárias, o que poderia ditar o insucesso do LME e, consequentemente, inviabilizar a alienação do capital do Réu ao potencial adquirente, circunstância que acarretava o risco sério de o Réu entrar, nesse caso, em liquidação, processo que também colocaria em causa o reembolso total da dívida do Réu.</font>
</p><p><font>O que foi informado aos AA.</font>
</p><p><font>Perante a informação prestada, os Autores decidiram aderir, efectivamente, ao LME, pese embora tenham rejeitado a constituição do depósito a prazo de compensação sob o argumento de que a taxa de juro oferecida (2,96%) não era suficientemente atractiva face aos juros da linha de crédito para que prescindissem da correspondente liquidez.</font>
</p><p><font>Seja como for, em face das instruções emitidas pelos Autores, e após ter sido obtida a maioria necessária na assembleia de credores titulares das mesmas Obrigações detidas pelos Autores, foi exercida pelo Réu a opção de reembolso antecipado e creditado o valor devido na conta à ordem.</font>
</p><p><font>Esse valor foi, então, na medida das responsabilidades dos Autores perante o Réu ao abrigo do crédito em conta corrente, sujeito a cativo em conta, em linha com o acordado, do qual os Autores foram prontamente informado.</font>
</p><p><font>Tendo-lhes sido clarificado que o cativo visava apenas garantir o cumprimento das suas responsabilidades até à recepção, pelo Réu, da ordem de amortização da linha de crédito que os Autores se tinham comprometido a emitir.</font>
</p><p><font>E deduz pedido reconvencional: caso venha a ser mantido o empréstimo em conta corrente (pedido 3, al. b) do petitório, os AA. devem ser condenados a emitir a seu favor ordem e amortização integral dessa linha de crédito, nos termos da ordem que o R. já lhes remeteu para o efeito.</font>
</p><p><font>Finalmente, arguem a excepção dilatória da incompetência territorial do Tribunal e a excepção peremptória inominada, a ilegitimidade substantiva do Réu</font>
</p><p><font>A reconvenção foi admitida.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font>3. </font></b><font>Veio a ser proferida sentença onde se decidiu:</font>
</p><p><i><font>“Em face do exposto, julga-se verificada excepção peremptória </font></i><a></a><i><font>inominada, em consequência do que, </font></i><a></a><i><font>nos termos do disposto no art.º 576.º/1/3 do C.P.C., se absolve o R. “Novo Banco, S.A.” </font></i><i><u><font>do pedido</font></u></i><i><font> na parte referente ao montante correspondente a factualidade anterior a 3-8-2014.</font></i>
</p><p><i><font>(…)</font></i>
</p><p><i><font>Em face de quanto se vem de expor, absolve-se o R. da instância na parte remanescente dos pedidos por ineptidão da petição inicial.</font></i>
</p><p><i><font>(…)</font></i>
</p><p><i><font>No que tange ao pedido reconvencional, tendo este sido formulado apenas para a hipótese de procedência de um dos pedidos principais, fica o mesmo prejudicado.”</font></i>
</p><p><b><font> </font></b>
</p><p><b><font>4. </font></b><font>Apresentado recurso de apelação, o TR confirmou a decisão recorrida, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diversa.</font>
</p><p><b><font> </font></b>
</p><p><b><font>5.</font></b><font> Inconformados os AA. apresentaram recurso de revista excepcional junto do STJ, admitido por acórdão da formação a que se reporta o art.º 672.º do CPC, para todas as questões suscitadas.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font>6. </font></b><font>Nas conclusões do recurso diz-se (transcrição):</font>
</p><p><font>“1ª A matéria, sobre que versou a decidida procedência da excepção peremptória inominada da falta de legitimidade substantiva, corresponde ao pedido formulado sob o n.º 2, als. a), b) e c), no período entre Dezembro de 2011 e 3 de Agosto de 2014. Ora, as quantias aí pedidas apontam para, no quadro da alegação e fundamentação apresentada pelos AA. na P.I., a devolução pelo Réu de valores que o BES primeiro e depois o Réu fizeram e fazem indevidamente seus. Ou seja tais valores, correspondentes a juros remuneratórios excessivos (2, al. a)), comissões indevidamente cobradas (2, al. b)) e impostos indevidamente cobrados (2, al. c) ), concorrem para a determinação do deve e haver, actual, entre AA. e Réu, pelo que o seu pagamento pelo Réu aos AA. não se encontra excluído, por força da medida de resolução aplicada ao BES por deliberação do Banco de Portugal de 3 de Agosto de 2014.</font>
</p><p><font>2ª De facto, as disposições normativas regulatórias constantes dos n.ºs 1 e 9, do art. 145º-H do DL 298/92 (RGICSF), na versão vigente ao tempo da resolução, resultante do DL 114-A/2014, assim como as als. a) e b) do anexo 2, da medida de resolução aplicada ao BES por deliberação do Banco de Portugal de 3 de Agosto de 2014, concorrem para tal conclusão, a tanto não obstando a sub-alínea v) desta última, sendo que as alterações à resolução operadas em 11 de Agosto de 2014 e 29 de Dezembro de 2015, não possuem, salvo melhor opinião, interesse para o caso, na exacta medida em que, ou a excepção julgada procedente o é, com base na primitiva formulação das citadas normas da resolução do Banco de Portugal, ou não o passará a ser à razão das alterações que, para o caso, parecem inócuas.</font>
</p><p><font>3ª Também, por uma outra e mais douta via se chegaria, salvo melhor entendimento, ao mesmo resultado. Referimo-nos à inovadora abordagem constante do douto Ac. STJ de 30/04/2019 (relator: Conselheiro Alexandre Reis, in www.dgsi.pt):</font>
</p><p><font>IV - O contrato de “depósito” bancário é um contrato real (quoad constitutionem), exigindo a sua constituição a entrega de dinheiro, com a inseparável transferência da sua propriedade do depositante para o banco, ficando este obrigado a restituir outro tanto do mesmo género e qualidade e aquele, portanto, na titularidade de um direito de crédito sobre o valor equivalente à quantia depositada e aos frutos uros remuneratórios) que tenham sido estipulados (arts. 1144.º, 1142.º e 1145.º do diploma).</font>
</p><p><font>(...)</font>
</p><p><font>VII - Nesse sentido, a responsabilidade (contratual) da instituição de crédito perante os seus clientes e ora autores pela restituição das quantias (e respectivos frutos) que estes haviam depositado não poderia, na data em que a mesma foi sujeita a medida de resolução, ser considerada como discutível, duvidosa ou contestável e, por isso, contingente ou desconhecida, para os efeitos visados nas mencionadas deliberações do BdP, transmitindo-se, pois, tal responsabilidade para a instituição de transição, como sucessora nos direitos e obrigações da instituição originária.</font>
</p><p><font>4ª Estando especificamente aqui em causa, juros respeitantes ao contrato de abertura de crédito em conta corrente (pedido formulado em 2, al. a)), comissões indevidamente pagas pelos AA.. (pedido formulado em 2, al. b)) e impostos indevidamente cobrados e resultantes quer dos movimentos bancários efectuados pelo BES (a que o Réu sucede) e pelo Réu, por si, sem a vontade dos AA. e em seu detrimento, quer dos juros cobrados em excesso, sobre a quantia efectivamente em dívida (€ 350.906,54 e não € 382.000,00), ainda desde Dezembro de 2011 até ao presente (pedido formulado em 2, al. c)), pelo que, também, por esta via, assistirá pertinência ao pedido pelos AA., ora recorrentes, contra o Réu.</font>
</p><p><font>5ª Neste contexto, sempre com salvaguarda de melhor opinião, uma de duas soluções deveria ter sido adoptada:</font>
</p><p><font>a) Ou se adoptava a perspectiva prudente e clássica da jurisprudência e se relegava o conhecimento da excepção para a sentença, a proferir após a audiência de discussão e julgamento;</font>
</p><p><font>b) Ou, aceitando-se a transmissão da relação contratual complexa entre AA. e o Banco Espírito Santo para o Novo Banco, S.A. (o Réu), mormente não sobejando dúvidas que os juros remuneratórios, as comissões e impostos estão contidos no activo do Réu, não poderão, então e identicamente, sobejar dúvidas que apenas e só o seu indevido cálculo, ou cobrança, os coloca no passivo do Réu, também no período entre Dezembro de 2011 e 3 de Agosto de 2014, pelo que deveria a excepção peremptória inominada improceder totalmente.</font>
</p><p><font>6ª Perante esta alternativa, os AA., até pelo acréscimo de prudência que a opção comporta, optariam pelo relegar do conhecimento da excepção para a sentença. Foi, pois, violada, por indevida aplicação, a norma da al. b) do n.º 1, do art. 595º NCPC.</font>
</p><p><font>7ª Quanto aos pedidos formulados em 1) e 2) da P.I., o primeiro corresponde ao juízo de culpa na violação dos deveres contratuais a proferir contra o Réu. Já os segundos correspondem aos danos de que, na versão apresentada pelos AA., tais faltas culposas são causa adequada. Tudo, julga-se, ao encontro da norma geral que disciplina a responsabilidade civil contratual que corresponde ao art. 798º CC.</font>
</p><p><font>8ª Já as suas causas de pedir constituem quer a violação, pelo Réu, dos deveres gerais de conduta a que se encontram adstritos os bancos, quer a violação, pelo mesmo Réu, dos seus deveres, enquanto intermediário financeiro.</font>
</p><p><font>9ª A responsabilidade contratual imputada ao Réu, apenas por violação dos deveres de conduta, respeita ao comportamento por este e pelo seu antecessor (BES) assumido em matéria de juros devedores, comissões e impostos (pedidos 1 e 2, als. a) a c)).</font>
</p><p><font>10ª Já a responsabilidade contratual que lhe é imputada e que decorre não apenas de tal quebra de deveres gerais, mas que respeita à quebra dos seus deveres, enquanto intermediário financeiro, refere-se ao modo como, na versão alegada pelos AA., estes foram induzidos, pelo Réu e por logro, a vender, em Agosto/Setembro de 2017, as 514.000 credit linked notes (CLN) BES Finance LTD. 6 % 2021 ((ISIN XS0712907863) (referidas, por exemplo, nos art. 46º e 129º da P.I.), comportamento esse ilícito e danoso que está na origem dos pedidos formulados nos pedidos 1 e 2, als. d) e e).</font>
</p><p><font>11ª De facto, reitere-se, na matéria alegada e respeitante aos pedidos formulados em 1 e 2, a causa de pedir radica nos factos alegados nos arts. 13º a 123º da P.I. (mormente e neste tocante, até ao art. 88º), com o enquadramento normativo exposto nos arts. 124º a 133º da P.I. e com os danos a tais comportamentos imputados expostos nos arts. 159º a 168º da P.I..</font>
</p><p><font>12ª Por ser aquele, entre os citados na P.I., em que mais densamente se esclarece a noção e âmbito do instituto da intermediação financeira, parece ser oportuno citar o douto Ac. STJ de 17/03/2016 (Relatora, Conselheira Maria Clara Sottomayor) e, com suporte nas sólidas bases que este proporciona referir que, no douto acórdão ora recorrido, talvez por falta de ênfase por parte dos AA., parece ter-se entendido estarmos não perante a relação tripartida própria da intermediação financeira, em que os AA. são os subscritores, o Réu o intermediário financeiro e o BES-NB Finance Ltd o emissor das obrigações cuja venda foi intermediada pelo Réu, nos termos descritos na P.I., mas perante uma relação contratual directa entre o emissor das obrigações (BES-NB Finance Ltd) e os AA. só assim se compreendendo a disciplina dos vícios da vontade e da anulação do negócio jurídico aí convocada no douto acórdão.</font>
</p><p><font>13ª Não tem, assim, cabimento, quanto aos pedidos formulados em 1 e 2 da P.I., a conclusão de ineptidão da petição inicial, confirmada no douto acórdão de que se recorre.</font>
</p><p><font>14ª Foram, pois, violadas, no douto acórdão recorrido e por indevida aplicação, as normas das als. a) e b) do n.º 2, do art. 186º NCPC.</font>
</p><p><font>15ª Quanto ao ponto 3 do pedido, a causa de pedir subjacente corresponde à apontada nulidade da liquidação do empréstimo e cobrança de juros e impostos operada pelo Réu indevidamente em 2 de Maio de 2018.</font>
</p><p><font>16ª Assim, o pedido de declaração de nulidade parece ser o próprio, assim como a restituição pedida na consequente alínea a) de tal pedido parece corresponder à consequência típica da almejada declaração de nulidade.</font>
</p><p><font>17ª De facto, o que os factos alegados (a prova, ao encontro do </font><i><font>due process of law</font></i><font>, far-se-á mais tarde) revelam é que uma instituição bancária, no quadro dum contrato de financiamento, sem qualquer incumprimento e baseando-se, singelamente, na possibilidade de proceder ao débito em conta das prestações vencidas (número 1 da Cláusula 8ª do Contrato), poder pôr fim a tal contrato (não se sabe com que base legal ou contratual), muito antes do seu vencimento e a título de pagamento fazer seu, praticamente o saldo existente na conta bancária, servindo-se para tanto da sua descontrolada vontade e de cálculos </font><i><font>ad libitum</font></i><font>.</font>
</p><p><font>18ª O Réu fez próprio o dinheiro alheio, valendo-se da sua qualidade de depositário, para tanto decretando o fim dum financiamento, através da sua liquidação, sem invocação de qualquer fundamento ou instituto com acolhimento legal, ou sequer de alguma cláusula contratual bizantina, como aquelas que tantas vezes se observam no comércio dos bancos. É que inexistindo causa jurídica que legitime a apropriação e atendendo à disciplina conjugada que se extrai das normas dos arts. 1205º, 1206º, 1142º e 1144º todos do Código Civil, cabe, salvo melhor opinião, ao proprietário, ao sujeito activo do direito de propriedade sobre o saldo da conta bancária, ou seja ao respectivo titular, o direito a ver-lhe restituído tal saldo.</font>
</p><p><font>19ª Os AA., ora recorrentes, apontam, pois que, nesta parte, a causa de pedir não é contratual, porque o contrato desempenha aqui e apenas o pretexto a partir do qual o Réu desenvolveu o seu desvio comportamental socialmente patológico.</font>
</p><p><font>20ª O pedido formulado na al. b) do n.º 3 se o mesmo for situado no contexto da previsão do art. 798º CC, então o mesmo é inevitavelmente inepto. Sucede que, mal ou bem, tal pedido é formulado no pressuposto da nulidade da referida liquidação. Ora, sendo assim, o pedido corresponde à restituição a operar decorrente da prévia e pedida declaração de nulidade.</font>
</p><p><font>21ª Utilizando a mesma abordagem sistemática, anteriormente empregue, referir que na matéria alegada e respeitante aos pedidos formulados em 3, a causa de pedir radica nos factos alegados nos arts. 102º a 123º da P.I. (mormente o alegado no art. 120º), com o enquadramento normativo exposto nos arts. 134º a 137º da P.I. e com as consequências a tais comportamentos imputados expostas no art. 169º da P.I..</font>
</p><p><font>22ª Sempre com salvaguarda de melhor opinião, não parece assim ter cabimento, quanto a estes pedidos a conclusão de ineptidão da petição inicial, confirmada no douto acórdão de que se recorre.</font>
</p><p><font>23ª Foram, pois, violadas, na douta decisão recorrida e por indevida aplicação, as normas das als. a) e b) do n.º 2, do art. 186º NCPC.</font>
</p><p><font>24ª Ainda quanto à matéria dos pedidos formulados sob o n.º 2, em ambas as instâncias e para o efeito do preenchimento da al. a) do n.º 2, do art. 186º NCPC foram apontadas várias faltas de alegação de factos que seriam necessários para o preenchimento da causa de pedir, como a “factualidade inerente ao que teria ocorrido acaso não tivessem vendido, ou seja, qual o desenlace da manutenção do negócio”, “a taxa de juros devida, desde quando e sobre que montantes, qual a taxa de juros cobrada, desde quando e sobre que montantes”, e idênticos juízos respeitantes às comissões e impostos indevidamente cobrados peticionados. </font>
</p><p><font>25ª Tais juízos, porém, ignoram quanto ao “desenlace da manutenção do negócio” que o alegado nos arts. 51º a 53º da P.I. infirma o juízo; que o alegado nos art. 59º a 62º da P.I. esclarece total e cabalmente a incerteza manifestada quanto aos juros remuneratórios excessivamente cobrados; e que, quanto a comissões e impostos, os AA., nos arts. 67º a 70º, 147º, 148º, 159º, 160º, 164º e 165º, alegaram os factos que lhes foi possível alegar e, que são os suficientes para estabelecer os pressupostos da responsabilidade civil contratual e, portanto, para, provando-se, conduzirem à procedência dos pedidos deduzidos sob o ponto 2, als. a), b), c).</font>
</p><p><font>26ª Mais, como anunciado, contariam poder, com a prova, concretizar o montante de tais danos, ao encontro da previsão do art. 569º CC. E, tal como já afirmado nestes autos, no exercício do direito subjectivo à obtenção dos documentos em poder doutrem e que sejam aptos para apurar a existência e/ou o conteúdo dum direito (cfr. art. 575º CC) e, portanto, no processo e em sede de audiência preparatória (cfr. n.º1, do art. 598º NCPC) requerer, com o detalhe a que a lei e a jurisprudência obrigam, a apresentação de tais documentos pela parte contrária (cfr. o disposto no art. 429º NCPC)</font>
</p><p><font>27ª Também, pois, pelos fundamentos que sob esta epígrafe se aduziram, foram violadas, na douta decisão recorrida e por indevida aplicação, as normas das als. a) e b) do n.º 2, do art. 186º NCPC.</font>
</p><p><font>28ª Foi pelo facto do Réu também ter interpretado a relação entre os pedidos e as causas de pedir pela forma anteriormente exposta que não invocou a ineptidão da P.I., na certeza que a contestação é uma peça exaustiva.</font>
</p><p><font>29ª Sendo ainda que tais compreensão e abstenção têm, ademais, a consequência prevista no n.º 3, do art. 186º NCPC que foi, pois e também, na douta decisão recorrida, violada.</font>
</p><p><font>TERMOS EM QUE: Deve o presente ser julgado procedente e, em consequência: ser a douta decisão recorrida revogada, quer quanto à ineptidão da petição inicial, quer quanto à matéria da excepção peremptória inominada correspondente à ilegitimidade substantiva, com as legais consequências.</font>
</p><p><font>Vossas Excelências, porém, farão a costumada JUSTIÇA!!!”</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Foram apresentadas contra-alegações.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Colhidos os vistos, cumpre analisar e decidir.</font>
</p><p><font> </font><br>
<b><font>II. Fundamentação</font></b>
</p><p><b><font>7. Factos tidos por relevantes nas instâncias:</font></b>
</p><p><b><font>1</font></b><font> - Os AA. mantiveram relacionamento com o “Banco Espírito Santo, S.A. “a partir do ano de 2006 no âmbito das atribuições desta instituição bancária.</font>
</p><p><b><font>2 </font></b><font>- O Conselho de Administração do Banco de Portugal, em 3 de agosto de 2014, deliberou o seguinte:</font>
</p><p><font> “Ponto Um” - Constituição do Novo Banco, S.A.</font>
</p><p><i><font>É</font></i><font> </font><i><font>constituído</font></i><font> </font><i><font>o</font></i><font> </font><i><font>Novo</font></i><font> </font><i><font>Banco,</font></i><font> </font><i><font>SA,</font></i><font> </font><i><font>ao</font></i><font> </font><i><font>abrigo</font></i><font> </font><i><font>do</font></i><font> </font><i><font>n.º</font></i><font> </font><i><font>5</font></i><font> </font><i><font>do</font></i><font> </font><i><font>artigo</font></i><font> </font><i><font>145.º-G</font></i><font> </font><i><font>do</font></i><font> </font><i><font>Regime</font></i><font> </font><i><font>Geral</font></i><font> </font><i><font>das</font></i><font> </font><i><font>Instituições</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>Credito</font></i><font> </font><i><font>e</font></i><font> </font><i><font>Sociedades</font></i><font> </font><i><font>Financeiras,</font></i><font> </font><i><font>aprovado</font></i><font> </font><i><font>pelo</font></i><font> </font><i><font>Decreto-Lei</font></i><font> </font><i><font>n.º</font></i><font> </font><i><font>298/92,</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>31</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>Dezembro,</font></i><font> </font><i><font>cujos</font></i><font> </font><i><font>Estatutos</font></i><font> </font><i><font>constam</font></i><font> </font><i><font>do</font></i><font> </font><i><font>Anexo</font></i><font> </font><i><font>1</font></i><font> </font><i><font>à</font></i><font> </font><i><font>presente</font></i><font> </font><i><font>deliberação.</font></i>
</p><p><font>“Ponto Dois” - Transferência para o Novo Banco, S.A., de ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão do Banco Espirito Santo, S.A.</font>
</p><p><i><font>São</font></i><font> </font><i><font>transferidos</font></i><font> </font><i><font>para</font></i><font> </font><i><font>o</font></i><font> </font><i><font>AA</font></i><font> </font><i><font>Banco,</font></i><font> </font><i><font>SA,</font></i><font> </font><i><font>nos</font></i><font> </font><i><font>termos</font></i><font> </font><i><font>e</font></i><font> </font><i><font>para</font></i><font> </font><i><font>os</font></i><font> </font><i><font>efeitos</font></i><font> </font><i><font>do</font></i><font> </font><i><font>disposto</font></i><font> </font><i><font>no</font></i><font> </font><i><font>n.º</font></i><font> </font><i><font>1</font></i><font> </font><i><font>do</font></i><font> </font><i><font>artigo</font></i><font> </font><i><font>145.º-H</font></i><font> </font><i><font>do</font></i><font> </font><i><font>Regime</font></i><font> </font><i><font>Geral</font></i><font> </font><i><font>das</font></i><font> </font><i><font>Instituições</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>Credito</font></i><font> </font><i><font>e</font></i><font> </font><i><font>Sociedades</font></i><font> </font><i> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
SjJou4YBgYBz1XKvjQOz | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><div><br>
<font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça</font></div><br>
<br>
<font> </font><br>
<p><b><font>I. Relatório</font></b><br>
</p><p><br>
</p><p><b><font>1. AA</font></b><font> e </font><b><font>BB</font></b><font> intentaram acção declarativa sob a forma de processo comum contra </font><b><font>CC</font></b><font>, pedindo que o Tribunal:</font><br>
</p><p><font>a) Declare nulo o contrato-promessa celebrado entre os Autores e a Ré, nos termos do disposto nos artigos 280° e 401° do Código Civil ou, caso assim não se entenda, se declare anulado o referido contrato-promessa por erro em que os Autores foram induzidos pela Ré nos termos do disposto nos artigos 247° e 251° do Código Civil;</font>
</p><p><font>b) Condene a Ré no pagamento aos Autores do montante de € 62.5000,00 correspondente ao reembolso do sinal em singelo;</font>
</p><p><font>c) Condene a Ré no pagamento aos Autores dos juros que se vencerem até integral e efectivo pagamento, calculados à taxa de 4%, sobre o montante de € 62.500,00, desde 31-12-2018.</font><br>
</p><p><font>Para fundamentarem a sua pretensão alegam, em síntese, que celebraram na qualidade de promitentes compradores, um contrato-promessa de compra e venda com a ré de 2 prédios e pretendem que seja declarada a sua nulidade por impossibilidade do objeto, por desde o início do negócio existir impossibilidade legal de contratar a transação dos imóveis ou, caso assim não se entenda, a sua anulabilidade por vício da vontade, peticionando ainda a devolução do sinal já pago.</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><b><font>2.</font></b><font> A Ré, pessoal e regularmente citada, deduziu contestação e reconvenção. Sustentou fundamentalmente e, em síntese, que os autores conheciam o procedimento de legalização junto da Câmara e que o aceitaram conforme resulta do contrato-promessa que assinaram. Ademais, ambos os imóveis existem e encontram-se registados na Conservatória do Registo Predial e na Autoridade Tributária, sendo a promessa de compra e venda legalmente admissível- arts 11° a 16° da contestação. </font><br>
</p><p><font>Apresentaram pedido reconvencional.</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><b><font>3.</font></b><font> Houve réplica.</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><b><font>4.</font></b><font> Realizada a audiência final, o Tribunal decidiu:</font><br>
</p><p><i><font>“Julgar totalmente improcedente a acção e, em consequência, absolve-se a Ré CC dos pedidos deduzidos pelos Autores AA e BB.</font></i><br>
</p><p><i><font>Da reconvenção</font></i><br>
</p><p><i><font>Julgar totalmente improcedente, por não provada, a reconvenção e, em consequência, absolver os Autores AA e BB do pedido reconvencional deduzido pela Ré CC.</font></i><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><b><font>5.</font></b><font> Inconformados vieram os autores interpor recurso de apelação, conhecido pelo TR ……, que alterou a matéria de facto e decidiu:</font><br>
</p><p><font>“… </font><i><font>julgar procedente o recurso de apelação, revogando assim parcialmente a decisão recorrida e, em consequência, declaram a </font></i><b><i><font>nulidade do contrato promessa </font></i></b><i><font>ajuizado, em consequência do que condenam a ré a devolver aos autores recorrentes a quantia recebida por motivo do contrato promessa celebrado, no montante de € 62.500,00 (sessenta e dois mil e quinhentos euros), acrescida dos juros de mora vencidos desde 31-12-2018 e vincendos até integral e efetivo pagamento, calculados à taxa de 4%</font></i><font>.”</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><b><font>6.</font></b><font> Inconformada a Ré interpôs recurso de revista, no qual formula as seguintes conclusões (transcrição):</font><br>
</p><p><b><font>“1.</font></b><font> Os presentes autos tiveram início com a apresentação, por parte dos Autores, de uma ação declarativa sob a forma de processo comum pedindo que o Tribunal:</font><br>
</p><p><b><font>a.</font></b><font> Declarasse nulo o contrato promessa celebrado entre os AA. e a Ré, nos termos do disposto nos artigos 280º e 401º e Código Civil, ou, caso assim não se entenda, se declare anulado o referido CPCV por erro em que os AA. foram induzidos pela R., nos termos do disposto nos artigos 247º e 251º do Código Civil;</font><br>
</p><p><b><font>b.</font></b><font> Condenasse a R. no pagamento aos AA. do montante de € 62.500,00 (sessenta e dois mil e quinhentos euros), desde 31-12-2018.</font><br>
</p><p><b><font>2.</font></b><font> Fundamentaram a sua pretensão com base em dois argumentos:</font><br>
</p><p><b><font>a.</font></b><font> Nulidade por impossibilidade do objeto desde o início do negócio existir impossibilidade legal de contratar a transação dos imóveis; ou</font><br>
</p><p><b><font>b.</font></b><font> Anulabilidade por vício da vontade</font><br>
</p><p><b><font>3.</font></b><font> O douto Tribunal “a quo” alterou, ainda, a matéria de facto, que para além da considerada como provada na douta Sentença proferida em 1ª instância, passou a incluir os seguintes factos:</font><br>
</p><p><b><i><font>7</font></i></b><font> </font><b><i><font>-</font></i></b><font> </font><i><font>Foi</font></i><font> </font><i><font>ainda</font></i><font> </font><i><font>garantido</font></i><font> </font><i><font>aos</font></i><font> </font><i><font>Autores</font></i><font> </font><i><font>que,</font></i><font> </font><i><font>exceção</font></i><font> </font><i><font>feita</font></i><font> </font><i><font>à</font></i><font> </font><i><font>situação</font></i><font> </font><i><font>do</font></i><font> </font><i><font>aludido</font></i><font> </font><i><font>andar</font></i><font> </font><i><font>da</font></i><font> </font><i><font>moradia,</font></i><font> </font><i><font>os</font></i><font> </font><i><font>imóveis</font></i><font> </font><i><font>não</font></i><font> </font><i><font>padeciam</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>qualquer</font></i><font> </font><i><font>outra</font></i><font> </font><i><font>irregularidade</font></i><font> </font><i><font>ou</font></i><font> </font><i><font>ilegalidade.</font></i><br>
</p><p><b><i><font>8</font></i></b><font> </font><b><i><font>–</font></i></b><font> </font><i><font>Após</font></i><font> </font><i><font>a</font></i><font> </font><i><font>celebração</font></i><font> </font><i><font>do</font></i><font> </font><i><font>contrato</font></i><font> </font><i><font>promessa</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>compra</font></i><font> </font><i><font>e</font></i><font> </font><i><font>venda,</font></i><font> </font><i><font>os</font></i><font> </font><i><font>Autores</font></i><font> </font><i><font>deslocaram-se</font></i><font> </font><i><font>à</font></i><font> </font><i><font>Câmara</font></i><font> </font><i><font>Municipal</font></i><font> </font><i><font>………,</font></i><font> </font><i><font>e,</font></i><font> </font><i><font>ao</font></i><font> </font><i><font>consultar</font></i><font> </font><i><font>o</font></i><font> </font><i><font>processo</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>legalização</font></i><font> </font><i><font>ali</font></i><font> </font><i><font>pendente,</font></i><font> </font><i><font>os</font></i><font> </font><i><font>Autores</font></i><font> </font><i><font>foram</font></i><font> </font><i><font>confrontados</font></i><font> </font><i><font>com</font></i><font> </font><i><font>uma</font></i><font> </font><i><font>realidade</font></i><font> </font><i><font>completamente</font></i><font> </font><i><font>contrária</font></i><font> </font><i><font>à</font></i><font> </font><i><font>que</font></i><font> </font><i><font>lhe</font></i><font> </font><i><font>fora</font></i><font> </font><i><font>transmitida</font></i><font> </font><i><font>pela</font></i><font> </font><i><font>Autora.</font></i><br>
</p><p><b><i><font>9</font></i></b><font> </font><b><i><font>–</font></i></b><font> </font><i><font>Assim,</font></i><font> </font><i><font>descobriram</font></i><font> </font><i><font>os</font></i><font> </font><i><font>Autores,</font></i><font> </font><i><font>por</font></i><font> </font><i><font>meio</font></i><font> </font><i><font>da</font></i><font> </font><i><font>consulta</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>tal</font></i><font> </font><i><font>ofício,</font></i><font> </font><i><font>que</font></i><font> </font><i><font>não</font></i><font> </font><i><font>existe</font></i><font> </font><i><font>sequer</font></i><font> </font><i><font>registo</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>qualquer</font></i><font> </font><i><font>processo</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>obras</font></i><font> </font><i><font>para</font></i><font> </font><i><font>as</font></i><font> </font><i><font>construções</font></i><font> </font><i><font>atualmente</font></i><font> </font><i><font>existentes</font></i><font> </font><i><font>na</font></i><font> </font><i><font>parcela</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>terreno</font></i><font> </font><i><font>alvo</font></i><font> </font><i><font>do</font></i><font> </font><i><font>pedido</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>licenciamento</font></i><font> </font><i><font>junto</font></i><font> </font><i><font>da</font></i><font> </font><i><font>Câmara</font></i><font> </font><i><font>Municipal</font></i><font> </font><i><font>………</font></i><font> </font><i><font>que</font></i><font> </font><i><font>“Algumas</font></i><font> </font><i><font>das</font></i><font> </font><i><font>construções</font></i><font> </font><i><font>supra</font></i><font> </font><i><font>mencionadas</font></i><font> </font><i><font>não</font></i><font> </font><i><font>são</font></i><font> </font><i><font>passíveis</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>ser</font></i><font> </font><i><font>licenciadas</font></i><font> </font><i><font>uma</font></i><font> </font><i><font>vez</font></i><font> </font><i><font>que</font></i><font> </font><i><font>derrogaram o</font></i><font> </font><i><font>disposto</font></i><font> </font><i><font>na</font></i><font> </font><i><font>alínea</font></i><font> </font><i><font>h)</font></i><font> </font><i><font>do</font></i><font> </font><i><font>artigo</font></i><font> </font><i><font>88º-A</font></i><font> </font><i><font>do</font></i><font> </font><i><font>Regulamento</font></i><font> </font><i><font>do</font></i><font> </font><i><font>Plano</font></i><font> </font><i><font>Diretor</font></i><font> </font><i><font>………</font></i><font> </font><i><font>(Aviso</font></i><font> </font><i><font>nº</font></i><font> </font><i><font>……./2008),</font></i><font> </font><i><font>bem</font></i><font> </font><i><font>como</font></i><font> </font><i><font>o</font></i><font> </font><i><font>disposto</font></i><font> </font><i><font>na</font></i><font> </font><i><font>alínea</font></i><font> </font><i><font>d)</font></i><font> </font><i><font>do</font></i><font> </font><i><font>ponto</font></i><font> </font><i><font>3</font></i><font> </font><i><font>do</font></i><font> </font><i><font>artº</font></i><font> </font><i><font>88B,</font></i><font> </font><i><font>uma</font></i><font> </font><i><font>vez</font></i><font> </font><i><font>que</font></i><font> </font><i><font>a</font></i><font> </font><i><font>área</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>construção</font></i><font> </font><i><font>proposta</font></i><font> </font><i><font>ultrapassa</font></i><font> </font><i><font>o</font></i><font> </font><i><font>máximo</font></i><font> </font><i><font>admissível</font></i><font> </font><i><font>(300m2).”</font></i><br>
</p><p><b><font>4.</font></b><font> Conforme resulta do Documento nº 2 junto com a Contestação apresentada, em 14 de Julho de 2018, via e-mail, a testemunha DD (marido da R.) endereçou um e-mail ao mediador imobiliário, EE, ao qual apresentou duas propostas de para concretização do negócio de compra e venda dos imóveis:</font><br>
</p><p><b><font>OPÇÃO</font></b><font> </font><b><font>1</font></b><br>
</p><p><font>§ Preço: € 635.000,00 (seiscentos e trinta e cinco mil euros);</font><br>
</p><p><font>§ Pagamento da quantia de € 61.500,00 (sessenta e um mil e quinhentos euros) com a assinatura do CPCV e € 553.500,00 (quinhentos e cinquenta e três mil e quinhentos euros) na data da escritura que deveria ocorrer até Agosto de 2018;</font><br>
</p><p><font>§ € 20.000,00 (vinte mil euros) numa “escrow account”, ou seja uma conta conjunta entre AA. e R., a ser gerida da seguinte forma:</font><br>
</p><p><font>i. Ser celebrado um acordo escrito entre AA. e R. que determinasse as regras da “escrow account”;</font><br>
</p><p><font>ii. O processo de registo e legalização deveria ser reativado e gerido pelos AA. </font><u><font>junto</font></u><font> </font><u><font>das várias entidades competentes</font></u><font>;</font><br>
</p><p><font>iii. Todos os custos relacionados com o processo são da responsabilidade dos AA.;</font><br>
</p><p><font>iv. Quando o processo de legalização for oficialmente concluído, o valor de € 20.000,00 (vinte mil euros) seria entregue à R.</font><br>
</p><p><font>v. Em caso da Câmara Municipal não aceitar a legalização, o CPCV seria revogado e o montante de sinal seria devolvido aos AA.</font><br>
</p><p><b><font>OPÇÃO</font></b><font> </font><b><font>2</font></b><br>
</p><p><font>§ Preço: € 625.000,00 (seiscentos e vinte e cinco mil euros);</font><br>
</p><p><font>§ Pagamento da quantia de € 61.500,00 (sessenta e um mil e quinhentos euros) com a assinatura do CPCV e de € 562.500,00 (quinhentos e sessenta e dois mil e quinhentos euros) na data da escritura que deveria ocorrer até Agosto de 2018;</font><br>
</p><p><b><font>5.</font></b><font> O referido e-mail foi recebido pelos AA., tendo estes optado pela Opção 2.</font><br>
</p><p><b><font>6.</font></b><font> Tal como referido no referido e-mail, a R., através do seu marido, sempre se referiu ao procedimento de licenciamento da Câmara Municipal ………. como o processo de legalização do 1º andar, isto é, foi a forma de expressão utilizada entre os AA. e os R. para identificarem aquele procedimento.</font><br>
</p><p><b><font>7.</font></b><font> É por isso de todo impossível que o R. tenha mencionado aos AA. que os imóveis objeto do CPCV não padeciam de qualquer outra irregularidade ou ilegalidade para além do 1ª andar.</font><br>
</p><p><b><font>8.</font></b><font> Os AA., quando assinaram o CPCV declararam, expressamente, na Cláusula 4ª, número 6, do CPCV, que conheciam o procedimento de legalização que corria junto da Câmara Municipal ……. e que o aceitavam, não tendo nada a reclamar sobre essa situação.</font><br>
</p><p><b><font>9.</font></b><font> Ao virem posteriormente alegar que, apenas após a assinatura do CPCV, é que tomaram conhecimento do processo de legalização, é, manifestamente, abuso de direito.</font><br>
</p><p><b><font>10.</font></b><font> Na verdade, o facto ora aditado como provado pelo douto Tribunal “a quo” como ponto 8. revela em si uma contradição com aquilo que os AA. declararam no momento em que assinaram o CPCV.</font><br>
</p><p><b><font>11.</font></b><font> O facto 9 aditado à matéria de facto considerada como provada não corresponde à prova produzida.</font><br>
</p><p><b><font>12.</font></b><font> Encontra-se junto aos presentes autos o procedimento de legalização do imóvel, o qual corria sob o número …/11 junto da Câmara Municipal ………, não existindo qualquer outro procedimento relativamente a estes imóveis.</font><br>
</p><p><b><font>13.</font></b><font> Em 25 de Maio de 2020, já depois de proferida a Sentença pelo douto Tribunal de 1ª Instância, foi a R. notificada do parecer da Entidade Regional da Reserva Agrícola ………. a qual foi clara e expressa ao indicar que nada tem a opor às alterações/construções que foram efetuadas em data anterior ao regime jurídico da RAN – Cfr. Documento nº 1 que se junta e dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.</font><br>
</p><p><b><font>14.</font></b><font> Posto isto, dúvidas não restam, que as alterações alvo do procedimento de legalização número 36…/…. são passíveis de serem regularizadas e que foram aprovadas pela RAN.</font><br>
</p><p><b><font>15.</font></b><font> Assim, mais uma vez, o facto considerado como provado no ponto 9. pelo douto Tribunal “a quo” não corresponde à realidade dos factos, nem da prova produzida nos presentes autos.</font><br>
</p><p><b><font>16.</font></b><font> Considerou o Tribunal “a quo” que o objeto do CPCV era um prédio composto por uma construção ilegal e não passível de legalização.</font><br>
</p><p><b><font>17.</font></b><font> Fundamentou a sua decisão com o disposto no art.º 1º/1 do DL 281/99, designadamente que os prédios não tinham a necessária autorização de utilização.</font><br>
</p><p><b><font>18.</font></b><font> Salvo o devido respeito, o douto Tribunal “a quo” violou e olvidou que o prédio em causa se encontra isento de autorização de utilização, uma vez que é anterior a 1951.</font><br>
</p><p><b><font>19.</font></b><font> O prédio em causa encontra-se inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ……42 da freguesia ………., concelho ………, e este artigo teve proveniência no artigo urbano número …..96, da mesma freguesia, que por sua vez teve origem no artigo urbano número ….74, da mesma freguesia, que foi inscrito na matriz predial no ano de 1937. Significa isto que, o prédio urbano em causa no CPCV foi inscrito antes de 1951, pelo que se encontra isento de autorização de utilização para a sua transmissão.</font><br>
</p><p><b><font>20.</font></b><font> Posto isto, dúvidas não restam, que o imóvel era passível de ser alvo de um negócio jurídico de compra e venda e, como tal, o objeto do CPCV não é impossível ao abrigo do disposto no art.º 280º do Código Civil.</font><br>
</p><p><b><font>21.</font></b><font> O Tribunal “a quo” ao considerar como provado que os AA. após assinarem o CPCV se deslocaram à Câmara Municipal …….. para consultar o procedimento de legalização ali pendente, e que nessa deslocação, os Autores foram confrontados com uma realidade completamente contrária à que lhe fora transmitida pela Autora., confirmou que os AA. não agiram com os limites impostos pela boa fé na assinatura do CPCV.</font><br>
</p><p><b><font>22.</font></b><font> Com efeito, no CPCV celebrado entre os AA. e a R., na Cláusula 4ª, número 6, do CPCV, os AA. declararam, expressamente, que conheciam o procedimento de legalização que corria junto da Câmara Municipal ……. e que o aceitavam, não tendo nada a reclamar sobre essa situação.</font><br>
</p><p><b><font>23.</font></b><font> Os AA. com o seu comportamento excederam manifestamente os limites impostos pela boa fé e dos costumes na assinatura do CPCV.</font><br>
</p><p><b><font>24.</font></b><font> Durante este período de negociação, a R., através do Sr. DD, sempre informou do procedimento que corria na Câmara Municipal ……….., assim como se disponibilizou para que fosse consultado e acedido pelos AA.</font><br>
</p><p><b><font>25.</font></b><font> Contudo, estes nunca se mostraram interessados em tomar conhecimento do mesmo.</font><br>
</p><p><b><font>26.</font></b><font> Conforme vem sendo acolhido (e bem!) pela nossa doutrina e jurisprudência, os sujeitos de determinada relação jurídica devem atuar como pessoas de bem, com correção e probidade, de modo a contribuir, de acordo com o critério normativo do comportamento, para a realização dos interesses legítimos que se pretendam atingir com a mesma relação jurídica. Os limites impostos pela boa fé são excedidos, designadamente, quando alguém pretenda fazer valer um direito em contradição com a sua conduta anterior, quando tal conduta objetivamente interpretada, de harmonia com a lei, justificava a convicção de que se não faria valer o mesmo direito. O mesmo se diga dos limites impostos pelos bons costumes, ou seja, pelo conjunto de regras éticas de que costumam usar as pessoas sérias, honestas e de boa conduta na sociedade onde se inserem.</font><br>
</p><p><b><font>27.</font></b><font> Ao assinar um CPCV no qual declaram, expressamente, que conheciam o procedimento de legalização que corria junto da Câmara Municipal ……… e que o aceitavam, não tendo nada a reclamar sobre essa situação, os AA. conferiram à R. uma confiança e segurança jurídica e moral que tinham total conhecimento do procedimento de legalização do imóvel.</font><br>
</p><p><b><font>28.</font></b><font> Ora, ao invocarem que ficaram surpreendidos com a realidade que encontraram no processo, demonstra que os AA. não tinham conhecimento do procedimento de legalização e que excederam manifestamente os limites impostos pela boa fé e pelos costumes. E excederam-nos por vontade própria, e não por terem sido induzidos a fazê-lo.</font><br>
</p><p><b><font>29.</font></b><font> Em face do supra exposto, ao invocarem a nulidade do CPCV com fundamento no facto do procedimento de legalização não ser aquilo que, alegadamente, a R. lhes transmitiu, quando apenas consultaram o referido procedimento após assinarem um CPCV onde declararam que o conheciam e aceitavam tal como estava e nada tinham a reclamar, consubstancia um abuso de direito, previsto pelo art.º 334º do Código Civil e, como tal, é ilegítimo.</font><br>
</p><p><font>Termos em que, deve o douto Acórdão proferido ser revogado e assim se fazendo justiça!</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><b><font>7.</font></b><font> No seu requerimento procede à junção de documento, que solicita seja admitido. Trata-se de parecer da Entidade Regional da Reserva Agrícola ………., cuja junção neste fase do processo importa conhecer.</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><b><font>8.</font></b><font> Foram apresentadas contra-alegações nas quais se questiona a admissibilidade do recurso de revista e, na hipótese de não proceder esta razão, se apresentam motivações para a negação da revista.</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font>Dispensados os vistos, cumpre analisar e decidir.</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><b><font>II. Fundamentação</font></b><br>
</p><p><b><font>9. De Facto</font></b><br>
</p><p><b><font>9.1.</font></b><font> Das instâncias vieram </font><b><font>provados</font></b><font> os seguintes factos, alterados pelo TR…. (a negrito):</font>
</p><p><font>1) A Ré CC é proprietária do prédio misto, sito em ………, descrito na Conservatória do Registo Predial ………. sob o n.º ………, e inscrito na respetiva matriz sob o artigo urbano n° ……42 e sob o artigo rústico n° …99 e do prédio rústico, sito em ……, descrito na Conservatória do Registo Predial de …… sob o n.º ………. e inscrito na respetiva matriz sob o artigo rústico n° …00 correspondendo a uma moradia unifamiliar, com piscina, casa de máquinas e respetivos anexos, denominada "Casa …….", sita em ……., Sítio ……., …….. (artigos 1° e 20 da petição inicial).</font><br>
</p><p><font>2) Em 9 de agosto de 2018, os Autores AA e BB e a Ré CC celebraram um acordo escrito denominado de "Contrato Promessa de Compra e Venda", em que se titula como "Promitente Vendedora" a ora Ré como "Promitentes Compradores" os ora Autores, nos termos do qual a Ré prometeu vender aos Autores e estes prometeram comprar-lhe, livres de quaisquer ónus, encargos ou responsabilidades os imóveis referidos em 1) pelo preço global de € 625.000,00, tendo os Autores, a título de sinal e antecipação do pagamento do preço entregue à Ré, por meio de transferências bancárias, a quantia de € 62.500,00, sendo o remanescente do preço - no valor de € 562.5000,00 pago no ato da Escritura Pública de Compra e Venda através de cheque visado ou cheque bancário emitido a favor da Ré, tendo ainda sido estipulado que o imóvel seria vendido </font><i><font>"(</font></i><font>... </font><i><font>) no estado e condições em que atualmente se encontra, que é do perfeito conhecimento dos PROMITENTES COMPRADORES e pelos mesmos aceite, não podendo, por este fato, vir a invocar vícios ou a falta de qualidade do Imóvel e exigir a reparação ou substituição do mesmo, nos termos e para os efeitos previstos nos artigos 913° e seguintes do Código Civil (...)", </font></i><font>bem como os Autores declararam, expressamente, que </font><i><font>"( </font></i><font>... </font><i><font>) têm conhecimento do procedimento de legalização junto da Câmara Municipal ……. do I</font></i><i><sup><font>o </font></sup></i><i><font>andar do prédio urbano identificado na alínea a) da cláusula 1 a e que aceitam, expressamente, essa situação e nada têm a reclamar sobre a mesma.", </font></i><font>sendo que </font><i><font>"A não satisfação ou a omissão de qualquer das condições e garantias de venda acima acordadas, por parte da Promitente Vendedora, constitui incumprimento contratual" </font></i><font>que </font><i><font>"Em caso de qualquer incorreção, inexatidão de qualquer das supra referidas garantias e condições, a Promitente Vendedora compromete-se a indemnizar e evitar qualquer prejuízo aos Promitentes Compradores no que respeita a quaisquer custos, despesas, juros ou multas incorridos por estes últimos mesmo que apenas comunicados após a venda" </font></i><font>e o </font><i><font>"(... )</font></i><font> </font><b><i><font>incumprimento de qualquer das obrigações assumidas no presente contrato por parte da Promitente Vendedora designadamente a não comparência na Escritura conforme o acordado no presente contrato confere aos Promitentes Compradores o direito de resolver o presente contrato e de exigir aos Promitentes Vendedores o sinal pago em singelo a ser devolvido no prazo de 30 dias após resolução", </font></i></b><font>tal como resulta de As. 11-v° a 16, cujo teor se dá por integralmente reproduzido (artigos 3</font><sup><font>o</font></sup><font> a 8</font><sup><font>o</font></sup><font>, 12°, 13° e 28° a 30° da petição inicial).</font>
</p><p><font>3) No âmbito das negociações entabuladas entre os Autores e a Ré tendentes à aquisição dos imóveis referidos em 1), foi transmitido aos Autores que o 1</font><sup><font>o</font></sup><font> andar da moradia construída no prédio misto descrito com o N° ………. não se encontrava legalizado e que o processo tendente à legalização do aludido andar encontrava-se pendente junto da Câmara Municipal ……… (artigos 9</font><sup><font>o</font></sup><font> e 10° da petição inicial).</font>
</p><p><font>4) Em 29 de Setembro de 2011, a Ré apresentou na Câmara Municipal …….. um requerimento, que deu origem ao processo de licenciamento N° ……/11, processo esse em que se visava a obtenção de licença administrativa para as obras realizadas pela Ré nos aludidos imóveis destinadas a melhorar as condições de habitabilidade dos mesmos, processo de legalização esse que não versava apenas sobre o 1</font><sup><font>o</font></sup><font> andar da citada moradia mas sim sobre a </font><i><font>"(...) ampliação ao nível do rés de chão, com um hall de entrada, corredor, dois quartos, terraço coberto e escada de acesso ao primeiro andar. A ampliação ao nível do 1</font></i><i><sup><font>o</font></sup></i><i><font> Andar consistiu na criação de um hall de distribuição a uma casa de banho e dois quartos, ambos com acesso a um terraço descoberto não tendo sido alterada a finalidade da ocupação correspondendo a uma área total de construção de 345,80m2." </font></i><font>e, por ofício datado de 13 de novembro de 2012, com o n° ………, a Ré foi informada pela Câmara Municipal ……. de que </font><i><font>"(...) Feita a análise dos elementos que constituem o processo, considera-se que a pretensão não se afigura viável nos termos propostos (… </font></i><font>)" Pois que da </font><i><font>"( ... ) leitura do Planta Topográfica ( ... ) e Levantamento Aéreo Fotográfico disponibilizado pelos nossos serviços, verificou-se a existência de construções na parcela que não se encontram licenciadas, nem se encontra requerido o seu licenciamento (... </font></i><font>)", Ao que acresce que da </font><i><font>"(...) leitura do Planta Cartográfica (... ) do IGC de 1980, verificou-se que as construções anexas à edificação principal e existentes na parcela não se encontravam edificadas nessa data, pelo que, tendo em conta o disposto no artigo I</font></i><i><sup><font>o</font></sup></i><i><font> do Decreto-Lei n. 166/70 de 15 de Abril, no que se refere à obrigatoriedade do licenciamento nos espaços rurais, as edificações não se encontram isentas de licença" </font></i><font>e a Câmara Municipal …….. concluiu que a parcela de terreno ocupada pelos imóveis dos autos </font><i><font>"( ... ) encontra-se inserida em "Área de Reserva Agrícola Nacional", pelo que carece de Parecer Favorável da CRRA…. (... )" </font></i><font>e que </font><i><font>"A parcela é atravessada por uma linha EDP carecendo do parecer favorável desse entidade, caso as construções que se localizam sob essa áreas e venham a afigurar viáveis nos termos do disposto no RPDM.", </font></i><font>tal como resulta de fls. 141 a 199, cujo teor se dá por integralmente reproduzido (artigos 18° a 23° da petição inicial).</font>
</p><p><font>5) Por carta registada datada de 17 de dezembro de 2018, os Autores interpelaram a Ré ao reembolso, em singelo, do sinal que aqueles lhe haviam entregue, pondo assim termo ao contrato promessa de compra e venda celebrado, tal como resulta de fls. 48 a 51, cujo teor se dá por integralmente reproduzido (artigo 31 ° da petição inicial).</font>
</p><p><font>6) Em 18 de janeiro 2019 e em 26 de fevereiro de 2019, a Ré enviou duas cartas registas para os Autores que não foram recebidas (artigos 56° a 58° da contestação).</font>
</p><p><font>7) </font><b><font>Foi ainda garantido aos Autores que, exceção feita à situação do aludido andar da moradia, os imóveis não padeciam de qualquer outra irregularidade e ou ilegalidade</font></b><font> (alterado pelo TR…, proveniente de facto não provado).</font>
</p><p><font>8) </font><b><font>Após a celebração do contrato promessa de compra e venda, os Autores deslocaram-se à Câmara Municipal …… e, ao consultar o processo de legalização ali pendente, os Autores foram confrontados com uma realidade completamente contrária à que lhe fora transmitida pela Autora</font></b><font> (alterado pelo TR…., proveniente de facto não provado).</font>
</p><p><font>9) </font><b><font>Assim, descobriram os Autores, por meio da consulta de tal oficio, que não existe sequer registo de qualquer processo de obras para as construções atualmente existentes na parcela de terreno alvo do pedido de licenciamento junto da Câmara Municipal …….. que </font></b><b><i><font>"Algumas das construções supra mencionadas não são passíveis de ser licenciadas uma vez que derrogam o disposto na alínea h) do artigo 88°-A do Regulamento do Plano Diretor …….. (Aviso n° ……../2008), bem como o disposto na alínea d) do ponto 3 do art° 88° B, uma vez que a área de construção proposta ultrapassa o máximo admissível (300m2)"</font></i></b><font> (alterado pelo TR…., proveniente de facto não provado).</font>
</p><p><b><font> </font></b>
</p><p><b><font>9.2. </font></b><font>Não vieram provados os seguintes factos</font><b><font> </font></b><font>(com alterações introduzidas pelo TR…., a negrito):</font>
</p><p><b><font>b)</font></b><font> (</font><b><font>passou a provado 7)</font></b>
</p><p><b><font>c)</font></b><font> (</font><b><font>passou a provado 8)</font></b>
</p><p><b><font>d)</font></b><font> (</font><b><font>passou a provado 9)</font></b>
</p><p><b><i><font>e)</font></i></b><i><font> Mais sabia a Ré que era essencial para os Autores que os imóveis não padecessem de qualquer outra irregularidade ou ilegalidade para além da que lhes fora reportada pela Ré e que se circunscrevia apenas ao 1° piso da citada moradia (artigo 36° da petição inicial).</font></i>
</p><p><b><i><font>j)</font></i></b><i><font> Se os Autores soubessem que os imóveis padeciam das irregulares e das ilegalidades apontadas pela Câmara Municipal …….. jamais teriam celebrado com a Ré o aludido contrato promessa de compra e venda (artigo 38° da petição inicial).</font></i>
</p><p><b><i><font>g)</font></i></b><i><font> Desde 9 de agosto de 2019 e até à presente data, a Ré retirou o imóvel do mercado e de todas as agências imobiliárias onde estava anunciado (artigo 67° da contestação).</font></i>
</p><p><i><font>h)0 imóvel era habitado por caseiros que tratavam da manutenção, jardinagem e piscina e, com a assinatura com CPCV, a Ré foi obrigada a dispensar os caseiros, foi obrigada a encontrar alojamento para estes, tendo fi | [0 0 0 ... 0 0 0] |
xzJxu4YBgYBz1XKv5Als | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><br>
<p><font>processo nº 805/18.6T8PRT.P1. S1</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font></p><div><br>
<font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça</font></div><br>
<font> </font><br>
<b><font>I. Relatório</font></b>
<p><b><font>1.</font></b><font> AA intentou acção de processo comum contra BB, pedindo:</font>
</p><p><b><font>a)</font></b><font> a condenação desta a reconhecer o direito de propriedade do autor sobre o prédio/fração autónoma identificado na petição inicial; </font>
</p><p><b><font>b) </font></b><font>a condenação da ré a restituir ao autor o identificado prédio livre de pessoas e bens; </font>
</p><p><b><font>c) </font></b><font>a condenação da ré a pagar ao autor uma indemnização pelos prejuízos sofridos, à razão de €3.000,00 por cada mês contado desde Setembro de 2012 até efetiva restituição do locado. </font>
</p><p><font>A Ré formulou pedido reconvencional no qual solicitou:</font><br>
<b><font>a) </font></b><font>a condenação do autor/reconvindo a reconhecer a existência de situação de comunhão da ré/reconvinte na proporção correspondente a 42,86%; </font><br>
<b><font>b) </font></b><font>a condenação do reconvindo a pagar à reconvinte €24.317,65 (ampliação do pedido a fls. 244) correspondente a benfeitorias e despesas; </font><br>
<b><font>c) </font></b><font>ser reconhecido à reconvinte o direito de retenção sobre o imóvel.</font>
</p><p><font> </font><br>
<b><font>2. </font></b><font>Na sentença disse-se:</font>
</p><p><font>“</font><i><font>O autor logrou provar a sua propriedade sobre o bem, por si e antepossuidores. A restituição do bem só não poderá ser feita se a ré, nos sobreditos termos, provar o preenchimento de qualquer uma das situações das alíneas b) ou c), o que será objeto de apreciação no pedido reconvencional, relativamente ao invocado direito de retenção, direito real de garantia, dada que o de reconhecimento como comproprietária soçobrou.</font></i>
</p><p><i><font>O autor pediu depois uma indemnização pelos prejuízos sofridos, no valor de €3.000,00 mensais, contados desde setembro de 2012, data em que pediu, debalde, a restituição do imóvel.</font></i>
</p><p><i><font>É manifesto que o autor se viu privado do uso da coisa, impedido de a fruir e de obter rendimento com a mesma, tendo a ré um correspectivo enriquecimento traduzido na fruição gratuita do imóvel. Tem assim o autor direito a ser indemnizado.</font></i>
</p><p><i><font>Ora, se é de conhecimento comum que o imóvel se situa numa zona premium, com muita procura e em que as rendas são consabidamente altas, não ficou provado o concreto valor locativo do imóvel, concreta e sucessivamente desde Setembro de 2012. Assim, e quer se enquadre tal pedido nos institutos do enriquecimento sem causa, quer no do dano da privação do uso, tal quantia terá de ser apurada em execução de sentença, dado que não disponho de elementos para fixar o valor (artº 609º, nº2, do CPC).</font></i>
</p><p><b><i><font>Importa agora apreciar o pedido reconvencional.</font></i></b>
</p><p><i><font>Pelas razões já supra expostas, o imóvel é bem próprio do autor, inexistindo qualquer comunhão ou compropriedade com a autora. Assim, nos termos já decididos, improcede este pedido.</font></i>
</p><p><i><font>A ré pediu depois o pagamento de despesas e benfeitorias tidas com a coisa. Ao invés dos pedidos €24.317,65 a reconvinte logrou apenas provar o pagamento de €7.250,49. Com efeito, a reconvinte juntou atas, desnecessárias, mas não os comprovativos de pagamento,</font></i>
</p><p><i><font>sendo certo que alguns deles estão até repetidos, por já contemplados a fls. 235 (v.g. fls. 95, 180 a 182).</font></i>
</p><p><i><font>Nos termos do artº 1138º, nº1, do Código Civil, o comodatário é equiparado, quanto a benfeitorias, ao possuidor de má fé.</font></i>
</p><p><i><font>Como decorre do documento junto a fls. 235, as supracitadas despesas referem-se a mensalidades de condomínio e a quotas relativas a obras de reabilitação. Tem assim a reconvinte direito a ser ressarcida de tais despesas, nos termos do artº 1273º, nº1, e 2, do Código Civil.</font></i>
</p><p><i><font>A última questão a apreciar é a de saber se a reconvinte tem direito de retenção sobre o imóvel por si ocupado.</font></i>
</p><p><i><font>Nos termos do artº 754º do Código Civil, “O devedor que disponha de um crédito contra o seu credor goza do direito de retenção se, estando obrigado a entregar certa coisa, o seu crédito resultar de despesas por causa dela ou de danos por ela causados.”. Também o artº 755º, nº1, f), atribui um direito de retenção ao comodatário.</font></i>
</p><p><i><font>Como resultou supra exposto, a reconvinte é credora do autor em €44.891,81 relativos à sua contribuição para aquisição do imóvel, acrescidos de €7.250,49 referentes à contribuição para o condomínio, num total de €52.142,30. Todavia, é também devedora do autor por força da ocupação indevida do imóvel desde setembro de 2012, em montante não apurado, mas a liquidar em execução de sentença. Ora, se em tese o montante por si devido possa até ser superior ao que lhe é devido pelo reclamante, não há elementos para o poder afirmar concretamente. E assim, sem prejuízo do autor poder usar a faculdade conferida pelo artº 756º, d), do Código Civil, tem de ser reconhecido à autora o direito de retenção sobre a fração por ter de ser considerada credora.</font></i>
</p><p><i><font>Procede, assim, parcialmente, este pedido.</font></i>
</p><p><i><font>No que tange aos peticionados juros, a reconvinte não logrou provar que haja pedido os pagamentos em data anterior à dedução do pedido reconvencional, razão pela qual apenas considerarei devidos os mesmos desde a data de notificação de tal pedido – artº 805º, nº1, do Código Civil.</font></i>
</p><p><i><font>Inexistem elementos para sustentar juridicamente que qualquer das partes haja litigado com má-fé.</font></i>
</p><p><i><font>Decisão: Pelo exposto, considero procedente a pretensão deduzida pelo autor e declarando a fração identificada no artº 1º da petição inicial como bem próprio do autor, condeno a ré a devolver-lhe a mesma, tão logo se extinga o direito de retenção, livre de pessoas e bens; mais condeno a ré a pagar ao autor a quantia que se liquidar em execução de sentença relativa à indemnização decorrente da ocupação indevida do referido imóvel desde setembro de 2012 até efetiva restituição do locado;</font></i>
</p><p><i><font>Considero parcialmente procedente o pedido reconvencional deduzido e condeno o autor a pagar à ré a quantia global de cinquenta e dois mil cento e quarenta e dois euros e trinta cêntimos (€52.142,30); a referida quantia vence juros à taxa supletiva legal de 4% contados desde a notificação do pedido reconvencional até efectivo pagamento; mais reconheço o direito de retenção da ré sobre o referido imóvel até ser pago, compensado ou garantido o referido valor</font></i><font>.”</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font>3.</font></b><font> Apelaram o A. e a Ré.</font>
</p><p><font>O Tribunal da Relação conheceu dos recursos apresentados pelas partes (A. e Ré) e decidiu:</font><br>
<i><font>“Na parcial procedência dos recursos interpostos, revoga-se em parte a douta sentença recorrida no segmento em que reconheceu direito de retenção na titularidade da Ré/Reconvinte e condicionou a entrega da fracção predial à extinção de tal direito de retenção, determinando-se também a revogação da sentença na parte em que condenou a Ré a pagar ao Autor a quantia a apurar em liquidação de sentença relativa à indemnização decorrente da ocupação do imóvel desde Setembro de 2012, sem prejuízo de se confirmar a decisão quanto às quantias a liquidar a esse título, desde a data do trânsito da decisão final do presente processo até à efectiva entrega do imóvel.</font></i><br>
<i><font>Confirma-se o demais decidido.</font></i><br>
<i><font>Custas de ambas as apelações na proporção de metade por Recorrente e Recorrido.”</font></i>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font>4.</font></b><font> Inconformado recorreu de revista o A.</font>
</p><p><font>Na revista figuram as seguintes conclusões (transcrição):</font>
</p><p><font>“1º O Tribunal </font><i><font>a</font></i><font> </font><i><font>quo</font></i><font> violou a lei substantiva, ao interpretar e aplicar erradamente as normas jurídicas a este caso concreto.</font>
</p><p><font>2º As concretas normas jurídicas violadas foram os artigos 931º nº7 do CPC, 278º do CC, 798º do CC, 154º do CPC, 1082º al.d , 1133º e 1092º nº1 da Lei nº117/2019 de 13 de setembro.</font>
</p><p><font>3º No seio um qualquer processo de divórcio sem o consentimento do outro cônjuge, artigo 931º nº7 do CPC, pode o Tribunal, oficiosamente ou a requerimento das partes, estipular provisoriamente a forma pela qual será utilizada a casa morada de família.</font>
</p><p><font>4º Tal estipulação é um acordo obrigacional que é, pode estar sujeita a um termo resolutivo ao abrigo do artigo 278º do CC.</font>
</p><p><font>5º Tendo, o Autor e a Ré acordado, em sede de processo de divórcio, que a última poderia residir na fração autónoma que fora casa morada de família até ao momento da partilha dos bens comuns do casal, podemos concluir que aqueles celebraram um acordo obrigacional temporário sujeito a termo resolutivo.</font>
</p><p><font>6º A partilha dos bens comuns do ex casal foi efectuada em 2012 (V. factos julgados provados na Douta Sentença de primeira instância alínea “F”).</font>
</p><p><font>7º Foi julgado provado que em 25 de Setembro de 2012 o autor notificou a ré por carta registada com aviso de receção, onde além do mais solicita a restituição da fracção (V. alínea “G” dos factos julgados provados).</font>
</p><p><font>8º Não tendo a Ré entregue a referida fração autónoma, bem próprio do Autor, aquando da verificação do termo resolutivo do acordo obrigacional incumpriu com a sua obrigação.</font>
</p><p><font>9º A ré deve ser responsabilizada por todos os danos que tem causado ao Autor desde aquela data até à efetiva entrega da mencionada fração autónoma.</font>
</p><p><font>10º Mesmo durante o período da partilha e se casa for atribuída provisoriamente a um dos cônjuges, este tem de pagar ao outro uma compensação de acordo com o Acórdão da Relação do Porto nº 5815/07.6TBVNG-K.P2 que refere que:</font>
</p><p><i><font>“A</font></i><font> </font><i><font>atribuição</font></i><font> </font><i><font>provisória</font></i><font> </font><i><font>da</font></i><font> </font><i><font>casa</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>morada</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>família</font></i><font> </font><i><font>a</font></i><font> </font><i><font>um</font></i><font> </font><i><font>dos</font></i><font> </font><i><font>cônjuges</font></i><font> </font><i><font>implica</font></i><font> </font><i><font>a</font></i><font> </font><i><font>fixação</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>uma</font></i><font> </font><i><font>compensação</font></i><font> </font><i><font>ao</font></i><font> </font><i><font>outro</font></i><font> </font><i><font>cônjuge</font></i><font> </font><i><font>mesmo</font></i><font> </font><i><font>que</font></i><font> </font><i><font>não</font></i><font> </font><i><font>incluída</font></i><font> </font><i><font>no</font></i><font> </font><i><font>pedido”.</font></i>
</p><p><font>11º Por maioria de razão sempre se dirá que o ex-cônjuge que estiver a ocupar a casa morada de família após a partilha, depois de ter sido reclamada a respetiva restituição pelo outro ex-cônjuge proprietário do bem, dúvidas não há que terá de indemnizar esse ex-cônjuge proprietário.</font>
</p><p><font>12º Independentemente da circunstância de as partes terem sido remetidas, em processo de inventário para os meios comuns para discutir a natureza da referida fração autónoma.</font>
</p><p><font>13º Andou mal o Tribunal </font><i><font>a</font></i><font> </font><i><font>quo,</font></i><font> quando julgou que o Autor apenas poderia pedir a responsabilização da Ré pelos prejuízos que a mesma tenha causado desde a data do trânsito em julgado da decisão final do presente processo até à efetiva entrega do imóvel.</font>
</p><p><font>14º O Tribunal </font><i><font>a</font></i><font> </font><i><font>quo</font></i><font> não fundamenta a sua decisão, tal como impõe o artigo 154º do CPC.</font>
</p><p><font>15º Aquele desconsidera que o processo especial de inventário, ao abrigo dos artigos 1082º al.d e 1133º nº1 da Lei nº117/2019 de 13 de setembro, tem como finalidade partilhar os bens comuns do casal e no seio do mesmo se discutem todas as questões que importam à partilha de bens.</font>
</p><p><font>16º Apenas quando a natureza ou complexidade da questão não devam ser decididas em sede de inventário é que as partes podem ser remetidas para os meios comuns, podendo, ou não fazê-lo.</font>
</p><p><font>17º Tal situação não implica que o juiz tenha de suspender a instância até ao momento em que se decidam todas as questões remetidas para os meios comuns, que por inércia das partes, por exemplo, pode até nunca ocorrer.</font>
</p><p><font>18º Como referiu o Supremo Tribunal de Justiça no Agravo nº 929/07 -6.ª Secção de 15/05/2007 (</font><i><font>disponível</font></i><font> </font><i><font>em</font></i><font> </font><i><font><a>https://www.stj.pt/wp-content/uploads/2018/01/sumarios-civel-2007.pdf</a></font></i><font>):</font>
</p><p><i><font>“Os</font></i><font> </font><i><font>termos</font></i><font> </font><i><font>do</font></i><font> </font><i><font>inventário</font></i><font> </font><i><font>não</font></i><font> </font><i><font>devem</font></i><font> </font><i><font>ser</font></i><font> </font><i><font>suspensos</font></i><font> </font><i><font>até</font></i><font> </font><i><font>que</font></i><font> </font><i><font>se</font></i><font> </font><i><font>julgue,</font></i><font> </font><i><font>nos</font></i><font> </font><i><font>meios</font></i><font> </font><i><font>comuns,</font></i><font> </font><i><font>se</font></i><font> </font><i><font>o</font></i><font> </font><i><font>reclamado</font></i><font> </font><i><font>terreno</font></i><font> </font><i><font>pertence</font></i><font> </font><i><font>ou</font></i><font> </font><i><font>não</font></i><font> </font><i><font>ao</font></i><font> </font><i><font>património</font></i><font> </font><i><font>do</font></i><font> </font><i><font>dissolvido casal.</font></i><font> </font><i><font>Antes</font></i><font> </font><i><font>cumpre</font></i><font> </font><i><font>proferir</font></i><font> </font><i><font>sentença</font></i><font> </font><i><font>homologatória</font></i><font> </font><i><font>da partilha</font></i><font> </font><i><font>quanto</font></i><font> </font><i><font>aos</font></i><font> </font><i><font>bens</font></i><font> </font><i><font>que</font></i><font> </font><i><font>foram</font></i><font> </font><i><font>relacionados”.</font></i>
</p><p><font>19º Não tendo neste caso concreto o juiz determinado a suspensão da instância em sede de processo de inventário, não há qualquer situação que tenha ficado pendente na partilha dos bens comuns do casal.</font>
</p><p><font>20º Já foi proferida decisão homologatória no processo de inventário para partilha dos bens comuns do Autor e da Ré.</font>
</p><p><font>21º A mencionada decisão homologatória transitou em julgado, independentemente de ter-se posteriormente, vindo a discutir-se nos meios comuns a natureza do bem.</font>
</p><p><font>22º Pelo que não tem qualquer sentido o Tribunal </font><i><font>a</font></i><font> </font><i><font>quo</font></i><font> entender que o Autor tem de esperar pelo trânsito em julgado da decisão que determine qual a natureza da já aqui referida fração autónoma, para pedir a responsabilização da Ré pelos prejuízos que tem vindo a sofrer, pois só agora está resolvida a questão que ficou pendente no processo de inventário.</font>
</p><p><font>23º Mesmo que fosse determinado que a já referenciada fração autónoma, cuja natureza foi discutida no seio deste processo, era um bem comum do ex-casal, o que só por mero exercício intelectual se concede, não haveria qualquer alteração da decisão homologatória proferida em sede de processo de inventário,</font>
</p><p><font>24º Apenas se teria de realizar uma partilha adicional daquele bem, ao abrigo do artigo 1129º da Lei nº117/2019 de 13 de setembro.</font>
</p><p><font>25º Entendimento este que é partilhado pelo Supremo Tribunal de Justiça que no já mencionado Agravo nº 929/07 - 6.ª Secção de 15/05/2007 (</font><i><font>disponível</font></i><font> </font><i><font>em</font></i><font> </font><i><font><a>https://www.stj.pt/wp-content/uploads/2018/01/sumarios-civel-2007.pdf</a></font></i><font>) disse que:</font>
</p><p><i><font>“Se</font></i><font> </font><i><font>nos</font></i><font> </font><i><font>meios</font></i><font> </font><i><font>comuns</font></i><font> </font><i><font>ver</font></i><font> </font><i><font>a</font></i><font> </font><i><font>ser</font></i><font> </font><i><font>decidido,</font></i><font> </font><i><font>mais</font></i><font> </font><i><font>tarde,</font></i><font> </font><i><font>que</font></i><font> </font><i><font>o</font></i><font> </font><i><font>mencionado</font></i><font> </font><i><font>terreno</font></i><font> </font><i><font>para</font></i><font> </font><i><font>construção</font></i><font> </font><i><font>integra</font></i><font> </font><i><font>o</font></i><font> </font><i><font>património</font></i><font> </font><i><font>do</font></i><font> </font><i><font>dissolvido</font></i><font> </font><i><font>casal,</font></i><font> </font><i><font>então</font></i><font> </font><i><font>deverá</font></i><font> </font><i><font>proceder-se</font></i><font> </font><i><font>à</font></i><font> </font><i><font>sua</font></i><font> </font><i><font>partilha</font></i><font> </font><i><font>adicional,</font></i><font> </font><i><font>nos</font></i><font> </font><i><font>termos</font></i><font> </font><i><font>do</font></i><font> </font><i><font>art.</font></i><font> </font><i><font>1395.º</font></i><font> </font><i><font>do</font></i><font> </font><i><font>CPC”.</font></i>
</p><p><font>26º E mesmo nesse caso, teria o Autor direito a ser compensado por todo o tempo em que esteve privado do uso da fração autónoma, ou seja, desde setembro de 2012.</font>
</p><p><font>27º Desse modo, reitera-se que o Douto Acórdão recorrido violou os artigos 931º, nº7 do CPC, 278º do CC, 798º do CC, 154º do CPC, 1082º al.d , 1133º e 1092º nº1 da Lei nº117/2019 de 13 de setembro.</font>
</p><p><font>TERMOS EM QUE, revogando o Douto Acórdão recorrido, substituindo-o por outro declarando que o Autor tem direito a ser indemnizado por todos os danos que a Ré lhe causou, e causa, com a não devolução da fração autónoma melhor identificada na alínea “A” dos factos julgados provados na Douta Sentença proferida em Primeira Instância, de que é dono e legítimo proprietário, desde setembro de 2012 até à data da efectiva restituição livre de pessoas e bens, nos termos das conclusões supra referidas, Vossas Excelências farão, como sempre, </font><b><font>JUSTIÇA</font></b><font>.”</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Não foram apresentadas contra-alegações.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Colhidos os vistos, cumpre analisar e decidir.</font>
</p><p><font> </font><br>
<b><font>II. Fundamentação</font></b><br>
<b><font>De facto</font></b><br>
<font> </font>
</p><p><b><font>5. Vieram provados das instâncias os seguintes factos:</font></b>
</p><p><font>A) Encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial do …, freguesia …, sob o nº ..., uma fração urbana, autónoma, destinada a habitação, correspondente ao primeiro andar esquerdo, com entrada pelo nº … da Rua …, com lugar para um automóvel designado por …, na cave, primeiro piso, com entrada pelo nº … da ….</font>
</p><p><font>B) O referido prédio encontra-se inscrito pela apresentação 35 de 1992/07/17, a favor de AA, casado com BB no regime de comunhão de adquiridos, encontrando-se averbada a menção “Aquisição com a natureza de bem próprio”.</font>
</p><p><font>C) O referido imóvel foi adquirido através de permuta efetuada com CC, por escritura nos termos e com o conteúdo constantes de fls. 16 a 18.</font>
</p><p><font>D) Na sequência de processo de divórcio entre as partes, e por despacho datado de 18 de janeiro de 2006, prolatado no processo de inventário/partilha de bens em casos especiais nº 270-F/2001 do Tribunal de Família e Menores do Porto, foram o aqui autor e ré remetidos para os meios comuns para discussão da questão sobre a natureza de bem próprio ou comum do imóvel identificado em A), tudo nos termos do douto despacho junto de fls. 73 a 75 destes autos.</font>
</p><p><font>E) No âmbito do processo de divórcio entre o autor e a ré foi consignada a possibilidade de esta residir na fração referida em A), até à partilha dos bens comuns do casal, por ser até ao divórcio a casa de morada de família.</font>
</p><p><font>F) A partilha foi efetuada em 2012.</font>
</p><p><font>G) Em 25 de Setembro de 2012, o autor notificou a ré, por carta registada com aviso de receção, nos termos e com o conteúdo constante a fls. 27, onde, além do mais, solicita a restituição da fração.</font>
</p><p><font>H) Com data de 13 de março de 1992, foi celebrado um contrato promessa de permuta, nos termos e com o conteúdo constante de fls. 76 a 78, e em que intervieram as aqui partes e CC (anterior proprietária da fração urbana) e o seu então marido DD.</font>
</p><p><font>I) No referido contrato promessa foi atribuído à fração referida em A) o valor de 42 milhões de escudos, fazendo-se a permuta mediante a entrega de um imóvel identificado na cláusula segunda do contrato, a que atribuíram o valor de 24 mil contos, acrescidos de 18 mil contos, a pagar da forma estabelecida na cláusula quarta.</font>
</p><p><font>J) Os referidos 18 mil contos foram pagos com poupanças do então casal, aqui autor e ré.</font>
</p><p><font>K) A ré pagou à administração do condomínio da fração referida em A), no período compreendido entre 19 de Setembro de 2016 e 10 de abril de 2019, a quantia de, pelo menos, €7.250,49, nos termos constantes a fls. 235.</font>
</p><p><font>L) O autor tem pago o IMI relativo ao imóvel, e desde a permuta até pouco tempo antes do divórcio habitou na referida fração, praticando os atos próprios de um proprietário, por si e antepossuidores, à vista de toda a gente e sem qualquer oposição.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font>De Direito</font></b><br>
<font> </font>
</p><p><b><font>6.</font></b><font> No recurso do A. a impugnação vem restringida à parte da não condenação da Ré no pagamento de uma indemnização pela ocupação da fração desde a data da partilha (Setembro 2012) até à data da entrega efectiva ao A., discordando do sentido do acórdão de que a indemnização só deveria abranger o período entre a data do trânsito em julgado da decisão final do presente processo e a data da entrega efectiva.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Por força das conclusões do recurso, que, segundo os arts. 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, do CPC, delimitam o seu objeto, e não podendo o Supremo Tribunal de Justiça conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser em situações excecionais de conhecimento oficioso, a questão a decidir no presente recurso de revista consiste em saber se o bem próprio já foi partilhado no inventário e se o A. tem direito a ser compensado pela sua utilização pela Ré e desde quando (setembro de 2012 ?).</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font>6.</font></b><font> Vem decidido das instâncias e não é questão impugnada no recurso que o A. e a Ré foram remetidos para a presente acção para definição da qualidade do imóvel – seria bem comum do casal ou bem próprio do A. – motivo pelo qual no processo de inventário o mesmo nunca chegou a ser partilhado.</font>
</p><p><font>Tratando-se de bem próprio do A. não tinha o mesmo de ser partilhado na sequência do divórcio, pois a partilha só se reporta aos bens comuns do casal.</font>
</p><p><font>Isso significa que o acordo realizado pelo A. e Ré no sentido de esta poder utilizar o imóvel até à partilha dos bens comuns só poderia reportar-se aos bens comuns; quanto aos bens próprios, a simples utilização pela Ré estaria pressuposta na base do indicado acordo, mas sem a referência à partilha; a interpretação da referência à partilha ter-se-ia de reportar ao momento da definição da titularidade de forma inequívoca, por força do regime da interpretação dos negócios jurídicos – art.º 236.º do CC – qualquer declaratário normal colocado na posição de declaratário real concluiria que a referência à partilha se reportava à situação de definição clara da titularidade dos bens em discussão, independentemente de serem próprios ou comuns; partilha seria o momento final da “anterior” comunhão ou indefinição. </font>
</p><p><font>E porque as partes não se entendiam sobre se o bem era próprio ou comum foi necessário o recurso ao tribunal para definir a qualidade do bem e a situação jurídica criada em torno da sua utilização pela Ré. </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font>7.</font></b><font> O TRP reiterou a posição assumida pela 1ª instância ao concluir que o imóvel seria bem próprio do A., o que fez, nomeadamente, através da seguinte justificação: </font>
</p><p><font>“</font><i><font>o imóvel dos autos foi adquirido, na sua parte mais substancial, com a permuta de um outro imóvel, bem próprio do Autor, e, nos restantes (e inferiores) 18 mil contos, com poupanças do casal constituído então pelos ora Autor e Ré. Neste aspecto, nada temos a acrescentar ao bem fundado da douta sentença recorrida, não havendo, salvo o devido respeito, lugar a falar em compropriedade, a propósito de uma eventual comunhão de bens adquiridos do casal que foi formado por Autor e Ré.</font></i>
</p><p><i><font>(…) Mas independentemente da diferença entre a comunhão conjugal e a compropriedade, a norma atinente ao caso concreto é a do </font></i><b><i><font>artº</font></i></b><i><font> </font></i><b><i><font>1726º</font></i></b><i><font> </font></i><b><i><font>nº1</font></i></b><i><font> CCiv, no sentido de que “os bens adquiridos em parte com dinheiro ou bens próprios de um dos cônjuges e noutra parte com dinheiro ou bens comuns revestem a natureza da mais valiosa das duas prestações” – bem próprio do Autor, portanto.”</font></i>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>E porque assim se entendeu, o tribunal determinou que a consequência daí resultante seria a seguinte:</font>
</p><p><font>“</font><i><font>A atribuição patrimonial que favoreceu o bem próprio faz nascer um direito de compensação no património do outro cônjuge, exigível no momento da dissolução e da partilha da comunhão – </font></i><b><i><font>artº</font></i></b><i><font> </font></i><b><i><font>1726º,</font></i></b><i><font> </font></i><b><i><font>n.º2</font></i></b><i><font> CCiv.”</font></i>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Ficava assim justificava a definição da titularidade em favor do A. e dos direitos de compensação da Ré, definição esta que não estava decidida anteriormente – ou a presente acção teria perdido a sua utilidade, pelo menos parcial. </font>
</p><p><font>Tal significa que, só com o trânsito em julgado da decisão final no âmbito da presente acção se pode dar por definitivamente assente a questão da titularidade do bem em discussão e dos acertos de contas que devam ser efectuados entre os ex-cônjuges.</font>
</p><p><font>É, por isso, esta a decisão proferida pelo tribunal recorrido – “</font><i><font>Tendo as partes, em inventário divisório, sido remetidas para os meios comuns, quanto à natureza de bem próprio ou comum do imóvel, só com a definição dessa natureza, nos presentes autos e por força da decisão aqui proferida, se poderá dizer cessada a situação pendente de partilha. Tem assim o Autor direito a ser indemnizado, por força da privação do uso da coisa, nos exactos termos definidos na douta sentença recorrida, mas apenas a partir do trânsito da decisão final dos presentes autos”</font></i><font> – com a qual se concorda e que deve ser confirmada.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font>III. Decisão</font></b>
</p><p><font>Pelos fundamentos indicados, é negada a revista.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Custas pelo recorrente, com dispensa do remanescente da taxa de justiça, nos termos do disposto no art. 6.º, n.º 7, do RCP, atenta a simplicidade do recurso e os demais elementos a que a lei manda atender.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Lisboa, 29 de Setembro de 2020</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Fátima Gomes (Relatora)</font>
</p><p><font>Acácio Neves</font>
</p></font><p><font><font>Fernando Samões</font></font></p> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
FzJlu4YBgYBz1XKvhAFS | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><font> </font><div><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça</font></div><br>
<font> </font>
<p><b><font>I. Relatório</font></b><br>
</p><p><b><font>1.</font></b><font> AA, menor, representado por seus pais (os 2ª e 3º AA.), BB (2ª A.) e CC (3ºA.) intentaram contra Seguro Directo Gere – Companhia de Seguros, S.A”, actualmente denominada “AGEAS Portugal – Companhia de Seguros, SA” (a acção foi também intentada contra DD, o qual foi absolvido da instância em sede de audiência prévia] acção pedindo a condenação da ré no pagamento de montante global de € 80.600,00 (oitenta mil e seiscentos euros), acrescida de juros de mora à taxa legal de 4% desde a citação até integral pagamento, por danos não patrimoniais que sofreram, sofrem, têm vindo a sofrer e irão sofrer ao longo de toda uma vida e a pagar-lhes, ainda, o montante que se liquide em execução de sentença decorrente da evolução do seu estado de saúde em resultado do acidente, incluindo eventuais intervenções cirúrgicas, meios de diagnóstico, consultas médicas, despesas com tratamentos e medicamentos, tudo por indicação médica.</font><br>
</p><p><font>Alegaram como fundamento a responsabilidade civil emergente de sinistro automóvel ocorrido com viatura automóvel segurado na Ré e o filho dos AA de que resultaram danos patrimoniais e não patrimoniais no valor constante os autos.</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><b><font>2.</font></b><font> A sentença decretou a improcedência da acção, absolvendo a R. Seguradora dos pedidos.</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><b><font>3.</font></b><font> Desta sentença apelaram os AA, concluindo nos termos constantes do acórdão recorrido e pedindo “</font><i><font>seja julgado provado que o veículo seguro na ré circulava ao temo do atropelamento com excesso de velocidade pela velocidade superior a 50 kms/ hora, imputando a responsabilidade pelo acidente ao condutor e por conseguinte à seguradora R. apelada, condenando-se a R. seguradora apelada conforme peticionado OU Caso assim V. Exas. não entendam, que se dê como declarado e provado que sempre estaria o veículo em velocidade excessiva, imputando a responsabilidade pelo acidente ao condutor e por conseguinte à seguradora R. apelada, condenando-se a R. seguradora apelada conforme peticionado OU, Caso V. Exas. assim não entendam, sempre se requer, pela não análise correta da prova documental, e bem assim da prova testemunhal, e pela consequente violação da lei, nomeadamente das disposições dos artigos artigo 607° e 615° ambos do CPC, por ser confusa ambígua.”</font></i><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><b><font>4.</font></b><font> A Ré contra-alegou indicando que a impugnação da matéria de facto não podia ser conhecida pelo tribunal por os AA. não terem cumprido os ónus impostos pelo art.º 640.º do CPC e, se assim não se entendesse, que as alterações solicitadas não deviam ser atendidas, por não terem sustentação, mantendo-se o decidido.</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><b><font>5.</font></b><font> O TRL conheceu do recurso identificando como questões a resolver:</font>
</p><p><font>a) Saber se deve ser alterada a matéria de facto da sentença.</font>
</p><p><font>b) Saber se em face dos factos provados a seguradora Ré deve ser responsabilizada pelos danos reclamados nos autos, por culpa do condutor do veículo atropelante fundada em velocidade excessiva.</font>
</p><p><font>Em termos de solução final, o tribunal recorrido alterou a matéria de facto, aditando igualmente novos factos, e veio a julgar o recurso procedente, com o seguinte dispositivo:</font><br>
</p><p><i><font>“Procede a apelação e consequentemente revoga-se a sentença apelada quanto à fundamentação de facto e quanto ao direito aplicado atribuindo-se a culpa exclusiva do acidente ao segurado da Ré. Determina-se que sequencialmente o Tribunal de Primeira Instância aprecie os pedidos de indemnização formulados nos autos ponderados à luz dos factos assentes e do direito aplicável.”</font></i><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><b><font>6.</font></b><font> Deste acórdão veio apresentado recurso de revista pela Ré, vencida, no qual formula as seguintes conclusões:</font><br>
</p><p><i><font>“I. O presente recurso vem interposto do Acórdão da Relação de Lisboa que revogou “a Sentença apelada quanto à fundamentação de facto e quanto ao Direito aplicado atribuindo-se a culpa exclusiva do acidente ao Segurado da Ré.” Nesse acórdão sob recurso igualmente se determina que “sequencialmente o Tribunal de Primeira Instância aprecie os pedidos de indemnização formulados nos autos ponderados à luz dos factos assentes e do Direito aplicável.”;</font></i><br>
</p><p><i><font>II. A Recorrente entende que o Acórdão sob recurso padece de nulidade por omissão de pronúncia e viola a lei processual civil e a lei civil;</font></i><br>
</p><p><i><font>III. A Recorrente sustentou, nas suas contra-alegações, que o Recorrente não havia cumprido o ónus de indicar os pontos concretos da matéria de facto impugnados e que o recurso devia ser, nos termos da lei, rejeitado;</font></i><br>
</p><p><i><font>IV. O facto de o Tribunal da Relação de Lisboa ter determinado a alteração da matéria de facto (admitindo que, in casu, o poderia fazer oficiosamente, o que se concebe apenas a benefício de raciocínio e sem conceder, como se verá infra) não precludia nem prejudicava o dever de o Tribunal da Relação apreciar o “pedido” feito pela então Recorrida, no sentido de que o Recurso fosse rejeitado;</font></i><br>
</p><p><i><font>V. Com efeito, o Tribunal da Relação de Lisboa tem o poder-dever de, perante as omissões recursórias, rejeitar o recurso e de apreciar essa questão expressamente suscitada sob pena de o Acórdão ficar padecendo de nulidade por omissão de pronúncia nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 615º/1d) do CPC;</font></i><br>
</p><p><i><font>VI. A inércia do Apelante – que não impugnou, reitera-se, a matéria relativa aos factos 11 e 13 dados como assentesna primeira instância - impede oTribunalda Relação de apreciar ex officio tal matéria de facto, que assim se deverá considerar assente entre as partes;</font></i><br>
</p><p><i><font>VII. Na opiniãoda Recorrente, entendimentodiversoé contrário a todo o espírito do sistema;</font></i><br>
</p><p><i><font>VIII. É pacífico queoobjeto do recursoé delimitadopelas conclusões dos Apelantes, nasquais não era suscitada a questão da reapreciação dos pontos 11 e 13 da matéria de facto;</font></i><br>
</p><p><i><font>IX. A reapreciação dessa matéria estava, portanto, excluída, por lei, do objeto do recurso.</font></i><br>
</p><p><i><font>X. Admitir o poder de intervenção oficiosa do Tribunal da Relação no caso dos autos desvirtua completamente a unidade do sistema jurídico para o recurso da matéria de facto e constante do CPC, que assenta na impugnação (com apertados ónus) a cargo do Apelante;</font></i><br>
</p><p><i><font>XI. A previsão do artigo 662º/1 do CPC não consagra, pois, um poder de intervenção oficiosa do Tribunal da Relação de Lisboa que ultrapasse o ónus a cargo do Recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto, mas apenaso dever que, cumprido aquele ónus, apreciar as questões;</font></i><br>
</p><p><i><font>XII. Desde logo porque isso equivaleria a fazer letra morta do poder-dever imposto ao Tribunal da Relação de rejeitar o recurso sempre que esse ónus se revelasse incumprido;</font></i><br>
</p><p><i><font>XIII. Os poderes oficiosos do Tribunal da Relação constam expressamente do artigo 662º/2 do CPC;</font></i><br>
</p><p><i><font>XIV. Numa interpretação conforme ao artigo 9º/3 do Código Civil, ointérprete deve entender que a intervenção oficiosa do Tribunal da Relação está reservada aos casos plasmados nas diversas alíneas do artigo 662º/2 do CPC; se o legislador tivesse pretendido incluir o poder de alteração oficiosa da matéria de facto no elenco dos poderes de intervenção oficiosa do Tribunal da Relação, então teria incluído esse poder como uma das alíneas do (atual) nº 2;</font></i><br>
</p><p><i><font>XV. Da opção legislativa de não incluir tal poder nesse elenco deve o intérprete retirar as devidas conclusões;</font></i><br>
</p><p><i><font>XVI. A interpretação mais conforme ao pensamento legislativo, tendo em conta a unidade do sistema jurídico (em particular em matéria de recursos) é, pois, que a intervenção oficiosa do Tribunal da Relação de Lisboa se encontra limitada aos casos plasmados no artigo 662º/2 do CPC;</font></i><br>
</p><p><i><font>XVII. Ao proceder à alteração oficiosa da matéria de facto, o Acórdão recorrido viola o disposto nos artigos 662º/1 e 2, 640º, ambos do CPC e no artigo 9º do Código Civil;</font></i><br>
</p><p><i><font>XVIII. Ao apreciar oficiosamente a alteração dos pontos 11 e 13 da matéria de facto, que não foram impugnados pelos Apelantes, o Tribunal da Relação de Lisboa conhece “de questões de que não podia tomar conhecimento”, o que acarreta a nulidade do Acórdão prevista no artigo 615º/1 d) do CPC;</font></i><br>
</p><p><i><font>XIX. Na opinião da Recorrente, a tese plasmada acerca da culpa na produção do sinistro no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa não deve merecer acolhimento;</font></i><br>
</p><p><i><font>XX. Com efeito, no Acórdão da Relação refere-se “por provado (SIC!) que o condutor seguia distraído” quando a isso não tem qualquer apoio no acervo probatório, pois esse facto não se encontra provado e porque os factos dados como provados não permitem alcançar uma conclusão acerca da (des) atenção do condutor, nem mesmo por presunção judicial, pois inexistem factos provados/ conhecidos dos quais o julgador possa retirar esse facto desconhecido.</font></i><br>
</p><p><i><font>XXI. O contexto do acidente dos autos é, pois, o de um atropelamento de uma criança que, surgida entre carros (e não visível entre eles, por ser mais baixa que eles) invade desacompanhada a faixa de rodagem sendo certo que o condutor do veículo ...-HB-... circulava pela faixa da direita junto a uma zona de estacionamento em espinha à direita.</font></i><br>
</p><p><i><font>XXII. Tendo em conta o contexto do sinistro e os factos provados, não há qualquer razão juridicamente atendível para presumir que o condutor do veículo estava distraído.</font></i><br>
</p><p><i><font>XXIII. Concluir desse modo viola frontalmente o disposto no artigo 349º do Código Civil e também o disposto no artigo 342º daquele código, na medida em que o ónus da prova sobre a culpa, enquanto requisito da responsabilidade civil, impende sobre o lesado (os Autores).”</font></i><br>
</p><p><font>Culminam pedindo:</font><br>
</p><p><font>“</font><b><font>Acórdão</font></b><font> </font><b><font>Recorrido</font></b><font> </font><b><font>ser</font></b><font> </font><b><font>revogado</font></b><font> </font><b><font>e,</font></b><font> </font><b><font>mantida</font></b><font> </font><b><font>a</font></b><font> </font><b><font>Sentença</font></b><font> </font><b><font>de</font></b><font> </font><b><font>1ª</font></b><font> </font><b><font>Instância,</font></b><font> </font><b><font>assim</font></b><font> </font><b><font>se</font></b><font> </font><b><font>absolvendo</font></b><font> </font><b><font>a</font></b><font> </font><b><font>Ré</font></b><font>”</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font>Os AA. contra-alegaram sustentando a decisão constante do acórdão recorrido.</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><b><font>7.</font></b><font> Tendo sido invocadas nulidades do acórdão recorrido, por novo acórdão, em conferência, o tribunal recorrido afastou as imputadas nulidades.</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font>Colhidos os vistos electrónicos, cumpre analisar e decidir.</font><br>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font>II. Fundamentação</font></b>
</p><p><b><font>8. De Facto</font></b>
</p><p><b><font>A) </font></b><font>Da primeira instância vieram </font><b><font>provados os seguintes factos:</font></b>
</p><p><font>1 - Em 17-02-2012, pelas 17h50m, na Avenida ... – ..., ..., ocorreu um acidente em que foi interveniente o veículo...-HB-... , que consistiu no atropelamento, por esse veículo, do menor EE.</font><br>
</p><p><font>2 - O veículo ...-HB-... era conduzido e propriedade de DD [que foi inicialmente demandado como 2º Réu].</font><br>
</p><p><font>3 - Àquela data a responsabilidade civil decorrente da circulação do veículo ...-HB-... encontrava-se transferida, por contrato seguro obrigatório, para a Ré Seguradora mediante contrato titulado pela apólice ...780, tendo o mesmo cobertura por danos corporais no montante de € 2.500.000,00 e por danos materiais no montante de € 750.000,00.</font><br>
</p><p><font>4 - O sentido de marcha em que seguia o veículo era da Rua ... para a ....</font><br>
</p><p><font>5 - O tempo estava bom.</font><br>
</p><p><font>6 - O menor foi projectado a uma distância de cerca de 4,32 metros do local em que ocorreu o embate.</font><br>
</p><p><font>7 - O menor AA, nasceu em ...-08-2005.</font><br>
</p><p><font>8 - A Avenida ..., no ..., é uma artéria com muito movimento de veículos e peões.</font><br>
</p><p><font>9 - O local é uma recta, em patamar, com boa visibilidade longitudinal, com duas faixas de rodagem em cada sentido, com seis metros e oitenta de largura.</font><br>
</p><p><font>10 - No momento do sinistro o condutor do veículo ...-HB-... circulava pela faixa da direita junto a uma zona de estacionamento em espinha à direita.</font><br>
</p><p><font>11 - O menor AA surgiu de entre os carros estacionados a correr para a faixa de rodagem.</font><br>
</p><p><font>12 - O Autor era mais baixo do que os carros estacionados dentre os quais surgiu.</font><br>
</p><p><font>13 - O condutor do veículo ...-HB-... foi surpreendido pela travessia do peão, menor, fora da passadeira e em corrida, e por isso não conseguiu evitar embater-lhe.</font><br>
</p><p><font>14 - No momento da travessia da faixa de rodagem o menor AA encontrava-se sozinho.</font><br>
</p><p><font>15 - AA foi assistido no local pela VMER.</font><br>
</p><p><font>16 - Foi transportado para o Serviço de Urgência do Hospital …</font><img><font> (H…..) apresentando à entrada anisocoria [distúrbio oftalmológico que pode ser causado por traumas sofridos em um dos hemisférios do cérebro] e </font><i><font>Glasgow</font></i><font> </font><i><font>Coma</font></i><font> </font><i><font>Scale</font></i><font> de 8 com necessidade de entubação, e tinha hematoma do braço esquerdo. </font><br>
</p><p><font>17 - Realizou TC-CE [tomografia computorizada crânio-encefálica] que revelou traumatismo crânio-encefálico grave, evidenciando lesão axonal difusa por aceleração/desaceleração, e realizou ecografia abdominal que revelou contusão parenquimatosa do rim.</font><br>
</p><p><font>18 - Foi internado na UCI e foi-lhe colocado cateter intraparenquimatoso para controlo da pressão intracraniana (PIC), que foi retirado no 5º dia de internamento.</font><br>
</p><p><font>19 - Manteve-se internado na UCI Pediátrica por 12 dias, hemodinamicamente estável, ventilado invasivamente até 29/02/2012 e com alimentação entérica.</font><br>
</p><p><font>20 - Durante o internamento realizou medicação anticonvulsiva por suspeita de crises e antibioticoterapia por infecção respiratória.</font><br>
</p><p><font>21 - Foram-lhe diagnosticadas fracturas da clavícula e omoplata esquerdas, que foram tratadas conservadoramente, e foi-lhe diagnosticada ainda úlcera da córnea que foi objecto de tratamento tópico ao longo do internamento na UCI.</font><br>
</p><p><font>22 - A 02/03/2012 foi transferido para o Serviço de Cirurgia Pediátrica.</font><br>
</p><p><font>23 - Durante o internamento manteve-se apirético, em respiração espontânea e a tolerar dieta entérica.</font><br>
</p><p><font>24 - A 08/03/2012 foi transferido ao Centro Médico de Reabilitação .... (CMRA).</font><br>
</p><p><font>25 - Aí realizou programa de reabilitação, com gradual recuperação do ponto de vista neurológico e funcional e desmame progressivo da medicação anticonvulsivante.</font><br>
</p><p><font>26 - Teve alta a 19/06/2012 para o domicílio com agendamento de novo período de tratamento em regime de internamento.</font><br>
</p><p><font>27 - A 16/07/2012 foi novamente internado no CMRA para continuação do programa de reabilitação, e teve alta a 18/10/2012.</font><br>
</p><p><font>28 - Aquando da alta mantinha quadro neuromotor de tetraparésia espástica de predomínio esquerdo e ataxia de predomínio direito com controlo dos esfíncteres, com melhoria do equilíbrio em pé, estático e dinâmico, sem disfagia,</font><br>
</p><p><font>29 - (…) realizava marcha de base alargada com componente atáxico com apoio de andarilho e supervisão. Iniciou processo de transferência de lateralidade para a esquerda e foram confeccionadas novas talas posteriores para tibiotársicas e pés.</font><br>
</p><p><font>30 - Foi referenciado para integração no 1° ano de escolaridade com apoio do Ensino Especial.</font><br>
</p><p><font>31 - Após a alta do CMRA manteve consultas externas de neurologia no HSM, a última das quais em 14/01/2013, e na observação apresentava dismetria com tremor de intenção à direita, disartria e marcha claudicante, sem espasticidade marcada;</font><br>
</p><p><font>32 - (…) manteve consultas externas de neuro-oftalmologia e posteriormente foi referenciado a consulta de estrabismo de oftalmologia por parésia em remissão do III par craniano esquerdo pós-traumatismo crânio-encefálico.</font><br>
</p><p><font>33 - Ao nível oftalmológico em 02/10/2017 apresentava limitação da supra-versão do olho esquerdo e com discreta ptose ipsilateral, ortoforia em posição primária, sem diplopia nas posições do olhar funcionalmente; acuidade visual com correção olho direito (OD) e olho esquerdo (OE) 10/10; paresia oculomotora sem indicação cirúrgica de momento.</font><br>
</p><p><font>34 - Em 14/11/2017 apresentava quadro neuromotor de tetraparésia espástica de predomínio esquerdo e ataxia de predomínio direito; força muscular à esquerda de grau 4 com espasticidade grau 1 na Escala Modificada de Ashworth; marcha de base alargada com componente atáxico e com disartria atáxica.</font><br>
</p><p><font>35 - Àquela data o seu quadro cognitivo era de perfil abaixo da média esperada para a sua idade, tanto na área verbal como na não verbal, bem como nos subtestes relacionados com a capacidade de aprendizagem formal;</font><br>
</p><p><font>36 - (…) emocionalmente e em termos comportamentais apresentava alterações ligeiras no autocontrolo, actividade motora e tolerância à frustração;</font><br>
</p><p><font>37 - (…) estava medicado para o défice de atenção/concentração.</font><br>
</p><p><font>38 - Trata-se de uma criança com deficiência das funções da articulação e da fluência e ritmo da fala, das funções de coordenação do movimento voluntário, dos movimentos involuntários e das funções do padrão de marcha, bem como das funções cognitivas de funções mentais específicas como atenção e memória e das funções mentais de nível superior, como abstracção, cálculo, organização e planeamento.</font><br>
</p><p><font>39 - O seu quadro neuropsicológico é de Perturbação do Desenvolvimento Intelectual (DSM 5), em consequência de sequelas pós-traumatismo crânio- encefálico.</font><br>
</p><p><font>40 - Por isso tem necessidades educativas especiais de carácter permanente.</font><br>
</p><p><font>41 - Antes do acidente o menor AA era uma criança saudável.</font><br>
</p><p><font>42 - Actualmente, e em consequência do acidente, tem dificuldade em correr e saltar pela condição da sua marcha;</font><br>
</p><p><font>43 - (…) tem tremor do membro superior à direita e limitação da força e destreza do membro superior à esquerda, (habitualmente usa a mão direita); dificuldade em carregar pesos superiores a 1kg com o membro superior esquerdo por cansaço do próprio membro;</font><br>
</p><p><font>44 - (…) tem fala arrastada;</font><br>
</p><p><font>45 - (…) compreende e segue ordens, mas tem dificuldade quanto à percepção dos outros, dificuldade em manter a atenção e dificuldade no auto- controlo;</font><br>
</p><p><font>46 - (…) tem controlo dos esfíncteres bucal, urinário e fecal, mas tem necessidade de ajuda na limpeza após ida à casa de banho.</font><br>
</p><p><font>47 - Não apresenta queixas dolorosas.</font><br>
</p><p><font>48 - Necessita de ajuda na higiene, por limitação na destreza do membro superior esquerdo (por ex. a lavar a cabeça) e na transferência para a banheira.</font><br>
</p><p><font>49 - Precisa de ajuda no acto de se alimentar (por exemplo para cortar carne).</font><br>
</p><p><font>50 - Precisa de ajuda para se vestir, embora o consiga fazer sozinho levando, porém, mais tempo do que o habitual para essa tarefa.</font><br>
</p><p><font>51 - Tem dificuldade na socialização e integração com os jovens da sua idade.</font><br>
</p><p><font>52 - Apresenta marcha ligeiramente atáxica e ligeiro arrastamento da perna esquerda.</font><br>
</p><p><font>53 - Tem cicatriz hipocrómica, sem vestígios de sutura, na região occipital, mediana, horizontal com 5cm;</font><br>
</p><p><font>54 - Tem cicatriz hipocrómica, sem vestígios de sutura, na região occipital, paramediana esquerda (lateral a anterior), vertical com 1,5cm;</font><br>
</p><p><font>55 - Tem cicatriz punctiforme na região occipital, mediana, com 0,5cm de diâmetro;</font><br>
</p><p><font>56 - Tem cicatriz linear na região parietal direita, coronal póstero-anterior com 4cm de comprimento.</font><br>
</p><p><font>57 - Tem a oculomotricidade mantida.</font><br>
</p><p><font>58 - Apresenta protusão da língua com desvio à esquerda.</font><br>
</p><p><font>59 - Apresenta assimetria da face com a contratura muscular, aumento do tónus.</font><br>
</p><p><font>60 - Não tem deformidade da clavícula ou omoplata esquerdas.</font><br>
</p><p><font>61 - A cinesia articular das grandes articulações está mantida e simétrica, com limitação nos últimos graus da dorsiflexão do pé esquerdo.</font><br>
</p><p><font>62 - Apresenta força do hemicorpo esquerdo de grau 3/5, com movimento activo possível, vencendo a força de gravidade; e força do hemicorpo direito de grau 4/5.</font><br>
</p><p><font>63 - Usa palmilha ortopédica em ambos os sapatos.</font><br>
</p><p><font>64 - Tem diminuição da destreza da mão esquerda.</font><br>
</p><p><font>65 - A consolidação médico-legal das lesões sofridas pelo A. AA é fixável em 14/01/2013.</font><br>
</p><p><font>66 - O A. AA teve défice funcional temporário total durante 245 dias [de 17/02/2012 a 18/10/2012].</font><br>
</p><p><font>67 - O A. AA teve défice funcional temporário parcial num total de 88 dias [de 19/10/2012 a 14/01/2013]. </font><br>
</p><p><font>68 - O A. AA teve repercussão temporária total na actividade formativa num período total de 245 dias [de 17/02/2012 a 18/10/2012].</font><br>
</p><p><font>69 - O A. AA teve repercussão temporária parcial na actividade formativa num período de 88 dias [de 19/10/2012 a 14/01/2013].</font><br>
</p><p><font>70 - As sequelas de que o A. AA ficou a padecer são compatíveis com a actividade formativa e frequência escolar no ensino em regime especial de educação, com apoio pedagógico personalizado, adequações no processo de avaliação e adequações curriculares individuais, com acompanhamento individual e diário em sala de aula com uma professora da equipa de Educação Especial.</font><br>
</p><p><font>71 - As sequelas de que o A. AA ficou a padecer têm repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer de grau 3 numa escala crescente de 7.</font><br>
</p><p><font>72 - O A. AA sofreu um </font><i><font>quantum</font></i><font> </font><i><font>doloris</font></i><font> de grau 7 numa escala crescente de 7.</font><br>
</p><p><font>73 - O A. AA sofreu um dano estético permanente de grau 6 numa escala crescente de 7.</font><br>
</p><p><font>74 - O A. AA está afectado de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 70%.</font><br>
</p><p><font>75 - O A. AA tem necessidade de seguimento regular em consultas de fisiatria e de oftalmologia, tem necessidade permanente de ortóteses e de ajudas técnicas escolares de terapia de fala, acompanhamento psicológico e regime especial de educação.</font><br>
</p><p><font>76 - É clinicamente previsível o agravamento das sequelas que o A. AA apresenta.</font><br>
</p><p><font>77 - A colocação de tala de posicionamento para o punho e mão esquerda do EE teve o custo de € 84,00.</font><br>
</p><p><font>78 - Com o atropelamento AA ficou bastante perturbado por, ainda criança, o atropelamento lhe ter causado afectação física e psicológica.</font><br>
</p><p><font>79 - Nos dias subsequentes ao acidente estava sobressaltado pelo acontecido e por se encontrar no Hospital e não conseguia dormir descansado.</font><br>
</p><p><font>80 - Pensava permanentemente no atropelamento, chorando com medo.</font><br>
</p><p><font>81 - Foram dias de bastante sofrimento para o A. AA, como para os seus pais, 2ª e 3º AA., ao ver o filho em sofrimento, sem saber o que fazer.</font><br>
</p><p><font>82 - Os pais viviam e vivem num desassossego completo.</font><br>
</p><p><font>83 - O A. AA gostava de andar de patins, brincar, jogar futebol, actividades que deixou de poder fazer.</font><br>
</p><p><font>84 - O A. AA teve de se adaptar a uma </font><i><font>nova</font></i><font> </font><i><font>vida</font></i><font> após o atropelamento.</font><br>
</p><p><font>85 - Os pais, 2ª e 3º AA., sofreram e sofrem um desgosto terrível em consequência do acidente;</font><br>
</p><p><font>86 - (…) não só pelas consequências que dele derivaram para o filho GG, mas também para o filho mais velho, FF.</font><br>
</p><p><font>87 - O FF, ficou muito afectado com o acidente do irmão e por isso foi acompanhado por psicólogo durante alguns meses.</font><br>
</p><p><font>88 - O desgosto dos 2ª e 3º AA. é enorme e temem pelo futuro do seu filho, pois o AA não voltará a ser a criança que era.</font><br>
</p><p><font>89 - Os 2ª e 3º AA. não se conformam com a tragédia que os atingiu.</font><br>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font>B)</font></b><font> O TRL alterou</font><b><font> os factos provados, </font></b><font>na parte que importavam para a dinâmica do acidente, sem integração nos anteriores factos provados (destacam-se a </font><b><font>negrito</font></b><font> as alterações, além da ordem dos factos):</font><b><font> </font></b>
</p><p><font>1. O menor AA, nasceu em …-08-2005.</font>
</p><p><font>2. O sentido de marcha em que seguia o veículo era da Rua ... para ....</font>
</p><p><font>3. O tempo estava bom.</font>
</p><p><font>4. O menor foi projetado a uma distância de cerca de 4,32 metros do local em que ocorreu o embate.</font>
</p><p><font>5. A Avenida ..., no ..., é uma artéria com muito movimento de veículos e peões.</font>
</p><p><font>6. O local é uma reta, em patamar, com boa visibilidade longitudinal, com duas vias de rodagem em cada sentido, com seis metros e oitenta de largura.</font>
</p><p><font>7. No momento do sinistro o condutor do veículo ...-HB-... circulava pela faixa da direita junto a uma zona de estacionamento em espinha à direita.</font>
</p><p><b><font>8. O menor AA surgiu de entre os carros estacionados.</font></b>
</p><p><font>9. O Autor era mais baixo do que os carros estacionados dentre os quais surgiu.</font>
</p><p><font>10. No momento da travessia da faixa de rodagem o menor AA encontrava-se sozinho.</font>
</p><p><b><font>11. O condutor do veículo ...-HB-... não se apercebeu da travessia do A. AA.</font></b>
</p><p><b><font> </font></b><br>
</p><p><b><font>C)</font></b><font> Das instâncias vieram </font><b><font>não provados </font></b><font>os seguintes factos (já com alteração introduzida pelo TRL, </font><b><font>a negrito</font></b><font>):</font><br>
</p><p><font>a. </font><b><font>Que o menor tivesse surgido a correr para a faixa de rodagem.</font></b><br>
</p><p><font>b. </font><b><font>O condutor do veículo ...-HB-... tenha sido surpreendido pela travessia do peão, menor</font></b><font>,</font><br>
</p><p><font>c. </font><b><font>fora da passadeira e em corrida, e por isso não conseguiu evitar embater-lhe</font></b><font>.</font><br>
</p><p><font>d. Que o veículo ...-HB-... seguia a uma velocidade superior a 50 Km/hora.</font><br>
</p><p><font>e. Que o condutor do veículo ...-HB-... podia ter reduzido a velocidade e travado ou desviado a sua marcha, de modo a não embater na vítima.</font><br>
</p><p><font>f. Que as despesas medicamentosas do menor ascendam a € 43,00 mensais a correr para a faixa de rodagem.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font>De Direito</font></b><br>
</p><p><b><font>9. </font></b><font>O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões do Recurso, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso e devendo limitar-se a conhecer das questões e não das razões ou fundamentos que àquelas subjazam, conforme previsto no direito adjetivo civil - arts. 635º n.º 4 e 639º n.º 1, </font><i><font>ex vi</font></i><font>, art.º 679º, todos do Código de Processo Civil.</font>
</p><p><font>As questões suscitadas no presente recurso são:</font>
</p><p><font>1. Nulidades do acórdão - omissão de pronúncia; excesso de pronúncia.</font>
</p><p><font>2. Violação de lei processual civil e civil.</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><b><font>10.</font></b><font> A primeira questão suscitada é assim a de nulidade por omissão de pronúncia, com base no art.º 615.º, n.º 1, al. d) do CPC, que no entender do recorrente resulta do facto de o TRL não se ter pronunciado sobre a questão da admissibilidade do recurso de apelação com impugnação da matéria de facto, quanto à </font><u><font>verificação do cumprimento dos ónus que sobre o recorrente impendem</font></u><font>, nomeadamente quanto aos factos que considera indevidamente apurados/não apurados, aos meios de prova que sustentam a sua alegação e a proposta de solução que a seu ver se impõe, perante tais meios e errado julgamento.</font><br>
</p><p><font>Diz assim que suscitou essa questão, em contra-alegações da apelação e que o TRL sobre ela não se pronunciou, e que consistia no pedido de rejeição do recurso.</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><b><font>11.</font></b><font> O TRL, em acórdão de conferência de 18 de março de 2021, conheceu da imputada nulidade dizendo que a mesma não se verifica.</font><br>
</p><p><font>Justifica nos seguintes termos:</font><br>
</p><p><font>“</font><i><font>O Tribunal a Relação não tem que pronunciar-me expressamente sobre questões suscitadas na resposta às alegações do Recorrente, como é o caso da questão cujo não conhecimento expresso vem agora suscitado em termos de nulidade.</font></i><br>
</p><p><i><font>Este entendimento é também o constante do recente acórdão do STJ de 2/6/2020 (3355/16.1T8AVR.P1.S1) in dgsi com o seguinte sumário: «I - A nulidade por omissão de pronúncia pressupõe que o tribunal deixe de apreciar alguma questão submetida pelas partes à sua apreciação. II No recurso, as questões são fixadas pelas conclusões das alegações, só sendo consideradas as questões suscitadas nas contra-alegações em caso de ampliação do âmbito do recurso, pelo que não incorre em omissão de pronúncia o acórdão que não considerou o conteúdo das contra-alegações».</font></i><br>
</p><p><i><font>Nas contra-alegações da Requerida, ora, Reclamante, não está requerida a ampliação do recurso.</font></i><br>
</p><p><i><font>De acordo com a jurisprudência expressa neste aresto, que perfilhamos e secundamos, não assiste razão à Reclamante, na nulidade arguida a este respeito a qual por isso vai desatendida.”</font></i><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><b><font>12.</font></b><font> Conhecendo.</font><br>
</p><p><font>No acórdão do STJ citado pelo TRL (acessível em </font><a><u><font>https://blook.pt/caselaw/PT/STJ/591313</font></u></a><font> e não em </font><a><u><font>www.dgsi.pt</font></u></a><font>) a invocação de omissão de pronúncia veio fundada em </font><font>não foi apreciação da questão suscitada nas contra-alegações que apresentou ao recurso de apelação interposto pelas autoras, relativa a um ao acordo celebrado pelos interessados de que um dos herdeiros ficaria com o direito de fruir as fracções em causa até que fossem feitas as partilhas.</font><br>
</p><p><font>Não se tratava assim de uma questão relativa à verific | [0 0 0 ... 0 0 0] |
7zFZu4YBgYBz1XKvmfhs | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><font> </font><div><br>
<b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça</font></b></div><br>
<br>
<br>
<p><b><font>I. Relatório</font></b><br>
</p><p><br>
</p><p><font>1. </font><b><font>AA</font></b><font> intentou a presente acção com processo comum de declaração contra o </font><b><font>Banco BIC Português, S.A</font></b><font>., pedindo:</font><br>
</p><p><font>a) A condenação deste a pagar ao A. o capital e juros vencidos e garantidos que, à data da propositura da acção, perfazem a quantia de €57.000,00, acrescida de juros vincendos desde a citação e até efectivo e integral pagamento; ou, assim não se entendendo:</font><br>
</p><p><font>b) Que seja declarado nulo qualquer eventual contrato de adesão que a ré invoque para ter aplicado os €50.000,00 que o autor entregou ao àquela, em obrigações subordinadas SLN 2006;</font><br>
</p><p><font>c) Que seja declarado ineficaz em relação ao autor a aplicação que a ré tenha feito desses montantes;</font><br>
</p><p><font>d) A condenação da ré a restituir ao autor €57.000,00 que ainda não recebeu dos montantes que entregou à ré e de juros vencidos à taxa contratada, acrescidos de juros legais vincendos, desde a citação e até efectivo e integral pagamento;</font><br>
</p><p><font>e) E, sempre, a condenação da ré apagar ao autor a quantia de €3.000,00, a título de dano não patrimonial. </font><br>
</p><p><font>A fundamentar aqueles pedidos, alega, para o efeito, que era cliente da ré, na sua agência da ..., onde era titular da conta à ordem nº ...01, através da qual movimentava parte dos dinheiros, realizava pagamentos e efectuava poupanças.</font><br>
</p><p><font>A 20/04/2006, o gerente da agência da ... réu disse ao autor que tinha uma aplicação em tudo igual a um depósito a prazo, com o capital garantido pelo BPN e com rentabilidade assegurada.</font><br>
</p><p><font>O dito funcionário do banco réu sabia que o autor tinha perfil conservador no que respeitava ao investimento do seu dinheiro, que, até essa data, sempre o aplicara em depósitos a prazo, e que o autor não tinha conhecimentos para distinguir os diversos produtos financeiros e avaliar, por isso, os riscos de cada um deles, a não ser que lhos explicassem devidamente.</font><br>
</p><p><font>O dinheiro do autor – €50.000,00 –veio a ser colocado em obrigações SLN 2006 sem que o autor soubesse em concreto o que era, desconhecendo, inclusivamente que a SLN era uma empresa. O autor actuou convicto de que estava a colocar o seu dinheiro numa aplicação segura e com as características de um depósito a prazo, com risco exclusivamente do banco quanto ao capital e juros.</font><br>
</p><p><font>O autor recebeu os juros da aplicação até Novembro de 2015 e, a partir daí, não recebeu mais juros, nem recebeu o próprio capital.</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><b><font>2.</font></b><font> O </font><b><font>Banco BIC Português, S.A</font></b><font>., na contestação que apresentou, excepcionou a prescrição prevista no artigo 324º, nº 2, do CVM, e impugnou a factualidade alegada pelo autor nos seguintes termos:</font><br>
</p><p><font>a) As obrigações SLN 2006 eram, à data da subscrição, um produto com risco muito reduzido em resultado de a sociedade emitente ter solidez financeira e ser a “mãe” do BPN, o qual era um dos principais ativos do seu património, não sendo previsível, então, que, em 2008, viria a acontecer uma nacionalização parcelar do grupo que veio a dividir o mesmo entre parte financeira e não financeira;</font><br>
</p><p><font>b) Em Abril de 2006, o autor foi informado de que: 1º – As obrigações eram emitidas pela sociedade que detinha o banco réu – a SLN –Sociedade Lusa de Negócios, SGPS, S.A.; 2º –o reembolso antecipado da emissão só seria possível por iniciativa da SLN, a partir do 5º ano, e sujeito a acordo prévio do Banco de Portugal; 3º –A única forma de o investidor liquidar este produto de forma unilateral seria a transmissão das suas obrigações a um terceiro interessado, mediante endosso, o que na altura era possível, comum e rápido, uma vez que os títulos tinham elevada procura, atenta a sua elevada rentabilidade; </font><br>
</p><p><font>c) O Banco réu actuou de acordo com o que os subscritores de facto quiseram e lhe expressaram, ou seja, subscrever aqueles €50.000,00 em Obrigações SLN 2006.</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><b><font>3.</font></b><font> Na resposta, o autor defendeu dever ser julgada improcedente a excepção deduzida na contestação.</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><b><font>4.</font></b><font> Foi proferido despachado saneador que relegou para a sentença o conhecimento da excepção de prescrição.</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><b><font>5.</font></b><font> Procedeu-se à audiência de julgamento e, a final, proferida sentença, na qual a acção foi julgada parcialmente procedente e, em consequência, condenada a ré a pagar ao autor:</font>
</p><p><i><font>a) €50.000,00, acrescidos de juros remuneratórios à taxa anual de 1%, a partir de Novembro de 2015 e até integral pagamento;</font></i>
</p><p><i><font>b) €1.000,00, a título de danos não patrimoniais. </font></i><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><b><font>6.</font></b><font> Inconformada, a ré recorreu para o Tribunal da Relação que veio a decidir: </font><i><font>“Pelos fundamentos expostos, acordam os Juízes desta secção cível em julgar improcedente a apelação e, consequentemente confirmar a sentença recorrida.”</font></i><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><b><font>7.</font></b><font> Deste acórdão veio interposto recurso de revista excepcional pela Ré, admitido por acórdão da formação de 20/20/2020.</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><b><font>8.</font></b><font> Foi, entretanto, proferido o acórdão de Uniformização de Jurisprudência no âmbito do Processo nº 1479/16.4T8LRA.C2.S1-A, relativo à densificação do pressuposto da ilicitude por violação dos deveres de informação por parte de banco que actua como intermediário financeiro e sobre a questão da aferição do nexo de causalidade entre a conduta do intermediário financeiro e o dano sofrido pelos autores, estando o presente processo em condições de prosseguir.</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><b><font>9.</font></b><font> Nas conclusões da revista diz-se (transcrição):</font>
</p><p><i><font>1) O recurso ora interposto é de revista excepcional, a admitir nos termos do disposto no art.º 672 nº 1 als. a) e b) do CPC.</font></i>
</p><p><i><font>2) Ambas as decisões das instâncias acabam por condenar o Banco-R. no pagamento de indemnização por violação do dever de informação enquanto intermediário financeiro.</font></i>
</p><p><i><font>3) O âmbito dos concretos deveres de informação a observar pelo intermediário financeiro tem sido objecto de vasta jurisprudência, com soluções e orientações bastante distintas, para não fizer completamente opostas.</font></i>
</p><p><i><font>4)Pontifica a este propósito as diferentes posições quanto à necessidade e grau de informação do risco de insolvência da entidade emitente bem como do risco de incumprimento da obrigação de reembolso, por oposição à menção de “capital garantido”.</font></i>
</p><p><i><font>5) Varia, igualmente, e diríamos de forma inaudita, a interpretação e consequências jurídicas do anúncio do produto de “capital garantido”, ali vendo algumas decisões uma verdadeira fiança ou assunção de dívida – como parece ser o caso da decisão recorrida, ao passo que outras veem na mesma exacta expressão apenas uma afirmação de segurança do investimento num contexto de pressuposta segurança por parte de todo o contexto social e financeiro no momento em que é feita a aplicação, ou por fim, quem veja – como é na realidade, uma mera característica da própria emissão, em que o valor de reembolso é necessariamente igual ao valor nominal do título.</font></i>
</p><p><i><font>6) Estes concretos temas e questões, além de relevantes na discussão da pura dogmática jurídica, são hoje, na ressaca da chamada “crise das dívidas”, uma das pedras de toque de todo o sistema financeiro, por um lado, e judicial por outro, em face do volume de contencioso pendente em todos os Tribunais perante o não reembolso de inúmeras emissões de vários instrumentos de dívida.</font></i>
</p><p><i><font>Além disso,</font></i>
</p><p><i><font>7) O volume do contencioso exactamente com este objecto, com a definição e delimitação do dever de informação na comercialização de instrumentos financeiros em momento anterior a Dezembro de 2007, é hoje considerável e com um grande impacto na economia e na sociedade portuguesa em geral, até pela repetição de situações análogas em várias instituições bancárias, por corresponder a uma actividade corrente antes da chamada crise das dívidas.</font></i>
</p><p><i><font>8) Não podemos senão concluir pela admissibilidade do presente recurso de revista, nos citados termos do disposto no art.º 672.º n.º 1 als. a) e b) do Código de Processo Civil.</font></i>
</p><p><i><font>Acresce que...</font></i>
</p><p><i><font>9) Não havendo declaração negocial, bem ou mal emitida, não pode haver obrigação jurídica – seja ela qualquer for - de fonte contratual, pelo que não pode, em qualquer circunstância, entender-se que o Banco assumiu uma obrigação de reembolso ou que a afiançou!</font></i>
</p><p><i><font>10) Ao entender esta expressão como tendo valor negocial, o tribunal a quo violou o disposto no art.º 236 º do Código Civil.</font></i>
</p><p><i><font>11) A menção à expressão capital garantido não tem por si só a virtualidade de atribuir qualquer senso desaparecimento de todo o risco de qualquer tipo de aplicação... A este propósito, de resto, e quase esvaziando tudo o que pudéssemos alegar, é eloquente o parecer adiante junto do PROF. PINTO MONTEIRO, onde se chega a esta mesma conclusão!</font></i>
</p><p><i><font>12) A expressão capital garantido mais não é do que a descrição de uma característica técnica do produto – corresponde à garantia de que o valor de reembolso, no vencimento, é feito pelo valor nominal do título e correspondente ao respectivo valor de subscrição! Ou seja, o valor do capital investido é garantido!</font></i>
</p><p><i><font>13) Veja-se a este propósito o Plano de Formação Financeira em site do Conselho de Supervisores Portugueses – </font></i><i><font>www.todoscontam.pt!</font></i>
</p><p><i><font>14) Vale isto por dizer que, ainda que se entenda que esta expressão mereceria uma densificação ou explicação aos clientes, a fim de evitar qualquer confusão, o certo é que, transmitindo uma característica técnica, não se poderá firmar que o banco, ou os seus colaboradores agiram com culpa, e muito menos grave!</font></i>
</p><p><i><font>15) insistimos no facto de esta menção, ainda que interpretada por um “leigo” apenas deveria permitir concluir pela segurança atribuída ao instrumento financeiro em causa! E não a qualquer tipo de garantia absoluta de cumprimento da entidade emitente.</font></i>
</p><p><i><font>16) E o certo é que as Obrigações eram então, como são ainda de uma forma geral, um produto conservador, com um risco normalmente reduzido, indexado à solidez financeira da sociedade emitente. Ao que acrescia, no caso concreto, e em abono desta sociedade emitente pertencer ao mesmo Grupo que o Banco Réu - mais, de ser a sua sociedade totalmente dominante!</font></i>
</p><p><i><font>17) Tanto mais que o risco de um DP no Banco seria, então, semelhante a uma tal subscrição de Obrigações SLN, porque sendo a SLN dona do Banco a 100%, o risco da SLN estava indexado ao risco do próprio Banco.</font></i>
</p><p><i><font>De resto,</font></i>
</p><p><i><font>18) O dever de informação quanto aos “riscos do tipo de instrumento financeiro” surge perfeitamente densificado quanto ao seu cumprimento, não deixando o legislador uma cláusula aberta que permita margem para dúvida quanto ao alcance do seu dever.</font></i>
</p><p><i><font>19) De facto, se é verdade que a informação tem que ser completa, verdadeira, actual, clara, objectiva e lícita (art. 7º CdVM), não é menos verdade que o cumprimento desse dever de transmissão da informação não se compadece com qualquer conceptologia idílica e de delimitação difusa quanto ao seu inadimplemento.</font></i>
</p><p><i><font>20) E desde logo, não se compadece com ideias simplistas como as de mera reprodução de prospectos dos produtos, principalmente antes da transposição da chamada DMIF, em que a complexidade técnica da documentação de cada instrumento financeiro era enorme. Até porque que defenda que deveria o intermediário financeiro transmitir a informação das primeiras páginas do prospecto não pode deixar de defender que a mesma diligência deveria ser obrigatória quanto ao restante conteúdo do mesmo documento!</font></i>
</p><p><i><font>21) A informação deve ser prestada não apenas de forma exaustiva, mas essencialmente de uma forma acessível, sendo que a mera reprodução do prospecto, como pretende a decisão recorrida, seria certamente tudo menos acessível.</font></i>
</p><p><i><font>22) A adequação da informação começa exactamente por afastar o cumprimento meramente formal do dito dever de informação, antes visando uma efectiva informação.</font></i>
</p><p><i><font>23) O CdVM estabelece objectiva e precisamente qual a informação que tem de ser prestada quanto a cada um dos contratos de intermediação financeira e até – em alguns casos –, quanto aos instrumentos financeiros objecto dessa intermediação.</font></i>
</p><p><i><font>24) E, quanto ao risco, há aqui que chamar à colação o art. 312º nº 1 alínea e) do CdVM, que obriga então o intermediário financeiro a informar o investidor sobre os “riscos especiais envolvidos nas operações a realizar”. Ora, tal redacção refere-se necessariamente ao negócio de intermediação financeira enquanto negócio de cobertura que, depois, proporcionará negócios de execução. E a verdade é que tal menção não pode nunca equivaler ao dever de informação sobre o instrumento financeiro em si (como, aliás, na redacção aplicável ao caso).</font></i>
</p><p><i><font>25) Neste sentido apontam não só o elemento histórico decorrente da redacção anterior da lei, como também o elemento sistemático já abordado, como até o seu próprio elemento literal.</font></i>
</p><p><i><font>26) Mas, o que é certo é que, o legislador não deixou nada ao acaso e logo no número seguinte, afirmou claramente o que se devia entender por risco do tipo do instrumento financeiro em causa.</font></i>
</p><p><i><font>27) Assim é que nas quatro alíneas do nº 2 do art. 312º-E obriga a que a descrição dos riscos do tipo do instrumento em causa incluam:</font></i>
</p><p><i><font>a. a) Os riscos associados ao instrumento financeiro, incluindo uma explicação do impacto do efeito de alavancagem e do risco de perda da totalidade do investimento;</font></i>
</p><p><i><font>b. b) A volatilidade do preço do instrumento financeiro e as eventuais limitações existentes no mercado em que o mesmo é negociado;</font></i>
</p><p><i><font>c. c) O facto de o investidor poder assumir, em resultado de operações sobre o instrumento financeiro, compromissos financeiros e outras obrigações adicionais, além do custo de aquisição do mesmo;</font></i>
</p><p><i><font>d. d) Quaisquer requisitos em matéria de margens ou obrigações análogas, aplicáveis aos instrumentos financeiros desse tipo.</font></i>
</p><p><i><font>28) São ESTES e APENAS ESTES os riscos do tipo do instrumento financeiro sobre os quais o Intermediário Financeiro tem que prestar informação!</font></i>
</p><p><i><font>29) A alusão que a lei faz quanto ao risco de perda da totalidade do investimento está afirmada em função das características do investimento. Trata-se, portanto, de um risco que tem que ser endógeno e próprio do instrumento financeiro e não motivado por qualquer factor extrínseco ao mesmo.</font></i>
</p><p><i><font>30) O investimento em Obrigações, não é sujeito a qualquer volatilidade, sendo o retorno do investimento certo no final do prazo, por reembolso do capital investido ao valor nominal do título (de “capital garantido”), acrescido da respectiva rentabilidade.</font></i>
</p><p><i><font>31) Logo, não há necessidade de que a advertência do risco de perda da totalidade do investimento seja feita, porque a mesma não é aplicável ao caso!</font></i>
</p><p><i><font>32) Recordemos que qualquer contrato, seja qual for a sua natureza, apenas um de dois destinos: o cumprimento ou incumprimento! Ou seja, é de uma ingenuidade atroz pensar-se que alguém toma a prestação de qualquer contrato como certa, e não apenas como mais ou menos segura!</font></i>
</p><p><i><font>33) Por isso, a informação acerca do risco da perda do investimento tem que ser dada em função dos riscos próprios do tipo de instrumento financeiro, o que deve ser feito SE E SÓ SE tais riscos de facto existirem!</font></i>
</p><p><i><font>34) Não se pode confundir a advertência sobre o risco de perda do investimento com a análise de qualquer qualidade e robustez (ou falta dela) do emitente do título!</font></i>
</p><p><i><font>35) Não cometeu o R. qualquer acto ilícito!</font></i>
</p><p><i><font>36) A decisão recorrida violou por errónea interpretação ou aplicação o disposto no art.º 312 do CdVM (na redacção aplicável), e os art.ºs 74 e 75 do RGCISF.</font></i>
</p><p><i><font>Termos em que se conclui pela procedência do presente recurso, e por via dele, pela revogação da decisão recorrida e sua substituição por outra que absolva o Réu do pedido, assim fazendo V. Exas. JUSTIÇA!</font></i><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><b><font>10.</font></b><font> Foram apresentadas contra-alegações.</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font>Cumpre analisar e decidir</font><br>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font>II. Fundamentação</font></b>
</p><p><b><font>De Facto</font></b>
</p><p><b><font>11.</font></b><font> Das instâncias vieram provados os seguintes factos:</font>
</p><p><font>1. O autor era cliente da ré, na sua agência da ..., onde era titular da conta à ordem nº ...01, através da qual movimentava parte dos dinheiros, realizava pagamentos e efetuava poupanças (A).</font>
</p><p><font>2. O autor subscreveu o documento de fls. 32, no qual solicita a subscrição de €50.000,00 de Obrigações SLN 2006 (B).</font>
</p><p><font>3. Este montante foi-lhe debitado na conta à ordem nº ...01 na agência da ré da ... (C).</font>
</p><p><font>4. O autor recebeu juros da aplicação referida em 2 dos factos provados até novembro de 2015, e a partir daí, não recebeu mais juros, nem recebeu o próprio capital (D).</font>
</p><p><font>5. Aquando da assinatura do documento de fls. 32 (20/04/2006), não foi entregue ou disponibilizada e explicada ao autor a nota informativa de fls. 33/65.</font>
</p><p><font>6. Quando, a 20 de abril de 2006, o autor pretendeu fazer uma aplicação remunerada de algum capital, o gerente do banco réu da agência da ... disse-lhe que tinha uma aplicação em tudo igual a um depósito a prazo, com o capital garantido pelo BPN e com rentabilidade assegurada.</font>
</p><p><font>7. Apesar de o autor não ser pessoa que frequentava a agência, o dito funcionário do banco réu apercebeu-se que ele não possuía qualificações ou formação técnica que lhe permitisse conhecer os diversos produtos financeiros e avaliar, por isso, os riscos de cada um deles, a não ser que lhos explicassem devidamente.</font>
</p><p><font>8. O gerente do banco réu não informou o autor de que os €50.000,00 iam ser investidos em Obrigações Subordinadas SLN 2006, sociedade com identidade distinta do banco réu, qual a ligação direta entre o banco e essa sociedade e o que distinguia obrigações subordinadas das não subordinadas.</font>
</p><p><font>9. O autor atuou convicto de que estava a colocar o seu dinheiro numa aplicação segura e com as caraterísticas de um depósito a prazo e que o Banco era garante do retorno do capital e do pagamento dos juros.</font>
</p><p><font>10. Se se tivesse apercebido de estar a dar ordem de compra de obrigações SLN Subordinadas 2006 e que o capital não era garantido pelo banco réu, não o autorizaria.</font>
</p><p><font>11. As Obrigações Subordinadas SLN 2006 eram, à data da subscrição, produto de risco.</font>
</p><p><font>12. Quando o banco réu o informou de que a responsabilidade pelo pagamento do capital investido era da SLN, entidade distinta do banco, o autor ficou alarmado.</font>
</p><p><font>13. O autor não foi informado pelo gerente da ré, o que eram Obrigações Subordinadas SLN 2006.</font>
</p><p><font>14. Nunca nenhum contrato foi lido ou explicado ao autor, nem lhe foi entregue cópia que contivesse cláusulas sobre Obrigações Subordinadas SLN 2006, nem que contivesse prazos de resolução unilateral pelo autor.</font>
</p><p><font>15. A rentabilidade dos títulos SLN 2006 era de 4,5% no 1º semestre; Euribor a 6 meses + 1,15% nos 9 cupões seguintes; Euribor a 6 meses + 1,50% nos restantes semestres.</font>
</p><p><font>16. O autor foi recebendo em casa, desde a data da operação, um extrato periódico, onde lhe apareciam essas Obrigações como integrando a sua carteira de títulos.</font><br>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font>12.</font></b><font> Das instâncias vieram não provados os seguintes factos:</font>
</p><p><font>a) O funcionário do Banco sabia que o autor tinha perfil conservador no que respeitava ao investimento do seu dinheiro e que, até essa data, sempre o aplicara em depósitos a prazo;</font>
</p><p><font>b) Qual o grau de risco das Obrigações Subordinadas SLN 2006;</font>
</p><p><font>c) O gerente da ré tinha conhecimento desse risco;</font>
</p><p><font>d) O autor passou a viver num permanente estado de ansiedade e preocupação, com receio de não reaver o seu dinheiro, tristeza, e com dificuldades financeiras;</font>
</p><p><font>e) O autor pensava que SLN era uma denominação de conta a prazo que a ré utilizava para a individualizar;</font>
</p><p><font>f) Nunca conheceu o autor qualquer documento demonstrativo de que possuía obrigações SLN, não lhe tendo sido entregue documento correspondente;</font>
</p><p><font>g) Os juros acordados foram de 4,55 ao ano, ilíquidos; h) as obrigações SLN 2006 eram, à data da subscrição, um produto com risco muito reduzido em resultado de a sociedade emitente ter solidez financeira e ser a “mãe” do BPN, o qual era um dos principais ativos do seu património;</font>
</p><p><font>i) Não era previsível, então, que, em 2008, viria a acontecer uma nacionalização parcelar do grupo que veio a dividir o mesmo entre parte financeira e não financeira;</font>
</p><p><font>j) Nem o gerente do banco réu que atendeu o autor ou qualquer outro funcionário da agência transmitiu ao autor ou a qualquer cliente que o próprio Banco garantia o pagamento do capital e dos juros do produto SLN 2006;</font>
</p><p><font>k) Antes lhe apresentou o produto como sendo a obrigação de entrega do capital e dos juros da exclusiva responsabilidade da entidade emitente e não do Banco, entidade colocadora das obrigações;</font>
</p><p><font>l) No mês seguinte ao da operação, o autor recebeu, por correio, em casa, um aviso de débito correspondente à subscrição efetuada;</font>
</p><p><font>m) O autor sempre foi pessoa informada, consciente, cuidadosa e preocupada com o investimento do seu património;</font>
</p><p><font>n) Em abril de 2006, o autor foi informado de que: 1º – As obrigações eram emitidas pela sociedade que detinha o banco réu – a SLN –Sociedade Lusa de Negócios, SGPS, S.A.; 2º –o reembolso antecipado da emissão só seria possível por iniciativa da SLN, a partir do 5º ano, e sujeito a acordo prévio do Banco de Portugal; 3º –a única forma de o investidor liquidar este produto de forma unilateral seria a transmissão das obrigações a terceiro interessado;</font>
</p><p><font>o) Os títulos SLN 2006 eram de grande procura, dada a sua rentabilidade.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font>De Direito</font></b>
</p><p><b><font>13. </font></b><font>O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões do Recurso, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso e devendo limitar-se a conhecer das questões e não das razões ou fundamentos que àquelas subjazam, conforme previsto no direito adjetivo civil - arts. 635º n.º 4 e 639º n.º 1, </font><i><font>ex vi</font></i><font>, art.º 679º, todos do Código de Processo Civil.</font>
</p><p><font>Das conclusões do recurso resultam estarem em causa os pressupostos do dever de indemnizar – ilicitude, culpa, nexo de causalidade.</font>
</p><p><b><font> </font></b>
</p><p><b><font>14.</font></b><font> Como diz o recorrente, o acórdão recorrido decidiu condenar o Banco-Recorrente no pagamento </font><i><font>quantia de €50.000,00, acrescidos de juros remuneratórios à taxa anual de 1%, a partir de Novembro de 2015 e até integral pagamento e de €1.000,00, a título de danos não patrimoniais</font></i><font>, o que veio justificado com a responsabilidade civil do Banco-R., nomeadamente a título de intermediário financeiro, e concretamente por violação dos deveres de informação a que estaria adstrito nessa qualidade perante os Autores.</font><br>
</p><p><font>Contestando a decisão, o recorrido entende que acórdão da Relação violou e fez errada aplicação interpretação do disposto nos arts. </font><i><font>art.º 312 do CdVM (na redacção aplicável), e os art.ºs 74 e 75 do RGCISF</font></i><font>.</font><br>
</p><p><b><font> </font></b><br>
</p><p><b><font>14.1.</font></b><font> A) Quanto aos requisitos dessa responsabilidade civil, diz o recorrente que não houve </font><b><font>ilicitude,</font></b><font> porque não houve violação do dever de informar, em particular, no que se reporta ao risco associado à subscrição das obrigações subordinadas, pois na sua visão a única informação que era devida foi prestada e reportava-se ao cumprimento da obrigação de reembolso pelo emitente do respectivo produto financeiro.</font><br>
</p><p><font>Não haveria </font><b><font>outros riscos associados</font></b><font> que o intermediário financeiro devesse ter prestado, em especial:</font>
</p><p><font>a) não sendo um instrumento sujeito a negociação em mercado regulamentado, não estaria sujeito à volatilidade dos mercados ou a diferenças de cotação resultantes do valor das diferentes ordens para aquisição e venda dos títulos;</font>
</p><p><font>b) não havia qualquer tipo de risco de liquidez, porquanto a procura superava em muito a oferta destes produtos, à data;</font>
</p><p><font>c) à data já haveria outras duas emissões do próprio Banco, e em todas elas a procura superou, por muito a oferta – o que se manteve sempre mesmo depois do período de subscrição no chamado </font><i><font>mercado de balcão.</font></i><br>
</p><p><font>Apenas haveria um risco equivalente ao de um DP, porque:</font>
</p><p><font>i) A SLN era titular de 100% do capital social do Banco-R., exercendo, por isso o domínio total sobre este.</font>
</p><p><font>ii) Ora, o risco associado ao reembolso das Obrigações correspondia, então ao risco de solvabilidade da SLN.</font>
</p><p><font>iii) E sendo esta totalmente dominante do Banco-R., então este risco de solvência, corresponderia, grosso modo, ao risco de solvabilidade do próprio Banco!</font>
</p><p><font>iv)a segurança da subscrição de Obrigações emitidas pela SLN seria correspondente à segurança de um Depósito a Prazo no BPN</font>
</p><p><font>v) o risco BPN ou risco SLN, da perspetiva da insolvência era também equivalente!</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font>No seu entender a menção à referência de “o </font><b><font>produto ter capital garantido”</font></b><font> estava também correcta e sem que pudesse ser assacada à Ré qualquer violação do dever de informar, informação errónea ou omissa, porquanto:</font>
</p><p><font>a) A menção à expressão capital garantido não tem por si só a virtualidade de atribuir qualquer desaparecimento de todo o risco de qualquer tipo de aplicação</font>
</p><p><font>b) A expressão </font><i><font>capital garantido </font></i><font>mais não é do que a descrição de uma característica técnica do produto – corresponde à garantia de que o valor de reembolso, no vencimento, é feito pelo valor nominal do título e correspondente ao respetivo valor de subscrição! Ou seja, o valor do capital investido é garantido!</font>
</p><p><font>c) daqui não resulta, de todo, qualquer tipo de equivalência a uma garantia de reembolso do capital!</font>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><b><font>14.2.</font></b><font> B) Quanto aos requisitos dessa responsabilidade civil, diz o recorrente que não houve </font><b><font>culpa</font></b><br>
</p><p><font>Apesar de se defender nos termos expostos, procurando excluir a ilicitude na prestação da informação, a recorrente parece assumir que poderia ter esclarecido melhor o cliente do sentido de “capital garantido”, quando diz:</font>
</p><p><font>“</font><i><font>Vale isto por dizer que, ainda que se entenda que esta expressão mereceria uma densificação ou explicação aos clientes, a fim de evitar qualquer confusão, o certo é que, transmitindo uma característica técnica, não se poderá afirmar que o banco, ou os seus colaboradores agiram com culpa, e muito menos grave!</font></i>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font>Embora a recorrente assuma a possível falta de clareza – como se disse – da mesma não retira como consequência a violação culposa dos seus deveres com efeitos na responsabilização civil, afirmando que a actuação do banco e dos seus funcionários não teria sido culposa – “</font><i><font>O Banco limitou-se a informar esta característica do produto, não sendo suas obrigações assegurar-se de que o cliente compreendeu a afirmação!”</font></i><font> </font>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><b><font>14.3.</font></b><font> C) Quanto aos requisitos dessa responsabilidade civil, diz o recorrente que não ficou demonstrada a existência de </font><b><font>nexo de causalidade entre a falta de informação e dano.</font></b><br>
</p><p><i><font> </font></i><br>
</p><p><b><font>15.</font></b><i><font> </font></i><font>A posição do Tribunal recorrido foi a seguinte:</font>
</p><p><i><font>“</font></i><b><i><font>Omissão do dever de informação</font></i></b><i><font> pelo BPN, aquando da subscrição das Obrigações Subordinadas SLN 2006 pelo autor, dos potenciais riscos que este corria ao subscrevê-las.</font></i>
</p><p><i><font>Os bancos têm uma especial obrigação de informação nas relações com os clientes particulares que, na grande maioria dos casos são pouco informados.</font></i>
</p><p><i><font>Podem ser intermediários financeiros nos termos do artigo 293º, nº 1, alínea a), do CVM, mas, neste caso, têm de prestar todas as informações necessárias para o cliente tomar uma decisão esclarecida e fundamentada. cfr. artigos 312º, 312º-A e 312º-B do CVM. O legislador teve «a preocupação de fazer assentar cada vez mais a atuação das instituições de crédito e outras empresas financeiras em princípios de ética profissional e regras que protejam de forma eficaz a posição do consumidor de serviços financeiros». Preâmbulo do RGICSF Em face da competência profissional do banco, diz Menezes Leitão que «a simples prestação de informações envolve uma garantia de exatidão da informação prestada». Informação Bancária e Responsabilidade, pág. 236.</font></i>
</p><p><i><font>O dever de informação no âmbito da relação bancária que, normalmente é duradoura, é tanto mais exigente quanto menos informado for o cliente. Resultou provado que, a 20 de abril de 2006, o gerente da agência da ... do BPN disse ao autor que tinha uma aplicação em tudo igual a um depósito a prazo, com o capital garantido por aquele banco e com rentabilidade assegurada; o dito funcionário do BPN apercebeu-se de que o autor não possuía qualificações ou formação técnica que lhe permitisse conhecer os diversos produtos financeiros e avaliar, por isso, os riscos de cada um deles, a não ser que lhos explicassem devidamente; o gerente do BPN não informou o autor dequeos €50.000,00iamser investidos em Obrigações Subordinadas SLN 2006, sociedade com identidade distinta daquele, qual a ligação direta entre o banco e essa sociedade e o que distinguia obrigações subordinadas das não subordinadas; o autor atuou convicto de que estava a colocar o seu dinheiro numa aplicação segura e com as características de um depósito a prazo e que o banco era garante do retorno do capital e do pagamento dos juros; se se tivesse apercebido de estar a dar ordem de compra de obrigações SLN Subordinadas 2006 e que o capital não era garantido pelo banco, não o autorizaria; as Obrigações Subordinadas SLN 2006 eram, à data da sub | [0 0 0 ... 0 1 0] |
7zJou4YBgYBz1XKvDALD | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><font> </font><div><br>
<b><font>Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça </font></b></div><br>
<br>
<b><font> </font></b><br>
<p><b><font>I. Relatório</font></b><br>
</p><p><b><font>1. AA, </font></b><font>Executado na acção executiva para pagamento de quantia certa intentada por </font><b><font>BB</font></b><font>, de que os presentes autos constituem o apenso B, veio, em 21-09-2020, </font><b><font>reclamar contra o despacho </font></b><font>do Tribunal Judicial da Comarca …. – Juízo de Execução ….. – Juiz ….. que foi proferido, no apenso A (de embargos de executado), em 16-09-2020, no qual se disse:</font><br>
</p><p><font>“</font><i><font>Referência n.º …. (09/03/2020):</font></i><br>
</p><p><i><font>O embargante, notificado para o efeito, não procedeu ao pagamento da taxa de justiça e multa previstos no artigo 642.º, n.º 1, do CPC, o que importa o desentranhamento das alegações de recurso (n.º 2 do citado preceito legal). Pelo exposto, desentranhe e devolva.”</font></i><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><b><font>2.</font></b><font> No Tribunal da Relação foi proferido despacho em 12-01-2021, que rejeitou a reclamação apresentada. </font><br>
</p><p><font>O Executado-Reclamante veio então a 14-01-2021, com Ref.ª Citius …, impugnar a decisão da Relatora, nos termos do art. 652.º, n.º 3, aplicável </font><i><font>ex vi </font></i><font>do art. 643.º, n.º 4, ambos do CPC, requerendo que sobre a matéria do mesmo recaísse acórdão.</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><b><font>3.</font></b><font> Por acórdão o TR…. confirmou a decisão singular da relatora, estabelecendo-se:</font><br>
</p><p><b><font>“</font></b><i><font>Pelo exposto, acorda-se em indeferir a reclamação ora em apreço, mantendo-se a decisão da Relatora de 12-01-2021 que rejeitou a reclamação apresentada contra o despacho do Juízo de Execução de … proferido em 16-09-2020.”</font></i><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><b><font>4.</font></b><font> </font><b><font>AA</font></b><font> veio, então, apresentar recurso de revista excepcional do acórdão do TR…., invocando o art.º 672.º do CPC.</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><b><font>5.</font></b><font> No recurso de revista excepcional apresenta as seguintes conclusões (transcrição):</font><br>
</p><p><font>1. Está em causa questão de relevância jurídica que é essencial e que consiste no direito de acesso à justiça, consagrado na CRP, TENDO SIDO VIOLADOS OS PRECEITOS DOS ARTºS 20 E 13 DA CRP, pela interpretação inconstitucional dada aos preceitos dos artrºs 641, 642 e 643, quando exigem CONCLUSOES na reclamação para o Presidente do TR…. o que a lei nem implícita nem explicitamente prevê ou exige.</font><br>
</p><p><font>2. Está em causa matéria de particular relevância social, já que MAIS de 80% dos portugueses não tem capacidade para pagar as custas dos processos, tendo sido violado o disposto no artº 13º quando INTERPRETA o nº 3 do artº 642 como exigindo concessão do AJ ou preparo e na verdade a lei apenas manda aguardar e bem a decisão da SS o que agora foi proferido. </font><br>
</p><p><font>3. Existe contradição de acórdãos já que o próprio citado contradiz o que aqui é recorrido, pois que o que ali é citado é contextualmente e no plano da lei inaplicável aos presentes autos e à matéria controvertida.</font><br>
</p><p><font>4. Havia pedido de AJ como reconhece o tribunal a quo; alias SÓ NESTA data é conhecida a decisão da SS que se junta, o que PROVA que havia pedido e que a decisão da primeira instância VIOLA a lei de processo e a CRP.</font><br>
</p><p><font>5. Estão violados os preceitos dos artºs 641, 642 e 643 do CPC e deve ser declara inconstitucional por violação dos arº 13 e 20 da CRP a interpretação dos ditos preceitos que exige AJ que a SS ainda não decidiu e que exige Conclusões para a reclamação claramente não previsto na lei-artº643.</font><br>
</p><p><font>6. DIZER que não prova nada a existência do documento dirigido à segurança social e ordenar o desentranhamento das alegações É RECUSAR a subida das mesmas pondo fim ao processo, o que a lei não permite e viola a CRP tal interpretação dada aos artºs em questão-641, 642 e 643 do CPC.</font><br>
</p><p><font>7. E só o Presidente do TR…. podia/devia, ponderando a Síntese enviada DECIDIR ou não da SUBIDA das alegações retidas conforme artº 643 do CPC.</font><br>
</p><p><font>8. Pelo que é ilegal a RECUSA DEA SUBIDA DAS ALEGAÇÕES DE RECURSO, E VIOLA A CRP tal recusa, porque o documento existente não prova nada (?!?).</font><br>
</p><p><font>9. NORMAS VIOLADAS artºs 641, 642 e 643 do CPC; artº 230 e 13 da CRP.</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><b><font>6.</font></b><font> Recebidos os autos no STJ é imposto ao relator que verifique da admissibilidade do recurso – art.º 652.º, n.º 1, al. b) – devendo o tribunal ouvir as partes antes de decidir, nas situações a que se reporta o art.º 655.º do CPC.</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><b><font>7.</font></b><font> Foi assim proferido o despacho convite, a que respondeu o recorrente.</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><b><font>8.</font></b><font> Veio a ser proferido despacho no sentido de não admissão do recurso de revista, em termos já antecipáveis pelo convite à pronúncia do recorrente.</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><b><font>9.</font></b><font> O recorrente veio solicitar a intervenção da conferência, por não se conformar com a não admissão do recurso.</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font>Cumpre analisar e decidir</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font>II. Fundamentação</font></b>
</p><p><b><font>De facto</font></b>
</p><p><font>Relevam os elementos constantes do relatório e ainda os seguintes factos:</font><br>
</p><p><b><font>1. </font></b><font>Mediante requerimento executivo apresentado em 27-04-2016, BB intentou contra AA a acção executiva (que constitui o processo principal), exigindo o pagamento da quantia de 28.381,60 €, acrescida de juros de mora vencidos, no valor de 1.596,84 €, e vincendos, à taxa legal de 4%, desde 09-05-2012 até integral pagamento, com base em documento particular assinado pelo Executado, intitulado “Declaração de Dívida”. </font><br>
</p><p><b><font>2. </font></b><font>O Executado, em 10-10-2016, deduziu oposição à execução, por meio de embargos (apenso A, no qual tiveram lugar os demais actos processuais adiante indicados), invocando, em sua defesa, a falta de título executivo, o caso julgado, a prescrição e matéria de facto que qualifica de abuso de direito, requerendo ainda que o Exequente fosse condenado como litigante de má fé no pagamento de uma multa, de valor não inferior a 10.000,00 €, e de uma indemnização, de valor não inferior a 50.000,00 €. </font><br>
</p><p><b><font>3. </font></b><font>Com o requerimento inicial de embargos, juntou formulário de requerimento de proteção jurídica, incompleto - incluindo no tocante às modalidades de apoio judiciário pretendidas e à finalidade do pedido - e sem qualquer comprovativo da apresentação desse pedido no Instituto da Segurança Social, IP. </font><br>
</p><p><b><font>4. </font></b><font>Solicitou-se informação ao Instituto da Segurança Social, IP tendo sido respondido (cf. e-mail junto aos autos em 28-09-2017) que não constava nos registos informáticos nenhum requerimento de proteção jurídica no âmbito do processo identificado. </font><br>
</p><p><b><font>5. </font></b><font>Notificado nos termos do art. 570.º, n.º 3, do CPC e, depois, nos termos do art. 570.º, n.ºs 5 e 6, do CPC (cf. Notificações e guias elaboradas em 29-09-2017 e 26-10-2017, respetivamente), o Executado veio apresentar requerimento, em 27-10-2017, invocando a existência de erro por parte do Instituto da Segurança Social e juntando documentos relativos à concessão do apoio judiciário no âmbito de processo penal com o n.º 7553/16….. (que, de novo, juntou em requerimento apresentado em 24-06-2020). </font><br>
</p><p><b><font>6. </font></b><font>De novo se solicitou ao ISS, IP informação sobre a concessão do apoio judiciário, tendo sido remetida informação, mediante e-mail junto aos autos em 27-06-2018 e, depois, mediante e-mail junto aos autos em 05-07-2018, informando-se, no primeiro, ter sido localizado um requerimento de apoio judiciário enviado para uma caixa de correio (cujo endereço se indica) e, no segundo, ter sido indeferido esse requerimento. </font><br>
</p><p><b><font>7. </font></b><font>Determinou-se então que fosse cumprido o disposto no art. 570.º, n.º 3, do CPC, vindo a ser efetuado o pagamento pelo Executado da guia emitida para o efeito (cf. guia junta em 08-11-2018). </font><br>
</p><p><b><font>8. </font></b><font>Admitida liminarmente a oposição, foi apresentada Contestação pelo Exequente, em 08-12-2018, com a qual juntou comprovativo da apresentação no ISS, IP de requerimento de apoio judiciário.</font><br>
</p><p><b><font>9. </font></b><font>De seguida, realizou-se audiência prévia, na qual foi tentada, sem êxito, a conciliação das partes, tendo, após junções documentais, sido proferido despacho saneador e de identificação do objeto do litígio e enunciação dos temas da prova. </font><br>
</p><p><b><font>10. </font></b><font>Na sequência da junção aos autos do comprovativo da concessão do benefício do apoio judiciário ao </font><b><font>Exequente</font></b><font>, veio o Executado (porventura assumindo que lhe dizia respeito) apresentar requerimento, em 21-08-2019, em que, além do mais, afirma que </font><i><font>“Tem AJ logo não há lugar a preparos ou custas”. </font></i><br>
</p><p><b><font>11. Na mesma data, o Executado interpôs recurso do despacho saneador. </font></b><br>
</p><p><b><font>12. </font></b><font>Notificado nos termos do art. 642.º do CPC, não procedeu ao pagamento da taxa de justiça e multa, tendo sido proferido, em 29-10-2019, despacho que determinou o desentranhamento da respectiva alegação recursória. </font><br>
</p><p><b><font>13. </font></b><font>Após ter sido realizada a audiência final de julgamento, foi proferida, em 25-02-2020, </font><b><font>sentença </font></b><font>que julgou improcedente a oposição à execução deduzida, por meio de embargos, pelo Executado, aí Embargante, e, em consequência, determinou o prosseguimento da execução que corre termos nos autos principais; mais julgou </font><i><font>“improcedente o incidente de litigância de má fé processual deduzido pelo” </font></i><font>Executado/Embargante, condenando-o no pagamento das custas processuais, </font><i><font>“pelo decaimento total na acção e no incidente”. </font></i><br>
</p><p><b><font>14. </font></b><font>Em 03-03-2020, o Executado apresentou </font><b><font>requerimento de interposição de recurso, bem como a respetiva alegação (sem nenhum documento comprovativo da apresentação de novo requerimento de apoio judiciário)</font></b><font>, aquele com o seguinte teor: </font><br>
</p><p><i><font>“AA, A. nos autos supra identificados, notificado que foi da alias douta sentença e com ela se não conformando </font></i><br>
</p><p><i><font>Vem COM PEDIDO DE APOIO JUDICIÁRIO </font></i><br>
</p><p><i><font>Nesta data repetido Recorrer para o Venerando TR…. </font></i><br>
</p><p><i><font>Porque está em tempo e tem legitimidade </font></i><br>
</p><p><i><font>Ed </font></i><br>
</p><p><i><font>O advogado”, </font></i><br>
</p><p><b><font>15. </font></b><font>Em 09-03-2020, o Executado enviou via </font><i><font>Citius</font></i><font> (desacompanhados de qualquer requerimento) dois documentos, sendo o primeiro (que identificou no </font><i><font>Citius</font></i><font> como “alegações”) relativo ao pagamento nos CTT – Correios de Portugal, SA de vale postal tendo como destinatário a Conservatória do Registo Predial de …., e o segundo (que identificou no </font><i><font>Citius</font></i><font> como “comprovativo”) um mero talão de registo postal dirigido à “Segurança Social – …..”. </font><br>
</p><p><b><font>16. </font></b><font>Em 18-06-2020, a Secretaria do Tribunal notificou o Executado para proceder ao pagamento da taxa de justiça e multa nos termos do art. 642.º do CPC - conforme notificação e guia com as Referências </font><i><font>Citius</font></i><font> n.ºs …. e …, respetivamente, cujo teor se dá por reproduzido -, tendo, em 15-09-2020, sido verificada a falta de pagamento da mesma. </font><br>
</p><p><b><font>17. </font></b><font>Em 25-06-2020, o Executado veio juntar aos autos, via </font><i><font>Citius</font></i><font>, documento, que identificou como “requerimento probatório”, que consiste num requerimento dirigido ao </font><i><font>“Exmo Senhor Presidente da segurança Social ……” (sic</font></i><font>). </font><br>
</p><p><b><font>18. </font></b><font>Em 16-09-2020, foi proferido o </font><b><font>despacho da 1.ª instância (reclamado) </font></b><font>cujo teor é o seguinte: </font><br>
</p><p><i><font>“Referência n.º …. (09/03/2020): </font></i><br>
</p><p><i><font>O embargante, notificado para o efeito, não procedeu ao pagamento da taxa de justiça e multa previstos no artigo 642.º, n.º 1, do CPC, o que importa o desentranhamento das alegações de recurso (n.º 2 do citado preceito legal). </font></i><br>
</p><p><i><font>Pelo exposto, desentranhe e devolva. </font></i><br>
</p><p><i><font>Notifique.” </font></i><br>
</p><p><b><font>19. </font></b><font>Em 17-09-2020, o Executado apresentou requerimento com o seguinte teor: </font><br>
</p><p><i><font>“AA, Recorrente nos autos supra identificados </font></i><br>
</p><p><i><font>Notificado do alias douto despacho de Fls que ordena o desentranhamento do Recurso </font></i><br>
</p><p><i><font>Vem muito respeitosamente Expor e Requerer a V EXA o seguinte </font></i><br>
</p><p><i><font>1 ESTRANHA-SE O LAPSO do tribunal, pois que a guia não paga está JUNTA ao documento que prova o pedido de AJ. </font></i><br>
</p><p><i><font>2 Que não foi objeto AINDA de qualquer decisão, provavelmente por força do COVID. </font></i><br>
</p><p><i><font>3 O tribunal na posse deste elemento RECUSA receber o recurso?! Só pode ser lapso. </font></i><br>
</p><p><i><font>4 Termos em que e muito respeitosamente e com conhecimento ao CSM se requer que V EXA ordene a manutenção do recurso Ou ordene PEDIDO de informação à Segurança Social. </font></i><br>
</p><p><i><font>5 O recorrente não tem nenhuma razão para acreditar que está a ser perseguido pela justiça; O direito ao recurso e ao AJ está previsto na CRP. </font></i><br>
</p><p><i><font>EDE </font></i><br>
</p><p><i><font>O advogado” </font></i><br>
</p><p><b><font>20. </font></b><font>Em 21-09-2020, o Executado apresentou a </font><b><font>reclamação </font></b><font>(que deu origem ao presente apenso) que identificou no formulário do </font><i><font>Citius </font></i><font>como </font><i><font>“Articulado superveniente” </font></i><font>e cujo teor é o seguinte: </font><br>
</p><p><i><font>AA recorrente nos autos supra identificados </font></i><br>
</p><p><i><font>Notificado da aliás douta decisão que NÃO admite o recurso para o Venerando Tribunal da Relação …. </font></i><br>
</p><p><i><font>Vem RECLAMAR nos termos previstos no CPC para o Sr Presidente do TR…, com conhecimento a S/EXA a Sra PGR e MEDIA </font></i><br>
</p><p><i><font>Porque está em tempo e tem legitimidade </font></i><br>
</p><p><i><font>ED </font></i><br>
</p><p><i><font>O advogado </font></i><br>
</p><p><i><font>QUESTÃO PREVIA </font></i><br>
</p><p><i><font>Não seria a primeira vez que o tribunal a quo deixava passar o prazo da reclamação par nada dizendo a decisão transitar em julgado; estranhou-se o lapso mas nada disse o tribunal. </font></i><br>
</p><p><i><font>SENHOR PRESIDENTE do TR…… </font></i><br>
</p><p><i><font>1 Foi em tempo e no modo certo apresentado recurso da douta decisão embargada. </font></i><br>
</p><p><i><font>2 Foi pedido AJ e desse fato se comunicou comprova documental o tribunal a quo. </font></i><br>
</p><p><i><font>3 O tribunal DECIDIU IGNORAR estes documentos de pedido de AJ, emitiu guias; Estas não pagas porque não devidas dada a falta de decisão da Seg Social </font></i><br>
</p><p><i><font>4 O tribunal a quo decidiu NÃO aceitar o recurso. </font></i><br>
</p><p><i><font>5 Salvo o devido respeito se o tribunal estivesse atento aos direitos fundamentais SABERIA que não pode recusar um direito constitucional. </font></i><br>
</p><p><i><font>6 Mas para os tribunais O CIDADAO qua tale é verbo de encher; Compreender e RESPEITAR a CRP nem o PR sabe; Daí que esta importante INSTITUIÇAO cometa erros desta grandeza. </font></i><br>
</p><p><i><font>7 Termos em que e muito respeitosamente deve este RECURSO ser admitido e decidido. </font></i><br>
</p><p><i><font>8 No que VEXA fará como sempre JUSTIÇA </font></i><br>
</p><p><i><font>ED </font></i><br>
</p><p><i><font>O advogado” </font></i><br>
</p><p><b><font>21. Em 04-11-2020, foi proferido despacho com o seguinte teor: </font></b><br>
</p><p><i><font>“1. Referência n.º ….. (17/09/2020): </font></i><br>
</p><p><i><font>A invocada desconsideração dos documentos alegadamente comprovativos da formulação de pedido de apoio judiciário não configura lapso rectificável nos termos do artigo 614.º, n.º 1, do CPC, mas, quando muito, causa de reforma (artigo 616.º, n.º 2, alínea b), do CPC). </font></i><br>
</p><p><i><font>Sucede que só é admissível reforma das decisões irrecorríveis (artigo 616.º, n.º 2, a contrario, do CPC). </font></i><br>
</p><p><i><font>No caso, a decisão de rejeição do recurso é sindicável por via de reclamação - incidente que o recorrente, aliás, já deduziu - pelo que se impõe o indeferimento do requerido. </font></i><br>
</p><p><i><font>De todo o modo, sempre se dirá que os documentos juntos ao requerimento de interposição do recurso não comprovam que foi pedido apoio judiciário no âmbito deste processo e, mesmo que comprovassem, seriam manifestamente intempestivos (artigo 18.º, n.º 2, da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho), como o Tribunal já teve ocasião de referir nestes autos, por despacho de 29/10/2019 (referência n.º …..), perante situação em tudo idêntica à presente. </font></i><br>
</p><p><i><font>Pelo exposto, indefiro o requerido. </font></i><br>
</p><p><i><font>Custas do incidente pelo reclamante (artigo 7.º, n.º 4, do RCP) </font></i><br>
</p><p><i><font>2. Referência n.º ….. (21/09/2020): </font></i>
</p><p><i><font>Registe e autue em separado (artigo 643.º, n.º 3, do CPC).”</font></i><br>
</p><p><b><font>22.</font></b><font> A reclamação apresentada subiu ao TR… e aí foi conhecida, tendo a relatora a quem o processo foi distribuído proferido, em 12-01-2021, decisão que rejeitou a reclamação apresentada.</font><br>
</p><p><b><font>23.</font></b><i><font> </font></i><font>Não se conformando o reclamante apresentou pedido de reclamação para a conferência do TR…….</font><br>
</p><p><b><font>24. </font></b><font>No requerimento de reclamação para a conferência em apreço, o Executado-Reclamante alega que: </font><br>
</p><p><i><font>“DIZ bem a alias decisão aqui para a conferencia que “A secretaria notifica o interessado para, em dez dias, efetuar o preparo” </font></i><br>
</p><p><i><font>O que não foi feito. </font></i><br>
</p><p><i><font>“de todo o modo, sempre se dirá que os documentos juntos ao requerimento de interposição do recurso não comprovam que foi pedido A.J” </font></i><br>
</p><p><i><font>Nem o seu contrario </font></i><br>
</p><p><i><font>E a justiça é mais MUITO MAIS importante que um pequeno despacho a ordenar essa comprovação que não foi feita. </font></i><br>
</p><p><i><font>Mas apesar disso ESTA DECISAO SINGULAR nem conhece da reclamação DIZENDO que não existem CONCLUSOES no recurso?! </font></i><br>
</p><p><i><font>Pensamos ser lapso lamentável de analise. </font></i><br>
</p><p><i><font>Pelo que se junta de novo as alegações de Recurso e respetivas conclusões. </font></i><br>
</p><p><i><font>IMPLICANDO isso que esta decisão singular deve ser revogada e substituída por outra que conheça da Reclamação apresentada</font></i><font>.” </font><br>
</p><p><font>O Executado junta ainda, em anexo, que designa como “certificado”, o requerimento de interposição de recurso e respetiva alegação que havia apresentado em 03-03-2020.</font>
</p><p><b><font>25.</font></b><font> O TR…… confirmou o despacho da relatora de não admissão do recurso.</font><br>
</p><p><b><font> </font></b>
</p><p><b><font>De Direito</font></b><br>
</p><p><b><font>10.</font></b><font> No despacho convite e no despacho de não admissão do recurso – com os quais este colectivo está de acordo – disse-se (transcrição):</font>
</p><p><b><i><font>8.</font></i></b><i><font> A decisão de admissão do recurso de revista e o acesso a este recurso obedece a requisitos legais, dos quais o tribunal não se pode afastar.</font></i>
</p><p><i><font>Na situação do presente recurso, tal como se indicou no despacho convite, existem vários motivos pelos quais a lei veda o acesso ao recurso de revista, o que inviabiliza a análise da situação subjacente ao recurso interposto (falta de alçada; falta devida invocação e instrução da suposta contradição de acórdãos).</font></i>
</p><p><i><font>Na resposta do recorrente não existem dados adicionais ou complementares que permitam suprir as falhas e as existências das regras legais oportunamente apontadas, nem sequer quando o recorrente indica “A CONTRADIÇAO DE ACORDAOS existe e foi mencionado; O acórdão referido pelo acórdão do Venerando TR….. ele mesmo NEGA e contradiz esta decisão recorrida e ISSO foi alegado; O douto acórdão recorrido CITA um acórdão que é TOTALMENTE contrário à fundamentação da douta decisão recorrida.”</font></i>
</p><p><i><font> </font></i>
</p><p><b><i><font>9.</font></i></b><i><font> É assim de manter o que se disse no despacho convite, onde se afirmou (citação):</font></i>
</p><p><b><i><font>“G.</font></i></b><i><font> Do confronto da decisão da 1ª instância de 4/11/2020 e do acórdão recorrido decorre que ambos os tribunais consideraram não ser de admitir o recurso do saneador-sentença com base nas seguintes razões: não foi comprovado o pedido de apoio judiciário atempadamente relativo ao processo em causa, ainda que houvesse afirmação do recorrente de ter apoio judiciário, pelo que se impunha o desentranhar da alegação de apelação – 642.º, do CPC.</font></i>
</p><p><i><font>A decisão da 1ª instância e o acórdão recorrido não se subsumem ao n.º 1 e 3 do art.º 671.º do CPC, não sendo decisões que recaiam sobre o mérito da causa ou ponham termo ao processo (ainda que ponham termo ao recurso, o processo seguirá, como consta da decisão da 1ª instância).</font></i>
</p><p><i><font>Não são assim situações às quais se aplique o regime da revista excepcional, requerida pelo recorrente, as quais pressupõem dupla conformidade decisória naquele indicado sentido.</font></i>
</p><p><i><font>Existe aqui um motivo para não receber o recurso.</font></i>
</p><p><i><font>Não sendo passível de revista excepcional, por não ser possível a revista do n.º 1 do art.º 671.º, perguntar-se-á se será uma situação a alocar no âmbito do art.º 671.º, n.º 2 do CPC, que se reporta a decisões que recaiam sobre a relação processual. </font></i>
</p><p><i><font>E a resposta parece ser positiva.</font></i>
</p><p><i><font>No entanto, para que a revista pudesse ser admitida por esta via ter-se-ia de estar perante um caso em que a revista fosse possível – pela via do art.º 629.º, n.º 1 – que exige alçada e sucumbência – ou pelo art.º 629.º, n.º 2 – que (parece) dispensar a alçada para os casos aí previstos (todos ou apenas alguns).</font></i>
</p><p><i><font>O recorrente nunca alegou que se tratasse de alguma situação a subsumir no art.º 629.º, n.º 2, nem se consegue identificar a sua submissão a nenhuma das situações aí referidas pelo legislador.</font></i>
</p><p><i><font>Ainda que o recurso fosse subsumível no art.º 671.º, n.º 2, por convolação da revista excepcional em revista normal, além do já referido quanto ao 629.º, n.º 2 do CPC seria ainda pensável a submissão do requerimento à situação prevista na alínea b) do n.º 2 do art.º 671.º - existência de contradição entre o acórdão recorrido e outro acórdão do STJ, transitado em julgado, proferido no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito.</font></i>
</p><p><i><font>Contudo a situação colocada em hipótese enfrenta aqui o problema a que se reporta o despacho da Sra Desembargadora relatora ao mandar subir o recurso – não houve alegação de contradição de decisões nos termos da citada norma, nem junção de acórdão que fundamentasse a contradição, sequer por cópia simples ou versão electrónica.</font></i>
</p><p><i><font>Existe aqui motivo para não recebimento do recurso.”</font></i>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font>O reclamante não apresenta argumentos distintos dos já analisados, limitando-se a repetir a história subjacente à interposição da revista, como se bastasse existir um erro de julgamento para que os recursos fossem admissíveis e tivessem de ser recebidos.</font><br>
</p><p><font>Nas conclusões da revista alude ainda a suposta inconstitucionalidade, que indica consistir na violação do art.º 13.º da CRP, sem que a concretize, matéria que não pode ser abordada por este tribunal na situação específica em que o recurso não é admitido, e sem que contra esta situação se possa invocar omissão de pronúncia do tribunal, pois se o tribunal não admite o recurso não pode entrar na análise do mérito da decisão recorrida.</font><br>
</p><p><font>Não vem invocada inconstitucionalidade do despacho a que se reporta a presente conferência, fundada em qualquer violação normativa da constitucionalidade da interpretação realizada pelo tribunal das normas que impedem a admissão da revista.</font><br>
</p><p><font> </font>
</p><p><i><font> </font></i>
</p><p><b><font>III. Decisão</font></b>
</p><p><font>Pelos fundamentos indicados, confirma-se o despacho de não admissão do recurso de revista.</font><br>
</p><p><i><font> </font></i>
</p><p><font>Custas pelo reclamante, sem prejuízo do apoio judiciário.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Lisboa, 8 de Junho de 2021 </font><br>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Fátima Gomes, relatora que assina digitalmente</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Fernando Samões, que assina digitalmente</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Maria João Vaz Tomé,</font>
</p><p><font> </font><br>
</p></font><p><font><i><font>Nos termos do art. 15º-A do Decreto-Lei nº 10-A/2020, de 13 de Março, aditado pelo Decreto-Lei nº 20/2020, de 1 de Maio, declaro que o presente acórdão tem o voto de conformidade da Exma. Senhora Conselheira, Maria João Vaz Tomé, que também compõe este Colectivo.</font></i></font></p> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
rTJsu4YBgYBz1XKvCgVl | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><div><br>
<font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça </font></div><br>
<br>
<font> </font>
<p><b><font>I. Relatório</font></b>
</p><p>
</p><p><b><font>1. AA</font></b><font> deduziu (um primeiro) incidente de incumprimento do acordo de regulação do exercício das responsabilidades parentais, contra </font><b><font>BB</font></b><font>, relativo ao filho menor de ambos, </font><b><font>CC,</font></b><font> pedindo</font><b><font>:</font></b><br>
</p><p><font>- Se decida pelo incumprimento dos pontos 1, 3, 4, 6 e 7 da sentença de regulação das responsabilidades parentais e se ordene o respectivo cumprimento à requerida;</font><br>
</p><p><font>- Se condene a requerida em multa nos termos do artº 181º nº 1 da OTM, no valor de 1 249,50€ que reverterão a favor do menor, mas geridos pelo pai.</font><br>
</p><p><font>Alegou, inicialmente e em síntese, que a requerida vem violando, reiteradamente, os pontos 3, 4, 6 e 7 da sentença, impedindo que o menor esteja ou contacte com o pai, bem como vem tomando decisões relativamente à vida do menor sem ouvir o pai; concretamente, que no dia 24/05/2013 a requerida tomou a decisão de retirar o CC do colégio que este frequentava sem o informar, recusando-se a prestar informação de qual o estabelecimento de ensino que a partir de então passou a ser frequentado pela criança; e que o menor teve uma situação clínica complicada, tendo sido submetido a intervenção cirúrgica e internamento hospitalar entre 11/02/2013 e 18/02/2013, recusando-se a mãe a prestar informação ao pai.</font><br>
</p><p><font>Em 13/06/2013 o requerente apresentou novo requerimento no processo, afirmando que desconhece onde se encontra o menor, seu filho, tendo sinalizado a situação do menor na CPCJ.</font><br>
</p><p><font>No dia 11/07/2013, o requerente dirige novo requerimento aos autos comunicando que no dia 03/06/2013, ele a sua mãe, foram conduzidos sob detenção perante um Juiz, para primeiro interrogatório judicial, por alegados indícios da prática de factos que integram o crime de abuso sexual de crianças agravado, relativamente ao menor CC.</font><br>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font>2. </font></b><font>Notificada a requerida para se pronunciar apresentou alegações, a 04/11/2013, defendendo a improcedência do incidente de incumprimento, afirmando que participou criminalmente contra o requerente por violência doméstica, o que deu origem ao proc. N.º NUIPC.94/12……; a 19/05/2013, na sequência de uma visita do menor ao pai e avó paterna, suspeitou de abuso sexual sobre o menor, que a levou, a partir dessa data, a proteger o CC dos contactos com o pai e a escusar-se de dar informação sobre o menor ao pai, tendo deduzido queixa-crime; em 16/07/2013, o Tribunal …., no processo que corria termos como apenso B, decidiu atribuir à requerida o exercício exclusivo das responsabilidades parentais, suspendendo os direitos de participação em decisão, visita e contacto do requerente com o CC, o que veio legitimar a atitude da requerida; que a 24/102013 foi proferida acusação criminal contra o requerente e avó paterna; desde a data da sentença nos autos principais, a 15/02/2013 e até 19/05/2013, tudo fez para que o CC falasse diariamente com o pai; retirou o CC da escola, em finais de maio de 2013, sem consultar o requerente, por ter consumado as suspeitas de abuso sexual sobre o CC, sendo que o requerente teria acesso e contacto com o menor com a colaboração daquele colégio; por ocasião da intervenção cirúrgica do menor, a 11/02/2013, enviou ao requerente várias mensagens, respondendo às questões que o requerente lhe colocou sobre a situação clínica do CC; nas férias de Natal, o CC esteve com o requerente/pai de 29/12/2012 a 06/01/2013 e que nas férias de Páscoa o menor não esteve com o pai porquanto este queria levá-lo para a Ilha …., local que na opinião da Requerida não era adequado face à recente intervenção cirúrgica do menor e à inexistência de condições médicas para o socorrer naquela ilha. </font><br>
</p><p><b><font>3.</font></b><font> O Ministério Público (MP) emitiu parecer no sentido de não se verificar o alegado incumprimento, pois, alegando a mãe que o impedimento colocado aos contactos do menor com o pai, se devem ao facto de existirem indícios de prática de abusos sexuais por parte do pai e avó paterna, e tendo sido suspenso o direito de visitas, a 16/07/2013, por decisão proferida no apenso B, é entendimento do MP que a mãe agiu na convicção de que estava a proteger o superior interesse do filho. </font><br>
</p><p><b><font>4.</font></b><font> Cumprido o contraditório relativo ao parecer do MP, o requerente veio opor-se, alegando que o incumprimento se reporta também à violação do dever de informação e que a decisão que suspendeu o direito de visitas foi objecto de recurso, tendo sido alterada pelo Tribunal da Relação … que ordenou visitas supervisionadas, as quais nunca foram permitidas pela requerida, requerendo a ulterior tramitação dos autos, com a realização da audiência de julgamento. </font><br>
</p><p><b><font>5.</font></b><font> Por despacho de 16/06/2014, foi ordenada a suspensão destes autos até obtenção do resultado da avaliação psicológica ao menor, decidida no âmbito do apenso B, a qual tinha em vista aferir da relação do menor com o progenitor e da adequação da implementação de um regime de visitas com o mesmo, ainda que supervisionadas; e o resultado do recurso interposto do despacho de não pronúncia, relativo aos factos alegadamente praticados pelo progenitor e avó paterna na pessoa do menor, no âmbito do processo-crime que correu termos sob o n.º 3873/13 ... .</font><br>
</p><p><font>Junto o Acórdão da Relação ….., proferido a 24/01/2017, que confirmou o acórdão absolutório do progenitor e avó paterna e o relatório pericial do menor, ordenou-se o prosseguimento dos autos. </font><br>
</p><p><b><font>6.</font></b><font> O progenitor intentou novo incidente de incumprimento, a 05/06/2017, (apenso G) alegando que a requerida saiu do território nacional sem autorização do requerente e do Tribunal, requerendo:</font><br>
</p><p><font>- O reconhecimento judicial do incumprimento;</font><br>
</p><p><font>- As diligências que permitam a entrega da criança ao requerente e;</font><br>
</p><p><font>- A condenação da requerida em multa pelo limite previsto no artº 41º nº 1 da RGPTC e;</font><br>
</p><p><font>- Em indemnização não inferior a 5 000€ a atribuir em partes iguais ao requerente e ao menor.</font><br>
</p><p><font>Foi determinada a incorporação deste incidente nos presentes autos de incumprimento que se encontravam em curso e prosseguiram os autos com a designação de nova conferência de pais, agendada para 07/09/2017. </font><br>
</p><p><b><font>7.</font></b><font> O requerente peticiona a condenação da requerida em multa e indemnização em valor não inferior a €5.000,00, por má-fé processual.</font><br>
</p><p><font>Em resposta, a requerida peticiona a condenação do requerente em multa não inferior a €6.000,00 e igual montante de indemnização a favor da Requerida, por litigância de má-fé. </font><br>
</p><p><b><font>8.</font></b><font> Realizou-se nova conferência de pais, a 07/09/2017, à qual apenas comparecerem os advogados das partes, não tendo sido possível alcançar o acordo.</font><br>
</p><p><font>O MP teve vista nos autos e promoveu a notificação das partes para alegações, relativamente ao suscitado 2º incumprimento.</font><br>
</p><p><font>A requerida veio pronunciar-se afirmando que, à data em que saiu do país com o menor, detinha a guarda exclusiva do mesmo e o exercício exclusivo das responsabilidades parentais, estando ainda o progenitor inibido de ter quaisquer contactos com a criança por ordem do tribunal, concluindo pela inexistência de incumprimento. </font><br>
</p><p><b><font>9.</font></b><font> Realizou-se a audiência de julgamento.</font><br>
</p><p><font>Foi proferida sentença, com </font><u><font>o seguinte teor decisório</font></u><font>: </font><br>
</p><p><font>“</font><i><font>IV</font></i><font> </font><i><font>–</font></i><font> </font><i><font>Decisão</font></i><br>
</p><p><i><font>Pelos</font></i><font> </font><i><font>fundamentos</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>facto</font></i><font> </font><i><font>e</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>direito</font></i><font> </font><i><font>acima</font></i><font> </font><i><font>expostos,</font></i><font> </font><i><font>decide-se:</font></i><br>
</p><p><i><font>1.</font></i><font> </font><i><font>Julgar</font></i><font> </font><i><font>improcedentes,</font></i><font> </font><i><font>por</font></i><font> </font><i><font>não</font></i><font> </font><i><font>provados,</font></i><font> </font><i><font>os</font></i><font> </font><i><font>incidentes</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>incumprimento</font></i><font> </font><i><font>da</font></i><font> </font><i><font>sentença</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>regulação</font></i><font> </font><i><font>das</font></i><font> </font><i><font>responsabilidades</font></i><font> </font><i><font>parentais</font></i><font> </font><i><font>deduzidos</font></i><font> </font><i><font>pelo</font></i><font> </font><i><font>progenitor</font></i><font> </font><i><font>contra</font></i><font> </font><i><font>a</font></i><font> </font><i><font>progenitora,</font></i><font> </font><i><font>deles</font></i><font> </font><i><font>absolvendo</font></i><font> </font><i><font>a</font></i><font> </font><i><font>Requerida.</font></i><br>
</p><p><i><font>2.</font></i><font> </font><i><font>Julgar</font></i><font> </font><i><font>improcedente</font></i><font> </font><i><font>a</font></i><font> </font><i><font>litigância</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>má-fé</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>Requerente</font></i><font> </font><i><font>e</font></i><font> </font><i><font>Requerida.</font></i><font>” </font><br>
</p><p><b><font>10.</font></b><font> Inconformado, o requerente interpôs recurso de apelação, pugnando pela respectiva procedência e consequente revogação da sentença e condenação da requerida no incumprimento do regime das responsabilidades parentais e como litigante de má-fé. </font><br>
</p><p><b><font>11.</font></b><font> O Tribunal da Relação …. conheceu do recurso e decidiu:</font><br>
</p><p><i><font>“Em face do exposto, acordam na … Secção Cível do Tribunal da Relação ….., julgar o recurso parcialmente procedente e, em consequência, revogando em parte a sentença recorrida, reconhecem o incumprimento do regime de regulação das responsabilidades parentais, na vertente das visitas e, dos contactos diários telefónicos e/ou por meios electrónicos entre o menor e o pai e, condenam a requerida/recorrida no pagamento de uma multa correspondente a 15 (quinze) unidades de conta.</font></i><br>
</p><p><i><font>Custas: pelo recorrente e pela recorrida na proporção de metade para cada um.” </font></i><br>
</p><p><b><font>12.</font></b><font> Desse acórdão foi interposto recurso de revista, admitido no Tribunal recorrido, com efeito meramente devolutivo. </font><br>
</p><p><b><font>13.</font></b><font> Foram apresentadas as seguintes conclusões do recurso de revista (transcrição):</font><br>
</p><p><i><font>1. O presente recurso respeita apenas à parte do Acórdão (</font></i><b><i><font>ponto 3.3.1.2</font></i></b><i><font>) que considera que a ora recorrente incumpriu o regime das responsabilidades parentais e a condena no pagamento de uma multa correspondente a 15 unidades de conta.</font></i><br>
</p><p><i><font>2. O douto acórdão recorrido fez errada aplicação dos factos ao direito e errada interpretação do art.º artº 41º nº 1 do RGPTC pelo que, nos termos do art.º 674º n.º 1 al. a) do CPC deve ser revogado e mantida inalterada a decisão da 1ª instância.</font></i><br>
</p><p><i><font>3. Na verdade, o douto acórdão recorrido não teve em conta que as circunstâncias de vida da ora recorrente, do menor e mesmo do recorrido que existiam em 2017 e atualmente são radicalmente diferentes das que existiam quando as responsabilidades parentais foram definidas.</font></i><br>
</p><p><i><font>4. A recorrente e o menor vivem em … e o recorrido vive em …. quando, na altura em que as responsabilidades parentais foram definidas viviam, respetivamente, em … e nos …...</font></i><br>
</p><p><i><font>5. Não atendeu igualmente que devido a essas circunstâncias, nomeadamente a distância geográfica e a diferença de fusos horários, várias das cláusulas do regime deixaram de ser aplicáveis (cláusulas 4ª, 5ª e 6ª) e, relativamente às outras (cláusulas 3ª e 7ª), era impossível à recorrente cumprir o regime das responsabilidades parentais.</font></i><br>
</p><p><i><font>6. A cláusula 4ª era e é inaplicável porque apenas vigorava enquanto o menor não frequentasse o 1º ciclo do ensino básico e, quando o regime em causa foi resposto (17/03/2017) o menor já frequentava aquele nível de ensino.</font></i><br>
</p><p><i><font>7. A cláusula 5ª é igualmente inaplicável não só porque intimamente relacionado com o disposto na cláusula 4ª como também porque as viagens previstas no regime em análise são …….… e não …….….</font></i><br>
</p><p><i><font>8. A cláusula 6ª é também inaplicável e, mesmo que assim se não entenda seria impossível de cumprir, uma vez que a residência da mãe já não é em …., mas no …..</font></i><br>
</p><p><i><font>9. A cláusula 3ª era impossível de cumprir pelos motivos seguintes:</font></i><br>
</p><p><i><font>10. Em primeiro lugar a recorrente não saberia para onde mandar o menor porque a residência verdadeira do ora recorrido era dela desconhecida.</font></i><br>
</p><p><i><font>11. Em segundo lugar, o tempo despendido em viagens consumiria parte da semana prevista no regime referido. Para além, dos tempos de deslocação e de espera nos aeroportos existe uma diferença horária de 7, 8 ou 9 horas entre o … e, respetivamente …, … e os …..</font></i><br>
</p><p><i><font>12. Em terceiro lugar, em março de 2017 o menor CC tinha 8 anos de idade o que significa que nas primeiras férias de Natal em que esta cláusula se poderia aplicar o menor teria 9 anos de idade. O tribunal não quereria certamente que a recorrente enviasse o menor sozinho (mesmo que acompanhado por uma hospedeira) numa viagem de mais de 24 horas com várias escalas (dependo do lugar onde se situasse a residência do pai). É difícil conceber que uma tal decisão cumpra o dever de respeito pelos superiores interesses da criança. O regime das responsabilidades parentais é omisso quanto a quem custearia tais viagens na medida em que as viagens ali previstas são entre …. e os …...</font></i><br>
</p><p><i><font>13. Em quarto lugar, na altura e até muito recentemente estava em vigor uma proibição do menor sair de território nacional pedida pelo recorrido tal como é referido pelo douto acórdão recorrido. O que significa que se o menor fosse ter com o pai aos ….. ou mesmo a … não conseguiria retornar ao …, não só pela proibição existente como porque o objetivo do recorrido foi sempre retirar o menor CC à mãe.</font></i><br>
</p><p><i><font>14. Em quinto lugar, porque o douto acórdão recorrido não avaliou devidamente que o pai e o menor não se viam há quase 4 anos quando o regime das responsabilidades parentais foi reposto e não se veem, atualmente, há mais de 7 anos e que na altura em que não se viam há cerca de um ano foi aconselhado o estabelecimento de visitas supervisionadas por técnicos de psicologia. Nestas circunstâncias não pode ser exigível à mãe que proporcione encontros presenciais com o pai (que já vimos serem impossíveis dadas as distâncias geográficas existentes) sem avaliação prévia e acompanhamento do menor e do progenitor nem que enviasse o menor com 9 anos de idade, uma vez por ano para ter com um pai que sempre teve pouco contacto com o filho.</font></i><br>
</p><p><i><font>15. A cláusula 7ª também é de impossível ou muito difícil cumprimento não só porque entre …. e o …. existe uma diferença horária de 7 horas, ou seja, às oito horas da manhã de … são três horas da tarde no ….. A esta dificuldade acrescem os horários dos trabalhos da recorrente e do recorrido e o horário da escola do menor, horas de dormir etc. o que significa que, objetivamente, as comunicações não são fáceis, mas, verdade seja dita, também não são de todo impossíveis.</font></i><br>
</p><p><i><font>16. Acontece como se deixou demonstrado supra que o menor revelou ansiedade e relutância em falar com o pai e o recorrido insegurança no contacto com o menor.</font></i><br>
</p><p><i><font>17. Por outro lado, nestes anos todos, o recorrido não tentou, uma única vez, contactar seja de que forma for a recorrente para falar com o menor! O recorrido não teve tempo nem vontade para contactar o menor seja através de um telefonema, de um email, de uma anacrónica carta enviada pelo correio… nada.</font></i><br>
</p><p><i><font>18. Esta indiferença em contactar o menor é consistente com falta de interesse que ele sempre demonstrou durante a vida deste. O recorrido sempre teve pouco contacto com o menor, mesmo quando ainda viviam na mesma casa, porque viajava muito e, quando não viajava estava sempre muito ocupado aparentemente com os seus afazeres profissionais.</font></i><br>
</p><p><i><font>19. Ora perante as dificuldades de comunicação já referidas, esta indiferença do pai e relutância do menor não é exigível à mãe que seja proativa em promover os contactos entre ambos.</font></i><br>
</p><p><i><font>20. Sendo impossível cumprir a quase totalidade das cláusulas do regime das responsabilidades parentais dado que a situação de vida da recorrente e do recorrido se alterou substancialmente desde a data em que tal regime foi decidido, não pode haver incumprimento por parte da recorrente. A única cláusula que seria possível cumprir seria a 7ª e que é de cumprimento muito difícil senão impossível pelas razões já expostas supra.</font></i><br>
</p><p><i><font>21. Errou igualmente o douto acórdão recorrido porque não fundamentou, como estava obrigado, porque é que o incumprimento da mãe, a existir, deve ser considerado culposo fazendo, assim, errada aplicação dos factos ao direito e errada interpretação do art.º artº 41º nº 1 do RGPTC.</font></i><br>
</p><p><i><font>22. Não pode merecer censura o comportamento de uma mãe que perante a falta de demonstração de interesse do pai em contactar o filho e perante a resistência do filho em querer falar com o pai não é proativa em facilitar tais contactos. A recorrente agiu, como o fez sempre, na defesa do seu filho, na defesa dos superiores interesses da criança. E agiu bem face ao desinteresse do pai que, realce-se, é consistente com os comportamentos que sempre demonstrou relativamente ao filho.</font></i><br>
</p><p><i><font>23. Mesmo que assim se não entenda e sem conceder, também não existe consciência por parte da recorrente da ilicitude do seu comportamento.</font></i><br>
</p><p><i><font>24. A ora recorrente estava e está convencida de que o regime em causa é impossível de cumprir e, na parte, em que o poderia ser dado o total desinteresse do pai e resistência do menor, não lhe cabe a ela proporcionar esse tipo de contacto.</font></i><br>
</p><p><i><font>25. Para além do referido, era necessário que o douto acórdão recorrido tivesse fundamentado porque é que a a conduta que imputa à recorrente merece especial censura e, para o fazer, teria que analisar as circunstâncias em que o regime das responsabilidades parentais poderia ser cumprido e o que seria ou não exigível à ora recorrente. Nada disso fez o Tribunal da Relação …. limitando-se a constatar o incumprimento culposo da recorrente por entender que esta tinha consciência “(…) que tinha de passar a cumprir os deveres que fossem possíveis de por em prática” que, no entender do douto acórdão recorrido são o “(…) direito de visita – que apesar da distância poderia ser cumprido, pelo menos, em altura de férias do menor – mas também quanto ao direito de contacto com o pai, estabelecidas nas cláusulas 3ª, 6ª e 7ª do regime que foi reposto pela sentença de 17/03/2017.”</font></i><br>
</p><p><i><font>26. Ora como se deixou demonstrado supra tais deveres não eram possíveis de pôr em prática ou não cabia à ora recorrente pô-los em prática (no que se refere ao contacto diário com o recorrido) dado o desinteresse deste último e a resistência do menor. Não sendo possíveis de pôr em prática não existe nenhum incumprimento por parte da recorrente.</font></i><br>
</p><p><i><font>Termos em que deve o presente Recurso ser considerado procedente revogando-se o douto acórdão recorrido na parte em que considera existir incumprimento do regime das responsabilidades parentais por parte da ora recorrente e a condena a pagar uma multa correspondente a 15 unidades de conta, assim se fazendo a necessária JUSTIÇA.</font></i><font> </font><br>
</p><p><b><font>14.</font></b><font> O recorrido contra-alegou defendendo a inadmissibilidade do recurso de revista, atento o art.º 988.º do CPC. </font><br>
</p><p><font>Colhidos os vistos, cumpre analisar e decidir.</font><br>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font>II. Fundamentação</font></b><br>
</p><p><b><font>16. De facto</font></b><br>
</p><p><font>Vieram dados como provados das instâncias os seguintes factos:</font>
</p><p><b><font>1</font></b><font>. CC nasceu no dia ……..2008, filho de Requerente e Requerida.</font>
</p><p><b><font>2.</font></b><font> No processo de regulação das responsabilidades parentais (atual apenso E) instaurado pelo progenitor contra a progenitora a 07.03.2012 no Tribunal Judicial …., …., …, onde então ambos os progenitores e o menor residiam, foi proferida decisão provisória, a 16.07.2012, que definiu convívios do CC com o progenitor, não menos de 48h semanais, incluindo pernoita, devendo o(s) período(s) ter duração unitária não inferior a 24h, a ser acordados pelos progenitores; mais se definiu um período de férias com o progenitor não residente (o pai), com a duração mínima de duas semanas, dividido em períodos unitários não inferiores a 5 (cinco) dias.</font>
</p><p><b><font>3.</font></b><font> Nesse mesmo processo, a 21.09.2012, foi alterado/aditado o regime provisório, segundo o qual:</font>
</p><p><font>“</font><i><font>1</font></i><font> </font><i><font>-</font></i><font> </font><i><font>As</font></i><font> </font><i><font>responsabilidades</font></i><font> </font><i><font>parentais</font></i><font> </font><i><font>são</font></i><font> </font><i><font>exercidas</font></i><font> </font><i><font>por</font></i><font> </font><i><font>ambos</font></i><font> </font><i><font>os</font></i><font> </font><i><font>progenitores,</font></i><font> </font><i><font>incumbindo</font></i><font> </font><i><font>aos</font></i><font> </font><i><font>dois</font></i><font> </font><i><font>a</font></i><font> </font><i><font>decisão</font></i><font> </font><i><font>acerca</font></i><font> </font><i><font>das</font></i><font> </font><i><font>questões</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>particular</font></i><font> </font><i><font>importância;</font></i>
</p><p><i><font>2</font></i><font> </font><i><font>-</font></i><font> </font><i><font>O</font></i><font> </font><i><font>CC</font></i><font> </font><i><font>residirá</font></i><font> </font><i><font>a</font></i><font> </font><i><font>título</font></i><font> </font><i><font>principal</font></i><font> </font><i><font>com</font></i><font> </font><i><font>a</font></i><font> </font><i><font>mãe;</font></i>
</p><p><i><font>3</font></i><font> </font><i><font>-</font></i><font> </font><i><font>Em</font></i><font> </font><i><font>cada</font></i><font> </font><i><font>dois</font></i><font> </font><i><font>meses</font></i><font> </font><i><font>o</font></i><font> </font><i><font>CC</font></i><font> </font><i><font>viverá</font></i><font> </font><i><font>com</font></i><font> </font><i><font>o</font></i><font> </font><i><font>pai</font></i><font> </font><i><font>pelo</font></i><font> </font><i><font>menos</font></i><font> </font><i><font>duas</font></i><font> </font><i><font>semanas,</font></i><font> </font><i><font>que</font></i><font> </font><i><font>poderão</font></i><font> </font><i><font>ser</font></i><font> </font><i><font>seguidas</font></i><font> </font><i><font>ou</font></i><font> </font><i><font>interpoladas;</font></i>
</p><p><i><font>Além</font></i><font> </font><i><font>das</font></i><font> </font><i><font>referidas</font></i><font> </font><i><font>duas</font></i><font> </font><i><font>semanas</font></i><font> </font><i><font>o</font></i><font> </font><i><font>menor</font></i><font> </font><i><font>poderá</font></i><font> </font><i><font>e</font></i><font> </font><i><font>deverá</font></i><font> </font><i><font>conviver</font></i><font> </font><i><font>com</font></i><font> </font><i><font>o</font></i><font> </font><i><font>pai</font></i><font> </font><i><font>em</font></i><font> </font><i><font>períodos</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>algumas</font></i><font> </font><i><font>horas,</font></i><font> </font><i><font>sempre</font></i><font> </font><i><font>que</font></i><font> </font><i><font>se</font></i><font> </font><i><font>encontre</font></i><font> </font><i><font>na</font></i><font> </font><i><font>mesma</font></i><font> </font><i><font>zona</font></i><font> </font><i><font>geográfica;</font></i>
</p><p><i><font>3</font></i><font> </font><i><font>-</font></i><font> </font><i><font>As</font></i><font> </font><i><font>deslocações</font></i><font> </font><i><font>serão</font></i><font> </font><i><font>pagas</font></i><font> </font><i><font>em</font></i><font> </font><i><font>partes</font></i><font> </font><i><font>iguais</font></i><font> </font><i><font>por</font></i><font> </font><i><font>ambos</font></i><font> </font><i><font>os</font></i><font> </font><i><font>progenitores;</font></i>
</p><p><i><font>4</font></i><font> </font><i><font>-</font></i><font> </font><i><font>O</font></i><font> </font><i><font>pai</font></i><font> </font><i><font>contribuirá</font></i><font> </font><i><font>mensalmente</font></i><font> </font><i><font>com</font></i><font> </font><i><font>a</font></i><font> </font><i><font>quantia</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>150,00€</font></i><font> </font><i><font>(cento</font></i><font> </font><i><font>e</font></i><font> </font><i><font>cinquenta</font></i><font> </font><i><font>euros)</font></i><font> </font><i><font>a</font></i><font> </font><i><font>título</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>alimentos;</font></i>
</p><p><i><font>5</font></i><font> </font><i><font>-</font></i><font> </font><i><font>As</font></i><font> </font><i><font>férias</font></i><font> </font><i><font>escolares</font></i><font> </font><i><font>serão</font></i><font> </font><i><font>repartidas</font></i><font> </font><i><font>em</font></i><font> </font><i><font>partes</font></i><font> </font><i><font>iguais</font></i><font> </font><i><font>por</font></i><font> </font><i><font>ambos</font></i><font> </font><i><font>os</font></i><font> </font><i><font>progenitores;</font></i><font> </font><i><font>Deverá,</font></i><font> </font><i><font>ainda,</font></i><font> </font><i><font>ser</font></i><font> </font><i><font>fomentado</font></i><font> </font><i><font>o</font></i><font> </font><i><font>convívio</font></i><font> </font><i><font>do</font></i><font> </font><i><font>menor</font></i><font> </font><i><font>com</font></i><font> </font><i><font>a</font></i><font> </font><i><font>família</font></i><font> </font><i><font>alargada,</font></i><font> </font><i><font>aqui</font></i><font> </font><i><font>se</font></i><font> </font><i><font>incluindo</font></i><font> </font><i><font>irmã,</font></i><font> </font><i><font>tios,</font></i><font> </font><i><font>primos</font></i><font> </font><i><font>e</font></i><font> </font><i><font>avós</font></i><font> </font><i><font>por</font></i><font> </font><i><font>se</font></i><font> </font><i><font>considerar</font></i><font> </font><i><font>que</font></i><font> </font><i><font>o</font></i><font> </font><i><font>mesmo</font></i><font> </font><i><font>é</font></i><font> </font><i><font>estruturante</font></i><font> </font><i><font>para</font></i><font> </font><i><font>a</font></i><font> </font><i><font>formação</font></i><font> </font><i><font>da</font></i><font> </font><i><font>sua</font></i><font> </font><i><font>personalidade</font></i><font> </font><i><font>e</font></i><font> </font><i><font>para</font></i><font> </font><i><font>melhor</font></i><font> </font><i><font>conhecimento</font></i><font> </font><i><font>das</font></i><font> </font><i><font>suas</font></i><font> </font><i><font>origens.</font></i>
</p><p><i><font>Os</font></i><font> </font><i><font>contactos</font></i><font> </font><i><font>por</font></i><font> </font><i><font>telefone</font></i><font> </font><i><font>e</font></i><font> </font><i><font>internet</font></i><font> </font><i><font>com</font></i><font> </font><i><font>o</font></i><font> </font><i><font>progenitor</font></i><font> </font><i><font>ausente</font></i><font> </font><i><font>no</font></i><font> </font><i><font>momento</font></i><font> </font><i><font>deverão</font></i><font> </font><i><font>ser</font></i><font> </font><i><font>reforçados.</font></i><font>”</font>
</p><p><font>4. Nesse mesmo processo, a 15.02.2013, após julgamento, foi proferida decisão final, nos seguintes termos.</font>
</p><p><font>1</font><i><font>)</font></i><font> </font><i><font>As</font></i><font> </font><i><font>responsabilidades</font></i><font> </font><i><font>parentais</font></i><font> </font><i><font>serão</font></i><font> </font><i><font>exercidas</font></i><font> </font><i><font>em</font></i><font> </font><i><font>conjunto,</font></i><font> </font><i><font>considerando-se</font></i><font> </font><i><font>questões</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>particular</font></i><font> </font><i><font>importância,</font></i><font> </font><i><font>designadamente</font></i><font> </font><i><font>e</font></i><font> </font><i><font>nos</font></i><font> </font><i><font>termos</font></i><font> </font><i><font>supra</font></i><font> </font><i><font>expostos:</font></i><font> </font><i><font>a</font></i><font> </font><i><font>alteração</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>residência</font></i><font> </font><i><font>do</font></i><font> </font><i><font>CC</font></i><font> </font><i><font>que</font></i><font> </font><i><font>implique</font></i><font> </font><i><font>uma</font></i><font> </font><i><font>mudança</font></i><font> </font><i><font>geográfica</font></i><font> </font><i><font>para</font></i><font> </font><i><font>um</font></i><font> </font><i><font>local</font></i><font> </font><i><font>distinto;</font></i><font> </font><i><font>autorização</font></i><font> </font><i><font>para</font></i><font> </font><i><font>intervenções</font></i><font> </font><i><font>cirúrgicas</font></i><font> </font><i><font>que</font></i><font> </font><i><font>impliquem</font></i><font> </font><i><font>o</font></i><font> </font><i><font>uso</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>anestesia</font></i><font> </font><i><font>geral</font></i><font> </font><i><font>e/ou</font></i><font> </font><i><font>não</font></i><font> </font><i><font>sejam</font></i><font> </font><i><font>consideradas</font></i><font> </font><i><font>«pequenas</font></i><font> </font><i><font>cirurgias»;</font></i><font> </font><i><font>alteração</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>escola</font></i><font> </font><i><font>para</font></i><font> </font><i><font>estabelecimento</font></i><font> </font><i><font>privado</font></i><font> </font><i><font>ou</font></i><font> </font><i><font>vice-versa;</font></i><font> </font><i><font>actividades</font></i><font> </font><i><font>extracurriculares</font></i><font> </font><i><font>(por</font></i><font> </font><i><font>exemplo,</font></i><font> </font><i><font>Conservatório,</font></i><font> </font><i><font>prática</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>desporto,</font></i><font> </font><i><font>etc.);</font></i><font> </font><i><font>toma</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>medicação</font></i><font> </font><i><font>«permanente»</font></i><font> </font><i><font>(ou</font></i><font> </font><i><font>pelo</font></i><font> </font><i><font>menos</fon | [0 0 0 ... 0 0 0] |
eDJmu4YBgYBz1XKvHgEV | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><font> </font>
<p><font> </font></p><div><br>
<b><font>Acordam</font></b><font> </font><b><font>no</font></b><font> </font><b><font>Supremo</font></b><font> </font><b><font>Tribunal</font></b><font> </font><b><font>de</font></b><font> </font><b><font>Justiça</font></b></div><br>
<p>
</p><p><b><font> </font></b>
</p><p><b><font>I</font></b><font> </font><b><font>–</font></b><font> </font><b><font>RELATÓRIO</font></b><br>
</p><p><b><font>1. </font></b><font>Decisões e Soluções - Intermediários de Crédito, Lda. e Decisões e Soluções – Mediação Imobiliária, Lda., instauraram ação sob a forma de processo comum contra, AA, pedindo que o Réu seja condenado: a) A pagar à 1ª A. a quantia de €2.500,00, a título de indemnização pela denúncia antecipada do contrato, acrescida de juros de mora à taxa legal desde a citação até efetivo pagamento; b) A pagar à 2ª A. a quantia de €52.500,00, também a título de indemnização, acrescida de juros de mora à taxa legal desde a citação até efetivo pagamento. </font><br>
</p><p><b><font>2.</font></b><font> Regularmente citado, contestou o Réu por exceção e impugnação, deduzindo também reconvenção, onde, subsidiariamente, para o caso de se entender que a ajuizada cláusula de não concorrência é válida, reclama o direito a ser compensado num valor que computa em €48.000,00 (equivalente a 2.000,00/mês), e ainda numa indemnização no montante de €18.000,00 correspondente ao prejuízo causado pelo incumprimento daquilo a que as Autoras se obrigaram, quantias em cujo pagamento pede a respetiva condenação sem prejuízo dos juros legais desde a citação. </font><br>
</p><p><b><font>3.</font></b><font> Replicaram as Autoras à matéria excecional e reconvencional, concluindo pela sua improcedência e reiterando o pedido deduzido inicialmente. </font><br>
</p><p><b><font>4.</font></b><font> No despacho saneador foi julgada improcedente a invocada exceção de ilegitimidade ativa, sendo que a final a ação e a reconvenção foram julgadas improcedentes por não provadas e o Réu e as Autoras absolvidas dos respetivos pedidos, através do seguinte dispositivo:</font>
</p><p><font>“</font><i><font>Nestes termos e pelo exposto, decido: </font></i>
</p><p><i><font>a) Julgar totalmente improcedente procedente, por provada, a presente acção</font></i>
</p><p><i><font>e, em consequência, absolver o R. dos pedidos; </font></i>
</p><p><i><font>b) Julgar improcedente, por não provado, o pedido reconvencional do R./Reconvinte, referente à condenação das AA. ao pagamento de 18.000€, a título de incumprimento contratual e violação dos deveres de lealdade e boa fé, dele absolvendo as AA./Reconvindas.</font></i>
</p><p><i><font>c) Considerar prejudicado o restante pedido reconvencional, em virtude da apontada nulidade do pacto de não concorrência”</font></i><font> </font><br>
</p><p><b><font>5.</font></b><font> Inconformada, recorreu a Autora/Decisões e Soluções - Mediação Imobiliária, Lda., tendo a Relação proferido acórdão, conhecendo da apelação, enunciando no respetivo dispositivo: “Pelo exposto, na improcedência da apelação, e ainda que por fundamentação não coincidente, confirmam a sentença recorrida.” </font><br>
</p><p><b><font>6.</font></b><font> Novamente inconformada a Autora/Decisões e Soluções – Mediação Imobiliária, Lda. interpôs recurso de revista, em termos gerais, e subsidiariamente, em termos excecionais, invocando a propósito, a contradição de julgados, juntando cópia do acórdão fundamento (Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 14 de abril de 2019, proferido no âmbito do Processo n.º 27467/15.0T8PRT.P1), cujo trânsito está certificado. </font><br>
</p><p><b><font>7.</font></b><font> O Exm.º Senhor Juiz Conselheiro, a quem o recurso foi distribuído, exarou despacho em cumprimento do disposto no Provimento n.º 23/2019 do Supremo Tribunal de Justiça, remetendo os autos à formação. </font><br>
</p><p><b><font>8.</font></b><font> Por acórdão de 29 de Junho de 2021, a formação a que se reporta o art.º 672.º veio a admitir a revista pela via excepcional, por reconhecer existir </font><b><font>contradição</font></b><font> </font><b><font>de</font></b><font> </font><b><font>julgados</font></b><font> quanto à seguinte questão - A validade do pacto de não concorrência e da cláusula penal constantes do clausulado, nos ajuizados contratos de agência, celebrados entre a A./recorrente e o R/recorrida – entre o acórdão recorrido e o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 14/04/2019, proferido no âmbito do Processo n.º 27467/15.0T8PRT.P12, afirmando: “</font><i><font>Como vemos, a orientação assumida no acórdão fundamento vai no sentido de reconhecer a validade do pacto de não concorrência e da cláusula penal constantes do cláusulado nos contratos de agência/subagência, em oposição afirmada aqueloutra vertida no acórdão recorrido, encerrando uma questão de direito suscetível de ditar destino diverso daquele traçado no acórdão recorrido. Impõe-se, assim, a necessidade da intervenção deste Tribunal de revista, a título excecional, para que conheça da questão atinente à validade do pacto de não concorrência e da cláusula penal constantes do cláusulado nos ajuizados contratos de agência.”.</font></i><font> </font><br>
</p><p><b><font>9. </font></b><font>Nas conclusões da revista figuram as seguintes conclusões (expurgadas as relativas à admissibilidade do recurso) </font><b><font>(transcrição):</font></b>
</p><p><i><font>1. Vem o presente recurso de revista interposto do douto acórdão que julgou a apelação improcedente e, ainda que por fundamentação não coincidente, confirmou a sentença recorrida, julgando-se a presente acção improcedente, por não provada, e absolvendo o R. do pedido formulado pela A., ora recorrente.</font></i>
</p><p><i><font>2. Sempre com o máximo respeito por diverso entendimento, não pode a aqui recorrente conformar-se com o entendimento vertido no douto acórdão recorrido, no que tange à inerente decisão de direito, e especialmente no que incide sobre a declaração de nulidade da cláusula inserta no contrato de sub agência celebrado entre as partes, que impõe ao (sub)agente uma cláusula penal pela violação da obrigação de não concorrência por ele assumida, e para vigorar após a cessação do contrato.</font></i>
</p><p><i><font>3. Pelas razões que infra se aduzirão, entende a Recorrente, e sempre com o merecido respeito por entendimento divergente, que a douta decisão recorrida incorreu em violação do disposto nos artigos 9ª, 280º n.º 2 e 405º n.º 1 do Cód. Civil, 9º e 13º do Decreto-Lei n.º 178/86, bem como dos artigos 12º n.º 1, 13º n.º 1, 47º n.º 1, 58º n.º 1 e 61º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa.</font></i>
</p><p><i><font>4. Assim, e como se propõe a recorrente demonstrar infra, o pacto de não concorrência vertido na cláusula 10ª do contrato de (sub)agência celebrado em 30/05/2017 entre as partes, e a cláusula penal convencionada para o caso de violação, pelo (sub)agente dessa obrigação, não se mostram inquinados de qualquer vício, mormente o vicio da nulidade/ilicitude e, muito menos, inconstitucionalidade, devendo julgar-se tal estipulação contratual plenamente válida, eficaz e convocável no caso presente, face à inegável violação/incumprimento da obrigação de não concorrência pelo R/recorrido.</font></i>
</p><p><i><font>5. Atenta a factualidade que foi definitivamente julgada provada, deverá ter-se por demonstrado que o R./recorrido, de forma inegável, violou a obrigação de não concorrência que sobre si impendia e que, por via disso, assiste à A./recorrente o direito à indemnização peticionada nos autos.</font></i>
</p><p><i><font>6. Sendo que se mostra desnecessária a prova de um concreto prejuízo causado por tal motivo na esfera jurídica da A/recorrente., dado que, precisamente para a acautelar esta situação, as partes convencionaram uma cláusula penal, que contém a fixação antecipada do prejuízo.</font></i>
</p><p><i><font>7. Nos termos que infra se exporá, deverá o acórdão recorrido ser revogado, e substituído por outro que condene o R./recorrido a indemnizar a A., aqui recorrente, e ao abrigo da cláusula penal associada ao pacto de não concorrência plasmado na cláusula 10ª do contrato de subagência, no valor de Euro 50.000,00.</font></i>
</p><p><i><font>(…)</font></i>
</p><p><b><i><u><font>DO OBJECTO DO RECURSO</font></u></i></b>
</p><p><i><font>25. Tendo por base a factualidade supra vertida, após configurar juridicamente o contrato em causa nos autos como um contrato de agência, o acórdão aqui posto em crise pugnou pela nulidade da cláusula penal inserta na cláusula 10ª do contrato e associada ao pacto de não concorrência.</font></i>
</p><p><i><font>26. Não pode jamais a recorrente concordar com tal entendimento e decisão.</font></i>
</p><p><i><font>27. Sempre se dirá que, fruto da factualidade que o Mmo. Tribunal a quo julgou provada, se impunha considerar que não só o recorrido violou ostensivamente a obrigação de não concorrência por este assumida, como a cláusula contratual na qual tal obrigação de mostra estipulada e a cláusula penal à mesma associada não se mostra afectada de qualquer vicio, designadamente aqueles que lhe são apontados na decisão aqui posta em crise, e que corresponde à nulidade da cláusula 10ª do contrato, por imputada violação do art. 13º al. g) do RJCA (DL n.º 118/93, de 13 de Abril) e cominada nos termos do art. 280 n.º 1 do Cód. Civil, e ainda por violação dos princípios plasmados nos artigos 47º n.º 1, 58º e 61º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa.</font></i>
</p><p><b><i><u><font>DO CONTRATO DE (SUB)AGÊNCIA E DA VALIDADE DO PACTO DE NÃO CONCORRÊNCIA E DA</font></u></i></b><i><font> </font></i><b><i><u><font>CLÁUSULA PENAL</font></u></i></b>
</p><p><i><font>28. O contrato celebrado entre as partes, e cuja cessação constitui a causa de pedir nos presentes autos, subsume-se, na tese da sentença, a um contrato de agência, ao qual se aplica o regime do contrato de agência, regulado nos termos do disposto no Decreto-Lei n.º 118/93, de 13 de Abril, e com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 178/86, de 03 de Junho.</font></i>
</p><p><i><font>29. Nada obstando, porém, a que as partes, no exercício do princípio da liberdade contratual, que o dito regime jurídico não afasta, entendam moldar o contrato aos seus interesses e vontades.</font></i>
</p><p><i><font>30. Mediante o contrato de agência em causa nos presentes autos, as partes acordaram, entre o demais, em fixar uma obrigação de exclusividade e não concorrência para a (sub)agente, fixando uma cláusula penal para o caso deste a incumprir: </font></i><b><i><font>Cláusula</font></i></b><i><font> </font></i><b><i><font>10ª</font></i></b><i><font> </font></i><b><i><font>do</font></i></b><i><font> </font></i><b><i><font>contrato,</font></i></b><i><font> sendo esta a cláusula contratual objecto de discórdia.</font></i>
</p><p><i><font>31. O entendimento vertido na douta decisão aqui posta em crise quanto a esta questão, e que encerrou a decisão ali tomada quanto à improcedência do pedido formulado pela aqui recorrente no valor de € 50.000,00, pela violação da obrigação de não concorrência, foi no sentido de que o recorrido, nos termos do disposto no art. 13º al g) do Regime Jurídico do Contrato de Agência, teria direito a uma compensação pela obrigação de não concorrência, e que estipulação de uma cláusula penal perla violação da obrigação de não concorrência, aliada à falta de estipulação expressa no contrato tal compensação, importa a nulidade de tal cláusula nos termos do art. 280º n.º 2 do Cód. Civil, sendo que de igual modo, tal estipulação atenta contra os princípios da liberdade de trabalho, liberdade de iniciativa ou de empresa consagrado nos artigos 12º, n.º 1, 13º n.º 1, 47º, nº 1, 58º n.º 1 e 61º da Constituição da República Portuguesa.</font></i>
</p><p><i><font>32. Sempre com o máximo respeito por diverso entendimento, carece de qualquer sentido o assim vertido na decisão recorrida.</font></i>
</p><p><i><font>33. O artigo 9º do D.L. 178/86 estabelece que as partes, por acordo, estipulem a obrigação de não concorrência, devendo a mesma constar de documento escrito e não podendo exceder dois anos, circunscrevendo-se à zona ou círculo de clientes confiados ao agente.</font></i>
</p><p><i><font>34. O fundamento de tal cláusula de não concorrência reside na protecção do saber fazer transmitido pelo agenciado, impedindo o agente, um certo tempo após a ruptura do contrato de desenvolver actividade idêntica àquela que desempenhava por força do contrato de agência, na mesma zona geográfica em que actuou.</font></i>
</p><p><i><font>35. No caso sub judice, não obstante as partes terem convencionado uma cláusula de não concorrência por parte do recorrido, durante os dois anos imediatamente seguintes ao fim do contrato, na área de actuação da 2ª A./recorrente, é inequívoco que o R./recorrido a incumpriu.</font></i>
</p><p><i><font>36. Entende a recorrente que a interpretação conferida pelo Mmo. Tribunal a quo ao art.º 13 al g) do Decreto-Lei n.º 178/86, de 03.07, ao considerar que a fixação de uma cláusula penal para obviar ao incumprimento da obrigação de não concorrência, aliada ao facto e no contrato não ter sido prevista a compensação ao agente decorrente da referida norma, obsta “de forma inexorável ao pagamento ao agente da compensação a que alude a alínea g) do art. 13º da LCA” e se mostra atentatória do princípio de ordem pública constitucional que é o da liberdade económica do individuo, é uma interpretação jurídica verdadeiramente contra legem e contra a própria unidade do sistema jurídico.</font></i>
</p><p><i><font>37. Na realidade, e sempre com o máximo respeito por diverso entendimento, se o legislador, ao fixar o regime especial aplicável ao contrato de agência, pretendesse efectivamente cominar com nulidade – mormente a do art. 280º do Cód. Civil - a falta de estipulação no pacto de não concorrência, da contrapartida a que alude na alínea g) do art. 13º do DL 178/96, de 03.07, tê-lo ia feito de forma expressa no citado regime legal, que aliás reveste carácter especial.</font></i>
</p><p><i><font>38. Entende a recorrente, e com o merecido respeito por opinião diversa, que o facto de nem no art.º 9º do DL 178/96 – que contém os requisitos de validade do pacto de não concorrência em sede de relação de agência -, nem no art.º 13º desse mesmo diploma, fazerem qualquer menção à eventual cominação com vicio de nulidade, a falta de estipulação no pacto firmado da contrapartida que assiste ao agente, deveu-se apenas e só, ao facto do legislador ter entendido, efectivamente, que tal omissão não seria, pois, de cominar com uma consequência tão gravosa para as partes como a nulidade da cláusula contratual em questão.</font></i>
</p><p><i><font>39. Ademais, sempre se deverá atentar que este diploma legal foi objecto de relevantes alterações em 1993 – mediante o Decreto-lei n.º 118/93, de 13 de Abril –, fruto da necessidade de transposição da </font></i><b><i><font>Directiva</font></i></b><i><font> </font></i><b><i><font>86/653/CEE,</font></i></b><i><font> </font></i><b><i><font>do</font></i></b><i><font> </font></i><b><i><font>Conselho,</font></i></b><i><font> </font></i><b><i><font>de</font></i></b><i><font> </font></i><b><i><font>18/12/1986</font></i></b><i><font>, </font></i><b><i><font>relativa</font></i></b><i><font> </font></i><b><i><font>à</font></i></b><i><font> </font></i><b><i><font>coordenação</font></i></b><i><font> </font></i><b><i><font>do</font></i></b><i><font> </font></i><b><i><font>direito</font></i></b><i><font> </font></i><b><i><font>dos</font></i></b><i><font> </font></i><b><i><font>Estados-membros</font></i></b><i><font> </font></i><b><i><font>sobre</font></i></b><i><font> </font></i><b><i><font>agentes</font></i></b><i><font> </font></i><b><i><font>comerciais.</font></i></b>
</p><p><i><font>40. Com efeito, se se apelar a uma interpretação da lei consonante com a unidade do sistema jurídico, então jamais se poderá deixar de atender ao diploma legal, de natureza comunitária, que não só deu origem ao Decreto-Lei n.º 178/86, como foi inteiramente tida em conta na sua redacção, por ter sido intuito do legislador acolher as sugestões do Conselho das Comunidades Europeias e atender a soluções do direito comparado.10</font></i>
</p><p><i><font>41. Num manifesto intuito de manter esta unidade de regimes jurídicos aplicáveis ao contrato de agência – aliás, o objectivo principal desta Directiva destinada justamente à coordenação do direito aplicável nos vários Estados Membros – </font></i><i><font>o legislador optou por trazer para o ordenamento jurídico interno aquando da publicação do Decreto-lei n.º 178/86 e plasmar no art. 9º do citado diploma tão somente estes 3 requisitos de validade da cláusula/pacto de não concorrência.</font></i>
</p><p><i><font>42. Na verdade, se atentarmos à redacção conferida ao art. 9º (sob a epígrafe “Obrigação de não concorrência”) percebe-se a preocupação do legislador em consagrar as mesmas exigências constantes do art. 20º da Directiva.</font></i>
</p><p><i><font>43. </font></i><i><font>E apesar de, face o vertido no art. 20º n.º 4 da Directiva, o legislador interno ter a possibilidade de restringir ainda mais o regime aplicável à cláusula de não concorrência, o que se verificou foi que nem em 1986, nem depois aquando das alterações introduzidas em 1993, o nosso legislador pretendeu operar tais restrições.</font></i>
</p><p><i><font>44. Nomeadamente, e para o que releva nos presentes autos, fazer depender a validade da cláusula de não concorrência à efectiva previsão, nesse pacto, do pagamento de uma contrapartida ao agente e, muito menos, cominar tal omissão com um vício tão gravoso nas suas consequências como é o da nulidade.</font></i>
</p><p><i><font>45. Acresce ainda que, e nos moldes que infra se aduzirá, a fixação de uma cláusula penal para a eventualidade – que se verificou – do agente vir incumprir a obrigação de não concorrência, mais não é do que o exercício do princípio da liberdade contratual e da autonomia privada pelas partes contratantes que se mostra perfeitamente admissível face ao regime jurídico vertido no Dl 178/86.</font></i>
</p><p><i><font>46. Sendo de salientar que, como decorre da factualidade que se julgou provada, o recorrido tinha pleno e efectivo conhecimento da previsão de tal cláusula no contrato, que lhe foi previamente informada e explicada, tendo o mesmo com tal se conformado.</font></i>
</p><p><i><font>47. E atendendo ao supra vertido a respeito da génese das normas em causa, com facilidade palmar se conclui que </font></i><i><font>o estabelecimento de um pacto de não concorrência ao abrigo e em conformidade com o referido art. 9º do DL 178/86, de 3 de Julho, e a cláusula penal compensatória ao mesmo associada </font></i><b><i><font>em</font></i></b><i><font> </font></i><b><i><font>nada</font></i></b><i><font> </font></i><b><i><font>colide</font></i></b><i><font> </font></i><b><i><font>com</font></i></b><i><font> </font></i><b><i><font>os</font></i></b><i><font> </font></i><b><i><font>direitos</font></i></b><i><font> </font></i><b><i><font>fundamentais</font></i></b><i><font> </font></i><b><i><font>previstos</font></i></b><i><font> </font></i><b><i><font>no</font></i></b><i><font> </font></i><b><i><font>art.</font></i></b><i><font> </font></i><b><i><font>47º,</font></i></b><i><font> </font></i><b><i><font>58º</font></i></b><i><font> </font></i><b><i><font>e</font></i></b><i><font> </font></i><b><i><font>61º</font></i></b><i><font> </font></i><b><i><font>da</font></i></b><i><font> </font></i><b><i><font>CRP</font></i></b><i><font> ou inviabiliza a plena aplicação do art. 13º al g) do citado normativo legal.</font></i>
</p><p><i><font>48. Acresce que, não só o art. 9º n.º 1 e 2 do DL 178/86, de 3 de Julho, mas também e o pacto no mesmo fundado contemplam uma </font></i><b><i><font>restrição</font></i></b><i><font> </font></i><b><i><font>licita</font></i></b><i><font> dos direitos constitucionalmente garantidos à liberdade económica dos indivíduos, à liberdade de trabalho e de escolha da profissão </font></i>
</p><p><i><font>49. Daí que no mesmo tenham sido estabelecidos requisitos para que tal pacto de não concorrência possa ter lugar.</font></i>
</p><p><i><font>50. Requisitos esses que, no modesto entendimento da recorrente, se destinam, justamente, a afastar a impetrada inconstitucionalidade de tal restrição e que, sempre se dirá, foram inegavelmente cumpridos no contrato em apreço.</font></i>
</p><p><i><font>51. A respeito do estabelecimento de pactos de não concorrência, e aqui em termos de conformidade dos mesmos com os direitos à livre escolha da profissão e liberdade de trabalho, permitimo-nos recordar o entendimento vertido no </font></i><b><i><font>Acórdão</font></i></b><i><font> </font></i><b><i><font>do</font></i></b><i><font> </font></i><b><i><font>Tribunal</font></i></b><i><font> </font></i><b><i><font>Constitucional</font></i></b><i><font> </font></i><b><i><font>no</font></i></b><i><font> </font></i><b><i><font>Acórdão</font></i></b><i><font> </font></i><b><i><font>n.º</font></i></b><i><font> </font></i><b><i><font>256/04,</font></i></b><i><font> </font></i><b><i><font>de</font></i></b><i><font> </font></i><b><i><font>14</font></i></b><i><font> </font></i><b><i><font>de</font></i></b><i><font> </font></i><b><i><font>abril</font></i></b><i><font> </font></i><b><i><font>de</font></i></b><i><font> </font></i><b><i><font>2004,</font></i></b><i><font> </font></i><b><i><font>processo</font></i></b><i><font> </font></i><b><i><font>n.º</font></i></b><i><font> </font></i><b><i><font>674/02,</font></i></b><i><font> </font></i><b><i><font>2ª</font></i></b><i><font> </font></i><b><i><font>secção,</font></i></b><i><font> sendo que apesar do douto aresto supra citado ter sido proferido em sede de análise do art.º 36º n.º 2 do entretanto revogado Regime Jurídico do Contrato de Trabalho, entende-se que do mesmo poderão retirar-se alguns ensinamentos pertinentes para o caso em apreço.</font></i>
</p><p><i><font>52. É que se o Tribunal Constitucional entende que a restrição emergente da outorga de um pacto de não concorrência quanto ao direito à liberdade de escolha da profissão e liberdade de trabalho de um trabalhador ao abrigo de um vinculo laboral, e com toda a carga de subordinação jurídica e económica inerente a uma relação desse género, não consubstancia uma compressão intolerável à luz da CRP, por maioria de razão, também não o há-se considerar quanto está em causa uma relação de agência, provida dessa subordinação jurídica e económica característica de uma relação laboral.</font></i>
</p><p><i><font>53. No âmbito da relação de agência, e mesmo sendo o (sub)agente uma pessoa singular (como é o caso), o mesmo não está sujeito à posição de subordinação ao empregador, já de si limitativa da própria liberdade de decisão.</font></i>
</p><p><i><font>54. No âmbito da relação de agência, encontramo-nos em pleno campo da iniciativa privada e da liberdade contratual.</font></i>
</p><p><i><font>55. Sendo que neste ponto, e cumpridos os requisitos estipulados no art. 9º n.º 1 e 2 do DL 178/86 para o pacto de não concorrência, há que pugnar pelo primado do direito à iniciativa privada e da liberdade contratual, em detrimento de uma interpretação puritana do direito à liberdade de trabalho e de escolha da profissão.</font></i>
</p><p><i><font>56. Primado esse que também há-de ter plena aplicação no que diz respeito à fixação da cláusula penal.</font></i>
</p><p><i><font>57. Á luz dos requisitos vertidos no art. 9º n.º 1 e 2 e da cláusula 10ª do contrato, o Recorrido ficou unicamente impedido de, durante o período contratualmente fixado, nunca superior a 2 anos após a cessação do contrato, desempenhar as mesmas funções em termos de ser entendido como verdadeiro concorrente do principal, ou seja, da A. no mesmo âmbito geográfico de actuação desta última (em todo o território nacional)</font></i>
</p><p><i><font>58. O que se reveste de especial relevo se se atender às concretas funções exercidas pelo recorrido e à informação a que mesmo tinha acesso.</font></i>
</p><p><i><font>59. Assim sendo, urge considerar que tal cláusula contempla uma restrição que é proporcional, justificada ante os bens jurídicos tutelados11 e, portanto, licita e conforme o art. 9º n.º 1 e 2 do DL 178/86 e a CRP.</font></i>
</p><p><i><font>60. Assim o entendeu o </font></i><b><i><font>Tribunal</font></i></b><i><font> </font></i><b><i><font>Constitucional,</font></i></b><i><font> </font></i><b><i><font>no</font></i></b><i><font> </font></i><b><i><font>recente</font></i></b><i><font> </font></i><b><i><font>Acórdão</font></i></b><i><font> </font></i><b><i><font>n.º</font></i></b><i><font> </font></i><b><i><font>502/19,</font></i></b><i><font> </font></i><b><i><font>proferido</font></i></b><i><font> </font></i><b><i><font>em</font></i></b><i><font> </font></i><b><i><font>03/03/2020,</font></i></b><i><font> </font></i><b><i><font>no</font></i></b><i><font> </font></i><b><i><font>âmbito</font></i></b><i><font> </font></i><b><i><font>do</font></i></b><i><font> </font></i><b><i><font>processo</font></i></b><i><font> </font></i><b><i><font>n.º</font></i></b><i><font> </font></i><b><i><font>27467/15.0T8PRT.P1,</font></i></b><i><font> </font></i><b><i><font>2ª</font></i></b><i><font> </font></i><b><i><font>secção,</font></i></b><i><font> que decidiu não julgar inconstitucional a norma constante do n.º 1 e 2 do artigo 9º do Decreto-lei n.º 178/86, de 3 de Julho, na medida em que admitem o estabelecimento de um pacto de não concorrência, após a cessação do contrato, por um período máximo de dois anos.</font></i>
</p><p><i><font>61. Acresce que, e igualmente no que diz respeito à apreciação da validade da cláusula penal aqui em apreço, chama-se aqui novamente à colação o entendimento consignado no Douto Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, ora invocado como acórdão-fundamento (</font></i><b><i><font>Acórdão</font></i></b><i><font> </font></i><b><i><font>do</font></i></b><i><font> </font></i><b><i><font>Tribunal</font></i></b><i><font> </font></i><b><i><font>da</font></i></b><i><font> </font></i><b><i><font>Relação</font></i></b><i><font> </font></i><b><i><font>do</font></i></b><i><font> </font></i><b><i><font>Porto,</font></i></b><i><font> </font></i><b><i><font>de</font></i></b><i><font> </font></i><b><i><font>12/04/2019,</font></i></b><i><font> </font></i><b><i><font>proferido</font></i></b><i><font> </font></i><b><i><font>no</font></i></b><i><font> </font></i><b><i><font>processo</font></i></b><i><font> </font></i><b><i><font>n.º</font></i></b><i><font> </font></i><b><i><font>27467/15.0T8PRT.P1),</font></i></b><i><font> cuja tese se dá aqui por reproduzida e se sufraga, e em que se defende </font></i><b><i><font>a</font></i></b><i><font> </font></i><b><i><font>validade</font></i></b><i><font> </font></i><b><i><font>da</font></i></b><i><font> </font></i><b><i><font>cláusula</font></i></b><i><font> </font></i><b><i><font>em</font></i></b><i><font> </font></i><b><i><font>apreço</font></i></b><i><font> </font></i><b><i><font>e</font></i></b><i><font> </font></i><b><i><font>se</font></i></b><i><font> </font></i><b><i><font>considera</font></i></b><i><font> </font></i><b><i><font>que</font></i></b><i><font> </font></i><b><i><font>o</font></i></b><i><font> </font></i><b><i><font>facto</font></i></b><i><font> </font></i><b><i><font>de</font></i></b><i><font> </font></i><b><i><font>no</font></i></b><i><font> </font></i><b><i><font>contrato</font></i></b><i><font> </font></i><b><i><font>não</font></i></b><i><font> </font></i><b><i><font>se</font></i></b><i><font> </font></i><b><i><font>ter</font></i></b><i><font> </font></i><b><i><font>previsto</font></i></b><i><font> </font></i><b><i><font>uma</font></i></b><i><font> </font></i><b><i><font>compensação</font></i></b><i><font> </font></i><b><i><font>para</font></i></b><i><font> </font></i><b><i><font>o</font></i></b><i><font> </font></i><b><i><font>agente,</font></i></b><i><font> </font></i><b><i><font>como</font></i></b><i><font> </font></i><b><i><font>contrapartida</font></i></b><i><font> </font></i><b><i><font>desta</font></i></b><i><font> </font></i><b><i><font>obrigação</font></i></b><i><font> </font></i><b><i><font>por</font></i></b><i><font> </font></i><b><i><font>si</font></i></b><i><font> </font></i><b><i><font>assumida,</font></i></b><i><font> </font></i><b><i><font>não</font></i></b><i><font> </font></i><b><i><font>gera</font></i></b><i><font> </font></i><b><i><font>qualquer</font></i></b><i><font> </font></i><b><i><font>invalidade</font></i></b><i><font> </font></i><b><i><font>ou</font></i></b><i><font> </font></i><b><i><font>ineficácia</font></i></b><i><font> </font></i><b><i><font>do</font></i></b><i><font> </font></i><b><i><font>pacto</font></i></b><i><font> </font></i><b><i><font>em</font></i></b><i><font> </font></i><b><i><font>causa,</font></i></b><i><font> </font></i><b><i><font>mas</font></i></b><i><font> </font></i><b><i><font>sim,</font></i></b><i><font> </font></i><b><i><font>um</font></i></b><i><font> </font></i><b><i><font>direito</font></i></b><i><font> </font></i><b><i><font>do</font></i></b><i><font> </font></i><b><i><font>agente</font></i></b><i><font> </font></i><b><i><font>a</font></i></b><i><font> </font></i><b><i><font>pedir,</font></i></b><i><font> </font></i><b><i><font>judicialmente</font></i></b><i><font> </font></i><b><i><font>se</font></i></b><i><font> </font></i><b><i><font>for</font></i></b><i><font> </font></i><b><i><font>o</font></i></b><i><font> </font></i><b><i><font>caso,</font></i></b><i><font> </font></i><b><i><font>a</font></i></b><i><font> </font></i><b><i><font>compensação</font></i></b><i><font> </font></i><b><i><font>em</font></i></b><i><font> </font></i><b><i><font>causa.</font></i></b>
</p><p><i><font>62. Na esteira deste entendimento, e se o que se considera é que tem o agente o direito a pedir judicialmente a fixação da compensação em causa, naturalmente que a fixação da cláusula penal a accionar em caso de incumprimento pelo agente, em nada colide com este seu direito adquirido ex lege.</font></i>
</p><p><i><font>63. Não fazendo, pois, qualquer sentido, o entendimento consignado no acórdão recorrido a este respeito.</font></i>
</p><p><i><font>64. Ainda a propósito desta concreta questão atinente à validade ou não da sobredita cláusula contratual, pronunciou-se já o </font></i><b><i><u><font>TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO, em Acórdão de 9/5/2011, proferido no âmbito do processo n.º 4186/07.5TVPRT.P2, </font></u></i></b><i><font>o qual, por se reportar a uma situação em tudo semelhante à dos presentes autos (até porque a cláusula contratual apreciada tinha igual redacção à dos autos, inserindo-se em idêntico contrato), e em que se entendeu que a cláusula em causa era válida, eficaz e convocável em face da violação do pacto de não concorrência pelo agente.</font></i>
</p><p><i><font>65. E porque a cláusula aqui em análise tem sido objecto de profícua jurisprudência, urge salientar o entendimento vertido no </font></i><b><i><font>Douto</font></i></b><i><font> </font></i><b><i><font>Acórdão</font></i></b><i><font> </font></i><b><i><font>do</font></i></b><i><font> </font></i><b><i><font>Tribunal</font></i></b><i><font> </font></i><b><i><font>da</font></i></b><i><font> </font></i><b><i><font>Relação</font></i></b><i><font> </font></i><b><i><font>de</font></i></b><i><font> </font></i><b><i><font>Lisboa,</font></i></b><i><font> </font></i><b><i><font>de</font></i></b><i><font> </font></i><b><i><font>05/11/2020,</font></i></b><i><font> </font></i><b><i><font>proferido</font></i></b><i><font> </font></i><b><i><font>no</font></i></b><i><font> </font></i><b><i><font>processo</font></i></b><i><font> </font></i><b><i><font>n.º</font></i></b><i><font> </font></i><b><i><font>2017/19.2T8PDL.L1.2,,</font></i></b><i><font> </font></i><b><i><font>confirmado</font></i></b><i><font> </font></i><b><i><font>pelo</font></i></b><i><font> </font></i><b><i><font>recentemente</font></i></b><i><font> </font></i><b><i><font>proferido</font></i></b><i><font> </font></i><b><i><font>Acórdão</font></i></b><i><font> </font></i><b><i><font>do</font></i></b><i><font> </font></i><b><i><font>Supremo</font></i></b><i><font> </font></i><b><i><font>Tribunal</font></i></b><i><font> </font></i><b><i><font>de</font></i></b><i><font> </font></i><b><i><font>Justiça,</font></i></b><i><font> </font></i><b><i><font>de</font></i></b><i><font> </font></i><b><i><font>18/03/2021. </font></i></b>
</p><p><i><u><font>No caso dos autos, não obstante o pacto de não concorrência celebrado, não foi acordada</font></u></i><i><font> </font></i><i><u><font>compensação para o período definido de | [0 0 0 ... 0 0 0] |
fTJnu4YBgYBz1XKvgAIu | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><div><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça </font></div><br>
<br>
<font> </font><br>
<p><b><font>I.</font></b><font> </font><b><font>Relatório</font></b><br>
</p><p><b><font>1. Eifictylis,</font></b><font> </font><b><font>SA, </font></b><font>autora, veio demandar </font><b><font>Patris</font></b><font> </font><b><font>Investimentos,</font></b><font> </font><b><font>SGPS,</font></b><font> </font><b><font>SA</font></b><font>, pedindo que seja a Ré condenada (a A. formulava outros pedidos que, entretanto, foram declarados extintos por diversas razões):</font><br>
</p><p><font>- a despejar o locado em 30 de novembro de 2018, entregando-o à Autora devoluto de pessoas e bens (alínea a) do petitório);</font><br>
</p><p><font>- a pagar indemnização pelo atraso na restituição da coisa, no montante de duas vezes o montante da renda que vigorava por cada mês em que a Ré venha a ocupar a fracção a partir de 30 de Novembro de 2018 (alínea c) V do petitório).</font><br>
</p><p><font>Alega para tanto que a </font><b><font>Silcoge</font></b><font> foi, até Agosto de 2017, proprietária do prédio urbano sito......, n.ºs ...., tornejando para....., n.ºs .., ... e ...; a 17 de Outubro de 2013 foi celebrado um contrato de arrendamento entre a referida </font><b><font>Silcoge</font></b><font> e a Ré tendo por objecto os espaços do referido prédio que identifica; o referido contrato foi objecto de quatro aditamentos; o contrato foi celebrado pelo prazo de 5 ano, renovável, com inicio a 01 de Dezembro de 2013 e termo a 30 de Novembro de 2018; a A. adquiriu o prédio à referida Silcoge em Agosto de 2017; a 30 de Novembro de 2017 a A. dirigiu à Ré uma carta onde comunicava a sua intenção de </font><u><font>não renovar o contrato</font></u><font>, esta carta foi entregue em mão por estafeta, tendo sido recebida, no próprio dia 30 nas instalações da Ré, ou seja, no edifício locado, edifício que é totalmente dedicado a escritórios, o qual é dotado de uma portaria, onde é entregue o correio, quer o que chega por via postal, quer o que é entregue em mão, portaria que encaminha a correspondência para os diversos destinatários, no mesmo dia enviou cópia digitalizada da carta, por correio electrónico, aos representantes da Ré; a Ré rejeitou a oposição á renovação, alegando que só recebeu a comunicação no dia 04 de Dezembro de 2017; a A. respondeu, o contrato de arrendamento caducou, a Ré não entregou o locado, é devida indemnização nos termos do art.º 1045º n.º 2 do CC.</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><b><font>2.</font></b><font> A Ré, citada, veio contestar, dizendo que a comunicação de cessação tem de ser efectuada imperativamente nos termos previstos no art.º 9º da Lei n.º 6/2006, de 27/02, sendo a comunicação efectuada por qualquer outro meio é ineficaz, mesmo que assim não fosse a comunicação enviada é extemporânea, não tendo a mesma sido entregue em mão nas instalações da Ré, tendo sido entregue na portaria, não tendo sido recebida por funcionário da Ré, mas pelo vigilante de uma empresa de segurança privada que se encontra naquela, o envio da carta por e-mail é ineficaz, a carta só foi recepcionada pela Ré no dia 04/12/2017, o contrato não caducou e a Ré não está obrigada a entregar o locado.</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><b><font>3.</font></b><font> Realizou-se audiência prévia e foi proferido saneador-sentença que julgou improcedentes os pedidos em referência (cfr. fls. 156-160).</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><b><font>4.</font></b><font> Da referida decisão foi interposto recurso, tendo o TR.. (apenso B) anulado o saneador-sentença proferido e ordenado o prosseguimento dos autos.</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><b><font>5.</font></b><font> Foi proferido despacho saneador que consignou o objecto do litígio, os factos não carecidos de prova e os temas da prova, que não foram objecto de reclamações.</font><br>
</p><p><font>Realizou-se o julgamento. </font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><b><font>6.</font></b><font> Foi proferida sentença que decidiu julgar improcedentes, por não provados, os pedidos de condenação da Ré a despejar o locado em 30 de novembro de 2018.</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><b><font>7.</font></b><font> Da sentença foi interposto recurso de revista, </font><i><font>per saltum</font></i><font>, para o STJ, contendo as seguintes conclusões (transcrição):</font><br>
</p><p><i><font>1 - Deve ser admitido o recurso per saltum para o STJ, por estarem reunidos os pressupostos de valor e o recurso versar apenas uma questão de Direito.</font></i><br>
</p><p><i><font>2 - A comunicação entregue em mão, com nota de recepção assinada pelo funcionário da portaria do prédio onde se situa o locado, e onde tem sede o destinatário, é válida e eficaz para os efeitos do art. 9.º do NRAU.</font></i><br>
</p><p><i><font>3 – O funcionário da portaria é representante do senhorio, pelo que a entrega na portaria equivale à entrega ao destinatário (arrendatário).</font></i><br>
</p><p><i><font>4- Ainda que assim não se entenda, no caso de domicílio convencionado, é considerada eficaz a entrega da comunicação, no local convencionado, a terceiro, com aposição de nota de recepção por este terceiro, por aplicação analógica do regime previsto no art. 10.º do NRAU para a comunicação mediante carta registada com aviso de recepção.</font></i><br>
</p><p><i><font>5 – Assim, a comunicação efectuada no dia 30 de Novembro de 2017 como consequência a cessação do contrato de arrendamento um ano depois.</font></i><br>
</p><p><i><font>Nestes termos, deverá a decisão recorrida ser revogada, sendo substituída por decisão que julgue procedentes os pedidos formulados pela Recorrente, sendo ordenado o despejo e condenada a Patris no pagamento da indemnização peticionada.</font></i><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><b><font>8.</font></b><font> Foram apresentadas contra-alegações, com as seguintes conclusões (transcrição):</font><br>
</p><p><i><font>A. Deve ser negado provimento ao recurso porquanto a comunicação efectuada pela Recorrente não cumpriu os requisitos de eficácia que constam do n.º 6 do art. 9.º do NRAU.</font></i><br>
</p><p><i><font>B. A Recorrente não entregou a carta no locado, sede da Recorrida, mas sim na portaria do prédio onde o mesmo se encontra.</font></i><br>
</p><p><i><font>C. A Recorrente não entregou a carta à Recorrida, o que apenas ocorreria caso tivesse entregue a um seu funcionário que se encontrasse na sede e não à vigilante da empresa de segurança contratada pela própria Recorrente e que se encontrava na portaria.</font></i><br>
</p><p><i><font>D. Não é analogicamente aplicável ao regime previsto para comunicação por entrega em mão ao destinatário (art. 9.º, n.º 6 do NRAU) o regime previsto para a comunicação por carta registada com aviso de recepção (art. 9.º, n.º 1 do NRAU).</font></i><br>
</p><p><i><font>E. Não é analogicamente aplicável à oposição à renovação a excepção prevista na al. b) do n.º 2 do art. 10.º do NRAU, a qual só se aplica às situações de comunicação de resolução do contrato por incumprimento contratual quando exista domicílio convencionado (art. 9.º, n.º 7, al. c) do NRAU).</font></i><br>
</p><p><i><font>F. A comunicação datada de 30 de Novembro de 2017 não teve como consequência a válida oposição à renovação do Contrato de Arrendamento prevista para o dia 30 de Novembro de 2018.</font></i><br>
</p><p><i><font>Nestes termos e nos melhores de Direito, a Sentença recorrida não padece dos erros apontados pela Recorrente, pelo que, deve o recurso interposto pel mesma ser julgado totalmente improcedente e, desta forma, farão V. Exas., Venerandos Desembargadores do Tribunal da Relação ….., Justiça!</font></i><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><b><font>9.</font></b><font> O recurso de revista </font><i><font>per saltum</font></i><font> foi admitido pelo Exma Senhora Juiz do tribunal </font><i><font>a quo.</font></i><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font>Cumpre analisar e decidir.</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><b><font>II. Fundamentação</font></b><font> </font><br>
</p><p><b><font>10. De</font></b><font> </font><b><font>facto</font></b><br>
</p><p><b><font>10.1.</font></b><font> No despacho saneador foram considerados provados por documento ou por acordo os seguintes factos (identificados na sentença por </font><b><font>3.1</font></b><font>.):</font><br>
</p><p><font>1. A 17 de outubro de 2017 a Silcoge - Sociedade Construtora de Obras Gerais, na qualidade de senhoria e Patris Investimentos, SA, na qualidade de inquilina, subscreveram o instrumento junto por cópia a fls. 19v.-26, denominado “Contrato de arrendamento para fins não habitacionais “, cujo integral teor se dá aqui por reproduzido, ali tendo ficado consignado, nomeadamente, o seguinte:</font><br>
</p><p><i><font>“</font></i><font> </font><i><font>(…)</font></i><font> </font><i><font>Considerando</font></i><font> </font><i><font>que:</font></i><br>
</p><p><i><font>(A)</font></i><font> </font><i><font>A</font></i><font> </font><i><font>senhoria</font></i><font> </font><i><font>é</font></i><font> </font><i><font>legitima</font></i><font> </font><i><font>proprietária</font></i><font> </font><i><font>e</font></i><font> </font><i><font>possuidora</font></i><font> </font><i><font>do</font></i><font> </font><i><font>prédio</font></i><font> </font><i><font>urbano</font></i><font> </font><i><font>destinado</font></i><font> </font><i><font>a</font></i><font> </font><i><font>comércio</font></i><font> </font><i><font>e</font></i><font> </font><i><font>serviços</font></i><font> </font><i><font>sito</font></i><font> </font><i><font>na.........,</font></i><font> </font><i><font>n.ºs</font></i><font> </font><i><font>.., e ..,</font></i><font> </font><i><font>tornejando</font></i><font> </font><i><font>para</font></i><font> </font><i><font>a ......,</font></i><font> </font><i><font>n.ºs</font></i><font> </font><i><font>.., ... e ...,</font></i><font> </font><i><font>na</font></i><font> </font><i><font>freguesia .........</font></i><font> </font><i><font>(…),</font></i><font> </font><i><font>concelho</font></i><font> </font><i><font>…..,</font></i><font> </font><i><font>descrito</font></i><font> </font><i><font>na</font></i><font> </font><i><font>Conservatória</font></i><font> </font><i><font>do</font></i><font> </font><i><font>Registo</font></i><font> </font><i><font>Predial de .....</font></i><font> </font><i><font>sob</font></i><font> </font><i><font>o</font></i><font> </font><i><font>n.º</font></i><font> </font><i><font>…/….0413</font></i><font> </font><i><font>e</font></i><font> </font><i><font>inscrito</font></i><font> </font><i><font>na</font></i><font> </font><i><font>matriz</font></i><font> </font><i><font>predial</font></i><font> </font><i><font>urbana</font></i><font> </font><i><font>daquela</font></i><font> </font><i><font>freguesia</font></i><font> </font><i><font>sob</font></i><font> </font><i><font>o</font></i><font> </font><i><font>artigo</font></i><font> </font><i><font>….</font></i><font> </font><i><font>(…);</font></i><br>
</p><p><i><font>É</font></i><font> </font><i><font>reciprocamente</font></i><font> </font><i><font>aceite</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>boa</font></i><font> </font><i><font>fé</font></i><font> </font><i><font>e</font></i><font> </font><i><font>reduzido</font></i><font> </font><i><font>a</font></i><font> </font><i><font>escrito</font></i><font> </font><i><font>o</font></i><font> </font><i><font>presente</font></i><font> </font><i><font>Contrato</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>arrendamento</font></i><font> </font><i><font>para</font></i><font> </font><i><font>fins</font></i><font> </font><i><font>não</font></i><font> </font><i><font>habitacionais</font></i><font> </font><i><font>com</font></i><font> </font><i><font>prazo</font></i><font> </font><i><font>certo,</font></i><font> </font><i><font>celebrado</font></i><font> </font><i><font>nos</font></i><font> </font><i><font>termos dos</font></i><font> </font><i><font>artigos</font></i><font> </font><i><font>1108º</font></i><font> </font><i><font>e</font></i><font> </font><i><font>seguintes</font></i><font> </font><i><font>do</font></i><font> </font><i><font>Código</font></i><font> </font><i><font>Civil,</font></i><font> </font><i><font>o</font></i><font> </font><i><font>qual</font></i><font> </font><i><font>se</font></i><font> </font><i><font>regerá</font></i><font> </font><i><font>pelos</font></i><font> </font><i><font>termos</font></i><font> </font><i><font>e</font></i><font> </font><i><font>condições</font></i><font> </font><i><font>constantes</font></i><font> </font><i><font>dos</font></i><font> </font><i><font>Considerandos</font></i><font> </font><i><font>supra</font></i><font> </font><i><font>e</font></i><font> </font><i><font>das</font></i><font> </font><i><font>cláusulas</font></i><font> </font><i><font>seguintes:</font></i><br>
</p><p><i><font>(…)</font></i><br>
</p><p><i><font>1.2.</font></i><font> </font><i><font>Para</font></i><font> </font><i><font>o</font></i><font> </font><i><font>edifício</font></i><font> </font><i><font>foi</font></i><font> </font><i><font>emitido</font></i><font> </font><i><font>pela</font></i><font> </font><i><font>Câmara</font></i><font> </font><i><font>Municipal .....</font></i><font> </font><i><font>o</font></i><font> </font><i><font>Alvará</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>Autorização</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>Utilização</font></i><font> </font><i><font>n.º</font></i><font> </font><i><font>../UT/….</font></i><font> </font><i><font>(…)</font></i><br>
</p><p><i><font>(…)</font></i><br>
</p><p><i><font>2</font></i><font> </font><i><font>Objecto</font></i><font> </font><i><font>/</font></i><font> </font><i><font>Local</font></i><font> </font><i><font>arrendado</font></i><br>
</p><p><i><font>2.1.</font></i><font> </font><i><font>Pelo</font></i><font> </font><i><font>presente</font></i><font> </font><i><font>contrato,</font></i><font> </font><i><font>a</font></i><font> </font><i><font>senhoria</font></i><font> </font><i><font>dá</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>arrendamento</font></i><font> </font><i><font>ao</font></i><font> </font><i><font>arrendatário,</font></i><font> </font><i><font>que</font></i><font> </font><i><font>aceita,</font></i><font> </font><i><font>os</font></i><font> </font><i><font>espaços</font></i><font> </font><i><font>do</font></i><font> </font><i><font>Edifício</font></i><font> </font><i><font>a</font></i><font> </font><i><font>seguir</font></i><font> </font><i><font>identificados</font></i><font> </font><i><font>e</font></i><font> </font><i><font>representados</font></i><font> </font><i><font>nas</font></i><font> </font><i><font>plantas</font></i><font> </font><i><font>que</font></i><font> </font><i><font>integram</font></i><font> </font><i><font>o</font></i><font> </font><i><font>Anexo</font></i><font> </font><i><font>2</font></i><font> </font><i><font>ao</font></i><font> </font><i><font>presente</font></i><font> </font><i><font>contrato</font></i><font> </font><i><font>(o</font></i><font> </font><i><font>“</font></i><font> </font><i><font>local</font></i><font> </font><i><font>arrendado”)</font></i><br>
</p><p><i><font>2.1.1.</font></i><font> </font><i><font>(…)</font></i><br>
</p><p><i><font>2.1.2.</font></i><font> </font><i><font>Espaço</font></i><font> </font><i><font>para</font></i><font> </font><i><font>comércio</font></i><font> </font><i><font>e</font></i><font> </font><i><font>serviços</font></i><font> </font><i><font>no</font></i><font> </font><i><font>Piso</font></i><font> </font><i><font>-1</font></i><font> </font><i><font>do</font></i><font> </font><i><font>Edifício,</font></i><font> </font><i><font>com</font></i><font> </font><i><font>área</font></i><font> </font><i><font>bruta</font></i><font> </font><i><font>locável</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>211,50</font></i><font> </font><i><font>m2;</font></i><br>
</p><p><i><font>2.1.3.</font></i><font> </font><i><font>(…)</font></i><font> </font><i><font>(…)</font></i><br>
</p><p><i><font>4.</font></i><font> </font><i><font>Duração</font></i><br>
</p><p><i><font>4.1.</font></i><font> </font><i><font>O</font></i><font> </font><i><font>arrendamento</font></i><font> </font><i><font>objecto</font></i><font> </font><i><font>do</font></i><font> </font><i><font>presente</font></i><font> </font><i><font>contrato</font></i><font> </font><i><font>é</font></i><font> </font><i><font>celebrado</font></i><font> </font><i><font>com</font></i><font> </font><i><font>prazo</font></i><font> </font><i><font>certo,</font></i><font> </font><i><font>pelo</font></i><font> </font><i><font>período</font></i><font> </font><i><font>inicial</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>cinco</font></i><font> </font><i><font>anos,</font></i><font> </font><i><font>com</font></i><font> </font><i><font>início</font></i><font> </font><i><font>em</font></i><font> </font><i><font>1</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>Dezembro</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>2013</font></i><font> </font><i><font>e</font></i><font> </font><i><font>termo</font></i><font> </font><i><font>em</font></i><font> </font><i><font>30</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>Novembro</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>2018.</font></i><br>
</p><p><i><font>4.2.</font></i><font> </font><i><font>O</font></i><font> </font><i><font>arrendamento</font></i><font> </font><i><font>renovar-se-á</font></i><font> </font><i><font>automaticamente</font></i><font> </font><i><font>por</font></i><font> </font><i><font>sucessivos</font></i><font> </font><i><font>períodos</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>cinco</font></i><font> </font><i><font>anos,</font></i><font> </font><i><font>salvo</font></i><font> </font><i><font>se</font></i><font> </font><i><font>alguma</font></i><font> </font><i><font>das</font></i><font> </font><i><font>partes</font></i><font> </font><i><font>comunicar</font></i><font> </font><i><font>à</font></i><font> </font><i><font>outra</font></i><font> </font><i><font>a</font></i><font> </font><i><font>sua</font></i><font> </font><i><font>oposição</font></i><font> </font><i><font>à</font></i><font> </font><i><font>renovação,</font></i><font> </font><i><font>por</font></i><font> </font><i><font>escrito,</font></i><font> </font><i><font>com</font></i><font> </font><i><font>antecedência</font></i><font> </font><i><font>não</font></i><font> </font><i><font>inferior</font></i><font> </font><i><font>a</font></i><font> </font><i><font>um</font></i><font> </font><i><font>ano</font></i><font> </font><i><font>do</font></i><font> </font><i><font>termo</font></i><font> </font><i><font>do</font></i><font> </font><i><font>período</font></i><font> </font><i><font>inicial</font></i><font> </font><i><font>do</font></i><font> </font><i><font>contrato</font></i><font> </font><i><font>ou</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>qualquer</font></i><font> </font><i><font>das</font></i><font> </font><i><font>suas</font></i><font> </font><i><font>renovações.</font></i><br>
</p><p><i><font>4.3.</font></i><font> </font><i><font>Nenhuma</font></i><font> </font><i><font>das</font></i><font> </font><i><font>partes</font></i><font> </font><i><font>poderá</font></i><font> </font><i><font>denunciar</font></i><font> </font><i><font>o</font></i><font> </font><i><font>presente</font></i><font> </font><i><font>Contrato</font></i><font> </font><i><font>antes</font></i><font> </font><i><font>do</font></i><font> </font><i><font>termo</font></i><font> </font><i><font>do</font></i><font> </font><i><font>período</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>duração</font></i><font> </font><i><font>inicial</font></i><font> </font><i><font>ou</font></i><font> </font><i><font>do</font></i><font> </font><i><font>temo</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>qualquer</font></i><font> </font><i><font>das</font></i><font> </font><i><font>suas</font></i><font> </font><i><font>renovações,</font></i><font> </font><i><font>consoante</font></i><font> </font><i><font>aplicável,</font></i><font> </font><i><font>sem</font></i><font> </font><i><font>prejuízo</font></i><font> </font><i><font>do</font></i><font> </font><i><font>direito</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>oposição</font></i><font> </font><i><font>à</font></i><font> </font><i><font>renovação</font></i><font> </font><i><font>a</font></i><font> </font><i><font>que</font></i><font> </font><i><font>se</font></i><font> </font><i><font>refere</font></i><font> </font><i><font>o</font></i><font> </font><i><font>número</font></i><font> </font><i><font>anterior.</font></i><br>
</p><p><i><font>5.</font></i><font> </font><i><font>Renda</font></i><font> </font><i><font>(…)</font></i><br>
</p><p><i><font>14.</font></i><font> </font><i><font>Restituição</font></i><font> </font><i><font>do</font></i><font> </font><i><font>local</font></i><font> </font><i><font>arrendado</font></i><br>
</p><p><i><font>14.1.</font></i><font> </font><i><font>No</font></i><font> </font><i><font>termo</font></i><font> </font><i><font>do</font></i><font> </font><i><font>presente</font></i><font> </font><i><font>contrato,</font></i><font> </font><i><font>o</font></i><font> </font><i><font>local</font></i><font> </font><i><font>arrendado</font></i><font> </font><i><font>deverá</font></i><font> </font><i><font>ser</font></i><font> </font><i><font>restituído</font></i><font> </font><i><font>à</font></i><font> </font><i><font>senhoria</font></i><font> </font><i><font>devoluto,</font></i><font> </font><i><font>limpo</font></i><font> </font><i><font>e</font></i><font> </font><i><font>em</font></i><font> </font><i><font>estado</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>conservação</font></i><font> </font><i><font>equivalente</font></i><font> </font><i><font>ao</font></i><font> </font><i><font>que</font></i><font> </font><i><font>tinha</font></i><font> </font><i><font>na</font></i><font> </font><i><font>data</font></i><font> </font><i><font>em</font></i><font> </font><i><font>que</font></i><font> </font><i><font>foi</font></i><font> </font><i><font>entregue</font></i><font> </font><i><font>ao</font></i><font> </font><i><font>arrendatário,</font></i><font> </font><i><font>ressalvadas</font></i><font> </font><i><font>as</font></i><font> </font><i><font>deteriorações</font></i><font> </font><i><font>inerentes</font></i><font> </font><i><font>a</font></i><font> </font><i><font>uma</font></i><font> </font><i><font>normal</font></i><font> </font><i><font>e</font></i><font> </font><i><font>prudente</font></i><font> </font><i><font>utilização,</font></i><font> </font><i><font>em</font></i><font> </font><i><font>conformidade</font></i><font> </font><i><font>com</font></i><font> </font><i><font>os</font></i><font> </font><i><font>fins</font></i><font> </font><i><font>previstos</font></i><font> </font><i><font>neste</font></i><font> </font><i><font>Contrato</font></i><br>
</p><p><i><font>(…)</font></i><br>
</p><p><i><font>22</font></i><font> </font><i><font>Comunicações</font></i><br>
</p><p><i><font>22.1</font></i><font> </font><i><font>Quaisquer</font></i><font> </font><i><font>notificações</font></i><font> </font><i><font>ou</font></i><font> </font><i><font>outras</font></i><font> </font><i><font>comunicações</font></i><font> </font><i><font>que</font></i><font> </font><i><font>tenham</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>ser</font></i><font> </font><i><font>efectuadas</font></i><font> </font><i><font>entre</font></i><font> </font><i><font>as</font></i><font> </font><i><font>Partes</font></i><font> </font><i><font>no</font></i><font> </font><i><font>cumprimento</font></i><font> </font><i><font>do</font></i><font> </font><i><font>presente</font></i><font> </font><i><font>contrato</font></i><font> </font><i><font>deverão</font></i><font> </font><i><font>ser</font></i><font> </font><i><font>efetuadas</font></i><font> </font><i><font>para</font></i><font> </font><i><font>os</font></i><font> </font><i><font>endereços</font></i><font> </font><i><font>e</font></i><font> </font><i><font>ao</font></i><font> </font><i><font>cuidado</font></i><font> </font><i><font>das</font></i><font> </font><i><font>pessoas</font></i><font> </font><i><font>a</font></i><font> </font><i><font>seguir</font></i><font> </font><i><font>indicadas,</font></i><font> </font><i><font>ou</font></i><font> </font><i><font>para</font></i><font> </font><i><font>qualquer</font></i><font> </font><i><font>outro</font></i><font> </font><i><font>endereço</font></i><font> </font><i><font>ou</font></i><font> </font><i><font>pessoa</font></i><font> </font><i><font>que</font></i><font> </font><i><font>para</font></i><font> </font><i><font>este</font></i><font> </font><i><font>efeito</font></i><font> </font><i><font>venha</font></i><font> </font><i><font>a</font></i><font> </font><i><font>ser</font></i><font> </font><i><font>entretanto</font></i><font> </font><i><font>comunicado</font></i><font> </font><i><font>por</font></i><font> </font><i><font>escrito</font></i><font> </font><i><font>por</font></i><font> </font><i><font>qualquer</font></i><font> </font><i><font>das</font></i><font> </font><i><font>Partes</font></i><font> </font><i><font>contratantes</font></i><font> </font><i><font>à</font></i><font> </font><i><font>outra:</font></i><br>
</p><p><i><font>(…)</font></i><br>
</p><p><i><font>Para</font></i><font> </font><i><font>o</font></i><font> </font><i><font>arrendatário</font></i><br>
</p><p><i><font>Patris</font></i><font> </font><i><font>Investimentos,</font></i><font> </font><i><font>SGPS</font></i><br>
</p><p><i><font>Rua ........,</font></i><font> </font><i><font>.. - ..º andar</font></i><font> </font><i><font>....-... .....</font></i><br>
</p><p><i><font>A/C</font></i><font> </font><i><font>Dr.</font></i><font> </font><i><font>AA</font></i><font> </font><i><font>/</font></i><font> </font><i><font>Dr.</font></i><font> </font><i><font>BB</font></i><font> </font><i><font>Email</font></i><a><i><u><font>[email protected]</font></u></i><u><font> </font></u></a><i><font>/</font></i><font> </font><a><i><u><font>[email protected]</font></u></i></a><br>
</p><p><i><font>22.2</font></i><font> </font><i><font>As</font></i><font> </font><i><font>notificações</font></i><font> </font><i><font>ou</font></i><font> </font><i><font>comunicações</font></i><font> </font><i><font>feitas</font></i><font> </font><i><font>nos</font></i><font> </font><i><font>termos</font></i><font> </font><i><font>do</font></i><font> </font><i><font>número</font></i><font> </font><i><font>anterior</font></i><font> </font><i><font>consideram-se</font></i><font> </font><i><font>efectuadas</font></i><font> </font><i><font>em</font></i><font> </font><i><font>3</font></i><font> </font><i><font>dias</font></i><font> </font><i><font>após</font></i><font> </font><i><font>o</font></i><font> </font><i><font>seu</font></i><font> </font><i><font>envio</font></i><font> </font><i><font>por</font></i><font> </font><i><font>carta</font></i><font> </font><i><font>registada</font></i><font> </font><i><font>ou,</font></i><font> </font><i><font>sendo</font></i><font> </font><i><font>notificação</font></i><font> </font><i><font>ou</font></i><font> </font><i><font>comunicação</font></i><font> </font><i><font>efetuada</font></i><font> </font><i><font>por</font></i><font> </font><i><font>fax</font></i><font> </font><i><font>ou</font></i><font> </font><i><font>carta</font></i><font> </font><i><font>com</font></i><font> </font><i><font>protocolo</font></i><font> </font><i><font>ou</font></i><font> </font><i><font>com</font></i><font> </font><i><font>aviso</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>recepção,</font></i><font> </font><i><font>na</font></i><font> </font><i><font>data</font></i><font> </font><i><font>da</font></i><font> </font><i><font>respectiva</font></i><font> </font><i><font>recepção.</font></i><br>
</p><p><i><font>(…)”</font></i><br>
</p><p><b><font>2.</font></b><font> A 01 de Março de 2014, a Silcoge - Sociedade Construtora de Obras Gerais, na qualidade de senhoria e Patris Investimentos, SA, na qualidade de inquilina, subscreveram o instrumento junto por cópia a fls. 34-35, denominado “1º Aditamento a Contrato de arrendamento para fins não habitacionais “, cujo integral teor se dá aqui por reproduzido.</font><br>
</p><p><b><font>3.</font></b><font> A 03 de Novembro de 2014, a Silcoge - Sociedade Construtora de Obras Gerais, na qualidade de senhoria e Patris Investimentos, SA, na qualidade de inquilina, subscreveram o instrumento junto por cópia a fls. 37-39v., denominado “2º Aditamento a Contrato de arrendamento para fins não habitacionais “, cujo integral teor se dá aqui por reproduzido, ali tendo ficado consignado, nomeadamente, o seguinte:</font><br>
</p><p><i><font>“1.</font></i><font> </font><i><font>Alterações</font></i><font> </font><i><font>ao</font></i><font> </font><i><font>contrato</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>arrendamento</font></i><br>
</p><p><i><font>É</font></i><font> </font><i><font>alterada</font></i><font> </font><i><font>a</font></i><font> </font><i><font>redação</font></i><font> </font><i><font>da</font></i><font> </font><i><font>Cláusula</font></i><font> </font><i><font>2</font></i><font> </font><i><font>(…),</font></i><font> </font><i><font>do</font></i><font> </font><i><font>Contrato</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>arrendamento,</font></i><font> </font><i><font>cláusulas</font></i><font> </font><i><font>estas</font></i><font> </font><i><font>que</font></i><font> </font><i><font>passam</font></i><font> </font><i><font>a</font></i><font> </font><i><font>ter</font></i><font> </font><i><font>a</font></i><font> </font><i><font>seguinte</font></i><font> </font><i><font>redacção:</font></i><br>
</p><p><i><font>(…)</font></i><br>
</p><p><i><font>2.1.1.</font></i><font> </font><i><font>Espaço</font></i><font> </font><i><font>para</font></i><font> </font><i><font>comércio</font></i><font> </font><i><font>e</font></i><font> </font><i><font>serviços</font></i><font> </font><i><font>no</font></i><font> .</font><i><font>.º</font></i><font> </font><i><font>Piso</font></i><font> </font><i><font>do</font></i><font> </font><i><font>Edifício,</font></i><font> </font><i><font>com</font></i><font> </font><i><font>a</font></i><font> </font><i><font>área</font></i><font> </font><i><font>bruta</font></i><font> </font><i><font>locável</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>507,16m2;</font></i><br>
</p><p><i><font>(…)”</font></i><br>
</p><p><b><font>4.</font></b><font> A 27 de Maio de 2015, a Silcoge - Sociedade Construtora de Obras Gerais, na qualidade de senhoria e Patris Investimentos, SA, na qualidade de inquilina, subscreveram o instrumento junto por cópia a fls. 41-43., denominado “3º Aditamento a Contrato de arrendamento para fins não habitacionais “, cujo integral teor se dá aqui por reproduzido.</font><br>
</p><p><b><font>5.</font></b><font> A 12 de Fevereiro de 2015, a Silcoge - Sociedade Construtora de Obras Gerais, na qualidade de senhoria e Patris Investimentos, SA, na qualidade de inquilina, subscreveram o instrumento junto por cópia a fls. 44v-46v, denominado “4º Aditamento a Contrato de arrendamento para fins não habitacionais “, cujo integral teor se dá aqui por reproduzido, ali tendo ficado consignado, nomeadamente, o seguinte:</font><br>
</p><p><i><font>“1.</font></i><font> </font><i><font>Alterações</font></i><font> </font><i><font>ao</font></i><font> </font><i><font>contrato</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>arrendamento</font></i><br>
</p><p><i><font>São</font></i><font> </font><i><font>alteradas</font></i><font> </font><i><font>a</font></i><font> </font><i><font>Cláusula</font></i><font> </font><i><font>2</font></i><font> </font><i><font>(…),</font></i><font> </font><i><font>a</font></i><font> </font><i><font>Cláusula</font></i><font> </font><i><font>5</font></i><font> </font><i><font>(…)</font></i><font> </font><i><font>do</font></i><font> </font><i><font>Contrato</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><f | [0 0 0 ... 0 0 0] |
MTJru4YBgYBz1XKvTgXY | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><br>
<font> </font>
<p><b><font>I. Relatório</font></b><br>
</p><p><b><font>1.</font></b><font> Na presente ação especial de prestação de contas que AA move contra BB e em que é interveniente CC.</font><br>
</p><p><font>Alegou, em síntese, que após o falecimento de DD, mãe da A. R. e interveniente, o R. assumiu as funções de Cabeça-de-Casal da herança aberta por óbito daquela, funções essas que desempenhou, de facto, desde 18 de Setembro de 2004 até Maio de 2009, tendo administrado os bens pertencentes à herança por um período de, sensivelmente, 5 (cinco) anos, período em que nunca prestou quaisquer contas às demais co-herdeiras, nelas se incluindo a A., não obstante, ter sido solicitado a fazê-lo e, aquando da sua substituição como cabeça de casal, ter entregue documentos - irregulares, porque omissos, incompletos e sem os necessários documentos justificativos de lançamentos, seja a débito ou a crédito, efectuados, não se equiparando tal mera entrega física de documentos a uma qualquer prestação de contas e muito menos à sua aprovação pela A.</font><br>
</p><p><font>Como pedido contra o R. indicou:</font><br>
</p><p><font>“C. Ser a presente acção julgada totalmente procedente, porque provada, e, consequentemente, ser o R., BB, condenado a prestar as contas da sua administração no período compreendido entre 18 de Setembro de 2004 a Maio de 2009;</font><br>
</p><p><font>D. Ser o R. condenado no pagamento à A., na proporção do respectivo direito, do saldo final que da prestação de contas, eventualmente, se vier a apurar.” </font><br>
</p><p><b><font>2.</font></b><font> O R. contestou indicando que prestou as contas relativa ao período indicado pela A., que a herança era administrada pelos três herdeiros, que as contas eram prestadas pelo contabilista encarregue de as organizar, sendo aprovadas pelos herdeiros, que partilhavam os resultados. também invocou a excepção peremptória de abuso de direito por parte da Autora. </font><br>
</p><p><b><font>3.</font></b><font> Na 1ª instância foi definido como objecto da acção - determinar se o Réu está obrigado a prestar contas à Autora e à chamada, relativamente ao exercício das funções de cabeça-de-casal da herança aberta por óbito de DD, entre 18 de Setembro de 2004 até Maio de 2009. </font><br>
</p><p><b><font>4.</font></b><font> Foi realizada a audiência final com a observância do formalismo legal, fixados os factos provados e não provados e veio a ser proferida sentença com o seguinte dispositivo:</font>
</p><p><font>“</font><i><font>Nestes termos, e em face de tudo quanto se disse – quer por se considerar que o Réu já cumpriu a sua obrigação de prestar contas, quer por se considerar que o pedido formulado pela Autora consubstancia uma atuação em abuso de direito –, cumpre concluir pela inexistência de qualquer obrigação por parte do Réu de prestar contas no âmbito da presente ação, improcedendo na íntegra tudo quanto peticionado pela Autora.”</font></i><font> </font><br>
</p><p><b><font>5.</font></b><font> Não satisfeita com a decisão dela apresentou recurso de apelação a A., pedindo a alteração da matéria de facto e novo julgamento de direito.</font><br>
</p><p><font>Na alegação de recurso de apelação, a recorrente (autora) pediu que fosse anulada a decisão; que seja revogada a decisão de facto quanto aos concretos pontos de facto impugnados e substituída por uma outra que julgue os mesmos em conformidade com a prova produzida; e que seja revogada e substituída a decisão recorrida por outra que julgue o pedido de prestação de contas procedente, condenando o R. a prestar judicialmente as contas.</font><br>
</p><p><font>O R. respondeu à alegação da recorrente, pugnando pela confirmação da decisão Recorrida. Não houve recurso subordinado, nem ampliação do objecto do recurso. </font><br>
</p><p><b><font>6.</font></b><font> Nas conclusões recursivas da apelação a recorrente especificou, como pontos de facto incorretamente julgados, os pontos 3, 4, 5, 6 e 10 da matéria de facto provada e a alínea A) da matéria de facto não provada na 1ª instância. </font><br>
</p><p><b><font>7.</font></b><font> O TRL conheceu da impugnação da matéria de facto e decidiu:</font><br>
</p><p><font>- eliminar, sem mais, o ponto 3 da matéria de facto provada;</font><br>
</p><p><font>- eliminar, sem mais, o ponto 4 da matéria de facto provada;</font><br>
</p><p><font>- passar da matéria de facto provada para a matéria de facto não provada o facto vertido no ponto 5 da matéria de facto provada.</font><br>
</p><p><font>- eliminar, sem mais, da matéria de facto provada a matéria relativa a documentos de suporte vertida no ponto 6 da matéria de facto provada;</font><br>
</p><p><font>- eliminar, sem mais, o ponto 10 da matéria de facto provada;</font><br>
</p><p><font>- manter inalterado a alínea A da matéria de facto não provada;</font><br>
</p><p><font>- aditar a alínea E. aos factos não provados, com a seguinte redacção: As contas referidas no ponto 8 da matéria de facto provada foram aprovadas pela A. </font><br>
</p><p><b><font>8.</font></b><font> As demais questões colocadas no recurso foram conhecidas pelo tribunal que veio a proferir o seguinte dispositivo:</font><br>
</p><p><i><font>“Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar procedente a apelação, revogando a sentença recorrida e julgando existente a obrigação do R. de prestar contas.</font></i><font> </font><br>
</p><p><b><font>9.</font></b><font> O R. apresentou recurso de revista, requerendo que fosse determinado ter o mesmo efeitos suspensivos.</font><br>
</p><p><font>O Exmo Sr Desembargador relator proferiu despacho a admitir o recurso, fixando o efeito devolutivo, que é o próprio e se mantém (art.º 676.º, n.º1 CPC).</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><b><font>10.</font></b><font> Na revista o recorrente (réu) apresenta as seguintes conclusões (transcrição):</font>
</p><p><i><font>A) No acórdão recorrido o Tribunal a quo alterou a matéria de facto provada e não aprovada, e não teve em devida conta os factos essenciais para boa decisão da causa, e ao não ordenar a renovação da produção de prova para suprir as insuficiências detetadas, violou o disposto no artigo 662 n.º 2 e 3 do CPC.</font></i><font> Na versão do R. o tribunal não considerou a herança no sentido devido: sendo apenas herança ¼ do património deixado por óbito da mãe da A, interveniente e R, pois os restantes ¾ do património existente pertenceriam já à A, interveniente e R., em compropriedade, sendo gerida pelos comproprietários em conjunto; no dizer do R. o tribunal simplesmente ignorou tais factos e pretende que o R. preste contas de um acervo de bens já partilhado entre os 3 irmãos, e que não integra a herança; </font>
</p><p><i><font>B) Na apreciação do exercício abusivo de direito à prestação de contas o acórdão recorrido não teve em conta a data da partilha constantes dos autos (25/06/2015 - art. 2§ da pi e doc.3 da pi)</font></i><font>no indicado art.º dizia-se: Após falecimento de DD, assumiu as funções de Cabeça-de-Casal da herança aberta por óbito daquela, o seu filho, BB, aqui R., funções essas que desempenhou, de facto, desde 18 de Setembro de 2004 até Maio de 2009; neste art.º não há indicação de qualquer documento; o doc. 3 (de que peça?) é uma suposta certidão do processo de inventário com o n.º258/12.2TBPSR e dela pretende extrair a data da partilha 25/6/2015)</font>
</p><p><i><font>C) Não considerou ainda que a recorrente na qualidade de comproprietária teve conhecimento de todas as despesas e receitas imputadas à herança, a qual correspondia a % de todo o património (rústico e urbano) de que a recorrente também é cotitular de %, como os seus dois outros irmãos.</font></i>
</p><p><i><font>D) Que durante 111 meses a recorrente esteve na posse de toda a documentação que suportava a prestação de contas. </font></i><font>(erro de julgamento?</font>
</p><p><i><font>E) Na sua douta decisão, o Tribunal a quo não considerou o período de tempo de inação de 111 meses como período excessivo que criou no recorrente, de acordo com a boa fé e os bons costumes, a convicção que o direito não seria exercido, criando neste a confiança que as contas estavam prestadas.</font></i>
</p><p><i><font>F) Que tal período de omissão, por analogia com período estipulado no artigo 1681.º n.º2 do C. Civil, se mostrava manifestamente excessivo.</font></i>
</p><p><i><font>G) O douto acórdão recorrido, violou o disposto no artigo 324º do C. Cível, ao interpretá-lo no sentido de ser possível requer prestação de contas a um dos herdeiros que também era comproprietário nos bens da herança, passados<br>
mais de cinco anos sobre o eventual incumprimento.</font></i><br>
</p><p><i><font>Pelo que Venerando Juiz Conselheiros, revogando-se o douto acórdão recorrido e substituído por douto acórdão que:</font></i><br>
</p><p><i><font>- Determine a renovação da prova produzida e produção de nova prova pelo Tribunal de lª Instância; ou considere abusivo o exercício de direito à prestação de contas pela recorrida, nos termos no artigo 334º do C. Civil, julgando procedente a exceção deduzida, absolvendo o recorrente do pedido.</font></i><br>
</p><p><i><font>Se Fará a Habitual Justiça”</font></i><br>
</p><p><i><font> </font></i><br>
</p><p><font>Foram apresentadas contra-alegações.</font><br>
</p><p><font>Colhidos os vistos, cumpre analisar e decidir.</font><br>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font>II. Fundamentação</font></b><br>
</p><p><b><font>11.</font></b><font> Da </font><b><font>1ª instância</font></b><font> vieram apurados os seguintes factos:</font><br>
</p><p><font>“1 - Em 18 de Setembro de 2004, faleceu DD, tendo deixado como seus únicos herdeiros os seus 3 filhos, respetivamente, a Autora AA, a interveniente principal CC e o Réu BB.</font><br>
</p><p><font>2 - O Réu desempenhou as funções de cabeça-de-casal da herança entre 18 de Setembro de 2004 até Maio de 2009.</font><br>
</p><p><font>3 - Após o falecimento descrito, todo o património imobiliário da família .........., incluindo a herança, passou a ser administrado em conjunto pela Autora, Réu e interveniente principal, independentemente da sua titularidade registada.</font><br>
</p><p><font>4 - Durante o mesmo período, as contas bancárias relativas à herança eram tituladas pela Autora, pelo Réu e pela interveniente principal, bastando a assinatura de qualquer um deles para movimentar cada uma das contas existente.</font><br>
</p><p><font>5 - As contas da herança eram elaboradas anualmente pelo contabilista EE.</font><br>
</p><p><font>6 - As referidas contas e os respetivos documentos de suporte eram do conhecimento e encontravam-se à disposição de todos os herdeiros, incluindo a Autora, no escritório da família, sito no ................, n.º .., ..º-.., em ...........</font><br>
</p><p><font>7 - O Réu enviou à Autora carta datada de 28 de Dezembro de 2005, que esta recebeu, com o seguinte teor:</font><br>
</p><p><font>«(…) só agora posso fazer a apresentação das contas da herança do primeiro ano.</font><br>
</p><p><font>Como o dossier resumido que preparei para te entregar é volumoso, informo-te que o deixei em cima da tua secretária no escritório, lugar onde também podes consultar, integralmente, toda a documentação.</font><br>
</p><p><font>Ficas também, desde já, convocada para uma reunião entre os herdeiros, a realizar no dia 31 de Janeiro de 2006, pelas 10 horas e 30, no nosso escritório do ................., com a seguinte ordem de trabalhos:</font><br>
</p><p><font>a) – Discussão e aprovação das contas da herança de 2004/2005».</font><br>
</p><p><font>8 - O Réu entregou à Autora um dossier com as contas da herança relativas a 2004/2005.</font><br>
</p><p><font>9 - A Autora passou a desempenhar as funções de cabeça-de-casal da herança a partir de Maio de 2009.</font><br>
</p><p><font>10 - Após a referida data, a Autora retirou a autorização aos demais herdeiros para movimentarem as contas relativas à herança, deixando os mesmos de ser titulares daquelas.</font><br>
</p><p><font>11 - A Autora retirou igualmente do escritório da família toda a documentação contabilística da herança e respetivos documentos de suporte, os quais conserva atualmente na sua posse.</font><br>
</p><p><font>12 - A Autora enviou ao Réu carta datada de 3 de Outubro de 2018, que este recebeu, com o seguinte teor:</font><br>
</p><p><font>«Sobre os documentos, como tu bem sabes, necessitei dos mesmos quando assumi o cargo de Cabeça-de-Casal para ter uma ideia do que tinha acontecido nos anos anteriores, em virtude da tua absoluta falta de prestação de contas e de esclarecimentos».</font><br>
</p><p><font>13 - Por sentença transitada em julgado, a Autora foi condenada a pagar ao Réu e à interveniente principal quantia não concretamente apurada, no âmbito de uma ação de prestação de contas relativa ao exercício por aquela do cargo de cabeça-de-casal, no período compreendido entre 2009 e 2012.</font><br>
</p><p><font>14 - Em data não concretamente apurada, a Autora, a interveniente principal e o Réu celebraram acordo para a partilha da herança.” </font><br>
</p><p><font>E foram dados como </font><b><font>não provados</font></b><font> os seguintes factos:</font><br>
</p><p><font>“A. Durante o período em que exerceu o cargo de cabeça-de-casal, o Réu nunca prestou quaisquer contas às demais co-herdeiras, nomeadamente à Autora.</font><br>
</p><p><font>B. O Réu não apresentou, nem colocou à disposição da Autora quaisquer dossiers contabilísticos por referência a qualquer um dos anos em que exerceu o cargo de cabeça- de--casal, nem apresentou quaisquer relatórios de gestão e administração dos bens pertencentes à herança.</font><br>
</p><p><font>C. O Réu limitou-se a enviar à Autora, aquando da cessação das suas funções, documentos omissos e incompletos relativamente às contas do seu período de administração.” </font><br>
</p><p><b><font>12.</font></b><font> No </font><b><font>TRL</font></b><font> foram fixados os seguintes factos (</font><b><font>a negrito as supressões e mudanças</font></b><font>):</font><br>
</p><p><font>“1 - Em 18 de Setembro de 2004, faleceu DD, tendo deixado como seus únicos herdeiros os seus 3 filhos, respetivamente, a Autora AA, a interveniente principal CC e o Réu BB.</font><br>
</p><p><font>2 - O Réu desempenhou as funções de cabeça-de-casal da herança entre 18 de Setembro de 2004 até Maio de 2009.</font><br>
</p><p><font>3 - (</font><b><font>eliminado)</font></b><br>
</p><p><font>4 - (</font><b><font>eliminado)</font></b><br>
</p><p><font>5 - (</font><b><font>passou a não provado)</font></b><br>
</p><p><font>6 - (</font><b><font>eliminado)</font></b><br>
</p><p><font>7 - O Réu enviou à Autora carta datada de 28 de Dezembro de 2005, que esta recebeu, com o seguinte teor:</font><br>
</p><p><font>«(…) só agora posso fazer a apresentação das contas da herança do primeiro ano.</font><br>
</p><p><font>Como o dossier resumido que preparei para te entregar é volumoso, informo-te que o deixei em cima da tua secretária no escritório, lugar onde também podes consultar, integralmente, toda a documentação.</font><br>
</p><p><font>Ficas também, desde já, convocada para uma reunião entre os herdeiros, a realizar no dia 31 de Janeiro de 2006, pelas 10 horas e 30, no nosso escritório do ................., com a seguinte ordem de trabalhos:</font><br>
</p><p><font>a) – Discussão e aprovação das contas da herança de 2004/2005».</font><br>
</p><p><font>8 - O Réu entregou à Autora um dossier com as contas da herança relativas a 2004/2005.</font><br>
</p><p><font>9 - A Autora passou a desempenhar as funções de cabeça-de-casal da herança a partir de Maio de 2009.</font><br>
</p><p><font>10 - (</font><b><font>eliminado)</font></b><br>
</p><p><font>11 - A Autora retirou igualmente do escritório da família toda a documentação contabilística da herança e respetivos documentos de suporte, os quais conserva atualmente na sua posse.</font><br>
</p><p><font>12 - A Autora enviou ao Réu carta datada de 3 de Outubro de 2018, que este recebeu, com o seguinte teor:</font><br>
</p><p><font>«Sobre os documentos, como tu bem sabes, necessitei dos mesmos quando assumi o cargo de Cabeça-de-Casal para ter uma ideia do que tinha acontecido nos anos anteriores, em virtude da tua absoluta falta de prestação de contas e de esclarecimentos».</font><br>
</p><p><font>13 - Por sentença transitada em julgado, a Autora foi condenada a pagar ao Réu e à interveniente principal quantia não concretamente apurada, no âmbito de uma ação de prestação de contas relativa ao exercício por aquela do cargo de cabeça-de-casal, no período compreendido entre 2009 e 2012.</font><br>
</p><p><font>14 - Em data não concretamente apurada, a Autora, a interveniente principal e o Réu celebraram acordo para a partilha da herança.” </font><br>
</p><p><font>E foram dados como </font><b><font>não provados</font></b><font> os seguintes factos (</font><b><font>a negrito os aditamentos)</font></b><font>:</font><br>
</p><p><font>“A. Durante o período em que exerceu o cargo de cabeça-de-casal, o Réu nunca prestou quaisquer contas às demais co-herdeiras, nomeadamente à Autora.</font><br>
</p><p><font>B. O Réu não apresentou, nem colocou à disposição da Autora quaisquer dossiers contabilísticos por referência a qualquer um dos anos em que exerceu o cargo de cabeça- de-casal, nem apresentou quaisquer relatórios de gestão e administração dos bens pertencentes à herança.</font><br>
</p><p><font>C. O Réu limitou-se a enviar à Autora, aquando da cessação das suas funções, documentos omissos e incompletos relativamente às contas do seu período de administração.”</font><br>
</p><p><font>D. As contas da herança eram elaboradas anualmente pelo contabilista EE.</font><br>
</p><p><font>E. As contas referidas no ponto 8 da matéria de facto provada foram aprovadas pela A.</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><b><font>De Direito</font></b><br>
</p><p><b><font>13.</font></b><font> O TRL conheceu da apelação tendo procedido à alteração da matéria de facto – provada e não provada – nos termos do recurso que tinha para decidir, com contraditório do R. e sem recurso subordinado ou pedido de ampliação do objecto do recurso.</font><br>
</p><p><font>O STJ é um tribunal que aplica o direito aos factos provados – art.º 682.º CPC – não sendo o caso de aplicação do n.º 2 do referido normativo – não alegado, nem objecto do presente recurso de revista. </font><br>
</p><p><b><font>14.</font></b><font> Por estas razões, apenas se impõe analisar se o tribunal recorrido fez uma correcta aplicação do regime do art.º 662.º, ao alterar a matéria de facto, de acordo com os pedidos que lhe foram efectuados – e esses pedidos são os da apelação da A. e não do contraditório do Ré, ora recorrente, pois os recursos delimitam-se pelas conclusões das alegações dos recorrentes (o R. na apelação não era recorrente) e pelas questões de conhecimento oficioso.</font><br>
</p><p><font>Face ao exposto, e analisando o percurso lógico e procedimental do tribunal recorrido na reanálise da matéria de facto, face aos pedidos formulados, nada se identifica que possa conduzir a dizer que o tribunal violou o regime do art.º 662.º, n.º2 do CPC, porquanto analisou ponto por ponto as alterações solicitadas, efectuando uma análise crítica da sentença e sua fundamentação à luz dos meios de prova existentes nos autos, que compulsou para concluir no sentido indicado.</font><br>
</p><p><font>O facto de ter eliminado certos pontos da matéria de facto reportados ao património rústico e ter mantido a menção herança em outros evidencia que tomou em consideração o óbito da mãe do R. e do pai, distinguindo os bens que integrariam a herança por óbito da mãe face ao que eram os bens pertencentes ao falecido pai e que vieram a ser partilhados pelos únicos três filhos; ainda que possam existir incorrecções jurídicas o intuito do decisor parece ter sido o de determinar que fossem prestadas contas apenas reportadas ao período indicado e ao bem “herança”, se assim se pode apelidar. </font><br>
</p><p><b><font>15.</font></b><font> No que respeita à indicação de que as contas têm de ser prestadas e aprovadas, nada parece estar decidido em oposição ao direito aplicável.</font><br>
</p><p><font>Contudo, dos factos provados sobressai o ponto 11- “</font><i><font>A Autora retirou igualmente do escritório da família toda a documentação contabilística da herança e respetivos documentos de suporte, os quais conserva atualmente na sua posse</font></i><font>”, o que conjugado com o período de detenção destes documentos pela A. tornará dificilmente exequível ou exequível com justiça a prestação de contas e sua aprovação pelos herdeiros; se conjugarmos este elemento com o período de tempo que a A. levou para se decidir a pedir a prestação de contas, não se afigura razoável que a mesma não tenha conseguido – na sua qualidade de posterior cabeça de casal da herança – saber exactamente o ponto da situação económico-financeira dos bens a que o seu cabeçalato se vem a reportar, o que também seria um elemento essencial para o exercício correcto dessa função. Não sendo possível separar o conhecimento que passou a deter enquanto cabeça de casal e na qualidade de herdeira, perante os factos dados como provados, não é justificável a exigência que faz ao R., ao fim destes anos todos, por ser manifestamente inexigível que o mesmo esteja em condições de explicar ou demonstrar o cabal exercício de funções dos quais já não dispõe de elementos, que estão com a A. </font><br>
</p><p><font>A exigência feita pela A. afigura-se manifestamente abusiva da sua parte, por força do regime do art.º 334.º do CC, razão pela qual se deve entender que o R. já não está obrigado a prestar as contas do período em que foi cabeça-de casal, repristinando-se assim a decisão da 1ª instância, no sentido de absolvição dos pedidos formulados pela A. e improcedência da A.</font><br>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font>III. Decisão</font></b><br>
</p><p><font>Pelas razões apontadas é concedido provimento ao recurso e o Réu é absolvido dos pedidos contra si formulados pela A.</font><br>
</p><p><font>As custas do recurso são da responsabilidade da A./recorrida (art.º 527.º, n.º 1 e 2 do Código do Processo Civil).</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font>Lisboa, 9 de Março de 2021</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font>Fátima Gomes (relatora) </font><br>
</p><p><font>Acácio Neves </font><br>
</p></font><p><font><font>Fernando Samões</font></font></p> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
_TFku4YBgYBz1XKvFf_i | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><font> </font><div><b><font>Acordam, em conferência,</font></b><font> </font><b><font>no</font></b><font> </font><b><font>Supremo</font></b><font> </font><b><font>Tribunal</font></b><font> </font><b><font>de</font></b><font> </font><b><font>Justiça</font></b></div><br>
<p><b><font> </font></b>
</p><p><b><font>I</font></b><font> </font><b><font>–</font></b><font> </font><b><font>RELATÓRIO</font></b><br>
</p><p><b><font>1. </font></b><font>Decisões e Soluções - Intermediários de Crédito, Lda. e Decisões e Soluções – Mediação Imobiliária, Lda., instauraram acção sob a forma de processo comum contra, AA, pedindo que o Réu seja condenado: a) A pagar à 1ª A. a quantia de €2.500,00, a título de indemnização pela denúncia antecipada do contrato, acrescida de juros de mora à taxa legal desde a citação até efetivo pagamento; b) A pagar à 2ª A. a quantia de €52.500,00, também a título de indemnização, acrescida de juros de mora à taxa legal desde a citação até efetivo pagamento.</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><b><font>2.</font></b><font> Regularmente citado, contestou o Réu por exceção e impugnação, deduzindo também reconvenção, onde, subsidiariamente, para o caso de se entender que a ajuizada cláusula de não concorrência é válida, reclama o direito a ser compensado num valor que computa em €48.000,00 (equivalente a 2.000,00/mês), e ainda numa indemnização no montante de €18.000,00 correspondente ao prejuízo causado pelo incumprimento daquilo a que as Autoras se obrigaram, quantias em cujo pagamento pede a respetiva condenação sem prejuízo dos juros legais desde a citação.</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><b><font>3.</font></b><font> Replicaram as Autoras à matéria excepcional e reconvencional, concluindo pela sua improcedência e reiterando o pedido deduzido inicialmente.</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><b><font>4.</font></b><font> No despacho saneador foi julgada improcedente a invocada excepção de ilegitimidade ativa, sendo que a final a acção e a reconvenção foram julgadas improcedentes por não provadas e o Réu e as Autoras absolvidas dos respetivos pedidos, através do seguinte dispositivo:</font>
</p><p><font>“</font><i><font>Nestes termos e pelo exposto, decido: </font></i>
</p><p><i><font>a) Julgar totalmente improcedente procedente, por provada, a presente acção e, em consequência, absolver o R. dos pedidos;</font></i>
</p><p><i><font> </font></i>
</p><p><i><font>b) Julgar improcedente, por não provado, o pedido reconvencional do R./Reconvinte, referente à condenação das AA. ao pagamento de 18.000€, a título de incumprimento contratual e violação dos deveres de lealdade e boa fé, dele absolvendo as AA./Reconvindas.</font></i>
</p><p><i><font>c) Considerar prejudicado o restante pedido reconvencional, em virtude da apontada nulidade do pacto de não concorrência”</font></i><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><b><font>5.</font></b><font> Inconformada, recorreu a Autora/Decisões e Soluções - Mediação Imobiliária, Lda., tendo a Relação proferido acórdão, conhecendo da apelação, enunciando no respetivo dispositivo: “Pelo exposto, na improcedência da apelação, e ainda que por fundamentação não coincidente, confirmam a sentença recorrida.”</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><b><font>6.</font></b><font> Novamente inconformada a Autora/Decisões e Soluções – Mediação Imobiliária, Lda. interpôs recurso de revista, em termos gerais, e subsidiariamente, em termos excepcionais, invocando a propósito, a contradição de julgados, juntando cópia do acórdão fundamento (Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 14 de abril de 2019, proferido no âmbito do Processo n.º 27467/15.0T8PRT.P1), cujo trânsito está certificado.</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><b><font>7.</font></b><font> O Exm.º Senhor Juiz Conselheiro, a quem o recurso foi distribuído, exarou despacho em cumprimento do disposto no Provimento n.º 23/2019 do Supremo Tribunal de Justiça, remetendo os autos à formação.</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><b><font>8.</font></b><font> Por acórdão de 29 de Junho de 2021, a formação a que se reporta o art.º 672.º veio a admitir a revista pela via excepcional, por reconhecer existir </font><b><font>contradição</font></b><font> </font><b><font>de</font></b><font> </font><b><font>julgados</font></b><font> quanto à seguinte questão - A validade do pacto de não concorrência e da cláusula penal constantes do clausulado, nos ajuizados contratos de agência, celebrados entre a A./recorrente e o R/recorrida – entre o acórdão recorrido e o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 14/04/2019, proferido no âmbito do Processo n.º 27467/15.0T8PRT.P12, afirmando: “</font><i><font>Como vemos, a orientação assumida no acórdão fundamento vai no sentido de reconhecer a validade do pacto de não concorrência e da cláusula penal constantes do cláusulado nos contratos de agência/subagência, em oposição afirmada aqueloutra vertida no acórdão recorrido, encerrando uma questão de direito suscetível de ditar destino diverso daquele traçado no acórdão recorrido. Impõe-se, assim, a necessidade da intervenção deste Tribunal de revista, a título excecional, para que conheça da questão atinente à validade do pacto de não concorrência e da cláusula penal constantes do cláusulado nos ajuizados contratos de agência.”.</font></i><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><b><font>9. </font></b><font>Conhecido o recurso de revista, admitido por via excepcional, veio o STJ a proferir acórdão onde decidiu:</font><br>
</p><p><font>“</font><i><font>Pelos fundamentos indicados é negada a revista e confirmado o acórdão recorrido, ainda que com diferente fundamentação.”</font></i><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><b><font>10.</font></b><font> É deste acórdão que vem questionada a conformidade com a lei, invocando o requerente que o tribunal cometeu nulidades, nos seguintes termos:</font>
</p><p><i><font>“1. Dispõe o art. 615º n.º 1 al. d) do Cód. Proc. Civil que é nula a sentença “quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.”</font></i><br>
</p><p><i><font>2. Sendo tal preceito aplicável também aos acórdãos proferidos em sede recursiva, nomeadamente aqueles proferidos, em revista, pelo Supremo Tribunal de Justiça, por via da remissão expressa contida nos arts. 685º e 666º do Cód. Proc. Civil.</font></i>
</p><p><i><font>ISTO POSTO:</font></i>
</p><p><i><font>3. Coligido o douto acórdão proferido, constata-se que o mesmo negou provimento à revista, confirmando o douto acórdão recorrido, ainda que com diferente fundamentação. </font></i>
</p><p><i><font>4. Com efeito, ajuizou-se, assim que:</font></i><br>
</p><p><i><font>“(…) Tal como no acórdão do STJ de 05/05/2020, processo n.º 13603/16.2T8SNT.L1.S2, não se fará aqui uma teorização das questões jurídicas, mas um olhar atento ao direito e ao caso concreto, o qual se impõe até por via do instituto do abuso de direito, que é de conhecimento oficioso e tem todos os elementos de enquadramento indicados, nem que seja de modo implícito, no processo.</font></i><br>
</p><p><i><font>A pretensão das AA. ultrapassa manifestamente os limites da boa fé na execução do contrato e nos efeitos e nos efeitos pretendidos valer da sua celebração, in casu, pelo que não podem as mesmas ver-se-lhes reconhecido o direito à pretensão que formularam, por contrariar o regime do art. 334º do CC. (…)</font></i>
</p><p><i><font>5. Tal como resulta do trecho da decisão supra transcrito, julgou este Supremo Tribunal que a recorrente actuou em abuso de direito, com o que negou o reconhecimento do seu direito.</font></i>
</p><p><i><font>6. Foi, assim, com fundamento na aplicação, a título oficioso, do instituto do abuso de direito que negou provimento à revista, confirmando, com diversa fundamentação a acórdão recorrido.</font></i>
</p><p><i><font>7. Sempre com o máximo respeito por diverso entendimento, considera a recorrente que o acórdão proferido, ao enveredar pela aplicação oficiosa do instituto do abuso de direito, nos termos em que o fez, de modo a aí fundar a decisão de mérito, incorreu em manifesta violação do princípio do contraditório.</font></i>
</p><p><i><font>8. Por não ter concedido às partes – mormente à A/recorrente, que é, a final, a parte prejudicada por tal solução jurídica – a possibilidade de se pronunciar sobre a eventual aplicação ao caso dos autos do instituto do abuso de direito, quando o mesmo não foi nas decisões das duas instâncias e, nessa media, não foi uma questão aflorada em sede de recurso, o douto acórdão proferido consubstancia uma verdadeira decisão-surpresa.</font></i>
</p><p><i><font>9. Sendo, por tal motivo, nulo.</font></i>
</p><p><i><font>10. Com efeito, nos termos do disposto no art. 3º n.º 3 do Cód. Proc. Civil,</font></i>
</p><p><i><font>“3 - O juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem.”</font></i>
</p><p><i><font>11. É o corolário do princípio do contraditório, princípio basilar do nosso ordenamento jurídico-civil, dotado de assento constitucional (vide art. 20º da Constituição da República Portuguesa).</font></i>
</p><p><i><font>12. Ainda na decorrência desse princípio, determina o art. 4º do Cód. Proc. Civil que</font></i>
</p><p><i><font>“O tribunal deve assegurar, ao longo de todo o processo, um estatuto de igualdade substancial das partes, designadamente no exercício de faculdades, no uso de meios de defesa e na aplicação de cominações ou de sanções processuais.”</font></i>
</p><p><i><font>13. Trata-se, pois, do princípio da igualdade das partes, que se impõe ser cotejado com o princípio do contraditório.</font></i>
</p><p><i><font>14. Crê a recorrente que a redacção do art. 3º n.º 3 do Cód. Proc. Civil se mostra claríssima no sentido de que é um dever do juiz cumprir o princípio do contraditório, ainda que esteja em causa uma questão de conhecimento oficioso (como, por exemplo, o abuso de direito).</font></i>
</p><p><i><font>15. Ora, o que se verificou nos presentes autos é que esta concreta questão – abuso de direito – não foi suscitada nos autos por qualquer das decisões proferidas nas instâncias.</font></i>
</p><p><i><font>16. De igual sorte, atentos os concretos fundamentos vertidos na decisão da 1ª instância e no douto acórdão proferido em sede de apelação, não era minimamente expectável para a A./recorrente que o Mmo. Tribunal a quo fosse aplicar o instituto jurídico do abuso de direito como motivo e fundamento para julgar a acção totalmente improcedente.</font></i>
</p><p><i><font>17. É, assim, inegável que ao negar provimento à revista, julgando a acção improcedente, com recurso a um fundamento jurídico não objecto do recurso de revista, sem conceder às partes a prévia possibilidade de sobre o mesmo se pronunciar, a decisão em causa configura uma decisão-surpresa, proibida, pois, à luz das normas jurídicas supra citadas.</font></i>
</p><p><i><font>18. Acresce que, nestas concretas circunstâncias, a preterição, por este Supremo Tribunal, da concessão às partes do exercício do direito ao contraditório prévio, constitui nulidade processual, por preterição de acto legalmente imposto, e cuja omissão foi susceptível de influir na decisão de mérito da causa. (Cfr. arts. 3º n.º 3 e 195º do Cód. Proc. Civil.</font></i>
</p><p><i><font>19. De igual modo, urge ainda configurar este vicio de nulidade, como nulidade do acórdão, nos termos do disposto no art. 615º n.º 1 al. d) do Cód. Proc. Civil, dado estar em causa uma questão que o Mmo. Tribunal a quo não podia, pois, tomar conhecimento.</font></i>
</p><p><i><font>20. Não obstante se tratar de questão de conhecimento oficioso, deverá considerar-se que ao preterir o necessário exercício do direito ao contraditório das partes, o tribunal acabou por, a final, conhecer de questão que, por tal razão, não podia conhecer.</font></i>
</p><p><i><font>21. Concretamente quanto ao conhecimento oficioso do abuso de direito e à necessidade do exercício do contraditório prévio pelas partes, pronunciou-se o </font></i><a></a><i><font>Supremo Tribunal de Justiça, em Acórdão de 16/05/2000, processo n.º 1311/99, Cons. Relator SOUSA INÊS, disponível em </font></i><i><font>www.dgsi.pt</font></i><i><font>, com o seguinte sumário:</font></i>
</p><p><i><font>“I – O abuso de direito é de conhecimento oficioso</font></i>
</p><p><i><font>II – Quando a acção deva ser decidida com fundamento em abuso de direito e este não tenha sido alegado como defesa deve-se, para a sentença não constituir decisão-surpresa, mandar cumprir o artigo n.º 3º n.º 3 do CPC.”</font></i>
</p><p><i><font>22. Veja-se ainda o vertido no Douto Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 02/12/2019, proferido no processo n.º 14227/19.8T8PRT.P1, disponível em </font></i><i><u><font>www.dgsi.pt</font></u></i><i><font>, de onde se retira o seguinte sumário:</font></i>
</p><p><i><font>I - Existe, presentemente, uma conceção ampla do princípio do contraditório, a qual teve origem em garantia constitucional da República Federal Alemã, tendo a doutrina e jurisprudência começando a ligar ao princípio do contraditório de ideias de participação efetiva \das partes no desenvolvimento do litígio e de influência na decisão, passando o processo visto como um sistema, dinâmico, de comunicações entre as partes e o Tribunal.</font></i>
</p><p><i><font>II - Cabe ao juiz respeitar e fazer observar o princípio do contraditório ao longo de todo o processo, não lhe sendo lícito conhecer de questões sem dar a oportunidade às partes de, previamente, sobre elas se pronunciarem, sendo proibidas decisões-surpresa.</font></i><br>
</p><p><i><font>III - Decisão - surpresa é a solução dada a uma questão que, embora previsível, não tenha sido configurada pela parte, sem que a mesma tivesse obrigação de a prever.</font></i>
</p><p><i><font>IV - Com o aditamento do nº 3, do art. 3º, do CPC, e a proibição de decisões-surpresa, pretendeu-se uma maior eficácia do sistema, colocando, com maior ênfase e utilidade prática, a contraditoriedade ao serviço da boa administração da justiça, reforçando-se, assim, a colaboração e o contributo das partes com vista à melhor satisfação dos seus próprios interesses e à justa composição dos litígios.</font></i><br>
</p><p><i><font>V - Contudo, o dever de audição prévia só existe quando estiverem em causa factos ou questões de direito, mesmo que meramente adjetivas, suscetíveis de virem a integrar a base de decisão, situação presente.</font></i><br>
</p><p><i><font>VI - Constitui decisão-surpresa a decisão tomada pelo tribunal relativamente à notada ilegitimidade passiva não discutida pelas partes e que esteve na base da decisão de forma proferida.</font></i><br>
</p><p><i><font>VII - A inobservância do contraditório constitui uma omissão grave, representando uma nulidade processual sempre que tal omissão seja suscetível de influir no exame ou na decisão da causa, sendo nula a decisão (surpresa) quando à parte não foi dada possibilidade de se pronunciar sobre os factos e respetivo enquadramento jurídico, mesmo que adjetivo.</font></i><br>
</p><p><i><font>23. De igual modo, veja-se o douto entendimento constante do Douto Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 08/10/2018, proferido no âmbito do processo n.º 721/12.5TVPRT.P1, igualmente disponível em </font></i><i><font>www.dgsi.pt</font></i>
</p><p><i><font>(…)</font></i>
</p><p><i><font>Nos termos do art. 3º/3 CPC “[o] juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem”. Dispõe, por sua vez, o artigo 4.º do mesmo diploma legal: “[o] tribunal deve assegurar, ao longo de todo o processo, um estatuto de igualdade substancial das partes, designadamente no exercício de faculdades, no uso de meios de defesa e na aplicação de cominações ou de sanções processuais”.</font></i>
</p><p><i><font>Como observa LEBRE DE FREITAS [4] a consagração do princípio da proibição das decisões surpresa, resulta de uma conceção moderna e mais ampla do princípio do contraditório,“[…] com origem na garantia constitucional do Rechtiches Gehör germânico, entendido com uma garantia de participação efetiva das partes no desenvolvimento de todo litígio, mediante a possibilidade de, em plena igualdade, influírem em todos os elementos (factos, provas, questões de direito) que se encontrem em ligação com o objeto da causa e que em qualquer fase do processo apareçam como potencialmente relevantes para a decisão”.</font></i><br>
</p><p><i><font>O princípio do contraditório no plano das questões de direito exige que antes da sentença, às partes seja facultada a discussão efetiva de todos os fundamentos de direito em que a decisão se baseie [5].</font></i><br>
</p><p><i><font>Conforme resulta do regime legal o juiz deve fazer cumprir o princípio do contraditório em relação às questões de direito, mesmo de conhecimento oficioso, só estando dispensado de o fazer em casos de manifesta desnecessidade.</font></i>
</p><p><i><font>Pretende-se, por esta via, evitar a formação de “decisões-surpresa”, ou seja, decisões sobre questões de direito material ou de direito processual, de que o tribunal pode conhecer oficiosamente sem que tenham sido previamente consideradas pelas partes.</font></i>
</p><p><i><font>Dispensa-se a audição da parte contrária em casos de manifesta desnecessidade, o que pode ocorrer quando:</font></i>
</p><p><i><font>- “as partes embora não a tenham invocado expressamente nem referido o preceito</font></i><font> </font><i><font>legal aplicável, implicitamente a tiveram em conta sem sombra de dúvida,</font></i><font> </font><i><font>designadamente por ter sido apresentada uma versão fáctica, não contrariada, que</font></i><font> </font><i><font>manifestamente não consentia outra qualificação;</font></i>
</p><p><i><font>- quando a questão seja decidida favoravelmente à parte não ouvida; ou</font></i>
</p><p><i><font>- quando seja proferido despacho que convide uma das partes a sanar a irregularidade ou uma insuficiência expositiva”</font></i>
</p><p><i><font>Na interpretação do conceito de “decisão-surpresa” o Supremo Tribunal de Justiça tem defendido que “o princípio do contraditório, na vertente proibitiva da decisão surpresa, não determina ao tribunal de recurso que, antes de decidir a questão proposta pelo recorrente e/ou recorrido, o alerte para a eventualidade de o fazer com base num quadro normativo distinto do por si invocado, desde que as normas concretamente aplicadas não exorbitem da esfera da alegação jurídica efetuada (Ac. STJ 11 de fevereiro de 2015, Proc. 877/12.7TVLSB.L1-A.S1,</font></i><i><u><font>www.dgsi.pt</font></u></i><i><font>).</font></i><br>
</p><p><i><font>Por outro lado, considera-se que o cumprimento do contraditório não significa “que o tribunal «discuta com as partes o que quer que seja» e que alivie as mesmas «de usarem a diligência devida para preverem as questões que vêm a ser, ou podem vir a ser, importantes para a decisão»” (Ac. STJ 09 novembro de 2017, Proc. 26399/09.5T2SNT.L1.S1, Ac STJ 17 de junho de 2014, Proc. 233/2000.C2.S1</font></i><i><u><font>www.dgsi.pt</font></u></i><i><u><font>)</font></u></i><i><font>.</font></i><br>
</p><p><i><font>Considera-se, ainda, que: “[h]á decisão surpresa se o Juiz, de forma absolutamente inopinada e apartado de qualquer aportamento factual ou jurídico, envereda por uma solução que os sujeitos processuais não quiseram submeter ao seu juízo, ainda que possa ser a solução que mais se adeque a uma correta e atinada decisão do litígio. Ou seja, apenas estamos perante uma decisão surpresa quando ela comporte uma solução jurídica que as partes não tinham obrigação de prever” (Ac. STJ 19 de maio de 2016, Proc. 6473/03.2TVPRT.P1.S1,</font></i><i><u><font>www.dgsi.pt</font></u></i><i><font>).</font></i><br>
</p><p><i><font>LOPES DO REGO defende que “[…]na audição excecional e complementar das partes, fora dos momentos processuais normalmente idóneos para produzir alegações de direito, só deverá ter lugar quando se trate de apreciar questões jurídicas suscetíveis de se repercutirem, de forma relevante e inovatória, no conteúdo da decisão e quando não for exigível que a parte interessada a houvesse perspetivado durante o processo, tomando oportunamente posição sobre ela” [7]</font></i><br>
</p><p><i><font>O exercício do contraditório dependerá sempre da verificação de uma nova abordagem jurídica da questão, que não fosse perspetivada pelas partes, mesmo usando da</font></i><font> </font><i><font>diligência devida. (…)</font></i>
</p><p><i><font>A análise desta questão em sede de sentença, a título oficioso, não foi precedida do contraditório, pois as partes não foram convidadas a pronunciar-se sobre esta nova perspetiva de abordagem da questão em litígio, ou seja, a validade da causa ou fonte da obrigação de não concorrência, pois na sentença considerou-se que a cessão de quotas e a cláusula de não concorrência estavam interligadas, com o sentido de não sendo valida a cessão de igual forma não se pode considerar válida a cláusula de não concorrência.</font></i><br>
</p><p><i><font>Os réus na resposta ao recurso admitem que não suscitaram a exceção.</font></i><br>
</p><p><i><font>Perante os elementos que constam dos autos, não se pode considerar que fosse exigível que tivessem suscitado tal exceção ou que o apelante não ignorasse que a questão podia ser conhecida a título oficioso pelo tribunal.</font></i><br>
</p><p><i><font>Estamos perante um acordo complexo, que visa a regulamentação de várias questões que opunham as partes, todos familiares. A alegada cessão foi objeto de registo na competente conservatória do registo comercial, o que desde logo transmite uma presunção de validade do ato de cessão levado ao registo, através do competente ato onde foi formalizada.</font></i><br>
</p><p><i><font>Ainda que se admita que a questão da validade da cessão de quotas constitui matéria de conhecimento oficioso, não se pode considerar que mesmo implicitamente decorria dos factos dados como assentes e alegados pelas partes, que era expetável que a mesma poderia ser apreciada oficiosamente em virtude do tribunal não estar vinculado ás alegações de direito das partes (art. 5º CPC).</font></i><br>
</p><p><i><font>Todo o litígio foi conduzido no sentido de se apurar se existia ou não atividade concorrente. Não se discutia a cessão de quotas, matéria que as partes dão como assente, nem a validade do acordo celebrado em 28 de junho de 2011.</font></i><br>
</p><p><i><font>Somos pois levados a considerar que não era expetável que no contexto definido como objeto do litígio se abordasse a validade da cláusula de não concorrência tal como ficou decidido na sentença.</font></i>
</p><p><i><font>A decisão não se mostra favorável à parte não ouvida, pois o autor viu denegada a sua pretensão à indemnização com fundamento em exercício de atividade concorrente por</font></i><font> </font><i><font>parte dos réus. As partes nunca foram convidadas a formalizar o aperfeiçoamento dos articulados no pressuposto de se discutir a validade da cessão de quotas. Não se revela ser desnecessário o exercício do contraditório.</font></i><br>
</p><p><i><font>Ainda que a apreciação da validade da cessão de quotas possa constituir matéria de conhecimento oficioso, tal circunstância não dispensava o Tribunal do exercício do prévio contraditório, ao abrigo do art.3º/3 CPC.</font></i><br>
</p><p><i><font>(…)</font></i>
</p><p><i><font>A nulidade processual é distinta da nulidade da sentença, uma vez que a nulidade por falta de pronúncia, a que alude o art. 615º/1 d) CPC está diretamente relacionada com o comando do art. 608º/2 do mesmo Código, reportando-se ao não conhecimento das questões (que não meros argumentos ou razões) relativas à consubstanciação da causa de pedir e do pedido [11].</font></i><br>
</p><p><i><font>Nos termos do art. 615º 1/d) CPC a sentença é nula, quando “o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.</font></i><br>
</p><p><i><font>O vício em causa está relacionado com a norma que disciplina a “ordem de julgamento” – art. 608º/2 CPC.</font></i>
</p><p><i><font>Com efeito, resulta do regime previsto neste preceito, que o juiz na sentença: “deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras. Não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras”.</font></i><br>
</p><p><i><font>Não ignoramos que dentro de certa linha de entendimento [12] se tem considerado que a “omissão de uma formalidade de cumprimento obrigatório, como ocorre com o respeito pelo princípio do contraditório destinado a evitar decisões-surpresa”, configura a nulidade da sentença/despacho, por omissão de pronúncia. Nestas circunstâncias o</font></i><font> </font><i><font>exercício do contraditório.</font></i>
</p><p><i><font>Esta interpretação revela-se coerente com a atual conceção do princípio do contraditório, entendido como “garantia de participação efetiva das partes no desenvolvimento de todo o litígio, mediante a possibilidade de, em plena igualdade, influírem em todos os elementos (factos, provas, questões de direito) que se encontrem em ligação com o objeto da causa e que em qualquer fase do processo apareçam como potencialmente relevantes para a decisão” [13]. O direito de influir no êxito da ação, mais não será do que mais uma emanação do princípio da tutela jurisdicional efetiva previsto no art. 20º CRP.</font></i>
</p><p><i><font>No caso presente verificando-se a omissão do prévio exercício do contraditório, perante uma questão de direito, suscitada oficiosamente e que ditou o fim da ação, a sentença é nula, nos termos do art. 615º/1 d) CPC.</font></i>
</p><p><i><font>As circunstâncias que determinam a nulidade da sentença impedem que no caso o tribunal de recurso faça uso da regra da substituição, prevista no art. 665º CPC. Declarando-se a nulidade da sentença devem os autos baixar ao tribunal de 1ª instância, para se cumprir o contraditório em relação à concreta questão da validade da cessão de quotas, face ao critério do art. 220º CSC, após o que será proferida nova sentença. (…)</font></i>
</p><p><i><font>24. Face ao supra expendido, e salvo o merecido respeito por entendimento diverso, deverá julgar-se verificada a nulidade do acórdão proferido, por preterição do contraditório prévio e, portanto, por se tratar de decisão-surpresa, proibida à luz do disposto no art. 3º n.º 3 do Cód. Proc. Civil, seja nos termos do disposto no art. 195º, seja nos termos do art. 615º n.º 1 al d) do Cód. Proc. Civil, ex vi art. 666º do Cód. Proc. Civil.</font></i>
</p><p><i><font>25. Nulidade essa que se deixa expressamente alegada, para todos os devidos efeitos legais.</font></i>
</p><p><i><font>NESTE TERMOS E NOS MAIS DE DIREITO QUE V. EXA. DOUTAMENTE SUPRIRÁ DEVERÁ PROCEDER A PRESENTE ARGUIÇÃO DE NULIDADE, ANULANDO-SE O DOUTO ACÓRDÃO PROFERIDO, E NOS TERMOS SUPRA EXPOSTOS E CONCEDENDO-SE ÀS PARTES A POSSIBILIDADE DE EXERCER O DIREITO AO CONTRADITÓRIO QUANTO À QUESTÃO OFICIOSAMENTE SUSCITADA, ALUSIVA AO INSTITUTO DO ABUSO DE DIREITO.</font></i>
</p><p><b><font> </font></b><br>
</p><p><b><font>11. </font></b><font>Foram apresentadas contra-alegações nas quais se defende não haver nulidade, nem inconstitucionalidade, o que se expressa na seguinte afirmação: </font><i><font>“Não assiste qualquer razão à Recorrente, aliás é até contra o pensamento da lei e de toda a jurisprudência – porque todas as garantias de defesa e o contraditório, foram asseguradas ao longo de todo o processo e também na decisão deste Colendo Tribunal.”</font></i><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font>II.</font></b><font> </font><b><font>FUNDAMENTAÇÃO</font></b><br>
</p><p><b><font>12. </font></b><font>Relevam aqui os elementos constantes do relatório supra.</font><br>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font>13.</font></b><font> Nas questões suscitadas no recurso de revista o recorrente defendeu que a decisão do TR não era correcta porque:</font>
</p><p><i><font>- o legislador optou por trazer para o ordenamento jurídico interno aquando da publicação do Decreto-lei n.º 178/86 e plasmar no art. 9º do citado diploma tão somente estes 3 requisitos de validade da cláusula/pacto de não concorrência.</font></i>
</p><p><i><font>- E apesar de, face o vertido no art. 20º n.º 4 da Directiva, o legislador interno ter a possibilidade de restringir ainda mais o regime aplicável à cláusula de não concorrência, o que se verificou foi que nem em 1986, nem depois aquando das alterações introduzidas em 1993, o nosso legislador pretendeu operar tais restrições.</font></i>
</p><p><i><font>- Nomeadamente, e para o que releva nos presentes autos, fazer depender a validade da cláusula de não concorrência à efectiva previsão, nesse pacto, do pagamento de uma contrapartida ao agente e, muito menos, cominar tal omissão com um vício tão gravoso nas suas consequências como é o da nulidade.</font></i>
</p><p><i><font>- o estabelecimento de um pacto de não concorrência ao abrigo e em conformidade com o referido art. 9º do DL 178/86, de 3 de Julho, e a cláusula penal compensatória ao mesmo associada </font></i><b><i><font>em</font></i></b><i><font> </font></i><b><i><font>nada</font></i></b><i><font> </font></i><b><i><font>colide</font></i></b><i><font> </font></i><b><i><font>com</font></i></b><i><font> </font></i><b><i><font>os</font></i></b><i><font> </font></i><b><i><font>direitos</font></i></b><i><font> </font></i><b><i><font>fundamentais</font></i></b><i><font> </font></i><b><i><font>previstos</font></i></b><i><font> </font></i><b><i><font>no</font></i></b><i><font> </font></i><b><i><font>art.</font></i></b><i><font> </font></i><b><i><font>47º,</font></i></b><i><font> </font></i><b><i><font>58º</font></i></b><i><font> </font></i><b><i><font>e</font></i></b><i><font> </font></i><b><i><font>61º</font></i></b><i><font> </font></i><b><i><font>da</font></i></b><i><font> </font></i><b><i><font>CRP</font></i></b><i><font> ou inviabiliza a plena aplicação do art. 13º al g) do citado normativo legal.</font></i>
</p><p><i><font> </font></i>
</p><p><font>O STJ conheceu do recurso iniciando pela análise da posição do TC e de seguida procurou aplicá-la ao caso concreto dos autos dizendo:</font><br>
</p><p><b><i><font>15.2.</font></i></b><i><font> No caso dos autos, a aplicar-se a orientação do tribunal constitucional a obrigação de não concorrência poder-se-ia impor ao R, por estarem preenchidos todos os requisitos impostos: “Deste resulta que o principal e o agente podem convencionar um pacto de não concorrência com eficácia pós-contrato, desde que: (i) o pacto seja reduzido a escrito; (ii) a não concorrência fique limitada à proibição de exercer atividades concorrentes com a atividade do principal; (iii) a duração da obrigação de não concorrência não seja superior a dois anos; e (iv) tal obrigação esteja restrita à área ou círculo de clientes no qual o agente atuava.</font></i><br>
</p><p><i><font>A obrigação de não concorrência tem, além do mais, um caráter sinalagmático e oneroso: uma vez que, por força do disposto na alínea g) do artigo 13.º do Decreto-Lei n.º 178/86, é devida «uma compensação, pela obrigação de não concorrência após a cessação do contrato», esta, ao mesmo tempo que impõe ao agente um dever de non facere, com o conteúdo e pelo período máximos admitidos no artigo 9.º, gera para o principal uma correlativa obrigação compensatória.</font></i><br>
</p><p><i><font> (negrito nosso, com citação do acórdão do TC)</font></i><br>
</p><p><b><i><font>15.3.</font></i></b><i><font> Para assim se concluir impõe-se ainda aludir à compensação pela obrigação de não concorrência, à luz do caso concreto e da orientação já seguida por este STJ em situações paralelas, como se faz de seguida.</font></i><br>
</p><p><i><font>Compulsados os factos provados e o teor das cláusulas do contrato celebrado com o R. não houve a estipulaç | [0 0 0 ... 0 0 0] |
QjJvu4YBgYBz1XKvzQgn | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><br>
<b><font> </font></b>
<p><b><font> </font></b>
</p><p><b><font>Revista nº7413/14.9T8LRS.L1.S1-A</font></b>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font></p><div><br>
<b><font>Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça</font></b></div><br>
<b><font> </font></b><br>
<b><font>I– Relatório.</font></b><br>
<b><font>1 . AA</font></b><font> e </font><b><font>BB</font></b><font> intentaram acção declarativa (em 06/08/2002) contra </font><b><font>CC</font></b><font>, </font><b><font>DD</font></b><font>, </font><b><font>EE</font></b><font> e </font><b><font>FF. </font></b><font>No seguimento da tramitação processual que ao caso competia foi, após realização da audiência de discussão e julgamento, proferida sentença, julgando a acção improcedente.</font><br>
<font> </font><br>
<b><font>2.</font></b><font> Inconformados, os autores interpuseram recurso daquela sentença, que foi admitido como apelação, tendo as rés DD e FF requerido a ampliação do âmbito do recurso, impugnando a decisão proferida sobre a matéria de facto.</font><br>
<font>Foi, então, proferido o Acórdão da Relação de Lisboa de fls.4850 e segs., onde se decidiu, com um voto de vencido, nos seguintes termos: </font><br>
<font>a) Declara-se que a sentença recorrida não é nula;</font><br>
<font>b) Altera-se a matéria de facto declarada provada nos termos enunciados no ponto 4.3.4. desta deliberação, para o qual se remete;</font><br>
<font>c) Julga-se totalmente improcedente a apelação e, consequentemente, confirma-se integralmente o decreto judicial absolutório que culmina a sentença recorrida.</font><br>
<font> </font><br>
<b><font>3.</font></b><font> De novo inconformados, os autores interpuseram recurso de revista daquele acórdão, tendo as rés DD e FF apresentado contra-alegações.</font><br>
<font>A ré FF interpôs, ainda, </font><b><font>recurso subordinado</font></b><font> do mesmo acórdão, impugnando o aí decidido na parte em que não conheceu da impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto, por si deduzida nas contra-alegações apresentadas no âmbito do recurso de apelação interposto pelos autores.</font><br>
<font> </font><br>
<b><font>4.</font></b><font> O STJ conheceu do recurso tendo proferido acórdão em 18/9/2018, em que decidiu:</font><br>
<i><font>“a) Confirmar o acórdão recorrido, na parte em que se declarou que a sentença recorrida não é nula por contradição entre a decisão e os seus fundamentos;</font></i><br>
<i><font>b) Anular o acórdão recorrido, no segmento em que se decidiu não admitir a impugnação da decisão sobre a matéria de facto deduzida pela ré FF, determinando-se a baixa do processo ao Tribunal da Relação para que proceda à apreciação daquela impugnação, bem como, se for o caso, do subsequente alcance em sede de solução de direito;</font></i><br>
<i><font>c) Revogar o acórdão recorrido, no segmento em que se decidiu eliminar os números 7 a 9, 24 e 54 e dar redacção conjunta aos números 10 e 11, da matéria de facto dada como provada na 1ª instância, os quais devem ser apreciados pelo Tribunal da Relação, já que também foram objecto da impugnação referida em b);</font></i><br>
<i><font>d) Declarar que a decisão da questão de fundo e da questão da nulidade do acórdão recorrido, por omissão de pronúncia, suscitadas pelos autores-recorrentes, está prejudicada pela solução dada às questões referidas em b) e c), pelo que não têm que ser resolvidas.”</font></i><br>
<font> </font><br>
<b><font>5. </font></b><font>Em cumprimento do decidido o Tribunal da Relação veio a conhecer das questões indicadas por este STJ, proferindo acórdão em 29/1/2019, no qual decidiu, com um voto de vencido:</font><br>
<font>“a) </font><i><font>Altera-se a matéria de facto declarada provada nos termos enunciados no ponto 4.3.7. desta deliberação, para o qual se remete;</font></i><br>
<i><font>b) Julga-se totalmente improcedente a apelação e, consequentemente, confirma-se integralmente o decreto judicial absolutório que culmina a sentença recorrida;</font></i><br>
<i><font>c) Não se condena a Ré como litigante de má-fé.</font></i><br>
<i><font>Custas pelos apelantes, na medida em que, independentemente de tudo o resto, o recurso por eles intentado é aqui julgado totalmente improcedente.”</font></i><br>
<b><font> </font></b><br>
<b><font>6.</font></b><font> Não conformados com a decisão os AA dela apresentaram recurso de revista, invocando nulidades e erros de julgamento.</font><br>
<font> </font><br>
<b><font>7.</font></b><font> O STJ conheceu da revista proferindo acórdão em 26 de Novembro de 2019, no qual decidiu:</font><br>
<i><font>“Pelas razões acima apresentadas, com base nos factos provados nos autos, deve ser julgado procedente e deferido o pedido subsidiário, no qual são condenados os RR., nos termos peticionados.</font></i><br>
<i><font>A Ré FF é condenada como litigante de má-fé em 3 UC.</font></i><br>
<i><font>Atenta a postura dos RR. – distinta entre si – e o modo como o processo tinha de decorrer contra todos por serem os herdeiros, não se justifica a condenação em custas em partes iguais, pelo que se decide condenar a Ré </font></i><b><i><font>FF</font></i></b><i><font> nas custas em 95% do valor total, ficando os restantes 5% da responsabilidade dos demais RR (Mª CC, EE e DD), que ainda assim também ficaram vencidos (art.º 527.º e 528.º CPC).”</font></i><br>
<font> </font><br>
<b><font>8.</font></b><font> Foram invocadas nulidades do acórdão do STJ de 26 de Novembro de 2019, conhecidas pela conferência de 18 de fevereiro de 2020, sendo ainda apreciadas as invocações de inconstitucionalidades e pedidos de rectificação formulados pelas RR, todas indeferidas.</font><br>
<font> </font><br>
<b><font>9.</font></b><font> Transitado em julgado o acórdão deste STJ veio a R.</font><b><font> FF</font></b><font> apresentar recurso para uniformização de jurisprudência, alegando que existe contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão do STJ </font><a></a><font>de 25 de Março de 2010 (acórdão fundamento, proc. 682/05. 7TBOHP.C1.S1), junto em cópia simples (doc. 3).</font><br>
<font> </font><br>
<b><font>10.</font></b><font> Nas conclusões do recurso consta (transcrição):</font>
<p><i><font>“</font></i><b><i><font>I </font></i></b><i><font>– O Acórdão recorrido violou o disposto no número 1 do artigo 21.º, os números 1 e 3 do artigo 23.º, número 5 do artigo 25.º, os números 1 a 3 do artigo 26.º, os números 1 e 3 do artigo 30.º e o artigo 31.º, todos do DL, contrariando o Acórdão fundamento no que respeita ao conceito complexo de exercício de actividade e quanto ao conceito de resultados do exercício;</font></i>
</p><p><b><i><font>II</font></i></b><i><font> – A actividade económica objecto do contrato de associação em participação pode consistir em operações determinadas ou indeterminadas;</font></i>
</p><p><b><i><font>III </font></i></b><i><font>- Assume a posição contratual de associante (ou sócio ostensivo) e os direitos e obrigações dela decorrentes o contraente que exerce a actividade económica que é objecto da associação;</font></i>
</p><p><b><i><font>IV</font></i></b><i><font> – Exercer a actividade económica visada pela associação significa gerir as operações determinadas ou indeterminadas que motivaram a celebração do contrato e a contribuição do associado;</font></i>
</p><p><b><i><font>V </font></i></b><i><font>– Nesta linha, o Acórdão fundamento relevou, na aferição do tipo de contrato e de quem nele assumiu a posição contratual de associante, qual a operação determinada que moveu os sujeitos da relação e qual deles a geria (ou explorava);</font></i>
</p><p><b><i><font>VI</font></i></b><i><font> – Em frontal contradição, o Acórdão recorrido, depois de reconhecer que o contrato tinha por objecto uma operação determinada, aferiu quem assumiu a posição contratual de associante relevando a actividade profissional ou empresarial dos sujeitos da relação e não qual deles a geria efectivamente;</font></i>
</p><p><b><i><font>VII</font></i></b><i><font> – Dessa forma, impôs ao sócio oculto o dever de prestação de contas e informações que não conhece, abrindo porta à sua demanda como responsável civil por actos de gestão que não lhe cabiam nem praticou;</font></i>
</p><p><b><i><font>VIII</font></i></b><i><font> – Da mesma forma, negou-lhe o direito a exigir informações e prestação de contas da operação ao gestor e verdadeiro associante, ao mesmo tempo que o impossibilitou de o demandar por actos de gestão que venham a revelar-se danosos;</font></i>
</p><p><b><i><font>IX </font></i></b><i><font>– Porque urge corrigir a situação jurídica assim criada, deve ser uniformizada jurisprudência no seguinte sentido:</font></i>
</p><p><i><font>1 – Na associação em participação que vise operação ou operações determinada(s), exerce a actividade e é associante a pessoa singular ou colectiva que dirige essa(s) concreta(s) operação ou operações;</font></i>
</p><p><i><font>2 – A direcção da operação visada pelo contrato é apurada objectivamente e revela-se na prática efectiva dos actos de gestão corrente dessa concreta operação;</font></i>
</p><p><i><font>3 – É irrelevante, para o apuramento de quem é o gestor da operação determinada que foi visada pelo contrato e, por isso, associante, o enquadramento fiscal das actividades profissionais dos sujeitos ou o objecto social das sociedades comerciais que escolheram associar-se;</font></i>
</p><p><i><font>4 – É o facto de lhe caber a direcção da operação determinada que, por um lado, habilita e obriga um dos contraentes (o associante) à prestação de contas e informações ao outro (o associado) e, por outro lado, que justifica a sua responsabilidade civil por danos derivados de actos de gestão.</font></i>
</p><p><b><i><font>X</font></i></b><i><font> – A participação do associado incide sobre os lucros ou sobre os lucros e perdas derivados do exercício de uma actividade económica;</font></i>
</p><p><b><i><font>XI </font></i></b><i><font>– As compensações por expropriação não configuram ganhos de actividade económica, entendida, como deve ser, como actividade de produção, de comercialização ou de prestação de serviços, actividade extractiva, agrícola ou profissão liberal ou equiparada, exercida com plena liberdade e, principalmente, no que à actividade imobiliária diz respeito, poder especulativo;</font></i>
</p><p><b><i><font>XII</font></i></b><i><font> – Além disso, as compensações por expropriação - que mais não é que a excepção, por todos os visados indesejada, à inviolabilidade do direito de propriedade - não podem sequer configurar-se como ganhos, denominando-se compensações, atribuídas em processo próprio e complexo, exactamente porque representam a frustração de legítimas expectativas dos expropriados, pelo que também por essa razão estarão excluídas da participação do associado;</font></i>
</p><p><b><i><font>XIII</font></i></b><i><font> - Porque o Acórdão recorrido configurou tais compensações como resultados do exercício de actividade económica, deve ser uniformizada jurisprudência no seguinte sentido:</font></i>
</p><p><i><font>1 - Na associação em participação, os ganhos em que o associado participa serão os que derivem do livre exercício, pelo associante, da operação ou operações objecto da associação, no pleno uso das prerrogativas e faculdades que o livre comércio, a autonomia da vontade e a Lei reservam aos intervenientes nessa específica operação ou operações.</font></i>
</p><p><i><font> 2 – A compensação atribuída pela expropriação não só não é um ganho porque resulta de uma imposição de terceiros, no uso de poderes de autoridade, que tira o bem do domínio da autonomia privada em que o mesmo estava destinado a ser vendido ou explorado, como não é resultante de actividade ou operação económica, pelo que o seu produto não pode ser contabilizado como ganho do exercício da operação visada pela associação.</font></i>
</p><p><i><font>Termos em que deve ser dado provimento ao presente recurso, uniformizando-se jurisprudência no sentido proposto, com o que se fará Justiça.”</font></i>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Foram apresentadas contra-alegações nas quais se defende não existir contradição de julgados fundamentadora da admissão do recurso de UJ, que assim deveria ser não admitido.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font>11.</font></b><font> A 9 de Setembro de 2020 foi pela relatora proferido despacho de não admissão do Recurso de Uniformização de Jurisprudência.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font>12.</font></b><font> A recorrente não se conformou com o despacho e veio requerer que, em conferência, seja reapreciada a questão.</font>
</p><p><font>Para o efeito, indica como motivos da discordância:</font><br>
<font>1) Existência de impedimento da relatora para proferir a decisão, atento o facto de ter sido a relatora do acórdão recorrido, conjuntamente com os Srs. Conselheiros Acácio Neves e Fernando Samões. O mesmo entende relativamente ao demais colectivo, por considerar que a sua intervenção na decisão de admissão do recurso viola a CRP. Funda a sua posição no voto de vencido aposto em Ac. do T. Constitucional em que o Conselheiro Cláudio Monteiro terá defendido a mesma ideia.</font><br>
<font>2) A efectiva existência de contradição entre acórdão recorrido e acórdão fundamento.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font>II. Fundamentação</font></b>
</p><p><b><font>13.</font></b><u><font> No acórdão fundamento</font></u><font> os factos provados são os seguintes</font><a><u><sup><font>[1]</font></sup></u></a><font>:</font>
</p><p><i><font>1 - Em 1999 a autora trabalhava como …….. juntamente com a sócia DD num estabelecimento de ……… sito em ........................... — (Al. D) dos factos assentes).<br>
2 - Após a entrega de dois milhões de escudos, e em conformidade com o entre ambas acordado, DD deixou de explorar o ………., assumindo a autora todo o passivo — (r. aos p.s 2°, 13° e 14° da base instrutória).<br>
3 - Autora e réu subscreveram o acordo constante do documento junto aos autos a fls.12, o qual é denominado ‘CONTRATO DE ASSOCIAÇÃO EM PARTICIPAÇÃO’, e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido — Al. A) da matéria de facto assente.<br>
4 - Do contrato constam as seguintes cláusulas:<br>
1 - A primeira outorgante é dona de um salão de ………………, sito no edifício do centro comercial ………. em ............................<br>
2 - O segundo outorgante associa-se, na exploração da actividade de …………., à primeira outorgante que aceita tal qualidade.<br>
3 - A participação do segundo outorgante consiste na entrega à primeira outorgante da quantia de 2.000.000$00 (dois milhões de escudos) que esta já recebeu.<br>
4 - Esta associação consiste apenas na participação nos lucros, estando afastada a participação nas perdas.<br>
5 - A primeira outorgante entregará mensalmente até ao dia 10 de cada mês, ao segundo outorgante, por depósito na conta bancária n° ..., do Banco Comercial Português, Nova Rede, agência de ........................... do segundo outorgante, a quantia de 100.000$00 (cem mil escudos).<br>
6 - Este contrato termina, 60 meses após o seu início.<br>
7 - O segundo outorgante, poderá, quando o entenda, solicitar os elementos que entender necessários para fiscalização da actividade, que deverão ser fornecidos pela 1.ª outorgante no mais curto espaço de tempo.<br>
8 - O segundo outorgante poderá participar na gerência, se tal por ele for tido por conveniente.<br>
Por estarem de acordo e desejarem cumprir, o vão assinar em original e duplicado em ........................... em quatro de Maio de mil novecentos e noventa e nove — AI. B) da matéria de facto assente.<br>
5 - Em consequência do acordado entre a autora e o réu, este entregou-lhe a quantia de 2.000.000$00 — (Al. C dos factos assentes).<br>
6 - Em consequência do acordado entre a autora e o réu, a autora entregou-lhe, pelo menos, a quantia global correspondente a € 28.683,99 — Al. E) dos factos assentes.<br>
7 - A partir do mês seguinte à assinatura do contrato a autora passou a pagar ao réu, mensalmente, a quantia de 100.000$00 — (r. ao p. 7° da base instrutória).<br>
8 - Durante o ano de 1999 a autora entregou ao réu a quantia de 700.000$00 — (r. ao p. 28° da base instrutória).<br>
9 - Em consequência do acordado entre a autora e o réu, a autora entregou ao réu, durante o ano de 2000, a quantia parcial de 1.200.000$00 — (Al. F) dos factos assentes).<br>
10 - Em consequência do acordado entre a autora e o réu, a autora entregou ao réu, durante o ano de 2001, a quantia parcial de 1.200.000$00 — (Al. G) dos factos assentes).<br>
11 - Durante o ano de 2002 a autora entregou ao réu a quantia de € 5.985,60 — (r. ao p. 29° da base instrutória).<br>
12 - Durante o ano de 2003 a autora entregou ao réu a quantia de € 5.985,60 — (r. ao p. 30° da base instrutória).<br>
13 - Em consequência do acordado entre a autora e o réu, a autora entregou ao réu, durante o ano de 2004, a quantia parcial de € 1.250,00 — (Al. H) dos factos assentes.<br>
14 - A última entrega feita no valor de € 498.80, ocorre em Março de 2004 — (r. ao p. 8° da base instrutória).</font></i>
</p><p><font> </font>
</p><p><u><font>No acórdão fundamento</font></u><font> a questão sobre a qual incidiu o recurso de revista foi a da qualificação do contrato celebrado entre A. e Ré: associação em participação ou contrato de mútuo.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font>14.</font></b><u><font> No acórdão recorrido</font></u><font> os factos provados foram os seguintes e nas seguintes circunstâncias:</font>
</p><p><u><font>Factos Provados</font></u><br>
<font>1. A falecida ré CC era mãe dos três restantes réus e, conjuntamente, são os únicos e legais herdeiros por óbito de EE, respectivamente marido e pai dos mesmos (</font><b><font>alínea A) dos Factos Assentes</font></b><font>).</font><br>
<font>2. Por escritura pública de 10 de Fevereiro de 1988, EE declarou comprar, pelo valor de 121.000.000$00, actualmente 60 3545,46 euros, um prédio misto denominado "...............................", sito na freguesia de ……, concelho de ….., inscrito então na matriz, quanto à parte rústica sob o artigo ..° .., da Secção .., e quanto à parte urbana sob os artigos 249, 250 e 1357, descrito então na 2ª Conservatória do Registo Predial de …., sob o n.</font><sup><font>5</font></sup><font> …., fls. 173 v., do livro ..-…, actual ficha ………………. (</font><b><font>alínea B) dos Factos Assentes</font></b><font>).</font><br>
<font>3. Na referida escritura ficou a constar que EE se encontrava colectado em Contribuição Industrial, pelo exercício da actividade de "Prédios - Revenda dos Adquiridos para esse fim" e que no ano de 1987 exerceu normal e habitualmente essa actividade (</font><b><font>alínea C) dos Factos Assentes</font></b><font>).</font><br>
<font>4. Posteriormente à aquisição do prédio identificado na alínea anterior foram efectuados os seguintes destaques:</font>
</p><p><font>- 2574 m2 (parte rústica) e 89 m2 (parte urbana), correspondentes à actual ficha 01450/93.03.22;</font>
</p><p><font>- 3861 m2, correspondentes à actual ficha 01451193.03.22;</font>
</p><p><font>- 7966 m2, correspondentes à actual ficha 01452/93.03.22;</font>
</p><p><font>- pela apresentação n.</font><sup><font>5</font></sup><font> 16/93.09.07 - Av.5, foram desanexados 24000 m2 (área coberta 8086 m2 e descoberta 15914 m2), correspondentes à actual ficha 01492 (ou 1662/950711), em virtude de expropriação (</font><b><font>alínea D) dos Factos Assentes</font></b><font>).</font><br>
<font>5. No dia 11 de Dezembro de 1992 foi outorgada escritura pública em que EE, por si e em representação da esposa, declarou vender a "SIPEC - Sociedade Internacional de Promoção e Ensino, SA" parte do imóvel denominado ............................... (</font><b><font>alínea E) dos Factos Assentes</font></b><font>).</font><br>
<font>6. EE nasceu em …, sofreu um AVC em ../../.. e faleceu no dia … de ..…. de 1998 (</font><b><font>alínea F) dos Factos Assentes</font></b><font>).</font><br>
<font>7. Apesar de apenas o falecido EE ter outorgado a escritura de aquisição do imóvel como comprador, a efectiva aquisição do mesmo foi suportada em partes iguais, entre EE e o ora autor (</font><b><font>resposta ao artigo 1. da Base Instrutória</font></b><font>). </font><br>
<b><font>8. </font></b><font>Na verdade, atenta a elevada confiança existente entre EE e AA, nada mais foi declarado na escritura pública (</font><b><font>resposta ao artigo 2. da Base Instrutória</font></b><font>). </font><br>
<b><font>9. </font></b><font>Como era intenção de ambos proceder à revenda do imóvel, foi acordado que a escritura seria outorgada apenas em nome do EE, porquanto este, ao invés do autor, já beneficiava da isenção do imposto de sisa na compra de prédios destinados a revenda pelo período de três anos (</font><b><font>resposta ao artigo 3. da Base Instrutória</font></b><font>). </font><br>
<b><font>10. </font></b><font>Assim, embora durante 3 anos não se tivesse procedido a nenhuma alienação, em 1989, por efeito de expropriação prosseguida pela DGE, EE foi expropriado em 24.000 m2 do seu imóvel “...............................”, para construção de escolas na freguesia da ............................... (</font><b><font>resposta ao art.º4. da Bse instrutória</font></b><font>).</font><br>
<font>11. O que originou, atento o relatório de Avaliação então produzido, uma indemnização no valor global de 278.115.000$00, a qual foi logo repartida equitativamente entre o autor e EE (</font><b><font>resposta ao art.º5. da Base Instrutória</font></b><font>).</font>
</p><p><font>12. Em 08/02/1991, 3 anos após a escritura de aquisição do imóvel, foi requerido e liquidado o imposto de sisa, em virtude da ainda não alienação do imóvel, no valor de 10.188.321$00 (</font><b><font>resposta ao artigo 6. da Base Instrutória</font></b><font>).</font>
</p><p><font>13. Tal valor veio a ser liquidado inicialmente pelo ora autor, através do seu cheque pessoal n.</font><sup><font>5</font></sup><font> 2152371522, do então Banco Espírito Santo e Comercial de ….., agência de ….., datado de 08/02/91 (</font><b><font>resposta ao artigo 7. da Base Instrutória</font></b><font>).</font>
</p><p><font>14. No entanto, tal como acordado entre ambos, o referido EE veio a liquidar ao autor a sua quota-parte de responsabilidade, no valor de 50% da quantia de esc. 10.188.321$00 (</font><b><font>resposta ao artigo 8. da Base Instrutória</font></b><font>).</font>
</p><p><font>15. Desde o início que o negócio da compra da ............................... foi obtido, efectuado e desenvolvido pelo autor, que convidou EE, tendo este último entrado no negócio, mediante uma participação no valor de 50% do mesmo, o que foi aceite por este último (</font><b><font>resposta ao artigo 9. da Base Instrutória</font></b><font>).</font>
</p><p><font>16. Assim, quer os proveitos, quer os custos com o imóvel denominado ............................... eram e sempre foram suportados em 50% pelo autor e os restantes 50% por EE (</font><b><font>resposta ao artigo 10. da Base Instrutória</font></b><font>).</font><br>
<font>17. Razão pela qual ambos actuavam sempre em conjunto em todos os actos, cartas e contratos relacionados com a referida …., ou com o prévio acordo de ambos (</font><b><font>resposta ao artigo 11. da Base Instrutória</font></b><font>).</font><br>
<font>18. O autor e EE subscreveram a carta que consta a fls. 46, datada de 20 de Abril de 1988 e dirigida à Renault - 14.</font><sup><font>,</font></sup><font>ícutos Comerciais, Lda. (</font><b><font>resposta ao artigo 12. da Base Instrutória</font></b><font>).</font><br>
<font>19. O autor e EE subscreveram a carta que consta a fls. 48, datada de 6 de Setembro de 1988 e dirigida à Renault, Lda., em que ambos declararam "Embora a escritura de compra e venda da ............................... - ….., esteja só em meu nome, o Sr. AA, é proprietário da mesma, em posição igual à minha" (</font><b><font>resposta ao artigo 13. da Base Instrutória</font></b><font>).</font><br>
<font>20. Desde então, todos os recibos de recebimento de rendas da Renault foram realizados a favor de ambos do autor de EE em igualdade de quotas sem que nenhuma das partes envolvidas tivesse colocado sequer em dúvida tal atitude e procedimento (</font><b><font>resposta ao artigo 14. da Base Instrutória</font></b><font>).</font><br>
<font>21. Em 3 de Janeiro de 1989, o autor, bem como EE assinaram um contrato promessa de arrendamento celebrado com a Renault - Serviços Comerciais, Lda., na qualidade de co-proprietários do imóvel, tendo prometido conjuntamente dar de arrendamento parte da ............................... </font><b><font>(resposta ao artigo 15. da Base Instrutória</font></b><font>).</font><br>
<font>22. E a Renault, uma das mais activas inquilinas da ............................... aceitou tal facto passando a endereçar toda a sua correspondência para o autor e para EE, na qualidade de donos do prédio, que para o efeito adoptaram idêntico domicílio nos escritórios do autor </font><b><font>(resposta ao artigo 16. da Base Instrutória</font></b><font>).</font><br>
<font>23. Correspondência essa que era igualmente respondida pelo autor e por EE, na qualidade de donos do prédio, tendo os dois subscrito a carta de fls. 56 e 57, datada de 25-10-89, dirigida à mencionada Renault (</font><b><font>resposta ao artigo 17. da Base Instrutória</font></b><font>).</font><br>
<b><font>24. </font></b><font>E assim sucedeu de forma normal e regular ao longo do tempo, sem que dúvidas nenhumas existissem sobre a titularidade do identificado imóvel (</font><b><font>resposta ao artigo 18. da Base Instrutória</font></b><font>). </font><br>
<font>25. Na verdade, até por força do exercício da sua actividade comercial e da localização da sua sede empresarial, era o ora autor que vinha desenvolvendo a sua actividade centralizada na então ..............................., zelando e desenvolvendo o imóvel, de forma pública e notória, à vista de todos, assumindo sempre a qualidade de um dos donos do imóvel, em todos os actos e contratos que participava, independentemente do factor gerador dos mesmos (</font><b><font>resposta ao artigo 19. da Base Instrutória</font></b><font>).</font><br>
<font>26. O autor dirigiu a EE a carta de fls. 60, datada de 13/06/94, onde resumiu a conta corrente existente entre ambos (</font><b><font>resposta ao artigo 20. da Base Instrutória</font></b><font>).</font><br>
<font>27. Em 03/01/1991, a Renault, Lda., escreveu ao autor e a EE a carta de fls. 64, na sua qualidade de utilizadora precária de parte da ............................... (</font><b><font>resposta ao artigo 21. da Base Instrutóri</font></b><font>a).</font><br>
<font>28. O autor e EE subscreveram a carta de fls. 65 dirigida a Renault, Lda., pronunciando-se sobre a desocupação por parte desta de uma área de terreno da ............................... (</font><b><font>resposta ao artigo 22. da Base Instrutória</font></b><font>).</font><br>
<font>29. Em 07 de Junho de 1991, o autor e EE assinaram o acordo de fls. 68 e 69, denominado II Acordo de Ocupação Precária de Terreno", o qual deveria ser assinado igualmente pela Renault, Lda., no qual reconhecem o interesse do autor no imóvel em questão (</font><b><font>resposta ao artigo 23. da Base Instrutória</font></b><font>).</font><br>
<font>30. O autor e EE em 22/11/1991 escreveram e assinaram o documento denominado "Declaração de Acordo" cuja cópia consta a fls. 71, onde declaram que a "..............................." pertencia a ambos em partes iguais, não obstante a escritura de compra e venda ter sido apenas celebrada em nome do EE e que ambos participavam em igualdade de quotas nas despesas e lucros realizadas ou obtidos com o referido imóvel (</font><b><font>resposta ao artigo 24. da Base Instrutória</font></b><font>).</font><br>
<font>31. O autor e EE aproveitaram também a oportunidade para consagrar formalmente aquilo que na prática já vinha acontecendo em parte do imóvel, que era a utilização do mesmo pelo autor (</font><b><font>resposta ao artigo 25. da Base Instrutória</font></b><font>).</font><br>
<font>32. Tendo no entanto ambas as partes definido e acordado num montante pecuniário como compensação desta utilização do autor atribuindo-se a EE a sua quota-parte de metade desse montante (</font><b><font>resposta ao artigo 26. da Base Instrutória</font></b><font>).</font><br>
<font>33. Esta situação manteve-se sempre, dia após dia, mês após mês, ano após ano (</font><b><font>resposta ao artigo 27. da Base Instrutória</font></b><font>).</font><br>
<font>34. E era do conhecimento de todos os herdeiros do EE, mesmo em vida do mesmo, bem como dos demais intervenientes, nomeadamente entidades públicas e privadas (</font><b><font>resposta ao artigo 28. da Base Instrutória</font></b><font>).</font><br>
<font>35. A Junta de Freguesia de ….. enviou o ofício de 19/05/92 que consta a fls. 73, numa altura em que o AA procurava desenvolver a utilização da ..............................., nomeadamente procurando a instalação de uma universidade (Internacional) na parte urbana do imóvel e a criação de um Lar para Estudantes em parte dos terrenos do identificado imóvel (</font><b><font>resposta ao artigo 29. da Base Instrutória</font></b><font>).</font>
</p><p><font>36. O autor enviou à Junta de Freguesia da ….. a carta de 16/06/92 que consta a fls. 75, relativa à construção de mais duas torres habitacionais e correspondentes vias de acesso, no imóvel em questão (</font><b><font>resposta ao artigo 30. da Base Instrutória</font></b><font>).</font><br>
<font>37. Enviou uma carta de igual conteúdo ajunta de Freguesia de ….., que veio a merecer o parecer favorável dessa autarquia local, na carta de fls. 76, enviada ao Município de …., datada de 13/07/92 (</font><b><font>resposta ao artigo 31. da Base Instrutória</font></b><font>).</font><br>
<font>38. Atenta a especial e particular situação do autor, utilizador da ..............................., era o autor que de forma pessoal zelava pela defesa, desenvolvimento e valorização do imóvel, assumindo esse papel, mesmo sabendo, como sabia, que metade dos proveitos eram do dono, EE (</font><b><font>resposta ao artigo 32. da Base Instrutória</font></b><font>).</font><br>
<font>39. De igual modo procedia o autor quando era necessário proceder a despesas de manutenção, tais como o desbaste e limpeza de parte da Quinta por razões de saúde pública (</font><b><font>resposta ao artigo 33. da Base Instrutória</font></b><font>).</font><br>
<font>40. Por essa razão lhe foi enviada a carta de fls. 78, datada de 18 de Setembro de 1992, oriunda da junta de Freguesia da …….., para que o autor, na qualidade de dono do imóvel, pudesse assumir as suas responsabilidades inerentes a tal qualidade (</font><b><font>resposta ao artigo 34. da Base Instrutória</font></b><font>).</font><br>
<font>41. De igual forma o autor manteve correspondência com ajunta Autónoma de Estradas para desenvolver os projectos de valorização da ..............................., nos termos da carta e oficio de fls. 79 e 80, datados de 05/11/92 e 13/11/92 (</font><b><font>resposta ao artigo 35. da Base Instrutória</font></b><font>).</font><br>
<font>42. Manteve também o autor contactos com os responsáveis pela Administração Urbanística da Câmara Municipal de ……. para discutir aspectos relativos à ..............................., conforme Acta da Reunião produzida por esta edilidade datada de 09 de Dezembro de 1992, constante de fls. 82 (</font><b><font>resposta ao artigo 36. da Base Instrutória</font></b><font>).</font><br>
<font>43. Foi também o autor, com o acordo de EE, quem providenciou para encontrar comprador para parte da ..............................., nomeadamente a sua parte urbana e parte da sua parte rústica (</font><b><font>resposta ao artigo 37. da Base Instrutória</font></b><font>).</font><br>
<font>44. As negociações para tal transacção foram feitas pelo autor com a Universidade Internacional, representada pela "S.I.P.E.C. - Sociedade Internacional de Promoçào de Ensino e Cultura, S.A.", sempre com o objectivo de as verbas assim adquiridas | [0 0 0 ... 0 0 0] |
MDJru4YBgYBz1XKvTQWS | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font>
<p><b><font> </font></b><br>
</p><div><br>
<b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça</font></b></div><br>
<br>
<b><font> </font></b><br>
<p><b><font>I - RELATÓRIO</font></b><br>
</p><p><b><font>1.</font></b><font> O Autor - </font><b><font>AA</font></b><font> - instaurou (24/11/2018) acção declarativa com forma de processo comum, contra a Ré - </font><b><font>BB</font></b><font>.</font><br>
</p><p><font>Alegou, em resumo:</font><br>
</p><p><font>O Autor é proprietário da fracção autónoma designada pela letra “D” do prédio sito na Rua ....................., nº .., em ...........</font><br>
</p><p><font>Em Abril de 2014, o Autor cedeu à Ré o quarto que se encontra a poente na referida fracção, contra o pagamento mensal da quantia de € 150,00 até Agosto de 2014 e de € 180,00 nos meses subsequentes.</font><br>
</p><p><font>Sucede que a Ré nunca procedeu ao pagamento do valor de € 180,00 acordado a partir de Setembro de 2014, tendo pago sempre o valor de € 150,00 e, apesar das várias interpelações para pagamento do valor acordado, foi-se mantendo no quarto.</font><br>
</p><p><font>A Ré foi informada de que deveria abandonar o quarto no dia 30 de Setembro de 2017.</font><br>
</p><p><font>Em 17 de Outubro, através de mandatária, o Autor convidou a Ré a formalizar um contrato de arrendamento, comunicando a sua intenção de não o renovar no ano subsequente, o que fez através de comunicação escrita, concedendo um prazo de 165 dias para a entrega do locado, dando à Ré o prazo final até 31 de Março de 2018 para desocupar o quarto.</font><br>
</p><p><font>Em resposta, a Ré solicitou a redução a escrito do contrato, com início a 1 de Novembro de 2017 até 31 de Outubro de 2022, prazo que não é, nem nunca foi do interesse do Autor.</font><br>
</p><p><font>A Ré tem o quarto cheio de tralhas, plantas, sendo no quarto que cozinha e come, deixando os utensílios e restos, o que faz com que do quarto emane um cheiro nauseabundo que deixa indisposto os mais habitantes da casa, motivos pelos quais o Autor recebe repetidas queixas das arrendatárias.</font><br>
</p><p><font>Acresce que, em Janeiro de 2018, sem qualquer motivo justificativo, a Ré comunicou que passara a fazer os pagamentos da renda por consignação em depósito, na Caixa Geral de Depósitos, o que desde então tem vindo a suceder.</font><br>
</p><p><font>Concluiu, dizendo que o contrato verbal é nulo, por vício de forma, sendo ilícita a ocupação da Ré.</font><br>
</p><p><font>Pediu a condenação da Ré:</font><br>
</p><p><font>a) A reconhecer o seu direito de propriedade sobre a fracção identificada no artigo 5º da petição inicial;</font><br>
</p><p><font>b) A desocupar o quarto identificado no artigo 6º da mesma peça processual, restituindo-o livre e devoluto de pessoas e bens ao autor;</font><br>
</p><p><font>c) A pagar o valor de € 3.180,00, acrescidos de € 180,00 mensais até à efectiva desocupação do imóvel.</font><br>
</p><p><font>A Ré contestou, defendendo-se, em síntese:</font><br>
</p><p><font>O valor acordado pela renda foi de € 150,00 por mês, e não outro.</font><br>
</p><p><font>O Autor recusou a celebração de um contrato de arrendamento por cinco anos.</font><br>
</p><p><font>Sempre foi muito cuidadosa e atenciosa com a habitação, com os seus pertences e com as divisões todas da casa, limpando sempre os espaços comuns, bem como o seu quarto, cozinhando sempre na cozinha e de modo cauteloso,</font><br>
</p><p><font>não causando qualquer tipo de odor quer no quarto, quer na restante habitação.</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><b><font>2.</font></b><font> Realizada audiência de julgamento, foi proferida sentença (fls. 157 e segs.) que, na parcial procedência da acção, condenou a Ré:</font><br>
</p><p><font>a) A reconhecer o direito de propriedade do Autor sobre a fracção identificada no artigo 5º da Petição Inicial;</font><br>
</p><p><font>b) A desocupar o quarto identificado no artigo 6º da Petição Inicial, restituindo-o livre e devoluto de pessoas e bens ao seu legítimo proprietário, o Autor;</font><br>
</p><p><font>c) A pagar o valor global de € 3.180,00 (três mil cento e oitenta euros), acrescidos de € 180,00 (acrescidos de cento e oitenta euros) mensais até à efectiva desocupação do imóvel;</font><br>
</p><p><font>d) Absolver do demais peticionado;</font><br>
</p><p><font>e) Condenar Autor e Ré nas custas, na proporção do decaimento.</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><b><font>3.</font></b><font> Inconformada, a Ré recorreu de apelação (fls. 190 e segs.), recurso que foi conhecido pelo TR de ...... e que decidiu:</font><br>
</p><p><font>“Julgar parcialmente procedente a apelação e, revogando em parte a sentença, condenar a Ré a pagar ao Autor a indemnização pela ocupação do quarto referido em 2 dos factos provados, no valor de € 150,00 por mês desde 1 de Abril de 2018 e até à efectiva entrega, levando-se em conta as importâncias depositadas, confirmando-se o demais decidido.”</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><b><font>4.</font></b><font> Não se conformando com o decidido vem a R. apresentar recurso de revista, na qual formula as seguintes conclusões (transcrição):</font><br>
</p><p><font>“1. O presente recurso, que é de revista, merece acolhimento por versar decisão prolatada pelo Tribunal da Relação de ....., que, conhecendo do mérito da causa, incorreu em violação de lei substantiva, mas com fundamentação essencialmente diferente da primeira instância.</font><br>
</p><p><font>2. O Venerando Tribunal da Relação de ......, classificou “ex novo” o contrato dos autos como contrato de arrendamento urbano, destinado à habitação própria da recorrente, no que se aceite, incluindo o critério jurídico da decisão.</font><br>
</p><p><font>3. Para esta classificação ou nomem iuris, o Venerando Tribunal da Relação de ......, aplicou o artigo 1069º, n.º do Código Civil, na redação da Lei n.º 13/2019, de 12.02. que entrou em vigor no dia seguinte ao da sua publicação, bem como aplicou o artigo 14º, nº2, norma transitória, e o artigo 12º, n,º 2 do Cód. Civil, expressamente afirmado:</font><br>
</p><p><font>- Esta regra aplica-se aos arrendamentos já existentes, por força da norma de direito transitório (art.º 14º, n.º 2), significando que o art.º 1069º, n.º 2 do CC é aplicável às próprias relações de arrendamento já constituídas, que subsistem à data da sua entrada em vigor (…)” – fls 21, frente, último paragr. do douto aresto recorrido (negrito nosso).</font><br>
</p><p><font>4. Por força desta aplicabilidade, o demais decidido está ferido de contradição insanável e de violação de lei</font><br>
</p><p><font>5. Assim, a ratio recursiva compreende o segmento decisório que fixou um prazo ao contrato que classificou de arrendamento urbano, que considerou em vigor a 13.02.2019, mas que fez cessar na data de 31.03.2018. Concretizando (fls 21, verso, e 22) diz o tribunal recorrido</font><br>
</p><p><font>- “… Não ter sido alegado qual o prazo verbalmente acordado pelas partes, e, por isso, tem aplicação o regime supletivo do art.º 1094º n.º 3 do CC (redação da Lei n.º 31/2012 de 14/08, vigente à data da celebração, - “No silêncio das partes o contrato considera-se celebrado pelo período de 2 anos”</font><br>
</p><p><font>Este prazo renovou-se automaticamente por período de igual duração, desde que o senhorio não se tenha oposto à renovação, cuja comunicação é de 120 dias (art.º 1096º, nº 1 e 3, 1097 n.º 1 b) CC).</font><br>
</p><p><font>Assim, iniciando-se o contrato a 1 de Abril de 2014, e sendo o prazo de 2 anos, renovou-se automaticamente.</font><br>
</p><p><font>Porém, comprova-se que em 17/10/2017 o Autor comunicou a não renovação a partir de 31/3/2018, pelo que o contrato de arrendamento se extinguiu. Ora, uma vez extinto o contrato, a Ré deixou de ter título válido para ocupar o imóvel, estando provado que em Março e Abril de 2018 o Autor reiterou o pedido de desocupação, mas que a Ré ignorou.”</font><br>
</p><p><font>6. No que se dá por violado o disposto no artigo 1097º, n.º 1, do Código Civil e artigo 9º, n.º 1 do NRAU</font><br>
</p><p><font>7. Pois que não existe comunicação a manifestar a oposição à renovação do contrato entre senhorio e inquilina, realizada por carta registada com aviso de receção, e não há uma comunicação em que, de forma inequívoca e certa, seja manifestada a vontade e o prazo, também certo e inequívoco, da cessação do contrato de arrendamento, por iniciativa do senhorio, recorrido -neste sentido, AcSTJ, de19.10.2017, processon.º83/16.1YLPRT.L1.S1, acessível em </font><a><u><font>www.dgsi.pt</font></u></a><font>; Laurinda Gemas/Albertina Pedroso/João Caldeira Jorge, Arrendamento Urbano – Novo Regime Anotado e Legislação Complementar, 3ª ed., Lisboa, Quid Juris, 2009, págs 459/460; Ac. TRG, 31.01.2019, proc. n.º 103/18.5T8AMR.G1</font><br>
</p><p><font>8. Mas, também, impetra-se a violação do art.1094º, nº3, com a redação da Lei 43/2017, de 14-06, e dos artigos 12º, n.º2 e 297º,nº2, todos do CC, na consideração de o contrato de arrendamento ter sido celebrado pelo prazo certo de dois anos, “no silêncio das partes”.</font><br>
</p><p><font>9. Esta norma está para as circunstâncias em que, senhorio e arrendatário, observando o regime legal do arrendamento urbano, não fixam um prazo ao contrato por um ato de vontade ou, pelo menos, com boa-fé contratual, no sentido de ambos reconhecerem a existência de um contrato de arrendamento,oqueosenhoriorecorridorefutou.Estaconsideraçãoimpõe-se pelo princípio da proporcionalidade, previsto no art.º 2º da CRP, pelo princípio da boa fé, na dimensão do art.º 334º do Código Civil e pela tutela à habitação.</font><br>
</p><p><font>10. A coerência intrínseca da decisão, a unidade e articulação do sistema jurídico, a equidade e proporcionalidade, determina que seja aplicado o regime do art.º 1094º, n.º 3 do Cód Civil, na redação em vigor à data de entrada em vigor da Lei 13/2019, de 12.2. (data em o Tribunal a quo considerou subsistir a relação de arrendamento em causa), ou seja, “no silêncio das partes, o contrato considera-se celebrado por prazo certo, pelo período de cinco anos” – ex vi art.º 1094º, n.º 3, na redação da Lei 43/2017, de 14.06</font><br>
</p><p><font>11. Donde, todos os direitos e vicissitudes contratuais atendíveis para a sorte do processo, teriam de se ter verificado após 13.02.2019 (art.º 16, da Lei 13/2019), o que não é o caso – se se diz que o contrato de arrendamento subsistia em 2019, não pode, de seguida, dizer-se que existia a 13-02-2019 mas cessou a 31/03/2018 (???)</font><br>
</p><p><font>12. Ante o exposto, e o mais mui doutamente suprido, rege a matéria o artigo 297º, n.º 2 do Código Civil -neste sentido, entre outros, Ac.STJ de 31-05-2005, proc 03B2372.</font><br>
</p><p><font>13. Mandando aplicar a lei que fixar um prazo mais longo aos prazos que já estejam em curso, computar-se-á neles todo o tempo decorrido desde o seu momento inicial. Assim,</font>
</p><p><font> 01/04/2014 – Início do contrato de arrendamento; prazo: dois anos (Lei 31/2012, de 14-08);</font>
</p><p><font> 01/04/2016 – Renovação automática do contrato de arrendamento;</font>
</p><p><font> 15/06/2017 – Entrada em vigor da Lei 43/2017, de 14-06, a partir da qual se aplica o prazo de cinco anos ao contrato de arrendamento para habitação;</font>
</p><p><font> 15/06/2017 – O prazo da renovação do contrato de arrendamento atinge um ano, dois meses e quinze dias;</font>
</p><p><font> 15/06/2017 – O contrato de arrendamento renova-se até 30/03/2021.</font><br>
</p><p><font>14. Destarte, o contrato de arrendamento urbano para habitação da recorrente tem de ser declarado válido e em vigor, revogando-se, nessa parte, a decisão recorrida.</font><br>
</p><p><font>15. Só assim se decidindo, se elimina da ordem jurídica uma decisão que, ressalvado o devido respeito, viola o disposto no artigo 1097º, n.º 1, do Cód Civil, art.º 9º, n.º 1 do NRAU, no artigo 1094º, n.º 3, com a redação da lei n.º 43/2017, de 14.06, no art.º 297º, n.º 2, no art.º 12., n.º 2, todos do CC, bem como o art.º 2º da CRP e o art.º 334º do Código Civil.</font><br>
</p><p><font>Sem prejuízo,</font><br>
</p><p><font>16. O tribunal a quo, sempre ressalvado o devido respeito, que muito é, violou também os arts. 262º, 268º, 363º, 364º, 236º, 342º e 1157º todos do CC, o art. 1º, nº6, alínea a) da Lei nº49/2004, de 24 de Agosto, e arts. 66º e 67º Estatuto da Ordem dos Advogados, ao considerar que a Dra. CC tinha legitimidade para fazer cessar o contrato de arrendamento ou para proceder a actos de preparação dessa cessação, através de missiva enviada à recorrente/arrendatária a 17/10/2017:</font><br>
</p><p><font>a) Não se vislumbra em todo o processo a junção de procuração, inclusive de procuração forense, que muna a Dra. CC de poderes para intervir.</font><br>
</p><p><font>b) Será um acto próprio de advogada a prática de actos preparatórios tendentes à extinção de negócio jurídico, neste caso um contrato de arrendamento, e à própria extinção de negócio jurídico (art.1º, nº6, alínea a) da Lei 49/2004, de 24-08),</font><br>
</p><p><font>c) Mas é necessário, tanto para esta intervenção de actos preparatórios, como para a extinção de negócios jurídicos, como para a intervenção em tribunal, a advogada deter procuração nesse sentido específico (in Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 27-03-2014, Proc. 1196/10.9TBALR-A.E1) ou ter assinado com o cliente um contrato de mandato com esse conteúdo e extensão, o que não aconteceu.</font><br>
</p><p><font>d) Permite a lei que o representado, interessado no negócio, o ratifique ainda que celebrado por outrem em seu nome (art. 268º, nº1).</font><br>
</p><p><font>e) O recorrido não ratificou a comunicação realizada pela Dra. CC, se o fez não o fez quando devia para atingir os efeitos que vem dizer pretender, nem pela forma correta – ex vi art.ºs 268º, n.º 2 e 262º, n.º 2, do CC e, outrossim, arts.363º e 364º do CC.</font><br>
</p><p><font>17. Ainda que não se observasse este ajuizado, teria sempre o tribunal a quo de considerar ineficaz a declaração da missiva em causa, pois a “intenção de não proceder à renovação do contrato de arrendamento em vigor” não coincide com a efetiva oposição à renovação do contrato de arrendamento.</font><br>
</p><p><font>18. Ter intenção de fazer algo não equivale a fazer efetivamente e nada consta do teor da comunicação que aponte que o autor estava a comunicar à recorrente que denunciava efetivamente o contrato – vd. cartas juntas à PI como doc.s n.ºs 3 e 4; na carta junta como Doc. n.º 4, datada de 06.11.2017, consta “… solicito que abandone o locado até ao próximo dia 30 de novembro” (!!??) -neste sentido, vd., ainda AcTRC, de 12.03.2019, proc 1047/15.8T8LMG.C1, acessível em </font><font>www.dgsi.pt</font><font>.</font><br>
</p><p><font>19. Também da factualidade definitivamente assente pelas instâncias em 9., 11., 12., 13. e 17., não resulta a comunicação certa e inequívoca da data cessação do contrato, por oposição à renovação.</font><br>
</p><p><font>20. Não pode manter-se, pois, a extinção do contrato de arrendamento, a 31-03-2018, antes substituindo o entendimento tirado pelo Tribunal a quo por outro que considere que o contrato de arrendamento não foi feito cessar pelo recorrido/senhorio, mantendo-se este válido e eficaz inter partes.</font><br>
</p><p><font>Nestes termos, e nos melhores de Direito, que V. Exas. doutamente suprirão, deverá o douto aresto do Tribunal da Relação de ...... ser revogado e substituído por outro que considere existir um contrato de arrendamento urbano válido e eficaz, que confere o direito de habitação à recorrente, sobre o quarto referido em2 dos factos provados e, por via disso, considere improcedente, por não provada, a ação, absolvendo a ré, recorrente, do dever de desocupação e do pagamento de qualquer quantia a titulo de indemnização, assim se fazendo a boa e costumada justiça.</font><br>
</p><p><font>Provido o recurso, como é do Direito e de Lei, assim se reporá a costumada JUSTIÇA!”</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font>Houve contra-alegações nas quais se questionou a admissibilidade da revista, atento o obstáculo “dupla conforme”.</font><br>
</p><p><font>Nas conclusões disse (transcrição):</font><br>
</p><p><font>“A - A Recorrente não obteve provimento em 1.ª instância.</font><br>
</p><p><font>B - Sem voto de vencido, o Acórdão do Tribunal da Relação confirmou a sentença proferida em 1.ª instância.</font><br>
</p><p><font>C - Sem fundamentação essencialmente diferente.</font><br>
</p><p><font>D Analisadas as decisões, de 1.ª e 2.ª instância, resulta claro que a divergência reside no facto de a 1.ª instância considerar o contrato nulo por falta de forma, e a 2.ª instância considerar o contrato válido mas extinto por via da oposição à renovação comunicada pelo senhorio/Autor/Recorrido.</font><br>
</p><p><font>E - A discordância reside apenas na razão da ilegitimidade da ocupação do quarto pela Ré; sendo as decisões convergentes quanto à ilegitimidade em si.</font><br>
</p><p><font>F - Consideramos por isso que o recurso é inadmissível, devendo, por tal, ser rejeitado liminarmente, ao abrigo do disposto no n.º 4 do artigo 671.º do Código de Processo Civil (doravante CPC).</font><br>
</p><p><font>Caso assim não se entenda, o que por mera cautela de patrocínio se admite, sempre se dirá, em sede de ALEGAÇÕES DE RECURSO o seguinte:</font><br>
</p><p><font>G - Não foi violado o disposto no artigo 1097º, n.º 1, do Cód. Civil, artigo 9º, n.º 1 do NRAU</font><br>
</p><p><font>H - Considere-se ou não o contrato válido, a oposição à renovação é inequívoca e produz efeitos, porquanto – fosse-lhe ou não aplicável – cumpriu todos os requisitos legais.</font><br>
</p><p><font>I - Houve uma primeira comunicação enviada a 17 de outubro de 2017 – doc. 3 da PI; reenviada a 6 de novembro de 2017 – doc. n.º 4 da PI; e confirmada em 27 de março – doc. 6 da PI.</font><br>
</p><p><font>J - A R./Recorrente sempre respondeu às comunicações, o que demonstra o perfeito conhecimento da comunicação que recebeu, facto que também se depreende da contestação apresentada (pontos 18. e 22.)</font><br>
</p><p><font>K Não foi violado o artigo 1094.º, n.º 3, com a redação da Lei 43/2017, de 14-06, nem tão pouco os artigos 12.º, n.º 2 e 297.º,n.º 2, todos do CC.</font><br>
</p><p><font>L- Entendemos não ser aplicável o artigo 1094.º, n.º 3 do CC, com a redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 43/2017 de 14 de junho, porquanto a lei só dispõe para o futuro, conforme dispõe o artigo 12.º, n.º 1 do CC.</font><br>
</p><p><font>Ainda que assim não se entenda, caso se entenda existir contrato de arrendamento, sempre se dirá que:</font><br>
</p><p><font>M -O prazo supletivo aplicável, no silêncio das partes, aos contratos de arrendamento celebrados antes de 14 de Junho de 2017 é de dois – e não de cinco – anos, pelo que renovar-se-ia em Abril de 2018, o que veio a ser impedido pela oposição à renovação – comprovadamente – comunicada à contraparte.</font><br>
</p><p><font>N - Ainda que assim não se entenda, sempre se deveria considerar que a contagem do prazo de cinco anos se iniciou em abril de 2014, nunca a 1/11/2017, nem a 1/04/2016 – facto provado 2.</font><br>
</p><p><font>O - Seguindo-se este entendimento, e iniciando-se a contagem do prazo em 1 de abril de 2014, o seu términus aconteceu em Abril de 2019.</font><br>
</p><p><font>P- Ora, mesmo que se considere aplicável o artigo 1094.º, n.º 3 do CC com a redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 43/2017 de 14 de junho, também o fim da relação contratual já se verificou, devendo tal ser reconhecido pelo Tribunal por lhe ter sido peticionado pelo A.</font><br>
</p><p><font>Q - Ora, mesmo que se considere que o prazo de renovação ocorreria em abril de 2019, poderá o Tribunal condenar nos termos peticionados, ao abrigo do disposto no artigo 691.º do CPC.</font><br>
</p><p><font>R - Não foram violados os artigos 1.º, n.º 6, al. a), da Lei n.º 49/2004, de 24 de agosto, 66.º e 67.º do EOA (Estatuto da Ordem dos Advogados), 262.º, 1057.º, 268.º, n.º 2 e 236.º do Código Civil.</font><br>
</p><p><font>S - Poderia a R. escusar-se a responder – à data - às comunicações da Mandatária ou ter exigido a prova dos poderes da mesma, mas não o fez!</font><br>
</p><p><font>T - Ao invés, respondeu à comunicação recebida, mais uma vez se verificando um </font><i><font>venire</font></i><font> </font><i><font>contra</font></i><font> </font><i><font>factum</font></i><font> </font><i><font>proprio</font></i><font>.</font><br>
</p><p><font>U - Na verdade, a Ré/Recorrente respondeu e comunicou com as Mandatárias cujos poderes vem agora pôr em causa, o que só se poderá dever à falta de argumentação jurídica.</font><br>
</p><p><font>V - No que à falta de mandato forense/judicial concerne, sempre se dirá que a Mandatária juntou aos autos procuração a ratificar todo o processado anteriormente; motivo pelo qual não se vislumbra qual a utilidade da (re)utilização deste argumento.</font><br>
</p><p><font>W - Quanto à requerido efeito suspensivo do presente recurso, peticionado pela R./Recorrente, refira-se que:</font><br>
</p><p><font>X O A./Recorrido encontra-se a aguardar que a R./Recorrente abandone o quarto desde 31 de Março de 2018.</font><br>
</p><p><font>Y Desde então, devido unicamente às condutas da R., têm sido vários os inquilinos que têm abandonado o imóvel,</font><br>
</p><p><font>Z O que acarreta graves consequências na rentabilização do mesmo.</font><br>
</p><p><font>AA Ora, por tal, e ao abrigo do disposto no artigo 676.º, n.º 2 CPC requer-se a V.</font><br>
</p><p><font>Exas que se dignem a ordenar a prestação de caução em valor nunca inferior a €2.500,00, para acautelar todos os prejuízos que da demora na apreciação desta questão surgiram e surgirão.</font><br>
</p><p><font>NESTES TERMOS, E NOS MAIS DE DIREITO, DEVE O RECURSO IMPROCEDER POR NÃO PROVADO, MANTENDO-SE A DECISÃO DO TRIBUNAL RECORRIDO; E, AINDA, DEVE SER ORDENADA A PRESTAÇÃO DE CAUÇÃO, EM VALOR NÃO INFERIOR A €2.500,00, ASSIM SE REITERANDO A TÃO ACOSTUMADA JUSTIÇA!” </font><br>
</p><p><font>A revista veio a ser admitida pelo Exmo Senhor Desembargador Relator, por entender que a dupla conforme não operaria, </font><i><font>in casu</font></i><font> – “Parece não ocorrer a dupla conforme, pelas razões alegadas no requerimento de interposição, pois a fundamentação revela-se essencialmente diferente, nomeadamente quanto ao problema da natureza da falta de título para a ocupação.”</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font>Dispensados os vistos, cumpre analisar e decidir. </font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><b><font>II. Fundamentação</font></b><br>
</p><p><b><font>5. De facto</font></b><br>
</p><p><b><font>5.1.</font></b><font> Vieram provados das instâncias os seguintes factos (com alterações introduzidas pelo TR.., assinaladas a negrito):</font><br>
</p><p><font>1. A fracção autónoma designada pela letra “D” do prédio sito na Rua ....................., nº .., em ......, inscrito na matriz sob o artigo .... da freguesia de .................. está descrita na 1ª Conservatória do Registo Predial de ...... sob o número ... e aí inscrita a favor do autor através da Ap. .... de 16.10.2017.</font><br>
</p><p><font>2. Em Abril de 2014, o Autor cedeu à Ré o quarto que se encontra a poente na referida fracção, local onde a Ré habita desde aquela data.</font><br>
</p><p><b><font>3. Contra o pagamento mensal de € 150,00.</font></b><br>
</p><p><font>4. Esta cedência foi feita verbalmente, por intermédio de DD, que reside em ...... e gere todas as necessidades de quem habita nos quartos do imóvel do Autor.</font><br>
</p><p><font>5. O que faz, desde há vários anos, com periodicidade anual, normalmente a estudantes universitários, mestrandos e doutorandos.</font><br>
</p><p><font>6. À ré, tal como a todos os outros ocupantes, era reconhecido o acesso ao quarto cedido, bem como às partes comuns da fracção.</font><br>
</p><p><b><font>7.A ré nunca procedeu ao pagamento do valor de € 180,00 a partir de Setembro de 2014, tendo pago sempre o valor acordado de € 150,00.</font></b><br>
</p><p><b><font>8. A Ré manteve-se no quarto</font></b><font>.</font><br>
</p><p><font>9. Em 3 de Agosto de 2017, a responsável pelo imóvel, DD, contactou a Ré, informando-a que teria que abandonar o quarto no dia 30 de Setembro de 2017.</font><br>
</p><p><b><font>10.</font></b><font> (passou a não provado)</font><br>
</p><p><font>11. Em 17 de Outubro de 2017, através de mandatária, o Autor convidou a Ré a formalizar um contrato de arrendamento, comunicando a sua intenção de não o renovar no ano subsequente, o que fez através de comunicação escrita.</font><br>
</p><p><font>12. Concedendo um prazo de 165 dias para a entrega do locado, dando à Ré o prazo final de 31 de Março de 2018 para desocupar o quarto.</font><br>
</p><p><font>13. A 6 de Novembro de 2017, o Autor remete nova comunicação à Ré, reiterando a sua intenção.</font><br>
</p><p><font>14. A Ré, em resposta, solicitou a redução a escrito do contrato, com início a 1 de Novembro de 2017 até 31 de Outubro de 2022.</font><br>
</p><p><font>15. Prazo que não é, nem nunca foi do interesse do Autor, como a Ré sabe. </font><br>
</p><p><font>16.O Autor pretende a desocupação do quarto cedido.</font><br>
</p><p><font>17. Nos meses de Março e Abril de 2018, o Autor reiterou o pedido de desocupação do quarto.</font><br>
</p><p><font>18. Pedidos que a Ré ignorou, alegando que a proposta não correspondia às suas expectativas.</font><br>
</p><p><font>19.A Ré tem o quarto cheio de tralhas e plantas.</font><br>
</p><p><font>20. Do quarto da Ré emana, por vezes, um cheiro nauseabundo. </font><br>
</p><p><font>21. Motivo pelo qual o Autor recebe repetidas queixas das arrendatárias.</font><br>
</p><p><font>22. Em Janeiro de 2018, a Ré comunicou que passara a fazer os pagamentos das rendas por consignação em depósito, na Caixa Geral de Depósitos, o que, desde então, tem vindo a suceder.</font><br>
</p><p><font>23. No dito mês de Janeiro, e por várias vezes, o Autor comunicou à Ré a conta bancária para onde deveriam ser feitos os pagamentos mensais, sem que a Ré o tenha cumprido.</font><br>
</p><p><font>24. Estando o Autor sem auferir qualquer montante desde então.</font><br>
</p><p><font>25. A Ré aufere uma bolsa correspondente ao pagamento da Associação Recriar Caminhos, enquadrado no Protocolo entre a RC e o IEFP, no montante mensal de € 435,76.</font><br>
</p><p><font>26. A Ré sempre limpou os espaços comuns da fracção do Autor e sempre cozinhou na cozinha.</font><br>
</p><p><font>27. A Ré permitiu vistorias ao locado por parte do Autor.</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><b><font>5.2.</font></b><font> Não vieram provados os seguintes factos (com alterações introduzidas pelo TR.., assinaladas a negrito):</font><br>
</p><p><font>1. É no quarto que a Ré cozinha e come, deixando lá os utensílios e restos;</font><br>
</p><p><font>2. O facto referido em 21 dos factos provados faz com que o Autor tenha que se deslocar a ...... por diversas vezes;</font><br>
</p><p><font>3. Nunca foi exigido à ré nenhum outro valor para além dos € 150,00;</font><br>
</p><p><font>4. O Autor tem conhecimento que a ré sempre teve empregos precários;</font><br>
</p><p><font>5. A Ré aufere apenas o montante referido no artigo 25º dos factos provados;</font><br>
</p><p><font>6. Até finais de 2017 nunca existiu entre o Autor e a Ré qualquer desentendimento ou atrito;</font><br>
</p><p><font>7. O Autor fez uma diferenciação entre a Ré e as suas colegas de habitação, mostrando e tendo atitudes completamente discriminatórias;</font><br>
</p><p><font>8. A Ré sempre foi muito cuidadosa e atenciosa com a habitação, com os seus pertences e com as divisões todas da casa;</font><br>
</p><p><font>9. A Ré sempre limpou o seu quarto;</font><br>
</p><p><font>10. As plantas que a Ré tem no quarto são plantas de interior e apropriadas ao espaço em questão;</font><br>
</p><p><font>11. Quando se apercebeu do ambiente hostil criado pelo autor, a ré começou a sentir insegurança e receio que a sua estadia fosse colocada em causa, receando inclusive que as rendas pagas em numerário não fossem consideradas;</font><br>
</p><p><font>12. Os recibos das rendas só eram entregues pelo autor no final do ano, todos em simultâneo;</font><br>
</p><p><font>13. A ré começou a sentir-se receosa e incomodada com esta situação; </font><br>
</p><p><font>14. Sentimento de insegurança que aumentou quando a ré percebeu que o autor havia alterado no portal das finanças a natureza do seu contrato.</font><br>
</p><p><b><font>3.</font></b><font> </font><b><font>Contra o pagamento mensal de € 150,00 até Agosto de 2014 e de € 180,00 nos meses subsequentes</font></b><font>;</font><br>
</p><p><b><font>7.</font></b><font> </font><b><font>tivesse sido acordado o valor de € 180,00 a partir de Setembro de 2014</font></b><br>
</p><p><b><font>8.</font></b><font> </font><b><font>E, apesar das várias interpelações para pagamento do valor acordado de e 180,00</font></b><br>
</p><p><b><font>10. Facto que veio igualmente a ser comunicado pelo Autor</font></b><font>.</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><b><font>De Direito</font></b><br>
</p><p><b><font>6.</font></b><font> As questões suscitadas no recurso, aferidas pelas conclusões da revista, prendem-se com a validade do contrato, seu prazo e sua cessação. </font><br>
</p><p><b><font>7. </font></b><font>Questão prévia – admissibilidade do recurso</font><br>
</p><p><font>A decisão do TR confirma, em parte, o teor da sentença, mantendo a condenação da Ré, mas em montantes inferiores aos que estavam previstos pela 1ª instância.</font><br>
</p><p><font>Na comparação entre a fundamentação das decisões – de confirmação da condenação, ainda que com redução do valor – salientaram-se as seguintes diferenças apontadas pelo próprio TR..:</font><br>
</p><p><b><font>Quanto ao título jurídico para ocupação do quarto e seu valor</font></b><br>
</p><p><font>“contrariamente ao afirmado na sentença, o contrato de arrendamento não é formalmente nulo, tendo em conta o nº2 do art.1069 CC, pois o contrato foi provado por outros meios, designadamente pelos recibos emitidos pelo Autor.”</font><br>
</p><p><b><font>Quanto ao prazo do contrato e sua cessação</font></b><br>
</p><p><font>“Verifica-se, porém, não ter sido alegado qual o </font><b><font>prazo</font></b><font> </font><b><font>verbalmente</font></b><font> </font><b><font>acordado</font></b><font> </font><b><font>pelas</font></b><font> </font><b><font>partes</font></b><font>, e, por isso, tem aplicação o </font><b><font>regime</font></b><font> </font><b><font>supletivo</font></b><font> do art.1094 nº3 CC (redacção da Lei nº 31/2012, de 14/8 ), vigente à data da celebração, – “No silêncio das partes o contrato considera-se celebrado </font><b><font>pelo</font></b><font> </font><b><font>período</font></b><font> </font><b><font>de</font></b><font> </font><b><font>2</font></b><font> </font><b><font>anos”</font></b><br>
</p><p><font>Este prazo renovou-se automaticamente por períodos de igual duração, desde que o </font><u><font>senhorio não se tenha oposto à renovação</font></u><font>, cuja comunicação é de 120 dias (arts.1096 nº1 e 3, 1097 nº1 b) CC).”</font><br>
</p><p><font>(…)</font><br>
</p><p><font>“…. em 17/10/2017 </font><b><font>o</font></b><font> </font><b><font>Autor</font></b><font> </font><b><font>comunicou</font></b><font> </font><b><font>a</font></b><font> </font><b><font>não</font></b><font> </font><b><font>renovação</font></b><font> </font><b><font>a</font></b><font> </font><b><font>partir</font></b><font> </font><b><font>de</font></b><font> </font><b><font>31/3/2018,</font></b><font> </font><b><font>pelo</font></b><font> </font><b><font>que</font></b><font> </font><b><font>o</font></b><font> </font><b><font>contrato</font></b><font> </font><b><font>de</font></b><font> </font><b><font>arrendamento</font></b><font> </font><b><font>se</font></b><font> </font><b><font>extinguiu</font></b><font>. Ora, </font><b><font>uma</font></b><font> </font><b><font>vez</font></b><font> </font><b><font>extinto</font></b><font> </font><b><font>o</font></b><font> </font><b><font>contrato,</font></b><font> </font><b><font>a</font></b><font> </font><b><font>Ré</font></b><font> </font><b><font>deixou</font></b><font> </font><b><font>de</font></b><font> </font><b><font>ter</font></b><font> </font><b><font>título</font></b><font> </font><b><font>válido</font></b><font> </font><b><font>para</font></b><font> </font><b><font>ocupar</font></b><font> </font | [0 0 0 ... 0 0 0] |
szJsu4YBgYBz1XKvEgU2 | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><font>Processo n.º 50/07.6TBCRZ.P1.S1</font><a><u><sup><font>[1]</font></sup></u></a><br>
<b><font> </font></b><div><br>
<b><font>*</font></b><font> </font><br>
<p><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça – 1.ª Secção</font><a><u><sup><font>[2]</font></sup></u></a><font>:</font></p></div><br>
<br>
<font>I. Relatório</font><br>
<p><font>No processo especial de inventário por óbito de </font><b><font>AA, </font></b><font>falecida em 2/1/1999, requerido em </font><u><font>15/3/2007</font></u><font>, em que exerce o cargo de cabeça de casal o seu filho BB, apresentada a relação de bens e resolvidas as questões suscitadas susceptíveis de influir na partilha e determinados os bens a partilhar, depois de várias vicissitudes, iniciou-se a </font><u><font>conferência de interessados</font></u><font>, no dia 22/9/2016.</font><br>
</p><p><font>Nessa conferência, em que estiveram todos presentes e/ou representados, foi, além do mais, submetido à aprovação dos interessados o passivo relacionado, tendo este sido aprovado apenas pelo cabeça-de-casal, manifestando os demais interessados oposição a essa aprovação. Após essas manifestações, foi proferido o despacho que, na parte que aqui interessa, decidiu o seguinte:</font><br>
</p><p><i><font>«… No que concerne às despesas referidas na verba número um, despesas do funeral, as quais se encontram documentadas a fls. 284 e 285, constando ainda a fls. 383 a informação da Caixa Geral de Aposentações quanto ao montante recebido pelo cabeça de casal a título de subsídio de funeral, também quanto a esta se afirma que, pese embora a factura e o recibo estejam emitidos ao cabeça de casal, nada nos autos resulta que tal despesa tenha sido suportada por si. Por estas razões concluímos que a questão não pode ser resolvida com segurança pela análise dos documentos apresentados pelo que se decide não reconhecer o passivo relacionado, o qual apenas será imputado ao cabeça de casal na sua quota-parte - artºs 1354º, 1355º e 1356º do C. P. Civil de 1961.»</font></i><br>
</p><p><font>Na sessão seguinte da conferência de interessados, realizada em 21/3/2018, </font><u><font>todos os interessados procederam à licitação de alguns dos bens da herança</font></u><font>, ficando por licitar vários bens imóveis e móveis.</font><br>
</p><p><font>Na respectiva acta, consta que:</font><br>
</p><p><i><font>«[…] tiveram início as respectivas licitações, com o seguinte resultado final: Os bens móveis constantes das verbas 1-A a 1-N, da relação de bens de fls. 758 a 768, não foram licitados, ficando em comum, sem determinação de parte ou direito para todos os interessados na proporção dos seus quinhões, pelo valor global de €855,00.</font></i><font>»</font><br>
</p><p><font>A seguir consta a indicação dos bens que foram licitados, por quem e por que valor, e dos 14 bens imóveis que não foram licitados.</font><br>
</p><p><font>Após, refere-se que:</font><br>
</p><p><i><font>«… pela Mma. Juiz foi proferido o seguinte despacho: Relativamente aos bens não licitados os mesmos serão adjudicados em comum, sem determinação de parte ou direito a todos os interessados na proporção dos seus quinhões, pelo valor da relação de bens. […] Notifique.</font></i><font>»</font><br>
</p><p><font>Segue-se a menção de que «</font><i><font>todos os presentes foram devidamente notificados, do que disseram ficar bem cientes, sendo de seguida encerrada a presente conferência de interessados.</font></i><font>»</font><br>
</p><p><font>Após a dita conferência, o cabeça-de-casal juntou aos autos um requerimento que termina pedindo: </font><i><font>«(i) devem ser notificados os interessados, nos termos do art.º 1373º/1, com referência ao art.º 1348º/1 do CPC, na redacção anterior à Lei nº 41/2013, para serem ouvidos sobre a forma da partilha; (ii) devem ser anulados os despachos …</font></i><font> [refere-se aos segmentos da acta da conferência de interessados antes assinalados], </font><i><font>por preterição de formalidades prévias prescritas na lei de processo, que influenciam o exame e decisão da causa, no caso a notificação e audição prévia dos interessados sobre a forma da partilha (art.ºs 195º/1 do novo CPC e 1373º/1 do velho CPC).»</font></i><br>
</p><p><font>Este requerimento foi indeferido, com o fundamento de que na prolação de tais despachos não foi cometida qualquer nulidade e ainda não era chegado o momento da notificação requerida.</font><br>
</p><p><font>O cabeça-de-casal apresentou ainda recurso dos despachos proferidos na conferência, recurso que não foi admitido por se ter entendido que tais decisões apenas podiam ser impugnadas no recurso da sentença homologatória da partilha.</font><br>
</p><p><font>Seguidamente, foi ordenada e realizada a notificação dos «</font><i><font>interessados nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 1373.º, n.º 1 do Código de Processo Civil de 1961</font></i><font>».</font><br>
</p><p><font>O cabeça-de-casal pronunciou-se sobre a forma à partilha, manifestando, entre outras coisas, que «</font><i><font>os bens licitados são adjudicados ao respectivo licitante - art.º 1374º, a) do velho Código de Processo Civil</font></i><font>» e que «</font><i><font>não existindo situação subsumível à al. b), os bens restantes não licitados serão adjudicados a todos os interessados, em comum, mas na proporção necessária ao integral preenchimento dos respectivos quinhões.</font></i><font>»</font><br>
</p><p><font>O interessado CC pronunciou-se igualmente sobre a forma à partilha defendendo, entre outras coisas, que «</font><i><font>a composição dos quinhões deverá ser efectuada de acordo com o resultado das licitações, adjudicando aos interessados os bens que respectivamente licitaram, sendo que quanto aos bens não licitados, de harmonia com o determinado durante a conferência de interessados, deverão ser adjudicados em comum sem determinação de parte ou direito a todos os interessados e na proporção dos respectivos quinhões pelos valores (actualizados) da Relação de bens; o crédito/dinheiro deverá ser adjudicado aos interessados na proporção dos respectivos quinhões</font></i><font>.»</font><br>
</p><p><font>Foi proferido despacho determinativo da partilha, onde, quanto ao preenchimento dos quinhões, se determinou somente a sua realização «</font><i><font>de acordo com as licitações e o demais decididos na conferência de interessados – cfr. atas da conferência de interessados</font></i><font>».</font><br>
</p><p><font>Foi elaborado mapa informativo com a alegação de que face ao modo como se ordenou o preenchimento dos quinhões existem herdeiros que receberão bens de valor superior à respectiva quota, tornando-se devedores de tornas.</font><br>
</p><p><font>Notificado desse mapa e do despacho determinativo da partilha, o cabeça-de-casal apresentou arguição de nulidade do mesmo por omissão de pronúncia sobre as questões por si levantadas sobre o modo de preenchimento dos quinhões.</font><br>
</p><p><font>Esta arguição de nulidade foi desatendida com o fundamento de que «</font><i><font>as questões nas quais este suporta a invocação de tal vício foram resolvidas na conferência de interessados, conforme a acta que documenta tal acto o atesta e aí o cabeça-de-casal não levantou qualquer objecção.</font></i><font>»</font><br>
</p><p><font>Foi reclamado o pagamento das tornas e os devedores das mesmas foram notificados para as depositarem, não o tendo feito.</font><br>
</p><p><font>Foi ordenada a elaboração do mapa da partilha, o qual foi elaborado e, de seguida, posto em reclamação.</font><br>
</p><p><font>Por fim, em </font><u><font>14/11/2019</font></u><font>, foi proferida </font><u><font>sentença homologatória da partilha</font></u><font> constante daquele mapa, «…</font><i><font>adjudicando aos interessados os respetivos bens ali aformalados e condenando os devedores de tornas no seu pagamento aos interessados credores.</font></i><br>
</p><p><i><font>Custas a cargo dos interessados, nos termos do art.º 1383.º do Código de Processo Civil.</font></i><br>
</p><p><i><font>Registe e notifique</font></i><font>».</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font>Inconformado, o cabeça-de-casal apresentou </font><b><font>recurso de apelação</font></b><font>, dizendo fazê-lo da </font><b><font>sentença homologatória da partilha</font></b><font> e ainda das seguintes decisões: a) </font><b><font>despacho proferido em 22-09-2016</font></b><font>, durante a conferência de interessados, que não aprovou o passivo da herança reclamado a título de despesas de funeral; b) </font><b><font>despachos proferidos em 21-03-2018</font></b><font>, durante a conferência de interessados, sobre a distribuição dos bens não licitados; c) </font><b><font>despacho proferido em 03-05-2018</font></b><font> que indeferiu a arguição de nulidade dos despachos proferidos em 21-03-2018; d) </font><b><font>despacho determinativo da partilha</font></b><font> proferido em 04-09-2018. </font><br>
</p><p><font>O Tribunal da Relação …. admitiu o recurso interposto e, por </font><b><font>acórdão</font></b><font> de 14/7/2020, os Ex.mos Juízes Desembargadores que integram o respectivo colectivo deliberaram julgar o mesmo </font><u><font>parcialmente procedente</font></u><font>, pelo que:</font><br>
</p><p><font>“</font><i><font>a) Declaram verificada, para efeitos do presente inventário, a existência das despesas da herança reclamadas pelo cabeça-de-casal a que se reporta a factura e o recibo respeitantes a despesas com o funeral;</font></i><br>
</p><p><i><font>b) Determinam que o preenchimento dos quinhões com os bens móveis e imóveis não licitados se faça através da definição de lotes e realização de sorteios conforme acima especificado;</font></i><br>
</p><p><i><font>c) Determinam a anulação do processado a partir do mapa determinativo da partilha, o qual deverá ser reformulado em função do ora decidido, praticando-se a seguir os restantes actos processuais previstos na lei</font></i><font>.</font><br>
</p><p><i><font>Custas do recurso pelo recorrente e pelos recorridos na proporção de metade.”</font></i><font> </font><br>
</p><p><font> Ainda não conformado, o cabeça de casal BB interpôs recurso de </font><b><font>revista</font></b><font> e apresentou a correspondente alegação que terminou com as seguintes </font><u><font>conclusões</font></u><font>:</font><br>
</p><p><i><font>“A) O Acórdão recorrido deliberou, sob a al. b) do dispositivo, conjugado com remis-são para fls. 18 e 19 do Acórdão, que o preenchimento dos quinhões dos interessados, todos eles licitantes em valor insuficiente ao limite dos respetivos quinhões, deverá ser feito mediante a definição de 2 lotes com os bens não licitados e realização de sorteios. </font></i><br>
</p><p><i><font>B) No caso do Recorrente, titular de um quinhão de metade da herança, tal significa-rá a atribuição de metade dos bens não licitados, o preenchimento excessivo do quinhão e a repetição da criação de avultada dívida de tornas, em situação semelhante à já ocorrida na partilha realizada em 1ª instância, esta que decidiu adjudicar os bens não licitados em co-propriedade, na proporção do quinhão de todos os interessados, tendo levado ao preenchimento excessivo do quinhão do Recorrente e uma dívida de tornas de € 59.085,05. </font></i><br>
</p><p><i><font>C) Na fundamentação, a fls. 15, o Acórdão recorrido enunciou que o objectivo pri-mordial da composição dos quinhões deve ser a igualação dos quinhões de cada um dos interessados, isto é, deve assegurar que cada um deles comparticipa na medida da sua quota, de bens de diversas natureza e espécie que integram a herança; a fls. 18, que todos os herdeiros licitaram bens e nenhum excedeu o respetivo quinhão. </font></i><br>
</p><p><i><font>D) Assim, a esta fundamentação opõe-se a decisão ora recorrida, já que aparente-mente, a solução alcançada quanto à partilha - de adjudicação de metade dos bens não licitados ao Recorrente - irá conduzir automaticamente ao preenchimento manifestamente excessivo do respetivo quinhão e criação de avultada dívida de tornas. </font></i><br>
</p><p><i><font>E) Acresce que, a deliberação sob a al. b) do dispositivo refere-se expressamente a forma de preenchimento dos quinhões, e implicitamente remete para o artigo 1374º do CPC (referido a fls. 14, 15, 17 e 18 do Acórdão) cujas regras dizem respeito ao preenchimento dos quinhões em caso de licitação não excessiva, o que leva à não aplicação dos artigos 1377º/2 e ss previstos para a hipótese contrária, da qual nasce tipicamente o dever de pagamento de tornas. </font></i><br>
</p><p><i><font>F) Ainda o artigo 1374º al. c) que suporta a deliberação da al. b) do dispositivo diz respeito à repartição dos bens não licitados com o objetivo de preenchimento igualitário dos quinhões até aos respetivos limites. </font></i><br>
</p><p><i><font>G) Mas, como é evidente, a definição de 2 lotes a sortear, com metade dos bens, sendo um para o Recorrente, implica desde logo o preenchimento manifestamente excessivo do quinhão do Recorrente, indo pois a regra do Acórdão quanto ao preenchimento dos quinhões muito para além do seu objetivo previsto no artigo 1374º do CPC. </font></i><br>
</p><p><i><font>H) A definição de 2 lotes a sortear com metade dos bens, solução acolhida no Acór-dão, não atende à factualidade de que cada um dos herdeiros já licitou bens de valores diversos correspondentes a percentagens também elas diversas de preenchimento dos respetivos quinhões, estando cada herdeiro em posição diferenciada quanto à porção de bens necessária para atingir o respetivo limite de preenchimento. </font></i><br>
</p><p><i><font>I) No caso concreto, está-se perante uma situação de desigualdade dos quinhões, por haver herdeiros que sucedem por direito de representação e ainda, após as diversas licitações, numa situação em que existem herdeiros que devem ser contemplados pelos sorteios a efetuar com desigual (maior ou menor) porção de bens para preencher os respetivos quinhões. Art. 1381º/1 do CPC. </font></i><br>
</p><p><i><font>J) Apenas o sentido de que a formação dos lotes e sorteios será feita com parte e não a totalidade dos bens restantes, assegurando-se que se tratam de bens de natureza e espécie diversos, mas com o valor máximo e necessário ao preenchimento progressivo dos quinhões cuja composição mais se aproxima do respetivo limite e preenchendo ao mesmo tempo parcialmente os quinhões mais libertos até estes estarem também eles integralmente preenchidos, pode garantir o objectivo de maior igualação dos quinhões, princípio da partilha exposto na fundamentação como objetivo a ser procurado atingir aquando da partilha. </font></i><br>
</p><p><i><font>K) No caso do Recorrente, este licitou bens que lhe foram adjudicados e foi acordado com os interessados a atribuição de dinheiro na proporção do seu quinhão, tendo preenchido parcialmente o seu quinhão por estas vias, no montante de € 190.341,35, para um quinhão de € 219.066,35.</font></i><br>
</p><p><i><font>L) Existem nestes autos, 14 bens imóveis não licitados, a que correspondem o valor global de € 174.705,00, a que somado o valor dos 14 bens móveis de € 855,00, totalizam € 175.620,00; valor e número de bens que permitem amplamente ao Tribunal determinar operações de partilha e adjudicação necessárias ao preenchimento integral, equitativo e por igualação dos quinhões de todos os interessados sem serem devidas tornas excessivas. </font></i><br>
</p><p><i><font>M) O que tudo importa pronúncia, em ordem à sanação da oposição e ambiguidade às questões: (i) sendo as definições de lotes de bens e sorteios determinadas ao preenchimento dos quinhões, nos termos do art.º 1374º, al. c) do CPC e tendo em conta a existência na herança de bens suficientes por partilhar para a igualação dos quinhões, a composição dos 2 lotes de bens móveis e imóveis não licitados, a sortear pelo Cabeça de Casal e pelo representado dos restantes herdeiros, deve incluir a totalidade dos bens que ainda restam, situação que resultará na composição manifestamente excessiva e também por defeito de alguns dos quinhões e a existência de tornas excessivas, ou a composição dos lotes com bens iguais ou o mais iguais possível, deverão incluir somente uma certa porção de bens na medida necessária ao preenchimento dos quinhões por forma a poder ser cumprido o objetivo da composição igualitária dos quinhões? </font></i><br>
</p><p><i><font>N) E, nesta última situação, (ii): deverão os lotes de bens a definir para sorteio ter em conta, em primeira via, o valor necessário ou aproximado para o preenchimento, ou do quinhão da estirpe, ou dos quinhões no conjunto de todos os herdeiros, cujo preenchimento está mais próximo do respetivo limite, compondo dessa forma primeiramente os quinhões aptos a receber menos bens e preenchendo parcialmente os quinhões libertos a receberem maiores porções de bens, e assim de forma progressiva, até que os bens finais sobejantes sejam adjudicados ou sorteados, preenchendo por fim o(s) último(s) quinhão(ões) que ainda tenham de receber bens? </font></i><br>
</p><p><i><font>O) Tudo o exposto torna evidente que a decisão é de sinal ambíguo e ininteligível em face à fundamentação e princípios enunciados, e causa de nulidade do Acórdão por violação do art.º 615º/1, al. c) do CPC, por remissão do artigo 666º/1 do mesmo Código. </font></i><br>
</p><p><i><font>P) O Recorrente formulou nas Conclusões do recurso para o TR…. as Conclusões A), T) a Z), CC) e DD), a questão de que, qualquer que fosse a solução a dar às regras da partilha - adjudicação em proporção/co-propriedade ou em propriedade plena, estas teriam sempre de respeitar os limites e proporção necessária ao preenchimento dos respetivos quinhões dos herdeiros que, nas licitações, todos licitaram abaixo do respetivo quinhão hereditário, sem criação, como sucedeu na 1ª instância (€ 59.085,05 face ao Recorrente), de avultadas dividas de tornas, tendo além do mais indicado variada jurisprudência de tribunais superiores res-peitante à questão. </font></i><br>
</p><p><i><font>Q) Sobre esta questão fundamental para a esfera jurídica do Recorrente e enunciada nas Conclusões como questão principal - a criação de avultadas dívidas de tornas - o Acórdão não se pronunciou sobre a respetiva legalidade, ou sequer preveniu a repetição da situação nas regras que determinou para a reelaboração da partilha, não tendo em consideração nem a composição igualitária dos quinhões dos herdeiros afirmada como princípio fundamental na fundamentação, nem a diferente posição dos herdeiros no preenchimento dos quinhões após as licitações. </font></i><br>
</p><p><i><font>R) Além do mais, não afirmou que o conhecimento de tal questão estivesse sequer prejudicada pelas regras da partilha que adoptou. </font></i><br>
</p><p><i><font>S) Sobre esta questão autónoma, cuja relevância é fundamental para a esfera jurídica do Recorrente, ela devia ter constituído thema decidendum e, além do mais, contendendo com o princípio da igualação dos quinhões exposto na fundamentação, ocorre omissão de pronúncia no Acórdão nos termos do art.º 615º/1, al. c) do CPC, causal de nulidade. </font></i><br>
</p><p><i><font>T) O Acórdão condena o Recorrente em custas na proporção de metade, sem que se conheça fundamentação para tal condenação, devendo o Acórdão ser reformando quanto a custas, nos termos dos art.ºs 616º/1 e /3 por remissão do artigo 666º/1 do CPC e o Recorrente ser absolvido do pagamento de custas. </font></i><br>
</p><p><i><font>U) Na realidade, o Recorrente peticionou a revogação da partilha e o Acórdão recor-rido: (i) julgou o recurso “parcialmente procedente”, procedendo o recurso das decisões proferidas na conferência de interessados sobre a composição dos quinhões, o que significou a anulação do processado desde o mapa determinativo da partilha; (ii) julgou procedente o recurso da questão decidida em a) do dispositivo; sobre os outros despachos proferidos na fase da partilha e respetiva sentença ((C), E) e F) da fundamentação do Acórdão) foi decidido, no primeiro caso, não conhecer da questão por inutilidade; e quanto aos restantes - despacho determinativo da partilha e sentença homologatória - foram igualmente revogados como consequência da procedência do recurso quanto às decisões proferidas na conferência.</font></i><br>
</p><p><i><font>V) O Acórdão recorrido procede a incorreta aplicação da lei processual do inventário judicial, nomeadamente, das normas jurídicas relativas à finalidade da partilha, forma e organização da partilha e preenchimento dos quinhões - artigos 1326º, 1374º, 1377º/1, /2 e /4, e 1381º/1 do CPC. </font></i><br>
</p><p><i><font>W)E ainda quanto à deliberação da al. b) do dispositivo, viola os princípios do equilí-brio, justiça e composição igualitária dos quinhões expostos em variada jurisprudência. </font></i><br>
</p><p><i><font>X) Deliberando regras para formação de lotes e sorteios, para a reelaboração da partilha, com a adjudicação dos bens não licitados em propriedade, em termos tais que repetirá situações de preenchimento excessivo dos quinhões e criação de obrigações de tornas avultadas. </font></i><br>
</p><p><i><font>Y) Esta solução - formação de lotes e realização de sorteios - deverá sempre assegurar que os lotes de bens não licitados, sorteios e adjudicações, procurem cumprir o objetivo da composição igualitária dos quinhões, ou seja, o preenchimento dos quinhões em falta na medida e proporção necessárias á igualação e ao respetivo limite. </font></i><br>
</p><p><i><font>Z) Devendo ser respeitado o princípio do equilíbrio na distribuição dos bens não lici-tados, não podendo traduzir-se na criação de avultadas dívidas de tornas de um interessado relativamente aos outros, em total desproporção com os bens efectivamente envolvidos na partilha. Em termos práticos, e sempre que falte um acordo entre os interessados, as percentagens em que esses bens não licitados são distribuídas pelo Tribunal a cada interessado devem evitar a criação de dívidas de tornas (ou reduzir estas a valores proporcionalmente pouco significativos resultantes de meros acertos decorrentes dos valores dos bens). </font></i><br>
</p><p><i><font>AA) E, se necessário, haverá que buscar orientação decisória, fundamentalmente, nos princípios gerais e através da projecção efetiva da essência do processo de inventário, enquanto modo de organizar uma repartição justa e equitativa dos bens integrantes do património hereditário, por referência às regras substantivas atinentes à sucessão. </font></i><br>
</p><p><i><font>BB) A solução decidida pelo Tribunal a quo, de que os bens restantes não licitados são adjudicados a todos os interessados, em propriedade plena, mediante lotes e sorteios tem, na procedência dessa interpretação, de o ser em número, medida e proporção necessária ao preenchimento dos quinhões dos interessados e nunca na mera aplicação cega da proporção do quinhão na herança, como resulta quando o Acórdão determina o sorteio de um lote de 50% dos bens não licitados para o Recorrente que, a somar ao que já licitou, irá conduzir à repetição de dívida de tornas excessivas. </font></i><br>
</p><p><i><font>CC) O Recorrente Cabeça de Casal não licitou bens que excedessem o seu quinhão hereditário, não sendo aplicáveis os art.ºs 1376º/1, 1377º/1/2 e 1378º do CPC, não podendo haver lugar ao pagamento de tornas. </font></i><br>
</p><p><i><font>DD) Tal situação configura manifestação evidente de vontade do Recorrente de não contrair dívidas de tornas originadas pelo preenchimento excessivo da sua quota com verbas licitadas. </font></i><br>
</p><p><i><font>EE) E mesmo na situação em que o Tribunal autorize a adjudicação em co-propriedade dos bens não licitados na proporção que indicar, tal tem sempre por finalidade o objetivo de conseguir o maior equilíbrio de lotes: art.º 1377º/4 do anterior CPC. </font></i><br>
</p><p><i><font>FF) A existência de 14 bens imóveis e 14 bens móveis não licitados no valor total de € 175.620,00 consente de forma ampla várias soluções que permitem o preenchimento não excessivo dos quinhões e a não criação de avultadas dívidas de tornas, sob pena de violação do equilíbrio e igualação da partilha. </font></i><br>
</p><p><i><font>GG) Devendo as regras da partilha decididas no Acórdão recorrido serem revogadas e substituídas por outras que, - seja a solução a do sorteio de lotes ou adjudicação em comum - assegurem e disponham que os bens não licitados serão atribuídos aos interessados, de forma equilibrada, justa e equitativa, sem criação de avultas dívidas de tornas, na </font></i><b><i><font>proporção estritamente necessária </font></i></b><i><font>ao integral preenchimento não excessivo dos respetivos quinhões. Normas jurídicas violadas: - Artigos 1326º, 1374º, 1377º/1, /2 e /4, 1381º/1, todos do CPC, na redação anterior à Lei nº 29/2009;</font></i><br>
</p><p><b><i><font>Termos em que, </font></i></b><i><font>deve ser o presente recurso julgado procedente Assim se respeitando o Direito e fazendo-se JUSTIÇA.” </font></i><br>
</p><p><font>Não foram apresentadas contra-alegações. </font><br>
</p><p><font>O Tribunal da Relação pronunciou-se pela inexistência das arguidas nulidades.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>O recurso foi admitido como de revista, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo, modo de subida e efeito que foram mantidos pelo Relator.</font>
</p><p><font>Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir o mérito do presente recurso.</font>
</p><p><font>Sabido que o seu objecto e âmbito estão delimitados pelas conclusões do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser em situações excepcionais de conhecimento oficioso, que aqui não relevam, e tendo presente que se apreciam questões e não razões, as </font><u><font>questões </font></u><font>que importa dirimir consistem em saber:</font>
</p><p><font>1. Se o acórdão padece das nulidades que lhe são imputadas: ininteligibilidade da decisão e omissão de pronúncia; </font>
</p><p><font>2. Se há violação ou errada aplicação da lei de processo relativamente ao preenchimento dos quinhões e, na afirmativa, como deve ser feito esse preenchimento;</font>
</p><p><font>3. Se houve erro na condenação em custas da apelação.</font>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font>II. Fundamentação </font><br>
</p><p><font>1. De facto </font><br>
</p><p><font>No acórdão recorrido foram dados como provados os constantes do relatório que antecede, que aqui se reproduziu, com ligeiras adaptações resultantes dos autos. </font><br>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>2. De direito</font><br>
</p><p><font> </font>
</p><p><i><font>2.1. Das nulidades</font></i><br>
</p><p><font> O art.º 615.º do CPC (também aplicável aos acórdãos, por força da remissão do art.º 666.º, n.º 1, do mesmo Código) dispõe que a sentença é nula, entre outras situações que não importa aqui considerar, quando “</font><i><font>…</font></i><font> </font><i><font>ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível” </font></i><font>[al. c)] e quando</font><i><font> </font></i><font>o </font><i><font>“juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar” </font></i><font>[al. d), 1.ª parte].</font><br>
</p><p><font>Vejamos se ocorre alguma destas nulidades.</font><br>
</p><p><i><font> </font></i>
</p><p><i><font>2.1.1. Da ininteligibilidade da decisã</font></i><i><font>o</font></i><font> </font><br>
</p><p><font>O recorrente sustenta a ininteligibilidade da decisão em ambiguidade e obscuridade.</font><br>
</p><p><font>Estas causas de nulidade foram acrescentadas pelo actual CPC, já que no anterior eram apenas fundamento do pedido de aclaração da sentença e não causa de nulidade [cfr. o correspondente art.º 668.º e o art.º 669.º, n.º 1, al. a)].</font><br>
</p><p><font>Existe obscuridade quando o pensamento do julgador é ininteligível e há ambiguidade sempre que ele comportar dois ou mais sentidos distintos</font><a><u><sup><font>[3]</font></sup></u></a><font>.</font><br>
</p><p><font>Segundo o ensinamento do Prof. Alberto dos Reis, ainda actual, “A sentença é obscura quando contém algum passo cujo sentido seja ininteligível; é ambígua quando alguma passagem se preste a interpretações diferentes. Num caso não se sabe o que o juiz quer dizer; no outro hesita-se entre dois sentidos diferentes e porventura opostos. É evidente que, em última análise, a ambiguidade é uma forma especial de obscuridade. Se determinado passo da sentença é susceptível de duas interpretações diversas, não se sabe, ao certo, qual o pensamento do juiz”.</font><a><u><sup><font>[4]</font></sup></u></a><br>
</p><p><font>Tem sido jurisprudência constante deste Supremo Tribunal que a ininteligibilidade, decorrente da obscuridade, ocorre no caso em que o sentido da fundamentação ou da decisão é totalmente impossível de ser apreendido por um destinatário medianamente esclarecido</font><a><u><sup><font>[5]</font></sup></u></a><font>.</font><br>
</p><p><font>Tendo presentes estas considerações, não vemos como seja possível sustentar a existência dos aludidos vícios no acórdão recorrido, pois é manifesto que não existem.</font><br>
</p><p><font>Senão vejamos:</font><br>
</p><p><font>O recorrente começa por sustentar que o acórdão é nulo, por ambiguidade da decisão que torna ininteligível a interpretação da alínea b) do dispositivo, conjugado com as operações de definição de lotes e realização de sorteios de fls. 18 e 19 do mesmo acórdão, para os quais remete.</font><br>
</p><p><font>Como já referimos, na alínea b) do dispositivo, o acórdão determinou «que o preenchimento dos quinhões com os bens móveis e imóveis não licitados se faça através da definição de lotes e realização de sorteios conforme acima especificado».</font><br>
</p><p><font>O “acima especificado” é o seguinte: «Por conseguinte, considerando que </font><i><font>todos os herdeiros licitaram bens</font></i><font> (</font><b><i><u><font>não há não licitantes</font></u></i></b><font>) e que em nenhum caso os bens licitados excedem a quota do licitante (</font><b><i><u><font>não há excesso de licitações</font></u></i></b><font>), os bens não licitados devem ser adjudicados aos interessados do modo que se passa a descrever:</font><br>
</p><p><font>a) </font><i><font>Bens móveis:</font></i><br>
</p><p><font>Deverão formar-se dois lotes iguais ou o mais iguais possível, atentas as características dos bens, os quais serão depois sorteados pelo cabeça-de-casal e pelo representado dos restantes herdeiros. A seguir o lote que a este sair em sorte será dividido em três novos lotes, iguais ou o mais iguais possível, os quais serão depois sorteados entre os três herdeiros por direito de representação.</font><br>
</p><p><font>b) </font><i><font>Bens imóveis</font></i><font>:</font><br>
</p><p><font>Deverão formar-se dois lotes com os bens imóveis não licitados compostos por prédios rústicos, lotes que deverão ser iguais ou o mais iguais possível. Depois proceder-se-á ao seu sorteio pelo cabeça-de-casal e pelo representado dos restantes herdeiros. A seguir, o lote que a este sair em sorte será dividido em três novos lotes, iguais ou o mais iguais possível, os quais serão depois sorteados entre os três herdeiros por direito de representação.</font><br>
</p><p><font>A diferença entre o valor da quota de cada herdeiro e a soma dos bens que cada um licitou e que cada um irá receber do lote que lhe sair em sorteio, será inteirado através das tornas a cargo de quem recebeu em excesso e em benefício de quem recebeu a menos.»</font><br>
</p><p><font>Para o recorrente isto suscita as seguintes ambiguidades:</font><br>
</p><p><font>«a) sendo as definições de lotes de bens e sorteios determinadas ao preenchimento dos quinhões, nos termos do art.º 1374º, al. c) do CPC e tendo em conta a existência na herança de bens suficientes por partilhar para a igualação dos quinhões, a composição dos 2 lotes de bens móveis e imóveis não licitados, a sortear pelo Cabeça de Casal e pelo representado dos restantes herdeiros, deve incluir a totalidade dos bens que ainda restam, situação que resultará na composição manifestamente excessiva e também por defeito de alguns dos quinhões e a existência de tornas excessivas, ou a composição dos lotes com bens iguais ou o mais iguais possível, deverão incluir somente uma certa porção de bens na medida necessária ao preenchimento dos quinhões por forma a poder ser cumprido o objectivo da composição igualitária dos quinhões?</font><br>
</p><p><font>b) Nesta última situação, deverão os lotes de bens a definir para sorteio ter em conta, em primeira via, o valor necessário | [0 0 0 ... 0 0 0] |
FTJsu4YBgYBz1XKvmQbT | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><div><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça – 1.ª Secção</font><a><u><sup><font>[2]</font></sup></u></a><font>:</font></div><br>
<br>
<font> </font><br>
<p><font>I. Relatório</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><b><font>AA </font></b><font>e </font><b><font>BB </font></b><font>deduziram, mediante os presentes embargos de executado, oposição à execução para pagamento de quantia certa que foi movida, a si e a Clubrubik, Lda., e CC, pela </font><b><font>Caixa Geral de Depósitos, S.A.</font></b><font>, invocando, em síntese, a inexistência de título executivo, a prescrição e, subsidiariamente, a iliquidez e a inexigibilidade da obrigação exequenda. Para fundamentar a excepção da prescrição, única que importa aqui considerar, alegaram que, de acordo com o contrato de mútuo, o capital mutuado seria reembolsado em 84 prestações mensais, a que acresceriam os juros remuneratórios; aquele contrato foi celebrado em 19/7/2012 e o vencimento da última prestação paga ocorreu em 19/6/2013, pelo que, tendo decorrido mais de cinco anos entre essa data e 17/9/2018, data da citação dos fiadores/embargantes, o direito exequendo já se encontra prescrito, por força do decurso do prazo previsto no art.º 310, al. e) do Código Civil, aqui aplicável.</font><br>
</p><p><font>A exequente contestou, pugnando pela improcedência da excepção da prescrição, sustentando que o prazo aplicável era de 20 anos e que, em 25/8/2016, comunicou à mutuária, ao executado CC e aos embargantes, que considerava vencida a totalidade da dívida, o que determina a aplicação à dívida global daquele prazo de prescrição ordinário. </font><br>
</p><p><font>Na fase do saneamento, foi proferido </font><u><font>saneador/sentença</font></u><font>, onde foi julgada </font><b><font>procedente a excepção da prescrição</font></b><font> e extinta a execução em relação aos executados AA e BB. </font><br>
</p><p><font>Inconformada, a exequente interpôs recurso de apelação que o Tribunal da Relação …. apreciou e decidiu, por acórdão de 24/9/2020, deliberando julgá-lo parcialmente procedente “</font><b><font>julgando-se prescrito o alegado direito de crédito da exequente/apelante apenas quanto às prestações com datas de vencimento em 19/06/2013, 19/07/2013 e 19/08/2013, e julgando-se improcedente a excepção de prescrição quanto às demais prestações.</font></b><font>” </font><br>
</p><p><font>Não conformados, os embargantes interpuseram recurso de </font><b><font>revista</font></b><font> e apresentaram a respectiva alegação com as seguintes </font><u><font>conclusões:</font></u><font> </font><br>
</p><p><i><font>“A. O acórdão recorrido incorreu em erro de julgamento, por violação de lei substantiva, mormente artigos 309.º, n.º 1, alínea e) e 781.º, ambos do Código Civil.</font></i><br>
</p><p><i><font>B. O direito de crédito emergente do contrato de mútuo de 10/07/2012, dado à execução, prescreveu por ter decorrido entre a data do incumprimento do referido contrato (18/06/2013) e a data da sua citação (19/09/2018) o prazo prescricional de 5 anos previsto no artigo 310.º, alínea e), do Código Civil, em resultado da inércia da Recorrida.</font></i><br>
</p><p><i><font>C. Na modalidade da prescrição ordinária, para a produção do seu efeito, basta o beneficiário alegar e provar o decurso do prazo da prescrição, que pode variar, prevendo-se um prazo ordinário de vinte anos (art. 309.º do CC) e um prazo comum de cinco anos, aplicável nomeadamente às prestações periódicas (art. 310.º do CC).</font></i><br>
</p><p><i><font>D. É o caso do direito a juros, convencionais ou legais (artigo 310.º, alínea d), do CC), e é também o caso, por expressa determinação legal, das quotas de amortização do capital pagável com os juros (artigo 310.º, alínea e), do CC).</font></i><br>
</p><p><i><font>E. Os contratos de mútuo constituem o caso paradigmático de acordos de amortização, pois a obrigação unitária assumida pelos mutuários é compartimentada num mútuo e respectivos juros.</font></i><br>
</p><p><i><font>F. O acordo pelo qual se “compartimenta” a obrigação de restituição do capital é um acordo de amortização e cada uma das prestações em que a obrigação de restituição se “compartimenta” é uma quota de amortização. Em consequência, cada uma das prestações mensais devidas pelo mutuário é uma quota de amortização do capital no sentido do art. 310.º, alínea e), do Código Civil</font></i><br>
</p><p><i><font>G. O facto provado sob a alínea a) do acórdão recorrido é suficiente para que se sustente que há um plano de amortização, que as prestações mensais de restituição da quantia mutuada são quotas de amortização do capital e que as quotas de amortização do capital são pagáveis com os juros.</font></i><br>
</p><p><i><font>H. Em primeiro lugar, há um plano de amortização, «No contrato de mútuo […] a Caixa Geral de Créditos, S.A declarou emprestar a Clubrubik, Lda., aí designada «Devedora» ou «Cliente», a quantia de €60.000,00, que esta última se obrigou a restituir no prazo de 84 meses, através do pagamento de prestações, mensais, sucessivas e iguais, de capital e juros».</font></i><br>
</p><p><i><font>I. Em segundo lugar, as prestações mensais de restituição da quantia mutuada são quotas de amortização do capital. Com as prestações mensais e sucessivas pretende-se o reembolso da quantia, ou seja, a amortização do capital mutuado.</font></i><br>
</p><p><i><font>J. Em terceiro lugar, as quotas de amortização do capital são pagáveis com os juros: “… a quantia mutuada [devia] ser reembolsada em 84 prestações mensais e sucessivas, acrescidas de juros compensatórios convencionados, contabilizados à taxa de juros correspondente à média aritmética simples das taxas Euribor a 6 meses, acrescida de um spread de 7%”.</font></i><br>
</p><p><i><font>K. Na contagem do prazo, a regra é começar a correr a partir do momento em que o direito pode ser exercido (art. 306.º, n.º 1, do CC).</font></i><br>
</p><p><i><font>L. Como decorre da materialidade apurada, a Recorrida, à data da instauração da execução, em 01 de Setembro de 2018, requereu o pagamento global de € 51.588,40, dos quais € 27.142,81 a título de capital, e € 11.583,54 a título de juros de mora, € 8.981,27, a título de juros e € 3.880,78, a respeito de comissões, e as prestações mensais que se venceram a partir de 19/06/2013, inclusive, não foram pagas.</font></i><br>
</p><p><i><font>M. O direito de crédito da Embargada, ora Recorrida, é, assim, composto por capital e Juros, juros de mora e comissões, nomeadamente os vencidos a partir de 19 de Junho de 2013, contando-se o prazo de prescrição a partir desta data.</font></i><br>
</p><p><i><font>N. A interrupção da prescrição relativamente ao devedor e aos fiadores, existe agora a regra da autonomia entre a obrigação principal (do devedor) e a acessória (do fiador), como decorre do disposto no art. 636.º, n.º 1, do CC</font></i><br>
</p><p><i><font>O. À data em que a ação foi proposta - 19/07/2012-, como na data em que foram citados para a mesma - 17/09/2018 - já havia decorrido mais de 5 anos sobre a data – 19/06/2013- em que a Exequente podia exercer o seu direito de exigir judicialmente a quantia exequenda, sendo que só a citação tem efeito interruptivo.</font></i><br>
</p><p><i><font>P. Assim, tendo decorrido o prazo de cinco anos, sem qualquer interrupção, o direito de crédito exequendo encontra-se prescrito em relação aos fiadores, ora Recorrentes, pelo que estes podem recusar o cumprimento da prestação e opor-se à exigência coerciva do direito do direito de crédito.</font></i><br>
</p><p><i><font>Q. Ora, considerando tais características específicas da obrigação, não se pode deixar de concluir que, em relação a ela, se verifica a razão de protecção que explica o particular dever de diligência legalmente exigido ao titular do correspondente direito de crédito, acima invocada.</font></i><br>
</p><p><i><font>R. Nesse contexto, é irrelevante, para o efeito de afastar a aplicabilidade do prazo prescricional em causa, que o direito de crédito se vença na totalidade por efeito do incumprimento e/ou da alegada interpelação dos embargantes, como defende a embargada.</font></i><br>
</p><p><i><font>S. É, pois, de concluir que ao direito de crédito exequendo em causa se aplica o prazo de prescrição previsto no artigo 310.º, alínea e), do CC, sendo irrelevante o regime estatuído no 781.º do CC.</font></i><br>
</p><p><i><font>T. Este entendimento não saí beliscado mesmo no caso em que, como alegadamente fez a Recorrente, deu por vencidas todas as demais prestações (conforme alega no seu requerimento executivo – mas que não ficou provado), uma vez que «facto de vencida uma quota e não paga se vencerem todas as posteriores não releva para a sua prescrição, porque esta respeita a cada uma das quotas de amortização e não ao todo da dívida - depois que os executados deixaram de pagar as prestações (de amortização do capital pagável com juros), a prescrição não pode pôr-se em relação às “quotas em dívida” como um todo, mas em relação a cada uma delas, pois o seu pagamento ficou assim escalonado» (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra proferido em 12/19/2017, no âmbito do processo n.º 561/16.2T8VIS-A.C1).</font></i><br>
</p><p><i><font>U. Se assim não fosse estando a prescrição dependente do vencimento das demais prestações por um acto do credor, significaria que o devedor ficaria “amarrado” a essa dívida ad aeternum.</font></i><br>
</p><p><i><font>V. Assim e à luz jurisprudência supra citada, mormente a sufragada pelo Supremo Tribunal de Justiça, podemos concluir que a quantia exequenda se encontra prescrita, uma vez que desde a data em que a Recorrente podia ter exigido todas as demais prestações (19/06/2013) [não ficou provado a data em que a Recorrente alegadamente deu por vencidas as prestações] até à data da citação dos Recorrentes – que constitui a causa de interrupção da prescrição – (17/09/2018), decorreu mais de 5 anos, devendo, naturalmente improceder igualmente o recurso nesta parte.</font></i><br>
</p><p><i><font>Nestes termos e nos melhores de direito, impetrando o sempre mui douto suprimento de Vossas Excelências, deverá ser concedido provimento à presente revista, revogando o acórdão recorrido, repristinando-se o sentido decisório da decisão proferida pelo tribunal de 1.ª Instância.”</font></i><br>
</p><p><i><font> </font></i><br>
</p><p><font>A recorrida contra-alegou pugnando pela confirmação do acórdão recorrido. </font><br>
</p><p><font>O recurso foi admitido como de revista, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo, modo de subida e efeito que foram mantidos pelo Relator no despacho liminar.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Tudo visto, cumpre apreciar e decidir o mérito do presente recurso.</font>
</p><p><font>Sabido que o seu objecto e âmbito estão delimitados pelas conclusões dos recorrentes, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser em situações excepcionais de conhecimento oficioso, e tendo presente que se apreciam questões e não razões, a única questão que importa dirimir consiste em saber se a prescrição se verifica relativamente à totalidade da quantia exequenda, nos termos do art.º 310.º, al. e), do Código Civil.</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font>II. Fundamentação</font><br>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>1. De facto </font><br>
</p><p><font> No acórdão recorrido foram considerados </font><u><font>provados</font></u><font> os seguintes factos:</font><br>
</p><p><i><font>I. Da sentença:</font></i><br>
</p><p><font>a) Por documento particular rubricado e subscrito pelas partes, datado de 19 de Julho de 2012, foi firmado um acordo, designado «Contrato de Mútuo», que aqui se dá por integralmente reproduzido, através do qual a Caixa Geral de Créditos, S.A., declarou emprestar a Clubrubik, Lda., aí designada «Devedora» ou «Cliente», a quantia de €60.000,00, que esta última se obrigou a restituir no prazo de 84 meses, através do pagamento de prestações, mensais, sucessivas e iguais, de capital e juros, contabilizados à taxa de juros correspondente à média aritmética simples das taxas Euribor a 6 meses, acrescida de um spread de 7%.</font><br>
</p><p><font>b) Os embargantes intervieram no referido acordo, declarando, além do mais, que se constituem «FIADORES solidários e principais pagadores de todas as quantias que sejam ou venham a ser devidas à CAIXA pela CLIENTE no âmbito do presente contrato, quer a título de capital, quer de juros, remuneratórios ou moratórios, comissões, despesas ou quaisquer outros encargos e dão antecipadamente o seu acordo a prorrogações do prazo e a moratórias que forem convencionadas entre a CAIXA e a CLIENTE».</font><br>
</p><p><font>c) As prestações mensais que se venceram a partir de 19/06/2013, inclusive, não foram pagas.</font><br>
</p><p><font>d) A exequente, ora embargada, intentou a acção executiva a que estes autos estão apensos em 01/09/2018.</font><br>
</p><p><font>e) Os embargantes foram citados para os termos da referida execução em 17/09/2018.</font><br>
</p><p><i><font> </font></i><br>
</p><p><i><font>II. Aditados pela Relação </font></i><font>(com base nos documentos e no acordo das partes, ao abrigo do disposto nos art.ºs 663.º n.º 2 e 607.º n.º 4, ambos do CPC):</font><br>
</p><p><font> a) 1) Na cláusula 6. do documento referido em a) consta:</font><br>
</p><p><font> «</font><i><font>Prazo global: 84 meses, a contar da data da perfeição do contrato</font></i><font>»</font><br>
</p><p><font>a) 2. Na cláusula 10 consta:</font><br>
</p><p><font>«</font><i><font>10.1 - Os juros serão calculados dia a dia sobre o capital em cada momento em dívida e liquidados e pagos no final de cada período de contagem de juros, em conjunto com as prestações adiante referidas.</font></i><br>
</p><p><i><font>10.2. - Entende-se, para efeitos deste contrato, por período de contagem de juros o mês, iniciando-se o primeiro período na data da perfeição do contrato.</font></i><br>
</p><p><i><font>10.3 - O capital será reembolsado em prestações mensais, sucessivas e iguais, vencendo-se a primeira no correspondente dia do mês seguinte ao da perfeição deste contrato e as restantes em igual dia dos meses seguintes.</font></i><br>
</p><p><i><font>10.4 - Caso a perfeição do contrato ocorra num dos últimos cinco dias do mês que estiver em curso, as prestações de juros e de capital só serão pagas no terceiro dia útil do mês seguinte relativamente à data em que as mesmas seriam exigíveis de acordo com os número anteriores, vencendo-se juros até à data do pagamento</font></i><font>.».</font><br>
</p><p><font>a) 3. Na cláusula 20, com a epígrafe «Comunicação de responsabilidade ao Banco de Portugal» consta, além do mais:</font><br>
</p><p><font>«</font><i><font>20.4 - A CGD informará oportunamente cada um dos devedores do início da comunicação em situação de incumprimento; no caso dos fiadores ou avalistas, a comunicação da situação de incumprimento só se verificará se estes, depois de informados da situação de incumprimento dos devedores, não procederem ao pagamento do crédito dentro do prazo estabelecido para esse efeito».</font></i><br>
</p><p><i><font> </font></i><font>a) 4. Na cláusula 21 consta, além do mais:</font><br>
</p><p><i><font>«21.1 - A Caixa poderá considerar antecipadamente vencida toda a dívida e exigir o seu imediato pagamento no caso de, designadamente:</font></i><br>
</p><p><i><font> a) Incumprimento pela Cliente ou por qualquer dos restantes contratantes de qualquer obrigação decorrente deste contrato;</font></i><br>
</p><p><i><font>(…)».</font></i><br>
</p><p><font> a) 4) Na cláusula 28 consta:</font><br>
</p><p><font> «</font><i><font>28.1 - O presente contrato considera-se perfeito quando contiver as assinaturas de todos os contratantes.</font></i><br>
</p><p><i><font>28.2 - A data de perfeição é a que for aposta na zona de assinaturas dos representantes da CGD, enquanto contratante que assina em último lugar.</font></i><br>
</p><p><i><font>28.3 - Na falta de indicação da data referida no número anterior, considera-se o contrato assinado na data da sua feitura.</font></i><br>
</p><p><i><font>28.4 - Quando a data de perfeição do contrato não coincida com a data da sua feitura, a CGD dará conhecimento à Cliente e aos demais Contratantes da data de perfeição, mediante simples entrega de fotocópia ou duplicado do contrato, que conterá a indicação da data de perfeição e, bem assim, da taxa de juro nominal e da TAE aplicáveis ni primeiro período de contagem de juros</font></i><font>». </font><br>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>2. De direito </font><br>
</p><p><font>É sabido que, pelo instituto da prescrição, a contraparte pode opor-se ao exercício de um direito, quando o seu titular não actue durante certo lapso de tempo indicado na lei (art.º 304.º, n.º 1, do Código Civil).</font><br>
</p><p><font>Trata-se de um instituto de ordem pública por via do qual o decurso de um prazo fixado na lei opera a modificação da obrigação civil em obrigação natural (art.º 304.º, n.º 2).</font><br>
</p><p><font>Quanto ao seu fundamento, o Prof. Vaz Serra escreveu:</font><br>
</p><p><font>“Sem querer entrar na discussão de qual seja exactamente o fundamento da prescrição, que uns vêem na probabilidade de ter sido feito o pagamento, outros na presunção de renúncia do credor, ou na sanção da sua negligência, ou na consolidação das situações de facto, ou na protecção do devedor contra a dificuldade de prova do pagamento ou sossegado quanto à não exigência da dívida, ou na necessidade social de segurança jurídica e certeza dos direitos, ou na de sanear a vida jurídica de direitos praticamente caducos, ou na de promover o exercício oportuno dos direitos – pode dizer-se que a prescrição se baseia, mais ou menos em todas estas considerações, sem que possa afirmar-se só uma delas ser decisiva e relevante”</font><a><u><sup><font>[3]</font></sup></u></a><font>.</font><br>
</p><p><font>A nossa jurisprudência situa o fundamento específico da prescrição na negligência do titular do direito em exercitá-lo durante o período de tempo indicado na lei. </font><br>
</p><p><font>O art.º 310.º, al. e), do Código Civil prevê um prazo especial de prescrição extintiva, dispondo:</font><br>
</p><p><font>“</font><i><font>Prescrevem no prazo de cinco anos… as quotas de amortização do capital pagáveis com os juros</font></i><font>”.</font><br>
</p><p><font>A </font><i><font>ratio </font></i><font>normalmente apontada para a existência deste prazo, mais curto, de prescrição “consiste em evitar que a inércia do credor conduza a um acumular de prestações, normalmente pecuniárias, cuja existência poderia revelar-se extremamente onerosa para o devedor”</font><a><u><sup><font>[4]</font></sup></u></a><font>.</font><br>
</p><p><font>O acórdão recorrido, aplicando esta norma, julgou prescrito o direito de crédito da exequente apenas quanto às prestações com datas de vencimento em 19/6/2013, 19/7/2013 e 19/8/2013, mas já não relativamente às restantes, por considerar que, não tendo ficado provado que tenha ocorrido o vencimento antecipado da dívida, as prestações continuaram a vencer-se até à data em que os executados foram citados para a execução, a qual teve lugar em 17/9/2018.</font><br>
</p><p><font>Consequentemente, julgou improcedente a excepção da prescrição quanto a estas prestações, assim revogando, ainda que implicitamente, a sentença que fora objecto da apelação, a qual havia julgado procedente “a excepção de prescrição do direito de crédito exequendo” e, em consequência, julgado extinta a execução em relação aos executados, aqui embargantes. </font><br>
</p><p><font>No recurso, os recorrentes sustentam que o direito de crédito invocado pela exequente se encontra integralmente prescrito, sendo o prazo especial de cinco anos aplicável a toda a dívida.</font><br>
</p><p><font>Por sua vez, a recorrida, sem pôr em causa a aplicação do aludido prazo de cinco anos, tanto mais que aceita a prescrição das três primeiras prestações, sustenta que a prescrição não ocorreu relativamente às demais porque “respeita a cada uma das quotas de amortização e não ao todo da dívida”.</font><br>
</p><p><font>Que dizer?</font><br>
</p><p><font>Não está em causa a natureza do prazo – ordinário ou especial – aqui aplicável. </font><br>
</p><p><font>Embora os recorrentes se refiram ao prazo ordinário de 20 anos e se esforcem, citando abundante jurisprudência, em sustentar que não se trata desse prazo, mas do especial de cinco anos, a verdade é que está já assente, até porque foi aceite pela recorrida, que, no caso, tem aplicação o prazo especial previsto no mencionado art.º 310.º, al. e).</font><br>
</p><p><font>Ainda assim, para que dúvidas não subsistam, importa reafirmar que é este o prazo que tem aplicação no caso em análise.</font><br>
</p><p><font>Com efeito, estamos perante uma situação perfeitamente subsumível à alínea e) daquele preceito, porquanto se trata de uma obrigação de reembolso de dívida que foi objecto de um plano de amortização, composto por diversas quotas, que compreendem uma parcela de capital e outra de juros remuneratórios e que traduzem a existência de várias prestações periódicas, com prazos de vencimento autónomos.</font><br>
</p><p><font>Nestes casos, a doutrina entende que “na situação prevista no artigo 310.º, alínea e), não estará em causa uma única obrigação pecuniária emergente de um contrato de financiamento, ainda que com pagamento diferido no tempo, a que caberia aplicar o prazo ordinário de prescrição, de vinte anos, mas sim, diversamente, uma hipótese distinta, resultante do acordo entre credor e devedor e cristalizada num plano de amortização do capital e dos juros correspondentes, que, sendo composto por diversas prestações periódicas, impõe a aplicação de um prazo especial de prescrição, de curta duração. O referido plano, reitera-se, obedece a um propósito de agilização do reembolso do crédito, facilitando a respectiva liquidação em prestações autónomas, de montante mais reduzido. Por outro lado, visa-se estimular a cobrança pontual dos montantes fraccionados pelo credor, evitando o diferimento do exercício do direito de crédito para o termo do contrato, tendo por objecto a totalidade do montante em dívida.”</font><a><u><sup><font>[5]</font></sup></u></a><br>
</p><p><font>Por conseguinte, “a estipulação de um plano de amortização do capital, de forma periódica, assente na individualização de duas frações, uma relativa ao capital em dívida e outra relativa aos juros devidos a título de remuneração de capital – a pagar conjuntamente – indicia o preenchimento da situação prevista na referida alínea e), do artigo 310º, do CC e prejudica a aplicação do prazo ordinário de prescrição de vinte anos.”</font><a><u><sup><font>[6]</font></sup></u></a><br>
</p><p><font>A jurisprudência deste Supremo Tribunal também tem tido o mesmo entendimento, citando-se aqui, a título de exemplo, os acórdãos de 27/3/2014, processo n.º189/12.6TBHRT-A.L1.S, de 29/9/2016, processo n.º 201/13.1TBMIR-A.C1.S1, de 10/9/2020, processo n.º 805/18.6T8OVR-A.P1.S1 e de 12/11/2020, processo n.º 7214/18.5T8STB-A.E1.S1, todos disponíveis em www.dgsi.pt.</font><br>
</p><p><font>Como se escreveu no antepenúltimo aresto e transcreveu no último, “no caso do débito do capital mutuado, estamos confrontados com uma obrigação de valor predeterminado cujo cumprimento, por acordo das partes, foi fraccionado ou parcelado num número fixado de prestações mensais; ou seja, em bom rigor, não estamos aqui perante uma pluralidade de obrigações que se vão constituindo ao longo do tempo, como é típico das prestações periodicamente renováveis, mas antes perante uma obrigação unitária, de montante predeterminado, cujo pagamento foi parcelado ou fraccionado em prestações.</font><br>
</p><p><font>Porém, o reconhecimento desta específica natureza jurídica da obrigação de restituição do capital mutuado não preclude, sem mais, a aplicabilidade do regime contido no citado art. 310º, já que – por explícita opção legislativa - esta situação foi equiparada à das típicas prestações periodicamente renováveis, ao considerar a citada al. e) que a amortização fraccionada do capital em dívida, quando realizada conjuntamente com o pagamento dos juros vencidos, originando uma prestação unitária e global, envolve a aplicabilidade a toda essa prestação do prazo quinquenal de prescrição.</font><br>
</p><p><font>Ou seja, o legislador entendeu que, neste caso peculiar, o regime prescricional do débito parcelado ou fraccionado de amortização do capital deveria ser absorvido pelo que inquestionavelmente vigora em sede da típica prestação periodicamente renovável de juros, devendo, consequentemente, valer para todas as prestações sucessivas e globais, convencionadas pelas partes, quer para amortização do capital, quer para pagamento dos juros sucessivamente vencidos, o prazo curto de prescrição decorrente do referido art. 310º.”.</font><br>
</p><p><font>Não vemos razões para não acolher esta orientação seguida por este Supremo Tribunal, pelo que concluímos pela aplicação do regime previsto no art.º 310.º, alínea e), do Código Civil, como, aliás, decidiram as instâncias.</font><br>
</p><p><font>A verdadeira questão que se coloca consiste em saber se esse regime se aplica a todo o crédito exequendo.</font><br>
</p><p><font>Como se dá nota no citado acórdão de 12/11/2020, “tem sido igualmente entendido por este Supremo Tribunal que a circunstância de o direito de crédito se encontrar vencido na totalidade, em consequência de patologias ocorridas no plano do (in)cumprimento do contrato, não altera o seu enquadramento em termos da prescrição” – cfr., neste sentido, os acórdãos do STJ de 4/5/1993, publicado na Coletânea de Jurisprudência (STJ), Ano I, T. II, pág. 82, de 18/10/2018, processo n.º 2483/15.5T8ENT-A.E1.S1 e de 23/1/2020, processo n.º 4518/17.8T8LOU-A.P1.S1.</font><br>
</p><p><font>Neste acórdão, considerou-se que a obrigação unitária, compartimentada em capital e juros, resultante do mútuo, pelo acordo de amortização celebrado, se converte em cada uma das prestações estipuladas no acordo de amortização, as quais caiem, quer globalmente quer parcelarmente, na alçada do art.º 310.º do Código Civil.</font><br>
</p><p><font>Ora, tratando-se de uma obrigação unitária, de montante predeterminado, cujo pagamento foi parcelado em fracções, não se vislumbra por que razão o regime do art.º 310.º, al. e), do Código Civil não deva ser aplicado a todo o crédito exequendo, independentemente do clausulado acerca do pagamento de cada uma das fracções e ainda que se verifique o vencimento antecipado das mesmas.</font><br>
</p><p><font>Com efeito, o art.º 781.º do Código Civil prevê o vencimento imediato de todas as fracções por via da falta de pagamento de uma delas. E apenas o vencimento imediato, com perda do benefício do prazo. Nada mais, designadamente a alteração da natureza da dívida, repristinando a anterior obrigação única que foi substituída por uma obrigação fracionada. O facto de as quotas de amortização deixarem nessa situação de estar ligadas ao pagamento dos juros, de acordo com o AUJ n.º 7/2009 (</font><i><font>in </font></i><font>DR, Série I, de 5/52009), por via dessa antecipação do vencimento, não interfere com o tipo de prescrição aplicável em função da natureza da obrigação, que não é alterada pelas vicissitudes do incumprimento</font><a><u><sup><font>[7]</font></sup></u></a><font>. Note-se que nada foi acordado em contrário, resultando até da cláusula 21.1.a) do respectivo contrato que a Caixa credora poderia considerar antecipadamente vencida toda a dívida e exigir o seu imediato cumprimento, o que, aliás, fez instaurando a execução a que respeitam estes embargos.</font><br>
</p><p><font>O fundamento da prescrição quinquenal não deixa de subsistir com tal vencimento, continuando a verificar-se a necessidade da sua aplicação, por forma a evitar a perpetuação, com a consequente incerteza e insegurança, da situação dos devedores.</font><br>
</p><p><font>Vencidas todas as prestações, por falta de pagamento das que acabaram por ser declaradas prescritas no acórdão recorrido, é irrelevante a interpelação para pagamento das restantes, nos termos do plano convencionado, contrariamente ao sustentado naquele aresto.</font><br>
</p><p><font>Tendo cessado o pagamento das prestações convencionadas em 19/6/2013 e tendo decorrido mais de cinco anos, após essa data, sem que a exequente nada fizesse com vista a obter o seu pagamento, acabando por propor a acção executiva apenas em 1/9/2018, cremos não haver dúvidas de que ocorreu a prescrição relativamente a todas, visto que a mesma apenas foi interrompida em 6/9/2018 (cfr. art.º 323.º, n.º 2, do Código Civil), pois, entretanto, não ocorreu qualquer causa de suspensão ou de interrupção, legalmente previstas, como bem se decidiu na sentença.</font><br>
</p><p><font>Em face do exposto, estabelecido que o prazo de prescrição é de cinco anos e que este prazo é aplicável a todas as prestações vencidas e não pagas, conclui-se estar verificada a prescrição do crédito exequendo.</font><br>
</p><p><font>Consequentemente, o acórdão recorrido não pode ser mantido, havendo que o revogar e repristinar a sentença que apreciou.</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font> Sumário:</font>
</p><p><font>1. Os créditos emergentes de contratos de mútuo bancário em que é convencionada a amortização da dívida em prestações periódicas de capital com os respectivos juros estão sujeitos ao prazo de prescrição quinquenal previsto no art.º 310.º, al, e), do Código Civil.</font>
</p><p><font>2. O vencimento antecipado da totalidade das prestações não altera o seu enquadramento em termos da prescrição.</font>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font>III. Decisão</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Nos termos e pelos fundamentos expostos, acorda-se em conceder a revista e, em consequência, revogar o acórdão recorrido, na parte em que julgou improcedente a excepção da prescrição, repristinando-se a decisão da 1.ª instância.</font>
</p><p><font> </font></p><div><br>
<font>*</font></div><br>
<font>Custas pela embargada/recorrida.</font><div><br>
<font>*</font></div><br>
<font> </font>
<p><font>Lisboa, 9 de Fevereiro de 2021 </font><br>
</p><p><font>Nos termos do art.º 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13 de Março, aditado pelo art.º 3.º do DL n.º 20/2020, de 1 de Maio, declaro que o presente acórdão tem voto de conformidade dos Ex.mos Juízes Conselheiros Adjuntos que não podem assinar, sendo que a 1.ª Adjunta apresentou a declaração de voto que abaixo se transcreve.</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font>Fernando Augusto Samões (Relator que assina digitalmente)</font><br>
</p><p><font>Maria João Vaz Tomé (1.ª Adjunta) </font><b><font>Declaração de voto</font></b><br>
</p><p><font>Quanto à fundamentação do acórdão, em conformidade com o que foi sustentando nos acórdãos de 16-06-2020 (proc. n.º</font><sup><font> </font></sup><font>23762/15.6T8PRT-A.P1.S1) e de 26-01-2021 (proc. n.º 20767/16.3T8PRT-A.S2) de que fui relatora, estabeleço apenas a reserva de que o art. 781.º do CC deve ser entendido como atribuindo ao credor o poder de provocar o vencimento da obrigação e não como produzindo </font><i><font>ope legis</font></i><font> esse vencimento, independentemente de uma decisão sua</font><a></a><font>. Todavia, revestindo-se o preceito do art. 781.º do CC de natureza supletiva, as partes podem acordar no vencimento automático das prestações vincendas, sem necessidade de interpelação do devedor. Compulsada a matéria de facto dada como provada pelas Instâncias, verifica-se que, no ponto a) 4. (cláusula 21.1.a) do contrato de mútuo), ficou provado o acordo das partes sobre um regime diverso do que resulta do artigo 781.º do CC.</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font>António José Moura de Magalhães (2.º Adjunto) </font><br>
</p><p><font>________</font>
</p></font><p><font><a><u><sup><font>[1]</font></sup></u></a><font> Do Tribunal Judicial da Comarca de ……. – Juízo de Execução de …. – Juiz …..</font><br>
<a><u><sup><font>[2]</font></sup></u></a><font> Relator: Fernando Samões </font><br>
<font>1.º Adjunto: Juíza Conselheira Dr.ª Maria João Vaz Tomé</font><br>
<font>2.º Adjunto: Juiz Conselheiro Dr. António Magalhães </font><br>
<a><u><sup><font>[3]</font></sup></u></a><font> </font><i><font>In </font></i><font>Prescrição Extintiva e Caducidade, 1961, págs. 32 e segs.</font><br>
<a> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
DzJtu4YBgYBz1XKv6Qem | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><font> </font><div><br>
<font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça – 1.ª Secção</font><a><u><sup><font>[2]</font></sup></u></a><font>:</font></div><br>
<br>
<font> </font><br>
<p><font>I. Relatório</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><b><font>AA. </font></b><font> e esposa </font><b><font>BB. </font></b><font> deduziram embargos à execução para pagamento de quantia certa que lhes moveu </font><b><font>Parvalorem S.A.</font></b><font>, invocando a inexistência de título e da obrigação exequenda, bem como o decidido no precedente processo n.º 91643/12…., com autoridade de caso julgado, quanto a não ter havido a disponibilização de fundos em que a exequente funda a sua pretensão na execução.</font><br>
</p><p><b><font> </font></b><br>
</p><p><font>A exequente contestou, pugnando pela improcedência dos embargos.</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font>Realizada a audiência prévia, foi proferido despacho saneador, onde se determinou a extinção da execução apenas quanto ao primeiro embargante, com fundamento na autoridade do caso julgado da sentença proferida no aludido processo n.º ……, que correra termos (só) contra o mesmo.</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font>Inconformadas, apelaram a exequente e a embargante BB. , pugnando, respectivamente, pela inexistência e pela extensão a ela própria da autoridade do caso julgado formado no precedente processo.</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font>O Tribunal da Relação, por unanimidade e com idêntica fundamentação, considerando verificar-se a autoridade do caso julgado apenas nos termos decididos, julgou improcedentes ambas as apelações e confirmou o despacho saneador recorrido.</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font>Ainda não conformadas, ambas as apelantes recorreram para este Tribunal: a exequente </font><b><font>Parvalorem</font></b><font> interpôs recurso de revista dita normal, por considerar que não se verificam os requisitos do caso julgado, na sua função positiva, quanto ao embargante AA., e, subsidiariamente, revista excepcional; enquanto a </font><b><font>BB.</font></b><font> interpôs </font><u><font>apenas</font></u><font> recurso de revista excepcional.</font><br>
</p><p><font>Neste tipo de revista, invocaram ambas contradição com outros acórdãos da Relação de Coimbra (um) e do STJ (três), bem como o disposto no art.º 672.º, n.º 1, al. c), do CPC.</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font>Já neste Supremo Tribunal, o Relator, no despacho liminar, não admitiu a revista normal interposta pela exequente por não ser caso de violação do caso julgado, porquanto tinha havido aceitação dos efeitos da autoridade do caso julgado emergente de anterior decisão (quanto ao embargante AA.), e, depois de verificar os pressupostos gerais da admissibilidade do recurso de revista excepcional interposto por ambas as recorrentes, ordenou a remessa dos autos à Formação para apreciação do requisito específico por elas invocado.</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font>A Formação, por douto acórdão de 10/11/2020, não admitiu a revista excepcional interposta pela Parvalorem, S.A., e </font><u><font>admitiu excepcionalmente a revista interposta pela embargante BB</font></u><font>.</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font>São as seguintes as </font><u><font>conclusões</font></u><font> deste recurso, na parte aqui relevante (ainda que repetitivas e misturadas com a questão da admissibilidade, já ultrapassada):</font><br>
</p><p><i><font>“1. O presente recurso vem interposto do Acórdão do TRIBUNAL DA RELAÇÃO …. datado de dia 28 de maio de 2020, no qual o douto Tribunal julgou improcedente o recurso apresentado pela ora Recorrente, julgando assim improcedente a exceção dilatória da autoridade de caso julgado deduzida e, consequentemente, ordenando a prossecução da ação executiva contra esta.</font></i><br>
</p><p><i><font>2. Como veremos, este aresto, para além de colidir com a linha jurisprudencial maioritária, provoca uma grave injustiça, “dando o ouro ao bandido”.</font></i><br>
</p><p><i><font>3. De facto, caso esta decisão transite em julgado (o que não se concebe!), a ora Recorrente poder-se-á ver forçada a fazer pagamentos à Recorrida por conta de um direito de crédito (avultadíssimo!) que já foi decidido não existir no âmbito de um outro processo judicial transitado em julgado.</font></i><br>
</p><p><i><font>4. Com efeito, a existência do alegado direito de crédito da Exequente, ora Recorrida, no pagamento, por parte dos Executados (i.e., da aqui Recorrente e do seu cônjuge, na qualidade de contrapartes e devedores solidários), da quantia que lhes terá sido pretensamente disponibilizada na conta bancária n.º 600………., previamente aberta ao abrigo do Contrato de Abertura de Crédito datado de ……2006 e aditado a ……2008 (“Contrato de Abertura de Crédito”), foi já julgada/apreciada na ação que correu termos sob o Processo n.º 91643/12…. no Tribunal Judicial da Comarca…., Secção Central Cível…., Juiz 1 (“Processo n.º 91643/12…..”), e que veio a ser julgada totalmente improcedente, por não provada, tendo o ali Réu AA. – cônjuge da aqui Recorrente – sido absolvido da integralidade do pedido (importando recordar que a aqui recorrida e ali Autora instaurou a referida ação apenas contra o cônjuge marido, razão pela qual a aqui Recorrente não foi também ali absolvida).</font></i><br>
</p><p><i><font>…</font></i><br>
</p><p><i><font>12. Nos presentes autos, discute-se a seguinte questão essencial: saber se a exceção da autoridade do caso julgado deduzida pela ora Recorrente - que poderá extinguir o alegado (mas inexistente) direito de crédito da ora Recorrida - se estende à Recorrente que não foi parte no Processo n.º 91643/12……..</font></i><br>
</p><p><i><font>13. Por outras palavras: se a identidade subjetiva é um requisito essencial e obrigatório para a aplicação da exceção da autoridade do caso julgado ou se, ao invés, tal instituto poderá ser “aplicado” a terceiros que, não fazendo parte da ação, podem vir a beneficiar do efeito favorável daquele caso julgado na medida em que trata de uma obrigação solidária.</font></i><br>
</p><p><i><font>14. O Acórdão Fundamento que a Recorrente apresenta encontra-se em contradição com o Acórdão Recorrido, quanto ao sentido e alcance a dar à exceção da autoridade de caso julgado e quanto à interpretação dos requisitos da mesma, em concreto, a interpretação que é dada à exigência de identidade dos sujeitos e à extensão da aplicação daquele instituto a situações de solidariedade entre devedores.</font></i><br>
</p><p><i><font>15. Em traços gerais, o Acórdão Recorrido, proferido pelo TRIBUNAL DA RELAÇÃO ….. (assim como a decisão do TRIBUNAL DE 1.ª INSTÂNCIA), considera que existe identidade entre os pedidos e a causa de pedir desta ação e a do Processo n.º 91643/12…...</font></i><br>
</p><p><i><font>16. Contudo, foi entendido que não se verifica a identidade subjetiva (de verificação obrigatória para aplicação deste instituto) - porquanto a Recorrente não foi parte do Processo n.º 91643/12….. - e que, por essa razão, não estamos perante uma situação de verificação da exceção da autoridade de caso julgado que conduziria à absolvição da Recorrente da instância,</font></i><br>
</p><p><i><font>17. Afirmando, ainda, que a eficácia do caso julgado se pode aplicar – excecionalmente – a terceiros nos casos previstos por Lei, sendo que nessas situações não estão abrangidas as obrigações solidárias, como é o caso da obrigação discutida nos autos principais de execução.</font></i><br>
</p><p><i><font>18. Tanto o TRIBUNAL DE 1.ª INSTÂNCIA como o TRIBUNAL DA RELAÇÃO ……, fizeram uma errada interpretação e aplicação da regra da autoridade do caso julgado, prevista no artigo 619.º, n.º 1 do CPC, no que respeita à aqui Recorrente, pois não só estamos perante uma dívida (devedora) solidária – e, como bem refere o Acórdão Fundamento, “o devedor solidário aproveitará o caso julgado favorável constituído em relação a um seu condevedor” – como o objeto dos presentes autos se insere no objeto do Processo n.º 91643/12…., já decidido por Decisão transitada em julgado.</font></i><br>
</p><p><i><font>19. Este entendimento do Acórdão Recorrido encontra-se, porém, frontalmente em contradição com diversos acórdãos do SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA, destacando-se, para os devidos efeitos, o seguinte Acórdão do SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA proferido em 28 de março de 2019, no âmbito do processo n.º 6659/08.3TBCSC.L1.S1 (“Acórdão Fundamento”):</font></i><br>
</p><p><i><font>“V. A autoridade do caso julgado não depende de verificação integral da tríplice identidade prescrita no artigo 581.º do CPC, mormente no plano do pedido e da causa de pedir. Já no respeitante à identidade de sujeitos, esse efeito de caso julgado só vinculará quem tenha sido parte na respetiva ação ou quem, não sendo parte, se encontre legalmente abrangido por via da sua eficácia direta ou reflexa, consoante os casos.</font></i><br>
</p><p><i><font>VI. Assim, quem não for parte na ação poderá, todavia, beneficiar do efeito favorável daquele caso julgado em conformidade com a lei, como sucede nas situação de solidariedade entre devedores, de solidariedade entre credores e de pluralidade de credores de prestação indivisível, respetivamente nos termos dos artigo 522.º, 2.ª parte, 531.º, 2.ª parte, e 538.º, n.º 2, do CC.</font></i><br>
</p><p><i><font>VII. Verificada a autoridade do caso julgado de uma decisão de mérito que seja incompatível com o objeto a decidir posteriormente noutra ação, o seu alcance não pode deixar de se repercutir no próprio mérito desta, importando, nessa medida, a sua improcedência com a consequente absolvição do réu do pedido.” (…).</font></i><br>
</p><p><i><font>20. Efetivamente, e sempre salvo o devido respeito, que é muito, verifica-se uma clivagem jurisprudencial clara quanto à interpretação e aplicação dos conceitos legais da autoridade de caso julgado, tal como consagrados nos artigos 580.º e 581.º do CPC, nomeadamente quanto a um devedor solidário (a Recorrente) poder vir a aproveitar o caso julgado favorável constituído em relação a um seu condevedor (que, ainda para mais, é o seu marido!) nos termos do artigo 522.º, 2.ª parte do CC.</font></i><br>
</p><p><i><font>21. Por esse motivo é possível asseverar que, analisados ambos os Acórdãos (o Recorrido e o Fundamento), constata-se que um idêntico núcleo factual é julgado, com base na mesma regra de direito, em sentido diametralmente oposto num e no outro.</font></i><br>
</p><p><i><font>22. Por douto Despacho Saneador proferido a 17 de fevereiro de 2019, pronunciou-se o TRIBUNAL DE 1.ª INSTÂNCIA sobre a exceção dilatória da autoridade de caso julgado deduzida pela Recorrente e pelo seu marido, o (ex) Co-Executado/Embargante AA. , julgando-a parcialmente procedente e, em consequência, determinando a extinção da ação (apenas) quanto ao Executado Marido e a prossecução da mesma quanto à aqui Recorrente.</font></i><br>
</p><p><i><font>23. Para o efeito, o TRIBUNAL DE 1.ª INSTÂNCIA entendeu que a questão principal que constituiu o cerne dos presentes autos – apurar a existência do direito da Exequente, ora Recorrida, no pagamento, por parte dos Executados, da quantia que lhes terá sido pretensamente disponibilizada na conta bancária n.º 600………, previamente aberta ao abrigo do Contrato de Abertura de Crédito – tinha sido já julgada/apreciada na ação que correu termos sob o Processo n.º 91643/12……., e que veio a ser considerada totalmente improcedente, por não provada, tendo o ali Réu AA. sido absolvido da integralidade do pedido.</font></i><br>
</p><p><i><font>24. Sucede que, e argumentando que, não existindo uma (completa e integral) identidade de partes nas duas ações – por a Recorrente não ter intervindo no referido Processo n.º 91643/12…….. (recorde-se que a aqui Recorrida apenas instaurou aquela ação contra o Executado Marido, apesar da alegada obrigação ser solidária – tanto que os autos principais executivos foram instaurados contra ambos, marido e mulher) –, a exceção dilatória de autoridade de caso julgado não se podia verificar quanto a esta.</font></i><br>
</p><p><i><font>25. Não se conformando com a decisão do TRIBUNAL DE 1.ª INSTÂNCIA a ora Recorrente apresentou as suas alegações de Recurso para o TRIBUNAL DA RELAÇÃO ……. em março de 2019.</font></i><br>
</p><p><i><font>26. O douto Tribunal a quo proferiu o Acórdão Recorrido no dia 28 de maio de 2020, onde considerou o recurso da ora Recorrente improcedente, mantendo a decisão recorrida!</font></i><br>
</p><p><i><font>27. Para o efeito, o Tribunal a quo considerou, em suma, o seguinte:</font></i><br>
</p><p><i><font> A autoridade de caso julgado implica o acatamento de uma decisão proferida em ação anterior cujo objeto se inscreve, como pressuposto indiscutível, no objeto de uma ação posterior, obstando assim a que a relação jurídica ali definida venha a ser contemplada, de novo, de forma diversa;</font></i><br>
</p><p><i><font> Que no instituto da autoridade de caso julgado, por razões de certeza e segurança jurídica, não se exige a tríplice identidade prevista no artigo 581.º do CPC, isto é, não se exige a identidade do pedido e da causa de pedir, exigindo-se apenas a verificação da identidade subjetiva (identidade das partes);</font></i><br>
</p><p><i><font> Que inexistindo identidade subjetiva – único requisito obrigatório para aplicação da figura da autoridade de caso julgado – não se pode verificar quanto à aqui Recorrente esta exceção, que importaria a absolvição da instância; e,</font></i><br>
</p><p><i><font> Que a eficácia relativa do caso julgado apenas se pode impor a terceiros nos casos especialmente previstos na Lei, e nessas situações não estão abrangidas as obrigações solidárias.</font></i><br>
</p><p><i><font>28. Acontece que, salvo o devido respeito pela Decisão dos doutos Tribunais a quo, a Recorrente não pode concordar com a mesma, razão pela qual se interpõe o presente recurso de revista excecional nos termos já aduzidos.</font></i><br>
</p><p><i><font>29. Efetivamente, e ao contrário da interpretação dada pelos dois Tribunais, a autoridade de caso julgado está relacionada com a existência de relações entre ações, já não de identidade jurídica (própria da exceção de caso julgado), mas de prejudicialidade entre ações, de tal ordem que julgada, em termos definitivos, uma certa questão em ação que correu termos entre determinadas partes, a decisão sobre essa questão se impõe necessariamente em todas as ações que venham a correr termos, ainda que incidindo sobre partes diferentes, pois não se exige a tríplice identidade a que alude o artigo 581.º CPC.</font></i><br>
</p><p><i><font>30. Como demonstrado ao longo destas Alegações, tanto no Processo 91643/12……como nos presentes autos executivos o que está em causa é: o mesmo Contrato de Abertura de Crédito (celebrado em ……2006 e aditado a …….2008); aferir da efetiva disponibilização aos Executados, ao abrigo desse Contrato, dos mesmos montantes de capital; aferir se essas quantias de capital foram disponibilizadas na mesma conta bancária (conta com o n.º 600……., titulada por ambos os Executados); e aferir se essas quantias de capital foram utilizadas pelos Executados – caso em que, então, sobre estes recairia a obrigação de restituição de tais quantias de capital e respetivos juros (parte dos quais é peticionada nestes autos executivos contra a Recorrente e o seu marido e a outra parte foi peticionada no Processo n.º 91643/12……. apenas contra o Executado Marido).</font></i><br>
</p><p><i><font>31. Ora, no âmbito do Processo n.º 91643/12……. foi já decidido que não existe qualquer direito de crédito da Recorrida sobre o Executado Marido (e, por conseguinte, também não pode existir sobre a Recorrente), por conta do Contrato de Abertura de Crédito datado de ……..de 2006 e aditado a …….de 2008 (também subjacente aos presentes autos), pois não se logrou provar a disponibilização dos valores (peticionados ao abrigo do Contrato de Abertura de Crédito) na conta n.º 600.... (também subjacente aos presentes autos) e, não existindo mais vias de recurso, estas Decisões Judiciais cristalizaram-se!</font></i><br>
</p><p><i><font>32. De facto, se não resultou provado que as quantias foram disponibilizadas ao (ex) Executado Marido, na conta n.º 600 .... – titulada pelo (ex) Executado Marido e pela sua mulher, a aqui Recorrente – certo também será, por maioria de razão e até senso comum, que as mesmas quantias (alegadamente devidas ao abrigo do mesmo Contrato de Abertura de Crédito) não foram disponibilizadas à sua mulher, a Recorrente, para a mesma conta bancária!!!!</font></i><br>
</p><p><i><font>33. Ora, considerando que a questão nuclear dos presentes autos já foi alvo de análise e ponderação – com Decisões transitadas em julgado – com confirmação de Tribunal Superior –, a autoridade do caso julgado, obsta a que a relação jurídica ali definida venha a ser novamente contemplada e decidida nos presentes autos, pese embora a Recorrente não tenha sido Parte no Processo n.º 91643/12………, pois a um devedor solidário aproveitar-se-á o caso julgado favorável constituído em relação a um seu condevedor.</font></i><br>
</p><p><i><font>34. O efeito da autoridade do caso julgado material do reconhecimento da inexistência de qualquer direito de crédito da Recorrida - por conta do Contrato de Abertura de Crédito (celebrado em …….2006 e aditado a ………2008) - decorrente da decisão proferida no Processo 91643/12…….., vincula não só o Executado Marido como a Recorrente, na medida em que tal reconhecimento lhe é favorável na perspetiva da pretensão contra ela deduzida na presente causa pela mesma Exequente!</font></i><br>
</p><p><i><font>35. Do douto Acórdão do TRIBUNAL DA RELAÇÃO……. datado de 28 de maio de 2020 de que ora se recorre, resulta claro o entendimento do Tribunal a quo de que não se verifica a exceção dilatória de autoridade de caso julgado contra a Recorrente apenas porque esta</font></i><font> </font><i><font>não foi parte no referido Processo n.º 91643/12…….., acrescido do facto de que um devedor solidário não beneficia da extensão da autoridade do caso julgado a seu favor</font></i><br>
</p><p><i><font>36. Ora, e salvo o devido respeito, que é muito, não podemos concordar nem tão pouco aceitar a interpretação dada pelo douto Tribunal a quo, que não dá como verificada a exceção inominada de autoridade de caso julgado também contra a Recorrente, apenas e tão só por não se verificar a total identidade subjetiva entre as duas ações.</font></i><br>
</p><p><i><font>37. Como é sabido, a atribuição da força de caso julgado às decisões vinculativas proferidas nos Tribunais é uma exigência do nosso ordenamento jurídico que decorre da necessidade de segurança jurídica, elemento essencial a qualquer ordenamento num Estado de Direito, assim como da boa administração da Justiça, da funcionalidade dos Tribunais e da salvaguarda da paz social!</font></i><br>
</p><p><i><font>38. Efetivamente, in casu não existe esta tríplice identidade, pois não obstante a causa de pedir ser a mesma nos dois processos (tal com reconhece a Recorrida) e o pedido proceder do mesmo Contrato de Abertura de Crédito, os sujeitos não são totalmente coincidentes, já que a Recorrente não fez parte do Processo n.º 91643/12…. (por decisão da Recorrida, que até hoje não se compreende, mas que não pode obstar, por isso, à aplicação da autoridade do caso julgado).</font></i><br>
</p><p><i><font>39. Contudo, a autoridade de caso julgado de sentença transitada pode atuar independentemente de tais requisitos, desde que o objeto seja o mesmo.</font></i><br>
</p><p><i><font>40. Isto é, “ainda que não se verifique o concurso de requisitos para que exista a exceção de caso julgado, pode estar em causa o prestígio dos Tribunais ou a certeza / segurança das decisões judiciais se uma decisão, mesmo que proferida em outro processo com outras partes, vier dispor em sentido diverso sobre o mesmo objeto da decisão anterior transitada em julgado abalando assim a autoridade desta” – cfr. ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA de 21.03.2013 (…).</font></i><br>
</p><p><i><font>41. Assim sendo, e salvo melhor opinião, fica ultrapassada a limitação que impediu os Tribunais a quo de julgar procedente a exceção da autoridade do caso julgado também contra a ora Recorrente, já que nada obsta à extinção da presente execução também contra a Recorrente, à semelhança da extinção da ação quanto ao seu marido, o (ex) Executado AA. !</font></i><br>
</p><p><i><font>42. Com efeito, e sempre salvo o devido respeito, dúvidas não existem quanto à identidade das duas ações e ao facto por demais evidente de que o objeto da primeira ação já julgada (Processo n.º 916432/12……) se inserir no objeto da segunda ação (i.e., a dos presentes autos), o que obsta a que a relação e a situação jurídicas definidas pela primeira Decisão não possam ser contrariadas pela segunda, independente da identidade de sujeitos.</font></i><br>
</p><p><i><font>43. Esta situação agrava-se, quando sabemos que se tratam de devedores solidários (ambos assinaram os mesmos contratos e ambos são titulares da conta bancária em questão), marido e mulher, casados no regime de comunhão de adquiridos.</font></i><br>
</p><p><i><font>44. E, como refere (e bem!), o Acórdão Fundamento:</font></i><br>
</p><p><i><font>“Assim, quem não for parte na ação poderá, todavia, beneficiar do efeito favorável daquele caso julgado em conformidade com a lei, como sucede na situação de solidariedade entre devedores, de solidariedade entre credores e de pluralidade de credores de prestação indivisível, respetivamente nos termos dos artigo 522.º, 2.ª parte, 531.º, 2.ª parte, e 538.º, n.º 2, do CC.</font></i><br>
</p><p><i><font>45. Com efeito, ao devedor solidário aproveitará o caso julgado favorável constituído em relação a um seu condevedor com fundamento não respeitante pessoalmente a este (art.º 522.º, 2.ª parte, do CC), como também aproveitará ao credor solidário o caso julgado favorável a um seu co-credor, sem prejuízo das exceções pessoais que o devedor tenha o direito de invocar em relação a cada um deles (art.º 531.º, 2.ª parte, do CC).” (…)</font></i><br>
</p><p><i><font>46. Caso assim não fosse, de forma por demais flagrante, pôr-se-ia em causa a segurança jurídica, ao se facultar à Exequente/Recorrida a possibilidade de vir a valer-se de um direito contra a Recorrente que já lhe foi negado no Processo n.º 916432/12……., por Decisão transitada em julgado após reapreciação (de facto e de direito) pelo Venerando Tribunal da Relação do Porto, e unicamente por este ter sido instaurado apenas contra o seu marido (por mera opção da Exequente/Recorrida).</font></i><br>
</p><p><i><font>47. Em face de todo o exposto, e de tudo o mais que resulta destes autos, impõe-se concluir estarmos perante um caso manifesto em que opera, na totalidade, a autoridade de caso julgado, inclusive quanto à Recorrente, não obstante não ter sido parte (i.e., co-Ré em conjunto com o seu marido) no Processo n.º 916432/12……..</font></i><br>
</p><p><i><font>48. Com efeito, atento o consagrado no Acórdão Fundamento, dever-se-á concluir que o instituto da autoridade de caso julgado, por razões de certeza e segurança jurídica, não exige a tríplice identidade prevista no artigo 581.º do CPC, não se exigindo a identidade do pedido, da causa de pedir e nem das partes, mormente quando estamos perante obrigações solidárias – caso em que se pode impor a terceiros.</font></i><br>
</p><p><i><font>49. Assim, mal andou o Tribunal a quo, ao ter feito uma errada interpretação e aplicação da regra da autoridade do caso julgado, prevista no artigo 619.º, n.º 1 do CPC, no que respeita à aqui Recorrente – em manifesta contradição com o Acórdão Fundamento –, porquanto o objeto dos presentes autos insere-se no objeto do Processo n.º 91643/12……, já julgado por Decisão transitada em julgado, sendo a Recorrente uma (suposta) co-devedora solidária com o Executado Marido, termos em que a exceção da autoridade do caso julgado também deverá produzir os seus efeitos quanto à mesma.</font></i><br>
</p><p><i><font>Nestes termos e nos demais de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deve o presente Recurso de Revista Excecional ser admitido e considerado procedente por provado e, por sua vez, ser revogado o Acórdão Recorrido, que deve ser substituído por outro que considere procedente a exceção da autoridade do caso julgado invocada pela ora Recorrente.</font></i><br>
</p><p><i><font>POIS SÓ ASSIM SE FARÁ A COSTUMADA JUSTIÇA!”</font></i><br>
</p><p><i><font> </font></i><br>
</p><p><font>A recorrida contra-alegou pugnando pela confirmação do acórdão impugnado.</font><br>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Tudo visto, cumpre apreciar e decidir o mérito do recurso interposto pela embargante BB. e admitido pela Formação nos termos supra referidos.</font>
</p><p><font>Tendo em conta o acórdão que o admitiu e as conclusões do recurso, a única questão que importa dirimir consiste em saber se a sentença proferida na acção n.º 91643/12….. tem força de caso julgado relativamente à embargante BB. nos presentes embargos de executado, não obstante não ter sido demandada naquele processo, mas tão somente o seu marido AA., aqui também embargante, ou dito de outra forma, saber da extensão à embargante da eficácia do caso julgado formado por aquela sentença.</font>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font>II. Fundamentação</font><br>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>1. De facto</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font> As instâncias consideraram </font><u><font>provados</font></u><font> os seguintes factos:</font>
</p><p><font>A) Por sentença transitada em julgado, proferida no processo n.º 91643/12……, em que é A. “Parvalorem, S.A.” e Réu AA. foi a acção deduzida julgada totalmente improcedente.</font>
</p><p><i><font>B) </font></i><font>Foi decidido que </font><i><font>não obstante se ter provado que o “BPN IFI” cedeu créditos ao “BPN, S.A.” e este cedeu à autora, tendo ambas as cedências ocorrido em …/12/2010, aí se englobando os créditos peticionados, não se provou que o BPN IFI disponibilizou ao réu as quantias constantes dos contratos a que se aludem nos pontos 1 e 2 [€ 1.148.000,00 e € 1.2225.000,00] não se provou que a amortização dos juros efetuada com o aumento de capital, eram juros efetivamente devidos pelo réu por ter beneficiado do capital constante do contrato de 2006 e que, consequentemente, tais quantias foram de facto usufruídas pelo réu, razão pela qual, improcede, necessariamente, o direito da autora no pagamento, por parte do réu, da quantia de € 204.278,53, referente a juros debitados bem como juros devedores igualmente debitados na referida conta à ordem titulada pelo réu e pela sua esposa, no período de .../12/2008 a ..../12/2009, ficando preterida a questão do direito da autora à cobrança de juros sobre os referidos juros peticionados.</font></i>
</p><p><i><font>C) </font></i><font>O teor dos pontos 1. e 2. dos factos provados, a que se alude na sentença é o seguinte:</font>
</p><p><font>1 </font><i><font>– No dia …..2006, o “BPN, IFI” celebrou com o réu e a esposa BB. um contrato mediante o qual se obrigou a disponibilizar ao réu e esposa a quantia de € 1.148.000,00, devendo tal quantia ser restituída àquela entidade mediante o acordo celebrado entre ambos.</font></i>
</p><p><i><font>2 – O limite do crédito foi aumentado para € 1.225.000,00 por contrato celebrado a …..2008.</font></i>
</p><p><i><font>D) </font></i><font>Nos autos executivos a relação jurídica subjacente ao requerido é o mesmo contrato a que se alude supra, na referenciada acção declarativa. </font><br>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>2. De direito </font><br>
</p><p><font>A resposta à questão, enunciada supra, fixada pela formação, convoca a problemática da eficácia do caso julgado material formado com o trânsito em julgado da decisão anteriormente proferida numa acção em que não teve intervenção a embargante, ora recorrente, esposa do embargante AA. , relativamente ao qual foi reconhecido, por decisão transitada em julgado que se verificava essa figura, quer na função negativa, quer na positiva.</font><br>
</p><p><font>Como é sabido, o caso julgado material radica nos art.ºs 619.º, n.º 1, e 621.º, ambos do CPC, dispondo o primeiro que </font><i><font>“Transitada em julgado a sentença ou o despacho saneador que decida do mérito da causa, a decisão sobre a relação material controvertida fica a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele nos limites fixados pelos artigos 580.º e 581.º, sem prejuízo do disposto nos artigos 696.º a 702.º”</font></i><font>; e o segundo que </font><i><font>“A sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga (…).</font></i><font>” </font><br>
</p><p><font>Manuel de Andrade fornece-nos a seguinte noção de caso julgado material</font><sup><font> </font></sup><a><u><sup><font>[3]</font></sup></u></a><font>: </font><br>
</p><p><font>“Consiste em a definição dada à relação controvertida se impor a todos os tribunais (e até a quaisquer outras autoridades) – quando lhes seja submetida a mesma relação, quer a título principal (repetição da causa em que foi proferida a decisão), quer a título prejudicial (acção destinada a fazer valer outro efeito dessa relação). Todos têm que acatá-la, julgando em conformidade, sem nova discussão.”</font><br>
</p><p><font>Para o mesmo Autor</font><a><u><sup><font>[4]</font></sup></u></a><font>, o instituto do caso julgado assenta em dois fundamentos: </font><br>
</p><p><font>a) – o prestígio dos tribunais, que ficaria altamente comprometido “se a mesma situação concreta, uma vez definida por eles em dado sentido, pudesse depois ser validamente definida em sentido diferente”; </font><br>
</p><p><font>b) – e, mais importante, uma razão de certeza ou segurança jurídica, já que sem a força do caso julgado se cairia “numa situação de instabilidade jurídica (…) fonte perene de injustiças e paralisadora de todas as iniciativas”.</font><br>
</p><p><font>Explica lucidamente o mesmo Autor: </font><br>
</p><p><font>“O caso julgado material não assenta numa ficção ou presunção absoluta de verdade (…), por força da qual (…) a sentença (…) transforme o falso em verdadeiro. Trata-se antes de que, por uma fundamental exigência de segurança, a lei atribui força vinculativa infrangível ao acto de vontade do juiz, que definiu em dados termos certa relação jurídica, e portanto os bens (materiais ou morais) nela co-envolvidos. Este caso fica para sempre julgado. Fica assente qual seja, quanto a ele, a vontade concreta da lei (Chiovenda). O bem reconhecido ou negado pela </font><i><font>pronuntiatio judicis</font></i><font> torna-se incontestável. </font><br>
</p><p><font>Vê-se portanto que a finalidade do processo não é apenas a justiça – a realização do direito objectivo ou a actuação dos direitos subjectivos privados correspondentes. É também a segurança – a paz social (Schönke)”. </font><br>
</p><p><font>No que respeita à eficácia do caso julgado material, desde há muito, quer a doutrina</font><a><u><sup><font>[5]</font></sup></u></a><font> quer a jurisprudência</font><a><u><sup><font>[6]</font></sup></u></a><font> têm distinguido duas vertentes: </font><br>
</p><p><font>a) – uma função negativa, reconduzida a excepção de caso julgado, consistente no impedimento de que as questões alcançadas pelo caso julgado se possam voltar a suscitar, entre as mesmas partes, em acção futura; </font><br>
</p><p><font>b) – uma função positiva, designada por autoridade do caso julgado, através da qual a solução nele compreendida se torna vinculativa no quadro de outros casos a ser decididos no mesmo ou em outros tribunais.</font><br>
</p><p><font>Quanto à função negativa ou excepção de caso julgado, é unânime o entendimento de que, para tanto, têm de se verificar a tríplice identidade estabelecida no artigo 581.º do CPC: a identidade de sujeitos; a identidade de pedido e a identidade de causa de pedir. </font><br>
</p><p><font>Já quanto à autoridade de caso julgado, existem divergências. Para alguns, entre os quais Alberto dos Reis, a função negativa (excepção de caso julgado) e a função positiva (autoridade de caso julgado) são duas faces da mesma moeda, estando uma e outra sujeitas àquela tríplice identidade</font><a><u><sup><font>[7]</font></sup></u></a><font>. Segundo outra linha de entendimento, incluindo a maioria da jurisprudência, a autoridade do caso julg | [0 0 0 ... 0 0 0] |
9zFku4YBgYBz1XKvDf_W | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><br>
<font> </font><br>
<div><br>
<font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça – 1.ª Secção</font><a><u><sup><font>[2]</font></sup></u></a><font>:</font></div><br>
<br>
<font> </font><br>
<p><font>I. Relatório</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><b><font>AA</font></b><font> instaurou, em 12/3/2019, a presente acção declarativa, com processo comum, contra </font><b><font>BB</font></b><font>, </font><b><font>CC </font></b><font>e </font><b><font>DD</font></b><font>, todas melhor identificadas nos autos, pedindo que:</font><br>
</p><p><font>1. Seja declarado e reconhecido a EE a qualidade de sucessor de FF e ao ora A. a sua qualidade sucessória de herdeiro de EE, por óbito deste;</font><br>
</p><p><font>2. Seja declarado que as verbas 1 a 12 constantes da relação de bens apresentada em 18/3/2010 no âmbito do processo de inventário nº 219/04......., Juiz ..., que correu termos na Instância Local Cível ......., do Tribunal da Comarca ..., pertencem à herança aberta por óbito de FF, também conhecida por FF e por FF.</font><br>
</p><p><font>3. Seja declarado e reconhecido que o A. é proprietário do montante de 55.857,28 € correspondente ao valor da sua meação na herança aberta por óbito de sua avó FF, conforme decorre do mapa de partilha e da respetiva sentença homologatória proferida no âmbito do processo de inventário nº 219/04......., Juiz ..., atualmente da Instância Local Cível ......., do Tribunal da Comarca ....</font><br>
</p><p><b><font>4.</font></b><font> Sejam as RR. condenadas, solidariamente, a restituir e entregar imediatamente ao A. a quantia de 35.513,66 € a que o mesmo tem direito de molde a perfazer o valor da sua meação na herança, face aos bens já recebidos e ao montante depositado a título de tornas a seu favor.</font><br>
</p><p><b><font>5.</font></b><font> Sejam as RR. condenadas, solidariamente, a pagar juros à taxa legal de 4% ao ano sobre o montante de 35.513,66 €, desde a data do trânsito em julgado da sentença homologatória do mapa de partilha do processo de inventário, que até à data de 12/03/2019 se contabiliza em 4.732,56 €, e bem assim juros vincendos à mesma taxa legal, até à entrega total do capital atrás referido.</font><br>
</p><p><b><font>6.</font></b><font> Sejam ainda as RR. condenadas, solidariamente, numa sanção pecuniária compulsória, à razão de 50,00 € por cada dia de mora, desde a citação, ou se assim não for entendido, desde o trânsito em julgado da decisão até entrega do capital reclamado pelo A..</font><br>
</p><p><font>Para tanto, alegou, em resumo, o seguinte:</font><br>
</p><p><font>Por óbito da sua avó FF, requereu inventário, que correu termos com o n.º 219/04.... pelo extinto Tribunal da Comarca ..., actualmente Instância Local ...... do Tribunal da Comarca ........ À data do óbito da inventariada FF, os saldos dos depósitos bancários existentes em seu nome na Caixa de Crédito Agrícola Mútuo ......., balcão ..., e na Caixa Geral de Depósitos, balcão de ..., ascendiam a 67.414,57 €. Esses saldos foram sucessivamente transferidos de conta em conta até “desaparecer” de qualquer conta, fosse ela titulada pela herança da </font><i><font>de cujus</font></i><font> ou titulada pelos filhos desta: GG e EE. A quantia de 52.428,48 € entrou na posse do então cabeça-de-casal, o referido GG, e, por morte deste, na posse das interessadas, ora RR., pelo que deve a dita quantia ser considerada da herança. Com a sentença homologatória da partilha foi conferido ao A. a propriedade do montante de 55.857,28 €, que é o valor da sua quota parte na herança aberta por óbito de sua avó, a referida FF. Este valor seria preenchido com as verbas 13 e 15 da relação de bens, no valor de 11.600,00 €, e bem assim com o valor depositado de 7.283,76 € pelas RR., faltando ao A. receber a quantia de 35.513,66 €, de que é proprietário, referente às verbas financeiras da relação de bens. Desta forma, estando o montante de 35.513,66 €, propriedade do A., na posse das RR., vem o mesmo reivindicar a entrega do referido montante, uma vez que o mesmo lhe pertence.</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font>As rés contestaram, por excepção, invocando a ilegitimidade passiva, o caso julgado e a inutilidade da lide, e por impugnação, concluindo pela absolvição da instância ou, em caso de improcedência daquelas excepções, pela sua absolvição dos pedidos.</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font>O autor replicou, pugnando pela improcedência das alegadas excepções e concluindo como na petição inicial.</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font>No âmbito da audiência prévia realizada, foi proferido despacho saneador, onde foi julgada </font><u><font>improcedente</font></u><font> a excepção da ilegitimidade passiva e foi julgada </font><u><font>procedente a excepção do caso julgado relativamente aos três primeiros pedidos</font></u><font>, sendo as rés absolvidas da instância quanto a eles, prosseguindo a acção apenas para apreciação dos restantes três pedidos. Seguiu-se a fixação do objecto do litígio e a enunciação dos temas de prova, sem reclamações.</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font>Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida </font><b><font>sentença</font></b><font>, onde se decidiu julgar a acção </font><b><font>totalmente improcedente e absolver as rés dos pedidos.</font></b><br>
</p><p><b><font> </font></b><br>
</p><p><font>Interposto recurso de </font><u><font>apelação</font></u><font> pelo </font><b><font>autor</font></b><font>, o Tribunal da Relação ...... proferiu </font><b><font>acórdão</font></b><font>, com o seguinte dispositivo:</font><br>
</p><p><i><font>“Pelo exposto acordam os Juízes desta Relação em julgar parcialmente procedente o presente recurso de apelação interposto pelo A. e, em consequência, revoga-se a sentença recorrida, condenando-se as RR., solidariamente, nos exactos e precisos termos acima explanados.”</font></i><br>
</p><p><font>E na “explanação” anterior consta, em jeito de conclusão:</font><br>
</p><p><i><font>“Nestes termos, atentas as razões e fundamentos acima explanados, forçoso é concluir que a sentença recorrida, proferida pela M.ma Juiz “a quo”, não se poderá manter, revogando-se a mesma em conformidade e, em consequência, condenam-se as RR., solidariamente, a restituir e entregar ao A. a quantia de 35.513,66 €, à qual o mesmo tem direito e lhe pertence (a fim de perfazer o valor da sua meação na herança, face aos bens já licitados e recebidos e ao valor que se mostra depositado a título de tornas), a que acrescem os respectivos juros de mora, à taxa legal, contados desde 11/11/2015 (data em que transitou a sentença homologatória da partilha nos autos de inventário nº...) até efectivo e integral pagamento.”</font></i><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font>Inconformadas, agora, as rés interpuseram recurso de </font><b><font>revista</font></b><font> e apresentaram as correspondentes alegações, que terminaram, depois de aperfeiçoadas, na sequência do convite feito nesse sentido (em face da deficiência e omissões que as primeiras apresentavam), com as seguintes </font><u><font>conclusões</font></u><font>:</font><br>
</p><p><i><font> “1 - O recurso deve conter genericamente os fundamentos do pedido de alteração da decisão recorrida ou da sua anulação e, em particular (art. 639º, nº 2 do CPC), as normas jurídicas violadas, o sentido da correcta interpretação e aplicação dessas normas, a norma deve aplicar-se e que, por erro do juiz a quo, o não aplicada.</font></i><br>
</p><p><i><font>2 - Cumpre tomar em especial consideração que as conclusões de recurso vinculam o conhecimento por parte do tribunal superior quanto à respectiva matéria, pelo que o que não constar das conclusões não será apreciado pelo tribunal de 2ª instância.</font></i><br>
</p><p><i><font>3 - Nos termos do art 640º do CPC deve o Apelante quando impugne a matéria de facto, obrigatoriamente especificar a matéria do recurso os pontos em concreto que reputava como indevidamente apreciados, indicando também de forma precisa os aludidos depoimentos e passagens de gravação e/ou trechos e parágrafos dos documentos em questão. Não havendo factos a apreciar, nem qualquer interpretação da prova para a aplicação do direito</font></i><br>
</p><p><i><font>4 - Os Venerandos Desembargadores rejeitaram o recurso, nessa parte por o Apelante não ter nos termos legais, nº 1 al b) e nº 2 al a) do art 640º do CPC) indicado e aludido à prova que considerava não ter sido atendida para que uma sentença diferente fosse proferida. Não havendo factos a apreciar, nem qualquer interpretação da prova para a aplicação do direito</font></i><br>
</p><p><i><font>5 - Não poderam os Venerandos Desembargadores apreciar a matéria do recurso, por o mesmo não respeitar os preceitos do CPC, nomeadamente, nº 1 al b) e nº 2 al a) do art 640º do CPC, pelo que a matéria apreciada no acórdão se limitou a aplicação de direito. Mas como não houve factos apreciados no processo, não há lugar à aplicação de direito</font></i><br>
</p><p><i><font>6 - Pretendeu o ali Apelante que fosse apreciada a certidão do Inventário, junta como documento nos autos, mas como também como se pode verificar no Acórdão de Revista do STJ</font></i><br>
</p><p><a><i><u><font>http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/e8d354703185f5</font></u></i></a><i><font>6380257038003aa60a?OpenDocument, não se pode transpor os factos provados numa acção para outra acção, pura e simplesmente, pois conferiria à decisão acerca da matéria de facto um valor de caso julgado que não tem. Tal como não se pode conceder ao princípio da eficácia extraprocessual das provas uma amplitude que manifestamente não possui, tal como entendeu o recurso Revista</font></i><br>
</p><p><i><font>7 - O Douto Tribunal Cível ......, na sua fundamentação, ao valorar os factos como o fez, ouvindo os depoimentos das testemunhas e analisando os documentos dos autos, fez um exame crítico das provas apresentadas distinguindo as matérias e aplicou o direito de acordo com o seu douto conhecimento e convicções proferindo a sentença</font></i><br>
</p><p><i><font>8 - Os Venerandos Desembargadores ao não apreciarem a matéria de facto, porque a alegação do recurso não continha o formalismo para essa apreciação, não poderão alterar a sentença que aplicou o direito aos factos apreciados em sede de sentença.</font></i><br>
</p><p><i><font>9 - Nos termos do art 2031º do Ccivil a sucessão abre-se no momento da morte do seu autor, ora o Apelante e as Apeladas, (aberta a sucessão pela morte dos respectivos progenitores e conjuge), serão chamados à titularidade das relações jurídicas do falecido</font></i><br>
</p><p><i><font>10 - Houve transmissão do direito de suceder do de cujus EE para o Apelante e do de cujus GG para as Apeladas, a dupla transmissão do direito de suceder, é um direito derivado, Apelante e Apelado não são herdeiros por direito próprio de FF não havendo uma vocação originária, pelo que os seus direitos só constituem a partir do momento da abertura da sucessão nos termos do art 2031º do CCivil</font></i><br>
</p><p><i><font>11 - Não tendo a Acórdão apreciado a matéria de facto não poderão os Venerandos Desembargadores concluir que existiu erro de julgamento na aplicação do Direito à factualidade apurada</font></i><br>
</p><p><i><font>12 - Só analisando os factos poderiam os Venerandos Desembargadores concluir se se tratava de direito de representação ou sucessão por direito próprio. Não sendo os factos apreciados foi dado como provado que a Partilha dos bens tinha sido iniciado pelo EE e o GG e quando estes faleceram os seus herdeiros (Apelante e Apeladas) lhe sucederam como herdeiros, fazendo parte desta herança o remanescente não partilhado da herança da FF</font></i><br>
</p><p><i><font>13 - Os Venerandos Desembargadores consideraram que por não ter sido concluída a Partilha da Herança, estávamos no ambito do instituto da Representação, tendo por isso incorrido num erro de julgamento na aplicação do direito à factualidade apurada, quando erróneamente foi aplicado o regime do art 2039º do Ccivil.</font></i><br>
</p><p><i><font>14 - Os herdeiros originários, (um progenitor do Apelante e o outro progenitor e marido das Apeladas), aceitaram a herança, não a repudiaram a herança, apenas não concluíram a partilha, e esses são factos provados, pelo que não há representação mas transmissão do direito de suceder, tendo o Acordão deliberado em sentido contrário cometeram um erro de julgamento na aplicação do direito à factualidade apurada</font></i><br>
</p><p><i><font>TERMOS EM QUE</font></i><br>
</p><p><i><font>Julgando os Colendos Juízes Conselheiros de manter a sentença da Meritíssima Juiz,</font></i><br>
</p><p><i><font>com as legais consequências farão V.Exas a costumada JUSTIÇA”</font></i><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font>O autor contra-alegou sustentando a rejeição das conclusões 9, 10, 12, 13 e 14 ou que sejam dadas como não escritas, por extravasarem as anteriormente apresentadas e o convite de aperfeiçoamento feito, e, bem assim, a rejeição das restantes, por não terem dado cumprimento ao n.º 3 do art.º 639.º do CPC.</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font>O recurso foi admitido como de revista, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo, modo de subida e efeito que foram mantidos pelo actual Relator, após o aludido convite.</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font>Tudo visto, cumpre apreciar e decidir o mérito do presente recurso.</font><br>
</p><p><font>Sabido que o seu objecto e âmbito estão delimitados pelas conclusões das recorrentes, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser em situações excepcionais de conhecimento oficioso, e tendo presente que se apreciam questões e não razões, as questões que importa dirimir consistem em saber:</font>
</p><p><font>1. Se a Relação fez uso indevido da sentença homologatória da partilha do processo de inventário n.º ...;</font>
</p><p><font>2. E se errou de direito ao condenar na entrega do dinheiro que foi atribuído ao autor com a homologação daquela partilha.</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font>Previamente, porém, dado que o recorrido sustentou a rejeição liminar do recurso, importa saber se é caso dessa pretendida rejeição.</font><br>
</p><p><font>É útil relembrar aqui o despacho proferido pelo Relator, em 18/10/2021, com o seguinte teor:</font><br>
</p><p><font>«</font><i><font>As conclusões do recurso de revista apresentadas são, manifestamente, deficientes e obscuras, porquanto não se procedeu nelas às especificações a que alude o n.º 2, als. a), b) e c), do CPC; não permitem compreender o verdadeiro fundamento do recurso; evidenciam a impugnação da decisão de facto em sede de apelação, que foi rejeitada, por inobservância do ónus de impugnação previsto no art.º 640.º, n.º 1, b) e n.º 2, a), do mesmo Código, a qual é irrelevante (cfr. conclusões 1.ª a 7.ª), visto que não questionam essa rejeição, nem as rés, ora recorrentes, têm legitimidade para a impugnar, por não serem, nessa parte, vencidas; procedem, na conclusão 8.ª, a uma afirmação ininteligível, já que a apreciação da matéria de facto é independente da aplicação do direito aos factos provados e não indicam em que consiste a violação de lei substantiva, não se percebendo, ainda, a expressão da parte final “não dar provimento ao acórdão dos Venerandos Desembargadores”.</font></i><br>
</p><p><i><font>Nestes termos e visto o disposto no n.º 3 do citado art.º 639.º, convidam-se as recorrentes a completar e esclarecer as conclusões, de forma necessariamente sintética, no prazo de cinco dias, sob pena de não se conhecer do recurso</font></i><font>.»</font><br>
</p><p><font>Na sequência da notificação desse despacho, vieram as recorrentes apresentar alegações com as conclusões acima transcritas.</font><br>
</p><p><font>As novas alegações são irrelevantes e ilegais, visto que as recorrentes não foram notificadas para as aperfeiçoar, mas tão somente as conclusões, em conformidade com o preceituado no indicado artigo – o 639.º, n.º 3, do CPC-, pelo que importa dar aquelas aqui como não escritas.</font><br>
</p><p><font>As conclusões 1.ª a 7.ª são a repetição das anteriormente apresentadas, pelo que, respeitando à impugnação da decisão da matéria de facto pelo apelante, que foi rejeitada, por inobservância dos ónus de impugnação previstos no art.º 640.º, n.º 1, b) e n.º 2, a), do CPC, são supérfluas, tanto mais que as rés, ora recorrentes, não têm legitimidade para as questionar, pelo que nada mais resta senão dá-las por não escritas.</font><br>
</p><p><font>As restantes conclusões, embora longe de observarem o convite feito, não são de rejeitar, porquanto respeitam ao objecto do recurso interposto, nomeadamente indicando em que consiste, na sua perspectiva, a</font><i><font> violação de lei substantiva</font></i><font>.</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font>II. Fundamentação</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font>1. De facto </font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font>No acórdão recorrido, reproduzindo os da sentença, foram dados como </font><u><font>provados,</font></u><font> os seguintes factos: </font><br>
</p><p><i><font>- Da petição inicial:</font></i><br>
</p><p><i><font>1. Em 05/08/2003 faleceu FF, também conhecida por FF, ou FF, no estado de viúva de HH, com quem foi casada sob o regime da comunhão geral de bens, com última residência na Rua ........, em .... </font></i><br>
</p><p><i><font>2. A referida FF faleceu sem testamento nem doação por morte, tendo-lhe sucedido como únicos herdeiros os filhos:</font></i><br>
</p><p><i><font>- GG, casado com BB sob o regime da comunhão de adquiridos, residente na Av. ........, ........, ..., ....</font></i><br>
</p><p><i><font>- EE, solteiro, maior, residente na Rua ........, ....</font></i><br>
</p><p><i><font>Posteriormente, em 13/01/2004, veio a falecer EE, no estado de solteiro, com última residência na Rua ........, em ....</font></i><br>
</p><p><i><font>O EE veio a falecer sem testamento ou doação por morte, tendo-lhe sucedido como único herdeiro, o filho:</font></i><br>
</p><p><i><font>- AA, o ora A..</font></i><br>
</p><p><i><font>3. Em 07/09/2005 veio a falecer GG, no estado de casado com BB, residente que foi na Av. ......, ...... ........, ....</font></i><br>
</p><p><i><font> 4. O GG veio a falecer sem testamento ou doação por morte, tendo-lhe sucedido:</font></i><br>
</p><p><i><font>O cônjuge:</font></i><br>
</p><p><i><font>- BB, residente que foi na Av. ......, ...... ........, ...</font></i><br>
</p><p><i><font>As filhas:</font></i><br>
</p><p><i><font>- CC, casada sob o regime da comunhão de adquiridos com II, NIF ......, residente na Praceta ......., ... ... – ....</font></i><br>
</p><p><i><font>- DD, solteira, maior, NIF ......, residente Av. ........, ...... ........, ....</font></i><br>
</p><p><i><font>5. Por óbito da FF, o A. veio a desencadear processo de inventário para partilha de bens deixados pela mesma, o qual correu seus termos no extinto Tribunal da Comarca de ..., atualmente Instância Local ...... do Tribunal da Comarca ......., sob o nº 219/04…, Juiz ....</font></i><br>
</p><p><i><font>6. No âmbito do processo judicial supra identificado, a cabeça-de-casal BB e ora primeira R. apresentou relação de bens em 18/03/2010.</font></i><br>
</p><p><i><font>7. Da referida relação de bens consta um conjunto de verbas, entre as quais, para o que ora interessa, verbas referentes a depósitos bancários à ordem, a prazo e poupança, abertos em diversas contas bancárias existentes no balcão ......... da Caixa de Crédito Agrícola Mútuo ......, e bem assim uma conta aberta na Caixa Geral de Depósitos, balcão ....</font></i><br>
</p><p><i><font>8. Da relação de bens apresentada em 18/03/2010 constam os seguintes depósitos bancários, existentes à data do óbito da inventariada FF (05/08/2003), nas referidas instituições de crédito, a saber:</font></i><br>
</p><p><i><font>- Verba nº 01 - Conta à ordem nº ......18, com o saldo de 41,23 € Caixa de Crédito Agrícola Mútuo .......;</font></i><br>
</p><p><i><font>- Verba nº 02 - Conta a prazo nº .........85, com o saldo de 2.493,99 €, Caixa de Crédito Agrícola Mútuo .......;</font></i><br>
</p><p><i><font>- Verba nº 03 Conta a prazo nº ………14, com o saldo de 8.230,17 €, Caixa de Crédito Agrícola Mútuo .......;</font></i><br>
</p><p><i><font>- Verba nº 04 - Conta a prazo nº ........87, com o saldo de 6.983,17 €, Caixa de Crédito Agrícola Mútuo .......;</font></i><br>
</p><p><i><font>- Verba nº 05 - Conta a prazo nº .......51, com o saldo de 1.745,79 €, Caixa de Crédito Agrícola Mútuo .......;</font></i><br>
</p><p><i><font>- Verba nº 06 - Conta a prazo nº .......92, com o saldo de 2.992,79 € Caixa de Crédito Agrícola Mútuo .......;</font></i><br>
</p><p><i><font>- Verba nº 07 - Conta poupança reforma nº ......94, com o saldo de 9.947,50 €, Caixa de Crédito Agrícola Mútuo .......;</font></i><br>
</p><p><i><font>- Verba nº 08 - Conta poupança reforma nº .......10, com o saldo de 9.702,06 €, Caixa de Crédito Agrícola Mútuo .......; </font></i><br>
</p><p><i><font>- Verba nº 09 - Conta poupança máxima tradição nº .......69, com o saldo de 19.946,25 €, Caixa de Crédito Agrícola Mútuo .......;</font></i><br>
</p><p><i><font>- Verba nº 10 - Conta poupança máxima tradição nº ………21, com o saldo de 5.330,41 €, Caixa de Crédito Agrícola Mútuo .......;</font></i><br>
</p><p><i><font>- Verba nº 11 - Conta à ordem nº ..........30, com o saldo de 0,60 €, da Caixa Geral de Depósitos, balcão …....</font></i><br>
</p><p><i><font>- Verba nº 12 - Conta à ordem nº ……57., com o saldo de 0,61 €, Caixa de Crédito Agrícola Mútuo........</font></i><br>
</p><p><i><font>9. À data do óbito da inventariada FF, os saldos dos depósitos bancários existentes em seu nome na Caixa de Crédito Agrícola Mútuo ......., balcão ..., e na Caixa Geral de Depósitos, balcão …..., ascendiam a 67.414,57 €.</font></i><br>
</p><p><i><font>10. Em 30/03/2011 no Tribunal da Comarca ... realizou-se conferência de interessados no âmbito do processo de inventário supra identificado, tendo sido requerido e ordenado pedido de informações complementares à Caixa de Crédito Agrícola Mútuo ....... referente aos movimentos das contas bancárias atrás referidas e tituladas pela de cujus, a partir da data do seu óbito.</font></i><br>
</p><p><i><font>11. Para os fins atrás referidos, e naquele mesmo dia, o ora A. e as ora RR., como interessadas no processo de inventário em causa, subscreveram uma declaração a autorizar a Caixa de Crédito Agrícola Mútuo ....... a informar ao processo de inventário quais os movimentos bancários efetuados nas contas atrás referidas desde 05/08/2003 e até à data de 30/03/2011.</font></i><br>
</p><p><i><font>12. Da informação prestada pela Caixa de Crédito Agrícola Mútuo ......., entrada no processo de inventário no dia 28/12/2011, retira-se que à conta bancária nº .......87 (verba nº 12) estão agregados os depósitos a prazo/poupança constantes das contas bancárias nº ........10 (verba nº 08) e ........21 (verba nº 10).</font></i><br>
</p><p><i><font>13. A instituição de crédito informa ainda que, conforme extrato junto com o ofício de 28/12/2011, à data de 30/11/2011 a conta nº ……… 57 (verba nº 12) apresentava àquela data um saldo de 699,56 €, a conta nº .......10 (verba nº 08) um saldo de 10.500,00 €, e a conta nº .......21 (verba nº 10) um saldo de 3.768,01 €.</font></i><br>
</p><p><i><font>14. À conta nº .......18 (verba nº 01) estavam agregados os depósitos a prazo/poupança nº ......85 (saldo 2.493,99 € - verba nº 02), ......14 (saldo 8.230,17 € - verba nº 03), ......87 (saldo 6.983,17 € - verba nº 04), ……51(saldo 1.745,79 € - verba nº 05), ...... 92 (saldo 2.992,79 € - verba nº 06), .........94 (saldo 9.947,50 € - verba nº 07) e ………69 (saldo 19.946,25 € - verba nº 09).</font></i><br>
</p><p><i><font>15. O saldo das contas bancárias atrás referidas ascendia a 52.428,48 €.</font></i><br>
</p><p><i><font>16. Posteriormente a instituição de crédito Caixa de Crédito Agrícola Mútuo ......., por informação entrada nos autos de inventário supra referidos em 23/02/2011, vem informar ao processo de inventário que as contas nº …...92 (verba nº 06), ……. 51(verba nº 05), ......87 (verba nº 04), .......14 (verba nº 03), ….….85 (verba nº 02), ……69 (verba nº 09) e ......94 (verba nº 07) foram liquidadas em 12/08/2003 por GG e EE, co-titulares da conta de depósitos à ordem nº .......18 (verba nº 01) à qual estavam agregados os depósitos a prazo e contas poupança atrás referidos.</font></i><br>
</p><p><i><font>17. Informa ainda a referida instituição de crédito que as contas atrás referidas foram saldadas e encontravam-se então encerradas e eliminadas.</font></i><br>
</p><p><i><font>18. Da referida informação retira-se que o saldo das sete contas bancárias atrás referidas, que foram saldadas e encerradas, foi transferido para a conta de depósitos à ordem nº .......86.</font></i><br>
</p><p><i><font>19. Da mesma informação da Caixa de Crédito Agrícola Mútuo ....... também se retira que o saldo das sete contas bancárias atrás referidas, no valor de 52.428,48 €, após entrar na conta nº .......86 foi transferido para a conta a prazo denominada “super depósito crescente mais” com o nº ......87 a favor dos referidos GG e EE, pelo prazo de três anos, com início em 12/08/2003 e vencimento em 12/08/2006.</font></i><br>
</p><p><i><font>20. Aconteceu que no dia 29/08/2003 foi transferido o montante de 26.639,24 € da conta de depósitos a prazo nº ......87 que havia sido constituída em 12/08/2003, para a conta de depósitos à ordem nº ......86. </font></i><br>
</p><p><i><font>21. Nesse mesmo dia foram solicitados à Caixa de Crédito Agrícola Mútuo ....... cinco cheques avulso com os nº .......25 e ......29 a ......32 para movimentar a conta de depósitos à ordem nº ......86.</font></i><br>
</p><p><i><font>22. No dia 29/08/2003 GG preencheu e assinou o cheque nº .......30, sacado sob a conta nº ......86, da Caixa de Crédito Agrícola Mútuo ......., balcão ..., no valor de 5.000,00 €, que colocou à ordem de CC, sua filha e ora R., o qual veio a ser depositado em conta aberta no BES, quantia que esta fez sua.</font></i><br>
</p><p><i><font>23. No dia 29/08/2003 GG preencheu e assinou o cheque nº ......31, sacado sob a conta nº ......86, da Caixa de Crédito Agrícola Mútuo ......., balcão …..., no valor de 5.000,00 €, que colocou à ordem de DD, sua filha e ora R., o qual veio a ser depositado em conta aberta no BES, quantia que esta fez sua.</font></i><br>
</p><p><i><font>24. No dia 02/09/2003 GG preencheu e assinou o cheque nº ......32, sacado sob a conta nº .......86, da Caixa de Crédito Agrícola Mútuo ......, balcão ..., no valor de 5.000,00 €, que colocou à sua ordem, o qual veio a ser depositado em conta aberta na Caixa Geral de Depósitos, titulada por este, tanto quanto se julga.</font></i><br>
</p><p><i><font>25. Em data não concretamente apurada, GG e EE, preencheram e assinaram o cheque nº ......25, sacado sob a conta nº .......86, da Caixa de Crédito Agrícola Mútuo ......., balcão ..., no valor de 10.500,64 €, o qual veio a ser depositado no dia 23/12/2003 em conta do referido GG na Caixa Geral de Depósitos, fazendo a mesmo sua tal quantia.</font></i><br>
</p><p><i><font>26. Em 27/01/2004, o referido GG liquidou a conta de depósito a prazo nº ......86, transferindo o respetivo saldo, que era de 25.896,02 € para a conta de depósito à ordem nº .......84.</font></i><br>
</p><p><i><font>27. Ainda no mesmo dia, 27/01/2004, o referido GG deu ordem de transferência do saldo da conta de depósitos à ordem nº ......86, no montante de 26.182,42 € para a sua conta nº ......84, fazendo sua tal quantia. </font></i><br>
</p><p><i><font>28. Os movimentos bancários efetuados em 27/01/2004 junto da Caixa de Crédito Agrícola Mútuo ....... e atrás referidos, ocorreram já após a morte de EE, uma vez que o mesmo havia falecido em 13/01/2004.</font></i><br>
</p><p><i><font>29. Analisada a documentação bancária relativamente ao saldo da conta de depósitos a prazo nº …….87e a conta de depósitos à ordem à mesma agregada com o nº .....86, retiram-se os seguintes movimentos:</font></i><br>
</p><p><i><font>➢ 5.000,00 € entraram na posse de CC, ora R.. </font></i><br>
</p><p><i><font>➢ 5.000,00 € entraram na posse de DD, ora R..</font></i><br>
</p><p><i><font>➢ 5.000,00 € entraram na posse de GG, então cabeça-de casal. </font></i><br>
</p><p><i><font>➢ 10.500,64 € entraram na posse de GG, então cabeça-de casal. </font></i><br>
</p><p><i><font>➢ 26.182,42 € entraram na posse de GG, então cabeça-de casal. </font></i><br>
</p><p><i><font>Total – 51.683,06 €.</font></i><br>
</p><p><i><font>30. Conforme já supra se referiu, o GG, que era interessado e cabeça-de-casal no processo de inventário supra referido, veio a falecer em 07/09/2005, tendo-lhe sucedido o cônjuge sobrevivo BB e as filhas CC e DD, as quais vieram a ser habilitadas no processo de inventário em causa.</font></i><br>
</p><p><i><font>31. Constata-se pois que as verbas nº 01 a 07 e 09 constantes da relação de bens apresentada em 18/03/2010 no processo de inventário, pese embora estejam relacionadas e indicados saldos de contas bancárias, as ditas contas já não existiam quando foram relacionadas, por terem sido saldadas e liquidadas anteriormente.</font></i><br>
</p><p><i><font>32. Com efeito, como já atrás se referiu, a totalidade do capital que fazia parte dessas contas já havia sido transferido para outras contas, as quais também já não existiam por terem sido liquidadas e o respetivo saldo.</font></i><br>
</p><p><i><font>33. Acontece pois que das verbas referentes a ativos financeiros constantes da relação de bens, apenas o saldo da conta nº ........10 (verba nº 08) no valor de 9.702,06 €, e o saldo da conta nº …….21 (verba nº 10) no valor de 5.330,41 €, ambas da , e bem assim o saldo da conta nº ........30 (verba nº 11), com o saldo de 0,60 €, da Caixa Geral de Depósitos, balcão ..., se encontram nas referidas instituições de crédito, contas estas que apresentam os citados saldos à presente data.</font></i><br>
</p><p><i><font>34. No âmbito do processo de inventário, atenta a reclamação no mesmo apresentada pelo interessado AA, ora A., o Juízo de Média e Pequena Instância Cível do Tribunal ......, conclusão de 21/06/2012 (Ref. ….), notificou as interessadas CC e DD, ora RR., no sentido de estas restituírem à herança os montantes que haviam recebido.</font></i><br>
</p><p><i><font>35. Como já se referiu, o saldo bancário existente à data do óbito da FF foi sucessivamente transferido de conta em conta até “desaparecer” de qualquer conta, fosse ela titulada pela herança da de cujus ou titulada pelos filhos desta, os já referidos GG e EE.</font></i><br>
</p><p><i><font>36. Decorrendo o processo de inventário os seus termos, em 11/10/2012 no Juízo de Média e Pequena Instância Cível ......., do Tribunal da Comarca ..., realizou-se conferência de interessados, tendo então as verbas 13, 14, 15 e 16 da relação de bens sido licitadas pelos interessados.</font></i><br>
</p><p><i><font>37. Foi elaborado o respetivo mapa informativo de onde consta o valor total dos bens a partilhar, que é de 111.714,57 €, que é o valor das verbas financeiras indicadas na relação de bens sob o nº 01 a 12, e bem assim as demais verbas com os valores resultantes das licitações.</font></i><br>
</p><p><i><font>38. Do mapa de partilha retira-se que o interessado AA e ora A. licitou as verbas 13 e 15 no valor total de 11.600,00 €.</font></i><br>
</p><p><i><font>39. Olhando para o referido mapa de partilha retira-se que o valor da herança que caberia ao interessado AA, ora A., seria no montante de 54.397,42 €.</font></i><br>
</p><p><i><font>40. No entanto, como tinham sido adjudicadas ao interessado AA, ora A., as verbas 13 e 15 da relação de bens no valor total de 11.600,00 €, tinha o mesmo ainda a receber o valor final de 42.797,42 €, até perfazer o valor da sua meação na totalidade da herança.</font></i><br>
</p><p><i><font>41. O mapa de partilha foi objeto de sentença homologatória datada de 08/10/2015 e já transitada em julgado.</font></i><br>
</p><p><i><font>42. Após trânsito em julgado da sentença homologatória da partilha, as RR. depositaram em 01/03/2016 a quantia de 7.283,76 € à ordem do processo de inventário. </font></i><br>
</p><p><i><font>43. Atento o | [0 0 0 ... 0 0 0] |
zTFju4YBgYBz1XKvzv_c | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><font> </font><div><br>
<font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça – 1.ª Secção</font><a><u><sup><font>[2]</font></sup></u></a><font>:</font></div><br>
<br>
<font> </font><br>
<p><font>I. Relatório</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><b><font>AA </font></b><font>instaurou a presente acção declarativa, com processo comum, contra </font><b><font>BB</font></b><font>, ambas melhor identificadas nos autos, pedindo que esta seja condenada a pagar-lhe a quantia de 37.043,49 € (trinta e sete mil e quarenta e três euros e quarenta e nove cêntimos).</font><br>
</p><p><font>Para tanto, alegou, em resumo, o seguinte:</font><br>
</p><p><font>Contratou a ré para que contestasse uma decisão das Finanças de reverter contra si execuções fiscais pendentes contra uma sociedade de que a autora era gerente registada, mas da qual estava afastada há mais de 15 anos, sendo que a ré, actuando com falta do zelo que lhe era exigido, deduziu apenas uma oposição que veio a ser arquivada, por preterição de formalidades processuais, a qual não suspenderia a execução. Tendo decorrido o prazo da oposição à execução fiscal e ficando vedada a apresentação de outra oposição, foi penhorado o seu património e o dos seus familiares, no valor global de 17.043,49 €, que corresponde ao valor da oportunidade perdida, o que lhe causou angústia, desilusão e vexame, de, pelo menos, 20.000,00 €.</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font>A ré contestou, por impugnação e excepção, e deduziu reconvenção, pedindo a condenação da autora a pagar-lhe 1.868,50 € de despesas e honorários.</font><br>
</p><p><font>Alegou, em síntese, que a oposição por si apresentada estava em condições de ser apreciada e de ter êxito e foi apresentada em tempo; fez o que devia fazer no processo e foi a autora e a sua prima que, ao intrometerem-se, impediram a ré de defender a autora de forma adequada, tanto mais que a autora veio a acordar com os serviços das finanças o pagamento sem o fazer sequer a título de garantia ou caução até decisão sobre a oposição.</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font>A autora replicou, em extenso articulado, sem interesse.</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font>As partes foram convidadas a informar se existia alguma apólice em vigor que incluísse a situação dos autos, tendo, na sequência desse convite, a ré requerido a intervenção da seguradora </font><b><font>XL Insurance Company, SE</font></b><font>, a qual foi admitida e apresentou contestação, onde excepcionou a inclusão do sinistro participado no âmbito do contrato de seguro e impugnou os factos alegados pugnando pela sua absolvição.</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font>Dispensada a realização da audiência prévia, foi proferido despacho saneador, onde foi rejeitada a reconvenção, foi verificada a irregularidade parcial da réplica, foi julgada procedente a excepção peremptória de inclusão no âmbito do contrato de seguro, sendo a seguradora interveniente absolvida do pedido, tendo ainda sido fixado o objecto do processo e enunciados os temas de prova, sem reclamações.</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font>Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida </font><b><font>sentença</font></b><font>, onde se decidiu julgar a acção </font><b><font>parcialmente procedente e condenar a ré a pagar à autora as quantias de 11.930,44 €, a título de indemnização</font></b><font> pelo dano da perda de chance </font><b><font>e de 5.000,01 </font></b><font>€, a título de indemnização por dano não patrimonial, absolvendo-a do resto do pedido.</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font>Interposto recurso de apelação pela </font><b><font>ré</font></b><font>, o Tribunal da Relação de Lisboa, proferiu </font><b><font>acórdão</font></b><font>, com o seguinte dispositivo:</font><br>
</p><p><i><font>“Pelo exposto, julga-se o recurso parcialmente procedente, diminuindo a indemnização por danos patrimoniais para o valor de 668,49€, e absolvendo a ré do demais pedido.</font></i><br>
</p><p><i><font>Custas, na vertente de custas de parte, quer na acção e quer no recurso, por ambas as partes, na proporção do decaimento.”</font></i><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font>Não conformada, agora, a autora interpôs recurso de </font><b><font>revista</font></b><font> e apresentou as correspondentes alegações que terminou com as seguintes </font><u><font>conclusões</font></u><font>:</font><br>
</p><p><i><font>“A. O douto Acórdão recorrido violou o disposto no n.º 1 do artigo 662.º do CPC, porquanto alterou a decisão proferida pelo Tribunal de 1.ª Instância sobre a matéria de facto sem que os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impusessem decisão diversa;</font></i><br>
</p><p><i><font>B. O douto Acórdão recorrido violou também o disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 662.º do CPC, porquanto, em face da dúvida quanto à propriedade do dinheiro utilizado no pagamento da dívida exequenda em processos de execução fiscal em que a A. foi executada, e na falta de quaisquer meios de prova que indiciem a identificação do proprietário dessa quantia, não cumpriu o dever de ordenar a produção de novos meios de prova, mesmo oficiosamente;</font></i><br>
</p><p><i><font>C. O douto Acórdão recorrido violou ainda o disposto no na alínea c) do n.º 2 do artigo</font></i><br>
</p><p><i><font>662.º do CPC, porquanto, tendo reputado obscura a decisão do Tribunal de 1.ª Instância sobre pontos determinados da matéria de facto, não cumpriu o dever de a anular, mesmo oficiosamente;</font></i><br>
</p><p><i><font>D. O douto Acórdão recorrido violou, por fim, o disposto no na alínea d) do n.º 2 do artigo 662.º do CPC, porquanto, considerando que não foi devidamente fundamentada a decisão do Tribunal de 1.ª Instância sobre a propriedade do dinheiro utilizado no pagamento da dívida exequenda em processos de execução fiscal em que a A. foi executada, facto essencial para o julgamento da causa, não cumpriu o dever de determinar que este a fundamentasse.</font></i><br>
</p><p><i><font>E. As violações do disposto no artigo 662.º do CPC constituem violações à lei do processo para efeitos de fundamentação do recurso de revista, à luz do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 674.º do CPC.</font></i><br>
</p><p><i><font>F. Os erros na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa contidos no douto Acórdão recorrido são sindicáveis, podendo fundamentar a presente revista, e estando por isso excluídos da limitação imposta pelo n.º 3 do artigo 374.º do CPC, porquanto in casu não só o Tribunal da Relação alterou a decisão da matéria de facto, quanto à determinação e quantificação do dano indemnizável, num sentido que não é justificável por nenhum dos factos assentes, como também nenhuma prova produzida no processo é passível de fundamentar a decisão que a final proferiu.</font></i><br>
</p><p><i><font>G. Os erros na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa contidos no douto Acórdão recorrido são sindicáveis, podendo fundamentar a presente revista, e estando por isso excluídos da limitação imposta pelo n.º 3 do artigo 374.º do CPC, ainda porque o Tribunal da Relação deu como assentes, com base em presunções judiciais, factos insuscetíveis de demonstração por apelo a regras de experiência, ainda que conjugadas com quaisquer outros meios de prova.</font></i><br>
</p><p><i><font>H. Quer no plano teórico, quer in casu, o dano vergonha merece tutela do direito e deve ser valorado no âmbito da peticionada condenação da R. em indemnização por danos não patrimoniais, revogando-se em consonância o Acórdão recorrido.</font></i><br>
</p><p><i><font>I. A condenação da recorrente nas custas processuais na proporção do decaimento viola gravemente o principio da proporcionalidade e o direito de acesso à justiça (artigos 2.°, 13.°, 18.º, n.º 2, 2ª parte e 266º nº 2 da Constituição da República Portuguesa), porquanto, reconhecendo todos os fundamentos da ação da recorrente, acaba por sobre ela fazer recair sobre ela 98% do custo da atividade jurisdicional e o dever de suportar um encargo de montante superior ao da indemnização que lhe é arbitrada.</font></i><br>
</p><p><i><font>Termos em que deve o presente recurso de revista ser julgado totalmente procedente por provado e em consequência:</font></i><br>
</p><p><i><font>a) ser a Decisão recorrida revogada e substituída por outra que julgando procedente a ação da A. ora recorrente, condene a recorrida no pagamento à A. da indemnização peticionada, condenando ainda a recorrida na totalidade das custas processuais; ou</font></i><br>
</p><p><i><font>b) ser a Decisão recorrida revogada, ordenando-se a baixa dos autos ao Venerando Tribunal da Relação de Lisboa para que dê cumprimento ao disposto nas alíneas b), c) e d) do artigo 662.º do Código de Processo Civil, como é de Direito e de JUSTIÇA.”</font></i><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font>Não foram apresentadas contra-alegações.</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font>O recurso foi admitido como de revista, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo, modo de subida e efeito que foram mantidos pelo actual Relator.</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font>Tudo visto, cumpre apreciar e decidir o mérito do presente recurso.</font><br>
</p><p><font>Sabido que o seu objecto e âmbito estão delimitados pelas conclusões da recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser em situações excepcionais de conhecimento oficioso, e tendo presente que se apreciam questões e não razões, as questões que importa dirimir consistem em saber:</font>
</p><p><font>1. Se houve violação do disposto no art.º 662.º do CPC, por:</font>
</p><p><font>a) Uso indevido de presunção judicial na fixação do valor indemnizável;</font>
</p><p><font>b) E violação do dever de produção de novos meios de prova;</font>
</p><p><font>c) De anulação da sentença;</font>
</p><p><font>d) Ou de fundamentação quanto à propriedade do dinheiro.</font>
</p><p><font>2. Se há erro na aplicação do direito ao desconsiderar os danos não patrimoniais;</font>
</p><p><font>3. E se há erro na condenação em custas.</font>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font>II. Fundamentação</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font>1. De facto </font><br>
</p><p><font>No acórdão recorrido, foram dados como </font><u><font>provados</font></u><font> os seguintes factos (dispondo-os segundo uma ordem cronológica, assinalando com a letra “c” os provenientes da contestação e completando aqueles que tinham dado documentos como reproduzidos, indicando-se aqui a negrito os que foram alterados na sequência da impugnação da decisão de facto):</font><br>
</p><p><font>1. Em Agosto de 2014, a autora recebeu uma notificação da equipa de investigação criminal da Direcção de Finanças ... da Autoridade Tributária e Aduaneira (= ATA), na qualidade de representante legal da Tias Catering, Lda., [</font><i><font>daqui para a frente será referida apenas como ‘sociedade’ - TRL</font></i><font>] para proceder ao pagamento de 9988,55€ de imposto IVA, do período de 2013 e da coima de 3262,65€, no valor global de 13.251,20€.</font><br>
</p><p><font>2. Em 15/09/2014, a autora subscreveu procuração forense a favor da ré.</font><br>
</p><p><font>3. Em 22/10/2014, a autora comunicou à gerência da sociedade que: “</font><i><font>Serve a presente para informar que irei proceder ao registo na competente conservatória da minha renúncia à gerência já efectuada à data da cedência das minhas quotas. Mais informo que desconheço e não assumo qualquer responsabilidade por qualquer acto de gestão na sociedade desde 1998, data em que deixei efectivamente de ter acesso a informação e documentos e praticar qualquer acto de gestão efectiva. Pelo supra exposto, aceitem a presente carta como confirmação da minha renúncia à gerência da sociedade.</font></i><font>”</font><br>
</p><p><font>4. Em 15/12/2014, foi averbada pela ap.187 a renúncia à gerência da autora na sociedade.</font><br>
</p><p><font>5. Em 09/01/2015, a ré comunicou ao inquérito 274/14... que: </font><i><font>“(…) vem aos presentes autos prestar informação que cedeu a quota de que era titular na sociedade no ano de 1998. A partir da data da cedência da sua quota a autora renunciou a todo e qualquer acto de gerência na referida sociedade, que certamente por lapso não procedeu ao respectivo registo, situação entretanto já regularizada, conforme documentos que se juntam (…) Efectivamente, a autora tem residência e trabalho na ..., local onde efectivamente foi notificada, há mais de 10 anos, Para tanto, junta cópia da sua autorização de trabalho no período em causa nos presentes autos. Junta: 3 documentos e procuração”</font></i><font>.</font><br>
</p><p><font>6. Em 14/05/2015, o Ministério Público determinou o arquivamento do inquérito 274/14..., nos termos do art. 277/1 do CPP, na parte referente à autora, por considerar que: </font><i><font>“(…) Instruídos os autos, não foi possível recolher indícios suficientes do efectivo exercício de funções de gerência por parte da [autora], no período temporal a que se reportam os autos. Aliás, tudo leva a concluir que esta era mera sócia “gerente” de direito e não de facto. (…).</font></i><font>” </font><b><font>A ré, apesar de ter procuração da autora a seu favor junta ao processo-crime, não foi notificada desta decisão de arquivamento</font></b><font>.</font><br>
</p><p><font>7. Em 25/08/2015, a autora foi citada pela ATA, na qualidade de responsável subsidiária, pela decisão de reversão contra ela das dívidas tituladas nos processos de execução fiscal n.ºs ...3133, ...7214, ...3944 e ...0688 movidos contra a sociedade NIPC 503161101, com sede na Quinta das Tias, Azeitão, referentes a quantias relativas a Imposto sobre o Valor Acrescentado.</font><br>
</p><p><font>Procedendo à transcrição daquilo que importa do que consta dos documentos de citação, acrescentou:</font><br>
</p><p><font>Nas folhas 1 a 4:</font><br>
</p><p><font>ATA, Justiça Tributária, Serviço de Finanças ... 2. – [3530]</font><br>
</p><p><font>Citação (reversão).</font><br>
</p><p><font>A cópia do título executivo constitui anexo desta citação [desta consta: (…) certifica os elementos infra descritos, nos termos dos artigos 88, 162 e 163, todos do CPPT e ainda dos demais normativos aplicáveis, para fins de instauração do processo de execução fiscal para cobrança coerciva de dívida certa, líquida e exigível, e do seu acrescido, de que é devedora a (sociedade) executada]</font><br>
</p><p><font>Identificação [autora]</font><br>
</p><p><font>Processo ...3133</font><br>
</p><p><font>Pelo presente fica citada de que é executada por reversão nos termos do art. 160 do CPPT, na qualidade de responsável subsidiário para, no prazo de 30 dias a contar desta citação, pagar a quantia exequenda de 1616,87€ [IVA do 1.º trimestre de 2013] de que era devedora a executada infra indicada [sociedade], ficando ciente de que nos termos do art. 23/5 da LGT, se o pagamento se verificar no prazo acima referido não lhe serão exigidos juros de mora nem custas.</font><br>
</p><p><font>Mais fica citado de que, no mesmo prazo, poderá requerer o pagamento em prestações […] e ou dação em pagamento […], ou então deduzir oposição judicial com base nos fundamentos prescritos no art.204 do CPPT.</font><br>
</p><p><font>Informa-se ainda que, nos termos do art.22/4 da LGT, a contar da data da citação, poderá apresentar reclamação graciosa ou deduzir impugnação judicial, com base nos fundamentos previstos no art. 99 do CPPT, e os prazos estabelecidos nos artigos 70 e 102 do CPPT.</font><br>
</p><p><font>[…]</font><br>
</p><p><font>Evolução processual por falta de pagamento</font><br>
</p><p><font>Decorrido o prazo de 30 dias a contar desta citação sem que tenha sido efectuado o pagamento da dívida exequenda, para além de perder o benefício da dispensa do pagamento de juros de mora e custas, e sem que exista motivo para suspender a execução, nos termos do art. 169 do CPPT, a mesma prosseguirá a tramitação legal, designadamente para efeitos da penhora de bens e demais diligências prescritas no CPPT.</font><br>
</p><p><font>Fundamentos da reversão:</font><br>
</p><p><font>Inexistência ou insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal e responsáveis solidários, sem prejuízo do benefício da excussão (art. 23/2 da LGT):</font><br>
</p><p><font>Dos administradores, directores, ou gerentes e outras pessoas que exerça, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entidades fiscalmente equiparadas, por não terem provado não lhes ser imputável a falta de pagamento da dívida, quando o prazo legal de pagamento/entrega da mesma terminou no período de exercício do cargo (art. 24/1-b da LGT].</font><br>
</p><p><font>l) [sic] insuficiência de bens da devedora originária (artigos 23/1 a 3 e 7 da LGT e 153/1-2-b do CPPT), decorrente de situação líquida negativa (SLN) declarada pela devedora originária na última declaração referente à informação empresarial simplificada (IES) e/ou em face de insolvência declarada pelo tribunal.</font><br>
</p><p><font>As 5 e 6 folhas são iguais às folhas 1 e 3 com a diferença de que o processo é identificado com o n.º ...3944, o valor é de 883,84€, de IVA do 1º semestre de 2014.</font><br>
</p><p><font>A 7 folha é igual à 1 com a diferença de que o processo é identificado com o n.º ...0688 e o valor é de 925,52€.</font><br>
</p><p><font>A 8 folha é igual à 1 com a diferença de que o processo é identificado com o n.º ...7214 e o valor é de 1284€.</font><br>
</p><p><font>c29. Em 31/08/2015, a autora comunicou à ré que os pais tinham recebido cartas registadas em seu nome, provenientes da ATA, e que gostaria de saber se estão relacionados com o processo da sociedade.</font><br>
</p><p><font>c30. Em 01/09/2015, a ré comunicou à autora que iria à Repartição de Finanças tentar saber o teor das notificações enviadas.</font><br>
</p><p><font>c31. Em 14/09/2015, a ré comunicou à autora que o instrutor do inquérito crime não enviou qualquer comunicação para a autora.</font><br>
</p><p><font>c32. Em 14/09/2015, a autora enviou à ré cópia das cartas recebidas pelos seus pais, que consistiam na citação da autora no âmbito dos processos de reversão fiscal.</font><br>
</p><p><font>8. Em 22/09/2015, a autora subscreveu procuração forense a favor da ré.</font><br>
</p><p><font>9. Em 24/09/2015, a autora procedeu à transferência bancária de 686€ para a ré, relativa à provisão por conta da taxa de justiça e honorários.</font><br>
</p><p><font>c33. Em 09/10/2015 foi emitido o DUC … 315 do IGEF, IP, com a descrição de ‘complemento de taxa de justiça/outras taxas de justiça’, no valor de 306€, o qual foi pago por multibanco no dia 12/10/2015 [no DUC ainda consta – tipo de pré-pagamento: autoliquidações diversas; tipo de acção: - ; valor da autoliquidação: valor integral da tabela - TRL]</font><br>
</p><p><font>10. Em 13/10/2015, a ré remeteu do seu endereço [email protected] para o endereço electrónico do Serviço de Finanças ... 2, com conhecimento para [email protected], mensagem de correio electrónico com indicação dos processos de execução em que foi decidida a reversão contra a autora, dirigida a Juiz de Direito, com vista à dedução de “</font><i><font>oposição judicial nos termos e para os efeitos do art. 204, alínea b do CPPT”</font></i><font>, e finalizando a mensagem com “J</font><i><font>unta: 5 documentos, procuração. DUC e protesta juntar um documento. A Advogada [ré] Ced. …</font></i><font>” [a oposição constava do corpo do e-mail com o seguinte conteúdo:</font><br>
</p><p><font>Questão prévia</font><br>
</p><p><font>Até à data da citação dos autos acima e à margem indicados a executada não foi notificada de qualquer divida ou projecto de reversão contra si, o que conduz a uma nulidade insanável que desde já se invoca.</font><br>
</p><p><font>Da oposição judicial:</font><br>
</p><p><font>1.º É verdade que a ora executada, [autora] foi sócia da sociedade, mas</font><br>
</p><p><font>2.º cedeu a quota de que era titular na sociedade no ano de 1998, cfr doc.1 que se junta e se dá por reproduzido para todos os devidos e legais efeitos.</font><br>
</p><p><font>3.º A partir da data da cedência da sua quota a [autora] renunciou a todo e qualquer acto de gerência na referida sociedade, que, certamente por lapso não procedeu ao respectivo registo, situação entretanto já regularizada conforme documentos 2, 3 e 3 que se juntam e se dão por reproduzidos para os devidos efeitos.</font><br>
</p><p><font>4.º Efectivamente a [autora] tem residência e trabalha na …. há mais de 10 anos, cfr doc.5 cópia da sua autorização de trabalho para o período em causa nos presentes autos.</font><br>
</p><p><font>5.º Entretanto, foi a executada notificada pela Direcção de Finanças ..., no âmbito do processo 274/…, onde resultaram provados os supra referidos referentes à executada, à sua situação laboral e à inexistência de todo e qualquer acto de gestão no que concerne à sociedade, conforme certidão já solicitada e que protesta juntar.</font><br>
</p><p><font>6.º Nos períodos indicados nos autos a executada nunca teve conhecimento […ou?] acesso aos documentos contabilísticos, nem participou em qualquer assembleia ou decisão que respeita à sua referida sociedade comercial.</font><br>
</p><p><font>7.º Assim, o património da sociedade não foi dissipado por culpa da executada que não tem qualquer culpa pelo não pagamento fiscal das dívidas.</font><br>
</p><p><font>8.º A responsabilização subsidiaria da executada pelas dividas da sociedade, sociedade de responsabilidade limitada assenta na presunção de tendo sido designada gerente, segundo o pacto social o é também de facto, mas</font><br>
</p><p><font>9.º Esta presunção está ilidida, pela demonstração acima referida, pelo que nos termos da lei vigente à data a executada é parte ilegítima das presentes execuções.</font><br>
</p><p><font>10.º Importa ter presente que, conforme jurisprudência, as normas base nas quais se determina a responsabilidade subsidiaria dos gerentes das sociedades de responsabilidade limitada e as condições da sua efectivação são as que estejam em vigor no momento em que se verificaram os pressupostos de tal responsabilidade, pelo que.</font><br>
</p><p><font>11.º Entretanto, em todos os regimes legais a gerência de facto constitui requisito da responsabilidade subsidiária dos gerentes. Logo</font><br>
</p><p><font>12.º Conforme o supra referido, a executada não tem qualquer responsabilidade sobre as dívidas em causa nos presentes autos.</font><br>
</p><p><font>13.º Nestes termos e nos demais de direito, estamos perante uma situação de ilegitimidade da pessoa citada por não ter sido durante o período que respeite a divida exequenda os bens que a originaram [sic], pelo que se requer seja declarada finda as instâncias executivas por inexistência de responsabilidade</font><br>
</p><p><font>PROVA</font><br>
</p><p><font>A – 5 documentos.</font><br>
</p><p><font>B – Testemunhal</font><br>
</p><p><font>1. CC […]</font><br>
</p><p><font>2. DD […]</font><br>
</p><p><font>Junta: 5 documentos, procuração, DUC e protesta juntar um documento.</font><br>
</p><p><font>[</font><i><font>Esta transcrição foi feita pelo TRL</font></i><font>].</font><br>
</p><p><font>11. Em 13/10/2015, pelas 22h12, do mesmo endereço de correio electrónico [email protected], dirigido ao endereço [email protected], a ré enviou mensagem de correio electrónico ao Serviço de Finanças 2, com o seguinte teor: “(…) </font><i><font>Vem requerer a V.Exa se digne ordenar juntar os documentos que por lapso não foram enviados no documento anterior. Pede deferimento [ré]</font></i><font>.”</font><br>
</p><p><font>12. Em 20/10/2015, o Serviço de Finanças 2 remeteu à ré mensagem de correio electrónico com o título “Re: oposição judicial” comunicando que: “</font><i><font>Solicito que informe porque até à presente data não deu entrada neste serviço a petição e “5 documentos, procuração, DUC e protesta juntar um documento”, a que alude no e-mail que nos remeteu.</font></i><font>”</font><br>
</p><p><font>13. Em 20/10/2015, a ré remeteu ao Serviço de Finanças 2 mensagem de correio electrónico, respondendo: “(…) </font><i><font>Os documentos foram enviados com o 2.º e-mail enviado nesse mesmo dia. Mais informo que procedi no dia de hoje ao envio via correio registado do original da oposição e documentos. O documento que protestei juntar ainda não me foi enviado pelo tribunal.</font></i><font>”</font><br>
</p><p><font>c34. Em 31/03/2016, a autora solicitou à ré informação como deveria proceder para não constar na lista de devedores tributários, enviando impressão da lista de processos relativos ao seu contribuinte [neste e-mail a autora envia à ré a lista dos processos revertidos, que é uma impressão do portal das finanças: No doc.24 da ré [e-mail da autora de 31/03/2016] estão discriminados os 5 processos revertidos: …83133: 1946,05€; …67214: …1528,40€; …05485: 11.463,49€; …83944: 1026,89€; e …20688: 1070,84€ - TRL]</font><br>
</p><p><font>c35. Em 01/04/2016, a autora comunicou por correio electrónico à ré que: “</font><i><font>A minha gestora de conta do Millennium ligou-me há minutos para informar que tinha recebido um pedido de penhora da minha conta bancária. (…) P.f. contacte-me para me explicar o que se pode fazer para parar este processo de imediato.”</font></i><br>
</p><p><font>c36. Em 01/04/2016, a ré comunicou à autora por sistema de conversação à distância que: “</font><i><font>Já consultei o processo e não recebi qualquer notificação de ordem de penhora contra a AA. Irei 2.ª feira a ... e irei elaborar uma exposição para o banco com os documentos comprovativos. De qualquer forma tem de ser o serviço de finanças a cancelar essa ordem de penhora, o que irei obter 2.ª feira. Ainda tentei ligar para ... mas já ninguém atendeu</font></i><font>.” [trata-se de uma troca de sms, sendo que, antes do da ré, transcrito acima, consta outro, também da ré: irei verificar em 15m - TRL].</font><br>
</p><p><font>14. Em 13/04/2016, EE [irmã da autora – acrescento do TRL, para melhor compreensão], recebeu três comunicações da Caixa Geral de Depósitos, informando da penhora de saldos bancários no valor de 1277€, 5000€ e 10.080€, no valor global de 16.357€, à ordem dos processos de execução fiscal onde a autora era executada.</font><br>
</p><p><font>15. O saldo das contas bancárias penhoradas, onde a autora era co-titular, pertencia na sua totalidade aos pais da autora.</font><br>
</p><p><font>16. Na sequência da penhora das contas dos seus pais, a autora solicitou à ré esclarecimentos sobre as penhoras, a qual agendou uma reunião.</font><br>
</p><p><font>c37. Em 21/04/2016, a autora reencaminhou à ré, ofício da Caixa Geral de Depósitos, SA, dando conta da penhora efectuada pela ATA na conta dos pais.</font><br>
</p><p><font>17. Em 27/04/2016, a autora reuniu-se com a ré no Hotel ... em ..., a qual a informou que tinha apresentado a oposição e entregou cópia das mensagens de correio electrónico que tinha enviado ao Serviço de Finanças de ... 2 e de outra mensagem enviada no próprio dia da reunião ao referido serviço.</font><br>
</p><p><font>18. Na mesma data, a ré entregou à autora, cópia de registo postal [este registo, na lógica da ré, diz respeito à carta referida em 13\ - TRL], com a referência …949PT, dirigida à Direcção de Finanças ..., R. ..., .... </font><b><font>Nesse registo encontra-se aposto o carimbo dos correios e, debaixo da impressão da palavra aceitante, uma rubrica.</font></b><br>
</p><p><font>19. A referência constante do registo postal não indicou objecto encontrado [ou melhor, indicou: “estado: objecto não encontrado” TRL]</font><br>
</p><p><font>20. Em 27/04/2016, a ré enviou mensagem de correio electrónico ao Serviço de Finanças de ... 2, sob o assunto ‘oposição judicial’ onde comunicou: “</font><i><font>Na sequência do e-mail que recebi desse serviço a 20/10/2015, ao qual respondi no próprio dia, sem qualquer resposta posterior, é com surpresa que tomo conhecimento do teor da notificação à M/constituinte com a informação de que não foi intentada qualquer oposição. Na verdade, foi apresentada oposição com indicação de testemunhas (…). Pelo supra exposto, venho requerer a V.Exa se digne ordenar de imediato a suspensão das penhoras ordenadas contra a M/Constituinte</font></i><font>.”</font><br>
</p><p><font>c38. Em 03/05/2016, a autora comunicou à ré, por correio electrónico que: </font><i><font>“(…) Não consigo entender nem aceitar que a/o chefe de repartição das finanças dê várias ordens de execução em simultâneo (ordenados e contas bancárias). (…) Como lhe disse no meu e-mail anterior estou disponível para pagar de imediato, da minha conta à ordem, o valor em dívida e pedir o reembolso posteriormente. (…).”</font></i><br>
</p><p><font>c39. Em 06/05/2016, pelas 10h43, a ré comunicou à autora, por correio electrónico que: “</font><i><font>Conforme expliquei anteriormente, todas as ordens de penhora foram realizadas em simultâneo, tendo o serviço de finanças ficado a aguardar o envio das comunicações das diversas entidades sobre os resultados obtidos, para de imediato procederem a novas notificações com a indicação do levantamento das penhoras</font></i><font>.”</font><br>
</p><p><font>c42. Também em 06/05/2016, pelas 11h43, a autora comunicou a ré, por correio electrónico que: “</font><i><font>Na sequência do que acordei telefonicamente, este foi o e-mail que a Chefe de Finanças Adjunta enviou para a ... a confirmar que os meus processos se estavam a regularizar não havendo a necessidade de penhorar o salário (porque vão receber através da penhora da minha conta do Millennium).</font></i><font>”</font><br>
</p><p><font>c40. Em 06/05/2016, pelas 17h16, a autora comunicou à ré, por correio electrónico que: “</font><i><font>Acabei de falar com a minha gestora de conta que me informou que irá proceder HOJE (dentro de 1h) ao pagamento da penhora conforme instruções recebidas. A razão por que pedi ao Millennium para aguardar mais 1h foi na esperança que a BB me contacte a informar que entregou nas finanças prova dos documentos requeridos (comprovativo dos correios ou documentos anexos à oposição). Na eventualidade da BB não me contactar, o máximo que consegui fazer foi acordar que o valor sairia da minha conta à ordem para não impactar o meu depósito a prazo. Esta possibilidade também me tinha sido confirmada pela Chefe de Finanças Adjunta, no telefonema de ontem. (…).”</font></i><br>
</p><p><font>c41. Em 06/05/2016, pelas 17h45, a ré comunicou à autora, por correio electrónico que: “</font><i><font>Mesmo querendo impedir essa transferência, devo informar que não tenho legitimidade para o fazer, nem os documentos que possamos apresentar da oposição serão suficientes. (…). Teremos de apresentar o pedido de reembolso das quantias no próprio processo. Mais informo que na próxima semana terei um julgamento de manhã em ... mas quando terminar irei a ...”.</font></i><br>
</p><p><font>c43. Em 17/05/2016, a ré comunicou à autora, por correio electrónico que: “(…) </font><i><font>conforme falámos pessoalmente, não deveria ter pago até porque, na minha óptica, no caso em apreço, existem elementos que após confirmação serão suficientes para ilidir a presunção de</font></i><font> </font><i><font>que é responsável subsidiária por esta dívidas, designadamente com as declarações a prestar pelo Sr. Inspector tributário, o Sr. CC e o Administrador da Insolvência nomeado. (…)</font></i><font>.”</font><br>
</p><p><font>c44. Em 17/05/2016, a ré por correio electrónico comunicou a FF [</font><i><font>prima da autora – como se esclarece mais tarde em C51: TRL</font></i><font>], que: </font><i><font>“(…) Enquanto, se aguardava (e se aguarda) a notificação à AA de extinção do procedimento criminal na qualidade de representante legal da sociedade, em Setembro de 2015, a AA veio a ser notificada enquanto executada por reversão de 5 processos executivos. Devo informar que a AA não foi notificada para se pronunciar quanto à reversão. Apresentada a oposição, fui notificada via e-mail no dia 20/10/2015 para saber sobre os documentos, ao qual respondi no próprio dia sobre meio como tinham sido enviados – (Podes ver que o DUC tem a data de pagamento de 12/10/2015) e de que ainda me faltava o documento do processo crime. Não voltei a ter notícias do | [0 0 0 ... 0 0 0] |
cDJxu4YBgYBz1XKvdAlf | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><div><font>*</font>
<p><font> </font></p></div><br>
<font>Processo n.º 1185/16.0T8VCT.G2.S1</font><a><u><sup><font>[1]</font></sup></u></a><div><br>
<font> </font>
<p><font>*</font></p></div><br>
<font> </font>
<p><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça – 1.ª Secção</font><a><u><sup><font>[2]</font></sup></u></a><font>:</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>I. Relatório</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font>AA, </font></b><font>por si e na qualidade de cabeça-de-casal e em representação da </font><b><font>Herança Ilíquida e Indivisa aberta por óbito de BB </font></b><font>instaurou a presente acção declarativa sob a forma de processo comum contra</font><b><font> CC </font></b><font>e mulher</font><b><font> DD, </font></b><font>todos melhor identificados nos autos, formulando os seguintes pedidos:</font>
</p><p><i><font>“a) condenar-se os Réus a pagar à Herança Ilíquida e Indivisa aberta por morte de BB,…, a quantia de € 217 767,45, acrescida de juros moratórios, contados à taxa legal, desde a data da citação até efectivo e integral pagamento;</font></i>
</p><p><i><font>b) declarar-se que aos Réus não assistia, como não assiste, o direito a actualizarem a renda, no contrato de arrendamento em referência nos autos, para o montante mensal de € 210,06;</font></i>
</p><p><i><font>c) declarar-se que a renda devida no âmbito do contrato de arrendamento identificado nos autos está fixada, na presente data, no montante mensal de € 101,53;</font></i>
</p><p><i><font>d) condenar-se os Réus, num prazo máximo de 30 (trinta) dias, contados desde o trânsito em julgado da decisão final deste processo, a realizar no locado as obras necessárias:</font></i>
</p><p><i><font>d1) à eliminação dos vestígios de infiltrações existentes no interior do rés-do-chão do locado e reparação de toda a instalação eléctrica;</font></i>
</p><p><i><font>d2) à construção de uma cobertura/telhado no anexo existente no logradouro do locado e consequente recuperação do seu interior, de modo a que o mesmo possa continuar a ser utilizado como espaço de armazenamento de quaisquer produtos;</font></i>
</p><p><i><font>d3) na realização das demais obras que se revelem necessárias à normal utilização do locado e que venham a ser identificadas em sede de prova pericial que adiante será requerida;</font></i>
</p><p><i><font>e) condenar-se os Réus a pagar à Herança aberta por morte do BB,…, a indemnização ilíquida que, por força dos factos acima alegados, vier a ser fixada em decisão ulterior ou vier a ser liquidada em execução se sentença por força dos factos alegados nos precedentes artigos 78.º a 89.º e 107.º a 122.º” </font></i><font>da petição inicial.</font>
</p><p><font>Para tanto, alegou, em resumo, que os réus, na qualidade de senhorios, violaram a sua obrigação de fazer obras no locado, tendo ficado impedida do uso do mesmo, o que lhe tem provocado danos patrimoniais e não patrimoniais.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Os réus contestaram, por excepção, invocando a preterição de litisconsórcio necessário activo e a duplicação do pedido, e por impugnação, bem como deduziram reconvenção, alegando, em síntese, o não uso do locado por mais de três meses consecutivos e a falta de pagamento da renda devida, concluindo pela improcedência da acção e pela condenação dos autores em multa e indemnização como litigantes de má fé. Em reconvenção, pediram que seja declarada a resolução do contrato de arrendamento objecto dos presentes autos, ordenando-se o despejo imediato do local arrendado, condenando-se a reconvinda a desocupar o arrendado e a entregá-lo aos reconvintes completamente livre de pessoas e bens; e, bem assim, condenando-se a(s) autora(s) no pagamento aos réus das rendas vencidas e não pagas desde Maio de 2014 até à presente data, no valor de € 2.821,78, acrescido dos respectivos juros à taxa legal a contar da data da notificação do pedido reconvencional e as rendas vincendas até à efectiva entrega do arrendado. </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> Na réplica, a autora pronunciou-se pela inexistência das excepções invocadas e pela sanação da ilegitimidade mediante a intervenção dos demais herdeiros, impugnou os factos alegados no anterior articulado e concluiu pela improcedência do pedido de litigância de má fé, pedindo eles próprios a condenação como tal dos réus, e pela improcedência da reconvenção.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Deferida a intervenção principal provocada activa dos restantes herdeiros, </font><b><font>EE</font></b><font> e </font><b><font>FF</font></b><font>, vieram os mesmos oferecer o articulado próprio de fls. 295 e ss, nos termos do qual pediram que, na procedência da acção:</font>
</p><p><font>a) os réus sejam condenados a pagar aos autores chamados a quantia de € 215.357,45, acrescida de juros moratórios, contados à taxa legal, desde a data da citação até efectivo e integral pagamento e ainda a quantia de €2.500,00 a cada um a título de indemnização por danos de natureza não patrimonial, acrescidos de juros moratórios contados desde a data da notificação até efectivo e integral pagamento;</font>
</p><p><font>b) se declare que aos réus não assistia, como não assiste, o direito a actualizarem a renda, no contrato de arrendamento em referência nos autos, para o montante mensal de € 210,06;</font>
</p><p><font>c) se declare que a renda devida no âmbito do contrato de arrendamento identificado nos autos está fixada, na presente data, no montante mensal de € 101,53;</font>
</p><p><font>d) os réus sejam condenados, num prazo máximo de 30 (trinta) dias, contados desde o trânsito em julgado da decisão final deste processo, a realizar no locado as obras necessárias:</font>
</p><p><font>d1) à eliminação dos vestígios de infiltrações existentes no interior do rés-do-chão do locado e reparação de toda a instalação eléctrica;</font>
</p><p><font>d2) à construção de uma cobertura/telhado no anexo existente no logradouro do locado e consequente recuperação do seu interior, de modo a que o mesmo possa continuar a ser utilizado como espaço de armazenamento de quaisquer produtos;</font>
</p><p><font>d3) na realização das demais obras que se revelem necessárias à normal utilização do locado e que venham a ser identificadas em sede de prova pericial que adiante será requerida;</font>
</p><p><font>e) sejam os réus condenados a pagar à Herança aberta por morte do BB, aqui representada pela autora, a indemnização ilíquida que, por força dos factos acima alegados, vier a ser fixada em decisão ulterior ou vier a ser liquidada em execução se sentença por força dos factos alegados nos precedentes artigos 78.º a 89.º e 107.º a 122.º desse articulado.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Os réus responderam nos termos que constam de fls. 324 e ss.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Na audiência prévia realizada, foi admitida a reconvenção, foi proferido despacho saneador que julgou suprida a excepcão invocada, foi fixado o objecto do litígio e foram enunciados os temas de prova.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Teve lugar a audiência de discussão e julgamento, após o que foi proferida sentença, com o seguinte dispositivo:</font>
</p><p><font>“</font><i><font>1. Pelo exposto, o Tribunal decide:</font></i><br>
<i><font>A) Julgar a acção e os pedidos deduzidos pelos intervenientes improcedentes, absolvendo-se os RR dos mesmos.</font></i>
</p><p><i><font>B) Declarar extinto por inutilidade superveniente da lide o pedido reconvencional de resolução do contrato de arrendamento com fundamento no não pagamento da renda devida.</font></i>
</p><p><i><font>C) Julgar procedente o pedido reconvencional declarando-se resolvido o contrato de arrendamento pelo não uso do locado por mais de um ano, condenando-se A e intervenientes a desocupá-lo, entregando-o completamente livre de pessoas e bens, no prazo de 30 dias, após trânsito em julgado da presente sentença</font></i>
</p><p><i><font>D) Julgar procedente o pedido reconvencional relativo à declaração de eficácia da actualização da renda, condenando-se A. e Intervenientes no pagamento dessa actualização desde Maio de 2014 até ao trânsito em julgado da presente sentença e da indemnização depositada ao abrigo do disposto no artigo 1041º CC, e ainda da indemnização correspondente ao montante mensal da renda desde a data do trânsito em julgado da presente sentença até à efectiva entrega do locado.</font></i>
</p><p><i><font>2. Custas da acção e da reconvenção a cargo da A. e Chamados.</font></i>
</p><p><i><font>3. Registe e notifique</font></i><font>.”</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Dessa sentença foi interposto recurso de apelação pelos autores, tendo o Tribunal da Relação de Guimarães, por acórdão de 4/4/2019, anulado a decisão recorrida e determinado que a 1.ª instância procedesse à fundamentação de facto, no que aos factos não provados diz respeito, ficando prejudicado o conhecimento do objecto do recurso.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Em obediência ao assim determinado, foi proferida </font><b><font>nova sentença</font></b><font>, em </font><u><font>24/6/2019</font></u><font>, com o mesmo dispositivo da primeira, acima transcrito.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Inconformada, a autora AA interpôs recurso de apelação que o Tribunal da Relação apreciou e decidiu, por acórdão de </font><u><font>20/2/2020</font></u><font>, </font><b><font>julgando-o improcedente e confirmando a decisão recorrida, por unanimidade.</font></b>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Ainda não conformada, a autora AA interpôs recurso de </font><b><font>revista</font></b><font> e apresentou as correspondentes alegações que terminou com as seguintes </font><u><font>conclusões</font></u><font>:</font>
</p><p><i><font> “1. Vem o presente recurso interposto do douto acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães, na parte em que lhe foi desfavorável (confirmação da decisão recorrida, com a consequente improcedência total da acção e procedência do pedido reconvencional).</font></i>
</p><p><i><font>2. A Recorrente discorda do julgamento do ponto 2.19 dos factos não provados, por entender que o mesmo deveria ter sido dado como provado.</font></i>
</p><p><i><font>3. Discorda, ainda, da decisão do ponto 1.76 dos factos provados, por entender que o mesmo deveria ter a seguinte redacção: “A partir dessa data, o local arrendado e o estabelecimento foram encerrados e abandonados e cessou por completo a respectiva actividade nele exercida, com excepção da comercialização de botijas de gás, assim se mantendo tudo, consecutivamente, desde o ano de 2007, até à actualidade. - Cfr. fotografias juntas como documentos de fls. 140 vº a 141 vº, 148 a 151.”</font></i>
</p><p><i><font>4. O Réu CC prestou depoimento de parte na sessão da audiência de julgamento realizada em 15/11/2017, em que confessou que que a Autora ainda hoje entrega gás no locado, tendo-se inclusivamente dado o caso de se ter apercebido disso algumas vezes.</font></i>
</p><p><i><font>5. Esse segmento do depoimento do Réu constitui uma declaração confessória, sob a forma de confissão judicial provocada, nos termos definidos no art. 356.º, n.º 2 do Cód. Civil.</font></i>
</p><p><i><font>6. O Tribunal recorrido – e, por inerência, o Tribunal de 1.ª Instância – ao desconsiderar o valor confessório de tal afirmação, no que tange à matéria do ponto 2.19 dos factos não provados e 1.76 dos factos provados., violou a disposição do n.º 2 do art. 356.º do Cód. Civil.</font></i>
</p><p><i><font>7. Impunha-se-lhe, pelo contrário, valorar tal declaração como confissão e, em consequência, dar como provado a matéria de facto vertida no ponto 2.19 dos factos não provados.</font></i>
</p><p><i><font>8. Impunha-se ainda, por força dessa declaração confessória, alterar a redacção do ponto 1.76 dos factos provados, que deveria passar a ter a seguinte redacção: “A partir dessa data, o local arrendado e o estabelecimento foram encerrados e abandonados e cessou por completo a respectiva actividade nele exercida, com excepção da comercialização de botijas de gás, assim se mantendo tudo, consecutivamente, desde o ano de 2007, até à actualidade. -</font></i>
</p><p><i><font>Cfr. fotografias juntas como documentos de fls. 140 vº a 141 vº, 148 a 151.”</font></i>
</p><p><i><font>9. Nesta parte, o douto acórdão recorrido violou o n.º 2 do art. 356.º do Cód. Civil.</font></i>
</p><p><i><font>10. Integrando-se esta discordância da Recorrente no leque de situações prevista no n.º 2 do art. 674.º do Cód. Civil, é lícito a este Tribunal alterar, nessa parte, a decisão da matéria de facto.</font></i>
</p><p><i><font>11. Daí que se imponha alterar a decisão da matéria de facto, de modo a que a matéria de facto contida no ponto 2.19 dos factos não provados seja dada como provada.</font></i>
</p><p><i><font>12. Nos pontos 114 a 120 das conclusões das alegações produzidas em sede de apelação, a ora Recorrente imputou à sentença proferida em 1.ª Instância o vício de nulidade previsto na al. e) do n.º 1 do art. 615.º do Cód. Proc. Civil, em virtude de a mesma ter condenado “ultra petitum”.</font></i>
</p><p><i><font>13. O douto acórdão recorrido julgou improcedente essa nulidade.</font></i>
</p><p><i><font>14. Os Réus não formularam qualquer pedido de condenação da Autora no pagamento da indemnização a que alude o art. 1041.º, n.º 1 do Cód. Civil – inexiste qualquer pedido líquido, relativamente a montantes já vencidos, ou ilíquido, relativamente a montantes vincendos.</font></i>
</p><p><i><font>15. Os Réus não formularam tal pedido pelo facto de terem antes optado por requerer o despejo com fundamento na falta de pagamento de rendas e em virtude de a lei (o art. 1041.º, n.º 2 do Cód. Civil) lhes vedar a cumulação do pedido de despejo com o pedido indemnizatório formulado a esse título.</font></i>
</p><p><i><font>16. Se os Réus se abstiveram de peticionar a condenação da Autora no pagamento da indemnização a que alude o art. 1041.º do Cód. Proc. Civil, não poderia o Tribunal de 1.ª Instância decidir nesse sentido, atento o disposto no art. 3.º, n.º 1 do Cód. Proc. Civil.</font></i>
</p><p><i><font>17. Nem poderia o Tribunal recorrido ter julgado improcedente a nulidade invocada pela Recorrente, já que, nessa parte, houve clara e inequivocamente uma condenação para além do pedido, susceptível de inquinar a sentença de 1.ª Instância com vício de nulidade.</font></i>
</p><p><i><font>18. O acórdão recorrido, na parte em que julgou improcedente a nulidade da sentença invocada pela Recorrente nos pontos 114 a 120 das conclusões apresentadas em sede de apelação, violou, além de outras, as disposições dos arts. 3.º, n.º 1 e 615.º, n.º 1, al. e) do Cód. Proc. Civil.</font></i>
</p><p><i><font>19. Deve, pois, ser revogado e substituído por douto acórdão que, julgando procedente essa nulidade, revogue a condenação da Autora no pagamento da “indemnização depositada ao abrigo do disposto no artigo 1041º CC”.</font></i>
</p><p><i><font>20. O douto acórdão recorrido confirmou a decisão do Tribunal de 1.ª Instância, contida na al. C) do segmento decisório, de “julgar procedente o pedido reconvencional declarando-se resolvido o contrato de arrendamento pelo não uso do locado por mais de um ano, condenando-se A e intervenientes a desocupá-lo, entregando-o completamente livre de pessoas e bens, no prazo de 30 dias, após trânsito em julgado da presente sentença”.</font></i>
</p><p><i><font>21. Perante o acervo factual que resultará da procedência do recurso da matéria de facto, deixa de poder falar-se de não uso do locado e, com isso, deixa também de poder invocar-se um tal fundamento para determinar a cessação do contrato e consequente despejo do arrendado.</font></i>
</p><p><i><font>22. A decisão recorrida, ao concluir em sentido contrário, violou a disposição do art. 1083.º, n.º 2, al. d) do Cód. Civil.</font></i>
</p><p><i><font>23. Daí que se imponha revogar o douto acórdão recorrido, na parte em que confirmou a alínea C) do segmento decisório, substituindo-se o mesmo por Douto Acórdão que julgue improcedente esse pedido, mantendo a vigência do contrato de arrendamento.</font></i>
</p><p><i><font>24. De acordo com o ponto 1.87 dos factos provados, “Entretanto, a Câmara Municipal tem recusado sistematicamente todas as sucessivas alterações apresentadas pelos Réus ao projecto de remodelação do anexo e, por isso, têm sido impedidos de a levar a efeito.”</font></i>
</p><p><i><font>25. Importa, contudo, perceber se, por um lado, os Réus estão impedidos de fazer obras no imóvel porque apresentaram todos os projectos exigidos mas, por questões legais que lhes são alheias, não há possibilidade de ser emitida licença de construção ou se, pelo contrário, os Réus estão impedidos de obter tal licença por terem omitido a prática de actos susceptíveis de permitirem a obtenção de tal licença.</font></i>
</p><p><i><font>26. No primeiro caso, os Réus não lograram obter a licença de reconstrução do anexo por facto que lhes seja imputável; no segundo, a não obtenção da licença é-lhes imputável, por eles próprios terem contribuído para um tal resultado.</font></i>
</p><p><i><font>27. A única razão que levou ao indeferimento do pedido de licenciamento das obras de reconstrução do anexo do arrendado foi o facto os Réus terem projectado a sua demolição num outro processo em que eram Requerentes – proc. n.º 292/97.</font></i>
</p><p><i><font>28. Caso não estivesse prevista essa demolição no proc. n.º 292/97, não haveria qualquer obstáculo ao licenciamento das obras de reconstrução do dito anexo.</font></i>
</p><p><i><font>29. Uma vez que os Réus eram os Requerentes no proc. n.º 292/97, eles tinham a possibilidade de desistir do mesmo, viabilizando o licenciamento das obras de reconstrução do anexo que integra o arrendado.</font></i>
</p><p><i><font>30. Assim e em suma, tudo se reconduz a uma questão de imputabilidade, no sentido de saber se o indeferimento do pedido de licença para as obras de reconstrução se ficou a dever, ou não, a facto imputável aos Réus.</font></i>
</p><p><i><font>31. E a resposta a esta questão não poderá deixar de ser positiva: os Réus, a não desistirem do proc. n.º 292/97 e da demolição do anexo aí prevista, inviabilizaram a emissão de licença para as obras de reconstrução do anexo, pelo que a não obtenção da mesma é-lhes exclusivamente imputável.</font></i>
</p><p><i><font>32. Estando a obtenção da licença para as obras de reconstrução na exclusiva disponibilidade de um acto voluntário dos Réus – desistência do proc. n.º 292/97 -, não se pode afirmar, como o fez o Tribunal recorrido, que eles têm sido impedidos de levar a efeito essas obras por facto que não lhes seja imputável.</font></i>
</p><p><i><font>33. Aqui chegados, impõe-se concluir que andou mal o Tribunal recorrido ao confirmar a improcedência da al. d) do pedido formulado na petição inicial.</font></i>
</p><p><i><font>34. Nessa parte, a decisão recorrida violou, além de outras, as disposições do art. 1031.º, al. b) do Cód. Civil, pelo que deve ser revogada e substituída por Douto Acórdão que julgue procedente esse pedido.</font></i>
</p><p><i><font>35. Num contexto como aquele que tem reflexo na decisão da matéria de facto, em que os Réus não cumpriam as suas obrigações e, ademais, estavam a receber a totalidade da renda sem facultar à Autora o gozo da totalidade do locado, o aumento da renda só vinha, como veio, agravar o desequilíbrio no sinalagma, revelando-se manifestamente abusivo.</font></i>
</p><p><i><font>36. Se os Réus pretendessem actualizar a renda, mandava a prudência e o bom senso</font></i>
</p><p><i><font>(e a lei) que, antes de o fazerem, levantassem os obstáculos ao licenciamento das obras de reconstrução do anexo e executassem tais obras. Se tal fosse feito, nenhuma censura lhes poderia ser apontada.</font></i>
</p><p><i><font>37. O que já não se pode aceitar é que, recusando-se a cumprir as suas obrigações e recebendo uma renda superior à contrapartida que estavam a prestar à Autora, os Réus viessem ainda aumentar a renda, acentuando um tal desequilíbrio. </font></i>
</p><p><i><font>38. Num tal contexto, o exercício desse direito pelos Réus revelava-se, como se revela, abusivo e desproporcionado e, por isso, violador do disposto no art. 334.º do Cód. Civil.</font></i>
</p><p><i><font>39. Por essa razão, sob pena de violação desse preceito lega, impunha-se considerar abusivo o aumento de renda operado pelos Réus (sem prejuízo de o mesmo vir a operar logo que realizadas as obras a que eles estão obrigados) e, em consequência, julgar improcedente o pedido de condenação no pagamento da renda actualizada, formulado pelos Réus no ponto 8 do pedido reconvencional.</font></i>
</p><p><i><font>40. Ao julgar improcedentes os pedidos das als. b) e c) dos pedidos formulados pela Autora e procedente o pedido contido na al. D) do segmento decisório, a decisão recorrida violou a disposição do art. 334.º do Cód. Civil</font></i>
</p><p><i><font>41. Daí que se imponha a sua revogação e substituição por Douto Acórdão que julgue procedentes tais pedidos formulados pela Autora e improcedente o ponto 8 do pedido reconvencional (que deu origem à al. D) do segmento decisório da sentença de 1.ª Instância).</font></i>
</p><p><i><font>42. É irrelevante que o incumprimento parcial do contrato de arrendamento – traduzido na não concessão à Autora, pelos Réus, do gozo da totalidade do locado à Autora – não tinha sequer de ser culposa para conferir o direito a indemnização.</font></i>
</p><p><i><font>43. E assim é pelo simples facto de tal situação de facto estar prevista no direito positivo, nomeadamente, nos arts. 790.º e seguintes do Cód. Civil, que abrangem expressamente a hipótese de impossibilidade superveniente e não culposa de cumprimento de obrigações contratuais.</font></i>
</p><p><i><font>44. Ainda que a privação parcial do gozo do locado não se tivesse ficado a dever a facto culposo dos Réus (algo que se concebe como hipótese de raciocínio), a Autora sempre teria direito a exigir a redução parcial da sua contraprestação (o pagamento de renda), na medida da diminuição desse gozo, ao abrigo do regime dos arts. 790.º e 793.º do Cód. Civil.</font></i>
</p><p><i><font>45. Tal regime acima referido permite, de forma absolutamente esclarecedora, a redução do valor da renda na proporção da redução do gozo do locado decorrente de impossibilidade superveniente (como é o caso da ruína parcial de uma anexo e suposta impossibilidade legal de o reconstruir.).</font></i>
</p><p><i><font>46. Se o direito dos Autores a indemnização não é questionável mesmo num quadro de incumprimento não culposo, ainda menos será caso se tenha tal incumprimento como culposo (e assim será caso se conclua que a não obtenção de licença para reconstrução do anexo se ficou a dever a facto imputável aos Réus), atento o disposto no art. 798.º do mesmo diploma.</font></i>
</p><p><i><font>47. Considerando o acima exposto e a privação do uso parcial do locado (ou, caso assim se entenda, perda parcial do locado, por ruína), o Tribunal recorrido não poderia deixar de considerar verificados os pressupostos da redução da renda devida, na medida da redução do gozo do locado, e de julgar parcialmente procedente a al. a) do pedido formulado na p.i. (indemnização líquida) e totalmente procedente o pedido contido na al. e) – indemnização ilíquida.</font></i>
</p><p><i><font>48. Ainda que se concluísse não existirem elementos bastantes para quantificar essa indemnização, sempre seria aplicável o regime do art. 609.º, n.º 2 do Cód. Proc. Civil, impondo-se ao Tribunal recorrido condenar os Réus no pagamento de indemnização a liquidar em execução da sentença.</font></i>
</p><p><i><font>49. Ao decidir como decidiu, o Tribunal recorrido violou, além de outras, as disposições dos arts. 793.º, n.º 1 e 798.º do Cód. Civil e, ainda, o n.º 2 do art. 609.º do Cód. Proc. Civil.</font></i>
</p><p><i><font>50. Daí que se imponha revogar o douto acórdão recorrido, na parte em que confirmou a improcedência das als. a) e e) dos pedidos contidos na petição inicial, substituindo-se o mesmo por decisão que julgue parcialmente procedente o pedido da al. a) – arbitrando à Autora a indemnização líquida por ela peticionada, a título de falta de gozo parcial do locado – e integralmente procedente a al. e) do pedido, na parte em que a mesma visa a fixação de</font></i>
</p><p><i><font>indemnização pela privação parcial do gozo do locado.</font></i>
</p><p><i><font>51. Resulta da factualidade provada é que, aquando da celebração do contrato de arrendamento, foi convencionado um meio de pagamento – pagamento da renda na residência dos Réus; mais se apurou que estes recusaram o recebimento da renda correspondente ao mês de Maio de 2014 por essa via, tendo notificado a Autora para proceder ao pagamento da mesma por transferência bancária.</font></i>
</p><p><i><font>52. Tendo os Réus recusado receber a renda do mês de Maio de 2014 pela forma acordada – pagamento da renda no seu domicílio -, procurando impor à Autora o pagamento da mesma por outra via não acordada, terá forçosamente de se concluir que uma tal conduta corresponde a uma recusa da prestação e que, por força dessa recusa, ocorreu mora dos Réus, atento o disposto no art. 813.º do Cód. Civil.</font></i>
</p><p><i><font>53. Prosseguindo, tendo ocorrido no caso dos autos mora dos credores no que respeita à obrigação de recebimento da renda, estava preenchido o pressuposto, previsto na al. b) do n.º 1 do art. 841.º do Cód. Civil, de que dependia o recurso ao instituto da consignação em depósito.</font></i>
</p><p><i><font>54. Aqui chegados, não poderão subsistir dúvidas de que a Autora tinha fundamento para proceder ao pagamento da renda mediante consignação em depósito.</font></i>
</p><p><i><font>55. Ao concluir em sentido contrário, o Tribunal recorrido violou, desde logo, as disposições dos arts. 841.º, n.º 1, al. b) e 813.º do Cód. Civil.</font></i>
</p><p><i><font>56. Teria, pois, de se concluir que a Autora podia recorrer à consignação em depósito por força da recusa dos Réus em receberem a renda pela forma acordada.</font></i>
</p><p><i><font>57. Assente a admissibilidade do recurso à consignação em depósito, importa abordar as consequências jurídicas da falta de impugnação, pelos Réus, dos depósitos feitos pela Autora.</font></i>
</p><p><i><font>58. Caso os Réus pretendessem impugnar o valor do depósito de renda feito pela Autora a partir de Maio de 2014 (101,53 €, em lugar dos 210,06 € que resultariam da actualização de renda promovidas pelos Réus), os Réus não poderiam deixar de o fazer no prazo de 20 (vinte) dias previsto no art. 21.º do Novo Regime do Arrendamento Urbano.</font></i>
</p><p><i><font>59. Não o tendo feito, como comprovadamente resulta da decisão da matéria de facto, terá de se concluir que os Réus se conformaram com o valor da renda depositada – 101,53 € - e que, por essa razão, não tinham direito ao recebimento da renda actualizada – 210,06 €.</font></i>
</p><p><i><font>60. Por outro lado, face à não impugnação do depósito, por parte dos Réus, nunca poderia ocorrer mora da Autora no pagamento da renda nem o direito daqueles à indemnização prevista no art. 1041.º, n.º 1 do Cód. Civil.</font></i>
</p><p><i><font>61. O douto acórdão recorrido, ao concluir em sentido contrário e, com esse fundamento, julgar improcedentes as als. b) e c) dos pedidos formulados na p.i., julgar procedente o ponto 8 do pedido reconvencional – corporizado pela al. D) do segmento decisório – e atribuir aos Réus o direito à indemnização prevista no art. 1041.º do Cod. Civil, violou, além de outras, as já referidas disposições dos arts. 841.º, n.º 1, al. b) e 813.º do Cód. Civil, bem como o art. 21.º, n.º 1 do Novo Regime do Arrendamento Urbano.</font></i>
</p><p><i><font>62. Deve, pois, ser revogado e substituído por Douto Acórdão que julgue procedentes as als. b) e c) dos pedidos formulados na p.i., julgue improcedente o ponto 8 do pedido reconvencional e não atribua aos Réus o direito à indemnização prevista no art. 1041.º do Cod. Civil.</font></i>
</p><p><i><font>Nestes termos, deve o presente recurso ser julgado procedente, com a consequente revogação da decisão recorrida e prolação, em sua substituição, de decisão que esteja em conformidade com as conclusões acima formuladas, com o que se fará Justiça!”</font></i>
</p><p><i><font> </font></i>
</p><p><font>Os réus contra-alegaram, sustentando a inadmissibilidade da revista, quer como ordinária, em face da dupla conforme, quer como excepcional, por ausência de verificação dos requisitos específicos indicados pela recorrente, e pronunciando-se pela improcedência do recurso.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>O recurso foi admitido como de revista ordinária/normal, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo, modo de subida e efeito que foram mantidos pelo actual Relator que remeteu para este momento a apreciação da sua admissibilidade.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> Observado o disposto no art.º 657.º, n.º 2, 2.ª parte, aplicável </font><i><font>ex vi</font></i><font> do art.º 679.º, ambos do CPC, cumpre apreciar e decidir o mérito do presente recurso, começando pela </font><u><font>questão prévia</font></u><font> suscitada.</font>
</p><p><font>Assim:</font><br>
<font>O art.º 671.º, n.º 3, do CPC, dispõe:</font><br>
<font> “</font><i><font>Sem prejuízo dos casos em que o recurso é sempre admissível, não é admitida revista do acórdão da Relação que confirme, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão proferida na 1.ª instância, salvo nos casos previstos no artigo seguinte”.</font></i><br>
<font> O artigo seguinte reporta-se à revista excepcional, pelo que é irrelevante para a admissão da revista normal.</font><br>
<font> E os casos em que o recurso é sempre admissível estão previstos no art.º 629.º, n.º 2, do CPC.</font><br>
<font> Não se trata de nenhum desses casos, previstos nas alíneas a), b), c) ou d) daquele número, nem a recorrente invoca alguma delas.</font><br>
<font> A recorrente sustenta a admissibilidade da revista normal ou ordinária na diversidade de fundamentação relativamente à nulidade que imputou à sentença – por condenação </font><i><font>ultra petitum</font></i><font> – e quanto à não impugnação do depósito.</font><br>
<font> Porém, sem razão.</font><br>
<font> A fundamentação utilizada para a decisão de ambas as questões não é “essencialmente diferente”, como a lei exige.</font><br>
<font> Senão vejamos:</font><br>
<font> A recorrente fundamenta a divergência entre um despacho assinado em 31/10/2019 e o que foi decidido no acórdão da Relação. Tal despacho foi proferido, após conclusão de 5/11/2019, nos termos do art.º 617.º, n.º 1, do CPC, aquando do recebimento do recurso de apelação e tem o seguinte teor:</font><br>
<i><font>“Do requerimento de nulidade invocado pela A e Chamados: </font></i><br>
<i><font>Salvo o devido respeito por opinião, os fundamentos aduzidos não contendem com a omissão da prática de qualquer acto que tivesse sido omitido, mas com a apreciação do mérito da fundamentação, e essa é fundamento de recurso e não de nulidade. </font></i><br>
<i><font>Pelo exposto, sem necessidade de maiores considerações, entendendo que foi dado cabal cumprimento ao determinado pelo Tribunal Superior, julga-se improcedente a nulidade. </font></i>
</p><p><i><font>Notifique.” </font></i><br>
<font> Para além de não fazer parte integrante da sentença, neste despacho não deixou de ser julgada improcedente a nulidade arguida, por se ter entendido que não era fundamento de nulidade, mas do mérito da causa.</font><br>
<font> &nb | [0 0 0 ... 0 0 0] |
cTJxu4YBgYBz1XKvdQm4 | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font>
<p><font>Processo n.º 483/19.5T8LRS.L1.S1 </font>
</p><p><font> </font></p><div><br>
<font>*</font></div><br>
<font> </font>
<p><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça – 1.ª Secção</font><a><u><sup><font>[1]</font></sup></u></a><font> :</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>I. Relatório</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>LIBERTY SEGUROS – COMPAÑIA DE SEGUROS Y REASEGUROS, S.A. – SUCURSAL EM PORTUGAL instaurou, no Tribunal da Comarca de Lisboa Norte – Juízo Local Cível de Loures - a presente acção declarativa com processo comum contra CROMOGRAVURA IRIS, LDA., pedindo que a ré seja condenada a pagar-lhe a quantia de 36.394,02 €, acrescida de juros vincendos desde a data da citação até efectivo e integral pagamento.</font>
</p><p><font>Fundamentou este pedido no direito de regresso que afirma assistir-lhe em virtude de ter pago a indemnização por incapacidade temporária absoluta e parcial e as despesas, fixadas pelo competente Juízo de Trabalho no respectivo processo especial emergente de acidente de trabalho, que teve de suportar com o sinistrado AA na sequência de um acidente de trabalho, ocorrido no dia 16/3/2015, quando trabalhava para a sua entidade patronal, aqui Ré, em violação das regras de segurança, o que fez no âmbito de um contrato de seguro que com esta havia celebrado.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Citada, a Ré não contestou.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Seguiu-se despacho que, considerando tratar-se de questão emergente de acidente de trabalho, da competência dos Juízos de trabalho, declarou o Juízo Cível incompetente, em razão da matéria, e absolveu a ré da instância.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Inconformada, a Autora interpôs recurso de apelação, que o Tribunal da Relação de Lisboa julgou procedente, decidindo “</font><i><font>revogar a decisão recorrida e mandá-la substituir por outra que, considerando verificada a competência, em razão da matéria, do tribunal recorrido, determine o prosseguimento dos autos, se a tanto nada mais obstar</font></i><font>.”</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> Não conformada, desta feita, a Ré interpôs recurso de revista e apresentou a respectiva alegação com as seguintes </font><u><font>conclusões:</font></u><font> </font>
</p><p><i><font>“1ª - O presente recurso é admissível ao abrigo do artº 671.º n.º 1 do CPC uma vez que “cabe revista para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão da Relação, proferido sobre decisão de 1ª instância, que conheça do mérito da causa ou que ponha termo ao processo, absolvendo da instância o réu ou algum dos réus quanto a pedido ou reconvenção deduzidos”.</font></i>
</p><p><i><font>2ª – Errou o Vº Tribunal da Relação de Lisboa ao não manter que o Vº Tribunal de Loures é materialmente incompetente para conhecer da ação e não absolveu a Ré da instância nos termos do nº 1 do art.º 99º do CPC.</font></i>
</p><p><i><font>3ª - A competência do tribunal, como pressuposto processual, corresponde à medida de jurisdição dos diversos tribunais, nomeadamente ao modo como entre eles se fraciona e reparte o poder jurisdicional.</font></i>
</p><p><i><font>4ª - A natureza da matéria alegada na ação afere-se pela pretensão jurisdicional deduzida e pelo fundamento invocado ou pelo pedido e pela causa de pedir.</font></i>
</p><p><i><font>5ª - A causa de pedir na presente ação consiste na ocorrência de acidente de trabalho, como a A refere, por falta de observância pela ré das regras de segurança no trabalho, particularmente no que tange às proteções que também alegadamente tinham sido removidas da máquina, onde o acidente se verificou, pelo que, sendo esta matéria relativa ao acidente de trabalho e à inobservância de regras de segurança do trabalho, a sua apreciação é da competência específica dos tribunais de trabalho.</font></i>
</p><p><i><font>6ª - A apreciação da matéria relativa a acidentes de trabalho e a inobservância de regras de segurança de trabalho é da competência específica dos tribunais de trabalho, nos termos do artº 126.º, alínea c) da Lei 62/2013, de 26 de Agosto (LOSJ), e a apreciação da questão da culpa e da responsabilização, atentos os princípios e valores muito específicos da lei laboral, é que justifica a competência específica dos tribunais de trabalho para os interpretar e aplicar.</font></i>
</p><p><i><font>7ª - O eventual direito de regresso da seguradora (art.º 79º n° 3 da Lei 98/2009, de 4/9) para com a recorrente está dependente de eventual violação por parte desta das normas de Higiene, Segurança e Saúde no Trabalho, nos termos do art.º 18º da Lei 98/2009, de 4 de Setembro, eventual violação que não foi sequer suscitada na primeira acção e, consequentemente, não foi apurada nem provada a eventual culpa da Ré.</font></i>
</p><p><i><font>8ª - O acordo alcançado na fase conciliatória foi homologado por Douta Sentença, produzindo efeitos desde a data da sua realização (art.º 115º n° 1 do Cód. Proc. Trabalho) e ao aceitar o acordo na fase conciliatória, a seguradora, ora recorrida, vinculou-se ao mesmo, aceitando proceder à reparação nos termos acordados, afastando, assim, o caso de aceitação culposa, não podendo vir agora reclamar da A. o reembolso das despesas por si pagas, porquanto tal pressupõe a existência de responsabilidade agravada da Ré, que não foi sequer questionada nem suscitada na fase conciliatória.</font></i>
</p><p><i><font>9ª - Não tendo sido discutida previamente no Tribunal de Trabalho e no processo de acidente de trabalho, a questão da culpa da entidade empregadora e o preenchimento dos requisitos do art.º. 18º da Lei 98/2008, de 4/9, não pode agora a recorrida vir suscitar a questão do direito de regresso, colocando à apreciação do Tribunal Comum a discussão dos factos que estão na origem do acidente de trabalho e a culpa da recorrente, quando os não discutiu em sede própria, ou seja, no Tribunal de Trabalho e no próprio processo de acidente de trabalho.</font></i>
</p><p><i><font>10ª O Tribunal de Competência Genérica só seria competente para julgar a presente ação se no referido processo de acidente de trabalho tivesse sido alegado e provado - que não foi - o agravamento da responsabilidade por atuação culposa da entidade empregadora, ora recorrente, por falta de observação das regras de segurança no trabalho.</font></i>
</p><p><i><font>11ª É uma incongruência concluir-se que o Tribunal de Trabalho era o competente para se aferir da responsabilidade da entidade seguradora nesta sede, por via da transferência das responsabilidades através da celebração obrigatória do contrato de seguro havido com a entidade patronal em sede de acidentes de trabalho, e, já não o seria, para averiguar, afinal das contas se teria ou não ocorrido uma efectiva responsabilidade funcional desta na ocorrência do sinistro, por forma a desonerar aquela das obrigações assumidas, porquanto o que está em causa, a jusante e a montante, é o acidente de trabalho e as circunstâncias em que o mesmo se verificou.</font></i>
</p><p><i><font>12ª Com a decisão recorrida por errada interpretação e aplicação ficam violados os artigos 615º n° 1 al. d) do Cód. Proc. Civil, 126º, alíneas c) e n) da LOSJ, 126º n° 1, 112º n° 1, 127º n° 1 do Cód. Proc. Trabalho e 96° alínea a) e 99° n° 1 do Cód. Proc. Civil.</font></i>
</p><p><i><font>Termos em que,</font></i>
</p><p><i><font>Dando-se provimento ao recurso, deverá ser revogada a douta decisão sob revista e proferido Acórdão que julgue provada e procedente a incompetência material do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte, Juízo Local Cível de Loures – Juiz 4 e, em consequência, absolver-se a ré/recorrente da instância, conforme disposições combinadas dos artigos 96° alínea a) e 99° n° 1 do Cód. Proc. Civil.</font></i>
</p><p><i><font>Assim se decidindo será feita a costumada</font></i>
</p><p><i><font>JUSTIÇA!”</font></i>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>A Autora contra-alegou pugnando pela improcedência do recurso e manutenção do julgado.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>O recurso foi admitido como de revista, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo, modo de subida e efeito que foram mantidos pelo Relator.</font>
</p><p><font>Observado o disposto no art.º 657.º, n.º 2, 2.ª parte, aplicável “</font><i><font>ex vi</font></i><font>” do art.º 679.º, ambos do CPC, cumpre apreciar e decidir o mérito do presente recurso.</font>
</p><p><font>Sabido que o seu objecto e âmbito estão delimitados pelas conclusões da recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser em situações excepcionais de conhecimento oficioso, e tendo presente que se apreciam questões e não razões, a única questão que importa dirimir consiste em saber qual é o tribunal materialmente competente para conhecer desta acção.</font>
</p><p><font>Qualquer outra questão aflorada (nas conclusões e alegações, nomeadamente caso julgado e abuso de direito) não pode, aqui e agora, ser decidida, porquanto não foi proferida decisão sobre elas, o recurso visa a reapreciação das questões já decididas, não se destinando a conhecer de questões novas, e está em causa apenas a questão da competência material, pressuposto do conhecimento das restantes.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>II. Fundamentação</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>1. De facto</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Os factos a considerar na decisão desta questão são os que resultam do antecedente relatório, já que outros não foram dados como provados.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>2. De direito</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Importa começar por lembrar que, conforme entendimento doutrinário e jurisprudencial consolidado, a aferição do pressuposto processual da competência, nomeadamente da competência em razão da matéria, deve ser equacionada em função dos contornos da pretensão deduzida tal como se encontra configurada na petição inicial</font><a><u><sup><font>[2]</font></sup></u></a><font>. </font>
</p><p><font>Assim, a competência do tribunal determina-se pelo pedido do autor e pela causa de pedir em que o mesmo se apoia, expressos na petição inicial, já que ela não depende nem da legitimidade das partes nem da procedência da acção. </font>
</p><p><font>Dispõe o art.º 211.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa que “</font><i><font>Os tribunais judiciais são os tribunais comuns em matéria cível e criminal e exercem jurisdição em todas as áreas não atribuídas a outras ordens judiciais”</font></i><font>.</font>
</p><p><font>Estabelece-se aqui o princípio da competência jurisdicional residual dos tribunais judiciais, uma vez que ela se estende a todas as áreas que não sejam atribuídas a outras ordens judiciais.</font>
</p><p><font>Tal princípio encontra também consagração no art.º 64.º do CPC, segundo o qual “</font><i><font>São da competência dos tribunais judiciais as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional</font></i><font>”.</font>
</p><p><font>Preceito idêntico consta do art.º 40.º, n.º 1, da Lei n.º 62/2013, de 26/8 (Lei de organização do sistema judiciário - LOSJ), ao dispor que “</font><i><font>Os tribunais judiciais têm competência para as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional</font></i><font>”.</font>
</p><p><font>Por sua vez, o art.º 126.º da mesma Lei</font><a><u><sup><font>[3]</font></sup></u></a><font> estabelece a competência dos juízos do trabalho, em matéria cível, prevendo, além do mais, na al. c) do n.º 1, que lhes compete conhecer </font><i><font>“Das questões emergentes de acidentes de trabalho e doenças profissionais.”</font></i>
</p><p><font>O art.º 8.º, n.º 1, da Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro (Regulamentação do Regime de Reparação de Acidentes de Trabalho e de Doenças Profissionais), considera como “acidente de trabalho” «</font><i><font>aquele que se verifique no local e no tempo de trabalho e produza directa ou indirectamente lesão corporal, perturbação funcional ou doença de que resulte redução na capacidade de trabalho ou de ganho ou a morte</font></i><font>».</font>
</p><p><font>Por «questões emergentes de acidentes de trabalho», entende-se «as questões relativas a um tal evento danoso, como a sua constatação, a determinação do dano e a correspondente indemnização, com todas as suas componentes de dano à saúde e integridade física do trabalhador, ao seu património/retribuição, à sua capacidade de ganho, porque são estas as questões que, quanto a acidentes de trabalho, se reportam à relação jurídica de trabalho subordinado, pedra basilar do direito do trabalho que, por sua vez, determina a existência dos tribunais do trabalho como tribunais de competência especializada»</font><a><u><sup><font>[4]</font></sup></u></a><font>.</font>
</p><p><font>Assim, tais questões podem fundar os pedidos que têm como causa de pedir o acidente de trabalho, originando os processos que o CPT designa de processos de acidente de trabalho (visando a fixação de pensão, indemnização pecuniária ou prestações em espécie), incluindo os respectivos incidentes de revisão, remissão ou actualização de pensões.</font>
</p><p><font>Nos termos do art.º 18.º, n.º 1, da mesma lei, “[q]</font><i><font>uando o acidente tiver sido provocado pelo empregador, seu representante ou entidade por aquele contratada e por empresa utilizadora de mão-de-obra, ou resultar de falta de observação, por aqueles, das regras sobre segurança e saúde no trabalho, a responsabilidade individual ou solidária pela indemnização abrange a totalidade dos prejuízos, patrimoniais e não patrimoniais, sofridos pelo trabalhador e seus familiares, nos termos gerais</font></i><font>”. E, atento o disposto no art.º 79.º, n.º 3 do mesmo diploma, “[v]</font><i><font>erificando-se alguma das situações referidas no artigo 18.º,</font></i><font> </font><i><font>a seguradora do responsável satisfaz o pagamento das prestações que seriam devidas caso não houvesse actuação culposa, sem prejuízo do direito de regresso”.</font></i>
</p><p><font>Estamos perante uma acção de regresso instaurada pela seguradora que pagou a indemnização e despesas ao lesado por acidente de trabalho, conforme fora definido em processo especial emergente de acidente de trabalho, no âmbito de um contrato de seguro que havia celebrado com a tomadora do seguro, entidade patronal daquele trabalhador.</font>
</p><p><font>Será que o direito de regresso emergiu do acidente de trabalho, como entendeu a 1.ª instância, baseada no acórdão deste STJ que citou, e sustenta a recorrente?</font>
</p><p><font>Com o devido respeito por esse entendimento, afigura-se-nos que não.</font>
</p><p><font>Apesar de se apresentar dividida a jurisprudência dos tribunais superiores entre a atribuição da competência aos juízos cíveis</font><a><u><sup><font>[5]</font></sup></u></a><font> e aos juízos do trabalho</font><a><u><sup><font>[6]</font></sup></u></a><font>, entendemos que o juízo cível é o competente para decidir a presente causa, como decidiu a Relação.</font>
</p><p><font>O direito de regresso é um direito novo que tem por base o próprio contrato de seguro e que surge na esfera patrimonial da seguradora com o pagamento da indemnização</font><a><b><u><sup><font>[7]</font></sup></u></b></a><font>.</font>
</p><p><font>Como tal, a relação invocada na petição inicial, visando o exercício daquele direito, consubstancia uma relação jurídica autónoma, embora conexa com a relação laboral. Nela pretende discutir-se em via principal o contrato de seguro de acidente de trabalho celebrado entre as partes e a violação pela entidade patronal de normas imperativas de segurança no trabalho.</font>
</p><p><font>Não se trata de apurar qualquer questão do direito do trabalho, mais concretamente emergente de acidente de trabalho.</font>
</p><p><font>Não visa apurar-se a obrigação da seguradora decorrente do acidente de trabalho, mas se ela tem ou não direito de regresso contra a tomadora do seguro por violação das regras de segurança.</font>
</p><p><font>Nesta acção não está em causa o acidente de trabalho, nem questão dele emergente, mas o exercício de um direito novo que tem por base um contrato de seguro e que surgiu na esfera patrimonial da seguradora com o pagamento da indemnização ao lesado.</font>
</p><p><font>Embora se reconheça que a acção tem uma causa de pedir complexa e que dela faz parte o acidente de trabalho ocorrido, este não pode deixar de ser considerado uma componente “naturalística”, já que, no essencial, o que importa considerar é o exercício do invocado direito de regresso da seguradora, ao abrigo do n.º 3 do citado art.º 79.º.</font>
</p><p><font>E aquela conexão só permitiria cair no âmbito da competência laboral, nos termos da al. n) do n.º 1 do citado art.º 126.º, caso o pedido formulado estivesse cumulado com outros para o qual tal jurisdição fosse directamente competente, o que, no caso, não se verifica.</font>
</p><p><font>A verificação da existência, ou inexistência, dos pressupostos de facto e de direito da procedência da acção de regresso é tema do mérito e não da competência do tribunal para a sua apreciação.</font>
</p><p><font>Para apuramento da competência, como pressuposto processual que é, importa apenas considerar a causa de pedir e o pedido invocados na petição inicial.</font>
</p><p><font>A relação material controvertida, tal como foi delineada pela Autora na petição inicial não configura uma relação de natureza infortunístico-laboral, afecta ao foro laboral, mas sim uma relação jurídico-material creditícia, atinente à responsabilidade civil extracontratual, afecta ao foro comum.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Concluímos, assim, sem mais considerações, que o tribunal comum, mais concretamente o Juízo cível, é o competente para a acção, como decidiu a Relação no acórdão recorrido, pelo que improcede esta questão.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Sumariando:</font><br>
<font>1. A aferição do pressuposto processual da competência deve ser equacionada em função dos contornos da pretensão deduzida tal como se encontre configurada na petição inicial.</font><br>
<font>2. Compete aos juízos cíveis conhecer da ação proposta pela seguradora que, no exercício do direito de regresso contra a tomadora do seguro, pretende obter a sua condenação no reembolso das quantias pagas, em virtude de acidente de trabalho causado por violação das regras de segurança do trabalho.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>III. Decisão</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Pelo exposto, nega-se a revista e confirma-se o acórdão recorrido.</font>
</p><p><font> </font></p><div><br>
<font>*</font></div><br>
<font> </font>
<p><font>Custas pela ré/recorrente.</font>
</p><p><font> </font></p><div><br>
<font>*</font></div><br>
<font> </font>
<p><font> </font>
</p><p><font>STJ, 13 de Outubro de 2020</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Nos termos do art.º 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13 de Março, aditado pelo art.º 3.º do DL n.º 20/2020, de 1 de Maio, declaro que o presente acórdão tem voto de conformidade dos Ex.mos Juízes Conselheiros Adjuntos que não podem assinar.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Fernando Augusto Samões (Relator)</font>
</p><p><font>Maria João Vaz Tomé (1.ª Adjunta)</font>
</p><p><font>António José Moura de Magalhães (2.º Adjunto)</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>______________________</font>
</p></font><p><font><a><u><sup><font>[1]</font></sup></u></a><font> Relator: Fernando Samões</font><br>
<font>1.º Adjunto: Juíza Conselheira Dr.ª Maria João Vaz Tomé</font><br>
<font>2.º Adjunto: Juiz Conselheiro Dr. António Magalhães</font><br>
<b><font> </font></b><a><u><sup><font>[2]</font></sup></u></a><font> Cfr., entre outros, Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, pág. 91; Miguel Teixeira de Sousa, Competência Declarativa dos Tribunais Comuns, pág. 36; e Acs. do STJ de 12/1/94, 2/7/96 e de 3/2/97, no BMJ, respectivamente, n.ºs 433, pág. 554, 459/444 e 364/591, de 5/2/2002, na CJ – STJ -, ano X, tomo I, pág. 68, de 18/3/2004, no processo n.º 04B873, de 13/5/2004, no processo n.º 04A1213, de 10/4/2008, no processo n.º 08B845, de 22/10/2015, processo n.º 678/11.0TBABT.E1.S e de 14/12/2017, processo n.º 3653/16.4T8GMR.G1.S1, estes cinco últimos disponíveis em </font><a><u><font>www.dgsi</font></u></a><font>.pt; do Tribunal de Conflitos, de 20/10/2011, proferido no processo n.º 13/11, disponível no mesmo sítio.</font><br>
<font> </font><a><u><sup><font>[3]</font></sup></u></a><font> Na redacção da Lei n.º 40-A/2016, de 22 de Dezembro.</font><br>
<a><u><sup><font>[4]</font></sup></u></a><font> Ac. da RP, de 18/11/2013, Manuel Domingos Fernandes, processo n.º 933/13.4TBVFR.P1.</font><br>
<a><b><u><sup><font>[5]</font></sup></u></b></a><b><font> </font></b><font>Neste primeiro sentido (de atribuição de competência ao tribunal cível), Acórdãos do STJ, de 22/6/2006, Salvador da Costa, Processo n. º 06B2020, de 14/5/2009, Sousa Peixoto, Processo n.º 09S0232 e de 14.12.2017, Olindo Geraldes, Processo n.º 3653/16.4T8GMR.G1.S1, todos em </font><a><u><font>www.dgsi.pt</font></u></a><font>; Ac. da RE, de 13.07.2006, Bernardo Domingos, Processo n.º 1218/06-3, Ac. da RL, de 29.05.2007, Orlando Nacimento, Processo n.º 4343/2007-7, Ac. da RC, de 17.06.2008, Gregório Jesus, Processo n. º 74/08.6YRCBR.C1, Ac. da RE, de 03.07.2008, Eduardo Tenazinha, Processo n.º 1261/08-2, Ac. da RL, de 20.04.2010, Pedro Brigthon, Processo n. º 1030/08. 0TJLSB.L1- 1, Ac. da RC, de 13.09.2011, Virgílio Mateus, Processo n. º 3415/10.2TBVIS.C1, Ac. da RP, de 06.05.2013, Ferreira da Costa, Processo n. º 1417/11. 0TTBRG.P1, Ac. da RP, de 18.11.2013, Manuel Domingos Fernandes, Processo n.º 933/13.4TBVFR.P1, Ac. da RC, de 23.06.2015, Fernando Monteiro, Processo n.º 4/14.6TBMIR-A.C1, Ac. da RG, de 24.09.2015, Dolores Silva e Sousa, Processo n.º 1663/14.5T8VCT.G1, Ac. da RG, de 05.01.2017, Fernanda Ventura, Processo n.º 3653/15.4T8GMR.G1, Ac. da RG, de 10.01.2019, António José Saúde Barroca Penha, Processo n.º 100/18.0T8MLG-A.G1- inédito -, Ac. da RL, de 21.09.2019, Laurinda Gemas, Processo n.º 605/17.0T8MFR.L1-2, Ac. da RP, de 08.10.2019, Vieira e Cunha, Processo n.º 383/18.6T8VGS-A.P1 e Ac. RG de 21/11/2019, processo n.º 3112/19.3T8BRG.G1, donde foram extraídas estas citações, disponível em </font><font>www.dgsi.pt</font><font>.</font><br>
<a><u><sup><font>[6]</font></sup></u></a><font> Neste segundo sentido (de atribuição da competência ao tribunal do trabalho), Ac. do STJ, de 30.04.2019, Ana Paula Boularot, Processo n.º 100/18.0T8MLG-A.G1.S1, citado no despacho da 1.ª instância; Ac. da RC, de 26.06.2007, Silva Freitas, Processo n.º 2410/06.0TBVIS.C1, Ac. da RP, de 04.06.2012, Fernanda Soares, Processo n.º 155/04.5TTSTS e Ac. da RP, de 27.06.2019, Rita Romeira, Processo n.º 281/08.11TTVLG-A.P1.</font><br>
<a><u><sup><font>[7]</font></sup></u></a><font> Veja-se, a este propósito, </font><i><font>Lei do Contrato de Seguro Anotada (</font></i><font>2016, 3ª Edição, Almedina) onde se refere “O direito de regresso é um direito novo do qual é titular aquele que extinguiu a relação creditícia anterior, e que não implica qualquer transmissão, não devendo confundir-se com a sub-rogação (art.º 136.º e 181.º); em que o sub-rogado é colocado na titularidade do direito de crédito primitivo.” No mesmo sentido, Sinde Monteiro </font><i><font>in</font></i><font> “Seguro Automóvel Obrigatório. Direito de Regresso” </font><i><font>in Cadernos de Direito Privado</font></i><font>, n.º 2, abril/junho de 2003, pág. 49, e Menezes Cordeiro </font><i><font>in</font></i><font> </font><i><font>Direito dos Seguros</font></i><font>, 2013, Almedina, pág. 764.</font></font></p> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
ITJxu4YBgYBz1XKvCwnA | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><br>
<font>Processo n.º 1762/18.4T8LRA.C1.S1</font><a><u><sup><font>[1]</font></sup></u></a><font> </font>
<p><font> </font></p><div><br>
<b><font>*</font></b></div><br>
<font> </font>
<p><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça – 1.ª Secção</font><a><u><sup><font>[2]</font></sup></u></a><font>:</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>I. Relatório</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font>AA</font></b><font> instaurou acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra</font><b><font> Supercoop – Cooperativa de Solidariedade Social, CRL, </font></b><font>ambos melhor identificados nos autos,</font><b><font> </font></b><font>pedindo que seja declarada nula ou anulada a deliberação tomada na assembleia geral da ré (em 13/04/2018) que o excluiu como seu cooperador.</font>
</p><p><font>Para tanto, alegou, em resumo, que tal deliberação é nula ou, se assim não se entender, anulável:</font>
</p><p><font>- por falta ou irregularidade da convocatória, dado não ter sido enviada a todos os cooperadores;</font>
</p><p><font>- por ser nula ou anulável a eleição da secretária da mesa da assembleia geral, dado não constar da ordem de trabalhos a sua eleição e por a votação ter sido feita com braço no ar, quer porque a mesma faz parte do conselho fiscal;</font>
</p><p><font>- por nela ter participado o advogado da ré (o que não é permitido pelo Código Cooperativo);</font>
</p><p><font>- por a proposta de exclusão do autor de cooperador não ter sido precedida de processo escrito, visto não ter sido notificado da existência do mesmo, das infrações que lhe eram imputadas e da sua qualificação, bem como para apresentar ou requerer a sua defesa;</font>
</p><p><font>- por omissão da realização de diligências instrutórias essenciais para descoberta da verdade, tais como a inquirição das testemunhas por si arroladas.</font>
</p><p><font>Por fim, impugnou, ainda, os factos alegados na proposta de exclusão, por não corresponderem à verdade, considerando não terem ocorrido esses factos em que se veio a fundamentar a sua exclusão como cooperador da ré.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>A ré contestou, por impugnação motivada, rebatendo cada um dos fundamentos alegados, concluindo pela improcedência da acção, com a sua absolvição do pedido.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Na audiência prévia realizada, foi proferido despacho saneador tabelar, foi identificado o objecto do litígio e foram enunciados os temas de prova, sem reclamações.</font>
</p><p><font> </font><br>
<font>Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida </font><b><font>sentença</font></b><font>, onde se decidiu julgar a</font><b><font> acção improcedente e absolver a ré do pedido</font></b><font>.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Inconformado, o autor interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Coimbra que, por </font><b><font>acórdão </font></b><font>de 3/3/2020, na procedência da apelação</font><b><font>,</font></b><font> </font><b><font>revogou a sentença recorrida, “decidindo-se anular a deliberação, tomada pela assembleia geral extraordinária realizada em 13/04/2018, que excluiu o autor/apelante como cooperador da ré.”</font></b>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Não conformada, desta feita, a ré interpôs recurso de </font><b><u><font>revista</font></u></b><font> e apresentou a respectiva alegação com as seguintes extensas</font><a><u><sup><font>[3]</font></sup></u></a><font> </font><u><font>conclusões</font></u><font>:</font>
</p><p><i><font>“1.º </font></i>
</p><p><i><font>Reportam-se as presentes Alegações ao Recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça do Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra que, no processo à margem identificado, julgou procedente o Recurso interposto, revogando por essa via, a decisão proferida em primeira instância.</font></i>
</p><p><i><font>2.º</font></i>
</p><p><i><font>Assim, cuida o presente Recurso, em Matéria de Direito, da alteração da decisão plasmada no Acórdão recorrido que, fazendo uma errónea aplicação da Lei e dos Princípios Normativos que a enformam, julgou inexistir um processo escrito para efeitos do art. 25.º do CCoop.</font></i>
</p><p><i><font>3.º</font></i>
</p><p><i><font>O Acórdão fundamenta a sua decisão numa divergência interpretativa do n.º 2 do art. 25.º do Código Cooperativo (CCoop), estatuindo que, e cita-se, “Esse processo escrito deve traduzir-se em algo estruturalmente organizado e sistematizado, corporizado num conjunto de peças escritas, numa lógica sequencial e temporal, onde se evidencie toda uma série de dados / elementos (incluindo as provas, designadamente documentais ou testemunhais) que servem de base e/ou exprimam a averiguação de determinado comportamento para efeitos disciplinares.”</font></i>
</p><p><i><font>4.º</font></i>
</p><p><i><font>Acrescenta, numa interpretação claramente excessiva no que à letra da lei diz respeito, que a falta desse prévio processo escrito entendido nessa aceção, distinguindo ainda o regime da nulidade, que seria eventualmente determinada pelo conteúdo da deliberação em si mesma, da anulabilidade, determinada pela falta formal daquilo que o próprio aresto define como processo escrito.</font></i>
</p><p><i><font>5.º</font></i>
</p><p><i><font>No entanto, nada disto tem correspondência na Lei.</font></i>
</p><p><i><font>6.º</font></i>
</p><p><i><font>O Acórdão em crise remete para um outro proferido no procedimento cautelar apenso, e onde alegadamente se "densificou" ou "concretizou" o conceito de processo escrito, estendendo a interpretação legal, e levando a crer que em algum lado se fala de processo como algo sistematizado e ordenado, e não como um conjunto de procedimentos que asseguram os direitos dos intervenientes, e em especial dos aí arguidos.</font></i>
</p><p><i><font>7.º</font></i>
</p><p><i><font>Ou seja, simplifica o conceito de processo como um conjunto de “papéis” ou de “escritos”, esquecendo-se, que a própria definição de processo nos leva à ideia de “método, sistema, modo de fazer uma coisa”.</font></i>
</p><p><i><font>8.º</font></i>
</p><p><i><font>O Tribunal a quo erra na sua apreciação, e acima de ultrapassa o conceito legal, ao julgar a necessidade da sistematização, pelo que erra no Julgamento da Matéria de Direito.</font></i>
</p><p><i><font>9.º</font></i>
</p><p><i><font>Isto apesar de a espaços introduzir a ideia da relevância decisiva das garantias de defesa dos interessados, referindo que o seu entendimento é o que vai ao encontro desses interesses essenciais.</font></i>
</p><p><i><font>10.º</font></i>
</p><p><i><font>Ou seja: apesar do interesse ser o da defesa das garantias, acaba apenas e só por considerar que a inexistência de um processo nos termos que ele próprio define é uma violação de garantias.</font></i>
</p><p><i><font>11.º</font></i>
</p><p><i><font>No entanto, não aponta ou sequer aflora a violação de alguma garantia.</font></i>
</p><p><i><font>12.º</font></i>
</p><p><i><font>O que se confirma pela análise da matéria de facto definitivamente assente, pelo que a afirmação avulsa constante no Acórdão da suposta impossibilidade de consultar provas mais não é do que uma conclusão sem nenhum suporte fático,</font></i>
</p><p><i><font>13.º</font></i>
</p><p><i><font>Até porque já toda a matéria era do perfeito conhecimento do recorrente, por ter sido utilizada na sua suspensão de funções, e era do interesse deles próprios não serem, uma vez mais, confrontados com as provas das graves atitudes que cometeram.</font></i>
</p><p><i><font>14.º</font></i>
</p><p><i><font>Trata-se no entanto de um problema que poderia ter sido levantado pelo Acórdão em crise, ordenando essa clarificação, mas que optou por não o fazer, dando-se como contente com a matéria de facto provada.</font></i>
</p><p><i><font>15.º</font></i>
</p><p><i><font>Ora a construção teleológica do Douto Acórdão é invertida na sua ordem natural: primeiro, define aquilo que, para ele, é um processo escrito, e depois anula a decisão, não porque a deliberação em si seja errada ou esteja em crise, mas sim porque não cabe na definição que ele próprio efetuou.</font></i>
</p><p><i><font>16.º</font></i>
</p><p><i><font>Concluindo, quando diz escolher uma de duas correntes interpretativas expostas em arestos do mesmo tribunal, ao referir, e cita-se, que a “(…) proposta de exclusão de cooperador da ré (…) é apenas dada a conhecer ao ora autor na mesma missiva que lhe foi enviada pela presidente da assembleia geral, com a convocatória da assembleia geral, a realizar cerca de 15 dias depois, cujo objeto da ordem de trabalhos era precisamente a sua exclusão de cooperador da ré (…) informando, além do mais, que poderia apresentar a sua defesa por escrito até ao dia útil anterior a essa assembleia, devendo os seus elementos de defesa probatórios serem apreciados nessa assembleia.”</font></i>
</p><p><i><font>17.º</font></i>
</p><p><i><font>No entanto, a ideia passada é desmentida pela matéria de facto que a suporta.</font></i>
</p><p><i><font>18.º</font></i>
</p><p><i><font>O que podemos retirar desta afirmação é que existe uma preocupação do Douto Tribunal, e bem, na defesa dos direitos do recorrente, e se se encontravam ou não assegurados, ao invés da preocupação formal sobre se as folhas de um caderno estão assinadas, numeradas e rubricadas.</font></i>
</p><p><i><font>19.º</font></i>
</p><p><i><font>Só que nesta parte nenhuma dúvida existe, tendo em conta a matéria de facto definitivamente assente que retrata que foi dada hipótese ao recorrente de apresentar a sua versão dos factos e a sua prova (cfr pontos 8.º, 9.º e 10.º da matéria transcrita), e que face à existência, de facto, de uma defesa apresentada e de meios de prova a necessitarem de ser produzidos, nomeadamente audição de testemunhas, a requerimento do recorrente, a assembleia foi suspensa para dar hipótese para tais direitos serem assegurados (cfr. ata transcrita no ponto 12.º da matéria transcrita) tendo continuado quase um mês depois (cfr pontos 13.º e 14.º da matéria transcrita).</font></i>
</p><p><i><font>20.º</font></i>
</p><p><i><font>Mas o que de facto relevou para a decisão em causa foi a sistematização e organização e papéis. E por isso se pergunta: porquê esta preocupação? Porque fala o acórdão em crise nas garantias de defesa, se não concretiza NUNCA qualquer falta delas?</font></i>
</p><p><i><font>21.º</font></i>
</p><p><i><font>Fosse esta uma argumentação sólida e lógica, bastaria pura e simplesmente referir que a falta de corporização dos elementos num dossier ou caderno eram suficientes para inquinar a decisão.</font></i>
</p><p><i><font>22.º</font></i>
</p><p><i><font>No entanto, o que a Lei pretendeu foi assegurar as garantias de defesa, referindo que deveriam existir a indicação das infrações, a sua qualificação, a prova produzida, a defesa do arguido e a proposta de aplicação de sanção, sancionando a falta de qualquer destes requisitos com uma nulidade insuprível.</font></i>
</p><p><i><font>23.º</font></i>
</p><p><i><font>Mas todos estes requisitos estão cumpridos.</font></i>
</p><p><i><font>24.º</font></i>
</p><p><i><font>Isso mesmo foi já defendido no acórdão proferido no mesmo Tribunal no processo 1761/18.4-A, onde se refere que esta “sistematização” e organização sequencial e lógica ultrapassam o conceito que a Lei define ao exigir o referido processo escrito, que mais não é do que assegurar, perante a gravidade da sanção, que todos os direitos de defesa são assegurados ao recorrido.</font></i>
</p><p><i><font>25.º</font></i>
</p><p><i><font>Daí que, no nosso entender, e face também à divergência jurisprudencial existente, seja determinante, pela sua relevância jurídica, definir qual o conceito do processo escrito existente no artigo 25.º do CCoop com vista à melhor aplicação do Direito.</font></i>
</p><p><i><font>26.º</font></i>
</p><p><i><font>O recorrido e a sua esposa foram excluídos como cooperadores da recorrente por Assembleia Geral finalizada em 13.04.2018, da qual recorreram nos termos legais, através da propositura de procedimentos cautelares para suspensão de deliberações sociais, e que deram origem, após algumas vicissitudes, aos processos 1761/18.6T8LRA-A (referente a Elsa Cristina Leitão), que correu termos no 2.º Juízo da Secção Central Cível do Tribunal de Leiria, e 1762/18.4T8LRA-A (referente ao aqui recorrente), que correu termos no 1.º Juízo do mesmo Tribunal.</font></i>
</p><p><i><font>27.º</font></i>
</p><p><i><font>Na decisão proferida em primeira instância neste processo 1762/18.4, à imagem, aliás, do que se diz na decisão de primeira instância deste mesmo processo, refere-se:</font></i>
</p><p><i><font>Os factos provados, a este mister, dão conta de que existem, reduzidas a escrito, as seguintes peças:</font></i>
</p><p><i><font>- carta enviada ao requerente, dando conta da remessa, em anexo, da convocatória para uma assembleia geral extraordinária a realizar no dia 18/03/2018, e da proposta de exclusão como cooperador a apreciar nessa assembleia, e informando-o, além do mais, de que poderia apresentar a sua defesa por escrito e que lhe seria concedido, no início da discussão do ponto da ordem de trabalhos que lhe dizia respeito, um período para apresentar em sua defesa os elementos que tivesse por conveniente, bem como lhe seria dada a oportunidade de proceder à última intervenção anterior à votação;</font></i>
</p><p><i><font>- proposta de exclusão;</font></i>
</p><p><i><font>- convocatória da assembleia;</font></i>
</p><p><i><font>- respetivas atas;</font></i>
</p><p><i><font>- defesa escrita apresentada pelo requerente.</font></i>
</p><p><i><font>28.º</font></i>
</p><p><i><font>No processo 1761/18.6T8LRA-A, condensa-se de forma clara a opinião da recorrente, quando se refere que "A lei não define o que deve entender-se por “processo escrito” e tão pouco estabelece os formalismos e procedimentos a que tal processo deve obedecer, mas, olhando ao disposto no nº 3 do citado artigo 25º, parece que o que se pretende é que os elementos aí mencionados (indicação das infrações, a sua qualificação, a prova produzida, a defesa do arguido e a proposta de aplicação da sanção) sejam reduzidos a escrito antes de aplicada a sanção."</font></i>
</p><p><i><font>29.º</font></i>
</p><p><i><font>Sendo decisiva a pretensão de garantir o efetivo direito de defesa do recorrido e garantir a existência de elementos escritos que permitam o controlo judicial da aplicação da sanção por via da interposição de recurso nos termos previstos no artigo 26º, nº 5, do Código Cooperativo.</font></i>
</p><p><i><font>30.º</font></i>
</p><p><i><font>Tudo isso existiu no presente caso.</font></i>
</p><p><i><font>31.º</font></i>
</p><p><i><font>Como paralelo, se olharmos para o processo disciplinar que se encontra previsto no Código do Trabalho (com vista ao despedimento do trabalhador por justa causa), também constatamos que os atos e formalidades aí previstos correspondem, no essencial, aos que aqui foram praticados.</font></i>
</p><p><i><font>32.º</font></i>
</p><p><i><font>Nos termos do artigo 353º do aludido diploma, o empregador, depois de proceder a inquérito se tal for necessário, começa por comunicar ao trabalhador a intenção de proceder ao seu despedimento, juntando nota de culpa com a descrição circunstanciada dos factos que lhe são imputados (foi exatamente isso que aqui aconteceu mediante o envio à Apelante da proposta de exclusão que continha também a descrição pormenorizada dos factos imputados e continha a indicação dos documentos em que se baseava essa imputação e que já eram do conhecimento da Apelante).</font></i>
</p><p><i><font>33.º</font></i>
</p><p><i><font>Nos termos do artigo 355º do mesmo diploma, o trabalhador dispõe de dez dias úteis para consultar o processo e responder à nota de culpa, deduzindo por escrito os elementos que considera relevantes para esclarecer os factos e a sua participação nos mesmos, podendo juntar documentos e solicitar as diligências probatórias que se mostrem pertinentes para o esclarecimento da verdade (foi também isso que aqui aconteceu; a Apelante foi informada de que poderia apresentar a sua defesa por escrito, tendo apresentado, efetivamente, tal defesa e requerido diligências probatórias sem que haja notícia de que tivesse pedido para consultar o processo – composto pela proposta de exclusão e documentos em que se apoiava – sendo certo que já conheceria esses elementos)</font></i>
</p><p><i><font>34.º</font></i>
</p><p><i><font>Nos termos do artigo 356º do Código do Trabalho, o empregador, por si ou através de instrutor que tenha nomeado, deve realizar as diligências probatórias requeridas na resposta à nota de culpa, a menos que as considere patentemente dilatórias ou impertinentes, devendo neste caso alegá-lo fundamentadamente por escrito (no caso, as diligências probatórias requeridas pela Apelante foram admitidas, tendo sido decidido que a inquirição das testemunhas seria efetuada perante a Assembleia – possibilidade que não é vedada pela lei – e apenas não se procedeu a tal inquirição porque a tal se opuseram as testemunhas e a Apelante).</font></i>
</p><p><i><font>35.º</font></i>
</p><p><i><font>E por fim, nos termos do artigo 357º do Código do Trabalho, o empregador, após receção dos eventuais pareceres da comissão de trabalhadores e, caso o trabalhador seja representante sindical, da associação sindical respetiva (ato que, no caso em análise, não tem lugar) e sem necessidade de qualquer outra comunicação ao trabalhador, profere a decisão de despedimento.</font></i>
</p><p><i><font>36.º</font></i>
</p><p><i><font>Assim, existe de facto processo escrito, para cumprimento do art. 25.º do CCoop.</font></i>
</p><p><i><font>37.º</font></i>
</p><p><i><font>O ponto de contacto das decisões é evidente: as garantias de defesa estão asseguradas, e todas as peças escritas estão elaboradas e são do conhecimento do recorrido.</font></i>
</p><p><i><font>38.º</font></i>
</p><p><i><font>Logo, é indiferente a propalada “sistematização”.</font></i>
</p><p><i><font>39.º</font></i>
</p><p><i><font>A lei não define o que deve entender-se por “processo escrito” e tão pouco estabelece os formalismos e procedimentos a que tal processo deve obedecer.</font></i>
</p><p><i><font>40.º</font></i>
</p><p><i><font>Salientando-se não existir qualquer alteração na matéria de facto apurada em primeira instância, e que em nenhuma altura é colocado em crise pelo Douto Acórdão no que aos factos diz respeito.</font></i>
</p><p><i><font>41.º</font></i>
</p><p><i><font>Para além dos requisitos constantes da norma legal referida, e onde se encontra a necessidade de requisitos sem os quais sem dúvida existirá nulidade do processo: (i) a indicação das infrações, (ii) a sua qualificação, (iii) a prova produzida, (iv) a defesa do arguido e (v) a proposta de aplicação da sanção, exige-se agora a referida sistematização.</font></i>
</p><p><i><font>42.º</font></i>
</p><p><i><font>O Acórdão limita-se, assim, a confirmar que todos os elementos essenciais do processo existem (matéria de facto assim pacificamente comprovada) mas entende que, por não estarem compiladas num volume, por exemplo, não poderão ser um verdadeiro processo.</font></i>
</p><p><i><font>43.º</font></i>
</p><p><i><font>Mas não define sequer quais os requisitos formais de tal processo. Tem de ter capa e índice? Têm de constar num volume rubricado ou numerado? Tudo fica por esclarecer.</font></i>
</p><p><i><font>44.º</font></i>
</p><p><i><font>Reconhece-se que mais fácil será a apreciação dos elementos recolhidos estando compilados num processo de natureza formal, mas aqui não se trata da facilidade: trata-se de retirar a conclusão segundo a qual mesmo existindo todos os elementos necessários ao processo escrito, e cumpridos os requisitos legais, determinar a sua anulação por indicação de um requisito formal não escrito.</font></i>
</p><p><i><font>45.º</font></i>
</p><p><i><font>É assim excessiva e desprovida de qualquer base legal a interpretação seguida pela decisão em crise, e em especial a conclusão segundo a qual não basta a existência dos elementos constantes do artigo 25.º do CCoop., que eram do perfeito conhecimento do requerido,</font></i>
</p><p><i><font>46.º</font></i>
</p><p><i><font>Acrescentando-se que “por processo escrito deve entender-se um conjunto de peças escritas, sequencial e logicamente organizadas, de modo a poderem ser consultadas, evidenciando um conjunto de dados adquiridos (incluindo as provas) que servem de base a uma averiguação de determinados factos”.</font></i>
</p><p><i><font>47.º</font></i>
</p><p><i><font>Salientando-se ainda que os elementos mencionados foram reduzidos a escrito antes da aplicação da sanção.</font></i>
</p><p><i><font>48.º</font></i>
</p><p><i><font>A proposta de exclusão está reduzida a escrito e está fundamentada, apoiada em documentos ali identificados, bem como os atos concretos que lhe são imputados.</font></i>
</p><p><i><font>49.º</font></i>
</p><p><i><font>Estão ali identificadas as infrações que lhe são imputadas e está identificada a prova (documental) que já eram do seu conhecimento;</font></i>
</p><p><i><font>50.º</font></i>
</p><p><i><font>O recorrido apresentou por escrito a sua defesa e a prova testemunhal que indicou não chegou a ser produzida porque as testemunhas não se disponibilizaram para tal mas também seria reduzida a escrito mediante a elaboração dos respetivos autos.</font></i>
</p><p><i><font>51.º</font></i>
</p><p><i><font>As aludidas peças e documentos escritos (a proposta de exclusão, os documentos em que ela se apoia, a defesa apresentada pelo recorrido e as atas da Assembleia onde se dá conta das diligências efetuadas no que toca à prova que por esta foi apresentada) formam, no seu conjunto, um processo escrito que antecedeu a deliberação tomada.</font></i>
</p><p><i><font>52.º</font></i>
</p><p><i><font>Ora parece ser indiscutível que as infrações imputadas estavam suficientemente individualizadas e concretizadas, e que o recorrido foi ouvido e apresentou a sua defesa.</font></i>
</p><p><i><font>53.º</font></i>
</p><p><i><font>Nada permite afirmar, nem foi alegado, que tenham sido omitidas diligências essenciais para a descoberta da verdade.</font></i>
</p><p><i><font>54.º</font></i>
</p><p><i><font>O recorrido teve efetiva oportunidade de se defender e produzir prova num processo escrito, sendo certo que apresentou a sua defesa, requereu a prova que entendeu e teve a oportunidade de inquirir as testemunhas que indicou e ainda que não lhe tenha sido notificada qualquer proposta de exclusão após a apresentação da sua defesa, tal proposta já lhe havia sido enviada em momento anterior e com a antecedência legalmente exigida.</font></i>
</p><p><i><font>55.º</font></i>
</p><p><i><font>Estiveram assim reunidos todos os elementos do referido processo escrito, e todos foram do conhecimento cabal do recorrido, pelo que não se poderá colocar em crise a sua existência com base apenas e só numa mera constatação desprovida de suporte legal da inexistência de compilação sistemática para permitir uma consulta que nem sequer é dada como pedida, razão pela qual vai mal a decisão recorrida quando determina a anulação da deliberação, violando assim o art. 25.º do CCoop.</font></i>
</p><p><i><font>56.º</font></i>
</p><p><i><font>A decisão recorrida viola assim o art. 25.º do CCoop.</font></i>
</p><p><i><font>57.º</font></i>
</p><p><i><font>Pelo que deverá ser revogada, e substituída por outra que absolva a recorrente do pedido, e confirme a deliberação validamente tomada de exclusão do recorrido como cooperador, seguindo o processo os seus legais trâmites,</font></i>
</p><p><i><font>Nestes termos e nos melhores de Direito que V. Exa. doutamente suprirá, atento o supra exposto e os fundamentos do presente recurso, deve ser concedido provimento ao presente Recurso e, consequentemente, com os fundamentos que deverão ser expostos e clarificados, ser a decisão proferida revogada e substituída por outra, que determine a confirmação da decisão de primeira instância e a exclusão do recorrido como cooperador, prosseguindo os autos em conformidade.</font></i>
</p><p><i><font>com o que farão V. Excias. a costumada</font></i>
</p><p><i><font>Justiça.”</font></i>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>O autor não contra-alegou.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>O recurso foi admitido como de revista, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo, modo de subida e efeito que foram mantidos pelo Relator no despacho liminar.</font><br>
<font> </font><br>
<font>Tudo visto, cumpre apreciar e decidir o mérito do presente recurso.</font><br>
<font> Sabido que o seu objecto e âmbito estão delimitados pelas conclusões da recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser em situações excepcionais de conhecimento oficioso, que aqui não relevam, e tendo presente que se apreciam questões e não razões, a única questão que importa dirimir consiste em saber se existiu processo escrito prévio à exclusão do autor como cooperador da ré.</font><br>
<font> </font><br>
<font> </font>
</p><p><font>II. Fundamentação</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>1. De facto</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>As instâncias consideraram provados os seguintes factos: </font>
</p><p><font>1.º A ré é uma cooperativa constituída por escritura pública outorgada em 3 de julho de 1978, na Secretaria Notarial de Leiria – cfr. escritura de fls. 28 a 39-verso, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido</font>
</p><p><font>2.º A ré rege-se pelos estatutos que fazem fls. 40 a 45-verso, com as alterações aprovadas por deliberação da assembleia geral extraordinária realizada em 9 de abril de 2017 – cfr. ata de fls. 46-verso a 48, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.</font>
</p><p><font>3.º Atualmente, a ré tem o seguinte objeto social:</font>
</p><p><font>«a) a prossecução, sem fins lucrativos, de objetivos de solidariedade social e de ensino nomeadamente ligados ao apoio a crianças, jovens e respetivas famílias, através da manutenção de um estabelecimento destinado a ministrar o ensino compreendido no sistema educativo e estruturas socioeducativas em áreas como a educação, aprendizagem e formação, ação social e intervenção comunitária;</font>
</p><p><font>b) apoio a grupos vulneráveis em especial crianças e jovens, pessoas com deficiências e idosos;</font>
</p><p><font>c) apoio a famílias e comunidades socialmente desfavorecidas com vista a melhoria da sua qualidade de vida e inserção socioeconómica;</font>
</p><p><font>d) apoio direcionado para grupos alvo, designadamente em situações de doença, velhice, deficiência e carências económicas graves;</font>
</p><p><font>e) promoção de acesso à educação, formação e integração profissional de grupos socialmente desfavorecidos;</font>
</p><p><font>f) apoio domiciliário, em especial a idosos e pessoas com deficiência;</font>
</p><p><font>g) desenvolver outras ações que apresentem uma identidade de objetos, e nos limites do código cooperativo, para prestar serviços a terceiros» – cfr. certidão permanente de fls. 48-verso a 51-verso, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.</font>
</p><p><font>4.º O seu capital social é de 5.000,00€, integralmente realizado em dinheiro, constituído por títulos de capital, nominativos, no valor unitário de 25,00€ cada um, devendo cada cooperador subscrever pelo menos 3 títulos – cfr. estatutos de fls. 40 a 45-verso, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.</font>
</p><p><font>5.º O autor é cooperador da ré, detendo 75,00€ do capital social desta – cfr. título de capital cooperativo de fls. 52, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.</font>
</p><p><font>6.º Por carta datada de 1 de março de 2018, a presidente da mesa da assembleia geral da ré transmitiu ao autor o seguinte:</font>
</p><p><font>«Em anexo remeto a V. Excia. convocatória para a Assembleia Geral Extraordinária a realizar no próximo dia 18 de março de 2018, pelas 18.00 horas, na sede da cooperativa, e para a qual peço a sua melhor atenção.</font>
</p><p><font>Remeto também a proposta de exclusão como cooperador que me foi apresentada pelo Conselho de Administração e que será objeto de análise e decisão na Assembleia.</font>
</p><p><font>Tendo em conta as disposições estatutárias e legais, informo-o que poderá apresentar a sua defesa por escrito, deduzindo os elementos que considere relevantes para o cabal esclarecimento dos factos relatados na proposta e da sua participação nos mesmos, que deverá ser recebida na instituição até ao dia anterior à Assembleia Geral, inclusive. Realço também que lhe será concedido, no início da discussão do ponto da ordem de trabalhos que lhe diz respeito, um período de dimensão a definir mas que seja suficiente para apresentar em sua defesa os elementos que tiver por conveniente, bem como lhe será dada a oportunidade de proceder à última intervenção anterior à votação. (…)» – cfr. missiva de fls. 52-verso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.</font>
</p><p><font>7.º Com a referida carta, a presidente da mesa da assembleia geral da ré remeteu ao autor a seguinte convocatória, por si subscrita, igualmente datada de 1 de março de 2018:</font>
</p><p><font>«Nos termos dos artigos 24.º e 25.º dos Estatutos da Supercoop – Cooperativa de Solidariedade Social CRL, convocam-se todos os cooperadores para a Assembleia Geral Extraordinária a realizar no dia 18 de março de 2018, pelas 18.00 horas, na sede social da instituição sita na Rua …, nº …., em …, com a seguinte ordem de trabalhos:</font>
</p><p><font>1 - Apreciação, discussão e votação de proposta de exclusão da cooperativa da cooperadora BB;</font>
</p><p><font>2 - Apreciação, discussão e votação de proposta de exclusão da cooperativa do cooperador AA.</font>
</p><p><font>Se à hora designada não estiverem presentes ou representados a maioria dos cooperadores será a mesma realizada meia hora depois, ou seja, pelas 18:30 horas, com a mesma ordem de trabalhos, a qual poderá deliberar com qualquer número de cooperadores presentes.» - cfr. convocatória de fls. 53, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.</font>
</p><p><font>8.º A mencionada carta vinha ainda acompanhada de uma “proposta de exclusão” do autor de cooperador da ré, datada de 28 de fevereiro de 2018, terminando essa proposta nos seguintes termos:</font>
</p><p><font>«Termos em que se promove a exclusão como cooperador por aplicação das disposições estatutárias e violação grave e reiterada dos deveres cooperativos, podendo, caso entenda, apresentar a sua defesa nos termos a definir pela Mesa da Assembleia Geral» – cfr. proposta de exclusão de fls. 53-verso a 55, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.</font>
</p><p><font>9.º Perante a carta e a “proposta de exclusão” referidas, o autor enviou à ré, por correio eletrónico e por carta registada com aviso de receção, a defesa que faz fls. 55-verso a 57, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.</font>
</p><p><font>10.º Tendo essa carta registada com aviso de receção sido recebida pela ré no dia 16 de março de 2018 – cfr. aviso de receção de fls. 58, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.</font>
</p><p><font>11.º No dia 18 de março de 2018 realizou-se a referida assembleia geral extraordinária da ré – cfr. ata de fls. 58-verso a 60, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.</font>
</p><p><font>12.º Dessa assembleia foi lavrada e assinada pela presidente da mesa da assembleia geral e pela secretária a seguinte ata:</font>
</p><p><font>«Ata número vinte / dois mil e dezoito</font>
</p><p><font>----No dia dezoito de março de dois mil e dezoito, pelas dezoito horas, reuniu na sua sede social sita na Rua …, número cem, Urbanização …, …, em, …, a Assembleia Geral Extraordinária da Supercoop - Cooperativa de Solidariedade Social, CRL, com a seguinte Ordem de trabalhos:----</font>
</p><p><font>----1- Apreciação, discussão e votação de proposta de exclusão da cooperativa da cooperadora BB:----</font>
</p><p><font>2- Apreciação, discussão e votação de proposta de exclusão da cooperativa do cooperador AA.----</font>
</p><p><font>----A Assembleia foi regularmente convocada, nos termos das disposições estatutárias aplicáveis, tendo sido expedidas cartas registadas ou entregue em mão por protocolo a convocatória aos onze cooperadores efetivos, e sido afixada copia no local usual da sede.---</font>
</p><p><font>----À hora de início encontravam-se presentes apenas os cooperadores CC, DD, BB e AA. Uma vez que não se encontrava ainda presente metad | [0 0 0 ... 0 0 0] |
HzJpu4YBgYBz1XKvoQTn | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><font> </font><div><br>
<font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça – 1.ª Secção</font><a><u><sup><font>[2]</font></sup></u></a><font>: </font><br>
<p></p></div><br>
<br>
<font>I. Relatório</font><br>
<p><font> </font><br>
</p><p><b><font>AA </font></b><font>deduziu os presentes embargos de executado contra a </font><b><font>Caixa Geral de Depósitos, S.A.</font></b><font>, para oposição à execução que esta moveu a si e a outros, com base em duas livranças, subscritas pela primeira executada Creatix e avalizadas pelos demais executados, a que foram apostas as datas de vencimento de 14/7/2017 e as quantias de 111.647,19 € e 74.753,88 €.</font><br>
</p><p><font>Para tanto, alegou, em resumo, no que aqui interessa, que configura abuso de direito da exequente a data de vencimento que esta apôs naquelas livranças, uma vez que ele as assinou em branco, deu a conhecer à exequente em 2002/2003 que cedera as suas participações sociais na sociedade subscritora (Creatix) e esta incumprira as suas obrigações para com a exequente já em 2008, sem que, entretanto, tenha sido comunicado ao embargante qualquer incumprimento. </font><br>
</p><p><font>A exequente contestou, pugnando pela inexistência de abuso de direito e concluindo pela improcedência dos embargos. </font><br>
</p><p><font>Dispensada a audiência preliminar, foi proferido despacho saneador tabelar, foi fixado o objecto do litígio e foram enunciados os temas de prova, sem reclamações. </font><br>
</p><p><font>Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida </font><b><font>sentença</font></b><font>, onde se decidiu julgar a oposição</font><b><font> improcedente</font></b><font>, determinando o prosseguimento da execução. </font><br>
</p><p><font>Inconformado, o embargante interpôs recurso de apelação que o Tribunal da Relação …. julgou </font><b><font>improcedente</font></b><font>, por unanimidade e com idêntica fundamentação, mantendo a sentença recorrida. </font><br>
</p><p><font>Ainda irresignado, o embargante interpôs recurso de </font><b><font>revista excepcional</font></b><font>, recolocando a questão do abuso de direito por parte da exequente, que a respectiva Formação admitiu por acórdão de 23/3/2021, ao abrigo do disposto no invocado art.º 672.º, n.º 1, al. a) do CPC.</font><br>
</p><p><font>No âmbito da revista, o embargante apresentou a respectiva alegação com as seguintes </font><u><font>conclusões:</font></u><font> </font><br>
</p><p><i><font>“a) Entende o Recorrente que o próprio Douto Acórdão recorrido, e no referido em 1 b) supra, dá razão ao Recorrente ao que acresce o documento junto aos autos pelo Recorrente relativo ao primeiro Tema eleito no saneamento dos autos e que era documento da Central de Responsabilidade de Crédito do Banco de Portugal e do qual se retira que, segundo informação da própria Recorrida, o incumprimento de verificou em 16/10/2009.</font></i><br>
</p><p><i><font>b) Não é possível dissociar, da forma algo ligeira como o Douto Acórdão recorrido o faz, o incumprimento da exigibilidade da obrigação, mais a mais quando se reconhece que a exigibilidade estava dependente do incumprimento.</font></i><br>
</p><p><i><font>c) E que o vencimento estaria dependente da fixação pela Recorrida da respectiva data uma vez verificado o incumprimento, ou seja, é o próprio Douto Acórdão sob escrutínio que entrelaça e faz uma associação entre todos aqueles períodos,</font></i><br>
</p><p><i><font>d) Mas que depois conclui que não houve abuso de direito por parte da Recorrida ao apor na livrança uma data de vencimento como sendo 14/07/2017 quando ela própria havia reportado ao Banco de Portugal o incumprimento como tendo ocorrido em 2009. </font></i><br>
</p><p><i><font>e) Como é por demais sabido o incumprimento ocorre quando a prestação não é cumprida pontualmente ou é-o defeituosamente.</font></i><br>
</p><p><i><font>f) Ora é pacífico nos autos que o incumprimento remontava a Setembro/Outubro de 2009 e reportando-se o incumprimento a tal momento será notório que o vencimento da obrigação se deu contemporaneamente a tal época do calendário gregoriano.</font></i><br>
</p><p><i><font>g) Em abono deste entendimento cumpre trazer à liça a cláusula 12.3.1.a) do pacto de preenchimento e da qual ressalta que a data de vencimento será fixada pela CGD em caso de incumprimento dos devedores.</font></i><br>
</p><p><i><font>h) Sendo certo que a dita cláusula não estabelece uma baliza temporal para a consideração do vencimento menos verdade também não é que o vencimento, e de acordo com o texto da cláusula, se encontra intimamente ligado ao momento do incumprimento.</font></i><br>
</p><p><i><font>i) É isto que se retira dos princípios gerais de interpretação constantes do Código Civil e ainda dando suporte a este entendimento tem-se o artigo 777º, nº 1 do Código Civil pois que de acordo com tal preceito legal o cumprimento pode ser exigido a todo o tempo salvo estipulação em contrário e no presente caso existia no pacto de preenchimento estipulação em contrário no sentido de que a exigibilidade/vencimento da obrigação se verificaria aquando do incumprimento.</font></i><br>
</p><p><i><font>j) Só esta interpretação do pacto do preenchimento, e em consonância com os interesses do declaratário, pode ser considerada como se vergando em sinal de respeito pelos artigos 236º, 237º e 238º do Código Civil.</font></i><br>
</p><p><i><font>k) Pelo que, e dito isto, afigura-se aos olhos do Recorrente que a aposição na livrança de uma data de vencimento que não tem qualquer correspondência com a data do incumprimento, antes distando largos anos do mesmo e como reconhecido pela própria Recorrida no documento que se encontra junto aos autos, se traduz num clamoroso abuso de direito que o nosso ordenamento não tolera.</font></i><br>
</p><p><i><font>l) É que ainda que ao falar-se na aposição de uma data de vencimento na livrança se esteja não perante um direito subjectivo da Recorrida mas perante uma faculdade sua que importe alguma margem de liberdade ainda assim tal exercício sempre terá de passar no crivo do instituto de abuso de direito. </font></i><br>
</p><p><i><font>m) Atentas as complexidades que se levantam quer quanto ao assumir das responsabilidades cambiárias enquanto avalista, quer quanto a quando se deve considerar vencida a obrigação cambiária, quer quando se deve considerar verificado o incumprimento por parte de quem se obrigou a título principal e a sua relação com a data de vencimento a apôr na livrança, quer quanto à necessidade de protecção do avalista fave a uma margem de discricionariedade muito lata que seja conferida em tais matérias para o portador do título, afigura-se, aos olhos do Recorrente, enquadrável este fundamento na alínea a) do nº 1 do artigo 672º do CPC. </font></i><br>
</p><p><i><font>n) Isto uma vez que tais situações são transponíveis para um vasto número de situações não se confinando a sua importância ao caso concreto.</font></i><br>
</p><p><i><font>o) O que legitima a revista excepcional.</font></i><br>
</p><p><i><font>p) A isto acresce que a pretensão recursória do Recorrente se situa no domínio da matéria de Direito não subtraída à apreciação do SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA.</font></i><br>
</p><p><i><font>q) Pelo que, por tudo quanto vem de se alegar, deve ser revogado do Douto Acórdão recorrido que assim não o entendeu, pois que violou o mesmo os artigos 342º, 351º e 612º, nº 1 do Código Civil.</font></i><br>
</p><p><i><font>Nestes termos e nos melhores de Direito deverá o presente recurso merecer provimento e, em consequência, ser revogado o Douto Acórdão recorrido mais se determinando a extinção da execução face ao ora Recorrente, tudo o mais com as consequências legais.”</font></i><br>
</p><p><i><font> </font></i><br>
</p><p><font>A recorrida contra-alegou pugnando pela confirmação do acórdão impugnado.</font><br>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Tudo visto, cumpre apreciar e decidir o mérito do presente recurso.</font>
</p><p><font>A questão que cumpre agora conhecer, tendo em consideração as conclusões acabadas de transcrever e o douto acórdão da Formação que admitiu o recurso de revista excepcional, o qual delimita os poderes cognitivos desta conferência julgadora</font><a><u><sup><font>[3]</font></sup></u></a><font>, consiste em saber se configura abuso de direito da exequente a aposição da data de vencimento nas livranças que deu à execução anos após o vencimento da obrigação da relação subjacente.</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font>II. Fundamentação</font><br>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>1. De facto </font><br>
</p><p><font>No acórdão recorrido, reproduzindo os da sentença, foram considerados </font><u><font>provados</font></u><font> os seguintes factos:</font><br>
</p><p><font>«1) A exequente é portadora de uma livrança, com o n.º …94, subscrita por Creatix – Publicidade, Grafismo e Marketing, Lda, Lda.”, e avalizada, entre outros, pelo ora embargante, junta a fls. 13 dos autos de execução, que se dá por integralmente reproduzida.</font><br>
</p><p><font>2) tal livrança encontra-se preenchida da seguinte forma:</font><br>
</p><p><font>Local e data de emissão: …, 2001-10-10;</font><br>
</p><p><font>Importância: 22.383.253$00 (€ 111.647,19);</font><br>
</p><p><font>Vencimento: 2017-07-14;</font><br>
</p><p><font>Valor: “contrato de emissão de garantia bancária n.º ...…93”.</font><br>
</p><p><font> 3) A exequente é portadora de uma outra livrança, com o n.º ……30, subscrita por Creatix – Publicidade, Grafismo e Marketing, Lda, Lda.”, e avalizada, entre outros, pelo ora embargante, junta a fls. 12 dos autos de execução, que se dá por integralmente reproduzida.</font><br>
</p><p><font>4) tal livrança encontra-se preenchida da seguinte forma:</font><br>
</p><p><font> Local e data de emissão: …, 2001-12-03;</font><br>
</p><p><font> Importância: € 74.753,88;</font><br>
</p><p><font> Vencimento: 2017-07-14;</font><br>
</p><p><font> Valor: “contrato de emissão de garantia bancária n.º …..….93”.</font><br>
</p><p><font>5) Tais livranças foram emitidas, em branco, no âmbito dos “contratos de emissão de garantia bancária” n.º …….082…. e …..582…., copiados a fls. 21-vº a 26, que se reproduzem.</font><br>
</p><p><font>6) Nos termos do “contrato de emissão de garantia bancária” n.º …082.…., de 10/10/2001, constava como beneficiário da garantia o Instituto de Apoio às Pequenas e Médias Empresas e ao Investimento (IAPMEI) e a responsabilidade até Esc. 12.695.0000$00, equivalente a € 63.322,40 (cfr. o documento de fls. 21-v.º).</font><br>
</p><p><font> 7) Nos termos do “contrato de emissão de garantia bancária” n.º …582….., de 03/12/2001, constava como beneficiário da garantia o Instituto de Apoio às Pequenas e Médias Empresas e ao Investimento (IAPMEI) e a responsabilidade até Esc. 12.695.0000$00, equivalente a € 63.322,40 (cfr. o documento de fls. 24-v.º).</font><br>
</p><p><font> 8) A exequente honrou as garantias bancárias acima descritas em 16/10/2009 e 22/09/2009, respectivamente.</font><br>
</p><p><font> 9) Não tendo recebido o reembolso por parte da garantida, a exequente preencheu as livranças e deu-as à execução.</font><br>
</p><p><font> 10) Nos termos da cláusula 12.2 e 12.3 dos “contratos de emissão de garantia bancária” acima mencionados em 6) e 7), respetivamente, «</font><i><font>para titulação de todas as responsabilidades decorrentes da operação, o 1.º Contratante e os avalistas atrás identificados para o efeito entregam à Caixa uma livrança em branco subscrita pelo primeiro e avalizada pelos segundos e autorizam desde já a Caixa a preencher a sobredita livrança, quando tal se mostre necessário, a juízo da própria Caixa, tendo em conta, nomeadamente, o seguinte</font></i><font>:</font><br>
</p><p><font> </font><i><font>«a) A data de vencimento será fixada pela Caixa em caso de incumprimento pelos devedores (…);</font></i><br>
</p><p><i><font> «b) A importância da livrança corresponderá ao total das responsabilidades decorrentes da presente operação, nomeadamente o valor do crédito da Caixa que resultar dos pagamentos que a mesma vier a fazer ao beneficiário em execução da garantia ou do aval bancário, as comissões, os juros moratórios, despesas e encargos fiscais, incluindo os da própria livrança (…)».</font></i><br>
</p><p><font> 11) Constam das cláusulas 8, 9 e 10 dos mesmos contratos o montante das comissões e taxas de juros aplicáveis às operações, as quais se reproduzem.</font><br>
</p><p><font>12) Por cartas registadas com aviso de receção de 01/03/2018, copiadas a fls. 29-v.º e 30, a exequente comunicou ao embargante o preenchimento das livranças, com a data de vencimento de 14/07/2017.</font><br>
</p><p><font>13) Os avisos de receção das referidas cartas foram assinados em 06/03/2018.</font><br>
</p><p><font> 14) Por escritura de 21/01/2004, o embargante cedeu a sua quota no capital social da C.... (cf. documento de fls. 38 a 44, que se reproduz).»</font><br>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>2. De direito </font><br>
</p><p><font>É sabido, e já o afirmámos noutras ocasiões, nomeadamente no acórdão de 3 de Novembro de 2020, processo n.º 1429/14.2T8CHV-A.G1.S1</font><a><u><sup><font>[4]</font></sup></u></a><font>, que aqui reproduzimos na parte relevante, que o actual Código Civil delimitou o conceito de abuso de direito no art.º 334.º dispondo que “</font><i><font>É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito”.</font></i><font> </font>
</p><p><font>«Esta figura ocorre quando o direito, embora legítimo, é exercido de maneira a constituir clamorosa ofensa do sentimento jurídico socialmente dominante, ou seja, longe do interesse social e por forma a exceder manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim económico-social desse mesmo direito, tornando-se, assim, escandalosa e intoleravelmente ofensiva do comum sentimento de justiça.</font>
</p><p><font>Tal como se depreende do seu teor, aquele normativo acolhe uma concepção objectiva do abuso do direito, segundo a qual não é necessário que o titular do direito actue com consciência de que excede os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim económico ou social do direito ou com «</font><i><font>animus nocendi</font></i><font>» do direito da contraparte, bastando que tais limites sejam e se mostrem ostensiva e objectivamente excedidos</font><a><u><sup><font>[5]</font></sup></u></a><font>.</font>
</p><p><font>O excesso deve, no entanto, ser manifesto, claro, patente, indiscutível, embora sem ser necessário que tenha havido a consciência de se excederem tais limites.</font>
</p><p><font>A boa fé tem a ver com o enunciado de um princípio que parte das exigências fundamentais da ética jurídica que se exprimem na virtude de manter a palavra e na confiança de cada uma das partes para que procedam honesta e lealmente segundo uma consciência razoável.</font>
</p><p><font>Mas para que a confiança seja digna de tutela tem de radicar em algo de objectivo, tem de se verificar o investimento de confiança, a irreversibilidade desse investimento e tem de haver boa fé da parte que confiou, isto é, é necessário que desconheça uma eventual divergência entre a intenção aparente do responsável pela confiança e a sua intenção real, que aquele tenha agido com o cuidado e precaução usuais no tráfico jurídico</font><a><u><sup><font>[6]</font></sup></u></a><font>.</font><br>
</p><p><font>Uma das modalidades do abuso de direito é, como se sabe, o </font><i><font>“venire contra factum proprium”</font></i><font>, a qual se manifesta pela violação do princípio da confiança, revelando um comportamento com que, razoavelmente, não se contava, face à conduta anteriormente assumida e às legítimas expectativas que gerou. Esta conduta contraditória cabe no âmbito da fórmula “manifesto excesso” e inscreve-se no contexto da violação do princípio da confiança, que sucede quando o agente adopta uma conduta inconciliável com as expectativas adquiridas pela contraparte, em função do modo como antes actuara. </font><br>
</p><p><font>Segundo Menezes Cordeiro</font><a><u><sup><font>[7]</font></sup></u></a><font>, “O </font><i><font>venire contra factum proprium</font></i><font>” postula dois comportamentos da mesma pessoa, lícitos em si e diferidos no tempo. O primeiro – o </font><i><font>factum proprium</font></i><font> – é, porém, contrariado pelo segundo.” </font><br>
</p><p><font>E ensina, lapidarmente, o mesmo Professor, são quatro os pressupostos da protecção da confiança, ao abrigo da figura do “</font><i><font>venire contra factum proprium</font></i><font>”:</font><br>
</p><p><font>“(...) 1.º Uma situação de confiança, traduzida na boa-fé própria da pessoa que acredite numa conduta alheia (no </font><i><font>factum proprium</font></i><font>);</font><br>
</p><p><font>2.º Uma justificação para essa confiança, ou seja, que essa confiança na estabilidade do </font><i><font>factum proprium</font></i><font> seja plausível e, portanto, sem desacerto dos deveres de indagação razoáveis;</font><br>
</p><p><font>3.º Um investimento de confiança, traduzido no facto de ter havido por parte do confiante o desenvolvimento de uma actividade na base do </font><i><font>factum proprium</font></i><font>, de tal modo que a destruição dessa actividade (pelo </font><i><font>venire</font></i><font>) e o regresso à situação anterior se traduzam numa injustiça clara; </font><br>
</p><p><font>4.º Uma imputação da confiança à pessoa atingida pela protecção dada ao confiante, ou seja, que essa confiança (no </font><i><font>factum proprium</font></i><font>) lhe seja de algum modo recondutível.”</font><a><u><sup><font>[8]</font></sup></u></a><font> </font><br>
</p><p><font>A proibição do </font><i><font>venire contra factum proprium</font></i><font> “ancora na ideia de protecção da confiança e da exigência de correcta actuação que não traia as expectativas alimentadas por um </font><i><font>modus agendi</font></i><font> que não conhece desvios e surpresas que frustrem o investimento na confiança; que a actuação do contraente se pautará sempre por regras éticas de decência e respeito pelos direitos da contraparte. </font><br>
</p><p><font>Havendo violação objectiva desse modelo de actuação honrado, leal e diligente pode haver abuso do direito, devendo ser paralisados os efeitos que, a coberto da invocação da norma que confere o direito exercido ou exercendo, se pretendem actuar mas que, objectivamente, evidenciam um aproveitamento não materialmente fundado, para fins que a ética negocial reprova, porque incompatíveis com as regras da boa fé e do fim económico ou social do direito, colidindo com o sentido de justiça que a comunidade adopta como sendo o seu padrão cultural”</font><a><u><sup><font>[9]</font></sup></u></a><font>. </font><br>
</p><p><font>Por sua vez, a </font><i><font>suppressio </font></i><font>agrupa uma das modalidades típicas do vasto instituto do abuso de direito, sendo actualmente utilizada “para designar a posição do direito subjectivo – ou, mais latamente, a de qualquer situação jurídica – que, não tendo sido exercida, em determinadas circunstâncias e por um certo lapso de tempo, não mais possa sê-lo por, de outro modo, se contrariar a boa fé”.</font><a><u><sup><font>[10]</font></sup></u></a><br>
</p><p><font>Ultrapassadas as teses negativistas e da renúncia, a </font><i><font>suppressio </font></i><font>acabou por ser reconduzida à boa fé, surgindo três teorias:</font><br>
</p><p><font>- a da </font><i><font>exceptio doli</font></i><font>;</font><br>
</p><p><font>- a do </font><i><font>venire contra factum proprium</font></i><font>; e </font><br>
</p><p><font>- a da remissão directa para a boa fé.</font><br>
</p><p><font>Aproximando a </font><i><font>suppressio </font></i><font>ao </font><i><font>venire contra factum proprium</font></i><font>, constata-se haver diferenças, pois o </font><i><font>factum proprium</font></i><font> é, por definição, uma actuação positiva, enquanto a </font><i><font>suppressio</font></i><font> pressupõe uma omissão. Esta é, no fundo, “uma forma de tutela da confiança do beneficiário, perante a inacção do titular do direito”, sendo que ela “não pode ser, apenas, uma questão de decurso do tempo, sob pena de atingir, sem vantagens, a natureza plena da caducidade e da prescrição”</font><a><u><sup><font>[11]</font></sup></u></a><font>.</font><br>
</p><p><font>Segundo o Prof. Menezes Cordeiro, com o qual concordamos, para que a confiança de um beneficiário possa ser protegida ao abrigo deste instituto é necessário:</font><br>
</p><p><font>“- um não exercício prolongado;</font><br>
</p><p><font>- uma situação de confiança;</font><br>
</p><p><font>- uma justificação para essa confiança;</font><br>
</p><p><font>- um investimento de confiança;</font><br>
</p><p><font>- a imputação da confiança ao não-exercente.</font><br>
</p><p><font>O não-exercício prolongado estará na base quer da situação de confiança, quer da justificação para ela. Ele deverá, para ser relevante, reunir elementos circundantes que permitam a uma pessoa normal, colocada na posição do beneficiário concreto, desenvolver a crença legítima de que a posição em causa não mais será exercida. O investimento de confiança traduzirá o facto de, mercê da confiança criada, o beneficiário não dever ser desamparado, sob pena de sofrer danos dificilmente reparáveis ou compensáveis. Finalmente: tudo isso será imputável ao não-exercente, no sentido de ser social e eticamente explicável pela sua inacção. Não se exige culpa: apenas uma imputação razoavelmente objectiva”</font><a><u><sup><font>[12]</font></sup></u></a><font>.</font><br>
</p><p><font>No mesmo sentido, com algumas variantes, tem decidido este Supremo Tribunal, como se pode ver, nos acórdãos de 11/12/2013, processo n.º 629/10.0TTBRG.P2.S1 e de 19/10/2017, processo n.º1468/11.5TBALQ-B.L1.S1, ambos em </font><a><u><font>www.dgsi.pt</font></u></a><font>, entendendo-se no primeiro que, para a caracterização daquela figura, não basta “o mero não-exercício e o decurso do tempo, impondo-se a verificação de outros elementos circunstanciais que melhor alicercem a justificada/legítima situação de confiança da contraparte” e, no segundo, que “O simples decurso do tempo, sem que tenha sido exigido o pagamento da dívida por parte do credor, não é suscetível de, sem mais, criar no devedor a confiança de que não lhe vai mais ser exigido o cumprimento da obrigação que sobre ele impende.”»</font><br>
</p><p><font>Dito isto, voltemos ao caso dos autos.</font><br>
</p><p><font>Aqui, na medida em que o abuso de direito vem, essencialmente, fundado no decurso do tempo entre o vencimento da obrigação da relação subjacente, alegadamente ocorrido em 16/10/2009, e a aposição como data de vencimento nas livranças exequendas a data de 14/7/2017, afigura-se-nos ser invocada a modalidade da </font><i><font>suppressio, </font></i><font>que pressupõe, precisamente, uma omissão.</font><br>
</p><p><font>No entanto, não se verificam os elementos circunstanciais, acima referenciados, para que possa ocorrer esta modalidade do abuso de direito. </font><br>
</p><p><font>Nada permite concluir que a exequente tivesse criado no embargante uma expectativa, sólida e fundada, de que teria renunciado ao direito cambiário titulado pelas livranças dadas à execução e que constituem os títulos executivos.</font>
</p><p><font>Como tal, não pode ter colocado o embargante numa situação de confiança, desenvolvendo nele uma crença legítima de que aquelas livranças não seriam executadas.</font>
</p><p><font>Ao invés, a exequente enviou-lhe duas cartas, em 6/3/2018, que o embargante recebeu no dia 6 seguinte, a informá-lo do preenchimento das letras, com a data de vencimento de 14/7/2017.</font>
</p><p><font>Não consta dos factos provados (e só estes podemos ter aqui em consideração) a data de vencimento da obrigação da(s) relação(ões) subjacente(s) – contratos de emissão de garantia bancária. Deles resulta apenas, quanto a esta matéria, que a exequente honrou as garantias bancárias descritas, em 16/10/2009 e 22/9/2009, respectivamente, (cfr. factualidade provada sob o n.º 8) e que, não tendo recebido o reembolso, a exequente preencheu as livranças e deu-as à execução (cfr. n.º 9).</font>
</p><p><font>Resulta, ainda, da factualidade provada sob o n.º 10 que as partes acordaram sobre a forma e oportunidade de preenchimento das livranças entregues em branco, aquando da celebração dos contratos de emissão de garantia bancária, autorizando a Caixa a preencher as livranças “</font><b><u><font>quando tal se mostre necessário, a juízo da própria Caixa</font></u></b><font>”, tendo em conta, nomeadamente, que “a </font><b><font>data de vencimento será fixada pela Caixa em caso de incumprimento pelos devedores</font></b><font>” [cfr. cláusulas 12.2 e 12.3, al. a)]</font><a><u><sup><font>[13]</font></sup></u></a><font>.</font>
</p><p><font>Segundo esta cláusula, competia à Caixa/exequente fixar a data de vencimento, em caso de incumprimento pelos devedores, sem necessidade de interpelação.</font>
</p><p><font>Nela, não foi fixada qualquer data de vencimento da obrigação. Apenas se estipulou que a fixação da data de vencimento dependia do incumprimento pelos devedores. Fez-se, assim, depender a fixação do prazo da prestação pela credora do incumprimento pela sociedade devedora (Creatix), o que equivale a dizer que as partes estipularam sobre o prazo da prestação, dando-lhe uma feição suspensiva e determinando o momento a partir do qual o seu cumprimento era exigível, embora fazendo-o depender de um acontecimento futuro e incerto (cfr. art.º 270.º do Código Civil).</font>
</p><p><font>Assim, não se pode afirmar que se trata de obrigações puras contempladas no art.º 777.º, n.º 1, do Código Civil, ou seja, aquelas para as quais não foi fixado um termo de vencimento ou exigibilidade, ficando dependente, para se considerarem vencidas e exigíveis, do acto da interpelação do devedor pelo credor. </font>
</p><p><font>Mas daqui não decorre a exigência dessa interpelação, em face do que foi estipulado, pois as partes acordaram que o preenchimento das livranças ficaria</font><b><font> </font></b><font>“a juízo da própria Caixa”, desde que verificado o incumprimento dos devedores.</font>
</p><p><font>É certo que o incumprimento ocorreu, como todos aceitam, embora em data que os factos provados não revelam, e que não se mostra provado que a Caixa tivesse fixado a data do vencimento das obrigações. Mostra-se provado apenas que apôs a data de 14/7/2017 como vencimento das livranças e que honrou as garantias bancárias em 22/9/2009 e 16/10/2009, tendo, em consequência, na falta de reembolso, preenchido as livranças que deu à execução.</font>
</p><p><font>Admitindo que o incumprimento ocorreu por altura do pagamento das garantias por parte da Caixa e não obstante entre essas datas e a data que apôs nas livranças terem decorrido quase oito anos, afigura-se-nos que ela não abusa do direito ao preenchê-las nesses termos e ao dá-las à execução, exercendo os direitos que lhes conferem esses títulos executivos.</font>
</p><p><font>Com efeito, nem esse período de tempo pode ser considerado um não exercício prolongado do direito, nem ele é susceptível de gerar no embargante uma situação de confiança. Muito menos esta pode ser considerada legítima. </font>
</p><p><font>O não-exercício durante esse período não permite a uma pessoa normal, colocada na posição do embargante, desenvolver a crença legítima de que a responsabilidade decorrente da prestação do aval não mais era exercida. Consequentemente, não pode afirmar-se que o embargante tenha sido investido numa situação de confiança em termos de merecer protecção e assim evitar o sofrimento de danos dificilmente reparáveis ou compensáveis.</font>
</p><p><font>Sobre uma cláusula do mesmo teor e a propósito do preenchimento abusivo das livranças ali em causa, no acórdão do STJ de 4/7/2019, processo n.º 4762/16.5T8CBR-A.C1.S1</font><a><u><sup><font>[14]</font></sup></u></a><font>, escreveu-se:</font>
</p><p><font>«Tendo a exequente embargada ficado autorizada a, de acordo com o seu próprio juízo, preencher a data de vencimento das livranças em função do incumprimento das obrigações pela devedora “ou para efeitos de realização do respectivo crédito”, não é possível concluir-se que aquela exequente – ao apor nas livranças a data de …, mais de três anos ulterior em relação à declaração de insolvência da devedora, e alguns meses anterior à acção executiva – incorreu em preenchimento abusivo. Por outras palavras, a ampla margem de discricionariedade concedida à portadora das livranças nos respectivos pactos de preenchimento não permite considerar-se verificado o invocado preenchimento abusivo.</font>
</p><p><font>Acresce que, mesmo que os termos acordados não atribuíssem à exequente tal margem de discricionariedade, atento o regime normativo da prescrição, sempre seria discutível se o simples decurso do tempo sem exigência do cumprimento das obrigações bastaria para configurar uma situação de abuso do direito.»</font>
</p><p><font>E acrescenta em sentido negativo o acórdão deste Supremo Tribunal de 19/10/2017, processo n.º 1468/11.5TBALQ-B.L1.S1, já acima citado.</font>
</p><p><font>Afigura-se-nos, assim, que o mero decurso do tempo entre o vencimento da obrigação subjacente e a data aposta como data de vencimento na obrigação cartular não configura o pretenso abuso de direito.</font>
</p><p><font>As livranças dadas à execução foram entregues em branco, apenas com as assinaturas da subscritora e dos avalistas, acompanhadas dos aludidos contratos, assinados por estes, onde, além do mais, consta um pacto de preenchimento, autorizando a exequente a preenchê-las, fixando o vencimento e os montantes, logo que alguma obrigação deixasse de ser cumprida.</font><br>
</p><p><font>Dado que as referidas livranças foram dadas à execução pela sua beneficiária, depois de ter completado o seu preenchimento, e tendo o avalista/embargante intervindo no pacto de preenchimento, o que permite situá-lo no domínio das relações imediatas, pode este, não obstante a sua responsabilidade ser autónoma, discutir questões relacionadas com o pacto de preenchimento e a eventual verificação da excepção do preenchimento abusivo, como tem admitido a jurisprudência deste Tribunal, de forma pacífica e reiterada</font><a><u><sup><font>[15]</font></sup></u></a><font>, sendo que sempre lhe competia alegar e provar, oportunamente, os factos integradores de tal excepção peremptória</font><a><u><sup><font>[16]</font></sup></u></a><font> (cfr. art.ºs 576.º, n.º 3 do CPC e 342.º, n.º 2 do C. Civil).</font><br>
</p><p><font>À exequente basta a não demonstração pelo demandado de que o pacto de preenchimento foi incumprido, que o título ainda não se encontra em circulação, valendo-lhe, no mais, os critérios de incorporação, literalidade, autonomia e abstracção.</font><br>
</p><p><font>No presente caso, o embargante não provou que o pacto de preenchimento foi incumprido. Ao invés, provou-se que o preenchimento das livranças foi efectuado em conformidade com o que haviam acordado nos contratos que estiveram subjacentes à sua emissão.</font><br>
</p><p><font>Não tendo o embargante provado, como lhe competia, que a exequente incumpriu o mesmo pacto de preenchimento, valem todos os elementos inscritos nas livranças, atentas as características de que goza, enquanto título de crédito cambiário, ou seja, da incorporação, literalidade, autonomia e abstracção.</font>
</p><p><font>Pelas razões que se deixaram expostas, afigura-se-nos que não se verificam os pressupostos da aplicação da figura do abuso de direito, porquanto não se vislumbra qualquer das supra mencionadas situações excepcionais ou de limite.</font>
</p><p><font>A exequente, ao instaurar a execução com base nas livranças avalizadas pelo executado/embargante, preenchida em conformidade com o acordado entre ela, a subscritora e o próprio avalista, não pretende alcançar um fim contrário à lei, mas obter um resultado que a lei lhe confere.</font>
</p><p><font>E o exercício desse direito não constitui, de forma alguma, uma ofensa do sentimento jurídico socialmente dominante, muito menos clamorosa.</font>
</p><p><font>Daí que não possa beneficiar do invocado abuso de direito.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> Destarte, sem mais considera | [0 0 0 ... 0 1 0] |
fjJnu4YBgYBz1XKvggJI | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><font> </font><div><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça – 1.ª Secção</font><a><u><sup><font>[2]</font></sup></u></a><font>:</font></div><br>
<br>
<font> </font><br>
<p><font>I. Relatório</font><br>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>O </font><b><font>Município da Trofa</font></b><font> deduziu os presentes embargos de executado contra a sociedade </font><b><font>J. Soares Correia - Armazéns de Ferro, S.A.,</font></b><font> pedindo a extinção da execução ordinária que esta lhe moveu para pagamento de quantia certa.</font><b><font> </font></b>
</p><p><font>Para tanto, alegou, em síntese, a inexistência de título executivo, por ter respondido à notificação para a penhora de créditos e por ter feito o pagamento das quantias que devia directamente à credora primitiva, Construções Europa Ar-Lindo, S.A., na sequência de notificação efectuada pelo Administrador Judicial Provisório para proceder nesse sentido, no âmbito do processo especial de revitalização (PER), por esta requerido, o qual também conduziu à extinção da execução contra essa credora e, logo, à extinção das penhoras (designadamente da penhora de créditos) e, bem assim, a inexistência do crédito cuja natureza não permite a sua penhora. </font><br>
</p><p><font>A exequente/embargada apresentou contestação, onde, depois de reduzir à quantia exequenda o valor que recebeu noutra execução em que era executada a credora Construções Europa Ar-Lindo, S.A., impugnou parte da factualidade invocada pelo embargante e a totalidade das consequências jurídicas que este lhe atribui. Formulou ainda um pedido de indemnização contra o embargante, estribando-se no artigo 777.º, n.º 4 do Código de Processo Civil, no valor equivalente ao da quantia exequenda. </font><br>
</p><p><font>Na audiência prévia realizada, a quantia exequenda foi reduzida para 444.509,56 €, foi proferido despacho saneador tabelar, bem como foi identificado o objecto do litígio e foram enunciados os temas de prova, sem reclamações.</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font>Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida </font><b><font>sentença, </font></b><font>onde os embargos foram julgados totalmente </font><b><font>improcedentes</font></b><font>, tendo sido determinado o normal prosseguimento da execução quanto ao Embargante.</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font>O executado/embargante interpôs recurso de </font><b><font>apelação </font></b><font>e a embargada</font><b><font> </font></b><font>ampliou o seu objecto.</font><br>
</p><p><font>O Tribunal da Relação …, por </font><b><font>acórdão</font></b><font> de 3/12/2020, julgou “</font><b><i><font>a apelação totalmente procedente e a ampliação do recurso totalmente improcedente</font></i></b><font>” e, em 0consequência, revogou a sentença recorrida e julgou os embargos de executado </font><b><font>procedentes,</font></b><font> “</font><b><i><font>extinguindo-se a execução intentada contra o embargante</font></i></b><font>”.</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font>Inconformada, desta vez, a embargada/exequente interpôs recurso de </font><b><font>revista</font></b><font> e apresentou as correspondentes alegações que terminou com as seguintes </font><u><font>conclusões:</font></u><br>
</p><p><i><font> “1. A Recorrente dispõe de título executivo bastante para executar o Município da Trofa, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 777.º do C.P.C, devendo a presente execução prosseguir a sua normal tramitação, em ordem a fazer-se pagar do seu crédito.</font></i><br>
</p><p><i><font>2. O título dado à execução nos presentes autos é judicial impróprio e atípico, pela sua peculiar formação, constituído em sede de procedimento cautelar de arresto.</font></i><br>
</p><p><i><font>3. O arresto de créditos que um devedor tenha sobre uma terceira entidade implica que esta, dele notificada, fique inibida de realizar quaisquer pagamentos directamente ao seu credor, antes a vinculando, após o vencimento das obrigações inerentes, a disponibilizar as quantias de que é devedora, nos termos do n.º 1 do artigo 777.º do C.P.C..</font></i><br>
</p><p><i><font>4. No caso vertente, o Município da Trofa, notificado da ordem judicial de arresto de créditos “vencidos e futuros” de que era titular a Construções Europa Ar-Lindo, S.A. (em 18/06/2014), reconheceu a existência do crédito (em 25/06/2014) e, entre 05 de Agosto de 2014 e 30 de Outubro de 2014, pagou-lhe directamente € 512.932.13 (quinhentos e doze mil novecentos e trinta e dois euros e treze cêntimos).</font></i><br>
</p><p><i><font>5. Ao arresto aplicam-se as normas relativas à penhora (artigos 622.º, n.º 2 do C.C. e</font></i><br>
</p><p><i><font>391.º, n.º 2 do C.P.C.), in casu, à penhora de créditos (artigo 773.º e seguintes C.P.C.).</font></i><br>
</p><p><i><font>6. A obrigação ínsita no n.º 1 do artigo 777.º do C.P.C. é independente da evolução processual do arresto ou da penhora, pelo que, uma vez constituída (e não sobrevindo causa impeditiva ou extintiva), persiste na esfera jurídica do seu obrigado, com o inerente risco de execução.</font></i><br>
</p><p><i><font>7. O Município da Trofa, terceiro devedor, submeteu-se à execução que lhe foi instaurada em virtude do reconhecimento do crédito e do incumprimento da notificação que lhe foi dirigida, impeditiva da realização de pagamentos à sua credora, que assim se têm por ineficazes em relação ao requerente do arresto (artigo 622.º, n.º 1 do C.C.) e não liberatórios da sua execução.</font></i><br>
</p><p><i><font>8. A execução prevista no n.º 3 do artigo 777.º do CPC, instaurada contra o terceiro devedor, é instrumental relativamente à primitiva, instrumentalidade que implica, do ponto de vista da segunda execução, cumulada à principal, que possa ser afectada por qualquer vicissitude substantiva que no âmbito da primitiva ocorra, desde que concernente com a própria subsistência do crédito original, determinando a extinção do crédito a extinção da execução (cumulada ou derivada) que estava ao seu serviço.</font></i><br>
</p><p><i><font>9. No caso vertente, o crédito da Recorrente sobre a Construções Europa Ar - Lindo, S.A. não está nem nunca foi colocado em crise, posto que esta entidade o reconheceu na confissão de dívida que constitui o título executivo dado à primitiva execução; confessou-o integralmente na execução contra si instaurada, e, inclusivamente, relacionou-o com precisão no âmbito do 2.º PER a que se apresentou.</font></i><br>
</p><p><i><font>10. Obstáculo algum existe, face ao sobredito, à execução que a Recorrente, em cumulação com a instaurada contra a sua devedora primitiva, promoveu contra o Município da Trofa, munida que estava e está, de um título executivo regularmente constituído, apenas se concedendo que o dito Município, em sede de embargos, pudesse eximir-se da sua obrigação se houvesse demonstrado que o crédito da Recorrente não existia, ou existia em valor manifestamente inferior ao executado, o que, como dos autos se mostra provado, não sucedeu.</font></i><br>
</p><p><i><font>11. Instaurada a execução, o acesso aos valores nesta obtidos, encontra-se sujeito ao</font></i><br>
</p><p><i><font>regime do n.º 5 do artigo 777.º do CPC, que remete para os n.ºs 3 e 4 do artigo 779.º do mesmo Código.</font></i><br>
</p><p><i><font>12. E a tal não perturba, não obsta nem afecta o 2.º PER a que se apresentou a Construções Europa Ar-Lindo, S.A., cujos efeitos processuais decorrentes do artigo 17.º-E do CIRE se circunscrevem à devedora revitalizanda.</font></i><br>
</p><p><i><font>13. A finalidade última do Processo Especial de Revitalização é evitar a insolvência da</font></i><br>
</p><p><i><font>devedora, sempre iminente, mas não desresponsabilizar os (seus) garantes, nem eximir os que, consigo mas de modo autónomo, se tornaram igualmente devedores, como no vertente caso.</font></i><br>
</p><p><i><font>14. Concluindo: o Município da Trofa é executado, por razões que lhe são imputáveis,</font></i><br>
</p><p><i><font>condição que criou ao incumprir uma ordem judicial, devendo o montante penhorado nesta execução, cuja manutenção e prossecução se pretende, ser afecto à Recorrente, que assim será ressarcida.</font></i><br>
</p><p><i><font>15. Ante o que vai dito, mostra-se violado o disposto nos artigos 391.º, 773.º, 777.º, e 779.º do Código de Processo Civil, 622.º do Código Civil e 17.º - E CIRE, devendo o Acórdão recorrido ser revogado.</font></i><br>
</p><p><i><font>Por tudo quanto o exposto, entende a Recorrente dever o douto Acórdão recorrido ser revogado, confirmando-se a decisão da primeira instância, que se deve manter na íntegra,</font></i><br>
</p><p><i><font>Assim se fazendo inteira JUSTIÇA!”</font></i><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font>O embargante Município contra-alegou, pugnando pela confirmação do acórdão recorrido, e ampliou, a título subsidiário, o objecto do recurso, apresentando as seguintes </font><u><font>conclusões</font></u><font>:</font>
</p><p><font>“</font><i><font>1. Os documentos dados à execução pela Recorrida na “cumulação” de execução são constituídos pela decisão de arresto e por uma notificação de penhora de crédito, com a menção de não “depósito” da quantia penhorada, não constituem título executivo - actos provados sob os pontos 6 e 28.</font></i>
</p><p><i><font>2. O arresto decretado nunca foi convertido em penhora, pelo que não constitui título</font></i>
</p><p><i><font>executivo para concretização de penhora, como o obriga o artº 762º CPC.</font></i>
</p><p>
</p><p><b><i><font>Ampliação do objecto do recurso</font></i></b>
</p><p><i><font>3. Extinta a execução, por via do PER, esta obrigação de garantia do Município Embargante também se extingue.</font></i>
</p><p><i><font>4. A notificação remetida pelo Agente de execução não cumpre os requisitos legais, pois</font></i>
</p><p><i><font>que refere a indicação do processo como sendo procedimento cautelar de arresto e a ordem comunicada é a penhora de crédito vencido e futuro – factos provados nos pontos 7,13,14,17 e 25 e tem que ser clara e perceptível pra o destinatário, sob pena de não constituir base de título.</font></i>
</p><p><i><font>5. Os erros de numeração dos processos, a errada notificação para a penhora em vez de arresto de créditos, e o erro de referência a penhora e arresto dirigida ao Embargante das aludidas notificações retira-lhe validade e eficácia e inviabilizam a sua transformação em título executivo (ainda que impróprio).</font></i>
</p><p><i><font>6. O procedimento cautelar de arresto foi objecto de prolação de despacho julgando a extinção da respeciva instância por inutilidade da lide em virtude da homologação do referido PER, o que determina a ineficácia da decisão de arresto nele proferida, a qual não existe na ordem jurídica.</font></i>
</p><p><i><font>7. A segunda execução está dependente e sujeita a quaisquer vicissitudes que aconteçam na acção executiva principal, devendo beneficiar da extinção da instância por inutilidade superveniente da lide ocorrida no procedimento cautelar de arresto.</font></i>
</p><p><i><font>8. O PER instaurado pela Executada Construções Europa Ar Lindo, SA foi homologado por sentença transitada em julgado no processo nº 8345/18......., o que determina a insubsistência do putativo título executivo.</font></i>
</p><p><i><font>9. Extinta a execução, por via do PER, esta obrigação de garantia do Município Embargante também se extingue.</font></i>
</p><p><i><font>10. O impedimento de o credor propor qualquer acção de cobrança de dívidas, previsto</font></i>
</p><p><i><font>no art. 17º-E, n.º 1, do CIRE, vigora também no enxerto de execução contra o Embargante.</font></i>
</p><p><i><font>11. A execução enxertada contra o Embargante é o resultado da primitiva, não uma nova execução.</font></i>
</p><p><i><font>12. Como consta do ponto 6 dos factos provados o Embargante, em 18/06/2014, foi notificado do «arresto dos créditos vencidos e futuro que a requerida "CONSTRUÇÕES EUROPA AR LINDO, SA" NIF 503335207, detinha sobre ele em consequência dos contratos de empreitada, até ao montante de €599.083,56 e não se remeteu ao silêncio.</font></i>
</p><p><i><font>13. O Embargante celebrou contratos de empreitada de obra pública com a Construções Europa Ar-Lindo, S.A., que é sinalagmático e do qual emergem mútuos deveres de prestações com cariz de correspectividade.</font></i>
</p><p><i><font>14. O Município da Trofa não tinha sobre a executada Europa Ar Lindo, Ldª qualquer</font></i>
</p><p><i><font>dívida penhorável, nem esta era titular de qualquer direito de crédito penhorável sobre aquele – como consta do ponto 7 dos factos provados.</font></i>
</p><p><i><font>Nestes termos e com o douto suprimento do omitido deve ser negado provimento ao recurso, de Revista e, se for caso disso, prevenindo a necessidade de sua apreciação, a título</font></i>
</p><p><i><font>subsidiário, a Recorrente peticiona a ampliação do objecto do recurso.”</font></i>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>O mesmo embargante interpôs, ainda, recurso subordinado para o caso de se entender que não há lugar à ampliação do objecto do recurso que formulou, afirmando que ele “</font><i><font>coincide com o pedido de ampliação do objeto de recurso de Revista da Recorrente J. Soares Correia, Ldª, que foi formulado pelo Município da Trofa nas contra-alegações de Revista</font></i><font>”.</font>
</p><p><font>A embargada respondeu suscitando a questão prévia da inadmissibilidade do recurso subordinado e, sendo admissível, pugnando pela sua improcedência.</font>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font>O recurso subordinado foi rejeitado, por não ser legalmente admissível, uma vez que o recorrente não ficou vencido na apelação, podendo apenas ampliar o objecto do recurso de revista, o que aliás fez (cfr. art.ºs 633.º, n.º 1 e 636.º, n.º 1, ambos do CPC).</font><br>
</p><p><font>O recurso interposto pela embargada/apelada foi admitido como de revista, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo, modo de subida e efeito que foram mantidos pelo Relator no despacho liminar.</font>
</p><p><font>Tudo visto, cumpre apreciar e decidir o mérito do presente recurso.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Sabido que o seu objecto e âmbito estão delimitados pelas conclusões dos recorrentes, nos termos supra referidos e do disposto nos art.ºs 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, todos do CPC, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser em situações excepcionais de conhecimento oficioso, e tendo presente que se apreciam questões e não razões, as questões que importa dirimir consistem em saber:</font>
</p><p><font>1. Se foi formado título executivo pelo crédito arrestado, nos termos do art.º 777.º, n.º 3, do CPC, o que pressupõe indagar sobre o regime do arresto de créditos;</font>
</p><p><font>2. Quais os efeitos do 2.º PER (a que se apresentou a executada Construções Europa Ar-Lindo, SA.) na execução instaurada contra o embargante Município da Trofa; </font>
</p><p><font>3. Subsidiariamente, no âmbito da ampliação deduzida:</font>
</p><p><font>a) quais as consequências do 1.º PER no arresto;</font>
</p><p><font>b) e se inexistia o crédito arrestado.</font>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font>II. Fundamentação</font><br>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>1. De facto </font><br>
</p><p><font>No acórdão recorrido, reproduzindo os da sentença (que foram mantidos após reapreciação da matéria de facto impugnada), foram dados como </font><u><font>provados</font></u><font> os seguintes factos: </font><br>
</p><p><font>1. O Embargante Município da Trofa, na sequência de concurso público, celebrou dois contratos de empreitada de obra pública com um consórcio, do qual fez parte a Construções Europa Ar-Lindo, S.A., das "Requalificação Urbana dos parques Nª Srª das Dores e Dr. Lima Carneiro" e "Requalificação das margens ribeirinhas do Rio Ave-Parque das Azenhas".</font><br>
</p><p><font>2. A execução dessas obras obedece a um mapa de trabalhos, que são objeto de autos de medição dos respetivos valores com uma periodicidade mensal, bimensal ou trimestral.</font><br>
</p><p><font>3. Após a execução de trabalhos, esses autos de medição dos mesmos são elaborados, após o que ocorre a emissão da inerente (aos mesmos autos) fatura, que deverá ser paga pelo dono da obra (aqui embargante).</font><br>
</p><p><font>4. Embargada/Exequente J. Soares Correia - Armazéns de Ferro, S.A. intentou, em 26 de maio de 2014, contra Construções Europa Ar-Lindo, S.A. o Procedimento Cautelar de Arresto ao qual veio a ser atribuído o n.º 2850/14......., e que correu termos pela ora extinta Vara Competência Mista ….. – cfr. requerimento inicial a fls. 2-51do agora apenso A.</font><br>
</p><p><font>5. No âmbito do Procedimento Cautelar de Arresto n.º 2850/14....... foi proferida decisão, em 11 de junho de 2014, que julgou procedente a providência e decretou o arresto, ao que ora interessa, dos:</font><br>
</p><p><font>«</font><i><font>1-Direito(s) de créditos, vencidos e futuros cujo(s) exacto valor(es) e data(s) de vencimento se desconhecem, que a Requerida detém sobre as seguintes entidades: Câmara Municipal da Trofa, sita da Rua Imaculada Conceição, 4785-684 Trofa</font></i><font>» - cfr. fls. 79-83 do agora Apenso A.</font><br>
</p><p><font>6. No dia 17/06/2014 o Sr. (ª) Agente de Execução nomeado no âmbito do Procedimento Cautelar de Arresto n.º 2850/14....... remeteu ao Município da Trofa a notificação que se encontra junta ao ora Apenso A, sob a ref.ª 4391054 de 28/06/2014, que este rececionou em 18/06/2014 (cfr. junto ao Apenso A em 12/07/2014 sob a ref.ª 4404554) com o seguinte teor:</font><br>
</p><p><font>«</font><i><font>FUNDAMENTO DA NOTIFICAÇÃO</font></i><br>
</p><p><i><font>Fica(m) pela presente formalmente notificado(s) que, nos termos do 773º do Código do Processo Civil (CPC), se considera penhorado o crédito, vencido e futuro, cujo exato valor e data de vencimento se desconhece, que a requerida "CONSTRUÇÕES EUROPA AR LINDO, SA" NIF 503335207, detém sobre V. Exas na sequência de empreitadas, ficando o referido crédito à ordem do signatário, até ao montante de €599.083, 56 tudo conforme ordenado pelo M.mo Juiz de Direito na providência cautelar de arresto supra identificada.</font></i><br>
</p><p><i><font>INFORMAÇÕES COMPLEMENTARES</font></i><br>
</p><p><i><font>No prazo de DEZ DIAS deve(m) declarar se o crédito existe, quais as garantias que o acompanham, em que data se vence e quaisquer outras circunstâncias que possam interessar à execução. Não podendo ser feitas no ato da notificação, serão as declarações prestadas, por meio de termo ou de simples requerimento dirigido ao signatário, no prazo de DEZ DIAS, prorrogável com fundamento justificado.</font></i><br>
</p><p><i><font>Fica(m) advertidos do seguinte:</font></i><br>
</p><p><i><font>a) Se nada disser(em), entende-se que reconhece(m) a existência da obrigação, nos termos da indicação do crédito à penhora;</font></i><br>
</p><p><i><font>b) Se faltar(em) conscientemente à verdade, incorre(m) na responsabilidade do litigante de má fé.</font></i><br>
</p><p><i><font>ADVERTÊNCIAS</font></i><br>
</p><p><i><font>Mais se adverte que nos termos do nº 3 do artigo 777º do Código Processo Civil, "não sendo cumprida a obrigação, pode o exequente ou o adquirente exigir a prestação, servindo de título executivo a declaração de reconhecimento do devedor, a notificação efetuada e a falta de declaração ou o título de aquisição do crédito."»</font></i><br>
</p><p><font>7. No dia 25/06/2014, o Município da Trofa respondeu à notificação referida no n.º anterior, nos seguintes termos:</font><br>
</p><p><font>«</font><i><font>No seguimento do solicitado através da Notificação para Penhora de Crédito no âmbito do Processo 2850/14....... (…), vimos por este meio informar V. Exa., que na presente data existe um crédito no valor de €106.159, 65€, com vencimento no dia 30/07/2014, perante o executado.</font></i><br>
</p><p><i><font>No entanto, esse valor já se encontra penhorado na Notificação – Arresto de Créditos no âmbito do Proc. n.º 2073/14......(............ – tribunal Judicial ..º Juízo Cível)</font></i><font>» - cfr. requerimento junto ao Apenso A em 12/07/2014 sob a ref.ª 4404554.</font><br>
</p><p><font>8. Na sequência dessa resposta o Sr. (ª) Agente de Execução, em 25/06/2014, remeteu um email ao Município da Trofa esclarecendo que:</font><br>
</p><p><i><font>«(…) o signatário tem conhecimento que a requerida continua na execução de uma empreitada no vosso município, pelo que, é perfeitamente expectável que os referidos créditos continuem a vencer-se;</font></i><br>
</p><p><i><font>(…) os créditos futuros deverão considerar-se arrestados por força do despacho judicial proferido nos autos supra identificados</font></i><font>.» - cfr. requerimento junto ao Apenso A em 12/07/2014 sob a ref.ª 4404554.</font><br>
</p><p><font>9. A Executada (primitiva) Construções Europa Ar-Lindo, S.A. apresentou-se a Processo Especial de Revitalização, com o nº 3729/14....... (1º PER), que corre(u) termos pela Instância Local ....., Secção Cível J.., tendo sido proferido, em 15/07/2014, despacho de nomeação de Administrador Judicial Provisório – cfr. doc. de fls. 105-106 do apenso A.</font><br>
</p><p><font>10. No dia 22/07/2014 foi remetido ao departamento de contabilidade do Município da Trofa, em nome do Sr. Administrador Judicial Provisório nomeado à Construções Europa Ar-Lindo, S. A., AA, um email pelo qual informava a pendência do PER acima referido, e do qual constava, designadamente o seguinte:</font><br>
</p><p><font>«</font><i><font>foi-nos comunicado pela devedora a retenção de valores de que esta é credora para pagamento de dívida anteriores à data de entrada do PER.</font></i><br>
</p><p><i><font>Alerta-se desde já que a retenção de valores, além de ilegítima e ilegal, é passível de colocar em causa o normal prosseguimento da actividade da sociedade, nomeadamente, o pagamento de obrigações em curso e imprescindíveis à reestruturação no âmbito do presente processo.</font></i><br>
</p><p><i><font>Assim, deverão ser tomadas as providencias adequadas para que cessem as referidas retenções e se procedam à entrega à empresa Construções Europa Ar-Lindo, S.A. dos valores indevidamente retidos.</font></i><br>
</p><p><i><font>Mais se solicita o envio, com a maior urgência, dos posteriores comprovativos de transferência daqueles valores.</font></i><font>» - cfr. doc. junto com o req. de 29/11/2018 sob a ref.ª 7917567 fls. 873-874.</font><br>
</p><p><font>11. No dia 01/08/2014 o Sr. Administrador Judicial Provisório nomeado à Construções Europa Ar-Lindo, S.A., AA, apresentou, no âmbito do Procedimento Cautelar de Arresto 2850/14....... o requerimento sob a ref.ª 4435450 (a fls. 101-107 do apenso A), requerimento pelo qual requereu:</font><br>
</p><p><font>«</font><i><font>em face do Processo Especial de Revitalização requerido pela aqui Requerida:</font></i><br>
</p><p><i><font>a) seja determinada a suspensão de quaisquer diligências de arresto ou outras providências que atinjam os bens integrantes da devedora;</font></i><br>
</p><p><i><font>b) sejam notificadas as entidades junto dos quais havia sido requerido o arresto e/ou apreensão de créditos da devedora no sentido de cessaram as referidas retenções e apreensões e que deverão proceder ao normal pagamentos desses valores à aqui Requerida</font></i><font>.»</font><br>
</p><p><font>12. A Requerente, ora Embargada J. Soares Correia - Armazéns de Ferro, S.A. pronunciou-se, em 04/08/2014, quanto ao requerimento do Sr. Administrador Judicial Provisório, opondo-se à notificação das entidades a quem havia sido comunicado o arresto para o normal pagamento à Requerida (Construções Europa Ar-Lindo, S. A.) dos valores arrestados – cfr. ref.ª 4436525, a fls.</font><br>
</p><p><font>13. No dia 07/11/2014, no âmbito do Procedimento Cautelar de Arresto 2850/14....... foi proferido o seguinte despacho:</font><br>
</p><p><font>«</font><i><font>Após o decretamento do arresto no âmbito dos presentes autos (decisão da qual a requerida não recorreu nem deduziu oposição) a requerida Construções Europa Ar-Lindo, S.A., apresentou Processo Especial de Revitalização, que corre termos sob o nº 3729/14......., no ..º Juízo Cível deste Tribunal, e no qual foi proferido o despacho a que alude a al. a) do n.º 3 do artigo 17.º-C do CIRE.</font></i><br>
</p><p><i><font>De acordo, com o estipulado no n.º 1 do artigo 17.º-E do CIRE, tal despacho obsta à instauração de quaisquer acções para cobrança de dívidas contra o devedor e, durante o tempo em que perdurarem as negociações, suspende, quanto ao devedor, as acções em curso com idêntica finalidade.</font></i><br>
</p><p><i><font>Nesta conformidade, determino a suspensão dos presentes autos de arresto, significando tal suspensão que o arresto decretado se mantém, até decisão definitiva no PER.</font></i><br>
</p><p><i><font>Pelo exposto, e nos termos requeridos, determina-se a notificação do Município da Trofa (e apenas a este, atendendo à cessão de créditos da Câmara de Lisboa e à cessão da posição contratual de Almada) para que suspenda a realização de qualquer pagamento à Requerida, aguardando-se pelo termo das negociações, para ulterior determinação da entidade receptora dos pagamentos.</font></i><br>
</p><p><i><font>Notifique</font></i><font>.» – cfr. ref.ª 136...55;</font><br>
</p><p><font>14. Despacho esse que foi notificado ao Município da Trofa em 10/11/2014 – cfr. ref.ª 136...18.</font><br>
</p><p><font>15. Em 05/02/2015 no âmbito do Processo Especial de Revitalização, com o nº 3729/14....... (1º PER) foi proferido despacho de recusa de homologação do Plano de Revitalização apresentado pela Construções Europa Ar-Lindo, S. A., o qual transitou em julgado em 16/06/2015 – cfr. 93 e 94 dos autos.</font><br>
</p><p><font>16. Por despacho proferido em 20/05/2015, no âmbito do Procedimento Cautelar de Arresto n.º 2850/14....... foi ordenado «</font><i><font>Não tendo sido homologado o plano de revitalização da requerida, sendo que o recurso de tal decisão tem efeito meramente devolutivo, determino o prosseguimento dos presentes autos.</font></i><font>» - cfr. ref.ª 140254406.</font><br>
</p><p><font>17. Por requerimento junto ao Procedimento Cautelar de Arresto, em 03/06/2015, o Sr. Agente de Execução informou os autos que, em 22-05-2015, notificou a Câmara Municipal da Trofa para, de imediato, prosseguir com o arresto de créditos, em virtude, do PER não ter sido judicialmente homologado e ter sido ordenado o prosseguimento dos autos, e que o Município da Trofa não respondeu – ref.ª 1783253.</font><br>
</p><p><font>18. Por requerimento de 05/06/2015, junto a fls. 267 do processo físico, a Requerente J. Soares Correia - Armazéns de Ferro, S.A., veio expor e requerer:</font><br>
</p><p><font>«</font><i><font>1. Não compreende, nem aceita a Requerente, a falta de resposta da Câmara da Trofa ante o que lhe foi ordenado,</font></i><br>
</p><p><i><font>2. Incompreensão tanto maior quanto já sabe aquela entidade que os créditos da Requerida se encontram arrestados desde o ano passado,</font></i><br>
</p><p><i><font>3. Impondo-se-lhe agora, tal qual judicialmente determinado, e finda a longa suspensão de pagamentos que lhe foi determinada, proceder à sua imediata entrega a quem de direito.</font></i><br>
</p><p><i><font>4. Requer-se, assim, face ao expendido, a V. Exa., ao abrigo do disposto no n.º 4 do artigo 773.º do C.P.C., se digne notificar a Câmara da Trofa com a expressa advertência da cominação ínsita em tal artigo, sem prejuízo do estatuído no n.º 5 do mesmo.</font></i><br>
</p><p><i><font>5. Mais requer a V. Exa., face à informação constante do requerimento de que, já após a notificação do arresto de créditos foram efetuados pagamentos pela Câmara da Trofa à Requerida, se digne notificar a mesma para que esclareça quais os valores pagos, as respetivas datas de pagamento e quem os ordenou, para os devidos e legais efeitos.»;</font></i><br>
</p><p><font>19. O que foi deferido, por despacho de 08/06/2015 que ordenou a notificação do Município da Trofa nos exactos termos requeridos, notificação essa que foi efetuada em 09/06/2015 - cfr. ref.ª 140711371 e 140773051;</font><br>
</p><p><font>20. O Município da Trofa não respondeu a tal notificação do Tribunal.</font><br>
</p><p><font>21. Em 06/07/2015, a J. Soares Correia - Armazéns de Ferro, S.A. intentou contra Construções Europa Ar-Lindo, S.A. a Execução Ordinária para pagamento da quantia de 599.083, 56 € (Quinhentos e Noventa e Nove Mil e Oitenta e Três Euros e Cinquenta e Seis Cêntimos) à qual foi atribuído o n.º 5836/15…… de que os presentes Embargos de Executado constituem apenso (C) – cfr. requerimento executivo junto à execução de que os presentes são apenso.</font><br>
</p><p><font>22. Por despacho de 14/07/2015, foi ordenada a remessa do Procedimento Cautelar de Arresto n.º 2850/14....... para apensação à Execução n.º 5836/15…… (autos principais), a correr termos na Instância Central – ..ª Secção de Execução, J.., ........, de que passou a constituir o apenso A.</font><br>
</p><p><font>23. No Procedimento Cautelar de Arresto, em 14/09/2015, foi proferido o seguinte despacho:</font><br>
</p><p><font>«</font><i><font>Nos termos do disposto no nº 4, do art.773º, do C.P.C., entende-se que a Câmara Municipal da Trofa reconhece a existência da obrigação, nos termos da indicação do crédito arrestado.</font></i><br>
</p><p><i><font>Notifique-se nos termos e para os efeitos do disposto no art.777º, do C.P.C.</font></i><br>
</p><p><i><font>Notifique a Câmara Municipal da Trofa do teor do requerimento de 06.07.2015 para, em 10 dias, se pronunciar sobre a requerida condenação em litigante de má fé.</font></i><font>» - cfr. ref.ª 142062865.</font><br>
</p><p><font>24. A Executada (primitiva) Construções Europa Ar-Lindo, S. A. apresentou-se a novo Processo Especial de Revitalização, com o n.º 7422/15....... (2º PER), que corre(u) termos pela Inst. Central de ............., .. Sec. Comércio – J.., tendo sido proferido, em 22/09/2015, despacho de nomeação de Administrador Judicial Provisório – cfr. fls. anúncio junto com o req. de 01/10/2015 sob a ref.ª …… ao apenso A.</font><br>
</p><p><font>25. O Município da Trofa, em requerimento de 28/09/2015, junto ao apenso A, expôs, designadamente, o seguinte:</font><br>
</p><p><font>«</font><i><font>O requerido Europa-Arlindo, SA, instaurou um novo PER que corre termos na Comarca de ....., Juiz de Comercio J.., ........ sob o n.º 7422/15.... .</font></i><br>
</p><p><i><font>A instauração deste novo PER determina a suspensão de instância do presente Procedimento Cautelar.</font></i><br>
</p><p><i><font>Pelo que, Município de Trofa estará legalmente impedido de proceder ao depósito da quantia peticionada nestes autos.</font></i><br>
</p><p><i><font>O Requerente cumpriu a ordem judicial de arresto e não procedeu ao pagamento do direito de crédito arrestado ao credor.</font></i><br>
</p><p><i><font>O requerente mantém a quantia arrestada na disponibilidade e á ordem do tribunal e até que receba despacho em sentido contrário.</font></i><br>
</p><p><i><font>O Requerente solicita a Vª Exª se digne decretar o que por bem entender no tocante à concretização do arresto, em face do aludido processo de PER</font></i><font>.»</font><br>
</p><p><font>26. Em 30/09/2015, a Exequente (ora Embargada) J. Soares Correia - Armazéns de Ferro, S.A. apresentou novo requerimento executivo para cumulação sucessiva com a Execução Ordinária n.º 5836/15……, de que estes embargos são apenso, contra o ora Embargante Município da Trofa e para pagamento da quantia de 599.083, 56 € (Quinhentos e Noventa e Nove Mil e Oitenta e Três Euros e Cinquenta e Seis Cêntimos);</font><br>
</p><p><font>27. Tendo exposto, nesse novo requerimento executivo, os seguintes</font><br>
</p><p><i><font>«Factos:</font></i><br>
</p><p><i><font>1. Por douta sentença proferida nos autos de procedimento cautelar cujos termos correm por apenso à execução a que os presentes se pretendem cumular, sob os autos de Proc. 5836/15…… (Tribunal da Comarca ..... - ............. - Instância Central - ..ª Secção de Execução – J..), foi decretado o arresto de créditos vencidos e futuros que a sociedade "Construções Europa Ar-Lindo, S.A." detém sobre a Câmara Municipal da Trofa, sita na Rua Imaculada Conceição, 4785-684 Trofa.</font></i><br>
</p><p><i><font>2. Em 18 de Junho de 2014 a Câmara Municipal da Trofa, ór | [0 0 0 ... 0 0 0] |
tDJsu4YBgYBz1XKvEwXp | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><font>Processo n.º 3495/19.5T8PRT.P1.S1</font><a><u><sup><font>[1]</font></sup></u></a><font> </font><div><br>
<b><font>*</font></b><font> </font>
<p><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça – 1.ª Secção</font><a><u><sup><font>[2]</font></sup></u></a><font>: </font>
</p><p></p></div><br>
<font>I. Relatório </font>
<p><b><font>AA</font></b><font> instaurou, em 12/2/2019, acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra</font><b><font> A400 − Projetistas e Consultores de Engenharia, Lda., </font></b><font>ambos melhor identificados nos autos,</font><b><font> </font></b><font>pedindo que esta seja condenada a pagar-lhe a quantia de 124.305,00 € (cento e vinte e quatro mil, trezentos e cinco euros), acrescida de juros de mora, desde a data da citação.</font>
</p><p><font>Para tanto, alegou, em resumo, o seguinte:</font>
</p><p><font>. Em 15/3/2006, o Autor celebrou com a Ré um contrato de gestão, coordenação e fiscalização da obra de construção de uma moradia, tendo esta R. assumido a respetiva responsabilidade por todas as fases do processo: a de projeto, a de consultas e de contratação e a fase da obra.</font>
</p><p><font>. Do projeto de licenciamento constava como técnico responsável pela direção técnica da obra o Eng. BB, ….. da Ré.</font>
</p><p><font>. Em 31/10/2008, foi lavrado auto de recepção provisória.</font>
</p><p><font>. Em 23/01/2009, o Autor deslocou-se à moradia em causa e deparou com uma inundação e com diversas deficiências, tendo solicitado ao Instituto da Soldadura da Qualidade a inspeção ao imóvel, de que resultou relatório descrevendo as diversas deficiências.</font>
</p><p><font>. A sociedade empreiteira EDITRAVANCA, encarregada da realização da obra, que a Ré deveria acompanhar, não reparou os aludidos defeitos, o que implicou que o Autor tivesse despendido € 41.091,95 em obras urgentes.</font>
</p><p><font>. O A. instaurou acção contra aquela empreiteira, mas esta não pagou a quantia em que ali foi condenada, acabando por ser declarada insolvente e encerrado o processo.</font>
</p><p><font>. Por sua vez, a Ré omitiu os deveres de acompanhamento da obra, não analisando os métodos de construção/execução, não verificando o cumprimento dos programas de trabalho da empreitada, não detetando as causas dos defeitos e não conformidades, não assegurando o padrão de qualidade definido nos diversos projetos, não fiscalizando as operações executadas pelo empreiteiro, sendo a R. responsável pelos prejuízos que advieram ao Autor.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>A Ré contestou, por excepção e impugnação. Invocou a sua ilegitimidade, o caso julgado, a caducidade do direito do Autor e a aprovação tácita da sua actuação por parte daquele. E alegou, em síntese, que o Autor e a esposa acompanharam o desenvolvimento da gestão e fiscalização por parte da Ré; que a Ré cumpriu a prestação a que estava obrigada; a qualidade da obra é um reflexo das opções estéticas e das escolhas e aplicação dos materiais que o Autor e sua esposa impuseram a par do orçamento mínimo que dispuseram para a obra. Concluiu pela improcedência da acção pedindo a condenação do Autor como litigante de má fé. </font>
</p><p><font>O Autor pronunciou-se pela improcedência das excepções deduzidas. </font>
</p><p><font>Na fase do </font><u><font>saneamento</font></u><font>, em 26/6/2019 foram julgadas improcedentes as excepções da ilegitimidade e do caso julgado e, </font><u><font>conhecendo do mérito</font></u><font>, foi a acção julgada </font><b><font>improcedente</font></b><font> e a Ré absolvida do pedido, bem como foi o Autor absolvido do pedido de condenação como litigante de má fé. </font>
</p><p><font>Inconformado, o Autor interpôs recurso de apelação que o Tribunal da Relação …, por </font><b><font>acórdão </font></b><font>de 19/5/2020, aprovado por unanimidade, julgou </font><b><font>improcedente</font></b><font>, confirmando a sentença recorrida. </font>
</p><p><font>Ainda irresignado, o Autor interpôs recurso de </font><b><u><font>revista excepcional</font></u></b><font>, a qual foi admitida pela Formação, por douto acórdão de 19 de Janeiro de 2021, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 do art.º 672.º do CPC. </font>
</p><p><font>O Autor/recorrente apresentou as respectivas alegações com as </font><u><font>conclusões</font></u><font> que aqui se transcrevem, na parte que pode relevar para a matéria ainda em causa:</font>
</p><p><i><font>«I – A decisão recorrida não deve manter-se, pois consubstancia uma solução que não consagra a justa aplicação das normas e princípios jurídicos competentes.</font></i>
</p><p><i><font>…</font></i>
</p><p><i><font>IV - As instâncias decidiram a questão ao arrepio do entendimento uniforme da jurisprudência e da doutrina (efeito reparador).</font></i>
</p><p><i><font>V - De acordo com a sentença proferida pelo Juízo Central Cível … - confirmada pelo Tribunal da Relação …. - foi a acção julgada totalmente improcedente, na medida em que ambas as instâncias entenderam que o Recorrente renunciou à indemnização na medida em que deram a conduta da Recorrida aprovada por meio do silêncio do Recorrente.</font></i>
</p><p><i><font>VI - Sucede, porém, que as duas instâncias decidiram em clara violação do disposto nos artigos 218º., 1161º. nº. 1 c) e 1163º. do Código Civil e ao arrepio das mais consolidadas doutrina e jurisprudência.</font></i>
</p><p><i><font>VII - Pires de Lima e Antunes Varela salientam que a obrigação prevista na alínea c) do nº. 1 do artigo 1161º., ou seja, a comunicação (ao mandante, com prontidão, a execução do mandato ou, se o não tiver executado, a razão por que assim procedeu) tem “efeitos importantes quanto às relações entre as duas partes (cfr. art. 1163º.)”.</font></i>
</p><p><i><font>VIII - Em anotação ao artigo 1163º. Cód. Civil, os aludidos autores esclarecem a consequência que pode decorrer do cumprimento da obrigação de comunicação: “Como vimos (cfr. anotação ao art. 1161º.), o mandatário é obrigado a comunicar ao mandante a execução ou inexecução do mandato. A falta de cumprimento desta obrigação torna o mandatário, nos termos gerais, responsável pelos prejuízos; o seu cumprimento, porém, pode ter as consequências previstas neste artigo 1163º.: decorrido o prazo dentro do qual o mandante, segundo os usos (cfr. art. 3º.) ou, na falta destes, de acordo com a natureza do assunto, devia pronunciar-se e não se pronunciou, considera-se aprovado o mandato, mesmo que o mandatário haja excedido os seus poderes ou desrespeitado as instruções recebidas.” (…)</font></i>
</p><p><i><font>IX - “Esta aprovação da conduta do mandatário só vale quando se verifiquem os requisitos indicados: É necessária, em primeiro lugar, a comunicação da execução ou inexecução do mandato, feita, como diz a lei (art. 1161º., alínea c)), com prontidão. É necessário, em segundo lugar, o silêncio do mandante, ou seja, como diz o Código italiano, il retardo del mandante a rispondere, por tempo superior ao fixado pelos usos ou resultante da natureza do assunto.” (…)</font></i>
</p><p><i><font>X - “Este é um caso, pois, em que, nos termos do artigo 218º., a lei atribui ao silêncio o valor de uma declaração negocial. Parece ser esta, de facto, a melhor reconstituição do pensamento legislativo subjacente ao artigo 1163º., e não aquela que veja na aceitação da conduta do mandatário a consequência da caducidade do direito que o mandante tinha de reagir contra o não cumprimento ou o cumprimento defeituoso da obrigação da outra parte.” (in Código Civil Anotado, volume II, Coimbra Editora, Limitada, 1968, pág. 479).</font></i>
</p><p><i><font>XI - O Supremo Tribunal de Justiça, em acórdão datado de 31/05/2005, publicado in www.dgsi.pt, refere que: “E, no mandato, a lei atribui ao silêncio o valor de declaração negocial apenas no contexto do art. 1163: "comunicada a execução ou inexecução do mandato, o silêncio do mandante por tempo superior àquele em que teria de pronunciar-se, segundo os usos ou, na falta destes, de acordo com a natureza do assunto, vale como aprovação da conduta do mandatário..."Mas esta "aprovação" só vale quando se verifiquem os pressupostos indicados: é necessário, para tal, "em primeiro lugar, a comunicação da execução ou inexecução do mandato, feita como diz a lei (art. 1161, c), com prontidão", sendo este um dos casos em que, "nos termos do art. 218, a lei atribui ao silêncio o valor de uma declaração negocial." "Fora das hipóteses previstas no art. 218, diz Inocêncio Galvão Teles, o silêncio não tem qualquer valor jurídico, não valendo como aceitação. Nomeadamente não são admissíveis neste domínio as presunções do julgador (presumptiones hominis)."</font></i>
</p><p><i><font>XII - E no acórdão do Supremo Tribunal Justiça datado de 03/04/2003, publicado em www.dgsi.pt, esclarece-se que: “É visível que a alínea c) do artº 1161º, do Código Civil, regula a obrigação do mandatário comunicar ao mandante, com prontidão, a execução ou inexecução do mandato. Na sequência, o artº 1163º, regula o valor do silêncio do mandante como aprovação da conduta do mandatário, após aquela comunicação por este.”</font></i>
</p><p><i><font>XIII - O Tribunal da Relação de Lisboa, no acórdão datado de 15/07/2019, determina que a aprovação do mandato nos termos do artigo 1163º. do Código Civil “só vale quando se verifiquem os pressupostos indicados: é necessário, para tal, "em primeiro lugar, a comunicação da execução ou inexecução do mandato, feita como diz a lei (art. 1161, c), com prontidão", sendo este um dos casos em que, "nos termos do art. 218, a lei atribui ao silêncio o valor de uma declaração negocial.”. - acessível in www.dgsi.pt.</font></i>
</p><p><i><font>XIV - No mesmo sentido, o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 23/04/2015, que esclarece que: “a norma invocada (1163) aplica-se à situação prevista na alínea c) do artigo 1161 do C.C. em que incumbe ao mandatário comunicar, com prontidão, a execução do mandato ou, se o não tiver executado, a razão por que o não fez. Se o mandante, face à comunicação do mandatário nada disser, durante um período considerado razoável, dentro dos usos, é considerado ratificado o mandato, isto é, aprovada a sua conduta.”.</font></i>
</p><p><i><font>XV - “A aprovação tácita do mandato prevista no artigo 1163º. do Código Civil exige a comunicação imposta na alínea c) do artigo 1161º. do mesmo Código.” - vd. acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 16/06/1994, cujo sumário está publicado in www.dgsi.pt.</font></i>
</p><p><i><font>XVI - O acórdão recorrido, perante o facto de não ter havido comunicação do mandatário – referindo, até que “não tinha sentido a comunicação a que alude a alínea c) do artigo 1161º.” – entendeu que “não se encontra fundamento para tratar de modo diferente as situações em que o mandatário comunicou a execução ou a inexecução do mandato daquelas em que tal comunicação está dispensada por efeito de acto do mandante que fez cessar o contrato cuja execução a mandatária devia fiscalizar”.</font></i>
</p><p><i><font>XVII - Afigura-se ao Recorrente que o acórdão em causa colide frontalmente com o disposto no artigo 218º. do Cód. Civil, ao atribuir valor ao silêncio – admitindo-se, por cautela de patrocínio, que o Autor esteve em silêncio – em hipótese não contemplada na letra da lei!</font></i>
</p><p><i><font>XVIII - É que a lei (artigo 1163º. Cód. Civil) expressamente refere “comunicada a execução ou inexecução”, porque, justamente, ligada à obrigação do mandatário prevista no artigo 1161º. c) de comunicar ao mandante, com prontidão, a execução ou inexecução do mandato.</font></i>
</p><p><i><font>XIX - Esta questão envolve a importância da sua apreciação pelo Tribunal ad quem sobretudo em virtude da projecção desta em situações fácticas futuras idênticas, tendo em vista o efeito reparador a que alude Abrantes Geraldes.</font></i>
</p><p><i><font>XX - Impõe-se, ainda, a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça para efeitos de apreciação do conceito “silêncio”, o que assume extrema relevância no comércio jurídico.</font></i>
</p><p><i><font>XXI - De facto, as duas instâncias fazem equivaler ao silêncio todos os casos em que não há expressa manifestação – neste caso de desaprovação – o que não se aceita!</font></i>
</p><p><i><font>XXII - O Recorrente não se manteve em silêncio, já que dirigiu diversas comunicações à Recorrida - factos principais da fundamentação, constantes dos pontos 32, 33, 34 e 35 da sentença - pronunciando-se expressamente no sentido da desaprovação da conduta da Recorrida.</font></i>
</p><p><i><font>XXIII - Estamos, indubitavelmente, perante uma questão cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito: o silêncio pode existir quando se manifesta uma “perplexidade” (nas palavras do Tribunal da Relação) ou “desagrado” (nas palavras do Juízo Central Cível …..)?</font></i>
</p><p><i><font>….</font></i>
</p><p><i><font>XXVIII - O legislador entende como necessária a comunicação, tanto mais que o artigo 1163º. se inicia com “comunicada a execução ou inexecução do mandato”.</font></i>
</p><p><i><font>XXIX - Admitir que possa ocorrer aprovação silente do mandato sem que haja prévia comunicação do mandatário, como erradamente fez o Tribunal a quo, é fazer da primeira parte do artigo 1163º. do Código Civil letra morta!</font></i>
</p><p><i><font>XXX - Importa referir que o tempo de silêncio relevante só começa a correr depois de o mandatário ter cumprido a sua obrigação de comunicar ao mandante a execução ou inexecução do mandato, pelo que, também neste aspecto a sentença recorrida efectuou uma interpretação contra legem, já que considerou que o início do prazo do silêncio se deve fixar no termo do contrato.</font></i>
</p><p><i><font>XXXI - Por conseguinte, na falta de comunicação, o silêncio do mandante não tem qualquer valor declarativo.</font></i>
</p><p><i><font>XXXII - A decisão recorrida retirou conclusão que a lei não permite, pois admitiu que não existiu comunicação (entendeu mesmo ser de afastar essa obrigação em virtude da natureza do contrato em causa), mas considerou ser de aplicar a segunda parte do artigo 1163º. do Código Civil, dando assim, por aprovada a conduta da Recorrida pelo Recorrente, no que constitui errada interpretação deste preceito, que exige a prévia comunicação da execução ou inexecução do mandato pelo mandatário.</font></i>
</p><p><i><font>XXXIII - Não tendo a Recorrida comunicado ao Recorrente a execução ou inexecução do serviço, nem sequer se iniciou o prazo para que o Recorrente se pudesse pronunciar, pelo que não pode dar-se como verificada a aceitação tácita por parte do Recorrente.</font></i>
</p><p><i><font>XXXIV - O Recorrente não se manteve em silêncio, já que dirigiu diversas comunicações à Recorrida, pronunciando-se expressamente no sentido da desaprovação da conduta da Recorrida:</font></i>
</p><p><i><font>a) mensagem de correio electrónico enviada pela companheira do Recorrente ao Sr. Eng. DD, …. da Recorrida, em 16/12/2008 (Doc. nº. 36 com a petição inicial):</font></i>
</p><p><i><font>“Agora, com certeza vai entender melhor, porque a Editravanca nunca quis esvaziar a piscina; e gostaria Eng. DD, de lhe dizer ainda, que o Eng. EE, na recepção provisória da casa, me pressionou no sentido de aprovar a piscina, sem ser esvaziada.</font></i>
</p><p><i><font>Gostaria do seu comentário; como foi isto possível, numa empresa como a A400???”</font></i>
</p><p><i><font>b) mensagem de correio electrónico que o Recorrente enviou à Recorrida em 27/01/2009 (Doc. nº. 14 com a petição inicial):</font></i>
</p><p><i><font>“Enviei à Editravanca o e-mail cuja cópia anexo e para o qual remeto.</font></i>
</p><p><i><font>Solicito a V. pronta intervenção no sentido de nos ser transmitido o V. parecer quanto ao referido no ponto b) do referido e-mail, ou seja quanto ao apuramento exaustivo das causas globais de todas as demais anomalias que se prendam com a entrada de água na casa e com as deficiências eléctricas e nos seja rapidamente apresentado o seu plano de reparação e eliminação. Tal terá de ser feito com a máxima urgência, dada a invernia que se faz sentir e sob pena de os danos se tornarem cada vez maiores - afigura-se-nos suficiente o prazo de 10 dias para tal situação ser avaliada, de forma a poderem seguidamente ser tomadas as necessárias providências de reparação.</font></i>
</p><p><i><font>Se esta situação não ficar clarificada dentro do referido prazo, sem haver razão justificada para tal, serei forçado a pedir a terceiros uma peritagem a toda a obra, tendo em vista encontrar a origem dos defeitos e os devidos responsáveis.</font></i>
</p><p><i><font>Quero acreditar que a A400 fez uma fiscalização e acompanhamento sério da obra, mas não consigo entender como tal é possível, atendendo à situação alarmante agora verificada. Na verdade, a obra só foi entregue à Editravanca porque contamos com o V. apoio profissional, devidamente contratualizado, nomeadamente para o solucionamento de questões técnicas surgidas em obra e para a sua fiscalização global.”</font></i>
</p><p><i><font>XXXV - Resulta das comunicações ora transcritas que o Recorrente desaprovou expressamente a conduta da Recorrida, sendo que estas comunicações cumprem a função de pronúncia de desaprovação.</font></i>
</p><p><i><font>XXXVI - É inquestionável que o Recorrente falou, desaprovando expressamente a conduta da Recorrida.</font></i>
</p><p><i><font>XXXVII - O Recorrente não se manteve em silêncio, não tendo ocorrido qualquer renúncia ao direito de indemnização contra a aqui Recorrida.</font></i>
</p><p><i><font>XXXVIII - Mais estranha é a solução dada pelo acórdão recorrido, quando, ao avaliar as transcritas comunicações enviadas pelo Recorrente à Recorrida, conta a partir das mesmas um prazo de cinco anos, quando, na realidade deveria ter aplicado o prazo de prescrição ordinário de 20 anos previsto no artigo 309º. do Cód. Civil.</font></i>
</p><p><i><font>XXXIX - A decisão recorrida violou as normas e princípios jurídicos constantes dos artigos 217º., 218º., 309º., 1161º. nº. 1 c) e 1163º. Do Código Civil, porquanto os mesmos não foram interpretados e aplicados com o sentido versado nas considerações anteriores.</font></i>
</p><p><i><font>Termos em que o presente recurso deve merecer provimento e, em consequência, ser revogada a decisão recorrida, ordenando-se o prosseguimento dos autos, com todas as consequências legais.</font></i>
</p><p><i><font>Assim se fará, inteira,</font></i>
</p><p><i><font>J U S T I Ç A</font></i><font>”</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>A recorrida contra-alegou, pugnando pela confirmação do acórdão recorrido.</font><br>
<font> </font><br>
<font>Tudo visto, cumpre apreciar e decidir o mérito do presente recurso.</font><br>
<font>As questões que cumpre agora conhecer, tendo em consideração o douto acórdão da Formação que admitiu o recurso de revista excepcional, o qual delimita os poderes cognitivos desta conferência julgadora</font><a><u><sup><font>[3]</font></sup></u></a><font>, e que, de resto, considerou aquelas que tinham sido suscitadas pelo recorrente nas conclusões que apresentou, consistem em saber:</font><br>
<font>1. se, para a aplicação do estatuído no art.º 1163.º do CC, é imprescindível que tenha sido comunicada a execução ou inexecução do mandato pelo mandatário;</font><br>
<font>2. e qual é o alcance do conceito de silêncio, como declaração negocial, para os efeitos do mesmo normativo conjugado com o disposto no artigo 218.º do CC.</font><br>
<font> </font>
</p><p><font>II. Fundamentação </font>
</p><p><font>1. De facto </font>
</p><p><font>As instâncias limitaram-se a elencar os seguintes factos, </font><u><font>sem os considerar provados</font></u><font>:</font>
</p><p><font>FACTOS PRINCIPAIS ALEGADOS PELO AUTOR</font>
</p><p><font>1.º − O autor, AA, é dono do prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial …. sob o n.º ……..</font>
</p><p><font>2.º − A ré, A400 − Projetistas e Consultores de Engenharia, Lda. (adiante, A400), tem por objeto social a atividade de, designadamente, consultoria de engenharia, fiscalização e gestão de obras, e gestão da qualidade de empreendimentos de construção.</font>
</p><p><font>3.º − EDITRAVANCA − Sociedade de Construções, Lda. (adiante, EDITRAVANCA), dedicava-se, entre 2005 e 2008, à atividade de construção civil.</font>
</p><p><font>4.º − Em 6 de março de 2006, o autor e EDITRAVANCA subscreveram o documento intitulado CONTRATO DE EMPREITADA, junto de fls. 87 v. a 89, que aqui se dá por transcrito, tendo em vista a construção pela segunda das fundações e das estruturas de uma moradia a implantar no referido prédio do autor.</font>
</p><p><font>5.º − Terminada a obra de fundações e estruturas, o autor adjudicou verbalmente à EDITRAVANCA a realização da restante obra de construção da referida moradia.</font>
</p><p><font>6.º − Em 12 de agosto de 2008, o autor e EDITRAVANCA subscreveram o documento intitulado TRANSAÇÃO E CONTRATO DE EMPREITADA, junto de fls. 89 v. a 95 v., que aqui se dá por transcrito, no qual consta, na clausula segunda, n.º 5, “</font><i><font>até agora a empreitada decorreu com base num contrato não reduzido a escrito na sua globalidade, tendo sido objeto de adjudicações verbais, as partes neste momento optaram por dar forma escrita ao presente acordo, para confirmação da parte da obra que se encontra por iniciar e cuja adjudicação aqui se regista, para poder ser feita a conclusão integral da empreitada, definir o preço em falta, bem como para fixar um prazo definitivo para conclusão da mesma e demais condições associadas</font></i><font>”.</font>
</p><p><font>7.º − Nessa data foi elaborada listagem de trabalhos em falta, constante do Anexo II do referido documento.</font>
</p><p><font>8.º − Em 31 de outubro de 2008, foi lavrado auto de receção provisória da referida obra executada pela EDITRAVANCA, conforme documento junto a fls. 96, do qual consta, além do mais que aqui se dá por transcrito: “</font><i><font>realizada a vistoria, foi constatado pelos presentes que:</font></i>
</p><p><i><font>a. parte dos trabalhos contidos na empreitada não apresentam defeitos aparentes, pelo que, nessa medida, se dão com bem elaborados e concluídos nesta data, procedendo-se à sua receção provisória;</font></i>
</p><p><i><font>b. outra parte, cuja descrição consta do mapa anexo para o qual se remete, não está em condições de ser rececionada, pelas razões neste momento verificadas na obra pelos presentes e descritas no mapa, sendo os mesmos recusados pelo dono da obra.</font></i>
</p><p><i><font>Assim a obra é recebida provisoriamente em toda a sua extensão com exceção dos trabalhos, materiais ou equipamentos devidamente discriminados no mapa anexo, os quais serão objeto de conclusão, reparação ou substituição pelo empreiteiro até ao dia 7 de Novembro de 2008</font></i><font>”.</font>
</p><p><font>9.º − Em 17 de novembro de 2008, o autor e a EDITRAVANCA subscreveram documento intitulado TRANSAÇÃO E DECLARAÇÃO DE QUITAÇÃO, junto de fls. 97 v. a 98 v., do qual consta, além do mais que aqui se dá por transcrito:</font>
</p><p><font>“</font><i><font>2 − A SEGUNDA CONTRATANTE não cumpriu o prazo acordado para a entrega da parte final da obra, sendo certo que na presente data ainda se encontram por efetuar alguns trabalhos e reparações, devidamente descritos no último auto de receção provisória da obra.</font></i>
</p><p><i><font>(…)</font></i>
</p><p><i><font>4 − Nesta data as partes acordaram em pôr termo à relação contratual existente entre</font></i><font> </font><i><font>ambas, dirimindo qualquer conflito do mesmo decorrente, da seguinte forma:</font></i>
</p><p><i><font>a) a SEGUNDA CONTRAENTE não efetuará os trabalhos em falta descritos no último auto de receção provisória da obra, datado de 7 de Novembro de 2008, dando por encerrados os seus trabalhos na obra supra referida e, assim, a mesma por entregue com a redução de trabalhos que resulta do referido auto:</font></i>
</p><p><i><font>b) feito o cômputo dos trabalhos em falta, conjugado com o valor das multas que o PRIMEIRO CONTRAENTE tem direito a exigir, tudo ponderado e negociado, é fixado um crédito global e definitivo da SEGUNDA CONTRAENTE a favor do Primeiro, no montante de € 50.000,00 (cinquenta mil euros), nada mais podendo ser exigido pela empreiteira ao dono da obra a qualquer título.</font></i>
</p><p><i><font>(…)</font></i>
</p><p><i><font>6 – A SEGUNDA CONTRAENTE declara que já não tem na obra nenhum material ou equipamento, pelo que tudo o que aí se encontra pertence ao PRIMEIRO CONTRAENTE.</font></i>
</p><p><i><font>7 − Durante o período de garantia, cujo prazo se conta a partir da data da assinatura do último Auto de Receção Provisória, ou seja a partir de 7 de Novembro de 2008, o Empreiteiro é obrigado a fazer, imediatamente e à sua conta, as substituições de materiais ou equipamentos e a executar todos os trabalhos de reparação que sejam indispensáveis para assegurar a perfeição e o normal uso da totalidade dos elementos de construção objeto da Empreitada.</font></i>
</p><p><i><font>8 − No fim do período de garantia, far-se-á uma vistoria à construção objeto da empreitada e, se não houver motivo para quaisquer reclamações, será lavrado um Auto de Receção Definitiva assinado pelo Dono da Obra e pelo Empreiteiro, bem como pela fiscalização se o Dono da Obra o pretender”.</font></i>
</p><p><i><font> </font></i>
</p><p><i><font>O incumprimento do contrato de empreitada pela </font></i><font>EDITRAVANCA </font>
</p><p><font>10.º − A obra executada pela EDITRAVANCA apresentava e, ou, apresenta as seguintes patologias:</font>
</p><p><font>a. patologias descritas nos artigos 33.º a 35.º e 41.º, que aqui se dão por transcritos;</font>
</p><p><font>b. patologias descritas nos artigos 44.º a 57.º, que aqui se dão por transcritos;</font>
</p><p><font>c. patologias descritas nos artigos 59.º a 77.º, que aqui se dão por transcritos;</font>
</p><p><font>d. patologias descritas nos artigos 78.º e 79.º, que aqui se dão por transcritos;</font>
</p><p><font>e. patologias descritas nos artigos 81.º 82.º, que aqui se dão por transcritos;</font>
</p><p><font>f. patologias descritas nos artigos 83.º a 85.º, que aqui se dão por transcritos;</font>
</p><p><font>g. patologias descritas nos artigos 87.º e 88.º, que aqui se dão por transcritos.</font>
</p><p><font>11.º − Em 27 de janeiro de 2009, o autor remeteu à EDITRAVANCA a carta cuja cópia se encontra junta a fls. 102 v. e 103 v., que aqui se dá por transcrita, denunciando e reclamando a reparação de vícios de construção entretanto manifestados, bem como a deteção de todas as demais anomalias com infiltrações de água e deficiências elétricas.</font>
</p><p><font>12.º − A empreiteira nada fez, tendo o autor suportado os custos de uma reparação urgente e de uma inspeção pericial à construção realizada pela EDITRAVANCA</font>
</p><p><font>13.º − Em 9 de junho de 2009, o autor remeteu à EDITRAVANCA a carta cuja cópia se encontra junta de fls. 168 v. a 169 v., que aqui se dá por transcrita, denunciando e reclamando a reparação de vícios de construção entretanto manifestados.</font>
</p><p><font>14.º − Como a EDITRAVANCA não procedeu à eliminação dos defeitos, o autor contratou terceiros para o efeito, gastando a quantia de € 41.091,95.</font>
</p><p><font>15.º − No ano de 2009, o autor intentou uma ação judicial a EDITRAVANCA, à qual foi atribuído o nº 188/09……, peticionando fosse a empreiteira condenada no pagamento da quantia de € 41.312,95, bem como a eliminar os vícios da obra subsistentes.</font>
</p><p><font>16.º − Em 14 de março de 2014, esta ação foi julgada parcialmente procedente, conforme documento junto de fls. 199 a 223 v., que aqui se dá por transcrito, sendo a EDITRAVANCA condenada a:</font>
</p><p><font>“a) </font><i><font>Proceder à reparação no prazo de 30 dias, das deficiências referidas nos pontos (…) da matéria de facto provada;</font></i>
</p><p><i><font>b) Pagar ao autor a quantia de € 41 312,95 (quarenta e um mil trezentos e doze euros e noventa e cinco cêntimos), acrescida de juros de mora (</font></i><font>…)”.</font>
</p><p><font>17.º − O autor instaurou contra a EDITRAVANCA ação executiva para execução da condenação no pagamento desta quantia.</font>
</p><p><font>18.º − No ano de 2015, o autor requereu a declaração de insolvência da EDITRAVANCA, sendo atribuída à ação instaurada o n.º 59/15… .</font>
</p><p><font>19.º − Em 3 de fevereiro de 2015, nesta ação, foi declarada a insolvência da EDITRAVANCA</font>
</p><p><font>20.º − Em 21 de maio de 2015, foi publicado o encerramento do processo de insolvência da EDITRAVANCA, por insuficiência da massa insolvente.</font>
</p><p><font>21.º − O autor não recebeu qualquer quantia da EDITRAVANCA, não tendo esta reparado nenhum dos defeitos referidos no ponto 10.º − factos considerados.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><i><font>A prestação de serviço adjudicada à ré</font></i><font> </font>
</p><p><font>22.º − Em 15 de março de 2006, autor e ré subscreveram o documento intitulado PROPOSTA DE PREÇO PARA GESTÃO, COORDENAÇÃO E FISCALIZAÇÃO – CASA DR. AA, junto de fls. 39 v. a 54, tendo em vista a gestão, coordenação e fiscalização da obra de construção de uma moradia a implantar no referido prédio do autor.</font>
</p><p><font>23.º − Neste documento consta, além do mais que aqui se dá por transcrito, na parte “A – CONDIÇÕES TÉCNICAS”:</font>
</p><p><font>“1 – Âmbito da Prestação de Serviços e Tarefas Fundamentais</font>
</p><p><font>1.1 – A presente proposta de prestação de serviços refere-se à gestão, coordenação e fiscalização da empreitada de construção de uma moradia unifamiliar localizada na vila de ….</font>
</p><p><font>1.2 – Consideram-se como tarefas mais significativas da prestação de serviços da presente proposta as seguintes:</font>
</p><p><font>a) Direção técnica de empreendimento (designada por área funcional A)</font>
</p><p><font>I – Fornecer mensalmente todos os dados estatísticos recolhidos em obra.</font>
</p><p><font>II − Elaborar mensalmente relatórios pormenorizados a submeter ao Dono da Obra contendo todas as análises, informações, pareceres, recomendações e contratos decorrentes da sua atuação no âmbito das Áreas Funcionais B a F.</font>
</p><p><font>III − Participar e secretariar reuniões com o D.O. que permitam a análise do andamento dos trabalhos da obra e das ações desenvolvidas pelo adjudicatário.</font>
</p><p><font>IV − Propor, participar e secretariar reuniões com o empreiteiro, com o autor do projeto ou com outras entidades, direta ou indiretamente ligadas à obra, a fim de analisar os trabalhos em curso, esclarecer dúvidas, estudar alterações ou identificar e encaminhar problemas a resolver.</font>
</p><p><font>V − Preparar, acompanhar ou conduzir todas as visitas à obra julgadas convenientes pelo Dono da Obra.</font>
</p><p><font>VI − Acompanhamento, análise e medição de todos os avanços ocorridos na realização da obra, sendo o seu relato mensal.</font>
</p><p><font>VII − Atualização das estimativas das matrizes de consumos unitários, a fim de estarem disponíveis sempre que houver necessidade de as utilizar, designadamente para verificar a orçamentação de trabalhos não previstos, mas essenciais à realização da obra.</font>
</p><p><font>VIII − Fornecimento de todos estes elementos (dados de avanço e estatísticas de consumo).</font>
</p><p><font>IX − Análise e informação, em termos conclusivos, dos planos de trabalhos propostos pelo empreiteiro e eventuais alterações.</font>
</p><p><font>b) Análise, acompanhamento e coordenação do desenvolvimento dos projetos (designada por área funcional B)</font>
</p><p><font>I − Análise e verificação do cumprimento do Programa do Empreendimento no que diz respeito à funcionalidade, qualidade e custos.</font>
</p><p><font>II − Acompanhamento e atuação no sentido de garantir os prazos de execução das diversas fases dos projetos.</font>
</p><p><font>III − Verificação da coordenação dos projetos.</font>
</p><p><font>IV − Verificação do grau de detalhe do plano de orçamento e lista de medições.</font>
</p><p><font>c) Fiscalização, Controle e Calendarização da Obra (designada por área funcional C)</font>
</p><p><font>I − Verificação do desenvolvimento da obra em termos dos planos de trabalhos aprovados.</font>
</p><p><font>II − Identificar e caracterizar os principais desvios verificados, propondo, fundamentadamente, as ações necessárias à sua compensação − parcial ou total-ou à sua eliminação futura.</font>
</p><p><font>III − Atualização das estimativas de tempos para os trabalhos ainda não realizados, tendo em conta as estatísticas efetivamente verificad | [0 0 0 ... 0 0 0] |
QTJru4YBgYBz1XKvZwVY | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><div><br>
<font>Acordam em conferência no Supremo Tribunal de Justiça – 1.ª Secção</font><a><u><sup><font>[1]</font></sup></u></a><font>:</font></div><br>
<br>
<font> </font><br>
<p><font>I. Relatório </font><br>
</p><p><font>Nos embargos de executado deduzidos por </font><b><font>AA</font></b><font> e </font><b><font>BB </font></b><font>contra a exequente </font><b><font>Fidelidade – Companhia de Seguros, S.A.</font></b><font>, foi proferida sentença, em 31/7/2019, pelo Juízo Central Cível ....... – Juiz .., do Tribunal Judicial da Comarca ......., que considerou tempestiva a oposição por embargos e julgou-a improcedente. </font><br>
</p><p><font>Inconformado com essa sentença, o embargante </font><b><font>BB </font></b><font>interpôs recurso de apelação, em 12/10/2019, ao qual aderiu o embargante </font><b><font>AA,</font></b><font> mas o Desembargador Relator do Tribunal da Relação de ......., a quem o mesmo foi distribuído, por despacho de 28/2/2020, não admitiu o recurso interposto, “por extemporaneidade de interposição”. </font><br>
</p><p><font>Tendo o apelante BB requerido que sobre aquele despacho recaísse acórdão, o Tribunal da Relação, em conferência, manteve a rejeição do recurso, confirmando a decisão do Relator, por </font><u><font>acórdão de 13/7/2020</font></u><font>. </font><br>
</p><p><font>Ainda irresignado, o embargante/apelante interpôs recurso de </font><b><font>revista excepcional</font></b><font>, invocando o disposto no art.º 672.º, n.º 1, als. a) e c), do CPC. </font><br>
</p><p><font>O recurso interposto foi admitido pela 2.ª instância, “à cautela” por o considerar “tempestivo”. </font><br>
</p><p><font>Remetidos os autos a este Tribunal e distribuídos, foi suscitada a questão da inadmissibilidade do recurso de revista interposto e deu-se cumprimento ao disposto no art.º 655.º, n.º 1, do CPC, mandando-se ouvir as partes. </font><br>
</p><p><font>O recorrente sustentou a admissibilidade do recurso de revista, por entender que, mais do que a tempestividade do “terceiro recurso”, por si considerado “como a forma adequada de dar o impulso processual” para apreciação dos restantes pedidos, o mesmo deve ser admitido “com respeito pelos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, dando-se prevalência à dimensão substancial sobre a estritamente dimensão processual”, assim lhe facultando “o direito à tutela jurisdicional efetiva e a um processo justo, imparcial e equitativo, como consagrado no art.º 20.º, n.º 4, da CRP.” </font><br>
</p><p><font>A recorrida nada disse.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>O Relator, ao abrigo do disposto no art.º 652.º, n.º 1, al. b), aplicável </font><i><font>ex vi</font></i><font> do art.º 679.º, ambos do CPC, </font><b><font>rejeitou o recurso de revista interposto</font></b><font>, por inadmissibilidade legal, por despacho de 19/1/2021, cujo teor aqui se dá por reproduzido e que adiante se reproduzirá, novamente, no que para aqui interessa. </font><br>
</p><p><font>É desta decisão que vem interposta a presente reclamação para a conferência, insistindo o reclamante – o embargante/apelante BB - pela admissibilidade do recurso, pelos motivos que anteriormente invocara, concluindo:</font><br>
</p><p><font>“REQUERER A VªS EXªS, NO ESTRITO RESPEITO PELOS PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE, DA RAZOABILIDADE E DA ADEQUAÇÃO FORMAL (COMPONDO-SE O ESPÍRITO SOB A FORMA EXPRESSA NA LIDE), E AINDA EM TERMOS DE ECONOMIA PROCESSUAL, EVITANDO-SE NOVAS DEMANDAS PARA A APRECIAÇÃO DO MÉRITO DA CAUSA, NUNCA DECIDIDO, E DE QUE NUNCA SE PRESCINDE,</font><br>
</p><p><font>QUE SOBRE A MATÉRIA DO DESPACHO RECAIA UM ACÓRDÃO, NOS TERMOS DO N.º 3 DO ART. 652º DO CPC,</font><br>
</p><p><font>DECIDINDO O RECEBIMENTO DO RECURSO DE REVISTA POR ESSE SUPREMO TRIBUNAL, NA FORMULAÇÃO QUE DOUTAMENTE SEJA DE LHE ATRIBUIR, FACULTANDO AO RECORRENTE O DIREITO À TUTELA JURISDICIONAL EFETIVA E A UM PROCESSO JUSTO, IMPARCIAL E EQUITATIVO, COMO CONSAGRADO NO ART.º 20.º, N.º 4, DA CRP.</font><br>
</p><p><font>ASSIM SE FAZENDO A HABITUAL JUSTIÇA.”</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font>A parte contrária não respondeu. </font><br>
</p><p><font>Cumpre, pois, apreciar do acerto da decisão do Relator sobre a rejeição do recurso de revista excepcional interposto. </font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font>II. Fundamentação </font><br>
</p><p><font>No despacho objecto da presente reclamação pode ler-se a seguinte fundamentação:</font><br>
</p><p><font>«… É comumente sabido que, pese embora as decisões judiciais sejam impugnáveis por meio de recurso (art.º 627.º, n.º 1, do CPC), a admissibilidade deste está condicionada, através de limites objectivos fixados na lei (cfr. Carlos Lopes do Rego, Acesso ao direito e aos tribunais, </font><i><font>in</font></i><font> Estudos sobre a Jurisprudência do Tribunal Constitucional, 1993, pág. 83 e o acórdão por mim relatado, de 14/7/2020, proferido na conferência da reclamação n.º 38/18.1T8VRL-A.E1-A.S1).</font><br>
</p><p><font>Convém ter presente que estamos no âmbito de uma reclamação de um despacho do Relator que não admitiu o recurso de apelação, por extemporâneo, que foi confirmado pelo acórdão da conferência. </font><br>
</p><p><font>O art.º 652.º, n.º 5, al. b), do CPC permite à parte que se considere prejudicada “recorrer nos termos gerais”.</font><br>
</p><p><font>Como é óbvio, a possibilidade de recurso aqui prevista pressupõe que estejam verificados os demais pressupostos de recorribilidade, com especial destaque, no que respeita à revista, do que está previsto no art.º 671.º, n.ºs 1 e 2, do CPC (cfr., neste sentido, Conselheiro Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5.ª edição, Almedina, pág. 261 e nota 396 e o nosso acórdão, por mim relatado, proferido em 3/11/2020, na conferência do processo n.º 1560/13.1TBVRL-N.G1.S1).</font><br>
</p><p><font>No presente caso, não se verificam alguns pressupostos da admissibilidade do recurso de revista.</font><br>
</p><p><font>Desde logo, a decisão recorrida não integra o n.º 1 do art.º 671.º do CPC.</font><br>
</p><p><font>Com efeito, o acórdão recorrido não incidiu sobre decisão da 1.ª instância que tenha conhecido do mérito da causa, mas tão somente sobre o despacho do Relator que havia rejeitado o recurso de apelação. Nele, a Relação não se envolveu efectivamente na resolução material do litígio, no todo ou em parte, sendo que apreciou apenas a tempestividade da interposição do recurso de apelação, concluindo pela negativa, pelo que o rejeitou. Naquele acórdão foi apreciado o despacho do Relator e não a decisão da 1.ª instância, tendo sido mantido, com o indeferimento da reclamação apresentada pelo reclamante ao abrigo do disposto no art.º 652.º, n.º 3, do CPC. Muito menos foi apreciado o “mérito da causa”, pois não se envolveu efectivamente na resolução do litígio relativo ao objecto da apelação.</font><br>
</p><p><font>E, em bom rigor, não pôs termo ao processo, “</font><i><font>absolvendo da instância o réu ou algum dos réus quanto ao pedido ou reconvenção deduzidos</font></i><font>”. O acórdão da Relação, confirmando o despacho do Relator, limitou-se a rejeitar o recurso interposto “por extemporaneidade”. Fazendo uma interpretação mais benévola do n.º 1 do citado art.º 671.º, pondo o acento tónico no “</font><i><font>termo ao processo</font></i><font>” e considerando apenas esta expressão, mesmo assim não seria de admitir o recurso de revista por se tratar de “reclamação contra o despacho de não admissão de recurso de apelação proferido pelo relator na Relação, pois este mecanismo processual, além de já assegurar o segundo grau de jurisdição, nunca integrou historicamente a possibilidade de, a partir dele, se projetar a interposição de recurso de revista” (cfr. Abrantes Geraldes, obra citada, pág. 353, nota 353). Pela mesma razão, não há qualquer violação do direito a um processo equitativo, como se encontra consagrado no art.º 20.º, n.º 4 da CRP, pois a exigência deste</font><i><font> “não afasta a liberdade de conformação do legislador na concreta modelação do processo. Impõe apenas que, no seu núcleo essencial, os regimes adjectivos proporcionem aos interessados meios efectivos de defesa dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos, bem como uma efectiva igualdade de armas entre as partes no processo, não estando o legislador autorizado a criar obstáculos que dificultem ou prejudiquem, arbitrariamente ou de forma desproporcionada, o direito de acesso aos tribunais e a uma tutela jurisdicional efectiva.” </font></i><font>(cfr. sumário do acórdão do STJ de 12/4/2018, Revista n.º 414/13.6TBFLG.P1.S1,</font><i><font> in</font></i><a><i><u><font>http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/149006e690abf9348025826e00552b5c?OpenDocument</font></u></i></a><i><u><font>)</font></u></i><br>
</p><p><font>Também não é caso previsto no n.º 2 do art.º 671.º do CPC, nomeadamente em que o recurso é sempre admissível (cfr. art.º 629.º, n.º 2 do CPC), nem tal é sustentado pelo recorrente.</font><br>
</p><p><font>Sendo inadmissível a revista, está vedado o acesso à revista excepcional, porquanto esta depende naturalmente da verificação dos pressupostos de revista “normal”, designadamente os que respeitam à natureza ou conteúdo da decisão, em face do disposto no n.º 1 do art.º 671.º do CPC (cfr. Conselheiro Abrantes Geraldes, obra citada, págs. 387 e 388).</font><br>
</p><p><font>Acresce que o recurso de revista excepcional pressupõe a verificação de dupla conforme, como resulta do disposto no n.º 3 do art.º 671.º e do n.º 1 do art.º 672.º, ambos do CPC.</font><br>
</p><p><font>E, no caso, é óbvio que não existe dupla conforme, pois esta pressupõe que o acórdão da Relação tenha confirmado, “sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a </font><u><font>decisão proferida na 1.ª instância”.</font></u><br>
</p><p><font>O acórdão da Relação de que foi interposto recurso não confirmou “decisão proferida na 1.ª instância”, mas a decisão do Relator daquele tribunal de segunda instância.</font><br>
</p><p><font>Não obstante a eventual contradição invocada entre o acórdão fundamento do STJ (e outros, nomeadamente os que nele são citados) e o despacho proferido pelo Desembargador Relator, acerca da contagem do prazo para a interposição do recurso de apelação, o acórdão da Relação de que foi interposta revista confirmou aquele despacho, mantendo-o, e não decisão da 1.ª instância. </font><br>
</p><p><font>Impõe-se, por conseguinte, a rejeição do presente recurso, não obstando a tal a sua admissão na 2.ª instância, uma vez que o despacho proferido não vincula este Tribunal superior (art.º 641.º, n.º 5, do CPC).»</font><br>
</p><p><font>Os Juízes Conselheiros que compõem este colectivo concordam, na íntegra, com a fundamentação acabada de transcrever, por estar em conformidade com a Constituição, a lei, a melhor doutrina e a jurisprudência que vem sendo seguida por este Supremo Tribunal, como consta do despacho reclamado. </font><br>
</p><p><font>Cremos não haver dúvidas de que estamos perante um recurso do acórdão confirmativo do despacho do Relator que não admitiu o recurso de apelação, versando, portanto, sobre matéria de natureza processual.</font><br>
</p><p><font>Tal acórdão não conheceu do mérito da causa. Apenas versou sobre a tempestividade da interposição do recurso de apelação, concluindo pela negativa, pelo que o rejeitou, confirmando o despacho do Desembargador Relator.</font><br>
</p><p><font>Assim sendo, a revista não é admissível ao abrigo do n.º 1 do art.º 671.º do CPC.</font><br>
</p><p><font> E também é inquestionável que não se trata de nenhuma das situações previstas no seu n.º 2, nomeadamente de caso em que o recurso é sempre admissível (cfr. art.º 629.º, n.º 2, do CPC), nem o reclamante o sustenta, sendo que, caso fosse, a revista adequada jamais seria a interposta – revista excepcional.</font><br>
</p><p><font> O acesso a esta revista está vedado sempre que seja inadmissível a revista normal, visto que aquela depende naturalmente da verificação dos pressupostos desta, designadamente os respeitantes à natureza ou conteúdo da decisão e, no caso, eles não se verificam.</font><br>
</p><p><font> Acresce que a revista excepcional pressupõe sempre a verificação de dupla conforme, como resulta do disposto nos art.ºs 671.º, n.º 3 e 672.º, n.º 1, ambos do CPC e, no caso, ela não ocorre.</font><br>
</p><p><font> Não versando sobre o mérito da causa, é irrelevante a resenha do processado e a argumentação expendida e repetida pelo reclamante.</font><br>
</p><p><font> E a interpretação feita das aludidas normas para a rejeição do recurso de revista interposto não padece de qualquer inconstitucionalidade pelas razões anteriormente referidas que aqui se dão por reproduzidas, sem necessidade de mais explicações, não se verificando violação dos princípios indicados pelo reclamante.</font><br>
</p><p><font>Soçobra, assim, sem mais considerações porque desnecessárias, a retórica argumentativa que o reclamante havia delineado, sem nada trazer de novo para apreciação da conferência, com o fito de justificar a admissibilidade do recurso de revista que interpôs. </font><br>
</p><p><font>A reclamação tem, necessariamente, que improceder, havendo que confirmar o despacho reclamado.</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font>Sumário:</font>
</p><p><font>1. A possibilidade de recurso prevista no art.º 652.º, n.º 5, al. b), do CPC pressupõe que estejam verificados todos os pressupostos de recorribilidade, com especial destaque, no que respeita à revista, do que está previsto no art.º 671.º, n.ºs 1 e 2, do mesmo Código.</font>
</p><p><font>2. O recurso de revista excepcional depende da verificação dos pressupostos de revista “normal” e da dupla conforme entre a decisão da 1.ª instância e o acórdão da Relação que a confirme.</font>
</p><p><font>3. Não é susceptível de recurso de revista excepcional o acórdão da Relação que decidiu a reclamação contra o despacho de não admissão do recurso de apelação proferido pelo relator na Relação, confirmando-o. </font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font>III. Decisão </font><br>
</p><p><font>Pelo exposto, indefere-se a reclamação e confirma-se inteiramente o despacho reclamado. </font><br>
</p><div><br>
<font>* </font></div><br>
<br>
<font>Custas da reclamação pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 3 UCs. </font><br>
<div><br>
<font>*</font></div><br>
<br>
<font> </font><br>
<p><font>Lisboa, 9 de Março de 2021</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font>Nos termos do art.º 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13 de Março, aditado pelo art.º 3.º do DL n.º 20/2020, de 1 de Maio, declaro que o presente acórdão tem voto de conformidade dos Ex.mos Juízes Conselheiros Adjuntos que não podem assinar.</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font>Fernando Augusto Samões (Relator, que assina digitalmente)</font><br>
</p><p><font>Maria João Vaz Tomé (1.ª Adjunta)</font><br>
</p><p><font>António Magalhães (2.º Adjunto) </font><br>
</p><p><font>_______</font>
</p></font><p><font><a><u><sup><font>[1]</font></sup></u></a><font> Relator: Fernando Samões </font><br>
<font>1.º Adjunto: Juíza Conselheira Dr.ª Maria João Vaz Tomé</font><br>
<font>2.º Adjunto: Juiz Conselheiro Dr. António Magalhães</font></font></p> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
SDJvu4YBgYBz1XKv1QgP | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><br>
<font> </font>
<p><font>*</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Processo n.º </font><a></a><font>866/18.8T8ALM.L1.S1</font><a><u><sup><font>[1]</font></sup></u></a>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>*</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça – 1.ª Secção</font><a><u><sup><font>[2]</font></sup></u></a><font>:</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>I. Relatório</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font>AA</font></b><font> e mulher </font><b><font>BB</font></b><font> instauraram a presente acção declarativa, com processo comum, contra </font><b><font>CC</font></b><font>, </font><b><font>DD</font></b><font> e </font><b><font>EE, </font></b><font>todos melhor identificados nos autos, formulando os seguintes pedidos:</font><br>
<font>a) a condenação dos Réus a reconhecer a existência do crédito dos Autores sobre a herança aberta por óbito de FF e GG no montante de € 37.409,84;</font><br>
<font>b) a condenação dos Réus a reconhecer a existência do crédito do Autor marido sobre a herança aberta por óbito de FF e GG no montante global de € 16.024,37;</font><br>
<font>c) e a condenação dos Réus, na qualidade de herdeiros de GG e FF, no pagamento aos Autores da quantia de € 28.057,38, acrescida dos legais juros de mora computados desde a citação e até efectivo e integral pagamento, bem como a condenação dos Réus, na qualidade de herdeiros de GG e FF, no pagamento ao Autor marido da quantia de €12.018,28, acrescida dos legais juros de mora, computados desde a citação e até efectivo e integral pagamento.</font>
</p><p><font>Para tanto, alegaram, em resumo, o seguinte:</font>
</p><p><font>Em 24/1/1997, faleceu FF, no estado de casado com GG, deixando como herdeiros o cônjuge e quatro filhos - o ora autor e os réus. </font>
</p><p><font>Da herança de FF fazia parte uma dívida aos autores, no montante de Esc. 7 500 000$00 (€ 37 409,84), correspondente a um empréstimo que fizeram a FF e a GG, para a realização de obras num determinado prédio urbano, pertencente a estes últimos. Conforme declaração de dívida junta, a dívida seria liquidada através da doação do prédio aos autores, logo que fosse emitida licença de utilização do prédio. Porém, os mutuários faleceram (sendo a GG em 23/1/2013), sem que tivesse sido obtida a licença de utilização e outorgada a doação. Acresce que, por testamento, a GG deixou em legado, aos seus filhos, todos os imóveis que integravam a herança do falecido marido e o património da testadora, tendo o aludido prédio sido deixado à 1.ª ré.</font>
</p><p><font> Além disso, ainda em vida dos seus pais, o autor pagou a quantia de Esc. 331 585$00 (€ 1 653,94), correspondente a honorários e despesas referentes a uma acção de justificação especial da propriedade de um determinado prédio (pertencente em compropriedade aos seus pais e a mais duas outras pessoas) e a uma acção de aquisição de propriedade por usucapião do mesmo prédio, quantia que o autor pagou a título de empréstimo aos seus pais, coautores nessas acções. Após o óbito de FF e ainda em vida da GG, foi outorgada escritura de divisão desse prédio entre os comproprietários, tendo sido o autor a suportar as respetivas despesas, no valor de € 6 515,71. E, após o óbito do seu pai, o autor suportou todas as despesas com o seu processo sucessório, no valor de Esc. 391 310$00 (€ 1 951,85). O autor também pagou o IMI dos imóveis que integravam o acervo hereditário e o património da GG, nos anos de 2013 a 2016, no valor total de € 4 351,72, as despesas do funeral da GG, no valor de € 1 700,00, de que recebeu € 214,93 da segurança social, e, finalmente, as despesas notariais referentes ao averbamento do óbito de GG, no valor de € 45,58. </font>
</p><p><font>A responsabilidade dos réus pelos encargos das heranças afere-se pela proporção das suas quotas nas heranças. Assim, quanto à quantia de € 37 409,84 (empréstimo no valor de Esc. 7 500 000$00), os réus devem ser condenados no pagamento de € 28 057,38. Quanto à quantia de € 16 024,37 (total dos restantes créditos dos AA. sobre as heranças), os RR. devem ser condenados no pagamento de € 12 018,28. Tudo acrescido dos juros legais.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Os réus contestaram, arguindo a nulidade por erro na forma de processo e invocando a prescrição do alegado crédito de 7.500.000$00, bem como impugnaram as dívidas alegadas, concluindo pela improcedência da acção.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Os autores responderam pugnando pela propriedade do meio processual utilizado e pela interrupção da prescrição, concluindo como na petição inicial.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Dispensada a realização da audiência prévia, foi proferido despacho saneador, no qual se julgou improcedente a arguição da nulidade por erro na forma de processo e se relegou para final a apreciação da excepção da prescrição. Foi fixado o objecto do litígio, foi indicada a matéria de facto assente e foram enunciados os temas de prova.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida </font><b><font>sentença</font></b><font>, que concluiu com o seguinte dispositivo:</font>
</p><p><font>“</font><i><font>Face ao exposto, julgo a presente acção parcialmente procedente e, em consequência: </font></i>
</p><p><i><font>a) condeno os Réus, na qualidade de herdeiros de GG, a reconhecerem a existência do crédito do Autor sobre a herança da falecida GG no valor de € 1.530,65, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal, a contar desde a data de citação e até efectivo e integral pagamento; </font></i>
</p><p><i><font>b) absolvo os Réus dos restantes pedidos deduzidos pelo Autor; </font></i>
</p><p><i><font>c) custas a cargo do Autor e Réus na proporção do decaimento, sem prejuízo do benefício de apoio judiciário concedido aos Réus.</font></i><font>”</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Interposto recurso de apelação pelos autores, o Tribunal da Relação, em </font><b><font>acórdão </font></b><font>proferido por maioria, com um voto de vencido, deliberou: </font>
</p><p><i><font>“Pelo exposto, julga-se a apelação parcialmente procedente e, consequentemente, altera-se a sentença recorrida nos seguintes termos:</font></i>
</p><p><i><font>a) Altera-se a alínea a) do dispositivo da sentença, condenando-se os RR., na qualidade de herdeiros de GG e de FF, a reconhecerem a existência do crédito do A. sobre a herança dos falecidos GG e FF, no valor de € 16 003,87 (dezasseis mil e três euros, oitenta e sete cêntimos), acrescido de juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal, a contar desde a data da citação e até efetivo e integral pagamento;</font></i>
</p><p><i><font>b) No mais, confirma-se a sentença recorrida.</font></i>
</p><p><i><font>As custas da apelação, na vertente de custas de parte, são a cargo dos apelantes e dos apelados, na proporção do respetivo decaimento (artigos 527.º n.ºs 1 e 2 e 533.º do CPC), sem prejuízo das alterações decorrentes do apoio judiciário de que os RR. beneficiam (art.º 26.º n.ºs 6 e 7 do RCP)</font></i><font>.”</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Ainda não conformados, os </font><b><font>autores/apelantes</font></b><font> interpuseram recurso de </font><b><font>revista</font></b><font> e apresentaram as correspondentes alegações que terminaram com as seguintes </font><u><font>conclusões</font></u><font>:</font>
</p><p><i><font> “1. Os Recorrentes interpõem o presente Recurso do douto Acórdão de fls…. proferido pela Veneranda Relação ……, que julgou a Apelação parcialmente procedente, concluindo, porém, que o crédito sobre a herança na quantia de Esc 7 500 000$00 permanecia não provado, absolvendo-se, nesse segmento, os Recorridos do pedido.</font></i>
</p><p><i><font>2. Houve, porém, um voto vencido, do Venerando Juiz Desembargador Pedro Martins, que, em súmula, considerou provado o aludido crédito de Esc 7 500 000$00, o que levaria a que os Recorridos fossem condenados, como herdeiros, a reconhecer que a herança devia aos Recorrentes ¾ da referida quantia.</font></i>
</p><p><i><font>3. Perfilhando a mesma posição do Venerando Juiz Desembargador Pedro Martins, entendem os Recorrentes que tal dispositivo enferma de erro no julgamento de direito, discordando do efeito jurídico atribuído no Acórdão recorrido ao documento de fls. 180.</font></i>
</p><p><i><font>4. De facto, há que atender, desde logo, ao teor da declaração constante do documento T dos factos provados, assim como ao teor do documento DD lavrado pelo notário, que é o verso do documento T e do qual resulta que o notário presenciou a assinatura a rogo dos pais do A., aqui Recorrente, que consta daquele documento.</font></i>
</p><p><i><font>5. Por outro lado, os devedores/pais estavam presentes.</font></i>
</p><p><i><font>6. Acresce que resultou provado que a assinatura a rogo foi feita por uma pessoa de confiança e amiga do devedor/pai, como é reconhecido pela Recorrida CC.</font></i>
</p><p><i><font>7. Não desconsiderando, a este respeito, as declarações de parte do Recorrente, que foram corroboradas por tudo isto.</font></i>
</p><p><i><font>8. Em suma, do ponto de vista da substancial, resulta assente que a referida dívida foi</font></i>
</p><p><i><font>reconhecida por FF e GG na declaração junta a fls. 180 dos autos, datada de …… de 1993, mencionada no facto provado sob a alínea T).</font></i>
</p><p><i><font>9. Já do ponto de vista formal, verifica-se que as assinaturas apostas na declaração de dívida junta como documento a fls. 180 dos autos foram reconhecidas notarialmente, o que significa que, neste caso, estamos perante um documento autenticado, que foi confirmado em 26 de Agosto de 1994, perante autoridade provida de fé pública, que atestou que o dito documento exprimia a vontade real de FF e GG.</font></i>
</p><p><i><font>10. Por conseguinte, nos termos do artigo 375.º, n.º 1, do Código Civil, as assinaturas apostas no sobredito documento a fls. 180, e atribuídas a FF e GG, têm-se por verdadeiras, e, por ser um documento autenticado, o mesmo faz prova plena das declarações aí consignadas e atribuídas a FF e GG, nos termos do artigo 377.º do Código Civil.</font></i>
</p><p><i><font>11. Contrariamente ao entendimento perfilhado no Acórdão recorrido, a confirmação do rogo perante a entidade autenticadora não tinha de ser certificada através da expressão “confirmo o rogo”, bastando que da declaração aposta no documento de autenticação resultasse claro que o rogante no acto declarou que o documento a autenticar foi efectivamente assinado a seu rogo (Cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 12-12-2017, proferido no âmbito do processo n.º 1111/16.6.T8FIG.C1, acessível em </font></i><a><i><u><font>www.dgsi.pt</font></u></i></a><i><font>).</font></i>
</p><p><i><font>12. No caso vertente, os rogantes, FF e GG, deslocaram-se</font></i>
</p><p><i><font>pessoalmente ao Cartório Notarial e declararam perante a Notária ser sua vontade a sua assinatura a rogo no documento a fls. 180, declarando, perante a Notária, que não sabiam assinar.</font></i>
</p><p><i><font>13. Ademais, e contrariamente ao defendido no Acórdão sob recurso, a falta de aposição de impressão digital não constitui uma nulidade formal do acto notarial, porquanto tal formalidade não é exigida nos artigos 154.º e 155.º do CN.</font></i>
</p><p><i><font>14. Mercê do exposto, as assinaturas de FF e de GG, feitas a rogo e apostas no documento a fls. 180, são válidas.</font></i>
</p><p><i><font>15. Por conseguinte, o documento em causa é provido de prova plena formal quanto às declarações atribuídas a FF e a GG.</font></i>
</p><p><i><font>16. Por conseguinte, a dívida de € 37.409,84 existe e continua por liquidar e que faz parte das heranças de FF e de GG.</font></i>
</p><p><i><font>17. Em conformidade, andou mal o Tribunal a quo no Acórdão recorrido, porquanto, atento o exposto, deveria a presente acção proceder na sua integralidade, devendo, em consequência, os Recorridos ser condenados no pedido.</font></i>
</p><p><i><font>18. Consequentemente, deverá, salvo melhor opinião, revogar-se o douto Acórdão recorrido no segmento que confirmou a Sentença da 1.ª Instância no que respeita à dívida reconhecida no documento de fls. 180 dos autos, substituindo-se o mesmo por douto Acórdão que julgue a presente acção totalmente procedente, reconhecendo a existência da mencionada dívida e que a mesma integra o acervo hereditário de FF e de GG.</font></i>
</p><p><i><font> </font></i>
</p><p><i><font>O douto Acórdão sob censura violou, entre outros, o seguinte preceito legal:</font></i>
</p><p><i><font>- Artigos 342.º, n.º 2, 2097.º, 2091.º, n.º 1, e 2139.º do Código Civil. </font></i>
</p><p><i><font>- Artigo 414.º do C.P.C.</font></i>
</p><p><i><font>- Artigos 154.º e 155.º do CN.</font></i>
</p><p><i><font>Nestes termos e nos mais de Direito, deverá o Magnânime Supremo Tribunal de Justiça dar provimento ao presente recurso, e, por via dele, revogar o Acórdão recorrido por douto Acórdão favorável in totum às alegações dos Recorrentes, nos termos acima melhor aduzidos,</font></i>
</p><p><i><font>Fazendo-se, assim, a habitual e necessária JUSTIÇA!”</font></i>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Os réus contra-alegaram pugnando pela confirmação do acórdão recorrido.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>O recurso foi admitido como de revista, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo, modo de subida e efeito que foram mantidos pelo actual Relator.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> Tudo visto, cumpre apreciar e decidir o mérito do presente recurso.</font>
</p><p><font>Sabido que o seu objecto e âmbito estão delimitados pelas conclusões dos recorrentes, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser em situações excepcionais de conhecimento oficioso, que aqui não relevam, e tendo presente que se apreciam questões e não razões, a única questão que importa dirimir consiste em saber se houve violação do direito probatório material relativamente ao facto dado como não provado sob o n.º 1, por não considerar a força probatória do documento autenticado de fls. 36 e 180 e as declarações de parte do autor. </font><br>
<font> </font>
</p><p><font>II. Fundamentação</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>1. De facto </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>No acórdão recorrido, foram dados como </font><u><font>provados</font></u><font> os seguintes factos (indicando-se aqui a negrito os que foram alterados na sequência da impugnação da decisão de facto):</font>
</p><p><font>A - No dia …… de 1997 faleceu FF, no estado de casado com GG, sob o regime da comunhão geral de bens, com última residência em .........., Rua ……, Vivenda ……, n.º.., ........... </font>
</p><p><font>B - Tendo deixado como únicos herdeiros, sua cônjuge sobreviva, GG, e quatro filhos, AA, CC, DD e EE. </font>
</p><p><font>C - Na …. Repartição de Finanças de …. foi apresentada, na sequência do óbito de FF, a relação de bens junta a folhas 15 verso a 18 dos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, onde consta: </font>
</p><p><i><font>“Relação de bens, que apresenta GG, viúva, contribuinte fiscal ………, na qualidade de cabeça de casal, na herança aberta por óbito de seu marido, FF, ocorrido em 24.1.1997, contribuinte fiscal nº ……, morador que foi na Vivenda…, Quinta …., .........., ………. </font></i>
</p><p><i><font>Activo </font></i>
</p><p><i><font>Bens Imóveis </font></i>
</p><p><i><font>Verba nº 1 </font></i>
</p><p><i><font>1/3 do prédio rústico e urbano denominado ……, e sito no .........., concelho de .........., descrito na 1.ª Conservatória do Registo Predial de .........., sob o n.º …/…., e inscrito na matriz predial rústica sob o art.º .. da Secção…, da freguesia da .......... e o prédio urbano nele edificado, inscrito na matriz sob o art.º ... da freguesia da .........., cujo averbamento de …..em seu nome, foi pedido em ……97. </font></i>
</p><p><i><font>Verba nº 2 </font></i>
</p><p><i><font>Prédio urbano, sito na .........., .........., descrito na Conservatória do Registo Predial de .........., sob o nº ……, e inscrito na matriz da freguesia da .......... sob o artº. …º. </font></i>
</p><p><i><font>Verba nº 3 </font></i>
</p><p><i><font>Prédio urbano, sito na .........., .........., descrito na Conservatória do Registo Predial de .........., sob o nº …, e inscrito na respectiva matriz sob o artº. …º da freguesia da ........... </font></i>
</p><p><i><font>Verba nº 4 </font></i>
</p><p><i><font>Prédio urbano, sito na .........., .........., inscrito na matriz predial urbana sob o artº. … da freguesia da ........... </font></i>
</p><p><i><font>Verba nº 5 </font></i>
</p><p><i><font>Prédio urbano, sito na .........., .........., inscrito na matriz predial urbana, sob o artº. …º da freguesia da ........... </font></i>
</p><p><i><font>Verba nº 6 </font></i>
</p><p><i><font>Prédio urbano, sito na .........., .........., inscrito na matriz predial urbana sob o artº. …º da freguesia da ........... </font></i>
</p><p><i><font>Verba nº 7 </font></i>
</p><p><i><font>Prédio urbano, sito na .........., .........., omisso na matriz, mas participado pelo modelo 129, em nome de FF, e aí entregue em 05.03.1993. </font></i>
</p><p><i><font>Passivo </font></i>
</p><p><i><font>Verba nº 1 </font></i>
</p><p><i><font>(…) </font></i>
</p><p><i><font>Pel´A Cabeça de Casal </font></i>
</p><p><i><font>AA”. </font></i>
</p><p><font>D – Na 3ª Repartição de Finanças de .......... foi ainda apresentado um aditamento à relação de bens a que alude a alínea C), junto a folhas 18 e 19 dos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, com o seguinte teor: </font>
</p><p><font>“</font><i><font>GG, viúva, contribuinte fiscal nº …, vem apresentar aditamento à relação de bens, por morte de seu marido FF, que deu lugar, nessa Repartição de Finanças, à instauração do processo sucessório nº. </font></i>
</p><p><i><font>Activo </font></i>
</p><p><i><font>Bens Móveis </font></i>
</p><p><i><font>Verba nº 8 </font></i>
</p><p><i><font>1 tractor agrícola, muito usado, marca Internacional, matrícula …-…-.., a que atribui o valor jurado de noventa mil escudos. </font></i>
</p><p><i><font>Passivo </font></i>
</p><p><i><font>Verba nº 2 </font></i>
</p><p><i><font>1 declaração de divida, contraída com AA e mulher BB, na importância de Esc. 7.500.000$00, conforme fotocópia autenticada do referido documento, que junta, com assinaturas reconhecidas pelo Cartório Notarial de .........., em ……1994, e recibo comprovativo do pagamento do Imposto Selo, na Tesouraria da Fazenda Pública de .........., em ……1994 ………………………...7.500.000$00 </font></i>
</p><p><i><font>O total do passivo passa a ser de Esc.: 7.621.800$00. </font></i>
</p><p><i><font>(…) </font></i>
</p><p><i><font>Pela Cabeça de Casal, </font></i>
</p><p><i><font>AA</font></i><font>”. </font>
</p><p><font>E – O falecido FF, em ……. de 1978, havia prometido comprar, juntamente com HH e II, o prédio identificado sob a verba nº 1 constante do documento vertido na alínea C), a JJ, KK e a LL. </font>
</p><p><font>F - Tendo o falecido FF pago integralmente o preço e entrado na posse de uma terça parte do prédio, na qual havia edificado os prédios identificados nas verbas nº 4 e 7 constantes do documento vertido na alínea C). </font>
</p><p><font>G – Como a escritura do identificado prédio não se realizou por motivos imputáveis aos promitentes vendedores, FF e GG, juntamente com os referidos HH e II, instauraram Acção de Justificação Especial de Propriedade do prédio em causa, a qual correu os seus termos no extinto 3.º Juízo Cível do Tribunal de ........... </font>
</p><p><font>H – A acção a que alude a alínea G) foi julgada procedente por sentença de 25 de Janeiro de 1996, cuja cópia se encontra junta a folhas 19 a 20 verso dos autos e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, e mediante a qual foi reconhecido aos justificantes, FF, HH e II, a aquisição por usucapião do direito de propriedade relativamente ao imóvel rústico e urbano, denominado .........., sito no .........., Concelho de .........., inscrito na matriz predial rústica sob o art.º …, presentemente, art.º … da Secção “..”, da freguesia da .........., bem como do prédio urbano nele edificado e inscrito na respectiva matriz sob o art.º …, ambos descritos na 1ª Conservatória do Registo Predial de .........., sob o nº …, fls. 95 Vº do Livro B-2 da freguesia da .........., de forma a possibilitar-lhes a obtenção do registo, a seu favor, do direito de propriedade sobre esses prédios na Conservatória do Registo Predial (nº 4 do art.º 4º do Decreto-Lei nº 284/84 de 22 de Agosto; artigos 116/2/3 e 34/2, ambos do Código de Registo Predial). </font>
</p><p><font>I – Após o óbito de FF, e em consequência da procedência da acção a que aludem as alíneas G) e H), foi outorgada, em 30 de Junho de 2005, escritura de divisão de coisa comum do prédio misto, sito na .........., .........., na freguesia de .........., concelho de .........., descrito na Primeira Conservatória do Registo Predial de .......... sob a ficha dois mil quinhentos e três – .........., registado a seu favor, na proporção de um terço para HH, um terço para os segundos II, pela inscrição G-dois e de um/terço para os terceiros em comum e sem determinação de parte ou direito pela inscrição ……, inscrito na matriz cadastral sob o artigo … da Secção .. – .........., com o valor patrimonial de 3.942,55€ e atribuído de cinco mil euros, que totaliza o valor de quinze mil euros. </font>
</p><p><font>J – No âmbito da escritura a que alude a alínea I) o imóvel foi dividido em três novos prédios: </font>
</p><p><font>- Prédio um – rústico com a área de vinte mil e quinhentos metros quadrados, a confrontar do Norte com ................, do Sul com HH e II e ................, do nascente com HH e II e do poente com ..................., no valor de cinco mil euros; </font>
</p><p><font>- Prédio dois – misto com a área de dez mil e duzentos metros quadrados, com a parte urbana incluída, a confrontar do Norte </font>
</p><p><font>com ................, do sul com MM, do nascente com Estrada Pública e do poente com GG e outros, no valor de sete mil quatrocentos e oitenta e sete euros e oitenta cêntimos; </font>
</p><p><font>-Prédio três – rústico com a área de dez mil e trezentos metros quadrados, a confrontar do norte com GG e outros e ................, do sul com ............................., do nascente com MM e do poente com ..................., no valor de dois mil e quinhentos e doze euros e vinte cêntimos. </font>
</p><p><font>L – Os três prédios a que alude a alínea J) através da escritura constante da alínea I) foram adjudicados nos seguintes termos: a HH, NN, II e OO, em comum, os prédios números dois e três; e a GG, AA, EE, CC e DD, em comum e sem determinação de parte ou direito, o prédio número um. </font>
</p><p><font>M - O prédio identificado na alínea C), sob a verba nº 2 está actualmente descrito na Conservatória do Registo Predial de .......... sob o n.º…… da freguesia da .......... e inscrito na matriz predial urbana da União das Freguesias de …………. da .......... e .......... sob o artigo …. </font>
</p><p><font>N - O prédio identificado na alínea C), sob a verba nº 3 está actualmente descrito na Conservatória do Registo Predial de .......... sob o n.º…. da freguesia da .......... e inscrito na matriz predial urbana da União das Freguesias de …. da .......... e .......... sob o artigo …. </font>
</p><p><font>O – A herança aberta por óbito de FF nunca foi objecto de partilha, permanecendo indivisa. </font>
</p><p><font>P – GG faleceu no dia ……. de 2017, tendo deixado como seus únicos herdeiros AA, CC, DD e EE. </font>
</p><p><font>Q - GG, outorgou por testamento público lavrado em …… de 2009, junto a folhas 33 verso a 25 dos autos e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, do qual consta: </font>
</p><p><font>“(…) </font>
</p><p><i><font>Disse a outorgante: </font></i>
</p><p><i><font>“Sou efectivamente viúva e tenho quatro filhos. </font></i>
</p><p><i><font>Nestas circunstâncias formulo as minhas disposições de última vontade, pela seguinte forma: </font></i>
</p><p><i><font>1. À minha filha CC, casada, lego por conta da minha quota disponível o direito que tenho no prédio urbano sito na .........., inscrito na matriz sob o artigo … da freguesia da .........., concelho de ........... </font></i>
</p><p><i><font>2. À minha filha DD, divorciada, lego por conta da legítima, o direito que tenho nos prédios urbanos sitos na .........., nºs 3 e 4, inscritos na matriz, respectivamente, sob os artigos … e …. da freguesia da .........., concelho de ........... </font></i>
</p><p><i><font>3. Ao meu filho EE, casado, lego por conta da legítima o direito que tenho no prédio urbano sito na .........., nº ..., inscrito na matriz sob o artigo … da freguesia da .........., concelho de ........... </font></i>
</p><p><i><font>4. Ao meu filho AA, casado, lego por conta da minha quota disponível, o direito que tenho nos prédios urbanos, sitos na .......... e na .........., inscritos na matriz, respectivamente, sob os artigos …. e …. da freguesia da .........., concelho de ........... </font></i>
</p><p><i><font>Dou assim por concluído este meu testamento, que é o primeiro que faço.” </font></i>
</p><p><font>(…)”. </font>
</p><p><font>R - Todos os herdeiros de GG aceitaram a herança aberta por seu óbito, começando cada um a administrar como se fosse seu os prédios que a falecida GG lhes legou no testamento a que alude a alínea Q), nomeadamente habitando tais prédios ou arrendando o mesmo a terceiros fazendo suas as rendas recebidas. </font>
</p><p><font>S - Até à presente data, a herança aberta por óbito de GG, não foi objecto de partilha. </font>
</p><p><font>T – Do documento junto a folhas 36, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, consta: </font>
</p><p><font>“</font><i><font>Declaração </font></i>
</p><p><i><font>Nós abaixo assinados FF e GG, casados um com o outro, sob o regime da comunhão geral de bens, ambos residentes na .........., Vivenda …, .......... – .........., Bilhetes de identidade respectivamente nºs ……. e nº …, contribuintes fiscais nºs ………. e nº ……, da Rep. de Finanças do Concelho de .........., declaramos que: </font></i>
</p><p><i><font>Devemos ao nosso filho AA e mulher BB, a quantia de Esc 7.500.000$00, referentes a obras de construção e despesas de conservação que ficaram a cargo destes e que foram realizadas no prédio urbano, sito na .........., .........., freguesia da .......... inscrito na matriz predial urbana sob o art…. da freguesia da .......... e descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de .......... sob o nº …. a fls. 168vº do livro B-51 da freguesia da ........... </font></i>
</p><p><i><font>Porquanto: </font></i>
</p><p><i><font>Foi por nós autorizada a posse do referido prédio, para valer como o preceituado no art. 1251º CC e segs., naqueles aplicáveis ao instituto da posse de boa fé, para que o casal acima referido nele tivesse a sua residência permanente desde …… de 1978. Mais declaramos que são da nossa responsabilidade todas as despesas referentes a obras de benfeitorias necessárias e úteis, que os possuidores entendam ser necessárias em vista à boa utilização e conservação do prédio. </font></i>
</p><p><i><font>Declaramos ainda que só não foi feita a escritura pública de doação, porque o prédio ainda não possui licença de utilização. </font></i>
</p><p><i><font>Pelo que, nós nos comprometemos a que, assim que seja passada a licença de utilização pelos serviços camarários respectivos, procedermos à dita Escritura Pública de Doação, caducando assim nessa mesma data esta presente declaração. </font></i>
</p><p><i><font>Feito em duplicado, em .........., aos ……. de 1993, indo ser assinado pelos declarantes, e a fotocópia dos Bilhetes de Identidade dos intervenientes neste acto ficará junta à presente declaração. </font></i>
</p><p><i><font>Sr. FF </font></i>
</p><p><i><font>Dª GG (põe o dedo por não saber assinar) </font></i>
</p><p><i><font>A rogo de FF e de GG por não saberem assinar </font></i>
</p><p><i><font>(…)”.</font></i><font> </font>
</p><p><font>U – Os Autores nunca receberam o montante de esc: 7.500.000$00. </font>
</p><p><font>V - Em vida de FF e GG, foi instaurada, em ……de 1993 uma Acção de Justificação Especial da Propriedade do prédio misto sito na .........., .........., na freguesia da .........., concelho de ........... </font>
</p><p><font>X - E, em ……. de 1994, foi instaurada a subsequente Acção de aquisição da propriedade por Usucapião. </font>
</p><p><font>Z - Por conta das referidas acções judiciais, contabilizaram-se a título de honorários e despesas da Advogada, o montante de esc: 663.170$00 (€ 3.307,88). </font>
</p><p><font>AA – O Autor pagou todas as despesas referentes ao funeral de GG no valor de €1.700,00 (mil e setecentos euros), tendo, apenas, sido reembolsado no valor de €214,93 (duzentos e catorze euros e noventa e três cêntimos) pelo Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social. </font>
</p><p><font>BB – O Autor pagou ainda todas as despesas notariais referentes ao averbamento do óbito de GG no respectivo testamento, no valor de €45,58 (quarenta e cinco euros e cinquenta e oito cêntimos). </font>
</p><p><font>CC – O Autor, através de mandatário, enviou aos Réus, que receberam, as cartas juntas a folhas 57 verso a 66 dos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais. </font>
</p><p><font>DD – Por referência ao documento a que alude a alínea T) consta do documento junto a folhas 180, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, o seguinte: </font>
</p><p><font>“</font><i><font>Reconheço a assinatura retro de PP feita na minha presença pelo signatário, bem como, foi o rogo de FF e de GG, pessoas cuja identidade verifiquei por exibição dos respectivos bilhetes de identidade nºs …, …. e …. emitidos em ...-...-..., ...-...-... e ...-...-..., o primeiro e o último pelo CICC em ……… e o segundo pelos Serviços de Identificação Civil em …., tendo os rogantes declarado não saber assinar. Primeiro Cartório Notarial de .........., 26-8-94. </font></i>
</p><p><font>(…)”. </font>
</p><p><font>EE – O falecido FF não sabia ler e escrever, mas sabia assinar o seu nome, sendo que desde 02 de Fevereiro de 1994 deixou de poder assinar. </font>
</p><p><font>FF – A falecida GG não sabia ler e escrever e não sabia assinar o seu nome. </font>
</p><p><font>GG - O Autor pagou em nome dos falecidos FF e GG a quantia de esc: 331.585$00 (€1.653,94), referente a metade da quantia a que alude a alínea Z), porquanto o pagamento da outra metade era da responsabilidade dos outros titulares. </font>
</p><p><font>HH - Após o óbito de FF, o Autor suportou todas as despesas a título de honorários e despesas da Advogada, referentes ao processo sucessório do seu falecido pai, no valor global de esc: 391.310$00 (€ 1.951,85). </font>
</p><p><font>II - Durante o cabecelato de GG, foi iniciado, com o consentimento dos demais co-herdeiros da herança aberta por óbito de FF, o processo de divisão da propriedade do prédio misto sito na .........., .........., freguesia da .........., concelho de ........... </font>
</p><p><font>JJ – O Autor também liquidou o Imposto Municipal sobre Imóveis dos prédios urbanos que integram o acervo hereditário de FF e dos prédios de que GG era proprietária, referente a: </font>
</p><p><font>i) Ano de 2013, no valor de €1.146,98; </font>
</p><p><font>ii) Ano de 2014, no valor de €1.013,23; </font>
</p><p><font>iii) Ano de 2015, no valor de €986,62; </font>
</p><p><font>iv) Ano de 2016, no valor de €1.204,89 </font>
</p><p><font>LL – </font><b><font>Eliminada.</font></b>
</p><p><font>MM) - </font><b><font>As despesas com o constante da alínea II) foram pagas na íntegra pelo Autor, no valor total de € 6.513,71 (seis mil quinhentos e treze euros e setenta e um cêntimos).</font></b>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> E foram dados como </font><u><font>não provados</font></u><font>:</font>
</p><p><font>1 - Da herança de FF fazia e faz parte uma dívida aos Autores no montante de esc: 7.500.000$00 (sete mil e quinhentos contos), passivo este que | [0 0 0 ... 0 0 0] |
TDJou4YBgYBz1XKvkAPC | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><font>Processo n.º 558/20.8T8GMR.G1.S1</font><a><u><sup><font>[1]</font></sup></u></a><font> </font>
<p><font> </font></p><div><br>
<b><font>*</font></b></div><br>
<br>
<font> </font><br>
<div><br>
<font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça – 1.ª Secção</font><a><u><sup><font>[2]</font></sup></u></a><font>:</font></div><br>
<br>
<font> </font><br>
<p><font>I. Relatório</font><br>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font>AA</font></b><font> instaurou a presente acção declarativa sob a forma de processo comum contra </font><b><font>BB </font></b><font>e mulher</font><b><font> CC</font></b><font>, todos melhor identificados nos autos, pedindo a condenação dos réus a:</font>
</p><p><font>a) Reconhecerem que a autora é dona e possuidora do prédio denominado “S……” - terreno de mato e pinheiros, que faz parte do ………. ou de ………, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 30…/……. -e ainda do prédio denominado “A……” ou ………”, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 35…/………, com as confrontações que identifica, designadamente com o prédio dos réus.</font>
</p><p><font>b) Reconhecerem que esses prédios da autora beneficiam da servidão de passagem que se traduz num caminho de terra batida, destinado ao trânsito de pessoas, animais e veículos, construído sobre o prédio dos réus sito no Lugar ………, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 26…/……….. .</font>
</p><p><font>c) Reconhecerem que desde há mais de 20, 30 e 50 anos que a autora tem a posse exclusiva, pública, contínua, pacífica, de boa fé, ininterrupta e dotada do “animus” de quem usa e frui de coisas próprias, de usar e se servir, com exclusão de outrem, do referido caminho, por onde efectua livremente o trânsito de pessoas e veículos da via pública para os seus prédios e vice-versa.</font>
</p><p><font>d) Restituírem à autora a posse de transitar pelo referido caminho para acesso aos seus prédios, demolindo e retirando dele as pedras que nele colocaram, transversalmente, que impedem tal acesso.</font>
</p><p><font>e) Não mais obstaculizarem, seja por que modo for, o referido acesso aos prédios da autora, nem ocuparem com o que quer que seja o leito do referido caminho.</font>
</p><p><font>Para tanto, alegou, em resumo, o seguinte:</font>
</p><p><font>É proprietária dos dois prédios identificados em a), por lhe terem sido doados pela sua mãe, por escritura de 23/1/1975, encontrando-se o respectivo direito inscrito no registo predial a seu favor, e por os ter adquirido por usucapião.</font>
</p><p><font>Os réus são proprietários do prédio, outrora rústico que passou a urbano após a construção de uma casa, sito no …, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 26…, com inscrição no registo predial a seu favor e que também adquiriram por usucapião. </font>
</p><p><font>Desde há mais de 20 anos, continuamente, vem passando sobre o tracto de terreno que descreve, integrado neste prédio, para aceder aos seus prédios, à vista de toda a gente, com conhecimento da generalidade das pessoas, sem oposição de ninguém, sempre na convicção de não serem lesados direitos de outrem e de que lhe assiste o direito de por ali passar, acrescentando que “as marcas de pisado e trilhos de passagem de pessoas ou veículos … foram deixados exclusivamente” por si, Autora (ou por alguém por si autorizado), factos estes que foram julgados provados em anterior acção por si intentada contra os aqui Réus, na qual pediu o reconhecimento do direito de propriedade sobre o referido tracto do caminho, estando, assim, a coberto do caso julgado.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Os réus contestaram por excepção e por impugnação. Invocaram o caso julgado e, embora reconhecendo que sobre o seu prédio passava um caminho, alegaram que ele dava acesso, apenas, a prédios pertencentes a outrem que não à Autora.</font>
</p><p><font>Deduziram reconvenção, alegando que os prédios da autora confrontavam com duas vias públicas por onde o acesso era possível e fácil, pelo que se tornaria objectivamente desnecessária a invocada servidão de passagem.</font>
</p><p><font>Concluíram pela procedência da excepção do caso julgado e, subsidiariamente, pela improcedência da acção e pela procedência da reconvenção pedindo que seja declarada “</font><i><font>a extinção da pretensa servidão de passagem, alegadamente constituída por usucapião, a favor da A/Reconvinda – como por esta alegado -, sobre um pretenso caminho implantado na extrema Sul/Poente do prédio dos Reconvintes, nos termos do disposto pelo n.º 2, do artigo 1567º, do C.Civil</font></i><font>”.</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font>Na réplica, a autora reiterou o que havia alegado na petição inicial e sustentou a impossibilidade prática e legal da extinção da servidão. Concluiu como na petição e pela improcedência da reconvenção.</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font>Dispensada a audiência prévia, foi proferido despacho saneador, onde foi admitida a reconvenção, foi julgada improcedente a excepção do caso julgado, foi identificado o objecto do litígio e foram enunciados os temas da prova, sem reclamações.</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font>Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida </font><b><font>sentença</font></b><font>, onde se decidiu:</font><br>
</p><p><font>«</font><i><font>Pelo exposto, vai a presente acção julgada totalmente improcedente, com a consequente absolvição dos réus do pedido. </font></i><br>
</p><p><i><font>Fica prejudicado o conhecimento da reconvenção. </font></i><br>
</p><p><i><font>Não há lugar a condenação por litigância de má-fé. Custas pela autora – art. 527º do CPC.</font></i><font>»</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font>Inconformada, a autora interpôs recurso de apelação que o Tribunal da Relação ………. apreciou e decidiu, por </font><b><font>acórdão de 26/11/2020</font></b><font>, deliberando:</font><br>
</p><p><font>«</font><i><font>Considerando quanto vem de ser exposto acordam os Juízes desta Relação em julgar parcialmente procedente o presente recurso de apelação, pelo que, reconhecendo constituída a servidão de passagem a favor do prédio da Apelante sobre o prédio dos Apelados, declaram-na extinta por desnecessária ao referido prédio da Apelante.</font></i><br>
</p><p><i><font>Custas da reconvenção pela Apelante/Reconvinda.</font></i><br>
</p><p><i><font>Custas da acção e da apelação pela Apelante/Autora e pela Apelados/Réus, na proporção de dois terços para a primeira e um terço para os segundos</font></i><font>.»</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font>Ainda não conformada, a autora/reconvinda interpôs recurso de </font><b><font>revista</font></b><font> e apresentou a respectiva alegação com as seguintes </font><u><font>conclusões:</font></u><font> </font><br>
</p><p><i><font>“1ª- O acórdão recorrido julgando a matéria da acção julgou procedente o recurso de apelação da autora, decidindo estar constituída a servidão de passagem que esta reivindicava e a primeira instância lhe denegara, mas, subsidiando-se do disposto no artº 665º do Código de Processo Civil, julgou extinta a servidão por desnecessidade, nos termos do pedido dos réus formulado em reconvenção e para o caso da procedência da acção (pedido que 1ª instância julgou prejudicado por ter julgado a acção improcedente), condenando a apelante reconvinda nas custas da reconvenção e quanto às custas da acção, condenando a apelante/Reconvinda na proporção de 2/3 e os RR. na proporção de 1/3 – decisão de que a Autora leva o presente recurso de revista.</font></i><br>
</p><p><i><font>2ª- Independentemente da análise de mérito da decisão (a recorrente não vê razão alguma para ter sido declarada extinta a servidão), afigura-se ter o douto acórdão recorrido cometido 3 nulidades: uma quanto às custas, pois considerando a decisão, embora as custas da reconvenção devessem ser suportadas pela autora, as da acção, porque o recurso procedeu, só podiam ser inteiramente suportadas pelos réus (nos termos do artº 527º, nºs. 1 e 2 do Código de Processo Civil); outra, por ter sido julgado que a afirmação da recorrente (segundo a qual “as servidões são concedidas no uso de um “poder discricionário” e a “título precário”) é inconsistente, quando a recorrente (conclusão 17ª) não fez tal afirmação, que seria disparatada, mas sim alegou que a abertura de acessos de propriedades privadas à via pública dependia de licença camarária, concedida no uso de um poder discricionário, e precariamente - questão que ficou por decidir; uma última, porque o artº 665º, nº 2 do Código de Processo Civil só podia ter sido utilizado após o cumprimentos do nº 3 desse normativo, e não podia ter sido aplicado pois só a matéria da acção (e não a da reconvenção - porque da sentença os Réus não recorreram) podia ser julgada com recurso ao artº 665º, nº 2 do Código de Processo Civil.</font></i><br>
</p><p><i><font>3ª- Tais nulidades - que devem ser conhecidas como erros de julgamento se assim forem antes classificadas - integram as situações contempladas no artº 615º, nº 1, alínea c) (referente às custas), 615º, nº 1, alínea d) (referente à pretensa alegação da autora quanto ao modo de constituição da servidão) e 615º, nº 1, alínea d) (referente à omissão do cumprimento do nº 3 do artº 665º e à aplicação à reconvenção, sobre decisão, de que não houve recurso do reconvinte do nº 2 do mesmo artº 665º, devendo o tribunal de revista conhecer delas, com as legais consequências, de julgar nulo o acórdão recorrido, determinando a baixa dos autos à 2ª instância para novo julgamento nas partes viciadas.</font></i><br>
</p><p><i><font>Sem prescindir,</font></i><br>
</p><p><i><font>4ª- A autora propôs a presente ação, alegando que os seus prédios, que identificou, eram beneficiados por uma servidão de passagem de pé e carro, de que existiam sinais visíveis e permanentes, onerando o prédio dos réus, pedindo a condenação destes a reconhecerem que a autora “por si e antecessores, desde há mais de 30 e 40 anos e continuamente, vem passando sobre o descrito tracto de terra para aceder aos seus prédios, à vista de toda a gente, designadamente dos vizinhos e mais diretamente interessados, com conhecimento da generalidade das pessoas, sem oposição de ninguém, sempre na convicção de não serem lesados direitos de outrem e de que lhe assiste o direito de por ali passar de modo exclusivo pelo menos nos últimos 20 anos” e que “as marcas de pisado e trilhos de passagem de pessoas ou veículos foram deixadas exclusivamente pela autora (ou por alguém por si autorizado) ”.</font></i><br>
</p><p><i><font>5ª- A ação foi contestada pelos réus, impugnando os factos e deduzindo reconvenção, pedindo nesta, para a hipótese de a ação proceder, a condenação da autora a reconhecer a desnecessidade da servidão, porque os seus prédios sempre haviam confrontado com duas vias públicas para onde e por onde o acesso era possível e fácil, de onde resultaria uma desnecessidade objetiva da referida servidão.</font></i><br>
</p><p><i><font>6ª- Por sentença produzida em primeira instância, a acção foi julgada improcedente, e o conhecimento da reconvenção foi julgado prejudicado – tendo da sentença sido interposto recurso de apelação pela autora, que veio a ser julgado procedente, reconhecendo-se constituída a invocada servidão de passagem (mas não se condenando nos demais pedidos, designadamente de restituição à Autora do caminho de servidão usurpado e de não impedirem por ele o trânsito da Autora) e a reconvenção foi julgada procedente declarando-se a servidão extinta, pedido este que foi julgado nos termos e ao abrigo do disposto no artº 665º, nº 2 do Código de Processo Civil.</font></i><br>
</p><p><i><font>7ª- Para além das objecções postas ao julgamento do pedido reconvencional em termos de arguição de nulidades (eventualmente configuráveis, sempre com o necessário julgamento, como erros de direito) a decisão de mérito do douto acórdão recorrido é inaceitável, e não pode manter-se, razão pela qual se interpôs o presente recurso de revista.</font></i><br>
</p><p><i><font>8ª- Com efeito, o pedido reconvencional deveria ter sido julgado improcedente por manifestamente não ter suporte legal, uma vez que, como a jurisprudência tem decidido, a desnecessidade que importa para declarar extinta uma servidão de passagem depende em absoluto da alegação e prova de uma mudança na situação do prédio dominante (que no caso não ocorreu nem foi alegada e a sentença até reconhece não ter existido, dizendo que “foi assim possível concluir que o caminho em causa nestes autos terá coexistido com aqueles dois acessos”, pelo que a situação atual é a mesma que existia à data da constituição da servidão), sendo insuficiente alegar-se apenas que o prédio confina com a via pública (acórdãos do STJ de 07/11/2019, Col. Jurisp. STJ, ano XXVII, III, pág. 28, da Relação de Coimbra de 25/10/1983, Col. Jurisp. 1983, IV, pág. 62, da Relação do Porto de 02/12/1986, Col. Jurisp. 1986, V, pág. 229, da Relação de Coimbra de 12/11/1991, BMJ 411, 672, de 20/09/1994, BMJ 439, pág. 663, e da Relação do Porto de 20/09/1992, BMJ 419, pág. 821), - e foi esse o único fundamento de que se socorreu o acórdão recorrido, baseado unicamente nos factos que para o efeito elegeu - factos 25, 26, 27 e 13, atrás transcritos).</font></i><br>
</p><p><i><font>9ª- Por outro lado, ainda que se julgasse bastante, para a extinção da servidão por desnecessidade, alegar a confinância do prédio dominante com vias públicas suscetíveis de permitirem idêntico ou melhor acesso, nunca essa alegação bastaria para, sem mais, permitir a extinção da servidão, pois nem estava alegado nem nenhuma garantia poderia ter a autora de que pode obter um outro acesso a partir da via pública, pois enquanto o actual está legalmente assegurado todas as futuras serventias de propriedades confinantes com as vias municipais têm de ser objecto de licenciamento pelas respetivas câmaras, e este é concedido no uso de um poder discricionário e a título precário, enquanto as atuais serventias estão constituídas com carácter definitivo (artigo 62.º do Regulamento Geral das Estradas e Caminhos Municipais, publicado pela Lei n.º 2110 de 19/08/1961, bem como os acórdãos do STA de 16/05/1991, de que foi relator o Conselheiro Neto Parra, processo n.º 029227, 1.ª secção do CA, sumário disponível em </font></i><i><font>www.dgsi.pt</font></i><i><font>, de 13/01/2004, de que foi relator Políbio Henriques, processo n.º 040581, disponível em </font></i><i><font>www.dgsi.pt</font></i><i><font> e, sobretudo, o acórdão do STA de 21/09/2004, de que foi relator São Pedro, proc. n.º 07204, disponível em </font></i><i><font>www.dgsi.pt</font></i><i><font>, que decidiu dever improceder uma ação em que o autor pede o reconhecimento do direito de entrar numa via municipal saindo de uma propriedade confinante, considerando a necessária precariedade do acesso).</font></i><br>
</p><p><i><font>Termos em que na procedência do recurso de revista deve o acórdão recorrido ser revogado e a acção ser julgada inteiramente provada e procedente, quanto a todos os pedidos formulados e a reconvenção improcedente e não provada,</font></i><br>
</p><p><i><font>Ou, quando assim se não entenda, deve conhecer-se das nulidades apontadas com a consequência de se declarar nulo o acórdão recorrido, inclusivé quanto ao enquadramento da decisão no nº 2 do artº 665º do Código de Processo Civil, e ao incumprimento do nº 3 do mesmo artigo, ordenando-se a baixa dos autos à segunda instância, para a acção de novo aí ser julgada, após o devido expurgo das nulidades que forem verificadas,</font></i><br>
</p><p><i><font>Assim se fazendo JUSTIÇA!”</font></i><br>
</p><p><i><font> </font></i><br>
</p><p><font>Os réus contra-alegaram pugnando pela confirmação do acórdão recorrido.</font><br>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>O recurso foi admitido como de revista, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo, modo de subida e efeito que foram mantidos pelo Relator no despacho liminar.</font>
</p><p><font>Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir o mérito do presente recurso.</font>
</p><p><font>Face às conclusões do recurso de revista que, como é sabido, nos termos dos art.ºs 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, todos do CPC, delimitam o seu objecto e tendo presente que se apreciam questões e não razões, as questões que importa dirimir, pela ordem que se nos afigura lógica, consistem em saber:</font>
</p><p><font>1. Se o acórdão padece das nulidades que lhe são imputadas: oposição entre os fundamentos e a decisão, omissão de pronúncia e excesso de pronúncia;</font>
</p><p><font>2. Se há violação da lei de processo por errada aplicação do art.º 665.º, n.º 2, do CPC;</font>
</p><p><font>3. Se houve erro na condenação das custas da acção;</font>
</p><p><font>4. E se o direito à servidão de passagem invocada pela autora, já reconhecido, não se extinguiu por desnecessidade.</font>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font>II. Fundamentação </font><br>
</p><p><font>1. De facto</font>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font>No acórdão recorrido, foram dados como </font><u><font>provados</font></u><font> os seguintes factos (indicando-se a negrito os que foram alterados pela Relação na sequência da impugnação da decisão de facto):</font><br>
</p><p><font>1. Está descrito na Conservatória do Registo Predial ………, sob o nº 30….., o prédio rústico denominado “S……”, sito no Lugar ……, freguesia ……….., concelho……… .</font><br>
</p><p><font>2. Está descrito na Conservatória do Registo Predial ………, sob o nº 35…., o prédio rústico denominado “A………. ou ………”, sito no Lugar do ………, freguesia …….., concelho…….. .</font><br>
</p><p><font>3. Mostra-se registado em nome da autora o direito de propriedade dos prédios referidos em 1) e 2), pela Ap. 6 de 10.03.1975.</font><br>
</p><p><font>4. Está descrito na Conservatória do Registo Predial …….., sob o nº 26….., o prédio urbano composto de rés-do-chão e logradouro, sito no Lugar ………, freguesia ………, concelho……….. .</font><br>
</p><p><font>5. Mostra-se registado em nome dos ora réus o direito de propriedade do prédio referido em 4), pela Ap. 4 de 24.08.2005.</font><br>
</p><p><font>6. Por si e antepossuidores, desde há mais de 20, 30 e 50 anos, a autora paga as contribuições e impostos, roça mato, aproveita e usufrui das utilidades dos prédios referidos em 1) e 2), contíguos e sem qualquer divisão entre si.</font><br>
</p><p><font>7. Os réus, por si e antepossuidores, desde há mais de 20, 30 e 50 anos que pagam as contribuições e impostos, constroem, roçam mato, cortam árvores, aproveitam e usufruem das utilidades do prédio referido em 4).</font><br>
</p><p><font>8. O referido em 6) e 7) ocorreu sempre na convicção de não lesarem direitos de outrem, à vista de toda a gente, designadamente dos vizinhos e mais directamente interessados, com conhecimento da generalidade das pessoas, sem oposição de ninguém, dia a dia, ano a ano, com ânimo de quem exerce direitos próprios, de propriedade.</font><br>
</p><p><font>9. A moradia que existe no prédio referido em 4) foi construída pelos ora réus.</font><br>
</p><p><font>10. No prédio referido em 4) existia, desde data anterior a 1993, um trato de terreno com a largura de cerca de 3 metros, com um comprimento não concretamente apurado, calcado e trilhado no solo, denunciando a passagem de pessoas.</font><br>
</p><p><font>11. Esse caminho permitia ligar a Rua …….. aos prédios referidos em 1) e 2) e, cruzando um destes, ou ambos, ligar a Rua …….. a outros prédios, designadamente pertencentes aos donos da Quinta ………, onde veio a ser construído um agrupamento escolar.</font><br>
</p><p><font>12. Em data não concretamente apurada, os réus instalaram um portão na confrontação do caminho com a Rua …….. .</font><br>
</p><p><b><font>13.</font></b><font> </font><b><font>Durante mais de vinte anos, sem interrupção, os caseiros da Apelante/Autora usaram o caminho referido em 11) para ir roçar mato aos prédios referidos em 1) e 2), à vista de toda a gente e sem oposição de ninguém.</font></b><br>
</p><p><b><font>14. Os referidos caseiros procediam nos termos referidos em 13) na convicção de não estarem a lesar direitos de outrem e de estarem a exercer um direito da Apelante/Autora.</font></b><br>
</p><p><font>15. Até Fevereiro de 2016, os réus não se opuseram ao referido em 13).</font><br>
</p><p><font>16. Em 9 de Outubro de 2015, o réu marido apresentou na Câmara Municipal ……… o requerimento junto a fls. 30, intitulado “</font><i><font>……… descritiva e justificativa</font></i><font>”, cujo teor se dá por reproduzido, no qual se refere, entre o demais, o seguinte:</font><br>
</p><p><font>“</font><i><font>pretende-se alterar o muro de vedação, de acordo com o projecto anexo. (…) O portão ……… será deslocado para o centro do muro; o portão ……. da servidão será demolido e substituído por parede do muro de vedação. A servidão de passagem, existente na estrema sul/nascente do terreno do requerente, será extinta, porque o proprietário com direito ao seu uso vendeu o prédio rústico que a servidão servia à Câmara Municipal, para construção do Agrupamento de Escolas …….. (artigo 1569º do Código Civil). A parede do muro a construir, em substituição dos portões a demolir, será igual à já existente </font></i><font>(…)”.</font><br>
</p><p><font>17. O pedido referido em 16) foi instruído com uma planta que representava o traçado e implantação do caminho sobre o terreno que constitui o prédio referido em 4) antes da construção da moradia.</font><br>
</p><p><font>18. O requerimento referido em 16) foi deferido.</font><br>
</p><p><font>19. Na sequência do referido em 16) e 18), no dia 11 de Fevereiro de 2016 os réus taparam o caminho referido em 10) e 11).</font><br>
</p><p><font>20. A autora enviou as cartas e exposições juntas a fls. 31 a 34, com vista à reabertura do caminho.</font><br>
</p><p><font>21. A autora propôs contra os réus a acção declarativa comum que correu termos sob o nº 461/17……….., na Instância Local Cível …….., Juiz …., pedindo a condenação dos mesmos réus a reconhecerem o seu direito de propriedade sobre o trato de terreno que constitui o caminho referido em 10), acção essa que foi, a final, julgada totalmente improcedente.</font><br>
</p><p><font>22. O prédio referido em 4) confronta com o prédio urbano de DD, composto por casa de habitação e logradouro.</font><br>
</p><p><font>23. Aquando da aquisição, pelos réus, do prédio referido em 4), no mesmo existia um caminho, trilhado no solo, que, antes da construção da moradia, o atravessava desde aquela que é agora a Rua …….. até um prédio rústico que fazia parte da Quinta ………., onde actualmente se encontra edificado o Centro Escolar ………., passando por, pelo menos, um dos prédios referidos em 1) e 2) e ainda por um outro prédio pertencente a um terceiro.</font><br>
</p><p><font>24. O caminho referido em 10) e 11) visava permitir o acesso do prédio rústico da Quinta ………., referido em 23), à Rua ……. .</font><br>
</p><p><font>25. Os prédios referidos em 1) e 2) não estão divididos entre si, e têm, ambos, ao longo de mais de 100 metros e em toda a extensão dessa estrema, confrontação directa e sem diferença de cota, com um caminho público.</font><br>
</p><p><font>26. Um dos prédios referidos em 1) e 2) tem, numa extensão de 63,30 metros – que corresponde à extensão dessa estrema -, confrontação com a Rua ……, sem diferença de cota.</font><br>
</p><p><font>27. Os prédios referidos em 1) e 2) são de mato, sem que neles se cultive.</font><br>
</p><p><font>28. O pedido de licenciamento para muro, formulado pelos réus à C.M…. em 1993 abrangia já a vedação do acesso ao caminho, mas nessa altura a CM…. entendeu que não estava salvaguardada a situação do caminho de servidão.</font><br>
</p><p><font>29. </font><b><font>Eliminado.</font></b><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font>E foram considerados </font><u><font>não provados</font></u><font> os que seguem:</font><br>
</p><p><font>a) Que a utilização referida em 13) fosse a única que ali se fazia ou a que aquele caminho visasse satisfazer.</font><br>
</p><p><font>b) Que a autora usasse o caminho para desenvolver alguma actividade agrícola nos prédios referidos em 1) e 2).</font><br>
</p><p><font>c) Que, por causa da obra efectuada pelos réus em …. de ……… de 2016, a autora tenha ficado totalmente privada de qualquer passagem.</font><br>
</p><p><font>d) Que algum dos prédios referidos em 1) e 2) esteja inscrito na matriz sob o artigo 1… .</font><br>
</p><p><font>e) Que, por referência ao ………., também pertencente à autora, o acesso aos prédios 1) e 2) alguma vez tenha ocorrido mais comodamente pelo caminho referido em 13) do que pelo caminho público ou pela Rua ……… .</font><br>
</p><p><font>f) Que tenha alguma vez havido diferenças de cota de nível entre os prédios referidos em 1) e 2) e o caminho público com o qual confinam.</font><br>
</p><p><font>g) Que tenha alguma vez havido alguma diferença de cota de nível entre a Rua …… e o prédio que, dos referidos em 1) e 2), com ela confina.</font><br>
</p><p><font>h) Que o portão colocado pelos réus estivesse habitualmente trancado.</font><br>
</p><p><font>i) Quais as demais confrontações dos prédios referidos em 1) e 2), para além do que se extrai do referido em 10), 11), 25) e 26).</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>2. De direito</font>
</p><p><i><font>2.1. Das nulidades</font></i><font> </font><br>
</p><p><font>O art.º 615.º do CPC (também aplicável aos acórdãos, por força da remissão do art.º 666.º, n.º 1, do mesmo Código) dispõe que a sentença é nula, entre outras situações que não importa aqui considerar, quando “</font><i><font>os fundamentos estejam em oposição com a decisão” </font></i><font>[al. c), 1.ª parte] e quando</font><i><font>“o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar” </font></i><font>[al. d), 1.ª parte], “</font><i><font>ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento</font></i><font>” [al. d), 2.ª parte].</font><br>
</p><p><i><font> </font></i><br>
</p><p><font>Vejamos se ocorre alguma destas nulidades arguidas: </font><br>
</p><p><i><font>2.1.1. Da oposição entre os fundamentos e a decisão</font></i><font> </font><br>
</p><p><font>Esta causa de nulidade está prevista na primeira parte da alínea c) do n.º 1 do citado art.º 615.º, acima transcrita.</font><br>
</p><p><font>Reside na oposição entre a decisão e os fundamentos em que ela assenta e verifica-se quando os fundamentos de facto e de direito invocados pelo julgador deveriam conduzir logicamente a um resultado oposto ao expresso na decisão. Trata-se de um vício estrutural da sentença, por contradição entre as suas premissas, de facto e de direito, e a conclusão, de tal modo que esta deveria seguir um resultado diverso. Reporta-se à contradição real entre os fundamentos e a decisão e não às hipóteses de contradição aparente, resultantes de simples erro material, seja na fundamentação, seja na decisão</font><a><u><sup><font>[3]</font></sup></u></a><font>. Quer isto dizer que “entre os fundamentos e a decisão não pode haver contradição lógica; se, na fundamentação da sentença, o julgador seguir determinada linha de raciocínio, apontando para determinada conclusão, e, em vez de a tirar, decidir noutro sentido, oposto ou divergente, a oposição será causa de nulidade da sentença”</font><a><u><sup><font>[4]</font></sup></u></a><font>. </font><br>
</p><p><font>Porém, como esclarecem, logo de seguida, os autores citados na última nota, “esta oposição não se confunde com o erro na subsunção dos factos à norma jurídica ou, muito menos, com o erro na interpretação desta: quando, embora mal, o juiz entende que dos factos apurados resulta determinada consequência jurídica e este seu entendimento é expresso na fundamentação, ou dela decorre, encontramo-nos perante o erro de julgamento e não perante oposição geradora de nulidade”.</font><br>
</p><p><font>Tendo presentes estas considerações, não vemos como seja possível sustentar a existência do aludido vício no acórdão recorrido, pois é manifesto que não existe.</font><br>
</p><p><font>A recorrente fundamenta esta nulidade em erro de condenação nas custas da acção sustentando que não são por si devidas, na medida em que lhe foi reconhecida a servidão de passagem por si peticionada, devendo, por isso, ser suportadas exclusivamente pelos réus (cfr. conclusões 1.ª, 2.ª e 3.ª).</font><br>
</p><p><font>Na decisão recorrida, a autora/apelante foi condenada nas “custas da acção e da apelação”, “na proporção de dois terços”, ficando o restante um terço da responsabilidade dos réus/apelados.</font><br>
</p><p><font>Esta decisão de condenação em custas surgiu na sequência da decisão do recurso de apelação, o qual foi julgado apenas “parcialmente procedente”.</font><br>
</p><p><font>Assim, para o que aqui interessa, não conseguimos vislumbrar contradição entre os fundamentos e a decisão impugnada. </font><br>
</p><p><font>Saber se a questão das custas foi, ou não, correctamente decidida é questão que tem a ver com eventual erro de julgamento e não com a verificação do vício imputado ao acórdão.</font><br>
</p><p><font>É que tem sido entendido pela jurisprudência do STJ que todos os vícios previstos no n.º 1 do citado art.º 615.º não abrangem eventuais erros de julgamento de que padeça a decisão</font><a><u><sup><font>[5]</font></sup></u></a><font>.</font><br>
</p><p><b><font> </font></b><br>
</p><p><font>Inexiste, por conseguinte, esta nulidade.</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><i><font>2.1.2. Da omissão de pronúncia </font></i><br>
</p><p><font>Esta nulidade está directamente relacionada com o comando fixado na 1.ª parte do n.º 2 do art.º 608.º do CPC, segundo o qual o “</font><i><font>juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras</font></i><font>”. </font><br>
</p><p><font>Só existe omissão de pronúncia quando o Tribunal deixe de apreciar questões submetidas pelas partes à sua apreciação, e não quando deixe de apreciar os argumentos invocados a favor da versão por elas sustentada, não sendo de confundir o conceito de “questões” com o de “argumentos” ou “razões”, como é do conhecimento geral e temos vindo a escrever noutros locais</font><a><u><sup><font>[6]</font></sup></u></a><font>.</font><br>
</p><p><font>Também é entendimento pacífico, tanto na doutrina</font><a><u><sup><font>[7]</font></sup></u></a><font> como na jurisprudência</font><a><u><sup><font>[8]</font></sup></u></a><font>, que a noção de “questões” à volta das quais gravita a referida infracção processual reporta-se aos fundamentos convocados pelas partes na enunciação da causa de pedir e/ou nas excepções e, bem assim, aos pedidos formulados.</font><br>
</p><p><font>Em sede de recurso, as questões a apreciar reconduzem-se aos pontos essenciais do objecto do recurso, delimitado pelas conclusões, não se confundindo com as razões ou argumentos aduzidos pelas partes para fazer valer o seu ponto de vista.</font><br>
</p><p><font>Analisado o acórdão recorrido, ao qual é imputada a nulidade por omissão de pronúncia, não se vislumbra que o aresto impugnado tenha deixado por apreciar qualquer das questões suscitadas, que não tivesse ficado prejudicada pela decisão.</font><br>
</p><p><font>A recorrente funda tal vício na falta de apreciação da matéria alegada na conclusão 17.ª do recurso de apelação, relativamente à abertura de acessos de propriedades privadas para a via pública, que está dependente de licença camarária, “concedida no uso de um poder discricionário e precariamente”, o que foi incorrectamente interpretado (cfr. conclusão 2.ª). </font><br>
</p><p><font>Como afirma a recorrente, a matéria foi apreciada, ainda que, no seu entender, incorrectamente, por não corresponder ao alegado.</font><br>
</p><p><font>Consta do acórdão recorrido que tal matéria foi apreciada, fazendo menção expressa à conclusão 17.ª da apelação e ao regime resultante do art.º 62.º do Regulamento Geral das Estradas e Caminhos Municipais, com citação de jurisprudência (cfr. págs. 59 e 60 do acórdão).</font><br>
</p><p><font>A recorrente discorda dessa apreciação e pretende a alteração da decisão.</font><br>
</p><p><font>Porém, isso está-lhe vedado por esta via.</font>
</p><p><font>É que, o regime das nulidades destina-se apenas a remover aspectos de ordem formal que, eventualmente, inquinem a decisão, não sendo adequado para manifestar discordância e pugnar pela alteração do decidido, pois que, como já se referiu, não abrange eventuais erro | [0 0 0 ... 0 1 0] |
xzJvu4YBgYBz1XKvAwf- | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><div><br>
</div><br>
<br>
<font>Processo n.º </font><a></a><font>4278/19.8T8GMR.G1.S1</font><a><u><sup><font>[1]</font></sup></u></a><div><br>
<font> </font>
<p><font>*</font></p></div><br>
<font> </font>
<p><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça – 1.ª Secção</font><a><u><sup><font>[2]</font></sup></u></a><font>:</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>I. Relatório</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font>Avirefojos – Sociedade Unipessoal, Ldª</font></b><font>, instaurou, em 18/7/2019, a presente acção declarativa, com processo comum, contra </font><b><font>AA</font></b><font> e </font><b><font>BB</font></b><font>, todos melhor identificados nos autos, formulando os seguintes pedidos:</font>
</p><p><font>a) ser reconhecido e assegurado à autora o direito pessoal de restituição do prédio urbano que identifica no art.º 8.º da petição inicial, na medida do seu interesse, como se o referido bem vendido aos réus nunca tivesse saído do património dos seus primitivos proprietários, face à ineficácia relativa de tal aquisição em relação à autora;</font>
</p><p><font>b) ser reconhecido à autora o direito de executar o referido bem, na exacta medida do necessário para a satisfação do seu crédito – no valor de € 71.308,84, a título de capital, acrescido dos juros de mora vencidos, no montante actual de € 38.873,98, e vincendos até eventual pagamento – sem a concorrência de qualquer outro eventual credor.</font>
</p><p><font>Para tanto, alegou, em resumo, o seguinte:</font>
</p><p><font>Detém um crédito sobre os pais do réu no valor de 71.308,84 €, acrescido de juros contados desde 2001, o qual foi já reconhecido por sentença proferida em 08/04/2019 e transitada em julgado em 21/05/2019, a qual também declarou nulo o negócio de transmissão do prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de ……… sob o n.º ………-…….. e inscrito na matriz predial urbana da actual União de freguesias de ……………… sob o artigo ……….. .</font>
</p><p><font>Os ali transmissários alienaram o referido prédio aos ora réus (antes do registo dessa acção) e, quanto a este concreto negócio, não foi requerida nem proferida decisão.</font>
</p><p><font>Pretende ver reconhecida quanto a este negócio a impugnação pauliana.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Os réus contestaram, por excepção, invocando a caducidade considerando a data em que foi celebrado o primeiro negócio (já declarado nulo na aludida sentença) e, por impugnação, sustentaram que a impugnação pauliana não pode versar sobre um negócio viciado (o negócio que conduziu à transmissão do bem para o património de quem figurou como transmitente no negócio ora impugnado foi declarado nulo), concluindo improcedência do pedido.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>A autora respondeu, sustentando que o prazo de caducidade a considerar tem por referência o negócio impugnado e não o outro que o precedeu e pugnando pelo prosseguimento dos autos, na medida em que a invalidade do negócio que conduziu à transmissão impugnada não obsta ao mérito da sua pretensão.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Dispensada a realização da audiência prévia, em 6/11/2019, foi proferido despacho saneador, que julgou improcedente a excepção de caducidade nos seguintes termos: “</font><i><font>Não se verifica a excepção de caducidade invocada pelos réus, já que o negócio impugnado nestes autos foi celebrado em 17 de Novembro de 2016, tendo a acção sido intentada em 18.07.2019, não tendo, por conseguinte, passado os cinco anos a que alude o art. 618º do CC.</font></i><font>”</font>
</p><p><font>Foi, ainda, decidido que nada obstava ao conhecimento do mérito da acção de impugnação pauliana, nomeadamente a invalidade do negócio que a precedeu. Foi fixado o objecto do litígio, tendo-se elencado os factos considerados assentes, e foram enunciados os temas de prova.</font>
</p><p><font>Os réus, não se conformando com a decisão sobre a improcedência da excepção da caducidade, dela interpuseram recurso de apelação, que foi admitido com subida diferida.</font>
</p><p><font>Os réus, em 9/1/2020, invocaram a ilegitimidade passiva e requereram a sua absolvição da instância.</font>
</p><p><font> Por despacho de 27/1/2020, o Tribunal da 1.ª instância determinou o desentranhamento do requerimento, por entender que era “</font><i><font>processualmente inadmissível</font></i><font>”.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida </font><b><font>sentença</font></b><font>, em 27/1/2020, que decidiu:</font>
</p><p><font>“</font><i><font>Pelo exposto, vai a presente acção julgada procedente e, em consequência, reconhece-se à autora "Avirefojos – Sociedade Unipessoal, Ld.ª" o direito de executar o prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de ………. sob o n.º ………-………., e inscrito na matriz predial urbana da actual União das freguesias de ……… sob o art. ………., na medida do necessário para a satisfação do seu crédito, nos termos reconhecidos pela sentença identificada no artigo 5) dos factos provados.</font></i>
</p><p><i><font>Custas pelos réus – nº 2 do art. 527º do CPC</font></i><font>.”</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Interposto recurso de apelação pelos réus, o Tribunal da Relação, por acórdão de 28/5/2020, deliberou nos seguintes termos:</font>
</p><p><i><font>“a) Julgar improcedente o recurso da decisão que julgou improcedente a exceção de caducidade, confirmando a decisão recorrida;</font></i>
</p><p><i><font>b) Condenar os Recorrentes nas custas desse recurso;</font></i>
</p><p><i><font>c) Julgar procedente o recurso da sentença e, em consequência, revogar a sentença recorrida e julgar os Réus/Recorrentes parte ilegítima por preterição de litisconsórcio necessário passivo, absolvendo-os da instância.</font></i>
</p><p><i><font>d) Condenar a Autora/Recorrida nas custas deste recurso e nas custas da acção.”</font></i>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Não conformada, agora, a autora/apelada interpôs recurso de </font><b><font>revista</font></b><font> e apresentou as correspondentes alegações que terminou com as seguintes extensas </font><u><font>conclusões</font></u><font>:</font>
</p><p><i><font> “I. Considerou o Acórdão recorrido que «no caso concreto, em face da transmissão pelos devedores para o terceiro adquirente, e da transmissão deste para os Recorrentes» (ora Recorridos) «temos de concluir que a Autora deveria ter instaurado a presente acção não apenas contra estes mas também contra aqueles, e que tal não está na dependência da vontade da Autora/credora e nem se apresenta como uma opção; a falta dos devedores e do adquirente é susceptível de gerar a ilegitimidade passiva por preterição de litisconsórcio necessário como sustentam os Recorrentes, assistindo-lhes razão.»</font></i>
</p><p><i><font>II. E, por essa razão, considerou o Acórdão recorrido que «está verificada nos autos a</font></i>
</p><p><i><font>preterição de litisconsórcio necessário passivo, pelo que estamos perante uma situação de ilegitimidade passiva, que constitui uma exceção dilatória», razão pela qual revogou a decisão da primeira instância e absolveu os Réus da instância.</font></i>
</p><p><i><font>III. E, por isso, assim sumariou, nesta parte do Recurso, o Acórdão ora recorrido:</font></i>
</p><p><i><font>«(…)</font></i>
</p><p><i><font>V - Na acção de impugnação pauliana, a relação controvertida envolve três sujeitos:</font></i>
</p><p><i><font>o credor, o devedor alienante e o terceiro adquirente e, no caso de transmissões posteriores, envolve ainda os subadquirentes, sendo necessária a intervenção de todos sob pena de se verificar a ilegitimidade passiva por preterição de litisconsórcio necessário». </font></i>
</p><p><i><font>IV. Ora, o entendimento do Acórdão recorrido seria aceitável, e correto, se, encontrando-nos perante uma dupla alienação do imóvel “garantia”, a aqui A. viesse apenas agora impugnar ambas as transmissões, caso em que a relação controvertida envolveria, no que respeita à 1ª transmissão, o credor (a aqui A), os devedores alienantes (os pais do aqui Réu AA) e o terceiro adquirente (o tio do aqui Réu AA, e, portanto, irmão e cunhado dos devedores), e no que concerne à 2ª transmissão, posterior, deveria, então, envolver ainda, além daqueles, os subadquirentes.</font></i>
</p><p><i><font>V. Contudo, não é, nem foi esse o caso, ignorando, e desvalorizando, o Acórdão recorrido que antes da presente Acção a aqui A., que então não tinha ainda conhecimento da 2ª transmissão, havia já instaurado a Acção de impugnação referida e identificada supra em “2”, apenas – e bem – contra os seus devedores alienantes (pais do aqui R. AA) e contra o</font></i>
</p><p><i><font>terceiro adquirente, CC, na qual, entre outros pedidos, e a titulo subsidiário, deduziu pedido de Impugnação Pauliana daquela transmissão – a qual só não veio</font></i>
</p><p><i><font>a ser conhecida por impedimento legal, na medida em que foi julgado procedente o pedido</font></i>
</p><p><i><font>principal, de nulidade daquela, por simulação absoluta.</font></i>
</p><p><i><font>VI. Assim como ignorou, e desvalorizou, que a aqui A., logo que tomou, já na decorrência daquela Acção, conhecimento da segunda transmissão do imóvel “garantia” (por parte do 3º adquirente a favor dos aqui Réus, AA e BB) logo tratou, ali e de imediato, de requerer a ampliação da causa de pedir e intervenção da aqui Ré BB (uma vez que o Réu AA já ali era, por outros motivos, Réu).</font></i>
</p><p><i><font>VII. E que, não obstante até tenham sido – e bem – tais pedidos admitidos pelo Tribunal a quo, acabou a aqui A. impedida, por Acórdão do Tribunal da Relação de ………, de prosseguir com aquela Acção também para apreciação de tais pedidos e, consequentemente da ineficácia da 2ª transmissão do imóvel “garantia”, também ali, entretanto, suscitada.</font></i>
</p><p><i><font>VIII. Assim, impedida que foi a aqui A. de, ali, deduzir Impugnação Pauliana também</font></i>
</p><p><i><font>relativamente à 2ª transmissão, e obter a consequente declaração da sua Ineficácia em relação a si, credora, outra alternativa não lhe restou senão a de a Impugnar, agora, no âmbito da presente Acção e autos, já depois do trânsito em julgado daquela primeira Acção.</font></i>
</p><p><i><font>IX. Só que o fez – e bem - com a particularidade de já demandar apenas os subadquirentes (adquirentes na 2ª transmissão do prédio, em partes iguais), os aqui Réus AA e BB, não podendo, nem devendo, voltar a demandar os seus devedores (pais do Réu AA) nem o terceiro adquirente, CC (apesar de alienante na 2ª transmissão), sob pena de – se o fizesse – correr o risco de estes virem a invocar e excepcionar a força e autoridade do caso julgado resultante da sentença proferida naquela 1ª</font></i>
</p><p><i><font>Acção, já, então, transitada em julgado.</font></i>
</p><p><i><font>X. Isto porque, não obstante não tenha sido julgada a Impugnação Pauliana ali deduzida a título subsidiário, por força da procedência do pedido principal – nulidade da 1ª transmissão, por simulação absoluta –, não deixaram de ser apreciados e considerados por provados factos ali invocados como causa de pedir daquele pedido subsidiário, ao ponto deles resultarem por verificados todos os requisitos de que dependeria a procedência da Impugnação Pauliana deduzida.</font></i>
</p><p><i><font>XI. Com efeito, em “7” dos factos provados, daquela sentença, resulta, desde logo, o</font></i>
</p><p><i><font>reconhecimento da existência de um crédito da A. sobre os alienantes na 1ª transmissão do imóvel “garantia”, no valor de € 71.308,84;</font></i>
</p><p><i><font>XII. Em “12” dos factos provados resulta que o 3º adquirente, CC, tinha conhecimento daquele crédito da A. sobre os alienantes do imóvel “garantia”, os RR pais do aqui R. AA;</font></i>
</p><p><i><font>XIII. Em “11” dos factos provados resulta que com a 1ª transmissão do imóvel pretenderam os RR (alegados vendedores e comprador), de comum acordo, subtrair o imóvel ao património dos Réus alienantes, para impedir a aqui, e ali, A. de cobrar o seu crédito sobre estes RR, pais do aqui R. AA.</font></i>
</p><p><i><font>XIV. E em “16” dos factos provados resulta que o aqui Réu AA sabia da dívida dos 1ºs RR, seus pais, para com a A.</font></i>
</p><p><i><font>XV. Ou seja, ficou já, ali, provado, relativamente à 1ª alienação/transmissão do imóvel</font></i>
</p><p><i><font>“garantia”, que os devedores da aqui A. não só foram parte do acto impugnado (enquanto alienantes), como ficou ainda provado que actuaram com notória MÁ-FÉ, juntamente com o 3º (alegado) adquirente.</font></i>
</p><p><i><font>XVI. Por outro lado, sendo verdade que «implicitamente o legislador reconheceu a exigência do litisconsórcio no art. 611º do C.P.C. ao impor ao devedor ou a terceiro interessado na manutenção do acto o ónus da prova de que o obrigado possui bens penhoráveis de igual ou maior valor», também não restam dúvidas de que naquela primeira Acção nem os devedores, nem o 3º adquirente, lograram fazer a referida prova, não obstante tenham tido a oportunidade de o fazer, face ao pedido de impugnação pauliana deduzido e ao claro interesse de ambos na manutenção do acto impugnado, e na não restituição do imóvel à A., credora, tudo conforme resulta da sentença respectiva, junta com a P.I. dos presentes autos.</font></i>
</p><p><i><font>XVII. Além do mais, não se justificava, nem foi necessária, a demanda dos devedores, na medida em que não foram intervenientes na 2ª alienação, para além de que os requisitos para a procedência da Impugnação Pauliana, no que aos mesmos respeitava, já se encontravam cabal e suficientemente apreciados e reconhecidos, por provados, pela sentença da 1ª Acção, já transitada em julgado aquando da instauração da presente.</font></i>
</p><p><i><font>XVIII. Assim como se não justificava, nem foi necessária, a demanda do 3º adquirente (na 1ª transmissão), por um lado por força da declaração de nulidade da sua alegada aquisição, na 1ª Acção; por outro, porque, estando a segunda transmissão abrangida pela impugnação, e já provados os requisitos legais para a impugnação da 1ª transmissão, visando-se agora a execução do imóvel no património dos subadquirentes (e já não do 3º adquirente), bastaria, pois, e agora, apenas a demanda destes, de modo a que fosse possível provar os requisitos legais para a impugnação da 2ª alienação.</font></i>
</p><p><i><font>XIX. Ou seja, os subadquirentes, aqui RR AA e BB, passaram a ser os únicos</font></i>
</p><p><i><font>interessados na manutenção do acto impugnado (2ª transmissão), na não declaração de ineficácia daquele relativamente à credora, a aqui A., e na não restituição do imóvel, sendo que relativamente a eles se tornava ainda necessário comprovar a verificação de todos os requisitos para a procedência da Impugnação Pauliana.</font></i>
</p><p><i><font>XX. Comprovação essa que veio a verificar-se, na presente Ação, conforme reconhecido na respectiva Sentença, do Tribunal a quo, da seguinte forma:</font></i>
</p><p><i><font>– «Na situação em análise verifica-se o primeiro requisito enunciado – existência de determinado crédito, como resulta do artigo 3) dos factos provados. Esse direito de crédito da autora advém da dívida titulada pelos proprietários do bem que foi alienado no negócio posto em causa nos autos [artigos 8), 12) e 13)].»</font></i>
</p><p><i><font>- «(…) no presente caso a anterioridade (do crédito) «ocorre, tendo havido inclusivamente uma sentença a reportar o crédito ao período compreendido entre 2008 e 2011.»</font></i>
</p><p><i><font>- «Exige-se também que a impossibilidade ou o agravamento da impossibilidade para o credor de obter a satisfação integral do seu crédito resulte necessariamente da diminuição dos valores patrimoniais gerada pelo acto impugnado (…), o que aqui também ocorre (vd. artigo 7º dos factos provados). Caberia a algum dos réus demonstrar a existência de património bastante à data da celebração dos negócios impugnados: «incumbe ao credor a prova do montante das dívidas e ao devedor ou terceiro interessado na manutenção do acto a prova de que o obrigado possui bens penhoráveis de igual ou maior valor» – art. 611º do CC, sendo que nada nesse sentido veio a ser sequer alegado.»</font></i>
</p><p><i><font>– «Por fim, a má-fé exigida é-o em sentido subjectivo, ou seja, está em causa um estado do sujeito – (…), tendo-se por preenchido também este requisito, atento o referido em 12) a 15) dos factos provados.»</font></i>
</p><p><i><font>- «Nessa medida, considero estarem verificados todos os pressupostos de que depende</font></i>
</p><p><i><font>a procedência da impugnação pauliana, pelo que a acção será julgada procedente.»</font></i>
</p><p><i><font>XXI. Não colhe também o entendimento, vertido no Acórdão recorrido, de que «A declaração de nulidade do negócio declarado pela sentença proferida naquela acção não é oponível sem mais aos aqui Réus uma vez que não estamos perante a situação prevista no n.º 2 do artigo 291º do Código Civil, pois a acção não foi proposta e registada dentro dos três anos posteriores à conclusão do negócio (este data de 2012 e a acção foi intentada em 2016).»</font></i>
</p><p><i><font>XXII. E não colhe pela simples razão de que tal oponibilidade apenas opera relativamente a terceiros de boa-fé, o que não é, claramente o caso, conforme resulta do constante em 12) a 15) dos factos provados da sentença destes autos.</font></i>
</p><p><i><font>XXIII. Termos em que mal andou o Acórdão recorrido, violando o disposto nos artigos 291º, n.ºs 1 e 3, 610º a 616º, todos do C.Civil, e no art. 33º do C.P.C.</font></i>
</p><p><i><font>XXIV. Devendo, por isso, e por provimento do presente recurso, ser o Acórdão recorrido revogado, e substituído por outro que mantenha, na íntegra, a douta sentença proferida em 1ª Instância.</font></i>
</p><p><i><font>Nestes termos, nos melhores de Direito e com o douto suprimento de V.s Ex.ias, deverá o presente recurso obter total provimento, revogando-se o Acórdão recorrido e substituindo-se por outro que mantenha, na íntegra, a douta Sentença proferida na 1ª Instância, só assim se fazendo a costumada JUSTIÇA”.</font></i>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Os réus contra-alegaram pugnando pela confirmação do acórdão recorrido. Subsidiariamente, requereram a ampliação do objecto do recurso, oferecendo as seguintes </font><u><font>conclusões</font></u><font>:</font>
</p><p><font>“</font><i><font>i.- Na presente ação não intervêm os devedores da autora – os pais do aqui recorrido – nem tampouco CC, adquirente inicial do bem objeto da presente impugnação, o que determina a ilegitimidade passiva dos recorridos.</font></i>
</p><p><i><font>ii.- Nenhuma censura merece, nesta parte, o Acórdão proferido.</font></i>
</p><p><i><font>iii.- Os aqui recorridos, nos recursos de apelação que interpuserem, impugnaram as seguintes decisões:</font></i>
</p><p><i><font>a) a que julga não verificada a exceção de caducidade invocada pelos réus, ali recorrentes;</font></i>
</p><p><i><font>b) a decisão de julgar procedente a ação e, em consequência, de reconhecer à autora "Avirefojos – Sociedade Unipessoal, Ld.ª" o direito de executar o prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de ………… sob o n.º …….-……., e inscrito na matriz predial urbana da actual União das freguesias de …….., ……. e …… sob o art. ……, na medida do necessário para a satisfação do seu crédito, nos termos reconhecidos pela sentença identificada no artigo 5) dos factos provados.</font></i>
</p><p><i><font>iv.- Na eventualidade de as questões suscitadas pela autora/recorrente vierem a ser acolhidas pelo tribunal «ad quem», importará para os ora recorridos a apreciação das questões levantadas nos recursos por si interpostos, nomeadamente aquelas mencionadas nas alíneas a) e b) supra.</font></i>
</p><p><i><font>v.- Considerando que o ato lesivo da garantia patrimonial da autora ocorreu, conforme afirma a própria, no dia 11 de abril de 2012, e tendo o direito à impugnação sido exercido no dia 18 de julho de 2019, evidente é que este direito caducou, tal qual oportunamente invocado.</font></i>
</p><p><i><font>vi.- Os efeitos previstos no artigo 616.º, do código civil, somente poderão ser possíveis relativamente aos subadquirentes – os aqui recorrentes – se estes ficarem obrigados à restituição, em consequência da procedência da impugnação contra a transmissão posterior (cfr., artigo 613.º, do código civil), apresentando-se esta como pressuposto necessário dos efeitos previstos na norma, de tal maneira que faltando aquela não são possíveis estes.</font></i>
</p><p><i><font>vii.- Não tendo procedido a impugnação, ou inexistindo tal procedência, contra o ato lesivo de garantia patrimonial da autora, ou suas transmissões posteriores, os efeitos e direitos previstos no artigo 616.º do código civil são evidentemente inexistentes na esfera jurídica da autora.</font></i>
</p><p><i><font>viii.- Para que a impugnação vingasse contra a transmissão posterior – i.e., o ato pelo qual o bem foi vendido aos aqui réus - seria necessário que, relativamente à primeira transmissão, se verificassem os requisitos da impugnabilidade referidos nos artigos 610.º e 612.º (cfr., artigo 613.º, n.º 1, al. a), do código civil), designadamente, 1) a prática ou celebração de um ou mais atos que envolvam diminuição da garantia patrimonial do crédito e que não sejam de natureza pessoal, 2) ser o crédito anterior ao ato, o sendo posterior, ter sido o ato realizado dolosamente com o fim de impedir a satisfação do direito do futuro credor, 3) resultar do ato a impossibilidade, para o credor, de obter a satisfação integral do seu crédito, ou o agravamento dessa impossibilidade e 4) que o devedor e o terceiro agissem de má-fé (tendo sido o ato oneroso).</font></i>
</p><p><i><font>ix.- Os requisitos são de verificação cumulativa, de tal modo que, se faltar um deles, deve improceder a impugnação.</font></i>
</p><p><i><font>x.- Ora, relativamente ao primeiro requisito – i.e., a prática ou celebração de um ou mais atos que envolvam diminuição da garantia patrimonial do crédito e que não sejam de natureza pessoal – evidente é que o mesmo, considerados os factos provados, não se verifica - ou é suscetível de se verificar -, na medida em que a primeira transmissão foi anulada por simulação e, por isso, anulados os efeitos do ato que, a subsistir, envolvia – mas não envolve já, por ter sido anulado – a diminuição da garantia patrimonial do crédito: «(…) se os bens, cuja alienação tinha sido impugnada regressarem ao património do devedor em consequência do reconhecimento voluntário ou judicial (noutro processo) da nulidade do negócio de alienação, cessa o direito de impugnação, por ter sido restabelecida a garantia patrimonial» - JOÃO CURA MARIANO, in IMPUGNAÇÃO PAULIANA, 2.ª edição revista e atualizada, páginas 128 e 129, Almedina.</font></i>
</p><p><i><font>xi.- Anote-se que tendo sido o ato anulado, não poderá o mesmo ser sujeito à pauliana, uma vez que a procedência desta pressupõe a validade do ato impugnado.</font></i>
</p><p><i><font>xii.- Tal entendimento é, segundo se crê, pacífico: «(…) o acto sujeito à impugnação pauliana não tem vício genético algum, sendo totalmente válido, pelo que mantém a sua pujança jurídica em tudo quanto exceda a medida do interesse do credor (…)», PEDRO ROMANO MARTINEZ e PEDRO FUZETA DA PONTE, in GARANTIAS DE CUMPRIMENTO, 4.ª edição, página 20, Almedina; «(…) é possível a impugnação de atos que sofram de vícios que afectem a sua validade, ignorando, no entanto, o fenómeno da impugnação essa deficiência» (JOÃO CURA MARIANO, ob. cit., nota 146, página 91); «(…) o acto impugnado tal como não sofre necessariamente de um vício genético, também não é um acto ilícito pelo facto de prejudicar os interesses do credor (…) perante um acto perfeitamente válido, lícito e eficaz entre as partes que o outorgaram, mas que lesa a expectativa jurídica dos credores (…) de poderem vir a obter a satisfação dos seus créditos (…) foi resolvida pelo legislador pela prevalência dos interesses dos credores (…) através da possibilidade destes poderem neutralizar - apenas - o efeito secundário dos atos impugnados que se traduzam na diminuição do património garante dos seus créditos, através de uma ineficácia duplamente parcial (idem, páginas 93 e 94).</font></i>
</p><p><i><font>xiii.- Concluindo: não pode ser impugnado um ato que não foi mantido na ordem jurídica, em razão da anulação dos seus efeitos, certo que a procedência da impugnação pauliana somente é possível perante um ato válido. Na verdade, só assim se justifica que os efeitos da impugnação aproveitem apenas o credor que a tenha requerido (cfr., artigo 616.º, n.º 4, do código civil).</font></i>
</p><p><i><font>Sem prescindir,</font></i>
</p><p><i><font>xiv.- Da interpretação do disposto nos artigos 613.º e 616.º, conclui-se que a respetiva estatuição apenas é possível, no que respeita aos subadquirentes, aqui réus, caso fosse julgada procedente a impugnação da primeira transmissão.</font></i>
</p><p><i><font>xv.- A suscetibilidade de procedência de uma tal impugnação encontra-se definitivamente arrumada, por força do caso julgado decorrente da decisão, entretanto transitada em julgado, proferida no âmbito do processo …………., que correu termos pelo juízo central cível de …………, juiz ……., do Tribunal Judicial da Comarca de ………. (cfr., documento junto com a petição sob o número 3), que considerou nula, por simulação, a primeira transmissão.</font></i>
</p><p><i><font>xvi.- Por conseguinte, ao decidir como decidiu violou o tribunal «a quo» o disposto nos artigos 613.º e 616.º, do código civil.</font></i>
</p><p><i><font>TERMOS EM QUE</font></i>
</p><p><i><font>a) deve o recurso ser julgado improcedente, ou, subsidiariamente,</font></i>
</p><p><i><font>b) deve ser admitida a ampliação do objeto do recurso e, em consequência:</font></i>
</p><p><i><font>1) ser julgada verificada a caducidade da presente ação; e/ou</font></i>
</p><p><i><font>2) ser julgada a mesma improcedente.”</font></i>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>O recurso foi admitido como de revista, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo, modo de subida e efeito que foram mantidos pelo actual Relator.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> Tudo visto, cumpre apreciar e decidir o mérito do presente recurso.</font>
</p><p><font>Sabido que o seu objecto e âmbito estão delimitados pelas conclusões da recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser em situações excepcionais de conhecimento oficioso, e tendo presente que se apreciam questões e não razões, a única questão que importa dirimir consiste em saber se há, ou não, ilegitimidade dos réus por preterição de litisconsórcio necessário passivo.</font>
</p><p><font> Subsidiariamente, concluindo-se pela legitimidade, considerando o decidido e a ampliação do âmbito do recurso, importa saber se ocorreu a caducidade do direito de impugnação.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>II. Fundamentação</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>1. De facto </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>No acórdão recorrido, foram dados como </font><u><font>provados</font></u><font> (tal como já o haviam sido pela 1.ª instância) os seguintes factos:</font>
</p><p><font>1. A autora dedica-se profissionalmente e com intuito lucrativo à criação de aves, comércio em bancas, feiras e unidades móveis de venda de aves, rações e suplementos de aves, comércio de produtos alimentares frescos e congelados.</font>
</p><p><font>2. O réu AA nasceu em … 1986 e é filho de EE e de FF.</font>
</p><p><font>3. Nos anos de 2008 a 2011, a autora vendeu a EE diversos bens alimentares, destinados a um estabelecimento comercial que este explorava, denominado “Churrasqueira …………”, cujo preço ascendia, em 31.08.2011, ao valor global de € 71.308,84;</font>
</p><p><font>4. EE retirava da exploração daquele estabelecimento comercial os rendimentos necessários à subsistência do seu agregado familiar, dos quais, por isso, beneficiava também FF, cônjuge daquele.</font>
</p><p><font>5. Para reconhecimento do direito de crédito referido em 3), a autora instaurou contra EE e FF, entre outros, acção declarativa com processo comum, a qual correu termos sob o n.º ………., pelo Juiz …. do Juízo ………….., do Tribunal Judicial da Comarca de ………, no âmbito da qual, e por sentença proferida em 08.04.2019, transitada em julgado em 21.05.2019, EE e FF foram condenados a reconhecer e pagar à autora o valor de € 71.308,84, reportado a fornecimentos do ano de 2011, a título de capital, acrescido dos respectivos juros de mora vencidos nos cinco anos anteriores à data da citação dos réus para a acção, até efectivo e integral pagamento, à taxa de juro aplicável às operações de natureza comercial.</font>
</p><p><font>6. Em Setembro de 2011, EE e FF eram donos e legítimos proprietários de um prédio urbano, composto de casa de habitação de r/c, 1º andar e quintal, sito no referido Lugar de ……… da então freguesia de …………., actual União de Freguesias de ………., descrito na Conservatória do Registo Predial de ………. sob o n.º …..-…………., e inscrito na matriz predial urbana da actual União das freguesias de ………… sob o art. ……., proveniente do artigo …….. da extinta freguesia de ……….. .</font>
</p><p><font>7. Por escritura de 11 de Abril de 2012, EE e FF declararam vender a CC, irmão da referida FF, que declarou comprar-lhes, pelo preço de € 90.000,00, o prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial …………. sob o n.º ……….-…………..</font>
</p><p><font>8. Esse negócio de compra e venda datado de 11 de Abril de 2012 foi declarado nulo pela sentença proferida no P. n.º ……………, por simulação absoluta, tendo sido ordenado o cancelamento dos registos de aquisição do imóvel.</font>
</p><p><font>9. Por documento autenticado datado de 17 de Novembro de 2016, CC, com o expresso consentimento da mulher, DD, declarou vender, pelo preço de € 90.000,00, aos ora réus AA e BB, na proporção e ½ para cada um, o prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de ………. sob o n.º ……….-……….. .</font>
</p><p><font>10. No mesmo acto, os ora réus declararam-se devedores da importância de € 82.750,00 perante o Banco Comercial Português, que deste declararam ter recebido a título de empréstimo para aquisição do prédio em causa.</font>
</p><p><font>11. Em 17.11.2016, AA e BB registaram o prédio a seu favor e sobre ele constituíram hipoteca a favor do BCP.</font>
</p><p><font>12. Aquando do referido em 9) e 11), os réus AA e BB sabiam da existência da dívida referida em 3).</font>
</p><p><font>13. Os réus AA e BB sabiam que, aquando do negócio referido em 7), nem os ali vendedores, nem os ali compradores, quiseram vender ou comprar, tendo o acordo sido celebrado com intuito de impedir que o bem em questão respondesse pelas dívidas de EE e FF.</font>
</p><p><font>14. O referido 9) e 11) visou impedir que o prédio objecto desse negócio viesse a responder pela dívida referida em 3).</font>
</p><p><font>15. Os ora réus sabiam da inexistência de bens de valor suficiente à liquidação da dívida referida em 3) no património EE e FF.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>2. De direito </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Como é sabido, a acção ou impugnação pauliana constitui um meio de conservação da garantia patrimonial, colocado à disposição do credor pelo ordenamento jurídico, que visa permitir-lhe reagir contra actos que ponham em perigo a garantia geral dos seus créditos, praticados pelo devedor, mediante a redução do activo ou o aumento do passivo</font><a><u><sup><font>[3]</font></sup></u></a><font>. </font>
</p><p><font>Os requisitos ou pressupostos da sua aplicação resultam do disposto nos art.ºs 610.º e 612.º, ambos do Código Civil, e são:</font>
</p><p><font>- a existência de um crédito;</font>
</p><p><font>- a prática, pelo devedor, de um acto que não seja de natureza pessoal;</font>
</p><p><font>- esse acto provoque ao credor a impossibilidade de satisfação integral do seu crédito ou o agravamento dessa impossibilidade;</font>
</p><p><font>- a anterioridade do crédito relativamente ao acto ou, sendo posterior, ter sido o acto dolosamente praticado com o fim de impedir a satisfação do direito do futuro credor;</font>
</p><p><font>- o acto seja de natureza gratuita ou, sendo oneroso, q | [0 0 0 ... 0 0 0] |
GTJlu4YBgYBz1XKvhwH0 | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><font>Processo n.º 2856/17.9T8AGD.P1.S1</font><a><u><sup><font>[1]</font></sup></u></a><div><b><font>*</font></b></div><br>
<br>
<font> </font><br>
<div><br>
<font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça – 1.ª Secção</font><a><u><sup><font>[2]</font></sup></u></a><font>:</font></div><br>
<br>
<font> </font><br>
<p><font>I. Relatório</font><br>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>A </font><b><font>HERANÇA ILÍQUIDA E INDIVISA</font></b><font> aberta por óbito de </font><b><font>AA</font></b><font>, representada por:</font>
</p><p><font>- BB, entretanto falecido, tendo sido habilitados como seus sucessores CC, DD e EE; </font>
</p><p><font>- FF;</font>
</p><p><font>- e GG, </font>
</p><p><font>intentou a presente acção declarativa sob a forma de processo comum contra:</font>
</p><p><font>1.º - </font><b><font>HH</font></b><font> e mulher </font><b><font>II</font></b><font>;</font>
</p><p><font>2.º - </font><b><font>JJ</font></b><font> e mulher </font><b><font>LL</font></b><font>, </font>
</p><p><font>todos melhor identificados nos autos, </font><u><font>pedindo</font></u><font>:</font>
</p><p><font>1.º - que os réus sejam condenados a reconhecer:</font>
</p><p><font>a) o direito de propriedade plena da Herança ainda ilíquida e indivisa aberta por óbito da AA, representada pelos AA., sobre o prédio rústico devidamente identificado no artigo 20.º e n.º 1 do artigo 11.º da petição inicial, ainda omisso na matriz, mas requerida a sua inscrição a 21/07/2017, já descrito como prédio autónomo na Conservatória do Registo Predial... sob a ficha …433/freguesia ..., que, por efeito do atravessamento do prédio único de que fazia parte por dois caminhos públicos, cuja área necessária para os seus leitos foi cedida pelos AA., na indicada qualidade, para o domínio público, foi dele desanexado e passou a constituir um prédio completamente distinto e autónomo das restantes parcelas do dito prédio único;</font>
</p><p><font>b) que o acabado de identificar prédio distinto e autónomo da Herança indivisa, tal como já anteriormente acontecia com o até então prédio único de que, por força do seu atravessamento por caminhos municipais, foi desanexado, confina parcialmente pelo norte e parcialmente pelo poente com o prédio identificado no artigo 21.º da petição inicial, sendo tais prédios confinantes entre si e sendo ambos afectos e aptos para o mesmo tipo de cultura e sendo idêntica a natureza e composição dos seus solos;</font>
</p><p><font>c) o direito de preferência da Herança indivisa aberta por óbito da AA, na compra e venda mencionada nos artigos 28.º e 29.º da petição inicial, efectuada entre os primeiros RR. e o segundo Réu marido através do documento aí mencionado, do prédio devidamente identificado no artigo 21.º da petição inicial, e a, por via desta ação, verem a Herança a haver para si o dito prédio, por força da preferência, mediante o depósito do preço, IMT, IS, e demais despesas da compra, no total de € 8.929,00, servindo a sentença de título aquisitivo da propriedade do prédio em causa.</font>
</p><p><font>2 – Ser a Herança ainda indivisa aberta por óbito da AA colocada pela sentença na posição de compradora do prédio em causa, em substituição dos RR. compradores (os segundos RR.), ordenando-se o cancelamento do registo de aquisição a favor destes acima referido e o registo da sua aquisição a favor da Herança preferente por força do exercício do direito de preferência efectuado através da presente ação.</font>
</p><p><font>Para tanto, alegou, em síntese, o seguinte:</font>
</p><p><font>Da Herança ainda ilíquida e indivisa aberta por óbito de AA, mãe do CC, do FF e da GG, seus únicos herdeiros, fazia parte um prédio rústico sito em ... – ..., com a área de 41.650 m2, então inscrito na matriz predial rústica da União de Freguesias ... e ... sob o artigo ...20, que correspondia ao artigo ...48 da extinta freguesia ..., e descrito na Conservatória do Registo Predial (CRP) de ... sob o n.º ….25 </font>
</p><p><font>Há cerca de três anos, na qualidade de únicos e universais herdeiros da sua falecida mãe, acederam a que aquele prédio da herança fosse atravessado por dois caminhos públicos, tendo para esse efeito cedido, então, para o domínio público a área necessária (2.466 m2 + 643 m2). A abertura desses dois caminhos públicos provocou a divisão daquele prédio em três parcelas autónomas ou novos prédios completamente distintos, separados pelos ditos caminhos públicos, com a seguinte composição: </font>
</p><p><font>a) parcela ou prédio n.º 1 - terreno a mato, com a área de 17.624 m2, já descrito autonomamente na CRP ... sob o n.º …33/freguesia…; </font>
</p><p><font>b) parcela ou prédio n.º 2 - terreno a mato, com a área de 3.357 m2, já descrito autonomamente na CRP sob o n.º …34/freguesia …; </font>
</p><p><font>c) parcela ou prédio n.º 3 - terreno a mato, com a área de 10.879 m2, que ficou descrito autonomamente na CRP ... sob a anterior ficha n.º …25 /freguesia ..., após a rectificação das suas áreas e confrontações, após a cedência para o domínio público das áreas ocupadas pelos dois caminhos públicos e a desanexação dele das duas parcelas dos prédios anteriores. </font>
</p><p><font>Acederam, ainda, na mesma data a ceder à Junta da União de Freguesias... e ..., para ampliação dum espaço verde/parque por ela criado, a parcela de terreno ou novo prédio que ficou entre os dois caminhos públicos que atravessaram o outrora prédio único e que corresponde à parcela ou prédio n.º 2, descrito na CRP ... sob o nº …34/freguesia ...... </font>
</p><p><font>O prédio n.º 1, com a área de 17.624 m2, descrito na CRP de ... sob o n.º …33, confronta, em parte da sua estrema norte e em parte da sua estrema poente com o terreno a cultura e pinhal, com a área de 2.860 m2, atualmente inscrito na matriz rústica da União de Freguesias ... e ... sob o artigo … e descrito na CRP ... sob a ficha …56/.... </font>
</p><p><font>Por contrato celebrado por documento particular, em 26/05/2017, o 2.º R. JJ comprou este prédio, pelo preço de € 8.000,00, aos 1.ºs RR., compra e venda esta que não foi previamente dada a conhecer à autora, não tendo sido dada a respectiva preferência.</font>
</p><p><font>Os réus contestaram, em separado, por impugnação e por excepção.</font>
</p><p><font>Os 1.ºs RR. alegaram, em resumo, que, à data do projecto da venda propriamente dita, não havia qualquer obrigação de notificar a autora ou os herdeiros por o prédio ter a área de 41.650 m2; o terreno vendido era e é destinado à construção para o que tem aptidão, encontrando-se em Zona Urbanizável – Residencial; o prédio foi vendido por € 40.000,00, o que era do conhecimento da A.; e a representante GG entregou ao MM, em 2012, uma declaração em como não estava interessada na compra do dito prédio.</font>
</p><p><font>Concluíram pela improcedência da acção.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Os 2.ºs RR. alegaram, em síntese, que o prédio da A. é delimitado, a poente, por um carreiro, não confrontando com o seu prédio; o “muro baixo, encimado por uma rede apoiada por pilares de cimento” já foi construído deixando um afastamento de cerca de 8 metros até ao efectivo limite do prédio, porque desde sempre existiu a intenção de construir uma habitação no terreno, tendo-se deixado de fora a parcela de terreno que seria utilizada para construir a dita estrada de acesso à habitação pela parte de cima do terreno; em Julho de 2018, a A. construiu um muro que impede o acesso dos 2.ºs RR. ao seu terreno pela parte superior; a intenção dos 2.ºs RR., quando compraram o prédio, foi destiná-lo à construção de uma moradia para sua habitação própria e permanente, tendo-se certificado de que o mesmo é apto para construção; este prédio nunca esteve afecto à exploração agrícola, integrando originariamente o prédio urbano onde se encontram as instalações fabris da M...; o preço que se fez constar do documento particular autenticado que titula a compra e venda do prédio não corresponde ao valor real efectivamente pago pelos 2.ºs RR. aos 1.ºs. RR. que foi de € 40.000,00; à data da celebração do negócio o único prédio rústico propriedade dos AA. que confrontava com o prédio objecto da preferência tinha a área de 41.650 m2. Concluíram pela improcedência da acção.</font>
</p><p><font>Deduziram reconvenção </font><u><font>pedindo</font></u><font>, a título principal:</font>
</p><p><font>a) o reconhecimento do seu direito de propriedade sobre a parcela de terreno que se situa entre o carreiro que delimita a nascente e o murete construído mais abaixo (a poente do referido carreiro) o prédio rústico em causa nestes autos, dele fazendo parte integrante;</font>
</p><p><font>b) a condenação dos AA. a demolirem o muro, recentemente construído. </font>
</p><p><font>Subsidiariamente, pedem a condenação da A. a depositar o montante de € 40.000,00, acrescido dos correspondentes valores devidos a título de IMT, IS e demais despesas decorrentes da compra e venda.</font>
</p><p><font>Pedem, ainda, a condenação dos representantes da A. como litigantes de má fé.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Na réplica, a autora, mantendo a versão já apresentada na petição inicial, contestou o pedido reconvencional; e requereu também a condenação dos 2.ºs RR. como litigantes de má fé.</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font>Na audiência prévia realizada, foi admitida a reconvenção deduzida, foi proferido despacho saneador tabelar, foi identificado o objecto do litígio e foram enunciados os temas de prova, tendo-se procedido a uma selecção dos factos já considerados provados.</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font>Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença, com o seguinte dispositivo:</font><br>
</p><p><i><font>“a) procedente a exceção perentória da segunda parte da alínea a) do art. 1381.º do C. Civil;</font></i><br>
</p><p><i><font>b) em consequência, julgo improcedente a ação, absolvendo os RR. dos pedidos;</font></i><br>
</p><p><i><font>c) julgo improcedentes os pedidos reconvencionais, deles absolvendo os AA..</font></i><br>
</p><p><i><font>Custas da ação pelos AA.; custas da reconvenção pelos RR. reconvintes JJ e mulher.</font></i><br>
</p><p><i><font>Não existem elementos para condenação de qualquer das partes como litigante de má-fé</font></i><font>.”</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font>Inconformada, a autora interpôs </font><b><font>recurso de apelação</font></b><font> e apresentou as respectivas alegações com conclusões que o Senhor Desembargador Relator mandou sintetizar, por considerar que aquelas que haviam sido apresentadas eram complexas.</font><br>
</p><p><font>Na sequência do convite, afirmando que era “a sintetização máxima possível…, tendo em conta que o recurso visa também a impugnação da decisão sobre a matéria de facto e que nessa parte os recorrentes têm que dar cumprimento ao disposto no artigo 640º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, o que impede uma maior sintetização das conclusões na parte que se lhe refere – conclusões III a VII, inclusive, (págs. 49 a 79)”, </font><b><font>a autora</font></b><font> (são referidos os seus herdeiros como parte, a nosso ver erradamente, visto que a verdadeira parte é a herança indivisa, agindo aqueles conjuntamente para exercer os direitos a ela relativos, nos termos do art.º 2091.º, n.º 1, do Código Civil, tal como se apresentaram na petição inicial) apresentou </font><u><font>novas conclusões</font></u><font> com o seguinte teor:</font><br>
</p><p><font>“</font><i><font>I. A douta sentença recorrida, depois de várias considerações sobre os pressupostos do direito de preferência invocado pelos Autores, decidiu apreciar, não a verificação ou não desses pressupostos, mas desde logo a exceção deduzida pelos RR de terem comprado o prédio objeto da preferência para nele implantarem uma moradia para sua habitação própria e permanente e nunca para exploração agrícola, considerando que:</font></i><br>
</p><p><i><font>a) “O fim que releva, para efeito do disposto na segunda parte da alínea a) do artigo 1.381º do Código Civil, não é aquele a que o terreno está afeto à data da alienação, mas antes o que o adquirente pretende dar-lhe. Este fim não tem que constar obrigatoriamente da escritura, podendo provar-se por outros meios” – Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. II, 2ª edição 1984), pág.276;</font></i><br>
</p><p><i><font>b) “O direito de preferência na compra e venda de prédio rústico não se verifica quando o objeto do contrato é diferente do da cultura, com o de construção de um imóvel. O fim da construção não tem que constar da escritura pública, podendo provar-se por outros meios. O fim diverso tem que ser legalmente possível” (Ac. STJ 19/3/1998 – C/JS, Ano VI, Tomo I – 143 a 145);</font></i><br>
</p><p><i><font>c) “Basta a prova de que os compradores tinham a intenção de nele (terreno) edificar uma moradia e de que, na data da aquisição, não estava excluída a aptidão construtiva do solo” (Ac. STJ de 20/11/2012 – C/JS, ano XX – Tomo III – 133 – 138);</font></i><br>
</p><p><i><font>d) “Não basta para integrar a exceção da parte final da alínea a) do artigo 1381º do Código Civil a mera intenção do adquirente, ainda que manifestada na escritura de compra e venda, de afetar o prédio à construção, sendo ainda necessária a prova de que esta é viável de acordo com a lei do ordenamento do território” – Ac. RC de 4/1/2009 – CJ Ano XXXIV, V, 5/9;</font></i><br>
</p><p><i><font>e) “É ao Réu comprador que incumbe fazer a prova da existência dos requisitos indicados na segunda parte da alínea a) do artigo 1381º do Código Civil, nos termos do artigo 342º, do Código Civil”;</font></i><br>
</p><p><i><font>f) “Não é de atender ao documento de retificação da compra e venda por que ele tem a data de 6/12/2017, posterior à data da entrada em Juízo desta ação – 6/11/2017- , cuja única finalidade parecer ser a de dificultar o direito de preferência nele exercido”;</font></i><br>
</p><p><i><font>g) “Tendo o prédio objeto de preferência a área de 2.860 m2 tem pouco sentido a sua compra para exploração agrícola e muito menos pelo preço da retificação - € 40.000,00 – que é o preço real do imóvel vendido (…) – facto provado sob o nº 41 dos factos provados”;</font></i><br>
</p><p><i><font>h) “Foi provado que os RR adquiriram o terreno para nele implantarem uma moradia para sua habitação própria e permanente e nunca para exploração agrícola – nº 33 dos factos provados”;</font></i><br>
</p><p><i><font>i) “O terreno tem viabilidade construtiva e vistas deslumbrantes sobre a cidade ..... – facto 34 dos factos provados”;</font></i><br>
</p><p><i><font>j) “A chefe de divisão de gestão urbanística da Câmara Municipal de ... emitiu parecer técnico, ao abrigo da alínea a) do nº 1 do artigo 110º do Dec-Lei nº 555/99, de 16/2, alterado e republicado pelo Dec-Lei nº 136/2004, de 19/9 (sublinhado nosso) no sentido de que o terreno de 2860 m2 objeto de preferência nesta ação está inserido em solo urbano, na categoria de solo urbanizável – espaço residencial tipo 1, no perímetro urbano da cidade – factos dados como provados sob o nº 22”,</font></i><br>
</p><p><i><font>E concluiu assim estarem verificados os requisitos da excepção ao direito de preferência:</font></i><br>
</p><p><i><font>“1º - o negócio aquisitivo foi realizado para construção (fim diferente do da cultura);</font></i><br>
</p><p><i><font>2º - a construção é viável naquele terreno.”</font></i><br>
</p><p><i><font>II. É com esta decisão de direito e com a decisão sobre a matéria de facto, que, com base na prova testemunhal gravada, cuja reapreciação se pretende, e na prova documental produzida, da qual legalmente não se pode de forma alguma extrair as conclusões que dela extraiu o tribunal e cujo alcance tem também que ser reapreciado em sede deste recurso, deu erradamente como provados os factos dos nºs 33, 34, 39 e 41 dela constantes, repetiu parcialmente no facto 40 o que já constava do facto provado sob o nº 22 (repetição que não tem qualquer relevo), e, para além disso, omitiu e não considerou vários factos instrumentais provados que têm grande relevância para as ilações a que necessariamente conduzem e para a decisão sobre a matéria de facto e para a consequente decisão do mérito da causa, os quais se encontram provados quer através de documentos juntos aos autos, quer através da prova testemunhal e de declarações de parte produzidas e devidamente gravadas e de confissão dos RR vendedores contida na sua contestação, que terão que ser reapreciadas, com que os Autores não podem de forma alguma conformar-se.</font></i><br>
</p><p><i><font>III. A douta decisão sobre a matéria de facto OMITIU E NÃO TEVE EM CONSIDERAÇÃO OS SEGUINTES FACTOS INSTRUMENTAIS, QUE SE ENCONTRAM INEQUIVOCAMENTE PROVADOS E QUE TÊM ENORME RELEVÂNCIA PARA UMA CORRECTA DECISÃO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO quanto:</font></i><br>
</p><p><i><font>- à verosimilhança e credibilidade, de harmonia com as regras de experiência comum, do real fim, imediato ou a curto prazo, para que os RR compradores dizem, só após a sua citação, ter adquirido o prédio em causa e que a decisão ora recorrida deu erradamente como provado;</font></i><br>
</p><p><i><font>- à viabilidade legal, por ela dada erradamente como provada, de nele construir uma moradia para habitação própria e permanente; e</font></i><br>
</p><p><i><font>- quanto à data e época em que o primitivo prédio único da Herança Autora foi efectiva e realmente atravessado pelos caminhos públicos que o parcelaram e dividiram em três prédios distintos e autónomos entre si e, por isso, quanto à situação real e concreta do prédio da Herança Autora confinante com o prédio objecto da preferência à data da compra deste pelos RR (26/5/2017):</font></i><br>
</p><p><i><font>A) os RR compradores, que até então residiam na Rua ..., Lote..., ......, ..., compraram em 10/02/2015 o prédio mencionado no facto provado sob o nº 21, com a contracção simultânea de um mútuo de € 170.000,00, pelo prazo de 360 meses (30 anos), e de uma abertura de crédito de € 18.500,00, ambos garantidos por hipotecas do imóvel comprado, e após essa compra passaram a ter a sua residência e domicílio fiscal naquele imóvel sito na Rua ..., nº …, em ..., sendo essa a sua residência e domicílio fiscal indicado nos documentos e termos de autenticação do título de compra e venda do prédio aqui em causa em 26/05/2017 e do título de rectificação e respectivo termo de autenticação de 6/12/2007 (factos articulados nos artigos 27º a 34º da réplica – contestação apresentada pelos AA e resultantes do título de aquisição junto pelos RR compradores, a requisição do tribunal, com o seu requerimento acima referido);</font></i><br>
</p><p><i><font>B) a certificação mencionada no facto dado como provado sob o número 22, tem a data de 22 de Fevereiro de 2018, ou seja, foi emitida já na pendência da ação e não na data ou, pelo menos, à época da compra a venda;</font></i><br>
</p><p><i><font>C) o prédio objeto da preferência não tem qualquer confrontação directa com qualquer via pública (estrada ou caminho públicos), não é marginado por qualquer via pública (estrada ou caminho públicos), e, por isso, não tem qualquer acesso directo a qualquer via pública; (Facto articulado nos artigos 14º, 24º e 48º da réplica-contestação dos AA e confessado pelos RR vendedores no artigo 21º da sua contestação)</font></i><br>
</p><p><i><font>D) os caminhos públicos abertos pela Junta de Freguesia da União das freguesias ..... e …... que atravessaram o primitivo prédio único da Herança da mãe dos AA e que de facto e na realidade o dividiram nos três prédios distintos e autónomos descritos sob o nº 26 dos factos provados da douta sentença recorrida foram abertos em 2014/2015, e na data da compra e venda do prédio objecto da preferência em 26/5/2017 era do perfeito conhecimento dos RR compradores que tais caminhos públicos, incluindo o que foi aberto pelo NN, ao longo da estrema mais a norte do prédio da Herança da mãe dos AA, a ligar a Rua ..., que não tinha saída, a um dos caminhos públicos abertos pela Junta de Freguesia da União de Freguesias, estavam já abertos e que o primitivo prédio dos AA já não existia e se encontrava já então na realidade e de facto dividido nos citados três prédios distintos e autónomos.(Factos articulados nos artigos 11º, 12º, 13º e 18º da p.i. e nos artigos 4º, 5º, 6º, 7º, 8º e 9º da réplica-contestação).</font></i><br>
</p><p><i><font>IV. Os quais resultam como provados através dos seguintes MEIOS PROBATÓRIOS:</font></i><br>
</p><p><i><font>1 - Factos da alínea A):</font></i><br>
</p><p><i><font>- Documentos juntos sob o nº 1 e 2 com a réplica-contestação dos Autores e documento titulador da compra feita em 10/02/2015 pelos RR compradores do imóvel descrito sob o nº 21 dos factos provados, que foi por eles junto aos autos, a requisição do tribunal, em 23 de Outubro de 2018 com o seu Requerimento Refª ...540;</font></i><br>
</p><p><i><font>2 - Factos da alínea B):</font></i><br>
</p><p><i><font>- o próprio documento donde consta a certificação junto aos autos pelos RR compradores apenas em 29/5/2018;</font></i><br>
</p><p><i><font>3- Factos da alínea C) (que são sumamente relevantes para a decisão da causa, uma vez que sem qualquer frente para uma via pública que o margine e sem acesso direto a ela não é legalmente viável a construção de qualquer moradia naquele prédio);</font></i><br>
</p><p><i><font>Provado por força:</font></i><br>
</p><p><i><font>i. dos factos dados como provados sob os números 30, 31 e 32 da decisão sobre os factos provados, isto é, que o prédio objeto da preferência não tem qualquer confrontação directa com qualquer via pública (estrada ou caminho público), não é marginado por qualquer via pública (estrada ou caminho público), nem tem acesso directo a qualquer via pública ou infraestrutura rodoviária;</font></i><br>
</p><p><i><font>ii. da confissão expressa dos RR vendedores contida no artigo 21º da sua contestação, no qual afirmam que “o prédio objecto da preferência se encontra vedado por muros, postes e rede a nascente e a sul, perfeitamente separado do prédio da Autora”;</font></i><br>
</p><p><i><font>iii. dos levantamentos topográficos elaborados pelos serviços da Câmara Municipal de ..., o primeiro junto como documento nº 6 com a p.i., e o segundo, nitidamente posterior àquele primeiro, por neste último, datado de Abril de 2015, figurar já o caminho público aberto ao longo da estrema norte do prédio da Herança da mãe dos AA, que foi o último caminho público a ser aberto e que ainda não figurava naquele outro e primeiro levantamento, este último que integra a certidão junta como Doc. nº 7 pelos AA com o seu requerimento de 3/7/2019 com a Refª ...700, levantamentos esses pelos quais se verifica que a Rua ... inicialmente não tinha saída e ia bater directamente na estrema norte do prédio da Herança da mãe dos Autores e depois passou a bater na extremidade poente do caminho público aberto ao longo da estrema norte do prédio da Herança da mãe dos AA, não existindo anteriormente e ainda actualmente qualquer outro caminho para sul da esquina que aquela Rua e aquele caminho público aberto ao longo da estrema norte do prédio dos AA ali fazem;</font></i><br>
</p><p><i><font>iv. dos depoimentos prestados em audiência de julgamento e gravados através do sistema integrado de gravação digital disponível na aplicação informática em uso no tribunal pelas seguintes testemunhas:</font></i><br>
</p><p><i><font>1. NN, que depôs na sessão de julgamento do dia 13 de Junho de 2019, iniciada às 14h e 15m, com depoimento gravado no acima citado sistema de 14:32:37 a 15:56:05, o qual disse que:</font></i><br>
</p><p><i><font>- a sua imobiliária, L..., esteve incumbida pelo Sr. MM, de vender o prédio objecto da preferência, o que aconteceu há mais de 4 ou 5 anos (gravado entre as 2:20 rotações e as 2:54 rotações);</font></i><br>
</p><p><i><font>- a confrontação a nascente era com o prédio da D. AA, tinha um muro em blocos e tinha também uns esteios e uma rede com metro e meio de altura a fazer a vedação; da parte norte batia com um outro prédio que posteriormente eu comprei e depois revendi ao Sr. que trabalha na T…...., que está ali fora, mas que de momento o nome não me vem à cabeça, era o terreno que fica a norte do que está aqui em causa, e que foi outra empresa minha de compra e venda de prédios, Q….., que comprou; o limite nascente desse terreno batia também com o da D. AA, e aí tinha também um muro com esteios e rede (gravado entre as 3:59 rotações e as 6:05 rotações);</font></i><br>
</p><p><i><font>- não havia nada entre o prédio da D. AA e o que eu comprei e depois revendi e o que fica para sul deste, o que era do MM (gravado entre as 7:15 rotações e as 7:36 rotações);</font></i><br>
</p><p><i><font>- depois que comprei o prédio que fica para norte do que está aqui em causa, a primeira coisa que fiz foi falar com a D. AA, fui ter com o Sr. Presidente da Junta OO e pedi-lhe ajuda no sentido de poder valorizar o prédio, como é que o podia fazer e ele disse-me que ela me ia deixar abrir um caminho público em parte da estrema do prédio que comprei e ao longo da estrema norte do prédio dela para o prédio que comprei passar a ter acesso directo à via pública; abri o caminho e passado dois três meses vendi logo o prédio (gravado entre as 12:29 rotações e as 15:55 rotações);</font></i><br>
</p><p><i><font>2. OO, Presidente da Junta da União de Freguesias ... e ... durante oito anos, que depôs na sessão de julgamento do dia 13 de Junho de 2019, iniciada às 14h e 15m, com depoimento gravado no acima citado sistema de 16:07:48 a 17:21:28, o qual disse que:</font></i><br>
</p><p><i><font>- O muro delimita a propriedade toda, ou seja, vem da Rua ... e depois confronta com a propriedade da D. AA e depois mais abaixo sobre o lado esquerdo quando desce vai bater com a PP que trabalhava na Câmara;</font></i><br>
</p><p><i><font>Há uma parte que é propriedade da D. AA e mais abaixo há uma parte que é da PP que trabalhava na Câmara;</font></i><br>
</p><p><i><font>O muro é o mesmo. Foram eles que fizeram quando fizeram a fábrica. Aliás, toda a fábrica é murada desde cá de baixo da Rua ……..., que é onde começa a fábrica, até cá acima à Rua .... Todo o perímetro da fábrica é murado. Eu não estou a ver os da M..... a murarem toda a propriedade deles e depois a deixar um bocadinho de fora do muro; para quê? Só se for para apanhar ar fresco, não entendo. (tudo gravado entre as 27:18 rotações e as 28:21 rotações).</font></i><br>
</p><p><i><font>- uma Rua é a Rua ..., que era uma Rua sem saída, que dava exactamente no terreno da D. AA, o que é fácil verificar no local, porque tem um pequeno terreno todo murado com adobos e que acabava na Rua ..., que era uma Rua sem saída;(gravado entre as 8:00 rotações e as 8:40 rotações);</font></i><br>
</p><p><i><font>- na parte final da Rua há um muro em adobo e o terreno da D. AA batia aí, até certa altura aqui, porque depois pode ser do TT, nesta zona aqui passa a ser do TT; então agora aqui há uma estrada que foi rasgada, a tal que foi rasgada pelo NN, porque o NN comprou aqui um terreno a um dos herdeiros da M…..., aquele que vive no ..., o UU, e a seguir era o do MM da M…..., que tinha o terreno a seguir; se reparar o muro de adobo bate mais ou menos com o terreno do UU e antes do do UU é o daquele que morreu há pouco tempo, o cunhado, que é o único que tem acesso por cima. (gravado entre as 19:02 rotações e as 20:25 rotações).</font></i><br>
</p><p><i><font>3. QQ, de 47 anos de idade, que depôs da sessão de julgamento do dia 19 de Junho de 2019, iniciada às 9h e 30m, e reaberta às 14h e 15m, com depoimento gravado no acima citado sistema de 15:01:21 a 15:45:44, o qual:</font></i><br>
</p><p><i><font>i. disse que:</font></i><br>
</p><p><i><font>- é proprietário daquele prédio que fica do lado norte do que é agora do Sr. JJ, fica entre o dele e a casa que está ao lado, que era do falecido SS, e é agora a esposa que mora lá, a D. M.…; Trabalhei 18 anos na M.…, dos 18 aos 36 anos, e sabia que aqueles terrenos pertenciam aos meus patrões e ex-patrões; (gravado entre as 1:33 e as 2:55 rotações);</font></i><br>
</p><p><i><font>- do meu terreno, em cima é o único lado que está delimitado pelo muro, o resto é tudo por marcos; portanto é o único lugar que tem um muro que delimita o meu terreno da parte exterior; para fora do muro tenho um acesso, quando o comprei disseram-me que era público, conforme eu tenho aqui, há lá uma parte que era pública e era por lá o meu acesso; não era em toda a frente, era uma parte conforme tenho aqui no contrato-promessa de compra e venda, onde menciona um acesso que abriram que a D. AA cedeu, que já estava falado (gravado entre as 14:59 rotações e as 16:23 rotações) ;</font></i><br>
</p><p><i><font>- só tive conhecimento do carreiro quando levantei a certidão predial, porque até lá batia com uma parte com o publico ( foi a informação que o vendedor me deu) e na outra parte com os eucaliptos que ele dizia que pertenciam a uma senhora que tinha uma casa cá em baixo, que pelos vistos era a D. AA, que eu não conhecia na altura, mas foi isso que ele me disse, foi com essas condições que eu comprei; Nunca lá conheci carreiro nenhum, fiquei a saber da existência do carreiro quando levantei o que li; quer dizer visivelmente eu não via lá</font></i><br>
</p><p><i><font>nada, via a parte que era pública que estava conforme está aqui nas imagens; (tudo isto gravado entre as 16:24 rotações e as 17:24 rotações);</font></i><br>
</p><p><i><font>- E por referência ao documento facultado pela testemunha e junto a solicitação do tribunal na própria audiência de julgamento conforme consta da acta da respectiva sessão que se encontra digitalizado sob a Refª ...329:</font></i><br>
</p><p><i><font>- isto aqui é o terreno da D. AA; portanto ela ia ceder este caminho e havia uma possibilidade, isto ainda estava a ser negociado, ainda não era meu, quando foi apresentado isto havia a possibilidade de se quisesse o Colega da ponta e eu expandirmos para ali o caminho. Se quisesse havia a tal oportunidade, mas na altura parece que o NN tentou isso e depois de ter negociado mediante o que ficasse resolvido seriam negociados os preços entre mim e ele, e havia certas condições, mas, entretanto, o NN disse-me a mim, olha eu falei com o vizinho do lado e ele disse-me que vai perder muito terreno da melhor parte e para já fica sem efeito, nessa parte fica sem efeito, avançamos com a escritura e fica como está, não quer, não quer;</font></i><br>
</p><p><i><font>e, na sequência da instância da mandatária dos RR compradores, “O que é este decalcado aqui que parece uma estrada?”, disse Esse decalcado é supostamente na D. AA, na altura estava a pensar negociar com a D. AA, tinha a palavra da D. AA para ir deixar a Junta de Freguesia abrir um acesso por ali; isto era caso eu concordasse e aquele senhor dali (então o MM) entroncávamos um caminho até ali, dando eu aqui uns metros e ele lá outros metros, mas ele na altura não quis (tudo isto gravado entre as 19:07 rotações e as 20:19 rotações)</font></i><br>
</p><p><i><font>- à instância, se esse caminho não seguia para sul para o terreno do Sr. JJ, disse “Não dava para passar, tinha eucaliptos, na altura em que eu comprei tinha eucaliptos (gravado entre as 29:38 rotações e as 29:50 rotações)</font></i><br>
</p><p><i><font>ii. e explicou pormenorizadamente (tudo gravado entre as 4:30 rotações e as 12:05 rotações) quais os caminhos por onde a partir da Rua a poente se acedia aos diferentes prédios resultantes da divisão da Quinta da M…... entre os seus sócios, prédios esses entre os quais se conta o que foi comprado pela testemunha e o que fica a sul deste que é o prédio objecto da preferência.</font></i><br>
</p><p><i><font>4 - Factos da alínea D):</font></i><br>
</p><p><i><font>Resultam provados por força:</font></i><br>
</p><p><i><font>i. das datas dos levantamentos topográficos dos serviços da Câmara Municipal …... juntos o primeiro como Doc. nº 6 com a p.i. e o segundo, datado de Abril de 2015, junto como integrante da certidão que constitui o Doc. nº 7 junto pelos AA com o seu requerimento de 3/7/2019 com a Refª ...700;</font></i><br>
</p><p><i><font>ii. das próprias declarações de parte do próprio Réu JJ, que nas declarações de parte que prestou na sessão de julgamento do dia 13/6/2019 iniciada às 9h e 30m, gravadas através do sistema integrado de gravação digital disponível na aplicação informática em uso no tribunal entre 12:34:14 e 13:00:36, a instâncias do mandatário dos AA declarou que:</font></i><br>
</p><p><i><font>“quando fez a compra | [0 0 0 ... 0 0 0] |
GzFiu4YBgYBz1XKvtf-2 | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><font>Cus </font><div><br>
<font>*</font></div><br>
<br>
<font> </font><br>
<div><br>
<font>Processo n.º 107694/20.2YIPRT.S1</font><a><u><sup><font>[1]</font></sup></u></a></div><br>
<br>
<font> </font><br>
<div><br>
<font>*</font></div><br>
<br>
<font> </font><br>
<p><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça – 1.ª Secção</font><a><u><sup><font>[2]</font></sup></u></a><font>:</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font>I. Relatório</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><b><font>Massa Insolvente Vougal Produção de Aves, S.A</font></b><font>., requereu procedimento de injunção contra </font><b><font>Savigal – Produtos Alimentares, Lda.</font></b><font>, ambas melhor identificadas no respectivo requerimento, apresentado em 9/12/2020, peticionando o pagamento da quantia de 84.560,82 €, correspondente ao capital de 78.835,00 € e juros de mora de 5.725,82 €. Fundamentou tal pretensão no incumprimento de um contrato de “fornecimento de bens ou serviços”, celebrado em 23/10/2019, conforme facturas que discriminou, as quais não foram pagas nas datas dos seus vencimentos.</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font>A requerida deduziu oposição, alegando nada dever à requerente, porquanto o crédito peticionado foi extinto por compensação com outro crédito que lhe foi cedido por Crista Pura – Produção de Aves, Lda., que esta tinha sobre Vougal Produção de Aves, S.A., como foi comunicado a essa sociedade, em 28/11/2019. Concluiu pela procedência da excepção da compensação invocada e pela improcedência da pretensão da requerente.</font><br>
</p><p><font>Apresentados os autos à distribuição e distribuídos como acção de processo comum, a autora juntou réplica, que o Tribunal aceitou como resposta à excepção, onde aquela se opôs à invocada compensação, concluindo pela improcedência desta excepção.</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font>Por despacho de 8/4/2021, foi a ré convidada a deduzir reconvenção para poder ser considerada a invocada compensação de créditos.</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font>A ré respondeu que não pretende obter a compensação no âmbito destes autos, mas apenas fazê-la operar a título exceptivo. Entende que, não pretendendo qualquer reconhecimento judicial da extinção do seu crédito por via da compensação, é desnecessária a dedução de pedido reconvencional, insistindo no funcionamento da excepção para extinção do crédito peticionado.</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font>Foi designada audiência prévia, a qual foi realizada, tendo sido facultada às partes a discussão de facto e de direito sobre a “exceção perentória invocada”.</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font>Após, em 8/6/2021, foi proferido </font><b><font>saneador-sentença</font></b><font>, onde se decidiu julgar a presente acção parcialmente procedente e condenar a Ré a pagar à Autora a quantia de 78.832,81 €, acrescida de juros de mora calculados às taxas legais sucessivamente em vigor desde a data de vencimento das faturas identificadas no ponto 1.º da factualidade provada até efetivo e integral pagamento, absolvendo-a do demais peticionado.</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font>Inconformada, a ré interpôs </font><b><font>recurso </font></b><b><i><font>per saltum</font></i></b><b><font> para o STJ</font></b><font> e apresentou as correspondentes alegações que terminou com as seguintes </font><u><font>conclusões</font></u><font>:</font><br>
</p><p><i><font>“</font></i><b><i><font>1. </font></i></b><i><font>O presente recurso vem do douto despacho saneador sentença de 08/06/2021, referência ..., proferido em primeira instância pela Mma. Juiz do Juízo Central Cível ... – Juiz ..., do Tribunal Judicial da Comarca ..., que condenou a Recorrente no pagamento à Recorrida da quantia de € 78.832,81, acrescida de juros moratórios calculados às taxas legais em vigor desde a data de vencimento das faturas identificadas no ponto 1.º dos factos provados até efetivo e integral pagamento.</font></i><br>
</p><p><b><i><font>2. </font></i></b><i><font>Na oposição/contestação que deduziu, alegou ter notificado a sociedade Vougal – Produção de Aves, nos termos dos artigos 847º. e 848º. do CC, e para o efeito de operar compensação extrajudicial, muito antes da instauração destes autos.</font></i><br>
</p><p><b><i><font>3. </font></i></b><i><font>Compensação que realizou porque era simultaneamente credora e devedora da referida Vougal, na medida em que, fruto de um negócio de cessão de créditos que havia celebrado, na qualidade de cessionária, com a sociedade Crista Pura, na qualidade de cedente, adquiriu a esta créditos que a mesma detinha sobre a Vougal, de valor equivalente ao do crédito reclamado nesta lide.</font></i><br>
</p><p><b><i><font>4. </font></i></b><i><font>Termos em que na referida oposição/contestação invocou essa compensação de créditos como exceção peremptória, que determinou a extinção da obrigação de pagamento à Recorrida no plano substantivo, e deve importar a improcedência do pedido formulado pela mesma no plano subjectivo.</font></i><br>
</p><p><b><i><font>5. </font></i></b><i><font>Na douta decisão recorrida, o Mmo. Tribunal a quo expende o entendimento de que a compensação operada deveria ter sido invocada em sede de reconvenção, e conclui pela inoponibilidade da referida compensação à Autora por não haver sido observado tal formalismo.</font></i><br>
</p><p><i><font>6. Não foi relevada a distinção essencial entre os casos em que (i) o Réu pretende invocar um contra-crédito para fazer a compensação operar processualmente e os casos em que (ii) o Réu invoca, a título de exceção, uma compensação de créditos que já operou extraprocessual ou substantivamente.</font></i><br>
</p><p><i><font>7. Na lapidar fórmula do douto Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 16/01/2018, processo 12373/17.1YIPRT-A.C1, trata-se da “distinção entre a invocação da compensação já efetuada em momento anterior à propositura da ação (compensação extrajudicial) e a realização, no próprio processo pendente da compensação entre créditos (compensação judiciária). No 1ª caso, o réu afirma que o crédito invocado pelo autor já se encontra extinto por uma compensação efetuada extrajudicialmente: essa parte alega, por isso, uma exceção perentória (artigo 576.º, n.º 3 CPC); no segundo, o réu pretende provocar a compensação entre os créditos: para conseguir essa compensação judiciária, tem de se servir da reconvenção” [9]</font></i><a><b><i><u><sup><font>[3]</font></sup></u></i></b></a><i><font> (…).</font></i><br>
</p><p><i><font>8. Onerar o réu com a obrigação de deduzir reconvenção para ver reconhecido um crédito – que pretende invocar e fazer compensar contra o autor, em sede processual – é diferente de o onerar com a invocação de que o crédito já não existe porque sua a extinção ocorreu em momento anterior à instauração da ação quando, no plano material, uma das partes notificou a outra da compensação.</font></i><br>
</p><p><i><font>9. Nestes autos, não é da compensação processual que tratamos, mas antes da invocação da inexistência do direito de crédito objecto da acção, por efeito de compensação extrajudicial operada ex ante pela Recorrente.</font></i><br>
</p><p><i><font>10. A compensação extrajudicial constitui sempre exceção peremptória extintiva, pois não depende de qualquer pedido de reconhecimento judicial de um crédito (que objetivamente já nem existia), dispensando a declaração judicial da sua existência com valor de caso julgado.</font></i><br>
</p><p><i><font>11. Acompanhando o douto Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, datado de 26/02/2019, processo n.º 2128/18.1YIPRT.C1, “I - A compensação assume-se, substantivamente, como figura autónoma – exceção perentória – e, como tal, e até ao valor do contra crédito, pode, adjectivamente, ser invocada na contestação – artºs 847º do CC e 571º do CPC. II – É que o artº 266º nº 2 al. c) do CPC apenas estatui que a reconvenção é admissível se se quiser invocar a compensação; e não que esta, até ao valor do contra crédito, apenas pode ser invocada via reconvencional”.</font></i><br>
</p><p><i><font>12. Acompanhando o douto Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, datado de 10/12/2019, processo nº.78428/17.2YIPRT-A.C1, “1. – A compensação de créditos, figura civilística substantiva com regulação típica nos art.ºs 847.º e segs. do CCiv., uma vez operante (torna-se efetiva mediante declaração, judicial ou extrajudicial de uma das partes à outra), determina a extinção creditória, pelo que convoca factologia extintiva do direito invocado pelo autor, assumindo-se, processualmente, como exceção perentória, assim podendo ser invocada na contestação, nesse sentido devendo interpretar-se, conjugadamente, o disposto naqueles preceitos do CCiv. e nos art.ºs 571.º, n.º 2, e 266.º, n.º 2 al.ª c), do NCPCiv. 2. – As normas processuais devem ser interpretadas – se necessário, em termos restritivos -, na busca da coerência e harmonia do sistema jurídico, à luz do seu escopo de realização do direito substantivo, não podendo constituir entrave a tal realização”.</font></i><br>
</p><p><i><font>13. “Não estão cobertos pela previsão do art. 266º 2.c) os casos em que a compensação já tenha sido operada extrajudicialmente em momento anterior, pois aí o crédito do autor já está extinto quando a acção é proposta, sendo então de invocar esse facto extintivo em sede de defesa”</font></i><a><b><i><u><sup><font>[4]</font></sup></u></i></b></a><i><font>[10].</font></i><br>
</p><p><i><font>14. A Recorrente não pretendeu o reconhecimento judicial dos seus créditos, que já reputava e reputa extintos, nem pretendeu obter a compensação processual de tais créditos com os créditos peticionados pela Autora, Massa Insolvente, agora Recorrida.</font></i><br>
</p><p><i><font>15. Pretendeu foi antes excecionar a inexistência dos créditos cujo pagamento a Recorrida lhe exigiu, determinada pela compensação que anteriormente operou extraprocessual e materialmente.</font></i><br>
</p><p><i><font>16. O que sempre seria matéria de exceção, sob pena de a omissão da sua dedução em reconvenção conduzir à destruição do efeito extintivo de direito material que operou anteriormente pelo exercício do direito (potestativo) previsto nos artigos 847.º e 848.º do Código Civil.</font></i><br>
</p><p><i><font>17. Tal representaria (e representa no caso concreto), um impedimento processual em contraposição com os efeitos substantivos já produzidos, com prejuízo para a segurança e certeza jurídicas e paz social cuja garantia se pretende do Direito.</font></i><br>
</p><p><i><font>18. Sem prescindir, a admitir-se que no caso se impunha a dedução de reconvenção para ver declarado e reconhecido o crédito da Recorrente como condição da compensação a operar judicialmente, abrir-se-ia a discussão sobre se tal pedido era admissível nestes autos </font></i><a><b><i><u><sup><font>[5]</font></sup></u></i></b></a><i><font>[11].</font></i><br>
</p><p><i><font>19. Não obstante a compensação tenha sido realizada antes da declaração da insolvência da Autora/Recorrida, a presente ação foi instaurada pela respectiva massa insolvente após aquela declaração.</font></i><br>
</p><p><i><font>20. E não sendo admissível a formulação de pedido reconvencional contra a massa insolvente (o que não é seguro, e sempre dependeria de fazer intervir na ação outras partes), estaria a coartar-se, por limitação processual, o direito de defesa da Recorrente por invocação de compensação operada extrajudicialmente.</font></i><br>
</p><p><i><font>21. Coartar à Recorrente a possibilidade de ver salvaguardada a defesa dos seus interesses, defendendo-se por exceção, invocando a compensação até ao limite do crédito do autor, constituiria uma interpretação imprópria e excessivamente abrangente da alínea c) do n.º 2 do artigo 266.º do CPC, porque violadora do princípio da tutela jurisdicional efetiva, constitucionalmente consagrado no artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa (CRP).</font></i><br>
</p><p><i><font>22. Sempre sem prescindir, existe uma forte corrente doutrinal, e jurisprudencial</font></i><a><b><i><u><sup><font>[6]</font></sup></u></i></b></a><i><font>[12] no sentido de que a alínea c) do n.º 2 do artigo 266.º do CPC apenas diz que a compensação é admissível como fundamento da reconvenção, e/mas não que a compensação só possa ser feita fazer valer por esse meio (trata-se de uma possibilidade e não de um impedimento de dedução da compensação por via de exceção).</font></i><br>
</p><p><i><font>23. Tal norma não impede a possibilidade de invocar a compensação extrajudicial por via de exceção peremptória na contestação, até ao limite do crédito do autor, quando dele não se pretenda extrair os efeitos de caso julgado, como no caso concreto sucede.</font></i><br>
</p><p><i><font>24. Ao decidir como decidiu, violou o Mmo. Tribunal a quo o disposto nos artigos 847.º, 848º. e seguintes do Código Civil (CC), e no artigo 266.º do CPC, em particular, na alínea c) do seu n.º 2, e violou ainda o disposto nos números 1, ,2, 4 e 5 do artigo 20º. da CRP, todos que se impunha interpretar e aplicar antes nos termos supra preconizados.</font></i><br>
</p><p><i><font>TERMOS EM QUE, NOS MAIS DE DIREITO E COM O MUI DOUTO SUPRIMENTO DE VOSSAS EXCELÊNCIAS,</font></i><br>
</p><p><i><font>deve dar-se provimento ao presente recurso e, em consequência, ser revogada a douta decisão recorrida, que deve ser substituída por outra que admita e aprecie a excepção peremptória de compensação invocada pela Recorrente, tudo com as legais consequências.</font></i><br>
</p><p><i><font>Assim se espera, confiadamente, na certeza de que Vossas Excelências, …, farão a costumada J U S T I Ç A”.</font></i><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font>Não foram apresentadas contra-alegações.</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font>O recurso foi admitido como de revista, </font><i><font>per saltum</font></i><font>, por se verificarem os requisitos cumulativos previstos no art.º 678.º, n.º 1, do CPC, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo, visto não ter sido prestada caução idónea, modo de subida e efeito que foram mantidos pelo actual Relator.</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font>Tudo visto, cumpre apreciar e decidir o mérito do presente recurso.</font><br>
</p><p><font>Sabido que o seu objecto e âmbito estão delimitados pelas conclusões da recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser em situações excepcionais de conhecimento oficioso, e tendo presente que se apreciam questões e não razões, a única questão que importa dirimir consiste em saber se a compensação de créditos, que a ré alega ter invocado extrajudicialmente, pode ser considerada como meio de defesa por excepção ou se terá, necessariamente, de ser invocada em reconvenção.</font>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font>II. Fundamentação</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font>1. De facto </font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font>Na sentença recorrida foram dados como provados os seguintes factos: </font><br>
</p><p><font>1 - No âmbito da sua atividade comercial (Avicultura, centro de abate de aves, produção própria e integrada e comercialização de aves e produtos à base de carnes), a Autora forneceu à Ré os bens a que aludem as faturas abaixo discriminadas, e que a Ré se comprometeu a devolver as Taras:</font><br>
</p><p><font>FAT51 ... 35 no valor de € 4.117,49, com vencimento em 7/11/2019;</font><br>
</p><p><font>FAT51 ...63 no valor de € 4.205,72, com vencimento em 9/11/2019;</font><br>
</p><p><font>FAT51 ...64 no valor de € 7.065,86, com vencimento em 9/11/2019;</font><br>
</p><p><font>FAT51 ...75 no valor de € 6.315,91, com vencimento em 12/11/2019;</font><br>
</p><p><font>FAT51 ...77 no valor de € 26,20, com vencimento em 12/11/2019;</font><br>
</p><p><font>FAT51 ...87 no valor de € 7.063,35, com vencimento em 13/11/2019;</font><br>
</p><p><font>FAT51 ... 95no valor de € 7.402,33, com vencimento em 14/11/2019;</font><br>
</p><p><font>FAT51 ...08 no valor de € 4.285,54, com vencimento em 15/11/2019;</font><br>
</p><p><font>FAT51 ...17 no valor de € 5.562,00, com vencimento em 19/11/2019;</font><br>
</p><p><font>FAT51 ...29 no valor de € 5.191,55, com vencimento em 20/11/2019;</font><br>
</p><p><font>FAT51 ...37 no valor de € 4.996,98, com vencimento em 21/11/2019;</font><br>
</p><p><font>FAT51 ...42 no valor de € 3.055,87, com vencimento em 22/11/2019;</font><br>
</p><p><font>FAT00 ...20 no valor de € 2,19, com vencimento em 23/11/2019, posteriormente anulada por uma nota de crédito;</font><br>
</p><p><font>FAT51 ...52 no valor de € 1.799,65, com vencimento em 23/11/2019;</font><br>
</p><p><font>FAT51 ...59 no valor de € 3.270,45, com vencimento em 26/11/2019;</font><br>
</p><p><font>FAT51 ...61 no valor de € 34,17, com vencimento em 11/11/2019;</font><br>
</p><p><font>FAT51 ...68 no valor de € 1.044,88, com vencimento em 27/11/2019;</font><br>
</p><p><font>FAT51 ...84 no valor de € 1.676,82, com vencimento em 28/11/2019;</font><br>
</p><p><font>FAT51 ...92 no valor de € 277,48, com vencimento em 14/11/2019;</font><br>
</p><p><font>FAT51 ...02 no valor de € 4.232,26, com vencimento em 30/11/2019;</font><br>
</p><p><font>FAT51 ...15 no valor de € 1.939,72, com vencimento em 3/12/2019;</font><br>
</p><p><font>FAT51 ...42 no valor de € 2.399,81, com vencimento em 6/12/2019;</font><br>
</p><p><font>FAT51 ... 43 no valor de € 1.923,18, com vencimento em 6/12/2019;</font><br>
</p><p><font>FAT51 ...50 no valor de € 646,03, com vencimento em 7/12/2019 e</font><br>
</p><p><font>FAT51 ...57 no valor de € 299,56, com vencimento em 12/12/2019.</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font>2. De direito </font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font>A problemática em análise é, como vimos, a de saber se a compensação de créditos, que já tenha sido invocada extrajudicialmente, deve ser feita valer sempre em reconvenção ou se pode ser deduzida como excepção peremptória.</font><br>
</p><p><font>A compensação de créditos está prevista no art.º 847.º do Código Civil, podendo ser definida como “</font><i><font>o meio de o devedor se livrar da obrigação por extinção simultânea do crédito equivalente de que disponha sobre o credor</font></i><font>”.</font><a><u><sup><font>[7]</font></sup></u></a><br>
</p><p><font>Antes da vigência do actual CPC era maioritária na jurisprudência uma orientação que conjugava as duas referidas vias (excepção e reconvenção) para a alegação da compensação: até ao montante do crédito do autor, o contra crédito do réu era alegado por via de excepção; na parte excedente do crédito do autor, o contra crédito era alegado por via de reconvenção.</font><br>
</p><p><font>O actual CPC, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, entrado em vigor no dia 1 de Setembro de 2013 (cfr. seu art.º 8.º), por isso, aqui aplicável, estabelece no artigo 266.º que:</font><br>
</p><p><font>«1- </font><i><font>O réu pode, em reconvenção, deduzir pedidos contra o autor</font></i><font>. </font><br>
</p><p><font>2 -</font><i><font>A reconvenção é admissível nos seguintes casos</font></i><font>:</font><br>
</p><p><font>(...)</font><br>
</p><p><font>c) </font><i><font>Quando o réu pretende o reconhecimento de um crédito, seja para obter a compensação seja para obter o pagamento do valor em que o crédito invocado excede o do autor.</font></i><font>”.</font><br>
</p><p><font>Apesar de esta alteração legislativa ter visado a clarificação da controvérsia relativa à forma de processualmente operar a compensação – por meio de reconvenção ou por via de excepção -, ainda hoje não se alcançou entendimento uniforme quanto à questão em causa, quer na jurisprudência, quer na doutrina, colocando-se ainda a dúvida se o citado normativo abrange toda e qualquer compensação, ou se apenas compensação judicial.</font><a><u><sup><font>[8]</font></sup></u></a><br>
</p><p><font>Uma corrente jurisprudencial tem defendido que a actual redacção da alínea c), do n.º 2, do art.º 266.º do CPC prevê a reconvenção como o instrumento processual adequado para efeitos de invocação de contra crédito pelo réu, quer no caso de compensação parcial na parte em que o montante do contra crédito exceda o valor do crédito do autor e o réu pretenda a condenação deste último no pagamento do remanescente, quer nos restantes casos em que se invoque a compensação de créditos e mesmo que a invocação da compensação de créditos não seja feita por via judicial, mas sim extrajudicialmente – consagrando, assim, a tese da compensação-reconvenção.</font><br>
</p><p><font>Veja-se, a este propósito, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10-04-2018, proferido na revista n.º 23656/15.5T8SNT.L1.S1</font><a><u><sup><font>[9]</font></sup></u></a><font>, cujo sumário é o seguinte:</font><br>
</p><p><i><font>“I. O devedor pode livrar-se da sua obrigação através da compensação, por extinção simultânea do crédito equivalente que possua sobre o seu credor. </font></i><br>
</p><p><i><font>II - A compensação depende destes requisitos: (i) existência de créditos recíprocos; (ii) fungibilidade das coisas objecto das prestações e identidade do seu género; (iii) exigibilidade do crédito que se pretende compensar. </font></i><br>
</p><p><i><font>III - É judicialmente exigível a obrigação que, não sendo voluntariamente cumprida, dá direito à acção de cumprimento ou à execução do património do devedor. </font></i><br>
</p><p><i><font>IV - O crédito (activo) a compensar não tem de estar reconhecido previamente para se poder invocar a compensação (salvo se esta for invocada na acção executiva); o reconhecimento será, obviamente, necessário, mas apenas para que a compensação se torne eficaz, podendo ocorrer em simultâneo na fase declarativa do litígio. </font></i><br>
</p><p><i><font>V - O regime actualmente previsto no art. 266.º, n.º 2, al. c), do CPC, acolhe claramente este entendimento: não estando o crédito activo reconhecido, a compensação é possível, mas terá de ser pedida em reconvenção, passando o autor (titular do crédito passivo) a dispor de meios processuais adequados a contestar aquele crédito, invocando as excepções de direito material pertinentes</font></i><font>.”.</font><a><u><sup><font>[10]</font></sup></u></a><br>
</p><p><font>No mesmo sentido, ao nível dos Tribunais da segunda instância, indicam-se, a título de exemplo, os seguintes acórdãos: Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 22-06-2017 (proc. n.º 69039/16.0YIPRT.G1)</font><a><u><sup><font>[11]</font></sup></u></a><font>; Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 19-12-2019 (proc. n.º 74/18.8T8PTM.E1)</font><a><u><sup><font>[12]</font></sup></u></a><font>; Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 8-07-2015 (proc. n.º 19412/14.6YIPRT-A.P1)</font><a><u><sup><font>[13]</font></sup></u></a><font> e de 7-10-2019 (proc. n.º 4843/19.3YIPRT-A.P1)</font><a><u><sup><font>[14]</font></sup></u></a><font> e Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 16-11-2016 (proc. n.º 3942/15.5T8CSC-A.L1-4)</font><a><u><sup><font>[15]</font></sup></u></a><font> e de 23-02-2021 (proc. n.º 72269/19.0YIPRT.L1-7)</font><a><u><sup><font>[16]</font></sup></u></a><font>.</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font>Em sentido contrário, na jurisprudência, e a propósito de situação idêntica à que nos ocupa nos presentes autos, importa atentar no recente Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13-04-2021, proferido na revista n.º 69310/19.0YIPRT.G1.S1</font><a><u><sup><font>[17]</font></sup></u></a><font>, que sumariza o seguinte entendimento sobre a problemática sob escrutínio:</font><br>
</p><p><font> “</font><i><font>1. </font></i><b><i><font>O réu que alega ter invocado a compensação de créditos, por via extrajudicial (6 anos antes de ser demandado), e que pretende demonstrar esse facto na sua defesa, não tem de formular pedido reconvencional</font></i></b><i><font>.</font></i><br>
</p><p><i><font>2. A compensação de créditos, eficazmente invocada pelo devedor-credor, produz os mesmos efeitos do cumprimento. </font></i><b><i><font>Se na defesa apenas se pretende demonstrar que, à data da propositura da ação, autor e réu já não eram devedores e credores recíprocos (por se encontrarem compensados os créditos), trata-se de um modo de defesa por exceção</font></i></b><i><font>.</font></i><br>
</p><p><i><font>3. O réu que alega a operatividade extintiva da compensação extrajudicial de créditos tem como objetivo (demonstrado esse facto) vir a ser absolvido do pedido, nos termos do art.576.º, n.º 3 do CPC.</font></i><br>
</p><p><i><font>4. </font></i><b><i><font>Do teor do art. 266.º, n.º 2, alínea c) do CPC não se pode concluir que o legislador tenha imposto ao réu, que já tinha invocado a compensação por via extrajudicial, o ónus de formular pedido reconvencional</font></i></b><i><font>.</font></i><br>
</p><p><i><font>5. A certeza e a segurança das relações contratuais devem permitir, a quem invoca eficazmente a compensação de um crédito, confiar que o efeito extintivo inerente ao exercício desse direito potestativo se produziu definitivamente na ordem jurídica. Tendo presente que o direito processual serve a correta ordenação das situações de direito substantivo, dificilmente se compreenderia a imposição de formular pedido reconvencional a quem não se sente credor da contraparte. O que o réu pretenderá demonstrar é que já não era devedor, quando foi demandado, porque o pagamento havia sido realizado por meio de compensação. Não pretende demonstrar que é credor da contraparte.</font></i><br>
</p><p><i><font>6. Não admitir o réu a fazer prova da exceção respeitante à invocada compensação extrajudicial, por se entender que só podia ser feita valer em reconvenção, mas, ao mesmo tempo, entender que a reconvenção nunca seria admitida no caso concreto, porque, sendo a autora uma massa insolvente, tal estaria excluído pelas regras do art. 90.º e seguintes do CIRE, sendo o réu condenado no pedido, traduz-se numa significativa afetação dos direitos de defesa do réu.</font></i><br>
</p><p><i><font>7. A insolvência superveniente da contraparte não deve afetar o efeito extintivo da obrigação que já se tenha produzido com a eficaz invocação da compensação de créditos, por via extrajudicial, nos termos dos artigos 848.º e 854.º do CC</font></i><font>.” (realce a negrito nosso).</font><br>
</p><p><font>No mesmo sentido - de que não se pode extrair teor do disposto no art.º 266.º, n.º 2, al. c) do CPC que em toda e qualquer hipótese em que o réu pretenda invocar a compensação tenha de o fazer através de reconvenção - ao nível dos Tribunais da segunda instância, vejam-se, a título de exemplo, os seguintes acórdãos: Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 20-05-2014 (proc. n.º 285518/10-8YIPRT.L1-7)</font><a><u><sup><font>[18]</font></sup></u></a><font>; Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 26-02-2019 (proc. n.º 2128/18.1YIPRT.C1)</font><a><u><sup><font>[19]</font></sup></u></a><font> e de 19-12-2019 (proc. n.º 78428/17.2YIPRT-A.C1)</font><a><u><sup><font>[20]</font></sup></u></a><font>.</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font>Ao nível doutrinal sobre esta matéria, defende Miguel Teixeira de Sousa</font><a><u><sup><font>[21]</font></sup></u></a><font> que o tratamento processual a dar à compensação diverge em função da finalidade pretendida com a respetiva invocação, “</font><i><font>quando se fala da compensação em processo pode estar a falar-se de uma de duas situações: Da alegação pelo réu de que já antes da propositura da acção o crédito que o agora autor invoca se tinha extinguido por uma declaração de compensação que aquela parte tinha dirigido a esta última (art. 848.º, n.º 1, CC); Da alegação pelo réu de um crédito contra o autor com a finalidade de obter em juízo a extinção do crédito desta parte. Não há dúvida de que estas situações implicam, segundo o regime actualmente vigente, soluções processuais distintas:</font></i><br>
</p><p><i><font>- A alegação de que o crédito do autor se extinguiu por compensação é a invocação de um facto extintivo, o que deve ser realizado por via de excepção (art. 576.º, n.º 3, CPC);</font></i><br>
</p><p><i><font> - A alegação pelo réu de um contracrédito com a finalidade de provocar a extinção do crédito do autor deve ser realizada por via de reconvenção (art. 266.º, n.º 2, al. c), CPC)</font></i><font>.»</font><br>
</p><p><font>Também Antunes Varela, a propósito da invocação da compensação, consentia esta dualidade de configuração, ao defender que “</font><i><font>(...) a compensação é, sob o ponto de vista processual, um instituto sui generis, equiparável à reconvenção em certo aspecto e identificável com a excepção num outro</font></i><font>.”.</font><a><u><sup><font>[22]</font></sup></u></a><br>
</p><p><font>Acompanhamos esta posição dualista, sendo que não se vê que do teor do art.º 266.º, n.º 2, al. c) do CPC resulte que a invocação da compensação de créditos tenha de ser sempre feita através de reconvenção. Saliente-se que o referido preceito legal apenas diz que a compensação é admissível como fundamento da reconvenção, mas não que a compensação só possa ser feita valer por esse meio (trata-se de uma possibilidade e não de um impedimento de dedução de compensação por via de excepção). </font><br>
</p><p><font>Entende-se, ademais, na esteira de Rui Pinto</font><a><u><sup><font>[23]</font></sup></u></a><font>, que não estarão cobertas pela previsão do citado normativo os casos em que a compensação já tenha sido operada extrajudicialmente em momento anterior, “</font><i><font>pois aí o crédito do autor já está extinto quando a ação é proposta, sendo então de invocar esse facto extintivo em sede de defesa</font></i><font>”</font><a><u><sup><font>[24]</font></sup></u></a><font>.</font><br>
</p><p><font>Transferindo o prisma de análise para o caso sob escrutínio, temos por certo que a Ré, nos termos concretos em que alegou tais factos, não pretendeu o reconhecimento judicial dos créditos, cuja extinção defende, nem pretendeu obter a compensação processual de tais créditos com os créditos peticionados pela Autora. Ao invés, a Ré visou antes invocar a inexistência do crédito cujo pagamento é peticionado na acção, em função de ter operado anteriormente a compensação de créditos. E, no exercício interpretativo da alínea c) do n.º 2 do citado art.º 266.º, deve ser relevada a distinção essencial entre os casos em que o réu pretende invocar um contra crédito para fazer a compensação operar processualmente e os casos em que o réu invoca uma compensação de créditos que já operou extra processualmente.</font><br>
</p><p><font>Conforme salienta Rui Pinto</font><a><u><sup><font>[25]</font></sup></u></a><font>, “</font><i><font>quanto à al. c) do n.º 2 do artigo 266.º deve ser notado que ele supõe a necessidade de “reconhecimento do crédito […] para obter a compensação”. Ora, é bom de ver que se a compensação extrajudicial aqui coubesse o réu pediria o reconhecimento judicial de um crédito seu que já estava extinto pelo ato jurídico anterior da compensação. Mais: se o réu pudesse alegar a compensação extrajudicial na reconvenção, necessariamente isso implicaria que, afinal, aquela não tivera efeito, ignorando-se que o efeito do artigo 847.º, n.º 1 ex lege.</font></i><font>”.</font><br>
</p><p><font>A este propósito, e no mesmo sentido, precisa o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13-04-2021 (revista n.º 69310/19.0YIPRT.G1.S1, acima citado), que “</font><i><font>no plano processual, quando o réu alega que a compensação já tinha sido invocada e, por isso, produzido os seus efeitos antes de ser demandado, o réu está a alegar um facto que tem em vista extinguir o efeito jurídico dos factos articulados pelo autor, ou seja, está a invocar uma exceção perentória, visando a absolvição do pedido, nos termos do art. 576.º, n.º 3 do CPC. No caso concreto, se a ré, na sua defesa, apenas pretende demonstrar que, à data da propositura da ação, autora e ré já não eram devedoras e credoras uma da outra, por se encontrarem compensados os créditos (há cerca de 6 anos), trata-se de um modo de defesa por exceção.</font></i><br>
</p><p><i><font>A certeza e a segurança das relações contratuais devem permitir, a quem invoca eficazmente a compensação de um crédito, confiar que o efeito extintivo inerente ao exercício desse direito potestativo se produziu definitivamente na ordem jurídica</font></i><font>.”.</font><br>
</p><p><font>E, concretamente, sobre a superveniência da insolvência da contrapart | [0 0 0 ... 0 0 0] |
IDJpu4YBgYBz1XKvowQF | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><font> </font><div><br>
<font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça – 1.ª Secção</font><a><u><sup><font>[2]</font></sup></u></a><font>:</font></div><br>
<br>
<font> </font><br>
<p><font>I. Relatório</font><br>
</p><p><b><font>AA</font></b><font> requereu, em </font><u><font>11/2/2016</font></u><font>, no Cartório Notarial do Dr. BB, ao abrigo do Regime Jurídico do Processo de Inventário (RJPI), aprovado pela Lei n.º 23/2013, de 5 de Março, processo de inventário para partilha do património comum do casal que foi constituído por si e pelo seu marido </font><b><font>CC</font></b><font>, dissolvido por divórcio por mútuo consentimento, decretado por sentença proferida a 11/5/2015.</font><br>
</p><p><font>Após remoção do cargo de cabeça de casal do requerido, inicialmente nomeado, e nomeação da requerente para tal cargo, foi por esta apresentada, em 14/7/2017, a relação de bens, discriminando oito verbas do activo e vinte e três verbas do passivo.</font><br>
</p><p><font>Notificada a relação de bens aos interessados, nenhuma reclamação foi apresentada.</font><br>
</p><p><font>No dia 13/12/2017, foi realizada conferência preparatória nos termos do art.º 48.º do RJPI, à qual compareceram os interessados, acompanhados dos seus mandatários, e a mandatária da credora CGD, onde:</font><br>
</p><p><font>“Por falta de aprovação do interessado CC, e de suporte documental, os Interessados foram remetidos para os meios comuns, no que respeita ao reconhecimento das verbas n.ºs 1, 15, 16, 17 do passivo.</font><br>
</p><p><font>No mais, os Interessados </font><b><font>acordaram</font></b><font>:</font><br>
</p><p><font>- </font><b><font>Na aprovação do passivo relacionado nas verbas 2 a 14, 18, 19, 20 e 21.</font></b><br>
</p><p><b><font>- Na aprovação do passivo relacionado nas verbas 22 e 23, mas apenas quanto a metade, ou seja € 12.714,00 e € 1.365,00, respetivamente.</font></b><br>
</p><p><b><font>- Em alterar o valor das verbas n.ºs 2 e 3, atribuindo ao imóvel relacionado na verba dois o valor de € 632.800,00 (seiscentos e trinta e dois mil e oitocentos euros), e ao imóvel relacionado na verba três o valor de € 430.300,00 (quatrocentos e trinta mil e trezentos euros.)</font></b><br>
</p><p><b><font>- Na venda do imóvel relacionado na verba 2, revertendo o produto da venda para ambos os ex-cônjuges, depois de satisfeitos os direitos dos credores.</font></b><br>
</p><p><b><font>- Em adjudicar o imóvel relacionado na verba 3 à interessada AA pelo valor alterado de quatrocentos e trinta mil e trezentos euros.</font></b><br>
</p><p><b><font>- Em eliminar a verba n.º 1 do ativo, por já ter sido vendida.</font></b><br>
</p><p><b><font>- Em adjudicar à interessada AA as verbas 4 e 5 do ativo, pelos respetivos valores nominais; adjudicar em comum aos interessados AA e CC as verbas 6 e 7, pelos respetivos valores nominais; em adjudicar ao interessado CC a verba 8 do ativo pelo respetivo valor nominal.</font></b><br>
</p><p><b><font>- Os interessados declaram não prescindir do pagamento de eventuais tornas</font></b><font>.”</font><br>
</p><p><font>Apesar de notificados para tanto, os Interessados não se pronunciaram sobre a forma da partilha. Nem sobre o </font><b><font>despacho que deu forma à partilha, proferido a 12-12-2018</font></b><font>, onde foi decidido:</font><br>
</p><p><font>“</font><i><font>Os bens a partilhar, expurgados da verba nº 1 do activo, que foi eliminada, são constituídos por imóveis, verbas n.ºs 2 e 3 e quotas em sociedade, verbas n.ºs 4 a 8, inclusive e são bens que foram adquiridos na constância do matrimónio, integrando assim o património comum do casal nos termos do art. 1721º e 1724º ambos do Código Civil.</font></i><br>
</p><p><i><font>O passivo das verbas n.ºs 2 a 14, inclusive, 18 a 21, inclusive e de metade das verbas 22 e 23 devem ser suportados pelos bens comuns do casal.</font></i><br>
</p><p><i><font>Assim, nos termos do artº 59° n° 2 do RJPI deverá proceder-se à partilha da seguinte forma: soma-se o valor dos bens com os novos valores das verbas nºs 2 e 3, deduzindo-se o passivo aprovado e o seu resultado divide-se em duas partes iguais, adjudicando-se cada uma a cada um dos interessados.</font></i><br>
</p><p><i><font>O preenchimento dos quinhões far-se-á conforme acordado na conferência de interessados.</font></i><font>”</font><br>
</p><p><font>Por requerimento de 27/3/2019, a Requerente deu conhecimento nos autos de que o imóvel descrito na verba 2 da relação de bens havia sido vendido pelo preço de € 480.000,00.</font><br>
</p><p><font>A 17/4/2019, foi elaborado mapa informativo, nos termos do art.º 60.º do RJPI, no qual foram consideradas as verbas 2 a 8 do activo, as verbas 2 a l4, 18 a 21 e metade das verbas 22 e 23 do passivo, tendo sido apurado um total do activo de 1.092.998,81 €, um total do passivo de 1.052.401,74 €, tendo sido liquidada no montante de 20.298,53 € a quota parte de cada um dos interessados na partilha e reconhecido ao interessado CC um crédito de tornas de igual montante.</font><br>
</p><p><font>Nada tendo sido, entretanto, requerido, seguiu-se, com data de 5/6/2019, o </font><b><font>mapa da partilha</font></b><font>, decalcado no mapa informativo.</font><br>
</p><p><font>A 12/6/2019, o interessado CC apresentou nos autos requerimento nos seguintes termos:</font><br>
</p><p><font>“1. A partilha (judicial ou extrajudicial) é um negócio jurídico entre vivos.</font><br>
</p><p><font>2. Aplicam-se, por isso, as regras gerais dos negócios jurídicos (artigos 217.º a 294.º do Código Civil).</font><br>
</p><p><font>3. Ora, compulsados os documentos essenciais que integram o presente inventário por divórcio, verifica-se que o mesmo enferma de nulidade nos termos do disposto no artigo 280.º do Código Civil, porquanto o seu objeto é legalmente impossível.</font><br>
</p><p><font>4. Tal impossibilidade foi identificada desde logo no Auto de Relação de Bens de 17.07.2017 apresentado pela requerente AA e diz respeito às Verbas NOVE, DEZ, ONZE e DOZE do passivo.</font><br>
</p><p><font>5. Tais verbas são identificadas erroneamente na relação de bens como dívidas comuns do casal, como infra se demonstrará.</font><br>
</p><p><font>6. A VERBA NOVE vem identificada como "</font><i><font>Crédito da Autoridade Tributária, no montante de 48.587,87 Euros.</font></i><font>" e encontra-se suportada no documento n.º 7.</font><br>
</p><p><font>7. Atento o documento n.º 7, o mesmo trata-se de uma certidão na qual se declara que a requerente e contribuinte AA não tem a sua situação tributária regularizada sendo devedora à Fazenda Pública Nacional da indicada quantia averbada.</font><br>
</p><p><font>8. Sendo uma dívida pessoal a mesma terá que ser solvida pela requerente e não imputada igualmente ao requerido.</font><br>
</p><p><font>9. A situação agrava-se quando a mesma dívida vem discriminada na VERBA DEZ, o que é uma duplicação daquele valor, devendo ter-se tratado de um lapso nunca até à data identificado.</font><br>
</p><p><font>10. A VERBA ONZE, por sua vez, vem descrita como um "</font><i><font>crédito da Autoridade Tributária revertido da Sociedade AA & CC, Lda., no montante de 77.295,09 Euros</font></i><font>" e encontra-se suportada no documento n.º 8.</font><br>
</p><p><font>11. Ora, atento o documento n.º 8, o mesmo confirma que a dívida é da sociedade, nada aludindo quanto a qualquer ato de reversão fiscal.</font><br>
</p><p><font>12. Donde, uma dívida da sociedade não pode ser objeto de partilha conjugal.</font><br>
</p><p><font>13. Acresce que, essa mesma dívida surge novamente descrita na Verba DOZE, tratando-se de mais uma duplicação assente certamente num lapso.</font><br>
</p><p><font>14. Tais verbas foram tidas em conta na decisão que motivou o acordo do requerido nos termos consignados na conferência preparatória de 13.12.2017.</font><br>
</p><p><font>15. O que inquina tal conferência com a nulidade, uma vez que se trata de verbas inexistentes.</font><br>
</p><p><font>16. E, por isso, impossíveis de aprovar e de efetivar.</font><br>
</p><p><font>17. Trata-se de um negócio jurídico cujo objeto é legalmente impossível.</font><br>
</p><p><font>18. Essas mesmas verbas voltam a ser consideradas no Mapa Informativo dos Bens a Partilhar como parte do PASSIVO, o que também invalida, do mesmo vício, este documento e o respetivo conteúdo.</font><br>
</p><p><font>19. Sucede que também no ATIVO que foi considerado no Mapa Informativo constam verbas impossíveis de partilhar.</font><br>
</p><p><font>Vejamos:</font><br>
</p><p><font>20. O ATIVO de Bens a Partilhar considerou as Verbas n.ºs DOIS a OITO tendo sido atribuído o valor de € 1.092.998,81.</font><br>
</p><p><font>21. O bem imóvel que compunha inicialmente a Verba DOIS do ATIVO foi alienado (tendo disso já sido dado conhecimento a este processo), pelo que o valor que lhe foi atribuído já não pode ser considerado.</font><br>
</p><p><font>22. Por outro lado, tal imóvel encontrava-se onerado com os créditos considerados nas Verbas DOIS a SETE do PASSIVO.</font><br>
</p><p><font>23. Uma vez que com o produto da alienação da Verba DOIS tais créditos foram praticamente saldados, tais verbas não poderão integrar o Mapa da Partilha.</font><br>
</p><p><font>24. Atento o exposto a presente partilha enferma de nulidade, nos termos do artigo 280.º do Código Civil, desde a apresentação do Auto de 17.01.2017 inclusive.</font><br>
</p><p><font>25. Tudo quanto se seguiu posteriormente foi assente em falsas premissas, com verbas impossíveis de partilhar, portanto, pelo menos para o requerido em total erro sobre o objeto do negócio.</font><br>
</p><p><font>26. Verificada esta impossibilidade, em tempo, cabe ao Exmo. Senhor Notário, reconhecer a invocada nulidade com a consequência de fazer extinguir todo o processado, repondo a legalidade, o que só poderá ser superado com a apresentação pela cabeça de casal de nova Relação de Bens, seguindo-se nova conferência preparatória.</font><br>
</p><p><font>27. Tal poder é acometido ao Exmo. Senhor Notário no cumprimento do seu dever de gestão processual, de dirigir ativamente o processo, promovendo oficiosamente as diligências necessárias ao seu normal prosseguimento de forma a garantir a justa composição do litígio, nos termos do artigo 6.º, n.º 1 do CPC, aplicável ex vi artigo 82.º do RJPI.</font><br>
</p><p><font>Nestes Termos, e nos mais de direito, requer-se:</font><br>
</p><p><font>a) Seja declarada, atenta a impossibilidade do seu objeto, a nulidade das deliberações tomadas na ata de conferência preparatória e todos os atos processuais subsequentes, como o Despacho Determinativo da Partilha e Mapa de Partilha, à luz do poder-dever do Exmo. Senhor Notário, no sentido para atingir a justa composição do litígio, consagrado no artigo 6.º, n.º 1 do CPC, aplicável ex vi artigo 82.º do RJPI;</font><br>
</p><p><font>b) Seja notificada a Caixa Geral de Depósitos, na pessoa da sua ilustre mandatária, para informar os autos do atual crédito em dívida, caso exista;</font><br>
</p><p><font>c) Seja a requerente notificada, na qualidade de cabeça de casal, para vir aos autos apresentar nova Relação de Bens.”</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font>Ouvida a outra Interessada, que se opôs, foi proferido despacho, </font><b><font>datado de 31/7/2019</font></b><font>, onde o assim requerido foi </font><b><font>indeferido</font></b><font>, tendo sido determinada a remessa do processo a tribunal, para homologação da partilha.</font><br>
</p><p><font>O indeferimento foi justificado nos seguintes termos:</font><br>
</p><p><font>«(…)</font><br>
</p><p><i><font>Em 14 de julho de 2017 AA - que em razão de incumprimento por parte do inicialmente nomeado cabeça de casal CC que havia sido removido do cargo -apresentou a relação de bens em 14 de julho de 2017, que foi notificada à mandatária do interessado CC, em 19 de julho seguinte e nada havendo ou seja, não sofrendo contestação, prosseguiram os autos com a marcação da conferência preparatória, a que alude o artº 48º do Regime Jurídico do Processo de Inventário, adiante designado RJPI.</font></i><br>
</p><p><i><font>Presentes os interessados e respetivos mandatários, todos acordaram no modo como haveriam de se proceder à partilha dos bens, venda de outros bens e forma de aprovação do passivo. Nessa mesma conferência não tendo acordado em pôr fim ao inventário, como indica o nº 6 do artº 48º do RJPI, foram os respetivos mandatários notificados de acordo com o nº 1 do artº 57º do supra indicado diploma, não se tendo pronunciado.</font></i><br>
</p><p><i><font>Assim, prosseguiram os autos com o despacho determinativo da partilha que não foi impugnado, tendo sido de seguida elaborado o mapa de acordo com o respetivo despacho determinativo.</font></i><br>
</p><p><i><font>Ora o interessado CC, que foi citado para os termos do inventário em 13 de junho de 2018, e foi recebedor de todo o expediente, podia aí ter exercido as competências que a lei confere e designadamente, de que podia/devia impugnar a legitimidade do cabeça de casal nomeado, mas nunca o tendo feito.</font></i><br>
</p><p><i><font>Assim, verificada a circunstância de o interessado CC, por nos momentos próprios não ter observado, o determinado na legislação e designadamente que:</font></i><br>
</p><p><i><font>Quando foi notificado da relação de bens podia ter reclamado contra a relação de bens apresentada, de acordo com o artº 32º nº 1 do RJPI, nada disse e;</font></i><br>
</p><p><i><font>Que nos termos do nº 5 do supra indicado artº 32º do RJPI podia, até ao início da conferência preparatória, ter reclamado da relação de bens, nada tendo igualmente dito.</font></i><br>
</p><p><i><font>Afigura-se-nos, assim, extemporâneo que o interessado CC venha, nesta fase, suscitar as questões que constam do seu requerimento, pelo que se indefere e não se atende a reclamação, sem prejuízo das ações legais que deva entender propor noutro âmbito.»</font></i><br>
</p><p><i><font> </font></i><br>
</p><p><font>Inconformado, o interessado CC apresentou </font><b><font>novo requerimento, em 2/9/2019</font></b><font>, endereçado ao Tribunal, onde reiterou a apreciação das mesmas questões, e se opôs, com esse fundamento, à homologação da partilha.</font><br>
</p><p><font>Apreciando esse requerimento, </font><b><font>em 3/10/2019, foi proferida decisão, onde a pretensão nele formulada foi desatendida</font></b><font>, afirmando-se, no essencial, o seguinte:</font><br>
</p><p><font>«(....)</font><br>
</p><p><i><font>Volvendo ao caso dos autos, importa trazer à colação que, nos termos do artigo 32.º da Lei n.º 23/2013, os interessados podem no prazo de 30 dias reclamar contra a relação de bens apresentada (no caso dos autos foi a mesma apresentada em 14.07.2017, tendo sido notificado o requerido em 19.07.2017) ou até ao início da audiência preparatória (que ocorreu no dia 13.12.2017). Porém, o requerido não exerceu o seu direito, tendo estado presente na audiência preparatória.</font></i><br>
</p><p><i><font>Ademais, o requerido apresentou pedido igual ao formulado no Tribunal em 12.06.2019, tendo o mesmo sido rejeitado por despacho fundamentado do Senhor Notário, em 03.07.2019.</font></i><br>
</p><p><i><font>Por outro lado, o requerido também não apresentou no Tribunal recurso das decisões proferidas pelo Senhor Notário.</font></i><br>
</p><p><i><font>Em conformidade, indefere-se o requerido por inadmissibilidade legal.</font></i><font>»</font><br>
</p><p><font>Seguiu-se a </font><b><font>homologação da partilha</font></b><font>.</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font>Inconformado, o Interessado CC apelou do assim decidido, alargando o objeto do recurso à anterior decisão do Senhor Notário, datada de 31/7/2019. </font><br>
</p><p><font>Na Relação, foi suscitada a existência, no mapa da partilha, de erro de cálculo do passivo aprovado no mapa da partilha. </font><br>
</p><p><font>Pronunciando-se, o Recorrente veio manter que o passivo aprovado, onde continuou a incluir as verbas n.ºs 15, 16 e 17, somava € 1.256.962,70.</font><i><font> </font></i><br>
</p><p><font>O Tribunal da Relação admitiu o recurso interposto e, por </font><b><font>acórdão</font></b><font> de 19/11/2020, os Ex.mos Juízes Desembargadores que integram o respectivo colectivo deliberaram “</font><i><font>alterar as decisões impugnadas no sentido de tomar conhecimento da arguição de nulidades feita pelo ora Recorrente através do seu requerimento de 12-06-2019, julgando essa arguição totalmente improcedente e mantendo inalterado o ativo e o passivo a partilhar, apenas com a retifícação de que o passivo aprovado soma € 1.052.549,20, e confirmando-se, no mais o decidido</font></i><font>.” </font><br>
</p><p><font> Ainda não conformado, o interessado CC interpôs recurso de </font><b><font>revista</font></b><font> e apresentou a correspondente alegação que terminou com as </font><u><font>conclusões</font></u><font> que aqui se transcrevem, na parte referente aos seus fundamentos:</font><br>
</p><p><font>“</font><i><font>… f) O acórdão agora recorrido entendeu indeferir a nulidade arguida, relativa à impossibilidade legal do objeto da partilha.</font></i><br>
</p><p><i><font>g) Fundou tal decisão no facto dos autos não serem claros a demonstrar a inexistência das verbas n.º 10 e 12 como repetições das verbas n.º 9 e 11, opondo ainda a pretensa confissão do recorrente no sentido de as admitir como verdadeiras.</font></i><br>
</p><p><i><font>h) A decisão do TRL é ilegal, atentando, entre outras, contra as seguintes normas jurídicas:</font></i><br>
</p><p><i><font>(i) art.º 218.º, 280.º, 285.º, 349.º, 351.º e 357.º, n.º 1 do Código Civil;</font></i><br>
</p><p><i><font>(ii) art.º 607.º, n.º 5, 652.º, n.º 1, alíneas a) e d), 662.º, n.º 2, alínea d), estes do Código de Processo Civil.</font></i><br>
</p><p><i><font>i) As dívidas aludidas nas verbas n.º 10 e 12 não estão documentalmente comprovadas nos autos.</font></i><br>
</p><p><i><font>j) A recorrida delas nunca fez prova.</font></i><br>
</p><p><i><font>k) Estão inseridas na mesma relação de bens que aquela apresentou, evidenciando o caráter de inexistência na medida em que se tratam de valores iguais ao cêntimo, com a mesmíssima designação literal e estão ainda colocadas de forma sequencial.</font></i><br>
</p><p><i><font>l) São constatações que demonstram estarmos perante dívidas inexistentes nos autos, reforçadas pela ausência de qualquer elemento probatório, documental ou doutra índole, no sentido de as comprovar.</font></i><br>
</p><p><i><font>m) Ao contrário do que postula o acórdão em crise, não houve qualquer confissão do recorrente quanto à existência de tais dívidas.</font></i><br>
</p><p><i><font>n) As declarações confessórias têm de ser inequívocas, expressas e dirigidas à parte contrária, o que não ocorreu neste caso.</font></i><br>
</p><p><i><font>o) Não houve qualquer declaração nesse sentido, sendo ilegal retirar do silêncio ou da não oposição qualquer consequência jurídica ou declaração legal – 218.º do CC.</font></i><br>
</p><p><i><font>p) A prova é clara no sentido de demonstrar a inexistência de tais verbas do passivo, competindo ao tribunal, num contexto de dúvida insanável – que se rejeita existir –, lançar mão dos meios probatórios oficiosos ao dispor, como notificar a recorrida para documentar as dívidas que indicou sob as verbas n.º 10 e 12 do passivo – art.º 652.º, n.º 1, alíneas a) e d) e 662.º, n.º 2, alínea d) do CPC.</font></i><br>
</p><p><i><font>q) Considerando a ausência de prova documental, o facto das verbas n.º 10 e 12 do passivo ser fiéis repetições das verbas 9 e 11, iguais ao cêntimo e em cada palavra, e aplicadas as regras de experiência comum, os autos demonstram a inexistência de tais verbas.</font></i><br>
</p><p><i><font>r) E, sendo inexistentes, são impossíveis de aprovar, integrar um acordo ou um negócio jurídico e, posteriormente, de efetivar.</font></i><br>
</p><p><i><font>s) Acresce que também no ativo, que foi considerado no Mapa Informativo, constam outras verbas impossíveis de partilhar.</font></i><br>
</p><p><i><font>t) O ativo de bens a partilhar considerou as verbas n.ºs 2 a 8 tendo sido atribuído o valor de € 1.092.998,81.</font></i><br>
</p><p><i><font>u) O bem imóvel que compunha inicialmente a verba 2 do ativo foi alienado por venda judicial e não por vontade consensual das partes, pelo que o valor que foi atribuído à dita verba n.º 2 do ativo já não pode ser considerado nos termos definidos pelas partes.</font></i><br>
</p><p><i><font>v) Tal imóvel encontrava-se onerado com os créditos considerados nas verbas n.º 2 a 7 do passivo, sendo que estas dívidas foram praticamente saldadas com a venda judicial.</font></i><br>
</p><p><i><font>w) Todas estas circunstâncias tornam, reforçadamente, impossível o cumprimento do acordo, nos termos definidos.</font></i><br>
</p><p><i><font>x) A partilha é por isso nula, nos termos do art.º 280.º do CC.</font></i><br>
</p><p><i><font>y) Considerando a nulidade substantiva dos presentes autos, que se verifica pelo menos a partir do estabelecimento definitivo da relação de bens, deverá ser declarada a nulidade da partilha pelas razões supramencionadas e, expurgada a relação de bens dos vícios apontados, ser designada nova data para conferência de interessados.</font></i><br>
</p><p><i><font>z) Devendo, em consequência, ser revogado o acórdão do TRL de 19.11.2020.</font></i><br>
</p><p><i><font>aa) E, a final, decidirão Vossas Excelências ainda o que mais reputem necessário, sempre em Doutíssimo Suprimento.</font></i><br>
</p><p><i><font>Nestes termos, requer-se a Vossa Exas., face a tudo o que foi adrede expendido, que se dignem conceder provimento ao recurso, revogando o acórdão prolatado nos termos supra propugnados</font></i><font>.”</font><br>
</p><p><i><font> </font></i><br>
</p><p><font>Não foram apresentadas contra-alegações, em tempo.</font><br>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>O recurso foi admitido como de revista, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo, modo de subida e efeito que foram mantidos pelo Relator.</font>
</p><p><font>Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir o mérito do presente recurso.</font>
</p><p><font>Sabido que o seu objecto e âmbito estão delimitados pelas conclusões do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser em situações excepcionais de conhecimento oficioso, que aqui não relevam, e tendo presente que se apreciam questões e não razões, as </font><u><font>questões </font></u><font>que importa dirimir consistem em saber:</font>
</p><p><font>1. Se há violação ou errada aplicação da lei de processo relativamente à inclusão no activo do imóvel relacionado sob a verba n.º 2 e no passivo das dívidas relacionadas nas verbas n.ºs 10 e 12;</font>
</p><p><font>2. Se essa inclusão torna a partilha nula por impossibilidade do objecto.</font>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font>II. Fundamentação </font><br>
</p><p><font>1. De facto </font><br>
</p><p><font>Os factos a considerar na decisão são os que resultam do antecedente relatório, já que outros não foram elencados no acórdão recorrido.</font><br>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>2. De direito</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><i><font>2.1. Da violação ou errada aplicação da lei de processo </font></i><font> </font><br>
</p><p><font>O recorrente sustenta que a Relação violou a lei do processo, por ter mantido o relacionamento das verbas n.ºs 10 e 12 do passivo, quando “não estão documentalmente comprovadas nos autos”, não há qualquer outra prova a comprová-las e é evidente a sua inexistência, na medida em que são exactamente iguais às relacionadas nas verbas n.ºs 9 e 11, não tendo sido confessadas, contrariamente ao afirmado no acórdão recorrido, pelo que, segundo as regras da experiência comum, devia ter concluído pela sua inexistência ou, havendo dúvida razoável, ter mandado provar as mesmas à cabeça de casal. Acrescenta que o imóvel relacionado sob a verba n.º 2 do activo não devia ser objecto da partilha, por ter sido vendido judicialmente.</font><br>
</p><p><font>Ao colocar assim a questão do relacionamento daquela parte do passivo e do activo, o recorrente invoca erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa que não pode ser objecto de revista, tanto mais que não ocorre algum caso excepcional previsto no art.º 674.º, n.º 3, do CPC.</font><br>
</p><p><font>Com efeito, o Supremo Tribunal de Justiça apenas intervém no domínio da matéria de facto, nos termos do n.º 3 do art.º 674.º do CPC.</font><br>
</p><p><font>Assim, o fundamento da revista previsto nesta norma visa a intervenção (excepcional) do Supremo, no plano dos factos, quando tenha havido “</font><i><font>ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova</font></i><font>”.</font><br>
</p><p><font>Fora esta intervenção (excepcional), escapa, pois, aos poderes cognitivos do STJ apreciar a bondade da decisão de facto, cabendo essa missão ao Tribunal da Relação, que sobre a mesma decide em definitivo. </font><br>
</p><p><font>Não se tratando da designada prova tarifada ou vinculada, ou seja, de caso em que a lei exige determinado tipo de prova para demonstração de certas circunstâncias factuais ou atribui específica força probatória a determinado meio probatório, parece-nos óbvio que está vedada a intervenção do STJ no domínio dos factos, não podendo pronunciar-se sobre eventual erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa, nem sobre a verificação da existência ou inexistência de erro material da partilha.</font><br>
</p><p><font>É o que temos vindo a decidir</font><a><u><sup><font>[3]</font></sup></u></a><font> e tem sido entendido, de forma unânime, neste Supremo, como se pode ver nos processos a que se reportam os sumários que aqui se reproduzem na parte relevante, como segue:</font><br>
</p><p><font> “(…)</font><br>
</p><p><font>II - Não cabe recurso para o STJ da matéria de facto, nem pode este dizer se a Relação decidiu bem ou mal quando alterou os factos provados e não provados, sustentando a sua posição em prova testemunhal e prova documental sujeitas à livre apreciação – não sendo situação elencada nos arts. 674.º, n.º 3 e 682.º, n.º 2, ambos do CPC – e não havendo exigência legal, para a prova dos factos alterados, de meio de prova com força tabelada ou mais exigência do que os tomados em consideração. (…)”</font><a><u><sup><font>[4]</font></sup></u></a><font> </font><br>
</p><p><font>“I - A discordância da apreciação crítica e conjugada da prova feita pela Relação e da convicção que, com base nas provas produzidas, a mesma formou não é sindicável pelo STJ, desde que não enquadrável nas excepções previstas no art. 674.º, n.º 3, do CPC. </font><br>
</p><p><font>(…)”</font><a><u><sup><font>[5]</font></sup></u></a><font> </font><br>
</p><p><font>“I - O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objeto do recurso de revista por escapar aos poderes de sindicância do STJ (n.º 4 do art. 662.º do CPC), a não ser nas duas hipóteses previstas no n.º 3 do art. 674.º do CPC, isto é: quando haja ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou haja violação de norma legal que fixe a força probatória de determinado meio de prova (…)”</font><a><u><sup><font>[6]</font></sup></u></a><font>. </font><br>
</p><p><font>“I - A função do STJ, como tribunal de revista, está essencialmente ligada à reapreciação de questões de direito, pressuposta a fixação da matéria de facto pelas instâncias. </font><br>
</p><p><font>II - O STJ, mesmo quando esteja em causa matéria de facto, apenas pode ser confrontado com questões de direito, pois é nesse campo que se justifica o acesso ao terceiro grau de jurisdição. </font><br>
</p><p><font>III - Não é da vocação do STJ entrar na apreciação de aspetos que estão ligados à materialidade, a não ser naqueles casos excecionais em que a delimitação da matéria de facto provada ou não provada esteja viciada por algum erro de direito no que concerne à consideração ou desconsideração do valor tarifado de certos meios de prova. </font><br>
</p><p><font>IV - Tendo a Relação, tanto na fixação da matéria de facto, como na formulação dos juízos probatórios sobre os factos provados, se contido nos estritos limites do princípio da livre apreciação dos meios de prova sem valor pleno, está vedada a intervenção do STJ.”</font><a><u><sup><font>[7]</font></sup></u></a><font> </font><br>
</p><p><font>Não estando em causa factos para os quais a lei imponha meios de prova pré-determinados (“prova tarifada”) e não detendo os elementos probatórios indicados pela recorrente força probatória que exclua ou anule a demais prova produzida, forçoso é concluir que o Tribunal recorrido não violou qualquer norma de direito probatório material, não podendo obter aqui alteração quanto à pretensa inexistência das dívidas relacionadas, nem anulação da decisão para efeitos da sua demonstração.</font><br>
</p><p><font>Acresce que as dívidas em causa foram reconhecidas pelo recorrente, por terem sido aprovadas por ele (e pela cabeça de casal), como consta da acta da conferência preparatória que teve lugar, nos termos do art.º 48.º do RJPI, aplicável ao caso, e do disposto no art.º 38.º, n.º 1, do mesmo Regime Jurídico.</font><br>
</p><p><font>Efectivamente, na mencionada acta consta, dentre outros assuntos tratados naquela conferência, a </font><b><font>aprovação pelos interessados do “passivo relacionado</font></b><font>” nas verbas ali indicadas, entre as quais se situam as verbas n.ºs 10 e 12, ora questionadas.</font><br>
</p><p><font>E o citado art.º 38.º, n.º 1, dispõe que as “dívidas que sejam aprovadas pelos interessados maiores… </font><b><font>consideram-se reconhecidas</font></b><font>, devendo o seu pagamento ser ordenado por decisão do notário”.</font><br>
</p><p><font>Por isso, não se compreende a invocação pelo recorrente da ausência da declaração confessória. Mais do que a sua falta de reclamação contra a relação de bens apresentada, no prazo legal ou até ao início da audiência preparatória, como lho impunha o n.º 5 do art.º 32.º do RJPI, releva a aprovação expressa das dívidas e consequente reconhecimento nos termos legais, como se deixou dito. Tal reconhecimento supre qualquer eventual falta de prova anterior sobre a sua existência.</font><br>
</p><p><font>Na acta da mesma conferência, consta, ainda, no que importa aqui considerar, que os interessados acordaram “na venda do imóvel relacionado na verba 2, devendo o produto da alienação reverter para ambos os ex-cônjuges depois de satisfeitos os direitos dos credores”.</font><br>
</p><p><font>Este acordo sobre a venda do imóvel pertença do património comum e a distribuição do produto da alienação é permitido pelo art.º 48.º, n.º 1, al. c) do RJPI.</font><br>
</p><p><font>Não tendo os interessados acordado em pôr fim ao inventário, nos termos permitidos pelo n.º 6 do citado art.º 48.º, foram os seus mandatários notificados para se pronunciarem sobre a forma da partilha, nos termos do n.º 1 do art.º 57.º do RJPI, que nada disseram.</font><br>
</p><p><font>Seguiu-se despacho determinativo da partilha, nos termos supra referidos, tendo em consideração o acordado na conferência preparatória.</font><br>
</p><p><font>Este despacho não foi impugnado, nos termos do n.º 4 do art.º 57.º do RJPI, como devia, caso pretendessem impugnar “a própria maneira de organizar a partilha”, ou seja, “a sua forma” e/ou a “decisão havida a respeito de qualquer das questões que tenha sido resolvida nessa mesma peça”</font><a><u><sup><font>[8]</font></sup></u></a><font>.</font><br>
</p><p><font>Não o tendo sido, extinguiu-se o poder jurisdicional atribuído ao Notário para conhecer das questões posteriormente suscitadas, não sendo lícito ao recorrente insistir nelas em sentido contrário ao decidido e ao que fora, por si, acordado e reconhecido.</font>
</p><p><font>Note-se que no que concerne ao ocorrido na conferência preparatória, mormente no que respeita ao acordo aí firmado pelos interessados quanto à venda do imóvel relacionado na verba n.º 2 do activo e à distribuição do produto da alienação e composição dos quinhões, bem como à deliberação sobre a aprovação do passivo, estão exarados na acta da respectiva diligência, lavrada nos termos legais. A acta da conferência preparatória é um documento autêntico, nos termos dos art.ºs 363.º, n.º 2 | [0 0 0 ... 0 0 0] |
HjJlu4YBgYBz1XKvkAGo | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><br>
<font>Processo n.º 1480/18.3T8LSB-A.L1.S1</font><a><u><sup><font>[1]</font></sup></u></a><font> </font>
<p><font> </font></p><div><br>
<b><font>*</font></b></div><br>
<br>
<font> </font><br>
<div><br>
<font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça – 1.ª Secção</font><a><u><sup><font>[2]</font></sup></u></a><font>:</font></div><br>
<br>
<font> </font><br>
<p><font>I. Relatório</font><br>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font>AA</font></b><font> intentou incidente de atribuição da casa de morada de família contra o seu ex-cônjuge, </font><b><font>BB, </font></b><font>ambos melhor identificados nos autos, pedindo que a casa de morada de família lhe fosse atribuída. </font>
</p><p><font>Para tanto, alegou, em síntese, que ela e o Requerido são comproprietários da casa de morada de família, tendo contraído dois empréstimos junto do BCP para a sua aquisição, nos valores de 48.980,15 € e 60.856,00 €, a amortizar em prestações mensais, actualmente no valor total de 329,22 €. Têm ambos um crédito ao consumo na mesma instituição. A casa foi remodelada em 2008, tendo as obras absorvido todas as suas poupanças bem como as do seu falecido pai. Saiu de casa na sequência de agressões do Requerido e, desde então, vive em situações precárias e penosas. Não tem condições para arrendar outra casa, pois aufere apenas o vencimento mensal líquido de 913,39 € e vem pagando as prestações devidas ao credor hipotecário.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Foi realizada a tentativa de conciliação prevista no art.º 931.º do CPC, aplicável por remissão do art.º 990.º, n.º 2, do mesmo Código, sem que as partes lograssem alcançar um acordo (fls. 148), tendo os autos prosseguido com a notificação do Requerido para, querendo, deduzir oposição, no prazo legal.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>O Requerido apresentou a contestação de fls. 155 e seguintes, alegando, em resumo, que é titular de 75% da casa de morada de família enquanto a Requerente é apenas proprietária de 25%, tendo vivido na referida casa desde há 22 anos e tendo ele pago grande parte das prestações amortizadoras. Tem uma actividade profissional sem vínculo laboral estável, não tendo acesso a subsídios, pelo que, por vezes, não consegue cumprir pontualmente os créditos bancários, mas que depois consegue cumprir. Por sua vez, a Requerente tem um salário próximo do dobro do salário mínimo nacional, podendo aceder a melhores condições de habitação do que aquelas que refere. Termina pugnando pela improcedência do pedido formulado.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Após julgamento, foi proferida </font><b><font>sentença </font></b><font>com o seguinte dispositivo:</font>
</p><p><font>“</font><i><font>Por tudo o exposto, julgo o pedido de atribuição da utilização daquela que foi a casa de morada de família sita na Rua do ... n.º ..., ...º ..., em .... à Requerente, AA, </font></i><b><i><font>improcedente, por não provado, dele absolvendo o Requerido</font></i></b><i><font> BB.</font></i><font>”</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font>Inconformada, a Requerente interpôs recurso de </font><b><font>apelação </font></b><font>que o Tribunal da Relação de Lisboa, por </font><b><font>acórdão</font></b><font> de 13/4/2021, apreciou e julgou deliberando:</font><br>
</p><p><i><font>“Pelo exposto, acorda-se em julgar procedente a apelação e, em consequência:</font></i><br>
</p><p><i><font>i. Revoga-se a sentença proferida pelo tribunal a quo;</font></i><br>
</p><p><i><font>ii. Julga-se a ação procedente, atribuindo-se à requerente/apelante a casa de morada de família descrita em 3, mediante contrato de arrendamento pelo prazo de um ano, renovável automaticamente, cabendo à apelante pagar os mútuos hipotecários no valor global de € 329,22 mensais ao banco bem como uma renda mensal de € 120,78 ao requerido, aplicando-se subsidiariamente as disposições do regime de arrendamento em tudo o mais.”</font></i><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font>Não conformado, desta feita, o Requerido interpôs recurso de </font><b><font>revista</font></b><font> e apresentou as correspondentes alegações que terminou com as seguintes </font><u><font>conclusões:</font></u><br>
</p><p><i><font>“1. Sob pena de se violarem os Direitos, Liberdades e Garantias constitucionais das partes, não se pode interpretar o art.º 987.º e o n.º 2 do art.º 988.º do CPC como habilitando as instâncias a decidirem, inequivocamente, “contra legem”, com base numa avaliação ética ou moral que fazem de uma das Partes, por muito compreensível que seja, ainda que as qualifiquem de “critérios de conveniência ou oportunidade”.</font></i><br>
</p><p><i><font>2. O Recorrente foi condenado pela prática do crime de violência doméstica praticado na pessoa da Recorrida e deve ao fisco e à segurança social – e, por isso, e só por isso, ficou sem direito a habitar na sua casa, dado que nenhuma prova ou indício foi apresentado em juízo de a Recorrida necessitava mais da casa onde este habita, conforme a lei expressamente impõe para se fundamentar essa decisão, o que não conforma um juízo “de conveniência ou oportunidade”, mas sim um juízo ético ou moral de um Tribunal que não só não é contemplado na Lei, como vai contra os critérios que esta expressamente preconiza, seja os substanciais (necessidade de habitação como critério de atribuição) seja adjectivos (ónus da prova de quem requer a medida).</font></i><br>
</p><p><i><font>3. Determinar que, para lá da pena e da indemnização em que foi condenado, o Recorrente ainda deixa de gozar do direito a que as leis da República lhe sejam aplicadas do mesmo modo que é aplicada aos demais cidadãos – viola os princípios constitucionais do respeito pela dignidade da pessoa humana (art.º 1 e n.º 4 do art.º 26.º da CRP); do Estado de direito democrático, da garantia de efetivação dos direitos e liberdades fundamentais, da separação de poderes (art.ºs 2.º, 9.º, 18.º); da subordinação do Estado à Constituição e da legalidade democrática (art.º 3); da igualdade (art.º 13.º); e os princípios relativos à aplicação da lei criminal constantes dos art.ºs 29.º, n.º 3 e 30.º n.º 1, n.º 4 e n.º 5) – dos quais resulta que os limites da “capitis diminutio” de que é objecto o cidadão condenado pela prática de um crime não pode ir além do que dispõe a Lei – não podendo se considerado “conveniente e oportuno” sancionar essa conduta de modos que Lei não prevê, eliminado os direitos, substantivos e processuais, que esta lhe confere.</font></i><br>
</p><p><i><font>4. Sendo certo que nas suas alegações de recurso de apelação a ora Recorrida reconheceu (i) que a Lei substantiva não lhe confere o direito que pretende – invocando até as conclusões de um “Grupo de Peritos para o Combate à Violência contra as Mulheres e a Violência Doméstica” que explicita a necessita de alterações legais para evitar situações com a dela, desprovidas desse cobertura, que a Recorrida entende que devia ter (logo, não tem) – e (ii) que não fez a prova que lhe competia à luz da lei de processo, requerendo, por isso mesmo a inversão do ónus da prova, “a solução mais conveniente e oportuna no caso concreto” não pode ser o puro e simples afastamento da Lei da República – substantiva e adjectiva – que, nos termos da Constituição da República, protege os “bons” e os “maus” (leia-se as vítimas de crimes e os autores de crimes) e a sua substituição por um juízo ético ou moral do julgador, de premiar os “bons” e castigar os “maus”, como se a Lei – substantiva e adjectiva – não existisse e não fosse, nos termos da CRP, igual para todos.</font></i><br>
</p><p><i><font>5. Nos termos da acta da Audiência de Discussão e Julgamento de 07.10.2020 (ref. Citius n.º ...671) foi ouvida a testemunha, arrolada pela ora Recorrida na sua petição inicial (ref. Citius n.º ...029) “CC, casado, bancário, 38 anos” que “Aos costumes disse conhecer a requerente e o requerido através do exercício da sua profissão” – leia-se, enquanto interlocutor do banco junto do qual o Recorrente e a Recorrida têm os empréstimos hipotecários “sub judice”.</font></i><br>
</p><p><i><font>6. O douto acórdão recorrido enuncia que: “CC é bancário, conhecendo as partes em virtude da relação profissional que tem com as mesmas”.</font></i><br>
</p><p><i><font>7. Dispõe o art.º 78.º do Decreto-Lei n.º 298/92, de 31.12, “Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras” (com a epígrafe, “Dever de Segredo”) que “Os membros dos órgãos de administração ou fiscalização das instituições de crédito, os seus colaboradores, mandatários, comissários e outras pessoas que lhes prestem serviços a título permanente ou ocasional não podem revelar ou utilizar informações sobre factos ou elementos respeitantes à vida da instituição ou às relações desta com os seus clientes cujo conhecimento lhes advenha exclusivamente do exercício das suas funções ou da prestação dos seus serviços” e que “Estão, designadamente, sujeitos a segredo os nomes dos clientes, as contas de depósito e seus movimentos e outras operações bancárias.”</font></i><br>
</p><p><i><font>8. Uma vez que não se enquadra excepções ao “Dever de Segredo” previstas no art.º 79.º do mesmo diploma que obriga o CC, enquanto “colaborador” de uma “instituição de crédito”, a não “revelar ou utilizar informações sobre factos ou elementos respeitantes à vida da instituição ou às relações desta com os seus clientes cujo conhecimento lhes advenha exclusivamente do exercício das suas funções ou da prestação dos seus serviços”, o seu depoimento violou a lei substantiva, constituindo um meio de prova proibido, termos em que dever ser revogada a decisão de dar por provado o facto de que : 41- O requerido não procede ao pagamento pontual das prestações mensais devidas ao Banco ...., no valor de 146,44 €, 182,78 € e 219,57 €”, não se quadrando nos “critérios de conveniência e oportunidade” a utilização de prova obtida em violação de lei substantiva.</font></i><br>
</p><p><i><font>9. Determina o art.º 990.º do CPC, sic: “aquele que pretenda a atribuição da casa de morada de família, nos termos do artigo 1793.º do Código Civil, ou a transmissão do direito ao arrendamento, nos termos do artigo 1105.º do mesmo Código, deduz o seu pedido, indicando os factos com base nos quais entende dever ser-lhe atribuído o direito.”</font></i><br>
</p><p><i><font>10. Assim o facto a provar pelo cônjuge requerente do pedido de atribuição de casa de morada de família não é que tem necessidade da casa, mas que tem mais necessidade da casa do que a contraparte na acção, pois não é a mera necessidade, mas a necessidade superior à da contraparte que é o “facto constitutivos do direito alegado”, nos termos e para os efeitos do art.º 334.º do CC, que dispõe que “àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado”.</font></i><br>
</p><p><i><font>11. A totalidade da jurisprudência que incide sobre a presente problemática acorda que “Compete ao cônjuge que pretende que lhe seja atribuída a casa de morada de família alegar e provar que necessita mais que o outro da referida casa sendo que a necessidade da habitação é uma necessidade atual e concreta (e não eventual ou futura), a apurar segundo a apreciação global das circunstâncias particulares de cada caso”.</font></i><br>
</p><p><i><font>12. A divisão a que procedeu o Tribunal “a quo” do facto que cabia à ora Recorrida provar em dois, uma que esta teria provado (a sua necessidade da casa de morada de família) e outro que caberia ao ora Recorrente provar (que a sua necessidade da casa de morada de família era maior do que a da Recorrida), determina, objectiva e necessariamente, que o ónus da prova, que cabia (e cabe) a quem pretende a modificação, em seu favor, de um determinado estado de coisas, ficasse remetido para a outra parte (e não repartido de igual forma, por ambas as partes), pois fica a ser esta parte – a passiva - a ter de provar a relação de grandeza entre as necessidades de ambas as Partes, que, inequivocamente, é o “facto constitutivo do direito alegado”.</font></i><br>
</p><p><i><font>13. Assim, por efeito da inusitada cisão do ónus de prova, não houve qualquer “repartição” do ónus de prova – que, salvo melhor opinião já seria ilícita – mas a efectiva imputação ao ora Recorrente, parte passiva no processo, do ónus de provar a relação de grandeza entre a necessidades da anterior casa de morada de família para ambos os ex-cônjuges – ficando a ora Recorrida, que veio a juízo exigir uma alteração de coisas com fundamento nessa diferença de grandezas (ou, em rigor, estava “ex lege” obrigada a tê-lo feito, mas não o fez) dispensada de a provar.</font></i><br>
</p><p><i><font>14. Isso mesmo aliás, declara, “ipsis verbis” o douto aresto recorrido, contra toda a vasta jurisprudência acima citada: “cabia ao requerido alegar e demonstrar que tem mais necessidade da casa de morada de família do que a requerente, designadamente porque tem um nível médio de rendimentos anuais inferior à requerente, sendo que o requerido não fez tal prova.”</font></i><br>
</p><p><i><font>15. Ao decidir libertar a ora Recorrida do ónus de provar que tinha mais necessidade da anterior casa de morada de família do que o ora Recorrente, e imputar a este, o Requerido nos presentes autos, o ónus de provar que tinha mais necessidade da anterior casa de morada de família do que o ora Recorrida, e Requerente dos presentes autos, a douta decisão recorrida violou lei substantiva e de processo, a saber os artigos 342.º e 1793.º do CC e o art.º 990.º do CPC, sendo que não existem, salvo melhor opinião, “critérios de conveniência e oportunidade” que possam justificar, face aos princípios constitucionais vigentes em Portugal, a inversão do ónus processual da prova, fora dos casos que a lei expressamente o permite.</font></i><br>
</p><p><i><font>16. Não decorre do elenco dos factos provados a circunstância que fundamento a decisão recorrida constante do seguinte trecho conclusivo da parte decisória do douto acordo recorrido: “Aqui chegados, resulta da factualidade provada […] que a requerente é que vem assumindo, a título principal, o pagamento dos mútuos bancários que as partes contraíram na pendência do casamento (cf. factos 24, 25, 26, 27, 28,29, 30 e 31), tendo a requerente de recorrer a empréstimos juntos de terceiros (29), bem como ao pedido de antecipação do pagamento de subsídio de férias (28). Estão em causa créditos hipotecários nos valores mensais de € 146,44 e € 182,78, acrescendo um crédito pessoal de € 219,57, sendo que a requerente aufere € 913.39 líquidos. Assim, abatendo ao vencimento líquido de € 913,39 os valores de € 500, € 146,44 e € 182,78, sobram € 84,17, o que é suficientemente demonstrativo da situação de necessidade da requerente”;</font></i><br>
</p><p><i><font>17. Para lá dos factos dados por provados não permitirem a supra citada conclusão, constam ainda nos autos documentos, não impugnados, que atestam precisamente o contrário, ou seja, que NÃO “resulta da factualidade provada que a requerente […] é que vem assumindo, a título principal, o pagamento dos mútuos bancários que as partes contraíram na pendência do casamento”.</font></i><br>
</p><p><i><font>18. O contrário decorre, antes de mais, do elenco dos factos provados e da realidade aritmética, pois: multiplicando o valor total (€329,22) dos “créditos hipotecários nos valores mensais de €146,44 e €182,78” pelos 20 meses decorridos entre a entrada em juízo da petição inicial da ora Recorrida (ref. Citius n.º ...029), 31.01.2019, e 22.09.2020, data da junção aos autos dos documentos em que assentaram os factos dados por provados nos “factos 24, 25, 26, 27, 28,29, 30 e 31)” – resulta um valor total de pagamentos efectuados pelas partes ao “Banco ...” de €6.584,40 (seis mil quinhentos e oitenta e quatro euros e quarenta cêntimos) – a que acrescem os valores aplicados por conta da mora, sendo que a ora Recorrida só alegou e provou o pagamento de €548,79 (quinhentos e quarenta e oito e setenta e nove), sendo que “Ainda se encontra em dívida o valor aproximado de € 850,00”, pelo que cabe, necessariamente, concluir que o valor que remanesce foi pago – e, como não foi pago pela ora Recorrida, foi pago pelo ora Recorrente – pelo que sendo o valor que remanesce superior a €5.000,00, não se pode concluir que “a requerente é que vem assumindo, a título principal, o pagamento dos mútuos bancários que as partes contraíram na pendência do casamento”,</font></i><br>
</p><p><i><font>19. Resulta ainda esse facto provado pelos comprovativos de pagamento das prestações amortizadoras dos referidos créditos que o Recorrente juntou, seja com a sua oposição, apresentada a 04.10.2019 (com a referência Citius n.º ...424), no valor total, relativo a 2019, de 2.037,54 (dois mil e trinta euros e cinquenta e quatro cêntimos), seja com o requerimento a que deu entrada em juízo a 02.10.2020 (com a referência Citius n.º ...024), estes no valor total de €2.700,00 (dois mil e setecentos euros) – do que decorre que não é, de todo, “a requerente é que vem assumindo, a título principal, o pagamento dos mútuos bancários que as partes contraíram na pendência do casamento”.</font></i><br>
</p><p><i><font>20. Do facto de o ora Recorrente não ter apresentado contra-alegações na Apelação não parece decorrer que o Tribunal de recurso deixe de estar obrigado a apreciar os sobredito documentos, que integram os autos e não foram impugnados, e que apesar de não terem sido indicados (como se compreende) nas alegações da então Recorrente, existem e comprovam que, na pendência dos autos, o valor de pagamentos de responsabilidades bancárias, assumidos pelo ora Recorrente, foi 9 (nove) vezes superior ao valor daqueles suportados pela ora Recorrida.</font></i><br>
</p><p><i><font>21. Constitui uma nulidade processual, nos termos das alínea b) c) e d) do art.º 615.º do CPC, aplicável ex via art.º 666.º, a pura e simples omissão de pronúncia sobre esse elementos, e a prova, contra a evidência aritmética, e mediante a mera prova do pagamento, pela Requerida, entre 31.01.2019, e 22.09.2020 de €548,79, que “resulta da factualidade provada que […] a requerente é que vem assumindo, a título principal, o pagamento dos mútuos bancários que as partes contraíram na pendência do casamento (cf. factos 24, 25, 26, 27, 28,29, 30 e 31),” – conclusão que é, demonstradamente, falsa, e na qual o Tribunal “a quo” expressamente conclui que “é suficientemente demonstrativo da situação de necessidade da requerente”.</font></i><br>
</p><p><i><font>22. O facto de o presente processo ser de jurisdição voluntária – conferindo ao tribunal o poder de investigar livremente os factos e de coligir as provas e recolher as informações convenientes, com vista a suprir oficiosamente a falta de alegação e prova – não decorre que possam ser dados por provados factos que não só não têm qualquer suporte probatório, como contrariam a prova documental indiscutível que consta dos autos, ainda que não corroborem o juízo de “oportunidade e conveniência” do Tribunal o qual não pode deixar de assentar na verdade material.</font></i><br>
</p><p><i><font>23. Acresce ainda que a afirmação, constante da parte decisória do douto aresto recorrido de que “resulta da factualidade […] que a requerente é que vem assumindo, a título principal, o pagamento dos mútuos bancários que as partes contraíram na pendência do casamento (cf. factos 24, 25, 26, 27, 28,29, 30 e 31)” – e que expressamente fundamenta a decisão adoptada quanto à “situação de necessidade da requerente” – contradiz, literalmente, e em absoluto, o facto que foi dado por provado pelo mesmo Tribunal, sob o n.º 39, de que o “requerido, em regra e sem prejuízo do provado de 24 a 27 e 29 a 31, ganha o suficiente para pagar os encargos com o empréstimo da casa, água, eletricidade e a sua comida” – e, em especial, a respectiva fundamentação, conformando mais uma nulidade da sentença, nos termos da alínea c) do art.º 615.º do CPC, aplicável ex via art.º 666.º.</font></i><br>
</p><p><i><font>24. Decorre dos factos provados sob os n.ºs 14 e 15 e dos documentos juntos aos autos com a que a ora Recorrida é psicóloga clínica, tendo um contrato de trabalho sem termo com uma IPSS, e auferindo um vencimento mensal líquido de €913,30, do que decorre que a mesma tem um rendimento bruto anual de €17.482,50 (multiplicação por catorze da retribuição bruta de €1.374,54, constante do recibo de vencimento da ora Recorrida, junta como doc. 9 com a sua petição inicial), valor que ultrapassa o dobro do valor bruto, em 2021, da Retribuição Mínima Garantida (€665), e que era, já em 2019, superior ao salário médio bruto português de 2021, que segundo o Instituto Nacional de Estatística é de €1.314,00 (“Rendimento salarial médio mensal líquido da população empregada por conta de outrem”, 2021, site do INE).</font></i><br>
</p><p><i><font>25. A alegação de que está em circunstância de necessidade económica uma pessoa saudável, que vive sozinha, e que dispõe de um vínculo laboral estável com uma retribuição que corresponde ao dobro do salário mínimo nacional e é superior ao salário médio português em 2021 é contrária à ordem pública – como, aliás, demonstra o facto de esse nível retributivo não facultar o acesso ao apoio judiciário,</font></i><br>
</p><p><i><font>26. O facto, dado por provado sob o n.º 2 que “a Requerente continua sem capacidade de arrendar uma casa atenta a sua situação económica e a especulação imobiliária que se vive em Lisboa” é, infelizmente, comum à maioria da classe média lisboeta, e não é adequada a comprovar a necessidade de ser atribuída à Requerente a antiga casa de morada de família, que, acresce, é em ... – em detrimento do Recorrente.</font></i><br>
</p><p><i><font>27. O Recorrente é um técnico da área do cinema, de facto, no topo da sua carreira de mecânico, não se tendo alegado, provado, ou sequer indiciado que o Recorrente tenha quaisquer “sinais exteriores de riqueza”, mas sim que este (i) não tem uma retribuição regular pelos serviços que presta e não aufere subsídios de férias e de Natal ou pagamentos do Estado quando está incapacitado para trabalhar, facto provado n.º 37; (ii) tem dificuldades ocasionais em fazer face aos seus compromissos financeiros, factos provados n.º 9 e n.º 24 e (iii) não declara qualquer rendimento à Segurança Social desde Outubro de 2014, facto provado n.º 12; (iv) e que, desde 2016 (sic, o douto acórdão, no trecho que transcreve, a fls. 19, do depoimento da testemunha DD, mas que optou por não integrar no facto provado com base neste mesmo depoimento), “tem ganhado o suficiente para estar no liminar da sobrevivência”;</font></i><br>
</p><p><i><font>28. salvo melhor opinião, viola a ordem pública a conclusão de que uma pessoa, com 57 anos de idade (vd. doc. 7 com a petição inicial, e certidão junta a 06.05.2019, com o requerimento com a referência Citius n.º ...590), e nas circunstâncias do ora Recorrente, acima descritas, terá mais condições para, após ter sido despejado da sua casa, obter habitação alternativa, do que a ora Recorrida, com um contrato de trabalho sem termo, e a auferir (pelo menos) um salário cujo valor é superior ao salário médio nacional em 2021 – e estando ambos vinculados ao mesmo empréstimo hipotecário.</font></i><br>
</p><p><i><font>29. É um facto notório a extrema dificuldade dos trabalhadores independentes em aceder ao crédito bancário (uma impossibilidade prática, aos 57 anos de idade) ou ao arrendamento, sendo que a primeira exigência de bancos e senhorios, nessas circunstâncias, é a apresentação de um contrato de trabalho (de preferência, sem termo) e a segunda a apresentação da última declaração de IRS.</font></i><br>
</p><p><i><font>30. Sendo o Requerente, como a maioria dos trabalhadores independentes da área da cultura, um prestador de serviços sem qualquer contrato, sendo o seu trabalho intermitente, com frequentes períodos de interrupção de actividade – e, por tal, de interrupção de rendimentos, uma vez que não tem direito a subsídio de desemprego ou pensão por doença, é inequívoca a maior dificuldade em assumir e cumprir compromissos financeiros estáveis, comparada com uma trabalhador por conta de outrem com um trabalho sem termo.</font></i><br>
</p><p><i><font>31. Acresce outro facto notório, que são as circunstâncias de absoluta emergência em que, desde o início da pandemia com a doença Covid-19, vivem os trabalhadores independentes da área cultural – tendo desaparecido, ou sido drasticamente diminuídas as suas oportunidades de trabalho e, por tal, os seus rendimentos, situação reconhecida pelo Estado Português, que conferiu apoios extraordinários aos artistas, autores, técnicos e outros profissionais da cultura, vd. os previstos na Resolução do Conselho de Ministros n.º 41/2020, de 06.06, que aprovou o Programa de Estabilização Económica e Social, e regulamentada pela Portaria n.º 180/2020, de 03.08, e, pela Portaria n.º 37-A/2021 de 15.02 – aos quais o ora Recorrente não teve acesso, pois, como se acha provado, tem dívidas à Segurança Social.</font></i><br>
</p><p><i><font>32. Estando a situação sócio-profissional do Recorrente expressamente reconhecida, pelo Estado Português, como sendo de emergência, carecida de apoio económico extraordinário – que o Recorrente, acresce, nem sequer está em condições de receber – vai contra a ordem pública qualificá-lo como gozando de maior desafogo financeiro – e estando em melhores condições para arrendar ou comprar uma casa – do que uma trabalhadora por contra de outra, com contrato sem termo, e com um salário bruto de €1.374,54, (vd. recibo de vencimento da ora Recorrida, junta como doc. 9 com a sua petição inicial), percebido catorze vezes por ano, e que era, já em 2019, superior ao actual salário médio bruto português.</font></i><br>
</p><p><i><font>33. Sendo o presente processo de jurisdição voluntária – conferindo ao tribunal o poder de investigar livremente os factos e de coligir as provas e recolher as informações convenientes, com vista a suprir oficiosamente a falta de alegação e prova – estava, segundo parece, especialmente vedado ao Tribunal “a quo” especular, perante o conjunto de factos provados, e sem quaisquer indícios que suportem as suas conclusões (pelo contrário) que: “Na verdade, são questões diversas a circunstância de o requerido não ter um vínculo laboral certo e continuo, por um lado, e o nível médio dos seus rendimentos anuais, por outro. Isto porquanto, trabalhando alguns meses apenas pode dar-se o caso do requerido auferir rendimentos anuais equivalentes à requerente. O desconhecimento do nível efetivo de rendimentos anuais do requerido desfavorece a posição do mesmo no processo porquanto lhe incumbia provar – enquanto facto impeditivo – que necessita mais da casa do que a requerente”.</font></i><br>
</p><p><i><font>34. O Tribunal “a quo” violou o princípio da igualdade das Partes (art.º 4.º do CPC), ao, por um lado, qualificar como inócuas as insuficiências de alegação e prova por parte da ora Recorrida, invocando tratar-se de um “processo de jurisdição voluntária” – e, por outro lado, cominar as “insuficiências” de alegação e prova por parte do ora Recorrente com a prova de factos que nem sequer foram alegados pela ora Recorrente e dos quais nem indícios existem, sem, nesse caso, exercer o poder – que também é dever, de investigar livremente os factos, de coligir as provas e recolher as informações convenientes, com vista a suprir oficiosamente a alegada falta de alegação e prova.</font></i><br>
</p><p><i><font>35. Viola a lei substantiva a que decisão de atribuir à Recorrida a casa de morada de família com base nos actos praticados pelo ora Recorrente que lhe valeram a condenação no crime de violência doméstica, uma vez que não existe paridade nas circunstâncias de ambas as Partes: não têm a mesma idade; não têm a mesma certeza e segurança de rendimento, não tem a mesma protecção na doença e no “desemprego”; e, como bem referiu a douta sentença de primeira instância, por essas razões, não têm as mesmas condições para contratar uma alternativa de habitação, seja por via do arrendamento, seja pela compra, sic: “Chegados a este ponto, o Tribunal considera que a Requerente não fez prova da sua maior necessidade na utilização da casa de morada de família, pois a sua situação económica é mais estável do que a do Requerido, o que, por si só, lhe dá maior capacidade para se candidatar a um arrendamento, o que não acontecerá com o Requerido, que não tem rendimentos regulares que deem confiança a um potencial senhorio no cumprimento das rendas a pagar, não sendo previsível que aceite contratar com alguém sem rendimentos fixos.”</font></i><br>
</p><p><i><font>36. Nos termos do n.ºs 1 e 4 do Art.º 30.º da CRP que “Não pode haver penas nem medidas de segurança privativas ou restritivas da liberdade com carácter perpétuo ou de duração ilimitada ou indefinida” e que “nenhuma pena envolve como efeito necessário a perda de quaisquer direitos civis, profissionais ou políticos”, sendo a reinserção social das pessoas condenadas por crimes, após o cumprimento da sua pena, um corolário do princípio da dignidade da pessoa humana, consagrado no art.º 1.º do mesmo diploma, tendo essas pessoas o pleno direito ao “(…) respeito e na garantia de efectivação dos direitos e liberdades fundamentais” como refere o art.º 2.º da CRP, quando enuncia as bases do Estado de Direito.</font></i><br>
</p><p><i><font>37. No elenco de penas nas quais o Recorrente foi condenado pelo crime de violência doméstico, não se incluem as pena acessórias de despejo, nem a de confisco da sua propriedade – que aquele habita e paga há 22 anos e que é três quartos coisa sua – nem a norma penal prevê a inversão do conceito de “necessidades de cada um dos cônjuges”, enunciado no n.º 2 do art.º 1105.º e no n.º 1 do art.º 1793.º do CC, e do qual resulta que há-de ter um maior necessidade o cônjuge que tem uma condição sócio-económica mais precária e menos estável, no caso, o ora Recorrente.</font></i><br>
</p><p><i><font>38. Não se enquadrando, nem os fundamentos do pedido formulado pela ora Recorrida, nem os factos que ela carreou nos autos, nos critérios legais para a atribuição da casa de morada de família, o que efectivamente se pretende é a aplicação, ao Recorrente, adicionalmente às penas em que este foi condenado pela prático do crime de violência doméstica, de uma “pena civil, não prevista na Lei, o que se mostra flagrantemente às normas legais em vigor e os princípios constitucionais acima elencados.</font></i><br>
</p><p><i><font>39. Nenhuma das partes se pronunciou ou produziu prova a respeito da tipologia, área, idade e estado de conservação, e localização específica da anterior casa de morada de família ou acerca do valor a atribuir a uma eventual renda pela utilização exclusiva do mesmo, isto porque, “contra legem”, a ora Recorrida não peticionou o arrendamento da anterior casa de morada de família, mediante o pagamento de uma renda, mas a sua utilização exclusiva “mediante o pagamento directo ao Banco ... das prestações relativas aos créditos hipotecários, no valor mensal de 329,22€”, ou seja, sem o pagamento de qualquer renda, apesar de o Recorrente ter uma quota ideal de 75% da propriedade da casa – facto que esta omitiu na sua petição inicial.</font></i><br>
</p><p><i><font>40. O Tribunal “a quo” fixou a renda do locado sem apurar qual a tipologia, a área, a idade e o estado de conservação, e a localização específica da anterior casa de morada de família e recorrendo a um regime legal que, para de modo a propor aos potenciais arrendatários rendas abaixo do valor de mercado (80% da mediana) concede aos senhorios benefícios fiscais como a isenção de rendimentos prediais (IRC ou IRS) e de IMI – e cujo cabimento ao presente caso se desconhece.</font></i><br>
</p><p><i><font>41. Considerando o disposto nos art.ºs 3.º e 5.º do CPC, mesmo nos termos do art.º 987.º do CPC e à luz dos critérios de “conveniência e oportunidade”, não parece poder ser proferida uma decisão sem que (i) tenha incidido qualquer prova sobre os pressupostos essenciais de facto, sendo os mesmos assumidamente desconhecidos do Tribunal; (ii) tenha existido qualquer pronúncia das partes sobre a matéria em causa – e sendo que o n.º 2 do art.º 1792.º impõe que os cônjuges sejam ouvidos sobre as condições do arrendamento; (iii) e mediante a aplicação de um regime jurídico que nada tem a ver com o arrendamento preconizado nos art.ºs 1793.º do CC;</font></i><br>
</p><p><i><font>42. Assim, por cautela, caso não proceda a presente revista, deverá ser revogada a decisão do Tribunal "a quo" a respeito da fixação da renda da anterior casa de morada de famíl | [0 0 0 ... 0 1 0] |
sjJsu4YBgYBz1XKvEAWP | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><br>
<font>Processo n.º 2335/06.0TMPRT-D.P1.S1</font><a><u><sup><font>[1]</font></sup></u></a><br>
<p><font> </font><br>
</p><div><br>
<font>* </font><br>
<p><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça – 1.ª Secção</font><a><u><sup><font>[2]</font></sup></u></a><font>:</font></p></div><br>
<br>
<font> </font><br>
<p><font>I. Relatório </font><br>
</p><p><font>No processo de promoção e protecção referente à menor AA e em que é requerido o seu pai</font><b><font> BB, </font></b><font>este requereu, além do mais aqui irrelevante, que fosse concedida à sua patrona a consulta electrónica dos autos, nos termos do art.º 88.º da LPCJP, conjugado com o art.º 27.º da Portaria n.º 280/2013.</font><br>
</p><p><font>Esta pretensão foi indeferida por despacho de 27/5/2020, com o seguinte teor:</font><br>
</p><p><font>“…</font><br>
</p><p><i><font>No mais, vai indeferido o requerido acesso aos autos para consulta por parte do advogado do progenitor através do sistema informático oficial de apoio à actividade dos tribunais, denominado CITIUS.</font></i><br>
</p><p><i><font>É que tal possibilidade equivaleria, em princípio e bem vistas as coisas, à consulta do processo no escritório do mandatário ou representante, e não se compagina com as exigências de confiabilidade e cuidados na concentração da prova que devem rodear a intangibilidade, preservação e intocabilidade dos interesses que a lei pretende tutelar (Neste sentido, entre outros, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 12/01/2010 in www.dgsi.pt que relaciona o acesso à consulta do processo de promoção e protecção por via do CITIUS com a salvaguarda do superior interesse do menor:</font></i><br>
</p><p><i><font>«1. Segundo os nº 1 e 4 do artigo 88º do Dec.-Lei nº 147/99, de 1 de Setembro, o processo de promoção e protecção reveste carácter reservado, o que não obsta a que a criança ou jovem possam consultar o processo através do seu advogado ou pessoalmente se o juiz autorizar, atendendo à sua maturidade, capacidade de compreensão e natureza dos factos.</font></i><br>
</p><p><i><font>2. A natureza reservada do processo de promoção e protecção de menores tem em vista garantir, para além da protecção da identidade dos adoptantes e dos pais naturais do adoptando, uma forte protecção da intimidade, do direito à imagem e da reserva da vida privada do menor.</font></i><br>
</p><p><i><font>3. Tal nível de protecção não se pode traduzir num obstáculo ao acesso do advogado do menor aos elementos do processo, mormente os de natureza probatória, em que se alicerçou ou se possa alicerçar a convicção do tribunal.</font></i><br>
</p><p><i><font>4. Porém, não será lícita uma consulta aberta e ilimitada por via da aplicação informática CITIUS, não obstante esta se traduzir numa maior facilidade de acesso, na medida em que esta não permita fazer o controlo judicial do acesso aos elementos do processo, em especial quanto à extracção das respectivas cópias.</font></i><br>
</p><p><i><font>5. Os direitos de defesa ficarão suficientemente garantidos pela consulta física dos autos pelas partes e seus advogados, nas condições previstas na lei, e pela obtenção discriminada e especialmente autorizada de certidões dos elementos relevantes para a organização da defesa, desde que não se imponham razões ponderosas de reserva que contrariem tal obtenção.»</font></i><br>
</p><p><i><font>Nessa conformidade, sempre se dirá que inexiste qualquer obstáculo legal relevante que impeça o acesso e consulta dos autos na secretaria deste tribunal, deferindo-se assim o requerido, nestes termos.”</font></i><font> </font><br>
</p><p><font>Inconformado, o </font><b><font>requerido BB</font></b><font> interpôs recurso de apelação que o Tribunal da Relação …., por douto acórdão de 15/12/2020, julgou </font><b><font>improcedente</font></b><font>, confirmando o despacho recorrido.</font><b><font> </font></b><font> </font><br>
</p><p><font>Ainda irresignado, o dito requerido interpôs recurso de revista, invocando contradição com o acórdão do mesmo Tribunal, de 24/9/2020, proferido no processo n.º 257/19.3T8OBR-A.P1, e, subsidiariamente, revista excepcional.</font><br>
</p><p><font>No despacho liminar, proferido pelo aqui Relator, foi verificada a contradição de julgados e demais requisitos previstos no art.º 629.º, n.º 2, al. d), do CPC, pelo que foi admitido o recurso de revista normal, interposto pelo recorrente a título principal, e foi declarado inviável o recurso de revista excepcional, admitido no Tribunal recorrido, não obstante a existência de dupla conforme, por se tratar de caso em que é sempre admissível recurso. </font><br>
</p><p><font>O recorrente apresentou alegações com as seguintes </font><u><font>conclusões</font></u><font>:</font><br>
</p><p><i><font> “1. O recorrente considera que o presente recurso preenche os pressupostos do artigo 671º n.º 2 conjugado com a alínea d) do artigo 629º do CPC, contudo e caso assim não se entender considera ainda o recorrente que se encontram preenchidos os pressupostos para o recurso de revista extraordinário, nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 672º CPC.</font></i><br>
</p><p><i><font>2. A questão fundamental de direito é saber se o mandatário de um progenitor ou menor no âmbito de um processo de protecção e promoção têm direito de escolha entre consulta presencial na secretaria ou a consulta electrónica.</font></i><br>
</p><p><i><font>3. O acórdão recorrido entende que não, o advogado só pode consultar o processo na secretaria, por sua vez o acórdão proferido pela 2 secção do Tribunal da Relação no Porto, no âmbito do processo n.º 257/19.3T8OBR-A.P1.P1, ora junta e já transitado em julgado considerou que sim.</font></i><br>
</p><p><i><font>4. Nos presentes autos deve-se aplicar a lei especial- LPCJP- estabelecendo o n.º 3 do artigo 88º que “Os pais, o representante legal e as pessoas que detenham a guarda de facto podem consultar o processo pessoalmente ou através de advogado.</font></i><br>
</p><p><i><font>5. Do exposto resulta que só os mandatários ou patronos dos progenitores ou menores têm a faculdade de consultar o processo, esse acesso é vedado aos restantes profissionais do foro.</font></i><br>
</p><p><i><font>6. A questão a apreciar não é se o processo deve ser livremente consultado por qualquer advogado, mas sim se o advogado dos progenitores/menor pode consultar o processo.</font></i><br>
</p><p><i><font>7. Com o n.º 2 do artigo 164º do CPC, o legislador não pretendeu vedar o acesso desses processos a todos os advogados.</font></i><br>
</p><p><i><font>8. O caracter reservado (não público) significa apenas que os advogados que não representam as partes nesse processo não o podem consultar, e nunca vedar o acesso da consulta aos advogados que representem as partes, por uma simples razão o advogado não pode exercer a seu mandato se NÃO CONHECER o processo.</font></i><br>
</p><p><i><font>9. Do exposto resulta que a patrona do recorrente pode consultar o processo não há nada na lei que o proíba.</font></i><br>
</p><p><i><font>10. O legislador deu a opção aos advogados de consultar o processo presencialmente na secretaria ou via electrónica é um direito do advogado e o tribunal tem de aceitar a opção do advogado, não pode impor a consulta presencial na secretaria.</font></i><br>
</p><p><i><font>11. Para decidir e zelar pelos interesses do menor, os Srs. Juízes, os Srs. Juízes Desembargadores, os Srs. Procuradores, os Srs. funcionários, e, pasme-se, os Srs. Advogados (do processo) têm de ter acesso ao processo.</font></i><br>
</p><p><i><font>12. O Acórdão recorrido mostra, claramente, que o tribunal continua preso ao “antigamente”, na época em que não havia sistema informático, em que a consulta electrónica não era possível…</font></i><br>
</p><p><i><font>13. Contudo o recorrente informa que estamos em 2020, o tribunal não pode ficar retido ao pensamento de antigamente, ou, mais grave, considerar que a advogado é uma pessoa de má fé e que vai imprimir e espalhar pela comunidade elementos privados da vida do menor.</font></i><br>
</p><p><i><font>14. O advogado está sujeito ao sigilo profissional e a mera dúvida que se encontra pasmada no acórdão recorrido representa bem o desprestígio em que se encontra a classe dos advogados.</font></i><br>
</p><p><i><font>15. O legislador considerou que o processo de protecção e promoção devia ser tramitado electronicamente, e como tal o tribunal tem de respeitar as normas legais.</font></i><br>
</p><p><i><font>16. A consulta electrónica por ser electrónica não deixa de ser uma consulta permitida nos termos do n.º 3 do artigo 88º da LPCJP.</font></i><br>
</p><p><i><font>17. O acórdão refere que “o recurso a um acórdão de 2010, ainda mais relatado por um ilustre desembargador, actualmente Conselheiro do STJ em nada desmerece o despacho recorrido, por mais importante que a data do acórdão é o seu conteúdo.”</font></i><br>
</p><p><i><font>18. Ora o mais importante é a legislação em vigor e não o conteúdo de um acórdão, a jurisprudência em Portugal não é lei, os despachos sentenças, acórdãos, devem estar fundamentados com base na lei e não em jurisprudência ultrapassada, sem que isso represente qualquer desmérito para o relatar do acórdão.</font></i><br>
</p><p><i><font>19. Desde 2010 até à presente data houve alterações legislativas (nomeadamente ao CPC, Portaria 280/13 e 26.8) e, como tal, o conteúdo do acórdão deixou de fazer sentido!!!</font></i><br>
</p><p><i><font>20. A consulta electrónica é mais vigiada que a consulta presencial, o acesso ao processo fica registada pelo que o argumento que o tribunal não pode acautelar e zelar pelo caracter reservado não existe, o próprio sistema foi pensado de forma a assegurar essa realidade.</font></i><br>
</p><p><i><font>21. Refere o acórdão recorrido que as consultas electrónicas aplicam-se as restrições de acesso a consulta legalmente prevista, sucede que a patrona do recorrente tem o direito de consultar o processo pelo que não se verifica qualquer restrição.</font></i><br>
</p><p><i><font>22. A portaria visou conceder O DIREITO DE OPÇAO aos advogados e não ao tribunal, cabe ao advogado escolher entre consultar o processo na secretaria ou por via electrónica. </font></i><br>
</p><p><i><font>23. Com o presente recurso o recorrente não pretende que o processo se torne livre e irrestrito mas unicamente que a sua patrona o posso consultar electronicamente.</font></i><br>
</p><p><i><font>24. Salienta ainda o acórdão recorrido que não se afigura o incómodo que a consulta possa acarretar belisque minimamente os direitos dos mandatários em aceder ao processo, ora essa afirmação retrata bem que o tribunal desconhece por completo a importância do advogado nesses processos, na diminuição dos conflitos familiares, no apoio que presta aos seus clientes/beneficiários, tudo de forma a proteger o interesse do menor.</font></i><br>
</p><p><i><font>25. Se o mandatário tiver devidamente informado consegue dirimir os conflitos, antecipar condutas impróprias, é impossível o advogado consultar o processo presencialmente todos os dias.</font></i><br>
</p><p><i><font>26. Conforme bem refere o acórdão de Setembro de 2020 “O art. 88º, nº 1 da LPCJP [Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo] estatui que «o processo de promoção e proteção é de carácter reservado», sucedendo, porém, que os pais, o representante legal e as pessoas que detenham a guarda de facto do menor podem consultar o processo pessoalmente ou através de advogado [nº 3 do mesmo preceito], … Por seu turno, o art. 27º, nº 1 da Portaria nº 280/13, de 26.8. preceitua o seguinte no seu nº 1: «1. A consulta de processos por parte de advogados e solicitadores é efetuada: a) Relativamente à informação processual, incluindo as peças e documentos, existentes em suporte eletrónico, através do sistema informático de suporte à atividade dos tribunais, com base no número identificador do processo; ou b) Junto da secretaria.» E depois o nº 3 desta mesma norma diz-nos que à consulta eletrónica dos processos se aplicam as restrições de acesso e consulta legalmente previstas.” </font></i><br>
</p><p><i><font>27. Aditando que “Porém, o acesso aos autos surge como limitado nos casos em que a divulgação do seu conteúdo possa causar dano à dignidade das pessoas, à intimidade da vida privada ou familiar ou à moral pública, ou pôr em causa a eficácia da decisão a proferir – cfr. art. 164º, nº 1 do Cód. de Proc. Civil. Por isso, o fundamento da tutela da dignidade e da intimidade das pessoas e da vida privada ou familiar leva a que o acesso aos autos seja limitado nos casos de processos de anulação de casamento, divórcio, separação de pessoas e bens e que respeitem ao estabelecimento ou impugnação de paternidade [art. 164º, nº 2, al. a)], tal como o restringe também nos casos de processos respeitantes ao acompanhamento de maior [art. 164º, nº 2, al. d)].2 Sucede que sendo a enumeração dos processos em que ocorrem restrições à publicidade, contida no art. 164º, nº 2 do Cód. de Proc. Civil, meramente exemplificativa, como flui da utilização do advérbio «designadamente», não poderão deixar de nela ser integrados os processos de promoção e proteção, desde logo pelo seu carácter reservado decorrente do art. 88º, nº 1 da LPCJP. No entanto, aqui chegados, importa referir que na decisão singular proferida pelo presente relator em 3.8.2020, em que se aderiu à argumentação expendida pelo Min. Público na sua resposta, não se atentou devidamente na parte final da alínea a) do nº 2 do art. 164º do Cód. de Proc. Civil, onde se estatui que aos processos de anulação de casamento, divórcio, separação de pessoas e bens e que respeitem ao estabelecimento ou impugnação de paternidade, e onde também se deverão incluir os processos de promoção e proteção, apenas podem ter acesso as partes e os seus mandatários. Ou seja, neste preceito, e relativamente a estes processos, a tutela da dignidade e da intimidade das pessoas afasta a consulta por parte de qualquer terceiro, mas não pelas partes e pelos seus mandatários. Assim sendo, ao invés do que fora anteriormente entendido pelo ora relator, impõe-se agora, em sede de acórdão a proferir nos termos do art. 652º, nº 3 do Cód. de Proc. Civil, conceder à patrona nomeada ao menor a possibilidade de consulta eletrónica dos autos, o que significará a procedência do recurso interposto”</font></i><br>
</p><p><i><font>28. Por tudo o exposto, o acórdão deve ser revogado por violar o n.º 2 do artigo 88º da LPCJP, artigo 164 n.º 2 a) do CPC e Portaria 280/13 e 26.8.</font></i><br>
</p><p><i><font>Assim, e face a toda a retórica supra vertida, deve ser dado provimento ao recurso e revogada o acórdão proferido, como é JUSTIÇA.”</font></i><font> </font><br>
</p><p><font>O Digno Magistrado do Ministério Público junto do Tribunal da Relação contra-alegou sustentado a rejeição da revista excepcional, por falta de certificação do trânsito em julgado do acórdão fundamento, e da revista normal, por verificação da dupla conforme, questões prévias estas que se mostram ultrapassadas quer pela junção da certidão, com nota do trânsito em julgado, cuja falta foi acusada, quer pelo despacho do Relator, oportunamente proferido. </font><br>
</p><p><font> Tudo visto, verificando-se a invocada contradição, cumpre apreciar e decidir o mérito do presente recurso.</font><br>
</p><p><font>Sabido que o seu objecto e âmbito estão delimitados pelas conclusões do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser em situações excepcionais de conhecimento oficioso, e tendo presente que se apreciam questões e não razões, a única questão que importa dirimir consiste em saber se a ilustre Patrona do progenitor da menor tem direito a consultar electronicamente o processo de promoção e protecção acima identificado.</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font>II. Fundamentação</font><br>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>1. De facto </font><br>
</p><p><font>Os factos a considerar na decisão deste recurso são os que resultam do relatório acabado de elaborar, já que outros não foram dados como provados. </font><br>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>2. De direito </font><br>
</p><p><font>Sob a epígrafe “C</font><i><font>aráter reservado do processo</font></i><font>”, o art.º 88.º da Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo (LPCJP), aprovada pela Lei n.º 147/99, de 1 de Setembro, e que dela faz parte integrante, dispõe:</font><br>
</p><p><i><font>“1 - O processo de promoção e proteção é de caráter reservado.</font></i><br>
</p><p><i><font>2 - Os membros da comissão de proteção têm acesso aos processos em que intervenham, sendo aplicável, nos restantes casos, o disposto nos n.ºs 1 e 5.</font></i><br>
</p><p><i><font>3 - Os pais, o representante legal e as pessoas que detenham a guarda de facto podem consultar o processo pessoalmente ou através de advogado.</font></i><br>
</p><p><i><font>4 - A criança ou jovem podem consultar o processo através do seu advogado ou pessoalmente se o juiz ou o presidente da comissão o autorizar, atendendo à sua maturidade, capacidade de compreensão e natureza dos factos.</font></i><br>
</p><p><i><font>5 - Pode ainda consultar o processo, diretamente ou através de advogado, quem manifeste interesse legítimo, quando autorizado e nas condições estabelecidas em despacho do presidente da comissão de proteção ou do juiz, conforme o caso.</font></i><br>
</p><p><i><font>6 - Os processos das comissões de proteção são destruídos quando a criança ou jovem atinjam a maioridade ou, nos casos da alínea d) do n.º 1 e do n.º 2 do artigo 63.º, os 21 anos ou 25 anos, respetivamente.</font></i><br>
</p><p><i><font>7 - Sem prejuízo do disposto no número anterior, a informação a que alude o disposto no n.º 1 do artigo 13.º-A é destruída assim que o processo ao abrigo do qual foi recolhida seja arquivado, pelo facto de a situação de perigo não se comprovar ou já não subsistir.</font></i><br>
</p><p><i><font>8 - Em caso de aplicação da medida de promoção e proteção prevista na alínea g) do n.º 1 do artigo 35.º, deve ser respeitado o segredo de identidade relativo aos adotantes e aos pais biológicos do adotado, nos termos previstos no artigo 1985.º do Código Civil e nos artigos 4.º e 5.º do Regime Jurídico do Processo de Adoção, aprovado pela Lei n.º 143/2015, de 8 de setembro, e, salvo disposição especial, os pais biológicos não são notificados para os termos do processo posteriores ao trânsito em julgado da decisão que a aplicou.</font></i><br>
</p><p><i><font>9 - Quando o processo tenha sido arquivado nos termos da alínea c) do n.º 2 do artigo 21.º, é destruído passados dois anos após o arquivamento.”</font></i><br>
</p><p><font>Por outro lado, o art.º 27.º da Portaria n.º 280/2013, de 26 de Agosto, que regula a tramitação electrónica dos processos judiciais, sob a epígrafe “</font><i><font>Consulta de processos por parte de advogados e solicitadores</font></i><font>”, estabelece:</font><br>
</p><p><font>“</font><i><font>1- A consulta de processos por parte de advogados e solicitadores é efetuada:</font></i><br>
</p><p><i><font>a) Relativamente à informação processual, incluindo as peças e os documentos, existentes em suporte eletrónico, através do sistema informático de suporte à atividade dos tribunais, com base no número identificador do processo; ou</font></i><br>
</p><p><i><font>b) Junto da secretaria.</font></i><br>
</p><p><i><font>2 - O acesso ao sistema informático de suporte à atividade dos tribunais para efeitos de consulta de processos requer o prévio registo dos advogados e solicitadores, nos termos do n.º 2 do artigo 5.º.</font></i><br>
</p><p><i><font>3 - À consulta eletrónica de processos aplicam-se as restrições de acesso e consulta legalmente previstas. </font></i><br>
</p><p><i><font>4 -…”</font></i><br>
</p><p><font>Ao estabelecer o carácter reservado ao processo judicial de promoção e protecção nos termos referidos no art.º 88.º, acima transcrito, foi propósito do legislador salvaguardar os princípios orientadores do superior interesse da criança e do jovem e a sua intimidade, direito à imagem e reserva da vida privada, que também fixou como princípios orientadores da intervenção no art.º 4.º, als. a) e b), da LPCJP.</font><br>
</p><p><font>Aquela norma atribui, assim, natureza reservada ao processo judicial de promoção e proteção, cingindo o acesso e a consulta apenas a um conjunto restrito de interessados, nos termos nela referidos. </font><br>
</p><p><font>Não há dúvida de que, nos termos do seu n.º 3, os pais “podem consultar o processo pessoalmente ou através de advogado”.</font><br>
</p><p><font>Coloca-se a questão de saber qual é o verdadeiro sentido do direito à consulta, ínsito no citado art.º 88.º, ou seja, se deve entender-se que abrange apenas o processo físico (como, aliás foi reconhecido ao recorrente) ou se também abrange a consulta electrónica.</font><br>
</p><p><font>Apesar de não ser unânime o entendimento sobre esta questão, consideramos que o direito à consulta, detalhadamente regulado no citado art.º 88.º, é </font><i><font>stricto sensu</font></i><font>, estando confinado ao acesso físico do processo na própria secretaria judicial, como, aliás, foi decidido no acórdão recorrido e no despacho que apreciou, seguindo e adoptando a orientação jurisprudencial constante do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 12/1/2010, proferido no processo n.º 487/08.3TMLSB.L1-7, disponível em www.dgsi.pt.</font><br>
</p><p><font> Outros acórdãos consideraram a consulta do processo restrita ao acesso físico na secretaria do tribunal onde se encontre, considerando-o o único meio adequado a assegurar o carácter reservado do processo, ora por “controlar o risco de divulgação dos seus elementos”</font><a><u><sup><font>[3]</font></sup></u></a><font>, ora por aquela estar detalhadamente regulamentada no art.º 88.º da LPCJP, não estando aí prevista a consulta fora da secretaria</font><a><u><sup><font>[4]</font></sup></u></a><font>.</font><br>
</p><p><font>No mesmo sentido, ver Elisa Sofia Martins da Encarnação, Mestrado Forense n.º 142717006, Dissertação com vista à obtenção do grau de Mestre em Direito e Processo Civil sob a orientação da Professora Doutora Ana Filipa Morais Antunes, págs. 36, 37 e 43, em 29 de Março de 2019 – Escola de Lisboa da Faculdade de Direito da Universidade Católica, </font><i><font>in</font></i><font> <a>https://repositorio.ucp.pt/bitstream/10400.14/28219/1/Disserta%..</a>.</font><br>
</p><p><font>Consideramos, tal como a jurisprudência e a doutrina acabada de mencionar, que o art.º 88.º da LPCJP consagra o direito de acesso ao processo de promoção e protecção, pelas entidades nele indicadas, em sentido restrito, por ser o único meio adequado a assegurar o carácter reservado do processo nele contemplado. O regime do acesso e consulta eletrónica ao processo, previsto na Portaria n.º 280/2013, de forma ilimitada e muito abrangente, “contende com o caráter reservado do processo de promoção e proteção, na medida em que restringe a possibilidade de controlo prévio pelo tribunal, quanto ao seu destino e à retirada de cópias não autorizadas.”</font><br>
</p><p><font>O art.º 27.º, n.º 1, al. a), da citada Portaria não afasta este entendimento, porquanto o n.º 3 do mesmo preceito manda aplicar “</font><i><font>as restrições de acesso e consulta legalmente previstas</font></i><font>”.</font><br>
</p><p><font>Acresce que, inserindo-se o referido art.º 88.º no âmbito do processo judicial de promoção e protecção, o qual, como se sabe, é um processo especial de jurisdição voluntária, jamais pode ser derrogado pela norma geral do art.º 164.º, n.º 2, al. a), do CPC e assim permitir ressalvar as restrições à publicidade, previstas na parte final, às partes e seus mandatários (cfr. art.º 100.º da LPCJP e art.ºs 549.º, n.º 1 e 986.º a 988.º, do CPC).</font><br>
</p><p><font> Deste modo, está vedada a consulta electrónica pela ilustre Patrona do recorrente, como bem se decidiu no acórdão recorrido.</font><br>
</p><p><font>Como ali se referiu, trata-se de “proteger os superiores interesses dos menores sujeitos a medidas de promoção e protecção, sem que isso ponha em causa o direito de consulta do processo que aos mandatários assiste.</font><br>
</p><p><font>Não se afigura que o incómodo que a consulta do processo na secretaria possa acarretar belisque minimamente os direitos dos mandatários em aceder ao processo.</font><br>
</p><p><font>Trata-se de uma limitação perfeitamente justificada face o interesse que se pretende tutelar.”</font><br>
</p><p><font>Nada mais, nomeadamente que se trate de “desconsiderar qualquer classe profissional”, que, como é óbvio, merece todo o respeito.</font><br>
</p><p><font>A crítica que é feita ao uso do acórdão de 2010 não faz qualquer sentido, pois, além de manter “plena actualidade”, vem sendo adoptada noutras decisões jurisprudenciais e por alguma doutrina, como elementos interpretativos da lei. </font><br>
</p><p><font>Improcedem, assim, as conclusões recursórias do recorrente. </font><br>
</p><p><font>O recurso não merece, pois, provimento, devendo manter-se o acórdão recorrido. </font><br>
</p><p><font>Sumário:</font>
</p><p><font>1. O carácter reservado do processo de promoção e protecção apenas permite a consulta do processo físico, na secretaria do tribunal onde se encontre, às pessoas e nos termos previstos no art.º 88.º da LPCJP.</font>
</p><p><font>2. Enquanto norma especial, esta norma não é afastada por outra disposição geral ou comum, nomeadamente pelo art.º 164.º, n.º 2, al. a), do CPC e art.º 27.º, n.º 1, al. a), da Portaria n.º 280/13, de 26 de Agosto.</font>
</p><p><font>3. Não tem direito à consulta electrónica do processo de promoção e protecção o mandatário/patrono dos pais do menor. </font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font>III. Decisão </font><br>
</p><p><font>Pelos fundamentos expostos, acorda-se em negar a revista e manter o acórdão recorrido.</font><br>
</p><div><br>
<font> * </font></div><br>
<br>
<font>Custas pelo recorrente (art.º 527.º, n.º 1 e 2 do CPC). </font><br>
<div><br>
<font>* </font></div><br>
<br>
<font>STJ, 23 de Fevereiro de 2021</font><br>
<p><font> </font><br>
</p><p><font>Nos termos do art.º 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13 de Março, aditado pelo art.º 3.º do DL n.º 20/2020, de 1 de Maio, declaro que o presente acórdão tem voto de conformidade dos Ex.mos Juízes Conselheiros Adjuntos que não podem assinar.</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font>Fernando Augusto Samões (Relator)</font><br>
</p><p><font>Maria João Vaz Tomé (1.ª Adjunta)</font><br>
</p><p><font>António José Moura de Magalhães (2.º Adjunto) </font><br>
</p><p><font>___________</font>
</p></font><p><font><a><u><sup><font>[1]</font></sup></u></a><font> Do Tribunal Judicial da Comarca do …. – Juízo de Família e Menores … - Juiz …...</font><br>
<a><u><sup><font>[2]</font></sup></u></a><font> Relator: Fernando Samões</font><br>
<font>1.º Adjunto: Juíza Conselheira Dr.ª Maria João Vaz Tomé</font><br>
<font>2.º Adjunto: Juiz Conselheiro Dr. António Magalhães</font><font> </font><br>
<a><u><sup><font>[3]</font></sup></u></a><font> Cfr. Ac. TC n.º 62/2017, proc.º 605/16, 1.ª Secção. </font><br>
<a><u><sup><font>[4]</font></sup></u></a><font> Cfr. Ac. TRL 25/10/2012, processo n.º 355/07.6TBPTS-A.L1-6, in www.dgsi.pt.</font></font></p> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
sjJwu4YBgYBz1XKvcwja | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><div><font>*</font>
<p><font> </font></p></div><br>
<font>Processo n.º 561/18.8T8CSC.L1.S1</font><a><u><sup><font>[1]</font></sup></u></a><div><br>
<font>*</font></div><br>
<font> </font>
<p><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça – 1.ª Secção</font><a><u><sup><font>[2]</font></sup></u></a><font>:</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>I. Relatório</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font>AERO VIP – COMPANHIA DE TRANSPORTES E SERVIÇOS AÉREOS, S. A</font></b><font>., actualmente denominada </font><b><font>Sevenair, S. A</font></b><font>., com sede no Aeródromo Municipal de Portimão, Hangar 3, Montes de Alvor, 8500-059 Portimão, intentou contra </font><b><font>BP PORTUGAL – COMÉRCIO DE COMBUSTÍVEIS E LUBRIFICANTES, S. A.,</font></b><font> com sede no Lagoas Park, Edifício 3, 2740-266 Porto Salvo, a presente acção declarativa de condenação, com processo comum, pedindo que a ré seja condenada: </font>
</p><p><font>a) a pagar à autora uma indemnização no valor de € 547.977,07 (quinhentos e quarenta e sete mil, novecentos e setenta e sete euros e sete cêntimos), acrescida dos juros contabilizados à taxa legal de juros comerciais, desde as datas dos pagamentos realizados pela autora à ré até efectivo e integral pagamento;</font>
</p><p><font>b) a passar a praticar de imediato os preços dos combustíveis nos termos da cláusula 19.ª, n.º 3, do Contrato, sob cominação de pagamento de sanção pecuniária compulsória no valor de € 500,00 (quinhentos euros)/dia, nos termos do art.º 829.º-A do Código Civil;</font>
</p><p><font>c) no pagamento à autora de uma indemnização por danos futuros correspondentes ao valor da diferença entre os preços cobrados pela ré e aqueles que esta devia cobrar ao abrigo da cláusula 19.ª, n.º 1, pelos abastecimentos realizados pela autora em Cascais e Bragança de Janeiro de 2018 (inclusive) em diante, até que aquela comece a respeitar o estipulado na dita cláusula, a liquidar em execução de sentença.</font>
</p><p><font>Para tanto, alegou, em resumo, o seguinte:</font>
</p><p><font>A autora dedica-se, entre o mais, a promover a publicidade aérea, fotografia e filmagens aéreas, transporte não regular de pessoas e mercadorias, fretamento e aluguer de aeronaves, tendo a base da sua principal operação no Aeródromo Municipal de Cascais, onde tem estacionada grande parte da sua frota de aviões e donde partem e para onde se destinam as carreiras aéreas que opera.</font>
</p><p><font>Em 4 de Março de 2015, a sociedade Cascais Dinâmica – Gestão de Economia, Turismo e Empreendedorismo, E. M., S.A., que explora o Aeródromo Municipal de Cascais, celebrou com a ré um contrato de concessão do posto de abastecimento de combustíveis do referido aeródromo que abrangia a construção por esta e exploração de um posto de abastecimento de combustíveis, mediante o pagamento àquela de uma contrapartida financeira correspondente a um valor de € 0,090 por cada litro de combustível vendido no período de concessão, obrigando-se ainda a ré “a que o preço praticado no posto de combustível objecto da presente concessão não supere, em mais do que 5%, para abastecimentos a aeronaves idênticas, o preço praticado no mês anterior para o mesmo combustível em postos de abastecimento de combustível de aeronaves num raio de 30 quilómetros desde o posto objecto de concessão, salvo situações devidamente justificadas, e mediante acordo escrito celebrado entre as Partes.”, conforme cláusula 19.ª, n.º 3 do contrato.</font>
</p><p><font>O Aeródromo Municipal de Cascais, onde se encontra o posto de combustível da ré, situa-se em Tires, a menos de 30 km do Aeroporto Internacional de Lisboa (Aeroporto General Humberto Delgado), onde a GALP é concessionária.</font>
</p><p><font>No posto de combustível por si explorado no Aeródromo Municipal de Cascais, a ré desde Janeiro de 2016 (pelo menos) tem praticado preços bastante mais altos do que os 5% de limite máximo superior ao preço praticado no mês anterior pela concessionária GALP no Aeroporto Internacional de Lisboa, para o mesmo tipo de combustível – Jet Fuel A1 – para abastecimentos a aeronaves idênticas àquelas operadas pela autora naquele Aeródromo.</font>
</p><p><font>Como consequência directa desta conduta, a autora sofreu prejuízos directos que presentemente ascendem ao valor de € 315.081,94 (trezentos e quinze mil e oitenta e um euros e noventa e quatro cêntimos), montante correspondente à soma dos valores das diferenças entre o que a ré cobrou em 2016 e 2017 e o que, nos termos do Contrato, devia ter pago (€ 220.342,87 + € 94.739,07).</font>
</p><p><font>Em finais de 2015/início de 2016, a autora acordou com o Aero Clube de Bragança, entidade que explora o aeródromo daquela cidade, que a partir de Fevereiro de 2016 (pelo menos) o preço do combustível fornecido por este teria como referência o preço praticado pela BP em Cascais, o que foi formalizado em 5 de Abril de 2017.</font>
</p><p><font>Porque o preço do combustível praticado em Bragança estava indexado ao preço do combustível praticado pela ré em Cascais, o facto de esta cobrar um preço superior ao contratualmente estipulado com a Cascais Dinâmica, S. A., reflectiu-se nos preços pagos pela autora em Bragança, levando a que pagasse mais € 232.895,13 (duzentos e trinta e dois mil oitocentos e noventa e cinco euros e treze cêntimos) pelo combustível que abasteceu durante os anos de 2016 e 2017, em Bragança.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>A ré contestou excepcionando a incompetência absoluta do tribunal e a ilegitimidade activa da autora e impugnando os factos alegados na petição inicial referindo desconhecer os preços praticados pela Galp e que apenas assumiu a obrigação relativamente aos preços por si praticados nos dois aeroportos. Sustentou que o contrato de concessão obriga apenas as partes que o celebraram e não implica qualquer prestação da ré para com a autora, não estando em causa um contrato a favor de terceiro, pois que apenas poderá obter um benefício reflexo. Acrescentou ainda ser alheia às cláusulas acordadas pela autora quanto ao Aeródromo de Bragança, sendo certo que se utilizou um preço de referência BP, S. A., sem que esta fosse consultada, só ela podendo ser responsabilizada por isso.</font>
</p><p><font>Conclui pela procedência das excepções e, assim não se entendendo, pela improcedência da acção com a sua absolvição do pedido.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> A autora respondeu à matéria das excepções, pronunciando-se pela sua improcedência.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Dispensada a realização da audiência prévia, foi proferido </font><u><font>despacho saneador</font></u><font>, onde foram julgadas improcedentes as excepções dilatórias suscitadas e verificados os demais pressupostos processuais. Seguiu-se a fixação do objecto do litígio e a enunciação dos temas de prova.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Em 18 de Março de 2018, a autora corrigiu erros de cálculo constantes dos quadros vertidos nos artigos 20.º e 42.º da petição inicial e, em consequência, requereu a </font><u><font>redução do pedido para o montante de € 546.193,00, o que foi admitido em sede de audiência final</font></u><font>.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Concluída esta, em 5 de Junho de 2019 foi proferida sentença que julgou a acção </font><b><font>parcialmente procedente</font></b><font> e condenou a ré BP Portugal – Comércios de Combustíveis e Lubrificantes, S. A., nos seguintes termos:</font>
</p><p><font>“</font><i><font>1º. … pagar à autora à A. Aero Vip – Companhia de Transportes e Serviços Aéreos, SA (SevenAir SA), a quantia de € 324.989,08, acrescida de juros comerciais a contar de 01/03/2017 até integral e efectivo pagamento;</font></i>
</p><p><i><font>2º. … passar a praticar de imediato os preços dos combustíveis nos termos da cláusula 19ª, n.º 3, do Contrato, sob cominação de pagamento de sanção pecuniária compulsória no valor de € 500,00 (quinhentos euros)/mês, nos termos do art.º 829º-A do Código Civil;</font></i>
</p><p><i><font>3º. … no pagamento à Autora de uma indemnização por danos futuros correspondentes do valor da diferença entre os preços cobrados pela Ré e aqueles que esta devia cobrar ao abrigo da cláusula 19º, do contrato de concessão, pelos abastecimentos realizados pela Autora em Cascais de Janeiro de 2018 (inclusive) em diante, até que aquela comece a respeitar o estipulado na dita cláusula, a liquidar em execução de sentença; e absolvê-la do demais peticionado</font></i><font>.”</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Inconformadas, ambas as partes interpuseram recurso de apelação, tendo o Tribunal da </font><b><font>Relação de Lisboa, </font></b><font>por acórdão de 18/2/2020, apreciado e decidido o que fora interposto pela ré, julgando-o </font><b><font>procedente com absolvição da ré dos pedidos, e considerando prejudicado o recurso de apelação interposto pela autora.</font></b>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Ainda não conformada, a </font><b><font>autora interpôs recurso de revista</font></b><font> e apresentou as correspondentes alegações que terminou com as seguintes extensas </font><u><font>conclusões</font></u><font>:</font>
</p><p><i><font> “A. No âmbito do presente recurso discute-se o sentido e alcance de uma norma estabelecida num contrato de concessão de serviço público celebrado entre a Recorrida e uma entidade terceira: a Cascais Dinâmica – Gestão de Economia, Turismo e Empreendedorismo, E.M., S.A, entidade que tem a seu cargo a exploração do Aeródromo Municipal de Cascais.</font></i>
</p><p><i><font>B. Em 4 de Março de 2015, a sociedade Cascais Dinâmica celebrou com a Requerida</font></i>
</p><p><i><font>um Contrato de Concessão do posto de abastecimento de combustíveis do referido aeródromo, de forma exclusiva, pelo período de 15 anos, durante os quais a Cascais Dinâmica receberia o valor de €0,090 por cada litro de combustível vendido.</font></i>
</p><p><i><font>C. Sem prejuízo das demais cláusulas contratuais analisadas ao longo do recurso consta da Cláusula 19.ª, n.º 3 que: “O concessionário obriga-se a que o preço praticado no posto de combustível objecto da presente concessão não supere, em mais do que 5%, para abastecimentos a aeronaves idênticas, o preço praticado no mês anterior para o mesmo combustível em postos de abastecimento de combustível de aeronaves num raio de 30 quilómetros desde o posto objecto de concessão, salvo situações devidamente justificadas, e mediante acordo escrito celebrado entre as Partes.”</font></i>
</p><p><i><font>D. A Recorrente é uma sociedade que se dedica, entre outras, ao transporte de pessoas,</font></i>
</p><p><i><font>e exerce a sua actividade maioritariamente no território nacional, tendo a base da sua principal operação no Aeródromo Municipal de Cascais, onde tem estacionada grande parte da sua frota de aviões e donde partem e para onde se destinam as carreiras aéreas que opera.</font></i>
</p><p><i><font>E. A principal operação da Recorrente são as ligações Regionais diárias entre Bragança – Vila Real – Viseu – Cascais – Portimão, decorrente da execução de um contrato</font></i>
</p><p><i><font>de concessão de serviço público celebrado com o Estado Português.</font></i>
</p><p><i><font>F. A Recorrente é assim Utente do Aeródromo Municipal de Cascais, onde desde 2016</font></i>
</p><p><i><font>adquire combustível à Recorrida.</font></i>
</p><p><i><font>G. Contudo, a Recorrida não cumpre a cláusula de limitação de preços estabelecida no</font></i>
</p><p><i><font>Contrato de Concessão o que causou e causa prejuízos para a Recorrente, quer nos abastecimentos que executa em Cascais, quer nos fornecimentos que executa em Bragança, pelo que a Recorrente pretende ser ressarcida de tais prejuízos e pretende que a Recorrida seja condenada a cumprir o Contrato de Concessão, nos termos em que se vinculou.</font></i>
</p><p><i><font>H. As questões que se colocam em sede de Recurso de Revista relacionam-se com o sentido e alcance da mencionada cláusula, cuja interpretação e efeitos em relação à Recorrente mereceu respostas divergentes da 1.ª Instância e do Tribunal da Relação de Lisboa, impondo-se a análise jurídica dos seguintes temas: (i) o Contrato de Concessão: a protecção de utentes em sede de contrato de concessão de serviço público; (ii) a qualificação do Contrato de Concessão: o contrato a favor de terceiro e o contrato com eficácia protectora de terceiros; (iii) o sentido e alcance da Cláusula 19.ª, n.º 3 do Contrato de Concessão.</font></i>
</p><p><i><font>I. Impõe-se ainda a análise dos prejuízos sofridos pela Recorrente nos abastecimentos</font></i>
</p><p><i><font>realizados no Aeródromo de Bragança – questão cujo conhecimento pelo Tribunal a quo ficou prejudicada.</font></i>
</p><p><i><font>J. O contrato de onde decorre o direito reclamado pela Recorrente, é um Contrato de Concessão de serviço público do qual, pela sua natureza administrativa, decorrem relações de natureza privada que originam relações jurídicas complexas, nomeadamente a atribuição de um direito, ou pelo menos uma protecção, de terceiros: os utentes do serviço público concessionado.</font></i>
</p><p><i><font>K. O contrato de concessão de serviço público tem um elemento diferenciador dos demais contratos: a prestação de um serviço público por parte do concessionário (cfr. artigo 407.º, n.º 1, do CCP), tratando-se “, portanto, de uma forma de contratação que visa a «prossecução do interesse público» (art. 1.º-A do CCP), procurando assim a constituição de uma vantagem para a comunidade social que é servida nos diversos âmbitos da contratação”48(</font></i><font>48 cfr. DIOGO COSTA GONÇALVES E FRANCISCO MENDES CORREIA, </font><i><font>Parecer</font></i><font>, p. 21)</font><i><font>.</font></i>
</p><p><i><font>L. De resto, a própria doutrina da referência o reconhece: “Ao contrário da generalidade dos contratos administrativos, o contrato de concessão de serviços públicos tem sempre subjacente o utente ou (mesmo que não existam utentes) terceiros a quem se dirige a prestação do serviço público”49 [49 cfr. PEDRO COSTA GONÇALVES, A concessão de serviços públicos (uma aplicação da técnica concessória), Almedina, 1999, p. 201].</font></i>
</p><p><i><font>M. É a circunstância de o contrato de concessão de serviços públicos configurar um</font></i>
</p><p><i><font>modo de satisfazer as necessidades de terceiros que justifica que os comandos constantes das suas cláusulas não assumam apenas uma eficácia inter-partes ou contratual, assumindo uma eficácia normativa ou regulamentar que vinculam o concessionário perante terceiros, em particular perante os utentes.</font></i>
</p><p><i><font>N. Tais situações reconduzem-se a direitos subjectivos públicos que encontram o seu fundamento em normas de direito público e que visam, pela sua própria natureza, a protecção de direitos de terceiros.</font></i>
</p><p><i><font>O. E esses direitos subjectivos, decorrentes da eficácia normativa dos comandos das cláusulas do contrato, podem naturalmente ser exigidos pelos utentes ou por terceiros junto do concessionário, como explica de forma particularmente feliz a doutrina: “Desde que os terceiros sejam titulares de um direito às prestações em que o serviço público se traduz, a satisfação desse direito cabe ao concessionário, por força de uma disposição com eficácia regulamentar; esses terceiros têm portanto um direito ao cumprimento do disposto nas cláusulas de efeitos regulamentares constantes do contrato de concessão, devendo ser lhes reconhecida legitimidade para usar os meios processuais que assegurem a tutela dessa posição</font></i>
</p><p><i><font>jurídica”50 (</font></i><font>50 cfr. PEDRO COSTA GONÇALVES</font><i><font>, A concessão de serviços públicos, </font></i><font>p. 203)</font><i><font>.</font></i>
</p><p><i><font>P. É, assim, à luz da própria natureza do Contrato de Concessão que devem ser interpretadas as cláusulas dele constantes e analisados efeitos que o mesmo produz em relação a terceiros, sendo ainda de mister importância a natureza da sociedade concedente – a Cascais Dinâmica – que na sua qualidade de empresa municipal, “não surge no comércio jurídico como uma regular sociedade comercial”, antes actua com o escopo especial de “promover o empreendedorismo local e regional, no âmbito do desenvolvimento económico-social, turístico, turístico-cultural e da prática desportiva no Concelho de Cascais, de forma a contribuir para o desenvolvimento económico sustentável do Concelho”51 (</font></i><font>51 Estatutos disponíveis </font><i><font>in </font></i><font><a>http://cascaisdinamica.pt/wp-content/uploads/CDN_Estatutos_2013.pdf</a>)</font><i><font>.</font></i>
</p><p><i><font>Q. A natureza da própria entidade concedente impõe que se encontre orgânica e funcionalmente focada não só em prosseguir o interesse público para o qual foi criada, como também em maximizar esse interesse: “este pressuposto está também associado ao que CARNEIRO DA FRADA designa por «potenciação do efeito útil das estipulações contratuais», enquanto orientação hermenêutica que deve reger a actividade do intérprete-aplicador”52 (</font></i><font>52 cfr. DIOGO COSTA GONÇALVES E FRANCISCO MENDES CORREIA, </font><i><font>Parecer</font></i><font>, p. 25)</font><i><font>.</font></i>
</p><p><i><font>R. Na análise da eficácia do Contrato de Concessão como um contrato com efeitos nas esferas jurídicas de terceiros, em especial da Recorrente, é essencial ter presente não só a sua natureza e função (os motivos subjacentes à necessidade que determinou a contratação), como a própria natureza e interesse de uma das partes contratantes, a qual pela sua natureza orgânica e funcional tem um, único propósito: servir os melhores interesses de quem vai beneficiar do serviço concessionado.</font></i>
</p><p><i><font>S. Do objecto do contrato sub judicio: construção e exploração de um posto de abastecimento de combustíveis no Aeródromo de Cascais; dos destinatários do serviço: as companhias aéreas que, tendo base no Aeródromo de Cascais, ali atestem as suas aeronaves e da inexistência de qualquer prestação de fornecimento à entidade concedente resulta, de forma inequívoca que os destinatários da principal obrigação do Contrato de Concessão – fornecimento de combustível – são os utentes – de entre os quais a Recorrente.</font></i>
</p><p><i><font>T. O que sai reforçado da Cláusula 11.ª, n.ºs 1 e 2 do Contrato de Concessão – que prevê a obrigação de manutenção do posto de combustíveis em perfeitas condições de utilização e na Cláusula 18.ª nos 1, 2 e 3 que prevê a obrigação de disponibilizar aos utentes um livro de reclamações, verificado periodicamente pela Cascais Dinâmica, a quem eram também devidas informações sobre as providências tomadas em relação às reclamações.</font></i>
</p><p><i><font>U. O contrato de concessão contém prestações (principais e acessórias) que não se dirigem a qualquer das partes, mas sim a terceiros ao próprio contrato, mas beneficiários deste: os utentes que utilizam o Aeródromo de Cascais, entre os quais, a Recorrente.</font></i>
</p><p><i><font>V. A cláusula 19.ª, n.º 3, do Contrato de Concessão contém um comando proibitivo para</font></i>
</p><p><i><font>a Concessionária/Recorrida que visa tutelar interesses públicos, com vista à garantia de uma leal concorrência com os postos de abastecimento do Aeroporto de Lisboa, consistindo num comando normativo ou regulamentar.</font></i>
</p><p><i><font>W. A natureza regulamentar deste comando proibitivo é reforçada pela obrigação da</font></i>
</p><p><i><font>Recorrida de comunicar mensalmente quer os volumes de combustível vendido quer o preço praticado sendo que, se na obrigação de informação sobre o volume de combustível vendido o interesse é exclusivo e serve unicamente a Concedente, na obrigação de informação sobre o preço praticado o interesse relevante já não é o da Concedente, mas sim o dos utentes do Aeródromo de Cascais, sendo o único interesse da Concedente garantir que o serviço público é prestado aos utentes em moldes competitivos.</font></i>
</p><p><i><font>X. É (também) da exclusividade da Recorrida que nasce a necessidade de limitar os preços de venda de combustível no Aeródromo de Cascais, numa dupla vertente: (i) manter o Aeródromo competitivo no mercado de abastecimento; (ii) proteger os utentes da prática de preços abusivos por parte da Recorrida.</font></i>
</p><p><i><font>Y. O comando constante da Cláusula 19.ª, n.º 3, do Contrato de Concessão, pelos motivos apontados, não tem só uma eficácia contratual inter partes, estabelecendo-se por via deste comando uma relação complexa entre as partes intervenientes no Contrato de Concessão e os utentes que irão utilizar o serviço público concedido.</font></i>
</p><p><i><font>Z. Assim foi decidido na Sentença de 1.ª Instância que, depois de ter concluído que a</font></i>
</p><p><i><font>cláusula em análise tem como destinatários os terceiros, utentes do Aeródromo, conclui que estamos perante um verdadeiro contrato a favor de terceiros.</font></i>
</p><p><i><font>AA. E, assim foi admitido no Acórdão recorrido que, depois de analisada a referida cláusula conclui que “Todavia, poderia ainda assim estar-se perante um contrato autorizativo de prestação a terceiro ou de contrato com efeitos reflexos sobre terceiros, mas no âmbito destes não surge para o terceiro beneficiário qualquer direito, deles emergente directa e imediatamente.”</font></i>
</p><p><i><font>BB. Assim também o concluem Diogo da Costa Gonçalves e Francisco Mendes Correia:</font></i>
</p><p><i><font>CC. “a cláusula 19.º/3 do Contrato de Concessão tem eficácia de proteção dos terceiros que adquiram combustível no posto de abastecimento do Aeródromo de Cascais.”53 (</font></i><font>53 cfr. DIOGO COSTA GONÇALVES E FRANCISCO MENDES CORREIA, </font><i><font>Parecer</font></i><font>, p. 33).</font>
</p><p><i><font>DD. A cláusula 19.º, n.º 3 do Contrato de Concessão é uma cláusula que tem um âmbito</font></i>
</p><p><i><font>que extravasa a bilateralidade dos contratos prevista no n.º 2 do art. 406.º do CC.</font></i>
</p><p><i><font>EE. No entender da Recorrente, esta cláusula constitui um verdadeiro contrato a favor</font></i>
</p><p><i><font>de terceiros, nos termos do disposto no art. 443.º e seguintes do CC e que lhe confere</font></i>
</p><p><i><font>o direito a exigir da Recorrida o cumprimento da prestação, bem como o pagamento</font></i>
</p><p><i><font>de uma indemnização pelos prejuízos causados.</font></i>
</p><p><i><font>FF. Entendimento acolhido pelo Tribunal de 1.ª Instância que concluiu que “Não há</font></i>
</p><p><i><font>dúvida que face à cláusula 19º, n.º 3 e 4 inserta no Contrato de concessão celebrado entre a R. e a Cascais Dinâmica, SA este reconduz-se a essa figura contratual no que a essa cláusula concerne”.</font></i>
</p><p><i><font>GG. São três os requisitos para que se possa concluir pela existência de um contrato a favor de terceiro: (i) A assunção por uma das partes (o promitente, aqui Recorrida) da obrigação de efectuar uma prestação; (ii) Que essa prestação seja a favor de um terceiro, estranho ao negócio; e (iii) Que a outra parte (promissário, neste caso a Cascais Dinâmica), tenha um interesse digno de protecção legal nessa promessa.</font></i>
</p><p><i><font>HH. De acordo com a referida cláusula dúvidas não subsistem que a Recorrida se obrigou a limitar o preço a praticar no posto de combustível objecto da concessão, e fê-lo de forma livre – porque quis celebrar o contrato e não apresentou reservas – e esclarecida – porque teve acesso ao mesmo aquando da apresentação da sua proposta conforme exigido pelos Códigos dos Contratos Públicos, pelo que se encontra preenchido o primeiro requisito.</font></i>
</p><p><i><font>II. A Recorrente é um terceiro, destinatário da prestação: esta tem um direito a que o combustível para as suas aeronaves, fornecido pela Recorrida, não tenha um preço superior ao limiar definido no comando constante da cláusula 19.ª, n.º 3, do Contrato de Concessão.</font></i>
</p><p><i><font>JJ. A esta conclusão obrigam as normas jurídicas reguladoras da interpretação de negócios jurídicos, constantes dos artigos 236.º a 238.º do CC e o art. 9 do CC atendendo ao carácter normativo do comando em causa, inserido que se encontra num Contrato de Concessão.</font></i>
</p><p><i><font>KK. Concretamente, os elementos relevantes a ter em conta na referida interpretação</font></i>
</p><p><i><font>são o (i) elemento literal, (ii) o elemento sistemático, e (iii) o elemento teleológico54 (</font></i><font>54 No mesmo sentido e, com adiante se verifica, Diogo Costa Gonçalves e Francisco Mendes Correia)</font><i><font>.</font></i>
</p><p><i><font>LL. O elemento literal da Cláusula em discussão não é absolutamente decisivo pelo que</font></i>
</p><p><i><font>o elemento sistemático – o seu contexto no âmbito de um Contrato de Concessão assuma especial relevância.</font></i>
</p><p><i><font>MM. Os contratos de concessão são uma das expressões mais relevantes daquilo a que a doutrina tem designado de micro - ordenamentos concessórios, ou seja, a formação de sub - ordenamentos especificamente aplicáveis a todos aqueles que podem estar, de alguma forma, abrangidos pelo serviço público em causa no contrato de concessão.</font></i>
</p><p><i><font>NN. Numa interpretação orientada para os lugares paralelos do sistema jurídico, tal comando tem uma evidente semelhança com aqueles que constam de regulamentos que acompanham os contratos de concessão de serviço público, pelo que à luz do elemento sistemático torna-se claro que da cláusula em análise decorre um direito subjectivo para a Recorrente — tal como ocorreria, sublinhe-se, se o mesmo comando constasse de um regulamento de serviço, aprovado após a celebração do Contrato de Concessão.</font></i>
</p><p><i><font>OO. E essa interpretação é também confirmada pelo elemento teleológico, atendendo-se à vontade das partes intervenientes, mas tendo em especial atenção a compreensão actualista do comando em causa: o sentido do comando em causa é beneficiar não apenas a competitividade em abstracto do Aeródromo, mas também todos aqueles que beneficiam directamente do combustível tendo de abastecer junto da Recorrida.</font></i>
</p><p><i><font>PP. Como já se deixou dito, é o interesse inerente à entidade concedente, parte no Contrato de Concessão, que determina a necessidade de, por um lado garantir a competitividade do Aeródromo de Cascais e, por outro lado, proteger os utentes mitigando os efeitos que uma situação de monopólio concedido à Recorrida pode gerar.</font></i>
</p><p><i><font>QQ. Na cláusula de limitação de preços em discussão retira-se – quer por via do elemento sistemático, quer por via do elemento teleológico do contrato – um interesse digno de protecção social da Cascais Dinâmica: conferir aos utentes um direito a que não lhes seja cobrado um preço que não respeite as normas a que a prática de preços está sujeita num mercado concorrente.</font></i>
</p><p><i><font>RR. Em síntese: de acordo com o elemento teleológico, o enunciado da cláusula 19.ª, n.º 3, do Contrato de Concessão pode — e deve — ser interpretado como atribuindo um direito subjectivo a um preço inferior a 5% a todos aqueles que recorrem ao serviço público prestado pela Recorrida.</font></i>
</p><p><i><font>SS. É a protecção dos utentes contra preços abusivos que determina (entre a promoção</font></i>
</p><p><i><font>do Aeródromo) o interesse social da Cascais Dinâmica no cumprimento do seu dever enquanto entidade pública.</font></i>
</p><p><i><font>TT. A existência de um efeito jurídico positivo determina a qualificação do contrato em</font></i>
</p><p><i><font>causa como um contrato a favor de terceiro.</font></i>
</p><p><i><font>UU. E a tanto não obsta o facto dos terceiros visados constituírem um universo indeterminado (mas determinável) de utentes.</font></i>
</p><p><i><font>VV. É comum que nos contratos de concessão esteja presente uma relação contratual a</font></i>
</p><p><i><font>favor de terceiro: “Um dos acérrimos defensores deste tipo de contrato à matéria em discussão foi o Conselheiro Cardona Ferreira, o qual, entende que o «terceiro seria o destinatário do contrato, apesar de não ser parte contratual» no mesmo (Ferreira, 2004: 72 e ss). Se ao terceiro não coubesse a faculdade de exigir o cumprimento do contrato estaríamos, portanto, na presença de um contrato a favor de terceiro, «mas impróprio»66 (Ferreira, 2004: 72 e ss). O referido autor considera que, no contrato de concessão, está presente «uma relação contratual de caráter privado» da qual resulta um contrato a favor de terceiro, «em benefício de um conjunto indeterminado de pessoas potencialmente utentes», que é «causa final da concessão a que reporta» (Ferreira, 2004: 76)”55 (55 Tiago Barbosa Leite, Tese de Mestrado, disponível em </font></i><a><i><u><font>http://webcache.googleusercontent.com/search?q=cache:i82KUVXFSgYJ:repositorio.ulusiada.pt/bitstream/11067/3856/1/Disserta%25C3%25A7%25C3%25A3o%2520de%2520mestrado%2520.pdf+&cd=1&hl=pt-</font></u></i></a><i><font> PT&ct=clnk&gl=pt).</font></i>
</p><p><i><font>WW. E, ainda, Diogo Costa Gonçalves e Francisco Mendes Correia quando admitem que “Com efeito, pode haver indeterminação inicial e um verdadeiro contrato a favor de terceiro, se as partes ainda assim pretenderem atribuir ao terceiro um verdadeiro direito de crédito, a fazer valer a sua situação jurídica modificada.”56 (</font></i><font>56 cfr. DIOGO COSTA GONÇALVES E FRANCISCO MENDES CORREIA, </font><i><font>Parecer</font></i><font>, p. 39).</font>
</p><p><i><font>XX. Face ao exposto, a Decisão Recorrida incorre em erro de direito ao aplicar as normas relativas à interpretação dos negócios jurídicos — 236.º a 238.º do CC na interpretação do enunciado da cláusula 19.ª, n.º 3, do Contrato de Concessão e, em consequência, ao concluir que o mesmo não pode ser interpretado no sentido de ser atribuir à Recorrente um verdadeiro direito quer à prestação, quer à indemnização pelo seu incumprimento.</font></i>
</p><p><i><font>YY. E a tanto também não obsta quer a circunstância de não ter havido negociação —</font></i>
</p><p><i><font>como aliás é próprio nos processos de contratação administrativa — quer a não consideração do caderno de encargos do programa do procedimento e dos demais elementos do procedimento, já que o Contrato de Concessão reproduz, fielmente, as cláusulas do Caderno de Encargos sob pena de nulidade.</font></i>
</p><p><i><font>ZZ. Termos em que erra o Tribunal a quo na apreciação de direito impondo-se a revogação da decisão recorrida e sendo o contrato dos autos considerado como um contrato a favor de terceiros e, em consequência, ser considerada procedente por provada a presente acção, nos mesmos termos considerados pela douta sentença proferida pelo Tribunal de 1.ª instância que nenhum reparo merecia na parte que deu vencimento à acção.</font></i>
</p><p><i><font>AAA. Caso assim não se entenda, o que por cautela e dever de patrocínio se admite, sempre deverá o presente contrato ser qualificado como um contrato com eficácia protectora de terceiros, conferindo à Recorrente uma tutela indemnizatória.</font></i>
</p><p><i><font>BBB.Ao contrário do entendimento da Recorrente e do entendimento acolhido pelo Tribunal de 1.ª Instância, entendeu o Tribunal da Relação que, do resultado interpretativo da cláusula 19.º, n.º 3 do Contrato de Concessão, não se poderia concluir estarmos na presença de um contrato a favor de terceiro, mas sim de um contrato com eficácia protectora de terceiros.</font></i>
</p><p><i><font>CCC. Também Diogo Costa Gonçalves e Francisco Mendes Correia, debruçando-se em exclusivo sobre a questão dos presentes autos, concluem que “Assim, o contrato de contrato de concessão sub judice deve ser qualificado como um contrato com eficácia de proteção de terceiro. Os utentes dos equipamentos concessionados são destinatários de uma proteção ex contratu que, não os encabeçando em qualquer direito de crédito contra a concessionária, lhes confere tutela indemnizatória em caso de incumprimento”57 (</font></i><font>57 cfr. DIOGO COSTA GONÇALVES E FRANCISCO MENDES CORREIA, </font><i><font>Parecer</font></i><font>, p. 60.)</font><i><font>.</font></i>
</p><p><i><font>DDD. Porém, os mencionados Autores divergem do Tribunal a quo quanto à tutela indemnizatória: “não é verdade que o terceiro abrangido pela protecção do contrato não goze de tutela ressarcitória, em caso de | [0 0 0 ... 0 0 0] |
RDKwu4YBgYBz1XKv0zBd | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><b><u><font>Relatório</font></u></b><br>
<div><font>*</font></div><font>No Tribunal Judicial da Comarca de Mafra, </font><br>
<u><font>AA- F... e S..., S.A.</font></u><br>
<font>Intentou a presente acção declarativa de condenação, com processo ordinários, contra</font><br>
<u><font>BB</font></u><font>,</font><br>
<font>alegando em resumo que, no exercício da sua actividade de importador de produtos frutícolas, vendeu ao R. diversas mercadorias, descriminadas nas facturas juntas aos autos, destinadas à revenda pela R. em mercados de produtos horto-frutícolas.</font><br>
<font>O R., porém, não pagou à A. o preço de tais mercadorias, estando em dívida 15.056,18€.</font><div><font>*</font></div><font>Contestou o R.</font><br>
<font>Deduziu a excepção da prescrição (de curto prazo) e impugnou a factualidade articulada pela A., alegando, quer que pagou todas as mercadorias fornecidas pela A., quer que nunca lhe foram entregues as mercadorias aqui em causa pelo que nada deve à A..</font><div><font>*</font></div><font>A A. Veio reduzir o pedido em 1.003,04€, que reconhece ter-lhe sido já pago, mantendo o restante pedido.</font><div><font>*</font></div><font>Proferiu-se despacho saneador, no âmbito do qual foi julgada improcedente a excepção de prescrição.</font><div><font>*</font></div><font>Fixaram-se os factos assentes e organizou-se a base instrutória.</font><div><font>*</font></div><font>Realizado o julgamento, com gravação da prova, e lida a decisão de facto, foi proferida sentença final que julgou a acção procedente, condenando a R. no pedido (reduzido).</font><br>
<font>Condenou-se ainda o R. na multa de 20UC’s, como litigante de má-fé.</font><div><font>*</font></div><font>Inconformado recorreu o R. de facto e de direito, pugnando, entre o mais, pela repetição do julgamento visto que ocorreu deficiência na gravação da prova, no que respeita ao depoimento de facto do R. (falta gravação de parte desse depoimento).</font><div><font>*</font></div><font>Conhecendo a apelação a Relação julgou-a improcedente, quer quanto à matéria de facto, que reapreciou e decidiu não alterar, apesar de pequenas deficiências na gravação do depoimento do R., que se tiveram por irrelevantes e insusceptíveis de influir na decisão, quer quanto ao direito.</font><br>
<font>Confirmou, pois, a sentença recorrida.</font><div><font>*</font></div><font>É deste acórdão que novamente inconformado, volta a recorrer o R., agora de revista e para este S.T.J..</font><div><font>*</font><br>
<font>* *</font><br>
<font>*</font></div><font>Conclusões</font><div><font>*</font></div><font>Apresentadas tempestivas alegações, formulou o recorrente as seguintes conclusões:</font><div><font>*</font><br>
<font>*</font></div><font>Conclusões da Revista</font><div><font>*</font><br>
<font>*</font></div><font>II - Conclusões</font><br>
<font>De tudo o que acima foi exposto, conclui-se que:</font><br>
<font>a) Que o presente recurso foi interposto do acórdão proferido pela Relação de Lisboa, que, considerou parcialmente improcedente o recurso apresentado pelo apelante, ora recorrente, confirmando a sentença recorrida, designadamente, em função da interpretação conferida à nulidade processual decorrente da imperceptibilidade da gravação de um depoimento prestado numa sessão de audiência de julgamento, bem como, da violação do princípio da continuidade e concentração da audiência e a sua susceptibilidade de influir no exame e decisão da causa;</font><br>
<font>b) Uma das questões em causa, é a existência de uma falha técnica existente na gravação de uma das sessões de julgamento, e a susceptibilidade desta influir no exame e na decisão da causa, tendo em consideração que, entre as sessões de audiências de discussão de julgamento decorreram 15 meses;</font><br>
<font>c) Sabemos que, não compete às partes num processo, que controlem a gravação efectiva dos depoimentos prestados;</font><br>
<font>d) O que o aqui recorrente sustenta, que, a omissão parcial do seu depoimento de parte, que é apontado pela sentença da l.ª Instância como principal enformador da decisão proferida, é grave, e certamente é susceptível de influir no exame e na decisão da causa; </font><br>
<font>e) Na modesta opinião do aqui recorrente, não é necessário que este prove que a omissão da gravação foi a causa da decisão, mas apenas que esta é susceptível de influir na decisão, pois esta interpretação é aquela que se extrai da lei;</font><br>
<font>f) A ausência de som, isto é, do depoimento do réu nos autos, corresponde aproximadamente a 15 minutos de gravação, num depoimento, que no máximo durou cerca de 45 minutos;</font><br>
<font>g) Esta questão é tanto ou mais importante, pelo facto de o Tribunal de l.ª Instância ter fundamentado a sua decisão, proferida em 4 de Janeiro de 2008, ou seja, 6 meses após a última sessão, pela confissão obtida pelo depoimento de parte;</font><br>
<font>h) Muito embora esteja em causa uma nulidade processual, que à partida, não integra a nulidade da sentença, certo é que, a existir, dela deriva nulidade da própria sentença, e do acórdão recorrido, nos termos do n.0 2 do art.° 201° do CPC, visto que a sentença, e o acórdão, dependem em absoluto dos factos que forem considerados provados, não só pela 1ª instância, mas também, de forma definitiva, pela Relação, portanto com base em elementos de prova que esta esteja em condições de analisar quando seja caso disso;</font><br>
<font>i) Sucede que, mesmo que se admitisse que o depoimento de parte sempre poderia ser livremente apreciado pelo julgador, a falha da gravação, no contexto das declarações do réu, e, atenta a ponderação dada às mesmas na decisão da matéria de facto, não pode deixar-se de se concluir pela susceptibilidade de a anomalia verificada na gravação ter influência na decisão do pleito;</font><br>
<font> j) Sem necessidade de mais considerações/a Relação, decidindo como decidiu, violou a lei substantiva, designadamente, pela errada aplicação e interpretação da lei de processo, circunstancia que vicia o douto acórdão, em termos que acarretam a sua nulidade;</font><br>
<font>k) Outra questão, que deverá ser conjugada com a anterior, é a manifesta violação do princípio da continuidade e concentração da audiência;</font><br>
<font>1) Se é verdade que esta irregularidade não foi suscitada durante o processo, também não deixa de o ser, que, após a verificação da falha técnica na gravação, em conjugação com a fundamentação da sentença, se verifica que esta violação foi determinante para a errada apreciação da lide;</font><br>
<font>m) Sem dúvida que a irregularidade cometida, influiu no exame e na decisão da causa, devendo nessa medida ser suprimida, pela repetição da produção da prova;</font><br>
<font>n) Relativamente aos factos dados como provados, confirmados pelo Acórdão recorrido, não pode o Tribunal a quo, escudar-se no princípio da livre apreciação da prova para justificar a formação de uma convicção, que contraria a factualidade vertida em sede de prova;</font><br>
<font>o) Cuja desconformidade é notória, porquanto a motivação apresentada resulta de uma convicção sustentada em contradição com os depoimentos prestados;</font><br>
<font>p) A livre apreciação da prova, não se confunde de modo algum com a apreciação arbitrária da prova, nem com a mera impressão criada no espírito do julgador pelos diversos meios de prova, como é o caso dos presentes autos; .</font><br>
<font> q) Pelo exposto, existe na opinião do recorrente, um erro na apreciação da prova e na fixação dos factos materiais, pela ofensa do regime legal do ónus da prova, devendo nessa medida o Acórdão recorrido, ser corrigido, por outro, que respeite o regime legal em sede de ónus da prova;</font><br>
<font>r) Por último, o Acórdão recorrido, viola ostensivamente o regime instituído nas alíneas a) e b) do n° 2 do artigo 456° do CPC, o qual, têm de ser interpretado em consonância com a garantia de um amplo direito de acesso aos tribunais e do exercício do contraditório, princípios basilares de um estado de direito;</font><br>
<font>s) O recorrente nos autos, não litigou com má-fé, pelo que deve ser absolvido totalmente desta condenação;</font><br>
<font>t) Termos em que, sem necessidade de mais considerações, a Relação, decidindo como decidiu, violou a lei substantiva, designadamente, pela errada interpretação e aplicação da lei do processo, bem como, errou relativamente à interpretação da prova junta aos autos, ofendendo dessa forma, as regras relativas à força probatória </font><br>
<font>Nestes termos, deverá o presente recurso proceder, por provado e, em consequência ser anulado o acórdão proferido, sendo ordenada a sua substituição por outro que obvie aos vícios apontados, assim fazendo V. Ex.a, Venerandos Juízes Conselheiros, a costumada JUSTIÇA</font><div><font>*</font></div><br>
<font>Não foram oferecidas contra-alegações.</font><div><font>*</font><br>
<font>*</font><br>
<font>*</font></div><b><u><font>OS FACTOS</font></u></b><br>
<font>Foram os seguintes os factos fixados pela Relação (a que não alterou a matéria de facto tido por provada na 1ª instância).</font><div><font>*</font><br>
<font>*</font><br>
<font>*</font></div><font>Foram dados como provados na sentença recorrida os seguintes factos:</font><br>
<font>1. A autora dedica-se à actividade de importação e exportação de frutas e comércio de produtos hortícolas (ai. A. da matéria de facto assente);</font><br>
<font>2. O réu liquidou a importância de € 1.003,04 por referência à factura 58717 emitida pela autora em 04.11.1998 (al. B. da matéria de facto assente);</font><br>
<font>3. No exercício da sua actividade, a autora forneceu ao réu os produtos descriminados nas facturas:</font><br>
<font> a. 58717, com data de emissão de 04.11.1998 e vencimento na mesma data, no valor de 250.740$00 (€ 1.250,69);</font><br>
<font> b. 58920, com data de emissão de 09.11.1998 e vencimento na mesma data, no valor de 584.944$00 (€ 2.890,74); </font><br>
<font> c. 59063, com data de emissão de 12.11.1998 e vencimento na mesma data, no valor de 200.655$00 (€ 1.086);</font><br>
<font> d. 59220, com data de emissão de 16.11.1998 e vencimento na mesma data, no valor de 238.455$00 (€ 1.189,45);59926, com data de emissão de 18.11.1998 e vencimento na mesma data, no valor de 509.276$00 (€ 2.540,26);</font><br>
<font> e. 59488, com data de emissão de 23.11.1998 e vencimento na mesma data, no valor de 210.210$00 (€ 1.048,52);</font><br>
<font> f. 59804, com data de emissão de 01.12.1998 e vencimento na mesma data, no valor de 492.188$00 (€ 2.455,02);</font><br>
<font> g. 60100, com data de emissão de 08.12.1998 e vencimento na mesma data, no valor de 427.035$00 (€ 2.130,04);60348, com data de emissão de 14.12.1998 e vencimento na mesma data, no valor de 108.990$00 (€ 543,64) - (art° 1º da base instrutória);</font><br>
<font>4. Produtos esses que foram recebidos pelo réu (art° 2o da base instrutória);</font><br>
<font>5. As compras e vendas a que se referem as facturas dos autos foram negociadas por António Manuel Soares Campos em nome do réu;</font><br>
<br>
<b><u><font>Fundamentação</font></u></b><div><font>*</font></div><font>Como se vê das conclusões, são quatro as questões suscitadas na revista.</font><div><font>*</font></div><font> 1- Saber se a imperceptibilidade parcial da gravação, no que concerne ao depoimento de parte do R. deve ser tida como capaz de influir na decisão (de facto), e, como tal se deve levar à anulação do julgamento para repetição desse depoimento;</font><br>
<font>2- Violação do princípio da continuidade da audiência.</font><br>
<font>Saber se terá influído na decisão, sobretudo se conjugada com a deficiente gravação do depoimento da parte do R.;</font><br>
<font>3- Erro na apreciação da prova levada a cabo em sede de apelação.</font><br>
<font>4- Condenação do R. como litigante de má-fé.</font><br>
<font>Não se justificaria, segundo o recorrente.</font><div><font>*</font><br>
<font>* *</font><br>
<font> *</font></div><b><u><font>1ª e 2ª Questão</font></u></b><div><font>*</font></div><font>Como resulta dos autos, o R., nas alegações oferecidas na apelação, refere que, ao proceder à audição das cassetes gravadas em ordem a impugnar a matéria de facto, verificou que a 2ª cassete que corresponde ao início da primeira audiência de 12/10/2007, onde se encontra o registo do depoimento de parte do R. se encontra deficientemente gravada, sendo por diversas ocasiões, imperceptível a sua audição, além de se verificar em dois momentos, a omissão (falha) do registo do aludido depoimento do R..</font><br>
<font>Tal imperfeição da gravação tem manifesto relevo para a decisão da causa, constituindo nulidade processual – Art. 201º n.º 1 do C.P.C. – que o recorrente pode invocar perante a Relação, por estar em tempo – Art. 205º n.º 3 do C.P.C. – pelo que deve ser anulada a sentença.</font><div><font>*</font></div><font>Em sede de apelação, a Relação apreciou tal questão.</font><br>
<font>Ouvidas as cassetes gravadas verificou o tribunal recorrido “que apenas na gravação da cassete n.º 1, da 2ª sessão da audiência de discussão e julgamento levada a efeito no dia 12 de Outubro de 2007, aquando da prestação do depoimento de parte do réu – </font><u><font>e apenas neste</font></u><font> – ocorreram dois pequenos hiatos a que correspondem falhas na audição”. Conclui, a seguir, o acórdão recorrido que “a pequena duração da falha de gravação, no contexto da globalidade sequencial das declarações do réu – </font><u><font>declarações essas perfeitamente compreensíveis</font></u><font> – e, atento a ponderação dada às mesmas na decisão da matéria de facto, não pode deixar de se concluir pela irrelevância da invocada anomalia verificada na gravação” “O depoimento do réu apenas relevou – </font><u><font>e bem</font></u><font> – quanto à circunstância deste ter admitido que CC era o seu representante no negócio de frutas, o que sucedia nas datas constantes nas facturas em causa nos autos”.</font><br>
<font>“E, essas declarações consideradas pelo tribunal </font><u><font>a quo</font></u><font> como confessórias, e sobre as quais foi observado o disposto no artigo 563º n.º 1do CPC, mostram-se bem audíveis na gravação que foi efectuada”.</font><div><font>*</font></div><font>Assim, pelas aludidas razões, concluiu-se no acórdão recorrido, que a diminuta anomalia da gravação da prova não tem relevância para a decisão da causa, já </font><u><font>que não impede a reapreciação da prova produzida</font></u><font>.</font><div><font>*</font></div><font>De facto, apesar da invocação da dita anomalia, o R. impugnou as respostas dadas aos quesitos, com toda a amplitude e sem restrição, fundamentando nos depoimentos das testemunhas a razão da sua divergência com a decisão de facto, já que, na sua opinião, tais depoimentos não suportariam as respostas dadas, sem que tenha sido apontado qualquer anomalia da gravação em relação a tais depoimentos.</font><div><font>*</font></div><font>E a Relação reapreciou criticamente a matéria de facto impugnada, como havia sido requerido na apelação, tendo em conta a prova produzida, registada nas cassetes, que ouviu, concluindo não haver razão para alterar a decisão de facto que, por isso, manteve integralmente.</font><div><font>*</font></div><font>Também na apelação o recorrente invocou a nulidade decorrente de o tribunal não ter dado cumprimento ao princípio da continuidade e concentração da audiência, violando assim o disposto nos Art.ºs 656º e 658º do C.P.C..</font><br>
<font>Alegou, para o efeito, que a 1ª sessão do julgamento ocorreu no dia 4/7/2006, cuja continuação foi agendada para o dia 19/1/2007, que igualmente foi adiada para o dia 16/6/2007, mas porque esse dia caía num sábado, foi novamente adiada para o dia 15/6/2007 (melhor se diria antecipada), acabando por ser novamente adiada para o dia 12/10/2007 (data em que se efectuou).</font><div><font>*</font></div><font>Sobre esta questão, entendeu a Relação, e bem, a nosso ver, que a considerar-se tal situação como integrando uma nulidade, tratar-se-ia sempre de uma nulidade secundária, pelo que, tendo o R. sido notificado dos adiamentos referidos, deveria ter arguido a nulidade no prazo do Art. 205º do C.P.C..</font><br>
<font>Não o tendo feito encontra-se sanada a nulidade.</font><br>
<font>Acrescenta, correctamente, que a falta de continuidade da audiência, no caso, não é susceptível de influir no exame ou na decisão da causa, tanto mais que toda a prova se encontra gravada.</font><div><font>*</font><br>
<font>* *</font><br>
<font>*</font></div><font>Insiste o recorrente, na revista, que a mencionada anomalia na gravação é susceptível de influir na decisão da causa, e, como tal, gera nulidade, devendo repetir-se a prova.</font><br>
<font>Depois, procura enfatizar tal deficiência, conjugando-a com a falta de continuidade da audiência. Essa descontinuidade teria sempre de ser tida como nulidade por ser susceptível de influir na decisão, dado existirem falhas na gravação, uma vez que a decisão assenta a sua base no depoimento de parte do réu.</font><div><font>*</font></div><font>Vejamos.</font><div><font>*</font></div><font>Começando por esta última questão dir-se-á, desde logo, que, no caso concreto, será muito duvidoso falar-se em violação da regra da continuidade da audiência prevista no Art. 656 n.º 2 do C.P.C..</font><br>
<font>É que não pode escamotear-se que a 1ª suspensão (e não adiamento) do julgamento iniciado em 4/7/2006, ficou a dever-se à ampliação da base instrutória que aí teve lugar e à necessidade de permitir às partes o oferecimento de prova complementar, como determina o Art.º 650 n.ºs 3 e 4 do C.P.C., sendo certo que foi requerida a junção de documentos, alguns dos quais a requisitar a outras entidades, de modo que os últimos documentos, foram juntos aos autos em 5/1/2007. </font><br>
<font>Deste modo, foi adequada e justificada a data de 19/1/2007 para a continuação do julgamento (Não se encontra documentado nos autos que essa continuação tenha sido agendada para 25/9/2006 e depois adiada para 19/1/2007, como refere o recorrente).</font><div><font>*</font></div><font>Os dois adiamentos que se seguiram em 19/1/2007 e 15/6/2007, resultaram do impedimento do juiz de círculo na continuação de outros julgamentos envolvendo RR. presos, que, como se sabe, têm carácter de urgência, preferindo a quaisquer outros.</font><div><font>*</font></div><font>Portanto, a suspensão após a 1ª audiência parece caber na excepção expressamente prevista no Art.º 656º n.º 2, e os aditamentos seguintes, mostram-se justificados, verificando-se situação semelhante à prevista no Art.º 651º n.º 1 a) e n.º 3, também excepcionada no Art. 656º n.º 2.</font><div><font>*</font></div><font>Por outro lado, vê-se dos autos que o depoimento de parte do R. (único em relação ao qual existem deficiências na gravação) foi colhido na audiência de 12/10/2007, sendo certo que a decisão de facto foi proferida em 25/10/2007, 13 dias depois, pelo que o dito depoimento de parte estaria ainda bem presente na memória do julgador (e toda a restante prova estava bem gravada ou era documental), não se verificando os inconvenientes que o recorrente quer sugerir quando enfatiza os mais de 15 meses decorridos entre a 1ª audiência e a decisão de facto.</font><div><font>*</font></div><font>De qualquer modo a violação da regra da continuidade da audiência não parece estar sancionada processualmente. Quer dizer, não gerará nulidade (cof. Lebre de Freitas – C.P.C. anotado; Rodrigues Bastos – Notas ao C.P.C.; Ac. S.T.J. de 30/1/2001 – Proc. N.º 4050/00 – 6º), o que bem se compreende, uma vez que o seu cumprimento exacto e preciso, dificilmente pode ser efectivado, sobretudo nos casos de julgamentos demorados e complexos, sob pena do colapso total do demais serviço agendado.</font><div><font>*</font></div><font>Seja como for, se se entender que a descontinuidade da audiência de julgamento constitui o vício da nulidade, esta não pode qualificar-se, senão, como nulidade secundária (Art.º 201º do C.P.C.) e, a ser assim, o referido vício só produz nulidade quando a lei o declare ou a irregularidade possa influir no exame ou na decisão da causa o que não é, seguramente, o caso dos autos.</font><div><font>*</font></div><font>Em qualquer caso, sempre teria de ser arguida pelo interessado, no caso pelo recorrente, no prazo legal, o que não aconteceu, daí, que a tratar-se de nulidade, há muito que estaria sanada.</font><div><font>*</font></div><font>Para além do que já se referiu, convém notar que não pode estabelecer-se qualquer conexão entre a descontinuidade concreta da audiência e a anomalia da gravação e não só pela proximidade entre o depoimento do R. e a decisão de facto, como já se salientou.</font><br>
<font>Acresce, na verdade, que a convicção do julgador de 1ª instância que determinou a decisão de facto, que a Relação confirmou após reapreciação da prova, não assenta exclusivamente no depoimento de parte, como se vê claramente da sua fundamentação.</font><br>
<font>As respostas aos quesitos 3º e 4º é que assentaram nesse depoimento, </font><u><font>mas apenas na parte dele que foi tida por confessória</font></u><font>, e, </font><u><font>essa parte</font></u><font>, tal como determina a lei processual, </font><u><font>foi transcrita na acta</font></u><font> e, de resto, como se afirma no Ac. Recorrido, </font><u><font>no que a ela respeita, o depoimento é perfeitamente perceptível.</font></u><br>
<font> Logo, todo o material provatório que esteve na base da decisão de facto, encontra-se registado nos autos sem qualquer anomalia, pelo que a alegada descontinuidade da audiência, quando muito, integraria mera irregularidade, sem influência na decisão ou exame da causa.</font><div><font>*</font><br>
<font>* *</font><br>
<font>*</font></div><font> E, quanto à </font><u><font>anomalia da gravação</font></u><font>, é óbvio que o S.T.J. nunca poderia aqui sindicá-la, depois de a Relação a ter tido por irrelevante para a reapreciação da prova produzida nos autos.</font><br>
<font>Como é sabido, e não necessita de maiores desenvolvimentos, o S.T.J. não aprecia matéria de facto a não ser nos caos excepcionais previstos no n.º 2 do Art.º 722º do C.P.C., situação que não ocorre no caso dos autos.</font><br>
<font>Ora, saber se a aludida anomalia era ou não relevante para a decisão de facto, passaria, naturalmente, pela sindicância de toda a prova o que, como se disse, está vedado ao S.T.J.. </font><br>
<font>De modo que, assim como o S.T.J. não pode sindicar o eventual erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa, também não pode pôr em causa a valoração que a Relação fez de cada um dos meios de prova de que se serviu para proceder à reapreciação que lhe foi solicitada e lei lhe consente a menos que se tratasse de prova vinculada que o tribunal recorrido tivesse desrespeitado.</font><br>
<font>Se a Relação, considerando o contexto de todo o depoimento do réu, o teve por perfeitamente compreensível, apesar da pequena folha da gravação, e por isso, considerou aquela falha irrelevante para a decisão de facto, não pode aqui pôr-se em causa tal apreciação, já que estamos no domínio de pura matéria de facto.</font><br>
<font>Só assim não seria se, por ex., a Relação tivesse decidido que a deficiência da gravação, abstractamente considerada, não constituiria qualquer tipo de nulidade, sendo sempre irrelevante para a decisão de facto. </font><br>
<font>Nada disso se passa no caso concreto.</font><br>
<font>O tribunal recorrido reconheceu que tal anomalia podia constituir nulidade secundária, só que, para que ocorresse a nulidade, seria necessário que, no caso concreto, essa anomalia fosse tal, </font><u><font>que comprometesse a apreciação da prova impugnada e, por isso pudesse influir na decisão de facto a fixar</font></u><font>.</font><br>
<font>Foi exactamente a essa indagação concreta que procedeu o tribunal recorrido, concluindo que, no caso tal não acontecia, pelo que a falha se traduz em mera irregularidade incapaz de influir na decisão, sendo, como tal, irrelevante.</font><br>
<font>Seguiu-se o critério legal constante do Art. 201º do C.P.C. e do Art.º do DL 39/95, já que este último dispositivo apenas exige a repetição da gravação quando se verifique a sua omissão parcial ou imperceptibilidade “sempre que for essencial ao apuramento da verdade”.</font><br>
<font>No caso, decidiu-se não se tratar de omissão grave ou importante, por não comprometer a compreensão do depoimento considerado na sua globalidade, o que se fez após a análise do depoimento gravado.</font><br>
<font>Tal juízo não pode ser aqui sindicado, como se referiu.</font><div><font>*</font></div><font>Acresce que, no caso, do depoimento do R., </font><u><font>apenas foi aproveitado a parte dele que constitui confissão e, quanto a essa parte, não ocorreu qualquer omissão de gravação, além de que foi registada na acta</font></u><font> nos termos do Art.º 563º n.º 1 do C.P.C., </font><u><font>sem qualquer reclamação ou reparo do recorrente</font></u><font>.</font><br>
<font> Consequentemente, se a declaração confessória do réu é perfeitamente perceptível, não sofrendo essa parte da gravação de qualquer anomalia (nem tal alega o recorrente) não seria o restante teor do depoimento que podia, de algum modo, prejudicar a força probatória plena que a lei atribui à confissão.</font><div><font>*</font></div><font>Improcedem, poios, as duas primeiras questões suscitadas na revista.</font><div><font>*</font><br>
<font>* *</font><br>
<font>*</font></div><b><u><font>3ª Questão</font></u></b><br>
<font>Pretende o recorrente a correcção do acórdão recorrido quanto à matéria de facto por ter ocorrido erro na apreciação da prova e na fixação dos factos materiais da causa, por ofensa do regime legal do ónus da prova, uma vez que, como resulta do depoimento das testemunhas, a A. não conseguiu provar o seu direito.</font><br>
<font>(cof. Conclusões n/ o/ p/ q/).</font><div><font>*</font></div><font>Ora, disse-se já, o S.T.J. não pode conhecer de matéria de facto a não ser nos casos excepcionais a que se refere o n.º 2 do Art. 722º de C.P.C..</font><br>
<font>Por isso mesmo, o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto de recurso de revista, ou, como se diz no n.º 2 do Art. 729º, a decisão proferida pelo tribunal recorrido quanto a matéria de facto não pode ser alterada, salvo o caso excepcional do n.º 2 do Art.º 722, situação que não ocorre no caso.</font><div><font>*</font></div><font>Provou-se que o A. forneceu ao R. (ao representante deste no negócio de frutas, o que é o mesmo) as mercadorias constantes das facturas juntas aos autos, que o R. não pagou na totalidade.</font><br>
<font>Tal matéria não pode ser aqui alterada, pelo que, sem necessidade de maiores considerações, improcedem as referidas conclusões.</font><div><font>*</font><br>
<font>* *</font><br>
<font>*</font></div><b><u><font>4ª Questão</font></u></b><div><font>*</font></div><font>Insurge-se finalmente o R. por ter sido condenado em multa como litigante de ná-fé. </font><br>
<font>Se é certo que o R. tem todo o direito de se defender com plena de liberdade, já não tem direito de alegar factualidade contraditória, como fez logo na contestação e continuou a fazer ao longo do processo, quando tal factualidade, por pessoal, não podia ser dele desconhecida, pese embora a sua adolescência …</font><br>
<font>Na verdade, o direito de defesa não pode passar por se alegar o pagamento da dívida accionada, ao mesmo tempo que se nega ter recebido a mercadoria, e portanto, se nega a existência da dívida (a mesma que alegadamente teria sido liquidada …) nem por reconhecer o Sr. António Campos como seu representante à data dos factos (cof. Artigo 20 da contestação) e procurar demonstrar o contrário ao longo do processo, como resulta da audiência do 4/7/2006 (cof. Também requerimento de fls. 106) o que até veio a originar a ampliação da matéria de facto.</font><br>
<font>O R. litigou, pois, com manifesta má-fé ao longo de todo o processado, pelo que deve, por isso, ser sancionado.</font><br>
<font>Aliás, nesta parte, por se concordar inteiramente com o acórdão recorrido, para ele se remete o recorrente.</font><div><font>*</font><br>
<font>* *</font><br>
<font>*</font></div><font>Improcedem todas as conclusões da revista.</font><div><font>*</font></div><b><u><font>DECISÃO</font></u></b><div><b><font>*</font></b></div><font>Termos em que acordam</font><br>
<font>Neste S.T.J. em negar revista, confirmando-se o</font><br>
<font> acórdão recorrido.</font><div><font>*</font></div><font>Custas pelo recorrente.</font><div><font>*</font><br>
<font>*</font><br>
</div><br>
<font>Supremo Tribunal de Justiça</font><br>
<font>Lisboa, 12 de Janeiro de 2010.</font><br>
<br>
<font>Moreira Alves (Relator)</font><br>
<font>Alves Velho</font><br>
<font>Moreira Camilo</font></font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
RDKxu4YBgYBz1XKvyTHh | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><br>
<br>
<br>
<font>ACORDAM OS JUÍZES QUE CONSTITUEM O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:</font><br>
<br>
<br>
<br>
<font>AA, BB, CC, DD, EE, FF, GG, HH, II, JJ, LL, MM, NN, OO, PP, QQ, RR, SS, TT, UU, VV, XX, ZZ, AAA, BBB, CCC, DDD, EEE, FFF, GGG, HHH, III, JJJ, LLL, MMM, NNN, OOO, PPP, QQQ, RRR, SSS, TTT, UUU, VVV, XXX, ZZZ, AAAA, BBBB, JJJ, CCCC, DDDD e EEEE, na qualidade de condóminos dos Condomínios das Nações nºs … e …, prédios urbanos sitos na Zona de Intervenção da Expo 98, freguesia de Santa Maria dos Olivais, em Lisboa, todos, suficientemente, melhor identificados nos autos, propuseram a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum ordinário, contra “FFFF”, com sede na Rua E… M… J…, número …, D, Piso Zero, Espaço número 1, Lisboa, pedindo que, na sua procedência, seja declarada a nulidade do artigo 45° dos Regulamentos dos Condomínios dos lotes 4.46 e 4.47, ou, caso assim se não entenda, sejam os mesmos artigos considerados como abusivos e, em consequência, terem-se por não escritos, alegando, para o efeito, e, em síntese, o seguinte:</font><br>
<font>1) A ré é promotora e proprietária da maioria das fracções que compõem os prédios constituídos, em propriedade horizontal, designados por lotes 4.46 e 4.47, sitos na zona de intervenção da EXPO 98, descritos na 8.a Conservatória de Registo Predial de Lisboa, sob os nºs 3687 e 3686, da freguesia de Santa Maria dos Olivais, inscritos na matriz, sob os artigos P4480 e P4481, respectivamente;</font><br>
<font>2) Foi, igualmente, a ré quem outorgou, como única proprietária desses prédios, as respectivas escrituras públicas de constituição da propriedade horizontal, em 29 de Setembro de 2005, sendo os títulos constitutivos compostos, em ambos os casos, por um documento em que se discriminam as fracções autónomas que compõem os prédios, com as respectivas permilagens, e um Regulamento do Condomínio.</font><br>
<font>3) Ambos os Regulamentos de Condomínio prevêem, no seu artigo 45°, n°1, que, desde que a ré não utilize, por qualquer forma, as fracções autónomas de que é titular, fica isenta do pagamento de quaisquer das quotizações condominiais e da satisfação de quaisquer despesas dessa natureza, com excepção das necessárias à reparação das danificações ocorridas nos equipamentos e partes comuns dos edifícios e à satisfação da retribuição e das despesas de expediente da administração do condomínio.</font><br>
<font>4) O n°2 desse mesmo artigo 45° do Regulamento, estatui que a alteração ou eliminação da regra estabelecida no número anterior só pode ser feita com o consentimento expresso da ré.</font><br>
<font>5) Posteriormente, a ré, enquanto única proprietária dos prédios, fez uma primeira reunião de condomínio, tendo aprovado o orçamento de Dezembro de 2005 até 31 de Dezembro de 2006 e elegido a administração para esse período temporal, só depois iniciando a venda das fracções de que era proprietária.</font><br>
<font>6) Neste momento, relativamente ao lote 4.46, os autores são titulares de fracções correspondentes a 19% do prédio, e, relativamente ao lote 4.47, são titulares de 20% das fracções.</font><br>
<font>7) Pelo que, sendo a ré proprietária das restantes fracções, é a condómina, largamente, maioritária nos dois prédios em causa.</font><br>
<font>8) Entretanto, em Janeiro de 2006, os autores foram confrontados com o teor do artigo 45° dos Regulamentos de Condomínios e logo manifestaram a sua indisponibilidade para pagarem quantias superiores às que resultassem da aplicação da regra da permilagem.</font><br>
<font>9) Tal artigo do Regulamento é nulo, por violar o artigo 1424°, do Código Civil, pois tal disposição só pode ser alterada, por escritura pública, e com a unanimidade de todos os condóminos dos prédios, não podendo um condómino desresponsabilizar-se da contribuição para as despesas comuns com fundamento no facto de não utilizar as partes que estão, objectivamente, à sua disposição, sendo que, de facto, a ré utiliza todas as partes comuns, nomeadamente, em visitas aos prédios, para promover a venda das fracções de que é titular.</font><br>
<font>10) Por outro lado, a regra da irrevogabilidade do artigo 45° dos Regulamentos é, igualmente, nula, por violar, directamente, o disposto no artigo 1432°, n°3 do Código Civil.</font><br>
<font>11) A actuação da ré no sentido de afastar a sua responsabilidade pelas despesas com as partes comuns constitui um manifesto abuso de direito, por existir um exercício anormal de um direito, em manifesta desconsideração dos direitos dos autores, ao estabelecer-se uma regra discriminatória, por decisão unilateral da ré, que está a pôr em causa o normal funcionamento dos prédios, impondo sacrifícios desproporcionados aos condóminos minoritários.</font><br>
<font>Na contestação, a ré defende a validade substancial e formal do artigo 45° dos Regulamentos em causa, porquanto não viola nenhuma norma imperativa, pois o artigo 1424°, do Código Civil, estabelece, precisamente, a possibilidade legal de ser afastada a regra da contribuição proporcional à permilagem, sendo que, no caso, justifica-se o afastamento dessa regra, porquanto a ré não faz utilização das fracções de que é titular nos prédios, as quais se destinam, exclusivamente, à venda a terceiros.</font><br>
<font>Por outro lado, impugna, igualmente, as situações de alegado abuso de direito, chamando a atenção para o facto de ter assumido uma postura de colaboração no sentido de assumir despesas comuns com o propósito de manter a funcionalidade dos equipamento dos prédios, como sejam, as despesas de água, electricidade, elevadores e serviços de limpeza, sendo que a ré dotou a administração de fundo de maneio suficiente para o pagamento das necessidades básicas.</font><br>
<font>Em conformidade, a ré conclui pela justiça da regra estabelecida no artigo 45° dos Regulamentos, em face do efectivo uso diminuto que faz das partes comuns dos prédios, sustentando a improcedência da acção.</font><br>
<font>Na réplica, os autores impugnam que o alegado fundo de maneio fosse suficiente, que a ré pague as despesas com água, electricidade e elevadores, sendo que esta pode, a qualquer momento, decidir deixar de pagar esses valores, com base no artigo 45°, dos Regulamentos em causa, chamando a atenção para a insuficiência dos orçamentos aprovados, unilateralmente, pela ré, e conclui como na petição inicial.</font><br>
<font>A sentença absolveu a ré dos pedidos de declaração de nulidade do artigo 45° dos Regulamentos de Condomínio dos lotes 4.46 e 4.47, mas declarou a ineficácia, relativamente aos autores, do disposto nesse mesmo artigo dos Regulamentos.</font><br>
<font>Desta sentença, a ré interpôs recurso, tendo o Tribunal da Relação, considerando o disposto pelo artigo 713º, do Código de Processo Civil, julgado procedente o recurso de apelação, mas, apesar da revogação da sentença final proferida pelo Tribunal de 1ª instância, declarou, ainda assim, e, em termos oficiosos, a nulidade dos artigos 45º dos Regulamentos de Condomínio dos autos.</font><br>
<font>Do acórdão da Relação de Lisboa, a ré interpôs recurso de revista, terminando as alegações com o pedido da sua procedência, formulando as seguintes conclusões, que se transcrevem:</font><br>
<font>1ª - A questão material controvertida nos presentes autos consiste em averiguar a alegada invalidade da elucubração pela apelante do teor do artigo 45° dos Regulamentos de Condomínio dos lotes 4.46 e 4.47, em apreço, nos autos.</font><br>
<font>2ª - Ora, a apelante discorda que tal dispositivo regulamentar padeça de alguma invalidade.</font><br>
<font>3ª - Com efeito, da análise do artigo 1424° do Código Civil, conclui-se que a distribuição das despesas referentes às partes comuns diversa da regra da proporcionalidade, se efectuada por unanimidade e em escritura pública, refira-se a despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns ou ao pagamento de serviços de interesse comum, é realizada livremente, ou seja, a lei não dispõe que se conforme a determinado critério.</font><br>
<font>4ª - Ora, no caso em apreço, a apelante regulamentou a distribuição das despesas referentes às partes comuns dos prédios dos autos na qualidade de condómina única e através do título constitutivo da propriedade horizontal (portanto, em escritura pública), não estando assim, nos termos do disposto no artigo 1424° n°1 do Código Civil, adstrita a qualquer critério especifico mas, ao invés, é livre de escolher aquele que considera mais adequado.</font><br>
<font>5ª - Uma vez que a apelante era, à data, titular de todas as fracções dos prédios dos autos, a regulamentação da distribuição das despesas referentes às partes comuns dos prédios dos autos diversa da regra da proporcionalidade consta da escritura pública de constituição de propriedade horizontal e foi efectuada, necessariamente, por unanimidade, mostrando-se, assim, preenchidos os pressupostos formais exigidos para o efeito no artigo 1419° n.°1 do Código Civil.</font><br>
<font>6ª - A ora apelante não pretendeu, assim, com a redacção do artigo 45° n°1 dos Regulamentos dos Condomínios dos edifícios dos autos, renunciar às partes comuns dos mesmos por forma a se eximir das correlativas despesas e em frontal desrespeito com o previsto no 1420° n°2 do Código Civil ou beneficiar da exclusão de encargos prevista nos nºs 3 e 4 do artigo 1424° do mesmo diploma legal, pois tais situações não são possíveis, seja porque, no primeiro caso, a própria lei não o permite, seja, no segundo caso, por não se aplicarem os citados normativos legais.</font><br>
<font>7ª - Com efeito, o disposto no n°2 do artigo 1420° do Código Civil prescreve o princípio da incindibilidade, nos termos do qual cada fracção autónoma é, em princípio, inseparável das partes comuns do edifício que lhe correspondem.</font><br>
<font>8ª - Ao lado do princípio da incindibilidade, o citado normativo legal reflecte ainda o nexo de acessoriedade ou instrumentalidade funcional que liga o direito de contitularidade sobre as partes comuns do edifício ao direito de propriedade exclusiva sobre a fracção autónoma correspondente.</font><br>
<font>9ª - Cada condómino é, deste modo, titular de um direito real composto, resultante da fusão do direito de propriedade singular sobre a fracção que lhe pertence com um paralelo direito de compropriedade sobre as partes comuns. As partes comuns são, assim, complementares, pois integram as fracções autónomas, impedindo que estas se possam desligar delas. Tratam-se de direitos indivisíveis e irrenunciáveis, não sendo possível excluir as partes comuns da comunhão por qualquer espécie de acordo.</font><br>
<font>10ª - Por essa razão, isto é, pelo facto do próprio regime da compropriedade das partes comuns do edifício resultante da constituição de propriedade horizontal não o permitir, a apelante nunca poderia ter procedido a nenhum acto de renúncia das mesmas e, como o tal, não é aplicável o disposto no artigo 1420° n° 2 do Código Civil.</font><br>
<font>11ª - Por outro lado, no que concerne ao disposto nos n°s 3 e 4 do artigo 1424° do Código Civil, a apelante acompanha, obviamente, a posição sustentada a esse respeito pelo Tribunal </font><i><font>a quo </font></i><font>de que os citados normativos legais não se aplicam às despesas dos prédios dos autos por os mesmos se reportarem a situações específicas de, respectivamente, lances de escadas e ascensores cuja utilização está adstrita efectiva e exclusivamente a certo (s) condóminos (s), situação que não corresponde à factualidade trazida à colação nos presentes autos, sendo deste modo, improfícuo maior elucubração sobre essa matéria.</font><br>
<font>12ª - Assim sendo, não se mostra possível declarar a nulidade do n° 1 do artigo 45° dos Regulamentos em causa, por não haver violação de lei imperativa.</font><br>
<font>13ª - O n° 2 do artigo 45° dos Regulamentos dos Condomínios, não está, igualmente, em contradição com nenhum regime legal imperativo que disponha em sentido contrário pois afigura-se à apelante que o regulamento do condomínio aprovado por unanimidade (como acontece no caso em apreço) só pode ser resolvido ou alterado com o acordo de todos em cumprimento do disposto no artigo 1419° n° 1 do Código Civil.</font><br>
<font>14ª - Doutra senda,</font><b><font> </font></b><font>só se houver manifesto abuso, ou seja, se o direito for exercido em termos clamorosamente ofensivos da justiça, como é referido por Manuel de Andrade e na senda dos ensinamentos da generalidade da doutrina, é que os Tribunais podem fiscalizar a moralidade ou boa-fé dos actos praticados no exercício de direitos, ou a sua conformidade com as razões sociais e económicas que os legitimam.</font><br>
<font>15ª - E, sendo estes os requisitos do abuso de direito, logo se alcança que a utilidade do respectivo instituto não deve constituir panaceia fácil para toda e qualquer situação de exercício excessivo de um direito, em que o respectivo excesso não seja manifesto ou que só aparentemente se apresente manifestamente excessivo.</font><br>
<font>16ª - Ora, os factos provados nos presentes autos não permitem concluir pela existência de abuso de direito.</font><br>
<font>17ª - Com efeito, a apelante tem como único intento a comercialização das fracções autónomas por si detidas nos prédios dos autos, pelo que as mesmas, enquanto não forem alienadas a terceiros, permanecem devolutas e sem qualquer utilização.</font><br>
<font>18ª - O uso que a apelante faz, assim, das referidas fracções é esporádico - apenas dentro do horário do seu expediente para visitas de potenciais clientes - e, consequentemente, o correspondente consumo, designadamente, de energia eléctrica, água, uso dos elevadores ou necessidade de portaria, entre outros, é diminuto.</font><br>
<font>19ª - Deste modo, (i) permitindo o artigo 1424°, n° 1 do Código Civil a adopção de uma qualquer outra regra de repartição das despesas das partes comuns sem obrigatoriedade de comungar algum aspecto da estrutura da regra da permilagem, (ii) estando, inclusive, no espírito do Legislador a premissa do uso das coisas comuns em condições de igualdade ou desigualdade pelos condóminos e (iii) sendo indiscutível o facto da apelante destinar a totalidade das fracções autónomas por si detidas nos prédios dos autos unicamente a venda, mostra-se evidente que a apelante procedeu ao exercício moderado, equilibrado, lógico, racional do direito que a lei confere previsto no citado normativo legal.</font><br>
<font>Os autores não apresentaram contra-alegações.</font><br>
<font>O Tribunal da Relação entendeu que se devem considerar demonstrados os seguintes factos, que este Supremo Tribunal de Justiça aceita, nos termos das disposições combinadas dos artigos 722º, nº 2 e 729º, nº 2, do Código de Processo Civil (CPC), mas reproduz:</font><br>
<font>1. A “FFFF, Ldª” procedeu, no âmbito da sua actividade, à promoção e é proprietária da maioria das fracções dos seguintes prédios urbanos:</font><br>
<font>a) Prédio designado por parcela quatro ponto quarenta e seis, composto de quatro blocos e sito na Zona de Intervenção da EXPO 98, freguesia de Santa Maria dos Olivais, em Lisboa, e descrito na Oitava Conservatória do Registo Predial de Lisboa, sob o número 3687, e inscrito nas Finanças, sob o artigo P4480 (Lote 4.46); e</font><br>
<font>b) Prédio designado por parcela quatro ponto quarenta e sete, composto de quatro blocos e sito na Zona de Intervenção da EXPO 98, freguesia de Santa Maria dos Olivais, em Lisboa, e descrito na Oitava Conservatória do Registo Predial de Lisboa, sob o número 3686, e inscrito nas Finanças, sob o artigo P4481 (Lote 4.47) - A) dos factos assentes;</font><br>
<font>2. No respeitante ao primeiro prédio referido, a ré outorgou a escritura constitutiva da propriedade horizontal, a 29 de Setembro de 2005, da qual fazem parte dois documentos: o documento que discrimina as 230 (duzentas e trinta) fracções autónomas que compõem o prédio, bem como as suas permilagens; e o regulamento de condomínio (cfr. Doc. n.° 1 de fls. 85 a 309 junto aos autos de providência cautelar apensos) - B) dos factos assentes;</font><br>
<font>3. No respeitante ao segundo prédio referido, a ré outorgou a escritura constitutiva da propriedade horizontal, também, a 29 de Setembro de 2005, da qual fazem também parte dois documentos: o documento que discrimina as 207 (duzentas e sete) fracções autónomas que compõem o prédio, bem como as suas permilagens; e o regulamento de condomínio (cfr. Doc. n.° 2 de fls. 201 a 313 junto aos autos de providência cautelar apensos) - C) dos factos assentes;</font><br>
<font>4. Os Regulamentos de Condomínio foram, unilateralmente, aprovados pelo então único proprietário dos prédios, a ora ré, no âmbito dos respectivos títulos constitutivos - D) dos factos assentes;</font><br>
<font>5. Ambos os Regulamentos prevêem, no seu artigo quadragésimo quinto, número 1, que desde que não utilize, por qualquer forma, as fracções autónomas de que seja titular, a proprietária originária do prédio “FFFF, Ldª”, ora ré, fica isenta do pagamento de quaisquer das respectivas quotizações condominiais e da satisfação de quaisquer despesas dessa natureza, com excepção das necessárias à reparação das danificações ocorridas nos equipamentos e partes comuns dos edifícios e à satisfação da retribuição e das despesas de expediente da Administração do Condomínio - E) dos factos assentes;</font><br>
<font>6. O número 2 daquele artigo prevê ainda que, não obstante o disposto no subsequente artigo quadragésimo sexto, o artigo quadragésimo quinto só é alterável ou eliminável com o expresso consentimento da “FFFF, Ldª”, sua beneficiária e ora ré - F) dos factos assentes;</font><br>
<font>7. Por sua vez, o artigo vigésimo dos dois Regulamentos de Condomínio prevê a participação de cada condómino nas despesas de manutenção e conservação das partes comuns dos edifícios, de acordo com a respectiva permilagem - G) dos factos assentes;</font><br>
<font>8. A 23 de Novembro de 2005, a ré efectuou, na qualidade de única proprietária, a primeira reunião da Assembleia-Geral de condóminos para ambos os prédios, ainda antes da alienação de qualquer das fracções autónomas - H) dos factos assentes;</font><br>
<font>9. Na mesma, a ora ré procedeu, igualmente, à eleição da administração para o exercício de 1 de Dezembro de 2005 a 31 de Dezembro de 2006, tendo, igualmente, aprovado o orçamento para o mesmo período (cfr. Docs. nºs 3 e 4, juntos a fls. 314 e 315 dos autos de providência cautelar apensos) - I) dos factos assentes;</font><br>
<font>10. A ré, enquanto proprietária única dos lotes nessa data, deliberou e aprovou: eleição de administração e orçamento para 2006 - J) dos factos assentes;</font><br>
<font>11. O orçamento, então, aprovado previa, para o Lote 4.46, um conjunto de despesas, entre as quais as despesas de água, electricidade, serviços de limpeza e jardinagem, que totalizavam um montante de €88.365,18 (oitenta e oito mil trezentos e sessenta e cinco euros e dezoito cêntimos) a vigorar para 13 meses (cfr. Doc. n.° 5 a fls. 316 dos autos de providência cautelar apensos) - L) dos factos assentes;</font><br>
<font>12. Para o Lote 4.47, o orçamento ascendia a €84.687,00 (oitenta e quatro mil seiscentos e oitenta e sete euros) para 13 meses (cfr. Doc. n.° 6, a fls. 317 dos autos de providência apensos) - M) dos factos assentes;</font><br>
<font>13. Só, posteriormente, à elaboração dos títulos constitutivos e consequentes Regulamentos de Condomínio, bem como das primeiras actas de condomínio, a ré procedeu à celebração das escrituras de compra e venda das seguintes fracções, conforme certidão de teor junta a fls. 312 a 881, como Doc. n.° 7 à providência cautelar apensa e Doc. n.° 1 junto a fls. 39 a 45, correspondente ao contrato de compra e venda da condómina HH, que não constava da certidão de teor:</font><br>
<font>No respeitante ao Lote 4.46:</font>
<table>
<tbody><tr><td>
<ul>
<ul>
<ul>
<ul>
<ul>
<ul>
<ul><font>Bloco A</font></ul>
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</ul>
</ul>
</ul>
</ul>
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<ul>
<ul><font>Fracção</font></ul>
</ul>
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<ul>
<ul><font>Permilagem</font></ul>
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<tr><td><font>AA cc. A… V… A… e S…</font></td><td>
<ul>
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<ul><font>A</font></ul>
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</ul>
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<ul>
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<ul><font>6,405</font></ul>
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</ul>
</td></tr>
<tr><td><font>M… A… M… M… cc. A… C… M… B… M…</font></td><td>
<ul>
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<tr><td><font>P… J… B… S… cc. M… C… L… F…</font></td><td>
<ul>
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<tr><td><font>V… P… T… cc. E… V… T…</font></td><td>
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<tr><td><font>GG</font></td><td>
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<ul><font>6,329</font></ul>
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<tr><td>
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<ul><font>HH</font></ul>
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<ul><font>6,381</font></ul>
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</td></tr>
<tr><td>
<ul>
<ul><font>II</font></ul>
</ul>
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<tr><td>
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<ul>
<ul><font>Bloco B</font></ul>
</ul>
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</ul>
</ul>
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</td><td>
<ul>
<ul><font>Fracção</font></ul>
</ul>
</td><td>
<ul>
<ul><font>Permilagem</font></ul>
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</td></tr>
<tr><td>
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<ul><font>JJ</font></ul>
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<ul><font>L</font></ul>
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<ul><font>5,228</font></ul>
</ul>
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<tr><td>
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<ul><font>7,694</font></ul>
</ul>
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<ul><font>M… F… M… P…</font></ul>
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<ul><font>5,209</font></ul>
</ul>
</ul>
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<tr><td><font>MM cc. C… M… L… M…</font></td><td>
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<ul>
<ul><font>BA</font></ul>
</ul>
</ul>
</td><td>
<ul>
<ul>
<ul><font>5,233</font></ul>
</ul>
</ul>
</td></tr>
<tr><td><font>XXX</font></td><td>
<ul>
<ul>
<ul><font>BB</font></ul>
</ul>
</ul>
</td><td>
<ul>
<ul>
<ul><font>7,655</font></ul>
</ul>
</ul>
</td></tr>
<tr><td>
<ul>
<ul><font>M… I… M… P…</font></ul>
</ul>
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<ul>
<ul>
<ul><font>BT</font></ul>
</ul>
</ul>
</td><td>
<ul>
<ul>
<ul><font>5,238</font></ul>
</ul>
</ul>
</td></tr>
<tr><td>
<ul>
<ul>
<ul>
<ul>
<ul>
<ul>
<ul><font>Bloco C</font></ul>
</ul>
</ul>
</ul>
</ul>
</ul>
</ul>
</td><td><font>Fracção</font></td><td><font>Permilagem</font></td></tr>
<tr><td>
<ul>
<ul><font>S… F… N… N… de A…</font></ul>
</ul>
</td><td>
<ul>
<ul>
<ul><font>Q</font></ul>
</ul>
</ul>
</td><td>
<ul>
<ul>
<ul><font>5,228</font></ul>
</ul>
</ul>
</td></tr>
<tr><td>
<ul>
<ul><font>Castelo Branco</font></ul>
</ul>
</td><td><img></td><td><img></td></tr>
<tr><td>
<ul>
<ul><font>A… C… do N… C… cc. M… I… J… C…</font></ul>
</ul>
</td><td><font>R</font></td><td><font>7,671</font></td></tr>
<tr><td>
<ul>
<ul><font>J… T… cc. N… A…</font></ul>
</ul>
</td><td><font>S</font></td><td><font>8,137</font></td></tr>
<tr><td>
<ul>
<ul><font>OO cc. P… J… T… de B… M…</font></ul>
</ul>
</td><td><font>AL</font></td><td><font>5,228</font></td></tr>
<tr><td>
<ul>
<ul><font>PP</font></ul>
</ul>
</td><td><font>BF</font></td><td><font>5,307</font></td></tr>
<tr><td>
<ul>
<ul><font>B… C… P… S.A.</font></ul>
</ul>
</td><td><font>DC</font></td><td><font>11,989</font></td></tr>
<tr><td>
<ul>
<ul><font>Bloco D</font></ul>
</ul>
</td><td><font>Fracção</font></td><td><font>Permilagem</font></td></tr>
<tr><td>
<ul>
<ul><font>QQ cc. A… P… A… P… M…</font></ul>
</ul>
</td><td><font>D</font></td><td><font>6,456</font></td></tr>
<tr><td>
<ul>
<ul><font>ZZZ</font></ul>
</ul>
</td><td><font>X</font></td><td><font>6,342</font></td></tr>
<tr><td>
<ul>
<ul><font>A… M… F… G… cc. J… M… F…. B…</font></ul>
</ul>
</td><td><font>AP</font></td><td><font>6,398</font></td></tr>
<tr><td>
<ul>
<ul><font>RR</font></ul>
</ul>
</td><td><font>BJ</font></td><td><font>6,467</font></td></tr>
<tr><td>
<ul>
<ul><font>SS cc. C… M… H… P…</font></ul>
</ul>
</td><td><font>BM</font></td><td><font>6,420</font></td></tr>
<tr><td>
<ul>
<ul><font>TT</font></ul>
</ul>
</td><td><font>CG</font></td><td><font>6,352</font></td></tr>
<tr><td>
<ul>
<ul><font>UU</font></ul>
</ul>
</td><td><font>CT</font></td><td><font>6,408</font></td></tr>
<tr><td>
<ul><font>No respeitante ao Lote 4.47:</font></ul>
</td><td><img></td><td><img></td></tr>
<tr><td>
<ul>
<ul>
<ul>
<ul>
<ul>
<ul>
<ul><font>Bloco A</font></ul>
</ul>
</ul>
</ul>
</ul>
</ul>
</ul>
</td><td>
<ul>
<ul><font>Fracção</font></ul>
</ul>
</td><td>
<ul>
<ul><font>Permilagem</font></ul>
</ul>
</td></tr>
<tr><td>
<ul>
<ul><font>M… M… L… T…</font></ul>
</ul>
</td><td><font>B</font></td><td><font>5,727</font></td></tr>
<tr><td>
<ul>
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</ul>
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<ul>
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</ul>
</ul>
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<ul>
<ul>
<ul><font>5,555</font></ul>
</ul>
</ul>
</td></tr>
<tr><td><font>CCCC</font></td><td>
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<ul>
<ul><font>G</font></ul>
</ul>
</ul>
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<ul>
<ul>
<ul><font>5,756</font></ul>
</ul>
</ul>
</td></tr>
<tr><td><font>VV cc. E… M… dos s… B… F…</font></td><td><b><font>I</font></b></td><td><font>5,562</font></td></tr>
<tr><td>
<ul>
<ul><font>G… M… de M… S…</font></ul>
</ul>
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<ul>
<ul>
<ul><font>J</font></ul>
</ul>
</ul>
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</ul>
</ul>
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</ul>
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</ul>
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<tr><td>
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</ul>
</ul>
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<ul><font>5,627</font></ul>
</ul>
</ul>
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<tr><td>
<ul>
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</ul>
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<tr><td>
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</ul>
</ul>
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</ul>
</ul>
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</ul>
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<font>6,471</font></td></tr>
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<ul>
<ul><font>FFF e EEE</font></ul>
</ul>
</td><td><font>AX</font></td><td><font>6,236</font></td></tr>
<tr><td>
<ul>
<ul><font>J… A… B… C… cc. A… M… M… P… Carvalho</font></ul>
</ul>
</td><td><font>BA</font></td><td><font>5,356</font></td></tr>
<tr><td><font> N… J… M… F… C… cc. M… C… A… M…</font></td><td><font>BP</font></td><td><font>5,760</font></td></tr>
<tr><td>
<ul>
<ul><font>BBBB</font></ul>
</ul>
</td><td><font>CJ</font></td><td><font>6,632</font></td></tr>
<tr><td>
<ul>
<ul><font>GGG</font></ul>
</ul>
</td><td><font>CM</font></td><td><font>6,170</font></td></tr>
<tr><td>
<ul>
<ul><font>HHH</font></ul>
</ul>
</td><td><font>CO</font></td><td><font>5,329</font></td></tr>
<tr><td>
<ul>
<ul><font>Bloco C</font></ul>
</ul>
</td><td><font>Fracção</font></td><td><font>Permilagem</font></td></tr>
<tr><td>
<ul>
<ul><font>III cc. C… C… B… N… R…</font></ul>
</ul>
</td><td><font>CT</font></td><td><font>13,125</font></td></tr>
<tr><td>
<ul>
<ul><font>Bloco D</font></ul>
</ul>
</td><td><font>Fracção</font></td><td><font>Permilagem</font></td></tr>
<tr><td>
<ul>
<ul><font>JJJ</font></ul>
</ul>
</td><td><font>C</font></td><td><font>5,826</font></td></tr>
<tr><td>
<ul>
<ul><font>E… S… de O… S…</font></ul>
</ul>
</td><td><font>D</font></td><td><font>5,727</font></td></tr>
<tr><td>
<ul>
<ul><font>LLL</font></ul>
</ul>
</td><td><font>E</font></td><td><font>5,657</font></td></tr>
<tr><td>
<ul>
<ul><font>MMM cc. M… R… T… F… S… F…</font></ul>
</ul>
</td><td><font>T</font></td><td><font>5,761</font></td></tr>
<tr><td>
<ul>
<ul><font>NNN</font></ul>
</ul>
</td><td><font>U</font></td><td><font>5,560</font></td></tr>
<tr><td><font>T…C…E…I…F…C…S.A. (locatário: A…L…S…cc. M… M… de O… A…)</font></td><td>
<ul>
<ul>
<ul><font>V</font></ul>
</ul>
</ul>
</td><td>
<ul>
<ul>
<ul><font>5,567</font></ul>
</ul>
</ul>
</td></tr>
<tr><td>
<ul>
<ul><font>OOO</font></ul>
</ul>
</td><td>
<ul>
<ul>
<ul><font>X</font></ul>
</ul>
</ul>
</td><td>
<ul>
<ul>
<ul><font>5,310</font></ul>
</ul>
</ul>
</td></tr>
<tr><td>
<ul>
<ul><font>J… M… G… M…</font></ul>
</ul>
</td><td><font>Z</font></td><td><font>5,337</font></td></tr>
<tr><td>
<ul>
<ul><font>PPP</font></ul>
</ul>
</td><td><font>AA</font></td><td><font>6,051</font></td></tr>
<tr><td>
<ul>
<ul><font>A… C… A… M…</font></ul>
</ul>
</td><td><font>AR</font></td><td><font>5,302</font></td></tr>
<tr><td>
<ul>
<ul><font>QQQ cc. A… O… L…</font></ul>
</ul>
</td><td><font>AS</font></td><td><font>5,346</font></td></tr>
<tr><td>
<ul>
<ul><font>V… L… C… L… C… cc. M… L… E… S… Bento Lopes Camilo</font></ul>
</ul>
</td><td><font>BJ</font></td><td><font>6,293</font></td></tr>
<tr><td>
<ul>
<ul><font>SSS cc. A…</font></ul>
</ul>
</td><td><font>BM</font></td><td><font>5,307</font></td></tr>
<tr><td><font>P… R… R… V…</font></td><td><img></td><td><img></td></tr>
<tr><td>
<ul>
<ul><font>TTT</font></ul>
</ul>
</td><td>
<ul>
<ul>
<ul><font>CG</font></ul>
</ul>
</ul>
</td><td>
<ul>
<ul>
<ul><font>5,266</font></ul>
</ul>
</ul>
</td></tr>
<tr><td>
<ul>
<ul><font>UUU</font></ul>
</ul>
</td><td><font>DA</font></td><td><font>6,223</font></td></tr>
<tr><td>
<ul>
<ul><font>VVV</font></ul>
</ul>
</td><td>
<ul>
<ul>
<ul><font>DC</font></ul>
</ul>
</ul>
</td><td>
<ul>
<ul>
<ul><font>5,307</font></ul>
</ul>
</ul>
</td></tr>
</tbody></table>
<font>- N) dos factos assentes;</font><br>
<font> 14. A totalidade das fracções alienadas, à data da emissão das certidões do registo predial referidas representa:</font><br>
<font> a) No respeitante ao Lote 4.46, 188,369 da permilagem do prédio, sendo que, portanto, a ré se mantém titular de 811,631 do mesmo;</font><br>
<font> b) No respeitante ao Lote 4.47, 201,165 da permilagem do prédio, sendo que, portanto, a ré se mantém titular de 798,835 do mesmo - O) dos factos assentes;</font><br>
<font> 15. Em termos percentuais, a ré é titular, quanto ao Lote 4.46, de 81% do prédio, enquanto os restantes condóminos são titulares de apenas 19% - P) dos factos assentes;</font><br>
<font> 16. Quanto ao Lote 4.47, a ré é titular de cerca de 80% do prédio e os restantes condóminos de 20% do mesmo - Q) dos factos assentes;</font><br>
<font> 17. A empresa administradora dos prédios, em 17 de Fevereiro de 2006, apresentou a demissão das funções que lhe foram atribuídas, tendo invocado "que não se encontram reunidas as condições necessárias para o bom desempenho das nossas funções no condomínio de V. Exas." (cfr. Doc. n°s 8 e 9, a fls. 812 a 814 dos autos de providência cautelar apensos) - R) dos factos assentes;</font><br>
<font> 18. Os autores enviaram, através da sua mandatária, um "fax" e carta registada, com aviso de recepção, à ré, com a exposição do entendimento por estes partilhado, no que respeita à nulidade do mencionado artigo quadragésimo quinto dos Regulamentos, tendo solicitado o agendamento de uma reunião, de forma a obter-se a eliminação deste artigo (cfr. Doc. n.° 10, a fls. 815 a 819 dos autos de providência cautelar apensos) - S) dos factos assentes;</font><br>
<font> 19. Em resposta ao fax e carta referidos, a ré afirmou entender não haver qualquer nulidade, tendo-se disponibilizado para revisão dos orçamentos, após eleição da nova administração (cfr. Doc. n.° 11, a fls. 820 a 822 dos autos de providência cautelar apensos) - T) dos factos assentes;</font><br>
<font> 20. A ré, como condómina maioritária, convocou assembleias-gerais extraordinárias, para os dias 27 e 28 de Março de 2006, respectivamente, para os lotes 4.46 e 4.47 - U) dos factos assentes;</font><br>
<font> 21. A 27 e 28 de Março de 2006, foram realizadas assembleias extraordinárias, para os Lotes 4.46 e 4.47, respectivamente, cuja ordem de trabalhos consistia na eleição de nova administração de condomínio, tendo sido eleita a empresa P... (c | [0 0 0 ... 0 0 0] |
jzJ9u4YBgYBz1XKvEhAl | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><a></a><b><font> </font></b>
<p><b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font></b>
</p><p><font> </font><b><font>I – 1. AA </font></b><font>propôs, contra</font><b><font> BB (SGPS), SA, </font></b><font>anteriormente designada</font><b><font> CC (SGPS), SA</font></b><font>,</font><b><font> DD (Portugal), SA, EE, SA, FF, SA, GG, SA, </font></b><font>e</font><b><font> HH, </font></b><font>acção com processo comum, distribuída à comarca de Lisboa – Instância Central, pedindo a condenação dos RR. a pagar-lhe a quantia de € 1.540.000, acrescida de juros, à taxa legal, alegadamente devida, nos termos de acordo celebrado, na sequência da cessação das funções desempenhadas pelo A. em empresas do Grupo II.</font>
</p><p><font> Contestaram todos os RR, impugnando a responsabilidade a cada qual imputada, concluindo pela improcedência da acção.</font>
</p><p><font> Efectuado julgamento, foi proferida sentença, na qual, considerando-se a acção parcialmente procedente, se condenou o R. HH a pagar ao A. a quantia peticionada, absolvendo-se as demais RR. do pedido.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Inconformado, veio aquele R. interpor recurso de apelação</font><b><font>, </font></b><font>tendo apresentado as respectivas alegações. </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Em contra-alegações, pronunciou-se o A. pela confirmação do julgado.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>A Relação veio a conceder provimento ao recurso, alterando a decisão recorrida e, julgando a acção, quanto a ele, improcedente, absolveu do pedido o R. apelante.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>De tal acórdão, veio o A. interpor recurso de revista, recurso que foi admitido como tal.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>O recorrente apresentou as suas alegações, formulando, em síntese, as seguintes conclusões:</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Da nulidade do Acórdão recorrido </font>
</p><p><font>1. </font>
</p><p><font>O objecto do litígio da presente acção, definido pela primeira instância, é o seguinte: </font>
</p><p><font>"Na presente acção pretende apurar-se se ao A. assiste o direito de ser pago das quantias previstas no "Acordo de Revogação" pelos réus por incumprimento contratual".</font>
</p><p><font>2. </font>
</p><p><font>Este objecto processual foi aceite pelas partes e não foi alterado no decurso do presente processo, mantendo-se válido. </font>
</p><p><font>3. </font>
</p><p><font>Em primeira instância foi proferida Sentença que julgou parcialmente procedente a acção, com a absolvição das rés sociedades do pedido e com a condenação do ré HH. </font>
</p><p><font>4. </font>
</p><p><font>A primeira instância, em face dos factos dados como provados, entendeu que "O primitivo devedor" da quantia em dívida e reclamada é o réu HH, que foi quem contratou com o autor o contrato de prestação de serviços por força do qual aquele exerceu funções em sociedades do grupo "CES", designadamente, junto das sociedades Rés, e quem negociou e acordou com o autor as condições de cessação daquele contrato." </font>
</p><p><font>5. </font>
</p><p><font>O réu II interpôs recurso, impugnando parte da matéria de facto, provada e não provada, alegando ainda que não lhe pode ser assacada qualquer responsabilidade, das obrigações constantes do Acordo de Revogação, porque não assumiu qualquer responsabilidade no objecto do presente litígio. </font>
</p><p><font>6. </font>
</p><p><font>Após uma alteração cirúrgica e sem imediação, da matéria de facto, o Tribunal da Relação de Lisboa, muito sucintamente e com parca fundamentação, decide alterar a decisão recorrida e absolver o réu II do pedido. </font>
</p><p><font>7. </font>
</p><p><font>Não se conforma o autor com esta decisão, que não coloca em causa a construção jurídica da primeira instância e que omite por completo uma decisão sobre a identificação do "devedor primitivo" da assunção de dívida. </font>
</p><p><font>8. </font>
</p><p><font>No nosso sistema processual continua a vigorar o "modelo do recurso de substituição" e não o "sistema de cassação". </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>9. </font>
</p><p><font>O Tribunal de recurso tem o poder de sobrestar sobre a totalidade da Sentença proferida, revogando-a e substituindo-a por forma a adequar uma decisão ao caso concreto. </font>
</p><p><font>10. </font>
</p><p><font>Assim, com o modelo de substituição, o Tribunal de recurso passa a conhecer do mérito da causa, para se conseguir alcançar a justiça do caso concreto e não somente a justiça parcial, como ocorreu no Acórdão-recorrido, com a absolvição do réu II. </font>
</p><p><font>11. </font>
</p><p><font>O Tribunal da Relação, com a absolvição do réu II tinha de conhecer sobre a responsabilidade das sociedades rés, mesmo que fosse para as absolver (o que seria um contra-senso). </font>
</p><p><font>12.</font>
</p><p><font>De facto, considerando que a sociedade luxemburguesa assumiu uma dívida que não era sua, tem de haver um devedor primitivo ou principal. </font>
</p><p><font>13. </font>
</p><p><font>No Acordo de Revogação, dos presentes autos, não houve liberação do credor primitivo, pelo que estamos perante uma assunção de dívida cumulativa. </font>
</p><p><font>14. </font>
</p><p><font>Pelo Acordo de Revogação a sociedade luxemburguesa constituiu-se, em princípio, como assuntor da dívida e, em face das circunstâncias, tinha o Tribunal de identificar o devedor principal: as rés sociedades e/ou o réu II. </font>
</p><p><font>15. </font>
</p><p><font>Tendo em consideração todos os factos e circunstâncias conhecidos, não há mais possibilidades de devedores primitivos: ou são as sociedades rés ou é o réu II. Não há um terceiro, nem quarto devedor primitivo. </font>
</p><p><font>16. </font>
</p><p><font>Assim, no que diz respeito à matéria de facto, existem no processo todos os elementos para se apurar quem é o devedor primitivo, da obrigação decorrente do Acordo de Revogação. Não há neste processo um "non liquet" no que diz respeito à matéria de facto. </font>
</p><p><font>Não havendo um terceiro, nem quarto devedores primitivos e se o Tribunal da Relação, considerou que o réu II não é o devedor primitivo, então, teria de condenar as rés sociedades como devedoras primitivas, exactamente porque a absolvição do 6° réu implica a condenação das sociedades rés.</font>
</p><p><font>17. </font>
</p><p><font>A absolvição do réu II prejudica inelutavelmente a absolvição das sociedades rés. </font>
</p><p><font>18. </font>
</p><p><font>Com a sua decisão, o Tribunal da Relação estava obrigado a sobrestar no processo, devia ter considerado revogada a totalidade da Sentença e a decidir sobre a totalidade do mérito da causa. </font>
</p><p><font>19. </font>
</p><p><font>O Tribunal da Relação, ao absolver o réu II e ao manter a absolvição das rés sociedades, perpetrou um "non liquet" de Direito (abstenção de pronúncia), o que, salvo melhor opinião, não é admissível, porque consubstancia uma situação de denegação de justiça e a violação do direito a uma tutela judicial efectiva. </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>20. </font>
</p><p><font>Ao não decidir sobre a responsabilidade das rés sociedades, o Tribunal da Relação não se pronunciou sobre uma questão que tinha de apreciar, sendo o Acórdão nulo por força da alínea d), do nº 1 do artº 615º, do CPC. </font>
</p><p><font>21. </font>
</p><p><font>O direito de garantia de acesso aos tribunais implica que seja proferida uma decisão sobre a pretensão deduzida, ou seja, que o Tribunal aprecie a questão suscitada como um todo e que profira uma decisão completa. </font>
</p><p><font>22. </font>
</p><p><font>A decisão de absolvição do réu II prejudica a decisão de absolvição das rés sociedades, pelo que o Tribunal da Relação tinha de apreciar a responsabilidade destas e condená-las no pagamento ao autor (não há outros devedores primitivos). </font>
</p><p><font>23. </font>
</p><p><font>Na verdade, nada obsta a que o Tribunal da Relação conheça da responsabilidade das rés sociedades, antes pelo contrário, tinha mesmo de conhecer sobre essa responsabilidade, considerando que tinha e tem poderes para o fazer, por sobrestar na totalidade no processo e ter poderes para declarar revogada a totalidade da Sentença. </font>
</p><p><font>24. </font>
</p><p><font>Com esta sua decisão o Tribunal recorrido violou o nº 2, do artº 684º, do CPC, bem como o artº 6º, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, e ainda os art°s. 20º, 202º/2, 209º/1/ a) e 210/ /1/5, todos da Constituição da República Portuguesa. </font>
</p><p><font>25. </font>
</p><p><font>E a violação do artº 6º, da CEDH, decorre da violação do direito ao exame da causa, ou seja, por estarem definidos todos os factos o Tribunal de Recurso tem o dever de apreciar na sua totalidade a questão de Direito, incluindo a responsabilidade das sociedades rés, o que não logrou fazer e se absteve de concretizar. </font>
</p><p><font>26. </font>
</p><p><font>Por sua vez, a violação da Constituição decorre da violação de um "duplo e pleno julgamento, por dois tribunais diferentes ou de hierarquia diferente (dentro da mesma ordem jurisdicional" porque, apesar de não previsto constitucionalmente o duplo grau de jurisdição, a verdade é que, nos casos em que o mesmo é admitido, tem de se considerar como uma emanação do princípio da tutela jurisdicional efectiva, porque este "é implicitamente reconhecido pela admissibilidade de tribunais de recurso em dois sucessivos graus hierárquicos na ordem jurisdicional comum" (Francisco Ferreira de Almeida, Direito Processual Civil, Volume II, 2015, Almedina, págs. 389 e 390). </font>
</p><p><font>27. </font>
</p><p><font>Procedendo a nulidade agora invocada, deve o processo baixar ao Tribunal da Relação, para se fazer a reforma do Acórdão recorrido, por força do nº 2, do artº 684º, do CPC, devendo o Tribunal da Relação cumprir o previsto no nº 3, do artº 665º, do CPC.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Sobre a nulidade da alteração da matéria de facto</font>
</p><p><font>28. </font>
</p><p><font>O Tribunal da Relação de forma cirúrgica alterou três factos da matéria de facto provada, retirando o cariz pessoal do réu II na sua relação com o autor. </font>
</p><p><font>29. </font>
</p><p><font>Nos factos 1. e 9. o Acórdão recorrido elimina o advérbio "pessoalmente" e no facto 3. elimina o modo verbal "decidida".</font>
</p><p><font>30. </font>
</p><p><font>Para tanto, o Tribunal da Relação entendeu que "não resulta, nomeadamente, dos depoimentos prestados, haja revestido natureza pessoal a intervenção do apelante, quer no convite ao apelado para colaborar na administração das empresas do CES e na atribuição das remunerações respectivas, quer nas negociações referentes às condições da cessação dessa colaboração". </font>
</p><p><font>31. </font>
</p><p><font>Na Sentença, e no que diz respeito a estes factos consta da respectiva fundamentação razões mais substanciais, temperadas com o princípio da imediação. </font>
</p><p><font>32. </font>
</p><p><font>No que diz respeito aos factos 1 e 9 a fundamentação da Sentença e do Acórdão recorrido é exactamente a mesma: as declarações de parte do autor e do réu II. Só há alteração do sentido que cada Tribunal extrai dessas declarações. </font>
</p><p><font>33. </font>
</p><p><font>No entanto, no que diz respeito ao facto provado nº 3, a Sentença é muito mais explícita na sua fundamentação, porque transcreve depoimentos de testemunhas indicadas pelo próprio réu II. </font>
</p><p><font>34. </font>
</p><p><font>Por força do previsto no nº 3, do artº 675º, do CPC, a apreciação da matéria de facto não é susceptível de recurso de revista, salvo se ocorrer desrespeito de uma disposição legal sobre a força probatória dos meios de prova. </font>
</p><p><font>35. </font>
</p><p><font>O Tribunal da Relação não fundamentou devidamente a alteração dos factos provados 1,3 e 9, fazendo uma profissão de fé e usando uma forma conclusiva, insuficiente para um Tribunal que não teve a imediação da prova. </font>
</p><p><font>36. </font>
</p><p><font>A falta de fundamentação, bem como a deficiente fundamentação, por contraposição com a fundamentação da Sentença e com a imediação da Juiz da primeira instância, implica a nulidade da decisão do Acórdão recorrido sobre a alteração da matéria de facto, por violação do artº 154º, do CPC. </font>
</p><p><font>A necessidade de fundamentação das decisões, decorre do nº 1, do artº 205º, da CRP, ou seja, da legitimação da decisão judicial em si mesma (Ac. Nº 55/85, do Tribunal Constitucional, de 25-03-1985). </font>
</p><p><font>37. </font>
</p><p><font>Em consequência, deve ser conhecida e declarada a nulidade da decisão de alteração da matéria de facto constante dos factos descritos sob os n° 1, 3 e 9 dos factos provados, por violação do artº 159º, do CPC. </font>
</p><p><font>38. </font>
</p><p><font>Considerando e procedendo a nulidade da decisão da alteração da matéria de facto, tem de se manter como boa a Sentença e a condenação do réu II. </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>SOBRE O MÉRITO DA CAUSA </font>
</p><p><font>39. </font>
</p><p><font>Ainda que assim não se entenda, mas sem conceder e por mera cautela de patrocínio, não se aceita a dupla absolvição dos réus. </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>40. </font>
</p><p><font>A Sentença e o Acórdão-recorrido ainda não transitaram em julgado e, o Supremo Tribunal de Justiça tem poderes plenos para decidir sobre todas as questões de Direito. </font>
</p><p><font>41. </font>
</p><p><font>O que está em discussão, nos presentes autos, é definir quem são os primitivos ou principais responsáveis pelo pagamento, ao autor, do crédito reconhecido no Acordo de Revogação, que está em situação de incumprimento. </font>
</p><p><font>42. </font>
</p><p><font>A fundamentação de Direito e a decisão da primeira instância, de condenação do réu II, merecem ser acolhidas pelo Supremo Tribunal de Justiça, pela sua justeza e clareza jurídicas. </font>
</p><p><font>43. </font>
</p><p><font>Mas, ainda que assim não se entenda, cumpre apreciar todas as vertentes das responsabilidades dos réus, decorrente dos factos e circunstâncias do presente processo (que se dão por conhecidos).</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Sobre a qualidade de assuntor do Réu II </font>
</p><p><font>44. </font>
</p><p><font>O réu II assinou o Acordo de Revogação na "qualidade de administrador da II, SA", e, consta do mesmo, que esta é "indirectamente titular do capital social de cada uma das sociedades, entidades e patrimónios autónomos que integram o CES, detendo nas mesmas uma influência dominante" (facto provado 10). </font>
</p><p><font>45. </font>
</p><p><font>Acontece que, "à data de 10.1.2013, o 6° R. HH não era administrador da II (Luxemburgo), SA" (facto provado 13).</font>
</p><p><font>46. </font>
</p><p><font>A II SA (Luxemburgo) não era indirectamente titular do capital das sociedades rés, nem detinha nas mesmas qualquer influência (factos provados 14, segunda parte, 15, 17, 19,21,23,24 e 25 dos factos provados). </font>
</p><p><font>47.</font>
</p><p><font>O Réu II subscreveu um Acordo de Revogação, em nome de uma sociedade, de quem não tinha poderes de representação e que não tinha qualquer domínio sobre as sociedades rés.</font>
</p><p><font>48. </font>
</p><p><font>Foi efectuado o pagamento de parte da dívida, por outra sociedade de Gibraltar, e ficou por cumprir a terceira prestação do acordo, no valor de 1.540.000,00 €. </font>
</p><p><font>49. </font>
</p><p><font>Se, em 10/01/2013, o 6° réu não era administrador da II , então, tem de ser pessoalmente responsável por ter aposto a sua assinatura no Acordo de Revogação. </font>
</p><p><font>50. </font>
</p><p><font>Nos termos da lei, havendo mandato sem representação e agindo o mandatário em nome próprio, este é responsável e adquire os direitos e obrigações decorrentes dos actos que celebra (artº 1180º, do CC). </font>
</p><p><font>51. </font>
</p><p><font>Há mandato sem representação quando o mandatário não recebeu poderes para agir em nome do mandante. </font>
</p><p><font>52. </font>
</p><p><font>Como ensina Mota Pinto "os actos praticados por um represente sem poderes ou "falsus procurator" (com falta total de poderes representativos ou com excedência dos poderes que lhe foram atribuídos) são ineficazes em relação à pessoa em nome da qual se celebrou o negócio, salvo se tiver lugar a ratificação (art. 268º, nº 1)" (Teoria Geral do Direito Civil, Coimbra Editora, 1993, págs. 544 e 545). Nestas situações, "não havendo ratificação, o representante sem poderes, verificada culpa sua, como será quase sempre o caso, responde perante a contraparte, com fundamento em responsabilidade pré-negocial (artº 227º) ou na existência de uma promessa tácita de garantia, sempre existente, se não psicologicamente ao menos objectivamente" (Mota Pinto, ob. cit., pág. 545). </font>
</p><p><font>53. </font>
</p><p><font>Por sua vez, Oliveira Ascensão, mais enfaticamente, defende que nas situações de representação, em que o mandatário age por conta do mandante, mas "não é representante, os actos que pratica repercutem-se na sua própria esfera jurídica. Por isso o art. 1180 nos diz que então o mandatário adquire os direitos e assume as obrigações decorrentes dos actos que celebra, embora o mandato seja conhecido dos terceiros que participem nos actos ou sejam destinatários destes" (Teoria Geral do Direito Civil, Lisboa, 1992, pág. 320). </font>
</p><p><font>54. </font>
</p><p><font>Nem se diga que o artº 1180º, do Cc, não admite esta interpretação, porque o que está primacialmente em causa nesta norma, ou seja, o espírito e a </font><i><font>ratio legis</font></i><font> subjacente à mesma é o "mandato sem representação": e este pode ocorrer quando o mandatário age em nome próprio, ou, agindo em nome de terceiros sem poderes de representação. </font>
</p><p><font>55. </font>
</p><p><font>O acento tónico do artº 1180º, do Cc, são todas as situações em que o mandatário age sem poderes de representação e não somente aquelas em que age em nome próprio. </font>
</p><p><font>56. </font>
</p><p><font>O réu II, aparentemente, actuou como representante da sociedade luxemburguesa, sem poderes de representação. </font>
</p><p><font>57. </font>
</p><p><font>Se o réu II, com a sua assinatura, subscreve um documento, então, o mesmo é responsável pelo seu conteúdo e obrigações, porquanto" aplica-se ao corpo do documento a presunção de que quem subscreve o documento quer significar que aprova o seu conteúdo e assume a sua paternidade" (Ac. STJ de 12/02/1992, Proc. nº 082652 em </font><font>www.dgsi.pt</font><font>).</font>
</p><p><font>58. </font>
</p><p><font>Logo, a actuação do réu II cabe na previsão do artº 1180º, do CC, porque este não tinha poderes de representação da sociedade portuguesas, ou seja, actuou em nome próprio. </font>
</p><p><font>59. </font>
</p><p><font>Nestas circunstâncias, e considerando que a sociedades luxemburguesa não se vinculou validamente, então, o réu II é o assuntor da dívida. </font>
</p><p><font>60. </font>
</p><p><font>Como ensina Carneiro da Frada, "onde os efeitos de uma conduta logrem ainda explicar-se como decorrência de um acto de autonomia privada, a protecção indemnizatória das expectativas não é susceptível de desempenhar papel algum: tudo se reconduz à violação de uma adstrição negocial" (em "Teoria da Confiança e Responsabilidade Civil", Almedina, 2004, pág. 66 e 67). </font>
</p><p><font>61. </font>
</p><p><font>No presente processo, pode extrair-se, sem qualquer rebuço, que o réu II agiu em nome próprio na assunção da dívida, nos termos do art° 1180°, do CC, mantendo-se válido o Acordo de Revogação.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Sobre a responsabilidade das sociedades rés </font>
</p><p><font>62. </font>
</p><p><font>Tem de se concluir que consta, implicitamente, no Acordo de Revogação, que os devedores primitivos são as sociedades portuguesas, a quem o autor prestou relevantes serviços. </font>
</p><p><font>63. </font>
</p><p><font>Está claramente demonstrado que o crédito do autor, reconhecido no Acordo de Revogação, está directamente relacionado com o exercício e cessação de funções do autor nas sociedades rés. </font>
</p><p><font>64. </font>
</p><p><font>E também está demonstrado que o réu II, na qualidade de administrador delegado e de responsável pela área não financeira do grupo GES, tinha poderes para indirectamente ou como accionista "vincular" as sociedades, mesmo não sendo administrador dessas sociedades. </font>
</p><p><font>65. </font>
</p><p><font>Consta do Acordo de Revogação, subscrito pelo réu II, o seguinte: </font>
</p><p><font>"CLÁUSULA PRIMEIRA </font>
</p><p><font>(Objecto) </font>
</p><p><font>Pelo presente acordam as partes sobre os termos da cessação das Funções que AA desempenhava nas Sociedades, incluindo a revogação de todos e quaisquer mandatos e vínculos de natureza laboral, que, na presente data, titule a intervenção de AA nas suas actividades, vinculando-se ainda a renunciar até ao fim do ano em curso aos cargos de administrador das sociedades JJ, SA e LL, SA" </font>
</p><p><font>CLÁUSULA TERCEIRA </font>
</p><p><font>(Responsabilidades) </font>
</p><p><font>"A PRIMEIRA OUTORGANTE declara, por si e pelas Sociedades suas participadas assumirem responsabilidade solidária pelo pagamento de toda e qualquer despesa, incluindo impostos, taxas, honorários de advogado e outras em que IMS possa vir a incorrer em virtude do exercício dos cargos desempenhados em qualquer uma das Sociedades. " </font>
</p><p><font>66. </font>
</p><p><font>Ora, em face do Acordo de Revogação, forçoso será concluir o crédito do autor, decorre da cessação de funções das sociedades rés, ou seja, o acordo foi feito no interesse das sociedades, até porque foi uma decisão do grupo GES/BES (e não do autor) fazer cessar a sua participação "nas diversas empresas do GES em que este desempenhava funções" (facto provado 8). </font>
</p><p><font>67. </font>
</p><p><font>Considerando que estava em causa, com a assinatura do Acordo de Revogação, a cessação de funções do autor nas sociedades rés, então, há interesse dessas sociedades nesse mesmo acordo. </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>68. </font>
</p><p><font>Acontece que, o réu II, apesar de accionista e responsável máximo, não vinculava as sociedades rés, que por sua vez não ratificaram o Acordo e Revogação, mas, nomear Administradores das sociedades e negociar a sua cessação de funções não é um poder das Administrações das sociedades, mas sim dos accionistas. </font>
</p><p><font>69. </font>
</p><p><font>Facto que é confessado pelas Rés sociedades quando alegam que "o direito à nomeação corresponde a um direito do accionista da ora R. de nomear, nos termos gerais, e com total liberdade, quem lhe aprouver, para desempenhar o cargo de administrador." (artº 130 da Contestação das Rés MM, GG, Gesfimo, e artº 128º da Contestação da Ré BB, SGPS) </font>
</p><p><font>70. </font>
</p><p><font>Ora, neste segmento do recurso tem de se considerar o princípio da tutela da confiança, porque esta desenvolve-se no plano da protecção das expectativas, ou seja, nas situações em que a teoria do negócio não permite uma tutela efectiva. </font>
</p><p><font>71. </font>
</p><p><font>Como ensina Carneiro da Frada, "a tutela da confiança permite colmatar lacunas de protecção que a teoria do negócio tem de deixar em aberto por não lograr ainda assim abranger o espaço correspondente." (ob. cit. pág. 74). </font>
</p><p><font>72. </font>
</p><p><font>Não admitir ou aceitar a responsabilidade das sociedades, quando toda a aparência vai no sentido de as mesmas estarem vinculadas, é algo que não pode ser aceite. </font>
</p><p><font>73. </font>
</p><p><font>Para o autor, as sociedades rés também se vincularam ao acordo de Revogação e nem sequer considera crível que desconhecessem os termos do acordo de cessação das suas funções. </font>
</p><p><font>74. </font>
</p><p><font>Anote-se que, não foi dado como provado, que o autor soubesse que o réu II não tinha poderes de representação das sociedades rés (factos não provados 5, 7, 9, 11 e 13 da Sentença), pelo que, </font><i><font>a contrario sensu</font></i><font>, tem de se concluir que o autor desconhecia essa alegada falta de representação. </font>
</p><p><font>75. </font>
</p><p><font>Para o autor o réu II representava validamente todas as sociedades rés, pelo que há aqui uma situação de "representação aparente", que mereceu a confiança do autor, que tem de ser tutelada. </font>
</p><p><font>76. </font>
</p><p><font>A teoria da aparência não é uma novidade no Direito, estando, por exemplo, prevista no n° 3, do artº 30º, do Decreto-Lei nº 72/2008, de 16/04/2008 (Regime Jurídico do Contrato de Seguro).</font>
</p><p><font>77. </font>
</p><p><font>Na verdade, apesar de a tutela da confiança não estar prevista na lei geral, positivamente, tem de se considerar que "o sistema jurídico-positivo não constitui um todo acabado e concluso, definitivamente cristalizado num conjunto de proposições imutáveis e completamente insensível a modificações ou reelaborações", exactamente porque o direito não é imutável e tem de se considerar perfeitamente normal o "desenvolvimento do Direito para além da lei", sob pena de se "deixar sem adequada resposta questões materiais em nome da salvaguarda da pureza formal do sistema, afinal ilusória" (Carneiro da Frada, ob. cit, págs. 86 e 87). </font>
</p><p><font>78. </font>
</p><p><font>Por força da tutela da confiança, esta responsabilidade das sociedades tem de ser encontrada e trilhada, em sede de responsabilidade contratual ou extracontratual. </font>
</p><p><font>79. </font>
</p><p><font>Como nos presentes autos estamos perante uma situação de "representação aparente" a responsabilidade das rés sociedades é, salvo melhor opinião, uma responsabilidade contratual, até porque "nada obsta a que a ordem jurídica confira directamente à situação aparente os efeitos que por ela são indiciados" (Carneiro da Frada, ob. cit. pág. 94). </font>
</p><p><font>80. </font>
</p><p><font>E apesar de não estar prevista de forma genérica na lei, tem vindo a ser aceite pela nossa jurisprudência, porque "perante a necessidade de salvaguarda dos terceiros que, sem nada saberem contratam de boa fé com os denominados "falsus procurator", a doutrina, sobretudo a francesa e a germânica, desenvolveram a teoria a aparência, a qual, ao fim e ao cabo, se consubstancia num princípio não escrito, em virtude do qual a crença errónea de terceiros de boa fé, em determinadas situações, é fonte de efeitos jurídicos: </font>
</p><p><font>"L' apparence du droit produit alors les mêmes effets que le droit lui-mêmes "". (Ac. do TRL, de 25-11-2011, Processo nº 1062/2001.L1.6, em </font><font>www.dgsi.pt</font><font>).</font>
</p><p><font>81. </font>
</p><p><font>Na verdade, o Acordo de Revogação enquanto negócio jurídico, por força da representação aparente e da tutela da confiança, passa a vincular as rés sociedades, da mesma forma que o agente, que age sem poderes de representação, vincula o principal. </font>
</p><p><font>82. </font>
</p><p><font>Em consequência e face ao sobre dito, as sociedades são igualmente responsáveis pelo pagamento do peticionado, pela teoria da "representação aparente" e na qualidade de devedoras principais (responsabilidade contratual). </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Ainda sobre a responsabilidade dos réus</font>
</p><p><font>83. </font>
</p><p><font>Ainda que assim não se entenda, mas sem conceder, qualquer um dos réus tem de ser considerado responsável: seja ao abrigo da violação dos deveres de protecção, do abuso de direito, da tutela da confiança ou ainda por força da responsabilidade pré-contratual. </font>
</p><p><font>84. </font>
</p><p><font>Foi celebrado um Acordo de Revogação e no mesmo consta, expressamente, que o autor tem direito a uma compensação pelos relevantes serviços que prestou às sociedades rés. </font>
</p><p><font>85. </font>
</p><p><font>Também consta do processo que foi o réu II quem convidou o autor para "para participar e colaborar na administração de empresas e negócios pertencentes ao Grupo II (GES), no âmbito da promoção e gestão de investimentos e projectos imobiliários", e que as remunerações do autor foram negociadas e "decididas" pelo 6° Réu, bem como que, enquanto exerceu essas funções, "manteve sempre uma relação directa com o 6° R, II, que supervisionava todas as actividades imobiliárias do GES" e que este réu "foi até ao ano de 2005 administrador delegado (na qualidade de vice-presidente) da DD que, na altura, era a holding de topo da área não financeira do Grupo II" (facto provado 27), e, por último, foi com este réu que o autor negociou "as condições dessa cessação de funções" (factos provados 1, 3, 5, 27 e 9). </font>
</p><p><font>86. </font>
</p><p><font>E também está demonstrado que o réu II, na qualidade de administrador delegado e de responsável pela área não financeira do grupo GES, tinha poderes para, indirectamente ou como accionista, vincular as sociedades, mesmo não sendo administrador dessas sociedades. </font>
</p><p><font>87. </font>
</p><p><font>Se for considerado que o réu II não é o assuntor e que as sociedades rés não são responsável, então, o Acordo de Revogação passa a ser ineficaz, por inexistência de devedores. </font>
</p><p><font>88. </font>
</p><p><font>Tal não é juridicamente aceitável, porque o crédito do autor está reconhecido e merece a tutela do Direito. </font>
</p><p><font>89. </font>
</p><p><font>Se há um crédito tem de haver um responsável principal pelo pagamento do mesmo, sendo certo que abstractamente a sociedade luxemburguesa era somente um veículo de pagamento (mas não foi essa sociedade quem pagou as duas primeiras prestações) e não o verdadeiro devedor primitivo. </font>
</p><p><font>90. </font>
</p><p><font>O Direito não pode deixar sem resposta a tutela dos direitos de crédito do autor, sendo certo que o autor celebrou de boa fé o Acordo de Revogação, confiando no réu II. </font>
</p><p><font>91. </font>
</p><p><font>Incorrem assim o réu II e as sociedades rés em abuso de Direito, previsto no artº 334º, do Cc. </font>
</p><p><font>92. </font>
</p><p><font>O abuso do Direito, é considerada uma" cláusula geral de segundo grau", e consiste "em temperar, com o apelo a regras e princípios fundamentais (a boa fé, a confiança legítima, a finalidade económica e social dos direitos) os resultados que decorreriam de uma aplicação estrita e imediata de outras figuras ou regimes jurídicos, através de uma ponderação e de um decisivo apelo, nomeadamente a critérios ético jurídicos (no caso, essencialmente o princípio da confiança no comércio jurídico) – susceptível, em determinadas circunstâncias, de paralisar os resultados que decorreriam de uma aplicação meramente formal ou estrita do direito" (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n° 14/2016, Uniformizador de Jurisprudência, publicado no DR, 1ª Série, n° 208, de 28/10/2016). </font>
</p><p><font>93. </font>
</p><p><font>Ora, aqui há duas soluções possíveis, em função do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, antes citado, ou as sociedades rés sabiam, conheciam e não se opuseram ao Acordo de Revogação ou as sociedades rés desconheciam totalmente o Acordo de Revogação. </font>
</p><p><font>94. </font>
</p><p><font>Se as sociedades conheciam o Acordo de Revogação e nada fizeram para se opor ao mesmo, então, podem ser responsabilizadas por força da representação tolerada. </font>
</p><p><font>95. </font>
</p><p><font>Se as sociedades rés desconheciam o Acordo de Revogação, então, o único responsável é o réu II por ter investido o autor na confiança de que o acordo era válido e querido pelas sociedades. </font>
</p><p><font> 96. </font>
</p><p><font>O Tribunal pode e deve socorrer-se de todos os factos dados como provados, bem como de todos os documentos existentes nos autos, que atestam que as sociedades conheciam o Acordo de Revogação. </font>
</p><p><font>97. </font>
</p><p><font>Na verdade, o autor foi escolhido para prestar serviços nas sociedades por convite do réu II, mas foram as sociedades quem pagaram ao autor as remunerações enquanto tal ocorreu. </font>
</p><p><font>98. </font>
</p><p><font>Por sua vez, as sociedades sabem os relevantes serviços prestados pelo autor, enquanto foi administrador e / ou Director das mesmas e as sociedades sabem que era o réu II a quem o autor reportava enquanto prestou serviços nas sociedades. </font>
</p><p><font>99. </font>
</p><p><font>E as sociedades rés também sabiam que "no ano de 2012, o grupo BES/CES decidiu fazer cessar a participação do A. nas diversas empresas do CES em que este desempenhava funções | [0 0 0 ... 0 0 0] |
QDKdu4YBgYBz1XKvIiOS | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><br>
<font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font><br>
<br>
<b><font>I. AA e mulher BB</font></b><font>, intentaram acção declarativa de condenação, com processo comum ordinário, contra </font><b><font>CC e marido, DD, EE, e FF e mulher, GG</font></b><font> alegando, em síntese, serem proprietários de um prédio rústico que confronta com outro que os 1°s e 2º RR venderam aos 3°s RR.</font><br>
<font>Segundo afirmam, tendo direito de preferência na alienação deste último prédio, não foram notificados das condições do respectivo negócio de alienação, sendo certo que o imóvel adquirido não pode ser destinado a fim diferente da cultura.</font><br>
<font>Invocam ainda que o preço declarado na escritura de compra e venda não correspondeu ao preço real do negócio, o qual foi inferior.</font><br>
<font>Pedem que lhes seja reconhecido o direito legal de preferência sobre o dito prédio e que o mesmo lhes seja atribuído mediante o pagamento do preço real do negócio.</font><br>
<i><font>Contestaram os 3°s RR defendendo não assistir qualquer direito de preferência aos AA uma vez que o prédio foi efectivamente adquirido para fim diverso da cultura e que o preço declarado na escritura de compra e venda foi o preço real do negócio</font></i><font>.</font><br>
<font> </font><br>
<font> </font><br>
<font>Deduziram reconvenção pedindo que, na procedência da acção, sejam os AA condenados a pagar-lhes os custos que tiveram com a aquisição do imóvel e, bem assim, aqueles que vierem a liquidar-se em momento posterior em relação aos danos cuja quantificação não é ainda possível.</font><br>
<font>Os AA replicaram mantendo a versão adiantada na p.i. e pugnando pela improcedência da reconvenção.</font><br>
<font>A final foi proferida sentença que julgou a acção procedente e parcialmente procedente a reconvenção.</font><br>
<font>Inconformados com o decidido, os réus interpuseram recurso de apelação, formulando conclusões.</font><br>
<font>Na sequência deste recurso foi proferido acórdão que confirmou a sentença recorrida.</font><br>
<font> </font><br>
<font>II. Deste acórdão foi interposto o presente recurso de revista.</font><br>
<font>Nas conclusões da sua alegação, cujo teor aqui se dá por reproduzido, colocam, em síntese, os recorrentes as seguintes questões:</font><br>
<font>1ª) a de saber se o depósito efectuado pelos preferentes corresponde ao conceito de “preço devido” que o legislador consagrou no nº 1 do artigo 1410º CC ou seja se abrange apenas o montante entregue pelo comprador ao vendedor, excluindo os encargos com a escritura e registos ou se o preço devido engloba o preço da transacção e os respectivos encargos e registo;</font><br>
<font>2ª) a de saber se da factualidade provada se deve concluir terem os RR recorrentes demonstrado a existência de condição impeditiva do direito de preferência invocado pelos AA;</font><br>
<font>3ª) a de saber se a conduta dos AA recorridos integra uma situação de abuso de direito.</font><br>
<font>Houve contra alegações por parte dos recorridos cujo teor se dá igualmente por reproduzido.</font><br>
<font> </font><br>
<font> </font><br>
<b><font>III. </font></b><font>Os factos:</font><br>
<font>1. </font><b><font>Em 20.01.2005</font></b><font>, por escritura pública outorgada no Cartório Notarial de Monção, os 1°s RR como donos e possuidores da raiz ou nua propriedade e o 2º R como dono e possuidor do usufruto vitalício, declararam vender, pelo preço global de € 75.000,00, ao 3º R marido, que declarou aceitar, o imóvel sito na freguesia de ... do concelho de Monção que assim identificaram: "</font><b><i><font>Prédio rústico denominado ..., sito no lugar de ..., freguesia de ..., concelho de Monção, composto de terreno de mato, cultura e vinha, descrito na conservatória de registo predial de Monção sob o número mil e sessenta e quarto, daquela freguesia, inscrito na respectiva matriz sob o artigo …</font></i></b><font> (...)"• O 3º R. marido declarou ainda na escritura que "</font><b><i><font>pretende afectar o prédio ora adquirido a construção urbana, o que declara sob sua inteira responsabilidade</font></i></b><font>" (A);</font><br>
<font>2. AA e HH foram, na sequência de notificação judicial avulsa proposta no dia 31.03.2005 no Tribunal Judicial de Monção por FF, notificados: "da intenção do requerente proceder à correcção/rectificação de áreas do prédio descrito sob o número …, da freguesia de ..., para a área correcta de 8.096 m2, de forma a esta ficar harmonizada com a realidade física e material subjacente (...) para no prazo legal de 15 dias, deduzirem, querendo, oposição" (B);</font><br>
<font>3. Encontra-se descrito na sob o n° … da freguesia de ..., na Conservatória do Registo Predial de Monção, o seguinte imóvel: "PRÉDIO RÚSTICO - ... - ... - terreno de cultura e vinha - 1770 m2 norte - estrada camarária, sul - II, nascente - JJ e do poente - EE - VP 68.78 Euros - Artigo 86". Pela inscrição G2, de 23.03.2005, encontra-se inscrita a aquisição do direito de propriedade desse prédio, por sucessão deferida em inventário, a favor da A. mulher casada com o A. marido no regime da comunhão geral (C);</font><br>
<font> </font><br>
<font> </font><br>
<font>4. Por escritura pública celebrada no Cartório Notarial de Monção a 13.07.2004, KK, na qualidade de liquidatário da sociedade LL, Lda, declarou vender ao 3º R. marido pelo preço de €18.000.00, e este declarou aceitar, o prédio urbano composto de casa de rés-do-chão, sito no lugar de ..., freguesia de ..., concelho de Monção, descrito na CRP de Monção sob o n° …. Este prédio encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial de Monção como casa de rés-do-chão e rossios, com a área coberta de 420 m2 e descoberta de 405 m2, inscrito na matriz sob o artigo 617, encontrando-se registada a favor de FF a aquisição do respectivo direito de propriedade por compra, pela inscrição Gl correspondente à Ap. 02/040804 (D e E);</font><br>
<font>5. À data da celebração da escritura referida em 1, os 3°s RR. não eram proprietários de prédio confinante com o aí referido (F);</font><br>
<font>6. Pelo Av. 3 - Ap 04/060505 foi rectificada de 4.820 m2 para 8.096 m2 a área constante da descrição predial n° … da Conservatória do Registo Predial de Monção, relativa ao prédio referido em 1. (G);</font><br>
<font>7. </font><b><font>Através do pedido viabilidade registado na Câmara Municipal de Monção sob o Processo de Informação Prévia n° 13/05,</font></b><font> solicitou o 3º R. marido a seguinte informação técnica: </font><b><i><font>"Pretende o Requerente informação sobre a viabilidade de construção de uma habitação unifamiliar numa parcela identificada em carta topográfica anexa, escala 1/10.000, estando esta enquadrada de acordo com a Carta de Ordenamento do PDM, Monção, em área de Produção Florestal Dominante. Nestas áreas é permitida a edificabilidade de edifícios habitacionais unifamiliares e anexos de apoio à actividade florestal, conforme disposto no regulamento do PDM Monção. </font></i></b><font>Entende-se, pelos elementos desenhados e escritos constantes do processo, ter a parcela condições de ser edificada com um edifício de habitação, obrigando ao cumprimento no projecto de licenciamento do estipulado no artigo 44° do regulamento do PDM Monção, Regulamento Municipal de Urbanização e Edificação e demais legislação em vigor, nomeadamente uma adequada inserção no ambiente urbano e beleza da paisagem. À consideração superior". </font><b><i><font>A informação obteve o seguinte despacho: Concordo. Notificar o requerente sobre a informação de viabilidade pedida de acordo com a informação do técnico responsável"</font></i></b><font> (H);</font><br>
<font>8. O prédio referido em 1 tem a área real de 6.612,66 m2, confronta do norte com estrada camarária, do sul com HH, MM e NN, do nascente com AA e II, e do poente com caminho de servidão. Está inscrito na respectiva matriz como prédio urbano sob o n° … da freguesia de ..., encontrando-se também descrito como prédio urbano na Conservatória do Registo Predial de Monção (I e 2);</font><br>
<font>9. O prédio referido em 1 está classificado como solo urbano, com a categoria de solo urbanizado, de espaço predominantemente unifamiliar, numa faixa de 50 metros na confrontação com o arruamento público (J, 8 e 30);</font><br>
<font>10. O prédio referido em 3 goza dessa mesma classificação, ou seja, também está classificado como solo urbano (L, 8 e 30);</font><br>
<font>11. Na carta de condicionantes não está definida qualquer restrição em relação a qualquer dos prédios atrás identificados, ou seja, quer o prédio objecto da preferência quer o prédio identificado em 3. (M, 8 e 30);</font><br>
<b><i><font>12. A alteração da classificação do solo onde se encontram implantados os prédios dos AA. e dos RR. - conforme indicado em 9, 10. e 11. - é resultado da revisão do Plano Director Municipal de Monção publicada no Diário da República em 20.05.2009 (N, 8 e 30);</font></i></b><br>
<font>13. Há mais de 20 anos que os AA, por si e seus antepossuidores, designadamente o pai da A. mulher, detêm e possuem o prédio referido em 3, fruindo as utilidades que o mesmo proporciona, colhendo os frutos que produz, cedendo o respectivo gozo e suportando os inerentes encargos. Os AA vêm procedendo do modo descrito de forma ininterrupta, com ânimo de exclusivos donos e no seu interesse e proveito próprios, à vista dos RR. e de toda a gente, sem qualquer estorvo ou turbação;</font><br>
<font>14. O prédio referido em 3. tem pelo menos a área de 1.770 m2 (3);</font><br>
<font>15. Os prédios referidos em 1. e 3. são contíguos entre si (4);</font><br>
<font>16. O prédio referido em 1. encontrava-se, antes de ser adquirido pelo 3ºR. (conforme indicado em 1), afecto ao cultivo, e o prédio referido em 3 encontra-se afecto ao cultivo (5);</font><br>
<font>17. O prédio referido em 1 era susceptível, antes de ter sido adquirido pelo 3º R. (conforme indicado em 1), de integrar uma exploração agrícola única e contínua com o prédio referido em 3. (6);</font><br>
<b><i><font>18. Antes da alteração resultante da revisão do PDM (conforme indicado em 9, 10, 11 e 12), os prédios referidos em 1 e 3 encontravam-se, de acordo com o PDM, integrados em área aí designada "Espaços Florestais - Áreas de Produção Florestal Dominante" (7, 8 e 30);</font></i></b><br>
<font>19. Pretendendo proceder à rectificação de áreas do prédio referido em l, o 1 ° R. marido contactou o A. marido, em Agosto de 2004, no sentido de obter as assinaturas dos AA para esse efeito. </font><b><i><font>No decurso da conversa mantida entre ambos, o A. marido soube do 1º R. marido que os 1ºs e 2ºs RR tinham prometido vender aos 3°s RR o prédio referido em 1. (9 e 10);</font></i></b><br>
<b><i><font>20. Os 3°s RR pretendem construir uma casa no prédio referido em l. (19 e 20);</font></i></b><br>
<font>21. O prédio referido em 1. confronta do lado norte com estrada camarária, tem energia eléctrica e água à porta. Existem nas suas proximidades duas edificações a menos de 100 metros, e outras a cerca de 150 metros (21 e 22);</font><br>
<font> </font><br>
<b><i><font> </font></i></b><br>
<b><i><font>22. Os 3°s RR solicitaram ao um técnico que procedesse à elaboração do projecto da moradia a construir no prédio referido em 1. e solicitaram na Câmara Municipal de Monção o licenciamento da construção da moradia no prédio referido em 1. (23 e24);</font></i></b><br>
<font>23. A área real do prédio rústico confinante do lado sul com o prédio mencionado em 1, pertencente a HH, é superior à área do prédio dos AA. (25);</font><br>
<font>24. Os 3°s RR despenderam a quantia de € 944,52 a título de despesas com a escritura pública, emolumentos notariais e imposto de selo (26);</font><br>
<font>25. Os 3°s RR vão suportar despesas com a elaboração dos projectos de arquitectura e demais projectos de especialidades (rede de água, rede de electricidade, rede de gás, rede de esgotos e saneamento, telefone, ruído, etc.) necessários para a construção da moradia no prédio referido em 1. (29).</font><br>
<font> </font><br>
<b><font>IV. </font></b><font>Do mérito –</font><br>
<b><font>Começaremos por analisar, dentro de uma sequência lógica estabelecida de acordo com a possível prejudicialidade das questões suscitadas, o item relativo à conformidade legal do depósito do “preço devido” tal como foi efectuado (limitado ao montante declarado como contrapartida pela alienação do terreno em causa); por outras palavras analisar e decidir se esse depósito satisfaz, como entenderam as instancias, os requisitos legais (nº 1 do artigo 1410º CC)</font></b><font> </font><b><font>ou se, efectivamente, e como é entendimento dos recorrentes, deveria englobar outras despesas inerentes à alienação do imóvel, nomeadamente o IMT e as despesas de registo</font></b><font>.</font><br>
<font> </font><br>
<font> </font><br>
<font>Não se ignora que esta questão não foi, durante muito tempo, pacifica quer na doutrina quer na jurisprudência</font><a><u><sup><font>[1]</font></sup></u></a><font>, partindo, fundamentalmente, essa divergência de posições da interpretação teleológica da norma, concretamente no que respeita à finalidade tida em vista pelo legislador quando impôs este ónus ao preferente.</font><br>
<font>Como analisa, com especial profundidade e clareza, Agostinho Cardoso Guedes – </font><i><font>“O Exercício do Direito de Preferência”, Porto, Universidade Católica – 2006 – pagina 652 e sgs.</font></i><font> – tudo residirá em saber se com a consagração do referido ónus, colocado como pressuposto necessário de seguimento da acção de preferência, se pretendeu colocar o alienante a coberto do risco de perder o contrato com o adquirente e não o vir a celebrar com o preferente (por ulterior desinteresse ou falta de capacidade económica deste) – situação que justificará a exigência de deposito do preço em sentido estrito (</font><i><font>posição defendida entre outros por Antunes Varela e Henrique Mesquita</font></i><font>) – ou se, por outro lado, o fundamento subjacente ao ónus é a salvaguarda da reintegração do património do adquirente de tudo o que tiver dispendido com a aquisição – situação que justificará a exigência de depósito de tudo o que tiver sido gasto na aquisição, nomeadamente despesas fiscais e registrais (</font><i><font>posição defendida entre outros por Galvão Telles e Vaz Serra</font></i><font>).</font><a><u><sup><font>[2]</font></sup></u></a><br>
<font>Acolhendo o entendimento que vai no sentido de a “ratio”da consagração legal daquele ónus se justificar pela necessidade de salvaguarda da posição do alienante vem a jurisprudência deste STJ decidindo, actualmente de forma quase unânime ou no mínimo predominante, que o termo “preço devido” consagrado pelo legislador se limita ao preço estrito ou seja à quantia paga (nos termos contratuais) pelo adquirente ao alienante, afastando a integração na quantia a depositar de outras despesas que tiverem sido pagas, caso do IMT ou custos de escritura ou registo – neste sentido, na jurisprudência, os acórdãos deste STJ, de 22/2/2005 (Conselheiro Moreira Alves), de 10/1/2008 (Conselheiro Santos Bernardino) e de 7/4/2011 (Conselheiro Oliveira Vasconcelos) e na doutrina Menezes Cordeiro</font><a><u><sup><font>[3]</font></sup></u></a><font> – Tratado de Direito Civil Obrigações, Tomo II, paginas 518 e 519.</font><br>
<font>Em conclusão, a doutrina e a jurisprudência mais recentes sustentam que o ónus de depósito do preço</font><a><u><sup><font>[4]</font></sup></u></a><font> incide apenas sobre a contrapartida ajustada entre o alienante e o adquirente para alienação do bem sobre o qual incide a preferência. </font><br>
<b><font>Não temos, assim, qualquer censura a fazer, neste concreto segmento, ao acórdão recorrido.</font></b><br>
<b><font> </font></b><br>
<b><font>Passemos, então, à análise e decisão sobre a 2ª questão suscitada no recurso a qual consiste em saber se se verifica ou não a excepção impeditiva do direito de preferência constante da parte final da alínea a) do artigo 1381º CC</font></b><font>.</font><br>
<font>Os RR recorrentes sustentam nos autos e neste recurso uma posição no sentido de o direito conferido aos AA pelo artigo 1380º CC não poder produzir efeitos porquanto, segundo alegam, a aquisição do terreno em causa ter sido efectuada para fim diferente do de cultura, preenchendo-se desta forma a circunstancia excepcional prevista na alínea a) do artigo 1381º e deixando, assim, de prevalecer as razões subjacentes à preferência concedida na disposição legal antecedentemente referida - </font><b><i><font>incentivo ao emparcelamento de prédios rústicos</font></i></b><font>.</font><br>
<font> Dando-se, assim, como assente que não está em causa a configuração dos elementos constitutivos do direito de preferência que os AA pretendem fazer valer na acção – artigo 1380 nº 1 CC </font><a><u><sup><font>[5]</font></sup></u></a><font>– coloca-se – na tese dos recorrentes - a questão do preenchimento ou não dos pressupostos de verificação da alegada excepção (alínea a) do artigo 1381º), que nestes casos assume a natureza de excepção peremptória – factos que impedem o efeito jurídico dos factos alegados pelos AA (artigo 493º nº 3 CPC).</font><br>
<font>Dentro das regras gerais relativas ao ónus da prova e uma vez que estamos perante factos impeditivos do direito alegado pelos AA cabe esse ónus aos RR recorrentes – artigo 342º nº 2 CC – os quais, de acordo com a doutrina e jurisprudência dominantes, têm que provar, com apoio em elementos objectivos, não só a intenção de dar ao terreno diferente destino como a possibilidade legal de concretização desse novo destino</font><a><u><sup><font>[6]</font></sup></u></a><font>.</font><br>
<font>Acrescente-se ser nosso entendimento, na interpretação do disposto no artigo 1381º alínea a), que a admissibilidade legal do novo destino a dar ao terreno (que no momento da aquisição tinha uma destinação agrícola ou florestal) tem que existir no momento da aquisição e deve ser reconhecida pelas autoridades administrativas competentes</font><a><u><sup><font>[7]</font></sup></u></a><font>.</font><br>
<font> </font><br>
<font>Tal como vem referido no acórdão recorrido o prédio em causa estava ao tempo, de acordo com os instrumentos de gestão do território (Lei do Ordenamento do Território e Urbanismo - 48/98 dei 1/08; Regulamento dos Planos Directores Municipais - DL. 380/99 de 22/09 e Resolução Conselho Ministros 110/94 de 3/11 que ratificou o Plano Director Municipal de Monção), classificado como solo rural (terreno florestal), sendo permitida a construção duma edificação unifamiliar e anexos de apoio a exploração do prédio, com condicionantes bem explícitas e esta classificação apenas pode ser alterada com a revisão do PDM (artigo 71º do DL. 380/99 de 22/9).</font><br>
<font>Com referimos e como se defendeu, também, no acórdão recorrido a intenção de afectar o prédio a fim que não seja a cultura, embora possa e deva constar de forma expressa na escritura de aquisição</font><a><u><sup><font>[8]</font></sup></u></a><font>, só será relevante, para efeitos de excepcionar o direito de preferência, se for juridicamente admissível, à data da outorga da escritura pública (Ac. 22/11/1988, BMJ, 381/52; Ac. 18/1/94, CJ (STJ) 1994, Tomo I, pag. 46; Ac. de 19/03/98, CJ. (STJ) 1998, Tomo I, pag. 143; Ac. de 21/06/94, CJ (STJ) 1994, Tomo II, pag. 154; Ac. de 14/03/02 CJ. (STJ), 2002, Tomo I, pag. 133 e Antunes Varela, Código Civil Anotado, 2a edição, em anotação ao artigo 1381 do referido diploma).</font><br>
<font>Não se compreenderia que assim não fosse uma vez que justificando-se a consagração do direito de preferência no artigo 1380º nº 1 por razões de interesse publico – ligadas à necessidade de alteração da estrutura fundiária do país e à manutenção da estabilidade ecológica – não podiam essas razões ser contornadas com base em meras intenções declaradas e apenas remota e hipoteticamente possíveis.</font><br>
<font> </font><br>
<font>Estando, como acima referimos, fora de causa a possibilidade de os AA (proprietários de prédio confinante de área inferior à unidade de cultura) exercerem o direito de preferência manifestado na acção teriam os RR recorridos, na qualidade de adquirentes, que, como já referimos, demonstrar, em suporte da sua posição, que o diferente fim a que pretendiam destinar o terreno – construção urbana, conforme declarado na escritura (ponto 1 da factualidade provada) – era ao tempo física e legalmente possível, constituindo uma intenção séria cuja execução seria iniciada em curto prazo.</font><br>
<font>Ora, totalmente ao contrário do que pretendem sustentar, de forma por vezes artificiosa, os RR recorrentes, limitam-se os mesmo a fazer apenas prova (ponto 7 dos factos provados) que o pedido de viabilidade apresentado á Câmara Municipal de Monção e merecedor de despacho de concordância dizia respeito a possibilidade de construção, numa reduzida parcela do terreno em causa, de edifício habitacional e anexos, </font><b><i><font>de apoio à actividade florestal, </font></i></b><font>apresentando-se a pretendida construção como um elemento excepcional do uso do solo, que não afecta o seu uso predominante de exploração florestal, uso que, desta forma, continuaria a prevalecer e a impor-se.</font><br>
<font>A possibilidade legal e física de dar ao terreno em causa uma destinação diferente da de cultura não era, ao tempo da aquisição possível.</font><br>
<b><font>Também neste segmento do recurso não há censura a fazer ao acórdão recorrido.</font></b><br>
<b><font> </font></b><br>
<b><font>Alegam, por último, os recorrentes que a actuação dos AA configura uma situação de abuso de direito – excesso manifesto dos limites da boa-fé ou do fim económico e social do direito respectivo que o artigo 334º CC visa sancionar.</font></b><br>
<font>A posição sustentada, neste concreto segmento, pelos recorrentes tem a ver com o alegado conhecimento por parte dos AA da pretensão dos RR em afectar o terreno à construção e com a alegado propósito dos AA de com a preferência aumentarem a sua propriedade de terrenos que sabiam e sabe, estarem destinados a construção.</font><br>
<font>Ao usarem estes argumentos para procurarem demonstrar o abuso de direito de acção por parte dos AA recorridos, não podiam nem podem os recorrentes ignorar que sobre eles impedia o ónus da prova de factos que conduzissem à consolidação dessa sua posição.</font><br>
<font>Ora, tal como resulta da factualidade provada não existem quaisquer elementos que permitam </font><i><font>concluir outra coisa que não seja que</font></i><font> os AA visaram utilizar o direito legal de preferência que, ao tempo, a lei lhes conferia sobre o prédio alienado ao recorrente.</font><br>
<font>Em toda a sua actuação, patente na factualidade provada nada existe no sentido de a sua conduta – quer nos meios usados quer no fim visado - tenha ultrapassado, de forma excessiva, os limites impostos pela boa fé, bons costumes e fim económico e social do direito.</font><br>
<b><font>Assim é de concluir, como concluíram as instancias, que não há abuso de direito nos termos do artigo 334 do C.Civil.</font></b><br>
<b><font> </font></b><br>
<b><i><font>Conclusão:</font></i></b><br>
<b><i><font>1 – Na acção de preferência o ónus de depósito do preço abrange apenas a contrapartida ajustada entre alienante e adquirente para a alienação do bem sobre o qual incide a preferência (preço estrito);</font></i></b><br>
<b><i><font>2 – A declaração do adquirente constante expressamente da escritura de venda não excepciona, só por si, o direito de preferência exercido nos termos do artigo 1380º CC;</font></i></b><br>
<b><i><font>3 - Para se determinar se a intenção manifestada pelo adquirente no sentido de o destinar a um fim diferente da cultura é juridicamente admissível, preenchendo-se dessa forma o facto impeditivo da preferência a que alude a alínea a) do artigo 1381 CC, deve atender-se, através de elementos objectivos constantes dos factos provados, à possibilidade física e legal da nova destinação à luz dos condicionantes legais e de facto existentes à data da outorga da escritura de venda.</font></i></b><br>
<b><i><font>4 - Estando classificado o solo dum prédio como rural e qualificado com predominância a floresta, mesmo que seja permitida a construção de uma habitação unifamiliar e anexos de apoio à exploração do prédio, esta permissão não afecta a classificação e qualificação do solo, continuando a prevalecer a destinação originária.</font></i></b><br>
<font> </font><br>
<b><font>V. Decisão – em face do exposto </font></b><font>acorda-se em negar a revista.</font><br>
<font>Custas pelos recorrentes.</font><br>
<font> </font><br>
<font>Lisboa, 19 de Fevereiro de 2013</font><br>
<br>
<br>
<font>Mário Mendes (Relator)</font><br>
<font>Sebastião Póvoas</font><br>
<font>Moreira Alves</font>
<p><font> </font>
</p></font><p><font><font>______________________</font><br>
<a><u><sup><font>[1]</font></sup></u></a><font> A discussão doutrinal e divergência jurisprudencial sobre este assunto ocorreu sobretudo nos anos 70 e princípio dos anos 80 merecendo especial referencia os acórdãos deste STJ, de 12/5/71 – RLJ, ano 106, página 151 e de 25/5/82, RLJ, ano 119, pagina 109.</font><br>
<a><u><sup><font>[2]</font></sup></u></a><font> Sobre esta matéria vide as notas insertas a paginas 652 e 653 na obra acima citada.</font><br>
<a><u><sup><font>[3]</font></sup></u></a><font> O depósito reporta-se ao preço “</font><i><font>proprio sensu”.</font></i><br>
<a><u><sup><font>[4]</font></sup></u></a><font> Sobre a noção de preço em sentido técnico veja-se o artigo 874º CC.</font><br>
<a><u><sup><font>[5]</font></sup></u></a><font> O artigo 1380º nº 1 CC confere um direito de preferência com eficácia “erga omnes” aos donos de prédios confinantes desde que estes tenham área inferior à unidade de cultura; trata-se de um direito legal de aquisição que depende da verificação dos requisitos enunciados naquela disposição legal e que aqui se mostram verificados – v acórdãos deste STJ, de 25/3/2010 (Oliveira Rocha) e de 28/2/2008 (Fonseca Ramos).</font><br>
<a><u><sup><font>[6]</font></sup></u></a><font> V. Acórdão deste STJ, de 21.6.94 – BMJ 438/450 e Henrique Mesquita, parecer em Colectânea, ano XI, tomo 5, pagina 46. </font><br>
<a><u><sup><font>[7]</font></sup></u></a><font> A possibilidade de afectação a finalidade diferente depende sempre de decisão da autoridade administrativa competente devendo o adquirente alegar e provar que o diferente destino que pretende dar ao terreno é, à data da aquisição legalmente possível – aptidão juridicamente reconhecida através de licença concedida pela administração publica. </font><br>
<a><u><sup><font>[8]</font></sup></u></a><font> Vem alguma jurisprudência entendendo que mesmo nos casos em que o propósito da diferente destinação não conste da escritura de aquisição sempre o adquirente poderá demonstrar posteriormente que adquiriu o terreno com intenção de lhe dar destinação diversa da de cultura, mantendo-se, no entanto a obrigação de demonstrar tal propósito através de elementos objectivos.<br>
</font></font></p> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
QDKju4YBgYBz1XKvIyXM | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font>
<p><b><font>I. - Relatório.</font></b>
</p><p><font>Dissentindo do decidido na apelação interposta da decisão proferida em primeira instância [</font><a><u><sup><font>[1]</font></sup></u></a><font>] que, na parcial procedência da apelação, decidiu: “a)Relegar para liquidação em execução de sentença, a fixação de indemnização ao A. AA por ITA e ITP e por danos futuros; b)Determinar que os juros de mora devidos aos AA AA e BB, respectivamente sobre as quantias de €939,68 e €54,47, vencem-se desde a data da citação e até integral pagamento”, tendo no mais mantido a decisão de primeira instância, recorrem, de revista, tanto os demandantes, como a demandada seguradora, havendo a considerar para o recurso interposto, os sequentes:</font>
</p><p><b><font>I.1. - Antecedentes Processuais.</font></b>
</p><p><font>AA e BB, intentaram a presente acção declarativa, de condenação, sob a forma de processo ordinário, contra Companhia de Seguros CC, S.A.,</font><b><font> </font></b><font>pedindo a procedência da acção e a condenação da Ré no pagamento das seguintes quantias: a) Ao Autor AA 129 672,70 € a título de indemnização por danos morais e patrimoniais; b) Ao Autor BB 20 593,17 €, igualmente a título de danos morais e patrimoniais; c) Juros de mora à taxa legal a contar da citação da Ré.</font>
</p><p><font>Alegaram para o efeito, em síntese, que:</font>
</p><p><font>- No dia 03 de Abril de 2000, pelas 16,15 horas, os autores circulavam na E.N. 114, no sentido Santarém – Coruche, no veículo de matrícula XM---, propriedade do autor AA.</font>
</p><p><font>- Circulavam na sua mão de trânsito e a velocidade adequada.</font>
</p><p><font>- Ao aproximar-se do quilómetro 109, o autor AA verificou que no seu lado direito estava um sinal de perigo indicando estreitamento da via, pelo que reduziu a velocidade.</font>
</p><p><font>- Mais à frente existia um sinal de prioridade de passagem para si numa passagem estreita – ponte.</font>
</p><p><font>- Após ter entrado na referida passagem estreita, o veículo XM foi violentamente embatido na frente do lado esquerdo pelo veículo pesado de mercadorias com a matricula -CQ, conduzido por DD, que tinha entrado na referida ponte, em sentido contrário ao XM e em desrespeito da sinalização existente no seu sentido de marcha, ou seja, Coruche – Santarém.</font>
</p><p><font>- Na berma direita da referida estrada, atento o sentido do CQ estavam três sinais verticais de trânsito, respectivamente, de proibição de circulação a velocidade superior a 50 quilómetros por hora, de indicação de estreitamento da via e de obrigação de cedência de passagem a trânsito que circulasse em sentido contrário, que o seu condutor desrespeitou.</font>
</p><p><font> - Em consequência do embate, ficaram destruídas mobílias, um relógio e uns óculos do autor AA, bem como o XM.</font>
</p><p><font> - O autor AA sofreu diversos ferimentos e foi transportado para o Hospital de Santa Maria onde foi operado, no serviço de ortopedia e no serviço de cirurgia plástica e reconstrutiva.</font>
</p><p><font>- Esteve um período sem trabalhar e foi-lhe fixada uma IPP de 20%.</font>
</p><p><font>- O autor BB sofreu também ferimentos e foi transportado para o Hospital de Santarém e posteriormente para o Hospital de Santa Maria onde foi operado cerca de duas semanas após o acidente.</font>
</p><p><font>- Sofreu dores e andou em tratamentos de fisioterapia.</font>
</p><p><font> A Ré contestou, alegando o seguinte:</font>
</p><p><font>- Culpa alguma é de imputar ao condutor do CQ na produção do sinistro, pois conduzia com cuidado e atenção.</font>
</p><p><font>- Transitava a velocidade não superior a 30 quilómetros horários.</font>
</p><p><font>- Quando o CQ saia da ponte, achando-se o tractor do veiculo já fora dessa mesma ponte, veio a ser embatido na parte lateral esquerda, junto ao depósito de combustível, pelo veiculo XM, que circulava a velocidade superior a 50 quilómetros por hora.</font>
</p><p><font>-O piso estava molhado pela chuva e o condutor do XM ao tentar Pará-lo foi colidir coma guarda da ponte do lado direito atento o seu sentido de marcha.</font>
</p><p><font>- Após o que foi projectado para o lado esquerdo, colidindo com a parte lateral esquerda do tractor do CQ, arrancando o rodado traseiro do mesmo tractor e enfaixando-se por debaixo do reboque.</font>
</p><p><font>- A violência da colisão do XM na guarda da ponte e no tractor e galera do CQ provocou a total destruição daquele, o que evidencia a alta velocidade a que circulava.</font>
</p><p><font> Concluiu pela improcedência da acção e pela sua absolvição do pedido.</font>
</p><p><font>Da decisão proferida – cfr. nota 1 - apelaram os demandantes, AA e BB, tendo, na apelação pedido: “a) Se deve ser alterada a resposta ao quesito primeiro, tendo em conta o que resulta da “Participação do Acidente” lavrada pela GNR; b) Se a culpa na produção no acidente deve ser imputada ao condutor do veículo CQ, por ter violado o disposto no artigo 29.º do Código da Estrada então em vigor, bem como o artigo n.º 21 B-5 do Regulamento de Sinalização de Trânsito aprovado pelo do Decreto Regulamentar n.º 22-A/98 de 1 de Outubro; c) Se deve ser relegado para execução de sentença, o apuramento do montante indemnizatório a atribuir ao A. AA, pela incapacidade temporária para o trabalho sofrida; d) Se deve ser atribuída indemnização ao A. AA, pela destruição da mobília; e) Se a indemnização a atribuir ao A. AA, pelos danos futuros resultantes da IPP de 17%, deve ser fixada em €76.800,00; f) Se deve ser atribuída ao A. AA uma indemnização por perda do veículo XM, da carroçaria e do toldo com publicidade; g) Se os juros de mora resultantes da indemnização devida aos AA, devem ser contados desde a data da citação da Ré Seguradora.”</font>
</p><p><font>É do decidido na apelação que recorrem, tanto os demandantes como a demandada, havendo que fixar o epítome conclusivo a seguir queda transcrito. </font>
</p><p><b><font>I.2. - Quadro Conclusivo.</font></b>
</p><p><font>“1. A prova da propriedade de um veículo automóvel pode ser feita com recurso ao título de registo de propriedade. </font>
</p><p><font>2. Constando do Auto de Notícia elaborado pela GNR, que tomou conta do acidente e que apreendeu os documentos do automóvel, que o mesmo pertence a AA, deve o mesmo Auto de Notícia ser considerado bastante para provar que o automóvel pertence ao AA. </font>
</p><p><font>3. Estando o condutor do CQ obrigado pelos sinais de trânsito, a ceder a passagem na ponte ao condutor do XM, violou essas normas estradais se não cedeu a passagem. </font>
</p><p><font>4. Ocorrendo o embate, em cima da ponte, que era a passagem estreita assinalada pela sinalização existente na berma da estrada, conclui-se que o condutor do CQ violou as normas estradais que o obrigavam a ceder a passagem. </font>
</p><p><font>5. A violação de normas estradais, constitui presunção de culpa na produção do acidente, do condutor que as violou. </font>
</p><p><font>6. Não tendo a Ré ilidido a presunção de culpa do condutor seu segurado, deve ser-lhe atribuída a totalidade da culpa na produção do acidente. </font>
</p><p><font>Para a revista que impulsionou, a demandada seguradora, dessumiu o quadro conclusivo que a seguir queda extractado. </font>
</p><p><font>“1. O A. AA não logrou provar que auferisse remuneração mensal pela actividade industrial que desenvolvia – não tinha vencimento estipulado. </font>
</p><p><font>2. O art. 661.º, n.º2 do Código de Processo Civil só permite remeter para posterior liquidação quando não houver elementos para fixar o objecto ou a quantidade, mas entendida esta falta de elementos não como a consequência do fracasso da prova, na acção declarativa, sobre o objecto ou a quantidade, mas sim como a consequência de não se conhecerem, com exactidão, as consequências do facto ilícito – cfr., entre outros, Acórdão do ST J de 17.1.1995, in BMJ 443-404. </font>
</p><p><font>3. Efectivamente, o A. AA alegou, e não conseguiu provar, que auferisse um rendimento mensal não inferior a € 2.000,00. </font>
</p><p><font>4. Deste modo, falece a possibilidade de se aplicar o dispositivo do n.º 2 do art. 661.º do Código de Processo Civil, como o fez o acórdão recorrido, dado que a impossibilidade de fixar o montante da remuneração mensal do A. AA resulta somente do fracasso da prova e não da falta de elementos. </font>
</p><p><font>5. O acórdão recorrido violou o disposto no art. 661.º, 2 do Código de Processo Civil. </font>
</p><p><font>6. Consequentemente, deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se o acórdão recorrido na parte em que relega para ulterior liquidação, na proporção da responsabilidade da contribuição para o sinistro, em 40% para o XM-4044 e 60% para o -CQ, a fixação de indemnizações por ITA e ITP e danos patrimoniais futuros a atribuir ao A. AA, (…)”</font>
</p><p><font>Contra-alegou a demandada seguradora perorando pelo bom julgado da questão que constitui o fundamento do recurso dos demandantes.</font>
</p><p><b><font>I.3. - Questões a merecer apreciação nas revistas.</font></b>
</p><p><b><font>Da revista dos demandantes</font></b><font>:</font>
</p><p><font>- Prova do direito de propriedade de um veículo (valor de um auto de noticia); </font>
</p><p><font>- Presunção de culpa por violação do dever de observância de sinalização obrigatória.</font>
</p><p><b><font>Da revista da demandada:</font></b>
</p><p><font>- Condenação em quantia que vier a ser liquidada em execução de sentença. </font>
</p><p><b><font>II. - FUNDAMENTAÇÃO.</font></b>
</p><p><b><font>II.A. - DE FACTO.</font></b>
</p><p><font>“1. No dia 03 de Abril de 2000, cerca das 16 horas e 15 minutos, na Estrada Nacional 114, ao quilómetro 109 303,400, no concelho de Coruche, ocorreu o embate entre o veículo ligeiro de mercadorias de matrícula XM--- e o veículo pesado de mercadorias de matrícula -CQ (Al. A)).</font>
</p><p><font>2. O veículo XM era, no momento do embate a que se alude em A), conduzido pelo autor AA (Al. B)).</font>
</p><p><font>3. O veículo referido em B) circulava, aquando do embate, na estrada descrita em A), no sentido Santarém – Coruche (Al. C)).</font>
</p><p><font>4. O veículo CQ era conduzido por DD (Al. D)).</font>
</p><p><font>5. Este veículo, no momento do embate, seguia na referida estrada, no sentido Coruche – Santarém (Al. E)).</font>
</p><p><font>6. A responsabilidade civil por danos causados pela circulação do veículo CQ encontrava-se, à data do embate mencionado em A), transferida para a ré através do contrato de seguro titulado pela apólice n.º ... (Al. F)).</font>
</p><p><font>7. Após o embate, o veículo XM, que à data valia 600 000$00, ficou destruído, não sendo aconselhável a sua reparação (Al. G)).</font>
</p><p><font>8. O condutor do -CQ, DD, transitava na altura do acidente pela E.N. 114 no sentido Coruche – Raposa (Al. H)).</font>
</p><p><font>9. No momento do embate mencionado em A), existia ao quilómetro 109,303 uma ponte que tinha 4,20 metros de largura (Al. I)).</font>
</p><p><font>10. Na berma direita da estrada referida em A), atento o sentido de marcha do veículo XM, antes da ponte mencionada em I), encontrava-se na altura do embate, como ainda hoje, sinal de proibição de exceder a velocidade de 50 quilómetros por hora (Al. J)).</font>
</p><p><font>12. Aquando do embate, o piso da estrada estava molhado pela chuva (Al. L)).</font>
</p><p><font>13. Após o embate, os salvados do veículo XM valiam Esc. 50 000$00/249,40 € (Al. M)).</font>
</p><p><font>14. Aquando do embate o veículo XM circulava pela faixa de rodagem direita, atento o seu sentido de marcha (2.º).</font>
</p><p><font>15. Nas circunstâncias de tempo e lugar referidas em A), ao quilómetro 109 303,400, encontrava-se, do lado direito, atento o sentido de marcha do XM, um sinal de perigo, indicando um estreitamento da via (3.º).</font>
</p><p><font>16. Pelo que o autor AA ao avistá-lo reduziu a sua velocidade, seguindo a sua marcha (4.º).</font>
</p><p><font>17. Alguns metros à frente do sinal, descrito em 3.º e também implantado na berma direita da via, atento o sentido de marcha do XM, encontrava-se um sinal de trânsito com a indicação de prioridade de passagem nas passagens estreitas (5.º).</font>
</p><p><font>18. O veículo XM, após ter entrado na passagem estreita, que era a ponte a que se alude em I), foi embatido na sua frente pelo lado esquerdo do veículo CQ, que o arrastou contra o muro da ponte, onde embateu com a parte traseira direita, derrubando parte do muro da ponte (6.º e 7.º).</font>
</p><p><font>19. A destruição do veículo XM, mencionada em G) ficou a dever-se ao embate no muro da ponte e no veículo CQ (15.º).</font>
</p><p><font>20. O autor BB, no momento do embate, era ocupante do veículo XM (16.º).</font>
</p><p><font>21. À data do embate o veículo transportava:</font>
</p><p><font>a) Uma mobília de quarto revista n.º 1, completa, em castanho;</font>
</p><p><font>b) Um colchão morpheus ortopédico 1,33 x 1,88;</font>
</p><p><font>c) Uma mesa rectangular extensível, em castanho;</font>
</p><p><font>d) 8 cadeiras;</font>
</p><p><font>e) Um jogo de sofás Fátima;</font>
</p><p><font>f) Uma mesa de T.V. 131 com tampo giratório (17.º).</font>
</p><p><font>22. Em consequência do embate ficou destruída, sendo o seu valor facturado de Esc. 1 374 750$00, como ficou destruída a carroçaria, o toldo com publicidade e o corta-vento do veículo (18.º e 19.º).</font>
</p><p><font>23. Consequentemente ao embate o autor AA perdeu o relógio de pulso e os óculos cuja substituição importou em 66 390$00 (20.º e 21.º).</font>
</p><p><font>24. Com o reboque do veículo do local do embate para Coruche e daqui para a vila da Benedita, gastou o autor AA 57 330$00 (22.º).</font>
</p><p><font> 25. Em consequência do embate, o autor AA sofreu fractura cominutiva do olecrânio esquerdo de grau III (23.º).</font>
</p><p><font>26. E sofreu feridas ao nível da face por traumatismo crânio – facial na região periorbitária esquerda com perda de substância (24.º).</font>
</p><p><font>27. Nessa sequência o autor AA foi operado na urgência do Hospital de Santa Maria, no serviço de ortopedia, onde lhe foi efectuada limpeza cirúrgica, desbidramento e reconstrução da extremidade proximal do cúbito com excerto tricortal (25.º).</font>
</p><p><font>28. E foi operado de urgência no serviço de cirurgia plástica e reconstrutiva, no serviço de urgência do mesmo hospital, onde foi submetido a reposicionamento de retalhos existentes, com conjuntivo – tarssórrafias e sutura de feridas (26.º).</font>
</p><p><font>29. Esteve internado até ao dia 12.04.2000, tendo sido depois orientado para consultas externas de ortopedia e de cirurgia plástica (27.º).</font>
</p><p><font> 30. Tais lesões foram causa directa e necessária de doença com incapacidade total para o trabalho entre 03 de Abril de 2000 e 01 de Novembro de 2000 e entre 18 de Outubro de 2001 e 30 de Outubro de 2001 (28.º).</font>
</p><p><font>31. Tais lesões foram causa directa e necessária de uma incapacidade permanente geral fixável em 17 pontos (29.º).</font>
</p><p><font>32. O autor AA foi transportado do local do embate mencionado em A) para o Hospital de Santa Maria, em ambulância dos bombeiros municipais de Coruche, pelo que pagou a quantia de 14 670$00 (73,17 €) (30.º).</font>
</p><p><font>33. O autor AA compareceu a pelo menos 11 consultas externas no Hospital de Santa Maria, despendendo em cada deslocação valor não apurado (31.º).</font>
</p><p><font>34. Nessas consultas externas e noutras que se revelaram necessárias e em medicamentos, o autor AA gastou cerca de Esc. 50 000$00 (32.º).</font>
</p><p><font> 35. O autor AA é empresário em nome individual, tributado na categoria B para efeitos de IRS (33.º).</font>
</p><p><font>36. Possuindo uma empresa que dedica a actividade à produção e comercialização de mobílias (34.º).</font>
</p><p><font>37. Toda a actividade empresarial é por ele gerida e administrada (35.º).</font>
</p><p><font>38. Antes do embate o autor AA era saudável, activo e dinâmico (37.º).</font>
</p><p><font>39. Em consequência das lesões sofridas pelo embate, o autor AA padeceu dores e sofreu receios e angústias (38.º e 39.º).</font>
</p><p><font>40. Em consequência do embate o autor AA sofreu incapacidade temporária profissional total entre 03 de Abril de 2000 e 01 de Novembro de 2000 e entre 18 de Outubro de 2001 e 30 de Outubro de 2001, incapacidade temporária profissional parcial entre 02 de Novembro de 2000 e 17 de Fevereiro de 2001 (41.º).</font>
</p><p><font>41. Em consequência do embate o autor BB sofreu traumatismo craniano, fractura dos arcos costais anteriores esquerdos, com derrame, fractura do úmero e escoriações no lábio (42.º).</font>
</p><p><font>42. E nessa sequência foi assistido no Hospital de Santarém, na madrugada do dia 04.04.2000, de onde foi transferido para o Hospital de Santa Maria (43.º).</font>
</p><p><font>43. Onde esteve internado cerca de uma semana, permanecendo no Serviço de Observação, sendo depois transferido para o Hospital de Caldas da Rainha, onde permaneceu mais uma semana (44.º).</font>
</p><p><font>44. O autor BB regressou ao Hospital de Santa Maria, onde foi operado, permanecendo aí cerca de 10 dias (45.º).</font>
</p><p><font>45. Com o transporte de ambulância do local do embate para o centro de Saúde de Coruche e daqui para o Hospital de Santarém, o autor BB gastou € 54,47 (48.º).</font>
</p><p><font>46. O autor BB, apesar de reformado, desenvolvia actividade agrícola, por conta própria (51.º).</font>
</p><p><font>47. Como consequência das lesões sofridas, o autor BB padeceu dores e sofreu receios e angústias (53.º e 54.º).</font>
</p><p><font>48. Na berma direita da estrada, atento o sentido de marcha do -CQ, existiam três sinais verticais de trânsito, respectivamente, de proibição de circulação a velocidade superior a 50 quilómetros por hora, de indicação de estreitamento da via e de obrigação de cedência de passagem a trânsito que circulasse em sentido contrário (56.º).</font>
</p><p><font>Ao abrigo do art.º 659.º, n.º 3 do Código de Processo Civil, o tribunal dá ainda como provados os seguintes factos:</font>
</p><p><font>49. O autor AA nasceu no dia … de … de 19… (certidão de assento de nascimento de fls. 140).</font>
</p><p><font>50. O autor BB nasceu no dia … de Abril de 19… (certidão de assento de nascimento de fls. 141).</font>
</p><p><font>51. O autor AA sofreu um período de incapacidade temporária geral total desde 03 de Abril de 2000 até 17 de Abril de 2000, desde 17 de Outubro de 2000 até 31 de Outubro de 2000 e desde 18 de Outubro de 2001 até 25 de Outubro de 2001, fixável num período de 38 dias (relatório do IML de fls. 362 e seguintes).</font>
</p><p><font>52. O autor AA sofreu um período de incapacidade temporária geral parcial desde 18 de Abril de 2000 até 16 de Outubro de 2000, desde 01 de Novembro de 2000 até 17 de Outubro de 2001 e desde 26 de Outubro de 2001 até 30 de Outubro de 2001, fixável num período de 538 dias (relatório do IML de fls. 362 e seguintes).</font>
</p><p><font> 53. O autor BB sofreu um período de incapacidade temporária geral total desde 03 de Abril de 2000 até 11 de Maio, fixável num período de 39 dias (relatório do IML de fls. 374 e seguintes).</font>
</p><p><font>54. O autor BB sofreu um período de incapacidade temporária geral parcial desde 12 de Maio de 2000 até 12 de Julho de 2000, fixável num período de 62 dias (relatório do IML de fls. 374 e seguintes).”</font>
</p><p><b><font>II.B. – DE DIREITO.</font></b>
</p><p><b><font>II.B.1. – Prova do direito de propriedade de um veículo (valor de um auto de noticia).</font></b>
</p><p><font>O Supremo Tribunal de Justiça é, organicamente um tribunal de revista – cfr. artigo 26.º da Lei n.º 3/99, de 13 de janeiro - pelo que a sua competência em mataria de recurso está confinada ao conhecimento de matéria de direito - cfr. artigo 722.º e 729.º, ambos do Código Processo Civil. </font>
</p><p><font>Os poderes do Supremo Tribunal de Justiça estão confinados aos casos em que tenha havido “[ofensa] de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe força de determinado meio de prova.” - cfr. n.º 3 do artigo 722.º do Código Processo Civil. </font><br>
<font>A este propósito escreveu-se no acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 01-03-2012, relatado pela Conselheira Maria dos Prazeres Beleza: “[como] se observou, por exemplo, nos acórdãos deste Supremo Tribunal de 4 de Novembro de 2010 (proc. nº 2916/05.9TBVCD.P1.S1), ou de 3 de Fevereiro de 2011 (proc. nº 29/04.0TBRSD.P1.S1), ambos relatados pela presente relatora e disponíveis em </font><a><u><font>www.dgsi.pt</font></u></a><font>, por princípio apenas existe um grau de recurso quanto à decisão sobre a matéria de facto. A intervenção do Supremo Tribunal de Justiça nesse domínio está limitada aos casos previstos no nº 2 do artigo 722º e no nº 2 do artigo 729º do Código de Processo Civil, ou seja, às situações em que o erro no julgamento de facto resulta, não de uma desajustada ponderação das provas produzidas, à luz do princípio da livre apreciação (artigo 655º do Código de Processo Civil), mas de uma incorrecta aplicação de critérios legalmente definidos relativamente à sua admissibilidade ou ao seu valor (cfr., por exemplo, os acórdãos deste Supremo Tribunal de 2 de Novembro de 2006, de 31 de Maio de 2007, de 26 de Junho de 2008, de 18 de Dezembro de 2008 ou de 20 de Janeiro de 2010, disponíveis em </font><u><font>www.dgsi.pt</font></u><font> como processos nºs 06B2641, 07B1333, 07B335, 07B3434 e 09B195). </font><br>
<font>Isto significa que é preciso que o tribunal recorrido tenha ofendido “uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova</font><i><font>”</font></i><font> para que, na revista, o Supremo Tribunal possa corrigir qualquer </font><i><font>“erro na apreciação das provas”</font></i><font> ou na </font><i><font>“fixação dos factos materiais da causa”</font></i><font>; ou, ainda, que tenha infringido os limites traçados pelos nºs 1 e 2 do artigo 712º do Código de Processo Civil para o exercício do poder de reapreciação da decisão de facto da 1ª Instância (neste sentido ver, por exemplo, o acórdão deste Supremo Tribunal de 10 de Setembro de 2009, </font><u><font>www.dgsi.pt</font></u><font>, proc. nº 374/09.8YFLSB). </font><br>
<font>Estão assim subtraídos à sua apreciação os meios de prova sem valor tabelado, relativamente aos quais a última palavra pertence à 2ª Instância; e também o controlo da interpretação de declarações negociais, no que se refere à determinação do sentido da vontade real dos intervenientes, por se tratar de questão ainda situada no domínio dos factos; apenas lhe é permitido avaliar a aplicação dos critérios legais de interpretação (assim, e apenas como exemplo, cfr. acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 23 de Setembro de 2008, 18 de Novembro de 2008, 16 de Abril de 2009 ou 11 de Março de 2010, </font><u><font>www.dgsi.pt.</font></u><font> procs. nºs 697/1000.S1, 08B2748, 08B2346, 77/07.8CTB.C1.S1).” [</font><a><u><sup><font>[2]</font></sup></u></a><font>]</font>
</p><p><font>Balizado, objectivamente, o âmbito de cognoscibilidade do recurso de revista pelo Supremo Tribunal de Justiça, passar-se-á ao conhecimento da questão supra enunciada.</font>
</p><p><font>Reiteram os demandantes, para este Supremo a tese que já tinha advogado na apelação, qual seja a de que o direito de propriedade “[de] um veículo automóvel pode ser feita com recurso ao título de registo de propriedade” e que “[constando] do Auto de Notícia elaborado pela GNR, que tomou conta do acidente e que apreendeu os documentos do automóvel, que o mesmo pertence a AA, deve o mesmo Auto de Notícia ser considerado bastante para provar que o automóvel pertence ao AA.”</font>
</p><p><font>Estatui o artigo 29º do Dec. Lei n.º 54/75, de 12 de Fevereiro que «são aplicáveis, com as necessárias adaptações, ao registo de automóveis as disposições relativas ao registo predial, mas apenas na medida indispensável ao suprimento das lacunas de regulamentação própria e compatível com a natureza de veículos automóveis e das disposições contidas neste diploma e respectivo regulamento.».</font>
</p><p><font>Constitui doutrina pacífica, e solidamente consolidada pela jurisprudência, que o registo vale para o direito como acto declarativo, pois que através do acto de registo, aquele que procede ao registo do direito apenas confere publicidade a um direito já constituído, ou não, na esfera jurídica do registante, através de um negócio jurídico anterior. [</font><a><u><sup><font>[3]</font></sup></u></a><font>] </font>
</p><p><font>O registo cria uma presunção de que o direito registado, na amplitude e com o conteúdo em que o foi, existe na titularidade do sujeito que consta do registo. A presunção derivada do registo automóvel, decorrente das disposições conjugadas art. 7.º do Código Registo Predial, ex vi do artigo 29.º do Dec. - Lei 54/75, de 12 de Fevereiro, constitui-se como uma presunção "juris tantum ", cujo valor do facto inscrito pode ser infirmado e elidido mediante prova em contrário. Tal prova pode resultar da nulidade do próprio registo ou da invalidade do acto substantivo inscrito. [</font><a><u><sup><font>[4]</font></sup></u></a><font>]</font>
</p><p><font>Parece resultar inequívoco, em face do que fica dito acerca da função e alcance probatório do registo, que inexistindo norma especifica no Dec. Lei 54/75, de 12 de Fevereiro que regula directamente a matéria se terão que se aplicar, ao registo de automóvel, os normativos do Código Registo Predial, maxime os artigos 7.º, ex vi do artigo 1.º do citado diploma legal, por uma questão de integração de uma lacuna que o próprio artigo 29.º do Dec. Lei 45/75, de 12 de Fevereiro resolve quando estabelece que serão aplicadas ao registo de automóveis as normas do registo de propriedade. Ocorre, neste caso, uma aplicação subsidiária ou remissivo/integradora de uma situação jurídica lacunosa, não regulada num diploma específico, que o legislador pretendeu colmatar com recurso a uma remissão para o regime geral. Neste caso, o legislador não terá entendido que o registo automóvel merecia um tratamento em diploma especifico, certamente por estimar que tratando de um móvel sujeito a registo se deveria aplicar o regime geral consagrado no diploma que rege para os demais móveis sujeitos a registo, bem como para os imóveis.</font>
</p><p><font>Consigna-se, pelo que fica dito, que a prova do direito de propriedade de um automóvel, só pode ser feita através de documento emitido pela competente Conservatória de Registo Automóvel.</font>
</p><p><font>A questão poderá, no entanto, ser enfocada numa outra perspectiva, qual seja a de que não se destinando o titulo de registo de propriedade a provar a titularidade do direito inscrito para efeitos, por exemplo, de transmissão ou cedência do direito, poderia neste caso o documento de registo ser substituído por qualquer outro meio de prova, nomeadamente, o “auto de noticia” da verificação de um sinistro, em que o receptor das declarações dos intervenientes no acidente declaram que são proprietários do veículo e essa qualidade foi atestada pelo oficial que recebeu as declarações, ou ainda, como foi o caso em que o órgão de policia criminal fez constar da participação, e não do designado “auto de noticia”, como o apodaram os recorrentes – cfr. fls. 105 e 106 – que o livrete tinha sido apreendido por falta de inspecção. </font>
</p><p><font>Incoa-se por dar esclarecimento da confusão feita nas alegações de recurso entre “auto de noticia” a participação ou denúncia de um facto ilícito. O “auto de noticia” – cfr. artigo 243.º do Código Processo Penal e artigo 170.º do Código da Estrada - constitui um acto de comunicação da existência/verificação de um ilícito qualificado pela lei penal como crime por um agente de autoridade. Uma denúncia ou participação repercute a notícia de um crime por parte de qualquer pessoa ao Ministério público ou a qualquer outra autoridade judiciária ou órgão de policia criminal – cfr. artigos 244.º e 246.º do Código Processo Criminal. </font>
</p><p><font>O auto de noticia enquanto documento que plasma na sua descrição factual uma ocorrência ou um evento criminal presenciado por uma autoridade judiciária, um órgão de policia criminal ou outra entidade policial assume uma força probatória distinta da que é conferida a uma denúncia na justa medida em que nesta a autoridade judiciária ou o órgão de policia criminal se reduz á condição de receptor dos factos que lhe são transmitidos pelo denunciante, enquanto que no caso do auto de noticia os factos foram directa e presencialmente presenciados pela autoridade judiciária ou pelo órgão de policia criminal. </font>
</p><p><font>Nos termos do n.º 3 do artigo 170.º do Código da Estrada “[o] auto de notícia levantado e assinado nos termos dos números anteriores faz fé sobre os factos presenciados pelo autuante, até prova em contrário.” Decorre do citado segmento de norma que existe uma presunção juris tantum estabelecida a favor da notícia do crime ou ilícito contra-ordenacional verificada e feita transcrever em auto pela autoridade competente. [</font><a><u><sup><font>[5]</font></sup></u></a><font>] </font>
</p><p><font>O auto de notícia, com a função que lhe é conferida no preceito anterior, não tem, a força probatória que no ordenamento jus processual é conferida aos documentos ao artigo 169.º do Código Processo Penal nem por outro lado o artigo 243.º deste livro de leis estabelece qualquer presunção quanto ao valor do auto de noticia, ainda que seja jurisprudência assente que o auto de noticia constitui uma presunção da existência e verificação dos factos narrados pelo órgão investido de autoridade para relatar os factos ilícitos presenciados e proceder á sua comunicação à autoridade judiciária competente. [</font><a><u><sup><font>[6]</font></sup></u></a><font>] Na verdade estabelece o artigo 169.º do Código Processo Penal que se “[consideram-se] provados os factos materiais constantes de documento autêntico ou autenticado enquanto a autenticidade do documento ou a veracidade do seu conteúdo não forem fundadamente postas em causa” e o artigo 243.º do Código Processo Penal que a autoridade judiciária, órgão de policia criminal ou outra entidade que presenciem qualquer crime de denúncia obrigatória “levantam ou mandam levantar auto de noticia” donde constem os elementos indicados nas alíneas a) a c) do n.º 1 do mencionado artigo. </font>
</p><p><font>Daí que só o documento apresentado á autoridade judiciária, donde constem factos presenciados, relatados, narrados e descritos pela autoridade judiciária, órgão de policia criminal ou outra entidade policial, adquira um valor probatório de confiança e verosimilhança com a realidade que permite ao tribunal, na mensuração e ponderação das provas, atribuir-lhe um valor probatório superior ao que atribui a outros documentos em que as mesmas entidades procedem ao relato de ocorrências. Estão nesta última categoria as participações ou denúncias que os particulares delatam às autoridades judiciárias e que dão origem a investigações ou averiguações criminais. Nestes casos a participação não adquire qualquer presunção probatória, destinando-se, tão só, a desencadear uma investigação que irá, ou não, confirmar a ocorrência histórica dos factos denunciados. Nenhum valor acrescido a lei atribui a uma denúncia ou participação de factos com relevância criminal, quando estes não sejam presenciados pelas autoridades judiciárias, órgãos de polícia criminal ou outra entidades policiais. </font>
</p><p><font>No caso os órgãos de polícia criminal não presenciaram os factos que verteram na participação que, por iniciativa dos intervenientes no acidente de viação, remeteram ao Ministério Público competente. Limitaram-se a escrever e a narrar os factos tal como lhe foram transmitidos pelos intervenientes – quiçá com versões antinómicas e sectoriais – e remeter a denúncia á autoridade judiciária competente. </font>
</p><p><font>Se atentarmos no documento junto com a contestação – cfr. fls. 105 e 106 - constata-se que o que dele consta é que o participante que tomou conta do sinistro, assinalou numa rubrica destinada para o efeito que ficava apreendido o livrete, tendo numa quadricula a tal destinada, que a causa da apreensão deste documento de identificação do veículo ficava apreendido por falta de inspecção. A participação do sinistro, feit | [0 0 0 ... 0 0 0] |
QDKsu4YBgYBz1XKvViys | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><br>
<b><u><font>Relatório</font></u></b><div><font>*</font></div><font>No Tribunal Judicial da Comarca de Guimarães,</font><br>
<b><u><font>AA</font></u></b><font>, intentou a presente acção declarativa de condenação, com processo ordinário, contra</font><br>
<b><u><font>BB... – Aluguer de Automóveis, S.A.</font></u></b><br>
<font>alegando resumidamente:</font><div><font>*</font></div><font>- em 1/8/95, o A. alugou à Ré o veículo automóvel de marca Mercedes, matrícula ...-...-FG devidamente equipado e documentado;</font><br>
<font>- A dada altura da vigência do contrato o A. viu-se numa situação de incumprimento que levou a R. a resolver o contrato e a intentar uma providência cautelar para apreensão da dita viatura, assim como intentou uma acção ordinária para ver reconhecida a resolução do contrato, a restituição definitiva do veículo com todos os seus documentos e a chave, bem como para obter a condenação do A. na respectiva indemnização pelo incumprimento;</font><br>
<font>- Porém, o A. acabou por pagar tudo quanto devia, acabando a Ré por desistir da instância, quer na providência cautelar, quer na acção principal;</font><br>
<font>- não obstante o acordo que esteve na base das referidas desistências das instâncias, a Ré nunca mais lhe entregou os documentos relativos à viatura que o A. pagou integralmente;</font><br>
<font>- Assim, dado não possuir título de registo de propriedade nem livrete, o A. ficou com o carro, mas sem poder circular com o mesmo até hoje (isto é, até instauração desta acção em 31/1/2007);</font><br>
<font>- o A. não teve alternativa senão de o deixar parado, o que lhe causou graves prejuízos e incómodos;</font><br>
<font>- Na verdade, o A. despendeu a quantia de 50.000€ na aquisição da viatura;</font><br>
<font>- liquidou 1.215 € a título de despesas com o contrato;</font><br>
<font>- liquidou 343€ de despesas pelas desistências dos processos acima referidas;</font><br>
<font>- Viu-se forçado, durante todo este tempo a efectuar uma série de despesas para resolver a questão, tendo consultado vários profissionais forenses para se aconselhar, com o que gastou 2.000 €;</font><br>
<font>- Fez várias deslocações (mais de 10) de Guimarães ao Porto, tendo despendido 2.500€;</font><br>
<font>- Gastou 250€ em fotocópias;</font><br>
<font>- Além disso toda esta situação causou grande sofrimento moral do A., dificultando-lhe o sono e o descanso;</font><br>
<font>- o seu bom nome, honra, respeito e consideração de que goza na zona em que vive, foram postos em causa;</font><br>
<font>- Ficou afectado psicologicamente, tendo de ser assistido por médico que lhe ministrou anti-depressivos.</font><br>
<font>Conclui a sua alegação, pedindo a condenação da Ré a pagar-lhe a indemnização global de 102.648 €, sendo 90.148 € de danos patrimoniais (já acrescidos dos juros vencidos) e 12.500€ de danos morais.</font><br>
<font>A Ré contestou, alegando, no essencial que o A. após o acordo que justificou a desistência das instâncias na providência cautelar e na acção principal, o A. apenas pagou 8.230,16 € por conta dos juros e alugueres vencidos, e depois 342,47 € de despesas processuais, não pagando quaisquer outros valores (e devia 11.263,40 €).</font><div><font>*</font></div><font>O A. replicou.</font><div><font>*</font></div><font>Elaborou-se despacho saneador, fixaram-se os factos assentes e organizou-se a base instrutória.</font><div><font>*</font></div><font>Procedeu-se a julgamento e, discutida a causa e lida a decisão sobre a matéria de facto, proferiu-se sentença final que julgou a acção improcedente, absolvendo a Ré do pedido.</font><div><font>*</font></div><font>Recorreu o A. de facto e de direito.</font><div><font>*</font></div><font>A Relação, apreciando a apelação, alterou a resposta dada ao quesito 10º, tendo por provado que “O A. entregou à ré a quantia de 44.951,625€ por causa dos contratos de aluguer de longa duração e contrato-promessa de compra e venda, celebrados em 1/8/1995, com vista à aquisição da viatura identificada em A)”.</font><br>
<font>Não obstante tal alteração, entendeu a Relação que ela não implicava a revogação em alteração da decisão recorrida, que, por isso manteve.</font><div><font>*</font></div><font>Novamente inconformado, volta a recorrer o A., agora de revista e para este S.T.J..</font><div><font>*</font><br>
<font>* *</font><br>
<font>*</font></div><b><u><font>Conclusões</font></u></b><br>
<font>Apresentadas tempestivas alegações formulou as seguintes conclusões:</font><div><font>*</font><br>
<font>*</font><br>
<font>*</font></div><b><u><font>Conclusão da Revista do Autor</font></u></b><div><font>*</font><br>
<font>*</font><br>
<font>*</font><br>
<font>*</font><br>
<font>*</font></div><font>CONCLUSÕES:</font><br>
<font>1ª - Face aos factos dados como provados (isto é, que a Recorrida não entregou ao Recorrente o título de registo de propriedade e o livrete relativos ao veículo automóvel em causa, da marca Mercedes Benz, 200 C, matrícula ...-...-FG; que não foi, por isso, entregue a documentação que habilitaria o Recorrente à condução daquele veículo: título de registo de propriedade e livrete; que à Recorrida incumbia a entrega de tais documentos pois essa constituía uma condição para que o recorrente pudesse usufruir da coisa, gozar dela; e que o recorrente entregou à recorrida a quantia de 44.951,625 € com vista à aquisição daquela viatura), </font><br>
<font> </font><br>
<font>2º - ao recorrente assiste o direito de ser indemnizado dos prejuízos causados e dos benefícios que deixou de obter em consequência do incumprimento da recorrida, mais devendo ser ressarcido pelos danos não patrimoniais que, peia sua gravidade, mereçam tutela do direito. Estão pois preenchidos os princípios relativos à obrigação de indemnizar, previstos nos artigos 562° e seguintes do Código Civil.</font><br>
<font>3º - Embora a 1ª instância e a Relação tenham considerado que a recorrida não assegurou a perfeita execução da sua prestação por não ter entregue os documentos da viatura ao recorrente, não reconheceram, a posteriori, a responsabilidade desta decorrente desse incumprimento contratual. Estamos no âmbito da responsabilidade contratual e neste sede, a lei presume a culpa do devedor, presunção esta que não resulta ilidida da fundamentação de facto. Refira-se que está dado como assente que o recorrente interpelou várias vezes a recorrida para lhe entregar os documentos da viatura. Estamos diante do chamado dano de cálculo ou dano abstracto, ou seja, o valor pecuniário do prejuízo causado ao lesado. </font><br>
<font>4º - No âmbito do "ALD", o dever de "concessão do gozo da coisa" que recai sobre o locador não se esgota com a entrega do veículo automóvel ao locatário, abrangendo ainda a entrega da "documentação relativa ao veículo", de que o condutor deve ser portador, nomeadamente do "título de registo de propriedade ou documento equivalente" e do "documento de identificação do veículo ou documento que o substitua".</font><br>
<font>5º - No caso concreto, recaindo sobre a recorrida locadora o dever de entrega do veículo e respectivos documentos ao recorrente locatário, competia-lhe provar que o não cumprimento atempado dessa obrigação, não procedeu de culpa sua (art. 799, n.° 1 e 2 do Cód. Civil).</font><br>
<font>6º - Por isso, a não entrega pela recorrida, como locadora e promitente vendedora do veículo automóvel em causa, dos documentos que lhe estão inerentes, sendo que estes são condição para circulação do mesmo, tal origina a resolução do contrato de aluguer e do contrato promessa de compra e venda e consequente indemnização dos prejuízos.</font><br>
<font>7º - O tribunal não pode deixar de atender que a recorrida é responsável pelos danos sofridos pelo recorrente, sendo que o montante da indemnização deve também ser apurado segundo o princípio fixado na parte final do n.° 1 do art. 795° do CC "...nos termos prescritos para o enriquecimento sem causa", pois</font><br>
<font>8º - quando no "contrato bilateral uma das prestações se torne impossível, fica o credor desobrigado da contraprestação e tem o direito, se já a tiver realizado, de exigir a sua restituição nos termos prescritos para o enriquecimento sem causa".</font><br>
<font>9º - O princípio geral fixado no n° 1 do artigo 473° do CC diz-nos que "aquele que, sem causa justificativa, enriquecer à custa de outrem é obrigado a restituir aquilo com que injustamente se locupletou". Sendo que no n° 2 se lê que a "obrigação de restituir, por enriquecimento sem causa, tem de modo especial por objecto o que for indevidamente recebido, ou o que for recebido por virtude de uma causa que deixou de existir ou em vista de um efeito que não se verificou".</font><br>
<font>10° - O recorrente pagou à recorrida as prestações a que se obrigou; a recorrida não lhe entregou o livrete e registo de propriedade da viatura; o recorrente, sem tais documentos, não pode circular com a mesma.: Por isso, esta situação, a manter-se como está, vai acarretar, caso não haja uma indemnização fixada de forma adequada, num enriquecimento injustificado para a recorrida.</font><br>
<font>11º - E para evitar tal desiderato e aplicar o fixado no art. 473° do CC - enriquecimento sem causa - deve a recorrida ser condenada a restituir ao recorrente o montante referente à aquisição da viatura, no valor que a Relação apurou de 44.951,625 €.</font><br>
<font>12° - E assim, à pergunta do que deve então ser restituído pela ré, se dirá que tal obrigação se mede pelo enriquecimento efectivo à custa do empobrecido, na procura da resposta aos limites definidores do quantitativo da medida do enriquecimento e da medida do empobrecimento. São estas as circunstâncias que devem ser atendidas pelo tribunal na busca da indemnização justa e razoável a fixar ao lesado.</font><br>
<font> 13° - Este Venerando Tribunal não pode deixar de considerar que o recorrente jamais poderá circular com a viatura, por causa imputável à recorrida, com a falta de entrega do livrete e registo de propriedade da mesma. </font><b><u><font>Este é o dano sofrido pelo autor e que o Tribunal da Relação não atendeu, a nosso ver erradamente</font></u></b><font>. O tribunal deve seguir as regras da equidade a que se reporta o art. 883° do CC.</font><br>
<font>14° - Acresce que, constituindo o ALD uma "operação de natureza similar ou com resultados económicos equivalentes" aos da locação financeira, não pode ser realizada de forma habitual, sob pena de nulidade.</font><br>
<font>15° - Foi o que se passou no presente caso, pois do teor dos contratos celebrados entre as partes ("contrato de aluguer de longa duração" e "contrato promessa de compra e venda") podemos concluir estarmos em presença de uma operação realizada, de forma habitual, pela Recorrida. Ao contrário do que entende a Relação, a habitualidade está bem patente nos autos, pois, desde logo, é a própria recorrida quem o confessa nos artigos 2º, 25° (aplica juros a taxas de operações de crédito) da contestação, sendo que o próprio nome da recorrida (AUTO LEASING) indicia a realização de operações de locação financeira.</font><br>
<font>16º - Consequentemente, é nulo o contrato de aluguer de longa duração celebrado entre as partes, sendo que a nulidade é invocável a todo o tempo por qualquer interessado e pode ser declarada oficiosamente pelo tribunal - artigo 286° do CC.</font><br>
<font>17° - Pelo exposto, resulta assim que, ao decidir do modo como o fez, entende o recorrente que, salvo o devido respeito por diferente opinião, o Tribunal da Relação não aplicou, ponderada e concretamente, os normativos consagrados nos artigos 562°, 496,1, 799, 1 e 2, 795, 1, 473, 1, 883 todos do Código Civil e arts. 17, 2, alínea e), 21, 1, 4 e 5 do DL 354/86 de 23/01 e art. 23 do Decreto-Lei 149/95.</font><div><font>*</font></div><font>Não foram oferecidas contra-alegações:</font><div><font>*</font><br>
<font>*</font></div><b><u><font>OS FACTOS</font></u></b><br>
<font>A relação fixou a seguinte matéria de facto:</font><div><font>*</font><br>
<font>*</font></div><font>1) Em 01.08.1995 a autora declarou ceder ao réu o gozo do veículo automóvel da marca Mercedes Benz, 200C, com a matrícula n° ...-...-FG, equipado e acompanhado da respectiva documentação (al. A) dos F.A.).</font><br>
<br>
<font>2) Correu termos na 3ª secção do 2º Juízo Cível da Comarca do Porto a acção declarativa autuada em 18.03.96 com o n° 297/96, em que era autora a ora ré e réus, entre os demais, o ora autor e respectivo cônjuge, tendo a mesma terminado (com trânsito em julgado) com a homologação judicial, em 16.09.96, da transacção com o seguinte teor:</font><br>
<font>1ª A autora desiste da instância contra todos os réus;</font><br>
<font>2ª Os réus AA e esposa CC aceitam a desistência da instância;</font><br>
<font>3ª - Os réus AA e mulher suportam as custas do processo" Cfr. certidão de fls. 187 a J89, cujo teor se dá por integralmente reproduzido (a. B) dos F.A.).</font><br>
<br>
<font>3) Na acção indicada em 1) a autora alegava, entre o demais, que o réu AA detinha o gozo do veículo Mercedes Benz, 200C, com a matrícula n°...-...-..., sem que contudo viesse pagando as rendas mensais a que estava obrigado - por via do acordo das partes - como contrapartida da cedência desse gozo, pelo que o contrato se encontrava resolvido desde 08.01.96, com o que se impunha o reconhecimento dessa resolução, a restituição e, bem ainda, o pagamento de uma indemnização, o pagamento da quantia fixada em cláusula penal e o pagamento das rendas vincendas, para além dos honorários e despesas judiciais suportados pela então autora - cfr. certidão de fls. 191 ss., cujo teor se dá por integralmente reproduzido (ai. C) dos F.A., acrescida da parte em itálico cujo teor se dá por integralmente reproduzido (ai. C) dos F. A., acrescida da parte em itálico nos termos do art. 659°, n° 3, do Código de Processo Civil).</font><br>
<font> </font><br>
<font>4) Dou por integralmente reproduzido o documento (original) de fls. 29, datado de 22.07.96, relativo a uma providência cautelar não especificada, onde se refere, entre o demais, o seguinte:" O requerido (ora réu) entrou em negociações com a requerente (ora autora) e prometeu pagar os alugueres vencidos, pelo que, requer se digne oficiar à autoridade competente a devolução do pedido de apreensão do veículo Mercedes modelo200 D, cora a matrícula ...-...-FG (al. D) dos F.A.).</font><br>
<br>
<font>5) Dou por integralmente reproduzidos os documentos de fls. 33 e 34, datados de 19.07.96 e 01.08.95, respectivamente, epigrafados de " recibo provisório" (al. E) dos F.A.).</font><br>
<br>
<font>6) Com a desistência referida em 2) o autor suportou, a título de custas, a quantia de € 342,47- al. G) dos F.A.</font><br>
<br>
<font>7) Em 19.07.96 o autor pagou à ré a quantia de € 8.230,16 (1.650.000S00) - al. H) dos F.A.</font><br>
<br>
<font>8) O que se refere em 2) e 4) ocorreu em virtude de o ora autor ter liquidado os montantes que se encontravam em dívida à data (quesito 1º).</font><br>
<br>
<font>9) Apesar do que se refere em 2) e 4) a ré não lhe entregou o título de registo de propriedade e o livrete relativos ao veículo identificado em 1) - quesito 2º .</font><br>
<br>
<font>10) O autor solicitou à ré a entrega dos documentos referidos em 9) previamente à propositura da presente acção (quesito 3º).</font><br>
<br>
<font>11) - " O autor entregou à ré a quantia de 44.951,625 6 por causa dos contratos de aluguer de longa duração e contrato-promessa de compra e venda, celebrados a 1/8/1995, com vista à aquisição da viatura identificada em A) (resposta ao quesito 10.°).</font><div><font>*</font></div><b><u><font>Fundamentação</font></u></b><div><font>*</font></div><font>Como se vê das conclusões, são duas as questões suscitadas.</font><br>
<u><font>A primeira</font></u><font> consiste em saber se o A. deve ser indemnizado pela Ré, como pretende, em virtude de esta não ter cumprido integralmente os contratos entre ambos celebrados.</font><br>
<font>Na sua opinião, a indemnização deve ser a correspondente ao preço pago pela aquisição do veículo, cujos documentos a Ré não lhe entregou.</font><br>
<u><font>A segunda</font></u><font> traduz-se em determinar se o contrato é nulo face ao que se dispõe no Art. 23º do D.L. 149/95.</font><div><font>*</font><br>
<font>* *</font><br>
<font>*</font><br>
<b><u><font>1ª Questão</font></u></b><br>
<font>*</font><br>
<b><u><font>Indemnização</font></u></b><br>
<font>*</font></div><font>Sabemos que, por contrato de 1/8/1995, o A. e a Ré celebraram um contrato que denominaram de “Aluguer de Longa Duração”, por via do qual, esta cedeu aquele, o gozo do veículo automóvel de marca Mercedes Benz, 200 C, com matrícula ...-...-FG, equipado e acompanhado da respectiva documentação, pelo prazo de um mês, automaticamente renovável por outros 35 períodos iguais, sendo o valor dos alugueres mensais de 164.769$00 + IVA, acrescendo as despesas do seguro e outras.</font><br>
<font>Na mesma data e funcionalmente ligado a tal contrato de ALD, subscreveram ainda o A. e a Ré, um contrato-promessa de compra e venda tendo por objecto o já referido veículo, que a Ré promete vender ao A. no estado em que se encontrar à data da venda, calculada para 1/8/98, ou seja, findo o contrato de aluguer, podendo ser antecipado se as partes nisso acordaram.</font><br>
<font>O preço seria de 2.707.025$00 + IVA.</font><br>
<font>A título de caução para garantir o bom e pontual cumprimento do contrato o A. entregou à Ré a quantia de 3.167.220$00, que será descontado no preço no momento do pagamento.</font><br>
<font>Mais se convencionou que a Ré interpelará o A. por carta registada, para pagar o preço e receber a contraprestação, no prazo de 5 dias. Se o preço não for pago nesse prazo, considera-se a promessa incumprida, excepto se a Ré optar pela execução específica do contrato.</font><br>
<font>Estipulou-se ainda que em caso de incumprimento por culpa da Ré esta terá de devolver a caução e pagar-lhe, a título de indemnização quantia de igual valor.</font><br>
<font>Se o incumprimento for por culpa do A. terá este de indemnizar a Ré em quantia igual à caução prestada, podendo a Ré apropriar-se desse valor, compensando o direito de indemnização com esse crédito que a caução constitui.</font><div><font>*</font></div><font>Ficou também provado que a determinada altura da vigência do contrato de aluguer o A. deixou de pagar algumas rendas mensais, pelo que a Ré, após o interpelar para efectuar o pagamento, resolveu o contrato e intentou uma providência cautelar para apreensão do veículo e, depois, uma acção declarativa ordinária para ver reconhecida a resolução do contrato, a entrega definitiva do veículo e obter a condenação do aqui A. na indemnização devida pelo incumprimento.</font><br>
<font>Mas, entretanto A. e Ré chegaram a acordo, pelo que a Ré veio desistir da instância em ambas aquelas acções.</font><br>
<font>Ora, ficou provado que apesar desse acordo e das desistências referidas a ré não entregou ao A. a título de registo de propriedade e o livrete relativos ao veículo. (Aliás, pouco se sabe do que ocorreu na realidade entre a A. e a Ré dada as imensas lacunas da matéria alegada, o que dificulta a decisão. Por exemplo, fica-se por saber como é que os documentos foram parar à posse da Ré, visto que, ao que parece (?) terão sido entregues ao A. no início da vigência do contrato de aluguer, e a Ré desistiu da instância na providência cautelar, requerendo nesse processo a devolução dos mandatos de apreensão </font><u><font>sem cumprimento</font></u><font> ... (cof. fls. 122).</font><br>
<font>Também não deixa de causar espanto que, tendo os factos ocorridos em 1996, só em 2007 o A. se tenha lembrado de que está prejudicado por não poder usar o veículo ... que, ao que parece, pagou integralmente ...).</font><br>
<font>Teve-se também por provado que o A. pagou à Ré, por causa dos mencionados contratos (aluguer e contrato-promessa compra e venda), com vista à aquisição do veículo, a quantia de 44.951,625€, (a que corresponderá sensivelmente o preço global do carro, considerando-se as quantias pagas a título de rendas e o valor residual constante do contrato-promessa).</font><div><font>*</font></div><font>Perante este quadro factual, único que pode ser aqui atendido, parece poder defender-se que as partes celebraram um contrato atípico, denominado de longa duração (ALD), como melhor adiante se verá, ao qual, parte importante da doutrina e da jurisprudência atribui a natureza de um negócio indirecto, sendo o tipo de referência a aluguer e o fim indirecto o da venda a prestações com reserva de propriedade.</font><br>
<font> A tal contrato, aplicar-se-ão as regras do D.L. 354/86, que disciplina o aluguer de veículos automóveis sem condutor – rent a car – bem como as da locação em geral, em tudo que não contrarie o dito diploma legal, bem como as cláusulas contratuais estipuladas ao abrigo do princípio da liberdade contratual.</font><br>
<font>Ora, conforme alega a recorrente, estando provado a celebração do contrato de aluguer do veículo em causa e até, ao que parece, o pagamento do preço de aquisição estipulado no contrato-promessa, estava a Ré obrigada a entregar ao A. os documentos do automóvel, designadamente, o título de registo de propriedade e o livrete, como tudo resulta, não só das normas gerais aplicáveis, como expressamente do disposto no Art. 21º n.º 1 do D.L. 354/86, que até estabelece uma coima para a infracção àquela determinação legal e determina que pertence à locadora a responsabilidade pelas infracções decorrentes da não exibição dos referidos documentos perante as autoridades policiais, pelo locatário.</font><br>
<font>Assim sendo, não tendo a Ré dado cumprimento ao determinado pela lei na medida em que reteve em seu poder os documentos da viatura, incorreu na obrigação de indemnizar o A. por todos os prejuízos que eventualmente tivesse, por causa dessa omissão.</font><br>
<font>Quanto a este ponto, não existe qualquer dúvida.</font><br>
<font>Porém, o incumprimento da Ré, ao não entregar ao A. os documentos da viatura, traduz-se em simples mora, como salientou a Relação, o que, todavia a constituiria na obrigação de indemnizar o A. pelos prejuízos que desse retardamento lhe adviessem.</font><div><font>*</font></div><font>Mas, para evitar mais confusões, convém referir que o não cumprimento ou a falta de cumprimento da obrigação pode provocar diversos efeitos.</font><br>
<font>Assim, se a prestação não realizada se torna impossível, quer porque não pode já realizar-se no contexto contratual convencionado, quer porque, ainda que materialmente possível, perdeu o interesse para o credor, estaremos perante um incumprimento definitivo da prestação.</font><br>
<font>Só nestes casos é que, para além do direito à indemnização, pode o credor resolver o contrato e, se já tiver realizado a sua prestação, exigir a restituição dela por inteiro, caso o não incumprimento seja imputável ao devedor (cof. Arts. 798, 801 e 808 do C.C.).</font><br>
<font>Mas o não cumprimento (em sentido amplo) pode, ainda, resultar de a prestação não ter sido realizada no momento devido, mas sendo ainda possível, o credor nela mantiver interesse, apesar retardamento.</font><br>
<font>Estamos, então, perante a figura da simples mora, que, igualmente, se for imputável ao devedor, fez nascer para o credor o direito a ser indemnizado pelos prejuízos sofridos em consequência desse retardamento (Art. 804º), mas não consente, com base nela, a resolução do contrato.</font><br>
<font>Porém uma situação de mora, pode evoluir, transformando-se em incumprimento definitivo por qualquer das vias previstas no Art. 808 do C.C. (interpelação admonitória e perda de interesse pelo credor (esta, apreciada objectivamente)).</font><div><font>*</font></div><font>No caso concreto, ao que resulta da prova, apesar de o A. ter incorrido em incumprimento do contrato de aluguer, as partes chegaram a acordo em manter o contrato, o que explica a desistência da instância efectuada pela Ré nos já mencionados processos – providência cautelar e acção declarativa – visto que o A. liquidou as rendas em dívida (cof. resposta ao quesito 1º, conjugado com as alíneas B) e D) dos factos assentes).</font><br>
<font>A Ré, porém, não lhe entregou os documentos do veículo alugado – título de registo de propriedade e livrete –, como igualmente se provou (cof. resposta ao quesito 2º) não obstante o A. lhos ter solicitado previamente à propositura da presente acção (cof. resposta ao quesito 3º), e apesar de se manter na posse do veículo.</font><br>
<font>Tal omissão da Ré corresponde ao não cumprimento atempado de uma obrigação contratual, mas, como se disse, na modalidade de simples mora.</font><br>
<font>Não se trata, portanto, de qualquer impossibilidade da prestação, visto que, retendo a Ré os documentos na sua posse, estava em condições de os entregar ao A., que mantinha interesse nessa entrega, tanto que manteve o automóvel na sua posse e pagou as posteriores rendas devidas, como resulta dos documentos dos autos, sem nunca ter transformado a mora da Ré em incumprimento definitivo nos termos acima referidos, como facilmente podia fazer.</font><br>
<font>Assim sendo e face à factualidade provada a Ré mantém-se em mora, mas não incorreu em incumprimento definitivo.</font><br>
<font>Tal mora é imputável à Ré, que não provou que a falta de entrega dos documentos não decorreu de culpa sua, daí ter-se constituído na obrigação de indemnizar o A. pelos danos ou prejuízos que dessa mora pudessem decorrer para o A.</font><br>
<font>Quer dizer, a dita responsabilidade da Ré só pode efectivar-se havendo prejuízos ou danos para o A. emergentes da sua omissão, uma vez que, como é sabido, não há obrigação de indemnizar se não ocorrerem danos ou prejuízos.</font><div><font>*</font></div><font>Ora, é verdade que o A. alegou diversos prejuízos decorrentes da falta dos documentos da viatura, entre eles a forçada paralisação do automóvel.</font><br>
<font>Tal matéria de facto foi levada à base instrutória, como se vê dos quesitos 4º a 8º, sendo certo que nenhum deles provou, apesar de a ele pertencer o ónus da prova dos prejuízos alegados.</font><br>
<font>Portanto, nenhuma indemnização podia ser arbitrada ao A. pelos alegados, mas não provados prejuízos.</font><div><font>*</font></div><font>Alegou igualmente o A. que despendeu com a aquisição do veículo 50.000€, tendo-se provado que o valor em questão foi apenas de 44.951.625 € (cof resposta ao quesito 10º).</font><br>
<font>Ao que parece, inclui o A. esta quantia, equivalente ao preço dos alugueres pagos e do preço residual constante do falado contrato-promessa, como prejuízo indemnizável.</font><br>
<font>Pretende, por conseguinte que a Ré o indemnize desse gasto, sendo este o objecto do presente recurso.</font><div><font>*</font></div><font>Não lhe assiste razão.</font><br>
<font>As rendas pagas pelo autor , constituem a preço de cedência do gozo do veículo e o valor residual fixado no contrato-promessa corresponde à contrapartida (ao preço) pela transferência da propriedade do veículo para o A.. Quer dizer, constituem a contra-prestação devida à Ré pelo A. não se traduzem, por isso, em qualquer prejuízo decorrente da mora da Ré.</font><br>
<font>Como ensina A. Varela (Das Obrig. em geral – II – 4ª ed. – 102 e seg.) “ os direitos do credor por virtude do inadimplemento da obrigação não se esgotam, porém, no direito à indemnização dos danos sofridos. Tornando-se a prestação impossível por causa imputável ao devedor, ou tendo-se a obrigação por definitivamente não cumprida, se a obrigação se inserir num contrato bilateral pode o credor preferir a resolução do contrato à indemnização correspondente à prestação em falta”.</font><br>
<font>É o que determina o Art. 801º n.º 2 do C.C..</font><br>
<font>Quer dizer, mesmo quando o credor opte pela resolução a lei prevê o direito a indemnização.</font><br>
<font>“Trata-se da indemnização do prejuízo que o credor teve com o facto de se celebrar o contrato – ou, por outras palavras, do prejuízo que ele não sofreria, se o contrato não tivesse sido celebrado ... que é a indemnização do chamado interesse negativo ou de confiança. Desde que o credor opte pela resolução do contrato, não faria sentido que pudesse exigir do devedor o ressarcimento do benefício que normalmente lhe traria a execução do negócio. O que ele pretende, com a opção feita, é antes a exoneração da obrigação que, por seu lado assumiu (ou a restituição da prestação que efectuou) e a reposição do seu património no estado em que se encontraria, se o contrato não tivesse sido celebrado (interesse contratual negativo)”.</font><br>
<font>Portanto, tratando-se de negócio bilateral “o credor tem nesse caso que optar ou pela resolução do contrato (com a possível indemnização do interesse contratual negativo) ou pela manutenção dele (com direito, nesse caso, à indemnização do interesse contratual positivo)” (cof. autor e obra citada).</font><div><font>*</font></div><font>Resulta do que fica dito que, no caso concreto, as prestações já efectuadas pelo A. no âmbito dos contratos em causa só podia ser peticionada se ele tivesse resolvido o contrato com base no incumprimento definitivo, o que, como se vê dos autos não se verificou.</font><br>
<font>Na verdade em nenhum dos seus articulados o A. alega ter resolvido o contrato, como de resto, da factualidade alegada, nada resulta quanto à conversão da mora da Ré em incumprimento definitivo. Daí que o A. nem sequer tenha pedido a resolução do contrato.</font><br>
<font>Ora, não o tendo feito nos seus articulados na acção, é claro que não pode, agora, em fase de recurso, alegar tal incumprimento definitivo e a resolução.</font><br>
<font>Não tem assim qualquer sentido o que se diz na conclusão 6ª.</font><br>
<font>Tão pouco tem sentido o alegado nas conclusões 7ª e 8ª uma vez que, como já se deixou dito, não tem aqui qualquer aplicação o disposto no Art. 795º do C.C. ou o Art. 801º n.º 2 do mesmo diploma legal.</font><div><font>*</font></div><font>Por outro lado, não se vê a que propósito se chama à colação o enriquecimento sem causa (Art.º 473º do C.C.), aliás nem sequer alegado pelo A. na sua petição inicial.</font><br>
<font>Na verdade não existe qualquer enriquecimento sem causa da Ré à custa do A. uma vez que o pagamento das rendas e do preço residual teve uma causa manifesta nos contratos celebrados entre o A. e a Ré, não havendo qualquer confusão entre o incumprimento dos contratos e o instituto do enriquecimento sem causa.</font><br>
<font>Aliás, competiria ao A. demonstrar a falta de causa do alegado enriquecimento da Ré, o que não fez, até porque nem tal alegou.</font><br>
<font>Acresce que o recurso à acção de enriquecimento sem causa só é possível se e quando a lei não facultar ao A. outro meio de se ressarcir dos prejuízos (Art. 474 do C.C.), situação que não se verifica no caso concreto.</font><br>
<font>Ora, não só o A. podia accionar a Ré exigindo-lhe a entrega dos documentos (e fica por entender porque não o fez ao longo de todos estes anos) como podia pedir-lhe uma indemnização pelos danos decorrentes da omissão da Ré, como, aliás, fez, por via desta acção, embora sem êxito, porque não provou quaisquer prejuízos.</font><div><font>*</font></div><font>Finalmente se dirá que não tem cabimento a pretendida aplicação do disposto no Art. 883º do C.C., visto que não está, nem nunca esteve em causa a determinação do valor das rendas ou do preço da aquisição do veículo.</font><div><font>*</font><br>
<font>* *</font><br>
<font>*</font></div><b><u><font>2ª Questão</font></u></b><div><font>*</font></div><b><u><font>Nulidade</font></u></b><div><font>*</font></div><font>Já se disse que estaremos em presença de um contrato atípico, denominado </font><u><font>aluguer de longa duração</font></u><font> (</font><u><font>ALD</font></u><font>), que é um negócio indirecto, sendo o tipo de referência o aluguer e o fim indirecto a venda a prestações com reserva de propriedade.</font><div><font>*</font></div><font>Convém, por isso, caracterizar melhor o que seja um negócio indirecto.</font><br>
<font>Considera a doutrina negócios indirectos todos aqueles em que as partes se servem de um tipo legal de negócio (negócio típico) com a finalidade de conseguirem, através dele, um fim que não é o fim próprio desse tipo negocial, mas que, apesar disso, ele permite, de algum modo, alcançar.</font><br>
<font>Como ensina o Prof. Pedro Pais de Vasconcelos (Teoria Geral do Direito Civil – 2005 – 3ª ed.), “no negócio indirecto importa considerar o tipo de referência e o fim indirecto, devendo o primeiro ser um tipo negocial legal por referência ao qu | [0 0 0 ... 0 0 0] |
RjLzu4YBgYBz1XKvAGBh | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font> Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:<br>
<br>
1. A, Lda. Intentou acção ordinária, em 23 de Outubro de 1998, no Tribunal Judicial de Santarém, contra B e mulher, C, pedindo que estes fossem condenados a restituírem-lhe a posse do prédio que identificou e a indemnizarem-na dos prejuízos que, em execução de sentença, se liquidarem.<br>
Em síntese, alegou:<br>
Comprou esse prédio, mediante escritura pública de 9 de Agosto de 1974, tendo estado «na posse do dito imóvel desde que lhe foi entregue em 9 de Agosto de 1974 até ao dia 6 de Janeiro de 1997».<br>
Nele efectuou obras diversas de beneficiação e ampliação, que aumentaram o seu valor em cerca de 40000000 escudos.<br>
Por sentença do Tribunal Tributário da 1.ª Instância de Santarém, foi ordenada a efectiva entrega do prédio ao Réu, que havia sido penhorado e vendido no processo de execução fiscal n.º 93/101191.0, entrega essa que, com o recurso à força policial, veio a efectuar-se em 6 de Janeiro de 1997.<br>
Tal sentença, contudo, foi revogada por Acórdão do Tribunal Central Administrativo, transitado em julgado, pelo que «a investidura do Réu na posse daquele prédio», de que a Autora «está privada», «é ilegítima e abusiva».<br>
<br>
2. Os Réus contestaram, advogando a improcedência da acção, tendo impugnado os factos articulados na petição e dizendo que, após o Réu ter comprado o prédio na execução fiscal, a Autora não podia nele permanecer, tendo perdido a sua posse, por ter decorrido mais de um ano desde a entrega do prédio ao Réu até à propositura da acção.<br>
<br>
3. Elaborada a peça saneadora e condensadora e efectuado o julgamento, foi proferida sentença em 3 de Abril de 2000, a julgar caduca a acção no que se refere ao pedido de restituição de posse - absolvendo os Réus da instância nessa parte - e improcedente o pedido de indemnização, por ausência de ilicitude e de culpa na conduta dos Réus, bem como por falta de nexo causal entre essa conduta e o dano.<br>
<br>
4. Inconformada com tal decisão, a Autora apelou.<br>
Sem êxito, contudo, pois a Relação de Évora, por Acórdão de 23 de Novembro de 2000, confirmou o sentenciado, depois de realçar:<br>
"O direito de o Réu entrar na posse do prédio, logo após a aquisição na execução fiscal, é uma consequência directa e imediata dessa aquisição, não carecendo, necessariamente, para o efeito, da prévia instauração de uma acção possessória ou outra", pois recaía, desde logo, «sobre o depositário o dever de fazer a entrega do prédio ao Réu/adquirente».<br>
«Não obstante» o acórdão do TCA - que «não ordenou», «nem implicou», «a restituição da posse do imóvel à Autora» -, «os Réus não estavam obrigados a restituir o imóvel à Autora, por terem direito a usá-lo e frui-lo», não merecendo «acolhimento o pedido de restituição«.<br>
"Os Réus têm estado, justificadamente, legitimamente, no gozo e fruição, na posse, do imóvel, sendo que essa justeza e legitimidade não dependem, nem são afectadas pela forma concreta como foi obtida essa posse", até porque «a acção de que o Réu se socorreu para obter a entrega do imóvel» «não era condição necessária para a investidura do mesmo na posse do prédio».<br>
"É descabida a invocação pela Autora do n.º 5 do artigo 930º do CPC", relativo à «execução para entrega de coisa certa», pois «a causa fundante da investidura do Réu na posse do imóvel foi a aquisição, por ele, da respectiva propriedade na execução fiscal e não a sentença do Tribunal Tributário que se limitou a ser mero instrumento dessa causa, sendo, por isso, irrelevante a revogação dessa sentença», pelo TCA.<br>
"A decisão adequada ao não acolhimento do pedido de restituição formulado pela Autora era a da absolvição dos Réus do pedido", mas, considerando «o princípio geral da proibição da «reformatio in pejus», consagrado no n.º 4 do artigo 684º do CPC», como só a Autora recorreu, «não pode ver a sua posição agravada com a decisão do recurso», pelo que «há, nesta parte, que confirmar a sentença, mantendo a decisão de absolvição da instância».<br>
"No que respeita ao pedido de indemnização", «por falta de ilicitude», não é possível responsabilizar os Réus.<br>
<br>
5. Ainda irresignada, a Autora recorreu de revista, tendo culminado a sua alegação com estas conclusões:<br>
I. "A Autora realizou, no imóvel, benfeitorias, no valor de 40000000 escudos, o que lhe confere o direito à indemnização", pelo que "o entendimento veiculado no acórdão recorrido, que se opõe à solução resultante da lei, viola os artigos 754º e 1273º do Código Civil".<br>
II. "Os direitos de defesa da Autora foram postergados, pois esta foi esbulhada do prédio, com base em sentença do Tribunal absolutamente incompetente, a qual veio a ser revogada pelo Tribunal Superior, mas continua na prática a produzir todos os seus efeitos, com a ausência explícita do acórdão recorrido".<br>
III. "A não aplicação do estatuído no artigo 930º n.º 5 do Código de Processo Civil quando estão verificados todos os factos materiais que pressupõe, é ilegal".<br>
IV. "Ao não distinguir entre o momento da constituição ou existência do direito e o momento da possibilidade legal do seu exercício, o acórdão recorrido faz uma errada aplicação do artigo 1278º do Código Civil".<br>
V. "São inconstitucionais os artigos 1278º e 1282º do Código Civil, tal qual o acórdão recorrido os interpreta e aplica, visto que esta interpretação impede a Autora do direito de acesso aos tribunais e atenta contra o seu direito de propriedade".<br>
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6. Em contra-alegação, os Réus bateram-se pela manutenção do julgado.<br>
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Foram colhidos os vistos.<br>
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7. Eis, antes de mais, os factos:<br>
a) Mediante escritura pública de 9 de Agosto de 1974, a Autora adquiriu, por compra, um talho de terreno com a área de 6000 m2, destinando-se 1200 m2 à construção de instalações fabris e os restantes 4800 m2, sito no ..., Santarém, a desanexar da descrição predial n.º 1286 do Livro B-33 e a destacar do artigo rústico 99 da freguesia de S. Nicolau, hoje inscrito na matriz sob o artigo 1833º e com a descrição predial 00603/210391.<br>
b) Nesse prédio a Autora construiu três pavilhões amplos e armazém, o que aumentou o valor do imóvel em 40000000 escudos.<br>
c) A Autora passou a exercer aí a sua actividade comercial e industrial, empregou os seus trabalhadores, instalou diversas máquinas de carpintaria, armazenou as madeiras destinadas à indústria, os contraplacados, vernizes e tintas, fabricou e comercializou grandes quantidades de móveis e modulares de cozinha e parqueou as viaturas.<br>
d) No processo fiscal de execução n.º 93/101191-0, que correu termos na Repartição de Finanças de Santarém, contra A - aqui Autora -, por venda efectuada por propostas em carta fechada, foi adjudicado, em 25 de Junho de 1996, a B - ora Réu - o prédio referido em a), do qual havia sido nomeado fiel depositário o sócio-gerente da A, D.<br>
e) Foi emitido "título de adjudicação" a favor do comprador B, em 9 de Julho de 1996, depois de satisfeito o respectivo pagamento do preço e encargos legais.<br>
f) O comprador B, por apenso ao referido processo de execução fiscal veio requerer que lhe fosse feita a entrega judicial do bem adjudicado, entrega essa que, não obstante ter sido ordenada, não se mostrava efectuada pela executada A, nem pelo fiel depositário D.<br>
g) Por sentença do Tribunal Tributário de 1.ª instância de Santarém, de 25 de Novembro de 1996, foi ordenada «a efectiva entrega» desse prédio, «penhorado e vendido» naquele processo, «em que é executada a sociedade A - Indústria e Comércio de Móveis, Lda., do qual é fiel depositário o sócio-gerente desta, D, com as exactas características e estatuto jurídico comunicados no processo de execução fiscal, ao requerente-comprador B, ficando o chefe da repartição de finanças mandatado para requerer o auxílio de força policial, procedendo a arrombamento e demais diligências necessárias ao efectivo empossamento do bem vendido ao comprador, de tudo se lavrando os competentes autos.<br>
h) A ordem contida em tal sentença foi cumprida em 6 de Janeiro de 1997, com recurso à força policial, tendo sido substituídas as fechaduras de todas as portas do edifício e a entrega do imóvel ao aqui Réu marido, tendo a Autora e o seu legal representante, os seus trabalhadores, os fornecedores e os clientes ficado impedidos de entrar na fábrica e de a usar.<br>
i) Por Acórdão de 9 de Dezembro de 1997, o Tribunal Central Administrativo, revogando a sentença de 25 de Novembro de 1996 do Tribunal Tributário de 1.ª instância de Santarém, julgou este último Tribunal incompetente em razão da matéria, para conhecer da acção que o ora Réu propôs contra a ora Autora.<br>
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8. O âmbito do recurso é determinado, como se sabe, pelas conclusões da alegação do recorrente, abrangendo, por isso, tão-só, as questões aí colocadas, como decorre claramente do estatuído nos artigos 684º n.º 3 e 690º n.º 1 do CPC (são deste Diploma todos os preceitos citados sem menção da proveniência).<br>
E, conforme tem sido incessantemente proclamado, cumpre acentuar que os recursos são os meios específicos de impugnação de decisões judiciais, através das quais se procura obter o reexame da matéria apreciada pela decisão recorrida (artigo 676º).<br>
Assim, visando os recursos modificar as decisões do Tribunal a quo e não criar decisões sobre matéria nova, não é lícito invocar nas alegações questões que não tenham sido objecto da decisão impugnada, nem pode conhecer-se neles de questões que as partes não tenham suscitado perante o tribunal inferior.<br>
A menos que se trate - é bom frisá-lo - de questões de conhecimento oficioso.<br>
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9. A Autora só nas alegações para este Supremo Tribunal veio agitar, pela primeira vez, a questão do direito de retenção relativo a pretensas benfeitorias efectuadas no prédio identificado.<br>
Trata-se, no entanto, de questão que, manifestamente, não é de conhecimento oficioso.<br>
E como não foi suscitada nas instâncias, dela não pode conhecer-se, agora, no âmbito deste recurso, como questão nova que é, à luz das considerações esplanadas em 8.<br>
O que implica, desde logo, que se despreza a conclusão vertida em 5-I.<br>
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10. O possuidor, quando esbulhado por outrem, pode pedir que seja restituído à sua posse.<br>
O esbulho supõe a privação, total ou parcelar, da posse (artigo 1278º do Código Civil).<br>
Será que, no caso concreto, a Autora tinha a posse do prédio de que disse ter sido esbulhada?<br>
É esta a questão nuclear que importa apreciar e dirimir.<br>
Vejamos.<br>
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11. Um dos efeitos jurídicos da penhora consubstancia-se na «transferência para o Tribunal» dos poderes de gozo que integram o direito do executado, perdendo este, assim, o poder de fruição da «coisa» derivado do direito de propriedade.<br>
Com a penhora, o direito do executado fica «esvaziado» dos poderes de gozo que nele se encontravam compreendidos, na medida em que os bens penhorados são colocados «numa situação de posse pelo Tribunal», ficando à ordem deste.<br>
Tal «posse», acentua-se, tanto pode acarretar a posse material pelo Tribunal (artigos 848º n.º 1; v., também, o artigo 303º, alínea a), do Código de Processo Tributário, a que corresponde, hoje, o artigo 221º, alínea a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário), como envolver a nomeação de um depositário (artigos 838º n.º 3 e 848º n.ºs 1 e 2, ver artigo 303º, alínea a), e 341º, alínea b), do CPT e artigo 221º, alínea b), e 231º, alínea a), do CPPT), o qual, porém, assumindo o estatuto de simples detentor (alínea c) do artigo 1253º do Código Civil), conservará os bens em nome do Tribunal e à ordem do Tribunal (ou da repartição de finanças ou do, hoje designado, órgão periférico local - artigo 6º n.º 2 do DL n.º 433/99, de 26 de Outubro).<br>
No caso da penhora de bem imóvel, designadamente, «a transferência dos poderes de gozo importa uma transferência de posse».<br>
Cessa a posse do executado e inicia-se uma nova posse pelo Tribunal (repartição de finanças; órgão periférico local).<br>
O depositário nomeado passa a ter, em nome alheio, a «posse» do bem penhorado (cfr. Alberto dos Reis, «Processo de Execução», 2.º volume, página 102; Castro Mendes, «Acção Executiva», 1971, página 95; Lebre de Freitas, «A Acção Executiva», 2.ª edição, páginas 213/214; e J.P. Remédio Marques, «Curso de Processo Executivo Comum», Almedina, 2000, página 277).<br>
Mesmo quando é nomeado depositário o próprio executado (artigo 839º n.º 2 e 848º n.º 4; cfr., ainda, artigos 303º, alínea a), e 314, alínea a) do CPT e artigos 221º, alínea b), e 231º, alínea a), do CPPT), este fica numa situação de possuidor «nomine alieno».<br>
Ou seja, a «posse» do executado não é exercida como titular de um direito real, mas, antes, na qualidade de depositário.<br>
O que significa que, sendo o conteúdo dessa «posse» o que resulta dos poderes concedidos ao depositário (artigo 843º; cfr. Artigo 316º do CPT e artigo 233º do CPPT), o executado fica sujeito às limitações impostas àquela.<br>
E uma consequência do efeito de essa «posse» do depositário ser em nome alheio, está na impossibilidade de o executado poder lançar mão dos meios de defesa da posse consignados nos artigos 1276º e seguintes do Código Civil (cfr. Castro Mendes, op. cit., página 96; Anselmo de Castro, «Acção Executiva Singular, Comum e Especial», página 150; J.P. Remédio Marques, op. e loc. Cits.; M. Teixeira de Sousa «Acção Executiva», página 238; e F. Amâncio Ferreira, «Curso de Processo de Execução», 2.ª edição, página 204).<br>
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12. A penhora dos bens visa, em regra, possibilitar a sua futura venda no processo de execução.<br>
Uma das modalidades da venda executiva é a feita por meio de propostas em carta fechada (artigo 886º n.º 2; ver artigo 883º n.º 1 do CPC, na anterior redacção, artigos 2º, alínea f), e 322º n.º 1 do CPT e artigos 2º, alínea e), e 248º n.º 1 do CPPT).<br>
Mostrando-se integralmente pago o preço e satisfeitas as obrigações fiscais inerentes à transmissão, os bens são adjudicados e entregues ao proponente, mediante despacho, passando-se ao adquirente o respectivo título da transmissão (artigos 900º; ver artigo 894º n.º6 do CPC na primitiva redacção).<br>
A venda executiva transfere para o adquirente os direitos do executado sobre a coisa vendida (artigo 824º n.º 1 do Código Civil), fundamentando, por isso, uma aquisição derivada.<br>
A transferência da propriedade do bem vendido opera-se, assim, com a passagem do título de transmissão, extinguindo-se, como consequência do efeito translativo estabelecido no n.º 1 do citado artigo 824º, o direito do executado sobre o bem alienado.<br>
Numa palavra, com a venda, o executado deixa de ser o proprietário do bem respectivo (cfr., por todos, J.P. Remédio Marques, op. Cit., páginas 277 e 391/392, M. Teixeira de Sousa, op. Cit., páginas 371 e 384/386, e Pires de Lima e Antunes Varela, «Código Civil Anotado», Vol. II, 4.ª edição, página 96).<br>
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13. Ainda um outro apontamento.<br>
Como já dissemos, a lei concede protecção ao possuidor, permitindo-lhe que, nomeadamente, em caso de esbulho, recorra aos tribunais para poder ser restituído à sua posse.<br>
De realçar, no entanto, que a posse é protegida apenas por se presumir que, por detrás dela, existe na titularidade do possuidor o direito real correspondente (artigo 1268º n.º 1 do Código Civil).<br>
Efectivamente, a protecção conferida ao possuidor traduz-se «numa tutela provisória, destinada unicamente a manter determinada situação de facto, enquanto não se provar quem é o verdadeiro titular do direito real correspondente».<br>
Por isso, nos termos do n.º 1 do artigo 1278º do Código Civil, a restituição da posse cessa se o possuidor «for convencido na questão da titularidade do direito».<br>
É que - continuam Pires de Lima e Antunes Varela, com a clarividência habitual -, se o réu «demonstrar ser ele o proprietário da coisa que o autor alegou possuir uti dominus, a tutela possessória deixa de ter qualquer justificação. De nada valeria manter uma posse contra a qual o titular do direito podia, logo a seguir, reagir triunfantemente através de uma acção de reivindicação» («Código Civil Anotado», vol. III, 2.ª edição, páginas 49/50).<br>
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14. Na situação ajuizada, o prédio em causa, que a A havia comprado, mediante escritura pública, foi penhorado no processo de execução fiscal n.º 93/101191-0, que, contra ela, correu termos na repartição de Finanças de Santarém, tendo sido nomeado fiel depositário D, seu sócio-gerente.<br>
No âmbito dessa execução fiscal, tal prédio veio a ser vendido, por meio de propostas em carta fechada, a B (ora Réu) a favor de quem, depois de efectuado o pagamento do preço e dos encargos legais, foi passado título de transmissão em 9 de Julho de 1996.<br>
Daqui resulta que, conforme se explicitou em 11, penhorado o prédio, cessou a posse da A e o seu sócio-gerente, enquanto depositário, ficou investido numa situação de possuidor nomine alieno.<br>
A penhora retirou à A, pois, os poderes de gozo relativamente ao imóvel, privando-a do inerente direito de fruição.<br>
E essa posse, assim perdida pela A, nunca mais foi por ela recuperada, uma vez que o prédio acabou por ser vendido a B; a quem foi passado o respectivo título de transmissão.<br>
Quer dizer, com a penhora do prédio, a A perdeu a respectiva posse e, com a sua venda, deixou de ser a proprietária do mesmo, pois, como se explanou em 12, por imperativo do n.º 1 do artigo 824º do Código Civil, os seus direitos sobre o prédio vendido foram transferidos para o adquirente B.<br>
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15. Não tendo a A nem a posse nem a propriedade do prédio e feita a demonstração de que o seu proprietário é B, por o ter comprado na execução fiscal, a acção intentada pela primeira estava, ab initio, irremediavelmente votada ao insucesso, também á luz dos princípios jurídicos enunciados em 13, não se percebendo, até, como logrou ultrapassar a fase do saneador.<br>
Adquirido o prédio pelo B e emitido a seu favor o respectivo título de transmissão, incumbia ao depositário, sócio-gerente da A, o dever de fazer-lhe a sua imediata entrega, tornando-se desnecessário o prévio recurso a qualquer meio judicial.<br>
O direito de o Réu B entrar na posse do prédio, logo após a passagem do título de transmissão, é, como se escreveu no Acórdão recorrido, uma consequência directa e imediata dessa aquisição, sendo, por conseguinte, perfeitamente inócuo o decidido pelo TCA e descabida a invocação do estatuído no n.º 5 do artigo 930º.<br>
A posse que os Réus vêm exercendo sobre o imóvel, porque alicerçada no seu direito de propriedade adquirido no processo de execução fiscal, é, consequentemente, ao invés do preconizado pela Autora, lícita e justificada, irrelevando a forma concreta como se processou a sua investidura.<br>
Razão por que, atenta a ausência de ilicitude da conduta dos Réus, o pedido de indemnização formulado pela Autora, seja, de igual modo, infundado.<br>
<br>
16. Regista-se, a terminar, que é despida de suporte a alegação da Autora de que "são inconstitucionais os artigos 1272º e 1282º do Código Civil, tal qual o acórdão recorrido os interpreta e aplica", sob a pretensão de que essa interpretação impede-a "do direito de acesso aos tribunais e atenta contra o seu direito de propriedade".<br>
Liminarmente, dir-se-á, que a referência ao artigo 1282º é despropositada, porquanto a Relação não joga com esse normativo, segundo o Acórdão, não pode falar-se na caducidade da acção, no tocante ao pedido de restituição de posse, na medida em que a Autora não reveste a qualidade de possuidora (cfr. Artigo 664º).<br>
Depois, não se vê como possa ter sido violado o acesso aos tribunais, consagrado no artigo 20º da CRP, se a Autora pôde defender, em toda a linha, os seus direitos ou interesses. Apenas sucede que a sua pretensão não é merecedora de acolhimento.<br>
Tal como não se vislumbra qualquer atentado contra o seu direito de propriedade, tutelado pelo artigo 62º da CRP.<br>
Na verdade, ao contrário do defendido pela Autora, esta não era proprietária do prédio, à data da propositura da acção, pelo menos. Proprietário era e é, como vimos, o Réu B.<br>
<br>
17. Em face do exposto, nega-se a revista, condenando-se a Recorrente nas custas.<br>
Lisboa, 8 de Maio de 2001.<br>
<br>
Silva Paixão,<br>
Silva Graça,<br>
Armando Lourenço.<br>
<br>
2.º Juízo do Tribunal de Santarém - P. 426/98.<br>
Tribunal da Relação - P. 1774/00 - 3.ª Secção.</font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
PzKBu4YBgYBz1XKvZxPS | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font>
<p><font>ACORDAM OS JUÍZES QUE CONSTITUEM O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA</font><a><u><font>[1]</font></u></a><font>:</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>AA e BB, residentes na freguesia de ..., instauraram a presente ação contra CC, DD, ambos residentes, na freguesia de ..., e EE e mulher, FF, residentes em ..., localidades do concelho de ..., pedindo que, na sua procedência, seja declarado que os autores e os co-réus CC e DD são proprietários, em comum e partes iguais, do dinheiro depositado, nas contas bancárias de depósitos à ordem e depósitos a prazo, com o nº NUC ..., do BPI, agência de ..., nas contas bancárias de depósitos à ordem e depósitos a prazo, com os nºs ... e ..., da Caixa Geral de Depósitos, agência de ..., e da conta de depósitos à ordem, com o nº ..., do Banco Popular [a], que os co-réus CC e DD sejam condenados a reconhecerem esse direito de propriedade [b], que os co-réus CC e DD sejam condenados, solidariamente, a pagarem, a cada um dos autores, a quantia global de €204.378,14, acrescida de juros de mora, desde 16 de julho de 2012, até integral pagamento [c], que seja declarado que os autores e os co-réus CC, DD e EE são proprietários, em comum e partes iguais, do dinheiro depositado, nas contas bancárias de depósitos à ordem e depósitos a prazo, nºs NUC --- e NUC ---, existentes no Banco BPI [d], que os co-réus CC, DD e EE sejam condenados a reconhecerem esse direito de propriedade [e], que os co-réus CC, DD e EE sejam condenados, solidariamente, a pagarem, a cada um dos autores, a quantia global de €427.507,94, acrescida de juros de mora, desde a data em que se apoderaram do dinheiro existente nas mesmas contas bancárias, até integral pagamento [f], que seja declarado que os autores e todos os réus são proprietários, em comum e partes iguais, do dinheiro depositado, nas contas bancárias de depósitos à ordem, depósitos a prazo e carteiras de títulos, existentes no Banco Santander Totta, Caixa Económica Montepio Geral e Banco Espirito Santo, «supra», melhor identificadas [g], que todos os réus sejam condenados a reconhecerem esse direito de propriedade [h], que todos os réus sejam condenados, solidariamente, a pagarem, a cada um dos autores, a quantia global de €359.936,14, acrescida de juros de mora, desde a data em que se apoderaram do dinheiro existente nas mesmas contas bancárias, até integral pagamento [i], que todos os réus sejam condenados, solidariamente, a ressarcirem os autores pelos dividendos que estes deixaram de receber com as aplicações do dinheiro, em depósitos a prazo e/ou aplicações financeiras, que lhes foi retirado pelos réus, em quantia a liquidar, em execução de sentença [j].</font>
</p><p><font>Os autores invocam como fundamento do pedido, em síntese, que, juntamente com os réus, ao longo do tempo, abriram diversas contas bancárias, as quais, desde a sua abertura, eram movimentadas por todos, mediante instruções, com a assinatura conjunta de dois dos seus titulares, e nas quais estava depositado dinheiro pertence a todos os seus titulares, em partes iguais, sendo que os réus, sem qualquer autorização, ordem ou conhecimento dos autores, se apoderaram do dinheiro existente em todas as contas, pretendendo agora os autores recuperar a parte que lhes pertence naquilo que os réus levantaram dessas contas.</font>
</p><p><font>Na contestação, os réus concluem pela improcedência total do pedido, alegando que o dinheiro existente em todas as contas referidas é fruto de uma vida de trabalho dos réus EE e FF, pais dos autores e dos restantes réus, pertencendo, exclusivamente, aqueles e nunca foi pelos mesmos partilhado pelos respetivos filhos, os quais, apenas, passaram a ser titulares das contas, porque, considerando a sua proveta idade e a inevitabilidade de os filhos lhes sucederem, os pais entenderam conveniente que eles colaborassem na gestão do seu património, mas a mando dos pais.</font>
</p><p><font>Em sede reconvencional, os réus EE e FF pediram que os autores sejam condenados a entregar aqueles a quantia de €498.797,90, acrescida de juros, até integral pagamento, que corresponde ao saldo da conta bancária n.º 9-1574575, no BPI.</font>
</p><p><font>A sentença</font><i><font> </font></i><font>“</font><i><font>julgou a ação parcialmente procedente, declarando os autores e os co-réus CC e DD proprietários, em comum e partes iguais, do dinheiro depositado nas contas de depósitos à ordem e depósitos a prazo com o nº ---, do BPI, agência de ---, nas contas de depósitos à ordem e depósitos a prazo com os nºs -- e --, da Caixa Geral de Depósitos, agência de ---, e da conta de depósitos à ordem com o nº -- do Banco Popular, condenando os co-réus CC e DD a reconhecerem esse direito e a pagar aos autores a quantia global de €408.252,41, na proporção de metade a cada um, e o réu CC ainda a pagar a quantia de €503,85, na proporção de metade a cada um, acrescidas de juros de mora desde 16 de Julho de 2012 até integral pagamento. </font></i>
</p><p><i><font>No tocante à reconvenção foi julgada parcialmente procedente, declarando-se os reconvintes únicos proprietários do valor depositado nas contas identificadas em K), N), Q), W), Y), AB), AE), AT), AW) e AV) da matéria assente”</font></i><font>.</font>
</p><p><font>Desta decisão, autores e réus interpuseram recursos de apelação, na parte em que a mesma lhes é desfavorável, tendo o Tribunal da Relação “</font><i><font>julgado o recurso dos autores parcialmente procedente, no que concerne ao pedido reconvencional, julgado o recurso dos réus Jorge e Armando totalmente procedente e julgado o recurso do réu Adélio parcialmente procedente, no que respeita ao pedido dos autores.</font></i>
</p><p><i><font>Em consequência desse julgamento, alterou o dispositivo da sentença recorrida, absolvendo agora os réus na totalidade dos pedidos dos autores e julgando a reconvenção procedente no que concerne apenas às contas das alíneas K), N), Q), W), Y), AB) e AE).</font></i>
</p><p><i><font>Condenou, como litigantes de má-fé, o autor BB na multa de 15 UC e o autor AA na multa de 20 UC e ambos, solidariamente, a pagarem aos réus a indemnização equivalente à diferença entre o valor das custas de parte que tiverem de pagar aos réus no âmbito do presente processo e o valor reclamado a folhas 800 a 809 (€30.851,14 pelo pai e €9.024,52 por cada um dos irmãos)”</font></i><font>.</font>
</p><p><font>Do acórdão da Relação do Porto, o autor AA interpôs agora recurso de revista, pedindo que o mesmo seja julgado provado e procedente, formulando as seguintes conclusões, que se transcrevem, integralmente:</font>
</p><p><font>1ª - Ao considerar tal declaração como um documento e ao aceitar a sua junção naquelas condições criadas a preceito, violou o tribunal recorrido o artigo 362º do Código Civil, bem como os artigos 425º e 651º, estes do Código de Processo Civil, por errónea interpretação dos mesmos, tudo nos moldes sobreditos e aqui tidos como renovados (vide pontos 5 a 30), impondo-se, por via disso, determinar a não aceitação e/ou o desentranhamento de tal declaração, com as legais consequências.</font>
</p><p><font>2ª - Sem conceder, aceite que foi uma tal declaração, e tendo em conta o seu teor confessório, tido como com notório interesse, e as eventuais implicações daí decorrentes, o tribunal recorrido, socorrendo-se dos poderes/deveres que dimanam do artigo 662º, nºs. 1 e 2, als. a) e b), do Código de Processo Civil, deveria ter ordenado oficiosamente a renovação de prova e/ou a produção de novos meios de prova, a fim de esclarecer devidamente o sucedido e assegurar um verdadeiro contraditório ao recorrente, pelo motivos acima enunciados (vide pontos 31 a 43), omissão que constituindo violação clara do assinalado normativo, impõe que o acórdão recorrido seja revogado e se determine que seja suprida a apontada omissão, seguindo-se os correspondentes termos e inerentes consequências legais.</font>
</p><p><font>3ª - Nos termos supra apontados e aqui tidos como renovados (vide pontos 44 a 65), a decisão recorrida enferma de nulidade por não conter uma real fundamentação em sede de facto, porque os escassos fundamentos ali existentes encerram ambiguidade e obscuridade e, finalmente, porque existe até uma verdadeira omissão de pronúncia relativamente às questões colocadas pelo recorrente em sede de facto, em violação do estatuído no artigo 615º, nº 1, als. b), c) e d), aqui aplicável "ex vi" artigo 666º, nº 1, ambos do Código de Processo Civil, nulidade que se argui expressamente e que deverá ser decretada, com as inerentes consequências legais.</font>
</p><p><font>4ª - Num claro erro de julgamento, o tribunal recorrido alterou indevidamente a matéria de facto, alicerçado apenas num discurso meramente especulativo e a denotar, até, claros prejuízos, tudo nos termos supra expostos e aqui tidos como repetidos (vide pontos 66 a 95), à revelia da lei e em violação, pelo menos, dos artigos 350º e 516º, ambos do Código Civil, pois que este último não poderia ser aqui afastado pelas alegadas presunções naturais, impondo-se a sua concomitante revogação e que se determine a reapreciação, em concreto, da impugnação da matéria de facto invocada pelo recorrente, tarefa aqui perfeitamente inexistente, como se viu, extraindo-se, depois, as inerentes consequências legais e jurídicas.</font>
</p><p><font>5ª - Conforme se explanou antes e aqui se tem como renovado (vide pontos 96 a 118), errou também o tribunal ao condenar o recorrente como litigante de má-fé nos moldes sobreditos, em clara violação do consignado no artigo 542ª do Código de Processo Civil, impondo-se, pois, revogar a decisão nessa parte, eliminando-se uma tal condenação, sob pena de interpretação inconstitucional de tal normativo, por violação do artigo 13ª, nº 1, da Constituição da República Portuguesa.</font>
</p><p><font>6ª - Em qualquer caso, quer a multa fixada, quer os montantes indemnizatórios a reembolsar, são exagerados, mormente atentos os específicos contornos do caso vertente, pelo que deverão ser reduzidos substancialmente, não devendo a multa ser superior a cinco UC.</font>
</p><p><font>7ª - Acresce que tal condenação teve na sua génese um tratamento desigual, nos moldes sobreditos, em colisão nítida com o estatuído no artigo 13º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa, ferindo de inconstitucionalidade tal aspeto do decidido, o que, de novo, aqui se invoca expressamente, com as legais consequências.</font>
</p><p><font>Nas suas contra-alegações, os réus defendem que deve ser julgado, totalmente, improcedente o recurso interposto pelo autor.</font>
</p><p><font> *</font>
</p><p><font>Tudo visto e analisado, ponderadas as provas existentes, atento o Direito aplicável, cumpre, finalmente, decidir.</font>
</p><p><font>As questões a decidir, na presente revista, em função das quais se fixa o objeto do recurso, considerando que o «thema decidendum» do mesmo é estabelecido pelas conclusões das respetivas alegações, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, com base no preceituado pelas disposições conjugadas dos artigos 5º, 608º, nº 2, 609º, 635º, nºs 4 e 5, 639º e 679º, todos do CPC, são as seguintes:</font>
</p><p><font>I – A questão da aceitação da declaração confessória como documento.</font>
</p><p><font>II – A questão da nulidade, por falta de fundamentação e de omissão de pronúncia do acórdão. </font>
</p><p><font>III – A questão da alteração indevida da matéria de facto, em virtude do uso de presunções.</font>
</p><p><font>IV - A questão da ordenação oficiosa da renovação dos meios de prova.</font>
</p><p><font>V – A questão da condenação, em litigância de má-fé, sob pena de inconstitucionalidade.</font>
</p><p><font> I. DA DECLARAÇÃO CONFESSÓRIA</font>
</p><p><font>Sustenta o autor que, ao considerar a declaração confessória como um documento, aceitando a sua junção, o acórdão recorrido violou o artigo 362º, do Código Civil (CC), bem como os artigos 425º e 651º, estes do CPC, por errónea interpretação dos mesmos, impondo-se, por via disso, determinar a não aceitação e/ou o desentranhamento de tal declaração.</font>
</p><p><font>O autor BB juntou aos autos um requerimento que contém uma declaração reduzida a escrito, na qual este “</font><i><font>afirma que os factos alegados na petição inicial quanto à propriedade do dinheiro das contas bancárias aí indicadas são falsos pois todos os valores depositados em tais contas são e sempre foram propriedade dos seus pais”.</font></i>
</p><p><font>O acórdão recorrido aceitou a junção desse requerimento</font><i><font>,</font></i><font> com as alegações de recurso da apelação,</font><i><font> </font></i><font>por entender que “</font><i><font>contém a confissão pelo autor de factos alegados pelos réus e que lhe são desfavoráveis, pelo notório interesse para a apreciação do recurso sobre a decisão da matéria de facto”</font></i><font>, com base no disposto pelos artigos 425.º e 651.º, do CPC.</font>
</p><p><font>O autor AA controverte, desde lodo, a natureza desse requerimento, enquanto documento, atento o disposto pelo artigo 362º, do CC.</font>
</p><p><font>Dispõe este artigo 362º, do CC, que “diz-se documento qualquer objeto elaborado pelo homem com o fim de reproduzir ou representar uma pessoa, coisa ou facto”.</font>
</p><p><font>A noção restrita e usual de documento consiste em todo o escrito que corporiza uma declaração de verdade ou ciência – declaração testemunhal, destinada a representar um estado de coisas, ou uma declaração de vontade – declaração constitutiva, dispositiva ou negocial, destinada a modificar uma situação jurídica pré-existente</font><a><u><font>[2]</font></u></a><font>. </font>
</p><p><font>Os documentos são, assim, coisas representativas de um facto, juridicamente, relevante</font><a><u><font>[3]</font></u></a><font>, em virtude de uma atuação humana intencional</font><a><u><font>[4]</font></u></a><font>, como acontece, por exemplo, com um requerimento dirigido ao processo, contendo uma declaração escrita de natureza confessória.</font>
</p><p><font>A declaração do co-autor BB, em que este reconhece, unilateralmente, a realidade dos factos alegados pelos réus que lhe são desfavoráveis, mas que favorecem estes últimos, efetuada em requerimento dirigido aos autos, posteriormente, reafirmada, pelo mesmo, de forma específica, em resposta à notificação de esclarecimento adrede efetuada pela Relação, não constitui confissão judicial escrita espontânea, por não ser eficaz, atendendo a que se trata de uma situação de litisconsórcio necessário, valendo, tão-só, como elemento probatório de livre apreciação pelo tribunal, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 352º, 353º, nºs 1 e 2, 355º, nºs 1 e 2, 356º, nº 1 e 361º, do CC, e 33º, nºs 2 e 3, do CPC.</font>
</p><p><font>Tratando-se de um documento/requerimento, formado a 30 de setembro de 2016, após a data da prolação da sentença, em 16 de maio de 2016, cuja junção se tornou necessária, em virtude do julgamento realizado na 1ª instância, não sendo, outrossim, materialmente, possível a sua apresentação, antes do encerramento da discussão, é admissível a sua junção aos autos, com as alegações do recurso de apelação, atento o preceituado pelos artigos 425º e 651º, nº 1, ambos do CPC.</font>
</p><p><font> II. DA NULIDADE DO ACÓRDÃO</font>
</p><p><font>II.1. Alega, também, o autor AA que o acórdão enferma de nulidade, por não conter uma real fundamentação, em sede de facto, porque os escassos fundamentos dele existentes encerram ambiguidade e obscuridade e, finalmente, porque existe omissão de pronúncia, relativamente às questões colocadas pelo recorrente, em sede de facto, em violação do estatuído no artigo 615º, nº 1, b), c) e d), aqui aplicável, "ex vi" artigo 666º, nº 1, ambos do CPC.</font>
</p><p><font>Preceitua o artigo 615°, n° 1, b), do CPC, que “</font><font>é nula a sentença quando não especifique os fundamentos de facto…que justificam a decisão;”, nulidade essa tornada extensível ao acórdão da Relação, atento o disposto pelo artigo 666º, nº 1, do mesmo diploma legal.</font>
</p><p><font>A propósito da fundamentação de facto que está subjacente à decisão da Relação que procedeu ao julgamento da matéria de facto, consta do acórdão recorrido, desde “</font><i><font>na presente acção…</font></i><font>” até…</font><font> “…</font><i><font>só veio eliminar qualquer dúvida razoável a esse respeito</font></i><font>”, ao longo de seis páginas de texto integral, toda a motivação que justificou o sentido dessa decisão, num quadro de uma profunda e proficiente análise crítica dos meios de prova envolvidos, em conformidade com um muito bem elaborado percurso lógico-racional desenvolvido, e que, apenas, se não reproduz, para evitar uma descabida extensão deste acórdão.</font>
</p><p><font>Não existe, pois, a invocada nulidade do acórdão, por falta de</font><font> especificação dos fundamentos de facto que justificam a decisão</font><font>, a que se reportam os artigos 615º, nº 1, b) e 666º, nº 1, ambos do CPC.</font>
</p><p><font>II. 2. Alega ainda o autor AA que o acórdão enferma de nulidade porque os escassos fundamentos nele existentes encerram ambiguidade e obscuridade.</font>
</p><p><font>Estipula o artigo 615º, nº 1, c), do CPC, que a sentença é nula quando “ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível”.</font>
</p><p><font>Ao arguir a nulidade do acórdão, por obscuridade ou ininteligibilidade, o que o autor AA, manifestamente, quer dizer, como resulta do normativo legal acabado de transcrever, é que lhe imputa o vício da ininteligibilidade, por obscuridade, o qual se traduz numa situação em que o exato sentido do julgado não pode alcançar-se com segurança, de modo a resolver o litígio existente.</font>
</p><p><font>Esta nova causa de nulidade da sentença, aditada pelo Código de Processo Civil de 2013, em substituição da principal causa dos pedidos de esclarecimento da sentença do regime anterior do artigo 669º, nº 1, a), do CPC, não importa a modificação essencial do decidido.</font>
</p><p><font>De todo o modo, como já se disse, em II.1., todo o raciocínio que decorre da fundamentação de facto do acórdão é claro, transparente e, absolutamente, compreensível, o que afasta a arguida nulidade, por obscuridade ou ininteligibilidade, a que se reportam os artigos 615º, nº 1, c) e 666º, nº 1, ambos do CPC.</font>
</p><p><font>II.3. Acentua, igualmente, o autor ... que existe omissão de pronúncia, relativamente às questões que colocou, em sede de facto.</font>
</p><p><font>Porém, diversamente, há que reconhecer que o acórdão impugnado conheceu as questões que lhe foram colocadas, em sede de facto, pelo que não ocorre a arguida nulidade, por omissão de pronúncia.</font>
</p><p><font> III. DO USO INDEVIDO DAS PRESUNÇÕES</font>
</p><p><font>Sustenta agora o autor AA que o acórdão recorrido alterou, indevidamente, a matéria de facto, em violação, pelo menos, dos artigos 350º e 516º, ambos do CC, pois que este último não poderia ser aqui afastado, pelas alegadas presunções naturais, impondo-se que se determine a reapreciação, em concreto, da impugnação da matéria de facto deduzida pelo recorrente.</font>
</p><p><font>Quer isto dizer, por outras palavras, que o autor se insurge contra a utilização das presunções naturais, como via de alteração da decisão sobre a matéria de facto a que o acórdão procedeu, de modo a afastar o regime de presunção de participação, em partes iguais, nas dívidas e nos créditos, a que alude o artigo 516º, do CC.</font>
</p><p><font>Estipula o artigo 516º, do CC, que “</font><font>nas relações entre si, presume-se que os devedores ou credores solidários comparticipam em partes iguais na dívida ou no crédito, sempre que da relação jurídica entre eles existente não resulte que são diferentes as suas partes, ou que um só deles deve suportar o encargo da dívida ou obter o benefício do crédito”.</font>
</p><p><font>Efetivamente, o acórdão recorrido considerou provado que </font><i><font>“no que concerne a todas as contas referidas nos autos, os réus progenitores partilharam com os filhos ou confiaram a estes a titularidade das contas bancárias em razão da sua idade e doença e para possibilitar a movimentação/gestão das contas pelos filhos, se necessário, mantendo, no entanto, a propriedade das quantias e valores ali depositados, que os movimentos e transferências que geraram os saldos das contas bancárias indicados na petição inicial, incluindo no que se refere às contas mencionadas em A), D) e G), foram realizados nesse termos e com essa intenção, e ainda que os filhos não movimentavam tais contas sem a prévia anuência dos pais”</font></i><font>.</font>
</p><p><font>As “presunções são as</font><i><font> </font></i><font>ilações que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido”, segundo o preceituado pelo artigo 349º, do CC.</font>
</p><p><font>Este meio de prova por presunções permite ao julgador, baseado em factos que se encontram provados (factos indiciários) e com recurso às regras da experiência, inerentes ao princípio da normalidade (</font><i><font>id quod plerumque accidit</font></i><font>), fazer derivar dos mesmos um facto novo que carece ainda de prova (facto presumido).</font>
</p><p><font>As regras da experiência são “ou o resultado da experiência da vida ou de um especial conhecimento no campo científico ou artístico, técnico ou económico e são adquiridas, por isso, em parte mediante observação do mundo exterior e da conduta humana, em parte mediante investigação ou exercício científico de uma profissão ou indústria”</font><a><u><font>[5]</font></u></a><font>, permitindo fundar as presunções naturais, não abdicando da explicitação de um processo cognitivo, lógico, sem espaços ocos e vazios, conduzindo à extração de facto desconhecido do facto conhecido, porque conformes à realidade reiterada, de verificação muito frequente e, por isso, verosímil</font><a><u><font>[6]</font></u></a><font>.</font>
</p><p><font>Na transição de um facto conhecido para a aquisição ou para a prova de um facto desconhecido, têm de intervir as presunções naturais, como juízos de avaliação, através de procedimentos lógicos e intelectuais, que permitam, fundadamente, afirmar, segundo as regras da experiência, que determinado facto, não, anteriormente, conhecido, nem, diretamente, provado, é a natural consequência ou resulta, com toda a probabilidade próxima da certeza, ou para além de toda a dúvida razoável, de um facto conhecido.</font>
</p><p><font>Por isso é que, na presunção, deve existir e ser revelado um percurso intelectual, lógico, sem soluções de continuidade, e sem uma relação demasiado longínqua entre o facto conhecido e o facto adquirido, porquanto a existência de espaços vazios, no percurso lógico, determina um corte na sequência do raciocínio, e retira o juízo do domínio da presunção, remetendo-o para o campo da mera possibilidade física, mais ou menos arbitrária, ou dominada pelas impressões</font><a><u><font>[7]</font></u></a><font>.</font>
</p><p><font>E se a credibilidade, em concreto, de cada meio de prova tem subjacente a aplicação de máximas de experiência comum que devem enformar a opção do julgador e cuja validade se exige dentro de um determinado contexto histórico e jurídico, a sua valoração está, porém, fora de qualquer controlo, por parte deste Supremo Tribunal de Justiça, que se encontra impedido de criticar a escolha da valoração da credibilidade de um determinado meio de prova, em detrimento doutro, muito embora a legalidade daquela regra de experiência, como norma geral e abstrata, possa, eventualmente, ser questionada, na hipótese de carecer de razoabilidade, demonstrando-se que um determinado meio de prova prestado, em si mesmo considerado, permite concluir que a versão que apresenta é objetivável, ou seja, é compatível com o sentido comum, o que acontece desde qualquer pessoa aceite como bom o raciocínio explanado.</font>
</p><p><font>O uso pelas instâncias, em processo civil, de regras de experiência comum, é um critério de julgamento, aplicável na resolução de questões de facto, não na interpretação e aplicação de normas legais</font><a><u><font>[8]</font></u></a><font>, que fortalece o princípio da livre apreciação da prova, como meio de descoberta da verdade, apenas subordinado à razão e à lógica que, consequentemente, não pode ser sindicado pelo Supremo Tribunal de Justiça, a menos que, excecionalmente, através da necessária objetivação e motivação, se alcance, inequivocamente, que foi usado para além do que é consentido pelas regras da experiência comum de vida, fundando, assim, uma conclusão inaceitável.</font>
</p><p><font>Porém, as regras da experiência não são meios de prova, instrumentos de obtenção de prova, mas antes raciocínios, juízos hipotéticos de conteúdo genérico, assentes na experiência comum, independentes dos casos individuais em que se alicerçam, com validade, muitas vezes, para além da hipótese a que respeitem, permitindo atingir continuidades, imediatamente, apreensivas nas correlações internas entre factos, conformes à lógica, sem incongruências para o homem médio e que, por isso, legitimam a afirmação de que dado facto é a natural consequência de outro, surgindo com toda a probabilidade forte, próxima da certeza, sem receio de se incorrer em injustiça, por não estar contaminado pela possibilidade física, mais ou menos arbitrária, impregnado de impressões vagas, dubitativas e incredíveis.</font>
</p><p><font>Ora, o apelo às regras da experiência comum só releva para demonstração do erro notório na apreciação da prova, quando existam elementos probatórios não contestados, designadamente, documentos autênticos, ou dados do conhecimento público generalizado, que impliquem ser, completamente, absurdo dar-se certo facto por provado ou por não provado, o que, manifestamente, não acontece, na hipótese em apreço, para além de que o erro notório na apreciação da prova nada tem a ver com a crença subjetiva do recorrente na desconformidade entre a decisão de facto do julgador e aquela que teria sido proferida pelo próprio.</font>
</p><p><font>Por outro lado, constituindo as presunções retiradas dos factos provados, também elas, matéria de facto, e tendo a Relação, no acórdão recorrido, reapreciado as provas em que assentou a parte impugnada da decisão proferida, em primeira instância, não cabe do mesmo recurso, para o Supremo Tribunal de Justiça, nos termos do preceituado pelo artigo 662º, nº 4, do CPC</font><a><u><font>[9]</font></u></a><font>.</font>
</p><p><font>A presunção legal de participação dos credores solidários, em partes iguais, no crédito, que resulta do artigo 516º, do CC, admite prova em contrário</font><a><u><font>[10]</font></u></a><font>, pelo que só é de ter como assente o facto presumido quando, no caso de presunção legal, “tantum iuris”, a prova do contrário não seja efetuada ou resulte de outros elementos dos autos</font><font>.</font>
</p><p><font>Deste modo, improcede a arguição de violação das regras de direito probatório material</font><font> que envolveram a alteração da matéria de facto a que a Relação procedeu.</font>
</p><p><font> IV. DA RENOVAÇÃO OFICIOSA DOS MEIOS DE PROVA</font>
</p><p><font>Defende agora o autor AA que o tribunal recorrido deveria ter ordenado, oficiosamente, a renovação de prova e/ou a produção de novos meios de prova, nos termos do preceituado pelo artigo 662º, nºs. 1 e 2, a) e b), do CPC, a fim de esclarecer, devidamente, o sucedido e assegurar um verdadeiro contraditório ao recorrente, omissão cujo suprimento deverá ser determinado.</font>
</p><p><font>Dispõe o artigo 662º, nº 2, do CPC, que “a Relação deve ainda, mesmo oficiosamente, ordenar a renovação da produção de prova quando houver dúvidas sérias sobre a credibilidade do depoente ou sobre o sentido do seu depoimento [a]; ordenar, em caso de dúvida fundada sobre a prova realizada, a produção de novos meios de prova [b];. </font>
</p><p><font>Tendo sido intuito do legislador do Novo CPC/2013, reforçar os poderes da 2ª instância, em sede de reapreciação da matéria de facto impugnada, incrementando os poderes-deveres que lhe são atribuídos, nesta matéria, ao STJ está vedado exercer censura sobre o não uso pela Relação dos poderes de alteração da matéria de facto, contidos no artigo 662º, do CPC, mas não quanto à regularidade do seu uso.</font>
</p><p><font>Porém, se com o não uso desses poderes-deveres, a Relação cometer um erro e a decisão de facto surgir ao STJ como precária, para constituir base suficiente para a decisão de direito, então, goza de plena legitimidade para determinar a correção do erro, eventualmente, com recurso ao disposto pelo artigo 662º, nº 2, a) e b), do CPC.</font>
</p><p><font>Ora, não se mostrando precária a base factual apurada, com vista à subsunção jurídica a efetuar, está interdito ao STJ sindicar esse não uso pela Relação dos poderes de determinar a renovação oficiosa da produção de prova ou de ordenar a produção de novos meios de prova, de acordo com o preceituado pelo artigo 662º, nº 2, a) e b), do CPC.</font>
</p><p><font>Como assim, este Supremo Tribunal de Justiça considera que se devem declarar demonstrados os seguintes factos, tal como o fez o Tribunal da Relação, nos termos das disposições combinadas dos artigos 674º, nº 3 e 682º, nº 2, do CPC, mas que reproduz:</font>
</p><p><font>A] Os autores e os co-réus, CC e DD, abriram, no “Banco BPI, SA”, agência de ..., a conta de depósitos à ordem e depósito a prazo, com o nº nuc 2-3834264, conta essa que, desde a sua abertura, era movimentada por todos, sendo que, para o efeito, era necessário a assinatura conjunta de dois dos seus titulares, tudo conforme documentos de fls. 300 a 305 dos autos, cujo teor aqui se dá por, integralmente, reproduzido, para todos os efeitos legais.</font>
</p><p><font> B] Em 16 de julho de 2012, tal conta apresentava um saldo de €276.321,56.</font>
</p><p><font> C] Em 16 de julho de 2012, ambos os co-réus, CC e DD, efetuaram duas transferências, uma do montante de €176.321,56, e outra do montante de €100.000,00, ambas para a conta do “Banco BPI”, com o número ..., de que é titular, pelo menos, o co-réu DD</font>
</p><p><font> D] Os autores e os co-réus, CC e DD, abriram, na “Caixa Geral de Depósitos”, agência de ..., as seguintes contas de depósitos à ordem e depósito a prazo, respetivamente a) nº ..., e b) nº ..., contas essas que, desde a sua abertura, eram movimentadas por todos, sendo que, para o efeito, era necessário a assinatura conjunta de dois dos seus titulares, tudo conforme documentos de fls. 306 a 309 dos autos, cujo teor aqui se dá por, integralmente, reproduzido, para todos os efeitos legais.</font>
</p><p><font> E] Em 16 de julho de 2012, tal conta apresentava um saldo de €540.009,00.</font>
</p><p><font> F] Em 16 de julho de 2012, ambos os co-réus, CC e DD efetuaram duas transferências da referida conta, uma do montante de €540.009,00, e outra do montante de €174,27.</font>
</p><p><font> G] Os autores e os co-réus, CC e DD, abriram, ainda, no “Banco Popular”, agência de ..., a conta de depósitos à ordem com o nº ....</font>
</p><p><font> I] Conta essa que, desde a sua abertura, era movimentada por todos, sendo que, | [0 0 0 ... 0 0 0] |
PzKdu4YBgYBz1XKvHiPR | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font>
<p><font> </font><br>
<font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font>
</p><p><font>1. - AA intentou contra BB acção declarativa pedindo a condenação desta a restituir-lhe a quantia de 64.115,00€, acrescida de juros.</font>
</p><p><font>Alegou ter emprestado à Ré, entre Junho de 2007 e Abril de 2009, montantes em dinheiro que discrimina, cujo pagamento devia ser efectuado a partir de mês de Julho de 2009 e de acordo com o valor mensal que a Demandada pudesse vir a dispor, mas esta nada pagou. Porque os empréstimos deveriam ter sido titulados por documento, e não o foram, deverá a Ré restituir ao Autor todas as quantias emprestadas, por nulo o contrato.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>A Ré contestou e concluiu pela improcedência da acção.</font>
</p><p><font>Admitiu ter recebido as quantias que o A. refere mas, acrescenta, viveu com ele cerca de quatro anos, como se fossem marido e mulher, e foi na constância deste relacionamento que o A. lhe deu o dinheiro, sem qualquer empréstimo ou pedido, para que a R. lhe fizesse companhia em casa, em vez de ausentar para os bares nocturnos, onde sempre trabalhou e conheceu o Autor, sendo que pretende agora de volta o dinheiro por a relação entre ambos ter terminado. </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>A final, foi proferida sentença que, ao abrigo do instituto do enriquecimento sem causa, julgou a acção procedente e condenou a Ré a pagar ao Autor:</font>
</p><p><font> “</font><i><font>a) A quantia de € 64.115,00 (sessenta e quatro mil cento e quinze euros);</font></i>
</p><p><i><font> b) Juros de mora sobre o montante referido em a), desde 10/7/2010 e até integral pagamento, à taxa supletiva legal para as obrigações meramente civis</font></i><font>.”. </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> Mediante apelação da Ré, a Relação deliberou “</font><i><font>anular a sentença recorrida e julgar improcedente a acção</font></i><font>”.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> O Autor pede revista, pretendendo a revogação do acórdão e a reposição do julgado em 1ª Instância, a coberto argumentação conclusiva que se transcreve:</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> 1. Resultaram provadas todas as transferências efectuadas pelo Autor para a conta bancária da Ré. </font>
</p><p><font> 2. Provado ficou também que a Ré se recusou a entregar ao Autor os montantes transferidos. </font>
</p><p><font> 3. O enriquecimento da Ré careceu de causa justificativa, dado que não foi provado qualquer relação ou facto que, de acordo com as regras ou os princípios do nosso sistema jurídico, justificasse a deslocação patrimonial ocorrida, isto é, que legitimasse o enriquecimento. </font>
</p><p><font> 4. É assim, patente que, </font><i><font>in</font></i><font> </font><i><font>casu</font></i><font>, ocorreu um enriquecimento da Ré à custa do empobrecimento do Autor. </font>
</p><p><font> 5. O tribunal de julgamento não teve dúvidas que a vantagem patrimonial obtida pela Ré mostrou-se totalmente injustificada, isto é, careceu de justificação. </font>
</p><p><font> 6. Na convicção do julgador e na livre apreciação a prova foi considerado inexistir qualquer relação ou facto que, de acordo com as regras ou os princípios do nosso ordenamento jurídico, justifique o enriquecimento obtido pela Ré à custa do Autor, ou </font>
</p><p><font> 7. Existir, </font><i><font>in</font></i><font> </font><i><font>casu</font></i><font>, outro mecanismo legal para o Autor obter da Ré a restituição de tal quantia. </font>
</p><p><font> 8. É nesta convicção que se radica o entendimento do Autor ora Apelante de que se mostram preenchidos todos os requisitos ou pressupostos legais que permitem ao Autor obter da Ré, com base no instituto do enriquecimento sem causa, a restituição da quantia de € 64.115,00 de que ficou privado, e de que, sem causa legítima, aquela beneficiou - art.º 479° do Código Civil. </font>
</p><p><font> 9. Não considerando assim o Autor/Apelante ter havido excesso de pronúncia. </font>
</p><p><font> 10. O acórdão recorrido não julgou assim de harmonia com a realidade dos factos e da prova produzida nos autos, </font>
</p><p><font> 11. Violando o disposto no artigo 655.° do Código Processo Civil, por violação do princípio da liberdade de apreciação da prova, e </font>
</p><p><font> 12. O disposto nos artigos 473°. e 474°. do Código Civil, por se verificarem todos os requisitos para aplicação do instituto do enriquecimento sem causa, </font>
</p><p><font> 13. Com a obrigação da restituição do montante que a Ré se locupletou à custa do Autor. </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> A Recorrida respondeu, em defesa do decidido no acórdão impugnado.</font>
</p><p>
</p><p><font> 2. - A </font><b><font>questão </font></b><font>a resolver é a de saber se a ausência de causa justificativa da deslocação patrimonial, pressuposto do enriquecimento sem causa, tem de ser alegada e provada pelo requerente da restituição do enriquecimento. </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>3. - A </font><b><font>matéria</font></b><font> </font><b><font>de</font></b><font> </font><b><font>facto</font></b><font> a considerar, fixada desde a sentença, é a que segue.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>1. Em 21/06/2007 o autor depositou na conta da ré a quantia de €7.000,00 (sete mil euros). </font>
</p><p><font>2. Em 11/02/2008 o autor depositou na conta da ré a quantia de € 1.000,00 (mil euros). </font>
</p><p><font>3. O autor transferiu para a conta da ré as seguintes quantias: </font>
</p><p><font> a) Em 16/4/2008, a quantia de €45.715.00 (quarenta e cinco mil setecentos e quinze euros); </font>
</p><p><font> b) Em 28/10/2008, a quantia de € 1.000,00 (mil euros); </font>
</p><p><font> c) Em 06/11/2008, a quantia de €1.000.00 (mil euros);</font>
</p><p><font> d) Em 13/11/2008, a quantia de €500.00 (quinhentos euros); </font>
</p><p><font> e) Em 04/12/2008, a quantia de €4.900.00 (quatro mil e novecentos euros); </font>
</p><p><font> f) Em 04/12/2008, a quantia de € 1.500.00 (mil e quinhentos euros); </font>
</p><p><font> g) Em 14/04/2009, a quantia de € 1.500,00 (mil e quinhentos euros).</font>
</p><p><font>4. A ré recusa-se a entregar ao autor os montantes por este transferidos. </font>
</p><p><font>5. A ré foi citada para a presente acção em 10/07/2010. </font>
</p><p><font>6. Procedeu o autor, em 02/04 2008, à transferência da quantia de €45.710.07 (quarenta e sete mil setecentos e dez euros e sete cêntimos) da sua conta na C.C.A.M. do Algarve, balcão da ..., para uma outra conta de que também é titular no Banco ..., balcão de Portimão.</font>
</p><p><font>7. O autor e a ré conheceram-se há cerca de vinte anos atrás quando o autor trabalhava como distribuidor da cerveja Sagres.</font>
</p><p><font>8. Autor e ré chegaram viver maritalmente, partilhando cama e mesa.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>4. - Mérito do recurso. </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> 4. 1. - Defende o Recorrente que houve um enriquecimento da Ré que “careceu de causa justificativa, dado que não foi provado qualquer relação ou facto que, de acordo com as regras ou os princípios do nosso sistema jurídico, justificasse a deslocação patrimonial ocorrida, isto é, que legitimasse o enriquecimento da Ré (…) à custa do empobrecimento do Autor”, pelo que devem ser restituídas as quantias transferidas ao abrigo do instituto jurídico do enriquecimento sem causa.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> E assim o entendeu a 1ª Instância, confrontada com a “ausência de norma legal em que se funde o direito do autor”, após afastamento, por improvados, dos invocados contratos de mútuo (pelo Autor) e de doação (pela Ré). </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> A Relação, porém, entendeu e decidiu que a falta de causa do enriquecimento é pressuposto positivo do direito à restituição com fundamento naquele instituto, que não se basta com a ausência de prova da causa do direito em concreto invocado e, na falta dele, julgou improcedente a acção.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> Adiante-se que com razão.</font>
</p><p>
</p><p><font>4. 2. - A causa de pedir nesta acção não é o enriquecimento sem causa, mas os alegados contratos que as Partes teriam celebrado mediante os quais o Autor teria emprestado à Ré diversas quantias, contratos feridos de nulidade por vício de forma.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>E não se vê que tenha ocorrido qualquer alteração da causa de pedir em termos de a factualidade alegada passar a integrar o quadro jurídico do enriquecimento sem causa (art. 272º CPC). </font>
</p><p><font>Com efeito, à alegação da Ré, na contestação, negando os empréstimos e afirmando a existência de outras tantas doações, não foi apresentada resposta alguma.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>A causa invocada para a entrega das quantias pedidas foi e continuou a ser o empréstimo não oportunamente reembolsado, a título de restituição, como efeito do mútuo nulo.</font>
</p><p><font>4. 3. - Insiste o Recorrente que devem ser-lhe restituídas as quantias entregues à Ré, por não se ter provado relação que as justificasse – art. 473º-2 C. Civil. </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Como resulta do princípio consagrado no art. 473º-1 C. Civil, na base do instituto do enriquecimento sem causa está uma deslocação patrimonial através da qual o património de uma pessoa beneficia de uma vantagem económica à custa de outra, independentemente da origem do acto de que procede essa vantagem. Juridicamente, uma tal vantagem, pode consistir, entre outras situações, na constituição de um direito subjectivo, na manutenção de um direito que, sem o enriquecimento se extinguiria, na modificação qualitativa ou quantitativa dum direito, na não constituição, extinção ou alteração dum débito (vd. MENEZES CORDEIRO, “</font><i><font>Direito das Obrigações</font></i><font>”, 2º, 53; ac. STJ, 8/7/97, </font><i><font>CJ/STJ</font></i><font>, V--II-145). </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Tendo a obrigação de restituir a sua origem no facto jurídico do enriquecimento, pressupõe, aquela, que este careça de causa justificativa. </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>A lei não oferece uma noção de causa do enriquecimento, quedando--se pela indicação exemplificativa de casos em que o pressuposto da obrigação se verifica, aludindo a que </font><i><font>tem de modo especial por objecto </font></i><font>o que for recebido por virtude de uma causa que deixou de existir ou em vista de um efeito que não se produziu (n.º 2 do art. 473º).</font>
</p><p><font>Discorrendo sobre o ponto, escrevem P. DE LIMA e A.VARELA (“</font><i><font>C. Civil, Anotado</font></i><font>, I, 4ª ed., 454 e ss.), que “quando o enriquecimento criado está de harmonia com a ordenação jurídica dos bens aceita pelo sistema, pode asseverar-se que a deslocação patrimonial tem causa justificativa; se, pelo contrário, por força dessa ordenação positiva, ele houver de pertencer a outrem, o enriquecimento carece de causa”, indicando como um dos vários exemplos de enriquecimento uma diminuição do passivo devido ao cumprimento efectuado por terceiro, na errónea convicção e estar obrigado a efectuá-lo ou o inquilino que paga antecipadamente uma renda e o arrendamento caduca antes de iniciado o período a que ela se reporta.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>O enriquecimento não terá causa quando, segundo a lei, não devia pertencer àquele que dele beneficia, mas a outrem, sendo necessário averiguar, por interpretação ou integração da lei, se esta o quer radicar no beneficiado ou não, sendo que na primeira hipótese não ocorre o pressuposto falta de causa. Operando-se a deslocação patrimonial mediante uma prestação, a causa há-de ser a relação jurídica que essa prestação visa satisfazer, donde que se esse fim falta, as obrigações resultantes do negócio ficam sem causa (LEITE CAMPOS, “</font><i><font>A Subsidiariedade da Obrigação de Restituir o Enriquecimento</font></i><font>”, 317 e 412).</font><i><font> </font></i>
</p><p><font>4. 4. - O enriquecimento sem causa, como previsto no art. 473º e ss. do C. Civil é fonte autónoma de obrigações, sendo que a causa da deslocação patrimonial só releva na ausência de relação obrigacional, negocial ou legal e, designadamente, tratando-se de prestação sem qualquer finalidade típica tutelada.</font>
</p><p><font>Por isso, a pretensão de enriquecimento é sempre subsidiária (ou residual), de sorte que só é possível se não existir meio alternativo para ressarcimento dos prejuízos (declaração de nulidade ou de anulação de negócio, por ex.).</font>
</p><p><font>Sendo, ele mesmo, fonte autónoma de obrigações, embora subsidiária, a falta de causa da atribuição ou vantagem patrimonial que integra o enriquecimento terá de ser alegada e demonstrada por quem invoca o direito à restituição dela decorrente, em conformidade com as exigências das regras gerais sobre os ónus de alegação e prova – art. 342º C. Civil. A mera falta de prova da existência de causa da atribuição não é suficiente para fundamentar a restituição do indevidamente pago, sendo necessário provar que efectivamente a causa falta (cfr. A. VARELA, </font><i><font>ob. cit.</font></i><font>, 503; acs. STJ, de 24/4/85, </font><i><font>BMJ</font></i><font> 346º-254; de 22/6/04, Proc. 1688/04-1, do ora relator; e, de 02-02-2010, proc. 1761/06.97UPRT.S1, também desta Secção).</font>
</p><p><font>Por outro lado, e agora sob o ponto de vista do direito adjectivo, apesar dessa natureza subsidiária da obrigação de restituição fundada no enriquecimento, não podem ser postergadas, em qualquer caso, as normas processuais que regem sobre a iniciativa das partes e os poderes do tribunal, nos termos do art. 264º do CPC (princípio dispositivo), não podendo o tribunal, como regra, afastar-se dos factos alegados e do pedido do autor (art. citado, nº 2 e 664º do mesmo diploma). </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Como já aludido, a factualidade integrante de tal causa de pedir nunca foi articulada, razão por que também não seria possível condenar os RR. com fundamento no instituto subsidiário.</font>
</p><p><font>4. 5. - No caso, o Autor invocou </font><i><font>causa</font></i><font> para as transferências pecuniárias verificadas: - um </font><u><font>contrato</font></u><font> e, com base nele, um direito de restituição, fundado na sua </font><u><font>nulidade</font></u><font>, que não logrou provar.</font>
</p><p><font>Não alega ou invoca, insiste-se, em parte alguma dos articulados, falta dela.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Assim, não pode acompanhar-se o Recorrente na sua pretensão de fazer derivar o direito à restituição da mera demonstração de uma deslocação patrimonial, desconsiderando os demais requisitos legalmente exigidos para a existência da obrigação de restituir, designadamente a prova da falta de causa da deslocação.</font>
</p><p><font>4. 6. - Concluindo, dir-se-á que não concorrem, por nem alegados nem provados, os requisitos da obrigação de restituição por enriquecimento sem causa em que se funda a pretensão do Recorrente.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Assim, como improcedera, por indemonstração dos alegados contratos de mútuo inválidos, o pedido tem também de improceder ao abrigo da invocada obrigação de natureza subsidiária, sua necessária causa de pedir.</font>
</p><p>
</p><p><font>4. 7. - Respondendo à questão enunciada, dir-se-á em síntese conclusiva: </font>
</p><p><font> </font><br>
<font>- A falta de causa da atribuição ou vantagem patrimonial que integra o enriquecimento tem de ser alegada e demonstrada por quem invoca o direito à restituição dela decorrente, em conformidade com as exigências gerais sobre os ónus de alegação e prova;</font><br>
<font> - A mera falta de prova da existência de causa da atribuição não é suficiente para fundamentar a restituição do indevidamente pago, sendo necessário provar que efectivamente a causa falta. </font>
</p><p>
</p><p><font>5. - Decisão.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Pelos fundamentos expostos decide-se:</font>
</p><p><font>- Negar a revista;</font>
</p><p><font>- Confirmar o decidido no acórdão impugnado; e,</font>
</p><p><font>- Condenar o Recorrente nas custas:</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Lisboa, 19 Fevereiro 2013 </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Alves Velho (relator)</font>
</p><p><font>Paulo Sá</font>
</p></font><p><font><font>Garcia Calejo</font></font></p> | [0 0 0 ... 0 1 1] |
RDJ6u4YBgYBz1XKv-Q8S | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><br>
<br>
<b><font>Processo n.º 95/14.0T8BGC.G1.S1</font></b><a><b><u><font>[1]</font></u></b></a>
<p><b><font> </font></b>
</p><p><b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font></b>
</p><p><b><font> </font></b>
</p><p><b><font>I – AA </font></b><font>instaurou acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra </font><b><font>BB, S.A.</font></b><font>, pedindo que a anulação das deliberações sociais tomadas nas Assembleias Gerais Extraordinárias de accionistas da referida sociedade, realizadas nos dia 30/09/2014, pelas 10.30 horas e pelas 15.00 horas.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Para o efeito e, em síntese, referiu que, sendo accionista da sociedade, foi impedida de participar e votar nas referidas assembleias.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>A ré contestou, invocando as excepções de erro na forma do processo, ineptidão da petição inicial, ilegitimidade da autora e impugnando parcialmente os factos articulados na petição.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Procedeu-se à realização de audiência prévia, onde foi proferido despacho saneador e foram julgadas improcedentes as excepções deduzidas.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Procedeu-se a audiência final, após a qual foi proferida sentença, cuja parte decisória reproduzimos na íntegra:</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>“Pelo exposto, julgo a presente acção procedente e, em consequência: </font>
</p><p><font>Declaro nulas [anulo] as deliberações sociais tomadas das Assembleias Gerais Extraordinárias de accionistas da sociedade BB, S. A., realizadas no dia 30 de Agosto de 2014, pelas 10.30 horas, e, no mesmo dia, pelas 15.00 horas. </font>
</p><p><font>Registe e notifique. </font>
</p><p><font>Custas a cargo da ré (artigo 527.º, números 1 e 2, do C. P. Civil).”</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Não se conformando com esta decisão veio a ré dela interpor recurso de apelação, com sucesso, já que a Relação julgou procedente o recurso e, consequentemente, revogou a decisão recorrida, absolvendo a ré do pedido.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>De tal acórdão veio a A. interpor recurso de revista, recurso que foi admitido.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>A recorrente apresentou as suas alegações, formulando, em síntese, as seguintes conclusões:</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>1.ª A Autora não se conforma com a douta decisão proferida em 13-09-2018 pelo Ilustre Tribunal da Relação de Guimarães que, julgou procedente a apelação, revogou a decisão recorrida e absolveu a Ré do pedido, considerando, salvo o muito devido respeito, que a factualidade provada nos autos e o direito vigente aplicável impunham a improcedência da apelação e a manutenção da decisão proferida na primeira instância, que declarou "...nulas [anulo] as deliberações sociais tomadas das Assembleias Gerais Extraordinárias de accionistas da sociedade BB, S. A., realizadas no dia 30 de Agosto de 2014, pelas 10.30 horas, e, no mesmo dia, pelas 15.00 horas". </font>
</p><p><font>2.ª O Ilustre Tribunal a quo ao facto alterou a matéria de facto dada como provada na sentença proferida na primeira instância, tendo determinado que o ponto 14 dos factos provados passasse a ter a seguinte redação:</font>
</p><p><font>"14º. No dia 30/08/2014 a autora era portadora de 10 500 (dez mil e quinhentas) acções ao portador da BB, S. A., no valor unitário de € 5, 00 (cinco euros), o que perfaz o valor de € 52 500, 00 (cinquenta e dois mil e quinhentos euros), a que corresponde uma percentagem de participação no capital de 52,5% (cinquenta e dois vírgula cinquenta por cento)."</font>
</p><p><font>3.ª Não obstante, considera-se que, da conjugação deste e dos factos dados como provados sob os nºs 15 e 21, resulta inequívoco que, na data das duas assembleias gerais realizadas (em 30-08-2014/cfr. factos dados como provados de 18º a 32º) a Autora era, pelo menos, portadora dos títulos originais das 10.500 ações ao portador em causa, que exibiu através do seu mandatário, tendo invocado tal facto como forma de ser admitida a participar nas mesmas enquanto acionista, por ser proprietária das mesmas, </font>
</p><p><font>4.ª Tal circunstância implica necessariamente que a Autora exerceu o respetivo poder de facto sobre as mesmas, o que presume a sua posse nos termos do artº 1252º, nº 2, do Código Civil. </font>
</p><p><font>5.ª Ao ser portadora de tais ações e invocado a respetiva posse e propriedade, a Autora manifestou-se e atuou de forma correspondente ao exercício de tais direitos, o que lhe confere a posse dessas ações, nos termos do artº 1251º, CC, tendo praticado atos materiais correspondentes ao exercício do direito, de forma reiterada e com publicidade, nos termos do art 1263º, aI. a), do CC, posse essa que se mantém enquanto durar a atuação correspondente ao exercício do direito, nos termos do art.1257º n.º 1 do CC. </font>
</p><p><font>6.ª A existência de tal posse a favor da Aurora decorre também do disposto no artº 1253º, nº 1, al, a), à contrário, CC, que determina que são havidos como simples detentores ou possuidores precários os que exercem o poder sem intenção de agir como beneficiários do direito, o que, manifestamente, não é o caso da Autora, que invocou e pretendeu exercer os seus direitos de posse e de propriedade sobre as ações. </font>
</p><p><font>7.ª Tendo exercido o poder de facto sobre tais ações e, por via disso, presumindo-se a respetiva posse, que efetivamente tinha, a Autora goza também da presunção da titularidade do respetivo direito de propriedade sobre tais ações, nos termos do artº 1268º nº 1 do CC. </font>
</p><p><font>8.ª Acresce que, na resposta à contestação apresentada em 7-11-2015, a Autora INVOCOU no respetivo artº 35º que "A verdade é que as 9.940 ações que foram da titularidade da D. CC foram transmitidas, ainda em vida daquela e com o acordo do seu marido, DD, que transmitiu 560 ações da sua titularidade, a favor da Autora.” </font>
</p><p><font>9.ª Estando em causa ações ao portador (cfr. facto provado sob o nº 14° e Livro de Registo de Ações junto aos autos/cfr. douto acórdão a fls. 28), os requisitos para a respetiva transmissão e exercício de direitos encontravam-se previstos no Código dos Valores Mobiliários, cujo artº 101º, n.º 1, estabelecia que "1 – Os valores mobiliários titulados ao portador transmitem-se por entrega do título ao adquirente ou ao depositário por ele indicado", e nos termos do respetivo artº 104º, nº 1, "O exercício de direitos inerentes aos valores mobiliários titulados ao portador depende da posse do título ou de certificado passado pelo depositário, nos termos do n.º 2 do artigo 780” (preceitos entretanto revogados pela Lei n.º 15/2017, de 03/05, mas em vigor à data dos factos). </font>
</p><p><font>10.ª Por sua vez, nos termos do disposto no artº 1263º, aI. b), CC, a posse adquire-se pela tradição material ou simbólica da coisa, efetuada pelo seu possuidor, e o artº 408º, nº 1, CC, determina que a constituição ou transferência de direitos reais sobre coisa determinada opera por mero efeito do contrato.</font>
</p><p><font>11.ª O que ocorreu com a Autora, que não pode deixar de considerar-se, também por esta razão, legítima possuidora e proprietária das ações, por ser legítima transmissária das mesmas, e que, por isso, tinha legitimidade para exercer o seu direito de acionista nas aludidas assembleias gerais. </font>
</p><p><font>12.ª. De qualquer forma, beneficiando a Autora das presunções legais da existência dos seus direitos de posse e da propriedade sobre aquelas 10.500 ações ao portador (nos termos dos artºs 1252º, nº 2 e 1268º, nº 1, CC), aproveita-lhe o disposto no artº 350º, nº 1, CC (por dispensada de provar o facto a que elas conduzem), donde decorre que a prova em contrário da existência daqueles direitos incumbia à Ré, nos termos do nº 2 do artº 350º e 344º, nº 1, CC, que não logrou cumpri-lo. </font>
</p><p><font>13.ª. Neste sentido, acresce, tendo em conta que a Autora era portadora das ações e invocou a sua qualidade de respetiva possuidora e proprietária, considera-se que invocou e provou os factos constitutivos necessários do seu direito, pelo que a pretensa ilegitimidade no porte e posse das ações constituiriam sempre factos impeditivos, modificativos ou extintivos de tal direito, cuja prova incumbiria à Ré nos termos do nº 2 do artº 342º, CC. </font>
</p><p><font>14ª. Tendo em conta também o invocado no artº 35º da resposta à contestação apresentada em 7-11-2015 (cfr. conclusão 8ª), também não se pode concordar com o douto acórdão quando, a fls 28, expressou que "No livro de registo de acções, cuja cópia se mostra junta aos autos, consta que a mesma era titular das acções ao portador nos 9941 a 19880. Ora, são exactamente estes títulos (e não só) que surgem nas mãos da autora sem que esta alegue. nem o negócio translativo da propriedade dos mesmos por parte de CC para si ou de outrem (que as tenha adquirido daquela) para si, nem quem lhas entregou, sendo que também não alegou factos dos quais pudesse resultar que se encontra de boa fé.”</font>
</p><p><font>15.ª O douto acórdão considerou ainda a fls. 29 que (sublinhado nosso) "Por outro lado, o contrato de sociedade em apreço impôs, nos termos do art. 328º do CSC, limitações à livre transmissibilidade das acções na medida em que estipulou, </font><u><font>no art.º 7º, um direito de preferência</font></u><font> a favor dos accionista no caso de alienação a título oneroso ou gratuito de </font><u><font>acções nominativas</font></u><font> e previu no art.º 10º que os accionistas com direito de voto na assembleia geral são os que têm as suas acções averbadas ou depositadas numa instituição de crédito ou registadas nos termos legais até 10 dias antes da mesma."</font>
</p><p><font>16.ª. Ocorre que do Livro de registo de ações junto aos autos (mencionado a fls. 28 do "douto acórdão) resulta que as ações da Ré foram todas emitidas ao portador e do facto dado como provado sob o n.º 14 resulta que a Autora era portadora de ações ao portador, pelo que, verifica-se, estão sempre em causa ações ao portador. </font>
</p><p><font>17.ª. Inexiste por isso qualquer limitação à respetiva transmissão de tais ações, uma vez que as restrições previstas no artº 328º, n.ºs 1 e 2, als. a), b) e c), do Código das Sociedades Comerciais e do invocado número 1 do Artigo Sétimo do Pacto Social da Ré são previstas exclusivamente para as ações nominativas </font>
</p><p><font>18.ª No que diz respeito à referida alusão ao disposto no artigo Décimo do Pacto Social, afigura-se evidente que tal referência só poderá ter por objeto as ações de natureza nominativa, por só estas permitirem conhecer a todo o tempo a identidade dos respetivos titulares, nos termos previstos no n.º 1, do artº 52º, do Código dos Valores Mobiliários, entretanto revogado pela Lei n° 15/2017.</font>
</p><p><font>19.ª Desta forma, tendo a Autora provado e presumindo-se a sua qualidade de legitima detentora, possuidora, proprietária das ações (e, por isso, acionista da Ré), e na ausência de prova em contrário por parte da Ré (que lhe incumbia), era legítima a sua presença nas Assembleias Gerais Extraordinárias de acionistas da Ré, realizadas no dia 30 de Agosto de 2014, a primeira pelas 10.30 horas e a segunda pelas 15.00 horas, donde decorre que deverão considerar-se anuladas as respetivas deliberações sociais aí tomadas. </font>
</p><p><font>20.ª. Revogando-se o douto acórdão em recurso, o qual, salvo devido respeito, traduz violação dos preceitos legais sucessivamente invocados, e mantendo-se com isso a douta sentença proferida na primeira instância. </font>
</p><p><font> Pede que se julgue o recurso procedente, com revogação do acórdão recorrido.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Houve resposta, onde se defendeu a bondade da decisão nestes termos:</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>1. Antes de entrar na análise das divergências entre a posição defendida no Acórdão recorrido e a posição da Autora, a Ré entende ser pertinente salientar que, estando em causa uma acção de anulação de deliberações sociais, a procedência da acção tem como pressuposto essencial - sine quo non – a prova da qualidade de accionista da demandante (Autora), uma vez que essa qualidade (de accionista) é facto constitutivo do direito que aquela invoca, de participar e votar nas Assembleias Gerais da sociedade Ré. Ora, a verdade é que, nos presentes autos esse facto essencial – a qualidade de accionista da demandante (Autora) – não foi provado. Pelo que, independentemente da tese que se defenda relativamente ao ónus da prova, a presente acção nunca poderia ser julgada procedente. </font>
</p><p><font>2. A acção de anulação de deliberações sociais proposta pela Autora contra a Ré configura uma acção declarativa constitutiva, através da qual a Autora pretende obter a anulação de deliberações sociais que são, na sua tese, contrárias à lei, pelo que tem aplicação a regra geral do artigo 342.º n.º 1 do Código Civil, segundo a qual cabe àquele que invoca um direito, fazer prova dos factos constitutivos do direito alegado. </font>
</p><p><font>3. A Autora invoca o direito de participação e voto nas Assembleias Gerais da Ré, direito este que apenas existe na esfera jurídica de quem é accionista da sociedade. Donde se conclui que a qualidade de accionista é um facto constitutivo do direito de participar e votar nas Assembleias Gerais da sociedade Ré, sem o qual tal direito não se verifica na esfera jurídica de quem o invoca, pelo que o ónus da prova da qualidade de accionista cabe a quem alega ter o direito de participação e voto em determinada Assembleia Geral, uma vez que só comprovará este direito (de participação e voto) se, previamente, comprovar ter a qualidade sine quo non para o invocar. </font>
</p><p><font>4. É também isto que resulta das disposições legais constantes da lei especial (Código das Sociedades Comerciais) com respeito à anulação das deliberações sociais (artigo 595º, n.º 1 do Código das Sociedades Comerciais: #IA anulabilidade pode ser arguida pelo órgão de fiscalização ou por qualquer sócio que não tenha votado no sentido que fez vencimento nem posteriormente tenha aprovado a deliberação, expressa ou tacitamente."), as quais limitam, de forma clara, a legitimidade para a arguição da anulabilidade das deliberações sociais, estipulando que tal vício só pode ser arguido por quem for sócio/accionista, o que significa que tal qualidade é, também, pressuposto da instauração da presente acção, incumbindo ao demandante (neste caso, a Autora) o ónus de alegação e prova de que é accionista da sociedade cujas deliberações pretende colocar em causa, comprovando, desta forma a sua legitimidade activa para a propositura da acção. </font>
</p><p><font>Face ao exposto, </font>
</p><p><font>5. É indiscutível que a presente acção nunca poderia proceder sem a prova da qualidade de accionista da Autora. </font>
</p><p><font>6. Nada ficou provado relativamente à alegada qualidade de accionista da Autora. Em parte alguma da matéria de facto dada como provada se refere que a Autora é accionista da sociedade Ré, titular das acções representativas do capital social desta ou que tenha qualquer tipo de relação contratual com a Ré ou com os accionistas desta. </font>
</p><p><font>7. A matéria de facto é muito clara a este respeito, referindo a Autora como alguém que, </font>
</p><p><font>" no dia 30.08.2014, tinha na sua mão 10.500 acções ao portador da BB - ..., SA (...)" (cfr. ponto 14 da matéria de facto dada como provada). </font>
</p><p><font>8. Não tendo tal prova (da qualidade de accionista) sido feita, não se verifica o facto constitutivo do direito que a Autora invoca, o facto sem o qual o direito invocado não existe, razão pela qual bem andou o Tribunal da Relação de Guimarães ao decidir como decidiu, julgando a acção improcedente. </font>
</p><p><font>Sem prescindir, por mera cautela, caso se entenda que não cabia à Autora o ónus de alegação e prova da qualidade de accionista da sociedade Ré, o que apenas se admite por dever de patrocínio, cumpre dizer o seguinte: </font>
</p><p><font>9. A Autora apresenta uma visão incompleta da actividade probatória realizada nos autos, fazendo tabua rasa de factos alegados e provados pela Ré, que comprovam o contrário do facto que a Autora pretende presumido e referindo-se a alegações que constam da petição inicial como se se tratasse de factos assentes quando tais factos não foram provados e não constam, naturalmente, da factualidade a ter em conta na decisão de mérito. </font>
</p><p><font>10. Ao contrário do que a Autora pretende fazer crer nas suas alegações. a existir uma presunção de titularidade a seu favor, tal presunção foi ilidida pela Ré (que comprovou documentalmente quem são os accionistas da BB, SA, dentre os quais não se inclui a Autora) e perante esta contestação, a Autora não rebateu a prova do contrário do facto presumido. </font>
</p><p><font>11. Com efeito, como consta dos Pontos 7 e 8 da matéria de facto dada como provada, a Ré provou que as acções de que a Autora diz ser titular foram vendidas por CC às suas filhas, sendo estas últimas e DD os accionistas da BB, SA. </font>
</p><p><font>12. Perante a prova deste facto – contrário ao facto presumido (a titularidade das acções por parte da Autora) – cumpria à Autora, parte favorecida com a presunção legal, o ónus de rebater a prova do facto contrário ao que resulta da presunção, o que manifestamente não fez.</font>
</p><p><font>13. Ao contrário do que a Autora pretende, a qualidade de accionista não se basta com a mera detenção das acções ao portador. A doutrina e jurisprudência são unânimes no que respeita ao regime jurídico da transmissão das anteriormente existentes acções ao portador, entendendo que a transmissão de tais acções só ficava perfeita com a entrega dos títulos, sendo certo que tal acto de entrega, só por si, não bastava para operar a transmissão, uma vez que para tal – para a transmissão – era necessário que tal entrega fosse sustentada por um título válido, um negócio jurídico. o negócio causal subjacente. É esta a posição da doutrina mais autorizada, de acordo com a qual a propriedade sobre as acções – independentemente da sua forma de representação ou da modalidade que revestem – não se transmite por mero efeito do contrato e também não se dá apenas e tão só por efeito do modo, só se efectuando por força do contrato e do modo. </font>
</p><p><font>14. Assim sendo, mesmo que se aceite que a Autora beneficiava de uma presunção de titularidade das acções, a verdade é que tal presunção foi ilidida pela Ré, não tendo a Autora logrado rebater os factos que a Ré provou e que contrariam a presumida titularidade, razão pela qual, também por esta via, a acção teria sempre que improceder.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir. </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font>II – Fundamentação</font></b>
</p><p><b><font> </font></b>
</p><p><font>A) De Facto</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Foi fixada a seguinte matéria de facto, após alteração pela Relação:</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font>Factos Provados </font></b>
</p><p><font> </font>
</p><p><i><font>1. A ré é uma sociedade anónima constituída por escritura pública celebrada em 04/05/2000. </font></i>
</p><p><i><font>2. O artigo terceiro da escritura referida em 1 tem o seguinte teor: </font></i>
</p><p><i><font>“A sociedade tem como objecto principal a compra e venda de imóveis e revenda dos adquiridos para esse fim e por actividade acessória a administração e gestão de bens imóveis”. </font></i>
</p><p><i><font>3. O artigo quarto da escritura referida em 1 tem o seguinte teor: </font></i>
</p><p><i><font>“O capital social, integralmente subscrito e realizado, é de cem mil euros (equivalente a vinte milhões, quarenta e oito mil e duzentos escudos) representado por dividido em vinte mil acções, com o valor nominal de cinco euros cada uma, assim distribuídas:</font></i>
</p><p><i><font>“NOVE MIL, NOVECENTOS E QUARENTA ACÇÕES pertencentes a cada um dos accionistas DD e CC …” (23.º) </font></i>
</p><p><i><font>QUARENTA AÇÕES pertencentes a cada uma das accionistas EE, FF e HH…” (24.º) </font></i>
</p><p><i><font>4. O artigo quinto da escritura referida em 1 tem o seguinte teor: </font></i>
</p><p><i><font>“1. As acções serão nominativas e, ou, ao portador, reciprocamente convertíveis à vontade do accionista, após aprovação por maioria de quatro quintos do capital social, em Assembleia Geral expressamente convocada para o efeito, ficando a cargo do interessado as despesas de conversão. Neste caso deixará de ser aplicado o disposto no artigo sétimo destes estatutos. </font></i>
</p><p><i><font>2. Haverá títulos de uma, cinco, dez, cinquenta, cem, quinhentas e mil acções. </font></i>
</p><p><i><font>3. Os títulos representativos das acções serão autenticados com o carimbo da sociedade e assinados por dois administradores.” </font></i>
</p><p><i><font>5. O artigo sétimo da escritura referida em 1 tem o seguinte teor: </font></i>
</p><p><i><font>“1. Os accionistas terão direito de preferência no caso de qualquer alienação a título oneroso ou gratuito de acções nominativas, sendo livre a sua cedência entre accionistas. </font></i>
</p><p><i><font>2. O accionista que pretender ceder a terceiro as suas acções nominativas deverá comunicar tal intenção ao conselho de administração, fazendo constar da comunicação os elementos essenciais do negócio projectado, bem como a identidade do eventual adquirente. </font></i>
</p><p><i><font>3. O conselho de administração, no prazo de cinco dias úteis notificará os demais accionistas constantes do livro de registo de acções para, querendo, manifestarem a intenção de adquirir as acções, informando-os igualmente dos prazos e condições regulamentares do respectivo processo de alienação.” </font></i>
</p><p><i><font>6. O artigo décimo da escritura referida em 1 tem o seguinte teor: </font></i>
</p><p><i><font>“1. A assembleia geral é constituída pelos accionistas com direito a voto, que tenham as suas acções averbadas ou depositadas numa instituição de crédito ou registadas nos termos legais, até dez dias antes da assembleia. </font></i>
</p><p><i><font>2. A cada grupo de cem acções corresponde um voto. </font></i>
</p><p><i><font>(…) </font></i>
</p><p><i><font>4. Os accionistas que não possam comparecer à assembleia, poderão fazer-se representar por outro accionista ou membro dos corpos sociais, mediante carta dirigida ao presidente da mesa, entregue na sede da sociedade até ao dia anterior à assembleia, na qual será indicado o accionista representante.” </font></i>
</p><p><i><font>7. Em 07/09/2012, subscrito pelos intervenientes, foi outorgado documento particular com o seguinte teor: </font></i>
</p><p><i><font>“CONTRATO DE CESSÃO DE ACÇÕES </font></i>
</p><p><i><font>PRIMEIRO – II, natural da freguesia da..., na qualidade de procurador de CC, natural da freguesia de ... (Sé), concelho de ..., casada com DD sob o regime da comunhão geral de bens, residente na ..., NIF. ...; </font></i>
</p><p><i><font>SEGUNDA – EE, divorciada, natural da freguesia de ... (Sé), concelho de ..., residente na Rua ..., NIF. ...; </font></i>
</p><p><i><font>TERCEIRA – FF, divorciada, natural da freguesia de ... (Sé), concelho de ..., residente na Rua ..., NIP. ...; </font></i>
</p><p><i><font>QUARTA – HH, natural da freguesia de ... (Sé), concelho de ..., casada com ... sob o regime da comunhão de adquiridos, residente na Rua ..., concelho de ..., NIF. ...; </font></i>
</p><p><i><font>A representada do primeiro e seu cônjuge, segunda, terceira e quarta são accionistas da sociedade anónima "BB, S.A.", com sede na Rua ..., matriculada na Conservatória do Registo Comercial de ..., sob o número único de matrícula e de identificação fiscal ..., com o capital social de cem mil euros, que é representado por vinte mil acções, ao portador, com o valor nominal de cinco euros cada uma, assim distribuídas: </font></i>
</p><p><i><font>– CC – nove mil novecentas e quarenta acções; </font></i>
</p><p><i><font>– DD – nove mil novecentas e quarenta acções; </font></i>
</p><p><i><font>– EE – quarenta acções; - </font></i>
</p><p><i><font>– FF – quarenta acções; e </font></i>
</p><p><i><font>– HH – quarenta acções. </font></i>
</p><p><i><font>O primeiro, na sua indicada qualidade e pelo presente contrato, cede à segunda, terceira e quarta as acções de que a sua representada é titular na referida sociedade nas seguintes proporções: </font></i>
</p><p><i><font>– Três mil trezentas e catorze acções a EE, pelo preço de cinco euros; </font></i>
</p><p><i><font>– Três mil trezentas e treze acções a FF, pelo preço de cinco euros; </font></i>
</p><p><i><font>– Três mil trezentas e treze acções a HH, pelo preço de cinco euros; </font></i>
</p><p><i><font>E pelo primeiro, na sua invocada qualidade, foi dito, que a sua representada já recebeu o preço das cessões, pelo que dá a respectiva quitação. </font></i>
</p><p><i><font>A segunda, terceira e quarta declaram que aceitam o presente contrato nos termos exarados.” </font></i>
</p><p><i><font>8. Foi lavrado e subscrito pelos presentes o seguinte </font></i>
</p><p><i><font>“Termo de Autenticação </font></i>
</p><p><i><font>No dia sete de Setembro do ano dois mil e doze, perante mim, Licenciado ..., Notário do Cartório Notarial, sito na ..., compareceram como outorgantes: </font></i>
</p><p><i><font>PRIMEIRO – II, [...]; que outorga na qualidade de procurador de CC , natural da freguesia de ..., concelho de ...., casada com DD sob o regime da comunhão geral de bens, residente na Rua [...], com poderes para o acto, conforme verifiquei por Procuração outorgada em 28 de Agosto de 2012 no Cartório Notarial sito em ... a cargo do notário ...; </font></i>
</p><p><i><font>SEGUNDA – EE, [...]; </font></i>
</p><p><i><font>TERCEIRA – FF, [...]; </font></i>
</p><p><i><font>QUARTA – HH, natural da freguesia de ..., concelho de ..., casada com ... sob o regime da comunhão de adquiridos, residente na Rua ...; </font></i>
</p><p><i><font>Verifiquei: </font></i>
</p><p><i><font>– a) a identidade dos outorgantes, as da segunda e terceira pela exibição dos seus Bilhetes de Identidade números ..., e ..., e a dos restantes pela exibição dos seus Cartões de Cidadão números ..., válido até 13/04/2016, ..., válido até 27/01/2017, ambos emitidos pelo competente serviço emissor da República Portuguesa; e </font></i>
</p><p><i><font>– b) a matrícula, o capital social e o número de identificação fiscal da sociedade "BB S.A.", por consulta efectuada hoje, da certidão comercial permanente, através do site </font></i><i><font>www.portaldaemprcsa.pt</font></i><i><font>, com o código de acesso .... </font></i>
</p><p><i><font>E PELOS PRIMEIRO, NA SUA INDICADA QUALIDADE, SEGUNDA, TERCEIRA E QUARTA OUTORGANTES foi dito: </font></i>
</p><p><i><font>Que, leram o documento que antecede, que é um Contrato, e que o mesmo, tal como está redigido, exprime a vontade de todos. </font></i>
</p><p><i><font>Este instrumento foi lido e explicado o seu conteúdo aos outorgantes tudo em voz alta e na presença simultânea de todos.” </font></i>
</p><p><i><font>9. A sociedade obriga-se actualmente com a assinatura de um administrador único, cargo desempenhado actualmente por EE, NIF ..., ..., residente em Rua .... </font></i>
</p><p><i><font>10. Desempenha actualmente, o cargo de Presidente da Mesa da Assembleia Geral, FF, N1F ..., residente na .... </font></i>
</p><p><i><font>11. Por convocatória datada de Junho de 2014 a Senhora Presidente da Mesa convocou os accionistas da sociedade BB, S. A. para uma assembleia geral extraordinária, a ocorrer no dia 30/08/2014, 10.30 horas, no lugar na respectiva sede, com a seguinte ordem de trabalhos: “7. Análise da situação relativa a auditoria e certificação legal das contas da sociedade nos anos de 2004 a 2013; 8. Medidas a tomar". </font></i>
</p><p><i><font>12. Por convocatória datada de Junho de 2014 a Senhora Presidente da Mesa convocou os accionistas da sociedade BB, S.A. para uma assembleia geral extraordinária, a ter na respectiva sede, no dia 30/08/2014, pelas 15:00 horas, com a seguinte ordem de trabalhos: "1. Apreciação discussão e votação do Relatório e Contas dos exercícios de 2004. 2005, 2006, 2007, 2008, 2009, 2010, 2011, 2012 e 2013; 2. Apreciação e votação da proposta de aplicação de resultados aos exercícios supra referidos; 3. Apreciação da administração e fiscalização da sociedade em relação aos exercícios referidos no ponto 1; 4. Eleição dos órgãos sociais para os mandatos dos anos referidos no ponto 1.” </font></i>
</p><p><i><font>13. A autora não foi convocada para as assembleias gerais extraordinárias referidas em 11. e 12.</font></i>
</p><p><i><font>14. No dia 30/08/2014 a autora tinha na sua mão 10.500 (dez mil e quinhentas) acções ao portador da BB, S.A., no valor unitário de € 5,00 (cinco euros), o que perfaz o valor de € 52.500,00 (cinquenta e dois mil e quinhentos euros), a que corresponde uma percentagem de participação no capital de 52,5% (cinquenta e dois vírgula cinquenta por cento).</font></i>
</p><p><i><font>15. Sendo tais acções identificadas sob os números 7001 a 8000; 9001 a 10000; 10001 a 11000; 11001 a 12000; 120001 a 13000; 13001 a 14000; 14001 a 15000; 15001 a 16000; 16001 a 17000; 17001 a 18000 e 18001 a 18500. </font></i>
</p><p><i><font>16. Para efeitos de representação nessas mesmas assembleias gerais, a autora constituiu seu representante o Sr. Dr. GG a quem outorgou a respectiva "Carta de Representação/Mandadeira em Assembleias Gerais a realizar no dia 30 de Agosto de 2014, uma pelas 10:30 horas e outra pelas 15:00 horas". </font></i>
</p><p><i><font>17. Por via de tal carta de representação a autora conferiu-lhe "...todos os mais amplos poderes necessários para a representar nas ditas Assembleias, designadamente para, em seu nome, discutir, propor e votar quanto entender, no sentido que se lhe afigurar por mais conveniente". </font></i>
</p><p><i><font>18. No dia 30/08/2014, peias 10.30 horas, o ora mandatário subscritor compareceu no local da respectiva sede, na Rua ..., para, em nome da sua representada, participar e votar nas deliberações a tomar e constantes da ordem de trabalhos, nos termos constantes da carta de representação. </font></i>
</p><p><i><font>19. Na Assembleia Geral estavam presentes, a Senhora Presidente da Mesa da Assembleia Geral, D. FF; o Senhor Secretário da Assembleia Geral, Sr. JJ; o Sr. Dr. LL, Ilustre advogado, em funções de assessoria jurídica à Senhora Presidente da Mesa; o Sr. Dr. , Revisor Oficial de Contas e Fiscal único da sociedade e o Sr. ..., Oficial de Contas da sociedade. </font></i>
</p><p><i><font>20. A assembleia geral iniciou-se pelas 10,30 horas. Pelas 11,10 horas, o Sr. Dr. GG entregou à Senhora Presidente da Mesa da Assembleia Geral o original da carta de representação, acompanhada de respectiva cópia do cartão de cidadão da Autora, e cópia dos títulos representativos das 10.500 (dez mil e quinhentas) acções ao portador, o que fez invocando a qualidade de representante da mesma e nos termos e para os efeitos constantes daquela carta mandadeira </font></i>
</p><p><i><font>21. O mandatário era possuidor dos títulos originais representativos daquelas 10.500 que exibiu, pelo que as respectivas cópias foram devidamente conferidas e reconhecidas pela Senhora Presidente da Mesa da A.G., como sendo conformes aos originais. </font></i>
</p><p><i><font>22. Acto contínuo, a Senhora Presidente da Assembleia Geral ditou para a acta, “disse, que não aceita a participação da senhora Dona AA na Assembleia Geral por não lhe reconhecer a qualidade de accionista da sociedade nos termos do art. 10º do Pacto Social uma vez que, a ser verdadeira a transmissão de acções, não cumpriu o disposto no artigo 7º do Pacto Social, seja no que toca ao reconhecimento por parte da Sociedade da transmissão de acções, seja na notificação para exercício do direito de preferência ali previsto, seja por último porque não deu nota à sociedade da transmissão daquelas acções e por isso não consta do respectivo livro de registo de acções. O problema não é pois, do direito de representação invocado pelo Dr. GG ao abrigo do art. 380º do C.S.C., ou seja, não são os poderes de representação que estão em causa, mas a origem da concessão desses poderes, pelo que foi convidado a sair, pelas 11h45m”.</font></i>
</p><p><i><font>23. Em sequência e no âmbito dos seus poderes de representação da autora, o mandatário subscritor ditou para a respectiva Acta o seu requerimento de admissão à assembleia, p | [0 0 0 ... 0 1 0] |
LDJ_u4YBgYBz1XKvsRKE | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font>
<p><font>ACORDAM OS JUÍZES QUE CONSTITUEM O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA</font><a><u><font>[1]</font></u></a><font>: </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> AA, residente na ..., propôs a presente ação popular contra BB e CC, residentes na Rua ..., pedindo que, na sua procedência, seja ordenado aos réus que procedam à imediata desobstrução e desocupação da parcela de domínio público que, atualmente, ocupam, permitindo a utilização pública da referida parcela e limitando a sua atuação, enquanto proprietários ou possuidores, à parcela de terreno adquirida, por compra, aos pais da ré. </font>
</p><p><font>A autora alega, para o efeito, que é dona e legítima possuidora do prédio urbano, sito na Rua ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ..., sob o n.º 2493, encontrando-se no pleno uso dos seus direitos civis. </font>
</p><p><font>Por sua vez, os réus são donos e legítimos possuidores de um prédio rústico, em que se encontra implantada uma edificação não licenciada, descrito na Conservatória do Registo Predial de Matosinhos, sob o n.º 2075. </font>
</p><p><font>Os limites da propriedade da autora ficaram definidos, através do loteamento n.º 358, efetuado em 28 de fevereiro de 1985, nos termos aprovados pela Câmara Municipal de Matosinhos. </font>
</p><p><font>A propriedade atual dos réus resulta de um destaque efetuado, no prédio urbano descrito sob o n.º 55485, Livro 162, atual n.º 2074, sendo que a propriedade destes foi adquirida, por contrato de compra e venda, celebrado entre a ré Maria Helena e os pais desta. </font>
</p><p><font>Conforme consta do loteamento aprovado pelos serviços competentes, existe uma parcela, perfeitamente, definida, destinada a domínio público, que confronta com a propriedade dos réus, com a propriedade de DD e com a propriedade da autora, sendo que parte dessa parcela foi ocupada com a instalação de um posto de transformação da EDP, tendo permanecido por ocupar uma área sobrante da mesma com, aproximadamente, 6 m2. </font>
</p><p><font>Essa parte sobrante, durante alguns anos, foi utilizada para acesso da autora à parte exterior da parede da sua casa, que confronta com ela, o que permitia a realização de qualquer empreitada de manutenção ou reparação que se impusesse, dos pais da ré e do proprietário DD à parte exterior do muro de delimitação da propriedade, e ainda a qualquer pessoa que aí pretendesse aceder. </font>
</p><p><font>Sucede que, ainda antes da aquisição da referida propriedade da ré a seus pais, foi aberto um acesso no muro de delimitação da propriedade, na parte confrontante com o terreno que, após o loteamento, foi destinado a domínio público, no local em que, anteriormente, se encontrava erigido um alpendre construído pelos pais da ré, o que passou a permitir o acesso destes à sua propriedade, pelo referido terreno.</font>
</p><p><font>Também, ainda antes da aquisição da parcela destacada pela ré, durante o ano de 1992, os réus iniciaram uma edificação, no local, em que, anteriormente, se situava o alpendre, tendo, por essa altura, passado a impedir o acesso de terceiros ao terreno destinado a domínio público. Depois da venda da parcela destacada à ré, ocorrida em 31 de outubro de 1996, na sequência de destaque autorizado, em 18 de janeiro de 1996, os réus prosseguiram a edificação da sua residência atual, passando a utilizar como acesso à mesma o referido acesso pelo terreno destinado a domínio público.</font>
</p><p><font>Embora tenha existido um processo de licenciamento da construção supra-referida na propriedade dos réus, a verdade é que, nem mesmo esse projeto incluía ou podia incluir a referida área sobrante destinada a domínio público, antes limitava a ocupação dos réus ao limite da sua propriedade. </font>
</p><p><font>Concretamente, durante o ano de 1992, os réus resolveram construir um muro, na área sobrante da parcela destinada a domínio público, de modo a impedir o acesso do proprietário DD, à parte exterior do muro de sua propriedade, ou de qualquer outra pessoa a tal área. Além disso, na mesma altura, fazendo uso do muro propriedade da autora, instalaram um portão, do qual, apenas, os réus detêm a chave, na confrontação da área destinada a domínio público com a Rua ....</font>
</p><p><font> A instalação deste portão impediu qualquer utilização por terceiros da área destinada a domínio público, tendo os réus passado a utilizar a referida parcela como pátio de acesso à edificação, interiorizando e criando a ilusão de que a área destinada a domínio público faz parte integrante da sua propriedade.</font>
</p><p><font> De modo a alicerçar tal ilusão de domínio, os réus construíram, na referida área de domínio público, uma escada de acesso à sua propriedade, uma vez que existia um desnível entre esta e a área destinada a domínio público, e cimentaram todo o pavimento da referida área, pintando, inclusivamente, de forma homogénea, a sua propriedade, a área destinada a domínio público e a parte exterior da parede da autora, além de terem instalado uma campainha, na parede da autora e portão supra-referido. </font>
</p><p><font>Procedeu-se à citação dos réus e foi cumprido o disposto no artigo 15º, da Lei n.º 83/95, de 31 de agosto. </font>
</p><p><font>Na contestação, os réus defendem-se, por exceção, alegando que a ré adquiriu o direito de propriedade, no estado civil de solteira, e, sendo os réus casados, sob o regime da separação de bens, o prédio é um seu bem próprio, pelo que o réu marido é parte ilegítima, devendo, como tal, ser absolvido da instância. </font>
</p><p><font>Defendem ainda que os factos que a autora carreia para os autos são insuficientes para, admitindo que se venham a provar, se concluir pela usurpação de um bem pertencente ao domínio público, pois que ressumam a interesse particular e privado, razão pela qual inexiste causa de pedir que suporte uma verdadeira ação popular, sendo patente a ineptidão da petição inicial, com a consequente anulação do processo e a absolvição da ré da instância.</font>
</p><p><font>Os réus defendem-se, também, e, por impugnação, referindo que, no ano de 2002, a autora instaurou contra eles a ação ordinária, com o n.º 1117/2002, que correu termos, pelo 5.º Juízo Cível desta comarca, na qual discutia o facto de os réus, ou anteriores proprietários, terem cravado, no seu muro, os chumbadouros que suportam um portão, que foi ali colocado, no ano de 1986, e que fecha do lado oposto, junto do posto de transformação da EDP, implantado no local.</font>
</p><p><font>Na sentença proferida naquele processo declarou-se constituída, a favor do prédio da ré, uma servidão inominada sobre o prédio da autora, que consiste em que o muro do prédio da autora sirva de apoio ao portão dos réus que veda o acesso, a partir da via pública (Rua ...), ao prédio dos réus, sendo esse portão que a autora sustenta, na presente ação, que subtrai uma parcela ao domínio público.</font>
</p><p><font>Porém, continuam os réus, nunca no loteamento, a que alude a autora, se considerou a referida parcela como do domínio público, nunca a autora usou aquela parcela para qualquer dos fins por si referidos, nomeadamente, para permitir o acesso à parte exterior do muro de delimitação da sua propriedade, sendo falso o alegado pela autora, no que respeita à construção pelos réus de um muro que impeça o acesso de quem quer que seja à sua propriedade, quanto à colocação do portão que delimita a propriedade da ré mulher e, também, que os réus tenham ocupado qualquer parcela do domínio público.</font>
</p><p><font>No despacho saneador, decidiu-se que a petição inicial não enferma de ineptidão e que o réu marido é parte legítima.</font>
</p><p><font>A sentença julgou a ação, totalmente, improcedente e, em consequência, absolveu os réus do pedido.</font>
</p><p><font>Desta sentença, a autora interpôs recurso, tendo o Tribunal da Relação julgado a apelação, </font><i><font>“dando provimento ao recurso e, em consequência, revogando a decisão recorrida e determinando que os réus procedam à imediata desobstrução e desocupação da parcela em questão, permitindo a utilização pública da referida parcela e limitando a sua actuação à parcela de terreno adquirida aos pais da ré”</font></i><font>.</font>
</p><p><font>Do acórdão da Relação do Porto, os réus interpuseram agora recurso de revista, para este Supremo Tribunal de Justiça, pedindo que o mesmo seja revogado, confirmando-se a decisão proferida em 1ª instância, concluindo as alegações com a formulação das seguintes conclusões que, integralmente, se transcrevem:</font>
</p><p><font>1ª – O acórdão de que com este se recorre revogou a sentença proferida em primeira instância, e condenou os réus no pedido;</font>
</p><p><font>2ª – Para tanto, a decisão recorrida sustentou-se e fundamentou-se na norma do artigo 44º do DL nº 555/99, de 16 de dezembro;</font>
</p><p><font>3ª – Aquela norma, e aquele diploma, não se aplicam ao loteamento que nos presentes autos se discute; Efetivamente,</font>
</p><p><font>4ª – O referido loteamento foi aprovado por deliberação municipal de 22 de junho de 1983 e o alvará emitido em 28 de fevereiro de 1985;</font>
</p><p><font>5ª – Nestas datas estava em vigor, e regulava a matéria de constituição de loteamentos urbanos o DL nº 289/73 de 6 de junho, que continuou a aplicar-se aos loteamentos autorizados na sua vigência e, mesmo, aos requeridos no período da sua vigência, como resulta do artigo 88º do DL 400/84 de 31 de dezembro, que o revogou;</font>
</p><p><font>6ª – Aquele diploma não previa a integração no domínio público para além das necessárias à implantação dos equipamentos coletivos do loteamento, como é o caso do posto de transmissor;</font>
</p><p><font>7ª – O próprio alvará emitido não impõe a integração no domínio público de quaisquer parcelas de terreno para além das ditas áreas de implantação.</font>
</p><p><font>8ª – Ao aplicar à decisão da questão noma que não existia à data da deliberação de autorização e emissão do alvará, o acórdão agora recorrido violou a norma do artigo 12º do Código Civil; e</font>
</p><p><font>9ª – Porque não considerou para a decisão da causa o regime jurídico consagrado pelo DL nº 289/73 de 6 de junho, e nomeadamente o disposto no seu artigo 19º, a decisão recorrida violou esta norma.</font>
</p><p><font>Nas suas contra-alegações, a autora conclui no sentido de que deve ser mantida a decisão proferida pelo Tribunal da Relação.</font>
</p><p><font>O Tribunal da Relação entendeu que se devem considerar demonstrados os seguintes factos, que este Supremo Tribunal de Justiça aceita, nos termos das disposições combinadas dos artigos 674º, nº 3 e 682º, nº 2, do Código de Processo Civil (CPC), mas reproduz:</font>
</p><p><font>1. Encontra-se descrito, na CRP de Matosinhos, sob o n.º ..., da freguesia da Senhora da Hora, o prédio urbano, sito na Rua ..., inscrito na matriz predial urbana, sob o n.º 5284.</font>
</p><p><font>2. Encontra-se descrito, na CRP de Matosinhos, sob o n.º ..., da freguesia da Senhora da Hora, o prédio rústico, sito na Rua Egas Moniz, com a área de 217 m2, aí inscrito, a favor da ré mulher, por "compra".</font>
</p><p><font>3. O prédio, a que se alude em 2., resultou da desanexação do .... </font>
</p><p><font>4. Mediante escritura pública, outorgada no dia 24 de julho de 1996, EE e mulher, FF, outorgando o marido, por si e na qualidade de procurador de GG e mulher, HH, declararam vender à aqui ré mulher, sua filha, a qual declarou aceitar a venda, "uma parcela de terreno destinada a construção, com a área de duzentos e dezassete metros quadrados, sito na Rua ..., descrita na Conservatória do Registo Predial de Matosinhos sob o número dois mil e setenta e cinco, omissa à respectiva matriz, mas já feita a participação para a sua inscrição em dezoito de Março último ( ... )".</font>
</p><p><font>5. No prédio, a que se alude em 2., encontra-se implantada uma edificação, sem licença de utilização.</font>
</p><p><font>6. O prédio, a que se alude em 2. e 3., encontra-se inscrito, na matriz predial urbana, sob o artigo 4809.</font>
</p><p><font>7. Os limites do prédio, a que se alude em 1., ficaram definidos, através do loteamento n.º 358, efetuado em 28 de fevereiro de 1985, nos termos aprovados pela Câmara Municipal de Matosinhos.</font>
</p><p><font>8. Em 1986, os réus, fazendo uso do muro do prédio, a que se alude em 1., instalaram um portão do qual, apenas, eles detêm a chave, com, aproximadamente, 2 metros de altura por 1 metro de largura.</font>
</p><p><font>9. Os réus instalaram uma campainha, na parede do prédio, a que se alude em 1., junto ao portão, referido em 8.</font>
</p><p><font>10. Teor do documento, denominado "Certidão", com data de 26 de junho de 1996, junto aos autos, por cópia a fls. 47, do qual consta, designadamente: "Mais se certifica que nenhuma decisão foi tomada sobre a matéria em apreço, porque a referida parcela de terreno não pertence ao domínio municipal não competindo, deste modo, à Câmara Municipal provocar qualquer acção judicial.".</font>
</p><p><font>11. Consta do aditamento ao alvará de loteamento, referido em 7., junto a fls. 52, a existência de uma parcela de terreno destinada à instalação de um posto de transformação, a qual confronta com o prédio, a que se alude em 2., com a propriedade de DD, e com o prédio, a que se alude em 1., sendo que do alvará de loteamento, nas "Condições a observar", consta que "! ... ) Serão integrados no domínio público todas as áreas de ( ... ) posto de transformação ( . . .]".</font>
</p><p><font>12. Parte da parcela de terreno, identificada em 11., foi ocupada pela edificação de um posto de transformação da EDP.</font>
</p><p><font>13. Permaneceu por ocupar uma área sobrante da parcela de terreno, identificada em 11., com, aproximadamente, 4,65 m2.</font>
</p><p><font>14. A parte sobrante da área da parcela de terreno, identificada em 11., permitia a realização, na parte exterior da parede da casa, a que se alude em 1., confrontante com a mencionada área, de qualquer empreitada de manutenção ou reparação que se impusesse.</font>
</p><p><font>15. Permitia aos pais da ré e ao proprietário DD o acesso à parte exterior do muro de delimitação das respetivas propriedades, na parte confrontante com a mencionada área.</font>
</p><p><font>16. Permitia o acesso a qualquer pessoa que aí pretendesse aceder.</font>
</p><p><font>17. Em data anterior à da realização da escritura pública, a que se alude em 4., foi efetuada uma abertura no muro de delimitação do prédio, referido em 2., na parte confrontante com a parcela de terreno, identificada em 11.</font>
</p><p><font>18. A abertura foi efetuada, no local em que, anteriormente, se encontrava erigido um alpendre construído pelos pais da ré.</font>
</p><p><font>19. A abertura permitia o acesso dos pais da ré ao prédio, a que se alude em 2., pela parcela de terreno, identificada em 11.</font>
</p><p><font>20. Antes da realização da escritura pública, a que se alude em 4., em data não, concretamente, apurada, mas não posterior a julho de 1993, foi iniciada, no prédio do qual foi desanexado o prédio identificado em 2., no local onde, anteriormente, se situava o alpendre, referido em 18., uma edificação.</font>
</p><p><font>21. Com a colocação do portão, referido em 8., resultou impedido o acesso de terceiros à parcela de terreno, identificada em 11.</font>
</p><p><font>22. Depois da realização da escritura pública, a que se alude em 4., na sequência de destaque autorizado, em 18 de janeiro de 1996, a ré prosseguiu a edificação da sua residência atual, passando a utilizar como acesso à mesma a parcela, identificada em 11.</font>
</p><p><font>23. Embora tenha existido um processo de licenciamento da construção no prédio, a que se alude em 2., o mesmo não incluía a área sobrante da parcela de terreno, identificada em 11.</font>
</p><p><font>24. O portão, referido em 8., foi colocado na confrontação da área da parcela de terreno, identificada em 11., com a Rua ....</font>
</p><p><font>25. A instalação do portão, identificado em 8., passou a impedir qualquer utilização de terceiros da área da parcela, referida em 11.</font>
</p><p><font>26. Os réus passaram a utilizar a parcela de terreno, identificada em 11., como parte integrante da edificação, concretamente, como área de acesso à referida edificação.</font>
</p><p><font>27. A ré construiu, na área da parcela de terreno, identificada em 11., uma escada de acesso ao prédio, a que se alude em 2., uma vez que existia um desnível entre esse prédio, antes da abertura de acesso ao mesmo, e a área da parcela, identificada em 11. </font>
</p><p><font>28. A ré cimentou todo o pavimento da área da parcela de terreno, identificada em 11.</font>
</p><p><font>29. A ré pintou, de forma homogénea, o prédio, a que se alude em 2., a área da parcela, identificada em 11., e a parte exterior da parede do prédio, a que se alude em 1., que confronta com a parcela, identificada em 11.</font>
</p><p><font>Declararam-se como factos não provados:</font>
</p><p><font>1. A parte sobrante da área da parcela de terreno, identificada em 11., durante anos, foi utilizada para acesso da autora à parte exterior da parede da casa, a que se alude em 1., confrontante com a mencionada área.</font>
</p><p><font>2. Durante o ano de 1992, os réus resolveram construir um muro, na área sobrante da parcela de terreno, identificada em 11., de modo a impedir o acesso do proprietário DD à parte exterior do muro de sua propriedade ou de qualquer outra pessoa a tal área.</font>
</p><p><font>3. O muro tinha, aproximadamente, 2,5 metros de altura por 1 metro de largura.</font>
</p><p><font>4. Os réus colocaram plantas ornamentais, na parcela de terreno, identificada em 11.</font>
</p><p><font> *</font>
</p><p><font>Tudo visto e analisado, ponderadas as provas existentes, atento o Direito aplicável, cumpre, finalmente, decidir.</font>
</p><p><font>As questões a decidir, na presente revista, em função das quais se fixa o objeto do recurso, considerando que o «thema decidendum» do mesmo é estabelecido pelas conclusões das respetivas alegações, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, com base no preceituado pelas disposições conjugadas dos artigos 5º, 608º, nº 2, 609º, 635º, nºs 4 e 5, 639º e 679º, todos do CPC, são as seguintes:</font>
</p><p><font>I – A questão da determinação da lei aplicável ao loteamento dos autos.</font>
</p><p><font>II – A questão da área integrante do domínio público da parcela objeto de loteamento.</font>
</p><p><font> I.DA LEI APLICÁVEL AO LOTEAMENTO</font>
</p><p><font>Os loteamentos urbanos foram, sucessivamente, regulados, até ao Regime Jurídico da Urbanização e Edificação, atualmente, em vigor, a que se reporta o DL nº 555/99, de 16 de dezembro, pelo DL n° 46673, de 29 de novembro de 1965, pelo DL n° 289/73, de 6 de junho, pelo DL n° 400/84, de 31 de dezembro, e pelo DL n.º 448/91, de 29 de novembro.</font>
</p><p><font>O alvará de loteamento nº 358, em análise nos autos, foi emitido, em conformidade com o disposto pelo artigo 19º, do DL nº 289/73, de 6 de junho, tendo sido autorizado, em reunião da Câmara Municipal de Matosinhos, realizada em 22 de junho de 1983, e registado, na mesma entidade municipal, a 28 de fevereiro de 1985, como resulta do teor do documento de folhas 23 a 29.</font>
</p><p><font>Com efeito, tendo o DL nº 289/73, de 6 de junho, sido revogado pelo DL nº 400/84, de 31 de dezembro, este</font><font> entrou em vigor sessenta dias após a sua publicação, ou seja, a 1 de março de 1985, para além de que os pedidos de loteamento formulados, anteriormente, à entrada em vigor deste último diploma, regular-se-ão pelo prescrito no DL n.º 289/73, de 6 de Junho, e respetiva legislação complementar, e pelo estipulado no DL n.º 342/79, de 27 de agosto, quando exercidas as faculdades no mesmo previstas, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 84º, nºs 1 e 2, a) e b) e 85º, nº 1, ambos do supramencionado </font><font>DL nº 400/84, de 31 de dezembro.</font>
</p><p><font>Assim sendo, tendo o DL nº 400/84, de 31 de dezembro, entrado em vigor, em 1 de março de 1985, e tendo o alvará de loteamento nº 358, em análise nos autos, sido passado de harmonia com o disposto pelo artigo 19º, do DL nº 289/73, de 6 de junho, sendo autorizado, em reunião da Câmara Municipal de Matosinhos, realizada em 22 de junho de 1983, e registado na mesma entidade municipal, a 28 de fevereiro de 1995, é este último, inequivocamente, o diploma legal aplicável à situação material controvertida.</font>
</p><p><font>II. DA ÁREA INTEGRANTE NO DOMÍNIO PÚBLICO DA PARCELA OBJETO DE LOTEAMENTO</font>
</p><p><font>II.1. Os réus alegam, neste particular, que o DL nº 289/73, de 6 de junho, entretanto, declarado aplicável, não previa a integração no domínio público das áreas não necessárias à implantação dos equipamentos coletivos do loteamento, como é o caso do posto de transmissor, nem o próprio alvará emitido o impõe, razão pela qual ao aplicar à decisão da questão em apreço norma que não existia, à data da deliberação de autorização e emissão do alvará, o acórdão recorrido violou o disposto no artigo 12º, do Código Civil.</font>
</p><p><font>A sentença proferida em 1ª instância considerou na sua fundamentação que </font><i><font>“conjugando o teor do alvará de loteamento e respetivo aditamento com o teor da certidão acabada de mencionar, entendeu-se que o alvará de loteamento apenas determina que passa a pertencer ao domínio público a concreta área de implantação do posto de transformação no solo, já não a área sobrante da parcela que de acordo com o aditamento ao alvará estava destinada a essa edificação e que não veio a ser necessária”.</font></i>
</p><p><font> E, assim, concluiu a sentença que, não tendo a autora logrado demonstrar que a parcela de terreno sobrante, destinada à edificação do posto de transformação, integrava o domínio público, a ação é julgada improcedente, sendo esta, igualmente, a posição dos réus recorrentes.</font>
</p><p><font>Por seu turno, o acórdão recorrido entendeu, diferentemente, considerando que </font><i><font>“foi cedida uma determinada parcela para a instalação de um posto de transformação que foi construído nessa parcela e, consequentemente, toda a parcela assim destinada passou para o domínio municipal, por força do preceituado pelo artigo 44º do DL nº 555/99, de 16 de dezembro, apesar do posto de transformação não a ocupar, totalmente, porquanto o que reverte para o domínio municipal é a parcela enquanto tal, independentemente da área nela construída não a abranger na totalidade”</font></i><font>, sendo esta, também, a posição da autora recorrida.</font>
</p><p><font>II.2. Ora, com a entrada em vigor do DL nº 289/73, de 6 de junho</font><a><u><font>[2]</font></u></a><font>, que já se definiu como sendo a lei aplicável à decisão da questão em apreço, alargou-se o conceito de loteamento que, tal como estava formulado, deixava à margem de qualquer disciplina uma série de situações que, não se concretizando através de contratos de venda ou locação, logravam, na prática, os mesmos efeitos.</font>
</p><p><font>Porém, não se estabeleceu o conceito de loteamento urbano, muito embora o artigo 1º, do mesmo diploma legal, ao delimitar o seu campo de aplicação, estatuísse que "a operação que tenha por objeto ou simplesmente tenha como efeito a divisão em lotes de qualquer área de um ou vários prédios, situados em zonas urbanas ou rurais, e destinados imediata ou subsequentemente à construção, depende de licença da câmara municipal da situação do prédio ou prédios, nos termos do presente diploma".</font>
</p><p><font>O loteamento consiste, assim, na realização de uma operação urbanística de divisão de um ou vários prédios, em parcelas autónomas [lotes], de qualquer área, unidades prediais destinadas, imediata ou subsequentemente, à construção, sujeita a prévia autorização ou licenciamento dos órgãos administrativos competentes e de que resultam alterações na titularidade, objeto e limites dos direitos reais que incidem sobre o prédio ou prédios em causa</font><a><u><font>[3]</font></u></a><font>.</font>
</p><p><font>Dispunha ainda o artigo 19º, nº 1, do DL nº 289/73, de 6 de junho, que “a licença de loteamento será titulada por alvará, do qual constarão sempre…as condições a que ficam obrigados o requerente, ou aqueles que tomarem a posição de titular do alvará, e, na parte aplicável, os adquirentes dos lotes”, acrescentando o seu nº 2 que “sem prejuízo do disposto no nº 1 do artigo 13.º, o Ministro das Obras Públicas fixará, em portaria, as áreas mínimas a ceder às câmaras municipais para instalação dos equipamentos gerais destinados a servir os loteamentos urbanos”.</font>
</p><p><font>A licença de loteamento seria titulada por alvará, do qual constariam as prescrições a que o requerente ficava sujeito, "e designadamente os condicionamentos de natureza urbanística, entre eles o traçado da rede viária, espaços livres e arborizados, parques de estacionamento, zonas comerciais ou industriais e desportivas..." (artigo 6º, nº 1), prescrições essas que obrigavam "todos os que tomarem a posição do titular do alvará e, na parte aplicável, também os adquirentes dos lotes" (artigo 6º, nº 2, do DL nº 289/73, de 6 de junho).</font>
</p><p><font>A operação de loteamento não gera, apenas, lotes urbanos</font><i><font>, </font></i><font>que é</font><i><font> </font></i><font>o estatuto jurídico que revestem as unidades prediais destinadas a edificação, mas, também, parcelas, em que se traduz o estatuto jurídico que assumem as áreas que, no loteamento, se destinam a zonas verdes, zonas de utilização coletiva, infraestruturas e equipamentos, quer sejam cedidas ao município, quer permaneçam propriedade privada, embora com o estatuto especial de partes comuns dos lotes e dos edifícios que neles venham a ser erigidos.</font>
</p><p><font>Estas parcelas apresentam-se como condição imprescindível para que as construções a erigir nos lotes definidos possam ser utilizadas de um modo, urbanisticamente, sustentável, quer do ponto de vista funcional, como é o caso das parcelas destinadas a infra-estruturas e a equipamentos de utilização coletiva, quer do ponto de vista ambiental, paisagístico e do ordenamento do território, como sucede com as parcelas destinadas a espaços verdes ou a espaços de utilização coletiva, sendo certo que as aludidas parcelas apenas justificam a sua razão de existência em função da edificabilidade prevista para cada um dos lotes.</font>
</p><p><font>Com efeito, ê o loteamento que, ao transformar os prédios em lotes urbanos</font><i><font>, </font></i><font>determina uma sobrecarga urbanística justificadora destas mesmas áreas e respetivo dimensionamento, sendo sua finalidade última garantir a qualidade de vida dos futuros residentes ou utentes da área loteada.</font>
</p><p><font>II.3. Seguidamente, nesta matéria de loteamento urbano, o artigo 42º, c), do DL nº 400/84, de 31 de dezembro</font><a><u><font>[4]</font></u></a><font>, entretanto, entrado em vigor, preceituava que “o proprietário e os demais titulares de direitos reais sobre o terreno objeto da operação de loteamento cederão à câmara municipal, obrigatoriamente, a título gratuito, as parcelas de terreno devidamente assinaladas na planta de síntese relativas a equipamentos públicos, tais como os destinados a educação, saúde, assistência, cultura e desporto, a superfícies verdes para convívio, recreio e lazer e bem assim a parques de estacionamento”, enquanto que o seu artigo 47º, nº 1, dispunha que “o licenciamento das operações de loteamento e das obras de urbanização é titulado por alvará”, acrescentando o correspondente nº 2 que “as condições estabelecidas no alvará vinculam o proprietário do prédio ou prédios a que o mesmo se refere e, na parte aplicável, os adquirentes dos lotes”, devendo o alvará “especificar[á] obrigatoriamente as cedências obrigatórias e especificar[ção] [d]as parcelas a integrar respetivamente no domínio público ou privado municipal”, segundo o estipulado pelo artigo 48º, nº 1, f), do mesmo diploma legal, contendo o alvará, em anexo, segundo o seu nº 2, “as plantas confirmativas dos elementos referidos nas alíneas e) e f), bem como o contrato de urbanização, se for caso disso".</font>
</p><p><font>Por sua vez, o artigo 16º, nº 1, do DL nº 448/91, de 29 de novembro, sucessivamente, vigente, prescrevia que “o proprietário e os demais titulares de direitos reais sobre o prédio a lotear cedem gratuitamente à câmara municipal parcelas de terreno para espaços verdes públicos e de utilização coletiva, infra-estruturas, designadamente arruamentos viários e pedonais, e equipamentos públicos, que, de acordo com a operação de loteamento, devam integrar o domínio público”, acrescentando o seu nº 2 que “as parcelas de terreno cedidas à câmara municipal integram-se automaticamente no domínio público municipal com a emissão do alvará e não podem ser afetas a fim distinto do previsto no mesmo,…”, contendo o alvará, de acordo com o disposto no artigo 29º, nº 1, f), “a especificação das cedências obrigatórias, sua finalidade e especificação das parcelas a integrar no domínio público da câmara municipal”.</font>
</p><p><font>Assim sendo, as condições a que ficou obrigado o requerente do loteamento ajuizado, ou aqueles que, subsequentemente, tomaram a posição de titulares do alvará, correspondem às prescrições constantes dos artigos 19º, nº 1, do DL nº 289/73, de 6 de junho, 47º, nº 2, do DL nº 400/84, de 31 de dezembro, e 16º, nº 1, do DL nº 448/91, de 29 de novembro, que, sobre esta matéria, se sucederam no tempo.</font>
</p><p><font>Entre as condições a que ficou obrigado o requerente do loteamento, ou aqueles que, posteriormente, tomaram a posição de titulares do alvará, contam-se as especificações respeitantes a cedências obrigatórias à câmara municipal, a título gratuito, das parcelas de terreno a integrar, respetivamente, no domínio público ou privado municipal, devidamente, assinaladas, na planta de síntese, relativas a equipamentos públicos, tais como os destinados a superfícies verdes para convívio, recreio e lazer e bem assim como a parques de estacionamento, cujo cumprimento vincula o proprietário do prédio, integrando-se as parcelas de terreno cedidas à câmara municipal, automaticamente, com a emissão do alvará, no domínio público municipal, não podendo ser afetas a fim distinto do previsto no mesmo. </font>
</p><p><font>Até à entrada em vigor do DL n.º 448/91, de 29 de novembro, essas parcelas eram sempre e, obrigatoriamente, cedidas ao município</font><i><font>, </font></i><font>pelo que o DL nº 289/73, de 6 de junho, diploma em vigor no momento da aprovação do loteamento titulado pelo alvará n.º 358, previa, nos seus artigos 19.°, nºs 1 e 2 e 6º, nº 1, que o requerente da operação de loteamento, em relação ao terreno objeto do mesmo, devia ceder à câmara municipal as áreas mínimas para instalação dos equipamentos gerais destinados a servir os loteamentos urbanos</font><font>,</font><font> atendendo</font><font>,</font><font> designadamente, aos condicionamentos de natureza urbanística, entre eles, o traçado da rede viária, os espaços livres e arborizados, os parques de estacionamento, as zonas comerciais ou industriais e desportivas.</font>
</p><p><font>Com efeito, o alvará de loteamento previa, expressamente, como «condições a observar» pelo requerente, que “4 – Serão integrados no domínio público todas as áreas de arruamentos, passeios, baías de estacionamento, posto de transformação e placas ajardinadas”, acrescentando que “para instalação de equipamentos gerais são cedidas as parcelas identificadas na planta a que se refere o nº 1”.</font>
</p><p><font>II.4. Efetuando uma análise crítica da factualidade mais relevante que ficou demonstrada, importa enfatizar que, no aditamento ao alvará de loteamento, consta a existência de uma parcela de terreno destinada à instalação de um posto de transformação, cedida pelo requerente à Câmara Municipal de Matosinhos, a qual, segundo as «Condições a observar», aludidas no mesmo documento, “s | [0 0 0 ... 0 0 0] |
gzKou4YBgYBz1XKv6yl2 | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font>
<p><font> </font>
</p><p><font> Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>I.</font>
</p><p><font>AA e BB intentaram a presente acção declarativa de condenação, com processo ordinário, contra CC, DD e EE, pedindo que os réus sejam condenados a pagar-lhes a quantia de € 129 000 (cento e vinte e nove mil euros), acrescida de juros moratórios, bem como do montante que vier a liquidar-se em momento posterior, em relação aos danos cuja quantificação não é ainda possível.</font>
</p><p><font>Fundamentam este pedido, em síntese, dizendo ter adquirido aos réus a totalidade das quotas de uma sociedade de que estes eram sócios (CC, Lda.) e que era detentora de duas clínicas de fisioterapia, na condição, conhecida dos réus, de que nestas se prestavam serviços a utentes do Serviço Nacional de Saúde, remunerados pelo Ministério da Saúde. </font>
</p><p><font>Acontece que, ainda antes da outorga da escritura destinada a formalizar o negócio de aquisição, o 1.º autor soube que uma das clínicas não podia facturar, ao Ministério da Saúde, os serviços nela prestados aos utentes do Serviço Nacional de Saúde pelo que, no acto da assinatura da escritura, os autores lavraram um protesto no sentido de que, em sede própria, exigiriam ser ressarcidos, quer em termos de redução do preço do negócio, quer em termos da reclamação de uma indemnização pelos prejuízos que viessem a suportar em consequência das condições em que esta houvesse funcionado no passado.</font>
</p><p><font>Os réus contestaram, excepcionando, por um lado, a sua própria ilegitimidade e a caducidade do direito dos autores, e impugnando, no mais, os factos alegados pelos demandantes, afirmando que nunca lhes asseguraram (nem a eles, nem a ninguém) que uma das clínicas estivesse habilitada com convenção que lhe permitisse facturar serviços ao Serviço Nacional de Saúde mas apenas que essa clínica vinha, de facto, desde há muitos anos, prestando serviços aos utentes do Serviço Nacional de Saúde através da convenção de que era detentora a outra clínica.</font>
</p><p><font>Os autores replicaram pugnando pela improcedência das excepções.</font>
</p><p><font>O processo seguiu os seus regulares termos, com prolação do despacho saneador – em que se julgou improcedente a excepção de ilegitimidade invocada pelos réus, diferindo-se o conhecimento da excepção da caducidade para a fase de julgamento –, após o que se fixaram os factos assentes e se organizou a base instrutória, tendo-se efectuado a audiência de discussão e julgamento, respondendo-se à matéria de facto controvertida, e se proferiu a sentença.</font>
</p><p><font>A acção foi julgada parcialmente procedente e, em consequência, condenaram-se os réus a pagarem aos autores, a quantia de € 93 000 (noventa e três mil euros), acrescida de juros de mora à taxa de 4% (Portaria n.º 291/03, 08-04) desde a citação até integral pagamento, os juros (compensatórios) vencidos sobre o montante de € 88 000 (oitenta e oito mil euros) à taxa de 4% (Portaria 291/03, de 08-04) desde 24-01-2005, até à citação e ainda a quantia que vier a liquidar-se em momento posterior quanto aos danos indicados no ponto 31 dos factos. No mais, julgou-se a acção improcedente, absolvendo os réus do restante pedido (cf. fls. 361 a 378).</font>
</p><p><font>Não se conformando com esta decisão, dela recorreram os réus de apelação para o Tribunal da Relação de Guimarães, tendo-se aí, por acórdão de 16-03-2009, julgado parcialmente procedente o recurso, absolvendo-se os réus na parte relativa à condenação na liquidação de sentença, nessa medida revogando a decisão, confirmando-se, porém, quanto ao demais (cf. fls. 460 a 470 verso).</font>
</p><p><font>Inconformados com este aresto, os réus dele recorreram para este Supremo Tribunal, na sequência do que foi proferido acórdão, em 02-02-2010, declarando a nulidade do acórdão da Relação e determinando a remessa do processo àquela, para aí ser efectuada a reforma da decisão, nos moldes indicados pelo STJ (cf. fls. 602 a 629).</font>
</p><p><font>Nesta sequência, foi exarado novo acórdão pela Relação de Guimarães, que voltou a julgar parcialmente procedente a apelação, absolvendo-se os réus na parte relativa à condenação no que se liquidar em execução de sentença, nessa medida revogando a decisão, e confirmando-a quanto ao demais (cf. fls. 643 a 666).</font>
</p><p><font>Uma vez mais irresignados com este novo acórdão, dele recorreram os réus, para este Supremo Tribunal, novamente de revista, recurso que foi admitido, com efeito devolutivo.</font>
</p><p><font>Os recorrentes finalizam a respectiva minuta de recurso com as seguintes conclusões:</font>
</p><p><font>1º - O douto Acórdão recorrido, voltou a não apreciar a matéria de facto dada como provada no ponto 27, o que constitui omissão de pronúncia;</font>
</p><p><font>2º - O Acórdão não considerou as alegações dos recorrentes, não reapreciou as provas em que assentou a impugnação desse facto, pois, sobre essas provas concretas, que na óptica dos recorrentes impunham decisão diversa, não se pronunciou;</font>
</p><p><font>3º - A matéria de facto dada como provada é insuficiente para se concluir que o negócio se teria realizado, conhecendo o erro, mas por preço inferior;</font>
</p><p><font>4º - Não está provado que os AA. teriam concluído o negócio, conhecendo o erro, mas por preço inferior, e não está provado que sabendo que a convenção utilizada pela Clínica de Viana não dava para utilizar na Clínica de Esposende, FF faria o negócio, mas por preço inferior;</font>
</p><p><font>5º - Devendo, por isso, o Acórdão se declarado nulo, nos termos do art. 668°, n.° 1, ai. b), do CPC;</font>
</p><p><font>6º - Também, o Acórdão recorrido na página 20, penúltimo parágrafo, refere que, o engano em relação aos vendedores não resultou claro, pelo que, a subsunção dos factos à matéria de Direito apresenta-se incorrecta, na medida em que, é necessário que o engano seja bilateral para se falar em erro na base do negócio previsto no art. 252°, n.° 2, do C.Civil;</font>
</p><p><font>7º - O Tribunal da Relação estava obrigado a expurgar da matéria de facto a abundante matéria de Direito, assim como, as conclusões que constam da matéria de facto assente, o que é visível, por exemplo no ponto 12 da matéria assente, constituído apenas por matéria de direito, qualificações jurídicas e conclusões. Termos "cedentes", "cessionários da posição contratual", "essenciais", "determinantes", "objecto do negócio", "base do negócio", "promitentes cessionários", "cessão de quotas", "sociedade proprietária", "promitentes alienantes", "negócio de aquisição da posição contratual", "promitente comprador", são de Direito, e, por isso, devem considerar-se não escritas as respostas aos quesitos donde constam os termos de Direito, conforme dispõe o art. 646°, n° 4, do CPC;</font>
</p><p><font>CADUCIDADE DO DIREITO DOS AA.</font>
</p><p><font>8º - O direito dos AA. está já caducado, quer se tenha por referencia o regime do cumprimento defeituoso, quer se opte pela aplicação (aliás ilegal) do regime do erro vício ou da anulabilidade geral;</font>
</p><p><font>9º - Considerando-se, como parece ter feito o acórdão recorrido, que existe "in casu" uma cessão da posição contratual, então teremos que considerar que a única vicissitude contratual ocorrida resultou de uma mera substituição de sujeitos, pelo que, tendo ocorrido a dita cessão numa fase funcional do contrato, que não na sua génese, transmite-se totalmente para o cessionário a posição que pertencia ao cedente, e com ela os conhecimentos que o cedido possibilitou obter ao cedente e demais elementos subjectivos, corno se de apenas um contraente se tratasse;</font>
</p><p><font>10° - Ora, os AA. (cedidos) verificaram que a facturação ao SNS de clínica de Esposende se fazia através da clínica de Viana, em Setembro de 2004 (como resulta da alteração ao facto 20), sendo nessa data que conheceram que estavam em erro;</font>
</p><p><font>11° - Todavia, o FF (cedente), não só tinha conhecimento dessa situação como era ele próprio que promovia a facturação de Esposende por Viana, desde o momento em que iniciou a gerência da dita sociedade CC Lda., o que ocorreu em 01 Março de 2004, tendo sido realizado o contrato em 31.12.2003 (ponto 2 da matéria de facto);</font>
</p><p><font>12º - Nesse sentido, atenta a invocada existência de cessão da posição contratual, se, como resulta do facto 20, e é sustentado no Acórdão recorrido, os AA. constataram que estavam em erro pelo facto de "descobrirem" que o estabelecimento de Esposende facturava os serviços que aí eram prestados, através do estabelecimento de Viana, não se poderá localizar temporalmente tal conhecimento em Setembro de 2004, mas antes, pelo menos, em 01 de Março de 2004, data em que os RR. deixaram de exercer a gerência da referida sociedade, permitindo que esta passasse a ser exercida pelos compradores (FF e por força da cessão também os AA., uma vez que a sua acção tem necessariamente que retroceder a esta data);</font>
</p><p><font>13º - Nesse sentido, aplicando-se as regras do erro, os AA. teriam até Março de 2005, para arguir a anulabilidade do negócio, o que só ocorreu, em 15 de Julho de 2005, com a propositura da acção, quando tal direito tinha já caducado;</font>
</p><p><font>14° - Foi assim violado o artigo 287° do CC, o erro a existir ocorreu no momento da celebração do negócio e o negócio com FF realizou-se 31.12.2003;</font>
</p><p><font>15° - Mas, dando-se como assente o ponto 20 da matéria de facto que, "pelo menos, em finais de Setembro de 2004", e, partindo-se desta data, o A. apercebeu-se do erro, sempre se terá que dar como caducado o direito dos AA., pois, aplica-se o prazo especial do art. 917° e não o prazo geral do art. 287°, n°l, ambos do CCivil, nestes casos não existe anulação do contrato, nem parcial, mas, apenas, redução do preço. Daí que, com o devido respeito por opinião mais avisada e sempre com a humildade de quem sabe que nada sabe, cremos que o prazo não é o da anulabilidade, até porque se, assim, fosse teria de aplicar-se todo o regime e não apenas o prazo, isto é, teria de declarar-se a anulação do contrato, o que, aliás, nem foi pedido;</font>
</p><p><font>INADMISSIBILIDADE DE O DEPOIMENTO DE PARTE DO R. CC SURTIR EFEITO CONFESSÓRIO</font>
</p><p><font>16º - Tendo os RR. impugnado a admissibilidade de o depoimento de parte do co-réu CC surtir efeito confessório, decidiu-se no Acórdão recorrido que "Os recorrentes referem a inadmissibilidade de o depoimento de parte do co-réu surtir efeito confessório. Ora, como se vê da fundamentação das respostas, ao referido depoimento não foi atribuído tal efeito, tendo sido apreciado como outro qualquer depoimento, (...)" (negrito nosso);</font>
</p><p><font>17° - Tal posição contraria o que consta expressamente dos autos, nomeadamente:</font>
</p><p><font>18° - na fundamentação da resposta à matéria de facto, a fls. 359 pode ler-se o seguinte: "O depoimento de parte do R. CC surtiu efeito confessório quanto a parte da matéria vertida na B.I. (cf A redução a escrito feita em acta de audiência de julgamento, em obediência ao disposto no artigo 563° CPC: fl 316-317), embora se diga que por se tratar de uma situação de litisconsórcio necessário passivo, sempre haverá que levar em conta o disposto nos arts.298°-2 CPCe 353°-2CC";</font>
</p><p><font>19° - Acresce, ainda, o que consta no despacho da acta de audiência e julgamento de 11 de Fevereiro de 2008, onde se pode ler que, "Nos termos do art. 563° do CPC, passo a exarar em acta o depoimento agora prestado na parte em que o mesmo consubstancia uma declaração confessória".</font>
</p><p><font>20° - Em alguns dos pontos da base instrutória que foram considerados provados, a única prova que existe nos autos é precisamente a declaração confessória do co-réu CC. Isso resulta evidente, por exemplo, no quesito 18 e 19, onde a única "testemunha” indicada foi precisamente o co-réu;</font>
</p><p><font>21º - Demais, como claramente resulta do artigo 617° do CPC, o depoimento do co-réu não podia ser apreciado como qualquer outro depoimento, sendo que neste caso foi inclusivamente indicado pelos AA como depoimento de parte;</font>
</p><p><font>22° - Cumpre, por isso, afirmar que nos termos dos artigos 353°, n.° 2, do Código Civil e 298°, n.°2, do CPC, nos casos de litisconsórcio necessário, como aqui sucede, a confissão feita por apenas um dos litisconsortes, é ineficaz, apenas, tendo efeitos quanto a custas;</font>
</p><p><font>23° - Atendendo a que apenas um dos co-Réus prestou depoimento, será de todo impossível que neste caso se admita a existência de confissão;</font>
</p><p><font>24° - Sempre esta estaria excluída, porquanto não foi dada possibilidade ao alegado confitente de confirmar a assentada, imposto pelo artigo 563° e 655°, n° 2, do CPC, o que certamente o co-réu não faria.</font>
</p><p><font>POSSIBILIDADE LEGAL DE UTILIZAR UMA CONVENÇÃO COM O SNS EM MAIS QUE UM LOCAL E CONHECIMENTO DOS AA. SOBRE TAL POSSIBILIDADE.</font>
</p><p><font>25° - 0 douto Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães sustenta a existência de erro no facto de se pressupor a possibilidade de utilizar uma convenção com o Serviço Nacional de Saúde, em dois locais, quando legalmente apenas se permite tal utilização num único local;</font>
</p><p><font>26° - Sucede que, em nenhum lugar da factualidade provada se refere que não é legalmente possível utilizar a mesma convenção, em mais que um local, nem muito menos se indica o sustento legal dessa afirmação, a que acresce que, o departamento funcional de Esposende foi encerrado por iniciativa dos AA, e não por imposição ou sequer indicação das entidades oficiais competentes para o efeito;</font>
</p><p><font>27° - Nesse sentido, e não se provando ou indicando o sustento legal dessa proibição, nada obsta a que, depois de transitada em julgado eventual decisão favorável aos AA., o que por mera hipótese se admite, venham estes reabrir a clínica de Esposende, utilizando para o efeito a convenção de Viana do Castelo, tudo se passando como antes da entrada da presente acção em juízo;</font>
</p><p><font>28° - Demais, o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães enquadra a situação dos autos num caso de erro e identifica o engano como consistindo no facto de os AA. suporem que a convenção da clínica de Viana do Castelo poderia ser utilizada na clínica de Esposende;</font>
</p><p><font>29° - Porém, para efeitos de integração no regime do erro, resulta muito distinto crer-se que existem duas convenções ou saber-se que existe apenas uma convenção e crer-se que poderia ser utilizada em mais que um local,</font>
</p><p><font>30° - isto porque, os AA. sempre julgaram que uma convenção apenas poderia ser utilizada num local, é isso mesmo que resulta do ponto 20 dos factos provados, uma vez que, se os AA. estivessem convencidos que se poderia utilizar a convenção de Viana, em Esposende, não ficariam surpreendidos pelo facto de toda a facturação de Esposende passar pela clínica de Viana</font>
</p><p><font>INEXISTÊNCIA DE CESSÃO DA POSIÇÃO CONTRATUAL.</font>
</p><p><font>31° - Consideramos que a situação dos presentes autos não encerra uma cessão da posição contratual, mas antes um sub-contrato;</font>
</p><p><font>32° - Neste caso, não se pode considerar ter existido uma cessão da posição contratual, uma vez que, como os próprios AA. reconhecem, por o terem assinado, no artigo 2° do contrato promessa, junto à contestação como Doc. 1,: Entre o segundo e terceiro outorgante (ou seja A. e FF) foi celebrado um contrato promessa em que o terceiro promete vender e o segundo promete comprar a totalidade das quotas da sociedade CC Lda, ou seja, a mesma sociedade que os RR. venderam ao FF; </font>
</p><p><font>33° - Demais, existe prova documental no processo (dois cheques) que o preço que os AA. pagaram ao FF foi muito superior àquele que o FF pagou aos RR.;</font>
</p><p><font>34° - A que acresce que no contrato de 25 de Agosto de 2004, em parte nenhuma se diz que os AA. assumem a posição contratual que pertencia ao FF. O que consta desse contrato é que os RR., aceitam receber o preço em falta de outrem, que não o devedor originário, o que consubstancia uma situação tutelada pelo artigo 767° do C. Civil, e nunca pelo artigo 424°.</font>
</p><p><font>IMPOSSIBILIDADE DE OS AA. SOLICITAREM PERANTE OS RR. A ANULAÇÃO DO CONTRATO ou REDUÇÃO DO PREÇO.</font>
</p><p><font>35° - Mesmo que se considere que existe uma cessão da posição contratual entre FF e os AA., nunca estes poderão solicitar dos RR. a responsabilidade contratual que pretendem efectivar;</font>
</p><p><font>36° - Depreende-se da matéria de facto provada (nomeadamente, facto 14, 11, 18, 27), que o vício da vontade invocado no acórdão recorrido, como sustento de aplicação do art. 252°, n.° 2, CCivil, consiste numa pressuposição que afecta o cedente FF, que consiste no facto de este julgar que uma mesma convenção poderia ser utilizada em dois estabelecimentos distintos, como se disse, este erro não afectava os AA., uma vez que estes julgavam existir duas convenções, quando o FF sabia existir apenas uma (ponto 14 dos factos provados);</font>
</p><p><font>37° - Citando o Insigne Mestre Antunes Varela: (Das Obrigações em Geral, Vol II, 7a ed. pag. 408 titular do interesse legalmente protegido com a anulabilidade do contrato é o cedente, quer antes, quer depois da cessão, visto ter sido a sua vontade que se formou viciadamente. Por conseguinte, só ele pode ser chamado a optar, uma vez finda a coação ou descoberto o erro de que foi vitima, entre a manutenção ou anulação do contrato básico." (…);</font>
</p><p><font>38° - Demais, a considerar-se ter existido aqui uma cessão da posição contratual, sempre esta terá que ser qualificada como onerosa, pelo que, seria manifestamente ofensivo da boa fé, cuja existência os Tribunais devem garantir, que se admitisse que o cedente obtivesse tantos ou mais lucros na cessão que aqueles que obtêm o cedido no contrato base e posteriormente se permitisse que o cessionário viesse exercer os seus direitos, não contra o cedente, que consigo celebra o acordo e estabelece as garantias e condições que ambos entendem, mas contra o cedido que se limita a autorizar que o cedente seja substituído, já depois deste ter garantido o recebimento do preço que estipulou (o que in casu sucedeu);</font>
</p><p><font>39° - Para se averiguar a boa fé convém ainda atender a que durante os cinco meses que antecederam a autorização conferida pelos RR. à cessão contratual, que apenas ocorreu a 25 de Agosto de 2004, quando o negócio de cessão ocorreu, pelo menos, em Abril, os AA. não se aperceberam do modo como funcionava a sociedade, mesmo tratando-se de algo tão evidente como constatar que toda a facturação de Esposende se processava através de Viana. Porém, depois de tal autorização bastaram alguns (poucos) dias para que os AA. começassem a apontar "defeitos" que entretanto descobriram.</font>
</p><p><font>REQUISITOS DE APLICAÇÃO DO REGIME DO ERRO E IMPOSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DE TAL REGIME NO PRESENTE CASO</font>
</p><p><font>40° - Tendo o acórdão recorrido optado pela integração da situação dos autos no regime do erro vício, somos a afirmar a impossibilidade legal de aplicação de tal instituto por ausência de requisitos indispensáveis;</font>
</p><p><font>41° - São requisitos gerais de aplicação do regime do erro vício (qualquer modalidade que assuma) desconhecimento do erro e insusceptibilidade de o conhecer; essencialidade do elemento e conhecimento ou dever de não ignorar a essencialidade;</font>
</p><p><font>42° - Sucede que, in casu o declarante, se não conhecia o elemento sobre que recaía o erro, tinha dever de o conhecer;</font>
</p><p><font>43° - Sempre seria impossível o acórdão condenar com base no erro, porquanto os AA. pediram a redução do preço, sendo que se estivessem convencidos da existência de algum erro ou tivessem a pretensão de o fazer valer teriam que pedir a anulação do contrato, o que não sucedeu. Isto demonstra que não tendo os AA. optado nem admitido sequer a aplicação do regime do erro (por não terem pedido a anulabilidade do contrato) estará o tribunal impedido de declarar a anulação do contrato.</font>
</p><p><font>ERRADA QUALIFICAÇÃO JURÍDICA CASO SE ENTENDA APLICAR O REGIME DO ERRO.</font>
</p><p><font>44° - Se entendermos que o que os RR. venderam foi precisamente uma convenção, então não poderemos enquadrar a situação dos presentes autos num erro, mas sim numa figura designada por Mota Pinto e Windsheid por pressuposição, cuja possibilidade de protecção não encontra sustento na matéria provada nos presentes autos, nem consta sequer da causa de pedir.</font>
</p><p><font>IMPOSSIBILIDADE DE APLICAR O REGIME DO ARTIGO 252°, N.° 2, DO CCIVIL NOS PRESENTES AUTOS.</font>
</p><p><font>45° - Segundo Castro Mendes, o erro sobre a base do negócio é "um erro bilateral sobre condições patentemente fundamentais do negócio jurídico'';</font>
</p><p><font>46° - Nem todas as condições podem ser identificadas como patentemente fundamentais, sob pena de se diluir o objecto do negócio. Os AA. compraram uma sociedade e a condição fundamental do negócio è a existência de uma convenção, e não a possibilidade de a utilizar em dois, quatro ou cinquenta locais;</font>
</p><p><font>47° - Demais, da fundamentação constante do douto Acórdão pode ler-se, na pag. 22: "A possibilidade de prestação de serviços na unidade de Esposende, ao abrigo daquela convenção era pressuposto essencial para a determinação de contratar por aquele preço, sendo a circunstância constituinte da base de tal negócio (função —preço)";</font>
</p><p><font>48° - Todavia, assim ficam os RR. sem saber a que preço se refere o douto Acórdão, será ao preço pago pelo FF aos RR.? Será o preço pago pelos AA. ao FF? Atendendo a que os montantes são diferentes, e em ambos os casos se trata de preços, a dúvida ainda permanece;</font>
</p><p><font>49° - Além do mais, não constando da factualidade provada o valor efectivo de uma convenção com o SNS, nunca se poderá afirmar que os RR. retiram um benefício injustificado do erro que afecta os declarantes, que ofende os princípios da boa fé e que consequentemente deva conduzir à modificação do contrato, nos termos do artigo 252°, n.° 2, CCivil.</font>
</p><p><font>REMISSÃO DO ARTIGO 252º, N,° 2, PARA O ARTIGO 437° DO CCIVIL</font>
</p><p><font>50° - Remetendo o erro na base do negócio, para o regime da alteração das circunstâncias, teremos que concluir que tal implica a existência de uma diferença entre a base do negócio representada e a base do negócio verificada. A semelhança do que sucede nos coronation cases que lhe deram origem, a base do negócio terá que sofrer uma alteração para que o regime do artigo 252°, n.° 2, do CCivil, possa ser aplicado;</font>
</p><p><font>51° - Neste caso nenhuma alteração se deu como provada, não se tendo provado que era legalmente inadmissível utilizar a mesma convenção em dois locais distintos, não se poderá afirmar que existe alguma alteração apenas pelo facto de, por iniciativa dos AA. ter sido encerrado um departamento funcional.</font>
</p><p><font>IMPOSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DO ERRO SOBRE O OBJECTO.</font>
</p><p><font>52° - Refere-se no douto acórdão recorrido, (partindo embora de uma premissa errada, que é a existência de um engano) "O equívoco em causa nos autos respeita à convenção em si e não à unidade clínica de Esposende" e ao facto de FF supor que poderia utilizar a convenção em mais que um local.</font>
</p><p><font>53° - Como referem alguns Ilustres juristas, as qualidades subjectivas, porquanto sejam qualidades apenas em razão das partes, não cabem no conceito de objecto negocial. Neste caso sempre teríamos que qualificar as qualidades onde arvora o erro como qualidades subjectivas, isto atento o disposto nos factos 18 e 19, uma vez que a possibilidade de extensão da convenção não era uma característica típica das convenções, mas uma característica conjecturada pelas partes;</font>
</p><p><font>Também não se poderá conjecturar a possibilidade de aplicar o erro sobre os motivos do artigo 252°, n° 2, do CCivil, porquanto não existe acordo sobre a essencialidade do motivo. Além de que, com o devido respeito, nem sequer resulta claro da douta fundamentação do Acórdão recorrido qual será afinal o motivo ou a base do negócio;</font>
</p><p><font>53° - Foram assim violados, entre os já invocados, os artigos 668° 298°-2 do Código Processo Civil e CPC; 247°; 251°; 252°, 287°, n.° 1, 427°, 582°, 353°, n.° 2, 911° e 917° todos do Código Civil.</font>
</p><p><font>TERMOS EM QUE, Deve o presente recurso ser julgado, provado e procedente, e, consequentemente, revogar-se o Acórdão ora recorrido, no entanto, ao decidirem e como decidirem, farão V/ Ex.as a costumada e sã JUSTIÇA.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Os recorridos contra-alegaram, pronunciando-se pela confirmação do acórdão recorrido.</font>
</p><p><font>Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>II.</font>
</p><p><font>A. Vem fixada das instâncias a seguinte matéria de facto:</font>
</p><p><font>1. A alienação e aquisição dos dois estabelecimentos indicados em 11. infra por FF e/ou quem indicasse foi ajustada entre este e o R. CC, sócio-gerente da CC, Lda. (B);</font>
</p><p><font>2. Por contrato escrito de 31-12-2003, os RR. prometeram ceder a FF e a GG (por aquele indicada), pelo preço de 300.000,00 €, a totalidade das quotas da sociedade CC, Lda. Nesse contrato escreveram que a sociedade tinha "sede na Rua …, n° .., na cidade de Viana do Castelo e Departamento Funcional na Rua …, Edifício …, na cidade de E..." (C);</font>
</p><p><font>3. Em Agosto de 2004, a sociedade CC, Lda., e os RR. deram o seu acordo à transmissão, a título oneroso, da posição do FF e da sua indicada, no negócio e no contrato-promessa referidos, para o ora A. e para quem este indicasse, ficando de conta destes cessionários da posição contratual, em cumprimento das condições de pagamento do preço constantes do contrato inicial, a entrega aos RR. das duas prestações previstas para os meses de Setembro e de Dezembro de 2004, cada uma no valor de 75.000,00 € (D);</font>
</p><p><font>4. Em 15-12-2004, actuando em representação da sociedade CC, Lda., e dos restantes RR, o R. CC, por comunicação escrita entregue em mão ao A, notificou-o de que a prometida escritura de cessão de quotas teria lugar no dia 30-12-2004, às 9.30h, no 1.º Cartório Notarial de Viana do Castelo (F);</font>
</p><p><font>5. O R. CC juntou àquela notificação a cópia de uma carta datada de 07-12-2004, subscrita pelo advogado Dr. HH, na qualidade de mandatário da CC, Lda., pela qual solicitava ao Director da Sub-região de Saúde de Braga informação e certidão nos seguintes termos: "se, conforme o ofício n° …, de 10-03-1995, que ora se junta, está regularizada por essa Sub-região de Saúde e sem qualquer impedimento legal para ao seu funcionamento a Clínica Fisiátrica pertencente à minha constituinte" (G);</font>
</p><p><font>6. Aquele ofício de 10-03-1995 havia sido dirigido pela mesma Sub-região de Saúde de Braga à CC, Lda., e era do seguinte teor: "Para conhecimento de V Ex. a seguir se transcreve a deliberação do Conselho de Administração da Administração Regional de Saúde do Norte: "Considerando os antecedentes do processo, determina-se que a Sub-região de Saúde de Braga providencie pela regularização da situação com efeitos retroagidos à data do requerimento que teria dado origem ao processo de organização. Aproveita-se para comunicar que já foi oficiado à Direcção Geral da Saúde a solicitar a regularização da convenção e, ainda, para informar que, até à conclusão do acto referido, esta Sub-região de Saúde não aceitará facturação por tratamentos efectuados na Clínica Fisiátrica de Esposende, já que os regulamentos em vigor não permitem que uma entidade convencionada possua extensões, filiais ou sucursais do estabelecimento principal para prestação de cuidados de saúde, seja qual for o seu âmbito de actividade" (H);</font>
</p><p><font>7. O ofício referido em 5. foi dirigido à Sub-região de Saúde de Braga, a qual só tinha e tem competência territorial para gerir os processos referentes a clínicas instaladas no distrito de Braga - como era o caso do aludido estabelecimento de Esposende (e não era o caso da clínica de Viana do Castelo, adstrita à Sub-região de Saúde de Viana do Castelo) (I);</font>
</p><p><font>8. O ofício para o qual remete (referido em 6) refere expressamente o dito estabelecimento de Esposende, pelo que, embora o oficio referido em 5. não seja, a tal respeito, expresso, ele tinha por objecto a clínica fisiátrica de Esposende (e não a de Viana do Castelo), assim como a pré-existente deliberação do Conselho de Administração da Administração Regional de Saúde do Norte referida no oficio da Sub-região de Saúde de Braga datado de 10-03-1995 tivera por objecto a regularização da concessão de convenção para permitir que CC, Lda., pudesse facturar ao Ministério da Saúde os serviços prestados a utentes do SNS no seu estabelecimento de Esposende (J);</font>
</p><p><font>9. Em inícios de Janeiro de 2005, a Sub-região de Saúde de Braga respondeu ao advogado indicado em 5, por comunicação sob a epígrafe "Clínica de Fisiatria CC, Lda." nos seguintes termos: "Esta Sub-região de Saúde não possui e desconhece qualquer contrato de convenção com o SNS existente com a entidade indicada em epígrafe, para as instalações em Esposende" (K);</font>
</p><p><font>10. Em 24-01-2005, os AA. compareceram a outorgar a escritura e a pagar a parte restante daquele preço de 75.000,00 €, tendo, antes da assinatura da referida escritura, lavrado protesto no sentido de que, em sede própria, exigiriam ser ressarcidos, pela devida redução do preço do negócio, uma vez que a sociedade adquirida não tinha as qualidades que constituíam a substância do negócio e determinariam o ajuste do respectivo preço. Mais ressalvaram nesse protesto que os AA. reservavam o direito de exigirem indemnização por quaisquer prejuízos que eles próprios ou a sociedade (adquirida) viessem a suportar em consequência das condições em que esta houvesse funcionado no passado, acautelando, assim, o direito de regresso para compensação por eventuais menos valias decorrentes dos procedimentos e decisões do Ministério da Saúde (L, 24 e 25);</font>
</p><p><font>11. Em finais de 2003, FF estava interessado na aquisição de estabelecimentos de fisioterapia para os quais estivesse contratada com o Ministério da Saúde a prestação de serviços remunerados a utentes do Serviço Nacional de Saúde, desenvolvendo então negociações com CC, Lda., com sede em Viana do Castelo, tendo por objecto adquirir os dois estabelecimentos de fisioterapia desta sociedade (um na sua sede social, em Viana do Castelo, e outro em Esposende), por saber que neles se prestavam serviços a utentes do SNS remunerados pelo Ministério da Saúde (0 e 0-A);</font>
</p><p><font>12. Nas negociações havidas entre FF e a sua indicada e o autor, subjacentes ao acordo escrito de 24-08-2004 e ao preço aí ajustado, mantiveram-se todos os objectivos, os pressupostos e as circunstâncias que influíram nos termos do acordo celebrado entre FF e os réus em 31-12-2003, o que foi do conhecimento de ambas as partes, sabendo os réus que as obrigações assumidas neste acordo se mantinham com o autor e quem este indicasse. (0-B a 0-D)</font><a><u><sup><font>[1]</font></sup></u></a><font>;</font>
</p><p><font>13. Nos anos de 2003 e 2004, mais de 80% e de 90% dos proveitos do estabelecimento da CC, Lda., em Esposende, correspondiam a serviços prestados a utentes do SNS remunerados peio Ministério da Saúde, sendo que, do total dos serviços facturados pela CC, Lda., cerca de 36% respeitavam ao estabelecimento de E... (1 e 2);</font>
</p><p><font>14. Os factos referidos em 13. foram do conhecimento do FF nas negociações com a CC, Lda., e, nessas negociações, o FF actuou convencido de que a clínica de Esposende estava autorizada a facturar ao Ministério da Saúde os serviços que aí eram prestados aos utentes do SNS, por intermédio da convenção para a clínica de Viana do Castelo, sabendo existir apenas uma convenção [alteração efectuada pela Relação - fls. 468]. Tais factos e convicção foram essenciais na determinação do FF de adquirir ambos os referidos estabe | [0 0 0 ... 0 0 0] |
uDKau4YBgYBz1XKvWyHb | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font>
<p><font> ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>I.</font>
</p><p><font>AA e BB</font><b><font>, </font></b><font>intentaram na Vara de Competência Mista de Setúbal contra </font><b><font> </font></b><font>CC, …, S.A.,</font><b><font> </font></b><font>a presente acção declarativa com processo ordinário, com fundamento no incumprimento definitivo do contrato-promessa que com esta celebraram, em 22/9/1999, com vista à compra e venda do edifício a construir no lote nº …, situado em ..., ..., ..., ..., pelo preço de 19.300.000$00; no acto entregaram à ré, como sinal e princípio de pagamento, a quantia de 2.500.000$00, sinal que reforçaram cinco dias depois com a entrega da quantia de 2.500.000$00. Concluíram pedindo a condenação da ré no pagamento da quantia de € 49.879,79, correspondente à devolução em dobro da quantia paga a título de sinal e princípio de pagamento, juros de mora vencidos que calcularam em € 13.800,00 e juros vincendos.</font>
</p><p><font>Contestou a ré arguindo a nulidade da citação, excepcionando a ineptidão da petição inicial por contradição entre o pedido e a causa de pedir e o incumprimento do contrato por parte dos autores. Reconvindo pede a condenação dos autores a reconhecerem-lhe o direito a fazer seu o sinal prestado e a sua condenação como litigantes de má-fé, por haverem alterado a verdade dos factos e deduzido pretensão cuja falta de fundamento não ignoram, numa indemnização no montante de € 16.000.000,00.</font>
</p><p><font>Os autores responderam à matéria da nulidade, das excepções e do pedido de condenação em má-fé, pugnando pela sua improcedência e ampliaram ainda o pedido por forma a que, para além do inicialmente peticionado, </font><i><font>se declare resolvido o contrato-promessa de compra e venda celebrado entre os autores e o réus</font></i><font>.</font>
</p><p><font> Designado dia para a realização de uma audiência preliminar foram admitidos o pedido reconvencional e a ampliação do pedido dos autores, julgada improcedente a nulidade da falta de citação da ré, julgada prejudicada a apreciação da ineptidão da petição inicial, decorrente da ampliação do pedido e condensado o processo com factos provados e base instrutória. Decorridos demais trâmites processuais, veio a ter lugar a audiência de discussão e julgamento, no termo da qual, decidida a matéria de facto, foi proferida sentença que julgou a </font><i><font>acção parcialmente procedente e o pedido reconvencional improcedente e, consequentemente:</font></i>
</p><p><i><font>a) - Declarou resolvido o contrato de promessa celebrado entre os AA e a Ré; </font></i>
</p><p><i><font>b) - Condenou a Ré a pagar aos A.A. a quantia de € 24.939,90, correspondente ao sinal em dobro, acrescida de juros de mora vencidos, contados à taxa legal, desde 04/08/2006, até pronto e integral pagamento;</font></i>
</p><p><i><font>c) - Absolveu os A.A do pedido reconvencional deduzido pela Ré na sua contestação.</font></i>
</p><p><i><font>d) - Declarou improcedente o pedido de condenação como litigante de má-fé deduzido pela Ré na sua contestação e, em consequência, absolveu os AA do mesmo.</font></i>
</p><p><i><font> </font></i>
</p><p><font>Desta sentença a ré interpôs o recurso de apelação que não foi atendido pela Relação de Évora e, assim, de novo, inconformada , vem a Ré recorrer de revista, concluindo sua alegação nos seguintes termos:</font>
</p><p><i><font>A) Conforme estipula o artigo 406° n.° 1 do Código Civil, todos os contratos, onde se incluem os contratos promessa, devem ser pontualmente cumpridos, correspondendo esta expressão a que devem ser observados os diversos pontos que constituem o seu clausulado, conforme refere o Prof. Mário Júlio de Almeida Costa, no seu manual de Direito das Obrigações, 3ª edição, pg. 232.</font></i>
</p><p><i><font>B) Nos contratos promessa, quer a doutrina quer a jurisprudência, consideram que o sinalagma é a celebração do contrato prometido, embora estando clausulado no contrato promessa as prestações do preço da venda estas assumem a natureza de obrigações secundarias ou acessórias.</font></i>
</p><p><i><font>C) E não estando em causa a obrigação principal, tem de se averiguar, em concreto, qual a relevância da prestação incumprida na economia do contrato, em termos de proporcionar ao credor os efeitos jurídicos e patrimoniais tidos em vista com a conclusão do contrato, conforme refere o Ac do STJ de 031232 de 4/12/2002.</font></i>
</p><p><i><font>D) Com a celebração do contrato prometido é pretensão do promitente vendedor, que aquando da celebração do contrato prometido, receba a totalidade do preço da venda convencionado, que de acordo com a matéria de facto provada não viria a acontecer.</font></i>
</p><p><i><font>E) Da análise do contrato promessa, verifica-se que o mesmo é referente à venda (promessa) de um edifício a construir em ..., ..., ....</font></i>
</p><p><i><font>F) Resulta das regras da experiência comum que, os custos da construção desse edifício, seriam suportados pelo valor acordado pelos contraentes.</font></i>
</p><p><i><font>G) A falta de pagamento de um dos pagamentos intercalares, mormente a título de reforço de sinal, tem relevância no cumprimento subsequente do contrato promessa.</font></i>
</p><p><i><font>H) Daí que, mesmo sendo uma prestação secundaria ou acessória, a falta de pagamento do reforço do sinal, no caso concreto tem relevância bastante para que a recorrida alegasse a excepção de não cumprimento do contrato, como fez.</font></i>
</p><p><i><font>I) Tendo ficado provado que os recorridos somente procederam ao pagamento da quantia destinada a sinal, não tendo provado o pagamento do seu reforço, e não resultando da interpelação admonitória, que procederiam ao seu pagamento, os recorridos ao procederem à resolução da forma como o fizeram, não respeitaram o princípio da boa fé negocial.</font></i>
</p><p><i><font>J) Pois o contraente que cumpre defeituosamente a sua obrigação, não tem o direito de exigir a respectiva contraprestação, como se nenhuma falta houvesse da sua parte, neste caso, a falta do pagamento do reforço do sinal.</font></i>
</p><p><i><font>K) De acordo com a matéria de facto dada como provada, deveria a reconvenção ter sido dada como provada e com base na mora dos recorridos no pagamento do reforço de sinal, deveria o contrato promessa ter sido julgado resolvido, fazendo a recorrente sua a quantia entregue a título de sinal, isto de acordo com a redacção do artigo 442° n.° 2 do Código Civil e conforme o decidido no Ac do STJ de 21/01/2003, in CJ STJ Tomo I, págs. 44 e segs.</font></i>
</p><p><font>Foi a Recorrente notificada para completar a sua alegação, indicando quais as normas jurídicas violadas e o sentido com que, no seu entender, devem ser interpretadas, tendo ela apontado como normas violadas os artº406º,1, 428º e 442º do CC.</font>
</p><p><font>Não foi oferecida contra-alegação.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Ora, corridos os vistos, cumpre apreciar.</font>
</p><p><font>A questão da revista é a que foi abordada e discutida na apelação, relativa, por um lado, à excepção de não cumprimento e, por outro lado, à procedência da reconvenção.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>II.</font>
</p><p><font>A - É a seguinte a matéria de facto que, na Relação, foi dada como provada:</font>
</p><p><font>a) Os Autores ajustaram com a Ré comprar-lhe pela quantia de 19.300.000$00, actualmente de € 92.276,99, o edifício a construir no lote nº. 66, situado em ..., ..., ..., ..., ao qual corresponde o artigo matricial 9653.</font>
</p><p><font>b) Prédio este que a Ré se comprometeu a vender aos Autores por acordo titulado como contrato de promessa realizado em 22 de Setembro de 1999.</font>
</p><p><font>c) A promitente vendedora não construiu nem efectuou a venda do referido imóvel a que se comprometera.</font>
</p><p><font>d) BB, a título de sinal, entregou à Ré um cheque por si subscrito, emitido à ordem de CC S.A., no valor de 2.500.000$00/€ 12.469,95 e datado de 27 de Setembro de 1999.</font>
</p><p><font>e) A escritura devia ter sido realizada até 31 de Dezembro de 2000.</font>
</p><p><font>f) Por carta registada com A/R. datada de 17 de Julho de 2006, dirigida à Ré e por ela recebida em 20/07/2006, os A.A. declararam: </font><i><font>"( ... ) Já por diversas vezes, em reuniões, telefonemas, a sós e acompanhados, exigimos a celebração da escritura. De V. Exª.s: NADA. </font></i>
</p><p><i><font>Não tendo V. Exª.s até agora indicado a data para outorga da escritura, conforme era vosso dever ( ) solicitamos, assim, que marquem a escritura de compra e venda no prazo máximo de 15 dias, não se efectivando a mesma dentro do prazo estabelecido consideramos o incumprimento definitivo do contrato de promessa de compra e venda por parte de V. Exª.s (…). </font></i>
</p><p><font>g) De acordo com o contrato-promessa, o preço da prometida venda 19.300.000$00/€96.267.99, deveria ser efectuado da seguinte forma:</font>
</p><p><font>- 2.500.000$00/€ 12.469,95, a título de sinal e principio de pagamento, com a outorga do contrato; </font>
</p><p><font>- 2.750.000$00/€ 13.716,94, como reforço de sinal, no prazo de 90 dias a contar da data da outorga;</font>
</p><p><font>- O remanescente, ou seja, 14.050.000$00/€ 70.081,10, na data da respectiva escritura. </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>B – A Relação decidiu que </font><i><font>ao incumprimento definitivo do contrato, decorrente da falta de celebração da escritura de compra e venda, por parte da promitente-vendedora, após válida interpelação admonitória dos promitentes-compradores, não pode aquela opor a excepção de não cumprimento do contrato decorrente da falta de constituição do reforço do sinal.</font></i><font> Isto por considerar que não existe</font><i><font> uma correspectividade e interdependência entre as respectivas obrigações.</font></i>
</p><p><font>Tem razão a Relação.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>B1 - A excepção de inadimplência consiste na recusa pelo credor do cumprimento da prestação enquanto o devedor não cumpre a sua ou não oferece o seu cumprimento simultâneo (artº428º,1 do CC) e tem lugar, em regra, nos contratos com prestações correspectivas ou correlativas, isto é, interdependentes, sendo uma o motivo determinante da outra.</font>
</p><p><font>Não é esse o caso, aqui, abordado. Na verdade, não parece que se possa opor a excepção de inadimplência quando, na estrutura e economia contratuais, a obrigação de pagament do sinal ou o seu reforço, é meramente secundária ou acessória, face às obrigações principais dele resultantes.</font>
</p><p><font>Sabe-se que a aludida excepção é apenas um meio de assegurar o respeito pelo princípio do cumprimento simultâneo das obrigações sinalagmáticas. Estas, no quadro contratual, restringem-se às obrigações principais, ou seja, aquelas que prosseguem directamente o interesse de cada um dos contraentes, de acordo, aliás, com a fisionomia (direitos/deveres) que a lei aponta na sua definição do contrato. </font>
</p><p><font>Daí que a doutrina conclua que “a relação sinalagmática não abrange…obrigações secundárias que têm carácter acessório ou complementar em relação à estrutura do contrato e ao escopo fundamental prosseguido pelas relações obrigacionais dele derivadas; de facto, tal estrutura tem por objecto uma “troca de prestações”, isto é, uma troca entre as obrigações </font><i><font>principais</font></i><font> desse contrato ( e não entre outras quaisquer) – José J. Abrantes, Excepção de Não Cumprimento…, 1986, p. 42.</font>
</p><p><font>Principais, no clausulado do contrato acima transcrito são, nomeadamente, as obrigações dos declarantes de procederem à emissão da declaração negocial integradora do contrato prometido, compreendendo neste o programa obrigacional dele decorrente. O sinal ou o seu reforço que servem de cavalo de batalha à Recorrente já são por natureza </font><i><font>acessórios</font></i><font> pois se limitam, por um lado, a constituir prova da celebração do contrato, dando fé de sua existência e por outro lado, estabelecem uma garantia de seu cumprimento, representando a liquidação prévia dos prejuízos pelo seu incumprimento (cfr Abel Pereira Delgado, Do Contrato Promessa, 1978, p.169 e ss).</font>
</p><p><font>Temos, pois que, entre estes e aquela, como se concluiu no acórdão recorrido, não há qualquer tipo de correspectividade ou interdependência funcional que são, estritamente necessárias, para a invocação da </font><i><font>exceptio non adimpleti contractus </font></i><font>– cfr a jurisprudência citada a p. 53 da obra de José Abrantes.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>B2 – Pretende ainda a Recorrente que a falta de pagamento da quantia relativa ao acordado reforço do sinal se traduz no cumprimento defeituoso do contrato prometido com expressão na sua própria economia uma vez que, sendo necessário proceder à construção do edifício cuja venda constituía seu principal objecto, a relevância de sua prestação era evidente, autorizando a invocação da e</font><i><font>xceptio</font></i><font>…</font>
</p><p><font>É bem verdade que a excepção do não cumprimento do contrato opera não só perante o incumprimento total do contrato, mas também perante o incumprimento parcial ou o seu cumprimento defeituoso onde adopta a denominação de </font><i><font>exceptio non rite adimpleti contractus </font></i><font>- cfr. Romano Martinez, Cumprimento Defeituoso…,1994, 324 e ss.</font>
</p><p><font>Segundo Baptista Machado (Pressupostos da Resolução por Incumprimento, Obra Dispersa, págs. 168/169): "por incumprimento inexacto deve entender-se todo aquele em que a prestação efectuada não tem requisitos idóneos a fazê-la coincidir com o conteúdo obrigacional, tal como este resulta do contrato e do princípio geral da correcção e da boa fé, considerando que a inexactidão do cumprimento pode ser quantitativa (prestação parcial a que se seguem os efeitos de não cumprimento no que respeita apenas à parte da prestação não executada: a mora ou incumprimento definitivo) e qualitativa (traduzida numa diversidade da prestação, como numa deformidade, num vício ou falta de qualidade da mesma ou na existência de direitos de terceiros sobre o seu objecto)".</font>
</p><p><font>Impõe-se, portanto, tomar em consideração o princípio da boa fé - art. 762º, nº. 2, do C.C.</font>
</p><p><font>Concretizando, Almeida Costa (R.L.J. Ano 119-144), adianta que, "do princípio da boa fé, resulta o imperativo de uma apreciação, em face das circunstâncias concretas, da gravidade do cumprimento incompleto ou defeituoso, que não deve mostrar-se insignificante. Seria contrário à boa fé que um dos contraentes recusasse a sua inteira prestação só porque a do outro enferma de uma falta mínima ou sem relevo suficiente". E acrescenta: "na mesma linha surge a regra da adequação ou proporcionalidade entre a ofensa do direito do excipiente e o exercício de uma excepção. Uma prestação significativamente incompleta ou viciada justifica que o outro obrigado reduza a contraprestação a que se acha adstrito. Mas, em tal caso, só é razoável que recuse quando se torne necessário para garantir o seu direito".</font>
</p><p><font>Ora, revertendo ao caso em presença, o argumento da Recorrente, além de incongruente, manifestamente, deixa muito a desejar no plano da boa fé contratual.</font>
</p><p><font>Dando de barato que, como pretende ela, estaríamos perante violação de obrigação atinente à antecipação parcial do cumprimento do contrato prometido ( e não da garantia que o sinal constitui), é evidente que a alegada </font><i><font>exceptio</font></i><font> não faz qualquer sentido.</font>
</p><p><font>Como já se deixou afirmado, o cumprimento das obrigações correlativas e interdependentes do contrato-promessa deve, em princípio ser simultâneo. Este princípio da simultaneidade cederá, no entanto, sempre que as obrigações em presença devam ser cumpridas, cronologicamente, em momentos diferentes, como seria o caso vertente, segundo a Recorrente.</font>
</p><p><font>Sucede, porém que os AA. ao procederem à interpelação admonitória da Ré para avançar com a marcação da escritura pública do contrato prometido de compra e venda, como é evidente, ofereceram o cumprimento simultâneo da obrigação de pagamento do respectivo preço que lhes competia. Com tal oferta tornaram irrelevante a precedência cronológica da obrigação, pretensamente, em falta e, consequentemente, inviabilizaram, de harmonia com o já citado nº1 do artº428º do CC, a invocação daquela excepção dilatória.</font>
</p><p><font>Acresce que, como resulta da prova, a Recorrente, à data de sua interpelação para cumprir, em Julho de 2006, tão pouco havia construído o edifício que, mediante o contrato dos autos, prometeu vender aos AA. quando é certo que a celebração da respectiva escritura pública devia ter tido lugar no final do ano 2000. E, assim sendo, bem sabendo estar impossibilitada de cumprir essa sua obrigação primacial de entrega da coisa, como poderia ela reclamar nessa situação de incumprimento anunciado, pelo adimplemento de algo que era contrapartida dessa entrega? E alegar, nessas circunstâncias e com esse fundamento a dita </font><i><font>exceptio, </font></i><font>só pode entender-se como expediente lesivo da boa fé, destinado a obstar à resolução contratual operada pelos AA. e do mesmo passo com ela justificar pretenso incumprimento definitivo por banda destes.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>B3 - Finalmente, numa outra perspectiva de abordagem, dir-se-á que se não justifica </font><i><font>agora</font></i><font> , o chamamento à lide, de tal excepção.</font>
</p><p><font>Na verdade, a Recorrente parece não ter ainda compreendido que o quadro das suas relações com os Recorridos se alterou substancialmente quando estes, após a interpelarem para dar cumprimento ao contrato, face à sua recusa, o deram por resolvido, subsistindo ele, apenas, para o efeito de liquidação coerciva.</font>
</p><p><font>Ora, a excepção de não cumprimento, constituindo-se como garantia de cumprimento simultâneo das obrigações sinalagmáticas do contrato, supõe a manutenção deste, “deixando-o intacto e significando somente uma dilação no seu cumprimento” – cfr ob cit, p. 174. Ou seja, para a sua invocação é necessário que perdurem as obrigações sinalagmáticas que a suportam e que o seu cumprimento ainda seja viável o que, manifestamente, não é o caso, pois com a resolução operada pelos AA., as respectivas “obrigações extinguem-se com eficácia retroactiva”- cfr Romano Martinez, ob cit., 328.</font>
</p><p><font>Improcedem, pois, as conclusões do recurso.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>III.</font>
</p><p><font>Termos em que negam a revista.</font>
</p><p><font>Custas pela Recorrente.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Lisboa, 17 de Setembro de 2013 </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Martins de Sousa (Relator) </font>
</p><p><font>Gabriel Catarino </font>
</p></font><p><font><font>Maria Clara Sottomayor</font></font></p> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
ezKYu4YBgYBz1XKvNyDT | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font>
<p><b><u><font>Relatório</font></u></b></p><div><br>
<font>*</font></div><br>
<font>No Tribunal Judicial da Comarca da Feira, </font><br>
<b><u><font>AA e esposa,</font></u></b><br>
<b><u><font>BB</font></u></b><font>, </font>
<p><font>intentaram contra </font><br>
<b><u><font>CC</font></u></b><b><font>,</font></b>
</p><p><font>a presente acção declarativa com processo ordinário (acção popular), alegando em resumo:</font><br>
<font>- Os A.A. são donos e legítimos senhores de um prédio rústico composto por terreno de cultura, denominado “M…”, situado no lugar de C..., freguesia de ..., inscrito na matriz sob o artigo … e descrito na Conservatória sob o nº …;</font><br>
<font>- Tal prédio veio à posse dos A.A. por lhes ter sido doado pelos pais da A. esposa, em 16/11/2004, encontrando-se a respectiva aquisição registada em seu nome, (alegam ainda a factualidade que levaria à aquisição originária, por usucapião);</font><br>
<font>- A Ré dona de dois prédios contíguos (ao dos A.A.), sendo um urbano, composto por uma complexa casa de lavoura, com edifício destinado a habitação, com logradouro, currais de animais, anexos e canastro e outro rústico destinado a cultura;</font><br>
<font>- O único acesso que o prédio dos A.A. tem à via pública é pelo lado da sua confrontação Sul;</font><br>
<font>- Esse acesso era um caminho em terra;</font><br>
<font>- Era um caminho antigo que se desenvolvia entre as propriedades, desde o lugar de C... até atingir o prédio hoje dos AA.;</font><br>
<font>- Era um caminho estreito, com uma largura que dava para passar em carro de bois, ou seja, com cerca de 2 metros;</font><br>
<font>-Tal caminho foi aberto pelos antecessores dos A.A., à custa de terreno deles;</font><br>
<font>- E, desde esses tempos remotos, sempre foi fruído pelos antepossuidores do prédio dos A.A. e depois por estes;</font><br>
<font>- O que foi feito diante de toda a gente e à luz do dia, há mais de 20 a 30 anos e mesmo ultrapassando a memória dos vivos, sempre agindo os A.A. e antepossuidores como legítimos donos do referido caminho; </font><br>
<font>-No ano de 1984, a Junta de Freguesia de ..., em conjunto com os confinantes, quis alargar e beneficiar tal caminho, transformando-o numa via mais larga e com melhores acessos para a circulação;</font><br>
<font>- Para o efeito a Junta de Freguesia solicitou aos donos dos prédios confinantes a cedência de terreno para alargamento do caminho;</font><br>
<font>- O pai da A., anterior dono do prédio, agora dos A.A., cedeu cerca de 1,5m de largura em toda a extensão da sua confinância Sul, com o referido caminho;</font><br>
<font>- A Ré cedeu, também, cerca de 2 m do lado oposto;</font><br>
<font>- Os outros proprietários confinantes contribuíram igualmente para esse alargamento da via, tendo ainda os donos dos prédios confinantes contribuído com dinheiro, uns com 10.000$00 outros com 20.000$00, para fazerem a via pública;</font><br>
<font>- A autarquia, face a tais cedências, em 1984, realizou obras de alargamento do caminho, colocando as máquinas por sua conta, procedendo ao desaterro e aterro do caminho, alargando-o à custa dos terrenos cedidos para a nova via aberta ao público com cerca de 300m de extensão desde a estrada principal até ao seu termo, e com a largura de cerca de 7 m (reduzida a 6m na parte final do troço, depois de passar o portão da casa da Ré);</font><br>
<font>- A referida via, assim alargada, termina num largo junto à entrada da casa da Ré, junto a um espigueiro ali existente;</font><br>
<font>- Foram feitos melhoramentos na iluminação pública da via;</font><br>
<font>-Pela referida via passavam quaisquer pessoas para aceder da povoação de C... a outra, por ela podendo passar quaisquer veículos automóveis, constituindo acesso directo a prédios urbanos e estabelecendo ligação à povoação; </font><br>
<font>- Sendo considerada pela autarquia local como pública, tanto que a fez constar da toponímica local, com a designação de </font><u><font>Travessa …</font></u><font>; </font><br>
<font>- A referida via, que era em terra batida, foi asfaltada em 1989 e nela foram feitas obras de beneficiação por entidades públicas, encontrando-se dotada de ramal de energia e iluminação pública;</font><br>
<font>- Foi novamente asfaltada pela autarquia, em 1999, e sempre foi limpa pelos cantoneiros da Junta de Freguesia e objecto de conservação pela autarquia municipal;</font><br>
<font>- O antepossuidor do prédio dos A.A., após o alargamento, tapou o seu prédio em relação à aludida Travessa de C... com um muro em blocos de cimento, colocando um portão na entrada para o seu prédio na extremidade da confinância Sul com a dita Travessa;</font><br>
<font>- Em 11 de Abril de 2005, a Ré, espetou espigões em ferro no chão da Travessa, imediatamente antes de esta atingir a confrontação com o prédio dos A.A. e colocou aí um portão, fechado com aloquete, em toda a largura da via;</font><br>
<font>- Impedindo assim a passagem de qualquer veículo e, por isso, impedindo os A.A. de acederem ao seu prédio com qualquer viatura ou meio de transporte de bens, designadamente com tractor para agricultar o terreno;</font><br>
<font>- Estão, assim, os A.A. forçadas a manter o terreno inculto e de fruir a sua propriedade, visto que a Ré mantém a cancela fechada a aloquete;</font><br>
<font>- As autarquias locais, Câmara Municipal e Junta de Freguesia, apesar de saberem de toda esta situação, mantêm-se passivas, nada fazendo. … </font></p><div><br>
<font>*</font></div><br>
<font>Em consequência, na procedência da acção, pedem os A.A.:</font><br>
<font>I – que se declare que são donos e legítimos possuidores do prédio que identificam no ponto 1º da P.I.;</font><br>
<font>II – que se declare que o outrora caminho de consortes, depois de transformado em estrada, é uma via pública;</font><br>
<font>III – que se condene a Ré a reconhecer a pública dominialidade da referida via, com o nome de Travessa da C..., a qual se inicia junto ao entroncamento com a rua da C... e termina junto à entrada da casa da Ré, concretamente junto a um espigueiro aí existente, tendo em toda a sua extensão uma largura de sensivelmente 7 metros;</font><br>
<font>IV – que se condene a Ré a retirar o portão que colocou na Travessa da…, deixando a via livre e totalmente desimpedida de obstáculos, bens ou outra qualquer coisa, permitindo a livre circulação de pessoas e bens e mormente o acesso dos A.A. ao seu prédio confinante com a via pública.</font><div><br>
<font>*</font></div><br>
<font>Citada a Ré contestou, invocando a ineptidão da petição inicial e a excepção de caso julgado.</font>
<p><font>Impugnou ainda, a factualidade alegada pelos A.A., designadamente, </font><u><font>quanto à dominialidade da Travessa da …</font></u><font>, alegando a respeito, e no essencial que aqui interessa considerar:</font><br>
<font>-desde há alguns anos a Junta de Freguesia de ..., pretendeu efectuar uma nova ligação entre dois lugares (</font><u><font>C...</font></u><font> / </font><u><font>F…</font></u><font>), tendo em conta a existência da aludida Travessa;</font><br>
<font>-possibilitando-se, assim, uma saída, não só para que os moradores pudessem circular, mas também para obter um acesso mais rápido entre ambos os lugares;</font><br>
<font>-nesse pressuposto, a Junta de Freguesia solicitou dos diversos prédios confinantes que cedessem o necessário terreno para possibilitar a construção dessa estrada, obtendo a anuência de todos, com excepção dos antepossuidores dos ora A.A.;</font><br>
<font>-apesar de repetidos e reiteradas diligências, a Junta de Freguesia nunca obteve deles a devida autorização; </font><br>
<font>-pelo contrário, os antepossuidores dos A.A., passaram a publicitar, de forma inequívoca, que jamais permitiriam a citada abertura, obstruindo o local com pedregulhos e vedando até uma pequena passagem de pé utilizada por alguns moradores para acesso recíproco aos lugares referidos; </font><br>
<font>-por isso, a Junta de Freguesia comunicou aos moradores que desistia do seu projecto e que estavam autorizados a repor no seu estado inicial, os respectivos prédios, e, consequentemente, a reocupar a parcela de terreno que cada um dos confinantes havia, naquele pressuposto, disponibilizado;</font><br>
<font>-foi neste contexto que a Ré colocou o portão, limitando-se a repor o seu prédio no estado inicial, depois de devidamente autorizada pela Junta de Freguesia.</font></p><div><br>
<font>*</font></div><br>
<font>Conclui, portanto, pela improcedência da acção.</font><div><br>
<font>*</font></div><br>
<font>Os A.A. replicaram.</font><div><br>
<font>*</font></div><br>
<font>Nos termos da Lei 83/95 de 31/8, foram citadas para a acção a Freguesia de ... e Município de Santa Maria da Feira, bem como os habitantes da ... (estes editalmente). Não houve, porém, qualquer contestação, tendo o Município da Santa Maria da Feira, declarado nos termos do Artº 15º da Lei 83/95, que não pretende intervir nestes autos a título principal nem neles ser representado pelos A.A..</font><div><br>
<font>*</font></div><br>
<font>Foi proferido despacho saneador, no âmbito do qual foi decidida e julgada improcedente a ineptidão da petição inicial e a excepção do caso julgado, após o que foi proferida sentença onde se julgou a acção improcedente, por não provada, e em consequência absolveu-se CC do pedido formulado por AA e BB.</font>
<p><font>Dessa decisão pode ler-se: " </font><i><font>(...) Nos termos do disposto no art.ºs 14º da Lei nº 83/95, de 31 de Agosto "nos processos de acção popular, o autor representa por iniciativa própria, com dispensa de mandato ou autorização expressa, todos os demais titulares dos direitos ou interesses em causa que não tenham exercido o direito de auto-exclusão previsto no artigo seguinte, com as consequências constantes da presente lei".</font></i>
</p><p><i><font>Refere Carlos Adérito Teixeira, Acção Popular, Novo Paradigma, in </font></i><i><u><font><a>http:www.diramb.gov.pt/data/basedoc/TXT</a></font></u></i><i><font> "que se estabelece na LAP uma ampla legitimidade ao reconhecer-se o direito de acção popular a qualquer cidadão, a associações e fundações defensoras dos interesses em causa, independentemente de terem interesse directo na demanda, e ainda a autarquias locais relativamente a interesses cujos titulares residam na área de circunscrição daquelas, sendo de registar o facto de se ver consagrada uma tríplice legitimidade: individual, do cidadão; colectiva, a cargo das associações e fundações; e institucional, na esfera das autarquias e, de modo restrito, do Mº Pº ".</font></i>
</p><p><i><font>O artº 84º n.° 1, al. d), da Constituição da República Portuguesa, que se refere ao domínio público, determina que as estradas pertencem ao domínio público.</font></i>
</p><p><i><font>Os bens deste tipo estão fora do comércio, não podendo, por isso, ser objecto de negócios jurídicos, que afectem a sua natureza de bens dominiais, podendo ser concessionado o seu uso ou a sua exploração, sendo insusceptível de posse privada (cfr. artº 202º, nº 2, do Código Civil).</font></i>
</p><p><i><font>A qualificação de um caminho ou de um terreno como públicos, com a consequente declaração dessa dominialidade, terá de fundamentar-se na verificação conjugada de dois pressupostos: no seu uso directo e imediato pelo público, desde tempos imemoriais e na sua propriedade, por parte de entidade de direito público, com afectação à utilidade pública, resultante de acto administrativo ou de prática consentida pela Administração.</font></i>
</p><p><i><font>A dominialidade pública dos caminhos foi abordada pelo Assento do STJ de 19/04/1989 (BMJ 386-121), entendendo serem "públicos os caminhos que, desde tempos imemoriais, estão no uso directo e imediato do público, logo pertencendo ao domínio público, as faixas de terreno adaptadas para fazer a ligação entre dois lugares ou povoados, quaisquer que eles sejam, que desde tempos imemoriais se encontrem abertas ao uso directo e imediato do público e cumprindo, nessa medida, a função pública determinante da dominialização das vias de comunicação terrestre".</font></i>
</p><p><i><font>Conforme refere o Ac. STJ de 27/04/2006, in </font></i><a><i><u><font>www.dgsi.pt</font></u></i></a><i><font> "o assento consagrou uma das três teses que vinham sendo sustentadas para a definição de caminhos públicos. Uma entendia que, estando em vigor o art° 380º do Cód. Administrativo, se tornava necessário para se definir um caminho como público que o mesmo tivesse sido produzido ou legitimamente apropriado por pessoa colectiva de direito público; outra bastava-se, para tanto, com o facto de o caminho estar no uso directo e imediato do público desde tempos imemoriais; outra, intermédia, fazia a mesma exigência, mas defendia que, provado o uso imemorial pelo público, o caminho assumia a natureza pública, por ser de presumir que houve apropriação lícita por parte das entidades de direito público, dado ser impossível uma prova directa, sendo essa presunção ilidível por prova em contrário" e "acrescenta que foi esta posição intermédia a adoptada no Assento (cfr. ainda parecer de Freitas do Amaral e João Caupers, in CJ XIV, 1,10 ss),</font></i>
</p><p><i><font>A expressão tempo imemorial significa "o tempo passado que já não consente a memória humana directa dos factos, ou seja, quando os vivos já não conseguem lembrá-los pelo recurso à sua própria memória ou ao relato da sua verificação pelos seus sucessores" (vide Ac. RP de 31/05/2007, in </font></i><a><i><u><font>www.dgsi.pt</font></u></i></a><i><font>).</font></i>
</p><p><i><font>No caso dos autos, os Autores alegaram a existência de um determinado caminho público, e bem assim que o mesmo permite o acesso ao público em geral à povoação de C... e outra e dos próprios proprietários dos prédios que o ladeiam às suas propriedades, sendo os Autores um destes, que a Ré obstruíu esse caminho espetando espigões em ferro no chão da estrada e colocou um portão fechado com aloquete em toda a largura da via, impedindo a passagem de qualquer veículo.</font></i>
</p><p><i><font>Conforme resulta da matéria factual constante nos art.ºs 26º e ss da petição inicial resulta que a utilização pelo público em geral desse caminho remonta ao ano de 1984, data a partir da qual a Junta de freguesia de ... alargou o caminho em causa, transformando-o numa via mais larga e com melhores acessos para a circulação, o que se deveu à cedência dos proprietários dos prédios confinantes de terreno para esse alargamento, e bem assim foram efectuados melhoramentos na iluminação pública, tendo sido deliberado pela competente Assembleia denominar a via como Travessa de C....</font></i>
</p><p><i><font>Ora, a utilização pelo público em geral do caminho em causa, de acordo com a alegação dos Autores, só se faz há cerca de 27 anos (desde 1984), pelo que inexistindo no articulado petição inicial outros elementos que permitam concluir por uma utilização anterior tão longínqua no tempo que escapa à percepção da memória humana, falece o referido requisito da imemorialidade (vide Ac. STJ de 18/05/2006, in </font></i><a><i><u><font>www.dgsi.pt</font></u></i></a><i><font>).</font></i>
</p><p><i><font>Donde, não se encontrando preenchidos os requisitos exigidos pelo mencionado Assento, hoje com carácter uniformizador de jurisprudência "estar, desde tempos imemoriais, no uso directo e imediato do público", “o destino desta acção deverá ser a sua improcedência (...)".</font></i>
</p><p><font> </font></p><div><br>
<font>*</font></div><br>
<font>Inconformados recorreram os A.A., mas sem êxito, visto que a Relação (após diversas vicissitudes que ao caso não interessa) julgou improcedente a apelação, e, com idêntica fundamentação, confirmou integralmente o saneador- sentença recorrido.</font><div><br>
<font>*</font></div><br>
<font>Novamente inconformados voltaram a recorrer os A.A., agora pretendendo </font><u><font>revista excepcional</font></u><font> ao abrigo do disposto no Artº 721º-A do C.P.C.</font><div><br>
<font>*</font></div><br>
<font>Remetidos os autos à formação de juízes a que se refere o nº 3 do Artº 721º-A, foi a revista admitida a </font><u><font>título excepcional</font></u><font>.</font><div><br>
<font>*</font>
<p><font>* *</font>
</p><p><font>*</font>
</p><p><font> </font></p></div><br>
<b><u><font>Conclusões</font></u></b><div><br>
<font>*</font></div><br>
<font>A terminar as suas alegações, formularam os recorrentes as seguintes conclusões: </font>
<p><font> </font><br>
<font>“1) Na Conservatória do Registo Predial de Santa Maria da Feira encontra-se descrito sob o n.° … e inscrito em nome dos autores um imóvel rústico, terra de cultura, denominado "Mina", sito em C... a confrontar do Norte com DD, do Sul com caminho, do Nascente com EE e do Poente com FF, inscrito na respectiva matriz sob o art.° … da freguesia de ..., Santa Maria da Feira, o qual tem acesso à via pública pelo lado da sua confrontação a sul;</font><br>
<font>2) Tal acesso era um caminho antigo em terra, entre propriedades ou de consortes, iniciando-se no lugar de C... até atingir o prédio hoje dos autores, era estreito, dando para passar um carro de bois, ou seja, tinha cerca de 2 metros de largura; </font><br>
<font>3) A ré é dona de dois prédios contíguos ao dos autores referido em 1, sendo um prédio urbano composto por uma complexa casa de lavoura com edifício destinado a habitação, com logradouro, currais de animais, anexos, canastro, inscrito na matriz urbana sob o art. 66 e o outro um i prédio rústico destinado a cultura, ambos sitos no lugar de C..., freguesia de ..., Santa Maria da Feira; </font><br>
<font>4) No ano de 1984 a Junta de Freguesia de ..., quis alargar e beneficiar tal caminho transformando-o, pelo menos, numa via mais larga, e para tanto solicitou aos donos dos prédios confinantes a cedência de terreno para o efeito;</font><br>
<font>5) O pai da autora, anterior dono do prédio identificado em 1°, e à data seu dono, cedeu, para alargamento e feitura da estrada, cerca de l,5m de largura em toda a extensão da sua confinância sul com o referido caminho que tem cerca de 14,10 m;</font><br>
<font>6) A ré cedeu também cerca de 2,00 m do lado oposto defronte à confinância do prédio dos autores;</font><br>
<font>7) Tendo os donos de prédios que ficam do lado esquerdo para quem vem no sentido Poente para Nascente, e antes de se chegar ao prédio dos autores, contribuído também para esse alargamento da via, cedendo cerca de 1,5 m de terreno em toda a extensão da respectiva confinância com o caminho; </font><br>
<font>8) A Autarquia, face a tais cedências, nesse ano de 1984, realizou obras de alargamento do caminho, para o que lá colocou máquinas por sua conta e procedeu ao desaterro e aterro do caminho, alargando-o à custa dos terrenos cedidos, numa extensão com cerca de 300m de extensão desde a estrada principal, por cerca de 7 metros de largura, reduzida a 6 metros, na parte final, depois de passar o portão de entrada no prédio dos autores, desembocando num largo junto à entrada da casa da ré, junto a um Espigueiro ali existente;</font><br>
<font>9) Tal caminho foi asfaltado em 1989, dotado de ramal de energia e iluminação pública, tendo sido novamente asfaltado pela Autarquia em 1999;</font><br>
<font>10) Foi deliberado pela respectiva Assembleia inclui-lo na toponímia da freguesia, como Travessa de C... de Cima;</font><br>
<font>11) Sendo considerada tal via como pública, fazendo-a a Autarquia constar da sua toponímia nos mapas locais;</font><br>
<font>12) E desde que foi asfaltada, sempre foi limpa pelos cantoneiros da Junta de Freguesia que executavam a limpeza em toda a Travessa de C...;</font><br>
<font>14) No dia 11 de Abril de 2005, a ré espetou espigões em ferro no chão do referido caminho [Travessa de C...], imediatamente antes de a mesma atingir a confrontação com o prédio dos autores, para quem vem no sentido Poente/Nascente e colocou um portão, fechado com aloquete, em toda a largura da via, impedindo por aí a passagem de qualquer veículo, impedindo os autores de por ali acederem ao seu prédio com qualquer viatura ou meio de transporte de bens;</font><br>
<font>15) Em consequência, os autores estão desde então impedidos de transportar coisas e bens em viaturas para dentro do seu prédio, de passar com tractor, máquinas agrícolas ou quaisquer viaturas para agricultar o terreno, estando forçados a ter o mesmo inculto, com manifesto prejuízo em consequência directa e necessária da actuação da R., que mantém a cancela em ferro fechada a aloquete;</font><br>
<font>16) O Município de Santa Maria da Feira, citado para os termos da presente acção declarou não querer intervir;</font><br>
<font>17) A causa de pedir assenta no facto de existir uma via de comunicação terrestre, que faz parte do domínio público rodoviário municipal produzida pela Autarquia local, a qual a apropriou, afectando-a à utilidade pública e ao uso do público em geral, realizando obras de conservação e melhoramento ao longo de mais de 20 anos e fazendo tal via parte da toponímia local, da cartografia municipal e integrada na rede rodoviária municipal pertencente ao domínio público da autarquia local;</font><br>
<font>18) Em 11 de Abril de 2005, a Ré, espetou espigões em ferro no chão da estrada, em toda a largura da via, impedindo a passagem de qualquer veículo e a Autarquia, face à participação do assunto, discutido em Assembleia e em sede de Câmara Municipal, não age e nada fez e faz para demover a Ré a retirar o portão da via pública; </font><br>
<font>19) Tratando-se de bem do domínio público, face à não actuação da autarquia, assiste aos AA., como titulares de interesse difuso e com interesse na utilização da referida via, o direito de defenderem tal bem, impedindo a sua usurpação e/ou apropriação por particular, ex vi artigo 52° da Constituição da República Portuguesa, conjugado com os artigos 1°, n° 2, 2° e 12° da Lei n° 83/95 de 31 de Agosto (Lei de Acção Popular) e com o artigo 26°-A do C.P.C., requerendo seja reconhecida a via como via pública do domínio público municipal integrada na rede rodoviária municipal;</font><br>
<font>20) Na acção invoca-se a natureza de bem do domínio público quanto à via em causa nos autos e a causa da sua aquisição, ou seja, tendo como causa a sua produção, construção, ampliação, manutenção e conservação pela autarquia local;</font><br>
<font>21) As coisas públicas são bens do domínio público, constituindo o regime das coisas públicas o que se chama a dominialidade, sendo o domínio público constituído pelo acervo de bens destinados ao uso de todos, regulado pelo direito público;</font><br>
<font>22) No Código Civil vigente, no seu artigo 202°, n° 2 evitou-se caracterizar as coisas públicas, fazendo-o pela negativa e remetendo-se para legislação especial;</font><br>
<font>23) O Acórdão Uniformizador de Jurisprudência citado na decisão foi tirado na sequência de decisões divergentes sobre a caracterização de um caminho público, quando não aberto ou produzido pela entidade pública, e, distinguindo caminho público de atravessadouro, pronunciou-se apenas sobre uma das formas de aquisição dos bens para o domínio público, ou seja, por força de uma posse imemorial afecta ao uso directo e interesse do público;</font><br>
<font>24) Proferido o Assento nos termos da qual "</font><i><font>São públicos os caminhos que, desde tempos imemoriais, estão no uso directo e imediato do público</font></i><font>", logo se deu conta da insuficiência do conceito;</font><br>
<font>25) Insuficiência quer porque coloca na sombra a aquisição da natureza dominial quando tenha sido construído ou legitimamente apropriado pelo Estado ou autarquia local e se mantenha sob a administração de um ente estadual ou autárquico, quer porque não exige publicidade que espelhe a sua afectação à utilidade pública;</font><br>
<font>26) Sendo um dos requisitos essenciais da dominialidade a afectação do caminho à utilidade pública, ou seja, à satisfação de relevantes interesses colectivos, o referido Assento de 1989 deve “</font><i><font>ser interpretado restritivamente, no sentido de a publicidade dos caminhos exigir ainda a sua afectação à utilidade pública, ou seja, o uso do caminho visar a satisfação de interesses colectivos de certo grau ou relevância, e, ainda, de forma extensiva, quando afirma que deixou de subsistir, em alternativa, o critério segundo o qual é público um caminho pertencente a entidade pública e estar afecto à utilidade pública.</font></i><font>" RLJ, 134 e 135;</font><br>
<font>27) A decisão proferida é </font><u><font>no domínio da mesma legislação sobre uma mesma questão fundamental de direito e está em contradição</font></u><font> com Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, já transitado, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão de direito, </font><u><font>Ac. STJ n° conv. JSTJ00040535 de 15.06.2000</font></u><font>, in </font><a><u><font>www.dgsi.pt</font></u></a><font>; </font><br>
<font>28) A questão em discussão, a aquisição da dominialidade pública, no dizer do Acórdão fundamento depende, em regra, de 2 requisitos: </font><u><font>pertencer a coisa a entidade de direito público e ser afectada à utilidade pública</font></u><font>;</font><br>
<font>29) </font><u><font>No Acórdão em recurso</font></u><font> este cinge a aquisição da dominialidade da via ao uso directo e imediato do público, desde tempos imemoriais;</font><br>
<font>30) Ora, no caso como o dos autos, da abertura de uma estrada pela autarquia, afectando-a ao uso do público, verifica-se adquirido o referido carácter de bem do domínio público sem necessidade da imemorialidade;</font><br>
<font>31) Afectação que resulta do acto da administração que determinou a sua abertura, utilização e inauguração, consagrando tal via ao uso público, ordenando a sua manutenção pelos funcionários e serviços públicos da autarquia e cuja classificação até se deduz da sua inscrição no cadastro municipal das vias rodoviárias e da toponímia local;</font><br>
<font>32) E sobretudo, pela sua construção e apropriação, há mais de vinte anos, pela autarquia, a qual a manteve, reparou e conservou, sem oposição de quem quer que fosse durante tal período de tempo superior a 20 anos, afectando a via ao interesse público em geral, passando pela via quem quer que fosse e fazendo-a constar quer do Plano Rodoviário Municipal, quer da toponímia local, identificando a via sempre com via pública;</font><br>
<font>33) A dominialidade pressupõe posse e superintendência dos bens, sendo públicos os caminhos cuja propriedade pertence ao Estado ou às Câmaras e Juntas de Freguesia, ou, porque, os produziram ou, porque, os apropriaram desde tempos imemoriais e os mantêm na sua administração, afectos ao uso público, sem oposição de ninguém, dos quais a todos é lícito utilizar-se, com as restrições impostas por lei ou pelos regulamentos administrativos;</font><br>
<font>34) Ora os factos alegados na acção são caracterizadores da aquisição da pública dominialidade da via por força da sua construção, apropriação e afectação ao interesse público em geral, cfr. doutos Acs. do STJ de 08.05.2007, do TRG de 01.06.2005 e do TRP de 25.05.2010, todos in </font><a><u><font>www.dgsi.pt</font></u></a><font>;</font><br>
<font>35) No caso dos autos, estamos perante o que se denomina o domínio da circulação, e, dentro deste, temos o domínio rodoviário do Estado e o das Autarquias Locais, sendo a via em causa do domínio da Autarquia de Santa Maria da Feira;</font><br>
<font>36) Nos termos do artigo 84° da CRP, sob a epígrafe domínio público estipula-se que pertencem ao domínio público, além de outros bens, as estradas, dizendo-se que a lei define quais os bens que integram o domínio público do Estado, o domínio público das regiões autónomas e o domínio público das autarquias locais, bem como o seu regime, condições de utilização e limites (n°s l, d) e n°2);</font><br>
<font>37) Pertencem ao domínio público rodoviário todas as vias de comunicação terrestre, desde caminhos municipais a todo o tipo de estradas, e compete à lei determinar o sujeito titular desses diversos tipos de bens que integram o domínio público das respectivas entidades públicas, Estado, Regiões Autónomas e Autarquias; </font><br>
<font>38) É com base no denominado Plano Rodoviário Nacional, cuja base inicial podemos colher no Decreto-Lei n° 34 5923 de 11.05.1945, revisto em 1985 pelo Decreto-Lei n° 380/85 de 26.09, alterado sucessivamente com a designação de PRN/98 em 1998, em 1999, PRN 2000, e pelo DL 182/2003 de 16 de Agosto, que se fazem as classificações das vias, mantendo-se inalterado o essencial do domínio público municipal, mormente das estradas e caminhos municipais, estes ainda regidos pela Lei n° 2110 de 19.08 de 1961, dizendo o PRN, artigo 13°, que integram as redes municipais as estradas não incluídas no PRN;</font><br>
<font>39) Logo, por exclusão, as vias de comunicação terrestre, estradas municipais e caminhos públicos, produzidas e apropriadas pela autarquia, fazem parte do domínio público municipal, são públicas, por estarem afectas de forma directa e imediata ao fim de utilidade pública que lhe está inerente, e regem-se pelas leis que tutelam as Autarquias;</font><br>
<font>40) Sempre que é aberta uma estrada nova entre propriedades de particulares, pela autarquia, pelo Estado, colocada à disposição do trânsito rodoviário, servindo as populações, dotada de infra estruturas como o piso, que pode ser asfalto ou de tipo semelhante, de iluminação pública, de bermas, de sinais de trânsito, fazendo-a constar de plano rodoviário, da toponímia e cadastro municipais, tal representa uma fonte de aquisição para o domínio público da entidade autárquica ou estado;</font><br>
<font>41) No caso dos autos a fonte da aquisição da pública dominialidade da via é a sua construção, feitura, apropriação e manutenção durante mais de vinte anos pela autarquia, com afectação ao interesse público em geral, como é alegado na p.i.; </font><br>
<font>42) Pelo que, o chamar à colação como fonte de aquisição para o domínio público uma posse pública imemorial é deslocado, pois, não é tal fonte a invocada na acção, nem é necessária, havendo outra fonte de aquisição invocada.</font><br>
<font>43) Por isso a decisão proferida pela 1ª instância padece de um erro notório na qualificação dos factos e na sua subsunção ao direito, erro de julgamento pois a acção tem todos os factos que levam ao seu prosseguimento para julgamento.</font><br>
<font>44) A decisão de que se recorre violou as leis supra referidas na motivação, o conceito de aquisição de bem para o domínio público, mormente os artigos 84° da CRP e 202° do CC e as sucessivas leis sobre o denominado Plano Rodoviário Nacional, desde o Decreto-Lei n° 34 5923 de 11.05.1945, revisto pelo Decreto-Lei n° 380/85 de 26.09 e culminando no DL n° 182/2003, mormente no seu artigo 13°;</font><br>
<font>45) No caso como o dos autos, da abertura de uma estrada pela autarquia, afectando-a ao uso do público, verifica-se adquirido o referido carácter de bem do domínio público, cuja classificação até se deduz da sua inscrição no cadastro municipal das vias rodoviárias e da toponímia local, tratando-se de via usada pelo público, aberta há mais de 20 anos, que faz parte da toponímia local como via pública, do cadastro municipal, é de suprema relevância social a decisão judicial que seja definitivamente fixada;</font><br>
<font>46) E é também de relevância jurídica a decisão a tomar, atenta a forma dispersa e vaga que campeia no ordenamento jurídico, como se patenteia no erro notório na qualificação dos factos e na sua subsunção ao direito feito pelas instâncias, em violação das leis supra referidas, o conceito de aquisição de bem para o domínio público, e mormente aos artigos 84° da CRP e 202 do CC e as sucessivas leis supra discriminadas que regulam o denominado Plano Rodoviário Nacional, no seu artigo 13°;</font><br>
<font>47) Finalmente, se propendia para o entendimento plasmado na decisão, devia previamente, dar cumprimento aos artigos 508° e 3º, n° 3 do CPC, evitando assim uma decisão surpresa e convidar os A.A. a aperfeiçoar o articulado, pelo que, não o fazendo violou as referidas normas, sendo certo que os factos dos autos não são s | [0 0 0 ... 0 0 0] |
xzIgvIYBgYBz1XKvw6B5 | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font>Acordam na Secção Cível:<br>
I) Relatório<br>
No Tribunal Judicial de Vila Nova de Cerveira, a Junta de Freguesia de Cornes, propôs acção de processo ordinário contra A e mulher, B, com os seguintes fundamentos:<br>
É à autora que incumbe a administração dos baldios da freguesia de Cornes, na falta da respectiva Assembleia de Campestres. Nessa freguesia existem os montes conhecidos por "Monte das Lareiras", "Monte da Espinheira ou Vilar", e "Monte do Chão" que são baldios da freguesia, sendo, por isso, propriedade comunitária dos respectivos moradores que exercem a sua actividade no local.<br>
Ora, em Março de 1988, os réus residentes na freguesia da Silva, da comarca de Valença, sem qualquer licença ou autorização dos moradores da freguesia de Cornes, ou dos seus representantes, designadamente da Autora, decidiram fazer a condução da agua de uma mina sita na freguesia de Cornes para outros prédios contíguos que possuem na freguesia da Silva, através de tubo plástico e dos terrenos que constituem os referidos montes baldios. Para tanto, os réus abriram valas, que taparam após ali terem colocado esse tubo.<br>
Dessa forma, os réus destruíram vegetação existente na faixa de terreno ocupadas pelas valas abertas nesses baldios, destruição que virá a repetir-se, quando, como<br>
é provável, houver necessidade de abrir as valas para reparação desse tubo e ainda em virtude de os mesmos terem de passar sob esse terreno, devassando assim esses baldios, sobre os quais não têm qualquer direito.<br>
Não assiste aos réus o direito de ver constituída qualquer servidão de aqueduto sobre tais baldios.<br>
A autora, terminou, pedindo: a) se declare que esses montes são baldios e, como tal, propriedade comunitária dos moradores da freguesia de<br>
Cornes, que exercem a sua actividade no local; b) se condenem os réus a reconhecer tal domínio, bem como a retirar o cano que nesses baldios implantaram, tapando de seguida as valas que tiverem de abrir para o efeito, deixando o terreno devidamente aplanado; c) se condenem os réus a pagar aos moradores da freguesia de Cornes, aqui representados pela autora, os prejuízos que causaram, a liquidar em execução de sentença.<br>
Contestaram os réus, começando por excepcionar a ilegitimidade da autora e a ineptidão da petição inicial, e impugnando, disseram:<br>
Os terrenos em causa sempre foram comunitariamente fruidos, para além dos moradores da freguesia de<br>
Cornes, também por moradores das freguesias da Silva e de S. Julião, do concelho de Valença.<br>
Já há mais de 30 e 40 anos é costume seguido, designadamente por pessoas, residentes na freguesia da<br>
Silva, atravessarem os aludidos montes com tubos subterrâneos para condução de água, quer para fins agrícolas, quer para gastos domésticos. Todas essas pessoas (tal como os réus a aproveitarem esses montes para colocação do discutido tubo) assim agiram na convicção de que exerciam um direito de vizinhos e compartes em tais baldios.<br>
A autora, com esta acção, actua em abuso de direito, porque não visa a defesa dos interesses das populações, atentando contra o fim social do direito e os bons costumes.<br>
Replicou ainda a autora.<br>
Saneado o processo e organizados a especificação e o questionário, os réus agravaram do saneador, por ali se terem julgado improcedentes as excepções, sendo o agravo recebido com nulidade ferida.<br>
Tendo-se procedido a julgamento, a acção foi julgada procedente.<br>
2 - Inconformados com a sentença, dela os réus interpuseram recurso de apelação.<br>
A Relação do Porto, por acórdão de fls. 138 e seguintes, negou provimento ao agravo e à apelação, confirmando a sentença recorrida.<br>
3 - Os réus interpuseram recurso de revista para este<br>
Supremo Tribunal de Justiça.<br>
Na sua alegação de recurso os recorrentes formularam as seguintes conclusões:<br>
1) A Junta de Freguesia de Cornes e os ora recorrentes tiveram posição de autores e réus numa acção real: acção que versava sobre os mesmo baldio.<br>
2) Invocou a sua ilegitimidade e fez vencimento: ganho sobre titularidade; a questão de fundo ficou precludida em virtude da Junta de Freguesia se considerar estranha, ilegítima em todas as relações que versassem sobre o baldio.<br>
3) As instâncias, não reconhecendo poder de caso julgado material, violaram o artigo 491 do Código de<br>
Processo Civil, pois o tribunal num processo considerou parte ilegítima a Junta de Freguesia de Cornes e neste julgou-a legitima.<br>
4) Versa sobre a mesma coisa imóvel - posse e propriedade - e o tema é o mesmo: passagem de tubos subterrâneos.<br>
5) Nas acções sobre coisas - acções reais - a causa de pedir é o facto jurídico de que deriva o direito real - não importa a posição das partes; as instâncias violaram o artigo 498, ns. 3 e 4, e os tribunais contradizem-se, porque ora a Junta de Cornes é titular (caso "sub judice"), ora não foi titular (decisão anterior).<br>
6) A legitimidade tem duas vertentes: a que deriva da relação material invocada, e a que deriva da relação processualmente alegada; ora, nos termos do n. 3 do artigo 26 do Código de Processo Civil são os sujeitos da relação material controvertida quem decide. As instâncias ora consideraram titular do baldio a Junta de Freguesia (caso em recurso), ora a julgaram não titular, havendo, portanto, ofensa do caso julgado, devendo valer a primeira decisão da ilegitimidade, pelo que há violação do artigo 499, n. 1, do Código de<br>
Processo Civil.<br>
7) As instâncias decidem contra todos os princípios de direito constitucional sobre os bens comunitários havendo portanto, violação dos artigos 89, n. 2, da Constituição da República Portuguesa.<br>
8) As instâncias aplicam o artigo 6 do Decreto-Lei n. 39/90 e o artigo 3 do Decreto-Lei n. 40/76, mas estas normas são inconstitucionais por supervenientes, pelo que se deve revogar o acórdão recorrido ou anular a sua decisão.<br>
Contra-alegando, a recorrida defende que deve ser negado provimento ao recurso.<br>
II) Fundamentos da decisão:<br>
A) Factos provados:<br>
1 - Na freguesia de Cornes, do concelho de Vila Nova de Cerveira, existem os montes conhecidos por "Monte das Lareiras", "Monte da Espinheira ou Vilar", e "Monte Chão", que são contíguos e constituídos por vários prédios rústicos de mato e pinheiros, com a área global superior a 715000 m2, os quais se encontram insertos na matriz predial rústica de Cornes, no seu todo, sob os artigos 743, 771, 817, 834, 857, 765, 802, 889 e 891 (alínea B da especificação).<br>
2 - O "Monte das Lareiras" confronta, no seu todo, de<br>
Norte com o lugar de Chão, da freguesia de Cornes, do<br>
Sul com o "Monte Vilar", do Nascente com as freguesias de S. Julião e de Silva, do concelho de Valença, e do Poente com os lugares de Lameira e do Santo do Monte, da freguesia de Cornes (idem, alínea C).<br>
3 - O "Monte da Espinheira ou Vilar" confronta, no seu todo, do Norte com o "Monte das Lareiras", do Sul com a freguesia de Lapardos, do concelho de Vila Nova de Cerveira, do Nascente com a freguesia de S. Julião, e do Poente com o local de Valinhas, da freguesia de<br>
Cornes (idem, alinea I).<br>
4 - O "Monte do Chão", confronta, no seu todo, do Norte com o local de Campelo, da freguesia de Cornes, do Sul com "Monte das Lareiras", a Nascente com a freguesia da<br>
Silva, e do Poente com o dito lugar de Souto do Monte<br>
(idem, alínea E)<br>
5 - Desde há mais de 1, 20, 30, 50, 100 e 200 anos, que se perdeu na memória dos vivos, os moradores da freguesia de Cornes vêm utilizando colectivamente os montes referidos e, por isso, os terrenos que os constituem para apascentação de gados, produção e corte de matos e lenhas, neles fazendo igualmente, sob orientação dos Serviços Florestais, vários cortes de madeira (idem, alínea F).<br>
6 - E tudo à vista de toda a gente, sem oposição de quem quer que seja, de forma ininterrupta e pacífica, na convicção de que esses montes estão afectos a logradouro comum dos moradores da freguesia de Cornes<br>
(idem, alíneas G e H).<br>
7 - Por volta do dia 15/16 de Março de 1988, os réus decidiram fazer a condução da água de uma mina que possuem e se situa no subsolo de um seu prédio rústico denominado "Espinheira", sito no lugar de S. Sebastião, da freguesia de Cornes, para dois prédios urbanos que possuem no lugar de Fradeira, da mencionada freguesia de Silva, (idem alínea I).<br>
8 - Para tal, os réus, sem autorização da autora, abriram valas através dos referidos montes, numa extensão de 1100 metros (idem, alínea J) e resposta ao quesito 11).<br>
9 - E depois, colocaram um cano de plástico, com o diâmetro de 2 polegadas, com varias emendas, desde a mina até aos prédios urbanos referidos, tapando de seguida as valas abertas (idem, alínea K).<br>
10 - A implantação dos canos foi feita na extensão aludida, no sentido Nascente-Poente (como esta assinalado a vermelho na planta de folhas 11 do apenso processo n. 26/88) - (idem, alínea c).<br>
11 - Os montes referidos são atravessados por tubos subterrâneos, alguns há mais de 30 e 40 anos, aproveitando-se a água (por eles conduzida) quer na agricultura, quer em gastos domésticos (respostas aos 10 e 11).<br>
12 - As valas mencionadas em 8 tinham uma largura de<br>
área de 60 centímetros e uma profundidade sensivelmente igual (idem, aos quesitos 12 e 13).<br>
13 - Ao abrirem as valas, os réus destruiram a vegetação em crescimento existente na faixa ocupada pelas mesmas, ou seja, pinheiros miúdos e novos (idem, ao quesito 14).<br>
14 - ... Tendo esta faixa a largura média de 2 metros<br>
(idem, ao quesito 15).<br>
15 - Em virtude dos factos aludidos em 7, 8, 9 e 10, os réus terão de passar necessariamente sobre os baldios em causa quando se mostre necessário efectuar alguma obra de reparação nos canos (idem, ao quesito 16).<br>
B) Aspecto Jurídico da Causa<br>
1 - Como vemos da certidão junta aos autos a folhas 64 e seguintes, os ora réus A e mulher, B, propuseram contra a Junta de Freguesia de Cornes uma acção especial de expropriação por utilidade particular para a constituição de uma servidão legal de aqueduto para condução subterrânea de água por meio de um cano ou tubo através do subsolo do referido "Monte das Lareiras", sob a administração daquela Junta de Freguesia, por se encontrar extinto o Conselho Directivo dos Baldios da Freguesia de Cornes.<br>
No despacho saneador, de 26 de Fevereiro de 1985, proferido nessa acção especial foi julgado procedente a excepção da ilegitimidade da re, por esta invocada, tendo a Junta de Freguesia sido absolvida da instância.<br>
Aquele despacho saneador transitou em julgado em 18 de<br>
Março de 1985 (fls. 64).<br>
Pretendem, agora, os recorrentes que a decisão ali proferida sobre a ilegitimidade da re na acção que respeitava ao mesmo baldio a que se reporta a presente acção faz caso julgado material, porque a legitimidade tem duas vertentes: a que deriva da relação material invocada e a que resulta da relação processualmente alegada.<br>
2 - Sobre o caso julgado, a nova lei adjectiva faz uma distinção nítida entre o caso julgado formal e o caso julgado material ou substancial, como se alcança dos artigos 671 e 672 do Código de Processo Civil, só possuindo força obrigatória dentro do processo e fora dele o caso julgado material (aquele artigo 671).<br>
A legitimidade das partes é, entre nós, classificada como um pressuposto processual e, quanto a isso, todos os nossos processualistas estão de acordo, não existindo nenhuma teoria discordante (Alberto dos Reis,<br>
"Comentário ao Código de Processo Civil, volume V, 2 edição, paginas 40 e seguintes, Manuel de Andrade, "Noções Elementares de Processo Civil" pagina 74 e seguintes, Antunes Varela, "Manual de Processo Civil", paginas 98 e seguintes; Anselmo de Castro, "Direito Processual Civil Declaratório", volume II, paginas 174 e seguintes; Castro Mendes, "Manual de Processo Civil, páginas 250 e seguintes).<br>
Porém, em certos países, designadamente na Itália, faz-se da legitimidade das partes uma condição de fundo da acção e, por isso, se lhe chama, "legitimação" ("ligitimatio ad causam), isto é: requisito de sentença favorável ao autor, porque na perspectiva dessa teoria tem que haver coincidência da legitimidade com a titularidade activa e passiva da relação material litigada (Anselmo de Castro, obra citada, paginas 175 e seguintes). Sata, ali citado, dizia: "Negar a legitimidade e negar o direito é, pois, uma e a mesma coisa, uma vez que a legitimidade é função do direito que se faz valer".<br>
3 - Entre nós, a legitimidade é concebida como uma posição das partes em face da relação material litigada e essa função é exclusivamente processual, traduzindo-se em que o processo deve correr perante os sujeitos que, em relação à providencia requerida, possam ser os efectivos destinatários da tutela jurisdicional. "À legitimidade, tal como a lei a concebe, interessa saber quem são os sujeitos da relação controvertida. A questão de saber se a relação existe ou não existe pertence já ao mérito da acção" (Antunes Varela, "Manual de Processo Civil", pagina 131).<br>
O artigo 26, n. 1, do Código de Processo Civil concebe a legitimidade como a titularidade do interesse na acção, em demandar ou em contradizer segundo o seu n. 2, esse interesse expressa-se pela utilidade derivada da procedência da acção (para o autor), ou pelo prejuízo que dessa procedência advenha (para o réu). De harmonia com esse artigo 26, a legitimidade é um pressuposto processual - requisito "de que depende dever o juiz proferir decisão sobre o mérito da causa"<br>
(Manuel de Andrade, obra citada, pagina 74). E é por isso, que no sistema do nosso Direito Processual Civil, a ilegitimidade das partes conduz à absolvição da instância (artigo 288, n. 1, alínea d) do Código de<br>
Processo Civil), que não obsta a que se proponha outra acção sobre o mesmo objecto (artigo 289, n. 1, do Código de Processo Civil).<br>
Como o despacho saneador proferido na outra acção em que a ré foi julgada parte ilegitima versou apenas sobre a relação processual, o caso julgado formado com o seu trânsito é formal, com o âmbito referido no artigo 672 do Código de Processo Civil só teve força obrigatória dentro do processo em que foi proferido, não interessando agora - nem podendo interessar a bondade ou não da decisão ali proferida.<br>
Portanto, não pode haver contradição entre a decisão proferida naquela acção sobre a legitimidade das partes e a proferida na presente, porque aquela primeira decisão não tem valor fora do respectivo processo.<br>
4 - E será a Junta de Freguesia de Cornes parte legitima na presente acção, isto é, será essa Junta de Freguesia sujeito da relação material controvertida, que respeita ao reconhecimento do direito de propriedade comunitária do baldio que foi atravessado no subsolo por um cano ou tubo ali introduzido pelos réus?<br>
Segundo o Professor Marcelo Caetano, "baldio era um terreno não individualmente apropriado, destinado a servir de logradouro comum dos vizinhos de uma povoação ou de um grupo de povoações" (termo "baldio" na Enciclopédia Luso Brasileira de Cultura, volume 3, página 427). Esta noção foi dada face à legislação anterior ao actual Código Civil, pois, de harmonia com o Código de Seabra, as coisas, segundo a sua titularidade, eram classificadas em públicas, comuns e particulares (seu artigo 379), sendo os baldios incluídos nas coisas comuns (seu artigo 381, n. 1). O mesmo Professor, após a entrada em vigor do actual Código Civil, face ao seu artigo 202, defendia que os baldios eram bens do domínio privado indisponível da autarquia ("Manual de Direito Administrativo, volume<br>
II, 9 edição (reimpressão) página 977). De opinião contrária é o Professor Rogério Eluhardt Soares, "Sobre os baldios", na R.D.E.S., ano XIV - 1967, paginas 259 e seguintes).<br>
5 - Após a Revolução de Abril de 1974, esse regime dos baldios foi substancialmente alterado pelo Decreto-Lei n. 39/76, de 19 de Janeiro, que definiu os baldios como<br>
"os terrenos comunitariamente usados e fruídos por moradores de determinada freguesia ou freguesias, ou parte delas, (seu artigo 10). Esse diploma devolveu os baldios aos respectivos compartes, cabendo ao seu conselho directivo a sua administração (seu artigo 11).<br>
Segundo a alínea c) do n. 2 do artigo 89 da Constituição da República Portuguesa (versão primitiva) o sector público compreendia também os bens comunitários com posse útil e gestão das comunidades locais, onde se incluem os baldios.<br>
Porém, incompreensivelmente, o artigo 119 da Lei n. 79/77 (Lei das Autarquias), de 25 de Outubro, restituiu novamente a administração dos baldios aos órgãos executivos autárquicos, mas tal preceito foi revogado pela Lei n. 91/77, de 31 de Dezembro, entendendo-se que foi repristinada a disposição do Decreto-Lei n. 39/76, que entregara aos conselhos directivos dos compartes essa administração.<br>
Segundo a última revisão constitucional (a 2 Lei Constitucional n. 1/89, de 8 de Julho de 1989), os baldios foram integrados no artigo 82, n. 4, alinea b) da Constituição - Os meios de produção comunitária, possuídos e geridos por comunidades locais. De harmonia com o Acórdão do Tribunal Constitucional (plenário) n. 325/89, de 4 de Abril de 1989, proferido em apreciação preventiva da constitucionalidade , a requerimento do Presidente da República, "os baldios integram os "bens comunitários" a que se refere a Constituição, bens esses que não estão apenas na posse e gestão das comunidades locais; mas também na sua titularidade, isto é, são bens pertencentes a comunidades e não pertencentes a entidades públicas" (B.M.J. n. 386 - pagina 129 e seguintes).<br>
6 - Contudo, nos termos do artigo 3 do Decreto-Lei n. 40/76, de 19 de Janeiro, a assembleia de compartes pode deliberar confiar às Juntas de Freguesia a administração dos baldios. Foi o que aconteceu no caso em apreço, conforme se vê da acta n. 11, a fls. 11 e seguintes do apenso de providencia cautelar não especificada.<br>
E, assim sendo, a Junta de Freguesia de Cornes é parte legítima para demandar os réus, porque é ela quem administra os baldios situados na sua área, embora continuem a ser propriedade comunitária dos seus moradores. Se a administração desses baldios estivesse ainda entregue aos conselhos directivos dos respectivos compartes, era esse conselho directivo que detinha a legitimidade para a acção, porque a lei processual confere personalidade judiciária ao património autónomo que é o baldio, nos termos do artigo 6 do Código de Processo Civil, embora não tenha personalidade jurídica.<br>
7 - Segundo a própria definição de baldios, estes são bens comunitariamente fruídos pelos moradores de determinada freguesia. Quer isto dizer que só os habitantes residentes na área da freguesia podem fruir um baldio existente na respectiva área. Pode acontecer que o baldio se estenda por mais de uma freguesia, mas, nesse caso, os habitantes de cada freguesia só podem fruir comunitariamente a parte do baldio situada na área da freguesia de que são moradores.<br>
Residindo os recorrentes na freguesia de Silva, concelho de Valença, não podem fruir o baldio situado noutra freguesia e concelho.<br>
8 - Os Decretos-Lei n. 39/76 e 40/26, já referidos, não são inconstitucionais; como pretendem os recorrentes e isso mesmo ressalta do citado acórdão n. 325/89 do Tribunal Constitucional. Este mesmo acórdão é que considerou inconstitucional o Decreto n. 132/V da Assembleia da República, quanto às disposições que se propunham instituir um novo regime legal dos baldios, substituindo o que ainda hoje consta daqueles Decretos-Leis ns. 39/76 e 40/76.<br>
III) Decisão<br>
Pelo exposto, negam a revista.<br>
Custas pelos recorrentes.<br>
Lisboa, 15 de Dezembro de 1992.<br>
Santos Monteiro,<br>
Fernando Fabião,<br>
Miguel Montenegro.<br>
Decisões impugnadas:<br>
I - Sentença de 90.09.28 do Círculo Judicial de Viana do Castelo;<br>
II - Acórdão de 91.04.22 da Relação do Porto.</font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
bDKxu4YBgYBz1XKv9zHD | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><br>
<br>
<br>
<font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font><br>
<br>
<br>
<font>I. Relatório</font><br>
<br>
<font>AA-Sociedade de Tratamento Industrial de Madeira, Ld.ª, com sede na Zona Industrial de S... R… N…, Viana do Castelo, </font><br>
<font>instaurou no Tribunal Judicial de Montalegre acção executiva para pagamento de quantia certa, </font><br>
<font>contra </font><br>
<font>BB e esposa CC</font><b><font>,</font></b><font> residente em G…, C…, Montalegre, </font><br>
<font>apresentando como títulos executivos</font><br>
<font>- seis letras de câmbio, sacadas pela Exequente e aceites pela firma “BB, Unipessoal, Ld.ª”, da qual o BB é o único gerente, e que nas referidas letras deu o seu aval pessoal à aceitante.</font><br>
<font>Foi então alegado que o Executado e a sua empresa estão em grave situação económica, tendo suspendido todos os pagamentos, e que as dívidas subjacentes às letras de câmbio que servem de fundamento ao requerimento executivo foram contraídas no exercício da actividade comercial do Executado marido, em proveito comum do casal. </font><br>
<font>Na execução não foi demandada a sociedade “BB, Unipessoal, Ld.ª”, que havia sido a aceitante das letras, e a favor de quem o ora Executado dera o seu aval.</font><br>
<br>
<font>O M.º Juiz julgou a executada CC parte ilegítima, absolvendo-a da instância.</font><br>
<font>Foi entretanto ordenada a penhora dos vários prédios nomeados como sendo pertencentes ao Executado avalista.</font><br>
<br>
<font>Este veio no entanto deduzir oposição à execução e à penhora:</font><br>
<font>Quanto à execução, defendeu-se o Executado, ora oponente, excepcionando o incumprimento ou cumprimento defeituoso da oposta (Exequente) no contrato de subempreitada, negócio subjacente às letras avalizadas, em que esta assumia a qualidade de subempreiteira, e no qual era empreiteiro a aceitante das letras (entidade por si avalizada) - a sociedade “BB, Ld.ª”.</font><br>
<font>Alegava que a referida sociedade, sublinha-se, não demandada na execução, recusou legitimamente pagar o preço titulado nas letras enquanto os defeitos da obra não fossem totalmente reparados pela Exequente.</font><br>
<font>Como entretanto o dono da obra (Câmara Municipal de Cabeceiras de Basto), entidade que adjudicara a empreitada à referida sociedade “BB, Unipessoal, Ld.ª”, resolveu o contrato com esta sociedade, não pode esta exigir nem o ora oponente Executado que os defeitos sejam reparados, razão pela qual entende que haja lugar à redução do preço.</font><br>
<font>Quanto às penhoras, alegou a duplicação de descrições prediais e o conteúdo falso de uma outra. </font><br>
<br>
<font> A ora oposta (Exequente) pronunciou-se pela improcedência das oposições à execução e às penhoras.</font><br>
<font> </font><br>
<font>Tanto a oposição à execução como às penhoras foram julgadas improcedentes.</font><br>
<br>
<font>O executado interpôs recurso de ambas as decisões.</font><br>
<br>
<font>A Relação veio a negar provimento ao agravo (oposição às penhoras) e a dizer que julgava “parcialmente procedente a apelação” (oposição à execução), ainda que em termos efectivos e reais tenha julgado improcedente a apelação e mandado prosseguir a execução. (fls. 395).</font><br>
<font> No corpo do Acórdão, a Relação explicitou a sua posição dizendo, em síntese, que por não terem as letras saído da mão do credor originário (sacador) e o avalista responder nos mesmos termos da entidade por si avalizada - no caso, a entidade sacada, aceitante da letra - , continuava-se dentro das relações imediatas, e, assim, o avalista ( BB) podia opor à portadora-sacadora das referidas letras (AA- subempreiteira) todos os meios de defesa que a aceitante (BB, Unipessoal, Ld.ª), podia opor aquela (no caso, à Exequente “AA, Sociedade de Tratamento Industrial de Madeiras, Ld.ª”) no negócio subjacente.</font><br>
<font>No entanto, - continuando a reportar-nos ao que foi exarado no Acórdão -, não pode o avalista sobrepor-se à avalizada (empreiteira) a respeito de determinar se, perante o cumprimento defeituoso da (sacadora) subempreiteira, opta pelo cumprimento integral da obrigação – reparação dos defeitos, pagando, em contrapartida, as quantias acordadas e tituladas, ou se pelo contrário, opta pela redução do preço, ou, até, a restituição de parte do preço já pago.</font><br>
<font> </font><br>
<font>Continuando inconformado, veio o Executado interpor recurso, qualificado como Revista e com efeito devolutivo.</font><br>
<font>Terminou as alegações de recurso com as seguintes “conclusões”:</font><br>
<br>
<font>“1.º O Recorrente concorda com o entendimento sufragado no Acórdão recorrido quanto à questão do avalista da letra poder utilizar os mesmos meios de defesa que seria lícito ao aceitante opor ao sacador, não pretendendo recorrer quanto a este segmento do aresto. </font><br>
<font>2.º Como consequência deste entendimento, é lícito concluir que o exercício dos direitos do avalista/Recorrente, ao abrigo do disposto no artigo 17° da LULL, não depende da posição adoptada pelo aceitante. </font><br>
<font>3.º O direito do avalista/Recorrente se defender perante as letras dadas à execução é totalmente independente do direito do aceitante, não funcionando apenas num segundo momento, depois de se saber se este último fez ou não algo. </font><br>
<font>4.º Perante alguns aspectos que o Acórdão recorrido considerou não provados, se se considerar que os mesmos são importantes para a boa decisão da causa, deverá ordenar-se a remessa dos autos à primeira instância para o seu conhecimento. </font><br>
<font>5.º O exercício imediato, incondicional e sem limitações de qualquer ordem por parte do Recorrente/avalista dos meios de defesa que o aceitante poderia opor ao portador da letra é o único entendimento que se coaduna com o disposto no artigo 17° da LULL. </font><br>
<font>6.º O Acórdão recorrido violou o disposto no artigo 17° da LULL.</font><i><font> </font></i><br>
<font>TERMOS EM QUE deve o Acórdão recorrido ser revogado na parte em que conhece o mérito da causa, considerando-se que o Recorrente pode pedir a redução do preço da empreitada em face do cumprimento defeituoso do contrato de empreitada, julgando-se assim a oposição procedente, ou, se se entender não estarem apurados todos os factos necessários à boa decisão da causa, deverá ordenar-se a remessa dos autos à primeira instância para o seu conhecimento, assim se fazendo JUSTIÇA.”</font><br>
<br>
<font>Não houve contra-alegações.</font><br>
<font> </font><br>
<font>II. Âmbito do recurso e fundamentação</font><br>
<br>
<font>II</font><b><font>.-</font></b><font>A) As questões</font><br>
<br>
<font>Tendo em conta o disposto nos arts. 684.º-3 e 690.º-1 do CPC e a matéria incluída nas conclusões das alegações que acima transcrevemos, vemos que as questões colocadas para nossa reapreciação são as seguintes:</font><br>
<font>a) Determinar se pode o avalista do aceitante defender-se contra o sacador de uma letra, quando o aceitante assume na relação causal a posição de empreiteiro sendo subempreiteiro o sacador, alegando o avalista o cumprimento defeituoso do contrato e exigindo por isso a redução do preço;</font><br>
<font>b) Determinar se é necessária a remessa dos autos às instâncias para ampliação da matéria de facto.</font><br>
<br>
<br>
<font>II.-B) Os factos</font><br>
<br>
<br>
<font>Foram considerados fixados pela Relação os factos seguintes:</font><br>
<br>
<i><font>“1. À "BB Unipessoal, Lda." foi adjudicada pela Câmara Municipal de Cabeceiras de Basto a "Empreitada de Construção do Centro Hípico de Vinha de Mouros". </font></i><br>
<i><font>2. A consignação dos trabalhos foi efectuada em 01/09/2003. </font></i><br>
<i><font>3. Em 26 de Fevereiro de 2004, por escrito, a "BB Unipessoal, Lda." declarou ter em execução a empreitada de "Construção do Centro Hípico de Vinha de Mouros", em Cabeceiras de Basto, declarando adjudicar à exequente, ora oposta, que aceitou, pelo preço de € 160.000,00, a (sub)empreitada de fornecimento e montagem de uma estrutura de cobertura em madeira para o referido Centro. </font></i><br>
<i><font>4. A empreitada referida em 3. contemplava a entrega e montagem de estrutura de madeira melada colada, composta por cavaletes e vigas, com secção de 945x160 mm, madres com secções de 270 x115 mm e 225x115 mm colocadas entre cavaletes e vigas, com afastamento de l,22mm entre si, ferragens para fixação, tirantes metálicos, e fornecimento de painéis sandwich AA, e fornecimento e montagem de sub-telha Onduline, com acessórios, tratamento base das madeiras contra insectos e fungos, pintura interior e exterior e transporte e meios de auxílio à montagem. </font></i><br>
<i><font>5. Em 30/04/2004 e 28/05/2004 </font></i><font>( na matéria de facto está escrito 2005, como de resto ao longo de todo o processo, mas trata-se de lapso continuado, induzido pela própria petição de oposição à execução, em contradição com o documento para o qual remetia o artigo 52 desse articulado. – cfr. fls. 13 e 121), </font><i><font>a Câmara Municipal de Cabeceiras de Basto solicitou à "BB Unipessoal, Lda." a entrega do projecto de estrutura da cobertura e o respectivo termo de responsabilidade. </font></i><br>
<i><font>6. Em 05/05/2004 e 31/05/2004, a referida Câmara solicitou novamente os elementos referidos em 5., comunicando ao oponente que, em caso de não entrega, tomá-lo-iam em consideração do auto de medição dos trabalhos. </font></i><br>
<i><font>7. Em Junho de 2004, a estrutura de madeira começou a revelar um abaixamento. </font></i><br>
<i><font>8. Em 11/06/2004, a Câmara Municipal de Cabeceiras de Basto - CMCB - solicitou à "BB Unipessoal, Lda." os elementos referido em 5. e deu-lhe a conhecer o abaixamento referido em 7. </font></i><br>
<i><font>9. Os elementos referidos em 5. foram entregues em 06/2004. </font></i><br>
<i><font>10. Em 01/07/2004, o projecto de estrutura da cobertura em madeira foi aprovado pela CMCB que declarou condicionar a aprovação ao solucionamento do abaixamento. </font></i><br>
<i><font>11. Com o decorrer do tempo, a estrutura de madeira foi apresentando um abaixamento e deformação mais acentuados. </font></i><br>
<i><font>12. Em 21/07/2004, a "BB Unipessoal, Lda."solicitou à ora oposta a apresentação de uma solução para o conserto do abaixamento, insistindo no pedido em 27/07/2004. </font></i><br>
<i><font>13. Em 05/08/2004, a CMCB exigiu à BB Unipessoal, Ld.ª a adopção de soluções técnicas para solucionar o abaixamento da estrutura. </font></i><br>
<i><font>14. Em 10/08/2004, a BB Unipessoal, Lda. insistiu no solucionamento do abaixamento. </font></i><br>
<i><font>15. Em 30/08/2004, à Exequente, ora oposta, é comunicado que a CMCB não recepcionou provisoriamente a estrutura e que não pagaria os trabalhos executados, também porque não haviam sido reparados o abaixamento e deformação da estrutura em madeira. </font></i><br>
<i><font>16. Em 07/10/2004, a CMCB renovou a exigência referida em 13. e, em 13/10/2004, a BB Unipessoal, Ld.ª insistiu no solucionamento do abaixamento junto da oposta e/ ou o envio de uma declaração de conformidade da execução do projecto da estrutura. </font></i><br>
<i><font>17. Em 15/12/2004 foi notificado à BB Unipessoal, Ldª. um auto de violação de prazos contratuais, com proposta de aplicação de multa, invocando-se, como um dos fundamentos, a pendência dos trabalhos de reparação da cobertura. </font></i><br>
<i><font>18. Em 14/01/2005, a CMBC aplicou à BB Unipessoal, Ld.ª. uma multa no valor de € 132.152,34, invocando o abaixamento na estrutura. </font></i><br>
<i><font>19. Em finais de Junho, início de Julho, a oposta deslocou um funcionário ao Centro Hípico, o qual concluiu que o abaixamento verificado se encontrava dentro dos valores definidos nas respectivas normas regulamentares. </font></i><br>
<i><font>20. Em 18/02/2005, no âmbito do proc. n.o 47/05.0 TBMTR, a BB Unipessoal, Lda. foi declarada em estado de insolvência. </font></i><br>
<i><font>21. A entrega do projecto de estrutura de madeira é, em regra, entregue no final da obra, para permitir a introdução das alterações que se fazem ao longo dos trabalhos. </font></i><br>
<i><font>22. No escrito referido em 3. está prevista a entrega das telas finais antes da recepção provisória dos trabalhos. </font></i><br>
<i><font>23. As deformações da cumieira da estrutura verificadas estão dentro dos valores admissíveis e expectáveis, de acordo com os regulamentos aplicáveis. </font></i><br>
<i><font>24. As deformações apresentadas são inestéticas. </font></i><br>
<i><font>25. A CMCB solicitou à oposta a apresentação de orçamento para reparação do abaixamento. </font></i><br>
<i><font> 26. Na execução de que esta oposição é apenso foram juntas seis letras de câmbio, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, sacadas pela Exequente, e aceites pela firma BB, Unipessoal, Ld.ª.</font></i><br>
<i><font>27. O Oponente era o único sócio da dita firma, ora insolvente;</font></i><br>
<i><font>28. O Oponente deu o seu aval pessoal nessas letras;</font></i><br>
<i><font>29. O valor inscrito nessas letras, no total de € 72.975,00 ainda não foi pago à Exequente.”</font></i><br>
<font> </font><br>
<font>II-C) O Direito</font><br>
<br>
<font>Estamos perante uma oposição à execução, cujos títulos são constituídos por Letras de câmbio, tendo como negócio subjacente um contrato de subempreitada, em que é empreiteira “BB, Unipessoal, Ld.ª” (aceitante nas letras, em favor de quem o ora oponente deu o seu aval) e subempreiteira a Exequente AA-Sociedade de Tratamento Industrial de Madeira, Ld.ª (sacadora nas mesmas), inserindo-se, por sua vez, o contrato de subempreitada num outro contrato em que a dona da obra é a Câmara Municipal de Cabeceiras de Basto.</font><br>
<font>As referidas Letras destinaram-se a pagamento dos materiais e serviços prestados pela subempreiteira à empreiteira, sendo os avales dados como garantia desses pagamentos.</font><br>
<font>Perante a falta de pagamento, a Exequente veio a instaurar execução contra o Executado BB, que dera o aval à firma empreiteira com o mesmo nome e que nas Letras ocupava o lugar de Sacada-aceitante, sendo o Executado o único sócio e representante dela, mas não demandando a sociedade.</font><br>
<br>
<font>Pois bem:</font><br>
<br>
<font>De acordo com o disposto no art. 43.º da LULL, “O portador de uma letra pode exercer os seus direitos de acção contra os endossantes, sacador e outros co-obrigados (…)</font><i><font>”</font></i><br>
<i><font>In casu,</font></i><font> a Exequente é portadora das Letras, não tendo elas saído da sua mão. Na relação cartular ocupa o lugar de sacadora e o Executado oponente é nas letras obrigado cambiário, dado nelas ter colocado o seu aval pessoal à aceitante (BB, Unipessoal, Ld.ª.</font><br>
<font>Todas as Letras se mostravam vencidas.</font><br>
<font>Pode por isso demandá-lo.</font><br>
<br>
<font>De acordo com os §§ 1.º e 2.º do art. 47.º da LULL, </font><br>
<br>
<i><font>“Os sacadores, aceitantes, endossantes ou avalistas de uma letra são todos solidariamente responsáveis para com o portador.</font></i><br>
<i><font>O portador tem o direito de accionar todas estas pessoas, individualmente ou colectivamente, sem estar adstrito a observar a ordem por que elas se obrigaram.</font></i><br>
<font>Assim, a Exequente podia demandar o avalista sem que demandasse a aceitante, em favor da qual o ora Executado oponente dera o aceite. </font><br>
<br>
<font>Nos termos do art. 32.º §1.º da LULL, </font><i><font>“O dador do aval é responsável da mesma maneira que a pessoa por ele afiançada”</font></i><br>
<br>
<font>Conjugando agora os preceitos acima enunciados, isto significa, por um lado, que o avalista responde da mesma forma que a entidade por ele avalizada, que a sua obrigação é autónoma - não podendo escudar-se no benefício de prévia excussão - , o que, no plano concreto vem a traduzir-se no seguinte enunciado:</font><br>
<font> BB (avalista do aceitante) é responsável da mesma forma que a sociedade “BB, Unipessoal, Ld.ª” (aceitante) perante a “AA-Sociedade de Transformação Industrial de Madeira, Ld.ª, sacadora e portadora das Letras.</font><br>
<br>
<font>São características das letras </font><i><font>a autonomia literalidade, e abstracção</font></i><font>, o que significa que as Letras, como outros títulos de crédito, valem por si mesmos, nos exactos termos em que as obrigações nela vêm definidas e independentemente da relação causal que lhes deu origem (negócio jurídico subjacente).</font><br>
<font>Dentro destas características, dúvidas não podem restar que o ora Oponente (Avalista do aceitante) assumiu perante o Oposto-Executado (Sacador e ainda portador da letra - pois não a chegou a endossar -) a obrigação de pagamento da quantia nelas tituladas, no tempo e lugar indicados, nos mesmos termos em que a Aceitante a assumira. </font><br>
<br>
<font>Refere-nos no entanto o art. 17.º da LULL que </font><br>
<br>
<i><font>“As pessoas accionadas em virtude de uma letra não podem opor ao portador as excepções fundadas sobre as relações pessoais delas com o sacador ou com os portadores anteriores, a menos que o portador, ao adquirir a letra, tenha procedido conscientemente em detrimento do devedor.”</font></i><br>
<font>Este preceito é mais uma afirmação dos princípios da autonomia, literalidade e abstracção, que subsiste independentemente da </font><i><font>“causa debendi”,</font></i><font> e por isso se diz que o negócio cartular é um negócio formal (1). No entanto, introduz-lhe uma explícita excepção, que é a do obrigado poder opor ao portador da Letra, que ao adquiri-la haja actuado de má fé, com intenção de prejudicá-lo.</font><br>
<font>Mas há outros casos em que o devedor pode opor ao portador excepções de direito material, para retirar aos títulos a força executiva que estes adquirem e porventura até podem vir a extinguir, total ou parcialmente a obrigação:</font><br>
<font>Desde logo, os casos em que o portador seja o originário sacador e os obrigados cambiários permaneçam sem alteração, uma vez que o art. 17.º da LULL está inserido no capítulo dedicado ao endosso, o que significa que a regra geral da inoponibilidade das excepções ao portador só tem campo de aplicação quando haja endosso e o sacador primitivo deixe de confundir-se com o portador. </font><br>
<font>Daí que, no mundo do Direito se tenha vindo a entender, como se pode ver designadamente nos Acórdãos mais recentes, que se considere admissível a possibilidade de oposição de excepções de direito material ao portador da Letra quando se esteja no restrito domínio das relações internas da obrigação cartular primitiva.(2) </font><br>
<font>Entendemos que, nessa situação, se está no domínio das relações imediatas.(3)</font><br>
<br>
<font>É certo que a relação entre avalista do aceitante e sacador se interpõe o avalizado, pelo que haja quem sustente que o avalista do sacado-aceitante não possa defender-se perante o sacador, opondo-lhe as excepções de direito material que o avalizado poderia opor-lhe, porque não está na relação sacador-sacado, aceitante-avalizado e vê no art. 32.º da LULL uma barreira intransponível, ao estabelecer que</font><br>
<font> </font><i><font>“A obrigação (do avalista) se mantém, mesmo no caso de a obrigação que ele garantiu ser nula por qualquer razão que não seja um vício de forma.”</font></i><br>
<br>
<font> No entanto, essa posição, quando interpretada em termos rígidos, está a perder terreno no dia a dia dos Tribunais, e não deve continuar a sustentar-se </font><i><font>tout court que assim seja sempre</font></i><font>, pois as proibições estabelecidas no art. 17.º da LULL, dada a sua posição sistemática, tiveram e têm como pressuposto a existência de endosso, o que pressupõe, na generalidade das situações, a tomada das Letras por parte de quem era estranho ao negócio cartular primitivo.(4)</font><br>
<font>A razão principal desse regime assenta na necessidade de preservar a quem é estranho ao negócio e venha a tornar-se em portador da Letra, a certeza de que lhe não virão a ser opostas excepções assentes nas relações pessoais dos obrigados com o sacador ou com anteriores portadores, assim se dando segurança ao comércio jurídico a quem é terceiro estranho à convenção cartular, e reforçando nesse campo a garantia de pagamento com a existência do aval, mesmo que a obrigação seja nula por vício de forma, ainda que ficando subrogado nos direitos emergentes da letra contra a pessoa a quem dera o aval, no caso de a haver pago.</font><br>
<font> </font><br>
<font>Já Fernando Olavo admitia, nas suas Lições de Direito Comercial que “ </font><i><font>(…)Nos títulos que gozassem de abstracção, como as Letras, os direitos neles integrados viviam independentemente da causa, o que não queria dizer que esta não pudesse jamais ser invocada. O negócio jurídico causal poderia ser invocado nos mesmos termos em que entre as mesmas partes pudessem ser invocados os direitos decorrentes de vários negócios que tenham celebrado (…)” (5)</font></i><br>
<font>Já defendemos, inclusive, em Acórdão citado nas alegações do Recorrente, - e continuamos a sustentar a mesma tese - , que é inaplicável a proibição do art. 17.º da LULL a quem retorne à posição de tomador-sacador originário e, nessa posição, queira voltar a demandar os primitivos obrigados, pois tudo se passa entre esses obrigados como nunca tivesse saído desse restrito âmbito de contratantes no pacto.(6)</font><br>
<br>
<font> O art. 17.º, vale portanto, para as situações em que haja endosso, onde então, os obrigados não podem opor ao tomador as excepções fundadas sobre as relações pessoais delas com o sacador ou com os portadores anteriores, a menos que, o portador, ao adquirir a Letra, tenha procedido conscientemente em detrimento do devedor.</font><br>
<br>
<font> Aqui chegados, a questão que se coloca é a seguinte:</font><br>
<br>
<font> Pode o Oponente (Avalista do Sacado) defender-se perante o Oposto (Sacador), quando a obrigação causal se reporta a um contrato de subempreitada, que foi cumprida com defeitos, e assim contrapor ao sacador a existência desses defeitos, para impedir a prossecução da execução apenas contra si instaurada, enquanto não reduzido o preço?</font><br>
<font> </font><br>
<font>A resposta não é fácil:</font><br>
<font>Antes de mais, porque não foi demandada a Avalizada (empreiteira), em situação de insolvência, que, de resto vira o seu afastamento pelo dono da obra (Câmara Municipal de Cabeceiras de Basto), que quem em melhor situação estaria para se definir em que se traduziu o cumprimento defeituoso.</font><br>
<font>Em segundo, porque, mesmo que fosse demandada a Insolvente, através do seu Administrador, não podia este exigir que a Subempreiteira reparasse os defeitos, já que a Empreiteira (BB, Unipessoal, Ld.ª) havia sido entretanto afastada pela Dona da obra, a Câmara Municipal de Cabeceiras de Basto. </font><br>
<br>
<font>Mas há um dado certo, que nos permite avançar para a decisão: </font><br>
<font>A obra subempreitada veio a acusar defeitos, que a Subempreiteira, apesar de instada pela Empreiteira (ausente na execução) não reparou, o que permitiria a esta defender-se, se estivesse na execução, exigindo àquela a redução do preço.</font><br>
<font>Numa palavra:</font><br>
<font>Tratava-se de uma excepção de direito material que a Empreiteira (sacada-aceitante) poderia opor à Subempreiteira (sacadora nas Letras).</font><br>
<font>Ora, se o Avalista da sacada-aceitante (BB) responde na mesma forma que a sua afiançada (art. 32.º § 1.º) , e está para com a AA (subempreiteira) ainda no domínio da relação cartular primitiva, confundindo-se nessa relação cartular o Tomador com o Sacador, sem interferência de qualquer estranho, não vemos que possa estar condicionada a defesa do Avalista do Sacado ao colete de forças do art. 17.º da LULL., o que leva, para não nos socorrermos de argumentário contraditório, a considerar a regra do §2.º do art. 32.º como regra geral, retirando no entanto dela a sua aplicabilidade aos casos em que também se mostram inaplicáveis as restrições às excepções do art. 17.º</font><u><font> </font></u><br>
<font>Assim, considerando que o preço titulado nas Letras é o sinalagma da execução perfeita do contrato de subempreitada e considerando que a Subempreiteira (Sacadora nas Letras) não reparou os defeitos apesar de instada pela Empreiteira (Avalizada), pode o Avalista do Empreiteiro defender-se como se defenderia a Avalizada se estivesse na execução, ou seja, opondo à Exequente a mesma defesa, isto é, não reconhecendo a totalidade da dívida e exigindo a redução de preço.</font><br>
<font>Importa sublinhar, no entanto, que já assim não seria se entretanto as Letras tivessem saído das relações imediatas, pois nesse caso, o Avalista ou outra qualquer pessoa accionada das Letras teria de responder perante esse terceiro, não lhe podendo opor as excepções de direito material fundadas nas relações pessoais delas com o sacador ou outros portadores anteriores, a menos que ao adquiri-las, tivesse procedido conscientemente em detrimento do devedor. Era nesse campo que a autonomia, a</font><u><font> </font></u><font>literalidade e abstracção se colocava como sendo natureza e espelho dos títulos de crédito, aí se aplicando, sim, em toda sua dimensão, o § 2.º do art. 32.º da LULL.</font><u><font> </font></u><br>
<br>
<font>A redução do preço envolve no entanto o reconhecimento da transformação de uma dívida determinada, líquida e exigível, que vem indicada nos títulos, por uma outra que, no contexto da presente execução, se transforma em ilíquida, indeterminada ainda que determinável, separando-se do título, e valendo apenas nos mesmos termos em que seja devida face à relação causal.</font><br>
<font>Ou seja, com a prova da execução defeituosa do contrato de subempreitada – e que foi provada nos embargos - a obrigação do Avalista adequa-se à mesma obrigação do Empreiteiro avalizado, pelo que o ora Exequente (Subempreiteiro) não pode exigir que o ora Executado lhe pague por um serviço que apresentou defeitos, ou seja, mais do que a quantia a que em termos da relação causal (e a que o referido aval servia de garantia) tivesse direito de exigir ao avalizado nesse negócio no pressuposto que o contrato havia sido bem cumprido.</font><br>
<font>Assim como o Prof. Vaz Serra admitiu que o responsável cambiário pode opor ao tomador a extinção parcial ou total da obrigação por já haver sido paga por outro obrigado(6), da mesma forma se argumenta que qualquer obrigado, </font><u><font>actuando no domínio das relações internas</font></u><font> – </font><u><font>sublinha-se</font></u><font> - , pode opor-lhe a excepção de execução defeituosa e que o credor se recusou a não reparar, a qual, a não ser atendida, viria a corresponder a um prémio ao infractor na exacta medida em que se revele excessiva ao que em termos ético-jurídicos havia sido acordado para ser cumprido pelo Exequente, e não veio a sê-lo.</font><br>
<font> Pode mesmo qualificar-se como abuso de direito pretender obter a cobrança de um título que se destinou a garantir o pagamento de uma obrigação sinalagmática sem defeitos, quando a prestação correlativa o foi sem que tal tivesse sido atingido ou reparado, apesar de instada pelo respectivo credor para o efeito visado.</font><br>
<font>Seria um acto absolutamente censurável, manifestamente ofensiva do sentimento ético da sociedade em que estamos inseridos, saber-se que a prestação da Exequente (Subempreiteira) foi defeituosamente cumprida e, apesar disso, admitir-se-lhe a atribuição de um prémio como se a tivesse cumprido sem defeitos, quando ela mesmo, depois de instada por diversas vezes se recusou a repará-los.- art. 334.º do CC.</font><br>
<br>
<br>
<font>III. Decisão</font><br>
<font> </font><br>
<br>
<font>Assim posto, face à ainda indeterminação do montante líquido pelo qual o Executado (Avalista do Aceitante) deve responder perante o Sacador (quantum debitoris), concede-se parcial Revista, revogando o não obstante douto Acórdão recorrido e a Sentença, ordenando-se que os embargos prossigam para, em face dos defeitos que se encontram provados – e se mostram indicados na matéria de facto - , se apurar em liquidação, a quanto deve corresponder a obrigação exequenda, tendo em conta a redução do preço que será necessário efectuar, face ao cumprimento defeituoso da prestação causal sinalagmática.</font><br>
<font>Custas por recorrente e recorrida, a determinar a final, na proporção de vencidas; provisoriamente, são determinadas em igual medida.</font><br>
<br>
<font>Lisboa, 3 de Novembro de 2009</font><br>
<br>
<font>Mário Cruz (Relator)</font><br>
<font>Garcia Calejo </font><br>
<font>Hélder Roque</font><br>
<i><font> </font></i><br>
<br>
<font>____________________________________________</font><br>
<font>(1) Pinto Coelho, Lições de Direito Comercial, 2.º, fascículo II, As Letras, 45</font><br>
<font>(2) Acs. do STJ de 2009.06.16, ref.ª 344/05.5TBBGC.A.S1, Fonseca Ramos, Cardoso de Albuquerque e Salazar Casanova; 2008.01.24, Arlindo Rocha, Oliveira Vasconcelos e Serra Baptista; Ac. De 2008.07.10, ref.ª 08B2107, Salvador da Costa, Ferreira de Sousa, Armindo Luís; Ac. de 2008.04.17, ref.ª 08A727, Silva Salazar, Nuno Cameira, Sousa Leite; Ac. de 2007.09.18, ref.ª 07A2673, de Mário Cruz, Faria Antunes, Moreira Alves; de 2006.12.14, ref.ª 06A2589, Sebastião Póvoas, Faria Antunes, Moreira Alves, todos in </font><u><font>www.dgsi.pt</font></u><font>., para além de outros indicados pelas partes.</font><br>
<font>(3) Esta mesma posição tem sido defendida ainda que por vezes com outros argumentos, em abundantes Acs deste Supremo Tribunal, podendo citar-se, a título meramente exemplificativo, o Ac. de 1994.03.08</font><br>
<font> 2000.07.03, in </font><i><font>Colectânea de Jurisprudência, Acórdãos do STJ, ano VIII, tomo II, pg. 140</font></i><font>, assinado por Ribeiro Coelho, Garcia Marques e Ferreira Ramos, ainda que a propósito de um caso de livrança. E o de 2004.06.29, ref.ª 04A1459, in www. dgsi.pt</font><br>
<font>(4) Abel Pereira Delgado, “Lei Uniforme Sobre Letra e Livranças, Anotada, 5.ª ed, pg. 118</font><br>
<font>(5) Fernando Olavo, Lições de Direito Comercial, 1963, vol II, ed. da AAFDL, pg. 114, com a colaboração de Alberto Xavier e Martim de Albuquerque.</font><br>
<font>(6) Ac. RP de 2006.06.27, in www. dgsi.pt. ref.ª 0623005, do aqui Relator, Teresa Montenegro e Emídio Costa, ou, de uma forma mais desenvolvida, no Ac da mesma Relação de 2008.06.03, ref.ª 072722737, Canela Brás, Maria das Dores Eiró e Anabela Dias da Silva.</font><br>
<font>(7) Vaz Serra, RLJ, 113.º-186, citado nos Acs da RP de 2006.11.14, ref.ª 06255711, (Vieira da Cunha, José G. P. da Silva e Maria das Dores Eiró e de 2006.11.29, Henrique Araújo, Alziro Cardoso e Vieira da Cunha, ambos in </font><u><font>www.dgsi.pt</font></u><font>, que no entanto, na parte final dos respectivos Acórdãos, e salvo o devido respeito, um tanto ou quanto contra a corrente argumentativa que estavam a seguir, acabaram por divergir da solução aqui indicada, colando-se à interpretação estritamente literal do § 2.º do art. 32.º da LULL, postergando a indissociabilidade dessa previsão aos casos excepcionais em que a inoponibilidade das excepções previstas no art. 17.º da LULL não funciona. </font></font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
7TKru4YBgYBz1XKv5Cvd | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><font> Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: </font><br>
<font> </font><br>
<br>
<br>
<font>I – No Tribunal Judicial de Pombal, AA e mulher BB e CC e mulher DD propuseram acção declarativa de condenação, sob a forma ordinária, contra EE e mulher FF.</font><br>
<br>
<font>Alegaram, em síntese, o seguinte:</font><br>
<font>Sendo proprietários e legítimos possuidores de um prédio e sendo os Réus proprietários de outros dois prédios, estes encontram-se onerados com uma servidão de passagem a favor daqueles, constituída por usucapião, a qual tem a delimitação e a configuração constantes de um documento que juntam.</font><br>
<font>Os Réus, desde há três anos, impedem de forma violenta essa passagem, por a terem ocupado primeiramente e do lado Nascente com edificações ilegais (nulidade dos actos administrativos dessas edificações), impedindo a passagem por esse lado e levando assim a que os Autores passassem apenas pelo lado Poente, o que mais tarde deixaram também de poder fazer pelo facto de os Réus terem edificado um muro desse lado que o impede.</font><br>
<font>Sofreram danos de natureza não patrimonial, cuja indemnização contabilizam em € 1500,00 para cada um deles, e patrimonial, estes no montante de € 1250,00.</font><br>
<br>
<font>Concluem, pedindo que, com a procedência da acção, sejam os Réus condenados a:</font><br>
<font>a) Reconhecer que os Autores são legítimos possuidores do prédio identificado no artigo 1º da p.i.;</font><br>
<font>b) Reconhecer que os Autores o adquiriram por usucapião, reconhecendo que tal prédio é propriedade dos Autores;</font><br>
<font>c) Reconhecer que os Autores são legítimos possuidores de uma servidão de passagem conforme referido nos artigos 18 a 40 da p.i.;</font><br>
<font>d) Reconhecer que a servidão dos Autores abrange todo o espaço físico referido na p.i., incluindo o espaço ocupado pelas construções existentes, com a dimensão referida nesse artigo e com a configuração do croquis, junto;</font><br>
<font>e) Desobstruir a passagem identificada nos artigos 18 a 40 da p.i., ordenando-se a demolição das construções edificadas sobre a mesma e referidas na p.i.;</font><br>
<font>f) Reconhecer que os Autores adquiriram a servidão de passagem por usucapião, onerando a parcela dos Réus, a favor do prédio referido em 1 da p.i.;</font><br>
<font>g) Indemnizar os Autores pelos danos causados, não patrimoniais, em quantia não inferior a € 1500,00 a cada um dos Autores;</font><br>
<font>h) Indemnizar os Autores pelos danos causados, patrimoniais, em quantia não inferior a € 1250,00.</font><br>
<font> </font><br>
<font>Na sua contestação, os Réus pugnaram pela improcedência da acção, defendendo a caducidade de qualquer direito a indemnização, por decurso do prazo legal do seu exercício, e impugnando os factos alegados pelos Autores na petição, alegando, nomeadamente, que nunca colocaram em causa o direito de propriedade dos Autores sobre o prédio destes, mas que não existe qualquer servidão que onere prédios de sua pertença, tendo-se eles apenas limitado a mudar, com o conhecimento e concordância do Autor CC, um leito de uma serventia quando construíram a respectiva casa de habitação, podendo, no entanto, eles continuar a aceder ao respectivo prédio por onde sempre o fizeram.</font><br>
<br>
<font> Pedem a condenação do Autor CC, em multa e indemnização, como litigante de má fé.</font><br>
<br>
<font> Houve réplica, onde os Autores pediram a condenação dos Réus, em multa e indemnização, como litigantes de má fé.</font><br>
<br>
<font>No despacho saneador, relegou-se para final o conhecimento da excepção da caducidade invocada pelos Réus.</font><br>
<br>
<font> A final, foi proferida sentença, segundo a qual a acção foi julgada parcialmente procedente, decidindo-se:</font><br>
<font> “1. Condenar os Réus, EE e mulher FF, a reconhecerem:</font><br>
<font>a. Que os Autores são proprietários e legítimos possuidores do prédio rústico sito em C..., com a área de 6.235 m2, composto de terra de semeadura, com um carvalho, pinhal e mato, inscrito na matriz predial rústica da freguesia de V..., concelho de P..., sob o artigo --.---;</font><br>
<font>b. Que o prédio rústico, composto por pinhal e eucaliptal, com a área de 7.950 m2, sito no C..., da freguesia de M..., inscrito na matriz respectiva sob o artigo --.--- e descrito na Conservatória do Registo Predial de P... sob o número ..., se encontra onerado, a favor do prédio dos Autores referido em “a.”, com uma servidão de passagem, com cerca de 2,5 metros de largura, para acesso a esse a pé, com animais e tractores, a qual, partindo do lado Poente do caminho que o atravessa (ao artigo --.---), tem a localização e a configuração constante do documento de fls. 48 dos autos e aí delimitada a verde, até atingir o prédio dos Autores; </font><br>
<font>2. Condenar os mesmos Réus a desobstruírem o leito da servidão de passagem e a demolirem, nomeadamente, a parte do muro que edificaram sobre esse leito;</font><br>
<font>3. Absolver os Réus da parte restante dos pedidos formulados pelos Autores;</font><br>
<font>4. Condenar os Autores e os Réus nas custas do processo, na proporção de metade para cada.”.</font><br>
<br>
<font> Após recurso dos Réus, foi, no Tribunal da Relação de Coimbra, proferido acórdão, a julgar improcedente a apelação e, em consequência, a confirmar a decisão recorrida.</font><br>
<br>
<font> Ainda inconformados, vieram os Réus interpor o presente recurso de revista, o qual foi admitido.</font><br>
<br>
<font> Os recorrentes apresentaram alegações, formulando as seguintes conclusões:</font><br>
<font> 1ª – Para reconhecimento judicial da constituição de servidão de passagem, é necessário alegar e provar factos que consubstanciem o proveito que advém para o prédio dominante, ou seja, as utilidades, ainda que futuras ou eventuais.</font><br>
<font> 2ª – Sem a alegação e prova de tais factos, não pode ser reconhecido tal direito.</font><br>
<font> 3ª – No caso dos autos, nenhum facto foi dado como provado quanto às utilidades, mesmo que futuras ou eventuais, que advêm para o prédio dos Autores.</font><br>
<font> 4ª – Só as servidões aparentes podem ser constituídas por usucapião.</font><br>
<font> 5ª – Servidões aparentes são aquelas que se revelam por sinais visíveis e permanentes.</font><br>
<font> 6ª – No caso dos autos, nenhum facto foi dado como provado quanto aos sinais visíveis e permanentes.</font><br>
<font> 7ª – A mera existência de um trilho marcado no solo não pode configurar um sinal permanente, pois não sabemos se existe um dia ou um mês, ou um ano.</font><br>
<font> 8ª – Poderá ser sinal visível e permanente no momento, mas desaparecer daqui a alguns dias.</font><br>
<font> 9ª – A existência de sinais visíveis e permanentes implica que os mesmos ali se mantenham durante o lapso de tempo necessário para a usucapião.</font><br>
<font> 10ª – Tal não foi alegado, nem dado como provado.</font><br>
<font> 11ª – A matéria de facto dada como provada não é suficiente para o decretar da constituição do direito de servidão de passagem, por usucapião.</font><br>
<font> 12ª – Se tal fosse suficiente, bastaria a mera prova de um trilho em direcção ao prédio dos Autores, não importando apurar as utilidades para tal prédio, nem se tal trilho ali se manteve durante o tempo necessário, à vista de todos, especialmente dos donos dos prédios onerados.</font><br>
<font> 13ª – Não podendo os donos dos prédios onerados ver tal trilho, dado não ser permanente, nem sequer a utilidade, pois no prédio dominante nada havia sido feito, especialmente corte e transporte de matos, madeiras e lenhas, dado tratar-se de um pinhal.</font><br>
<font> 14ª – Dado tratar-se de um pinhal, o acesso ao mesmo só poderia ser para transporte de matos, lenhas e madeiras, o que não foi alegado.</font><br>
<font> 15ª – A lei exige que os sinais sejam visíveis e permanentes.</font><br>
<font> 16ª – O douto acórdão, ora recorrido, fez errada aplicação do disposto nos artigos 1543º, 1544º e 1548º do C. Civil.</font><br>
<br>
<font> Contra-alegaram os recorridos, defendendo a improcedência do recurso.</font><br>
<br>
<font> Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.</font><br>
<br>
<font>II – Nas instâncias, foram dados como provados os seguintes factos:</font><br>
<font>1. Inscrito na matriz predial rústica da freguesia de V..., concelho de P..., sob o artigo --.---, encontra-se o seguinte prédio: Rústico, sito em C..., com a área de 6.235 m2, composto de terra de semeadura, com um carvalho, pinhal e mato, a confrontar do norte com GG e outro, nascente com HH, sul com II e poente com JJ. Tal imóvel não se encontra descrito na Conservatória do Registo Predial respectiva (alíneas A) e B) dos factos assentes);</font><br>
<font>2. Em 20.06.1980, mediante escritura pública de partilha lavrada no Cartório Notarial de P..., o imóvel mencionado em 1. foi adjudicado na proporção de metade para os primeiros Autores e metade para LL e esposa (alínea C) dos factos assentes); </font><br>
<font>3. Mediante inventário que correu termos por óbito de LL, foi adjudicada ao Autor CC metade indivisa do imóvel referido em 1. (alínea D) dos factos assentes);</font><br>
<font>4. O referido imóvel, no seu todo, tem a configuração constante do traçado azul no croqui de fls. 47 (alínea E) dos factos assentes);</font><br>
<font>5. Nele, há mais de 20 anos, Autores e antepossuidores lavram, fresam, semeiam, colhem frutos, resinam e apanham lenhas, bem como pagam os respectivos impostos, continuadamente e sem interrupção, sempre à vista da generalidade das pessoas e sem oposição ou violência de quem quer que fosse, desconhecendo lesar quaisquer interesses ou direitos de outrem e na convicção de serem donos do referido imóvel (alínea F), G), H), I), J) e L) dos factos assentes);</font><br>
<font>6. Mediante escritura pública celebrada a 19.04.1996 no Cartório Notarial de Pombal, EE, no estado de solteiro, declarou comprar a MM e mulher NN, que declararam vender, o prédio rústico, composto de mato com pinheiros, sito em C... de A..., freguesia de V..., com a área de 1.400 m2, que confronta do norte com OO, nascente com caminho, sul com servidão e poente com PP, inscrito na respectiva matriz sob o artigo --.--- e descrito na Conservatória do Registo Predial de P... sob o número -.--- (alínea M) dos factos assentes);</font><br>
<font>7. Mediante escritura pública celebrada a 24.01.1996, no Cartório Notarial de A..., QQ e mulher RR declararam doar a PP, solteira, que declarou aceitar a doação, um prédio rústico composto por pinhal e eucaliptal, com a área de 7.950 m2, sito no C..., da freguesia de M..., a confrontar do norte com SS, nascente com TT e Caminho, sul com servidão, UU e outros e poente com VV, inscrito na matriz respectiva sob o artigo --.--- e descrito na Conservatória do Registo Predial de P... sob o número ... (alínea N) dos factos assentes);</font><br>
<font>8. Desde há mais de 30 anos e até cerca do ano de 2000, os Autores e antepossuidores do prédio a que se alude em 1. utilizaram para acesso a este, a pé, com animais e mais recentemente tractores, uma faixa de terreno que se desenvolvia de Nascente para Poente que, partindo do caminho referido infra em 18., tinha a localização e a configuração constante do documento de fls. 47 dos autos e aí delimitada a vermelho.</font><br>
<font>No ano de 2000, face ao referido infra em 11., 12. e 13., a referida passagem passou a ser efectuada apenas pelo lado Poente, o que ocorreu até ao momento a que se alude infra em 16. (respostas aos pontos 2º, 11º e 12º da base instrutória);</font><br>
<font>9. A passagem referida em 8. foi efectuada em qualquer época do ano, sempre que foi necessário, sem interrupção, à vista de quem quer que fosse, sem oposição ou violência de quem quer que fosse, desconhecendo lesar quaisquer direitos ou interesses de outrem e na convicção de serem titulares de um direito de passagem nessa faixa de terreno (respostas aos pontos 3º, 4º, 5º, 6º, 7º e 8º da base instrutória);</font><br>
<font>10. A referida faixa de terreno identificava-se através de um trilho, marcado no solo, com uma largura de cerca de 2,5 metros e com um comprimento não concretamente apurado (respostas aos pontos 9º e 10º da base instrutória);</font><br>
<font>11. No imóvel mencionado em 7. (artigo matricial --.--- e nº ... da descrição na Conservatória do Registo Predial de P...l), os Réus levaram a cabo a edificação de um complexo de pecuária, composto por muros de vedação, barracão e escritórios, cujos desaterro e fundações se iniciaram no ano de 2000 (respostas aos pontos 13º e 26º da base instrutória e alínea O) dos factos assentes);</font><br>
<font>12. O Autor CC deslocou-se ao local algumas vezes aquando do referido supra em 11., tendo tomado conhecimento das obras que estavam a ser levadas a efeito (respostas aos pontos 27º e 28º da base instrutória);</font><br>
<font>13. Com a edificação referida em 11., os Réus ocuparam, na zona assinalada a azul no croqui de fls. 48, o trilho utilizado pelos Autores para acederem ao imóvel mencionado em 1. (resposta ao ponto 14º da base instrutória);</font><br>
<font>14. Após a edificação da exploração, os Autores passaram a entrar para o imóvel referido em 1. pelo lado Poente, conforme traçado a verde nos croqui de fls. 48 (resposta ao ponto 15º da base instrutória); </font><br>
<font>15. Os Autores aceitaram o referido em 13. e 14. (esclarecimento às respostas aos pontos 14º e 15º da base instrutória);</font><br>
<font>16. Os Réus, em altura não apurada mas situada depois da edificação a que se alude em 14., construíram um muro com altura superior a um metro e com um comprimento não apurado. Este muro impede os Autores de aceder ao prédio referido em 1. (artigo --.---) pela passagem referida supra em 8. (respostas aos pontos 16º e 17º da base instrutória);</font><br>
<font>17. Para a edificação do muro na estrema, os Réus fizeram anteriormente escavação do terreno nesse local (resposta ao ponto 23º da base instrutória);</font><br>
<font>18. Os Réus, em momento não apurado, mas situado pouco antes da construção no local da sua casa de habitação, concluída em data não apurada situada entre 1994 e 1998, mudaram o leito do caminho que atravessava o prédio referido em 7. (artigo matricial --.--- e nº ... da descrição na Conservatória do Registo Predial de P...), por se situar na zona onde ia ser levada a efeito tal construção (respostas aos pontos 30º e 31º da base instrutória);</font><br>
<font>19. Os Autores não se opuseram à mudança do caminho referida em 18. (resposta ao ponto 32º da base instrutória);</font><br>
<font>20. O caminho foi mudado para o local onde hoje se encontra, assinalado a cor laranja no documento de fls. 47 dos autos (resposta ao ponto 33º da base instrutória);</font><br>
<font>21. Em 05.07.1997, os Réus contraíram casamento, sem convenção antenupcial (doc. de fls. 133 dos autos).</font><br>
<br>
<font>III – 1. A única questão suscitada no presente recurso consiste em saber se se mostra provada a existência de sinais visíveis e permanentes necessários ao reconhecimento da servidão.</font><br>
<br>
<font>Segundo os recorrentes, nenhum facto foi dado como provado quanto aos sinais visíveis e permanentes, pois a mera existência de um trilho marcado no solo não pode configurar um sinal permanente, sendo que, implicando a existência de sinais visíveis e permanentes que os mesmos ali se mantenham durante o lapso de tempo necessário para a usucapião, tal facto não foi alegado nem dado como provado.</font><br>
<font>Acrescentam ainda que nenhum facto foi dado como provado quanto às utilidades, mesmo que futuras ou eventuais, que advêm para o prédio dos Autores.</font><br>
<br>
<font> 2. Relativamente às utilidades a que os recorrentes aludem, estranha-se que só agora, em sede de recurso de revista, se tenham lembrado de invocar que nenhum facto se provou no tocante às mesmas.</font><br>
<br>
<font>É óbvio que essas utilidades decorrem da possibilidade de os ora recorridos por ali passarem, sendo certo que o Facto 8. (supra, II) demonstra que, desde há mais de 30 anos e até cerca do ano de 2000, os Autores e antepossuidores do prédio a que se alude em 1. utilizaram, para acesso a este, a pé, com animais e mais recentemente tractores, uma determinada faixa de terreno, faixa esta que foi objecto de uma alteração (parece ter-se tratado de uma redução na sua configuração) no ano de 2000, devido a uma edificação levada a cabo pelos Réus. </font><br>
<br>
<font>3. No tangente à existência ou não de prova de sinais visíveis e permanentes, e para comprovar a falta de razão dos recorrentes, escreveu-se no acórdão recorrido:</font><br>
<font>“Numa breve contextualização da questão colocada, recordamos que a servidão predial é o encargo imposto num prédio em proveito exclusivo de outro prédio pertencente a dono diferente (diz-se serviente o prédio sujeito à servidão e dominante o que dela beneficia), sendo certo que o dono do prédio serviente não pode estorvar o uso da servidão (art.ºs 1543º e 1568º, n.º 1 CC). </font><br>
<font>O direito de servidão (predial) é um direito real de gozo limitado. O encargo (sobre o prédio onerado/serviente) é imposto em proveito de outro prédio pertencente a dono diferente (prédio dominante), verificando-se assim uma restrição ou limitação ao conteúdo do direito de propriedade sobre o prédio onerado. </font><br>
<font> As servidões não aparentes não podem ser constituídas por usucapião, i. é, são incompatíveis com tal forma de constituição as servidões que não se revelem por sinais visíveis e permanentes (art.ºs 1293º, a) e 1548º), sendo por demais conhecidas as razões determinantes desta limitação constitutiva. </font><br>
<font>Para que seja </font><i><font>aparente</font></i><font>, não basta que a servidão se revele por obras ou sinais exteriores, sendo necessário que, além de visíveis (sendo a </font><i><font>visibilidade</font></i><font> destinada a garantir a </font><i><font>não clandestinidade</font></i><font>), os sinais reveladores da servidão sejam permanentes</font><i><font> – </font></i><font>para que uma servidão de passagem possa ser adquirida por usucapião torna-se imprescindível a existência de </font><i><font>sinais aparentes</font></i><font> e </font><i><font>permanentes</font></i><font> reveladores do seu exercício, como, por exemplo, um caminho ou uma porta ou portal de comunicação entre o prédio dominante e o serviente, entendendo-se ainda que o requisito da permanência não exige a continuação no tempo dos mesmos sinais ou das mesmas obras, admitindo-se a sua substituição ou transformação.</font><br>
<font>Centrando-nos no argumento dos recorrentes, de que os autores não teriam alegado a existência de sinais visíveis e permanentes e, como assim, nunca a servidão poderia ter sido reconhecida, teremos de renovar o que anteriormente afirmámos em sede de impugnação da matéria de facto e reportar os artigos 18 a 33 da petição inicial, nos quais aparecem alegados os requisitos da servidão de passagem constituída por usucapião. </font><br>
<font>Dizer-se que essa servidão forma um “trilho” com largura de 3 a 4 metros e comprimento não inferior a 120 metros sobre o prédio dos réus, do lado nascente, julgamos ser suficiente para ilustrar a exigência de alegação dos sinais visíveis no terreno pois a expressão “trilho”, associada à descrição das suas características, não pode querer significar outra coisa que não a de afirmar que essa passagem/servidão é visível e que foi permanente até tais sinais terem sido consumidos pela actividade dos réus que sobre a serventia construíram.</font><br>
<font>Nesta conformidade, sendo a matéria de facto que serve a decisão de direito a proferir, a mesma que foi fixada na primeira instância e porque entendemos que não tem fundamento afirmar-se que não existiu por parte dos autores a alegação de que a servidão que reclamam tem sinais visíveis e permanentes, deverá ser mantida a decisão recorrida porque, no mais, não deduziram os recorrentes oposição à aplicação do direito realizada pelo tribunal a quo”.</font><br>
<br>
<font>4. Sufragamos inteiramente a posição tomada no acórdão recorrido.</font><br>
<br>
<font>Mostra-se provado que a referida faixa de terreno se identificava através de um trilho, marcado no solo, com uma largura de cerca de 2,5 metros e com um comprimento não concretamente apurado (Facto 10.).</font><br>
<br>
<font>Ora, se essa faixa de terreno – utilizada pelos Autores e antepossuidores – coincidia com esse trilho (vereda, carreiro), </font><u><font>o qual estava marcado no solo</font></u><font>, daí não poderá deixar de se inferir que, além de serem visíveis, esses sinais tinham também carácter de permanência.</font><br>
<br>
<font>5. Decorre, assim, do exposto que não colhem as conclusões dos recorrentes, tendentes ao provimento do recurso, pelo que o acórdão recorrido terá de ser mantido.</font><br>
<br>
<font>IV – Nos termos expostos, acorda-se em negar a revista, confirmando-se, em consequência, a decisão recorrida.</font><br>
<br>
<font>Custas pelos recorrentes.</font><br>
<br>
<br>
<font>Supremo Tribunal de Justiça,</font><br>
<br>
<font>Lisboa, 2 de Novembro de 2010. </font><br>
<br>
<font> </font><br>
<font>Moreira Camilo (Relator) </font><br>
<font>Urbano Dias</font><br>
<font>Paulo Sá</font></font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
LTKou4YBgYBz1XKvfClp | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font>
<p><font> 1. - AA instaurou acção declarativa contra “BB Seguros de Vida, S.A.”, pedindo a condenação da Ré: - a pagar ao “CC, S.A.” (Banco credor/beneficiário) o capital previsto na apólice de seguro, ramo vida, de 72.325,70€; - a indemnizar a A. pelo prejuízo causado com a mora nesse pagamento, suportando a Ré o pagamento das quantias exigidas pelo dito Banco/credor à Autora pela mora no cumprimento do contrato em causa nos autos, no total de 24.312,97€, liquidado até 02/04/2002, bem como no pagamento dos juros de mora vincendos desde essa data até integral e efectivo pagamento; - a pagar à A. as custas que vierem a ser liquidadas a seu cargo na execução que o referido Banco moveu à Autora; e, - no pagamento à A. de 25.000,00€ por danos morais causados.</font>
</p><p><font> Para tanto, e em resumo, alegou que foi casada com CC, tendo ambos adquirido, em 12/11/1998, uma casa para habitação, aquisição efectuada com recurso a crédito bancário, em que os mutuários ficaram obrigados a contratar um seguro de vida, cujas condições seriam as indicadas pelo Banco. Assim, a A. e seu marido celebraram com a Ré (então denominada “EE, SA”) um contrato de seguro de vida, cobrindo, além da morte, a invalidez, pelo valor do capital mutuado, que foi de € 72.325,70, figurando como beneficiário o Banco credor. Em 24/04/1999 faleceu o marido da A., o que foi comunicado ao dito Banco e à Ré, a fim procederem ao pagamento do capital seguro e consequente extinção do mútuo bancário existente, mas a Ré recusou pagar tal capital.</font>
</p><p><font> A A. pediu a intervenção principal na acção do “CC”, entidade credora do mútuo bancário referido. </font>
</p><p><font> A Ré contestou alegando, no essencial, que aquando da celebração do referido contrato de seguro “vida”, o marido da Autora preencheu e assinou uma proposta de seguro, na qual não respondeu com exactidão às questões de saúde que lhe eram aí colocadas, designadamente porque omitiu ter sofrido de uma trombose venosa dos membros inferiores e ter tido um internamento hospitalar para tratamento dessa dita enfermidade, factos cujo conhecimento era essencial à Ré para a celebração do contrato de seguro, o que conduz à nulidade do dito contrato, que não produz efeito, razão pela qual não lhe cabe proceder ao pagamento do capital mutuado à A., como é pedido na acção.</font>
</p><p><font> Acrescentou que o pedido de condenação da Ré por danos morais não tem qualquer justificação, sempre tendo o contrato, como limite de capital, o valor de 72.325,70€, do qual é beneficiário o “CC”.</font>
</p><p><font> A Autora respondeu para referir que a proposta de seguro não foi sequer preenchida nem elaborada pela A. e seu falecido marido, que se limitaram a assinar tal documento em branco, conforme lhes foi indicado por quem da Ré os atendeu, na ocasião, para o efeito, sem que lhes tenha sido feito qualquer questionário, além de que o falecido nunca soube que sofria ou fora tratado a “trombose venosa dos membros inferiores”.</font>
</p><p><font> A Chamada “CC, S.A.” interveio para pedir que, no caso de vir a ser julgado válido o contrato de seguro, a Ré Seguradora seja condenada no pedido de entrega do capital coberto pela apólice e a seu favor.</font>
</p><p><font> Proferida a sentença sobre o mérito da causa, nela foi decidido julgar a acção procedente, com a condenação da Ré Seguradora a pagar à Interveniente “CC, S. A.” a quantia de 71.920,15€, acrescida de juros de mora, desde 12/05/1999 até integral pagamento, de imposto de selo e de despesas extrajudiciais no montante de 2.893,03€, bem como a pagar à A. uma indemnização de 5.000,00€, por danos morais.</font>
</p><p><font> Mediante apelação da Ré, a Relação revogou a sentença declarando “a anulação do contrato de seguro em causa (titulado pela apólice nº ..../................)”, julgando improcedente a acção, com a consequente absolvição da Ré dos pedidos.</font>
</p><p><font> Agora é a Autora a pedir revista, visando a reposição do sentenciado na 1ª Instância, a coberto das seguintes conclusões:</font>
</p><p><font>I. A factualidade provada e aceite pela Recorrida demonstra que inexiste qualquer causa de invalidação do contrato de seguro, bem como que, da parte da Autora e seu falecido Marido, não houve qualquer comportamento merecedor de censura que determine ser sancionado ou ter por consequência a invalidação do contrato, pois actuaram com inteira e inquestionável boa-fé, porquanto, </font>
</p><p><font>i. Não é qualquer declaração inexacta que torna anulável o contrato de seguro, </font>
</p><p><font>ii. Sendo indispensável que a inexactidão influa na existência e condições do contrato, </font>
</p><p><font>iii. De sorte a que o segurador ou não contrataria, </font>
</p><p><font>iv. Ou teria contratado em diversas condições; </font>
</p><p><font>v. Uma declaração só será inexacta ou reticente, se puder influir sobre a existência ou condições do contrato; </font>
</p><p><font>vi. Resultou provado que o empregado da delegação de Aveiro da Recorrida que atendeu a Recorrente fez o preenchimento dos dados pessoais constantes do formulário da proposta referente ao marido daquela, </font>
</p><p><font>vii. Ela levou-o para casa, o marido assinou-o, </font>
</p><p><font>viii. E, quando ela regressou à dita delegação, o mencionado empregado preencheu os dados médicos de acordo com as informações prestadas pela Recorrente; </font>
</p><p><font>xi. Em virtude das respostas negativas às aludidas questões, a Recorrida não exigiu a realização de quaisquer exames médicos, gerais ou especiais, como faria se a resposta fosse positiva; </font>
</p><p><font>x. A Recorrida não alega, expressa ou implicitamente, que, caso soubesse que o segurado tinha sofrido a mencionada trombose venosa dos membros inferiores e que tinha estado de baixa, internado nos HUC, durante sete dias, para tratamento da mesma não teria aceite celebrar o contrato de seguro; </font>
</p><p><font>xi. Aliás, se tais questões fossem essenciais ao ponto de determinar a decisão por parte da Recorrida de não celebrar o contrato de seguro não se compreende que o seu funcionário aceitasse preencher o questionário com base nas indicações da esposa do segurado, </font>
</p><p><font>xii. Que não pelo próprio; </font>
</p><p><font>xiii. A Recorrida não logrou demonstrar que informou e esclareceu o segurado da essencialidade destas questões ou do alcance e abrangência das mesmas; </font>
</p><p><font>xiv. Ademais, conquanto o segurado tenha estado internado durante sete dias nos HUC, o problema de saúde que ele apresentava é aquilo que vulgarmente é conhecido por "varizes" nas pernas, </font>
</p><p><font>xv. Problema que afecta grande parte da população e que não assume, em regra, grande gravidade, e, muito menos, indicia risco de vida ou de incapacidade física; </font>
</p><p><font>xvi. É imprescindível à invalidade do contrato a existência de nexo de causalidade entre a inexactidão e/ou omissão de elementos essenciais e o sinistro, </font>
</p><p><font>xvii. Pois seria de todo desproporcionado sancionar com o vício da anulabilidade o seguro em que o evento que despoletou o pagamento do risco assumido seja completamente alheio aos elementos inexactos omitidos, </font>
</p><p><font>xviii. Sendo esta, precisamente, a situação dos autos; </font>
</p><p><font>xix. Apesar de terem sido omitidos os mencionados internamento e baixa médica para tratamento da trombose venosa dos membros inferiores antes da celebração do contrato de seguro, </font>
</p><p><font>xx. Provou-se que só depois da celebração do contrato de seguro com a Recorrida e da outorga da escritura de mútuo com hipoteca da casa é que foi diagnosticada a doença - "neoplasia pulmonar" que levaria à morte, </font>
</p><p><font>xxi. Ou seja, o segurado morreu em virtude de doença cancerosa, que nenhuma relação teve com a trombose venosa dos membros inferiores que determinaram o seu internamento antes da celebração do contrato de seguro, </font>
</p><p><font>xxii. E tal doença, que foi causa directa da morte do segurado, apenas foi diagnostica da após a celebração do contrato de seguro em causa nos autos; </font>
</p><p><font>II. Para além disso, </font>
</p><p><font>xi. Na carta (aludida na alínea M) da douta Selecção dos Factos Assentes) a Ré/Recorrida não invoca a nulidade ou a anulação do contrato, </font>
</p><p><font>xii. Referindo apenas como causa/justificação do não cumprimento do contrato ter havido "informações clínicas essenciais que foram omitidas (...) aquando da subscrição da apólice de vida e cujo conhecimento determinaria a não aceitação do contrato de seguro»; </font>
</p><p><font>xiii. Não foi provado que, caso a Ré tivesse tido prévio conhecimento da baixa médica e internamento para tratamento das "varizes" nas pernas, não tivesse celebrado o contrato - pois o mais certo é que, como a experiência diária demonstra e que é do conhecimento comum, teria celebrado na mesma o contrato; </font>
</p><p><font>xiv. Não foi alegado nem ficou provado que a Ré tivesse dado a conhecer ao segurado a essencialidade das informações em falta para a celebração do contrato - o que releva significativamente, dado tratar-se de um contrato de adesão, em que, como decorre do disposto nos Art.ºs 1.º. 5.º, 6.º, 11.º, n.º 2 do DL 446/85, de 25 de Outubro, a essencialidade da cláusula deveria ter sido previamente explicada pela Ré ao segurado, </font>
</p><p><font>xv. Sendo esse ónus a cargo da Ré, </font>
</p><p><font>xvi. O que, confessada mente, não aconteceu; </font>
</p><p><font>xvii. A cresce que as declarações não foram prestadas pelo segurado, mas pela esposa e ora Autora, </font>
</p><p><font>xviii. Não estando demonstrado que esta tivesse conhecimento da inveracidade do preenchimento da proposta de seguro; </font>
</p><p><font>xix. A experiência e conhecimento comum demonstram que os senhores agentes de seguros, as seguradoras e os seus funcionários nunca informam da essencialidade do clausulado e consequências do preenchimento, eventualmente inexacto, das propostas de seguros, </font>
</p><p><font>xx. Com a cupidez de realizarem o contrato de seguro e obterem os inerentes proveitos. </font>
</p><p><font>III. Assim, o douto Acórdão recorrido, salvo sempre o devido e maior respeito pelos doutos fundamentos nele aduzidos, viola o disposto quer nas normas que invoca quer, ainda nas normas supra citadas. </font>
</p><p><font> A Recorrida “EE” respondeu em defesa do julgado.</font>
</p><p><font> 2. - As </font><b><font>questões </font></b><font>colocadas pela Recorrente podem, no essencial, enunciar-se como sendo as de saber:</font>
</p><p><font> - Se apenas relevam para a invalidade do contrato de seguro as declarações omitidas ou inexactas no questionário que tenham efectivamente influído na sua celebração ou condições;</font>
</p><p><font> - Se é imprescindível a existência de nexo de causalidade entre a inexactidão e/ou omissão de declarações prestadas no questionário que contenham elementos essenciais e o sinistro; e,</font>
</p><p><font>- Se a omissão da explicação prévia da essencialidade das informações constantes do questionário à pessoa segura, como violação dos deveres de comunicação e de informação em contrato de adesão, releva como impedimento do direito à anulação.</font>
</p><p><font> 3. - Vem definitivamente adquirida a </font><b><font>factualidade </font></b><font>que segue:</font>
</p><p><font> 1. A Autora casou com CC, em .... de Junho de 1984, no Município de .........., no Estado Bolívar, Venezuela, tendo sido o casamento dissolvido por morte deste.</font>
</p><p><font>2. CC faleceu em 24 de Abril de 1999.</font>
</p><p><font>3. Do certificado de óbito de fls. 190 a 191, consta que a causa da morte foi uma «neoplasia pulmonar», com um intervalo aproximado entre o começo de doença e a morte de «vários meses».</font>
</p><p><font>(…).</font>
</p><p><font>10. A Autora e o seu marido celebraram com a Ré um «contrato de seguro de vida» (cobrindo, para além da morte, a invalidez), com o limite de capital de €72.325,70, com início em 26.10.1998, conforme documento de fls. 35.</font>
</p><p><font>11. Tal contrato foi titulado pela Apólice n.º ..../............., nele figurando como beneficiário o FF, S.A.</font>
</p><p><font>12. O falecimento referido em 2. supra foi de imediato comunicado ao Banco credor e à ora Ré, a fim de que tomassem as necessárias providências para pagamento do capital seguro e extinção do mútuo.</font>
</p><p><font>13. Por carta de 21 de Novembro de 2000, a Ré comunicou à Autora que «</font><i><font>ao procedermos a uma análise de todo o processo, concluímos que houve informações clínicas essenciais que foram omitidas pelo nosso cliente aquando da subscrição da apólice de vida e cujo conhecimento determinaria a não aceitação do contrato de seguro» e que «pelo exposto e de acordo com o consignado no artigo 4° das condições gerais da apólice, de que juntamos fotocópia, lamentamos informar que não poderemos proceder ao pagamento do capital da apólice de vida em epígrafe, pelo que iremos transmitir a nossa posição à respectiva entidade bancária</font></i><font>», conforme documento de fls. 13 a 15.</font>
</p><p><font>(…).</font>
</p><p><font>18. O marido da Ré esteve de baixa médica e esteve internado no Hospital da Universidade de Coimbra.</font>
</p><p><font>(…).</font>
</p><p><font>27. Aquando da celebração do “contrato de seguro” referido em 10. supra, o marido da autora assinou uma proposta de seguro.</font>
</p><p><font>28. Da qual constavam, entre outras, as seguintes questões: «</font><i><font>Sofre ou sofreu de alguma doença?</font></i><font>», «</font><i><font>Durante o último ano teve algum período de baixa?</font></i><font>» e «</font><i><font>Já esteve internado ou sofreu intervenção cirúrgica?</font></i><font>».</font>
</p><p><font>29. A todas estas questões o empregado da ré que atendeu a autora, seguindo informações prestadas por esta, respondeu negativamente.</font>
</p><p><font>30. A resposta àquelas questões era essencial para a Ré averiguar do estado de saúde do proponente.</font>
</p><p><font>31. Bem como para apreciação de quais os exames médicos a que o mesmo tinha que se apresentar.</font>
</p><p><font>32. A aceitação do contrato de seguro, e bem assim a fixação do valor do prémio cobrado pela seguradora, estão dependentes das respostas dadas pelo proponente.</font>
</p><p><font>33. Em virtude do referido em 29. supra, a seguradora não exigiu a realização de quaisquer exames médicos, gerais ou especiais.</font>
</p><p><font>34. Como faria se a resposta a tais questões fosse positiva.</font>
</p><p><font>35. O marido da autora, antes da celebração do «contrato de seguro» referido em 10 supra, sofreu uma trombose venosa dos membros inferiores.</font>
</p><p><font>36. O que levou a período de baixa referido em 18. supra.</font>
</p><p><font>37. Que decorreu entre 09.10.98 e 16.10.98.</font>
</p><p><font>38. E ao internamento nos Hospitais da Universidade de Coimbra referido em 18. supra.</font>
</p><p><font>39. No Serviço de Medicina 1.</font>
</p><p><font>40. Para tratamento da citada trombose.</font>
</p><p><font>41. Factos de que a Ré tomou, conhecimento após a morte daquele.</font>
</p><p><font>42. O conhecimento deste quadro clínico do falecido CC era essencial à Ré para a celebração do «contrato de seguro».</font>
</p><p><font>43. A autora deslocou-se ao escritório da ré, em Aveiro.</font>
</p><p><font>44. O empregado da delegação de Aveiro da ré que atendeu a autora fez o preenchimento dos dados pessoais constantes do formulário da proposta de seguro referente ao marido daquela, CC, ela levou-o para casa, o marido assinou-o e, quando ela regressou à dita delegação o mencionado empregado preencheu os dados médicos de acordo com as informações prestadas pela autora.</font>
</p><p><font>45. Só depois da celebração do «contrato de seguro» com a Ré e da outorga da escritura de mútuo com hipoteca da casa é que foi diagnosticada a doença que levaria à morte do marido da Autora.</font>
</p><p><font> 4. - Mérito do recurso.</font>
</p><p><font> 4. 1. - A omissão ou inexactidão de declarações e seus reflexos sobre a validade do contrato e o sinistro verificado.</font>
</p><p><font> 4. 1. 1. - Divergindo do entendimento sustentado na sentença da 1ª instância, no sentido de não haver lugar à anulabilidade do contrato de seguro por não se ter demonstrado que a doença cuja declaração foi omitida nas respostas ao questionário tivesse sido determinante da decisão de contratar e não ter sido a causa directa da morte do segurado, só posteriormente diagnosticada, ou seja, por “a omissão de elementos relevantes com influência sobre as condições do contrato” não estar “conexionada com o evento danoso”, a Relação, considerando tal posição não admissível à luz do disposto no art. 429º C. Comercial, que não prevê a existência de nexo de causalidade entre a doença omitida e a razão da morte, declarou inválido o contrato.</font>
</p><p><font> A Recorrente insurge-se contra esta posição, limitando-se, em sua alegação, a repor a argumentação alinhada pelo Julgador da 1ª Instância.</font>
</p><p><font> 4. 1. 2. - Não se questiona estar-se perante um contrato de seguro de vida, verdadeiro contrato a favor de terceiro, tendo como tomador/promissário o falecido marido da Autora, como promitente a Ré Seguradora e como beneficiário o Banco mutuante, Interveniente.</font>
</p><p><font>Também aceite a aplicabilidade do regime previsto no art. 429º C. Comercial quanto à existência de omissões ou reticências susceptíveis de determinarem a invalidade do contrato de seguro, invalidade que hoje é geralmente qualificada como anulabilidade e sujeita ao respectivo regime legal, como se refere no acórdão recorrido, o que, no caso, irreleva. </font>
</p><p><font> No mais, quanto ao enunciado, está-se perante questões sobre as quais este Tribunal, Conferência e relator várias vezes tem sido chamado a pronunciar-se (entre os mais recentes podem ver-se os acórdãos de 17/10/06, 24/4/07, 30/10/2007, 27/5/2008, 2/12/2008 e de 29/3/11, todos desta 1ª Secção).</font>
</p><p><font> Por isso, no essencial, voltará a alinhar-se a argumentação desenvolvida no ac. de 30 de Outubro de 2007 (</font><i><font>proc. 07A2961</font></i><font>) pelo também ora relator.</font>
</p><p><font> 4. 1. 3. - A sanção da anulabilidade do contrato contemplada no art. 429º C. Com. não é mais que a previsão de um caso de erro vício de vontade.</font>
</p><p><font> Incidindo sobre a própria formação do contrato, as declarações falsas ou as omissões relevantes impedem a formação da vontade real da contraparte (seguradora), pois que essa formação assenta em factos ou circunstâncias ignorados, por não revelados ou deficientemente revelados.</font>
</p><p><font> Daí que, como resulta do preceito legal e é entendimento corrente, não é necessário que as declarações ou omissões influam efectivamente sobre a celebração ou condições contratuais fixadas, bastando que pudessem ter influído ou fossem susceptíveis de influir nas condições de aceitação do contrato.</font>
</p><p><font> Certo, também, que a lei não supõe o carácter doloso das omissões ou reticências de factos com relevância para a determinação da probabilidade ou grau de risco, mas pressupõe que o declarante conheça os factos ou circunstâncias passíveis de influírem sobre a aceitação ou condições do contrato, vale dizer, que aja com negligência. É o que se encontra reflectido no § único do art. 429º ao especificar a consequência da má fé.</font>
</p><p><font> No caso, estão em causa as respostas a um “questionário”, repositório das declarações da pessoa segura, declarações em que a seguradora deve confiar e em função das quais aceita ou não o contrato e fixa as respectivas condições.</font>
</p><p><font> Na verdade, é através do “questionário” que a seguradora faz saber ao candidato “as circunstâncias concretas em que se baseia para assumir o risco” (ac. citado, de 17/10/06, Proc. 06A2852 </font><i><font>ITIJ</font></i><font>). </font>
</p><p><font> Sendo indiscutível que o marido da Autora sofrera anteriormente trombose venosa, com internamento hospitalar, tendo aposto a sua assinatura no documento em que eram omitidos esses factos, não podem restar dúvidas de que o então Proponente agiu, pelo menos, com desleixo ou incúria e imprevidência, ora faltando à verdade, ora desprezando as advertências constantes das declarações que assinava.</font>
</p><p><font> Se não houve intenção de enganar a Seguradora, a leviandade ou incúria que o comportamento verificado evidencia surge como notória omissão da diligência exigível e merecedor de reprovação. Numa palavra, a negligência, como modalidade de culpa, é incontornável.</font>
</p><p><font> Ao marido da A. – e a esta, na medida em que colaborou no preenchimento das respostas - era exigível responder sem omissões e com rigor e objectividade, tendo presente que se as respostas iam servir, como serviram, de base à apreciação da aceitação e condições do contrato, condicionando, desde logo, a dispensa ou a realização de exames médicos, sabendo-se que a Seguradora os não exigiu em virtude das ditas respostas negativas.</font>
</p><p><font> Assim sendo, a Seguradora nunca chegou a formar uma vontade de aceitação do contrato, pois que não teve oportunidade de nela considerar, emitindo a correspondente declaração negocial, os factos que lhe foram omitidos.</font>
</p><p><font> O contrato que declarou aceitar e relativamente ao qual terá cobrado os prémios referentes a seis meses de vigência, baseou-se e, consequentemente, incidia sobre objecto não coincidente com o previsto na declaração de aceitação, pois que, pelo menos, não supunha padecer ou ter padecido o Segurado de qualquer doença. </font>
</p><p><font> Com efeito, se a Seguradora fez incluir expressamente as questões referidas no facto 28. no questionário, base da formação da sua vontade negocial, tê-lo-á feito, certamente, porque considerava útil e relevante o conhecimento desses elementos na avaliação do risco que se propunha assumir, não se concebendo a formulação de perguntas inúteis ou irrelevantes.</font>
</p><p><font> Remete tudo para a conduta dos contraentes na formação do contrato, nomeadamente no campo boa fé das respectivas declarações contratuais - a </font><i><font>uberrima bona fides</font></i><font> a que seguradora e tomador do seguro estão especialmente vinculados -, não demonstrada em relação à A. e seu falecido marido mas que, face à factualidade provada, tem de se presumir presente no comportamento da Recorrida. </font>
</p><p><font> Esse o alcance que se retira do que vem sendo afirmado, no tocante à aplicação do art. 429º C. Com., no sentido da não relevância do concurso de nexo de causalidade entre os factos omitidos e o sinistro, tal como se não exige a verificação deste, como não releva qualquer análise feita com base em acontecimentos posteriores à subscrição da proposta, na qual as declarações são feitas (acs. STJ, de 17/11/05, </font><i><font>proc</font></i><font>. </font><i><font>05B3403</font></i><font> e de 24/4/07, </font><i><font>proc. 07S851,ITIJ</font></i><font>). </font>
</p><p><font> Imprescindível à anulabilidade é apenas a omissão ou a declaração inexacta que sejam susceptíveis de influenciar a seguradora na decisão de contratar, irrelevando que o óbito venha a ocorrer devido a outra doença e, por isso, que exista ou não nexo causal entre a doença omitida nas declarações prestadas na proposta e a que efectivamente se revelou letal.</font>
</p><p><font><br>
Preenchidos, pois, os pressupostos da nulidade do contrato, por via da invocada anulabilidade, tal como prevista no art. 429º C. Comercial. </font>
</p><p><font> 4. 2. - Violação dos deveres de comunicação e de informação.</font>
</p><p><font> 4. 2. 1. - A Recorrente invoca a circunstância de a Recorrida não ter demonstrado ter dado a conhecer ao Segurado a essencialidade das informações em falta para a celebração do contrato, o que releva significativamente, como decorre do disposto nos arts. 1º, 5º, 6º e 11º-2 do DL n.º 446/85, de 25/10.</font>
</p><p><font> A omissão, pelos utilizadores de cláusulas contratuais gerais, dos deveres de comunicação e/ou de informação dessas cláusulas nos contratos de adesão, geralmente constantes de modelos pré-elaborados com propostas a que a outra parte se limita a subscrever ou aceitar, determina, como previsto no art. 8º- a) e b) do DL 446/85, a sua exclusão do contrato.</font>
</p><p><font> Subjacente a tal imposição e sanção estará a garantia de um âmbito mínimo de tutela de princípios fundamentais em matéria de liberdade negocial.</font>
</p><p><font>Com efeito, para que as cláusulas pré-estabelecidas em vista dum contrato devam considerar-se parte integrante dele é necessária a respectiva aceitação pela outra parte, o que só pode ocorrer se esta tiver conhecimento dessas componentes da proposta negocial. A não ser assim, não pode falar-se de uma livre, consciente e correcta formação de vontade, nomeadamente isenta dos vícios a que se alude nos arts. 246º, 247º e 251º C. Civil. </font>
</p><p><font>Na verdade, como também o art. 232º C. Civil previne, não pode falar-se em conclusão de um contrato se não estiver assegurada coincidência entre a aceitação e a oferta relativamente aos elementos relevantes do negócio, o que nos contratos de adesão supõe que se garanta ao aderente um cabal e efectivo conhecimento do clausulado que integra o projecto ou proposta negocial.</font>
</p><p><font> 4. 2. 2. - Não se questiona a aplicabilidade do regime jurídico dos contratos de adesão e das cláusulas contratuais gerais aos contratos de seguro.</font>
</p><p><font> A Recorrente queixa-se apenas de que a Seguradora não deu a “conhecer ao segurado a essencialidade das informações em falta para a celebração do contrato”.</font>
</p><p><font>Se as “informações em falta” resultavam da omissão do próprio segurado ou de quem agiu em sua representação (a ora Recorrente), ou de declarações não verdadeiras, não se percebe bem em que haveria de consistir a comunicação ou informação omitida pela seguradora, a não ser que soubesse que estavam a ser prestadas declarações contrárias à verdade ou que, ao assinar o questionário, se tinha desprezado a advertência dele constante nesse sentido.</font>
</p><p><font> Seja como for, uma coisa é incontornável: - sendo a sanção para a violação dos deveres em questão a sua exclusão do contrato, se se tiverem por excluídas as declarações prestadas como respostas, negatórias do conteúdo das perguntas, a única diferença de resultado é passar-se da existência de declarações falsas expressas para a de omissões, sempre com a mesma consequência sobre a validade do contrato, face à demonstrada preexistência de factualidade impositiva de respostas de conteúdo afirmativo.</font>
</p><p><font> O regime imperativo consagrado no art. 429º citado assim o impõe.</font>
</p><p><font> 4. 2. 3. - Pensa-se, de qualquer modo, que o regime das cláusulas contratuais gerais não será, na espécie e no caso, aplicável.</font>
</p><p><font> O questionário é uma das formas de declaração inicial do risco pelo candidato tomador do seguro ou pessoa segura que tem por objectivo a ponderação por parte da seguradora dos riscos a correr com a celebração do contrato que lhe é proposto. </font>
</p><p><font> Consiste “numa facilitação concedida pelo segurador ao segurado”, assente na probidade das informações e na boa fé deste último, com vista a evitar um complexo de averiguações e exames, não devendo “redundar em prejuízo daquele”(MOITINHO DE ALMEIDA, “O Contrato de Seguro”, 74).</font>
</p><p><font> Do que aqui se trata é da postura do candidato ou proponente do seguro relativamente a perguntas simples e claras sobre o seu estado de saúde, baixas e internamentos, meras declarações de ciência que, destinadas embora a serem valoradas pela contraparte na sua declaração negocial, não continham qualquer declaração de vontade relativamente à qual se possa falar de adesão e vinculação, para efeitos de inclusão na previsão dos arts. 1º e 2º do RJCCG, designadamente em relação ao Segurado.</font>
</p><p><font>Pré-elaborado está o questionário, que não as respostas, e destinatário destas é a Seguradora. O Segurado não adere ao questionário, responde-lhe para fornecer à Seguradora elementos em função dos quais esta estabelece as condições de aceitação do contrato. </font>
</p><p><font>Tudo numa fase prévia à respectiva celebração.</font>
</p><p><font> Como se escreveu no citado acórdão de 27 de Maio de 2008, relatado pelo aqui 1º Adjunto, Cons. Moreira Camilo, “consoante o conteúdo das respostas ao questionário sobre o estado de saúde do potencial segurado, a seguradora decide se, em definitivo, apresenta uma proposta de seguro e, na hipótese afirmativa, as condições que propõe para que seja celebrado o contrato de seguro, sendo que só então, nessa segunda fase, poderemos dizer que estamos perante um contrato de adesão. Como é óbvio, a seguradora não apresenta um contrato-tipo já com o questionário preenchido”.</font>
</p><p><font> Irreleva, pois, a alegada omissão de informação, tal como irreleva, em sede de validade do contrato, a forma como o Segurado prestou as declarações e o conhecimento que a ora Recorrente tivesse da veracidade ou falsidade dessas declarações. </font>
</p><p><font>5. - Decisão. </font>
</p><p><font>Em conformidade com o exposto, acorda-se em:</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>- Negar a revista;</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>- Confirmar o decidido no acórdão impugnado; e,</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>- Condenar a Recorrente nas custas.</font>
</p><p>
</p><p><font> Lisboa, 6 Julho 2011 </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> Alves Velho (relator)</font>
</p><p><font> Moreira Camilo</font>
</p></font><p><font><font> Paulo Sá</font></font></p> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
TTJ8u4YBgYBz1XKvrBC9 | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><b><font> </font></b>
<p>
</p><p><font>Acordam, na 1ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça:</font>
</p><p><font> </font></p><div><br>
<font>I</font></div><br>
<font> </font>
<p><font>1. AA e Mulher, BB, intentaram ação contra, </font><i><font>Banco CC, SA</font></i><font>, pedindo a condenação deste a pagar-lhes a quantia de € 313.646,09, acrescida de juros de mora, à taxa legal, até integral pagamento. </font>
</p><p><font>Alegaram, em síntese, que o DD, à data dos factos, era detido totalmente pela </font><i><font>EE, SA</font></i><font> (EE) e tinham ambos o mesmo presidente de conselho de administração. Os Autores são clientes do banco há mais de 12 anos. Desde pelo menos 1993 que o DD estava registado como intermediário financeiro. Tinha o dever de categorizar os Autores como investidores não qualificados. O DD, em 2004, engendrou um plano de empossamento das quantias depositadas pelos seus clientes e lançou uma operação de emissão de obrigações subordinadas, </font><i><font>SLN Rendimento Mais 2004</font></i><font>, a 10 anos, cujos valores captados serviram para reforçar os rácios de capital do DD. Foram dadas instruções aos funcionários para não ser entregue aos clientes a nota informativa do produto e para ser vendido como um sucedâneo de um depósito a prazo. Em Outubro de 2004 um funcionário do Réu telefonou ao Autor marido dizendo que tinha subscrito por ele três obrigações </font><i><font>SLN Rendimento Mais 2004</font></i><font>, tendo o Réu procedido para o efeito ao resgate de 150 000€ que o Autor tinha depositado a prazo. Não foi dado qualquer documento a assinar ao Autor marido. Não foi dada aos Autores nota informativa da operação, mas os funcionários do banco informaram que se tratava de produto sem qualquer risco, que o banco garantia o retorno dos valores em causa e que os podiam resgatar em qualquer altura, o que convenceu os Autores. Repetindo a operação, em 2006 o DD voltou a lançar </font><i><font>Obrigações SLN 2006</font></i><font>, igualmente a 10 anos, no valor de 50 000€ cada, igualmente vendidas como sucedâneo de depósito a prazo; mais uma vez foram dadas instruções aos funcionários do Réu para não facultarem a nota informativa do produto. Os valores captados serviram para reforçar os capitais do banco. Igualmente, o Autor marido recebeu um telefonema de um funcionário do Réu, em 08/05/2006, a dizer-lhe que tinha subscrito por ele uma </font><i><font>Obrigação SLN 2006</font></i><font> no valor de 50 000€. Tudo se passou à revelia dos Autores que nada assinaram. Do mesmo modo, em 05/12/2008, o empregado do Réu telefonou ao Autor marido a dizer-lhe que tinha adquirido por ele duas obrigações </font><i><font>SLN Rendimento Mais 2006</font></i><font>. Mais uma vez, tudo se passou à revelia dos Autores que nada assinaram. Aos Autores não foi dito nem sabiam que o empréstimo só poderia ser reembolsado a partir de Outubro de 2014 e de Abril de 2016; se o soubessem, não teriam aceitado subscrever o produto, o que era do conhecimento dos funcionários do banco. Os valores mobiliários em causa não estavam à data depositados em qualquer conta de valores mobiliários escriturais do DD ou da EE. O DD não forneceu informação sobre a relação que tinha com a EE. O DD violou os deveres de proteção e de informação, induzindo os Autores a contratar em erro nos termos em que o fizeram.</font>
</p><p><font> Contestou o Réu. Excecionou, ao abrigo do artº 324º do CVM, a prescrição do direito dos Autores, dado os mesmos terem tido conhecimento da alegada subscrição abusiva desde início de 2009. Impugnou no essencial a factualidade invocada. Confirmou que o Autor marido subscreveu uma Obrigação </font><i><font>Rendimento Mais 2006</font></i><font>, tendo perfeito conhecimento do produto em causa, tendo-lhe sido explicada a sua natureza, condições de remuneração, reembolso e liquidez; sabia que não estava a contratar um depósito a prazo ou sequer um produto equivalente. Foi informado ao Autor que a única forma de obter liquidez antes do prazo de 10 anos seria através de cedência das obrigações a um terceiro. O Autor recebeu sempre o extrato mensal no qual figuram as obrigações na sua carteira de títulos e recebeu os cupões de juros e nunca efetuou qualquer reclamação. Negou que o banco Réu tenha garantido o pagamento da emissão das obrigações. </font>
</p><p><font>Responderam os Autores.</font>
</p><p><font>Prolatada sentença, a julgar a ação improcedente, absolvendo o Réu do pedido.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>2. Apelaram os Autores, impugnando a decisão em matéria de facto e de direito.</font>
</p><p><font>A Relação manteve a matéria de facto fixada pela 1ª instância; julgou parcialmente procedente a apelação, revogando a sentença recorrida e condenando o Réu a pagar aos Autores a quantia de € 300.000,00, acrescida de juros de mora a partir da data de citação.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>3. Pede revista o Réu, formulando, a final da alegação, as seguintes conclusões:</font>
</p><p><i><font>«1) Não pode o Banco-R. conformar-se com a decisão proferida, e essencialmente com a fundamentação apresentada para a mesma. </font></i>
</p><p><i><font>2) O princípio do dispositivo obriga as partes a alegarem factos com que limitam o âmbito do processo. E ao fazê-lo, devem apresentar a sua "estória", os factos que alegam, de forma coerente e com vista à sua subsequente prova. </font></i>
</p><p><i><font>3) Nos autos rapidamente passamos de uma petição inicial em que os AA. alegam simplesmente não ter dado qualquer ordem de subscrição de nada, para uma realidade alternativa em que passamos a discutir a informação dada de forma a sustentar a decisão de dar a ordem (a mesma que os AA. alegam expressamente nunca ter dado)! </font></i>
</p><p><i><font>4) Não nos referimos aqui à mera contradição dos factos alegados na PI. Estamos a falar de factos que acabam por ser claramente diferentes dos alegados, não por força da mera impugnação ou contradição de prova, mas pura e simplesmente porque distintos na sua própria natureza - todo o aresto recorrido é baseado num pressuposto de informação tendente à sedução dos clientes para a subscrição de produtos financeiros, quando estes mesmo clientes alegam nunca ter subscrito nada! </font></i>
</p><p><i><font>5) Entendemos modestamente, por isso, que foi violado o princípio do dispositivo, tal qual concretizado no Código de Processo Civil, nos artºs 5º e 260º do Código de Processo Civil. </font></i>
</p><p><i><font>6) O uso da expressão "capital garantido" apenas se pode ter como referência à mecânica de funcionamento do investimento, que é feito por um determinado prazo, findo o qual o capital é reembolsado na totalidade - ao par (vide facto provado 6º). </font></i>
</p><p><i><font>7) A garantia de capital resume-se a uma característica do instrumento de manutenção do valor do crédito ao longo de todo o prazo de vigência do instrumento. </font></i>
</p><p><i><font>8) E por isso mesmo, e apenas por isso, esta informação prestada não é falsa! </font></i>
</p><p><i><font>9) É utópico, carecendo de fundamento empírico, pretender ver nesta singela referência qualquer espécie de garantia absoluta de investimento, ou melhor uma garantia no sentido estritamente jurídico do termo, de prestação ou devedor alternativo à prestação ou obrigado principais; </font></i>
</p><p><i><font>10) Mesmo que se compare o investimento efectuado com aquele que é afirmado como paradigma de investimento seguro -o depósito a prazo - (e enquanto tal também invocado na P.I.), essa garantia não existe em nenhum contrato! </font></i>
</p><p><i><font>11) A afirmação de que as Obrigações SLN eram um produto de risco é uma falácia, que confunde a causa com a consequência - não é porque um investimento se possa vir a revelar ruinoso, que o mesmo pode ser classificado como investimento de risco! </font></i>
</p><p><i><font>12) Tal juízo tem que ser feito retroagindo ao momento da subscrição e tendo por base a prognose que então era possível fazer com os dados conhecidos. </font></i>
</p><p><i><font>13) As Obrigações eram então, como são ainda, um produto conservador, com um risco normalmente reduzido, indexado à solidez financeira da sociedade emitente. </font></i>
</p><p><i><font>14) Ao que acrescia, no caso concreto, o facto de a entidade emitente pertencer ao mesmo Grupo que o Banco Réu. </font></i>
</p><p><i><font>15) Assim, dificilmente haveria um produto financeiro tão seguro. </font></i>
</p><p><i><font>16) Tanto mais que o risco de um DP no Banco seria, então, semelhante a uma tal subscrição de Obrigações EE, porque sendo a SLN dona do Banco a 100%, o risco da EE estava indexado ao risco do próprio Banco. </font></i>
</p><p><i><font>17) Além do mais, nesse momento não havia qualquer indiciação de que a emissão pudesse vir a não ser paga (não havia histórico nesse sentido) ou qualquer ideia sobre o risco de insolvência do emitente. </font></i>
</p><p><i><font>18) A este propósito e no mesmo sentido do que vimos de alegar, aliás, pronunciou-se já esse douto Supremo Tribunal de Justiça em douto acórdão de 6 de Junho de 2013, relatado pelo Exmo. Juiz Conselheiro Abrantes Geraldes, onde se afirma que "no mercado de capitais não existem investimentos de risco nulo (afinal, até os depósitos bancários, que são considerados dos investimentos mais seguros, estão sujeitos ao risco de insolvência das entidade bancárias)". </font></i>
</p><p><i><font>19) Ou ainda no douto acórdão desse mesmo Tribunal, de 12 de Janeiro de 2017, onde se sumaria que: "A garantia do intermediário financeiro do reembolso do capital investido tem de ser entendida no contexto do investimento que se apresentava seguro ( ... )". </font></i>
</p><p><i><font>20) A informação de que se tratava de um produto de capital garantido nunca teve implícita ou explícita qualquer atribuição de responsabilidade ao Banco-colocador, e muito menos de assunção de uma responsabilidade própria. Nem tanto resulta, de qualquer forma, da matéria de facto considerada como provada. </font></i>
</p><p><i><font>21) Não podemos deixar de sublinhar o facto singelo, mas óbvio, de o acórdão recorrido tratar indistintamente o dever de informação tal qual previsto antes da transposição da Directiva dos Mercados e Instrumentos Financeiros (DMJF), pelo Dec. Lei nº 357-A/2007 de 31 de Outubro), ou depois da entrada em vigor deste diploma! </font></i>
</p><p><i><font>22) São exemplos de obrigações citadas no Acórdão recorrido, então inexistentes, os artºs 304-A, 314, 309 e 312 do CdVM ou 77 nº 1 do RGICSF. </font></i>
</p><p><i><font>23) Resulta da matéria de facto considerada como provada que os AA. adquiriram as obrigações objecto destes autos em 25 de Outubro de 2004 (3 Obrigações SLN 2004), em 8 de Maio de 2006 (1 Obrigação SLN 2006) e em 4/12/2008 (2 Obrigações SLN 200G) e o diploma acima referido entrou em vigor no dia 1 de Novembro de 2007, pelo que de todas as transacções acima elencadas apenas seria aplicável à última, de Dezembro de 2008. </font></i>
</p><p><i><font>24) A redacção do CdVM anterior à DMIF era muito mais ligeira na obrigação de informação do intermediário financeiro. </font></i>
</p><p><i><font>25) À data da subscrição das Obrigações, não existia sequer qualquer dever de informação quanto aos riscos associados ao instrumento financeiro, ou quanto ao risco de perda da totalidade do investimento, conforme hoje decorre do art. 312º-E nº 2 alínea a). </font></i>
</p><p><i><font>26) Ao contrário do que hoje sucede, não havia na anterior redacção do CdVM qualquer norma que taxativamente obrigasse o intermediário financeiro a prestar informações acerca dos riscos do tipo de instrumento financeiro em que se pretendia investir. Essa foi a grande inovação da D.M.I.F. e do diploma que a transpôs! </font></i>
</p><p><i><font>27) O acórdão recorrido vem a concretizar a prestação de informação falsa ou errada com os factos provados 8, 13, 18, 22 e 31 - todos factos que não se mostram falsos, ou pelo menos nunca se demonstraram, em sede do aresto em causa, como sendo falsos ou errados! </font></i>
</p><p><i><font>28) A comparação a um Depósito a Prazo sempre resultou de toda a prova como apenas referente ao grau de risco do produto, </font></i>
</p><p><i><font>29) O nível de risco deste produto era em tudo semelhante ao de um Depósito a Prazo, sendo ambos dívida de uma sociedade, sendo que as duas sociedades devedoras eram, à data, sociedade-mãe e sociedade-filha. </font></i>
</p><p><i><font>30) O Banco-R. limitou-se a transmitir a informação a que tinha acesso, com um nível de rigor razoável e normal perante as circunstâncias de facto que se lhe apresentavam no caso de uma emissão obrigacionista da sua sociedade-mãe, ou, como se diz em acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 6 de Junho de 2013: “A R. forneceu ao A. as informações de que dispunha e tudo se desenhava para que esse investimento fosse rentável, tanto mais que nada fazia antever nem a degradação do mercado financeiro mundial, nem a do mercado islandês, nem a da concreta instituição financeira emitente das obrigações. Nem sequer as características específicas das obrigações intermediadas fariam supor algum risco que devesse ser assinalado ao A., antes de este decidir, pois que na referida ocasião era praticamente indiferente que as obrigações tivessem uma ali outra característica, já que nada fazia supor o default da instituição financeira bem cotada pelas agências de rating" </font></i>
</p><p><i><font>31) Para perceber os deveres que estão enunciados no CdVM, há, em primeiro lugar, que perceber a sua estrutura, pois essa estrutura tem razão de ser. </font></i>
</p><p><i><font>32) É que os contratos de intermediação financeira implicam relações jurídicas que se estabelecem em níveis de diferentes. A este respeito é comum falar em negócio de cobertura e em negócio de execução. </font></i>
</p><p><i><font>33) Da análise do rol de disposições onde se manifesta o dever de informação no CdVM resulta, desde logo, que essas disposições podem ser reconduzidas a dois momentos distintos: em primeiro lugar, antes da celebração do contrato de intermediação financeira (arts. 312º a 312º-D e 312º-F a 312º-G) e, num segundo momento, já na vigência do mesmo (arts. 323º a 323º-C). </font></i>
</p><p><i><font>34) Também as exteriorizações do dever de informação podem também ser categorizadas consoante as mesmas estejam relacionadas com o negócio de cobertura ou, por outro lado, relacionadas com os negócios de execução, ou até mesmo com os instrumentos financeiros que são objecto desses negócios de execução. </font></i>
</p><p><i><font> 35) Os deveres de informação a prestar pelo intermediário financeiro, previstos no art. 312º nº 1. do CdVM, são os deveres de informação relativos ao próprio contrato de intermediação financeira, v.g., ao negócio de cobertura. </font></i>
</p><p><i><font>36) Já os arts 323º, 323º-A, 323º-B e 323º-C do CdVM tratam dos deveres de informação próprios, relativos, inerentes ou decorrentes dos negócios de execução, levados a cabo ao abrigo dos negócios de cobertura, como aliás decorre das epígrafes dos artigos (por exemplo: deveres de informação no âmbito da execução de ordens, deveres de informação no âmbito da gestão de carteiras, etc.). </font></i>
</p><p><i><font>37) O art. 312º do CdVM serve como verdadeiro índice programático dos deveres de informação, que são aí genericamente afirmados, para serem depois densificados nos preceitos seguintes. </font></i>
</p><p><i><font>38) Não se pode confundir o dever de informação quanto aos riscos especiais do instrumento financeiro - vide artº 312, nº1 - com a também mencionada violação do dever de informação quanto aos riscos especiais do instrumento financeiro, a propósito da invocação do risco de perda da totalidade do investimento. </font></i>
</p><p><i><font>39) O risco que o tribunal a quo associa maioritariamente a um fenómeno de incumprimento da obrigação assumida (neste caso incumprimento do reembolso do capital das Obrigações) ou até à insolvência do emitente, não é um risco especial do instrumento financeiro, mas é antes uma concretização do risco geral do incumprimento! </font></i>
</p><p><i><font>40) O risco de incumprimento ou risco de insolvência de um devedor são riscos gerais de qualquer obrigação, precisamente porque são características nucleares de toda e qualquer obrigação. </font></i>
</p><p><i><font>41) O cumprimento e incumprimento das obrigações são as duas faces da mesma moeda - o incumprimento é uma caraterística latente a qualquer obrigação, que pode, ou não, vir a manifestar-se! </font></i>
</p><p><i><font>42) Apenas os riscos elencados no nº 2 do artº 312-E são riscos do tipo do instrumento financeiro sobre os quais o Intermediário Financeiro tem que prestar informação! </font></i>
</p><p><i><font>43) A alusão que a lei faz quanto ao risco de perda da totalidade do investimento está afirmada em função das características do investimento. Aliás como também o denota a necessidade de informação acerca da volatilidade do preço do instrumento financeiro, igualmente prescrita na alínea b) daquele preceito e com a qual este risco de perda está umbilicalmente ligado. Trata-se, portanto, de um risco que tem que ser endógeno e próprio do instrumento financeiro não motivado por qualquer factor extrínseco ao mesmo. </font></i>
</p><p><i><font>44) Ora, o produto em causa nos autos não é sujeito a qualquer volatilidade, sendo o retorno do investimento certo no final do prazo, por reembolso do capital investido ao valor nominal do título, acrescido da respectiva rentabilidade. Logo, não há necessidade de que a advertência do risco de perda da totalidade do investimento seja feita, porque a mesma não é aplicável ao caso! </font></i>
</p><p><i><font>45) Nem todos os instrumentos financeiros sofrem o impacto da alavancagem. Nem todos os instrumentos financeiros estão sujeitos à volatilidade do preço. E apenas alguns instrumentos financeiros criam obrigações adicionais além do custo de aquisição dos mesmos... Por isso, a informação acerca do risco da perda do investimento tem que ser dada em função dos riscos próprios do tipo de instrumento financeiro, o que deve ser feito SE E SÓ se tais riscos de facto existirem! </font></i>
</p><p><i><font>46) E não se pode confundir a advertência sobre o risco de perda do investimento com a análise de qualquer qualidade e robustez (ou falta dela) do emitente do título! </font></i>
</p><p><i><font>47) Diga-se até que, mesmo que se faça a comparação entre o instrumento financeiro e o Depósito a Prazo (que é o paradigma normalmente invocado de aplicação com capital e rentabilidade garantida), também não resulta das obrigações previstas no D.L. 430/91 de 02/11 a obrigação do Banco advertir o seu cliente do risco da instituição não cumprir ou insolver! </font></i>
</p><p><i><font>48) A ideia que fica de toda a prova produzida é que a referência que foi feita pelo funcionário do Banco Réu à garantia de capital e juros tinha que ver com o modo de funcionamento da aplicação financeira (que não estava sujeita a volatilidade de preço/cotação no termo do prazo) e que, findo o prazo de investimento, haveria o retorno integral do capital, acrescido dos juros. Ora, esta expressão do funcionário do Banco Réu tem também que ser vista no contexto em que foi proferida. De facto, no início do 2008 ainda não tinha deflagrado a crise financeiro de Setembro de 2008 (com a falência do Lehman Brother's). Nessa altura não era vulgar o incumprimento das obrigações assumidas em títulos, ou a insolvência dos emitentes. </font></i>
</p><p><i><font>49) Por outro lado, como muito bem salienta um douto acórdão do S.T.J., o dever de informar por porte do banco não é um dever absoluto", antes devendo ser objecto de uma densificação variável em função do investidor concreto de que se trate. </font></i>
</p><p><i><font>50) O que nos parece resultar da matéria de facto é que, quando muito, houve da parte do Autor um erro espontâneo, MAS NUNCA UM ERRO PROVOCADO! </font></i>
</p><p><i><font>51) Assim sendo, nenhuma culpa pode ser assacada ao Banco Réu. </font></i>
</p><p><i><font>52) O douto aresto afirma, e reitera de forma sublinhada, que a causalidade na responsabilidade contratual, de acordo com a doutrina, se presume, por se considerar abrangido na presunção de culpa do citado artº 799º do Código Civil... Enfim, refaz-se numa pincelada todo um sistema de responsabilidade civil, presumindo o que a lei não presume! </font></i>
</p><p><i><font>53) A lei prevê a possibilidade de presunções de culpa, e apenas destas. </font></i>
</p><p><i><font>54) Podemos entender a referência doutrinária, mas apenas se entendida no sentido não de uma normal presunção, mas antes de um verdadeiro pressuposto lógico, uma necessidade evidente, ou seja, a verificação do incumprimento pressupõe claramente a ilicitude, quando o direito violado é exactamente o direito ao cumprimento da obrigação contratual. </font></i>
</p><p><i><font>55) Mas este exacto raciocínio permite-nos facilmente afirmar que esta explicação, esta citação, apenas se torna explicável quando em causa esteja tão só a obrigação principal do contrato, e já não qualquer obrigação acessória ou lateral. </font></i>
</p><p><i><font>56) Não apenas não há fundamento legal que o permitisse, como não há qualquer senso de normalidade que o habilite igualmente. </font></i>
</p><p><i><font>57) O dever de informação a cargo do intermediário financeiro é claramente uma obrigação acessória no âmbito da relação contratual de intermediação financeira ou até na relação bancária, ficando, por isso, sujeito a este regime de prova! </font></i>
</p><p><i><font>58) Cabia aos AA. a prova da causa do dano ser directa e necessariamente a violação dos deveres de informação por parte do intermediário financeiro. </font></i>
</p><p><i><font>59) Os AA. não provaram que se não fosse aquela putativa garantia de capital e juros, não teria subscrito a aplicação financeira em Obrigações 5LN. </font></i>
</p><p><i><font>60) A prestação de informação falsa está umbilicalmente ligada ao regime do erro, no que diz respeito ao nexo de causalidade. </font></i>
</p><p><i><font>61) É indispensável que o investidor prove que: </font></i>
</p><p><i><font>a. sem a violação do dever de informação, não celebraria qualquer negócio, ou celebraria um negócio diferente do que celebrou; </font></i>
</p><p><i><font>b. aquele negócio produziu um dano;</font></i>
</p><p><i><font>c. esse negócio foi causa adequada daquele dano, segundo um juízo de prognose objectiva ao tempo da lesão. </font></i>
</p><p><i><font>62) A decisão recorrida violou, por errónea interpretação ou aplicação, o disposto nos artºs 7, 304, 312, 324, nº 2,325 a 331 todos do Código de Valores Mobiliários, nas sucessivas redacções aplicáveis em 25 de Outubro de 2004, em 8 de Maio de 2006 e em 4/12/2008, 563 e 799 do Código Civil.»</font></i>
</p><p><font>Contra-alegaram os Recorridos, pugnando pela total improcedência da revista.</font>
</p><p><font>Veio o Recorrente juntar dois pareceres de jurisconsultos (CPC, art. 651º, nº2).</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>4. Vistos os autos, cumpre decidir.</font>
</p><p><font> </font></p><div><br>
<font>II</font></div><br>
<font> </font>
<p><font>5. Consideradas as transcritas conclusões da alegação do Recorrente (CPC, arts. 635º, nºs. 2 a 4 e 639º, nºs 1 e 2), são </font><b><font>duas as questões a decidir no presente recurso</font></b><font>, a segunda delas adiante detalhada, aquando do respetivo exame: (i) </font><b><font>violação do </font></b><b><i><font>princípio do dispositivo</font></i></b><font> – conclusões nºs. 1/5 e (ii) </font><b><font>deveres de informação e responsabilidade do Réu, </font></b><b><i><font>nuclearmente</font></i></b><b><font> reportados ao contrato de intermediação financeira celebrado com os Autores </font></b><font>(é no âmbito da responsabilidade como </font><i><font>intermediário financeiro</font></i><font> que o R. vem condenado pela Relação, sendo-lhe incidentalmente justaposta a </font><i><font>responsabilidade bancária</font></i><font>, por violação do dever de informação, referido aos nºs. 1 e 5 do art. 77º do RGICSF, após a redação estabelecida pelo DL 211-A/2008, de 13 de Novembro) – conclusões 6 e ss.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>6. </font><u><font>Os factos</font></u><font>.</font>
</p><p><font>6.1. Vem fixada pelas instâncias a seguinte matéria de facto (transcreve-se do acórdão recorrido):</font>
</p><p><i><font>«1º- Banco CC, S.A., réu, é um banco comercial, que girava anteriormente sob a denominação DD - Banco Português de Negócios, S.A. </font></i>
</p><p><i><font>2º- Até à nacionalização do DD - ..., S.A. (operada pela Lei n.º 62-A/2008, de 11 de 11 de Novembro), a totalidade do seu capital social era detida pela DD, SGPS, SA, a qual, por sua vez, era detida também na íntegra pela então denominada EE, S.A. </font></i>
</p><p><i><font>3º- EE, S.A. e DD - .., S.A., à data dos factos relatados neste processo, tinham por Presidente do Conselho de Administração, FF. </font></i>
</p><p><i><font>4º- Os autores são investidores não qualificados. </font></i>
</p><p><i><font>5º- Os autores são clientes, há mais de 12 anos, do DD com a conta nº .... </font></i>
</p><p><i><font>6º- A EE, SGPS, SA, emitiu 1000 obrigações (SLN Rendimento Mais 2004) subordinadas, sob a forma escritural, ao portador, com o valor nominal de 50 000€, com reembolso a 10 anos, amortização ao par, de uma só vez em 27/10/2014. </font></i>
</p><p><i><font>7º- Na página 2 (fls 68) da Nota Interna da emissão dessas Obrigações, consta “Capital Garantido: 100% do capital investido”. </font></i>
</p><p><i><font>8º- Aos clientes era dito que se tratava de um produto semelhante a um depósito a prazo. </font></i>
</p><p><i><font>9º- A colocação das acções </font></i><font>[obrigações] </font><i><font>tinha incentivos para os funcionários. </font></i>
</p><p><i><font>10º- Em Maio de 2006, a “EE, SGPS” procedeu à emissão de 1 000 obrigações (SLN 2006), subordinadas, sob a forma escritural, ao portador, com o valor nominal de 50 000€, com reembolso a 10 anos, amortização ao par, de uma só vez em 09/05/2016. </font></i>
</p><p><i><font>11º- A colocação das Obrigações SLN 2006 ocorreu de modo sensivelmente igual ao da colocação das Obrigações SLN Rendimento Mais 2004. </font></i>
</p><p><i><font>12º- Os funcionários do balcão em que os autores tinham depositadas as suas quantias acreditavam que as Obrigações SLN Rendimento Mais 2004 e as Obrigações SLN 2006 que vendiam eram produtos seguros e não ofereciam risco para os subscritores. </font></i>
</p><p><i><font>13º- Em Outubro de 2004 um funcionário do réu informou por telefone o autor marido que estava disponível um produto financeiro, com características parecidas a um depósito a prazo, mas melhor remunerado. </font></i>
</p><p><i><font>14º- Em 25/10/2004 o autor deu ordem de aquisição de 3 Obrigações SLN Rendimento Mais 2004 no valor nominal de 50 000€. </font></i>
</p><p><i><font>15º- Em Março de 2006 um funcionário do réu informou o autor marido, por telefone, que estava a ser lançado um novo produto, similar ao de 2004. </font></i>
</p><p><i><font>16º- Em 08/05/2006 o autor marido deu ordem de subscrição de uma Obrigação EE 2006. 17º- Em 04/12/2008, após informação pelo funcionário do banco, o autor marido deu ordem de aquisição de duas Obrigações SLN 2006.</font></i>
</p><p><i><font>18º- O funcionário do banco na apresentação das duas emissões obrigacionistas – Obrigações SLN Rendimento Mais 2004 e Obrigações SLN 2006 – disse ao autor marido tratar-se de produto sem risco, que podia ser resgatado a qualquer altura mediante endosso a terceiro sofrendo penalização de juros. </font></i>
</p><p><i><font>19º- A EE, posteriormente HH, pagou os juros (cupões) das Obrigações SLN 2004 até 30/04/2015 e das Obrigações SLN 2006 até 30/09/2015. </font></i>
</p><p><i><font>20º- Os funcionários do banco sempre agiram de acordo com o que lhes pedia o autor e nunca fizeram nada sem a sua autorização. </font></i>
</p><p><i><font>21º- Os funcionários do banco propuseram ao autor que subscrevesse os produtos e ele aceitou. </font></i>
</p><p><i><font>22º- Informaram do balcão da ré, que se tratava de investimento de “capital garantido” como um depósito a prazo, com juros de seis em seis meses e podia ser levantado em qualquer altura. </font></i>
</p><p><i><font>23º- O autor deu ordem para subscreverem essa Obrigação (SLN 2006), conforme referido em 16º. </font></i>
</p><p><i><font>24º- Em 04/12/2008 o autor adquiriu, por endosso, duas Obrigações SLN Rendimento Mais 2006, no valor de 50 000€ cada, como referido em 17º. </font></i>
</p><p><i><font>25º- O banco réu emitiu e enviou, de forma automática, o débito emitido por cada investimento com a indicação do débito e respectivo valor. </font></i>
</p><p><i><font>26º- O réu sempre expediu de forma automática o extracto mensal onde apareciam as Obrigações como integrando a carteira de títulos.</font></i>
</p><p><i><font>27º- Apesar de receber mensalmente o extracto de conta, o autor nunca efectuou qualquer reclamação. </font></i>
</p><p><i><font>28º- De seis em seis meses o autor recebia os juros (cupão) que vinham referidos no extracto de conta. </font></i>
</p><p><i><font>29º- O autor fez diversos investimentos em aplicações financeiras noutros bancos. </font></i>
</p><p><i><font>30º- O autor marido antes de ordenar a subscrição das Obrigações, não sabia a diferença entre obrigações e depósitos a prazo. </font></i>
</p><p><i><font>31º- Foi explicado ao autor que se tratava de investimento em obrigações, a 10 anos, mas que podia levantar o dinheiro, antecipadamente, desde que transmitisse as Obrigações, por endosso, a terceiros. </font></i>
</p><p><i><font>32º- Foi explicado ao autor os juros (cupão) das Obrigações que adquiriu: no primeiro semestre à taxa de 4,5% e posteriormente por indexação à Euribor.»</font></i>
</p><p><font> 6.2. A Relação manteve como não provados os seguintes pontos, objeto de impugnação pelos Apelantes:</font>
</p><p><i><font>«c)-Que foi elaborado um plano pelos dirigentes do banco com vista ao apossamento de grande parte das quantias que os seus clientes tinham depositadas; </font></i>
</p><p><i><font>d)- Que tenham sido dadas instruções aos funcionários do banco para não facultarem aos clientes as notas informativas dos produtos financeiros; </font></i>
</p><p><i><font>i)- Que os autores não tivessem assinado qualquer documento ou boletim de subscrição;</font></i>
</p><p><i><font>l)- Que os autores não tenham assinado qualquer documento ou boletim de subscrição das obrigações; </font></i>
</p><p><i><font>m)- Que os autores tenham dito ao funcionário do banco que pretendiam produto financeiros sem risco; </font></i>
</p><p><i><font>n)- Que os funcionários do banco tivessem “afiançado” aos autores que o retorno das quantias investidas era assegurado pelo próprio banco; </font></i>
</p><p><i><font>o)- Que os autores nunca tenham comprado ou vendido obrigações;</font></i>
</p><p><i><font>p)- Que não foi informado ao autor marido que os valores investidos só seriam amortizados em Outubro de 2014 e Abril de 2016; </font></i>
</p><p><i><font>q)- Que o autor marido não teria adquirido as obrigações se lhe tivessem referido os seus aspectos quanto ao reembolso, liquidez e subordinação; </font></i>
</p><p><i><font>r)- Que os autores nunca tivessem tido intenção de adquirirem as Obrigações SLN»</font></i><font>.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>7. </font><u><font>Do Direito</font></u><font>.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>7.1. </font><b><font>Violação do princípio do dispositivo</font></b><font> (conclusões nºs. 1/5 da alegação do Recorrente).</font>
</p><p><font>É sabido que o tribunal, livre quanto à </font><i><font>interpretação e aplicação das regras de direito</font></i><font>, devendo oficiosamente considerar os </font><i><font>factos notórios, instrumentais e complementares</font></i><font>, está </font><b><font>vinculado ao </font></b><b><i><font>objeto do processo</font></i></b><font>, definido pelo </font><i><font>pedido</font></i><font> e pela </font><i><font>causa de pedir</font></i><font>, cujos </font><i><font>factos essenciais</font></i><font> devem ser alegados pelas partes, importando que entre o pedido deduzido e a decisão haja uma relação de </font><i><font>correspondência ou congruência</font></i><font> [CPC, arts. 3º, nº 1; 5º; 552º, nº 1, alíneas d) e e); 609º, nº 1].</font>
</p><p><font>No caso dos autos, e conforme entendimento expresso pelo Recorrente, verificar-se-ia violação do apontado princípio processual, já que a decisão ass | [0 0 0 ... 0 0 0] |
MzKIu4YBgYBz1XKvMhdS | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><br>
<p><font> </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>1) AA, Lda intentou acção contra BB e outros a que o Tribunal Judicial de ... decidiu pôr termo por julgar o tribunal incompetente por preterição do tribunal arbitral, tendo absolvido os RR da instância. </font>
</p><p><font>2) A A interpôs recurso de apelação dessa decisão no 29º dia contado da notificação que lhe foi feita da mesma.</font>
</p><p><font>3) O Tribunal de ... não admitiu o recurso, por entender ser de 15 dias o prazo que lhe era aplicável, nos termos dos artigos 638°, nº 1 e 644°, nº 2, b) do CPC.</font>
</p><p><font>4) A reclamação deduzida pela A contra tal despacho, ao abrigo do art. 643º do CPC, foi julgada improcedente pela Relação de ..., por maioria, e, consequentemente, o recurso interposto não foi admitido, por ser considerado extemporâneo.</font>
</p><p><font> 5) A reclamante interpôs recurso de revista desse acórdão, delimitando o seu objecto com conclusões que colocam as questões de saber se:</font>
</p><p><font>- o acórdão recorrido sofre de nulidade, por excesso de pronúncia na parte em que o mesmo conheceu a excepção de preterição do tribunal arbitral;</font>
</p><p><font>- é de 30 dias o prazo de recurso da decisão de 1ª instância que, declarando a incompetência absoluta do tribunal, pôs termo à causa;</font>
</p><p><font>- deve determinar-se a dispensa total do pagamento do remanescente da taxa de justiça que for devida no âmbito do presente processo ou, subsidiariamente, de uma fração daquele valor numa percentagem não inferior a 95%.</font>
</p><p><font>6) Para fundamentar a admissibilidade do recurso de revista, a recorrente expressou o entendimento de que o acórdão ora recorrido está em contradição com outro da mesma Relação proferido em 27-10-2009 (processo 2288/08.0TJCBR-A.C1), no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito (prazo de recurso de apelação de sentença que pôs termo ao processo, com absolvição dos réus da instância), situação com cabimento na previsão dos artigos 629º nº 2 d) e 671º nº 2 a) do CPC. </font>
</p><p><font>7) Os recorridos sustentaram que a similitude referente aos elementos formais de ambos os processos mencionados no recurso não se verifica no que respeita ao domínio da mesma legislação (quadro normativo), pugnaram pela confirmação do acórdão recorrido e, aderindo ao aduzido pela recorrente quanto à taxa de justiça, formularam idêntica pretensão a seu favor.</font>
</p><p><font>8) A Exma. Procuradora-geral Adjunta neste Tribunal emitiu douto parecer no sentido de que se dispensem as partes de uma fração ou percentagem do remanescente da taxa de Justiça, na ponderação de critérios de proporcionalidade e de igualdade.</font>
</p><p><font>*</font>
</p><p><font>Importa apreciar as questões enunciadas e decidir, para o que releva o antecedentemente relatado.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>1. A admissibilidade do recurso.</font>
</p><p><font>Preceitua o citado art. 629º do CPC que é sempre admissível recurso do acórdão da Relação que esteja em contradição com outro, dessa ou de diferente Relação, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, e do qual não caiba recurso ordinário por motivo estranho à alçada do tribunal.</font>
</p><p><font>À questão de saber qual o prazo de recurso da decisão que pôs termo à causa, com absolvição dos RR da instância por o tribunal ser julgado absolutamente incompetente, o acórdão ora recorrido respondeu ser o de 15 dias. </font>
</p><p><font>O acórdão da mesma Relação, proferido em 27-10-2009 no âmbito do processo 2288/08.0TJCBR-A.C1, relativamente à mesma questão fundamental de direito, condensou a sua interpretação na seguinte lapidar síntese conclusiva:</font>
</p><p><font>«A lei ao declarar que cabe recurso da decisão que aprecie a competência do tribunal – artº 691º, nº 2, al. b) – tem notoriamente em vista a decisão meramente interlocutória que julgue o tribunal competente e, portanto, que não põe termo ao processo. O prazo de interposição do recurso é, neste caso, de 15 dias. Enquadrando-se a decisão recorrida na previsão da al. b) do nº 2 do artº 691º - decisão que aprecie a competência do tribunal -, mas também na previsão do nº 1 do mesmo preceito, o prazo para interposição de recurso é de 30 dias porque, concluindo pela incompetência absoluta do tribunal, isso conduz ao termo do processo - artºs 105º, nº 1; 493º, nº 2; e 494º, al. a), do CPC.</font>
</p><p><font>Estamos, como parece incontroverso, perante um patente dissídio interpretativo sobre a mesma questão fundamental de direito, pelo que tudo se resume em saber se o mesmo ocorreu «no domínio da mesma legislação», ou não, como defenderam os recorridos.</font>
</p><p><font>Para tanto, o citado preceito legal deve ser acolhido com as devidas cautelas e um sentido interpretativo que, estando ainda suficientemente expresso no respectivo teor, seja o menos limitativo dos direitos dos sujeitos processuais e, por isso, o mais conforme ao direito fundamental de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva (art. 20º da Constituição). </font>
</p><p><font>E a sua interpretação não deve cingir-se à expressão literal acabada de transcrever, embora sem dela prescindir, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada, presumindo que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (art. 9º do CC).</font>
</p><p><font>Ora, segundo pensamos, a lei, com a salvaguarda da admissibilidade de recursos facultada por tal preceito, tem implícita a preocupação de que a justiça seja alcançada com uma relativa previsibilidade, a que também subjaz a ideia de proporção, de adequação e a de efectiva concretização do princípio da igualdade, consagrado no artº 13º da Constituição, devendo, para tanto, ter-se em consideração «todos os casos que mereçam tratamento análogo», exigência colocada pelo art. 8º nº 3 do CC (</font><a><u><font>[1]</font></u></a><font>). E daí que, verificada a mencionada antinomia, se ressalve a possibilidade, que de outro modo não existiria, de suscitar a impugnação da decisão da Relação junto do Supremo, tendencialmente incumbido de empreender a interpretação e aplicação uniformes do direito. </font>
</p><p><font>Assim sendo, tal desiderato ou razão de ser só se realiza se for admitido o recurso do acórdão da Relação que esteja em contradição com outro, sobre a mesma questão fundamental de direito, no domínio mesmo quadro normativo – para usar a feliz expressão dos próprios recorridos –, por isso, no âmbito de enquadramentos normativos substancial e essencialmente idênticos, não relevando tanto que o seja da vigência da mesma legislação formalmente considerada.</font>
</p><p><font>É certo que o acórdão ora recorrido aplicou o enquadramento normativo articulado no NCPC, aprovado pela lei 41/2013, enquanto o acórdão de 27-10-2009 se baseou no resultante da alteração ao CPC introduzida pelo DL 303/2007 de 24/8. Todavia, é, insofismavelmente, idêntico o teor e, sobretudo, o alcance das normas que subjazeram a qualquer dessas decisões da Relação de .... E foi o próprio legislador que, se dúvidas houvesse, se encarregou de as arredar ao asseverar, na «Exposição de Motivos da Proposta de Lei n.º 113/XII», que esteve na base da referida lei 41/2013, que o quadro legal instituído sobre os recursos permaneceu inalterado: «No domínio dos recursos, entendeu-se que a recente intervenção legislativa, operada pelo Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de agosto, desaconselhava uma remodelação do quadro legal instituído». E, realmente, assim sucedeu, no que releva para este processo, sendo despiciendas as diferentes arrumações e numerações do novo código em relação às dos quadros normativos que vigoraram entre 1/1/2008 e 31/8/2013 (</font><a><u><font>[2]</font></u></a><font>).</font>
</p><p><font>Com tais fundamentos, decide-se conhecer o objecto do recurso.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>2. A nulidade.</font>
</p><p><font>Embora a recorrente, ao delimitar o objecto do recurso, não cuide de referenciar o normativo a que parece querer aludir, é certo que, à luz do disposto no art. 615º, nº 1 d), do CPC, a decisão é nula quando «o juiz … conheça de questões de que não podia tomar conhecimento» (</font><a><u><font>[3]</font></u></a><font>). </font>
</p><p><font>Contudo, a imputação pela recorrente à decisão recorrida, nesta vertente, de tal vício assenta num lapso, embora desencadeado – há que reconhecê-lo – pelo ainda maior equívoco que consta no acórdão sob a epígrafe «concluir, sumariando», cujos números 3 a 5 (</font><a><u><font>[4]</font></u></a><font>) nada têm a ver com o tema debatido pela Conferência ou com a questão que delimitava o objecto da reclamação submetida à sua apreciação: a tempestividade do recurso. É suposto que o sumário conclusivo de um acórdão seja isso mesmo: o epítome ou remate final dos fundamentos aduzidos e conducentes à (iminente) decisão das pretensões exercidas pelas partes. Ora, o mencionado segmento do criticado sumário nada tem a ver com o que o Órgão colegial, por maioria, decidiu – julgar inadmissível o recurso interposto – e a respectiva fundamentação – a extemporaneidade do mesmo.</font>
</p><p><font>Ainda assim, contrariamente ao entendimento subjacente ao recurso, parece completamente evidente que o mencionado equívoco, embora evitável, é apenas isso, não se alcandorando ao patamar do assacado vício consistente no excesso de pronúncia. Com efeito, o Tribunal não conheceu de qualquer outra questão senão a que deveria conhecer, a da (in)tempestividade do recurso, não se tendo pronunciado, no segmento decisório (nem na sua fundamentação), sobre a excrescente alusão à incompetência por preterição do tribunal arbitral.</font>
</p><p><font>Improcede, pois, a arguição da nulidade.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>3. O prazo de recurso da decisão de 1ª instância.</font>
</p><p><font>A decisão recorrida concluiu ser o recurso intempestivo, argumentando que, em virtude de a decisão de 1ª instância recorrida se ter debruçado sobre a incompetência absoluta do tribunal, a recorrente disporia do prazo de quinze dias para a impugnar, ao abrigo das disposições conjugadas dos arts. 638º nº 1 e 644º e nº 2 b) do CPC.</font>
</p><p><font>Todavia, também aqui, a reconstituição do pensamento legislativo a partir dos textos das normas, a cujo teor literal não deve cingir-se, terá sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico e as circunstâncias em que a lei foi elaborada e presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados. </font>
</p><p><font>Ora, como salienta a recorrente, a Relação não ponderou devidamente a circunstância de estarmos perante uma decisão que além de ter apreciado a questão da competência absoluta do tribunal, também pôs termo à causa, tendo absolvido os RR da instância. Por isso, acrescentamos nós, na avaliação imposta pela averiguação do sentido de tais normas foram desconsiderados todos os elementos que essa particularidade convocaria para a interpretação das mesmas e que aponta para a verificação de um fundamento suplementar à mera apreciação da competência absoluta do tribunal e, por isso, para que deva considerar-se o prazo normal de recurso (30 dias). </font>
</p><p><font>Vejamos.</font>
</p><p><font>Desde logo, o elemento gramatical daquele art. 638º nº 1 inculca a segura ilação de que o legislador apenas encurtou para 15 dias o prazo dos recursos interpostos de decisões interlocutórias, sendo de 30 dias o prazo normal fixado, em geral, para todos os recursos interpostos de decisões que ponham termo à causa, exceptuadas as proferidas nos processos urgentes (que também reduziu para 15 dias). É o que se infere da técnica usada na afirmação daquela redução através da remissão simultânea para o nº 2 do art. 644º e para o artigo 677º que, regendo os recursos perante o Supremo, opera idêntica redução de prazo, acabando por explicitar o verdadeiro sentido de tal remissão, pelo seguinte modo: «Nos casos previstos no artigo 673.º [Recursos interpostos de decisões interlocutórias] e nos processos urgentes, o prazo para a interposição de recurso é de 15 dias».</font>
</p><p><font>E a remissão para o próprio nº 2 do art. 644º só logra cabal compreensão se tivermos por adquirido que a mesma abarca apenas as decisões interlocutórias que apreciem a competência absoluta do tribunal e determinem o prosseguimento dos autos, sem pôr termo à causa, dado que o n° 1 do artigo se refere às decisões de 1ª instância que põem termo ao processo (e a despachos saneadores). Logo aquele nº 2, alínea b), ao referir-se a «decisão que aprecie a competência absoluta do tribunal» só colhe sentido se entendido como não se reportando à decisão (final) que põe termo ao processo com esse fundamento.</font>
</p><p><font>Por fim, à luz de critérios racionais, é perfeitamente compreensível que um recorrente disponha do prazo de 15 dias, para impugnar uma decisão que, tendo apreciado a competência absoluta do tribunal, não pôs termo ao processo, e que disponha do prazo normal de 30 dias para o fazer em relação a uma decisão que, declarando a total absolvição da instância, pôs termo à causa, ainda que com base na apreciação sobre a (in)competência absoluta do tribunal.</font>
</p><p><font>Em conclusão, o recurso interposto da decisão de 1ª instância deve ser admitido porque deve prevalecer o prazo normal de 30 dias para o efeito, na medida em que tal decisão, tendo julgado procedente a excepção da incompetência absoluta, com absolvição total dos RR da instância, pôs termo ao processo. </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>4. A taxa de justiça.</font>
</p><p><font>No que respeita à pretensão formulada por ambas as partes, consta da certidão de fls. 16 destes autos que o valor da acção de que estes são apensos é de € 5.881.089. Assim, no presente recurso de revista, para além da quantia de € 816, já depositada, seria ainda devido o remanescente de € 22.950, atendendo a que, para além de € 275.000 (valor da acção), ao valor da taxa de justiça acresce, a final, por cada € 25.000 ou fracção, 1,5 UC (Cf. tabela I anexa ao RCP, aprovado pelo DL 34/2008, de 26/12).</font>
</p><p><font>Ora, no que concerne à tramitação da reclamação e subsequente recurso de revista, a única que para o efeito pretendido pelas partes poderá aqui ser avaliada e considerada, poderemos agora, nesta fase do exame das questões nela suscitadas, afirmar que as mesmas não revelam especial complexidade, não impõem a análise conjugada de diversificados problemas jurídicos, que demande uma elevada especialização jurídica, ou de outra natureza. E o comportamento processual das partes também se desenrolou na mais completa normalidade e sem justificar qualquer reparo: limitaram-se a usar os normais meios procedimentais ao seu dispor e que tiveram por adequados à defesa dos seus interesses, sem qualquer violação dos deveres processuais e sem qualquer abuso ou injustificável excesso, descontada a prolixidade das peças processuais, a qual, por se inserir na praxis entre nós lamentavelmente imperante, nem sequer pode ser efectivamente censurada.</font>
</p><p><font>Atendendo ao princípio da proporcionalidade a que toda a actividade pública está sujeita, a taxa de justiça deverá ter tendencial equivalência ao serviço público prestado, concretamente, ao serviço de justiça a cargo dos tribunais, no exercício da função jurisdicional, devendo a mesma corresponder à contrapartida pecuniária de tal exercício e obedecer, além do mais, aos critérios previstos nos artigos 530º nº 7 do CPC e 6º nº 7 do RCP (aprovado pelo DL 34/2008, de 26/12).</font>
</p><p><font>Pese embora não estivesse expressamente «prevista na lei a possibilidade inversa de aplicação, a final, de valores de taxa de justiça inferiores aos resultantes da Tabela aplicável, tem vindo a ser preconizado pela jurisprudência, em especial a emanada do Tribunal Constitucional, a possibilidade de intervenção judicial no sentido da correção, a final, dos montantes de taxa de justiça, quando da sua fixação unicamente em função do valor da causa resultem valores excessivos e desadequados à natureza e complexidade da causa» (Guia Prático sobre Custas, CEJ, 4ª ed. p. 87)</font>
</p><p><font>Entretanto, neste conspecto, passou a dispor o citado art. 6º nº 7 do RCP (com a redacção dada pela Lei nº 7/2012, de 13/2): «Nas causas de valor superior a (euro) 275 000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento».</font>
</p><p><font>Estando, actualmente, assegurada na lei a possibilidade da graduação equitativa do montante da taxa de justiça devida a final, importa considerar, nesta avaliação sobre a proposta dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, por um lado, o valor da acção, e, por outro, que o custo daquela deve ser proporcional ao serviço prestado.</font>
</p><p><font>Segundo expendeu o acórdão deste Tribunal 12-12-2013 (</font><a><u><font>[5]</font></u></a><font>), fazendo alusão a jurisprudência firmada pelo T.Constitucional no acórdão nº 421/2013 (</font><a><u><font>[6]</font></u></a><font>), «A norma constante do nº7 do art. 6º do RCP deve ser interpretada em termos de ao juiz ser lícito dispensar o pagamento, quer da totalidade, quer de uma fracção ou percentagem do remanescente da taxa de justiça devida a final, pelo facto de o valor da causa exceder o patamar de €275.000, consoante o resultado da ponderação das especificidades da situação concreta (utilidade económica da causa, complexidade do processado e comportamento das partes), iluminada pelos princípios da proporcionalidade e da igualdade».</font>
</p><p><font>Ora perante tudo o exposto e em particular o referente ao grau de complexidade dos autos, ao comportamento processual das partes e ao significativo impacto na tributação que ainda teria o remanescente da taxa de justiça calculado em conformidade com a tabela anexa ao citado RCP, reputamos de adequado e proporcional que seja considerado na conta a final apenas 10% de tal remanescente, assim dispensando os devedores do pagamento de 90% do mesmo. </font>
</p><p><font>*</font>
</p><p><font>Síntese conclusiva:</font>
</p><p><font>1. É de 30 dias o prazo para interpor recurso da decisão de 1ª instância que, tendo julgado procedente a excepção da incompetência absoluta do tribunal, pôs termo ao processo, com absolvição total dos RR da instância. </font>
</p><p><font>2. Atendendo ao princípio da proporcionalidade a que toda a actividade pública está sujeita, a taxa de justiça deverá ter tendencial equivalência ao serviço público prestado, concretamente, ao serviço de justiça a cargo dos tribunais, no exercício da função jurisdicional, devendo a mesma corresponder à contrapartida pecuniária de tal exercício e obedecer, além do mais, aos critérios previstos nos artigos 530º nº 7 do CPC e 6º nº 7 do RCP, pelo que, perante o valor da acção, o grau de complexidade dos autos e o comportamento processual das partes, poderá dispensar-se, total ou parcialmente, o pagamento do remanescente da taxa de justiça a considerar na conta a final.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Decisão.</font>
</p><p><font>Pelo exposto, acorda-se em conceder a revista e em deferir parcialmente a requerida dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça e, por consequência, em:</font>
</p><p><font>a) revogar o acórdão recorrido, determinando-se o deferimento da reclamação e o subsequente cumprimento do disposto no art. 643º nº 6 do CPC;</font>
</p><p><font>b) deferir parcialmente pedido de dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, de modo a que na conta a final o mesmo seja considerado apenas na proporção de 10%. </font>
</p><p><font>Custas pelos recorridos.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Lisboa, 22/11/2016</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Alexandre Reis - Relator</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Lima Gonçalves</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Sebastião Póvoas</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>_______________________________________________________</font><br>
<a><u><font>[1]</font></u></a><font> «Nas decisões que proferir, o julgador terá em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito».</font><br>
<a><u><font>[2]</font></u></a><font> Cf. os arts. 638º nº 1 e 644º do NCPC e os arts. 685º nº 1 e 691º do anterior código.</font><br>
<a><u><font>[3]</font></u></a><font> Ou seja, quando tenha incorrido em excesso de pronúncia. Mas esta nulidade, em directa conexão com o comando ínsito no art. 608º, só se verifica quando o tribunal se ocupa de questões cuja apreciação não lhe foi colocada. A expressão «questões», que se prende, desde logo, com as pretensões que os litigantes submetem à apreciação do tribunal e as respectivas causas de pedir, de modo algum se pode confundir com as razões (de facto ou de direito), os argumentos, os fundamentos, os motivos, os juízos de valor ou os pressupostos em que as partes fundam a sua posição na controvérsia.</font><br>
<a><u><font>[4]</font></u></a><font> Aludindo à incompetência do tribunal judicial por preterição do tribunal arbitral.</font><br>
<a><u><font>[5]</font></u></a><font> P. 1319/12.3TVLSB-B.L1 – Lopes do Rego.</font><br>
<a><u><font>[6]</font></u></a><font> Trata-se do acórdão de 15-07-2013 (p. 907/2012, in DR II, nº 200, 16-10-2013) que decidiu «julgar inconstitucionais, por violação do direito de acesso aos tribunais, consagrado no artigo 20.º da Constituição, conjugado com o princípio da proporcionalidade, decorrente dos artigos 2.º e 18.º, n.º 2, segunda parte, da Constituição, as normas contidas nos artigos 6.º e 11.º, conjugadas com a tabela I-A anexa, do Regulamento das Custas Processuais, na redação introduzida pelo DL 52/2011, de 13 de abril, quando interpretadas no sentido de que o montante da taxa de justiça é definido em função do valor da ação sem qualquer limite máximo, não se permitindo ao tribunal que reduza o montante da taxa de justiça devida no caso concreto, tendo em conta, designadamente, a complexidade do processo e o caráter manifestamente desproporcional do montante exigido a esse título.» </font><br>
<font>O mesmo Tribunal proferiu depois outras decisões de idêntico pendor, julgando ocorrer a violação dos princípios do acesso ao direito e da proporcionalidade (artigos 20º e 2º da Constituição, respectivamente) por normas de que decorram custas sem conexão com a complexidade do processo e sem se estabelecer um limite para o valor da ação a considerar para efeitos do cálculo da taxa de justiça (acórdão nº 844/2014, de 03-12-2014) ou que definam o montante da taxa de justiça em função do valor da ação, sem qualquer limite máximo, não se permitindo ao tribunal que reduza o montante da taxa de justiça devida no caso concreto, tendo em conta, designadamente, a complexidade do processo e o caráter manifestamente desproporcional do montante exigido a esse título (acórdão nº 508/2015, de 13-10-2015).</font><br>
<font><br>
</font></p><hr></font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
LjKgu4YBgYBz1XKv7iRt | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><font> </font>
<p><font> Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font><b><font>I- Relatório</font></b><font>:</font>
</p><p><font> 1-1- </font><b><font>AA</font></b><font>, residente na Calle ... - Urbanização ..., … ..., … Madrid, em Espanha, propôs a presente acção com processo ordinário contra </font><b><font>BB</font></b><font>, com última morada conhecida na Rua ..., nº …, Edifício …, entrada … – .., … e contra </font><b><font>..., Lda.</font></b><font>, com sede na Rua Dr. ... - Edifício ... - Loja nº …, em Carcavelos, </font><i><font>pedindo</font></i><font> a sua condenação solidária no pagamento da quantia de € 34.000,00, a título de indemnização pela mora na restituição do locado, acrescida do valor de juros de mora, contados desde a citação até integral pagamento</font>
</p><p><font> Fundamenta este pedido, em síntese, dizendo que celebrou um contrato de arrendamento para habitação com a R. BB, a favor da qual a sociedade R. prestou fiança, contrato que vigorava pelo prazo de um ano, renovável por acordo, o qual terminou no dia 31.12.2009, não tendo a primeira procedido à entrega do locado, só o fazendo em Setembro de 2010.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> Contestaram as RR. dizendo que o locado foi entregue ao A. em 9 de Setembro, reconhecendo não ter sido paga qualquer quantia desde 31 de Dezembro de 2009, mas sustentando que apenas é devida indemnização em singelo, correspondente aos meses que decorreram entre o termo do contrato e a restituição do locado, deduzida do valor da caução prestada, aquando da celebração do contrato.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> Findos os articulados, foi proferido despacho a conferir a validade formal da instância e a conhecer do mérito da acção, julgando-a parcialmente procedente e condenando as RR. a pagar, solidariamente entre si, a quantia de € 33.200,00 a título de indemnização pela mora na entrega do locado, acrescida de juros vencidos e vincendos a partir da citação e até integral pagamento.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> 1-2- Não se conformando com esta decisão, dela recorreram as RR. de apelação para o Tribunal da Relação de Lisboa, tendo-se aí julgado a apelação procedente revogando-se a sentença, condenando-se as RR. a pagar ao A. a quantia de € 14.600,00 e juros sobre tal montante desde 22/3/2011 até efectivo pagamento.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> 1-3- Irresignado com este acórdão, dele recorreu o A. para este Supremo Tribunal, recurso que foi admitido como revista e com efeito devolutivo </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> O recorrente alegou, tendo das suas alegações retirado as seguintes conclusões:</font>
</p><p><font> 1- O Acórdão do T R de Lisboa ora em recurso reduziu o valor da obrigação de indemnização que as RR haviam sido condenadas a satisfazer ao A pela 1ª instância, de 33.200,00 euros, para 14.600,00 euros, com base, resumidamente, em dois argumentos: </font>
</p><p><font> - não ser exigível ás mesmas RR, inquilinas, o pagamento ao A, senhorio, do valor das rendas em dobro, pela mora na restituição do locado, e pelo período que vai de 1-1-10 a 9-9-10, ao abrigo do art° 1045°, n° 2 do Código Civil; </font>
</p><p><font> - e haver lugar e direito á compensação (desconto) sobre o valor da indemnização devida pelas RR ao A (determinada em função das rendas em singelo devidas por aquelas R a este) ao abrigo do art° 1045°, n° 1 do CC, do montante de 2.000,00 euros, quantia por aquela inicialmente entregues a título de caução, por se verificarem os requisitos legais para o efeito previstos no art° 847° do Cód. Civil. </font>
</p><p><font> 2- Como resulta da matéria fixada nos autos, o contrato de arrendamento celebrado entre o A e as RR, era um contrato por tempo determinado (e para fins transitórios), celebrado ao abrigo dos art° 1095°, n° 3, 1094°, n° 1 e 1096°, n° 1 do C Civil, e tinha como data prevista para a sua cessação de vigência o dia 31-12-2009. </font>
</p><p><font> 3- Assim, o referido contrato caducou a sua vigência findo o prazo nele estipulado, ou seja, em 31.12.2009, face ao previsto no art° 1051° do Cód. Civil, e de acordo com o princípio geral em matéria de Direito das Obrigações previsto no art° 406°, n° 1 do C C </font><i><font>("pacta sumt servanda"). </font></i>
</p><p><font> 4- Cessando o contrato era obrigação automática da R. inquilina restituir ao senhorio e A. o locado nos termos dos art° 1038°, alínea i), e 1043°, n° 1 do CC, sendo que, tratando-se de caducidade pelo decurso do prazo, tal obrigação de restituição deve ser cumprida no dia imediatamente seguinte, ou seja, no dia 1-1-2010 (art° 1053° </font><i><font>"á contrariu"). </font></i>
</p><p><font> 5- Aliás, este regime do Contrato de Locação, em matéria de caducidade do contrato e da obrigação de restituição por parte do inquilino, surge em consonância com o regime geral do Direito das Obrigações, segundo o qual a exigibilidade das obrigações com prazo certo não carece de prévia interpelação para o efeito por parte do credor (art° 805°, nº 2 a) do CC). </font>
</p><p><font> 6- Ou seja, não tendo procedido a R inquilina à entrega do imóvel entrou em mora quanto a esta obrigação de restituição ao A, independentemente de prévia interpelação para o efeito (art° 804°, n° 2 a) do CC), ao contrário do alegado no Acórdão em recurso.</font>
</p><p><font> 7- E o mesmo se dirá, no que à determinação do </font><u><font>valor da obrigação de indemnizar o senhorio</font></u><font>, ora A, </font><u><font>pelo não pagamento das rendas devidas durante o período em que esteve em mora quanto á restituição do locado</font></u><font> (ou seja de 1.1.10 a 9.9.10). Com efeito; </font>
</p><p><font> 8- Para além do elemento sistemático supra citado previsto no Código Civil, em matéria de Direito das Obrigações em geral, e no que ao </font><i><font>Prazo do Cumprimento </font></i><font>diz respeito, os quais não podem deixar de ser considerado pelo interprete, designadamente pelo Julgadores </font><i><font>a quo </font></i><font>e </font><i><font>ad quem </font></i><font>(art° 9°, n° 1 do Código Civil), </font>
</p><p><font> 9- Na interpretação da norma deve também o intérprete começar por tomar em conta a letra da lei, e não extrair da mesma uma regra jurídica com um sentido que não tenha a mínima correspondência com o teor literal daquela (art° 9°, n° 2 do Código Civil). </font>
</p><p><font> 10- Ora, estabelece o art</font><sup><font>º</font></sup><font> 1045°, n° 1 do CC que </font><i><font>"se a coisa não for restituída, </font></i><i><u><font>por qualquer causa, logo que finde o contrato,</font></u></i><i><font> o locatário é obrigado, a titulo de indemnização, a pagar </font></i><i><u><font>até ao momento da restituição</font></u></i><i><font> a renda ou aluguer que as partes tenham estipulado </font></i><font>( ... )". E o n° 2 do mesmo art° prevê que, </font><i><font>"logo que o </font></i><i><u><font>locatário se constitua em mora,</font></u></i><i><font> a </font></i><i><u><font>indemnização é levado ao dobro</font></u></i><i><font>". </font></i>
</p><p><font> 11- Quer isto dizer, que </font><u><font>a atual redação do n° 1 do art° 1045° do Cód Civil</font></u><font>, operada pela revisão do regime do arrendamento de 2006, fixa claramente, e de forma objetiva (independentemente do dano): </font>
</p><p><font> 1- </font><u><font>o valor da indemnização suportar pelo inquilino durante o período em que está em mora relativamente á data em que devia entregar o locado</font></u><font> ao senhorio (ou seja, </font><u><font>entre a data do termo da vigência do contrato, e a data posterior em que, já em mora, efetivamente procede ao cumprimento da obrigação de restituição do locado); </font></u>
</p><p><font> 2 - e que </font><u><font>tal obrigação de indemnização (de pagamento da mesma) deve ser cumprida até ao </font></u><i><u><font>momento da restituição</font></u></i><font> (ou seja, até á data da entrega efetiva do locado ao senhorio); </font>
</p><p><font> - e isto, seja qual for a causa porque finde o contrato de arrendamento. </font>
</p><p><font> 12- Ou seja, a obrigação de indemnizar o senhorio pelo valor correspondente ás rendas em singelo (ao valor estipulado no contrato), é valor ou limite que só tem aplicação quando, simultaneamente com a restituição atrasada do locado ao senhorio (face á data em que estava obrigado afazê-lo), o inquilino proceda, também, ao pagamento do valor daquelas rendas. </font>
</p><p><font> 13- Se não fizer, tal pagamento em simultâneo (ou seja, naquela data em que restituiu), tem então aplicação o regime do n° 2 do are 1045° do CC, e a consequente majoração do valor da indemnização, através do seu calculo em função do dobro do valor das rendas estipuladas. </font>
</p><p><font> 14- Parece-nos meridiamente claro que, no contexto normativo em causa, </font><u><font>a expressão do legislador </font></u><i><u><font>"logo que o locatário se constitua em mora </font></u></i><u><font>( ... )", do n° 2 daquele preceito, se refere á mora relativamente à obrigação de pagamento da indemnização prevista no seu n° 1. </font></u>
</p><p><font> 15- Ou seja, ao facto do inquilino quando da restituição atrasada do locado, não haver, desde logo e como obriga a lei, liquidado e pago as rendas devidas durante tal período intermédio (entre a data da cessação da vigência do contrato, e a data da entrega efetiva do locado). </font>
</p><p><font> 16- </font><b><font>A obrigação que aqui está em causa </font></b><font>- </font><u><font>e em </font></u><i><u><font>mora</font></u></i><font> - não é a </font><i><font>obrigação de restituição do locado </font></i><font>mas, </font><u><font>a </font></u><i><u><font>obrigação de indemnizar </font></u></i><u><font>o senhorio em função do valor das rendas estipuladas</font></u><font> (em singelo), </font><u><font>até, ou Quando da data da entrega efetiva do mesmo</font></u><font>.</font>
</p><p><font> 17- </font><u><font>Obrigação de indemnizar esta (em função o valor das rendas em singelo),</font></u><font> cujo </font><i><u><font>prazo de cumprimento (ou vencimento) </font></u></i><u><font>é determinado em função da entrega efetiva (embora tardia) do imóvel</font></u><font>, pelo n° 1 do art° 1045° do CC. </font>
</p><p><font> 18- A qual, se não for cumprida até tal momento (data da restituição efetiva do imóvel), </font><u><font>implica que a obrigação de indemnizar, embora continue a ser calculada até tal data (da restituição efetiva), seja liquidada, não já em função do valor das rendas estipuladas (em singelo) mas, em função do dobro do respetivo valor</font></u><font>, de acordo com o n° 2 do mesmo art° 1045°. </font>
</p><p><font> 19- Dai que, se o contrato de arrendamento terminava, e terminou, no dia 31.12.2009, o valor da renda mensal á data e estipulada pelas partes, era de 2.000,00 euros, que após a cessação do contrato a inquilina, ora R, tinha a obrigação de restituir o locado ao A, e não o fez, só tendo feito no dia 9.9.2010, e que, simultaneamente com tal entrega e naquela data (9.9.10), não liquidou, nem pagou ao A, a indemnização prevista no art° 1045°, n° 1 do CC (ou seja, o correspondente a 8 meses e 9 dias de rendas mensais = 16.600,00 euros). </font>
</p><p><font> 20- Tinha, e tem, o ora Recorrente, o direito de exigir, como exigiu, que o valor da obrigação de indemnizar das ora recorridas seja liquidado nos termos do art° 1045°, n° 2, face á mora no cumprimento da obrigação de indemnização prevista no n° 1 (que devia ser paga em simultâneo com a entrega do imóvel). </font>
</p><p><font> 21- Em termos jurídico-aritméticos tinha, e tem, o A direito ao valor da indemnização tal como lhe foi liquidado e decido pela 1ª Instância, ou seja, ao montante de 33.200,00 euros (2 x 16.600,00 euros = 2.000,00 euros x 8 meses e 9 dias). </font>
</p><p><font> 22- À cautela, e por mero dever de patrocínio, e que por mera hipótese se admite, mesmo que procedesse a exceção das RR no que tange á compensação com o valor da caução inicial de 2.000,00 euros, tal como foi deferida pelo Tribunal a quo, teria o A pelo menos, direito a ser indemnizado ao abrigo daquele mesmo preceito pelo valor de 31.200,00 euros (= 33.200,00 euros - 2.000,00 euros). </font>
</p><p><font> 23- Para além do exposto em defesa da pretensão e direito do A, só por si suficiente, sempre se acrescentaria ainda que, no que tange aos argumentos expendidos pelo Tribunal a quo com recurso aos pretéritos Acórdão do STJ de 6.2.2007, e do T R Lx de 4.5.2006, os mesmo não procedem. </font>
</p><p><font> 24 - E isto porque, o que versa ao Ac. do STJ a situação que subjaz ao mesmo não é idêntica á causa de pedir que sustenta o presente caso, por um lado, e tratando-se o caso presente de um contrato de arrendamento com prazo certo de vigência e termo, a constituição da obrigação de restituição do locado não dependia de prévia interpelação do senhorio (ora A) à R, inquilina. </font>
</p><p><font> 25- Já no que respeita ao Ac. do T R Lx de 2006, salvo melhor opinião, o mesmo só concorre no seu discurso para ratificar o entendimento ora advogado, e não o contrário, face aquilo que é a causa de pedir e os factos fixados nesta ação. </font>
</p><p><font> 26- E, por outro lado, a culpa da devedora, inquilina, no cumprimento das suas obrigações no domínio da relação contratual em causa, é algo que se presume nos termos do art° 799°, n° 1 do C C, e não tem de ser alegada e demonstrada pelo A, que é o senhorio e credor de tais obrigações; </font>
</p><p><font> 27- Finalmente, admitindo por mera e absurda hipótese que procedesse a tese da necessidade de prévia interpelação do R inquilina, pelo A senhorio, para efeito de se considerar existir uma situação de mora desta, legitimadora do pedido de pagamento de indemnização liquidada nos termos do art° 1045°, n° 2 do C C (valor das rendas em dobro), como advoga o Tribunal a quo, ainda assim, não procederia semelhante argumento no caso vertente. </font>
</p><p><font> 28- E isto pela simples e singela razão, decorrente de, no âmbito da referida execução a execução para entrega de coisa certa (correspondente ao processo n° 2295/l0.2TBCSC do 4° Juízo Cível do mesmo Tribunal de Família e de Menores e de Comarca de Cascais), a R. inquilina, então executada, haver sido citada para a mesma, tanto que aí deduziu Oposição, o que só é possível por virtude e na sequência da citação da mesma (art° 928° do CPC) </font>
</p><p><font> 30- Mas, mesmo que assim não se entendesse, e houvesse duvidas quanto á efetiva citação (interpelação) da ora R naquela ação executiva para entrega de coisa certa, o certo é que face ao alegado pelo A. nos art° 3° a 5° da sua Réplica (fls .. dos autos), o Tribunal não podia ter presumido e decido como decidiu. </font>
</p><p><font> 31- Em tal caso e situação, constatada a falta de matéria de facto necessária para tomar conhecimento desta questão (duvidas sobre a prévia interpelação da R por via da citação para os termos daquela execução), o que devia ter feito o TRLx e não fez, era: </font>
</p><p><font> - anular a decisão da 1ª Instância por deficiência daquela, </font>
</p><p><font> - e mandar baixar o processo para que o Tribunal da 1ª instancia tomasse conhecimento (respondesse) a tal(ais) facto(s), </font>
</p><p><font> - e se pronunciasse sobre tal questão em conformidade, nos termos e ao abrigo do previsto nos art° 712°, n° 4 do CPC.</font>
</p><p><font> 32- Questão esta que, aqui e agora, e à cautela, não deixa de se suscitar, atento tratar-se de uma questão de direito (a suficiência, ou não, da matéria fixada nos autos para decisão de mérito por parte das instâncias), e não de simples decisão sobre matéria de fato e, portanto, objeto passível de pronuncia por parte deste STJ, sem sede de Revista (art° 722°, n° 1, a) e b) e 729°, n° 3 do CPC). </font>
</p><p><font> 33- No que tange a esta vertente da questão, embora se esteja de acordo que a improcedência da mesma não poderá resultar - como consagrou o Tribunal da 1ª instância -, do facto dos créditos em confronto para efeito compensatórios terem a mesma matriz genética, ou que tenham qualquer espécie de conexão entre si, o certo é que a decisão do Tribunal da Relação também não procede de todo. </font>
</p><p><font> 34- Nem foi por ai que o A, ora recorrente, contra-excepcionou na sua Réplica semelhante argumento das RR. </font>
</p><p><font> 35- Na verdade, nesta vertente da questão o que, na nossa modesta opinião, prejudica a pretensão compensatória é o </font><i><font>ab initio </font></i><font>alegada nos autos pelo A. </font><u><font>Mais concreta e objetivamente, o alegado nos art° 6°, 9° e 10° da Réplica do mesmo</font></u><font>, em resposta aquela exceção deduzida pelas RR. </font>
</p><p><font> 36- Dando o alegado naquela Réplica por reproduzido, se o A já havia descontado o valor da caução inicial de 2.000,00 euros, no montante total correspondente ao valor da acção executiva para pagamento da renda de Dezembro de 2009 e da indemnização dos 50% relativamente ás rendas pagas em atraso na vigência do mesmo contrato de arrendamento, e intentada ao abrigo do previsto nos art° 15°, n° 2 do NRAU, art° 46° do CPC, não ia, nem podia o mesmo, nem deve ser descontado pelo Tribunal, tal valor na obrigação de indemnização peticionada ao abrigo do art° 1045° do CC em causa nesta ação declarativa ! .. </font>
</p><p><font> 37- Sob pena de, assim não sendo, o Tribunal consentir que as RR se locupletassem à conta de semelhante decisão ! .. ; Ou seja, descontavam tal valor da caução duas vezes !!! ... Como é que isto é possível e passa na Relação? ! .. Mais ainda; </font>
</p><p><font> 38- Cumpre ter presente que o Tribunal da 1ª Instancia não considerou o alegado naqueles art° da Réplica como importante para a decisão da causa e, por isso, não os levou a Saneador (quando fixou a matéria de facto para efeitos do art° 510°, n° 1, b) e n° </font><i><font>3 in fine </font></i><font>do CPC), nem os fez objeto da Matéria Assente ou da Base Instrutória nos termos do art° 508°-B, n° 2, 510°, n° 4 e 511° do CPC, uma vez que não seguiu essa via. </font>
</p><p><font> 39- Pelo que, se o Tribunal da Relação considerava semelhante questão como pertinente, não a devia ter resolvido com base no fundamento alegado para o efeito mas, face á insuficiência da matéria de facto fixada nos autos, era mandar o processo baixar á 1ª Instancia para que ai fosse proferido Despacho com a organização de Base Instrutória sobre aquela matéria de facto alegada pelo A (art° .... das Réplica), para que este se pronunciasse, ou pudesse pronunciar, em conformidade, ao abrigo do já citado art° 712°, n° 4 do CPC. </font>
</p><p><font> 40- Questão esta que, de novo, agora e á cautela, não deixa de se suscitar, atento tratar-se de uma questão de direito (a suficiência, ou não, da matéria fixada nos autos para decisão de mérito por parte das instâncias), e não de simples decisão sobre matéria de fato e, portanto, objeto passível de pronuncia por parte deste STJ, sem sede de Revista (art° 722°, n° 1, a) e b) e 729°, n° 3 do CPC). </font>
</p><p><font> Nestes termos, e nos demais de Direito, se advoga que seja revogada e anulada a decisão do Tribunal da Relação em recurso, e a mesma substituída por superior e diversa decisão desse Tribunal que, represtinanda a decisão da 1ª Instância considere procedente e provado o presente Recurso de Revista, e condene as RR a pagar ao A a quantia de 33.2000,00 euros, acrescidos dos correspetivos juros moratórios, e assim decidindo o fazendo com Mérito e Justiça ! .. </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> Não foram produzidas contra-alegações.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir: </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font><b><font>II- Fundamentação:</font></b>
</p><p><b><font> </font></b><font>2-1- Uma vez que o âmbito objectivo dos recursos é balizado pelas conclusões apresentadas pelo recorrente, apreciaremos apenas as questões que ali foram enunciadas (arts. 684º nº 3 e 685º A nº 1 do C.P.Civil). </font>
</p><p><font> Nesta conformidade, serão as seguintes as questões a apreciar e decidir:</font>
</p><p><font> - Se o A. senhorio tem direito a receber a indemnização pelo atraso na entrega do locado calculada nos termos do n°2 do artigo 1045° do C.Civil (em dobro) ou se apenas lhe assiste o direito de receber a indemnização em razão do mesmo atraso, de harmonia com o disposto no n°1 do mesmo artigo (em singelo).</font>
</p><p><font> - Se haverá lugar à compensação do valor da caução prestada. </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> 2-2- Vem fixada das instâncias a seguinte matéria de facto:</font>
</p><p><font> A) Por acordo escrito, datado de 16.12.2008 e denominado "contrato de locação por tempo determinado para utilização temporária e transitória", o A. cedeu à R. BB o uso e fruição, para habitação desta, do apartamento sito na Rua …, Condomínio ... (correspondente à actual Rua ..., nº …), Edifício …, Entrada … – …, em Cascais, mediante o pagamento da contrapartida monetária mensal de € 2.000,00, a pagar no primeiro dia útil do mês anterior àquele a que disser respeito.</font>
</p><p><font> B) O referido acordo foi celebrado pelo prazo de um ano, com início em 01.01.2009 e termo em 31.12.2009.</font>
</p><p><font> C) De acordo com o ponto 12 do aludido acordo, este "</font><i><font>destina-se a um fim transitório, neste caso à necessidade de um domicílio eventual do segundo outorgante pelo período máximo referido no parágrafo primeiro em virtude de se encontrar a exercer temporariamente a sua actividade profissional em Portugal</font></i><font>" </font>
</p><p><font> & | [0 0 0 ... 0 0 0] |
LzKru4YBgYBz1XKvAit2 | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><font> Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font><br>
<br>
<font> 1. - AA e mulher, BB, intentaram acção declarativa contra CC, DD e EE pedindo que os RR. fossem condenados a:</font><br>
<font>a) procederem definitivamente e a seu cargo à demolição da parede que está “apoiada” na parede do prédio compropriedade dos AA., ocupando parte desta parede e reporem o prédio na sua estrutura inicial;</font><br>
<font>b) repararem, definitivamente e a seu cargo, os danos (fendas) provocados nas paredes das duas divisões do prédio dos AA.;</font><br>
<font>c) procederem definitivamente e a seu cargo à reparação do telhado, ao nível do murete separador ( corta-fogo) por forma a repor o telhado nos seus limites anteriores;</font><br>
<font>d) procederem definitivamente e a seu cargo, à reparação dos danos (fendas) registados na fachada principal, no alçado posterior e telhado.</font><br>
<font> e) pagar aos AA. a indemnização correspondente aos danos materiais e morais decorrentes dos prejuízos causados a liquidar em execução de sentença.</font><br>
<font>Alegaram, em síntese, que os RR. fizeram obras no prédio urbano contíguo ao dos AA., pertença do 1º Réu, ocupando cerca de 10 cm da parede do 1º andar deste prédio, bem como cerca de 30 cm do seu telhado, por avanço do corta-fogo, tendo ainda provocado abertura de fendas nas paredes e beiral. </font><br>
<br>
<font>Os RR. contestaram, por impugnação, alegando que as obras foram realizadas de acordo com as regras técnicas de construção e rejeitando serem-lhes imputáveis os actos e danos referidos pelos AA..</font><br>
<br>
<font> Julgada a causa, foi proferida sentença que, na parcial procedência da acção, condenou os Réus a:</font><br>
<font>- “Procederem, definitivamente a seu cargo, à demolição da parede que está “apoiada” na parede do prédio compropriedade dos autores, ocupando parte desta parede, nos termos sobreditos e reporem o prédio na sua estrutura inicial;</font><br>
<font>- Repararem, definitivamente e a seu cargo, os danos (fendas) provocadas nas paredes das duas divisões do prédio dos AA.;</font><br>
<font>- Procederem definitivamente e a seu cargo, os danos (fendas) provocados nas paredes das duas divisões do prédio dos AA.;</font><br>
<font>- Procederem definitivamente e a seu cargo, à reparação do telhado ao nível do murete separador (corta-fogo) por forma a repor o telhado nos seus limites anteriores;</font><br>
<font> - Procederem definitivamente e a seu cargo, à reparação dos danos (fendas) registados na fachada principal, no alçado posterior e telhado;</font><br>
<font> - Pagar aos AA. indemnização correspondente a danos morais, decorrentes dos prejuízos causados, a liquidar em execução de sentença”</font><br>
<br>
<font> Os Réus Apelaram, obtendo parcial êxito, pois que a Relação revogou parcialmente a sentença e condenando “</font><i><font>os RR. a repararem à sua custa as fendas nas paredes das duas divisões do prédio dos AA. e na fachada principal e no alçado posterior e telhado, absolvendo os RR. do demais pedido</font></i><font>”.</font><br>
<br>
<br>
<font>Os Autores pedem agora revista, visando a reposição do sentenciado na 1ª Instância, mediante a procedência dos pedidos excluídos pela Relação, argumentando como se indica nas conclusões da respectiva alegação. </font><br>
<font>“ (…)</font><br>
<font>3. - O objecto do presente recurso de revista cinge-se à matéria de direito. -arts. 26.º LOFTJ e 722.º e 729.º do C.P.C. </font><br>
<font>4. - Ao Supremo Tribunal de Justiça cabe verificar a conformidade legal da subsunção dos factos, definitivamente fixados pelas instâncias da lei, daí que, haja insindicabilidade do acervo factual, definitivamente apurado e fixado. </font><br>
<font>5. - De entre o material fáctico relevante, ressaltam os seguintes: </font><br>
<font>a) - Os AA. são donos do prédio identificado nos autos, que é contíguo ao dos RR. </font><br>
<font>b) - O prédio destes era um armazém e neste, os RR. decidiram construir um primeiro andar. </font><br>
<font>c) - A espessura das paredes do prédio dos AA. tinha 23 cms, ao nível do r/c e 1.0 andar. </font><br>
<font>d)- Foi recuado em 20 cms, em relação à parede do r/c. </font><br>
<font>e)- As fendas surgidas no prédio dos AA., foram causadas pelas obras efectuadas pelos RR., nas paredes das divisões e do alçado principal e posterior. </font><br>
<font>f) - Houve um deslocamento e descolamento da parte do rodapé. </font><br>
<font>g) - As fendas vêm-se acentuando, cada dia que passa e outras vêm proliferando ao longo da parede das 2 divisões. </font><br>
<font>h) - Não é viável manter as anomalias detectadas, a médio/longo prazo, sob o risco de poder vir a potenciar um acidente estrutural grave, sendo a fissuração, na fachada, generalizada. </font><br>
<font>i) - Há um desalinhamento no corta-fogo e as divisões do prédio dos AA. têm tectos em abóbada e só as divisões contíguas ao 1.º andar têm fendas. </font><br>
<font>j) - Os RR. cortaram a parede exterior, para colocar um pilar, surgindo anomalias, cuja parede foi alvo de operação, tendo um lintel sido colocado sobre a "parede comum", havendo graves problemas, que comprometem a estabilidade global do prédio. </font><br>
<font>I) - Existe um pilar no 1.º andar, que está apoiado sobre a laje do r/c, o que não é admissível e não existe um dos pilares, constantes do projecto de estabilidade do prédio dos RR., não tendo o empreiteiro seguido o projecto de estabilidade. </font><br>
<font>m) - Há infiltrações do telhado do prédio, má qualidade do projecto de estabilidade, um pilar em </font><b><font>L</font></b><font>, que não tem apoio, descarregando sobre a laje de vigotas, não constando do projecto de estabilidade sapatas/fundações, havendo deslocamentos entre a parede e o pavimento, tendo descolado o rodapé. </font><br>
<font>n) - O prédio dos RR. foi construído ocupando a parede existente, que suportava o telhado da construção antiga, sendo bem possível que, a parte da carga do prédio dos RR. descarregue sobre a "parede comum". </font><br>
<font>6. - Mostrando-se provados os danos graves, que constituem matéria de facto e de entre eles, a causalidade adequada, que o Tribunal da Relação de Évora apropriou, convocando as várias perícias, que os autos documentam, é apodítico que todas as consequências indicadas foram causadas pelas obras da responsabilidade dos RR.. </font><br>
<font>7. - Havendo desalinhamento no corta-fogo, como a fotografia 8 bem evidencia, em face da matéria provada e sem projecto de estabilidade, sapatas/fundações, há contradição entre os fundamentos do Acórdão e a decisão, constituindo nulidade. - cfr. art. 668.°, e) do C.P.C. </font><br>
<font>8. - Com o devido respeito, há um vício lógico de raciocínio, que conduziu a um entorse na conclusão, que se saldou por um non liquet, nesta parte do pedido formulado. </font><br>
<font>9. - Acresce que, no que ao pedido de demolição respeita, o douto Acórdão fulmina-o com a improcedência, referindo que não há fundamento, porquanto a "parede é comum". </font><br>
<font>10. - É convocado o disposto no art. 1408.°, 1 do C. Civil, determinando o impedimento dos AA. estarem desacompanhados, o que constitui um pressuposto errado, a nosso ver, porquanto, além da parede não ser "comum", como a própria designação entre comas está figurada. </font><br>
<font>11. - O douto Acórdão conheceu, negativamente, da questão, pressupondo que a parede era comum, o que impunha o regime de compropriedade e a presença dos demais comproprietários, sendo completamente desnecessária tal intervenção, já que, não é caso de litisconsórcio necessário, entre os comproprietários. - cfr. art. 1405.°, 2 do C.C.</font><br>
<font>12. - Houve excesso de pronúncia, que é vício formal - que não erro de substância, ou de julgamento - traduzido afinal em decisão, para além dos seus poderes, constituindo nulidade. - cfr. art. 668.°, 1, d) do C.P.C. </font><br>
<font>13. - E se dúvidas houvesse, que não há, sobre a titularidade da parede, que pertence, exclusivamente, ao prédio dos AA. e que os RR. ocuparam, o Tribunal a quo poderia renovar, ou pedir a produção da prova a este facto essencial, dentro das várias soluções plausíveis de direito. - cfr. art. 712.°, 4 e 5 do C.P.C. </font><br>
<font>14. - Por fim e ainda, no que ao pedido de demolição respeita, está provado que, o prédio dos RR. foi construído, ocupando a parede existente, que suportava o telhado da construção antiga, além de que, havia um espigão em ladeira, muro, o que excluindo a "propriedade comum da parede", não deixa dúvidas quanto à descarga do prédio dos RR. sobre a parede. </font><br>
<font>15. - O nexo causal naturalístico entre os factos dos RR. e os danos mostram-se apropriados, pelo que, dúvidas não há sobre a responsabilidade civil dos RR. </font><br>
<font>16. - A estes incumbe repor o imóvel, no estado em que se encontrava e cujos defeitos estruturais apontados pelas perícias, jamais poderiam e podem ter a consequência linear e simples do Acórdão recorrido. - cfr. art. 562.° do C. Civil. </font><br>
<font>17. - É à luz do interesse do lesado, que deve ser aferida a reconstituição natural, com vista à reparação. </font><br>
<font>18. - Há as nulidades apontadas, previstas no art. 668.°, 1, c) e d) do C.P.C. </font><br>
<font>19. - E o douto Acórdão violou, por erro de interpretação e aplicação, o disposto nos arts. 483.°, 492.°, 493.°, 562.°, 137.°, 1405.°, 1 e 2 e 1408.°, todos do Código Civil”. </font><br>
<br>
<font> Os Réus responderam, defendendo a manutenção do julgado.</font><br>
<br>
<br>
<br>
<br>
<br>
<font> 2. - Como se extrai das conclusões da alegação dos Recorrentes, vem proposta a apreciação e resolução das seguintes </font><b><font>questões</font></b><font>:</font><br>
<br>
<font> - nulidade do acórdão, por contradição entre os fundamentos e a decisão, na medida em que está provado o desalinhamento do corta-fogo e falta de projecto de estabilidade, sapatas/fundações;</font><br>
<font> </font><br>
<font> - nulidade do acórdão, por excesso de pronúncia, por ter conhecido da questão da presença dos demais comproprietários quanto ao pedido de demolição da parede que assenta sobre a “parede comum;</font><br>
<br>
<font> - demolição da construção dos Réus na parte em que ficou a ocupar a parede existente do prédio dos Autores.</font><br>
<br>
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<br>
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<font> </font><br>
<font>3. - Das Instâncias, sob a epígrafe </font><b><font>matéria</font></b><font> </font><b><font>de</font></b><font> </font><b><font>facto</font></b><font>, vem fixado o seguinte quadro:</font><br>
<br>
<font>1 - Os AA. são donos do prédio urbano sito na R... dos P... nº... – ...º Esq. em M..., a que corresponde a fracção “...”, inscrito na matriz predial respectiva sob o art. ... e descrito na Conservatória do Registo Predial de M... sob o nº 00.../... a fls. ...v. do Livro B... .</font><br>
<font>2 - CC é dono do prédio sito na R... dos P... nº ..., em M..., inscrito na matriz predial respectiva sob o artigo ... e descrito na Conservatória do Registo Predial de M... sob o nº ..., a fls. ...v. do Livro B... .</font><br>
<font>3 - Em Junho/Julho 2001, os AA. e os restantes condóminos do prédio referido em 1 decidiram fazer obras de reparação no mesmo, as quais consistiram na colocação de um telhado novo e que vieram a ser adjudicada a DD, por intermediação de CC.</font><br>
<font>4 - Àquela data, CC era também dono da fracção correspondente ao r/c Esq. do prédio referido em 1.</font><br>
<font> 5 - Na mesma altura, procedia CC a obras no prédio indicado em 2.</font><br>
<font>6 - Obras essas que consistiram na construção, de novo, de um primeiro andar, destinado a habitação, sendo o rés-do-chão para parqueamento, cujo projecto tem o nº 30/2000.</font><br>
<font>7 - As obras referidas em 5 e 6 foram feitas por DD. </font><br>
<font>8 - EE era o responsável técnico pelas mesmas.</font><br>
<font>9 - O prédio referido em 1 é contíguo ao prédio referido em 2, sendo que este último, antes das obras mencionadas em 5 e 6 era um armazém com cobertura de telhas “lusalite” apoiada no muro do quintal, muro este, em taipa, que se encontrava encostado à parede - alçado lateral esquerdo – do primeiro.</font><br>
<font>10 - Foi CC que propôs aos restantes condóminos que a adjudicação da obra - colocação de telhado novo – no prédio referido em 1) fosse feita a DD pelo valor de 1.400.000$00.</font><br>
<font>11 - Tendo este apresentado um orçamento mais vantajoso do que outro de que os condóminos já dispunham, pelo que foi aprovado pelos quatro condóminos.</font><br>
<font>12 - O A. foi notificado do despacho do Sr. Vice-Presidente da Câmara Municipal de M... do seguinte teor: “na sequência do requerimento apresentado em 19 de Junho último, comunico a V. Exª que de acordo com a informação dos Serviços de Urbanismo da Divisão de Obras e Urbanismo desta Câmara Municipal, nº .../..., desta data, não há, segundo o art. 102º do Decreto-Lei nº 555/99, de 16 de Dezembro alterado e republicado pelo Decreto-Lei nº 177/2001, motivo de embargo da obra e consequentemente para instauração de qualquer procedimento contra-ordenacional. Em face da referida informação não foram tomadas, porque não tinham que o ser, quaisquer medidas”.</font><br>
<font>13 - EE é o responsável técnico da obra e subscreveu o termo de responsabilidade técnica da mesma.</font><br>
<font>14 - O muro do quintal referido em 9 tem cerca de 2,00 m de altura e 0,20 m de largura.</font><br>
<font>15 - Em 12 de Julho de 2006 (data da perícia) a espessura das paredes do prédio dos AA tinham cerca de 23 cm ao nível do rés-do-chão e ao nível do 1º andar.</font><br>
<font>16 - A partir do 1º andar se encontra recuada 20 cm em relação á parede do rés-do-chão, acompanhada de um espigão ladeira, no quintal.</font><br>
<font>17 - Em finais de Julho, quando o telhado se encontrava quase colocado, DD interrompeu os trabalhos, deixando destelhada a parte próxima dos alçados, e foi construir a empena do prédio de CC.</font><br>
<font>18 - Aquando da colocação do telhado, os AA. ausentaram-se um fim-de-semana.</font><br>
<font>19 - Houve de facto deslocamento e descolamento de parte do rodapé.</font><br>
<font>20 - Existem fendas que se vêm acentuando cada dia que passa, tendo já mais de um cm de espessura e outras vêm proliferando ao longo da parede das duas divisões em causa, contígua ao primeiro andar do prédio de CC, com o esclarecimento de que não é viável manter as anomalias detectadas a médio/longo prazo sob o risco de poder vir a potenciar um acidente estrutural grave.</font><br>
<font>21 - O mesmo vem acontecendo na fachada do prédio (alçado principal) quer ao nível da linha separadora entre o rés do chão e o primeiro andar, com o esclarecimento de que essa fissuração é generalizada mas relativamente ligeira, tendo em conta o tipo de construção e idade da mesma, apesar de ser conveniente que seja reparada.</font><br>
<font>22 - Quer também paralelamente à linha divisória entre os prédios referidos em 1 e 2, com o esclarecimento de que esse tipo de fendilhação é normal, atendendo ao facto de os materiais aplicados numa e noutra construção terem comportamentos diferentes provenientes de propriedades intrínsecas de materiais e da diferença de idade das construções.</font><br>
<font>23 - Quer ao nível do beiral, nos alçados principal e posterior.</font><br>
<font>24 - Existe de facto um desalinhamento no corta-fogo.</font><br>
<font>25 - As divisões do prédio do A. têm de facto tectos em abóbadas e só as divisões contíguas ao 1ºandar do prédio de CC têm fendas.</font><br>
<font>26 - Em 7 de Março de 2002, após vários pedidos verbais, o A marido requereu por escrito, ao Presidente da Câmara Municipal de M..., uma vistoria, afim de apurar as causas das mencionadas fendas e denunciando o apoio do telhado do prédio vizinho na parede do seu prédio.</font><br>
<font>27 - Na sequência da vistoria feita em 27de Março, o 1º e o 2º RR., nos dias 28 e 29 de Março, levantaram um parede em tijolo, no local onde se encontrava o muro de taipa, que tinham retirado, parede esta erigida apenas ao nível do rés-do-chão.</font><br>
<font>28 - Existem irregularidades arquitectónicas, em particular a execução do corta fogo, que são acertos necessários em obra .</font><br>
<font>29 - A obra foi iniciada sem licença de construção, tendo a situação sido regularizada durante a construção.</font><br>
<font>30 - Os RR cortaram a parede exterior para colocar um pilar, tanto no princípio, como nomeio, o que em termos construtivos é razoável, sendo comum, apesar de não ser aceitável, que surjam anomalias no prédio cuja parede foi alvo de reparação.</font><br>
<font>31 - E em 20 cm desta parede que sobressaíam para fora, deram continuidade à parede do primeiro andar do prédio referido em 2 cortando o espigão em ladeira, com o esclarecimento de que tendo os pilares (e vigas) sido colocados na posição referida é natural que a parede do 1º piso do prédio referido em B tenha continuidade sobre a estrutura resistente em betão armado.</font><br>
<font>32 - Foi construído um lintel sobre a “ parede comum” o que à partida não levantaria qualquer tipo de problema, se o mesmo estivesse preparado para suportar as cargas que para lá são conduzidas, sendo que o princípio de estabilidade do prédio de CC e existem, vigas resistentes com vãos da ordem de 7 m, que são apresentadas como lintéis e cuja capacidade resistente é francamente inferior aos esforços induzidos. Existe também um pilar no 1º andar que está apoiado sobre a laje do rés do chão, que é uma laje de vigotas, o que não é admissível e não existe um dos pilares constantes no projecto de estabilidade do prédio de CC, o que significa que o empreiteiro não seguiu certamente o projecto de estabilidade, sendo no entanto de referir, que face ao projecto de estabilidade existente, fez bem em não respeitá-lo, pois o prédio B estaria no mínimo fortemente fendilhado. Sendo bem possível que a parte da carga do prédio de CC descarregue sobre a “ parede comum” mas se a mesma for de facto comum, não haverá nesse aspecto relevância.</font><br>
<font>33 - Entre ambos os telhados ao nível dos muretes corta-fogo abriram igualmente fendas, pelas quais entra a água da chuva, o que está a provocar infiltrações do telhado do prédio referido em 1.</font><br>
<font>34 - No projecto de arquitectura apresentado na Câmara Municipal de M..., o muro ladeava todo o prédio. No alçado posterior o muro está representado, pois é intersectado pelo plano que suporta a vista representada. No alçado principal o plano que suporta a vista está algures na rua, não havendo intersecção com o muro.</font><br>
<font>35 - Não existe indicação da falta de esquadria nas peças desenhadas do projecto de arquitectura.</font><br>
<font>36 - O projecto de estabilidade tem um desfasamento dos pilares referido de 2,8 m num dos pisos, enquanto que no outro tem 3,0 m sendo estruturalmente possível projectar dessa forma, não é corrente em prédios desta envergadura (tão pequenos) e a discordância dos afastamentos se deve unicamente à má qualidade do projecto de estabilidade.</font><br>
<font>37 - De acordo com o projecto de estabilidade existe de facto um pilar em </font><b><font>L</font></b><font> que não tem apoio, descarregando sobre uma laje de vigotas, o que não é permitido, pois as lajes de vigotas não suportam esse tipo de solicitação.</font><br>
<font>38 - No projecto de estabilidade não constam sapatas /fundações.</font><br>
<font>39 - Os AA são reformados.</font><br>
<font>40 - O muro referido em 14 tem 20 cm de largura.</font><br>
<font>41 - O prédio dos RR foi construído ocupando a parede existente que suportava o telhado da construção antiga.</font><br>
<font>42 - DD interrompeu os trabalhos no prédio de CC para ir arranjar o telhado do prédio dos AA..</font><br>
<font>43 - O rodapé descolou por existirem deslocamentos relativos entre a parede e o pavimento, já que estando o rodapé ligado à parede e ao pavimento e ao existirem deslocamentos relativos só há duas hipóteses, ou o rodapé descola de um dos lados, como sucedeu, ou parte.</font><br>
<font>44 - Existe um recuo ao nível do 1º andar. </font><br>
<font>45 - DD soube das fendas aquando das vistorias efectuadas pela Câmara Municipal de M... em 27.03.2002 e prontificou-se a tapá-las, o que os AA. não aceitaram. </font><br>
<font>46 - Os pilares foram colocados não para reforçar o muro em taipa, mas para conferir apoio à estrutura e o muro foi rebocado, o que não pode ser considerado um reforço.</font><br>
<font>47 - Há pilares de reduzidas dimensões, embebidos nas paredes e pelo menos um dos pilares ao nível do 1º piso não existe, contrariamente ao projecto que se afasta da estrutura existente.</font><br>
<font>48 - A construção deveria ter sapatas / fundações, desconhecendo-se se assim é. </font><br>
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<br>
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<font> 4. - Mérito do recurso.</font><br>
<br>
<font> 4. 1. - Nulidades do acórdão.</font><br>
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<font> 4. 1. 1. - Contradição entre os fundamentos e a decisão quanto ao pedido de “reparação do telhado, ao nível do murete separador (corta-fogo), por forma a repor o telhado nos seus limites anteriores.</font><br>
<br>
<font> Os Recorrentes argúem a nulidade prevista na al. c) do n.º 1 do art. 668º CPC a pretexto de que a Relação, em face da demonstração do desalinhamento do corta-fogo devia ter considerado procedente o pedido de reparação do telhado.</font><br>
<font> </font><br>
<font> No acórdão impugnado argumentou-se que a matéria de facto susceptível de fundamentar a procedência desse pedido “não é conclusiva, sendo certo que mais uma vez o relatório pericial, embora admita um desalinhamento do corta-fogo, considera necessário recorrer a um levantamento topográfico para se concluir que o mesmo se encontra no prédio dos AA., levantamento que não foi realizado”.</font><br>
<font> </font><br>
<font> No quesito 14º perguntava-se se “ao fazer o corta-fogo (murete separador) dos telhados dos dois prédios, DD avançou sobre o telhado do prédio (dos AA.), ocupando cerca de 30 cm deste, por forma a que, na parte de trás do telhado se viu forçado a recuar, desnivelando o corta-fogo”, quesito a que se respondeu apenas que “existe um desalinhamento do telhado”.</font><br>
<font> </font><br>
<font> </font><br>
<font> Isto posto:</font><br>
<font> O vício arguido ocorre quando os fundamentos invocados pelo julgador deveriam logicamente conduzir ao resultado oposto do expresso na decisão, isto é, quando exista um real vício do silogismo judiciário.</font><br>
<font> Trata-se, consequentemente, de um puro vício formal por uma das premissas utilizadas conduzir a conclusão diferente da efectivamente manifestada.</font><br>
<br>
<br>
<font> Ora, nada disso se verifica na situação proposta para apreciação.</font><br>
<br>
<font> O caso não é, manifestamente, de contradição, mas de insuficiência de fundamentos para a procedência da pretensão, por indemonstração dos factos que os teriam de integrar e que os Recorrentes, sobre quem impendia o respectivo ónus, não provaram.</font><br>
<br>
<font> E nem se diga, como parece insinuarem os Recorrentes – embora a questão nada tenha que ver com vícios do acórdão, mas com o julgamento da matéria de facto -, que a Relação deveria extrair, por ilação, o necessário suporte material, pois que, tendo sido, como se fez notar, a matéria relevante – avanço do prédio dos RR. sobre o dos AA. e ocupação do respectivo espaço -, objecto de quesitação directa, que quedou improvada, a ilação pretendida, que necessariamente contrariaria a resposta, haveria de se resolver em ilícita modificação da matéria de facto, por não consentida por qualquer das alíneas do n.º 1 do art. 712º CPC.</font><br>
<br>
<font> Em suma, não se verifica a nulidade arguida.</font><br>
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<font> 4. 1. 2. - Excesso de pronúncia. </font><br>
<br>
<font> Queixam-se os Recorrentes, para imputarem ao acórdão a nulidade de excesso de pronúncia, que a Relação excedeu os seus poderes ao convocar o disposto no art. 1408º-1 C. Civil, a determinar o impedimento da pretensão dos AA., quanto à demolição, por estarem desacompanhados dos demais comproprietários.</font><br>
<br>
<font> </font><br>
<font> O excesso de pronúncia é, uma vez mais, um vício formal da peça decisória, agora sancionado pela al. d) - 2ª parte, do dito n.º 1 do art. 668º, a decorrer da violação do 2º segmento do art. 660º-2.</font><br>
<font> </font><br>
<font> Vedado está, pois, ao julgador ocupar-se de questões não suscitadas pelas partes, salvo o que a lei permitir ou for de conhecimento oficioso. </font><br>
<br>
<br>
<font> No acórdão escreveu-se, efectivamente, convocando a norma do n.º 1 do art. 1408º CC., que “estamos perante uma “parede comum” (os AA. não são os únicos proprietários da parede, o que à partida é impeditivo de formular um pedido de demolição de tal parede, sem estarem, pelo menos, acompanhados dos outros comproprietários ou deles obterem autorização para tal)”.</font><br>
<br>
<font> Ao assim agir e argumentar colocou uma questão de legitimidade activa, qual foi a que os AA., desacompanhados dos demais titulares das partes comuns do edifício de que são condóminos, não poderem deduzir o pedido de demolição, isto sem prejuízo de não se perceber a alusão à formulação do «pedido de demolição de tal parede” com referência à “parede comum”.</font><br>
<font> De qualquer modo, haja mero lapso ou erro de interpretação sobre a identificação da parede cuja demolição foi pedida, por incontornável se tem que no acórdão se considerou dever existir litisconsórcio activo como condição processual de procedência do pedido de demolição formulado.</font><br>
<br>
<font> </font><br>
<font> Ora, por expressa disposição do citado n.º 2 do art. 660º a matéria de legitimidade processual, enquanto pressuposto de conhecimento oficioso e a todo o tempo (salvo se fundamentadamente apreciada no despacho saneador), está subtraída à regra dispositivo que limita a actividade do julgador à apreciação das questões colocadas pelas partes – arts. 28º, 288º-1-d) e 510º-3 CPC.</font><br>
<br>
<font> Manifestamente infundada, pois, a arguição de tal nulidade.</font><br>
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<font> 4. 2. – Legitimidade dos Autores quanto ao pedido de demolição da parede</font><br>
<br>
<font> Apesar de ter suscitado uma questão de ausência do pressuposto processual legitimidade, e diferentemente do que seria de esperar, o acórdão não decretou a absolvição da instância, antes acabou por se enredar em considerações sobre a aconselhabilidade da demolição sob o ponto de vista da segurança dos prédios e técnico, concluindo não estar provada, e, por via disso, considerando que a circunstância de o lintel construído sobre a parede e sua descarga sobre este não justificar per si a sua demolição, julgou improcedente o respectivo pedido.</font><br>
<br>
<font> Aqui chegados, a apesar da improcedência da arguição, justamente porque se está perante questão de conhecimento oficioso, que o Tribunal recorrido suscitou, mas da qual não extraiu consequências, impõe-se, por aplicação do mesmo comando do n.º 2 do art. 660º, tomar posição sobre a questão da legitimidade, pois que, se o pressuposto faltar, a possibilidade de reapreciação da decisão de mérito sobre tal pedido - como proposta nas conclusões 14ª e 16ª - ficará prejudicada. </font><br>
<br>
<br>
<font> A pretensão dos AA. consiste em que os RR. procedam à demolição da parede (que construíram ao erguerem o edifício) que está “apoiada” na parede do prédio compropriedade dos AA., ocupando parte desta parede, repondo o prédio na sua estrutura inicial.</font><br>
<br>
<font> Assim sendo, o que os Autores, ora Recorrentes pretendem, é ver cessada a invasão que os RR. fizeram ao seu direito de (com)propriedade na exacta medida em que construíram sobre o muro do seu edifício de que são condóminos, muro esse que, por isso, é parte comum.</font><br>
<font> Dito doutro modo, os Autores pedem a desocupação da sua (com)propriedade e a restituição da parede aos seus donos, os condóminos das fracções que constituem o edifício.</font><br>
<br>
<font>Ao assim agirem, reivindicam a propriedade, com vista ao exercício do respectivo gozo pleno e exclusivo, pedindo, para o efeito, a restituição do que lhes pertence, como facultam as normas substantivas dos arts. 1305º e 1311º C. Civil.</font><br>
<br>
<font>Pois bem.</font><br>
<font>No artigo 1420º-1 C. Civil estabelece-se que "cada condómino é proprietário exclusivo da fracção que lhe pertence e comproprietário das partes comuns do edifício".</font><br>
<font>Deste modo, às partes comuns do prédio aplicam-se as regras da compropriedade, o que vale por dizer que a cada condómino é reconhecido o direito de defender, sem qualquer restrição decorrente do regime da propriedade horizontal, eventuais ofensas aos seus direitos sobre partes comuns.</font><br>
<br>
<font> Como referido, em causa está, a restituição do prédio liberto da ocupação resultante da construção sobre a parede exterior existente.</font><br>
<font>Aplicável, então, o n.º 2 do art. 1405º do mesmo Diploma, a dispor que cada consorte pode reivindicar de terceiro a coisa comum, sem que a este seja lícito opor-lhe que ela lhe não pertence por inteiro.</font><br>
<br>
<font>De concluir, pois, poderem os AA., como condóminos, agir em juízo isoladamente em defesa de parte comuns do prédio constituído em propriedade horizontal (no mesmo sentido, acs. deste STJ de 23/2/95 e 3/11/2005, procs. </font><i><font>086757 </font></i><font>e </font><i><font>04B1651</font></i><font>).</font><br>
<br>
<font> Não se verifica, pois, a acenada ilegitimidade.</font><br>
<br>
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<br>
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<font>4. 3. - Mérito da causa. Pedido de demolição da parede</font><br>
<br>
<font> 4. 3. 1. - Ainda sobre o pedido de demolição, nas conclusões 14º e 16º, embora com invocação de preceito legal pouco a propósito, os Recorrentes insistem em que o prédio dos RR. foi construído com ocupação da parede existente do prédio dos AA., descarregando sobre este, incumbindo aos RR. repor o imóvel no estado em que se encontrava.</font><br>
<br>
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<font> Já se referiu a posição da Relação sobre esta questão.</font><br>
<font> </font><br>
<font>Há um ponto em que não pode deixar de acompanhar-se a Relação: - as respostas a vários quesitos não respondem ao que neles é perguntado, apresentam-se ora excessivas, ora inconclusivas, e, acrescentamos nós, com juízos de valor e conjecturas. </font><br>
<font>Depara-se-nos, enfim, uma decisão sobre a matéria de facto falha de rigor e clareza, em que há que extirpar os elementos não objectivos e que não constituam ou se resolvam em matéria de facto, ou seja, nos factos materiais da causa.</font><br>
<font>De resto, não se resiste ao impulso de deixar notado, lamentando-o, que a falta de clareza e rigor – pela permanente utilização de conclusões e juízos de valor, de confusão entre conceitos e institutos, etc., tudo, porventura a justificar evidentes confusões no tratamento das questões de facto e de direito - não deixa de ser atributo que perpassa quase todas as peças deste processo.</font><br>
<font> </font><br>
<font> Fechando o parêntese, resta esclarecer, a encerrar este ponto, que, apesar do que se deixou referido quanto à matéria de facto e mau grado os apontados vícios, não se vê que a mesma enferme de insuficiências ou contradições que imponham o uso da faculdade prevista no n.º 3 do art. 729º CPC. A aplicação do direito e a solução do litígio não estão em causa, retiradas ou desconsideradas que sejam, como têm de ser, as excrescências que a lei processual não tolera (factos não perguntados nem alegados e juízos de valor ou especulativos – art. 646º-4 CPC). </font><br>
<br>
<br>
<br>
<font> 4. 3. 2. - A questão de facto subjacente à procedência do pedido de demolição formulado em 1º lugar será, como já se adiantou acima ao solucionar a da legitimidade, colocando-a em sede de violação do conteúdo do direito de propriedade, saber se está ou não provado que o prédio construído pelos RR. ocupa espaço do prédio dos Autores, invadindo os seus limites materiais, designadamente, como no caso releva, o espaço aéreo correspondente à largura da parede com espigão pertença do condomínio dos Autores, sobre ela se “apoiando”, tudo para efeitos de apreciação à luz do preceituado nos arts. 1305º, 1311º e 1344º-1, além do citados 1420º e 1405º, todos do C. Civil.</font><br>
<br>
<br>
<font> À subsunção interessarão, então, os factos 16, 30, 31 e 32 (respostas aos quesitos 3º, 21º, 22º e 23º).</font><br>
<br>
<font> Daí se retira que a parede do prédio dos AA. é acompanhada de um espigão ladeira no r/chão e até ao 1º andar, encontrando-se a partir daqui recuada 20 cm; os RR. cortaram essa pared | [0 0 0 ... 0 0 0] |
zDJvu4YBgYBz1XKvDQdk | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><br>
<b><font> </font></b><br>
<b><font>Processo n.º 2010/12.6TBGMR-E.G1.S1</font></b><br>
<font> </font><div><font> </font><br>
<b><font>Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça,</font></b></div><b><font> </font></b><br>
<b><font>I - Relatório</font></b><br>
<b><font>1. AA </font></b><font>e</font><b><font> BB </font></b><font>intentaram ação declarativa contra a </font><b><font>Sociedade Martins Sarmento </font></b><font>e a</font><b><font> Associação 25 de Abril </font></b><font>– fls. 121 a 125.</font><br>
<b><font>2. </font></b><font>Alegaram, em síntese, que:</font><br>
<font> - o testamento outorgado por CC, a 26 de junho de 2005, é nulo na parte em que legou às Rés três prédios, em virtude de o testador não ser dono da totalidade dos legados, conforme foi reconhecido por sentença proferida no processo n.º …….., que correu termos na …. Vara Mista do Tribunal de ……..;</font><br>
<font> - os Autores exercem há 15/20 anos posse pacífica, pública, ininterrupta e de boa fé sobre os prédios, pelo que os adquiriram por usucapião; e</font><br>
<font> - a 29 de julho de 1993, por escritura pública, compraram 2/8 indivisos e, a 27 de dezembro de 2010, por escrituras públicas (em número de duas), 6/8 dos referidos prédios, pelo que os adquiriram (também) por contrato de compra e venda.</font><br>
<b><font>3. </font></b><font>Formularam os seguintes pedidos:</font><br>
<font>(</font><b><font>A</font></b><font>) declaração judicial da nulidade ou anulação das disposições do testamento outorgado por CC, a 26 de junho de 2005, constitutivas de três legados (três prédios) a favor das Rés e </font><br>
<font>(</font><b><font>B</font></b><font>) declaração de que os Autores são donos e proprietários dos referidos – três - prédios.</font><br>
<b><font>4. </font></b><font>Citadas, as Rés contestaram e deduziram </font><b><font>reconvenção</font></b><font> – fls. 76 vso. a 92, vso. </font><br>
<font>Alegaram, na parte que ora releva: </font><br>
<font>- CC adquiriu, por partilha homologada em 1960, 3/8 dos referidos prédios;</font><br>
<font>- em 1986, celebrou contrato-promessa de compra e venda, no qual prometeu comprar a todos os demais comproprietários os restantes 5/8, pagando a todos o preço convencionado;</font><br>
<font>- desde então, passou a comportar-se como verdadeiro e único proprietário dos prédios, tendo a posse exclusiva até 29 de junho de 2005, data em que faleceu;</font><br>
<font> - na data do decesso, CC havia adquirido a propriedade exclusiva dos prédios por usucapião;</font><br>
<font>- desde tal data, a posse passou a ser exercida pelas Rés, legatárias instituídas por testamento daquele outorgado a 26 de junho de 2005.</font><br>
<font>Formularam os seguintes pedidos:</font><br>
<font> - a ação fosse julgada improcedente e a reconvenção fosse julgada procedente e, por via dela, </font><br>
<font>(</font><b><font>A</font></b><font>) ordenada a intervenção principal de outras pessoas, </font><br>
<font>(</font><b><font>B</font></b><font>) corrigido o valor da ação, </font><br>
<font>(</font><b><font>C</font></b><font>) condenados os Autores a reconhecer que as Rés são donas e possuidoras dos prédios, nas proporções de ¾ e ¼ indiviso, que pertenceram em exclusivo a CC, que os adquiriu por aquisição derivada e por usucapião, </font><br>
<font>(</font><b><font>D</font></b><font>) condenados os Autores a reconhecer que não adquiriram, nem podiam adquirir, os prédios reivindicados, nem pagaram qualquer preço por qualquer deles ou das suas frações, </font><br>
<font>(</font><b><font>E</font></b><font>) condenados os Autores a reconhecer que os prédios não pertenciam aos alienantes na data da celebração das escrituras referidas na petição inicial;</font><br>
<font>(</font><b><font>F</font></b><font>) condenados os Autores a reconhecer que os negócios invocados na petição inicial que pretensamente lhes teriam transmitido a propriedade dos prédios são nulos por simulados ou, a não se entender assim, por não consubstanciarem verdadeiros contratos de compra e venda;</font><br>
<font>(</font><b><font>G</font></b><font>) a reconhecer a nulidade das vendas que lhes foram feitas, por desrespeitarem a cláusula testamentária imposta pelo Autor.</font><br>
<b><font>5. </font></b><font>Os Autores (e os intervenientes), em resposta à reconvenção, excecionaram o caso julgado formado pela sentença proferida no proc. n.º …….., que correu termos na …. Vara Mista do Tribunal de ………., como fundamento de inadmissibilidade dos pedidos reconvencionais – fls. 67 vso. a 75 e fls. 48 a 56.</font><br>
<b><font>6. </font></b><font>Foi proferido </font><b><font>despacho saneador</font></b><font> e julgada parcialmente procedente a </font><b><font>exceção de caso julgado</font></b><font> quanto aos pedidos reconvencionais formulados em </font><b><font>D, E e F </font></b><font>na parte em que se referem ao contrato de compra e venda celebrado a 29 de julho de 1993 – fls. 23 a 28, vso. </font><br>
<b><font>7. </font></b><font>Os Autores interpuseram recurso de </font><b><font>apelação</font></b><font> </font><b><font>–</font></b><font> fls. 2 a 11 – e o Tribunal da Relação de …….. decidiu julgar procedente a </font><b><font>exceção de caso julgado</font></b><font> quanto aos pedidos reconvencionais formulados em </font><b><font>C e E, </font></b><font>deles absolvendo os Autores, e</font><b><font> </font></b><font>confirmando o mais decidido na sentença</font><b><font> </font></b><font>– fls. 296 a 356.</font><br>
<b><font>8. </font></b><font>Inconformadas, as Rés recorreram de </font><b><font>revista,</font></b><font> apresentando as seguintes </font><b><font>Conclusões </font></b><font>– fls. 374 a 402:</font><br>
<font>“</font><i><font>1ª - Através dos presentes autos, os autores AA e mulher BB pretendem a condenação das rés Sociedade Martins Sarmento e Associação 25 de Abril a verem declarado nulo um testamento pelo qual o professor CC, falecido em 29/06/2005, deixou às rés a propriedade total de três prédios urbanos situados na freguesia de ……… do concelho de …….. e completamente identificados naquele instrumento, fundando-se a alegada nulidade no facto de os prédios em causa não serem propriedade do testador CC, mas sim desses autores, uma vez que estes os terão adquirido através de escrituras públicas pelas quais “todos os interessados e titulares de direitos de propriedade sobre esses imóveis” lhos transmitiram, conforme documentos que juntaram (cfr. os artigos Io a 8o da petição inicial).</font></i><br>
<i><font>2ª - As rés, ora recorrentes, contestaram a ação alegando que os prédios em questão eram, à morte do testador, propriedade exclusiva deste, porque o testador, inicialmente dono apenas de 3/8 partes dos prédios, viria, no entanto, a comprar os restantes 5/8 aos demais contitulares, sendo proprietário, afinal, da totalidade dos prédios porque adquiriu as restantes quotas dos mesmos de 5/8 partes, na sequência de um contrato promessa de compra e venda, celebrado em 03/11/1986, no qual outorgaram como promitentes vendedores todos os demais interessados, ficando, em consequência, a ser dono da totalidade dos prédios por usucapião, uma vez que se encontrava desde há mais de 15 anos na sua posse única e exclusiva, adquirida sem violência, na convicção de não lesar direitos de outrem, de modo contínuo e ininterrupto, à vista de toda a gente e com ânimo de usa e frui coisas próprias e no seu próprio nome, uma vez que era ele quem pagava as contribuições devidas, o único reconhecido como senhorio e proprietário pelos locatários dos imóveis e, como tal, também reconhecido pelos serviços públicos (cfr. os artigos 6º, 10°, 12°, 43°, 47°, 49° da contestação), facto que, tendo ocorrido inversão do título de posse, pelo menos desde 03/11/1986, justificava também que as rés fossem donas dos indicados prédios por usucapião que invocaram (cfr. art. 50° da contestação).</font></i><br>
<i><font>3ª - Em consequência, as rés deduziram reconvenção, alegando a aquisição derivada e por usucapião dos referidos prédios (arts. 77.° a 80.° que aqui se dão por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais), e pedindo a condenação dos autores, entre o mais que ora desinteressa, a: “c) reconhecerem que as rés são donas e possuidoras nas proporções indicadas (3/4 indivisos para a Sociedade Martins Sarmento, e 1/4 indiviso para a Associação 25 de Abril) dos prédios supra referidos, que pertenceram em propriedade exclusiva ao professor CC que como tais os adquiriu por aquisição derivada e por usucapião; e) reconhecerem que esses prédios já não pertenciam aos pretensos alienantes na data das respetivas escrituras referidas na iniciar.</font></i><br>
<i><font>4.ª- Os autores alegaram, em resposta, que tais questões não podiam ser decididas por estarem cobertas pela autoridade do caso julgado formada por uma ação precedente tramitada entre eles próprios, enquanto réus, e o professor CC, enquanto autor, ação essa que terminou por sentença transitada em julgado, produzida em 13/11/2004, na qual os aqui autores foram condenados a ver declaradas falsas as declarações que prestaram numa escritura de justificação notarial através da qual pretendiam adquirir a propriedade dos referidos bens, bem como a verem cancelada a inscrição da propriedade em seu nome e a reconhecerem que não são donos nem possuidores dos referidos prédios e nunca estiveram na sua posse, e na qual se “declarou” (sic) que os donos e possuidores dos prédios em causa eram o professor CC e os seus filhos e descendentes destes, na proporção de 3/8, e a irmã EE e sucessores desta, na proporção de 3/8.</font></i><br>
<i><font>5.ª- Essa alegação dos autores foi julgada improcedente no despacho saneador, por inverificado o alegado caso julgado, ante o que os autores interpuseram recurso de apelação para o Tribunal da Relação, que foi julgado parcialmente procedente com a consequência de ser revogada a decisão recorrida “na parte em que nela não se julgou procedente a excepção dilatória do caso julgado em relação ao pedido reconvencional deduzido na al. c) e apenas se julgou parcialmente procedente essa excepção quanto ao pedido reconvencional deduzido sob a al. e) declarando-se substituída essa decisão por outra que julgou procedente a excepção do caso julgado quanto a esses dois pedidos, e, em consequência, os apelantes foram deles absolvidos, da instância, entenda-se.</font></i><br>
<i><font>6.ª - Para assim decidir, o acórdão recorrido considerou que “é apodítico que os pedidos reconvencionais deduzidos pelas reconvintes-apeladas sob a al. c) da reconvenção (...) e bem assim sob a al. e) (...) postergam o decidido na sentença transitada em julgado nos autos de ação n.° 302/2002 da extinta …. vara mista de ………, o que, nos termos do disposto nos arts. 576°, n.°s 1 e 2, 577, al .j), 580° e 581° do CPC, configura excepção dilatória que obsta a que o tribunal conheça do mérito da reconvenção quanto a esses concretos pedidos e dá lugar à absolvição da instância reconvencional dos apelantes-reconvintes quantos aos mesmos”, porquanto, não obstante entre os pedidos reconvencionais formulados sob as als. c) e e) e a respetiva causa de pedir não exista total coincidência de pedido e de causa de pedir com aquela outra ação, o objeto desses pedidos reconvencionais já está contido naquela ação n.° 302/2002 (...) e nela já se encontra definido por sentença transitada em julgado no sentido de que CC não é proprietário pleno dos identificados prédios, mas apenas de uma quota-parte destes, pelo que não pode essa questão ser novamente discutida nos presentes autos.”</font></i><br>
<i><font>7ª- O assim decidido é absolutamente inaceitável por mais do que uma razão:</font></i><br>
<i><font>a) A causa de pedir da presente ação é complexa, pois alega-se que o professor CC era inicialmente proprietário dos prédios, conjuntamente com a sua estirpe familiar, na proporção de 3/8 partes, por aquisição derivada translativa, na medida em que adquiriu essas 3/8 partes há mais de 50 anos, no âmbito de um inventário orfanológico cuja partilha foi homologada por sentença de 02/07/1960, acrescentando-se agora, porém, o facto de ele ter adquirido as restantes 5/8 partes por usucapião, por se encontrar na sua posse plena desde Novembro de 1986, ou seja, há mais de 15 anos, e esta questão, da aquisição por usucapião não foi, nem de perto nem de longe, apreciada, julgada ou decidida na precedente ação, pelo que há uma nova causa de pedir, de que importa conhecer;</font></i><br>
<i><font>b) Acresce que, mesmo de acordo apenas com o que consta do processo n.°302/2002 citado, é possível compreender que a situação de compropriedade aí referida, e reportada, como vimos, a 02/07/1960 é uma situação evolutiva dinâmica, modificável, pelo que era necessário atender ao complexo de factos que aí foram analisados, mas também aos que desse processo constavam e a que se não atendeu, pois nessa mesma ação nada se decidiu quanto à propriedade dos prédios e à evolução desta nos últimos 50 anos, mas foi dado por provado que “Em Novembro de 1986, autor (CC) e réus (os aqui autores) celebraram entre si um contrato promessa, pelo qual aquele prometeu vender aos réus os seguintes prédios: (segue-se a descrição dos prédios objeto da presente ação) e que “o autor prometeu comprar aos demais consortes as respetivas quotas”: foi junto (a fls. 126) um contrato promessa de compra e venda, datado de 07/11/1986, através do qual o professor CC, já como proprietário de 3/8 partes dos prédios prometia comprar aos demais interessados o direito e a ação aos restantes 5/8 (doc. n.° 1 junto que aqui se dá por integrado e reproduzido para todos os efeitos legais); e em complemento desse contrato promessa, foram juntos aos autos quatro recibos comprovativos do pagamento do preço das quotas de cada um dos beneficiários (cfr. does. n.°s 2, 3, 4 e 5 juntos que se dão por integrados e reproduzidos para todos os efeitos legais) e, por último, foram também juntas aos autos três procurações conferindo poderes irrevogáveis para vender os prédios em causa, duas das quais conferidas ao professor CC, o que tudo toma mais que verosímil a possibilidade de se vir a provar que à data do falecimento do testador, 29/06/2005, este já pudesse ser dono por usucapião dos imóveis em causa (cfr. o que consta da contestação-reconvenção e vem elencado a fls. 6 e 8 do acórdão sob censura), mercê do apontado contrato promessa, que reduziu a escrito convenção verbal anterior, ou seja, sempre de há mais de 15 anos antes da morte do testador, e essa prova em nada contende com a matéria que se deu por provada nessa anterior ação; por último, em reconvenção produzida na anterior ação, os próprios autores pediram a condenação do professor CC a reconhecer que lhes havia transmitido a propriedade dos imóveis em causa, o que só pode significar que eles próprios já o reconheciam como proprietário exclusivo dos mesmos (cfr. fls. 8 do acórdão recorrido, primeiro parágrafo).</font></i><br>
<i><font>8.ª - O acórdão recorrido, perfilhando o entendimento doutrinário, que também se subscreve, segundo o qual “embora o caso julgado se restrinja à parte dispositiva do julgamento, a sua força obrigatória deve ser estendida à resolução das questões que a sentença tenha tido necessidade de resolver como premissa da conclusão firmada”, ou seja, a todas as questões que forem antecedente lógico indispensável da parte dispositiva, em homenagem à economia processual, ao prestígio das instituições judiciárias quanto à coerência das decisões que proferem e à estabilidade e certeza das relações jurídicas”, no entanto, não atendeu a que a autoridade do caso julgado, como a excepção do caso julgado, só se verificam em havendo exata correspondência entre o conteúdo de uma e outra das ações, o que significa que nenhuma sentença transitada em julgado, pode impedir que em novo processo se discuta e dirima aquilo que a mesma não definiu nem dirimiu, pelo que a extensão objetiva do caso julgado se afere pelos factos jurídicos invocados que não são idênticos nem coincidem (aquisição derivada de 3/8 em 1960 versus aquisição originária dos restantes 5/8 em 1986) e pelos pedidos formulados (cfr. o acórdão do STJ de 12/07/2011, proc. 129/07.4TBPST.S1.dgsi.net e Manuel de Andrade, Noções Fundamentais de Processo Civil, 285, Castro Mendes, Limites Objetivos do Caso Julgado, passim, e M. Teixeira de Sousa, Sobre o Problema dos Limites Objetivos do Caso Julgado, Revista do Direito e Estados Sociais, XXIV, 1977, pags. 309 a 316).</font></i><br>
<i><font>9.ª - Ora, é manifesto que constando da anterior sentença que nela foi decidido “declarar” (sic) que CC e os seus descendentes eram donos de 3/8 dos referidos prédios e sua irmã EE e os seus descendentes eram donos de 3/8 dos mesmos prédios, porque os adquiriram em 1960, mas constando também que CC havia prometido comprar a todos os restantes consortes as suas respetivas quotas, e que em Novembro de 1986 celebrara mesmo um contrato promessa de compra e venda desses prédios com todos os demais consortes, e porque a proporção na propriedade resultava de uma partilha em inventário orfanológico que teve lugar em 1960, nada tem de incompatível com essa decisão a possibilidade de se provar na presente ação que os prédios à data da morte de CC, 2005, eram sua propriedade exclusiva, tal como se alegou na contestação-reconvenção apresentada.</font></i><br>
<i><font>10.ª - De igual modo, não pode o acórdão recorrido invocar a seu favor que a decisão pedida no presente processo comprometeria o prestígio dos tribunais, seria fonte de instabilidade jurídica porque necessariamente contrariaria a precedente que dela era questão prejudicial, porque isso não é exato, porque uma e outra das ações se referem a momentos históricos diferentes e a causas de pedir diversas, pelo que é impossível haver qualquer contradição de decisões, já porque a decisão anterior nunca seria questão prejudicial em relação ao que neste processo se discute, mas ainda que fosse, nunca podia significar a possibilidade de utilização da figura da autoridade do caso julgado, ou seja, do seu efeito impositivo, pois as decisões das duas ações sempre serão distintas e autónomas (na anterior, julgou-se que os prédios foram adquiridos em 1960 em determinadas proporções, e que o autor da ação prometera comprar aos demais interessados as suas quotas-partes, enquanto na precedente, a proceder, se virá a demonstrar que CC concretizou esse projeto de compra, consolidou nele toda a propriedade e a deixou em testamento às recorrentes).</font></i><br>
<i><font>11.ª - De resto, como se ensinou, por exemplo, no acórdão do STJ de 02/03/2010 (proc. 690/09.9YFLSB.dgsí.net) “os fundamentos de facto nunca por nunca formam por si sós caso julgado de modo a poderem impor-se extra processualmente e quando se fala nos factos que fundamentam a ação estamos a referir-nos apenas, aos factos integradores de cada uma das causa de pedir, e essas, no caso sub judice, são necessariamente diversas numa e noutra das ações.</font></i><br>
<i><font>12.ª- Na verdade, a “excepção do caso julgado” visa impedir que, sob pena de contradizer outra decisão anterior já transitada, a segunda ação possa ter diferente decisão de mérito, assim devendo nesta, verificada a exceção, absolver-se o Réu da instância, - o que no caso nunca pode suceder pois a nova decisão, seja qual for, não pode contradizer a precedente, nem tal se pede.</font></i><br>
<i><font>13.ª - Como o acórdão recorrido reconhece, e inteiramente se aceita, o caso julgado “preclude todos os meios da defesa do réu” (Manuel de Andrade, apud J. A. dos Reis, op. cit. vol. V, pág. 174) abarca “todo o obiecto da causa” (Ac. STJ de 24/11/77 in BMJ 271, 172), o que significa que, “são abrangidos pela força do caso julgado apenas os factos que estão “coenvolvidos na pretensão da mesma e cuja verificação é necessária, mas não suficiente para a procedência da mesma”, solução imposta pela “economia processual o prestígio das instruções judiciárias e a estabilidade e certeza das relações jurídicas” (Ac. STJ de 10/7/97 in Col. Jur. STJ V, 2, 165) - e não aqueles factos ou consequências que estão fora da pretérita pretensão do autor e são até consequência de elementos desnecessários, ou tidos como tais, para decidir o anterior pedido, mas já comprovados na pretérita decisão, como no caso sucede.</font></i><br>
<i><font>14.ª - A decisão sob censura viola, deste modo, os comandos dos art°s. 619°, 621°, 580° e 581° do Código de Processo Civil, pelo que não pode manter- se, devendo ser revogada para que se mantenha a que foi produzida em 1.ª instância”.</font></i><br>
<i><font> </font></i><br>
<b><font>9. </font></b><font>De acordo com o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 4 de julho de 2019:</font><br>
<font>“</font><i><font>Decide-se negar a revista, confirmando-se o acórdão recorrido, com a ressalva da verificação, no caso em apreço, da autoridade e não da exceção de caso julgado”</font></i><font>.</font><br>
<font> </font><br>
<b><font>10. </font></b><font>As Rés/Reconvintes/Recorrentes </font><b><font>Sociedade Martins Sarmento</font></b><font> e </font><b><font>Associação 25 de Abril</font></b><font> (1) arguiram a nulidade o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 4 de julho de 2019 com fundamento em oposição entre os fundamentos e a decisão (art. 615.º, n.º 1, al. c), do CPC) e, no caso de assim se não entender, (2) requereram a sua reforma por ser manifestamente errada a determinação da norma aplicável e a qualificação jurídica e por constarem dos autos documentos que fazem prova plena e implicam decisão diversa da proferida (art. 616.º, n.º 2, als. a) e b), do CPC) – fls. 536 a 542.</font><br>
<b><font>11. </font></b><font>Os Autores/Reconvindos/Recorridos </font><b><font>AA </font></b><font>e</font><b><font> BB </font></b><font>responderam à reclamação, pugnando pelo seu indeferimento. </font><br>
<b><font>12. </font></b><font>Por acórdão de 10 de dezembro de 2019, o Supremo Tribunal de Justiça decidiu “</font><i><font>[…] indeferir a reclamação apresentada pelas Rés/Reconvintes/Recorrentes/Reclamantes</font></i><font>”. </font><br>
<b><font>13. </font></b><font>As Rés/Reconvintes/Recorrentes </font><b><font>Sociedade Martins Sarmento</font></b><font> e </font><b><font>Associação 25 de Abril </font></b><font>vieram então interpor recurso extraordinário para uniformização de jurisprudência, expondo as seguintes </font><b><font>Conclusões</font></b><font>:</font><br>
<i><font>“lª - Numa anterior acção, decidida por sentença de 13/11/2004, transitada em julgado há mais de uma dezena de anos, tramitada entre as mesmas partes, (na qual as aqui recorrentes foram partes como autoras, na qualidade de sucessoras habilitadas do primitivo autor, CC, face ao falecimento deste, no decurso do processo, e mediante testamento do falecido em que foram instituídas legatárias da totalidade de determinados prédios), os autores da presente acção foram condenados a reconhecer que o falecido CC era dono de 3/8 partes desses prédios.</font></i><br>
<i><font>2ª - Na presente acção, as recorrentes, como autoras reconvintes formularam o pedido de condenação dos reconvindos a reconhecer que à data da sua morte, CC era já dono da totalidade desses prédios, por entretanto ter adquirido as restantes 5/8 partes aos outros comproprietários.</font></i><br>
<i><font>3ª - Nesta segunda acção foi produzido pelo Supremo Tribunal de Justiça o acórdão recorrido que (aceitando que entre as duas acções, em que as recorrentes são autoras há apenas identidade de sujeitos, mas não identidade de pedidos, nem de causas de pedir), decidiu que ocorre autoridade do caso julgado da decisão da primeira acção em relação a esta que impede nova discussão sobre a propriedade dos imóveis.</font></i><br>
<i><font>4ª - 0 acórdão recorrido, tal como vem recensado na Colectânea de Jurisprudência STJ Ano XXVII, Tomo 11/2019 a folhas 224, decidiu ipsis verbis que "pretendendo-se o reconhecimento do direito de propriedade, na acção anterior foi decidido que o ali autor e outros eram proprietários de três prédios na proporção de 3/8, com fundamento na aquisição derivada (partilha realizada em 1960) e na aquisição originária (usucapião por posse conjunta iniciada em 1964, 1974 e 1984, e mantida até 2002) e na nova acção se pretende o reconhecimento do direito de propriedade exclusivo do autor daqueloutra acção sobre esses imóveis, com fundamento na aquisição originária (usucapião por posse exclusiva exercida desde 1974 até 2005).</font></i><br>
<i><font>Verificando-se uma identidade parcial entre a causa já julgada e a causa a julgar, impõe-se evitar a contradição naquilo que é igual - o caso julgado, enquanto autoridade manifesta-se na proibição de contradizer, impedindo uma reapreciação de mérito"</font></i><br>
<i><font>5ª - Diversamente, o acórdão fundamento, transitado em julgado, decidiu que (cfr. o ac. do STJ de 5/12/2017, recensado na Colectânea de Jusrisprudência STJ, XXV, Tomo III, pag.256, de 20/12/2017, embora aí referido como datado de 20/12/2017 - cfr. o texto integral junto, disponível em www.dgsi.pt') a pretensão do autor nunca está sujeita a um efeito preclusivo, sendo lícito deduzi-lo em acções sucessivas, desde que altere a causa de pedir, e que só o réu, "por força do ónus da concentração de toda a defesa na contestação está sujeito àquela preclusão".</font></i><br>
<i><font>6ª - Assim, esses dois acórdãos estão em contradição entre si, foram produzidos pelo mesmo tribunal, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, e a decisão do acórdão recorrido não está de acordo com a jurisprudência citada do S.T.J., bem pelo contrário, pelo que se acham preenchidas todas as condições de admissibilidade do recurso para fixação de jurisprudência nos termos do art° 688° do Código de Processo Civil.</font></i><br>
<i><font>7ª - De ambas as decisões, importa referir que a única que é conforme a lei é a do acórdão-fundamento, porquanto a orientação que perfilha compagina-se com o disposto no artigo 573 n°s 1 e 2 do Cód. de Proc, Civil que apenas ao Réu impõe a obrigação de deduzir toda a defesa na contestação ou supervenientemente, mas sempre e só no processo em que deduza contestação a, e, pelo contrário, o acórdão recorrido viola aquela orientação jurisprudencial e o dispositivo legal, porque aplica ao autor uma disposição que é exclusivamente dirigida ao réu e disciplina a sua actividade processual.</font></i><br>
<i><font>8ª- Não estão, pois, abrangidos pelo efeito preclusivo do caso julgado aqueles factos ou consequências de factos que excedem a pretérita pretensão do A, e são até consequência da pretérita decisão, como no caso sucede pelo que, a decisão recorrida é ilegal, não podendo aplicar-se-lhe a norma do art. 573° n°s 1 e 2 do Cód. Proc. Civil, porque as recorrentes foram autoras nas duas acções e o caso julgado material, na sua vertente da autoridade, só pode referir-se a quem for réu nas duas acções sucessivas.</font></i><br>
<i><font>9ª - De facto, é no acórdão fundamento que se estabelece a única interpretação compatível com a lei, em consonância com o disposto no art.573° n°s 1 e 2 do Cód. Proc. Civil, o que tudo deve levar a decidir-se pela insusceptibilidade de ser mantida a decisão recorrida, fixando-se em definitivo a jurisprudência no sentido constante desse acórdão — fundamento: "Ao contrário do autor cuja pretensão não está submetida a um efeito preclusivo, sendo-lhe lícito deduzi-la repetidamente, desde que fundamente em causa de pedir diferente (só), o réu, por força do ónus da concentração de toda a defesa na contestação, está sujeito aquela preclusão" - cfr. acórdão do STJ de 20-12-2017, Col. Jurisp. STJ Ano XXV, Tomo III, 256).</font></i><br>
<i><font>Nestes termos e nos melhores de direito, deve o presente recurso ser julgado procedente e provado, e em consequência, nos termos do artº 695° n° 2 do Código de Processo Civil verificar-se a existência da contradição jurisprudencial apontada e revogar-se o acórdão recorrido, substituindo-se por outro em que se decida a questão controvertida no sentido do que foi julgado pelo acórdão fundamento, em cumprimento do disposto no art° 695° n° 2 do Código de Processo Civil, seguindo-se os demais termos, para se fazer JUSTIÇA</font></i><font>”.</font><br>
<font> </font><br>
<b><font>14. </font></b><font>Os Autores/Reconvindos/Recorridos, </font><b><font>BB</font></b><font> </font><b><font>e os habilitados por morte do Autor originário - AA -, </font></b><font>responderam, oferecendo as seguintes </font><b><font>Conclusões</font></b><font>:</font><br>
<font>“</font><i><font>1 - Com trânsito em julgado da sentença da acção 302/2002, por força do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, notificado em 2007-06-15 (Ref. Proc. nº 1289/07-2), ficou decidida e estabelecida em definitivo, que a posse e direito de propriedade dos imóveis aqui em discussão, só pertencia em 3/8 ao Pf. CC, e toda a sua demais família (filhos, netos e esposa);</font></i><br>
<i><font>E que a posse e propriedade dos restantes 5/8, pertencia a pessoas terceiras, já largamente identificadas.</font></i><br>
<i><font>2- Pelo douto Acórdão do S. T. J., notificado em 05 de Julho de 2019 no processo nº 2010/12.6TBGMR – E.G1.S1 – Revista (Rf. 8715804), foi confirmado o Acórdão</font></i><br>
<i><font>proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães – Apelação nº 2010/12.6TBGMR-E-G1 (Rf. 5843298) que decidiu haver e verificar-se a excepção de autoridade de caso julgado, formado pela decisão da sentença de 1ª instância (confirmada no S.T.J.) no proc. 302/2002, e no respeitante ao direito de propriedade e posse dos prédios aqui em discussão; dividida pela forma já exposta.</font></i><br>
<i><font>E o respeito integral pelas decisões dos Tribunais é elemento essencial do prestígio dos tribunais, da certeza e da segurança jurídica das decisões judiciais; não se podendo admitir que se produzisse uma outra decisão, que decidisse em sentido diverso sobre o mesmo objecto da decisão anterior transitada em julgado.</font></i><br>
<i><font>3- As recorrentes interpõem o presente recurso para o Pleno das Secções deste Tribunal Superior, por considerarem que o Acórdão proferido está em contradição com outro anteriormente produzido pelo mesmo Tribunal (S. T. J.)</font></i><br>
<i><font>Juntaram e indicaram, embora de forma confusa, como fundamento o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça nº 1565/15.8T8VFR-A.P1.S1 de 05.12.2017.</font></i><br>
<i><font>Alegam que o Acórdão proferido nestes autos está em contradição com o decidido neste último Acórdão.</font></i><br>
<i><font>E se bem verificamos o Acórdão proferido nestes autos, não tem qualquer contradição com a decisão do Acórdão fundamento.</font></i><br>
<i><font>As questões a decidir, muito distintas no seu conteúdo, aplicam da mesma forma a lei, com enumeração doutrinária e jurisprudência semelhante.</font></i><br>
<i><font>Na acção 302/2002, em que foi A. o Pf. CC, face à causa de pedir e pedido formulados nesta acção, veio a decidir definitivamente em Julho de 2007 quem eram os possuidores e proprietários dos prédios.</font></i><br>
<i><font>E a decisão foi totalmente favorável ao A. (Prof. CC) que nos seus articulados alegou a factualidade que lhe veio a ser reconhecida na sentença, designadamente quanto à posse e propriedade dos imóveis (3/8 em conjunto com a sua família directa).</font></i><br>
<i><font>Foi julgada provada a causa de pedir e toda a factualidade concreta alegada na acção.</font></i><br>
<i><font>O A. (Pf. CC) na p. i. desta acção alegou todo o acervo factual de que era titular e que lhe cabia; sabendo e tendo conhecimento dos direitos e interesses dos demais sobre os prédios.</font></i><br>
<i><font>Após a sua morte, as ora recorrentes, na qualidade de sucessoras testamentárias daquele, vêm “inventar” outros factos, de impossível verificação, para sustentarem este lamentável processo/expediente.</font></i><br>
<i><font>E o Acórdão fundamento esclarece:</font></i><br>
<i><font>A autoridade de caso julgado “tem por finalidade evitar que a relação jurídica material, já definida por uma decisão com trânsito possa vir a ser apreciada diferentemente por outra decisão, com ofensa da segurança jurídica”, pressupondo a vinculação de um tribunal de uma acção posterior ao decidido numa acção anterior, ou seja, que a decisão duma determinada questão (proferida em acção anterior e que se inscreve, quanto ao seu objecto, no objecto da segunda) não possa voltar a ser discutida” – vidé Ac. – fu | [0 0 0 ... 0 0 0] |
TTJou4YBgYBz1XKvkgO4 | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><b><font> </font></b><div><br>
<b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça,</font></b><br>
<p></p></div><br>
<br>
<b><font> </font></b><br>
<p><b><font>I - Relatório</font></b><br>
</p><p>
</p><p><b><font>1. AA</font></b><font> e </font><b><font>BB</font></b><font> propuseram ação declarativa, sob a forma de processo comum, contra </font><b><font>Seguradoras Unidas, S.A.</font></b><a><u><sup><font>[1]</font></sup></u></a><font>, pedindo que esta seja condenada:</font><br>
</p><p><font>a) no pagamento ao Autor da quantia de € 738.819.45, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, de procuradoria condigna, de juros legais em dobro, vencidos e vincendos, e de custas;</font><br>
</p><p><font>b) no pagamento ao Autor das quantias que se remeterem para liquidação em consequência de danos futuros, de IPP, de incapacidades, de tratamentos, de assistência médica e medicamentosa, de 3.ª pessoa, e de perdas salariais, que venham a verificar-se como consequência do acidente;</font><br>
</p><p><font>c) no pagamento à Autora da quantia de € 6.049.61, a título de danos patrimoniais, acrescida de procuradoria condigna, de custas e de juros legais desde a citação até efetivo e integral pagamento.</font><br>
</p><p>
</p><p><b><font>2. </font></b><font>Alegaram, em síntese, que a ... de junho de 2012, na Estrada Nacional ……, ao quilómetro ……., concelho ………., distrito ….., ocorreu um acidente de viação em que foram intervenientes os veículos com a matrícula ….-EX-…, ….-GM-…. e um velocípede sem matrícula, conduzido pelo Autor, o qual se ficou a dever a culpa do condutor do EX, que circulava no sentido ……../…….., e que, ao ultrapassar um veículo que seguia à sua frente, invadiu a via de sentido contrário, indo colidir com o veículo GM que aí circulava, o qual foi imediatamente projetado contra o velocípede que também aí circulava no mesmo sentido, isto é, …….., tendo o velocípede e o Autor sido projetados ao solo, ficando este gravemente ferido, sendo assistido no local pelo INEM e pelos bombeiros voluntários ………. .</font>
</p><p><font>Do acidente resultaram para os Autores os danos alegados, dos quais se querem ver ressarcidos, sendo que à data do acidente a responsabilidade civil por danos ocasionados pela circulação do veículo EX se encontrava transferida para a Ré, que reconheceu a responsabilidade pelo sinistro, mas nada pagou aos autores.</font>
</p><p><b><font>3. </font></b><font>A Ré contestou, invocando a exceção da prescrição do direito que os Autores pretendem fazer valer, tendo aceitado parte da factualidade alegada e impugnado a restante, concluindo pela improcedência da ação e a sua absolvição do pedido.</font>
</p><p><b><font>4. </font></b><font>Os Autores responderam à referida exceção, defendendo a sua improcedência.</font>
</p><p><b><font>5. </font></b><font>Foi dispensada a realização de audiência prévia, tendo sido proferido despacho saneador no qual se relegou o conhecimento da exceção de prescrição para final, com subsequente identificação do objeto do litígio e enunciação dos temas da prova.</font>
</p><p><b><font>6. </font></b><font>Instruído o processo, seguiram os autos para julgamento, sendo a final proferida sentença com o seguinte dispositivo:</font><br>
</p><p><i><font>“Por todo o exposto, julga-se a ação parcialmente procedente, porque parcialmente provada, e, em consequência:</font></i><br>
</p><p><i><font>A) Decido julgar improcedente a arguição de prescrição do direito de indemnização que o autor exerce através da presente ação;</font></i><br>
</p><p><i><font>B) Decido condenar a ré/seguradora “SEGURADORAS UNIDAS, S.A.” no pagamento ao autor AA dos seguintes montantes:</font></i><br>
</p><p><i><font>i. O montante de € 2 000,00 (dois mil euros), relativo ao custo de deslocação, por cada quilometro percorrido para consultas e tratamentos;</font></i><br>
</p><p><i><font>ii. O montante de € 3 399,46 (três mil, trezentos e noventa e nove euros e quarenta e seis cêntimos), relativo a portagens, estacionamentos, tratamentos, consultas, medicamentos e certidões;</font></i><br>
</p><p><i><font>iii. O montante de € 100,00 (cem euros), pelo valor aproximado dos bens que ficaram danificados no acidente;</font></i><br>
</p><p><i><font>iv. O valor de € 300 000,00 (trezentos mil euros), a título de dano biológico ou perdas salariais;</font></i><br>
</p><p><i><font>v. O montante de € 65 000,00 (sessenta e cinco mil euros), a título de danos não patrimoniais, no valor global de € 370 499,46 (trezentos e setenta mil, quatrocentos e noventa e nove euros e quarenta e seis cêntimos)</font></i><br>
</p><p><i><font>C) Relegar para execução de sentença a liquidação dos montantes a que se refere a necessidade de contratar terceira pessoa em situações de futura incapacidade, decorrente da sujeição a internamento ou cirurgia hospitalar, bem como das despesas com ajudas medicamentosas, tratamentos médicos regulares e ajudas técnicas e sua substituição regular;</font></i><br>
</p><p><i><font>D) Condenar a ré/seguradora no pagamento à autora BB da quantia de € 6 049,61 (seis mil e quarenta e nove euros e sessenta e um cêntimo);</font></i><br>
</p><p><i><font>E) Absolver a ré/seguradora do demais peticionado.</font></i><br>
</p><p><i><font>F) Sobre as quantias referidas em B) i), iii), iv) e v.) vencer-se-ão juros de mora, no dobro da taxa legal (8%), desde a data da sentença até integral pagamento;</font></i><br>
</p><p><i><font>G) As demais quantias referidas em B), ii) vencerão juros de mora, no dobro da taxa legal (8%), a contar da citação até integral e efetivo pagamento;</font></i><br>
</p><p><i><font>H) A quantia referida em D) vencerá juros, à taxa legal, desde a data da citação até integral pagamento</font></i><font>.”</font>
</p><p><b><font>7. </font></b><font>Inconformada, a Ré interpôs recurso de apelação.</font>
</p><p><b><font>8. </font></b><font>O Autor interpôs recurso subordinado.</font>
</p><p><b><font>9. </font></b><font>A Ré respondeu ao recurso subordinado, preconizando a sua improcedência.</font>
</p><p><b><font>10. </font></b><font>Por acórdão de 5 de novembro de 2020, o Tribunal da Relação ……… decidiu o seguinte:</font>
</p><p><font>“</font><i><font>Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar parcialmente procedente o recurso da autora e improcedente o recurso subordinado do autor e, em consequência, alteram a sentença recorrida, decidindo-se:</font></i>
</p><p><i><font>a) Condenar a ré a pagar ao autor, a título de indemnização pelo dano biológico, na sua vertente patrimonial, a quantia de € 90.000 (noventa mil euros), acrescida de juros de mora, à taxa anual de 8%, desde a data da sentença em 1.ª instância; </font></i>
</p><p><i><font>b) Relegar para incidente de liquidação as despesas com ajudas medicamentosas, tratamentos médicos regulares e ajudas técnicas e sua substituição regular.</font></i>
</p><p><i><font>c) Manter a sentença recorrida no mais aqui impugnado, bem como nos respetivos juros de mora.</font></i>
</p><p><i><font>As custas da ação, na parte alterada, ficam a cargo de autor e ré, na proporção dos respetivos decaimentos.</font></i>
</p><p><i><font>O autor suportará as custas do recurso subordinado por si interposto, sendo as do recurso da ré a cargo de ambas as partes, na proporção do respetivo decaimento</font></i><font>.”</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font>11. </font></b><font>Não conformado, o Autor </font><b><font>AA</font></b><font>, nos termos do art. 671.º, n.</font><sup><font>os</font></sup><font> 1 e 3, do CPC, interpôs recurso de revista, apresentando as seguintes </font><b><font>Conclusões</font></b><font>:</font>
</p><p><font>“</font><i><font>1ª- O Recorrente não se conforma com o douto Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação ……, por entender, com o devido respeito, que não foi feita a melhor e a mais correta apreciação quer dos factos, e consequentemente a correta aplicação de Direito.</font></i>
</p><p><i><font>2ª- Discordância que reporta à decisão de alteração da condenação efetuada na alínea C) do dispositivo da sentença de 1ª instância, respeitante a relegar para execução de sentença a liquidação dos montantes a que se refere a necessidade de contratar terceira pessoa em situações de futura incapacidade, decorrente da sujeição a internamento ou cirurgia hospitalar, bem como das despesas com ajudas medicamentosas, tratamentos médicos regulares e ajudas técnicas e sua substituição regular;</font></i>
</p><p><i><font>3ª- E ainda, quanto ao segmento decisório que reduziu o montante indemnizatório fixado a título de “Dano Biológico “para a quantia de €90.000,00 (noventa mil euros) e por fim, quanto à avaliação do dano não patrimonial.</font></i>
</p><p><i><font>4ª- Seguindo a doutrina do Ac do STJ de 24-11-2016 -Revista n.º 1655/12.9TBFAF.G1.S1 - 7.ª Secção - considera o Recorrente que tal apreciação é admissível, nos estritos termos da análise que foi efetuada da prova produzida, vertida na estatuição do disposto no artº 662º do CPC.</font></i>
</p><p><i><font>5ª- “(…) Funcionando como tribunal de revista, só nos particularizados termos admitidos pelos arts. 674.º, n.º 3, e 682.º do CPC é admitida ao STJ a ingerência em matéria de facto, restringindo-se, portanto, a sua intervenção ao campo da prova vinculada; compete-lhe, para além disso, vigiar e avaliar se a Relação fez mau uso dos poderes que a proposição descrita no art. 662.º do CPC lhe concede. (…)”.</font></i>
</p><p><i><font>6ª- De igual modo, atente-se no teor do Ac. do STJ que nesta esteira, propõe o artº 662º nº1 do CPC que :“(…) A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa (…)”.</font></i>
</p><p><i><font>7ª- Entende o Recorrente que a prova que foi produzida não impunha uma decisão diferente da que foi decidida em primeira instância, não ocorrendo também qualquer documento superveniente, ou facto assente que impusesse decisão diversa da anteriormente fixada em termos de matéria de facto, por parte do Tribunal “a quo“, antes pelo contrário.</font></i>
</p><p><i><font>8ª- No que concerne à primeira questão, objeto do presente recurso, o Tribunal “a quo“ veio alterar a resposta ao ponto 100. da matéria de facto dada como provada alegadamente, por segundo a recorrida, tais necessidades não constarem do relatório pericial, nem sobre tais danos futuros ter sido produzida qualquer prova que sustente e fundamente tal realidade. E ainda, porque,</font></i>
</p><p><i><font>9ª- “Percorrendo a muito bem circunstanciada fundamentação da decisão de facto da sentença, constatamos que a única prova que suportou a decisão de facto da sentença, de considerar provada a matéria do ponto 100 dos factos provados, foram as declarações de parte do autor, (…)“.</font></i>
</p><p><i><font>10ª- Todavia, considera o ora recorrente que a prova de tal matéria, para além das</font></i>
</p><p><i><font>declarações de parte do A., resulta clara, direta e inequivocamente do relatório pericial e da conjugação global de toda a prova e bem assim das regras da experiência comum.</font></i>
</p><p><i><font>11ª- Com efeito, da leitura atenta da perícia médico legal efetuada pelo INML conforme relatório datado de 22 de Abril de 2019, junto a fls…dos autos é descrito pelo Senhor Perito no âmbito da “DISCUSSÃO “ , ponto 4. e após a quantificação do Défice Funcional Permanente de Integridade Físico- Psíquica fixável em 30 pontos que :</font></i>
</p><p><i><font>“- Na situação em apreço é de perspetivar a existência de Dano Futuro (considerando exclusivamente como tal o agravamento das sequelas que constitui uma previsão fisiopatologicamente certa e segura, nomeadamente artrose do punho secundaria a osteonecrose do escafoide por corresponder à evolução lógica, habitual e inexorável do quadro clínico) o que pode obrigar a uma futura revisão do caso. “</font></i>
</p><p><i><font>12ª- Ora o “dano futuro “no âmbito da avaliação do dano corporal em direito civil assume um significado próprio.</font></i>
</p><p><i><font>Veja-se nesse sentido o que nos dizem os Srs. Professores Drs. Duarte Nuno Vieira e Jose Alvarez Quintero no seu livro “Aspectos práticos da avaliação em Direito Civil “quanto a esta especifica questão:</font></i>
</p><p><i><font>“(…) Será ainda de assinalar que dentro do posicionamento pericial que tem vindo a ser concretizado entre nós, se encontra o da integração na taxa de incapacidade arbitrada num determinado momento , da que resultará de um dano futuro (…).</font></i>
</p><p><i><font>Ora, por dano futuro, entende-se o agravamento do dano actualmente existente e que pode prever-se, por ser facto comum e habitual, ou seja, o agravamento previsível, inexorável , que inevitável e seguramente vai ocorrer e do qual tem o perito conhecimento da dimensão ( expressão ) que vai adquirir. Aquele que corresponde seguramente à evolução de rotina do tipo de sequela existente. É assim que aos 10% de incapacidade geral permanente parcial se poderá adicionar desde logo mais 5%, por exemplo, a título de dano futuro. (…) (sublinhado nosso).</font></i>
</p><p><i><font>13ª- Tal matéria foi dada como assente também no ponto 70. ( cfr. pag. 16 in fine), constituindo a matéria do ponto 100. uma consequência lógica e inevitável desta premissa, que a jusante, se tem como assente.</font></i>
</p><p><i><font>14ª- Tal realidade, não se confunde com a constatação presente e definitivamente fixada desde a data da alta, quanto à necessidade de ajudas técnicas e medicamentosas permanentes que o recorrente já tem e sempre terá.</font></i>
</p><p><i><font>15ª- De acordo com o princípio da livre apreciação da prova não deverá ser colocado em causa, inexistindo alegação de qualquer violação legal substantiva ou processual que o pudesse de algum modo inquinar. Efetivamente, mesmo quanto à prova pericial, dispõe nomeadamente o artº 398 do Cod. Civil que a mesma será “fixada livremente pelo tribunal “.</font></i>
</p><p><i><font>16ª- O princípio de imediação da prova por seu turno, reforça a bondade da convicção do Tribunal em conjugação com todos os meios de prova do caso concreto, incluindo, as declarações de parte do recorrente.</font></i>
</p><p><i><font>17ª- Relembra-se a propósito da fundamentação da decisão respetiva o seguinte excerto:</font></i>
</p><p><i><font>“ (…) No nosso ordenamento jurídico vigora o princípio da liberdade de julgamento ou da prova livre ( artigo 607º, nº 5, primeira parte, do Código de Processo Civil ), segundo o qual o tribunal aprecia livremente as provas, fixando a matéria de facto em sintonia com a sua “ prudente convicção “ acerca de cada facto controvertido.</font></i>
</p><p><i><font>Assim as provas são valoradas livremente, sem qualquer grau de hierarquização, nem preocupação do legislador, quanto à natureza de qualquer delas, ressalvando-se, porém, os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos (autênticos e certos documentos particulares ), quer por acordo ou confissão das partes ou ainda presunções legais ( artigo 607º, n 5, segunda parte, do referido preceito legal ). (..)</font></i>
</p><p><i><font>In casu, toda a prova produzida foi analisada, no seu conjunto, de modo crítico e livremente, tenha ou não emanado da parte que devia produzi-la (artigo 413º, do Código de Processo Civil ) tendo como critério fundamental a liberdade da sua apreciação , por parte do julgador, nos termos que se encontram previstos no artigo 607º, nº 5, do Código de Processo Civil. (…)“.</font></i>
</p><p><i><font>18ª- O Recorrente, entre outras sequelas, ficou afectado “ (…) com artrose do punho secundaria a osteonecrose do escafoide (..) “ , osteonecrose, que em termos leigos significa “ morte de uma região do osso “ e desde logo aos 36 anos , pelo que é da mais elementar justiça e devidamente fundamentada, que se mantenha a condenação exatamente como a fixou a douta sentença de 1ª instancia, garantindo desse modo, as várias vertentes possíveis do agravamento, que no caso, é como supra se referiu, certo, de verificação incerta, portanto , absolutamente enquadrável no previsto no artº 564 nº 2 do Código Civil.</font></i>
</p><p><i><font>19ª- Atento o exposto considera o ora recorrente que mal andou o douto Tribunal, “a quo“ ao revogar e consequentemente alterar a condenação respetiva, pugnando-se antes, por manter a condenação da recorrida como inicialmente, ou seja, condenando a :</font></i>
</p><p><i><font>“C) Relegar para execução de sentença a liquidação dos montantes a que se refere a necessidade de contratar terceira pessoa em situações de futura incapacidade, decorrente da sujeição a internamento ou cirurgia hospitalar, bem como das despesas com ajudas medicamentosas, tratamentos médicos regulares e ajudas técnicas e sua substituição regular; “</font></i>
</p><p><i><font>20ª- Não pode igualmente o ora recorrente concordar com a decisão do douto Tribunal “a quo “que reduziu drasticamente o montante indemnizatório arbitrado a título de “dano biológico e respetivo montante indemnizatório “.</font></i>
</p><p><i><font>21ª- A decisão de 1ª instância fez apelo, quer a doutrina, quer a vária Jurisprudência que aqui se dá por integralmente reproduzida, por significativa e ilustrativa dos critérios seguidos com evidente adequação ao caso dos autos.. A propósito do tema, refere-se que :</font></i>
</p><p><i><font>“(…) Certo é que a lesão físico-psíquica é o dano -evento, que pode gerar danos-consequência , os quais se distinguem na tradicional dicotomia de danos patrimoniais capacidade de ganho tem a seguinte justificação , nas palavras do acórdão do Supremo Tribunal de 10 de Outubro de 2012, cita: “ a compensação do dano biológico ( dentro das consequências patrimoniais da lesão físico -psíquica ) tem por base e fundamento quer a relevante e substancial restrição às possibilidades de exercício de uma profissão e de futura mudança, desenvolvimento ou reconversão de emprego pelo lesado , implicando flagrante perda de oportunidades , geradoras de possíveis e futuros acréscimos patrimoniais, frustrados irremediavelmente pelo grau de incapacidade que definitivamente o vai afectar ; que a acrescida penosidade e esforço no exercício da sua actividade diária e corrente , de modo a compensar e ultrapassar as graves dificuldades funcionais que constituem sequela irreversível da lesões sofridas.”(…) “ .</font></i>
</p><p><i><font>22ª- Ora, o douto Tribunal “a quo “acaba por seguir a mesma linha de orientação (cfr. pag. 24) afastando o entendimento de conferir ao dano biológico, a qualidade de tercium genus e considerando que no caso concreto o enquadramento e manifestação do dano-consequência releva no âmbito dos danos patrimoniais, nomeadamente enquanto dano-esforço , todavia vem defender seguidamente, que apesar do défice funcional permanente de 30 pontos atribuído ao lesado implicar consequência na sua vida, configurando-se como danos futuros, não pode aceitar-se é que a indemnização do dano biológico, no presente caso, seja calculada em função da equiparação do sobredito défice funcional de 30 pontos a uma perda de capacidade de ganho de rendimentos de igual percentagem. E seguidamente com referencia a critérios de equidade, acaba por fixar a este titulo o montante de € 90.000,00 (noventa mil euros ).</font></i>
</p><p><i><font>23ª- Aqui chegados cumpre questionar: € 90.000,00 porquê?</font></i>
</p><p><i><font>24ª- A quantia anteriormente fixada a este título no valor de € 300.000,00 encontra-se devidamente justificada e fundamentada. Considera a antecipação do capital; foi encontrada na sequência de um raciocínio lógico, objetivo, que permite ter uma base inicial e de partida, igual para todos os lesados (tabelas financeiras) e que a montante, aí sim, é ajustado às circunstâncias do caso concreto, o que aconteceu, com a aplicação de uma redução muito significativa de cerca de €127.000,00.</font></i>
</p><p><i><font>25ª- Esta mesma decisão, refere que:</font></i>
</p><p><i><font>“25 Recorremos à fórmula de cálculo adotada no Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 9 de março de 2017, em que é relatora a Exmª Srª. Desembargadora Albertina Pedroso, no processo nº 81/14.0T8FAR, deste juízo. “ou seja do mesmo Tribunal “a quo “.</font></i>
</p><p><i><font>26ª- No caso em apreço, como já se referiu, para além da desvalorização funcional já assente, foi igualmente dado como certo o dano futuro no sentido do agravamento dessa incapacidade funcional, o que, no caso concreto, aponta claramente para a necessidade de garantir essa circunstância.</font></i>
</p><p><i><font>27ª- Ao que parece, ao mesmo tempo que se defende a utilização do critério da equidade para o cômputo do dano biológico na vertente do dano patrimonial futuro, para o caso concreto, indicam-se outras decisões, mais parecendo que estamos perante um regime legal de precedente.</font></i>
</p><p><i><font>28ª- Se atenta a natureza do dano não patrimonial, se entende que a equidade funcione como primeiro critério, embora condicionada aos parâmetros estabelecidos no artº 494 do Cod. Civil, na apreciação dos danos patrimoniais, principalmente futuros (lucros cessantes) já deveria, salvo melhor opinião, funcionar residualmente, para o caso de não ser possível averiguar o valor exato dos danos (artº 566 nº 3 do CC) assumindo a característica de elemento corretor do resultado a que se chegar depois de utilizados naturalmente os critérios aritméticos e as tabelas financeiras habitualmente usados, os quais, constituem adjuvantes instrumentais , mas não únicos. Foi o que decisão inicial fez e assertivamente.</font></i>
</p><p><i><font>29ª- “ É claro , escreveu-se então “ que o juiz não deve deixar de lado a equidade…” mas nada obsta que se lance mãos de critérios e soluções que permitam a obtenção de constantes para a determinação da indemnização , “ em termos de se chegar a um certo parâmetro , a partir do qual se possa sintonizar a indemnização que for julgada mais adequada , intervindo então o juízo de equidade.</font></i>
</p><p><i><font>30ª- O caso concreto teve consequências graves para o lesado e toda a sua vida, sendo uma vertente desse universo, a sua capacidade de ganho, relativamente á qual, se deve ponderar o lesado no seu todo, já que, a incapacidade funcional é apenas uma parte dessa capacidade produtiva e globalmente entendida.</font></i>
</p><p><i><font>31ª- Do extenso elenco dos factos provados que aqui se considera por reproduzido, considera-se forçoso atender, que para além da incapacidade funcional em sentido restrito, o lesado, infelizmente, ficou a padecer de outras sequelas, a nível quer estético, quer psicológico, que o acompanham permanentemente, inclusive quando se encontra no exercício da sua atividade profissional.</font></i>
</p><p><i><font>32ª- Com efeito tal constatação resulta desde logo das regras da experiencia comum, bastando fazer um simples exercício de nos colocarmos na sua posição, ou seja, ponderar o seguinte: será fácil desempenhar a nossa atividade, quando em razão das cicatrizes na cara e alterações da voz, por vezes com perda de sensibilidade na face e boca e quando se perdeu muito da respetiva auto estima ?</font></i>
</p><p><i><font>Pode-se continuar a estar em reuniões, é um facto, mas com que custo pessoal? A capacidade produtiva, objetivamente é a mesma?</font></i>
</p><p><i><font>33ª- Trabalhar com dores, muitas vezes persistentes, e uma depressão pós-traumática crónica? que é possível é, mas a que custo pessoal e durante quanto tempo até se degradar a capacidade restante?</font></i>
</p><p><i><font>34ª- As ponderações destas vertentes no caso concreto devem, sem margem de dúvidas reforçar a bondade e adequação de uma indemnização muito superior à fixada pelo Tribunal “a quo “. Alias,</font></i>
</p><p><i><font>35ª- A própria Portaria 377/2008 relativa à proposta razoável, considera existir automaticamente indemnização, para incapacidades permanentes superiores a 10 pontos (Anexo I) dado que será de considerar haver sempre, esforços acrescidos, estabelecendo automaticamente também e indistintamente, referenciando apenas a idade, uma indemnização autónoma e que acresce ao cálculo do Anexo IV. Portanto e por maioria de razão, a quantificação do dano na presente sede, devera ir para além e atender aqui sim, às circunstâncias do caso concreto.</font></i>
</p><p><i><font>36ª- Acresce que o recorrente era produtor de espetáculos e eventos, atividade que deixou de desempenhar (ponto 96.).</font></i>
</p><p><i><font>37ª- As indemnizações decorrentes da IPP deverão ser vistas sob um prisma mais amplo que compreende ainda, o potencial de realização pessoal numa perspetiva de assegurar a dignidade da pessoa humana, proclamada no artigo 1º da Constituição da Républica Portuguesa e os critérios adotados nomeadamente pela Jurisprudência devem seguir uma via evolutiva e actualistica.</font></i>
</p><p><i><font>(Vide neste sentido, douto Acórdão do S.T.J. nº 6/2014 -Publicação DR Nº 98/2014, Serie I, de 2014-05-22, que veio alargar o direito à indemnização pelos danos sofridos pelo conjugue de vítima sobrevivente, atingida de modo particularmente grave, no âmbito do disposto nos artºs 483, nº 1 e 496º nº 1 do Cod. Civil).</font></i>
</p><p><i><font>38ª- Atento o exposto será de ter igualmente presente os pressupostos, quer do regime do seguro obrigatório, mas mais ainda, a ratio das Diretivas Comunitárias em matéria Automóvel, nomeadamente a 5ª Diretiva Automóvel, transposta para ordenamento jurídico nacional, sempre no sentido do reforço do sistema de proteção aos lesados por acidentes de viação.</font></i>
</p><p><i><font>39ª- Com a transposição da Directiva nº 2005/14/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de Maio visou proceder-se à atualização e substituição codificadora do diploma relativo ao sistema de proteção dos lesados por acidentes de viação, baseado nesse seguro .</font></i>
</p><p><i><font>40ª- Nesta sede releva especialmente a actualizaçao dos capitais mínimos do seguro obrigatório, através de um processo faseado que, atenta a realidade nacional, se pretendeu suave e progressivo, quer seja por um período de transição de cinco anos, quer pelos limites máximos de capital por sinistro. “(Preâmbulo do Dec. Lei nº 291/2007 de 21 de Agosto) (sublinhado nosso).</font></i>
</p><p><i><font>41ª- atualização dos capitais mínimos obrigatórios de responsabilidade civil no seguro automóvel em Portugal, tem vindo a ocorrer desde 20.10.2007 , sendo que atualmente e desde 01.06.2017 , em virtude do disposto no artº 12º do Dec. Lei 291/ 2007 de 21 de agosto que estabelece a respetiva revisão de cinco em cinco anos a partir de 01.06.20.12, sob proposta da Comissão Europeia , em função do índice europeu de preços no consumidor, é de 6 070 000,00€ para acidentes com Danos Corporais e 1 220 000 para Danos Materiais.</font></i>
</p><p><i><font>42ª- Posto isto e considerando que os pagamentos dos prémios de seguro devem (presumivelmente) acautelar o pagamento do risco inerente à circulação rodoviária e responder pelos sinistros que possam ocorrer, está na altura de utilizar a favor dos lesados os capitais seguros que todos ajudamos a pagar.</font></i>
</p><p><i><font>43ª- Estamos no seculo XXI e na altura de prover condignamente pelos direitos dos lesados, motivo da natureza obrigatória do seguro e dos limites mínimos. Numa sociedade em mudança vertiginosa, em que os paradigmas, nomeadamente do mercado de emprego são hoje altamente competitivos, incertos e efémeros. A idade ideal para conseguir um emprego, independentemente da competência de cada um é cada vez mais favorável a pessoas mais jovens.</font></i>
</p><p><i><font>44ª- O ano de 2020 ficará marcado historicamente pela Pandemia do COVID 19 que veio acrescentar e acelerar fatores de incerteza enormes a nível de emprego, económico e financeiro, quer a nível nacional, quer a nível mundial, reforçando o medo e profundo receio em relação ao futuro que legitimamente se sente.</font></i>
</p><p><i><font>45ª- Se assim é para todos os cidadãos, mais ainda para quem se viu antecipadamente coartado nas suas aptidões e capacidades físicas, emocionais e psicológicas e de capacidade concorrencial a todos os níveis.</font></i>
</p><p><i><font>46ª- Mesmo antes da pandemia, mas neste sentido e denotando já este nível de preocupações, o recente e douto Acórdão do STJ de 17.12.2019, proferido no proc. nº 669/16.4T8BGC.S1 veio considerar que para quem ganha pouco, acresce uma natural angústia quanto ao futuro e quanto à necessidade de um mínimo de segurança financeira, considerando subprincípios de adstrição, de congruência e de conformidade.</font></i>
</p><p><i><font>47ª- Atento todo o exposto, considera-se que o douto Tribunal “a quo“ ao reduzir drasticamente o montante dos danos patrimoniais futuros do ora recorrente, não fez justiça no caso concreto, violando antes o disposto nos artºs 562º , 563 , 564 e 566º, todos do Cod. Civil e bem assim,</font></i>
</p><p><i><font>48ª- A finalidade do seguro obrigatório de responsabilidade civil e a visada proteção real dos lesados.</font></i>
</p><p><i><font>49ª- Considerando que o contrato de seguro tinha já, à data do acidente, um capital mínimo obrigatório de 5.000.000€, a idade do lesado e os anos que ainda tem de vida útil ativa, o elevado grau de incapacidade funcional e geral, com dano futuro certo, é absolutamente ajustado o montante inicialmente fixado de 300.000,00€ a título de dano biológico na vertentes de danos patrimoniais futuros.</font></i>
</p><p><i><font>50ª- Alias, basta fazer um exercício simples que reside em perceber para quanto tempo o valor fixado de 90.000,00€ pelo Tribunal “a quo “ serve ao lesado?</font></i>
</p><p><i><font>Se atendermos que ganhava 1.500,00€ / mês x 12, teremos um rendimento anual de 18.000,00€ ; dividindo 90.000.00€ por 18.000,00€ concluiremos que equivale apenas a 5 anos!</font></i>
</p><p><i><font>51ª- Torna-se evidente que tal montante é absolutamente desajustado para compensar o recorrente, devendo em consequência tal segmento da decisão proferida pelo Tribunal “a quo “ ser revogada, mantendo-se a integra, o montante inicialmente fixado de 300.000,00€ a título de damos patrimoniais futuros.</font></i>
</p><p><i><font>52ª- Mesmo seguindo o critério comparativo, indica-se a título exemplificativo o douto Ac. STJ de 23.05.2017, Revista nº 394/09.2TVPRT.P1.S1- 2ª Secção, que fixou 280.000,00€ numa situação em que a pessoa apesar de ter deixado a profissão de vigilante, ficou afetado de uma IPP de 16 pontos, com 30 anos de idade e uma retribuição mensal de €797,82.; Ac. STJ de 19.9.2006, fixada indemnização de 125.000,00€ para IPP de 15% sem perda de capacidade de ganho, lesada com 42 anos , acrescida de mais 20.000,00e a titulo de dano futuro.</font></i>
</p><p><i><font>53ª- De todo o modo haverá sempre que evoluir e de uma vez por todas, considerar sem receios, que as indemnizações devem ser consentâneas com as contingências da vida atual e com os limites mínimos dos capitais dos contratos de seguro obrigatórios, senão qual a finalidade da progressiva atualização? Porque razão se estabelece legalmente um capital de 6 070 000€ para acidentes de viação com danos corporais?</font></i>
</p><p><i><font>54ª- Seguramente para indemnizar convenientemente os lesados, vítimas dos mesmos, de modo a que prossigam com a sua vida com o mínimo de segurança, conforto e ajuda financeira que lhes permita enfrentar o futuro e as adversidades da vida.</font></i>
</p><p><i><font>55ª- O direito à integridade física, o direito á saúde, o direito á realização na vida profissional e pessoal, lúdica, artística, intelectual, enfim o direito a ser feliz deve ser a razão de ser do direito indemnizatório.</font></i>
</p><p><i><font>56ª- No Ac. Relação de Lisboa, de 14.07.2018, no processo nº 1463/13.9TVLSB.L1 foram, entre outras, feitas as seguintes considerações:</font></i>
</p><p><i><font>“ (…) E já começa a ser tempo de abandonar de vez posturas miserabilistas o ressarcimento dos danos e natureza corporal das vitimas de acidentes que não foram causados pelos próprios .</font></i>
</p><p><i><font>(…) Deste modo, o que surpreende é a tão diminuta valoração que é feita da saúde mental e até da autoestima dos seres humanos a até da sua vaidade pessoal – o direito que cada um tem a sentir-se bem na sua própria pele e a gostar de ter de si próprio uma boa imagem e de transmitir para os outros uma boa imagem pública. (…) cada ser humano é, insofismavelmente e sem margem para qualquer dúvida, uma criatura única e irrepetível.</font></i>
</p><p>< | [0 0 0 ... 0 0 0] |
UzJ0u4YBgYBz1XKvague | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><br>
<br>
<br>
<b><font>Processo n.º 5523/05.2TVLSB-A.L1.S2</font></b><br>
<br>
<b><font>I – Relatório</font></b><br>
<font>1. </font><b><font>AA </font></b><font>deduziu contra </font><b><font>Bosques Naturales, S.A., </font></b><font>e </font><b><font>BB</font></b><font>, incidente de liquidação, pedindo que se fixe em €459.029,50 o valor do dano indemnizável pelos Réus, ao qual deverão acrescer juros de mora, à taxa legal de 4%, contados desde a data da notificação do acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, a 18 de Julho de 2013, até efetivo e integral pagamento, computando os juros vencidos, na data do requerimento (I Vol., fls. 4 a 32).</font><br>
<font>2. Alegou, em suma, que:</font><br>
<font>Por Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça de 11 de julho de 2013, foi concedida parcialmente a Revista, e consequentemente foram condenados os Réus </font><b><font>Bosques Naturales, S.A.,</font></b><font> </font><b><font>e BB</font></b><font> “a indemnizar o autor AA, pelas despesas, gastos, força do trabalho despendidos e pelos benefícios que deixou de obter, com o conteúdo acima definido, na perspectiva da conclusão do contrato, na quantia que a vier a ser apurada em ulterior liquidação, mas que não poderá exceder o limite máximo de 459.029,50€”, confirmando-se, no mais, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa (X Vol. dos autos principais, fls. 2107 a 2123).</font><br>
<font>3. Estribando-se no mencionado Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 11 de julho de 2013 (inserto a fls. 2107 e ss do processo principal), que revogou parcialmente o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 4 de outubro de 2012 (inserto a fls. 1769 e ss do processo principal), o Autor computou os danos sofridos no montante (o que foi definido como limite máximo) de 459.029,50 €, acrescido de juros legais.</font><br>
<font>4. O Autor veio a </font><b><font>desistir da instância</font></b><font> relativamente ao co-Réu </font><b><font>BB </font></b><font>(fls. 67), desistência que foi admitida (fls. 69).</font><br>
<font>5. A Ré </font><b><font>Bosques Naturales, S.A.,</font></b><font> apresentou oposição (I Vol., fls. 82 a 109, e I Vol., fls. 152 a 162). Deduziu a exceção de preterição de litisconsórcio necessário no que respeita ao pedido relativo ao não arrendamento dos terrenos em causa e defendeu-se, ainda, por impugnação. Requereu, além disso, a intervenção principal provocada</font><b><font> </font></b><font>ou, subsidiariamente, a intervenção acessória, do co-Réu </font><b><font>BB</font></b><font>.</font><br>
<font>6. Concluiu, de qualquer modo, pela improcedência do incidente de liquidação. O Autor respondeu. O Tribunal </font><i><font>a quo</font></i><font> julgou improcedente a exceção de preterição de litisconsórcio necessário ativo (fls. 131) e admitiu o pedido de intervenção acessória de</font><b><font> BB</font></b><font> (</font><i><font>idem</font></i><font>).</font><br>
<font>7. O Interveniente veio deduzir </font><b><font>oposição (</font></b><font>a fls. 152), defendendo-se por exceção (preterição do litisconsórcio necessário no que se refere ao alegado dano de reserva das terras) e por impugnação.</font><br>
<font>8. Foi proferido </font><b><font>despacho</font></b><font> (a fls. 200 e ss.), no qual se julgou improcedente a exceção de preterição de litisconsórcio necessário deduzida pelo Interveniente </font><b><font>BB.</font></b><br>
<font>9. Prosseguindo os autos, teve lugar a </font><b><font>audiência de discussão e julgamento</font></b><font> e, depois, foi proferida </font><b><font>sentença</font></b><font>, na qual se julgou parcialmente procedente o incidente de liquidação e, em consequência, se fixou </font><br>
<i><font>“</font></i><font>em trinta e sete mil, novecentos e quarenta e três mil euros e cinquenta e dois cêntimos (€ 37.943,529), o valor da indemnização que a Ré Bosques Naturales, SA pagará ao Autor AA, sendo € 37.810,00 a título de indemnização pelo não arrendamento da Herdade X e da Herdade Y e o remanescente a título de indemnização por despesas suportadas pelo Autor”. Determinou-se, ainda, que “Ao valor supra referido, acrescem juros de mora, calculados à taxa legal civil, desde a data do trânsito em julgado da presente sentença e até efectivo pagamento da mesma</font><i><font>”</font></i><font> (II Vol. fls. 362 a 386).</font><br>
<font>10. Inconformado com esta decisão, o Autor interpôs recurso de apelação. A Ré </font><b><font>Bosques Naturales, S.A.</font></b><font>, apresentou contra-alegações, com ampliação do objeto recurso, a título subsidiário. Segundo o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, </font><br>
<font>“Pelo que se deixou exposto, na improcedência da apelação, mantém-se a sentença recorrida” (III Vol., fls. 495 a 542).</font><br>
<font>11. </font><b><font> </font></b><font>Irresignado, o Autor/Requerente interpôs</font><b><font> recurso de revista, </font></b><font>onde enunciou as seguintes </font><b><font>Conclusões (</font></b><font>III Vol., fls. 591 a 616): </font><br>
<br>
<font>“I - Estão verificados os pressupostos da revista excecional, pelo que a mesma deverá ser admitida.</font><br>
<font>II - O Acórdão sob recurso está em contradição com o Acórdão proferida pelo STJ em 29-05-2014, no Processo 130/09.3tbcbc.G1.S.1, porquanto não recorre à equidade para a fixação do quantum indemnizatório, mas antes recorre à aplicação errada do Direito do arrendamento Rural (DL 385/88 de 25 de Outubro) de forma a integrar os factos incompletamente provados no Direito aplicável.</font><br>
<font>III - Com efeito, se do Relatório Pericial resulta que as terras em causa se localizam dentro do Perímetro de rega de ... e que são de cultura arvense, não pode o Acórdão decidir arbitrariamente pela aplicação da renda da cultura arvense de sequeiro e não de regadio.</font><br>
<font>IV - Por outro lado, na parte denominada de Direito no Acórdão em crise, decidiu o mesmo confirmar a sentença sob recurso limitando a indemnização apenas a dois anos de renda não auferidos.</font><br>
<font>V - Porém, o Venerando STJ tinha já decidido em Julho de 2013, na fase declarativa do processo que as terras não tinham sido arrendadas desde então por causa deste diferendo.</font><br>
<font>VI - Ora, caso as terras fossem arrendadas em 2005, seriam necessariamente por dez anos, dado que era o período mínimo legal para arrendamento das rural, assim, necessariamente deverá ser revogada a decisão sob recurso também nesta parte e serem os RR. condenados a indemnizar o A. pelos dez anos de rendas não auferidas, porque assim impõe o direito aplicável.</font><br>
<font>VII - Por todo o exposto, o Acórdão sob recurso contradiz a Jurisprudência dominante nesse Venerando STJ , designadamente a constante do Acórdão fundamento.</font><br>
<font>VIII - Por outro lado, aplica erradamente a lei do arrendamento rural, o Referido DL 385/88 de 25 de Outubro, ao confirmar a indemnização ao A. de apenas dois anos de rendas não auferidas, quando se as terras fossem arrendadas em 2005 as rendas seriam necessariamente devidas por dez anos.</font><br>
<font>IX - O fundamento da presente revista reside no disposto no art. 674º, n.º1, al. a) do CPC, que se refere à violação de lei substantiva.</font><br>
<font>X - O Acórdão sob recurso não aplica o regime disposto no Art.º. 566º, n.º 3 do Código Civil, conforme se impõe dado a insuficiente ou incompleta prova produzida.</font><br>
<font>XI - Estão preenchidos e devidamente demonstrados os pressupostos da revista excecional.</font><br>
<font>XII - Deverá, pelo exposto, ser revogada a decisão sob Recurso e em consequência deverão os danos sofridos pelas rendas não auferidas pelo A., conforme determinado pelo STJ, ser fixadas de acordo com a equidade e não por critérios arbitrários, legalmente inadmissíveis.</font><br>
<font>XIII - Deverão os RR. ser condenados a indemnizar o A. pelas rendas não auferidas, pelo menos, durante os dez primeiros anos do contrato de arrendamento rural que teria sido celebrado em 2005”.</font><br>
<br>
<font>12. A Requerida apresentou contra-alegações (III Vol., fls. 638 a 680).</font><br>
<br>
<b><font>II – Questões a decidir</font></b><br>
<font>1. As questões suscitadas nas conclusões do recurso – que delimitam </font><i><font>prima facie</font></i><font> o objeto do recurso –, reportadas à quantificação da indemnização, são as seguintes:</font><br>
<b><font> </font></b><font>- devia ter sido aplicada a renda da cultura arvense de regadio (ao invés de sequeiro) (conclusões I a III)?</font><br>
<font>- devia ter sido considerado, no cálculo da indemnização, o prazo de arrendamento de dez e não de dois anos (conclusões IV a VIII)?</font><br>
<font>- houve violação do disposto no art. 566.º, n.º 3, do CC? (conclusões X e XII)?</font><br>
<br>
<b><font>II – Fundamentação </font></b><br>
<b><font>A. De Facto</font></b><br>
<b><font> Foram dados como provados os seguintes factos</font></b><font>:</font><br>
<b><font>“1.</font></b><font> Por Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça datado de 1 de Julho de 2013, os Réus </font><b><font>Bosques Naturales, S.A.,</font></b><font> e </font><b><font>BB</font></b><font>, foram condenados «a indemnizar o Autor AA pelas despesas, gastos, força do trabalho despendidos e pelos benefícios que deixou de obter, com o conteúdo acima definido, na perspetiva da conclusão do contrato, na quantia que vier a ser apurada em ulterior liquidação, mas que não poderá exceder o limite máximo de 459.029,50, confirmando-se, no mais, o Acórdão da Relação de Lisboa.». (art. 1.º da PI).</font><br>
<b><font>2. </font></b><font>O Tribunal da Relação de Lisboa julgou provados os seguintes factos:</font><br>
<b><font>2.1.</font></b><font> O Autor é comproprietário, em conjunto com CC, DD, EE e FF dos seguintes prédios:</font><br>
<font>- Prédio rústico denominado “Herdade X”, com a área de 109,0225 ha, freguesia e concelho de ...;</font><br>
<font>- Prédio misto denominado “Monte Y”, com a área de 418,2750 ha, freguesia e concelho de ...;</font><br>
<b><font>2.2.</font></b><font> O primeiro contacto entre o Autor e BB foi estabelecido através do advogado comum de ambos, dr. GG, o qual contactou o Autor e lhe colocou a questão do interesse do mesmo no projecto de investimento, ao que este respondeu afirmativamente, dadas as características de rentabilidade certa do mesmo;</font><br>
<b><font>2.2.</font></b><font> Em Março de 2003, o Réu BB contactou o Autor e propôs-lhe a constituição de uma sociedade em Portugal;</font><br>
<b><font>2.3.</font></b><font> O Autor reuniu-se pela primeira vez com BB, conjuntamente com o dr. GG, em 7 de março de 2003, na Herdade X e na Herdade Y, sitas em ...;</font><br>
<b><font>2.4.</font></b><font> Em 8 de Outubro de 2003, o Autor teve uma reunião com HH, o qual presentou o projecto escrito de investimento junto como documento n.º 20 anexo à Petição Inicial; </font><br>
<b><font>2.5.</font></b><font> Na reunião de 8 de outubro de 2003, HH convidou o Autor visitar uma plantação da “Bosques Naturales, SA”, bem como os escritórios da mesma, em Madrid, a fim de o outro constatar no local a actividade por esta desenvolvida;</font><br>
<b><font>2.6.</font></b><font> Depois de 8 de outubro de 2003, houve reuniões entre HH e o Autor, no escritório deste, em Lisboa;</font><br>
<b><font>2.7.</font></b><font> Em 28 de Novembro de 2003, o Autor, acompanhado de DD e II, deslocou-se às propriedades da Bosques Naturales, SA, onde se reuniu com BB e outros seus colaboradores, tendo-lhe sido mostradas várias plantações;</font><br>
<b><font>2.8.</font></b><font> As propriedades da Bosques Naturales, SA referidas situam-se em Orepesa, a cerca de uma hora de Madrid;</font><br>
<b><font>2.9.</font></b><font> Após o encontro havido em 28 de novembro de 2003, tiveram lugar as reuniões mencionadas em 14 e 15;</font><br>
<b><font>2.10.</font></b><font> Em 21 de janeiro de 2004, realizou-se uma reunião no escritório do Autor, em que estiveram presentes, para além deste, o dr. JJ, BB e HH;</font><br>
<b><font>2.11.</font></b><font> Nesse mesmo dia, à tarde, realizou-se uma reunião na sede da 1.ª Autora, na qual estiveram presentes o Autor, BB, o dr. JJ, o Presidente do Conselho de Administração da Companhia das Lezírias, SA, dr. KK, e um outro administrador desta, dr. LL;</font><br>
<b><font>2.12.</font></b><font> O Autor contratou o dr. JJ para fazer um estudo económico-financeiro deste projecto e para acompanhar a formação da dra. MM, colaboradora do Autor para os assuntos jurídicos;</font><br>
<b><font>2.13.</font></b><font> O Autor é administrador das seguintes sociedades:</font><br>
<font>- Presidente do Conselho de Administração da G.P.D.G. – Gestão e Participações, SA, no período de 1998/2001;</font><br>
<font>- Presidente do Conselho de Administração da IMOMESTRES-Investimentos Imobiliários, SA, no quadriénio 2003-2006;</font><br>
<font>- Presidente do Conselho de Administração da Casa Agrícola Marquês da Graciosa, SA, no quadriénio de 2004/2007;</font><br>
<font>- Membro do Conselho de Administração da BENIM-Sociedade Imobiliária, SA, no quadriénio 2002-2005;</font><br>
<font>- Vogal do Conselho de Administração da BENIGESTE- Sociedade Imobiliária, SA, no quadriénio 2002/2005;</font><br>
<font>- Membro do Conselho de Administração da Companhia Imobiliária da Herdade da Aroeira, SA, nos períodos de 2002/2005 e 2006/2009;</font><br>
<font>- Vogal do Conselho de Administração da sociedade GPMG-Gestão e Participações SA, no quadriénio 2001-2005;</font><br>
<font>- Vogal do Conselho de Administração da sociedade Administrador da Casa da Graciosa – Sociedade Imobiliária, SA;</font><br>
<b><font>2.14.</font></b><font> A conduta dos Réus BB e Bosques Naturales, SA foi de tal modo convincente, regular e contínua na revelação do interesse na criação da parceria com o 2.º Autor e do primeiro Fundo Florestal Português, que criou nele a confiança de que tal projecto seria concluído;</font><br>
<b><font>2.15</font></b><font>. No relatório de contas de 2002, a Bosques Naturales, SA apresenta-se como uma empresa que transforma plantações de sequeiro e regadio em plantações agroflorestais sustentáveis, onde se produz madeira de elevada procura e valor económico; </font><br>
<b><font>2.16.</font></b><font> A Bosques Naturales, SA publicita, também, no relatório de contas de 2002, que uma das formas de comercialização dessas plantações consiste em aquela constituir com terceiros investidores, que participam com o capital, uma sociedade comercial que comprará um ou mais prédios rústicas e encomendará os projectos de desenvolvimento e os trabalhos de execução para realizar a plantação das árvores e a instalação das infra-estruturas de engenharia;</font><br>
<b><font>2.17.</font></b><font> A qualidade e o detalhe da documentação fornecida por BB, HH epela Bosques Naturales ajudaram a reforçar a confiança do Autor;</font><br>
<b><font>2.18.</font></b><font> Devido à expectativa na realização do investimento, desde 2003 que não voltou a ser plantado tabaco na Herdade X e na Herdade Y, como se fazia de há vários anos até então;</font><br>
<b><font>2.19.</font></b><font> A Herdade X, com cerca de 110 hectares, e a Herdade Y, com cerca de 420 ha, não voltaram a ser arrendadas, para a eventualidade de serem arrendadas à sociedade a constituir;</font><br>
<b><font>2.20.</font></b><font> Em 8.10.2003, o Autor e os seus irmãos afirmaram poder disponibilizar cerca de 530 hectares no perímetro de rega para fazer a plantação;</font><br>
<b><font>2.21. </font></b><font>BB manifestou, nessa reunião, o seu agrado pelas qualidades e características daqueles solos;</font><br>
<b><font>2.22. </font></b><font>Após a reunião de 21.01.2004, o Autor deu entrada no Registo Nacional de Pessoa Coletivas de um pedido de certificado de admissibilidade de firma, em 23.01.2004, o qual foi revalidado por 180 dias, em 23.07.2004, 19.01.2005 e 18.07.2005;</font><br>
<b><font>2.23.</font></b><font> Em 23 de março de 2005, o Autor diligenciou pelo registo do logotipo da Bosques Naturais e Desenho, no Instituto Nacional de Propriedade Industrial;</font><br>
<b><font>2.24.</font></b><font> O Autor dedicou tempo e disponibilidade a encontrar terras de regadio;</font><br>
<b><font>2.25.</font></b><font> O Autor despendeu de um número de horas não concretamente apurado em reuniões com a Associação de Regantes da Lezíria de Vila Franca de Xira, com o Conselho de Administração da Companhia das Lezírias, SA, com os Réus e com o seu colaborador dr. JJ;</font><br>
<b><font>2.26.</font></b><font> O Autor reuniu mais do que uma vez com o Presidente da Associação de Beneficiários da Lezíria Grande de Vila Franca de Xira e com o seu director executivo, eng. NN;</font><br>
<b><font>2.27.</font></b><font> O Autor apresentou à administração da Companhia das Lezírias, o projecto de investimento da 3.ª Ré e mostrou documentação;</font><br>
<b><font>2.28.</font></b><font> À data de propositura da ação, o Autor era portador de um relatório de contas de exercício de 2004 da Associação de Regantes e Beneficiários do Vale do Sorraia;</font><br>
<b><font>2.29.</font></b><font> O Autor era portador, aquando da propositura da ação, de um estudo do eng. Agrónomo OO, publicado pelo Instituto de Hidráulica, Engenharia Rural e Ambiente;</font><br>
<b><font>2.30.</font></b><font> Em 11 de Fevereiro de 2004, BB enviou ao Autor, que o recebeu, o email junto como documento n.º 31 à PI;</font><br>
<b><font>2.31.</font></b><font> Na 4.ª Secção da Conservatória do Registo Comercial de Lisboa foi matriculada, em 26 de agosto de 2005, sob o n.º 14.494, a sociedade “Prime Trees – Exploração e Comércio de Produtos Florestais, SA”, cujo objecto social é «produção, transformação, comercialização, exportação, compra e venda, com ou sem compromisso de recompra, por preço certo ou aleatório, e distribuição de produtos florestais, agrícolas ou pecuários, bem como de qualquer um dos seus derivados ou transformados, com um capital social de 150.000 € subscrito por um único accionista e cujo conselho de administração para o quadriénio de 2005/2008 é composto por PP, QQ, RR, BB e HH, conforme documento junto a fls. 262 a 265 e que aqui se dá por integralmente reproduzido; (art. 4.º da PI)</font><br>
<b><font>3.</font></b><font> Pelo menos em 15 de julho de 2005, o Autor tomou conhecimento de que a Bosques Naturales, SA ia fazer uma parceria com uma empresa do grupo D`Orey; (art. 32.º da Contestação).</font><br>
<b><font>4.</font></b><font> Escreveu-se no supra referido Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça que:</font><br>
<font>«Resulta também do mencionado, que o Autor suportou as despesas com a sua participação em múltiplas reuniões e encontros de negócios, deslocações a Espanha para dar andamento à negociação do projecto, na obtenção de relatórios, estudos, pedido de certificado de admissibilidade da firma e revalidações, aprovação da firma da sociedade a constituir, registo do logótipo de “Bosques Naturais e Desenho”, no Instituto Nacional de Propriedade Industrial, na procura de terras de regadio, bem como no contrato celebrado com o dr. JJ para fazer o estudo económico-financeiro deste projecto e para acompanhar a formação da nova empresa.»; (art. 5.º da PI)</font><br>
<b><font>5.</font></b><font> O prédio rústico “Herdade X” tem uma área de 109,024 ha e situa-se na freguesia e concelho de ...; (art. 19.º da PI)</font><br>
<b><font>6.</font></b><font> O prédio misto “Monte Y” tem uma área de 418,275 ha e situa-se na freguesia e concelho de ...; (art. 19.º da PI).</font><br>
<b><font>7.</font></b><font> Os dois prédios supra referidos estão ambos situados no perímetro de rega de ...;</font><br>
<b><font>8.</font></b><font> O prédio “Herdade X” é uma terra de cultura arvense, constituída por solos de classe A;</font><br>
<b><font>9.</font></b><font> O prédio “Monte Y” é uma terra de cultura arvense, constituída por solos das classes B, C, D e E, predominando a classe C;</font><br>
<b><font>10.</font></b><font> O custo de emissão do pedido de certificado de admissibilidade de firma foi de €56,00;</font><br>
<b><font>11.</font></b><font> O Autor suportou a quantia de € 77,48 com o registo do logótipo da “Bosques Naturais e Desenho”.</font><br>
<br>
<b><font>Foram considerados como não provados os seguintes factos</font></b><font>: </font><br>
<font>“1. No ano de 2003, o Autor auferiu € 99.500,00 como rendimento de trabalho dependente, e apenas como contrapartida do desempenho das funções de administrador na BENIM-Sociedade Imobiliária, SA; (art. 28.º da PI).</font><br>
<font>2. No ano de 2004, o Autor auferiu € 136.287,00 como rendimento de trabalho dependente e apenas como contrapartida do desempenho das funções de administrador na Benim-Sociedade Imobiliária, SA; (art. 29.º da PI)</font><br>
<font>3. No primeiro contacto entre o Autor e BB (07.03.2003), o primeiro despendeu cerca de 2 horas do seu tempo;</font><br>
<font>4. Na reunião de 7 de março de 2003, o Autor despendeu cerca de 9 horas;</font><br>
<font>5. Na reunião de 8 de outubro de 2003, o Autor despendeu cerca de 3 horas;</font><br>
<font>6. Nas reuniões entre o Autor e HH posteriores a 8 de outubro de 2003, o Autor despendeu cerca de 5 horas;</font><br>
<font>7. Na visita às terras e escritórios da Bosques Naturales, em Orepesa, ocorrida em 28 de novembro de 2003, o Autor despendeu cerca de 15 horas, incluindo regresso;</font><br>
<font>8. Na reunião ocorrida no dia 21.01.2004, no escritório do Autor, este despendeu cerca de 3 horas;</font><br>
<font>9. Na reunião na Companhia das Lezírias, ocorrida no dia 21 de janeiro de 2004, o Autor despendeu cerca de 3 horas;</font><br>
<font>10. Com a entrada do pedido de certificado de admissibilidade de firma, em 23.01.2004, e revalidações subsequentes, o Autor despendeu cerca de 2 horas;</font><br>
<font>11. Com as diligências com vista ao registo do logótipo da Bosques Naturais e Desenho, no Instituto Nacional de Propriedade Industrial, o Autor despendeu cerca de 3 horas;</font><br>
<font>12. O Autor despendeu cerca de 3 horas a encontrar terras de regadio;</font><br>
<font>13. O Autor despendeu cerca de 30 horas em reuniões com a Associação de Regantes da Lezíria de Vila Franca de Xira, com o Conselho de Administração da Companhia das Lezírias SA, com os Réus e com o seu colaborador dr. JJ;</font><br>
<font>14. O Autor despendeu cerca de 20 horas em reuniões com o Presidente da Associação de Beneficiários da Lezíria Grande de Vila Franca de Xira e com o seu Diretor Executivo, eng. NN;</font><br>
<font>15. O Autor despendeu cerca de 3 horas com a apresentação à Administração da Companhia das Lezírias do projecto de investimento da 3.ª Ré;</font><br>
<font>16. O Autor despendeu cerca de 5 horas com o relatório de contas de exercício de 2004 da Associação de Regantes e Beneficiários do Vale do Sorraia;</font><br>
<font>17. O Autor despendeu cerca de 5 horas com o estudo do eng. Agrónomo OO;</font><br>
<font>18. O Autor despendeu pelo menos cerca de 1 hora e 30 mn por dia nos estudos e diligências respeitantes ao projecto, e durante os dois anos que duraram as negociações e preparações do negócio de investimento;</font><br>
<font>19. Na reunião de 7 de março de 2003, na Herdade X e na Herdade Y, o Autor percorreu cerca de 700 Km, incluindo o respectivo regresso;</font><br>
<font>20. Na deslocação a Orepesa, o Autor percorreu cerca de 1200 km, incluindo o respectivo regresso;</font><br>
<font>21. Nas reuniões com o Presidente da Associação de Regantes da Lezíria de Vila Franca de Xira, o Autor percorreu cerca de 160 Km, incluindo o respectivo regresso;</font><br>
<font>22. Nas reuniões, no mínimo de 10, com o Conselho de Administração da Companhia das Lezírias, o Autor percorreu cerca de 110 km, até Samora Correia e respectivo regresso;</font><br>
<font>23. Nas restantes reuniões, o Autor percorreu cerca de 2000 Km;</font><br>
<font>24. Em despesas de expediente, o Autor gastou cerca de € 5.000,00”.</font><br>
<br>
<b><font>B) De Direito </font></b><br>
<b><font>1.</font></b><font> Duas notas preliminares a propósito da admissão do presente recurso de revista</font><br>
<b><font>1.1.</font></b><font> O incidente de liquidação, iniciado a 16 de outubro de 2013 (I Vol., fls. 54), renovou a instância declarativa originária – art. 358.º, n.º 2, </font><i><font>in fine</font></i><font>, do CPC -, começada a 24 de outubro de 2005 (I Vol. dos autos principais, fls. 1), pelo que prevalece esta última data para o efeito de se aplicar o</font><i><font> </font></i><font>regime de recursos decorrente do DL n.º 303/2007, de 24 de agosto, com as alterações entretanto introduzidas, com exceção do disposto no n.º 3 do art. 671.º do CPC – art. 7.º, n.º 1 da Lei n.º 41/2013, de 26 de junho. Este preceito consagrou a </font><b><font>dupla conforme</font></b><font> das decisões das instâncias, sem voto de vencido, como pressuposto processual negativo da admissibilidade do recurso de revista regra ou ordinário. Por outras palavras: a existência da </font><b><font>dupla conforme</font></b><font> entre as decisões das instâncias não impede a admissão do recurso de revista interposto Em caso idêntico e no mesmo sentido, </font><i><font>vide</font></i><font> Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12 de maio de 2011 (</font><b><font>João Trindade</font></b><font>), proc. n.º 2562/04.4TVLSB.L1.S1 – disponível para consulta em </font><font><a>https://www.stj.pt/wp-content/uploads/2018/01/sumarios-civel-2011.pdf</a></font><font>.. </font><br>
<b><font>1.2.</font></b><font> Contudo, na medida em que o incidente de liquidação após a contestação segue os termos subsequentes do processo comum declarativo – art. 360.º, n.º 3, do CPC -, a sentença nele proferida não se assimila a mera decisão proferida depois da decisão final – art. 644.º, n.º 2, al. b), do CPC – para o efeito de reduzir o </font><b><font>prazo da interposição do recurso</font></b><font> de 30 para 15 dias – art. 638.º, n.º 1, do CPC – e recusar o seu conhecimento com fundamento em intempestividade. Com efeito, é antes aplicável à revista o disposto no art. 677.º do CPC (que não contempla o caso concreto nas hipóteses de redução daquele prazo) Neste sentido, </font><i><font>vide</font></i><font> Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14 de dezembro de 2017 (</font><b><font>António Joaquim Piçarra</font></b><font>), proc. n.º 1520/04.3TBPBL-A.C1.S1, disponível para consulta in </font><a><u><font>http://www.dgsi.pt/</font></u></a><font>..</font><br>
<br>
<b><font>2.</font></b><font> Posto isto, passamos à análise de cada uma das questões suscitadas no recurso.</font><br>
<b><font>2.1. Devia ter sido aplicada a renda da cultura arvense de regadio</font></b><font> (ao invés de sequeiro) (conclusões I a III)?</font><br>
<font>No incidente de liquidação posterior ao </font><b><font>Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11 de julho de 2013</font></b><font> – que condenou os Réus a indemnizar os danos causados aos Autores na perspetiva da conclusão do contrato, traduzidos em despesas, gastos, força de trabalho despendidos e benefício que deixou de obter –, o Autor/Requerente interpôs </font><b><font>recurso de apelação</font></b><font> da sentença e pediu a alteração da redação do facto provado sob o n.º 8 para “O prédio Herdade X é uma terra de cultura arvense </font><u><font>de regadio</font></u><font>, constituída por solos de classe A” e do facto provado sob o n.º 9 para “</font><i><font>O prédio “Monte Y” é uma terra de cultura arvense </font></i><u><font>de regadio</font></u><i><font> constituída por solos de classe B, C, D e E, predominando a classe C”. </font></i><font>O</font><i><font> </font></i><b><font>acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa</font></b><font> (acórdão recorrido) negou, porém, esses pedidos, mantendo incólume a redação originária dos pontos da matéria de facto provada – III Vol., fls. 515 a 535.</font><br>
<font>O Supremo Tribunal de Justiça é, organicamente, um tribunal de revista, vocacionado para o conhecimento primacial de questões de direito e residual de questões de facto, estas circunscritas aos casos especiais tipificados na lei – art. 674.º, n.º 4, do CPC – que o Autor/Recorrente não afirma ocorrerem </font><i><font>in casu</font></i><font>.</font><br>
<font>Por conseguinte, a renovação, no recurso de revista, da questão da aplicação à indemnização correspondente às rendas que o Autor/Recorrente deixou de auferir dos valores legais máximos para o arrendamento rural de terrenos onde se praticam culturas arvenses de regadio, terá de se resolver à luz do acervo factual definitivamente fixado pelas Instâncias e que, na parte relevante, queda resumido ao seguinte: </font><br>
<font>(</font><b><font>i</font></b><font>) desde 2003 que </font><i><font>a Herdade X e a Herdade Y não voltaram a ser arrendadas</font></i><font>, </font><i><font>para a eventualidade de serem arrendadas à sociedade a constituir</font></i><font> (facto provado sob o n.º 2.19); </font><br>
<font>(</font><b><font>ii</font></b><font>) os dois prédios estão situados no perímetro de rega de ... (facto provado sob o n.º 7.); </font><br>
<font>(</font><b><font>iii</font></b><font>) </font><i><font>o prédio “Herdade X” é uma terra de cultura arvense, constituída por solos de classe A</font></i><font> (facto provado sob o n.º 8.); e,</font><br>
<font>(</font><b><font>iv</font></b><font>) </font><i><font>o prédio “Monte Y” é uma terra de cultura arvense constituída por solos de classe B, C, D e E, predominando a classe C</font></i><font> (facto provado sob o n.º 9.). </font><br>
<font>Em 2003, vigorava a portaria n.º 186/2002, de 4 de março, que, dando concretização ao disposto no art. 9.º do D.L. n.º 385/88, de 25 de outubro (Lei do Arrendamento Rural), estabelecia os valores das rendas máximas nacionais admissíveis, variáveis em função, entre outros aspetos não relevantes, da classificação dicotómica entre </font><i><font>culturas arvenses</font></i><font> (i) </font><i><font>de regadio</font></i><font> ou (ii) </font><i><font>de sequeiro</font></i><font>, consentindo as primeiras valores superiores aos permitidos pelas segundas.</font><br>
<font>O argumento utilizado pelo Autor/Recorrente de que, por as herdades se encontrarem no perímetro de rega de ..., a classificação do solo devia ser necessariamente de </font><i><font>cultura arvense de regadio</font></i><font> não procede, porque o art. 9.º, n.º 1, da Lei do Arrendamento Rural, justificava a fixação por portaria de tabelas de rendas máximas nacionais, com base nos géneros agrícolas predominantes em cada região, na evolução dos seus preços correntes, na diferente natureza dos solos, nas formas do seu aproveitamento e quaisquer outros fatores atendíveis, reconhecendo-se, consequentemente, razão ao acórdão recorrido, segundo o qual:</font><br>
<font>“Impunha-se que o Autor alegasse factos que, submetidos a julgamento e provados, alicerçassem, sem margem para dúvidas, a conclusão de que estamos, de acordo com o critério da </font><u><font>predominância</font></u><font>, perante terreno de regadio, não nos parecendo que seja suficiente a demonstração de que os prédios em apreço se achem no perímetro de Rega de ..., pois no mesmo prédio, ainda que situado num perímetro de rega, podem subsistir vários tipos de cultura, nem, pelas mesmas razões, que nos prédios se plantava tabaco, importando, para além de referência a esta ou àquela cultura, a demonstração da predominância, que se revele capaz de conduzir à categórica caracterização como de regadio”. </font><br>
<font>Com efeito, pretendendo o Autor/Recorrente prevalecer-se dos valores das rendas permitidas em “culturas arvenses de regadio”, competia-lhe o ónus de alegar e provar as culturas predominantes que vinham sendo feitas nos prédios em apreço, assim como a necessidade e instalação efetiva de sistemas de rega, factualidade necessária ao preenchimento daquela realidade normativa – art. 342.º, n.º 1, do CC. Todavia, o Autor/Recorrente não cumpriu esse ónus, tendo procurado colmatar essa omissão com a infrutífera impugnação e ampliação da matéria de facto no recurso de apelação.</font><br>
<font>O “uso efetivo predominante” dos prédios tem sido assumido como critério aferidor da referida classificação Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11 de outubro de 1979 (</font><b><font>João Moura</font></b><font>), in BMJ n.º 290, p.395; Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24 de maio de 2011 (</font><b><font>Lopes do Rego</font></b><font>) – disponível para consulta em </font><a><u><font>www.dgis.pt</font></u></a><font>; Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17 de dezembro de 2015 (</font><b><font>Tomé Gomes</font></b><font>) – dis | [0 0 0 ... 0 1 1] |
zjFju4YBgYBz1XKv0P91 | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><font> </font><div><br>
<b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça,</font></b></div><br>
<br>
<font> </font><br>
<p><b><font>I - Relatório</font></b><br>
</p><p>
</p><p><b><font>1. AA</font></b><font> intentou procedimento especial de despejo, junto do BNA, contra </font><b><font>Restaurante Estrela Tercena, Lda.</font></b><font>, com sede em Barcarena, pedindo o despejo da Requerida, com base na cessação do arrendamento, por oposição à renovação do contrato de arrendamento, pelo senhorio. Pediu também o pagamento das rendas vencidas, e não pagas, em dobro, no montante de €3.900,00, correspondendo ao produto de €650,00 x 2 x 3.</font>
</p><p><b><font>2. </font></b><font>Alega, para o efeito, que:</font>
</p><p><font>“</font><i><font>O requerente é proprietário ….. do prédio sito em Av. ..., ..., tendo adquirido o mesmo por compra em 28/09/1987, conforme certidão do Registo Predial, que se junta como Doc. 1.</font></i>
</p><p><i><font>Essa mesma fracção autónoma havia sido objecto de um contrato de arrendamento comercial datado de 01/08/1972, cuja cópia se junta como Doc. 2.</font></i>
</p><p><i><font>A requerida, por sua vez, é arrendatária desse mesmo andar, desde 29/06/1989, altura em que adquiriu essa posição jurídica por trespasse de substabelecimento, conforme contrato promessa e comunicação posterior de trespasse ao senhorio, cujas cópias se juntam como Docs. 3 e 4. </font></i>
</p><p><i><font>Em 30/04/2013 o senhorio, aqui requerente, efectuou a comunicação prevista sob o art.º 50º do NRAU, na versão vigente à data - Lei nº 31/2012, de 14 de Agosto - no sentido de fazer transitar o contrato de arrendamento para o regime do NRAU, actualizando a renda para 650,00€ mensais e estipulando um termo de vigência contratual de 5 anos, conforme cópia de missiva e comprovativos de envio e de recepção, que se juntam como Doc. 5-7.</font></i>
</p><p><i><font>Em 29/05/2013 veio a requerida responder à citada comunicação, através de mandatário, tendo mostrado discordância do valor proposto para a nova renda devida e invocando a condição de microentidade mas tendo-o feito sem juntar qualquer documento comprovativo dessa mesma condição, conforme exigido pelo disposto no art.º 51º, nº 6 do RNAU, na versão então em vigor, conforme Doc. 8 que também se junta.</font></i>
</p><p><i><font>A requerida não propôs, naquela comunicação, qualquer valor alternativo ao da renda proposta para o locado e, bem assim, não se opôs à passagem do contrato de arrendamento para o regime do NRAU, tendo o mesmo, por essa razão, transitado para esse mesmo regime legal, previsto sob a Lei nº 31/2012, de 14 de Agosto.</font></i>
</p><p><i><font>Isso mesmo foi dito, à requerida, em comunicação expedida pelo aqui requerente em 5 de Junho de 2013, conforme cópia de carta e comprovativos de envio e recepção que se juntam como Docs. 9 a 11.</font></i>
</p><p><i><font>Assim, a requerida passou a pagar a renda actualizada, de 650,00 € mensais (o que fez até Junho de 2018).</font></i>
</p><p><i><font>Em 14/07/2017, respeitando a antecedência legal exigida, o requerente manifestou a sua intenção de não proceder à renovação do contrato de arrendamento, fazendo-o cessar no fim do termo do prazo de vigência fixado na 1ª comunicação (Doc. 5), o que viria a suceder na data de 30 de Junho de 2018, conforme carta e comprovativos de envio e de recepção que se juntam como Docs. 12 a 14. Em alternativa, propôs o requerente, a celebração de novo contrato de arrendamento, a prazo certo, com uma renda mensal de 850,00 €.</font></i>
</p><p><i><font>A esta comunicação não ofereceu a requerida qualquer resposta.</font></i>
</p><p><i><font>Em 11/06/2018 foi enviada nova comunicação à requerida - conforme Docs. 15 a 17, que se juntam -, solicitando que fosse por esta indicado se aceitava o novo contrato de arrendamento nos moldes propostos ou, caso contrário, se entregava o imóvel livre de pessoas e bens no dia 30 de Junho. </font></i>
</p><p><i><font>Posteriormente foram encetadas algumas negociações, entre mandatários do requerente da requerida, mas que não culminaram em qualquer acordo.</font></i>
</p><p><i><font>A requerida não assinou novo contrato de arrendamento e também não entregou as chaves do imóvel, livre de pessoas e bens, na data de 30/06/2018, mantendo-se, à data da entrada do presente requerimento, em mora (desde dia 01/07/2018) e a ocupar o mesmo sem ter título ou legitimidade para tal, dado o contrato de arrendamento ter caducado em 30/06/2018.</font></i>
</p><p><i><font>Pelo que, a requerida deve, ao requerente, o montante correspondente ao dobro do valor mensal da renda estipulada no contrato de arrendamento, pelo período em que decorreu (e decorre) a ocupação indevida do imóvel, nos termos do disposto no art.º 1045º, nº 2 do Código Civil, ou seja, à presente data, 3 meses.</font></i>
</p><p><i><font>Assim, sendo o valor mensal da renda devida, durante a vigência do contrato de arrendamento, 650,00 €, a requerida deve, na presente data, ao requerente, o montante total de 3.900,00 €, sem prejuízo das restantes prestações que entretanto se venham a vencer até entrega efectiva das chaves do imóvel, livre de pessoas e bens, nos termos do citado preceito do Código Civil.</font></i><font>”</font>
</p><p><b><font>3. </font></b><font>Notificada, a Requerida, deduziu oposição em sede do PED, invocando:</font>
</p><p><font>- a exceção da ineficácia da comunicação respeitante à transição para o novo regime do arrendamento urbano – NRAU -, por ausência de junção de cópia da caderneta predial, como o impõe o art. 50.º, al. c), do NRAU;</font>
</p><p><font>- a impugnação dos factos, alegando que respondeu à carta do senhorio, a 29 de maio de 2013, opondo-se ao valor da renda, tipo e duração do contrato e mencionando tratar-se de uma microempresa, nos termos do art. 51.º, n.º 4, al. a), do NRAU (na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 31/2012, de 14 de agosto;</font>
</p><p><font>– que a 5 de junho de 2013, o Requerente veio responder conforme Doc. 9 a 11 do requerimento inicial, expondo que pelo facto de a Requerida não ter juntado prova da sua qualidade de microempresa, o valor da renda se considerava aceite, bem como o tipo e a duração do contrato;</font>
</p><p><font>- que, a 20 de junho de 2013, a Requerida interpelou o Requerente no sentido de manifestar novamente a sua discordância do valor da renda proposto e da duração do contrato, invocando, mais uma vez, a sua qualidade de microempresa, nos termos do art. 51.º, n.º 4, al. a), do NRAU. Juntou e enviou, nesse momento, prova do alegado. Fez também uma contraproposta de renda no montante de €350;</font>
</p><p><font>– que o Requerente não lhe respondeu dentro do prazo de 30 dias que a lei lhe concede, nos termos do art. 33.º, n.º 1, </font><i><font>ex vi</font></i><font> do art. 52.º do NRAU, tendo antes solicitado, a 10 de outubro de 2013 o pagamento do valor de €650 por ele inicialmente proposto – cf. Doc. 3 que juntou;</font>
</p><p><font>– que a Requerida, embora nunca o haja aceitado, pagou mensalmente, de forma pontual, o montante unilateralmente fixado contra a sua vontade;</font>
</p><p><font>– que, a 17 de julho de 2017, o Requerente enviou uma missiva no sentido da oposição à renovação do contrato de arrendamento ou , alternativamente, a celebração de um novo contrato de arrendamento, cujo valor mensal da renda seria de €850;</font>
</p><p><font>- que, a 11 de junho de 2018, o Requerente enviou nova missiva à Requerida procurando saber a sua posição sobre a proposta – cf. Docs. 15 a 17 do requerimento inicial. No caso de a Requerida não aceitar a proposta, teria de deixar o locado até ao 30 de junho de 2018;</font>
</p><p><font>– que, a 9 de julho de 2018, a Requerida, através da sua Mandatária, respondeu ao Requerente, chamando a atenção não só para a ineficácia da primeira comunicação do Requerente, mas também para a aceitação tácita pelo Requerente do montante mensal de €350 proposto pela Requerida. Pois que, como o Requerente não respondeu à missiva da Requerida de 20 de junho de 2012 dentro do prazo legalmente estabelecido (30 dias), aceitou a invocação da qualidade de microempresa da Requerida assim como o valor da renda por si proposto;</font>
</p><p><font>– que só respondeu a 10 de outubro de 2013, a peticionar os montantes em atraso; de acordo com o art. 27.º da Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro, os contratos de arrendamento para fins não habitacionais celebrados antes da entrada em vigor do DL n.º 257/95, de 30 de setembro, estão sujeitos ao regime transitório legalmente previsto, onde se enquadra o presente contrato;</font>
</p><p><font>- que a Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro, concede, no art. 51.º, n.º 1, o direito de resposta, dentro de 30 dias subsequentes à receção da comunicação pelo senhorio ao arrendatário;</font>
</p><p><font>- que a Requerida observou o prazo legalmente estabelecido para o envio de missiva, em resposta, a 29 de maio de 2013; apesar de a oposição da Requerida não ser acompanhada da contraproposta de novo valor da renda, tal não significa a sua aceitação; a oposição do arrendatário ao valor proposto pelo senhorio não acompanhada de contraproposta de novo valor de renda vale como contraproposta de manutenção do valor da renda - €350 - em vigor à data da comunicação do senhorio, nos termos dos art. 51.º, n.º 3, al. b), 33.º, n.º 2 </font><i><font>ex vi</font></i><font> do art. 52.º do NRAU.</font>
</p><p><font>- que também na mesma comunicação invocou a circunstância prevista no n.º 4, al. a), do art. 51.º, que no locado existe um estabelecimento comercial aberto ao público e que é uma microempresa; fez acompanhar a sua resposta de documento comprovativo da mesma, nos termos do n.º 5 do art. 51.º do NRAU.</font>
</p><p><font>- que a Requerida é uma microempresa; que se encontram reunidos, conforme se encontravam à época, os requisitos previstos no art. 51.º, nº 5, do NRAU – pelo que o contrato apenas se deverá considerar sujeito ao NRAU findos os 10 anos estabelecidos por lei, a contar da iniciativa do Requerente;</font>
</p><p><font>- que o facto de a Requerida, aquando da sua resposta de 29 de maio de 2013, e apesar da invocação da circunstância supramencionada, não ter juntado à comunicação os documentos que comprovavam a sua situação de microempresa, não significa, que o contrato de arrendamento não habitacional fique, sem mais, imediatamente sujeito ao NRAU; tanto mais que, aquando da comunicação subsequente de 20 de junho de 2013, a Requerida juntou os respetivos documentos – cf. Doc. 2 e 7;</font>
</p><p><font>- que sobre esta matéria foi proferido recentemente pelo Tribunal Constitucional um acórdão que decidiu “</font><i><font>julgar inconstitucional da norma extraída dos artigos 30º, 31º e 32º do Novo Regime do Arrendamento Urbano, aprovado pela Lei nº 6/2006, de 27 de fevereiro, na redacção dada pela Lei nº 31/12, de 14 de agosto, segundo a qual os inquilinos que não enviem os documentos comprovativos dos regimes de excepção que invoquem (seja quanto aos rendimentos, seja quanto à idade ou grau de deficiência) ficam automaticamente impedidos de beneficiar das referidas circunstâncias mesmo que não tenham sido previamente alertados pelos senhorios para a necessidade de juntar os referidos documentos e das consequências da não junção, por violação do princípio da proporcionalidade, ínsito no princípio do Estado de Direito democrático, consagrado no artigo 2º da Constituição.</font></i><font>” (Proc. nº. 2764/16.0, Relator Cristina Coelho, datado de 23-05-2017, disponível em www.dgsi.pt.)</font>
</p><p><font>- que, se assim foi decidido para o arrendamento habitacional, por maioria de razão, o mesmo raciocínio deverá ser utilizado também para o arrendamento não habitacional;</font>
</p><p><font>– que a cominação para a falta da remessa tempestiva dos documentos comprovativos de tal circunstância implica a aceitação, quer da renda, quer, sobretudo, do tipo e duração do contrato proposto (n.</font><sup><font>os</font></sup><font> 6 e 7 do art. 31.º </font><i><font>ex vi</font></i><font> do n.º 7 do art. 51.º do NRAU), é manifestamente gravosa, excessiva, desproporcional e prejudicial a Requerida, padecendo de inconstitucionalidade, por violação dos princípios da proporcionalidade, da segurança jurídica e da proteção da confiança dos cidadãos, concretizadores do Estado de Direito democrático;</font>
</p><p><font>- que as normas da Lei n.º 31/2012, de 14 de agosto, plasmadas nos arts. 54.º, n.</font><sup><font>os</font></sup><font> 1 e 5, 31.º, n.</font><sup><font>os</font></sup><font> 6 e 7, </font><i><font>ex vi</font></i><font> do art. 51.º, n.º 7, do NRAU, violam frontalmente direitos e princípios constitucionalmente protegidos, nomeadamente o princípio da igualdade perante a Lei, estatuído no n.º 1 do art. 13.º da Constituição da República Portuguesa;</font>
</p><p><font>- que é intoleravelmente desequilibrada a solução legal de valorizar o silêncio do arrendatário, atribuindo-lhe o valor de aceitação, por corresponder a solução manifestamente prejudicial;</font>
</p><p><font>- que violam, ainda, os princípios da confiança legítima e da proporcionalidade, próprios do Estado de Direito, acolhidos nos arts. 2.º e 18.º, n.º 2, da CRP; </font>
</p><p><font>- que, por conseguinte, deverá ser declarada a inconstitucionalidade das normas contidas nos arts. 54.º, n.</font><sup><font>os</font></sup><font>º 1 e 5, art. 31.º, n.</font><sup><font>os</font></sup><font> 6 e7, </font><i><font>ex vi</font></i><font> do art. 51.º, n.º 7, do NRAU, quando interpretadas no sentido acolhido de que a falta de resposta do arrendatário, no prazo legal, à iniciativa de transição para o NRAU, faz precludir o direito de esta se fazer valer da circunstância de ser uma microempresa, quanto tal circunstância venha a ser, efetivamente, por este demonstrada;</font>
</p><p><font>- que na sua missiva de 20 de junho de 2013, a Requerida contrapropôs o montante de €350 como valor para a nova renda. – cf. Doc. 4.</font>
</p><p><font>- que o Requerente nunca respondeu à referida missiva, muito menos dentro do prazo de 30 dias que a Lei lhe confere;</font>
</p><p><font>- que a falta de resposta do Requerente, no prazo de 30 dias contados da receção da contraproposta do valor da renda apresentada pela Requerida, vale como aceitação desse valor, bem como da duração do contrato;</font>
</p><p><font>- que, assim, o Requerente aceitou a circunstância alegada, e provada, pela Requerida. Ou seja, de acordo com o coeficiente publicado em Aviso no Diário da República até 30 de outubro de cada ano. Pelo que o contrato de arrendamento não habitacional ficou, desse modo, sujeito ao regime transitório previsto nos arts. 50.º e ss. do NRAU, nos termos do art. 6.º;</font>
</p><p><font>- nestes moldes, o prazo continua a contar, pelo que, o período de transição do contrato não habitacional decorrerá a 28 de maio de 2023; </font>
</p><p><font>- que, mesmo que se tenha como marco a segunda missiva enviada à Requerida, o período de transição decorrerá a 19 de junho de 2023;</font>
</p><p><font>- que, ao invés do prazo previsto de 25 de junho de 2018, foi agora o prazo alargado para 25 de junho de 2023. Apesar da entrada em vigor do NRAU, o contrato continuou a estar sujeito ao regime dos contratos de duração indeterminada, tal como resulta do art. 26.º, n.º 4, </font><i><font>ex vi</font></i><font> do art. 28.º, n.º 2, do mesmo corpo de normas, assim como do Regime do Arrendamento Urbano, previsto no DL n.º 321/90, de 10 de outubro. Consequentemente, o contrato em apreço está sujeito ao principio da renovação obrigatória, conforme os arts. 5.º, n.º 1, e 68.º, do RAU;</font>
</p><p><font>- que o Regime do Arrendamento Urbano, nos arts. 68.º, n.º 2, e 69.º, manteve o tipo vinculístico previsto para os arrendamentos urbanos anteriores ao seu início de vigência e que perduravam aquando da sua entrada em vigor;</font>
</p><p><font>- que, deste modo, os contratos anteriores a 15 de outubro de 1990 passaram a ser submetidos ao regime dos contratos de duração indeterminada, pelo que o respetivo modo de cessação, por parte dos senhorios, é a denúncia fundamentada e não a oposição à renovação;</font>
</p><p><font>- que a denúncia terá sempre que ser motivada, de acordo com o art. 1101.º, als. a) e b), do CC, já que se impede, nos contratos anteriores a outubro de 1995 e cuja transição ainda não operou, o recurso à al. c) do mesmo preceito, conforme o art. 28.º, n.º 2, do NRAU;</font>
</p><p><font>- que, nestes termos, admitir que o senhorio possa opor-se à renovação é absolutamente destituído de fundamento legal;</font>
</p><p><font>- que, na sua missiva de 20 de junho de 2013, a Reconvinte contrapropôs o montante de €350 como valor para a nova renda, nos termos do art. 51.º, n.º 3, al. b), do NRAU – cf. Doc. 4;</font>
</p><p><font>- que o Reconvindo nunca respondeu à referida missiva no prazo legalmente previsto de 30 dias, conforme o art. 33.º, n.º 1, </font><i><font>ex vi</font></i><font> do art. 52.º do NRAU;</font>
</p><p><font>- que a falta de resposta do Reconvindo, no prazo de 30 dias contados da receção da contraproposta do valor da renda apresentada pela Reconvinte, vale como aceitação desse valor, bem como da duração do contrato, nos termos do art. 33.º, n.º 3, </font><i><font>ex vi</font></i><font> do art. 52º do NRAU.</font>
</p><p><font>- assim, o Reconvindo aceitou o valor proposto pela Reconvinda, no montante de €350;</font>
</p><p><font>-que, posteriormente, e findo aquele prazo, a 10 de outubro de 2013, veio solicitar o pagamento do valor por ele inicialmente proposto, ou seja, €650. – cf. Doc. 2;</font>
</p><p><font>- que a Reconvinte nunca aceitou mas pagou, mensalmente, de forma pontual, o montante unilateralmente fixado contra a sua vontade, única e exclusivamente movida pelo receio de que, a qualquer momento, o Reconvindo viesse, como no presente caso, mover-lhe uma ação de despejo, pelo não pagamento de rendas;</font>
</p><p><font>– que, a Reconvinte pagou, desde 8 de setembro de 2013 até ao presente, o montante de €487,70/mês, a título de rendas, conforme documentos anexados;</font>
</p><p><font>- que ao Reconvindo foi pago, e por este recebido, a título indevido, e sem fundamento, o montante de €137,50 mensalmente liquidado, acrescido ao montante que, efetivamente, ficou acordado entre as partes, ou seja, os €350/mês; </font>
</p><p><font>- que a Reconvinte pagou, até à presente data, durante 67 meses, o montante mensal indevido de €137,50, o que perfaz o valor global de €9.212,50, até à presente data, que o Reconvindo aceitou indevidamente e sem qualquer fundamento.</font>
</p><p><b><font>4. </font></b><font>O Autor respondeu à exceção e ao pedido reconvencional, nos seguintes termos:</font>
</p><p><font>- o Autor respondeu nos termos da carta que constitui Doc. 9 junto à p.i. Nesta carta, fez notar a circunstância de a Ré não ter feito prova da sua qualidade de microentidade, o que, nos termos das normas legais aplicáveis e ali indicadas, implica não poder beneficiar de tal regime;</font>
</p><p><font>- a esta comunicação veio a Ré a responder, por carta de 20 de Junho de 2013, novamente através de mandatário, cuja cópia foi junta à oposição como Doc. 2, a qual, por não ter a menor relevância jurídica, não foi considerada pelo Autor;</font>
</p><p><font>- persistindo a Ré em não pagar o valor atualizado da renda, vencida entre agosto de 2013 e outubro de 2013, o Autor remeteu-lhe a carta junta à oposição como Doc. 3;</font>
</p><p><font>- desde essa data até uunho de 2018, a Ré sempre pagou o valor da renda atualizado nos termos da carta que constitui Doc. 5 junto à p.i.;</font>
</p><p><font>- sob o art. 51.º da sua oposição, a Ré refere-se a uma carta datada de 29 de maio de 2013 e remete para o Doc. 1 por si junto. O Doc. 1 junto à oposição é uma certidão comercial e, da análise dos documentos juntos à oposição, não se vislumbra a junção de qualquer carta datada de 29 de maio de 2013;</font>
</p><p><font>- deduz-se que Ré pretende referir-se à carta junta à p.i. como Doc. 8, atenta a data do documento indicada no referido art. 51.º; </font>
</p><p><font>- o Autor anexou à carta cuja cópia constitui Doc. 5 junto à p.i. a caderneta predial urbana do imóvel;</font>
</p><p><font>- sendo verdade que o Autor não juntou à sua p.i. a cópia da referida caderneta predial, como a Ré refere sob os arts. 8.º e 10.º da sua oposição, daí não resulta que o Autor não a tenha juntado à carta enviada à Ré, nem tão pouco que a mesma “não exista”, outrossim, foi entendido pelo Autor que tal junção não se justificava;</font>
</p><p><font>- face ao ora alegado pela Ré, junta-se ao presente articulado, como Doc. 1, cópia da caderneta enviada à Ré, da leitura da qual resulta que a mesma foi emitida a dia 29 de abril de 2013;</font>
</p><p><font>- a comunicação efetuada pelo Autor à Ré, da oposição à renovação do contrato de arrendamento, ocorreu mais de um ano antes. Concretamente, foi efetuada por carta datada de 17 de julho de 2017, expedida a 14 de Julho de 2017, tendo sido rececionada pela Ré, conforme aviso de receção junto à p.i. como Doc. 14;</font>
</p><p><font>- em 20 de junho de 2013, data da carta invocada pela Ré, o valor da renda mensal já se encontrava fixado em 650,00 €, por força da comunicação efetuada pelo Autor à Ré, com data de 30 de abril de 2013, à qual a Ré não deduziu oposição válida;</font>
</p><p><font>- a Ré pagou durante 5 anos o valor da renda atualizado e, apenas em junho de 2018, quando confrontada com a entrega do locado, por se ter verificado a caducidade do contrato de arrendamento, é que se “lembra” que, afinal, o valor da renda devido não é o que pagou.</font>
</p><p><b><font>5. </font></b><font>Foi admitido o pedido reconvencional, fixado o valor da ação e designada data para a inquirição das testemunhas arroladas pelas partes, em sede de audiência de julgamento, a qual se realizou, com observância do legal formalismo, conforme da respetiva ata consta, com gravação em suporte digital dos depoimentos, de parte e testemunhas, prestados em sede de julgamento.</font>
</p><p><b><font>6. </font></b><font>A 15 de outubro de 2015, o Tribunal de 1.ª Instância decidiu o seguinte:</font>
</p><p><i><font>“Pelo supra exposto, decide-se, julgando a presente acção parcialmente procedente, porque provada:</font></i>
</p><p><i><font>a) Declarar a caducidade, operada a 30.6.2018, do contrato de arrendamento, celebrado entre as partes, transitado para o regime do NRAU, com início a 1.7.2013;</font></i>
</p><p><i><font>b) Condenar a Ré a despejar o locado livre de pessoas e bens, ao Autor, c) Condenar a Ré ao pagamento da indemnização devida pela ocupação do locado, na quantia de €1.950,00, quanto aos meses de Julho, Agosto e Setembro de 2018, e no valor mensal de €1.300,00, desde Outubro de 2018 e até à data da efectiva entrega do locado ao Autor, livre de pessoas e bens, no demais improcedendo o peticionado,</font></i>
</p><p><i><font>d) Julgar improcedente, por não provado, o pedido reconvencional;</font></i>
</p><p><i><font>e) Julgar improcedente, por não provado, o pedido de condenação da Ré, como litigante de má-fé.</font></i>
</p><p><i><font>Custas pela Ré e Autor, na proporção do decaimento, verificando-se quanto ao Autor decaimento na quantia de €1.950,00.</font></i>
</p><p><i><font>Registe e notifique</font></i><font>”.</font>
</p><p><b><font>7. </font></b><font>Não conformada, a Ré interpôs recurso de apelação.</font>
</p><p><b><font>8. </font></b><font>Por acórdão de 9 de julho de 2020, o Tribunal da Relação ….... decidiu o seguinte:</font>
</p><p><font>“</font><i><font>a) – conceder provimento ao recurso de apelação, revogando a sentença recorrida e julgar improcedente a acção;</font></i>
</p><p><i><font>b) – condenar o recorrido nas custas em ambas as instâncias.</font></i><font>”</font>
</p><p><b><font>9. </font></b><font>O Autor </font><b><font>AA</font></b><font>, não se conformando com a decisão, interpôs recurso de revista do acórdão do Tribunal da Relação ……, apresentando as seguintes </font><b><font>Conclusões</font></b><font>:</font>
</p><p><font>“</font><i><font>I - Em 30/04/2013 o recorrente, efectuou a comunicação à recorrida, pela mesma recebida a 02/05/2013, prevista sob o artº 50º do NRAU, no sentido de fazer transitar o contrato de arrendamento para o regime do NRAU, actualizando a renda para o valor de 650,00 € mensais e estipulando um termo de vigência contratual de 5 anos.</font></i>
</p><p><i><font>II - Em 29/05/2013 a recorrida respondeu à citada comunicação, através de mandatário, tendo mostrado discordância do valor proposto para a nova renda devida e invocado a condição de microentidade, mas tendo-o feito sem juntar qualquer documento</font></i>
</p><p><i><font>comprovativo dessa mesma condição.</font></i>
</p><p><i><font>III - Em comunicação expedida pelo recorrente à recorrida em 5 de Junho de 2013, e com base na ausência de comprovação da qualidade de micro empresa, o recorrente declarou que o contrato transitou para o regime legal previsto sob a Lei nº 31/2012, de 14 de Agosto, sendo o arrendamento pelo prazo de cinco anos e mediante o pagamento da renda de 650,00 €, a iniciar o pagamento em01/07/2013.</font></i>
</p><p><i><font>IV - “1 - O prazo para a resposta do arrendatário é de 30 dias a contar da receção da comunicação prevista no artigo anterior.”</font></i>
</p><p><i><font>Ora, </font></i>
</p><p><i><font>V - Ficou provado nos autos que a recorrida não apresentou a sua resposta acompanhada de documento que comprovasse a sua alegada condição de micro entidade.</font></i>
</p><p><i><font>Pelo que,</font></i>
</p><p><i><font>VI - A consequência é clara e resulta expressamente da Lei:</font></i>
</p><p><i><font>“6 - O arrendatário que invoque uma das circunstâncias previstas no n.º 4 faz acompanhar a sua resposta de documento comprovativo da mesma, sob pena de não poder prevalecer-se da referida circunstância.”</font></i>
</p><p><i><font>VII – Nos presentes autos estão em causa factos ocorridos em Abril e Maio de 2013, pelo que nos mesmos não pode ser invocada jurisprudência fixada pelo Tribunal Constitucional, de 14 de Junho de 2016, sob pena de ser posta em causa a segurança jurídica.</font></i>
</p><p><i><font>VIII - Analogicamente invoca-se aqui o disposto sob o artº 12º, nº 1 do Código Civil, “ A lei só dispõe para o futuro; ainda que lhe seja atribuída eficácia retroactiva, presume-se que ficam ressalvados os efeitos já produzidos pelos factos que a lei se destina regular.”</font></i>
</p><p><i><font>Acresce que,</font></i>
</p><p><i><font>IX - A recorrida aceitou o valor da renda proposto pelo recorrente através da carta de 30 de Abril de 2013, de 650,00 € mensais, tendo pago tal valor de renda a partir de Julho de 2013, tendo efectuado tal pagamento até 5 de Fevereiro 2019.</font></i>
</p><p><i><font>Donde,</font></i>
</p><p><i><font>X – Por força do disposto sob o nº 6, do artº 31º do NRAU, na redacção em vigor à data dos factos, tendo a recorrida aceite o valor da renda proposto - facto que decorre claramente da circunstância de o ter pago! - o contrato sempre ficaria submetido ao NRAU a partir do 1.º dia do 2.º mês seguinte ao da recepção da resposta. </font></i>
</p><p><i><font>Acresce ainda que,</font></i>
</p><p><i><font>XI - Quando a recorrida recebeu a comunicação do recorrente de oposição à renovação do contrato de arrendamento, de 17/07/2017, não ofereceu à mesma qualquer resposta, de onde decorre, com manifesta certeza, que a recorrente tinha plena consciência de que o contrato havia transitado para o regime do NRAU e, por isso, iria efectivamente caducar com aquela oposição à renovação.</font></i>
</p><p><i><font>Donde,</font></i>
</p><p><i><font>XII - O contrato de arrendamento em causa nos autos, que transitou para o regime do NRAU em 1 de Julho de 2013, caducou em 30 de Junho de 2018.</font></i>
</p><p><i><font>XIII - A recorrida tem que entregar o locado livre de pessoas e bens, ao recorrente.</font></i>
</p><p><i><font>XIV - A recorrida tem que pagar à recorrente indemnização no valor de 1 950,00 €, referente aos meses de Julho a Setembro de 2018, e a partir de Outubro de 2018 e até entrega do locado ao recorrente, a quantia mensal de 1 300,00 €.</font></i>
</p><p><i><font>Donde,</font></i>
</p><p><i><font>XV – O douto acórdão recorrendo viola o disposto, nomeadamente, nos artºs 50º, 51º e 54º todos do NRAU e artºs 12º, nº 1 e 297º, nº 2, ambos do Código Civil.</font></i>
</p><p><i><font>Termos em que, o presente recurso deve ser julgado procedente e provado, sendo, consequentemente, o douto acórdão recorrendo revogado in totum, confirmando-se, outrossim, a douta sentença proferida em 1ª Instância, nos seus exactos termos, por assim ser de Justiça!</font></i><font>”</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font>10. </font></b><font>A Ré/Recorrida não apresentou contra-alegações.</font><br>
</p><p><b><font>II – Questões a decidir</font></b><br>
</p><p><font>Atendendo às conclusões do recurso que, segundo os arts. 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, do CPC, delimitam o seu objeto, e não podendo o Supremo Tribunal de Justiça conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser em situações excecionais de conhecimento oficioso, está em causa a questão da caducidade do contrato de arrendamento dos autos.</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><b><font>III – Fundamentação</font></b>
</p><p><b><font>A) De Facto</font></b><br>
</p><p><font>Foram dados como provados os seguintes factos:</font><br>
</p><p><font>“</font><i><font>1. O requerente é proprietário ...... do prédio sito em Av. ..., ..., tendo adquirido o mesmo por compra em 28/09/1987, conforme certidão do Registo Predial junta aos autos.</font></i><br>
</p><p><i><font>2. Essa mesma fracção autónoma havia sido objecto de um contrato de arrendamento comercial datado de 01/08/1972.</font></i><br>
</p><p><i><font>3. A requerida, por sua vez, é arrendatária desse mesmo andar, desde 29/06/1989, altura em que adquiriu essa posição jurídica por trespasse de (sub)estabelecimento.</font></i><br>
</p><p><i><font>4. A requerida, no ano de 2013, e até Junho de 2013, pagava a renda de €154,02.</font></i><br>
</p><p><i><font>5. Em 30/04/2013 o senhorio, aqui requerente, efectuou a comunicação à Ré, pela mesma recebida a 2.5.2013, prevista sob o art.º 50º do NRAU, no sentido de fazer transitar o contrato de arrendamento para o regime do NRAU, actualizando a renda para 650,00€ mensais e estipulando um termo de vigência contratual de 5 anos.</font></i><br>
</p><p><i><font>6. Em 29/05/2013 veio a requerida responder à citada comunicação, através de mandatário, tendo mostrado discordância do valor proposto para a nova renda devida e invocando a condição de microentidade, mas tendo-o feito sem juntar qualquer documento comprovativo dessa mesma condição.</font></i><br>
</p><p><i><font>7. Em comunicação expedida pelo aqui requerente à requerida em 5 de Junho de 2013, e com base na ausência de comprovação da qualidade de micro empresa, o Autor declara que o contrato transitou para o regime legal, previsto sob a Lei nº 31/2012, de 14 de Agosto, sendo ora o arrendamento por cinco anos e mediante o pagamento da renda de €650,00 (cópia de carta e comprovativos de envio e recepção juntos como Docs. 9 a 11), a iniciar o pagamento em1.7.2013.</font></i><br>
</p><p><i><font>8. A Ré passou a pagar a renda de 650,00 € mensais, a partir de julho de 2013.</font></i><br>
</p><p><i><font>9. Em 14/07/2017, o requerente manifestou a sua intenção de não proceder à renovação do contrato de arrendamento, fazendo-o cessar no fim do termo do prazo de vigência fixado na 1ª comunicação, ou seja, 30 de Junho de 2018 – carta e comprovativos de envio e de recepção que se juntam como Docs. 12 a 14.</font></i><br>
</p><p><i><font>10. Em alternativa, propôs o requerente, a celebração de novo contrato de arrendamento, a prazo certo, com uma renda mensal de 850,00 €.</font></i><br>
</p><p><i><font>11. A esta comunicação não ofereceu a requerida qualquer resposta.</font></i><br>
</p><p><i><font>12. Em 11/06/2018 foi enviada nova comunicação à requerida - Docs. 15 a 17 - solicitando que fosse por esta indicado se aceitava o novo contrato de arrendamento nos moldes propostos ou, caso contrário, se entregava o imóvel livre de pessoas e bens no dia 30 de Junho.</font></i><br>
</p><p><i><font>13. Posteriormente foram encetadas algumas negociações, entre mandatários do requerente da requerida, mas que não culminaram em qualquer acordo.</font></i><br>
</p><p><i><font>14. A requerida não assinou novo contrato de arrendamento e também não entregou as chaves do i | [0 0 0 ... 0 0 0] |
tjJsu4YBgYBz1XKvFgW_ | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><div><br>
<b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça,</font></b></div><br>
<br>
<b><font> </font></b><br>
<p><b><font>I – Relatório</font></b><br>
</p><p>
</p><p><b><font>1. AA</font></b><font> intentou a presente ação especial de divórcio sem consentimento do outro cônjuge contra o seu marido </font><b><font>BB</font></b><font>.</font>
</p><p><b><font>2. </font></b><font>Alegou, em síntese, que casou com o Réu a 1 de abril de 1979; desde setembro de 2018 deixaram de partilhar o mesmo leito; da parte da Autora não existe intenção de restabelecer a vida em comum com o Réu; o Réu pôs em causa o direito à privacidade da Autora, captando, em registo áudio e vídeo, atos da vida quotidiana da visada, e acedendo ao Facebook da mesma, tudo sem sua autorização e conhecimento.</font>
</p><p><b><font>3. </font></b><font>Foi designado dia para a tentativa de conciliação prevista no art. 931.º, n.º 1, do CPC.</font>
</p><p><b><font>4. </font></b><font>O Réu foi notificado para contestar nos termos do art. 931.º, n.º 5, do CPC.</font>
</p><p><b><font>5. </font></b><font>O Réu contestou, negando genericamente os factos alegados.</font>
</p><p><b><font>6. </font></b><font>Realizado o julgamento, foi proferida sentença que julgou a ação improcedente, absolvendo o Réu do pedido.</font>
</p><p><b><font>7. </font></b><font>A Autora interpôs recurso de apelação.</font>
</p><p><b><font>8. </font></b><font>O Réu respondeu às alegações, pugnando pela improcedência do recurso.</font>
</p><p><b><font>9. </font></b><font>Por acórdão de 16 de junho de 2020, o Tribunal da Relação … decidiu o seguinte:</font>
</p><p><i><font>“Pelos fundamentos expostos, julga-se a apelação improcedente, confirmando-se a sentença recorrida.”</font></i>
</p><p><font>Custas pela apelante (sem prejuízo do apoio judiciário).</font>
</p><p><b><font>10. </font></b><font>Inconformada, a Autora interpôs recurso de revista, apresentando as seguintes </font><b><font>Conclusões</font></b><font>:</font>
</p><p><i><font>“1a A revista -excecional prevista no art° 672.° do CPC, admite o recurso para o STJ quando esteja em causa algum dos três pressupostos aí previstos: - questão com relevância jurídica para uma melhor aplicação do direito; - interesses de particular relevância social; -jurisprudência contrária no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito.</font></i>
</p><p><i><font>2a O argumento, no acórdão de que se recorre, que o tempo de separação só é contado até ao momento da entrada da acção, sendo irrelevante o tempo já decorrido até à decisão dos factos provados, prejudica a recorrente que assim se vê forçada a um casamento que irreversivelmente não quer, violando o princípio da liberdade matrimonial.</font></i>
</p><p><i><font>3a O princípio da liberdade matrimonial é de relevância jurídica, havendo necessidade clara de conhecimento se a situação de facto contemporânea entre os cônjuges conta ou não para a melhor aplicação do direito ao divórcio.</font></i>
</p><p><i><font>4a O conhecimento dos requisitos previstos para o divórcio constitui interesse de particular relevância social para que o direito de divórcio seja concedido aos cidadãos em plano de igualdade, sendo do maior interesse com particular relevância social a sanação de divergências interpretativas no direito ao divórcio.</font></i>
</p><p><i><font>5a O acórdão-fundamento, cuja cópia vai em anexo pelo n°2 do art.° 637.° do CPC, proferido no mesmo quadro legislativo e sobre a mesma questão fundamental do divórcio, manda atender para conhecimento do divórcio a todos os factos decorridos até à audiência de julgamento, não consentindo casamentos forçados ("ninguém deve permanecer casado contra sua vontade").</font></i>
</p><p><i><font>6a O venerando acórdão, contra a recorrente, não contou o tempo decorrido até ao julgamento dos factos por considerar violador das garantias do contraditório fazê-lo; forçando-a, assim, a um casamento que há muito esta não quer e cujo tempo de separação ultrapassa mais de um ano, se contarmos o tempo até à audiência de julgamento ou até à decisão sobre a matéria de facto, errada comparação nesse acórdão com o caso de um mês de separação.</font></i>
</p><p><i><font>7a Deve ser revista a jurisprudência do venerando acórdão:</font></i>
</p><p><i><font>- Entende a Autora que "Provando-se que o ano de separação ainda não estava corrido à data da entrada da petição inicial mas já estava corrido à data da sentença e à data da audiência de julgamento, não pode a sentença ignorar tal facto como não poderia ignorar se tivesse havido reatamento da vida conjugal após a entrada da petição inicial" (conclusão 2a). O n° 1 do artigo 611° do CPC permite, com algumas restrições, que na sentença sejam tomados em consideração factos que se produzam posteriormente à propositura da acção. A atender-se ao prazo decorrido até à sentença estaria a ser ampliada a causa de pedir, sem acordo da outra parte, o que além de ser vedado pelos artigos 264° e 265° do CPC ofenderia as garantias do contraditório (n° 3 do art. 3o do CPC).</font></i>
</p><p><i><font>8a Deve ser reiterada a melhor jurisprudência do acórdão-fundamento que manda contar todo o tempo decorrido até à instrução e julgamento dos factos, como também foi noutro acórdão, em contexto processual mais desfavorável, proferido em 3 de Outubro de 2013 pelo Supremo Tribunal de Justiça.</font></i>
</p><p><i><font> 9a O art° 611.° do CPC, n°l,"in fine", não deixa dúvidas que, em questões de estado, a decisão deve corresponder à situação existente no momento do encerramento da discussão e não no momento de entrada da petição inicial. Reiterando-se o acórdão-fundamento, estar-se-á a cumprir a Lei</font></i><font>”.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font>11. </font></b><font> O Réu contra-alegou, apresentando as seguintes </font><b><font>Conclusões</font></b><font>:</font>
</p><p><i><font>“1. O presente recurso de revista apelação vem interposto do douto acórdão que manteve a douta decisão singular de 28 de Novembro de 2019, proferida a fls. dos presentes autos, que julgou totalmente improcedente, por não provada, a ação de divórcio sem consentimento do outro cônjuge, e consequentemente absolveu o recorrido do pedido de dissolução de casamento por divorcio interposto pela recorrente;</font></i>
</p><p><i><font>2. O douto acórdão recorrido não merece a censura que lhe faz a Recorrente, pois, ao invés do alegado pela Recorrente, fez uma correta apreciação da prova e fixação da matéria de facto, proferindo decisão de direito inteiramente correta.</font></i>
</p><p><i><font>3. Atento à matéria factual dada como provada é notório que a mesma não integra nenhum dos fundamentos previstos nas alíneas do artigo 1781.º do Código Civil.</font></i>
</p><p><i><font>4. Ainda assim a recorrente recorre do argumento do acórdão que fundamenta “que o tempo de separação só é contado até ao momento da entrada da petição inicial, sendo irrelevante o tempo já decorrido até à decisão dos factos provados”, dizendo tal entendimento “prejudica a recorrente que assim se vê forçada a um casamento que irreversivelmente não quer, violando o principio da liberdade matrimonial”.</font></i>
</p><p><i><font>5. Salvo o devido respeito, entendemos que, para haver separação de facto, nos termos e para os efeitos da al. a) do art. 1781.º do Código Civil, terá de se verificar a inexistência de comunhão de vida entre os cônjuges, ou seja, uma separação de leito, mesa e habitação, o que no caso em concreto não aconteceu.</font></i>
</p><p><i><font>6. Da sentença não resultou, nem podia resultar, provada a alegada ausência de vida em comum entre os cônjuges desde Setembro de 2018, pois, conforme se verificou através do testemunho da filha das partes, CC, a recorrente e o recorrido, apesar de em setembro de 2018 terem começado a dormir em camas separadas, continuaram a residir juntos e a conviver entre si, conversando e fazendo refeições juntos. </font></i>
</p><p><i><font>7. Para além disso, também a própria Recorrente em articulado complementar à sua Petição Inicial, alegou que apenas em Junho de 2019 é que “a autora deixou completamente de cozinhar, de lavar e de limpar para o réu”.</font></i>
</p><p><i><font>8. Pelo que se conclui que só a partir de Junho de 2019 é que poderá ter deixado de existir comunhão de vida entre os cônjuges.</font></i>
</p><p><i><font>9. Nestes termos, ainda que se considerasse relevante o tempo decorrido até à data da decisão dos factos, o resultado seria o mesmo, pois desde a data em que deixou de existir comunhão de vida entre os cônjuges até à data do julgamento dos factos ainda não se encontrava decorrido o prazo previsto na al. a) do art. 1781.º do Código Civil.</font></i>
</p><p><i><font>10. Pelo que o decretamento do divórcio ao abrigo da alínea a) do art. 1781.º do CC, continuaria a ser inadmissível.</font></i>
</p><p><i><font>11. Não obstante todo o exposto, da factualidade alegada e provada também não se demonstraram factos que, independentemente da culpa das partes, implicasse uma rutura definitiva do casamento, pelo que não poderia ter sido decretado o divórcio com o fundamento da alínea d) do art. 1781.º do CC,</font></i>
</p><p><i><font>12. Assim, e tendo em conta que o presente recurso carece de fundamentação e elementos probatórios que justifiquem a sua aplicação, deverá ser negado provimento ao recurso confirmando-se a douta sentença recorrida, com o que se fará inteira JUSTIÇA!”</font></i>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font>12. </font></b><font>Tratando-se de um recurso de revista excecional, interposto à luz dos art. 672.º, 1, als. a), b) e c), do CPC, a Relatora, a 16 de outubro de 2020, remeteu os autos à Formação do Supremo Tribunal de Justiça, nos termos do n.º 3, em ordem à verificação dos pressupostos referidos no n.º 1 do mesmo preceito.</font>
</p><p><b><font>13. </font></b><font>A 3 de novembro de 2020, a Formação do Supremo Tribunal de Justiça admitiu o recurso de revista excecional ao abrigo do art. 672,º, n.º 1, als. a) e b), do CPC.</font><br>
</p><p><b><font>II – Questões a decidir</font></b><br>
</p><p><font>Atendendo às conclusões do recurso, que, segundo os arts. 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, do CPC, delimitam o seu objeto, e não podendo o Supremo Tribunal de Justiça conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser em situações excecionais de conhecimento oficioso, trata-se de saber se, para a verificação do prazo de um ano consecutivo de separação de facto, previsto no art. 1781.º, al. a), do CC, deve ou não ser considerada a superveniência da sua completude à data do encerramento da discussão da causa.</font><br>
</p><p><b><font> </font></b><br>
</p><p><b><font>III – Fundamentação</font></b>
</p><p><b><font>A) De Facto</font></b><br>
</p><p><font>Foram considerados os seguintes factos:</font><br>
</p><p><font>“</font><i><font>I. Factos provados:</font></i><br>
</p><p><i><font>1. A Autora e o Réu contraíram casamento católico um com o outro, sem convenção antenupcial, no dia 1 de abril de 1979;</font></i><br>
</p><p><i><font>2. A Autora e o Réu deixaram de partilhar a mesma cama em setembro de 2018;</font></i><br>
</p><p><i><font>3. Inexiste, da parte da Autora, o propósito de restabelecer a vida em comum com o Réu. </font></i><br>
</p><p><i><font>II. Factos não provados:</font></i><br>
</p><p><i><font>Nada mais se provou, com relevo para a decisão da causa, designadamente que:</font></i><br>
</p><p><i><font>a) O Réu tenha colocado uma microcâmara em cima do frigorífico para espiar a Autora na cozinha;</font></i><br>
</p><p><i><font>b) O R. deixasse o telemóvel na sala em modo de gravação áudio para escutar o que a A. falava;</font></i><br>
</p><p><i><font>c) O R. tenha acedido, sem autorização da A., à conta de Faceboock desta.” </font></i><br>
</p><p><i><font> </font></i>
</p><p><b><font>B) De Direito</font></b>
</p><p><b><font>1. </font></b><font>De acordo com o art. 1781.º, al. a), do CC, a separação de facto por um ano consecutivo constitui causa do divórcio sem consentimento de um dos cônjuges (</font><i><font>i.e.</font></i><font>, do divórcio pedido por um dos cônjuges contra o outro com fundamento em determinada causa</font><a><u><sup><font>[1]</font></sup></u></a><font>). Esta modalidade de divórcio encontra-se regulada nos arts. 931.º e 932.º do CPC.</font><br>
</p><p><font>A separação de facto é composta por um elemento objetivo – a falta de vida em comum dos cônjuges – e por um elemento subjetivo – o propósito, de ambos ou de um dos cônjuges, de não restabelecer a comunhão matrimonial (art. 1782.º do CC). A separação de facto, nas suas dimensões objetiva e subjetiva, deve durar, em princípio, há um ano consecutivo.</font><br>
</p><p><font>Todavia, não pode, nesta sede, descurar-se a alteração do sistema de divórcio que decorre, em último recurso, da metamorfose sofrida pelo próprio conceito de casamento. Na verdade, a evolução do direito civil da família tem sido no sentido de uma progressiva emancipação do indivíduo no seio do grupo familiar, com as consequentes permeabilidade do direito a volições individuais e compressão das exigências da família enquanto formação social. Trata-se da afirmação do primado da liberdade do indivíduo. Uma pretensão de incremento de autenticidade e de felicidade conduziram como que a uma absolutização da afetividade, como que a uma redução do vínculo jurídico a um </font><i><font>aliquid voluntatis</font></i><font>. No direito da família, em geral e, em particular, no âmbito das crises familiares, o legislador depara-se com a dificuldade representada pelas delicadas mediações ideológicas e sociais que lhe são exigidas numa sociedade complexa e caracterizada por fenómenos de permanente e célere alteração. Verificou-se assim a sucessão de várias intervenções legislativas. Aqui se manifesta também o embaraço do intérprete chamado a descortinar, a interpretar e a conformar segundo a ideia de Direito a dinâmica dos dados institucionais face aos movimentos da realidade social. A sociedade hodierna não aceita facilmente aquelas restrições à autonomia tradicionalmente implicadas pela celebração do casamento. A adoção do sistema de divórcio pura constatação da ruptura do casamento – o direito de livremente sair do casamento de que cada um dos cônjuges é titular – realça claramente a tentativa de proteção da autonomia no seio da relação conjugal</font><a><u><sup><font>[2]</font></sup></u></a><font>.</font><br>
</p><p><font>Entre os sistemas de divórcio-sanção, divórcio-remédio e divórcio pura constatação da ruptura do casamento, o legislador optou claramente pelo último.</font><br>
</p><p><font>O princípio da liberdade de escolha dos cônjuges postula que ninguém deve permanecer casado contra sua vontade. A invocação da rutura definitiva da vida em comum é fundamento suficiente para que o divórcio seja decretado. A metamorfose do sistema de divórcio em vista da auto-realização insere-se num </font><i><font>ethos</font></i><font> de autonomia pessoal no domínio das relações de intimidade. “A estabilidade da família está nas mãos dos cônjuges”, não podendo o Direito garanti-la contra a vontade dos interessados. Na verdade, o significado jurídico do casamento mudou, especialmente neste século. O reconhecimento progressivo da individualidade humana resultou numa evolução do matrimónio de um estatuto virtualmente imutável para um facilmente dissolúvel.</font><br>
</p><p><font>O legislador adoptou um modelo individualístico-associativo, baseado na plena igualdade dos cônjuges, um modelo que valoriza essencialmente a dimensão afetiva enquanto agregadora e legitimadora da sociedade conjugal, enquanto lugar de manifestação e de desenvolvimento da personalidade de cada um dos cônjuges e, consequentemente, mais exposto à eclosão de conflitos.</font>
</p><p><b><font>2. </font></b><font>O Tribunal de 1.ª Instância considerou que os factos provados não integram a </font><i><font>facti-species </font></i><font>deste preceito em virtude de o prazo de um ano ainda não haver decorrido à data da propositura da ação (3 de abril de 2019). Por isso, não se produz a consequência jurídica prevista na respetiva estatuição: a constituição do direito ao divórcio.</font>
</p><p><font>O decurso de um ano consecutivo de separação de facto é, com efeito, um facto constitutivo do direito potestativo (extintivo) de um dos cônjuges requerer o divórcio sem o consentimento do outro, devendo, por isso, verificar-se esse requisito à data da propositura da ação. Assim, o prazo de um ano deve, via de regra, já ter decorrido à data da propositura da ação de divórcio (que coincidirá com a receção da correspondente petição inicial na secretaria do tribunal, nos termos do art. 259.º, n.º 1, do CPC), porquanto os pressupostos do divórcio devem estar preenchidos nesta data e não na da decisão.</font>
</p><p><font>O Tribunal da Relação …, manteve, por isso, a decisão proferida pelo Tribunal de 1.ª Instância quanto à inverificação do requisito previsto no art. 1781.º, al. a), do CC – separação de facto por um ano consecutivo.</font>
</p><p><font>Entende a Autora que “</font><i><font>Provando-se que o ano de separação ainda não estava corrido à data da entrada da petição inicial mas já estava corrido à data da sentença e à data da audiência de julgamento, não pode a sentença ignorar tal facto como não poderia ignorar se tivesse havido reatamento da vida conjugal após a entrada da petição inicial</font></i><font>” (conclusão 7ª).</font>
</p><p><b><font>3. </font></b><font>O art. 611.º, n.º 1, do CPC, permite, com algumas restrições, que na sentença sejam tomados em consideração factos que se produzam depois da propositura da ação. Na verdade, de acordo com este preceito, o Tribunal deve “</font><i><font>(…) tomar em consideração os factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito que se produzam posteriormente à propositura da acção, de modo que a decisão corresponda à situação existente no momento de encerramento da discussão</font></i><font>.”</font>
</p><p><font>Conforme o acórdão da Formação, “</font><i><font>Acresce que hoje tem sido mais aberto ou flexível o entendimento sobre a configuração da causa de pedir e os parâmetros do seu ulterior completamento no decurso da instância, nos termos conjugados dos artigos 5.°, n.° 1 e 2, alíneas a) e b), 264.° e 265.°, 588.°, 590.°, n.° 4 a 6, e 611.°, n.° 1, do CPC</font></i><font>”.</font>
</p><p><font>A atendibilidade do decurso do ano de separação de facto – iniciado em setembro de 2018 - neste estádio do processo, para efeitos do art. 1781.º, al. a), do CC, não envolve tão pouco, no caso dos autos, alteração ou ampliação da causa de pedir, à revelia das normas que regem a modificação objetiva da instância (arts. 264.º e 265.º, n.º 1, do CPC) - mas permitida pelo art. 588.º, do CPC -, porquanto se trata de facto alegado pela Autora desde a petição inicial, como elemento da causa de pedir da presente ação</font><a><u><sup><font>[3]</font></sup></u></a><font>.</font>
</p><p><font>Sobre a referência temporal da falta do decurso do prazo de um ano consecutivo de separação de facto ao tempo da propositura da ação prevalece o princípio da atualidade da decisão consagrado no art. 611.º do CPC</font><a><u><sup><font>[4]</font></sup></u></a><font>. Está em causa como que uma espécie de “utilidade superveniente da lide”. </font>
</p><p><font>A ação foi instaurada a 3 de abril de 2019, a audiência de discussão e julgamento teve lugar a 18 de novembro de 2019, a decisão do Tribunal de 1.ª Instância é de 28 de novembro de 2019 e o acórdão do Tribunal da Relação … foi proferido a 16 de junho de 2020.</font>
</p><p><font>Tendo a separação de facto o seu início em setembro de 2018 – e perdurado até hoje -, o prazo de um ano já havia decorrido aquando da realização da audiência de discussão e julgamento, a 18 de novembro de 2019. Deve, assim, admitir-se a completude de um prazo dilatório de direito substantivo, constitutivo do direito potestativo extintivo da Autora, depois de intentada a ação. De resto, “</font><i><font>(…) o simples decurso dum período que falte para se completar um prazo sem o qual a ação não possa proceder talvez dispense a invocação em articulado superveniente</font></i><font>”</font><a><u><sup><font>[5]</font></sup></u></a><font>. </font>
</p><p><font>A vontade manifestada pela Autora na petição inicial, de pôr fim à união matrimonial, foi renovada com a sua inconformação, desde logo, com a decisão do Tribunal de 1.ª Instância e, depois com a do Tribunal da Relação …. Sem </font><i><font>summo rigore</font></i><font>, como que se verificou uma regularização superveniente da instância quando a Autora intervém de novo interpondo recurso da decisão do Tribunal de 1.ª Instância para o Tribunal da Relação … e, depois, da decisão deste para o Supremo Tribunal de Justiça. Aquando da admissão tanto do primeiro como do segundo recurso, a Autora já é titular do direito ao divórcio, que se encontra claramente sedimentado na sua esfera jurídica.</font>
</p><p><font>“</font><i><font>Não faria sentido, seria penoso para as partes e revelaria um notório desajustamento social e um excessivo apego a literalismos, vir agora dizer a um casal separado de facto há mais de quatro anos, ambos a quererem divorciar-se, pondo termo a relação irremediavelmente comprometida, que deveriam intentar nova acção, com custas e desgaste inerentes para demonstrar o que, aqui, está exuberantemente patente</font></i><font>”</font><a><u><sup><font>[6]</font></sup></u></a><font>.</font>
</p><p><font>Pode até referir-se a inutilidade de nova ação na medida em que a questão se pode resolver nos presentes autos.</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><b><font>IV - Decisão </font></b><br>
</p><p><font> Nos termos expostos, acorda-se em julgar o recurso procedente e em revogar o acórdão do Tribunal da Relação …, decretando-se o divórcio entre </font><b><font>AA</font></b><font> e </font><b><font>BB</font></b><font>. </font><br>
</p><p><font> Custas pelo Réu/Recorrido, sem prejuízo do apoio judiciário de que possa beneficiar.</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font> Lisboa, 23 de fevereiro de 2021.</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font> </font><b><font>Sumário</font></b><font>: </font><b><font>1.</font></b><font> De acordo com o art. 1781.º, al. a), do CC, a separação de facto por um ano consecutivo constitui causa do divórcio sem consentimento de um dos cônjuges. A separação de facto, nas suas dimensões objetiva e subjetiva, deve durar, em princípio, há um ano consecutivo. </font><b><font>2.</font></b><font> Todavia, não pode, nesta sede, descurar-se a alteração do sistema de divórcio que decorre, em último recurso, da metamorfose sofrida pelo próprio conceito de casamento. O princípio da liberdade de escolha dos cônjuges postula que ninguém deve permanecer casado contra sua vontade. </font><b><font>3.</font></b><font> Sobre a referência temporal da falta do decurso do prazo de um ano consecutivo de separação de facto ao tempo da propositura da ação prevalece o princípio da atualidade da decisão consagrado no art. 611.º do CPC.</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font> Este acórdão obteve o voto de conformidade dos Excelentíssimos Senhores Conselheiros Adjuntos António Magalhães e Fernando Dias, a quem o respetivo projeto já havia sido apresentado, e que não o assinam por, em virtude das atuais circunstâncias de pandemia de covid-19, provocada pelo coronavírus Sars-Cov-2, não se encontrarem presentes (art. 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13 de março, que lhe foi aditado pelo DL n.º 20/2020, de 1 de maio).</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font>Maria João Vaz Tomé (relatora)</font><br>
</p><p><font>______</font>
</p></font><p><font><a><u><sup><font>[1]</font></sup></u></a><font> Cf. Guilherme de Oliveira, </font><i><font>Manual de Direito da Família</font></i><font>, Coimbra, Almedina, 2020, p. 276.</font><br>
<a><u><sup><font>[2]</font></sup></u></a><font> Cf. Maria João Romão Carreiro Vaz Tomé, “Reflexões sobre a obrigação de alimentos entre ex-cônjuges”, in </font><i><font>Textos de Direito da Família Para Francisco Pereira Coelho</font></i><font>, Coimbra, Imprensa da Universidade de Coimbra, 2016, pp.574, 577-578.</font><br>
<a><u><sup><font>[3]</font></sup></u></a><font> Cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 3 de novembro de 2005 (Lucas Coelho), proc. n.º 05B2266 – disponível para consulta in www.dgsi.pt.</font><br>
<a><u><sup><font>[4]</font></sup></u></a><font> Cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 3 de novembro de 2005 (Lucas Coelho), proc. n.º 05B2266; Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 28 de setembro de 2009 (Silva Santos), proc. n.º 4340/06.7TBSXL.L1-8 – disponíveis para consulta in www.dgsi.pt.</font><br>
<a><u><sup><font>[5]</font></sup></u></a><font> Cf. José Lebre de Freitas/Isabel Alexandre, </font><i><font>Código de Processo Civil Anotado</font></i><font>, Volume 2.º, Coimbra, Almedina, 2018, p.725.</font><br>
<a><u><sup><font>[6]</font></sup></u></a><font> Cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 6 de março de 2007 (Sebastião Póvoas), proc. n.º 07A297 – disponível para consulta in www.dgsi.pt.</font></font></p> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
tjJwu4YBgYBz1XKvegjg | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><br>
<b><font> </font></b><br>
<b><font>Processo nº 2168/17.8T8PNF.P1.S1 </font></b><div><b><font> </font></b><br>
<b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça,</font></b></div><font> </font>
<p><b><font>I – Relatório</font></b><br>
<b><font>1. AA</font></b><font> instaurou acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra </font><b><font>BB</font></b><font>, formulando os seguintes pedidos:</font><br>
<font>a) seja anulado o contrato de compra e venda celebrado entre a Autora e o Réu, a 6 de outubro de 2016, por documento particular autenticado pela Senhora Solicitadora DD, mediante o qual a primeira vendeu ao segundo o “</font><i><font>PRÉDIO RUSTICO, denominado “Quinta ...”, composto por terreno a cultura, ramada pinhal, mato e dependências agrícolas, sito no lugar de ..., freguesia de ..., concelho de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial sob o número …. – ..., registada a aquisição a favor da Primeira Outorgante pela Apresentação … de 2009/07/29, inscrito na matriz predial rústica sob o artigo 630</font></i><font>”, por a vontade declarada pela Autora não corresponder à sua vontade real, por erro sobre o objeto do contrato;</font><br>
<font>b) seja ordenado o cancelamento do registo desse negócio jurídico, assim como de todos os registos que ulteriormente possam ter sido efetuados;</font><br>
<font>c) seja o Réu condenado a isso mesmo reconhecer.</font><br>
<b><font>2. </font></b><font>Como fundamento, alegou, em síntese, que a vontade por si declarada no documento particular que titulou a venda não corresponde à sua vontade real, o que era do conhecimento do Réu, que estava totalmente ciente de que o acordado comprar e vender era apenas uma parcela de terreno a mato, que se achava perfeitamente delimitada. Invoca que, aquando da celebração do contrato, não se apercebeu de que estava a declarar vender outra coisa que não essa parcela de terreno.</font><br>
<b><font>3. </font></b><font>O Réu contestou, juntamente com sua mulher DD, cuja intervenção principal provocada passiva veio a ser admitida por despacho de fls. 35.</font><br>
<b><font>4. </font></b><font>Alegaram, em síntese, que o acordado vender e comprar foi, precisamente, o declarado no contrato cuja anulação se pretende agora, sendo certo que o preço real da venda foi superior ao declarado, ascendendo ao montante de € 50.000,00, que o Réu pagou. Invocaram que as partes acordaram na venda da Quinta ..., excluído o prédio urbano nela localizado, prédio esta fiscal e registralmente distinto da referida Quinta. Subsidiariamente, para a hipótese de a acção proceder, deduziram reconvenção, pedindo a condenação da Autora a pagar-lhes:</font><br>
<font>a) a quantia de € 50.000,00, correspondente ao preço real da venda, acrescida das despesas notariais, conservatórias e dos impostos devidos a título de IMT e de imposto de selo em consequência da retificação do preço;</font><br>
<font>b) a quantia de € 4.200,00, a título indemnizatório pelas benfeitorias realizadas no imóvel.</font><br>
<b><font>5. </font></b><font>A Autora replicou, impugnando os factos alegados pelos Réus e pedindo a condenação destes em multa como litigantes de má-fé.</font><br>
<b><font>6. </font></b><font>A 31 de maio de 2018, foi proferida sentença:</font><br>
<i><font>“A) Julgo a acção procedente, por provada, tendo por anulável e anulado o negócio jurídico, celebrado entre A. e R., em 06 de Outubro de 2016, titulado pelo contrato de compra e venda, exarado por documento particular redigido e autenticado pela solicitadora DD, que teve por objecto a venda do “PRÉDIO RUSTICO, denominado “Quinta ...”, composto por terreno a cultura, ramada pinhal, mato e dependências agrícolas, sito no lugar de ..., freguesia de ..., concelho de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial sob o número … – ..., registada a aquisição a favor da Primeira Outorgante pela Apresentação ... de 2009/07/29, inscrito na matriz predial rústica sob o artigo …”, por a vontade declarada pela A. não corresponder à sua vontade real, por erro sobre o objecto do contrato; ordeno o cancelamento do registo desse negócio jurídico, e, bem assim, de todos os registos que posteriormente possam ter sido feitos; condenado os RR em conformidade.</font></i><br>
<i><font>Custas da acção pelos RR.</font></i><br>
<i><font>B) Julgo a reconvenção parcialmente procedente, por provada e, em consequência, condeno a Autora a restituir aos RR a quantia de 15.000 EUR; absolvendo-a do mais peticionado.</font></i><br>
<i><font>Custas da reconvenção na proporção do decaimento.</font></i><br>
<i><font>C) Mais condeno o Réu marido como litigante de má fé na multa que fixo em 4 UC, decidindo-se não ser de tributar autonomamente o incidente relativo à litigância de má fé.</font></i><br>
<i><font>Registe e notifique”.</font></i><br>
<b><font>7. </font></b><font>Inconformados, os Réus interpuseram recurso de apelação.</font><br>
<b><font>8. </font></b><font>Por acórdão de 24 de outubro de 2019, o Tribunal da Relação do Porto, decidiu julgar o recurso de apelação improcedente e, consequentemente, confirmar a sentença recorrida.</font><br>
<b><font>9. </font></b><font>De novo irresignados, os Réus interpuseram recurso de revista, apresentando as seguintes </font><b><font>Conclusões</font></b><font>:</font><br>
<i><font>“1ª- Vem o presente recurso de revista interposto do Douto Acórdão do Venerando Tribunal da Relação do Porto, proferido nos autos à margem, que logrou julgar totalmente improcedente e, consequentemente, mantendo na sua totalidade a sentença recorrida;</font></i><br>
<i><font>2ª- Em causa no presente recurso, está erro de julgamento e violação de normas de direito adjectivo, na medida em que, a Relação fez, relativamente ao processo em causa, um erro de valoração de matéria de facto.</font></i><br>
<i><font>3ª- Em tal situação, isto é relacionada coma apreciação e impugnação da matéria de facto, entendemos não existir dupla conforme, na medida em que o Acórdão proferido, está em contradição, alem do mais, com</font></i><br>
<i><font>- O Acórdão Fundamento - O Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido no âmbito do Processo nº 802/13.8 TVNF.P1.G1-A. S1, que se junta como Doc. Nº 1.</font></i><br>
<i><font>4ª- Na verdade, quando o Tribunal da Relação é chamado a intervir para a reapreciação das provas e da matéria de facto - arts. 640 e 662 do C.P.C, move-se no campo dos poderes próprios e privativos com o conteúdo e limites definidos por este último preceito que não encontram correspondência na decisão da primeira instância, sobre a mesma matéria;</font></i><br>
<i><font>5ª- Chamada a Relação a reapreciar os meios de prova, nomeadamente documentos, testemunhas, em cumprimento do preceituado no artigo 640 do CPC, nesta reapreciação, “cumpre à Relação proceder à reapreciação desses meios de prova e refletir na decisão da matéria de facto a convicção que formar…”– neste sentido, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido no Proc 907/13. TBPTG. E 1. S.l, junto como Doc. Nº 2.</font></i><br>
<i><font>6ª- No Acórdão da Relação em crise, a mesma, limita-se a tecer considerações de ordem genérica, optando por tecer juízos de valor, ou uma serie de conclusões que não colhe na prova apoio, antes sim se enquadrando em meras considerações e apreciação arbitraria, para concluir pela manutenção da matéria de facto, não reapreciando a prova, que foi indicada concretamente pela recorrente, relativamente aos pontos de facto impugnados, o que conduz a erro de julgamento, já supra enunciado, passível de ser sanado por V. Excªs, ou quando assim nãos e entenda anulação do Acórdão com baixa para o Tribunal da Relação, para ser apreciado.</font></i><br>
<i><font>7ª- Com o Recurso interposto para a Relação do Porto peticionavam os recorrentes a alteração da matéria de facto dada como provada, nomeadamente quanto aos concretos factos constantes das alíneas, D) e F) da sentença.</font></i><br>
<i><font>8ª- Entendendo os apelantes que se verificou uma desconsideração e desvalorização de prova testemunhal relevante, e sobrevalorizou injustificadamente outra prova e/ou depoimentos.</font></i><br>
<i><font>9ª- Entendendo a M. Juiz da 1ª instância e tecendo até aturadas considerações sobre a prova da vontade negocial, nomeadamente por critérios de “verosimilhança”, “comportamentos privados de racionalidade opostos ou diferentes da actuação que o comum dos cidadãos teria”, de probabilidade, de regras da experiência.</font></i><br>
<i><font>10ª-.Mais dizendo a Meritíssima Juiz a quo que no caso em apreço “… quando se considere cada um daqueles factos, isoladamente, a desconformidade da declaração, na parte em que vai identificado o objecto mediato da venda/negocio, não é mais do que uma das hipóteses possíveis, a qual, atenta a regra legal da repartição do ónus da prova nas acções como a dos autos, careceria da segurança exigida pela observância daquele ónus probandi.”</font></i><br>
<i><font>11ª-No entanto, entende a Meritíssima Juiz á quo, em contraposição ao que pugnaram os apelantes, que no caso em apreço, os indícios são precisos e concordantes, de molde a permitir corroborar a prova directa.</font></i><br>
<i><font>12ª-Radicando a discordância dos apelantes, de uma forma sumária (explanada de forma exaustiva nas suas alegações de recurso de apelação para a Relação do Porto), quer na atendibilidade quase única nos depoimentos de parte e de testemunhas que, no entender dos apelantes deixaram, pelo menos, dúvidas insanáveis quanto á sua credibilidade e razão de ciência para fundamentar de forma, pelo menos suficiente e inabalável a prova dos mencionados factos das al. D) e F) da matéria assente como provada.</font></i><br>
<i><font>13ª-O Tribunal da Relação do Porto tinha que apreciar, tinha que valorar a prova, o que, ou não aconteceu, ou aconteceu de forma “leve” e sucinta.</font></i><br>
<i><font>14ª- Preferindo antes, e seguindo os mesmos critérios da sentença recorrida, uma análise muito pouco atenta ao normal desenrolar da vida em sociedade, e,</font></i><br>
<i><font>15ª- Baseando-se quase exclusivamente, em depoimentos de testemunhas que pela sua ligação, atrevemo-nos a dizer, emocional e até de subserviência, para com a A., estão completamente comprometidos com a sua versão dos factos…</font></i><br>
<i><font>16ª- E mais do que isso, no caso dos autos, até se poderia dizer que, pelo menos quanto á testemunha EE, é ela a própria parte,</font></i><br>
<i><font>17ª- Nos termos do artigo 205 nº 1 da Constituição da República Portuguesa as decisões são fundamentadas na forma prevista na Lei;</font></i><br>
<i><font>18ª-A prova, mais do que uma demonstração racional é um esforço de razoabilidade: o Juiz lança-se á procura do “realmente acontecido” conhecendo, por um lado os limites que o próprio objecto impõe à sua tentativa de o “agarrar” e por outro lado aos limites que a ordem jurídica lhe marca, derivados das finalidades do processo.</font></i><br>
<i><font>19ª- A livre apreciação da prova, não se confunde com a apreciação arbitraria da prova, nem com a mera impressão gerada no espírito do julgador pelos diversos meios de prova; a prova tem como pressupostos valorativos, a obediência a critérios da experiência comum e da lógica do homem médio suposto pela ordem jurídica.</font></i><br>
<i><font>20ª- Estando em causa a realização de um negócio jurídico - uma compra e venda- titulada por documento particular e registada nos termos legais, foi alegado pela A. (vendedora) de que na data da realização desse mesmo negócio Jurídico estava em erro, porque, (como consta da sua P.I.) “cometeu notório erro na declaração da vontade, cometeu erro sobre o objecto do negócio. “ . “Pois, a A. nunca quis vender ao Réu, a sua propriedade denominada “Quinta .....”</font></i><br>
<i><font>21ª- Mais alegando, e estando assente também nos autos que, não foi ela Autora que tratou do negócio, que acertou condições, que marcou data para a realização do acto, que escolheu quem o iria praticar, ou que tivesse entregue documentação para a sua realização, nunca tendo falado sequer com o interessado (ora aqui réu), que só o conheceu no dia da realização da titulação do acto.</font></i><br>
<i><font>22ª- Mais alegando e estando assente que todo isso foi tratado pela testemunha EE, pessoa que foi seu caseiro e que sempre tratou da propriedade em causa nos autos.</font></i><br>
<i><font>23ª- Factos que a própria Relação do Porto também afirma “Os intervenientes directos nas negociações do contrato de compra e venda que foi celebrado entre a autora e o réu foram o próprio réu e a testemunha EE, este último na qualidade de pessoa que cuida dos bens que a autora possui no Lugar do ..., freguesia de ...”.</font></i><br>
<i><font>24ª- Ora, talqualmente na sentença proferida pela 1ª instancia, o Acórdão proferido pela Relação do Porto parece, salvo o devido respeito, valorar, sem reservas, quer o depoimento de parte da A., quer o depoimento desta testemunha (EE) e também nas testemunhas FF ( que é irmão do EE) GG( esposa do EE) e HH(irmã da testemunha EE) ,</font></i><br>
<i><font>25ª- Optando os Exmos. Senhores Juízes Desembargadores da Relação do Porto na elaboração do Acórdão por transcrever os trechos das gravações de todos os depoimentos prestados pelas testemunhas, e analisando-os em termos de… “ele disse”, “manteve a sua versão dos factos” ou “perguntado com quem fez o negócio em causa nos autos, respondeu…”,</font></i><br>
<i><font>26ª- Aliás de todo o Acórdão recorrido, somente em dois momentos, entendemos, que o Acórdão proferido apresenta uma “ténue” e, salvo devido respeito, por isso insuficiente, tentativa de fundamentação da sua convicção relativamente á prova, O primeiro, relativo á acareação entre uma testemunha (EE) e o réu marido, O segundo, relativo ao depoimento da Testemunha Solicitadora DD, responsável pela titulação do negócio.</font></i><br>
<i><font>27ª-Tomando posição, quanto á acareação realizada entre o réu marido e a testemunha EE, em termos de ser o deste último, “o único que nos merece crédito porque, “desde logo aquele depoimento foi confirmado pela autora, no seu depoimento de parte, que relatou, tal como a testemunha, que esta lhe transmitiu que o réu estava interessado em comprar um “bocadito” de terreno em frente à casa dele para colocar veículos pesados”</font></i><br>
<i><font>28ª- Ora, e desde logo, no ponto concreto, de valoração do depoimento de parte conjugando - em termos valorativos com a prova testemunhal em mérito – a declarações da testemunha EE - dada a sua total interdependência nos termos demonstrados, não podem ser aceites pelos apelantes, como prova suficiente, ou, sequer entendida, como início de prova.</font></i><br>
<i><font>29ª- Pois que, até pela experiência comum, pelo critério do homem médio, facilmente se chega á conclusão contraria, ou seja, trata-se de prova totalmente interessada, preparada para conseguir o vencimento da posição da autora.</font></i><br>
<i><font>30ª-Não sendo sequer a autora interveniente em qualquer fase negocial, (nunca conheceu ou sequer falou com os réus, somente, os tendo conhecido aquando da titulação do acto), é a testemunha EE que assume um verdadeiro papel de parte negocial, que trata, que mostra o local, que entrega documentos e que escolhe até quem realiza a titulação do negocio.!</font></i><br>
<i><font>31ª- Como é esta testemunha que transmite á autora, “supostamente” aquilo que o reu queria, ou que combinou quanto a áreas, e mesmo quanto a preços!</font></i><br>
<i><font>32ª- Pelo que aquilo que a autora sabe de toda a negociação é aquilo que lhe é unicamente transmitido pela testemunha EE.</font></i><br>
<i><font>33ª- Dizer, portanto, a título de fundamentação da análise da prova, neste concreto ponto, que merece crédito o depoimento da testemunha EE(acareada com o réu) porque é concordante com o depoimento da autora, enumerando de seguida os pontos em que houve essa concordância de depoimentos, é</font></i><br>
<i><font>34ª- Uma fundamentação que fica muito aquém da exigível á reapreciação da prova, pelo Tribunal da Relação.</font></i><br>
<i><font>35ª- Sem prescindir que, relativamente a todas as outras que serviram para a corroboração da prova atendida, quanto aos contornos do negócio, para provar ou não a matéria de facto dada como assente, quer, pelo tribunal de primeira instância quer pelo Tribunal da Relação, gravitam de forma completamente comprometida com a versão dos factos apresentada por essa testemunha EE ( que ou é irmão, ou esposa, ou irmã deste!)</font></i><br>
<i><font>36ª-.Aliás, no caso concreto, dado o total alheamento da autora a todo o processo de construção negocial em causa nos autos, dificilmente conseguiria esta intentar a acção que intentou, sem que os factos que lhe servem de base, não fossem os transmitidos pelo directo interveniente - a testemunha EE-, por todos os pormenores que envolveram o negocio, sendo por isso, e por recurso ás regras de experiencia e, normal acontecer do senso comum, a lógica, a experiencia do “bom pai de família”, no mínimo irrealista, a aventada, parece que total, credibilidade advinda de uma “julgada” imparcialidade, extraída de tais intervenientes e seus depoimentos testemunhais.</font></i><br>
<i><font>37ª- Bem como assim, da relevância que nos presentes autos merece o depoimento de parte da autora, contrariamente, ao que doutrina e jurisprudência aconselham na análise deste meio de prova.</font></i><br>
<i><font>38ª-.Que o entendem com reservas, aconselhando a sua valoração para um mero princípio de prova, não devendo o julgador ficar convencido com esse depoimento, dado o interesse na procedência da acção, e por isso parciais e não isentas.</font></i><br>
<i><font>39ª- Face ao demonstrado e inexistente conhecimento da autora e á intervenção da testemunha EE, apenas corroborado pelas testemunhas interessadas e ligadas emocional e factualmente a todo o processo negocial em crise nos autos.</font></i><br>
<i><font>40ª- A fundamentação da convicção formada pelo Srs. Juízes Desembargadores não pode, em nosso entender, bastar-se com a simples transcrição da prova testemunhal ou com parcas considerações efectuadas, quanto a tais depoimentos.</font></i><br>
<i><font>41ª- O mesmo se diga, quanto á prova testemunhal analisada e relativa ao depoimento da Sra. Solicitadora DD - que titulou o negócio - em que, também pela técnica de “confirmou que…” “disse que…” e da transcrição de depoimento, tece algumas considerações sobre a sua isenção e credibilidade, baseadas em critérios puramente subjectivos como:</font></i><br>
<i><font>“…… depôs com serenidade e transparência, não se coibindo de relatar factos que a podem prejudicar, designadamente, no que respeita à forma como não cuidou de identificar devidamente o prédio a vender, o que abona a favor da sua isenção…”</font></i><br>
<i><font>42ª- Extrai-se do Acórdão recorrido uma exaustiva transcrição dos depoimentos da prova testemunhal, sem, contudo, formar uma convicção verdadeira e fundamentada sobre a prova produzida na 1ª instância.</font></i><br>
<i><font>43ª- E por isso, entendem os recorrentes que, relativamente à alteração pretendida, a Relação do Porto, e no respeitante á valoração das declarações de parte da autora e das testemunhas por si arroladas, não usou dos poderes que a lei lhe confere para valoração da matéria de facto e/ou quando assim se não entende, fez um uso deficiente desse poder.</font></i><br>
<i><font>44ª-A lei impõe á Relação de dever de proceder ao exame critico das provas, e formar dentro da livre apreciação da prova, na convicção prudente sobre tais provas; na apreciação das provas examinadas pela 1ª instancia ( artigo 607 nº5 ex vi 663 nº 2 do C.P.C), o controlo da correcção da decisão da matéria de facto exige que a Relação-construa autonomamente, embora com os limites decorrentes da sua vinculação à impugnação da recorrente - não só a sua própria convicção sobre as provas produzidas mas igualmente as fundamente.</font></i><br>
<i><font>45ª-O Tribunal da Relação fez um arrazoado das declarações de parte e testemunhas, tecendo considerações de ordem genérica, as quais serviram para a Relação, no que não concedemos, dar a acção como improcedente.</font></i><br>
<i><font>46ª- Ao não ter dado provimento à matéria que foi sujeita á sua apreciação, mantendo a decisão da primeira instancia sem apreciar, ou pelo menos, omitindo fundamentação necessária á formação da sua convicção, decisão proferida pela Relação, com o devido respeito que é muito, é absoluta infundada e profundamente injusta, violando os mais básicos direitos fundamentais, incorrendo em erro de julgamento, 607 nº 2 segunda parte, 663 nº 2 e 679 do C.P.C, violação de lei adjectiva ferindo o Acórdão com nulidade, prevista na alínea b) e d) no nr. 1 do artigo 615 do C.P. Civil, entre outros os seus basilares princípios.</font></i><br>
<i><font>Termos em que, dando provimento ao presente recurso, anulando-se ou alterando-se o Douto Acórdão recorrido, substituindo-o por outro nos termos preditos, V. Excias farão a costumada e reparadora JUSTIÇA”</font></i><font>.</font>
</p><p><font> </font><br>
<b><font>10. </font></b><font>A Autora contra-alegou, apresentando as seguintes </font><b><font>Conclusões</font></b><font>:</font><br>
<i><font>“A. As presentes contra-alegações legitimam-se no âmbito do recurso interposto pelos Recorrentes, porquanto, os mesmos não se conformam com douto Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto, em 24/10/2019, nos autos supra, que confirmou, integralmente, a decisão proferida pelo Tribunal da Comarca do Porto Este, Juízo Central Cível de ... - J2.</font></i><br>
<i><font>B. Na ótica dos Recorrentes, no douto Acórdão recorrido, é feito um “erro de julgamento”, sendo, na opinião destes, violada a “lei adjetiva” o que, de acordo com estes, consubstancia uma nulidade.</font></i><br>
<i><font>C. Entendem, ainda, os Recorrentes, que, in casu, não estamos perante uma situação de “dupla conforme”.</font></i><br>
<i><font>D. O que, de resto, não tem, nem pode ter, acolhimento da nossa parte.</font></i><br>
<i><font>E. Porquanto, contrariamente ao alegado pelos Recorrentes, neste processo é clara a existência de duas decisões conformes, portanto da dupla conforme.</font></i><br>
<i><font>F. Existe a chamada dupla conforme, quando estamos perante uma integral e clara conformidade de decisões de tribunais distintos sobre o mesmo caso em apreço.</font></i><br>
<i><font>G. Sendo que é, neste âmbito, que o Tribunal de Relação se pronuncia, decidindo com base no que foi dado como provado/não provado no tribunal “a quo”.</font></i><br>
<i><font>H. Como é evidente, o Tribunal da Relação tem como círculo de atuação aquilo que foi alegado na primeira instância e dentro da factualidade vertida do processo.</font></i><br>
<i><font>I. A “dupla conforme” atenta e opera, inevitavelmente, ao caso concreto, não se extravasando daquilo que foi alegado e dado como provado/não provado, no processo sub judice.</font></i><br>
<i><font>J. Não é, nem pode ser, sob pena de se atentar contra à segurança jurídica e contra às decisões injustas e desconformes, admissível a comparação com outros processos cujo conteúdo e matéria de facto sejam manifestamente diferentes do processo em apreço.</font></i><br>
<i><font>K. Não podem, portanto, com o devido respeito que é muito, os Recorrentes estribarem-se numa qualquer decisão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido no âmbito de outro processo, cujo conteúdo e o vertido desconhecemos, nem temos que conhecer, para legitimarem o recurso à presente revista.</font></i><br>
<i><font>L. Até porque, cada caso é um caso e aquilo que é vertido e alegado num processo bem como a prova que é feita neste, não é, nem pode ser, a mesma que é feita noutro, pelo que a comparação para além de ser desprovida de sentido, é manifestamente inócua no que àquilo se pretende provar.</font></i><br>
<i><font>M. Destarte, a mera referência genérica a acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, não legitima nem justifica a interposição do recurso de revista que agora se contra-alega.</font></i><br>
<i><font>N. Para além disso, mesmo que se entendesse, o que, desde já se diga, não acontece, que estivéssemos perante uma hipotética inexistência da “dupla conforme”, com base numa decisão que esteja em contradição com outra, o modo de atuar seria, inevitavelmente, com o recurso à revista excecional nos termos do artigo 672º, nº 1 c) do C. Processo Civil.</font></i><br>
<i><font>O. E nunca com o presente recurso de revista esgrimido no âmbito do 671º do mesmo código, porquanto, tal recurso não é admissível, atendendo ao nº 3 do mesmo artigo onde plasma que não é admitida revista do acórdão da Relação que confirme, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão proferida na 1.ª instância(...)”.</font></i><br>
<i><font>P. Ora, o acórdão recorrido não teve voto de vencido, nem aderiu a fundamentação essencialmente diferente da decisão proferida em 1.ª instância, muito pelo contrário, confirmou na íntegra a decisão recorrida.</font></i><br>
<i><font>Q. Conclui-se, pois, que o acórdão recorrido não pode, nem poderia ser objeto de recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 671º, n.ºs 1 e 3 do CPC.</font></i><br>
<i><font>R. Também não pode considerar-se admissível o recurso de revista ordinário com fundamento do artigo 674º, n.º 1 e n.º 3 do CPC, cuja verificação teria de ser cumulativa com a do referido 671º do CPC, cujos requisitos não se verificam.</font></i><br>
<i><font>S. Isto porque, atendendo ao alegado no recurso ora contra-alegado, os Recorrentes, em sede de Conclusões, não concretizam quais as nulidades, os erros na apreciação da prova e na fixação de factos materiais, em que incorreu o Acórdão recorrido e que justificaria a revista ordinária.</font></i><br>
<i><font>T. Todavia, não obstante o referido supra sempre se dirá que a decisão recorrida não pretere qualquer espécie de prova que a lei exija para a existência de determinado facto, nem deixou de dar o devido valor à prova produzida.</font></i><br>
<i><font>U. A índole diferenciada e única do recurso de revista importa acrescidas exigências na verificação do fundamento previsto no artigo 674º, n.º 3 do CPC, sob prejuízo de qualquer erro na apreciação da matéria de facto admitir recurso de revista ordinário até ao Supremo Tribunal de Justiça.</font></i><br>
<i><font>V. E, como tem vindo a ser aceite pela jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, “o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto do recurso de Revista, a não ser nas duas hipóteses previstas no nº3 do artigo 674º do CPCivil, isto é: quando haja ofensa de uma disposição expressa de Lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou haja violação de norma legal que fixe a força probatória de determinado meio de prova (…)”</font></i><br>
<i><font>W. Pois que o princípio, excepcional, de obediência a uma hierarquização da prova produzida, e da sua apreciação, contende com a regra geral do princípio da livre apreciação da prova.</font></i><br>
<i><font>X. Desta feita, no recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, a censura da decisão da matéria de facto feita nas instâncias só poderá ser feita – no rigor dos princípios -por referência à violação de tais regras e não também em relação à apreciação livre da prova, que não é sindicável por via de recurso para este Órgão Jurisdicional.</font></i><br>
<i><font>Y. Em conclusão, entendemos que não foi violada qualquer regra de apreciação da prova, nem foi dado valor demasiado a uma prova em detrimento de outra, que justifique a admissibilidade do presente recurso de revista.</font></i><br>
<i><font>Termos em que, e nos melhores de direito que doutamente suprirão, V. Exª.s, Colendos Juízes Conselheiros, julgando o recurso improcedente farão a mais</font></i><br>
<i><font>SERENA E HABITUAL JUSTIÇA!”</font></i><br>
<font> </font><br>
<font>II – Questões a decidir</font><br>
<font>Atendendo às conclusões do recurso, que, segundo os arts. 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, do CPC, delimitam o seu objeto, e não podendo o Supremo Tribunal de Justiça conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser em situações excecionais de conhecimento oficioso, estão em causa as seguintes questões:</font><br>
<font>- (in)admissibilidade do recurso de revista-regra ou normal;</font><br>
<font>- (des)respeito, por parte do Tribunal da Relação, pelos comandos consagrados no art. 662.º do CPC.</font><br>
<font> </font>
</p><p><b><font>III – Fundamentação</font></b><br>
<b><font>A) De Facto</font></b><br>
<font>Foram considerados como provados os seguintes factos:</font><br>
<i><font>“A) A “Quinta ...” é composta por uma parte rústica, terreno a cultura, pastagem, ramada, pinhal, mato e dependências agrícolas, com a área de 53.038,00 m2, sita no lugar de ..., inscrito na matriz sob o artigo 630, rústico, da freguesia de ..., descrita na Conservatória do Registo Predial de ... sob a ficha 43- ... e por uma parte urbana, casa colmaça, eira e quinteiro, sita no lugar do ..., com a área coberta de 104,5 m2 e descoberta de 256 m2, a confrontar de todos os lados com herdeiros de II, inscrita na matriz sob o artigo 176, urbano, da freguesia de ..., descrita na Conservatória do Registo Predial de ... sob a ficha 168-....</font></i><br>
<i><font>B) A “Quinta ...” foi adjudicada à autora, na partilha da herança de II e JJ, celebrada por escritura pública de 24.07.09, de fls. 126 a 129, do livro 211, do Cartório Notarial a cargo da Notária KK.</font></i><br>
<i><font>C) Por documento denominado CONTRATO DE COMPRA E VENDA, elaborado pela solicitadora DD, que o autenticou foi declarado que a autora vende ao réu marido, pelo preço de € 15.000,00 o “PRÉDIO RUSTICO, denominado “Quinta ...”, composto por terreno a cultura, ramada pinhal, mato e dependências agrícolas, sito no lugar de ..., freguesia de ..., concelho de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial sob o número ...– ..., registada a aquisição a favor da Primeira Outorgante pela Apresentação ... de 2009/07/29, inscrito na matriz predial rústica sob o artigo 630”. </font></i><br>
<i><font>D) Apesar do declarado em C), o que ambas as partes aceitaram vender e comprar foi antes uma parcela de terreno, com a área aproximada de 6.000 m2, sita no lugar de ... (de baixo), da freguesia de ..., a confinar de norte com caminho, nascente com LL e de sul com estrada, não se tendo apurado a confrontação poente.</font></i><br>
<i><font>E) Após a escritura, o réu entrou na posse da parcela de terreno que havia ajustado comprar à autora, identificada em D), cortou a vegetação, limpou-a, desaterrou-a, terraplanou-a e nela fez as obras e benfeitorias que entendeu, necessárias para a construção do parque para as viaturas das sua empresa.</font></i><br>
<i><font>F) O réu bem sabia que a autora não lhe queria vender a “Quinta ...”, como declarou no citado contrato de compra e venda.</font></i><br>
<i><font>G) O réu marido limpou e mandou limpar caminhos existentes e abriu novos caminhos fora da área referida em D), acordada comprar e vender, no que despendeu quantia não concretamente apurada”.</font></i><br>
<font> </font><br>
<font>Foram considerados não provados os seguintes factos:</font><br>
<font>“</font><i><font>1. O prédio negociado tem a área aproximada de 4.500 m2, confronta do poente com MM, está omisso à matriz e não descrito na Conservatória do Registo Predial de ...; o qual não foi referido na escritura de partilha;</font></i><br>
<i><font>2. O réu apenas e só entrou na posse da parcela de terreno que havia ajustado comprar à autora;</font></i><br>
<i><font>3. A autora nunca quis vender ao réu a sua propriedade denominada “Quinta ...”, mormente a parte rústica dela…</font></i><br>
<i><font>4. O que o réu sabia;</font></i><br>
<i><font>5. A autora declarou o que do título de transmissão consta por lhe terem dito que a parcela efectivamente combinada vender e comprar fazia parte do artigo 630, rústico da freguesia de ... e que deste seria destacada;</font></i><br>
<i><font>6. … a parcela combinada vender e comprar não faz parte da “Quinta ...”, o que era do conhecimento do réu;</font></i><br>
<i><font>7. A parte rústica da “Quinta ...” tem um valor de mercado na ordem dos € 300.000;</font></i><br>
<i><font>8. … E disso o réu tem perfeito conhecimento;</font></i><br>
<i><font>9. Foi acordado com a autora que os réus comprariam a parte rústica da “Quinta ...”, pelo pre | [0 0 0 ... 0 0 0] |
djFju4YBgYBz1XKvWP9q | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><div><br>
<b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça,</font></b></div><br>
<br>
<b><font> </font></b><br>
<p><b><font>I - Relatório</font></b><br>
</p><p>
</p><p><b><font>1. </font></b><font>Por apenso a processo especial de inventário instaurado por apenso a processo de divórcio sem consentimento do outro cônjuge, </font><b><font>AA</font></b><font>, nos termos dos arts. 1014.° e 1018.° do CPC, na versão então em vigor, requereu a prestação de contas contra </font><b><font>BB</font></b><font>. Pediu a notificação da Requerida para, na qualidade de cabeça de casal, apresentar as contas da administração dos bens comuns do casal referentes ao período de tempo que medeia entre 29 de maio de 2009 e 29 de maio de 2011, assim como aos anos subsequentes e até à partilha daqueles bens, e a condenação da Requerida no pagamento dos saldos que se venham a apurar a favor do Requerente.</font>
</p><p><b><font>2. </font></b><font>A Requerida deduziu oposição ao pedido, pugnando pela sua absolvição, por não se encontrar na detenção de bens comuns do casal geradores de receitas.</font>
</p><p><b><font>3. </font></b><font>Por decisão proferida a 9 de outubro de 2013, foi reconhecida e declarada a obrigação da Requerida de prestar contas, limitada ao prédio urbano descrito sob o n.° ...63 Conservatória do Registo Predial de ..., artigo ...64 da freguesia de ..., onde reside e que é bem comum do casal.</font>
</p><p><b><font>4. </font></b><font>Notificada para o efeito, a Requerida procedeu â apresentação de contas. Estas foram impugnadas pelo Requerente e também rejeitadas por despacho de 9 de março de 2015, com fundamento no incumprimento dos requisitos formais e materiais legalmente previstos para a prestação de contas, apesar das respostas da Requerida aos convites para o aperfeiçoamento que lhe foram dirigidos.</font>
</p><p><b><font>5. </font></b><font>Tendo-lhe sido devolvida a faculdade de proceder à apresentação de contas a propósito do referido prédio, o Requerente, por requerimento de 20 de abril de 2015, procedeu à sua prestação relativamente ao período de tempo que intercede entre 1 de junho de 2008 e 31 de dezembro de 2014. Concluiu no sentido da existência de crédito seu perante a Requerida, no montante de € 209.896,37, no que respeita ao prédio urbano que continuou a constituir a morada da Requerida e dos filhos do casal que com eles residiam, sito em ..., valor que atualizou para € 218.727,74 à data de 31 de dezembro de 2014. Relacionou também, na partida dos débitos mensais, quantias por si pagas a título de prestação de seguro de vida-crédito à habitação, duas prestações em cumprimento de empréstimos hipotecários, taxa de conservação de esgotos e imposto municipal sobre imóveis (IMI). Por seu turno, na partida dos créditos, relacionou montantes a título de locação da casa de morada e do seu recheio a cargo da Requerida, à razão mensal de €2.494,97 e de €155,03, respetivamente.</font>
</p><p><b><font>6. </font></b><font>Requereu a aprovação das contas e a condenação da Requerida no pagamento daquele valor e do saldo das contas vincendas até à partilha do património comum do casal , atualizados à data da realização do integral pagamento.</font>
</p><p><b><font>7. </font></b><font>Juntou documentos e exposição epigrafada de “Critérios utilizados na prestação de contas” (fls. 623) relativamente às contrapartidas que relacionou pela utilização da casa de morada (arrendamento) e do respetivo recheio (aluguer). Para esse efeito, para a utilização da primeira considerou as prestações bancárias em cumprimento dos empréstimos que relacionou como débito, que alegou beneficiarem de hipoteca constituída sobre outro imóvel do património comum do casal, que se destinaram à aquisição e ao pagamento dos acabamentos daquela moradia. Por seu turno, para a utilização do recheio, levou em linha de conta a amortização, durante vinte anos, do respetivo valor, no montante de € 37.207,20 (req. de 20 de abril de 2015).</font>
</p><p><b><font>8. </font></b><font>Na mesma data, o Requerente apresentou contas referentes ao restante património comum do casal e ao período que medeia entre 1 de junho de 2008 e 31 de dezembro de 2014. Concluiu por crédito a seu favor, a cargo da Requerida, no valor de € 88.932,98, que atualizou para o montante de € 94.277,37. Na coluna dos débitos mensais relacionou despesas que alegou ter realizado (IRS, EDP, TV cabo, PT, despesas com CC, DD, EE, FF, água, pagamentos por conta, M..., limpeza ..., cortina de vidro, portões ..., IMI, veterinário, pinheiros, estrume, condomínio da ..., bomba e filtro piscina, caldeira, plantas, ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., GG, ..., aquecimento). Por seu turno, na coluna dos créditos mensais relacionou montantes a título de utilização da. ... (...), no valor mensal de € 166,67 até maio de 2010, e no valor de € 500,00 a partir de abril de 2012; de utilização da ... (...), no valor mensal de € 333,33 até maio de 2010, e no valor de € 500,00 desde junho 2010 até abril de 2012; de utilização do ... ...-...-MH (...), no valor mensal de € 50,00 até maio de 2013.</font>
</p><p><b><font>9. </font></b><font>Requereu a aprovação das contas e a condenação da Requerida no pagamento daquele valor e do saldo das contas vincendas até à partilha do património comum do casal, atualizados à data do integral pagamento.</font>
</p><p><b><font>10. </font></b><font>Arrolou testemunhas e juntou documentos, incluindo documento elaborado em forma de conta corrente referente ao período de tempo que intercede entre agosto de 2004 e dezembro de 2014, tendo inscrito valores a título de despesas (serviços/mão de obra, materiais, incluindo pesticidas, sementes, rações para animais, serviços de trator, combustível, reparação de bomba de rega, ingredientes para doce de tomate, operação aos olhos de CC) e de pagamentos realizados.</font>
</p><p><b><font>11. </font></b><font>Juntou documento denominado como “Critérios utilizados na prestação de contas” (fls. 1146) relativamente aos valores/'contrapartidas' que relacionou pela utilização da ... e do veículo automóvel. Considerou, quanto à ..., a utilização anual que indistintamente cada um deles fez dela (fins de semana e férias), imputando 2/3 à Requerida e 1/3 ao Requerente, acrescentando que entre 1 de junho de 2010 e 30 de abril de 2012 foi exclusivamente utilizada pela Requerida e, a partir dessa data, exclusivamente pelo Requerente, mediante o pagamento de uma renda mensal de € 500,00. Ponderou, para o veículo, o valor de € 3.000,00 em 2008 e um período de amortização de sessenta meses, correspondente ao período de vida útil do veículo. Justificou ainda as despesas relacionadas a título de pagamentos a CC, declarando que se encontram distribuídas entre ambos de forma equitativa desde 1 de junho de 2008 até 30 de abril de 2012 e, a partir dessa data, na proporção de 40% para a Requerida e de 60% para o Requerente. Fundamenta esta afirmação no facto de CC prestar também serviços particulares exclusivamente a seu favor, como o cuidado dos animais e da sua horta privada, sem prejuízo de outros valores percentuais, incluindo despesas que relacionou como sendo totalmente da sua responsabilidade (do Requerente).</font>
</p><p><b><font>12. </font></b><font>Apresentou aditamento às contas referentes ao ano de 2015 e ao prédio de ..., onde reside a Requerida, tendo concluído no sentido de a Requerida ser sua devedora no montante de € 30.652,61, assim como no valor total de € 240.548,98, até 31 de dezembro de 2015, quantia esta que atualiza para € 251.455,03.</font>
</p><p><b><font>13. </font></b><font>Apresentou aditamento às contas referentes aos demais bens do património comum do casal no ano de 2015, no qual incluiu despesas com benfeitorias realizadas na ... (obras e instalação dos respetivos equipamentos), tendo concluído no sentido de a Requerida ser sua devedora no montante de € 17.601,66, assim como no valor total de € 106.534,64, até 31 de dezembro de 2015, quantia esta que atualiza para € 112.688,26.</font>
</p><p><b><font>14. </font></b><font>Arrolou testemunhas e juntou documentos.</font>
</p><p><b><font>15. </font></b><font>Apresentou aditamento às contas referentes ao ano de 2016 e ao prédio de ..., onde reside a Requerida, concluindo no sentido de que a Requerida ser sua devedora no montante de € 30.527,03, assim como no valor total de € 271.076,01, até 31 de dezembro de 2016, quantia esta que atualiza para € 290.101,82.</font>
</p><p><b><font>16. </font></b><font>Apresentou aditamento às contas referentes ao ano de 2016 e aos bens do património comum do casal, com exclusão do prédio de ..., no qual incluiu despesas com benfeitorias realizadas na ... (obras e instalação dos respetivos equipamentos), concluindo no sentido de a Requerida ser sua devedora no montante de € 239.379,31, assim como no valor total de € 345.913,95, até 31 de dezembro de 2016, quantia esta que atualiza para € 353.418,83.</font>
</p><p><b><font>17. </font></b><font>Com exceção das despesas traduzidas no pagamento do IMI, que aceita constituírem despesas da responsabilidade de ambos, a Requerida impugnou as contas apresentadas pelo Requerente, alegando desconhecer os dispêndios por ele relacionadas, o fim a que se destinam e a proveniência das quantias pecuniárias com que foram satisfeitos. Refere também que esses gastos não foram por si autorizados e que foram realizados em benefício do próprio Requerente no prédio designado Quinta do ...... em ..., prédio que ela não administra, não possui e a que não tem acesso. Impugnou os pagamentos de empréstimos hipotecários, porque nunca celebrou qualquer acordo de pagamento com a instituição de crédito e desconhece se respeitam ou não a outros bens patrimoniais do Requerente e do seu atual cônjuge. Impugnou outrossim os valores de locação da casa de ... e seu recheio, porque não consentidos, dizendo não lhe poderem ser imputados pela ocupação da casa de morada de família. Na medida em que nem a sua atribuição e nem o respetivo direito ao arrendamento foram objeto de decisão judicial, o Requerente não tem legitimidade para peticionar valores a título da sua utilização.</font>
</p><p><b><font>18. </font></b><font>Arrolou testemunhas, requereu a junção de documentos pelo Requerente e solicitou a requisição de outros, assim como a realização de prova pericial, que foi admitida e deferida para o processo de inventário.</font>
</p><p><b><font>19. </font></b><font> Foi realizada audiência de julgamento com prestação de declarações de parte e inquirição das testemunhas arroladas pelas partes. O Tribunal de 1.ª Instância, por sentença, decidiu “</font><i><font>julgar totalmente improcedente a presente acção e não aprovar as contas apresentadas pelo requerente, devendo as partes resolver o diferendo noutra sede processual que não a prestação de contas.</font></i><font>” Condenou ainda o Requerente nas custas da ação, no máximo legal.</font>
</p><p><b><font>20. </font></b><font>Desta decisão recorreu o Requerente.</font>
</p><p><b><font>21. </font></b><font>Não foram, apresentadas contra-alegações.</font>
</p><p><b><font>22. </font></b><font>A 14 de janeiro de 2020, o Tribunal da Relação de Lisboa decidiu o seguinte:</font>
</p><p><font>“</font><i><font>Por todo o exposto, os juízes desta secção acordam em julgar improcedente a apelação e manter a decisão recorrida, no sentido:</font></i>
</p><p><i><font>i) Da improcedência da ação relativamente aos montantes relacionados a título de contrapartida pela utilização exclusiva, pela apelada, do prédio sito em ..., na ...;</font></i>
</p><p><i><font>ii) Da verificação da exceção de erro na forma do processo de prestação de contas para apreciação do que demais por eles o apelante submeteu a apreciação;</font></i>
</p><p><i><font>iii) Da condenação do apelante nas custas do processo, considerando como valor da ação o indicado na petição inicial.</font></i>
</p><p><i><font>Mais acordam em condenar a apelante no pagamento:</font></i>
</p><p><i><font>iv) Das custas do incidente a que deu causa com a requerida mas intempestiva junção dos documentos que apresentou com as alegações, que se fixam em duas UCs de taxa de justiça, nos termos dos arts, 443°, n° 1 e art. 27°, n° 1 do Regulamento das Custas Processuais;</font></i>
</p><p><i><font>v) Das custas do recurso.</font></i><font>”</font>
</p><p><b><font>23. </font></b><font>Não conformado, AA interpôs recurso de revista com as seguintes </font><b><font>Conclusões</font></b><font>:</font>
</p><p><font>“</font><i><font>1.ª O presente Recurso de Revista tem por objeto o Acórdão, datado de 14 de Janeiro de 2020, proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, que julgou improcedente a apelação e (decidiu) manter a decisão recorrida, no sentido:</font></i>
</p><p><i><font>i) Da improcedência da ação relativamente aos montantes relacionados a título de contrapartida pela utilização exclusiva, pela apelada, do prédio sito em ..., na ...;</font></i>
</p><p><i><font>ii) Da verificação da exceção de erro na forma do processo de prestação de contas para apreciação do que demais por eles o apelante submeteu a apreciação;</font></i>
</p><p><i><font>iii) Da condenação do apelante nas custas do processo, considerando como valor da ação o indicado na petição inicial.</font></i>
</p><p><i><font>Mais acordam em condenar a apelante no pagamento:</font></i>
</p><p><i><font>iv) Das custas do incidente a que deu causa com a requerida mas intempestiva junção dos documentos que apresentou com as alegações, que se fixam em duas UC’s de taxa de justiça, nos termos dos arts. 443º, nº 1 e art. 27º, nº 1 do Regulamento das Custas Processuais;</font></i>
</p><p><i><font>v) Das custas do recurso.</font></i>
</p><p><i><font>6.1. SOBRE A MATÉRIA DE FUNDO DA REVISTA</font></i>
</p><p><i><font>6.1.1. VIOLAÇÕES DE DIVERSOS CASOS JULGADOS</font></i>
</p><p><i><font>2.ª O facto de o Acórdão Recorrido ter, ainda, qualificado, juridicamente, de uma forma diferente, os factos alegados pelo Recorrente, relativamente à qualificação que foi feita pelo próprio Recorrente ou à qualificação que desses mesmos factos</font></i>
</p><p><i><font>foi feita por várias decisões do Tribunal de 1ª Instância, não faz alterar a causa de pedir nem afasta os casos julgados nem a sua autoridade, porquanto a causa de pedir é o ato ou facto jurídico donde emerge o direito a ser tutelado;</font></i>
</p><p><i><font>3.ª O Acórdão Recorrido ignorou, em alguns casos, e, em outros casos, fez uma interpretação restritiva do alcance das várias situações de caso julgado, referenciadas na Conclusão 4ª do Requerimento de Admissibilidade da Revista, limitando-os:</font></i>
</p><p><i><font>a. À verificação da exceção de erro na forma do processo de prestação de contas para apreciação do que demais por eles o apelante submeteu a apreciação, consubstanciada na matéria decisória constante dos Sumários I a VIII;</font></i>
</p><p><i><font>b. À improcedência da ação relativamente aos montantes relacionados a título de contrapartida pela utilização exclusiva, pela apelada, do prédio sito em ..., na ...; consubstanciada na matéria decisória constante do Sumário IX.</font></i>
</p><p><i><font>4.ª O Acórdão Recorrido fez letra morta das seguintes decisões, já consolidadas por anteriores decisões judiciais proferidas no processo, sobre:</font></i>
</p><p><i><font>a. O direito, do Recorrente, a exigir a prestação de contas, à Recorrida, e a obrigação, da Recorrida, de prestar essas contas;</font></i>
</p><p><i><font>b. O objeto da prestação forçada de contas, que inclui:</font></i>
</p><p><i><font>i. O prédio urbano sito na Rua..., em ..., ...;</font></i>
</p><p><i><font>ii. O valor do uso exclusivo do prédio urbano por parte de um dos ex-cônjuges, que constitua bem comum;</font></i>
</p><p><i><font>iii. Unicamente as contas que respeitam à administração e utilização do imóvel onde a Recorrida reside e devem iniciar-se a 29 de Maio de 2008;</font></i>
</p><p><i><font>c. A transmissão, para o Recorrente, do direito ou da obrigação da Recorrida prestar contas, em face da não admissão e rejeição das contas apresentaras pela Recorrida;</font></i>
</p><p><i><font>d. O direito potestativo, do Recorrente, a prestar as contas que entende serem devidas, como administrador de facto de determinados bens pertencentes ao património comum;</font></i>
</p><p><i><font>e. Foram tacitamente admitidas as contas prestadas, espontaneamente, pelo Recorrente;</font></i>
</p><p><i><font>f. A decisão a proferir na Ação de Prestação de Contas (Apenso C) produz efeitos no Processo de Inventário (Apenso B), ordenando-se, em consequência, a suspensão destes autos até trânsito em julgado da decisão do Apenso C, decidida, definitivamente, no Apenso B, pelo Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 20 de Dezembro de 2017,</font></i>
</p><p><i><font>5.ª A exclusão de parte do objeto da prestação de contas, operada por via do Acórdão Recorrido:</font></i>
</p><p><i><font>a. Não tem suporte legal;</font></i>
</p><p><i><font>b. Viola decisões judiciais anteriores, transitadas em julgado;</font></i>
</p><p><i><font>c. Viola o direito do Recorrente de solicitar e de obter a prestação de contas, de acordo com o pedido e a causa de pedir, formulados na presente Ação de Prestação de Contas;</font></i>
</p><p><i><font>d. Essa prestação de contas envolve as despesas que resultem diretamente da administração da Recorrida sobre o bem imóvel que diz administrar, em exclusivo, bem como as demais despesas (e receitas) relacionadas com o mesmo imóvel.</font></i>
</p><p><i><font>6.ª A prestação espontânea de contas, realizada pelo Recorrente, decorre do pedido e da causa de pedir e é um direito, processual e substantivo, reconhecido por lei a quem administra, de facto, bens comuns;</font></i>
</p><p><i><font>7.ª O Acórdão Recorrido coloca o Recorrente numa posição(processual e material)de acentuada desvantagem, relativamente à Recorrida, porque restringe um direito (o de exigir a prestação de contas dos bens administrados de facto pela Recorrida) e condiciona uma obrigação (a de prestar contas), colocando as partes em posições processuais e materiais diferentes, o que viola o princípio do processo equitativo</font></i><a><b><i><u><sup><font>[1]</font></sup></u></i></b></a><i><font>.</font></i>
</p><p><i><font>6.1.2. ADEQUAÇÃO PROCESSUAL DA PRESTAÇÃO DE CONTAS</font></i>
</p><p><i><font>8.ª Ao partir do princípio que o Recorrente pretende que, antes de partilhado o património comum, a Recorrida seja condenada a pagar o saldo das contas da administração dos bens comuns, o Acórdão Recorrido decidiu que o processo de inventário é o legalmente previsto para a concretização das operações pretendidas pelo Recorrente, na ausência qualquer base factual, jurídica e até lógica;</font></i>
</p><p><i><font>9.ª A decisão expressa no Acórdão Recorrido é manifestamente discriminatória, relativamente ao Recorrente, por violar o direito do Recorrente ser ouvido, pelo que escreveu na Petição Inicial e nas demais peças processuais, incluindo nas Alegações de Apelação, o que constitui, também, violação do devido processo legal</font></i><a><b><i><u><sup><font>[2]</font></sup></u></i></b></a><i><font>, que é um direito fundamental, constitucionalmente, protegido</font></i><a><b><i><u><sup><font>[3]</font></sup></u></i></b></a><i><font>, o que torna o Acórdão Recorrido inconstitucional, e, por isso, nulo e de nenhum efeito;</font></i>
</p><p><i><font>10.ª As Instâncias não estão autorizadas a assumir uma qualquer outra manifestação da vontade do Recorrente, diferente da expressa na Petição Inicial e nas demais peças processuais da Prestação de Contas;</font></i>
</p><p><i><font>11.ª No Direito Português, o iura novit cura é um poder, mas não um poder discricionário, porque se encontra limitado:</font></i>
</p><p><i><font>a. Num primeiro nível, pelo direito, que é constitucionalmente</font></i><a><b><i><u><sup><font>[4]</font></sup></u></i></b></a><i><font>, reconhecido, ao Recorrente:</font></i>
</p><p><i><font>i. De acesso aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos</font></i><a><b><i><u><sup><font>[5]</font></sup></u></i></b></a><i><font>;</font></i>
</p><p><i><font>ii. De que as causas em que intervenha sejam objeto de decisão em prazo razoável;</font></i>
</p><p><i><font>iii. A um processo equitativo</font></i><a><b><i><u><sup><font>[6]</font></sup></u></i></b></a><i><font>, no sentido de que a causa deve ser</font></i><a><b><i><u><sup><font>[7]</font></sup></u></i></b></a><i><font>324:</font></i>
</p><p><i><font>1) Examinada, equitativamente;</font></i>
</p><p><i><font>2) Num prazo razoável;</font></i>
</p><p><i><font>3) Por um tribunal imparcial;</font></i>
</p><p><i><font>4) Sobre a determinação dos seus direitos e obrigações de carácter civil.</font></i>
</p><p><i><font>b. Num segundo nível pela Lei, incluindo a lei processual aplicável, no que se refere, nomeadamente:</font></i>
</p><p><i><font>i. Aos seus princípios estruturantes:</font></i>
</p><p><i><font>1) Princípio do dispositivo;</font></i>
</p><p><i><font>2) Princípio do contraditório;</font></i>
</p><p><i><font>3) Princípio da igualdade das partes;</font></i>
</p><p><i><font>4) Princípio da imparcialidade do juiz,</font></i>
</p><p><i><font>ii. À proibição de decisões, surpresa, constitucionalmente proibidas e, por isso, nulas e de nenhum efeito</font></i><a><b><i><u><sup><font>[8]</font></sup></u></i></b></a><i><font>.</font></i>
</p><p><i><font>12.ª O iura novit cura é um poder limitado pelos direitos das partes, o que implica um dever de respeito por esses direitos, nomeadamente os que decorrem da Lei, do Artigo 6 da CEDH e do nº 4 do Artigo 20º da CRP;</font></i>
</p><p><i><font>13.ª As Instâncias decidiram com total desprezo pelo que foi alegado, pelo Recorrente e pela Recorrida, nos respetivos articulados, e no anteriormente decidido (com trânsito em julgado nos autos) pelo Tribunal, como se o Julgador fosse parte no processo e tivesse plena liberdade para decidir, contra a pretensão de quem teve a iniciativa processual, visando o exercício de um direito que, no seu entender, lhe assiste, por ter cobertura legal.</font></i>
</p><p><i><font>14.ª Um dos elementos integrantes do princípio do processo equitativo</font></i><a><b><i><u><sup><font>[9]</font></sup></u></i></b></a><i><font> é o contraditório - que não pode ser entendido como o cumprimento de uma mera formalidade processual - e compreende, também, o direito a ser ouvido, que impõe que seja dada oportunidade a todo o participante processual de ser ouvido e de expressar as suas razões antes de ser tomada qualquer decisão que o afete;</font></i>
</p><p><i><font>15.ª Releva que o Tribunal: tenha em consideração o que as partes alegam, num sentido e no outro; discuta os respetivos fundamentos, de facto e de direito; pondere sobre as diversas soluções (decisões) possíveis, e a sua conformidade com uma noção ideal de justiça, em face dos interesses em presença e das suas consequências; e, decida, em consciência, de acordo com o pedido, os factos apurados e o direito aplicável.</font></i>
</p><p><i><font>16.ª As Instâncias proferiram decisões surpresa, fora do contexto do pedido e das suas motivações, o que lhes está constitucional e legalmente vedado e ao fazê-lo cometeram uma nulidade insuprível</font></i><a><b><i><u><sup><font>[10]</font></sup></u></i></b></a><i><font>, por:</font></i>
</p><p><i><font>a. Violação do princípio do dispositivo, no entendimento que lhe é dado pela generalidade da doutrina e de jurisprudência;</font></i>
</p><p><i><font>b. Violação do princípio da igualdade das partes e do contraditório; e,</font></i>
</p><p><i><font>c. Violação do princípio da imparcialidade do julgamento.</font></i>
</p><p><i><font>17.ª Os efeitos decorrentes do Acórdão Recorrido, caso, porventura, viesse a transitar em julgado - o que o Recorrente não aceita que possa vir a acontecer - seriam um inundar os Tribunais Comuns com um sem número de outras ações, envolvendo elevados custos, porque não é certo que as correspondentes questões fossem resolvidas por via do Inventário, mas sim remetidas para os meios comuns;</font></i>
</p><p><i><font>18.ª O Acórdão Recorrido confunde as funções do Inventário e da Prestação de Contas, que, na verdade são distintas, podendo esta, ser instrumental relativamente àquela, mas só relativamente a determinadas matérias, porque nem tudo o que resulta da prestação de contas se projeta na partilha dos bens comuns do casal:</font></i>
</p><p><i><font>a. O processo de prestação de contas tem por objeto o apuramento e aprovação das receitas obtidas e das despesas efetuadas por quem administra bens alheios</font></i><a><b><i><u><sup><font>[11]</font></sup></u></i></b></a><i><font>328;</font></i>
</p><p><i><font>b. A função do Inventário é a liquidação e a partilha do património comum, através da realização dessas operações específicas</font></i><a><b><i><u><sup><font>[12]</font></sup></u></i></b></a><i><font>.</font></i>
</p><p><i><font>19.ª O facto de a Lei ter previsto o direito e a correspondente obrigação de prestar contas, por quem administre um património comum, ou coletivo, como é o de um extinto casal, enquanto não se verificar a sua partilha, vem corresponder à satisfação de um interesse social relevante, que tem a ver com os interesses de quem administra e com os interesses de quem tenha direitos sobre o património administrado, que se traduzem no seguinte:</font></i>
</p><p><i><font>a. Quem administra tem, entre outros, interesse:</font></i>
</p><p><i><font>i. Em revelar, aos demais interessados, que fez uma administração de acordo com as obrigações que lhe são legalmente impostas, ou, não o tendo feito, que os seus atos sejam relevados, em face das justificações apresentadas;</font></i>
</p><p><i><font>ii. Em ser pago dos valores, extraídos do seu património pessoal, que, eventualmente, tenha despendido com a administração dos bens comuns, emergentes do saldo evidenciado nas contas prestadas;</font></i>
</p><p><i><font>iii. Em pagar aos demais interessados, que pode ser o próprio património comum ou a cada um dos seus titulares, os valores emergentes do saldo evidenciado nas contas prestadas, que excedam os respetivos custos, se for esse o entendimento de todos eles.</font></i>
</p><p><i><font>b. Os demais interessados, titulares do património comum, têm, entre outros, interesse:</font></i>
</p><p><i><font>i. Em que o património comum seja administrado com diligência, competência e honestidade, fundamentalmente para que preserve o seu valor ou, até, se valorize, em proveito de todos os interessados;</font></i>
</p><p><i><font>ii. Em que o administrador exerça a sua administração com prudência, para não por em causa o património comum, assegurando o cumprimento de todos os seus deveres (probidade);</font></i>
</p><p><i><font>iii. Em receber ou ter contabilizados, a seu crédito no património comum, os valores resultantes dos saldos positivos da prestação de contas de quem administra;</font></i>
</p><p><i><font>iv. Em ver reduzidos, ao mínimo, os valores a pagar, a título de reembolso, das despesas, relacionadas com a administração do património comum, suportadas pelo património pessoal do administrador.</font></i>
</p><p><i><font>20.ª Ao decidirem com decidiram, as Instâncias acabaram por colocar o Recorrente e a Recorrida numa situação objetiva de uma profunda desigualdade, perante o património comum, traduzida no seguinte:</font></i>
</p><p><i><font>a. A Recorrida, embora seja a cabeça-de-casal foi, de facto, dispensada da sua obrigação de prestar contas, decidida por sentença transitada em julgado, mesmo que essa administração tivesse sido reduzida à moradia onde reside;</font></i>
</p><p><i><font>b. O Recorrente foi impedido:</font></i>
</p><p><i><font>i. De prestar contas, em substituição da Recorrida - pelo facto de esta não as ter apresentado na forma legal - tal como é seu direito</font></i><a><b><i><u><sup><font>[13]</font></sup></u></i></b></a><i><font> e assim foi determinado, em 9 de Março de 2015, por decisão judicial com trânsito em julgado</font></i><a><b><i><u><sup><font>[14]</font></sup></u></i></b></a><i><font>;</font></i>
</p><p><i><font>ii. De prestar espontaneamente contas da administração de facto, que acabou por fazer da parte restante do património comum e em sua defesa, como é seu direito</font></i><a><b><i><u><sup><font>[15]</font></sup></u></i></b></a><i><font>332 e cuja admissão foi tacitamente admitida pelo Tribunal, ao notificar a Recorrida para as contestar;</font></i>
</p><p><i><font>iii. De receber receitas, a favor do património comum. Resultam das contas apresentadas, pelo Recorrente, avultados saldos, a seu favor, sobretudo porque a Recorrida não conseguiu administrar esse património comum de forma a produzir rendimentos suscetíveis de cobrir as respetivas despesas. Nada sendo sido feito, como resulta da atitude da Recorrida, nos últimos doze anos, o património comum tornar-se-ia insolvente, ou seja, as despesas acumuladas tenderiam a ultrapassar o valor desse património. Por isso, o Recorrente, como administrador de facto, em substituição da recorrida, viu-se forçado a financiar a quase totalidade dessas despesas, em benefício do património comum, e a diligenciar a obtenção de rendimentos desse património, resultantes do respetivo uso e fruição, nomeadamente:</font></i>
</p><p><i><font>1. Imputando, nas contas, um valor pelo uso e fruição da Q......, de que o Recorrente beneficia;</font></i>
</p><p><i><font>2. Vendendo, anualmente, as pinhas produzidas na Q......, e, em breve, os novos rebentos, para enxerto;</font></i>
</p><p><i><font>3. Imputando, nas contas, um valor pelo uso e fruição da moradia sita na R..., em ..., de que a Recorrida beneficia;</font></i>
</p><p><i><font>iv. De obter o reembolso dos valores pagos, pelo Recorrente, a favor do património comum, que correspondem a uma média mensal da ordem dos € 2.600,00 para a moradia que a Recorrida usufrui e de € 1.200,00 para o restante património, de que fazem parte os seguintes pagamentos, que têm sido feitos pelo Recorrente:</font></i>
</p><p><i><font>1. Dívidas comuns, e, por isso, da responsabilidade de ambos os cônjuges, hoje já totalmente pagas, por via do património pessoal do Recorrente;</font></i>
</p><p><i><font>2. Prémios de seguro;</font></i>
</p><p><i><font>3. Impostos devidos ao Estado;</font></i>
</p><p><i><font>4. Despesas de conservação e manutenção, sobretudo da Q.......</font></i>
</p><p><i><font>21.ª São muitas centenas de milhares de euros, em desfavor do Recorrente e a favor da Recorrida, que justificam a situação de manifesta injustiça, em que o Recorrente é colocado, como a de, em vez de estar a exercer um direito, estar, de facto, a expiar uma pena;</font></i>
</p><p><i><font>22.ª A gestão, de facto, que o Recorrente fez do património comum, além de lhe ter custado dinheiro, correspondente aos seus créditos, beneficiou o património comum, e, também, a Recorrida, que tendo a obrigação de administrar esse património, optou por não o fazer, deixando o encargo totalmente do lado do Recorrente, sem esperanças de o reaver a curto prazo, de acordo com o decidido nas Instâncias;</font></i>
</p><p><i><font>23.ª No entender do Recorrente, as decisões das Instâncias estão eivadas de um qualquer preconceito contra si, pessoalmente, o que, além de infundado, é totalmente inadmissível num Estado de Direito Democrático;</font></i>
</p><p><i><font>24.ª A Prestação de Contas e o Inventário não se excluem, pelo contrário, podem complementar-se, daí o próprio Tribunal ter concluído que existe, entre eles, uma relação de prejudicialidade, ou seja, a solução que resultar da Ação de Prestação de Contas, é necessária para se decidirem relevantes questões relacionadas com o Inventário.</font></i>
</p><p><i><font>25.ª Os itens da Prestação de Contas podem ter e têm, normalmente, cabimento nas operações de liquidação do Inventário, de acordo com a natureza jurídica que determinou o respetivo lançamento, a crédito ou a débito, do Recorrente, da Recorrida ou de terceiros</font></i><a><b><i><u><sup><font>[16]</font></sup></u></i></b></a><i><font>. Contudo, podem existir, na Prestação de Contas, itens que não devem ser incluídos no Inventário, por serem estranhas à administração ordinária do património comum. Podem estar neste caso, eventualmente, entre outras, as benfeitorias caracterizadas como inovações, realizadas em bens comuns.</font></i>
</p><p><i><font>26.ª É claro qu | [0 0 0 ... 0 0 0] |
dzFju4YBgYBz1XKvWf_O | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><b><font> </font></b><div><br>
<b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça,</font></b><br>
<p></p></div><br>
<br>
<b><font>I - Relatório</font></b><br>
<p>
</p><p><b><font>1. Gerex - Gabinete de Gestão Industrial e Comercial, Lda.</font></b><font>, Requerida no procedimento especial de despejo intentado por </font><b><font>Paradise Pyramid, Lda</font></b><font>., com fundamento na oposição à renovação do contrato de arrendamento, deduziu, ao abrigo do art. 15.º-F da Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro, oposição com pedido reconvencional.</font>
</p><p><b><font>2. </font></b><font>Alegou, em síntese, que:</font><br>
</p><p><font>- a Requerente apresentou no presente procedimento especial de despejo um contrato de arrendamento celebrado, por escritura pública, a 19 de dezembro de 1997, juntando o comprovativo da comunicação prevista no art. 1097.º, n.º 1, do CC; omitiu, todavia, que a relação contratual subjacente ao arrendamento dos autos remonta a 15 de junho de 1989, data da celebração do contrato entre a primitiva proprietária do imóvel - </font><b><font>Hufvudsraden International AB,</font></b><font> e a primitiva arrendatária - </font><b><font>Procomer - Sociedade de Representação e Promoção de Vendas, Lda.; </font></b><font> previa-se, neste contrato, que a arrendatária podia ceder a sua posição contratual à Requerida, o que veio a suceder também a 15 de junho de 1989, por escritura celebrada, outrossim no ... Cartório Notarial de ...; deste modo, o documento que serviu de base ao presente procedimento especial de despejo não corresponde ao contrato dos autos, mas sim a uma alteração do mesmo;</font><br>
</p><p><font>- tendo o contrato dos autos sido celebrado antes do início de vigência do DL n.º 321-B/90, de 15 de outubro (RAU), era imperativamente aplicável o regime denominado como vinculístico, sendo o arrendamento sucessivamente renovável, apenas podendo ser denunciado pelo locador nos casos previstos no então art. 1096.º do CC;</font><br>
</p><p><font>- com a entrada em vigor do DL n.º 321-B/90 (RAU), o regime de denúncia deste contrato manteve-se essencialmente inalterado, pelo que o arrendamento dos autos, celebrado em 1989, tem de ser tratado, no atual quadro normativo, como um arrendamento para fins não habitacionais, na modalidade temporal de contrato de duração indeterminada;</font><br>
</p><p><font>- com a Lei n.º 6/2006 (NRAU), que entrou em vigor a 27 de Junho de 2006, os contratos do mesmo tipo daquele dos autos passaram a reger-se pelo NRAU, com as particularidades introduzidas,</font><i><font> inter alia</font></i><font>, pela norma do art. 28.º, que veda ao senhorio oposição à renovação; a Requerente nunca tomou a iniciativa de promover a transição do contrato para o NRAU, pelo que a carta enviada por si enviada a 26 de junho de 2017 carece de fundamento, não é válida, nem eficaz enquanto comunicação de oposição à renovação do contrato, não tendo, por isso, produzido quaisquer efeitos;</font><br>
</p><p><font>- ainda que por mera hipótese se considere que a escritura outorgada a 19 de dezembro de 1997 importou a revogação do contrato de arrendamento anterior, também o novo contrato eventual teria, ainda assim, duração indeterminada, pois que beneficiaria também do regime vinculístico previsto no art. 68.º, n.º 2, do RAU; com efeito, o DL n.º 257/95, de 30 de setembro, reviu o regime do arrendamento urbano para o exercício de comércio, indústria profissões liberais e outros fins lícitos não habitacionais, tendo previsto, para o futuro, a celebração de contratos de arrendamento urbano de duração limitada para comércio ou indústria, o que não acontecia antes da sua entrada em vigor - 5 de outubro de 1995; os então denominados arrendamentos não habitacionais de duração limitada deveriam conformar-se com as normas previstas nos arts. 98.º-101.º do RAU para os contratos de duração limitada nos arrendamentos urbanos para habitação, com as devidas adaptações;</font><br>
</p><p><font>- entre essas normas que, por remissão expressa do art. 117.º, n.º 2, do RAU, se aplicavam aos arrendamentos não habitacionais de duração limitada estava aquela segundo a qual o prazo mínimo de duração desses contratos não podia ser inferior a cinco anos (art. 98.º, n.º 2, do RAU); por conseguinte, do facto de o contrato de 19 de dezembro de 1997 haver mantido o prazo de duração do contrato de um ano, como previsto no contrato anterior, não mencionando expressamente a sua qualificação como “de duração limitada”, resulta que as partes não quiseram retirar a natureza vinculística ao contrato em causa;</font><br>
</p><p><font>- acresce que a cláusula 2.ª do documento complementar anexo a tal escritura se deveria considerar nula por contender com disposição legal imperativa, uma vez que o prazo de duração de tal contrato nunca poderia ser inferior a cinco anos; por isso, encontrando-se ferida de nulidade, essa cláusula nunca seria idónea para produzir quaisquer efeitos e, na falta de estipulação das partes, dever-se-ia considerar o contrato celebrado pelo prazo de cinco anos, automaticamente renovável por iguais e sucessivos períodos de cinco anos cada;</font><br>
</p><p><font>- vigorando inicialmente de 1 de janeiro de 1998 a 31 de dezembro de 2002, e sendo automaticamente renovável por períodos sucessivos de cinco anos, aquando da entrada em vigor, a 27 de junho de 2006, do NRAU, nos termos do art. 26.º, n.º 3 (na sua redação originária), esse contrato renovou-se por cinco anos e, posteriormente, por três anos; não afetando tal disposição o prazo do contrato que se encontraria a correr, de 1 de janeiro de 2003 a 31 de dezembro de 2007, por força das sucessivas renovações, estaria agora a correr o período contratual de 1 de janeiro de 2018 a 31 de dezembro de 2022, não produzindo, por isso, efeitos a comunicação efetuada pela Requerente.</font>
</p><p><b><font>3. </font></b><font>A Requerente exerceu o contraditório, tendo pugnado pela improcedência das exceções e pela inadmissibilidade da reconvenção. </font>
</p><p><b><font>4. </font></b><font>Foi proferida decisão que não admitiu a reconvenção e decidiu do mérito da ação, concluindo pela improcedência do pedido.</font>
</p><p><b><font>5. </font></b><font>Não conformada, a Requerente interpôs recurso de apelação.</font>
</p><p><b><font>6. </font></b><font>Por seu turno, a Requerida também interpôs recurso de apelação que, todavia, não foi admitido.</font>
</p><p><b><font>7. </font></b><font>Por acórdão, o Tribunal da Relação de Lisboa decidiu o seguinte:</font>
</p><p><font>“</font><i><font>Pelo exposto acorda-se em julgar a apelação procedente revogando-se a decisão recorrida e julgando-se improcedente a oposição ao pedido de despejo</font></i><font>.”</font>
</p><p><b><font>8. </font></b><font>Não conformada, a Requerida </font><b><font>Gerex - Gabinete de Gestão Industrial e Comercial, Lda., </font></b><font>interpôs recurso de revista, apresentando as seguintes </font><b><font>Conclusões</font></b><font>:</font>
</p><p><font>“</font><i><font>1) Para formalizar o aditamento de um contrato são necessárias as mesmas formalidades legais atribuídas ao contrato original, pelo que não constitui argumento decisivo para a questão de saber se o documento celebrado em 19 de dezembro de 1997 constitui um contrato novo ou um aditamento do anterior o facto de aquele ter sido celebrado por escritura pública (forma legal a que obrigatoriamente estavam sujeitos quaisquer dos atos àquela data).</font></i>
</p><p><i><font>2) O facto de o documento celebrado em 19 de dezembro de 1997 não ter feito referência ao documento celebrado em 15 de junho de 1989, revogando-o expressamente, leva à conclusão de que as partes não quiseram revogar, dando sem efeito, o contrato original que vinha já desde 1989.</font></i>
</p><p><i><font>3) Não constando a vontade de revogar o contrato original expressamente prevista no documento celebrado em 19 de dezembro de 1997, haverá que atender às regras normais em termos de interpretação das declarações negociais que, nos negócios jurídicos formais dispõem que não pode ser aceite como válida qualquer interpretação que não tenha no texto escrito um mínimo de correspondência (cfr. art.º 238º do C.C.).</font></i>
</p><p><i><font>4) A Recorrida não fez referência, nem juntou, qualquer documento subscrito pelas partes a dar expressamente por revogado o contrato anterior.</font></i>
</p><p><i><font>5) As regras estabelecidas no documento celebrado em 19 de dezembro de 1997 são, na sua quase totalidade, coincidentes com as estabelecidas no documento celebrado em 15 de junho de 1989.</font></i>
</p><p><i><font>6) Um aditamento a um contrato constitui, precisamente, a alteração de um contrato original, o qual, com as novas alterações, passa a constituir um contrato único, titulador do mesmo e único negócio jurídico, o que manifestamente ocorre na situação dos autos.</font></i>
</p><p><i><font>7) O facto de a relação contratual, após a alteração consubstanciada no documento celebrado em 19 de dezembro de 1997, ter mantido o mesmo núcleo essencial, sendo apenas alterados elementos acidentais ou acessórios (integração do lugar de estacionamento no contrato de arrendamento, o qual já fazia parte do locado, embora a título gratuito, e a introdução de uma cláusula sobre benfeitorias), significa que tais alterações não têm a virtualidade de transformar o negócio jurídico, que se manteve sem interrupções, num novo e diferente contrato.</font></i>
</p><p><i><font>8) Para apurar se subjacente à celebração do documento celebrado em 19 de dezembro de 1997está a intenção das partes de celebrar um novo contrato ou de modificar o anterior, deve o Julgador verificar se o negócio assim transformado se apresenta economicamente como uma relação completamente diferente da anterior, chamando à colação a distinção entre os elementos essenciais do negócio, e aqueles que são acessórios ou meramente acidentais.</font></i>
</p><p><i><font>9) Conforme decorre do simples confronto entre os dois documentos em apreciação, dúvidas não existem de que o documento celebrado em 19 de dezembro de 1997 se apresenta economicamente como a mesma relação jurídica decorrente do documento celebrado em 15 de junho de 1989, o que leva à conclusão de que aquele constitui uma mera modificação do contrato original, e não consubstanciou um novo contrato, ao contrário da qualificação que dele erroneamente fez o Acórdão recorrido.</font></i>
</p><p><i><font>10) Em ambos os documentos, o período contratual decorre do dia 1 de janeiro ao dia 31 de dezembro, sendo que o dia 1 de janeiro de 1998 que consta como data de início do contrato no documento celebrado em 19 de dezembro de 1997 coincide, precisamente, com o início de um novo período contratual após a renovação automática que já se impunha nos termos previstos no contrato original.</font></i>
</p><p><i><font>11) O facto de não ter ocorrido nenhuma interrupção entre a vigência do contrato original e a data de produção de efeitos do documento celebrado em 19 de dezembro de 1997 é mais um argumento a favor da qualificação deste último documento como mera modificação ou alteração contratual, e não como um novo contrato.</font></i>
</p><p><i><font>12) O Acórdão recorrido violou designadamente o disposto no artigo 238.º do Código Civil, pelo que carece de ser revogado e substituída por outro que decida pela qualificação de ambos os documentos como um único e o mesmo contrato, daí decorrendo as correspondentes consequências jurídicas.</font></i>
</p><p><i><font>13) Se no decurso de um prazo ao abrigo de uma lei antiga e antes daquele terminar se iniciou a vigência de uma nova lei que o alargou, nos termos do disposto no artigo 297.º, n.o 2, do Código Civil será este novo prazo o aplicável, contando-se, todavia, o prazo entretanto já decorrido.</font></i>
</p><p><i><font>14) Apenas com o decurso global do prazo o valor de um facto constitutivo de um direito se consolida na ordem jurídica.</font></i>
</p><p><i><font>15) Quando se dá a alteração de uma lei enquanto uma situação jurídica está em curso de constituição, passa o respetivo processo constitutivo a ficar imediatamente subordinado à lei nova, e isto porque é na vigência da lei nova que a constituição (ou seja, o facto constitutivo completo) se vem a verificar.</font></i>
</p><p><i><font>16) A questão da aplicação retroativa da lei e, eventualmente, do carácter interpretativo ou não da lei nova, apenas será de colocar se, quando da entrada em vigor da lei nova, esteja já esgotado o prazo face à lei antiga.</font></i>
</p><p><i><font>17) Dispõe o n.º 2 do artigo 297.º do Código Civil que «a lei que fixar um prazo mais longo é igualmente aplicável aos prazos que já estejam em curso, mas computar-se-á neles todo o tempo decorrido desde o seu momento inicial».</font></i>
</p><p><i><font>18) A alínea c) do artigo 1101.º do Código Civil foi alterada pelo artigo 2.º da Lei n.º 13/2019, de 12 de fevereiro, que entrou em vigor no dia 13 de fevereiro de 2019, passando a denúncia do contrato de duração indeterminada pelo senhorio dever observar uma antecedência não inferior a cinco anos (substituindo o anterior prazo que era de dois anos).</font></i>
</p><p><i><font>19) A comunicação de oposição à renovação rececionada pela Recorrente em 29 de junho de 2017 não é – em qualquer circunstância – apta a produzir a cessação do contrato de arrendamento dos autos uma vez que nem sequer havia decorrido à data da instauração do procedimento de despejo pela Recorrida o prazo de cinco anos a que alude a alínea c) do artigo 1101.º do Código Civil.</font></i>
</p><p><i><font>20) Para que uma alteração legislativa ponha em causa o princípio da proteção da confiança torna-se necessário que tal alteração constitua uma mutação da ordem jurídica com que, razoavelmente, os destinatários das normas dela constantes não possam contar, e que a mesma não seja ditada pela necessidade de salvaguardar direitos ou interesses constitucionalmente protegidos que devam considerar-se prevalecentes, de acordo com o critério consagrado no artigo 18.º, n.o 2, da C.R.P.</font></i>
</p><p><i><font>21) A Lei n.º 13/2019, de 12 de fevereiro, que alterou a redação da alínea c) do artigo 1101.º do Código Civil visou, precisamente, introduzir “medidas destinadas a corrigir situações de desequilíbrio entre arrendatários e senhorios, a reforçar a segurança e a estabilidade do arrendamento urbano e a proteger arrendatários em situação de especial fragilidade”.</font></i>
</p><p><i><font>22) Face à contínua modificação das opções legislativas em matéria de arrendamento urbano, não se afigura que a alteração do prazo de denúncia se mostre não expectável para os contraentes de relações locatícias que perduram no tempo, como é o caso dos autos.</font></i>
</p><p><i><font>23) No juízo de ponderação imposto pela proteção da confiança deverá prevalecer, em face do interesse do senhorio em fazer cessar o contrato, o superior interesse de proteção de inquilinos e arrendatários, que em regra se encontram numa situação de maior fragilidade negocial face aos senhorios.</font></i>
</p><p><i><font>24) O Acórdão recorrido fez uma incorreta interpretação e aplicação do disposto nos artigos 297.º, n.º 2, e 1101.º, alínea c) do Código Civil, e ainda dos princípios da segurança jurídica e da proteção de confiança.</font></i>
</p><p><i><font>Termos em que, nos mais do douto suprimento de Vossas Excelências, que se impetra e requer, deve o presente recurso de revista ser julgado procedente por provado e, em consequência, revogando-se o Acórdão recorrido, ser julgada procedente a oposição ao despejo e improcedente o procedimento especial de despejo e, em consequência, ser a Recorrente absolvida do pedido, com as legais consequências.</font></i>
</p><p><i><font>Assim se fará </font></i>
</p><p><i><font>JUSTIÇA</font></i><font>!</font>
</p><p><b><font>9. </font></b><font>A Requerente </font><b><font>Paradise Pyramid, Lda</font></b><font>., por sua vez, apresentou contra-alegações com as seguinte </font><b><font>Conclusões</font></b><font>:</font>
</p><p><font>“</font><i><font>44. Por tudo quanto antecede, improcedem inteiramente as conclusões da Recorrente.</font></i>
</p><p><i><font>Decidiu bem o douto Acórdão recorrido, no que concerne ao entendimento perfilhado de que o contrato apresentado com o requerimento inicial é um novo contrato de arrendamento e não uma mera alteração do contrato anterior, assim como que a Lei 13/2019 de 12.02 não é pois aplicável ao caso em concreto, tendo a denúncia efetivada pela Recorrida sido válida e eficaz e os seus efeitos sido totalmente consolidados à data da comunicação, uma vez que tal direito não se traduz num prazo no sentido técnico-juridico. </font></i>
</p><p><i><font>Nestes termos e nos demais de direito, não deve a revista apresentada ser (parcialmente) admitida, e mesmo que assim não se entenda, sempre deve ser negado provimento ao presente recurso, confirmando-se, a douta decisão recorrida.</font></i>
</p><p><i><font>Tudo como é de Direito e de JUSTIÇA!</font></i><font>”</font><br>
</p><p><b><font>II – Questões a decidir</font></b><br>
</p><p><font>Atendendo às conclusões do recurso que, segundo os arts. 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, do CPC, delimitam o seu objeto, e não podendo o Supremo Tribunal de Justiça conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser em situações excecionais de conhecimento oficioso, estão em causa as seguintes questões:</font>
</p><p><font>- se o recurso interposto por </font><b><font>Gerex - Gabinete de Gestão Industrial e Comercial, Lda</font></b><font> é ou não admissível;</font><br>
</p><p><font>- se o arrendamento outorgado pelas partes em 1997 se traduz num contrato novo ou antes numa alteração ao contrato anteriormente celebrado;</font><br>
</p><p><font>- se o art. 1101.º, al. c), do CC, na redação que lhe foi conferida pela Lei n.º 13/2019, de 12 de fevereiro, se aplica à denúncia do contrato de arrendamento para fins não habitacionais comunicada ao arrendatário antes do seu início de vigência.</font><br>
</p><p><b><font>III – Fundamentação</font></b><br>
</p><p><b><font>A) De Facto</font></b><br>
</p><p><font>Foram considerados como provados os seguintes factos:</font><br>
</p><p><font>“</font><i><font>1. No dia 15 de Junho de 1989, a sociedade Hufvudsraden International AB e a sociedade Procomer - Sociedade de Representação e Promoção de Vendas, Limitada, no ... Cartório Notarial de ..., conforme cópia da escritura junta com a oposição como documento n.º 1, cujo teor se dá aqui por reproduzido, declararam perante notário: a primeira dar de arrendamento à segunda, para loja, escritório e armazém desta, “uma área determinada na planta anexa, de cerca de cento e noventa e sete metros quadrados do ...” do prédio urbano sito em …, na ..., números ..., da freguesia de ..., inscrito na respectiva matriz urbana sob o artigo ..., pelo prazo de um ano, com início a 1 de Janeiro de 1988, sucessivamente renovável por períodos de seis meses, “nos termos legais”, autorizando a “arrendatária a utilizar gratuitamente, na cave do prédio, uma parte suficiente para a aparcagem de um automóvel ligeiro”; tendo os representantes da segunda declarado aceitar o arrendamento nos termos exarados.</font></i><br>
</p><p><i><font>2. Da cláusula quinta do escrito referido em 1. consta: “Fica expressamente proibida a sublocação, total ou parcial, dos locais arrendados, podendo, todavia, ceder a sua posição contratual à sociedade “Gerex - Gabinete de Gestão Industrial e Comercial, Limitada”.</font></i><br>
</p><p><i><font>3. No mesmo dia 15 de Junho de 1989, por escritura celebrada no também ...Cartório Notarial de..., cuja cópia foi junta como documento n.º 2 com a oposição, a Procomer - Sociedade de Representação e Promoção de Vendas, Limitada cedeu a sua posição no contrato referido em 1. à ora Requerida.</font></i><br>
</p><p><i><font>4. No dia 19 de Dezembro de 1997, no ...Cartório Notarial de..., conforme cópia da escritura junta com o requerimento inicial como documento n.º 1 e que se dá aqui por reproduzida, a sociedade comercial holandesa Asmto Holding, BV., à data proprietária e senhoria do prédio urbano situado em ..., na ..., números ..., freguesia de ... (anterior freguesia de ...), concelho de ..., inscrito na respectiva matriz urbana sob o artigo … que proveio do anterior artigo ..., através dos seus representantes, na qualidade de primeiros outorgantes, e os representantes da requerida, em representação desta, na qualidade de segundos outorgantes, declararam perante notário o seguinte: a primeira dar de arrendamento à segunda “uma área determinada, com a zona de cento e noventa e sete metros quadrados no ...” do prédio referido em 1. e “uma vaga de garagem na cave”, pelo prazo de “doze meses, com início no dia um de Janeiro de mil novecentos e noventa e oito, pela renda mensal de duzentos e trinta e três mil e quinhentos escudos, nos termos e cláusulas constantes do documento complementar”; e os segundos, em representação da requerida, declararam aceitar o arrendamento nos termos exarados.</font></i><br>
</p><p><i><font>5. Da cláusula segunda do documento complementar mencionado em 4. consta: “O presente contrato é feito, pelo prazo de um ano, tendo o seu início em um de Janeiro de mil novecentos e noventa e oito e termo a trinta e um de Dezembro de mil novecentos e noventa e oito, supondo-se sucessiva e automaticamente renovado por períodos de um ano se a segunda outorgante não o denunciar, por carta registada e com aviso de recepção, até noventa dias antes do termo do prazo ou do termo de qualquer uma das renovações”. </font></i><br>
</p><p><i><font>6. No dia 29 de Dezembro de 1997, por escritura pública de compra e venda, a sociedade Asmto Holding, BV., vendeu ao IMOVEST – Fundo de Investimentos Imobiliários o prédio urbano descrito em 1.</font></i><br>
</p><p><i><font>7. O IMOVEST – Fundo de Investimentos Imobiliários foi objecto de operação de fusão, por incorporação no NOVIMOVEST – Fundo de Investimento Imobiliário, com transferência integral do património e consequente extinção do Fundo incorporado, com efeitos a partir de 19 de Março de 2010.</font></i><br>
</p><p><i><font>8. No dia 29 de Maio de 2015, por escritura pública de compra e venda, mútuo com hipoteca e consignação de rendimentos, o NOVIMOVEST – Fundo de Investimento Imobiliário vendeu à Requerente o prédio urbano referido em 1.</font></i><br>
</p><p><i><font>9. A Requerida e a Requerente outorgaram, em 1 de Fevereiro de 2017, a “Adenda ao Contrato de Arrendamento para Fins Não Habitacionais celebrado em 19/12/1997”, junta com o articulado de resposta às excepções como documento n.º4, cujo teor se dá aqui por reproduzido.</font></i><br>
</p><p><i><font>10. Mediante carta registada, com aviso de recepção, datada de 26 de Junho de 2017, junta com o requerimento inicial como documento n.º 5 e cujo teor se dá aqui como reproduzido, a Requerente comunicou a sua intenção de se opor à renovação do referido contrato de arrendamento, com efeitos a partir de 31 de Dezembro de 2019, tendo a requerida recepcionado a carta a 29 de Junho de 2017.</font></i><br>
</p><p><i><font>11. Por carta registada, com aviso de recepção, datada de 16 de Abril de 2019, enviada pela requerente à requerida aquela reiterou a sua intenção de se opor à renovação do contrato.</font></i><font>”</font><br>
</p><p><b><font>B) De Direito</font></b><br>
</p><p><b><font>Tipo e objecto de recurso</font></b>
</p><p><b><font>1. </font></b><font>Trata-se de um recurso de revista interposto por </font><b><font>Gerex – Gabinete de Gestão Industrial e Comercial, Lda.</font></b><font>, Requerida no procedimento especial de despejo intentado por </font><b><font>Paradise Pyramid, Lda.</font></b><font>, do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa que julgou procedente o recurso de apelação interposto pela Requerente e revogou a decisão recorrida, julgando improcedente a oposição ao pedido de despejo.</font>
</p><p><b><font>2. </font></b><font>O Tribunal de 1.ª Instância, julgando procedente a oposição ao despejo deduzida pela Requerida e improcedente o procedimento especial de despejo, absolveu a Requerida do pedido.</font>
</p><p><b><font>3. </font></b><font>Inconformada com a decisão do Tribunal da Relação de Lisboa, por entender que este fez uma errada interpretação, aplicação e determinação das normas legais aplicáveis, a Requerida veio, assim, apresentar o recurso de revista em apreço.</font><br>
</p><p><b><font>(In)admissibilidade do recurso de revista</font></b>
</p><p><b><font>1. </font></b><font>A Requerida </font><b><font>Gerex – Gabinete de Gestão Industrial e Comercial, Lda.,</font></b><font> veio apresentar o presente recurso de revista nos termos do art. 671.º, n.º 1, do CPC. </font>
</p><p><b><font>2. </font></b><font>Em sede de contra-alegações, a Recorrida </font><b><font>Paradise Pyramid, Lda.,</font></b><font> propugnou pela inadmissibilidade da revista por entender existir uma situação de dupla conforme entre a sentença da primeira instância e o acórdão recorrido, uma vez que ambas as instâncias convergiram no entendimento de que o contrato outorgado pelas partes em 1997 consubstancia um novo contrato de arrendamento.</font>
</p><p><b><font>3. </font></b><font>Entende a Recorrida que a referida conformidade decisória é impeditiva da revista normal, nos termos do art. 671.º, n.º 3, do CPC. </font>
</p><p><b><font>4. </font></b><font>Não assiste, porém, razão à Recorrida. </font>
</p><p><b><font>5. </font></b><font>Conforme resulta do art. 671.º, n.º 3 do CPC, a dupla conformidade decisória, enquanto obstáculo à recorribilidade, afere-se em função da decisão final e, consequentemente, pela confirmação desta decisão, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente</font><a><u><sup><font>[1]</font></sup></u></a><font>.</font>
</p><p><b><font>6. </font></b><font>Assim, a eventual conformidade das decisões do Tribunal de 1.ª Instância e do Tribunal da Relação de Lisboa quanto à questão suscitada pela Recorrida não releva para efeitos de dupla conformidade decisória, obstativa do recurso de revista, nos termos do art. 671.º, n.º 3, do CPC.</font>
</p><p><b><font>7. </font></b><font>Em suma, tendo em conta o valor da causa, a legitimidade da Recorrente e o teor do acórdão recorrido, conclui-se pela admissibilidade do presente recurso de revista, nos termos do disposto nos arts. 629.º, n.º 1, 631.º, n.º 1, 671.º, n.º 1, e 674.º, n.º 1, al. a), do CPC</font><br>
</p><p><b><font>Contrato de 1997: modificação do contrato anteriormente celebrado ou novo contrato</font></b>
</p><p><b><font>1. </font></b><font>A propósito desta questão, a Recorrente apresenta as seguintes </font><b><font>Conclusões:</font></b><br>
</p><p><font>“</font><i><font>1) Para formalizar o aditamento de um contrato são necessárias as mesmas formalidades legais atribuídas ao contrato original, pelo que não constitui argumento decisivo para a questão de saber se o documento celebrado em 19 de dezembro de 1997 constitui um contrato novo ou um aditamento do anterior o facto de aquele ter sido celebrado por escritura pública (forma legal a que obrigatoriamente estavam sujeitos quaisquer dos atos àquela data).</font></i><br>
</p><p><i><font>2) O facto de o documento celebrado em 19 de dezembro de 1997 não ter feito referência ao documento celebrado em 15 de junho de 1989, revogando-o expressamente, leva à conclusão de que as partes não quiseram revogar, dando sem efeito, o contrato original que vinha já desde 1989.</font></i><br>
</p><p><i><font>3) Não constando a vontade de revogar o contrato original expressamente prevista no documento celebrado em 19 de dezembro de 1997, haverá que atender às regras normais em termos de interpretação das declarações negociais que, nos negócios jurídicos formais dispõem que não pode ser aceite como válida qualquer interpretação que não tenha no texto escrito um mínimo de correspondência (cfr. art.º 238º do C.C.).</font></i><br>
</p><p><i><font>4) A Recorrida não fez referência, nem juntou, qualquer documento subscrito pelas partes a dar expressamente por revogado o contrato anterior.</font></i><br>
</p><p><i><font>5) As regras estabelecidas no documento celebrado em 19 de dezembro de 1997 são, na sua quase totalidade, coincidentes com as estabelecidas no documento celebrado em 15 de junho de 1989.</font></i><br>
</p><p><i><font>6) Um aditamento a um contrato constitui, precisamente, a alteração de um contrato original, o qual, com as novas alterações, passa a constituir um contrato único, titulador do mesmo e único negócio jurídico, o que manifestamente ocorre na situação dos autos.</font></i><br>
</p><p><i><font>7) O facto de a relação contratual, após a alteração consubstanciada no documento celebrado em 19 de dezembro de 1997, ter mantido o mesmo núcleo essencial, sendo apenas alterados elementos acidentais ou acessórios (integração do lugar de estacionamento no contrato de arrendamento, o qual já fazia parte do locado, embora a título gratuito, e a introdução de uma cláusula sobre benfeitorias), significa que tais alterações não têm a virtualidade de transformar o negócio jurídico, que se manteve sem interrupções, num novo e diferente contrato.</font></i><br>
</p><p><i><font>8) Para apurar se subjacente à celebração do documento celebrado em 19 de dezembro de 1997 está a intenção das partes de celebrar um novo contrato ou de modificar o anterior, deve o Julgador verificar se o negócio assim transformado se apresenta economicamente como uma relação completamente diferente da anterior, chamando à colação a distinção entre os elementos essenciais do negócio, e aqueles que são acessórios ou meramente acidentais.</font></i><br>
</p><p><i><font>9) Conforme decorre do simples confronto entre os dois documentos em apreciação, dúvidas não existem de que o documento celebrado em 19 de dezembro de 1997 se apresenta economicamente como a mesma relação jurídica decorrente do documento celebrado em 15 de junho de 1989, o que leva à conclusão de que aquele constitui uma mera modificação do contrato original, e não consubstanciou um novo contrato, ao contrário da qualificação que dele erroneamente fez o Acórdão recorrido.</font></i><br>
</p><p><i><font>10) Em ambos os documentos, o período contratual decorre do dia 1 de janeiro ao dia 31 de dezembro, sendo que o dia 1 de janeiro de 1998 que consta como data de início do contrato no documento celebrado em 19 de dezembro de 1997 coincide, precisamente, com o início de um novo período contratual após a renovação automática que já se impunha nos termos previstos no contrato original.</font></i><br>
</p><p><i><font>11) O facto de não ter ocorrido nenhuma interrupção entre a vigência do contrato original e a data de produção de efeitos do documento celebrado em 19 de dezembro de 1997 é mais um argumento a favor da qualificação deste último documento como mera modificação ou alteração contratual, e não como um novo contrato.</font></i><br>
</p><p><i><font>12) O Acórdão recorrido violou designadamente o disposto no artigo 238.º do Código Civil, pelo que carece de ser revogado e substituída por outro que decida pela qualificação de ambos os documentos como um único e o mesmo contrato, daí decorrendo as correspondentes consequências jurídicas.</font></i><font>”</font>
</p><p><b><font>2. </font></b><font>As Instâncias convergiram no entendimento de que o acordo celebrado pelas partes em 1997 constituía um contrato novo. </font>
</p><p><b><font>3. </font></b><font>Na decisão do Tribunal de Instância, entendeu-se que “</font><i><font>de acordo com as regras de hermenêutica negocial, recorrendo, em primeira linha, à chamada teoria da impressão do destinatário, tal como consagrada no artigo 236.º, n.º 1 do Código Civil, julga-se não ter um mínimo de correspondência com o texto do escrito em apreciação, de acordo com o artigo 238.º do Código Civil, a interpretação de que as partes não quiseram, em 1997, celebrar um novo contrato, mas apenas alterar o contrato anteriormente celebrado.</font></i><br>
</p><p><i><font>Com efeito, da escritura mencionada em 4., resulta que as partes nada referem sobre o contrato de arrendamento anteriormente celebrado, estabeleceram todas as regras aplicáveis ao contrato de arrendamento, que não são integralmente coincidentes com as estabelecidas no contrato anterior – veja-se v.g. que no primeiro o lugar de garagem é cedido gratuitamente e no segundo integra o objecto da locação, assim como no primeiro não se estabelece regras para as benfeitorias -, sendo que se | [0 0 0 ... 0 0 0] |
4zKYu4YBgYBz1XKv4iAi | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font>
<p><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font>
</p><p><b><font> </font></b>
</p><p><b><font> </font></b>
</p><p><b><font>I – Relatório</font></b>
</p><p><b><font> </font></b>
</p><p><font>AA e mulher, BB, residentes na Rua ..., n.º ..., freguesia de ..., Guimarães, instauraram acção declarativa sob a forma de processo ordinário, contra Companhia de Seguros CC, S. A., com sede no ..., nº ..., Lisboa, alegando, no essencial, que, tendo contraído um empréstimo junto de uma instituição bancária, celebraram com a ré, por imposição da Caixa DD, um seguro do </font><i><font>ramo vida</font></i><font>, tendo como coberturas </font><i><font>morte</font></i><font>, </font><i><font>invalidez total e permanente por doença e invalidez total e permanente por acidente ocorrido com as pessoas seguras</font></i><font>, sendo tomadora aquela instituição.</font>
</p><p><font>O autor marido veio a padecer de doença, tendo-lhe sido diagnosticada, em ... de Janeiro de 2007, “neoplasia cólon descendente”, que o tornou total e permanentemente incapaz para o trabalho, com atribuição de uma IPG de 72%. Na sequência deste diagnóstico, exerceu o autor o direito de accionar o contrato de seguro para, assim, obter o pagamento do capital em dívida referente ao mútuo, responsabilidade que a ré recusa assumir, invocando que “</font><i><font>à data do sinistro a cobertura que se pretende accionar já se encontrava excluída do contrato pelo facto da Pessoa Segura ter atingido o limite de idade previsto nas Condições da Apólice</font></i><font>”. </font>
</p><p><font>Alegam, ainda, os autores, que, aquando da outorga do contrato de seguro, limitaram-se a assinar e a aceitar o clausulado que a ré lhes apresentou, aderindo a esse modelo, não o tendo discutido nem estipulado qualquer conteúdo. O autor alega que, na data da celebração do contrato estava em boas condições físicas, perto de celebrar 60 anos de idade, e que celebraria os 70 anos antes do </font><i><font>terminus</font></i><font> do contrato de mútuo. Não obstante, não lhe foi comunicada e explicada a exclusão contratual, em violação do art. 5.º do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro. Atendendo à proximidade etária do autor em relação aos limites da exclusão contratual, se tal lhes tivesse sido comunicado e explicado, os autores não teriam celebrado o contrato de seguro. </font>
</p><p><font>Entendem os autores que tal facto determina a exclusão da referida cláusula contratual, ao abrigo do art. 8.º, al. a), do mesmo diploma legal, devendo a ré responder pelo pagamento do capital em dívida à Caixa DD, no valor de € 153.370,90. </font>
</p><p><font>Terminam, deduzindo o seguinte pedido, no articulado:</font>
</p><p><font>«Nestes termos e nos melhores de direito, deve a presente acção ser julgada procedente por provada e, consequentemente: </font><br>
<font>a) Ser a cláusula referente ao art.º 2º, parágrafo 2º das Condições particulares do Seguro do Ramo Vida, apólice nº …, certificado ......, considerada excluída do respectivo contrato singular de seguro; </font><br>
<font>b) Ser declarada a invalidez total e permanente do A. por doença; </font><br>
<font>c) Ser a R. condenada a liquidar à Caixa DD a quantia de € 153.370,90; </font><br>
<font>d) Ser a R. condenada a pagar aos A.A. as prestações já pagas desde a data da declaração da invalidez total e permanente do A. e até assunção por parte daquela do pagamento da quantia mutuada pela Caixa DD; </font><br>
<font>e) Todas aquelas quantias acrescidas de juros de mora à taxa legal de 4% ao ano desde a citação e até efectivo e integral pagamento; </font><br>
<font>f) E, ainda, ser a R. condenada nas custas e demais encargos legais.» (sic)</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Citada, a ré contestou a acção, impugnando parcialmente os factos. </font>
</p><p><font>Alegou que, quando, em 22 de Agosto de 2001, o autor marido aderiu ao seguro em causa tinha 57 anos de idade e foi informado, verbalmente e por escrito, de todas as cláusulas essenciais daquele seguro de grupo do ramo vida, e em especial, daquela que prevê que, independentemente da duração do contrato, as respectivas coberturas cessem quando a pessoa segura atinge os 60 anos de idade para o caso da cobertura de Invalidez Total e Permanente por Doença, ou quando atinge a idade de 70 anos para as demais coberturas. </font>
</p><p><font>Alegam que foi entregue aos autores, à altura da adesão, uma “</font><i><font>nota informativa</font></i><font>” igual ao documento junto a fls. 103.</font>
</p><p><font>Mais referiu a ré que, para além disso, foi também entregue ao autor cópia das “</font><i><font>Condições Gerais, Especiais e Particulares</font></i><font>” do contrato de seguro. </font>
</p><p><font>Concluiu que a acção deve ser julgada improcedente.</font>
</p><p><font>Os autores replicaram, impugnando parte da matéria da contestação, reafirmando que a ré não cumpriu o dever de informação e que nem sequer entregou cópia das condições gerais e particulares da apólice. </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Dispensada a audiência preliminar foi proferido despacho saneador tabelar e seleccionada a matéria de facto, com factos assentes e base instrutória, de que as partes não reclamaram.</font>
</p><p><font>Na instrução, foi junto documento comprovativo da idade do autor marido, de onde resulta que nasceu no dia 9 de Janeiro de 1944. </font>
</p><p><font>Teve lugar a audiência de julgamento, que culminou com respostas fundamentadas em matéria de facto, a que se seguiu a prolação da sentença, cujo segmento decisório tem o seguinte teor:</font>
</p><p><font>«Em face do exposto, decido: </font>
</p><p><font>- julgar procedente a presente acção, e em consequência:</font>
</p><p><font>- excluir a cláusula referente ao art.º 2º, parágrafo 2º das Condições particulares do Seguro do Ramo Vida, apólice nº …, certificado ......, do respectivo contrato singular de seguro; </font>
</p><p><font>- declarar a invalidez total e permanente do A. por doença, para efeitos do referido contrato; </font>
</p><p><font>- condenar a ré a liquidar à Caixa DD a quantia que, com referência ao contrato referido na alínea a) dos factos provados, se encontrar atualmente em dívida; </font>
</p><p><font>- condenar a R. a pagar aos A.A. as prestações já pagas desde a data da declaração da invalidez total e permanente do A. e até assunção por parte daquela do pagamento da quantia mutuada pela Caixa DD, acrescidas de juros de mora à taxa legal de 4% ao ano desde a citação e até efectivo e integral pagamento.» (sic)</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Inconformada, a ré recorre para o Tribunal da Relação de Guimarães, que, após ter notificado as partes para que se pronunciassem sobre a questão nova do abuso do direito para prevenir eventual </font><i><font>decisão-surpresa</font></i><font>, decidiu, através de acórdão datado de 4 de Março de 2013, considerar a apelação procedente, revogando a sentença do tribunal de 1.ª instância e absolvendo a ré seguradora do pedido. </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> Inconformados com esta decisão, interpõem os autores recurso de revista para este Supremo Tribunal, integrando nas alegações de recurso apresentadas, as seguintes conclusões:</font>
</p><p><font>«1 – O tribunal de 1.ª instância deu por não provado o quesito 1.º e atribui uma redacção diferente aos quesitos 2.º e 3.º da Base Instrutória, por considerar que a prova produzida não foi suficiente e porque contraria as regras de experiência.</font>
</p><p><font>2 – Da sentença proferida pela primeira instância apenas foi interposto recurso de apelação pela Seguradora/recorrida para o Tribunal da Relação de Guimarães para controlo da matéria de direito.</font>
</p><p><font>3 – Daí que a Relação ao socorrer-se, ainda que não expressamente, de presunções judiciais para concluir que “o que houve, quando muito, foi um incumprimento imperfeito (não absoluto) do dever de comunicação, mas sem que se justificasse uma especial informação, por não haver necessidade objectiva de aclaração da cláusula”, violou o estatuído pelo art. 351.º C. Civil, uma vez que as presunções judiciais só são admitidas nos casos e termos em que é admitida a prova testemunhal.</font>
</p><p><font>4 – Para além disso, no processo civil, vigoram regras fundamentais sobre os requisitos de alegação e prova de factos para que uma determinada pretensão ou oposição que seja deduzida obtenha vencimento.</font>
</p><p><font>5 – E, se a um determinado quesito o Julgador da primeira instância responde “não provado”, por considerar que a prova produzida pela Ré não foi suficiente, não pode vir depois a segunda instância suprir por via da presunção judicial a carência de prova dum facto sujeito a julgamento, pois tal constitui a violação do princípio do dispositivo e do princípio geral do ónus da prova.</font>
</p><p><font>6 – Nessa medida, ao socorrer-se de presunções judiciais, a Relação violou frontalmente a lei substantiva por erro de interpretação ou aplicação, não só por aquelas não serem aqui admissíveis, como também por “</font><i><font>in casu</font></i><font>” não poder suprir-se por via da presunção judicial a carência de prova de um facto sujeito a julgamento.</font>
</p><p><font>7 – Porém, e sem prescindir, sempre se dirá que, analisado o teor das cláusulas contratuais gerais, especiais e particulares do contrato, quando conjugadas entre si, somos levados a concluir que não andou bem o tribunal “</font><i><font>a quo</font></i><font>” ao afirmar que as cláusulas ínsitas no contrato de seguro </font><i><font>sub judice</font></i><font> são explícitas e de fácil compreensão.</font>
</p><p><font>8 – Em primeiro lugar, porque qualquer homem médio não distingue condições especiais das condições particulares, e o certo é que, nas condições especiais, a extinção da cobertura complementar de invalidez total e permanente, quer por acidente quer por doença, verifica-se aos 65 anos de idade, enquanto nas condições particulares, a cobertura de invalidez total e permanente por doença termina quando a pessoa segura atingir os 60 anos de idade e por acidente quando atingir os 65 anos, não obstante tal seguro poder ser contratado por cliente até aos 65 anos de idade!!!</font>
</p><p><font>9 – Também do doc. 2 junto com a contestação, resulta que o seguro acompanha o prazo de empréstimo no máximo até os clientes atingirem os 70 anos de idade, estipulando, porém, prazos diferentes para as coberturas por acidente, 65 anos, e por doença, 60 anos, não obstante, e mais uma vez, estarem autorizados a contratar tal seguro as pessoas com idade até aos 65 anos!</font>
</p><p><font>10 – Pelo que, sabendo-se que quando o A. contratou o seguro em causa, ou seja, em 22 de Agosto de 2001, tinha 57 anos de idade, sempre a Ré tinha a responsabilidade acrescida de explicar devidamente que, apesar de o prazo de amortização do contrato de crédito subjacente ao contrato de seguro ser de 25 anos, os recorrentes só teriam direito ao seguro até aos 70 anos de idade; que em caso de acidente e/ou doença, este não teria a cobertura de seguro até aos 70 anos de idade; que, em caso de acidente o A. só teria direito à cobertura do seguro até aos 65 anos de idade; que, em caso de doença, ao contrário do previsto nas cláusulas especiais, o A. só teria a cobertura do seguro até aos 60 anos der idade; e que, apesar de todas estas limitações de idade, o A. podia cair no absurdo de contratar o seguro até aos 65 anos de idade, não obstante nessa altura já estarem excluídas as coberturas complementares de invalidez total e permanente quer por acidente, quer por doença!!</font>
</p><p><font>11 – Todavia, e sem prescindir, sempre se dirá que não andou bem o tribunal </font><i><font>“a quo”</font></i><font> ao considerar que o caso </font><i><font>sub judice</font></i><font> era enquadrável na figura do abuso de direito (o que nem sequer passou pelas cogitações da própria recorrida), na modalidade do </font><i><font>venire contra factum proprium</font></i><font> e do exercício em desequilíbrio;</font>
</p><p><font>12 – Na verdade, o que se infere do art. 334.º, sobretudo da expressão manifestamente, é que o exercício de um direito só poderá taxar-se de abusivo </font><u><font>quando exceda manifesta, clamorosa e intoleravelmente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes e pelo fim social ou económico do direito, isto é, quando esse direito seja exercido em termos clamorosamente ofensivos da justiça ou do sentimento jurídico socialmente dominante</font></u><font> – cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, in "Código Civil Anotado", vol. I, 4ª edição, pág. 299 e Vaz Serra, in "Abuso de Direito", BMJ, n.º 85, pág. 253 (sublinhado nosso);</font>
</p><p><font>13 – Aquele normativo assenta, essencialmente, no princípio vulgarmente designado por princípio da confiança, que consiste no facto de as pessoas deverem ter um certo comportamento honesto, correcto, leal, nomeadamente no exercício dos direitos e deveres, não defraudando a legítima confiança ou expectativa dos outros;</font>
</p><p><font>14 – É desse princípio (cláusula geral) que reside a proibição do </font><i><font>venire contra factum proprium</font></i><font>, isto é, do exercício do direito por alguém em contradição com uma sua conduta anterior em que fundadamente a outra parte tenha confiado.</font>
</p><p><font>15 – No caso </font><i><font>sub judice</font></i><font>, não existe qualquer fundamento para sustentar a tese que a conduta dos recorrentes tenha criado na recorrida a plena certeza (confiança) de que nunca viriam a invocar a nulidade das cláusulas ínsitas no contrato de seguro, mas, em contrapartida, já se pode conceber a ideia de que a recorrida, sabia da necessidade de informar e esclarecer, atempadamente e na íntegra, o teor de tais cláusulas, desde logo porque estamos perante um contrato em que um dos contraentes (recorrentes) se limita a uma pura aceitação ou rejeição das cláusulas de um contrato de adesão (protecção da parte mais débil no contrato), e o certo é que, o contrato de seguro dos autos tem particularidades que, necessariamente, teriam de ser esclarecidas.</font>
</p><p><font>16 – Além disso, não tem qualquer tradução com as regras da lógica e da experiência que alguém, de bom senso, contrata e paga um seguro que lhe cobre riscos por poucos anos E CONTINUA A PAGÁ-LO MESMO DEPOIS DE O RISCO NÃO ESTAR COBERTO.</font>
</p><p><font>17 – Quanto à figura do exercício em desequilíbrio apontada pelo tribunal </font><i><font>“a quo”,</font></i><font> do acórdão recorrido resulta que os Venerandos Desembargadores limitam-se, tão só, a referir que o resultado pretendido pelo A. “configura exercício em desequilíbrio e violação da confiança criada na parte contrária no sentido de que o contrato seria cumprido”</font>
</p><p><font>18 – Porém, o exercício em desequilíbrio só tem lugar nas seguintes situações: quando o titular é movido pela intenção exclusiva de prejudicar ou de fazer mal a outrem (exercício cumulativo); quando o exercício do direito não representa qualquer vantagem para o seu titular, enquanto dele resulte para outrem um sacrifício injusto (exercício danoso inútil ou injustificado), ou; quando se verifique uma desproporcionalidade entre a vantagem auferida pelo titular e o prejuízo que causa a outrem (desproporção no exercício). </font>
</p><p><font>19 – Ora, do que supra já se deixou dito não se vislumbra em que situação é que o tribunal </font><i><font>“a quo”</font></i><font> enquadra o comportamento alegadamente abusivo dos AA.</font>
</p><p><font>20 – Assim, e em suma, dir-se-á que os recorrentes agiram dentro dos limites e de acordo com os juízos de valor normativamente consagrados relativamente à invocação da nulidade da cláusula referida na al. E) dos factos provados, não podendo, por isso, concluir-se pela verificação no caso dos pressupostos do abuso do direito, razão pela qual não pode sustentar-se que os recorrentes estão a exercer o seu direito em termos clamorosa e intoleravelmente ofensivos da justiça ou do sentimento jurídico socialmente dominante.</font>
</p><p><font>21 – Donde, resultar evidente que ao revogar a douta sentença proferida pelo tribunal de 1.ª instância violou o douto acórdão recorrido o disposto nos arts. 227.º, 239.º, 437.º, 342.º, 351.º e 762.º todos do C. Civil, o art. 264.º do C.P. Civil e os arts. 1.º, n.º 1, 5.º, 6.º e 8.º do DL 446/85, de 25 de Outubro, na redacção dada pelo DL n.º 220/95 de 31/08.</font>
</p><p><font>Termos em que deve ser concedida a revista e, em consequência, ser revogado o douto acórdão recorrido, julgando a acção procedente e a Ré condenada no pedido, com as legais consequências.»</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> A ré apresentou contra-alegações, em que pugna pela confirmação do acórdão recorrido.</font>
</p><p><font>Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões dos recorrentes, nos termos do disposto nos artigos 684.º, n.º 3, e 685.º-A, n.º 1, do Código de Processo Civil, não sendo lícito ao tribunal </font><i><font>ad quem</font></i><font> conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso, as questões a decidir são as seguintes: </font><br>
<font>1) Utilização de presunções judiciais pelo tribunal </font><i><font>a quo</font></i><font> e sindicância destas pelo Supremo Tribunal de Justiça;</font><br>
<font>2) Exclusão de cláusula de contrato de seguro do ramo vida, por incumprimento dos deveres de comunicação e de informação;</font><br>
<font>3) Abuso do direito.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Cumpre decidir.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font>II – Fundamentação de facto</font></b>
</p><p><font>São os seguintes os factos considerados provados pelas instâncias: </font>
</p><p><font>«a) Por escritura pública celebrada a 22 de Agosto de 2001, na Agência da Caixa DD, situada no Largo …, em Guimarães, EE, em representação da Caixa DD, declarou que esta concedia aos Autores um empréstimo da quantia de Esc. 40.000.000$00, importância de que estes declaravam confessar-se solidariamente devedores, empréstimo esse a reger-se pelas cláusulas da escritura e de um documento complementar cujo conteúdo os Autores declararam conhecer e aceitar (doc. de fls. 14 a 24);</font>
</p><p><font>b) Declararam também os Autores que, em garantia do capital emprestado, dos respetivos juros à taxa anual de 9,544%, acrescida, em caso de mora, de uma sobretaxa até 4% ao ano a título de cláusula penal, das despesas emergentes do contrato que para efeitos de registo se fixavam em Esc. 1.600.000$00, constituir hipoteca sobre o seguinte imóvel: prédio urbano composto por uma casa de rés-do-chão e primeiro andar, com uma dependência e logradouro, situado no lugar ..., da freguesia de ..., concelho de Guimarães, descrito na Conservatória do Registo Predial de Guimarães sob o n.º …-..., ao qual atribuíam o valor de Esc. 46.000.000$00 (doc. de fls. 14 a 24);</font>
</p><p><font>c) No documento complementar referido em A) encontra-se previsto que o prazo de amortização do empréstimo é de vinte e cinco anos, a efetuar em prestações mensais constantes, de capital e juros, através da conta de depósito à ordem n.º … (doc. de fls. 19 a 24);</font>
</p><p><font>d) Por contrato de seguro titulado pela apólice n.º …, a Ré assumiu a garantia do pagamento à Caixa DD do capital máximo em dívida por cada anuidade referente à conta n.º …, em caso de morte, invalidez total e permanente por doença ou por acidente do A. AA, desde 22 de Agosto de 2001, pelo prazo de 25 anos, sendo o capital de € 171.139,52 desde 1 de Janeiro de 2007 (doc. de fls. 32);</font>
</p><p><font>e) Consta do artigo 2.º § 2.º das condições particulares da apólice referida em D) que:</font>
</p><p><font>a) a cobertura de invalidez total e permanente por doença termina quando a pessoa segura atingir a idade de 60 anos;</font>
</p><p><font>b) todas as outras garantias conferidas por esta apólice cessam, para cada pessoa segura, logo que esta atinja a idade prevista em cada cobertura ou, na falta dessa previsão, aos 70 anos (doc. de fls. 29 a 31).</font>
</p><p><font>f) Em ... de Agosto de 2007 foi diagnosticada ao Autor neoplasia do cólon ascendente;</font>
</p><p><font>g) A doença referida em F) impossibilita o Autor de trabalhar;</font>
</p><p><font>h) Foi atribuída ao Autor uma IPG de 72% em conformidade com a Tabela Nacional de Incapacidades;</font>
</p><p><font>i) O Autor é considerado portador de uma invalidez total e permanente;</font>
</p><p><font>j) Os Autores participaram à Ré a ocorrência dos factos no sentido de acionar o seguro para que esta assumisse o pagamento do valor em dívida à Caixa DD;</font>
</p><p><font>k) Por carta datada de 21 de Dezembro de 2009, a Ré recusou, alegando não lhe ser possível “proceder ao pagamento da indemnização solicitada uma vez que à data do sinistro a cobertura que se pretende acionar já se encontrava excluída do contrato pelo facto da pessoa segura ter atingido e limite de idade previsto nas condições da apólice (doc. de fls. 28).</font>
</p><p><font>l) Ao Autor foi entregue uma nota informativa semelhante à que consta de fls. 103;</font>
</p><p><font>m) Ao Autor foi enviada cópia das condições gerais, especiais e particulares.»</font>
</p><p><b><font> </font></b>
</p><p><b><font>III – Fundamentação de direito</font></b>
</p><p><b><font> </font></b><br>
<i><font>1) Das presunções judiciais</font></i>
</p><p><font>Alega o recorrente que o acórdão recorrido utilizou presunções judiciais ou de experiência para suprir a falta de prova de factos, sem que a recorrida seguradora tenha impugnado a matéria de facto, procedimento que considera não ser admissível. </font>
</p><p><font>Tem-se entendido que o Tribunal da Relação, no exercício do seu poder de avaliação e interpretação da matéria de facto, pode utilizar presunções judiciais e regras de experiência. Conforme o decidido no acórdão deste Supremo Tribunal, de 09-12-2004, processo n.º 04S2390, Fernandes Cadilha (Relator): «O Tribunal da Relação pode exercer poderes de interpretação sobre a matéria de facto disponível, utilizando juízos de normalidade que se traduzem numa presunção judicial».</font>
</p><p><font>Amâncio Ferreira entende, com o apoio da jurisprudência e da doutrina significativas, entende que «(…) a Relação pode, mediante presunções judiciais, fundadas nas máximas de experiência, nos princípios da lógica ou nos juízos correntes de probabilidade, deduzir outros factos a partir dos factos apurados na 1.ª instância, mas não pode, em regra, alterar as presunções judiciais utilizadas na 1.ª instância, com base nos factos nelas averiguados. O comportamento da Relação baseado nessa faculdade é insindicável pelo STJ, por se reportar a julgamento da matéria de facto</font><a><u><sup><font>[1]</font></sup></u></a><font>. (…) Contudo, continua o autor, citando o acórdão do Supremo Tribunal, de 23 de Setembro de 2003 (CJ – Acórdãos do STJ, ano XI, tomo III, p. 43), «o acatamento pelo STJ das ilações extraídas dos factos provados, pressupõe a verificação de duas condições: que a conclusão ou ilação não altere os factos apurados e que ela seja a consequência lógica desses factos; daí, e por serem inadmissíveis as ilações ou conclusões que não correspondam ao desenvolvimento lógico da matéria de facto dada como provada, competir ao Supremo, como tribunal de revista, censurar a decisão das instâncias que, no que respeita a conclusões ou ilações de factos, infrinja o apontado limite»</font><a><u><sup><font>[2]</font></sup></u></a><font>. </font>
</p><p><font>Conforme se estipula na jurisprudência deste Supremo Tribunal, a sindicância do uso destas presunções é uma questão de direito, cognoscível por este Supremo Tribunal, quando estas não decorrem logicamente da factualidade provada e não provada, das respostas positivas e negativas aos quesitos, e/ou constituem violação do princípio do dispositivo, por visarem suprir a carência de prova de um facto sujeito a julgamento:</font>
</p><p><font>«As presunções são ilações que a lei ou o julgador tira dum facto conhecido para firmar um facto desconhecido, conforme estabelece o artigo 349.º do CC. Tratando-se dum meio probatório que é admitido para prova de factos susceptíveis de serem demonstrados por prova testemunhal, conforme determina o artigo 351.º do CC, está por isso vedado ao Supremo Tribunal de Justiça sindicar o uso deste meio probatório pelas instâncias, visto a sua competência, afora as situações de controlo de prova tabelada, se restringir a aplicar definitivamente o regime jurídico que julgue adequado aos factos fixados pelas instâncias, conforme resulta dos artigos 722.º, n.º 3 e 729.º, n.º 1, do CPC. No entanto, já poderá o Supremo Tribunal de Justiça aferir se as presunções extraídas pelas instâncias violam os artigos 349.º e 351.º do CC, por se tratar duma questão de direito, podendo assim sindicar se as ilações foram inferidas de forma válida, designadamente se foram retiradas dum facto desconhecido, por não ter sido dado como provado, e bem assim se contrariam ou conflituam com a restante matéria de facto que tenha sido dada como provada, após ter sido submetida ao crivo probatório.» [(</font><i><font>vide</font></i><font> acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 03 de Março de 2013, Gonçalves Rocha (Relator), Processo n.º 241/08.2TTLSB.L1.S1)]</font><a><u><sup><font>[3]</font></sup></u></a><font>. </font>
</p><p><font>Seguindo a mesma orientação, veja-se o acórdão de 05-11-2009, Oliveira Rocha (Relator):</font>
</p><p><font> «I - A Relação, dentro da competência que a lei lhe confere em matéria de facto, pode fazer uso das presunções judiciais, as quais não podem ser censuradas pelo STJ se forem extraídas dos factos provados com base em máximas de experiência, não alterarem esses factos e apenas representarem a sua decorrência lógica.</font>
</p><p><font>II - Porém, se essas ilações não forem a decorrência lógica dos factos provados ou se implicarem a prova de factos que contrariem as respostas afirmativas ou negativas aos quesitos ou a prova de factos nem sequer alegados, então já o Supremo as pode apreciar e censurar, por se estar perante alteração não prevista no art. 712.º, n.º 1, do CPC, ou perante matéria de facto não alegada pelas partes, com violação da parte final do art. 664.º, do mesmo Código.» </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>E, ainda, o acórdão deste Supremo Tribunal, de 29 de Novembro de 2005, Bettencourt Faria (relator), Processo n.º 05B3162, onde se afirma que: «Com efeito, é entendimento jurisprudencial o de que não se pode suprir por via da presunção judicial a carência de prova dum facto sujeito a julgamento».</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>A decisão sobre a admissibilidade do uso de presunções pelo Tribunal da Relação depende do respeito, ou não, pelos pressupostos legalmente estabelecidos quanto ao exercício dos seus poderes: a utilização de presunções não pode ofender normal legal, ser ilógica ou partir de factos não provados</font><a><u><sup><font>[4]</font></sup></u></a><font>.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> Sendo assim, vamos analisar se o uso destas presunções respeitou a factualidade provada e não provada, e se é, ou não, um procedimento que decorre logicamente desta factualidade.</font>
</p><p><font> Atentemos nos seguintes excertos do acórdão recorrido:</font>
</p><p><font>«É certo que não se provou – e não seria fácil provar – que a nota informativa entregue ao A. corresponde exactamente à de fls 103, mas ficou assente a entrega de uma </font><i><font>nota informativa semelhante</font></i><font>. </font><i><font>Semelhante</font></i><font> quer dizer idêntica ou análoga.</font>
</p><p><font>Ora, se se tratou de uma nota informativa análoga, não podemos presumir que não o era (análoga à de fls 103) no âmbito da informação sobre “</font><i><font>Início e Duração do Contrato</font></i><font>”, até porque a informação corresponde, ao menos na parte que aqui interessa, ao conteúdo do artigo 2º, § 2º das condições particulares da apólice contratada com os A.A., tudo indicando que aquela instituição financeira alertava e informava os clientes aderentes sobre as questões contratuais mais relevantes. E fê-lo, no caso, em termos análogos, idênticos ou semelhantes aos que constam de fls 103.» </font>
</p><p><font>(…)</font>
</p><p><font>«O que houve, quanto muito, foi um cumprimento imperfeito (não absoluto) do dever de comunicação, mas sem que se justificasse uma especial informação, por não haver necessidade objetiva de aclaração da cláusula. A R. só não provou que a comunicação das cláusulas contratuais foi efetuada com </font><i><font>antecedência necessária</font></i><font> </font><i><font>e adequada</font></i><font> ao perfeito conhecimento das cláusulas gerais e avaliação da vantagem, para o A., de contratar em conformidade.»</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Com efeito, as presunções judiciais simples ou </font><i><font>juris tantum</font></i><font>, a que recorreu o tribunal </font><i><font>a quo</font></i><font> para nelas alicerçar a sua decisão, divergem da factualidade provada, pois, não se tendo demonstrado que o envio da nota informativa e da apólice tivesse sido anterior ao da adesão ao contrato (deu-se outra redacção aos quesitos 2.º e 3.º), nem se tendo provado o esclarecimento verbal sobre o conteúdo e significado da cláusula de exclusão da cobertura (deu-se como não provado o quesito 1.º), tal não permite inferir o cumprimento o dever de informação, ainda que de forma imperfeita. E, como se tem entendido na jurisprudência deste Supremo Tribunal: «As presunções judiciais não podem suprir as respostas negativas aos pontos da matéria de facto» (acórdão de 07-01-2010, processo n.º 5175/03.4TBAVR.C1.S1, Bettencourt Faria)</font><a><u><sup><font>[5]</font></sup></u></a><font>.</font>
</p><p><font>Por outro lado, o acórdão recorrido exerceu uma valoração sobre a prova testemunhal que não pode fazer, em sede de recurso de apelação, quando não lhe tenha sido pedida alteração da matéria de facto, tentando, desse modo, relativizar o facto de não se ter provado o quesito 1.º e de os quesitos 2.º e 3.º terem sido introduzidos na matéria de facto com outra formulação. Atente-se no seguinte excerto do acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães:</font><br>
<font>«É de salientar que a resposta ao quesito 2º se inspirou nos depoimentos dos funcionários bancários, referindo a testemunha FF - conforme consta da fundamentação da decisão em matéria de facto - que “</font><i><font>… é facultada ao cliente informação escrita, semelhante à que consta de fls. 103, não podendo agora afirmar que foi essa efetivamente a nota informativa entregue ao autor. Os elementos mais essenciais do contrato (data de início e termo do seguro, exclusões, coberturas) são transmitidos aos clientes que, em caso de dúvida, poderão pedir mais esclarecimentos.</font></i><font>” E a testemunha GG que “</font><i><font>…a nota informativa constante de fls. 103 é semelhante àquela que era entregue aos clientes no momento em que preenchiam e assinava a proposta de adesão, não podendo no entanto confirmar que fosse exatamente aquela.</font></i><font>”»</font><br>
<font>(…)</font><br>
<font>«É curioso notar o modo como o tribunal recorrido justificou a resposta negativa ao quesito 1º (da alegação da R.). Pergunta-se ali: “</font><i><font>Aquando da proposta de adesão formulada pelo A. este foi informado pelos representantes da R. das cláusulas de seguro em especial da referida em E?</font></i><font>”. Diz o tribunal, a fls. 227, na fundamentação das respostas aos quesitos, para não dar crédito a referências efetuadas pelos funcionários do Banco, em especial a testemunha GG, que lidou diretamente com o A. e referiu ter-lhe explicado o conteúdo do contrato: “</font><i><font>Não nos parece plausível, por um lado, que sentisse necessidade de explicar o que era um seguro de vida a alguém que estava a “renegociar” um empréstimo com outra entidade e, por outro lado, que do extenso clausulado que envolve o contrato de seguro, tivesse sentido necessidade de lhe explicar justamente as cláusulas que estão em causa neste processo quando outras há de mais difícil compreensão</font></i><font>”.»</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Na falta de prova do esclarecimento verbal do autor e do momento do envio da apólice e da nota informativa, bem como do conteúdo exacto da mesma, | [0 0 0 ... 0 0 0] |
wjFXu4YBgYBz1XKv_Pei | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><br>
<font> </font><br>
<p><font>Acordam no Supremo Tribunal de justiça</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><b><font>I- Relatório</font></b><br>
</p><p><b><font>1. AA</font></b><font>, casada, portadora do CC: ..., com o NIF ..., residente em Travessa ... na freguesia ..., ... ..., propôs AÇÃO DECLARATIVA DE CONDENAÇÃO EM PROCESSO COMUM, contra </font><b><font>“SANTANDER TOTTA SEGUROS, COMPANHIA DE SEGUROS DE VIDA, SA.”,</font></b><font> NIPC: ..., com sede na Rua ..., ... ... ..., na qual peticionou a condenação da Ré a pagar-lhe:</font><br>
</p><p><font>a) A quantia de € 50.000,00, resultante do capital assegurado no caso de invalidez permanente, pelo contrato de seguro Ramo Vida, capaz de cobrir situações de Morte ou Invalidez celebrado no contexto do mútuo de um crédito bancário para aquisição de habitação;</font><br>
</p><p><font>b) A quantia de €1.000,00 (quantia fixada provisoriamente), relativa aos prémios de seguro que foram pagos pela A. desde a participação do sinistro até ao presente e, bem assim, todos aqueles que vierem a ser pagos pela A. até efetiva assunção de responsabilidade pela R. ou integral pagamento do capital garantido;</font><br>
</p><p><font>c) Os juros que se vencerem desde a citação até integral pagamento das quantias referidas nas anteriores alíneas.</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font>Para o efeito, alegou, em suma, o seguinte: que em meados do mês de Agosto de 2013 a autora e o seu marido BB dirigiram-se a um balcão do Banco Santander Totta, sito na freguesia ..., onde subscreveram um contrato de Seguro Ramo Vida, capaz de cobrir situações de Morte ou Invalidez, para o que se limitaram a assinar uma proposta de adesão, a qual foi, inteiramente, preenchida pelo funcionário do banco. Todavia, não foram entregues à autora as condições e/ou exclusão do referido contrato, as quais não foram, sequer, comunicadas nem informadas, tendo apenas sido transmitido à autora pelo funcionário bancário que, em caso de morte ou invalidez (que seria considerada quando houvesse uma incapacidade superior a 66%), lhe seria pago o valor de € 50.000,00.</font><br>
</p><p><font>Desde a subscrição do referido contrato a autora passou a pagar mensalmente o prémio do respetivo seguro, prémio que sempre pagou e ainda se encontra a pagar.</font><br>
</p><p><font>No início do ano de 2014 teve a autora conhecimento que padece da doença de </font><i><font>“Neurobehçet”,</font></i><font> doença que desde essa data evoluiu de forma galopante, atingindo gravemente o seu Sistema Nervoso Central e que incapacitou a autora de trabalhar ou exercer qualquer actividade profissional.</font><br>
</p><p><font>Em virtude dessa situação, em 31-05-2017 a autora participou o Sinistro de Invalidez à ré. </font><br>
</p><p><font>Esta não pagou à segurada o Capital Seguro, no montante de € 50.000,00.</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><b><font>2.</font></b><font> A Ré apresentou oposição, defendendo-se, por exceção, invocando a sua ilegitimidade.</font><br>
</p><p><font>Referiu em síntese que: no passado dia 31 de dezembro de 2014, a Santander Totta Seguros – Companhia de Seguros, S.A. celebrou com Aegon Santander Portugal Vida – Companhia de Seguros de Vida, S.A. um contrato denominado de “Contrato de Transferência de Carteiras”, com o qual transferiu para a Aegon a carteira de apólices de seguro da Santander Totta Seguros – Companhia de Seguros, S.A. subscritas a partir de 01 de Julho de 2012, pelo que, tendo o contrato titulado pela apólice ...58 sido celebrado em 2013, foi tal apólice transferida para a Aegon Santander Portugal Vida – Companhia de Seguros de Vida, S.A.</font><br>
</p><p><font>A pedido da autora foi admitida a intervenção a título principal, como associada da Ré, de “Aegon Santander Portugal Vida – Companhia de seguros de Vida, S.A.”.</font><br>
</p><p><font>Citada para o efeito, veio a interveniente confirmar que, tendo o contrato titulado pela apólice ...58 sido celebrado em 2013, foi tal apólice transferida para a Aegon Santander Portugal Vida – Companhia de Seguros de Vida, S.A.</font><br>
</p><p><font>Mais alegou o seguinte: que em meados de 2017 foi recebida na Seguradora ora Interveniente uma participação de sinistro por invalidez da Pessoa Segura, AA, aqui Autora. De acordo com o Relatório Médico/Atestado Médico de Invalidez, há referência a diagnóstico de Doença de Behçet em outubro/novembro de 2013. Não obstante a documentação recebida, e as diversas insistências realizadas junto da A. e das Entidades Hospitalares, até ao momento a ora Ré não rececionou a totalidade dos documentos tendentes à análise da eventual cobertura do sinistro. Informações essas que são essenciais à avaliação do risco e análise da eventual cobertura, ou não, do sinistro participado. Não tendo a ora interveniente tido acesso aos documentos clínicos solicitados à Autora e essenciais à análise da eventual cobertura do sinistro participado, solicitou-os diretamente às Entidades Hospitalares. Aquando da celebração do seguro em apreço, a A. foi informada, enquanto pessoa segura das cláusulas contratuais do seguro a que aderia, tendo a autora, adicionalmente, declarado expressamente encontrar-se de boa saúde e ter tomado conhecimento de toda a informação pré-contratual obrigatória. À data da subscrição da apólice de seguro a A. tinha conhecimento de que não poderia omitir à Seguradora qualquer situação relacionada com o seu estado de saúde, sob pena de nulidade do contrato de seguro. A proposta de seguro de vida em apreço nos autos foi preenchida e assinada em 23.08.2013. A doença que causou a invalidez da A. foi-lhe diagnosticada apenas 2 meses após, pelo que é legítimo à Seguradora considerar que à data da subscrição da apólice a A. já poderia apresentar sintomas e queixas relacionadas com a doença em causa. Ou seja, a ora Ré desconhece se à data da subscrição do contrato de seguro em apreço nos autos (agosto de 2013) a A. tinha pleno e efetivo conhecimento de que o seu estado de saúde não era bom, conforme declarou, ainda que o diagnóstico tenha apenas sido confirmado em outubro/novembro de 2013. A Ré Seguradora aceitou a adesão ao seguro celebrado com a A., desconhecendo que esta eventualmente padecia da referida doença. Tais factos se omitidos à data da subscrição da proposta de adesão, eram circunstâncias essenciais para a aceitação da adesão ao seguro pela Ré Seguradora, ou, no mínimo, teriam importância decisiva nas condições de aceitação. No caso em apreço, a A. poderá ter prestado, assim, declarações inexatas ou reticentes. </font>
</p><p><font>As falsas declarações prestadas, no âmbito de um contrato de seguro, por parte do segurado, determinam, a sua anulabilidade, que invoca.</font><br>
</p><p><font>Termina pedindo a sua absolvição do pedido.</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><b><font>3.</font></b><font> Foi elaborado </font><b><font>despacho saneador</font></b><font>, no qual se decidiu ter ficado prejudicado o conhecimento da exceção de ilegitimidade, apurando-se posteriormente a final a identidade do verdadeiro sujeito da relação controvertida, uma vez que foi deferida por despacho de 05-12-2019 a intervenção principal provocada da mesma “Aegon Santander Portugal Vida – Companhia de Seguros de Vida, S.A.”, requerida pela autora.</font><br>
</p><p><font>Nessa mesma peça processual foi fixado como Objeto do Litígio o seguinte:</font><br>
</p><p><font>a) O contrato de seguro do ramo vida celebrado entre a Autora e a Ré e o direito daquela ao pagamento do capital aí previsto e ao reembolso dos prémios de seguro pagos desde a participação do sinistro;</font><br>
</p><p><font>b) Extinção do contrato e respetiva anulabilidade por falsas declarações”. </font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font>Foram ainda fixados os seguintes Temas da Prova:</font><br>
</p><p><font>1º Data em que a Autora teve conhecimento da doença de que padece.</font><br>
</p><p><font>2º Comunicação por parte do funcionário do Banco Santander Totta das condições e exclusões do contrato de seguro”. </font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><b><font>4.</font></b><font> Procedeu-se a audiência de julgamento, que decorreu com observância do formalismo legal.</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><b><font>5.</font></b><font> A final foi proferida </font><b><font>sentença</font></b><font> que julgou a ação procedente e decidiu:</font><br>
</p><p><i><font>«a) Condenar a interveniente Aegon Santander Portugal Vida – Companhia de Seguros de Vida, S.A. a pagar à autora a quantia de € 50.000,00, resultante do capital assegurado no caso de invalidez permanente, pelo contrato de seguro Ramo Vida, capaz de cobrir situações de Morte ou Invalidez celebrado no contexto do mútuo de um crédito bancário para aquisição de habitação.</font></i><br>
</p><p><i><font>b) Condenar a interveniente Aegon Santander Portugal Vida – Companhia de Seguros de Vida, S.A. a pagar à autora quantia de € 1.000,00 (quantia fixada provisoriamente), relativa aos prémios de seguro que foram pagos pela A. desde a participação do sinistro até ao presente e, bem assim, todos aqueles que vierem a ser pagos pela A. até efectiva assunção de responsabilidade pela R. ou integral pagamento do capital garantido.</font></i><br>
</p><p><i><font>c) Condenar a interveniente Aegon Santander Portugal Vida – Companhia de Seguros de Vida, S.A. ao pagamento de juros de mora desde o vencimento da respetiva obrigação, nos termos dos artigos 804º e 805º,2,a CC, sendo que, os juros comerciais, desde 01.07.2014 até 31-12-2014, contam com uma taxa de 8,15%, nos termos do Aviso n.º ...14, D.R., 2.ª série, de 16.07.2014.</font></i><br>
</p><p><i><font>d) Absolver a ré SANTANDER TOTTA SEGUROS, COMPANHIA DE SEGUROS DE VIDA, SA.” dos pedidos».</font></i><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><b><font>6.</font></b><font> A Seguradora, Aegon Santander Portugal Vida, interpôs recurso de apelação, tendo o Tribunal a Relação de Guimarães decidido o seguinte:</font><br>
</p><p><i><font>«Por todo o exposto, este Tribunal da Relação de Guimarães decide julgar o recurso procedente, e, em consequência, revogando parcialmente a sentença recorrida, julga a acção totalmente improcedente, absolvendo a interveniente Aegon Santander Portugal Vida – Companhia de Seguros de Vida, S.A. dos pedidos, e mantendo-se a absolvição da ré Santander Totta Seguros, Companhia de Seguros de Vida, SA.»</font></i><br>
</p><p><i><font> </font></i><br>
</p><p><b><font>7.</font></b><font> A autora, </font><b><font>AA,</font></b><font> inconformada com o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, interpôs recurso de revista, em cuja alegações formulou as seguintes conclusões:</font><br>
</p><p><i><font>«A. Pretende a Recorrente com as presentes alegações colocar à apreciação deste Douto Tribunal Superior aquele que é o seu entendimento sobre o uso que a Relação fez dos poderes que lhe são conferidos pelo artigo 662.º do CPC, sendo o “mau uso”, em termos que se explicará melhor adiante, suscetível de configurar violação da lei de processo e, portanto, de constituir fundamento do recurso de revista, nos termos do art. 674º, nº 1, al. b), do CPC;</font></i><br>
</p><p><i><font>B. Salvo o devido respeito, a modificabilidade da matéria de facto levada a cabo, nos exatos termos em que impugnados pela Ré e, sobretudo sem devido escrutínio e, consequente motivação da respetiva valoração levada a cabo sobre determinadas provas em detrimento de outras, parece-nos violadora dos poderes que conferidos pelo artigo 662.º do CPC ao Tribunal da Relação.</font></i><br>
</p><p><i><font>C. O Acórdão recorrido em manifesta desconsideração de toda a demais prova produzida e, fazendo VALORAÇÃO LITERAL do teor DE UM documento – resumo de informação clínica - que se encontra junto aos autos a fls. 749, PRESUMIU que, nessa data, o Dr. CC informou a Autora que todos os sintomas que a vinham afligindo ao longo dos últimos dois anos eram manifestações da doença de behçet e, que, seguramente, informou-a da gravidade do seu estado.</font></i><br>
</p><p><i><font>D. Tais conclusões/ilações retiradas pelo Tribunal da Relação de tal documento – informação clínica – são isso mesmo: ilações ou conclusões, sem qualquer outro suporte.</font></i><br>
</p><p><i><font>E. Entendeu o mesmo Tribunal da Relação que o aludido documento é incontroverso e o seu peso probatório é incontestável. Acrescentando, não ter sido, sequer, beliscado pela prova testemunhal produzida.</font></i><br>
</p><p><i><font>F. O Acórdão Recorrido não fundamenta devidamente a alteração da factualidade que passou a considerar provada e não provada, respetivamente, violando o disposto no artigo 607º do CPC. </font></i><br>
</p><p><i><font>G. O Tribunal da Relação não levou a cabo a análise crítica de toda a prova produzida e não especificou os fundamentos decisivos para a sua convicção e, mais que, manifestamente contrária àquela que foi a do Tribunal de Primeira Instância.</font></i><br>
</p><p><i><font>H. Sendo certo que, tal convicção veio a assentar na valoração de uma informação clínica, que se encontra juntos aos autos, mas que nada diz ter sido levada ao conhecimento da A.</font></i><br>
</p><p><i><font>I. Descuidando a demais prova produzida, optando uma verdade meramente hipotética, pese embora não demonstrada, que veio a importar significativa alteração da factualidade considerada por provada e não provada e, consequentemente pela improcedência da ação e absolvição da Ré.</font></i><br>
</p><p><i><font>J. Entendeu o Tribunal da Relação como assente e, sem margem para controvérsia, como prova bastante e plena, a que resulta do Documento junto aos autos a fls. 749 - o Relatório médico da Consulta de Doenças Autoimunes em Medicina Interna - de 01.07.2013 e que nessa data o Dr. CC informou a Autora que todos os sintomas que a vinham afligindo ao longo dos últimos dois anos eram manifestações da doença de behçet e ainda que, seguramente, informou-a da gravidade do seu estado.</font></i><br>
</p><p><i><font>K. Não se alcança onde foi o Tribunal da Relação alicerçar a sua certeza de que o Dr. CC informou a Autora que todos os sintomas que a vinham afligindo ao longo dos últimos dois anos eram manifestações da doença de behçet, e que, nessa data, a informou da gravidade do seu estado.</font></i><br>
</p><p><i><font>L. Sendo certo que, DE TAL DOCUMENTO NÃO RESULTA E, POR ISSO, NÃO PODE FAZER PROVA PLENA NESSE SENTIDO, QUE NESSA DATA A AUTORA PASSOU A TER CONHECIMENTO DE TAL DOENÇA E, SOBRETUDO QUE FOI INFORMADA DA GRAVIDADE DO SEU ESTADO- falamos pois de uma informação clínica interno do Hospital a que a Autora não teve acesso, nem conheceu, antes da presente lide.</font></i><br>
</p><p><i><font>M. Acrescente-se que, no que respeita àquele que foi o depoimento prestado pela TESTEMUNHA DR DD, que sublinhe-se, médico indicado pela Ré e que nunca acompanhou a evolução clínica da Autora, como tal, o seu depoimento bastou-se com a leitura e interpretação profissional e, bem assim, pessoal, sobre os documentos/relatórios clínicos juntos aos autos, não conseguindo o mesmo em momento algum precisar sobre a data de conhecimento efetivo pela Autora do disgnóstico da doença!</font></i><br>
</p><p><i><font>N. Conforme entendimento da Sentença Recorrida, os depoimentos das TESTEMUNHAS BB, marido da Autora e o EE, funcionário do Santander Totta, acabam por conferir maior credibilidade àquela que é a versão da Autora, mormente que à data da assinatura do contrato de seguro desconhecia padecer da doença de“neurobehcet” .</font></i><br>
</p><p><i><font>O. Não considerou o Tribunal da Relação que a decisão de contratar o seguro de vida ora em apreço, ter-se-á verificado por indicação do funcionário do banco, uma vez que à data a Autora não teria qualquer contrato de vida associado ao crédito à habitação, sendo que a mesma se limitou a assinar tudo o quanto se lhe foi apresentado para o efeito.</font></i><br>
</p><p><i><font>P. NÃO FOI A AUTORA QUEM SE DIRIGIU AO BALCÃO DO SANTANDER E, CONHECENDO PADECER DE DOENÇA DE BEHÇET E SUA GRAVIDADE, DECLAROU DELIBERADAMENTE “…estar de boa saúde, não sofrer de qualquer doença de qualquer etiologia (cardíaca, pulmonar, tumoral, imunológica, renal, obesidade, circulatória, hepática ou qualquer outra), não ter sido submetido nem estar a aguardar a realização de cirurgia, não ter efectuado consulta médica não de rotina nem ter sido sujeito a qualquer internamento hospitalar, não existir qualquer restrição à minha capacidade de trabalhar, não ter existido qualquer interrupção na minha actividade profissional nos últimos 6 meses, não ter sofrido qualquer acidente.”!!!</font></i><br>
</p><p><i><font>Q. Pese embora tenha resultado provado que aquando da subscrição do Seguro a Autora já estaria a ser acompanhada na especialidade de dermatologia e medicina interna do Hospital ... em virtude de apresentar manchas na pele, desconhecia que pudessem estar associadas a uma doença grave, aliás que, aparentava estar de boa saúde, o que foi confirmado pela Testemunha EE, funcionário que terá tratado do crédito bancário da Autora e marido e, posteriormente da subscrição do contrato de seguro e que costumava ver a Autora com regularidade.</font></i><br>
</p><p><i><font>R. Também o relatório elaborado pelo Médico da Unidade de Saúde ..., no qual se refere que o disgnóstico foi realizado em julho de 2013 no Hospital ... (Consulta de Medicina Interna, onde se fez estudo que levou ao diagnostico), terá de entender-se que tal informação decorre da leitura do Resumo de Informação Clinica da Consulta de Doenças Autoimunes em Medicina Interna de 01.07.2013, sem que, contudo, se conclua que nessa data tenha a Autora conhecido de tal diagnóstico!</font></i><br>
</p><p><i><font>S. A Autora só conheceu do Resumo de Informação Clínica da Consulta de Doenças Autoimunes em Medicina Interna elaborado em 01.07.2013, no âmbito dos presentes autos!</font></i><br>
</p><p><i><font>T. Trata-se de uma informação interna registada em base de dados do SNS, à qual, a menos que disponibilizada pelo médico, apenas têm acesso os profissionais de saúde.</font></i><br>
</p><p><i><font>U. PELO QUE, O ENTENDIMENTO DE QUE NA CONSULTA DE 01.07.2013 FOI A AUTORA INFORMADA DO DIAGNÍÓSTICO DE DOENÇA E SUA GRAVIDADE É MERAMENTE ESPECULATIVO/PRESUNTIVO!!!!</font></i><br>
</p><p><i><font>V. Repare-se ainda que, no Registo Clínico da Consulta que realizadas na USF de ..., inexiste, anteriormente a 11.10.2013, qualquer alusão a diagnóstico de doença de Behçet, sendo que, apenas nessa data se refira a que, entre 02.09.2013 a 13.09.2013, a Autora teve internamento, tendo sido realizado TAC, RMN e angioRMN Cerebral que revelaram lesões compatíveis com NeuroBehçet,</font></i><br>
</p><p><i><font>W. Antes de 11.10.2013 o Médico de Família FF, não registou qualquer diagnóstico ou sequer, suspeita, de NeuroBehçet, mas antes e apenas, que a Autora teria problemas cutâneos e que estaria a ser seguida pela Especialidade de Dermatologia.</font></i><br>
</p><p><i><font>X. Pelo que, inexistindo prova suficiente (documental e/ou testemunhal) à corroboração da versão da Ré de que, -À data da subscrição do acordo referido em 6º a A. já apresentava sintomas e queixas relacionadas com a Doença de Behçet (alínea d) dos factos não provados-, NÃO PODERÁ MANTER-SEA ALTERAÇÃODA DECISÃO DE FACTO LEVADA A CABO PELO TRIBUNAL RECORRIDO! </font></i><br>
</p><p><i><font>Y. Como tal, deverá o Acórdão Recorrido ser revogado, mantendo-se a factualidade que foi considerada provada e não provada pelo Tribunal de Primeira Instância.</font></i><br>
</p><p><i><font>Z. Neste sentido, uma vez que a Autora/Recorrente à data da subscrição do contrato de seguro em apreço nos autos não tinha conhecimento efetivo de que padecia de um quadro clínico grave, não se poderá considerar, como considerou o Tribunal Recorrido, que a mesma omitiu factos com interesse para a formação do contrato de seguro.</font></i><br>
</p><p><i><font>AA. E, nessa linha, não se pode reconhecer que a Autora violou a norma do nº 1 do art. 24.º do DL n.º 72/08, que: "O tomador do seguro ou o segurado está obrigado, antes da celebração do contrato, a declarar com exactidão todas as circunstâncias que conheça e razoavelmente deva ter por significativas para a apreciação do risco pelo segurador” e que o contrato em questão padece do vício da anulabilidade a que alude o o n° 1 do art. 25.º do mesmo diploma, segundo o qual:</font></i><br>
</p><p><i><font>"Em caso de incumprimento doloso do dever referido no nº 1 do artigo anterior, o contrato é anulável mediante declaração enviada pelo segurador ao tomador do seguro.”</font></i><br>
</p><p><i><font>BB. Pelo contrário, uma vez mais, verificado o evento de risco que se pretendeu acautelar com o contrato de seguro, mormente a verificação de uma invalidez, resultante de incapacidade funcional permanente de grau de 79%, incumbe à seguradora interveniente indemnizar o tomador do seguro e/ou pessoa segura no montante do capital seguro, mormente €50.000,00 e bem assim, no valor de todos os prémios de seguro que foram pagos pelo Tomador de Seguro - a A.- desde a data da participação do sinistro até à efetiva assunção da responsabilidade pela seguradora ou efetivo pagamento do capital segurado. </font></i><br>
</p><p><i><font> </font></i><br>
</p><p><i><font>TERMOS EM QUE, Vossas Excelências, DANDO PROVIMENTO INTEGRAL À REVISTA, DECIDIRÃO:</font></i><br>
</p><p><i><font> Que a decisão contida no acórdão recorrido viola os poderes de modificabilidade da decisão de facto conferidos ao Tribunal da Relação, nos termos do artigo 662ºe, bem assim, quanto à valoração/apreciação da prova produzida que decorre dos nºs 4 e 5, do artigo 607º do CPC, o que configura, portanto, violação das regras processuais, fundamento do recurso de revista, nos termos do art. 674º, nº 1, al. B), do CPC;</font></i><br>
</p><p><i><font>E AINDA, julgar a revista integralmente procedente, e, em consequência, revogar o acórdão Recorrido, confirmando-se o decidido pela Primeira Instância, que julgou procedente por provada a ação instaurada pela Autora e, em consequência condenou a Ré AEGON SANTANDER PORTUGAL VIDA – COMPANHIA DE SEGUROS DE VIDA, S.A. ao pagamento da quantia de €50.000,00, resultante do capital assegurado no caso de invalidez permanente, pelo contrato de seguro Ramo Vida, capaz de cobrir situações de Morte ou Invalidez celebrado no contexto do mutuo de um crédito bancário para aquisição de habitação e, bem assim, ao pagamento da quantia de €1.000,00 (quantia fixada provisoriamente), relativa aos prémios de seguro que foram pagos pela A. desde a participação do sinistro até ao presente e, bem assim, todos aqueles que vierem a ser pagos pela A. até efetiva assunção de responsabilidade pela R. ou integral pagamento do capital garantido; e, ainda, ao pagamento de juros de mora desde o vencimento da respectiva obrigação, nos termos dos artigos 804º e 805º, n.º 2, alínea a) do Código Civil, sendo que, os juros comerciais, desde01.07.2014 até 31-12-2014, contam com uma taxa de 8,15%, nos termos do Aviso n.º ...14, D.R., 2.ª série, de 16.07.2014.</font></i><br>
</p><p><i><font>FAZENDO-SE INTEIRA E COSTUMADA JUSTIÇA!»</font></i><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><b><font>8. </font></b><font>A seguradora apresentou contra-alegações em que pugna pela manutenção do decidido.</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><b><font>9.</font></b><font> Sabido que o objeto do recurso, ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, se delimita pelas conclusões, as questões a conhecer é a de saber se a decisão contida no acórdão recorrido viola os poderes de modificabilidade da decisão de facto conferidos ao Tribunal da Relação, nos termos do artigo 662º do CPC, e se viola as regras processuais quanto à valoração/apreciação da prova produzida que decorrem dos nºs 4 e 5, do artigo 607º do CPC, fundamento de revista nos termos do artigo 674º, nº 1, al. </font><i><font>b),</font></i><font> do CPC;</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font>Cumpre apreciar e decidir.</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><b><font>II – Fundamentação </font></b><br>
</p><p><b><font>A – Os factos</font></b><br>
</p><p><u><font>A lista definitiva dos factos provados após o exercício pela Relação do seu poder de modificação dos factos é a seguinte:</font></u><br>
</p><p><b><font>1º</font></b><font> A ré -Santander Totta Seguros - Companhia de Seguros de Vida S.A- dedica-se ao exercício da atividade de seguro direto e de resseguro do ramo "Vida".</font><br>
</p><p><b><font>2º </font></b><font>No passado dia 31 de dezembro de 2014, a Santander Totta Seguros – Companhia de Seguros, S.A. celebrou com Aegon Santander Portugal Vida – Companhia de Seguros de Vida, S.A. um contrato denominado de “Contrato de Transferência de Carteiras”.</font><br>
</p><p><b><font>3º</font></b><font> Sendo que, tal contrato transferiu para Aegon a carteira de apólices de seguro da Santander Totta Seguros – Companhia de Seguros, S.A. subscritas a partir de 01 de julho de 2012, pelo que, tendo o contrato titulado pela apólice ...58 sido celebrado em 2013, foi tal apólice transferida para a Aegon Santander Portugal Vida – Companhia de Seguros de Vida, S.A.;</font><br>
</p><p><b><font>4º</font></b><font> A interveniente confirmou que, tendo o contrato titulado pela apólice ...58 sido celebrado em 2013, foi tal apólice transferida para a Aegon Santander Portugal Vida – Companhia de Seguros de Vida, S.A.</font><br>
</p><p><b><font>5º</font></b><font> Em meados do mês de agosto de 2013 a autora e o seu marido BB dirigiram-se a um balcão do Banco Santander Totta, sito na freguesia ....</font><br>
</p><p><b><font>6º</font></b><font> Naquele balcão e, uma vez que a autora era à data mutuária de um crédito, foi-lhe sugerido pelo funcionário do banco a subscrição de um denominado “Contrato de Seguro Ramo Vida”, capaz de cobrir situações de Morte ou Invalidez.</font><br>
</p><p><b><font>7º</font></b><font> A autora subscreveu o acordo referido em 6º, subscrição que se bastou com a assinatura de uma proposta de adesão, a qual foi inteiramente preenchida pelo funcionário do banco.</font><br>
</p><p><b><font>8º</font></b><font> As condições e/ou exclusão do acordo referido em 6º não foram comunicadas nem informadas à autora.</font><br>
</p><p><b><font>9º </font></b><font>Tendo apenas sido transmitido à autora pelo funcionário bancário que, em caso de morte ou invalidez (que seria considerada quando houvesse uma incapacidade superior a 66%), lhe seria pago o valor de € 50.000,00. </font><br>
</p><p><b><font>10º </font></b><font>Desde a subscrição do acordo referido em 6º a autora passou a pagar mensalmente o prémio do respetivo seguro, prémio que sempre pagou e ainda se encontra a pagar.</font><br>
</p><p><b><font>11º</font></b><font> Em 1.7.2013 teve a autora conhecimento que padece da doença de “behçet” </font><i><font>(Facto modificado pelo Tribunal da Relação).</font></i><br>
</p><p><b><font>12º</font></b><font> Doença que desde essa data evoluiu de forma galopante. </font><br>
</p><p><b><font>13º</font></b><font> Atingindo gravemente o seu Sistema Nervoso Central.</font><br>
</p><p><b><font>14º </font></b><font>Passando, desde então, a autora a estar limitada nas suas funções cognitivas e psicomotoras.</font><br>
</p><p><b><font>15º</font></b><font> Mormente, nas atividades intelectivas, mnésica, de atenção e do senso crítico.</font><br>
</p><p><b><font>16º</font></b><font> Passou a autora a depender fortemente de terceiros na sua conduta diária. </font><br>
</p><p><b><font>17º</font></b><font> Ficando incapaz de gerir autonomamente o seu lar, os assuntos pessoais e familiares.</font><br>
</p><p><b><font>18º </font></b><font>A autora ficou totalmente incapaz de trabalhar ou exercer qualquer atividade profissional.</font><br>
</p><p><b><font>19º </font></b><font>Em 27 de maio de 2015 foi a autora sujeita a uma Junta Médica, onde lhe foi atribuída uma incapacidade permanente global de 79 %.</font><br>
</p><p><b><font>20º</font></b><font> Tal incapacidade é definitiva.</font><br>
</p><p><b><font>21º</font></b><font> Em virtude da situação vivenciada, mormente da padecida incapacidade permanente, em 31-05-2017 a autora participou o Sinistro de Invalidez à interveniente.</font><br>
</p><p><b><font>22º</font></b><font> Juntando à respetiva participação os documentos de fls. 8 vs., 9 e 9 vs., (dois atestados médicos e um atestado médico de incapacidade de multiuso no qual lhe foi atribuída uma incapacidade permanente global de 79 %).</font><br>
</p><p><b><font>23º </font></b><font>Nem a ré, nem a interveniente pagaram à autora o montante de €50.000,00. </font><br>
</p><p><b><font>24º </font></b><font>Em meados de 2017 foi recebida na Seguradora, ora Interveniente – a Aegon Santander Portugal Vida – Companhia de Seguros de Vida, S.A., uma participação de sinistro por invalidez da Pessoa Segura, AA, aqui Autora.</font><br>
</p><p><b><font>25º</font></b><font> O acordo referido em 6º foi celebrado em 23.08.2013.</font><br>
</p><p><b><font>26º </font></b><font>A Interveniente solicitou diretamente às Entidades Hospitalares o acesso aos documentos clínicos solicitados à Autora e essenciais à análise da eventual cobertura do sinistro participado.</font><br>
</p><p><b><font>27º</font></b><font> A Interveniente apresentou Queixa junto da C....</font><br>
</p><p><b><font>28º</font></b><font> A autora assinou o acordo mencionado em 6, onde consta que declara, </font><i><font>“…estar de boa saúde, não sofrer de qualquer doença de qualquer etiologia (cardíaca, pulmonar, tumoral, imunológica, renal, obesidade, circulatória, hepática ou qualquer outra), não ter sido submetido nem estar a aguardar a realização de cirurgia, não ter efectuado consulta médica não de rotina nem ter sido sujeito a qualquer internamento hospitalar, não existir qualquer restrição à minha capacidade de trabalhar, não ter existido qualquer interrupção na minha actividade profissional nos últimos 6 meses, não ter sofrido qualquer acidente.”.</font></i><br>
</p><p><b><font>29º</font></b><font> A autora assinou o acordo mencionado em 6, onde consta que declara, </font><i><font>“…não ter omitido nada em relação ao eu estado de saúde. Estou ciente de que, caso haja ….. , deverei obter o questionário clínico previsto para tal, preenchê-lo e devolvê-lo à Seguradora. Estou ciente, também, de que qualquer falsa declaração ou omissão da minha parte relativa ao Termo de Responsabilidade terá como consequência a nulidade do contrato de seguro, conforme determina a lei. Declaro ter conhecimento de que a Santander Totta Seguros não garante o pagamento das importâncias seguras caso o sinistro seja devido a situações pré-existentes à data da celebração do contrato de seguro”.</font></i><br>
</p><p><b><font>30º</font></b><font> À data da subscrição da apólice de seguro a autora tinha conhecimento de que não poderia omitir à Seguradora qualquer situação relacionada com o seu estado de saúde.</font><br>
</p><p><b><font>31º</font></b><font> A Ré Seguradora aceitou a adesão ao seguro celebrado com a autora, desconhecendo que esta eventualmente padecia da referida doença.</font><br>
</p><p><b><font>32º</font></b><font> A doença que causou a invalidade da autora foi-lhe diagnosticada em julho de 2013, antes da subscrição do acordo referido em 6» </font><i><font>(Facto aditado pelo Tribunal da Relação).</font></i><br>
</p><p><i><font> </font></i><br>
</p><p><b><u><font>Factos não provados </font></u></b><br>
</p><p><font>Não se provou que:</font><br>
</p><p><i><font>a)</font></i><font> De acordo com os Relatórios Médicos e Atestado Médico de Incapacidade Multiuso apresentados pela autora junto à participação de sinistro, documentos que se encontram nos autos a fls. 8 vs. a 10, há referência a diagnóstico de Doença de Behçet em outubro/novembro de 2013. </font><br>
</p><p><i><font>b)</font></i><font> Não obstante a documentação recebida, e as diversas insistências realizadas junto da autora e das Entidades Hospitalares, até ao momento a ora Ré não rececionou a totalidade dos documentos tendentes à análise da eventual cobertura do sinistro.</font><br>
</p><p><i><font>c)</font></i><font> Aquando da celebração do seguro em apreço, a autora foi informada, enquanto pessoa segura de todas as cláusulas contratuais do acordo a que aderia.</font><br>
</p><p><i><font>d)</font></i><font> </font><i><font>Eliminado</font></i><font> </font>
</p><p>< | [0 0 0 ... 0 0 0] |
zjJqu4YBgYBz1XKvuAQT | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><b><font> </font></b>
<p><b><font>I. RELATÓRIO</font></b><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><b><font>1.</font></b><font> BANCO COMERCIAL PORTUGUÊS, S. A. veio intentar a presente ação de processo comum contra CC, AA e mulher BB, alegando que é credor do primeiro por lhe ter mutuado 74.880 euros, em 2004, e que, tendo sido admitido e reconhecido como credor no âmbito de execução fiscal que contra aquele correu termos, ali adquiriu o imóvel sobre o qual constituíra hipoteca para garantia do valor mutuado, cuja entrega ainda não conseguiu porque aquele Réu celebrou com os segundos contrato de arrendamento do referido imóvel.</font><br>
</p><p><font>Pede a declaração de nulidade desse negócio que alega ter sido simulado por todos com o intuito de frustrarem a satisfação do seu crédito.</font><br>
</p><p><font>Citados os Réus, vieram AA e mulher BB contestar, excecionando a incompetência material deste tribunal, a preclusão do direito do Autor por o não ter invocado no âmbito da execução fiscal em que adquiriu o imóvel, invocando a decisão ali proferida como caso julgado relativo à não extinção do direito ao arrendamento e impugnando parte dos factos alegados como causa de pedir, nomeadamente que o primeiro Réu tenha vivido no imóvel que lhes arrendou após a celebração de tal contrato.</font><br>
</p><p><font>Também o Réu CC contestou sustentado na defesa da tese de que o Autor não tem interesse na declaração de nulidade do contrato de arrendamento, pois bem sabia, antes de adquirir o imóvel em processo de execução fiscal, que o mesmo estava arrendado, pelo que lhe está agora vedado alegar a nulidade de tal contrato. </font><br>
</p><p><font>Manifestou a pretensão de, no caso de procedência do pedido, ser julgada também nula a venda executiva pela qual o Autor adquiriu o imóvel pois este, sem o contrato de arrendamento, seria vendido por valor superior, ou, caso assim não se entenda, se condene o Autor a ressarcir o Réu por enriquecimento sem causa.</font><br>
</p><p><font>Foi designada audiência prévia e convidado o Réu a aperfeiçoar a contestação deduzindo pedido reconvencional de forma articulada e autónoma e indicando o respetivo valor sob pena de as suas pretensões não poderem ser conhecidas.</font><br>
</p><p><font>Desde logo se advertiu tal Réu, contudo, da possibilidade de o tribunal se vir a julgar incompetente em razão da matéria para conhecer de tais pretensões. </font><br>
</p><p><font>O Réu CC aceitou o convite e deduziu pedidos reconvencionais em expressão das pretensões acima referidas.</font><br>
</p><p><font>O Autor replicou pugnando pela inadmissibilidade da dedução da reconvenção e pela sua falta de fundamento de facto.</font><br>
</p><p><font>Foi saneada a causa, com conhecimento, pela sua improcedência, da exceção de incompetência deste tribunal para conhecimento do pedido, bem como das exceções de caso julgado/inominada de preclusão do direito do Autor invocar a nulidade por simulação do contrato de arrendamento objeto dos autos.</font><br>
</p><p><font>Não se admitiu a reconvenção por se ter julgado a incompetência material deste tribunal para conhecer dessa pretensão. </font><br>
</p><p><font>Afirmou-se da validade e regularidade da instância, foi identificado o objeto do litígio e foram enunciados os temas de prova. </font><br>
</p><p><font>Realizou-se a audiência de julgamento com observância de todas as formalidades legais. </font><br>
</p><p><b><font>2.</font></b><font> De seguida foi proferida a sentença, que decidiu o seguinte:</font><br>
</p><p><i><font>“V – Julgo a acção totalmente provada e procedente e em consequência:</font></i><br>
</p><p><i><font>1. Declara-se nulo e de nenhum efeito o contrato, datado de 1 de Abril de 2007, em que os Réus declararam dar e tomar de arrendamento o prédio urbano constituído por casa, de cave, rés do chão e andar para habitação, com logradouro, sito no lugar da …, freguesia de …, concelho de …., inscrito na matriz predial urbana sob o artigo …78 e descrito na …ª Conservatória do Registo Predial de ….. sob o número ….34, figurando o primeiro Réu como senhorio e os segundos Réus como inquilinos.</font></i><br>
</p><p><i><font>2. Condenam-se os Réus a procederem à sua entrega à Autora livre de pessoas e bens. </font></i><br>
</p><p><i><font>3. Custas pelos Réus – cfr artigo 527º do Código de Processo Civil.</font></i><br>
</p><p><i><font>4. Registe e notifique”. </font></i><font> </font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><b><font>3.</font></b><font> Inconformados, os réus recorreram desta decisão, tendo o Tribunal da Relação …. julgado o recurso totalmente improcedente. </font><br>
</p><p><b><font>4.</font></b><font> Inconformados, interpõem os réus, </font><b><font>AA</font></b><font> e </font><b><font>BB</font></b><font>, recurso de revista, alegando que apesar de o acórdão recorrido ter confirmado a sentença do tribunal de 1.ª instância, fê-lo com uma fundamentação essencialmente diferente, no sentido do artigo 671.º, n.º 3, do CPC, invocando subsidiariamente que o recurso seja admitido pela formação prevista no artigo 672.º, n.º 3, do CPC, como revista excecional, por estar em causa uma questão cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, é necessária para uma melhor aplicação do direito (artigo 672º, nº1, al. </font><i><font>a),</font></i><font> do CPC), bem como “interesses de particular relevância social”, no sentido do artigo 672º nº1, al</font><i><font>. b),</font></i><font> do CPC. </font><br>
</p><p><font>Na sua alegação de recurso, formularam as seguintes conclusões: </font><br>
</p><p><font>«1. Por douto acórdão proferido pelo Tribunal ora Recorrido foi alterada a redação do artigo </font>
</p><p><font>8. e 34. dos factos dados como provados pelo tribunal da 1ª instância. </font>
</p><p><font>2. Relativamente aos pontos 31. e 32. dos factos dados como provados cuja alteração também era requerida no sentido de serem dados como não provados, entendeu o Tribunal ora recorrido, que deveria manter-se e assim não proceder à sua alteração, porquanto se tratam de factos que visam provar a simulação absoluta do contrato de arrendamento e que a prova desses factos não é possível, em regra de ser feita de forma directa.</font><br>
</p><p><font>3. Ora, o Tribunal de 1ª instância referiu-se à prova testemunhal para fundamentar aquela decisão quanto àqueles factos provados, mas não fez a necessária análise crítica do depoimento das testemunhas sobre aqueles concretos pontos de facto.</font>
</p><p><font>4. É que os depoimentos das testemunhas não permitem responder daquela forma a tais factos, já que nenhuma delas, ouvida em audiência de julgamento, conhecia ou sabia do contrato de arrendamento e as circunstâncias em que o mesmo tinha sido celebrado.</font>
</p><p><b><font>5.</font></b><font> Com relevo para o presente recurso interessa-nos, desde logo, a nova redacção dada ao ponto 8. “</font><b><font>O</font></b><font> </font><b><font>primeiro</font></b><font> </font><b><font>Réu</font></b><font> </font><b><font>foi</font></b><font> </font><b><font>executado</font></b><font> </font><b><font>em</font></b><font> </font><b><font>vários</font></b><font> </font><b><font>processos</font></b><font> </font><b><font>de</font></b><font> </font><b><font>execução</font></b><font> </font><b><font>fiscal</font></b><font> </font><b><font>que</font></b><font> </font><b><font>se</font></b><font> </font><b><font>unificaram</font></b><font> </font><b><font>no</font></b><font> </font><b><font>processo</font></b><font> </font><b><font>n.º</font></b><font> </font><b><font>…...31,</font></b><font> </font><b><font>onde</font></b><font> </font><b><font>foi</font></b><font> </font><b><font>efetuada</font></b><font> </font><b><font>e</font></b><font> </font><b><font>registada</font></b><font> </font><b><font>provisoriamente,</font></b><font> </font><b><font>penhora</font></b><font> </font><b><font>sobre</font></b><font> </font><b><font>prédio</font></b><font> </font><b><font>supra</font></b><font> </font><b><font>identificado,</font></b><font> </font><b><font>em</font></b><font> </font><b><font>2</font></b><font> </font><b><font>de</font></b><font> </font><b><font>junho</font></b><font> </font><b><font>de</font></b><font> </font><b><font>2005,</font></b><font> </font><b><font>penhora</font></b><font> </font><b><font>essa</font></b><font> </font><b><font>inscrita</font></b><font> </font><b><font>na</font></b><font> </font><b><font>conservatória</font></b><font> </font><b><font>do</font></b><font> </font><b><font>Registo</font></b><font> </font><b><font>Predial</font></b><font> </font><b><font>em</font></b><font> </font><b><font>4</font></b><font> </font><b><font>de</font></b><font> </font><b><font>janeiro</font></b><font> </font><b><font>de</font></b><font> </font><b><font>2007,</font></b><font> </font><b><font>tendo</font></b><font> </font><b><font>caducado</font></b><font> </font><b><font>em</font></b><font> </font><b><font>24/10/2007.</font></b><font> </font><b><font>Em</font></b><font> </font><b><font>29/04/2008</font></b><font> </font><b><font>foi</font></b><font> </font><b><font>efetuada</font></b><font> </font><b><font>nova</font></b><font> </font><b><font>penhora,</font></b><font> </font><b><font>registada</font></b><font> </font><b><font>em</font></b><font> </font><b><font>29/04/2008</font></b><font> </font><b><font>com</font></b><font> </font><b><font>caráter</font></b><font> </font><b><font>provisório,</font></b><font> </font><b><font>tendo</font></b><font> </font><b><font>sido</font></b><font> </font><b><font>convertida</font></b><font> </font><b><font>em</font></b><font> </font><b><font>definitivo</font></b><font> </font><b><font>em</font></b><font> </font><b><font>02/09/2008”</font></b><br>
</p><p><b><font>6.</font></b><font> </font><b><font>Socorrendo-se</font></b><font> </font><b><font>de</font></b><font> </font><b><font>tal</font></b><font> </font><b><font>alteração</font></b><font> conclui o agora Tribunal recorrido: “</font><b><font>“(…)</font></b><font> </font><b><font>surge</font></b><font> </font><b><font>como</font></b><font> </font><b><font>uma</font></b><font> </font><b><font>evidência</font></b><font> </font><b><font>que</font></b><font> </font><b><font>a</font></b><font> </font><b><font>causa</font></b><font> </font><b><font>da</font></b><font> </font><b><font>alegada</font></b><font> </font><b><font>(simulada)</font></b><font> </font><b><font>celebração</font></b><font> </font><b><font>do</font></b><font> </font><b><font>contrato</font></b><font> </font><b><font>de</font></b><font> </font><b><font>arrendamento</font></b><font> </font><b><font>só</font></b><font> </font><b><font>pode</font></b><font> </font><b><font>ser</font></b><font> </font><b><font>encontra</font></b><font> </font><b><font>nas</font></b><font> </font><b><font>execuções</font></b><font> </font><b><font>fiscais</font></b><font> </font><b><font>(e</font></b><font> </font><b><font>nos</font></b><font> </font><b><font>atos</font></b><font> </font><b><font>de</font></b><font> </font><b><font>penhora nelas</font></b><font> </font><b><font>concretizados)</font></b><font> </font><b><font>tendo</font></b><font> </font><b><font>os</font></b><font> </font><b><font>RR.</font></b><font> </font><b><font>se</font></b><font> </font><b><font>conluiado</font></b><font> </font><b><font>no</font></b><font> </font><b><font>sentido</font></b><font> </font><b><font>de,</font></b><font> </font><b><font>por</font></b><font> </font><b><font>essa</font></b><font> </font><b><font>via,</font></b><font> </font><b><font>tentar prejudicar</font></b><font> </font><b><font>os</font></b><font> </font><b><font>interesses</font></b><font> </font><b><font>da</font></b><font> </font><b><font>Autora</font></b><font> </font><b><font>enquanto</font></b><font> </font><b><font>compradora</font></b><font> </font><b><font>do</font></b><font> </font><b><font>prédio</font></b><font> </font><b><font>em</font></b><font> </font><b><font>sede</font></b><font> </font><b><font>da</font></b><font> </font><b><font>venda</font></b><font> </font><b><font>efetivada</font></b><font> </font><b><font>na</font></b><font> </font><b><font>ação</font></b><font> </font><b><font>executiva</font></b><font> </font><b><font>(e</font></b><font> </font><b><font>dos</font></b><font> </font><b><font>demais</font></b><font> </font><b><font>credores).</font></b><br>
</p><p><font>7. </font><i><font>Não</font></i><font> </font><i><font>foi</font></i><font> </font><i><font>alegado,</font></i><font> </font><i><font>e</font></i><font> </font><i><font>por</font></i><font> </font><i><font>isso</font></i><font> </font><i><font>não</font></i><font> </font><i><font>foi</font></i><font> </font><i><font>provado,</font></i><font> </font><i><font>que</font></i><font> </font><i><font>os</font></i><font> </font><i><font>Réus</font></i><font> </font><i><font>tiveram</font></i><font> </font><i><font>conhecimento</font></i><font> </font><i><font>da</font></i><font> </font><i><font>penhora</font></i><font> </font><i><font>efetuada</font></i><font> </font><i><font>em</font></i><font> </font><i><font>25/06/2005</font></i><font>.</font>
</p><p><font>8. Pelo que foi, apenas com recurso à invocada presunção judicial, que o douto acórdão recorrido considerou provada a simulação, recorrendo ao </font><i><font>iter</font></i><font> temporal das penhoras!</font><br>
</p><p><font>9. Presumir e concluir que o contrato de arrendamento foi simulado, que os intervenientes não quiseram dar nem tomar de arrendamento mas apenas evitar que o Autor adquirisse a casa, tentando prejudicar os interesses deste enquanto comprador do prédio em sede da venda efetivada na ação executiva (e dos demais Credores) e, que os Réus agiram de conluio, </font><i><font>não</font></i><font> </font><i><font>é</font></i><font> </font><i><font>nenhuma</font></i><font> </font><i><font>consequência</font></i><font> </font><i><font>típica,</font></i><font> </font><i><font>ou</font></i><font> </font><i><font>sequer</font></i><font> </font><i><font>lógica,</font></i><font> </font><i><font>da</font></i><font> </font><i><font>proximidade</font></i><font> </font><i><font>dos</font></i><font> </font><i><font>registos</font></i><font> </font><i><font>das</font></i><font> </font><i><font>penhoras,</font></i><font> </font><i><font>ou</font></i><font> </font><i><font>até</font></i><font> </font><i><font>da</font></i><font> </font><i><font>relação</font></i><font> </font><i><font>familiar</font></i><font> </font><i><font>existente</font></i><font> </font><i><font>entre</font></i><font> </font><i><font>os</font></i><font> </font><i><font>Réus.</font></i>
</p><p><font>10. As presunções judiciais têm como função apenas auxiliar o julgador a formar a sua convicção, pelo que não pode o julgador, na total ausência de prova testemunhal, julgar procedente a ação com base apenas numa "prova de primeira aparência" ou num mero juízo de probabilidade, não podendo os Tribunais recorridos substituir-se ao Autor e colmatar a ausência de prova verificada e a ele imputável;</font><br>
</p><p><font>11. Não bastam indícios e “Em Direito não se especula, conclui-se apenas quando há fundamentos firmes de que determinado ou determinados factos ocorreram ou não ocorreram.”</font>
</p><p><font>12. O acórdão recorrido violou o princípio da livre apreciação da prova consagrado no art. 665° do CPC, porquanto procedeu a uma apreciação da prova arbitrária e discricionária que se fundou, única e exclusivamente em esquemas mentais e lógicos de percepção da realidade através das regras da experiência;</font>
</p><p><font>13. Sabendo-se que o Autor pretendia que fosse declarado nulo por simulado o contrato de arrendamento celebrado ente os Réus, em 1/4/2007, face ao pedido e à repartição do ónus probatório - artigo 342º do C.C - cabia ao Autor alegar e provar os elementos constitutivos do seu direito, isto é, do acordo simulatório e, em consequência pressupunha que se provasse que houve divergência entre a declaração negocial e a vontade real das partes, por acordo entre o 1.º Réu e os 2.ºs Réus, com o intuito de enganar o Autor, - artigo 240º do CC.</font><br>
</p><p><font>14. O Tribunal de primeira instância fundou-se em meros indícios, frágeis e erroneamente apreciados, comungados pelo Tribunal da Relação.</font><br>
</p><p><font>15. Não se diga, como o fez o Tribunal agora recorrido, que “na verdade, a posição da Autora foi sempre consistente ao longo dos tempos, uma vez que, utilizando os mais diversos fundamentos, sempre pôs em causa, designadamente no momento da sua aquisição em sede de venda executiva, a subsistência do alegado direito de arrendamento dos 2ºs RR.”</font><br>
</p><p><font>16. Isto porque foi a própria Autora quem confessou nos artigos 14º e 16º da sua PI que já antes da aquisição do imóvel sabiam que os “</font><i><font>Réus</font></i><font> </font><i><font>decidiram</font></i><font> </font><i><font>simular</font></i><font> </font><i><font>que</font></i><font> </font><i><font>celebravam</font></i><font> </font><i><font>com</font></i><font> </font><i><font>data</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>01</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>Abril</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>2007,</font></i><font> </font><i><font>um</font></i><font> </font><i><font>contrato</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>arrendamento</font></i><font> </font><i><font>do</font></i><font> </font><i><font>prédio</font></i><font> </font><i><font>em</font></i><font> </font><i><font>questão”</font></i><font> </font><i><font>e</font></i><font> </font><i><font>que</font></i><font> </font><i><font>ele</font></i><font> </font><i><font>próprio</font></i><font> </font><i><font>“pouco</font></i><font> </font><i><font>ou</font></i><font> </font><i><font>nada</font></i><font> </font><i><font>se</font></i><font> </font><i><font>importou</font></i><font> </font><i><font>com</font></i><font> </font><i><font>tal</font></i><font> </font><i><font>simulacro</font></i><font> </font><i><font>contrato</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>arrendamento</font></i><font> </font><i><font>porque</font></i><font> </font><i><font>sabia</font></i><font> </font><i><font>que,</font></i><font> </font><i><font>por</font></i><font> </font><i><font>força</font></i><font> </font><i><font>do</font></i><font> </font><i><font>artº</font></i><font> </font><i><font>824º</font></i><font> </font><i><font>2</font></i><font> </font><i><font>do</font></i><font> </font><i><font>CC,</font></i><font> </font><i><font>tal</font></i><font> </font><i><font>contrato</font></i><font> </font><i><font>caducaria</font></i><font> </font><i><font>com</font></i><font> </font><i><font>a</font></i><font> </font><i><font>venda</font></i><font> </font><i><font>executiva</font></i><font> </font><i><font>(porque,</font></i><font> </font><i><font>embora</font></i><font> </font><i><font>simulado,</font></i><font> </font><i><font>o</font></i><font> </font><i><font>mesmo</font></i><font> </font><i><font>era</font></i><font> </font><i><font>anterior</font></i><font> </font><i><font>às</font></i><font> </font><i><font>hipotecas).”</font></i><br>
</p><p><font>17. Resultando ainda provado que a Autora, enquanto credora reclamante, nada fez no processo executivo fiscal para impedir que do edital/anúncio constasse o contrato de arrendamento e o valor da renda - não tendo reclamado do despacho que ordenou a inclusão no edital/anúncio da existência do contrato de arrendamento e do valor da renda-, sendo que a partir do momento em adquiriu o imóvel, adquiriu-o de acordo com o que estava descrito no edital/anúncio e não outra coisa, o mesmo é dizer com os ónus e encargos existentes sobre o imóvel.</font><br>
</p><p><font>18. Daí que o Tribunal de 1ª instância tenha dado como provado no ponto 12. que o Autor estava ciente da existência do contrato de arrendamento e, por isso, plenamente consciente do risco que corria e com ele se conformando.</font>
</p><p><font>19. O contrato de arrendamento em apreço foi celebrado, pois, antes da constituição e registo da penhora que recaiu sobre o prédio locado, pelo que aquele contrato de arrendamento é válido.</font>
</p><p><font>20. Pelo que os pontos 31 e 32 da factualidade dada como provada pelo Tribunal de 1ª instância e mantidos pela Relação deveriam ter sido dados como não provados.</font>
</p><p><font>21. Ao assim não decidir o douto acórdão recorrido violou os artigos 227.º, 236.º, nº 1, 240.º, 241.º, 289.º, 341°, 342º, nº 1, 392°; 393, 394º e 1305.º do Código Civil, 65º da CRP, art. 662º do CPC.</font><br>
</p><p><font>22. O que não se aceita, atendendo até a que hoje, face à competência alargada da Relação em sede de impugnação da decisão de facto, em conformidade com o disposto no art. 662º, nº 1, do CPC, é lícito à 2ª instância com base na prova produzida constante dos autos, reequacionar a avaliação probatória feita pela 1ª instância, incluindo as presunções judiciais, nos termos do art. 607º, nº 4, aplicável por via do art. 663º, nº 2, ambos do mesmo código.</font><br>
</p><p><font>23. O </font><i><font>que</font></i><font> </font><i><font>se</font></i><font> </font><i><font>pede</font></i><font> </font><i><font>a</font></i><font> </font><i><font>este</font></i><font> </font><i><font>Tribunal</font></i><font> </font><i><font>Superior</font></i><font> </font><i><font>é</font></i><font> </font><i><font>que</font></i><font> </font><i><font>censure</font></i><font> </font><i><font>a</font></i><font> </font><i><font>decisão</font></i><font> </font><i><font>da</font></i><font> </font><i><font>Relação</font></i><font> </font><i><font>que,</font></i><font> </font><i><font>no</font></i><font> </font><i><font>que</font></i><font> </font><i><font>respeita</font></i><font> </font><i><font>a</font></i><font> </font><i><font>conclusões</font></i><font> </font><i><font>ou</font></i><font> </font><i><font>ilações</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>factos,</font></i><font> </font><i><font>infringiu</font></i><font> </font><i><font>o</font></i><font> </font><i><font>limite</font></i><font> </font><i><font>a</font></i><font> </font><i><font>que</font></i><font> </font><i><font>está</font></i><font> </font><i><font>vinculada,</font></i><font> </font><i><font>designadamente</font></i><font> </font><i><font>pelo</font></i><font> </font><i><font>uso</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>tais</font></i><font> </font><i><font>presunções</font></i><font> </font><i><font>ter</font></i><font> </font><i><font>conduzido</font></i><font> </font><i><font>à</font></i><font> </font><i><font>violação</font></i><font> </font><i><font>daqueles</font></i><font> </font><i><font>preceitos</font></i><font> </font><i><font>legais,</font></i><font> </font><i><font>isto</font></i><font> </font><i><font>é</font></i><font> </font><i><font>decidir</font></i><font> </font><i><font>se,</font></i><font> </font><i><font>no</font></i><font> </font><i><font>caso</font></i><font> </font><i><font>concreto,</font></i><font> </font><i><font>era</font></i><font> </font><i><font>ou</font></i><font> </font><i><font>não</font></i><font> </font><i><font>permitido</font></i><font> </font><i><font>o</font></i><font> </font><i><font>uso</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>tais</font></i><font> </font><i><font>presunções</font></i><font>.</font>
</p><p><font>24. Acresce que está em causa a discussão dos factos que determinam a validade de um contrato de arrendamento referente à casa de morada de família dos ora Recorrentes há mais de 50 anos, pessoas com mais de 80 anos, conforme certidões de nascimento juntas pelo A. aos autos com a Petição Inicial, doc. 10 e 11, (R. marido 81 anos e Ré esposa 82 anos), que por fruto da idade e por fruto da sua condição física padecem de graves problemas de saúde que afectam o seu dia a dia, mais não tendo onde residir, de parcos rendimentos e que no fim das suas vidas veem-se deparados com a possibilidade de um despejo.</font>
</p><p><font>25. </font><i><font>Pelo que</font></i><font> </font><i><font>é</font></i><font> </font><i><font>socialmente</font></i><font> </font><i><font>determinante</font></i><font> </font><i><font>apurar</font></i><font> </font><i><font>o</font></i><font> </font><i><font>risco</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>declarar-se</font></i><font> </font><i><font>nulo</font></i><font> </font><i><font>o</font></i><font> </font><i><font>contrato</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>arrendamento,</font></i><font> </font><i><font>por</font></i><font> </font><i><font>simulação,</font></i><font> </font><i><font>quando</font></i><font> </font><i><font>as</font></i><font> </font><i><font>decisões</font></i><font> </font><i><font>da</font></i><font> </font><i><font>1ª</font></i><font> </font><i><font>instância</font></i><font> </font><i><font>e da</font></i><font> </font><i><font>Relação</font></i><font> </font><i><font>se</font></i><font> </font><i><font>sustentam,</font></i><font> </font><i><font>unicamente,</font></i><font> </font><i><font>em</font></i><font> </font><i><font>prova</font></i><font> </font><i><font>indiciária</font></i><font> </font><i><font>e</font></i><font> </font><i><font>por</font></i><font> </font><i><font>recurso</font></i><font> </font><i><font>a</font></i><font> </font><i><font>presunções.</font></i><br>
</p><p><font>26. A relevância social da questão decorre, para além do mais, de estar em causa o instituto da casa de morada de família, com dignidade constitucional reconhecida, e logo ao nível dos direitos, liberdades e garantias pessoais (art. 65º da CRP).</font><br>
</p><p><font>27. A necessária concretização positiva para a consideração da existência da relevância social quanto à questão ora analisada terá de deferir-se atendendo: -ao impacto social significativo por acontecer frequentemente; - por repetir-se em casos futuros (expansão da controvérsia); - Assim podendo relacionar-se com um conjunto alargado de pessoas; - E, consequentemente, criar inquietações políticas ou sociais; -Fazendo, assim, duvidar da boa aplicação e credibilidade do Direito, ou das instituições.</font><br>
</p><p><font>28. Haveria, ainda, a considerar, no entender dos recorrentes, o instituto do </font><i><font>"venire contra factum proprium" </font></i><font>por parte do Autor/Recorrido – artigos 227º, 236º, nº 1, artº 237º, 762º e 334º do Código Civil, o que não foi feito pelo Tribunal Recorrido, assim violando tais preceitos legais.</font><br>
</p><p><font>29. Pelo que é ilegal a decisão tomada e, como tal, deve ser declarada e substituída por outra que absolva os Réus dos pedidos formulados pelo Autor e em que foram condenados.</font><br>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font>com</font></b><font> </font><b><font>o</font></b><font> </font><b><font>que</font></b><font> </font><b><font>tudo</font></b><font> </font><b><font>se</font></b><font> </font><b><font>fará</font></b><font> </font><b><font>a</font></b><font> </font><b><font>habitual</font></b><font> </font><b><font>JUSTIÇA!»</font></b>
</p><p><b><font> </font></b>
</p><p><b><font>5.</font></b><font> O Banco, autor, apresentou contra-alegações, pugnando pela manutenção do decidido.</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><b><font>6. Delimitação do objeto do recurso </font></b><br>
</p><p><font>Sabido que o objeto do recurso, conforme o disposto nos artigos 635.°, n.° 2 e 639.°, n.ºs 1 e 2, ambos do CPC, é delimitado pelas conclusões das alegações dos recorrentes, sem prejuízo de questões de conhecimento oficioso, nos termos do artigo 608.°, n.° 2, do CPC, as questões suscitadas pelos recorrentes são duas: </font><br>
</p><p><font>I – Saber se o tribunal recorrido, no uso de presunções judiciais e prova indiciária, violou, ou não, o disposto no artigo 662.º do CPC; </font><br>
</p><p><font>II – Saber se a invocação, pelo Banco, da nulidade do contrato de arrendamento por simulação, constitui, ou não, um abuso do direito, nos termos do artigo 334.º do Código Civil. </font><br>
</p><p><font>Cumpre apreciar e decidir</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><b><font>II – Fundamentação</font></b><br>
</p><p><b><font>A – Os Factos</font></b><br>
</p><p><font> Os factos provados com relevância para a decisão da causa são os seguintes: </font><br>
</p><p><font>1. A Autora dedica-se à atividade bancária.</font><br>
</p><p><font>2. O primeiro Réu é filho dos segundos Réus e irmão de DD.</font><br>
</p><p><font>3. O primeiro Réu, em 22/01/2004, celebrou Escritura Pública de aquisição a DD do Prédio urbano constituído por casa, de cave, rés do chão e andar para habitação, com logradouro, sito no lugar da …, freguesia de …., concelho de …, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo …..78 e descrito na ….ª Conservatória do Registo Predial de … sob o número ….34, pelo valor de € 50.000,00.</font><br>
</p><p><font>4. Tal aquisição imobiliária foi feita com recurso a um crédito que o banco Autor concedeu ao Réu, no valor de € 50.000,00.</font><br>
</p><p><font>5. Foi constituída hipoteca para garantia desse valor que se encontra inscrita na Conservatória do Registo Predial pelo AP. ….. de 2003/09/16.</font><br>
</p><p><font>6. No mesmo dia 22/01/2004 o Autor concedeu ao primeiro Réu um outro empréstimo de € 24.880,00 também garantido por hipoteca constituída sobre o mesmo imóvel e inscrita sob o AP. …..</font><br>
</p><p><font>7. O primeiro Réu dedicava-se à atividade industrial de ….</font>
</p><p><font>8. “O primeiro Réu foi executado em vários processos de execução fiscal que se unificaram no processo n.º …..31, onde foi efectuada e registada provisoriamente, penhora sobre prédio supra identificado, em 2 de Junho de 2005, penhora essa inscrita na Conservatória do Registo Predial em 4 de Janeiro de 2007, cuja conversão foi recusada em 26/02/2007, tendo caducado em 24/10/2007. Em 29/04/2008 foi efectuada nova penhora, registada em 29/04/2008 com carácter provisório, tendo sido convertida em definitiva em 02/09/2008” (Facto modificado pelo Tribunal da Relação)</font><br>
</p><p><font>9. No âmbito desse processo, o Autor foi citado, na qualidade de credor hipotecário, para reclamar os seus créditos, o que fez.</font><br>
</p><p><font>10.Veio a ser proferida a sentença, já transitada em julgado, que reconheceu os dois créditos hipotecários da Autora.</font><br>
</p><p><font>11.Na pendência da execução fiscal supra mencionada em sede de venda executiva, o prédio identificado veio a ser adquirido pela Autora por € 51.870,00.</font><br>
</p><p><font>12. A Autora adquiriu tal imóvel ciente de que os Réus haviam declarado arrendar (o primeiro) e tomar de arrendamento (os segundos) o referido imóvel porque entendia que tal contrato de arredamento caducaria com a venda executiva.</font><br>
</p><p><font>13. Após a aquisição do imóvel, o Autor requereu à Repartição de Finanças respectiva (onde correra e corria a execução fiscal já referida – o Serviço de Finanças de ….), a entrega material do bem.</font><br>
</p><p><font>14. O Serviço de Finanças indeferiu tal pedido, tendo o Autor reclamado dessa decisão para a Direcção Distrital de Finanças que ordenou a descida dos autos para revogação do despacho reclamado.</font><br>
</p><p><font>15.O que foi efectuado em 10.07.2012, prosseguindo os autos com a notificação dos ocupantes do imóvel para entrega do mesmo.</font><br>
</p><p><font>16. Deste acto (de notificação para entrega do imóvel), reclamaram os aqui Segundos Réus em 22.10.2012, tendo a Direcção Distrital de Finanças proferido novo despacho, revogando o anterior e considerando “válido” o contrato de arrendamento acima referido.</font><br>
</p><p><font>17. O Autor apresentou Reclamação ao Tribunal Administrativo e Fiscal de …. (proc. n.º 111/13….), o qual proferiu sentença em 24.05.2013 que declarou caduco o arrendamento “celebrado” depois das hipotecas constituídas a favor do ora Autor.</font><br>
</p><p><font>18. Desta sentença recorreram os agora segundos Réus para o Tribunal Central Administrativo …., o qual, por entender que a questão em apreciação era apenas de direito, se julgou hierarquicamente incompetente e, após requerimento dos aqui segundos Réus, remeteu os autos para o Supremo Tribunal Administrativo.</font><br>
</p><p><font>19. O Supremo Tribunal Administrativo revogou a sentença referida em 17.</font><br>
</p><p><font>20. Por escrito datado de 1 de Abril de 2007 os Réus declararam dar e tomar de arren | [0 0 0 ... 0 0 0] |
hDJnu4YBgYBz1XKviQKm | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><i><font> </font></i><div><br>
<i><font>Acordam em Conferência no Supremo Tribunal de Justiça: </font></i></div><br>
<br>
<i><font> </font></i><br>
<p><b><font>I – Relatório</font></b><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><b><font>1. AA</font></b><font> e </font><b><font>BB,</font></b><font> notificados da decisão singular que julgou inadmissível o recurso de revista, vêm requerer, nos termos dos artigos 652.º n.º 3 e 679.º, ambos do Código de Processo Civil (CPC), que os fundamentos do despacho de não admissibilidade do recurso sejam objeto de reapreciação em coletivo com subsequente elaboração de Acórdão que o revogue e substitua no sentido da admissibilidade da Revista, baseando a sua pretensão nos seguintes argumentos:</font><br>
</p><p><font>«Fundamenta-se a decisão notificada na existência de dupla conformidade porque as decisões das Instâncias não serão na sua essência distintas, assim se excluindo legalmente a admissibilidade do presente recurso.</font><br>
</p><p><font>Porém, outro é o entendimento dos recorrentes tal como procuraram demonstrar nas suas alegações de recurso, que ora reiteram, porquanto, sinteticamente, consideram que, na sua gênese e quanto aos efeitos processuais produzidos, as duas decisões são, pelo contrário, significativamente distintas.</font><br>
</p><p><font>Enquanto no Tribunal de1.ª instância a reclamação dos RR improcedeu com fundamento na falta de interesse da matéria alegada em contestação com referência à mais-valia obtida pelas AA com a valorização das ações restituídas para a decisão do pleito à luz do instituto do enriquecimento sem causa, não se justificando assim o aditamento dessa matéria aos temas de prova, já o Tribunal da Relação do ….. considerou não ser tal despacho de indeferimento da mesma reclamação merecedor de qualquer juízo de censura na medida em que, pela sua natureza genérica, “permitia que a instrução da causa pudesse decorrer sem barreiras artificiais e sem quaisquer constrangimentos, assegurando a livre investigação de toda a matéria de facto com atinência para a decisão da causa”.</font><br>
</p><p><font>Ora, é assim manifesto que ambas as decisões são contraditórias e que determinaram uma produção de prova inquinada, já que, ao abrigo do 1º despacho aos RR, ora recorrentes, não lhes foi permitido produzir prova sobre os factos alegados porque estes foram de forma expressa e inequívoca afastados dos temas de prova, acabando depois o Tribunal da Relação por concluir que, ao contrário do que foi decidido em 1ª Instância, nada impedia que esse prova tivesse sido produzida; dir-se-á neste paradigma que apenas faltou imputar a falta da produção de prova a um eventual comportamento menos zeloso dos RR e do seu mandatário por terem visto a sua reclamação oportunamente deduzida e fundamentada, indeferida pela Mª Juiz da 1ª Instância ….!</font><br>
</p><p><font>Consequentemente, avaliar estas duas decisões como traduzindo o mesmo entendimento, será consentir que o Tribunal possa produzir decisões contraditórias, enganosas e lesivas para as Partes, sem possibilidade de recurso em dupla jurisdição, pois da 1ª decisão não cabia recurso a não ser do que viesse a ser instaurado da sentença final e da decisão da 2ª Instância já não haveria recurso perante uma falsa dupla conformidade.</font><br>
</p><p><font>O que constitui, a nosso ver, uma situação intolerável de denegação de justiça com evidente influência na boa decisão da causa, com que os RR, recorrentes não se conformam».</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><b><font>2</font></b><font>. Na reclamação apresentada os recorrentes dão como integralmente reproduzidas as alegações apresentadas sob esta temática em sede de recurso, para onde se remete, destacando-se, em síntese, o seguinte: </font><br>
</p><p><font>«- O recurso é tempestivo tendo em conta as disposições conjugadas dos artigos 269º nº 1 a), 275º nº 2, 276º nº1 a) e 638 nº 1, todos do CPC;</font><br>
</p><p><font>- É admissível por não estar em causa, em revista, a apreciação de decisão interlocutória proferida em 1ª Instância que tivesse recaído unicamente sobre a relação processual, incidindo pelo contrário sobre matéria de direito substantivo (671º nº 2 do CPC);</font><br>
</p><p><font>- E é admissível na medida em que, embora o acórdão recorrido tenha confirmado a sentença recorrida, sem voto de vencido, fê-lo com recurso a fundamentação essencialmente diferente, pelo que não se verifica uma situação de dupla conformidade (671º nº 3 do CPC).</font><br>
</p><p><font>Deve assim o recurso de revista ser admitido para subir nos próprios autos e com efeito devolutivo, tudo em conformidade com os artigos 671º nº 1, 675º e 676º do CPC (…)».</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><b><font>2.</font></b><font> Foi o seguinte o teor da decisão reclamada:</font><br>
</p><p><font> «</font><b><font>4.</font></b><font> O acórdão recorrido confirmou integralmente a sentença recorrida, incluindo o despacho intercalar proferido pelo tribunal de 1.ª instância, que indeferiu a reclamação dos réus quanto à enunciação dos temas da prova, e que foi impugnado, no recurso interposto da decisão final, nos termos do artigo 596.º, n.º 3, do CPC.</font><br>
</p><p><font>O teor do despacho foi o seguinte:</font><br>
</p><p><font>«Reclamação ao despacho saneador apresentada pelos RR:</font><br>
</p><p><font>Tal como se fez consignar no despacho elaborado a fls. 483 a 409, a 2ª A peticiona dos RR a restituição da quantia de €334.619,86 de dividendos que foram pagos aos RR no pressuposto de que eram os verdadeiros titulares de determinadas acções quando de facto eram da Autora, pelo que, a medida do enriquecimento sem causa em nada contenderá com o real valor das acções ou da valorização das acções devolvidas, matéria vertida nos arts. 94 a 132 da contestação que não tem interesse para a discussão destes autos, que deveria ser objecto de discussão na acção cujo pedido era o da devolução das acções (existência ou não de mais valias), devolução essa que foi determinada pela sentença proferida no Proc. nº 3076/03......., pelo que, perante o pedido formulado nos presentes autos, foi fixado o objecto do litígio no enriquecimento sem causa, o que determinou que o tema de prova seja o de apurar-se qual o valor dos dividendos efectivamente auferidos pelos RR (se líquidos ou ilíquidos de impostos) e se deve ser abatido o valor do pedido reconvencional, sendo que toda a matéria alegada pelas partes que contenda com a efectiva medida do enriquecimento a devolver será apreciada pelo tribunal ainda que não conste expressamente do tema de prova, que se elaborou em termos genéricos».</font><br>
</p><p><b><font>5.</font></b><font> O acórdão recorrido confirmou este despacho de indeferimento da reclamação, concluindo que decidiu bem o tribunal de 1.ª instância, quando entendeu que “(…) o tema da prova genérico enunciado permitia a discussão de toda a matéria alegada pelas partes que contendesse com o objecto do litígio anteriormente delimitado, ou seja, com o objecto do litigio que “se reconduz ao enriquecimento sem causa”.</font><br>
</p><p><b><font>6.</font></b><font> Resulta inequívoco do artigo 671.º, n.º 1, do CPC, que o recurso de revista se circunscreve aos acórdãos da Relação proferidos sobre decisões de 1ª instância que conheçam do mérito da causa ou ponham termo ao processo, absolvendo o réu da instância ou por forma equiparada.</font><br>
</p><p><b><font>7.</font></b><font> O caso sob apreciação não cabe na previsão do n.º 1 do artigo 671.º do CPC, porquanto não constitui decisão que conheça do mérito da causa ou ponha termo ao processo mediante a absolvição do réu da instância ou por forma a esta equiparada.</font><br>
</p><p><b><font>8.</font></b><font> Pretendendo, pois, o Recorrente recorrer de revista do acórdão que apreciou decisão interlocutória da 1ª instância, a admissibilidade do recurso de revista se cinge, tão só, às situações contempladas nas alíneas </font><i><font>a)</font></i><font> e </font><i><font>b)</font></i><font> do citado preceito, que se reporta aos casos em que o recurso é sempre admissível, ou seja, acórdãos da Relação que, incidindo sobre decisões interlocutórias, se integrem nas previsões contempladas nas alíneas </font><i><font>a)</font></i><font> a </font><i><font>c)</font></i><font> do n.º 2 do artigo 629.º do CPC).</font><br>
</p><p><b><font>9.</font></b><font> Assim, não é admissível o recurso de revista interposto de um acórdão proferido em relação a uma decisão interlocutória do tribunal de 1.ª instância, que incidiu unicamente sobre a relação processual, nos termos do artigo 671.º, n.º 2, do CPC, não se observando as exceções previstas nas alíneas </font><i><font>a)</font></i><font> e </font><i><font>b)</font></i><font> do n.º 2 do citado preceito, pois não se trata de um caso em que o recurso seja sempre admissível, nos termos do artigo 629.º, n.º 2, als. </font><i><font>a)</font></i><font> a </font><i><font>c),</font></i><font> do CPC, nem de um acórdão que esteja em contradição com outro, já transitado em julgado, proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça.</font><br>
</p><p><b><font>10.</font></b><font> Invocam os recorrentes que o despacho do tribunal de 1.ª instância, confirmado pelo acórdão recorrido, não incidiu apenas sobre a relação processual, mas teve impacto no mérito da questão, na medida em que se forem admitidos nos temas da prova os pontos da contestação que dela foram excluídos, a decisão de mérito poderá ser alterada, pelo que o recurso não pode ser rejeitado com base no artigo 671.º, n.º 2, do CPC.</font><br>
</p><p><b><font>11.</font></b><font> Mas não tem razão. O despacho que enuncia os temas da prova não se envolve na resolução material do litígio. Trata-se de uma decisão interlocutória, intermédia, incidental, versando sobre questão processual avulsa, que não põe termo à causa. O acórdão recorrido, no segmento em que confirma a resposta do tribunal de 1.ª instância à reclamação desse despacho, não consubstancia uma decisão de fundo, uma apreciação de mérito, nem uma condenação ou absolvição, antes corresponde a uma decisão que reveste o carácter de decisão no plano meramente processual.</font><br>
</p><p><b><font>12.</font></b><font> O despacho proferido sobre as reclamações ao despacho que enuncia os temas da prova pode ser impugnado no recurso interposto da decisão final. Todavia, o recurso para o Supremo só é admitido, conforme exposto supra, nos casos em que o recurso é sempre admissível e quando se verifique, em torno da questão suscitada, uma contradição de jurisprudência, o que não foi invocado.</font><br>
</p><p><b><font>13.</font></b><font> Por outro lado, o recurso não seria, de qualquer modo, admissível, pois sempre estaríamos perante uma situação de dupla conformidade impeditiva da admissibilidade do recurso de revista, na medida em que o acórdão da Relação confirmou, sem voto de vencido, o despacho impugnado, não sendo o recurso admissível, por força do artigo 671.º, n.º 3, do CPC.</font><br>
</p><p><b><font>14.</font></b><font> Todavia, a lei admite o recurso de revista, se, não obstante a dupla conformidade decisória, a fundamentação da decisão do tribunal de 1.ª instância e a do acórdão da Relação for essencialmente diferente, o que os recorrentes invocam para sustentar a admissibilidade do recurso de revista.</font><br>
</p><p><b><font>15.</font></b><font> Vejamos:</font><br>
</p><p><font>A fundamentação do tribunal de 1.ª instância, na resposta à reclamação dos recorrentes fundada na insuficiência dos temas de prova, baseou-se no caráter genérico dos temas de prova, sem qualquer desenvolvimento teórico adicional.</font><br>
</p><p><font>Já o Tribunal da Relação após um desenvolvimento teórico e doutrinal sobre os temas de prova por comparação com a antiga base instrutória, confirmou o despacho impugnado, baseando-se no caráter genérico e flexível dos temas de prova.</font><br>
</p><p><font>Apesar do excurso teórico exposto pelo acórdão recorrido, o segmento essencial dos fundamentos do mesmo, a sua </font><i><font>ratio decidendi, </font></i><font>reporta-se precisamente ao mesmo argumento do tribunal de 1.ª instância – a dimensão genérica dos temas de prova.</font><br>
</p><p><font>Com efeito, após um excurso teórico sobre os temas de prova, o acórdão recorrido, concluiu o seguinte:</font><br>
</p><p><font>«(…)</font><br>
</p><p><font>Destas alterações resulta que a enunciação dos temas da prova, actualmente prevista no n.º 1 do artigo 596º do Novo CPC, assume um carácter genérico e até, por vezes, conclusivo, deixando de ter aquela função de enunciação dos factos concretos que depois formariam o acervo de factos constantes da fundamentação da sentença na sequência do julgamento positivo (Provado) ou negativo (Não provado) que o Tribunal sobre eles efectuaria.</font><br>
</p><p><font>(…)</font><br>
</p><p><font>Efectuadas estas considerações genéricas sobre a forma como a enunciação dos temas da prova deve ser efectuada no Novo CPC e os critérios que a ela devem presidir, fácil será concluir que a forma como o Tribunal Recorrido elaborou a peça processual aqui questionada deu obediência integral aos aludidos critérios legais (ainda que estes sejam, como se referiu, “fluídos” ou “flexíveis”).</font><br>
</p><p><font>Nessa medida, a reclamação oportunamente apresentada pelas Recorrentes não tinha qualquer razão de ser.</font><br>
</p><p><font>Com efeito, ao ter formulado o tema da prova nos termos em que o efectuou, não há dúvidas que o Tribunal Recorrido, dentro do objecto do litigio que identificou (“enriquecimento sem causa”), esclareceu as partes quanto ao que iria ser discutido nas subsequentes fases da instrução e audiência final (“Valor dos dividendos efectivamente auferidos pelos RR, relativos aos exercícios de 2003 a 2012, pelas 8400 acções do capital social de Dr. Rodrigues Pereira- Laboratório Anatomia Patológica, S. A.“).</font><br>
</p><p><font>(…)</font><br>
</p><p><font>Com efeito, em face do objecto do litígio identificado (de uma forma pacífica) pelo Tribunal Recorrido, o tema da prova genericamente enunciado atinge totalmente o escopo pretendido pelo legislador quando impôs este novo paradigma de elaboração da peça processual aqui questionada.</font><br>
</p><p><font>Como se referiu, o legislador do Novo CPC impôs a enunciação dos temas da prova no sentido de tão-somente o Tribunal dever apontar genericamente a controvérsia entre as partes sobre as matérias principais que constituirão objecto da instrução e julgamento da causa.</font><br>
</p><p><font>Nesta conformidade, ao enunciar genericamente o tema da prova atrás identificado, o Tribunal Recorrido não só não incorreu em qualquer vício de deficiência, excesso ou obscuridade, como, pela amplitude com que o formulou, visou permitir que a instrução da causa pudesse decorrer sem barreiras artificiais e sem quaisquer constrangimentos, procurando com isso assegurar a livre investigação de toda a matéria de facto com atinência para a decisão da causa.</font><br>
</p><p><font>Foi esse claramente o sentido da decisão do Tribunal Recorrido, pois que, como logo esclareceu, “toda a matéria alegada pelas partes que contenda com a efectiva medida do enriquecimento a devolver será apreciada pelo tribunal ainda que não conste expressamente do tema de prova, que se elaborou em termos genéricos”.</font><br>
</p><p><font>Aqui chegados, julga-se, pois, que as Recorrentes não têm razão quando se insurgem, em sede de recurso da decisão final, contra o indeferimento da reclamação que apresentaram, uma vez que o despacho sob reclamação (de enunciação dos temas da prova), tendo em conta até a sua natureza genérica, não merecia (nem merece) as críticas que contra ele formularam, pois que nenhum dos vícios que poderiam ser apontados à decisão aqui posta em crise (deficiência, excesso ou obscuridade) se podem ter como verificados.</font><br>
</p><p><font>É de manter, pois, a decisão recorrida, já que a mesma não padece dos vícios imputados pelas recorrentes».</font><br>
</p><p><b><font>16.</font></b><font> Como tem entendido a jurisprudência deste Supremo Tribunal de Justiça, a expressão </font><i><font>“fundamentação essencialmente diferente”</font></i><font> enquadra os casos em que a confirmação da sentença na 2.ª Instância assenta num enquadramento normativo absolutamente distinto daquele que foi ponderado na decisão da 1.ª instância, sendo irrelevantes dissensões secundárias, a não aceitação de um dos caminhos percorridos, ou a mera adição de fundamentos (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 08-01-2015, proc. n.º 129/11.0TCGMR.G1.S1).</font><br>
</p><p><font>No mesmo sentido, afirma-se no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 17-10-2019 - Revista n.º 7223/12.8TBSXL-A.L1.S1, o seguinte:</font><br>
</p><p><font>«II - Tem vindo a entender-se, de modo reiterado, neste STJ, que a </font><i><font>“fundamentação essencialmente diferente”</font></i><font> que releva para efeito de admissibilidade da revista não se basta com uma qualquer dissemelhança entre uma e outra das fundamentações em confronto, antes se exigindo que essa diferença seja essencial, o que não é o caso se a Relação aplicou as mesmas regras jurídicas em que assentou a decisão emitida na sentença (...)».</font><br>
</p><p><b><font>17.</font></b><font> Ora, sendo o quadro normativo aplicado pelas instâncias o mesmo e significando o excurso doutrinal aditado pelo acórdão do Tribunal da Relação apenas um desenvolvimento da </font><i><font>ratio decidendi</font></i><font> do despacho do tribunal de primeira instância, não se verifica uma fundamentação essencialmente diferente no sentido definido pela jurisprudência deste Supremo Tribunal». </font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><b><font>3.</font></b><font> O objeto do recurso de revista incidiu sobre o acórdão do tribunal da Relação que confirmou a decisão do tribunal de 1.ª instância sobre uma reclamação dirigida contra o despacho de fixação dos temas da prova, que não incluiu factos selecionados pelos recorrentes na contestação. O tribunal de 1.ª instância indeferiu a reclamação contra este despacho. Este segmento decisório da sentença foi confirmado pelo acórdão do Tribunal da Relação, que confirmou, também, integralmente e com fundamentação semelhante, a sentença do tribunal de 1.ª instância quanto a todas as questões nela decididas e suscitadas no recurso de apelação.</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><b><font>4</font></b><font>. Assim, pelos motivos expostos na decisão singular da Relatora, não se admite o recurso de revista.</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><b><font>Anexa-se sumário elaborado de acordo com o artigo 663.º, n.º 7, do CPC:</font></b><br>
</p><p><b><font>I - </font></b><font>O despacho que enuncia os temas da prova não se envolve na resolução material do litígio. Trata-se de uma decisão interlocutória, intermédia, incidental, versando sobre questão processual avulsa, que não põe termo à causa. O acórdão recorrido, no segmento em que confirma a resposta do tribunal de 1.ª instância à reclamação desse despacho, não consubstancia uma decisão de fundo, uma apreciação de mérito, nem uma condenação ou absolvição.</font><br>
</p><p><b><font>II – </font></b><font>A </font><i><font>“fundamentação essencialmente diferente”</font></i><font> que releva para efeito de admissibilidade da revista não se basta com uma qualquer dissemelhança entre uma e outra das fundamentações em confronto, antes se exigindo que essa diferença seja essencial, o que não é o caso se a Relação aplicou as mesmas regras jurídicas em que assentou a decisão emitida na sentença.</font><br>
</p><p><b><font>III -</font></b><font> Ora, sendo o quadro normativo aplicado pelas instâncias o mesmo e significando o excurso doutrinal aditado pelo acórdão do Tribunal da Relação apenas um desenvolvimento da </font><i><font>ratio decidendi</font></i><font> do despacho do tribunal de primeira instância, não se verifica uma fundamentação essencialmente diferente no sentido definido pela jurisprudência deste Supremo Tribunal.</font><b><font> </font></b><br>
</p><p><b><font> </font></b><br>
</p><p><b><font>III – Decisão</font></b><br>
</p><p><font>Pelo exposto, indefere-se a reclamação.</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font>Supremo Tribunal de Justiça, 22 de junho de 2021</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font>Maria Clara Sottomayor (Relatora) </font><br>
</p><p><font>Alexandre Reis (1.º Adjunto) </font><br>
</p><p><font>Pedro Lima Gonçalves (2.º Adjunto)</font><br>
</p><p><font>Nos termos do artigo 15.º-A do DL n.º 20/2020, de 1 de maio, atesto o voto de conformidade dos Juízes Conselheiros Alexandre Reis (1.º Adjunto) e Pedro de Lima Gonçalves (2.º Adjunto). </font><br>
</p></font><p><font><font>(Maria Clara Sottomayor – Relatora)</font></font></p> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
bTJku4YBgYBz1XKvogCq | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><b><font> </font></b><div><br>
<font>Acordam na 1.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça</font></div><br>
<br>
<b><font> </font></b><br>
<p><b><font> </font></b><br>
</p><p><b><font>I – Relatório</font></b><br>
</p><p><font>1. O Ministério Público requereu a instauração de processo de promoção e proteção a favor dos menores </font><b><font>AA</font></b><font>, nascido a ........2017, e </font><b><font>BB,</font></b><font> nascido em ........2018, ambos filhos de CC e de DD.</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font>2. Declarada aberta a instrução dos autos e realizadas as diligências probatórias pertinentes, foi, por acordo de promoção e proteção celebrado em 12 de julho de 2019, aplicada aos menores AA e BB a medida de apoio junto da mãe.</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font>3. Por decisão proferida em 22 de novembro de 2019, foi determinada a retirada urgente dos menores à progenitora e o seu subsequente acolhimento institucional. Posteriormente, por novo acordo de promoção e proteção celebrado a 14 de maio de 2020, foi aplicada aos menores a medida de promoção e proteção de acolhimento institucional.</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font>4. Concluindo os relatórios juntos nos autos pela aplicação de medida de promoção e proteção de confiança com vista a futura adoção, e não se afigurando possível a obtenção de solução negociada de medida de promoção e proteção, determinou-se a notificação do Ministério Público e dos progenitores para a apresentação de alegações, consignando-se no despacho o seguinte [segue transcrição do despacho de 22/02/2021, por ser relevante para a decisão a proferir]:</font><br>
</p><p><i><font>«Pese embora o doutamente promovido, as diligências efectuadas pela EMAT para obtenção de informação junto da família alargada dos progenitores dos menores foram já efectuadas e constam dos relatórios sociais juntos aos autos. </font></i><br>
</p><p><i><font>Por outro lado, o tribunal não vê qualquer necessidade de realização de nova perícia ou avaliação das competências parentais, a efectuar pela especialidade de psicologia ou psiquiatria uma vez que a mesma foi já oportunamente pedida e realizada, pelo menos em relação à progenitora, constando tais diligências uma vez mais dos autos. Por fim resulta dos sucessivos relatórios sociais juntos aos autos que os progenitores, além de não revelarem competências para o exercício da parentalidade, seja por desorganização e falta de capacidade, como é o caso do progenitor, seja por priorização das suas relações afectivas em detrimento das necessidades e salvaguarda do superior interesse dos menores, como é o caso da progenitora, não apresentam qualquer evolução positiva.</font></i><br>
</p><p><i><font>Pelo contrário, parecem estar cada vez mais distanciados dos filhos e da defesa dos seus interesses, não os procurando visitar nem colaborando com as técnicas no sentido de realizarem os progressos e mudanças necessários para os acolher em suas vidas novamente.</font></i><br>
</p><p><i><font>Ora, porque a idade dos menores AA e BB, não se compadece com mais demoras e os atrasos sucessivos que a evolução de um processo judicial acarreta nas suas vidas, cumpre definir um projecto de vida para estes menores, o qual, segundo os últimos relatórios sociais, passa pela sua adopção.</font></i><br>
</p><p><i><font>Assim, e antevendo a falta de acordo dos progenitores nesse sentido, </font></i><i><u><font>deverão os presentes autos prosseguir para debate judicial tendo em vista a aplicação da medida de confiança com vista a futura adopção.</font></u></i><br>
</p><p><i><u><font>Pelo exposto determino seja dado cumprimento ao disposto pelo artigo 114º da LPCJP, notificando os progenitores e, bem assim, o Ministério Público, para, no prazo de 10 dias, apresentarem as suas alegações e oferecerem prova.</font></u></i><br>
</p><p><i><font>Mais determino se oficie a EMAT solicitando a realização de relatório social devidamente fundamentado do ponto de vista factual, mencionando a cronologia dos eventos que culminaram com o acolhimento institucional dos menores e escalpelizando a actual situação dos menores e, bem assim, da sua actual relação e vinculação com os progenitores.» </font></i><font>(sublinhado nosso) </font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font>5. Na sequência da notificação deste despacho veio a progenitora apresentar requerimento, no qual, alegando a alteração das suas condições de vida, pediu a realização de relatório social às suas novas condições de vida, tendo o progenitor apresentado requerimento de adesão a esta pretensão.</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font>6. Em 23 de março de 2021, foi proferido despacho determinando a realização pela EMAT de </font><i><font>“relatórios sociais urgentes às actuais condições sociais, económicas e habitacionais de ambos os progenitores, tendo presente uma derradeira possibilidade de reunião familiar com pelo menos um dos progenitores, antes de avançar para a decisão definitiva da confiança com vista a futura adopção.”</font></i><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font>7. Juntos os relatórios, foi proferido o seguinte despacho:</font><br>
</p><p><i><font>«Assegure o contraditório relativamente aos relatórios sociais que antecedem. Considerando o teor dos relatórios sociais ora juntos e para o qual se remete, importa determinar a prossecução dos autos para debate judicial tendo em vista a eventual aplicação da medida de confiança dos menores com vista a futura adopção.</font></i><br>
</p><p><i><font>As partes foram já notificadas para, em prazo, apresentarem alegações, nada tendo sido junto aos autos ou qualquer meio de prova junto ou testemunha arrolada. Considerando, contudo, a factualidade vertida nos relatórios sociais juntos aos autos, o tribunal, oficiosamente, determina a inquirição das seguintes pessoas:</font></i><br>
</p><p><i><font>(…)</font></i><br>
</p><p><i><font>Para realização de debate judicial tendo em vista a eventual aplicação da medida de promoção e protecção de confiança com vista a adopção designo o próximo dia 19 de Maio de 2021, pelas 10.00 horas para tomada de declarações de parte dos progenitores, esclarecimentos da perita nomeada e inquirição da testemunha FF e, pelas 14.00 horas, para inquirição das demais testemunhas supra identificadas - artigo 114º, nº 3 da LPCJP». </font></i><br>
</p><p><i><font> </font></i><br>
</p><p><font>8. Entretanto, em 23/04/2021, a Progenitora constituiu mandatário judicial, cessando, assim, as funções do patrono anteriormente nomeado, tendo aquele requerido a consulta dos autos, e vindo a juntar, em 17/05/2021, prova documental.</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font>9. Realizado o debate judicial, veio a ser proferido acórdão, no tribunal de 1.ª instância, no qual se decidiu:</font><br>
</p><p><i><font>«- Em conformidade com o exposto, acordam os Juízes que compõem o Tribunal Colectivo aplicar aos menores AA E BB a medida de confiança judicial com vista a futura adopção ao Centro de Acolhimento “O......”, em ...... (artigo 35.º n.º 1 al. g) e 38.º-A, ambos da Lei de Promoção e Protecção de Crianças e Jovens em Perigo).</font></i><br>
</p><p><i><font>- Nos termos do art.º 1978-º-A do Código Civil, declaram-se os progenitores inibidos do exercício das responsabilidades parentais.</font></i><br>
</p><p><i><font>- A medida agora aplicada dura até ser decretada a adopção e não está sujeita a revisão (artigos 38.º-A e 62.º-A n.º 1, ambos da Lei de Promoção e Protecção de Crianças e Jovens em Perigo), sem prejuízo no disposto no art.º 62.º-A n.º 2 do mesmo Diploma.</font></i><br>
</p><p><i><font>- Nomeio curador provisório da menor a Directora da Instituição onde os menores se encontram acolhidos (artigos 62.º-A, n.º 3 da Lei de Promoção e Protecção), ficando excluídas as visitas a estes por parte da sua família biológica (artigo 62.º-A n.º 6 do mesmo Diploma).»</font></i><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font>10. Inconformada com esta decisão interpôs a Progenitora recurso de apelação, que foi declarado improcedente pelo Tribunal da Relação, que confirmou integralmente e com o mesmo fundamento a sentença do tribunal de 1.ª instância.</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font>11. O Tribunal da Relação fez constar do Relatório do acórdão o seguinte:</font><br>
</p><p><i><font>«A Mma. Juiz a quo proferiu despacho em que conclui pela inexistência de qualquer nulidade, salientando, fundamentadamente, que os progenitores e o Ministério Público foram notificados para alegarem, com expressa menção da eventual aplicação da medida de confiança dos menores com vista à adopção, e que o tribunal não está vinculado pela acção e omissão do Ministério Público».</font></i><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font>12. A Progenitora, novamente inconformada, interpôs recurso de revista excecional, em que pugna pela revogação do acórdão recorrido, formulando as seguintes conclusões: </font><br>
</p><p><i><font>«A - Na data de 22 de Fevereiro de 2021, o Ministério Público foi notificado para alegar por escrito e não alegou.</font></i><br>
</p><p><i><font>B - E o Ministério Público era obrigado a alegar pois o que está em causa è a confiança de 2 menores a pessoa selecionada para a adoção, a família de acolhimento ou a instituição com vista à adoção - art.º 35.º n.º 1 al. g) e 114.º n.ºs 1 e 2 da L.P.C.J.P.</font></i><br>
</p><p><i><font>C - Nos processos de Promoção e Proteção de Crianças e Jovens em perigo, vigoram os princípios da audição obrigatória, participação e do contraditório, como se alcança nos art.ºs 4.º al. i) e 104.º n.º 1, 2 e 3 da Lei n.º 147/99 de 01 de Setembro.</font></i><br>
</p><p><i><font>D - Estando em causa o art.º 35.º n.º 1 al. g) da L.P.C.J.P., para além da verificação dos pressupostos enunciados sob o art.º 1978.º do C.C., com maior premência, a Lei impõe que aos pais dos menores sejam dadas todas as garantias de defesa, principalmente o direito de audição, participação e do contraditório.</font></i><br>
</p><p><i><font>E - Pois que o art.º 36.º da C.R.P. impõe o primado da família e, só em casos excecionais, é que os filhos podem ser separados dos pais e só através de decisão do Tribunal.</font></i><br>
</p><p><i><font>F - A realização dos princípios de audição e participação do contraditório não passa de um mero formalismo, pelo contrário, “antes se traduz numa atividade tida por essencial para aferir da adequação da medida ao caso em presença, na consideração do superior interesse da criança, como resulta aliás do quadro legal enunciado, nomeadamente levando em linha de conta as diligências probatórias que possam ser solicitadas pelos pais, na medida em que se mostrem relevantes, como tal devendo, de forma necessária, ser referenciada, por importar, como vimos, no corte definitivo dos laços familiares.” - Acórdão da Relação de Lisboa, relatora Exm.ª Desembargadora Ana Resende, datado de 24-01-2012, proc.º n.º 3649/10.0TBBRR.L1-7.</font></i><br>
</p><p><i><font>G - Como aquelas referidas garantias não foram possibilitadas à progenitora, o Acórdão da Relação de ...... é nulo nos termos do art.º 195 n.º 1 do C.P.C., pois influi na decisão da causa, Se, assim, não for entendido,</font></i><br>
</p><p><i><font>H - O Tribunal, mantendo a sentença da 1.ª Instância, violou o disposto nos art.ºs 4.º al. i), 35.º n.º 1 al. g), 104.º e 114.º n.º 2 da Lei n.º 147/99 de 01 de Setembro, estando, assim em causa os princípios do contraditório, audição e participação</font></i><br>
</p><p><i><font>Termos em que deve o Douto Acórdão recorrido ser revogado e ser substituído por outro que determine a obrigatoriedade do Ministério Público alegar no processo, devendo este ser remetido para o Tribunal da Relação ...... que, por sua vez deve remeter para o Tribunal da 1.ª Instância.</font></i><br>
</p><p><i><font>E assim, se FARÁ JUSTIÇA!»</font></i><br>
</p><p><i><font> </font></i><br>
</p><p><font>13. A Relatora no Supremo Tribunal de Justiça remeteu o processo para a formação prevista no artigo 672.º, n.º 3, do CPC, que admitiu o recurso de revista excecional.</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font>14. Foi notificado o Ministério Público, junto do Supremo Tribunal de Justiça, para, querendo, pronunciar-se sobre o presente recurso, o que fez, defendendo a improcedência do mesmo, com os seguintes fundamentos, que se passam a transcrever:</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><div><br>
<font>«1.º</font></div><br>
<br>
<font>No processo em referência, foi decidido na 1.ª instância, com confirmação pelo TR…, aplicar os</font><br>
<p><font>referidos menores a medida de “confiança judicial com vista a futura adoção”</font><br>
</p><div><br>
<font>2.º</font></div><br>
<br>
<font>A progenitora dos menores insurge-se contra esta decisão, alinhando as seguintes conclusões no presente recurso.</font><br>
<p><font>1. Na data de 22 de fevereiro de 2021, o M.ºP.º foi notificado para alegar por escrito e não alegou.</font><br>
</p><p><font>2. E o M.ºP.º era obrigado a alegar.</font><br>
</p><p><font>3. Nos processos de promoção e protecção de crianças e jovens em perigo, vigoram os princípios da audição obrigatória, da participação e do contraditório.</font><br>
</p><p><font>4. Estando em causa o artigo 35.º, n.º 1, alínea g), da LPCJP, para além da verificação dos pressupostos enunciados sob o artigo 1978.º do CC, a lei impõe que aos pais dos menores sejam dadas todas as garantias de defesa, principalmente o direito de audição, de participação e do contraditório.</font><br>
</p><p><font>5. Pois que o artigo 36.º da CRP impõe o primado da família e, só em casos excepcionais, é que os filhos podem ser separados dos pais e só através de decisão do tribunal.</font><br>
</p><p><font>6. A realização dos princípios de audição, de participação e do contraditório não passa de um mero formalismo (certamente quis dizer que “não é um mero formalismo), pelo contrário, antes se traduz numa actividade tida por essencial para aferir da adequação da medida </font><br>
</p><p><font>7. Como aquelas referidas garantias não foram possibilitadas à progenitora, o acórdão do TR… é nulo nos termos do artigo 195.º do CPC, n.º 1, pois influi na decisão da causa.</font><br>
</p><p><font>8. O tribunal, mantendo a sentença da 1.ª instância, violou o disposto nos artigos 4.º, alínea i), 35.º, n.º 1, alínea g), 104.º e 114.º, n.º 2, da Lei n.º 147/99, de 1 de Setembro, estando assim em causa os princípios do contraditório, audição e participação.</font><br>
</p><div><br>
<font>3.º</font></div><br>
<br>
<font>Termina a sua motivação pela seguinte forma: “Termos em que deve o douto acórdão recorrido ser revogado e ser substituído por outro que determine a obrigatoriedade do M.ºP.º alegar no processo, devendo este ser remetido para o TR… que, por sua vez, deve remeter para o tribunal da 1.ª instância”.</font><br>
<div><br>
<font>4.º</font></div><br>
<br>
<font>Portanto, no entender da recorrente, o acórdão recorrido é nulo porque o M.ºP.º, notificado para o efeito, não alegou por escrito.</font><br>
<div><br>
<font>5.º</font></div><br>
<br>
<font>No entender da recorrente, este facto é violador dos princípios do contraditório, audição e participação.</font><br>
<div><br>
<font>6.º</font></div><br>
<br>
<font>É manifesto que esta é uma visão completamente distorcida do princípio do contraditório, dado que o M.ºP.º, no caso destes autos, foi o requerente das medidas de protecção a aplicar aos dois menores, pelo que o princípio do contraditório se alcançou com a possibilidade dada aos progenitores de se pronunciarem sobre o requerimento apresentado pelo M.ºP.º e requerem tudo o que achassem por conveniente para se alcançar uma decisão que defendesse o superior interesse das crianças.</font><br>
<div><br>
<font>7.º</font></div><br>
<br>
<font>Ora, o M.ºP.º apresentou o seu requerimento inicial em 11/7/18, expondo os factos nessa data conhecidos e requerendo, desde logo, que os progenitores fossem ouvidos sobre eles. Nessa data, apenas existia o menor AA, pois o BB nasceu no decorrer do processo.</font><br>
<div><br>
<font>8.º</font></div><br>
<br>
<font>Por despacho judicial, de 11/7/18, e para além do mais, logo se mandou notificar os progenitores para, querendo, no prazo de dez dias, requererem a realização de quaisquer diligências instrutórias.</font><br>
<div><br>
<font>9.º</font></div><br>
<br>
<font>Logo nesse despacho se designou data para a audição da progenitora, ora recorrente.</font><br>
<div><br>
<font>10.º</font></div><br>
<br>
<font>Em 18/7/2018 a progenitora não esteve presente na agendada audição, dado que tinha dado à luz o menor BB em .../7/2018. Esteve presente o progenitor e foi fixado ao menor um regime provisório.</font><br>
<div><br>
<font>11.º</font></div><br>
<br>
<font>Em 9/11/18, para além do mais, foi agendada a audição da progenitora, ora recorrente.</font><br>
<div><br>
<font>12.º</font></div><br>
<br>
<font>A progenitora foi ouvida em 23/11/18, tendo prestado consentimento para a sua avaliação psicológica e consequente tratamento, se for caso disso.</font><br>
<div><br>
<font>13.º</font></div><br>
<br>
<font>Em 28/1/19, a aqui recorrente informou que não iria comparecer ao exame psicológico agendado, por não ter a quem deixar os menores e não ter disponibilidade económica para se deslocar a Lisboa.</font><br>
<div><br>
<font>14.º</font></div><br>
<br>
<font>Finalmente, com data de 8/7/19, foi junto aos autos o relatório pericial psicológico da aqui recorrente.</font><br>
<div><br>
<font>15.º</font></div><br>
<br>
<font>Encerrada a instrução, foi agendada a conferência prevista no artigo 112.º da LPCJP, que se realizou em 12/7/19, com a presença dos progenitores – Foi aplicada a ambos os menores a medida de promoção e protecção de apoio junto da mãe, com a duração de um ano.</font><br>
<div><br>
<font>16.º</font></div><br>
<br>
<font>Em 29/8/19, foi junto aos autos um relatório social em que se conclui que a medida de apoio junto da mãe não salvaguardava devidamente os interesses dos menores.</font><br>
<div><br>
<font>17.º</font></div><br>
<br>
<font>Os progenitores e respectivos patronos foram devidamente notificados do teor deste relatório.</font><br>
<p><font> </font><br>
</p><div><br>
<font>18.º</font></div><br>
<br>
<font>Em 26/9/19, realizou-se nova conferência, com a presença dos progenitores dos menores, Foram ouvidos os progenitores e outros intervenientes no processo.</font><br>
<div><br>
<font>19.º</font></div><br>
<br>
<font>A medida de apoio junto da mãe foi prorrogada, com a obrigatoriedade de frequência, pela mãe, de consulta de psiquiatria e/ou psicologia.</font><br>
<div><br>
<font>20.º</font></div><br>
<br>
<font>Em 22/10/19, o tribunal foi informado de que a mãe compareceu à consulta agendada não se identificando patologia psiquiátrica.</font><br>
<div><br>
<font>21.º</font></div><br>
<br>
<font>Em 22/11/19, baseada em relatórios sociais da CAFAP e da EMAT, a senhora Juíza determinou a entrega dos menores à instituição “O......”, aplicando-lhes provisoriamente a medida de acolhimento institucional.</font><br>
<div><br>
<font>22.º</font></div><br>
<br>
<font>Em 10/12/19, realizou-se nova conferência, com a presença dos progenitores dos menores,</font><br>
<div><br>
<font>23.º</font></div><br>
<br>
<font>Foram elaborados e recebidos no tribunal relatórios sociais diversos e os progenitores foram sempre notificados do seu conteúdo.</font><br>
<div><br>
<font>24.º</font></div><br>
<br>
<font>Em 14/5/2020, realizou-se uma conferência, com a presença dos progenitores, tendo-se conseguido um acordo que teve o consentimento da progenitora, ora recorrente – acolhimento institucional.</font><br>
<div><br>
<font>25.º</font></div><br>
<br>
<font>Em 7/10/20, foi judicialmente ordenada a prorrogação da medida de acolhimento em instituição.</font><br>
<div><br>
<font>26.º</font></div><br>
<br>
<font>Em 22/2/21, o M.ºP.º e os progenitores foram notificados para, no prazo de 10 dias, apresentarem as suas alegações e oferecerem provas.</font><br>
<div><br>
<font>27.º</font></div><br>
<br>
<font>No despacho que determinou tal notificação a senhora Juíza do processo escreveu o seguinte: “Ora, porque a idade dos menores, AA e BB, não se compadece com mais demoras e os atrasos sucessivos que a evolução de um processo judicial acarreta nas suas vidas, cumpre definir um projecto de vida para estes menores, o qual, segundo os últimos relatórios sociais, passa pela sua adoção.</font><br>
<p><font>Assim, e antevendo a falta de acordo dos progenitores nesse sentido, deverão os presentes autos prosseguir para debate judicial tendo em vista a aplicação da medida de confiança com vista a futura adoção.”</font><br>
</p><div><br>
<font>28.º</font></div><br>
<br>
<font>A ora recorrida, em 8/3/21, veio requerer a elaboração de novo relatório social, relativamente às suas novas condições de vida, em ....... Mais tarde, o progenitor aderiu a este requerimento.</font><br>
<div><br>
<font>29.º</font></div><br>
<br>
<font> </font><br>
<p><font>O M.ºP.º, em 19/3/21, disse ter tomado conhecimento do relatório da EMAT.</font><br>
</p><div><br>
<font>30.º</font></div><br>
<br>
<font>Em 23/3/21, foi ordenada a realização de novos relatórios sociais, relativamente a cada um dos progenitores.</font><br>
<div><br>
<font>31.º</font></div><br>
<br>
<font>Em 6/4/21, os técnicos consideraram ser prejudicial às crianças o seu regresso a casa do pai.</font><br>
<div><br>
<font>32.º</font></div><br>
<br>
<font>Em 8/4/21 a EMAT de ...... considerou não ter a progenitora condições habitacionais necessárias para a reintegração das crianças e não ter diligenciado para alterar essas condições.</font><br>
<div><br>
<font>33.º</font></div><br>
<br>
<font>Em 17/5/21, o novo mandatário da ora recorrida apresentou nos autos vários documentos.</font><br>
<div><br>
<font>34.º</font></div><br>
<br>
<font>Em 19 de maio de 2021, realizou-se debate judicial, com a presença de ambos os progenitores, devidamente representados.</font><br>
<div><br>
<font>35.º</font></div><br>
<br>
<font>Por acórdão, de 27/5/21, foi decidido aplicar aos menores a medida de confiança judicial com vista a futura adoção ao centro de acolhimento “O......”, em ....... Os progenitores foram declarados inibidos do exercício das responsabilidades parentais.</font><br>
<div><br>
<font>36.º</font></div><br>
<br>
<font>Em 7/6/21, a progenitora veio interpor recurso do referido acórdão. Nas suas alegações, levantou, já, a questão do M.ºP.º não ter apresentado as suas alegações escritas, considerando constituir isso uma nulidade processual.</font><br>
<div><br>
<font>37.º</font></div><br>
<br>
<font>Em 17/6/21, o M.ºP.º respondeu à motivação de recurso da progenitora, pugnando pelo seu não provimento.</font><br>
<div><br>
<font>38.º</font></div><br>
<br>
<font>Por acórdão, de 14/7/21, o TR… proferiu o acórdão recorrido em que se decidiu julgar a apelação improcedente e, em consequência, manter o acórdão recorrido.</font><br>
<div><br>
<font>39.º</font></div><br>
<br>
<font>Quanto à questão da inexistência das alegações escritas, por parte do M.ºP.º, escreveu-se no douto acórdão recorrido: “A situação em causa, nos presentes autos, é, pois, diversa da apreciada no dito acórdão (acórdão do TRL de 24/1/2012, proferido no NUIPC 3649/10.0TBBRR.L1-7 – parêntesis nosso), porque aqui foi dado prévio conhecimento aos intervenientes processuais da intenção da aplicação da medida prevista na alínea g) do n.º 1 do artigo 35.º da LPCJP, tendo estes, nomeadamente a recorrente/progenitora tido oportunidade de, em tempo, se pronunciarem sobre a aplicação da medida em causa e solicitar a realização das diligências probatórias que tivessem por pertinentes. Deste modo, conclui-se não ter havido violação do contraditório, não constituindo o acórdão recorrido decisão surpresa, pelo que não ocorreu a invocada nulidade”.</font><br>
<div><br>
<font>40.º</font></div><br>
<br>
<font>Estamos perfeitamente de acordo com o sentido desta decisão.</font><br>
<p><font>Termos em que, julgando improcedente o presente recurso de revista excepcional, será feita inteira,</font><br>
</p><p><font>JUSTIÇA». </font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font>15. Sabido que, ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, é pelas conclusões que se delimita o objeto do recurso, a única questão a decidir é a de saber se o facto de o Ministério Público, no tribunal de 1.ª instância, não ter proferido alegações sobre a aplicabilidade aos menores da medida de confiança com vista a futura adoção, prevista no artigo 35.º, n.º 1, al. </font><i><font>g),</font></i><font> da Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo (Lei n.º 147/99, de 1 de setembro com as alterações subsequentes, doravante LPCJP), nos termos do artigo 114.º, n.º 1 e 2, da LPCJP, viola os princípios da audição, participação e contraditório da progenitora.</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font>Cumpre apreciar e decidir. </font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><b><font>II – Fundamentação</font></b><br>
</p><p><b><font>A – Os factos</font></b><br>
</p><p><u><font>Na 1ª instância foram dados como provados os seguintes factos, que o Tribunal da Relação não alterou:</font></u><br>
</p><p><font>1. Os menores AA e BB nasceram, respetivamente, no dia ......... de 2017 e no dia ......... de 2018, e encontram-se registados como filhos de DD e de CC;</font><br>
</p><p><font>2. Correu termos, na Comissão de Proteção de Crianças e Jovens ......, processo de promoção e proteção com o n.º .../2018, instaurado em 11-05-2018 a favor do menor AA, após sinalização efetuada pelo CAFAP, em 11-05-2018, por suspeitas de negligência parental;</font><br>
</p><p><font>3. Após a intervenção da CPCJ, não chegou a ser deliberada a aplicação de qualquer medida de promoção e proteção, uma vez que a progenitora, grávida em avançado estado de gestação do seu filho BB, e juntamente com o menor AA, naquela data com pouco mais de um ano de idade, se ausentou, sem aviso, para ......, desconhecendo o progenitor, àquela data, o paradeiro de ambos;</font><br>
</p><p><font>4. Os progenitores dos menores viveram juntos em comunhão de cama, mesa e habitação, juntamente com o menor AA e um filho mais velho da progenitora, GG, fruto de um relacionamento anterior.</font><br>
</p><p><font>5. A gravidez do menor AA não foi devidamente acompanhada a nível médico.</font><br>
</p><p><font>6. Os progenitores mantinham discussões frequentes enquanto tinham uma vida em comum, geralmente na presença dos menores.</font><br>
</p><p><font>7. Naquela data, o agregado familiar do menor AA, enquanto os progenitores estavam juntos, apresentava instabilidade emocional e financeira, beneficiando de apoio social em géneros alimentares, apesar de obterem um rendimento mensal de cerca de 1.080 euros, em RSI e prestações sociais, por incapacidade de gestão de despesas.</font><br>
</p><p><font>8. Os progenitores dos menores AA e BB separaram-se em março de 2018 e durante algum tempo, mantiveram um clima de conflituosidade entre ambos.</font><br>
</p><p><font>9. Após a separação, a progenitora foi viver com familiares, em ......, tendo, em início de maio de 2018, e sem aviso, se ausentado para paradeiro desconhecido, deixando o filho mais velho, GG, então com seis anos de idade, entregue aos cuidados do respetivo progenitor.</font><br>
</p><p><font>10. Durante meses, o progenitor não conseguiu contactar com a progenitora, nem saber do paradeiro do menor AA, desconhecendo o seu estado de saúde uma vez que a progenitora nunca procurou acompanhamento médico para a gravidez do menor BB.</font><br>
</p><p><font>11. A progenitora fixou então residência em ...... juntamente com o menor AA, onde o menor BB acabaria por nascer no dia ...... de 2018.</font><br>
</p><p><font>12. Àquela data, a progenitora encontrava-se sozinha em ......, não contando com o apoio de familiares e não auferindo rendimentos para além de apoios e prestações sociais.</font><br>
</p><p><font>13. Apesar de alguma relutância inicial, a progenitora acabaria por regressar a ......, onde fixou novamente residência, juntamente com os dois menores e contando com algum apoio familiar, o que lhe permitiu gerir, durante algum tempo, o seu quotidiano bem como o dos menores AA e BB. </font><br>
</p><p><font>14. Mercê do supra exposto, por decisão proferida no dia 12 de julho de 2019, foi aplicada aos menores a medida de apoio junto da mãe, a qual foi revista por decisão proferida em 27 de setembro de 2019;</font><br>
</p><p><font>15. Em julho de 2019 mãe dos menores iniciou uma nova relação, tendo fixado a sua residência com o então companheiro, HH, na casa deste.</font><br>
</p><p><font>16. A relação entre ambos era conflituosa e no dia 7 de novembro de 2019, ocorreu a separação do casal.</font><br>
</p><p><font>17. No dia 10 de novembro, a progenitora voltou, juntamente com os menores, para casa do progenitor destes que aí os acolheu.</font><br>
</p><p><font>18. Nos dias seguintes, os menores foram diagnosticados com escarlatina, tendo sido aconselhada pelo médico que ficassem em casa em absoluto resguardo.</font><br>
</p><p><font>19. Contudo, a mãe não seguiu a orientação médica, e permitiu que os meninos passassem o dia inteiro na rua.</font><br>
</p><p><font>20. Verificou-se igualmente que a progenitora, embora fosse beneficiária de RSI, a meio do mês de novembro, não possuía dinheiro para adquirir a medicação necessária ao tratamento da doença dos menores ou para prover à sua alimentação.</font><br>
</p><p><font>21. No dia 17 de novembro, a progenitora regressou à companhia do anterior companheiro, HH, levando consigo o seu filho BB e deixando o menor AA junto com o pai, porquanto aquele HH referiu não gostar do AA.</font><br>
</p><p><font>22. Perante a recusa do companheiro em receber o AA, a progenitora decidiu entregá-lo aos cuidados do progenitor, CC, não mais cuidando do menor ou prestando qualquer auxílio ao progenitor, não o visitando nem procurando sequer o menor na creche igualmente frequentada pelo irmão BB.</font><br>
</p><p><font>23. Àquela data, o progenitor encontrava-se a frequentar uma formação em ...... e na ...... para integrar um posto de trabalho numa cadeia ......, sendo que em alguns dias da semana, apenas regressava ...... depois das 21h e 30 m ou entre as 0h e a 1hora.</font><br>
</p><p><font>24. Por não possuir uma rede familiar de suporte que assegurasse os cuidados do filho AA após o horário de saída do infantário que frequentava, acordou com a mãe que esta assegurava tais cuidados, até ao seu regresso .......</font><br>
</p><p><font>25. O que aconteceu apenas no dia 18 de novembro.</font><br>
</p><p><font>26. Nos dias seguintes, a progenitora recusou-se a cuidar do AA, não o procurando nem o visitando na creche igualmente frequentada pelo irmão BB.</font><br>
</p><p><font>27. Pelo que nos dias 19 e 20 de novembro, a progenitor faltou à formação para prestar cuidados ao filho AA.</font><br>
</p><p><font>28. De forma a acautelar o bem-estar do AA e assegurar a integração profissional do progenitor, a diretora do infantário frequentado pelos menores disponibilizou-se a ficar com o menor AA no dia 21 de novembro de 2019 até às 23 horas, e no dia 22 de novembro de 2018, até às 21h e 30m.</font><br>
</p><p><font>29. O progenitor não possui qualquer possibilidade de assegurar os cuidados que os menores necessitam, não só por não possuir rede de suporte familiar que assegure os cuidados quando está ausente, mas também porque tem revelado fracas competências parentais.</font><br>
</p><p><font>30. Ao longo do acompanhamento que vem sido realizado há cerca de quatro anos junto da progenitora dos menores, esta tem revelado competências parentais frágeis, colocando em causa o bem-estar dos menores mediante a tomada de decisões precipitadas e imponderadas.</font><br>
</p><p><font>31. Presentemente, a progenitora não apresenta estabilidade emocional nem capacidade para cuidar e proteger os seus filhos.</font><br>
</p><p><font>32. Pelo contrário, a instabilidade emocional é tão elevada que adota comportamentos e toma decisões que colocam em perigo a vida e integridade física dos menores.</font><br>
</p><p><font>33. De facto, ao regressar a casa do companheiro, a progenitora sujeitou o filho BB, naquela data, de apenas um ano de idade, a um clima de permanente conflito com o seu companheiro e não provendo pela sua alimentação ou medicação quando este dela necessitou, sendo notório que esta não tem capacidade parental para assegurar a segurança, saúde e bem-estar emocional do filho.</font><br>
</p><p><fo | [0 0 0 ... 0 0 0] |
kzFbu4YBgYBz1XKvw_q_ | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><font> </font><div><br>
<font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça</font></div><br>
<br>
<b><font> </font></b><br>
<p><b><font>I - Relatório</font></b><br>
</p><p><b><font>1.</font></b><font> </font><b><font>Decisões e Soluções, Mediação Imobiliária, Ld.ª,</font></b><font> sociedade comercial com sede na Avenida ... – ... – ..., intentou a presente ação declarativa sob a forma de processo comum contra </font><b><font>AA</font></b><font>, residente na Rua ... em Ponta Delgada, pedindo, na procedência da ação, a sua condenação no pagamento da quantia de € 50.000,00 (cinquenta mil euros), acrescida dos juros de mora a partir da citação e até integral pagamento.</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><b><font>2.</font></b><font> Alega a autora, para tanto, e em síntese, o seguinte:</font><br>
</p><p><font>Que a autora é titular de uma licença para o exercício da atividade de mediação imobiliária; </font><br>
</p><p><font>Que entre a ré, a autora, a sociedade “Decisões e Soluções – Consultores Financeiros, Ld.ª”, a sociedade “P..., Unipessoal, Lda” e BB foi celebrado em 26 de abril de 2016 um contrato de subagência através do qual a ré foi nomeada sua sub-agente e encarregada de promover, de modo autónomo e independente, a celebração de contratos no âmbito da sua atividade, nomeadamente a angariação e a mediação mobiliária, ficando a sociedade “P..., Unipessoal, Lda” obrigada ao pagamento de uma comissão de montante variável em função dos contratos angariados;</font><br>
</p><p><font>Que no referido contrato de subagência foi estipulado que a autora facultaria o acesso da ré à sua base de dados, ficando esta obrigada à confidencialidade sobre os dados dela constantes;</font><br>
</p><p><font>Que foi ainda convencionado pelas partes que a ré teria a faculdade de denunciar o contrato através de comunicação escrita à autora com antecedência não inferior a 60 dias e, entre a autora e a ré, a obrigação para esta de exercício da atividade em regime de exclusividade e não concorrência durante todo o período de vigência do contrato e nos doze meses seguintes à sua cessação, tendo acordado na estipulação de uma cláusula penal no montante de cinquenta mil euros para o caso de violação do pacto de exclusividade e/ou de não concorrência;</font><br>
</p><p><font>Que em 19 de outubro de 2018 foi outorgado entre a ré, a autora, a sociedade “Decisões e Soluções – Intermediários de Créditos, Ld.ª”, “R..., Unipessoal, Ld.ª” e BB um contrato intitulado “Contrato de Subagência – Diretor Comercial de Agência”, através do qual a ré viu ampliadas as suas funções, passando a exercer cumulativamente as funções de consultora imobiliária e financeira e de diretora comercial da agência, mantendo o regime de exercício da atividade em exclusividade e não concorrência e a cláusula penal para o caso de violação desse regime nos termos anteriormente acordados, mas pelo período de dois anos após a cessação do contrato; </font><br>
</p><p><font>Que antes da celebração dos aludidos contratos, a autora e o seu agente informaram a ré do seu teor e respetivo alcance, tendo esta anuído com as respetivas cláusulas, pelo que lhe foi ministrada uma ação de formação inicial intensiva e exaustiva sobre a metodologia, procedimentos e objetivos da atividade agenciada, facultado o acesso à sua base de dados informática, mediante criação de um </font><i><font>login</font></i><font> e uma </font><i><font>password </font></i><font>pessoais para que pudesse exercer a sua atividade;</font><br>
</p><p><font>Que ao longo do período compreendido entre o dia 26/04/2016 e o dia 18/05/2019, a ré se dedicou à atividade objeto dos contratos, enquanto consultora imobiliária e financeira e, mais tarde, também como diretora comercial, mediante vínculo com a autora e estando integrada na agência da rede da autora;</font><br>
</p><p><font>Que em 11 de março de 2019 a ré tomou a iniciativa de fazer cessar, unilateralmente, os contratos de subagência celebrados com a autora, solicitando a dispensa do período de 60 dias de aviso prévio convencionado contratualmente; </font><br>
</p><p><font>Que a autora aceitou a cessação dos contratos a partir de 18 de maio de 2019, frisando, no entanto, que se mantinha a obrigação de não-concorrência pelo período de 12 (doze) meses e 2 (dois) anos subsequente à data dessa cessação, e respetivamente quanto ao vínculo enquanto consultora imobiliária e diretora comercial;</font><br>
</p><p><font>Que depois de cessados os contratos, veio a autora a constatar que a ré vinha já prestando serviços de consultoria e mediação imobiliária em colaboração com a marca ..., desenvolvendo atividade concorrente à da autora, por ter passado a exercer desde 13 de maio de 2019 funções de consultora imobiliária, a título profissional e remunerado, numa agência em Ponta Delgada integrada na rede de agências imobiliárias da “...”;</font><br>
</p><p><font>Que tendo a ré violado a obrigação de não concorrência durante a vigência do contrato e no período imediatamente posterior à cessação do contrato, tem a autora direito a ser indemnizada pela ré no valor peticionado. </font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><b><font>3.</font></b><font> Contestou a ré, alegando, em síntese, o seguinte:</font><br>
</p><p><font>Que não lhe foi dado conhecimento anteriormente à celebração do contrato e no contexto do processo de recrutamento, do teor e alcance do seu conteúdo não tendo dado a sua concordância expressa às cláusulas invocadas e que nunca lhe foi disponibilizada uma cópia do contrato; </font><br>
</p><p><font>Que no dia imediatamente a seguir à receção pela autora da carta em que comunicava a cessação imediata do contrato, a ré ficou sem qualquer acesso à base de dados da autora, emails profissionais, logins, escalas de serviço e demais instrumentos de trabalho que até então dispunha, o que na prática a impossibilitou de trabalhar para a autora, ainda que durante um período mínimo 60 dias referente ao pré-aviso que teria de dar e para o qual solicitou dispensa;</font><br>
</p><p><font>Que na sequência da desvinculação começou, de facto, a colaborar com outra empresa de mediação imobiliária, como consultora imobiliária;</font><br>
</p><p><font>Que o contrato invocado pela autora é nulo por violação dos deveres de comunicação e informação, previstos nos artigos 5.º e 6.º do Decreto-Lei 446/85 de 25 de outubro e que o pacto de exclusividade e não concorrência invocado pela autora é nulo face ao disposto no artigo 15.º do mesmo diploma que proíbe as cláusulas contratuais gerais contrárias à boa fé.</font><br>
</p><p><font>Que tal cláusula é ainda ilegal também por violação das regras disciplinadoras da obrigação de não-concorrência nos contratos de sub-agência, previstas no artigo 9.º do Decreto-Lei nº 178/86, de 3/07, na medida em que não prevê o direito a uma compensação pela obrigação de não concorrência após a cessação do contrato e por indeterminabilidade face ao disposto no artigo 280.º n.º 1 do Código Civil.</font><br>
</p><p><b><font> </font></b><br>
</p><p><b><font>4.</font></b><font> A autora, em articulado de resposta, tomou posição sobre a matéria das exceções invocadas pela ré.</font><br>
</p><p><b><font> </font></b><br>
</p><p><b><font>5.</font></b><font> A autora foi convidada a fazer intervir nos autos a sociedade “R..., Unipessoal, Ld.ª” – que assumiu a posição contratual da “P..., Unipessoal, Lda” – e BB, em função do litisconsórcio necessário ativo, tendo ela requerido a respetiva intervenção.</font><br>
</p><p><font>Os intervenientes, devidamente citados, nada disseram.</font><br>
</p><p><font>Foi dispensada a realização de audiência prévia.</font><br>
</p><p><font>Elaborado despacho saneador foi nele corretamente definido o objeto do litígio e enunciados os temas da prova.</font><br>
</p><p><font>Teve lugar a audiência final.</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><b><font>6.</font></b><font> Foi oportunamente proferida sentença que, julgando a ação improcedente por considerar que a autora agia em abuso de direito, absolveu a ré do pedido.</font><br>
</p><p><b><font> </font></b><br>
</p><p><b><font>7.</font></b><font> Inconformada com a absolvição da ré, a autora interpôs recurso de apelação da sentença, nela começando por arguir a respetiva nulidade por violação do princípio do contraditório quanto à matéria do abuso de direito.</font><br>
</p><p><font>Em conformidade, o Senhor Juiz de Direito, reconhecendo ocorrer o fundamento da nulidade invocada, declarou nula a sentença por despacho proferido a 30 de junho de 2021 e ordenou a notificação das partes para se pronunciarem sobre a mencionada exceção do abuso de direito.</font><br>
</p><p><font>Nessa oportunidade vieram as partes a pronunciar-se sobre a questão, defendendo a autora que não estão verificados os pressupostos de aplicação do instituto do abuso de direito e a ré o bem fundado da sentença impugnada. </font><br>
</p><p><b><font> </font></b><br>
</p><p><b><font>8.</font></b><font> Foi então proferida nova sentença que repetiu integralmente o teor da anteriormente proferida, considerando a ação improcedente e absolvendo a ré do pedido.</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><b><font>9.</font></b><font> A autora manteve interesse no conhecimento integral do recurso oportunamente interposto com base nas alegações que deu por reproduzidas.</font><br>
</p><p><font>O Tribunal da Relação de Lisboa decidiu o seguinte:</font><br>
</p><p><i><font>«Termos em que, em conformidade com o artigo 663.º n.º 1 e 2 do Código de Processo Civil, acordam em: </font></i><br>
</p><p><i><font>- julgar procedente a apelação interposta pela autora “Decisões e Soluções – Mediação Imobiliária, Ld.ª”; </font></i><br>
</p><p><i><font>- revogar a douta sentença proferida em primeira instância; </font></i><br>
</p><p><i><font>- condenar a ré AA a pagar à autora a quantia de € 50.000,00 (cinquenta mil euros) acrescida dos juros de mora à taxa legal a partir da citação e até integral e efectivo pagamento. </font></i><br>
</p><p><i><font>- condenar a ré no pagamento das custas da acção».</font></i><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><b><font>10.</font></b><font> A autora, AA, tendo sido notificada do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, e não se conformando com o teor do mesmo, vem dele interpor recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça (artigo 671º, nº 1, 1.ª parte do CPC), com subida nos próprios autos (artigo 675º, nº 1, do CPC) e com efeito meramente devolutivo (artigo 676º, nº 1, </font><i><font>a contrario</font></i><font>, do CPC), em cuja alegação formulou as seguintes conclusões:</font><br>
</p><p><font>«A) O acórdão do Venerando Tribunal da Relação de Lisboa que decidiu revogar a sentença de 19/02/2021, repetida a 22/02/2021, após o cumprimento do contraditório, proferida pelo Tribunal Judicial da Comarca ... – Juízo Local Cível ... – Juiz ..., julgando a ação totalmente procedente, condenando-se a ré, ora recorrida, a pagar à autora a quantia de € 50.000,00€ (cinquenta mil euros), acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação e até integral pagamento, concluindo-se que verificados que estão os demais pressupostos da responsabilidade contratual, nomeadamente as condições de funcionamento da cláusula penal e tendo sido previamente estabelecido o valor de indemnização a prestar pela ré em caso de incumprimento da obrigação de não concorrência temporariamente após a cessação dos contratos.</font><br>
</p><p><font>B) Salvo melhor opinião, o acórdão em causa viola a lei substantiva, na medida em que se traduz em flagrante erro de interpretação e aplicação das normas jurídicas aplicáveis ao caso “sub-judice”, nomeadamente o regime jurídico das cláusulas contratuais gerais, previsto no Decreto-Lei nº 446/85, de 25 de Outubro.</font><br>
</p><p><font>C) Conforme consta da matéria de facto dada como provada, a R. não teve qualquer intervenção na elaboração do conteúdo contratos de agência e sub-agência que outorgou, sendo estes contratos iguais para qualquer colaborador que acedesse colaborar com a recorrente. Logo, salvo o devido respeito e melhor opinião, estão tais contratos sujeitos ao regime das cláusulas contratuais gerais, onde são proibidas as cláusulas penais desproporcionais aos danos a ressarcir, não deixando esta proibição de abranger as cláusulas que visam a prévia fixação de montantes indemnizatórios.</font><br>
</p><p><font>D) A consequência do desrespeito dessa proibição não é a mera redução do valor excessivo da cláusula penal para um valor razoável, mas sim a nulidade da própria cláusula, conforme determina o artigo 13º do Decreto-Lei nº 446/85, de 25 de outubro, procurando-se com esta sanção drástica desincentivar os predisponentes a incorrerem em tais abusos.</font><br>
</p><p><font>E) foi esta a conclusão do recente Acórdão proferido por esse Venerando Supremo Tribunal de Justiça, datada de 12/01/2022, numa acção de toda idêntica à presente, inclusive na própria identidade da Autora, e no qual foram decisores os Mui Excelentíssimos Juízes Conselheiros desse Supremo Tribunal de Justiça Dr. João Cura Mariano, como relator, e Dr. Fernando Baptista e Dr. Vieira e Cunha, como adjuntos (Proc. 2014/19.8T8PDL.L1.S1 – Revista).</font><br>
</p><p><font>F) Tal decisão, de resto, cristalina e imaculada, fundamentou-se num quadro legal vigente que não se subsumiu à mera disciplina, “nua e crua” do Decreto Lei nº 178/86 de 3 de Julho, mas sim ao regime jurídico das cláusulas contratuais gerais, previsto no Decreto -Lei nº 446/85, de 25 de Outubro, que está na base ou na géneses da relação contratual estabelecida entre a A. e a R.</font><br>
</p><p><font>G) Salvo o devido respeito, entende a recorrida que para uma situação igual impõe-se a mesma solução jurídica.</font><br>
</p><p><font>H) Caso não seja esse o superior entendimento de V.Exas., Venerandos Juízes Conselheiros, o que se admite como mera hipótese, a decisão do Tribunal da Relação de Lisboa, ao condenar a R. no pagamento de uma indemnização a favor da recorrente no montante de €50.000,00, ao abrigo das disposições legais conjugadas do artigo 13º alínea </font><i><font>g)</font></i><font> do Regime Jurídico do Contrato de Agência (D.L nº 178/86, de 3 de Julho) violou claramente os princípios jurídicos de necessidade, adequação e proporcionalidade, merecendo superior e justa revogação face ao desequilíbrio contratual efectivamente gerado.</font><br>
</p><p><font>I) Nos termos dos contratos de sub-agência celebrados, Autora (recorrente) e Ré (recorrida) convencionaram expressamente uma obrigação de exclusividade e não concorrência a impender sobre esta última, nos seguintes moldes:</font><br>
</p><p><font>a) Proibição da Ré celebrar diretamente com clientes contratos para a prestação de serviços no âmbito da atividade de consultadoria financeira, contratos de mediação de seguros, mediação imobiliária, mediação de obras ou mediação de veículos, salvo autorização expressa dada por escrito pela Autora, durante o período de vigência do contrato, bem como nos 12 meses imediatamente seguintes à sua cessação (cláusula décima sétima, parágrafo segundo, alínea a) e parágrafo terceiro);</font><br>
</p><p><font>b) Proibição da Ré assinar, em nome próprio ou em representação da autora, qualquer contrato, acordo ou protocolo com instituições de Crédito ou Financeiras, Empresas de Seguros ou de Mediação de Seguros e Empresas de Mediação Imobiliária para o exercício das atividades objeto daquele mesmo contrato, independentemente de aqueles terem, ou não, protocolos ou outros tipos de acordos celebrados com a Autora, não podendo a Ré negociar com elas qualquer tipo de contrato a celebrar pelos clientes, durante o período de vigência do contrato, bem como nos doze meses imediatamente seguintes à sua cessação (cláusula décima sétima, parágrafo dois, alínea b) e parágrafo terceiro);</font><br>
</p><p><font>c) Proibição do exercício, direta ou indiretamente, enquanto sócia, titular de participações sociais noutras sociedades, trabalhadora, prestadora de serviços, independentemente do regime laboral ou contratual, e por qualquer meio, atividade concorrente com a da Autora durante o período de vigência do contrato, bem como nos doze meses imediatamente seguintes à sua cessação (clausula décima sétima, parágrafo segundo, alínea c) e parágrafo terceiro), sendo tal prazo aumentado para 2 anos;</font><br>
</p><p><font>J) Consta dos contratos celebrados a fixação de uma cláusula penal para o caso de violação, pela Ré, do pacto de exclusividade / ou não concorrência, obrigando-se a Ré a pagar uma indemnização à Autora no montante de €50.000,00, sem prejuízo do dano excedente que se viesse a provar, sendo que o âmbito territorial abrangido por tais contratos foi todo o território nacional.</font><br>
</p><p><font>K) Salvo o devido respeito, uma decisão judicial que se limite a confirmar a validade jurídica e constitucional de tal pacto de não concorrência, por entender que não há limitação excessiva ou incomportável à liberdade de trabalho, após a cessação contratual, durante o período de dois anos (por força dos dois contratos celebrados) num âmbito territorial tão amplo como é o território nacional, e sem qualquer compensação pela obrigação de não concorrência (à revelia do disposto na alínea g) do artigo 13º do Regime Jurídico do Contrato de Agência) põe em causa a observância de princípios básicos e basilares do nosso ordenamento jurídico, tais como os princípios da boa fé contratual; proporcionalidade, necessidade e adequação, princípios esses constitucionalmente consagrados.</font><br>
</p><p><font>L) Em termos práticos, tal cláusula, impede a R. de exercer funções, em todo o território nacional, durante dois anos, e independentemente do vínculo (inclusive contrato individual de trabalho) nas seguintes áreas profissionais:</font><br>
</p><p><font>a) Instituições de crédito e consultadoria financeira;</font><br>
</p><p><font>b) Seguradoras e medição de seguros;</font><br>
</p><p><font>c) Mediação imobiliária;</font><br>
</p><p><font>d) Construção e mediação de obras;</font><br>
</p><p><font>e) Venda e mediação de veículos.</font><br>
</p><p><font>M) O douto acórdão posto em crise, vem revogar a douta decisão do Tribunal de 1º instância, substituindo por outra que condena a réu a pagar à autora a quantia de €50.000,00, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação e até integral pagamento.</font><br>
</p><p><font>N) Na eventualidade de não ser acolhida a tese da nulidade da cláusula penal ao abrigo da disciplina jurídica das cláusulas contratuais gerais, o que se admite como mera hipótese, deverá ser confirmada a douta sentença de 1º instância, que absolveu a Ré do pedido, fundamentando-se no exercício abusivo de um direito por parte da A., na modalidade </font><i><font>“tu quoque”</font></i><font>;</font><br>
</p><p><font>O) Na eventualidade de não ser acolhida a tese da nulidade da cláusula penal ao abrigo da disciplina jurídica das cláusulas contratuais gerais, nem da tese que fundamentou a douta decisão de 1º instância (abuso de direito na modalidade </font><i><font>“tu quoque”)</font></i><font> que absolveu a R. do pedido, deverá haver lugar a uma REDUÇÃO SUSBSTANCIAL e SIGNIFICATIVA, do montante indemnizatório, não compatível como valor excessivo e desproporcional de € 50.000,00.</font><br>
</p><p><font>P) Por força do contrato celebrado e não tendo o colaborador atingido o patamar mínimo de faturação exigida pelo principal (€15.000,00), veria o seu contrato cessado e, consequentemente, qual “servo da gleba” se tratasse, ficaria impedido de trabalhar nos cinco setores de actividade económica acima identificados, em todo o território nacional (incluindo as Regiões Autónomas dos Açores e Madeira), pelo prazo de 2 anos a contar da data da cessação contratual!!!.</font><br>
</p><p><font>Q) Salvo melhor opinião, entende a R. que o valor da compensação devida pelo cumprimento do pacto de não concorrência, nunca deveria ser inferior ao valor mensal de €740,25, correspondente ao salário mínimo regional, representando este o valor imprescindível a uma subsistência digna, sob pena de se violar o princípio da dignidade humana.</font><br>
</p><p><font>R) Partindo de tal valor, mínimo na ótica da R., e multiplicando-o por 36 (trinta e seis), correspondente aos 36 meses que durou a relação contratual entre A. e R., concluir-se-á que o valor global da compensação devida à R. seria, no mínimo, de €26.649,00 (vinte e seis mil, seiscentos e quarenta e nove euros).</font><br>
</p><p><font>S) Tendo por base a redução do valor da cláusula penal, que ora se requer, por ser manifestamente excessiva e abusiva, fixando-se a mesma num valor aceitável, reputando a R nesse conceito, o valor nunca superior a €15.000,00, por ser este o valor referenciado nos contratos como patamar mínimo para a manutenção do vínculo contratual, concluir-se-á ser a A. credor de 11.649,00€ €, quantia esta que deverá ser sujeita a COMPENSAÇÃO DE CRÉDITOS (art. 847º do Código Civil);</font>
</p><p><font>T) Decidindo, assim, farão V.Exas. a habitual e acostumada justiça!</font>
</p><p><b><font>TERMOS EM QUE E NOS MELHORES DE DIREITO, </font></b>
</p><p><b><font>deverá ser revogado o douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, por não ter feito, a correcta aplicação da lei, nomeadamente o artigos 14º e 15º do D.L 446/85, de 25 de Setembro ou, ainda assim, o disposto nas disposições conjugadas do 13º alínea g) do Regime Jurídico do Contrato de Agência (D.L nº 178/86, de 3 de Julho) art. 812º nº 1 e art. 847º do Código Civil do Código Civil, substituindo-se tal decisão por Acórdão desse Venerando Supremo Tribunal de Justiça que dê provimento ao presente recurso, absolvendo-se o R. do pedido e fazendo dessa forma, Mmºs. Juízes Conselheiros, a costumada e habitual Justiça».</font></b><br>
</p><p><b><font> </font></b><br>
</p><p><b><font>11. </font></b><font>A Autora</font><b><font>, Decisões e Soluções, Mediação Imobiliária, Ld.ª, </font></b><font>apresentou contra-alegações nas quais pugnou pela manutenção do decidido, tendo aí também alegado que a questão da redução da cláusula penal suscitada nas conclusões da revista pela recorrente é uma questão nova, que não pode ser conhecida.</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><b><font>12.</font></b><font> Sabido que, ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, é pelas conclusões que se delimita o objeto do recurso, a questão a decidir no recurso de revista diz respeito à </font><u><font>obrigação de não concorrência e à validade da cláusula penal prevista para o incumprimento daquela, em face do regime jurídico das cláusulas contratuais gerais</font></u><font> (Decreto-lei n.º 446/85, de 25-10), e, subsidiariamente, à aplicação do instituto do abuso do direito (artigo 334.º do Código Civil) ou, ainda, à redução do valor da cláusula penal, nos termos do artigo 812.º do Código Civil. </font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font>Cumpre apreciar e decidir. </font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><b><font>II – Fundamentação </font></b><br>
</p><p><b><font>A – Os factos</font></b><br>
</p><p><b><font>a) São os seguintes os factos descritos na sentença impugnada:</font></b><br>
</p><p><font>“I. Factos provados</font><br>
</p><p><font>1. A autora “Decisões e Soluções – Mediação Imobiliária, Ld.ª” é uma sociedade comercial constituída em 26/09/2011, que se dedica à mediação imobiliária, à compra, transformação e venda de bens imóveis e à revenda dos adquiridos para esse fim, à gestão e administração de bens imóveis, à mediação de obras de construção, alteração, ampliação, demolição e reconstrução de imóveis, incluindo a sua decoração, à mediação de veículos, sejam eles automóveis, motociclos ou outros e à prestação de serviços de consultoria financeira.</font><br>
</p><p><font>2. Para tanto, a autora é titular da respectiva licença AMI n.º ...00, válida e em vigor desde 17/11/2011.</font><br>
</p><p><font>3. A autora encontra-se presente no universo informático em </font><font>www.decisoesesolucoes.com</font><font>.</font><br>
</p><p><font>4. A autora é uma empresa de dimensão nacional, que conta com várias agências distribuídas por todo o país, e que continua a promover a sua abertura, com o objectivo de estar representada em todas as capitais de distrito e nas principais cidades, assim como de aumentar o número de consultores imobiliários a nível nacional.</font><br>
</p><p><font>5. Desenvolve o seu negócio no ramo da mediação imobiliária inserida na rede “Decisões e Soluções”, através de agentes e subagentes que, além do mais, exercem as suas actividades a partir de agências abertas ao público, ostentando a imagem e as marcas tituladas pela autora.</font><br>
</p><p><font>6. Por escrito particular outorgado em 26/04/2016, a autora, a sociedade do grupo da autora, “Decisões e Soluções – Consultores Financeiros, Ld.ª”, a sociedade comercial por quotas sob a firma “P..., Unipessoal, Lda” e BB celebraram com a ré um contrato de subagência, através do qual:</font><br>
</p><p><font>a. As primeiras nomearam e reconheceram a ora ré como sua subagente, encarregando-a de promover, de modo autónomo e independente, a celebração de contratos no âmbito da actividade por si desenvolvida, e para o que aqui releva, a actividade de angariação e mediação imobiliária, mediação de obras e construção de imóveis, tudo nos termos das Cláusulas 5ª, 8ª e 9ª do contrato;</font><br>
</p><p><font>b. A identificada ré obrigou-se a exercer essa actividade exclusivamente ao serviço das primeiras;</font><br>
</p><p><font>7. Por força do contrato celebrado, a “P..., Unipessoal, Lda”, obrigou-se a pagar à ré, até ao último dia de cada mês, uma comissão de montante variável em função dos contratos angariados pela ré durante o mês imediatamente anterior – cláusula 14ª.</font><br>
</p><p><font>8. Ali também se acordou que a autora “Decisões e Soluções – Mediação Imobiliária, Ld.ª” facultaria o acesso da ré à sua base de dados informática, obrigando-se esta a guardar confidencialidade de toda a informação disponibilizada através da mesma – cláusula 12ª.</font><br>
</p><p><font>9. Bem como que a ré se obrigava a seguir e cumprir as normas, metodologias e orientações estratégicas da autora, inerentes ao relacionamento com clientes e empresas protocoladas, modelo de funcionamento, a comparecer a todas as reuniões por ela marcadas e a frequentar as formações organizados pela autora – cláusula 10ª;</font><br>
</p><p><font>10. O contrato foi celebrado pelo prazo inicial de um ano, com a possibilidade de renovação sucessiva por iguais períodos, desde que na vigência do período anterior o mesmo tenha garantido uma faturação mínima à primeira e segunda contraentes, aqui autora, em conjunto, de pelo menos € 15.000,00 (quinze mil euros) pois caso tal não se tenha verificado, aquelas poderiam denunciar o contrato para o fim do prazo em curso, bastando, para o efeito, uma comunicação, por carta registada, com a antecedência de 8 dias – cláusula 16ª, parágrafo primeiro;</font><br>
</p><p><font>11. Foi ainda convencionado pelas partes que a ré teria a faculdade de denunciar o contrato através de comunicação escrita à autora, a efectuar com antecedência não inferior a 60 dias em relação à data de produção dos respectivos efeitos, e constituindo-se a mesma na obrigação a indemnizar cada uma das autoras, pelo valor correspondente a € 2.500,00 (dois mil e quinhentos euros) - cláusula 16ª, parágrafo segundo e terceiro;</font><br>
</p><p><font>12. A título de cláusula penal, as outorgantes fixaram ainda, cumulativamente, a indemnização devida à autora, no caso de inobservância do prazo de aviso prévio no montante de € 2.500,00 (dois mil e quinhentos euros) - cláusula 16ª, parágrafo quarto;</font><br>
</p><p><font>13. Acresce que a autora “Decisões e Soluções – Mediação Imobiliária, Ld.ª” e a Ré convencionaram expressamente uma obrigação de exclusividade e não concorrência desta última, vigente para todo o território nacional, nos seguintes moldes:</font><br>
</p><p><font>a) Proibição de a ré celebrar directamente com clientes contratos para a prestação de serviços no âmbito da actividade de consultadoria financeira, contratos de mediação de seguros, mediação imobiliária, mediação de obras ou mediação de veículos, salvo autorização expressa dada por escrito pela autora, durante o período de vigência do contrato, bem como nos doze meses imediatamente seguintes à sua cessação – cláusula décima-sétima, paragrafo dois, alínea a) e paragrafo terceiro;</font><br>
</p><p><font>b) Proibição de a ré assinar, em nome próprio ou em representação da autora qualquer contrato, acordo ou protocolo com Instituições de Crédito ou Financeiras, Empresas de Seguros ou de Mediação de Seguros e Empresas de Mediação Imobiliária para o exercício das actividades objecto daquele mesmo contrato, independentemente de aquelas terem, ou não, protocolos ou outros tipos de acordos celebrados com as autoras, não podendo a ré negociar com elas qualquer tipo de contrato a celebrar pelos clientes, durante o período de vigência do contrato, bem como nos doze meses imediatamente seguintes à sua cessação – cláusula décima-sétima, paragrafo dois, alínea b) e parágrafo terceiro;</font><br>
</p><p><font>c) Proibição do exercício, directa ou indirectamente, enquanto sócio, titular de participações sociais noutras sociedades, trabalhador, prestador de serviços, independentemente do regime laboral ou contratual, e por qualquer meio, actividade concorrente com a da autora, durante o período de vigência do contrato, bem como nos doze meses imediatamente seguintes à sua cessação – cláusula décima-sétima, paragrafo dois, alínea c) e parágrafo terceiro;</font><br>
</p><p><font>d) A ré obriga-se a não concorrer, directa ou indirectamente, e em todo o território nacional, com a autora e a sua agente, por qualquer meio, durante os doze meses seguintes aos da cessação do contrato - cláusula décima-sétima, parágrafo terceiro;</font><br>
</p><p><font>14. As contraentes acordaram, ainda, na fixação de uma cláusula penal para o caso de violação, pela ré, do pacto de exclusividade e/ou não concorrência, obrigando-se a R. a pagar uma indemnização à autora no montante de € 50.000,00 (cinquenta mil euros), sem prejuízo do dano excedente que se viesse a provar – cláusula décima-sétima, parágrafo quinto;</font><br>
</p><p><font>15. O valor da cláusula penal tinha por base o ressarcimento do investimento levado a cabo pela autora com a transmissão de know-how especializado à ré em acções de formação a esta ministradas, disponibilização de carteira de clientes para aquela desenvolver, disponibilização de bases de dados com contactos de clientes, bem como o valor médio dos comissionamentos expetáveis para um subagente no período de duração do contrato.</font><br>
</p><p><font>16. Por fim, as contraentes acordaram, ainda, na fixação de idêntica cláusula penal para os casos em que a ré praticasse actos susceptíveis de constituir a autora no direito de resolver o contrato de subagência celebrado com justa causa – cláusula décima-sétima, parágrafo sexto;</font><br>
</p><p><font>17. Por escrito datado de 01/03/2018, intitulado “Assunção posição contratual – Consultor imobiliário e financeiro”, a sociedade comercial “R... Unipessoal, Ld.ª” substituiu a “P..., Unipessoal, Lda” na posição contratual por esta ocupada no contrato de subagência celebrado com a ré, assumindo, mútua e reciprocamente, todos os direitos e obrigações que no dito contrato cabiam à identificada “P..., Unipessoal, Ld.ª””;</font><br>
</p><p><font>18. Por fim, em 19/10/2018, foi outorgado um contrato, intitulado “Contrato de Subagência – Director Comercial de Agência”, pelo período de 1 (um) ano, renovando-se automaticamente por sucessivos e iguais períodos, desta feita entre a autora, a “Decisões e Soluções – Intermediários de Crédito, Ld.ª”, “R..., Unipessoal, Ld.ª”, BB e a ré.</font><br>
</p><p><font>19. Mediante tal contrato:</font><br>
</p><p><font>a) as primeiras nomearam e reconheceram a ora R. como sua subagente, encarregando-a de promover, de modo autónomo e independente, a celebração de contratos no âmbito da actividade por si desenvolvida, e para o que aqui releva, a actividade de angariação e mediação imobiliária, mediação de obras e construção de imóveis, tudo nos termos das Cláusulas 5ª, 8ª e 9ª do contrato;</font><br>
</p><p><font>b) a ré obrigou-se a exercer essa actividade exclusivamente ao serviço das primeiras.</font><br>
</p><p><font>20. A agente | [0 0 0 ... 0 0 0] |
MzFeu4YBgYBz1XKvOfxZ | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><font> </font><div><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça</font>
<p></p></div><br>
<b><font> </font></b>
<p><b><font>I – Relatório</font></b>
</p><p><b><font> </font></b>
</p><p><b><font>1. AA</font></b><font> intentou a presente ação contra </font><b><font>BB</font></b><font> e </font><b><font>Fundo de Garantia Automóvel</font></b><font> formulando pedido de condenação dos RR no pagamento da quantia global de € 110.000,00 (conforme ampliação do pedido oportunamente admitida) acrescida de juros à taxa legal, desde a citação até efetivo pagamento; ainda a ressarcir-lhe, no futuro, os danos que se venha a apurar serem decorrentes das lesões sofridas como causa de acidente de viação em que foi interveniente bem assim como o primeiro Réu.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Apenas o 2º réu contestou de forma válida tendo invocado, nomeadamente, a prescrição do direito do autor.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>O autor respondeu à contestação da ré.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font>2.</font></b><font> A Sentença julgou procedente a exceção de prescrição invocada pelo 2.º réu e declarou a ação improcedente. </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font>3.</font></b><font> Desta sentença apelou o autor, tendo o Tribunal da Relação deliberado o seguinte:</font>
</p><p><i><font>«Revoga-se a sentença apelada e condena-se os RR. no pagamento solidário ao autor do montante de 39.000,00 euros, acrescidos de juros de mora a contar da data do presente acórdão e até integral pagamento.</font></i>
</p><p><i><font>Custas por A. e RR na proporção do decaimento».</font></i><br>
</p><p><i><font> </font></i>
</p><p><b><font>4. FUNDO DE GARANTIA AUTOMÓVEL (FGA), </font></b><font>notificado do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação, e não se conformando com o mesmo, vem intentar recurso de revista para o SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA, terminando a sua alegação de recurso com as seguintes conclusões:</font>
</p><p><b><font>«1. A indemnização pelo dano decorrente da perda de capacidade de ganho deve fixar-se em somente 50.000,00€.</font></b>
</p><p><b><font>2. A indemnização pelos danos não patrimoniais do autor deve fixar-se em €18.500,00.</font></b>
</p><p><b><font>3. Assim sendo, e repercutindo-se a contribuição do réu BB para a sinistro em apenas 50% e, tendo em conta concurso do autor para o agravamento dos danos pelo não uso do capacete em 30%, o julgado recorrido deve ser alterado, no sentido de que a importância total a pagar pelo aqui recorrente seja de apenas 23.975,00€;</font></b>
</p><p><b><font>4. Mantendo-se o demais decidido quanto a juros de mora.</font></b>
</p><p><b><font>5. Ao não julgar da forma assinalada, o tribunal a quo violou os artigos 496.º, 562.º e 564.º, nº 2 todos do CC, tendo incorrido em erro de julgamento.</font></b>
</p><p><b><font>Termos em que, deve o presente recurso ser julgado provado e</font></b>
</p><p><b><font>procedente, nos termos acima peticionados».</font></b>
</p><p><b><i><font> </font></i></b>
</p><p><b><font>5.</font></b><font> </font><b><font>AA</font></b><font>, autor nestes autos, em que são Réus o Fundo de Garantia Automóvel e outros, não se conformando com o Acórdão do Tribunal da Relação, dele vem interpor recurso de revista, formulando as seguintes conclusões:</font>
</p><p><font>«1ª Consta da assentada do depoimento de parte do Réu BB que este ia “a dar gás”, uma vez que, quer ele, quer o A., se encontravam naquele local para andar de mota, muitas vezes pondo-a de lado nas curvas, o que também o Réu admitiu estar a fazer naquele momento – no momento da colisão.</font>
</p><p><font>2ª O mesmo Réu BB referiu ainda que não sabe dizer onde foi especificamente o local do embate.</font>
</p><p><font>3º A via era em terra batida, não estava demarcada e tinha uma largura de apenas 4,30 metros.</font>
</p><p><font>4º Ir a “a dar gás” e a colocar a mota “de lado nas curvas”, consubstancia condução perigosa e viola dos artigos 3º, 11º, 24º e 25º, todos do Código da Estrada.</font>
</p><p><font>5º Alguém que afirma que vai “a dar gás” e a pôr a mota de “lado nas curvas” vai, sem margem para dúvidas, a fazer uma condução perigosa e a velocidade excessiva – mesmo não se apurando a concreta velocidade a que se seguia.</font>
</p><p><font>6º O Venerando Supremo Tribunal de Justiça deverá, por isso, revogar o douto Acórdão em crise e imputar a culpa, na totalidade, ao Réu BB e, consequentemente, condenar ambos os Réus.</font>
</p><p><font>7ª Quanto à redução em 30% na indemnização concedida ao A. pelo facto de não levar capacete, há que convir que, tendo em conta as concretas sequelas que o A. ficou a padecer, tal parece-nos excessivamente penalizador para o Autor e em desrespeito pelo preceituado no art. 570º do C. C.</font>
</p><p><font>8ª Há vários modelos de capacete com que é permitido circular. Os capacetes sem viseira – modelo de utilização lícita – apenas protegem a zona da cabeça, não protegem a face.</font>
</p><p><font>9ª Se o A. circulasse com um capacete sem viseira não poderia ser operada qualquer redução da indemnização. Assim, a redução a operar, no caso concreto, terá que o ser com consideração pelas lesões que tal capacete poderia ter minimizado e/ou evitado.</font>
</p><p><font>10ª Analisando o teor da perícia de avaliação de dano corporal junto aos autos, constata-se que, tomando por base as concretas sequelas e os correspondentes valores de défice funcional permanente da integridade físico-psíquica que lhe foram atribuídos, é constatável que só a “obst. nasal” e a “alt. oclusão dentária” são lesões na zona da cabeça.</font>
</p><p><font>11ª Todavia, com o uso de um capacete semelhante ao identificado supra, não se conseguiriam evitar as identificadas sequelas na zona do nariz e do maxilar. Assim sendo, como o capacete não tinha a virtualidade de impedir as concretas sequelas de que o A. ficou a padecer, havia que não ter operado qualquer redução.</font>
</p><p><font>12ª Os montantes indemnizatórios arbitrados pelo TR... estão, na nossa modesta opinião, substancialmente abaixo dos montantes arbitrados pelo STJ para casos similares.</font>
</p><p><font>A título de danos não patrimoniais o valor mínimo a arbitrar teria de ser na ordem dos 60.000 € e não os 40.000 €.</font>
</p><p><font>13ª Quanto à perda patrimonial futura e, bem assim, ao maior esforço que o A. vai ter de realizar nas tarefas, o Tribunal atingiu o montante de 71.442,00€; todavia se tivesse levado em consideração o salário mínimo - à presente data (665,00€) ou o já definido para 2022 que se cifrará em 705,00€ - teria atingido o valor de 111.925,80€. Defendemos, por isso, que o quantitativo a arbitrar não deverá ser inferior a 90.000€.</font>
</p><p><font>14ª Quanto à não condenação em juros desde a citação – tendo em conta o Ac. de U. J. nº 4/02 e o facto de a decisão, garantidamente, não ter procedido a qualquer atualização, deverá a condenação vir a ser com juros desde a citação até efetivo e integral pagamento.</font>
</p><p><b><font>Termos em que, deve o douto acórdão em crise ser revogado, com as seguintes alterações:</font></b>
</p><p><b><font>- atribuição da responsabilidade na totalidade ao Réu BB com as legais consequências;</font></b>
</p><p><b><font>- Não proceder a qualquer redução pelo facto do Autor circular sem capacete ou, no limite, reduzir apenas 10%;</font></b>
</p><p><b><font>- Condenar os Réus na totalidade do peticionado com juros desde a citação, uma vez que não houve qualquer atualização; com o que se fará boa, sã e oportuna</font></b>
</p><p><b><font>JUSTIÇA!»</font></b>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font>6.</font></b><font> </font><b><font>FUNDO DE GARANTIA AUTOMÓVEL (FGA),</font></b><font> notificado das alegações de revista do autor </font><b><font>AA,</font></b><font> veio apresentar resposta em que sustentou que o recurso de revista interposto pelo autor deve ser julgado não provado e improcedente.</font>
</p><p><b><font>7</font></b><font>. Sabido que, ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, é pelas conclusões que se delimita o objeto do recurso, as questões a decidir são as seguintes, pela sua ordem lógica:</font>
</p><p><b><font>I </font></b><font>– </font><b><font>Recurso do autor, AA</font></b>
</p><p><font>1.1 – Responsabilidade exclusiva do réu pelo acidente</font>
</p><p><font>1.2. – Relevância causal para os danos da circunstância de o autor circular sem capacete;</font>
</p><p><font>1.3. – Montantes indemnizatórios arbitrados ao autor pelo dano da perda de capacidade de ganho e por danos não patrimoniais;</font>
</p><p><font>1.4. – Momento a partir do qual são devidos juros.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font>II </font></b><font>– </font><b><font>Recurso do réu FGA</font></b>
</p><p><font>2.1 - Montantes indemnizatórios arbitrados ao autor pelo dano da perda de capacidade de ganho e por danos não patrimoniais. </font><br>
</p><p><b><font> </font></b><br>
</p><p><b><font>II – Fundamentação</font></b><br>
</p><p><b><font>A – Os factos</font></b>
</p><p><b><font>FACTOS PROVADOS:</font></b>
</p><p><font>1. No dia 04-10-2009, cerca das 17 horas e 50 minutos, no caminho municipal que liga a ... ao campo de futebol de ..., na freguesia ..., concelho ..., ocorreu uma colisão/acidente de viação.</font>
</p><p><font>2. No sinistro supra referido foram intervenientes os seguintes condutores e veículos: - matrículas ..-IC-.., ciclomotor, marca ..., propriedade de CC e conduzido pelo Autor – seu filho; e, - ..-..-OV, marca ... 125, propriedade de BB e por si conduzido;</font>
</p><p><font>3. O evento aconteceu da seguinte forma: o A., provindo do campo de futebol do ..., desceu a rampa, com cerca de 10 metros de comprimento, que dá acesso do mesmo ao caminho público visível na fotografia junta como doc. 01;</font>
</p><p><font>4. Uma vez no citado caminho público – que liga ... ao lugar da ... -, o A. percorreu cerca de vinte metros, com o sentido de marcha ... – ...,</font>
</p><p><font>5. Colidindo, após percorrer essa distância, com o ..-..-OV.</font>
</p><p><font>6. Depois de embater, o A. perdeu a controlo sobre o seu veículo.</font>
</p><p><font>7. A viatura ..-..-OV foi imobilizar-se a mais de 5 metros do concreto local da colisão.</font>
</p><p><font>8. No local do acidente o A. foi assistido pelo INEM e, de seguida, transportado ao Serviço de Urgência do Hospital ..., em helicóptero;</font>
</p><p><font>9. Aí, após a realização de vários exames foram-lhe diagnosticados traumatismos múltiplos severos, a saber, crânio-encefálico, da face, vertebral e de membros (fraturas da escafoide do punho esquerdo, da cervical e do cotovelo direito).</font>
</p><p><font>10. Permaneceu internado na UCI Neurocríticos até 19/10/2009 - data em que foi transferido para a Enfermaria melhorado e em recuperação.</font>
</p><p><font>11. Foi operado em 12/10/2009 com vista a:</font>
</p><p><font>- redução e imobilização de fraturas do malar com placas e parafusos;</font>
</p><p><font>- redução e imobilização de fraturas da mandíbula com placas e parafusos; e, - bloqueio intermaxilar.</font>
</p><p><font>12. Voltou a ser operado em 02/11/2009 para correção de fraturas da face tendo sido realizada:</font>
</p><p><font>- redução de fratura subcondiliana direita e imobilização com placas e parafusos; - redução da fractura hemi Le Fort direito e mobilização com placas e parafusos; - bloqueio intermaxilar; </font>
</p><p><font>13. Teve alta em 10/11/2009, orientado para consulta externa, com boa evolução clínica dentro da gravidade da lesão.</font>
</p><p><font>14. O A. sofreu dores muito fortes devido às lesões e por causa dos muitos tratamentos a que foi sujeito, nos dias subsequentes ao sinistro.</font>
</p><p><font>15. Foi sujeito a período de internamento.</font>
</p><p><font>16. Teve que andar com colar cervical durante mais de 30 dias.</font>
</p><p><font>17. Efetuou 04 cirurgias – a 1ª ao pulso, a 2ª ao rosto, a 3ª junto à orelha direita e a 4ª ao nariz, esta última em junho de 2013.</font>
</p><p><font>18. Durante duas semanas só conseguia alimentar-se com a ajuda de sua mãe e através de uma palhinha.</font>
</p><p><font>19. Só retirou os materiais (ferros) que lhe haviam sido aplicados no pulso em 2009, sem cirurgia.</font>
</p><p><font>20. Durante os 60 dias em que só conseguiu movimentar-se com a ajuda de canadianas, perdeu a vontade de passear e de visitar familiares e amigos.</font>
</p><p><font>21. Deixou de jogar futebol, de dançar e de nadar, situação que lhe causou e continua a causar muita tristeza, dado o seu apreço pelas citadas atividades lúdicas.</font>
</p><p><font>22. À data do evento, o direito de propriedade sobre o veículo ..-..-OV encontrava-se inscrito a favor do 1º réu na competente conservatória de registo automóvel.</font>
</p><p><font>23. À data do evento o ..-..-OV não tinha qualquer contrato de seguro válido que assegurasse os respetivos riscos de circulação.</font>
</p><p><font>24. Como consequência direta e necessária do evento estradal em causa nos autos sofreu o autor:</font>
</p><p><font>- A data de consolidação médico-legal das lesões é fixável em 30.04.2015. - Período de défice funcional temporário total fixável em 48 dias.</font>
</p><p><font>- Período de défice funcional temporário parcial fixável de 1987 dias.</font>
</p><p><font>- Período de repercussão temporária na atividade profissional total fixável em 80 dias.</font>
</p><p><font>- Período de repercussão temporária na atividade profissional total, fixável em 1954 dias.</font>
</p><p><font>- </font><i><font>Quantum doloris</font></i><font> no grau 6/7.</font>
</p><p><font>- Défice funcional permanente da integridade físico-psíquica/dano biológico de 18 pontos.</font>
</p><p><font>- As sequelas descritas são em termos de repercussão permanente na atividade profissional compatíveis com o exercício da atividade habitual, mas implicam esforços suplementares.</font>
</p><p><font>- Dano estético permanente fixável em 4/7.</font>
</p><p><font>- Repercussão permanente nas atividades desportivas e de lazer fixável no grau 4/7.</font>
</p><p><font>25. Os factos descritos nos presentes autos não foram participados ao ora interveniente por quem quer que seja, nomeadamente pelo aqui Autor.</font>
</p><p><font>26. O acidente de viação em apreço nos presentes autos ocorreu numa faixa de rodagem com 4,30 metros de largura, sendo o seu pavimento em terra batida.</font>
</p><p><font>27. Os motociclos intervenientes ao cruzarem-se colidiram, sensivelmente sobre o eixo imaginário da faixa de rodagem.</font>
</p><p><font>28. Nenhum dos intervenientes era detentor de carta de condução que lhe permitisse conduzir aquele tipo de motociclos.</font>
</p><p><font>29. Nenhum dos condutores trazia capacete para a cabeça. *</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font>FACTOS NÃO PROVADOS:</font></b>
</p><p><font>- Todavia este acabou por se imobilizar quase logo, a menos de 02 metros do concreto local da colisão.</font>
</p><p><font>- No momento do embate o condutor do ..-..-OV circulava a mais de 50 km/hora, desatento e a ocupar mais de um metro da via destinada a circulação de sentido contrário.</font>
</p><p><font>- À data do acidente o A. havia começado a trabalhar como ajudante de mecânico há cerca de um mês e meio, auferindo retribuição líquida de €450/mês. </font>
</p><p><font>- O A. tem informação médica que aponta no sentido de que, no futuro, poderá vir a ter que ser sujeito a mais cirurgias, a novos tratamentos e à toma de medicação com vista ao atenuar das dores que continua a sentir. </font><br>
</p><p><b><font> </font></b>
</p><p><b><font>B – O Direito</font></b>
</p><p><b><font> </font></b>
</p><p><b><font>1.</font></b><font> </font><i><font>Culpa exclusiva do réu no acidente</font></i>
</p><p><b><font>1.1.</font></b><font> Pretende o autor impugnar, neste recurso de revista, a conclusão do Tribunal da Relação acerca da culpa do autor e do réu para a produção do acidente, que foi estimada em 50% para cada um.</font>
</p><p><font>Baseou-se o tribunal recorrido no facto de o local do embate ter sido, sensivelmente, a meio da faixa de rodagem, o que implica que a culpa de cada um dos condutores deva fixar-se em grau equivalente, ou seja em 50% para cada um, afirmando que:</font>
</p><p><i><font>«Nos termos do disposto no artigo 13º nº 1 do DL 114/94 de 3. 5 (Código de Estrada) redação em vigor ao tempo do sinistro “1 - A posição de marcha dos veículos deve fazer-se pelo lado direito da faixa de rodagem, conservando das bermas ou passeios uma distância suficiente que permita evitar acidentes”.</font></i>
</p><p><i><font>Ficou provado que o embate ocorreu sensivelmente a meio da faixa de rodagem a qual com cerca de 4,30 metros de largura, (ponto 26º dos factos provados) não tendo ficado cabalmente demonstradas as circunstâncias anteriores ao sinistro, nomeadamente, em concreto qual era o local da via por onde circulavam os veículos, tão pouco ficou apurada a velocidade concreta a que seguiam os condutores respetivos.</font></i>
</p><p><i><font>É fora de duvida que o embate ocorreu com violação por ambos os veículos do disposto neste normativo legal sendo, portanto, a conduta ilícita<«.</font></i>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Quanto à culpa, o acórdão recorrido entendeu que:</font>
</p><p><i><font>«Do exposto, resulta evidente, em contrário do decidido na sentença recorrida, que o sinistro resultou de facto ilícito que ocorreu com culpa de ambos os intervenientes que circulavam no momento em que o mesmo se verificou pelo eixo imaginário do meio da faixa de rodagem em contravenção ao citado artigo 13º nº 1 do Código de Estrada (redação em vigor ao tempo)».</font></i>
</p><p><font>Entende o recorrente que a culpa pertence exclusivamente ao réu porque este circulava com excesso de velocidade, e que tal facto resulta do depoimento de parte do Réu BB, em que este admitiu que ia </font><i><font>“a dar gás” </font></i><font>(conclusões n.ºs 1 a 7). </font>
</p><p><b><font>1.2.</font></b><font> Vejamos:</font>
</p><p><font>Resulta da fundamentação de facto que não ficou provado que </font><i><font>«No momento do embate o condutor do ..-..-OV circulava a mais de 50 km/hora, desatento e a ocupar mais de um metro da via destinada a circulação de sentido contrário».</font></i>
</p><p><font>Pretende o recorrente, para fundamentar a culpa exclusiva do réu, que, do depoimento de parte do réu resulta que este circulava com excesso de velocidade.</font>
</p><p><font>Todavia, não será de mais reafirmá-lo que, não tendo o tribunal recorrido deferido a impugnação da matéria de facto requerida pelo recorrente no recurso de apelação, não tem este Supremo a possibilidade de re-avaliar essa questão, apreciando o depoimento de parte do réu ou as regras de experiência a que recorreu o tribunal recorrido para o interpretar. </font>
</p><p><font>Dentro dos poderes cognitivos do Supremo, apenas se encontra a possibilidade excecional de corrigir as presunções de facto tiradas pela Relação caso estas sejam contra a lei, se baseiem em factos não provados ou sejam manifestamente destituídas de qualquer valia lógica. Ora, não estamos perante qualquer uma destas hipóteses, tendo a Relação fundamentado, de forma coerente e lógica, a negação da impugnação da matéria de facto, bem como as ilações que retirou dos factos provados e não provados, e o modo como fez o exame crítico da prova, pelo que não pode este Supremo Tribunal conhecer de matéria de livre apreciação da prova, nem pôr em causa as ilações de facto a que procedeu o tribunal recorrido para aditar um facto novo à matéria de facto.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Improcedem, pois, as conclusões 1.ª a 6.ª da alegação de recurso do Autor.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font>2. </font></b><i><font>Do contributo causal para os danos</font></i><b><i><font> </font></i></b><i><font>da circunstância de o autor não usar capacete.</font></i>
</p><p><b><font>2.1.</font></b><font> Resulta da matéria de facto que o Autor circulava em contravenção ao artigo 82º, nº 3, do Código de Estrada, em vigor à data do acidente, norma que obriga os condutores e passageiros de motociclos </font><i><font>“a usar capacete de modelo oficialmente aprovado devidamente ajustado e apertado.”</font></i>
</p><p><font>A obrigatoriedade de uso de capacete é uma medida de segurança que visa a proteção física dos condutores e passageiros de veículos de duas rodas. </font>
</p><p><font>O objetivo desta norma, como salientou o acórdão recorrido, não é excluir a responsabilidade do lesante em caso de acidentes, mas prevenir as lesões crânio-encefálicas, responsáveis, em regra, pelas consequências mais graves para a vida e para a integridade física e psíquica dos lesados nos veículos de duas rodas.</font>
</p><p><font>A norma ínsita no artigo 570.º do Código Civil, aqui aplicável,</font><i><font> </font></i><font>regula a culpa do lesado na produção ou agravamento dos danos causados pelo acidente, determinando o n.º 1 do citado preceito que o facto culposo do lesado pode determinar uma modificação ou extinção da indemnização, reportando-se, não ao acidente em si, mas às consequências danosas que dele resultaram para o lesado.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Na jurisprudência deste Supremo Tribunal de Justiça, entendeu-se, no Acórdão de 03-04-2014 (proc. n.º 856/07.6TVPRT.P1.S1) que: </font>
</p><p><i><font>«Constituindo a finalidade primacial da imposição do uso de capacete de protecção a preservação da integridade física do respectivo obrigado, a sua falta é idónea a causar um agravamento dos inerentes danos provocado, com directa repercussão, nos termos previstos no art. 570.º, n.º 1, do CC, na redução do correspondente montante indemnizatório, filiada na concorrência de um facto culposo do lesado para o agravamento dos danos».</font></i>
</p><p><font>Prossegue o citado acórdão afirmando que:</font>
</p><p><i><font> «Trata-se de uma norma de natureza preventiva cujo escopo é, em primeira linha, a protecção física dos condutores e passageiros de tal tipo de veículos, particularmente expostos ao risco de acidentes, pelas velocidades elevadas que logram atingir e pela estabilidade precária e ausência natural de protecção característica dos veículos de duas rodas.</font></i>
</p><p><i><font>Por conseguinte, o fim de tal norma não é afastar, excluir, a responsabilidade dos causadores de acidentes pelos danos por aqueles sofridos quando não façam uso de tal capacete; quando muito, além de proteger os próprios (obrigando-os a usar capacete), obstam ao agravamento da responsabilidade de terceiros.</font></i>
</p><p><i><font>Nesta perspectiva, o condutor e os passageiros dos motociclos são também responsáveis pela sua própria segurança e, se incumprem essa obrigação, contribuem para o resultado danoso se este ocorrer nas zonas do corpo visadas pela protecção omitida.</font></i>
</p><p><i><font>Por conseguinte, um dos principais deveres do condutor e passageiro de um veículo é o de velar pela sua própria segurança (utilizando os equipamentos de protecção impostos por lei), protegendo o seu corpo (no caso do capacete, a sua cabeça) e logo, não o expondo (ou reduzindo os riscos decorrentes da exposição) a lesões em caso de acidente.</font></i>
</p><p><i><font>Só que o não uso, quando tal uso é imposto por lei, é um facto que, por integrar uma violação normativa, se presume culposo…</font></i>
</p><p><i><font>E desta forma é convocado para a resolução do nosso problema o art. 570º nº1 do CC, na medida em que esse facto culposo do lesado contribuiu para a produção ou agravamento dos danos que sofreu».</font></i>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Como afirma Brandão Proença (</font><i><font>in</font></i><font> “Anotação ao artigo 570.º do Código Civil”, </font><i><font>Comentário ao Código Civil, Direito das Obrigações, Das Obrigações em Geral,</font></i><font> Universidade Católica Editora, Lisboa, 2018, p. 579), </font><i><font>«Para o exame ponderativo previsto no n.º 1 do artigo 570.º do Código Civil, a norma exige não só uma presença de duas condutas culposas mas que tenham sido causalmente concorrentes para o evento lesivo ou para o agravamento dos danos (neste caso, e em rigor, não sendo em casa caso, o agravamento um efeito mediato da ação lesiva, o lesante apenas concorre para o dano inicial). O teste da concausalidade não se basta com uma averiguação condicionalista (X e Y causaram Z, não ocorrendo Z sem X e Y), mas exige a presença de critérios jurídicos, seja o da causalidade adequada, seja o da causalidade normativa. (…) o tribunal, na imputação das consequências indemnizatórias e para poder concluir pela concessão, redução ou exclusão da indemnização, deverá ponderar a gravidade das culpas (v.g., em função das regras legais violadas) e ter em conta os efeitos que delas decorreram, pois nem sempre a culpa mais intensa provoca os danos mais extensos.»</font></i>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font>2.2.</font></b><font> No caso presente, a conduta do lesado foi omissiva, não usou capacete de proteção, e concorreu, não para o acidente em si mesmo, mas para as suas consequências danosas, sendo o agravamento contemporâneo do evento danoso.</font>
</p><p><font>Só perante a prova inequívoca e segura de que as lesões sofridas nada têm a ver com a falta de capacete – isto é, de que, independentemente do uso de capacete de proteção, sempre o lesado sofreria as mesmas ou idênticas lesões – é que seria de excluir o nexo de causalidade entre o não uso de capacete e o agravamento dos danos.</font>
</p><p><font>Na jurisprudência deste Supremo Tribunal de Justiça (Acórdãos de 15-12-1998, proc. n.º 98B972 e de 15-02-2007, Revista n.º 4744/06),</font><i><font> </font></i><font>tem-se entendido que o ónus da prova da irrelevância causal do não uso de capacete em relação aos danos cabe ao lesado, cumprindo ao réu unicamente demonstrar que condutor do veículo de duas rodas não usava capacete. </font>
</p><p><font>Segundo o facto provado n.º 29 </font><i><font>«Nenhum dos condutores trazia capacete para a cabeça». </font></i><font>Todavia, não se provou que os danos sofridos pelo autor nada tivessem a ver com o não uso do capacete ou que de qualquer modo se verificariam, mesmo na hipótese de este trazer capacete, o que, desde logo, impede a tese do recorrente/autor, segundo a qual não devia ter lugar qualquer redução da indemnização em virtude do não uso do capacete. Tanto mais que, de facto, segundo o facto provado n.º 9, o lesado sofreu, entre outros danos, traumatismo crânio-encefálico. Acresce que, por razões pedagógicas, as decisões judiciais devem ser um incentivo à adoção das medidas de segurança impostas por lei, evitando-se que funcionem, indiretamente, como uma legitimação da negligência.</font>
</p><p><font>O acórdão recorrido determinou, de acordo com a equidade, a redução da indemnização em 30%, em virtude do agravamento dos danos causado pelo não uso de capacete.</font>
</p><p><font>Será esta redução excessiva? </font>
</p><p><font>Entendeu-se, no acórdão recorrido, a este propósito, que:</font>
</p><p><i><font> «Não se apuraram, quais os concretos danos decorrentes do não uso de capacete e por isso, imputados a culpa do lesado. O critério a utilizar será a constante do artigo 494º do Código Civil que manda recorrer à equidade.</font></i>
</p><p><i><font>Neste mesmo sentido os Ac. Do STJ de 29-01-2008, Processo nº 07A3014 apud citado acórdão de 3.04.3014“a questão não deve ser resolvida mediante um aleatório agravamento percentual do seu grau de culpa, devendo esse facto omissivo ser considerado na fixação da indemnização, segundo o critério do art. 494.º do CC.” E o Ac do STJ de 08-10-2013 prº 1585/06.3TBPRD.P1.S1 in dgsi</font></i>
</p><p><i><font>No seguimento do exposto e atenta a especial incidência das lesões sofridas pelo Autor se verificar na zona da cabeça, afigura-se-nos razoável, que o valor global da indemnização que vier a ser encontrado deverá em consequência do seu comportamento omissivo e concorrente para os danos (não uso do capacete) ser reduzido em 30%, percentagem que reputamos por adequada à ratio aqui em discussão».</font></i>
</p><p><i><font> </font></i>
</p><p><font>O acórdão recorrido decidiu esta questão de acordo com a equidade, para a qual remete o artigo 494.º do Código Civil, e justificou corretamente a decisão tomada acerca do contributo causal do não uso de capacete para o agravamento dos danos. Nada tem, pois, este Supremo a opor, dado que os argumentos do recorrente se prendem com a avaliação da prova pericial, matéria de livre apreciação do Tribunal da Relação, que não compete a este Supremo re-examinar. Por outro lado, em termos de direito, a questão em causa foi resolvida com razoabilidade e equilíbrio, respeitando as orientações da jurisprudência e os elementos circunstanciais do caso, e com base numa interpretação correta da lei, sem qualquer resquício de arbitrariedade, nada havendo a censurar ao tribunal recorrido no juízo de ponderação feito. </font>
</p><p><font>Assim sendo, improcedem as conclusões 7.ª a 11.ª da alegação de recurso do autor.</font>
</p><p><i><font> </font></i>
</p><p><b><font>3.</font></b><i><font> Do montante das indemnizações por danos não patrimoniais</font></i><font> </font><i><font>e pelo dano patrimonial da incapacidade de ganho</font></i>
</p><p><i><font> </font></i>
</p><p><b><font>3.1.</font></b><font> Pediu o autor uma indemnização por danos não patrimoniais de 60.000,00 euros, tendo o Tribunal da Relação arbitrado 40.000,00 euros e entendendo o recorrente FGA que devia ser atribuído um valor de 18.500,00 euros.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><i><font>Quid iuris?</font></i>
</p><p><i><font> </font></i>
</p><p><font>O Código Civil consagra, em pleno, o princípio da ressarcibilidade dos danos não patrimoniais (artigo 496.º, n.º 1) e o critério da fixação equitativa da indemnização correspondente (artigo 496.º, n.º 4). </font>
</p><p><font>Os danos não patrimoniais, embora insuscetíveis de uma verdadeira e própria reparação ou indemnização, porque não avaliáveis em dinheiro, podem ser, de algum modo compensados. Na verdade, a reparação dos prejuízos, precisamente porque estes são de natureza moral (e, nessa exata medida, irreparáveis) é uma reparação indireta (cf. acórdão de 19-10-2004, Revista n.º 2897/04, 6.ª Secção).</font>
</p><p><font>Os interesses cuja lesão desencadeia um dano não patrimonial são infungíveis (a vida, a integridade física, psíquica e sexual, a saúde, a liberdade, o bem-estar físico e psíquico, a alegria de viver, a beleza) e não podem ser reintegrados por equivalente. </font>
</p><p><font>A fixação do montante da indemnização por danos não patrimoniais não obedece a critérios matemáticos ou rígidos, baseando-se antes em juízos de equidade, necessariamente incindíveis das particularidades de cada caso concreto, mas com tendência a uma valorização crescente por estarem ligados a bens jurídicos pessoais constitucionalmente tutelados.</font>
</p><p><font>Como se entendeu no Acórdão deste Supremo Tribunal, de 12-03-2015 (Processo n.º 1988/05.0TBOVR):</font>
</p><p><i><font>«A valorização dos danos não patrimoniais está relacionada com a dignidade da pessoa humana e com a tutela constitucional dos seus direitos fundamentais – os direitos ao livre desenvolvimento da personalidade, à integridade física, psíquica e moral, o direito à saúde, o direito ao trabalho – direitos estes que beneficiam de tutela civil, por força do art. 70.º, n.º 1 do CC, norma materialmente constitucional, que remete para o catálogo de direitos consagrados na Constituição (arts 24.º e seguintes da CRP) e que protege um conjunto indeterminado de bens jurídicos pessoais não tipificados, os vários modos de ser físicos, psíquicos e morais da personalidade, de acordo com uma visão mais ampla e rica da pessoa». </font></i>
</p><p><font>O Código Civil não enumera os danos não patrimoniais, confiando ao tribunal o encargo de os apreciar, no quadro das várias situações concretas. </font>
</p><p><font>A própria noção de dano, nos acidentes de viação, sai fora das tradicionais categorias, e abrange várias sub-categorias, de forma a melhor expressar os aspetos da dignidade humana que são efetivamente lesados: por exemplo, o dano estético, o dano existencial, o dano da perda de autonomia, o dano sexual, o dano biológico, a perda da alegria de viver.</font>
</p><p><font>Como se também afirmou no já citado Acórdão, de 12-03-2015:</font>
</p><p><i><font>«[A]conceptualização do dano não patrimonial sofrido pela pessoa, a partir da situação concreta em que se encontra em virtude da lesão, conduz ao reconhecimento | [0 0 0 ... 0 0 0] |
gzJnu4YBgYBz1XKviALj | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><font> </font>
<p><font> </font><i><font>Acordam em Conferência no Supremo Tribunal de Justiça:</font></i><br>
</p><p><b><font> </font></b><br>
</p><p><b><font>I – Relatório</font></b><br>
</p><p><b><font>1. AA, </font></b><font>não se conformando com o acórdão do Tribunal da Relação, datado de 30 de junho de 2020, veio interpor Recurso de Revista excecional com fundamento nos artigos 671º, nº 1 e 672º, nº 1, al. </font><i><font>a),</font></i><font> do CPC.</font><br>
</p><p><b><font>2.</font></b><font> Notificada, ao abrigo do artigo 655.º, n.º 1, do CPC, para se pronunciar sobre a questão prévia da admissibilidade do recurso, veio a recorrente responder, pugnando para que o recurso de revista excecional fosse admitido. </font><br>
</p><p><b><font>3.</font></b><font> A Relatora proferiu decisão singular de não admissibilidade do recurso de revista normal, por não estarem reunidos os pressupostos gerais de recorribilidade, não podendo, por esse motivo, o processo ser remetido à formação prevista no artigo 672.º, n.º 3, do CPC, para indagação dos requisitos específicos da revista excecional.</font><br>
</p><p><b><font>4. </font></b><font>Inconformada, veio a recorrente, agora reclamante, </font><i><font>«ao abrigo do art. 652º nº 3 do CPC, requerer que sobre a decisão singular de não admissão do recurso de revista, e não conhecimento do seu objeto, recaia acórdão com a respetiva submissão do caso à conferência, dado que a recorrente se sente particularmente prejudicada com tal decisão singular, quando o que está em causa é o direito inalienável de a recorrente não poder estar por si só em juízo em venda judicial de casa de morada de família sob pena de ilegitimidade o que pôs termo ao processo com a desconsideração de que o indeferimento da ilegitimidade, permitiu uma violação de lei».</font></i><br>
</p><p><b><font>5. </font></b><font>A reclamação apresentou os seguintes fundamentos, conforme se passa a transcrever:</font><br>
</p><p><font>«I – A QUESTÃO FORMAL DA PRESENTE RECLAMAÇÃO</font><br>
</p><div><br>
<font>1.</font></div><br>
<br>
<font>Dispõe o art. 652º nº 3 do CPC que, quando a parte se considere prejudicada por qualquer despacho de relator que não seja de mero expediente, pode requerer que sobre a matéria da decisão singular, recaia um acórdão com submissão do caso à conferência.</font><br>
<div><br>
<font>2.</font></div><br>
<br>
<font>Neste caso concreto, e uma vez que, sem prejuízo da dupla conforme, ter sido o presente recurso de revista deduzido como revista excecional relativamente a uma questão de grande relevância jurídica como é a ilegitimidade resultante da venda judicial de casa de morada de família sem a presença de ambos os cônjuges, o certo é que, a presente ação especial tem alçada mais que suficiente para a dedução do recurso de revista e também porque a decisão sobre a legitimidade da recorrente pôs termo ao processo consolidando a venda da casa de morada de família a terceiros sem intervenção de ambos os cônjuges.</font><br>
<div><br>
<font>3.</font></div><br>
<br>
<font>Era, por isso, sempre o presente processo suscetível de recurso para o Venerando Supremo Tribunal de Justiça como revista excecional, o que foi negado pela decisão singular notificada.</font><br>
<div><br>
<font>4.</font></div><br>
<br>
<font>A douta decisão singular notificada não admitiu, no Tribunal </font><i><font>ad quem,</font></i><font> o recurso de revista interposto nem dele tomou conhecimento, fundamentando-se prática e unicamente na alegação de que:</font><br>
<p><font>a) Sem prejuízo da dupla conforme, que é afastada, para os termos da revista excecional pelo artigo 672º nº 1 do CPC, não julgava o conhecimento do objeto do recurso com o fundamento de que o recurso de revista não cabia, nem se enquadrava no disposto no art. 671º nº 1 do CPC, uma vez que a decisão sobre a legitimidade da recorrente não punha termo ao processo;</font><br>
</p><p><font>b) E por outro lado que também julgava o recurso inadmissível por não se integrar nas situações previstas no nº 2 do art. 671º do CPC.</font><br>
</p><div><br>
<font>5.</font></div><br>
<br>
<font>Em função deste enquadramento, e pelas razões expostas, deduz a recorrente desde já um pedido de acórdão pela admissão do presente recurso de revista e sua respetiva procedência com a revogação do acórdão recorrido.</font><br>
<p><font> </font><br>
</p><p><font>II – INTRODUÇÃO E FUNDAMENTOS DO PRESENTE PEDIDO DE SUBMISSÃO À CONFERÊNCIA</font><br>
</p><div><br>
<font>6.</font></div><br>
<br>
<font>Deduziu a aqui recorrente e reclamante recurso de Revista, do acórdão do Tribunal da Relação de ….., com a referência ........ datado de 30.06.2020, o qual, confirmando a decisão recorrida de primeira instância que indeferiu a decisão de ilegitimidade da recorrente de estar por si só em diligencia judicial de venda de casa de morada de família desta, seu marido e de seus filhos, decidiu, manter a decisão de primeira instância, declarando improcedentes as alegações da recorrente.</font><br>
<div><br>
<font>7.</font></div><br>
<br>
<font>E foi tal recurso que não foi admitido e não tomado conhecimento do seu objeto pela douta decisão singular já identificada no cabeçalho, entendendo que, face aos fundamentos alegados pela recorrente, a revista não integrava as condições de admissibilidade.</font><br>
<div><br>
<font>8.</font></div><br>
<br>
<font>Contudo, no presente recurso, o que está em causa são os fundamentos de o acórdão recorrido não ter atendido:</font><br>
<p><font>a) Em primeiro lugar ao facto de tal acórdão recorrido ter julgado improcedente a dedução de exceção de ilegitimidade de a recorrente estar por si só em venda judicial de casa de morada de família;</font><br>
</p><p><font>b) Em segundo lugar ao facto de não ter considerado quer a invalidade processual decorrente do art. 34º do CPC, quer e principalmente por as ações terem de ser propostas contra ambos os cônjuges em razão do disposto nos arts. 1673º, 1682º- A do CC, bem como dos arts. 62º e 65º e 67º da CRP, com a consequente invalidade substantiva da decisão;</font><br>
</p><p><font>c) Em terceiro lugar pelo mesmo acórdão, ao julgar deduzida a ilegitimidade deduzida fora de prazo, e apesar de ser de conhecimento oficioso, ter escamoteado que é no ato da alienação do direito real que se coloca em causa o direito inerente à casa de morada de família dos cônjuges.</font><br>
</p><div><br>
<font>9.</font></div><br>
<br>
<font>Assim, não tendo sido admitido o recurso de revista por decisão singular do Supremo Tribunal de Justiça, objeto agora do pedido de conferência, e com a importância de no recurso se tratarem questões relativas à ilegitimidade que põe em causa o direito inalienável de a venda da casa de morada de familia só se poder efetuar com a representação processual e substantiva de ambos os cônjuges, são à presente revista totalmente aplicáveis o art. 671º, e 672º nº 1 a) do CPC relativamente à pertinência da preterição da exceção da ilegitimidade da parte, contrariando o princípio geral de direito do art. 3º do CPC, consagrado também no art. 20º da Constituição da República.</font><br>
<div><br>
<font>10.</font></div><br>
<br>
<font>Para além disso, tão pouco se está perante uma decisão interlocutória porquanto em termos da ilegitimidade arguida e ao não se pôr em causa a venda da casa de morada de família sem intervenção de ambos os cônjuges, teve lugar o termo do processo relativamente à superação da invalidade das decisões das instâncias.</font><br>
<div><br>
<font>11.</font></div><br>
<br>
<font>Cabe assim, e pedindo desde já o suprimento de V. Exas., fazer uma análise relativamente ao recurso não admitido.</font><br>
<p><font> </font><br>
</p><p><font>III – OS ELEMENTOS ESSENCIAIS DO RECURSO</font><br>
</p><div><br>
<font>12.</font></div><br>
<br>
<font>É que, face ao bem jurídico que estava em causa, a alienação e a forma de alienação da casa de morada de família e o direito à habitação pelo agregado familiar foi a exceção de ilegitimidade corretamente deduzida como se demonstrará.</font><br>
<div><br>
<font>13.</font></div><br>
<br>
<font>Com efeito, a presente acção foi interposta e é tramitada como processo especial de divisão de coisa comum – artº 925º e seguintes do C.P.C, como a única instância de fase declarativa e executiva, relativa ao prédio sito na............., freguesia e concelho .........</font><br>
<div><br>
<font>14.</font></div><br>
<br>
<font>E de acordo com o artº 549º do C.P.C., a presente instância iniciou-se pela propositura da acção e tornou-se estável com o acto da citação – artº 259º e 260º do C.P.C.</font><br>
<div><br>
<font>15.</font></div><br>
<br>
<font>Ora, se no presente processo a recorrente foi efectivamente citada para contestar, neste especifico processo especial, dispõe o artº 927º do C.P.C. que, não havendo contestação e mesmo sendo a revelia operante, caberá ao Tribunal sempre determinar a peritagem no processo, o que, no caso concreto, sucedeu, não tendo a mesma peritagem ocorrido, contrariamente ao que diz a decisão recorrida, confirmada pelo acórdão recorrido, segundo o art. 926º do CPC porquanto a situação era de revelia, conforme é reconhecido no acórdão recorrido.</font><br>
<div><br>
<font>16.</font></div><br>
<br>
<font>E, como resultado dessa peritagem, o Sr. Perito, Eng. Agrónomo BB, concluiu que, muito embora o bem pudesse vir a ser dividido, não se mostrava prática, tal divisão não tendo qualquer viabilidade económica.</font><br>
<div><br>
<font>17.</font></div><br>
<br>
<font>Foi como consequência de tal relatório que a recorrente, por requerimento com a referência ........ datado de 19.06.2018 deduziu a sua ilegitimidade passiva de por si só estar em juízo uma vez que a recorrente AA, é casada e residente na referida morada, tendo a instância sido estabilizada unicamente e só em relação à recorrente pessoa individual, apesar de residente na indicada morada com o seu agregado familiar e como Casa de Morada de Família conforme prova feita nos autos.</font><br>
<div><br>
<font>18.</font></div><br>
<br>
<font>Porque também está provado nos autos, designadamente na caderneta predial urbana e na certidão da conservatória do Registo predial........ que a recorrente é moradora no imóvel em venda e casada com CC, o prédio da............ nº .. em ........, sobre que incide o objeto do presente processo de divisão de coisa comum, é casa de morada de família da recorrente e de seu marido.</font><br>
<div><br>
<font>19.</font></div><br>
<br>
<font>Vivendo nessa casa o casal em comum com os seus dois filhos menores DD e EE, o que é do perfeito conhecimento do comproprietário recorrido.</font><br>
<p><font> </font><br>
</p><p><font>IV – O DIREITO</font><br>
</p><div><br>
<font>20.</font></div><br>
<br>
<font>Ora a abertura de propostas de venda incidiu sobre um imóvel em que a recorrente tem um direito de compropriedade a ¼ do prédio.</font><br>
<div><br>
<font>21.</font></div><br>
<br>
<font>Em consequência, começa a presente revista a ter como base de julgamento ter sido considerada improcedente a definição da exceção de ilegitimidade de a recorrente estar por si só em venda judicial de casa de morada de Família e também pelo facto de não se ter considerado a invalidade processual do art. 34º do CPC por as ações terem de ser propostas contra ambos os cônjuges, bem como por se entender que a legitimidade fora deduzida fora de prazo e apesar do regime legal amplo de dedução de ilegitimidade ser do conhecimento oficioso.</font><br>
<div><br>
<font>22.</font></div><br>
<br>
<font>Acresce ainda de forma fundamental que os arts. 1673º, 1682º-A do CC acabam por traduzir o que a Constituição da Républica Portuguesa dispõe não só no art. 62º mas principalmente no que dispõem os arts. 65º e 67º do mesmo diploma fundamental sobre o direito à casa de morada de Família e à proteção da Família pelo Estado.</font><br>
<div><br>
<font>23.</font></div><br>
<br>
<font>Como corolário destes princípios fundamentais, o direito substantivo é espelho quando legisla sobre a alienação da casa de morada de Família como residência legal dos cônjuges e o direito adjetivo quando normatiza que os cônjuges têm de estar representados no ato judicial em que esteja em causa a alienação da sua residência comum.</font><br>
<div><br>
<font>24.</font></div><br>
<br>
<font>Daqui resulta desde já que, ao ser decidido pelas instâncias que, apesar do regime de dedução da legitimidade e não obstante ser de conhecimento oficioso, a ilegitimidade fora mal deduzida, estas escamotearam que é no ato de alienação do direito real que se coloca em causa o direito inerente à casa de morada de família dos cônjuges.</font><br>
<div><br>
<font>25.</font></div><br>
<br>
<font>Foi por isso que também se alegou que na revista excecional requerida estavam em causa conceitos fundamentais da ordem jurídica, não só o direito à propriedade, mas principalmente os direitos constitucionais da habitação e proteção à família.</font><br>
<div><br>
<font>26.</font></div><br>
<br>
<font>Ora, o recurso de revista excecional deduzido teve por fundamento a apreciação de uma questão de relevância jurídica e constitucional claramente necessária a uma melhor aplicação de direitos – art. 672º nº 1, a) do CPC.</font><br>
<div><br>
<font>27.</font></div><br>
<br>
<font>Sucede que a questão em apreciação, ou seja, julgar inválida a dedução da ilegitimidade com o fundamento em que se trataria de um incidente processual, violou não só todo o sistema legal da dedução da exceção de ilegitimidade, como também não teve em atenção que era na fase executiva do processo de divisão de coisa comum que se colocava a questão da alienação a terceiros de um direito real inalienável como é o direito de habitação da casa de morada de família.</font><br>
<div><br>
<font>28.</font></div><br>
<br>
<font>É que a revista excecional foi requerida por estarem em causa dois conceitos fundamentais da ordem jurídica, como o direito à habitação pela família e a própria defesa da família, com a consequente preocupação legal de se encontrarem, em ato processual em que se verifique tal alienação, ambos os cônjuges, de acordo com o que estabelece a lei substantiva principalmente em relação à sua casa de morada de família da recorrente onde sempre viveu com o seu cônjuge e filhos do casal.</font><br>
<div><br>
<font>29.</font></div><br>
<br>
<font>Note-se que a eventual não admissão do recurso, acaba por ter como consequência a violação da norma substantiva do art. 1682º-A do CC, sobre a alienação de direitos pessoais de gozo sobre imóveis e do art. 34º do CPC sobre ações em que tenham que estar ambos os cônjuges como parte processual.</font><br>
<div><br>
<font>30.</font></div><br>
<br>
<font>O que também se reconduz ao conceito de questão de relevância jurídica, porquanto, em função da violação dos direitos dos cônjuges à alienação conjunta da casa de morada de família, está a admitir-se o termo do processo não só contra a recorrente mas também contra o seu cônjuge em razão de defesa de direitos próprios.</font><br>
<div><br>
<font>31.</font></div><br>
<br>
<font>Assim, pôs-se em causa o direito da recorrente e de seu cônjuge em relação à alienação da casa de morada de família, o que determinou, de acordo com a decisão recorrida, o termo do processo em relação à parte recorrente e seu cônjuge que nele deveriam intervir.</font><br>
<div><br>
<font>32</font></div><br>
<br>
<font>O que, </font><i><font>a contrario sensu</font></i><font>, corresponde à manutenção de uma instância, contra partes insuficientemente representadas, sendo tal legitimidade de conhecimento oficioso.</font><br>
<div><br>
<font>33.</font></div><br>
<br>
<font>Deste modo, estando em causa os direitos constitucionais, substantivos e adjetivos fundamentais da ordem jurídica, o presente recurso será sempre de admitir.</font><br>
<div><br>
<font>34.</font></div><br>
<br>
<font>E sê-lo-á quer porque, face à alçada e apesar da dupla conforme, preenche os requisitos formais, designadamente face aos direitos da recorrente e do seu cônjuge.</font><br>
<div><br>
<font>35.</font></div><br>
<br>
<font>Sendo o recurso suscetível de admissão pelo seu próprio enquadramento e arguição violação de princípios fundamentais da ordem jurídica, visa o presente apenso C repor a legalidade sobre a questão especifica da ilegitimidade de a recorrente estar por si só em venda judicial de casa de morada de família com o correspondente ato de escamotear a alienação de direito real inerente a tal situação que é de conhecimento oficioso.</font><br>
<p><font> </font><br>
</p><p><font>V – O REGIME DA ARGUIÇÃO DA ILEGITIMIDADE</font><br>
</p><div><br>
<font>36.</font></div><br>
<br>
<font>Sobre esta matéria, é posto em causa na douta decisão singular notificada a dedução da ilegitimidade como incidente processual que versaria apenas sobre a relação processual e que não constituiria matéria substantiva a ser analisada pelo Venerando Supremo Tribunal de Justiça. </font><br>
<div><br>
<font>37.</font></div><br>
<br>
<font>Contudo, e com todo o devido respeito sem razão. </font><br>
<div><br>
<font>38.</font></div><br>
<br>
<font>Na verdade, a abertura de propostas de venda, ato judicial em que se colocou a alienação de direito pertencente a ambos os cônjuges, incidiu sobre um imóvel em que a recorrente tem um direito de compropriedade a ¼ do prédio.</font><br>
<div><br>
<font>39.</font></div><br>
<br>
<font>Acontece que, inequivocamente, dispõe o artigo 1682º -A nº 2 do Código Civil que a alienação, oneração, arrendamento ou constituição de outros direitos pessoais de gozo sobre a casa de morada de família, carece sempre do consentimento de ambos os cônjuges independentemente do regime de bens, o que só acontecia na fase processual de transmissão do bem, ou seja, na abertura de propostas.</font><br>
<div><br>
<font>40.</font></div><br>
<br>
<font>Por seu turno, determina o número 3 do art. 34º do CPC que devem ser propostas contra ambos os cônjuges as ações de que possa resultar a perda de bens ou direitos que só por ambos possam ser alienados ou exercidos.</font><br>
<div><br>
<font>41.</font></div><br>
<br>
<font>Deste modo, a recorrente na presente ação seria sempre parte ilegítima para, por si só e exclusivamente, ter sido demandada em juízo, nem tão pouco e principalmente a abertura de propostas para venda podia ter ocorrido sem a presença de seu cônjuge.</font><br>
<div><br>
<font>42.</font></div><br>
<br>
<font>E a questão é exatamente essa de nunca poder ter ocorrido a abertura de propostas e a transmissão da casa de morada de família a terceiro, sem a intervenção do cônjuge com ela residente desde sempre.</font><br>
<div><br>
<font>43.</font></div><br>
<br>
<font>A ilegitimidade é exceção dilatória estabelecida na alínea e) do art. 577º do CPC, e é igualmente de conhecimento oficioso, segundo o artigo 578º do mesmo código. </font><br>
<div><br>
<font>44.</font></div><br>
<br>
<font>Mas mais significativo é que, como exceção de conhecimento oficioso, a sua dedução pode ser feita em qualquer altura do processo, não estando sujeita ao princípio da plenitude da defesa na contestação – art. 573º nº 2 in fine do CPC, matéria alegada e entendida como incorreta pelo Acórdão recorrido.</font><br>
<div><br>
<font>45.</font></div><br>
<br>
<font>E ainda mais relevante é o facto de tal legitimidade poder ser deduzida até ao trânsito em julgado da sentença que julgue ilegítima alguma das partes por não estar em juízo determinada pessoa – art. 261º do CPC.</font><br>
<div><br>
<font>46.</font></div><br>
<br>
<font>Ora, tal artigo 261º do CPC está integrado no título II do Código de Processo Civil “Da Instância”, sendo certo que, nos termos do art. 277º a instância extingue-se com o julgamento.</font><br>
<div><br>
<font>47.</font></div><br>
<br>
<font>Daqui resulta que só pode ser sistematicamente interpretado o art. 261º, ao falar em trânsito em julgado com o julgamento que ponha termo à instância do art. 277º como a questão da legitimidade poder ser colocada a qualquer momento, uma vez que não houve qualquer julgamento na instância sobre a questão da legitimidade.</font><br>
<div><br>
<font>48.</font></div><br>
<br>
<font>Nem tão pouco qualquer decisão que tenha posto termo à própria instância.</font><br>
<div><br>
<font>49.</font></div><br>
<br>
<font>Para além disso, é relevante ainda o nº 2 do art. 261º do CPC dizer que mesmo após decisão que ponha termo ao processo pode haver renovação de instância extinta sobre a questão da legitimidade, o que, aliás, se tramitaria sempre num apenso.</font><br>
<div><br>
<font>50.</font></div><br>
<br>
<font>Neste enquadramento não tem razão de ser o despacho impugnado e transcrito na douta decisão em pronuncia, quando refere que estando decidido na fase declarativa que a Ré era parte legitima, a legitimidade ficaria definida, o que é contrário ao regime do próprio art. 261º do CPC.</font><br>
<div><br>
<font>51.</font></div><br>
<br>
<font>Só que, a instância do presente processo mantém-se em pleno e com o desenvolvimento normal do processo de divisão de coisa comum, pelo que a exceção de ilegitimidade foi correta e rigorosamente deduzida incidentalmente e deveria ter sido apreciada no âmbito do conhecimento oficioso do tribunal, especialmente em relação à diligência processual em que uma casa de morada de família era transferida a terceiros sem intervenção do cônjuge.</font><br>
<div><br>
<font>52.</font></div><br>
<br>
<font>O que conduziria à verificação oficiosa da existência da exceção dilatória e à consequente absolvição da instância que obsta ao conhecimento do mérito da causa – art. 576º nº 2 do CPC e invalidade do ato de abertura de propostas e de adjudicação a terceiro.</font><br>
<div><br>
<font>53.</font></div><br>
<br>
<font>O que a recorrente não deixará de pôr em causa, se tal se tornar necessário, com a utilização do disposto no art. 261º do CPC já referido.</font><br>
<p><font> </font><br>
</p><p><font>VI – A RAZÃO DO PRESENTE PEDIDO DE SUBMISSÃO À CONFERÊNCIA DA DECISÃO SINGULAR DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA</font><br>
</p><div><br>
<font>54.</font></div><br>
<br>
<font>Foi neste enquadramento que a decisão singular aqui posta em crise confirmou a não admissão do recurso à revelia da natureza da decisão recorrida, da ofensa dos direitos constitucionais sobre a Família e a casa de morada de Família, dos direitos substantivos sobre a alienação da casa de morada de familia e dos pressupostos adjetivos da representação de ambos os cônjuges no ato de alienação, num processo que o objeto é constituído pela casa de morada de família da recorrente em consequência da sua falta de notificação pessoal.</font><br>
<div><br>
<font>55.</font></div><br>
<br>
<font>Por tudo quanto se alegou, a decisão singular não teve em conta os verdadeiros pressupostos processuais do recurso de revista e muito particularmente o carater definitivo do acórdão recorrido em relação à ilegitimidade decorrente de ambos os cônjuges não estarem presentes na instância relativamente ao ato de alienação da própria casa de morada de Família.</font><br>
<div><br>
<font>56.</font></div><br>
<br>
<font>E a decisão não é interlocutória exatamente porque constitui uma decisão final que põe termo à causa quanto à adjudicação de casa de morada de família sem intervenção da recorrente ou do seu cônjuge, a terceiro.</font><br>
<div><br>
<font>57.</font></div><br>
<br>
<font>Sendo todos estes aspetos que causam prejuízo irreparável à recorrente que ficará impossibilitada de deduzir o seu recurso de revista que lhe é conferido por lei, conforme se demonstrou, e que só através de prolação de douto acórdão poderá a questão ser ultrapassada.</font><br>
<p><font> </font>
</p><p><font>Nestes termos e nos demais de direito, vem a recorrente requerer a V. Exas. que a decisão singular de não admissão de recurso de revista seja submetida à conferência e a douto julgamento de Tribunal Coletivo que permita a admissão do consequente recurso de revista, com o que se fará a costumada JUSTIÇA». </font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font>Cumpre apreciar e decidir.</font>
</p><p><b><font> </font></b>
</p><p><b><font>II - Fundamentação</font></b>
</p><p><b><font>1.</font></b><font> O teor da decisão singular reclamada foi o seguinte:</font>
</p><p><b><font>«1.</font></b><font> O presente recurso tem como objeto a decisão proferida num incidente processual que correu por apenso a uma ação de divisão de coisa comum tramitada nos termos dos artigos 925.º e seguintes do CPC. Nesse incidente a recorrente deduziu a irregularidade da instância por ilegitimidade passiva por se encontrar desacompanhada do cônjuge e a ação ter por objeto a casa de morada de família.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font>2.</font></b><font> No processo principal, em 14.06.2018, procedeu-se à abertura de propostas sendo o bem adjudicado ao recorrido. Em 19.06.2018, a recorrente suscita a irregularidade da instância por ilegitimidade passiva.</font>
</p><p><b><font> </font></b>
</p><p><b><font>3.</font></b><font> Em 13.09.2018 é proferido despacho sobre o requerimento que suscitou a ilegitimidade passiva da recorrente por se encontrar em juízo desacompanhada do seu cônjuge.</font>
</p><p><i><font> </font></i>
</p><p><b><font>4.</font></b><font> O teor do despacho foi o seguinte:</font>
</p><p><i><font>“Veio a requerida alegar a sua ilegitimidade processual para estar, por si só, em juízo, desacompanhada do seu cônjuge, apesar do regime de separação de bens, uma vez que o objeto dos autos recai sobre a casa de morada de família. Em consequência, requer que a abertura de propostas efetuada seja julgada inválida e a requerida absolvida da instância.</font></i>
</p><p><i><font>Vejamos.</font></i>
</p><p><i><font>No processo comum, as exceções dilatórias podem ser conhecidas em quatro momentos processuais, a saber: no despacho judicial liminar (artigo 590°, n.°l), no despacho pré-saneador (artigo 590°, n.°2, al. a)), no despacho saneador (artigo 595°, n.°l, al. a)) ou na sentença (artigo 608°, n.°l), todos do Código de Processo Civil (doravante “CPC”). Na ação especial de divisão de coisa, prevista nos artigos 925° a 929°, todos do CPC, as exceções dilatórias podem ser conhecidas até à sentença proferida ao abrigo do artigo 926°, n.°2 do CPC.</font></i>
</p><p><i><font>Com efeito, e como a sentença, naqueles termos, já foi proferida a 06/03/2017, a alegação e apreciação da referida exceção dilatória encontra-se precludida por extemporaneidade.</font></i>
</p><p><i><font>Pelo exposto, indefiro o requerido.”</font></i>
</p><p><b><font> </font></b>
</p><p><b><font>5. </font></b><font>A apelante recorre deste despacho, em 10-10-2018 (Apenso C), tendo o Tribunal da Relação decidido confirmar o despacho impugnado com o seguinte fundamento sintetizado no sumário do acórdão:</font>
</p><p><i><font>«1. A fase declarativa da acção de divisão de coisa comum destina-se a decidir sobre a existência e os termos do direito à divisão invocado.</font></i>
</p><p><i><font>2. Estando decidido nesta fase que a Ré é parte legítima e não tendo a mesma recorrido, a sua legitimidade fica definida».</font></i>
</p><p><b><font> </font></b>
</p><p><b><font>6. </font></b><font>O acórdão recorrido confirmou o despacho de 1.ª instância e indeferiu o conhecimento da exceção da ilegitimidade passiva, posta como incidente processual nos autos.</font><b><font> </font></b><br>
</p><p><b><font>7. </font></b><font>A recorrente invoca agora na sua resposta que a questão processual que coloca tem incidência no direito à habitação e no direito à proteção da família consagrados respetivamente nos artigos 65.º e 67.º da Constituição, bem como no direito de propriedade protegido pelo artigo 62.º da Lei Fundamental, pelo que se reveste de relevância social justificativa da admissão da revista excecional, ao abrigo do artigo 672.º, n.º 1, al. </font><i><font>a),</font></i><font> do CPC. Entende ainda que não se trata de uma questão de natureza meramente processual, pois que está conexionada com a lei substantiva que estipula nos artigos 1673º e 1682º-A do Código Civil que a casa de morada de família não pode ser alienada sem o consentimento de ambos os cônjuges, </font><br>
</p><p><b><font>8.</font></b><font> Contudo, a admissibilidade do recurso de revista excecional está a cargo da formação prevista no artigo 672.º, n.º 3, do CPC, competindo à agora Relatora apreciar apenas os requisitos do recurso da revista geral. Só depois dessa apreciação ser efetuada, e no caso de concluir que estão verificados os requisitos da revista normal, é que o processo será remetido à referida formação para análise da “relevância social” da questão suscitada. </font><br>
</p><p><b><font>9.</font></b><font> Ora, no caso vertente verifica-se um</font><b><font> </font></b><font>impedimento geral à admissibilidade do recurso de revista, pois estamos perante uma decisão que se reporta à invocação de uma exceção dilatória – a ilegitimidade passiva – em incidente processual que correu por apenso ao processo principal.</font><b><font> </font></b><br>
</p><p><b><font>10. </font></b><font>Como estamos perante uma decisão incidental, que não se refere ao mérito, nem põe termo ao processo, nos termos do artigo 671.º, n.º 1, do CPC, não estão reunidos os pressupostos gerais de recorribilidade e o processo não pode ser remetido à formação prevista no artigo 672.º, n.º 3, do CPC, para indagação dos requisitos específicos da revista excecional. </font>
</p><p><b><font> </font></b>
</p><p><b><font>11. </font></b><font>Em consequência, não se admite o recurso de revista».</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font><b><font>2.</font></b><font> Entende a reclamante que a decisão que a considerou parte legítima na ação de divisão de coisa comum põe termo ao processo e que se projeta nos seus direitos fundamentais e do seu cônjuge e filhos, não se podendo, pois, afirmar, como fez a decisão singular, que faltem os pressupostos gerais do recurso de revista, nos termos do artigo 671.º, n.º 1, do CPC.</font>
</p><p><font> Mas não tem razão. </font>
</p><p><font>A decisão em causa tem uma natureza incidental e incidiu sobre questão de natureza adjetiva, para o efeito de análise dos requisitos de recorribilidade fixados no artigo 671.º, n.º 1 e n.º 2, do CPC.</font>
</p><p><font>Como se afirmou no Acórdão deste Supremo Tribunal, de 29-06-2017 (proc. n.º 2487/07.1TBCBR-C.C1.S1), os parâmetros de admissibilidade da revista definidos no n.º 1 do art.º 671.º do mesmo diploma não contemplam as decisões finais dos incidentes da instância que versem unicamente sobre a relação processual. </font>
</p><p><font>No sumário deste acórdão fixou-se, para o que aqui releva, a seguinte orientação:</font>
</p><p><font>«I. Os incidentes da instância traduzem-se em relações processuais secundárias, intercorrentes no processo principal, de caráter episódico ou eventual, que se destinam a prover, em regra, sobre questões acessórias, nomeadamente respeitantes ao preenchimento ou à modificação de alguns dos elementos da instância em que se inserem, como sucede nos casos de substituição de alguma das partes - art.º 262.º, alínea a), do CPC.</font>
</p><p><font>II. Diferentemente do previsto no artigo 644.º, n.º 1, alínea a), do CPC, quanto ao cabimento do recurso de apelação autónoma de decisão da 1.ª instância que ponha termo a incidente processado autonomamente, os parâmetros de admissibilidade da revista definidos no n.º 1 do art.º 671.º do mesmo diploma não contemplam as decisões finais dos incidentes da instância que versem unicamente sobre a relação processual».</font>
</p><p><font>No mesmo sentido, entende Abrantes Geraldes (</font><i><font>Recursos em Processo Civil, </font></i><font>6.ª edição Atualizada, 2020, p. 397), que não admite recurso o acórdão da Relação que aprecia uma exceção dilatória ou qualquer outro aspeto de natureza formal ou adjetiva, sem que ponha termo ao processo. É o caso dos acórdãos da Relação que julguem improcedente uma exceção dilatória (</font><i><font>v.g.</font></i><font> ilegitimidade ou ineptidão da petição inicial) que tenha sido apreciada no despacho saneador, determinando o prosseguimento dos autos para apreciação das demais questões (</font><i><font>Ibidem,</font></i><font> p. 397).</font>
</p><p><font> Improcede, assim, o entendimento da reclamante, segundo o qual a decisão que não conheceu da ilegitimidade invocada, por extemporaneidade, põe termo ao processo porque não admite que o seu marido seja parte na venda judicial da ca | [0 0 0 ... 0 0 0] |
gzJxu4YBgYBz1XKvjAl4 | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><br>
<b><font> </font></b>
<p><b><font> Processo n.º 168/05.0TVVC-N.E1.S1</font></b>
</p><p><b><font> </font></b>
</p><p><b><font> </font></b>
</p><p><b><font> </font></b>
</p><p><b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça</font>
</p><p><b><font> </font></b>
</p><p><b><font> </font></b>
</p><p><b><font> I – Relatório</font></b>
</p><p><b><font> </font></b>
</p><p><b><font> 1. </font></b><font>Nos presentes autos de inabilitação, por anomalia psíquica, de </font><b><font>AA</font></b><font>, entretanto, falecido, em que é requerente </font><b><font>BB</font></b><i><font>, </font></i><font>veio esta interpor recurso de revista do acórdão da Relação de Évora, de 14-07-2020, que confirmou a decisão singular de 23 de janeiro de 2020, proferida pelo mesmo tribunal. </font>
</p><p><font> Ambas as decisões identificaram como objeto do recurso de apelação o despacho de 11 de julho de 2017, que, por sua vez, confirmou outro despacho (9 de junho de 2017), que notificava a autora, agora recorrente, para alegar e provar os requisitos da superveniência subjetiva para o efeito de decidir da admissibilidade de um articulado superveniente. </font>
</p><p><font> Na decisão singular de 23-01-2020 afirma-se</font><i><font>“Assim sendo os presentes autos de recurso tem como objecto apenas o referido despacho de 11 de julho de 2017”</font></i>
</p><p><font> O Tribunal da Relação de Évora, no acórdão agora recorrido, por sua vez, entendeu o seguinte:</font>
</p><p><font> </font><i><font>«É, pois, inquestionável, no critério desta Relação, que a eventual procedência do recurso interposto do acima transcrito despacho de 11 de julho de 2017 - objeto dos presentes autos de recurso em separado -, não conduz à aceitação do articulado superveniente em causa, como pretende a recorrente BB.</font></i><br>
<i><font> Esta sua pretensão deverá resultar, apenas, do mérito do recurso do despacho que rejeitou o articulado superveniente de 2017, admitido para subir nos próprios autos.</font></i><br>
<i><font> Ignora-se se este recurso foi já decidido, por esta Relação - bem como da decisão final (fls. 285) -, o que compete à referenciada averiguar, requerendo, se for caso disso, em sede própria, o que entender pertinente.</font></i>
</p><p><font> </font><i><font>Ou seja: o conhecimento do mérito ou demérito do despacho que rejeitou o articulado superveniente de 2017, deverá ser objeto de decisão no âmbito do recurso interposto posteriormente ao dos presentes autos, pelo que não faz sentido aludir a violação de princípios constitucionais, quando, ao fim o ao cabo, se relegou o conhecimento da questão para o julgamento do recurso interposto, expressamente, da rejeição do articulado superveniente em causa.</font></i><br>
<i><font> Pelo exposto, decidem os juízes que constituem o Tribunal Coletivo confirmar o despacho reclamado».</font></i>
</p><p><b><font> </font></b>
</p><p><b><font> 2. </font></b><font>Notificada deste acórdão, vem a recorrente, BB, interpor recurso de revista, em cuja alegação formula as seguintes conclusões:</font>
</p><p><font>«1. O Artº 153.º nº 1 do Código de Processo Civil, na redacção do Artº 15-A do Dec-Lei 20/2020 de 1/5, é Inconstitucional, porque permite que o Acórdão de 14-7-2020, não seja assinado pelo Tribunal Colectivo e permite ainda que não exista uma declaração formal de escrita do Exmo. Juiz Relator atestando o voto de conformidade dos juízes que não assinaram.</font>
</p><p><font>2. A alteração, súbita em 1 de Maio de 2020, do Artº 153.º nº 1 do C.P. Civil, por mero Decreto-Lei 20/2020, sem autorização legislativa da A.R. da Lei 41/2013, de 26 de junho gera a Inconstitucionalidade, por meras razões de saúde publica no âmbito das medidas excecionais e temporárias relativas à pandemia da doença COVID-19, é alterado uma Lei por Dec-Lei e por isso existe INCONSTITUCIONALIDADE ORGANICA nos termos do Artº 165, nº 1, b) da C.R.Portuguesa.</font>
</p><p><font>3. As razões de saúde púbica invocadas no Dec-Lei 20/2020 não são compatíveis com o discurso de modernização da justiça e a existência de assinaturas electrónicas digitais, que podem ser apostas remotamente e sem necessidade de deslocação aos Tribunais superiores pelos Senhores Drs. Juízes Desembargadores, pelo que a justificação dada no Decreto-Lei, é também materialmente INCONSTITUCIONAL, pois enfraquece a garantia de decisão colegial prevista no Artº 652 nº 3 do C.P.Civil, violando portanto a garantia constitucional de uma decisão proferida pelo Juiz natural.</font>
</p><p><font>4.Resulta dos factos provados e aditados em A.g e A.h do Acórdão recorrido que os presentes autos deveriam constituir o último recurso que se encontra por julgar no autos nº 168/05.0TBVVC, mas foram remetidos para o Venerando Tribunal da Relação de Évora em 16-4-2019 em conjunto com o recurso da decisão final e instruídos com certidões erróneas passadas pela secção de processos que não contemplam, nem o despacho recorrido que é uma decisão de indeferimento do articulado superveniente proferida em 29 de Janeiro de 2019, nem as alegações de recurso da Recorrente apresentadas em 18-2-2019 com a Refª citius nº 3159591 que sempre foram peças obrigatórias em qualquer recurso.</font>
</p><p><font>5. As certidões emitidas pela Secção, não cumpriram o despacho da 1ª Instância e, lançaram a desordem a incerteza e a confusão nos presentes autos de recurso, levando ao desfecho insólito da violação do caso julgado no Acórdão de 6 de Dezembro de 2018 e da decisão singular deste Tribunal da Relação de 22-5-2019 a fls. 285.</font>
</p><p><font>6. Os erros e omissões de actos praticados pela secretaria judicial não podem em qualquer caso prejudicar as partes, e no caso concreto o erro foi praticado pela Secção de Processos da 1º Instância, apesar das arguições de Nulidade da recorrente, levou à prolação do Acórdão recorrido que insiste que o objecto de recurso é um despacho de 11 de Julho de 2017, que já foi julgado em definitivo o que viola o Artº 620 do CPC.</font>
</p><p><font>7. O Acórdão recorrido viola o caso julgado, não obstante os sucessivos requerimentos e reclamações apresentados pela recorrente especialmente em 7-2-2020 e em 18-11-2019, que não foram impugnadas pela parte contrária, mas o Tribunal da Relação insista em decidir um recurso com base em 8 certidões caóticas e desordenadas, e com base em alegações antigas e já julgadas que levaram à violação do caso julgado</font>
</p><p><font>8. Nem se diga, que a recorrente é responsável pela violação do caso julgado, quando tentou, sem sucesso, à apensação do presente recurso aos autos de recurso principal, que subiram nos próprios autos e onde facilmente se poderia constatar que o presente recurso é o único que falta julgar após o recurso da decisão final de fls. 285.</font>
</p><p><font>9. O Acórdão de 14-7-2020, que analisa um recurso de uma decisão 11-7-2017 (já julgada em 6-12-2018 pelo Tribunal da Relação de Évora), viola as seguintes regras: </font>
</p><p><font>a) a regra da extinção do poder jurisdicional (Artº 613 do CPC) ao pretender</font>
</p><p><font>julgar novamente o despacho de 11-7-2017;</font>
</p><p><font>b) e viola o caso julgado formado no Acórdão de 6-12.2018 e na decisão singular de 22-5-2020 ,(Artºs 620º,621º, 625 do CPC);</font>
</p><p><font>c) viola também o Artº 635 CPC que determina que são as alegações das partes que delimitam o objecto do recurso;</font>
</p><p><font>10. Trata-se de violação de caso julgado, originado por emissão errónea da certidão judicial, decorrente de lapso na instrução da certidão para o recurso subir em separado, tais erros não podem prejudicar o recorrente, nem violar o caso julgado, conforme prescrevem os Artºs 157 nº 5 e 6 e Artºs 613º, 620º,621º, 625 todos do CPC.</font>
</p><p><font>11. É com perplexidade que se lê no Acórdão de 14-7-2020 que a recorrente veio recorrer do despacho do despacho lavrado a 11 de julho de 2017- o que indeferiu o pedido de “cabal esclarecimento do despacho de 9-6-2017, pugnando, pela sua revogação e substituição por um outro que “admita o articulado superveniente, quando esse e o objecto do recurso referido em A.g e A. h. dos factos assentes.</font>
</p><p><font>12. As reclamações, arguições de nulidade de e pedidos de rectificação da certidão solicitação de tramitação conjunta do presente recurso com o recurso da decisão final, foram ignoradas pelo Tribunal da Relação de Évora que apreciou um recurso já julgado e proferiu Acórdão em violação do caso julgado formado em 6 de Dezembro de 2018 e da matéria de facto da decisão singular da mesma Relação de Évora de 22 de Maio de 2019, não tendo ordenado à 1ª instância que remetesse o recurso que realmente foi interposto, pois nem sequer menciona quais as alegações da recorrente que foram apreciadas.</font>
</p><p><font>13. O Acórdão recorrido, proferido em 14-7-2020, ao apreciar novamente o despacho de 11 de Julho de 2017, na decisão singular e no exame preliminar do relator/recurso interposto como objecto do presente recurso viola o caso julgado formado no Tribunal da Relação de Évora proferido em 6 de Dezembro de 2018 cuja cópia já se juntou em no requerimento de 7 de Fevereiro de 2020 e viola também a decisão de fls. 285.</font>
</p><p><font>14. O Acórdão recorrido violou o objecto do recurso, pois a Recorrente fez constar que as certidões são ineptas para a tramitação do recurso, mas que estranhamente, tais requerimentos não impediram a marcha processual com o resultado que está à vista, a prolação de Acórdão de 14-7-2020 que viola caso julgado formado no Acórdão de 6-12-2018 e a matéria provada na decisão de fls. 285.</font>
</p><p><font>15. Com os factos provados em A.g e A.h., o Acórdão de 14-7-2020 é contraditório com os factos provados, e viola o artº 635 CPC, ao considerar que são três os recursos interpostos sem averiguar do transito em julgado.</font>
</p><p><font>16. O Acórdão impugnado entra em contradição com matéria provada em A.g. da pág. 3, ao considerar que o recurso a apreciar nestes autos é o recurso do despacho proferido a 11 de Julho de 2017, e que os presentes autos têm, apenas, como objecto o referido despacho de 11 de Julho de 2017, quando é flagrante que o despacho de 11-7-2017 já foi julgado e agora está pendente apenas o recurso de 18 de Fevereiro de 2019 com o mesmo objecto. (Cfr. fls 285).</font>
</p><p><font>17. O Acórdão de 14/7/2020 é ininteligível, pois os factos dados como provados estão em contradição com a decisão final e não pode haver dois despachos impugnados sobre o indeferimento do articulado superveniente de 19-4-2017, nem dois recursos com o mesmo objecto, pelo que o Tribunal da Relação deveria averiguado com pedido certidões ou mesmo pedido o processo na totalidade antes de proferir o Acórdão recorrido. </font>
</p><p><font>18. O Acórdão é NULO, porque o Tribunal está obrigado a proferir uma decisão nos termos do Art° 8º do Código Civil e não a recusar-se tomar conhecimento de um recurso ignorando que o mesmo já foi decidido e nem sequer manda subir os autos com o recurso que se encontra por julgar e desconhecer que só este pode ser o objecto dos presentes autos e porque está provado em a.h. dos factos provados na pág. 3, que é único o recurso que falta julgar.</font>
</p><p><font>19. Sem prejuízo dos vícios do Acórdão de 14-7-2020, já indicados, o mesmo ainda revela que a conjugação das normas dos Art° 588 n° 2, e 611, 613, 614, e 904° (do antigo CPC anterior à Lei 49/2018) com as normas dos Art° 652° n° 1, ai. h) e 655° n° 1 do CPC, são INCONSTITUCIONAIS, por violação do princípio constitucional da protecção da confiança e da segurança jurídica contidos no princípio do Estado de Direito Democrático (cfr. art. 2.° da CRP) a ainda do principio da igualdade e direito ao recurso e à realização e acesso à Justiça previstas nos Artº 2º, 13° e Art0 20 n° 4 da CR.Portuguesa.</font>
</p><p><font>20. Na decisão recorrida o Acórdão de 14-7-2020, utilizou a Lei antiga e violou todas as directrizes da Lei n° 49/2018 de 14 de Agosto, que criou o regime jurídico do maior acompanhado e eliminou os institutos da interdição e da inabilitação, previstos no Código Civil, aprovado pelo Decreto-Lei n.° 47 344, de 25 de Novembro de 1966 e ignorou a vigência da mesma e a sua aplicação imediata ao processo pendente, nomeadamente em matéria de celeridade.</font>
</p><p><font>VI - NORMAS VIOLADAS: Art. 588 n° 2, e 611, 613, 614, e 904° (do antigo CPC anterior à Lei 49/2018, Art. 3º, 153 n° 1, 157 n° 6, Art°s 613°,615 n° 3, 620°,621°, 625°,628°, 629° n° 2 a), 635°,652° n° 1 ai. d) e 3 todos do CPC.</font>
</p><p><font>Art°s 13°, 20°, 32° 165 n° 1 ai. b) da CR. Portuguesa;</font>
</p><p><font>Artº 8º 368º do Código Civil e Artº 1º, 2º e 3º da Lei nº 49/2018 que se indica como Lei substantiva violada.</font>
</p><p><font>Termos em que deve ser revogado o Acórdão de 14-7-2020 e ser ordenado ao Tribunal da Relação que respeite o caso julgado e aprecie o único recurso que ainda se encontra pendente, e se for o caso, sendo ordenada a baixa do processo à primeira instancia para correcta instrução do recurso, ou então que seja ordenada a subida do recurso nos próprios autos, para que sejam respeitados as decisões já transitadas em julgado.»</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font><b><font>3.</font></b><font> Sabido que o objeto do recurso se delimita, ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, pelas conclusões, as questões a decidir são as seguintes:</font>
</p><p><font>1) Nulidade do acórdão por falta de assinaturas dos Adjuntos e inconstitucionalidade material e orgânica do artigo 153.º, n.º 1, do CPC, na redação introduzida pelo artigo 15.º-A do DL 20/20, de 1 de maio;</font>
</p><p><font>2) Erro quanto ao objeto do recurso por ter incidido sobre um despacho de 11-07-2017 já julgado em definitivo (por erro na instrução do processo instruído, faltam no presente processo o despacho recorrido, de 29-01-2019, que rejeitou os articulados supervenientes, e as alegações da recorrente, de 18-02-2019);</font>
</p><p><font>3) Violação da regra da extinção do poder jurisdicional (artigo 613.º do CPC) ao pretender julgar novamente o despacho de 11-7-2017 </font>
</p><p><font>4) Violação do artigo 635.º do CPC, que determina que são as alegações das partes que delimitam o objeto do recurso;</font>
</p><p><font>5) Violação do caso julgado constante do Acórdão de 6 de dezembro de 2018 e da decisão singular deste Tribunal da Relação de 22 de maio de 2019 a fls. 285;</font>
</p><p><font>6) Nulidade do acórdão por ininteligibilidade e contradição entre os factos provados e a decisão final;</font>
</p><p><font>7) Nulidade do acórdão por violação do artigo 8.º do Código Civil;</font>
</p><p><font>8) Inconstitucionalidade das normas dos artigos 588º, n° 2, 611º, 613º, 614º, e 904° (do antigo CPC anterior à Lei 49/2018) conjugadas com as normas dos artigos 652°, n.° 1, al. h) e 655.°, n° 1, do CPC, por violação do princípio constitucional da proteção da confiança e da segurança jurídica contidos no princípio do Estado de Direito Democrático (cfr. artigo 2.° da CRP) a ainda do princípio da igualdade e do direito ao recurso e à realização e acesso à Justiça previstas nos artigos 2º, 13° e 20, n° 4, da CRP.</font>
</p><p><font>9) Violação das diretrizes da Lei n° 49/2018, de 14 de agosto, que criou o regime jurídico do maior acompanhado e eliminou os institutos da interdição e da inabilitação, previstos no Código Civil, e dos princípios da aplicação imediata ao processo pendente, e da celeridade.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font>4.</font></b><font> Admite-se o recurso, por ter sido invocado a ofensa do caso julgado, um dos casos em que o recurso de revista, nos termos do artigo 629.º, n.º 2, al. </font><i><font>a</font></i><font>), do CPC, é sempre admissível.</font>
</p><p><font>Em princípio, o recurso de revista não seria admissível, nos termos do artigo 671.º, n.º 1, do CPC, pelo facto de a decisão recorrida ser uma decisão interlocutória que incide sobre a relação processual e não põe termo ao processo.</font>
</p><p><font> Contudo, apesar da verificação destes condicionalismos que inviabilizariam a admissão do recurso de revista, </font><i><font>in casu </font></i><font>deve ser admitido, mas apenas quanto à questão da violação do caso julgado, por força do disposto no artigo 629.º, n.º 2, al. a) e 671.º, nº 2 al. a), do CPC, dispondo aquele que, </font><i><font>“Independentemente do valor da causa e da sucumbência, é sempre admissível recurso”, “com fundamento… na ofensa do caso julgado”</font></i><font> e dispondo este que, </font><i><font>“Os acórdãos da Relação que apreciem decisões interlocutórias que recaiam unicamente sobre a relação processual só podem ser objeto de revista: - Nos casos em que o recurso é sempre admissível”.</font></i>
</p><p><font>Apenas quanto a esta questão – caso julgado – excluindo-se as restantes, pois, conforme jurisprudência deste Supremo Tribunal, </font><i><font>“Sendo o recurso de admitir ao abrigo da al. a) do n.º 2 do art. 629.º do CPC – nomeadamente com fundamento na ofensa de caso julgado –, o seu objeto fica limitado à apreciação da impugnação que esteve na base da sua admissão, não podendo alargar-se a outras questões”</font></i><font> (cf. Acórdão de 22-11-2018, Revista n.º 408/16.0T8CTB.C1.S1, 2.ª Secção; Acórdão de 29-01-2019, Revista n.º 215/16.0T8VPA.G1.S2 - 1.ª Secção; Acórdão de 30-06-2020, Proc. n.º 8063/07.1TBCSC-E.L1.S1 – 1.ª Secção). </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Cumpre apreciar e decidir.</font>
</p><p><b><font> </font></b>
</p><p><b><font> </font></b>
</p><p><b><font>II – Fundamentação de facto </font></b>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>O Tribunal da Relação de Évora fixou a seguinte factualidade acerca da tramitação destes autos:</font>
</p><p><font>«A- Os factos</font>
</p><p><font>A.a - Nos presentes autos de inabilitação, por anomalia psíquica de AA, entretanto, falecido, em que é requerente BB, apresentou esta, em 19 de abril de 2017, um "articulado superveniente com meios de prova", requerendo, a final, "que seja admitido o presente articulado superveniente nos termos dos Art° 588 e 611 do NCPC e notificada a contraparte e aberta vista ao Ministério Público, dado o interesse público do instituto da interdição e para exercerem o contraditório" e, "admitido o prosseguimento da ação, nos termos do Art° 904 do NCPC, para averiguação dos factos alegados no presente articulado" e, ainda, "ordenadas as diligências de prova, extremamente importantes e impostas pelo princípio da atualidade e o disposto no Art° 611 do NCPC. para a descoberta da verdade material dado o manifesto interesse público do processo, por se tratar de interdição nos termos do Art° 904 do NCPC." </font><i><font>(fls. 146 a 163 dos presentes autos);</font></i>
</p><p><font>A.b - Após ter sido ordenada, em 21 de abril de 2017, a notificação "da contraparte e do Ministério Público para responderem" (</font><i><font>fls. 165 e 166 dos presentes autos</font></i><font>) proferiu o Tribunal recorrido, em 9 de junho de 2017, o seguinte despacho:</font>
</p><p><font>"De acordo com o disposto no art. 588°., n° 2 in fine do Código de Processo Civil, quando é alegada superveniência subjetiva deve produzir-se prova dessa superveniência.</font>
</p><p><font>Assim, e antes do mais, notifique a Autora para, no prazo de 10 dias, vir requerer e/ou informar do que tiver por conveniente, designadamente, se do requerimento probatório que efetuou no final do articulado em causa, faz parte algum meio de prova que tenha esse escopo.</font>
</p><p><font>Notifique." </font><i><font>(fls. 174 dos presentes autos)</font></i>
</p><p><font>A.c - Notificada a requerente BB do despacho antes mencionado, veio requerer, em 22 de junho de 2017, "nos termos dos Art° 588° n° 1 a 3 ai. b do N.C.P. Civil, e Art° 611 n° 1 a 3 e Art° 613 e 614 todos do N.C.P. Civil" o "cabal esclarecimento do despacho de 9-6-2017, nomeadamente a fundamentação legal do mesmo e ainda: a) que seja admitido o presente articulado superveniente nos termos dos Art° 588 e 611 do NCPC e notificada a contraparte e aberta vista ao Ministério Público, dado o interesse público do instituto da interdição e para exercerem o contraditório; b) que seja admitido o prosseguimento da ação, nos termos do Art° 904 do NPC, para averiguação dos factos alegados no presente articulado"; c) que sejam ordenadas as diligências de prova, extremamente importantes e impostas pelo princípio da atualidade e o disposto no Art° 611 do NCPC. para a descoberta da verdade material dado o manifesto interesse público do processo, por se tratar de interdição nos termos do Art° 904 do NCPC; d) Reiteram-se as testemunhas arroladas e restantes meios de prova." (</font><i><font>fls. 176 a 180 dos presentes autos</font></i><font>)</font>
</p><p><font>A.d - O Tribunal recorrido, em 11 de julho de 2017, indeferiu o pedido de "cabal esclarecimento do despacho de 9-6-2017", com fundamento "em falta de fundamento legal", mantendo "o despacho em causa" (</font><i><font>fls. 181 e 182 dos presentes autos</font></i><font>).</font>
</p><p><font>A.e - Inconformada com este último despacho, recorreu, em 15 de setembro de 2017, a requerente BB, pugnando pela revogação do "despacho recorrido de 11-7-2017, notificado às partes em 13-7-2017", sendo "substituído por outro que admita o articulado superveniente." (</font><i><font>fls. 185 a 191 dos presentes autos</font></i><font>)</font>
</p><p><font>A.f - Este recurso foi admitido por despacho proferido a 9 de novembro de 2017, como o seguinte teor:</font>
</p><p><font>"Fls. 2269-2284</font>
</p><p><font>BB, aqui recorrente, veio intentar recurso do despacho proferido nestes autos, datado de 11.07.2017 (ref 26862416).</font>
</p><p><font>Por estar em tempo, ter legitimidade, e a decisão ser suscetível de recurso - arts. 629°., n° 1, 631°., n° 1, e 638°. n° 1, todos do CPC - admite-se o recurso de apelação interposto, que sobe em separado, e com subida diferida para momento de (eventual) interposição de recurso que venha a ser interposto da decisão final - art. 644°., n°. 3 e 645°., n° 2, ambos do CPC.</font>
</p><p><font>Notifique." (fls. 192 verso dos presentes autos)</font>
</p><p><font>Na sequência do despacho desta Relação de 30 de outubro de 2019 e dos documentos, juntos com o requerimento da recorrente/requerente BB, a rotulá-lo de nulo, é possível aditar aos factos antes mencionados mais os seguintes:</font>
</p><p><font>A.g - Por despacho de 29 de janeiro de 2019, o Tribunal recorrido não admitiu o articulado superveniente apresentado em 19 de abril de 2017 </font><i><font>(fls. 264 a 266 dos presentes autos)</font></i>
</p><p><font>A.h - Em 18 de fevereiro de 2019, a dita recorrente/requerente recorreu do despacho antes referido, que foi admitido, por despacho de 4 de abril de 2019, com o seguinte teor: "Por estar em tempo, ter legitimidade, e o despacho de fls. 2573-2575 ser suscetível de recurso - arte. 629°., n ° 1, 631°., n° 1, e 638°.,n° 1, todos do CPC - admite-se o recurso interposto a fls. 2609- 2620 (do despacho que não admitiu o articulado superveniente), que é de apelação, sobe nos próprios autos e tem efeito devolutivo -art. 644°., n° 1, al. a) e 647°, n° 1, todos do CPC." </font><i><font>(fls. 284 dos presentes autos)</font></i>
</p><p><font>A.i - Em 4 de abril de 2019, foi, também, proferido um outro despacho a admitir um recurso, com o seguinte conteúdo:</font>
</p><p><font>"Por estar em tempo, ter legitimidade, e a decisão final proferida nestes autos ser suscetível de recurso - arte. 629°., n ° 1, 631°., n° 1, e 638°, n°1, todos do CPC - admite-se o recurso interposto (acompanhado nos recursos retidos nestes autos), que é de apelação, sobe nos próprios autos e tem efeito devolutivo - arts. 644°., n° 1, ai. a) e 647°., n° 1, todos do CPC. Oportunamente subam os autos ao (...) Tribunal da Relação de Évora para apreciação do recurso interposto. Notifique." (</font><i><font>fls. 285 dos presentes autos</font></i><font>)».</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font>III– Fundamentação de direito</font></b>
</p><p><b><font> </font></b>
</p><p><b><font>1.</font></b><font> Nos presentes autos – um recurso de apelação em separado – o processo foi instruído, em 09-04-2019, conforme declaração do tribunal de 1.ª instância, com a sentença, despacho recorrido, alegações de recurso, despacho que admite o recurso e cópia de todo o processado de 1-07-2014 a 06-09-2017.</font>
</p><p><font>Alega a recorrente que os presentes autos foram remetidos para o Tribunal da Relação de Évora em 16-4-2019, em conjunto com o recurso da decisão final, e instruídos com certidões erróneas passadas pela secção de processos que não contemplam, nem o despacho recorrido, que é uma decisão de indeferimento do articulado superveniente, datada de 29-01-2019, nem as alegações de recurso da Recorrente apresentadas em 18-2-2019 com a Refª </font><i><font>citius</font></i><font> nº 3159591 (documento n.º 4 junto ao processo por requerimento apresentado pela recorrente).</font>
</p><p><font>No documento n.º 4, que corresponde às citadas alegações de 18-02-2019, a apelante impugna o despacho de 29-01-2019, que lhe negou a apresentação do articulado superveniente, terminando assim as suas conclusões:</font>
</p><p><i><font>«Termos em que deve ser revogado o despacho recorrido e substituído por outro que admita o articulado superveniente e designe data para julgamento dos meios de prova testemunhal arrolados no mesmo e se for o caso, para prova da superveniência dos factos. Mais requer a subida nos próprios autos com o recurso da decisão final».</font></i>
</p><p><font>Os citados despachos e decisões foram proferidos numa ação de inabilitação, que dura há 14 anos, tendo o requerido falecido na pendência da causa e pretendendo a recorrente, que alega ser a sua única herdeira, prosseguir com a ação depois do falecimento do marido. </font>
</p><p><font>Por decisão sumária do Tribunal da Relação de Évora, já transitada em julgado, de 22 de maio de 2019, que a autora/recorrente juntou a estes autos, foi revogada a decisão do Tribunal de Vila Viçosa, de 11-02-2019, que decidiu </font><i><font>“Declarar extinta a instância por inutilidade superveniente da lide</font></i><font>, </font><i><font>nos termos das disposições conjugadas dos arts 1º e 26º, nº 1 nº 2 da Lei nº 49/2018 de 14/08, e dos arts 904º n.º 1e 277º, al. e), ambos do CPC”,</font></i><font> e ordenou-se o prosseguimento do processo. Nesta decisão dá-se por provado que:</font>
</p><p><font>«</font><b><font>22.</font></b><font> (…)a requerente apresentou reclamação do despacho de 26 de Abril de 2018, que, entre outras questões, suscitou a questão da omissão de despacho sobre a admissão de articulado superveniente por si intentado a 19 de Abril de 2017; </font>
</p><p><b><font>23.</font></b><font> Por decisão sumária do Tribunal da Relação de Évora de 6 de Dezembro de 2018, foi ordenado a apreciação do articulado superveniente intentado pela requerente, por considerar que sobre o mesmo não havia recaído qualquer decisão judicial; </font>
</p><p><b><font>24.</font></b><font> O referido articulado superveniente foi indeferido por despacho datado de 29 de Janeiro de 2019».</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Neste quadro, a agora recorrente e autora da ação de inabilitação, vem alegar que tem urgência em que seja admitido o articulado superveniente, pois, como a ação vai prosseguir, quer que fique definido o objeto do processo e que as novas testemunhas arroladas nesse articulado sejam ouvidas no julgamento.</font>
</p><p><font>Contudo, a recorrente alega que a questão decidida pelo acórdão recorrido não foi a questão efetivamente suscitada pela apelante, nas suas alegações de recurso de 18-02-2019, que, por lapso da secção que instruiu o processo, não constavam nestes autos, mas outra que já havia sido decidida definitivamente pelo acórdão da Relação de Évora, de 06-12-2018. Afirma que, por erro na instrução do processo, também não foi nele incluído o despacho recorrido, de 29-01-2019, que indeferiu a apresentação de articulado superveniente, conforme excerto do mesmo, que se transcreve:</font>
</p><p><i><font>«Ora, não tendo feito prova do conhecimento superveniente dos novos factos por si alegados, mesmo após ter sido convidada para o efeito, constata-se ser o referido articulado inadmissível à luz dos preceitos legais supra citados, na medida em que se reporta a factos anteriores aos articulados que instruem os presentes autos, sem que a requerente tenha logrado demonstrar a respectiva superveniência subjectiva.---</font></i>
</p><p><i><font>Em face do exposto, decide-se indeferir o articulado superveniente intentado pela requerente a 26.04.17.---</font></i>
</p><p><i><font>Notifique»</font></i>
</p><p><i><font> </font></i>
</p><p><b><font>2.</font></b><font> A questão agora decidida pelo acórdão recorrido, datado de 14-07-2020, incidiu sobre o despacho de 11-07-2017. Este despacho indeferiu o pedido de esclarecimento formulado pela autora, por falta de fundamento legal, considerando que o tribunal não tinha poder para decidir qualquer aclaração, figura não prevista na lei, mas apenas para retificar erros ou lapsos materiais e manifestos, sem que tivesse sido proferida qualquer pronúncia sobre a questão da admissibilidade dos articulados supervenientes (facto A.d).</font>
</p><p><font>Ora, sobre o referido despacho de 11-07-2018, como demonstra a autora nas peças que junta a estes autos, já incidiu uma pronúncia proferida pelo acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 06-12-2018, transitado em julgado (doc. n.º 2). </font>
</p><p><font>Este acórdão surgiu na sequência de um recurso de um despacho de 27-04-2018, mas também tratou, entre outras, da questão agora decidida pelo acórdão recorrido de saber se, no despacho de 11-07-2017, foi ou não proferida decisão a rejeitar o articulado superveniente, questão que também foi objeto da decisão do acórdão agora recorrido.</font>
</p><p><font>Foi a seguinte a tramitação processual analisada, pelo acórdão de 06-12-2018 e pelo acórdão recorrido, que foi também elencada na factualidade provada da decisão sumária de 22-05-2019 (factos provados 22 a 24):</font>
</p><p><font>Por despacho de 09-06-2017, o tribunal de 1.ª instância, perante um pedido da autora de apresentar articulados supervenientes, notificou-a para que esta alegasse factos que fundamentassem a superveniência subjetiva. Perante este despacho, a autora apresentou um pedido de esclarecimento, que o tribunal de 1.ª instância indeferiu, através do citado despacho, de 11-07-2017, por não estar prevista na lei a aclaração, mas apenas a retificação de erros materiais ou de lapsos manifestos. Neste despacho, o tribunal não retirou qualquer consequência do facto de a autora nada ter informado sobre o que lhe foi solicitado, nem proferiu pronúncia a admitir ou a rejeitar o articulado superveniente.</font>
</p><p> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
hTJxu4YBgYBz1XKvjgnr | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><br>
<font> </font><b><font>Proc. nº 264/17.0T8FAF.G1.S1</font></b>
<p><font> </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> Acordam, em Conferência, no Supremo Tribunal de Justiça</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font><b><font>I - Relatório</font></b>
</p><p><font> </font><br>
<font> AA, recorrido, notificado do Acórdão proferido por este Supremo Tribunal de Justiça, em 14 de julho de 2020, que, considerando procedente o recurso de revista interposto BB, revogou o acórdão da Relação, que tinha considerado procedente o recurso de apelação por si interposto, e repristinou a sentença do tribunal de 1.ª instância, vem requerer a sua reforma, ao abrigo do artigo 616.º, n.º 2, do CPC, alegando que ocorreu </font><i><font>“erro na determinação da norma aplicável ou na qualificação jurídica dos factos”, </font></i><font>para além de constarem do processo </font><i><font>“documentos ou outros meios de prova plena que, por si só, impliquem necessariamente decisão diversa da proferida”. </font></i><font>Invoca para demonstração da sua tese prova testemunhal e documental constante do processo e que foi utilizada pelo Tribunal da Relação para fundamentar a revogação do tribunal de 1.ª instância.</font><br>
<b><font> </font></b><font>A recorrente, em resposta a este pedido de reforma, apresentou resposta, defendendo que carece de fundamento legal o pedido de reforma e em consequência deve ser considerado improcedente.</font><br>
<b><font> </font></b><br>
<font> Cumpre apreciar e decidir.</font><br>
<b><font> </font></b><br>
<b><font> II – Fundamentação</font></b><br>
<b><font> </font></b><font>Neste processo está em causa a qualificação como bem próprio ou comum de um imóvel, situado no lugar de ..., freguesia de ..., do concelho de ... (facto provado 1.3), para o efeito de partilhas em consequência de um divórcio. </font><br>
<font> O objeto do recurso de revista foi a questão de saber qual o sentido da declaração aposta na escritura pública de aquisição, conjugada com o documento anexo à mesma escritura, nos termos expostos nos factos 1.5. e 1.6:</font>
</p><p><font>«1.5. Da referida escritura de compra e venda ficaram a constar as seguintes declarações proferidas pela representante de autora e réu: </font><i><font>“... aceita este contrato e que os mesmos no pagamento do preço utilizaram a quantia de quarenta e nove mil oitocentos e setenta e nove euros e setenta e nove cêntimos contravalor PTE dez milhões de escudos, que a mulher como emigrante e em conta emigrante tinha depositada na agência de Cabeceiras de Basto da Caixa Geral de Depósitos, conforme declaração que se arquiva...”; </font></i>
</p><p><font>1.6. Na escritura pública em questão, foi arquivada uma declaração denominada “Declaração para efeitos de isenção de Sisa”, na qual a Caixa Geral de Depósitos declara que a Autora fez prova da sua qualidade de emigrante e é titular de conta emigrante de cujo saldo utilizou o montante de 10 000 000$00 (dez milhões de escudos) para aquisição do prédio, descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o número … da freguesia de ..., omisso à matriz, sendo o valor da compra de 20 000 000$00 (vinte milhões de escudos)».</font>
</p><p><font>Sustenta o reclamante que a declaração para efeitos de isenção de sisa não é a mesma de que trata o artigo 1723.º, al. </font><i><font>c),</font></i><font> do Código Civil, mas apenas a declaração prevista para o efeito da isenção de sisa prevista no artigo 7.º, do DL n.º 540/76, de 4 de julho, mantido em vigor pelo DL n.º 323/95, de 29 de novembro. Acrescenta que o Tribunal da Relação já tinha tomado posição quanto a esta declaração no que concerne ao seu sentido interpretativo, conjugado com os depoimentos das testemunhas e com os documentos bancários, que, no seu entender, demonstram que a autora não possuía na sua “conta bancária poupança-emigrante” o dinheiro que afirmava lá existir e/ou que levasse tal dinheiro de solteira. Termina, defendendo que deve ser considerado não provado que a autora levava, desde solteira, na sua conta poupança emigrante o valor de 49.879, 79 euros até ao momento da casa de ..., adquirida na constância do matrimónio e atento o regime de bens, em 07-02-2002. Fundamenta a sua posição com transcrições de depoimentos de testemunhas.</font>
</p><p><font>Mas não tem razão.</font>
</p><p><font>Na verdade, o reclamante não faz um pedido de reforma. Os argumentos usados para demonstrar que houve um erro na norma aplicável ou na qualificação jurídica dos factos, nada têm a ver com o teor do artigo 616.º, n.º 2, do CPC. Este preceito exige que tenha havido um lapso manifesto do juiz, isto é, incontroverso e evidente, revelado por elementos que são exteriores à decisão, não se reconduzindo à mera discordância quanto ao decidido. A lei processual exige também que os documentos ou meios de prova que tenham sido desconsiderados sejam documentos com força probatória plena (não testemunhos ou documentos particulares) ou meios de prova com semelhante efeito (confissão, acordo das partes), com influência direta e causal no resultado.</font>
</p><p><font>O reclamante, nas suas alegações, limita-se a manifestar a sua discordância em relação à decisão deste Supremo Tribunal, invocando para o efeito meios de prova que apenas podem ser objeto de livre apreciação pelas instâncias, mas que não podem ser avaliados, nem sequer ponderados por este Supremo, que só conhece de questões de direito e de questões de direito probatório material. Não é possível, portanto, tomar conhecimento das questões agora suscitadas, pois o pedido de reforma não tem por objetivo reapreciar a prova ou ponderar presunções ou regras de experiência, que, mesmo num recurso de revista, não tem este Supremo Tribunal poder para apreciar. </font>
</p><p><font>O que efetivamente fez o Supremo Tribunal para fundamentar a revogação do acórdão recorrido foi confiar nas declarações dos próprios cônjuges na escritura pública aquisitiva e na declaração anexa quanto à isenção de sisa, que têm uma especial força probatória quando confrontadas com declarações contidas em documentos particulares ou com a prova testemunhal. Concorde-se ou não com a solução encontrada, a decisão reclamada está abrangida pelos poderes cognitivos deste Supremo Tribunal, ao abrigo do artigo 674.º, n.º 3, do CPC e está legitimada por uma sedimentada jurisprudência deste tribunal que confere ao Supremo Tribunal de Justiça poderes para, ao abrigo do artigo 236.º, n.º 1, do Código Civil, fixar o sentido com que deve valer uma declaração negocial. Ou seja, o Supremo pode verificar se foram ou não observados, pelo tribunal recorrido, os parâmetros legais condicionantes da função interpretativa da declaração negocial que é cometida ao tribunal, na sua função jurisdicional de indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (cf. entre outros, Acórdão deste Supremo Tribunal, de 22-11-2012, proc. n.º 1758/10.4TBVLG-A.P1.S1).</font>
</p><p><font>Por outro lado, está em causa nestes autos averiguar da proveniência do dinheiro utilizado na compra de um imóvel para efeitos de partilha de bens e de compensação de créditos entre os cônjuges, mas não, diferentemente do que afirma o reclamante, um caso de subrogação prevista no artigo 1723.º, n.º 1, al., </font><i><font>c)</font></i><font>, que pode vir a alterar a qualificação de um bem comum para próprio.</font>
</p><p><font>Em consequência, não se verifica qualquer erro na determinação da norma aplicável, ou qualquer erro na qualificação jurídica dos factos, suscetível de fundamentar um pedido de reforma, nem constam do processo documentos ou outro meio de prova que, só por si, impliquem necessariamente decisão diversa da proferida.</font>
</p><p><font> </font><br>
<b><font> </font></b><br>
<b><font> </font></b><br>
<b><font>III – Decisão </font></b><br>
<font>Pelo exposto, indefere-se a reclamação.</font><br>
<font> </font><br>
<font>Custas pelo reclamante.</font><br>
<font> </font><br>
<br>
<font> Nos termos do artigo 15.º-A do DL 20/2020, de 1 de maio, atesto o voto de conformidade do Juiz Conselheiro Alexandre Reis (1.º Adjunto) e do Juiz Conselheiro Pedro de Lima Gonçalves (2.º Adjunto).</font>
</p><p><font> </font>
</p><p>
</p><p><font>Supremo Tribunal de Justiça, 13 de outubro de 2020</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Maria Clara Sottomayor - (Relatora)</font>
</p><p><font>1.º Adjunto: Alexandre Reis</font>
</p></font><p><font><font>2.º Adjunto: Pedro de Lima Gonçalves</font></font></p> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
YDFcu4YBgYBz1XKv-fuk | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><font> </font>
<p><font>Acordam na 1.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça </font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><b><font>I – Relatório </font></b><font> </font><br>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font>1. AA, </font></b><font>residente na Rua ..., ..., freguesia ..., ...,</font><b><font> BB e CC, </font></b><font>estes residentes na Rua ..., ..., freguesia ..., ..., instauraram a presente ação de processo comum contra </font><b><font>Lusitânia, Companhia de Seguros, S.A.,</font></b><font> com sede na Rua de S. Domingos à Lapa, n.º 35, Lisboa, pedindo que esta seja condenada a pagar-lhes a quantia de € 343.318,21, acrescida de juros de mora à taxa legal vencidos desde a participação do sinistro e vincendos até ao respetivo pagamento.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font>2.</font></b><font> Para o efeito, alegaram, em suma, que são proprietários de um imóvel relativamente ao qual a 1.ª A. celebrou com a R. um contrato de seguro do ramo multirriscos habitação, cujo capital seguro de €600.000,00 foi fixado unicamente por esta, que não lhe disponibilizou as condições gerais da apólice as quais só chegaram ao seu conhecimento após o incêndio que destruiu por completo o interior daquele imóvel e a parte do exterior do mesmo de que resultaram danos cuja reparação ascende ao valor do pedido que a R. se recusa a pagar-lhes, oferendo, antes o valor de € 71.106,40.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font>3.</font></b><font> Citada, a R. começou por dizer que foi o tomador do seguro quem indicou o capital seguro que sendo inferior ao valor em risco de €1.771.545,61 dita o valor indemnizável correspondente ao oferecido aos AA.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font>4.</font></b><font> Identificado o objeto do processo e enunciados os temas de prova, foi dada aos AA. oportunidade de se pronunciar sobre a contestação na sequência do que os temas de prova foram objeto de aditamento. </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font>5.</font></b><font> Foi realizada a audiência de discussão e julgamento de acordo com o formalismo legal.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font>6.</font></b><font> Foi proferida sentença, em cujo dispositivo se consignou:</font>
</p><p><i><font>«Julgo parcialmente procedente a acção e, em consequência, condeno a R. a pagar aos AA. a quantia de </font></i><b><i><font>202.179,13</font></i></b><i><font> </font></i><b><i><font>€</font></i></b><i><font> </font></i><b><i><font>(duzentos</font></i></b><i><font> </font></i><b><i><font>e</font></i></b><i><font> </font></i><b><i><font>dois</font></i></b><i><font> </font></i><b><i><font>mil</font></i></b><i><font> </font></i><b><i><font>cento</font></i></b><i><font> </font></i><b><i><font>e</font></i></b><i><font> </font></i><b><i><font>setenta</font></i></b><i><font> </font></i><b><i><font>e</font></i></b><i><font> </font></i><b><i><font>nove</font></i></b><i><font> </font></i><b><i><font>euros</font></i></b><i><font> </font></i><b><i><font>e</font></i></b><i><font> </font></i><b><i><font>treze</font></i></b><i><font> </font></i><b><i><font>cêntimos)</font></i></b><i><font>, acrescida de juros de mora à taxa legal de 4% ao ano desde a presente data até integral pagamento e absolvo-a do demais peticionado.</font></i>
</p><p><b><i><font>Custas</font></i></b><i><font> por AA. e R. em função do respectivo decaimento».</font></i><br>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font>7. AA e Outros</font></b><font>, com sinais nos autos e </font><b><font>Lusitânia – Companhia de Seguros SA,</font></b><font> inconformados com a sentença proferida pelo Tribunal Judicial da Comarca do Porto Juízo Central Cível da Póvoa de Varzim - Juiz 3, em 15 de janeiro de 2021, vieram interpor recursos de apelação para o Tribunal da Relação, que decidiu o seguinte:</font>
</p><p><i><font>«Acordam, pois, os juízes que compõem a 3.ª Secção (2.ª Secção Cível) do Tribunal da Relação do Porto, em: </font></i>
</p><p><i><font>A – Negar provimento ao recurso interposto pela Ré/Apelante LUSITANIA – COMPANHIA DE SEGUROS SA e confirmar nesta parte a sentença recorrida: </font></i><br>
</p><p><i><font>B – Conceder parcial provimento ao recurso interposto pelos Autores Apelantes AA e OUTROS e revogar a sentença recorrida, condenando-se consequentemente a Ré/apelada a pagar aos Autores/Apelantes o valor de € 202 202.179,13 (duzentos e dois mil, cento e setenta e nove euros e treze cêntimos), acrescido de juros à taxa legal de 4% desde a citação (15/04/2019) até integral pagamento. </font></i><br>
</p><p><i><font>Custas por ambas as partes na proporção do decaimento dos respectivos recursos». </font></i><br>
</p><p><b><font> </font></b><br>
</p><p><b><font>8. </font></b><font>Novamente inconformada, a ré </font><b><font>Lusitânia Companhia de Seguros, SA</font></b><font> interpôs recurso de revista excecional, ao abrigo do artigo 671.º, n.º 1, al. </font><i><font>a),</font></i><font> e n.º 2, do CPC, que foi admitido pela Formação a que se refere o artigo 672.º, n.º 3, do CPC.</font><br>
</p><p><font>A questão, que se reveste de relevância jurídica para uma melhor aplicação do direito, é a questão dos efeitos do subseguro e da interpretação dos artigos 5.º, 6.º e 9.º, n.º 1, do Decreto-lei n.º 446/84, de 25 de outubro (Lei da Cláusulas Contratuais Gerais - LCCG) em conjugação com os artigos 134.º e 130.º, nº 1, do Decreto-lei n.º 72/2008, de 16 de abril (Lei dos Contratos de Seguro – LCS), norma que consagra para os casos de subseguro a regra supletiva da proporcionalidade.</font><br>
</p><p><font>A Formação definiu a questão que importa conhecer do seguinte modo: </font><br>
</p><p><i><font>«A conjeturada relevância jurídica, a exigir a intervenção deste Supremo Tribunal de Justiça para melhor aplicação do direito, respeita, pois, à incerteza interpretativa dos enunciados preceitos legais, concretamente, importará saber se no caso concreto de o seguro de danos não prever uma cláusula cujo normativo é a aplicação da regra da proporcionalidade, nomeadamente, porque se entende que a cláusula contratual de subseguro é uma cláusula nula, ter-se-á de considerar o regime supletivo decorrente do art.º 134º ex vi art.º 130º da Lei do Contrato de Seguro, apelando ao art.º 9º da Lei das Cláusulas Contratuais Gerais, não sendo justo fazer recair sobre a seguradora a obrigação de pagar os danos na sua totalidade, quando o capital seguro é inferior ao capital em risco. Recebendo a seguradora apenas o prémio do seguro, como se o capital seguro fosse igual ao capital em risco só porque a seguradora /tomadora nada sabe sobre o regime legal do subseguro.»</font></i><br>
</p><p><i><font> </font></i><br>
</p><p><b><font>9.</font></b><font> As conclusões apresentadas pela recorrente </font><b><font>Lusitânia</font></b><font> foram as seguintes: </font><br>
</p><p><font>1 - Conforme decorre do Douto Acórdão do Tribunal da Relação do Porto “o facto não provado </font><i><font>“o valor de 600,00000 euros de capital seguro para o edifício não tinha sido indicado pela 1ª A. à Companhia de Seguros R.”</font></i><font> passou a ter a seguinte redação sob o nº 7-A dos factos provados </font><i><font>“A Autora sabia e deu a sua concordância que o contrato de seguro celebrado com a ora Apelante tinha como capital seguro inicial a quantia inicial de 600,000,00 euros por indicação do seu mediador de seguros”</font></i><br>
</p><p><font>2 - Considerada excluída do contrato de seguro dos autos, a cláusula contratual do contrato de seguro referente à aplicação da regra da proporcionalidade (Subseguro) o Tribunal deveria procurar se, na lei, existe regime supletivo aplicável, conforme refere o artigo 9º nº 1 da Lei das Clausulas Contratuais Gerais (LCCG).</font><br>
</p><p><font>3 - Havendo regime legal aplicável na falta da clausula contratual excluída do contrato de seguro de seguro (conforme decisão), será esse o regime aplicável a ter em conta no caso concreto.</font><br>
</p><p><font>4 - No caso concreto existe regime supletivo aplicável: artigo 134º da Lei do Contrato de Seguro (LCS) (Decreto-Lei nº 72/2008 de 16 de abril).</font><br>
</p><p><font>5 - “a ignorância da lei não justifica a falta do seu cumprimento…” artigo 6º do Código Civil e o tribunal não pode deixar de aplicar a lei, quando a lei existe (artigo 8º do Código Civil).</font><br>
</p><p><font>6 - O tribunal não aplicou a lei que existe – artigo 134º da LCS aplicável por força do disposto no artigo 9º nº 1 da LCCG.</font><br>
</p><p><font>7 - Não houve correta aplicação do direito, tendo em conta que: </font><br>
</p><p><font>i. No caso </font><i><font>subjudice</font></i><font> existe subseguro;</font><br>
</p><p><font>j. A Douta Sentença e Douto Acórdão não atenderam ao disposto no artigo 134º </font><i><font>ex vi</font></i><font> artigo 130º nº 1 da Lei do Contrato de Seguro (Decreto-Lei nº 72/2208 de 16 de abril);</font><br>
</p><p><font>k. Aos valores apurados APLICA-SE, a regra da proporcionalidade (subseguro);</font><br>
</p><p><font>l. Na Douta Sentença e Douto Acórdão não foi devidamente aplicado o regime previsto nos artigos 5º e 6º do DL n.º 446/85, de 15/10, alterado pelos DL n.º 220/95 de 31/08 (com a Declaração de Rectificação n.º 114-B/95, de 31/08), 249/99, de 7/07, e 323/2001, de 17/12), e art.º 8.º, al. a) deste diploma legal;</font><br>
</p><p><font>m. A Douta Sentença e Douto Acórdão não atenderam ao disposto no artigo 9º nº 1 da LCCG.</font><br>
</p><p><font>n. A Douta Sentença e Douto Acórdão ao decidirem que a cláusula contratual do Subseguro é uma “cláusula nula” (a excluir do contrato titulado pela Apólice nº ...95) ter-se-á de ter em conta o regime supletivo aplicável – vide, artigo 9º nº 1 da LCCG;</font><br>
</p><p><font>Cfr - artigo 9º da LCCG: “</font><i><font>1 – Nos casos previstos no artigo anterior os contratos singulares mantêm-se, vigorando na parte afetada as normas supletivas aplicáveis, com recurso, se necessário, às regras de integração dos negócios jurídicos”).</font></i><br>
</p><p><font>o. Se a Douta Sentença e Douto Acórdão tivessem tido em conta o disposto no artigo 9º nº 1 da LCCG, a Decisão, em conformidade, seria de aplicar a regra proporcional prevista no artigo 134º da Lei do Contrato de Seguro porque essa é a “norma supletiva aplicável”. </font><br>
</p><p><font>Por consequência:</font><br>
</p><p><font>p. O valor a indemnizar deverá ser, apenas, 71.106,40 euros.</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font>8 - O capital seguro inicial foi considerado em 600.000,00 euros, com a concordância dos Autora, atualizado à data do sinistro em 622.980,42 euros.</font><br>
</p><p><font>9 – É ao Tomador de Seguro que compete indicar, ou dar a sua concordância sobre qual o capital que pretende ver seguro no âmbito do seguro facultativo, como é o caso.</font><br>
</p><p><font>10 - A ora Apelante não pode ser prejudicada pela ignorância manifestada pela Autora das consequências do regime legal estabelecido para o subseguro, ignorância expressa na missiva que a Autora enviou à ora Apelante e, por via da qual, expressou o seguinte: </font><i><font>“…Decorre claro daquela apólice que o capital seguro ascende ao valor de 600.000,00 €, pelo que não se compreende que a companhia não assuma a totalidade do valor da reparação do sinistro, o qual se afigura ser inferior ao valor seguro…”.</font></i><br>
</p><p><font>11 - A indicação inicial e atualização do Capital Seguro é da exclusiva responsabilidade do Tomador de Seguro, não podendo a seguradora, de sua livre iniciativa, proceder a essa alteração.</font><br>
</p><p><font>12 - A avaliação dos bens seguros pertence ao Tomador do Seguro.</font><br>
</p><p><font>13 - É da exclusiva iniciativa do Tomador do Seguro avaliar e determinar quantitativamente o seu “interesse seguro”. Se, apenas, o Tomador do Seguro pretender segurar parte do valor da avaliação considerando um capital seguro inferior a essa avaliação, e havendo danos parciais em resultado de um sinistro, aplica-se a regra da proporcionalidade prevista no artigo 134º </font><i><font>ex vi</font></i><font> artigo 130º nº 1 da Lei do Contrato de Seguro.</font><br>
</p><p><font>14 - Se o contato de seguro de danos não prever uma cláusula cujo normativo é a aplicação da regra da proporcionalidade, está regra, não deixa de ser aplicável, atento o regime do artigo 134º da LCS. </font><br>
</p><p><font>15 - Não é justo recair sobre a Apelante a obrigação de pagar os danos na sua totalidade, sendo que, o capital seguro é inferior ao capital em risco, recebendo apenas o prémio do seguro, como se o capital seguro fosse igual ao capital em risco só porque a Autora não sabe as consequências do regime legal do subseguro.</font><br>
</p><p><font>16 - Daí, e para colmatar essa injustiça, existe o regime legal supletivo do artigo 134º da LCS.</font><br>
</p><p><font>17 - Vem a propósito citar o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça 09-01-2018 Revista n.º 1714/16.9T8LSB.L1.S1 - 6.ª Secção José Raínho (Relator) * Graça Amaral Henrique Araújo</font><br>
</p><p><font>18 - A Autora tinha conhecimento de tudo o que o Sr. DD, seu mediador, estava a fazer no seu interesse e deu o seu consentimento.</font><br>
</p><p><font>19 - Dos Avisos de Pagamento juntos aos autos consta o CAPITAL SEGURO no decurso de cada anuidade, de forma bem legível (bastaria ler) e as declarações</font><i><font>: “O capital seguro corresponde ao valor máximo em caso de perda total na presente anuidade, e, se contratada a condição “Atualização Indexada de Capital”, foi atualizado de harmonia com os índices publicados para o efeito pelo Instituto de Seguros de Portugal” … “Em caso de insuficiência de capital seguro à data do sinistro, o segurador só responde pelo dano na respetiva proporção, respondendo o tomador do seguro/segurador pela restante parte dos prejuízos como se fosse segurador”;</font></i><br>
</p><p><font>20 – A Autora, sabia (ainda que não desse importância), portanto, que </font><i><font>“Em caso de insuficiência de capital seguro à data do sinistro, o segurador só responde pelo dano na respetiva proporção, </font></i><font>respondendo o tomador do seguro/segurador pela restante parte dos prejuízos como se fosse segurador”</font><br>
</p><p><font>21 - A Douta Decisão menospreza, o regime legal supletivamente aplicável (artigo 134º da Lei do Contrato de Seguro) ainda que se considere, que devam ser consideradas como não escritas as Cláusulas 19º e 20ª das Condições Gerais da Apólice nº ...95.</font><br>
</p><p><font>22 - A Decisão é violadora do regime legal supletivo previsto no artigo 134º da Lei do Contrato de Seguro.</font><br>
</p><p><font>23 - O regime do artigo 134º da Lei do Contrato de Seguro é de aplicação supletiva conforme resulta do teor dessa norma e o contrato de seguro celebrado com a ora Recorrente, não tem cláusula especial que afaste a aplicação desse regime legal supletivo.</font><br>
</p><p><font>24 - O que tem é uma Cláusula (a 20ª) que transcreve o regime legal supletivo que a Douta Decisão resolveu excluir do contrato de seguro.</font><br>
</p><p><font>25 - Mas, se decidiram excluir do contrato de seguro a Cláusula que estipulava o regime de aplicação da regra da proporcionalidade, não podem excluir da Lei o regime supletivo de aplicação da regra da proporcionalidade.</font><br>
</p><p><font>26 - E, se a lei existe e não foi afastada por cláusula contatual, terá de ser, forçosamente, o seu regime aplicável, porque este regime é geral e abstrato e aplicável a todos, independentemente de conhecerem ou não os contornos legais e suas consequências.</font><br>
</p><p><font>27 - A Douta Sentença e Acórdão faz alusão ao disposto no artigo 135º da Lei do contrato de seguro, mas este regime diz respeito a riscos relativos à habitação, não aplicável, em qualquer das suas vertentes, ao caso concreto.</font><br>
</p><p><font>28 - O caso concreto tem como risco seguro, conforme consta da matéria de facto provada: um prédio misto, sito no lugar de ... ou ..., na freguesia ..., no concelho ..., melhor descrito na Repartição de Finanças ... sob os art.ºs 291 e 556º e inscrito na respetiva Conservatória do Registo Predial sob o n.º ...48 … uma série de edifícios destinados ao apoio à agricultura e/ou pecuária, que não estão descritos ou identificados nem na descrição da Conservatória do Registo Predial nem na respetiva matriz… complexo de edifícios.</font><br>
</p><p><font>29 - O disposto no artigo 135º da Lei do Contrato de seguro, não é aplicável, porquanto no caso concreto, está-se perante um contrato de seguro de natureza facultativa de um conjunto de edifícios inseridos numa quinta agrícola com alguns edifícios, alguns deles em estado de degradação edifícios esses que não são destinados exclusivamente à habitação.</font><br>
</p><p><font>30 - Por outro lado, a Cláusula de Indexação de Capital constante da apólice de natureza facultativa, que fez com que o capital inicial fosse anualmente atualizado, visa, precisamente, por vontade do Tomador do Seguro, uma atualização do risco inicial seguro em função do capital contratado, atualização automática, voluntária, no interesse de ambas as partes.</font><br>
</p><p><font>31 - A regra proporcional, supletivamente, admitida no nosso sistema jurídico atual (artigo 134º da Lei do Contrato de Seguro) já era contemplada no regime do Código Comercial de Veiga Beirão (artigo 433º) sendo (a regra da proporcionalidade e a sua supletividade) solução pacífica no direito comparado mais próximo (Bélgica, 92, art.º 44, Espanha, 80, art.º 30, França art.º L.121-5 e Itália 42, art.º 1907).</font><br>
</p><p><font>32 - Basta citar o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22 de novembro de 2011 (processo nº 710/06.9TCGMR.G1.S1)ou o Acórdão da Relação de Guimarães nº 3607/06.9TBBRG.G1, para se concluir que, a regra do subseguro, sempre foi prevista na Lei, ainda que, o contrato de seguro seja omisso, quanto à sua aplicabilidade.</font><br>
</p><p><font>33 - Tal regra – a do subseguro – mesmo que não estivesse contida no Clausulado das Apólices de Seguro, seria sempre, o princípio a aplicar, porque a sua fonte normativa e não contratual. A regra da proporcionalidade consta da lei (artigo 134º da Lei do Contrato de Seguro). A regra da proporcionalidade resulta de uma norma legal, tem como fonte a Lei e o seu desconhecimento (ainda que técnico) não justifica a falta do seu cumprimento conforme estipula o artigo 6º do Código Civil.</font><br>
</p><p><font>34 - A regra geral e abstrata da aplicação do princípio da proporcionalidade nos seguros de danos é uma opção do Legislador Português e não da autoria da ora Recorrente ou de qualquer outro Segurador.</font><br>
</p><p><font>35 - Como refere Pedro Romano Martinez (Lei do Contrato de Seguro Anotada, Almedina 2009 página 367 e seguintes) </font><i><font>“O valor do interesse seguro relevante varia consoante o objeto seguro e a modalidade em causa: relativamente às coisas destinadas a venda, elevará, em princípio, o valor venal, ou de venda. Mas o valor de uso pode também ser tido em conta relativamente a coisa que o segurado não destine a venda, e que normalmente se traduz no valor necessário à sua reconstituição”.</font></i><font> Prossegue Pedro Romano Martinez (autor do projeto da Lei do Contrato de Seguro) </font><i><font>“Naturalmente que um subsídio relevante para a determinação do valor do interesse seguro ao tempo do sinistro será o valor do mesmo ao tempo da celebração do contrato ou atualização do contrato, valor aliás determinante do montante do prémio e de juízo de eventual situação de sobresseguro ou subseguro”.</font></i><br>
</p><p><font>36 - Conforme Acórdão da Relação de Lisboa, de 21 de maio de 2020 (processo nº 24171717.8T8LSB.L1.2, que vem a propósito enunciar:</font><br>
</p><p><font>I -O capital seguro representa o valor máximo da prestação a pagar pelo segurador, sendo que, salvo quando esteja determinado por lei, cabe ao tomador do seguro indicar ao segurador, quer no início, quer na vigência do contrato, o valor da coisa, direito ou património a que respeita o contrato, para efeito da determinação do capital seguro (cfr. art.º. 49.º, n.ºs. 1 e 2, da Lei do Contrato de Seguro (LCS), aprovada pelo D.L. n.º 72/2008, de 16 de abril).</font><br>
</p><p><font>Não falta aqui nada?!?...</font><br>
</p><p><font>V) Na falta de estipulação nos termos do art.º 131.º da LCS, importará apreciar se o valor do capital seguro, corresponde ao valor do bem. Se tal suceder, o valor da prestação da seguradora estará encontrado. No caso de não haver tal correspondência, a prestação da seguradora corresponderá ao valor apurado (valor venal ou de mercado), como valor em risco.</font><br>
</p><p><font>37 - A bem do interesse dos AA, seria conveniente – mas não foi – que o Capital Seguro da Apólice fosse de 1.771.545,61 euros, que o prémio de seguro incidisse sobre esse valor e, então sim, a ora Apelante teria de “satisfazer a prestação contratual” perante os AA (artigo 102º da Lei do Contrato de Seguro) liquidando a totalidade do valor de danos ocorridos no conjunto de edificações que compõem a sua quinta agrícola, cumprindo-se o objetivo previsto no artigo 130º nº 1 da lei do Contrato de Seguro.</font><br>
</p><p><font>38 - No caso concreto, tendo em conta os seguintes pressupostos:</font><br>
</p><p><font>8 O valor em risco (interesse sobre o objeto seguro) foi avaliado em 1.771.545,61 euros (facto provado nº 38);</font><br>
</p><p><font>9 O valor do capital seguro no momento do sinistro era de 622,980,42euros (facto provado nº 26);</font><br>
</p><p><font>10 O valor dos prejuízos 202.179,13 euros (factos provados nºs 36 e 37).</font><br>
</p><p><font>O valor a indemnizar (prestação contratual) é:</font><br>
</p><p><font>c) Na garantia de Incêndio, será de 68.648,58 euros (correspondente a 33,87% rateio, conforme resulta dos cálculos expressos na página 15 do Relatório de Averiguação de fls 148 e ss – documento nº 4 junto à contestação).</font><br>
</p><p><font>d) Na garantia de Demolição e Remoção de Escombros, será de 2.457,82 euros (correspondente a 35,17% rateio, considerando valor inferior ao limite de indemnização de 10% dos prejuízos indemnizáveis no máximo de 5.000,00 euros para a demolição de escombros, conforme consta a Apólice e conforme resulta dos cálculos expressos na página 14 e 15 do Relatório de Averiguação de fls 148 e ss – documento nº 4 junto à contestação).</font><br>
</p><p><font>39 - A Douta Sentença e Douto Acórdão erraram, na aplicação do direito, ao considerar “não podendo prevalecer-se da cláusula contratual referente à aplicação da regra da proporcionalidade, e sendo o valor dos danos, 202.179,13 €, inferior ao montante do capital seguro, a R. é responsável pelo pagamento dessa quantia aos AA., acrescida de juros de mora à legal de 4% ao ano desde a presente data até integral pagamento (Portaria n.º 291/03 de 8/04), nos termos das disposições conjuntas dos arts. 805.º, n.º 3, 1.ª parte e 806.º, n.º 1 e 2 e 559.º, n.ºs 1 e 2, todos do Cód. Civil”.</font><br>
</p><p><font>40 - Admitindo, por mero dever de raciocínio, que as consequências de subseguro - ainda que subsidiariamente previsto na lei - quando transcrito nas Condições Gerais de um Contrato de Seguro (contratos de adesão) é uma “cláusula surpresa” que o tomador do seguro não estava à espera encontrar no Clausulado duma apólice, caso a mesma seja considerada excluída do contrato de seguro, o julgador terá de procurar o regime supletivamente aplicável à situação em concreto. </font><br>
</p><p><font>41 - Na Douta Sentença e Douto Acórdão conclui-se que “a Ré seguradora violou o dever de informação da tomadora do seguro relativamente a cláusula contratual geral…” e mais à frente refere “de onde é forçoso concluir que, não podendo prevalecer-se da cláusula contratual referente à aplicação da regra da proporcionalidade… é responsável pelo pagamento do valor dos prejuízos aos AA”.</font><br>
</p><p><font>42 - Esta cláusula contratual, limita-se a transcrever, no contrato de seguro de Multirriscos, a regra normativa do artigo 134º da Lei do Contrato de Seguro, esta, aplicável a todos os cidadãos e a todos os contratos de seguro porque tem como fonte de direito a LEI, nada mais acrescenta que limita direitos ou amplie deveres.</font><br>
</p><p><font>43 - A Cláusula20ª constante das Condições Gerais da Apólice nº ...95, considerada excluída, erradamente do contrato de seguro em causa, não é uma cláusula imposta, unilateralmente, pela ora Recorrente no contrato de seguro, no sentido de salvaguarda dos seus interesses enquanto parte no contrato, mas tão só, a descrição numa cláusula contratual, do conteúdo extraído dum princípio geral de natureza normativa.</font><br>
</p><p><font>44 - A cláusula contratual erradamente excluída do contrato de seguro, referente à aplicação da regra da proporcionalidade é a transcrição de uma norma legal (artigo 134º da Lei do Contrato de Seguro) que a todos vincula.</font><br>
</p><p><font>45 - Refere a Douta Sentença e o Douto Acórdão que, tal(ais)cláusula(s)está(ão) “sujeita(s) ao regime previsto nos artigos 5º e 6º do DL n.º 446/85, de 15/10, alterado pelos DL n.º 220/95 de 31/08(com a Declaração de Retificação n.º 114-B/95, de31/08), 249/99, de7/07, e 323/2001, de 17/12), e, nessa medida, a mesma, por força do art.º 8.º, al. a) deste diploma legal, considera-se excluída do contrato de seguro em discussão” (sublinhado de realce).</font><br>
</p><p><font>46 - Admitindo-se que tal cláusula se tem de considerar excluída, mesmo assim, a qualquer contrato de seguro de danos, é aplicável o princípio legal da proporcionalidade, se nada for contemplado em contrário no respetivo contrato de seguro, por força do regime legal dos artigos 130º nº 1 e 134º da Lei do Contrato de Seguro.</font><br>
</p><p><font>47 - O subseguro não decorre nem tem como fonte uma cláusula unilateral, limitativa ou de exclusão da responsabilidade contratual desse seguro de danos.</font><br>
</p><p><font>48 - O subseguro é, sim, a consagração contratual de um princípio supletivo, de ordem jurídica decorrente da Lei do Contrato de Seguro cuja vinculação legal a todos os sujeitos é exigível e a todos é exigível conhecer (artigo 6º do Código Civil).</font><br>
</p><p><font>49 - O subseguro decorre de um princípio normativo, cuja fonte de direito é a lei (artigo 134º da lei do Contrato de Seguro, conjugado com o seu artigo 130º nº 1).</font><br>
</p><p><font>50 - O artigo 134º da lei do Contrato de Seguro, conjugado com o seu artigo 130º nº 1 é imperativo, salvo disposição contratual em contrário;</font><br>
</p><p><font>51 - O subseguro tem consagração legal, ainda que essa consagração seja supletiva, isto é, se o contrato de seguro em concreto, nada estipular em contrário. O subseguro não resulta, de mera estipulação contratual, descrita numa qualquer cláusula de forma unilateral e pré-concebida. Por isso, a sua não comunicação, não excluiu a aplicação do regime legal do artigo 134º da Lei do Contrato de Seguro.</font><br>
</p><p><font>52 - Mesmo admitindo que a cláusula contratual do Subseguro, é uma “cláusula nula” e por isso excluída do contrato de seguro, o regime supletivo aplicável - </font><i><font>ex vi</font></i><font> artigo 9º nº 1 da LCCG – terá de ser, sempre, o da regra proporcional legalmente consagrada no artigo 134º da Lei do Contrato de Seguro.</font><br>
</p><p><font>53 – Com efeito, dispõe o artigo 9º da LCCG que </font><i><font>“1 – Nos casos previstos no artigo anterior os contratos singulares mantêm-se, vigorando na parte afetada as normas supletivas aplicáveis, com recurso, se necessário, às regras de integração dos negócios jurídicos”.</font></i><br>
</p><p><font>54 - As Doutas Decisões ignoraram, erradamente, o disposto no artigo 9º nº 1 da LCCG.</font><br>
</p><p><font>55 - Se as Doutas Decisões atendessem ao disposto no artigo 9º da LCCG a </font><i><font>“norma supletiva aplicável”</font></i><font> teriam de recorrer-se do regime legal do subseguro, previsto no artigo 134º da Lei do Contrato de Seguro e em caso algum concluiriam como concluíram.</font><br>
</p><p><font>56 - Teriam de decidir, forçosamente, por imperativo legal supletivo, em conformidade com o disposto nos artigos 130º nº 1 conjugado com o 134º da Lei do Contrato de Seguro e é por isso que se recorre em Revista excecional.</font><br>
</p><p><font>57 – É por isso se espera, se faça justiça, aplicando a lei devidamente (regime supletivo da regra da proporcionalidade prevista no artigo 134º da Lei do Contrato de Seguro).</font><br>
</p><p><font>58 – Assim se espera que o valor da indemnização contratual seja de 71.106,40 euros (ponto 10 da matéria de facto provada).</font><br>
</p><p><font>Porque:</font><br>
</p><p><font>59 - No caso presente deverá ser atendida a regra da proporcionalidade prevista no artigo 134º da Lei do Contrato de Seguro </font><i><font>ex vi</font></i><font> artigo 130º nº 1 e, por essa via legal, considerando:</font><br>
</p><p><font>e) O valor em risco relativo ao objeto seguro (1.771.545,61 euros); </font><br>
</p><p><font>f) O capital seguro à data do sinistro (622.980,42 euros);</font><br>
</p><p><font>g) O valor dos danos apurados (202.179,13 euros),</font><br>
</p><p><font>h) O valor a indemnizar os AA é de 71.106,40 euros (conforme factos assentes: nºs 10, 26, 36 e 37 e ponto 11. 2. 2. 1 destas alegações).</font><br>
</p><p><font>60 - Nos termos conjugados dos artigos 629º nº 1, 641º, 671º nº 1 e 672º nº 1 alínea a) nº 2 e 3 do Código de Processo Civil está em causa </font><i><font>“uma questão cuja apreciação, pela sua relevância jurídica claramente necessária para uma melhor aplicação do direito” ….</font></i><br>
</p><p><font>I - A REGRA DA PROPORCIONALIDADE NO CASO DE HAVER SUB SEGURO;</font><br>
</p><p><font>II - REGRA NORMATIVA, CUJA FONTE DE DIREITO É A LEI;</font><br>
</p><p><font>III - QUE SE APLICA HÁ SECULOS NA NOSSA ORDEM JURIDICA;</font><br>
</p><p><font>IV - COM A CONSAGRAÇÃO ATUAL NO ARTIGO 134º DA LEI DO CONTRATO DE SEGURO.</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><b><font>Perante todo o supra exposto, </font></b><br>
</p><p><b><font>Pugna, a ora Recorrente, pela revogação do Douto Acórdão da Relação do Porto e a sua substituição por outra Decisão que, tendo em conta os factos provados, decida em conformidade com a fundamentação e Conclusões descritas e faça a acostumada</font></b><br>
</p><p><b><font>JUSTIÇA !!!!»</font></b><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><b><font>10. </font></b><font>Os recorridos/autores </font><b><font>AA e Outros</font></b><font> apresentaram contra-alegações pugnando pela inadmissibilidade da revista e subsidiariamente pela manutenção do decidido. </font><br>
</p><p><b><font>11.</font></b><font> Sabido que, ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, é pelas conclusões que se delimita o objeto do recurso, a única questão a decidir é a de saber se declarada nula, por falta de informação (artigos 5.º, 6.º, e 8.º al. </font><i><font>a),</font></i><font> do decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de outubro), a cláusula do contrato de seguro que prevê a aplicação da regra da proporcionalidade nos casos de subseguro, se aplica o regime supletivo previsto no artigo 134.º da Lei do Contrato de Seguro, que consagra a regra da proporcionalidade para os casos em que o capital segurado é inferior ao valor do risco. </font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font>Cumpre apreciar e decidir.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font> </font></b>
</p><p><b><font>II – Fundamentação </font></b>
</p><p><b><font>A – Os Factos</font></b>
</p><p><font>As instâncias deram como provados os seguintes factos que se passam a transcrever:</font>
</p><p><font>1. Os Autores são, em regime de compropriedade, donos e legítimos proprietário de um prédio misto, sito no lugar de ... ou ..., na freguesia ..., no concelho ..., melhor descrito na Repartição de Finanças ... sob os art.ºs 291 e 556º e inscrito na respetiva Conservatória do Registo Predial sob o n.º ...48.</font>
</p><p><font>2. A 1ª Autora, AA, celebrou com a Ré (R.) Lusitânia Seguros, um contrato de seguro do Ramo Multirriscos Habitação, nele figurando como tomadora, titulado pela apólice n.º ...95 por via do qual transferiu os riscos resultantes, entre outros, de incêndio, conforme decorre das condições particulares.</font>
</p><p><font>3. Fazem parte integrante do prédio misto identificado em A), e que na sua globalidade constitui o Bem Seguro, uma série de edifícios destinados ao apoio à agricultura e/ou pecuária, que não estão descritos ou identificados nem na descrição da Conservatória do Registo Predial nem na r | [0 0 0 ... 0 0 0] |
XzFcu4YBgYBz1XKv9_v3 | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><font> </font><div><br>
<font>Acordam no Supremo Tribunal de</font><b><font> </font></b><font>Justiça</font></div><br>
<br>
<b><font> </font></b><br>
<p><b><font>I - Relatório</font></b><br>
</p><p><b><font>1. “Banco Espírito Santo, S.A., Sociedade Aberta”</font></b><font> instaurou, em 7 de fevereiro de 2006, processo executivo para pagamento de quantia certa contra </font><b><font>AA; BB; CC e DD,</font></b><font> sendo título executivo uma livrança subscrita pelos executados.</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><b><font>2.</font></b><font> Da consulta eletrónica dos autos e respetivos apensos resulta que na pendência dos mesmos faleceram os executados, tendo ocorrido a habilitação dos respetivos herdeiros que </font><b><font>nessa qualidade</font></b><font> assumiram a posição dos iniciais demandados.</font><br>
</p><p><b><font>Entre os herdeiros habilitados estão EE, filho de AA e de DD</font></b><font>.</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><b><font>3.</font></b><font> O exequente nomeou à penhora o prédio urbano sito em ... e sobre o qual foi constituída hipoteca a seu favor.</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><b><font>4.</font></b><font> Após penhora, foi oportunamente decidida a venda do imóvel por meio de propostas em carta fechada (</font><i><font>vide</font></i><font> decisão do AE de 28/12/2011).</font><br>
</p><p><font>Frustrada a venda por esta modalidade foi ordenada a venda por meio de negociação particular (</font><i><font>vide</font></i><font> auto de 28/05/2012).</font><br>
</p><p><font>Por despacho de 28/05/2015 foi fixado o valor mínimo de venda do imóvel em € 840.285,00.</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><b><font>5.</font></b><font> De entre várias vicissitudes processuais, decorrem do processo de execução as seguintes ocorrências que se entende relevante discriminar, para a apreciação do mérito do recurso interposto:</font><br>
</p><p><b><font> </font></b><br>
</p><p><b><font>5.1.</font></b><font> </font><b><font>Em 10/09/2019, o herdeiro habilitado (HH) EE</font></b><font>, notificado da apresentação de proposta de aquisição do imóvel nos autos penhorado, veio declarar:</font><br>
</p><p><i><font>“A proposta apresentada fica muito aquém do valor real do imóvel, cujo valor patrimonial tributário é de 778.180,00€ conforme já consta de documento junto aos autos em requerimento apresentado por FF.</font></i><br>
</p><p><i><font>Também é do conhecimento do aqui exponente de que existem mais interessados na aquisição do imóvel, e de que existe, inclusive, já uma proposta de valor superior apresentada ao encarregado de venda.</font></i><br>
</p><p><i><font>Pelo que, não deve a proposta apresentada de 575,000,00€, ser aceite, porquanto a mesma é demasiada baixa em relação ao valor do real do imóvel, o que causaria um sério prejuízo a todos os interessados (herdeiros da herança indivisa da qual faz parte este imóvel).”</font></i><br>
</p><p><font>Idêntica oposição tendo deduzido em </font><b><font>05/12/2019</font></b><font>, em resposta a posterior oferta de € 845.000,00 apresentada por “Dublin Polis, SA”, alegando entre o mais ter o imóvel sido </font><i><font>“avaliado recentemente em valor superior a € 900.000,00”</font></i><font> (</font><i><font>vide</font></i><font> notificações e requerimento da AE de 20/11/2019 e 21/11/2019).</font><br>
</p><p><b><font>5.2. -</font></b><font> </font><b><font>Em 12/12/2019</font></b><font> é junta aos autos </font><b><font>comunicação enviada à AE por este mesmo HH EE, na qual, e invocando a qualidade de filho do executado originário (AA), manifestou a “sua intenção de exercer direito de remição sobre o imóvel (…)”</font></b><font> penhorado.</font><br>
</p><p><font>Requerendo então e por estar em causa venda por negociação particular que o impede de tomar conhecimento da proposta mais alta apresentada, que oportunamente fosse informado desse valor, bem como conta bancária para efetuar o depósito integral. </font><br>
</p><p><font>Então juntou certidão de nascimento de onde resulta a sua qualidade de descendente de AA e DD, ambos primitivos executados e nessa qualidade habilitado como herdeiro.</font><br>
</p><p><b><font>5.3.-</font></b><font> Em </font><b><font>15/01/2020,</font></b><font> a AE notifica os interessados de que foi designada a data de 21/01/2020 para apresentação e licitação de propostas por todos os interessados, </font><i><font>“conforme comunicação do Sr. Encarregado de Venda que junto se anexa.”</font></i><br>
</p><p><font>Mais informa: </font><br>
</p><p><i><font>“As propostas deverão ser apresentadas a partir do valor de 855.000,00€</font></i><font>.</font><br>
</p><p><i><font>A melhor proposta formalizada junto do Sr. Encarregado de Venda, no dia, hora e local indicados, será aceite pela Agente de Execução, sendo tal decisão devidamente notificada às partes.</font></i><br>
</p><p><i><font>Para o efeito, deverá informar e comunicar a todos os interessados conhecidos por V. Exa, na aquisição do imóvel penhorado nos autos para comparecerem no dia, hora e local designados, a fim de formalizarem e apresentarem a sua proposta.</font></i><br>
</p><p><i><font>Após a realização desta licitação, não serão aceites novas propostas.”</font></i><br>
</p><p><b><font>5.4. –</font></b><font> Em </font><b><font>28/01/2020</font></b><font> é junto aos autos informação prestada à AE pelo encarregado de venda por negociação particular, informando que </font><u><font>a melhor proposta obtida foi apresentada por “Dublin Polis, SA, no valor de </font></u><b><u><font>€ 900.000,00”.</font></u></b><br>
</p><p><b><font>5.5. - </font></b><font>Em </font><b><font>29/01/2020</font></b><font> o interessado </font><b><font>EE</font></b><font> apresenta nos autos o seguinte requerimento: </font><br>
</p><p><i><font>“O aqui exponente esteve presente na diligência de licitação entre interessados, realizada no escritório do encarregado de venda, no dia 21/01/2020, pela 11.30, conforme consta da comunicação efetuada pelo senhor encarregado de venda à Exma. Senhora Agente de execução e que foi junto a estes autos, pela mesma, com o seu requerimento datado de 28/02/2020.</font></i><br>
</p><p><i><font>Contudo não ficou a constar da mesma comunicação, que o aqui exponente, após a apresentação da melhor proposta que se registou no valor de 900,000.00€, manifestou desde logo, a sua intenção de exercer o seu direito de remição, enquanto filho do executado originário. O que agora se pretende corrigir.</font></i><br>
</p><p><i><font>Pelo que, caso a última proposta registada seja aceite, vem, o aqui exponente, mais uma vez, nos termos e para os efeitos constantes dos artigos 842º e 843º do Código Processo Civil, manifestar a sua intenção de exercer direito de remição sobre o imóvel infra melhor identificado:</font></i><br>
</p><p><i><font>- Prédio urbano constituído por ... e logradouro, destinado a indústria, sito na Rua ..., inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...67 e descrito na competente Conservatória do Registo Predial sob o nº ...39,</font></i><br>
</p><p><i><font>Assim, requer-se que em caso de aceitação da proposta supra mencionada, seja indicado pela Exma. Sra. Agente de Execução e/ou o Exmo. Sr. Encarregado de Venda a conta bancária para onde deve ser efetuado o depósito do preço integral, para que seja possível ao aqui requerente concluir o exercício do seu direito, depositando o valor da proposta mais alta apresentada e aceite.”</font></i><br>
</p><p><b><font>5.6. -</font></b><font> Por </font><b><font>despacho de 04/03/2020</font></b><font> é ordenada a notificação da “proposta direito de remição” às partes.</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><b><font>5.7. -</font></b><font> Em </font><b><font>08/07/2020</font></b><font> e na sequência de requerimento apresentado por </font><b><font>FF</font></b><font> é determinado:</font><br>
</p><p><i><font>“Notifique todas as partes para que tomem posição sobre a requerida alteração da modalidade da venda para leilão eletrónico, subjacente na reclamação apresentada a 17 de Janeiro pela executada, com a advertência de que nada dizendo se considera que as partes anuem na alteração da modalidade da venda como requerido.”</font></i><br>
</p><p><b><font>5.8. -</font></b><font> Em </font><b><font>14/08/2020</font></b><font> veio requerer de novo </font><b><font>EE</font></b><font>: </font><br>
</p><p><i><font>“notificado para se pronunciar sobre a requerida alteração da modalidade de venda para leilão eletrónico, em 17/01/2020, pela executada FF, vem dizer o seguinte: </font></i><br>
</p><p><i><font>Conforme já foi exposto em diversos requerimentos por outras partes, a presente execução data de 2006, tendo sido já várias as tentativas de venda do imóvel penhorado ao longo dos anos.</font></i><br>
</p><p><i><font>A melhor proposta obtida para venda do imóvel penhorado cifra-se em 900,000,00€, valor esse já superior ao mínimo de venda proposto pela executada reclamante de 855,000,00€.</font></i><br>
</p><p><i><font>Os credores notificados, já tinham manifestado de que não se opunham à venda por tal montante.</font></i><br>
</p><p><i><font>Atualmente, vislumbra-se que os preços de mercado do imobiliário após o surgimento do novo coronavírus, sofrerão uma estagnação ou até um afrouxamento.</font></i><br>
</p><p><i><font>Ademais, o prolongar da venda no presente processo com a alteração da modalidade, não parece acarretar qualquer vantagem para as partes, bem pelo contrário, poderá correr-se o risco de ver-se reduzido o valor já proposto.</font></i><br>
</p><p><i><font>Face ao exposto, entende o aqui exponente que deve ser indeferido o requerido pela executada FF e aceite a proposta de 900,000,00€ apresentada em Janeiro de 2020 ordenando-se o prosseguimento dos autos nesse sentido.”</font></i><br>
</p><p><b><font>5.9. -</font></b><font>Em </font><b><font>21/09/2020</font></b><font> é proferido o seguinte </font><b><font>despacho</font></b><font>:</font><br>
</p><p><i><font>“Notifique a Sr. AE para notificar as partes das propostas para exercerem o direito que lhes assiste e caso não haja oposição nada tem o Tribunal a opor que seja exercido o direito de remição.”</font></i><br>
</p><p><font>E em </font><b><font>28/09/2020</font></b><font> a AE informa nos autos: </font><br>
</p><p><i><font>“GG, Agente de Execução nos presentes autos, vem, na sequência da notificação do despacho com a referência ...31, e dando cumprimento ao mesmo, procedemos á notificação da proposta de aquisição apresentada por Dublin Polis – Sociedade Imobiliária, SA, titular do NIPC 509 238 815, com sede na Rua 8, nº 381-2º Esq.- 4500-395 Espinho, no valor de 900.000,00€ (novecentos mil euros).</font></i><br>
</p><p><i><font>Assim, face ao exposto, encontra-se em curso as notificações às partes da proposta apresentada para, no prazo de dez dias, querendo se pronunciarem (cfr, notificações juntas aos autos em 25 e 28-09-20).”</font></i><br>
</p><p><b><font>5.10. -</font></b><font> Em </font><b><font>06/10/2020</font></b><font> a interessada </font><b><font>FF</font></b><font> manifesta a intenção de exercer o seu direito de remição na qualidade de filha dos primitivos executados AA e DD</font><br>
</p><p><b><font>5.11. -</font></b><font> Em </font><b><font>07/10/2020</font></b><font> o Herdeiro Habilitado </font><b><font>EE</font></b><font>, na qualidade de filho do executado primitivo, declarou nada ter a opor à proposta de aquisição apresentada no valor de € 900.000,00 e reiterou o seu requerimento já antes apresentado em 29/01/2020 de pretender </font><i><font>“exercer o seu direito de remição sobre o imóvel”</font></i><font> em menção – inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...67 e descrito na CRP sob o nº ...39.</font><br>
</p><p><font>Mais tendo declarado aguardar indicação de </font><i><font>“conta bancária para onde deve ser efetuado o depósito do preço integral de 900.000,00€ (novecentos mil euros) para que seja possível ao requerente concluir o exercício do seu direito, depositando o valor da proposta aceite”;</font></i><br>
</p><p><b><font>5.12. -</font></b><font> Em </font><b><font>30/10/2020</font></b><font> a AE notifica ter agendado para </font><i><font>“18/11/2020, pelas 11:00 Horas, no escritório do Encarregado de Venda nomeado, Sr. HH, sito na ..., ..., em ..., para abertura de licitação de entre os remidores, referindo-se o que oferecer melhor preço, acima de 900.000,00 €, de acordo com o disposto no artigo 845º, nº 2 do Código do Processo Civil.”</font></i><br>
</p><p><b><font>5.13. -</font></b><font> Em </font><b><font>13/11/2020</font></b><font> a proponente “Dublin” junta aos autos requerimento onde entre o mais requer informação, por o desconhecer, se a proposta por si apresentada em 21/01/2020 foi aceite.</font><br>
</p><p><b><font>5.14. - </font></b><font>Em </font><b><font>16/11/2020</font></b><font> a interessada </font><b><font>FF</font></b><font> declara nos autos desistir da sua intenção anteriormente manifestada de exercer o direito de remição, renunciando irrevogavelmente ao exercício de tal direito.</font><br>
</p><p><b><font>5.15. -</font></b><font> Em </font><b><font>17/11/2020</font></b><font> a AE notifica o requerente remidor </font><b><font>EE</font></b><font> para proceder ao pagamento do valor de € 900.000,00 correspondente à totalidade do preço do bem nos termos do disposto no artigo 843º nº 2 do CPC.</font><br>
</p><p><font>Para o efeito indicando os dados para efetuar esse mesmo pagamento - com indicação do prazo de pagamento até 20/11/2020;</font><br>
</p><p><b><font>5.16. -</font></b><font> Em </font><b><font>18/11/2020</font></b><font> o Herdeiro Habilitado </font><b><font>EE</font></b><font> e remidor, notificado do requerimento de 17/11/20 da AE, invocando a inesperada desistência da outra requerente de remição que levou a ficar sem efeito a licitação que entre ambos o requerente de remição havia sido agendada para 18/11 pela AE, requereu a concessão do prazo de 10 dias para efetuar tal depósito. </font><br>
</p><p><font>Mais expressamente declarando manter o referido propósito de remir, apenas </font><i><font>“requerendo unicamente para o efeito, e atento o valor em causa, a concessão do prazo de 10 dias”.</font></i><br>
</p><p><b><font>5.17. -</font></b><font> Na mesma data de </font><b><font>18/11/20</font></b><font> a AE indefere a requerida </font><i><font>“prorrogação do prazo para depósito do preço, assim como do respetivo exercício do direito de remição, por não se encontrar preenchido o pressuposto do depósito integral do preço pelo remidor” </font></i><font>e decide </font><i><font>“notificar o proponente Dublin Polis – Sociedade Imobiliária, S.A., titular do NIPC 509 238 815, com sede na Rua 8, n.º 38, 2.º Esquerdo, 4500-395 Espinho, para proceder ao depósito do preço, no valor de 900.000,00 € (novecentos mil euros), cuja proposta que se considera aceite em 15/10/2020.”</font></i><br>
</p><p><font>Notificação que efetua na mesma data de 18/11/2020;</font><br>
</p><p><b><font>5.18. -</font></b><font> Por requerimento de </font><b><font>19/11/2020</font></b><font> dirigido ao juiz do processo e à AE o Herdeiro Habilitado </font><b><font>EE</font></b><font> declara</font><i><font> “que em momento algum o aqui requerente referiu que não pretendia exercer a remição e depositar o preço no prazo que lhe foi estabelecido para o efeito, requereu unicamente uma prorrogação do prazo, tendo em conta as circunstâncias processuais que foram ocorrendo, que não tornava expectável um desfecho tão apressado, pelo que o despacho deveria ser unicamente no sentido de conceder a prorrogação ou não conceder a prorrogação, nada mais…</font></i><br>
</p><p><i><font>O despacho proferido enferma de uma manifesta nulidade por excesso de pronúncia e configura uma violação das mais elementares normas de direito e de boa-fé.</font></i><br>
</p><p><i><font>O aqui requerente reitera o exercício do direito de remição referindo que até ao termo do prazo concedido, 20 de Novembro de 2020, irá proceder ao depósito do preço.”</font></i><br>
</p><p><font>Terminando requerendo </font><i><font>“que de imediato proceda à correção do despacho proferido com as demais consequências legais.” </font></i><br>
</p><p><b><font> </font></b><br>
</p><p><b><font>5.19. -</font></b><font> Na mesma data de </font><b><font>19/11/2020</font></b><font> apresentou ainda o requerente remidor, perante o juiz do processo, reclamação do despacho da AE, declarando nunca ter referido que não pretendia exercer a remição e depositar o preço no prazo estabelecido, tendo apenas requerido </font><i><font>“uma prorrogação do prazo para o efeito, pelo que o despacho deveria ser unicamente no sentido de conceder a prorrogação ou não conceder a prorrogação, nada mais…”</font></i><br>
</p><p><font>Terminando requerendo ao tribunal se “</font><i><font>digne ordenar a imediata revogação do despacho proferido pela Exma. Sra. Agente de Execução, designadamente no que concerne ao indeferimento do exercício do direito de remição e à notificação do proponente Dublin -polis-sociedade imobiliária, S.A.., atendendo a que tal decisão é manifestamente nula, ordenando-se ainda que a Agente de Execução se abstenha de praticar qualquer ato subsequente com as consequências daí decorrentes.”</font></i><br>
</p><p><b><font>5.20. -</font></b><font> E com data de</font><b><font> 20/11/2020 “à cautela” junta o requerente remidor comprovativo do depósito do preço - € 900.000,00.</font></b><br>
</p><p><font>Mais declarando pretender exercer o direito de remição por estar ainda em tempo para tal nos termos do artigo 843º do CPC, já que </font><i><font>“tendo-se tratado como se tratou de uma venda por outra modalidade que não a de venda por carta fechada, a remição pode ser exercida até ao momento da entrega dos bens ou da assinatura do título que a documenta, o qual ainda não se verificou.”</font></i><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><b><font>6. Apreciando o requerido, foi decidido pelo tribunal </font></b><b><i><font>a quo:</font></i></b><br>
</p><p><i><font>“Como relata a SR. AE no seu requerimento de 23.11 que aqui se reitera vieram os Srs. FF e EE, arrogando-se filhos dos executados, exercer o direito de remição, em 06-10-2020 e 07-10-2020, respetivamente;</font></i><br>
</p><p><i><font>Sucede que, a Sra. FF veio desistir da intenção manifestada de exercer o direito de remição, assim como, renunciar irrevogavelmente ao exercício de tal direito e, ainda, prescindir do anteriormente requerido no que concerne ao leilão eletrónico, desistindo de tal pretensão e manifestando a concordância com a venda realizada; </font></i><br>
</p><p><i><font>Procedeu a Sr.AE à emissão de guia, com entidade e referência, em 17-11-2020, para o remidor, Sr. EE, proceder ao depósito do preço.</font></i><br>
</p><p><i><font>Nesse seguimento, veio de imediato, o remidor requerer a prorrogação do prazo para proceder ao pagamento;</font></i><br>
</p><p><i><font>A SR.AE indeferiu a prorrogação do prazo referindo que: “• Salvo o devido respeito por melhor opinião em contrário, não decorre da lei que exista prazo para o remidor proceder ao depósito do preço; Pelo que, foi proferida decisão pela aqui Agente de Execução a indeferir aquela prorrogação, assim como, o direito de remição exercido, por falta do pressuposto basilar, isto é, o depósito integral do preço, taxativamente previsto na lei;”</font></i><br>
</p><p><i><font>A 20-11-2020 veio o remidor juntar aos autos o comprovativo de depósito do preço, no montante de 900.000,00 €, encontrando-se o valor disponível na conta do processo;</font></i><br>
</p><p><i><font>Acontece que o proponente veio, através de comunicação à Agente de Execução e em requerimento que fez juntar aos autos e que antecede, colocar em causa o exercício do direito de remição e nas palavras do mandatário do proponente, “temem que o exercício de remição in casu não teve como objetivo a preservação do bem na família, mas sim a proteção de interesses de terceiros”; </font></i><br>
</p><p><i><font>Refere, ainda, o proponente, que tal é imprescindível para evitar um eventual requerimento posterior a requerer a nulidade da venda por fraude à lei.</font></i>
</p><p><i><font>No requerimento que antecede veio o proponente pedir seja proferido despacho sobre A POSSIBILIDADE DE O CO-EXECUTADO PODER OU NÃO EXERCER O DIREITO DE REMIÇÃO.</font></i><br>
</p><p><b><font> </font></b>
</p><p><i><font>O Exequente, credor reclamante e demais executados pronunciam-se no sentido de ser aceite o pedido de remição tanto que a verba já se encontra depositada nos autos.</font></i>
</p><p><i><font>Vejamos pois:</font></i><br>
</p><p><i><font> </font></i>
</p><p><i><font>O direito de remição encontrava-se previsto no art. 912º, do C.P.Civil (na redação anterior ao C.P.Civil introduzido pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho que é aplicável ao caso vertente face à regra prevista no art. 6º, nº 3, dessa lei) nos seguintes termos:</font></i>
</p><p><i><font>“Ao cônjuge que não esteja separado judicialmente de pessoas e bens e aos descendentes ou ascendentes do executado é reconhecido o direito de remir todos os bens adjudicados ou vendidos, ou parte deles, pelo preço que tiver sido feita a adjudicação ou a venda”.</font></i>
</p><p><i><font>Conforme referem Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes (in “Código de Processo Civil Anotado, volume 3º, pág. 621), «o direito de remição constitui um direito de preferência legal de formação processual que, tendo por finalidade a proteção do património familiar, evita, quando exercido, a saída dos bens penhorados do âmbito da família do executado».</font></i>
</p><p><i><font>Por outro lado, como é evidente, este mecanismo da remição só pode ser exercido por um terceiro, por quem não é parte (mormente executado) no processo. Isto é, tem que ser requerido por quem é terceiro relativamente à execução em causa. </font></i><br>
</p><p><i><font>Ora, por lapso, no caso vertente não se constatou que no momento em que o requerente do direito de remição o solicitou já era parte nos autos, na medida em que foi habilitado na qualidade de sucessor do falecido AA, executado enquanto seu filho. Sendo esta decisão de 15.5.2009 (apenso C), a partir dessa data o mesmo assumiu a qualidade de co executado – deixando, pois, de ser um terceiro relativamente à execução.</font></i><br>
</p><p><i><font> </font></i>
</p><p><i><font>Tendo</font></i><font> </font><i><font>em</font></i><font> </font><i><font>conta</font></i><font> </font><i><font>que</font></i><font> </font><i><font>o</font></i><font> </font><i><font>direito</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>remição</font></i><font> </font><i><font>foi</font></i><font> </font><i><font>exercido</font></i><font> </font><i><font>após</font></i><font> </font><i><font>essa</font></i><font> </font><i><font>data,</font></i><font> </font><i><font>não</font></i><font> </font><i><font>pode</font></i><font> </font><i><font>ser</font></i><font> </font><i><font>admitido</font></i><font> </font><i><font>a</font></i><font> </font><i><font>exercer</font></i><font> </font><i><font>tal</font></i><font> </font><i><font>direito</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>remição</font></i><font> </font><i><font>pela</font></i><font> </font><i><font>circunstância</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>ser</font></i><font> </font><i><font>parte</font></i><font> </font><i><font>nos</font></i><font> </font><i><font>autos,</font></i><font> </font><i><font>deixando</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>ser</font></i><font> </font><i><font>um</font></i><font> </font><i><font>terceiro</font></i><font> </font><i><font>face</font></i><font> </font><i><font>à</font></i><font> </font><i><font>presente</font></i><font> </font><i><font>execução.</font></i>
</p><p><i><font>Assim</font></i><font> </font><i><font>sendo,</font></i><font> </font><i><font>está</font></i><font> </font><i><font>o</font></i><font> </font><i><font>co</font></i><font> </font><i><font>executado</font></i><font> </font><i><font>e</font></i><font> </font><i><font>remissor</font></i><font> </font><i><font>impedido</font></i><font> </font><i><font>legalmente</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>exercer</font></i><font> </font><i><font>o</font></i><font> </font><i><font>pedido</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>remissão</font></i><font> </font><i><font>o</font></i><font> </font><i><font>que</font></i><font> </font><i><font>ora</font></i><font> </font><i><font>se</font></i><font> </font><i><font>declara.</font></i>
</p><p><i><font>Tal</font></i><font> </font><i><font>decisão</font></i><font> </font><i><font>implica</font></i><font> </font><i><font>ainda,</font></i><font> </font><i><font>como</font></i><font> </font><i><font>é</font></i><font> </font><i><font>evidente,</font></i><font> </font><i><font>a</font></i><font> </font><i><font>devolução</font></i><font> </font><i><font>ao</font></i><font> </font><i><font>referido</font></i><font> </font><i><font>co</font></i><font> </font><i><font>executado,</font></i><font> </font><i><font>após</font></i><font> </font><i><font>o</font></i><font> </font><i><font>trânsito</font></i><font> </font><i><font>em</font></i><font> </font><i><font>julgado</font></i><font> </font><i><font>desta</font></i><font> </font><i><font>decisão,</font></i><font> </font><i><font>do</font></i><font> </font><i><font>preço</font></i><font> </font><i><font>depositado</font></i><font> </font><i><font>pelo</font></i><font> </font><i><font>mesmo</font></i><font> </font><i><font>ao</font></i><font> </font><i><font>abrigo</font></i><font> </font><i><font>do</font></i><font> </font><i><font>direito</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>remição.</font></i>
</p><p><b><i><font>Decisão</font></i></b><br>
</p><p><i><font>Destarte,</font></i><font> </font><i><font>declaro</font></i><font> </font><i><font>a</font></i><font> </font><i><font>impossibilidade</font></i><font> </font><i><font>do</font></i><font> </font><i><font>co</font></i><font>-</font><i><font>executado</font></i><font> </font><i><font>EE</font></i><font> </font><i><font>poder</font></i><font> </font><i><font>exercer</font></i><font> </font><i><font>o</font></i><font> </font><i><font>direito</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>remissão.</font></i><br>
</p><p><font> </font>
</p><p><i><font>Transitada</font></i><font> </font><i><font>em</font></i><font> </font><i><font>julgado</font></i><font> </font><i><font>a</font></i><font> </font><i><font>presente</font></i><font> </font><i><font>decisão,</font></i><font> </font><i><font>deverá</font></i><font> </font><i><font>o</font></i><font> </font><i><font>Sr.</font></i><font> </font><i><font>SE</font></i><font> </font><i><font>proceder</font></i><font> </font><i><font>à</font></i><font> </font><i><font>devolução</font></i><font> </font><i><font>ao</font></i><font> </font><i><font>co</font></i><font>-</font><i><font>executado</font></i><font> </font><i><font>do</font></i><font> </font><i><font>preço</font></i><font> </font><i><font>pago</font></i><font> </font><i><font>pelo</font></i><font> </font><i><font>mesmo</font></i><font> </font><i><font>ao</font></i><font> </font><i><font>abrigo</font></i><font> </font><i><font>do</font></i><font> </font><i><font>direito</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>remição.” </font></i>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font>7. Notificado o requerente remidor e HH EE do assim decidido e com o mesmo não se conformando, interpôs recurso de apelação, em que peticionou que: </font></b><font>1) o recurso de apelação fosse</font><b><font> </font></b><font>declarado totalmente procedente e nessa conformidade revogado o Despacho recorrido, considerando-o nulo, por violação do caso julgado formal; ou, caso assim não se entendesse, 2) que o recurso seja declarado totalmente procedente e nessa conformidade revogado o despacho recorrido, substituindo-o por Despacho a confirmar o direito do recorrente a exercer a remição do bem.</font>
</p><p><i><font> </font></i>
</p><p><b><font>8. O Tribunal da Relação decidiu o seguinte:</font></b>
</p><p><i><font>«Pelo exposto, acordam os Juízes do Tribunal da Relação do Porto em julgar procedente o recurso interposto, consequentemente e revogando a decisão, reconhecendo ao recorrente o direito de remir o bem em venda pelo preço da aceite</font></i>
</p><p><i><font>proposta de € 900.000,00 e que o mesmo já depositou nos autos. </font></i>
</p><p><i><font>Custas pela recorrida».</font></i>
</p><p><i><font> </font></i>
</p><p><i><font> </font></i>
</p><p><b><font>10.</font></b><font> Inconformada, </font><b><font>DUBLIN POLIS, SOC. IMOBILIÁRIA, S.A, veio interpor recurso de revista </font></b><font>do acórdão do Tribunal das Relação,</font><b><font> </font></b><font>que revogou a decisão proferida pela 1.ª instância e reconheceu ao aqui Recorrido o direito de remir, ao abrigo do artigo 671.º, n.º 1, do CPC, subindo nos próprios autos (artigo 675.º, n.º 1, do CPC).</font>
</p><p><font>A recorrente veio requerer que fosse atribuído um efeito suspensivo ao recurso</font><u><font>,</font></u><font> de revista, nos termos do artigo 676.º, n.º 2, do CPC, por entender que o efeito meramente devolutivo levará à prática de atos que se podem revelar manifestamente inúteis, contrariando o Princípio da Economia Processual e o Princípio da Utilidade dos Atos Processuais.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font>11. Na sua alegação de recurso, a recorrente formulou as seguintes conclusões:</font></b>
</p><p><font>«1.ª- O Acórdão de que se recorre entendeu que o ora Recorrido sendo co-Executado habilitado nos autos por falecimento do devedor/executado originário não assume a qualidade de executado o que implica continuar a poder exercer o direito de remição.</font>
</p><p><font>2.ª A premissa em que assenta o Venerando Tribunal da Relação está manifestamente incorreta, na medida em que o herdeiro habilitado ao assumir a posição do falecido nessa qualidade, passa a ser também executado, deixa de ser um terceiro em relação à execução.</font>
</p><p><font>3.ª- Mais concretamente passa a ocupar a posição processual do executado originário ficando com os direitos que o executado primitivo detinha e, se ao executado era e é-lhe vedado a possibilidade de remir, consequentemente também ao executado habilitado é-lhe vedada essa possibilidade.</font>
</p><p><font>4.ª- Por outro lado, como refere o Acórdão recorrido o “herdeiro habilitado apenas tem direito a uma quota ideal e abstrata do acervo hereditário”, ou por outras palavras, não pode ser considerado proprietário ou comproprietário de nenhum bem, mas esquece-se que esse direito do herdeiro habilitado é penhorável nos termos do art.º 781.º do CPC.</font>
</p><p><font>5.ª- Razão pela qual refere mal o Acórdão recorrido, quando refere que o Recorrido não tem dever de proceder ao pagamento da dívida exequenda. Tem esse dever para não ver o seu direito à herança indivisa atingido coativamente.</font>
</p><p><font>6.ª – Quando o Venerando Tribunal da Relação refere que o poder de dispor dos bens da herança só pode ser exercido conjuntamente por todos os herdeiros nos termos do art.º 2091.º do CC), é irrelevante porque, com a habilitação de herdeiros, todos os herdeiros passaram a estar em juízo.</font>
</p><p><font>7.ª- Pagando à quantia exequenda – bem inferior aos €900.000,00 pelo qual pretende exercer o direito de remição - o Recorrido sempre poderia reclamar esse crédito no competente processo de inventário não ficando o Recorrido minimamente prejudicado.</font>
</p><p><font>8.ª- Refere ainda o Acórdão Recorrido que </font><i><font>“(…) como se exercer o direito de remição sobre o bem vendido da herança, adquire tal bem para o seu património pessoal que enquanto tal não poderá ser de novo penhorado para essa mesma execução por dívidas do falecido familiar, por não ficar a pertencer ao acervo hereditário.”</font></i>
</p><p><font>9.ª – Esse argumento utilizado pelo Venerando Tribunal da Relação constitui uma deturpação do direito de remição, isto porque o escopo do direito de remição é permitir que o se mantenha na esfera patrimonial da família e não que o bem, passe para o Herdeiro A, B ou C deixando as dívidas do executado originário por pagar.</font>
</p><p><font>10.ª- A Recorrente citou diversos Acórdãos e a Doutrina Dominante que defendem prec | [0 0 0 ... 0 0 0] |
nzFbu4YBgYBz1XKv0vrx | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><b><i><font> </font></i></b><div><br>
<font>Acordam em Conferência no Supremo Tribunal de Justiça</font></div><br>
<br>
<i><font> </font></i><br>
<p><b><font>1.</font></b><font> FUNDO DE GARANTIA AUTOMÓVEL (FGA), devidamente notificado do teor do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido em 11-05-2022,</font><b><font> </font></b><font>veio, nos termos do disposto no artigo 614.º n.º 1 e n.º 3, aplicável </font><i><font>ex vi</font></i><font> do artigo 685.º,</font><b><font> </font></b><font>ambos do Código de Processo Civil, requerer que seja decidida em conferência a sua retificação, nos termos</font><b><font> </font></b><font>e com os seguintes fundamentos:</font><br>
</p><p><font>«Do dispositivo do acórdão pode ler-se que: </font><i><font>“Pelo exposto nega-se revista ao Fundo de Garantia Automóvel e concede-se parcialmente a revista do autor, </font></i><b><i><u><font>condenando-se o Fundo de Garantia Automóvel ao pagamento de uma indemnização de 52.500,00 euros,</font></u></i></b><i><font> acrescidos de juros de mora desde a data da decisão até efetivo e integral pagamento.”</font></i><br>
</p><p><font>A leitura restrita do dispositivo, desgarrada do contexto do processo e das decisões judiciais proferidas, </font><b><u><font>conduz à imediata conclusão de que o FGA é único e exclusivo responsável pela obrigação de indemnização o lesado</font></u></b><font>.</font><br>
</p><p><font>Contudo, atento a fundamentação da presente Revista e, bem assim, do acórdão proferido nos autos pelo Tribunal da Relação, conclui-se que ambos os Réus – o AA e o Fundo de Garantia Automóvel – </font><b><u><font>foram solidariamente condenados no pagamento ao autor da indemnização judicialmente arbitrada</font></u></b><font>.</font><br>
</p><p><font>A condenação solidária do responsável civil – condutor e proprietário do veículo lesante – com o FGA – na qualidade de garante – não foi objeto de impugnação judicial, pelo que se trata de uma decisão transitada em julgado.</font><br>
</p><p><font>Os temas objeto de recurso de revista eram apenas, e conforme bem foi delimitado por este Supremo Tribunal no acórdão: </font><br>
</p><p><font>- A responsabilidade exclusiva do réu no acidente</font><br>
</p><p><font>- A relevância causal da circulação pelo autor sem capacete</font><br>
</p><p><font>- O valor dos montantes indemnizatórios a título de danos patrimonial futuro e dano não patrimonial.</font><br>
</p><p><font>Por tudo, parece-nos, com o devido respeito, que a menção no dispositivo à condenação isolada do FGA corresponde a um lapso manifesto, uma inexatidão que merece e deve ser corrigida por acórdão da conferência desta Supremo Tribunal de Justiça, nos termos das normas legais acima mencionadas.</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font>Termos em que se requer que a revista seja retificada de forma que passe a constar do seu dispositivo que: </font><i><font>“Pelo exposto nega-se revista ao Fundo de Garantia Automóvel e concede-se parcialmente a revista do autor, </font></i><b><i><u><font>condenando-se os RR no pagamento solidário ao autor de uma indemnização de 52.500,00 euros</font></u></i></b><i><font>, acrescidos de juros de mora desde a data da decisão até efetivo e integral pagamento.”</font></i><br>
</p><p><i><font> </font></i><br>
</p><p><b><font>2.</font></b><i><font> </font></i><font>Não tendo sido questionada na revista a condenação solidária do réu AA, transitou em julgado o decidido pelo Tribunal da Relação quanto à condenação solidária dos réus, pelo que o dispositivo do Acórdão do Supremo deve condenar o FGA juntamente com aquele réu, ao pagamento solidário ao autor da indemnização, só por lapso não tendo sucedido, como resulta do texto da decisão.</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><b><font>3. </font></b><font>Trata-se de um erro material da decisão, que ocorre por divergência entre a vontade declarada e a vontade real do juiz, ou seja, se o juiz escreveu uma coisa diferente daquela que tinha em mente.</font><br>
</p><p><font>Tal divergência deve ressaltar, de forma clara e ostensiva, do teor da própria decisão, só desta, do seu contexto ou estrutura, sendo possível aferir se ocorreu ou não esse </font><i><font>erro</font></i><font>. Ou seja, é o próprio texto da decisão que há-de permitir ver e perceber que a vontade declarada não corresponde à vontade real do juiz que proferiu a decisão.</font><br>
</p><p><font>O </font><b><font>erro material</font></b><font> da decisão é </font><b><font>passível de retificação</font></b><font>, nos termos do artigo 614º, nº 1, CPC.</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><b><font>4. </font></b><font>Assim, o dispositivo do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 11 de maio de 2022, passa a ser o seguinte:</font><br>
</p><p><i><font>“Pelo exposto nega-se a revista ao Fundo de Garantia Automóvel e concede-se parcialmente a revista do autor, condenando-se os RR no pagamento solidário ao autor de uma indemnização de 52.500,00 euros, acrescidos de juros de mora desde a data da decisão até efetivo e integral pagamento.”</font></i><br>
</p><p><i><font> </font></i><br>
</p><p><b><font>5. </font></b><font>Pelo exposto decide-se deferir o pedido de retificação.</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><b><font>6. </font></b><font>Anexa-se sumário elaborado de acordo com o artigo 667.º, n.º 3, do CPC:</font><br>
</p><p><font>I - Um erro material da decisão é aquele ocorre por divergência entre a vontade declarada e a vontade real do juiz, ou seja, se o juiz escreveu uma coisa diferente daquela que tinha em mente. Tal divergência deve ressaltar, de forma clara e ostensiva, do teor da própria decisão.</font><br>
</p><p><font>II - O erro material da decisão é passível de retificação, nos termos do artigo 614º, nº 1, CPC. </font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font>Lisboa, 14 de julho de 2022</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font>Maria Clara Sottomayor (Relatora)</font><br>
</p><p><font>Pedro de Lima Gonçalves (1.º Adjunto) </font><br>
</p></font><p><font><font>Maria João Vaz Tomé (2.ª Adjunta)</font></font></p> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
kjFbu4YBgYBz1XKvwvoq | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><br>
<font> </font><div><br>
<font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça</font></div><br>
<font> </font>
<p><font> </font>
</p><p><b><font>I - Relatório</font></b>
</p><p>
</p><p><b><font>1. AA</font></b><font>, intentou a presente ação declarativa de condenação, com processo comum, contra </font><b><font>Seguradoras Unidas, SA</font></b><font> ambos já identificados nos autos, peticionando a condenação da ré, no seguinte:</font>
</p><p><font>- na quantia de 34.000,00 €, relativa ao valor do veículo sinistrado, deduzida a franquia de 250, 00 €;</font>
</p><p><font>- a pagar a quantia a liquidar em execução de sentença, referente à privação de uso do veículo sinistrado, com base no custo de aluguer diário do veículo equiparado ao do autor, que as empresas de rent-a-car fixam em 200,00 €, por dia, desde o 21.º dia após a ocorrência do acidente e;</font>
</p><p><font>- a quantia que a S... vier a debitar ao autor, a título de parqueamento do veículo, desde o dia do acidente e até ao pagamento integral do valor da viatura.</font>
</p><p><font>Alegou, para tanto e em síntese, que é dono de um veículo automóvel, de matrícula ..-SE-.., marca Mercedes Benz, modelo ... E ..., versão E ..0 CDI Elegance BE auto, tendo, nessa qualidade, celebrado, com a então Tranquilidade, um contrato de seguro, opção “Valor Mais”, por forma a transferir para esta a responsabilidade civil emergente da circulação de tal veículo, com início em 07/12/2016, com a duração de um ano e seguintes. No âmbito do que contratualizou a cobertura de danos próprios do identificado veículo, designadamente, choque, colisão ou capotamento, tendo, aquando da respetiva celebração, sido indicado como valor seguro, o montante de 34.000,00 €.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Mais alega que, no dia 16 de novembro de 2017, pelas 19 h e 30 m, quando circulava na EM ...63, conhecida por Estrada ..., que liga as localidades de ... a ..., freguesia ..., ..., em consequência de ter sido surpreendido, ao que supõe, por javalis, perdeu o controle do seu veículo, em consequência do que veio a sair da estrada, acabando por embater numa oliveira, que se encontrava implantada a cerca de 1,25 m do limite da faixa de rodagem, vindo a viatura, após tal embate, a capotar e a ficar imobilizada. Acrescenta que face à violência do embate, a viatura foi considerada como irreparável, por a respetiva reparação ser superior ao seu valor venal.</font>
</p><p><font>A ré apenas lhe facultou veículo de substituição pelo período de 20 dias e não dos 30 contratualizados, não lhe facultando essa possibilidade desde 8/12/2017, nem lhe disponibilizou qualquer quantia para que pudesse adquirir outra viatura, por declinar a responsabilidade pelo pagamento da reclamada indemnização.</font>
</p><p><font>O autor, como não dispunha de quantia para tal, não adquiriu outra viatura, reclamando a tal título uma indemnização, tomando como referência o aluguer de uma viatura idêntica.</font>
</p><p><font>Para além do que, a viatura se encontra parqueada nas instalações da S..., que o notificou para pagar a quantia de 5,00 €, por dia.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Contestando, a ré, impugnou a versão dada pelo autor acerca do modo como ocorreu o acidente, alegando que se tratou de um “suposto acidente”, “em que o veículo é colocado na posição final de embate”.</font>
</p><p><font>Impugnou, ainda, o indicado valor do veículo, bem como a existência e amplitude dos invocados danos, designadamente, que tratando-se como se trata, de um seguro de danos próprios, só pode responder de acordo com o contratado e não foram previstos nem os danos de privação de veículo, para além do prazo contratado, nem os decorrentes do parqueamento do veículo, acrescentando, quanto a este, que o autor sabe que se trata de veículo com perda total e que a ré declinou a responsabilidade pelos invocados pagamentos, pelo que não se justifica que o veículo permaneça parqueado, nas condições referidas pelo autor.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Com dispensa de audiência prévia, foi proferido despacho saneador tabelar e fixou-se o objeto do litígio e os temas da prova.</font>
</p><p><font>Teve lugar a audiência de discussão e julgamento, com recurso à gravação da prova nela produzida, finda a qual foi proferida a sentença de fl.s 212 a 219, na qual se fixou a matéria de facto considerada como provada e não provada e respetiva fundamentação e, a final, se decidiu o seguinte:</font>
</p><p><i><font>“Nos termos e fundamentos expostos,</font></i>
</p><p><i><font>1. Julgo a acção parcialmente procedente e, em consequência,</font></i>
</p><p><i><font>2. Condeno a Ré SEGURADORAS UNIDAS, S.A., a pagar ao Autor AA a quantia de €17,133,00 (dezassete mil, cento e trinta e três euros), acrescido de juros de mora, à taxa legal, contados desde a citação até efectivo pagamento.</font></i>
</p><p><i><font>3. Condeno a Ré a pagar ao Autor a quantia que se vier a apurar em liquidação de sentença pelo parqueamento do seu veículo durante o período de tempo em que o mesmo aí se encontre até ao trânsito em julgado da sentença.</font></i>
</p><p><i><font>4. Absolvo a Ré do restante pedido.</font></i>
</p><p><i><font>5. Absolvo o Autor do pedido de condenação como litigante da má-fé. 6. As custas são a cargo de Autor e Ré, na proporção do decaimento.”.</font></i>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Irresignados com a mesma, dela interpuseram recurso ambas as partes, tendo os recursos sido admitidos, na sequência do que foi proferido o Acórdão que antecede, de fls 266 a 276, no qual se anulou a sentença proferida, a fim de ser ampliada a matéria de facto a considerar, como do mesmo melhor consta.</font>
</p><p><font>Após a baixa dos autos à 1.ª instância, reaberta a audiência, procedeu-se à inquirição de uma testemunha, finda a qual foi proferida a sentença de fl.s 326 a 333 v.º, na qual se fixou a matéria de facto considerada como provada e não provada e respetiva fundamentação e, a final, se decidiu o seguinte:</font>
</p><p><i><font>“Nos termos e fundamentos expostos,</font></i>
</p><p><i><font>1. Julgo a acção parcialmente procedente e, em consequência,</font></i>
</p><p><i><font>2. Condeno a Ré SEGURADORAS UNIDAS, S.A., a pagar ao Autor AA a quantia de €17,133,00 (dezassete mil, cento e trinta e três euros), acrescido de juros de mora, à taxa legal, contados desde a citação até efectivo pagamento.</font></i>
</p><p><i><font>3. Condeno a Ré a pagar ao Autor a quantia que se vier a apurar em liquidação de sentença pelo parqueamento do seu veículo durante o período de tempo em que o mesmo aí se encontre até ao trânsito em julgado da sentença.</font></i>
</p><p><i><font>4. Absolvo a Ré do restante pedido.</font></i>
</p><p><i><font>5. Absolvo o Autor do pedido de condenação como litigante da má-fé. 6. As custas são a cargo de Autor e Ré, na proporção do decaimento.”.</font></i>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font>2.</font></b><font> De novo, inconformados com a mesma, interpuseram recurso a ré Seguradoras Unidas e o autor AA, recursos, esses, admitidos como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito devolutivo – (cf. despacho de fls 371), tendo o Tribunal da Relação decidido o seguinte: </font>
</p><p><i><font>«Julgar procedente o presente recurso de apelação interposto pela ré e improcedente a apelação interposta pelo autor, em consequência do que se revoga a decisão recorrida, na parte em que condenou a ré a pagar ao autor a quantia de 8.655,00 € (oito mil seiscentos e cinquenta e cinco euros), pela privação de uso e ainda na quantia relativa ao parqueamento do veículo; </font></i>
</p><p><i><font>Absolvendo a ré de tais pedidos;</font></i><br>
</p><p><i><font>Mantendo-a, quanto ao mais nela decidido.</font></i><br>
</p><p><i><font> </font></i>
</p><p><i><font>Custas a suportar por autor e ré, na proporção dos respectivos decaimentos, em ambas as instâncias».</font></i>
</p><p>
</p><p><b><font>3. </font></b><font>Inconformado, o autor interpõe recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, em cuja alegação formulou as seguintes conclusões:</font>
</p><p><font>«1 – A inexistência no contrato de seguro celebrado entre o A. e Ré, da cobertura do risco de privação do uso do veículo, não desobrigou a Ré a proceder ao pagamento da indemnização devida, a título de privação do uso, porquanto, ocorreu por parte da Ré a violação dos seus deveres contratuais, e que dimanam das normas do RJCS, conjugadas com o disposto no artigo 762.º/2 do Cod. Civil, mercê de não ter colocado à disposição do A. qualquer quantia;</font>
</p><p><font>2 - A Ré ao não liquidar qualquer quantia, ao A. de forma atempada a título de indemnização, não atuou de forma séria, honesta e leal, pelo que, não procedeu de harmonia com o princípio da boa-fé;</font>
</p><p><font>3 - A indemnização a atribuir ao A. não pode limitar-se ao dano resultante da mora, como foi o entendimento do Tribunal de que se recorre, devendo também contemplar o dano da privação do uso.</font>
</p><p><font>4 – O dano de privação do uso, peticionado pelo A. decorre da violação por parte da Ré, dos deveres acessórios de conduta e, por conseguinte, constitui um dano autónomo do dano proveniente da mora e, ambos além de não se sobreporem, são ambos devidos ao A. conforme pelo mesmo alegado foi.</font>
</p><p><font>5 – O facto de se verificar a existência de sobresseguro, a mesma não é, imputável ao A., como foi provado, pelo que não retira à Ré a obrigação de cumprir a sua prestação no prazo contratual fixado pelo RJCS, tanto mais que declinou qualquer responsabilidade na liquidação do mesmo, mas nunca por este facto.</font>
</p><p><font>6 – Apesar de o veículo do A. haver ficado em situação de perda total, assistia à Ré a obrigação de cumprir com celeridade, por forma a que com a entrega do capital, fosse ele total ou parcial, houvesse permitido ao A., como beneficiário do seguro, a compra de um outro veículo em substituição.</font>
</p><p><font>7 – Igualmente nesta situação de perda total, o A. tem direito a ser indemnizado pela privação do uso do veículo, por ter ficado impossibilitado de o usar em seu próprio benefício.</font>
</p><p><font>8 – No que diz respeito ao valor do veículo jamais poderá ser o fixado na sentença proferida em 1.ª instância, como resultante da avaliação eurotax, porquanto, no valor atribuído não foi tido em conta o equipamento extra que possuía para exercer as funções de táxi e identificado no VIN do veículo junto pela Ré na sua contestação, o qual, necessariamente aumenta o seu valor.</font>
</p><p><font>9 – Atenta a omissão deste equipamento e fazendo uso do princípio da equidade, e, uma vez que a atribuição do valor apenas poder ser imputado à Ré, através do seu mediador, e não ao A. o valor a atribuir ao veículo, não sendo o correspondente à desvalorização, pelo menos deverá ser o indicado como preço de aquisição por parte do A. (Facto 31).</font>
</p><p><font>10 – O A. atendendo a que a Ré não lhe disponibilizou qualquer quantia a título de indemnização, e, sabendo que o veículo se encontrava aparcado nas instalações da marca para poder efetuar qualquer peritagem, atentas as irregularidades invocadas para declinar a sua responsabilidade pela liquidação, tem direito a ser indemnizado do valor do parqueamento do veículo, a liquidar em execução de sentença.</font>
</p><p><font>11 – A situação de sobresseguro invocada pela Ré apenas poderá ser imputada a si própria, e não ao A. e a mesma não foi fundamento para declinar a responsabilidade pela liquidação, conforme consta da comunicação constante do doc. n.º 4 junto pela Ré com a contestação.</font>
</p><p><font>12 – Deverão portanto VV. Ex.ªs revogar o Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra, substituindo, de acordo com a jurisprudência deste Tribunal, por um outro que contemple os danos peticionados pelo A. e referidos nestas alegações de recurso, nomeadamente o dano de privação do uso e o da mora, mercê da violação dos seus deveres e do princípio da boa fé, do valor do veículo e do valor do parqueamento.</font>
</p><p><font>13 – Com o Acórdão proferido pelo TRC, fora violado o disposto nos artigos 334.º e 762.º n.º 2 do C.C., art.º 153 da Lei 147/2015, art.º 102 /1 e 104.º do RJCS».</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font>4. </font></b><font>A ré veio apresentar contra-alegações, em que formulou as seguintes conclusões:</font>
</p><p><font>«1. No que se refere à indemnização pela privação de uso, conforme resulta da decisão do Tribunal da Relação, que conforme já se disse o Recorrente não refuta, resultou provada a situação de sobresseguro, factos esses que não permitem assacar qualquer responsabilidade à ora Ré.</font>
</p><p><font>2. Refira-se ainda que a condenação da Recorrente numa indemnização por privação de uso no valor de € 70/dia, conforme requerido pelo Recorrente, seria manifestamente violadora dos princípios da equidade e da proporcionalidade</font>
</p><p><font>3. Com efeito, atente-se que caso a Ré venha a ser condenada no valor de € 70/dia, pela privação de uso, a indemnização a este título será superior ao valor do bem, não sendo razoável que o valor do usufruto de um bem seja superior ao seu valor intrínseco.</font>
</p><p><font>4. Quanto ao valor atribuído ao veículo constatou-se que o valor do capital seguro (€ 34.000,00) não correspondia ao valor de mercado do veículo, e tal conclusão mantém-se como verdadeira quer atendamos ao valor que o A. alegou ter despendido na aquisição do veículo (€ 25.000,00), quer atendamos, como bem fez o Tribunal recorrido, à avaliação Eurotax (€ 13.800,00), pelo que, fosse qual fosse o valor atendível, sempre estaríamos perante uma situação de sobrevalorização do capital seguro, em que o bem se encontra seguro por um valor superior ao seu valor de mercado, questão de direito a resolver pelo Tribunal.</font>
</p><p><font>5. Não é verdade que o equipamento de táxi valorizaria o veículo ao ponto de anular o erro decorrente da versão real e da versão declarada na apólice (erro esse que o Recorrente nem sequer quantifica, deixando a sua conclusão sem sustentação objectiva).</font>
</p><p><font>6. De uma simples comparação entre a avaliação Eurotax e a informação que a Mercedes veio prestar aos autos, facilmente se conclui que o equipamento é essencialmente o mesmo, ainda que a pesquisa Eurotax corresponda à versão Elegante -superior em termos de equipamento e, como tal, valorizadora do bem, - o que deita por terra o argumento de que tal documento traduz um valor do bem inferior ao real.</font>
</p><p><font>7. Mais: o facto de o veículo ter desempenhado as funções de táxi no país de origem, tendo para isso saído equipado de fábrica, não acrescenta qualquer valor comercial ao veículo; pelo contrário: a utilização de um veículo como táxi é algo que o desvaloriza, e muito, o que facilmente se percebe atendendo ao elevado número de quilómetros, ao menor cuidado na sua utilização e ao uso exacerbado, fruto da utilização diária por inúmeros passageiros.</font>
</p><p><font>8. Uma vez que o Recorrente não perdeu tempo a contrapor os fundamentos apresentados pela Relação, a Recorrida entende que não se encontram preenchidos os pressupostos para a apreciação deste tema no recurso, mas caso assim não se entenda, o Recorrente também não alegou nem demonstrou factos que permitam ao Tribunal </font><i><font>ad quem</font></i><font> decidir em sentido contrário ao que foi decidido pela Relação.</font>
</p><p><font>Termos em que deve ser integralmente mantida a douta decisão recorrida, assim se fazendo a costumada</font>
</p><p><font>JUSTIÇA!»</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font>5.</font></b><font> Sabido que, ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, o objeto do recurso se delimita pelas conclusões, as questões suscitadas foram as seguintes: </font>
</p><p><font>I – Indemnização pela perda total do veículo;</font>
</p><p><font>II – Indemnização pelo dano da privação do uso;</font>
</p><p><font>III – Indemnização, a calcular em execução de sentença, pelo parqueamento do veículo.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font>6.</font></b><font> A recorrida suscitou a questão da admissibilidade do recurso em relação à questão do valor do veículo na conclusão n.º 8 das contra-alegações.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font>7.</font></b><font> A Relatora notificou o recorrente para se pronunciar, ao abrigo do artigo 655.º Código de Processo Civil (CPC), sobre a questão prévia de admissibilidade do recurso quanto ao segmento decisório da indemnização pelo valor do veículo, por se afigurar que se verifica, em relação a este segmento da decisão, uma situação de dupla conformidade, nos termos do artigo 671.º, n.º 3, do CPC.</font>
</p><p><font>O recorrente nada veio dizer.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Cumpre apreciar e decidir.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font>II – Fundamentação</font></b>
</p><p><b><font>A – Os Factos</font></b>
</p><p><b><font>É a seguinte a matéria de facto dada por provada na decisão recorrida:</font></b>
</p><p><font>1. No dia 16 de novembro de 2017, cerca das 19:30h, o A. circulava pela Estrada ..., ... e conhecida por Estrada ..., que liga as localidades de ... a ..., freguesia ..., área do concelho ..., e neste sentido, e em local onde se situa o ..., nomeadamente na margem esquerda atento o indicado sentido seguido pelo aqui Autor.</font>
</p><p><font>2. Circulava no sentido de ... – ....</font>
</p><p><font>3. A estrada no local configura uma recta com ligeira inclinação descendente, seguido de uma ligeira curva à esquerda.</font>
</p><p><font>4. A largura da faixa de rodagem é de 3,85m, comporta dois sentidos de trânsito não existindo demarcações no pavimento.</font>
</p><p><font>5. As bermas são intransitáveis e ladeadas por pedras, árvores e outros arbustos.</font>
</p><p><font>6. O piso é em betuminoso e encontra-se em razoável estado de conservação.</font>
</p><p><font>7. A visibilidade era boa, estava bom tempo, era de noite, sem iluminação.</font>
</p><p><font>8. A certo momento, o A. deparou-se com vultos na faixa de rodagem que julgou tratar-se de animais, desviou-se, entrou em despiste, embateu em oliveira implantada a 1,25m do limite da faixa de rodagem e capotou.</font>
</p><p><font>9. Após o embate e capotamento o veículo veio a imobilizar-se na via e ficou impossibilitado de circular pelos seus próprios meios.</font>
</p><p><font>10. A GNR ... alertada para a ocorrência do acidente de imediato compareceu no local e tomou conta da ocorrência, tendo elaborado auto de participação, o qual veio a sofrer um aditamento em 14/02/2018 realizado pelo Autor após a Ré ter declinado a sua responsabilidade.</font>
</p><p><font>11. Os Bombeiros Voluntários ... transportaram o Autor para o Hospital ..., onde realizou vários exames e veio a ter alta.</font>
</p><p><font>12. Foi contactado o serviço de assistência em viagem e o veículo foi transportado para as instalações da “S..., Ld.ª” (Mercedes Benz), sitas em Rua ..., ... – ....</font>
</p><p><font>13. O veículo seguro apresentava danos avultados na frente e lateral direita, consequentes do embate na oliveira, e no capot e no tejadilho, decorrentes do capotamento.</font>
</p><p><font>14. A Ré elaborou orçamento de reparação que ascendeu ao valor de €35.026,56.</font>
</p><p><font>15. O veículo foi considerado numa situação de perda total, atento o elevado valor da reparação e o respectivo valor venal antes do sinistro, tendo sido emitido o Boletim de Perda Total.</font>
</p><p><font>16. O salvado foi avaliado em €4.360,00.</font>
</p><p><font>17. A Ré declinou a responsabilidade pelo pagamento da indemnização devida.</font>
</p><p><font>18. O A. contratou a cobertura Multi assistência VIP Plus, sendo que em caso de perda total, como ocorreu no caso em apreço, o limite de cedência de veículo de substituição é de 15 dias, sendo os 5 primeiros contados entre a data da imobilização e o início da reparação, e os restantes 15 nos termos das condições particulares contratadas.</font>
</p><p><font>19. A garantia de viatura de substituição por perda total do veículo seguro, prevê um máximo de 15 dias.</font>
</p><p><font>20. No dia 17.11.2017, no seguimento da assistência prestada no dia anterior, disponibilizou-se ao A. uma viatura de substituição por 5 dias (17 a 22 de Nov.), ficando-se a aguarda a recepção do relatório de peritagem.</font>
</p><p><font>21. No dia 22.11.2017, recebida a comunicação da perda total do veículo seguro emitida pelos serviços de peritagem, definiu-se, consequentemente, um período de 15 dias de reserva a ser usufruído ao abrigo da respectiva garantia.</font>
</p><p><font>22. Tendo o A. já usufruído inicialmente de 5 dias, permaneciam por usufruir 10 dias, aceitando o A. uma viatura de gama inferior para se dilatar o período da reserva por tempo superior.</font>
</p><p><font>23. Assim, a viatura de gama inferior foi disponibilizada por um total de 20 dias adicionais, no período compreendido entre 23.11.2017 e 13.12.2017.</font>
</p><p><font>24. Após o referido período de tempo, o A. ficou impossibilitado de continuar a fazer uso do veículo, necessitando de recorrer a veículos de familiares.</font>
</p><p><font>25. O A. transportou o veículo para as instalações da S..., Ld.ª, (Mercedes Benz) em ..., a fim de fazer a peritagem de reparação e, como o mesmo lá se encontra, esta sociedade notificou o A., para pagar a título de parqueamento, quantia diária de 5,00€.</font>
</p><p><font>26. Entre a R., na qualidade de seguradora, e o A., na qualidade de tomador, foi celebrado o contrato de seguro de responsabilidade civil automóvel a que se designou de “Valor Mais” sobre o veículo de matrícula ..-SE-.., titulado pela apólice n.º ...59 e regulado pelas Condições Gerais, Especiais e Particulares, constando como objecto seguro Mercedes-Benz, modelo ... E ..., versão Elegance e o capital seguro de €34.000,00.</font>
</p><p><font>27. A tal contrato de seguro foi atribuído a apólice n.º ...59, com início em 7/12/2016 e com a duração de um ano e seguintes.</font>
</p><p><font>28. Em tal contrato de seguro celebrado com a Ré, o A. contratualizou a cobertura de danos próprios do próprio veículo, tais como choque, colisão ou capotamento, furto ou roubo.</font>
</p><p><font>29. Em consequência do contrato de seguro celebrado, a Ré obrigou-se a indemnizar o A. dos danos que fossem ocasionados em consequência da circulação terrestre do mencionado veículo, na eventualidade de ocorrer qualquer acidente, de acordo com as coberturas constantes da apólice referida.</font>
</p><p><font>30. O veículo seguro trata-se de um modelo ..., ou seja, a versão Classic e não a versão Elegance - e que saiu de fábrica com equipamento apto a servir as funções de táxi, conforme lista do equipamento obtida através do VIN do veículo (vehicle identification number), entre outros, pintura marfim, taxímetro integrado, conexão para sinal luminoso, antena para táxi.</font>
</p><p><font>31. O A. despendeu €25.000,00 na aquisição do veículo.</font>
</p><p><font>32. A avaliação eurotax do veículo é de €13.088,00.</font>
</p><p><font>33. A DAV não menciona a versão (Classic ou Elegance) do veículo. </font>
</p><p></p><div><br>
<font>*</font></div><br>
<font> </font>
<p><b><font>Factos Não Provados</font></b>
</p><p><font>Não resultaram provados os seguintes factos:</font>
</p><p><font>a) Que o A. havia contratualizado a cobertura do veículo de substituição em consequência do acidente, pelo prazo máximo de 30 dias.</font>
</p><p><font>b) Que face ao contratado, a Ré estava obrigada a facultar ao A. veículo de substituição por mais 10 dias.</font>
</p><p><font>c) Que o valor de aquisição do veículo teria sido na ordem dos € 5.000,00 a € 7.000,00.</font>
</p><p><font>d) Que quando o A. efectuou o seguro, em 07.12.2016, ainda não estava em posse do DAV, pelo que a versão registada no sistema informático aquando da subscrição do seguro terá de ter sido comunicada pelo A.</font>
</p><p><font>e) Que aquando da celebração do contrato de seguro, foi o autor que indicou ao mediador de seguros da ré que o veículo era o Modelo Elegance, para originar um incremento do capital seguro.</font>
</p><p><font>f) Que quando foi celebrado o contrato de seguro, o Autor apenas tinha na sua posse o DAV.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font>B – O Direito </font></b>
</p><p><b><font> </font></b>
</p><p><b><font>I -</font></b><b><i><font> </font></i></b><i><font>Da existência de dupla conforme quanto ao valor do veículo</font></i>
</p><p>
</p><p><b><font>1.</font></b><font> No âmbito da presente ação declarativa comum, o autor, ora recorrente, peticionou a condenação da ré Seguradoras Unidas, S.A. no pagamento </font><i><font>i)</font></i><font> da quantia de € 33 750,00, a título de quantia correspondente ao valor do veículo sinistrado, </font><i><font>ii)</font></i><font> de uma quantia diária de € 200,00, a título de privação do uso de veículo e </font><i><font>iii)</font></i><font> ainda no pagamento de todas as quantias que a sociedade S..., Ldª vier a debitar ao A., a título de parqueamento do veículo, a apurar em sede de liquidação de sentença.</font>
</p><p><font>O tribunal de 1.ª instância condenou a ré a pagar ao autor a quantia de </font><b><font>€ 8 478,00 a título de indemnização pela perda total de veículo</font></b><font> (“correspondente ao valor real de €13.088,00 descontando-se o valor do salvado, na quantia de €4.360,00 e o valor da franquia de €250,00”); </font><b><font>a quantia de € 8 655,00, a título de indemnização pela privação do uso do veículo automóvel</font></b><font> e ainda a quantia correspondente ao valor que o autor vier a despender com o parqueamento do seu veículo durante o período de tempo em que o mesmo ali se encontre até ao trânsito em julgado da sentença, a apurar em sede de liquidação de sentença.</font>
</p><p><font>Interposto recurso de apelação pelo autor e pela ré, o Tribunal da Relação proferiu acórdão, nos termos do qual manteve a decisão da 1.ª instância quanto ao valor atribuído ao veículo sinistrado, a título de perda total de veículo, revogando a decisão proferida pela 1.ª instância na parte atinente à indemnização atribuído a título de privação do uso e ainda quanto à condenação na quantia a apurar relativa ao parqueamento do veículo.</font>
</p><p><font>Irresignado com a decisão do Tribunal da Relação, interpõe agora o autor o presente recurso de revista, pugnando pela atribuição da quantia de € 25 000,00, a título de indemnização pela perda total de veículo, da quantia de € 70,00 diários, a título de indemnização pela privação do uso e ainda de quantia a apurar em liquidação de sentença, a título de despesas de parqueamento.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font>2.</font></b><font> Dispõe o artigo 671.º, n.º 3, do CPC, que não é admissível revista normal do acórdão que confirme, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão proferida na 1.ª instância, sem prejuízo dos casos em que o recurso é sempre admissível.</font>
</p><p><font>No caso em análise, o recorrente coloca em crise a decisão proferida pelo tribunal da Relação de Coimbra, </font><i><font>na sua integralidade</font></i><font>, pugnando pela atribuição da quantia de € 25 000,00, a título de indemnização pela perda total de veículo, da quantia de € 70,00 diários, a título de indemnização pela privação do uso de veículo e ainda de quantia a apurar em liquidação de sentença, a título de despesas de parqueamento. </font>
</p><p><font>O caso em presença convoca a análise da segmentação decisória e dos efeitos de tal segmentação na verificação de uma situação de dupla conforme.</font>
</p><p><font>A jurisprudência maioritária deste Supremo Tribunal propugna o entendimento de que, sempre que a parte dispositiva da decisão contenha segmentos decisórios distintos e autónomos, a dupla conforme deve ser aferida em função de cada um desses segmentos individualmente considerados, de modo que, se a Relação confirmar apenas algumas das decisões ou segmentos decisórios, “a </font><i><font>sintonia decisória é apenas parcial, abrangendo tão só um dos segmentos da decisão, ou um (ou mais, mas não a totalidade) dos pedidos “pelo que nos restantes haverá situação de “desconformidade</font></i><font>” (cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, 29-10-2009 [Revista n.º 1449/08.6TBVCT.G1.S1).</font>
</p><p><font>Nas palavras do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13-05-2021 (proc. n.º 10157/16.3T8LRS.L1.S1): “</font><i><font>I. Havendo diversos segmentos decisórios (uns favoráveis, outros não), distintos e autónomos, o conceito de dupla conforme terá de se aferir, separadamente, relativamente a cada um deles. II. Assim, só não há dupla conforme (havendo revista normal nessa parte) no segmento em que a Relação não confirme a decisão da 1ª inst. (ou confirme mas com fundamentação essencialmente diferente) (…)</font></i><font>” (em idêntico sentido, vejam-se, a título de exemplo, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 10-05-2021 , 6-04-2021 , 12-01-2021 , 21-05-2020 e 23-05-2019).</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font>3. </font></b><font>Regressando ao caso concreto, importa salientar que, no que concerne ao pedido de condenação no pagamento do valor do veículo por perda total, existe dupla conformidade decisória. De facto, para além de o Tribunal da Relação ter confirmado na íntegra tal segmento decisório, fê-lo com recurso a uma fundamentação essencialmente idêntica, não convocando normas ou institutos jurídicos distintos. Moveu-se, assim, no mesmo quadro legal, nada acrescentando à fundamentação da 1.ª instância.</font>
</p><p><font>Neste âmbito, este Supremo Tribunal tem entendido, de forma reiterada, que para afirmar a existência de fundamentação essencialmente diferente não basta que se constante uma qualquer modificação ou alteração da fundamentação, sendo antes indispensável que ocorra uma diversidade estrutural e diametralmente diferente no plano da subsunção do enquadramento normativo da mesma matéria litigiosa.</font>
</p><p><font>Assim, apenas deixa de se verificar uma situação de dupla conforme </font><i><font>“quando a solução jurídica prevalecente na Relação seja inovatória, esteja ancorada em preceitos, interpretações normativas ou institutos jurídicos diversos e autónomos daqueloutros que fundamentaram a sentença apelada, sendo irrelevantes discordâncias que não encerrem um enquadramento jurídico alternativo, ou, pura e simplesmente, seja o reforço argumentativo aduzido pela Relação para sustentar a solução alcançada</font></i><font>” – acórdão do STJ de 17-11-2021 (Reclamação n.º 22990/16.1T8PRT-B.P1-A.S1), o que não foi o caso do acórdão recorrido destes autos, que manteve a fundamentação aduzida pelo tribunal de 1.ªinstância.</font>
</p><p><font>Existe, pois, dupla conforme quanto ao segmento decisório relativo à indemnização do veículo por perda total, não sendo admissível o recurso para impugnar o cálculo desta indemnização (artigo 671.º, n.º 3, do CPC).</font>
</p><p><font>No que concerne aos pedidos de condenação no pagamento de quantia pela privação do uso de veículo e ainda pelos custos de parqueamento, não há dúvidas de que inexiste uma situação de dupla conformidade decisória já que o Tribunal da Relação revogou a sentença da 1.ª instância nessa parte.</font>
</p><p><font>Assim, o presente recurso de revista será conhecido apenas nesta parte, sem incluir a questão do valor do veículo. </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>II - </font><i><font>Da indemnização pelo dano da privação do uso</font></i><font> </font><i><font>e pelo parqueamento do automóvel</font></i>
</p><p>
</p><p><b><font>1.</font></b><font> Tendo por referência as conclusões do recurso de revista, a questão que cumpre dilucidar é a de saber se, no âmbito de um seguro facultativo/danos próprios, a seguradora deve indemnizar o segurado pelos danos sofridos com a privação do uso de veículo e outros danos decorrentes do atraso na liquidação da indemnização.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font>2.</font></b><font> Relativamente ao dano da privação do uso, entende o tribunal de 1.ª instância que o autor tinha direito à indemnização pelas seguintes razões:</font>
</p><p><i><font>«No caso concreto em apreciação ficou provado que a Ré facultou ao Autor veículo de substituição não somente no período de tempo convencionado, como ainda por período de tempo superior, na medida em que o Autor optou por veículo de gama mais baixa.</font></i>
</p><p><i><font>No entanto, ficou de igual modo provado que a Ré não liquidou em prazo raz | [0 0 0 ... 0 0 0] |
gzFhu4YBgYBz1XKv1f6n | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><font> </font><div><br>
<font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça </font></div><br>
<br>
<font> </font><br>
<p><b><font>I - Relatório</font></b><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><b><font>1.</font></b><font> </font><b><font>AA</font></b><font> impetrou ação declarativa de condenação, seguindo processo comum, contra </font><b><font>Agenda Alerta, Unipessoal, Lda</font></b><font>, pedindo na procedência da mesma, que o contrato-promessa de compra e venda, celebrado entre as partes em julho de 2014, seja considerado incumprido definitivamente, por culpa imputável à Ré e assim, proferida sentença que produza os efeitos da declaração negocial da Ré, declarando-se transmitido para o Autor, o direito de propriedade sobre a fração autónoma prometida, declarando-se ainda que, o Autor beneficia de direito de retenção sobre a fração autónoma em causa, havendo por parte do Autor lugar ao pagamento do valor em falta, para satisfação do preço acordado, cujos reforços irão manter-se até ao trânsito em julgado dos presentes autos; - seja reconhecido como sinal e princípio de pagamento, pago pelo Autor à Ré, até à presente data, a quantia de € 22.360,00 (vinte e dois mil trezentos e sessenta euros), sem prejuízo dos reforços mensais de pagamento que irá efetuar nos termos aludidos, os quais serão depositados na CGD, à ordem do processo; e, declarado a favor do Autor o direito de retenção sobre a fração prometida transacionar, desde a sua posse efetiva e fruição, em função da tradição verificada.</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font>Em alternativa, pediu que seja determinada a restituição ao Autor do sinal em dobro, nos termos do artigo 442.º do Código Civil, que à presente data se contabiliza no montante de € 44.720,00 (quarenta e quatro mil setecentos e vinte euros), sem prejuízo dos valores vincendos de reforço de sinal a liquidar mensalmente até ao trânsito em julgado da sentença a ser proferida no presente pleito; ser reconhecido ter havido tradição da coisa, objeto do contrato-promessa de compra e venda (imóvel para habitação) a favor do Autor, cuja </font><i><font>traditio</font></i><font> deve ser qualificada como posse em nome próprio </font><i><font>(“animus possidendi”</font></i><font>), considerando as condições negociais verificadas, beneficiando do direito de retenção sobre o imóvel, pelo valor do sinal em dobro e juros, resultante do incumprimento definitivo do contrato pela promitente-vendedora, ora Ré, nos termos do artigo 442.º do Código Civil, retenção que se deve manter enquanto não se extinguir o crédito do Autor.</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font>Para sustentar a sua pretensão alegou em síntese, que em 17 de julho de 2014 celebrou com a Ré contrato-promessa de compra e venda do bem imóvel identificado; que quanto ao preço acordado, no ato da assinatura entregou à Ré cheque no valor de 860, 00 euros, ficando o restante (84 140, 00 euros) de ser pago mediante transferência mensal do valor de 430, 00 euros até ao dia 8 de cada mês, a título de acréscimo de sinal, a ser subtraído ao valor global da venda; mais ficou consignado, que a escritura de compra e venda devia ser marcada pela Ré, pelo menos, com 10 dias de antecedência; com o pagamento daquele sinal, o imóvel foi entregue ao Autor e sua esposa para habitação própria e permanente destes; e o Autor foi pagando, a título de reforço de sinal, 430, 00 euros, mensais, pelo que já entregou o total de 21 500, 00 euros; o Autor veio a ser notificado pela Ré, por carta registada com Aviso de Receção de que se encontrava marcada a escritura para o dia 12 de julho de 2018, pelas 15 h, em certo Cartório Notarial; o Autor compareceu, mas, não a Ré, revelando-se afinal que a Ré não tinha marcado a escritura, assim, não cumpriu nem queria cumprir aquele contrato-promessa; pretende o Autor, o cumprimento de tal contrato-promessa, através da sua execução específica; ou, em alternativa, a restituição do sinal em dobro; mais invoca o seu direito de retenção sobre o imóvel para garantia desse crédito. </font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font>A Ré contestou, pugnando pela improcedência da ação e absolvição dos pedidos.</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font>Em defesa por impugnação e exceção, alegou em suma que, a vontade real das partes no acordo celebrado, não foi de promessa de compra e venda, mas, de arrendamento; dado que, à data desse acordo, e pretendendo o Autor ocupar o imóvel, este ainda não era propriedade da Ré; que era mera promitente compradora desse mesmo imóvel, não lhe sendo, por isso, viável celebrar contrato de arrendamento com o Autor; tendo sido escolhida aquela forma por assim permitir ao Autor habitar o imóvel, e à Ré rentabilizar essa utilização de imóvel; de forma que se trata de uma simulação de contrato de arrendamento, o que leva à nulidade do contrato (artigo 241º do Código Civil). Mais alegou que, antes da celebração deste acordo, Autor e Ré já haviam celebrado contrato idêntico ao imóvel, em que o Autor aceitou tratar-se, na verdade, de um arrendamento, nada tendo reclamado nem pedido a transferência de tais valores para o novo apelidado “contrato-promessa”; mais defendendo a Ré, que a indicação da possibilidade de outorga de escritura e a indicação de preço, no contrato dos autos, serviu, apenas, para preencher requisito de contrato-promessa; e, o valor do cheque entregue corresponde exatamente a dois meses de renda e, não, a sinal; a agendada data de celebração da escritura corresponder à data do próprio contrato agora invocado pelo Autor; o que é revelador de que, na verdade, estava em causa outra obrigação diferente de contrato-promessa, bem sabendo aquele, que a Ré não iria marcar escritura de compra e venda em cumprimento de contrato-promessa de compra e venda, tendo a notificação expedida ao Autor se tratado de mero lapso; além do que, o Autor continua a pagar a quantia mensal acordada, o que é revelador de que sabe que se trata de uma renda, incompatível com o alegado incumprimento do “contrato-promessa”.</font><br>
</p><p><font>Na sua resposta o Autor pugnou pela improcedência da exceção da simulação e manteve o peticionado.</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font>O tribunal de 1.ª instância decidiu pela improcedência da ação.</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><b><font>2.</font></b><font> Inconformado, o Autor interpôs recurso de apelação da sentença que decidiu pela improcedência da ação, tendo o Tribunal da Relação julgado parcialmente procedente o recurso, nos termos do dispositivo que aqui se transcreve:</font><br>
</p><p><i><font>«Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação na procedência parcial da apelação e revogação da sentença, e em consequência, julgam a acção parcialmente procedente, declarando a resolução do contrato promessa ajuizado por incumprimento da Ré, e em consequência:</font></i><br>
</p><p><i><font>a) Condenar a Ré a pagar ao Autor a quantia de Euros de € 45.720,00, acrescida dos juros de mora vincendos à taxa legal;</font></i><br>
</p><p><i><font>b) Reconhecendo-se o direito de retenção do Autor sobre a fracção como garantia de satisfação integral daquele crédito.</font></i><br>
</p><p><i><font>As custas do recurso são a cargo da Ré e do Autor na respectiva proporção de decaimento</font></i><font>».</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><b><font>3.</font></b><font> Inconformado, o Réu interpôs recurso de revista, em cuja alegação formula as seguintes conclusões:</font><br>
</p><p><font>«A. Existe falta de fundamento legal do peticionado; </font><br>
</p><p><font>B. Na verdade, o Autor sabe à partida que o pedido principal de Execução específica se encontra cerceado pelo facto de o contrato outorgado não constituir um contrato promessa de compra e venda, mas apenas um contrato de cessão de posição contratual;</font><br>
</p><p><font>C. Ou seja, o Tribunal não pode substituir a declaração em falta, por esta não ser apta a constituir o efeito peticionado (transmissão da propriedade);</font><br>
</p><p><font>D. Pelo que, restará apenas apreciar o pedido alternativo formulado pelo Autor, que consiste no pedido de restituição do sinal em dobro, sendo que o valor de 430€ continuaria a ser pago até ao trânsito em julgado da sentença</font><br>
</p><p><font>E. Atendendo ao alegado pelas partes, entendeu o Tribunal e bem, interpretar a vontade expressa nas cláusulas contratuais;</font><br>
</p><p><font>F. Da leitura das referidas Cláusulas e dos factos dados como provados, a Ré/Recorrente retira outras conclusões;</font><br>
</p><p><font>G. A Recorrente entende que dos factos dados como provados não resulta a condenação da Ré no pedido, mas sim na Absolvição;</font><br>
</p><p><font>H. Isto porque, a Devolução de sinal em dobro peticionada pelo Autor e declarada em sede de Acórdão, depende do facto o contrato ter sido considerado válido;</font><br>
</p><p><font>I. Nos termos do artº 442º do CC, para existir a obrigação de restituir o sinal em dobro, é necessário alegar e provar que:</font><br>
</p><p><font>a. Foi realizado um contrato válido;</font><br>
</p><p><font>b. No âmbito desse contrato foram entregues quantias a título de sinal; </font><br>
</p><p><font>c. Existir um não cumprimento da obrigação prevista no contrato;</font><br>
</p><p><font>J. Nenhum dos factos dados como provados na presente acção é apto a ser considerado constitutivo do Direito de restituição do sinal em dobro alegado pelo Autor;</font><br>
</p><p><font>K. O que resulta dos autos é que o contrato está longe de ser válido, pois confere uma mera detenção e não posse, não tem as assinaturas reconhecidas, tem prazos/sinalagmas de cumprimento fisicamente impossível;</font><br>
</p><p><font>L. O que permite concluir que o contrato é nulo nos termos do artº 280º/ 1 do CC;</font><br>
</p><p><font>M. Nulidade essa que se argui para os devidos efeitos legais e que determina a improcedência do pedido formulado pelo Autor;</font><br>
</p><p><font>N. Nos termos do artº 289º/1 do CC, regime ignorado pela decisão ora recorrida, mas que entendemos ser aqui aplicável ao caso concreto, sendo o contrato nulo, diferente é a solução;</font><br>
</p><p><font>O. Não se aplicando o regime indemnizatório referente ao contrato promessa validamente celebrado, mas sim o regime do contrato ferido de nulidade mas cujos efeitos se produziram por um dado lapso de tempo.</font><br>
</p><p><font>P. Dos factos elencados como provados (Ponto 13.) resulta que o “sinal” mensal é a contrapartida acordada pelas partes, do facto de o Autor habitar o imóvel até hoje;</font><br>
</p><p><font>Q. Derrogando assim a presunção legal de que todos os valores dados pagos em sede de contrato promessa de compra e venda devem ser considerados sinal e princípio de pagamento;</font><br>
</p><p><font>R. Resultando provado também que, não sendo um sinal, mas sim a contrapartida pelo uso e habitação, não é passível de devolução em dobro nos termos do artº 442º/2 do CC, nos termos peticionados;</font><br>
</p><p><font>S. Conclui-se também que da leitura do contrato concluímos que o sinalagma, ou seja a obrigação assumida pelas partes não era a transmissão da propriedade do imóvel, mas sim a cessão da posição contratual no contrato celebrado com terceiro;</font><br>
</p><p><font>T. O pedido alternativo, além de contraditório constitui em si um abuso de direito, porquanto da condenação neste pedido resulta uma vantagem ilegítima para o Autor que ficou a usufruir do imóvel durante 6 anos pagando um montante que ora lhe será restituído em dobro;</font><br>
</p><p><font>U. Nesse sentido a condenação da Ré nos termos expostos na decisão ora recorrida constitui um verdadeiro abuso de direito que não pode ser legitimado por sentença;</font><br>
</p><p><font>V. Relativamente ao pedido de reconhecimento de direito de retenção, o mesmo não tem acolhimento legal;</font><br>
</p><p><font>W. Tendo ficado provado nos autos que o Autor habita o imóvel desde 2014 até à presente data, a troco da quantia mensal de 430€, não existe sinal a restituir mas sim uma renda a pagar pela utilização do imóvel</font><br>
</p><p><font>X. Nesse sentido, não poderá ser reconhecido o direito de retenção peticionado pelo Autor, o qual constitui uma garantia de cumprimento de uma obrigação inexistente, no âmbito de um contrato nulo;</font><br>
</p><p><font>Y. Sendo o contrato declarado nulo, nos termos do artº 289º/1 do CC, tal nulidade tem efeitos retroactivos, pelo que, terá de ser devolvido tudo quanto prestado, e não sendo possível restituir o uso do locado à Ré, terá o Autor de suportar o valor correspondente ao benefício que assim obteve</font><br>
</p><p><font>Z. Pela mesma razão, o direito de retenção é um direito de garantia e não um direito parcelar de propriedade (Dtº de Gozo);</font><br>
</p><p><font>AA. Razão pela qual é nosso entender que, o facto de o Autor habitar o imóvel até hoje, sabendo que, na sua versão, o contato foi incumprido em Julho de 2018, mesmo pagando o correspondente valor, tornando a fricção ilícita, não lhe deverá conceder o direito de retenção, mas sim o dever de restituir o que indevidamente recebeu, nos termos do artº 759º/1 e 2 e 473º/1 todos do CC</font><br>
</p><p><font>BB. Da leitura da parte decisória do Acórdão, ora recorrido, ressalta ainda que foi a Ré condenada em Juros vincendos, os quais não foram peticionados pelo Autor, ultrapassando assim os limites do poder de decisão do Tribunal, violando o disposto no artº 615º/1 e) do CPC, determinando a nulidade da sentença, a qual desde já se argui, para os devidos efeitos legais;</font><br>
</p><p><font>CC. Tal condenação não é legalmente possível pois, aplicando o regime do contrato promessa, conforme expresso no douto acórdão, no âmbito da indemnização prevista no artº 442º/2 do CC em que a Ré foi sentenciada, já está incluído os juros vincendos até integral pagamento (artº 564º/1 e 442º/4 do CC).</font><br>
</p><p><font>Normas Violadas:</font><br>
</p><p><font>- Artº 280º/1, artº 289º/1, artº441º/1, artº442º/1, 2 e 4, artº 334º/1, artº 473º/1, artº 564º/1, artº 759º/1 e 2 todos do CC</font><br>
</p><p><font>-Artº 615º/1 do CPC;</font><br>
</p><p><font>Termos em que deverá a decisão proferida pela Relação ..., ora recorrida, ser revogada e proferida decisão de declaração de nulidade do contrato e consequentemente serem as partes condenadas a restituir todo o recebido no âmbito do contrato declarado nulo, nomeadamente ser o Autor condenado a devolver o imóvel, e a Ré a devolver as quantias que recebeu. Não sendo possível ao Autor devolver o uso e fruição do imóvel nos últimos 6 anos, deverá liquidar os valores correspondentes ao benefício que obteve, no montante de 430 € por cada mês que habite o imóvel, com início desde 17 de julho de 2014, com o que se fará</font><br>
</p><p><font>Verdadeira Justiça!».</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><b><font>4.</font></b><font> Sabido que é pelas conclusões que se delimita o objeto do recurso, as questões a decidir são as seguintes:</font><br>
</p><p><font>a) Nulidade do acórdão recorrido por condenação em quantidade superior ao pedido (artigo 615.º, n.º 1, al. e), do CPC), por ter sido a ré condenada no pagamento de juros vincendos que alegadamente não foram peticionados pelo autor;</font><br>
</p><p><font>b) Nulidade do contrato-promessa celebrado entre as partes por vício de forma e por impossibilidade do objeto, apreciando-se, caso se verifique esse vício, os respetivos efeitos;</font><br>
</p><p><font>c) Interpretação do negócio jurídico celebrado entre as partes e qualificação jurídica do mesmo;</font><br>
</p><p><font>d) Apreciação do incumprimento do referido contrato pela ré;</font><br>
</p><p><font>e) Qualificação da prestação pecuniária paga pelo autor à ré como “sinal”;</font><br>
</p><p><font>f) Alegado abuso de direito do autor ao exigir na presente ação a restituição do sinal em dobro. </font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font>Cumpre apreciar e decidir.</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><b><font>II – Fundamentação </font></b><br>
</p><p><b><font>A – Os factos</font></b><br>
</p><p><b><font>1.</font></b><font> As instâncias deram por provados os seguintes factos: </font><br>
</p><p><font>1. A Ré “AGENDA ALERTA, UNIPESSOAL, LDA.” tem como principal atividade a compra e venda de bens imobiliários. </font><br>
</p><p><font>2. Com data de 17 de julho de 2014, os ora Autor e Ré assinaram o escrito que se mostra junto aos autos a fls. 13 e 14, denominado “Contrato-Promessa de Compra e Venda”.</font><br>
</p><p><font>3. Neste escrito, sob a sua “cláusula 1ª”, consta que a aqui Ré, “AGENDA ALERTA, UNIPESSOAL, LDA.” celebrou com BB e CC um “Contrato-Promessa de Compra e Venda” onde a “AGENDA ALERTA, UNIPESSOAL, LDA.” está referenciada como promitente compradora do imóvel objeto deste contrato e autorizada a indicar um terceiro para a outorga da escritura da fração autónoma destinada à habitação, designada pela letra A, correspondente à ... esquerda do prédio urbano sito na Av...., ..., freguesia da ..., concelho da ..., inscrita na matriz predial sob o art. ...54º e descrito na Conservatória do Registo Predial da ... sob o nº ...70 da mesma freguesia. </font><br>
</p><p><font>4. Deste mesmo escrito, sob a “cláusula 2ª” consta que, por este contrato ora em apreço, a “Agenda Alerta, Unipessoal, Lda.” promete indicar aos srs. BB e CC, AA, para a outorga da escritura da fração autónoma acima indicada, livre de ónus e encargos; e este último, promete aceitar essa indicação pelo preço de 85 000, 00 euros. </font><br>
</p><p><font>5. Da cláusula 3ª deste mesmo escrito consta que, no ato da assinatura AA entrega à Agenda Alerta UP, Ld.ª, um cheque no valor de 860, 00 euros a título de sinal e princípio de pagamento; e que a restante parte do preço em dívida, ou seja, 84 140, 00 euros será entregue da seguinte forma: o ora Autor irá transferir para a ora Ré, mensalmente, até ao dia 8 de cada mês, a quantia de 430, 00 euros, a título de acréscimo de sinal que será subtraído ao valor global da respetiva venda. </font><br>
</p><p><font>6. Da “cláusula 6ª” do mesmo contrato consta que “a escritura definitiva de compra e venda” deverá ser celebrada no máximo até ao dia 17 de julho de 2014, e será marcada pela ora Ré que avisará o aqui Autor, através de carta registada com aviso de receção com, pelo menos, 10 (dez) dias de antecedência. </font><br>
</p><p><font>7. A partir da sobredita data, o Autor e sua esposa passaram a habitar na identificada fração.</font><br>
</p><p><font>8. O Autor foi pagando, mensalmente, a quantia acima referida, de 430, 00 euros. </font><br>
</p><p><font>9. O Autor recebeu da Ré, carta registada com AR, através da qual o informa, que se encontra marcada a escritura de compra e venda da fração, para o dia 12 de julho de 2018, pelas 15 Horas, no Cartório Notarial de DD; e com menção de que se tal contrato definitivo não se realizar por culpa do ora Autor, se considera definitivamente incumprido o contrato-promessa da fração em referência. </font><br>
</p><p><font>10. O Autor, acompanhado da sua esposa compareceu no dia, hora e local designado para a realização da escritura de compra e venda, mas, chegada a hora a que se alude na sobredita missiva, a Ré não compareceu, nem na hora por si designada, nem em hora posterior. </font><br>
</p><p><font>11. A Ré não havia marcado tal escritura de compra e venda; e não veio a marcá-la posteriormente. </font><br>
</p><p><font>12. Da cláusula 6ª/2 do suprarreferido contrato, consta que o não pagamento pelo Autor do valor de 84 140, 00 euros consubstancia incumprimento definitivo do contrato imputável ao Autor e constitui causa justificativa para a não celebração da escritura pela ora Ré, fazendo suas todas as importâncias recebidas e entregues a título de sinal. </font><br>
</p><p><font>13. Autor e Ré acordaram que o Autor receberia da Ré, para sua habitação, a fração autónoma acima identificada, com a contrapartida do pagamento da quantia de 860, 00 euros na data desse acordo, em julho de 2014; e do pagamento subsequente da quantia mensal de 430, 00 euros.</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><b><font>2.</font></b><font> O Tribunal da Relação eliminou o ponto 1. dos factos não provados, entendendo que </font><i><font>“(…) o ponto 1. NP da sentença não enuncia um “facto”, no sentido conceptualizado no artigo 607º, nº 4, do Código de Processo Civil. Trata-se, outrossim de asserção do julgador com carácter manifestamente conclusivo e a retirar a jusante na apreciação jurídica dos factos recolhidos.</font></i><font> (…) </font><i><font>“(…) deverá então ser suprimida a matéria constante do elenco dos factos (provados e não provados) susceptível de ser qualificada como questão de direito, conceito que, como vem sendo também pacificamente aceite, integra por analogia juízos de valor ou conclusivos”.</font></i><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><b><font>B – O Direito</font></b><br>
</p><p><b><font>1.</font></b><font> </font><i><font>Nulidade do acórdão recorrido por condenação em quantidade superior ao pedido (artigo 615.º, n.º 1, al. e), do CPC)</font></i><br>
</p><p><b><font>1.1.</font></b><font> Nas suas alegações, a recorrente/ré invoca a nulidade do acórdão recorrido por condenação em quantidade superior ao pedido, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea </font><i><font>e),</font></i><font> do Código de Processo Civil (CPC). Alega para o efeito que foi condenada no pagamento de juros vincendos, os quais não foram peticionados pelo autor, pelo que a Relação ultrapassou, assim, os limites do seu poder de decisão. Mais sustenta a ré que tal condenação não é legalmente possível pois, aplicando-se o regime do contrato promessa, na indemnização prevista no artigo 442.º, n.º 2, do Código Civil já estão incluídos os juros vincendos até integral pagamento (artigo 442.º, n.º 4, do Código Civil).</font><br>
</p><p><font>No acórdão recorrido, a ré foi condenada a pagar ao Autor a quantia de € 45 720,00, “acrescida dos juros de mora vincendos à taxa legal”.</font><br>
</p><p><font>Compulsado o teor do pedido alternativo formulado pelo autor na petição inicial, verificamos que o mesmo peticionou o seguinte:</font><br>
</p><p><i><font>“a) Que seja determinada a restituição ao Autor do sinal em dobro, nos termos do art.º 442.º do Código Civil, que à presente data se contabiliza no montante de € 44.720,00 (quarenta e quatro mil setecentos e vinte euros), sem prejuízo dos valores vincendos de reforço de sinal a liquidar mensalmente até ao trânsito em julgado da sentença a ser proferida no presente pleito;</font></i><br>
</p><p><i><font>b) Concomitantemente, ser reconhecido ter havido tradição da coisa, objecto do contrato-promessa de compra e venda (imóvel para habitação) a favor do Autor, cuja traditio deve ser qualificada como posse em nome próprio (“animus possidendi”), considerando as condições negociais verificadas, beneficiando do direito de retenção sobre o imóvel, pelo valor do sinal em dobro e juros, resultante do incumprimento definitivo do contrato pela promitente-vendedora, ora Ré, nos termos do art.º 442.º do C.C., retenção que se deve manter enquanto não se extinguir o crédito do Autor”.</font></i><br>
</p><p><i><font> </font></i><br>
</p><p><b><font>1.2.</font></b><font> Sobre esta matéria, foi proferido o AUJ n.º 9/2015 de 14-05-2015 (processo n.º 1520/04.3TBPBL.C1.S1-A), que fixou jurisprudência no seguinte sentido: </font><i><font>“Se o autor não formula na petição inicial, nem em ulterior ampliação, pedido de juros de mora, o tribunal não pode condenar o réu no pagamento desses juros.”</font></i><br>
</p><p><font> Conforme se lê na fundamentação desse AUJ, </font><i><font>“não tendo sido formulado pedido de condenação em juros de mora (arts. 3º, nº 1, e 552º, nº 1, e), do CPC), o tribunal não poderia, oficiosamente, condenar nesses juros, pois tal traduz uma condenação para além do pedido, isto é, em quantidade superior ao que foi pedido (art. 609º, nº 1, do CPC). Fazendo-o, violou o princípio do pedido, como acima se expôs, ferindo de nulidade a sentença (art. 615º, nº 1, e), do CPC)”.</font></i><font> </font><br>
</p><p><b><font> </font></b><br>
</p><p><b><font>1.3.</font></b><font> Porém, analisando o teor da petição inicial, na parte relativa ao pedido, verifica-se que, apesar do autor não ter indicado os juros de mora no momento em que pediu a indemnização correspondente ao sinal em dobro, peticionando, em acréscimo a esse montante, os “valores vincendos de reforço de sinal a liquidar mensalmente até ao trânsito em julgado da sentença a ser proferida no presente pleito”, quando peticionou o reconhecimento do direito de retenção, pediu quer a referida indemnização, quer o montante de juros sobre o respetivo montante, utilizando expressamente a expressão “juros”. Assim, interpretando o teor do referido articulado, podemos concluir que a vontade do autor foi a de peticionar os juros sobre a indemnização devida, pois caso quisesse prescindir desses juros, não faria sentido que os tivesse referido expressamente como estando abrangidos pelo direito real de garantia de cuja titularidade se arroga.</font><br>
</p><p><font>Assim, tendo o pedido de condenação no pagamento de juros sido formulado pelo autor, não se verifica qualquer nulidade por condenação para além do pedido.</font><br>
</p><p><font>Sobre a questão suscitada pelo recorrente de que na indemnização prevista no artigo 442.º, n.º 2, do Código Civil já estão incluídos os juros vincendos até integral pagamento (artigo 442.º, n.º 4, do Código Civil), importa referir que os juros de mora não constituem indemnização pelo incumprimento do contrato-promessa, pelo que, dessa forma, não se encontram abrangidos pela limitação prevista no n.º 4 do art. 442.º do Código Civil. Os juros de mora destinam-se a compensar o lesado pela demora no pagamento da indemnização prevista no n.º 2 do artigo 442.º (cfr. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 03-07-2008, Revista n.º 1746/08, não publicado na DGSI). Em igual sentido, reconhecendo o pagamento de juros de mora sobre a indemnização correspondente ao sinal em dobro, afirmou este Supremo, no Acórdão de 26-01-2021 (Revista n.º 562/13.2TBVLN-A.G3.S1) que «</font><i><font>Estando provado que foi celebrado entre exequente e executada um contrato-promessa de compra e venda, que posteriormente foi celebrado entre eles o contrato de compra e venda, que a ré incumpriu culposa e definitivamente esses dois contratos, que por virtude desse incumprimento foram declarados resolvidos os dois referidos contratos, e que daí emergiu o crédito exequendo, correspondente ao dobro do sinal prestado, e a que acrescem os juros de mora, a contar desde a citação, até efectivo e integral pagamento, está assente a existência do alegado direito de retenção».</font></i><font> No mesmo sentido se pronunciou o Acórdão de 01-07-2003 (Revista n.º 1121/03), em que se afirmou que </font><i><font>«Se o obrigado à restituição do sinal em dobro não o fizer tempestivamente, são devidos juros, contados desde a constituição em mora, a qual só tem início quando é exercida a faculdade de resolver o contrato»,</font></i><font> e ainda os acórdãos de 13-11-2003 Revista n.º 3066/03) e de 20-11-2003 (Revista n.º 3455/03), em que se concluiu que «</font><i><font>São devidos juros de mora em relação à obrigação de pagamento do dobro do sinal, a tal não se opondo o art.º 442, n.° 4 do mesmo Código».</font></i><font> </font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><b><font>1.4.</font></b><font> Assim, conclui-se que não se verifica qualquer nulidade do acórdão recorrido.</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><b><font>2.</font></b><font> </font><i><font>Nulidade do contrato-promessa celebrado entre as partes </font></i><br>
</p><p><b><font>2.1.</font></b><font> Nas suas alegações, a recorrente invoca a nulidade do contrato celebrado entre as partes, alegando que o mesmo “confere uma mera detenção e não posse, não tem as assinaturas reconhecidas, tem prazos/sinalagmas de cumprimento fisicamente impossível”, concluindo que o contrato é nulo nos termos do artigo 280.º, n.º 1, do Código Civil.</font><br>
</p><p><font> Quanto ao facto de o contrato conferir uma mera detenção e não a posse do imóvel, não se vislumbra como tal poderá acarretar a nulidade do contrato, não tendo a recorrente fundamentado essa alegação.</font><br>
</p><p><font> Quanto ao suposto vício de forma, este não se verifica, pois, alegando a recorrente que o objeto do contrato consistiu apenas numa promessa de cessão da posição contratual, e não na promessa de venda de um bem imóvel, seria apenas exigível a forma escrita (artigo 410.º, n º 2, do Código Civil), que foi respeitada. </font><br>
</p><p><font> Argumenta ainda a recorrente que o acórdão recorrido errou ao não declarar a nulidade do contrato dos autos, por falta de forma, pois, mesmo que se entendesse que o contrato dos autos configurava um contrato-promessa de compra e venda, como entendeu o acórdão recorrido, sempre seria nulo, segundo a recorrente, por inobservância das formalidades previstas no artigo 410.º, n.º 3, do Código Civil.</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font>Todavia, também neste ponto não tem razão. </font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font>A nulidade, por falta de forma, do contrato promessa de compra e venda de imóvel para habitação foi construída pelo legislador como uma nulidade atípica, destinada a proteger o promitente-comprador, restringindo, para o efeito, o círculo das pessoas legitimadas para a arguir, conforme tem sido entendimento da jurisprudência (por todos, vide, o acórdão deste Supremo Tribunal, de 07-10-2004, proc. n.º 04B2910, onde se sumariou que: «Tal vício, não é, todavia, de rotular de nulidade absoluta" tout curt", mas como uma nulidade mista, «sui generis» ou atípica - não invocável por terceiros nem conhecida oficiosamente pelo tribunal, ainda que possa ser arguida a todo o tempo. Isto porque não está em causa o interesse jurídico-público geral da invalidade do negócio, mas apenas o da tutela do específico interesse da protecção ao promitente comprador». </font><br>
</p><p><font> Com efeito, o regime consagrado no n.º 3 do artigo 410.º do Código Civil, prevê na sua parte final que o contraente que promete transmitir ou constituir o direito, ou seja, a aqui ré, ora recorrente, só pode invocar a omissão dos requisitos previstos nessa disposição legal, nomeadamente o reconhecimento presencial de assinaturas, quando a mesma tenha sido culposamente causada pela outra parte. Ora, não resultaram provados quaisquer factos que nos permitam concluir ser imputável ao autor recorrido a falta de observância dos requisitos legalmente previstos, pelo que não pode a ré invocar esse vício formal, improcedendo nessa parte a sua argumentação.</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font>2.2. Invoca ainda a ré a nulidade do contrato, por impossibilidade do objeto do contrato, alegando o seguinte: “o conteúdo do contrato não é possível de ser cumprido, no que respeita à data de efeito, uma vez que, na sua cláusula sexta prevê que a escritura de compra e venda será celebrada até 17 de Julho de 2014, justamente a data em que foi assinado; Tornando assim impossível o cumprimento de qualquer dos prazos nele estabelecidos, ou seja, o contrato tem um cumprimento impossível, em termos de prazos; Conforme resulta do contrato outorgado, no dia em que foi outorgado (17 de Julho de 2014 – Ponto 2. Dos factos provados), o contrato encontrava-se já em incumprimento; Pois que, segundo o contrato de que o Autor se pretende fazer valer, a Ré, para cumprir o acordado teria de: 10 dias antes de outorgar o contrato, enviar uma carta registada com aviso de recepção a agendar a compra e venda onde o Autor apareceria como cessionário da posição contratual na aquisição do imóvel, sendo que essa data teria de ser a data da outorga do próprio contrato onde a Ré promete vender a sua posição contratual, ou seja 17 de Julho de 2014 (Cláusula sexta do contrato a fls. 13 dos autos);”.</font><br>
</p><p><font>Conforme refere Elsa Vaz de Sequeira (“Anotação ao artigo 401.º do Código Civil”, </font><i><font>Comentário ao Código Civil – Direito das Obrigações,</font></i><font> Lisboa, Universidade Católica Editor | [0 0 0 ... 0 0 0] |
OzFeu4YBgYBz1XKvRPxL | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><font> </font><div><br>
<font>Acordam em Conferência no Supremo Tribunal de Justiça</font></div><br>
<br>
<font> </font><br>
<p><b><font>I – Relatório</font></b><br>
</p><p><b><font> </font></b><br>
</p><p><b><font>1. Massa Insolvente da JAOP – Sociedade de Empreitadas, S.A., Armando Cunha – Empreiteiros de Obras e Tecniarte – Projetos e Construções Lda., </font></b><font>Recorrentes nos presentes autos, notificadas da Decisão Sumária proferida pela Relatora com a ref. ...83, que não admitiu o recurso de revista por falta de objeto legalmente admissível, vem dela apresentar reclamação para a Conferência e requerer que sobre a matéria do despacho recaia um acórdão, nos termos do disposto nos artigos 652.º, n.ºs 3 e 4 e 679.º, ambos do CPC, o que fez nos seguintes termos e fundamentos:</font><br>
</p><p><font>«1 - De acordo com a decisão sumária reclamada: </font><i><font>“Em consequência, não se admite o recurso de revista por falta de objeto legalmente admissível.”</font></i><br>
</p><p><font>2 - Para sustentar a referida decisão, o Tribunal decidiu que:</font><br>
</p><p><i><font>“Das conclusões apresentadas apenas as conclusões 36. a 51., relativas à interpretação do acordo da Quinta ... ao abrigo dos artigos 236.º a 238.º do Código Civil, não estão abrangidas pela dupla conformidade, reunindo, em abstrato, os requisitos do recurso de revista geral. Todavia, uma coisa são os pressupostos de recorribilidade, outra distinta é a questão de saber se as questões suscitadas podem ser objeto de recurso de revista.</font></i><br>
</p><p><i><font>Ora, analisadas as conclusões do recurso deteta-se que a invocada interpretação das condições gerais do contrato de subempreitada, e do disposto no artigo 27.º do RJEOP, a fim de considerar o preço de 5,86 €/m3 para os referidos trabalhos de remoção de aterro de pré-carga, como pretendem as autoras, e não o preço adotado pelo acórdão recorrido de 2,07 €/m3, se reconduzem a questões de facto. O preço de 2,07 euros/m3 integrou a matéria de facto provada, conforme resulta do facto provado n.º74-A, aditado pelo Tribunal da Relação, segundo o qual –“As Autoras removeram 138.801,96 m3 de terras para vazadouros localizados nas proximidades da obra, sendo que tal actividade tinha o preço contratual de € 2,07 m3 previsto no âmbito do contrato de subempreitada”.</font></i><br>
</p><p><i><font>Acresce que a interpretação das declarações negociais nem sempre será uma questão de direito e no caso vertente trata-se de uma mera questão de facto, porque se baseia na análise e avaliação da prova testemunhal como auxiliar da fixação do sentido do documento, pois o tribunal recorrido chegou a esta conclusão após ponderar 2 cuidadosamente a prova testemunhal.</font></i><br>
</p><p><i><font>Assim, esta questão não pode ser conhecida por este Supremo Tribunal de Justiça, que só conhece de questões de direito e de prova vinculada, nos termos do artigo 674.º, n.º 3, do CPC, aqui não em causa.»</font></i><br>
</p><p><font>3 - Contudo, não assiste razão à referida decisão no que afirma.</font><br>
</p><p><font>4 - Devendo o recurso em questão ser admitido e julgado procedente.</font><br>
</p><p><font>5 - Com efeito, a questão em apreço, a saber: a interpretação do acordado entre as partes, quanto ao preço da atividade de remoção de aterro de pré-carga para vazadouro alternativo à Quinta ..., foi determinada pelo Tribunal da Relação com recurso a regras de direito.</font><br>
</p><p><font>6 - Ou seja, foram regras de direito as que determinaram- e determinarão- o preço aplicável à referida atividade.</font><br>
</p><p><font>7 - Aliás, nas alegações de recurso, as Recorrentes invocaram a violação do disposto no número 6, da cláusula primeira, das condições gerais do contrato de subempreitada, do disposto no artigo 27.º, do RJEOP, e do disposto nos artigos 236.º e 237.º do Código Civil.</font><br>
</p><p><font>8 - Assim sendo, o recurso debruçou-se sobre a violação de regras de direito, por parte do Tribunal da Relação, devendo tal ser objeto de apreciação por este supremo tribunal, nos termos do disposto no artigo 674.º, n.º 1, al. a), do CPC.</font><br>
</p><p><font>9 - O disposto no n.º 74-A, da matéria de facto dada como provada pelo Tribunal da Relação e que foi por este aditado ao leque de factos provados, tem, na sua génese, considerações de direito.</font><br>
</p><p><font>10 - Destarte, essas considerações de direito devem poder ser sindicadas em sede de recurso.</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font>Ou seja, </font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font>11 - O disposto nos artigos 682.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, só pode ser aplicado à matéria de facto fixada através, única e exclusivamente, da análise da prova produzida.</font><br>
</p><p><font>12 - Ora, o facto dado como provado no n.º 74-A, do acórdão recorrido, que, na realidade, é uma conclusão de direito, foi fixado com recurso a critérios de direito e, como tal, deve poder ser sindicado no presente recurso.</font><br>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Nestes termos, e nos demais de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deverá a presente reclamação e o recurso serem admitidos e julgados procedentes por provados e, consequentemente, revogada a sentença na parte recorrida, proferindo-se acórdão que condene a R. a pagar às AA. o valor de € 724.553,63, referido na alínea b), do dispositivo condenatório da sentença de primeira instância, acrescidos dos respetivos juros de mora, tal como peticionado.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Só assim se fazendo Justiça!»</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Cumpre decidir.</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><b><font>II - Fundamentação </font></b><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><b><font>2.</font></b><font> O teor da decisão singular, que aqui se transcreve integralmente, foi o seguinte:</font><b><font> </font></b><br>
</p><p><b><font> «1 -</font></b><font> No âmbito dos presentes autos as Autoras </font><b><font>JAOP – SOCIEDADE de EMPREITADAS, S.A., e ARMANDO CUNHA – EMPREITEIROS de OBRAS PÚBLICAS, S.A, </font></b><font>deduziram o seguinte pedido relativamente à Ré </font><b><font>SOMAGUE - ENGENHARIA, S.A.:</font></b><br>
</p><p><font>A) a condenação da R. a pagar à AA. em consórcio, a quantia de €1.516.769,18 (deduzida do valor a compensar no montante de €102.214.72, num valor total portanto de </font><b><font>€ 1.414.554,46</font></b><font>), que inclui:</font><br>
</p><p><font>(i) </font><b><font>€ 579.452,02</font></b><font> a título de revisão de preços de trabalhos contratuais;</font><br>
</p><p><font>(ii) </font><b><font>€86.356,50</font></b><font> referente à revisão de preços de trabalhos a mais (art. 8.º a 10.º do DL n.º 348-A/86), ou na quantia que resultar do cálculo de revisão de preços referente aos trabalhos a mais, feito em função do mesmo cronograma financeiro utilizado pela R. na revisão de preços de trabalhos a mais que apresentou ao Dono da obra (...), sob pena de enriquecimento sem causa da R.; tudo acrescido de juros de mora à taxa legal vencidos 60 dias após a data de cada um dos respetivos autos de medição dos trabalhos, sendo os vencidos no montante de </font><b><font>€ 24.192,31</font></b><font>;</font><br>
</p><p><font>(iii) a quantia de </font><b><font>€ 820.930,69</font></b><font>, referente aos trabalhos a mais de remoção de solos e execução de aterros;</font><br>
</p><p><font>(iv) a quantia de </font><b><font>€5.837,66,</font></b><font> correspondente ao valor parcial da Nota de Débito não aceite n.º 604545 ;</font><br>
</p><p><font>B) a condenação da R. a pagar à A. JAOP:</font><br>
</p><p><font>a) a quantia de </font><b><font>€347.659,52</font></b><font>, referente a diversos trabalhos a mais e</font><br>
</p><p><font>b) a quantia de </font><b><font>€233.954,39</font></b><font>, correspondente aos valores parciais das notas de débito identificadas.</font><br>
</p><p><font>C) a condenação da R. a pagar à A. ARMANDO CUNHA, a quantia de </font><b><font>€37.940,81</font></b><font>, referente a diversos trabalhos a mais.</font><br>
</p><p><font>Tudo acrescido de juros de mora desde a data da citação até integral pagamento.</font><br>
</p><p><b><font> </font></b><br>
</p><p><b><font>2</font></b><font> – Entretanto, na pendência da ação, foi determinada a apensação aos presentes autos do processo nº 6385/09...., em que figuram, igualmente como autoras, </font><b><font>JAOP – Sociedade de Empreitadas, S.A. e Armando Cunha, S.A.,</font></b><font> e como </font><b><font>Ré Somague – Engenharia, S.A.,</font></b><font> no qual foi deduzido o seguinte petitório:</font><br>
</p><p><font> condenação da R. a pagar às AA. a quantia de </font><b><font>€552.816,80</font></b><font>, a título de sobrecustos indiretos associados ao prazo de 6 meses não absorvido pela execução dos trabalhos a mais, a que acrescem juros de mora à taxa legal até efetivo e integral pagamento;</font><br>
</p><p><font> subsidiariamente, a condenação da R. a reconhecer às AA. o direito à quantia de </font><b><font>€552.816,80</font></b><font>, se, e na medida em que a ... lhe pagar pelo mesmo título;</font><br>
</p><p><font> cumulativamente com o 1.º pedido ou com o 2.º, consoante o que for reconhecido, ser a R. condenada a reconhecer o direito das AA. aos seguintes valores se, e na medida em que a ... lhe pagar pelo mesmo título:</font><br>
</p><p><font>a) </font><b><font>€1.181.063,48</font></b><font>, a título de indemnização por danos emergentes e lucros cessantes devidos às AA. referentes às seguintes atividades por estas desenvolvidas, no âmbito do contrato de subempreitada dos autos (Leito de pavimento da Estrada ...; Alteração do material de coroamento; Quebra de rendimento nas escavações das PH’s; Cunhas de solo-cimento das PH’s; Deslocalização da Central de Betão; Sobrecusto da pavimentação resultante da substituição do subempreiteiro) ;</font><br>
</p><p><font>b) € 266.016, a título de trabalhos a mais e sobrecustos na execução das seguintes actividades das AA. no âmbito do contrato dos autos (Aterro na plataforma de via fora das zonas de consolidação forçada; Aterro na plataforma de via nas zonas de consolidação forçada; Sobrecustos com aterro em tout-venant na Estrada ...; Demolição de pavimentos na plataforma da via; Prolongamento das camadas drenantes; Alargamento da plataforma entre os PK's 45+824 e 46+050; Remoção de balastro velho; Abertura de vala para a TER), a que acrescem juros de mora à taxa legal até efectivo e integral pagamento;</font><br>
</p><p><font> subsidiariamente aos pedidos n.º 3, caso se entenda não serem devidos os pedidos formulados no nº 3, deve a R. ser condenada a reconhecer às AA. o direito às mesmas quantias aí enunciadas a título de enriquecimento sem causa, acrescidas de juros de mora à taxa legal até efetivo e integral pagamento.</font><br>
</p><p><b><font> </font></b><br>
</p><p><b><font>3 –</font></b><font> Em sede de 1ª instância, a sentença proferida contém o seguinte Dispositivo:</font><br>
</p><p><i><font>“Pelo exposto, decide-se julgar :</font></i><br>
</p><p><b><i><font>A)</font></i></b><i><font> procedente a exceção perentória de caducidade invocada no tocante aos pedidos de </font></i><b><i><font>€ 579.452,02</font></i></b><i><font> (revisão de preços de trabalhos contratuais); </font></i><b><i><font>€ 347.659,52</font></i></b><i><font> (trabalhos a mais executados pela A. JAOP), </font></i><b><i><font>€ 37.940,81</font></i></b><i><font> (trabalhos a mais executados pela A. Armando Cunha), deles absolvendo a R.;</font></i><br>
</p><p><b><i><font>B)</font></i></b><i><font> a ação (principal) parcialmente procedente, por provada, e em consequência, condena-se a ré a pagar às autoras a quantia de </font></i><b><i><font>€ 724.553,63</font></i></b><i><font> (setecentos e vinte e quatro mil, quinhentos e cinquenta e cinco euros e sessenta e três cêntimos), deduzido o valor de €102.214,72, acrescida de juros de mora desde a data da citação até integral pagamento, bem como a quantia que se vier a liquidar a título de revisão de preços de trabalhos a mais, em função do cronograma financeiro, até ao limite de </font></i><b><i><font>€ 86.356,50</font></i></b><i><font> (oitenta e seis mil, trezentos e cinquenta e seis euros e cinquenta cêntimos), absolvendo a R. do demais peticionado;</font></i><br>
</p><p><b><i><font>C)</font></i></b><i><font> a ação (apensada) procedente, por provada, e em consequência, condenar a R. a reconhecer às AA. o direito à quantia de </font></i><b><i><font>€ 552.816,80</font></i></b><i><font> (quinhentos e cinquenta e dois mil, oitocentos e dezasseis euros e oitenta cêntimos), a título de sobrecustos indiretos, se, e na medida em que tenha recebido ou venha a receber da ...; de </font></i><b><i><font>€ 1.181.063,48</font></i></b><i><font> (um milhão, cento e oitenta e um mil, sessenta e três euros e quarenta e oito cêntimos), a título de indemnização por danos emergentes e lucros cessantes devidos às AA. referentes às atividades por estas desenvolvidas, se e na medida em que tenha recebido ou venha a receber da ...; de </font></i><b><i><font>€ 266.016,00</font></i></b><i><font> (duzentos e sessenta e seis mil e dezasseis euros), a título de trabalhos a mais e sobrecustos na execução de atividades das AA., se e na medida em que tenha recebido ou venha a receber da ....</font></i><br>
</p><p><b><i><font>D)</font></i></b><i><font> parcialmente procedente o pedido reconvencional deduzido na ação principal, relativamente ao valor de </font></i><b><i><font>€ 102.214,72 </font></i></b><i><font>(já considerado na alínea A) deste dispositivo), absolvendo a A. Armando Cunha do demais peticionado.</font></i><br>
</p><p><i><font>Custas da ação (principal e apensada) a cargo das autoras e da ré na proporção, respetivamente, de 2/6 e 4/6.</font></i><br>
</p><p><i><font>Custas dos pedidos reconvencionais a cargo das autoras e da ré, na proporção, respetivamente, de ¼ e ¾.</font></i><br>
</p><p><i><font>Registe e notifique”.</font></i><br>
</p><p><b><font> </font></b><br>
</p><p><b><font>4 –</font></b><font> As Autoras interpuseram recurso de apelação de tal sentença, pedindo o seguinte: </font><br>
</p><p><i><font>“a) Julgue a excepção peremptória de caducidade invocada no tocante aos pedidos de condenação da R. a pagar às AA. € 579.452,02 (revisão de preços de trabalhos contratuais), € 347.659,52 (trabalhos a mais executados pela A. JAOP) e € 37.940,81 (trabalhos a mais executados pela A. Armando Cunha), improcedente;</font></i><br>
</p><p><i><font>b) Altere o facto provado 56, passando ele a dispor o seguinte: </font></i><b><i><font>56.</font></i></b><i><font> A R. não reconheceu nem mediu os trabalhos descritos nas listas de fls. 468 e ss. e 478, e que totalizam a quantia de 347.659,52 € relativamente à A. JAOP e de 37.940,81 € relativamente à A. ARMANDO CUNHA. (quesito 44);</font></i><br>
</p><p><i><font>c) Condene a R. a pagar às AA. valores referidos em a), acrescidos dos respectivos juros de mora, tal como pedido na PI da acção principal;</font></i><br>
</p><p><i><font>d) Condene a R. a pagar às AA., imediatamente, € 86.356,50, a título de revisão de preços de trabalhos a mais, acrescido dos respectivos juros de mora, tal como pedido na PI da acção principal;</font></i><br>
</p><p><i><font>e) Altere o facto provado </font></i><b><i><font>174</font></i></b><i><font>, passando ele a dispor o seguinte: A conta final da empreitada veio a ser elaborada e remetida pela ... à R., em 15/04/2011, sem que esta dela tenha reclamado ;</font></i><br>
</p><p><i><font>f) Condene a R. a pagar às AA., imediatamente, as quantias de </font></i><b><i><font>€552.816,80,</font></i></b><i><font> </font></i><b><i><font>€ 1.181.063,48 e € 266.016,00</font></i></b><i><font>, acrescidas dos respectivos juros de mora, tal como pedido, o primeiro valor, já na PI da acção apensada e todos na réplica da acção apensada”.</font></i><br>
</p><p><b><font> </font></b><br>
</p><p><b><font>5 –</font></b><font> Interpôs, igualmente, recurso de apelação a Ré, pugnando pela revogação da sentença recorrida, no que concerne às alíneas </font><b><font>B)</font></b><font> e </font><b><font>C)</font></b><font> da sua parte decisória, com a sua consequente absolvição.</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><b><font>6 –</font></b><font> </font><b><font>O Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação, decidiu nos seguintes termos:</font></b><br>
</p><p><i><font>“No que concerne ao recurso interposto pelas Autoras JAOP – SOCIEDADE de EMPREITADAS, S.A. (presentemente, “TECNIARTE- Projetos e Construções Lda. habilitada para os termos da presente acção, em substituição de MASSA INSOLVENTE DA SOCIEDADE JAOP – Sociedade de Empreiteira S.A., até ao limite do valor de € 653 005,77), e ARMANDO CUNHA – EMPREITEIROS de OBRAS PÚBLICAS, S.A., em que figura como Ré SOMAGUE - ENGENHARIA, S.A.:</font></i><br>
</p><p><i><font>I) Julgar totalmente improcedente a apelação (ressalvando a alteração de redacção do facto provado 174, decorrente da impugnação da matéria de facto apresentada);</font></i><br>
</p><p><i><font>II) Deferir, parcialmente, o requerido relativamente às custas na presente instância de recurso, no sentido de fixar o valor tributário da acção, para efeitos de custas, em 600.000,01 €, e indeferir a requerida dispensa das partes no pagamento do remanescente da taxa de justiça, bem como na redução do pagamento de tal valor;</font></i><br>
</p><p><i><font>no que concerne ao recurso interposto pela Ré SOMAGUE - ENGENHARIA, S.A.:</font></i><br>
</p><p><b><i><font>I) Julgar a apelação parcialmente procedente, determinando-se a alteração do 1º segmento da alínea B) do dispositivo condenatório, no sentido de condenar a Ré a pagar às Autoras a quantia de 198.494,21 € (cento e noventa e oito mil quatrocentos e noventa e quatro euros e vinte e um cêntimos) = 294.871,27 (+) 5.837,66 € (-) 102.214,72 € ;</font></i></b><br>
</p><p><i><font>II) Mantendo-se, no demais, o decidido na sentença apelada”.</font></i><br>
</p><p><b><font> </font></b>
</p><p><b><font>7.</font></b><font> A ré </font><b><font>SOMAGUE-ENGENHARIA,</font></b><font> </font><b><font>S.A.</font></b><font>, interpõe recurso de revista excecional, com base nas disposições conjugadas dos artigos 671.º, n.º 1, n.º 3 e 672.º, n.º 1, al. </font><i><font>a),</font></i><font> ambos do CPC, em relação à questão </font><b><font>C</font></b><font>) do dispositivo condenatório da sentença, que não foi admitido pela Formação prevista no artigo 672.º, n.º 3, do CPC e recurso de revista geral, em relação à questão da alínea </font><b><font>B)</font></b><font> da sentença, que a agora Relatora não admitiu, por se ter formado dupla conformidade e não ter a ré em relação a esta questão invocado, como fundamento do recurso, o artigo 672.º do CPC. </font><b><font> </font></b><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><b><font>8.</font></b><font> As</font><b><font> Autoras</font></b><font> </font><b><font>Massa Insolvente da JAOP – Sociedade de Empreitadas, S.A e Armando Cunha – Empreiteiros de Obras, S.A.</font></b><font> (objeto de adesão, nos termos do nº. 3, do artº. 634º, do CPC, por parte de TECNIARTE- Projetos e Construções Lda., habilitada para os termos da presente acção, em substituição de MASSA INSOLVENTE DA SOCIEDADE JAOP – Sociedade de Empreiteira S.A., até ao limite do valor de € 653 005,77), interpõem recurso de revista normal, ao abrigo dos artigos 629º, n.º 1 e 671º, nº. 1, ambos do CPC, admitido pela agora Relatora no que concerne ao exposto na alínea </font><b><font>B)</font></b><i><font> </font></i><font>do dispositivo condenatório da sentença de 1ª instância. </font><br>
</p><p><font>Relativamente às demais vertentes recursórias – alíneas A) e C) do mesmo dispositivo condenatório – verificou-se uma situação de dupla conformidade nos termos do n.º 3 do artigo 671º do CPC, pelo que não tendo as autoras interposto, nem a título subsidiário, recurso de revista excecional, não se admitiu o recurso de revista das autoras quanto a estas questões.</font><b><font> </font></b><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><b><font>9. </font></b><font>Nestes termos o único recurso admitido e que integra o presente </font><i><font>thema decidendum</font></i><font> é o recurso de revista das autoras em relação à questão da al. B) da sentença, que foi objeto de alteração pelo acórdão da Relação que baixou o montante da condenação da ré para </font><b><i><font>€ 198.494,21.</font></i></b><br>
</p><p><b><i><font> </font></i></b><br>
</p><p><b><font>9.1.</font></b><b><i><font> </font></i></b><font>No recurso de revista, apresentaram as autoras as seguintes conclusões:</font><br>
</p><p><font>«</font><b><font>II.1, I- Da revisão de preços dos trabalhos contratuais: </font></b><br>
</p><p><font>2. Ao contrário do que decidiu o acórdão recorrido, de parte nenhuma da lei se retira que, à revisão de preços, é aplicável do disposto no artigo 206º do DL 59/99 (RJEOP). </font><br>
</p><p><font>3. De resto, não há qualquer auto de medição do cálculo da revisão de preços. O conceito de auto de medição subjacente aos artigos 202º e ss. do DL 59/99 corresponde ao apuramento, em documento escrito, dos trabalhos fisicamente executados pelo empreiteiro; ao invés, o conceito de cálculo da revisão de preços subjacente aos regimes referidos corresponde ao apuramento matemático do valor devido ao empreiteiro em função das alterações de custos da obra decorrente do tempo entre a data da proposta e a data da execução dos trabalhos. O facto de o documento de cálculo da revisão de preços ser designado de “auto” não altera a sua natureza jurídica.</font><br>
</p><p><font> 4. Não se deve confundir a caducidade do direito à revisão de preços com a caducidade do direito a reclamar de autos de medição, porquanto são coisas absolutamente distintas e dizem respeito a direitos distintos. </font><br>
</p><p><font>5. Os autos de medição só servem para medir os trabalhos (ainda que sujeitos a revisão de preços) e nada mais. A partir do momento em que a medição se encontra feita, só restará aplicar uma fórmula matemática aos montantes apurados e determinar o valor da revisão de preços. </font><br>
</p><p><font>6. Assim faz-se a pergunta: havendo acordo quanto às quantidades medidas e constantes de auto de medição, o subempreiteiro (as AA.) vai reclamar do auto de medição com que fundamento? </font><br>
</p><p><font>7. Com efeito, se apenas há discordância quanto ao modo de cálculo de revisão de preços, mas não quanto aos trabalhos executados e respetivo valor, o subempreiteiro não tem fundamento para reclamar do auto de medição. </font><br>
</p><p><font>8. Destarte, exigir ao subempreiteiro que apresente reclamação de um auto com o qual concorda, por forma a poder reclamar do modo de cálculo da revisão de preços, não faz qualquer sentido. </font><br>
</p><p><font>9. Além do mais, os cálculos de revisão de preços que deveriam acompanhar os autos de medição mensal são necessariamente provisórios até serem publicados os índices definitivos no Diário da República. Pelo que, não faz sentido consagrar um prazo de caducidade para reclamar do cálculo provisório da revisão de preços que será necessariamente corrigido quando for elaborado o cálculo definitivo mediante a publicação semestral dos índices de revisão de preços com efeitos retroativos. </font><br>
</p><p><font>10. Mesmo que fosse aplicável o artigo 206.º, do RJEOP aos cálculos de revisão de preços, que, conforme já se expôs, não é, uma vez que os mesmos não constituem autos de medição, a verdade é que uma simples discordância não se constitui como reserva.</font><br>
</p><p><font>11. Com efeito, conforme ensina Jorge Andrade da Silva, “A reserva é uma declaração de qualquer das partes do contrato que visa acautelar que um seu comportamento, positivo ou negativo, possa ser validamente interpretado pela outra parte como significando a aceitação de um direito alheio ou a renúncia a um direito próprio.” </font><br>
</p><p><font>12. Ora, não tendo ficado provado qual o intuito das AA. com a referida discordância, não pode a mesma ser interpretada como reserva e, por tal, também não pode ser aplicado o disposto no artigo 206.º, do RJEOP, aos cálculos de revisão de preços, uma vez que a aplicação do referido artigo pressupõe a apresentação de reservas. </font><br>
</p><p><font>13. Ao assim não ter decidido, o Tribunal recorrido aplicou erradamente ao caso dos autos o disposto no artigo 206º do DL 59/99 e, na mesma medida, violou a cláusula 5ª, nº 3, das condições particulares do contrato de subempreitada e os artigos 199º do DL 59/99, 8º do DL 348-A/86, 17º, 18º e 19º do DL 6/2004 e 342º, nº 2, do Código Civil.</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><b><font>II.1, II- Trabalhos a mais de € 347.659,52 à A. JAOP e € 37.940,81 à A. Armando Cunha: </font></b><br>
</p><p><font>14. Sobre medições e pagamentos, a cláusula 6ª das condições particulares do contrato de subempreitada dispõe que os trabalhos são pagos a partir dos autos de medição aprovados pela R. e pelo Dono da Obra no âmbito da empreitada, identificando os preços unitários para cada espécie de trabalho. O nº 1 da cláusula 2ª das condições gerais do contrato de subempreitada dispõe que o preço dos trabalhos a mais é facturado separadamente dos trabalhos contratuais. </font><br>
</p><p><font>15. A cláusula 20ª das condições gerais do contrato de subempreitada dispõe que no omisso observar-se-á o disposto no DL 59/99, com as devidas adaptações. </font><br>
</p><p><font>16. De acordo com os artigos 202º e 203º do DL 59/99, é dever do dono da obra (aqui a R.) medir todos os trabalhos realizados na empreitada, ainda quando não se considerem previstos no projecto nem devidamente ordenados e independentemente da questão de saber se devem ou não ser pagos ao empreiteiro. </font><br>
</p><p><font>17. Depois, se em qualquer altura da empreitada se reconhecer que houve erros ou faltas em algum ou alguns dos autos de medição anteriormente lavrados deverá fazer-se a devida correcção no auto de medição que se seguir a esse reconhecimento, caso ambas as partes estejam de acordo quanto ao objecto e quantidades a corrigir. Quando os erros ou faltas tiverem sido alegados por escrito pelo empreiteiro, mas não forem reconhecidos pela fiscalização, poderá aquele reclamar (cf. artigo 204º do DL 59/99). </font><br>
</p><p><font>18. Só depois é que se passa o seguinte: sempre que o empreiteiro tenha formulado reservas no auto de medição ou lhe haja sido negado o reconhecimento dos erros ou faltas que invocou relativos a autos elaborados anteriormente ou tenham sido considerados outros que ele não reconheça, ou, ainda, haja formulado reservas nos documentos que instruem as situações de trabalhos, é que ele deverá apresentar, nos oito dias subsequentes, reclamação em que especifique a natureza dos vícios, erros ou faltas e os correspondentes valores a que se acha com direito. Se, nesse prazo, o empreiteiro não apresentar reclamação, entender-se-á que se conforma com as medições dos autos e os resultados dos documentos que instruem a situação dos trabalhos (cf. artigo 206º do DL 59/99). </font><br>
</p><p><font>19. Ora, a ser assim, primeiro, o empreiteiro só tem o dever (ou melhor, o ónus) de reclamar contra um auto de medição de trabalhos se, antes, formulou reservas no auto de medição, se lhe haja sido negado o reconhecimento dos erros ou faltas que ele tinha invocado relativos a autos elaborados anteriormente, se foram considerados outros que ele não reconheça, ou, ainda, se formulou reservas nos documentos que instruem as situações de trabalhos (artigo 206º do DL 59/99). </font><br>
</p><p><font>20. Porém, nada disto se passou no caso dos autos. </font><br>
</p><p><font>21. Além disso, se em qualquer altura da empreitada se reconhecer que houve erros ou faltas em algum ou alguns dos autos de medição anteriormente lavrados, as partes deverão fazer a devida correcção do auto de medição, o que vale quer durante a execução do contrato, quer em caso de litígio judicial, onde se reconheça a existência do erro no auto de medição, já que a sentença, neste caso, mais não é do que a determinação, por via judicial, do cumprimento das obrigações das partes, o que é perfeitamente possível (cf. artigo 817º do Código Civil). De resto, neste âmbito, a sentença pode ser executada especificamente, promovendo as correções nos atos jurídicos que sejam devidas como se fossem feitas pelas partes: é a execução específica de facto fungível (cf. artigo 828º do Código Civil), possível para todas as espécies de obrigações, com substituição do devedor pelo Tribunal (neste sentido, expressamente Calvão da Silva, Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória, 4ª Edição, Almedina 2002, pp. 174 e ss. e 403 e ss.). </font><br>
</p><p><font>22. Aquilo que releva, para efeitos da não aplicação do disposto no artigo 206.º do RJEOP é a falta de medição da R., porquanto é com esta que as Recorrentes mantinham uma relação contratual, e não com a .... </font><br>
</p><p><font>23. Efetivamente, os autos de medição da empreitada, neste caso, pecam por omissão de trabalhos executados e não medidos, ordenados pela Recorrida sem ordem de execução escrita e sem acordo entre as partes quanto ao preço. </font><br>
</p><p><font>24. No plano dos factos, a Recorrida nunca reconheceu os trabalhos a mais em preço, nunca aceitou, nem pagou, o seu valor, apesar de as AA. e aqui recorrentes os terem realizado (factos 53 a 56). Mas também nunca os mediu, incumprindo um dever que é seu. E, nesse caso, não tem sequer aqui aplicação o disposto nos artigos 204º e 206º do DL 59/99. </font><br>
</p><p><font>25. Com efeito, os artigos 204º e 206º do DL 59/99 só têm sentido se aplicados a trabalhos que vão ser medidos, que são objecto de medição, mas que são mal medidos, por erro ou omissão. Mas já não são aplicáveis a trabalhos que pura e simplesmente não são medidos, medição essa que, como se disse, deveria ter sido feita pela Recorrida, contraparte na relação contratual estabelecida com as Recorrentes, e não a .... </font><br>
</p><p><font>26. Um argumento que reforça o exposto é o regime da mora do devedor. Sendo o dono da obra o devedor da obrigação de medição dos trabalhos, não o fazendo, ele entra em mora, devendo indemnizar o credor pelos prejuízos decorrentes da mora e suportando ele o risco da perda ou deterioração daquilo que deveria entregar – ou cumprir – (cf. artigos 804º e 807º do Código Civil). </font><br>
</p><p><font>27. Daí que, na omissão total de medição dos trabalhos, se os artigos 204º e 206º do DL 59/99 fossem aplicáveis ao caso, o dono da obra (neste caso a R.), em mora, beneficiaria da falta de ação do empreiteiro (neste caso as AA.) – credor do preço – para não só não o indemnizar pelos prejuízos decorrentes da mora nem para suportar o risco da perda ou deterioração daquilo que deveria entregar ou cumprir (cf. artigos 804º e 807º do Código Civil), mas ainda para poder não pagar o preço dos trabalhos feitos, o que, convínhamos, não faz qualquer sentido… </font><br>
</p><p><font>28. Os artigos 204º e 206º do DL 59/99 são pensados para a execução de empreitadas de obras públicas, onde o dono da obra surge numa posição de supremacia face ao empreiteiro, que essencialmente colabora com aquele na execução da obra, e onde o regime de controlo financeiro da execução do contrato é muito apertado por razões de interesse público. Nessa medida, os artigos 204º e 206º do DL 59/99 visam atingir esse fim: permitem ao dono da obra um controlo periódico e maior dos termos do pagamento faseado do preço da obra. </font><br>
</p><p><font>29. Já a empreitada civil não se rege por esse princípio de supremacia do dono da obra, sendo antes protegido o interesse do credor da prestação, que tanto pode ser o dono da obra, como o empreiteiro. </font><br>
</p><p><font>30. Assim, se nas empreitadas de obras públicas faz sentido que os termos do pagamento faseado do preço pelo dono da obra ao empreiteiro seja mais apertado ou controlado, inerente ao interesse público do controlo da despesa pública, nada o justifica na empreitada privada, onde predomina o interesse do credor empreiteiro no recebimento do preço. </font><br>
</p><p><font>31. De resto, recorde-se que o DL 59/99 é aplicável ao contrato com devidas adaptações e não tout court. Ou seja, a aplicação do DL 59/99 ao contrato de subempreitada não pode descorar o facto de a obra, entre as partes, ser privada, onde predomina, em cada perspectiva, o interesse do credor – ainda que numa o | [0 0 0 ... 0 0 0] |
OzJuu4YBgYBz1XKvPQcK | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><br>
<font> </font>
<p><b><font>Processo nº 19655/15.5T8PRT.P3.S1</font></b>
</p><p><b><font> </font></b>
</p><p><b><font> </font></b>
</p><p><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font><b><font>I – Relatório</font></b>
</p><p><font> </font><br>
<font> </font><b><font>1.</font></b><font> “</font><b><font>Caetano-Baviera - Comércio de Automóveis, S.A.</font></b><font>”</font><b><font> </font></b><font>instaurou ação declarativa de condenação, com forma de processo comum, </font><b><font>contra AA</font></b><font>, pedindo a condenação do réu a pagar-lhe a quantia de € 16.778,45, acrescida de juros de mora à taxa legal, desde a citação até efetivo e integral pagamento.</font><br>
<font> Alega, para tanto e em resumo, que o réu, então seu empregado como vendedor de viaturas e a quem estava distribuído o veículo de matrícula .....24, quer para serviço da autora, quer para utilização pessoal nos dias e horas livres do seu horário de trabalho, em dia em que não se encontrava em serviço e sem que tivesse recebido instruções para a realização de qualquer serviço, foi, como condutor do referido veículo, interveniente num acidente de viação, cuja culpa lhe é imputável, tendo acusado uma taxa de alcoolemia de 0,43g/l, do qual advieram danos ao .....24, cuja reparação ascendeu a € 16.778,45, cujo custo suportou e que o réu não pagou, apesar de interpelado a fazê-lo.</font><br>
<font> </font><br>
<b><font>2.</font></b><font> Contestou o réu por exceção, em que invoca a incompetência em razão da matéria do tribunal, e por impugnação, alegando que a culpa no acidente não lhe é imputável e que o veículo não tinha o valor indicado pela autora nem os danos ascenderam ao montante peticionado, concluindo pela improcedência da ação e pela sua absolvição do pedido.</font><br>
<font> </font><br>
<font> </font><b><font>3.</font></b><font> Tendo a autora respondido a sustentar a improcedência da exceção invocada pelo réu, foi proferido despacho saneador que, julgando improcedente a exceção de incompetência do tribunal em razão da matéria, afirmou a validade e regularidade da instância, fixou o valor da causa, identificou o objeto do litígio e enunciou os temas de prova.</font><br>
<font> </font><br>
<font> </font><b><font>4.</font></b><font> Iniciada, em 12 de maio de 2016, pelas 14 horas, a audiência de discussão e julgamento, em que foram inquiridas duas testemunhas - BB, arrolada pela Autora, e CC, comum a ambas as partes -, e em que a mandatária da Autora, face à necessidade de designação de data para a sua continuação, pediu a palavra, no uso da qual fez consignar, como da respetiva ata consta, que “</font><i><font>Não acedendo, por razões que são absolutamente alheias à sua agenda, com marcações de outras audiências ou diligências judiciais, vem desde já informar este Digno Tribunal que a haver data para continuação do julgamento, pode já não se encontrar disponível para o efeito, pelo que a ser assim, de imediato informará este Digno Tribunal que se releve qualquer e todo o inconveniente que tal impossibilidade acarrete</font></i><font>”, foi para o efeito designado o dia 28 de junho de 2016 (todo o dia).</font><br>
<font> </font><br>
<font> </font><b><font>5.</font></b><font> Na data designada para a continuação da audiência - 28 de junho de 2016 -, que se iniciou pelas 9,30 horas e em que, na respetiva ata, se fez constar que “</font><i><font>Consigna-se que o escritório da Ilustre Mandatária da Autora entrou em contacto via telefone com este Tribunal, comunicando que a DD, que se encontrava doente, não podendo comparecer no dia de hoje à audiência de julgamento, tendo dado conhecimento à Srª Juiz</font></i><font>”, tendo o mandatário do réu deixado à consideração do Tribunal a decisão de adiar, ou não, a audiência, após prolação de despacho do seguinte teor – “</font><i><font>Nos termos do artº 603º do CPC, o adiamento só é admissível com base numa situação de justo impedimento e dentro dos pressupostos do artº 140º do mesmo diploma. A secção diligenciou por verificar junto da central e do sistema citius se teria sido junto algum requerimento no sentido de se peticionar o adiamento ou demonstrar alguma circunstância enquadrável na figura de justo impedimento. Tendo em conta que estamos perante uma continuação de audiência e que estão convocadas inúmeras testemunhas que se encontram aqui presentes e outras que virão da parte da tarde, e dado que este julgamento foi agendado por acordo dos Ilustres Mandatários e Tribunal, e sobretudo porque não nos é requerido qualquer adiamento nem junto nenhum meio de prova conforme determina o artº 603º e 140º do CPC, o Tribunal terá que realizar a continuação da presente audiência, por não a considerar adiável nos termos do novo Código de Processo Civil</font></i><font>” – realizou-se a audiência, com inquirição de todas as restantes testemunhas, excetuando a testemunha EE, arrolada pelo réu, que não se encontrava presente mas foi prescindida, e tomada de declarações de parte ao réu, e em que o réu requereu a junção de um documento (fls. 156 a 158), que foi admitida, após o que foi proferida sentença a julgar improcedente a ação e a absolver o réu do pedido.</font><br>
<font> </font><br>
<font> </font><b><font>6.</font></b><font> A autora, que requereu a anulação do processado até à realização da audiência de 28/6/2016, com fundamento em irregularidade processual decorrente do não adiamento da audiência, e arguiu também a irregularidade por falta de notificação do documento nela junto pelo réu, interpôs recurso de apelação da sentença, oferecendo as respetivas alegações e pugnando pela sua revogação, relativamente ao qual o réu respondeu a sustentar a improcedência da apelação.</font><br>
<font> </font><br>
<font> </font><b><font>7.</font></b><font> Sem que o tribunal recorrido se tenha pronunciado sobre o requerimento da autora a arguir as ditas irregularidades, foram os autos remetidos ao Tribunal da Relação ..... para apreciação do recurso de apelação interposto da sentença, tendo o relator proferido despacho a ordenar a baixa dos autos à 1ª instância a fim de ser emitida pronúncia sobre tal requerimento.</font><br>
<font> </font><br>
<font> </font><b><font>8.</font></b><font> Proferida decisão a indeferir as irregularidades por ela invocadas, dela apelou a autora e, remetidos os autos de novo ao Tribunal da Relação..... , foi proferido acórdão que, conhecendo em primeiro lugar do recurso interposto do despacho que indeferiu as irregularidades, julgou improcedente a arguição da consistente na realização do julgamento sem a presença da mandatária da autora e procedente a decorrente da falta de notificação à autora do documento cuja junção foi requerida pelo réu e admitida na audiência de julgamento que teve lugar em 28/6/2016, ordenando a notificação do documento à autora e a posterior reabertura da audiência para alegações e prolação de nova sentença e considerou prejudicado o conhecimento do recurso interposto da sentença final.</font><br>
<font> </font><br>
<font> </font><b><font>9.</font></b><font> Na sequência da notificação do documento junto pelo réu, em 28/6/2016, que impugnou, requereu a autora contradita às testemunhas FF e GG, arroladas pelo réu, relativamente aos factos provados de 14, e que sobre eles o réu, que prestou declarações de parte, fosse confrontado ou que fosse determinado o seu depoimento de parte quanto a tais factos, o que mereceu a oposição do réu e foi indeferido por decisão transitada, já que a apelação dela interposta pela autora foi julgada improcedente.</font><br>
<font> </font><br>
<font> </font><b><font>10.</font></b><font> Reaberta a audiência em que as partes apresentaram alegações, veio posteriormente a ser proferida nova sentença que, declarando os factos provados e os não provados, com a respetiva motivação, julgou improcedente a ação e absolveu o réu do pedido.</font><br>
<font> </font>
</p><p><font> </font><b><font>11.</font></b><font> Inconformada, apelou a autora, tendo o Tribunal da Relação decidido o seguinte:</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font><i><font>«Pelo exposto, acordam os juízes que constituem esta Secção Cível do Tribunal da Relação ....., em julgar procedente a apelação</font></i><b><i><font> </font></i></b><i><font>e, consequentemente revogar a sentença recorrida, para que sejam inquiridas as testemunhas nos termos referidos na fundamentação, com posterior prolação de nova sentença».</font></i>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font><b><font>12. </font></b><font>O réu, inconformado com o decidido pelo Tribunal da Relação .....,</font><b><font> </font></b><font>interpôs recurso de revista, com fundamento em ofensa de caso julgado, nos termos do artigo 629º, nº 2, al. </font><i><font>a)</font></i><font>, do CPC, formulando as seguintes conclusões:</font>
</p><p><font>«1ª – O douto acórdão recorrido ao revogar a sentença de 21/12/2018 (a segunda proferida nos autos) e ordenar a repetição do julgamento para a reinquirição das testemunhas JJ e II sobre os factos alegados nos arts. 6º e 7º da petição inicial, com prolação posterior de nova sentença, em contradição com o já decidido neste processo pelo acórdão deste Tribunal da Relação, de 29/06/2017, com trânsito em julgado, violou caso julgado, por força do disposto nos arts. 580º, 620º e 621º do CPC.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>2ª – O anterior acórdão do Tribunal da Relação ....., de 29/06/2017, prolatado no recurso de apelação interposto pela A. da sentença (1ª) proferida nos autos, em 07/07/2016, por decisão transitada em julgado, anulou a decisão do facto 14 da sentença e determinou a notificação à A. do teor do documento junto pelo R. em julgamento e, após a prática deste ato, reabrir-se a audiência para alegações das partes e decisão do facto 14, proferindo-se nova sentença que tenha o resultado disso em atenção”.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>3ª - No douto acórdão recorrido foi proferida a seguinte decisão: “Pelo exposto, acordam os juízes que constituem esta Secção Cível do Tribunal da Relação ....., em julgar procedente a apelação e, consequentemente revogar a sentença recorrida, para que sejam inquiridas as testemunhas nos termos referidos na fundamentação, com posterior prolação de nova sentença.”</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>4ª – No acórdão cuja decisão, transitada em julgado, foi violada pelo acórdão recorrido - acórdão da Relação ....., de 29/06/2017, junto a fls. 329-377 dos autos - foi proferida a decisão seguinte: “Nestes termos, julga-se a apelação do despacho que decidiu a arguição das nulidades processuais parcialmente procedente e anula-se parcialmente a sentença, para que se notifica à A. o teor do documento junto pelo R. em julgamento, após o que se deve reabrir a audiência para alegações das partes e decisão do facto 14, que se baseou parcialmente no dito documento, proferindo-se nova sentença que tenha o resultado disso em atenção.”</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>5ª - Determinando-se neste primeiro acórdão que, uma vez concretizada a notificação do documento à A., suprindo-se a irregularidade detetada quanto à prova produzida nos autos, têm lugar as alegações das partes, dá-se por encerrada a produção da prova neste processo, em conformidade com o disposto no art. 604º, nº 3, al. e) do CPC.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>6ª – Vindo o acórdão recorrido (terceiro acórdão prolatado pelo Tribunal da Relação ..... neste processo) revogar a sentença apelada pela A. para que sejam inquiridas duas testemunhas, tratando-se mais propriamente da sua reinquirição, uma vez que tais testemunhas tinham sido já inquiridas em audiência de julgamento, tal decisão estava-lhe vedada pelo decidido no primeiro acórdão dos autos, transitado em julgado, violando-se, dessa forma, caso julgado.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>7ª – As questões suscitadas pela apelante/A. no recurso da segunda sentença, de cujo acórdão aqui se recorre, foram já todas suscitadas por ela no recurso que interpusera da primeira sentença, não passando as alegações e conclusões do último recurso de uma mera repetição das alegações e conclusões por ela apresentadas no primeiro recurso.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>8ª – A matéria sobre a qual incide o caso julgado nos autos é apresentada de forma idêntica nas alegações e conclusões em ambos os recursos da A., a saber, no último recurso (do acórdão recorrido) a A. trata essa questão, sob a epígrafe de “Da omissão do poder-dever do inquisitório, nas suas conclusões desde a 1ª até à 20ª, enquanto que no recurso da primeira sentença, trata a mesma questão nas suas conclusões das alegações de recurso, com a mesma epígrafe, do número 46 até ao nº 66.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>9ª - Tendo esta matéria respeitante à produção de prova neste processo sido objeto do primeiro recurso (apelação da primeira sentença) interposto pela A. e aí sido julgada improcedente a suscitada omissão do poder-dever do inquisitório pela Mma Juíza a quo na sessão da audiência de julgamento a que a mandatária da A. não esteve presente, decidindo-se nesse acórdão, que, de todas as questões levantadas pela Apelante no recurso, apenas foi julgada procedente a nulidade derivada da omissão da notificação da junção de documento, determinando-se que se cumpra a notificação do documento à A. e que não há mais nenhum ato atinente à prova a realizar no processo, passando-se, de imediato, às alegações das partes em audiência final, decisão transitada em julgado, ao ordenar-se no acórdão recorrido a repetição do julgamento para a reinquirição das testemunhas violou-se caso julgado.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>10ª – A confirmação de tal violação de caso julgado neste processo está bem expressa no acórdão (segundo) prolatado pelo Tribunal da Relação, em 11/04/2018, transitado em julgado, neste processo sobre o recurso do despacho que indeferiu a realização dos meios de prova requeridos pela A., juntamente à impugnação que deduziu do documento junto pelo R. na Audiência, de 28/06/2016, quando refere: “No aludido aresto (acórdão TR.., de 29/06/2017, prolatado nos autos sobre o recurso da primeira sentença), define-se de forma transparente a tramitação processual posterior, nestes termos:</font>
</p><p><font>«Sendo assim, há que anular a decisão do facto 14, determinar a notificação do teor do documento à A., reabrir a audiência para alegações e fixar esse facto depois disso.</font>
</p><p><font>No mais de facto decidido mantém-se a sentença. Só havendo, depois, que compaginá-la com o resultado da avaliação do documento sobre o teor do facto 14».</font>
</p><p><font>Em suma, esta Relação já decidiu com trânsito em julgado: i) que a continuidade da audiência de julgamento foi corretamente determinada; ii) que a Mª Juíza deveria, após a anulação do facto 14 e a notificação do requerimento de apresentação do documento, «reabrir a audiência para alegações e fixar esse facto depois disso».</font>
</p><p><font>A decisão em apreço a todos vincula: as partes, o Tribunal recorrido, e este Tribunal (art. 619º do CPC), e não se vislumbra, face à sua transparência, qualquer espaço para outras diligências probatórias.</font>
</p><p><font>Acresce, reiterando sempre o devido respeito, que a autora pretende contornar o facto de ter sido indeferida com trânsito em julgado a sua invocação de “justo impedimento”, vindo agora, a posteriori, produzir a prova que não foi produzida por ausência da sua ilustre mandatária.”</font>
</p><p><font>Em suma, visando suprir os efeitos da sua omissão de comparência na audiência de julgamento, como se o “justo impedimento” que invocou tivesse obtido acolhimento do acórdão da Relação.” E para isso invoca o disposto no artigo 411º do Código de Processo Civil, onde se consagra amplamente o “princípio do inquisitório”.”</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>11ª - O caso julgado material abrange o envolvente segmento decisório e a decisão das questões preliminares que sejam o seu antecedente lógico necessário.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>12ª - A interposição de recurso com fundamento na ofensa do caso julgado depende de a decisão recorrida contrariar uma outra que lhe seja anterior, transitada em julgado, proferida entre as mesmas partes, sobre o mesmo objeto e baseada na mesma causa de pedir (artigos 580º, 581º, 619º e 620º do CPC).</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>13ª - Nos termos do nº 1 do art. 620º do CPC, “As sentenças e os despachos que recaiam unicamente sobre a relação processual têm força obrigatória dentro do processo”.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> 14ª - Pelo disposto no art. 621º, a sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>15ª – A decisão prolatada no acórdão recorrido de revogar a sentença apelada para que sejam inquiridas as testemunhas, com posterior prolação de nova sentença, em contrário do decidido no acórdão do mesmo Tribunal da Relação prolatado neste mesmo processo sobre o recurso interposto também pela A. da primeira sentença, com trânsito em julgado, violou caso julgado, em face do disposto nos arts. 580º, 620º e 621º do CPC.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>TERMOS EM QUE DEVE O ACÓRDÃO RECORRIDO SER REVOGADO E CONFIRMADA A DOUTA SENTENÇA PROFERIDA NOS AUTOS, JULGANDO-SE A AÇÃO IMPROCEDENTE E, EM CONSEQUÊNCIA, SER O RÉU ABSOLVIDO DO PEDIDO».</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font><b><font>13.</font></b><font> A autora apresentou contra-alegações, nas quais concluiu o seguinte:</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>«1. O 1º Acórdão não apreciou concretamente qualquer questão do poder-dever do inquisitório, o 2º Acórdão apreciou a questão concreta da reinquirição – ou seja, a questão de as testemunhas serem chamadas a depor sobre os mesmos factos que anteriormente já tinham sido inquiridas – e o (3º) Acórdão de que o Réu ora pretende recorrer apreciou a questão bem distinta da inquirição de testemunhas relativamente a factos sobre os quais anteriormente não foram inquiridas.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>2. Nos termos do disposto do artigo 620º do C.P.Civil, a ser integrado pelo disposto no nº 3, do artigo 595º do Código de Processo Civil, não se verifica o caso julgado formal, porquanto as questões concretamente apreciadas são distintas.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>3. Pelo que, é forçoso concluir que o Acórdão recorrido não violou caso julgado, em face do disposto nos artigos 580º, 620º e 621º do C.P.Civil.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>4. Sendo que o presente recurso foi interposto, prescindindo da alçada e da sucumbência, com base no fundamento excepcional de ofensa de caso julgado, previsto pela al. a) in fine do nº2 do art. 629º do C.P.Civil , e inverificado tal fundamento, o presente recurso é inadmissível, porquanto fica sujeito ao regime geral consagrado pelo n.º 1 do mesmo artigo e o valor da presente causa é inferior à alçada deste Venerando Tribunal da Relação.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Subsidariamente,</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>5. Deve improceder a revista e, consequentemente ser mantido </font><i><font>in totem</font></i><font> o Acórdão recorrido.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>6. Devendo ainda ser o Réu/recorrente, em qualquer dos casos, ser condenado em custas, por ter sido quem deu causa ao presente Recurso».</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font><b><font>14.</font></b><font> O recurso de revista incide sobre uma única questão: a violação do caso julgado formal constituído por outro acórdão do Tribunal da Relação, proferido no mesmo processo, o acórdão de 29/06/2017, com trânsito em julgado, que decidiu anular a decisão do facto 14 da sentença e determinar a notificação à autora do teor do documento junto pelo réu em julgamento e, após a prática deste ato, reabrir-se a audiência para alegações das partes e decisão do facto 14, proferindo-se nova sentença que tenha o resultado disso em atenção.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font><b><font>15.</font></b><font> Em princípio, o recurso de revista não seria admissível, pelo facto de a decisão recorrida não pôr termo ao processo, limitando-se a ordenar o seu prosseguimento, sem decidir do mérito da questão, não estando, portanto, verificados, os requisitos de recorribilidade estipulados no artigo 671.º, n.º 1, do CPC. O acórdão recorrido não consubstancia uma decisão sobre o mérito ou fundo da lide, não é uma decisão final, não põe termo ao processo, nem absolve da instância o Réu, não o condena, nem o absolve do pedido. Em causa está antes uma decisão interlocutória, intermédia ou intercalar, de natureza meramente processual. Por outro, a ação tem um valor inferior à alçada, e também por este motivo, o recurso de revista não seria admissível.</font>
</p><p><font> Contudo, apesar da verificação destes condicionalismos que inviabilizariam a admissão do recurso de revista, há casos, legalmente previstos em que o recurso de revista é sempre admissível. </font>
</p><p><font>Por força do disposto no artigo 629.º, n.º 2, al. </font><i><font>a)</font></i><font>, do CPC, </font><i><font>“Independentemente do valor da causa e da sucumbência, é sempre admissível recurso”, “com fundamento… na ofensa do caso julgado”</font></i><font>.</font>
</p><p><font>Por seu lado, o artigo 671.º, nº 2, al. </font><i><font>a),</font></i><font> do CPC, dispõe que, </font><i><font>“Os acórdãos da Relação que apreciem decisões interlocutórias que recaiam unicamente sobre a relação processual só podem ser objeto de revista: - Nos casos em que o recurso é sempre admissível”.</font></i>
</p><p><font>Da conjugação destes dois preceitos, resulta que</font><i><font> </font></i><font>o presente recurso pode ser recebido excecionalmente. </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> Cumpre apreciar e decidir.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font>II – Fundamentação</font></b>
</p><p><b><font> </font></b>
</p><p><font> </font><b><font>1. </font></b><font>Invoca o recorrente que o acórdão recorrido viola o caso julgado formal, instituto que visa, tal como o caso julgado material, evitar a repetição de decisões judiciais sobre a mesma questão.</font>
</p><p><font> Nos termos do Acórdão deste Supremo Tribunal, de 08-03-2018 (proc. n.º 1306/14.7TBACB-T.C1.S1), </font><i><font>«Pressuposto essencial do caso julgado formal é que uma pretensão já decidida, em contexto meramente processual, e que não foi recorrida, seja objecto de repetida decisão. Se assim for, a segunda decisão deve ser desconsiderada por violação do caso julgado formal assente na prévia decisão».</font></i><font> </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> O artigo 620º do Código de Processo Civil (CPC) dispõe:</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>«1. As sentenças e os despachos que recaiam unicamente sobre a relação processual têm força, obrigatória dentro do processo.</font>
</p><p><font>2. Excluem-se do disposto no número anterior os despachos previstos no artigo 630».</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> Por sua vez, o artigo 621.º, n.º 1, 1ª parte, do mesmo diploma, dispõe que «A sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga».</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> Segundo Antunes Varela, </font><i><font>Manual de Processo Civil</font></i><font>, 2ª ed., pp. 307-308, «Caso julgado é a alegação de que a mesma questão foi já deduzida num outro processo e nele julgada por decisão de mérito que não admite recurso ordinário. É material o que assenta sobre decisão de mérito proferida em processo anterior; nele a decisão recai sobre a relação material ou substantiva litigada; é formal quando há decisão anterior proferida sobre a relação processual. Ele pressupõe a repetição de qualquer questão sobre a relação processual dentro do mesmo processo. Ambos pressupõem o trânsito em julgado da decisão anterior».</font>
</p><p><font> Como ensina Manuel de Andrade (</font><i><font>Noções Elementares de Processo Civil,</font></i><font> Coimbra Editora, 1979, pág. 304), o caso julgado formal consiste em estar excluída a possibilidade de recurso ordinário, não podendo a decisão ser impugnada e alterada por esta via. É a simples preclusão dos recursos ordinários (irrecorribilidade; não impugnabilidade). Não obsta, portanto, a que a matéria da decisão seja diversamente apreciada em novo processo, pelo mesmo ou por outro tribunal. Só este caso julgado (e não também o material) corresponde às decisões que versam apenas sobre a relação processual. Em regra, as decisões de forma adquirem apenas o valor de caso julgado formal; pelo contrário, as decisões de mérito são, em princípio, as únicas que são suscetíveis de adquirir a eficácia de caso julgado material (Teixeira de Sousa, </font><i><font>Estudos sobre o novo processo civil,</font></i><font> Lex, Lisboa, 1997, p. 570). O caso julgado formal só tem um valor intraprocessual, ou seja, só é vinculativo no próprio processo em que a decisão foi proferida. Refere-se, assim, à força obrigatória que os despachos e as sentenças possuem relativamente à relação processual, dentro do processo. </font>
</p><p><font> No mesmo sentido, João Castro Mendes (</font><i><font>Direito Processual Civil</font></i><font>, A.A.F.D.L, 1980, vol. III, p. 276), ensina que o «(…) caso julgado formal traduz a força obrigatória dentro do processo», contrariamente ao caso julgado material, cuja força obrigatória se estende para fora do processo em que a decisão foi proferida.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font><b><font>2.</font></b><font> No caso em apreço estamos perante a figura do caso julgado formal, já que está em causa uma decisão anteriormente proferida no processo, que incide sobre a relação processual e produz efeitos limitados ao próprio processo.</font>
</p><p><font>A primeira questão que se coloca é a de saber se o primeiro acórdão vale ou não como autoridade de caso julgado, e se, nessa medida, o acórdão recorrido desrespeitou o decidido pelo mesmo Tribunal da Relação, ofendendo o caso julgado. </font>
</p><p><font> O primeiro acórdão, enquanto decisão que incide sobre a relação processual e que é insuscetível de recurso ordinário, tem força de caso julgado formal dentro do processo. </font>
</p><p><font> No caso vertente, estamos perante uma alegada incompatibilidade entre decisões intermédias, que não incidiram sobre o mérito, e foram proferidas no mesmo processo. Nestes casos, uma vez transitada em julgado uma decisão interlocutória, p. ex, um despacho que rejeite um meio de prova, que não admite certa pergunta feita a uma testemunha ou que não admita segunda perícia, esta terá força obrigatória dentro do processo, não sendo admissível, dentro do mesmo processo, uma decisão posterior sobre a mesma questão, a qual será ineficaz, segundo o artigo 625.º, n.º 2, do CPC (cf. Lebre de Freitas/Isabel Alexandre, </font><i><font>Código de Processo Civil Anotado,</font></i><font> Volume 2.º, Artigos 362.º a 626.º, 4.ª edição, Coimbra, Almedina, 2019, p. 753).</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font><b><font>3.</font></b><font> O acórdão que transitou em julgado no presente processo é o acórdão datado de 29-06-2017 e o acórdão recorrido, que alegadamente terá violado o caso julgado formal, data de 23-01-2020. </font>
</p><p><font> Ambas as decisões foram proferidas entre as mesmas partes, incidem sobre o mesmo objeto e baseiam-se na mesma causa de pedir (artigos 580º, 581º, 619º e 620º do CPC), na medida em que se integram no mesmo processo e ambas se reportam à decisão da matéria de facto e à alegada violação do princípio do inquisitório pelo tribunal de 1.ª instância.</font>
</p><p><font> O acórdão do Tribunal da Relação, de 29-06-2017, que o recorrente invocou como caso julgado formal, deferiu uma arguição de nulidade da autora (apelante), por omissão de notificação a esta de um documento junto pelo réu após o seu depoimento de parte, e que foi considerado essencial para a fixação do facto 14, que dizia respeito à questão de saber se o réu no dia do acidente estava ou não ao serviço da autora.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> O teor do facto 14 é o seguinte: </font>
</p><p><font>«14- Não obstante esse acidente ter ocorrido em dia feriado, o R. sofreu-o quando se encontrava ao serviço da A., numa deslocação a casa de férias de verão de um seu cliente, o Sr. FF, sita na Rua....., nº......, ....., em ....., .........., com quem andava a negociar a venda de uma viatura idêntica à que o R. conduzia, indo a pedido do cliente realizar com aquela viatura um teste à rampa de acesso à sua garagem, conforme refere no e-mail que remeteu ao seu chefe de serviço, no dia 17/08/2012, junto sob doc. 1 da contestação, e documento junto na data da continuação da audiência (Proposta Veículo Novo)».</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> Foi o seguinte o dispositivo do Tribunal da Relação do ......, de 29-06-2017:</font>
</p><p><font>«Nestes termos, julga-se a apelação do despacho que decidiu a arguição das nulidades processuais parcialmente procedente e </font><u><font>anula-se parcialmente a sentença, para que se notifica à A. o teor do documento junto pelo R. em julgamento, após o que se deve reabrir a audiência para alegações das partes e decisão do facto 14, que se baseou parcialmente no dito documento, proferindo-se nova sentença que tenha o resultado disso em atenção</font></u><font>». (sublinhado nosso)</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Este acórdão, o primeiro a ser proferido no processo, em 29-07-2017, fixou, em definitivo, nos autos, toda a matéria de facto dada como provada na se | [0 0 0 ... 0 0 0] |
bjJku4YBgYBz1XKvpABJ | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><br>
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<div><br>
<font>Acordam na 1.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça </font></div><br>
<br>
<b><font> </font></b><br>
<p><b><font> </font></b><br>
</p><p><b><font>I – Relatório</font></b><br>
</p><p><b><font> </font></b><br>
</p><p><b><font>1. MADEIRA PLUS - SOCIEDADE DE MEDIAÇÃO IMOBILIÁRIA, LDA.</font></b><font>, embargada identificada nos autos, interpôs recurso de apelação da sentença proferida nos autos de embargos de executado em que é embargante </font><b><font>BANCO SANTANDER TOTTA, S.A</font></b><font>., também identificado nos autos, sentença que julgou procedentes os embargos deduzidos por este, por apenso à execução ordinária que </font><b><font>Madeira Plus -Sociedade de Mediação Imobiliária, Lda.</font></b><font> lhe moveu.</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><b><font>2.</font></b><font> O Tribunal da Relação decidiu pela improcedência do recurso, confirmando, com um voto de vencido, a sentença do tribunal de 1.ª instância.</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><b><font>3.</font></b><font> Novamente inconformada, a embargada, </font><b><font>Madeira Plus,</font></b><font> interpôs recurso de revista no qual formulou as seguintes conclusões:</font><br>
</p><p><font>«i. O presente recurso tem como objecto a decisão de mérito do acórdão proferido a 03/12/2020, a qual considerou os embargos deduzidos pela Recorrida procedentes, com voto de vencido.</font><br>
</p><p><font>ii. Resulta que, com o devido respeito, o acórdão </font><i><font>a quo</font></i><font> viola o princípio da tutela efectiva constante no artigo 268.º/4 da CRP, bem como a lei de processo, nomeadamente o artigo 128.º do CIRE, bem como os artigos 368.º/3, 373.º/1, al. d) e n.º 2, e o artigo 548º, todos do CPC.</font><br>
</p><p><font>iii. A garantia bancária </font><i><font>sub judice</font></i><font> foi prestada no decorrer do procedimento cautelar, tendo-o substituído.</font><br>
</p><p><font>iv. A causa de pedir do procedimento cautelar foram as facturas 9, 10, 11, 12, 13, cujo valor das mesmas foi o apurado para a prestação da própria garantia, que após prestada, extinguiu o procedimento cautelar e tinha por fim exclusivo o de garantir o pagamento pecuniário uma vez reconhecidas por decisão judicial transitada em julgado.</font><br>
</p><p><font>v. Esta garantia foi prestada antes da interposição da acção declarativa, prevendo apenas a garantia que a acção seria interposta, já que, repete-se, uma sentença de condenação transitada em julgado seria necessária.</font><br>
</p><p><font>vi. A primeira acção declarativa interposta pela Recorrente foi extinta por inutilidade superveniente da lide, devido à declaração de insolvência da SOFISEQ. – factos provados 3 e 4. </font><br>
</p><p><font>vii. Não houve decisão de mérito nesta acção e a Recorrente reclamou os seus créditos no processo de insolvência, os quais foram reconhecidos por sentença proferida a 06/07/2018 – facto provado 8.</font><br>
</p><p><font>viii. Entende-se que, por via do artigo 128º/3 do CIRE, a Recorrente teria sempre, perante a insolvência da SOFISEQ, de reclamar os seus créditos no processo de insolvência, pelo que, apenas esta e só esta sentença revela como decisão de mérito e cumpre com o ponto 5 da garantia.</font><br>
</p><p><font>ix. Seguindo o processo declarativo do CIRE, os mesmos termos do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei nº 41/2013, que eliminou a diversidade de formas de processo comuns declarativas, passando a haver apenas uma forma única de processo comum de declaração, pelo que, de uma acção declarativa de condenação igualmente se trata a reclamação dos créditos no processo de insolvência.</font><br>
</p><p><font>x. Pelo que, o título executivo é válido (validade que não foi posta em questão pelo Banco Recorrido) e não caducou, sendo a interpelação efectuada por carta de 27 de Agosto de 2018 tempestiva e eficaz.</font><br>
</p><p><font>xi. Não se verifica a caducidade da garantia, nem por via da insolvência da ordenante, porque a garantia foi validamente prestada em momento anterior, nem por via da al. c) do n.º 1 do artigo 373.º do CPC como entendeu o acórdão recorrido.</font><br>
</p><p><font>xii. A inutilidade superveniente da lide não constitui uma improcedência da acção e assim decidir, expressamente violou o princípio fundamental da tutela jurisdicional efectiva, uma vez que, apenas restava à Recorrente, na sequência da insolvência da ordenante, reclamar os seus créditos naquele processo. </font><br>
</p><p><font>xiii. Créditos que foram reconhecidos e graduados, sem qualquer impugnação e que se fundamentam, novamente, única e exclusivamente nas facturas que deram origem, quer à providência cautelar, quer à garantia e à acção declarativa de condenação.</font><br>
</p><p><font>xiv. A garantia não caduca, considerando que a Recorrente reclamou os seus créditos tempestivamente, nos termos da al. d) do n.º 1 do artigo 373.º do CPC.</font><br>
</p><p><font>xv. Por tais motivos, deve a douta decisão recorrida ser revogada, já que, foram violados os artigos 286.º/4 da CRP, o art. 128º/3 do CIRE e os artigos 368.º/3, 373.º/1, al. d) e n.º 2, e o art. 548º, todos do CPC.</font><br>
</p><p><font>V. Exas. no entanto farão melhor justiça!»</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><b><font>4.</font></b><font> O Banco recorrido apresentou contra-alegações, nas quais pugna pela manutenção do decidido com os seguintes fundamentos:</font><br>
</p><p><font>«1. A execução em causa apresenta, como título executivo, a garantia bancária nº ....74, emitida em 09.12.2014, pelo Banif – Banco Internacional do Funchal, S.A. </font><br>
</p><p><font>2. A referida garantia teve como ordenante a Sofiseq – Empreendimentos Imobiliários, Lda., e como beneficiária a ora recorrente.</font><br>
</p><p><font>3. E, foi emitida com o fim de caucionar a acção declarativa de condenação que a ora exequente, na sequência do procedimento cautelar nº 596/14.0…, instaurou contra a dita Sofiseq, Lda. – vd. ponto 2 da garantia.</font><br>
</p><p><font>4. Sendo as responsabilidades a garantir todas aquelas que pudessem emergir para a Sofiseq, Lda. da decisão final, transitada em julgado, que viesse a ser proferida na referida acção declarativa de condenação – vd. ponto 5 da garantia.</font><br>
</p><p><font>5. Até ao montante máximo de € 100.000,00 – vd. ponto 4 da garantia.</font><br>
</p><p><font>6. A acção declarativa de condenação a que a garantia se refere correu termos sob o nº 4263/14.6…, no Juízo Central Cível do …, Juiz … – vd. ponto 4 da decisão quanto à matéria de facto.</font><br>
</p><p><font>7. Em tal processo foi, em 31.01.2017, proferida sentença, que julgou extinta a instância, por inutilidade superveniente da lide – idem.</font><br>
</p><p><font>8. Essa sentença transitou em julgado em 06.03.2017 - idem.</font><br>
</p><p><font>9. Sendo que, a recorrente viu posteriormente, por decisão de 06.07.2018, os seus créditos sobre a ordenante da garantia bancária reconhecidos no processo de insolvência daquela (Pº nº 5262/16.9…-B) – vd. pontos 6 e 7 da decisão quanto à matéria de facto.</font><br>
</p><p><font>Posto isto,</font><br>
</p><p><font>10. Os embargos à execução deduzidos pelo BST foram julgados procedentes pela sentença proferida pelo Tribunal de 1ª Instância, a qual, para o efeito, entendeu o seguinte:</font><br>
</p><p><i><font>“Do texto da garantia bancária surge-nos claro que a mesma tem </font></i><b><i><u><font>a função de caução de uma determinada acção: a que iria ser instaurada como subjacente ao arresto decretado. Caução de substituição do próprio arresto.</font></u></i></b><br>
</p><p><i><u><font>Uma caução prestada num determinado processo não tem a virtualidade de servir de caução a outro processo</font></u></i><i><font>.</font></i><br>
</p><p><i><font>Nem, como se referiu, uma garantia bancária destinada a garantir o pagamento que um determinado sujeito venha a ser condenado a pagar numa determinada acção judicial é </font></i><i><u><font>passível de ser accionada se esta acção terminou sem que tivesse sido proferida decisão de condenação….</font></u></i><br>
</p><p><i><u><font>Não tem, pois, a garantia bancária dada à execução a virtualidade de garantir o crédito reconhecido no processo de insolvência.</font></u></i><br>
</p><p><i><font>…..</font></i><br>
</p><p><i><u><font>O texto da garantia expressamente menciona que se destina a pagar a quantia pecuniária que eventualmente a arrestada pudesse vir a ser condenada no âmbito da acção declarativa subjacente à providência cautelar.</font></u></i><b><i><u><font> O processo de insolvência, incluindo a reclamação de créditos, não assume as vestes de acção declarativa subjacente à providência cautelar.</font></u></i></b><br>
</p><p><i><font> </font></i><br>
</p><p><i><font>Em suma, por força de a acção declarativa subjacente à providência cautelar ter terminado sem a prolação de sentença de condenação da arrestada,</font></i><i><u><font> a garantia bancária dada em execução deixou de poder ser accionada por faltar um dos seus pressupostos – </font></u></i><b><i><u><font>a condenação da arrestada a pagar quantia pecuniária à arrestante proferida em acção declarativa sujacente ao arresto, ou seja, por apenso ao mesmo”.</font></u></i></b><font> – vd. pags. 7 e 8 da sentença sob recurso, sublinhados nossos.</font><br>
</p><p><font>11. A referida sentença foi objecto de recurso de apelação, interposto pela exequente para o Tribunal da Relação de Lisboa.</font><br>
</p><p><font>12. Esse recurso (que, no essencial, assenta na argumentação já aduzida pela recorrente em sede de contestação aos embargos) foi julgado improcedente pelo acórdão ora recorrido.</font><br>
</p><p><font>13. Ou seja, a pretensão da recorrente foi já rejeitada em 1ª e 2ª Instância.</font><br>
</p><p><font>14. Não obstante, veio ainda a exequente interpor um novo recurso, agora para este Supremo Tribunal.</font><br>
</p><p><font>15. A tese em que a recorrente procurou assentar o seu recurso de revista é similar à já anteriormente formulada nestes autos (e por duas vezes rejeitada), ou seja, diz a recorrente que:</font><br>
</p><p><font>A reclamação de créditos no processo de insolvência é uma acção declarativa, pelo que a garantia em causa se aplica à reclamação de créditos apresentada pela recorrente no processo de insolvência da ordenante da garantia.</font><br>
</p><p><font>16. Por outro lado, alega ainda a recorrente que não se verificou a caducidade da garantia, porque a recorrente reclamou os seus créditos tempestivamente, nos termos da al. d) do nº 1 do artº 373º do CPC.</font><br>
</p><p><font>17. Ora, salvo o devido respeito, que é muito, entende-se que a argumentação da recorrente carece de qualquer fundamento.</font><br>
</p><p><font>Assim:</font><br>
</p><p><font>18. No que respeita à tese essencial em que se funda o recurso da exequente (ou seja, saber se a reclamação de créditos pela mesma apresentada no processo de insolvência da ordenante da garantia é uma acção declarativa, pelo que a garantia em causa se aplicaria a tal reclamação de créditos, julga-se transparente a absoluta falta de razão da recorrente.</font><br>
</p><p><font>19. A esse propósito -e porque se trata de matéria já anteriormente julgada- julga-se essencial lembrar o a tal título decidido nas duas instâncias anteriores.</font><br>
</p><p><font>20. Assim, a sentença proferida pelo Tribunal de 1ª Instância entendeu que:</font><br>
</p><p><i><font>“… é evidente que </font></i><b><i><font>a garantia bancária se destinou a extinguir procedimento cautelar de arresto e substituir a providência cautelar decretada no mesmo que arrestou bem imóvel</font></i></b><i><font>.</font></i><br>
</p><p><i><font>…</font></i><br>
</p><p><i><font>Naturalmente que substituindo uma providência cautelar, carecia de ser intentada a acção declarativa respectiva para poder ser accionada.</font></i><br>
</p><p><i><font>Mais, carecia que na acção declarativa subjacente à providência cautelar a arrestada fosse efectivamente condenada a pagar à ora exequente determinada quantia.</font></i><br>
</p><p><i><u><font>No fundo, caso não fosse proposta a acção declarativa subjacente à providência cautelar substituída, ou não fosse aí proferida decisão a condenar a arrestada a pagar quantia pecuniária à arrestante, a garantia bancária não seria susceptível de ser accionada.</font></u></i><br>
</p><p><i><u><font>Esse é o contexto da constituição da garantia bancária em questão e que resulta das cláusulas 1, 2 e 5 do seu texto”</font></u></i><i><font> –</font></i><font> vd. págs. 5 e 6 da sentença, sublinhados nossos.</font><br>
</p><p><font>21. Ora, como supra se notou, e está provado nos autos, a acção declarativa de condenação a que a garantia se refere terminou por decisão que julgou extinta a instância, por inutilidade superveniente da lide.</font><br>
</p><p><font>22. Ou seja, não foi proferida, em tal processo, decisão de mérito.</font><br>
</p><p><font>23. Pelo que, como decidiu o Tribunal de 1ª Instância </font><i><font>“a garantia bancária dada em execução deixou de poder ser accionada por faltar um dos seus pressupostos – a condenação da arrestada a pagar quantia pecuniária à arrestante proferida em acção declarativa sujacente ao arresto, ou seja, por apenso ao mesmo”.</font></i><font> – vd. pag. 8 da sentença sob recurso.</font><br>
</p><p><font>24. Sendo que idêntico entendimento foi seguido pelo acórdão do Tribunal da Relação, ora recorrido.</font><br>
</p><p><font>25. Com efeito, tal acordão julgou o seguinte:</font><br>
</p><p><b><i><u><font>“… apresenta-se com meridiana clareza que a garantia bancária foi emitida com a finalidade de caucionar a acção declarativa de condenação nº 4263/14.6T8FNC</font></u></i></b><i><font> … tendo sido garantidas todas as responsabilidades que pudessem emergir para a Sofiseq – Empreendimentos Imobiliários, Lda. da decisão final transitada em julgado que viesse a ser proferida na referida acção declarativa de condenação … sendo esse o sentido que se extrai </font></i><b><i><u><font>da clausula 10. da garantia bancária constante dos autos”</font></u></i></b><i><font>.</font></i><font> </font><br>
</p><p><i><font>“Ora, mesmo que, antes de ser instaurada a acção declarativa de condenação nº 4263/14.6…, a ré Sofiseq –Empreendimentos Imobiliários, Lda. tivesse sido declarada insolvente, </font></i><i><u><font>a garantia bancária dos autos não poderia ser accionada para garantir o pagamento do crédito reconhecido no processo de insolvência, face ao conteúdo da clausula 5 da garantia bancária, que expressamente menciona que as responsabilidades garantidas eram todas aquelas que pudessem emergir para a Sofiseq – Empreendimentos Imobiliários, Lda. da decisão final transitada em julgado que viesse a ser proferida na referida acção declarativa de condenação</font></u></i><i><font>”.</font></i><br>
</p><p><font>“</font><i><font>A garantia dos autos </font></i><i><u><font>deixou de funcionar, na medida em que não se verificaram os pressupostos que conduziram à sua prestação</font></u></i><i><font> e bem assim a idoneidade que lhe foi reconhecida, </font></i><b><i><u><font>na qual não foi contemplada a hipótese de a ré vir a ser declarada falida</font></u></i></b><i><font>, não existindo um mínimo de correspondência no texto do respectivo documento com tal hipótese, </font></i><b><i><u><font>donde não pode a recorrente pretender responsabilizar o garante por uma obrigação que não assumiu, pois assim não foi previsto nem convencionado”.</font></u></i></b><b><u><font> </font></u></b><b><i><u><font>O Banco não assumiu o risco da insolvência.</font></u></i></b><br>
</p><p><i><font>“</font></i><i><u><font>A garantia bancária prestada como caução processual estava condicionada à finalidade que lhe foi atribuída na sua efectiva prestação, </font></u></i><b><i><u><font>não podendo, por isso, o garante responder quando tal finalidade não se verifique </font></u></i></b><i><font>como é o presente caso, uma vez que a acção declarativa instaurada na sequência do procedimento cautelar, foi extinta por inutilidade superveniente da lide”.</font></i><br>
</p><p><font>- Vd. págs. 25, 26 e 28 do acórdão, negrito e sublinhados nossos.</font><br>
</p><p><font>26. Face a tudo o exposto, julga-se, sem necessidade de mais comentários, ser notória a falta de fundamento da tese da recorrente.</font><br>
</p><p><font>27. Sem conceder, ainda se aduz, por extrema cautela de patrocínio, que a garantia em apreço, na data em que foi accionada, já havia caducado.</font><br>
</p><p><font>28. Com efeito, no que respeita ao prazo de validade da garantia, ficou expressamente estipulado que a garantia seria válida </font><i><font>“até vinte dias após o trânsito em julgado da decisão judicial que venha a ser proferida na referida acção declarativa de condenação” </font></i><font>– vd. ponto 10 da garantia.</font><br>
</p><p><font>29. Essa sentença transitou em julgado em 06.03.2017 – vd. ponto 4 da decisão quanto à matéria de facto.</font><br>
</p><p><font>30. Consequentemente, a ora recorrente deveria, sob pena de caducidade da garantia, accionar a mesma até vinte dias após 06.03.2017, data do trânsito em julgado da dita sentença – vd. ponto 10 da garantia.</font><br>
</p><p><font>31. Ou seja, até 26.03.2017.</font><br>
</p><p><font>32. O que não fez!</font><br>
</p><p><font>33. Com efeito, a recorrente, como, aliás, reconhece, apenas accionou a garantia em causa por carta de 27.08.2018 – vd. ponto 5 da decisão quanto à matéria de facto.</font><br>
</p><p><font>34. Ou seja, muito para além do prazo de validade da garantia.</font><br>
</p><p><font>35. Prazo esse que, como vimos, havia terminado mais de ummano e cinco meses antes (em 26.03.2017).</font><br>
</p><p><font>36. Acresce que, o pedido de accionamento da garantia, que, reitera-se, a recorrente apenas efectuou em 27.08.2018, não veio (obviamente) acompanhado da documentação exigida, para o efeito, no ponto 7 da garantia.</font><br>
</p><p><font>37. Ou seja, não veio acompanhado de certidão judicial da decisão final condenatória transitada em julgado proferida na citada acção declarativa nº 4263/14.6T8FNC – vd. ponto 6 da decisão quanto à matéria de facto.</font><br>
</p><p><font>38. Ainda a propósito da caducidade da garantia relembra-se o que, a esse título, foi entendido pelo acordão recorrido:</font><br>
</p><p><i><font>“Ao que acresce a circunstância de, e na consideração de que a acção declarativa de condenação nº 4263/14.6T8FNC foi subjacente à providência cautelar, tendo terminado sem a prolação de sentença de condenação da arrestada, tendo sido extinta por inutilidade superveniente da lide, sempre operária a caducidade da garantia bancária dos autos…”</font></i><font> – vd. pags. 30 e 31 do acordão.</font><br>
</p><p><font>39. Face ao exposto, importa concluir que sempre a garantia, na data em que foi accionada, já não representava o reconhecimento de qualquer obrigação por parte do BST.</font><br>
</p><p><font>40. Pelo que, tal garantia não é título executivo – vd. artº 703º, nº 1, al. b), do CPC.</font><br>
</p><p><font>41. Pelo que, também por isso, sempre a pretensão da recorrente teria que ser indeferida.</font><br>
</p><p><font>42. Face a tudo o exposto, entende-se que o acórdão recorrido não merece qualquer censura, devendo, pois, ser confirmado.</font><br>
</p><p><font>TERMOS em que deve ser julgado improcedente o recurso em apreço, com a consequente confirmação do acordão recorrido, como é de</font><br>
</p><p><font>J U S T I Ç A !!!»</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><b><font>5.</font></b><font> Sabido que o objeto do recurso, ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, se delimita pelas conclusões do recurso, a questão de direito a decidir é a de saber se a garantia bancária prestada pelo Banco caducou, em virtude da declaração de insolvência da devedora, que provocou a extinção da ação declarativa de condenação por inutilidade superveniente da lide (artigo 277.º, al. </font><i><font>e)</font></i><font>, do CPC) </font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font>Cumpre apreciar e decidir. </font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><b><font>II – Fundamentação</font></b><br>
</p><p><b><font>A. Os factos</font></b><br>
</p><p><font>A matéria de facto dada como provada na sentença recorrida (e que o Tribunal da Relação manteve), tendo por base “os elementos documentais juntos aos autos de execução — título executivo e requerimento executivo —, e a não impugnação dos mesmos, bem como a sua admissão por acordo (</font><i><font>confessio ficta</font></i><font>)”, é a seguinte:</font><br>
</p><p><font>«1. A 29 de Março de 2019, foi apresentado à execução ordinária n.° 1883/19.6T8FNC, em apenso, um documento denominado de "Garantia Bancária N/NR ....74", datada de 09 de Dezembro de 2014.</font><br>
</p><p><font>2. Desse documento consta: </font><i><font>«Em nome a pedido da sociedade comercial SOFISEQ EMPREENDIMENTOS IMOBILIÁRIOS, LDA., pessoa colectiva n.° 511.160.399, vem o BANIF-BANCO INTERNACIONAL DO FUNCHAL, S.A. (...) prestar, pelo presente documento, uma garantia bancária nos seguintes termos e condições:</font></i>
</p><p><i><font>1. A presente garantia é emitida com o fim de extinguir procedimento cautelar n.° 596/14.0…, que corre os seus termos na Comarca da …, …-Instância Central, Secção Cível J… e substituir-se ao arresto ali decretado sobre o prédio misto situado na ......, descrito na Conservatória do Registo Predial ...... sob o n.° ........29, da freguesia ......, concelho ......, inscrito na matriz urbana sob os n.° ..92, ..97, ..42, ..43, ..44 e ..45 e na matriz rústica sob os artigos 4/2, secção F (parte) e 4/3 secção F (parte), em que é requerida a SOFISEQ-EMPREENDIMENTOS IMOBILIÁRIOS, LDA. (...) e requerente a MADEIRA PLUS-SOCIEDADE DE MEDIAÇÃO IMOBILIÁRIA, LDA. (...), a qual será cumprida à primeira solicitação a este Banco, obrigando-se este a, nos termos e condições constantes do presente documento, pagá-la, como fiador e principal pagador, até ao seu montante máximo a seguir identificado, com renúncia ao beneficio da excussão prévia. </font></i>
</p><p><i><font>2. A presente garantia é assim emitida com o fim de caucionar a acção declarativa de condenação que a MADEIRA PLUS-SOCIEDADE DE MEDIAÇÃO IMOBILIÁRIA, LDA., na sequência do procedimento cautelar n.° 596/14.0… acima referido, instaurará contra a SOFISEQ-EMPREEND1MENTOS IMOBILIÁRIOS, LDA., tendo em vista a obtenção de título executivo relativamente às facturas n.° 9, 10, 11, 12, 13 e 14, todas emitidas, em 02/12/2010, pela MADEIRA PLUS-SOCIEDADE DE MEDIAÇÃO IMOBILIÁRIA, LDA., no âmbito do contrato de mediação imobiliária celebrado em 29/08/2007, cujo cópia será anexa ao presente documento dele fazendo parte integrante para todos os efeitos legais.</font></i>
</p><p><i><font>3. (...)</font></i>
</p><p><i><font>4. O montante máximo garantido é de €100.000,00 (cem mil euros), sendo esta irrevogável, quer pelo Banco quer pela afiançada, quer pela beneficiária, excepto com o consentimento expresso destas duas últimas referidas, afiançada e beneficiária.</font></i>
</p><p><i><font>5. As responsabilidades garantidas são todas aquelas que possam emergir para a SOFISEQ-EMPREENDIMENTOS IMOBILIÁRIOS, LDA., da decisão final transitada em julgado que vier a ser proferida na referida acção declarativa de condenação melhor identificada no precedente ponto 2. em que aquela sociedade assumirá a posição processual de Ré e a MADEIRA PLUS-SOCIEDADE DE MEDIAÇÃO IMOBILIÁRIA, LDA., assumirá a posição processual da Autora.</font></i>
</p><p><i><font>6. A MADEIRA PLUS-SOCIEDADE DE MEDIAÇÃO IMOBILIÁRIA, LDA., obriga-se a, no prazo de 5 (cinco) dias a contar da distribuição judicial, comunicar por escrito ao Banif-Banco Internacional do Funchal, S.A. o número do processo e respectivo tribunal onde a referida acção declarativa de condenação melhor identificada no precedente ponto 2. correrá os seus termos, devendo essa comunicação ser devidamente acompanhada da respectiva petição inicial contendo todos os seus documentos.</font></i>
</p><p><i><font>7. A reclamação do pagamento ao BANIF-BANCO INTERNACIONAL DO FUNCHAL, S.A. pela MADEIRA PLUS-SOCIEDADE DE MEDIAÇÃO IMOBILIÁRIA, LDA., no âmbito da presente garantia, será feita através de comunicação escrita, acompanhada de certidão judicial da decisão final condenatória transitada em julgado, proferida na referida acção que vier a ser intentada, com os fundamentos acima identificados.</font></i>
</p><p><i><font>8. (...)</font></i>
</p><p><i><font>9. (...)</font></i>
</p><p><i><font>10. Esta garantia é válida até vinte dias contados após o trânsito em julgado da decisão judicial que venha a ser proferida no âmbito da referida acção declarativa de condenação a intentar com os fundamentos acima identificados.».</font></i><br>
</p><p><font>3. Na sequência do procedimento cautelar n.° 596/14.0…, a exequente instaurou acção de condenação de SOFISEQ-EMPREENDIMENTOS IMOBILIÁRIOS, LDA. peticionando que esta última fosse condenada a pagar-lhe os montantes referentes às facturas a que supra se alude na mencionada garantia bancária.</font><br>
</p><p><font>4. Essa correu sob o n.° 4263/14.6…, no Juízo Central Cível do …, Juiz …, que terminou com a prolação de sentença, oportunamente transitada em julgado, que julgou extinta a instância, por inutilidade superveniente da lide, por a ré ter sido declarada insolvente.</font><br>
</p><p><font>5. A exequente pediu à executada o pagamento da garantia bancária por carta de 27 de Agosto de 2018.</font><br>
</p><p><font>6. Não acompanhou essa carta da certidão da sentença proferida no processo n.° 4263/14.6… .</font><br>
</p><p><font>7. A exequente reclamou no processo de insolvência o crédito proveniente das mencionadas facturas.</font><br>
</p><p><font>8. Esse crédito veio a ser reconhecido por sentença aí proferida a 06 de Julho de 2018.</font><br>
</p><p><font>9. Essa sentença foi remetida juntamente com a carta a que se alude em 5).</font><br>
</p><p><font>10. O executado sucedeu ao BANIF-Banco Internacional do Funchal, S.A. no que respeita às obrigações decorrentes da mencionada garantia bancária». </font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><b><font>B – O Direito</font></b><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><b><font>1.</font></b><font> De acordo com os factos dados como provados nos autos, na execução ordinária n° 1883/19.6…, a que o presente processo de embargos de executado constitui apenso, foi apresentado, pela agora recorrente, MADEIRA PLUS, como título executivo, um documento denominado de </font><i><font>''Garantia Bancária N/NR ....74",</font></i><font> datada de 09.12.2014, emitida pelo Banif-Banco Internacional do Funchal, S.A. </font><br>
</p><p><font>Tal garantia teve como ordenante a SOFISEQ - EMPREENDIMENTOS IMOBILIÁRIOS, LDA. e como beneficiária a recorrente, MADEIRA PLUS, tendo sido emitida com o fim de extinguir o procedimento cautelar n.° 596/14.0…, que correu os seus termos na Comarca da …, …-Instância Central, Secção Cível J…, e substituir-se ao arresto ali decretado sobre o prédio identificado no ponto 2. da matéria de facto, para caucionar o pagamento de faturas correspondentes a serviços de mediação imobiliária prestados e não pagos. O pagamento das faturas foi exigido à devedora em ação declarativa de condenação que a MADEIRA PLUS-SOCIEDADE DE MEDIAÇÃO IMOBILIÁRIA, LDA., na sequência de tal procedimento cautelar, instaurou contra a SOFISEQ-EMPREENDIMENTOS IMOBILIÁRIOS, LDA., tendo em vista a obtenção de título executivo relativamente às faturas 9, 10, 11, 12, 13 e 14, todas emitidas, em 02.12.2010, pela MADEIRA PLUS-SOCIEDADE DE MEDIAÇÃO IMOBILIÁRIA, LDA., no âmbito do contrato de mediação imobiliária celebrado em 29.08.2007. (cfr. termos 1 e 2 da garantia constantes do ponto 2. dos factos provados). </font><br>
</p><p><font>As responsabilidades garantidas eram todas aquelas que pudessem emergir para a SOFISEQ-EMPREENDIMENTOS IMOBILIÁRIOS, LDA. da decisão final transitada em julgado, que viesse a ser proferida na referida ação declarativa de condenação identificada na cláusula 5.ª do contrato de garantia.</font><br>
</p><p><font>A reclamação do pagamento ao BANIF-BANCO INTERNACIONAL DO FUNCHAL, S.A. pela MADEIRA PLUS-SOCIEDADE DE MEDIAÇÃO IMOBILIÁRIA, LDA., no âmbito da referida garantia, seria feita através de comunicação escrita, acompanhada de certidão judicial da decisão final condenatória transitada em julgado, proferida na ação declarativa de condenação que a MADEIRA PLUS-SOCIEDADE DE MEDIAÇÃO IMOBILIÁRIA, LDA. instaurou na sequência de tal procedimento cautelar contra a SOFISEQ-EMPREENDIMENTOS IMOBILIÁRIOS, LDA. </font><br>
</p><p><font>Na sequência do procedimento cautelar n.° 596/14.0…, a MADEIRA PLUS, agora recorrente/exequente, instaurou ação de condenação contra SOFISEQ-EMPREENDIMENTOS IMOBILIÁRIOS, LDA., pedindo que esta fosse condenada a pagar-lhe os montantes referentes às faturas a que se alude na mencionada garantia bancária, tendo tal ação corrido termos sob o n.° 4263/14.6…, no Juízo Central Cível do …, Juiz …, que terminou com a prolação de sentença, proferida em 31-01-2017, transitada em julgado, onde se julgou extinta a instância, por inutilidade superveniente da lide, uma vez que a ré, SOFISEQ-EMPREENDIMENTOS IMOBILIÁRIOS, LDA., foi declarada insolvente.</font><br>
</p><p><font>A recorrente, MADEIRA PLUS reclamou no processo de insolvência o crédito proveniente das mencionadas faturas, o qual veio a ser reconhecido por sentença proferida em 6 de julho de 2018. </font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><b><font>2.</font></b><font> Invocou a beneficiária da garantia, MADEIRA PLUS, agora recorrente, que a extinção, por inutilidade superveniente da lide, da ação declarativa de condenação por si intentada, em virtude da declaração de insolvência da ré, não constitui uma improcedência do pedido, nem impede o seu direito a acionar a garantia contra o Banco, uma vez que dispõe de uma sentença de reconhecimento dos créditos com a ordenante, SOFISEQ, proferida no processo de insolvência. </font><br>
</p><p><font>O acórdão proferido pelo Tribunal da Relação não deu razão à pretensão da MADEIRA PLUS, por maioria, com um voto de vencido, entendendo que a tal pretensão se opunha o clausulado no documento denominado de "Garantia Bancária N/NR ....74", datada de 09 de dezembro de 2014, interpretado à luz do critério geral da impressão do destinatário, consagrado no 236°, n° 1 do Código Civil, considerando ainda que faltava à tese da recorrente um mínimo de correspondência no texto do documento, ainda que imperfeitamente expresso, nos termos exigidos pelo artigo 238°, n° 1 do Código Civil. </font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font>Em síntese, o tribunal recorrido decidiu com base nos seguintes fundamentos:</font><br>
</p><p><font>1.º A extinção por inutilidade superveniente da lide da ação declarativa de condenação, por insolvência da ré, não preenche o pressuposto de acionamento da garantia fixado nas cláusulas 2.ª e 5.ª do contrato, que exigem a procedência da ação declarativa de condenação através de sentença de condenação transitada em julgado, o que não sucedeu.</font><br>
</p><p><font>2.º - Caducidade do direito da Madeira Plus, por inobservância do prazo de 20 dias fixado na cláusula 10.º da Garantia Bancária, segundo a qual </font><i><font>“Esta garantia é válida até vinte dias contados após o trânsito em julgado da decisão judicial que venha a ser proferida no âmbito da referida acção declarativa de condenação a intentar com os fundamentos acima identificados”.</font></i><font> </font><br>
</p><p><font>O acórdão recorrido fundamentou a decisão nos seguintes termos, que se passam a transcrever:</font><br>
</p><p><font> </font><i><font>«A garantia bancária dos autos deixou de funcionar, na medida em que não se verificaram os pressupostos que conduziram à sua prestação e bem assim a idoneidade que lhe foi reconhecida, na qual não foi contemplada a hipótese de a ré vir a ser declarada falida, não existindo um mínimo de correspondência no texto do respectivo documento com tal hipótese, donde, não pode a recorrente pretender responsabilizar o garante por uma obrigação que não assumiu, pois assim não foi previsto nem convencionado.</font></i><br>
</p><p><i><font>A garantia bancária prestada como caução processual estava condicionada à finalidade que lhe foi atribuída na sua efectiva prestação, não podendo, por isso, o garante responder quando tal finalidade não se verifique, como é o | [0 0 0 ... 0 0 0] |
gjJtu4YBgYBz1XKvKwaf | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><b><font> </font></b><font> </font><div><br>
<font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça </font></div><br>
<br>
<font> </font><br>
<p><b><font>I. Relatório </font></b><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><b><font>1.</font></b><font> Na sequência de reclamação deduzida por </font><b><font>AA. </font></b><font>contra </font><b><font>“Ageas Portugal, Companhia de Seguros, SA”</font></b><font>, veio Tribunal Arbitral do CIMPAS (Centro de Informação, Mediação, Provedoria e Arbitragem de Seguros), após julgamento, a deferir a mesma reclamação, condenando, nesses termos, a Reclamada/seguradora a pagar ao Reclamante/segurado a quantia de € 46. 814, 43, respeitante aos danos com a reparação da cobertura, fachadas, paredes, tetos e substituição de estores elétricos no imóvel objeto do ajuizado contrato de seguro, conforme orçamento junto aos autos e depois de abatida a franquia contratual, assim como no pagamento da quantia de € 152, 47, a título de despesa suportada pelo Reclamante com a obtenção de certidão junto do IPMA. </font><br>
</p><p><b><font>2.</font></b><font> Inconformada com a decisão, veio a Reclamada/Seguradora, ao abrigo do preceituado no artigo 39º, n.º 4, da Lei n.º 63/2011, de 14.12., interpor recurso de apelação. </font><br>
</p><p><b><font>3.</font></b><font> O Recorrido contra-alegou, pugnando pela rejeição do recurso quanto à impugnação da decisão de facto, ou a assim não se entender, de qualquer modo, pela sua improcedência.</font><b><font> </font></b><br>
</p><p><b><font>4.</font></b><font> Já nesta instância foi a Reclamante convidada a explicitar as suas conclusões em ordem a especificar qual a decisão alternativa por si proposta por comparação com a decisão proferida pelo tribunal recorrido e em função das suas conclusões do recurso, tudo em conformidade com o disposto no artigo 639º, n.º 3, do CPC. </font><br>
</p><p><b><font>5.</font></b><font> A Recorrente correspondeu ao convite antes referido, juntando alegações e conclusões tal como constavam já do recurso interposto, aditando, contudo, a final, o seguinte petitório:</font><br>
</p><p><b><font>«Nestes termos e nos demais de Direito, deve ser concedido provimento ao presente recurso, sendo a sentença recorrida revogada e substituída por outra que não condene a ora Reclamante em montante superior a € 6. 432, 77.»</font></b><font> </font><br>
</p><p><b><font>6.</font></b><font> Os Recorridos responderam pugnando no sentido de que as conclusões se mantêm, tal como antes sucedia, deficientes, obscuras e complexas, nada tendo sido aperfeiçoado e esclarecido pela Recorrente, razão pela qual deve o recurso ser liminarmente rejeitado. </font><br>
</p><p><b><font>7.</font></b><font> O Tribunal da Relação … veio a decidir julgar parcialmente procedente o recurso de apelação, nos seguintes termos: </font><br>
</p><p><b><font>«Pelos fundamentos expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação … em julgar parcialmente procedente a apelação, revogando a sentença recorrida e, substituindo a mesma, condena-se a Recorrente no pagamento das seguintes quantias:</font></b><br>
</p><p><b><font>a) € 15. 468, 91 (quinze mil quatrocentos e sessenta e oito euros e noventa e um cêntimos), a que acresce IVA, à taxa legal, em vigor;</font></b><br>
</p><p><b><font>b) € 9. 304, 53 € (nove mil trezentos e quatro euros e cinquenta e três cêntimos):</font></b><br>
</p><p><b><font>[€ 9.404, 53 – € 100, 00, a título de franquia].</font></b><br>
</p><p><b><font>c) € 152, 47 (cento e cinquenta e dois euros e quarenta e sete cêntimos).</font></b><br>
</p><p><b><font>d) No mais, absolve-se a Ré».</font></b><br>
</p><p><b><font> </font></b><br>
</p><p><b><font>7.</font></b><font> Inconformados, os autores, interpõem recurso de revista, ao abrigo dos artigos 671.º, n.º 1 e 674.º, n.º 1, al. </font><i><font>a),</font></i><font> do CPC, em cuja alegação formularam as seguintes conclusões: </font><br>
</p><p><font>«I. Os recorrentes celebraram com a Companhia de Seguros </font><b><font>AXA PORTUGAL – COMPANHIA DE SEGUROS, SA,</font></b><font> a que sucedeu, juridicamente, a </font><b><font>AGEAS PORTUGAL – COMPANHIA DE SEGUROS, S.A</font></b><font>, um contrato de seguro Multirriscos-Habitação, consubstanciado na </font><b><font>Apólice nº. ….</font></b><font>, referente ao imóvel de que são proprietários, sito na Rua …, no Município de …, contrato esse regulado pelo Decreto-Lei n.º 72/2008, que estabelece o Regime Jurídico do Contrato de Seguro </font><b><font>[RJCS].</font></b><br>
</p><p><font>II. A seguradora que contratou o seguro com o tomador, aqui identificado, sabia que a habitação deste era uma moradia de construção e arquitectura modernas, respeitanto as melhores técnicas da arte conhecidas e vigentes - </font><b><font>REGEU</font></b><font> [Decreto-Lei n.º 38 382, de 07-08-1951 na sua versão em vigor] e </font><b><font>RJEU</font></b><font> [Decreto-lei n.º 555/1999, na sua versão em vigor] – com os melhores e mais caros materiais, pelo que, nesses moldes, tendo formalizado o contrato de seguro num documento escrito – a apólice – que entregou ao tomador do seguro [nº. 2 do artigo 32º do </font><b><font>RGCS</font></b><font>], ficando nessa Apólice incluídas as condições gerais, especiais e particulares aplicáveis [nº. 1 do artigo 37º </font><b><font>RJCS</font></b><font>].</font><br>
</p><p><font>III. Na cobertura base de riscos, para o que interessa aos presentes Autos, estão os riscos definidos nos artigos 8º a 48 das condições gerais os danos por </font><b><font>«Tempestades» – artigo 22º da Apólice</font></b><font> –:</font><br>
</p><p><b><i><font>“1. A cobertura de tempestades integra os riscos a seguir definidos:</font></i></b><br>
</p><p><b><i><font> a)Tufões, ciclones, tornados e toda a acção directa de ventos fortes, bem como o choque de objectos arremessados ou projectados pelos mesmos desde que a sua violência destrua ou danifique instalações, objectos ou árvores num raio de 5 km, tendo como centro a localização dos bens seguros (em caso de dúvida, poderá o Segurado fazer prova, mediante documento da estação meteorológica mais próxima, que, no momento do sinistro os ventos atingiram intensidade excepcional - velocidade superior a 100 km/hora);</font></i></b><br>
</p><p><b><i><font> b) Alagamento pela queda da chuva, neve ou ganizo, desde que se verifiquem conjuntamente as seguintes condições:</font></i></b><br>
</p><p><b><i><font>- Que estes agentes atmosféricos penetrem no interior do edifício seguro em consequência de danos causados pelos riscos referidos na alínea anterior;</font></i></b><br>
</p><p><b><i><font>- Que os danos se verifiquem nas 48 horas seguintes ao momento em que ocorreu a danificação ou a destruição parcial do edifício.</font></i></b><br>
</p><p><b><i><font>2. Constituem um único e mesmo sinistro todos os danos ocorridos nas 48 horas seguintes ao momento em que os bens seguros sofram o primeiro dano”.</font></i></b><br>
</p><p><font>[itálico da nossa responsabilidade].</font><br>
</p><p><font>IV. E os riscos por </font><b><font>«Danos de água» - artigo 24º da Apólice</font></b><font>:</font><br>
</p><p><b><i><font>“1. A cobertura de danos causados por água funciona quando esta, com carácter súbito e imprevisto, provenha de </font></i></b><b><i><u><font>ruptura, defeito, entupimento ou transbordamento da rede interna de distribuição de água e esgotos do edifício, incluindo nestes os sistemas de esgoto das águas pluviais,</font></u></i></b><b><i><font> no local se encontrem os bens seguros, assim como os aparelhos ou utensílios ligados à rede de distribuição de água do mesmo edifício e respectivas ligações”.</font></i></b><br>
</p><p><font>[itálico e sublinhado da nossa responsabilidade].</font><br>
</p><p><font>V. Nos presentes Autos, em sede de sentença do Tribunal </font><i><font>a quo</font></i><font>, </font><b><font>dos factos fixados como provados [A., B., C, D. , E., F., G., H., e I.] </font></b><font>constam:</font><br>
</p><p><b><i><font>“(…)</font></i></b><br>
</p><p><b><i><font>D. No dia … .1 de 2016, ocorreu um sinistro na habitação do Reclamante resultante de ventos fortes e chuvas torrenciais, tendo como consequência o levantamento de telhas do telhado da habitação, provocando a entrada de água no interior da habitação, que danificou tectos, paredes, portas e estores eléctricos;</font></i></b><br>
</p><p><b><i><font>E. Em resultado dos ventos fortes, um pinheiro existente no terreno vizinho do reclamante foi arrancado;</font></i></b><br>
</p><p><b><i><font>F. Nas proximidades do local onde se situa a habitação do reclamante registraram-se inundações e quedas de árvores;</font></i></b><br>
</p><p><b><i><font>G. A ocorrência deste sinistro, nos termos das condições gerais da apólice, enquadra-se na cobertura “Tempestades”;</font></i></b><br>
</p><p><b><i><font>H. Os danos reclamados enquadram-se na cobertura “Tempestades”; </font></i></b><br>
</p><p><b><i><font>I. O reclamante peticiona a quantia de € 49 966,90, da qual a quantia de € 40 409,90 a título de reparação da cobertura, fachadas, paredes e tectos, a quantia de € 9 404,53, a título de substituição de estores eléctricos e a quantia de €52,47 </font></i></b><i><font>[deverá ler-se 152,47€]</font></i><b><i><font>, respeitante à certidão do IPMA”.</font></i></b><br>
</p><p><font>[negrito e itálico da nossa responsabilidade].</font><br>
</p><p><font>VI. E dos </font><b><font>factos que foram considerados como não provados</font></b><font> constam:</font><br>
</p><p><b><i><font>“a) A ocorrência de dois sinistros que resultaram na reclamação dos presentes autos;</font></i></b><br>
</p><p><b><i><font> b) O enquadramento dos danos na cobertura “Danos por água”;</font></i></b><br>
</p><p><b><i><font>c) A entrada de água na habitação decorre de uma deficiente concepção da cobertura, bem como decorre de infiltrações entre muretes no limite da cobertura e por deficiente montagem dos rufos da cobertura”. </font></i></b><font>[negrito e itálico da nossa responsabilidade].</font><br>
</p><p><font>VII. O Tribunal da Relação … reconhece que </font><b><i><font>“(…) se as partes têm, como é indiscutido, a possibilidade de recorrer à arbitragem como meio alternativo de resolução do litígio (atento o carácter mais simplificado do processo e, por isso, mais célere e, ainda, a especialização dos juízes-árbitros que integram o Tribunal Arbitral), então, como o devido respeito, </font></i></b><b><i><u><font>têm de aceitar, logicamente, como, aliás, o declararam fazer ao aderirem à resolução do litígio, por meio de arbitragem voluntária, as regras aplicáveis a tal processo</font></u></i></b><b><i><font> e que decorrem do citado Regulamento), nomeadamente, no que ora importa, a inexistência de gravação dos meios de prova pessoal e, consequentemente, para o que aqui releva, </font></i></b><b><i><u><font>a impossibilidade de este Tribunal da Relação proceder à reapreciação desses mesmos meios de prova</font></u></i></b><b><i><font> e, por inerência, </font></i></b><b><i><u><font>à sua luz, à reapreciação e alteração da decisão de facto</font></u></i></b><b><i><font>, tendo por base esses meios de prova, meios de prova pessoais estes que, como se alcança da motivação da decisão de facto ora posta em crise, se revelaram essenciais, conjugados, ainda, como os demais documentos particulares juntos aos autos (fotos, orçamentos e notícias veiculadas pela comunicação social), para formação da convicção do Tribunal a quo.”</font></i></b><font> [negrito, itálico e sublinhado da nossa responsabilidade].</font><br>
</p><p><font>VIII. E, porque a ausência de gravação da audiência de julgamento no Tribunal Arbitral obsta ao conhecimento do recurso quanto à matéria de facto, face à evidente impossibilidade de proceder à reapreciação de tais meios de prova pela Relação, o Tribunal da Relação decide recusar, em termos liminares - e bem - à Recorrente, seguradora, a impugnação da matéria de facto constante dos pontos D e I do elenco dos factos provados, bem como a impugnação da matéria de facto das alíneas a), b) e c) do elenco dos factos não provados.</font><br>
</p><p><font>IX. Mas já, quanto à impugnação dos pontos G e H do elenco dos factos provados, não usam do mesmo critério, e assim, o que o Tribunal da Relação decide, a titulo oficioso, de eliminar esses pontos G e H do elenco dos factos provados, com o argumento incongruente de que</font><b><i><font> “quanto à integração do sinistro e subsequentes danos no âmbito da cobertura «Tempestades» - </font></i></b><b><i><u><font>conclusão que só pode ser extraída pelo Tribunal a partir dos factos provados e da interpretação do contrato de seguro e das suas cláusulas</font></u></i></b><b><i><font>, nomeadamente a que define o âmbito de cobertura, enquanto fenómeno meteorológico com determinadas características - como integram, a resposta à questão de direito central decidir nos Autos, qual seja, precisamente, saber se o sinistro ocorrido se integra na cobertura </font></i></b><b><i><u><font>«Tempestades»</font></u></i></b><b><i><font> (como sustenta o Autor/Reclamante) ou ao, invés, se integra na cobertura </font></i></b><b><i><u><font>“Danos por Água”</font></u></i></b><b><i><font> como sustenta a Ré e ora Recorrente”, </font></i></b><font>golpeia, irremediavelmente, a interpretação a dar à cláusula 22 ª da Apólice [artigo 22º do contrato de seguro consubstanciado na referida Apólice e o nº. 2 do artigo 11º da LCCG [Decreto-Lei nº. 446/85, de 25 de Outubro, na sua versão actual]. [negrito, itálico e sublinhado da nossa responsabilidade].</font><br>
</p><p><b><font>X. Não o podendo fazer, não só pela não aplicabilidade da cláusula de cobertura por «Danos de água», pois esta, nos termos do artigo 24º do contrato de seguro da Apólice subscrita, face aos factos que foram firmados como provados e não provados e, também, assim apreciados pelo Tribunal da Relação …, como, também, porque a cláusula a aplicar aos factos dados como provados e como não provados é de Cobertura por “Tempestade”.</font></b><br>
</p><p><b><i><font>“1. A cobertura de danos causados por água funciona quando esta, com carácter súbito e imprevisto, provenha de ruptura, defeito, entupimento ou transbordamento da rede interna de distribuição de água e esgotos do edifício, incluindo nestes os sistemas de esgoto das águas pluviais, no local se encontrem os bens seguros, assim como os aparelhos ou utensílios ligados à rede de distribuição de água do mesmo edifício e respectivas ligações”.</font></i></b><br>
</p><p><b><font>Com efeito,</font></b><br>
</p><p><b><font>XI. O Tribunal da Relação …, no seu critério oficioso, mantém como provados os pontos D. E. F. e I. e como não provados as alíneas a), b), e c) - sendo que a alínea c) respeita ao enquadramento por «Danos por água» - e, por isso, incorre em manifesto erro de decisão, violando as regras da lógica e do direito, ao decidir contra factos que ela própria considera, uns como provados e outros como não provados.</font></b><br>
</p><p><b><font>XII. Pois o levantamento do telhado de uma habitação e a entrada de água no interior da mesma com a danificação de tectos paredes, portas e estores eléctricos, não pode ser causada por </font></b><i><font>“ruptura, defeito, entupimento ou transbordamento da rede interna de distribuição de água e esgotos do edifício, incluindo nestes os sistemas de esgoto das águas pluviais, no local se encontrem os bens seguros, assim como os aparelhos ou utensílios ligados à rede de distribuição de água do mesmo edifício e respectivas ligações”,</font></i><b><font> mas, antes, por ventos de intencionalidade exceptional, só possível em condições atmosféricas absolutamente extraordinárias de «tempestade».</font></b><br>
</p><p><font>XIII. O Tribunal da Relação ao fixar-se em aspectos formais que relacionou com a velocidade média do vento, em …, não teve em atenção o texto da cláusula 22ª [artigo 22º da Apólice em apreço], pois, se lhe retiramos à redação dessa cláusula querida pelas partes do contrato de seguro, os termos de tufão, ciclone e tornados, e a cingirmos aos ventos fortes, essa mesma cláusula terá a expressividade que dá acolhimento à cobertura por danos por «Tempestade», na seguinte redação:</font><br>
</p><p><b><i><font>“1. A cobertura de tempestades integra os riscos a seguir definidos:</font></i></b><br>
</p><p><b><i><font>a) Toda a acção directa de ventos fortes, bem como o choque de objectos arremessados ou projectados pelos mesmos, desde que a sua violência destrua ou danifique instalações, objectos ou árvores num raio de 5 km, tendo como centro a localização dos bens seguros (em caso de dúvida, poderá o Segurado fazer prova, mediante documento da estação meteorológica mais próxima, que, no momento do sinistro os ventos atingiram intensidade excepcional – velocidade superior a 100 km/hora);</font></i></b><br>
</p><p><b><i><font>b) Alagamento pela queda da chuva, neve ou ganizo, desde que se verifiquem conjuntamente as seguintes condições:</font></i></b><br>
</p><p><b><i><font>– Que estes agentes atmosféricos penetrem no interior do edifício seguro em consequência de danos causados pelos riscos referidos na alínea anterior;</font></i></b><br>
</p><p><b><i><font>– Que os danos se verifiquem nas 48 horas seguintes ao momento em que ocorreu a danificação ou a destruição parcial do edifício”. </font></i></b><font>[negrito, itálico e sublinhado da nossa responsabilidade].</font><br>
</p><p><font>XIV. Para além de que, segundo a certidão do IPMA, a velocidade dos ventos de 83,2 Km/h [menos 16,8 km/hora do que deveria ser, segundo o Tribunal da Relação], não acolhe a melhor subsunção dos factos ao Direito e às cláusulas contratuais das Apólice aplicação, porque baseia-se numa formalidade exemplificativa, que não tem, sequer, a mínima aderência ao texto do contrato e ao sentido do tomador médio, para quem ventos fortes que arrancam pinheiros de grande porte e levam à quedas de outras árvores com isolamentos de povoações e chuvas torrenciais, grandes inundações, cortes de estradas, de ruas e subida do nível das águas dos rios, com a intervenção tensa e intensa das Autoridades de Protecção Civil, para quem tal situação, objectivamente, configura uma tempestade. É que, qualquer morador da aldeia sabe, por experiência e vivência diária próprias, que, um vento forte de exceptional velocidade, [independentemente de a sua velocidade média, em …, de 83,2 km/h, em …, como a imprensa e autoridades locais relataram a mais de 50 Kms de distância do local do sinistro], não tenha atingido picos de velocidade superior com chuvas torrenciais, durante uns dias que leva tudo pelos ares: arranca o mais corpulento dos pinheiros, quanto mais o levantamento de um telhado de uma casa!: Coisa que, na verdade, a ruptura, defeito, entupimento ou transbordamento da rede interna de distribuição de água e esgotos do edifício, incluindo nestes os sistemas de esgoto das águas pluviais, no local se encontrem os bens seguros, não provoca tantos danos nem tamanho alarme social, como o próprio Tribunal da Relação … reconhece ser impossível fazê-lo. </font><br>
</p><p><b><font>XV. Nesta sequência e conformidade deverá a Ré, seguradora, ser condenada a pagar, também, o custo da cobertura da habitação danificada, no montante, sem IVA, de 15 045,06 € e o custo da reparação das suas paredes exteriores, no montante sem IVA de 9 895,92 €, tudo, no total acrescido de 24 940,98 €, ou seja, o montante total de 49 966,90 € que consta da sentença proferida pelo Tribunal “a quo”.</font></b><br>
</p><p><b><font>Nestes termos, e nos demais de Direito que Vªs. Exªs. doutamente suprirão, deve o presente Recurso de Revista colher provimento, mantendo-se a sentença proferida em 1ª. Instância, com o que se fará inteira e sã Justiça».</font></b><font> </font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><b><font>8.</font></b><font> AGEAS PORTUGAL – COMPANHIA DE SEGUROS S.A, notificada das alegações de recurso de revista, veio, nos termos do nº 5 do artigo 638º do CPC, apresentar as suas contra-alegações, nas quais formularam as seguintes conclusões:</font><br>
</p><p><font>«1. Vêm os Recorrentes recorrer do Douto Acórdão proferido pela Relação ….., que julgou a apelação deduzida pela aqui Recorrida parcialmente procedente, dado que entendeu, e bem, que o sinistro participado está excluído da cobertura de “Tempestades” nos termos definidos na apólice contratada, reduzindo, deste modo, a indemnização devida aos Reclamantes para a quantia total de € 24.773,44.</font><br>
</p><p><font>2. Entendem os Recorrentes que andou mal a Veneranda Relação na análise que realizou à factualidade que havia sido dado como assente em 1.ª instância, e ainda por ter excluído o sinistro participado do âmbito da cobertura contratada de “Tempestades”.</font><br>
</p><p><font>3. Desde logo, os Recorrentes entendem que o Tribunal da Relação andou mal quando alterou a matéria de facto considerada provada pelo Tribunal de 1.ª Instância, ao eliminar da factualidade provada os seguintes factos:</font><br>
</p><p><font>“G. A ocorrência deste sinistro, nos termos das condições gerais da apólice, enquadra-se na cobertura “Tempestades “.</font><br>
</p><p><font>H. Os danos reclamados enquadram-se na cobertura “Tempestades“.”</font><br>
</p><p><font>4. Segundo os Recorrentes, o Tribunal da Relação … “incorre em manifesto erro de decisão, violando as regras da lógica e do direito, ao decidir contra fatos que ela própria considera, uns provados e outros como não provados.”</font><br>
</p><p><font>5. Ora, quanto à modificabilidade da decisão de facto e, de acordo com o disposto no artigo 662.º, n.º 1 do CPC, a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa (negrito nosso).</font><br>
</p><p><font>6. Mais, o n.º 3 do art. 674.º do CPC refere que o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objeto de recurso de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova.– sublinhado e negrito nossos.</font><br>
</p><p><font>7. Sendo que os Recorrentes também não fazem referência expressa a nenhuma disposição violada, limitando-se a fazer uma afirmação que não fundamenta senão com as diferentes posições de cada uma das instâncias – o que, salvo melhor opinião, não poderá colher.</font><br>
</p><p><font>Assim,</font><br>
</p><p><font>8. Salvo o devido respeito, ao STJ, enquanto Tribunal de Revista, compete aplicar o regime jurídico que considere adequado aos factos fixados pelas instâncias, sendo a estas que cabe apurar a factualidade relevante para a decisão do litígio.</font><br>
</p><p><font>9. O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objeto de recurso de Revista, exceto na situação do n.º 3 do art. 674.º do CPC – o que não é o caso.</font><br>
</p><p><font>10. Assim, e salvo o devido respeito, não poderá este Supremo Tribunal de Justiça exercer qualquer fiscalização sobre os factos supridos, porquanto não se vislumbra que tenha sido violado o disposto no art. 674.º, n.º 3 do CPC.</font><br>
</p><p><font>11. Pelo que, e salvo o devido respeito, e uma vez que não estamos perante a exceção da 2.ª parte do n.º 3 do art. 674.º do CPC, está vedado a este Supremo Tribunal de Justiça a apreciação da Revista.</font><br>
</p><p><font>12. Por outro lado, o Tribunal da Relação apreciou e reconheceu procedência ao recurso interposto pela aqui Recorrida, após ter feito uma análise crítica da prova e de acordo com o princípio da sua livre valoração, tendo formado e formulado a sua própria convicção – o que os ora Recorrentes colocam em causa.</font><br>
</p><p><font>13. Ora, a convicção do Tribunal da Relação foi divergente da convicção do Tribunal de 1.ª Instância, porquanto os factos inicialmente dados por provados pela 1.ª Instância sob os pontos G e H do elenco da factualidade assente foram eliminados pela Relação, o que, obviamente, motivou decisão díspar, e com o que os Recorrentes não se conformam, tendo interposto o presente recurso.</font><br>
</p><p><font>14. Isto é, os Recorrentes pretendem que este Supremo Tribunal de Justiça sindique a convicção do douto Tribunal da Relação, a qual foi formada sem estar limitada pela convicção que serviu de base à decisão recorrida.</font><br>
</p><p><font>15. Ademais, quando os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, a modificação da matéria de facto que àquela conduza constitui um dever do tribunal de recurso, e não uma mera faculdade do mesmo. </font><br>
</p><p><font>16. Assim, e atendendo à reapreciação por parte da Relação, esta pode e deve eliminar factos que inicialmente tenham sido dados como provados – o que sucedeu no caso em apreço.</font><br>
</p><p><font>17. Aliás, entendeu a Veneranda Relação que “quanto à impugnação dos pontos G e H do elenco dos “factos” provados, pois que, a título oficioso, sempre se nos impunha (a admitir, como é o caso, a reapreciação do mérito da sentença arbitral mediante recurso), proceder à eliminação das asserções ou conclusões ali elencadas.</font><br>
</p><p><font>De facto, as afirmações constantes do ditos pontos, são, não só, manifestamente conclusivas quanto à integração do sinistro e subsequentes danos no âmbito da cobertura “ Tempestades “ – conclusão que só pode ser extraída pelo Tribunal a partir dos factos provados e da interpretação do contrato de seguro e das suas cláusulas, nomeadamente a que define o dito âmbito de cobertura, enquanto fenómeno meteorológico com determinadas características -, como integram, também, a resposta à questão de direito central a decidir nos autos, qual seja, precisamente, saber se o sinistro ocorrido se integra na cobertura “ Tempestades “ (como sustenta o Autor/Reclamante) ou, ao invés, se integra na 14 cobertura “ Danos por Água “ (como sustenta a Ré e ora Recorrente). (…)</font><br>
</p><p><font>Nestes termos, decide-se, a título oficioso, eliminar os pontos G e H do elenco dos factos provados.” (sublinhado e negrito nossos)</font><br>
</p><p><font>18. Ora, o que existe é um entendimento diferente dos Recorrentes, que não se conforma com a decisão da Relação, vindo, agora, invocar que a Veneranda Relação incorreu num alegado erro de decisão ao eliminar os pontos G e H do elenco dos factos provados.</font><br>
</p><p><font>19. Assim, as conclusões dos Recorrentes são totalmente desprovidas de sentido, devendo manter-se a decisão recorrida.</font><br>
</p><p><font>Acresce ainda que, e no que ao alegado erro na aplicação da lei diz respeito,</font><br>
</p><p><font>20. Vêm ainda os Recorrentes dizer que, ao excluir o sinistro participado da cobertura contratada de “Tempestades”, incorreu em errada interpretação e aplicação da cláusula 22ª do contrato de seguro consubstanciado na Apólice, fazendo má aplicação do disposto nos artigos 406º e 236º, n.º 1, ambos do CC, bem como o disposto no conforme o nº. 1 do artigo 13º RJCS e art.º 10º e 11º, n.º 2, do regime jurídico das CCG.</font><br>
</p><p><font>21. Mais uma vez sem razão!</font><br>
</p><p><font>22. Desde logo cumpre relembrar o que, para efeitos do contrato de seguro ora em análise, se entende por sinistros que têm acolhimento na cobertura de “Tempestades”.</font><br>
</p><p><font>23. Isto porque, e ao contrário do alegado pelos Recorrentes, o que importa é o conceito contratual de “Tempestade”, e não o que para as Autoridades de Proteção Civil configura uma situação de tempestade.</font><br>
</p><p><font>24. Assim, prevê o artigo 22º das condições gerais da Apólice, que:</font><br>
</p><p><font>“1. A cobertura de tempestades integra os riscos a seguir definidos:</font><br>
</p><p><font>a) Tufões, ciclones, tornados e toda a acção directa de ventos fortes, bem como o choque de objectos arremessados ou projectados pelos mesmos desde que a sua violência destrua ou danifique instalações, objectos ou árvores num raio de 5 km, tendo como centro a localização dos bens seguros (em caso de dúvida, poderá o Segurado fazer prova, mediante documento da estação meteorológica mais próxima, que, no momento do sinistro os ventos atingiram intensidade excepcional – velocidade superior a 100 km/hora);</font><br>
</p><p><font>b) Alagamento pela queda da chuva, neve ou ganizo, desde que se verifiquem conjuntamente as seguintes condições:</font><br>
</p><p><font>– Que estes agentes atmosféricos penetrem no interior do edifício seguro em consequência de danos causados pelos riscos referidos na alínea anterior;</font><br>
</p><p><font>– Que os danos se verifiquem nas 48 horas seguintes ao momento em que ocorreu a danificação ou a destruição parcial do edifício.” (sublinhado e negrito nossos)</font><br>
</p><p><font>25. Assim, não restam dúvidas de que o evento participado não tem enquadramento da cobertura de “Tempestades”, pois não se tratou de tufão, um ciclone, um tornado ou uma ação direta de ventos fortes, no sentido de ventos que atinjam velocidade superior a 100km/h.</font><br>
</p><p><font>26. Ora, de acordo com a prova produzida, não lograram os Recorrentes demonstrar que a velocidade do vento à data dos factos foi superior a 100km/h.</font><br>
</p><p><font>27. Nas palavras do douto Acórdão recorrido, para o qual mais uma vez se remete por clareza de raciocínio “Ora, no caso dos autos, não tendo nunca o segurado colocado em dúvida que as condições gerais em apreço lhe foram disponibilizadas pela seguradora, que, assim, delas podia conhecer e inteirar-se do respectivo conteúdo e revelando-se, como se disse, claro e objectivo o sentido da cláusula em apreço, não se vê razão para fazer uma interpretação diversa da dita cláusula, sendo certo que ao segurado, em caso de dúvida, se concedia a prerrogativa de fazer prova (através de meio próprio – informação da estação meteorológica mais próxima do local do sinistro) de verificação de ventos com velocidade superior a 100 km/hora, verificação essa essencial, na economia da cláusula, para a sua aplicação.</font><br>
</p><p><font>E nem se pode dizer que essa prova é impossível ou difícil de realizar, pois que, como se vê dos autos, o segurado obteve certidão do IPMA quanto ao valor do vento na estação meteorológica mais próxima do local do sinistro (…), certidão essa que, todavia, não confirmou a existência, na data do evento, de ventos superiores a 100 km/hora (83, 2 km/h). (25)</font><br>
</p><p><font>Como assim, é de excluir o sinistro em causa da previsão da citada hipótese “Tempestade“, tal como esta se mostra definida no contrato de seguro que intercede entre as partes, sendo, por isso, de afastar também, logicamente, o ressarcimento dos danos causados no edifício em apreço por mor dos ventos fortes e chuvas torrenciais ocorridas na data do evento, sendo certo, ainda, que a água que se introduziu no interior da habitação e ali provocou danos não teve, neste contexto, origem em qualquer um dos riscos previstos na alínea a) do artigo 22º, nomeadamente, no risco de “ tempestade “, tal como acima definido (vide artigo 22º, al. b), primeiro parágrafo).” (sublinhado e negrito nossos)</font><br>
</p><p><font>28. Por tudo quanto se encontra exposto, e ressalvando o devido respeito por melhor e douta opinião de V. Exas., deverão improceder todas as conclusões dos ora Recorrentes, não merecendo o Douto Acórdão recorrido qualquer censura</font><br>
</p><p><b><font>Nestes termos e nos demais de direito, deve ser negado provimento ao recurso interposto pelos Reclamantes, ora Recorrentes, mantendo-se o douto Acórdão recorrido, só assim se fazendo JUSTIÇA».</font></b><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><b><font>9.</font></b><font> O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não sendo lícito a este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas se mostrem de conhecimento oficioso – artigos 635º, n.º 4, 637º, n.º 2, 1ª parte e 639º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2013 de 26.06 [doravante designado apenas por CPC]. Assim, a questão a conhecer é a de saber se os factos provados, à luz do artigo 24.º do contrato de seguro de Multiriscos-Habitação, integram a cobertura prevista para “Tempestades” </font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font>Cumpre apreciar e decidir. </font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><b><font>II - Fundamentação de facto</font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
MTFhu4YBgYBz1XKvTP5J | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><font> </font><div><br>
<font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça </font></div><br>
<br>
<b><font> </font></b><br>
<p><b><font>I – Relatório</font></b><br>
</p><p><b><font>1. AA e BB </font></b><font>intentaram a presente ação popular contra</font><b><font> VODAFONE PORTUGAL – COMUNICAÇÕES PESSOAIS, S.A., </font></b><font>pedindo:</font><br>
</p><p><font>“a) Que a todos os clientes da R, consumidores de serviços de telecomunicações móveis, entre os quais os ora AA., seja reconhecido o direito a não pagarem por serviços que não tenham prévia e expressamente encomendado ou solicitado, ou que não constituam cumprimento de contrato válido;</font><br>
</p><p><font>b) Que a todos os clientes da R, consumidores de serviços de telecomunicações móveis, entre os quais os ora AA., seja reconhecido o direito a recusarem contratar serviços adicionais de telecomunicações.</font><br>
</p><p><font>c) Que a R. seja impedida de deduzir a partir de opções estabelecidas por defeito que o consumidor consentiu a prestação dos serviços adicionais de telecomunicações por falta de recusa expressa dos mesmos e em consequência ativar por defeito e automaticamente tais serviços extras;</font><br>
</p><p><font>d) Que a todos os clientes da R., consumidores de serviços de telecomunicações móveis, entre os quais os ora AA., seja reconhecido o direito ao reembolso do pagamento adicional por serviços dos quais não consentiu expressamente, mas que a R. o tenha deduzido a partir de opções estabelecidas por defeito que os clientes devessem recusar para evitar o pagamento adicional;</font><br>
</p><p><font>e) Em qualquer dos casos, seja a R. condenada a devolver, a cada um dos seus clientes ou ex-clientes, consumidores de serviços de telecomunicações móveis, incluindo os AA., os montantes relativos aos pagamentos adicionais efetuados por serviços dos quais o consumidor não consentiu expressamente, desde a entrada em força da diretiva 2011/83/UE do Parlamento Europeu e do Conselho de 25 de Outubro de 2011 e que tal pagamento seja feito automaticamente por crédito nas contas correntes dos clientes junto da Ré quando tal seja possível ou por transferência bancária para as contas a serem indicadas por cada cliente ou ex-clientes que reclamem e que assim o pretendam em alternativa ao crédito em conta corrente junto da Ré;</font><br>
</p><p><font>f) Que sejam declaradas como clausulas contratuais proibidas e consequentemente nulas qualquer cláusula contratual que contrarie o direito peticionado no pedido a) e ou b) e ou c), nomeadamente seja considerada uma cláusula contratual proibida aquela que impõe a obrigatoriedade ou a não possibilidade de recusa da contratação de serviços adicionais extra, nos termos e para os efeitos do artigo 12º e 24º DL 446/85 de 25 de Outubro e da diretiva 93/13 CEE;</font><br>
</p><p><font>g) Caso não proceda o pedido em f) que sejam declaradas como clausulas contratuais gerais contrárias à boa fé qualquer cláusula contratual que contrarie o direito peticionado no pedido a) e ou b) e ou c) nos termos do artigo 15º do DL 446/85 de 25 de Outubro e da diretiva 93/13 CEE e que concomitantemente sejam consideradas proibidas nos termos e para os efeitos do artigo 25º do DL 446/85, de 25 de Outubro.”.</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font>Alegam, para tanto, e em síntese, que a Ré obriga os consumidores de telecomunicações a pagar por serviços que não solicitaram prévia e expressamente nem constituem cumprimento de um contrato válido, sendo nula qualquer cláusula que imponha a não possibilidade de recusa de serviços adicionais extra.</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font>Juntaram documentos.</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font>Ouvido o Ministério Público, por despacho de 15/11/2018, foi recebida a petição inicial, determinada a citação da Ré e bem assim dos interessados “utilizadores dos serviços de telecomunicações da Vodafone Portugal – Comunicações Pessoais, S.A.”.</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><b><font>2.</font></b><font> A Ré apresentou contestação, impugnando o alegado pelos Autores, invocando, em síntese, que cumpre a legislação nacional e comunitária aplicável e os seus clientes dispõem de toda a informação, nomeadamente no que respeita à ativação de dados móveis extra quando é ultrapassado o consumo previsto no valor da mensalidade, concluindo pela sua absolvição do pedido e bem assim assacando má fé processual aos Autores, pedindo a sua condenação na multa máxima e em indemnização não inferior a € 8.000,00 (oito mil euros).</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font>Juntou documentos.</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><b><font>3.</font></b><font> Em 27/06/2019, foi realizada audiência prévia, na qual foram os Autores convidados a concretizar qual ou quais as cláusulas que pretendem ver declaradas nulas – convite a que responderem por requerimento de 12/07/2019 – não foi admitido o pedido de reenvio prejudicial, foi proferido despacho saneador, identificando o objeto do litígio, e enunciados os temas da prova.</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font>Procedeu-se a julgamento, com observância do formalismo legal, como resulta da respetiva ata.</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><b><font>4.</font></b><font> O tribunal de 1.ª instância incidiu sobre as seguintes questões: </font><br>
</p><p><font>«- saber se a Ré obriga os consumidores de telecomunicações a pagar por serviços que não tenham prévia e expressamente encomendado ou solicitado ou que não constituem cumprimento de um contrato válido;</font><br>
</p><p><font>- saber se a Cláusula 2ª, alínea </font><i><font>d),</font></i><font> do Contrato de Adesão ao Serviço Fixo e/ou Serviço Móvel, por referência ao “</font><i><font>pacote</font></i><font> </font><i><font>Red</font></i><font>” se mostra contrária às regras imperativas do diploma que regula as cláusulas contratuais gerais, por obrigar o consumidor a adquirir automaticamente e sem hipótese de recusa serviços extra, pagos;</font><br>
</p><p><font>- saber se a Ré é responsável, e em que medida, pelo reembolso de quantias pagas pelos seus clientes/consumidores;</font><br>
</p><p><font>- da má fé dos Autores».</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><b><font>5.</font></b><font> O tribunal de 1.ª instância decidiu o seguinte:</font><br>
</p><p><i><font>«Pelo exposto, julgo improcedente a presente ação, e consequentemente, decido absolver a Ré do pedido.</font></i><br>
</p><p><i><font>Mais decido absolver os Autores do pedido de condenação como litigantes de má fé.</font></i><br>
</p><p><i><font>Custas pelos Autores».</font></i><br>
</p><p><i><font> </font></i><br>
</p><p><b><font>6.</font></b><font> Inconformados, os autores </font><b><font>BB e AA</font></b><font>, vieram interpor Recurso de Revista </font><i><font>“Per Saltum”</font></i><font> sobre a matéria de direito, nos termos e ao abrigo nos artigos 627.º, 629.º, n.º 1, 631.º, 637.º, 639.º, 672.º, 675.º, 678.º, n.º 1 </font><i><font>ex vi</font></i><font> artigo 644.º, n.º 1, alínea </font><i><font>a)</font></i><font> e 678.º, n.º 3 todos do CPC, formulando as seguintes conclusões, que terminam peticionando o reenvio prejudicial para o Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) e, em qualquer caso, a revogação do acórdão recorrido:</font><br>
</p><p><font>«1. Por muito respeito que mereça o vertido na decisão </font><i><font>a quo</font></i><font>, com a mesma não se pode de modo algum concordar e a presente decisão veio surpreender sobremaneira os aqui Recorrentes, considerando que o Tribunal recorrido não julgou corretamente e nem resolve as questões e responde aos pedidos efetivamente formulados.</font><br>
</p><p><font>2. Ressalvado sempre o devido respeito, que é o maior, a Mma. Juíza recorrida decidiu mal, não avaliando convenientemente o caso </font><i><font>sub judice</font></i><font>.</font><br>
</p><p><font>3. Desde logo porque inquina toda a questão nos direitos de informação do consumidor, quando a questão a resolver não se pretende, nem remotamente, com essa problemática.</font><br>
</p><p><font>4. A decisão foi, “em suma” que uma vez que “a oferta do pacote «Red», cumprindo que seja, em cada caso concreto de contratação, o dever de informação, mostra-se de acordo com as exigências legais, num quadro de proteção do consumidor, mas também da liberdade contratual” [negrito nosso], levando isso à absolver a Ré do pedido.</font><br>
</p><p><font>5. Quando as questões, simples, de direito a resolver são saber somente se:</font><br>
</p><p><b><font>6.</font></b><font> </font><b><font>os consumidores de serviços de telecomunicações móveis (como os Autores e demais Autores Populares) tem o direito a recusarem contratar serviços adicionais de telecomunicações;</font></b><br>
</p><p><b><font>7.</font></b><font> </font><b><font>se as operadoras de serviços de telecomunicações móveis (como a Ré) podem deduzir a partir de opções estabelecidas por defeito que o consumidor tenha consentido a prestação dos serviços adicionais de telecomunicações por falta de recusa expressa dos mesmos e em consequência ativar por defeito e automaticamente tais serviços extras;</font></b><br>
</p><p><b><font>8.</font></b><font> </font><b><font>se os consumidores de serviços de telecomunicações móveis (como os Autores e demais Autores Populares) tem o direito a não pagarem por serviços que não tenham prévia e</font></b><font> </font><b><font>expressamente encomendado ou solicitado, ou que não constituam cumprimento de contrato válido</font></b><font>.</font><br>
</p><p><font>9. É somente estas questões de direito que os Autores pediram ao tribunal para resolver e que </font><b><font>em síntese se resume a saber se os consumidores podem ou não recusar</font></b><font> </font><b><font>os serviços adicionais de telecomunicações</font></b><font>.</font><br>
</p><p><font>10. Essencialmente, os Autores vêm pedir que o tribunal decida sobre os problemas que o artigo 22.º da Diretiva 2011/83/EU, o artigo 3.º, n.º 4, e os artigos 8.º e 9.º (d) e do anexo I, ponto 29, da Diretiva 2005/29/CE. e o artigo 9.º - A, n.ºs 1 e 2 da Lei n.º 24/96, pretendem acautelar.</font><br>
</p><p><font>11. E que depois sejam assacadas as consequências do reconhecimento desses direitos, nomeadamente “que a todos os clientes da R., consumidores de serviços de telecomunicações móveis, entre os quais os ora AA., seja reconhecido o direito ao reembolso do pagamento adicional por serviços dos quais não consentiu expressamente mas que a R. o tenha deduzido a partir de opções estabelecidas por defeito que os clientes devessem recusar para evitar o pagamento adicional” e que “seja a R. condenada a devolver, a cada um dos seus clientes ou ex-clientes, consumidores de serviços de telecomunicações móveis, incluindo os AA., os montantes relativos aos pagamentos adicionais efetuados por serviços dos quais o consumidor não consentiu expressamente, desde a entrada em força da diretiva 2011/83/UE do Parlamento Europeu e do Conselho de 25 de Outubro de 2011 e que tal pagamento seja feito automaticamente por crédito nas contas correntes dos clientes junto da Ré quando tal seja possível ou por transferência bancária para as contas a serem indicadas por cada cliente ou ex-clientes que reclamem e que assim o pretendam em alternativa ao crédito em conta corrente junto da Ré”</font><br>
</p><p><font>12. Como se percebe, nenhum dos direitos supra elencados, que os Autores pretende ver reconhecidos na esfera de todos os consumidores de telecomunicações, clientes da Ré, incluindo os próprios, se relaciona com o direito de informação dos consumidores ou, de alguma forma, são ultrapassados, resolvidos, ampliados ou reduzidos perante tal direito de informação dos consumidores.</font><br>
</p><p><font>13. Só a título de exemplo, o segundo pedido, o qual tem repercussões na relação passada, atual e futura de todos os consumidores de serviços de telecomunicações móveis, ou seja, de uma importância enorme na defesa da sua qualidade de vida, em relação à boa qualidade dos bens e serviços, ao seu preço competitivo e equilibrado, etc (Cf. artigo 60.º da CRP), nem sequer foi tratado, apreciado, resolvido ou respondido pelo Tribunal </font><i><font>a quo.</font></i><br>
</p><p><font>14. O peticionado (nesse segundo ponto) é tão simples e somente para “que a todos os clientes da R, consumidores de serviços de telecomunicações móveis, entre os quais os ora AA., seja reconhecido o direito a recusarem contratar serviços adicionais de telecomunicações” [negrito e sublinhado nosso].</font><br>
</p><p><font>15. Prova que o tribunal recorrido não entendeu as questões de direito colocadas pelos Autores, é que nas questões que determinou decidir (vide pág. 3 § 6 da sentença) não consta saber se os consumidores de serviços de telecomunicações móveis tem o direito a recusarem contratar serviços adicionais de telecomunicações, deixando assim de dar reflexo aos pedidos formulados pelos Autores na Petição Inicial, assim como na ampliação do pedido (requerimento ref.ª ... de 28 de fevereiro de 2019).</font><br>
</p><p><font>16. Poderá mesmo dizer-se que existe omissão de pronúncia, na medida em que a questão não foi apreciada ou decidida e nem de alguma forma se pode considerar prejudicada pela solução apresentada. Isto, quando tal pedido é o cerne do conflito que foi trazido para o tribunal para resolver.</font><br>
</p><p><font>17. Dos factos essenciais para o pedido formulado pelos Autores, decantemos os que interessam e que são:</font><br>
</p><p><font>18. “A Ré exerce a sua atividade económica com carácter profissional e visando a obtenção de benefícios” (facto provado 2).</font><br>
</p><p><font>19. “O Autor BB contratou os serviços e produtos fornecidos pela Ré destinados a uso não profissional” (facto provado 4).</font><br>
</p><p><font>20. “A Ré apresentou para pagamento ao Autor BB a fatura n.º ...78, no valor total de €178,57, dos quais €39,30 €56,22 relativos a dados nacionais em roaming, respetivamente” (facto provado 7).</font><br>
</p><p><font>21. “O Autor BB várias vezes «reclamou» que não pretendia tais serviços adicionais, devendo a Ré limitar o consumo de dados aos 6.5GB” (facto provado 8).</font><br>
</p><p><font>22. “A Ré continua a prestar tais serviços “adicionais” e a cobrar por eles” (facto provado 9).</font><br>
</p><p><font>23. “O serviço de transmissão de dados é funcionalmente independente do serviço de chamadas móveis, não obstante poderem funcionar através da mesma ligação de rede” (facto provado 10).</font><br>
</p><p><font>24. “A Ré informou que não tinha forma de interromper/«barrar» automaticamente o consumo de dados quando os 6.5GB se encontram esgotados” (facto provado 11).</font><br>
</p><p><font>25. Depurando os factos, tal significa que:</font><br>
</p><p><font>26. a Ré, aqui Recorrida, é pessoa que exerce com carácter profissional uma atividade económica que vise a obtenção de benefícios, entrando assim na definição do artigo 2.º, n.º 1, </font><i><font>in fine</font></i><font>, da Lei n.º 24/96, de 31 de Julho.</font><br>
</p><p><font>27. o Autor BB, aqui Recorrente, é um consumidor nos termos da definição do artigo 2.º, n.º 1, </font><i><font>ab initio,</font></i><font> da Lei n.º 24/96, de 31 de Julho, que contratou os serviços da Ré; o Recorrente recusou várias vezes contratar serviços adicionais de telecomunicações e inclusivamente pediu à Recorrida que cessasse de os prestar.</font><br>
</p><p><font>28. Mas a Recorrida recusou atender ao pedido do Recorrente e continuou a prestar-lhe e a cobrar-lhe tais serviços adicionais apesar de este não os pretender e expressamente os ter recusado. Sendo tais serviços funcionalmente independentes.</font><br>
</p><p><font>29. A Recorrida afirma que não tem forma de interromper/ ”barrar” automaticamente o consumo de dados quando os pacotes de dados são esgotados, o que significa que isso acontece tanto com o Autor, aqui Recorrente, como com todos os Autores Populares que estejam na mesma situação do Autor.</font><br>
</p><p><font>30. Em resumo, ficou provado que a Ré, aqui Recorrida, ativa automaticamente serviços adicionais de telecomunicações, mesmo quando os consumidores não os desejam.</font><br>
</p><p><font>31. Pior, ficou provado, que a Ré, aqui Recorrida, recusa-se a cessar prestar esses serviços, continuando a ativá-los automaticamente, mesmo quando os consumidores expressamente os recusam.</font><br>
</p><p><font>32. Isto aconteceu com o Autor, aqui Recorrente, e com todos os restantes Autores Populares na mesma situação do Autor, pois é a própria Ré, aqui Recorrida, que afirma não ter forma de interromper a prestação de tal serviço.</font><br>
</p><p><font>33. Embora a Ré, aqui Recorrida, diga no artigo 69 (pág. 18) do requerimento ref.ª ... de 12.03.2019 que juntou ao processo, que as reclamações recebidas de clientes relativamente ao serviço “Voz para SMS”, são marginais e sem qualquer expressão, o número de reclamações é indiferente por duas razões:</font><br>
</p><p><font>34. Primeira, porque os serviços adicionais não dizem apenas respeito a esse serviço de “Voz para SMS”, mas sim, também, à ativação automática de dados móveis adicionais após o consumo do plafond contrato;</font><br>
</p><p><font>35. Segundo, porque o que está em causa são todos os consumidores atingidos pela violação suscitada ou estarem em risco de o serem, conforme muito bem se recorta do acórdão 7617/15.7T8PRT.S1 desse Venerando Supremo Tribunal de Justiça, em que foi relator o Venerando Conselheiro Oliveira Vasconcelos.</font><br>
</p><p><font>36. Dos pedidos, tal como formulados pelos Autores na P.I. e na ampliação, e da máteria de facto provada, recorta-se com elevada nitescência que não estamos perante um caso relacionado com os direitos de informação dos consumidores cuja aplicação deveria ser analisada casuisticamente.</font><br>
</p><p><font>37. Em vez disso, estamos perante um caso em que a Ré, aqui Recorrida, ativa automaticamente serviços adicionais de telecomunicações aos seus consumidores, mesmo quando estes os recusam.</font><br>
</p><p><font>38. Pelo que há a decidir é se a Ré, aqui Recorrida, pode ativar automaticamente tais serviços adicionais perante a recusa expressa dos consumidores ou perante a falta de recusa expressa dos mesmos.</font><br>
</p><p><font>39. Certo que o que à de Direito, será esse Venerando Tribunal Supremo doutamente a resolver, deixamos apenas umas breves notas: </font><br>
</p><p><font>40. Os contratos em causa são na típica modalidade de adesão (facto provado 13) pelo que estão sujeitos ao disposto no Decreto-lei n.º 446/85, de 25 de Outubro (“CCG”) (cf. artigo 1.º, n.º 1 do CCG).</font><br>
</p><p><font>41. A Ré, aqui Requerida, tem aplicado os efeitos da cláusula 2.º alínea d) do “Contrato de Adesão ao Serviço Fixo e/ou Serviço Móvel”, interpretando-a no sentido que os Autores estabeleceram um contrato em que ficou obrigada a aceitar o fornecimento de um conjunto de serviços adicionais, nomeadamente o pacote de dados extra de 200MB por 2,99 Euros (consumo em “loop”), que é ativado de forma automática após o consumo de GB incluído nos respetivos tarifários e que não é possível barrar/inibir os mesmos.</font><br>
</p><p><font>42. Poderíamos interpretar a supra referida cláusula 2.º alínea d) no sentido de que a Ré, ora Recorrida, obteve o consentimento expresso do consumidor para o pagamento adicional à remuneração acordada relativamente à obrigação contratual principal, cumprindo assim com o principio que há a extrair da melhor interpretação do artigo 22.º da Diretiva 2011/83/EU e do artigo 9.º - A, n.ºs 1 e 2 da Lei n.º 24/96, não fosse:</font><br>
</p><p><font>43. Por um lado, a comunicação não ser clara e compreensível para o consumidor, na medida que atira para um conjunto de serviços adicionais possíveis de utilizar sem os especificar, deixando o consumidor sem saber o que afinal está a contratar, apesar da remissão para uma página da internet generalista (sem tão pouco especificar o caminho onde encontrar tais serviços);</font><br>
</p><p><font>44. Mesmo que tal possibilidade fosse comunicada ao consumidor por outro meio (informação prestada), tal comunicação continua a não ser clara e tão pouco compreensível para o consumidor quanto à sua ativação ser automática após o consumo de GB incluído nos respetivos tarifários.</font><br>
</p><p><font>45. Por fim, e o mais relevante, tendo em conta que a questão da informação prestada é lateral (como já se verá), é o facto é que em nenhum momento, principalmente tendo em conta o comportamento da Ré, aqui Requerida, foi dada a possibilidade aos Autores, aqui Recorrentes, de optar pela inclusão ou não desses serviços adicionais, pelo contrário, tal opção foi-lhes frontalmente retirada (cf. factos provados 8, 9 e 10).</font><br>
</p><p><font>46. Ora, se retirássemos da supra referida cláusula a interpretação que a Ré, aqui Requerida, parece extrair: de que é um salvo-conduto para que obrigue os seus clientes, como os Autores Populares, ao pagamento adicional de serviços e, pior, que tais serviços adicionais não possam ser excluídos, então estamos perante aquelas cláusulas contratuais (gerais): proibidas por contrariarem a boa-fé (cf. artigo 15.ºdo Decreto-Lei 446/86) ou relativamente proibidas na medida em que impõem a aceitação ou de outras manifestações de vontade com base em factos para tal insuficientes [cf. artigo 19.º (d) do Decreto-Lei 446/86, de 25 de outubro ex vi do artigo 20.º do mesmo diploma].</font><br>
</p><p><font>47. Para além disso a interpretação que pelos vistos é extraída da referida cláusula e que o tribunal a quo parece ter sufragado e dos efeitos que tal provoca nos consumidores, excede manifestamente os limites impostos pela boa-fé, designadamente atuando em violação da Lei (artigo 9.º - A, n.ºs 1 e 2 da Lei n.º 24/96), agindo em abuso de direito (cf. artigo 334.º do CC).</font><br>
</p><p><font>48. As consequências são fáceis de alcançar: nulidade das cláusulas (cf. artigo 16.º, n.º 1 da Lei n.º 24/96 e artigo 12.º do Decreto-Lei 446/86) e/ou nulidade do negócio (cf. artigo 280.º do CC).</font><br>
</p><p><font>49. Entendemos pois que temos de interpretar a dita clausula “no sentido que têm o sentido que lhes daria o contratante indeterminado normal que se limitasse a subscrevê-las ou a aceitá-las, quando colocado na posição de aderente real” (cf. artigo 11.º, n.º 1 do Decreto-Lei 446/86), sendo que “na dúvida, prevalece o sentido mais favorável ao aderente” (cf. artigo 11.º, n.º 1 do Decreto-Lei 446/86).</font><br>
</p><p><font>50. Assim, atento ao </font><i><font>animus contrahendi</font></i><font>, a única interpretação possível sempre seria que os acessos aos serviços adicionais seriam meramente facultativos e disponibilizados apenas a pedido do cliente e nunca imposto por ativação automática ao consumidor, principalmente quando este expressamente os recusa.</font><br>
</p><p><font>51. Aliás, na falta da clara e compreensível identificação dos serviços adicionais a disponibilizar, tal ativação de serviços nunca poderia resultar que tal cláusula expressa o consentimento (expresso ou por defeito) do consumidor para o pagamento adicional.</font><br>
</p><p><font>52. Isto significa que a clareza dessa interpretação nunca estaria de acordo com o exigido pelo artigo 9.º - A, n.ºs 1 e 2 da Lei n.º 24/96 para que os pagamentos por esses serviços adicionais pudessem ser exigidos, inclusivamente à luz da correta interpretação do artigo 22.º da Diretiva 2001/83/EU.</font><br>
</p><p><font>53. De qualquer maneira, estaríamos sempre perante um caso de </font><i><font>“coercive tie selling”</font></i><font>, que é considerada uma prática comercial agressiva e proibida pelo artigo 11.º</font><i><font> </font></i><font>(d) do Decreto-Lei 57/2008, de 26 de Março e pelo artigo 9(d) na Diretiva 2005/29/CE</font><i><font> </font></i><font>relativa às práticas comerciais desleais das empresas face aos consumidores no mercado</font><i><font> </font></i><font>interno e que altera as Diretivas n.ºs 84/450/CEE, do Conselho, de 10 de setembro,</font><i><font> </font></i><font>97/7/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de maio, 98/27/CE, do</font><i><font> </font></i><font>Parlamento Europeu e do Conselho, de 19 de maio, e 2002/65/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de setembro, e o Regulamento (CE) n.º 2006/2004, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de outubro (diretiva relativa às práticas comerciais desleais).</font><br>
</p><p><font>54. Acresce que ao fornecedor ao prestador de serviços é vedado fazer depender o fornecimento de um bem ou prestação de um serviço da aquisição ou prestação de outro ou outros (cf. art.º 9.º, n.º 6 da Lei n.º 24/96 de 31 de Junho).</font><br>
</p><p><font>55. O facto (factos provados 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 32, 39, 42 e 43), provado, é que só é possível celebrar o contrato “TvNetVoz+Móvel” (o tal contrato RED ou equivalente) ficando o consumidor obrigado aderir a um serviço adicional de dados que é ativado sempre que tal pacote de 6.5GB é esgotado, mesmo que essa não seja a vontade declarada do cliente. Pior, mesmo que o consumidor/cliente expressamente recuse tal serviço adicional.</font><br>
</p><p><font>56. Assim, a única forma da Ré, aqui Recorrida, ilidir tal presunção de “venda obrigatória”, é os consumidores puderem, livremente e sem qualquer tipo de penalização não prevista contratualmente, contratar apenas o serviço TvNetVoz+Móvel sem a obrigatoriedade de contratar dados adicionais quando esgotados os GB do pacote; o que ficou provado (factos provados 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 32, 39, 42 e 43) não ser possível.</font><br>
</p><p><font>57. O que manifestamente a Ré, ora Requerida, não foi capaz de fazer como demonstra a sua atuação para com os Autores, os Autores Populares e todos os restantes consumidores que pretendem aderir a tais pacotes de serviços sem estarem sujeitos a ativação automática dos serviços adicionais que não pretendem. Pelo contrário, ficou provado exatamente o contrário (factos provados 8, 9, 10, 11 e 24).</font><br>
</p><p><font>58. Perante tal nitescência, não há dúvida que o comportamento da Ré, aqui Recorrida, consubstancia uma violação à norma supra citada.</font><br>
</p><p><font>59. Pelo que, qualquer convenção ou disposição contratual que exclua ou restringe os direitos atribuídos pela Lei n.º 24/96 de 31 de Julho, como é o caso da venda obrigatória, é nula (cf. art.º 16.º, n.º 1 da aludida lei).</font><br>
</p><p><font>60. Da mesma forma esta vedada a qualquer empresa a prática comercial desleal na relação com os consumidores, ocorra esta antes, durante ou após uma transação comercial (cf. art.º 1.º do Decreto-Lei n.º 57/2008 de 26 de Março, ab initio).</font><br>
</p><p><font>61. Ora, a violação de tais normas, que manifestamente a Ré, aqui Recorrida, cumulativamente desrespeitou, permite à Autora, aqui Recorrente, suscitar a invalidade da cláusula do contrato em crise retirando a mesma do contrato e reduzindo o contrato apenas ao seu conteúdo válido (cfr. art.º 14.º do Decreto-Lei n.º 57/2008 de 26 de Março), ou pelo menos afastar a interpretação de que tal cláusula é um salvo-conduto para a Ré, aqui Recorrida, cobrar pacotes adicionais de serviços que os clientes não pretendem e recusam expressamente.</font><br>
</p><p><font>62. Em todo o caso, a atuação da Ré, aqui Recorrida, de se fazer cobrar por serviços que não lhe foram solicitados (e ainda por cima foram recusados), deve ser paralisada por violação do direito de proteção dos interesses económicos consagrados quer no artigo 60.º da CRP e quer no artigo 9.º, n.ºs 1 a 6 da Lei n.º 24/96, de 31 de Julho.</font><br>
</p><p><font>63. Destacando-se que “o consumidor não fica obrigado ao pagamento de bens ou serviços que não tenha prévia e expressamente encomendado ou solicitado, ou que não constitua cumprimento de contrato válido, não lhe cabendo, do mesmo modo, o encargo da sua devolução ou compensação, nem a responsabilidade pelo risco de perecimento ou deterioração da coisa”, como desde logo estabelece o aludido artigo 9.º, nº 4 da Lei n.º 24/96, de 31 de Julho, que simplesmente vêm dar corpo ao previsto no artigo 22.º da Diretiva 2001/83/EU do Parlamento Europeu e do Conselho de 25 de Outubro de 2011 relativa aos direitos dos consumidores.</font><br>
</p><p><font>64. O comportamento da Ré, aqui Recorrida, descrito nos presentes autos, viola o disposto nos artigos 8.º e 9(d) na Diretiva 2005/29/CE relativa às práticas comerciais desleais das empresas face aos consumidores no mercado interno e que altera as Diretivas n.ºs 84/450/CEE, do Conselho, de 10 de setembro, 97/7/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de maio, 98/27/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 19 de maio, e 2002/65/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de setembro, e o Regulamento (CE) n.º 2006/2004, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de outubro (diretiva relativa às práticas comerciais desleais).</font><br>
</p><p><font>65.</font><br>
</p><p><font>66. A supra referida diretiva foi transposta para o direito português por intermédio do Decreto-Lei n.º 57/2008, de 26 de Março com a alteração dos artigos 1.º, 7.º, 8.º e 21.º, que no essencial proíbe o </font><i><font>“bait-and-switch”,</font></i><font> que constitui uma fraude comercial em que um bem ou serviço é anunciado para atrair clientes e, com a intenção de promover um bem ou serviço diferente, recusar a posterior venda do bem ou do serviço publicitado e esquemas de “Ponzi”.</font><br>
</p><p><font>67. Mas tal Diretiva é muito mais que isso como veremos mais á frente e tem vindo a ser entendimento do Tribunal da Justiça da União Europeia (“TJUE”).</font><br>
</p><p><font>68. Da mesma forma viola o artigo 22.º da Diretiva 2011/83/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de Outubro de 2011, relativa aos direitos dos consumidores, que altera a Diretiva 93/13/CEE do Conselho e a Diretiva 1999/44/CE do Parlamento Europeu e do Conselho e que revoga a Diretiva 85/577/CEE do Conselho e a Diretiva 97/7/CE do Parlamento Europeu e do Conselho.</font><br>
</p><p><font>69. Assim como se traduz numa conduta abusiva (por prática restritiva da concorrência) nos termos do artigo 102.º do Tratado de Funcionamento da União Europeia.</font><br>
</p><p><font>70. Para além disso a Ré, aqui Recorrida, norteia a sua conduta e a relação de clientela com os Autores, incluindo os Autores Populares, a arrepio de uma interpretação manifestamente abusiva e sem qualquer adesão à </font><i><font>ratio legis</font></i><font> do Legislador Europeu do artigo 107.º da Diretiva 2018/1972/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de dezembro de 2018, que estabelece o Código Europeu das Comunicações Eletrónicas. A Demandada com o seu comportamento coloca ainda em causa a garantia dos direitos fundamentais da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (“Carta”) e os princípios gerais do direito da União Europeia e concomitantemente o artigo 100.º da aludida Diretiva 2018/1972/UE.</font><br>
</p><p><font>71. Os Estados-Membros e, em particular os órgãos jurisdicionais nacionais tem obrigação de interpretação conforme do direito interno ao direito da União Europeia.</font><br>
</p><p><font>72. Ora, esse juízo de interpretação conforme pressupõe a interpretação de alguns dos preceitos da referida Diretiva e após ter sido determinado o significado destes preceitos, através da sua interpretação, pode a Diretiva Europeia operar como parâmetro na interpretação dos enunciados de direito interno que as transpõem.</font><br>
</p><p><font>73. Como é sabido, o Tratado de Funcionamento da União Europeia (TFUE), dispõe no seu artigo 267.º, § 1, alínea b) que “o Tribunal de Justiça da União Europeia é competente para decidir, a título prejudicial (...) sobre a validade e a interpretação dos atos adotados pelas instituições, órgãos ou organismos da União.”</font><br>
</p><p><font>74. O TJUE será assim, o tribunal competente para esclarecer o sentido material das disposições do direito comunitário, sempre que uma questão desta natureza seja suscitada por um órgão de jurisdicional de um dos Estados-Membros.</font><br>
</p><p><font>75. Sem prejuízo do princípio do juiz natural, pelo contrário, reforçando-o, qualquer tribunal pode proceder ao reenvio para decisão prejudicial nos termos do disposto no artigo 267º do TJUE porquanto, qualquer órgão jurisdicional dispõe de poder para submeter ao TJUE um pedido de decisão prejudicial relativamente à interpretação de uma regra de Direito da União Europeia, quando o | [0 0 0 ... 0 0 0] |
ijJtu4YBgYBz1XKvNgY9 | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><div><br>
<font>Acordam, em Conferência, no Supremo Tribunal de Justiça </font></div><br>
<b><font> </font></b>
<p><b><font> </font></b>
</p><p><b><font> I - Relatório</font></b>
</p><p><b><font> </font></b>
</p><p><b><font>1. CAIXA</font></b><font> </font><b><font>GERAL</font></b><font> </font><b><font>DE</font></b><font> </font><b><font>DEPÓSITOS,</font></b><font> </font><b><font>SA,</font></b><font> notificada do acórdão que concedeu a revista excecional, datado de 17 de novembro de 2020, e revogou o acórdão recorrido, declarando a procedência dos embargos à execução em relação ao executado, </font><b><font>AA.</font></b><font>, não se conformando com a mesmo, vem dele reclamar para a Conferência, nos termos e com os fundamentos exarados na reclamação por si apresentada, para onde se remete, considerando-se a mesma aqui totalmente reproduzida. </font>
</p><p><b><font>2.</font></b><font> O executado, agora reclamado, apresenta contra-alegações nas quais defende que não se verifica qualquer nulidade do acórdão reclamado, que, em consequência deve ser mantido. </font>
</p><p><b><font>3.</font></b><font> Em síntese, o reclamante entende que o Supremo Tribunal de Justiça no acórdão reclamado excedeu os seus poderes cognitivos, enquanto tribunal de revista que só pode decidir questões de direito, conhecendo de matéria de facto e de apreciação da prova, fora das exceções previstas na lei (artigos 674.º, n.º 3, e 682.º, n.º 2, do CPC), pedindo a declaração de nulidade do mesmo, de acordo com os artigos 685º e 666º do CPC e nos termos do artigo 613º do CPC e seguintes. Sustenta, para o efeito, que não tendo sido a escritura pública arguida de falsidade, esta tem força probatória plena, e que não lhe é aplicável o regime jurídico das cláusulas contratuais gerais. Argumenta que no mesmo processo foi proferido um acórdão, que transitou em julgado em 22-10-2020, adotando uma solução oposta à do acórdão agora reclamado. Pugna, por isso, para que o acórdão reclamado seja revogado e reformado, bem como que seja proferido outro que negue a revista e confirme o acórdão recorrido. </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> Cumpre apreciar e decidir.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font> II – Fundamentação </font></b>
</p><p><b><font> </font></b>
</p><p><b><font>1.</font></b><font> Em primeiro lugar, importa afirmar que, conforme sumariado no Acórdão deste Supremo Tribunal de 03-10-2017, Revista n.º 2200/10.6TVLSB.P1.S1 - 1.ª Secção, </font><i><font>«As causas de nulidade do acórdão, taxativamente enumeradas no art. 615.º do CPC, visam o erro na construção do silogismo judiciário e não o chamado erro de julgamento, a injustiça da decisão ou a não conformidade dela com o direito aplicável».</font></i>
</p><p><b><font>2. </font></b><font>Sobre os casos em que é admitida a reforma do acórdão, dispõe o artigo 616º, n.º 2, do CPC:</font>
</p><p><font>«2 - </font><i><font>Não cabendo recurso da decisão, é ainda lícito a qualquer das partes requerer a reforma da sentença quando, </font></i><b><i><font>por manifesto lapso do juiz</font></i></b><i><font>:</font></i>
</p><p><i><font>a) Tenha ocorrido </font></i><b><i><font>erro </font></i></b><i><font>na determinação da norma aplicável ou na qualificação jurídica dos factos;</font></i>
</p><p><i><font>b) Constem do processo </font></i><b><i><font>documentos</font></i></b><i><font> ou outro meio de </font></i><b><i><font>prova plena</font></i></b><i><font> que, só por si, impliquem necessariamente decisão diversa da proferida</font></i><font>.» </font>
</p><p><b><font>3.</font></b><font> Como se afirma no acórdão deste Supremo Tribunal, de 02-06-2020 (proc. n.º 2444/07.8TVLSB.L1.S1), </font><i><font>«A reforma da sentença ou acórdão (ex vi dos artigos 666º e 679º do CPC) é uma faculdade excecional só admissível em hipóteses de lapso manifesto, ou seja, de falha ostensiva na valoração de um meio de prova plena ou do direito aplicável, como, por exemplo, quando se aplica legislação revogada. Não é, portanto, mais um grau de recurso, ao dispor da parte descontente para expressar a sua discordância com a solução jurídica que não lhe foi (total ou parcialmente) favorável». </font></i>
</p><p><font>No mesmo sentido, afirma o acórdão deste Supremo Tribunal, de 28 de janeiro de 2020 (Revista n.º 392/18.5T8STR-C.E1-A.S1 - 6.ª Secção) que </font><i><font>«A circunstância das partes não estarem de acordo com a decisão produzida, não é fundamento para sustentar a reclamação por nulidades e/ou reforma do acórdão, constituindo um incidente extravagante».</font></i><font> </font>
</p><p><b><font>4.</font></b><font> </font><font>O artigo</font><b><font> </font></b><font>616.º, n.º 2, do CPC exige, para que possa ser reformado um acórdão, uma vez que estamos perante uma exceção à regra do esgotamento do poder jurisdicional, que tenha havido um lapso manifesto do juiz, isto é, incontroverso e evidente, revelado por elementos exteriores à decisão e que não se reconduzam à mera discordância quanto ao decidido. </font>
</p><p><font>Veja-se, por exemplo, o que se decidiu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 12.02.2009, desta 1.ª Secção: </font>
</p><p><font><br>
« </font><i><font>(…) O lapso manifesto tem a ver com uma flagrantemente errada interpretação de preceitos legais (não por opção por discutível corrente doutrinária ou jurisprudencial) podendo, no limite, ter na base o desconhecimento. O incidente de reforma não deve ser usado para manifestar discordância do julgado ou tentar demonstrar “error in judicando” (que é fundamento de recurso) mas apenas perante erro grosseiro e patente, ou “aberratio legis”, causado por desconhecimento, ou má compreensão, do regime legal</font></i><font>».</font><font> </font>
</p><p><b><font>5.</font></b><font> O reclamante, nas suas alegações, limita-se a manifestar a sua discordância em relação à decisão deste Supremo Tribunal, não sendo legalmente possível tomar conhecimento das questões agora suscitadas, pois o pedido de reforma não tem por objetivo reapreciar a prova, analisar contradição entre acórdãos ou questionar a interpretação conferida às normas aplicáveis. </font>
</p><p><b><font>6.</font></b><font> Os alegados erros imputados ao acórdão reclamado não constituem vícios de nulidade. A observação da realidade judiciária mostra que é vulgar a arguição da nulidade da decisão, em confusão com o erro de julgamento. E a verdade é que, por vezes, se torna difícil distinguir o </font><i><font>error in judicando </font></i><font>- o erro na apreciação da matéria de facto ou na determinação e interpretação da norma jurídica a eles aplicável - e o error </font><i><font>in procedendo</font></i><font>, como é aquele que está na origem da nulidade decisão (cf. Luís Correia de Mendonça e Henrique Antunes, </font><i><font>Dos Recursos, Quid Iuris, </font></i><font>Lisboa, 2009, p. 117). No mesmo sentido, afirma o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 30/9/2010, Proc. n.º 341/08.9TCGMR.G l.S2, que o “o erro de julgamento (</font><i><font>error in judicando</font></i><font>) resulta de uma distorção da realidade factual (</font><i><font>error facti</font></i><font>) ou na aplicação do direito (</font><i><font>error juris</font></i><font>), para que o decidido não corresponda à realidade ontológica ou à normativa” e distingue-se da nulidade do acórdão.</font>
</p><p><font>Na verdade, a reclamante parece confundir a sua discordância em relação à decisão, à qual imputam erros de julgamento, com as causas de nulidade do acórdão. As nulidades da decisão, previstas no artigo 615.º do CPC, são vícios intrínsecos da própria decisão, deficiências da estrutura da sentença que não podem confundir-se com o erro de julgamento que se traduz antes numa desconformidade entre a decisão e o direito (substantivo ou adjetivo) aplicável. </font>
</p><p><b><font>7.</font></b><font> Na sua reclamação, o reclamante não classifica a espécie de nulidade que imputa ao acórdão recorrido e volta a discutir os argumentos técnico-jurídicos subjacentes à questão de mérito decidida pelo acórdão reclamado (incumprimento dos deveres de informação e de comunicação consagrados nos artigos 5.º e 6.º do RJCCJ - DL 446/85, de 25-10). Ainda assim, sempre se dirá que não se verifica, no acórdão reclamado, qualquer reapreciação das provas não contida na competência do Supremo Tribunal, nem desconsideração de um documento dotado de força probatória plena, como é o caso da escritura pública junta aos autos e reproduzida na matéria de facto. </font>
</p><p><b><font>8.</font></b><font> O acórdão reclamado não alterou nem reapreciou a matéria fixada no despacho-saneador, como alega a reclamante. Este Supremo Tribunal entendeu, no exercício da sua competência em matéria de direito, e aderindo à jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça nele citada, que o cumprimento dos deveres de comunicação e de informação teria de ser efetuado em momento anterior ao da escritura pública, de forma a permitir a reflexão do subscritor e uma decisão consciente, para que seja garantida a liberdade e a transparência da vontade negocial. Em consequência, concluiu que não preenche esse requisito a leitura e a explicação do contrato feita pelo notário no dia da outorga da escritura. Ora, tendo em conta que o ónus da prova do cumprimento atempado e prévio à escritura sempre caberia à predisponente Caixa Geral dos Depósitos, como se esclareceu no acórdão reclamado e resulta da lei, não tendo ficado demonstrada a comunicação prévia ao executado da cláusula de exclusão do benefício de excussão prévia, sofre as consequências dessa falta de prova a parte a quem compete o encargo de demonstrar o facto visado. </font>
</p><p><b><font>9.</font></b><font> O acórdão reclamado, diferentemente do que alega a reclamante, não desconsiderou o valor probatório da escritura, apenas entendeu que o que nela estava plasmado pelo notário – “</font><i><font>Fiz aos outorgantes a leitura desta escritura e a explicação do seu conteúdo, na presença simultânea de todos”</font></i><font> – presumindo-se verdadeiro, era insuficiente para se considerarem cumpridos os deveres de informação e comunicação consagrados nos artigos 5.º e 6.º do RJCCG, normas que o acórdão impugnado considerou aplicáveis às cláusulas da escritura controversas no processo, relativas ao benefício da excussão prévia do fiador. </font>
</p><p><b><font>10.</font></b><font> O Supremo Tribunal de Justiça tem competência para escolher a norma aplicável ao caso dos autos, ao abrigo do artigo 5.º, n.º 3, do CPC, tanto mais que também as instâncias discutiram a questão da aplicabilidade aos factos dos autos do regime jurídico das cláusulas contratuais gerais, que não é uma questão de facto, mas de direito. </font>
</p><p><b><font>11. </font></b><font>O que a reclamante pretende é a revogação do acórdão e a sua substituição por outro que acolha a sua pretensão, declarando a prossecução da execução contra o fiador. Todavia, tal não é possível, porque a lei não permite um quarto grau de recurso e o acórdão reclamado não se baseou em qualquer lapso manifesto sobre o valor pleno de um meio de prova ou sobre a aplicação do direito ou qualificação jurídica dos factos. </font>
</p><p><b><font>12.</font></b><font> É, assim, manifestamente infundada a pretensão da reclamante em ver reformado o acórdão ou declarada a sua nulidade. </font>
</p><p><b><font>13.</font></b><font> Concluindo:</font>
</p><p><font> - A reforma do acórdão é uma faculdade excecional só admissível em hipóteses de lapso manifesto, ou seja, de falha ostensiva na valoração de um meio de prova plena ou do direito aplicável, como, por exemplo, quando se aplica legislação revogada. Não é, portanto, mais um grau de recurso, ao dispor da parte descontente para expressar a sua discordância com a solução jurídica que não lhe foi favorável. </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font><b><font>III – Decisão</font></b><font> </font>
</p><p><font>Pelo exposto, indefere-se a reclamação, confirmando-se o acórdão reclamado nos seus exatos termos.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> Custas pela reclamante.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Supremo Tribunal de Justiça, 26 de janeiro de 2021 </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Maria Clara Sottomayor – Relatora </font>
</p><p><font>Alexandre Reis – 1.º Adjunto </font>
</p><p><font>Pedro de Lima Gonçalves – 2.º Adjunto </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Nos termos do artigo 15.º-A do DL 20/2020, de 1 de maio, atesto o voto de conformidade dos Juízes Conselheiros Alexandre Reis (1.º Adjunto) e Pedro de Lima Gonçalves (2.º Adjunto). </font>
</p><p><font> </font>
</p></font><p><font><font>Maria Clara Sottomayor - Relatora</font></font></p> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
TzFbu4YBgYBz1XKvc_q5 | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><font> </font><div><br>
<font>Acordam, em Conferência, no Supremo Tribunal de Justiça</font></div><br>
<br>
<b><font> </font></b><br>
<p><b><font>I - Relatório</font></b><br>
</p><p><b><font> </font></b><br>
</p><p><b><font>1. Massa Insolvente da JAOP – Sociedade de Empreitadas, S.A.,</font></b><font> e </font><b><font>A... e Tecniarte S.A , AA</font></b><a><b><u><sup><font>[1]</font></sup></u></b></a><b><font>,</font></b><font> tendo sido notificadas do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 11 de maio de 2022, que confirmou a decisão sumária de não admissibilidade do recurso de revista, vêm nos termos e para os efeitos do nº 7º do artigo 6º do</font><b><font> </font></b><font>Regulamento das Custas Processuais, expor o seguinte:</font><br>
</p><p><b><font>«1º</font></b><font> Conforme preceituado no artigo 6.º, n.º 1, do Regulamento das Custas Processuais, a taxa de justiça corresponde ao montante devido pelo impulso processual do interessado e é fixada em função do valor e complexidade da causa de acordo com o presente Regulamento, aplicando-se, na falta de disposição especial, os valores da tabela I-A, que faz parte integrante do presente Regulamento.</font><br>
</p><p><b><font>2º</font></b><font> Nos termos do n.º 7, da mesma disposição legal, nas causas de valor superior a €275.000,00 o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento.</font><br>
</p><p><b><font>3º</font></b><font> A dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, depende, assim, da especificidade da concreta situação processual, designadamente, da menor complexidade ou simplicidade da causa e da cooperação das partes durante o processo. </font><br>
</p><p><b><font>4º</font></b><font> Como refere Salvador da Costa </font><i><font>“A referência à complexidade da causa significa, em concreto, a sua menor complexidade ou simplicidade e a positiva atitude de cooperação das partes”</font></i><font> (Regulamento das Custas Processuais, anotado, 4ª edição, pag. 236).</font><br>
</p><p><b><font>5º</font></b><font> A este propósito refere o artigo 530, nº.7, do Código de Processo Civil que </font><i><font>“Para efeitos de condenação no pagamento de taxa de justiça, consideram-se de especial complexidade as ações e os procedimentos cautelares que: a) Contenham articulados ou alegações prolixas; b) Digam respeito a questões de elevada especialização jurídica, especificidade técnica ou importem a análise combinada de questões jurídicas de âmbito muito diverso; ou c) Impliquem a audição de um elevado número de testemunhas, a análise de meios de prova complexos ou a realização de várias diligências de produção de prova morosas.”</font></i><br>
</p><p><b><font>6º </font></b><font>Questões de elevada especialização jurídica ou especificidade técnica são, de um modo geral, as que envolvem intensa especificidade no âmbito da ciência jurídica e grande exigência de formação jurídica de quem tem que decidir. Questões jurídicas de âmbito muito diverso são as que suscitam a aplicação aos factos de normas jurídicas de institutos particularmente diferenciados (cfr. Acórdão T.C.A. Sul-2.ª Secção, 13/3/2014, proc.7373/14, citado na promoção que antecede).</font><br>
</p><p><b><font>7º</font></b><font> No que concerne à conduta processual das partes deve levar-se em conta o dever de boa-fé processual previsto no artigo 8.º do Código de Processo Civil, nos termos do qual as partes devem pautar a sua conduta processual pelos princípios da cooperação e da boa-fé.</font><br>
</p><p><b><font>8º </font></b><font>Decorre, pois, do exposto, que a possibilidade de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça prevista no n.º 7 do citado artigo 6.º do Regulamento das Custas Processuais permite obstar a que a uma ação de elevado valor que fique aquém dum padrão de elevada complexidade corresponda uma tributação desproporcionada e desadequada ao trabalho efetivamente prestado e aos custos que acarretou para o sistema judicial, visando-se, com recurso a tal mecanismo, alcançar um equilíbrio o pagamento de taxa "versus" o serviço de administração de justiça.</font><br>
</p><p><b><font>9º </font></b><font>Mas para além destes requisitos, outro se coloca, e prende-se com a oportunidade de apresentação de tal pedido, sendo que, de acordo com o acórdão uniformizador de jurisprudência n.º 1/2022, de 3 de janeiro, foi fixada jurisprudência no seguinte sentido: </font><i><font>“A preclusão do direito de requerer a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, a que se reporta o n.º 7 do artigo 6.º do Regulamento das Custas Processuais, tem lugar com o trânsito em julgado da decisão final do processo”.</font></i><br>
</p><p><b><font>10º</font></b><font> No que aos presentes autos diz respeito, é manifesto que a dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça está em tempo, uma vez que a decisão ainda não transitou em julgado, nos termos do disposto nos artigos 679.º, 666.º, n.º 1, e 616.º, do CPC</font><a><u><sup><font>[2]</font></sup></u></a><font>.</font><br>
</p><p><b><font>11º</font></b><font> Em tais hipóteses, não é só em nome de um inaceitável comprometimento do acesso à justiça que a dispensa deve ser admitida, mas essencialmente em nome do princípio do Estado de direito democrático consagrado no art.º 2.º da Constituição, e a que está submetido funcionalmente o relacionamento impositivo do Estado no confronto dos cidadãos. Pois que, como significam Gomes Canotilho e Vital Moreira (Constituição da República Portuguesa Anotada, I, 4.ª ed., p. 206), o preceito do Estado de direito democrático também assegura a proteção dos cidadãos contra a prepotência, o arbítrio e a injustiça, especialmente por parte do Estado.</font><br>
</p><p><b><font>12º</font></b><font> Podemos dizer que o preceito garante também a decência nas relações funcionais impositivas do Estado (neste caso o sistema de justiça) para com os cidadãos. Este será o último subsídio para o evitamento de graves injustiças.</font><br>
</p><p><b><font>13º</font></b><font> No caso concreto, a tramitação processual da presente ação não revestiu carácter complexo, não foram suscitadas questões jurídicas de grande complexidade, não podendo os recursos interpostos para o Supremo Tribunal de Justiça configurar-se como tal, não foram suscitados incidentes ou questões dilatórias tendentes a dificultar a normal prossecução dos autos com vista à decisão final nem há indicação de censura à atuação processual das partes.</font><br>
</p><p><b><font>14º </font></b><font>Contudo, há que atender às várias sessões de julgamento agendadas, e ao tempo total de duração do processo.</font><br>
</p><p><b><font>15º</font></b><font> Face às considerações acima tecidas quanto à complexidade dos autos e respetiva tramitação, entende-se que, efetivamente, o montante da taxa de justiça final fixado será manifestamente desproporcional em função do serviço prestado, pelo que em termos de juízo de proporcionalidade, razoabilidade e adequação, face à tramitação processada, ao comportamento processual das partes, aos valores da ação, das taxas de justiça já pagas, e ao valor do remanescente da taxa de justiça, mostra-se materialmente justificado o exercício do poder de conformação casuística do valor das custas, dispensando-se o pagamento da parte excedente ao valor tributário de €275.000,00.</font><br>
</p><p><b><font>16º</font></b><font> Por conseguinte, atendendo ao referido princípio da proporcionalidade que subjaz à solução legal consagrada no n.º 7 do art.º 6.º do Regulamento das Custas Processuais, solicita-se a dispensa do pagamento do valor remanescente da taxa de justiça».</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><b><font>2.</font></b><font> Porque a questão atinente à dispensa ou à redução da(s) taxa(s) de justiça remanescente(s) interessa especialmente ao Estado, foi notificado o Ministério Público que emitiu o seguinte parecer:</font><br>
</p><p><font>«Em 29/1/2009, JAOP – SOCIEDADE DE EMPREITADAS, SA. e A..., SA, em consórcio, intentaram contra SOMAGUE- Engenharia, SA uma ação, na qual pediram a condenação da R. a pagar-lhes a importância de € 1.414.554,46; a condenação da R. a pagar à 1.ª A. a quantia de € 347.659, 52 mais a quantia de € 233.954,39; a pagar à 2.ª A. a quantia de € 37.940,81.</font><br>
</p><p><font>Nessa altura, pagaram € 864,00 de taxa de justiça. </font><br>
</p><p><font>Em 12/3/2009, a R. apresentou contestação. Pagou € 864,00 de taxa de justiça.</font><br>
</p><p><font>Em 24/3/2009 as AA vieram pedir a suspensão da instância pelo prazo de 30 dias, o que foi deferido.</font><br>
</p><p><font>Em 13/5/2009, AA e R. vieram pedir nova suspensão da instância por 30 dias, o que foi deferido.</font><br>
</p><p><font>Em 20/6/2009, vieram pedir a suspensão da instância por 15 dias, o que foi deferido.</font><br>
</p><p><font>Em 6/7/2009, as AA vieram apresentar réplica e ampliar o pedido no valor de € 557.163,65.</font><br>
</p><p><font>Em 28/7/2009 a R. apresentou tréplica.</font><br>
</p><p><font>Em 30/6/10, foi ordenada a apensação aos autos da ação n.º 6385/09.6TBOER, na qual as AA pedem a condenação da R. no pagamento de € 1.999.896,28.</font><br>
</p><p><font>Pagaram € 1530,00 de taxa de justiça.</font><br>
</p><p><font>Nesta mesma ação, foi apresentada contestação, com reconvenção. Foram apresentadas réplica e tréplica.</font><br>
</p><p><font>Em 28/4/2011, realizou-se audiência preliminar que ficou prejudicada por falta da notificação de um mandatário.</font><br>
</p><p><font>Por decisão judicial, de 14/7/2011, a JAOP foi declarada insolvente.</font><br>
</p><p><font>Em 22/9/11, deu-se continuidade à audiência preliminar, sendo informada a insolvência da JAOP.</font><br>
</p><p><font>Em 9/11/11, foi adiada a audiência preliminar para 7/12/11.</font><br>
</p><p><font>Nesta data, foi proferido despacho saneador, sendo fixado o valor da ação em € 2.136.323,90 mais € 392.457,72 de reconvenção, mais € 1.999.896,28 da ação apensada.</font><br>
</p><p><font>Foram expedidas cartas rogatórias para inquirição de testemunhas. </font><br>
</p><p><font>Foram inquiridas testemunhas via </font><i><font>Skype.</font></i><br>
</p><p><font>Houve tentativa prévia de conciliação em 7/1/16.</font><br>
</p><p><font>Houve uma primeira sessão da audiência de julgamento em 12/10/16.</font><br>
</p><p><font>Uma segunda sessão em 19/10/16.</font><br>
</p><p><font>Na sessão de 26/10/16, foi declarada extinta a instância reconvencional contra a A. JAOP.</font><br>
</p><p><font>Nova sessão da audiência em 2/11/16.</font><br>
</p><p><font>Outra em 9/11/16. Outra em 16/11/16. Outra em 23/11/16. Outra em 14/12/16. Outra em 19/12/16. Outra em 11/1/17. Outra em 18/1/17. Outra em 8/2/17. Outra em 15/2/17. Outra em 1/3/17. Outra em 8/3/17. Outra em 15/3/17. Outra em 19/4/17. Outra em 26/4/17. Outra em 3/5/17. Outra em 10/5/17. Outra em 17/5/17. Outra em 7/6/17. Outra em 28/6/17. Outra em 11/7/17. Outra em 12/9/17. Outra em 25/9/17. Outra em 18/10/17. Outra em 17/11/17.</font><br>
</p><p><font>Foi proferida sentença em 27/04/18: a ação principal foi julgada parcialmente procedente. A ação apensada foi julgada procedente. O pedido reconvencional foi julgado parcialmente procedente. Custas da ação principal e apensada a cargo das autoras e da R. na proporção, respetivamente, de 2/6 e 4/6. Custas dos pedidos reconvencionais a cargo dos autores e da R., na proporção de ¼ e ¾, respetivamente.</font><br>
</p><p><font>Em 25/5/18 as AA vieram interpor recurso de apelação. Pagaram € 816,00 de taxa de justiça.</font><br>
</p><p><font>Em 28/6/18, a R. interpôs recurso de apelação, com pedido de reapreciação da matéria de facto. Pagou € 816,00 de taxa de justiça.</font><br>
</p><p><font>Em 3/7/18 a R. apresentou contra-alegações. Foram pagos mais € 816,00 de taxa de justiça.</font><br>
</p><p><font>Em 13/8/18 as AA apresentaram contra-alegações. Pagaram € 816,00 de taxa de justiça.</font><br>
</p><p><font>Foi apresentada, ainda resposta às contra-alegações das AA.</font><br>
</p><p><font>Em 13/5/21, foi proferido acórdão no TRL: no que toca ao recurso interposto pelas AA JAOP (presentemente TECNIARTE, Lda., em substituição de Massa Insolvente da JAOP até ao limite de € 653.005,77) a julgar totalmente improcedente a apelação. Deferir parcialmente o requerido relativamente às custas nesta instância de recurso, no sentido de fixar à ação o valor tributário de € 600.000, 01 e indeferir a requerida dispensa das partes no pagamento do remanescente da taxa de justiça, bem como a redução do pagamento de tal valor.</font><br>
</p><p><font>No que toca ao recurso interposto pela R. julgar a apelação parcialmente procedente</font><br>
</p><p><font>Em 7/6/21, as AA vieram interpor recurso de revista. Pagaram € 816,00 de taxa de justiça. TECNIARTE, co-autora, veio fazer suas as alegações das outras AA. Pagou € 816,00 de taxa de justiça.</font><br>
</p><p><font>A R. veio igualmente interpor recurso de revista. Pagou €816,00 de taxa de justiça.</font><br>
</p><p><font>A massa insolvente da JAOP, entretanto, veio demonstrar que lhe foi concedido, para a interposição do recurso de revista, o benefício do apoio judiciário na modalidade de isenção de pagamento da taxa de justiça.</font><br>
</p><p><font>Em 14/7/21 a R. apresentou contra-alegações. Pagou € 816,00 de taxa de justiça. A TECNIARTE apresentou resposta às alegações do recurso da R. Pagou € 816,00 de taxa de justiça. </font><br>
</p><p><font>Em 11/11/21, por decisão singular: foi decidido admitir como revista normal o recurso das AA em relação ao ponto B da sentença condenatória; Não admitir como revista normal das autoras no que respeita às alíneas A e C da sentença; Não admitir o recurso de revista da R em relação à questão B da sentença. Remeter o processo à formação relativamente ao recurso da R. no que respeita à alínea C da sentença.</font><br>
</p><p><font>Por acórdão da formação, de 15/12/21, não foi admitida a revista excecional. </font><br>
</p><p><font>Por decisão singular, de 17/3/22, não foi admitido o recurso de revista normal. </font><br>
</p><p><font>As AA, em 30/3/22, vieram apresentar reclamação para a conferência.</font><br>
</p><p><font>Por acórdão, de 11/5/22, foi indeferida tal reclamação.</font><br>
</p><p><font>Em 13/5/22, a Massa Insolvente da JAOP, A..., SA e TECNIARTE. vieram pedir a dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça.</font><br>
</p><p><font>Atendendo aos extensos e fastidiosos considerandos que acabamos de enumerar, bem elucidativos da grande complexidade da ação que já está pendente nos Tribunais há 14 anos, parece-nos que a resolução da questão deverá passar pelo seguinte:</font><br>
</p><p><font>a) Considerar inútil o requerido, nesta instância de recurso, pela Massa Insolvente da JAOP- Sociedade de Empreitadas, S.A., por esta gozar do benefício do apoio judiciário.</font><br>
</p><p><font>b) Indeferir o pedido quanto à instância de recurso no Tribunal da Relação, por o mesmo aí ter sido decidido em tempo oportuno.</font><br>
</p><p><font>c) Indeferir o pedido, quanto às AA, relativamente à 1.ª instância, dada a extrema complexidade da causa nessa instância.</font><br>
</p><p><font>d) Deferir parcialmente o pedido da TECNIARTE e A..., S.A. nesta instância de recurso, fixando-se em 50% a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça devida por estas recorrentes». </font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font>Cumpre apreciar e decidir. </font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><b><font>II - Fundamentação</font></b><br>
</p><p><b><font> </font></b><br>
</p><p><b><font>1.</font></b><font> No presente processo, os autores vieram requerer, ao Supremo Tribunal de Justiça, a dispensa da taxa de justiça, ao abrigo do n.º 7 do artigo 6.º do RCP, deduzindo-se dos termos do pedido que pretendem que tal efeito abarque não apenas a parte respeitante à tramitação dos autos no Supremo (recurso de revista excecional e recurso de revista geral, que não foram admitidos, e reclamação para a conferência), mas ainda toda a tramitação processual que ocorreu no tribunal de instância e na Relação. </font><br>
</p><p><font>Conforme decidido no Acórdão de 20-12-2021, proferido no proc. n.º 2104/12.8TBALM.L1.S1, a apreciação da dispensa ou da eventual redução da taxa de justiça deve estender-se a todo o processado anterior, </font><i><font>maxime</font></i><font> a toda a tramitação que correu termos na 1ª instância até à sentença e na Relação, o que permite que sejam ponderados globalmente todos os parâmetros relevantes em cada uma das fases processuais. Acresce ainda que a condenação em custas constante da sentença de 1ª instância e do acórdão da Relação não ganharam foros de definitividade, assumindo antes cariz meramente provisório. </font><br>
</p><p><b><font>2.</font></b><font> O momento processual em que os requerentes apresentaram o pedido foi imediatamente posterior à notificação do acórdão proferido em conferência, que confirmou a não admissibilidade do recurso de revista geral, ou seja, antes do trânsito em julgado do referido acórdão.</font><br>
</p><p><font>Estão, por isso, em tempo, nos termos do acórdão uniformizador de jurisprudência, n.º 1/2022, que decidiu que </font><i><font>“A preclusão do direito de requerer a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça tem lugar, de acordo com o nº 7 do art. 6º do RCP, com o trânsito em julgado da decisão final do processo”.</font></i><b><font> </font></b><br>
</p><p><b><font>3.</font></b><font> Em matéria de custas processuais, o Código de Processo Civil (CPC) assumiu apenas a regulamentação dos aspetos relacionados com a responsabilidade pelo seu pagamento, sendo remetidos para o Regulamento das Custas Processuais (RCP) outros aspetos, designadamente os atinentes à determinação do quantitativo da taxa de justiça, à oportunidade do seu pagamento e, com interesse para o caso, à dispensa (ou redução) de pagamento da taxa de justiça remanescente nas ações cujo valor tributário exceda € 275.000,00, questão sobre o qual dispõe o artigo 6º, n.º 7, do RCP:</font><br>
</p><p><font>Nos termos do artigo 30º, nº 1, do RCP, a conta é elaborada, relativamente a cada sujeito processual, de harmonia com o julgado em última instância, abrangendo as custas da ação, dos incidentes, dos procedimentos e dos recursos. E, nos termos dos nºs 2 e 3, als. </font><i><font>a)</font></i><font> e </font><i><font>f)</font></i><font>, a conta deve discriminar as taxas pagas e as taxas devidas, assim como os montantes a pagar por cada sujeito responsável.</font><br>
</p><p><font>Representando a taxa de justiça o quantitativo que se destina a compensar o Estado pelas despesas inerentes a qualquer processo judicial, é natural que o seu pagamento seja exigido aos interessados que não estejam isentos, na medida em que não se encontra instituído um regime que se traduza na gratuitidade absoluta e generalizada do recurso aos meios judiciais.</font><br>
</p><p><font>A lei prevê que nas ações cujo valor tributário exceda € 275.000,00 a taxa de justiça seja dividida em dois segmentos: até esse valor, a taxa de justiça é paga antecipadamente por cada uma das partes na ação ou nos recursos interpostos (salvo os casos de isenção subjetiva e objetiva); o remanescente dessa taxa de justiça apenas é exigível a final à parte ou partes que não sejam totalmente vencedoras, salvo se o juiz dispensar esse pagamento ou se reduzir o respetivo montante.</font><br>
</p><p><font>O legislador pretendeu assim moderar o valor da contrapartida global devida ao Estado nas ações em que, apesar do seu elevado valor, se revele uma desproporção entre a taxa de justiça remanescente e os custos associados ao serviço público concretamente prestado. </font><br>
</p><p><b><font>4.</font></b><font> Importa, agora, averiguar se, à luz dos critérios legalmente estabelecidos para o efeito, existem ou não, no caso concreto, motivos para dispensar os recorrentes do remanescente da taxa de justiça, ou, pelo menos, para reduzir o seu valor.</font><br>
</p><p><font>Conforme despacho proferido em sede de audiência preliminar (v. ata de 07/12/2011, a fls. 664 e 665), à presente ação foi fixado o valor de € 4.528.677,90, resultante da soma de € 2.136.323,90 (valor do pedido apresentado na petição inicial desta ação) com € 392.457,72 (valor da reconvenção apresentada na presente ação) e € 1.999.896,28 (valor da ação apensada). </font><br>
</p><p><font>Relativamente às regras gerais de fixação da taxa de justiça, dispõe o nº. 7 do artigo 6º, do Regulamento das Custas Processuais, na redação do DL n.º 34/2008, de 26/02, que: </font><br>
</p><p><i><font>“7 - Nas causas de valor superior a (euro) 275 000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento”.</font></i><br>
</p><p><i><font> </font></i><br>
</p><p><font>Prevendo o nº 7 do artigo 6º do RCP a dispensa de pagamento da parcela correspondente à taxa de justiça remanescente devida nas ações cujo valor ultrapasse € 275.000,00, tal permite que o tribunal opte pela redução dessa taxa de justiça quando tal se justifique em função do princípio da proporcionalidade.</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font>O Tribunal da Relação decidiu que nas ações propostas em data anterior à entrada em vigor do DL n.º 52/2011, de 13/04, como sucedeu </font><i><font>in casu, </font></i><font>em que a ação principal foi proposta em 29/01/2009 e a ação apensada em 31/08/2009, a determinação da taxa de justiça na ação deve continuar a fazer-se atendendo à base tributável de € 600.000,01, que se configura como o limite relevante para o efeito de liquidação de custas, não obstante o pagamento de quaisquer montantes em dívida passar a ser feito pelas regras da Tabela introduzida pelo DL n.º 52/2011, de 13/04. Donde, para o cálculo do remanescente da taxa de justiça dos presentes autos configura-se apenas como relevante o valor referente à diferença entre os € 275.000,00 (duzentos e setenta e cinco mil euros) e o limite da base tributável de € 600.000,01 (seiscentos mil euros e um cêntimo), que se encontrava em vigor à data da propositura da presente ação.</font><br>
</p><p><font>Atenta a solução definida quanto ao valor tributário da ação para efeito de custas, decidiu o tribunal recorrido que o valor a pagar é perfeitamente proporcional e ajustado à complexidade do processo, não se afigurando excessivo nem desrazoável, tendo decidido, portanto, não dispensar nem reduzir o remanescente da taxa de justiça, com o seguinte fundamento: </font><br>
</p><p><font>«Efectivamente, o valor equacionado não está minimamente em distonia com o serviço prestado, no aquilatar da complexidade da causa e conduta das partes na presente instância recursória, na ponderação da extensão e grau de complexidade dos recursos interpostos, abrangência da impugnação da matéria de facto, e natureza das questões jurídicas equacionadas, que demandaram acrescido labor e análise, atenta a extensão dos factos e das questões em apreciação.</font><br>
</p><p><font>Por outro lado, não sendo caso de aplicabilidade do segundo cálculo equacionado, arredada está, desde logo, a invocada desproporcionalidade e irrazoabilidade do valor remanescente apurado, bem como dos aludidos juízos de inconstitucionalidade fundantes do argumentário apresentado».</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font>Os recorrentes discordam deste entendimento, pelos motivos que sintetizaram na exposição feita no presente requerimento dirigido a este Supremo Tribunal e transcrita no relatório do acórdão. </font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font>Vejamos: </font><br>
</p><p><font>Compulsados os autos, conclui-se que, relativamente à tramitação do processo no tribunal de 1.ª instância, devido ao elevado número de audiências de julgamento verificadas, cerca de 25, aos meios de prova a analisar e a ponderar para a fixação de uma extensa e minuciosa matéria de facto, bem como à apensação aos autos de uma outra ação (n.º 6385/09.6TBOER), é inequívoco que se tratou de um processo de extrema complexidade, que esteve pendente durante cerca de 14 anos nos tribunais, não estando reunidos, apesar de não se imputar censura à conduta processual das autoras, os requisitos da dispensa (ou da redução) do remanescente da taxa de justiça.</font><br>
</p><p><font>O mesmo se conclui relativamente à tramitação do processo no Tribunal da Relação, onde as autoras impugnaram a matéria de facto, dando lugar a uma laboriosa atividade deste tribunal na reapreciação da prova documental e testemunhal, bem como na motivação da decisão de facto.</font><br>
</p><p><font>Quanto à intervenção deste Supremo Tribunal, uma vez que ela se verificou apenas na fase preliminar da admissibilidade do recurso, e, pese embora tenha implicado a análise separada dos vários segmentos do dispositivo do acórdão da Relação, para aferir da dupla conformidade, no final a resolução da questão foi relativamente simples, pois, no recurso de revista normal, as recorrentes apenas invocaram questões de facto fora dos poderes cognitivos do Supremo Tribunal de Justiça, pelo que o recurso não foi admitido por falta de objeto.</font><br>
</p><p><font>Assim, decide-se reduzir em 50% o remanescente da taxa de justiça neste Supremo Tribunal. </font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><b><font>5. </font></b><font>Anexa-se sumário elaborado de acordo com o n.º 7 do artigo 663.º do Código de Processo Civil:</font><br>
</p><p><font>I – Tendo a ação principal sido proposta em 29/01/2009 e a ação apensada em 31/08/2009, a determinação da taxa de justiça na ação principal deve continuar a fazer-se atendendo à base tributável de € 600.000,01, que se configura como o limite relevante para o efeito de liquidação de custas, não obstante o pagamento de quaisquer montantes em dívida passar a ser feito pelas regras da Tabela introduzida pelo DL n.º 52/2011, de 13/04.</font><br>
</p><p><font>II - Num processo que durou 14 anos na justiça, teve 25 audiências de julgamento, ao qual foi apensada outra ação entre os mesmos autores e réus, e em que a fixação e a modificação da matéria de facto envolveram um laborioso e minucioso trabalho nas duas instâncias, não se justifica, por elevada complexidade, qualquer dispensa nem redução do remanescente da taxa de justiça no tribunal de 1.ª instância e no Tribunal da Relação.</font><br>
</p><p><font>III - No Supremo Tribunal de Justiça, como não foi ultrapassada a fase preliminar da admissibilidade do recurso, decide-se reduzir o remanescente da taxa de justiça em 50%. </font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><b><font>III – Decisão</font></b><br>
</p><p><font>Pelo exposto, decide-se:</font><br>
</p><p><font>a) Considerar inútil o requerido, nesta instância de recurso, pela Massa Insolvente da JAOP - Sociedade de Empreitadas, S.A., por esta gozar do benefício do apoio judiciário.</font><br>
</p><p><font>b) Indeferir o pedido quanto à instância de recurso no Tribunal da Relação.</font><br>
</p><p><font>c) Indeferir o pedido, quanto às AA, relativamente à 1.ª instância.</font><br>
</p><p><font>d) Deferir parcialmente o pedido da TECNIARTE e A..., S.A. nesta instância de recurso, fixando-se em 50% a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça.</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font>Notifique. </font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font>Lisboa, 13 de setembro de 2022</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font>Maria Clara Sottomayor (Relatora) </font><br>
</p><p><font>Pedro de Lima Gonçalves (1.º Adjunto) </font><br>
</p><p><font>Maria João Vaz Tomé (2.ª Adjunta) </font><br>
</p><p><font>_______</font>
</p></font><p><font><a><u><sup><font>[1]</font></sup></u></a><font> Nos termos do artigo 12º nº 1 da Portaria n.º 280/2013, de 26 de agosto, o mandatário Dr. AA declara a sua adesão ao conteúdo material da Peça Processual nº ...36.</font><br>
<a><u><sup><font>[2]</font></sup></u></a><font> Nesse sentido, o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, proferido no âmbito do processo n.º proferido no âmbito do processo n.º 2218/10.9TBVIS.C2, de 03-12-2014.</font></font></p> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
UTKku4YBgYBz1XKvqyac | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><font> </font>
<p><b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça</font></b><font>:</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font>I </font></b><font>- </font><b><font>AA</font></b><font> intentou a presente acção declarativa, sob a forma de processo ordinário, contra </font><b><font>BB </font></b><font>pretendendo ver este condenado a pagar-lhe a quantia de 343.202,00 €, acrescida de juros de moratórios, à taxa anual de 4%, desde a citação até efectivo e integral pagamento, alegando, como suporte dessa pretensão, que, entre Janeiro de 1988 e Dezembro de 1993, promoveu e vendeu produtos comercializados pelo R., actuando na qualidade de comissionista, reportando-se o montante peticionado a comissões que o R. ainda não lhe pagou.</font>
</p><p><font>Regularmente citado, o Réu apresentou contestação em que, além de arguir a sua ilegitimidade e a prescrição dos eventuais créditos do Autor, contrapôs que as vendas em que o mesmo funda a sua pretensão foram efectuadas exclusivamente pelo seu filho, CC, não sendo, por isso, devidas as comissões reclamadas pelo Autor. </font>
</p><p><font>Replicou o Autor a pugnar pela inverificação das excepções invocadas pelo Réu, após o que foi proferida decisão a refutar a ilegitimidade do Réu e a julgar prescritos os eventuais créditos do Autor, com a inerente absolvição do Réu do pedido.</font>
</p><p><font>Inconformado, o Autor apelou, mas a Relação de Coimbra manteve a decisão da 1ª instância (fls. 237), o que motivou a interposição de recurso de revista, no âmbito do qual o Supremo Tribunal de Justiça revogou o acórdão impugnado e julgou não prescritos os créditos peticionados pelo Autor (fls. 301).</font>
</p><p><font>Regressado o processo à 1ª instância, condensou-se a matéria de facto, com especificação da já assente e organização da base instrutória, e realizada a audiência de julgamento, com gravação dos depoimentos prestados, foi proferida sentença que, na improcedência da acção, absolveu o Réu do pedido.</font>
</p><p><font>Inconformado, o Autor interpôs novo recurso de apelação e a Relação de Coimbra, no parcial provimento do mesmo, alterou as respostas a dois pontos da matéria de facto (2º e 3º quesitos), revogou a decisão da 1ª instância e condenou o Réu a pagar ao Autor, a título de comissões, a quantia de € 297.925,21, acrescida de juros moratórios desde a citação, à taxa anual de 4%.</font>
</p><p><font>Insurgiu-se, agora, o Réu contra essa decisão da Relação de Coimbra, interpondo recurso de revista, cuja alegação finaliza, com as conclusões seguintes:</font>
</p><p><i><font>1. O Decreto-Lei n°118/93 alterou parcialmente o Decreto-Lei 178/86 de 3 de Julho sem alterar, de acordo com o seu preâmbulo, os artigos 35º a 39º deste.</font></i>
</p><p><i><font>2. Mantém-se em vigor o artigo 37º (sob a epigrafe "normas de conflito") pelo que o disposto nesse mesmo artigo aplica-se aos contratos em curso à data da sua entrada em vigor</font></i>
</p><p><i><font>3. Nos termos do artigo 39º o diploma entrou em vigor em Maio de 93 sendo a partir de então aplicável ao contrato celebrado entre A. e R..</font></i>
</p><p><i><font>4. Igualmente, nos termos do artigo 37º, n° 2 os contraentes dispunham de um prazo de 60 dias (ate Julho de 93) para reduzir a escrito quaisquer acordos se for essa a forma exigida pelo diploma. Ora,</font></i>
</p><p><i><font>5. Nos termos do artigo 40º depende de acordo escrito das partes a concessão do direito de exclusivo a favor do agente.</font></i>
</p><p><i><font>6. O A. nem alegou nem provou ser agente exclusivo.</font></i>
</p><p><i><font>7. O artigo 7º do mesmo Decreto-Lei é uma norma de interpretação e que rege apenas para o futuro aos contratos em curso e não aos efeitos já produzidos.</font></i>
</p><p><i><font>8. É esta a interpretação mais consentânea com os artigos 9º e 12º do CC.</font></i>
</p><p><i><font>9. Face à aplicação ao caso do Decreto-Lei 118/93 de 13 de Abril tinha o A. o ónus de alegar e provar que tinha havido contrato escrito, prova sem a qual a pretensão do A. não pode proceder.</font></i>
</p><p><i><font>10. O A. não recorreu da matéria de facto, não a impugnou nas suas conclusões e não o fez de forma cabal nas suas alegações assim incumprindo o artigo 690º- A do C PC.</font></i>
</p><p><i><font>11. Apesar disso o Tribunal recorrido conheceu da matéria de facto, alterando as respostas ao questionário ao invés de rejeitar o recurso.</font></i>
</p><p><i><font>12. Ao conhecer de tal matéria cometeu a nulidade prevista no artigo 668º, n°1 alínea d) conhecendo de questões de que não podia tomar conhecimento. </font></i>
</p><p><i><font>13. Se assim não se entender, o Tribunal recorrido em 2º do acórdão decidiu da matéria de facto tendo em conta apenas as facturas.</font></i>
</p><p><i><font>14. O Tribunal de 1ª Instância decidiu tal matéria ao responder aos quesitos tendo por base as facturas e a prova testemunhal produzida, prova essa que foi fundamental na formação da convicção do mesmo.</font></i>
</p><p><i><font>15. Assim, deverá ser mantida a resposta dada aos quesitos n° 2 e 3 da base instrutória devendo consequentemente ser proferida decisão em conformidade isto é absolvendo-se o réu do pedido.</font></i>
</p><p><font>Não foi oferecida contra-alegação e, uma vez obtidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.</font><b><font> </font></b>
</p><p><b><font>II - Fundamentação de facto</font></b>
</p><p><font>As instâncias deram por assente o seguinte quadro factual:</font>
</p><p><font>1. Na acção n.º 417/95 que correu termos no 2.º Juízo Cível do Tribunal da comarca de Santarém</font><a><u><sup><font>[1]</font></sup></u></a><font>, provou-se que o R. dedica-se à produção, comercialização e instalação de todos os artigos necessários a adegas de fabricação de vinho, designadamente depósitos, linhas de engarrafamento grupos de refrigeração e filtros.</font>
</p><p><font>2. Por seu turno, o A. no período compreendido entre Janeiro de 1988 e Dezembro de 1993, promoveu e vendeu produtos do R., actuando no exercício dessa actividade nas áreas do Oeste, Ribatejo, Alentejo e Algarve.</font>
</p><p><font>3. O A. exercia a sua actividade de promoção e venda dos produtos do R. autonomamente.</font>
</p><p><font>4. Nesse âmbito, o A. apreciava a pretensão dos clientes, fornecia-lhes os esquemas e orçamentos, prestava-lhes os adequados esclarecimentos e diligenciava pelo fornecimento e pela efectiva instalação dos produtos por parte do R., sendo este que assegurava a assistência técnica prestada aos clientes.</font>
</p><p><font>5. A retribuição dos serviços prestados pelo A. ao R. seria por este efectuada nos termos de acordo verbal entre ambos celebrado.</font>
</p><p><font>6. A retribuição do A. era calculada em função do valor dos produtos fornecidos, mediante o pagamento de uma comissão que se cifrava entre os 2% e os 4% sobre as importâncias facturadas e pagas pelos clientes do R..</font>
</p><p><font>7. No exercício da sua actividade o A. deslocava-se em carro próprio e sem que o R. pagasse os quilómetros por ele efectuados.</font>
</p><p><font>8. A partir de 29/05/92, A. e R. acordaram o seguinte: o R. pagava ao A. de 15 em 15 dias, 250.000$00 por conta das despesas que efectuava e das comissões que lhe eram devidas.</font>
</p><p><font>9. A situação manteve-se, de facto, até Dezembro de 1993, data em que o A. deixou de prestar serviços ao R..</font>
</p><p><font>10. Em resultado da actividade do A. o R. efectuou vendas a dezenas de clientes, identificados nos escritos de fls. 6-23, em valores que o A. computa em algumas dezenas de milhares de contos, não tendo o A. acesso à facturação.</font>
</p><p><font>11. Foi decidido na referida acção, no Tribunal da Relação de Évora, além do mais, “Declarar que o montante das comissões a satisfazer ao A. incide sobre as importâncias facturadas e ‘pagas’ pelos clientes” ao R., se as houver, até ao limite do capital peticionado na P.I., relativo aos contratos celebrados pelo A., identificados nos escritos de fls.6-23, nas datas compreendidas entre Janeiro de 1988 e Dezembro de 1993”.</font>
</p><p><font>12. Ficou decidido nos embargos de executado deduzidos pelo ora réu, na acção executiva que lhe foi instaurada pelo ora autor, no Tribunal Judicial de Santarém, por sentença transitada em julgado (fls. 67), que a comissão a receber pelo autor era de 3% sobre as vendas.</font>
</p><p><font>13. Por sua vez, nesta acção provou-se que o R. foi o único proprietário de uma firma designada por DD – sedeada em ... – Aveiro.</font>
</p><p><font>14. Entre Janeiro de 1988 e Dezembro de 1993, o A. promoveu e vendeu produtos comercializados pelo R., actuando na qualidade de comissionista.</font>
</p><p><font>15. Em 1995, o A. instaurou contra “DD” de BB acção declarativa para obter o reconhecimento do direito de peticionar o pagamento de comissões respeitantes a vendas que promovera e efectuara, de produtos provenientes da actividade comercial do R., que correu termos sob o processo n.º 417/95 do Tribunal Judicial de Santarém, dando-se aqui como reproduzidas as decisões da 1ª e 2ª instância.</font>
</p><p><font>16. Por apenso ao processo n.º 417/95, o A. instaurou o processo de “liquidação em execução de sentença” – apenso B –, tendo sido fixada a percentagem de comissão a que o A. teria direito em 3%.</font>
</p><p><font>17. As comissões pagas ao A. na sequência do aludido processo incidiram sobre as vendas listadas nos documentos de fls. 6 a 23 do mesmo.</font>
</p><p><font>18. Foram efectuadas e cobradas entre 1988 e Dezembro de 1993, as seguintes vendas, com os seguintes valores:</font>
</p><p><font>a) à Adega Cooperativa de EE, atingiram o valor de 374.486.184$00 (1.867.929,00 €);</font>
</p><p><font>b) à Adega Cooperativa de FF, cifraram-se em 425.319.685$00 (2.121.485,00 €);</font>
</p><p><font>c) à Adega Cooperativa do FF, cifraram-se em 316.649.932$00 (1.579.443,00 €);</font>
</p><p><font>d) à Adega Cooperativa/de HH até ao final de 1993, cifraram-se em 62.679.200$00 (312.642,00 €)</font><a><u><sup><font>[2]</font></sup></u></a><font>.</font>
</p><p><font>19. O réu facturou à Adega Cooperativa de HH, no ano de 1993, a quantia de Esc.: 24.250.000$00 = € 120.958,49 (facturas n.º 7293 e 7294 – fls. 360 e 361)</font><a><u><sup><font>[3]</font></sup></u></a><font>, e nos anos de 1994 e 1995, os valores constantes das facturas juntas aos autos a fls. 362 a 383 – resposta dada ao ponto 2º da base instrutória.</font>
</p><p><font>20. Para além das vendas identificadas a fls. 6 a 23, do processo 417/95, atrás referido, o R. facturou os seguintes valores a clientes das áreas do Oeste, Ribatejo, Alentejo e Algarve [constantes das facturas juntas no apenso]: </font>
</p><p><font>a) No ano de 1988: 53.936.371$00 (269.033,00 €);</font>
</p><p><font>b) No ano de 1989: 60.741.521$00 (302.977,00 €);</font>
</p><p><font>c) No ano de 1990: 153.914.219$00 (767.720,00 €);</font>
</p><p><font>d) No ano de 1991: 216.806.125$00 (1.081.424,00€);</font>
</p><p><font>e) No ano de 1992: 131.696.011$00 (661.884,00 €);</font>
</p><p><font>f) No ano de 1993: 169.486.580$00 (845.395,00 €) – resposta dada ao ponto 3º da base instrutória.</font><br>
<b><font>III – Fundamentação de direito</font></b>
</p><p><font>A apreciação e decisão do presente recurso de revista, delimitado, como se sabe, pelas conclusões da alegação do Recorrente (art.ºs 684º, n.º 3, e 690º, n.º 1, do Cód. Proc. Civil</font><a><u><sup><font>[4]</font></sup></u></a><font>), passam pela análise e resolução das duas questões jurídicas por ele colocadas a este tribunal e que se prendem, por um lado, com a nulidade do acórdão, por pronúncia indevida, e, por outro, com a definição do concreto regime jurídico a que se encontra submetido o contrato celebrado entre Autor e Réu. </font>
</p><p><font>Abordemos, então, separadamente cada uma dessas questões.</font><br>
<b><font>1. Da nulidade do acórdão da Relação, por pronúncia indevida</font></b>
</p><p><font>Sustenta o Réu que o acórdão proferido pela Relação de Coimbra enferma da nulidade prevista no art.º 668º, n.º 1, alínea d), 2ª parte do Cód. Proc. Civil, por se ter pronunciado sobre a decisão da matéria de facto, alterando as respostas dadas aos pontos 2º e 3º da base instrutória, sem que o Autor os tenha impugnado validamente, na medida em que não os incluíra nas conclusões com que finalizou a respectiva alegação recursiva.</font>
</p><p><font>Acentue-se, desde já, que a invocada nulidade, ainda que prevista para a sentença proferida pela 1ª instância, é também aplicável ao acórdão da Relação </font><i><font>ex vi</font></i><font> do disposto no art.º 716º, n.º 1, do Cód. Proc. Civil e deriva do incumprimento ou desrespeito, por parte do julgador, do dever prescrito no art.º 660º, n.º 2 (2ª parte) do Cód. Proc. Civil, segundo o qual o juiz não deve ocupar-se ou resolver questões que as partes não tenham submetido à sua apreciação</font><a><u><sup><font>[5]</font></sup></u></a><font>. O princípio dispositivo, pedra angular do processo civil e que substancialmente é a projecção, no campo processual, da autonomia das partes, impõe ao juiz o dever de se ocupar </font><i><font>unicamente </font></i><font>das questões por elas suscitadas, ou seja, a pronúncia do julgador, para além, é óbvio, do que for de conhecimento oficioso, deverá </font><i><font>incidir só sobre tais questões</font></i><a><b><i><u><sup><font>[6]</font></sup></u></i></b></a><i><font>, sob pena de desenvolver actividade exorbitante ou excessiva e pecar por excesso</font></i><a><b><i><u><sup><font>[7]</font></sup></u></i></b></a><font>, inquinando, desse modo, a sua decisão</font><i><font>.</font></i>
</p><p><font>Vejamos, então, a problemática da nulidade, nessa óptica, transpondo-a para o caso em apreço em que se questiona a actividade cognitiva da Relação no que concerne à impugnação da matéria de facto o que exige, em primeiro lugar, a definição do quadro legal atinente à reapreciação dessa matéria, para, depois, se indagar se a Relação o desrespeitou, quando avançou para a apreciação da impugnação dos dois pontos da base instrutória (2º e 3º) e decidiu alterar as respostas dadas pela 1ª instância.</font>
</p><p><font>Como se sabe, o DL nº 39/95, de 15.2, introduziu profundas alterações no nosso ordenamento jurídico adjectivo ao possibilitar o registo da audiência de discussão e julgamento, com gravação integral da prova produzida, facultando, deste modo, às partes o exercício do respectivo controlo e proporcionando-lhes o recurso a um verdadeiro e duplo grau de jurisdição em matéria de facto, na medida em que lhes conferiu uma maior e mais eficaz possibilidade de reagir, nesse campo, contra eventuais erros do julgador. Ainda com o objectivo de concretizar e modelar o duplo grau de jurisdição sobre a decisão da matéria de facto, o DL n.º 183/2000, de 10/08 aditou, posteriormente, ao Código de Processo Civil um conjunto de normas relativas ao registo dos depoimentos (art.ºs 512º n.º 1, 522º- A, 552º-B e 522º-C) e consagrou, como regime-regra, a gravação da prova produzida em audiência de julgamento, desse modo, permitindo uma verdadeira e conscienciosa reapreciação da decisão de facto ditada na primeira instância. </font>
</p><p><font>Porém, procurando inibir divagações dos sujeitos processuais e evitar impugnações genéricas ou generalizadoras da decisão referente à matéria de facto, o legislador impôs ao recorrente, como se retira do art.º 690º-A, n.ºs 1 e 2, do Cód. Proc. Civil, o ónus de:</font><br>
<font>a) especificar obrigatoriamente os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;</font><br>
<font>b) especificar obrigatoriamente os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que imponham decisão diversa da recorrida sobre os pontos da matéria de facto impugnados;</font><br>
<font>c) indicar, no caso previsto na alínea anterior, os depoimentos em que baseia a sua impugnação da matéria de facto, por referência ao assinalado na acta (art.º 522º-C, n.º 2 do Cód. Proc. Civil).</font>
</p><p><font>Com esse ónus específico pretende-se evitar que «o impugnante se limite a atacar, de forma genérica e global, a decisão de facto, pedindo simplesmente a reapreciação de toda a prova produzida em primeira instância, expediente que ademais poderia ser utilizado pelas partes apenas com intuitos dilatórios»</font><a><u><sup><font>[8]</font></sup></u></a><font>. É claro que esse ónus, atenta a sua feição alegatória, terá de ser satisfeito, em primeiro lugar, no próprio texto da alegação do recurso e, depois, terá ainda o recorrente de formular as inerentes conclusões em ordem a delimitar, de forma precisa e sintética, o objecto do recurso, identificando os pontos de facto que nele pretende ver discutidos.</font>
</p><p><font>Ora, examinada a alegação do recurso de apelação do Autor (fls. 419 a 426), constata-se que, no corpo alegatório (a fls. 423) e reportando-se directamente aos pontos da base instrutória, cujas respostas vieram a ser alteradas pela Relação, consta o seguinte: </font><i><font>“Com efeito ficou provado que foram efectuados todos os negócios alegados pelo A. quer os constantes da alínea F. da matéria assente quer os incluídos nos n.ºs 2 e 3 da base instrutória.</font></i><font> E, para sustento dessa sua conclusão, avança depois com argumentos assentes na confissão expressa do Réu</font><i><font> </font></i><font>e na aceitação por banda sua advogada da veracidade do teor das facturas referentes às vendas aí contempladas, na medida em que apenas fora impugnada a sua intervenção nas mesmas.</font>
</p><p><font>Prosseguindo ainda no exame dessa alegação recursiva, mais se observa que o Autor formulou em I) conclusões atinentes à factualidade (fls. 423) e, em II, conclusões em matéria de direito (fls. 425), constando das primeiras o seguinte:</font>
</p><p><i><font>k) Vendas que foram efectuadas a clientes inseridos na área de actuação do A e resultantes da sua actividade:</font></i>
</p><p><i><font>- à Adega Cooperativa de EE no valor, convertido em euros, de 1.867.929,00;</font></i>
</p><p><i><font>- à Adega Cooperativa de FF no valor de euros 2.121.485,00;</font></i>
</p><p><i><font>- à Adega Cooperativa de FF, de euros 1.579.433,00;</font></i>
</p><p><i><font>- à Adega Cooperativa de HH: facturadas e pagas até 1993, 312.642,00 euros;</font></i>
</p><p><i><font>- De vendas promovidas pelo A., mas facturadas e pagas posteriormente à Adega Cooperativa de HH 1.630.146,00 euros;</font></i>
</p><p><i><font>l) Para além destas, fruto da actividade do A. foram efectuadas vendas a outros clientes que atingiram em 1988 (269.033,00€); em 1989 (302.977,00€)…………….e, em 1993 (845.395,00€);</font></i>
</p><p><i><font>m) Todas essas vendas não foram contempladas ……como as certidões juntas demonstram;</font></i>
</p><p><i><font>n) A prova da realização desses fornecimentos foi feita documentalmente;</font></i>
</p><p><i><font>o) Documentos esses juntos, uns com a p.i., outros na audiência…..e também, no decurso dos autos, pelas entidades fornecidas, designadamente no caso da Adega Cooperativa de HH;</font></i>
</p><p><i><font>p) A existência de todos os fornecimentos alegados pelo A .foi expressamente confessada pelo R., tanto na posição que assumiu no decurso do processo como no requerimento respeitante ao exame que fez………..onde a sua mandatária refere “as facturas…... são verdadeiras”. </font></i>
</p><p><font>Como se extrai dos excertos antes indicados da alegação recursiva e das conclusões formuladas, parece óbvio que o Autor teve o claro propósito de impugnar perante a Relação não só matéria de direito como também matéria de facto, incidindo a sua discordância, nesta parte, sobre as respostas negativas dadas aos art.ºs 2º e 3º da base instrutória e que, na sua óptica, mereceriam respostas positivas, com base nos documentos juntos e posição assumida pelo Réu que aceitou a veracidade do seu teor.</font>
</p><p><font>Deste modo, contrariamente ao que sustenta o Réu, o Autor deu integral cumprimento ao ónus que sobre ele impendia (o fixado no art.º 690º-A, n.ºs 1 e 2, do Cód. Proc. Civil), indicando os pontos de facto que pretendia ver reapreciados pela Relação e mencionando os concretos meios de prova a impor decisão diversa da tomada pela 1ª instância, o que obstava à rejeição do recurso pela qual o Réu, agora, se bate. Ao invés, cabia à Relação, em face do cabal cumprimento desse ónus, debruçar-se sobre tais pontos da matéria de facto e proceder à reapreciação dos mesmos, nos termos do art.º 712º do Cód. Proc. Civil, o que fez sem exorbitar dos seus poderes cognitivos. </font>
</p><p><font>A Relação não só podia, como até devia, conhecer da impugnação da matéria de facto, o que, por si só, afasta a hipótese de verificação da invocada </font><i><font>pronúncia indevida</font></i><font>, que de modo algum ocorreu. A actividade cognitiva ali desenvolvida e retratada no acórdão recorrido não exorbitou, assim, do objecto da apelação, nem “</font><i><font>pecou por excesso”</font></i><font>e, nessa medida, não enferma o mesmo da nulidade que lhe foi assacada pelo Réu.</font>
</p><p><font>Para além da referida pretensa nulidade, o Réu sustenta, subsidiariamente, que a Relação não podia alterar as respostas dadas pela 1ª instância aos art.ºs 2º e 3º da base instrutória, com base no teor dos documentos juntos e desconsiderar os depoimentos em que se abonara a 1ª instância. Ora, como se sabe, a competência para apurar a matéria de facto relevante para a solução do litígio radica nas instâncias, cabendo ao Supremo Tribunal de Justiça, salvo situações de excepção legalmente previstas, conhecer apenas da matéria de direito, sendo que, no âmbito do recurso de revista, o modo como a Relação fixou os factos materiais só é sindicável se foi aceite um facto sem produção do tipo de prova para tal legalmente imposto, ou se tiverem sido incumpridos os preceitos reguladores da força probatória de certos meios de prova (art.º 722.º, n.º 2 do Cód. de Proc. Civil) podendo, no limite, mandar ampliar a decisão sobre a matéria de facto (art.º 729.º, n.º 3, do Cód. de Proc. Civil). </font>
</p><p><font>A Relação tem, assim, a última palavra relativamente à fixação da matéria de facto, só a esta instância competindo, em regra, censurar, através do exercício dos poderes que lhe são conferidos pelos n.ºs 1 e 4 do artº 712.º do Cód. de Proc. Civil, a decisão proferida nesse particular pela 1.ª instância, limitando-se o Supremo Tribunal de Justiça, no exercício da sua função de tribunal de revista, a definir e aplicar o regime ou enquadramento jurídico adequado aos factos já anterior e definitivamente fixados (cfr. art.º 26.º da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais – aprovada pela Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro, art.º 33º da Nova Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais – aprovada pela Lei n.º 52/2008, de 28 de Agosto, e art.ºs 729º, n.ºs 1 e 2, do Cód. de Proc. Civil).</font>
</p><p><font>Contudo, se ao Supremo Tribunal de Justiça é vedado sindicar o uso feito pela Relação dos seus poderes de modificação da matéria de facto, já lhe é, todavia, possível verificar se, ao usar tais poderes, agiu dentro dos limites traçados pela lei para os exercer (art.º 712º,n.ºs 1 a 4, do Cód. de Proc. Civil), pois, nesse caso, do que se tratará é de saber se a Relação, ao proceder da forma como o fez, se conformou, ou não, com as normas que regulam tal matéria, o que, no fundo, constitui matéria de direito, caindo, por isso, na esfera de competência própria e normal do Supremo Tribunal de Justiça. </font>
</p><p><font>No caso, a 1ª instância deu como não provada a matéria de facto constante dos art.ºs 2º e 3º da base instrutória e que respeitavam à alegação do Autor de vendas efectuadas durante o período de vigência do contrato na zona de acção que lhe fora confiada, vendas essas não englobadas no objecto de anterior acção que instaurara contra o Réu. A Relação, no entanto, atento o teor das facturas juntas e a posição assumida pelo Réu que as aceitou como verídicas, centrando a sua impugnação apenas na intervenção do Autor, atribuindo-as à intervenção do seu filho, entendeu alterar essas respostas e dar como assente o que consta dos pontos 19. e 20. dos factos provados em III deste acórdão. O seu conteúdo reporta-se, tão só, à realização das vendas, factos para os quais a lei não impõe a produção de qualquer tipo de prova, e deriva do teor dos documentos juntos e não validamente impugnado, o que está de harmonia com o que, a tal propósito, estabelecem os art.ºs 376º do Cód. Civil e 544º e ss do Cód. Proc. Civil. Nada impedia, pois, a Relação de proceder à alteração de tais respostas, que, saliente-se também, de modo algum envolvem a inobservância de quaisquer preceitos reguladores da força probatória de certos meios de prova (art.º 722.º, n.º 2 do Cód. de Proc. Civil). </font>
</p><p><font>Em suma, não ocorre a arguida nulidade do acórdão recorrido e a Relação não estava impedida de proceder à efectuada alteração da decisão referente à matéria de facto, improcedendo tudo o que, a tal propósito, os Réu invocou e concluiu na sua alegação recursiva.</font><br>
<b><font>2. Definição do concreto regime jurídico a que se encontra submetido o contrato celebrado entre Autor e Réu</font></b><font>. </font>
</p><p><font>As</font><b><font> </font></b><font>instâncias coincidiram na qualificação da relação contratual, iniciada em Janeiro de 1988 e termo em Dezembro de 1993, como constituindo um contrato de agência, qualificação essa sufragada já no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido nos autos e transitado em julgado (fls. 307) e também aceite pelas partes.</font>
</p><p><font>Antes da sua consagração como contrato típico, operada pelo DL n.º 178/86, de 3 de Julho, Januário Gomes</font><a><u><sup><font>[9]</font></sup></u></a><font> considerava o contrato de agência como «</font><i><font>o negócio oneroso em que uma das partes (o agente), actuando por conta e em nome de outrem (o proponente), em regime de colaboração estável, não necessariamente exclusiva, desenvolve autonomamente, em determinada(s) zona(s) uma actividade de prospecção do mercado, conquista de clientes e promoção do(s) produto(s), celebrando eventualmente negócios, quando para tal tenha especiais poderes</font></i><font>», colocando a sua tónica no “desbravamento do mercado”, mais do que na conclusão de negócios.</font>
</p><p><font>Por seu turno, o artigo 1.º desse diploma legal (DL n.º 178/86, de 3 de Julho), na redacção originária, definia-o como «</font><i><font>o contrato pelo qual uma das partes se obriga a promover por conta da outra a celebração de contratos, em certa zona ou determinado círculo de clientes, de modo autónomo e estável e mediante retribuição</font></i><font>».</font>
</p><p><font>Desta noção resultavam, como ensina </font><i><font>Carlos Barata Lacerda</font></i><a><u><sup><font>[10]</font></sup></u></a><font>, os seguintes elementos essenciais:</font>
</p><p><font>- a obrigação de promoção de contratos, a cargo do </font><i><font>agente</font></i><font>;</font>
</p><p><font>- a actuação do </font><i><font>agente</font></i><font>, por conta de outrem (</font><i><font>o principal</font></i><font>);</font>
</p><p><font>- a delimitação territorial ou subjectiva da actuação do agente;</font>
</p><p><i><font>- </font></i><font>a autonomia do agente;</font>
</p><p><font>- a estabilidade do vínculo;</font>
</p><p><font>- a obrigação de pagamento de retribuição, a cargo do principal.</font>
</p><p><font> E mais adiante, prosseguindo na caracterização do contrato e referindo-se à exclusividade como seu elemento não essencial, adianta</font><a><u><sup><font>[11]</font></sup></u></a><font> que «</font><i><font>relativamente a esta, a lei optou (e bem) pelo critério inverso ao utilizado para a representação. Isto é, a exclusividade só não integrará o conteúdo do contrato de agência se afastada pelas partes, mediante convenção a tanto dirigida. A exclusividade deve, portanto, ser caracterizada como elemento natural da relação contratual de agência…». </font></i><font>Acrescenta a seguir</font><a><u><sup><font>[12]</font></sup></u></a><font> que «</font><i><font>resulta do art.4º</font></i><a><b><i><u><sup><font>[13]</font></sup></u></i></b></a><i><font> que, em sede de contrato de agência, vigorará entre as partes, supletivamente e ex lege, um direito (e uma obrigação) de exclusividade recíproca. Ou seja, a exclusividade é estabelecida em favor quer do principal, quer do agente: o agente não poderá exercer actividades concorrentes com as exercidas com pelo principal e este não poderá contratar com outros agentes, para o mesmo ramo de actividade…A eficácia do direito de exclusividade é delimitada por um elemento (essencial) do contrato: a zona ou círculo de clientes que circunscreve a prestação a cargo do agente».</font></i>
</p><p><font>Posteriormente, o DL n.º 118/93, de 13 de Abril, que transpôs para a ordem jurídica interna a Directiva n.º 86/653/CEE, procedeu a algumas alterações ao regime do contrato de agência, modificando a redacção dos art.ºs 1º, 4º, 13º, 16º a 18º, 22º, 27º, 28º, 33º e 34º do DL n.º 178/86, de 3 de Julho. Por força dessas alterações, sublinha António Pinto Monteiro</font><a><u><sup><font>[14]</font></sup></u></a><font> que «o direito de exclusivo antes considerado pelo legislador </font><i><font>elemento natural </font></i><font>do contrato de agência, consagrando-o quer a favor do principal, quer a favor do agente, salvo se existisse convenção em contrário, formulada por escrito, o referido direito </font><i><font>a favor do agente</font></i><font> passou a depender do principal, que terá de lhe conceder essa qualidade por escrito. O sentido da alteração, frisa ainda, resume-se ao seguinte. Presentemente, no silêncio do contrato, o principal não está impedido de utilizar, ainda que dentro da mesma zona ou círculo de clientes, outros agentes para o exercício de actividades concorrentes. Tal limitação só existirá se o principal nela </font><i><font>consentir </font></i><font>por escrito, ao contrário do que sucedia anteriormente, uma vez que, sendo o contrato omisso, o agente beneficiaria do direito de exclusivo». </font>
</p><p><font>Igual opinião expende </font><i><font>também mais recentemente Carlos Lacerda Barata</font></i><a><u><sup><font>[15]</font></sup></u></a><i><font> ao retirar a conclusão de que se tornou insustentável a recondução da exclusividade ao elenco dos elementos naturais do contrato de agência, constituindo antes um seu elemento acidental.</font></i>
</p><p><font>Sucede que a 1ª instância entendeu aplicável ao caso em apreço, ou seja, ao contrato de agência estabelecido entre o Autor (como </font><i><font>agente</font></i><font>) e o Réu (como </font><i><font>principal</font></i><font>) as alterações introduzidas nos art.ºs 1º e 4º do DL 178/86, de 3 de Julho, pelo DL n.º 118/93, de 13 de Abril, enquanto a Relação, pelo contrário, optou pela aplicação do regime originário.</font>
</p><p><font>Cremos, diferentemente do que sustenta o Réu, que a decisão da Relação merece ser inteiramente sufragada.</font>
</p><p><font>Com efeito, a relação contratual em que radica o pedido formulado pelo Autor referente a comissões (a sua remuneração) pelas vendas efectuadas desenvolveu-se, como se alcança do elenco dos factos provados, entre Janeiro de 1988 e Dezembro de 1993, pelo que considerando o que dispõe o artigo 2.º do DL n.º 118/93, de 13 de Abril, o novo regime não lhe deve ser aplicado.</font>
</p><p><font>Estabelece este preceito que «</font><i><font>o regime jurídico ora consagrado aplicar-se-á a partir de 1 de Janeiro de 1994 aos contratos celebrados antes da entrada em vigor do presente diploma</font></i><font>». A sua finalidade é a de estender o novo regime jurídico, a partir de 1 de Janeiro de 1994, aos próprios contratos celebrados antes da sua entrada em vigor, mas tendo o contrato de agência acordado entre o Autor e o Réu cessado os seus efeitos, em Dezembro de 1993, não deverá ser submetido à sua disciplina.</font>
</p><p><font>Muito embora o início de vigência do DL n.º 118/93, de 13 de Abril, e, portanto, das alterações por ele introduzidas tenha sido, em resultado do que prescrevem os art.ºs 5º do Cód. Civil e 2º da Lei n.º 74/98, de 11 de Novembro, o dia 18 de Abril de 1993, a sua aplicação aos contratos pré-existentes ficou diferida para Janeiro de 1994. A tal p | [0 0 0 ... 0 1 0] |
JjFXu4YBgYBz1XKvJ_d1 | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><br>
<font>Acordam, em conferência, os Juízes da 1ª Secção Cível do Supremo Tribunal de Justiça:</font><br>
<p><font> </font><br>
</p><div><br>
<font>*</font></div><br>
<br>
<font>AA intentou acção declarativa em processo comum contra a BB, pedindo a condenação desta nos seguintes pedidos:</font><br>
<p><font>“i) A repor o pilar metálico anteriormente existente no lugar onde foi contruída a ampliação da fracção "..." do prédio identificado nos autos;</font><br>
</p><p><font>ii) A efectuar os trabalhos de reparação necessários para assegurar a estabilidade da laje do tecto da sala que corresponde à ampliação da mesma fracção,</font><br>
</p><p><font>iii) A reparar os danos causados na varanda e parede de tardoz da fracção "E" do referido prédio, efectuando os seguintes trabalhos:</font><br>
</p><p><font>a) eliminação do desnivelamento causado no chão dessa varanda, recolocando e/ou substituindo os mosaicos levantados;</font><br>
</p><p><font>b) eliminação das fendas causadas nas respectivas paredes e da deformação das caixilharias das janelas e porta da varanda e do quarto contíguo, procedendo à sua reparação e/ou substituição. “</font><br>
</p><p><font>Por fim, requereu que fosse fixado um prazo de 30 dias para que a ré procedesse à realização dos citados trabalhos, sob pena de sujeição a uma sanção pecuniária compulsória no valor de € 150,00 por cada dia de atraso na conclusão dos mesmos.</font><br>
</p><p><font>E atribuiu à causa o valor de €30.000,01 (trinta mil euros e um cêntimo).</font><br>
</p><p><font>Em 11.9.2017, em incidente de verificação do valor da causa, o Sr. Juiz da 1ª instância proferiu o seguinte despacho:</font><br>
</p><p><font>“O autor pede, na presente acção, que a ré seja condenada a realizar os trabalhos descritos nas alíneas a), b) e c) do pedido, esclarecendo no requerimento que apresentou a 03/07/2017 que o valor desses trabalhos / reparações é de € 5250,00, acrescido de IVA à taxa legal aplicável, a qual é de 23%, o que corresponde ao montante de € 6457,50. </font><br>
</p><p><font>O autor indicou, como valor da causa, o montante de €30000,01 (trinta mil e um cêntimo).</font><br>
</p><p><font>A ré não impugnou o valor da causa indicado pelo autor. </font><br>
</p><p><font>Cumpre apreciar e decidir:</font><br>
</p><p><font>Compete ao juiz fixar o valor da causa, sem prejuízo do dever de indicação que impende sobre as partes, devendo tal fixação realizar-se aquando da elaboração do despacho saneador, nos termos do artigo 306.º, n.º 1 e n.º 2, do Código de Processo Civil.</font><br>
</p><p><font>Vejamos, assim, qual o critério para determinação do valor da causa.</font><br>
</p><p><font>Estipula o art.º 297.º, n. º1, 2ª parte, do C.P.C., que se pela acção se pretende um benefício diverso, o valor da causa é a quantia em dinheiro equivalente a esse benefício.</font><br>
</p><p><font>Visa o autor, com a presente acção, e para o que interessa no presente momento, que a ré seja condenada a realizar os trabalhos descritos nas alíneas a), b) e c) do pedido, pelo que o valor da acção deve corresponder à quantia em dinheiro equivalente a esse benefício. Se o próprio autor quantifica o custo desses trabalhos em € 6457,50 (com IVA incluído), o valor da causa deve corresponder a esse montante, revelando-se, por isso, incorrecto o valor inicialmente indicado pelo autor (€ 30000,01), não havendo sequer qualquer facto que justifique esse valor.</font><br>
</p><p><font>Pelo exposto, nos termos das disposições legais acima referidas, fixa-se o valor da acção em € 6457,50 (seis mil, quatrocentos e cinquenta e sete euros e cinquenta cêntimos).</font><br>
</p><p><font>Custas do incidente pelo autor (arts. 527º, nºs 1 e 2, do C.P.C.). Rectifique na capa e no sistema Citius.</font><br>
</p><p><font>Notifique”</font><br>
</p><p><font>A ré não recorreu deste despacho.</font><br>
</p><p><font>Por despacho proferido em 09/05/2018, foi determinado que a ré facultasse o acesso por parte do Senhor Perito à laje do tecto da sala correspondente à zona de ampliação da fracção ..., removendo-se, na medida do necessário, as placas de gesso cartonado, para que o Sr. Perito pudesse apurar qual o estado da conservação da laje, respondendo ao quesito B) que é objecto da perícia.</font><br>
</p><p><font>Notificada de tal despacho, veio a ré apresentar reclamação, em 1.3.2019.</font><br>
</p><p><font>No entanto, foi realizado julgamento e proferida sentença que concluiu assim:</font><br>
</p><p><font>“Face ao exposto, julga-se a presente acção parcialmente procedente e nessa conformidade decide-se:</font><br>
</p><p><font>-Indeferir o requerimento apresentado pela ré em 01/03/2019 de arguição de nulidade processual decorrente da realização de audiência de julgamento.</font>
</p><p><font>-Indeferir a excepção dilatória de falta de interesse em agir invocada pela ré; Condenar a Ré BB a:</font><br>
</p><p><font>- Repor o pilar metálico referido no ponto 9) dos factos provados, existente previamente às obras de construção/ampliação na fracção "..." identificada nos factos provados;</font><br>
</p><p><font>- Efectuar trabalhos de reparação para assegurar a estabilidade da laje do tecto da sala da aludida construção/ampliação;</font><br>
</p><p><font>- Eliminar o desnivelamento causado no chão da marquise a tardoz da fracção "E" identificada nos factos provados, recolocando e/ou substituindo os mosaicos levantados;</font><br>
</p><p><font>- Reparar as fendas causadas nas respectivas paredes da marquise referida no ponto anterior.</font><br>
</p><p><font>- Fixar o prazo de 30 dias para que a ré proceda a todos os trabalhos referidos na alínea anterior.</font><br>
</p><p><font>- Condenar a Ré numa sanção pecuniária compulsória de € 30,00 (trinta euros) diários se, findo o referido prazo de 30 dias após o trânsito em julgado da presente sentença, não proceder à realização dos trabalhos previstos nos pontos i. e ii. da alínea c) deste dispositivo.</font><br>
</p><p><font>- Julga-se improcedente o pedido de condenação do Autor AA como litigante de má-fé.</font><br>
</p><p><font>- Absolve-se a Ré de tudo o mais peticionado.”</font><br>
</p><p><font>Inconformada, a Ré apelou, mas a apelação foi julgada improcedente, sem fundamentação essencialmente diferente.</font><br>
</p><p><font>Novamente inconformada, veio a ré interpor revista excepcional ao abrigo do disposto nos artigos 671º, nº3 e 672º, nº1 e nº 2 alínea a) e b) do CPC formulando, a final da alegação, as seguintes conclusões:</font><br>
</p><p><font>“1º..O processo está inquinado de NULIDADE processual desde a realização do julgamento.</font><br>
</p><p><font>Ao ser interposto recurso do despacho judicial, que designou a data de marcação da audiência de julgamento, a mesma não podia realizar-se. Devendo ordenar-se a repetição do julgamento. A Sentença que veio a ser proferida, deve ser declarada nula, por não ser o momento processual para ser proferida.</font><br>
</p><p><font>2º-O artº. 3 nº.3 do CPC, estatui que “O Juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo em caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem.</font><br>
</p><p><font>3º-Dispõe também o artº.4 do CPC, que “ o tribunal deve assegurar, ao longo de todo o processo, um estatuto de igualdade substancial das partes, designadamente no exercício de faculdades, no uso de meios de defesa e na aplicação de cominações ou de sanções processuais”.</font><br>
</p><p><font>4º- A realização da justiça no caso concreto deve ser conseguida no quadro dos princípios estruturantes do processo civil, como são os princípios do dispositivo, do contraditório, da igualdade das partes, e da imparcialidade do juiz, traves-mestras do princípio fundamental do processo equitativo proclamado no artigo 20 nº.4 da Constituição da República Portuguesa.</font><br>
</p><p><font>5º- Levando a cabo a realização da audiência de julgamento, nessas circunstâncias, com a produção de prova só por parte do autor, o Mmº. Juiz violou a lei, e os princípios estruturantes do processo civil, nomeadamente o princípio do contraditório, e o princípio da igualdade das partes.</font><br>
</p><p><font>6º- E as garantias de defesa da ré, constitucionalmente consagradas, nomeadamente no artº.20 da Constituição da República Portuguesa, que consagra o direito de acesso ao direito eauma tutela jurisdicional efectiva, garantindo a todos o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legítimos, impondo ainda que esse direito se efective através de um processo equitativo, que impõe, no seu núcleo essencial, que os regimes adjectivos proporcionem aos interessados meios efectivos de defesa dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos, bem como uma efectiva igualdade de armas entre as partes no processo.</font><br>
</p><p><font>7º- A realização da audiência de julgamento, nesses moldes, integra a prática de um ato que a lei não admite, o que constitui uma nulidade processual, nos termos do disposto nos artigos 195º.n.1, 196º. </font><i><font>in</font></i><font> </font><i><font>fine</font></i><font> e 197º. nº.1 do CPC.</font><br>
</p><p><font>8º- Que a ré arguiu, no devido prazo legal, por meio de reclamação apresentada aos autos, e de cujo indeferimento veio agora a ser notificada, e da qual interpôs recurso, no prazo legal.</font><br>
</p><p><font>9º- Sendo a decisão de indeferimento da nulidade arguida, passível de recurso, por se tratar de decisão proferida sobre a nulidade prevista no nº.1 do artº.195 do CPC, por contender com os princípios da igualdade ou do contraditório, com aquisição processual dos factos, ou com a admissibilidade de meios probatórios, conforme o disposto no nº.2 do artº.630 do CPC.</font><br>
</p><p><font>10º- Veio o acórdão da ... Secção do TR..., afirmar que o despacho que designou a data da audiência de julgamento, e um despacho de mero expediente, não susceptível de recurso. Concluindo que se encontra esgotado o poder jurisdicional, sobre a questão.</font><br>
</p><p><font>11º- Não pode concordar-se com tal decisão.</font><br>
</p><p><font>O despacho que designou a data de julgamento, pronunciou-se sobre outras questões, que poderiam influir no exame da causa, sobre as quais a recorrente interpôs recurso.</font><br>
</p><p><font>Um despacho de mero expediente, é aquele que se limita a marcar a data de realização de audiência de julgamento, o que não foi o caso.</font><br>
</p><p><font>12º- Realizada a audiência de julgamento, a ré no prazo legal, veio suscitar a nulidade da realização da mesma.</font><br>
</p><p><font>Sobre esse requerimento, veio o Sr. Dr. Juiz a pronunciar-se na Sentença proferida.</font><br>
</p><p><font>13º- A ré/recorrente interpôs recurso no prazo legal, que subiu juntamente com o recurso sobre a sentença proferida.</font><br>
</p><p><font>14º- Não se encontra assim esgotado o poder jurisdicional, sobre a questão.</font><br>
</p><p><font>15º- Deverá conhecer-se da suscitada nulidade arguida, decidindo-se o seu deferimento, nos fundamentos supra expostos, e anulando-se a audiência de julgamento realizada, por se traduzir em acto não permitido por lei, e consequentemente, anulando-se todos os termos subsequentes que dele dependam, conforme o disposto no nº.2 do artº.195 do CPC.</font><br>
</p><p><font>16º- Não decidindo assim, violou o tribunal “</font><i><font>a</font></i><font> </font><i><font>quo</font></i><font>” o disposto nos artigos 195º. nº.1 e nº.2, 196º. </font><i><font>in</font></i><font> </font><i><font>fine</font></i><font>, 197º. 627º. nº.1 e 299º., todos do Código de Processo Civil e as garantias de defesa da ré, constitucionalmente consagradas no artigo 20º. da Constituição da República Portuguesa.</font><br>
</p><p><font>17º- Nulidade do acórdão proferido pela ... Secção do TR..., por contradição entre a fundamentação de facto e fundamentação de direito ( artigos 666º nº.1 e 615º nº.1 alín. c) do CPC</font><br>
</p><p><font>Deu o tribunal de 1ª. instância como provado, que as obras de construção/ampliação da fracção "...", agora da propriedade da ré, foram realizadas por uma tal D. CC. E que esta, segundo o depoimento das Testemunhas DD e EE vendeu a fracção à Ré.</font><br>
</p><p><font>Fundamentando que se verifica uma situação de traslação de obrigação de </font><i><font>propter</font></i><font> </font><i><font>rem</font></i><font>, de carácter ambulatório,</font><br>
</p><p><font>18º- E assim condenou a ré/ recorrente, à sua demolição, e a “ repor o pilar metálico referido no ponto 9) dos factos provados, existente previamente às obras de construção/ampliação na fracção "..." identificada nos factos provados.”</font><br>
</p><p><font>19º- Sucede que não é verdade que a ré tenha comprado a fracção à D. CC. A ré não conhece esta senhora, e conforme a escritura pública que junta (cfr. Doc.1), a ré adquiriu a fracção ao FF e mulher GG.</font><br>
</p><p><font>20º- E se foi efectivamente a tal D. CC que realizou as obras em causa, (porque a ré desconhece, quem tenha sido), que se tenha conhecimento, não foi proposta contra a mesma, nenhuma acção judicial, a pedir a demolição das obras. Não existindo uma decisão judicial, transitada em julgado, nesse sentido</font><br>
</p><p><font>21º- Veio o acórdão da ... Secção do TR..., afirmar que “Contudo, não é verdade que na sentença recorrida, se tenha dado como provado, que as obras de construção/ampliação da fracção "..." tenham sido realizadas por CC e que esta tenha vendido a fracção à ré.</font><br>
</p><p><font>22º- Não tendo o tribunal de 1ª. instância apurado, quem realizou as obras.</font><br>
</p><p><font>23º- Em qualquer das situações se impõe a mesma solução jurídica.</font><br>
</p><p><font>Pois não se apurou quem foi o condómino que realizou as obras. Nem existe nenhuma sentença judicial, transitada em julgado, a obrigar o condómino que as realizou, a demolir as mesmas.</font><br>
</p><p><font>24º- Pelo que não existe nenhuma obrigação “</font><i><font>propter</font></i><font> </font><i><font>rem”.</font></i><br>
</p><p><font>Não pode transferir-se para a esfera jurídica da ré/recorrente, uma obrigação que não existe.</font><br>
</p><p><font>25º- Classifica-se de obrigação “propter </font><i><font>rem</font></i><font> “, aquela por via da qual, certo condómino está vinculado, por sentença transitada, a repor a situação anterior à de obras que executou no edifício constituído em propriedade horizontal, em preterição dos limites do seu próprio direito”.</font><br>
</p><p><font>Ora, não existe essa obrigação, pelo que não pode transferir-se para a esfera jurídica da recorrente, uma obrigação que não existe.</font><br>
</p><p><font>26º- Verifica-se assim, no acórdão proferido pela ... Secção do TR..., uma contradição entre a fundamentação de facto e a decisão jurídica encontrada, o que constitui uma causa de nulidade do mesmo, nos termos do disposto nos artigos 666º. nº.1, e 615º. nº.1 alín.c) do CPC, que assim deverá ser declarada.</font><br>
</p><p><font>27º- Nulidade do acórdão proferido pela ... Secção do TR..., por faltar a assinatura de um juiz ( artºs 666º nº.1 e 615º nº.1 alín. a) do CPC</font><br>
</p><p><font>O acórdão proferido pela ... Secção do TR..., é ainda nulo, por não conter a assinatura dum juiz.</font><br>
</p><p><font>São aplicáveis à 2ª. instância, o disposto nos artigos 613º. a 617º do CPC, conforme dispõe o artº.666 nº.1 do CPC.</font><br>
</p><p><font>Constituindo causa de nulidade da sentença, a falta de assinatura do juiz, nos termos do disposto no artº.615 nº.1 alín. a) do CPC.</font><br>
</p><p><font>Constata-se que no acórdão proferido, não consta a assinatura dum Juiz, concretamente da Juíza HH.</font><br>
</p><p><font>E no lugar da assinatura da mesma, consta a menção </font><i><font>“</font></i><font> </font><i><font>vota</font></i><font> </font><i><font>em</font></i><font> </font><i><font>conformidade</font></i><font> </font><i><font>na</font></i><font> </font><i><font>impossibilidade</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>comparência</font></i><font> </font><i><font>pessoal</font></i><font> </font><i><font>“.</font></i><br>
</p><p><font>Ora, tal menção expressa, por cima do nome da Juíza em questão, não corresponde à assinatura da mesma, não podendo valer como tal.</font><br>
</p><p><font>Nesses termos, o acórdão proferido, é nulo, nos termos do disposto nos artigos 666º nº.1 e 615º nº.1 alín. a) do CPC (tendo a recorrente requerido a rectificação da nulidade verificada).”</font><br>
</p><p><font>Pediu, assim, que fosse declarado nulo o acórdão proferido pela ... Secção do TR..., ordenando-se a sua reforma, nos termos expostos.</font><br>
</p><p><font>O Sr. Juiz da Relação admitiu o recurso como de revista.</font><br>
</p><p><font>Porém, já neste Supremo, foi proferido o seguinte despacho:</font><br>
</p><p><font>“Como é jurisprudência pacífica, o acesso à revista excepcional não prescinde da verificação dos pressupostos gerais de admissibilidade do recurso, designadamente o atinente ao valor da causa (cfr. Ac. STJ de 26.11.2019, proc. 1320/17.0T8CBR.C1-A.S1, em </font><font>www.dgsi.pt</font><font>). </font><br>
</p><p><font>Ora, verifico que a causa tem apenas o valor de € 6.457,50, inferior à alçada do Tribunal da Relação, o que significa que não consente recurso de revista, normal ou excepcional, para o Supremo Tribunal de Justiça (art. 629º, nº 1 do CPC e art. 44º da Lei nº 62/2013 de 26.8). </font><br>
</p><p><font>Como assim, notifique as partes para, em 10 dias, se pronunciarem sobre a questão (art. 655º, nº 2 do CPC). “</font><br>
</p><p><font>Em resposta, a ré veio alegar que o valor da causa deve ser determinado pelo valor da propositura da acção, nos termos do art. 299º, nº 1 do C.P.C. Tendo sido indicado pelo autor o montante de € 30.000,01, na petição inicial, deve ser esse o valor da causa, conforme dispõe a lei, para os devidos efeitos legais.</font><br>
</p><p><font>Não obstante, o relator proferiu o seguinte despacho:</font><br>
</p><p><font>“A ré veio interpor recurso de revista do acórdão, incluindo da parte em que indeferiu o requerimento de 1.3.2019. </font><br>
</p><p><font>Sucede, porém, que o acórdão apreciou apenas uma decisão interlocutória, não final (ainda que integrada na sentença) proferida em 1ª instância, a qual, por isso, não comporta revista nos termos do art. 671º, nº 2, al. a) do CPC. </font><br>
</p><p><font>Aliás, mesmo que assim não fosse entendido, nunca tal seria admissível em função da dupla conforme, por força do disposto no art. 671º, nº 3 do CPC. </font><br>
</p><p><font>Também com apelo ao disposto nos arts. 1347º, nº 1 e 1422º, nº 2, al. a) do CC, o acórdão da Relação reiterou que a ré estava obrigada a repor o pilar metálico, considerou transitada a decisão da inversão da prova do tribunal de 1ª instância ( quando a ré não permitiu o acesso do perito), rejeitou a impugnação de facto da ré, reafirmou a violação do 1422º, nº 2, al. a) do CC (consumada através da construção/ampliação com um piso localizado na prumada das varandas dos pisos superiores), qualificou, igualmente, a obrigação da ré como obrigação propter rem, com natureza ambulatória, isto é, inerente ao imóvel que adquiriu (ainda antes das aludidas obras de construção /ampliação). </font><br>
</p><p><font>Ou seja: confirmou, assim, a sentença sem fundamentação essencialmente diferente. </font><br>
</p><p><font>E, por isso, se apresentou a recorrente a interpor recurso de revista excepcional para o Supremo Tribunal de Justiça, ao abrigo do disposto no art. 672º, nº 1, als. a) e b) do CPC. </font><br>
</p><p><font>Sucede, no entanto, que, como se sublinhou no anterior despacho, é jurisprudência pacífica que o acesso à revista excepcional não prescinde da verificação dos pressupostos gerais de admissibilidade do recurso, designadamente o atinente ao valor da causa (cfr. Ac. STJ de 26.11.2019, proc. 1320/17.0T8CBR.C1-A. S1, em </font><font>www.dgsi.pt</font><font>). </font><br>
</p><p><font>Ora, no caso falha precisamente um desses pressupostos: a causa tem apenas o valor de € 6.457,50, inferior à alçada do Tribunal da Relação o que significa que não consente recurso de revista, normal ou excepcional, para o Supremo Tribunal de Justiça (art. 629º, nº 1 do CPC e art. 44º da Lei nº 62/2013 de 26.8). Foi esse o valor fixado em 1ª instância no incidente de verificação do valor da causa. </font><br>
</p><p><font>Argumenta a recorrente que o Sr. Juiz violou as regras do valor da causa, uma vez que o autor não se limitou a pedir a realização de obras, cumulando com esse outro pedido de penalização da ré por dias de atraso, pelo que o valor deve ser determinado pelo valor da propositura da acção, nos termos do art. 299º, nº 1 do CPC. </font><br>
</p><p><font>Olvida, porém, que o valor fixado na 1ª instância constitui caso julgado formal, impeditivo de posterior alteração (v. Lebre de Freitas…, CPC anotado, Volume 1ª., 3ª edição pág. 601). </font><br>
</p><p><font>Pelo exposto, não se conhece do objecto do recurso. </font><br>
</p><p><font>Custas pela recorrente/ré, ficando-se a taxa de justiça em 2 (duas) UC. </font><br>
</p><p><font>Notifique. “</font><br>
</p><p><font>Vem agora a recorrente reclamar da decisão singular para a conferência formulando as seguintes conclusões:</font><br>
</p><p><font>“1º- Na determinação do valor da causa, deve atender-se ao momento em que a acção é proposta, conforme dispõe o artº.299 nº.1 do Código de Processo Civil.</font><br>
</p><p><font>2º- O Autor atribuiu à acção, o valor de 30.000,01€.</font><br>
</p><p><font>3º- Na petição inicial, formulou vários pedidos contra a ré, nomeadamente, ser condenada a: (…)</font><br>
</p><p><font>4º- O Autor fez uma cumulação de pedidos, alguns de complexidade técnica, que exigem rigor e conhecimentos técnicos, no apuramento dos mesmos, para lá da alínea d) que encapotada pede uma penalização à ré, por dias de atraso.</font><br>
</p><p><font>5º- O pedido do Autor, não se limitou assim, a exigir a realização de obras na sua marquise, e indicar o valor das mesmas.</font><br>
</p><p><font>6º- O Mmº. Juiz violou assim as regras da fixação do valor da causa ao alterar o valor da acção, sem estarem reunidos os pressupostos previstos na lei, pelo que não pode valer o valor fixado arbitrariamente pelo Sr. Juiz.</font><br>
</p><p><font>7º- O valor da causa, deve ser determinado, pelo valor da propositura da acção, nos termos do artº.299 nº.1 do C.P.C.</font><br>
</p><p><font>8º- Tendo sido indicado pelo Autor, o montante de 30.000,01€ na petição inicial, deve ser esse o valor da causa, conforme dispõe a lei, para os devidos efeitos legais.</font><br>
</p><p><font>9º- Nesses termos, deve ser admitido, o recurso de revista excepcional, interposto pela recorrente.</font><br>
</p><p><font>10º- O recurso de revista excecional foi interposto ao abrigo das alíneas a) e b) do nº.2 do artigo 672º. do CPC, por se verificarem reunidos os pressupostos legais, nomeadamente revelar-se necessária uma melhor apreciação jurídica, para aplicação do direito, (cfr. alínea a) do nº 2 do art .672º do CPC); e por estarem em causa interesses de particular relevância social (cfr. alínea b) do nº.2 do artº.672 do CPC ). </font><br>
</p><p><font>11º- Ainda mais, quando o processo está inquinado de Nulidade processual.</font><br>
</p><p><font>Pois tendo sido interposto recurso pela recorrente, do despacho que designou a data de julgamento, o Sr. Dr. Juiz não podia realizar a audiência de julgamento.</font><br>
</p><p><font>Levando a cabo a mesma, só ouvindo a produção de prova do autor, violou o princípio do contraditório, e as garantias de defesa da ré/recorrente, constitucionalmente consagradas.</font><br>
</p><p><font>12º- Por outro lado, o acórdão proferido pela ... Secção do Tribunal da Relação está ferido de Nulidade, por não conter a assinatura de um Juiz (artº.666 nº.1 e 615º. nº.1 alín.a) do CPC ).</font><br>
</p><p><font>Conforme o disposto no artigo 615º. nº.1 alín. a) do CPC, constitui causa de nulidade da sentença a falta de assinatura do juiz.</font><br>
</p><p><font>Disposição aplicável ao presente acórdão, face ao disposto no artigo 666º. nº.1 do CPC, que manda aplicar à 2ª. instância o que se acha disposto nos artigos 613º a 617º. do CPC.</font><br>
</p><p><font>Constata-se que no Acórdão proferido, não consta a assinatura de um dos Juízes, concretamente da Srª. Drª. Juíza HH. E no lugar da assinatura da mesma, consta a menção “vota em conformidade na impossibilidade de comparência pessoal “. Tal menção expressa por cima do nome da Srª. Juíza em questão, não corresponde à assinatura da mesma, não podendo valer como tal.</font><br>
</p><p><font>13º- Nesses termos o acórdão proferido, está ferido de nulidade, nos termos do disposto nos artigos 666º. nº.1 e 615º. nº.1 alín. a) do CPC.</font><br>
</p><p><font>14º- Tendo a recorrente, no prazo legal, requerido a rectificação da nulidade verificada, o Tribunal da Relação assim não procedeu, não tendo sido suprida a nulidade, que assim deve ser declarada.</font><br>
</p><p><font>Termos em que, face a todo o exposto, deve o recurso de revista excecional interposto ser admitido, pedindo-se a Vª. s Exª.s que se dignem revogar a decisão de indeferimento do recurso, e a sua substituição por outra que o admita.”</font><br>
</p><p><font>Cumpre decidir:</font><br>
</p><p><font>A ré reclamou para a conferência do despacho do relator que não conheceu do objecto do recurso insistindo que o valor da causa deve ser determinado pelo valor da propositura da acção, nos termos do art. 299º, nº1 do CPC.</font><br>
</p><p><font>Porém, não lhe assiste qualquer razão.</font><br>
</p><p><font>Com efeito, o tribunal de 1ª instância, em incidente de verificação do valor da causa, fixou, por despacho transitado em julgado, o valor da causa em € 6.457,50, inferior à alçada do Tribunal da Relação.</font><br>
</p><p><font>Ora, como se sublinha no despacho reclamado, o valor fixado em 1ª instância constitui caso julgado formal, não permitindo posterior alteração ( Lebre de Freitas, CPC anotado, Volume 1º, 3ª edição, pág. 601).</font><br>
</p><p><font>Pelo que, tendo a causa valor inferior à alçada do Tribunal da Relação, falha, precisamente, um dos pressupostos gerais de que depende o acesso à revista excepcional (cfr.o supra citado Ac. STJ de 26.11.2019).</font><br>
</p><p><font>Sumário:</font><br>
</p><p><font>“O valor fixado em 1ª instância constituiu caso julgado formal, impeditivo de posterior alteração “</font><br>
</p><p><font>Custas pelo reclamante, com a taxa de justiça de 3 (três) UCs.</font><br>
</p><div><br>
<font>*</font></div><br>
<br>
<font>Lisboa, 31 de Janeiro de 2023</font><br>
<p><font> </font><br>
</p><p><font>António Magalhães (Relator)</font><br>
</p><p><font>Jorge Dias</font><br>
</p></font><p><font><font>Jorge Arcanjo</font></font></p> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
2DJqu4YBgYBz1XKvyARv | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><font> </font><div><br>
<font>Acordam na 1ª Secção Cível do Supremo Tribunal de Justiça:</font><br>
<p><font> *</font></p></div><br>
<br>
<font>AA, titular do nº de identificação civil …., contribuinte fiscal nº …. intentou acção especial de prestação de contas contra BB, titular do nº de identificação civil …, na qualidade de cabeça de casal na herança de CC, falecida em 02-11-2016, e de DD, falecido em 17-05-1997, com vista à prestação de contas dos anos de 1997 a 2000, relativa à administração das heranças dos falecidos levada a cabo pelo ora réus.</font><br>
<p><font>O réu foi citado para os termos da presente acção.</font><br>
</p><p><font>Posteriormente o Tribunal da 1ª instância</font><i><font> </font></i><font>determinou a realização de perícia por um dos Técnicos Oficiais de Contas indicados pela respetiva câmara, de forma a apreciar as contas apresentadas pelo autor a fls. 43 a 64 dos autos.</font><br>
</p><p><font>Nomeado perito, o mesmo apresentou nos autos os relatórios periciais que constam de fls. 1033 a 1099 e de fls. 2100 a 2130 do processo, os quais foram objeto de contraditório por parte das partes.</font><br>
</p><p><font>Seguidamente foi proferida sentença com o seguinte dispositivo:</font><br>
</p><p><font>“Pelo exposto, e julgando que as contas do autor não foram validamente prestadas, recusa-se a aprovação das mesmas, antes se considerando que os valores de despesa e receita efectiva para os anos de 1997, 1998, 1999 e 2000 e respectivos saldos, na herança de CC e de DD, são os que constam do relatório pericial para o qual se remete, designadamente do quadro de fls. 2127 - sob a epígrafe Resumo da Prestação de Contas, Após as Correções introduzidas-, no qual se apura um saldo acumulado em favor das heranças de 87.104,38€.”</font><br>
</p><p><font>Inconformado com tal sentença, veio o réu interpor recurso de apelação.</font><br>
</p><p><font>Antes de admitir o recurso, o Mmº Juiz </font><i><font>a quo </font></i><font>determinou a retificação da sentença recorrida nos seguintes termos: “Porque de um lapso material se trata, determino que na sentença proferida, no 1º parágrafo e ponto a da factualidade a considerar: Onde consta: </font><i><font>CC, falecida em 2/11/2016 </font></i><font>deverá passar a constar: </font><i><font>CC, falecida em 12/11/1996.”</font></i><br>
</p><p><font> Notificadas de tal despacho, as partes nada disseram.</font><br>
</p><p><font>Recebido o recurso no Tribunal da Relação, foi proferido despacho pelo relator, advertindo as partes da possibilidade de este Tribunal vir a apreciar oficiosamente a exceção dilatória de ilegitimidade ativa por preterição de litisconsórcio necessário natural, admitindo, contudo, a possibilidade de o vício vir a ter-se por sanado mediante acordo expresso das partes primitivas do presente processo e do irmão de ambos e co-herdeiro EE.</font><br>
</p><p><font>Notificadas as partes de tal despacho, apenas o autor se pronunciou, declarando aceitar que o processo prossiga nos termos referidos no despacho do relator.</font><br>
</p><p><font>A Relação ponderou o seguinte:</font><br>
</p><p><font>“(…) O presente recurso foi interposto da sentença final proferida no âmbito de ação de prestação de contas que corre termos por apenso a processo de inventário por morte de CC e de DD.</font><br>
</p><p><font>Sucede, contudo, que da análise da relação de bens “definitiva” elaborada no processo de inventário por apenso ao qual corre termos a este processo, cuja cópia se acha a fls. 2302 a 2313, resulta que os autores das heranças em apreço deixaram três filhos, a saber o ora autor, AA, o ora réu, BB, e EE, que não é parte na presente ação.</font><br>
</p><p><font>Essa circunstância é confirmada pela análise da cópia da decisão proferida nos autos de inventário, com data de 22-07-2017, que se acha a fls. 2314 a 2355, bem como pelo teor da motivação e conclusões de recurso apresentadas pelo recorrente, o qual se reporta por diversas vezes ao “irmão EE”.</font><br>
</p><p><font>No registo eletrónico dos autos de inventário constam como interessados no processo de inventário, para além do autor e do réu dos presentes autos os srs. EE, FF, e GG.</font><br>
</p><p><font>Nos autos de inventário teve lugar uma conferência de interessados, realizada no dia 08-02-2019 (refª ….), onde constam, como interessados no processo de inventário, as cinco pessoas mencionadas e a referência à circunstância de as interessadas FF e GG serem casadas, respetivamente, com os interessados BB e EE.</font><br>
</p><p><font>Daqui resulta, que nos autos de inventário têm a qualidade de interessados, por serem sucessores dos autores das heranças a partilhar, os senhores BB e AA, que são partes na presente causa, bem como o senhor EE.</font><br>
</p><p><font>No mesmo processo intervêm igualmente os cônjuges das três pessoas acima identificadas.</font><br>
</p><p><font>Ora, a doutrina e a jurisprudência têm assinalado, de modo uniforme e pacífico que na ação de prestação de contas em que a obrigação de prestar contas decorre do exercício das funções de cabeça-de-casal (art. 2079º a 2093º do Código Civil), são partes legítimas todos os interessados na partilha da herança.</font><br>
</p><p><font>Com efeito, como diz LUÍS FILIPE PIRES DE SOUSA, “No que tange à legitimidade ativa, em processo de inventário é necessária a intervenção de todos os interessados para que a decisão produza o seu efeito útil normal (…) Deste modo, não pode um herdeiro – desacompanhado dos demais - requerer a prestação de contas do cabeça-de-casal, devendo provocar a intervenção dos demais pelo incidente de intervenção provocada.</font><br>
</p><p><font>(...)</font><br>
</p><p><font>A regra em sede de ação de prestação de contas é a do litisconsórcio necessário natural, ativo e passivo.</font><br>
</p><p><font>(…)</font><br>
</p><p><font>Se apenas um herdeiro requeresse a prestação e contas pelo cabeça-de-casal, ficaria a porta aberta à possibilidade de outros herdeiros instaurarem nova demanda, em que poderia obter decisão diferente.</font><br>
</p><p><font>(...) a prestação de contas supõe e exige litisconsórcio necessário, já que o entreleçamento das posições dos vários interessados vai a tal ponto que, pela própria natureza da relação jurídica nada de definitivo se pode senão para todos e entre todos”.</font><br>
</p><p><font>No caso vertente, a necessidade de o interessado EE intervir na presente causa é manifesta: basta pensar que o autor pede a condenação do réu a pagar-lhe uma determinada quantia, decorrente da administração das heranças a que se referem os autos de inventário.</font><br>
</p><p><font>O interessado EE tem, obviamente, todo o interesse em tomar posição sobre a pretensão do autor.</font><br>
</p><p><font>Como bem refere LUÍS FILIPE PIRES DE SOUSA, a posição descrita no trecho citado foi assumida na doutrina por ALBERTO DOS REIS e RODRIGUES BASTOS, e tem sido pacificamente acolhida na jurisprudência.</font><br>
</p><p><font>Neste último âmbito, vejam-se, entre outros, os seguintes arestos:</font><br>
</p><p><font>- </font><a><font>RC 24-06-2014 (sílvia Pires), p. 373-A/2001.C1</font></a><br>
</p><p><font>- </font><a><font>RL 28-01-2016 (Ezagüy Martins), p. 9840/09.4TBOER-A.L1-2</font></a><br>
</p><p><font>- </font><a><font>RG 28-06-2018 (Conceição Bucho), p. 155/09TBTMC-A.G1</font></a><br>
</p><p><font>Trata-se de uma situação de litisconsórcio necessário natural ativo (art. 28º, nº 1 do CPC1961, e 33º do CPC2013), devendo por isso figurar na causa, como réu o/a cabeça-de-casal, e como autores, todos os (demais) interessados na partilha.</font><br>
</p><p><font>Ora, como é sabido, a preterição de litisconsórcio necessário gera ilegitimidade, a qual constitui um vício de conhecimento oficioso que conduz à absolvição do réu da instância (arts. 494º, al. e), 495º, e 288º, al. d) do CPC1961, e 576º, nº 2, 577º, al. e), 578º, e 278º, nº 1, al. d) do CPC2013).</font><br>
</p><p><font>Com efeito, embora em estádios menos avançados da causa tal vício possa ser sanado, mediante a dedução de incidente intervenção principal, o certo é que este incidente já não pode ser deduzido na fase de recurso.</font><br>
</p><p><font>Admitiu, contudo, o relator do presente acórdão a possibilidade de, num exercício de adequação formal, e tendo em conta que a presente causa se acha pendente há dezanove anos, evitar que a causa terminasse sem decisão de mérito, o que se crê apenas seria possível mediante a expressa anuência de todas as pessoas envolvidas, a saber, as partes primitivas desta causa, e o irmão de ambos, senhor EE, e desde que aceitassem o processo tal como o mesmo se encontra.</font><br>
</p><p><font>Porém, apenas o interessado AA manifestou tal anuência.</font><br>
</p><p><font>Nesta conformidade, inevitável se torna que o presente Tribunal absolva o requerido da instância, com fundamento na referida ilegitimidade ativa decorrente da preterição de litisconsórcio necessário.</font><br>
</p><p><font>Em consequência, fica prejudicada a apreciação do mérito do recurso. (…)”</font><br>
</p><p><font>Para depois concluir do seguinte modo:</font><br>
</p><p><font>“Pelo exposto, acordam os juízes nesta ...ª Secção do Tribunal da Relação ... em:</font><br>
</p><p><font>a) julgar verificada a exceção de ilegitimidade passiva, e em consequência, absolver o réu da instância</font><br>
</p><p><font>b) Em consequência, considerar prejudicada a apreciação do mérito do presente recurso.</font><br>
</p><p><font>Custas pelo apelado.”</font><br>
</p><p><font>Não se conformando, veio o apelado interpor recurso do acórdão da Relação, formulando as seguintes conclusões:</font><br>
</p><p><font>“A - Vem o presente Recurso interposto do Douto Acórdão, proferido a 22 de Outubro de 2019, constante de fls. … dos presentes autos, que decidiu o presente Apenso de Prestação de Contas dos anos 1997, 1998, 1999 e 2000, Acórdão esse com o qual o ora Recorrente não se conforma.</font><br>
</p><p><font>B - Sem prescindir quanto ao alegado supra, o Recorrente dá essas mesmas alegações aqui como integralmente reproduzidas</font><br>
</p><p><font>C - Primeiramente, em face do valor fixado ao presente Apenso A, importa alegar que:</font><br>
</p><p><font>D - Efectivamente, o presente Apenso foi autuado no dia 1/06/2000, com o valor de PTE: 3.000.001$00, ou seja, €: 14.963,94, o que conforme à previsão legal em vigor à data, efectivamente, permite que o Douto Acórdão ora recorrido possa ser objecto de Recurso de Revista para o Supremo Tribunal de Justiça, uma vez que esse valor excedia a Alçada do Tribunal da Relação à data da sua fixação.</font><br>
</p><p><font>E - Deverá o presente Recurso de Revista ser admitido por Vossas Ex.as e, consequentemente, subir e ser julgado procedente pelo Colendo Supremo Tribunal de Justiça, conforme seguidamente se alegará.</font><br>
</p><p><font>F - Seguidamente, em face do teor constante do Douto Despacho proferido no dia 12/07/2019 pela …..ª Secção do Venerando Tribunal da Relação …., do qual o ora Recorrente foi notificado, bem como face à Resposta que por si foi dada ao mesmo, no Requerimento submetido a 10/09/2019, dúvidas existem quanto a saber se quanto às Senhoras FF e GG também houve ou não preterição do Litisconsórcio Necessário Activo.</font><br>
</p><p><font>G - Concluindo, requer-se a V.as Ex.as, por ser manifesta a sua pertinência, que esclareçam se as Senhoras FF e GG efectivamente são Interessadas no presente Apenso A, até porque constam nos registos informáticos dos autos de Inventário como tal, sendo certo que do Douto Acórdão de que se recorre apenas é declarada a preterição do Litisconsórcio Necessário quanto ao Interessado EE, nada aí sendo referido quanto à preterição ou não preterição do Litisconsórcio no referente às Senhoras FF e GG, existindo sim a total ausência de pronúncia quanto a esta questão, apesar de a mesma ter sido apresentada e suscitada pelo próprio Tribunal </font><i><font>“a quo” </font></i><font>no referido Douto Despacho proferido no dia 12/07/2019.</font><br>
</p><p><font>H - Mais se requer que no presente Recurso seja analisada a seguinte questão:</font><br>
</p><p><font>I - Toda a Fundamentação vertida no Douto Acórdão recorrido, proferido nos autos do Apenso A de Prestação de Contas, vai no sentido de ter sido verificada a preterição do Litisconsórcio Necessário Natural Activo, por ter sido entendido que o Autor não estava acompanhado dos demais Interessados, no entanto, a Decisão proferida nesse mesmo Acórdão vai no sentido de a referida preterição ser geradora de Ilegitimidade Passiva.</font><br>
</p><p><font>J - Na modesta opinião do ora Recorrente, é manifesto que a Fundamentação vertida no Douto Acórdão recorrido está em oposição com a Decisão que nele foi proferida, concretamente, por ter sido fundamentada a preterição do Litisconsórcio Necessário Natural Activo e ter sido Decidido pela verificação da existência de Ilegitimidade Passiva, vício este que, em conformidade com o disposto na alínea c) do n.º 1, do artigo 615º do CPC, é gerador de Nulidade desse mesmo Acórdão, a qual, nos termos do n.º 4 do mesmo artigo, só pode ser arguida em sede de Recurso, devendo o Acórdão ser revogado por força desse vício e, consequentemente, caso tal se mostre viável, deverão proferir novo Acórdão conforme ao Direito. </font><br>
</p><p><font>K - Se este não for o Vosso Entendimento, concretamente, não decidindo pelo reconhecimento do vício da Nulidade do Acórdão recorrido, sempre se dirá, na modesta opinião do Recorrente, que pelo menos o Douto Acórdão padece de Erro na formulação da Decisão, devendo ter sido decidido pela verificação da existência de Ilegitimidade Activa em face da verificada preterição do Litisconsórcio Necessário Natural Activo, requerendo-se a V.as Ex.as que procedam à Revogação do Douto Acórdão recorrido e profiram novo Acórdão onde seja decidido pela verificação da existência de Ilegitimidade Activa, assim fazendo-se Justiça.” </font><br>
</p><p><font>Como foi arguida nulidade, a Relação, em conferência, apreciou assim a matéria: </font><br>
</p><p><font> “(…) Da invocada nulidade do acórdão e da pretendida reforma do mesmo:</font><br>
</p><p><font>Dispõe o art. 615º, nº 1, al. c) do CPC que a sentença é nula “quando os fundamentos estejam em contradição com a decisão, ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível”.</font><br>
</p><p><font>(…)</font><br>
</p><p><font>No caso vertente sustenta o recorrente que existe contradição entre os fundamentos de facto e a decisão proferida, porquanto na fundamentação do acórdão recorrido se concluiu pela verificação de uma situação de litisconsórcio necessário ativo, ao passo que no dispositivo do mesmo acórdão se julgou verificada a exceção de ilegitimidade passiva.</font><br>
</p><p><font>Cremos que o que os autos evidenciam é que o acórdão recorrido padece de um lapso de escrita, no seu dispositivo.</font><br>
</p><p><font>Com efeito, basta atentar na fundamentação do mesmo acórdão e na doutrina e jurisprudência ali citados para verificar que toda a argumentação se orientou no sentido de concluir pela verificação de uma situação de litisconsórcio necessário natural ativo (e não passivo). Aliás, já no despacho do relator que antecedeu a prolação do acórdão recorrido, e nos termos do qual foram as partes a pronunciar-se sobre a matéria, nos termos do disposto no art. 3º, nº 3 do CPC, se aludiu sempre a uma situação de litisconsórcio necessário natural ativo.</font><br>
</p><p><font>Aliás, relendo o acórdão, verificamos que o mesmo padece de outros dois lapsos de escrita, visto que no subtítulo correspondente ao ponto 2.2. também se alude a legitimidade passiva, e que na 1ª página do mesmo aresto se identificou o recorrido como “AA…..”, quando o mesmo se chama “AA”</font><br>
</p><p><font>Nos termos do disposto 614º, nº 1 do CPC “se a sentença (contiver erros de escrita ou de cálculo ou quaisquer inexatidões devidas a outra omissão ou lapso manifesto, pode ser corrigida por simples despacho, a requerimento de qualquer das partes ou por iniciativa do juiz”.</font><br>
</p><p><font>Esta disposição é aplicável aos acórdãos ex vi do art. 666º, nº 1 do mesmo código.</font><br>
</p><p><font>Da conjugação do disposto nos arts. 614º, nº 2 e 666º, nº 2 do CPC, resulta que a Relação pode retificar lapsos de escrita de acórdão sobre o qual tenha incidido recurso de revista, desde que o faça antes de o recurso subir ao STJ, e tal seja decidido em conferência.</font><br>
</p><p><font>Assim sendo, conclui-se que o acórdão recorrido padece dos lapsos de escrita acima referidos, e que por isso devem ser retificados, a fim de que o nome próprio do recorrido que consta da 1ª página seja corrigido para “AA” e no ponto 2.2. e no ponto 3., al. a) onde consta “passiva” passe a constar “Ativa”.</font><br>
</p><p><font>A retificação de tais lapsos de escrita supre a nulidade invocada pelo apelado. (…).</font><br>
</p><p><font>Para concluir de seguida:</font><br>
</p><p><font>“Pelos fundamentos expostos, acordam os juízes desta …ª secção do Tribunal da Relação ….. em determinar a retificação do acórdão recorrido, a fim de que:</font><br>
</p><p><font>a) Na p. 1, onde consta “Recorrido: AA…..”, passe a constar “Recorrido: AA”;</font><br>
</p><p><font>b) Na p. 12, onde consta “2.2. Da legitimidade passiva”, passe a constar “2.2. Da legitimidade ativa”;</font><br>
</p><p><font>c) Na p. 14, no ponto 3., al. a) (dispositivo), onde consta “ilegitimidade passiva”, passe a constar “ilegitimidade ativa”</font><br>
</p><p><font>. Face ao supra determinado, deve o recorrente, no prazo de 10 dias, esclarecer se mantém o interesse no recurso de revista – art. 617º, nº 3 do CPC. </font><br>
</p><p><font>Sem custas. Notifique,</font><br>
</p><p><font>Na sequência, o apelado e recorrente AA veio dizer o seguinte</font><b><font>: </font></b><font>“O Recorrido destaca que, no Recurso de Revista que interpôs para o STJ, além da invocada Nulidade, requereu fosse proferida Decisão de Esclarecimento/Aclaração quanto à questão de saber quais as pessoas que terão interesse numa acção de Prestação de Contas, como a actual, sendo que esse pedido não foi por V.as Ex.as apreciado na Conferência realizada, o que se pensava poder ter sido também atendido. Pelo que, se entende que se mantém a pertinência em saber se apenas os Herdeiros dos </font><i><font>de cujus </font></i><font>serão os Interessados que devem ser parte nesta acção de Prestação de Contas ou se, conjuntamente aos mesmos, também as respectivas esposas são consideradas Interessadas para a acção e, especificamente, se uma actual ex-cônjuge, mas que à data a que respeitam as Contas em análise era casada com um Herdeiro, também é considerada Interessada na acção de Prestação dessas Contas.</font><br>
</p><p><font>Cumpre decidir, tendo em conta as vicissitudes processuais que constam do relatório que antecede.</font><br>
</p><p><font>Nulidade do acórdão:</font><br>
</p><p><font>O recorrente invoca a nulidade do acórdão recorrido por oposição entre a fundamentação e a decisão (alínea c) do n.º 1 do artigo 615º do CPC), uma vez que na fundamentação se indica a preterição do litisconsórcio necessário natural activo e no dispositivo do acórdão consta a verificação da ilegitimidade passiva.</font><br>
</p><p><font>Mas não existe qualquer nulidade.</font><br>
</p><p><font>O que se verifica é que o acórdão recorrido, em razão da argumentação expendida, concluiu, logicamente: “Nesta conformidade, inevitável se torna que o presente Tribunal absolva o requerido da instância, com fundamento na referida ilegitimidade ativa decorrente da preterição de litisconsórcio necessário.” Só depois, na parte dispositiva, julgou verificada a exceção de ilegitimidade “passiva”, e em consequência, absolveu o réu da instância.</font><br>
</p><p><font>Ou seja: como bem referiu a Relação, em conferência, “basta atentar na fundamentação do mesmo acórdão e na doutrina e jurisprudência ali citados para verificar que toda a argumentação se orientou no sentido de concluir pela verificação de uma situação de litisconsórcio necessário natural ativo (e não passivo). Aliás, já no despacho do relator que antecedeu a prolação do acórdão recorrido, e nos termos do qual foram as partes a pronunciar-se sobre a matéria, nos termos do disposto no art. 3º, nº 3 do CPC, se aludiu sempre a uma situação de litisconsórcio necessário natural ativo.</font><sup><font>”</font></sup><font> E daí que a Relação tenha ordenado a rectificação do acórdão recorrido no sentido de se ler “legitimidade ativa” onde se lia “legitimidade passiva”.</font><br>
</p><p><font>Portanto, não existe, em rigor, qualquer oposição entre os fundamentos e a decisão, geradora da nulidade, mas apenas lapso de escrita. A causa de nulidade apontada pressupõe uma contradição lógica interna no raciocínio do julgador, que invoca fundamentos que conduziriam logicamente, não ao resultado expresso na decisão, mas a resultado oposto (Alberto dos Reis, CPC anotado, vol. V, pág. 141); pressupõe um vício lógico de raciocínio, com distorção da conclusão a que conduziriam as premissas de facto e de direito (cfr. Ac. STJ de 18.5.2006, proc. 06A1222, em www.dgsi,pt). Não é o caso: o que existe é apenas um erro material de escrita, revelado no contexto do acórdão (que foi depois rectificado), erro esse que não se pode confundir com qualquer nulidade (cfr. art. 613º do CPC).</font><br>
</p><p><font>Aliás, ainda que se entendesse que se verificava a nulidade, sempre a mesma se deveria considerar suprida.</font><br>
</p><p><font>Erro na formulação da decisão:</font><br>
</p><p><font>Entende o recorrente que, não se decidindo pelo reconhecimento do vício da nulidade do acórdão recorrido, deve entender-se que este padece de erro na formulação da decisão, devendo decidir-se, consequentemente, pela verificação da existência de ilegitimidade activa em face da verificada preterição do litisconsórcio necessário natural activo, revogar-se o recorrido e proferir-se novo acórdão onde seja decidia a verificação da existência de ilegitimidade activa.</font><br>
</p><p><font>Porém, o recorrente ignora o acórdão posterior ao acórdão original, que determinou a rectificação ”a fim </font><a></a><font>de passar a constar “ilegitimidade ativa” onde antes constava “ilegitimidade passiva”.</font><br>
</p><p><font>Não tem, pois, qualquer sentido a revogação do acórdão (rectificado) que, tal como pretende o recorrente, decidiu pela verificação da ilegitimidade activa.</font><br>
</p><p><font>Pedido de esclarecimento:</font><br>
</p><p><font>Com o fundamento de que no acórdão recorrido não se vislumbra qualquer fundamentação nem qualquer decisão que integre ou afaste as referidas Senhoras FF e GG da posição de interessadas no inventário, o recorrente fundamenta o seu recurso também num pedido de esclarecimento quanto a saber se “as Senhoras FF e GG efectivamente são Interessadas no presente Apenso A, (…) sendo certo que do Douto Acórdão de que se recorre apenas é declarada a preterição do Litisconsórcio Necessário quanto ao Interessado EE, nada aí sendo referido quanto à preterição ou não preterição do Litisconsórcio no referente às Senhoras FF e GG”.</font><br>
</p><p><font>Como se verifica, na sequência da rectificação do acórdão recorrido, a Relação determinou a notificação do recorrente para informar se mantinha interesse no recurso de revista, uma vez que considerou prejudicada a apreciação da nulidade acima referida. Na sequência dessa notificação, o recorrente veio informar que mantinha interesse no recurso de revista, “atenta a falta de pronúncia sobre o referido pedido de esclarecimento”.</font><br>
</p><p><font>Porém, não houve qualquer falta de pronúncia sobre o pedido de esclarecimento formulado nas alegações de recurso: o CPC de 2013, aqui aplicável, já não prevê qualquer incidente de aclaração das decisões (cfr. Ac. STJ de 29.9.2020, proc. 935/07.0TJPRT.P1.S1, em www.dgsipt). Não tinha, assim, a Relação de responder ao pedido de esclarecimento.</font><br>
</p><p><font>É verdade que a Relação referiu que no registo electrónico constavam como interessados no processo de inventário, para além do autor e do réu, os srs. EE, FF, e GG; que deu nota de que nos autos de inventário teve lugar uma conferência de interessados onde constavam, como interessados no processo de inventário, as cinco pessoas mencionadas; que as interessadas FF e GG eram casadas, respetivamente, com os interessados BB e EE. No entanto, a Relação frisou também que “nos autos de inventário têm a qualidade de interessados, por serem sucessores dos autores das heranças a partilhar, os senhores BB e AA, que são partes na presente causa, bem como o senhor EE”; que no caso vertente, a necessidade de o interessado EE intervir na presente causa era manifesta; e que, inclusivamemte, o relator do acórdão admitiu a possibilidade de, num exercício de adequação formal, obter a expressa anuência de todas as pessoas envolvidas, a saber, as partes primitivas da causa, e o irmão de ambos, EE, desde que aceitassem o processo tal como o mesmo se encontra, sendo que apenas o interessado AA manifestou tal anuência. Citou, ainda, jurisprudência, em abono da decisão.</font><br>
</p><p><font>Ou seja: para obter resposta às suas dúvidas, se ainda as tem, terá o recorrente de interpretar o acórdão em conjugação com o despacho do relator, com o sumário por este lavrado e com a jurisprudência citada, e ver se a intervenção das ditas interessadas do inventário, que não são herdeiras, se revela ou não necessária para assegurar a legitimidade activa dos autores de uma acção de prestação de contas. Não pode é convocar o Supremo para fazer essa interpretação, antes de a questão ter sido suscitada. Aliás, o recorrente não suscitou qualquer nulidade por omissão de pronúncia do acórdão relativamente a essa matéria, que não se revelava essencial para a decisão da Relação (que a baseou na circunstância de nos autos não figurar um dos herdeiros).</font><br>
</p><p><font>Sumário (art. 663º, nº 7 do CPC):</font><br>
</p><p><font>“1. Se a oposição entre os fundamentos e a decisão resulta de simples lapso de escrita, não se verifica, em bom rigor, a causa da nulidade do acórdão prevista no art. 615º, nº 1, al. c) do CPC, que pressupõe um vício de raciocínio;</font><br>
</p><p><font>2. Tendo a Relação rectificado o acórdão original no sentido de passar a constar “ilegitimidade ativa” onde antes constava “ilegitimidade passiva”, não tem sentido o recorrente, com base em alegado “erro na formulação da decisão”, requerer que o Supremo proceda à revogação do acórdão recorrido e profira novo acórdão onde seja decidida a verificação da existência de ilegitimidade activa;</font><br>
</p><p><font>3. À face do CPC de 2013, e mercê da eliminação do incidente de aclaração das decisões (outrora previsto no CPC de 2008) não tem a Relação de se pronunciar sobre qualquer pedido de esclarecimento do acórdão formulado nas alegações de recurso de revista, no sentido de saber se a intervenção das interessadas do inventário, que não são herdeiras, se revela ou não necessária para assegurar a legitimidade activa dos autores de uma acção de prestação de contas;</font><br>
</p><p><font>4. Também não cabe ao Supremo “esclarecer” o recorrente sobre essa matéria, se ela não foi suscitada antes como questão decidenda.</font><br>
</p><p><font>Pelo exposto, acordam os Juízes desta Secção em </font><b><u><font>negar a revista e confirmar o acórdão recorrido</font></u></b><font>.</font><br>
</p><p><font>Custas pelo recorrente.</font><br>
</p><div><br>
<font>* </font></div><br>
<br>
<font>Lisboa, 23 de Março de 2021</font><br>
<p><font> </font><br>
</p></font><p><font><font>O relator António Magalhães (que, nos termos do art. 15º-A do DL nº 10-A/2020 de 13.3., atesta o voto de conformidade dos Srs Juízes Conselheiros Adjuntos Dr. Jorge Dias e Dr.ª Maria Clara Sottomayor que não puderam assinar)</font></font></p> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
FjFXu4YBgYBz1XKvFfeL | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font>
<p><font>Acordam os Juizes da 1ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça:</font><br>
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<font>*</font></div><br>
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<font>Por Decisão homologatória de Acordo de Promoção e Protecção de Menores, celebrado em 7 de Setembro de 2016, foi aplicada aos menores AA e BB, nascidos, respectivamente, em .../.../2011 e .../.../2014, a medida de promoção e protecção de acolhimento residencial, nos termos dos artigos 35.º, al. f), 49.º e 50.0º n.º 1 e 4, da LPCJP., pelo período de 1 (um) ano e com revisões semestrais. </font><br>
<p><font>O Ministério Público promoveu a revisão da medida de promoção e protecção aplicada, com a sua substituição pela medida de acolhimento residencial com vista à futura adopção, nos termos do artigo 35°, n.º 1, al. g), da LPCJP.</font>
</p><p><font>Realizada a audiência de julgamento foi proferida sentença, em que se decidiu o seguinte:</font><br>
</p><p><font>“Nestes termos, procedendo à revisão da medida de promoção e protecção a que os menores estavam sujeitos, ao abrigo do disposto nos artigos 3.°, n.º 1 e 2, al. c), 35.°, n.º 1, al. g), 38.º-A, e 62.°, n.º 3, al. b), todos da L.P.C.J.P., e artigos 1978.°, nº 1, al. d) e e), e 1978.º-A, do Código Civil, o Tribunal decide, em substituição da mesma: </font><br>
</p><p><font>a) Aplicar aos menores AA e BB, a medida de promoção e protecção de confiança a instituição com vista a futura adopção, continuando os mesmos colocados no CAT do Centro Social e Paroquial do ... </font><br>
</p><p><font>b) Nomear como curadora provisória dos menores, a Exma. Sra. Coordenadora Técnica.do CAT "...", no ...; </font><br>
</p><p><font>c) Inibir os progenitores dos menores do exercício das responsabilidades parentais relativas aos mesmos. …”</font><br>
</p><p><font>Inconformados com tal decisão, vieram os progenitores interpor recurso de apelação, tendo por Acórdão do Tribunal da Relação, de 08 de Novembro de 2018, sido decidido o seguinte:</font><br>
</p><p><font>“Pelo acima exposto, decide-se revogar a Decisão recorrida, determinando-se que:</font><br>
</p><p><font>a) O Tribunal “a quo” renove a medida de acolhimento residencial, procurando a colocação dos menores em Instituição que, sendo a mais próxima possível do local de residência dos progenitores, ou a que os progenitores se possam deslocar com mais facilidade, promova e agilize o aprofundamento do relacionamento dos progenitores com os seus filhos, tendo em vista, se possível, num futuro próximo, que os menores possam voltar a viver com os seus pais, dentro dos condicionalismos que então forem entendidos;</font><br>
</p><p><font>b) O Tribunal “a quo” solicite à Segurança Social o acompanhamento dos progenitores que, para o efeito, deverão dar o seu assentimento, por forma a melhorem as suas competências no âmbito das suas responsabilidades parentais e dos cuidados primários de higiene e saúde.”</font><br>
</p><p><font>Ulteriormente, no âmbito de nova revisão, foi efectuado novo julgamento e proferida a seguinte decisão:</font><br>
</p><p><font>“Pelo exposto, atendendo ao superior interesse dos menores e aos princípios orientadores da intervenção para a promoção e protecção da criança em perigo, acordam os juízes que compõem este tribunal colectivo misto, procedendo à revisão da medida de promoção e protecção:</font><br>
</p><p><font>A. Aplicar aos menores AA e BB a medida de promoção e protecção de confiança a instituição com vista a futura adopção, nos termos dos artigos 35.°, n.º 1, alínea g), da LPCJP, medida que durará até à sua adopção;</font><br>
</p><p><font>B. Nomear como curadora provisória dos menores, a Exma. Sr.ª Directora do ..., em ..., nos termos do disposto no artigo 62.º-A n.ºs 3 e 5 da LPCJP; </font><br>
</p><p><font>C. Inibir os progenitores dos menores do exercício das responsabilidades parentais relativas aos mesmos, com imediata suspensão das visitas, nos termos do disposto nos artigos 1978.º-A do Código Civil e 62.º-A n.º 6 da LPCJP”</font><br>
</p><p><font>Inconformada, veio a progenitora interpor de novo recurso de apelação desta decisão, pedindo que seja declarada a anulação da decisão proferida em la instância, de forma que o acórdão proferido pelo tribunal a quo seja alterado no sentido de serem averiguadas, através das instâncias adequadas, as reais condições económicas, sociais e pessoais dos familiares dos menores, nomeadamente da tia paterna Srª D. CC.</font><br>
</p><p><font>Também inconformado, o progenitor interpôs recurso de apelação, pedindo que seja declarada a anulação da decisão proferida pelo Tribunal a quo, devendo ser revogada a medida de promoção e protecção de confiança a instituição com vista a futura adopção, substituindo-a pelo acolhimento residencial até reintegração no seio da família biológica.</font><br>
</p><p><font>O M. º P.º deduziu, no âmbito de tais recursos, contra-alegações em que pugnou pela manutenção do julgado, aduzindo, como questão prévia, a não admissão do recurso interposto pelo progenitor relativamente à decisão relativa à matéria de facto, por o recorrente não ter dado integral cumprimento ao disposto no art.º 640º do NCPC. </font><br>
</p><p><font>Apreciando os recursos, o Tribunal da Relação proferiu a seguinte decisão:</font><br>
</p><p><font>“Pelo acima exposto, decide-se:</font><br>
</p><p><font>a) Revogar a Decisão recorrida;</font><br>
</p><p><font>b) Manter a medida de acolhimento dos menores na ...;</font><br>
</p><p><font>c) Solicitar ao Instituto de Medicina legal a realização de avaliação psicológica dos progenitores, não só quanto às suas capacidades parentais, mas também quanto à personalidade de cada um e às suas competências para a vida social e familiar, solicitando que, em função dessa avaliação, sejam propostas linhas de orientação para estimular as competências dos progenitores não só no âmbito das suas responsabilidades parentais, mas também no exercício das competências necessárias a uma adequada vida social e familiar;</font><br>
</p><p><font>d) Solicitar ao Instituto de Medicina legal a realização de avaliação psicológica dos menores, nomeadamente na vertente do seu inter-relacionamento com os progenitores, exames esses que, na medida do possível, deverão fornecer as linhas de orientação para estreitar o relacionamento de ambos os menores com os seus progenitores, em particular da menor BB, aparentemente mais distante de seus pais.</font><br>
</p><p><font>e) Realizados os referidos exames, deve o Tribunal “a quo” determinar que se proceda à implementação das medidas necessárias ao adequado acompanhamento dos progenitores e dos menores, tendo em vista o cumprimento das linhas de orientação propostas pelos Srs. Peritos do IML para estimular as competências dos progenitores não só no âmbito das responsabilidades parentais, mas também no exercício das competências necessárias a uma adequada vida social e familiar, mas também dos menores no seu inter-relacionamento com os seus progenitores.</font><br>
</p><p><font>Registe e notifique.</font><br>
</p><p><font>Sem custas.”</font><br>
</p><p><font>A decisão, tirada por maioria, contou com o seguinte voto de vencido:</font><br>
</p><p><font>“Vencida quanto à medida aplicada à menor BB, porquanto entendo que aquela não evidencia quaisquer vínculos afectivos próprios da filiação relativamente a seus pais (pontos 66., 67., 70., 108., 109, 110., 111. e 117. dos factos provados), antes lhes votando profunda e duradoura indiferença. O que se deve, não só à deficiência dos cuidados, afectos e estímulos que lhe eram providenciados pelos pais antes do seu acolhimento, como à falta de investimento posterior por eles feito no sentido de (re)conquistar uma ligação afectiva com a filha (pontos 73., 83., 101., 102. e 103 dos factos provados).</font><br>
</p><p><font>Consideraria, assim, verificada a situação a que alude a alínea e) do nº 1 do artigo 1978º do Cód. Civ. e, em consequência, confirmaria, quanto à menor BB, o acórdão recorrido.”</font><br>
</p><p><font>Não se conformou, desta vez, o Ministério Publico que, interpondo recurso de revista, rematou a alegação com as seguintes conclusões:</font><br>
</p><p><font>“1-O Mº PÚBLICO interpõe o presente Recurso de Revista em representação dos menores AA e BB, do Acórdão proferido nestes autos, em 30-06-2021, aqui dado por inteiramente reproduzido.</font><br>
</p><p><font>2- Desde logo, poderia levantar-se a QUESTÃO PRÉVIA – DA ADMISSIBILIDADE DO RECURSO.</font><br>
</p><p><font>3-Mas o presente Recurso de Revista é admissível, desde logo, porque se não verifica a chamada “dupla conforme” (vide nº 3 do artº 671º do CPC) - o aresto ora sob recurso (de 30-06-2021), revoga a medida de promoção e protecção aplicada no Tribunal de 1ª Instância (de 25-09-2020).</font><br>
</p><p><font>4- É certo que são aplicáveis ao caso sub judice, como processo de jurisdição voluntária, o disposto nos artºs 986.º e ss., do CPC, e, especialmente o disposto no seu artº 988.º (Valor das resoluções – “2 - Das resoluções proferidas segundo critérios de conveniência ou oportunidade não é admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.”)</font><br>
</p><p><font>5- Porém, no caso sub judice, é admissível o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça uma vez que se não pretende apreciar/sindicar se o aresto do T.R.E. agiu, ou não, de acordo com os mais correctos e adequados critérios de conveniência e oportunidade, antes, nos termos do disposto no artº 674º nº 1, al. a) do CPC. se pretende saber se, ao aplicar a medida de “Acolhimento residencial”, aquele Tribunal violou disposições legais aplicáveis.</font><br>
</p><p><font>6- E, salvo melhor entendimento, é positiva a resposta tal questão, como a seguir se refere.</font><br>
</p><p><font>7- Ainda assim, em caso de dúvida, sempre seria de admitir o presente recurso pois que, como se decidiu, entre outros, no Ac. do STJ de 16/11/2017-Pº nº 212/15.2T8BRG- A.G1.S2 - Relator: MARIA DA GRAÇA TRIGO), “haverá que ajuizar sobre o cabimento e âmbito do recurso de revista das decisões proferidas nos processos de jurisdição voluntária de forma casuística, em função dos respectivos fundamentos de impugnação, e não com base na mera qualificação abstracta de resolução tomada segundo critérios de conveniência ou de oportunidade.” E, “Tendo o recorrente suscitado questões que se reportam a critérios normativos, devem as mesmas ser conhecidas pelo STJ. Só assim não será se, em concreto, o recorrente se limitar a invocar preceitos pretensamente violados sem substanciar em que consiste essa violação ou sempre que a decisão da Relação tiver sido tomada com base em juízos de oportunidade ou de conveniência, caso em que o STJ se encontra impedido de sindicar tais juízos (cfr. art. 988.º, n.º 2, do CPC)”.</font><br>
</p><p><font>8- Mas, como já referido, e, salvo melhor opinião, o Acórdão do T.R.E., proferido em 30-06-2021, violou disposições legais aplicáveis.</font><br>
</p><p><font>9- Desde logo, ocorre VIOLAÇÃO, POR INAPLICAÇÃO, DO P. DO SUPERIOR INTERESSE DA CRIANÇA, PREVISTO EM CONVENÇÕES INTERNACIONAIS APLICÁVEIS (artº 3º nº1 da Convenção Sobre os Direitos da Criança, da Organização das Nações Unidas de 20/11/89, publicada em D.R., Is., de 12/9/90),</font><br>
</p><p><font>10- Mas ocorre igualmente VIOLAÇÃO, POR INAPLICAÇÃO, DO P. DO SUPERIOR INTERESSE DA CRIANÇA, PREVISTO DA C.R.P. (artºs 36º, 67º e 69º).</font><br>
</p><p><font>11- Ocorre também VIOLAÇÃO, POR INAPLICAÇÃO, DO P. DO SUPERIOR INTERESSE DA CRIANÇA, PREVISTO NO ARTºS ARTº 3º Nº1 E 4º AL. A), DA LPPCJP. (LEI DE PROMOÇÃO E PROTECÇÃO DAS CRIANÇAS E JOVENS EM PERIGO – LEI Nº147/99 DE 1/9), E 38º-A, DESTA, QUE REMETE PARA O DISPOSTO NO ARTº 1978º Nº1 C.C.</font><br>
</p><p><font>12- Ora, salvo melhor entendimento, apesar de lhe ser imposta a aplicação de tais normas legais, o aresto do TRE, ora sob recurso, ao revogar a medida de promoção e protecção, prevista na al. g) do artº 35º da LPCJP (“Confiança a (…) a instituição com vista à adoção”), não aplicou, como deveria ter feito, os normativos acima expostos, violando, assim, por omissão, oP. DO SUPERIORINTERESSE DA CRIANÇA e as normas que o consagram, como supra se refere.</font><br>
</p><p><font>13- Na verdade, o aresto ora sob recurso em nenhum momento, nem formal nem materialmente, pondera o superior interesse daquelas crianças, tendo apenas relevado o facto de inicialmente aquelas terem sido colocadas em instituição que dista 54Km da residência dos pais, e da necessidade de acompanhamento destes, ainda que da Matéria de Facto, aqui dada por integralmente reproduzida, se verifique a falta de resultados concretos dessa ajuda àqueles pais, imputável a estes (vide, só para citar alguns, os pontos 45, 46, 47, 49, 50 a 56, 58 e 95).</font><br>
</p><p><font>14- E, salvo melhor entendimento, sem que tenha tido em linha de conta o decurso do tempo que mediou, quer entre os dois arestos proferidos pelo T.R.E. (quase três anos), quer o tempo de institucionalização das crianças (mais de cinco anos)!</font><br>
</p><p><font>15- Efectivamente, o Ac. recorrido limita-se a chamar à colação o primeiro Ac. do T.R.E., proferido em 08-11-2018 (proferido, aliás pelo mesmo relator).</font><br>
</p><p><font>16- E, ali, apenas se admite a institucionalização dos menores com vista ao regresso à família biológica/natural (refere-se ali o objectivo pretendido, a que chamou, a “normalidade familiar”), nunca colocando a hipótese (que também deveria ser colocada) de tal família nunca vir a atingir a tal “normalidade familiar” (mesmo com recurso a acompanhamento especializado, de que já beneficiou).</font><br>
</p><p><font>17- Na verdade, no caso concreto, as competências para criar/educar os filhos (neste caso, cinco filhos menores!), foram desde logo questionadas e sinalizadas pela CPCJ ..., em 21-01-2015, com indicação, então, de aplicação da medida de protecção prevista na al, f) ( “Acolhimento residencial”) do nº 1 do artº 35º da LPCJP, a todos os cinco menores, e tendo o Mº Público apresentado a respectiva Petição, para aplicação de tal medida , em 13-08-2015.</font><br>
</p><p><font>18 -Assim, e na sequência da intervenção da CPCJ ... e da instauração de tal Processo de Promoção e Protecção pelo Mº Público, os menores foram institucionalizados na instituição “...”, em ..., em 20-04-2016, tendo ocorrido nesse processo acordo homologado por sentença, em 07-09-2016,</font><br>
</p><p><font>20 -Quando foram institucionalizadas as crianças em causa, nos presentes autos, AA e BB, tinham 4 e 1 anos, respectivamente.</font><br>
</p><p><font>21- Actualmente, essas crianças têm 9 e 7 anos, respectivamente!</font><br>
</p><p><font>22- Decorreram mais de cinco anos!</font><br>
</p><p><font>23- É muito tempo na vida de uma criança!</font><br>
</p><p><font>24- Se nada for feito, e face, designadamente, à demora na realização do conjunto de diligências ora ordenadas (sendo que, já anteriormente haviam sido realizadas diligências semelhantes), pergunta-se: quanto tempo mais, vão estes menores ficar institucionalizados, sem perspectiva de terem uma vida familiar?</font><br>
</p><p><font>25-Por outro lado, face à Matéria de Facto fixada nos autos, aqui dada por integralmente reproduzida, questiona-se, também se essa tal “normalidade familiar” vai algum dia chegar? (Temos sérias dúvidas sobre isso!)</font><br>
</p><p><font>26- E não são os menores que têm de aguardar indefinidamente por algo muito incerto: é preciso dar-lhes uma alternativa à família biológica!</font><br>
</p><p><font>27- Tal é ainda mais evidente no caso da criança BB, tal como bem foi salientado no voto de vencido exarado no aresto ora sob recurso, e aqui dado por integralmente reproduzido.</font><br>
</p><p><font>28- Mas, é-o também no caso da criança AA, atento o teor da Matéria de Facto fixada nos autos.</font><br>
</p><p><font>30- Efectivamente, “I. Por ideal que seja a prevalência da família [cfr. artigo 4.º, al. h), da LPCJP], o essencial é sempre o interesse superior da criança ou do jovem [cfr. artigo 4.º, al. a), da LPCJP], devendo a medida a aplicar ser a necessária e a adequada a salvaguardar a criança ou o jovem do perigo em que se encontra no momento da aplicação da medida [cfr. artigo 4.º, al. e), da LPCJP].II. Quando não existam ou se encontrem seriamente comprometidos os vínculos afectivos próprios da filiação e se verifique alguma das hipóteses do artigo 1978.º, n.º 1, do CC, a decisão do tribunal de confiar a criança com vista à futura adopção, prevista no artigo 35.º, n.º 1, al. g), da LPCJP, é uma decisão conforme à lei e não desrespeita os princípios da proporcionalidade e da actualidade e da prevalência da família impostos no artigo 4.º da LPCJP.” (in Ac. do STJ de 16-12-2020- Pº nº 1210/17.7T8CSC.L2. S1 - Relator: CATARINA SERRA-www.dgsi.pt).</font><br>
</p><p><font>31- Na verdade, “O primado da família biológica não é absoluto; os pais só são dignos de cuidarem e educarem os filhos se tiverem capacidade ou reunirem as condições concretas necessárias ao cumprimento dos correspectivos deveres para com os filhos.” (in Ac. STJ de 14-01- 2021-Pº nº 279/17.0T8GMR.G1. S1 -Relator: FERREIRA LOPES –www.dgsi.pt, o qual cita, no mesmo sentido, os Acs. Relação de Évora de 11.05.2017, P. 426/10.6TBPTH-H. EI) e do STJ de 13.10.2020, P. 1397/16. 6T8CL.G1. S2)</font><br>
</p><p><font>32- É ainda de ser considerado, pela semelhança do caso e actualidade, o teor do recente Ac. do STJ de 13-05-2021-Pº nº 2481/17.4T8BRR.L1.S1-Relator: VIEIRA E CUNHA-www.dgsi.pt, aqui dado por inteiramente reproduzido.</font><br>
</p><p><font>33- Ocorre, assim, VIOLAÇÃO, nos termos do disposto no artº 674º nº 1, al. a) do CPC, POR INAPLICAÇÃO/OMISSÃO DO P. DO SUPERIOR INTERESSE DA CRIANÇA, PREVISTO:</font><br>
</p><p><font>- EM CONVENÇÕES INTERNACIONAIS APLICÁVEIS (artº 3º nº1 e 21º da Convenção Sobre os Direitos da Criança, da Organização das Nações Unidas de 20/11/89, publicada em D.R., Is., de 12/9/90),</font><br>
</p><p><font>- NA C.R.P. (artºs 36º, 67º e 69º),</font><br>
</p><p><font>- NOS ARTºS ARTº 3º Nº1 E 4º AL. A), DA LPPCJP . QUE REMETE PARA O DISPOSTO NO ARTº 1978º Nº1 C.C., ESTE, TAMBÉM OBJECTO DE OMISSÃO DE APLICAÇÃO </font><br>
</p><p><font>34-Pelo que, deve o presente recurso ser admitido e, em consequência, ser revogado o decidido no Ac. do T.R.E., proferido em 30-06-2021, e, aplicando-se o P. DO SUPERIOR INTERESSE DA CRIANÇA, ser mantida a decisão proferida pelo Tribunal de 1ª Instância, proferida em 25-09-2020.”</font><br>
</p><p><font>Não houve contra-alegações.</font><br>
</p><p><font>Cumpre decidir.</font><br>
</p><p><font>As instâncias deram como provada a seguinte matéria factual:</font><br>
</p><p><font>“1. AA nasceu em .../.../2011, na freguesia de ..., Concelho ... e é filho de DD e EE . </font><br>
</p><p><font>2. BB nasceu em .../.../2014, na freguesia do ... e ..., Concelho ... e é filha de DD e EE. </font><br>
</p><p><font>3. DD e. EE mantêm um relacionamento amoroso desde há vários anos, partilhando o leito, mesa e habitação, como se marido e mulher fossem. </font><br>
</p><p><font>4. Em Janeiro de 2014, o casal e o respetivo agregado começaram a ser acompanhados pelos cuidados de saúde primários, bem como pelos técnicos do Programa C.L.D.S (Controlo Local de Desenvolvimento Social), e pela Equipa de Intervenção Precoce, após sinalização feita pela Unidade de Saúde da Comunidade. </font><br>
</p><p><font>5. O agregado familiar era então composto pelos progenitores, por FF, nascido em .../.../2001, GG, nascida em .../.../2005, ambos filhos de EE, e por HH, nascida em .../.../2007, e o AA, ambos filhos do casal. </font><br>
</p><p><font>6. Há data a família vivia numa habitação de tipologia T3, arrendada pelo valor de 350,00 (trezentos e cinquenta euros), que apresentava más condições de habitabilidade, não dando resposta a todas as necessidades da família. Todos os quartos da habitação eram interiores (sem janelas) apenas a sala tinha uma janela e para se mudar de divisão tinha de se passar por um pátio exterior. </font><br>
</p><p><font>7. Todas as divisões da casa se encontravam desorganizadas com acumulação de objetos, roupa e lixo, quer no seu interior, quer no exterior da habitação. </font><br>
</p><p><font>8. A acrescer a progenitora escondia comida, como iogurtes, queijo e bolos, entre as roupas- O que justificava com o facto de a querer esconder do companheiro para que os filhos a pudessem comer. </font><br>
</p><p><font>9. Uma vez que a progenitora EE não cumpria as orientações que os técnicos lhe davam ao nível da organização e da higiene da casa, foi efetuada por parte da técnica da C.L.D.S uma intervenção continua durante o período de uma semana na habitação da família. </font><br>
</p><p><font>10. Apesar dos técnicos terem adotado uma estratégia para obrigar a progenitora EE a colocar os objetos no lixo, através da disponibilização de um saco preparado para o depósito do lixo, esta acabava por encher o referido saco com mais coisas que angariava para casa. </font><br>
</p><p><font>11. A família possuía ainda vários cães e gatos, que circulavam livremente pela casa sem qualquer cuidado de higiene e desinfeção, o que provocava forte mau cheiro e a existência de dejetos dos animais por toda a habitação. </font><br>
</p><p><font>12. À data EE não trabalhava e DD trabalhava na construção civil, auferindo um salário mensal de cerca de 600,00 (seiscentos euros) e efetuava trabalhos extra aos fins-de-semana, que lhe proporcionavam rendimentos não apurados. </font><br>
</p><p><font>13. Não obstante, o mesmo apenas contribuía para o sustento do agregado com a entrega do cartão do subsídio de almoço para compras no supermercado. </font><br>
</p><p><font>14. O agregado contava ainda com o abono dos menores. </font><br>
</p><p><font>15. DD saía cedo de casa para trabalhar e quando regressava fazia a sua própria refeição - autónomo relativamente à restante família e saía para o café, onde ficava até todos estarem deitados. </font><br>
</p><p><font>16. Delegando todos os cuidados das crianças na companheira. </font><br>
</p><p><font>17. Muitas vezes durante a noite, o casal discutia pelo facto de existirem dificuldades financeiras, e as crianças apercebiam-se das discussões, com insultos e agressões físicas mútuas. </font><br>
</p><p><font>18. A situação agravava-se ainda mais, pelo facto de EE ser incapaz de fazer uma gestão adequada do dinheiro, comprando bens supérfluos (refrigerantes e bolos) em detrimento de bens essenciais (pão 'e fruta), comprando os lanches que os menores levavam para a escola em vez de os fazer em casa, e andando de táxi em vez de apanhar o autocarro. </font><br>
</p><p><font>19. EE não alterou tais comportamentos apesar dos técnicos lhe terem dado instruções para o efeito. </font><br>
</p><p><font>20. Proposta uma prestação pecuniária, pela Segurança Social para ajuda do agregado familiar, EE nunca entregou os documentos necessários para o efeito. </font><br>
</p><p><font>21. A progenitora também se negou sempre a providenciar por trabalho, apesar dos técnicos lho terem sugerido, estando dispostos a ajudá-la a dar os passos necessários para o efeito, alegando que tinha muitos filhos e que tinha de cuidar deles. </font><br>
</p><p><font>22. Os menores apresentaram sempre problemas de assiduidade e pontualidade na escola uma vez que a progenitora não se levantava a horas para os levar e demonstrou sempre dificuldades em impor regras e rotinas, decidindo as crianças as horas de se deitarem e levantarem, o que vestiam e a que horas iam para a escola. </font><br>
</p><p><font>23. A roupa que as crianças levavam, não era adequada à estação do ano e apresentava-se suja. </font><br>
</p><p><font>24. Na maioria das vezes os menores tinham piolhos e, apesar de EE ser alertada para a situação nada fazia. </font><br>
</p><p><font>25. Os técnicos chegaram a fornecer à progenitora champô para os parasitas que a mesma não aplicava, optando por rapar o cabelo às crianças, chegando mesmo a rapar as sobrancelhas à filha HH. </font><br>
</p><p><font>26. Apesar dos serviços fornecerem aos menores o material necessário para levar para a escola, a progenitora não o enviava e também não comparecia nas reuniões escolares. </font><br>
</p><p><font>27. A progenitora não marcava consultas de rotina e, faltava à vacinação dos menores, apenas recorrendo ao médico em situação de doença aguda. </font><br>
</p><p><font>28. Tanto que, as técnicas, chegaram a ter necessidade de efetuar elas próprias a marcação de consultas/vacinação e acompanharem a progenitora ao local da prestação dos serviços de saúde. </font><br>
</p><p><font>29. No decurso da intervenção nasceu a menor BB, fruto de uma gravidez não vigiada de EE. </font><br>
</p><p><font>30. A menor nasceu prematura e permaneceu internada na Maternidade ... e depois no Hospital ... em ... até 06.07.2014. </font><br>
</p><p><font>31. Por ter nascido com alterações renais e hepáticas, a menor teve alta hospitalar com indicação de especial vigilância e medicação, passando a ser acompanhada pela equipa de intervenção precoce, tal como sucedia com o AA. </font><br>
</p><p><font>32. No final de Agosto início de Setembro de 2014, a progenitora começou a apresentar problemas de saúde nomeadamente de locomoção, não obstante apenas compareceu numa consulta marcada pelos técnicos, faltando ás demais, mostrando-se despreocupada com o seu estado. </font><br>
</p><p><font>33. Inicialmente a BB dormia num berço no quarto do casal mas passou a dormir no quarto com os irmãos uma vez que o progenitor se sentia incomodado com o choro da bebé, situação que pela configuração da casa impossibilitava os pais de escutar o choro da filha durante a noite. </font><br>
</p><p><font>34. A avó materna II, pensionista embora tivesse a sua habitação passou a estar todos os dias na casa do casal, auxiliando a progenitora. </font><br>
</p><p><font>35. Em OutubrolNovembro de 2014 o avô materno JJ, pensionista também se mudou para a habitação do casal, dormindo na sala. </font><br>
</p><p><font>36. Em função de tudo quanto observaram e, considerando esgotados todos os seus recursos, a Unidade de Cuidados ... sinalizou a situação em 21.01.2015, à CPCJ .... </font><br>
</p><p><font>37. Em 29.01.2015 os progenitores deram consentimento para a intervenção da CPCJ .... </font><br>
</p><p><font>38. Em Março de 2015 o agregado familiar tinha a mesma composição e, residia na mesma habitação, que continuava a apresentar-se suja e cheia de roupa e outros objetos espalhados dificultando a livre circulação, com um cheiro nauseabundo e com diversos animais (cães e gatos) a circularem livremente, chegando a lamber os tachos. </font><br>
</p><p><font>39. EE continuava a apresentar sintomas de "..." (acumulação patológica compulsiva); </font><br>
</p><p><font>40. E inércia, na resolução de situações que não exigem grande capacidade intelectual tais como ir levantar os livros à livraria inscrever os filhos na creche e jardim de infância e tal como já sucedia antes levantai as crianças a tempo de cumprir o horário escolar e ir vacinar os filhos. </font><br>
</p><p><font>41. A acrescer a progenitora não assegurava os cuidados básicos tais como as refeições e a qualidade das mesmas, sendo por vezes o filho FF ou a avó a cozinhar. </font><br>
</p><p><font>42. DD delegava os cuidados dos filhos na companheira EE e na sogra II desresponsabilizando-se não cumprindo as obrigações que lhe estavam adstritas, tais como comprar gás pagar a renda de casa e disponibilizar o dinheiro necessário para o jardim de infância do AA (30,00 Euros mês). </font><br>
</p><p><font>43. O AA estava inscrito no jardim de infância, mas ainda não tinha iniciado a frequência porque a progenitora alegava não dispor da referida verba para pagar a mensalidade. </font><br>
</p><p><font>44. BB ainda não estava inserida em equipamento educativo. </font><br>
</p><p><font>45. O AA apresentava problemas respiratórios e atraso grave no desenvolvimento sobretudo ao nível da comunicação e da linguagem e ainda não controlava os esfíncteres, por falta do treino necessário que a progenitora não efetuava. </font><br>
</p><p><font>46. A BB tinha problemas renais e hepáticos e, apresentava atraso no desenvolvimento, não se sentando e passando com dificuldades a posição de deitada para a de sentada, por falta de estímulos, por parte dos adultos, qua a deixavam deitada a maior parte do tempo, sozinha sem vigilância. </font><br>
</p><p><font>47. Em 19.03.2015 a CPCJ deliberou por unanimidade propor a aplicação de medida de acolhimento residencial na sequência do que em 26.03.2015 os progenitores retiraram o seu consentimento para a intervenção o que motivou a remessa do processo para tribunal por deliberação de 02.04.2015. </font><br>
</p><p><font>48. Em 04.09.2015 o agregado familiar mantinha-se o mesmo com exceção do avô paterno que deixou de residir na mesma habitação. </font><br>
</p><p><font>49. A habitação continuava a apresentar grande desorganização com a ausência de condições de salubridade e higiene cheia de objetos amontoados, desde loiça suja móveis colchões, roupa e sapatos sujos recipientes com restos de comida, lixo diverso. </font><br>
</p><p><font>50. O casal continuava a apresentar a mesma dinâmica pautada pela desresponsabilização do progenitor em relação aos filhos e pelo seu contributo limitado à entrega do cartão de subsídio de refeição. A progenitora continuava com os mesmos comportamentos negligentes, nada se tendo alterado. </font><br>
</p><p><font>51. Em Fevereiro de 2016 mantinha-se a falta de higiene e desarrumação da habitação, a permanência de animais no interior da casa a acumulação de lixo no interior e exterior da habitação a deficitária higiene dos menores, e a fraca assiduidade das crianças no estabelecimento de ensino. </font><br>
</p><p><font>52. O agregado familiar chegou a ficar privado de energia elétrica por divida á EDP no montante de cerca de 250,00 (duzentos e cinquenta euros) e de água canalizada por corte devido a falta de pagamento. </font><br>
</p><p><font>53. Por decisão datada de 18.04.2016 foi aplicada cautelarmente a todos os menores que integravam o agregado familiar incluindo ao AA e à BB a medida de promoção e proteção de acolhimemo residencial. </font><br>
</p><p><font>54. AA e BB integraram o Centro social e Paroquial ... - Centro de Acolhimento Temporário "..." no dia 20.04.2016. </font><br>
</p><p><font>55. No dia do acolhimento as crianças apresentavam-se sujas com mau odor e infestadas de parasitas capilares e não choraram nem perguntaram pelos pais. </font><br>
</p><p><font>56. À data o discurso do AA era impercetível quando chamado à atenção escondia-se debaixo da cama e mostrava-se uma criança sem rotinas e regras. </font><br>
</p><p><font>57. A BB ficava na posição em que a deixavam, não falava, não sorria e não mantinha contacto visual. </font><br>
</p><p><font>58. Quatro meses depois do seu acolhimento residencial, as duas crianças já interagiam positivamente com as outras crianças e com os adultos mostravam-se alegres e bem dispostas e já conseguiam procurar os adultos para os confortar. </font><br>
</p><p><font>59. Porém, continuavam ambos a apresentar dificuldades no domínio da linguagem verbal e em cumprir regras. </font><br>
</p><p><font>60. Após a institucionalização a progenitora fez o primeiro contacto telefónico em 28.04.2016, para saber se os filhos estavam bem, se perguntaram pelos pais e se choravam. </font><br>
</p><p><font>61. Foi informada do regime de visitas e ficou de contactar quando tivesse uma data concreta em que pudesse visitar os filhos. </font><br>
</p><p><font>62. A progenitora voltou a telefonar nos dias 02.05.2016 e 01.06.2016 (neste dia para mandar beijinhos aos filhos por ser dia da criança) e 16; 21 e 22 de Junho de 2016; 18.07.2016; 05.08.2016 e 12.08.2016 e em mais cinco ocasiões no ano de 2016. </font><br>
</p><p><font>63. Todos estes contactos foram tentativas de marcar visita mas sem um dia concreto para tal. </font><br>
</p><p><font>64. Nunca perguntou onde estavam os filhos, mas mandava beijinhos. </font><br>
</p><p><font>65. A primeira visita da progenitora aos menores na companhia da avó materna ocorreu em 19.05.2016. </font><br>
</p><p><font>66. Assim que viu a mãe o AA correu para os braços dela e, esta beijou-o mas não o manteve ao colo. A BB estava a comer e assim continuou e a mãe apenas lhe deu um beijo. </font><br>
</p><p><font>67. Durante a visita BB esteve sempre de cabeça baixa | [0 0 0 ... 0 0 0] |
FzFXu4YBgYBz1XKvFvd_ | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><br>
<font>Acordam na 1.ª Secção Cível do Supremo Tribunal de Justiça:</font><br>
<p><font> </font><br>
</p><div><br>
<font>*</font></div><br>
<br>
<font>AA, BB e CC, residentes na rua ..., ..., intentaram a presente acção declarativa comum contra, entre outros, o Banco BIC Português, S.A., com sede na Av. ..., ..., ..., pedindo que:</font><br>
<p><font>a) Se declare que a aquisição do produto financeiro traduzido na compra de obrigações SLN RENDIMENTO MAIS 2004 e SLN 2006, por parte do Autor ao Réu, BPN- (ACTUAL BANCO BIC S.A.), foi levada a efeito no pressuposto de que o produto financeiro em causa se mostrava a coberto da garantia de reembolso do capital a 100% (cem por cento);</font><br>
</p><p><font>b) Se declare que é da Responsabilidade do BANCO BIC S.A, Contribuinte, o reembolso do capital reportado à aquisição por parte do Autor das obrigações SLN RENDIMENTO MAIS 2004 e SLN 2006, no valor de global de € 150.000,00 (cento e cinquenta mil euros), porquanto com a transmissão do Nacionalizado Banco BPN, para a esfera jurídica do Réu BANCO BIC S.A, transmitiram- se de igual modo na sua totalidade todas as obrigações emergentes dos contratos que obrigavam o BPN, independentemente de todo e qualquer acordo que o Réu BANCO BIC S.A., tenha estabelecido com o Estado Português no acto de compra ou em momento anterior, o que só lhe concede o direito de regresso a discutir entre as partes em causa (Estado Português e BANCO BIC S.A), sendo tal acordo marginal aos aqui Autores; e</font><br>
</p><p><font>c) Se condene o ao Réu, BANCO BIC S.A., a proceder ao imediato reembolso do capital de e 150.000,00 (cento e cinquenta mil euros), acrescidos dos juros vencidos desde 24 de Abril de 2015, até integral reembolso do capital, e reportados à aplicação de 2006, e desde 10 de Novembro de 2014 reportados à aplicação de 2004, até efectivo e integral pagamento, bem como ao pagamento de todas as despesas e encargos com a presente acção, nestas se incluindo os honorários de advogado, condenando ainda o Réu BANCO BIC S.A., a pagar a cada um dos Autores quantia indemnizatória a fixar em liquidação de sentença, mas nunca inferior a € 50.000,00 (cinquenta mil euros), por danos morais sofridos pelos Autores com o comportamento imputável ao Réu BANCO BIC S.A., traduzidos na dor e angustia vividas ainda hoje pelos Autores.</font><br>
</p><p><font>Para tanto, alegam os factos melhor descritos na petição inicial.</font><br>
</p><p><font>Regularmente citados, o réu BANCO BIC, S.A., apresentou a contestação excepcionando a ilegitimidade da autora CC e a prescrição do eventual direito dos autores. No mais, aceita alguns dos factos alegados pelos autores, impugna outros e descreve a sua própria versão do litígio, concluindo pela sua absolvição da instância, no tocante à autora CC, e pela sua absolvição dos pedidos.</font><br>
</p><p><font>Os autores desistiram dos seus pedidos contra os restantes réus, com excepção do réu BANCO BIC, S.A., transacção que foi homologada por sentença, passando os autos a prosseguir apenas quanto ao referido réu.</font><br>
</p><p><font>Oportunamente foi proferida sentença em que se decidiu:</font><br>
</p><p><font>"Pelo exposto, julgando-se a acção parcialmente procedente, decide-se:</font><br>
</p><p><font>a) declarar que a aquisição do produto financeiro traduzido na compra de obrigações SLN RENDIMENTO MAIS 2004 e SLN 2006, por parte do Autor ao BPN (ACTUAL réu BANCO BIC, S.A.), foi levada a efeito no pressuposto de que o produto financeiro em causa se mostrava a coberto da garantia de reembolso do capital a 100% (cem por cento);</font><br>
</p><p><font>b) declarar que é da responsabilidade do BANCO BIC, S.A., o reembolso do capital reportado à aquisição por parte do Autor das obrigações SLN RENDIMENTO MAIS 2004 e SLN 2006, no valor de global de € 150.000,00 (cento e cinquenta mil euros), porquanto com a transmissão do Nacionalizado Banco BPN para a esfera jurídica do Réu BANCO BIC, S.A, transmitiram-se de igual modo na sua totalidade todas as obrigações emergentes dos contratos que obrigavam o BPN;</font><br>
</p><p><font>c) condenar o Réu, BANCO BIC, S.A., a proceder ao imediato reembolso ao autor AA do capital do € 50.000,00 (cinquenta mil euros), respeitante às referidas obrigações SLN RENDIMENTO MAIS 2004, acrescido de juros de mora vencidos e vincendos desde 28/10/2014, à taxa legal de 4%, e até efectivo e integral pagamento;</font><br>
</p><p><font>e) condenar o Réu, BANCO BIC, S.A., a proceder ao imediato reembolso ao autor AA do capital do € 100.000,00 (cem mil euros), respeitante às referidas obrigações SLN 2006, acrescido de juros de mora vencidos e vincendos desde 10/05/2016, à taxa legal de 4%, e até efectivo e integral pagamento;</font><br>
</p><p><font>f) condenar o Réu, BANCO BIC, S.A., a pagar ao autor AA a quantia de 1.500,00 (mil e quinhentos euros), a título de indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos; </font><br>
</p><p><font>g) condenar o Réu, BANCO BIC, S.A., a pagar à autora BB a quantia de e 1.500,00 (mil e quinhentos euros), a título de indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos;</font><br>
</p><p><font>h) absolver o réu BIC do demais peticionado pelos autores.</font><br>
</p><p><font>Quanto à percentagem remanescente das custas, fica a cargo dos autores e do réu BIC, na proporção do respectivo decaimento.</font><br>
</p><p><font>Registe e notifique".</font><br>
</p><p><font>Desta sentença apelou o Banco BIC Português, mas sem êxito, uma vez que a sentença foi confirmada.</font><br>
</p><p><font>Do acórdão da Relação interpôs, então, o Réu recurso de revista excepcional, que foi admitido pela Formação em 19.6.2019.</font><br>
</p><p><font>Formulou, a final da alegação, as seguintes conclusões:</font><br>
</p><p><font>1.A declaração do banco com proposta apresentada ao primeiro autor de vir a adquirir OBRIGAÇÕES SLN Rendimento Mais 2004 e OBRIGAÇÕS SLN 2006, deverá ser entendida não tal qual, sem mais, o declaratário a terá entendido, mas no sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, a teria entendido de acordo com as circunstâncias à data por ele conhecidas ou cognoscíveis.</font><br>
</p><p><font>2. Para tal aponta a teoria da impressão do destinatário que o nosso CCivil acolheu na disposição do seu art. 236º nº 1 .</font><br>
</p><p><font>3. A factualidade dada por provada nos presentes autos não permite de forma alguma que se conclua pela celebração de qualquer contrato entre o banco e o autor marido, e por via do qual aquele tivesse assumido a obrigação de reembolso do capital investido nos produtos que estão em causa no presente processo .</font><br>
</p><p><font>4. Nem permite também que se conclua pela assunção, por parte do banco recorrente, seja qual for a forma, do dever de reembolsar o autor marido do capital investido nesses mesmos produtos.</font><br>
</p><p><font>5.As Obrigações não têm cotação oficial e, no essencial, quem nelas investe sabe que, aquando do seu vencimento, o capital investido é devido pela entidade que as emitiu.</font><br>
</p><p><font>6. São, por isso mesmo, produtos que constituem o oposto das “Acções”, sujeitas sempre à valorização ou desvalorização da situação económico- financeira da entidade delas emitente, e que, portanto, nenhuma garantia contém do reembolso do capital investido.</font><br>
</p><p><font>7. A garantia do reembolso das Obrigações é sempre o conjunto de activos da sociedade emitente, e o risco da sua insolvência é um risco geral do comércio jurídico, que não tem que ser objecto de qualquer dever de informação por parte do intermediário financeiro.</font><br>
</p><p><font>8. As Obrigações são, por tudo o acima exposto nesta alegação, produtos muito semelhantes aos depósitos a prazo, sem risco, sendo relevante a seu propósito, que a informação recaia sobre o prazo e a rentabilidade respectiva.</font><br>
</p><p><font>9. Tal era inquestionável à data em que o autor marido adquiriu os produtos em causa nestes autos – Outubro 2004 e Maio 2006 – seno a essas datas de todo imprevisto e imprevisível que o banco ora recorrente viesse a ser nacionalizado, e que essa nacionalização tivesse assumido a forma que assumiu, com divisão do grupo então denominado SLN.</font><br>
</p><p><font>10. A informação de que as OBRIGAÇÕES SLN eram produto com capital garantido a 100% é absolutamente inócua e omissa quanto à possibilidade de ser o banco a entidade responsável pelo seu pagamento, aquando da sua maturidade.</font><br>
</p><p><font>11. E nada existe nos autos que permita concluir ter o banco assumido tal obrigação e responsabilidade.</font><br>
</p><p><font>Por outro lado,</font><br>
</p><p><font>12.Ainda que assim não fosse, sempre seria de concluir pela inexistência de responsabilidade civil do banco recorrente, dado que os autores não provaram, e nem sequer alegaram, a existência de qualquer nexo de causalidade adequada entre a pretensa violação do dever de informação da parte do banco recorrente e o dano por ele sofrido.</font><br>
</p><p><font>13. E era a eles que cabia o ónus de fazer tal prova, alegando desde logo que, caso tivesse sido cumprido o dever de informação com a extensão e conteúdo alegadamente exigido, se teriam abstido de adquirir os produtos que estão em causa nestes autos.</font><br>
</p><p><font>14. O douto acórdão recorrido violou, por errada interpretação e aplicação, as disposições dos arts. 236º nº 1, 563º, e 798º, todos do CCivil, e o art. 312º nº 1 al e) do CVM .”</font><br>
</p><p><font>Pediram, a final, a revogação do acórdão recorrido.</font><br>
</p><p><font>Os autos foram suspensos por despacho de 12.11.2019 a aguardar o trânsito em jugado do AUJ relativamente às questões da ilicitude e do nexo de causalidade, o que só ocorreu em data recente.</font><br>
</p><p><font>Cumpre decidir.</font><br>
</p><p><font>Estão provados os seguintes factos:</font><br>
</p><p><font>“1º - O primeiro Autor, à data 22 de Outubro de 2004, detinha conjuntamente com a segunda Autora BB, com quem é casado, um depósito a prazo no valor de € 50.000,00 (cinquenta mil euros), no C..., Actual B ..., S.A. resultante da fusão operada em Dezembro de 2004, e, à data de 4 de Maio de 2006, um depósito a prazo no montante de € 100.000,00 (cem mil euros) no BPN- (ACTUAL BANCO BIC S.A.), agência ou balcão de ....</font><br>
</p><p><font>2º- Tais depósitos a prazo, estavam a essas datas a atingir a sua data de vencimento, maís precisamente tinham vencimento no dia 22 de Outubro de 2004, e o segundo em 5 de Maio de 2006, pelo que nas datas do seu vencimento, poderiam ser resgatados ou manterem-se por iguais períodos,</font><br>
</p><p><font>3º - Sabendo disso, o gerente do BPN- (ACTUAL BANCO BIC S.A.), na agência ou balcão de ..., contactou o primeiro Autor pois queria falar com ele porque tinha uma proposta para lhe fazer.</font><br>
</p><p><font>4º - Dessa forma, em dia que não pode precisar mas no mês de Outubro de 2004, o primeiro Autor dirigiu-se ao Balcão/Agência de ... do BPN - (ACTUAL BANCO BIC S.A.), com vista a tomar conhecimento da proposta que o referido gerente do Banco tinha para lhe fazer.</font><br>
</p><p><font>5º - Uma vez aí, foi recebido pelo gerente do Balcão do Banco primeiro Réu, que de forma muito clara e esclarecida, lhe disse que o BANCO BPN- (ACTUAL BANCO BIC S.A.), tinha efectivamente uma proposta para lhe fazer, proposta esta que seria interessante para o aqui Autor.</font><br>
</p><p><font>6- - O primeiro Autor questionou então o gerente do Banco em causa sobre o teor da proposta.</font><br>
</p><p><font>7e - Sendo que o mesmo referiu desde logo ao primeiro Autor que, como este sabia os depósitos a prazo que detinha naquele Banco, estava na data limite de vencimento, pelo que, poderia proceder ao resgate do mesmo e aplicar o montante que ele titulava num programa de aplicação financeira que lhe traria uma maior rentabilidade e detinha a mesma segurança que o depósito a prazo, com garantia de capital a 100% (cem por cento), como num depósito a prazo.</font><br>
</p><p><font>8S - Para o efeito, e com o intuito de convencer o aqui primeiro Autor, o identificado gerente daquele balcão disse ao primeiro Autor que tal aplicação seria feita pelo prazo de dez anos, mas que poderia eventualmente proceder ao seu resgate antecipado ao fim de cinco anos.</font><br>
</p><p><font>9º - Que a aplicação em causa e que lhe estava a propor era absolutamente segura, que não corria qualquer risco, posto que tinha o reembolso do capital investido garantido a 1oo°/o (cem por cento) e lhe daria uma melhor rentabilidade ao dinheiro que ele detinha em depósito a prazo.</font><br>
</p><p><font>10º - Para melhor o convencer, o identificado gerente exibiu e facultou ao aqui primeiro Autor, um documento com o teor da cópia de fls. 91 a 93 dos autos (cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido), onde constava de entre outras condições a do capital garantido a 100% (cem por cento), bem como a garantia de taxa de remuneração acima do mercado.</font><br>
</p><p><font>11º - Perante os argumentos do gerente do BPN' (ACTUAL BANCO BIC, S.A.), pessoa que o primeiro Autor enquanto cliente do Banco conhecia já há longo tempo e na qual depositava absoluta confiança, enquanto responsável pelo acompanhamento dessa conta de depósitos a prazo, e de todos os movimentos e operações bancárias que o primeiro Autor de há longo tempo vinha tendo com o banco e que lhe propôs a realização de uma aplicação em activos financeiros, mediante a aquisição de um produto com rentabilidade garantida e liquidez trimestral ao par, ou seja, com garantia do montante de capital investido, e com uma rentabilidade superior à de um depósito a prazo, o primeiro Autor acedeu em resgatar o depósito a prazo e proceder à sua aplicação na aplicação financeira que se traduzia na subscrição de obrigações, atentas as condições e garantias que lhe estavam a ser dadas pelo segundo Réu, pessoa em quem, como já se disse confiava pelas relações existentes entre ambos no quadro de gerente do Banco e Cliente do mesmo.</font><br>
</p><p><font>12º - Em 22 de Outubro de 2004, o aqui primeiro Autor, subscreveu tais obrigações no montante de € 50.000,00 (cinquenta mil euros), correspondentes ao montante que detinha no depósito a prazo, que para o efeito resgatou no C.P.P., que depositou no BPN para aquisição de tal produto.</font><br>
</p><p><font>13º - Sendo que, até ao dia 24 de Abril de 2015, sempre lhe foram pagos os juros do capital investido na aludida aplicação financeira.</font><br>
</p><p><font>14º - Pagamentos esses que autor estava convencido que lhe tinham sido feitos pelo BPN, até 25 de Outubro de 2012, e pelo primeiro Réu BANCO BIC PORTUGUÊS, S.A., a partir dessa data e até 24 de Abril de 2015, data do último pagamento dos juros reportados à aplicação financeira em causa,</font><br>
</p><p><font>15º - No mês de Abril de 2006, em dia que não pode precisar, o gerente do BPN - (ACTUAL BANCO BIC S.A.), agência ou balcão de ..., contactou novamente o aqui primeiro Autor, pedindo-lhe para que este logo que lhe fosse possível, se dirigir ao Balcão do Banco pois queira falar com ele.</font><br>
</p><p><font>16º - Desta forma, no mês de Abril de 2006, em dia que não pode precisar com exactidão, o aqui primeiro Autor dirigiu-se ao do BPN- (ACTUAL BANCO BIC S.A.), agência ou balcão de ..., com vista a saber o que o gerente do BPN- (ACTUAL BANCO BIC S.A.), teria para lhe dizer.</font><br>
</p><p><font>17º - Foi então que o gerente do BPN- (ACTUAL BANCO BIC S.A.), uma vez mais, e com o mesmo argumentário antecedente, propôs ao aqui primeiro Autor que o mesmo investisse em nova aplicação financeira, desta vez denominada de SLN 2006, com as mesmas garantias da aplicação anterior, ou seja, garantia de reembolso de capital a 100% (cem por cento), absolutamente seguro, de melhor taxa de remuneração, tal como acontecia com o SLN de 2004, sendo este de 2006, um complemento do anterior.</font><br>
</p><p><font>18º - Assim, perante os argumentos do gerente do BPN, pessoa que como já disse e reafirma merecia toda a confiança do aqui primeiro Autor, e até porque sempre até essa data lhe tinham sido pontualmente pagos os juros da anterior aplicação, o aqui primeiro Autor, convencido de que tal aplicação lhe traria mais rentabilidade, acedeu em efectuar a operação de investimento na aplicação em causa, ou seja, SLN 2006.</font><br>
</p><p><font>19º - No dia 18 de Abril de 2006, o aqui primeiro Autor subscreveu na agência (ou balcão se assim se preferir) de ..., daquele BPN- (ACTUAL BANCO BIC S.A.), a subscrição de tais obrigações na importância de € 100.000,00 (cem mil euros).</font><br>
</p><p><font>20º - E, no dia 5 de Maio de 2006, procede ao resgate do depósito a prazo no referido valor, fazendo, no dia 8 de Maio de 2006, a aplicação financeira para a qual o gerente do BPN o havia aconselhado, mas convencido nas já descritas circunstâncias.</font><br>
</p><p><font>21º - Sendo que, até ao dia 7/05/2015, sempre lhe foram pagos os juros do capital investido na aludida aplicação financeira.</font><br>
</p><p><font>22º - Pagamentos esses que o autor estava convencido que lhe foram feitos pelo BPN, até 7 de Outubro de 2012, e pelo primeiro Réu BANCO BIC PORTUGUÊS, S.A., a partir dessa data e até 7 de Maio de 2015, data do último pagamento dos juros reportados à aplicação financeira em causa.</font><br>
</p><p><font>23º - O aqui primeiro Autor, 07.10.2008, e confiante naquilo que o segundo réu lhe havia afirmado e garantido, deslocou-se ao BANCO BPN, com vista a proceder ao resgate do capital investido, o que não conseguiu.</font><br>
</p><p><font>24º - A partir daí, começaram a gerar-se no primeiro Autor e na autora BB angústias e receios.</font><br>
</p><p><font>25º - Apesar de o BANCO BPN, ao vender as referidas obrigações, apenas ter funcionado enquanto intermediário da SLN -Sociedade Lusa de Negócios, S.A., não sendo tais obrigações propriedade ou títulos do BANCO, mas apenas e só, vendidas ao Balcão do Banco por conta e risco da dita SLN, o autor não foi, aquando das respectivas subscrições e negociações prévias supra descritas, informado, pelo gerente supra referido ou por qualquer outro funcionário do BPN, dessa situação e de que o BPN actuava como mero intermediário, e bem assim nunca foi informado de que a garantia do reembolso do capital investido garantido a 100% (cem por cento) lhe estava a ser dada, não pelo BPN, mas pela dita SLN - Sociedade Lusa de Negócios, S.A..</font><br>
</p><p><font>26º- - O primeiro Autor subscritor das aludidas e identificadas obrigações, quer a A. BB, esposa daquele, confrontados com a ideia de perder todo o dinheiro que tinham investido nas aplicações financeiras cujas garantias de retorno total lhe foram dadas, passaram algumas noites sem dormir, existindo destabilização no seio do seu agregado familiar, sofrendo angústia, que ainda hoje continuam a sentir, embora com menos regularidade e intensidade.</font><br>
</p><p><font>27º - A relação dos Autores com o BPN nasceu no ano de 2003, mais precisamente em 06.02.2003, muito antes portanto de 2004, com a abertura de uma conta solidária conjuntamente com sua esposa, aqui segunda autora, e sua filha CC.</font><br>
</p><p><font>28º - A conta foi aberta com o n...1, era solidária, e podia ser movimentada por qualquer dos seus titulares.</font><br>
</p><p><font>29º - A tal conta estava associada uma outra conta, apenas titulada pelos primeiro e segundo autores, usada como carteira de títulos depositados no banco.</font><br>
</p><p><font>30º - Já no corrente ano de 2016, e por indicações dos autores, foram aditados à dita conta mais dois titulares, BB e DD, como foram também alteradas as condições da sua movimentação.</font><br>
</p><p><font>31º - Passando a conta a poder ser movimentada por qualquer dos aqui primeiro e segundo autores, ou então pelos demais titulares, com a assinatura conjunta de todos eles.</font><br>
</p><p><font>32º - O primeiro Autor, ao longo de todo o período que foi de meados de 2002 até 23.05.2016, e sobretudo até à nacionalização do então BPN, em finais de 2008, fez as seguintes aplicações em produtos distintos de simples depósitos a prazo, aplicações estas que eram efectuadas em simultâneo com tais depósitos a prazo, que a seguir se descrevem, embora com uma rentabilidade superior àquela que os simples depósitos a prazo lhe asseguravam:</font><br>
</p><p><font>-logo em 25.06.2004, o primeiro autor subscreveu € 50.000,00 de Papel Comercial SLN Valor;</font><br>
</p><p><font>-em 10.08.2004 o primeiro autor constitui junto do banco ora contestante um depósito a prazo no montante de € 150.000,00;</font><br>
</p><p><font>-em 25.10.2004 o primeiro autor subscreveu a aquisição de € 50.000,00 de Obrigações Rendimento Mais 2004;</font><br>
</p><p><font>-em 09.02.2005 o primeiro autor subscreveu mais um produto catalogado com a designação ...05, no montante de € 159-999,99!</font><br>
</p><p><font>-tendo subscrito mais € 74.999,99 do mesmo tipo de produto em 15.04.2005;</font><br>
</p><p><font>-com data de 24.06.2005, o primeiro autor subscreveu € 50.000,00 de Papel Comercial SLN Valor;</font><br>
</p><p><font>-e com data de 08.05.2006, a conta DO dos autores foi debitada no montante de € 100.000,00, relativos à subscrição do produto SLN Rendimento Mais 2006 (produto este a que se reporta o documento junto com a petição inicial como doe. n- 6, bem como o doc. nº 8 , cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido);</font><br>
</p><p><font>-a 23.06.2006, o primeiro autor subscreveu mais produto denominado Papel Comercial SLN Valor, no montante de e 50.000,00, renovando a aplicação feita em 24.06.2005 acima citada;</font><br>
</p><p><font>-a 02.11.2006, o primeiro autor subscreveu produto denominado ...06, no montante de € 69.999,01;</font><br>
</p><p><font>-a 25.06.2007, e renovando a aplicação em Papel Comercial SLN Valor acima referida, o primeiro autor voltou a subscrever igual montante do mesmo produto;</font><br>
</p><p><font>-o que voltou a acontecer em 20.06.2008, com nova renovação por igual montante.</font><br>
</p><p><font>33º - Com data de 07.10.2008, o primeiro autor deu ordem de resgate, na data do respectivo vencimento, da aplicação SLN Rendimento Mais 2004, no montante de € 50.000,00, bem como da totalidade da restante aplicação (aplicação no Fundo de Investimento Imonegócios), tendo o pedido sido formalizado por escrito através do respectivo formulário, que foi preenchido pelo funcionário do BPN nos moldes retratados no documento de fls. 236 dos autos, que o primeiro autor assinou.</font><br>
</p><p><font>34º - Logo a 07.10.2008, tal como ordenado pelo primeiro autor, o resgate do Fundo de Investimento Imonegócios foi executado.</font><br>
</p><p><font>35º - Todas as aplicações acima citadas ocorreram ao mesmo tempo que os autores constituíam simples depósitos a prazo.</font><br>
</p><p><font>36º - Os autores, ao longo dos anos em que fizeram as supra descritas aplicações, auferiram os respectivos juros, que foram sempre creditados na sua emissão, tal como definidas no respectivo Prospecto, disponível nas Agências do BPN".</font><br>
</p><p><font>39º - Em 9 de Dezembro de 2011, o Estado Português, então accionista único do BPN, BANCO PORTUGUÊS DE NEGÓCIOS BPN- (ACTUAL BANCO BIC, S.A.), e no âmbito do processo de reprivatização daquela Instituição, celebrou um Acordo Quadro com o Banco BIC Português, SA, no qual foram estabelecidos os procedimentos e as acções necessárias a desenvolver por cada uma das partes, passo intermédio considerado essencial para a celebração do contrato de compra e venda das acções do BPN.</font><br>
</p><p><font>40º - No dia 30 de Março de 2012, foi assinado o contrato de compra e venda do BPN, entre o Estado Português e o Banco BIC, sendo que nos termos do disposto na cláusula 15.â do Acordo Quadro celebrado entre o Estado Português e o Banco BIC, relativo à reprivatização do BPN, neste se mostram incluídas todas as entidades do espectro do antigo Banco BPN, S. A., BANCO PORTUGUÊS DE NEGÓCIOS BPN- (ACTUAL BANCO BIC S.A., sendo estas a P1..., S. A., a P2..., S. A., P3..., S. A., B..., S. A., BPN Serviços, S. A., BPN Imofundos, S. A., BPN Gestão de Activos, S. A. (actualmente P..., G..., S. A.), BPN ACE eBPN, SGPS, S. A.</font><br>
</p><p><font>41º - A actual Instituição resultou assim da fusão ocorrida em 7 de Dezembro de 2012, por incorporação do Banco BIC Português S.A., no Banco Português de Negócios, S.A., assumindo a designação social do primeiro.”</font><br>
</p><p><font>Aos factos provados em primeira instância a Relação aditou ainda os seguintes:</font><br>
</p><p><font>“ a) Todo o conjunto de informações dadas aos clientes e e também o primeiro autor eram sérios e verdadeiras a data em que foram prestadas;</font><br>
</p><p><font>b) E só se alteraram em finais de 2008 com é a operação de nacionalização do então BPN e pela forma como teve lugar;</font><br>
</p><p><font>c) já que abrangeu o capital do então BPN, deixando de fora a SLN Sociedade Lusa de negócios SGPS,A.</font><br>
</p><p><font>d) Dividindo assim o até então conhecido grupo SLN de que o banco réu fazia parte;</font><br>
</p><p><font>e) Essa nacionalização e forma como ocorreu, era de toda imprevista e é imprevisível à data em que o autor subscreveu as obrigações que aqui estão em causa”</font><br>
</p><p><font>Os factos não provados são os seguintes:</font><br>
</p><p><font>“1º - Os pagamentos referidos em 149 dos factos provados tivessem sido feitos pelo BPN até 25 de Outubro de 2012, e pelo primeiro Réu BANCO BIC PORTUGUÊS, S.A., a partir dessa data.</font><br>
</p><p><font>2º - Os pagamentos referidos em 22º dos factos provados tivessem sido feitos pelo BPN, até 7 de Outubro de 2012, e pelo primeiro Réu BANCO BIC PORTUGUÊS, S.A., a partir dessa data.</font><br>
</p><p><font>3º - Em Outubro de 2009, o autor, ao pretender proceder ao resgate do capital investido, tivesse sido informado pelo Banco BPN que só ao fim de 10 anos poderia proceder a tal resgate, ou seja, só no fim do prazo contratual e não antes, sendo certo que tal resgate ao fim de dez anos, ou seja, do prazo contratual se aplicava tanto à aplicação reportada a 2004, como à de 2006, e bem assim que esta informação lhe tivesse sido prestada na sequência do facto descrito em 239 dos factos provados.</font><br>
</p><p><font>4º - Nas circunstâncias descritas em 23a dos factos provados, o primeiro Autor tivesse sido informado, no Balcão de ..., pelo gerente do BANCO BIC, de que a aplicação financeira em causa, não tinham cobertura de garantia de capital por parte do BPN, que é uma subscrição de obrigações da SLN - Sociedade Lusa de Negócios, S.A., e que, uma vez que a referida sociedade se mostra insolvente, tal resgate não lhe será concedido, podendo e devendo reclamar o montante a que se julga com direito no aludido processo de Insolvência.</font><br>
</p><p><font>5º - Em consequência dos factos apurados, os autores tivessem passado dias e dias sem conseguir gerir os seus negócios.</font><br>
</p><p><font>6º - O autor fosse um cliente bem informado sobre as alternativas de investimento aos simples depósitos a prazo e que procurasse sempre produtos com melhor rentabilidade, e bem assim que contactasse com frequência o seu gestor de conta, sobretudo quando se aproximava o vencimento de aplicações de que era titular.</font><br>
</p><p><font>7º - O primeiro autor era pessoa que prezava a obtenção de boas rentabilidades para as suas poupanças, procurando sempre aplicações que as assegurassem, e bem assim que tivesse sido nessa lógica, e com esse intuito, que o autor veio a subscrever e adquirir as Obrigações SLN Rendimento Mais 2004, em Outubro de 2004, bem como as Obrigações SLN 2006.</font><br>
</p><p><font>8º - Os funcionários do banco réu procurassem satisfazer a vontade dos clientes de encontrarem produtos com melhor rentabilidade financeira.</font><br>
</p><p><font>9º - Antes ou aquando da subscrição das aplicações em causa nos autos, o primeiro autor tivesse sido, apenas e tão só, informado pelo seu gestor de conta que se anunciava para breve a emissão de Obrigações denominadas de SLN Rendimento Mais 2004 e Obrigações SLN 2006, com uma rentabilidade mais elevada que a dos simples depósitos a prazo, e bem assim que tivesse sido só com base nesse anúncio e informação que o primeiro autor decidiu subescrevê-las.</font><br>
</p><p><font>10º - Para além do documento referido em io9 dos factos provados e dos impressos referidos em 38- dos factos provados, ao primeiro autor tivesse sido então facultada a leitura de qualquer outro documento classificado de prospecto, oficial e destinado ao cliente, do produto que iria adquirir, e bem assim que o autor tivesse tomado conhecimento da existência e teor de tal prospecto.</font><br>
</p><p><font>11º - Os autores soubessem bem que o produto em causa não era emitido pelo banco, e que a responsabilidade do seu reembolso, aquando do seu vencimento, era exclusivamente da entidade emitente, então SLN.</font><br>
</p><p><font>O Direito. </font><br>
</p><p><font>O acórdão da Relação considerou que, de acordo com os critérios interpretativos do art. 236º do CC houve um contrato entre o Banco e o autor, através do qual o primeiro se vinculou à restituição do montante das obrigações.</font><br>
</p><p><font>Considera, porém, a recorrente que a factualidade dada por provada nos presentes autos não permite de forma alguma que se conclua pela celebração de qualquer contrato entre o banco e o autor marido, não permite também que se conclua pela assunção, por parte do banco recorrente, seja qual for a forma, do dever de reembolsar o autor marido do capital investido nesses mesmos produto, acrescentando que, em todo o caso, a informação de que as obrigações SLN eram produto com capital garantido a 100% é absolutamente inócua e omissa quanto à possibilidade de ser o banco a entidade responsável pelo seu pagamento, aquando da sua maturidade.</font><br>
</p><p><font>É certo que o acórdão da Relação figurou o contrato não propriamente de intermediação, mas um contrato directo entre o Banco e o autor. Todavia, lida a petição, verifica-se que o autor também assentou a causa de pedir na violação dos deveres do réu enquanto intermediário financeiro, o que significa que se se concluir que são de aplicar as regras da intermediação financeira, terá de ser observada a doutrina do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça nº 8/2022, publicado no DR I Série, nº 212, que uniformizou a jurisprudência nos seguintes termos:</font><br>
</p><p><font>“1- No âmbito da responsabilidade civil pré-contratual ou contratual do intermediário financeiro, nos termos dos artigos 7.º, n.º 1, 312.º n.º 1, alínea a), e 314.º do Código dos Valores Mobiliários, na redação anterior à introduzida pelo Decreto -Lei n.º 357 -A/2007, de 31 de outubro, e 342.º, n.º 1, do Código Civil, incumbe ao investidor, mesmo quando seja não qualificado, o ónus de provar a violação pelo intermediário financeiro dos deveres de informação que a este são legalmente impostos e o nexo de causalidade entre a violação do dever de informação e o dano.</font><br>
</p><p><font>2 – Se o Banco, intermediário financeiro – que sugeriu a subscrição de obrigações subordinadas pelo prazo de maturidade de 10 anos a um cliente que não tinha conhecimentos para avaliar o risco daquele produto financeiro nem pretendia aplicar o seu dinheiro em “produtos de risco” - informou apenas o cliente, relativamente ao risco do produto, que o “reembolso do capital era garantido (porquanto não era produto de risco”), sem outras explicações, nomeadamente, o que eram obrigações subordinadas, não cumpre o dever de informação aludido no artigo 7.º, n.º 1, do CVM.</font><br>
</p><p><font>3 – O nexo de causalidade deve ser determinado com base na falta ou inexatidão, imputável ao intermediário financeiro, da informação necessária para a decisão de investir.</font><br>
</p><p><font>4 – Para estabelecer o nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação, por parte do intermediário financeiro, e o dano decorrente da decisão de investir, incumbe ao investidor provar que a prestação da informação devida o levaria a não tomar a decisão de investir.”</font><br>
</p><p><font>Ora, no | [0 0 0 ... 0 0 0] |
_TJzu4YBgYBz1XKvyQpy | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><br>
<font>Revista n.º 27354/15.1T8LSB.L1.S2</font><br>
<br>
<font> </font><br>
<br>
<font> </font><br>
<br>
<font>Acordam na Secção Cível do Supremo Tribunal de Justiça:</font><br>
<br>
<font> </font><br>
<br>
<font> </font><br>
<br>
<font>*</font><br>
<br>
<font>AA intentou acção declarativa de condenação, na forma comum, que prosseguiu contra Companhia de Seguros Tranquilidade, S.A. (hoje designada por Seguradoras Unidas, S.A.), peticionando a condenação da ré a pagar-lhe (1) a quantia de € 153 031,23, em relação à dívida exequenda (capital, juros de mora e custas), e nos juros que se venceram desde 12 de junho de 2015 e que se venham a vencer no âmbito do processo de execução fiscal, (2) acrescida da quantia de € 510,00, relativa à taxa de justiça paga pela Autora pela interposição do recurso da sentença no processo de oposição à execução, (3) da quantia de € 5 000,00, a título de indemnização por danos não patrimoniais, bem como dos juros de mora, à taxa legal em vigor, desde a data da citação até ao efetivo e integral pagamento a incidir sobre os valores peticionados em (2) e (3); tudo num montante global, até ao momento da propositura da ação, de e 158 541,23</font><br>
<br>
<font>Alegou factos tendentes a sustentar o seu direito de crédito sobre a seguradora, adveniente do incumprimento por parte dos anteriores Réus, ambos advogados, de contrato de mandato no âmbito do exercício da advocacia e tendo como mandante/constituinte a aqui Autora.</font><br>
<br>
<font>Foram três os aspetos em que os referidos advogados falharam nesse exercício, na versão da Autora: em sede de oposição a execução fiscal, arguiram um argumento que deveria ter sido suscitado por via de reclamação junto do serviço de finanças competente (nulidade da citação); interpuseram recurso da sentença correspondente fora do prazo legal, o que constitui ato revelador de negligência muito grosseira, com a inerente perda de chance; e jamais informaram a Autora da preclusão do prazo de recurso. Daí decorreram prejuízos para a Autora, de índole material e imaterial. A responsabilidade da Ré deflui da celebração com a Ordem dos Advogados de contrato de seguro de responsabilidade civil profissional, que abrange a atividade dos ditos Réus.</font><br>
<br>
<font>Na contestação, a Ré veio arguir duas questões prévias (suspensão desta instância e inadmissibilidade de documentos juntos pela Autora), excepcionar por via peremptória (exclusão da cobertura da apólice contratada e culpa do lesado), e impugnar matéria factual (não preenchimento dos pressupostos essenciais e cumulativos da responsabilidade civil profissional).</font><br>
<br>
<font>Em sede de audiência prévia, foi proferido despacho saneador (com a improcedência da excepção dilatória de ilegitimidade processual dos 2.º e 3.º Réus) e, bem assim, o despacho previsto no n.° 1 do artigo 596.º do Código de Processo Civil.</font><br>
<br>
<font>Teve lugar a audiência final com a observância do formalismo legal, e foi elaborada a sentença que julgou a acção parcialmente procedente, do seguinte modo:</font><br>
<br>
<font>“a) Condenou a 1.ª Ré Seguradoras Unidas, S.A., no pagamento à Autora da quantia de € 145 000,00 (cento e quarenta e cinco mil euros), valor correspondente ao limite máximo do capital seguro deduzido da franquia (=€150 000,00 - € 5 000,00), acrescida de juros vencidos e vincendos calculados à taxa legal de 4 %, desde a data da citação até efetivo e integral pagamento;</font><br>
<br>
<font>b) Condenou a 1.ª Ré no pagamento à Autora da quantia de € 510,00 (quinhentos e dez euros), relativa à taxa de justiça paga pela Autora pela interposição do recurso da sentença no processo de oposição à execução fiscal;</font><br>
<br>
<font>c) Absolveu a 1.ª Ré do demais peticionado.”</font><br>
<br>
<font>Não se conformando, a ré seguradora interpôs o presente recurso peticionando que a decisão seja revogada na parte impugnada.</font><br>
<br>
<font>Todavia, a Relação julgou a apelação improcedente e manteve a decisão recorrida.</font><br>
<br>
<font>Novamente inconformada, recorreu agora a seguradora de revista (admitida pela formação como excepcional) formulando, a final da alegação, as seguintes conclusões:</font><br>
<br>
<font> </font><br>
<br>
<font>“1ª. A A. não alegou, demonstrou ou provou a existência de qualquer Dano, consistente na “supressão ou diminuição duma situação jurídica favorável que estava protegida pelo Direito” (v. Menezes Cordeiro, Direito das Obrigações, 1980, Vol. II, AAFDL, p.p. 283; cfr. Gomes da Silva, O Dever de Prestar e o Dever de Indemnizar, 1944, 80), consubstanciado em perda de oportunidade ou de “chance” que fundamente a pretensão indemnizatória peticionada e que foi sufragada pelo Tribunal “a quo” (v. arts. 483º e segs. e 798º e segs. do C. Civil; cfr. art. 342º do C. Civil); </font><br>
<br>
<font>2.ª A A. não invocou ou demonstrou – como lhe competia (v. art. 342º do C. Civil) –, nem se verificam in casu os pressupostos de que dependeria a responsabilidade dos RR. Segurados pelos pretensos danos e prejuízos invocados, inexistindo qualquer nexo de causalidade entre os atos e omissões dos RR. que inviabilizaram a apreciação dos direitos da A. que estavam sujeitos a várias apreciações e teses jurisprudenciais distintas pelo TCA e que podem ainda neste momento ser reivindicados no âmbito da ação administrativa 312/04.4BECTB na qual se discute a validade e legalidade dos atos de liquidação e cobrança fiscais exequendos (arts. 9º, 342º, 496º, 483º e segs., 562º a 566º, 798º e segs., do C. Civil);</font><br>
<br>
<font> 3ª. In casu, “o segurador cobre o risco de, na esfera do segurado, se constituir uma obrigação de indemnizar terceiros” (v. António Menezes Cordeiro, Direito dos Seguros, Almedina, 2013, p.p.757 e art. 137º da LCT), pelo que face à desistência do pedido da A. contra os RR. Segurados a ora Recorrente Seguradora nunca poderia ser obrigada a assumir e cobertura do sinistro e respetivos danos cuja obrigação não se constituiu na esfera jurídica do segurado e a favor de terceiros, devendo ser totalmente absolvida do pedido ex vi dos arts. 137º e segs. da LCS (DL 72/2008), arts. 483º e segs. e 798º e segs. do C. Civil; cfr. arts. 577º e 579º do CPC;</font><br>
<br>
<font>4ª. A eventual indemnização a atribuir pelo Tribunal “a quo” nos presentes autos pelo prejuízo que resulta dos erros e omissões dos RR. Segurados “consubstancia a figura da perda de chance” pelo que teria necessariamente de ser determinada de acordo com juízos de equidade (v. arts. 562º e 566º do C. Civil; cfr. Ac. STJ de 2010.09.28, Proc. 171/2002.S1, e Ac. RL de 2010.03.04, Proc. 1.410/2004.0TVLSB.L1-8, ambos in www.dgsi.pt), o que não sucedeu minimamente;</font><br>
<br>
<font>5ª. A douta sentença recorrida enferma de manifestos erros de julgamento, tendo violado frontalmente o disposto nos arts. 9º, 342º, 496º, 483º e segs., 562º a 566º, 798º e segs., do C. Civil e arts. 1º e 137º e segs, da LCS. “</font><br>
<br>
<font> Pede a revogação do acórdão recorrido.</font><br>
<br>
<font> A Autora/recorrida contra-alegou pugnando pela confirmação do acórdão.</font><br>
<br>
<font>Colhidos os vistos legais, cumpre decidir:</font><br>
<br>
<font>A factualidade provada e não provada consignada na sentença e na Relação é a seguinte:</font><br>
<br>
<font>“1.Ordem dos Advogados celebrou com a ora Ré Companhia de Seguros Tranquilidade, S.A. (hoje designada por Seguradoras Unidas, S.A.), contrato de seguro de responsabilidade civil profissional, titulado pela apólice com o número ..., do qual são segurados todos os advogados com a sua inscrição em vigor na aludida Ordem, entre os quais BB e CC(cfr. documento de fls. 205 a 238);</font><br>
<br>
<font>2. O referido contrato de seguro garante o pagamento de indemnização dos prejuízos patrimoniais causados a terceiros pelas ações e omissões cometidas pelos então Réus no exercício da sua profissão de advogados, cujo valor seguro foi fixado em € 150 000,00 por sinistro/segurado por ano, e a respetiva franquia estabelecida em C 5 000,00 por sinistro, esta a cargo do segurado (cfr. documento de fls. 205 a 238);</font><br>
<br>
<font>3. A mencionada apólice de seguro teve o seu início de vigência no dia 1 de janeiro de 2012 e durou por 24 meses, retroagindo os seus efeitos de cobertura, ilimitadamente, a sinistros ocorridos antes dessa data (cfr. documento de fls. 205 a 238);</font><br>
<br>
<font>4. As condições particulares, as condições especiais e as condições gerais tituladas pela indicada apólice de seguro constam do aludido documento junto de fls. 205 a 238, aqui dadas como integradas (num total de 34 páginas);</font><br>
<br>
<font>5. A dita apólice foi celebrada nos termos e para os efeitos do disposto no (então) artigo 99.° do Estatuto da Ordem dos Advogados (cfr. documento de fls. 205 a 238);</font><br>
<br>
<font>6. No mês de julho de 2007, a Autora foi notificada da instauração de execução fiscal contra si, execução que tinha como título executivo uma certidão de dívida relativa a uma decisão do IFADAP - Instituto de Financiamento e Apoio ao Desenvolvimento da Agricultura e Pescas, I.P. (hoje, IFAP - Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas, I.P.), com vista à reposição do montante de C 86 210,86 e de juros de mora, concernentes a ajudas pagas à Autora;</font><br>
<br>
<font>7.Tendo em atenção que a Autora reputava (e reputa) a execução fiscal em questão como ilegal, a mesma contactou o Sr. Advogado CC, que já a representava noutros processos judiciais, a quem entregou a sobredita notificação para que analisasse as vias de reação à mesma;</font><br>
<br>
<font>8. O visado Advogado entrou posteriormente em contacto com a Autora, referindo que a via de reação passaria por se apresentar uma oposição à execução no serviço de finanças, mas que correria termos junto do Tribunal Administrativo competente, após o que foi agendada uma reunião no escritório sito na rua Castilho, n.° 67, 3.o, em Lisboa, com vista à preparação da peça processual de oposição;</font><br>
<br>
<font>9..A reunião realizou-se ainda em julho de 2007 e nela esteve também presente o Sr. Advogado BB, que foi apresentado como colaborador do primeiro e que, como ele, se iria ocupar desta matéria;</font><br>
<br>
<font>10.Nessa reunião, ambos informaram a Autora que, no seu entendimento técnico-jurídico, existiriam fundamentos para a apresentação de oposição à execução, tais como, a nulidade da citação da Autora e a prescrição da dívida exequenda;</font><br>
<br>
<font>11.(...) Tendo ficado acordado que apresentariam ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada a oposição à execução fiscal, para o que a Autora, em 31 de julho de 2007, outorgou procuração forense a favor de ambos os Srs. Advogados;</font><br>
<br>
<font>12. No dia 14 de agosto de 2007, foi apresentada oposição judicial no Serviço de Finanças de Penamacor, que posteriormente a remeteu para o Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, a qual deu origem ao Processo n.° 922/07.8BEALM (da 2.@ Unidade Orgânica), sendo que a peça processual em causa foi subscrita apenas pelo Sr. Advogado BB;</font><br>
<br>
<font>13. A Autora suportou a correspondente taxa de justiça, no valor de € 480,00;</font><br>
<br>
<font>14. Posteriormente, o IFAP apresentou contestação nesse processo de oposição, circunstância que os Srs. Advogados comunicaram à Autora;</font><br>
<br>
<font>15. A partir desse momento, os Srs. Advogados nada mais comunicaram à Autora até dia 16 de junho de 2010, em que foi solicitado à Autora, por comunicação eletrónica, o pagamento do reembolso de uma taxa de justiça no valor de € 510,00;</font><br>
<br>
<font>16. Tendo em conta que nada lhe havia sido comunicado até à altura, a Autora estranhou tal pedido e, em resposta a essa comunicação, perguntou, nesse mesmo dia, sobre o estado do processo, mormente, se já havia sido proferida decisão;</font><br>
<br>
<font>16. No dia 17 de junho de 2010, o Sr. Advogado BB enviou uma resposta à Autora, referindo que tinha sido proferido "despacho saneador que considerou a nossa oposição à execução fiscal improcedente" e que havia sido interposto recurso da decisão, para o que se pagara a taxa de justiça no valor solicitado à Autora (€ 510,00);</font><br>
<br>
<font>18. O mesmo Sr. Advogado não enviou à Autora a cópia do despacho saneador, mas esta pagou a referida quantia de € 510,00;</font><br>
<br>
<font>19. Na sequência da remessa à Autora da nota de honorários, por carta datada de 20 de março de 2012, onde foi solicitado o pagamento dos honorários no atinente ao processo em causa, decidiu a Autora consultar os autos em 15 de outubro de 2012, dirigindo-se ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada para o referido efeito e com vista a apurar do seu estado; aí a informaram que o processo de oposição já tinha sido devolvido ao Serviço de Finanças de Penamacor;</font><br>
<br>
<font>20. Em 15 de outubro de 2012, a Autora deslocou-se ao Serviço de Finanças de Penamacor para apurar o que teria sucedido, tendo, nesse mesmo dia, solicitado e obtido certidão dos elementos do processo judicial que julgou, então, pertinentes;</font><br>
<br>
<font>21. Não tendo a mesma ficado elucidada só com base nesses elementos, a Autora voltou a solicitar mais elementos, tendo-lhe sido entregues certidões adicionais em 22 de outubro de 2012 e em 6 de dezembro de 2012;</font><br>
<br>
<font>22. Analisados os elementos que então obteve, em complemento às informações que lhe tinham sido prestadas sobre o assunto, a Autora apurou que, no processo de oposição à execução, havia sido proferida sentença em 30 de abril de 2010, na qual fora julgada improcedente a oposição à execução e que, de seguida, tinha sido apresentado recurso dessa mesma decisão para o Tribunal Central Administrativo, peça processual que também só foi subscrita pelo Sr. Advogado BB;</font><br>
<br>
<font>23. Foi então que a Autora tomou conhecimento do conteúdo da sentença e que, na mesma, para além de se terem considerado improcedentes os fundamentos invocados, se entendeu que a nulidade da citação não era fundamento que pudesse ser invocado na oposição à execução, posto que tal deveria ter sido arguido em reclamação apresentada junto do serviço de finanças competente (o que não fora feito);</font><br>
<br>
<font>24. A Autora tomou igualmente conhecimento de que o recurso de tal sentença não fora admitido por ser extemporâneo, por decisão proferida em 25 de junho de 2010, e que nenhuma reclamação contra tal rejeição havia sido apresentada;</font><br>
<br>
<font>25. Em função do desfecho da oposição à execução, o processo executivo foi devolvido ao Serviço de Finanças de Penamacor e prosseguiu termos a execução fiscal para cobrança dos valores acima referidos;</font><br>
<br>
<font>26. Entre as datas de 15 de outubro de 2012 e 2 de novembro de 2012, a Autora e os indicados Advogados trocaram as comunicações escritas que se encontram documentadas de fls. 61 a 77 e 312 a 314 (aqui dadas como integradas);</font><br>
<br>
<font>27. Mediante carta datada de 23 de outubro de 2012, a Autora participou o acima referido à 1.2 Ré, a qual veio a declinar, em 19 de abril de 2013, a responsabilidade pelo sinistro, "(...) salvo se judicialmente convencida (...)" (cfr. documentos de fls. 78 a 83);</font><br>
<br>
<font>28. Com a situação em apreço, a Autora passou a viver em estado de desassossego, especialmente com receio do que poderia advir da execução fiscal;</font><br>
<br>
<font>29. (...) Criando-lhe, esse receio, alguma ansiedade e preocupação;</font><br>
<br>
<font>30. Desde então, a Autora passou a ter problemas ao nível do sono, bem como períodos de tristeza e revolta;</font><br>
<br>
<font>31. Quando confrontada com a improcedência da oposição à execução fiscal, por extemporaneidade da interposição do recurso, sentiu-se decepcionada, desilusão agravada pela circunstância de os seus Advogados lhe omitirem a informação;</font><br>
<br>
<font>32. A execução fiscal prosseguiu e continua os seus termos, vencendo-se juros que fazem avolumar a dívida exequenda;</font><br>
<br>
<font>33. Em 12 de junho de 2015, a Autora obteve certidão na qual se atesta que o valor em dívida ascendia a C 153 031,23, decomposto em € 86 210,86 de quantia exequenda, em € 65 632,10 de juros de mora e em € 1 188,27 de custas (cfr. documento de fls. 84 a 86);</font><br>
<br>
<font>34. Os indicados Srs. Advogados, na data em que souberam do sinistro, não o comunicaram à 1.ª Ré;</font><br>
<br>
<font>35. O ponto 5 das condições particulares do contrato de seguro acima identificado, sob a epígrafe "Actividade Segurada", estipula nos termos seguintes:</font><br>
<br>
<font>"Exercício da advocacia, conforme regulado no Estatuto da Ordem dos Advogados.</font><br>
<br>
<font>A presente apólice de Seguro de Responsabilidade Civil Profissional é celebrada nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 99.2 do Estatuto da Ordem dos Advogados.</font><br>
<br>
<font>Está igualmente garantida a actividade desenvolvida pela Ordem dos Advogados e seus Órgãos de Representação" (cfr. documento de fls. 205 a 238, com realce para fls. 207);</font><br>
<br>
<font>36. O artigo 3.º, alínea a), das condições especiais do referido contrato de seguro, sob a epígrafe "Exclusões", estipula que ficam expressamente excluídas da cobertura da apólice as reclamações "Por qualquer facto ou circunstância conhecidos do SEGURADO à Data de Início do PERÍODO DE SEGURO, e que já tenha gerado ou possa razoavelmente vir a gerar RECLAMAÇÃO" (cfr. documento de fls. 205 a 238, com realce para fls. 218);</font><br>
<br>
<font>O artigo 3.º, alínea p), das condições especiais do referido contrato de seguro, sob a epígrafe "Exclusões", estipula que ficam expressamente excluídas da cobertura da apólice as reclamações "Consequentes da intervenção em operações financeiras de qualquer tipo, de títulos ou créditos, mediação ou representação em negócios pecuniários, créditos, imobiliários ou similares, ou derivadas de depreciações ou menos valias dos investimentos realizados como consequência da própria evolução e funcionamento natural do mercado de valores, bem como frustração das expectativas do rendimento dos investimentos, ainda que tenham sido expressamente garantidas" (cfr. documento de fls. 205 a 238, com realce para fls. 220);</font><br>
<br>
<font>O artigo 3.º, alínea q), das condições especiais do referido contrato de seguro, sob a epígrafe "Exclusões", estipula que ficam expressamente excluídas da cobertura da apólice as reclamações "Derivadas da actividade do SEGURADO como Administrador, Quadro Directivo, Conselheiro ou Executivo de Empresas Privadas, Associações, Clubes ou qualquer outra Entidade, e bem assim as consequentes de Assessoria Fiscal e Administração de Propriedades, Agente ou Procurador de Negócios e Gestor Administrativo, salvo se tais actividades forem exercidas no estrito cumprimento de mandato forense ou de consultadoria jurídica" (cfr. documento de fls. 205 a 238, com realce para fls. 220);</font><br>
<br>
<font>37. O artigo 10.º, n.° 1, das condições especiais do referido contrato de seguro, sob a epígrafe "Convenção de Gestão de SINISTROS", estatui ainda que será utilizada a seguinte convenção, no que respeita à gestão de sinistros e reclamações:</font><br>
<br>
<font>"1. O SEGURADO, nos termos definidos no ponto 1. do Art.° 8.° das Condições Especiais, deverá comunicar ao Corretor ou à SEGURADORA, com a maior brevidade possível, o conhecimento de qualquer RECLAMAÇÃO efectuada contra ele ou de qualquer outro facto ou incidente que possa vir a dar lugar a uma reclamação" (cfr. documento de fls. 205 a 238, com realce para fls. 226);</font><br>
<br>
<font>38. A Autora mandatou outra Sr.° Advogada para que a patrocinasse no âmbito da ação que, sob o número 312/04.4BECTB, corre termos no Tribunal Administrativo Central de Lisboa, na qual se discute a legalidade dos atos de liquidação e cobrança exequendos;</font><br>
<br>
<font>39. A Autora foi informada pelos dois indicados Srs. Advogados, outrora Réus, que a oposição à execução tinha poucas hipóteses de procedência e que podia constituir um expediente para atrasar a cobrança dos créditos tributários em causa;</font><br>
<br>
<font>40. (...) Conformando-se com tal situação;</font><br>
<br>
<font>41. A quantia exequenda, no âmbito da execução fiscal em causa, tem fundamento em ajudas e apoios estatais que a Autora recebeu e que foram provenientes de projetos de investimento apresentados e celebrados com o (então) Instituto de Financiamento e Apoio ao Desenvolvimento da Agricultura e Pescas (IFADAP) pela ora Autora, tendo sido exigida a sua restituição por este Instituto em 28 de março de 1995;</font><br>
<br>
<font>42. Foi transmitido à Autora que apenas a prestação de caução, aquando da dedução de oposição à execução, teria efeito suspensivo desta;</font><br>
<br>
<font>43. (...) Contudo, a Autora não a prestou;</font><br>
<br>
<font>44. A Autora informou os dois mencionados Advogados não ter bens em seu nome nem rendimentos penhoráveis;</font><br>
<br>
<font>45., No verão de 2010 foram enviadas para o Sr. Advogado BBe recebidas no escritório as notificações do despacho de rejeição do recurso e da conta de custas, mas ambos os Srs. Advogados não tomaram logo conhecimento das mesmas por ter ocorrido uma inundação que destruiu muitos documentos;</font><br>
<br>
<font>46. A Autora não pagou ao Sr. Advogado CC a quantia de € 24 029,28, acrescida de juros, montante referente (alegadamente) a despesas e honorários em processos que entregou, a título pessoal ou dos seus filhos;</font><br>
<br>
<font>47. Da sentença proferida em 30 de abril de 2010, na oposição à execução fiscal, constam como factos provados os seguintes:</font><br>
<br>
<font>"1. Em 28/04/1992 foi celebrado entre AA um contrato de atribuição de ajuda ao abrigo do regulamento (CEE) 797/85 do Conselho e Legislação complementar, no montante global de Esc.: 14.148.956$00 (cfr. doc. junto a fls. 41 a 42 dos autos);</font><br>
<br>
<font>2. Por ofício de 28/03/1995, foi a ora oponente notificada de que o subsídio atribuído havia sido reduzido para Esc.: 5.896.219$00, tendo esta que restituir a quantia de Esc.: 7.752.737$00 (cfr. doc. junto a fls. 44 dos autos);</font><br>
<br>
<font>3. Em 18/12/2006 foi instaurado o processo de execução fiscal n° ... no Serviço de Finanças de Penamacor em que é executada AA por dívidas ao IFADAP no montante de C 86.210,86 (cfr. doc. junto a fls. 36 dos autos);</font><br>
<br>
<font>4. Em 13/06/2007, foi instaurado no Serviço de Finanças de Almada 32 o processo de execução fiscal n° ..., tendo por base uma carta precatória que foi extraída do processo de execução fiscal identificado no ponto anterior (cfr. doc. junto a fls. 53 a 55 dos autos);</font><br>
<br>
<font>5. Em 11/07/2007, foi a oponente citada no âmbito do processo de execução fiscal identificado no ponto anterior (cfr. doc. junto a fls. 57 dos autos);</font><br>
<br>
<font>6. O Serviço de Finanças de Penamacor informa que a oposição à execução terá dado entrada naquele Serviço em 14/08/2007 (cfr. doc. junto a fls. 34 dos autos)" (cfr. documento de fls. 90 a 168, com realce para fls. 148);</font><br>
<br>
<font>48. Em 16 de novembro de 2017, a Autora e os indicados Advogados alcançaram "Acordo de Transacção", nos termos do qual, em suma, estes se propuseram pagar à Autora a quantia de € 18 636,15, a título de indemnização pelos prejuízos que, com a sua atuação, lhe possam ter ocasionado, designadamente os de natureza moral, que são os únicos cuja possibilidade reconhecem (cfr. (cfr. cláusula 1.2); nesse acordo, a Autora desistiu integralmente dos pedidos formulados em relação aos dois Srs. Advogados, reconhecendo-se ressarcida dos prejuízos que a sua atuação profissional lhe possam ter ocasionado, designadamente os de natureza moral (cfr. cláusula 2.9 - cfr. documento de fls. 698 a 700 (= fls. 710 a 712);</font><br>
<br>
<font>49. Estipulou-se na sua cláusula 6.2 (transcrição parcial): "Prosseguindo o presente processo contra a Companhia de Seguros Tranquilidade S.A. e em caso de condenação desta R. ao pagamento de alguma indemnização, a Autora, desde já, dá quitação do valor da respectiva franquia de 5.000,00 C, o que significa que assume que receberá sempre menos 5.000,00 C do que qualquer valor em que tal Seguradora pudesse ser condenada (...)"- cfr. documento de fls. 698 a 700;</font><br>
<br>
<font>50. Aí se consignaram, a anteceder o clausulado, os considerandos seguintes:</font><br>
<br>
<font>"A) A Autora, em processo de oposição à execução que correu termos na jurisdição fiscal, veio a decair porque os RR omitiram interpor em tempo o recurso da decisão que lhes foi notificada.</font><br>
<br>
<font>B) A Autora entende que este facto configura uma grave negligência profissional que lhe ocasionou prejuízos de natureza patrimonial equivalentes ao valor da execução em causa e de natureza extra patrimonial, danos morais.</font><br>
<br>
<font>C) Apesar de continuarem a entender que o decaimento em tal execução não teve, nem podia ter, a potência de constituir a Autora na posição jurídica de devedora, sendo que a natureza jurídica da sua dívida era muito anterior à execução pela via fiscal e que era na sede própria que teria de ser impugnada, ou poderia ter sido, os RR reconhecem que a falta profissional cometida e, sobretudo, a forma lastimável, como a Autora veio a tomar conhecimento dela, poderiam ter-lhe ocasionado danos morais.</font><br>
<br>
<font>D) O Réu CC bem como a Sociedade de Advogados João Mota Campos & Associados, de que era sócio até 2014, é credor de duas notas de honorários respeitantes a casos totalmente distintos, cuja recusa de pagamento deu origem a duas acções de honorários que correm termos na Comarca de Lisboa, um, com o número 5136/09.0TVLSB-C, proposto em 2012, com juros contados desde então sobre o valor peticionado de 8.874,09 C e o segundo, com o número 133/13.3YXLSB, proposto em 2013 e com juros contados desde então sobre o valor peticionado de 7.262,06 C.</font><br>
<br>
<font>E) Para além dos RR, é parte na presente demanda a Companhia de Seguros Tranquilidade SA., como seguradora dos RR em matéria profissional.</font><br>
<br>
<font>F) Caso os RR fossem condenados no montante peticionado responderiam por tudo o que excedesse 150.000 €, limite de responsabilidade da Seguradora, para além de responderem, em qualquer caso, pelo valor das franquias, de C 5.000,00 C" - cfr. documento de fls. 698 a 700;</font><br>
<br>
<font>51. Mediante sentença proferida no dia seguinte (em 17 de novembro de 2017), o Tribunal homologou a aludida transação, a qual coenvolveu a desistência dos pedidos em relação aos 2.° e 3.° Réus, no âmbito dos presentes autos, declarando extinta a instância declarativa quanto a tais Réus (cfr. decisão proferida a fls. 704 a 707);</font><br>
<br>
<font>52. Foi, ainda, determinado o prosseguimento da lide apenas contra a 1.° Ré, com a designação atual de Seguradoras Unidas, S.A. (cfr. despacho inicial proferido a fls. 704).</font><br>
<br>
<font>Com interesse para a decisão da causa e com exclusão da matéria conclusiva e/ou de direito, não se provou qualquer outro facto, designadamente, a matéria seguinte:</font><br>
<br>
<font>“I. No âmbito da reunião descrita no ponto 10 (provado), os Srs. Advogados informaram a Autora que havia probabilidades de sucesso (em relação aos fundamentos da oposição à execução fiscal);</font><br>
<br>
<font>II. A propósito do recurso mencionado no ponto 17 (provado), o Sr. Advogado BB informou a Autora, no dia 17 de junho de 2010, que o mesmo tinha probabilidades de vir a ser julgado procedente, e daí a necessidade do dinheiro da taxa de justiça (C 510,00);</font><br>
<br>
<font>III Em 13 ou 14 de maio de 2010, foi comunicado à Autora que havia perdido a oposição à execução, que iria ser apresentado recurso (a menos que comunicasse por escrito não o pretender), sendo para tal necessário o pagamento de € 510,00 a título de taxa de justiça;</font><br>
<br>
<font> IV.A Autora nada disse nem pagou o valor da taxa de justiça, tendo sido nesse contexto - perante a referida omissão - que o escritório efetuou tal pagamento;</font><br>
<br>
<font> V. Os Srs. Advogados apenas tomaram conhecimento das notificações referidas no ponto 45 (provado) após a sua deslocação ao Tribunal para consulta do processo;</font><br>
<br>
<font> VI. A Autora mandatou outros advogados para a patrocinarem na oposição à execução fiscal;</font><br>
<br>
<font> VII. A Autora não possui bens em seu nome nem rendimentos penhoráveis;</font><br>
<br>
<font> VIII. A Autora figura como executada noutros processos executivos.”</font><br>
<br>
<font> O Direito.</font><br>
<br>
<font> Da apreciação do objecto do presente recurso:</font><br>
<br>
<font> Refere a recorrida autora que o recurso se reporta à sentença da 1ª instância e não ao acórdão da Relação, na medida em que a recorrente, no recurso de revista, se limita a copiar as conclusões da apelação que interpôs da sentença para a Relação.</font><br>
<br>
<font> E, na verdade, as conclusões da revista são iguais às da apelação, reportando-se, inclusivamente, a 5ª conclusão à “ sentença recorrida”.</font><br>
<br>
<font> Porém, a recorrente interpôs recurso do acórdão da Relação, tendo referido no corpo das alegações, que o acórdão “ sem grandes considerandos, confirmou na íntegra a referida sentença”.</font><br>
<br>
<font> Portanto, o facto de as conclusões (em especial a 5ª ) se reportarem à “sentença” deve ser entendido no sentido de que, afinal, se reportam ao acórdão, que segue, de muito perto, a sentença.</font><br>
<br>
<font> Por outro lado, o facto de as conclusões e, também, as alegações (na sua quase integralidade) serem idênticas às da apelação não impede a apreciação do recurso de revista.</font><br>
<br>
<font> Com efeito, e a propósito da lei anterior, semelhante à actual, elucidava o acórdão de 26.1.2012, relatado por Ana Paula Boularot, em www.dgsi.pt: “Não decorre da Lei, maxime, das regras atinentes aos ónus de alegar e formular conclusões (721º, nº2 e 690º, nº1 e 2 do CPCivil), impenda sobre a parte um ónus adicional de formular alegações e conclusões diversas das anteriormente apresentadas em sede de recurso de Apelação, vg, quando as razões de discordância do Acórdão de que se recorre são idênticas àquelas que levaram à impugnação da sentença de primeira instância. “. E, por isso, se considerava no citado acórdão que “as alegações de recurso para o Supremo que reproduzam “ipsis verbis” ou “pari passu” as alegações de recurso para a Relação, nem por isso podem conduzir à rejeição dele”, asserção que se é, naturalmente, aplicável à legislação processsual vigente.</font><br>
<br>
<font> Sustenta, ainda, a recorrida a rejeição do recurso nos termos do art. 632º, nº e 3 do CPC, pelo facto de, na apelação e na revista, a recorrente ter recorrido da sua condenação no pagamento à autora da quantia de € 145.000, mas não da quantia de €510, relativa à taxa de justiça paga pela autora pela interposição do recurso.</font><br>
<br>
<font> Porém, e como é manifesto, não se pode falar aqui de aceitação tácita da condenação no pagamento quantia de € 153.031,23, pois a recorrente manifestou expressamente a vontade de recorrer desse segmento decisório, como, aliás, lhe era lícito fazer, nos termos do art. 635º, nº 2 do CPC.</font><br>
<br>
<font> Não existem, por conseguinte, razões que obstem à apreciação do objecto do recurso.</font><br>
<br>
<font> Da responsabilidade da recorrente ré seguradora:</font><br>
<br>
<font> A autora intentou a presente acção com fundamento em danos que consubstanciam, no seu entender, uma perda de chance.</font><br>
<br>
<font> Assim, fundamentalmente, e para o que agora importa, alegou que os anteriores réus, seus mandatários, perante a sentença de improcedência da oposição à execução fiscal, interpuseram recurso da sentença fora do prazo legal, o que constituiu acto revelador de negligência muito grosseira, uma vez que perderam, definitivamente, a oportunidade de reverter a decisão a seu favor, pois, ao contrário da sentença, que entendeu que o prazo prescricional da dívida relativa a uma decisão do IFADAP era de 20 anos, é jurisprudência pacífica que o prazo de prescrição aplicável à devolução de ajudas à agricultura é, não de 20, mas de 4 anos, conforme definido pelo Supremo Tribunal Administrativo em AUJ de 7 de Maio de 2015.</font><br>
<br>
<font>A sentença acolheu a orientação do acórdão do STJ de 9 de Julho de 2015, relatado por Tomé Gomes, e disponível no s | [0 0 0 ... 0 0 0] |
SzJvu4YBgYBz1XKv2gho | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><br>
<b><font>Processo n.º 8963/16.8T8ALM-B.L1.S1 (Revista excecional)</font></b>
<p><b><font> </font></b>
</p><p><b><font> </font></b>
</p><p><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font>I – Relatório</font></b>
</p><p><b><font> </font></b><br>
<b><font>1. AA </font></b><font>interpôs recurso do saneador-sentença proferido em sede de embargos de executado, por si intentados contra a </font><b><font>Caixa Geral de Depósitos, S.A.</font></b><br>
<b><font> </font></b>
</p><p><b><font>2. </font></b><font>No</font><b><font> </font></b><font>âmbito dos embargos de executado,</font><b><font> </font></b><font>o embargante peticionou a extinção da execução que a </font><b><font>Caixa Geral de Depósitos, S.A. </font></b><font>intentou contra </font><b><font>BB, AA, CC </font></b><font>e </font><b><font>DD, </font></b><font>invocando, em suma, a inexistência de título executivo por falta de prova complementar, a iliquidez da obrigação, a nulidade da fiança por indeterminabilidade do seu objeto, a falta de comunicação ao fiador das cláusulas contratuais gerais do contrato, a falta de interpelação para o cumprimento, a modificação da obrigação em função da declaração de insolvência da devedora principal e a falta de comunicação de resolução do contrato à devedora principal.</font><br>
<b><font> </font></b><br>
<b><font>3. </font></b><font>A embargada apresentou contestação, na qual pugnou pela improcedência dos<br>
embargos de executado e a condenação do embargante como litigante de má-fé.</font><br>
<font> </font><br>
<b><font>4. </font></b><font>Realizou-se audiência prévia, na qual se determinou a notificação das partes para se pronunciarem sobre a oportunidade de uma decisão de mérito nesta fase processual e alegarem de direito, o que fizeram.</font><br>
<font> </font>
</p><p><b><font>5. </font></b><font>Proferiu-se saneador-sentença, no qual se julgaram improcedentes os embargos à execução e se determinou o prosseguimento da execução contra o ora embargante.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font>6. </font></b><font>Inconformado com o assim decidido, o Embargante interpôs recurso de apelação do saneador-sentença, tendo o Tribunal da Relação decidido julgar improcedente a apelação, confirmando, em consequência, o saneador-sentença, e estabelecendo o seguinte sumário sobre s questões tratadas no acórdão:</font>
</p><p><font>«</font><b><font>I - </font></b><font>O facto de o Tribunal recorrido não ter elencado no elenco da factualidade provada<br>
todas as cláusulas do contrato de mútuo dado à execução, dando-as como reproduzidas, não<br>
significa que estejamos perante um caso de insuficiência da matéria de facto.</font><br>
<b><font>II -</font></b><font> Dar como reproduzido um documento é bem diferente de identificar o conteúdo<br>
nuclear de um contrato, remetendo para o teor do documento a leitura das restantes cláusulas.</font><br>
<b><font>III </font></b><font>- O </font><b><font>artigo 9.°, n.° 4, do Decreto-Lei n.° 287/93, de 20.8, </font></b><font>continua em vigor, não tendo sido revogado </font><b><font>pela Lei n.° 41/2013, de 26.6, </font></b><font>que aprovou o novo CPC, uma vez que se trata de lei especial, subsistindo a sua aplicação por via da citada </font><b><font>alínea d) do n.° 1 do artigo 703.° </font></b><font>do CPC </font><b><font>- </font></b><font>cf. </font><b><font>artigo 7.°, n.° 3, do Código Civil.</font></b><br>
<b><font>IV </font></b><font>- Rebater que o objeto da fiança é indeterminável é pouco compaginável com a circunstância do Embargante ser um fiador interessado, por ser sócio e gerente da sociedade comercial que veio a ser a devedora afiançada.</font><br>
<font>V - A formalização de um contrato por escritura pública não exclui a aplicabilidade ao<br>
seu clausulado do regime das cláusulas contratuais gerais plasmado no </font><b><font>Decreto-Lei n.° 446/85, de 25 de outubro.</font></b>
</p><p><b><font>VI </font></b><font>- Estabelecendo o </font><b><font>artigo 50.°, n.° 3, do Código do Notariado </font></b><font>que </font><i><font>«a explicação do<br>
conteúdo dos instrumentos e das suas consequências legais é feita pelo notário, antes da<br>
assinatura, em forma resumida, mas de modo que os outorgantes fiquem a conhecer, com<br>
precisão, o significado e os efeitos do acto)) </font></i><font>e o </font><b><font>artigo 46.°, n.° 1, alínea 1), do mesmo código que </font></b><font>«o </font><i><font>instrumento notarial deve conter </font></i><font>(...) </font><i><font>a menção de haver sido feita a leitura do instrumento lavrado, ou de ter sido dispensada a leitura pelos intervenientes, bem como a<br>
menção da explicação do seu conteúdo)), </font></i><font>o não cumprimento dos deveres de comunicação e de informação previstos nos </font><b><font>artigos 5.° e 6.° do DL 446/85, </font></b><font>relativamente a cláusulas constantes dos contratos formalizados por escritura, deve ser esgrimido com base na falsidade, ao abrigo do </font><b><font>artigo 372° do Código de Civil, </font></b><font>pois </font><i><font>«os documentos autênticos fazem prova plena dos factos que referem como praticados pela autoridade ou oficial público respectivo)), </font></i><font>nos termos do </font><b><font>artigo 371.°, n.° 1, do mesmo código.</font></b><br>
<b><font>VII </font></b><font>- A perda do benefício do prazo não opera relativamente ao fiador, salvo acordo<br>
nesse sentido, que não decorre de este se ter constituído principal pagador de todas as<br>
obrigações que emergiram para a mutuária do contrato de mútuo, com renúncia ao benefício da excussão prévia».</font><br>
<font> </font>
</p><p><b><font>7. </font></b><font>Novamente inconformado, o embargante interpõe recurso de revista, que foi rejeitado na modalidade de revista normal, mas admitido como revista excecional pela formação constituída para o efeito, ao abrigo do artigo 672.º, n.º 3, do CPC, com base em contradição de acórdãos nos termos do artigo 672.º, n.º 1, al. </font><i><font>c)</font></i><font>, do CPC. </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font>8. </font></b><font>O Acórdão fundamento foi o acórdão deste Supremo Tribunal, de 13-09-2016 (processo n.º 1262/14.1T8VCT-B.G1.S1), que incidiu sobre o dever de comunicação das cláusulas contratuais gerais, tendo estipulado o seguinte sumário: </font>
</p><p><font>«II - O cumprimento das prestações impostas pelos arts. 5.º e 6.º da LCCG – cuja prova onera o predisponente – convoca deveres pré-contratuais de comunicação das cláusulas (a inserir no negócio) e de informação (prestação de todos os esclarecimentos que possibilitem ao aderente conhecer o significado e as implicações dessas cláusulas), enquanto meios que radicam no princípio da autonomia privada, cujo exercício efectivo pressupõe que se encontre bem formada a vontade do aderente ao contrato e, para tanto, que este tenha um antecipado e cabal conhecimento das cláusulas a que se vai vincular, sob pena de não ser autêntica a sua aceitação.</font>
</p><p><font>III - Por isso, esse cumprimento deve ser assumido na fase de negociação e feito com antecedência necessária ao conhecimento completo e efectivo do aderente, tendo em conta as circunstâncias (objectivas e subjectivas) presentes na negociação e na conclusão do contrato – a importância deste, a extensão e a complexidade (maior ou menor) das cláusulas e o nível de instrução ou conhecimento daquele –, para que o mesmo, usando da diligência própria do cidadão médio ou comum, as possa analisar e, assim, aceder ao seu conhecimento completo e efectivo, para além de poder pedir algum esclarecimento ou sugerir qualquer alteração.</font>
</p><p><font>IV - É certo que as exigências especiais da promoção do efectivo conhecimento das cláusulas contratuais gerais e da sua precedente comunicação, que oneram o predisponente, têm como contrapartida, também por imposição do princípio da boa-fé, o aludido dever de diligência média por banda do aderente e destinatário da informação – com intensidade e grau dependentes da importância do contrato, da extensão e da complexidade (maior ou menor) das cláusulas e do nível de instrução ou conhecimento daquele –, de quem se espera um comportamento leal e correcto, nomeadamente pedindo esclarecimentos, depois de materializado que seja o seu efectivo conhecimento e informação sobre o conteúdo de tais cláusulas.</font>
</p><p><font>V - Porém, essa constatação, em caso algum, poderá levar a admitir que o predisponente fique eximido dos deveres que o oneram, ou a conceber como legítimas uma sua completa passividade na promoção do efectivo conhecimento das cláusulas contratuais gerais e, sobretudo, uma ausência de comunicação destas ao aderente com a antecedência necessária ao conhecimento completo e efectivo, até para que o mesmo possa exercitar aquele seu dever de diligência, nos apontados termos. Uma tal concepção conduziria à inversão não consentida da hierarquia legalmente estatuída entre os deveres do predisponente e do aderente.</font>
</p><p><font>VI - No caso em apreço, apenas no circunstancialismo da subscrição ou outorga do contrato foram dadas a conhecer à aderente a cláusula contratual geral em discussão, quando, por tudo o exposto, a mesma não teria, para o efeito, de desenvolver mais do que uma diligência comum e era à proponente que caberia propiciar-lhe o antecipado e efectivo conhecimento daquela cláusula.</font>
</p><p><font>VII - Por outro lado, o dever de atempada comunicação, face à sua identificada </font><i><font>ratio,</font></i><font> também não fica preenchido com as declarações constantes na escritura de que, no dia da sua celebração, esta foi lida aos outorgantes e feita a explicação do seu conteúdo, questão cuja pertinência mais se realça atentando na significativa complexidade do clausulado alusivo à «renúncia ao benefício da excussão prévia» e à sua elevada repercussão (importância) para a embargante, para quem, sendo uma funcionária administrativa, aquela é uma expressão de alcance jurídico dificilmente inteligível». </font>
</p><p><b><font> </font></b>
</p><p><b><font> 9. </font></b><font>O recorrente na sua alegação de recurso formulou, para o que aqui releva, as seguintes conclusões:</font><b><font> </font></b>
</p><p><font>«NA PARTE EM QUE SE REFERE À “falta de comunicação das cláusulas contratuais gerais” e em que improcede “a argumentação do recurso nesta vertente “.</font>
</p><p><font>(…)</font>
</p><p><font>XL - Invoca o Recorrente AA o fundamento previsto na alínea c), do n.º 1, do artigo 672.º, do Código de Processo Civil, porquanto o Acórdão Recorrido tem a data de “ 6 de junho de 2019 “, está em contradição, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, com o anterior Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, com trânsito em julgado e proferido em 2016 Setembro 13, no Processo n.º 1262/14.1T8VCT-B.G1.S1.</font>
</p><p><font>XLI - O teor do Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa reúne aquele (s) fundamento (s), pelo que a Revista é sempre possível.</font>
</p><p><font>VEJAMOS</font>
</p><p><font>XLII - O Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa em 2019 Junho 06, Processo n.º 8963/16.8T8ALM-A.L1 (Acórdão de que se recorre) e o Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça em 2016 Setembro 13, no Processo n.º 1262/14.1T8VCT- B.G1-S1, transitado em julgado (acórdão invocado como fundamento do recurso), decidiram sobre a mesma questão fundamental de direito, consistente em saber se o dever de atempada “comunicação e de informação das cláusulas por parte do predisponente, cujos ónus de prova sobre ele impedem nos termos dos seus artigos 5.º e 6.º do Decreto-Lei n.º 446/85” “ fica preenchido com as declarações constantes na escritura de que, no dia da sua celebração, esta foi lida aos outorgantes e feita a explicação do seu conteúdo “, decidindo este Acórdão, que “ o dever de atempada comunicação, face à sua identificada </font><i><font>ratio,</font></i><font> também não fica preenchido com as declarações constantes na escritura de que, no dia da sua celebração, esta foi lida aos outorgantes e feita a explicação do seu conteúdo “, ao passo que o Acórdão Recorrido decidiu precisamente o contrário. Ou seja, escreve-se no Acórdão Recorrido que não “subscrevemos a argumentação de que, nos termos do artigo 5.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 446/85, a comunicação da cláusula deve ocorrer com a necessária antecedência, do modo a que o seu destinatário tome bem noção do seu alcance”</font>
</p><p><font>ASSIM</font>
</p><p><font>XLIII - A mesma questão de direito foi resolvida por aqueles Acórdãos contraditoriamente.</font>
</p><p><font>ALIÁS</font>
</p><p><font>XLIV - Como no Acórdão de que se recorre se reconhece expressamente: “ Em sentido contrário, se pronunciaram o Supremo Tribunal de Justiça, no acórdão 13.9.2016 (p. 1262/14.1T8VCT- B.G1.S1) e o Tribunal da Relação do Porto, no acórdão de 14.6.2016 (p. 4570/08.7TBVNG-A,P2), ambos consultados em www.dgsi.pt, nos quais se considerou excluída do contrato a cláusula relativa à renúncia ao benefício da exclusão prévia, por ausência de prova de que tivesse sido explicada aos outorgantes fiadores “.</font>
</p><p><font>POR OUTRO LADO</font>
</p><p><font>XLV - Quer o Acórdão Recorrido quer o anterior Acórdão invocado como fundamento do recurso foram proferidos no domínio da mesma legislação – o Código Civil, o Decreto-Lei n.º 446/85, o Decreto-Lei n.º 249/99, o Decreto-Lei n.º 220/95, a Directiva Comunitária n.º 93/13, da Comunidade Económica Europeia e o Código de Processo Civil.</font>
</p><p><font>EM QUALQUER CASO</font>
</p><p><font>XLVI – “ A aplicabilidade do regime das cláusulas contratuais gerais aprovado pelo Decreto-Lei n.º 446/85, de 25.10, com as suas subsequentes alterações, não é controvertida no recurso “, como é expressamente reconhecido no Acórdão Recorrido.</font>
</p><p><font>XLVII - No dia da assinatura do “ MÚTUO COM HIPOTECA E FIANÇA “ o AA limitou-se a subscrever a fiança tal qual lhe foi dada a conhecer e exigida pela Exequente Caixa Geral de Depósitos, S. A., no seu “ edifício … em ……… “ - em “ 1. “, dos “ factos considerados provados “, no Acórdão Recorrido –.</font>
</p><p><font>OU SEJA</font>
</p><p><font>XLVIII - O AA não pode influenciar o conteúdo do contrato</font>
</p><p><font>XLIX - A Exequente Caixa Geral de Depósitos, S. A. Nunca antes deu conhecimento do conteúdo da fiança ao AA, cujo contrato lhe foi entregue no próprio dia em que o assinou, sem que aquela prestasse a este qualquer esclarecimento.</font>
</p><p><font>L - Foi clausulado no “ MÚTUO COM HIPOTECA E FIANÇA “: que “ se responsabilizam solidariamente como FIADORES e principais pagadores de todas e quaisquer garantias que sejam ou</font>
</p><p><font>venham a ser devidas à CAIXA pela CLIENTE no âmbito do presente contrato, quer a título de capital, quer juros, remuneratórios ou moratórios, comissões, despesas ou quaisquer outros encargos e dão antecipamente o seu acordo a prorrogações do prazo e a moratórias que forem convencionadas entre a CAIXA e a CLIENTE.</font>
</p><p><font>Os FIADORES renunciam ao benefício do prazo estipulado no artigo setecentos e oitenta e dois do Código Civil e ao exercício das execuções previstas no artigo seiscentos e quarenta e dois do mesmo Código “ - em “ 1. “, dos “ factos considerados provados “, no Acórdão Recorrido –, o que se traduz numa desvantagem apreciável e que pode não ter sido devidamente compreendida dado o pendor iminentemente técnico jurídico daquelas expressões.</font>
</p><p><font>POSTO ISTO</font>
</p><p><font>LI - A Exequente Caixa Geral de Depósitos, S. A., não cumpriu com os deveres de comunicação e informação impostos pelos artigos 5.º e 6.º, do Regime Jurídico das Cláusulas Contratuais Gerais.</font>
</p><p><font>LII - Apenas no contexto da outorga do “ MÚTUO COM HIPOTECA E FIANÇA “ foram dadas a conhecer ou lidas ao Embargante AA, quando, por tudo o exposto, a Embargada Caixa Geral de Depósitos, S. A., não teria, para o efeito, de desenvolver mais do que uma diligência comum e era à proponente que caberia propiciar-lhe o antecipado e efectivo conhecimento daquela (s) cláusula (s) -segmentos/expressões-.</font>
</p><p><font>POR OUTRO LADO</font>
</p><p><font>LIII - Face à identificada ratio do dever de atempada comunicação, este também não fica preenchido com o que consta da escritura dos autos, a mesma foi lida perante os outorgantes “ e a explicação do seu conteúdo na presença simultânea de todos “.</font>
</p><p><font>COM EFEITO</font>
</p><p><font>LIV - Não se alegou nem provou que a Exequente Caixa Geral de Depósitos, S. A., em relação ao “ MÚTUO COM HIPOTECA E FIANÇA “ tivesse observado para com o Embargante AA os deveres de comunicação e de informação, com os apontados requisitos.</font>
</p><p><font>POIS</font>
</p><p><font>LV - A Exequente Caixa Geral de Depósitos, S., A., não comunicou nem informou o AA do conteúdo da “ FIANÇA “.</font>
</p><p><font>LVI – Aqueles segmentos (expressões):n- “ e principais pagadores “- “ Os FIADORES renunciam ao benefício do prazo estipulado no artigo setecentos e oitenta e dois do Código Civil e ao exercício das execuções previstas no artigo seiscentos e quarenta e dois do mesmo Código “, têm carácter técnico-jurídico, não sendo facilmente apreensível a não juristas, a ponto de não suscitar qualquer interrogação.</font>
</p><p><font>PELO QUE</font>
</p><p><font>LVII - Deve expurgar-se da “ FIANÇA “ aqueles segmentos (expressões).</font>
</p><p><font>OU SEJA</font>
</p><p><font>LVIII - O AA responde enquanto fiador singelo, beneficiando da excussão prévia (artigo 638.º e 639.º, do Código Civil), de outros meios de defesa do fiador (artigo 642.º, do Código Civil) e do benefício do prazo estipulado no artigo 782.º, do Código Civil e outros.</font>
</p><p><font>E CONSEQUENTEMENTE</font>
</p><p><font>LIX - A Exequente Caixa Geral de Depósitos, S., A., deve começar por atacar o património do devedor principal ………. , Ld.ª, tanto mais que, no caso, a dívida está garantida por “ HIPOTECA ” - em “ 1. “, dos “ factos considerados provados “, no Acórdão Recorrido –.</font>
</p><p><font>LX – O fiador AA opõe-se à execução dos seus bens enquanto não estiverem executados todos os bens da devedora …………., Ld.ª, sem o credor Caixa Geral de Depósitos, S. A., obter a satisfação do seu crédito – artigo 638.º, do Código Civil -.</font>
</p><p><font>LXI - Havendo “ HIPOTECA “, o fiador AA não quis responsabilizar-se pela dívida senão depois de excutidos os bens onerados.</font>
</p><p><font>POR ISSO</font>
</p><p><font>LXII - O fiador AA exige a execução prévia da fracção autónoma hipotecada e identificada em “1. “, dos “ factos considerados provados “, no Acórdão Recorrido – e no “ MÚTUO COM HIPOTECA E FIANÇA “, junto como documento n.º 1, ao “ REQUERIMENTO EXECUTIVO “, que aqui se dá por integralmente reproduzido – artigo 639.º, do Código Civil -.</font>
</p><p><font>SEM PRESCINDIR</font>
</p><p><font>LXIII - O pagamento dos valores exigidos pelo Exequente não foi exigido ao devedor “ ……………………, LDA”.</font>
</p><p><font>LXIV - O Executado AA está na Execução por ter constituido “ FIANÇA “ com Outros.</font>
</p><p><font>LXV - A Exequente não fez prova de ter interpelado o Executado AA, enquanto fiador no contrato dado à execução, a comunicar o vencimento das dívidas das quais era fiador.</font>
</p><p><font>PELO QUE</font>
</p><p><font>LXVI - Não pode existir a perda do benefício do prazo de pagamento.</font>
</p><p><font>LXVII - Para que o AA possa responder na Execução, tem de ser interpelado o devedor “……………………, LDA ” e o Executado AA, enquanto fiador no contrato dado à execução, a comunicar o vencimento das dívidas das quais era fiador, o que a Exequente Caixa Geral de Depósitos, S. A., não fez.</font>
</p><p><font>ASSIM</font>
</p><p><font>LXVIII - Não é exigível o pagamento pela Executado ao AA.</font>
</p><p><font>PODEMOS, ASSIM, CONCLUIR, QUE</font>
</p><p><font>LXIX - Aos fiadores não é extensiva a perda do benefício do prazo, face ao disposto no artigo 782.º, do Código Civil.</font>
</p><p><font>DONDE RESULTA QUE</font>
</p><p><font>LXX - Não pode a “ FIANÇA “ – em “ 1. “, dos “ factos considerados provados “, no Acórdão Recorrido – e em “ 1 “ e “ 6 “, da Narração do “ REQUERIMENTO EXECUTIVO “ - dada à execução, garantir as responsabilidades pedidas e liquidadas pela Exequente Caixa Geral de Depósitos, S. A., por estas serem inexigíveis». </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font><b><font>10.</font></b><font> O objeto do recurso de revista reportou-se a várias questões, nos termos das conclusões do recorrente: inexequibilidade do título executivo; falta de comunicação das cláusulas contratuais gerais; interpelação do executado, enquanto fiador do contrato dado à execução, a comunicar o vencimento das dívidas das quais era fiador; consequência jurídica da omissão das formalidades previstas no n.º 4 do art. 607.º do CPC: nulidade processual ou nulidade da sentença</font>
</p><p><font> Contudo, não tendo sido admitido o recurso como revista normal, por dupla conformidade, a única questão abrangida pela decisão de admissibilidade da revista excecional, proferida pela formação a que alude o artigo 672.º, n.º 3, do CPC, é a do </font><u><font>dever de atempada comunicação e de informação a cargo do Banco (CGD, SA), enquanto predisponente de um contrato de adesão (contrato de mútuo com hipoteca e fiança), composto por cláusulas contratuais gerais, entre as quais se encontra a cláusula relativa à perda do benefício de excussão prévia</font></u><font>, uma vez que a formação considerou que se verificava uma contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 13-09-2016, proferido no processo n.º 1262/14.1T8VCT-B.G1.S1, nos termos do artigo 672.º, n.º 1, al. </font><i><font>c),</font></i><font> do CPC, no que diz respeito à prova do seu cabal cumprimento a cargo da CGD</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> Cumpre apreciar e decidir.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font>II - Fundamentação de facto</font></b>
</p><p><b><font> </font></b>
</p><p><font>É do seguinte teor a matéria de facto dada como provada, após o Tribunal da Relação ter ampliado os pontos 1. a 3 e adicionado o ponto 5, ao abrigo do artigo 607.º n.º 4, do CPC, </font><i><font>ex vi</font></i><font> do artigo 663.º, n.º 2, do mesmo diploma, bem como eliminado o ponto 4.:</font>
</p><p><font>«1. A Exequente e a sociedade ……………., Limitada celebraram em 26.12.2013 um contrato, alterado em 4.11.2015, com o seguinte teor:</font>
</p><p><i><font>«MÚTUO COM HIPOTECA E FIANÇA</font></i>
</p><p><i><font>No dia vinte e seis de Dezembro de dois mil e treze, pelas onze horas e trinta minutos, no edifício da Caixa Geral de Depósitos S. A, em …….., perante mim, Licenciado EE, Notário do Cartório Notarial de ……… de EE, sito na Praça ……….., n. ° …., …………, …………, compareceram como outorgantes:</font></i>
</p><p><i><font>PRIMEIRO:</font></i>
</p><p><i><font>FF, casada, natural de ………, ……….., residente na Rua ……………, n.° 0,……., …….., ………….., ………, que outorga na qualidade de procuradora da "CAIXA GERAL DE DEPÓSITOS, S.A.", com sede em Lisboa, na Avenida João XXI, NIPC 500 960 046, matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa sob o número dois mil e novecentos, qualidade e suficiência de poderes que verifiquei por uma fotocópia de procuração que se encontra arquivada no maço de documentos referente ao livro C - 99, das notas deste Cartório.</font></i>
</p><p><i><font>SEGUNDO:</font></i>
</p><p><i><font> a) BB, NIF 000 000 000, …….., natural da freguesia de ………, concelho ………., residente na Rua …………, número ……………, ……………, …………..;</font></i>
</p><p><i><font>b) AA, NIF 000 000 000, ………, maior, natural da freguesia e concelho de ………., residente na ……….., número ……, …………, …………, ……….., …………..;</font></i>
</p><p><i><font>c) CC, NIF 000 000 000, ……….., natural da freguesia e concelho de ………, residente na Rua ……….., ………………, ……………, …………; e</font></i>
</p><p><i><font>d) DD, NIF 000 000 000, ……….., natural da freguesia de …………., concelho de ………….., residente na Rua , …………, ……….., …………, ……….., todos que outorgam por si e na qualidade de únicos sócios e o primeiro da alínea a) também como sócio gerente e em representação da sociedade "………………., LOA.", com sede na Rua ………………, número …………, freguesia de ……………, concelho de ……………., matriculada na Conservatória do Registo Comercial de …………., sob o único número de matrícula e pessoa colectiva 000 000 000, com o capital social de cento e vinte e quatro mil seiscentos e noventa e nove euros e quarenta e sete cêntimos, com poderes para o acto, qualidade e suficiência de poderes, conforme verifiquei por urna certidão permanente tendo sido exibido e entregue com o código de acesso 0000-0000-0000 nos termos do artigo 75 n.º5 do Código do Registo Comercial.</font></i>
</p><p><i><font>Verifiquei a identidade da primeira outorgante pelo meu conhecimento pessoal, a do primeiro da alínea a) pelo Bilhete de Identidade n.° 0000000 de ../../2005, emitido pelos SIC de Lisboa e a dos restantes pelos Cartões do Cidadão n. °s 0000000 válido até ../../2016, 0000000 válido até ../../2017 e 00000000 válido até ../../2018 emitidos pelo Estado Português.</font></i>
</p><p><i><font>PELOS COMPARECENTES FOI DITO:</font></i>
</p><p><i><font>Que, pela presente escritura, a Caixa Geral de Depósitos, S.A., concede à representada dos segundos outorgantes, "………………., LDA.", (adiante designada por CLIENTE e/ou HIPOTECANTE), um mútuo no montante de CENTO E SESSENTA E CINCO MIL EUROS, importância de que estes confessam desde já a sociedade sua representada devedora. O mútuo reger-se-á pelas cláusulas constantes da presente escritura, bem como pelas cláusulas constantes do documento complementar elaborado nos termos do número dois do artigo sessenta e quatro do Código do Notariado.</font></i>
</p><p><i><font>Em garantia:</font></i>
</p><p><i><font>A) Do capital emprestado, no referido montante de CENTO E SESSENTA E CINCO MIL EUROS.</font></i>
</p><p><i><font>B) Dos respectivos juros, que se fixam para efeito de registo, em até à taxa anual de ONZE VIRGULA QUARENTA E CINCO POR CENTO, acrescida de uma sobretaxa até três por cento, ao ano, em caso de mora; e</font></i>
</p><p><i><font>C) Das comissões, despesas, outros encargos e respectivos juros de mora emergentes do contrato de empréstimo, que em conjunto e para efeitos de registo, se fixam em SEIS MIL E SEISCENTOS EUROS; a HIPOTECANTE, a sociedade "……………………, LDA", constitui, a favor da Caixa, que a aceita, hipoteca sobre o seguinte bem, com todas as suas pertenças e benfeitorias presentes e futuras: a fracção autónoma designada pela letra "A", correspondente ao ……………. E ……………., destinada a indústria, com acesso pelo número …………., do prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito na RUA ……………………, NÚMEROS ……………, freguesia da ………………, concelho de …………., descrito na SEGUNDA Conservatória do Registo Predial de ……….., sob o número …………….., da referida freguesia, lá registada, a constituição de propriedade horizontal pela Apresentação dez, de quatro de Dezembro de mil novecentos e noventa, encontrando-se a fracção registada a favor da sociedade "………………………, LDA.", pela Apresentação vinte e dois, de vinte de Junho de dois mil e um, inscrito na matriz predial urbana da União das Freguesias de …………., …………., ……………. e …………. sob o artigo 0000, proveniente do artigo 2608.</font></i>
</p><p><i><font>A HIPOTECANTE atribui ao imóvel hipotecado o valor de QUATROCENTOS E SESSENTA MIL EUROS.</font></i><br>
<i><font>A hipoteca atrás referida é feita por tempo indeterminado, subsistirá enquanto se mantiver qualquer das responsabilidades que assegura, e abrange, além do mais, todas as construções e benfeitorias que existam à data da presente escritura e as que, de futuro, venham a existir no referido imóvel, obrigando-se a HIPOTECANTE a requerer e promover os respectivos averbamentos na Conservatória do Registo Predial competente, ou não o fazendo, desde já autoriza a Caixa a requerê-los, caso em que os correspondentes recibos ficarão a constituir elementos referidos a esta escritura para efeitos de exequibilidade.</font></i><br>
<i><font>A HIPOTECANTE reconhece à CAIXA o poder de considerar os créditos emergentes do contrato de empréstimo acima referido imediata e integralmente vencidos se o bem dado em garantia for objecto de venda, permuta, arrendamento, cedência de exploração ou qualquer forma de alienação ou anexação, incluindo a realização de quaisquer contratos promessa, sem o prévio acordo, escrito da CAIXA, bem como nos casos de desvalorização que não resulte do uso corrente, de penhora, arresto ou outro meio de apreensão judicial.</font></i><br>
<i><font>A HIPOTECANTE obriga-se a segurar o mesmo bem à vontade da CAIXA, e a só com acordo desta modificar os respectivos seguros, ficando a CAIXA, desde já, autorizada a alterá-los, a pagar por conta daqueles os respectivos encargos, a receber a indemnização em caso de sinistro e a aplicá-la directamente no pagamentos de prestações vencidas ou vincendas, e a averbar para estes fins as apólices a seu favor.</font></i><br>
<i><font>Correrão por conta da HIPOTECANTE e serão por ela pagas quaisquer despesas ou encargos, incluindo fiscais, relacionados com a celebração, segurança, execução e extinção deste contrato, incluindo as do registo da hipoteca, seu distrate e cancelamento, e, bem assim, todas as despesas judiciais e extrajudiciais, incluindo honorários de advogados e solicitadores, que a CAIXA haja de fazer para cobrança do seu crédito.</font></i>
</p><p><i><font>Se a HIPOTECANTE não pagar atempadamente qualquer das mencionadas despesas, poderá a CAIXA fazê-lo, se assim o entender, tendo, nesse caso, direito ao respectivo reembolso.</font></i>
</p><p>
</p><p><i><font>Os documentos que representam os créditos da CAIXA constituirão títulos referidos a este contrato e dele fazem parte integrante para fins de execução, se for caso disso.</font></i>
</p><p><i><font>DISSERAM OS TODOS SEGUNDO OUTORGANTE POR SI:</font></i>
</p><p><i><font>Que se responsabilizam solidariamente como FIADORES e principais pagadores de todas e quaisquer quantias que sejam ou venham a ser devidas à CAIXA pela CLIENTE no âmbito do presente contrato, quer a título de capital, quer de juros, remuneratórios ou moratórios, comissões, despesas ou quaisquer outros encargos e dão antecipadamente o seu acordo a prorrogações do prazo e a moratórias que forem convencionadas entre a CAIXA e a CLIENTE.</font></i>
</p><p><i><font>Os FIADORES renunciam ao beneficio do prazo estipulado no artigo setecentos e oitenta e dois do Código Civil e ao exercício das execuções previstas no artigo seiscentos e quarenta e dois do mesmo Código.</font></i>
</p><p><i><font>DISSE POR ÚLTIMO A PRIMEIRA OUTORGANTE:</font></i>
</p><p><i><font>Que para a CGD, que representa, aceita a presente hipoteca e fiança, nos termos e condições exaradas.</font></i>
</p><p><i><font>ASSIM O DISSERAM E OUTORGARAM (...)</font></i>
</p><p><i><font>Fiz aos outorgantes a leitura desta escritura e a explicação do seu conteúdo, na presença simultânea de todos», </font></i><font>conforme documentos n.°s 1 e 2 juntos com o requerimento executivo.</font>
</p><p><i><font> </font></i>
</p><p><b><font>2.</font></b><font> Consta do </font><i><font>«Documento complementar» </font></i><font>ao </font><i><font>«Contrato de mútuo com hipoteca e fiança» </font></i><font>que:</font>
</p><p><i><font>«Documento elaborado nos termos do número dois do artigo sessenta e quatro do Código do Notariado, que constitui parte integrante do contrato de mútuo com hipoteca e fiança em que são partes:</font></i>
</p><p><i><font>CREDORA: CAIXA GERAL DE DEPÓSITOS, S.A., adiante designada por CAIXA ou CGD;</font></i>
</p><p><i><font>DEVEDORA: ………………….., IDA.GARANTES: BB, AA, CC e DD.</font></i>
</p><p><i><font>titulado por escritura pública lavrada pelo e registada sob | [0 0 0 ... 0 1 0] |
LTJru4YBgYBz1XKvSQVr | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><font> </font><div><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça</font></div><br>
<br>
<font> </font><br>
<p><b><font>I - Relatório</font></b><br>
</p><p><b><font>1. AA</font></b><font> propôs ação declarativa de condenação sob forma comum contra </font><b><font>BB, CC, DD, EE, FF, GG</font></b><font> e </font><b><font>HH, </font></b><font>estando todos regularmente identificados nos autos.</font><br>
</p><p><font>Alegou em síntese serem todos comproprietários do prédio sito na Rua …, n°…, em …, tendo-se realizado reunião convocada pelos RR DD e EE no dia 8 de novembro de 2017, pelas 18h00, convocatória realizada ao abrigo do disposto nos artigos 1407°, n°1 e 985°, ambos do CC. </font><br>
</p><p><font>A Autora, reagindo à convocatória, por carta datada de 6 de novembro de 2017, afirmou aos convocantes ser a mesma extemporânea, uma vez que era necessário proceder à regularização da compropriedade por força da partilha judicial, quer no registo predial, quer na matriz predial. Todavia, a reunião teve lugar nela tendo estado presentes os RR BB, CC, DD e EE, tendo sido lavrada ata da mesma. </font><br>
</p><p><font>A Autora sustenta que a deliberação tomada deve ser declarada nula:</font><br>
</p><p><font>- por ter sido convocada para a administração de um imóvel alegadamente em regime de compropriedade, sem que houvesse convergência entre os titulares inscritos no registo predial e os destinatários da convocatória;</font><br>
</p><p><font>- por a ordem de trabalhos ter sido alterada de forma unilateral pelos quatro primeiro RR, sem que estivessem presentes os demais herdeiros, entre os quais a Autora, que dessa alteração apenas tiveram conhecimento com a notificação do teor da ata:</font><br>
</p><p><font>- por ter procedido à nomeação de uma administração de todos os bens que integram a herança de II; e ainda por violação de normas imperativas quanto à compropriedade.</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font>Conclui pedindo declaração de nulidade da reunião de comproprietários do acervo hereditário. </font><br>
</p><p><font>Os RR contestaram, impugnando a versão dos factos trazida a juízo pela Autora e apresentando reconvenção. Negaram a existência de qualquer vício na decisão tomada na reunião identificada nos autos, concluindo pela improcedência do pedido formulado a tal propósito. Mais ainda, em sede de reconvenção pediram o reconhecimento da validade da deliberação tomada, o reconhecimento da validade e legitimidade da administração dos comproprietários DD e CC sobre todos os bens integrados na herança de II, sendo a reconvinda condenada a abster-se de qualquer ato de administração ordinária sobre os mesmos bens, diretamente ou por interposta pessoa, bem como a entregar aos RR reconvintes DD e CC enquanto administradores da compropriedade toda a documentação à mesma respeitante, incluindo contratos de arrendamento e/ou subarrendamento, identificação de todos os inquilinos, contabilidade, indicação de contas bancárias e respetivos saldos, demais papéis relativos aos prédios administrados (plantas, decisões camarárias, levantamento topográfico e/outros), bem como a sua condenação em custas e demais encargos legais.</font><br>
</p><p><font>A Autora respondeu à reconvenção, mantendo o antes alegado e pugnando pela improcedência dos pedidos formulados em tal sede. </font><br>
</p><p><font>Realizou-se audiência prévia, tendo-se gorado a tentativa de conciliação. As partes foram convidadas a pronunciarem-se sobre o conhecimento imediato do mérito da causa. Nada foi oposto a tal solução, tendo apresentado verbalmente a sua posição quanto aos factos e Direito.</font><br>
</p><p><font>Nos termos do disposto no artigo 266°, n°1, n°2, al. </font><i><font>c),</font></i><font> bem como no n°3 do citado preceito, este último </font><i><font>a contrario sensu</font></i><font>, todos do CPC, foi admitido o pedido reconvencional formulado nos autos.</font><br>
</p><p><font>Face aos elementos documentais juntos aos autos considerou o tribunal </font><i><font>a quo</font></i><font> que os mesmos dispunham de todos os elementos necessários para proferir decisão quanto ao mérito da causa.</font><br>
</p><p><b><font>2. Foi proferido saneador sentença, do qual consta o seguinte segmento dispositivo:</font></b><br>
</p><p><i><font>«Face ao que precede e com os fundamentos expostos julgo decide-se:</font></i><br>
</p><p><i><font>A) Julgar a acção proposta pela Autora AA contra os RR BB, CC, DD, EE, FF, GG e HH, improcedente por não provada não declarando a nulidade da deliberação tomada pelos quatro primeiros RR na reunião de comproprietários que teve lugar no dia 8 de Novembro de 2017 e que consta da acta n°1.</font></i><br>
</p><p><i><font>B) Julgar procedente o pedido reconvencional formulados pelos RR/reconvintes BB, CC, DD, EE, FF, GG e HH contra a Autora/reconvinda e em consequência, condenar AA, reconhecendo-se a validade da deliberação tomada, a validade e legitimidade da administração dos comproprietários DD e CC sobre todos os bens integrados na herança de II, bem como o dever da reconvinda de se abster-se de qualquer acto de administração ordinária sobre os mesmos bens, directamente ou por interposta pessoa e a entregar aos RR reconvintes DD e CC enquanto administradores da compropriedade toda a documentação à mesma respeitante, incluindo contratos de arrendamento e/ou subarrendamento, identificação de todos os inquilinos, contabilidade, indicação de contas bancárias e respectivos saldos, demais papéis relativos aos prédios administrados (plantas, decisões camarárias, levantamento topográfico e/outros),</font></i><br>
</p><p><i><font>C) Custas pela Autora/Reconvinda»</font></i><br>
</p><p><i><font> </font></i><br>
</p><p><b><font>3.</font></b><font> Inconformada com a sentença, a Autora interpôs recurso de apelação, tendo o Tribunal da Relação decidido julgar procedente o recurso, revogando a sentença recorrida, e consequentemente, julgado:</font><br>
</p><p><font>- procedente a ação, declarando-se a nulidade das deliberações aprovadas na assembleia de comproprietários de 08/11/2017;</font><br>
</p><p><font>- improcedente o pedido reconvencional absolvendo a A./Apelante do pedido.</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><b><font>4.</font></b><font> Inconformados, os réus interpõem recurso de revista, em que pedem a revogação do acórdão recorrido, formulando, na sua alegação de recurso, as seguintes conclusões:</font><br>
</p><p><font>«A – O assunto dos autos é essencialmente uma questão de interpretação do Direito, no sentido de saber se, por deliberação tomada pelos Recorrentes pode, ou não, ter atribuído a vários consortes, o direito de administração do imóvel em compropriedade total, nos termos do disposto conjuntamente nos arts. 1407.º e 985.º. n.º 1 do C.C;</font><br>
</p><p><font>B - O Tribunal </font><i><font>a quo</font></i><font> proferiu acórdão no sentido de que, </font><i><font>“…na falta de qualquer convenção sobre a administração do bem em compropriedade, todos os comproprietários têm igual poder para administrar e qualquer deliberação/regulamento a que os consortes eventualmente subordinem a administração da coisa comum carece de acordo de todos os comproprietários.”</font></i><br>
</p><p><font>C - A tese defendida pelo Tribunal </font><i><font>a quo</font></i><font>, de acordo com a qual a deliberação de atribuição da administração careceria sempre do acordo de todos os comproprietários, não pode ter colhimento por razões de natureza legal, doutrinária e jurisprudencial; </font><br>
</p><p><font>D - Por razões de natureza legal; se na compropriedade horizontal é permitido atribuir os poderes de administração a um ou vários consortes, sem unanimidade, contra o voto de qualquer dos demais consortes, por uma minoria de 1/4 dos proprietários, então, por maioria de razão, também a atribuição dos poderes de administração na compropriedade total, deve ser admitida, desde que respeitadas as maiorias expressas para o efeito estabelecidas no n.º 2 e seguintes do art.º 985.º do C.C.</font><br>
</p><p><font>E. Por razões de natureza Doutrinal; os Senhores Professores Pires de Lima e Antunes Varela, debruçando-se sobre o tema dos autos, concluíram que: </font><i><font>“em face dos textos dos artigos 1407.º e 1408.º, só ser necessário o consentimento de todos os consortes para os actos de alienação ou operação da coisa comum ou de parte especificada dela; para todos os demais basta, mesmo havendo oposição, a vontade da maioria legal (…) o normativo não prescinde do elemento maioritário pessoal, para evitar que a minoria dos comproprietários se imponha à vontade da maioria. Mas exige ao mesmo tempo que que a maioria dos consortes represente, pelo menos, metade do valor total das quotas, para impedir que os condóminos cujas quotas representem um menor interesse possam impor a sua vontade àqueles que detêm um interesse maior.”</font></i><br>
</p><p><font>F. Por razões de natureza Jurisprudencial: a decisão sobre a qual incide grande parte das argumentações da Recorrida e seguidas pelo Tribunal </font><i><font>a quo</font></i><font>, emitida pelo Presidente do IRN, com o n.º R. P. 307/2007 DSJ-CT. foi revogada por acórdão do Tribunal da Relação do Porto com o n.º 1004/08.0TJPRT.P1, de 12.01.2010, que concluiu: </font><i><font>“….não ocorre nulidade (ou invalidade de oficioso conhecimento) pelo facto do regulamento em questão não ter sido aprovado pela unanimidade dos comproprietários e respeitar a matéria que excede a gestão ordinária da coisa comum. (…) Os preceitos legais relativos ao uso e administração da coisa comum não têm natureza imperativa ou cogente, não estando neles em causa qualquer interesse público predominante. (…) A aprovação de um regulamento relativo à administração da coisa comum sem unanimidade lesa tão só interesses particulares – os interesses do(s) comproprietário(s) que não deu(ram) o seu acordo a um tal regulamento. (…) A matéria em causa não está arredada da disponibilidade das partes (não respeita a interesses de ordem pública) – daí que esteja afastada a possibilidade de considerar que a sua inobservância seja geradora de nulidade. (…) Corroborando este entendimento, importa atentar no lugar paralelo estabelecido no art. 1407º, nº 3 do C.C., em que a lei comina com a anulabilidade o acto (de administração) realizado pelo comproprietário contra a oposição da maioria legal dos consortes. Nestes casos, em que o acto jurídico afecta os interesses da maioria dos comproprietários e é levado a cabo contra a sua vontade, a lei comina a infracção com a anulabilidade, e não já com a nulidade. (…) Tem assim de concluir-se que o regulamento de administração de coisa comum não aprovado pela unanimidade dos comproprietários não padece de vício gerador de nulidade (ou invalidade de oficioso conhecimento).”</font></i><br>
</p><p><font>G. A falta de unanimidade dos consortes na convenção para a administração do imóvel em compropriedade total, nos termos do conjugado nos arts. 1407.º e 985.º do C.C., não gera nulidade, mas sim anulabilidade;</font><br>
</p><p><font>H. A Recorrida peticionou nos autos que o Tribunal: </font><i><font>“…julgue nula a deliberação…”,</font></i><font> pelo que, salvo o devido respeito, parece-nos claro que o seu pedido nunca poderia proceder;</font><br>
</p><p><font>I – Deste modo, não se vislumbrando a violação pelos Recorrentes do disposto nos arts. 985 e 1047 do C.C. e não existindo qualquer nulidade dos actos praticados por eles praticados, deve ser proferida decisão que revogue o acórdão recorrido, sendo consequente e definitivamente, proferida decisão que julgue a absolvição dos Recorrentes do pedido inicial e a condenação da Recorrida no pedido reconvencional, com o que se fará plena e habitual Justiça!»</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><b><font>5.</font></b><font> A Autora apresentou contra-alegações, nas quais formulou as seguintes conclusões:</font>
</p><p><font>«1ª Decorre dos artigos 1407º, nº 1 e 985º nº 1 do Código Civil, que todos os comproprietários têm igual poder para administrar, sempre que não haja convenção em contrário.</font>
</p><p><font>2ª Só assim não é quando os comproprietários tenham celebrado convenção noutro sentido, o que carece sempre do acordo de todos os comproprietários. </font>
</p><p><font>3ª A ora Recorrida não deu o seu acordo a que a administração da coisa comum passasse a ser efetuada apenas pelos consortes designados em deliberação tomada pelos Recorrentes na assembleia de comproprietários de 08/11/2017.</font>
</p><p><font>4ª Também não foi aprovado qualquer regulamento da compropriedade de onde possa ser extraído um qualquer acordo conferindo a administração a apenas dois comproprietários, estabelecendo regra diversa da que decorre da lei relativamente à administração da coisa comum.</font>
</p><p><font>5ª Não resultando provado e não existindo qualquer acordo entre os comproprietários quanto à administração da coisa comum, terá de prevalecer a regra estabelecida nos artigos 1407º, nº 1 e 985º, nº 1 do Código Civil, que atribui igual poder de administração aos comproprietários.</font>
</p><p><font>6ª Em consequência, a deliberação da assembleia de comproprietários de 08/11/2017, ao determinar que a administração dos bens que integraram a herança de II fosse entregue aos consortes CC e DD, retirando à ora Recorrente, sem o seu acordo, os poderes de administração que lhe cabem, encontra-se ferida de nulidade por violação do disposto nos artigos 1407º, nº 1 e 985º, nº 1, ambos do CC.</font>
</p><p><font>7ª Tal deliberação é ainda nula porque viola o direito de compropriedade da Recorrente, limitando-o em termos que a lei não consente sem o seu acordo, já que a impede de exercer um poder inerente a esse mesmo direito de compropriedade.</font>
</p><p><font>8ª Não estão em causa concretos atos de administração, em relação aos quais releva a vontade da maioria, o que pressupõe, porém, que todos os comproprietários se encontrem investidos nesse poder de administrar, que a deliberação da assembleia de comproprietários pretendeu retirar à ora Recorrida.</font>
</p><p><font>9ª O poder de administrar a coisa comum é inerente ao direito de compropriedade e a lei apenas prevê a restrição a esse direito de compropriedade em caso de acordo dos consortes, o que não ocorreu na situação </font><i><font>sub judice</font></i><font>.</font>
</p><p><font>10ª Está em causa o conteúdo essencial do direito de compropriedade já que, sem o poder de administração, tal direito fica limitado de forma totalmente inaceitável e ao arrepio da lei fundamental.</font>
</p><p><font>11ª O entendimento de que a reunião dos sufrágios de mais de metade dos consortes é suficiente para a restrição do direito que cabe a cada um deles, retirando-lhe o poder de administração da coisa comum, viola o direito de propriedade previsto constitucionalmente, conforme artigo 62º da Constituição da República Portuguesa.</font>
</p><p><font>12ª A deliberação da assembleia de comproprietários, violando o conteúdo essencial do direito de compropriedade, viola o citado preceito constitucional e, consequentemente, encontra-se ferida de nulidade.</font>
</p><p><font>13ª A norma do artigo 985º do CC, aplicável à compropriedade </font><i><font>ex vi</font></i><font> do artigo 1407º, nº 1 do CC, interpretada no sentido de que é permitida a restrição de um direito por maioria de votos, é inconstitucional por violação do artigo 62º da CRP.</font>
</p><p><font>14ª Caso assim não venha a ser entendido, no que não se concede e apenas por mera cautela de patrocínio se menciona, nos termos do disposto no artigo 636º, nº 1, do CPC, a ora Recorrida, prevenindo a necessidade da sua apreciação caso venham a ser acolhidos os fundamentos do presente recurso, desde já requer que o Tribunal </font><i><font>ad quem</font></i><font> conheça dos demais fundamentos constantes das suas conclusões no recurso que interpôs para o Tribunal da Relação de …, cuja apreciação se entendeu desnecessária por ter ficado prejudicada e que se indicam nas conclusões subsequentes.</font>
</p><p><font>15ª Assim, a assembleia de comproprietários realizada, conforme consta da respetiva convocatória, respeitava ao prédio sito na Rua …, nº …, em … .</font>
</p><p><font>16ª A ora Recorrida apenas foi convocada para a assembleia de comproprietários do indicado prédio, nunca o tendo sido para qualquer assembleia de comproprietários dos demais bens que integraram a herança de II.</font>
</p><p><font>17ª Os Recorrentes deliberaram sobre a administração de todos os bens que integraram a herança de II sem que, previamente, tenham convocado a ora Recorrida, enquanto comproprietária, para a referida assembleia.</font>
</p><p><font>18ª Tal deliberação sobre a administração dos demais bens que integraram a herança de II foi tomada à revelia de um dos comproprietários, que não foi convocado para tal.</font>
</p><p><font>19ª Os Recorrentes estavam obrigadas a cumprir as formalidades referentes à convocatória da reunião, nomeadamente as estabelecidas no artigo 174º do Código Civil, aplicável à convocatória da assembleia de comproprietários </font><i><font>ex vi</font></i><font> do artigo 157º do CC e por analogia.</font>
</p><p><font>20ª O cumprimento ou não de tais formalidades não poderá ficar na disponibilidade dos Recorrentes, dando lugar ao livre arbítrio e a incertezas que poderão pôr em causa a efetiva administração e preservação dos bens em compropriedade.</font>
</p><p><font>21ª Pelo que, a deliberação de 08/11/2017 é nula pois foi tomada sem que a ora Recorrida, enquanto comproprietária, tivesse sido convocada para a assembleia em que a mesma foi aprovada.</font>
</p><p><font>22ª Acresce que, ao terem convocado a assembleia de comproprietários do prédio sito na Rua …, nº …, em …, com a finalidade de serem designados os “comproprietários para exercer a administração da compropriedade”, os Recorrentes agiram de forma a fazer crer à ora Recorrida que a referida assembleia respeitaria exclusivamente à compropriedade daquele prédio e não à de todos os bens já partilhados que integraram a herança de II.</font>
</p><p><font>23ª Aquela situação de confiança criada pelos Recorrentes provocou na Recorrida a necessidade de tomar algumas decisões, entre as quais a de não comparecer na assembleia de comproprietários para que foi convocada, que a Recorrida confiava respeitar ao prédio sito na Rua …, nº …, em …, impedindo-a de tomar posição quanto à administração dos demais bens que integraram a herança de II, sobre cuja administração os Recorrentes deliberaram à revelia da Recorrida, prejudicando-a no exercício dos poderes que lhe assistem enquanto comproprietária.</font>
</p><p><font>24ª Os Recorrentes valeram-se da ausência da Recorrida para deliberarem sobre a administração dos restantes bens em compropriedade, bem sabendo que esta não tinha sido convocada para esse fim, o que revela uma evidente má-fé por parte daqueles.</font>
</p><p><font>25º A Recorrida encontrava-se de boa-fé ao confiar que a assembleia realizada versaria apenas sobre o prédio sito na Rua …, nº …, em …, desconhecendo qualquer divergência entre o que lhe foi comunicado, que respeitava à administração prédio sito na Rua …, nº …, em …, e aquilo sobre o que os Recorrentes entenderam deliberar, que versou sobre todos os bens que integraram a herança de II.</font>
</p><p><font>26ª Consequentemente, além da situação objetiva de confiança, a atuação dos Recorrentes também originou um investimento na confiança por parte da ora Recorrida, que se encontrava de boa-fé.</font>
</p><p><font>27ª A atuação dos Recorrentes, ao comunicarem à ora Recorrida que convocavam a assembleia de comproprietários do prédio sito na Rua …, nº …, em …, a fim de deliberar sobre a sua administração, tendo deliberado posteriormente, na ausência da Recorrida, sobre a administração de todos os bens que integraram a herança de II, traduz-se num </font><i><font>“venire contra factum proprium”.</font></i>
</p><p><font>28ª Pelo que, a deliberação aprovada na assembleia de comproprietários de 08/11/2017 é também nula por violação do disposto no artigo 334º do Código Civil.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Nestes termos e nos melhores de Direito aplicável que V. Exas. não deixarão de doutamente suprir, deve ser negado provimento ao presente recurso, confirmando-se o acórdão recorrido, com o que será feita a habitual JUSTIÇA».</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font>Delimitação do objeto do recurso</font></b><br>
</p><p><font>Sabido que o objeto do recurso, conforme o disposto nos artigos 635.°, n.° 2 e 639.°, n.ºs 1 e 2, ambos do CPC, é delimitado pelas conclusões das alegações dos recorrentes, sem prejuízo de questões de conhecimento oficioso, nos termos do artigo 608.°, n.° 2, do CPC, a única questão a decidir é a da nulidade da deliberação da assembleia de comproprietários tomada a 8 de novembro de 2017, em face dos artigos 1407.º e 985.º, n.º 1, do Código Civil.</font>
</p><p><font>A recorrida, nas suas contra-alegações, pretende ampliar o objeto do recurso, nos termso do artigo 636.º, n.º1, do CPC, à questão de saber se a deliberação de 08/11/2017 é nula pelo facto de ter sido alterada a ordem de trabalhos da assembleia de comproprietários tal como constava na convocatória, por violação dos artigos 174° do Código Civil, aplicável por analogia, </font><i><font>ex vi</font></i><font> do artigo 157° do mesmo Código, ou em alternativa, por abuso do direito na modalidade de </font><i><font>venire contra factum proprium</font></i><font>. </font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font>Cumpre apreciar e decidir.</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><b><font>II — Fundamentação de facto </font></b><br>
</p><p><b><font>1.</font></b><font> A Autora e os RR foram herdeiros de II, tendo a primeira sido cabeça-de-casal.</font><br>
</p><p><b><font>2.</font></b><font> A herança aberta por falecimento de II foi já partilhada, tendo a sentença homologatória da partilha transitado em julgado em 18 de abril de 2017 proferida no processo que correu termos sob o n° 896/05.0… junto do Juízo Local … de … - Juiz … .</font><br>
</p><p><b><font>3.</font></b><font> Por carta datada de 23 de Outubro de 2017 os RR DD e EE convocaram uma assembleia para comproprietários do prédio sito na Rua …, n°…, …, a ter lugar no dia 8 de novembro de 2017 pelas 18h00 na Avenida …, n°…, … …, em … .</font><br>
</p><p><b><font>4.</font></b><font> A ordem de trabalhos da reunião continha como único ponto "Designação dos comproprietários para exercer a administração da compropriedade".</font><br>
</p><p><b><font>5.</font></b><font> Na data da convocatória, e ainda hoje, figurava no registo predial do indicado prédio urbano registado na Conservatória do Registo Predial de … sob o n° … da Freguesia de … a seguinte inscrição de propriedade II pela AP 1 de 1916/02/01.</font><br>
</p><p><b><font>6.</font></b><font> Tal prédio urbano é composto de casas nobres, fábrica, horta e pomar.</font><br>
</p><p><b><font>7.</font></b><font> Está inscrito na matriz com uma área rústica à qual foi atribuído o artigo 1 da matriz rústica da Freguesia de … .</font><br>
</p><p><b><font>8.</font></b><font> A Autora enviou carta data de 6 de novembro de 2017 aos RR que convocaram a assembleia, indicando, em suma, ser aquela convocatória extemporânea, não tendo sido observado prazo razoável para que a mesma pudesse ser preparada, com prévia regularização da compropriedade decorrente da partilha judicial.</font><br>
</p><p><b><font>9.</font></b><font> Na reunião estiveram presentes os RR BB, CC, DD e EE.</font><br>
</p><p><b><font>10.</font></b><font> A ordem de trabalhos da assembleia foi alterada passando a reunião a ter por objecto a nomeação de pessoa com a função de exercer a administração sobre todos os bens que integraram a herança de II e não apenas o prédio sito na Rua …, número …, em ….</font><br>
</p><p><b><font>11.</font></b><font> Os RR FF, GG e HH manifestaram adesão às deliberações tomadas na assembleia de comproprietários acima indicada.</font><br>
</p><p><b><font>12.</font></b><font> A Assembleia contou com a presença de 66,66% da compropriedade, tendo sido votada favoravelmente a nomeação dos RR DD e CC como Administradores.</font><br>
</p><p><b><font>13.</font></b><font> Os comproprietários e aqui RR/reconvintes FF, GG e HH, manifestaram adesão ao deliberado, sendo a percentagem doa aceitantes da administração de 83,30% da compropriedade.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><b><font>III - Fundamentação de direito </font></b><br>
</p><p><b><font>1.</font></b><font> A decisão da questão de saber se a deliberação tomada pela maioria dos comproprietários padece de nulidade ou se, pelo contrário, é válida, prende-se com o regime jurídico da compropriedade.</font><br>
</p><p><font>Nos termos do artigo 1403.º, n.º 1, do Código Civil, há compropriedade quando duas ou mais pessoas detêm simultaneamente direito de propriedade sobre uma mesma coisa. A compropriedade define-se como uma situação de titularidade conjunta e simultânea de direitos, reais ou não, iguais sobre uma coisa. </font><br>
</p><p><font>De acordo com a conceção dominante na doutrina portuguesa (cfr., por todos, Luís A. Carvalho Fernandes, </font><i><font>Lições de Direitos Reais,</font></i><font> Quid iuris, Lisboa, p. 352),</font><b><font> </font></b><font>a compropriedade é um conjunto de direitos, coexistindo sobre toda a coisa e não sobre qualquer realidade imaterial ou ideal (quota) nem sobre uma parte da coisa. </font><br>
</p><p><font>Sendo esses direitos qualitativamente iguais, tal implica que se </font><i><font>auto-limitam</font></i><font>, na medida em que o exercício de cada um, terá de se fazer sem prejuízo de um exercício equivalente dos demais (Carvalho Fernandes, </font><i><font>Lições de Direitos Reais,</font></i><font> p. 352).</font><br>
</p><p><font>Enquanto o direito subjetivo tem uma natureza singular porque ligado à realização de interesses de pessoa determinada, a compropriedade consiste num conjunto de direitos de propriedade sobre uma mesma coisa e </font><i><font>auto-limitados</font></i><font>, com a particularidade de que cada um dos direitos incide sobre a coisa comum e não se refere a uma parte específica.</font><br>
</p><p><font>Neste sentido se tem também orientado a jurisprudência (cfr., por todos, Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 15-02-2007, proc. n.º 06B4630):</font><br>
</p><p><font>«I - Os comproprietários, sendo iguais as respectivas quotas, usufruem a coisa objecto da compropriedade de modo igual, o que significa que o gozo de cada um tem de ser limitado por forma a obter essa igualdade - arts. 1405.º, n.º 1, e 1406.º, n.º 1, do CC.</font><br>
</p><p><font>II - No entanto, é lícito a cada um deles servir-se da totalidade dessa coisa, desde que não prive os restantes consortes do uso a que têm direito». </font><br>
</p><p><font>O comproprietário exerce, conjuntamente com os outros, todos os direitos que pertencem ao proprietário singular. Quanto ao modo do seu exercício, a lei identifica três modalidades diferentes: poderes de exercício isolado, poderes de exercício maioritário e poderes de exercício unânime (cfr. Mota Pinto, </font><i><font>Direitos Reais</font></i><font> (Segundo as prelecções do Prof. Doutor C. A. da Mota Pinto ao 4.º ano jurídico de 1970-71), Almedina, Coimbra, pp. 260 e ss).</font><br>
</p><p><font>Cada um dos comproprietários, seja qual for a sua quota, de acordo com o princípio da solidariedade, detém o poder de utilização da coisa na sua totalidade. Contudo, o comproprietário não pode afetar a coisa a fim diferente daquele a que ela se destina e não pode impedir os demais de fazer da coisa o uso a que também tenham direito. A doutrina designa estes poderes como </font><i><font>poderes de exercício isolado</font></i><font>. Esta possibilidade de uso integral da coisa tem, contudo, natureza supletiva, e pode ser derrogada por acordo dos interessados. Os limites ao exercício deste direito resultam, portanto, de acordo entre os interessados no título constitutivo ou de acordo posterior, em que se disciplina o poder de uso da coisa, por exemplo, através de uma divisão material do gozo da coisa ou através de uma divisão temporal ou por turnos. Já os poderes de alienação ou oneração da coisa comum ou de parte específica dela são poderes de necessário </font><i><font>exercício unânime</font></i><font>, ou seja, só com o consentimento dos restantes pode qualquer comproprietário praticar esses atos (artigo 1408.º, n.º 2, do Código Civil). </font><br>
</p><p><font> Ao lado destes poderes, de exercício isolado ou de exercício unânime, há </font><i><font>poderes de exercício maioritário</font></i><font>, que estão subordinados à vontade da maioria dos consortes. É o caso dos </font><i><font>poderes de administração da coisa comum</font></i><font>, regulados no artigo 1407.º do Código Civil, e que abrangem os atos de fruição da coisa comum, da sua conservação ou beneficiação, e ainda, os atos de alienação de frutos, bem como o poder de os comproprietários nomearem um ou vários deles como administradores da coisa comum ou de criarem para o efeito, órgão próprio – v. Carvalho Fernandes, </font><i><font>ob. cit.,</font></i><font> p. 362)</font><br>
</p><p><font>O artigo 1407º do Código Civil, que regula a administração da coisa, remete para o artigo 985º do mesmo diploma legal, preceito que tem a sua localização sistemática no capítulo III (Sociedade) do Livro do Direito das Obrigações, secção II (Relações entre os sócios), e que se refere à administração das sociedades civis.</font><br>
</p><p><font>Dispõe o artigo 1407º do Código Civil:</font><br>
</p><p><font>“1. É aplicável aos comproprietários, com as necessárias adaptações, o disposto no artigo 985.º; para que haja, porém, a maioria dos consortes exigida por lei, é necessário que eles representem, pelo menos, metade do valor total das quotas.</font><br>
</p><p><font>2. Quando não seja possível formar a maioria legal, a qualquer dos consortes é lícito recorrer ao tribunal, que decidirá segundo juízos de equidade.</font><br>
</p><p><font>3. Os atos realizados pelo comproprietário contra a oposição da maioria legal dos consortes são anuláveis e tornam o autor responsável pelo prejuízo a que der causa. </font><br>
</p><p><font>Por sua vez, o artigo 985.º, com a epígrafe, “Administração”, dispõe o seguinte:</font><br>
</p><p><font>1. Na falta de convenção em contrário, todos os sócios têm igual poder para administrar.</font><br>
</p><p><font>2. Pertencendo a administração a todos os sócios ou apenas a alguns deles, qualquer dos administradores tem o direito de se opor ao ato que outro pretenda realizar, cabendo à maioria decidir sobre o mérito da oposição.</font><br>
</p><p><font>3. Se o contrato confiar a administração a todos ou a vários sócios em conjunto, entende-se, em caso de dúvida, que as deliberações podem ser tomadas por maioria.</font><br>
</p><p><font>4. Salvo estipulação noutro sentido, considera-se tomada por maioria a deliberação que reúna os sufrágios de mais de metade dos administradores.</font><br>
</p><p><font>5. Ainda que para a administração em geral, ou para determinada categoria de atos, seja exigido o assentimento de todos os administradores, ou da maioria deles, a qualquer dos administradores é lícito praticar os atos urgentes de administração destinados a evitar à sociedade um dano iminente.</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><b><font>2.</font></b><font> O tribunal de 1.ª instância entendeu que a deliberação em litígio não padecia de nulidade, por violação de normas imperativas quanto à compropriedade (artigos 1406º, 1407.º e 985º, todos do Código Civil) e quanto à administração de bens de uma herança (artigo 2079º do Código Civil), sendo que esta última norma nem era aplicável ao caso dos autos porque a herança já tinha sido partilhada por sentença transitada em julgado. Concluiu-se, portanto, não assistir razão à Autora, pois que a sua posição, isoladamente em relação aos demais comproprietários, é minoritária.</font>
</p><p><font>Diferentemente, o acórdão recorrido, revogando a sentença, considerou que o pedido de nulidade era procedente, com base numa interpretação conjugada dos artigos 1407.º e 985.º, n.ºs 1 e 2, ambos do Código Civil, concluindo que </font><i><font>“(…) todos os comproprietários têm igual poder de administração da coisa comum e o afastamento desta regra apenas pode ter lugar com o acordo de todos os comproprietári | [0 0 0 ... 0 0 0] |
RTJou4YBgYBz1XKvhAMt | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><b><font> </font></b>
<p><b><font> </font></b><i><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça</font></i><br>
</p><p><b><font> </font></b><br>
</p><p><b><font>I - Relatório</font></b><br>
</p><p><br>
</p><p><b><font>1. AA</font></b><font> </font><b><font>e</font></b><font> </font><b><font>BB</font></b><font> intentaram ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra </font><b><font>Seguradoras</font></b><font> </font><b><font>Unidas,</font></b><font> </font><b><font>S.A.</font></b><font> </font><b><font>e</font></b><font> </font><b><font>Companhia</font></b><font> </font><b><font>de</font></b><font> </font><b><font>Seguros</font></b><font> </font><b><font>Fidelidade-Mundial,</font></b><font> </font><b><font>S.A., </font></b><font>pedindo a condenação das rés no pagamento da quantia de €290.450,00 a título de indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos em consequência de acidente de viação</font><a><u><font>[1]</font></u></a><font>.</font>
</p><p><font>Para tanto alegaram, em síntese, que ocorreu acidente de viação cuja verificação imputam a culpa concorrente dos condutores dos veículos automóveis segurados e do qual resultaram danos patrimoniais e não patrimoniais cujo ressarcimento peticionam.</font>
</p><p><font>A ré Companhia de Seguros Fidelidade-Mundial, S.A. contestou, em suma, excecionando a ilegitimidade do autor e a prescrição do direito dos autores, impugnando os factos alegados na petição inicial, imputando a responsabilidade pela ocorrência do embate a conduta das vítimas e alegando que os montantes peticionados são exagerados.</font>
</p><p><font>A ré Seguradoras Unidas, S.A. contestou, em suma, impugnando os factos alegados na petição inicial, imputando a responsabilidade pela ocorrência do embate ao comportamento das vítimas, invocando que os montantes peticionados são excessivos.</font>
</p><p><font>Foi citada a instituição de segurança social competente, a qual não deduziu qualquer pedido.</font>
</p><p><font>Foi dispensada a realização da audiência prévia, proferido despacho saneador, julgando improcedente a exceção dilatória de ilegitimidade e relegando para final o conhecimento da exceção perentória de prescrição, fixado o objeto do litígio e enunciados os temas da prova, sem que tenha sido apresentada reclamação.</font>
</p><p><font>Realizou-se a audiência final, com observância do legal formalismo. </font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><b><font>2.</font></b><font> Foi proferida sentença que decidiu:</font><br>
</p><p><font>A) julgar a exceção perentória de prescrição improcedente, por não provada; </font><br>
</p><p><font>B) julgar a ação improcedente, por não provada, e, em consequência, absolver as rés do pedido.</font>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><b><font>3.</font></b><font> Inconformados com a sentença, os autores interpuseram recurso de apelação, tendo o Tribunal da Relação confirmado, com a mesma fundamentação e sem voto de vencido, a sentença de 1.ª instância.</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><b><font>4.</font></b><font> Novamente inconformados, vieram os autores </font><b><font>AA</font></b><font> e </font><b><font>BB</font></b><font>, interpor recurso de revista excecional, nos termos do disposto no artigo 672º, nº 1, alíneas </font><i><font>a), b)</font></i><font> e </font><i><font>c)</font></i><font> do CPC, que foi admitido pela formação prevista no artigo 672.º, n.º 3, do CPC, com o seguinte fundamento:</font><br>
</p><p><font>«(…)</font><br>
</p><p><font>Com efeito, em tal decisão entendeu-se que a responsabilidade das RR seguradoras sempre estaria excluída, uma vez que a «atuação culposa da vítima leva à exclusão da responsabilidade pelo risco de qualquer dos condutores dos veículos»</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font>Ora, os recorrentes, para além de se insurgirem contra essa avaliação jurídica da matéria de facto assente, também colocam a questão da possível concorrência na produção do acidente entre os riscos próprios dos veículos segurados e a culpa do lesado, invocando a complexidade que a mesma apresenta e a controvérsia que tem gerado.</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font>Segundo entendemos, mostra-se suficientemente justificado que o Supremo Tribunal se possa pronunciar sobre a matéria, atendendo às normas de direito nacional e da União Europeia a que a questão colocada apela e às particularidades do caso: uma jovem mulher (27 anos) perdeu a vida e uma criança de 3 anos sofreu os muito extensos danos descritos nos factos.</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font>Realmente, a interpretação do aludido complexo normativo em que a decisão recorrida se fundamentou envolve uma significativa complexidade e, como resulta da leitura do sumário do acórdão invocado como fundamento, também não é pacífica, até porque é uma matéria que convoca, simultaneamente, princípios consagrados pela União Europeia.</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font>Assim, sem necessidade de aferir a também invocada contradição jurisprudencial, a temática imposta pela questão suscitada pelos requerentes aponta, com nitidez, para a necessidade de admissão do recurso pela via sugerida, de molde a propiciar a excepcional intervenção clarificadora deste Supremo Tribunal, a qual, para além da mencionada relevância jurídica daquela, pode ter impacto nos conceitos comuns sobre a responsabilidade estradal.»</font><br>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font>5.</font></b><font> Na alegação do recurso de revista, as recorrentes formularam as seguintes conclusões:</font>
</p><p><font>«I - Na conclusão XXVIII das alegações de recurso dos aqui Recorrentes para o Tribunal da Relação ………, referiu-se o seguinte “(….) ao apenas considerar (…) uma alegada culpa da lesada CC, o tribunal “a quo” violou o disposto no artigo 570º que deveria ser aplicável enquanto concorrência de culpas e violou igualmente a interpretação atualista do disposto conjugado dos artigos 505º e 570º do Código Civil, no contexto e com os critérios que a jurisprudência superior atrás citada a tem vindo a definir”.</font>
</p><p><font>II - Por sua vez, a parte final da conclusão XXVIII das alegações de recurso referia-se ao douto acórdão do S.T.J., mencionado a meio da conclusão XXVI, proferido no processo nº 1112/15.1T8VCT.G1.S1, de 01/06/2017 in </font><font>www.dgsi.pt</font><font> que, a propósito da questão da concorrência entre culpa do lesado e risco e dos artigos 505º com o 580º do Código Civil entendeu que “Compete ao Tribunal formular um juízo de adequação e proporcionalidade, perante as circunstâncias de cada caso concreto, pesando, por um lado, a intensidade dos riscos próprios da circulação do veículo e a sua concreta relevância causal para o acidente; e, por outro, valorando a gravidade da culpa imputável ao comportamento, activo ou omissivo, do próprio lesado e determinando a sua concreta contribuição causal para as lesões sofridas, de modo a alcançar um critério de concordância prática que, em determinadas situações, não conduzirá a um automático e necessário apagamento das consequências de um risco relevante da circulação do veículo, apenas pela circunstância de ter ocorrido alguma falta do próprio lesado, inserida na dinâmica do acidente.” (o destaque é nosso).</font>
</p><p><font>III - Ora, a concorrência entre a culpa do lesado e do risco exige da jurisprudência superior uma maior determinação e estabelecimento de critérios mais apurados em situações, porque quer na doutrina, quer na jurisprudência nacional as opiniões dividem-se tal como doutamente se mencionou nas páginas 38 a 42 da sentença da 1ª instância que aqui, por uma questão de economia processual, se dão por integralmente reproduzidas.</font>
</p><p><font>IV - Nos termos do disposto no artigo 672º, nº 2, alínea b) do C.P.C., considera-se que esta questão da questão da concorrência entre culpa do lesado e risco no âmbito de acidentes rodoviários é altamente relevante em termos sociais dado o facto de Portugal ser um dos país com maior sinistralidade rodoviária na qual, com não pouca frequência, às questões próprias da dinâmica do acidente se associam questões decorrentes de riscos repartidos entre as condutas dos condutores e/ou peões e as condições das vias rodoviárias ou o seu excesso de tráfego rodoviário e, no caso </font><i><font>sub judice</font></i><font>, ainda mais, já que a morte da falecida deixou o Recorrente AA em enormes dificuldades económicas e com uma filha traumatizada por educar.</font>
</p><p><font>V - Assim, consideramos observado o disposto no artigo 672º, nº 1 alíneas </font><i><font>a)</font></i><font> e </font><i><font>b)</font></i><font> do C.P.C. e entendemos que a melhor aplicação do direito é a que, no confronto da aplicação entre os artigos 505º e 570º do Código Civil considera que não se deve preconizar um automático e necessário apagamento das consequências de um risco relevante da circulação do veículo, apenas pela circunstância de ter ocorrido uma falta do próprio lesado, inserida na dinâmica do acidente, devendo, no caso </font><i><font>sub judice</font></i><font> ser atribuída culpa repartida ao condutor do veículo FR.</font>
</p><p><font>VI - Porém, caso assim não se entenda, consideramos igualmente observado o disposto no artigo 672º, nº 1, alínea c) do C.P.C, na medida em que existe um contradição entre o teor do acórdão do STJ, proferido no âmbito do processo nº 1112/15.1T8VCT.G1.S1, de 01/06/2017 in </font><font>www.dgsi.pt</font><font> cuja cópia se protesta juntar, na parte supra citada no ponto 3 das alegações deste recurso de revista excecional e o teor do penúltimo parágrafo a página 28 do acórdão recorrido do Tribunal da Relação …….. no qual se refere que foi a conduta da lesada que quebrou “o nexo de causalidade entre quaisquer riscos próprios dos veículos e os danos, pelo que a descrita atuação culposa da mesma leva à exclusão da responsabilidade pelo risco de qualquer dos condutores dos veículos.”</font><br>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Deve, pois, o presente recurso ser julgado procedente e revogado o acórdão recorrido, estabelecendo-se a partilha da culpa do acidente ao condutor do veículo FR por ser essa a que melhor se coaduna com a interpretação conjunta dos artigos 505º e 580º do Código Civil</font><br>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Pois só assim se aplicará o Direito e se fará sã e serena Justiça!»</font><br>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Notificadas da alegação do recurso de revista excecional interposto pelos autores, as rés, Fidelidade e Seguradoras Unidas, SA, apresentaram contra-alegações, nas quais pugnam pela manutenção do decidido.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Sabido que o objeto de recurso, ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, se delimita pelas conclusões da alegação de recurso, a questão de direito a decidir é a de saber se a culpa da lesada exclui ou não a responsabilidade pelo risco do condutor do veículo automóvel.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> Cumpre apreciar e decidir.</font><br>
</p><p><b><font> </font></b>
</p><p><b><font>II – Fundamentação</font></b>
</p><p><b><font>A – Os factos</font></b><br>
</p><p><font>1 - No dia ... .12.2013, pelas 16h00m, DD conduzia o veículo de marca ……, modelo ……, ligeiro de passageiros, com cor cinzenta, de matrícula …-FR-…, de sua propriedade, na EN ……., antes do km 82,672, no concelho………., no sentido ………./……… . </font><br>
</p><p><font>2 - No mesmo dia, na mesma via e no mesmo sentido de marcha, a distância não apurada à sua frente, EE conduzia o veículo de marca ……, modelo ….., ligeiro de passageiros, com cor cinzenta, de matrícula …..-94-….. . </font><br>
</p><p><font>3 - Neste veículo viajavam como passageiras, no banco traseiro, CC e BB, as quais se dirigiam para a respetiva residência, localizada no lado oposto.</font><br>
</p><p><font>4 - Atento o sentido de marcha dos veículos, a EN ….., no local ……, a faixa de rodagem configurava uma reta, com uma largura total de 7,10 metros, comportando duas hemi-faixas de rodagem, uma em cada sentido de trânsito, divididas por traço longitudinal descontínuo, com bermas alcatroadas de cada lado, tendo a berma do dado direito uma largura de 2,50m.</font><br>
</p><p><font>5 - Encontrando-se a faixa de rodagem ladeada com habitações e com espaços comerciais. </font><br>
</p><p><font>6 - A velocidade instantânea permitida no local era de 90km/hora. </font><br>
</p><p><font>7 - O condutor DD iniciou manobra de ultrapassagem de dois veículos que seguiam na sua frente, imprimindo aceleração ao veículo que conduzia. </font><br>
</p><p><font>8 - Após o que ingressou na hemi-faixa de rodagem destinada ao trânsito no sentido ……../…….. . </font><br>
</p><p><font>9 - Por sua vez, o condutor EE saiu da hemi-faixa de rodagem em que circulava e imobilizou o veículo que conduzia na berma existente no lado direito, para permitir a saída das passageiras CC e BB. </font><br>
</p><p><font>10 - As quais se apearam do veículo pela porta traseira do lado direito, colocando a passageira CC a BB ao colo. </font><br>
</p><p><font>11 - Após o que iniciou a travessia da via em direção à berma do lado oposto. </font><br>
</p><p><font>12 - O condutor EE reiniciou a marcha, efetuando manobra de inversão de marcha a partir da berma, pretendendo ingressar na hemi-faixa de rodagem destinada ao trânsito no sentido ……../……… . </font><br>
</p><p><font>13 - Sem cuidar de avistar o veículo de matrícula FR, conduzido por DD, que se encontrava a concluir a manobra de ultrapassagem. </font><br>
</p><p><font>14 - A CC e a BB encontravam-se a efetuar a travessia da via quando se deu o embate com o veículo de matrícula FR. </font><br>
</p><p><font>15 - Em consequência do embate foram projetadas e ficaram prostradas junto da berma do lado esquerdo, considerando o sentido de marcha ………/………. </font><br>
</p><p><font>16 - De seguida, o veículo de matrícula FR foi embater no veículo de matrícula UI, que realizava a manobra de inversão de marcha, cortando-lhe a linha de marcha. </font><br>
</p><p><font>17 - O embate deu-se entre a parte frontal do veículo de matrícula FR na parte lateral esquerda do veículo de matrícula UI. </font><br>
</p><p><font>18 - Ficando os veículos imobilizados uns metros à frente, sensivelmente junto do eixo da via. </font><br>
</p><p><font>19 - Em consequência do embate com a CC e a BB, o veículo de matrícula FR ficou com a lateral direita amolgada e o para-brisas estilhaçado. </font><br>
</p><p><font>20 - E em consequência do embate no veículo de matrícula UI ficou com a parte frontal destruída, ficando o veículo de matrícula UI com a parte lateral esquerda destruída. </font><br>
</p><p><font>21 - Em consequência do embate sofrido a CC sofreu escoriações no queixo, nas mãos, no ombro esquerdo, nos joelhos e pernas, com abrasões na perna direita, traumatismo craneo-encefálico grave com escala de coma de Glasgow no local de 4, traumatismo torácico com pneumohemotorax, traumatismo abdominal com rotura de baço, edema cerebral difuso e fraturas frontais, fraturas do 90 e 100 arcos costais esquerdos, hemorárax, hemoperitoneu com lacetação esplénica, com fratura do frontal, do temporal esquerdo, do etmóide e do esfenóide. </font><br>
</p><p><font>22 - E a BB sofreu traumatismo craniano, entrou em estado de choque, chorando compulsivamente, sofreu dores, escoriações na face, edema do lábio superior e trauma dos membros superiores e inferiores. </font><br>
</p><p><font>23 - A CC e a BB foram transportadas para o Hospital …….. . </font><br>
</p><p><font>24 - Onde a CC realizou cirurgia abdominal urgente esplenectomina, com drenagem de 1800 cc de sangue intraperitoneal, drenagem toráxica, tendo estado em coma induzido. </font><br>
</p><p><font>25 - Teve evolução desfavorável e foi confirmada a morte cerebral pelas 19h00 do dia ... .12.2013, devido a contusão encefálica por traumatismo craniano com fraturas. </font><br>
</p><p><font>26 - A CC havia nascido no dia 18 de maio de 1986 (cfr.fls.38, cujo teor se dá por integralmente reproduzido). </font><br>
</p><p><font>27 - A BB nasceu no dia … de novembro de 2010 e é filha de AA e de CC (cfr. fls. 37, cujo teor se dá por integralmente reproduzido). </font><br>
</p><p><font>28 - CC deixou como única herdeira a filha BB, sendo cabeça-de-casal na herança AA (cfr. fls. 38, cujo teor se dá por integralmente reproduzido). </font><br>
</p><p><font>29 - O autor AA, na data referida em 1., residia com CC há mais de 5 anos, como marido e mulher se tratassem, partilhando a mesma casa, mesa e cama. </font><br>
</p><p><font>30 - As lesões sofridas pela BB demandaram 388 dias para a cura, dos quais 6 com afetação da capacidade de trabalho, e cicatriz nacarada, rendilhada, na região frontal mediana. </font><br>
</p><p><font>31 - No hospital a BB foi imobilizada em plano dorso e colocado um colar cervical, o que lhe causou desconforto e choro. </font><br>
</p><p><font>32 - Durante o tratamento ali administrado e nos dias seguintes após alta sofreu de vários períodos de polipneia. </font><br>
</p><p><font>33 - Estranhou as pessoas e o hospital, chorando com frequência pelas dores e desconforto da imobilização e meios de tratamento. </font><br>
</p><p><font>34 - Foi submetida à aplicação de soros, injeções, exames radiológicos, colheitas de sangue e aplicação de drenos. </font><br>
</p><p><font>35 - Apresentava respiração habitual sibiloso. </font><br>
</p><p><font>36 - Após alta e regresso a casa a BB tinha dificuldade em adormecer, acordava a chorar com pesadelos e assustada. </font><br>
</p><p><font>37 - Iniciou acompanhamento psicológico no G…… em 24 de janeiro de 2014, devido a dificuldade para dormir, choro frequente, medo, isolamento e tristeza. </font><br>
</p><p><font>38 - Terminou esse acompanhamento psicológico em dezembro de 2014. </font><br>
</p><p><font>39 - Durante meses perguntou ao pai pela mãe e quando esta regressaria a casa. </font><br>
</p><p><font>40 - Fingia falar com a mãe ao telemóvel e na escola fazia desenhos onde incluía a mãe. </font><br>
</p><p><font>41 - Brincava a fingir falar com a mãe e chamava por esta quando a contrariam, acordando, depois da sesta a chorar e muito agitada. </font><br>
</p><p><font>42 - Até 2016 apresentava uma hipersensibilidade e sintomas traumáticos. </font><br>
</p><p><font>43 - A BB era apegada à mãe e esta tinha adoração pela filha. </font><br>
</p><p><font>44 - Atualmente a BB já interiorizou a morte da mãe mas ainda sofre tristeza. </font><br>
</p><p><font>45 - No dia da mãe o pai AA desloca-se à escola para participar nas atividades. </font><br>
</p><p><font>46 - A CC executava serviços domésticos no domicílio de terceiros. </font><br>
</p><p><font>47 - Auferindo por cada hora de trabalho cerca de 7,00 euros. </font><br>
</p><p><font>48 - Não era conhecida a esta e à BB qualquer doença. </font><br>
</p><p><font>49 - Contribuía com o rendimento auferido para o pagamento das despesas do agregado familiar composto por si e pelos autores. </font><br>
</p><p><font>50 - O autor despende por mês, aproximadamente, cerca de €250,00 (duzentos e cinquenta euros) com alimentação, educação e vestuário da BB. </font><br>
</p><p><font>51 - O autor trabalhou até outubro de 2014 auferindo uma remuneração em montante não concretamente apurado. </font><br>
</p><p><font>52 - Atualmente trabalha por conta de outrem, auferindo uma remuneração em montante não concretamente apurado. </font><br>
</p><p><font>53 - Em virtude do falecimento da CC teve de tratar de assuntos relativos ao óbito. </font><br>
</p><p><font>54 - E passou a tratar dos compromissos escolares, sociais e apoio à saúde da BB e das tarefas domésticas. </font><br>
</p><p><font>55 - Acompanhou a BB ao apoio psicológico. </font><br>
</p><p><font>56 - Era uma pessoa alegre e de trato fácil. </font><br>
</p><p><font>57 - Tem desgosto, dor, angústia e depressão pela morte da CC e pelo sofrimento e lesões sofridas pela BB, deixou de ter vida social, perdeu o apetite, teve perturbações do sono, sentimentos de solidão e perda de esperança no futuro. </font><br>
</p><p><font>58 - Na sequência da participação dos embates, foram instaurados os processos na 612/13………. e n.º 323/18………, nos quais foi proferido despacho de não pronúncia quanto ao condutor DD e despacho de arquivamento contra o condutor EE (cfr. doc.44/60 e 63/67, cujo teor se dá por integralmente reproduzido). </font><br>
</p><p><font>59 - Naquele processo n.º 612/13……… os autores constituíram-se assistentes e deduziram pedido de indemnização civil contra a Companhia de Seguros Açoreana, S.A. (cfr. doc. 360/362, 44/60 e 63/67, cujo teor se dá por integralmente reproduzido). </font><br>
</p><p><font>60 - As decisões proferidas no âmbito dos processos referidos em 58. foram, respetivamente, notificadas aos autores por cartas expedidas em 11.01.2018 e 20.07.2018 (cfr. doc. de fls.43vo e 62, cujo teor se dá por integralmente reproduzido). </font><br>
</p><p><font>61 - A responsabilidade emergente da circulação do veículo de matrícula …-FR-…. encontrava-se transferida para a companhia de seguros Açoreana Seguros, S.A., através da apólice n.º 09……… (cfr. doc. de fls.168, cujo teor se dá por integralmente reproduzido). </font><br>
</p><p><font>62 - A Seguradora Unidas, S.A., por fusão e redenominação, assumiu por fusão a posição daquela seguradora (cfr. doc. de fls.42vo/43, cujo teor se dá por integralmente reproduzido). </font><br>
</p><p><font>63 - A responsabilidade civil emergente da circulação do veículo de matrícula …- …-UI encontrava-se transferida para a ré Fidelidade- Companhia de Seguros, S.A. através da apólice n.º 75………. (cfr. doc. de fls.134, cujo teor se dá por integralmente reproduzido). </font><b><font> </font></b><br>
</p><p><b><font> </font></b><br>
</p><p><b><font>B - Factos Não Provados </font></b><br>
</p><p><font>Não se provaram quaisquer outros factos, nomeadamente que: </font><br>
</p><p><font>a) o condutor do veículo de matrícula FR circulava a velocidade superior a 90km/hora; </font><br>
</p><p><font>b) iniciou a manobra de ultrapassagem a 300 metros do local do embate na CC e na BB; </font><br>
</p><p><font>c) sem se certificar que poderia retomar, em condições de segurança, à faixa de rodagem destinada ao trânsito no sentido de marcha ……/……; </font><br>
</p><p><font>d) ou que poderia parar o veículo no espaço livre e visível à sua frente; </font><br>
</p><p><font>e) o condutor do veículo de matrícula FR foi embater na CC e na BB quando estas estavam junto da berma do lado esquerdo; </font><br>
</p><p><font>f) o autor tem ajuda de amigos e familiares nas despesas; </font><br>
</p><p><font>g) o autor permanece em casa sem poder ir trabalhar, realizar trabalho suplementar, ou frequentar o curso para licença de condução de veículos pesados/ CAM; </font><br>
</p><p><font>h) a CC teve perceção da iminência da morte e sofreu angústia antes de morrer; </font><br>
</p><p><font>i) a CC no momento do embate agarrou a BB e tentou envolvê-la com o seu próprio corpo para a proteger; </font><br>
</p><p><font>j) a BB no hospital cuspia sangue pela boca e nariz; </font><br>
</p><p><font>k) a BB apenas quer dormir com o pai e tem dificuldade de interação e convívio com amigos e outros familiares, chorando quando este se afasta; </font><br>
</p><p><font>l) até 2016/2017 chorava por coisas triviais do dia a dia e reagia com agressividade para com os colegas de escola e pai; </font><br>
</p><p><font>m) queixava-se de situações de bullying por outros colegas que não sucediam; </font><br>
</p><p><font>n) a BB continua a ter medo de dormir com a luz apagada, só dormindo com uma luz de presença; </font><br>
</p><p><font>o) ainda acorda com pesadelos associados à ausência da mãe; </font><br>
</p><p><font>p) o autor isola-se e permanece em casa; </font><br>
</p><p><font>q) sofre de insónias, mais intensas até 2017, mas ainda hoje recorrentes; </font><br>
</p><p><font>r) passou a ser medicado para o tratamento da ansiedade, angústia e perturbações do sono que o afetam. </font>
</p><p><b><font> </font></b>
</p><p><b><font>C – O Direito</font></b><br>
</p><p><b><font>1.</font></b><font> A jurisprudência deste Supremo Tribunal de Justiça tem admitido que uma interpretação atualista das normas conjugadas dos artigos 505.º e 570.º, n.º 2, ambas do Código Civil, comporta a possibilidade de, em determinados quadros fácticos, se aceitar um concurso entre responsabilidade pelo risco do veículo e culpa do lesado. Esta solução é também imposta pelo princípio de interpretação conforme ao Direito Comunitário, como decorre do Acórdão 2007-10-04 (Processo n.º 07B1710), em cujo sumário se concluiu que «</font><i><font>5. O texto do art. 505º do CC deve ser interpretado no sentido de que nele se acolhe a regra do concurso da culpa do lesado com o risco próprio do veículo, ou seja, que a responsabilidade objectiva do detentor do veículo só é excluída quando o acidente for devido unicamente ao próprio lesado ou a terceiro, ou quando resulte exclusivamente de causa de força maior estranha ao funcionamento do veículo. 6. Ao concurso é aplicável o disposto no art. 570º do CC. 7. A este resultado conduz uma interpretação progressista ou actualista do art. 505º, que tenha em conta a unidade do sistema jurídico e as condições do tempo em que tal norma é aplicada, em que a responsabilidade pelo risco é enfocada a uma nova luz, iluminada por novas concepções, de solidariedade e justiça. 8. Ademais, na interpretação do direito nacional, devem ser tidas em conta as soluções decorrentes das directivas comunitárias no domínio do seguro obrigatório automóvel e no direito da responsabilidade civil, já que as jurisdições nacionais estão sujeitas à chamada obrigação de interpretação conforme, devendo interpretar o respectivo direito nacional à luz das directivas comunitárias no caso aplicáveis, mesmo que não transpostas ou incorrectamente transpostas».</font></i><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font>O Supremo Tribunal de Justiça, no citado Acórdão de 2007-10-04, abandonou a tese clássica defendida por Antunes Varela, de acordo com a qual, em matéria de acidentes de viação, a verificação de qualquer das circunstâncias referidas no artigo 505º do CC – </font><i><font>maxime,</font></i><font> ser o acidente imputável a facto, culposo ou não, do lesado – excluiria a responsabilidade objetiva do detentor do veículo, não se admitindo, em consequência, o concurso do perigo especial do veículo com o facto da vítima, de modo a conduzir a uma repartição da responsabilidade: a responsabilidade pelo risco era automaticamente afastada pelo facto do lesado. </font><br>
</p><p><font>Já Vaz Serra sempre se pronunciou, mesmo depois da entrada em vigor do Código Civil, a favor da tese da concorrência entre risco e culpa, propondo, para o efeito, a aplicação analógica do artigo 570.º do Código Civil. </font><br>
</p><p><font>Brandão Proença, desde 1997, defende, na sua tese de doutoramento (</font><i><font>A conduta do lesado como pressuposto e critério de imputação do dano extracontratual,</font></i><font> Almedina, pp. 275-276), que </font><i><font>“a posição tradicional, porventura justificada em certo momento, esquece, hoje, que, por exemplo, o peão e o ciclista (esse «proletariado do tráfego» de que alguém falava) são vítimas de danos, resultantes, muitas vezes, de reacções defeituosas ou pequenos descuidos, inerentes ao seu contacto permanente e habitual com os perigos da circulação, de comportamentos reflexivos ou necessitados (face aos inúmeros obstáculos colocados nas «suas» vias) ou de «condutas» sem consciência do perigo (maxime de crianças) e a cuja danosidade não é alheio o próprio risco da condução”, </font></i><font>de tal modo que bem pode dizer-se </font><i><font>“que esse risco da condução compreende ainda esses outros «riscos-comportamentos» ou que estes não lhe são, em princípio, estranhos”.</font></i><br>
</p><p><font>Em consequência defende o Autor, que, na ausência de uma norma específica idêntica à do artigo 7º, n.º 1, do Dec-Lei 389/89 (responsabilidade objetiva do produtor), que expressamente admite a concorrência entre culpa e risco, se deve subsumir o concurso heterogéneo de responsabilidades ao critério do n.º 1 do artigo 570º, </font><i><font>“atendendo ao paralelismo das duas situações de concorrência, sintonizadas com a necessidade de uma adequada repartição do dano”</font></i><font> (cfr. Brandão Proença, </font><i><font>“A conduta do lesado ...”, ob. cit., </font></i><font>p. 819).</font><br>
</p><p><font>Em 1998, Brandão Proença (“Acidentes de Viação e Fragilidade por Menoridade (Para uma nova conformação normativa)”, </font><i><font>Juris et de Jure,</font></i><font> </font><i><font>Nos vinte anos da Faculdade de Direito da Universidade Católica Portuguesa – Porto</font></i><font>, 1998, p. 111), desenvolve a ideia segundo a qual a norma do artigo 505.º do Código Civil, baseada no princípio normativo de autoresponsabilidade do lesado e permitindo ao responsável a prova da eficácia causal de qualquer conduta do lesado, vulnerabiliza a posição das crianças no tráfego, criando a injustiça de fazer recair na família dos menores lesados as consequências económicas do acidente. O Autor critica a norma do artigo 505.º do Código Civil, por aglutinar as pessoas à margem da consciência do perigo e valorar puros atos causais, considerando-a desadaptada das exigências da vida e da necessidade de proteção e promoção dos indivíduos mais débeis, como os menores, as pessoas portadoras de deficiência e os idosos. Propõe, assim, que a norma seja construída em função de um direito dos lesados à reparação dos danos, defendendo </font><i><font>“a subjectivização do teor do artigo 505.º do Código Civil, orientada para a fixação dos comportamentos que pela sua gravidade conduzam ao afastamento da responsabilidade”,</font></i><font> bem como, </font><i><font>de iure constituendo</font></i><font>, “a necessidade de ser consagrada uma </font><i><font>reparação automática</font></i><font> dos danos corporais causados aos menores de certa idade”. </font><br>
</p><p><font>O mesmo Autor, (Brandão Proença «Responsabilidade pelo risco do detentor do veículo e conduta do lesado: a lógica do “tudo ou nada”?», </font><i><font>Cadernos de Direito Privado</font></i><font>, n.º 7 julho/setembro 2004, p.25), demarcou-se da corrente clássica de Antunes Varela, caraterizada pelo pensamento objetivista e pelo afastamento de uma solução concursual entre os riscos próprios do veículo e a conduta do lesado, culposa ou não culposa, afirmando que se baseia</font><i><font> </font></i><font>numa</font><i><font> “(…) mera compreensão lógico-formal dos textos legais, de sabor cristalizado (…)”, </font></i><font>e que desconsidera que a tutela dos lesados é o </font><i><font>leitmotiv</font></i><font> do regime jurídico aplicável aos acidentes de viação. Ademais, defende o Autor que esta tese “(…) </font><i><font>nunca teve uma fundamentação legal precisa, se pensarmos que, por ex., no citado Código da Estrada de 1954, só estava prevista a concorrência culposa “do lesado e do condutor ou deste e de terceiro” e que o artigo 484º da 1º revisão ministerial do projecto do Código Civil não é suficientemente persuasivo no sentido de afirmarmos, com ANTUNES VARELA, que foi “repudiada” a tese de VAZ SERRA”.</font></i><br>
</p><p><font>Tem sido crescente o número de autores que na doutrina defendem esta posição. É o caso de Ana Prata (“Responsabilidade civil: duas ou três dúvidas sobre ela”, in </font><i><font>Estudos em comemoração dos cinco anos da Faculdade de Direito da Universidade do Porto,</font></i><font> 2001, pp. 345 e ss) e de Calvão da Silva (</font><i><font>Revista de Legislação e de Jurisprudência</font></i><font>, ano 134º, pp. 115 e ss). Mais recentemente, Raul Guichard, em anotação ao artigo 505.º do Código Civil, publicada no </font><i><font>Comentário ao Código Civil, Direito das Obrigações, Das Obrigações em Geral,</font></i><font> Universidade Católica Editora, 2018, p. 416, adere também a esta orientação, defendendo a possibilidade de concorrência entre o risco do veículo e a culpa do lesado, pelo menos nos casos em que a culpa do lesado não seja grave ou este não seja passível de um juízo de censura, em razão de idade ou de outra causa. Prossegue o autor, invocando a favor desta tese a </font><i><font>“especial onerosidade da responsabi | [0 0 0 ... 0 0 0] |
VjKNu4YBgYBz1XKvLBoc | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><br>
<b><font> </font></b>
<p><b><font> </font></b><font>Acordam na 1.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça:</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font>I. Relatório </font></b>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><u><font>AA</font></u></b><font> e </font><b><u><font>BB</font></u></b><font>, ambos moradores na ilha de ..., intentaram ação declarativa de condenação, sob a forma de processo ordinário, contra: </font>
</p><p><font>1º- </font><b><u><font>CC</font></u></b><font> ;</font>
</p><p><font>2º- </font><b><u><font>DD</font></u></b><font> e mulher </font><b><u><font>EE</font></u></b><font> ,e</font>
</p><p><font>3º- </font><b><u><font>FF</font></u></b><font>.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Nesta ação, pediram que sejam os Réus condenados a:</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>a) Reconhecerem que os Autores são donos e possuidores dos prédios identificados na petição inicial;</font>
</p><p><font>b) Restituí-los aos Autores, de imediato, retirando dele todos os bens, objectos e animais que nele instalaram;</font>
</p><p><font>c) Reconhecerem que essa intitulada e ilícita ocupação dos prédios causa aos Autores prejuízos e impede o exercício pleno por parte deles, Autores, do seu direito de propriedade, ofendendo tal direito;</font>
</p><p><font>d) Pagarem uma sanção pecuniária compulsória, por cada dia de atraso que, para além da data do trânsito em julgado da decisão que vier a ser produzida, se venha a verificar na entrega efetiva dos prédios, para o que sugerem o valor de 5% do ordenado mínimo mais elevado por cada dia e até ao cumprimento integral da sentença.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><u><font>Para tanto, alegaram os Autores, em síntese, que</font></u><font>:</font>
</p><p><font> - São donos e possuidores na proporção de ½ indiviso para cada um, dos prédios identificados nos arts 1º e 2º, da petição inicial, prédios que adquiriram por escritura pública celebrada em 6/8/2009, sendo que, independentemente da referida forma de aquisição derivada translativa, por si e ante-possuidores, há mais de 15, 20, e 30 anos vêm possuindo ininterruptamente os descritos prédios;</font>
</p><p><font> - Acontece que, os RR. estão a ocupar, sem qualquer título, de forma ilícita e não consentida pelos Autores, o primeiro dos referidos prédios, referindo ainda que o segundo, que ainda não ocuparam, lhes está “arrendado”, razão porque no primeiro vivem e sem que para tanto estejam autorizados.</font>
</p><p><b><font>1.1.-</font></b><font> Os Réus, após citação, contestaram todos, quer por </font><u><font>exceção</font></u><font> [excecionaram os </font><u><font>segundos e terceiros</font></u><font> Réus a sua ilegitimidade, e, a primeira Ré (CC), uma exceção peremtória, invocando ser titular de contrato de arrendamento e deduzindo pedido reconvencional, peticionando que sejam os Réus condenados a reconhecerem a sua situação de arrendatária, e, em consequência, a absterem-se de praticar atos impeditivos do gozo da coisa arrendada], quer por </font><u><font>impugnação</font></u><font> motivada, pugnando pela improcedência da acção.</font>
</p><p><b><font>1.2</font></b><font>.- Seguindo-se a Réplica, e proferido o despacho saneador, neste último foi julgada improcedente a exceção dilatória de ilegitimidade passiva dos segundo e terceiros Réus, bem como admitido o pedido reconvencional da 1ª Ré, tendo ainda sido selecionada a matéria de facto assente e fixada a base instrutória da causa, não tendo havido reclamações.</font>
</p><p><b><font>1.3.- </font></b><font>Por fim,</font><b><font> </font></b><font>realizada</font><b><font> </font></b><font>que foi a audiência final, a qual decorreu </font><i><font>prima facie</font></i><font> com observância do formalismo legal devido, e conclusos os autos para o efeito, proferiu de seguida o tribunal </font><i><font>a quo</font></i><font> a competente sentença, sendo o respectivo </font><u><font>excerto decisório do seguinte teor</font></u><font> :</font>
</p><p><i><font>“ </font></i><font>(…)</font>
</p><p><i><font>DECISÃO</font></i>
</p><p><i><font>Termos em que se decide:</font></i>
</p><p><i><font>1. Condenar os RR. a reconhecerem que os AA. são proprietários, na proporção de ½ indiviso para cada um:</font></i>
</p><p><i><font>a. Do prédio misto composto de casa de um pavimento, corte, alpendre, barra, eido, eira e Campo … , situado no lugar do ..., freguesia de ..., concelho de ..., descrito na Segunda Conservatória do Registo Predial de ... sob o nº …, da freguesia de ..., registado a seu favor pela inscrição …, inscrito na matriz urbana sob o artigo 100 e na matriz rústica sob o artigo …, com o valor patrimonial tributário global de € 3.365,97, dele correspondendo € 2.446,21 à parte urbana e € 919,76; e</font></i>
</p><p><i><font>b. Do prédio rústico composto de terreno eucaliptal, pinhal e mata de carvalhos, situado no lugar do ..., freguesia de ..., concelho de ..., descrito na Segunda Conservatória do Registo Predial de ... sob o nº ..., da freguesia de ..., registado a seu favor pela inscrição ..., inscrito na matriz rústica sob o artigo 282, com o valor patrimonial tributário de € 5.569,82;</font></i>
</p><p><i><font>2. Condenar a R. CC a entregar, de imediato, aos AA. o imóvel referido na al. a) do n.º 1 da presente condenação, dele retirando todos os bens, objectos e animais.</font></i>
</p><p><i><font>3. Absolver os RR. do demais peticionado pelos AA.</font></i>
</p><p><i><font>4. Absolver os AA. do peticionado pela R. CC.</font></i>
</p><p><i><font>As custas da acção serão suportadas por AA. e R. CC na proporção do decaimento – cfr. art.º 527.º do C.P.Civil.</font></i>
</p><p><i><font>As custas da reconvenção serão suportadas pela R. CC – cfr. art.º 527.º do C.P.Civil.</font></i>
</p><p><i><font>..., 2 de Junho de 2014</font></i>
</p><p><i><font>(31 de Maio e 1 de Junho, fim-de-semana)”</font></i>
</p><p><b><font> </font></b>
</p><p><b><font> </font></b>
</p><p><b><font>1.4.- </font></b><font>Porque inconformada com a sentença proferida e identificada em 1.3., da mesma interpôs então a Ré </font><u><font>CC</font></u><font> a competente apelação, em que pediu a alteração da matéria de facto dada como provada e a revogação da sentença recorrida.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font>1.5.- </font></b><font>No início e decurso da audiência de julgamento no dia 3/12/2013, na sequência da falta de comparência dos Autores, e não tendo sido prescindida a requerida prestação de depoimento de parte, proferiu o Exmº Juiz </font><i><font>a quo</font></i><font> decisão de condenação - de cada um dos Autores - no pagamento de </font><u><font>1 UC de multa</font></u><font>.</font>
</p><p><font>Na sequência da decisão condenatória (em multa) que antecede, e aduzindo estar em causa a obtenção de informação/conhecimento pertinente para efeitos de interposição de competente recurso - cujo objeto será a decisão de condenação dos Autores em multa - , requereu de imediato o Exmº Mandatário dos Autores que os envelopes juntos aos autos a fls. 230 e 231 (correspondentes a expediente relacionado com a notificação dos AA para a audiência de julgamento) fossem abertos e o respetivo conteúdo de pretensa notificação dos Autores exibido, sendo que o requerido foi pelo </font><u><font>Exmº Juiz </font></u><i><u><font>a quo</font></u></i><u><font> indeferido</font></u><font>, com o fundamento de inexistência de fundamento legal e por se tratar de diligência inútil.</font>
</p><p><font>Finalmente, invocando como justificação para a junção de concreto documento - datado de 17/7/2003 - contrariar o afirmado pela Ré em sede de depoimento de parte, requereram os Autores a junção aos autos de um documento, pretensão esta que foi objeto de </font><u><font>despacho de indeferimento do Exmº Juiz </font></u><i><u><font>a quo</font></u></i><font>, com o fundamento de não se verificar a previsão legal do nº 3, do artº 423º, do CPC.</font>
</p><p><b><font> </font></b>
</p><p><b><font>1.6.- </font></b><font>Inconformados com qualquer das </font><u><font>três decisões/despachos</font></u><font> indicados em 1.5, atravessaram nos autos os Autores instrumento de </font><u><font>apelação autónoma</font></u><font>, pedindo que, na integral procedência do recurso, seja revogada a decisão de condenação dos autores em multa por não comparecerem na audiência, e ainda na parte em que decidiu não admitir a junção de documento, para com ele ser confrontada a ré.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font>1.7</font></b><font>.- Debruçando-se sobre a/s apelação/s indicadas em 1.6., proferiu o Exmº Juiz </font><i><font>a quo</font></i><font> o seguinte despacho: “</font><i><font>Por ser admissível, se encontrar em tempo, e o(a)(s) recorrente(s) ter(em) legitimidade, admito o recurso interposto pelo(a)(s) AA. a fls. 252 e seg. (Ref. …), que é de apelação (cfr. artº. 644º/2 d). e e). do C. P. Civil), a subir nos próprios autos (na medida em que já foi proferida sentença final e seria inútil processá-lo em separado) e com efeito meramente devolutivo (artº. 647º/1 C.P.C.)</font></i><font>”. </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font>1.8.</font></b><font>- O Tribunal da Relação proferiu, em relação às duas apelações, a seguinte decisão:</font>
</p><p><font>«Termos em que, acordam os Juízes na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de ..., em:</font>
</p><p><b><font>«6.1. - </font></b><font>Não conhecer do recurso dos AA </font><u><font>AA</font></u><font> e </font><u><font>BB</font></u><font>, interposto de decisões interlocutórias proferidas pelo tribunal </font><i><font>a quo</font></i><font> e identificadas no item 1.6. do presente Ac. ;</font>
</p><p><b><font>6.2. </font></b><font>- Concedendo provimento à apelação interposta pela Ré </font><u><font>CC</font></u><font>:</font>
</p><p><b><font>a)</font></b><font> julgar parcialmente procedente a impugnação da decisão proferida pelo tribunal </font><i><font>a quo</font></i><font> e relativa à matéria de facto;</font>
</p><p><b><font>b</font></b><font>) revogar a sentença apelada no tocante à decidida condenação da Ré CC a entregar, de imediato, aos AA. o imóvel referido na al. a) do n.º 1 da referida condenação;</font>
</p><p><b><font>c)</font></b><i><font> </font></i><font>julgar o pedido reconvencional deduzido pela apelante </font><u><font>CC</font></u><font> procedente, porque provado, e , consequentemente, vão os AA condenados a reconheceram a situação de arrendatária da reconvinte, devendo absterem-se de praticar actos impeditivos do gozo da coisa arrendada;</font>
</p><p><b><font>d)</font></b><font> manter, </font><u><font>no mais</font></u><font>, o decidido pelo tribunal </font><i><font>a quo </font></i><font>em sede de sentença , designadamente no tocante à condenação dos RR. a reconhecerem que os AA. são proprietários, na proporção de ½ indiviso para cada um, dos seguintes prédios:</font>
</p><p><b><font>I</font></b><font> - Do prédio misto composto de casa de um pavimento, corte, alpendre, barra, eido, eira e …, situado no lugar do ..., freguesia de ..., concelho de ..., descrito na Segunda Conservatória do Registo Predial de ... sob o nº …, da freguesia de ...;</font>
</p><p><b><font>II</font></b><font> - Do prédio rústico composto de terreno eucaliptal, pinhal e mata de carvalhos, situado no lugar do ..., freguesia de ..., concelho de ..., descrito na Segunda Conservatória do Registo Predial de ... sob o nº …, da freguesia de ....</font>
</p><p><font> </font><b><font>*</font></b>
</p><p><b><font>7. - </font></b><u><font>Das custas</font></u>
</p><p><b><font>- </font></b><font>Os AA suportarão as custas da apelação identificada em 1.7. ;</font>
</p><p><font>- As custas da acção serão suportadas pelos AA. apelados e Ré apelante CC, e na proporção, respectivamente, de 4/5 e de 1/5 ;</font>
</p><p><font>- As custas da reconvenção serão suportadas </font><i><font>in totum</font></i><font> pelos AA e apelados».</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> Inconformados, interpõem os autores recurso de revista, em cuja alegação formulam as conclusões exaradas a fls. 485 a 491 e que se consideram aqui integralmente reproduzidas.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Sabido que, ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, é pelas conclusões que se delimita o objeto de recurso, são as seguintes as questões a decidir:</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> I </font><i><font>– Despacho de condenação de cada um dos autores em multa de 1 UC </font></i>
</p><p><font> II – </font><i><font>Junção de documento em audiência de julgamento;</font></i>
</p><p><font>III</font><i><font> – Nulidade do acórdão recorrido (art. 674.º, n.º 1, al. c) do CPC) por oposição entre os fundamentos e a decisão</font></i>
</p><p><font>IV –</font><i><font> Alteração da matéria de facto;</font></i>
</p><p><font>V – </font><i><font>Anulação do acórdão recorrido</font></i><font> e </font><i><font>ampliação da matéria de facto;</font></i>
</p><p><font>VI – </font><i><font>Oponibilidade, ao novo proprietário do imóvel, do contrato de arrendamento rural assinado apenas por um dos herdeiros comproprietários;</font></i>
</p><p><font>VII –</font><i><font> Caducidade do contrato de arrendamento por falecimento do arrendatário, marido da ré.</font></i>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> Colhidos os vistos, cumpre decidir.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font><b><font>II – Fundamentação de facto</font></b>
</p><p><b><font> </font></b>
</p><p><b><font> A factualidade fixada pelas instâncias é a seguinte:</font></b>
</p><p><b><font> </font></b>
</p><p><b><font> </font></b><u><font>A</font></u><font> – FACTOS </font><u><font>PROVADOS</font></u><font>:</font>
</p><p><font>2.1. - Está registada a favor dos Autores, na proporção de ½ indiviso para cada um, a aquisição de:</font>
</p><p><font>a) um prédio misto composto de casa de um pavimento, corte, alpendre, barra, eido, eira e Campo …, situado no lugar do ..., freguesia de ..., concelho de ..., descrito na Segunda Conservatória do Registo Predial de ... sob o nº …, da freguesia de ..., registado a seu favor pela inscrição ..., inscrito na matriz urbana sob o artigo 100 e na matriz rústica sob o artigo 208, com o valor patrimonial tributário global de € 3.365,97, dele correspondendo € 2.446,21 à parte urbana e € 919,76;</font>
</p><p><font>b) um prédio rústico composto de terreno eucaliptal, pinhal e mata de carvalhos, situado no lugar do ..., freguesia de ..., concelho de ..., descrito na Segunda Conservatória do Registo Predial de ... sob o nº ..., da freguesia de ..., registado a seu favor pela inscrição ..., inscrito na matriz rústica sob o artigo …, com o valor patrimonial tributário de € 5.569,82 – cfr. documentos de fls.17 a 22, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.</font>
</p><p><font>2.2.- Por escritura pública de 6 de Agosto de 2009, os Autores declararam comprar a GG e mulher HH, que declaram vender, pelos preços, respectivamente, de € 60.000,00 e € 15.000,00, os prédios referidos em 1. – cfr. documento de fls.12 e seguintes, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.</font>
</p><p><font>2.3. - A Ré CC nasceu no dia … de … de 1937.</font>
</p><p><font>2.4. - Em 04 de Outubro de 2005 morreu o II, no estado de casado com a aqui 1ª Ré.</font>
</p><p><font>2.5. - Os AA. pagam as contribuições dos prédios referidos em 1., sem a oposição de ninguém, como se donos fossem.</font>
</p><p><font>2.6. - A primeira R. ocupa o prédio misto referido em 2.1.</font>
</p><p><font>2.7. - Agricultando as respectivas áreas até finais de 2008.</font>
</p><p><font>2.8. - Circulando no seu interior, de e para a via pública.</font>
</p><p><font>2.9. - Consentindo que outras pessoas assim circulem também.</font>
</p><p><font>2.10. - A primeira R. instalou um cão bravo que impede a entrada dos AA. na casa do prédio misto referido em 2.1.</font>
</p><p><font>2.11. - A Quinta do ... era composta de terrenos ou campos de cultivo e da denominada casa do caseiro, de rés-do-chão, com diversos anexos e eira, a mesma que a 1ª Ré ainda hoje habita.</font>
</p><p><font>2.12. - Desde finais de 1986 a 1ª Ré e o seu já falecido marido II cultivavam os campos e habitavam a casa do caseiro, com os seus filhos contra o pagamento anual de rasas de milho e de feijão, vinho, fruta, aguardente e lenha da quinta.</font>
</p><p><font>2.13. - Após a venda da quinta pelos herdeiros de JJ ao GG, o II e a 1ª Ré continuaram a cultivar os campos e a habitar a casa do caseiro.</font>
</p><p><font>2.14. - À vista de toda a gente</font>
</p><p><font>2.15. - Ininterruptamente.</font>
</p><p><font>2.16. - Sem oposição de ninguém (</font><i><font>Facto modificado pelo Tribunal da Relação</font></i><font>).</font>
</p><p><font>2.17. - Em finais de 2008, a 1ª Ré foi aos poucos deixando de cultivar os campos.</font>
</p><p><font>2.18. - Por ter escassez de água para rega.</font>
</p><p><font>2.19. - Por não ter quem a ajudasse e por ir deixando de ter força de braços para tal</font>
</p><p><font>2.20. - </font><u><font>Existe documento</font></u><font> designado por “Contrato de Arrendamento”, assinado com os nomes KK e II com o seguinte teor:</font>
</p><p><i><font>«Entre os herdeiros de JJ e (FF) II, se celebra um contrato de arrendamento da </font></i><i><u><font>Quinta do ...</font></u></i><i><font>, na freguesia de ..., concelho de .... Nos seguintes termos:</font></i>
</p><p><i><font>O caseiro fica com a obrigação de pagar anualmente pelo São Miguel – 29 de Setembro – de cada ano, o seguinte:</font></i>
</p><p><i><font>80 (oitenta) rasas de milho.</font></i>
</p><p><i><font>7 (sete) rasas de feijão branco.</font></i>
</p><p><i><font>Vinho, a meias.</font></i>
</p><p><i><font>Fruta, a meias.</font></i>
</p><p><i><font>Aguardente, a meias.</font></i>
</p><p><i><font>Lenha da quinta, a meias.</font></i>
</p><p><i><font>Sulfato, a pagar a meias.</font></i>
</p><p><i><font>O caseiro fica com a obrigação de fazer a sulfatação da quinta e a reserva desta.</font></i>
</p><p><i><font>A água da mina é serventia dos senhorios e dos caseiros, não podendo ser modificado o sistema em vigor.</font></i>
</p><p><i><font>O caseiro fica obrigado a respeitar e receber ordens da Snrª. D. LL, que é a pessoa encarregada pelos senhorios de zelar os seus interesses na propriedade</font></i>
</p><p><i><font>Este contrato é feito em triplicado.</font></i>
</p><p><i><font>..., 15 de Outubro de 1987»</font></i>
</p><p><font>2.21 -</font><i><font> </font></i><font>Depois da morte de JJ, um dos seus herdeiros, o KK, e o marido da 1ª Ré, II, subscreveram ambos, assinando-o, o documento junto a fls. 101 e 102, dos autos, datado de Outubro de 1987 e intitulado de “Contrato de Arrendamento”, e cujo conteúdo é o que consta do item 2.20. do presente Acórdão”</font><i><font> </font></i><font>(</font><i><font>Facto acrescentado pelo Tribunal da Relação</font></i><font>).</font>
</p><p><i><font> </font></i>
</p><p><u><font>B</font></u><font>. </font><u><font>FACTOS NÃO PROVADOS</font></u>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>21.- Os antepossuidores dos imóveis referidos em 1. tivessem pago as referidas contribuições.</font>
</p><p><font>22. - Os AA, por si e antepossuidores, ocupem e usem os prédios referidos em 1.</font>
</p><p><font>23. - Neles plantando e colhendo cereais e vinha e roçando matos.</font>
</p><p><font>24. - Há mais de 15, 20, e 30 anos</font>
</p><p><font>25. - Com o conhecimento da generalidade das pessoas, nomeadamente dos vizinhos e dos próprios Réus.</font>
</p><p><font>26. - À vista de toda a gente.</font>
</p><p><font>27. - Sem oposição de ninguém.</font>
</p><p><font>28. - Continuadamente.</font>
</p><p><font>29. - Com a consciência de não lesar o direito de quem quer que seja.</font>
</p><p><font>30. - Como se donos fossem.</font>
</p><p><font>31. - Os segundos e terceiro RR. ocupem os prédios referidos em 1, lá vivendo e agricultando as respectivas áreas rústicas, circulando no seu interior, de e para a via pública, consentindo que outras pessoas assim circulem e que tenham instalado um cão bravo que impede a entrada dos AA. no local.</font>
</p><p><font>32. - Em Dezembro de 1986, a 1ª Ré CC e o seu marido II declararam tomar de arrendamento a JJ, que declarou dar de arrendamento, a denominada “Quinta do ...”, sita na actual Rua …, …, ..., ...</font>
</p><p><font>33. - O pagamento acordado entre a primeira R. e o seu marido e MM tivesse de ocorrer pelo S. Miguel.</font>
</p><p><font>34. - Depois da morte de JJ, os herdeiros desta, celebraram com o marido da 1ª Ré, II, contrato de arrendamento da Quinta do ....</font>
</p><p><font>35. - A primeira R. e o seu falecido marido tivessem continuado a pagar a renda nos moldes habituais e tivessem feito obras de melhoramento.</font>
</p><p><b><font> </font></b>
</p><p><b><font> III – Fundamentação de direito</font></b>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> I e II - </font><i><font>Condenação em multa e junção de documento</font></i>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> Em relação à condenação dos autores em multa e ao indeferimento da junção de documento, o recurso de revista não é admissível, por falta de verificação dos requisitos exigidos pelos n.ºs 1 e/ou 2 do art. 671º do CPC, ou seja, não se trata de decisão relativa ao mérito da causa ou que ponha termo ao processo, mas de decisões interlocutórias que recaem unicamente sobre a relação processual e não se verificam as exceções previstas nas alíneas a) e b) do n.º 2 do art. 671.º do CPC.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> Contudo, em relação ao alegado pelos recorrentes, sempre se dirá o seguinte:</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>I – </font><i><font>Condenação dos autores em multa</font></i>
</p><p><i><font> </font></i>
</p><p><font>Alegam os autores que foram condenados, pelo tribunal de 1.ª instância, em multa de 1 UC cada um por falta de comparência na audiência de julgamento para prestar depoimento de parte e que consideram essa decisão errada porque o juiz pressupôs que os autores foram notificados para o efeito, apenas porque dos autos constam dois envelopes fechados que lhes foram dirigidos, não sabendo o juiz o conteúdo da notificação, pois não abriu os envelopes. Ora, residindo os autores no estrangeiro, residentes a título permanente em …, Ilha de ..., nunca seriam obrigados a comparecer no tribunal (art. 556.º, n.º 2do anterior CPC e art. 456.º, n.º 2 do NCPC), mas apenas a depor por videoconferência. O acórdão recorrido, decidindo que o despacho de condenação em multa é irrecorrível e mantendo a multa, violou o prescrito no art. 644.º n.º 2, al. e) do CPC, não podendo manter-se esta decisão. </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Vejamos:</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Relativamente ao despacho do juiz de recusa em abrir os envelopes por se tratar de diligência inútil, entendemos, como se decidiu no acórdão recorrido, que se trata de um despacho de mero expediente destinado a prover ao andamento regular do processo ou proferido no uso legal de um poder discricionário porque incide sobre matéria confiada ao prudente arbítrio do julgador, nos termos do arts. 630.º, n.º 1 e 152.º, n.º 4 do CPC. Trata-se de um despacho que disciplina, nos termos do nº1, do artº 6º, do CPC, o andamento e tramitação do processo, e, por isso, não interfere no conflito de interesses entre as partes, razão pela qual não admite recurso.</font>
</p><p><font>Relativamente à condenação em multa, defende Salvador da Costa (</font><i><font>Regulamento das Custas Processuais,</font></i><font> Anotado, 2013, 5.ª Edição, Almedina, pp. 332-333), diferentemente do entendimento do acórdão recorrido, que da decisão de condenação em multa, e independentemente do respectivo valor, cabe sempre recurso. </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>O acórdão recorrido entendeu que o art. 644.º do CPC, do nº2, al. e) ao afirmar que cabe recurso de apelação da decisão que condene em multa, não significa um qualquer alargamento da recorribilidade, antes se exigindo que a decisão de condenação, para ser suscetível de recurso, seja acompanhada pela verificação de todos os demais pressupostos objetivos e subjetivos de recorribilidade, </font><i><font>maxime</font></i><font> dos indicados no nº1, do artº 629º, do CPC: que a causa tenha valor superior à alçada do tribunal de que se recorre e que a decisão seja desfavorável ao recorrente em valor superior a metade da alçada do referido tribunal.</font>
</p><p><font>Como informa o acórdão recorrido, tem sido entendimento perfilhado de forma praticamente unânime pelos tribunais de segunda instância, que, </font><i><font>“(…) a decisão condenatória será recorrível, nos termos gerais do disposto no artigo 629.º, n.º 1, do CPC, isto é, desde que o valor da causa tenha valor superior à alçada do tribunal de que se recorre e que a decisão impugnada seja desfavorável ao recorrente em valor superior a metade da alçada desse tribunal”</font></i><font>.</font>
</p><p><font>Ora, no caso </font><i><font>sub judice</font></i><font>, a condenação dos Autores no pagamento de multa assenta em disposição legal que a prevê</font><b><i><font> </font></i></b><font>(art. 417.º,n.º2, do CPC), e não se mostram reunidos todos os pressupostos de recorribilidade gerais</font><i><font> </font></i><font>do</font><i><font> </font></i><font>artigo 629.º, n.º 1, do CPC, isto é, a decisão impugnada não é desfavorável aos recorrentes em valor superior a metade da alçada do tribunal. </font>
</p><p><font>No mesmo sentido, defende Abrantes Geraldes (</font><i><font>Recursos no Novo Código de Processo Civil, </font></i><font>Almedina, Coimbra, 2013, p. 157): «por conseguinte, apenas se admite recurso das decisões que apliquem multa ou sanção processual cujo valor exceda metade do valor da alçada do tribunal de 1.ª instância e que, além disso, sejam proferidas em processos cujo valor exceda a alçada desse tribunal, com excepção das multas aplicadas ao abrigo da litigância de má fé, em que o recurso é independente do respectivo valor».</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Sendo assim, bem andou o tribunal recorrido em entender que o recurso não é admissível.</font>
</p><p>
</p><p><font> Improcedem as conclusões 1.ª, 2.ª e 6.ª da alegação de revista dos recorrentes.</font>
</p><p>
</p><p><font> II – </font><i><font>Junção de documento</font></i>
</p><p><i><font> </font></i>
</p><p><i><font> </font></i><font>Afirmam os recorrentes que, durante a audiência de julgamento, a 1.ª ré, CC, confessou ter sido indemnizada pelos anteriores proprietários, tendo os autores, entendido que era necessário apurar se essa indemnização respeitava ou não a uma compensação pela rescisão do arrendamento. Para o efeito, requereram a junção aos autos de um documento subscrito pelo falecido marido da depoente e pelo anterior proprietário do imóvel, onde se comprovava esse pagamento, pedido que o tribunal indeferiu com o argumento que a junção era extemporânea, pois o documento, sendo datado de 17 de julho de 2003, podia ter sido junto logo com a petição, segundo o art. 423, n.º 3 do CPC. </font>
</p><p><font>Os autores recorreram dessa decisão, mas o acórdão recorrido manteve a decisão de 1.ª instância, com base no argumento de que o documento só teria utilidade no âmbito da fixação da matéria de facto, pelo que os autores, apesar de a decisão do tribunal de instância lhes ter sido favorável, deveriam ter impugnado essa fixação a título subsidiário. </font>
</p><p><font>Discordando dos argumentos utilizados pelas instâncias, defendem os recorrentes, que, quando requereram a junção do documento, o fizeram sem tributação acidental e justificaram o requerimento nos termos do n.º 3 do art. 423.º do CPC, “atenta a circunstância de ser determinada a junção pelo depoimento que vem sendo feito”.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>A reforma do Código de Processo Civil de 2013 veio na redação do art. 423.º, n.º 2 alterar o estatuído no anterior 523.º, n.º 2, antecipando o momento até ao qual se admite a junção de documentos em momento posterior ao do articulado inicial. Esse momento passa a ter como limite, após a entrada em vigor do Novo Código de Processo Civil, 20 dias antes da data em que se realize a audiência final, enquanto a anterior redação afirmava que a junção do documento podia ser feita até ao encerramento da discussão em 1.ª instância. Contudo, uma vez que os autores requereram a junção do documento já durante a audiência de julgamento, teriam de observar os requisitos do n.º 3 para que a junção fosse aceite. </font>
</p><p><font>Dispõe a norma do n.º 3 do art. 423.º do CPC que </font><i><font>«Após o limite temporal previsto no número anterior, só são admitidos os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento, bem como aqueles cuja apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior»,</font></i><font> devendo entender-se que sobre os requerentes recai o ónus da prova destas situações. </font>
</p><p><font>As instâncias decidiram não aceitar a junção do documento, entendendo que o ónus da prova da justificação da entrega tardia do documento não foi cumprido pelos requerentes.</font>
</p><p><font>A decisão do acórdão recorrido, relativa à junção de documento, resultou de uma apelação autónoma intentada contra uma decisão intercalar do tribunal de 1.ª instância, nos termos do art. 644.º, n.º 2 do CPC, pelo que não admite revista, dado que não estamos perante um caso em que o recurso seja sempre admissível, nos termos do art. 629.º, n.º 2 do CPC nem existe em relação à questão colocada uma contradição jurisprudencial ainda não superada (art. 671.º, n.º 2 do CPC). Por outro lado, sempre se dirá que, nesta fase do processo, seria inútil aos requerentes a junção requerida. O documento tem natureza particular e está submetido ao princípio da livre apreciação da prova, não podendo este Supremo Tribunal alterar a matéria de facto a não ser nos casos de prova vinculada.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Pelo exposto, improcede as conclusões 3.ª, 4.ª e 5.ª da alegação de recurso dos recorrentes.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> III </font><i><font>– Nulidade do acórdão recorrido por contradição entre os fundamentos e a decisão quanto à matéria de facto </font></i>
</p><p><i><font> </font></i>
</p><p><b><font>3.1.</font></b><font> - A propósito da decisão de alteração da matéria de facto, invocam os recorrentes que o acórdão recorrido, na parte em que aditou os factos descritos a 2.20, os quais remetem para o contrato de arrendamento junto aos autos a fls. 101 e 102 e afirmam que | [0 0 0 ... 0 0 0] |
VjKSu4YBgYBz1XKv9h12 | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font>
<p>
</p><p><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>I- </font><b><u><font>Relatório</font></u></b><font> </font>
</p><p><font>1 - </font><b><u><font>AA, S.A.</font></u></b><font>, com sede na ..., Paredes, instaurou a presente acção declarativa de condenação, com processo comum, sob a forma de processo ordinário, contra, </font><b><u><font>BB, ..., S.A.</font></u></b><font>, com sede no Loteamento ..., Lote …, traseiras, em …, Braga, alegando, em breve resumo, que é uma ... e, nesse âmbito, até maio de 2011, era titular de uma quota de € 101.900,00, na sociedade, CC, Ldª. </font>
</p><p><font>A Ré, por sua vez, era também titular de uma outra quota nesta mesma sociedade, no valor nominal de € 98.000,00.</font>
</p><p><font>Acontece que, no dia 26/05/2011, mediante contrato nessa data celebrado, adquiriu à Ré esta quota, pelo preço base de € 109.008,00, que já lhe pagou. </font>
</p><p><font>Ficou, então, convencionado que ao preço indicado de €109.008,00 deveria ser deduzido o valor correspondente a qualquer item do activo a transmitir à sociedade, DD, que se verificasse estar em falta.</font>
</p><p><font>Estabeleceram ainda as partes, no nº 3 da Cl. 3ª, que “o valor/preço foi apurado tendo por base o valor a que correspondem 49% da previsão da situação líquida contabilística da sociedade CC na data de 31.05.2011, situação líquida que será rectificada no prazo máximo de 30 dias de acordo com o apuramento contabilístico final das várias rubricas que a compõe, comprometendo-se ambas as outorgantes a creditar/debitar o valor das diferenças que nesse prazo se venham a produzir na referida situação líquida, que deverá ser pago no prazo máximo de 8 dias após o débito/crédito.</font>
</p><p><font>Sucede que, na sequência de tal apuramento da situação líquida, e seguindo o que ficou clausulado, foi emitida uma nota de débito da soma das diferenças a crédito e a débito encontradas, correspondentes a 49% do valor achado, no montante de €20.599,84 de que a Ré lhe era devedora.</font>
</p><p><font>A Ré, todavia, apesar de lhe ter sido dado conhecimento desse débito, por carta que lhe foi remetida no dia 21/05/2012, e de saber que o devia liquidar no prazo de oito dias, como fora convencionado, recusa-se a pagá-lo.</font>
</p><p><font>Sendo assim, deve-lhe a Ré os referidos € 20.599,84, os juros de mora vencidos, à taxa legal, desde 06/06/2012 até 26/11/2012, no montante de € 925,58 e os vencidos e vincendos, em data posterior, até integral pagamento; € 100,00, a título de cláusula penal e ainda os juros de mora vincendos desde a data da citação até integral pagamento sobre este último valor.</font>
</p><p><font>Pede, deste modo, que a Ré seja condenada a pagar-lhe o valor total de €121.525,42, acrescido dos juros vencidos e vincendos, à taxa legal, desde 26/11/2012 até efectivo pagamento sobre o valor de € 20.599,84 e dos juros vincendos, igualmente à taxa legal, desde a data da citação até integral pagamento, sobre o valor de €100.000,00.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>2 - Contestou a Ré reconhecendo a celebração do contrato indicado pela A., mas não os créditos de que a mesma se arroga titular, seja decorrentes da alegada nota de débito, seja a título de cláusula penal, uma vez que o valor estipulado nesta cláusula foi previsto apenas para o caso de incumprimento, o que não ocorreu da sua parte.</font>
</p><p><font>Assim, pretendendo o A. exigir o cumprimento coercivo do contrato, não pode, em simultâneo, beneficiar da citada cláusula. </font>
</p><p><font>Mas, mesmo que assim não se entenda, defende que a exigência de pagamento de tal cláusula é abusiva, além de desproporcionada.</font>
</p><p><font>Termina, assim, pedindo a sua absolvição da presente instância por ineptidão da petição inicial ou, subsidiariamente, a improcedência de todos os pedidos, devendo estes, caso procedam, implicar a redução da eventual dívida ao seu real valor com a absolvição do pagamento da quantia peticionada a título de cláusula penal ou ainda, no limite, a redução desta aos danos efectivamente sofridos pela A.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>3 - Respondeu a A. refutando a tese da Ré, alegando além do mais, que a cláusula penal convencionada entre as partes assume a natureza de cláusula compulsória e ou sancionatória.</font>
</p><p><font>Daí que pugne pela improcedência da excepção arguida pela Ré.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>4 - Seguiram-se ainda outros articulados, mas os mesmos foram julgados inadmissíveis, sem impugnação subsequente. </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>5 - Finalmente, em sede de despacho saneador, foi julgada verificada a excepção de nulidade do processo decorrente da ineptidão da petição inicial por dedução de pedidos incompatíveis e, consequentemente absolvida a Ré da presente instância.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>6 - Inconformada com o assim decidido, reagiu a A., interpondo recurso de apelação, tendo o Tribunal da Relação do Porto, através de acórdão proferido a 1 de Abril de 2014, revogado a sentença do tribunal de 1.ª instância, decidindo o seguinte:</font>
</p><p><font>«Pelas razões expostas, acorda-se em conceder provimento ao presente recurso e, não julgando inepta a petição inicial por contradição de pedidos, revoga-se a sentença recorrida, determinando-se, consequentemente, o prosseguimento dos autos de acordo com a ritologia legalmente prevista».</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> 7 – Inconformada, recorre a Autora para este Supremo Tribunal, formulando, na sua alegação de recurso, as conclusões exaradas a fls. 293 a 300 que aqui se consideram integralmente reproduzidas.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> 8 – Os recorridos apresentaram contra-alegações, em que pugnam pela manutenção do decidido.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font>9 – Objecto do recurso</font></b>
</p><p><font>Sabido que o objecto dos recursos se delimita pelas conclusões das alegações (art. 635.º n.º 3 do NCPC), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (art. 608.º NCPC </font><i><font>in fine</font></i><font>), a única questão a decidir é a da natureza jurídica da cláusula penal. </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>10 - Os recorridos apresentaram contra-alegações, em que pugnam pela manutenção do decidido.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> Colhidos os vistos, cumpre decidir.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font><b><font>II – Fundamentação de facto</font></b>
</p><p><b><font> </font></b>
</p><p><b><font> </font></b>
</p><p><b><font> O Tribunal da Relação fixou a seguinte factualidade:</font></b>
</p><p><b><font> </font></b>
</p><p><b><font>«</font></b><font>Além dos factos que resultam do relatório supra transcrito, julga-se ainda provado que, entre a A., AA, S.A., a Ré, BB - ..., S.A. e a sociedade, CC – …, S.A., respetivamente, na qualidade de primeira, segunda e terceira outorgantes, foi celebrado, no dia 26 de maio de 2011, o seguinte contrato de cessão de quotas:</font>
</p><p><font>“(…)</font>
</p><p><font>CLÁUSULA 1ª </font>
</p><p><font>O capital social, de 200.000€ (duzentos mil euros), da sociedade denominada CC, LIMITADA, NIPC … é totalmente detido pelas 1.ª, 2.ª, e 3.ª Outorgantes da forma assim descriminada: </font>
</p><p><font>A 1.ª Outorgante AA detém uma quota de 101.900€ (cento e um mil e novecentos euros);</font>
</p><p><font>A 2.ª Outorgante BB detém uma quota de 98.000 € (noventa e oito mil euros); </font>
</p><p><font>A 33 Outorgante CC detém uma quota de 100 € (cem euros). </font>
</p><p><font>CLÁUSULA 2ª </font>
</p><p><font>1. Pelo presente contrato, a 2.ª outorgante cede à 1.ª e esta adquire, a identificada quota social.</font>
</p><p><font>2. Sem prejuízo do infra acordado em cláusula quarta, a cessão de quota engloba todos os direitos e obrigações a ela inerente, designadamente prestações acessórias ou suplementares ou suprimentos que a 2a outorgante detenha. </font>
</p><p><font>CLÁUSULA 3ª</font>
</p><p><font>1. O preço da cessão é de 109.008 €, e será pago em simultâneo com a entrega DD do imobilizado constante do anexo I, devendo no entanto ser deduzido ao referido valor o correspondente a qualquer item do ativo a transmitir que se verifique estar em falta, através de cheque visado/bancário ou transferência bancária feita na hora.</font>
</p><p><font>2. As viaturas -UB, -UL e -VX sem nenhum equipamento oficinal foram vendidas pela CC ao representante legal da aqui 2ª outorgante ou a quem esta indicou, pelo preço devido por essas vendas - 1.626 €, 1.626 € e 3.000 €, acrescidos de IVA respetivamente - é pago por compensação no preço a que a 2a tem direito e referido no parágrafo anterior.</font>
</p><p><font>3. O valor / preço foi apurado tendo por base o valor a que corresponda 49% da previsão da situação líquida contabilística da sociedade CC na data de 31/05/2011, situação liquida que será retificada no prazo máximo de 30 dias de acordo com o apuramento contabilístico final das várias rubricas que a compõe, comprometendo-se ambos os outorgantes a creditar/debitar o valor das diferenças que nesse prazo se venham a produzir na referida situação liquida, que deverá ser pago no prazo máximo de 8 dias após o débito/crédito. </font>
</p><p><font>4. Além disso foram considerados para o preço referido no número 1 as seguintes mais-valias:</font>
</p><p><font>a) Venda à Sociedade DD do ativo composto de ferramentas e outro equipamento no montante de 88.693,94€, constante da lista anexa a este contrato e junta como Anexo I e que dele faz parte integrante. O que gera uma mais-valia de 86.115,80€. </font>
</p><p><font>b) Mais-valia gerada pela venda da viatura marca S..., matrícula ---- XN. Para o apuramento do preço referido em 1) foi considerado que a mesma foi vendida por 4.400€ gerando uma mais-valia de 2.400€. </font>
</p><p><font>c) Mais-valia gerada pela venda da viatura de assistência 24 horas marca I..., matrícula -VX, sem qualquer equipamento oficinal. Para o apuramento do preço referido em 1) foi considerado que a mesma foi vendida por 3.000€ gerando uma mais-valia de 3.000€. </font>
</p><p><font>d) Foi ainda considerado para o apuramento do preço referido em 1 que os funcionários da CC - Braga constantes do anexo II vão ser transferidos para a DD na data de 31/05/2011, libertando assim a sociedade dos encargos futuros com férias e proporcionais, gerando deste modo uma mais-valia de 18.454€. </font>
</p><p><font>5. Também em relação ao preço referido no número 1, foram consideradas as seguintes menos-valias: </font>
</p><p><font>a) Ajustamento ao valor de peças devido a stock sem rotação. Foi considerado para o apuramento do preço em 1 uma menos valia de 18.341,63 € o que corresponde a 26,5% do custo médio de todo o stock de peças considerando um stock total de 69.213,70 €. Caso se verifiquem faltas de peças, proceder-se-á à sua regularização, dando lugar a uma menos-valia adicional equivalente ao valor do custo médio das peças regularizadas.</font>
</p><p><font>b) Menos-valia gerada pela venda da viatura marca O…M… matrícula -UB. Para o apuramento do preço referido em 1) foi considerado que a mesma foi vendida por 1.626€, gerando uma menos-valia de 2.506,21 €. </font>
</p><p><font>c) Menos-valia gerada pela venda da viatura marca I... … matricula -UL. Para o apuramento do preço referido em 1) foi considerado que a mesma foi vendida por 1.626€, gerando uma menos-valia de 2.092,99 €. </font>
</p><p><font>d) Ambos os outorgantes concordam que no preço definido em 1) foram considerados créditos sobre terceiros que poderão não ser recebidos. O primeiro outorgante promoverá todas as diligências judiciais para receber todos os valores a que a CC tem direito. No entanto, sempre que se verifique um recebimento inferior ao valor em dívida por ausência de bens em processo judicial ou insolvência, a segunda outorgante compromete-se a pagar ao primeiro outorgante esse valor incluindo todas as custas judiciais (taxas de justiça e honorários com agente de execução), na proporção de 49%. </font>
</p><p><font>e) O primeiro e segundo outorgante aceitam que o valor definitivo da venda da quota do segundo ao primeiro será o resultante do referido no número 1) desta cláusula adicionado ou reduzido de todas e quaisquer diferenças resultantes de alterações ao previsto nos números 3, 4 e 5 desta cláusula. Sendo que essas diferenças serão creditadas ou debitadas à medida que forem ocorrendo tendo um vencimento imediato. </font>
</p><p><font>CLAUSULA 4ª</font>
</p><p><font>Não foram considerados para a fixação do preço referido no número 1 os seguintes ativos da sociedade, e que terão um regime especial de partilha, no futuro:</font>
</p><p><font>1. Créditos sobre clientes em contencioso, relacionados na listagem aqui anexa sob o número III.</font>
</p><p><font>a) A 1ª assumirá gratuitamente o contencioso relativo à cobrança dos créditos vencidos e não pagos que sejam enviados para o departamento de contencioso daquela, com o respetivo dossier até ao 30° dia subsequente à presente data. </font>
</p><p><font>b) As despesas judiciais com taxas de justiça e honorários de agente de execução, inerentes à cobrança dos créditos referidos no ponto anterior, serão suportadas na percentagem de 51% pela 18 e 49% pela 2.ª.</font>
</p><p><font>c) Verificando-se o pagamento do crédito em contencioso, a 1ª pagará à 2ª quantia correspondente a 49% dos valores recebidos, nos 15 dias subsequentes a cada recebimento, com dedução dos custos a que se refere a alínea anterior. </font>
</p><p><font>d) A 1.ª obriga-se a remeter à 2.ª, trimestralmente, relatório, do qual resulte, de forma sumária, e relativamente a cada processo judicial, uma nota explicativa do estado e evolução do processo. </font>
</p><p><font>2. Estabelecimento comercial sito no lugar de ..., freguesia de ..., concelho de Barcelos, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º … e respetiva matriz sob o artigo 591. </font>
</p><p><font>2.1, A CC é legítima arrendatária do prédio/estabelecimento referido em 2. cujo valor as partes fixam em 20.000,00 €.</font>
</p><p><font>2.2. As partes comprometem-se a realizar a cedência desse estabelecimento, seja qual for a forma jurídica adotada (trespasse, venda de benfeitorias, ou mesmo cedência de quota da sociedade titular do arrendamento) por um preço correspondente, no mínimo, a 10% acima do valor referido supra em 2., durante um primeiro período de 3 meses, a contar da presente data; </font>
</p><p><font>2.3. As partes comprometem-se a realizar a referida cedência desse estabelecimento por um preço correspondente, no mínimo, ao exato valor referido supra em 2., durante um segundo período de mais 3 meses; </font>
</p><p><font>2.4. As partes comprometem-se a realizar a cedência desse estabelecimento por um preço correspondente, no mínimo, a 80 % do valor referido supra em 2., durante um terceiro período de mais 3 meses; </font>
</p><p><font>2.5. Qualquer um dos outorgantes pode intervir na promoção da cedência do imóvel em causa, em favor e no interesse da sua concretização, diligenciando e dinamizando como entender a referida promoção. </font>
</p><p><font>2.6. Sempre que se obtenha um efetivo interessado na cedência da posição contratual, nos termos do acordado supra, qualquer uma das aqui outorgantes tem direito de preferir, pelo mesmo preço e condições de pagamento.</font>
</p><p><font>2.7. Ao fim de 9 meses os Outorgantes estabelecem que a cedência do imóvel terceiros intervenham na licitação e não havendo interessados, será o arrendado entregue ao senhorio. </font>
</p><p><font>2.8. Em qualquer das formas de cedência do imóvel /estabelecimento aqui em causa será apurado o resultado líquido dos negócios, através da dedução de todos os custos inerentes ao referido património, que sem caráter exaustivo mas como mera exemplificação se enumeram aqui os decorrentes das rendas; eletricidade; água; os seguros; a manutenção; os impostos; atos notariais e de registo. Os custos de exploração inerentes ao prédio em causa, na presente data, são os constantes da listagem do anexo IV, pelo que, no futuro, qualquer agravamento dos custos deverá ser comunicada por escrito à 2ª pela 1ª e pela CC, previamente a qualquer contratação que originará o acréscimo de custo, de forma a que aquela 2ª possa apresentar, querendo, no prazo de 5 dias a contar da receção dessa comunicação, alternativa com custo menor. </font>
</p><p><font>2.9. Verificando-se a cedência, o respetivo produto, positivo ou negativo, será distribuído pelas partes, de forma a que a 1ª ou a sociedade CC fiquem com 51% desse valor e a 2ª com os remanescentes 49%. </font>
</p><p><font>3. A obrigação de partilha dos ativos referidos em 1. e 2. da presente cláusula é condição ou pressuposto do presente contrato, pelo que as aqui partes, bem como a CC, aqui representada pelas 1 a e 38 outorgantes, detentoras do respetivo capital social e com direito de voto, obrigam-se a dar execução ao aqui previsto. Sem prejuízo da aplicação das penalidades previstas no presente contrato para qualquer situação de incumprimento, poderá, no que se refere ao previsto na presente cláusula, a parte não faltosa recorrer ao instituto da execução específica, previsto no art. 830º Cod Civil., porquanto está inerente ao clausulado em apreço uma promessa de celebrar contrato de cedência do estabelecimento, seja qual for a forma jurídica em concreto a utilizar. </font>
</p><p><font>3.1. Em sequência, a CC, aqui representada pelas 1ª e 3ª outorgantes, detentores do respetivo capital social e com direito de voto, fica obrigada a manter válido o arrendamento referido supra em 2 até ao termo dos prazos previstos até 2.7. Caso alguma circunstância ponha em causa a validade do mesmo, ficam as 1ª e 3ª outorgantes, bem como a CC, obrigadas a comunicar, de imediato, por escrito, à 2ª outorgante.</font>
</p><p><font>4. Caso a CC, a 1ª ou a 3ª outorgantes, com algum comportamento ou omissão, comprometam a partilha dos ativos previstos em 1. e 2., fica a aqui 1ª responsável junto da 2ª pelo pagamento da quantia que esta sempre receberia caso não ocorresse essa ação ou omissão, sendo que, no caso de 1., a quantia devida corresponde a 49% do montante em processo(s) judiciais de cobrança e, no caso de 2. supra, a 49% do valor referido como valor fixado pelas partes para o ativo em causa (arrendamento). </font>
</p><p><font>CLÁUSULA 5ª</font>
</p><p><font>A 3ª outorgante declara que renuncia a qualquer direito de preferência que lhe assista na ora outorgada cessão de quota. </font>
</p><p><font>CLÁUSULA 6ª </font>
</p><p><font>Os outorgantes declaram que a responsabilidade por quaisquer atos, contratos e obrigações em geral da sociedade CC, até à data da transmissão da cessão de quotas, será da sua responsabilidade e de todos os atuais sócios, na proporção do respetivo capital social. </font>
</p><p><font>CLÁUSULA 7ª</font>
</p><p><font>1. Após a assinatura deste Contrato, a não concretização, por parte de qualquer dos outorgantes, de alguma das suas obrigações, constitui-o na obrigação do pagamento, de uma cláusula penal de 100.000 € (cem mil euros), a cada um dos outorgantes não infratores. </font>
</p><p><font>2. Todas as outorgantes consideram que as cláusulas penais atrás definidas refletem o valor e importância do negócio aqui em causa pelo que as consideram perfeitamente justificadas para os interesses que estão em jogo”». </font>
</p><p><b><font> </font></b>
</p><p><b><font> </font></b>
</p><p><font> </font><b><font>III – Fundamentação de direito</font></b>
</p><p><b><font> </font></b>
</p><p><b><font> 1. </font></b><font>O litígio do caso </font><i><font>sub judice</font></i><font> surgiu a partir de um alegado incumprimento de um contrato de cessão de quota, celebrado entre três sociedades, do qual constava, na cláusula 7.ª, uma cláusula penal com o seguinte teor: «1. Após a assinatura deste Contrato, a não concretização, por parte de qualquer dos outorgantes, de alguma das suas obrigações, constitui-o na obrigação do pagamento, de uma cláusula penal de €100.000 (cem mil euros), a cada um dos outorgantes não infratores. 2. Todas as outorgantes consideram que as cláusulas penais atrás definidas refletem o valor e importância do negócio aqui em causa pelo que as consideram perfeitamente justificadas para os interesses que estão em jogo”». </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>A primeira outorgante do contrato, a </font><b><font>AA, …, </font></b><font>invocou um incumprimento da segunda outorgante, a </font><b><font>BB, ..., SA, </font></b><font>contra quem intentou a presente acção, na qual pediu o cumprimento coercivo do contrato acrescido do valor da cláusula penal fixada no contrato.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>O tribunal de 1.ª instância absolveu a Ré da instância, por ineptidão da petição inicial, em virtude de ter considerado que o pedido de cumprimento coercivo do contrato era incompatível com o accionamento da cláusula penal, que classificou como compensatória e não cumulável com o pedido de cumprimento da obrigação principal. </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Já o Tribunal da Relação entendeu, em sentido diferente, que a cláusula penal fixada no contrato junto aos autos tinha natureza compulsória e que, portanto, podia ser cumulada com o cumprimento coercivo, ordenando o prosseguimento dos autos de acordo com a ritologia legalmente prevista.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font>2. Acerca da natureza e do regime jurídico da cláusula penal</font></b>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> O problema da qualificação da cláusula penal é um problema de interpretação das declarações negociais das partes, assumindo-se, portanto, como uma questão de direito, cognoscível por este Supremo Tribunal.</font>
</p><p><font>Segundo o acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 25 de Março de 2010, relatado pelo Conselheiro Sebastião Póvoas (processo n.º 682/05. 7TBOHP.C1.S1), «A vontade real constitui matéria de facto da exclusiva competência das instâncias. Já a vontade hipotética, por resultar do exercício interpretativo, na situação do n.º 1 do artigo 236.º do Código Civil, pode ser apurada pelo Supremo Tribunal de Justiça e deve coincidir com o sentido apreensível pelo declaratário normal (…)». </font>
</p><p><font>A jurisprudência deste Supremo já se tem pronunciado com frequência sobre a natureza jurídica da cláusula penal, reconhecendo a existência de três tipos de cláusulas penais consoante a sua função.</font>
</p><p><font> Conforme se afirma no acórdão deste Supremo Tribunal, de 27-09-2011 (processo n.º 81/1998.C1.S1), «A cláusula penal pode revestir três modalidades: cláusula com função moratória ou compensatória, dirigida à reparação de danos mediante a fixação antecipada da indemnização em caso de não cumprimento definitivo ou de simples mora do devedor; cláusula penal em sentido estrito ou propriamente dita, em que a sua estipulação substitui o cumprimento ou a indemnização, não acrescendo a nenhum deles; e cláusula penal de natureza compulsória, em que há uma pena que acresce ao cumprimento ou que acresce à indemnização pelo incumprimento, sendo a finalidade das partes, nesta última hipótese, a de pressionar o devedor a cumprir, e já não a de substituir a indemnização».</font>
</p><p><font> Pinto Monteiro (</font><i><font>Cláusula penal e indemnização</font></i><font>, 1990, p. 497 e pp. 571-576; pp. 601-618) rejeita o recorte unitário da cláusula penal, no que concerne à sua qualificação e regime, distinguindo três tipos de cláusulas penais consoante a função visada pelas partes: as cláusulas destinadas a fixar antecipadamente o montante indemnizatório pelo incumprimento ou cumprimento defeituoso do contrato, as cláusulas penais em sentido estrito e as cláusulas penais exclusivamente compulsórias. </font>
</p><p><font>As primeiras – as cláusulas penais indemnizatórias – visam liquidar antecipadamente, de modo </font><i><font>ne varietur</font></i><font>, o dano futuro. Pretendem as partes evitar os litígios, as despesas e demoras de uma avaliação judicial da indemnização. </font>
</p><p><font>O credor não pode, em princípio, optar pela indemnização nos termos gerais, em vez da soma prefixada, pois isso implicaria violar o acordo, onde se estabeleceu a indemnização a que teria direito. O devedor também não pode pretender a redução da cláusula penal até ao montante do dano efectivo. A pena é estipulada como substituto da indemnização e no interesse de ambos, credor e devedor.</font>
</p><p><font>No campo aplicativo deste «tipo» de cláusulas, o devedor, para se eximir ao pagamento da indemnização estipulada, terá de provar que não ocorreu o incumprimento ou que não foi provocado qualquer dano (o que não se deverá confundir com a prova de um dano muito inferior ao pré-determinado na cláusula), ou, ainda, que o incumprimento não foi culposo. </font>
</p><p><font>Já no segundo «tipo» de cláusulas – as cláusulas penais «em sentido estrito» – a pena visa compelir o devedor ao cumprimento. Todavia, ao contrário da cláusula exclusivamente compulsória, a pena substitui a indemnização, quer dizer não acresce a esta nem à execução específica da prestação. O escopo das partes é o de obrigar o devedor a efectuar o cumprimento e, do mesmo passo, estabelecer um modo «alternativo» de cumprimento da inicial obrigação justamente aquele que consiste na prestação da sanção (correntemente pecuniária e mais gravosa), cumprimento esse com o qual o credor vê satisfeito o seu interesse, não podendo este último vir a pedir o cumprimento da obrigação inicial. </font>
</p><p><font>Neste «tipo» descortinam-se, assim, pontos de semelhança com as cláusulas do terceiro «tipo» – as denominadas cláusulas penais puramente compulsórias – já que o seu desiderato é o de compelir o devedor a cumprir. Contudo, não sendo conferida à «pena» propriamente o cariz indemnizatório, não pode, por outro lado, o credor solicitar a execução específica da prestação. </font>
</p><p><font>Já as cláusulas do terceiro «tipo» – cláusulas penais exclusivamente compulsivo-sancionatórias – detêm uma razão de ser meramente compulsória, ou seja, visam obrigar o devedor ao cumprimento da prestação negocial a que se encontra obrigado, sendo que o «pagamento» da sanção estipulada não é obstativo, em tese e perante o seu desenho, quer da indemnização a processar em termos gerais, quer da execução específica da obrigação incumprida (acórdão deste Supremo Tribunal, de 22-10-2008, processo n.º 2056/2008). A finalidade desta cláusula destina-se, tão-só, a pressionar o devedor ao cumprimento, não a substituir a indemnização a que houver direito, nos termos gerais.</font>
</p><p><font>Contudo, dada a natureza imperativa do art. 811.º, n.º 1 do CC, que proíbe o cúmulo entre o cumprimento coercivo e o pagamento da cláusula penal, impõe ao aplicador da norma que se apure com rigor quando é que há ou não cúmulo (Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, Coimbra, 2005, p. 598).</font>
</p><p><font>A jurisprudência também realça a imperatividade da norma do art. 811.º, n.º 1 do CC:</font>
</p><p><font>«Aqui chegados, e mesmo acolhendo a óptica de que o que se encontra-se consagrado no artº 811º do Código Civil é (ao menos de forma directa) direccionado para as cláusulas de fixação antecipada de indemnização, pois que é só a estas que se reporta o artº 810º, nº 1 (cfr. Mota Pinto, ob. cit., 597), o que é certo é que, não obstante o reporte deste último preceito, o legislador veio, a partir da nova redacção que lhe foi conferida pelo Decreto-Lei nº 200-C/80, de 24 de Junho (o que se não alterou com a redacção sofrida pelo Decreto-Lei nº 262/83, de 16 de Junho) impor a impossibilidade de o credor poder exigir cumulativamente, com base no contrato, o cumprimento coercivo da obrigação principal e o pagamento da cláusula penal.</font>
</p><p><font>Ora, se, em tese, face às suas características, as cláusulas penais compulsivo-sancionatórias não seriam, como acima se discreteou, obstativas, quer do pedido de indemnização pelos prejuízos causados ao credor pelo incumprimento da obrigação ou da execução específica, não se poderá, porém, ultrapassar um comando tão imperativo como o que deflui do mencionado nº 1 do artº 811º».</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>A legitimidade da cláusula penal compulsória, uma vez que não cabe na hipótese do art. 810.º, n.º 1 do CC, decorre do princípio da liberdade contratual, funda-se no acordo das partes e destina-se a tutelar a própria confiança de que cada contraente honrará os seus compromissos. No entanto, como defende Pinto Monteiro (</font><i><font>Cláusula Penal e Indemnização, ob.cit.,</font></i><font> p. 605) os abusos da liberdade contratual serão combatidos pelos meios de controlo geral (causas de invalidade da declaração negocial) ou por aplicação do princípio consagrado no art. 812.º do CC, em sede de redução de penas manifestamente excessivas .</font>
</p><p><font> Nessa definição tripartida, está bem de ver que nos dois últimos «tipos» a «sanção» estabelecida ou vai poder «acrescer» ao débito indemnizatório pelo incumprimento (tomado este no seu sentido amplo) – caso das cláusulas penais exclusivamente compulsivo-sancionatórias – ou vai «substituir» a incumprida obrigação (mais propriamente, funcionando como «alternativa» à obrigação primitiva que não foi cumprida, legitimando, assim, o credor a reclamar o pagamento da «pena») – caso das cláusulas penais em sentido estrito. </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>A jurisprudência tem entendido que a cláusula penal, mesmo quando tenha uma função compulsória pode ser reduzida, de acordo com critérios de equidade, quando manifestamente excessiva.</font>
</p><p><font>Conforme o citado acórdão de 27-09-2011, «O regime dos arts. 810.º e 811.º do CC não se aplica às cláusulas penais compulsórias, mas apenas às de natureza indemnizatória, como logo se pode inferir da conjugação do texto do n.º 1 do art. 810.º com o n.º 3 do art. 811.º. Estando de todo ausente da pena exclusivamente compulsória qualquer intuito indemnizatório, em caso algum ela poderá constituir, segundo a vontade das partes, a liquidação de um dano, o que permite afirmar que ela extravasa do âmbito definido pelo art. 810.º, n.º 1, e balizado, depois, no art. 811.º. Todavia, tal não quer dizer que a norma do art. 812.º do CC não possa e até deva aplicar-se às cláusulas penais compulsórias, desde logo porque o preceito não faz qualquer distinção entre os diversos tipos de cláusulas, não se vendo nenhuma razão de ordem material, substantiva, para que o intérprete a faça, </font><u><font>já que o excesso manifesto, a evidente desproporção, único fundamento que justifica a intervenção do tribunal em nome da equidade, é susceptível de ocorrer em todos os tipos de cláusulas penais, quiçá até com maior premência nas de natureza compulsória; depois, porque este artigo encerra um princípio de alcance geral, destinado a corrigir abusos no exercício da liberdade contratual, sempre possíveis em razão da ligeireza, da precipitação ou da menor reflexão com que as partes actuam, males estes não raro induzidos pela pressão que a escassez de tempo para bem decidir coloca sobre os contraentes</font></u><font>» (sublinhado nosso).</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font>3. A solução do caso</font></b>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>A cláusula penal fixada no contrato dos autos obedece aos seguintes termos, segundo a cláusula 7.ª do contrato de cessão de quotas:</font>
</p><p><font> &nbs | [0 0 0 ... 0 0 0] |
VjKUu4YBgYBz1XKvuB4i | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font>
<p><font>Acordam na 1.ª Secção Cível do Supremo Tribunal de Justiça:</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font>I - Relatório </font></b>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font>AA - ..., lda,</font></b><font> com sede na Rua …, n° .., ..., …, …, contribuinte fiscal n.° …, intentou a presente acção declarativa com processo ordinário contra:</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font><b><font>BB, SA,</font></b><font> com sede na Rua …, n° … - …, … Linda-a-Velha, contribuinte fiscal n.° …; </font>
</p><p><b><font>CC, </font></b><font>com sede na Avenida …, … ° esq. … Cascais, contribuinte fiscal .... </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>O pedido da Autora foi o seguinte: «Nos termos expostos e nos mais que o Meritíssimo Juiz venha a suprir» deverá ser julgada procedente por provada a presente acção e por via de consequência: </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Condenar-se as Rés solidariamente ao pagamento à Autora de uma indemnização global de € 67.376,06 (sessenta e sete mil, trezentos e setenta e seis euros e seis cêntimos) acrescida de juros à taxa legal de 4% ao ano a partir da data da citação da presente acção ( ... ). </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Foram chamados e admitidos a intervir, na qualidade de intervenientes principais: </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font>DD,</font></b><font> como associada da ré EE Sociedade de Construções, SA; </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font>Companhia de Seguros FF, SA</font></b><font> e </font><b><font>Companhia de Seguros GG, </font></b><font>como associadas da ré CC. </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>As rés e intervenientes contestaram a acção. </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Foi proferido despacho saneador com elaboração dos factos assentes e base instrutória. </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Realizada a audiência de julgamento foi proferida sentença com o seguinte dispositivo: </font>
</p><p><font>«Pelo exposto, julgo totalmente improcedente o pedido e, em consequência, absolvo as rés do pedido».</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>A Autora, </font><b><font>AA - ..., lda</font></b><font>, interpôs recurso de apelação.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>A Ré </font><b><font>CC</font></b><font> apresentou contra-alegações e requereu o alargamento do âmbito do recurso, nos termos do art. 684.º-A e 690.º -A, do CPC no que diz respeito aos factos n.ºs 4, 10, 11, 17 a 25, 26 e 27.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>O Tribunal da Relação de Lisboa proferiu acórdão em que foi exarada a seguinte decisão:</font>
</p><p><font>«Pelo exposto, delibera-se:</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>i) Julgar parcialmente procedente a Apelação da Autora e, revogando a sentença recorrida, condena-se a Ré CC no pagamento à A. da indemnização referente ao prejuízos provados nos pontos 16 a 25 da matéria de facto, no montante global de € 20.276,26, acrescida de juros à taxa legal de 4% ao ano a partir da data da citação da presente acção e absolve-se a EE, Sociedade de Construções, S.A do pedido. </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>ii) Julgar improcedente o alargamento do recurso que a Ré CC apresentou nas sua contra-alegações.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Custas em ambas as instâncias pela Autora e Ré CC na proporção de ½ para cada uma».</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Inconformadas, a Autora AA e a Ré CC interpõem recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, apresentando, respectivamente, as seguintes conclusões:</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font>I - Conclusões da Ré CC:</font></b>
</p><p><b><font> </font></b>
</p><p><b><font>«A. </font></b><font>A presente Revista tem por objecto o acórdão da Relação de Lisboa de 18 de Abril de 2013.</font>
</p><p><b><font>B.</font></b><font> Fundamenta-se nas nulidades previstas nas alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 688.º do Código de Processo Civil, e, na violação de lei substantiva.</font>
</p><p><b><font>C.</font></b><font> O tribunal </font><i><font>a quo</font></i><font> entendeu, simplisticamente, que a Recorrente se encontrava adstrita a um dever de vigilância sobre o contentor dos autos, bem como sobre o seu conteúdo, sendo responsável, nos termos do n.º 1 do artigo 493.º do Código Civil, pelos danos causados.</font>
</p><p><b><font>D.</font></b><font> Os factos são simples. Mas a solução choca.</font>
</p><p><b><font>E.</font></b><font> A decisão recorrida enferma de nulidade por omissão de fundamentação de direito na motivação do acórdão, nos termos da citada alínea b), do n.º 1, do artigo 668.º, do Código de Processo Civil.</font>
</p><p><b><font>F.</font></b><font> Nos termos do disposto no artigo 659.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, a sentença tem obrigatoriamente de ser fundamentada, </font><i><font>«devendo o juiz discriminar os factos que considera provados e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes, concluindo pela decisão final»</font></i><font>.</font>
</p><p><b><font>G.</font></b><font> </font><i><font>In casu,</font></i><font> o tribunal </font><i><font>a quo</font></i><font> limitou-se a tecer considerações genéricas sobre o instituto de responsabilidade civil especificado no artigo 493.º, do Código Civil, a reproduzir parte substancial da matéria de facto dada como provada, e a afirmar, sem mais, que «</font><i><font>a Ré CC, que era a responsável pelo contentor, tinha um dever de vigilância sobre o mesmo e respectivo conteúdo (…), nos termos do ar. 493.º, n.º 1, e responde pelos danos que esses objectos causarem</font></i><font>» </font>
</p><p><b><font>H.</font></b><font> Não esclarecendo qual é o facto ilícito praticado pela Recorrente, nem qual é a origem do dever de vigilância que se lhe atribui, nem, muito menos, o grau de culpa que lhe é atribuído, ou a razão pela qual se considera que «</font><i><font>não se pode afastar a culpa presumida»,</font></i><font> não apresenta o tribunal </font><i><font>a quo</font></i><font> qualquer verdadeira motivação de direito da sua decisão, assim impedindo a Recorrente de conhecer a fundamentação jurídica sobre a qual assentou a sua condenação.</font>
</p><p><b><font>I.</font></b><font> O acórdão recorrido enferma, igualmente, de nulidade por contradição insanável entre a decisão e os seus fundamentos, nos termos da alínea c), do n.º 1, do artigo 668.º, do Código de Processo Civil.</font>
</p><p><b><font>J.</font></b><font> Entre os fundamentos e a decisão não pode haver contradição lógica.</font>
</p><p><b><font>K.</font></b><font> No caso concreto, o tribunal </font><i><font>a quo</font></i><font> julgou «improcedente o alargamento do recurso que a Ré CC apresentou nas suas contra-alegações»</font>
</p><p><b><font>L.</font></b><font> Porém tal decisão não se mostra consentânea com aquilo que são os fundamentos da decisão no que respeita à apreciação da matéria de facto correspondente ao quesito 26.º da Base Instrutória, relativamente ao qual a ora Recorrente, então na qualidade de Recorrida, apresentou alargamento do recurso, pugnando pela modificação da decisão de facto no segmento em causa.</font>
</p><p><b><font>M.</font></b><font> Na verdade, o tribunal a quo, na sua motivação, deu provimento à pretensão da ora Recorrente, tendo </font><i><font>«consignado que o ponto 26 da presente matéria de facto passará a ter a seguinte redacção: “Na execução dos trabalhos a ré CC actuava com total autonomia técnica relativamente à EE, Sociedade de Construções, SA, gerindo ela própria pessoal e equipamento”».</font></i>
</p><p><b><font>N.</font></b><font> deveria, pois, o alargamento apresentado ter sido julgado parcialmente procedente, no que respeita ao concreto ponto da matéria de facto identificado; não o tendo feito incorre em nulidade.</font>
</p><p><b><font>O.</font></b><font> Aplicando ao caso concreto a norma contida no n.º 1 do artigo 493.º do Código Civil, a decisão recorrida incorre em violação de lei substantiva, na modalidade de </font><i><font>erro de interpretação ou de aplicação.</font></i>
</p><p><b><font>P.</font></b><font> Do elenco de factos provados resulta, apenas, em suma, que a Recorrida «deslocou para o local da obra um contentor destinado a dar-lhe apoio logístico, bem como à BB, S.A.», e que nesse contentor se vieram a verificar três explosões cuja causa se deveu a «uma fuga de gás num tubo que ligava uma garrafa de gás butano a um fogão, sendo que o gás que se foi acumulando no interior do contentor teve como fonte de ignição uma faísca eléctrica de arranque do frigorífico» - supra nºs 20 e 21.</font>
</p><p><b><font>Q.</font></b><font> O artigo 493.°, n.° 1, do Código Civil, dispõe que «[q]uem tiver em seu poder coisa móvel ou imóvel, com o dever de a vigiar [...] responde pelos danos que a coisa [...] causar[em], salvo se provar que nenhuma culpa houve da sua parte ou que os danos se teriam igualmente produzido ainda que não houvesse culpa sua» - supra n.° 22.</font>
</p><p><b><font>R.</font></b><font> Nesses termos, a responsabilidade só existe se a pessoa que tem em seu poder a coisa móvel ou imóvel está obrigada a vigiá-la (ANTUNES VARELA) - supra n.° 23.</font>
</p><p><b><font>S.</font></b><font> É pressuposto a verificação de uma especial perigosidade imanente às coisas sob as quais se entende incidir determinado dever de vigilância (MENEZES LEITÃO) - supra n.° 23.</font>
</p><p><b><font>T.</font></b><font> Porém, debruçamo-nos presentemente sobre um fogão a gás alimentado por botija. Tais objectos não estão associados a nenhuma especial perigosidade e não eram, tão pouco, propriedade da Recorrente - supra n.° 23.</font>
</p><p><b><font>U.</font></b><font> Sobre a Recorrente não impendia, pois, nenhum dever especial de vigilância sobre o contentor que a mesma tinha previamente deslocado para o local da obra, a fim de lhe conferir apoio logístico, desde logo, até, porque a Recorrente nele não havia depositado quaisquer materiais perigosos, ou potencialmente perigosos - supra n.° 23.</font>
</p><p><b><font>V.</font></b><font> Por outro lado, «ao lesado apenas compete provar a existência do dever de vigilância e do dano causado pelo acto antijurídico da pessoa a vigiar» - acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 05/12/2006 - supra n.° 24.</font>
</p><p><b><font>W.</font></b><font> A Recorrida tinha que fazer prova da existência do alegado dever de vigilância, e tinha, antes de mais, de a ter alegado na sua petição. Não o fez; nem uma coisa, nem outra - supra n.° 24.</font>
</p><p><b><font>X.</font></b><font> Assim, não resultou provado nos presentes autos que a Recorrente tivesse praticado qualquer acto ilícito - supra n.° 25.</font>
</p><p><b><font>Y.</font></b><font> Da mesma forma, nada se provou quanto à verificação do necessário nexo causal, em termos de causalidade adequada, entre o alegado dever de vigilância omitido e os danos suportados pela Recorrida, sendo certo que é ao lesado que pertence o ónus da prova desse nexo - supra n.° 26.</font>
</p><p><b><font>Z.</font></b><font> Tal nexo de causalidade adequada, enquanto matéria de facto que manifestamente configura, não consta dos factos dados como provados nos presentes autos, e, assim não constando, tanto é quanto basta para que não se dêem por preenchidos os pressupostos da responsabilidade civil, não podendo a presente acção, pois, deixar de ser julgada improcedente - supra n.° 27.</font>
</p><p><b><font>AA.</font></b><font> O mesmo vale, de igual forma, para a negação da culpa que erradamente vem atribuída à ora Recorrente - supra n.° 28.</font>
</p><p><b><font>BB.</font></b><font> Inexiste nos autos base factual suficiente para sustentar a imputação subjectiva do facto danoso e dos danos à ora Recorrente - supra n.° 28.</font>
</p><p><b><font>CC.</font></b><font> A situação dos autos não integra a previsão do n.° 1 do artigo 493.° do Código Civil, no sentido em que aí se estabelece um sistema de inversão do ónus da prova, com presunção de culpa por parte de quem tem a seu a cargo a vigilância de determinadas coisas - supra n.° 29 a 30.</font>
</p><p><b><font>DD.</font></b><font> Porém, ainda que se admitisse a existência de um dever de vigilância por parte da Recorrente, e ainda que o mesmo fosse considerado integralmente cumprido, os danos sofridos pela Recorrida nunca seriam evitáveis - supra n.° 29 a 30.</font>
</p><p><b><font>EE.</font></b><font> O que se passou foi um caso fortuito, e imprevisível - supra n.° 29 a 30. </font>
</p><p><b><font>FF.</font></b><font> A fuga de gás que esteve na origem da explosão não podia, em termos sérios e razoáveis, ter sido prevista - supra n.° 29 a 30.</font>
</p><p><font>Nestes termos, e nos demais de Direito que Vossas Excelências doutamente suprirão, deve a presente Revista proceder e a decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que, justamente, absolva a Recorrente do pedido.</font>
</p><p><font>Dessa forma farão a costumada Justiça».</font>
</p><p><i><font> </font></i>
</p><p><i><font> </font></i>
</p><p><b><font>II - Conclusões da Autora AA:</font></b>
</p><p><b><font> </font></b>
</p><p><b><font>«1.ª - </font></b><font>A matéria de facto dada como provada e constituída em função dos factos constantes da “Matéria Assente” e das respostas dadas pelo douto Tribunal aos quesitos da “Base Instrutória”, vieram agrupar-se naquilo que constitui </font><u><font>o inventário dos factos dados como provados</font></u><font> após a respectiva audiência de discussão e julgamento.</font>
</p><p><b><font>2.ª – </font></b><font>Quanto a este inventário da “Matéria Assente”, tanto o douto Acórdão recorrido como a ora recorrente aceitaram os respectivos termos da sua fixação.</font>
</p><p><b><font>3.ª</font></b><font> – De resto, de acordo com o teor do art. 563.º do Código Civil, para se verificar a existência de nexo de causalidade entre o evento e os danos sofridos, basta a demonstração de que o lesado não teria </font><i><font>provavelmente</font></i><font> sofrido os aludidos danos “se não fosse a lesão”.</font>
</p><p><b><font>4.ª</font></b><font> – Acontece ainda que de acordo com o disposto no art. 566.º do Cód. Civil a indemnização terá de ser fixada em dinheiro dado não se verificarem os pressupostos consignados no mencionado artigo.</font>
</p><p><b><font>5.ª</font></b><font> – Sucede também ainda que os pontos 14. a 45. do inventário da matéria de facto provada referem concretamente os danos sofridos pela recorrente, cujo montante global se concretiza em € 49.276, 26 (quarenta e nove mil duzentos e setenta e seis euros).</font>
</p><p><b><font>6.ª</font></b><font> – Pelo que a recorrida – incluindo a seguradora – se encontram solidariamente responsáveis pelo pagamento à apelante da importância de € 29.000,00 como ressarcimento dos danos pela apelante sofridos identificados no ponto 14 da Matéria Assente.</font>
</p><p><b><font>7.ª</font></b><font> – Assim, a douta sentença recorrida, não seguindo este entendimento e decidindo como decidiu, violou, por omissão, o disposto nos arts 483.º, n.º 1, 487.º, ambos do Cód. Civil.</font>
</p><p><b><font>8.ª</font></b><font> – Deverá, pois, ser dado provimento ao presente recurso, também nesta parte, e condenando-se a recorrida a pagar à apelante a demarcada importância de €29.000,00 (vinte e nove mil euros) identificados no ponto 14 da “Matéria Assente” bem como as respectivas taxas de justiça e procuradoria condigna. </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Nos termos expostos e nos mais que os Excelentíssimos Senhores Juízes‑Conselheiros venham a suprir, se pede e espera Justiça.»</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><i><font> </font></i>
</p><p><font>Sabido que o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões dos recorrentes, nos termos do disposto nos artigos 684.º, n.º 3, e 685.º-A, n.º 1, do Código de Processo Civil, e que não é lícito ao tribunal </font><i><font>ad quem</font></i><font> conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso, as questões a decidir são as seguintes: </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font> </font></b>
</p><p><b><font>I - Recurso da Ré CC:</font></b>
</p><p><b><font> </font></b>
</p><p><font> 1.1. - Nulidade da decisão recorrida por omissão de fundamentação (art. 668.º, n.º 1, alínea b) do CPC e por contradição insanável entre a decisão e os seus fundamentos (art. 668.º, n.º 1, alínea c) do CPC;</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> 1.2. - Erro de interpretação e de aplicação da norma do art. 493.º, n.º 1 do CPC.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font>II -</font></b><font> </font><b><font>Recurso da Autora:</font></b>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>2.1.</font><b><font> - </font></b><font>Valor da indemnização por equivalente, nos termos do art. 566.º do Código Civil.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> Colhidos os vistos, cumpre decidir. </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font>II – Fundamentação de facto</font></b>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font>As instâncias deram como provados os seguintes factos:</font></b>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>1. Em data não concretamente determinada mas anterior a 16-08-2002, a primeira ré foi encarregue da construção da passagem inferior da ferrovia, na Avenida dos Missionários, da freguesia e vila do Cacém, concelho de Sintra, pela REFER - REDE FERROVIÁRIA NACIONAL. </font>
</p><p><font>2. Na sequência do referido em 1, a primeira ré, por necessidade de execução da mesma, acordou com outras empresas do ramo da construção a execução de outros trabalhos dessa mesma obra, mediante retribuição, entre as quais se destacam as seguintes: a realizada com a ora autora, AA - ..., Lda. e a constituída com a CC. </font>
</p><p><font>3. A ré CC deslocou para o local da obra um contentor destinado a dar-lhe apoio logístico, bem como à segunda ré. </font>
</p><p><font>4. Neste contentor, no dia 16 de Agosto de 2002 cerca das 16h00 deram-se três violentas explosões. </font>
</p><p><font>5. EE, Soc. de Construções, SA e HH celebraram o contrato de seguro como número de apólice …, com as condições particulares e especiais que se encontram juntas a fls. 47 e seguintes. </font>
</p><p><font>6. CC e Companhia de Seguros GG, SA, celebraram o contrato de seguro com o número de apólice …, com as condições particulares que se encontram juntas a fls. 186 e seguintes. </font>
</p><p><font>7. CC e FF, Seguros, SA, celebraram o contrato de seguro com o número de apólice …, com as condições particulares que se encontram juntas a fls. 276 e seguintes. </font>
</p><p><font>8. A autora passou a executar para a BB, SA, trabalhos de escavação e transporte de terras a vazadouro, de acordo com o projecto, caderno de encargos e memória descritiva de respectiva obra. </font>
</p><p><font>9. A ré CC encarregou-se dos trabalhos de deslocação do maciço para baixo da linha férrea, ao mesmo tempo que com as bombas hidráulicas sustentavam a dita linha férrea. </font>
</p><p><font>10. No contentor referido em 3, a ré CC passou a guardar, para além de outros objectos, um frigorífico, um fogão, uma garrafa de gás butano, uma botija de oxigénio e uma botija de acetileno. </font>
</p><p><font>11. A causa das explosões referidas em 4 foi uma fuga de gás num tudo que ligava uma garrafa de gás butano a um fogão, sendo que o gás que se foi acumulando no interior do contentor teve como fonte de ignição uma faísca eléctrica de arranque do frigorífico. </font>
</p><p><font>12. Junto do referido contentor, a autora tinha parqueado um veículo pesado, marca DAF, com a matricula ---KE, que lhe pertencia…</font>
</p><p><font>13. ... e que estava adstrito a execução dos trabalhos a que A. vinha procedendo na obra. </font>
</p><p><font>14. Com a violência das explosões a cabine do mencionado camião ficou destruída, com vários segmentos de pontos vitais do respectivo funcionamento irreversivelmente inutilizados. </font>
</p><p><font>15. A caixa metálica montada no camião que servia para o transporte de areias ficou com amolgadelas e furos. </font>
</p><p><font>16. No arranjo da caixa metálica a autora despendeu a quantia € 1.984,25; </font>
</p><p><font>17. Para realização dos trabalhos que deveria realizar com o uso do camião danificado nas explosões, a autora teve que contratar, em 28/10/2002, os serviços da empresa II, transportes, Lda, pelo valor de € 208,256;</font>
</p><p><font>18. ... em 30/01/2003, os serviços da empresa JJ, Transportes, Lda, pelo preço de € 1.958,92; </font>
</p><p><font>19. …em 14 de Fevereiro de 2003 a empresa KK, no montante de € 664,69; </font>
</p><p><font>20. …em 28 de Fevereiro de 2003, a empresa LL, Sociedade Unipessoal, Lda, no montante de € 3.426,60. </font>
</p><p><font>21. ... em 28 de Fevereiro de 2003 da empresa JJ - Transportes, Lda, no montante de € 6.397,77;</font>
</p><p><font> 22. ... em 15 de Março de 2003 da empresa MM - Transportes, L da, no valor de € 1.999,20;</font>
</p><p><font>23. ... em 19 de Março de 2003, da empresa II, Transportes, Lda, no montante € 1.410,66. </font>
</p><p><font>24. ... em 31 de Março de 2003, da empresa NN - Transportes, Lda, no valor de de € 1.968,88; </font>
</p><p><font>25. ... em 17 de Abril de 2003, da empresa OO, Lda, no valor de € 257,04.</font>
</p><p><font>26. Na execução dos trabalhos, a ré CC actuava com total autonomia técnica relativamente à EE, Sociedade de Construções, SA, gerindo ela própria pessoal e equipamentos </font><i><font>(Facto alterado pelo Tribunal da Relação de Lisboa)</font></i><font>. </font>
</p><p><font>27. A ré EE desconhecia que a ré CC tinha levado para a obra as botijas de gás e o frigorífico. </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font><b><font>III – Fundamentação de direito</font></b>
</p><p><b><font> </font></b>
</p><p><b><font> 1.</font></b><font> </font><i><font>Questão prévia: A junção de documento</font></i>
</p><p><b><font> </font></b>
</p><p><font>Antes de tratar as questões de direito suscitadas pelas Recorrentes é necessário resolver uma questão prévia.</font>
</p><p><font> Após ter sido proferido pela Relatora despacho de admissão do recurso, a Ré CC, por requerimento dirigido ao Supremo Tribunal de Justiça, datado de 20 de Março de 2014, veio prestar a informação de que em processo-crime que correu termos na Secção de Recuperação de Pendências de Sintra, Comarca da Grande Lisboa-Noroeste, com o n.º de processo 1684/02.OPCSNT, foi proferia decisão absolutória que julgou totalmente improcedente a acusação de dez arguidos pela prática, em co-autoria material e concurso real, de um crime de infracção de regras de construção, dano em instalações e perturbação de serviços, e de um crime de ofensa à integridade física por negligência, estando em causa os mesmos factos que constituem o objecto do presente processo, tendo requerido respectiva certidão com nota de trânsito em julgado da decisão proferida, e requerido a sua junção ao processo ao abrigo do art. 425.º e 651.º, n.º 1 do NCPC, a qual segue em anexo para os efeitos tidos por convenientes, nomeadamente, os decorrentes do disposto no n.º 2 do art. 624.º do NCPC (que reproduz, sem alterações, o art. 674.º B, do anterior CPC).</font>
</p><p><font>As regras estabelecidas na lei e na jurisprudência quanto à junção dos documentos, conforme as descreve o acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 18 de Abril de 2006 (processo n.º 06A844), relatado pelo Conselheiro Sebastião Póvoas, eram as seguintes: «Se o documento não é oferecido com o articulado, poderá ser apresentado até ao encerramento da discussão em primeira instância ou, no recurso, até ao início da fase dos vistos. Então, o apresentante tem de alegar, e demonstrar, a impossibilidade de junção tempestiva, que pode ser objectiva (inexistência do documento no momento anterior) ou subjectiva (ignorância sobre a existência do texto ou impossibilidade de a ele aceder) (…). Mas se a junção é requerida na fase de recurso, não há intempestividade se a junção só se torna necessária em virtude do julgamento do juízo "a quo". Tal acontece quando a decisão se baseou em meio de prova não esperado ou em preceito jurídico cuja aplicação as partes não pudessem razoavelmente prever, embora o n.º 3 do artigo 3.º do CPC ao garantir o contraditório impeditivo de decisões surpresa, em muito limite essas situações. Se o documento é, face ao demonstrado, oferecido em momento oportuno, há que emitir um juízo sobre a sua necessidade ou pertinência. É impertinente o documento oferecido em recurso para prova de facto não alegado antes, já que os recursos se destinam ao reexame do julgado, que não à decisão de matérias novas». </font>
</p><p><font> Em face do Novo Código de Processo Civil, o art. 425.º reproduz a regra adoptada no antigo art. 524.º, n.º 1 do CPC, na redacção do Decreto-Lei 303/2007, de 24 de Agosto, e afirma o seguinte: «Depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento»</font>
</p><p><font>O art. 651.º, n.º 1 do NCPC determina que «As partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excecionais a que se refere o artigo 425.º ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância», reproduzindo parcialmente o art. 693.º-B do CPC, que estipulava que «As partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excecionais a que se refere o artigo 524.º, no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância e nos casos previstos nas alíneas a) a g) e i) a n) do n.º 2 do artigo 691.º».</font>
</p><p><b><font> </font></b>
</p><p><b><font> </font></b><font>O regime anterior relativamente às regras de admissibilidade da junção de documentos na fase de recurso é, no essencial, idêntico ao novo regime.</font>
</p><p><b><font> </font></b>
</p><p><font>Ora, não tendo sido o documento entregue até à data do encerramento da discussão em 1.ª instância, deve a parte, quando junta o documento na fase de recurso, alegar e provar a impossibilidade de junção tempestiva, que pode ser objectiva (inexistência do documento no momento anterior) ou subjectiva (ignorância sobre a existência do texto ou impossibilidade de a ele aceder), o que a parte não fez, tanto mais que sendo a decisão judicial junta a estes autos datada de 28-06-2010, poderia ter sido junta aos autos em momento anterior. Podia também demonstrar, em alternativa, para justificar a junção tardia, que a decisão recorrida constituiu uma decisão surpresa, ónus que também não alegou nem cumpriu. Também não articulou, na alegação de recurso de revista, quais os factos provados na sentença que pretendia que ficassem provados neste processo. </font>
</p><p><font>Para além de intempestivo, entendemos que o documento não é pertinente no seu conteúdo para o caso dos autos, pois, obedecendo o processo-crime a princípios e a valores distintos do processo civil, quanto ao ónus da prova e quanto ao conceitos de ilicitude e de culpa, a absolvição dos arguidos, no processo-crime, não produz, como consequência, a absolvição da Ré num processo de responsabilidade civil. Por outro lado, como afirma Lebre de Freitas a propósito do art. 674.º - B do CPC (cuja redacção é equivalente à redacção do art. 624.º do NCPC), «não se trata, pois, da presunção da inexistência dum facto (como, com pouco rigor, se lê no preceito), mas da presunção da ocorrência do seu contrário. Por outro lado, a previsão do artigo em anotação não é integrada pela absolvição no processo penal por falta de prova dos factos imputados ao arguido, mas pela absolvição pela prova positiva de factos de que, na acção civil, ele teria de outro modo, o ónus»</font><a><u><font>[1]</font></u></a><font>.</font>
</p><p><b><font> </font></b>
</p><p><b><font> </font></b>
</p><p><b><font> I - Recurso da Ré CC</font></b>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font>1.</font></b><font> A questão de direito a dirimir por este Supremo Tribunal é a de saber se a </font><b><font>Ré CC</font></b><font> é responsável pelos danos causados na sequência de três explosões ocorridas num contentor propriedade desta, no dia 16 de Agosto de 2002, pelas 16h00. Tais explosões tiveram como causa uma fuga de gás ocorrida num tubo que fazia a ligação entre um fogão e uma garrafa de gás butano que os trabalhadores da recorrente guardavam no referido contentor e que utilizavam na confecção das suas refeições. O gás, acumulado no interior do contentor, veio a ter como fonte de ignição uma faísca produzida pelo motor eléctrico de um frigorífico que os trabalhadores da Ré também guardavam no contentor.</font>
</p><p><font>A sentença de 1.ª instância absolveu todos os réus e intervenientes no processo: não considerou aplicável nenhum caso de responsabilidade objectiva, designadamente o art. 509.º, em virtude do estipulado no n.º 3 (“Os danos causados por utensílios de uso de energia não são reparáveis nos termos desta disposição); entendeu que a utilização de gás não constituía uma actividade perigosa, nos termos do art. 493.º e afastou a aplicação da responsabilidade civil por factos ilícitos (art. 483.º, n.º 1), por falta de alegação e prova de factos constitutivos da culpa da Ré CC. </font>
</p><p><font>Já o acórdão recorrido, com base no art. 493.º, n.º 1 do Código Civil, condenou a Ré CC, entendendo que a recorrente estava adstrita a um dever de vigilância sobre o contentor, recaindo sobre si, como proprietária da coisa, a responsabilidade pelos danos causados por esta, uma vez que não ilidiu a presunção de culpa que a onerava.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Foi o seguinte o fundamento elaborado pelo acórdão recorrido:</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>«Perante esta factualidade não temos dúvidas em concluir que a Ré CC, que era a responsável pelo contentor, tinha um dever de vigilância sobre o mesmo e respectivo conteúdo, nomeadamente um frigorífico, um fogão, uma garrafa de gás butano, uma botija de oxigénio e uma botija de acetileno, nos termos do art. 493°, n° 1, e responde pelos danos que esses objectos causarem, salvo se provar que nenhuma culpa houve da sua parte ou que os danos se teriam igualmente produzido ainda que não houvesse culpa sua. </font>
</p><p><font>Como se disse, "o fundamento desta responsabilização não se baseia no perigo causado pelos móveis ou imóveis ou no proveito deles retirado pelo seu proprietário ou possuidor, não sendo por isso uma hipótese de responsabilidade objectiva. </font>
</p><p><font>Trata-se antes de uma responsabilidade subjectiva fundada na violação dos deveres a observar na construção e na conservação de edifícios ou outras obras (deveres de segurança no tráfego), a qual é agravada através de uma presunção de culpa" (Menezes Leitão, in "Direito das Obrigações", Vol. I, pág. 327). </font>
</p><p><font>Esta posição foi sustentada no Acórdão do STJ, de 29-04-2008, 08A867, in </font><font>www.dgsi.pt</font><font>. segundo a qual ao lesado apenas é exigível a prova do evento. </font>
</p><p><font>Na situação não se pode afastar a culpa presumida, reportada a vício de montagem, a defeito de conservação da coisa ou falta de vigilância, uma vez que não houve caso fortuito ou de força maior ou culpa do lesado e o responsável não fez a prova de que não houve culpa sua. </font>
</p><p><font>Desta explanação, e ao invés do decidido, não podemos deixar de concordar com a Apelante no sentido de que a Ré CC é responsável pelos danos causados à Autora, nos termos sobreditos».</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Alega a Recorrente que a solução do acórdão recorrido choca e que apresenta múltiplas deficiências, entendendo que o acórdão recorrido padece de nulidade no | [0 0 0 ... 0 0 0] |
gTFhu4YBgYBz1XKv0v5_ | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><b><font> </font></b><div><br>
<font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça</font></div><br>
<br>
<font> </font><br>
<p><font> </font><br>
</p><p><font> </font><b><font>I - Relatório</font></b><br>
</p><p><b><font> 1.</font></b><font> </font><b><font>AA, BB, CC, DD e EE, </font></b><font>recorrentes, interpuseram “recurso de apelação” do despacho do tribunal de 1.ª instância que fixou o efeito do recurso de apelação da sentença do tribunal de 1.ª instância que os condenou.</font><br>
</p><p><font> Tendo o tribunal de 1.ª instância rejeitado este recurso, por entender que o despacho que fixa o efeito do recurso não é impugnável, os recorrentes reclamaram, ao abrigo do artigo 643.º do CPC, para o Tribunal da Relação ... que negou provimento a esta reclamação.</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font> </font><b><font>2.</font></b><font> A tramitação foi a seguinte:</font><br>
</p><p><font> </font><b><font>2.1.</font></b><font> Foi proferido o seguinte despacho pelo tribunal de 1.ª instância:</font><br>
</p><p><i><font>"Por a decisão ser recorrível (art° 629° do CPC), os recorrentes terem legitimidade (art° 631°, n.° 1 do CPC) e estarem em tempo (art° 638° do CPC) admito os recursos interpostos pelo A. a fls. 211 e pela Ré a fls. 226, o qual é de apelação (art.° 644°, n.° 1 al. a) do CPC) com subida imediata, nos próprios autos (art° 645° do CPC) e efeito meramente devolutivo (art.° 647° do Código de Processo Civil).</font></i><br>
</p><p><i><font>Efectivamente, peticionam os Réus, nas suas alegações de recurso, a fixação do efeito suspensivo ao recurso e a prestação de caução por hipoteca sobre a sua casa de morada de família.</font></i><br>
</p><p><i><font>Notificado, veio o A., em contra-alegações, referir não se opor ao referido efeito suspensivo, mediante a prestação de caução, embora se oponha à caução por constituição de hipoteca voluntária por entender que a mesma não salvaguarda os interesses dos recorridos já que não é impeditiva do registo de outros ónus.</font></i><br>
</p><p><i><font>Estabelece o art° 647°, n.° 4 do Código de Processo Civil que "o recorrente pode requerer, ao interpor o recurso, que a apelação tenha efeito suspensivo quando a execução lhe cause prejuízo considerável e se ofereça para prestar caução, ficando a atribuição desse efeito condicionada à efectiva prestação da caução no prazo fixado pelo tribunal". Ora, significa isto que a alegação do prejuízo e a oferta da caução devem constar do requerimento de interposição do recurso. Porém, simultaneamente teriam os recorrentes que deduzir o incidente de prestação espontânea de caução nos termos dos art.° 913° a 915° do Código de Processo Civil, o que não ocorreu.</font></i><br>
</p><p><i><font>Efectivamente, os recorrentes limitam-se a manifestar intenção de prestar caução mediante constituição de hipoteca voluntária, sem utilizar o meio processual idóneo, desconhecendo-se se lograrão, efectivamente, prestá-la, o que, desde logo, não se compadece com a natureza urgente do referido incidente - art.° 915° do Código de Processo Civil. (...)" </font></i><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font> </font><b><font>2.2</font></b><font>. Deste despacho interpuseram os reclamantes recurso que não lhes foi admitido com o seguinte fundamento:</font><br>
</p><p><i><font>"Notificado do despacho que admitiu o recurso da decisão final e indeferiu a requerida fixação de efeito suspensivo ao mesmo, vieram os RR. "interpor recurso de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito suspensivo da decisão recorrida".</font></i><br>
</p><p><i><font>Ora, a decisão que fixa a espécie do recurso e determina o seu efeito não pode ser atacada pelas partes, conforme expressamente prescreve o n.° 5 do art° 641° do Código de Processo Civil, que determina, também, que tal decisão não vincula o tribunal superior que sempre poderá alterar o recurso.</font></i><br>
</p><p><i><font>Assim, por legalmente inadmissível, indefiro o recurso interposto. Custas pelo recorrente.</font></i><br>
</p><p><i><font>Notifique."</font></i><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font> </font><b><font>2.3.</font></b><font> Deste despacho os recorrentes apresentaram reclamação ao abrigo do artigo 643.º do CPC para o Tribunal da Relação ..., alegando que o fazem do despacho que indeferiu o incidente de caução.</font><br>
</p><p><font> A questão a dirimir, segundo o Tribunal da Relação ..., não consiste no indeferimento do incidente de caução, que não foi instaurado, mas prende-se antes com a admissão ou não do recurso interposto.</font><br>
</p><p><font> O Tribunal da Relação negou provimento à reclamação com a seguinte fundamentação:</font><br>
</p><p><i><font> «Nos termos do artigo 647°, n° 4, do Código de Processo Civil, o recorrente ao interpor o recurso pode pedir que a apelação tenha efeito suspensivo quando a execução da decisão lhe cause prejuízo considerável e se ofereça para prestar caução, ficando a atribuição desse efeito condicionada à efetiva prestação da caução no prazo fixado pelo tribunal.</font></i><br>
</p><p><i><font> Deste modo, no requerimento em que interpõe o recurso o recorrente deve pedir logo que seja atribuído efeito suspensivo ao recurso e a par deve instaurar o incidente de caução, que é por apenso, como aliás decorre do disposto nos artigos 906° a 915° do Código de Processo Civil.</font></i><br>
</p><p><i><font> Os recorrentes não instauraram o incidente de prestação de caução, pelo que à Meritíssima Juíza nada mais restou senão atribuir efeito meramente devolutivo ao recurso.</font></i><br>
</p><p><i><font> O despacho proferido pela Meritíssima Juíza ao fixar ao recurso o efeito devolutivo, não foi de indeferimento do incidente de caução pois que este não foi instaurado, foi, isso sim, o decorrente de não ter sido instaurado o dito incidente.</font></i><br>
</p><p><i><font> Este despacho em que foi atribuído efeito devolutivo ao recurso e de que os reclamantes recorreram, não é admissível recurso conforme decorre do artigo 641°, n° 5, do Código de Processo Civil.</font></i><br>
</p><p><i><font> Deste modo, nega-se provimento à reclamação e confirma-se o douto despacho reclamado».</font></i><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font> </font><b><font> 3.</font></b><font> Inconformados, os recorrentes apresentaram recurso de revista excecional, ao abrigo das alíneas </font><i><font>a),</font></i><font> </font><i><font>b)</font></i><font> e </font><i><font>c)</font></i><font> do n.º 1 do artigo 672.º do CPC contra o acórdão do Tribunal da Relação ..., de 09 de setembro de 2021, que, incidindo sobre a questão da admissibilidade do recurso de apelação do despacho que fixou o efeito do recurso, negou provimento à reclamação e confirmou o despacho reclamado.</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font> </font><b><font>4.</font></b><font> Na sua alegação de recurso formularam as seguintes conclusões:</font><br>
</p><p><font>«I. O art. 672.º, n.º 1, do CPC, admite a interposição de recurso de revista sempre que: a) Esteja em causa uma questão cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito; b) Estejam e causa interesses de particular relevância social; c) O acórdão da Relação esteja em contradição com outro, já transitado em julgado, proferido por qualquer Relação ou pelo Supremo Tribunal de Justiça, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, salvo se tiver sido proferido acórdão de uniformização de jurisprudência com ele conforme;</font><br>
</p><p><font>II. O presente recurso de revista do Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação ..., é excecional, sendo interposto ao abrigo das alíneas a), b) e c) do n.º 1, do art. 672.º;</font><br>
</p><p><font>III. O Acórdão recorrido julgou improcedente o recurso interposto pelos Recorrentes da Decisão proferida pela Primeira Instância que rejeitou apreciar o requerimento impetrado pelos Recorrentes relativo ao incidente de atribuição de efeito suspensivo ao recurso da Sentença;</font><br>
</p><p><font>IV. Os fundamentos de uma e outra decisão são iguais, ambas se posicionam no sentido da obrigação dos Recorrentes, em simultâneo com as alegações e com o requerimento em que fundamentam o pedido de atribuição do efeito suspensivo, alegando e demonstrando que a eventual execução da decisão lhes causa ou pode causar prejuízo considerável, oferecendo-se para prestarem caução, indicando o valor e o modo por que querem prestar a caução, deduzir, a par, o incidente de prestação de caução nos termos e dos artigos 906.º a 915.º do CPC.</font><br>
</p><p><font>V. Este entendimento, para além de redundante, impondo a prática de um ato inútil, o que, per si é proibido, importa uma interpretação e aplicação contrária à lei.</font><br>
</p><p><font>VI. Existem, pelo menos, dois Acórdãos donde se retira uma interpretação de sentido contrário: o primeiro correspondente ao Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, em 07-06-2018, no processo n.º 4232/12.0TBCSC-A.L1-6, em que foi Relator o Senhor Juiz Desembargador CARLOS MARINHO e o segundo corresponde ao Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto, em 28-11-2013, no processo n.º 384674/10.3YIPRT-A.P1, em que foi Relator o Senhor Juiz Desembargador ARISTIDES RODRIGUES DE ALMEIDA, que se juntam em versão digitalizada, disponíveis em <a>http://www.dgsi.pt</a>.</font><br>
</p><p><font>VII. Lê-se no sumário do primeiro Acórdão:</font><br>
</p><p><font>O n.º 4 do art. 647.º do Código de Processo Civil permite que, nas apelações sem efeito suspensivo, o recorrente requeira, ao interpor o recurso, que a apelação tenha efeito suspensivo;</font><br>
</p><p><font>Para tal efeito, deverá patentear a inelutável produção de dano de elevado relevo e oferecer-se para prestar caução.</font><br>
</p><p><font>Sendo de carácter cumulativo a exigência descrita, bastará a não materialização de um dos requisitos para não ser necessário nem devido entrar na análise do remanescente por inutilidade manifesta de tal atividade processual;</font><br>
</p><p><font>Constituindo a caução um meio de garantia especial das obrigações, deve a mesma assegurar o cumprimento da obrigação garantida;</font><br>
</p><p><font>Confrontado com um pedido de prestação de caução cabe ao Tribunal apreciar a sua suficiência e propriedade. </font><br>
</p><p><font>VIII. Lê-se no sumário do segundo Acórdão:</font><br>
</p><p><font>I - Nos casos em que o recurso tem efeito meramente devolutivo, o recorrente, se ao interpor o recurso não requereu a atribuição de efeito suspensivo nem invocou que a execução da decisão recorrida lhe causaria prejuízo considerável, não pode depois, esgotado o prazo para formulação daquele requerimento, instaurar um incidente autónomo de prestação espontânea de caução com o objectivo de prestar caução e alcançar a atribuição de efeito suspensivo ao recurso.</font><br>
</p><p><font>II - E isso é assim mesmo que aquando da instauração do incidente de prestação de caução estivesse ainda por admitir o recurso.</font><br>
</p><p><font>III - Esta exigência não priva o processo da justeza, adequação e razoabilidade próprias de um processo equitativo, pelo que a mesma não constitui uma interpretação inconstitucional das correspondentes normas legais.</font><br>
</p><p><font>IX. Recortando o teor dos citados Arestos, com a letra da lei do n.º 4 do artigo 647.º do CPC, onde se lê que o recorrente pode requerer, ao interpor o recurso, que a apelação tenha efeito suspensivo quando a execução da decisão lhe cause prejuízo considerável e se ofereça para prestar caução, ficando a atribuição desse efeito condicionada à efetiva prestação da caução no prazo fixado pelo tribunal (sublinhado e negrito da responsabilidade do subscritor), pode e deve entender que a efetiva prestação de caução – ligada ao incidente previsto nos artigos 906.º a 915.º do CPC – ocorre em momento posterior ao despacho que aprecie os fundamentos em que assenta o requerimento para a atribuição de efeito suspensivo ao recurso, designadamente as razões que conduzem a que a imediata execução da decisão cause prejuízo ao recorrendo, devendo este oferecer-se para prestar caução, indicando o valor e o modo por que se propõe prestar a caução.</font><br>
</p><p><font>X. O termo utilizado pelo legislador “oferecendo-se” só pode se interpretado no sentido de uma manifestação de vontade para a prestação de caução, identificando o valor e o modo por que a quer prestar, não a sua concretização imediata e já não a iniciativa processual respeitante á instauração do incidente previsto nos artigos 906.º a 915.º do CPC.</font><br>
</p><p><font>XI. O incidente regulado nos artigos 906.º a 915.º do CPC, apenas é de aplicar na sequência despacho a que se refere a parte final do no n.º 4 do artigo 647.º do CPC.</font><br>
</p><p><font>XII. Estão reunidos os pressupostos para admissão do presente recurso de revista excecional, nos termos das alíneas a), b) e c), do n.º 1, do art. 672.º, n.º 1, do CPC, estando em causa uma questão cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, é necessária para uma melhor aplicação do direito, dela dependendo interesses de particular relevância social, como seja a certeza na interpretação e aplicação do Direito e, finalmente, o Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação está em contradição com os dois citados Arestos, já transitado em julgado, proferidos pelo Tribunal da Relação de Lisboa e pelo Tribunal da Relação do Porto, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, ou seja, os pressupostos de que esta dependente a apreciação do requerimento que venha a ser apresentado pelo recorrente em simultâneo com a apresentação das alegações de recurso, para a atribuição de efeito suspensivo.</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><b><font>Nestes termos e no mais de Direito, que V. Exas. doutamente suprirão, deve o presente recurso de revista excecional ser admitido e subsequente julgado procedente, por provado, revogando-se o Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação ... e substituindo por outro que revogue a Decisão proferida em Primeira Instância que recusou conhecer do incidente relativo à atribuição do efeito suspensivo ao recurso interposto da Sentença, com as legais consequências, assim se fazendo a costuma JUSTIÇA!»</font></b><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font> </font><b><font>5.</font></b><font> Os recorridos apresentaram contra-alegações, as quais terminaram, requerendo que este Supremo Tribunal, reunido em conferência, condene os recorrentes ao pagamento de uma taxa sancionatória excecional, ao abrigo do artigo 670.º, n.º 1, do CPC.</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font> </font><b><font>6.</font></b><font> Os recorrentes apresentaram resposta, em que pugnam para que se dê como não provado o pedido de condenação em taxa de justiça excecional, formulando as seguintes conclusões:</font><br>
</p><p><font>1.º</font><br>
</p><p><font>Na humilde opinião dos Recorrentes o presente recurso não é ilegal nem infundado, conforme razões objetivamente apontadas nas alegações de recurso.</font><br>
</p><p><font>2.º</font><br>
</p><p><font>De notar que no presente recurso está causa, apenas e tão só, a recusa de julgamento do mérito do incidente de atribuição de efeito suspensivo pelo Tribunal de Primeira Instância.</font><br>
</p><p><font>3.º</font><br>
</p><p><font>A questão </font><i><font>sub iudicio</font></i><font> é assim a de saber se o incidente suscitado pelos Recorrentes de atribuição de efeito suspensivo ao recurso exige a instauração de um segundo incidente, que correria por apenso, de prestação de caução, que correria, assim, em paralelo com o incidente enxertado nos autos principais.</font><br>
</p><p><font>4.º</font><br>
</p><p><font>Ora, como defendido pelos Recorrentes não faz sentido a prática de dois atos processuais com idêntica finalidade, não devendo, assim, a interpretação do Tribunal “a quo” ser acolhida, em homenagem ao princípio, previsto no art. 130.º do CPC, da proibição da prática de atos inúteis no processo.</font><br>
</p><p><font>5.º</font><br>
</p><p><font>Por outro lado, importa, pela relevância que tem na análise do comportamento processual do Recorrido, relembrar que na presente ação o Recorrido não age no seu exclusivo interesse, mas antes no interesse de todos os herdeiros da falecida FF, irmã do Recorrido e também irmã do Recorrente AA.</font><br>
</p><p><font>6.º</font><br>
</p><p><font>Na verdade, o crédito em discussão não pertence exclusivamente ao Recorrido, mas antes a todos os herdeiros da falecida FF, entre os quais os Recorrentes, que detêm um quinhão superior ao quinhão detido pelo Recorrido, porquanto uma das irmãs sobrevivas doou o seu quinhão ao Recorrente AA, pelo que este detém um quinhão equivalente a 2/5 da herança aberta e indivisa, em causa na presente ação.</font><br>
</p><p><font>7.º</font><br>
</p><p><font>De entre os herdeiros da falecida FF, o quinhão do Recorrido é de 1/5 da herança, enquanto o quinhão dos Recorridos é superior àquele, correspondendo a 2/5. </font><br>
</p><p><font>8.º</font><br>
</p><p><font>Não se compreende, assim, a ânsia desmesurada do Recorrido em ter acesso exclusivo ao eventual crédito, no caso da Decisão proferida em Primeira Instância vier a transitar em julgado.</font><br>
</p><p><font>9.º</font><br>
</p><p><font>A ânsia do Recorrido é de tal ordem intensa, que a Mandatária do Recorrido, que assina o pedido de condenação dos Recorrentes numa taxa sancionatória excecional, enquanto decorria o prazo para a interposição de recurso ordinário da Sentença proferida pela Primeira Instância, imediatamente à notificação da Sentença logo instaurou ação executiva, com indicação à penhora de saldos bancários existentes em contas tituladas pelos Recorrentes, visando com tal comportamento obter uma vantagem a que não tinha direito.</font><br>
</p><p><font>10.º</font><br>
</p><p><font>Em resumo, os Recorrentes contestam a imputação que lhes é feita na resposta às alegações de recurso, uma vez que o motivo subjacente ao recurso de revista excecional que interpuseram não é movido por qualquer intuito de protelamento da ação da justiça, mas pelas razões objetivamente elencadas nas alegações de recurso de revista excecional.</font><br>
</p><p><font>11.º</font><br>
</p><p><font>Por fim, ainda que seja despiciendo para a questão sub iudicio, os Recorrentes não podem deixar de sublinhar que os bens imóveis oferecidos como garantia no incidente para a fixação de efeito suspensivo ao recurso,</font><br>
</p><p><font>são os bens imóveis em causa na ação instaurada pelo Recorrido, sendo, pois, suficientes para garantia de pagamento do eventual crédito que venha a ser reconhecido a favor do Recorrido e dos demais herdeiros — onde não se pode deixar de incluem os Recorrentes — o que não se concede mas se admite apenas por mera cautela de patrocínio.</font><br>
</p><p><b><font>Termos em que deve ser julgado improcedente, por não provado, o pedido de condenação dos Recorrentes em taxa de justiça excecional, como peticionado pelo Recorrido na resposta às alegações de recurso de revista excecional.» </font></b><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font> Cumpre decidir.</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font> </font><b><font>II - Fundamentação</font></b><br>
</p><p><font> I - </font><i><font>Da questão prévia da admissibilidade do recurso de revista</font></i><br>
</p><p><font> </font><b><font>1.</font></b><font> Dependendo a remessa do processo para a formação prevista no n.º 3 do artigo 672.º do CPC da verificação dos pressupostos do recurso de revista geral, cabe agora à Relatora averiguar e decidir esta questão prévia sobre a qual os recorrentes já se pronunciaram na sua alegação de recurso de revista excecional, defendendo que o recurso de revista é admissível nos termos do n.º 1 do artigo 671.º do CPC.</font><br>
</p><p><font> O presente recurso é tempestivo, o recorrente tem legitimidade e a ação tem valor. Todavia, estamos perante uma decisão que não se pronuncia sobre o mérito nem põe termo ao processo, nos termos do artigo 671.º, n.º 1, do CPC, e que se limita a não admitir um “recurso de apelação” dirigido contra um despacho que fixa o efeito ao recurso e que, nos termos da lei, não é impugnável pelas partes e não vincula o tribunal superior (artigo 641.º, n.º 5, do CPC). Com efeito, o despacho que em primeira instância fixa o efeito do recurso apenas pode ser alterado pelo Tribunal Superior, não adquirindo, pois, força de caso julgado formal. Nessa exata medida é irrecorrível por se tratar de um despacho de mero expediente. Sendo irrecorrível, não faria sentido que fosse admissível um recurso de revista de um acórdão da Relação, que afirmou a não admissibilidade do recurso de apelação do despacho que fixa o efeito ao recurso.</font><br>
</p><p><font> Pelo que, não estando reunidos os pressupostos gerais da revista, não se remete o processo à formação prevista no artigo 672.º, n.º 3, do CPC.</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font> </font><b><font>2.</font></b><font> </font><i><font>Da taxa sancionatória excecional</font></i><br>
</p><p><font> O recorrido pede que este Supremo Tribunal, reunido em conferência, aplique uma taxa sancionatória aos recorrentes, por entender que é admissível o recurso e que não foi intentado com intenção de protelar a administração da justiça.</font><br>
</p><p><font> Diferentemente do instituto da litigância de má fé, em que a má-fé é sancionada com a aplicação de uma multa e/ou uma indemnização a satisfazer à parte contrária, o uso indevido do processo com expedientes manifestamente infundados e anómalos (contemplem, ou não, má fé, negligência ou dolo), é sancionado apenas em custas, com um agravamento da taxa de justiça devida.</font><br>
</p><p><font> É pressuposto da aplicação da taxa sancionatória excecional, nos termos do artigo 531º do CPC, que o processado revele a presença de pretensões formuladas por um sujeito processual que sejam manifestamente infundadas, abusivas e reveladoras de violação do dever de diligência, e que deem azo a uma atividade processual inútil.</font><br>
</p><p><font> Nos termos da jurisprudência deste Supremo Tribunal de Justiça, por exemplo, do Acórdão de 18-12-2019 (proc. n.º 136/13.8JDLSB.L2-A.S1), </font><i><font>«III - Somente em situações excepcionais em que o sujeito aja de forma patológica no desenrolar normal da instância, ao tentar contrariar ostensivamente a legalidade da sua marcha ou a eficácia da decisão praticando acto processual manifestamente improcedente é que se justifica a aplicação da taxa sancionatória – por isso chamada – excepcional</font></i><font>. </font><i><font>IV – A taxa sancionatória excepcional poderá/deverá ser aplicada somente quando o acto processual praticado pela parte seja manifestamente infundado, tendo ainda a parte revelado nessa prática falta de prudência ou de diligência, a que estava obrigada, assumindo o acto um carácter excepcionalmente reprovável, por constituir um incidente anómalo, um desvio acentuado e injustificado à tramitação regular e adequada do processo».</font></i><br>
</p><p><font> No caso vertente, os recorrentes, como resulta do acima exposto, ao interporem recurso de apelação de um despacho que não admite recurso nem é impugnável pelas partes, nos termos do artigo 641.º, n.º 5, do CPC e pretenderem continuar a discutir no Supremo Tribunal de Justiça uma questão que manifestamente não pode ser objeto de recurso de revista, estão a utilizar um instrumento processual anómalo, patológico e manifestamente improcedente, violando regras de diligência ou de prudência básicas.</font><br>
</p><p><font> O comportamento processual dos recorrentes, mesmo que não revele má fé, deve ser objeto de censura, por implicar uma atividade judiciária inútil.</font><br>
</p><p><font> Assim, decide-se aplicar uma taxa sancionatória excecional, no montante de 4 UC’s. </font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font> </font><b><font>3. </font></b><font>Anexa-se sumário elaborado de acordo com o artigo 663.º, n.º, 7, do CPC:</font><br>
</p><p><font> I – É irrecorrível o despacho que fixa o efeito ao recurso, que, nos termos da lei, não é impugnável pelas partes e não vincula o tribunal superior (artigo 641.º, n.º 5, do CPC)</font><br>
</p><p><font> II - Os recorrentes, ao interporem recurso de apelação de um despacho que não é impugnável pelas partes, nos termos do artigo 641.º, n.º 5, do CPC e pretenderem continuar a discutir no Supremo Tribunal de Justiça uma questão que manifestamente não pode ser objeto de recurso de revista, estão a utilizar um instrumento processual anómalo, patológico e manifestamente improcedente, violando regras de diligência ou de prudência básicas, verificando-se, pois, os requisitos fixados na lei (artigo 531.º do CPC) para a condenação em taxa sancionatória excecional.</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font> </font><b><font>III - Decisão </font></b><br>
</p><p><b><font> </font></b><font> Pelo exposto, decide-se não admitir o recurso de revista e condenar os recorrentes em custas</font><b><font> </font></b><font>no montante de 4 Unidades de Conta.</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font>Supremo Tribunal de Justiça, 18 de janeiro de 2022 </font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font>Maria Clara Sottomayor (Relatora) </font><br>
</p><p><font>Pedro de Lima Gonçalves (1.º Adjunto) </font><br>
</p></font><p><font><font>Fernando Samões (2.º Adjunto) </font></font></p> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
TzKRu4YBgYBz1XKvThyN | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><br>
<font> </font>
<p><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font>I – Relatório</font></b>
</p><p><font> </font><br>
<font>Os Autores, </font><u><font>AA</font></u><font> e esposa, </font><u><font>BB</font></u><font>, com residência na ..., em ... (</font><i><font>vide</font></i><font> o despacho de fls. 110 quanto à intervenção espontânea da esposa), vieram interpor acção declarativa de condenação, com processo ordinário, no Tribunal Judicial da Comarca do Entroncamento, contra a Ré, </font><u><font>CC</font></u><font>, residente na ... de Cima, n.º ..., em ..., pedindo que:</font><br>
<b><font>a)</font></b><font> Seja declarado que são donos e legítimos possuidores de um prédio urbano composto de casa de rés do chão e 1.º andar com a área de 32m2 e quintal com a área de 1572, 29m2, a confrontar de norte com DD e outros, sul com linha férrea, nascente com a ré e poente com EE, inscrito na matriz sob o artigo ....º e descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º … da freguesia de ..., por o terem comprado através da escritura referida no art. 1.º desta petição inicial e também por o terem adquirido por usucapião;</font><br>
<b><font>b)</font></b><font> Seja declarada a extinção, por desnecessidade, da servidão referida no art. 3.º da petição, ordenando-se o seu cancelamento no registo predial, se estiver inscrita à data da decisão.</font><br>
<font> </font><br>
<font>A Ré contestou, excepcionando a ilegitimidade do autor porque desacompanhado da sua mulher, e impugnando os factos alegados na petição inicial. </font><br>
<font>A Ré deduziu também pedido reconvencional, peticionando que o autor seja condenado a “devolver o leito da servidão à situação inicial, colocando-a com seis metros de largura em todo o seu comprimento, tal como consta do título constitutivo para o que a deverá desimpedir de tudo quanto ali colocou e diminui a sua largura”.</font><br>
<font> </font><br>
<font>O autor replicou, pugnando pela improcedência da excepção e impugnando o essencial dos factos alegados na reconvenção.</font><br>
<font> </font><br>
<font>A ré apresentou articulado de tréplica.</font><br>
<font> </font><br>
<font>Por BB foi suscitado incidente de intervenção espontânea como associada do autor, que foi admitido.</font><br>
<font> </font><br>
<font>Foi proferido despacho saneador, em que se decidiu julgar sanada a excepção de ilegitimidade activa e admitir a reconvenção, seleccionou-se a matéria de facto assente e base instrutória. </font><br>
<font>O despacho saneador foi objecto de reclamação, oportunamente decidida.</font><br>
<font> </font><br>
<font>Procedeu-se à realização da audiência de julgamento e foi decidida a matéria de facto controvertida conforme consta da respectiva acta, sem reclamação.</font><br>
<font> </font><br>
<font>Foi proferida sentença, em 27 de Setembro de 2012 (fls. 239 a 257), que decidiu julgar a acção parcialmente procedente e o pedido reconvencional procedente, por provado, e, em consequência, decretou o seguinte:</font><br>
<font>«a) Declaro que os autores são donos e legítimos possuidores do prédio urbano sito na ..., freguesia e concelho de ..., constituído por casa de rés do chão e 1.º andar com 32 m2 e quintal com 1540, 29 m2, inscrito na respectiva matriz sob o artigo ... e descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º …, </font><br>
<font>b) Absolvo a ré do segundo pedido formulado pelos autores. </font><br>
<font>c) Condeno os autores a absterem-se de por qualquer meio impedirem ou perturbarem o exercício pela ré do direito de servidão que incide sobre o prédio urbano sito na ..., freguesia e concelho de ..., inscrito na matriz sob o artigo ....º e descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º …, colocando-a com seis metros de largura e setenta metros de comprimento, no sentido poente nascente e desimpedindo-a de tudo o que ali colocaram».</font><br>
<font> </font><br>
<font> </font><br>
<font>Inconformados, os autores interpuseram recurso de apelação, tendo o Tribunal da Relação decidido conceder provimento ao recurso e revogar a sentença recorrida, julgando, em consequência, a acção totalmente procedente, por provada, e ainda extinta a servidão de passagem que onera o prédio dos Autores, absolvendo-os do pedido reconvencional formulado pela Ré. </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Inconformada recorre a Ré para este Supremo Tribunal, formulando, na sua alegação de recurso, as seguintes conclusões:</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> 1 – O acórdão recorrido não fundamenta de facto nem de direito a decisão proferida, limitando-se a considerar que os aumentos das distâncias de 550 metros para 1550 metros e de 75 metros para 93 metros são irrelevantes;</font>
</p><p><font> 2 – Tais omissões determinam a nulidade do acórdão nos termos do art. 615.º, n.º1, alínea b) e 666.º, n.º 1 ambos do CPC.</font>
</p><p><font> 3 – As escrituras públicas são documentos autênticos nos termos do art. 363.º, n.º2 e 369.º, n.º 1 ambos do CC e fazem prova plena dos factos dela constantes nos termos do art. 371.º do CC, pelo que existe obscuridade da comparação entre as alíneas A) e B) e as alíneas G), H) e I) todas dos factos assentes, o que configura uma situação de ininteligibilidade e integra a nulidade referida no art. 615.º, n.º 1, alínea c) aplicável por força do art. 666.º, n.º 1 ambos do CPC.</font>
</p><p><font>4 – O acórdão recorrido fez errada aplicação/interpretação do art. 1569.º, n.ºs 2 e 3 do CC.</font>
</p><p><font>Entende a recorrente que o correcto entendimento do referido n.º 2 será o que admite a extinção da servidão, se o requerente da extinção provar que o novo caminho tem condições de assegurar ao prédio dominante as mesmas utilidades prestadas pela servidão, tendo que ser descritas as características existentes para que se possa formular um juízo sobre a desnecessidade e proporcionalidade como prescreve o art. 342.º, n.º 1 do CC.</font>
</p><p><font>5 – Mostram-se violados os artigos 615.º, n.º 1 , alínea b), 666.º, n.º1 ambos do CPC, 342.º, n.º 1, 363.º, n.º 2, 369.º, n.º 1, 371.º todos do CC. </font>
</p><p><font>Temos em que se requer seja declarada a nulidade da decisão recorrida. </font>
</p><p><font>Ou, quando assim não se entenda, seja a mesma revogada,</font>
</p><p><font>Sempre com as legais consequências».</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Os autores apresentaram contra-alegações.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Sabido que o objecto dos recursos se delimita pelas conclusões das alegações, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, as questões a decidir são as seguintes:</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>I – </font><i><font>Nulidade do acórdão recorrido por falta de fundamentação (art. 615.º, n.º 1, al. b) do CPC) ou por obscuridade que torne a decisão ininteligível (art. 615.º, n.º 1, al. c) do CPC);</font></i>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>II - </font><i><font>Extinção da servidão de passagem por desnecessidade (art. 1569.º, n.º 2 do CC).</font></i>
</p><p><b><font> </font></b>
</p><p><b><font> </font></b>
</p><p><font>Colhidos os vistos, cumpre decidir.</font>
</p><p><b><font> </font></b>
</p><p><b><font> </font></b>
</p><p><b><font>II – Fundamentação de facto</font></b>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font>Foram dados por provados, pelas instâncias, os seguintes factos:</font></b>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font>1)</font></b><font> O prédio urbano sito em ..., freguesia e concelho de ..., inscrito na respectiva matriz sob o artigo ...º, e descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o número …, tem aquisição inscrita a favor dos aqui Autores (</font><i><u><font>alínea A) da Especificação</font></u></i><font>).</font>
</p><p><font> </font><b><font>2)</font></b><font> O prédio urbano sito em ..., freguesia e concelho de ..., inscrito na respectiva matriz sob o artigo …º, e descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o nº …, tem a aquisição inscrita a favor da Ré, que é casada com FF sob o regime de separação de bens (</font><i><u><font>alínea B) da Especificação</font></u></i><font>).</font>
</p><p><font> </font><b><font>3)</font></b><font> O prédio urbano referido supra em 2) foi desanexado do prédio supra referido em 1) – (</font><i><u><font>alínea C) da Especificação</font></u></i><font>).</font>
</p><p><font> </font><b><font>4)</font></b><font> O prédio referido supra em 1) confina a nascente com o prédio referido supra em 2) – (</font><i><u><font>alínea D) da Especificação</font></u></i><font>).</font>
</p><p><font> </font><b><font>5)</font></b><font> O prédio referido supra em 1) é composto de casa de r/c e 1.º andar e de quintal (</font><i><u><font>alínea E) da Especificação</font></u></i><font>).</font>
</p><p><font> </font><b><font>6)</font></b><font> O prédio referido supra em 2) é composto de casa de r/c e 1.º andar e de quintal (</font><i><u><font>alínea F) da Especificação</font></u></i><font>).</font>
</p><p><font> </font><b><font>7)</font></b><font> No dia 04 de Março de 1975, no Cartório Notarial de ..., foi lavrado um escrito intitulado de “</font><i><font>Compra e Venda</font></i><font>”, em que GG declarou, na qualidade de procurador de HH, II e JJ, casado no regime da comunhão geral de bens com KK, que vendia aos Autores, que o declararam comprar, pelo preço de 101.000$00 (cento e um mil escudos), o prédio urbano composto de casas de r/c, 1.º andar e de quintal, sito na ..., da freguesia e concelho de ..., inscrito na respectiva matriz sob o artigo …º e que fazia parte do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial da Golegã sob o n.º …(</font><i><u><font>alínea G) da Especificação</font></u></i><font>).</font>
</p><p><font> </font><b><font>8)</font></b><font> No dia 04 de Março de 1975, no Cartório Notarial de ..., foi lavrado um escrito intitulado de “</font><i><font>Compra e Venda</font></i><font>”, em que GG declarou, na qualidade de procurador de HH, II e JJ, casado no regime da comunhão geral de bens com KK, que vendia à Ré, que o declarou comprar, pelo preço de esc. 100.000$00 (cem mil escudos) o prédio rústico sito na Travessa …, inscrito na respectiva matriz sob o artigo …º, e que fazia parte do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial da Golegã sob o n.º … (</font><i><u><font>alínea H) da Especificação</font></u></i><font>).</font>
</p><p><font> </font><b><font>9)</font></b><font> No dia 04 de Março de 1975, no Cartório Notarial de ..., foi lavrado um escrito intitulado de “</font><i><font>Constituição de Servidão</font></i><font>”, em que os AA. declararam que “</font><i><font>pelo preço de duzentos escudos, que já receberam, constituem uma servidão de passagem de pé e carro com seis metros de largura e setenta metros de comprimento, no sentido poente-nascente, imposta no prédio urbano, sito na ..., freguesia e concelho de ... (…), a favor do prédio rústico, sito na Travessa ..., freguesia e concelho de ... (…)</font></i><font>”, os quais fazem parte do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial da Golegã sob o n.º ..., o que a Ré declarou aceitar, tudo conforme fls. 22 a 23 dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzida (</font><i><u><font>alínea I) da Especificação</font></u></i><font>).</font>
</p><p><font> </font><b><font>10)</font></b><font> Hoje existe no prédio supra referido em 1) uma faixa de terreno, com setenta metros de comprimento e cerca de seis metros de largura, no sentido Poente-Nascente, com início na via pública e termo no prédio referido supra em 2), que permite o acesso a este a pé e de carro (</font><i><u><font>alínea J) da Especificação</font></u></i><font>).</font>
</p><p><font> </font><b><font>11)</font></b><font> Hoje o prédio referido supra em 2) tem um portão com cerca de 2,90 (dois metros e noventa centímetros) de largura, que confronta com a via pública (</font><i><u><font>alínea K) da Especificação</font></u></i><font>).</font>
</p><p><font> </font><b><font>12)</font></b><font> Esta via pública é alcatroada (</font><i><u><font>alínea L) da Especificação</font></u></i><font>).</font>
</p><p><font> </font><b><font>13)</font></b><font> Nela existe um passeio cortado de forma a possibilitar a entrada e saída de viaturas (</font><i><u><font>alínea M) da Especificação</font></u></i><font>).</font>
</p><p><font> </font><b><font>14)</font></b><font> A casa do prédio supra referido em 1) tem a área de 32 (trinta e dois) m.</font><sup><font>2</font></sup><font> (</font><i><u><font>resposta ao quesito 1º</font></u></i><font>).</font>
</p><p><font> </font><b><font>15)</font></b><font> O quintal do prédio supra referido em 1) tem a área de 1.540,29 m.</font><sup><font>2</font></sup><font> (</font><i><u><font>resposta ao quesito 2º</font></u></i><font>). </font>
</p><p><font> </font><b><font>16)</font></b><font> A linha de estrema entre o prédio supra referido em 1) e o prédio supra referido em 2) está definida com marcos e muro (</font><i><u><font>resposta ao quesito 3º</font></u></i><font>).</font>
</p><p><font> </font><b><font>17)</font></b><font> Os AA. limpam, cultivam, semeiam e colhem frutos de toda a área do prédio supra referido em 1) – (</font><i><u><font>resposta ao quesito 4º</font></u></i><font>).</font>
</p><p><font> </font><b><font>18)</font></b><font> Há mais de 30 (trinta) anos (</font><i><u><font>resposta ao quesito 5º</font></u></i><font>).</font>
</p><p><font> </font><b><font>19)</font></b><font> De forma contínua (</font><i><u><font>resposta ao quesito 6º</font></u></i><font>).</font>
</p><p><font> </font><b><font>20)</font></b><font> À vista de toda a gente (</font><i><u><font>resposta ao quesito 7º</font></u></i><font>).</font>
</p><p><font> </font><b><font>21)</font></b><font> Sem oposição de qualquer pessoa (</font><i><u><font>resposta ao quesito 8º</font></u></i><font>).</font>
</p><p><font> </font><b><font>22)</font></b><font> Na convicção de serem seus donos (</font><i><u><font>resposta ao quesito 9º</font></u></i><font>).</font>
</p><p><font> </font><b><font>23)</font></b><font> Na data referida em 9) o prédio referido em 2) não confinava com via pública (</font><i><u><font>resposta ao quesito 10º</font></u></i><font>).</font>
</p><p><font> </font><b><font>24)</font></b><font> E não tinha qualquer ligação à via pública (</font><i><u><font>resposta ao quesito 11º</font></u></i><font>).</font>
</p><p><font> </font><b><font>25)</font></b><font> A Ré pagou esc. 200$00 (duzentos escudos) aos Autores pelo acordo supra referido em 9) – (</font><i><u><font>resposta ao quesito 12º</font></u></i><font>).</font>
</p><p><font> </font><b><font>26)</font></b><font> Do portão referido em 11) até à casa do prédio referido em 2) distam cerca de 93 (noventa e três) metros (</font><i><u><font>resposta ao quesito 13º</font></u></i><font>) – </font><i><font>Facto alterado pelo Tribunal da Relação.</font></i>
</p><p><font> </font><b><font>27)</font></b><font> Do portão referido em 11) e até ... distam cerca de 1.550 (mil, quinhentos e cinquenta) metros (</font><i><u><font>resposta ao quesito 14º</font></u></i><font>).</font>
</p><p><font> </font><b><font>28)</font></b><font> Do prédio referido em 2) até ..., e através da faixa de terreno referido em 10) é necessário percorrer cerca de 550 (quinhentos e cinquenta) metros (</font><i><u><font>resposta ao quesito 15º</font></u></i><font>).</font>
</p><p><font> </font><b><font>29)</font></b><font> E atravessar uma passagem de nível (</font><i><u><font>resposta ao quesito 16º</font></u></i><font>).</font>
</p><p><font> </font><b><font>30)</font></b><font> A faixa de terreno supra referida em 10) diminui a área útil do prédio supra referido em 1) em 190,53 m.</font><sup><font>2</font></sup><font> (</font><i><u><font>resposta ao quesito 17º</font></u></i><font>).</font>
</p><p><font> </font><b><font>31)</font></b><font> Hoje, a Ré e terceiros caminham através da faixa de terreno referida em 10) para chegar à casa do prédio referido em 2) – (</font><i><u><font>resposta ao quesito 18º</font></u></i><font>).</font>
</p><p><font> </font><b><font>32)</font></b><font> Na faixa de terreno referida em 10) o Autor plantou árvores (</font><i><u><font>resposta ao quesito 19º</font></u></i><font>).</font>
</p><p><font> </font><b><font>33)</font></b><font> Depositou pedras (</font><i><u><font>resposta ao quesito 20º</font></u></i><font>).</font>
</p><p><font> </font><b><font>34)</font></b><font> E deixou um automóvel (</font><i><u><font>resposta ao quesito 21º</font></u></i><font>).</font>
</p><p><font> </font><b><font>35)</font></b><font> Foi colocado um contador de água na faixa de terreno supra referida em 10) – (</font><i><u><font>resposta ao quesito 22º</font></u></i><font>).</font>
</p><p><font> </font><b><font>36)</font></b><font> Como consequência, a faixa de terreno referida em 10) tem zonas com menos de 6 (seis) metros de largura (</font><i><u><font>resposta ao quesito 23º</font></u></i><font>).</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font><b><font>III – Fundamentação de direito</font></b>
</p><p><b><font> </font></b>
</p><p><b><font> </font></b>
</p><p><b><font> </font></b><font>I – </font><i><font>Nulidade do acórdão recorrido</font></i>
</p><p><i><font> </font></i>
</p><p><i><font> </font></i><font> Alega a Recorrente que o acórdão recorrido padece de nulidade por falta de fundamentação de facto e de direito, e por obscuridade ou ininteligibilidade, nos termos, respectivamente das alíneas b) e c) do n.º 1 do art. 615.º do CPC.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font><b><font>1.1</font></b><font> Entende a Recorrente que o acórdão recorrido não menciona factos que permitam concluir pela «desnecessidade» da servidão e que é ao requerente da extinção da servidão que compete a prova dos elementos indispensáveis ao juízo da desnecessidade e da proporcionalidade nos termos do art. 342.º, n.º 1 do CC.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> Contudo, como a recorrente reconhece, o acórdão recorrido fundamentou a sua decisão de declarar a extinção da servidão por desnecessidade, no facto superveniente ao acordo celebrado em 1975 de o prédio dominante ter deixado de estar na situação de prédio encravado por ter sido aberto um caminho público que permite o acesso a ... e no facto de a maior distância a percorrer no novo caminho não ser um elemento relevante para aferir da necessidade ou desnecessidade da servidão.</font>
</p><p><font> O acórdão recorrido fundamentou a decisão neste facto e num juízo de proporcionalidade, entendendo que a circunstância de a ré ter de percorrer uma distância maior no novo caminho não justifica a necessidade da servidão e que a distância não é um factor previsto na lei para aferir da necessidade ou desnecessidade da servidão.</font>
</p><p><font> Pode não se concordar com esta conclusão do acórdão recorrido, mas é em sede do mérito do recurso que a questão deverá ser apreciada, não em sede de nulidade do acórdão recorrido.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Em consequência, as questões colocadas a propósito do pedido de nulidade entram já no mérito do recurso e não consubstanciam qualquer falta de fundamentação de facto e de direito do acórdão recorrido, que elencou os factos e as razões de direito em que baseou a decisão.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> Sendo assim, improcedem as conclusões n.º 1, n.º 2 e n.º 5 da alegação de recurso da recorrente.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font><b><font>1.2.</font></b><font> Prossegue a recorrente, alegando que a análise dos documentos autênticos juntos aos autos, os quais constituem prova vinculada, nos termos do art. 371.º, n.º 1 do CC, permite concluir que o prédio dos autores e o prédio da ré foram desanexados e faziam parte do mesmo prédio descrito na Conservatória do Registo Predial da Golegã sob o número ..., e que da matéria de facto consta um erro quando se afirma que o prédio pertencente à Ré foi desanexado do prédio dos autores, enquanto nas alíneas G,H e I da matéria de facto assente se afirma que os prédios faziam todos parte da descrição n.º ... da Conservatória do Registo Predial da Golegã. </font>
</p><p><font> Em conformidade, entende a recorrida que a servidão discutida nos autos é uma servidão por destinação do pai de família, que resultou da separação jurídica de dois prédios do mesmo proprietário ou de duas fracções do mesmo prédio.</font>
</p><p><font> Relativamente ao alegado erro da alínea C da especificação, onde consta que o prédio da ré foi desanexado do prédio dos autores, quando resulta dos documentos autênticos junto aos autos que os dois prédios, serviente e dominante, foram desanexados do mesmo prédio, não se trata de um erro, pois ambos os factos são compatíveis e não entram em contradição como alega a ré. </font>
</p><p><font>O que a ré pretende é retirar dos factos 7 e 8, correspondentes às alíneas G e H, que afinal a servidão discutida nos autos é uma servidão por destinação do pai de família. Contudo, esta questão não pode ser tida em conta na decisão, como esclareceu o acórdão recorrido, pois os factos constitutivos desta modalidade de servidão não foram alegados, pela ré, nem na contestação nem na reconvenção, onde se pediu apenas a manutenção da servidão por não estarem preenchidos os requisitos da desnecessidade, mas se aceitou que o facto constitutivo da servidão tinha sido um contrato. </font>
</p><p><font>Sendo assim, a invocação destes factos e um novo pedido assente nos requisitos de uma outra espécie de servidão constituem uma questão nova, que este Supremo Tribunal não pode conhecer.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> Concluímos, portanto, que não se verifica qualquer obscuridade ou ambiguidade que torne o acórdão recorrido ininteligível, nos termos exigidos pelo art. 615.º, n.º 1, al. c) do CPC.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Pelo que improcedem as conclusões n.º 3 e n.º 5 da alegação de recurso da recorrente.</font>
</p><p><i><font> </font></i>
</p><p><b><font> </font></b>
</p><p><b><font> </font></b><font>II –</font><i><font> Extinção da servidão por desnecessidade</font></i>
</p><p><b><font> </font></b>
</p><p><b><font>1.</font></b><font> No caso concreto, está em causa uma servidão de passagem, constituída por contrato em Março de 1975, correspondente a uma situação de facto em que o prédio dominante, que veio a beneficiar da servidão, se encontrava encravado, sem nenhum acesso à via pública. Ou seja, o prédio dominante, caso o dono do prédio serviente não aceitasse celebrar o contrato que deu origem à servidão, estava na situação de prédio encravado, susceptível de criar, por força da lei, na esfera jurídica do dono do prédio dominante, um direito potestativo constitutivo cujo exercício, pelo dono do prédio encravado, se processa de forma independente da vontade do dono do prédio serviente, dando origem, por sentença judicial, a um direito real de servidão de passagem (art. 1550.º). </font>
</p><p><b><font> </font></b><font>O facto de, no caso concreto, a servidão ter sido constituída por contrato, não afasta a sua natureza legal, uma vez que o prédio dominante se encontrava na situação de facto de prédio encravado. Com efeito, a doutrina tem admitido que estão abrangidas pelo n.º 3 do art. 1569.º, não só as servidões legais constituídas por via judicial, mas também aquelas que foram concertadas entre as partes, pois também nestas, há uma constituição coerciva do encargo</font><a><u><font>[1]</font></u></a><font>.</font>
</p><p><font>No mesmo sentido, afirma Oliveira Ascensão</font><a><u><font>[2]</font></u></a><font> que «servidão coactiva não é a que foi coactivamente imposta, mas a que o poderia ter sido. Isto resulta logo da expressão do art. 1547.º, n.º 2: “As servidões legais, na falta de constituição voluntária …”. Se as partes, por contrato, por exemplo, regularem a sua situação, o legislador não deixa de considerar existente uma servidão legal.</font>
</p><p><font>Este princípio tem a sua comprovação no art. 1569.º, n.º 3, que dispõe a extinção por desnecessidade das servidões legais, “qualquer que tenha sido o título da sua constituição”. Com isto se quer dizer que, verificando-se os pressupostos que permitem impor uma servidão legal, a servidão que se constituir se deve sempre considerar legal, mesmo que não tenha sido coactivamente actuada». </font>
</p><p><font>A servidão coactiva é verdadeira servidão e distingue-se das outras por ter como pressuposto de facto uma situação de vizinhança predial que permitiria a imposição de uma servidão.</font>
</p><p><font>A servidão é um encargo, que recai sobre um prédio e aproveita exclusivamente a outro prédio, devendo os prédios pertencer a donos diferentes (art. 1543.º).</font>
</p><p><font>A servidão é, assim, uma limitação ao direito de propriedade do prédio onerado, ou um direito real limitado, que incide sobre quaisquer utilidades, ainda que futuras ou eventuais, susceptíveis de ser gozadas por intermédio do prédio dominante, mesmo que não aumentem o seu valor (art. 1544.º). </font>
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</p><p><font>A existência de ónus ou direitos reais menores sobre imóveis impede o proprietário de gozar as faculdades inerentes à propriedade plena, constituindo uma limitação ou compressão do conteúdo do direito de propriedade, que a lei deseja que cesse logo que desaparecem os factos que fundamentaram a constituição do direito, cuja fonte pode ser a lei, o contrato, a usucapião ou a destinação do pai de família (art. 1547.º, n.º 1). As servidões legais, na falta de constituição voluntária, podem ser constituídas por sentença judicial ou por decisão administrativa, conforme os casos (art. 1547, n.º 2).</font>
</p><p><font> O objectivo da lei é o de reunir numa mesma pessoa as faculdades que, contidas no direito de propriedade plena, se encontravam repartidas entre diversos titulares, pois a situação de divisão comporta, com frequência, um aumento dos conflitos.</font>
</p><p><font> Contudo, a lei também admite uma função social da propriedade nas relações de vizinhança, pelo que há que proceder a uma ponderação de valores no juízo de desnecessidade, que só opera quando o dono do prédio serviente demonstre a perda de qualquer utilidade, não bastando a diminuição das utilidades proporcionadas pela servidão.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>As servidões constituídas por usucapião e as servidões legais extinguem-se por desnecessidade (art. 1569.º, n.ºs 2 e 3). </font>
</p><p><font>A desnecessidade não opera automaticamente a extinção da servidão, tornando-se necessária uma decisão judicial, que, no caso</font><i><font> sub judice,</font></i><font> foi intentada pelos proprietários do prédio referido em 1), prédio serviente, contra a proprietária do prédio referido em 2), o prédio dominante.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font>2.</font></b><font> Invocaram os autores-recorridos, agora recorridos, que à data da constituição da servidão o prédio da ré estava completamente encravado, sem qualquer acesso à via pública, mas que entretanto, a situação de facto alterou-se e o prédio dominante tem acesso à via pública, por força da abertura de um arruamento alcatroado, e dispõe de um portão com 2,90 metros de largura dotado de uma rampa para entrada e saída de viaturas.</font>
</p><p><font> Por sua vez a ré-recorrente invoca que o novo caminho implica que tenha de andar a pé mais um kilómetro para se deslocar à sede do concelho (...) e mais outro para regressar, enquanto no caminho através do prédio serviente tem apenas de percorrer uma distância de 550 m para chegar a ..., pelo que defende que continua a servidão a manter utilidade.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> O tribunal de 1.ª instância decidiu que o facto de a distância a percorrer no novo caminho ser superior ao que a ré tem de percorrer no caminho correspondente à servidão justifica a manutenção da servidão por esta continuar a ter utilidade, não estando assim preenchido o conceito de desnecessidade objectiva.</font>
</p><p><font>O acórdão recorrido entende, em sentido diverso, que a sentença de 1.ª instância atribuiu à distância da casa da ré em relação à sede do concelho um peso que este argumento não | [0 0 0 ... 0 0 0] |
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